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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
CAMPUS DE MARILIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
MATEUS ALVARENGA SANCHES
A CUT E A REFORMA SINDICAL DO FÓRUM
NACIONAL DO TRABALHO: POSIÇÕES E DIVERGÊNCIAS
MARÍLIA
2008
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MATEUS ALVARENGA SANCHES
A CUT E A REFORMA SINDICAL DO FÓRUM
NACIONAL DO TRABALHO: POSIÇÕES E DIVERGÊNCIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual
Paulista UNESP - Campus de Marília, para a
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais
(Área de Concentração: Ciências Sociais).
Orientador: Prof. Dr. Giovanni Alves.
MARÍLIA
2008
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MATEUS ALVARENGA SANCHES
A CUT E A REFORMA SINDICAL DO FÓRUM
NACIONAL DO TRABALHO: POSIÇÕES E DIVERGÊNCIAS
DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
EM CIÊNCIAS SOCIAIS
COMISSÃO JULGADORA
_________________________________________________________
PROF. DR. GIOVANNI ANTONIO PINTO ALVES (ORIENTADOR)
___________________________________________________________________
PROF. DR. ARIOVALDO SANTOS
___________________________________________________________________
PROF. DR. GERALDO POKER
Marília, 28 de fevereiro de 2008.
4
AGRADECIMENTOS:
Gostaria aqui de tecer meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma
forma contribuíram para a realização deste trabalho.
Em primeiro lugar gostaria de agradecer à minha família pela compreensão e pela
paciência, apoiando e incentivando incondicionalmente, apesar de todas as vicissitudes. À
minha mãe, pessoa maravilhosa, pelo apoio moral, pelo carinho, pelas palavras de conforto.
Quantas vezes, desanimado busquei consolo em teu colo, colo doce, colo de mãe. À meu pai,
pessoa batalhadora que, sem dúvida nenhuma, sempre acreditou em mim. À meu irmão, uma
das pessoas mais corretas que conheci em toda minha vida, muito obrigado. À minha avó:
todo dia exatamente às 10:00 da manhã ela abria a porta do meu quarto e com um simples
copo de água me trazia de volta a esperança de lutar por uma vida melhor. À meu avô, a
pessoa que mais me incentivou em meus estudos. Sinceramente não consigo expressar minha
gratidão apenas por palavras: sem o senhor jamais teria completado esse trabalho.
À minha namorada, pelos incentivos, pela confiança, pelo carinho, pela fé que depositou
em mim. Certamente não teria completado essa etapa da minha vida sem a sua ajuda.
Agradeço por estar ao meu lado. Você a cada dia se torna mais especial para mim.
Ao meu orientador Giovanni por todos esses anos, pela paciência, pela compreensão e
pela liberdade que sempre me deu para realizar os estudos. Ao professor Corsi, pelas dicas,
pela força, pela disponibilidade e pela atenção. Ao professor Ariovaldo, pelas críticas e
sugestões, contribuindo decisivamente para a realização deste trabalho.
Aos meus amigos Danilo, Igor, Rogério, Fernando, Marcelo (Ier), Leonardo, pelos
conselhos, pelas brincadeiras, pelos simples fato de estarem ao meu lado. Em especial,
agradeço ao meu amigo (irmão) Rogério, por tudo o que tem feito, a você dedico todo meu
agradecimento. A todos, meu sincero obrigado.
5
RESUMO
A história da CUT conheceu seu mais recente capítulo com a vitória eleitoral da candidatura
Lula em 2002. Esse segmento do movimento sindical brasileiro sempre esteve acostumado a
relacionar-se com sucessivos governos que o apresentavam vínculos com setores do
sindicalismo. Logo que assumiu o governo, Lula organizou um Fórum onde seriam discutidas
reformas que iriam indicar o futuro da organização sindical no país. Este trabalho se propôs
analisar as posições da CUT no processo de implementação da Reforma Sindical elaborada a
partir das discussões realizadas no Fórum Nacional do Trabalho (2003-2004). Procurou-se
investigar os conflitos que ganharam expressão dentro da CUT a partir dos debates sobre
alteração na organização e estrutura sindical, financiamento dos sindicatos, direito de greve e
legislação trabalhista.
PALAVRAS-CHAVE: Sindicalismo. Trabalho. Direito de greve. Legislação trabalhista.
6
ABSTRACT
The history of the CUT knows his more recent capituly with the electoral vitory Lula’s
candidature in 2002. This segment of the brazilian trad unionism always relationship with
successive government that don’t presents link with sectores of the trad unionism.
Immediately strike on pose, Lula organized on Forum where would talk over reforms that
would indicate the future of the trad unionism in the country. This work had as proposition
analyse the positions of the CUT over process from sophistication trad unionism’s reform
create of the discussions realiseds in Work’s National Forum (2003-2004). Look for check up
the conflits that makes expression inside of the CUT with the debates alteration in the trad
unionism’s structure and organization, sindicate’s finance, straight of the strike and labor
legislation.
KEYWORDS: Trad unionism. Work. Strait of the strike. Labor legislation.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO____________________________________________________________8
CAPÍTULO 1 A APREENSÃO DA REALIDADE DO TRABALHO E DA
DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE CLASSE NO BRASIL A PARTIR DAS TEORIAS
CORPORATIVAS E NEOCORPORATIVAS _________________________________ 13
1.1 CORPORATIVISMO: UM CONCEITO EM DESUSO?_________________________13
1.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: CONTINUIDADES E MUDANÇAS_______________20
1.3 FIM DO CORPORATIVISMO?___________________________________________ 25
1.4 CORPORATIVISMO ESTATAL VERSUS CORPORATIVISMO SOCIETAL______ 28
1.5 AS CÂMARAS SETORIAIS NO BRASIL: O FIM DO VELHO
CORPORATIVISMO______________________________________________________ 33
1.6 UM NOVO INSULAMENTO CORPORATIVO______________________________ 36
1.7 O DEBATE ACADÊMICO________________________________________________38
CAPÍTULO 2 - O GOVERNO LULA E A PROPOSTA DE REFORMA DO FÓRUM
NACIONAL DO TRABALHO ______________________________________________ 42
2.1 VARGAS E A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA SINDICAL CORPORATIVA____42
2.2 ALGUMAS TENTATIVAS DE REFORMA AO LONGO DA DÉCADA DE 1990___ 47
2.3 O GOVERNO LULA E A CRIAÇÃO DO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO___50
2.4 DIAGNÓSTICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO__________________________ 53
2.5 A PROPOSTA DE REFORMA SINDICAL DO FNT E A CONVENÇÃO 87 DA
OIT_____________________________________________________________________ 55
2.6 UNICIDADE E PLURALISMO SINDICAL RESTRITO_______________________ 61
2.7 A “REPRESENTATIVIDADE” DOS SINDICATOS___________________________ 66
2.8 A EXCESSIVA CONCENTRAÇÃO DE PODERES NAS CENTRAIS SINDICAIS _ 69
2.9 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS E DIREITO DE GREVE_______________________ 73
8
CAPÍTULO 3 – AS MUDANÇAS ANUNCIADAS PELO FÓRUM NACIONAL DO
TRABALHO E AS POSIÇÕES ASSUMIDAS PELA CUT ______________________ 77
3.1 CUT: A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO _______________________________ 77
3.1.1 O NASCIMENTO DA CUT E A ESTRUTURA SINDICAL___________________ 77
3.1.2 A DISTÂNCIA ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA
CUTISTA________________________________________________________________ 79
3.1.3 AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO E A PERMANÊNCIA
DO CORPORATIVISMO NO PAÍS___________________________________________83
3.1.4 A CRIAÇÃO DE SINDICATOS POR RAMO DE ATIVIDADE ECONÔMICA___ 86
3.1.5 A QUESTÃO DO SINDICATO ORGÂNICO_______________________________88
3.1.6 A PROPOSTA DE INSTITUIR UM “SISTEMA DEMOCRÁTICO DE RELAÇÕES
DE TRABALHO” NO PAÍS E A LIBERAÇÃO DO PROCESSO DE NEGOCIAÇAO
COLETIVA______________________________________________________________ 92
3.1.7 O VERDADEIRO SENTIDO DO MODELO PROPOSTO PELA CUT__________ 94
3.2 AS POSIÇÕES ASSUMIDAS PELA CUT NO FÓRUM NACIONAL DO
TRABALHO E O ACIRRAMENTO DAS DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS EM SEU
INTERIOR _____________________________________________________________ 98
3.2.1.A LEGISLAÇÃO SINDICAL E TRABALHISTA: UM CONJUNTO ARTICULADO
E SISTÊMICO?___________________________________________________________
98
3.2.2 A CUT NO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO________________________ 101
3.2.3 O RETORNO A UM NOVO ECONOMICISMO___________________________ 103
3.2.4 UMA REFORMA POSSÍVEL DA ESTRUTURA SINDICAL________________ 109
3.2.5 A CORRENTE SINDICAL CLASSISTA E O ACIRRAMENTO DAS
DIVERGÊNCIAS NO INTERIOR DA CUT____________________________________ 112
3.2.6 O AUGE DAS DIVERGÊNCIAS E A DIVISÃO DA CUT___________________ 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________________ 123
BIBLIOGRAFIA_________________________________________________________128
INTRODUÇÃO
9
Nos últimos trinta anos, estudiosos europeus têm discutido a crise do sindicalismo e, no
caso do Brasil, pelos menos desde a década de 1990, a partir da ofensiva neoliberal, começou-
se a falar em crise do movimento sindical. Decorrente do processo de reestruturação do
capitalismo, essa crise, de certa forma, reduziu o espaço de atuação dos sindicatos, o que o
significa que os tenha eliminado definitivamente
1
. O momento é de grandes dificuldades e
demanda novas formas de organização sindical e de um novo posicionamento político-
ideológico dos sindicatos
2
.
A inserção do Brasil nesta nova fase de estruturação do capitalismo mundial se deu a
partir dos anos 1990, com a vitória da frente neoliberal no país. Começava um período muito
difícil para o movimento sindical brasileiro, com o aumento do desemprego, a desaceleração
da economia e um novo ciclo de desenvolvimento do capital que passa a se valorizar,
principalmente, através da esfera financeira. No bojo desse processo, o discurso neoliberal
colocava que, para a superação da crise do sindicalismo e para a criação de novos empregos,
era necessário flexibilizar as leis trabalhistas de forma a adequá-las ao novo contexto de
desenvolvimento do capitalismo, pois a emergência da acumulação flexível do capital exigia
maior flexibilidade na contratação e no uso da força de trabalho.
Ao longo da década de 1990, principalmente, a partir de 1994 com o governo Fernando
Henrique, juntamente com a reformulação do Estado brasileiro, iniciou-se, assim, um amplo
processo de flexibilização das leis trabalhistas. Como destaca Krein (2003 p.280), por meio de
inúmeras medidas pontuais, especialmente, a partir do plano real em 1994, foram sendo
construídas as condições legais para uma maior flexibilização do mercado de trabalho
brasileiro. Segundo o autor, trata-se de um processo que aprofunda a flexibilização de um
mercado de trabalho que apresenta traços bastante flexíveis, indicando que, mesmo sendo
desenvolvido por meio de medidas pontuais, estas apresentam uma coerência na perspectiva
de redesenhar o sistema de trabalho vigente no país.
Nesse contexto de reestruturação econômica e produtiva, o conceito de flexibilidade,
segundo Forrester (1996), que poderia soar como algo agradável, na verdade, para os
trabalhadores, torna-se qualquer coisa feroz, inflexível, sinônimo de livre demissão. Em
outros termos, na prática, a flexibilização representa sinônimo de aumento da precarização do
trabalho.
1
A tese de que o sindicalismo teria entrado numa fase de declínio irreversível foi desenvolvida no Brasil por
Rodrigues (1999).
2
Conforme destaca Alves (2004 p.53-54), mais do que índices de sindicalização e de greves, o que, na verdade,
indica os sinais de vitalidade do sindicalismo é o conteúdo de seu posicionamento político-ideológico, ou seja,
sua teleologia política.
10
Esse novo arcabouço institucional que foi sendo construído no Brasil, principalmente, a
partir de 1994, contribuiu para alterar a forma de contratação e a determinação do uso do
tempo e da remuneração do trabalho, fornecendo às empresas uma maior flexibilidade para
empregar, despedir e ajustar a organização do trabalho de acordo com suas necessidades,
tendo como parâmetro o novo contexto de internacionalização do capital. Trabalho
temporário, trabalho parcial, trabalho terceirizado, trabalho em domicilio, trabalho
“multifuncional” (e degradante), enfim, são algumas das novas formas de trabalho que
emergem no Brasil a partir dos anos 1990.
Todavia, convém ressaltar que, se, por um lado, os governos neoliberais foram
implacáveis na flexibilização das leis trabalhistas, por outro lado, a estrutura sindical
corporativa, não obstante ter passado por rápidas tentativas de reforma (durante o governo
Collor e o governo FHC), permaneceu praticamente intocada. Isso mostra como seria ingênuo
tomar ao da letra o discurso neoliberal contra todo intervencionismo estatal nas relações
capital/trabalho. O discurso neoliberal é antiesdista apenas naquilo que lhe convêm, pois
enquanto denunciam a formas de intervenção do Estado (através de leis que enrijeceriam o
mercado de trabalho), utilizam-se da estatização do sindicalismo para subordinar o
movimento sindical e impedir a constituição de um sindicalismo autêntico e revolucionário,
pondo em questão a própria dominação burguesa da sociedade e os fundamentos estruturais
do capitalismo. Conforme destaca Boito Jr (2002 p. 81), a despeito do discurso contra o
intervencionismo em geral, os governos neoliberais sabem, na prática, diferenciar, muito bem,
a intervenção do Estado que limita a exploração capitalista, ou seja, os direitos sociais que
criticam e combatem, da intervenção do Estado que limita e tutela a organização dos
trabalhadores, isto é, a estrutura sindical, que aceitam e que procuraram preservar.
A vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, novamente, reacendeu as
esperanças de reformas profundas no sindicalismo brasileiro. Era a primeira vez no Brasil que
assumia a presidência um governo oriundo das classes populares, notadamente de setores do
movimento sindical. Logo no início de seu governo, Lula organizou um Fórum tripartite para
discutir e implementar uma nova legislação trabalhista para o país. Ao contrário do governo
FHC, principalmente por pressões de vários setores do sindicalismo, a reforma da estrutura
sindical foi posta em primeiro plano. Segundo o governo, a reforma sindical abriria caminho
para o fortalecimento dos sindicatos para uma posterior reforma da legislação trabalhista
(defendida ferrenhamente pelos setores empresariais)
3
. Diante de um cenário de forte ofensiva
3
Todavia, alguns setores de esquerda passaram a criticar essa inversão de pauta (isto é, a realização da reforma
sindical antes da trabalhista), como uma preparação de terreno para a flexibilização das leis do trabalho, na
11
sobre os trabalhadores, a elaboração de um Fórum de negociações para que fossem discutidas
reformas que, como informavam representantes do governo, iriam fortalecer os sindicatos e
torná-los mais representativos soava, no mínimo, como um grande avanço.
Embora não tenha conquistado apoio absoluto dentro do sindicalismo brasileiro, a
convocação do governo Lula para as discussões que seriam realizadas no âmbito do Fórum
Nacional do Trabalho contou com a presença de setores importantes do movimento sindical,
notadamente da Central Única dos Trabalhadores. Em sintonia com as expectativas geradas
pelo governo Lula, a CUT, desde o princípio, optou por participar ativamente das discussões
no FNT, mesmo porque tratava-se de um presidente oriundo das classes trabalhadoras e que
apresentava um importante vínculo com setores do sindicalismo cutista.
Indubitavelmente, a história do “novo sindicalismo” e, principalmente, da Central Única
dos Trabalhadores conheceu seu mais recente capítulo com a vitória eleitoral da candidatura
Lula em 2002. Esse segmento do movimento sindical brasileiro sempre esteve acostumado a
relacionar-se com sucessivos governos que, de certa forma, não apresentavam vínculos com
setores do sindicalismo. Como se portaria a CUT diante de uma situação inédita de ter que se
relacionar com um governo eleito com o apoio de importantes segmentos do movimento
sindical e que apresenta vínculos importantes com o sindicalismo-CUT? Em seu VIII
CONCUT (Congresso Nacional da CUT) aprovado em junho de 2003, a Central chega a
afirmar que o novo momento histórico, com a vitória de Lula para presidente iria exigir uma
estratégia de atuação sindical diferente daquela utilizada com os governos anteriores, pois a
vitória de Lula teria representado uma importante vitória do campo popular contra a
hegemonia do neoliberalismo no país:
A vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 marca um novo e promissor
período histórico na política brasileira, após mais de uma década de governos
neoliberais que impingiram fortes derrotas ao sindicalismo combativo, através de
privatizações, retirada de direitos trabalhistas e sociais, entre outras medidas.
A
estratégia da CUT, portanto, não pode ser a mesma utilizada nos governos
anteriores.
É possível afirmar que esta vitória tem uma dimensão histórico-
universal. Em todo o período republicano, nunca o Brasil foi dirigido por forçaso
nitidamente identificadas com as lutas populares. Além desta dimensão histórica, a
vitória tem alcance mundial, com profundos reflexos, em especial, no continente
latino-americano. É a primeira vez que o projeto neoliberal, hegemônico a mais de
20 anos, sofre um revés num país de dimensão continental e peso na economia
(CUT, 2003 p.11). [grifos nossos].
medida em que a reforma sindical teria a intenção de fortalecer as entidades de cúpula do movimento operário
(principalmente Centrais Sindicais), pois estas entidades seriam mais propensas a negociarem direitos, passando
por cima dos sindicatos de base, mais propensos a resistir. Galvão (2004 p.63) vai criticar essa idéia afirmando
que não é possível identificar uma seqüência necessária e inexorável entre a reforma sindical e trabalhista, ou
vice e versa. Segundo a autora, é possível desregulamentar sem mexer na organização sindical, como fez FHC,
assim como é possível fazer a reforma sindical sem obrigatoriamente desregulamentar as leis trabalhistas, como
o governo Lula pode vir a fazer. Essa discussão é tratada no capítulo III.
12
O objetivo deste trabalho é, portanto, se debruçar sobre este novo capítulo histórico do
sindicalismo-CUT, aberto com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002.
Especificamente, o que se propõe é analisar as posições da CUT no processo de
implementação da Reforma Sindical elaborada a partir das discussões realizadas no Fórum
Nacional do Trabalho (2003-2004). É do nosso interesse investigar também os conflitos que
ganharam expressão dentro da CUT a partir dos debates sobre alteração na organização e
estrutura sindical, financiamento dos sindicatos, direito de greve e legislação trabalhista.
Para uma melhor apreensão do objeto aqui estudado, o trabalho foi dividido em três
dimensões que, embora distintas, se relacionam intimamente. O primeiro capítulo traz à luz o
debate sobre as teorias que se propuseram a analisar a realidade do trabalho e da dinâmica das
relações de classe no Brasil a partir dos conceitos de corporativismo e neocorporativismo. Na
primeira metade da década de 1990, com o surgimento das câmaras setoriais, vários estudos
têm apontado o aparecimento de uma nova modalidade de corporativismo no país. As
novidades introduzidas por esse arranjo institucional teriam a capacidade de romper com o
corporativismo estatal, democratizando as relações de trabalho e ampliando a participação dos
trabalhadores no processo decisório. Nesta perspectiva, estaríamos vivenciando um processo
de rearranjo do corporativismo no Brasil, cuja tendência mais clara indicaria a expansão de
um novo tipo de corporativismo de cariz societal. No entanto, conforme veremos, as câmaras
setoriais operaram uma divisão dentro do sindicalismo brasileiro, com a introdução de uma
nova modalidade de corporativismo nos setores mais organizados dos trabalhadores e o
reforço do “velho” corporativismo estatal naqueles segmentos com maiores dificuldades de se
fazerem representar sem a tutela do Estado e, portanto, participarem da formulação de
políticas públicas. As inovações instituídas com as câmaras setoriais não foram capazes de
romper com a “velha” estrutura sindical corporativa, que, em grande medida, ainda se
mantém, apesar de todas as transformações vivenciadas pela sociedade brasileira.
O conceito de corporativismo (entendido como forma de representação e intermediação
de interesses), marcou profundamente a bibliografia brasileira. Nos últimos anos, porém,
decorrente das transformações sofridas pelo sindicalismo, este conceito tem sido criticado por
alguns autores, que chegam a afirmar que um padrão pluralista de representação de interesses
estaria se consolidando no país. Outros autores têm apontado o caráter híbrido do novo
modelo de organização sindical, não descartando completamente o conceito de
corporativismo. A tese aqui defendida é que o conceito de corporativismo, como modo de
representação de interesses e método de dominação de classe, não deve ser abandonado
13
enquanto os pilares em que a estrutura sindical corporativa se assenta não forem
completamente rompidos.
No segundo capítulo foi feita uma análise do texto de reforma sindical elaborado pelas
discussões que foram realizadas no Fórum Nacional do Trabalho. Este capítulo traz os
resultados da análise documental, feita a partir dos textos publicados no fórum de negociações
organizado pelo governo Lula. Ao contrário do que foi dito logo no início das atividades do
Fórum, a proposta elaborada não rompe com os pilares fundamentais da estrutura sindical
corporativa. Tanto o monopólio da representação sindical quanto as contribuições sindicais
obrigatórias (agora substituídas por uma única contribuição sindical, também compulsória e
descontada em folha de pagamento de todos os trabalhadores), não foram eliminados. A saída
buscada no âmbito do Fórum tenta conciliar unicidade com pluralismo sindical restrito. Na
verdade, operou-se uma espécie de meio termo entre unicidade concorrencial (pois mesmo os
sindicatos com exclusividade de representação teriam que provar sua “representatividade”),
com um regime de pluralismo sindical restrito, baseado no critério do (s) sindicato (s) mais
“representativo” (s) (os sindicatos criados a partir da aprovação da nova lei ficariam
submetidos e esse regime). A hipótese levantada é que, para colocar em prática tal engenharia
institucional, ensejará uma ampla intervenção do Estado que terá a complicada missão de ter
que fiscalizar, permanentemente, as entidades sindicais sobre disputas que envolvam a
aferição dos rígidos critérios de representatividade” instituídos pelo Fórum Nacional do
Trabalho.
Finalmente no terceiro capítulo, foi feita uma análise acerca das posições da CUT no
processo de implementação da reforma sindical durante os trabalhos do Fórum. Neste capítulo
procuramos não apenas traçar um quadro histórico para evidenciar como a CUT se
posicionou, ao longo de seus Congressos, em relação às perspectivas de mudanças na
estrutura sindical corporativa, mas também como a instituição foi construindo,
paulatinamente, seu modelo de organização sindical. Para tentar compreender a dinâmica dos
debates que ocorrem em seu interior, foi feito também um balanço acerca das principais
disputas políticas que ganharam força dentro da CUT a partir das mudanças na estrutura
sindical anunciadas pelo Fórum Nacional do Trabalho (2003-2004).
CAPÍTULO 1 – A APREENSÃO DA REALIDADE DO TRABALHO E DA
DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE CLASSE NO BRASIL A PARTIR DAS TEORIAS
CORPORATIVAS E NEOCORPORATIVAS
14
1.1 CORPORATIVISMO: UM CONCEITO EM DESUSO?
Dentro da literatura sobre sindicalismo no Brasil, autores como Boito Jr (1991a; 1991b;
2002) m apontado a estrutura corporativa de Estado como um dos principais limites do
movimento sindical no país, obstaculizando o desenvolvimento de uma consciência de classe
e dificultando a organização autônoma dos trabalhadores. Assim, o autor aponta a
longevidade dessa estrutura, constituída a partir dos anos 1930 e que, não obstante as
transformações vivenciadas pela sociedade brasileira, os seus pilares ainda continuariam em
pé. Conforme destaca, a estrutura sindical corporativa teria sobrevivido a mudanças políticas
e econômicas que, pelo menos à primeira vista, poderiam colocá-la em risco:
Criada pela Revolução de 1930, pela Lei de Sindicalização de março de 1931, e
consolidada em 1943 quando a ditadura do Estado Novo editou a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), a estrutura sindical sobreviveu ao fim do Estado Novo em
1945. [...] Em 1964, com o golpe de estado que pôs fim ao ciclo de governos
populistas, chegou-se a pensar que a estrutura sindical acabaria junto com o
populismo. [...] Com o ressurgimento do movimento sindical de massa em 1978, o
sistema autoritário de tutela
4
sobre os sindicatos oficiais, implantado pelos
militares, entrou em crise. Muitos observadores e estudiosos viram, erroneamente,
nessa crise, a crise da própria estrutura sindical. Bastou, contudo, uma reforma
dessa estrutura para que ela sobrevivesse. [...] Já os governos de Fernando Collor de
Mello e Fernando Henrique Cardoso, embora não tenham alterado o regime político
vigente, propiciaram transformações importantes na política econômica social do
Estado brasileiro. Essas transformações apresentam uma série de características
que, à primeira vista, poderiam comprometer a sobrevivência da estrutura sindical.
[...] Porém, a estrutura sindical corporativa de Estado continua em pé, revelando,
uma vez mais, sua força e sua capacidade de adaptação
(BOITO Jr., 2002 p.
60-61).
Pochmann também identifica a permanência do corporativismo no país. Segundo o
autor, apesar de duas décadas de renovação do sindicalismo brasileiro, o perfil geral da
atuação sindical ainda seria marcado pela fragmentação, descentralização, assistencialismo e
burocratização. Os traços da velha estrutura sindical corporativa estariam ainda hoje intactos,
embora a atuação sindical tivesse se deparado com novos desafios (Pochmann, 1996: 296).
Em um artigo posterior Pochmann retoma essas discussões afirmando que, não obstante as
grandes transformações na base econômica e na estrutura social do país, o sistema corporativo
4
Em um trabalho anterior, Boito Jr fala em dois modelos deão sindical, variações da mesma estrutura sindical
corporativa: com o processo de democratização e com a ascensão do movimento sindical o modelo de gestão
ditatorial dos sindicatos foi substituído por um modelo democrático de tutela, com o Estado adotando uma
postura mais flexível frente à ação sindical e reivindicativa dos trabalhadores. Assim, as correntes sindicais mais
combativas lutaram, fundamentalmente, contra esse modelo ditatorial de gestão do aparelho sindical controle
policial dos sindicatos, monopólio do peleguismo, etc. mas não lutaram contra a estrutura sindical (Boito Jr.,
1991a p. 58).
15
ainda permanece inalterado em muitos de seus aspectos. Segundo o autor, as alterações no
plano legal foram mínimas, de tal modo que “as características gerais de funcionamento dos
sindicatos ainda permanecem fundadas no padrão de representação, organização e
financiamento típico do modelo corporativo de relações de trabalho” (Pochmann, 1998 p.
149).
Autores como Cardoso (1999; 2003), porém, têm questionado o uso do conceito de
corporativismo, enfatizando, de certa forma, a superação desse modelo, que muito teria
deixado de legislar sobre a realidade do movimento sindical. É como se as leis que regem a
organização dos trabalhadores estivessem em descompasso com a renovação operada pelo
chamado “novo sindicalismo”. Na ânsia em enfatizar o “lado moderno” do sindicalismo, essas
análises minimizam os efeitos da estrutura corporativa sobre a ação dos sindicatos oficiais.
Como destaca Cardoso (1999 p. 43), “mesmo sem mudanças na legislação corporativa, o
sindicalismo no Brasil não é mais o mesmo e vem-se modernizando”, superando, em muitos
aspectos, os limites que são impostos pela estrutura sindical brasileira.
A visão segundo a qual a estrutura sindical teria entrado numa fase de declínio
irreversível foi lançada, inicialmente, por Weffort (1972), em seu estudo sobre as greves
ocorridas em Contagem e Osasco, no ano de 1968. O autor, no seu artigo pioneiro, lançara a
idéia de que os sindicatos oficiais não estavam mais servindo nem para os operários, cuja luta
tais sindicatos não conseguiam organizar, nem para os capitalistas, porque estes o
encontrariam nesses sindicatos interlocutores minimamente legítimos para negociarem com os
trabalhadores. Mais tarde, essa idéia foi retomada por alguns outros estudos, como o de
Almeida em 1975.
Conforme a autora, as alterações na conjuntura econômica, política e social, de um lado,
e a ação das novas lideranças sindicais (os metalúrgicos de São Paulo e de São Bernardo), de
outro, teriam tornado a estrutura corporativa inadequada à nova realidade dos anos 1970. Essa
inadequação derivaria do fato de que a estrutura corporativa fora criada num contexto
econômico marcado por um parque industrial homogêneo (a pequena e dia empresa de
capital nacional) e por um operariado também relativamente homogêneo. Com a implantação
de indústrias de bens de consumo duráveis e bens de capital, opera-se uma mudança na
estrutura produtiva (com o crescimento de empresas estatais e de grandes indústrias de capital
estrangeiro), bem como uma diversificação no operariado. Como a legislação trabalhista e a
forma de organização sindical não acompanharam essas mudanças, as normas teriam se
descolado da realidade, levando à crise da estrutura corporativa. Os trabalhadores do setor
moderno da economia constituíam o embrião de uma nova corrente sindical, que se distinguia
16
por reivindicar o fim da tutela do Estado sobre os sindicatos, a liberdade para negociar com as
empresas e pelas críticas endereçadas à legislação trabalhista.
O sindicato de Estado encontraria, assim, maior aceitação principalmente nos setores
das regiões menos desenvolvidas e das pequenas e médias empresas, que são, justamente, os
trabalhadores menos ativos na luta reivindicativa e, portanto, receberiam a tutela do Estado
com maior facilidade dada a sua fragilidade de organização. Porém, o processo de
industrialização e a construção de uma nova classe operária, que se estabelecia em espaços
urbanos tipicamente industriais e em empresas fabris de grande porte, teriam criado o agente
social potencialmente interessado e capaz de superar o velho sindicalismo populista e a
estrutura sindical corporativa. Essa nova classe operária, estabelecida nos grandes
empreendimentos industriais, formaria, por assim dizer, a base social para a emergência de
um novo sindicalismo”, cujas práticas sindicais iriam se pautar pelas perspectivas de
rompimento com o sindicalismo oficial, procurando se estabelecer de forma “autônoma”
frente ao Estado e às demais classes sociais.
A idéia lançada já na década de 1970 era que o corporativismo estaria em declínio e que
sua superação seria inexorável, dado o grau de desenvolvimento e organização da classe
trabalhadora brasileira. A maior capacidade de organização e de mobilização de desse “novo”
operariado, sua crescente legitimidade diante do Estado e do empresariado, seu poder de
derrubar a resistência patronal, representavam importantes aspectos de superação das práticas
dos sindicatos oficiais. De um modo geral, autores como Weffort (1972) e Almeida (1975)
destacavam que a nova classe operária trazia, para o cenário sindical, reivindicações que, em
muitos aspectos, confrontavam com os limites da estrutura corporativa, empurrando-a para
mudanças. As transformações operadas no capitalismo brasileiro, com a constituição de uma
nova classe operária, concentrada em grandes centros industriais e estabelecimentos fabris de
grande porte, teriam criado as condições para a superação do modelo corporativo de relações
de classe.
Todavia, como ficará evidente com o desenrolar do processo histórico, a formação desse
novo operariado não chega a se constituir, de forma plena, como um sujeito potencialmente
interessado e capaz de superar com o “velho” sindicalismo populista e com a estrutura
sindical corporativa, de modo que a separação (realizada, por exemplo, por Weffort (1972) e
Almeida (1975)) entre o “velho” e o “novo” sindicalismo a partir de uma análise das
estruturas sociais (e econômicas) em que os trabalhadores estão inseridos fica prejudicada.
Estudos mais recentes, como o de Nogueira (1997), vai criticar justamente esse tipo de análise
que procura identificar o surgimento de um “novo sindicalismo” à constituição de um
17
operariado que se forma com o processo de modernização da economia brasileira. Assim,
estudando a particularidade do sindicalismo dos metalúrgicos de São Paulo, o autor estabelece
um diálogo crítico com a literatura que identifica as práticas sindicais a partir das estruturas
sócio-econômicas, acabando por desconsiderar as dimensões mais explicitamente políticas,
que, segundo destaca, também tiveram grande importância no processo de conformação do
movimento sindical brasileiro:
A estrutura da indústria metalúrgica do município, por si só, não explica a forma de
sindicalismo aí desenvolvido, entendido por nós como moderno-conservador. A
chave da questão está na compreensão das dimensões subjetiva e política do
fenômeno, que reafirmam e não conseguem superar os limites estruturais colocados
[...] Objetivamos com isso mostrar que os limites impostos pela estrutura sócio-
econômica (dispersão empresarial, presença de pequenas e médias empresas,
situação econômica e salarial) para a emergência do novo sindicalismo dependem
essencialmente da estratégia ou da política sindical adotada. Ou seja, não
determinação mecânica dos elementos estruturais sobre as orientações política e
ideológicas dos sindicatos de trabalhadores, o que significa dizer também que tanto
no setor moderno como no tradicional podem ser criadas concepções avançadas e
conservadoras de sindicalismo (Nogueira, 1997 p. 14-15).
Conforme Nogueira, a persistência de certas análises em continuarem reafirmando o
mesmo procedimento teórico (em definirem as práticas sindicais à partir das estruturas sócio-
econômicas) ficariam sem respostas diante do movimento de acomodação pelo qual teria
passado o chamado “novo sindicalismo” depois de surgirem, no cenário político, como
defensores incontestes da “autonomia” e da “liberdade” sindicais. A importância deste
argumento desenvolvido pelo autor está na constatação de que a dinâmica econômica não é
capaz de explicar por si o tipo e a forma de sindicalismo, de modo que não é possível
reduzir mecanicamente as orientações políticas às suas dimensões estruturais. Ao mesmo
tempo, convém destacar, o podemos, como faz Nogueira (1997), restringir a análise do
movimento sindical apenas às suas dimensões políticas e ideológicas, sob pena de realizarmos
uma análise unilateral (e politicista) da realidade, o que certamente não ajudaria no
entendimento da totalidade que cerca o objeto” de estudo. É preciso estabelecer uma
mediação entre as esferas que compõem a totalidade do ser social, pois, ao contrário do
materialismo mecanicista ou do politicismo, tanto a categoria econômica quanto a categoria
política não são excludentes ou irredutíveis entre si, mas antes se interagem conjuntamente
para a produção do real.
Assim, as estruturas econômicas não são governadas por leis ou processos dotados de
uma objetividade férrea ou absoluta, pelo contrário, estão sempre sujeitas a alterações de
curso resultantes dos posicionamentos e intervenções dos sujeitos, bem como da correlação
política dos agentes e classes sociais. No entanto, não podemos concluir a partir daí que a
18
esfera da política por si explicaria o movimento do real, pois, da mesma forma que a
dinâmica econômica está sujeita a decisões tomadas através do embate político entre as forças
sociais, a política, de alguma forma, reflete as tendências presentes na base estrutural da
sociedade, de modo que para se extrair a objetividade em sua plenitude é preciso fazer a
mediação entre as duas dimensões a fim de que se possa estabelecer mais claramente qual a
predominância de cada esfera numa determinada conformação social, e qual o sentido das
relações estabelecidas entre elas para se chegar a um determinado resultado e não a outro.
Pois bem, as discussões acerca da permanência ou o do corporativismo no Brasil
iriam se estender por toda a década de 1990. Autores como Almeida (1994) e Rodrigues
(1996) passaram a questionar a permanência do corporativismo no país tendo em vista as
recentes transformações que vinha sofrendo a economia brasileira, sendo que o período seria
de transição para um padrão pluralista de representação de interesses e não para um padrão
corporativo. De fato, as mudanças sofridas pela organização sindical e pela estrutura
econômica e social do país suscitaram diversas críticas ao uso do conceito de corporativismo.
Dialogando com autores que identificam a permanência desse modelo no país (Boito Jr, 2002;
Pochmann, 1998), Cardoso (2003) destaca que o corporativismo, com exceção talvez de seu
momento mais sistemático (1939-1943), teve consistência frágil no Brasil. Segundo ele, este
conceito, usado para se referir ao modelo brasileiro de relações trabalhistas, se fez sentido
algum dia,muito demandaria revisão. Assim, a questão recorrentemente colocada é: teria o
corporativismo finalmente chegado ao fim?
Essa questão é respondida de modo distinto pelos estudiosos do assunto, podendo-se
identificar, segundo Galvão, duas grandes linhas de pensamento: uma enfatiza a superação do
corporativismo; outra contempla as alterações e permanências promovidas pela prática
concreta dos sindicatos, indicando, em alguma medida, a sobrevivência do corporativismo.
Alguns autores entendem que, não obstante os limites ainda estabelecidos pela legislação, as
mudanças introduzidas pelos sindicatos constituem forte indício de superação da estrutura
sindical corporativa; outros, que essas mudanças o foram suficientes para romper com o
corporativismo. Segundo a autora, essa discussão nos leva à polêmica ator versus estrutura:
enquanto algumas análises enfatizam os constrangimentos estabelecidos pela estrutura, outras
entendem que os atores sociais desfrutam de uma margem de manobra suficientemente ampla
para escapar do peso desses constrangimentos, sem que estes tenham sido suprimidos
(Galvão, 2003 p. 63).
Essa polêmica ganha amplitude a partir dos estudos desenvolvidos por Cardoso no final
dos anos 1990. Procurando enfatizar os aspectos de “renovação” pelo qual teria passado o
19
sindicalismo brasileiro, o autor defende a tese de que, mesmo sem mudanças na legislação
corporativa, o sindicalismo estaria se modernizando apesar da permanência da CLT. Para
Cardoso, conclusões como a de Boito Jr (1991a, 1991b, 2002) e Márcio Pochmann (1996,
1998) operariam uma mistificação, segundo a qual procurariam derivar a realidade da letra da
lei:
[...] é verdade que os traços gerais da velha estrutura sindical ainda permanecem. A
CLT mantém sua essência, e a Constituição de 1988 não mudou o estatuto geral dos
sindicatos na sociedade brasileira, em especial sua heteronomia ante o Estado (por
causa da manutenção do imposto e da unicidade sindical). Mas os dados existentes
não deixam dúvidas: a Justiça do Trabalho não é o principal agente nas negociações
trabalhistas; o imposto sindical não é a principal fonte de renda dos sindicatos; os
sindicatos o contam com burocracias especializadas; a prestação de serviços não
é a atividade central nem sequer importante para a maioria dos sindicatos
brasileiros. Isso tudo pode ter sido verdade um dia, mas já deixou de sê-lo há muito.
O curioso é que, mesmo de posse de dados irrefutáveis, os analistas insistem em
reafirmar certos mitos, como se os dados não existissem. O sindicalismo brasileiro
está se modernizando apesar da CLT, contra ela e extravasando-a inteiramente. Não
se trata de defendê-la, pois, mas de mostrar que ela se tornou incapaz de legislar
sobre a realidade que ajudou a configurar, e que os sindicatos estão revelando o
caminho para a sua renovação (Cardoso, 1999 p. 43-44).
Assim, conforme o autor, mesmo agindo por dentro da estrutura sindical os
trabalhadores teriam criado uma situação onde a legislação corporativa não seria mais capaz
de refletir a realidade do movimento operário, sugerindo que os sindicatos apresentavam uma
margem de manobra suficientemente ampla para romper com o corporativismo mesmo sem
mudanças significativas na estrutura sindical. De um modo geral, este tipo de análise
desenvolvida por Cardoso (1999, 2003), na ânsia pelo “novo” dentro do movimento sindical,
acusa autores como Boito Jr de estabelecer uma análise estática, formalista que
desconsideraria a ação dos sujeitos coletivos e desprezaria o movimento do real.
Dialogando diretamente com Cardoso (1999; 2003) (e assumindo as posições
defendidas por Boito Jr), Galvão indica que, não obstante Boito Jr entender a lei como um
limite que compromete a autonomia dos sindicatos, ele reconhece que esses limites podem ser
mais ou menos extensos, conforme a conjuntura e a orientação político-ideológica das
lideranças. Assim, segundo Galvão, Boito Jr não negligencia o potencial de ão dos
trabalhadores, pois reconhece que a limitação imposta o é completa, dificulta, mas não
impede, a mobilização sindical; tanto é que existem iniciativas concretas, práticas de
resistência, ao longo de praticamente todo o período de vigência do corporativismo. Porém,
como indica a autora, a elasticidade da estrutura tem um limite claro, que, independentemente
20
da conjuntura e da orientação político-ideológica das lideranças, não pode ser transposto sem
que se opere a superação do modelo corporativo como um todo (Galvão, 2003).
Algumas observações se fazem necessária. Simplesmente negar, como faz Cardoso
(1999; 2003), a existência da estrutura sindical como se ela não representasse mais a realidade
do movimento operário é uma tese completamente falsa uma vez que os pilares fundamentais
do corporativismo (como a unicidade, o imposto compulsório, e o poder normativo da Justiça
do Trabalho), ainda continuam a ditar as regras de organização sindical no país, atrelando os
sindicatos às instancias de poder do Estado. Este é um dado concreto que não pode ser
negado. Portanto, ao considerar a possibilidade de ação operária ilimitada, como se as ões
dos sujeitos não sofressem nenhum tipo de constrangimento (ou condicionante) de ordem
estrutural ou mesmo superestrutural, o autor incorre em erro teórico ao superdimensionar a
ação dos trabalhadores em detrimento dos limites que ainda continuam sendo colocados pela
estrutura sindical corporativa.
Por outro lado, ao reconhecer os limites impostos pela estrutura sindical, ou seja, ao
“detectar o papel ativo das estruturas jurídico-políticas e das ideologias na determinação da
prática dos agentes sociais” (Boito Jr, 1991b p. 12), Boito Jr também incorre em erro ao
superdimensionar o papel da estrutura corporativa e da ideologia populista na desmobilização
e desarticulação do sindicalismo. Mesmo que para Galvão (2003) o autor não desprezaria o
potencial de mobilização dos trabalhadores (que poderiam flexibilizar ou mesmo romper com
o corporativismo), Boito Jr (1991a, b) acaba conferindo uma espécie de superpoder à estrutura
que seria capaz de desarticular e silenciar o movimento sindical, privilegiando em sua análise
a impotência e a fraqueza dos trabalhadores. Dada à sua inércia sindical e aturdidos pela
ideologia populista (que, segundo Boito Jr (1991a, b), seria o cimento que garantiria a
reprodução da estrutura corporativa), os trabalhadores buscariam suprir no Estado (a partir da
estrutura montada pelo sindicalismo oficial) sua debilidade organizativa crônica.
Mesmo que não reconhecendo de forma explícita que Boito Jr acaba
superdimensionando o papel das estruturas na determinação da prática dos sujeitos sociais,
Galvão (2003 p. 62), ao enfatizar que os trabalhadores podem suprimir as estruturas uma vez
que elas não se constituem em estatutos imutáveis e eternos, de uma forma ou de outra,
assume a crítica acima referida sobre Boito Jr. Nesse sentido, se, por um lado, não podemos
conferir aos trabalhadores um poder de ação ilimitada como faz Cardoso (1999; 2003), pois, a
ação sempre está condicionada a fatores de origem estrutural e superestrutural, por outro lado,
não podemos, como, de um certo modo, faz Boito Jr (1991 a, b), considerar que as estruturas
detêm um poder absoluto de determinar a ação dos trabalhadores, uma vez que, mesmo
21
sujeitos a determinações econômicas e políticas, os trabalhadores podem, desde que assumam
a condição de sujeitos históricos, conduzir um processo de superação do corporativismo
(democratizando as relações de trabalho), ou mesmo de construção de um novo projeto
societal capaz de estabelecer a hegemonia do trabalho.
1.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: CONTINUIDADES E MUDANÇAS
A Constituição de 1988 reflete, em grande medida, os aspectos de continuidade e
mudança que marcaram as ações do sindicalismo brasileiro. O resultado contraditório da
Constituinte é a expressão, no plano legal, de uma situação de fato: os impulsos renovadores
que emergiram no sindicalismo a partir do final dos anos 1970 operaram muito mais no
sentido de dinamizar a estrutura sindical do que de romper com ela (Comim, 1995). Nesse
sentido, não é casual que, durante os trabalhos constituintes, os esforços de grande parte dos
dirigentes sindicais tenham se voltado essencialmente para a redução do controle estatal direto
sobre as organizações sindicais e não para a extinção do aparato corporativo. A CUT, por
exemplo, que, pelo menos no plano do discurso, vinha defendendo o fim do atrelamento
sindical e da estrutura corporativa, em 1988, estabeleceu uma estratégia política
extremamente tímida para sua proposta de superação do corporativismo no país, operando
uma contradição entre discurso e prática. Como destaca Araújo (2002 p. 30):
A constatação de que pilares fundamentais da estrutura sindical corporativa, como a
unicidade e o imposto sindical, foram mantidos na Constituição de 1988, devido à
pressão de setores majoritários do sindicalismo, e de que mesmo os segmentos mais
combativos do “novo sindicalismo” não levaram adiante a luta pela ruptura com o
sindicalismo oficial, evidencia que a sobrevivência da estrutura corporativa é
mantida também pelo próprio movimento sindical.
Expressando os principais interesses dos sujeitos sociais envolvidos no processo, a
Constituição de 1988 representou, em grande medida, as contradições presentes no interior do
sindicalismo brasileiro: por um lado, aboliu o estatuto-padrão e a intervenção direta do Estado
nos sindicatos (a exemplo da cassação de diretorias), estendeu o direito de sindicalização aos
Funcionários Públicos, introduziu mecanismos de representação dos trabalhadores no interior
das empresas e reconheceu o direito de greve; por outro lado, porém, manteve o monopólio da
representação sindical, a estrutura básica da justiça do Trabalho, e não só preservou o imposto
sindical como ampliou ainda mais as fontes compulsórias de recursos, por meio da instituição
da taxa confederativa.
22
Analisando o processo constituinte, Antunes vai destacar as “ambigüidades” presentes
no texto constitucional de 1988. Segundo o autor, mesmo que em alguns aspectos o texto
aponte para a liberdade” de associação sindical, ao longo do documento esse direito vai
sendo negado em diversos momentos. Assim, conforme destaca, ao mesmo tempo em que se
proíbe a autorização do Estado para a criação de qualquer organismo sindical (apontando para
a aprovação da Convenção 87 da OIT), o documento não rompe com o sindicato único por
categoria de trabalhadores e mesmo com a compulsoriedade do imposto sindical, o que estaria
em plena contradição com os princípios consagrados pela Organização Internacional do
Trabalho, uma vez que a OIT estabelece uma diferenciação entre um monopólio da
representação sindical instituído pelo Estado de um unitarismo conquistado (e mantido) pelos
próprios trabalhadores. De acordo com Antunes, ao elevar a princípio constitucional o
estatuto da unicidade, a Constituição de 1988 estaria negando, na prática, a Convenção 87 da
OIT. Ao mesmo tempo, segundo ainda o autor, a ambigüidade” também estaria presente no
que diz respeito ao direito de greve, pois, se por um lado, a Constituição procurou assegurar
aos trabalhadores o direito de paralisar a atividade produtiva, por outro lado, ao se estabelecer
que cabeà lei complementar a regulamentação da atividade grevista (regulamentando, por
exemplo, os serviços essenciais e os casos de greves consideradas ilegais), seria o mesmo que
negar o referido direito de greve:
A
ambigüidade
também se estampa com nitidez em dois outros aspectos que
dizem respeito aos trabalhadores: o direito de greve e a questão do sindicato único.
No que diz respeito ao primeiro ponto, embora tenha sido assegurado o direito de
greve, uma artimanha que pode restringir tal direito. Caberá à lei complementar
estabelecer quais os serviços ou atividades essenciais e como se processará em caso
de greve nestes setores, [...], ou seja, concede-se o princípio do direito de greve e
tenta-se restringi-lo ou mesmo inviabilizá-lo, na hora da sua regulamentação
complementar. [...] Por fim, a questão do sindicato único. Entendemos que o
sindicato é uma conquista dos trabalhadores. Porém, entendemos também que é
necessário que exista ampla liberdade e autonomia sindical frente ao Estado
(
princípio este consagrado, por exemplo, pela Convenção 87 da OIT
). A
Constituição brasileira de 1988, ao mesmo tempo em que consagra
a livre
associação sindical
, proíbe a criação de mais de um sindicato por categoria. Há,
evidentemente, uma contradição. Em nossa opinião, a aprovação da Convenção 87
da OIT,
que permite a liberdade e autonomia sindicais
, não é incompatível com
o princípio do sindicato único conquistado na prática pelos trabalhadores. Aquela
Convenção possibilita tanto a vigência do pluralismo sindical (que entendemos
como prejudicial para os trabalhadores brasileiros), quanto a existência do sindicato
único, como, aliás, ocorre em diversos países. Neste último caso, a existência do
sindicato único, ao invés de ser uma imposição legal (ou exemplo de unicidade
sindical), resulta de uma decisão autônoma e independente dos trabalhadores em
suas lutas históricas pela ação e organização unitárias
(Antunes, 1995 p. 42-
43) [grifos nossos].
Referindo-se ao processo constituinte, Boito Jr também fala das contradições que
estariam presentes no texto constitucional de 1988, pois, ao mesmo tempo em que é negado
23
ao poder público a interferência e a intervenção nos organismos sindicais (inciso primeiro do
artigo oitavo), o documento acaba elevando a princípio constitucional o sindicato único por
categoria de trabalhadores e o imposto compulsório. Segundo o autor, o dispositivo no inciso
I do artigo oitavo estabelece, em princípio, “liberdade e autonomia” organizativas para a
criação e gestão de sindicatos, deixando em aberto tanto a possibilidade para a unificação de
fato do movimento operário quanto à possibilidade de se criar mais de um organismo sindical
numa mesma base representativa. No entanto, o inciso II ao elevar a princípio constitucional a
unicidade compulsória restabelece a tutela estatal sobre os sindicatos, entrando em confronto
com as normas estabelecidas pela Convenção 87 da OIT. De acordo com Boito Jr (1991 b p.
27-28), para que haja “completa” “autonomia sindical” num regime unitarista é necessário
que esse unitarismo se estabeleça apenas de fato, mas não como uma imposição legal, ou seja,
se não existir a unicidade imposta pelo Estado. Para o autor, a unicidade, seja qual for a forma
concreta de sua existência, implica sempre a dependência do sindicato diante do Estado.
Não podemos, como, de um certo modo, faz Antunes (1995), tratar o processo
constituinte de 1988 como uma simples ambigüidade que se expressaria exclusivamente no
plano legal (na forma de incoerência ou inconsistência jurídica), uma vez que não estamos
diante de simples ambigüidades, mas de contradições profundas que fazem parte da própria
conformação social do país. A Constituição de 1988, nesse sentido, ao refletir as contradições
que perpassam a sociedade brasileira e o próprio sindicalismo, não pode ser explicada
unicamente pela esfera do direito (que explica apenas parte de um problema maior), sob o
risco de se realizar uma análise formalista que desprezaria a complexidade do fenômeno e as
dimensões contraditórias que atravessam a totalidade do processo social.
Por outro lado, convém destacar, mesmo identificando claramente a distinção entre um
monopólio da representação sindical instituído (e mantido) pelo Estado de um unitarismo
construído pelos próprios trabalhadores, tanto Boito Jr (1991b) quanto Antunes (1995), não
definem os limites (e os parâmetros) de um regime de “liberdade” a “autonomia” sindical
segundo o estabelecido pelo reformismo proposto pela Organização Internacional do
Trabalho, o que representa um ponto fraco da argumentação desenvolvida por ambos os
autores, pois, em nosso entender, não é possível haver “completa” autonomia” sindical em
relação ao Estado tendo como horizonte exclusivo o mundo burguês e as relações de produção
capitalista. Assim, a principal bandeira de luta levantada pelo chamado “novo sindicalismo”
no começo da década de 1980 (“liberdade e autonomia sindical”) não se trata de uma
liberdade que se realizaria em sua plenitude, mas de uma “liberdade” restrita às
institucionalidades do mundo burguês, portanto, uma “liberdade” incapaz de romper com as
24
relações de exploração e subordinação decorrentes do processo de valorização do capital. Para
que a liberdade sindical possa se realizar em sua plenitude é preciso que a luta pelo fim do
corporativismo esteja atrelada a um projeto societal de maior envergadura que seja capaz de
instituir a hegemonia do trabalho.
Após o processo constituinte de 1988, alguns autores passaram a destacar a caráter
híbrido da legislação sindical no país. Segundo Rodrigues, a Constituição de 1988 teria
operado uma espécie de liberalização da ordem corporativa, com a manutenção de seus
pilares básicos em convivência com princípios de liberdade sindical. O hibridismo do sistema
de relações de trabalho, conforme destaca o autor, viria da colagem, na Constituição, de
dispositivos de inspiração liberal a outros de natureza nitidamente corporativa, que teriam
sido constitucionalizados e, conseqüentemente, fortalecido as normas e práticas corporativas
existentes na CLT. Assim, teriam sido mantidos aspectos importantes da legislação
corporativa como a unicidade e o imposto sindical, o poder normativo da Justiça do Trabalho,
a estrutura vertical e a predominância da legislação sobre o contrato; por outro lado, teriam
sido introduzidos elementos de natureza liberal como a ampliação do direito de greve, o
direito de representação dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados, a
eliminação do estatuto-padrão dos sindicatos e da intervenção do Ministério do Trabalho nos
assuntos internos das entidades sindicais (Rodrigues, 1996 p. 21).
Outros autores também passaram a apontar o caráter híbrido do sindicalismo brasileiro,
ao combinar pluralismo na cúpula (vide o número de Centrais Sindicais) e corporativismo na
base (devido à manutenção da unicidade sindical e das contribuições sindicais compulsórias).
Conforme destaca Almeida, a Constituição Federal de 1988 teria estabelecido um modelo
ambíguo, ao combinar aspectos de continuidade e mudança, eliminando os dispositivos de
intervenção mais direto do poder público sobre os sindicatos e mantendo alguns dos
princípios fundamentais da estrutura corporativa. Todavia, na visão da autora, as mudanças
introduzidas romperam com a coerência do arcabouço corporativista, criando brechas através
das quais certa pluralização do sistema tornou-se possível. Conforme destaca, ao mesmo
tempo em que o monopólio da representação foi elevado a princípio constitucional, não se
estabeleceu com clareza a quem deveria caber a autoridade encarregada de definir o
enquadramento e reconhecer as novas associações às quais se conferia a exclusividade da
representação, imprescindível para a efetivação da unicidade sindical:
Hoje existe a unicidade, inscrita na Constituição, mas não existe o mecanismo para
torná-la efetiva; não regras nem instâncias responsáveis pela definição da base
funcional e territorial da representação única. Daí o atual aumento do número de
sindicatos, que seguramente não configura um sistema pluralista, mas, tampouco,
poderia ocorrer em um sistema corporativista em bom estado de funcionamento.
25
Prevalece hoje um sistema híbrido em que as características corporativas continuam
importantes, mas são matizadas pelo pluralismo na cúpula e pela possibilidade de
multiplicação dos sindicatos, na medida em que não quem enquadre e defina
os limites da unicidade (Almeida, 1994 p. 56).
Almeida sugere que existe um processo mais de longo curso que estaria minando as
possibilidades de permanência do corporativismo no país. O período seria de transição para
um padrão pluralista de representação de interesses e não para um padrão corporativo. De um
lado porque a moldura consagrada na Constituição abriria essa possibilidade. De outro lado
porque as condições sistêmicas que deram origem e força aos arranjos corporativos estariam
se alterando rapidamente nos últimos anos (Almeida, 1994 p. 56-57; Almeida, 1996 p. 196-
197). Rodrigues também questiona sobre a capacidade de sobrevivência das estruturas
corporativas ante as recentes transformações operadas na economia mundial, representado
pelo processo de globalização econômica. Desse ângulo, para o autor, nos últimos anos,
algumas das condições que favoreceram a continuidade do corporativismo estatal no Brasil
teriam sido minadas pelo conjunto de mudanças que se aceleraram a partir dos anos 1980
(Rodrigues, 1996 p. 19-20). Enfim, de um modo geral, para ambos os autores, o processo de
globalização econômica teria restringido o espaço para a permanência das estruturas
corporativas, tendo em vista que essa processualidade histórica teria minado as condições
estruturais que foram responsáveis pelo surgimento do corporativismo no país.
Ainda que no plano da lógica formal abstrata seja possível tecer algumas considerações
que apontam para o futuro da organização sindical no país, não base suficiente para prever
que o corporativismo estaria sendo minado pelo processo de globalização econômica, ou que
estaríamos rumando para um padrão pluralista de representação de interesses e não para um
padrão corporativo. Ao conceberem o processo de globalização como o motor das mudanças,
tanto Almeida (1994; 1996) quanto Rodrigues (1996), não atentam para o fato de que as
transformações nas estruturas jurídico-políticas não refletem apenas a dinâmica das
transformações econômicas. Mesmo que submetido a pressões de ordem estrutural é preciso
considerar também os diferentes interesses e projetos em confronto, bem como o embate
político entre as forças sociais, pois, a economia não é capaz de condicionar, de forma
absoluta, o ritmo, a forma e o conteúdo das mudanças na estrutura sindical brasileira. Ou seja,
as normas que regem as relações de trabalho não são um reflexo passivo de mudanças
externas, não constituem uma derivação mecânica (ou automática) de transformações
ocorridas na esfera econômica, refletindo também a força, o interesse e a correlação política
entre os sujeitos em confronto.
26
Assim, mesmo que as transformações tecnológicas e organizacionais tenham acelerado
o ritmo das mudanças, não existe nenhuma exigência sobrenatural, nenhuma tendência
inexorável ou inevitabilidade histórica que obrigue as relações de trabalho no Brasil
caminharem rumo ao neocorporativismo ou ao pluralismo (pretensamente mais adaptados às
vicissitudes da nova configuração da economia mundial), pois, não é possível saber de
antemão como se combinarão as variáveis de ordem política e econômica para gerar, manter
ou transformar uma determinada realidade social. É possível sim apontar tendências, mas o
é possível prever o rumo das mudanças, dizer que determinada realidade caminhará
inexoravelmente para um sentindo e não para outro.
1.3 FIM DO CORPORATIVISMO?
A tese da substituição do corporativismo pelo pluralismo nas relações de trabalho foi
desenvolvida por Noronha, e posteriormente reafirmada por Cardoso. Segundo Noronha, do
ponto de vista das relações entre sindicatos e Estado, das formas de organização dos interesses
e dos processos decisórios da área do trabalho, o sistema estaria caminhando no sentido do
pluralismo. Mais precisamente, o modelo teria migrado de legislado-corporativo para
legislado-pluralista (ainda que um pluralismo incompleto, com marcas corporativistas estatais
do passado), com a ampliação de seu caráter legislado:
Dificilmente podemos continuar classificando o modelo como essencialmente
corporativo, com o declínio da idéia de conciliação de classes, a pouca importância
dos sistemas tripartites de intermediação de interesse no Brasil pós-1964 e, do
ponto de vista substantivo dos contratos de trabalho, a grande liberdade de
contratação e de dispensa. Certamente sobraram elementos do corporativismo
anterior. Mas o sistema não é mais corporativista de Estado com seus elementos
autoritários quase fascistas; também não migrou para um neocorporativismo (onde
a contratação seria essencial). Do ponto de vista das relações entre sindicatos e
Estado, das formas de organização dos interesses e dos processos decisórios o
sistema caminha no sentido do pluralismo. [...] Do ponto de vista dos direitos do
trabalho (e não do direito sindical ou de representação), acentuou-se o caráter
legislado do modelo brasileiro (Noronha, 1998 p. 58).
Conforme o autor, mesmo o princípio da unicidade sindical, em que pese sua elevação à
norma constitucional, não vigoraria mais, em vista da excessiva fragmentação dos sindicatos
(os trabalhadores de uma mesma categoria estariam dispersos numa infinidade de sindicatos
em base, sobretudo, municipal; além disso, o desmembramento de sindicatos instauraria uma
27
concorrência pela representação de trabalhadores anteriormente reunidos numa mesma
categoria) o que se caracterizaria como um monopólio fragmentado
5
.
É interessante notar que em trabalho anterior Cardoso (1999 p. 34) não chega a
descartar completamente o conceito de corporativismo para se referir às formas de
organização dos trabalhadores. Para o autor, o “novo sindicalismo”, na verdade, teria nascido
das entranhas do sindicalismo corporativo, o que explicaria, sem dúvida, o alto grau de
continuidade da estrutura sindical, apesar de seu ímpeto reformador. Posteriormente Cardoso
assume a tese de Noronha segundo a qual o modelo de relações de trabalho no Brasil seria
legislado, mas não corporativo. Conforme destaca, a relativa fragilidade do diálogo da
sociologia brasileira com a ciência (ou as ciências) do direito teria sido a responsável pela
longa vigência no debate entre os sociólogos do trabalho de uma certa concepção de
corporativismo para se referir ao modelo brasileiro de relações trabalhistas:
A resistência das ciências sociais em fazer a crítica do direito do trabalho no país
teve como conseqüência a negligência desse fato básico. Foi ele que impediu, até
muito recentemente, que incorporássemos em nosso campo conceitual uma forma
de abordagem das relações de classe que vige nas ciências jurídicas há tempos: a de
que o modelo brasileiro de relações de trabalho não é corporativo, mas legislado,
por oposição a modelos negociais ou contratualistas. [...] Essa forma de apreensão
da regulação das relações de trabalho aportaria nas ciências sociais brasileiras pelas
mãos de Eduardo Noronha (1998) ainda que por caminhos outros que não os do
diálogo direto com as ciências jurídicas (Cardoso, 2003).
Noronha e Cardoso enfatizando o processo de mudança promovido pela ação cotidiana
dos sujeitos sociais incorrem, de certa forma, no mesmo erro teórico ao superdimensionar a
ação dos trabalhadores sem atentarem para o fato de que as regras de organização sindical
ainda continuam sendo impostas pela “velha” estrutura sindical brasileira. É como se a
legislação corporativa não mais refletisse a realidade do movimento sindical brasileiro, não
sendo, por isso, incorporada, de forma efetiva, na análise teórica desenvolvida por esses
autores. Referindo-se diretamente a Noronha e Cardoso e confrontando a tese desenvolvida
por ambos os autores, segundo Galvão (2003 p. 69), na ânsia de encontrar o novo, tanto
5
Nós, ao contrário, acreditamos que o princípio da unicidade sindical ainda continua vigorando, uma vez que o
regime de pluralidade (aqui entendido como o direito de os trabalhadores criarem uma ou mais organizações
numa mesma base territorial e de a elas livremente se filiarem) não foi instalado no país. O desmembramento de
categorias e bases territoriais é um artifício encontrado pelos sindicalistas para burlar a lei. Todavia, esse artifício
não introduz a concorrência na base, apenas modifica a configuração da base e da categoria, aprofundando a
fragmentação. Tem sido comum no sindicalismo pós-1988 o desmembramento de bases territoriais (sindicatos
intermunicipais rachados em sindicatos municipais) ou a criação de sub-bases em bases territoriais existentes
(criação do sindicato de funileiros numa base metalúrgica, por exemplo). Ademais, o desmembramento de
categorias tem sido muito utilizado pela Força Sindical para conseguir na justiça o direito de representar
trabalhadores de uma determinada base territorial antes controlada por sindicatos concorrentes. Assim em vez de
disputar eleições para conquistar o domínio sobre os sindicatos, a Força Sindical procura desmembrar categorias
existentes, contribuindo para o aprofundamento da excessiva fragmentação sindical existente.
28
Noronha como Cardoso minimizam o papel do Estado, ocultam o fato de que a sombra da
estrutura sindical corporativa continua presente e condiciona o debate sobre sua reforma.
Trata-se de uma posição, segundo a autora, equivocada: os autores detectam as mudanças
verificadas na realidade e as tomam como evidência de transformações completadas e
definitivas, sem atentar para a complexidade do fenômeno, para a coexistência entre o novo e
o velho dentro do movimento sindical.
Conforme Noronha (1988), o sistema estaria caminhando no sentido do pluralismo, mas
precisamente o modelo teria migrado de legislado-corporativo para legislado-pluralista.
Todavia, mesmo que as rápidas transformações políticas e econômicas possam provocar
fissuras no edifício corporativo, esse é um processo em aberto, sendo impossível apontar com
exatidão o caminho das mudanças. A nova composição das relações de trabalho no país vão
depender não apenas das tendências apontadas pela dinâmica das transformações econômicas,
mas também, como temos defendido, da correlação de forças e do embate político entre os
sujeitos e classes sociais, de modo que é difícil, como faz Noronha, indicar que o modelo
estaria rumando para um padrão legislado-pluralista de representação de interesses. É possível
transferir para as partes a tarefa de negociar os termos que regerão as relações de trabalho
(portanto, o modelo deixaria de ser legislado e passaria a ser negocial), mantendo a
organização sindical sob controle (através das relações de subordinação proporcionadas pelo
corporativismo), como também é possível fortalecer o sindicalismo brasileiro (implementando
o unitarismo em oposição à pluralidade sindical) e ampliar a legislação trabalhista, reforçando
o caráter legislado das relações de trabalho no país. O rumo das mudanças não está dado. É
certo que, dada a atual correlação de forças entre capital e trabalho, o sistema apontaria muito
mais para a precarização e enfraquecimento do movimento operário do que qualquer outra
coisa, mas não podemos desprezar o potencial de mobilização da classe trabalhadora que pode
muito bem reverter o quadro de crise pelo qual vem passando nas últimas décadas, erigindo
um modelo capaz de unificar a luta operária e reforçar a legislação do trabalho no Brasil.
Os estudos mencionados até aqui – para além das diferentes interpretações que propõem
mostram que o conceito de corporativismo, como forma de representação e intermediação
de interesses, marcou profundamente a bibliografia brasileira. Nos últimos anos, porém, este
conceito tem sido criticado por autores como Noronha (1998) e Cardoso (2003), que chegam
a afirmar, como vimos, que um padrão pluralista de representação de interesses estaria se
consolidando no país. Outros autores têm apontado o caráter híbrido do novo modelo de
organização sindical, o descartando completamente o conceito de corporativismo
(Rodrigues, 1990, 1996; Almeida, 1994, 1996; Tapia, 1994). Confrontando essas posições,
29
algumas análises entendem que o conceito de corporativismo, como modo de representação
de interesses e método de dominação de classe, não deveria ser abandonado, pois enquanto os
pilares em que a estrutura sindical se assenta não forem rompidos não poderíamos falar em
uma nova estrutura ou em fim do corporativismo (Galvão, 2003; Boito Jr, 1991 a, b, 2002).
Na década de 1990, com o surgimento das câmaras setoriais no Brasil, estudos como o
de Arbix (1996) tem apontado o aparecimento de uma nova modalidade de corporativismo no
país. As novidades introduzidas por esse arranjo institucional teriam a capacidade de romper
com o corporativismo estatal, democratizando as relações de trabalho e ampliando a
participação dos trabalhadores no processo decisório. Nesta perspectiva, estaríamos
vivenciando um processo de rearranjo do corporativismo no Brasil, cuja tendência mais clara
indicaria a expansão de um novo tipo de corporativismo de cariz societal. Assim, a discussão
sobre a superação ou a manutenção da estrutura sindical corporativa foi, novamente, retomada
com a introdução das câmaras setoriais no país. Antes de entramos especificamente na
discussão sobre as câmaras setoriais, faremos algumas considerações sobre o corporativismo
estatal e o corporativismo societal ou neocorporativismo. É o que passo a discutir adiante.
1.4 CORPORATIVISMO ESTATAL VERSUS CORPORATIVISMO SOCIETAL
A diferenciação entre esses tipos de corporativismo foi especialmente estudada, e
conceituada, pelo cientista político norte-americano Phillipe Schmitter. Num artigo que se
tornou clássico, o pesquisador distinguiu um corporativismo de tipo estatal (State
Corporatism) de um corporativismo de tipo societal (Societal Corporatism). No primeiro, as
formas corporativistas, definidas como um modo peculiar de representação de interesses,
seriam fundamentalmente uma criação do Estado, impostas autoritariamente e controladas
pelo poder público. Este tipo de corporativismo de cariz estatal teria predominado no Brasil
desde a época de sua criação durante a ditadura de Vargas.
Ao contrário do corporativismo estatal, os sistemas neocorporativistas não nasceriam da
imposição do Estado, mas de um processo político democrático onde seria grande a influência
da classe trabalhadora organizada e de partidos de cunho socialistas. Em ambos os tipos de
corporativismo, o pluralismo estaria eliminado, ou substancialmente reduzido. Quando
Schmitter publicou seu artigo no início da década de 1970, seu prognóstico era que o
neocorporativismo, mesmo que não constituísse uma tendência universal, seria uma forma
importante e duradoura para organização dos trabalhadores nos países de capitalismo
avançado.
30
A recuperação do conceito de corporativismo e sua incorporação para além das
fronteiras dos Estados fascistas deve-se, assim, ao artigo pioneiro de Schmitter, Still the
Century of Corporatism?”, publicado em 1974. O artigo estabelece uma distinção entre duas
modalidades de corporativismo: quando os sistemas de intermediação nasciam de uma
imposição do Estado em processos típicos de regimes autoritários davam origem a um
corporativismo estatal; quando surgiam voluntariamente da sociedade, respondendo ao livre
jogo de pressões, configuravam um corporativismo societal. O primeiro tipo baseava sua ação
na autoridade do Estado, seja para submeter os grupos de interesse da sociedade, seja para
criá-los de acordo com sua conveniência. Seu modo de funcionamento assentava-se na busca
da identificação do Estado com a sociedade, levando o privado a expressar-se por meio do
público. O corporativismo societal tinha origem em processo diverso, no qual a autonomia
dos grupos de interesse se afirmava no relacionamento com o Estado. Ainda que este
mantivesse forte sua presença pois sem o Estado não mecanismo corporativista as
relações entre os membros do arranjo realçariam o caráter de intercâmbio e de troca recíproca
(Arbix, 1996 p.88-89).
A vertente teórica aberta por Schmitter abordava o corporativismo como um sistema de
representação de interesses, uma forma de arranjo institucional para ligar os interesses
organizados da sociedade civil com as estruturas de decisão do Estado. O corporativismo
compreenderia, assim, um conjunto de práticas e arranjos institucionais destinadas a vincular
os interesses da sociedade civil organizados em associações ou grupos de pressão com as
estruturas de decisão do Estado (burocracia e parlamento). Nesse sentido, possui uma dupla
dimensão: trata-se de um modo de intermediação de interesses e de um mecanismo de
elaboração e implementação de políticas públicas.
As diferenças entre as formas que o arranjo corporativo pode assumir devem-se aos
imperativos relacionados às condições de reprodução do capitalismo. Em sua versão estatal, o
corporativismo é uma resposta à necessidade de reforçar a paz social”, o que é obtido por
meio de medidas repressivas que visam suprimir as demandas autônomas das classes
subalternas em uma situação de crise de hegemonia burguesa, enquanto em sua variante “neo”
ou societal, o corporativismo busca associar ou incorporar mais estreitamente as classes
subordinadas ao processo político, instituindo uma forma de colaboração de classe (Schmitter,
1974).
O surgimento do neocorporativismo nos países de capitalismo avançado representaria
um movimento autônomo da sociedade em direção ao Estado, proporcionando a participação
dos trabalhadores no processo decisório, configurando-se como uma espécie de
31
corporativismo democrático. Os trabalhadores surgiriam, na cena política, como legítimos
interlocutores, capazes de negociar, com o capital, a legitimação de seus interesses e a
implementação de políticas públicas. Esses arranjos institucionais seriam instituídos para
consolidar um espaço onde as decisões seriam objeto de negociação e mediação política,
deslocando o poder do mercado, como mecanismo de regulação por excelência, para um
arranjo tripartite onde as decisões seriam tomadas a partir de um suposto processo
democrático.
No entanto, também neste caso as organizações devem ser reconhecidas e autorizadas
pelo Estado, que intervém das mais variadas formas nas associações de interesse, seja
subsidiando-as, tornando a associação obrigatória, delegando-lhes tarefas, concedendo-lhes o
monopólio da representação, impondo-lhes uma hierarquia e uma diferenciação funcional, ou
limitando a competição entre elas. Portanto, o corporativismo qualquer que seja a versão
adotada envolve algum grau de institucionalização do conflito e de restrição à autonomia dos
grupos de interesse, ainda que o neocorporativismo propicie às organizações um espaço de
atuação mais amplo (Schmitter, 1974).
Os arranjos corporativos o compostos por estruturas de negociação, como conselhos,
câmaras e outros organismos criados para mediar as relações entre Estado, capital e trabalho.
Esses dispositivos cujo funcionamento varia conforme suas regras internas e o tipo de
corporativismo em questão são orientados para a construção de consensos, na tentativa de
reconciliar e ajustar o conflito de interesses. Trata-se, portanto, de um mecanismo regulatório,
na medida em que impõe regras e procedimentos aos “atores sociais” (Galvão, 2003). Dessa
forma, apresentando o consenso como condição necessária para que os acordos sejam
alcançados, o corporativismo, quer em sua variante estatal que na variante societal, serve para
brecar a expressão de interesses organizados visto que as corporações tendem a monitorar a
conduta de seus membros contribuindo assim para a governabilidade do sistema político e
para o controle do conflito social (Schmitter, 1981).
Interessante notar que, mesmo não se tratando de um autor Marxista, Schmitter ao
apontar que tanto o corporativismo estatal quanto o corporativismo societal contribuem para a
governabilidade do sistema político (controlando o conflito entre as classes sociais), acaba
levantando uma problemática que irá ser tratada pelos autores Marxista, ao analisarem a
estruturação das sociedades a partir dos arranjos corporativos. Para os autores identificados
com o Marxismo, esses arranjos, mais do que uma forma de intermediação de interesses e de
formulação de políticas públicas configuram um determinado modo de dominação da
sociedade. Assim, os defensores de uma perspectiva marxista (Jessop, 1979; Offe, 1989; Offe
32
e Wiesenthal, 1984) enfatizam os aspectos classistas, enquanto os defensores de uma
perspectiva institucionalista (Schmitter, 1974, 1979, 1985; Lehmbruch, 1979 a, 1979 b;
Cawson, 1985) privilegiam os aspectos político-organizacionais, mesmo reconhecendo a
importância da problemática classista (Tapia e Araújo, 1991 p. 16).
Segundo Galvão, apesar de Schmitter (1974) admitir que o corporativismo serve aos
interesses da classe dominante, na medida em que permite a reprodução do capitalismo, e de
Lehmbruch (1979b) observar que o corporativismo não acaba com o conflito de classes, esses
autores partem do pressuposto de que os interesses entre capital e trabalho o
interdependentes. Se o corporativismo é uma forma de regular o conflito entre capital e
trabalho, esse conflito se deve a uma luta distributiva (isto é, pela distribuição dos recursos
gerados pela acumulação capitalista) e não a antagonismos estruturais, como sustentam os
autores identificados ao marxismo. Conforme a autora, estes, ao contrário, insistem na
impossibilidade do consenso, dada a incompatibilidade entre demandas apresentadas por
classes sociais antagônicas, denunciando a falácia da idéia de “parceria social”. Se o consenso
se produz, ele se deve menos à existência de interesses comuns do que à hegemonia
conquistada pelas classes dominantes (Galvão, 2003 p. 42).
É por esse motivo que Offe apresenta o neocorporativismo (mas o mesmo pode ser
estendido ao corporativismo estatal, guardadas as diferenças entre ambos) como um todo
de dominação de classe: se, por um lado, a adesão dos trabalhadores ao reformismo social-
democrata lhes permite influir na formulação de políticas públicas e lhes possibilita participar
dos resultados do desenvolvimento do capitalismo, por outro, ela reduz a intensidade do
conflito de classes, sem que a dominação burguesa da sociedade deixe de existir. Ou seja, a
atribuição de status público aos grupos de interesses organizados pode ocultar as diferenças de
classe, em nome de uma pretensa igualdade de tratamento dada às organizações de capital e
trabalho. Nesse sentido, concordamos com Offe, para quem o recurso ao neocorporativismo
seria uma estratégia da classe dominante para cooptar, integrar e disciplinar a classe
trabalhadora.
Para Offe, portanto, o neocorporativismo seria um método de redução de conflitos
classistas, através da atribuição de status semipúblico a organizações de interesses ligadas ao
capital e ao trabalho. Dessa perspectiva, Offe aborda aspectos pouco explorados por autores
como Schmitter, a saber, a dominação de classe e a idéia de que os arranjos corporativos
apresentam impactos diferenciados sobre as organizações representativas do capital e do
trabalho. Para o autor, o fundamento estrutural das assimetrias dos arranjos neocorporativos
remete a diferentes posições de poder social e econômico de empresários e trabalhadores na
33
produção material das sociedades capitalistas. O capital e o trabalho têm lógicas de ação
coletiva diferentes e imperativos funcionais próprios em função das suas respectivas inserções
na estrutura produtiva. A conclusão é de que o neocorporativismo teria impactos
diferenciados sobre as organizações e grupos de classe, determinados pelas diferenças
estruturais de poder (Offe, 1981 apud Tapia e Araújo, 1991 p. 16-17).
O’Donnell (1975) já havia apontado o impacto diferenciado do corporativismo
conforme a posição de classe ao defini-lo como um mecanismo bifronte. Como destaca Tapia
(1994 p. 66), na formulação de O’Donnell fica sublinhada a natureza assimétrica da relação
do Estado para com as classes sociais, havendo uma diferenciação na forma de articulação dos
sindicatos com o Estado, e deste com os empresários. Enquanto que a classe dominante teria
participação na formulação de políticas públicas, tendo assento em vários conselhos
econômicos, os trabalhadores eram excluídos das arenas decisórias, sendo sua relação com o
Estado pautada na subordinação, tutela e controle. Dessa forma, se, por um lado, o
corporativismo visava subordinar as organizações da “sociedade civil” ao Estado (perspectiva
estatizante), por outro, procurava integrar os setores dominantes ao aparato político-
administrativo (perspectiva privatista), controlando os sindicatos e abrindo espaços à
representação da burguesia.
Nesse sentido, estudando o corporativismo na América Latina, O’Donnell também
relaciona os arranjos corporativos aos interesses de classe. O autor concebe as estruturas que
fazem a vinculação Estado/Sociedade não apenas como estruturas de representação e
intermediação – como fazem Schmitter e seus seguidores – mas como parte das estruturas que
organizam a dominação burguesa, mostrando que os arranjos corporativistas seriam
diferenciados conforme a classe (O’Donnell, 1975 apud Tapia e Araújo, 1991 p. 15).
Dessa forma, a importância da análise desenvolvida por Offe e O’Donnell está em
levantar a problemática classista dos arranjos corporativos, ou seja, o interesse de classe que
está por trás da suposta “igualdade” entre capital e trabalho que tais arranjos visariam
proporcionar. De um modo geral, estes autores procuraram confrontar a participação dos
trabalhadores na arena política por meio de partidos e sindicatos, uma vez que ficariam
sujeitos aos efeitos da ideologia dominante (aceitando, por exemplo, os fundamentos da
propriedade privada), abandonando seus ideais revolucionários em troca de uma influência
(marginal) no processo decisório. De fato, a participação dos trabalhadores em órgãos de
negociações tripartites pode parecer, à primeira vista, (como, aliás, sugerem os autores do
neocorporativismo), como um avanço nas relações trabalhistas na medida em que implica a
participação dos trabalhadores em arenas instituídas para a formulação de políticas públicas.
34
No entanto, o envolvimento dos trabalhadores em tais arranjos é uma forma de assegurar a
estabilidade da dominação burguesa, evitando o crescimento de um movimento sindical
revolucionário. No caso do corporativismo de cariz societal, ao atrair as lideranças sindicais
para negociarem a formulação de políticas públicas, que estariam mais diretamente
relacionadas a seus interesses, o Estado burguês assim o faz justamente com a intenção de
amortecer o conflito de classes atribuindo status público aos grupos de interesses organizados
procurando ocultar as diferenças estruturais entre capital e trabalho. Nesse sentido, o
neocorporativismo não consegue eliminar o conflito sobre o processo de trabalho, pois não
suprime as bases sociais do antagonismo.
1.5 AS CÂMARAS SETORIAIS NO BRASIL: O FIM DO VELHO
CORPORATIVISMO ESTATAL?
Essas discussões, acima apresentadas, ganharam amplitude no Brasil a partir do
surgimento das câmaras setoriais no começo da década de 1990. Alguns autores apontavam
que o novo experimento teria a capacidade de romper com a velha estrutura sindical
corporativa e de provocar a transição do sindicalismo brasileiro rumo ao neocorporativismo
(entendido como um processo de democratização das instâncias decisórias e uma maior
autonomia dos órgãos representativos dos trabalhadores). Um dos maiores entusiastas das
câmaras setoriais Arbix apontava que o novo experimento poderia ser caracterizado como um
arranjo neocorporativo, constituído como um mecanismo democrático de intermediação de
interesses, de concertação e de implementação de políticas, distinto dos mecanismos
corporativos tradicionais do Estado brasileiro. Sua forma básica seria um arranjo tripartite,
com a participação de representantes do Estado, do capital e do trabalho. Conforme o autor,
por seus contornos, dinâmica e objetivos, as câmaras setoriais poderiam ser caracterizadas
como um organismo de tipo neocorporativo, mais especificamente, mesocorporativo, pois as
negociações teriam ocorrido em um nível intermediário (Arbix, 1996 p. 30).
Portanto, o neocorporativismo no Brasil não se desenvolveu no plano macropolítico,
como foi o caso dos grandes acordos tripartites que reuniam governo, associações patronais e
centrais sindicais nos países europeus, mas num campo delimitado das atividades econômicas.
O caráter restrito das câmaras setoriais levou Arbix (1996) a utilizar o conceito de
mesocorporativismo (isto é, um neocorporativismo de tipo setorial). Esse conceito foi
proposto por Cawson (1985) para analisar as experiências ocorridas em níveis intermediários
35
de agregação. Assim, o neocorporativismo não implica necessariamente formas de
concertação nacionais, através de organismos tripartites, envolvendo centrais sindicais,
patronais e Estado, conforme o modelo clássico.
Festejada em grande parte dos meios acadêmicos como um dos maiores experimentos
de democratização das relações de trabalho, as câmaras setoriais, ao contrário, operaram uma
divisão no sindicalismo brasileiro, com o surgimento de um novo insulamento corporativo dos
segmentos mais organizados dos trabalhadores. Enquanto que a idéia de expansão do
corporativismo societal implica a ampliação da participação dos trabalhadores na formulação
de políticas públicas e na legitimação de seus interesses (segundo o modelo clássico), o
corporativismo setorial, conforme foi esboçado pelas câmaras no começo dos anos 1990,
implica a limitação dessa participação aos setores mais organizados da classe.
Conforme Arbix (1996), as câmaras setoriais teriam consolidado um modelo
democrático de representação de interesses, institucionalizando o diálogo e a negociação entre
capital e trabalho. Contudo, o fato é que as câmaras não conduziram à democratização do
corporativismo. Elas significaram, na verdade, a fragmentação do sistema representativo
brasileiro, ensejando uma importante divisão dentro do sindicalismo, com os setores mais
organizados e com maior poder de barganha se fechando em seus interesses específicos.
Como destaca Costa (1994 p. 62-63):
[...] as câmaras setoriais congregam os setores mais modernos do sistema
produtivo, que dispõem de força e de capacidade de ação incontestável. Mas
justamente porque essas entidades setoriais podem falar legitimamente em nome do
interesse de seus associados, elas o podem falar em nome do interesse geral da
classe sob o risco de contrariar os interesses dos setores que elas representam.
Porque são capazes de defender seus interesses e garantir acordos, a representação
setorializada inviabiliza acordos sobre políticas públicas no interesse da classe
como um todo. No limite é possível o estabelecimento de acordos e decisões
setoriais, que, embora satisfatórios e interessantes para os participantes do acordo,
podem resultar em prejuízos para a classe em geral.
As maras colocam, de um lado, aqueles segmentos mais homogêneos e com maior
poder de pressão e, de outro, aqueles segmentos incapazes de se fazer representar sem a tutela
do Estado e, conseqüentemente, de participar da formulação de políticas públicas. Entre os
segmentos dos trabalhadores com maiores dificuldades de organização tem-se verificado um
reforço do velho corporativismo São setores que defendem o monopólio da representação
sindical, o poder normativo da justiça do trabalho e os recursos financeiros da estrutura
sindical corporativa, se mostrando completamente avessos às possibilidades de livre
negociação entre capital e trabalho. Para esse setor do movimento sindical, a estrutura
corporativa representa um importante instrumento para a organização dos trabalhadores, posto
36
que o fim da tutela estatal significaria um importante passo para a flexibilização das leis
trabalhistas. Assim, ao mesmo tempo em que as câmaras setoriais instituíram mais uma
fissura no edifício corporativo, ao apontar para o surgimento de um novo corporativismo entre
aqueles setores com maior capacidade de organização no interior do movimento sindical, esse
experimento, por outro lado, reforçou o velho corporativismo entre os trabalhadores
emergentes dos segmentos mais atrasados e heterogêneos da economia brasileira.
Mesmo os setores neocorporativos não abriram mão de todos os recursos legais e
financeiros da velha estrutura sindical. Como destaca Boito Jr, ainda se mantêm apegados ao
monopólio da representação sindical e às taxas sindicais obrigatórias, a despeito do discurso
contrário. Porém, conforme o autor, são setores que possuem maior capacidade de pressão e
se acreditam capazes de se defenderem sozinhos dos efeitos da crise, avaliando negativamente
a tutela do Estado sobre a ação reivindicativa:
Demonstram particular rejeição ao controle governamental sobre os salários.
Precisam, principalmente, flexibilizar a divisão gida em categorias profissionais
de modo que permitam a formação de grupos de negociação mais restritos do que a
categoria e mais amplos do que a base municipal do sindicato oficial e eliminar o
poder normativo da Justiça do Trabalho, permitindo o pleno desenvolvimento da
livre negociação. Esses setores, ademais, defendem o Contrato Coletivo de
Trabalho, muito mais para liberar os setores mais organizados para assinarem
melhores contratos sem ter que carregar consigo o peso de toda a categoria legal, do
que um fator de unificação da luta sindical. Finalmente, têm interesse nas câmaras
setoriais, que lhes permite, graças ao seu caráter tripartite, influir nas decisões de
políticas de Estado que afetem diretamente o seu setor ou ramo econômico (Boito
Jr, 2002 p. 85-86).
Esses setores neocorporativos, constituído por metalúrgicos, petroleiros e bancários,
estão representados, na CUT, pela tendência majoritária, a Articulação Sindical. Trata-se de
um setor com grande poder de pressão dentro do sindicalismo brasileiro e que, na busca para
consolidar o novo corporativismo no país, podem vir a romper por completo com o velho
corporativismo de Estado. No entanto se, por um lado, não podemos descartar a hipótese de
superação do corporativismo pelos setores mais organizados dos trabalhadores, por outro
lado, é importante destacar que grande parte do movimento sindical continua apegada à
“velha” estrutura sindical corporativa, visualizando o monopólio da representação sindical, o
poder normativo da Justiça do Trabalho e os impostos compulsórios como elementos
indispensáveis para a luta cotidiana dos trabalhadores.
1.6 UM NOVO INSULAMENTO CORPORATIVO
37
No que diz respeito à ação sindical em si, as práticas de negociação nas câmaras
setoriais fez grassar um novo tipo de insulamento corporativo
6
(mais nefasto que o antigo
corporativismo de Estado), caracterizado pelo abandono de uma perspectiva classista e de
confronto, que havia caracterizado o passado recente do sindicalismo brasileiro. A perda do
sentido de classe gera a erosão da solidariedade do trabalho. Em seu lugar, intensificam-se
práticas corporativas, entendidas como a defesa exclusiva de interesses setoriais, sejam estes
os interesses de uma categoria profissional, dos empregados de um grupo de empresas ou de
uma empresa em particular, em detrimento dos interesses da classe com um todo.
É importante destacar que esse novo corporativismo, esboçado com o surgimento das
câmaras setoriais, não se refere às categorias profissionais legalmente constituídas pelo
corporativismo de Estado. Esse novo exclusivismo está centrado em coletivos que se formam
em função de uma identidade socioeconômica, e o possuem definição legal no quadro da
velha estrutura sindical corporativa. Ademais, o novo corporativismo se apresenta de uma
forma mais nefasta que o antigo corporativismo decorrente da “velha” estrutura sindical
varguista, pois procura fracionar a rígida divisão em categorias profissionais, formando
coletivos que se organizam para defenderem os interesses de seu setor ou ramo de atividade
econômica. Não se trata mais, por exemplo, dos metalúrgicos do ABC, mas dos metalúrgicos
das montadoras, dos metalúrgicos das autopeças, dos metalúrgicos do setor de bens de capital.
Nesse sentido pode-se dizer que as câmaras setoriais aprofundam a divisão entre os
trabalhadores, reforçando o caráter corporativo de sua prática sindical.
Esta definição de corporativismo se distingue da apresentada por Schmitter (1974), que
diz respeito a uma forma de intermediação de interesses e de elaboração de políticas públicas,
que pode tanto ser fruto de uma imposição estatal quanto de um movimento espontâneo da
sociedade. O termo corporativismo, utilizado para se referir a um insulamento de um pequeno
setor das classes trabalhadoras no terreno da ação sindical (o egoísmo de fração do qual falava
6
A expressão “insulamento corporativo” será utilizada nesta parte do trabalho para se referir a uma prática
sindical que ganha força no Brasil, principalmente, com as câmaras setoriais na década de 1990. Trata-se de uma
expressão que exprime o insulamento de um setor com maior poder de pressão dentro do movimento sindical,
que se destaca do conjunto da classe trabalhadora e que, diante de uma conjuntura de forte ofensiva do capital,
passa a lutar exclusivamente em defesa de seus interesses específicos, em detrimento da classe como um todo. O
termo corporativismo, como será melhor explicado mais adiante, pode assim se referir tanto às formas de
organização e intermediação de interesses (corporativismo estatal e corporativismo societal), como pode também
se referir a uma prática sindical pautada numa espécie de egoísmo dos segmentos mais organizados dos
trabalhadores, que se destacam do conjunto mais amplo do qual fazem parte, dividindo a classe operária entre
aqueles setores com maior poder de barganha junto às classes dominantes (a chamada “aristocracia operária”)
daqueles segmentos com maiores dificuldades de se fazerem representar sem a tutela do Estado e, portanto, de
verterem, com suas próprias forças, a resistência dos capitalistas. No entanto, estes dois sentidos dados à palavra
não significa que ambos sejam excludentes entre si. O termo pode significar simultaneamente tanto uma forma
de representação e intermediação de interesses quanto a idéia de divisão da classe operária, o que pode ensejar,
muitas vezes, alguma confusão quando se utiliza o conceito de corporativismo.
38
Gramsci), se distingue daquele corporativismo de Estado, típico da estrutura sindical
brasileira (na definição de Schmitter, corporativismo estatal).
Para distinguir esses dois sentidos que a palavra corporativismo enseja, Arbix (1996 p.
81) propõe uma distinção entre corporativismo, cujo sentido seria pejorativo, ligado à idéia de
colaboração de classes, do predomínio de interesses mesquinhos e egoístas, que buscam
benefícios particularistas em detrimento de interesses mais amplos, e “corporatismo” para se
referir a um sistema de intermediação de interesses e formulação de políticas públicas
7
.
No entanto, segundo Galvão (1996 p. 60), isso o significa que estes dois sentidos
dados à palavra corporativismo não possam se combinar. O termo mesocorporativismo
cunhado por Cawson (1985) para se referir à emergência do neocorporativismo em níveis
intermediários de agregação se presta a isso. Conforme a autora, embora a definição de
Cawson se aplique especificamente aos arranjos setoriais, que nascem por iniciativa dos
próprios “atores” coletivos (e por isso se constituem um subtipo do neocorporativismo e o
do corporativismo estatal), tais arranjos revelam uma dimensão corporativa (no sentido de um
“egoísmo de fração”) em virtude de seu caráter fragmentário, excludente, desagregador.
Assim, os dois sentidos aqui empregados de corporativismo se combinam, tanto como forma
de organização e intermediação de interesses, quanto como manifestação de um insulamento
corporativo dos setores mais organizados dos trabalhadores.
A estrutura sindical brasileira é um exemplo de uma forma institucionalizada de
organização e intermediação de interesses, que se combina a um “egoísmo de fração”
estimulado, em grande parte, pela noção de categoria legal. Essa noção de categoria
estabelecida na CLT impõe uma divisão entre os trabalhadores na medida em que fraciona o
coletivo de classe em uma infinidade de categorias profissionais, impedindo a unificação dos
sindicatos. A emergência de um novo elemento corporativo no seio das câmaras setoriais
sobrepõe-se, dessa forma, a um corporativismo previamente existente, corporativismo esse
representado pela “velha” estrutura sindical varguista, que divide a classe trabalhadora em
categorias profissionais e em bases territoriais distintas, atribuindo-lhe períodos diversificados
de negociação.
Porém, a existência de formas corporativistas de organização e intermediação de
interesses não impossibilita a unificação da atividade sindical, fundada numa perspectiva
7
Galvão (1996 p. 22), procura diferenciar as duas formas de manifestação do corporativismo da seguinte
maneira:
corporativismo em negrito
se refere à expressão do “egoísmo de fração”, ou seja, o insulamento de
um setor da classe trabalhadora sobre os demais; corporativismo em itálico se refere a formas de representação e
intermediação junto ao Estado (de acordo com a diferenciação proposta por Schmitter), que podem ou não se
combinar a manifestações
corporativas.
39
ampla de classe. É esta consciência de classe que o “novo sindicalismo” procurou resgatar,
articulando diversas categorias e forças sociais, à despeito dos efeitos desaglutinadores da
estrutura sindical corporativa. A própria constituição da CUT em 1983 representa um avanço
no interior do sindicalismo brasileiro, na medida em que demonstra uma disposição em
centralizar a atividade sindical e expandir os benefícios dos setores mais organizados dos
trabalhadores ao conjunto da classe, com o intuito de romper com a heterogeneidade
estrutural do mercado de trabalho brasileiro.
Essa concepção de prática sindical começa a mudar no começo dos anos 1990. Ao invés
de manter uma tendência à ão unificada de amplos setores da classe trabalhadora que
caracterizou o “novo sindicalismo” desde sua emergência a o final dos anos 1980
intensifica-se uma tendência à ação fragmentada, em que diversos segmentos de trabalhadores
se voltam para seus problemas específicos e valem-se dos meios de que dispõem para lutar
por seus interesses exclusivos. A câmara setorial automotiva ilustra bem essa atitude, pois
permite o destacamento dos metalúrgicos das montadoras em relação à sua própria categoria
profissional e em relação ao restante da classe trabalhadora. Como destaca Galvão (1996 p.
111-112):
[...] a câmara setorial exprime um comportamento diferenciado e exclusivista dos
trabalhadores da indústria automobilística, na medida em que estes firmam um
compromisso, em detrimento do restante da categoria metalúrgica, na tentativa de
salvar seu setor. [...] esse tipo de arranjo exprime um aspecto corporativo
(entendido como “egoísmo de fração”), posto que a defesa de seus interesses
específicos muitas vezes se contrapõe à defesa de interesses mais amplos da
categoria, em particular, e da classe, em geral. Assim, embora os arranjos tripartites
possuam um caráter neocorporativo de tipo setorial (já que nascem por iniciativa da
sociedade e inserem setores da classe trabalhadora em instâncias decisórias), eles
não deixam de exprimir um componente
corporativo,
que se revela na luta por
benefícios de abrangência reduzida.
1.7 O DEBATE ACADÊMICO
Todo o esforço empreendido pelo “novo sindicalismo” no sentido de unificar o
movimento sindical nos anos 1980 tornou-se incapaz de evitar os ventos desagregadores e as
práticas fragmentadas que se vislumbram a partir da década de 1990, das quais as câmaras
setoriais constituem o exemplo mais significativo. Esse tipo de ação sindical tem recebido
duras críticas de autores Marxista, identificados com uma perspectiva classista e
anticapitalista do movimento sindical. Entre os críticos desse sindicalismo e da experiência
das câmaras setoriais, Antunes tem sido um dos mais ferrenhos. Na CUT, em sua concepção,
começa a ganhar força, em algumas de suas lideranças, uma postura de abandono de
40
concepções socialistas e anticapitalista, em nome de uma acomodação dentro da ordem. O
culto da negociação, das câmaras setoriais, do programa econômico para gerir pelo capital a
sua crise, insere-se num projeto de maior fôlego cujo oxigênio é dado pelo ideário e pela
prática social-democrata. Para o autor, seria uma política cada vez menos respaldada numa
política de classes, e cada vez mais numa política para o conjunto do país, o país integrado do
capital e do trabalho (Antunes, 2002 p. 154-155).
Boito Jr, também um crítico deste tipo de ação sindical, destaca que a nova estratégia da
CUT de priorizar políticas de conciliação entre capital e trabalho não trouxe o resultado
esperado. Segundo o autor, as câmaras setoriais e as negociações nos Fóruns Tripartites não
conseguiram reverter a lógica da flexibilização e da retirada de direitos dos trabalhadores,
com exceção dos setores com maior poder de barganha, como os metalúrgicos do ABC
paulista. A nova estratégia, ao contrário da anterior, desestimula e desvaloriza a mobilização e
a luta de massa. Nos anos 1980, a oposição à política de desenvolvimento encontrava nas
greves gerais de protesto um instrumento de ação adequado e, além disso, estimulava, na
medida em que oferecia a perspectiva de um outro modelo econômico, a elaboração de
propostas engenhosas e tecnicamente sofisticadas, que seria um meio eficiente para a
afirmação do movimento sindical. Conforme o autor, na nova estratégia, a luta grevista seria
desvalorizada e até estigmatizada (Boito Jr, 1999).
Saudada pela maior parte do meio acadêmico como uma experiência positiva por
possibilitar a participação dos trabalhadores no processo decisório, as câmaras setoriais, na
verdade, possuem uma dimensão negativa do ponto de vista da ação sindical, posto que abre
caminho para o surgimento de um novo insulamento corporativo no seio do movimento
operário, imbricando-se ao velho corporativismo decorrente da estrutura sindical varguista.
Como destaca Alves, a nova estratégia do neocorporativismo de cariz setorial tende a
privilegiar a fragmentação da classe trabalhadora por empresas, o fracionamento horizontal da
sociedade do trabalho, a debilitação da solidariedade de classe. Procura cultivar o espírito de
parceria com o capital, desenvolvendo estratégias sindicais pró-ativas (ou então, propositivas),
compatíveis com a lógica do toyotismo. Abandona-se, deste modo, o sindicalismo de classe,
de massas e de confronto, que havia sido sua marca durante toda a década de 1980 (Alves,
2000).
Alguns estudos mais recentes chegam a sugerir que o sindicalismo brasileiro, neste
início de século XXI, estaria dando mostras de que, à despeito de toda crise que assola o
mundo do trabalho, seria capaz de implementar ações nacionais de protestos, procurando, de
certa forma, unificar os trabalhadores e romper com as atitudes isoladas (e corporativas) que
41
havia caracterizado grande parte do movimento sindical durante os anos 1990. Como destaca
Jácome Rodrigues se, ao longo da década de 1990, o sindicalismo brasileiro esteve voltado,
principalmente, para ações mais localizadas, defensivas (e corporativas), em decorrência do
processo de reestruturação produtiva, atualmente, estaríamos assistindo a um novo momento
das relações trabalhistas no país, apontando para uma dinâmica de movimentação nacional e
unificada dos trabalhadores. Em setembro de 1999 e em novembro de 2000, o sindicalismo
metalúrgico teria realizado dois movimentos importantes no cenário nacional. Quais foram as
principais características dessas mobilizações? Segundo o autor, em primeiro lugar, a
preocupação com a abrangência nacional, ainda que restrita ao setor metalúrgico e, mais
especificamente, à indústria automobilística. O segundo aspecto relevante foi a tentativa de
ação conjunta das duas principais centrais sindicais do país, a CUT e a Força Sindical:
Com essa atividade começava a se configurar um novo padrão de ação trabalhista
bem diferente daquele que foi hegemônico durante a década de 90. De um lado, a
idéia de unir esforços, no âmbito das centrais e, de outro, a preocupação com a
abrangência das reivindicações. Em outras palavras, menos atitudes isoladas e/ou
localizadas, ações regionais, setoriais etc, e mais atividades que tivessem amplitude
nacional (Rodrigues, 2003, p. 303).
Nesta perspectiva estaríamos vivenciando um momento particularmente favorável para
o rompimento com as ações mais isoladas (e exclusivistas) que havia se configurado a partir
das negociações nas câmaras setoriais no começo da década de 1990. Como sugere Jácome
Rodrigues, o movimento sindical teria superado a fase onde suas ações estiveram mais
voltadas para o interior das empresas, mais limitadas (e defensivas). O autor se refere aos
metalúrgicos do ABC paulista, destacando que as práticas desse sindicalismo estariam
apontando para dinâmica nacional, procurando romper com o corporativismo estreito e
buscando, de certa forma, influenciar outros setores do movimento operário.
Esta tese, conforme temos dito, tem recebido críticas de autores Marxista, para quem as
práticas de negociações nas maras setoriais, cujo pioneirismo se deve aos metalúrgicos do
ABC paulista, exprimiria um comportamento diferenciado e exclusivista dos trabalhadores
mais fortes e organizados, que se destacariam de um coletivo mais amplo (seja a indústria, a
categoria, um setor econômico, o conjunto dos assalariados) em defesa de seus interesses
específicos. Mesmo os atuais movimentos dos metalúrgicos das montadoras, apontado por
Jácome Rodrigues como um movimento de superação com as práticas corporativas, na
verdade procura repor, neste início de século, o velho vicío do pragmatismo sindical, cuja
defensividade atinge setores antes identificados com a luta grevista e com a perspectiva de
classe.
42
Enfim, no final da década de 1980 e começo dos anos 1990, o movimento sindical
brasileiro passou por uma série de transformações, cujo traço mais evidente foi o abandono do
sindicalismo de massa e de oposição pelo chamado sindicalismo propositivo, com o
surgimento de um novo tipo de corporativismo no seio do movimento operário. Esse novo
corporativismo pode ser chamado, seguindo a bibliografia existente, de um meso ou micro
corporativismo societal, pois não se manifesta no plano macropolítico, como nos grandes
acordos tripartites que reuniam governo, associações patronais e centrais sindicais nos países
europeus, mas num plano mais reduzido, que pode agrupar um conjunto de empresas, ou uma
única empresa de um setor econômico. O exemplo maior dessa nova prática foram as câmaras
setoriais, principalmente, a câmara setorial da indústria automotiva. Não nessa indústria,
mas em vários setores da economia brasileira tem-se verificado uma tendência para a prática
de um sindicalismo de setor ou de empresa, subdivisões que atingem inclusive a velha divisão
em categorias profissionais estabelecidas pela CLT. A esse velho” fracionamento do
corporativismo estatal sobrepõe-se uma nova divisão, opondo, por exemplo, os metalúrgicos
das montadoras dos metalúrgicos das autopeças, os bancários do setor público dos bancários
do setor privado, e assim por diante.
Apresentando uma perspectiva positiva em relação às câmaras setoriais, vários autores
chegaram indicar que as novidades introduzidas pelo novo experimento apontavam para uma
evolução do sindicalismo brasileiro rumo ao neocorporativismo. Primeiro porque teria
possibilitado a participação dos trabalhadores no processo decisório, superando a relação
bipartite entre governo e empresas que até então vigorava e, segundo porque os acordos
tripartites nasceram de uma iniciativa espontânea da sociedade, e não por imposição
governamental, como na velha tradição do corporativismo estatal. Todavia, conforme
ressaltamos, as câmaras setoriais operaram uma divisão dentro do sindicalismo brasileiro,
com a introdução de focos neocorporativos (entendido como sistema de organização e
intermediação de interesses) nos setores mais organizados dos trabalhadores e o reforço do
“velho” corporativismo estatal naqueles segmentos com maiores dificuldades de se fazerem
representar sem a tutela do Estado e, portanto, participarem da formulação de políticas
públicas. Assim, as inovações instituídas com as câmaras setoriais não foram capazes de
romper com a velha estrutura sindical corporativa, que ainda se mantém à despeito de todas as
transformações políticas e econômicas vivenciadas pelo país.
CAPÍTULO 2 - O GOVERNO LULA E A PROPOSTA DE REFORMA
SINDICAL DO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO
43
2.1 VARGAS E A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA SINDICAL
CORPORATIVA
A montagem da estrutura corporativa durante o período Vargas é um tema, de certa
forma, fartamente estudado na literatura sobre sindicalismo no país. Não cabe retomar esses
estudos no âmbito deste trabalho. Abordarei apenas os aspectos que me parecem essenciais
para a compreensão da estrutura corporativa, bem como da lógica de funcionamento dos
sindicatos oficiais.
Vargas montou seu projeto desenvolvimentista a partir de uma idéia de Estado forte,
centralizador e empreendedor, capaz de patrocinar a industrialização acelerada. Essa idéia
tinha como contrapartida, no plano social, o controle das demandas do operariado industrial
emergente. Aperfeiçoando progressivamente a legislação trabalhista, atraindo as lideranças
sindicais para um aparelho que garantia benefícios e privilégios, Vargas também procurou
regular minuciosamente o associativismo operário, tornando-o fortemente dependente da
burocracia estatal. Transferindo o conflito originário entre capital e trabalho para o interior
das estruturas estatais, o Estado Varguista procurou conter a movimentação autônoma dos
trabalhadores e anular manifestações revolucionárias no interior do sindicalismo brasileiro.
Isso conferiu um caráter público aos conflitos localizados entre capital e trabalho, ao
mesmo tempo em que se reafirmava uma autoridade pública capaz de incorporar em sua
matriz regulatória as mínimas manifestações autônomas (Vianna, 1991 apud Cardoso, 1999 p.
29). Os interesses privados de capital e trabalho foram como que aplainados até o ponto em
que revelassem sua essencialidade pública”, isto é, o interesse geral” pelo desenvolvimento
(Cardoso, 1999 p. 29).
Entre 1931 e 1943, o Estado introduziu uma vasta legislação trabalhista destinada a
arbitrar as formas de uso do trabalho na indústria emergente. Essa legislação definiu jornada
de trabalho de 48 horas semanais, proibição do trabalho de menores de 14 anos, a taxa de
remuneração de horas extras, regras para o trabalho insalubre e da mulher (especialmente
quando gestante), normas para dispensa de empregados e um mecanismo bastante avançado
de estabilidade no emprego (que depois será revogado e substituído durando o período militar
pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Em muitos aspectos era uma legislação
trabalhista bastante avançada para a época, o que certamente dificultou sua aplicação em um
país que ainda estava caminhando para a consolidação de um capitalismo digno de nome.
44
Em virtude dessa detalhada legislação trabalhista foi-se firmando, ao longo da história, a
impressão de que tudo o que pudesse ser alterado na legislação produzida nesse período
estaria, por definição, associado a uma mutilação de direitos (o que de fato, em tempos de
globalização selvagem, a manutenção desses direitos, ou a obtenção deles, representa um
grande avanço). A partir da década de 1990, quando ganha fôlego no Brasil a discussão em
torno da reforma do Estado e da possível flexibilização das relações de trabalho, a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, foi recorrentemente lembrada como
patrimônio do trabalhador.
Em contrapartida a essa detalhada legislação trabalhista foi instituído a legislação
sindical, com o intuito de organizar uma estrutura de intermediação de interesses a fim de
eliminar as manifestações autônomas dos trabalhadores e reduzir o potencial de conflito de
uma industrialização acelerada. O associativismo operário foi devidamente controlado para
que não emergisse um movimento sindical independente e revolucionário, o que colocaria em
cheque os ideais do Estado Novo de desenvolvimento econômico e paz social.
Nosso modelo sindical foi, assim, construído visando ao controle social que pudesse
levar à construção de um país harmonioso e pacífico. Visava impor uma filosofia social em
contraposição à filosofia individualista do liberalismo ou à filosofia classista do socialismo.
Ademais, através dos sindicatos oficiais, o governo tinha instrumentos poderosos para
controlar as atividades dos trabalhadores, evitar greves ou até mesmo silenciar o movimento
operário. Ou seja, com uma das mãos o governo reconhecia os sindicatos como instrumentos
de organização, uma velha demanda dos trabalhadores em todo o mundo, e com a outra criava
restrições para que esses sindicatos pudessem ser usados para organizar e mobilizar os
trabalhadores de forma revolucionária e independente.
Dentro dessa preocupação julgava-se que as sociedades deveriam ser organizadas não a
partir de ideologias políticas, mas sim dos grandes ramos da produção econômica, o que
definiria, no plano macro, os interesses mais amplos da sociedade. Julgava-se que, se a
sociedade fosse ordenada em grandes áreas de atividades, seria mais factível conciliar
interesses de capital e trabalho. A CLT, de acordo com esta perspectiva, estabeleceu oito
grandes ramos de atividade aos quais corresponderiam uma confederação de trabalhadores e
uma de empregadores. Eram eles: comércio, indústria, transportes marítimo, fluvial e aéreo,
transporte terrestre, comunicação e publicidade, crédito, educação e cultura, profissões
liberais. Os sindicatos dessa rede eram considerados órgãos privados, com funções públicas, e
ficavam diretamente subordinados ao governo através do Ministério do Trabalho. Seriam
organizados no plano municipal, haveria federações no plano estadual e confederações no
45
nível federal. Na ponta, o Ministério do Trabalho seria o agente regulador de toda essa rede
organizativa.
A Revolução de 1930 marca, assim, o início da intervenção direta do Estado nas
questões vinculadas ao mundo do trabalho. Marcou também o fim da “autonomia” do
movimento sindical e o início da vinculação sistemática dos sindicatos ao governo através do
Ministério do Trabalho, aliás, criado, ainda em novembro de 1930, com essa preocupação.
Com a criação desse ministério, o Poder Executivo tomava diretamente para si a formulação e
a execução da política trabalhista. Saiu dali a primeira lei sindical, em 1931, o decreto n-
19.770, estipulando que os sindicatos fossem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (investidura sindical). nessa ocasião estabelecia-se que um único
sindicato teria o monopólio da representação para toda uma categoria de trabalhadores na
mesma localidade territorial (estatuto da unicidade sindical). Composto de 21 artigos, o
decreto se notabilizava em quatro aspectos: organização sindical regulada pelo Estado;
neutralidade política; autonomia limitada e unicidade sindical (D’Araújo, 2003).
Essa vasta rede sindical que foi sendo gestada durante a era Vargas tinha como
pressuposto básico o sindicato único estabelecido por lei e reconhecido pelo Estado. Apenas
as associações profissionais registradas no Ministério do Trabalho poderiam ser reconhecidas
como sindicatos. O ministério expedia carta de reconhecimento sindical para uma categoria,
estipulando sua base geográfica de ação, ou seja, a territorialidade de seu monopólio. Convém
destacar que o Ministério do Trabalho não apenas concedia cartas de reconhecimento sindical,
mas também fiscalizava a ação sindical como um todo, das eleições às greves. Os sindicatos
seriam definidos por categoria profissional ou por setor econômico, tendo como referência
geográfica mínima o município. Apenas esse sindicato assim constituído tinha o direito de
representar os trabalhadores no processo de negociação coletiva.
As instâncias secundárias compunham-se das Federações que congregavam pelo menos
dois sindicatos municipais e também detinham o monopólio da representação sindical.
Finalmente, uma instância centralizada, a Confederação, agrupava as federações de uma
mesma categoria profissional, formando uma estrutura vertical tendo como base de
representação os trabalhadores de um determinado ramo da economia. Constrói-se, desta
forma, uma pirâmide corporativa com as atividades econômicas reunidas duas a duas,
empregadores e trabalhadores de uma mesma área de atividade econômica, de forma
simétrica, desaguando dentro do Ministério. A legislação proibia (até 1988) a existência de
instâncias intercategoriais com o intuito de conter a unificação do movimento operário através
da construção de Centrais Sindicais.
46
Para dar sustentação material e financeira a essa vasta rede sindical foi criado o Imposto
Sindical, também chamado Contribuição Sindical. Uma vez por ano, cada brasileiro
empregado, sindicalizado ou não, era obrigado a dar um dia de seu salário, descontado na
folha de pagamento. Esse dinheiro era recolhido pelo Ministério do Trabalho que o repassava
na seguinte proporção: 5% para as confederações nacionais, 15% para as federações
estaduais, 60% para os sindicatos municipais e 20% para o Fundo Social do Ministério do
Trabalho. Mantido até os dias de hoje, esse imposto foi uma fonte segura de financiamento
estatal, via tributação sobre o trabalhador, a essa ampla estrutura então montada (Gomes e
D’Araújo, 1993).
Finalmente, como órgão normativo máximo de todo o sistema corporativo, foi criada a
Justiça do Trabalho, responsável pela solução dos conflitos trabalhistas. A JT visava a
consolidar um Fórum especial para que patrões e empregados resolvessem suas disputas na
presença do poder público. As cortes trabalhistas funcionavam em três níveis e, com ligeiras
alterações, esse foi o esquema mantido desde então: Juntas de Conciliação e Julgamento,
Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho. Além do poder de julgar, a
Justiça do Trabalho tinha, como ainda tem, através do artigo 114 da Constituição de 1988, o
poder normativo, ou seja, a prerrogativa de criar normas e regras que regulem as relações e a
organização do trabalho. Com isso, durante o processo de negociação coletiva, capital e
trabalho seriam fiscalizados diretamente pela JT e, em caso de impasse, a Justiça teria o poder
de emitir sentenças normativas, retirando das partes envolvidas a prerrogativa de resolver os
problemas de forma autônoma. Ademais, as negociações entre capital e trabalho poderiam
ocorrer anualmente, na chamada “data-base” da categoria. Essas datas também eram definidas
pelo Ministério do Trabalho no ato da concessão da carta sindical, cuidando-se para que o
houvesse a coincidência nos períodos de negociação entre as categorias sindicais mais
importantes, impedindo a unificação dos sindicatos.
Pois bem, essa estrutura sindical construída durante o governo Vargas deixou-nos uma
herança extremamente nefasta para a consolidação do movimento sindical no país. A outorga
da representação sindical pelo Estado sob a forma de monopólio (unicidade sindical), as
contribuições sindicais compulsórias e a tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação
reivindicativa fazem dos sindicatos oficiais um organismo fortemente dependente do Estado.
Sua representatividade, suas finanças e seu reconhecimento público pelo patronato e pela
mídia dependem, em última instância, do registro sindical expedido pelo Ministério do
Trabalho.
47
Para um sindicato ser o único representante de um determinado segmento de
trabalhadores por força de lei, é necessário que o Estado determine qual é esse sindicato, ou
seja, é necessário que o Estado reconheça oficialmente esse sindicato como único
representante de tais trabalhadores para efeito de negociação, acordos e convenções coletivas.
Para um sindicato receber em seus cofres os recursos provenientes das contribuições, também
é necessário que ele seja oficialmente reconhecido como sindicato: no caso das taxas
arrecadadas pelo Estado e repassadas aos sindicatos, como o imposto sindical, o registro
oficial do sindicato junto ao Estado é o elemento que permite saber quem pode e quem o
pode participar do rateio; caso esse registro não existisse, qualquer associação ou mesmo
grupo de pessoas poderia pleitear uma quota dessa arrecadação. Finalmente, para que um
sindicato possa entrar com um dissídio coletivo na Justiça do Trabalho, solicitando, desse
modo, uma sentença normativa desse ramo judiciário, é preciso que ele seja o representante
legal e, além disso, único, de um determinado segmento de trabalhadores.
O monopólio da representação sindical outorgado pelo Estado e a delimitação das
categorias profissionais retiram dos trabalhadores a possibilidade de escolher qual organismo
sindical poderia melhor representá-lo. Ele se integra, por assim dizer, numa estrutura
estabelecida de antemão. A garantia das contribuições sindicais compulsórias acomoda as
lideranças sindicais, que deixam de fazer campanhas junto aos trabalhadores para arrecadarem
recursos financeiros aos sindicatos. Tendo assegurado o monopólio legal da representação dos
trabalhadores em uma determinada base territorial e garantido a sustentação financeira, os
sindicatos tendem a alimentar processos internos de corrupção e auto-sustentação, formando
grupos de interesse que se perpetuam por um longo período nos cargos de direção. O
resultado desse quadro tem sido uma crescente burocratização dos sindicatos. Ademais, a
propalada virtude da unicidade sindical, que seria assegurar, segundo dizem os seus
defensores, a unidade da organização sindical dos trabalhadores, na verdade estimula,
associada à regalia das taxas sindicais obrigatórias, uma próspera indústria da criação de
sindicatos, fazendo do sindicalismo brasileiro um dos mais pulverizados do mundo.
À despeito das mudanças (sociais, políticas e econômicas) sofridas pelo país nas últimas
décadas, esta estrutura sindical ainda segue obstaculizando a “liberdade” de organização
sindical no país. Ao longo dos anos 90, foram esboçadas algumas tentativas de reforma, sem
muito sucesso. Os pilares da estrutura sindical corporativa ainda continuam em pé: sindicato
oficial reconhecido pelo Estado, fragmentação dos trabalhadores em sindicatos de categoria e
de base municipal, taxas sindicais obrigatórias impostas a todos os trabalhadores do mercado
formal, inclusive os não-sindicalizados, tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação
48
reivindicativa dos sindicatos. Os governos neoliberais, que era quem talvez se poderia esperar
uma ação mais sistemática no sentido de romper com a estrutura corporativa, não fizeram de
tal empreendimento um de seus objetivos maiores.
2.2 ALGUMAS TENTATIVAS DE REFORMA AO LONGO DA DÉCADA DE
1990
Um primeiro ensaio de reforma da estrutura sindical durante os anos 90 foi feito pelo
governo Collor. A iniciativa de Collor não visava à extinção da estrutura sindical, mas apenas
sua reforma. Esse projeto propunha abolir o imposto sindical, condicionar a cobrança da taxa
assistencial à prévia autorização de cada trabalhador e, o ponto mais polêmico, autorizar
comissões de empresa a negociarem salários e condições de trabalho com a direção da
empresa. Na estrutura sindical brasileira essa prerrogativa é atribuída exclusivamente aos
sindicatos oficiais, pois, através da unicidade, detêm o monopólio da representação sindical.
Ao que parece, a intenção dos autores do projeto era enfraquecer financeiramente os
sindicatos e impulsionar a flexibilização das leis trabalhista, através da negociação direta entre
os empresários e as comissões de empresa.
Tratava-se de uma reforma da estrutura corporativa que mantinha o artigo oitavo da
Constituição (que versa sobre o monopólio da representação sindical), embora procurasse,
através da atribuição de prerrogativas sindicais às comissões de empresa, contornar, na
prática, o sindicato de categoria e o estatuto da unicidade sindical, que atribui apenas aos
sindicatos oficiais o poder de negociação e contratação coletiva. Esta proposta de reforma foi,
no entanto, abandonada rapidamente. O governo não demonstrou determinação em levá-la
adiante e, tanto a CUT como a Força Sindical, posicionaram-se contra o projeto.
A CUT saiu em defesa da unicidade sindical e das contribuições sindicais compulsórias.
Além disso, posicionou-se contra o direito de organizar comissões de empresa nos locais de
trabalho. A CUT, que sempre discursou a favor da organização dos trabalhadores nos locais
de trabalho, recusou a proposta do governo Collor, pois concedia, às comissões de empresa, o
direito de representar os trabalhadores nas negociações de salários e condições de trabalho. A
CUT defende a organização nos locais de trabalho desde que suas decisões estejam integradas
(e subordinadas) às decisões dos sindicatos, e estes com as decisões das instâncias superiores,
de acordo com sua concepção de sindicato orgânico. No que diz respeito ao artigo do projeto
que previa o fim do imposto sindical, alguém poderia imaginar que ele teria provocado
49
comemorações nos meios cutista, o que não ocorreu. Não obstante os discursos favoráveis à
extinção do imposto sindical, muitos setores dentro da CUT se mostram reticentes quanto à
eliminação desse imposto.
No final da década de 1990, a discussão sobre a estrutura sindical brasileira voltou à
cena, graças a uma iniciativa do governo FHC, que enviou ao Congresso Nacional, em
outubro de 1998, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 623/98) que altera os artigos
oitavo, 111 e 114 da Constituição, artigos que versam sobre a organização sindical e a Justiça
do Trabalho. O governo apresentou tal proposta como uma medida democrática e
modernizadora, capaz de adequar as instituições do trabalho às novas regras de competição
internacional. A maioria dos sindicalistas (principalmente a CUT) saiu em defesa da estrutura
sindical corporativa, vendo na proposta apresentada pelo governo como um golpe mortal
contra o sindicalismo brasileiro.
No que se refere à Justiça do Trabalho, a medida buscava facilitar o acesso à arbitragem
facultativa. Estabelecia a conciliação extrajudicial como condição para que o trabalhador
pudesse ingressar com ações individuais na Justiça. Assim, caso o trabalhador fosse entrar
com um processo individual na Justiça do Trabalho ele teria que, primeiramente, recorrer à
tentativa de conciliação extrajudicial. A proposta do governo também reduzia o poder
normativo da Justiça do Trabalho, que só poderia julgar dissídios coletivos de natureza
econômica a pedido de ambas as partes ou unilateralmente e pelo Ministério Público do
Trabalho, em caso de lesão ao interesse público; e limitava a sentença normativa à escolha
entre uma das propostas em discussão ou a uma proposta intermediária. Tais mudanças,
todavia, provocaram diversas críticas por grande parte das organizações sindicais, pois
restringiam a possibilidade dos sindicatos acionarem a Justiça do Trabalho e, em caso de
conflitos individuais, obrigava o trabalhador a se submeter à mediação e conciliação
extrajudiciais antes de acionar o Judiciário.
Quanto à estrutura sindical, a PEC 623/98 eliminava o inciso II do artigo oitavo da
Constituição Federal (desconstitucionalizando o princípio da unicidade sindical), e alterava a
redação do inciso IV do mesmo artigo, possibilitando a extinção do imposto sindical e da
contribuição confederativa, pois eliminava, do texto Constitucional, a norma que atribui aos
sindicatos o poder de cobrar a taxa confederativa, que é uma das principais contribuições
sindicais obrigatórias que os sindicatos impõem aos trabalhadores (sócios e não-sócios), e
eliminava também a referência que a Constituição faz a outras contribuições sindicais
obrigatórias previstas em leis ordinárias. Todavia, como destaca Boito Jr (2002 p.77), a PEC
não suprimia e nem inviabilizava a manutenção dessas contribuições tanto na legislação
50
ordinária quanto na vida prática do sindicalismo, pois, na proposta apresentada pelo governo,
a responsabilidade pela sustentação financeira do aparelho sindical era atribuída à figura
imprecisa dos representados (e não dos associados) e impunha o desconto das contribuições
em folha de pagamento, o que, de certa forma, abria espaço para a tributação compulsória dos
trabalhadores (sócios e não-sócios dos sindicatos)
8
.
Segundo Galvão, a PEC 623/98 embora ataquasse de frente os pilares do
corporativismo, para que a unicidade e o imposto sindicais fossem definitivamente banidos da
legislação brasileira seria preciso suprimir, concomitantemente, a legislação ordinária, o que o
governo FHC não se propôs a fazer. Conforme a autora, para que não houvesse a menor
sombra de dúvidas quanto à extinção da unicidade e do imposto, seria preciso elaborar um
novo projeto de lei revogando o artigo 516 e o capítulo III da CLT, de modo que esses
princípios não subsistissem na legislação ordinária (Galvão, 2003 p.283-284).
Contudo, o governo FHC o optou por esse caminho, preferindo deixar em suspenso a
sobrevivência da estrutura sindical em legislação ordinária. Mesmo assim, muitos afirmavam
que a PEC 623/98 suprimiria, se aprovada, a estrutura sindical corporativa herdada do período
Vargas. Na verdade, a proposta de emenda constitucional do governo desconstitucionalizava
as normas básicas da estrutura sindical corporativa (unicidade e imposto sindicais), mas ao
fazê-lo, deixava que tais normas continuassem a subsistir na legislação ordinária, tornando
mais fácil a aprovação de medidas legais que visassem reformar ou suprimir tal estrutura.
É evidente, portanto, o contraste entre a parte da reforma que trata da organização
sindical e a que trata especificamente da Justiça do Trabalho. Como destaca Boito Jr, no
tocante à organização sindical, tudo fica em aberto, deixando o campo livre para a negociação
com os sindicalistas. No tocante à Justiça do Trabalho, o texto é afirmativo e detalhado, não
deixando dúvida sobre a restrição do acesso do trabalhador ao judiciário trabalhista e a
redução do poder normativo desse ramo do judiciário. Conforme Boito Jr, a Justiça do
Trabalho é um obstáculo à política desregulamentadora dos governos neoliberais, daí a pressa
em alterá-la. O autor levanta a hipótese de que o governo teria chantageado os sindicalistas
com sua proposta de mudança, ameaçando-os de suprimir definitivamente a estrutura sindical
caso não aceitassem as restrições ao judiciário trabalhista (Boito Jr, 2002 p.78).
De qualquer forma, o governo hesitou em romper com os pilares da estrutura sindical
corporativa. Alguns setores do sindicalismo brasileiro, em especial a CUT, associavam as
tentativas de reforma do governo Fernando Henrique ao conjunto de suas políticas
8
A PEC 623/98 estabelecia que “a assembléia geral, observado o princípio da razoabilidade, fixará a
contribuição devida ao sindicato pelos seus representados, a qual será descontada em folha de pagamento”.
51
neoliberais, visando ao enfraquecimento do movimento sindical e a retirada de direitos dos
trabalhadores. A intenção do governo era, principalmente, eliminar os dispositivos que, de um
certo modo, dificultavam a flexibilização das leis trabalhistas, mantendo, ao mesmo tempo, a
estrutura dos sindicatos oficiais. O discurso neoliberal sempre se apresentou como um crítico
do “estatismo” e da “era Vargas”. Porém, os governos neoliberais não demonstraram interesse
efetivo em desmontar o aparelho sindical, convivendo pacificamente com o corporativismo de
Estado e, ao mesmo tempo, rechaçando os direitos sociais consolidados durante o período
Vargas. Os mesmos governos neoliberais que implementaram grandes esforços em
desregulamentar o mercado de trabalho via eliminação de direitos consolidados na
Constituição e na CLT, preservaram intocada a estrutura sindical corporativa.
2.3 O GOVERNO LULA E A CRIAÇÃO DO FÓRUM NACIONAL DO
TRABALHO
As eleições presidenciais em 2002 e a vitória do governo Lula, novamente reacenderam
as discussões sobre a estrutura sindical corporativa. Era a primeira vez que um presidente,
cuja base de sustentação ascendia dos movimentos populares, estava disposto a, efetivamente,
levar a cabo a reforma do sindicalismo brasileiro. Os discursos apontavam para a necessidade
de renovar as instituições do trabalho, fortalecendo os sindicatos, tornando-os mais
representativos para defenderem os interesses dos trabalhadores em um cenário de acirrada
competitividade global.
A impressão era que, depois de muitas décadas e de várias tentativas de reforma, a
estrutura sindical corporativa estava com seus dias contados. Integrantes do governo
mostravam um certo entusiasmo em superar o corporativismo nas relações de trabalho. Em
artigo publicado pela Folha de São Paulo de 23 de fevereiro de 2003, o então Ministro do
Trabalho e Emprego do Governo Lula, Jaques Wagner, assinalava:
É curioso que, nos últimos dez anos, a despeito do crescimento econômico
modesto, o número de sindicatos teve aumento expressivo, chegando a 16 mil
agremiações. Mais curioso é o fato de que a taxa de sindicalização entre ocupados
se tenha mantido nos mesmos patamares do início dos anos 90 em torno de 26%.
[...]. O crescimento quantitativo dos sindicatos parece, portanto, ter resultado menos
do avanço da organização sindical [...] e mais da fragmentação das entidades
existentes. Essa pulverização sinaliza necessidade de rever os problemas
enfrentados na representação de trabalhadores e empregadores. [...]. Somos a favor
de uma revisão do imposto sindical. A cobrança deste imposto é um dos maiores
incentivos à formação de “sindicatos cartoriais”.
[...]. É evidente, portanto, a
necessidade de superar o atual modelo de organização sindical, sempre
criticado por sua origem autoritária e corporativista. É preciso passar das
52
idéias luminosas para a concretização de uma reforma verdadeiramente
democrática.
Isso exigirá não grande disposição para buscar soluções
negociadas, mas o compromisso de sintonizar a reforma sindical e trabalhista com
as novas exigências do desenvolvimento econômico e social e com a necessidade
de geração de emprego e renda (Wagner, 2003) [grifos nossos].
Para a reforma da estrutura corporativa, o governo Lula instituiu o Fórum Nacional do
Trabalho, que contava com representantes dos trabalhadores, do governo e dos empresários,
criando um espaço onde as discussões seriam encaminhadas, segundo os integrantes do
Fórum, de forma democrática, evitando decisões unilaterais. Diante de um cenário de forte
ofensiva sobre os trabalhadores, a organização de um Fórum Tripartite, destinado a elaborar
reformas que, como proclamavam representantes do governo, iriam fortalecer os sindicatos e
torná-los mais representativos soava, no mínimo, com um grande avanço. Em seu programa
de governo, Lula apontava a necessidade de organizar um Fórum de discussões onde se
pudesse elaborar um novo projeto de reforma da estrutura sindical:
Com o objetivo de promover a mais ampla reforma da legislação trabalhista, o
governo convocará todas as entidades sindicais representativas dos trabalhadores e
empregadores a constituírem um Fórum Nacional do Trabalho, estruturado de
forma tripartite. Sua finalidade imediata será a de preparar, democraticamente, as
propostas da legislação atual (Coligação Lula Presidente, 2002 p. 23).
A opção por um Fórum Tripartite, mais do que um exercício de cautela consistiu numa
tática específica adotada pelo governo para viabilizar uma reforma de difícil execução. Em
documentos e pronunciamentos oficiais, explicitou-se repetidamente que o diálogo e a
negociação poderiam favorecer a elaboração de projetos legislativos sobre a reforma sindical
e trabalhista que teriam chances de serem aprovados no Congresso Nacional. Foi assim que o
governo Lula estruturou o FNT e convocou os principais agentes diretamente envolvidos para
dar uma maior legitimidade ao projeto de reforma e às inovações pretendidas.
A criação do Fórum Nacional do Trabalho seria, portanto, o primeiro passo do novo
governo em encampar e fomentar as discussões em torno da temática sindical/trabalhista.
Criado para modernizar as instituições de regulação do trabalho” o Fórum definia-se como
um espaço de articulação de propostas, definidas em comum por trabalhadores, patrões e o
governo, para uma reforma sindical e trabalhista, a qual seria, portanto, fruto do diálogo e da
negociação entre todos os atores sociais, e tinha como principais objetivos:
[...] promover a democratização das relações de trabalho por meio da adoção de um
modelo de organização sindical baseado na liberdade e autonomia;
atualizar a
legislação do trabalho e torná-la mais compatível com as novas exigências do
desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente propício à geração
de emprego e renda; modernizar as instituições de regulação do trabalho,
especialmente a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego;
53
estimular o diálogo e o tripartismo e assegurar a justiça social no âmbito das leis
trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais
9
.
Todavia, ao afirmar que a urgência da reforma decorreria das necessidades em se
adequar as leis e as instituições do trabalho às novas exigências de concorrência do
capitalismo mundial, deixa claro que, muito mais do que fortalecer o movimento sindical, a
intenção do governo era atender, principalmente, os interesses do capital em seu estágio
globalizado, criando uma série de mecanismos cerceadores para impedir a constituição de um
sindicalismo realmente livre” e democrático. Ou seja, a preocupação do governo não era
conduzir o movimento operário a um novo patamar de força, e sim adequar as instituições de
regulação do trabalho às necessidades de acumulação em um cenário de acirrada
competitividade global. Ademais, definitivamente, não é no campo das reformas que serão
encontradas as respostas exigidas pela classe trabalhadora brasileira, mesmo em relação às
suas lutas cotidianas mais imediatas. Em matéria publicada na Folha de são Paulo em 27 de
agosto de 2003, o ex-ministro do trabalho, Jaques Wagner, declara:
Não vamos vender ilusão. Reforma sindical e trabalhista não gera emprego [...] as
pessoas ficam achando que quando fizer a reforma trabalhista, , sim, virão mais
empregos. Não é verdade. Pode facilitar. Se puder ter alguma forma para deixar a
folha de pagamento totalmente liberada, é salutar. Agora o vamos dizer que isso
gerará empregos. Isso pode trazer parte dos informais para a formalidade. O que
gera emprego é crescimento econômico.
Essa declaração feita pelo ex-Ministro do Trabalho deixa claro que, à despeito da
afirmação do governo de que a reforma sindical e trabalhista estimularia a geração de
emprego e renda (adequando a legislação do trabalho às novas determinações do capitalismo
mundial), o aumento do emprego estaria atrelado, principalmente, ao crescimento da
economia brasileira, ou seja, a reforma em si não seria capaz de resolver o problema do
desemprego, sendo apenas um mecanismo para adequar as leis trabalhistas em um cenário de
crescimento econômico facilitando a contratação e dispensa de trabalhadores. Por outro lado,
mesmo que sob o leque da “modernidade” ou da justiça social”, o campo das reformas na
medida em que não aponte para um projeto societal de maior envergadura, nasce
essencialmente conservador, pois, ao se apresentar como uma reforma restrita às
institucionalidades do mundo burguês o contribui para a defesa dos interesses históricos da
classe trabalhadora, mesmo que se trate de uma reforma necessária do ponto de vista das lutas
contingentes dos trabalhadores.
9
Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em <http://www.mte.gov.br/fnt/objetivos/asp. Acesso em :
11/06/2007 [grifos nossos].
54
2.4 DIAGNÓTICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Além do estímulo à negociação e à busca de consenso entre capital e trabalho, o
objetivo anunciado do governo era “modernizar” a estrutura sindical brasileira
“democratizando” as relações de trabalho no país. Nesse sentido, com base no entendimento
de que a estrutura sindical teria operado uma pulverização, acomodação e conseqüente
enfraquecimento dos sindicatos e de que a reforma da legislação trabalhista seria fundamental
para equacionar os problemas contemporâneos do mundo do trabalho, o governo federal
apresentou, logo no início das atividades do Fórum, um relatório onde fazia um “diagnóstico
das relações de trabalho no Brasil”
10
.
O relatório do governo apresentado ao FNT faz uma dura crítica ao sistema corporativo
e à dinâmica das relações de trabalho no país, cujos problemas teriam se avolumado na
década de 1990. Apesar das modificações introduzidas pela Constituição Federal de 1988,
sobretudo a eliminação dos instrumentos mais explícitos de intervenção estatal, o
entendimento do governo era de que o Estado ainda continuava a interferir na organização
sindical, na negociação coletiva e na solução dos conflitos trabalhistas. A expressão dessa
continuidade estaria, segundo o relatório, na manutenção da unicidade, do sistema
confederativo, do imposto sindical e do poder normativo da Justiça do Trabalho, assim como
na criação de uma nova fonte de arrecadação compulsória, a contribuição confederativa.
Um dos pontos de maior destaque da crítica governamental ao sistema corporativo é o
crescente processo de pulverização pelo qual havia passado as organizações sindicais. O
“fim” do controle estatal sobre os sindicatos estaria na origem do crescimento no número de
sindicatos verificado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo o
relatório do governo, entre 2002 e 2004, foram emitidas, pelo MTE, 1013 novas certidões de
registro sindical, a dezembro de 2004 existiam em tramitação na Coordenação Geral de
Registro Sindical CGRS 4547 pedidos de registro sindical. Ao mesmo tempo, o número de
associados a sindicatos de trabalhadores cresceu apenas 22%, o que indicaria a tendência à
redução do tamanho médio dos sindicatos:
Como pode ser constado a partir dos dados mencionados, o aumento do número de
sindicatos resultou menos do avanço da organização sindical e bem mais da
fragmentação das entidades existentes. A pulverização trouxe consigo o
enfraquecimento da representação de trabalhadores e empregadores. O contraste
10
Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em
<http://www.mte.gov.br/fnt/DIAGNOSTICO_DAS_RELACOES_DE_TRABALHO_NO_BRASIL.PDF.
Acesso em 29/06/2007.
55
entre o crescimento numérico de entidades e o baixo ritmo de atividade econômica
representa certo artificialismo na vida sindical brasileira, [...]
o que impõe a
necessidade de superar o atual modelo de organização sindical, muito
criticado por sua origem autoritária, corporativista e por sua baixa
representatividade
[grifos nossos].
Por fim, o diagnóstico destaca o crescente processo de descentralização da negociação
coletiva e enfatiza que o predomínio da solução judicial dos conflitos teria elevado o volume
de ações trabalhistas e a postergação de impasses que poderiam se resolver por meio de
composição voluntária. O diagnóstico conclui que o atual modelo de organização sindical foi
se esgotando ao longo dos anos por suas distorções e incoerências, reafirmando a necessidade
de uma reforma “democrática” do sistema de relações de trabalho.
No entanto, convém destaca, à despeito da alegada intenção em superar o
corporativismo nas relações de classe no país, como ficou claro ao longo dos trabalhos
desenvolvidos no Fórum, as posições mais conservadoras foram ganhando terreno, reduzindo
os espaços para reformas mais amplas da estrutura sindical. Para acomodar” divergências
internas à CUT, a Articulação Sindical, por exemplo, recuou em sua proposta de instituir um
“Sistema Democrático de Relações de Trabalho” no país (que apontava para uma reforma
profunda da legislação sindical brasileira com a aprovação da Convenção 87 da OIT),
levantando a bandeira de uma “reforma possível da estrutura sindical”. Mesmo com esse
recuou, não foi capaz de evitar o acirramento das divergências em seu interior, tendo assistido
a um razoável quadro de divisões com a saída, principalmente, do PSTU em 2004 e da
Corrente Sindical Classista em 2007.
O governo, contrariando seus discursos anteriores, também acabou recuando em sua
proposta de reforma ampla da legislação referente à organização sindical. Se esse recuo foi
estratégico para costurar acordos e acomodar interesses divergentes, ele não foi suficiente
para evitar críticas. Ao contrário do afirmavam representantes do governo, o documento final
aprovado no FNT sempre esteve longe de representar qualquer consenso, mesmo no interior
do próprio movimento sindical. As confederações, alijadas dos debates realizados no FNT e
historicamente contrárias às mudanças na estrutura sindical, criaram um Fórum paralelo, o
Fórum Sindical do Trabalho, para expressar e articular sua resistência. A grande crítica
endereçada pelas organizações de trabalhadores às discussões realizadas no âmbito do Fórum
é que elas foram centralizadas pelas centrais, que não discutiram as propostas de reforma com
as bases. Conforme destaca José Carlos Schulte (dirigente da Confederação Nacional no
Comércio):
56
O FST se opõe ao FNT governista e patronal. o aceitamos definir o futuro do
sindicalismo junto com o patronato, com os banqueiros que sugam nossas riquezas.
Isto não significa que o FST seja contra qualquer mudança na estrutura sindical. O
que rejeitamos é um falso reformismo que retire direitos dos trabalhadores e
enfraqueça o sindicalismo. Conhecendo, inclusive, as propostas do FNT e
comparando-as com as nossas, do FST, entendemos que as que apresentamos
representam avanços significativos na organização sindical dos trabalhadores, no
rumo do aprimoramento da estrutura sindical atual, que tem sim muitos defeitos.
Mas as nossas propostas não destroem a atual estrutura como as que o
apresentadas pelo FNT (Schulte, 2004 p. 129-130).
Das discussões realizadas no Fórum culminou na elaboração de uma proposta de
emenda constitucional PEC 369/05, dando nova redação aos artigos 8, 11, 37 e 114 da
Constituição Federal e de um anteprojeto de lei, envido ao Congresso em março de 2005. O
documento em si traz algumas modificações importantes, todavia, não elimina os pilares da
estrutura sindical corporativa. Na verdade, o texto resultante foi um texto ambíguo que, em
muitos aspectos, reforçam o corporativismo e, em outros, como destaca Galvão (2004 p.52)
abrem brechas para mudanças mais profundas, sendo que a possibilidade de um pluralismo
sindical não esta completamente descartada.
2.5 A PROPOSTA DE REFORMA SINDICAL DO FNT E A CONVENÇÃO 87
DA OIT
Desde o início dos trabalhos desenvolvidos no Fórum a impressão era de que a
aprovação da Convenção 87 da OIT seria, finalmente, consumada no Brasil. Logo na
exposição de motivos encaminhada ao governo Lula, o então Ministro do Trabalho, Ricardo
Berzoini, alegava que a reforma sindical visava permitir a consolidação de um sindicalismo
realmente “livre e autônomo” em relação ao Estado. Conforme destacava:
A superação dos obstáculos constitucionais à modernização do sistema de relações
sindicais é a base para a constituição de uma atmosfera de ampla liberdade e
autonomia, sem a qual persistiremos prisioneiros de um sistema sindical
estigmatizado pelo artificialismo em seus mecanismos representativos. [...] A
Reforma da Legislação Sindical é um dos mais caros compromissos de mudança
desta gestão, em função do atraso estrutural das normas vigentes.
Permitir uma
organização sindical realmente livre e autônoma em relação ao Estado
, além de
fomentar a negociação coletiva como instrumento fundamental para a solução de
conflitos, são objetivos essenciais para o fortalecimento da democracia e estímulo à
representatividade autêntica (Exposição de Motivos, PEC 369/2005)
[grifos nossos].
Em alguns pontos o documento enviado ao Congresso deixa em aberto a aprovação da
Convenção 87 da OIT, que é referência em matéria de liberdade e autonomia” sindicais. De
acordo com inciso I do artigo oitavo da proposta de emenda constitucional: “o Estado o
57
poderá exigir autorização para a fundação de entidade sindical, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção nas entidades sindicais”.
Este dispositivo estabelece, em princípio, “liberdade e autonomia” organizativas para a
criação e gestão dos sindicatos, abrindo a possibilidade tanto para o estabelecimento de um
regime de pluralidade sindical quanto para a unificação, de fato, do movimento operário.
Em primeiro lugar, a Convenção 87 da OIT não opta pela pluralidade ou unidade
sindical. Entretanto, ela considera que o pluralismo deve ser possível sempre que desejado,
para evitar prejuízos aos representados pelo mau exercício da exclusividade. Por exemplo, se
o sindicato único o imposto pelo Estado deixasse de atender aos interesses de seus
associados, nova organização poderia ser formada com o intuito de representá-los.
Em segundo lugar, de acordo com a OIT, existe uma diferença fundamental entre a
vigência de um monopólio sindical instituído e mantido por lei (a unicidade sindical) e a
decisão voluntária dos trabalhadores ou de seus associados de criar uma organização sindical
única, que não resulte da aplicação de uma lei promulgada para esse fim, como no caso do
Brasil. Então, a unicidade sindical não pode ser confundida com a simples existência, de fato,
de apenas um sindicato funcionando como representante de um determinado segmento de
trabalhadores. A unicidade sindical é o sindicato único estabelecido em lei. situações em
que existe apenas um organismo sindical, sem que exista a unicidade. Segundo Boito Jr, na
Inglaterra o sindicato unitário não decorre de uma imposição legal. Neste país, existe o direito
ao irrestrito pluralismo sindical, mas a organização sindical dos trabalhadores é unitária. E
vice e versa. Conforme o autor, num país como a Polônia, onde existem dois sindicatos
disputando a representação dos trabalhadores, o sindicato Livre Solidariedade e o sindicato
oficial, existe a unicidade sindical, uma vez que a lei estabelece que apenas um sindicato, no
caso o sindicato oficial polonês, pode representar sindicalmente os trabalhadores. É claro,
contudo, que, nesse caso, a norma legal da unicidade encontra-se em crise. A unicidade
sindical é o monopólio legal da representação sindical concebido pelo Estado. Trata-se, então,
não de um monopólio de fato, mas legal, que, como tal, pode ser uma concessão do Estado
(Boito Jr, 1991b p. 27-28). Assim, a unicidade sindical imposta direta ou indiretamente por lei
afasta-se dos princípios de liberdade e autonomia” sindicais, expressamente, estabelecidos
pela OIT.
Em pelo menos mais três pontos o anteprojeto de lei enviado ao Congresso também
aponta para a aprovação da Convenção 87 da OIT. Reza o artigo terceiro do Anteprojeto de
Lei de Relações Sindicais: “Integram o sistema sindical os princípios da Organização
Internacional do Trabalho – OIT sobre liberdade sindical, proteção ao direito sindical, diálogo
58
social, negociação coletiva, representação dos trabalhadores nos locais de trabalho e consulta
tripartite, e os princípios do direito do trabalho, observadas as disposições desta lei”. Este
mesmo anteprojeto em seus artigos quinto e sexto afirma respectivamente: “Os trabalhadores
e os empregadores têm o direito de livre filiação, participação, permanência e desligamento
das entidades sindicais”; “As entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores podem
eleger livremente seus representantes, organizar sua estrutura representativa e sua
administração, formular seu programa de ação, filiar-se às respectivas organizações
internacionais e elaborar seus estatutos, observando princípios democráticos que assegurem
ampla participação dos representados”.
Conforme analisamos, a exposição de motivos encaminhada ao governo Lula pelo
Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, alega que a reforma sindical visa a “permitir uma
organização sindical realmente livre e autônoma em relação ao Estado”. Os mesmos artigos
acima citados deixam em aberto a aprovação da Convenção 87 da OIT, que versa sobre
“liberdade e autonomia” sindicais. Todavia, um exame mais detalhado tanto da proposta de
emenda constitucional quanto do anteprojeto de lei de relações sindicais, indica que essa
afirmação do então Ministro Ricardo Berzoini é falaciosa. O documento enviado ao
Congresso não assegura “liberdade” de organização sindical, tampouco “autonomia” em
relação ao Estado; pelo contrário, aumenta as formas de intervenção estatal em vários
aspectos. O que os idealizadores do projeto de reforma sindical conseguiram não foi aprovar
uma proposta que finalmente instituísse um regime de “autonomia e liberdade” sindicais
(mesmo que se trate de uma liberdade sindical limitada aos parâmetros estabelecidos pela
Organização Internacional do Trabalho), mas sim chegaram a uma proposta onde a
intervenção estatal seria uma prática muito mais freqüente e sistemática do que é hoje.
A intervenção estatal ocorre de várias formas. Em primeiro lugar, por meio do
estabelecimento de rígidos critérios de representatividade” para que as entidades sindicais
possam adquirir existência legal. Esses critérios dificultam, na prática, a criação de novos
sindicatos, pois para obter representação sindical é necessário que os sindicatos comprovem
“representatividade” mínima igual ou superior a 20% de trabalhadores sindicalizados em uma
determinada base territorial. As Centrais Sindicais e as Confederações também ficam
submetidas a um rígido critério de representatividade” que inclui a necessidade de
comprovar sua inserção em um número mínimo de estados.
Em segundo lugar, a intervenção estatal se por meio da atribuição de personalidade
sindical aos sindicatos que preencherem os requisitos de “representatividade”. Reza o inciso II
do artigo oitavo da PEC 369/2005: “O Estado atribuirá personalidade sindical às entidades
59
que, na forma da lei, atenderem requisitos de representatividade, de agregação que assegurem
a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva e de
participação democrática dos representados”. É o Estado, por meio do Conselho Nacional de
Relações de Trabalho (CNRT) cuja criação é proposta pelo artigo 120 do projeto de lei de
relações sindicais – que reconhece oficialmente as entidades sindicais.
Ao CNRT caberá, entre outras tarefas, acompanhar o cumprimento dos critérios de
“representatividade” pelas entidades sindicais, reavaliar esses critérios periodicamente, cassar
a personalidade sindical das entidades que descumprirem os critérios de “representatividade”,
mediar e conciliar as disputas de representação (o que significa que a representatividade” de
uma entidade sindical pode ser contestada por outras, mesmo que o disponham de
personalidade sindical). Cumpre destacar que tanto as entidades de empregadores quanto as
de trabalhadores já registradas antes do início da vigência da lei terão um período de transição
para se adequar às novas exigências. O Ministério do Trabalho cancelará a exclusividade de
representação do sindicato se, no término do período de transição, não for comprovada a
“representatividade”, hipótese em que poderá existir mais de um sindicato no mesmo âmbito
de representação
11
.
Em terceiro lugar, a intervenção estatal se manifesta pela definição de um estatuto
padrão para os sindicatos com direito de representação exclusiva. De acordo com o inciso IV
do artigo 133 do projeto de lei de relações sindicais, cabe ao CNRT: Propor, para aprovação
do Ministério do Trabalho e Emprego, as disposições estatuárias nimas a serem observadas
pelos sindicatos que postularem a exclusividade de representação, visando assegurar os
princípios de liberdade organizativa, democracia interna e de respeito aos direitos de
minoria”. Em caso de descumprimento desta norma cabe ao CNRT cancelar a exclusividade
de representação dos sindicatos.
11
Existe uma diferença fundamental entre representação e representatividade. Segundo Castilho (2000 p. 66
apud Santos, 2005 p. 49), o termo representação se refere à capacidade jurídica de um sindicato de agir como
pessoa moral e em nome de seus membros, enquanto que o termo representatividade, vai além do direito,
traduzindo a identificação dos trabalhadores a seu sindicato, seu sentimento de serem realmente representados
por seus dirigentes. Dessa maneira, a obtenção de um registro sindical pode atribuir representação jurídica, mas
não pode dar garantias de que os trabalhadores se identificarão ao sindicato. Para concluir, segundo o autor, o
direito do trabalho utiliza geralmente um critério quantitativo com a finalidade de decidir quem deveria deter o
poder de representação sindical. Pois bem, é justamente essa diferenciação que não é estabelecida pelo Fórum
Nacional do Trabalho, pois, conforme veremos, ao trabalhar simplesmente com critérios numéricos para medir a
“representatividade” dos sindicatos, o consegue dar conta de que para medir a representatividade de qualquer
entidade sindical deve-se ir além do simples “contar cabeças”, procurando identificar as relações que se
estabelecem entre sindicatos e trabalhadores, ou seja, a capacidade dos sindicatos mobilizarem suas bases e
obterem o apoio de seus representados sempre que necessário. Definitivamente, este aspecto do termo
representatividade não foi discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Nesse sentido, ao utilizarmos esse termo
segundo a acepção dada pelo FNT faremos uso das aspas para demonstrar que ele foi indevidamente
conceituado, operando uma confusão entre representação e representatividade.
60
A idéia de criar critérios de “representatividade” para o reconhecimento das entidades
sindicais era de que, a partir destes critérios, os sindicatos que apresentavam um reduzido
número de trabalhadores sindicalizados teriam que se esforçar para provar sua
“representatividade”, caso contrário perderiam suas prerrogativas sindicais e sofreriam
concorrência de outros sindicatos com número maior de trabalhadores sindicalizados na base.
Com estes critérios estabelecidos, estimularia uma maior sindicalização dos trabalhadores e
dificultaria a criação de sindicatos de “carimbo”, evitando, assim, a burocratização dos
sindicatos e sua esclerose institucional. Todavia, o que os idealizadores do projeto criaram foi
uma forma permanente de intervenção do Estado na vida sindical, cassando registros de
sindicatos para outorgá-los a outras associações, fiscalizando os critérios de
“representatividade”, julgando as disputas de representação, punindo os sindicatos que
descumprirem o estatuto padrão e as regras de representatividade”, enfim, exigindo uma
fiscalização tão rigorosa sobre a vida dos sindicatos que as atuais formas de intervenção
estatal parecerão o mais liberal dos mundos.
Ademais, o projeto de reforma enviado ao Congresso na medida em que impõe uma
série de dificuldades para a criação de novos sindicatos e um grande número de mecanismos
de intervenção estatal sobre os organismos sindicais, se opõe frontalmente à Convenção 87 da
OIT, cujo artigo segundo estabelece que trabalhadores e empregadores, sem nenhuma
distinção e sem prévia autorização, m o direito de constituir as organizações sindicais que
acharem convenientes [...]”, e ao artigo terceiro dispõe que:
As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de elaborar seus
estatutos e regimentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de
organizar sua administração e suas atividades e de formular seu programa de ação;
as autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que tenda a limitar
esse direito ou dificultar seu exercício legal (OIT, 1993).
A OIT estabelece também o direito dos trabalhadores constituir organizações sindicais
de sua própria escolha e de a elas livremente se filiarem. Isto envolve a livre determinação da
estrutura e composição dos sindicatos, o direito de criar uma ou mais organizações em
qualquer empresa, profissão ou setor de atividade, e o direito de constituir, com absoluta
liberdade, federações e confederações (OIT, 1993). A OIT considera que qualquer disposição
de natureza discriminatória, que permita às autoridades públicas negarem o registro e o
funcionamento de um sindicato, contraria o princípio da “liberdade sindical”. Deste modo, ao
impor uma rie de dificuldades para a constituição de sindicatos, ao criar uma série de
mecanismos de intervenção estatal sobre as entidades sindicais, ao restringir, enfim, tanto a
pluralidade sindical quanto a unificação, de fato, dos trabalhadores, as resoluções do FNT
61
ferem o princípio de “liberdade e autonomia” sindicais estabelecidos pela Organização
Internacional do Trabalho.
Pois bem, este fato evidencia que o capital não pode prescindir de uma estrutura, senão
repressiva, ao menos que se mostre de controle, uma vez que a constituição de um
sindicalismo realmente unificado, democrático e representativo (mesmo que limitado aos
parâmetros estabelecidos pela OIT), pode significar um acirramento das divergências políticas
no interior da ordem burguesa, dificultando a livre exploração do capital. Não estamos aqui
defendendo o reformismo social estabelecido pela Organização Internacional do trabalho, mas
simplesmente constatando o fato de que em um país como o Brasil que, a décadas, vem
sofrendo com a burocratização de grande parte dos sindicatos e a reduzida taxa de
sindicalização existente no país, mesmo a aprovação de um regime de organização sindical
restrito aos parâmetros estabelecidos pela OIT representa um certo avanço na medida em que
possa proporcionar uma ativação da vida sindical, reduzindo o seu artificialismo e
alavancando a representatividade do sindicalismo brasileiro.
Nesse sentido, o projeto de reforma sindical elaborado no Fórum Nacional do Trabalho,
ao impor uma série de restrições à atividade dos sindicatos (reduzindo os espaços para a
consolidação de um sindicalismo verdadeiramente democrático), evidencia que a preocupação
do governo Lula não era conduzir o movimento sindical a um novo patamar de força, muito
menos aprovar a Convenção 87 da OIT (conforme o anunciado), mas silenciar e conter a
movimentação “autônoma” dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de
destacar que, a reivindicação de “liberdade e autonomia” sindicais por parte de alguns setores
do movimento operário (particularmente pela Articulação Sindical), não representa a
liberdade em sua plenitude, pois, como entendemos, não é possível haver autonomia em
relação ao Estado tendo simplesmente como perspectiva o horizonte do capital e a esfera das
institucionalidades do mundo burguês. Dessa forma, ao não apontar para a construção de uma
nova sociabilidade, nem para um projeto societal capaz de instituir a hegemonia do trabalho, a
“liberdade sindical” limitada aos parâmetros da OIT nasce essencialmente conservadora,
reduzindo-se a uma “liberdade” para negociar as formas de uso e remuneração do trabalho
dentro do jogo capitalista e das regras de mercado.
2.6 UNICIDADE E PLURALISMO SINDICAL RESTRITO
Sem dúvida alguma, um dos pontos mais polêmicos da reforma sindical discutido no
FNT foi a questão da unicidade sindical; isso porque esse dispositivo, consagrado na
Constituição Federal de 1988, encontra árduos defensores tanto no meio empresarial quanto
62
no interior do próprio sindicalismo. A saída buscada no âmbito do Fórum foi tentar conciliar
unicidade com pluralismo sindical restrito, criando, para isso, uma legislação excessivamente
detalhada, o que ensejará uma sistemática intervenção do Estado para colocá-la em prática.
A desculpa para tal procedimento era que, o obstante a unicidade em si ter operado
uma distorção das entidades sindicais, contribuindo para a constituição de sindicatos de
“carimbo”, pouco representativos e avessos à mobilização das bases, esse dispositivo teria
contribuído para a organização dos trabalhadores e “unificação” do movimento sindical. Ao
mesmo tempo, a instalação do regime de pluralidade iria fragmentar ainda mais a atividade
dos sindicatos. A saída buscada nem elimina por completo a unicidade e nem instala um
regime de irrestrito pluralismo sindical. Na verdade, opera uma espécie de meio-termo entre
“unicidade concorrencial” (pois mesmo os sindicatos com exclusividade de representação
teriam que provar sua “representatividade”, podendo, em determinadas situações, sofrerem
concorrência em sua base territorial), com um regime de “pluralismo sindical restrito”,
baseado no princípio do (s) sindicato (s) mais “representativo” (s) (os sindicatos criados a
partir da aprovação da nova lei ficariam submetidos a esse regime). Vejamos como isso
funciona.
Os sindicatos com registro sindical anteriores à nova lei que comprovarem
“representatividade” mínima igual ou superior a 20% de sindicalizados em sua base de
territorial poderão adquirir a exclusividade da representação sindical, desde que, em
assembléia de trabalhadores faça as alterações em seu estatuto aderindo às regras previstas na
nova legislação. De acordo com os artigos 38 e 39 do projeto de lei de relações sindicais:
“Para os fins desta lei, considera-se exclusividade de representação a concessão de
personalidade sindical a um único sindicato no respectivo âmbito de representação”; “O
sindicato que obteve registro antes da vigência desta lei poderá obter a exclusividade de
representação mediante a deliberação de assembléia geral de filiados e a inclusão em seu
estatuto de normas destinadas a garantir princípios democráticos que assegurem a ampla
participação dos representados”.
O que vem a ser isso? A exclusividade de representação nada mais é que uma reedição
do velho monopólio sindical, expresso em outros termos. Segundo os idealizadores do
projeto, a unicidade sindical ganharia, assim, uma roupagem mais “democrática”, pois estaria
submetida a critérios de representatividade”, podendo sofrer, em determinadas ocasiões,
concorrência na base (o que levaria os dirigentes sindicais a estimularem a sindicalização dos
trabalhadores, evitando a criação de “sindicatos de carimbo” e “revitalizando” os sindicatos
existentes). Desta forma, embora a proposta de emenda constitucional (PEC 639/05) revogue
63
o inciso II do artigo oitavo da Constituição Federal, eliminando a unicidade, o Projeto de Lei
de Relações Sindicais enviado ao Congresso confere aos sindicatos que obtiverem o registro
sindical antes da promulgação da lei o direito de manter a exclusividade de representação.
Para tanto, basta que essa decisão seja aprovada em assembléia. Após ter sido deliberado
sobre o assunto, o sindicato dispõe de um longo período de transição para comprovar sua
“representatividade”. A única exigência mais “imediata” é que comprove, num prazo de doze
meses, a incorporação das “disposições estatuárias nimas” determinadas pelo Conselho
Nacional de Relações de Trabalho.
Todavia, o PL admite a perda da personalidade sindical caso o sindicato não comprove
sua “representatividade” no prazo definido, ou caso não observe os requisitos estatuários
estabelecidos. O sindicato que perder o direito à representação exclusiva pode, neste caso,
passar a sofrer a concorrência de outras entidades que disputarão o mesmo âmbito de
representação sindical. Reza o artigo 41 do PL: “O Ministério do Trabalho e Emprego
cancelará a exclusividade de representação do sindicato se, no término do período de
transição estabelecido nesta lei, não for comprovada a representatividade, hipótese em que
poderá existir mais de um sindicato no mesmo âmbito de representação”.
Este modelo de “unicidade concorrencial”, de certa forma, havia sido proposto por
Evaristo de Moraes Filho e Francisco Weffort. A proposta de Evaristo de Moraes tem a
particularidade de tentar combinar unicidade com concorrência, o que, para ele, seria a
fórmula para se assegurar a unidade, evitando o inconveniente da burocratização dos
sindicatos. Nesse sistema seria preservado o monopólio legal da representação sindical (o
autor é um árduo defensor da unicidade sindical). Porém, o sindicato titular desse monopólio
teria de provar, permanentemente, a sua real “representatividade” (o autor o define quais
seriam os critérios para definir a representatividade dos sindicatos, o que nos leva a supor que
ele também estabelece uma confusão entre representação e representatividade). Caso
contrário, ele perderia esse privilégio para uma associação mais representativa. Segundo o
autor:
No sistema nacional, uma vez reconhecida uma associação como sindicato,
estabiliza-se o quadro sindical, sem que o sindicato venha a perder a prerrogativa de
representação da categoria. Pelo menos, não conhecemos até agora nenhum caso
desta espécie: de uma associação profissional, mais representativa da profissão do
que o sindicato reconhecido, conseguir tirar-lhe esses poderes, substituindo-o na
organização da classe. Nestes onze anos de experiência do 1.402, conquistada a
posição por um sindicato, nunca mais se modifica, com acesso de uma associação
profissional mais forte, numerosa e poderosa. Vemos às vezes uns sindicatos
raquíticos, de autêntico viveiro ministerial subsistir em detrimento de outras
organizações profissionais bem mais representativas (Moraes, 1978, p. 271-
272).
64
Conforme destaca Evaristo de Moraes o sistema proposto por Oliveira Vianna seria um
modelo ideal caso o reconhecimento dos sindicatos mais “representativos” pudesse ser levado
a efeito a qualquer tempo, e não exclusivamente no início da formação do sindicato da
categoria. Para o autor, o quadro sindical deveria ser móvel, plástico, dúctil, sem parar nunca,
dando estímulo permanente não só às associações profissionais, como igualmente aos
próprios sindicatos, reconhecidos, que se esforçariam por merecer o lugar de destaque que
lhes foi conferido:
O sistema proposto por Oliveira Vianna seria deveras exemplar se as associações
profissionais sindicalizáveis se transformassem em sindicatos automaticamente,
sempre que uma delas fosse, em realidade, segundo os critérios fixados em lei, mais
representativa do que a entidade sindical já reconhecida. [...] Assim, precisa-se
acrescentar outro parágrafo ao art. 520 da C.L.T., mais ou menos com esta redação:
Desde que uma associação profissional prove que é mais representativa, segundo os
elementos do artigo anterior, do que o sindicato reconhecido, perderá este as
prerrogativas de que se encontrava investido, em favor da mesma. [...] Teríamos
desta forma um sistema em permanente mudança, sem burocratização, nem
estagnação dos sindicatos já reconhecidos. [...] O sindicato único, reconhecido pelo
Estado, seria sempre de fato o que mereceria tal título sem o perigo da criação dos
sindicatos de papel feitos nos gabinetes ministeriais (Moraes, 1978 p. 273).
Nessa proposta, Evaristo de Moraes Filho é seguido por Francisco Weffort. Segundo o
autor, na medida em que se reconheça em leis o caráter unitário do sindicato, poderia
acontecer de o sindicato em determinada área, tendo o monopólio da representação legal dos
interesses dos trabalhadores daquela categoria, perdesse “representatividade” com o tempo e
fosse controlado por uma oligarquia interna, alimentando processos internos de corrupção e
auto-sustentação. Weffort destaca que, caso um sindicato, que detém o monopólio da
representação sindical, sofresse um processo de degenerescência como esse, a lei poderia
prever a possibilidade de que um certo número de associados ou pertencentes àquela categoria
profissional tomasse a iniciativa de propor uma associação que poderia competir com o direito
de representação monopolizado pelo primeiro sindicato (Weffort, 1980 p.11 apud Boito Jr
1991b p. 32).
Nesse modelo de unicidade concorrencial” tanto Evaristo de Moraes quanto Francisco
Weffort tentam conciliar unicidade com “autonomia sindical”. Ambos os autores argumentam
que a unicidade sindical e a subordinação do sindicato ao Estado seriam problemas distintos.
Na verdade Evaristo de Moraes chega a confundir unidade com unicidade. Segundo Boito Jr,
para que haja “completa” “autonomia sindical” num regime unitarista é necessário que esse
unitarismo se estabelece apenas de fato, mas o como uma imposição legal, ou seja, se não
existir a unicidade imposta pelo Estado. Para o autor, a unicidade, seja qual for a forma
65
concreta de sua existência, implica sempre, a dependência do sindicato diante do Estado
(Boito Jr, 1991b p.32).
No caso do sistema pensado por Evaristo de Moraes e Francisco Weffort, os próprios
autores reconhecem explicitamente, depois de terem sustentado a compatibilidade entre
unicidade e “autonomia”, que o modelo de “unicidade concorrencial” exige, obrigatoriamente,
a intervenção do Estado na organização sindical. Essa intervenção é pensada pelos próprios
autores em, pelo menos, dois níveis. Primeiro o Estado deve legislar sobre critérios de
“representatividade” que orientarão a concorrência entre as várias associações que pleiteiem o
título de sindicato único (os autores não definem quais seriam os critérios para comprovarem
a representatividade dos sindicatos, se apenas iriam abrir mão de critérios numéricos, ou de
critérios que fossem capaz de “medir” a relação que se estabelecesse entre os sindicatos e
trabalhadores). Segundo o Estado delibera, aplicando aqueles critérios, qual associação, num
dado momento, é merecedora do monopólio legal da representação sindical. Como destaca
Boito Jr:
O que os idealizadores da unicidade concorrencial conseguiram não foi demonstrar
a compatibilidade entre unicidade e autonomia, mas sim chegar a uma proposta
onde a intervenção do Estado na vida sindical seria uma prática muito mais
freqüente e sistemática do que é hoje. O que ambos apresentaram sob o titulo
atraente de renovação permanente da entidade sindical representativa, nada mais é
do que uma intervenção permanente do estado na vida sindical, cassando registros
de sindicatos para outorgá-los a outras associações. [...] Se a legislação for
detalhada e precisa, exigirá uma fiscalização tão rigorosa sobre a vida interna dos
sindicatos para ser aplicada que as práticas atuais de intervenção parecerão o mais
liberal dos mundos (Boito Jr, 1991b p. 33).
Esse modelo de unicidade concorrencial” proposto por Evaristo de Moraes Filho e
Francisco Weffort assemelha-se, em grande medida, ao modelo de unicidade pensado a partir
das discussões no FNT. Em ambos, de certa forma, a idéia era tentar conciliar unicidade com
concorrência, o que asseguraria a “unidade” do movimento sindical, evitando o inconveniente
da burocratização dos sindicatos. A idéia era a seguinte: a unicidade em si teria levado a uma
excessiva distorção da representação sindical, com a criação de sindicatos pouco
representativos. Ao mesmo tempo, esse dispositivo teria representado um importante
instrumento para a unidade” dos trabalhadores. Para evitar a fragmentação da atividade
sindical sem correr o risco de burocratização dos sindicatos, o modelo de “unicidade
concorrencial” seria a saída mais inteligente”. Conforme o então secretário geral da CUT
(João Felício):
A solução encontrada pelo FNT é avançada e original. Ela evita os extremos. Nem
mantém a distorcida unicidade, que estimula sindicatos de carimbo, e nem permite
a pulverização do sindicalismo. Fixa metas de sindicalização e prazos para garantir
66
a exclusividade de representação. Coloca barreiras para aqueles que querem
fragmentar os sindicatos e, ao mesmo tempo, o direito à base para criar outra
entidade caso a existente o comprove sua representatividade. Esse caminho
garante a autonomia sem dar brechas à divisão. Ele é plenamente realizável e não
traz maiores riscos (Felício, 2004 p.112).
Todavia, convém destacar, existe uma diferença fundamental entre o modelo proposto
pelos referidos autores e aquele elaborado a partir do FNT. O modelo pensado por Evaristo de
Moraes e Francisco Weffort não admite a hipótese do estabelecimento de um pluralismo
sindical restrito, caso o sindicato único perca a exclusividade de representação. Neste modelo
a substituição de um sindicato menos” “representativo” por outro “mais” “representativo”
não significa a eliminação da unicidade, mas apenas sua renovação. Coisa diferente se dá com
o modelo proposto pelo Projeto de Lei enviado ao Congresso. O sindicato que perder o direito
à representação exclusiva pode passar a sofrer a concorrência de outras entidades sindicais
que disputarão o mesmo âmbito de representação. Neste caso específico, a unicidade sindical
deixa de existir, podendo o sindicato (que detinha a exclusividade da representação) sofrer
concorrência de outras entidades em sua base territorial. Na verdade, o modelo proposto no
Fórum tenta combinar unicidade com pluralismo sindical restrito, criando um regime misto
para a organização dos trabalhadores.
Assim, enquanto que os sindicatos anteriores à nova lei poderão ganhar o direito de
representação exclusivo (devendo, para isso, comprovar sua representatividade” sob o risco
de perderem o monopólio da representação sindical), os sindicatos mais recentes constituídos
após a publicação da lei de relações sindicais ficarão sujeitos a um regime de pluralismo
sindical restrito, baseado no princípio do (s) sindicato (s) “mais” “representativo” (s). Esse
modelo, contudo, não garante “autonomia” nem liberdade” (como reza a Convenção 87 da
OIT), pois impõe uma intervenção do Estado na vida sindical e impede a criação de novos
sindicatos, reduzindo o papel das organizações minoritárias que não conseguirem comprovar
o índice de representação estabelecido. Estes novos sindicatos terão que comprovar sua
representação para adquirirem o direito de representarem determinado segmento de
trabalhadores, o que entra em confronto com o conceito de “liberdade sindical” estabelecido
pela Organização Internacional do Trabalho.
2.7 A “REPRESENTATIVIDADE” DOS SINDICATOS
O estabelecimento de critérios numéricos para medir a “representatividade” dos
sindicatos esconde um problema da mais fundamental importância que, mesmo assim, não foi
67
devidamente abordado pelas discussões realizadas no Fórum Nacional do Trabalho. Medir o
poder de um organismo sindical qualquer a partir do número de trabalhadores sindicalizados
em sua base territorial seria o critério mais exato para analisar a representatividade dos
sindicatos? Não pode ocorrer que um sindicato, embora apresente um número menor de
trabalhadores sindicalizados em sua base, possua uma maior capacidade de mobilização (e,
portanto, um maior comprometimento dos trabalhadores com os princípios gerais que regem
esse organismo sindical) que um outro sindicato que, apesar de possuir mais trabalhadores
sindicalizados, não apresente a mesma disposição de suas bases seguirem o comando da
direção sindical? Neste caso, seria correto medir o poder do sindicato a partir do número de
trabalhadores sindicalizados em sua base territorial?
Essas questões também podem ser direcionadas às relações que se estabelecem entre os
sindicatos de base e as Centrais Sindicais. Da mesma forma, a força de uma Central Sindical
qualquer não poder ser medida apenas pelo número de sindicatos filiados em suas instâncias
representativas. Para medir a força de um organismo sindical como esse teríamos que associar
o critério numérico a um outro critério de mais difícil mensuração: a capacidade das Centrais
mobilizarem suas bases e coordenarem ações coletivas (ou seja, a fidelidade dos sindicatos às
deliberações dos órgãos de cúpula). Essa questão é de suma importância em um país como o
Brasil, pois, as Centrais Sindicais aqui constituídas, sofrem justamente dessa desarticulação
entre as instâncias superiores de representação e os sindicatos de base. Esse ponto será melhor
discutido mais adiante.
Segundo Cardoso (2003 p. 207), existe uma certa tendência, dentro dos estudos sobre
sindicalismo, em analisar a vitalidade dos sindicatos a partir das variações nas taxas de
filiação sindical. Tida como medida necessária (e por vezes, suficiente) da representatividade
do sindicalismo, a queda no número de associados vem em toda parte sendo tomada como
indicador decisivo de crise, para muitos resultando no definitivo deslocamento dos sindicatos
do centro da cena na ordem social contemporânea
12
. Conforme destaca, não são poucos os
que argumentam que o trabalho organizado deve gastar todas as suas energias no esforço de
aumentar o número de filiados, num reconhecimento explícito de que repousa sua
capacidade de influência econômica e política e, portanto, seu poder. Em um trabalho
anterior, Cardoso chega a afirmar que mais do que filiar adeptos a força dos sindicatos estaria
12
A tese de que o sindicalismo teria entrado numa fase de declínio irreversível (e que, dessa forma, teria deixado
de ocupar uma posição central na atual fase de desenvolvimento do capitalismo) é defendida por Rodrigues
(1999). Para o autor, as atuais variações negativas dos índices de sindicalização, decorrente do processo de
globalização econômica, indicaria que o sindicalismo estaria perdendo sua força e vitalidade, evidenciando seu
declínio como órgão capaz de representar os trabalhadores.
68
em sua capacidade de coordenar ações coletivas e mobilizar suas bases de referência sempre
quando necessário. Para o autor, a filiação sindical seria uma medida insuficiente para
comprovar a representatividade dos sindicatos, e talvez ela fosse até mesmo desnecessária
(Cardoso, 1999 p.88-89).
Este aspecto da representatividade sindical destacado por Cardoso (1999; 2003) não foi
devidamente levado em consideração nas discussões realizadas no Fórum Nacional do
Trabalho. A idéia principal que animou os trabalhos ali desenvolvidos era que o
fortalecimento das entidades sindicais passava, principalmente, pelo aumento no número de
trabalhadores sindicalizados na base. O estabelecimento de critérios numéricos para
comprovar a “representatividade” dos sindicatos servia, segundo os dirigentes do Fórum, para
acabar com os “sindicatos de carimbo” (que contavam com um número reduzido de
trabalhadores filiados em suas instâncias representativas). Daí a necessidade de “alavancar” a
“representatividade” do sindicalismo brasileiro.
Em um artigo publicado logo após o término das atividades do FNT, Ariovaldo Santos
(2005 p.49) também questiona o estabelecimento de critérios estritamente numéricos para
verificar a representatividade dos sindicatos. Para o autor, o texto resultante das discussões no
FNT trabalha com uma concepção abstrata de representatividade, uma vez que a considera em
sua dimensão puramente quantitativa, o qualificando devidamente o problema. Segundo o
autor existe uma diferença fundamental entre representação e representatividade. Para
distinguir este dois conceitos e situar melhor a questão da representatividade citada
abstratamente no texto do Fórum, Santos faz referência ao trabalho de Castilho (Castilho,
2000 p.66) que aqui será citado novamente:
O fato que uma organização possua a personalidade jurídica para agir em nome dos
trabalhadores não significa, necessariamente, dizer que ela seja
representativa
ou
se beneficie do apoio dos trabalhadores. Com efeito, convém distinguir aqui os
conceitos de
representação e representatividade
. O primeiro termo se refere à
capacidade jurídica de um sindicato agir com pessoa moral e em nome de seus
membros, enquanto que o segundo, cujo sentido vai além do direito, traduz a
identificação dos trabalhadores
a seu sindicato, seu sentimento de serem
realmente representados por seus dirigentes, o que tem mais a ver com a
democracia sindical. Para concluir em relação à ‘representatividade’ (no primeiro
sentido de poder de representação), o direito do trabalho utiliza geralmente um
critério quantitativo
(por exemplo, saber qual é a organização majoritária) com a
finalidade de decidir quem deveria deter esse poder de representação, a despeito de
divergências de opinião entre grupos de trabalhadores. Dessa maneira, por
exemplo, a obtenção de um registro sindical pode atribuir personalidade jurídica,
mas não pode dar garantias de que o sindicato dará conta democraticamente da
opinião dos trabalhadores, de acordo com a segunda acepção do termo
‘representatividade’. [grifos nossos]
69
É exatamente essa distinção entre representação e representatividade que o texto
resultante do FNT não soube (ou não quis) distinguir devidamente (muito provavelmente
porque a intenção do governo, ao contrário do discurso, conforme temos dito, não era
fortalecer o sindicalismo brasileiro, daí o estabelecimento de critérios numéricos para medir a
“força” (e a representatividade”) dos organismos sindicais). A aferição, por parte dos
sindicatos, dos patamares exigidos de trabalhadores sindicalizados na base (20%) para a
obtenção de personalidade jurídica (e obter o direito de representar determinado segmento de
trabalhadores), não define, por si só, a força de qualquer sindicato. A tese aqui defendida é
que o estabelecimento de critérios quantitativos para “medir” a “representatividade” de um
organismo sindical não representa um critério seguro para analisar a sua força, sendo que esta
força está relacionada, principalmente à capacidade de mobilização dos sindicatos e à
fidelidade dos trabalhadores para agirem de acordo com as direções sindicais.
Ademais, ao mesmo tempo em que o documento do Fórum, conforme informava, ao
estabelecer critérios numéricos para medir a “representatividade” dos sindicatos estimularia a
sindicalização dos trabalhadores brasileiros, contraditoriamente, em alguns pontos, o mesmo
texto resultante do Fórum limita o exercício da atividade sindical ao desestimular a
sindicalização. Conforme destaca Ariovaldo Santos (2005 p. 53), o documento retoma, sob a
proteção das Centrais, a prática neoliberal corporificada por Margaret Thatcher, na Inglaterra,
no final da década de 1970, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, no início dos anos 1980,
que consistiu em combater por todos os meios a prática do closed shop, que garantia altas
taxas de sindicalização nos dois países. Segundo o autor, por intermédio do closed shop o
sindicato abastecia as empresas de pessoal para o trabalho. Os trabalhadores que o sindicato
apresentava às empresas eram obrigados a manter sua filiação ou adesão à organização
sindical. O closed shop, portanto, se constituía na adesão sindical obrigatória a todo
trabalhador que pretendia disputar uma vaga no mercado de trabalho, o que, como destaca
Ariovaldo Santos, apresentava-se como dispositivo muito importante para estimular a
sindicalização em escala crescente.
Assim, a criação do sindicato de filiados ou a aplicação do closed shop, na medida em
que obrigaria os trabalhadores que quisessem se beneficiar do processo de negociação
coletiva, ou disputar uma vaga no mercado de trabalho a se filiarem a um organismo sindical,
se constituiria num grande estímulo à sindicalização no país. Boito Jr (2002 p. 77), referindo à
proposta de reforma sindical do governo FHC, assevera que o sindicato de filiados, cujos
acordos (ou qualquer outro benefício) seriam aplicados apenas aos trabalhadores associados,
seria, ao contrário do que têm propagado sindicalistas e assessores sindicais, o maior estímulo
70
jamais concedido pelo Estado à sindicalização em massa dos trabalhadores brasileiros.
Definitivamente, este não foi o teor das propostas desenvolvidas no Fórum Nacional do
Trabalho, uma vez que, não obstante a alegada intenção em fortalecer o sindicalismo
brasileiro, essa mesma intenção vai sendo negada ao longo do documento numa demonstração
explícita de que a idéia central que conduzia o texto do Fórum não era criar alavancar a
representatividade dos sindicatos, mas conter a atividade sindical e desmobilizar a luta dos
trabalhadores.
2.8 A EXCESSIVA CONCENTRAÇÃO DE PODERES NAS CENTRAIS
SINDICAIS
Um outro ponto do projeto de reforma que também causou bastante polêmica se refere à
excessiva concentração de poderes nas mãos das Centrais Sindicais, que passariam a assumir
prerrogativas para negociar e contratar em nome dos trabalhadores, prerrogativa essa até então
monopolizado pelos sindicatos oficiais. O estatuto da unicidade e as contribuições sindicais
compulsórias fazem dos sindicatos o principal centro de poder de toda estrutura sindical
brasileira. Assim, por conservarem o monopólio da representação sindical, por controlarem as
fontes de recursos financeiros e possuírem a concessão legal da contratação trabalhista, os
sindicatos oficiais se estruturam a partir de um elevado grau de autonomia em relação às
Centrais Sindicais. Como destaca Comim (1995 p.80-81), os sindicatos que aderem às
instâncias superiores não se tornam parte orgânica de sua estrutura. Pelo contrário, são os
sindicatos, em especial os grandes e mais solidamente consolidados em categorias
profissionais de peso econômico e social, que emprestam às Centrais seu poder de
mobilização e barganha, seus recursos financeiros, quadros técnicos e militantes, enfim, a
base material e política que torna possível a sua existência.
No processo de constituição das Centrais Sindicais na década de 1980, elas procuraram
se consolidar tendo como base a própria estrutura dos sindicatos oficiais, o que, por um lado,
garantiu uma rápida organização do movimento sindical brasileiro, mas, por outro lado,
privou-as de efetivo poder de comando sobre os sindicatos, posto que eles detêm um elevado
grau de autonomia em relação às entidade superiores de representação e, dificilmente,
cederiam suas prerrogativas exclusivas de negociação e contratação coletiva. Dessa forma, os
sindicatos de base, dado o monopólio legal da representação dos trabalhadores, dificilmente
apoiariam reformas na estrutura sindical que, por exemplo, transfiram às Centrais Sindicais o
71
poder de contratação do uso do trabalho ou que retirem dos sindicatos o destino primeiro das
contribuições sindicais.
É justamente esse monopólio que os sindicatos oficiais detêm que a proposta de reforma
sindical procurou tirar, cedendo, às Centrais Sindicais, prerrogativas para contratarem e
negociarem em nome dos trabalhadores, o que, sem dúvida, desagradou muitos setores
sindicais (como, por exemplo, os setores da esquerda cutista) descontes com a excessiva
centralização de poderes nos órgãos de cúpula (esses setores asseveram que a centralização do
poder sindical em instâncias superiores de representação colocaria em risco a autonomia dos
sindicatos de base). José Maria de Almeida (ex-dirigente da CUT e um dos principais
articuladores da CONLUTAS), assevera que a nossa legislação trabalhista delega aos
sindicatos poder de negociação e contratação em nome dos trabalhadores, bem como de
arrecadação para o financiamento dos sindicatos. Segundo ele, a proposta de Reforma
Sindical, elaborada a partir do Fórum Nacional do Trabalho, teria a intenção de justamente
acabar com essa autonomia dos sindicatos, desmantelando sua capacidade de lutar e resistir à
revelia das Centrais Sindicais. Estas passariam a concentrar o poder de contratação e
negociação coletiva, arrecadação e controle da representação sindical:
Não é segredo para ninguém que, caso não houvesse autonomia dos sindicatos e
federações dos Servidores blicos Federais em relação à CUT, dificilmente teria
acontecido a greve nacional do setor contra a Reforma da Previdência do governo
Lula, pois a posição da Central no episódio foi de apoio ao governo e não ao
movimento. A recente greve nacional dos bancários é outro exemplo das situações
de “descontrole” que as cúpulas das Centrais Sindicais querem eliminar. A greve só
ocorreu porque a direção da CNB/CUT (Confederação Nacional dos Bancários da
CUT) precisava aprovar nas assembléias de base o acordo que ela havia feito
com os banqueiros e com o governo. Se a reforma sindical proposta pelo governo e
pelas Centrais estivesse em vigor, a CNB/CUT teria simplesmente assinado o
acordo com os banqueiros, bastando para isso aprová-la nas instâncias da própria
Confederação. A proposta de reforma “consensuada” no FNT pretende acabar com
esse “descontrole” da base. A idéia seria liquidar a soberania das assembléias de
base no que tange às decisões acerca do que se negocia e se contrata em nome dos
trabalhadores, acabar com a autonomia dos sindicatos, desmantelando sua
capacidade de lutar e resistir à revelia das Centrais Sindicais
13
.
No entanto, convém ressaltar que, do mesmo que os sindicatos de base detêm poder
para barrar as negociações pactuadas nos níveis superiores que estão em desacordo com seus
interesses, uma reforma, como a proposta pelo FNT, que cede prerrogativas para as Centrais
Sindicais negociarem e contratarem em nome dos trabalhadores também pode, em
determinadas circunstâncias, impedir que os sindicatos realizem acordos que promovem uma
flexibilização das leis trabalhistas: uma Central mais combativa poderia proibir que um
13
Almeida, J.M. “A reforma sindical/trabalhista de Lula, FMI e da CUT”. Disponível em
<http//:www.conlutas.org.br.>.
72
sindicato de base negociasse, por exemplo, uma medida como o banco de horas. O ideal seria
que o processo de negociação coletiva fosse conduzido através de uma via de mão dupla, o
cedendo poderes excessivos às Centrais Sindicais, mas também não outorgando a
exclusividade de contratação apenas aos sindicatos de base.
Na tentativa de retirar dos sindicatos o monopólio da contratação e da negociação
coletiva, o projeto de reforma, na verdade, acabou concentrando o poder sindical na cúpula do
movimento operário, causando forte resistência nos meios sindicais. A questão, portanto, se
coloca da seguinte forma: como assegurar o reconhecimento das Centrais, atribuindo-lhes um
papel importante na coordenação do processo de negociação e, ao mesmo tempo, preservar a
autonomia dos sindicatos de base? A reforma sindical deve estabelecer mecanismos para que
as entidades de cúpula só possam negociar mediante a autorização das assembléias dos
sindicatos de base, a fim de não conduzir o processo de negociação independentemente
dessas. E deve também impedir que a negociação, seja ela realizada em que nível for, possa se
sobrepor à lei.
Todavia, o projeto de reforma elaborado a partir do FNT foi além no que tange à
concentração de poderes na cúpula do movimento operário. Através do mecanismo de
representação derivada foi cedido às Centrais Sindicais o direito de criarem novos sindicatos
utilizando o critério de derivação. Por meio deste dispositivo, os sindicatos podem, ao invés
de comprovarem sua representatividade, filiar-se a uma entidade de nível superior com
representatividade comprovada. Neste caso, a representatividade é transferida da entidade de
nível superior para a entidade de nível inferior (tornando os sindicatos, que adquirirem
personalidade sindical por meio deste mecanismo de derivação, completamente submetido à
entidade sindical (Centrais, Confederações ou Federações de Trabalhadores e Empregadores)
que lhe outorgou representatividade, devendo se submeter a seu estatuto). Da mesma forma,
as entidades de nível superior podem criar entidades de nível inferior como parte de sua
estrutura organizativa. Segundo Galvão, é o reconhecimento do modelo de sindicato orgânico
defendido pelos setores majoritários da CUT (Galvão, 2005).
Essa questão do sindicato orgânico ganhou destaque dentro da CUT, principalmente, a
partir do seu Quinto Congresso Nacional, ocorrido em 1994. Nesse Congresso, o debate sobre
a estrutura sindical ganhou novo fôlego devido à aprovação de uma emenda que propunha a
abertura de um processo de discussão sobre a transformação (ou o) dos sindicatos filiados
em sindicatos orgânicos à Central. A partir desta resolução, segundo Santos, inaugura-se um
período de debates exacerbados em torno da polêmica sobre o sindicato orgânico. Conforme o
autor, o setor majoritário da CUT (Articulação Sindical) na tentativa de aprovar um novo
73
modelo de estrutura sindical inspirado no sindicalismo europeu (o chamado “sindicato
orgânico”), acabou acirrando as disputas dentro da CUT, uma vez que os setores minoritários
(a esquerda cutista) combatem ferrenhamente esse modelo de organização sindical (Santos,
2002).
Para os setores minoritários, o sistema de filiação dos sindicatos à CUT garante a
autonomia entre as instâncias da Central e os sindicatos de base (prevista no estatuto da
CUT), o que seria responsável por um mecanismo profundamente democrático: a soberania
das assembléias de base (CUT, 1997). para o setor majoritário da CUT (a Articulação
Sindical), o atual modelo de organização dos trabalhadores permite um descompasso com os
princípios e as campanhas promovidas pela CUT, visto que muitos sindicatos que carregam o
logotipo da Central estariam adotando uma prática sindical sem nenhuma relação com o
projeto cutista (CUT, 1997 p.23). Nesta perspectiva a CUT estaria atuando como uma espécie
de frente de sindicatos, demonstrando um baixíssimo grau de coesão interna e apresentando
um grande descompasso entre as resoluções congressuais e a prática cotidiana dos sindicatos
filiados, que simplesmente não reconheceriam os princípios e as normas aprovadas. Daí a
necessidade de se implementar um modelo de sindicato orgânico a fim de que se pudesse
articular as propostas da CUT e criar um sistema que fosse capaz de evitar as disputas entre os
sindicatos de base e as instâncias superiores da Central.
Essas discussões sobre o sindicato orgânico (ou seja, a integração dos sindicatos à
estrutura das Centrais Sindicais) foram, de certa forma, novamente retomadas com o Fórum
Nacional do Trabalho. As resoluções aprovadas, conforme dissemos, garantem aos órgãos de
cúpula a criação de novos sindicatos vinculando-os definitivamente à sua estrutura
organizativa, o que, de certa forma, seria o reconhecimento do modelo de sindicato orgânico
defendido pela CUT. Os sindicatos constituídos a partir do critério de derivação não possuem
qualquer autonomia para confrontarem as deliberações e as resoluções dos órgãos superiores
de representação, caso não concordem com as regras aprovadas. Ao mesmo tempo, o projeto
de reforma sindical ao garantir que as negociações de nível superior poderão indicar as
cláusulas que não podem ser modificadas nos níveis inferiores de representação, elimina
qualquer tentativa de garantir a autonomia das assembléias de base. Assim, com o modelo
sindical aprovado no âmbito do FNT, as Centrais Sindicais (leia-se a CUT e a Força Sindical)
terão o poder de assinar acordos com o governo e os empresários sem precisar discuti-los com
os sindicatos de base, o que, indubitavelmente, representa um dos maiores retrocessos
vivenciado pelo sindicalismo brasileiro nos últimos tempos.
74
2.9 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS E DIREITO DE GREVE
No que tange às contribuições sindicais, o texto resultante das discussões do FNT prevê
a extinção das contribuições confederativa e assistencial a partir da vigência da nova
legislação e a extinção gradual da contribuição sindical ao longo de três anos, no caso dos
sindicatos de trabalhadores. As antigas contribuições serão substituídas por uma contribuição
de negociação coletiva, também compulsória e descontada na folha de pagamento de todos os
trabalhadores (filiados e não filiados) empregados na base. Caso haja mais de um sindicato
representando a mesma base territorial, o repasse do novo imposto será distribuído de acordo
com os critérios de “representatividade” dos sindicatos, ou seja, aquele que apresentar um
maior número de trabalhadores filiados na base irá angariar uma soma mais elevada de
dinheiro. O valor da contribuição não poderá ultrapassar 1% da remuneração líquida recebida
pelo trabalhador no ano anterior e deverá ser aprovada em assembléia geral convocada pelos
sindicatos.
Os recursos provenientes dessa contribuição serão destinados aos sindicatos (70%),
Federações (10%), Confederações (5%), Centrais Sindicais (10%), e ao Fundo Solitário de
Promoção Social (5%), destinado a custear as atividades do Conselho Nacional de Relações
de Trabalho, bem como os programas de valorização da organização sindical. Não fica claro
se, durante o período de transição (3 anos), a contribuição sindical e a contribuição de
negociação coletiva coexistirão, mas tudo indica que sim. Se houver concomitância dessas
contribuições, tanto a cobrança incidente em folha de pagamento quanto a arrecadação dos
sindicatos serão consideravelmente aumentada.
Não obstante os discursos, logo no início das atividades do Fórum, de que o fim das
contribuições compulsórias seria uma das prioridades do novo projeto de reforma, na verdade,
as antigas contribuições sindicais foram substituídas por uma nova contribuição também
compulsória e descontada de todos os trabalhadores (sindicalizados e não sindicalizados) em
folha de pagamento. Ao garantir aos sindicatos uma fonte segura de recursos, o texto não
rompe com um dos mais importantes pilares da estrutura sindical corporativa: as
contribuições sindicais compulsórias. Este fato está em plena contradição com os princípios
fundamentais que regem o Fórum Nacional do Trabalho: o fortalecimento das entidades
sindicais. Isso porque caso os sindicatos tivessem que elaborar campanhas junto às bases e
estimular a sindicalização dos trabalhadores para arrecadação de recursos financeiros iria,
indubitavelmente, fomentar as atividades sindicais e, conseqüentemente, tornar os sindicatos
mais representativos e menos dependentes das fontes compulsórias de recursos (garantidos
75
pela tributação que o Estado realiza sobre todos os trabalhadores com carteira assinada). Com
as despesas básicas asseguradas através desse imposto, os dirigentes sindicais não precisarão
fazer campanhas de mobilização junto aos trabalhadores, como ocorre em outros países, onde
são apenas os trabalhadores sindicalizados que, através de contribuições voluntárias, garantem
uma boa parte dos recursos arrecadados pelos sindicatos.
Um outro ponto de muita polêmica se refere ao direito de greve. O texto impõe tantas
restrições ao direito de greve que, na prática, o inviabiliza: é necessário comunicar o
empregador com antecedência mínima de 72 horas; é obrigatório assegurar a continuidade de
serviços não apenas em atividade essenciais, mas também naquelas cuja paralisação resulte
em danos a pessoas ou prejuízo irreparável pela deterioração irreversível de bens” (Art 113),
permitindo ao empregador contratar temporariamente trabalhadores para assegurar a
manutenção dos serviços mínimos. Essas restrições ao direito de greve ferem um dos
principais veículos, à disposição dos trabalhadores, para implementarem as atividades
reivindicativas dos sindicatos contra a exploração cotidiana do capital. Na prática, qual
capitalista consciente de seus interesses não fará uso destes dispositivos para debilitar o
movimento grevista? Sobretudo porque é assegurado ao empregador, durante a greve, manter
os serviços mínimos cuja paralisação poderia resultar em danos irreparáveis à propriedade
privada.
A greve se constitui em um dos principais instrumentos de luta que os trabalhadores
detêm para verter a resistência dos capitalistas. Esse dispositivo, na medida em que possibilita
a paralisação das atividades produtivas, deixa ao empregador poucas alternativas, além de
atender às exigências reivindicadas pelos trabalhadores, sob pena de frear o processo de
acumulação de capital. Sem esse direito básico assegurado, os trabalhadores perdem um dos
seus principais instrumentos de luta, que é o direito de parar a produção capitalista para que
sejam ouvidos em suas reivindicações. O projeto de reforma, inviabilizando o movimento
paredista, retira dos trabalhadores um importante mecanismo de pressão e de luta, pois,
conforme o texto, durante a atividade grevista é assegurado ao empregador contratar serviços
temporários, o que, certamente, se constitui em um mecanismo que fere frontalmente o direito
de greve. Em um momento de forte ofensiva do capital, um projeto de reforma que inviabiliza
esse direito, representa um duro golpe ao sindicalismo, deixando, aos trabalhadores, poucas
alternativas para lutarem contra as explorações que são permanentemente submetidos dentro
do modo de produção capitalista.
Em suma, conforme temos dito até aqui, o projeto de reforma sindical elaborado a partir
das discussões realizadas no FNT não garante o fortalecimento do sindicalismo brasileiro. Em
76
primeiro lugar, o estabelecimento de critérios de representatividade” para o reconhecimento
das entidades sindicais ensejará uma sistemática intervenção do Estado. O que os
idealizadores do projeto de reforma conseguiram não foi aprovar uma proposta que
finalmente instituísse um regime de “autonomia” e “liberdade” sindicais, mas sim chegaram a
uma proposta onde a intervenção estatal seria uma prática muito mais freqüente e sistemática
do que é hoje. Em segundo lugar, o texto resultante do Fórum o procurou equilibrar a
relação de força existente entre os sindicatos de base e as instâncias superiores de
representação (principalmente Centrais Sindicais). Na tentativa de retirar o monopólio da
contratação coletiva dos sindicatos, o projeto acabou por concentrar excessivamente o poder
sindical nos órgãos de cúpula do movimento operário, o que não agradou muitos setores do
sindicalismo brasileiro. Em terceiro lugar, as dificuldades que foram colocadas para o
exercício do direito de greve retiraram dos trabalhadores um dos seus principais instrumentos
de luta, que é a possibilidade de paralisar as atividades produtivas para verter a resistência do
capital.
Ademais, ao contrário do que foi dito logo no início das atividades do Fórum, a
proposta elaborada não rompe com os pilares fundamentais da estrutura sindical corporativa.
Tanto o monopólio da representação sindical quanto as contribuições sindicais obrigatórias
(agora substituídas por uma única contribuição sindical, também compulsória e descontada
em folha de pagamento de todos os trabalhadores), não foram eliminados. A saída buscada no
âmbito do Fórum tenta conciliar unicidade com pluralismo sindical restrito, criando, para isso,
uma legislação detalhada, o que ensejará mais intervenções do Estado para colocá-la em
prática.
Não obstante grande parte do sindicalismo brasileiro defender, ferrenhamente, tanto
monopólio da representação sindical quanto as contribuições sindicais compulsórias como
importantes instrumentos de luta, assumimos aqui uma posição diferente. Esses mecanismos,
decorrentes da estrutura corporativa, constituem um entrave à “livre” organização sindical,
pois coloca os sindicatos numa relação de extrema dependência financeira e organizativa. A
unicidade e os impostos obrigatórios o representam uma garantia à ação sindical e nem
representam sinal de força do sindicalismo. A força de qualquer organismo sindical está em
sua capacidade de organização e mobilização de suas bases, e de seu posicionamento político-
ideológico. A unicidade não evita, ao contrário do que muitos sindicalistas asseveram, a
pulverização do sindicalismo, haja vista que no Brasil existem uma infinidade de sindicatos,
em sua maior parte pouco representativos, dependentes de fontes compulsórias de recursos e
sem inserção nas bases. A fim de que possamos realizar uma reforma sindical realmente capaz
77
de fortalecer o sindicalismo brasileiro, é preciso, antes de tudo, reconhecer a diferença entre
normas de proteção ao trabalhador (que se constituem concessões da classe dominante para
tornar o sistema minimamente viável, mas que, todavia, representam uma vitória da classe
trabalhadora na medida em que impõe restrições ao processo de acumulação e exploração do
trabalho), de normas que subordinam a organização e a ação sindical (pois estas estabelecem
qual sindicato tem o direito de representar determinada base, negociar em nome dela e cobrar
impostos, mesmo que o representem de fato os trabalhadores). Definitivamente, uma
reforma que traga mudanças significativas à forma de organização sindical no Brasil não pode
dar ao Estado o poder de determinar qual sindicato é mais representativo, ou continuar
assegurando meios para a sobrevivência material dos sindicatos.
CAPÍTULO 3 AS MUDANÇAS ANUNCIADAS PELO FÓRUM NACIONAL
DO TRABALHO E AS POSIÇÕES ASSUMIDAS PELA CUT
78
3.1 CUT: A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO
3.1.1 O NASCIMENTO DA CUT E A ESTRUTURA SINDICAL
A CUT nasce no começo dos anos 1980 tendo com um dos principais objetivos a
reforma da estrutura sindical brasileira e o rompimento com o corporativismo nas relações de
classe. Neste momento de estruturação do sindicalismo brasileiro, a CUT, identificando a
estrutura corporativa à sua origem autoritária e fascista, começa a esboçar, de forma genérica,
os pilares e os princípios de um novo modelo de organização sindical. De forma geral, o novo
modelo deveria, principalmente, conceder aos trabalhadores a liberdade de se organizarem e
de constituírem entidades sindicais, bem como eleger livremente seus representantes sem as
intervenções do poder público.
Do seu Primeiro Congresso Nacional ocorrido em 1984 até o Terceiro Congresso em
1988, a CUT vai tecendo severas críticas à “velha” estrutura sindical varguista, procurando
elaborar, genericamente, os princípios norteadores que iriam reger o novo modelo de
organização sindical. Nesse primeiro momento, o discurso cutista vai se pautar por uma certa
radicalidade, procurando denunciar, principalmente, as formas mais diretas de intervenções do
Estado nas organizações sindicais. Essa radicalidade apresentada pela CUT em sua fase de
estruturação (aqui entendido como o período que vai de seu Primeiro Congresso em 1984 ao
seu Terceiro Congresso ocorrido em 1988), pode ser melhor compreendida quando se leva em
consideração as intervenções que as entidades sindicais vinham sofrendo pelo poder público,
como a cassação de mandatos, o estatuto-padrão dos sindicatos, a restrição ao direito de greve
e uma série de outros mecanismos que o Estado utilizava para conter a mobilização dos
trabalhadores.
Assim, as críticas mais radicais à estrutura corporativa e a bandeira de liberdade” e
“autonomia” sindical que caracterizam essa primeira etapa de consolidação do sindicalismo
CUT estão relacionadas, principalmente, ao papel exercido pela ditadura militar, que torna o
sindicato mais sujeito à ação repressiva do Estado. Os sindicatos vinham de um longo período
de fortes intervenções das autoridades militares, levando ao paroxismo a xima, defendida
desde os tempos de Getúlio Vargas, de desenvolvimento com paz social. Com o fim da
Ditadura Militar, o setor mais combativo do sindicalismo brasileiro vai identificar na estrutura
sindical corporativa a materialização do controle (e da repressão) que o Estado vinha
exercendo sobre os sindicatos.
79
Os documentos produzidos pela Central nesse período procuram associar a estrutura
sindical à sua origem fascista e autoritária, denunciando os mecanismos que ela proporciona
ao Estado para o controle e enfraquecimento do movimento sindical. Logo em seu Primeiro
Congresso em 1984 (e posteriormente reiterado em seu Segundo Congresso em 1986), a CUT
já identificava os princípios básicos da estrutura corporativa que asseguravam o controle
político dos sindicatos e impedia a manifestação autônoma dos trabalhadores. Segundo a
CUT, a estrutura sindical, através de um conjunto de mecanismos cerceadores, garantiria a
dominação burguesa da sociedade, silenciando (e reprimindo) a mobilização da classe
trabalhadora:
No Brasil no início da década de 1930, inspirado no corporativismo fascista
italiano, o Estado instituiu, apesar da resistência operária, a estrutura sindical oficial
que chega praticamente intacta até os dias de hoje. Os princípios que sustentaram
esta estrutura sindical durante todos esses anos podem ser resumidos da seguinte
forma: o corporativismo sindical, inspirado na “Carta del Lavoro” do fascismo
italiano (que divide e enfraquece os trabalhadores); uma estrutura rigidamente
vertical; a conciliação de interesses de classe, assegurado através de inúmeros
instrumentos, e pela definição mesma do sindicato como instituição mista de direito
público e privado, o que legitimaria os mais diversos tipos de controle e restrições
pelos poderes públicos; autorização prévia para o reconhecimento do sindicato;
enquadramento sindical prévio; a ingerência do Estado na vida administrativa e
financeira; a possibilidade da intervenção do poder executivo no sindicato e o
direito de cassação do mandato de diretorias; a contribuição obrigatória e
regulamentada pelo Estado; controle das eleições sindicais; o assistencialismo
como elemento fundamental da prática sindical (CUT, 1986 p. 70-71).
O documento conclui que não teriam sido legitimadas formas autônomas para a
representação dos trabalhadores. Portanto, o modelo erigido na década de 1930 teria a
intenção de justamente frear a mobilização dos trabalhadores articulando-se mecanismos de
controle e repressão, tornando-se, ao longo da história, mais eficazes em função direta do
crescimento das lutas de classe. Nesse sentido, para a CUT, o ponto de partida do novo
modelo de organização sindical seria a aprovação da Convenção 87 da OIT, assegurando
“liberdade” e “autonomia” para os trabalhadores determinarem a estrutura e organização dos
sindicatos, bem como o direito de elaborar seus estatutos e regimentos administrativos e de
eleger livremente seus representantes, sem nenhum tipo de intervenção e ingerência do poder
público:
Nosso ponto de partida é a defesa, a ratificação e a concretização do princípio da
liberdade e autonomia sindical, tanto para os trabalhadores do setor privado como
do setor público, contidos na Convenção 87 e 151 da Organização Internacional do
Trabalho. Sabemos que a conquista da Liberdade e Autonomia Sindical será fruto
de nossa luta e de nossa força. Nossa posição é clara: não queremos que o Estado
imponha uma outra estrutura sindical nem se o direito de aprovar ou vetar uma
estrutura sindical. s queremos que seja respeitado o direito dos trabalhadores de
se organizarem de forma livre e autônoma [...]. Pelo exposto, não queremos que o
Estado interfira na organização sindical dos trabalhadores [...]. A estrutura sindical
80
garantirá a mais ampla liberdade sindical em todos os locais de trabalho, em todas
as instâncias e em todos as formas de relacionamento e solidariedade nacional e
internacional. O sindicato será soberano em suas decisões e manterá autonomia em
relação ao Estado, à classe patronal, aos partidos políticos, aos credos religiosos e
às concepções filosóficas (CUT, 1986 p. 74-75).
Nesse primeiro período que vai de 1984 a 1988, a Central não chega a elaborar, de
forma sistemática, uma proposta concreta de um novo modelo de organização sindical (se
limitando a elencar os princípios gerais que iriam reger a nova estrutura organizativa dos
trabalhadores); nem estabelece uma estratégia sindical capaz de romper, na prática, com a
“velha” estrutura corporativa que tanto procurava combater. Na verdade, as ações da CUT se
pautavam muito mais no sentido de denunciar as formas mais diretas de intervenção do
Estado nos organismos sindicais do que em romper, definitivamente, com a estrutura sindical
varguista. Tanto é assim que a CUT utiliza o termo fascismo (em um tom pejorativo) para se
referir à estrutura sindical, numa clara referência aos aspectos mais autoritários de intervenção
nos sindicatos, muito comum no período da ditadura militar:
É com base nesta estrutura sindical fascista que hoje os trabalhadores brasileiros
estão sendo violentados em seus direitos sindicais. Os instrumentos de cassações de
diretorias de sindicatos hoje é utilizada de uma forma nova, a mais ampliada e mais
severa por parte dos patrões e do governo em relação aos operários urbanos do setor
público e privado: ocorrem cassações de lideranças de base através do processo de
demissões seletivas, de processos criminais contra dirigentes sindicais, de pressão e
punição sobre os sindicalizados (CUT, 1986 p. 72).
3.1.2 A DISTÂNCIA ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA CUTISTA
Pois bem, por mais contraditório que possa parecer, quando a CUT fala em destruir a
estrutura sindical fascista não está se referindo à estrutura como um todo, mas apenas àqueles
aspectos em que a intervenção do Estado nos organismos sindicais é mais direta e autoritária.
Como destaca Boito Jr, a CUT não apresenta uma posição clara e consistente contra a
estrutura sindical. Conforme o autor, as correntes sindicais mais poderosas que integram a
CUT lutaram, fundamentalmente, contra o modelo ditatorial de gestão do aparelho sindical de
Estado controle policial dos sindicatos, monopólio do peleguismo, determinação dos
reajustes salariais exclusivamente através de decretos governamentais, etc.mas o lutaram
contra a estrutura sindical. Dito de outro modo, lutaram contra os efeitos jurídicos tutelares
da estrutura sindical, tal qual se apresentavam numa situação histórica determinada, mas o
se opuseram, de fato, aos elementos essenciais da estrutura sindical” (Boito Jr, 1991b p. 58).
81
Esse parece ter sido o caminho escolhido pela CUT nesse primeiro período, pois, apesar
de propor a revogação do título V da CLT (que trata da organização sindical) e de, em outros
momentos, reivindicar a ratificação da Convenção 87 da OIT, a Central o faz uma crítica
consistente da estrutura sindical como um todo e nem estabelece uma estratégia sindical capaz
de romper, na prática, com o corporativismo brasileiro. Na verdade, está impedida de fazê-lo
devido à sua opção de lutar por dentro da estrutura. Assim, muito embora o texto aprovado
em seu Primeiro Congresso defina como plataforma de ação a luta por “liberdade e autonomia
sindical com o reconhecimento do direito de greve e o desatrelamento da estrutura sindical do
Estado, com a revogação imediata do título V da CLT” (CUT, 1984 p.22), os contornos de
uma estrutura sindical alternativa são esboçados de modo bastante genérico: deveria ser uma
estrutura democrática e de luta, que possibilitasse a defesa da unidade da classe trabalhadora,
organizada por ramos de atividade produtiva desde o local de trabalho, com lideranças
sindicais eleitas livremente, sustentada voluntariamente pelos trabalhadores (CUT, 1984 p.30-
31; 1986 p.75-76).
Essa constatação sugere que existe uma certa distância entre o discurso da CUT (que
aponta para a superação corporativismo) com sua prática efetiva. Não obstante a Central,
desde o seu Primeiro Congresso, proclamar o rompimento com a estrutura sindical
corporativa como seu objetivo principal (conforme destaca o seu nascimento marcaria o fim
das “velhas” práticas do sindicalismo populista), foi se estruturando ao longo de toda década
de 1980 a partir da própria estrutura dos sindicatos oficiais. A CUT acreditava ser possível, a
um só tempo, praticar um sindicalismo livre e independente do sindicalismo oficial, e
continuar lutando em seu interior, atribuindo sua combatividade o poder de romper com a
estrutura por dentro:
A estratégia estabelecida no Congresso de 1983 e no Primeiro CONCUT, em 1984,
para a construção da CUT e, conseqüentemente, a destruição da estrutura sindical
oficial, indicou a necessidade de conquistarmos os aparelhos sindicais de base, que,
apesar de pertencerem à estrutura sindical oficial, se constituíam em instituição de
representação reconhecida pelos trabalhadores. Portanto, a construção de um
modelo de organização sindical alternativo, livre e autônomo, deveria taticamente
passar por dentro da estrutura sindical oficial (CUT 2000 p. 57).
A estratégia era, portanto, conquistar a hegemonia no interior do sindicalismo oficial,
estimulando o desenvolvimento de uma nova prática sindical que fosse capaz de romper, por
dentro, com o corporativismo brasileiro. Ao invés de criar estruturas paralelas para a
organização dos trabalhadores (incentivando, por exemplo, as oposições sindicais a
estruturarem formas de representação autônomas), a Central, em oposição ao seu discurso, vai
se acomodando à estrutura sindical existente, comprometendo sua alegada intenção em
82
superar o corporativismo nas relações de classe e sua luta pela aprovação de um novo modelo
organizativo para a representação dos trabalhadores no país. No caso das oposições sindicais,
a CUT estimulava as oposições sindicais cutistas a disputarem, com os chamados
“sindicalistas pelegos”, a liderança dos sindicatos oficiais:
A CUT deve apoiar-se nos sindicatos com diretorias combativas, o que implica
inclusive lutar para que as oposições identificadas com a CUT ganhem as eleições
em seus sindicatos, derrotando os pelegos e seus aliados. A este respeito, existem
propostas de que a CUT tenha uma comissão de política sindical que acompanhe o
trabalho das oposições, ou uma comissão especial para este fim. [...] É necessário
ter critérios que diferenciem os pelegos e seus aliados dos setores combativos,
cabendo a CUT incentivar e apoiar os setores de oposição sindical a
disputarem a
direção dos sindicatos oficiais
(CUT, 1984 p.9) [grifos nossos].
Foi assim que, ganhando terreno nas estruturas do sindicalismo corporativo, a CUT
passa a negar, na prática, a noção de sindicalismo que, desde seu surgimento em 1983, passa a
ser defendido ao longo de seus Congressos e Plenárias: um sindicalismo classista e de luta,
independente do Estado, sustentado voluntariamente pelos próprios trabalhadores, inserido
nas bases e unificado. Em nenhum momento, a Central buscou estruturar novas formas para a
representação dos trabalhadores. Segundo Rodrigues (1990 p. 21-23), logo em seu Congresso
de Fundação a direção da CUT derrotou as propostas que previam alguns tipos de filiação por
fora da estrutura sindical oficial para os trabalhadores cujos sindicatos oficiais estivessem
controlados por pelegos. Conforme destaca, o III Congresso vai reforçar essa política ao
diminuir a representatividade das oposições sindicais nos Congressos da Central.
A estratégia da CUT em assumir a direção do sindicalismo oficial limitou suas
possibilidades de crescimento por fora da estrutura sindical e dificultou a concretização de
novas propostas para a organização dos trabalhadores. Ao longo de toda a cada de 1980 a
CUT vai disputar com os setores do sindicalismo pelego a hegemonia (e o controle) dos
sindicatos oficiais. Ao optar por inserir o comando de sua atividade para o interior da
estrutura corporativa, a Central acabou por limitar sua força organizativa, restringindo seu
potencial de luta e de mobilização.
A Constituição Federal de 1988 teve um papel importante no processo de adaptação da
CUT à estrutura sindical corporativa na medida em que eliminou muitos dos mecanismos
diretos de intervenção do Estado na vida interna dos organismos sindicais. O afrouxamento
dos controles estatais sobre os sindicatos acabou por reduzir grande parte das críticas
endereçadas à estrutura oficial. A partir, principalmente, de 1988 as críticas mais duras da
CUT à estrutura sindical (conforme vimos a Central utilizava a expressão “estrutura sindical
83
fascista”) dão lugar ao que Jácome Rodrigues denomina de “adaptação ativa” do sindicalismo
cutista a alguns aspectos do corporativismo:
Em última instância, o que estava em jogo era um lculo de custos e benefícios, a
saber: até que ponto a estrutura sindical herdada do Estado Novo, com as
modificações pós-88, poderia ser funcional para o objetivo da “organização”, e para
a institucionalização mais rápida da CUT. A escolha racional da tendência
majoritária, levando em conta a crise por que passava o edifício corporativo, é a de
fazer uma adaptação ativa à velha estrutura (Rodrigues, 1993 p. 235).
Para o autor, a superação do sindicalismo corporativo não foi levado às últimas
conseqüências pelo sindicalismo CUT, tendo ocorrido uma “adaptação ativa” com alguns
aspectos do velho edifício corporativista. A CUT que, desde seu surgimento em 1983,
pronunciava favoravelmente à adoção da Convenção 87 da OIT, na medida em que ocupava
cada vez mais espaços no interior do sindicalismo de Estado, acabou comprometendo sua
alegada intenção em substituir a “velha” estrutura sindical corporativa. Essa situação criou um
certo mal estar em suas lideranças fazendo com que a CUT reconhecesse o processo, pelo
qual vinha passando, de acomodação à estrutura dos sindicatos oficiais. Logo em seu IV
Congresso em 1991, a CUT destacava que, não obstante seu inegável crescimento, ainda não
havia consolidado, na prática, o novo modelo de organização sindical defendido ao longo de
seus Congressos:
É inegável o crescimento da CUT e sua presença nas lutas da classe trabalhadora,
mas consideramos que ela ainda se encontra em processo de construção na
transição por que passa o movimento sindical brasileiro. A CUT ainda convive com
seqüelas de 50 anos de tutela do Estado, da CLT e do peleguismo. Uma análise
mais detalhada mostra que temos importantes problemas a serem enfrentados e
resolvidos [...] Ainda não foi substituída integralmente a velha estrutura viciada e
corporativa do movimento sindical que queremos, bem como o conseguimos
implantar a contento a prática sindical aprovada nos três últimos congressos da
CUT (CUT, 1991 p. 11).
Segundo destaca, a persistência do modelo corporativo de organização dos
trabalhadores teria provocado uma crescente adaptação dos setores mais combativos à lógica
corporativista e à incorporação de práticas típicas do sindicalismo-CLT por sindicatos filiados
à CUT. Este fato teria colocado a Central sob forte tensão entre lutar pela aprovação de uma
nova estrutura organizativa ou continuar exercendo a mesma prática sindical, o que
significaria o aprofundamento da burocratização do sindicalismo e o desvirtuamento (e a
negação) do modelo defendido pela CUT:
Alicerçada sobre os sindicatos oficiais, a CUT enfrenta agora uma tensão crescente
entre a acomodação à estrutura oficial e a consolidação de seu projeto sindical,
revelada em todos os planos: na montagem da estrutura sindical, na implantação da
organização no local de trabalho e na reforma do sistema de relações de trabalho. A
acomodação está presente, em maior ou menor grau, em todas as concepções
84
sindicais e em todos os ramos de atividade. Essa acomodação, que pode chegar a
uma adesão ao modelo corporativista, tem favorecido a burocratização, a ausência
de controle das bases sobre as direções sindicais e, no limite, o abuso de poder e a
violência, sinais de degeneração da prática sindical (CUT, 1994 p. 50).
Nesse sentido o seu grande desafio seria consolidar um novo modelo de organização
sindical que fosse capaz de garantir “liberdade” e “autonomia” aos sindicatos, dando
conseqüência (e objetividade) às teses defendidas em seus Congressos e Plenárias. Todavia,
ao mesmo tempo em que reafirma sua luta pelo fim da estrutura sindical corporativa (com a
aprovação da Convenção 87 da OIT), a CUT decide transformar seus departamentos internos
em Federações e Confederações, adequando-se, deste modo, ao sistema confederativo e à
estrutura sindical que alegava combater. A partir de sua Quarta Plenária Nacional em 1990, a
Central passa a considerar a possibilidade de disputar a direção (e a hegemonia) no interior
das estruturas verticais do sindicalismo oficial:
[...] a discussão sobre as federações reveste-se de um objetivo tático, que deve ser
analisado à luz de condições concretas. Portanto, participar ou não de Federações
da estrutura oficial não pode ser entendido como uma questão de princípio. A nossa
proposta é pela disputa dessas entidades sempre que se coloque condições efetivas
de participação democrática; seja em eleições diretas ou congressuais, entendendo
como fundamental o processo de representação da CUT. Lembrando que a estrutura
proposta pela CUT é o departamento, diante da existência de Federações oficiais
com representação institucional que incluam sindicatos de base da CUT, pode ser
necessário fundar Federações democráticas da CUT (CUT, 1990 p. 15).
3.1.3 AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO E A
PERMANÊNCIA DO CORPORATIVISMO NO PAÍS
Acontece que, as transformações que atingem o mundo do trabalho no país a partir da
década de 1990, com o crescimento do trabalho precarizado e informal, e a permanência do
corporativismo nas relações de classe, iriam colocar a CUT na difícil situação de ter que
elaborar uma nova prática sindical que fosse capaz de, ao mesmo tempo, romper com a
“velha” estrutura sindical e erigir um novo modelo organizativo que conseguisse fazer frente
novas às clivagens que atingem a classe trabalhadora com a ascensão do neoliberalismo
Brasil. Esta situação, reconhecida pela própria CUT, impôs um grande dilema ao sindicalismo
brasileiro (e particularmente para a Central), pois a sua burocratização histórica e a
verticalização, decorrente do corporativismo, iria questionar na raiz as estruturas tradicionais
de representação dos trabalhadores:
Estamos neste momento diante de uma importante encruzilhada quanto ao novo
modelo de organização sindical. Por um lado, vivemos com uma estrutura sindical
arcaica, corporativista e baseada no modelo fascista da unicidade, das taxas
compulsórias, das datas-base, do poder normativo da Justiça do Trabalho; por outro
85
lado, enfrentamos as transformações no mundo do trabalho, com novas formas de
gerenciamento, terceirização, globalização da economia, privatização do Estado,
inovações tecnológicas, etc. As conseqüências desse quadro, para o movimento
sindical, são a pulverização do sindicato e a baixa representatividade enquanto
classe. A própria construção da CUT já foi um importante passo para romper com o
corporativismo oficial,
mas continuamos submetidos, no nosso dia-a-dia, ao
sindicato corporativo, que em discurso tanto combatemos
(CUT, 1995 p. 6-
7) [grifos nossos].
Esse, aliás, será um tema recorrentemente colocado pela CUT ao longo de toda a década
de 1990. As transformações que atingem o mundo do trabalho impõem enormes desafios aos
sindicatos, questionando as práticas sindicais do passado, bem como as estruturas burocráticas
de organização dos trabalhadores. As recentes mutações sofridas pelos trabalhadores vêm
provocando profundas cisões, fragmentando o coletivo de classe e complexificando as
relações sociais. O novo complexo social, que surge com o processo de reestruturação
produtiva, permeado pela fragmentação de classe (tanto em sua dimensão objetiva quanto em
sua dimensão subjetiva), é cada vez mais recalcitrante às intervenções tradicionais dos
sindicatos, exigindo a constituição de novas estruturas para a representação dos trabalhadores.
Reconhecendo as transformações vivenciadas pela classe trabalhadora no país, a CUT em
1997 (em seu VI Congresso) aponta os desafios e as dificuldades de se buscar a representação
destes novos contingentes de trabalhadores que vão ganhando forma com o avanço da
reestruturação da economia brasileira. A parti daí enfatiza que os sindicatos que continuarem
a buscar em suas bases a representação exclusiva dos trabalhadores localizados nos setores
tradicionais da economia estariam fadados ao esquecimento:
As transformações no mundo do trabalho indicam claramente as grandes
dificuldades colocadas para um sindicalismo baseado exclusivamente nos setores
tradicionais. A organização dos desempregados, dos trabalhadores informais, das
mulheres e de contingentes mais amplos de excluídos, representa um desafio crucial
para o futuro do sindicalismo. Estruturados numa fase de economias nacionais
reguladas, mercados parcialmente protegidos e padrões de organização tradicionais,
os sindicatos têm encontrado enormes dificuldades para combater os efeitos da
globalização (CUT, 1997 p.10-11).
A própria constituição de um novo patamar de exclusão social, o desemprego estrutural,
e a subproletarização tardia
14
, no bojo de um novo (e precário) mundo do trabalho” (Alves,
14
Alves destaca que a subproletarização tardia é a nova precariedade do trabalho assalariado sob a
mundialização do capital, constituído pelos trabalhadores em tempo parcial, temporários ou subcontratados.
Esses trabalhadores surgem o apenas em setores tradicionais da indústria (e dos serviços), mas, sobretudo, em
setores modernos da produção capitalista. Assim, conforme o autor, formando a periferia do sistema (mas que se
caracteriza de substancial importância para o processo de acumulação de capital), se encontra os trabalhadores
em tempo parcial possuindo menos segurança no emprego, sendo constituídos pelos empregos casuais, pessoal
com contrato de trabalho por tempo determinado, temporários, subcontratados, formando o cleo da
subproletarização tardia. Trata-se, segundo Alves, de um aspecto dissimulado da nova exclusão social, do qual o
86
2000), tende a debilitar, e impor novas provocações para a prática sindical tradicional. O
sindicalismo vertical (decorrente da estrutura corporativa), que privilegia a dimensão de
categoria profissional (fragmentando o coletivo de classe), herdado do período Varguista,
encontra-se totalmente inadaptado para lidar em um contexto marcado por profundas
segmentações entre os trabalhadores. Assim, à velha” fragmentação decorrente do
corporativismo (que divide os trabalhadores em diferentes categorias profissionais), soma-se
um novo patamar de fragmentação (e divisão) no mundo do trabalho, proporcionado pelo
processo de reestruturação da economia brasileira, com o surgimento de novas (e imensas)
categorias de trabalhadores precarizados, excluídos do mercado formal de trabalho, ou
impossibilitados de trabalhar por não responderem ao perfil exigido pela acumulação
“flexível” do capital.
Essas novas segmentações dificultam a atuação dos sindicatos a partir de estruturas
burocráticas, posto que os organismos sindicais não podem mais desempenhar seu papel
tradicional de unificação do proletariado (de superação de sua divisão concorrencial e de sua
segmentação) tendo como perspectiva uma organização corporativa restrita à categoria
profissional
15
. Nesse sentido, para a CUT, o seu grande desafio seria redefinir e ampliar o
campo de identidade dos trabalhadores, de forma a romper com a atual divisão dos
trabalhadores em categorias profissionais ajustando-se ao novo perfil da classe trabalhadora,
que enfrenta variadas formas de exploração (e dominação), acirradas com o processo de
reestrutura produtiva:
As novas estruturas criadas devem ser pensadas como expressão e como espaços de
construção de novas identidades que vão além da atual demarcação das categorias
profissionais [...] Diante das transformações no mundo do trabalho e em função da
própria experiência da CUT, é evidente a necessidade da Central de se ajustar ao
novo perfil da classe trabalhadora, que enfrenta variadas condições de exploração e
dominação [...] Devemos, assim, ampliar a participação e a adesão dos
trabalhadores terceirizados, além da organização dos trabalhadores desempregados,
daqueles que sobrevivem na economia informal e dos trabalhadores em
empreendimentos autogestionários e solidários (CUT, 2003a p. 53).
De fato, o sindicalismo tem encontrado grandes dificuldades para incorporar as
mulheres, os empregados de escritório, os que trabalham no setor de serviços mercantis, os
empregados de pequenas empresas e os trabalhadores em tempo parcial. Esses trabalhadores,
desemprego tecnológico é sua fratura exposta; muitas vezes, a discussão da quantidade de empregos sobrepõe-se
à discussão da qualidade dos novos postos de trabalho, ocultando o problema da subproletarização tardia como
um dos maiores problemas do trabalho no século XXI (Alves, 2000 p. 78).
15
Segundo Bihr, o sindicalismo vertical”, que privilegia a dimensão de categoria e profissional, herdado do
período fordista, encontra-se, com a crise, totalmente inadaptado. Conforme destaca, somente um sindicalismo
com estruturas horizontais”, que privilegia a dimensão intercategorial, seria adequado para organizar ao mesmo
tempo trabalhadores permanentes, instáveis e desempregados (Bihr, 1999).
87
que têm crescido muito nos últimos tempos, ainda apresentam uma baixa tendência em
participar das atividades sindicais, bem como filiar-se aos sindicatos, reduzindo as taxas de
sindicalização e impondo sérios obstáculos para a atuação dos sindicatos, historicamente
ligados aos setores mais tradicionais da economia:
[...] A capacidade de intervenção dos sindicatos diminuiu, como conseqüência de
uma reestruturação produtiva que diminuiu a base sindical, ampliou o desemprego,
modificou competências e diversificou as formas de contratação, via terceirização,
trabalho em tempo parcial, trabalho temporário e recurso ao mercado informal de
mão-de-obra. [...] As mudanças na economia e as mutações no mundo do trabalho
têm reduzido os efeitos das nossas fortalezas sindicais (metalúrgicos, bancários
e indústria em geral)
em virtude da desconcentração industrial, da
desverticalização e terceirização. [...] Esse quadro é uma ameaça ao crescimento da
CUT, em particular
, nos setores nos quais nossa representatividade é mais
fraca
, mas que são ao mesmo tempo as áreas nas quais o emprego mais tem
crescido nos últimos anos:
comércio e serviços em geral
[...] Assim, este
congresso tem uma grande responsabilidade: definir um conjunto de resoluções que
contenha um plano de ação capaz de, preservando os princípios fundamentais de
nossa Central, instrumentalizar o movimento sindical para responder aos grandes
desafios da virada do milênio (CUT, 2000 p. 32-33) [grifos nossos].
3.1.4 A CRIAÇÃO DE SINDICATOS POR RAMO DE ATIVIDADE
ECONÔMICA
Como resposta frente às novas determinações que atingem o mercado de trabalho
brasileiro (com o crescimento acelerado da precarização em suas diversas formas), a CUT,
principalmente a partir de 1994, novamente reacende as críticas à estrutura sindical,
aprofundando sua proposta de construção de sindicatos por ramo de atividade econômica e,
em meio às discussões sobre o fim da unicidade sindical, vai propor a criação de sindicatos
orgânicos à CUT em substituição aos sindicatos filiados (pois, conforme destacava, a simples
filiação não garantiria a unidade necessária para a Central atuar em um possível cenário de
“liberdade” sindical que estaria se avizinhando).
A proposta de criação de sindicatos por ramo de atividade econômica foi aprovada logo
no congresso de fundação da CUT, sendo posteriormente reiterada ao longo de toda sua
trajetória. Objetivando alterar o enquadramento sindical, essa proposta tinha como
pressuposto básico a unificação dos sindicatos da CUT, visando a sua desmunicipalização e
ampliação de sua área geográfica, de forma a constituir sindicatos mais amplos e
representativos. “O sindicato se organizado por ramo de atividade econômica (no setor
agropecuário, industrial e serviços), tendo como meta a aglutinação de atividades afins num
mesmo sindicato. Na medida do possível, a organização deve ampliar a sua base geográfica
visando à desmunicipalização do sindicato” (CUT, 1986 p. 76).
88
Conforme destacava, seria uma forma de fugir da pulverização decorrente da estrutura
corporativa, que divide os trabalhadores em diferentes categorias profissionais e limita a
atividade dos sindicatos ao âmbito municipal. Essa configuração assumida pelo sindicalismo
corporativo (somado ao monopólio da representação sindical e aos impostos sindicais
compulsórios) teria criado, segundo a CUT, uma situação diruptiva para a organização dos
trabalhadores: muitos sindicatos representando cada qual uma pequena quantidade de
trabalhadores. A saída buscada era a unificação dos sindicatos em um mesmo ramo de
atividade econômica, ampliando a base representativa dos sindicatos. “Sobre a estrutura
vertical, o V CONCUT incorporou a proposta de divisão de ramos de atividade, aprovada na
V plenária Nacional, concretizando a decisão da Central, quanto à necessidade da superação
de sindicatos por categorias, condição fundamental para se constituir sindicatos fortes, de
abrangência estadual e nacional” (CUT, 1997 p. 34).
Essa proposta, de um certo modo, continha uma dimensão horizontal na medida em que
propunha unificar os trabalhadores em um coletivo mais amplo de classe, procurando romper
com a “velha” noção de categoria profissional. As novas estruturas criadas deveriam priorizar
as dimensões interprofissionais, procurando construir uma coletividade inovadora que
conseguisse lidar com as cisões no interior da classe trabalhadora:
Nosso grande desafio é redefinir e ampliar o campo de identidades dos
trabalhadores. A CUT tem um acúmulo suficiente para que esse processo ocorra
com a implementação de salvaguardas que evitem brechas para que outros projetos
sindicais se instalem em nossas bases. A unificação dos sindicatos da Central é
outro aspecto fundamental na construção do ramo de atividade. As novas estruturas
criadas devem ser pensadas como expressão e como espaço de construção de novas
identidades que vão além da atual demarcação das categorias profissionais.
A
própria identidade de classe pode ser impulsionada pela configuração de novos
espaços que reúnam trabalhadores de diferentes setores
(CUT, 2003a p. 55)
[grifos nossos].
A grande questão era, portanto, ampliar a base representativa dos sindicatos de forma a
desenvolver um novo modelo de organização sindical que fosse capaz de superar a enorme
barreira social que separa os trabalhadores “estáveis”, mais “integrados” ao processo
produtivo e que se encontram em franca redução, daqueles trabalhadores em tempo parcial,
precários, terceirizados, subempregados da economia informal, que se encontram em
significativa expansão no processo produtivo contemporâneo. Seria a CUT capaz de estruturar
um novo sindicalismo (mais horizontalizado), melhor preparado para incorporar o conjunto da
classe trabalhadora, negando, desse modo, o sindicalismo verticalizado (e burocrático), que se
mostra incapaz de lidar com a nova era de desigualdade social? Conforme resolução aprovada
em seu VI CONCUT, a Central apontava que o processo de fusão dos sindicatos (com a
89
ampliação de sua base territorial) deveria ser adequado para lidar com as novas segmentações
que atingem a classe trabalhadora brasileira:
O VI CONCUT decide estabelecer como meta a fusão dos sindicatos da Central por
ramo de atividade, em bases mínimas regionais [...] Para isso, os ramos devem
estabelecer prazos internos de unificação dos seus sindicatos, e todos os sindicatos
devem estabelecer mecanismos estatuários que garantam a filiação de todos os
trabalhadores do ramo, inclusive os terceirizados [...] O VI CONCUT decide que
uma das prioridades da Central é a organização dos trabalhadores não organizados
em sindicatos, da economia informal, trabalhadores autônomos e aqueles sob os
sindicatos de carimbo [...]
O projeto dos ramos deve ser permanentemente
adequado às mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho
(CUT,
1997 p. 97-98) [grifos nossos].
Porém, o fato é que, como tem-se verificado ao longo do tempo, ao invés de buscar a
unificação dos sindicatos (e a construção de uma nova identidade que consiga fazer frente às
mutações que vem sofrendo a classe trabalhadora no país), tem sido muito comum, mesmo no
interior da própria CUT, o desmembramento de categorias profissionais (sindicatos
intermunicipais rachados em sindicatos municipais), aprofundando a excessiva fragmentação
existente. O estímulo principal para a criação (ou desmembramento) dos organismos sindicais
tem sido obtenção de empregos vantajosos em entidades altamente protegidas pela legislação
e dotadas de fontes de rendas seguras. A Constituição de 1988 ao liberar a criação de
sindicatos, sem prévia autorização, e ao reduzir as intervenções do Estado nos organismos
sindicais, redobrou o incentivo para a criação de novos sindicatos. O resultado, reconhecido
pela CUT, foi o aumento da fragmentação de um sindicalismo excessivamente
fragmentado:
O estímulo à fusão de sindicatos passou a ser uma das tarefas prioritárias da
Central. Apesar de algumas experiências bem sucedidas, uma parte considerável
dos dirigentes sindicais ainda o se sensibilizou para a necessidade da construção
de sindicatos amplos e representativos,
condições fundamentais para se evitar
uma fragmentação ainda maior [...] Assim, avançamos muito pouco nos últimos
anos, da parte do movimento sindical cutista, no sentido de efetivar fusão nos
sindicatos de categoria, de modo a tornar mais abrangente a sua representação
sindical (CUT, 1997 p. 34) [grifos nossos].
3.1.5 A QUESTÃO DO SINDICATO ORGÂNICO
Ao mesmo tempo, junto com a proposta de unificação de seus sindicatos e, em meio às
discussões sobre o fim da unicidade sindical, a CUT vai propor, a partir de 1994, em seu V
CONCUT, a abertura de um processo para discutir sobre a possibilidade em se transformar o
modelo sindical cutista, em que os sindicatos deixariam de ser filiados e se tornariam
90
estruturas orgânicas à Central, o que acabou por desencadear uma intensa polêmica em seu
interior:
O V CONCUT indica a abertura de um processo de discussão sobre a
transformação ou não dos sindicatos filiados em sindicatos orgânicos à Central.
Esse debate é fundamental para a consolidação da estrutura sindical cutista e a sua
substituição definitiva da estrutura oficial, através de um processo que passa pela
constituição de sindicatos por ramo, superando os sindicatos por categoria
[...]
A plenária nacional da CUT, a se realizar em 1995, fica autorizada a deliberar sobre
as propostas e conclusões do debate sobre
a transição para a organização
sindical [cutista]
(CUT, 1994 p. 53-54) [grifos nossos].
O modelo de sindicato orgânico, juntamente com a proposta de fusão dos sindicatos da
CUT representa, em grande medida, uma tentativa de fugir dos efeitos descentralizadores (e
dispersores) da estrutura sindical corporativa. Por um lado, a desconcentração (decorrente do
corporativismo) fragmenta e dispersa o poder sindical em uma miríade de sindicatos
municipais, em sua grande maioria pouco expressivos e com exígua capacidade de barganha.
Por outro lado, a descentralização (outro traço marcante do sistema sindical brasileiro) faz dos
sindicatos de base a principal força de toda estrutura corporativa, relegando às Centrais
Sindicais um papel secundário no processo de contratação coletiva. Mesmo a CUT, a mais
poderosa e institucionalizada das Centrais, desfruta de um poder reduzido para contratar as
formas de uso e remuneração do trabalho, sendo que só recentemente adquiriu algum papel no
processo de negociação coletiva.
Os sindicatos corporativos na medida em que detêm o monopólio da representação
sindical e o poder de cobrar compulsoriamente o imposto sindical de todos os trabalhadores
de sua base representativa, fazem deles os centros reais de poder de todo sistema sindical
brasileiro (Almeida, 1996 p. 137). O modelo de sindicato orgânico seria uma resposta da CUT
(principalmente de seus setores majoritários) frente à essa atomização do poder sindical (ou
seja, a concentração de poder nas entidades de base do sindicalismo oficial), de maneira que,
conforme destacava, a criação de estruturas orgânicas seria uma forma de reduzir a autonomia
dos sindicatos de base, “equilibrando” as relações de força no interior da estrutura sindical.
A principal crítica endereçada pela CUT (leia-se pelos setores majoritários) ao sistema
de simples de filiação era que, justamente por deterem excessiva autonomia, os sindicatos de
base vinham exercendo uma prática sindical distante (e descompromissada) com os princípios
gerais que regem a CUT, isolando-se em suas campanhas específicas e dificultando a atuação
da Central como um corpo unitário:
O modelo de “filiação de sindicatos” permite o descompromisso com os princípios
e as campanhas promovidas pela CUT e com sua prática e concepção sindical.
Verifica-se que, após a filiação, muitos sindicatos apenas carregam o logotipo da
CUT em seus boletins e jornais. Adotam uma prática distanciada da Central,
91
isolam-se nas suas campanhas específicas, não participando das lutas gerais que
acontecem na sociedade, fundamentais para fazer as grandes mudanças. Esta prática
não contribui para a construção de relações solidárias entre os trabalhadores, uma
necessidade para que as campanhas sejam vitoriosas. Além disso, em muitos casos,
praticam um sindicalismo sem nenhuma relação com o projeto cutista (CUT,
1997 p. 95-96).
Segundo a tese defendida pela Articulação Sindical, a CUT estaria agindo muito mais
como uma federação de sindicatos frouxamente articulada do que como uma verdadeira
Central Sindical. “A CUT, às vezes, parece agir como uma intersindical ou como uma
federação de sindicatos, devido à falta de organicidade nas relações entre os sindicatos com as
CUTs Estaduais e destas com a nacional. Ainda não conseguimos atuar como um corpo único
para implantar as políticas aprovadas” (CUT, 1997 p. 34). A organicidade seria uma forma de
equilibrar esse descompasso entre a cúpula e a base do movimento operário, reduzindo a
autonomia dos sindicatos de base e cedendo prerrogativas para as Centrais Sindicais
participarem do processo de negociação coletiva, contratando as formas de uso e remuneração
do trabalho.
Nessa estrutura, conforme a CUT, os sindicatos continuariam sendo o principal órgão de
defesa dos trabalhadores, cabendo à Central o enfrentamento dos interesses mais gerais e
abrangentes que, pela amplitude do acordo, não poderia ser implementado exclusivamente
pelos sindicatos de base. Interessante notar que o próprio modelo de sindicato orgânico se
completava com a proposta de unificação dos sindicatos da CUT, rumo à construção de
sindicatos por ramo de atividade econômica:
O modelo de sindicato orgânico aprovado pela VIII Plenária é o sindicato regido
pelos princípios cutistas [...] As principais características desse modelo são: a-) um
sindicato representativo de um dos ramos de atividade definidos pela CUT; b-) um
sindicato de massa, reunindo trabalhadores do ramo em âmbito regional ou mesmo
nacional, com forte estrutura local, de base, mas respeitando as tradições do
sindicalismo; c-)
é um sindicato organizado como instância da Central,
referenciado nas resoluções dos Congressos da CUT
[...] Nesta estrutura
orgânica, os sindicatos continuarão sendo a principal organização da categoria, nas
suas lutas específicas e na implantação das políticas da Central, em sua base. No
entanto, a CUT deve fazer o enfrentamento, defendendo os interesses de todas as
categorias, contribuindo nos processos de negociação e ajudando a implementar o
Contrato Coletivo de Trabalho (CUT, 1997 p. 96) [grifos nossos].
Assim, o modelo sindical proposto pela CUT estava estruturado em duas dimensões que
se relacionam intimamente. Em uma dimensão está o processo de fusão (e aglutinação) dos
sindicatos, com a ampliação de sua base representativa rumo à construção de sindicatos por
ramo de produção econômica. Essa medida, segundo a CUT, visaria unificar (e fortalecer) o
sindicalismo brasileiro, evitando a fragmentação da atividade sindical (acirrada com o
92
processo de reestruturação produtiva). Em uma outra dimensão está a proposta de criação de
sindicatos orgânicos à CUT, que o se integrariam mais à Central por um simples processo
de filiação, mas fariam parte de sua estrutura interna. O modelo de sindicato orgânico visaria
integrar, de forma plena, a cúpula e a base do movimento sindical, de forma a reduzir a
autonomia dos sindicatos de base. Isto significa que, em um cenário de pluralismo sindical
(com a quebra do monopólio da representação exclusiva dos sindicatos oficiais), os
sindicatos-CUT (supostamente fortalecidos pela integração e unificação) poderiam disputar a
representação dos trabalhadores com outros projetos sindicais, reduzindo o risco de
desfiliação dos sindicatos, uma vez que passariam a integrar, de forma orgânica, a estrutura
interna da CUT:
A organicidade do sindicato de base é uma necessidade para respondermos aos
desafios da liberdade e autonomia
. Com o fim da unicidade, os trabalhadores
poderão definir sua base, seu sindicato, mas esse direito poderá ser garantido e
exercido com muita luta, muita organização, já que a disputa não será apenas com o
sindicalismo. Alguns setores, mais do que um projeto de sindicato por empresa, têm
um projeto de sindicatos amarelos e patronais.
Apenas a filiação dos sindicatos
não garantirá sua autonomia e independência. Somente o fortalecimento do
projeto de classe representado na CUT poderepresentar uma defesa ao assédio
patronal e dos outros projetos sindicais (CUT, 1996a p.30) [grifos nossos].
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a CUT visualiza um possível cenário de
pluralismo sindical (com a quebra do monopólio da representação exclusiva dos sindicatos
oficiais), demonstra um certo receio de que o fim da unicidade poderia significar uma divisão
ainda maior do sindicalismo brasileiro e a erosão de seu projeto de classe. Dessa forma,
entende que, em um cenário de concorrência entre vários projetos sindicais, o fortalecimento
de suas estruturas internas seria um primeiro passo para conquistar a hegemonia do
movimento operário:
O debate do sindicato orgânico representou para a Central a certeza de que o
avanço democrático da legislação trabalhista brasileira depende de desafiarmos na
prática a atual legislação, como fizemos em 1983 fundando a CUT. Ao mesmo
tempo,
a proposta representava a necessidade de reafirmarmos o projeto
político cutista
, reforçando os laços entre suas instâncias e os sindicatos de base,
particularmente em um contexto de competitividade sindical, com o fim da
unicidade (CUT, 1999 p. 29) [grifos nossos].
A intenção era, portanto, fortalecer o sindicalismo brasileiro (constituindo sindicatos
mais amplos, representativos, inseridos na base e integrados) para competir em um cenário de
pluralismo sindical. Dessa forma, em meio às discussões sobre o fim da unicidade e, diante
das transformações no mundo do trabalho, a CUT começa a aprofundar as críticas à estrutura
sindical propondo a criação de sindicatos orgânicos, a consolidação da representação dos
trabalhadores por ramos de atividade econômica e a organização a partir dos locais de
93
trabalho. A permanência do corporativismo em um contexto de reestruturação da economia
brasileira deixou à CUT o grande desafio de dar continuidade (e objetividade) às teses
defendidas ao longo de seus Congressos e Plenárias, desenvolvendo um novo modelo de
organização que conseguisse responder, de forma satisfatória, ao novo cenário de disputas que
se “avizinhava” com o fim da estrutura sindical corporativa (e com a quebra do monopólio da
representação exclusiva dos sindicatos oficiais):
É necessário, portanto, darmos um salto de qualidade em nossa organização,
estimular a fusão de sindicatos, ampliando a força e a representatividade de nossas
entidades, criar estruturas solidárias, que sirvam ao conjunto da classe, e não
somente a essa ou àquela categoria, enfim, nos prepararmos para o verdadeiro
enfrentamento, uma disputa de classe. Paralela à discussão do tipo de sindicato que
devemos construir, orgânico à CUT ou não, estamos nos deparando com a
discussão de liberdade e autonomia sindical, Contrato Coletivo de Trabalho e o fim
da unicidade e do imposto sindical. Cabe-nos, portanto, tomar uma decisão para
consolidarmos, de fato, a CUT
(CUT, 1995 p. 8).
3.1.6 A PROPOSTA DE INSTITUIR UM “SISTEMA DEMOCRÁTICO DE
RELAÇÕES DE TRABALHO” NO PAÍS E A LIBERAÇÃO DO PROCESSO DE
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
E é com o objetivo de reformar profundamente a legislação sindical brasileira que a
CUT vai apresentar em 1995, em sua Plenária Nacional, uma proposta de reforma “global”
do sistema de relações de trabalho no país. Esta proposta (intitulada “Sistema Democrático de
Relações de Trabalho”) visava eliminar a estrutura corporativa e instituir um regime de
“liberdade” e “autonomia” sindical no Brasil, com o fortalecimento dos sindicatos e a
liberação do processo de contratação coletiva. Com esse modelo, procurava atuar em duas
frentes simultaneamente reformando a legislação sindical de forma a conceder salvaguardas
para que os sindicatos pudessem negociar as condições de uso e remuneração do trabalho em
um cenário de “liberdade” sindical:
A proposta que a CUT formula e apresenta a seguir tem como objetivo contribuir
para a instituição de um novo modelo de relações trabalhistas [...] Este novo
arcabouço jurídico deve garantir a liberdade sindical, especialmente a autonomia
frente ao Estado, a liberdade do exercício da ão sindical nas empresas e o direito
de greve; o direito de representação dos trabalhadores, desde o local de trabalho até
o plano nacional e a contratação coletiva entendida como possibilidade de negociar
sem a intervenção compulsória do Estado, e de contratar, fiscalizar e fazer cumprir
normas sobre salário e condições de trabalho [...] Este modelo, baseado no regime
de liberdade sindical e de direitos coletivos, se contrapõe ao atual regime
intervencionista e tutelar (CUT, 1995 p. 11-16).
94
A CUT que, desde seu surgimento, vinha deflagrando críticas à estrutura corporativa,
começava a elaborar, de forma mais sistemática, um novo modelo de organização sindical.
Elaborada em 1992, a proposta de um “Sistema Democrático de Relações de Trabalho” visava
combater a idéia de que a reforma sindical e trabalhista seriam esferas independentes. Mais
objetivamente visava confrontar as propostas neoliberais de flexibilização das leis trabalhista
na medida em que propunha, ao mesmo tempo, fortalecer o sindicalismo (portanto, reformar a
legislação sindical) e liberar o processo de negociação coletiva, para que os sindicatos
(fortalecidos) pudessem negociar com o capital as condições de uso e remuneração do
trabalho em um patamar menos desigual. “Tanto os empresários como o Estado não
esperaram por mudanças na legislação para alterar o funcionamento do mercado de trabalho.
Ao invés de apresentar uma reforma global, aplicaram uma estratégia de comer pelas
beiradas” (CUT, 1996b p. 4).
Conforme destacava, enquanto que a proposta patronal visava única (e exclusivamente)
restringir os constrangimentos legais à compra e venda da força de trabalho, reduzindo (e
eliminando) os direitos trabalhistas, sua proposta, ao tratar a esfera sindical e trabalhista como
um conjunto integrado procurava ampliar a participação sindical no processo de negociação
coletiva, fortalecendo a organização dos trabalhadores e colocando a negociação coletiva
como um complemento à lei, e não um substituto:
O resgate da proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho é
importante para valorizar a idéia de que a organização sindical, negociação
coletiva, direitos fundamentais, entre outros, constituem um conjunto integrado.
Não se pode abrir mão de uma visão sistêmica no debate sobre a reforma trabalhista
e sindical. A atuação da CUT deve, portanto, orientar-se para que a reforma sindical
e trabalhista tenha um caráter progressista, que democratize as relações de trabalho,
valorize o papel do Estado como garantidor de direitos, fortaleça a organização
sindical e amplie direitos aos trabalhadores (CUT, 2003a p. 91).
Dessa forma, a democratização das relações de trabalho (e o fortalecimento das
organizações sindicais), seria pressuposto sico para a liberação do processo de negociação
entre capital e trabalho. O novo modelo, segundo a CUT, deveria “reequilibrar” as relações de
poder no interior da estrutura sindical, concedendo, aos trabalhadores, mecanismos próprios
de defesa, rompendo com o sistema de tutela (sistema esse que estaria minando as
possibilidades de desenvolvimento de um sindicalismo realmente livre e democrático). A
intenção da CUT em inserir a proposta de Contrato Coletivo dentro de um Sistema
Democrático de Relações de Trabalho” era de confrontar a proposta patronal de flexibilização
unilateral das leis trabalhistas (ou seja, de alterar o funcionamento do mercado sem mudanças
na legislação sindical), colocando o fortalecimento dos sindicatos como condição prévia (e
95
indispensável) para a liberação do processo de negociação coletiva, estimulando (e
adequando) a livre contratação de acordo com a realidade econômica (e social) de cada setor
da economia:
A democratização das relações de trabalho obtém-se através da criação de
mecanismos capazes de proporcionar maior equilíbrio de poder entre capital e
trabalho dentro do sistema produtivo. Significa dotar os trabalhadores e as
entidades sindicais de instrumentos próprios de defesa. Faz-se necessário, portanto,
substituir todo o ordenamento jurídico que sustentação ao sistema tutelar,
autoritário e intervencionista de relações de trabalho. Deve emergir, em seu lugar,
um regramento jurídico capaz de dar legitimidade e assegurar eficácia à autodefesa
dos assalariados [...]
Sua implementação promove outro patamar de negociação
coletiva, na medida em que assegura condições equivalentes entre as partes
negociadoras, reequilibrando as relações de poder
. Estimula e garante condições
para o desenvolvimento de um processo contratual mais condinzente com a
dinâmica, complexidade e diversidade dos conflitos de interesses, proporcionando
maior controle de direitos e melhor articulação entre a negociação por ramo e por
empresa (CUT, 1995 p. 15-16) [grifos nossos].
3.1.7 O VERDADEIRO SENTIDO DO MODELO PROPOSTO PELA CUT
Todavia, muito embora a proposta de instituir o Contrato Coletivo de Trabalho estar
vinculado ao fortalecimento dos organismos sindicais como condição prévia, a disposição da
CUT (especialmente de seus setores majoritários) em discutir o Contrato Coletivo embute um
risco considerável para o sindicalismo combativo na medida em que a livre negociação (da
forma como é defendida pela Articulação Sindical) pode significar a transferência da
regulamentação do trabalho dos textos legais para o dos acordos trabalhistas, como também o
deslocamento do processo de negociação coletiva para níveis, cada vez mais, inferiores.
Mesmo que a CUT não assuma uma perspectiva contratualista no sentido estrito do termo,
pois, para a Central, em tese, o contrato destina-se a introduzir direitos e garantias adicionais,
superiores aos assegurados por lei, acaba acenando para um futuro onde as leis trabalhistas
seriam negociadas de acordo com a realidade econômica (e social) de cada setor da economia,
o que permite a desregulamentação das relações de trabalho, pelo menos, nos setores
sindicalmente pouco organizados.
A proposta inicial de Contrato Coletivo de Trabalho (elaborada pelos setores
majoritários da CUT) já indicava a intenção de transferir a regulamentação do campo dos
textos legais para o dos acordos trabalhistas, apontando para a contratualização das relações
de trabalho no país. Essa proposta inicial, formulada em 1988, seria atualizada 4 anos depois,
quando da posse de Walter Barelli ao Ministério do Trabalho. Em dezembro de 1992, a
Direção Nacional da CUT elaborou, a pedido do novo Ministro, o documento intitulado
“Sistema Democrático de Relações de Trabalho” onde faz uma reavaliação de sua proposta
96
inicial de Contrato Coletivo introduzindo, como novidade, o estabelecimento de um período
de transição para a implantação do novo modelo de organização sindical e negociação
coletiva.
Nesse documento, a CUT posiciona-se, de início, contra a proposta das associações de
empresários que vinham se manifestando a favor da eliminação imediata dos direitos sociais e
da legislação trabalhista, contidos na Constituição e na CLT, como condição para que a
contratação coletiva pudesse prosperar no Brasil. A CUT que, em sua projeto inicial, apontava
para uma radical contratualização das relações de trabalho no país (com a transferência dos
direitos consagrados nos textos legais para o processo de negociação coletiva), recua diante
das propostas de flexibilização das leis trabalhistas, apresentada pelos setores empresariais.
De um certo modo, a Articulação Sindical percebe que a concepção que vinha apresentando
poderia servir aos interesses mais retrógrados do empresariado, deixando descoberto não
apenas os trabalhadores menos organizados, mas também a sua própria base social, centrada
nos setores com maior capacidade de organização e de mobilização sindical:
Segmentos conservadores das elites, mesmo falando em contrato coletivo de
trabalho, o a ele uma interpretação toda especial. Em seu nome, pregam a
remoção de todos os dispositivos da Constituição e da CLT que ofereçam algum
amparo ao trabalhador. Preparam-se para realizar seu projeto ainda este ano,
durante a revisão constitucional. Chamam a isso desregulamentação, flexibilização
de direitos, ou, mais pomposamente, modernização das relações de trabalho
(CUT, 1993 p. 2-3).
No entanto, a despeito do que possa parecer, mesmo afirmando que “a passagem do
atual sistema, fundado na tutela do Estado sobre os trabalhadores, para um Sistema
Democrático de Relações de Trabalho, não pode, sob qualquer hipótese, implicar perdas de
direitos para os trabalhadores” (CUT, 1996b p. 6), a proposta de Contrato Coletivo de
Trabalho apresentada pela Articulação Sindical, conforme temos dito, pode abrir caminho
para a contratualização das relações de trabalho no Brasil, com uma redução significativa do
Estado como fonte de direito e a ampliação da esfera contratual como campo prioritário para a
elaboração de direitos do trabalho. Mesmo estabelecendo um período de transição, onde os
direitos consagrados na Constituição Federal e na CLT estariam assegurados, sugere que, a
longo prazo, esses direitos poderiam ser objetos de negociação coletiva, o que reflete os
efeitos diruptivos dessa proposta, pelo menos para os setores mais desorganizados sindical e
politicamente.
É verdade que a proposta de Contrato Coletivo da CUT comportava uma dimensão
centralizada de caráter nacional, onde seriam discutidos (e elaborados) os direitos mínimos
(aplicados a todos os trabalhadores) e que não poderiam ser objetos de negociação coletiva.
97
Todavia, apesar de conferir um caráter nacional ao Contrato Coletivo, esse contrato mais
amplo seria completado por contratos de menor abrangência, conforme as especificidades
regionais e setoriais, o que certamente colocará uma boa parcela dos trabalhadores na
dependência exclusiva do mínimo estabelecido em âmbito nacional. Acontece que o mínimo
estabelecido pode significar um rebaixamento dos direitos contemplados na Constituição,
acabando por deixar muitos setores completamente desguarnecidos, que o conseguiriam
verter a resistência do capital (pois este não medirá forças para rebaixar (e eliminar) os
direitos dos trabalhadores).
Ao mesmo tempo, a noção de direitos mínimos, juntamente com a proposta de Contrato
Coletivo de Trabalho reativam um comportamento corporativista (enquanto egoísmo de
fração), na medida em que cada categoria (ou parte dela, como no exemplo das câmaras
setoriais) passa a lutar de acordo com as condições econômicas do setor em que está inserida
e segundo a capacidade organizativa do sindicato ao qual pertence. Essa posição supõe que a
desigualdade regional/setorial impede as regiões mais desenvolvidas e organizadas de
obterem ganhos superiores aos demais, já que alguns setores podem, ao negociar
separadamente, ganhar mais do que outros. Esse comportamento corporativista aparece
nitidamente na fala de Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC entre
1996 e 2003: para Marinho a Contratação Coletiva “rompe com o princípio de uma falsa
igualdade nacional nas relações de trabalho, responsável pelo rebaixamento dos direitos
trabalhistas que deixam de corresponder às condições concretas de cada setor produtivo e de
cada momento específico da vida da sociedade” (Marinho, 2002 p. 21). Nesse sentido, o
nivelamento por baixo dos direitos trabalhistas em virtude das desigualdades regionais e
setoriais, faz com que o sindicalista proponha que o Contrato Coletivo, a partir de um mínimo
estabelecido, satisfaça às condições econômica (e social) dos diferentes setores da economia,
tendo como base a realidade organizativa dos diferentes segmentos da classe trabalhadora.
Assim, a proposta cutista de Contrato Coletivo de Trabalho parece atender aos
interesses dos setores mais organizados (e com maior poder de pressão) dentro da CUT
(metalúrgicos, petroleiros, bancários), em detrimento do conjunto da classe trabalhadora. Foi
justamente nesses setores (representados pela Articulação Sindical) que se desenvolveu e
ganhou força a campanha pelo Contrato Coletivo de Trabalho. Tal contrato é, para eles, muito
mais uma proposta para liberar os setores mais organizados para assinarem acordos melhores
sem ter que carregar consigo o peso do conjunto dos trabalhadores do que um fator de
unificação da luta sindical. Ademais, estes setores sentem-se em condição de negociar regras
de contratação mais favoráveis aos trabalhadores de sua base do que as fixadas pela lei (daí
98
assumirem, de forma mais sistemática, uma perspectiva contratualista, pois acreditam-se
capazes de negociar com o patronato a regulação do mercado de trabalho sem que seja
necessário recorrer à intervenção estatal).
Uma última observação se faz necessária. Não se trata aqui de questionar a legitimidade
do Contrato Coletivo de Trabalho e do processo de negociação coletiva, mas sim de
problematizar a forma com que foi apresentado pelos membros da Articulação Sindical. Uma
coisa é negociar e lutar para que a legislação trabalhista estenda seu campo de aplicação,
envolvendo trabalhadores que hoje se encontram à margem dela, e reivindicar a ampliação do
nível dos direitos existentes; outra coisa é admitir que a legislação seja reduzida a um mínimo
para que o restante dos direitos sejam obtidos através da negociação coletiva (de acordo com a
realidade econômica (e social) dos diferentes setores da economia), o que certamente
implicará em perdas substanciais à grande maioria dos trabalhadores brasileiros.
Conforme destaca Boito Jr (1999 p. 158), a real dimensão dos efeitos destrutivos da
proposta de Contrato Coletivo sobre os trabalhadores pode ser devidamente avaliada quando
se considera a importância da legislação, e não da contratação, na regulamentação do mercado
de trabalho no Brasil, os desequilíbrios e instabilidades do capitalismo periférico, a
burocratização e o governismo de grande parte dos sindicatos brasileiros e a reduzida taxa de
sindicalização existente no país. Segundo o autor, embora colida com a ideologia neoliberal,
pelo simples fato de ser um tipo de ação sindical, impedindo a livre circulação e contratação
de trabalhadores atomizados, a livre contratação coletiva (da forma como é proposta pela
Articulação Sindical) faz apelo à ideologia do contrato entre partes supostamente livres e
iguais, fragmenta o coletivo de classe em setores, é refratária à intervenção do Estado para
impor limites (jurídicos) à exploração do capital, e permite a desregulamentação das relações
de trabalho, pelo menos, nos setores sindicalmente pouco organizados. A defesa da livre
contratação é encampada pela burguesia e pelos governos neoliberais exatamente nesse
aspecto: não se trata de assegurar “liberdade” e “autonomia” sindical (nem de fortalecer o
sindicalismo brasileiro), mas de eliminar, reduzir (e flexibilizar) os direitos consagrados na
Constituição Federal e na CLT.
99
3.2 AS POSIÇÕES ASSUMIDAS PELA CUT NO FÓRUM NACIONAL DO
TRABALHO E O ACIRRAMENTO DAS DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS EM SEU
INTERIOR
3.2.1 A LEGISLAÇÃO SINDICAL E TRABALHISTA: UM CONJUNTO
ARTICULADO E SISTÊMICO?
A proposta da CUT (formulada em 1992) de instituir um “Sistema Democrático de
Relações de Trabalho” no país será reafirmada ao longo de seus Congressos e Plenárias.
Conforme vimos, a novidade dessa proposta era inserir o Contrato Coletivo de Trabalho em
uma perspectiva de reforma global do Sistema de Relações de Trabalho, de maneira que a
liberação do processo de negociação coletiva (como espaço privilegiado para a elaboração de
normas de regulamentação do trabalho) teria como pressuposto básico a criação de
salvaguardas que assegurassem o fortalecimento das entidades sindicais. A proposta de
Contrato Coletivo encaminhada pela CUT ao Ministro do Trabalho Walter Barelli em
dezembro de 1992, procurava inserir a contratação coletiva num “Sistema Democrático de
Relações de Trabalho”, difundindo a idéia de que a reforma num aspecto implicaria a reforma
do todo e que a reforma restrita a apenas uma dimensão (como vinha implementando os
setores ligados ao capital ao flexibilizarem a legislação trabalhista sem mexer na estrutura
corporativa) constituiria uma reforma inacabada.
Assim, a partir desse momento, o Contrato Coletivo passou a ser apresentado como uma
forma de alterar a legislação sindical e trabalhista a um tempo (ou em tempos distintos,
desde que articulados de maneira a operar o fortalecimento dos sindicatos para que o processo
de livre negociação entre capital e trabalho pudesse ocorrer), consagrando-se a visão de que
esses institutos constituiriam um conjunto articulado e sistêmico:
A proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho, formulada em 1992,
consolidou de forma sistêmica o acúmulo da CUT sobre organização sindical, e
pode-se dizer que desde a Plenária Nacional, em 1999, a CUT tem uma proposta
global de reforma sindical e trabalhista, que se expressa, inclusive, em formato de
projeto de lei e de emenda constitucional, com ênfase na organização por local de
trabalho, negociação coletiva e contrato coletivo de trabalho e o fim da unicidade e
do imposto sindical [...] O resgate da proposta de Sistema Democrático de relações
de Trabalho é importante para valorizar a idéia de que a organização sindical,
negociação coletiva, direitos fundamentais, entre outros,
constituem um conjunto
integrado
. Não se pode abrir mão de uma
visão sistêmica
no debate sobre a
reforma trabalhista e sindical (CUT, 2003a p. 87-91) [grifos nossos].
100
Essa visão sistêmica sobre a reforma do sindicalismo brasileiro também predominou nas
discussões realizadas no Fórum Nacional do Trabalho em 2003. A grande polêmica
desencadeada por muitos sindicalistas integrantes do Fórum era que a proposta de
implementar a reforma trabalhista antes da reforma sindical se constituía em uma manobra
conspiratória do patronato e do governo para suprimir direitos dos trabalhadores, como se
existisse uma certa linearidade entre as duas dimensões do direito do trabalho. Da mesma
forma, (invertendo o raciocínio) setores da esquerda cutista denunciavam que a realização da
reforma sindical constituiria uma preparação de terreno para a reforma da legislação
trabalhista, na medida em que a modificação da forma de organização sindical fortaleceria os
órgãos de cúpula do movimento operário, mais propensos à negociação de direitos, em
detrimento dos sindicatos de base, que vinham apresentando uma maior resistência às
propostas de flexibilização das leis do trabalho. A idéia era que a reforma sindical seria uma
espécie de “abre-alas” para que a realização da reforma trabalhista se desse sem maiores
resistências (pois a concentração de poderes nas Centrais Sindicais facilitaria a eliminação dos
direitos consagrados na Constituição Federal e na CLT, haja vista que esses organismos
estariam mais dispostos a negociarem com o capital a flexibilização de direitos).
O debate sobre a reforma trabalhista no Brasil compreende, portanto, dois grandes eixos
(a legislação sindical e a trabalhista), geralmente tratados como um conjunto articulado e
sistêmico. A vinculação entre esses dois aspectos do direito do trabalho encontra-se presente
não apenas na CLT e no discurso de muitos sindicalistas, mas também no debate acadêmico e
no plano conceitual. Como efeito, alguns autores se valem do conceito de “Sistema ou
Modelo de Relações de Trabalho” para se referir ao “Sistema Nacional de Relações de
Trabalho”, que inclui a estrutura sindical corporativa e a legislação trabalhista. Autores como
Cardoso, por exemplo, entende que estas duas dimensões do direito do trabalho, que regula
tanto as formas de uso e remuneração do trabalho como as formas de organização sindical,
constituem um todo articulado e dependente, lados da mesma moeda (Cardoso, 1999 p. 167;
Cardoso, 2003 p. 90). Noronha (1998) também se vale do conceito de “Modelo de Relações
de Trabalho” para se referir à legislação trabalhista e sindical como um conjunto integrado e
sistêmico.
Porém, uma análise da história recente do Brasil não nos permite tratar a legislação
sindical e trabalhista como um conjunto sistêmico, como se existisse uma certa seqüência
linear (e inexorável) entre esses dois aspectos do direito do trabalho. O exame das iniciativas
empreendidas ao longo dos anos 1990, sobretudo no governo FHC, em seus dois mandatos,
revela que o governo concentrou seus esforços na redução e eliminação de direitos dos
101
trabalhistas, relegando a estrutura sindical para um segundo plano. Ou seja, o governo
Fernando Henrique mostrou que é possível flexibilizar as relações de trabalho sem tocar na
estrutura sindical corporativa. Sua reforma trabalhista foi efetivada, sobretudo, mediante a
introdução de contratos flexíveis (por prazo determinado, em tempo parcial ou mediante a
suspenso do contrato de trabalho), que restringem ou suprimem direitos, mas pouco alterou a
forma de organização sindical. Mas como foi possível ao governo desregulamentar as relações
de trabalho sem mexer na legislação sindical?
Neste ponto, concordamos com Galvão, para quem isso foi possível porque, muito
embora a legislação sindical e trabalhista estejam estreitamente relacionadas, elas não
constituem um todo sistêmico, ou seja, não é existe uma tendência linear entre as duas
reformas, de maneira que, como a experiência do governo FHC mostrou, as leis de proteção
ao trabalhador foram mudadas sem que a estrutura sindical corporativa tenha passado por
qualquer tipo de mudança. Conforme a autora, esse dado nos indica que a legislação sindical e
a legislação trabalhista seriam esferas independentes, ainda que articuladas. Essa
independência o nos permite entendê-las como parte de um mesmo sistema, porque
enquanto que nos anos 1990, a legislação trabalhista passou por uma reforma de cunho
“neoliberalizante”, visando a desregulamentação e a flexibilização de direitos, a legislação
sindical permaneceu baseada em fundamentos corporativos” (Galvão, 2004 p. 61-62).
Assim, muito embora uma das grandes polêmicas desencadeadas logo no início das
atividades do Fórum Nacional do Trabalho girar em torno da afirmação de que a realização da
reforma trabalhista antes da reforma sindical seria uma manobra conspiratória do patronato e
do governo para a retirada de direitos (ou, como afirmava setores da esquerda cutista, de que a
realização da reforma sindical seria uma espécie “abre-alas” para a flexibilização (e
eliminação) de direitos), não é possível identificar uma seqüência necessária e inexorável
entre as duas reformas, de maneira que é possível desregulamentar sem mexer na organização
sindical, como fez o governo FHC, assim como é possível fazer a reforma sindical sem
obrigatoriamente desregulamentar as leis do trabalho, como pode vir a fazer o governo Lula.
Do mesmo modo, o se pode descartar a hipótese de que uma reforma trabalhista durante o
governo Lula promover sim a supressão e a retirada de direitos.
Portanto, como Galvão (2003; 2004), entendemos que a esfera sindical e trabalhista
possuem vínculos, mas não conformam um todo integrado e sistêmico, de forma a imaginar
que a reforma num aspecto implicaria a reforma do todo, ou que toda reforma restrita a apenas
uma dimensão constituiria uma reforma inacabada, como acredita a CUT. É certo que a
reforma trabalhista produz impactos na forma de organização sindical, uma vez que a
102
desregulamentação, a precarização, a informalização aumentam o número de trabalhadores
não cobertos por sindicatos e que não têm acesso a direitos, mas não necessariamente requer
mudança na estrutura sindical corporativa para se completar. Da mesma forma, uma alteração
na legislação sindical (como, por exemplo, a concessão de poder de negociação coletiva a um
organismo de cúpula do movimento operário) pode facilitar a implementação de uma reforma
trabalhista, na medida em que estes organismos estiverem mais dispostos a negociarem com o
capital a flexibilização das leis do trabalho. Todavia, a partir daí afirmar peremptoriamente
que a reforma sindical se constituiria em uma espécie de “abre-alas” para a flexibilização
(como se existisse uma seqüência direta entre as duas reformas), não encontra fundamentos na
realidade, uma vez que a ampliação ou a retirada de direitos irá depender muito da correlação
política de forças, pois, como entendemos, a reforma trabalhista constitui uma batalha distinta
da reforma sindical, ainda que ligada a ela.
Conforme vimos, o atual projeto de reforma sindical elaborado a partir das discussões
realizadas no Fórum Nacional do Trabalho não elimina por completo com a estrutura sindical
corporativa (em que pese em alguns aspectos o projeto abra espaço para a quebra do
monopólio da representação exclusiva dos sindicatos oficiais). Ao mesmo tempo, a reforma
trabalhista pode significar tanto a contratualização das relações de trabalho no país,
transferindo para as partes a tarefa de negociar os termos que regerão as relações de trabalho
(como, aliás, pode vir a acontecer com a aprovação do projeto defendido pela CUT), quanto
uma possível reafirmação do movimento sindical com a ampliação dos direitos consagrados
na Constituição Federal e na CLT. Contudo, não podemos deixar de destacar que a tendência
geral (na atual fase de desenvolvimento do capitalismo) aponta muito mais no sentido de
acirrar a fragmentação da atividade sindical (com o aprofundamento do processo de
negociação coletiva por empresas) e a flexibilização e retiradas de direitos do que qualquer
outra coisa.
3.2.2 A CUT NO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO
A vitória de Lula em 2002 reacendeu as esperanças de uma reforma profunda da
legislação sindical e trabalhista no Brasil. O principal objetivo anunciado pelo governo com a
instituição do Fórum Nacional do Trabalho era democratizar as relações de trabalho e adequar
a legislação trabalhista às novas exigências de concorrência do capitalismo mundial,
fortalecendo o sindicalismo e ampliando os espaços de negociações entre capital e trabalho. A
CUT que, desde o governo Collor, vinha recusando mesmo as propostas de reforma que em
103
alguns aspectos mexiam com os pilares da estrutura corporativa, como a questão do fim do
imposto sindical levantada pelo governo Collor, desde o princípio, optou por participar das
discussões do Fórum, por entender que se tratava de um espaço democrático onde seria
discutido o futuro do sindicalismo brasileiro. “É neste fórum que está sendo debatida as
propostas para uma nova estrutura sindical que será enviada ao Congresso Nacional. Neste
cenário a classe trabalhadora terá que travar grandes embates para garantir a liberdade e
autonomia sindical e a ampliação dos seus direitos fundamentais” (CUT, 2003b p. 1).
Em linhas gerais, logo no início das atividades do Fórum, a CUT procurou defender o
modelo de organização sindical que foi sendo construído ao longo de seus Congressos e
Plenárias, reafirmando sua bandeiras históricas de luta: liberdade” e “autonomia” sindical
(com a quebra do monopólio da representação exclusiva dos sindicatos oficiais);
reconhecimento jurídico-institucional das Centrais Sindicais; organização sindical por ramos
de atividade econômica; garantia de organização por local de trabalho; fim das contribuições
compulsórias em favor da deliberação dos trabalhadores, em assembléia, sobre a sustentação
financeira do sindicato; criação da figura do Contrato Coletivo de Trabalho nacionalmente
articulado; fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, com o fortalecimento do processo
de livre negociação entre capital e trabalho.
Esse modelo consubstanciado em sua proposta de instituir um “Sistema Democrático de
Relações de Trabalho” no país foi, portanto, o modelo defendido pela CUT no início das
atividades do Fórum. “Sobre a reforma sindical, não vamos reinventar a roda, a CUT possui
um importante acúmulo de debates e resoluções sobre o que mudar na estrutura sindical e nas
relações de trabalho no Brasil. É o chamado Sistema Democrático de Relações de Trabalho,
que é a base da proposta da CUT para a reforma sindical” (CUT, 2003 a). Conforme destaca,
esse modelo iria assegurar o fortalecimento do sindicalismo (com o fim da estrutura sindical
corporativa), democratizando as relações de trabalho e ampliando o poder de intervenção dos
sindicatos no processo de negociação coletiva, através de um conjunto de regras que iriam
garantir uma maior “igualdade” de condições para que os sindicatos pudessem negociar com o
capital as formas de uso e remuneração do trabalho em um patamar menos desigual:
Mais do que propor o fim da unicidade sindical e do imposto compulsório, a
proposta de reforma da estrutura sindical que a CUT defende no Fórum Nacional
do Trabalho, moderniza a legislação sindical em vigor há mais de 60 anos. O
trabalhador tem o direito de escolher livremente como se organizar em seus
sindicatos, ter mecanismos que assegure proteção contra todo ato que possa
prejudicar essa representação e, efetivamente, ter a representação sindical dentro do
local de trabalho para recorrer à proteção contra os ataques aos seus direitos. Outra
característica da proposta de Sistema Democrático de relações de Trabalho da
CUT
é o conjunto de regras que deverão estabelecer igualdade de condições
entre os trabalhadores e os patrões nas negociações coletivas,
entre elas a
104
ultratividade dos acordos (ou seja, o acordo tratado permanece enquanto um outro
não for estabelecido entre as partes), a substituição processual, a fiscalização do
trabalho e o estabelecimento do Contrato Coletivo para todos os segmentos da
economia (CUT, 2003b p. 4) [grifos nossos].
Dessa forma, a democratização das relações de trabalho implicaria, por um lado, no
estabelecimento de um regime de “liberdade” e “autonomia” sindical (conferindo aos
trabalhadores o direito de livremente se organizarem e de constituírem uma ou mais
organizações sindicais em qualquer empresa, profissão ou setor de atividade econômica sem
nenhum tipo de intervenção do Estado, o direito dos trabalhadores livremente definirem, em
assembléia, a sustentação financeira dos sindicatos, bem como o direito de organização a
partir dos locais de trabalho). Por outro lado, a democratização implicaria também no
fortalecimento do processo de contratação coletiva, ampliando o poder dos sindicatos de
definirem as regras de regulação do mercado de trabalho brasileiro. Em um documento
publicado em 2003 pela CUT, Artur Henrique Santos, à época secretário nacional de
organização da CUT, define o que significaria a democratização das relações de trabalho no
país:
Democratizar as relações de trabalho significa conferir aos trabalhadores o poder de
definir as regras que regulam as relações dentro e fora do local de trabalho.
Significa construir e fortalecer o poder sindical limitando o poder absoluto da
empresa de definir as regras do trabalho, ampliando a capacidade de influência do
sindicato na regulação das relações de trabalho do conjunto de um ramo produtivo,
através da contratação coletiva. Esses processos implicam, em primeiro lugar, no
reconhecimento das Centrais Sindicais, suas estruturas de representação e seus
sindicatos filiados, como organizações livres e independentes do Estado. Significa
também, o reconhecimento por parte do Estado e da sociedade
dos princípios que
fundamentam o direito de organização e ação sindical, tal como consagrados
nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho.
Esses tri
liberdade e autonomia sindical, direito de organização no local de trabalho e
contratação coletiva constitui a base fundamental do processo de democratização
das relações de trabalho (CUT, 2003b p. 2) [grifos nossos].
3.2.3 O RETORNO A UM NOVO ECONOMICISMO
Algumas considerações se fazem necessária. Conforme vimos, a proposta da CUT
(principalmente de seus setores majoritários) de instituir o Contrato Coletivo de Trabalho
pode abrir caminho para a contratualização das relações de trabalho no Brasil, com uma
redução significativa do Estado com fonte de direito (com suas normas protetoras e
imperativas) e a ampliação da esfera contratual como espaço prioritário para a
regulamentação do mercado de trabalho. Assim, a disposição da CUT em discutir o Contrato
Coletivo embute um risco considerável para o sindicalismo combativo na medida em que a
105
livre negociação (da forma como é defendida pela Articulação Sindical) pode significar a
transferência da regulamentação dos textos legais para o dos acordos coletivos, como também
o deslocamento do processo de negociação coletiva para níveis cada vez mais inferiores,
acenando para um futuro onde as leis seriam negociadas de acordo com a realidade
econômica (e social) de cada setor da economia (e com a realidade organizativa dos diferentes
segmentos que compõe a classe trabalhadora brasileira). Ademais, a CUT (pelos menos os
setores ligados à Articulação Sindical) apostam numa suposta igualdade de condições entre
capital e trabalho para negociarem as formas de contratação do trabalho, como se fosse
possível superar os desequilíbrios estruturais que compõem a sociedade capitalista.
Pois bem, os princípios que iriam reger o novo modelo de organização sindical são os
princípios que norteiam a Organização Internacional do Trabalho, principalmente a
Convenção 87 da OIT, que estabelece os parâmetros (e os limites) de um regime de liberdade
e autonomia sindical. Em nenhum momento, a CUT critica as restrições estabelecidas pela
OIT o que, segundo Ariovaldo Santos (2005 p. 46), na prática, significa afirmar que os
sindicatos têm o direito de se organizarem da forma que acharem mais conveniente, desde que
aceitem os parâmetros do reformismo social proposto pela Organização Internacional do
Trabalho e sua política de conciliação de classes. Ou seja, não se trata de uma processualidade
histórica que aponte para a emancipação plena da classe trabalhadora, mas apenas a
construção de um regime de “liberdade” sindical restrito ao modo de produção capitalista e às
institucionalidades do mundo burguês. Portanto, uma “liberdade” sindical necessária do ponto
de vista das lutas contingentes dos trabalhadores, mas que nasce essencialmente
conservadora na medida em que não acena para a construção de uma nova sociedade ou de
um projeto societal de maior envergadura.
É certo que, desde suas origens, a ação sindical é marcada por uma dimensão
essencialmente reformista, uma vez que presa à imediaticidade (e contingência) da vida
cotidiana. Esse foi um caráter permanente do sindicalismo brasileiro, em especial do
sindicalismo CUT, pois, ao contrário do que sugere a imagem pública dessa organização, a
Central nunca definiu, de forma coerente (e objetiva), um programa de construção do
socialismo, mas lutou, ao longo da década de 1980, para a consolidação de um Estado de bem
estar social no Brasil. Assim, conforme destaca Ariovaldo Santos (2005 p. 41), se é verdade
que os sindicatos, a exemplo das greves, constituem uma instância educativa da classe
trabalhadora, não menos verdadeiro é o reconhecimento de que as organizações e a luta
sindical, desde suas origens, é marcada por um forte componente imediatista e trade-
unionista, isto é, economicista.
106
Esse, aliás, foi um traço que marcou a prática sindical dos metalúrgicos do ABC
paulista durante a década de 1970. Este setor do movimento sindical, de fato, procurou aplicar
uma estratégia economicista e corporativista próxima do tradeunionismo de tipo norte-
americano. Economicista na medida em que recusava a ação política dos trabalhadores, e
corporativista, não no sentido de corporativismo de Estado, que é o corporativismo típico da
estrutura sindical brasileira, mas um corporativismo de novo tipo, caracterizado pelo
insulamento de um pequeno setor da classe operária que se isola do restante de sua categoria
profissional e da classe trabalhadora como um todo, perdendo a perspectiva de conjunto e
elevando os particularismos como estratégia sindical dos setores mais organizados.
Escrevendo na década de 1970, Almeida chegou a caracterizar essa liderança sindical
como uma liderança sindical de tipo norte-americana. A autora associava os metalúrgicos do
ABC paulista a uma aristocracia operária que praticava um sindicalismo extremamente
reivindicativo no plano econômico (procurando uma melhor colocação dos trabalhadores no
mercado capitalista, apostando na livre negociação salarial), mas resistente à organização
político-partidária, desenvolvendo uma espécie de sindicalismo de negócios (próximo do
sindicalismo norte-americano), restrito às reivindicações econômicas e corporativo (Almeida,
1975).
No entanto, a ação empreendida pelo chamado “novo sindicalismo” (cujo maior
expoente é justamente os metalúrgicos do ABC) no final dos anos 1970 e ao longo de toda a
década de 1980 colocou por terra a tese desenvolvida por Almeida, que procurava associar
essa “nova” liderança sindical a uma liderança marcada por um forte componente trade-
unionista, restringindo a ação sindical a uma luta estritamente econômica. Este setor do
sindicalismo brasileiro (que posteriormente iria confluir com outros setores do movimento
sindical para a formação da CUT), pois em prática, ao longo de toda década de 1980, um
sindicalismo de massa e combativo, buscando unificar a luta sindical e procurando superar as
tendências particularistas (e corporativas) presentes no sindicalismo brasileiro, colocando,
enfim, a luta econômica no plano geral das políticas de Estado, pleiteando não apenas a
elevação do consumo individual no mercado, mas a consolidação de um campo democrático-
popular no Brasil.
Principalmente com a criação da CUT em 1983, fica claro que o movimento sindical
deveria, como parte integrante de um conflito social mais amplo, ir além do plano corporativo
da categoria e da reivindicação estritamente salarial, e posicionar-se frente ao conjunto da
política de Estado. Deveria unificar os diferentes sindicatos e setores das classes trabalhadoras
e colocar a própria luta por melhores salários e condições de trabalho no terreno da política e
107
do Estado - a luta pela constitucionalização dos direitos sociais e por mudanças na política
econômica, rumo à consolidação de um Estado de bem estar social no país. Nesse sentido, não
obstante a CUT apresentar um discurso, ainda que genérico, de simpatia pelo socialismo (pois
o conteúdo desse socialismo, bem como os meios para se chegar a ele nunca foram definidos),
as lutas práticas assumidas pela Central ao longo da década de 1980 democracia, reforma
agrária, não-pagamento da dívida externa e as bandeiras que ela propagou estatização do
sistema financeiro, da saúde, dos transportes coletivos – configuravam um programa de
transformações democrático-popular, e não um programa socialista.
Segundo Del Roio, esse é o estágio que Gramsci identifica como sendo aquele no
qual os trabalhadores tomam consciência do seu interesse comum, independente de sua
categoria profissional, mas somente como vendedores da força de trabalho para o capital. Os
trabalhadores se põem, neste momento, a questão do Estado, mas apenas no terreno da
obtenção de uma igualdade jurídico-política com os grupos dominantes, já que se reivindica o
direito de participar da legislação e da administração e mesmo reformá-la e de modificá-la,
mas nos quadros fundamentais existentes (Del Roio, 2004 p. 71). Conforme o autor, para
Gramsci, esse estágio é aquele em que o horizonte da classe operária não ultrapassa ainda a
ordem liberal do capital, uma vez que pleiteia exclusivamente uma melhor colocação dos
trabalhadores no mercado capitalista, através da consolidação de políticas sociais de cariz
social-democrata, não questionando os fundamentos e as desigualdades estruturais da
sociedade burguesa.
No entanto, mesmo que a CUT não tenha ultrapassado o estágio identificado por
Gramsci como sindical-corporativo, ou seja, mesmo que não tenha elaborado, de forma
consistente, um projeto societal de construção do socialismo para o país, e mesmo que não
tenha sido colocado em prática, na sua inteireza, seu modelo de reformulação do Estado
brasileiro (com a consolidação de um campo democrático-popular no Brasil), não podemos
desprezar as importantes vitórias obtidas pela CUT ao longo da década de 1980, ao contrário
do que viriam a dizer os seus críticos, os defensores do sindicalismo propositivo. A CUT
buscou, de certa forma, unificar os trabalhadores num coletivo de classe, rompendo com o
corporativismo estreito e colocando a luta econômica num plano mais geral de luta pelo
fortalecimento e democratização do Estado, contribuindo, de modo decisivo, para a
constitucionalização de inúmeros direitos políticos, sociais e trabalhistas.
Pois bem, durante a década de 1990 verificou-se um refluxo do sindicalismo brasileiro
(principalmente do sindicalismo CUT), com um retorno parcial, e em condições históricas
novas, ao economicismo e ao insulamento corporativo, concepção sindical essa que, conforme
108
vimos, marcou a estréia dos metalúrgicos no cenário político brasileiro na década de 1970. De
fato, ao longo dos anos 1990 e nos dias de hoje, o sindicato dos metalúrgicos do ABC (em
especial os setores ligados às montadoras de veículos) tem apostado no contrato coletivo de
trabalho em detrimento dos direitos sociais e trabalhistas consagrados na Constituição Federal
e na CLT (mesmo caminho seguido por petroleiros, petroquímicos e bancários, isto é, pela
base da Articulação Sindical). Conforme destaca Boito Jr (1999, p. 150), Jair Meneguelli,
então presidente da CUT, chegou a fazer uma autocrítica da sua intervenção no processo
constituinte, afirmando que a luta pela regulamentação legal e geral das condições de trabalho
era equivocada e deveria ser substituída pela proposta de contratação coletiva, sugerindo que
as garantias trabalhistas deveriam ser negociadas livremente entre capital e trabalho de acordo
com a realidade econômica (e social) de cada setor da economia brasileira.
Essa declaração de Meneguelli, feita em setembro de 1990, não evidencia a proposta
de Contrato Coletivo de Trabalho (que vicejava nos setores majoritários da CUT), como
também visava a uma revisão geral da estratégia sindical que a CUT vinha desenvolvendo. A
concepção que valorizava a luta sindical unificada de massas por direitos sociais e trabalhistas
deveria ser substituída por uma visão contratualista e fragmentada da ação sindical,
valorizando a livre negociação entre partes tomadas isoladamente. Essa nova concepção
sindical posteriormente iria se consubstanciar na proposta da CUT, formulada em 1992, de
instituir um “Sistema Democrático de Relações de Trabalho” no país. Com essa proposta, a
CUT mantém seu projeto de divisão dos trabalhadores em ramos de atividade produtiva (que,
em tese, seria uma forma de aglutinar e unificar as lutas, mantendo um discurso classista” e
um “ideal de solidariedade”), mas, por outro lado, abre a possibilidade de negociar mais
livremente na base, permitindo o reforço dos particularismos e do insulamento corporativo
dos setores mais organizados. Isso porque no nível mais geral (isto é, nos ramos) seriam
negociadas as garantias mínimas, enquanto que nos níveis inferiores se efetivariam as
conquistas mais abrangentes, conforme a situação específica de cada setor da economia e com
a realidade organizativa dos diferentes segmentos que compõem a classe trabalhadora
brasileira.
Neste ponto teríamos uma volta ao economicismo na medida em que os sindicatos
deixariam de lutar pela constitucionalização de direitos sociais e trabalhistas (estes passariam
a ser barganhados durante o processo de negociação coletiva), operando uma espécie de
contratualização das relações de trabalho no país, o que representa um retrocesso na luta
sindical, pois, a luta política, ao confrontar o poder do Estado pela ampliação dos direitos e
condições de existência do conjunto dos trabalhadores (através da regulamentação do
109
mercado de trabalho) cria as bases para um salto qualitativo na luta cotidiana do trabalho
contra o capital (mesmo que ainda se trate de uma luta limitada ao horizonte da mercadoria).
A nova estratégia sindical, ao contrário, embute um risco considerável para grande parte da
classe trabalhadora, pois, a livre negociação pode significar a transferência da regulamentação
dos textos legais para o dos acordos trabalhistas, com uma redução significativa do Estado
como fonte de direito (com suas normas “universais” aplicadas a todos os trabalhadores do
setor formal da economia) e a ampliação da esfera contratual como espaço prioritário para a
regulamentação das relações entre capital e trabalho no país, fragmentando o coletivo de
classe em setores e permitindo a desregulamentação e a retirada de direitos, principalmente,
dos setores sindical e politicamente mais desorganizados. Ademais, essa proposta despreza os
desequilíbrios estruturais da sociedade capitalista acreditando numa ilusória igualdade de
condições entre capital e trabalho no processo de negociação coletiva.
Com isso, a proposta cutista de Contrato Coletivo de Trabalho, bem como a proposta de
instituir um “Sistema Democrático de Relações de Trabalho” no Brasil, parece atender aos
interesses dos setores mais organizados (e com maior poder de pressão) dentro da CUT
(metalúrgicos, petroleiros, bancários) em detrimento do conjunto dos trabalhadores. Foi
justamente nestes segmentos (representados pela Articulação Sindical) que se desenvolveu e
ganhou força a campanha pelo Contrato Coletivo de Trabalho no começo dos anos 1990. Tal
contrato é, para eles, muito mais uma proposta para liberar os setores mais organizados para
assinarem acordos melhores sem ter que carregar consigo o peso do conjunto dos
trabalhadores do que um fator de unificação da luta sindical. Estes setores sentem-se em
condições de negociar regras de contratação mais favoráveis aos trabalhadores de sua base do
que as fixadas pela lei (daí assumirem, de forma mais decisiva, uma perspectiva contratual,
pois, acreditam-se capazes de negociar com o patronato a regulação do mercado de trabalho
sem que seja necessário recorrer à intervenção estatal).
Ademais, conforme destaca Boito Jr (2002 p. 85), estes setores pleiteiam,
principalmente, flexibilizar a rígida divisão em categorias profissionais (decorrente do antigo
sistema de enquadramento sindical) – de modo que permitam a formação de grupos de
negociação mais restritos do que a categoria e mais amplos do que a base municipal do
sindicato oficial e eliminar o poder normativo da Justiça do Trabalho, permitindo o pleno
desenvolvimento da livre negociação. Dessa forma, o fim da unicidade sindical, associado a
um modelo de contratação articulada, facilitaria a ação dos setores mais organizados da CUT,
uma vez que, estabelecido as regras mínimas de contratação do trabalho, o processo de
negociação coletiva iria se adaptando aos diferentes setores da economia de acordo com a
110
realidade econômica de cada um. Ou seja, a combinação entre Contrato Coletivo e livre
organização sindical ofereceria uma certa maleabilidade à ação coletiva, pois, ao mesmo
tempo em que instituiria uma categoria mais abrangente, onde seria discutido e negociado o
mínimo aplicados a todos os trabalhadores de cada ramo ou setor industrial, liberaria os
setores mais fortes e organizados desse ramo para negociar acordos melhores sem que tenham
que carregar consigo o “ônus” da divisão por categoria.
3.2.4 UMA REFORMA POSSÍVEL DA ESTRUTURA SINDICAL
Conforme vimos até aqui, a proposta da CUT de instituir um “Sistema Democrático de
Relações de Trabalho” pleiteava, ao mesmo tempo, reformar a legislação sindical (procurando
“reequilibrar” as relações de poder no interior da estrutura sindical) e liberar o processo de
livre negociação entre capital e trabalho. Este modelo, formulado em 1992 (e revisado anos
depois), basicamente, foi a proposta apresentada pela CUT (leia-se pela Articulação Sindical)
durante o início das discussões no Fórum Nacional do Trabalho. Atrelado a essa proposta
estava a aprovação dos princípios que regem a Organização Internacional do Trabalho,
principalmente, a Convenção 87, que estabelece os parâmetros de um regime de “liberdade” e
“autonomia” sindical. A aprovação deste modelo implicaria, em última instância, o fim da
unicidade e do imposto sindicais, bem como o poder normativo da Justiça do trabalho,
abalando os pilares fundamentais da estrutura sindical corporativa.
Todavia, dada as dificuldades em se fazer aprovar um novo modelo de organização
sindical baseado nos princípios que regem a Organização Internacional do Trabalho (pois,
mesmo dentro da própria CUT várias correntes sindicais apresentavam-se recalcitrantes
quanto às possibilidades de reformas na estrutura dos sindicatos oficiais), para acomodar
divergências internas, a Articulação Sindical recuou em sua proposta de instituir um “Sistema
Democrático de Relações de Trabalho” no país (que apontava para uma reforma profunda da
legislação sindical brasileira), passando a defender a tese de uma reforma possível na
estrutura sindical, ou seja, passando a defender a idéia de que a CUT teria a obrigação de lutar
por mudanças possíveis na estrutura sindical. Conforme destaca João Felício, à época
secretário-geral da executiva nacional da CUT, e membro da Articulação Sindical:
Desde sua fundação, em agosto de 1983, a CUT defende os princípios da
Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, como o fim da unicidade
imposta pelo Estado, das contribuições compulsórias e do poder normativo da
Justiça do Trabalho. Apesar desta resolução, aprovada em Congresso, a Central
conviveu com posições divergentes no seu interior. Uma parcela de cutistas defende
a unicidade; outras pregam a total liberdade. Durante mais de duas décadas, a
111
CUT procurou contemplar estas posições, respeitando os diferentes pontos de vistas
[...] Mas no debate atual sobre a reforma sindical, entendemos que é necessário
buscar o máximo de consensos para que se consiga promover avanços no
sindicalismo. Pensamos que é possível operar mudanças de acordo com os
princípios originais da CUT. A aplicação automática da Convenção 87 da OIT,
neste momento, não ajudaria na necessária unidade para que a reforma realmente
ocorra [...]
A CUT tem a obrigação de lutar por mudanças possíveis na nova
conjuntura aberta no país
(Felício, 2004 p. 107-109) [grifos nossos].
Assim, a tese de uma “reforma possível” visava operar uma espécie de meio-termo entre
continuidade e mudança, nem aceitando a eliminação definitiva dos pilares sicos da
estrutura sindical corporativa, nem aceitando sua perpetuação intacta no tempo. A intenção
era justamente “acomodar” as divergências internas, de forma a “conciliar” tanto aqueles que
defendem uma reforma profunda da legislação sindical quanto aqueles segmentos que
visualizam na estrutura corporativa um importante instrumento de luta dos trabalhadores. O
fato é que, em meio às fortes resistências, a Articulação Sindical recuou de sua proposta de
uma reforma profunda na estrutura sindical e passou a defender uma reforma a qualquer
custo, ainda que não atendesse, na integridade, as reivindicações históricas de seus membros:
[...] não podemos perder este oportunidade histórica para promover as
alterações
possíveis
no sindicalismo brasileiro [...] não era possível manter intacta esta
estrutura sindical. O sindicalismo esta fragilizado e exige alterações urgentes. Não
dava para continuar do jeito que está. Essa estrutura não serve aos trabalhadores;
causa acomodação e falta de representatividade; cria inúmeras distorções e
enfraquece nossas lutas.
Alguma mudança deve ocorrer neste momento,
que é
mais favorável ao sindicalismo este é o pensamento da ampla maioria da direção
da CUT (Felício, 2004 p. 113) [grifos nossos].
De um modo geral, embora não contemplasse, em todos seus aspectos (e na
integridade), o modelo defendido pelos setores majoritários da CUT, o projeto de reforma
produzido no âmbito do Fórum acabou obtendo o apoio da Central. Em 2005, logo após a
conclusão dos trabalhos realizados no Fórum, a 11ª Plenária Nacional da CUT aprovou o
texto base apresentado pela Articulação Sindical (intitulado “O desafio de mudar a estrutura
sindical brasileira”), onde expressava seu apoio ao projeto de reforma. “Para nós, da CUT, a
proposta finalizada traz avanços significativos rumo à liberdade e autonomia sindical, ainda
que não atendam na integridade as bandeiras históricas da CUT, pois caminha para a extinção
dos pilares do corporativismo: a unicidade, o imposto sindical e o poder normativo da Justiça
do Trabalho” (CUT, 2005 p. 48). Entre as principais mudanças o texto destaca:
- Reconhecimento das Centrais Sindicais e suas estruturas (artigos 14 e 15 do PL
Projeto-de-Lei);
- Organização sindical por ramo de atividade ou setor econômico e não por categoria
(art. 18 do PL);
112
- Os trabalhadores decidem, em assembléia, a forma de organização a ser adotada pelo
sindicato (se liberdade ou exclusividade, arts. 38 a 41 do PL);
- A substituição das taxas compulsórias por uma contribuição negocial aprovada em
assembléia dos trabalhadores (art. 4 inciso IV da PEC e arts. 45 a 47 do PL);
- O fortalecimento do processo de negociação coletiva, com a obrigatoriedade da
negociação permanente entre as partes (arts 93 a 99 do PL);
- A regulamentação legal da organização no local de trabalho com garantia de
estabilidade para os representantes da base (art. 81 – inciso I do PL);
- O contrato coletivo nacional por ramo de atividade (art. 97 do PL) (CUT, 2005 p. 50).
A nosso ver, mesmo que não tenha sido aprovada a Convenção 87 da OIT, ou seja,
mesmo que não tenha sido decretado o fim definitivo da unicidade e do imposto sindical (uma
vez que, no caso da unicidade, os sindicatos anteriores à nova lei poderão adquirir o direito de
representação exclusiva, e, no caso do imposto, a nova taxa de contribuição negocial se
descontada de todos os trabalhadores em folha de pagamento, o que não exclui o caráter
compulsória do imposto); e, por mais contraditório que seja o projeto, na medida em que
busca estabelecer um regime sindical misto (operando um meio-termo entre unicidade com
um regime de pluralismo sindical restrito), a proposta de reforma elaborada a partir das
discussões no Fórum Nacional do Trabalho, de um modo geral, acaba contemplando o modelo
defendido pelos setores majoritários da CUT.
Em primeiro lugar, o projeto de reforma do Fórum aponta para um fortalecimento da
cúpula do movimento operário, principalmente Centrais Sindicais. Pelo mecanismo de
representação derivada, as entidades de nível inferior que não conseguirem atingir os critérios
de “representatividade” (que, no caso dos sindicatos de trabalhadores, teriam que atingir um
mínimo de 20% de trabalhadores sindicalizados em sua base), poderiam, ao invés de
comprovar sua própria “representatividade”, filiar-se a uma entidade de nível superior com
“representatividade” comprovada. Neste caso, a “representatividade” é transferida da entidade
de nível superior para a entidade de nível inferior, ficando esta totalmente vinculada à
estrutura organizativa da entidade que lhe conferiu existência legal, devendo se submeter ao
seu estatuto. As entidades de grau superior também poderão criar entidade de nível inferior
como parte de sua estrutura organizativa. Este mecanismo é o reconhecimento do modelo de
sindicato orgânico defendido pelos setores majoritários da CUT que, conforme vimos,
provocou uma forte resistência das correntes minoritárias que acusam tal modelo de eliminar
a autonomia dos sindicatos de base.
113
A organização sindical por ramo ou setor de atividade econômica e o estabelecimento
do contrato coletivo nacionalmente articulado se referem a duas medidas aprovadas pelo
projeto do Fórum que também contemplam o modelo defendido pela Articulação Sindical.
Essas duas medidas, somadas ao fortalecimento da cúpula do movimento operário, permitiria
que os setores ligados à Articulação Sindical (que detêm a hegemonia no interior da CUT)
controlassem o processo de negociação coletiva em âmbito nacional, onde seriam discutidos
(e negociados) os direitos mínimos aplicados a todos os trabalhadores de cada ramo ou setor
de atividade econômica. A partir daí, o processo de negociação coletiva iria se adaptando
conforma a realidade econômica (e social) dos diferentes setores da economia. Conforme
vimos, com essa proposta a CUT mantém seu projeto de divisão dos trabalhadores em ramos
(que seria uma forma de aglutinar e unificar as lutas), mas, por outro lado, abre a
possibilidade de negociar mais livremente na base, permitindo o reforço dos particularismos,
uma vez que no nível mais geral (isto é, nos ramos) seriam negociadas as garantias mínimas,
enquanto nos níveis inferiores se efetivariam as conquistas mais abrangentes, de acordo com a
situação específica de cada setor ou empresa.
3.2.5 A CORRENTE SINDICAL CLASSISTA E O ACIRRAMENTO DAS
DIVERGÊNCIAS NO INTERIOR DA CUT
Pois bem, se o projeto de reforma sindical elaborado no Fórum Nacional do Trabalho
recebeu apoio dos setores ligados à Articulação Sindical, a 11ª Plenária Nacional da CUT
assistiu a um acirramento das divergências políticas em seu interior. O auge da polêmica,
indubitavelmente, se deu com a saída do PSTU dos quadros sindicais da CUT e a formação da
Conlutas. Das 6 teses apresentadas para serem votadas na Plenária, 4 se posicionavam contra
o projeto de reforma do Fórum. A tese 3 “Reforma sindical é um retrocesso para o
sindicalismo”, apresentada pela Corrente Sindical Classista, além de criticar a proposta de
reforma do Fórum, faz uma defesa explícita da estrutura sindical corporativa, assumindo uma
posição contrária tanto em relação à tese apresentada pela Articulação Sindical na Plenária da
CUT em 2005 quanto à sua proposta de instituir um “Sistema Democrático de Relações de
Trabalho” no país. Conforme destaca o texto base apresentado pela Corrente Sindical
Classista na Plenária da CUT em 2005:
Na condição de dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) vimos a
público manifestar nossa oposição ao projeto de reforma sindical que o governo
pretende encaminhar ao Congresso Nacional, consistente de uma PEC (Proposta de
Emenda Constitucional) e de um PL (Projeto de Lei Ordinária). Expressamos a
firme convicção de que, por mais de uma razão, as propostas em questão
114
constituem uma séria ameaça de retrocesso em matéria de organização, democracia,
conquistas e direitos dos trabalhadores brasileiros. A ameaça começa pela
revogação pura e simples do inciso II do artigo oitavo da Constituição, que
preconiza a unicidade sindical. Deixa de existir limite geográfico para a definição
da base dos sindicatos. Cai por terra todo esforço para impedir a pulverização das
organizações sindicais. O propósito, evidente na PEC e no PL, é instituir um
pluralismo sindical limitado, sob o estrito controle das cúpulas, baseado na
proliferação dos chamados sindicatos derivados, sem o requisito de
representatividade nas bases e concebidos como uma estrutura orgânica das
Centrais. Trata-se de um tipo de organização essencialmente antidemocrática e
cupulista, que vem sendo classificado com ironia e o sem razão de sindicato
biônico (CUT, 2005 p. 55-56).
Historicamente a Corrente Sindical Classista, braço sindical do PC do B, tem defendido
a estrutura sindical brasileira (portanto, a unicidade sindical, o poder normativo da Justiça do
Trabalho e o imposto sindical compulsório), como um importante instrumento de luta
conquistado pelos trabalhadores. Conforme destaca, a aprovação da Convenção 87 da OIT
(defendido pelos setores majoritários da CUT), com a quebra do monopólio da representação
exclusiva dos sindicatos oficiais significaria uma maior fragmentação (e divisão) do
sindicalismo brasileiro, uma vez que os sindicatos passariam a sofrer concorrência na base
com o surgimento de duas ou mais organizações sindicais representando a mesma parcela de
trabalhadores. A unicidade sindical, nesse sentido, teria o importante papel de evitar
justamente a divisão do movimento operário, instituindo, como princípio constitucional, o
sindicato único por categoria de trabalhadores:
Sem negar a necessidade dessa reforma, ao longo dos últimos anos, a CSC vem
travando um firme combate ideológico e político às concepções que considera
equivocadas. Refutou como falsa a idéia de que a legislação sindical em nosso país,
herdada da chamada Era Vargas, é uma mera cópia da Carta del Lavoro de
Mussolini. Também combateu as idéias liberais e neoliberais de organização
sindical que, a pretexto de garantir liberdade e autonomia das organizações
trabalhistas, abrem caminho ao pluralismo, à divisão e à fragmentação da classe
trabalhadora. Adotou e reiterou através de seus Congressos e encontros nacionais
uma posição muito clara
contra a Convenção 87 da OIT
e
em defesa da
unicidade sindical
, lutando para que esta seja não apenas preservada como
aperfeiçoada com a instituição de regras democráticas para as eleições sindicais e
critérios de representatividade [...] não seria aconselhável permitir a criação de mais
de uma entidade sindical numa única base, que isto resultaria na fragmentação e
enfraquecimento do movimento sindical e das lutas por ele travadas (Corrente
Sindical Classista, 2004 p. 3-4) [grifos nossos].
Para a CSC, o pluralismo sindical seria condizente com uma perspectiva neoliberal, pois
traria a concorrência para o interior das organizações sindicais, atendendo aos interesses
patronais de divisão dos trabalhadores (ao passo que a unicidade “fortaleceria” os sindicatos
“impedindo” a divisão do sindicalismo e “agregando” os trabalhadores em uma única
entidade sindical). Na verdade, a CSC confunde pluralismo sindical com pluralidade, pois, o
115
fim da unicidade estabelece apenas a possibilidade de se criar sindicatos concorrentes numa
mesma base territorial e não a obrigatoriedade de fazê-lo. A quebra do monopólio da
representação exclusiva dos sindicatos oficiais mais do que um fator de divisão pode
significar a unificação de fato do movimento sindical, com a constituição de sindicatos mais
fortes e representativos. Conforme destaca Boito Jr (1991 b p. 29), todos os regimes que
conheceram o pluralismo sindical na lei e nos fatos, como a França, a Espanha ou a Itália,
evidenciam que o pluralismo não leva à pulverização, já que enseja sempre a afirmação de um
sindicato como o sindicato dominante. Ademais, a tese de que a unicidade evitaria uma maior
fragmentação da atividade sindical não representa a realidade dos fatos tendo em vista que,
mesmo com a unicidade, o sindicalismo brasileiro se apresenta com um dos mais
fragmentados do mundo (a unicidade não impede a divisão dos sindicatos, que criam artifícios
para desmembrar categorias existentes, procurando obter na Justiça o reconhecimento desse
desmembramento).
Em relação ao modelo de organização sindical (e negociação coletiva) defendido pela
Articulação Sindical, a CSC, desde seu ingresso na CUT em 1991, vem-se pautando como
uma das principais oposições a esse modelo, apresentando reservas não apenas quanto à
possibilidade de transferência da regulamentação dos textos legais para o dos acordos
trabalhistas, como também às perspectivas de adaptação do processo de negociação coletiva à
situação econômica (e social) de cada setor da economia e à realidade organizativa dos
sindicatos. Certamente, por representar segmentos da classe trabalhadora com maior
dificuldade de organização política e sindical, a CSC vai defender a regulamentação do
mercado de trabalho a partir do Estado, confrontando a proposta de contrato coletivo de
trabalho apresentada pela Articulação Sindical, por entender que, a aprovação de tal proposta,
implicaria uma redução significativa do Estado como fonte de direito, elevando a esfera
contratual como espaço privilegiado para a criação de normas que iriam reger as relações de
trabalho no país:
Propugnando a regulação crescente do direito do Trabalho em oposição à lei da
selva advogada pelo neoliberalismo e entendendo que o negociado o deve se
sobrepor ao legislado em detrimento dos direitos que a classe trabalhadora
brasileira conquistou em mais de meio século de luta, a CSC sempre assumiu
posições singulares no interior da CUT em defesa do poder normativo da Justiça do
Trabalho, manifestou reservas quanto à adoção do contrato coletivo antes e acima
da lei, a negociação articulada em vários níveis e a proposta de sindicato orgânico,
posição em geral divergente do pensamento dominante no interior da CUT. [Nesse
sentido], a CSC [defende] a necessidade de intervenção estatal, não nos sindicatos,
mas na relação capital X trabalho para proteger a parte mais fraca desta relação, [...]
através de uma legislação trabalhista a mais extensa e protetiva possível (Corrente
Sindical Classista, 2004 p. 3).
116
Assim, de um modo geral, a Corrente Sindical Classista tem apresentado fortes
divergências em relação ao modelo defendido pela Articulação Sindical, associando a
proposta de instituir o contrato coletivo de trabalho acima da lei com uma volta “à lei da
selva” e ao fim da unicidade sindical como um anúncio de morte do sindicalismo,
fragmentando a atividade sindical e enfraquecendo a organização da classe trabalhadora.
Durante as atividades realizadas no Fórum, a CSC procurou defender o poder normativo da
Justiça do trabalho em oposição à arbitragem voluntária e à figura do árbitro privado
(instrumentos que, em sua concepção, facilitariam a flexibilização trabalhista), a unicidade
sindical (ou, segundo a nomeação dada pelo FNT, o direito de representação exclusiva dos
sindicatos), e o papel do Estado como agente indispensável à regulamentação e fiscalização
do mercado de trabalho.
No caso da unicidade sindical, a CSC chega a admitir a criação de critérios de
“representatividade” para os sindicatos que detêm o monopólio da representação exclusiva. O
que ela o admite é a limitação desse direito apenas aos sindicatos constituídos antes da
publicação da nova lei (como, de fato, reza o artigo 41 do projeto de lei de reforma sindical do
FNT), pois, conforme destaca, o fim deste dispositivo poderia significar a instalação de um
plurisindicalismo no país:
É admissível a limitação da exclusividade consistente nas exigências de
representatividade embora não nos exagerados níveis previsto pelo projeto de
adoção do estatuto mínimo e de aprovação da exclusividade por assembléia geral.
Mas não é aceitável que se restrinja a possibilidade de existência de sindicatos
com exclusividade apenas aos que tiverem registro na data da edição da
nova lei
[...] Além disso, não parece lógico e nem aceitável que, se um novo
sindicato, com a representatividade definida em lei, adotando o estatuto nimo
legal e que tenha a exclusividade de representação aprovada em assembléia geral,
não possa fazer valer a vontade dos trabalhadores da base para manter-se exclusivo
(Corrente Sindical Classista, 2004 p. 9) [grifos nossos].
Dessa forma, segundo a CSC, um dos pontos mais negativos do projeto de reforma do
Fórum seria o risco evidente de se instalar um pluralismo sindical no Brasil, na medida em
que os sindicatos criados a partir da publicação da nova lei de relações sindicais ficariam
submetidos a um regime de pluralismo sindical restrito. O ideal, segundo a corrente cutista,
seria que o monopólio da representação sindical (denominado pelo projeto do Fórum como
direito de representação exclusiva) se estendesse a todos os sindicatos, tanto aqueles que
detêm o registro sindical antes da publicação da lei quanto os novos sindicatos. De qualquer
forma, o projeto concebido no âmbito do FNT, ao estabelecer um regime misto de
organização sindical (buscando conciliar unicidade com um regime de pluralismo sindical
117
restrito), acabou não agradando os setores ligados à Corrente Sindical Classista. Segundo João
Batista Lemos, coordenador nacional da CSC:
[...] a proposta ainda está contaminada por um certo viés liberal, que desconsidera
que vivemos numa sociedade dividida em classes antagônicas e prega uma idílica
“liberdade sindical” e o engodo da “livre negociação”. Em vários pontos, a proposta
abre brechas para a implantação do plurisindicalismo no país. Ela, por exemplo,
não admite a possibilidade das novas entidades, criadas pós-reforma, de optarem
pela exclusividade de representação. Esse direito está assegurado aos sindicatos
registrados e que comprovem sua representatividade. O certo seria garantir a
exclusividade aos atuais e aos futuros sindicatos, evitando os riscos da
fragmentação (Lemos, 2004 p. 141).
Em grande medida, o modelo de unicidade defendido pela Corrente Sindical Classista
se aproxima do modelo proposto por Evaristo de Moraes Filho em 1978. Nesse modelo
Evaristo de Moraes procura submeter os sindicatos que detêm o monopólio da representação
sindical a critérios de “representatividade’, combinando unicidade com concorrência, o que,
para ele, seria a fórmula para se assegurar a unidade” evitando o inconveniente da
burocratização. Nesse sistema, os sindicatos teriam que provar, permanentemente, sua
“representatividade”, caso contrário, perderia o monopólio da representação sindical para uma
outra associação mais “representativa”. Todavia, o modelo pensado por Evaristo de Moraes
não admite a possibilidade do estabelecimento de um pluralismo sindical restrito caso o
sindicato único perca a exclusividade de representação, como acontece com o projeto
elaborado no FNT (a substituição de um sindicato “menos” “representativo” por outro “mais”
“representativo” não significa a eliminação da unicidade, mas apenas sua renovação).
Da mesma forma, ao estabelecer que os sindicatos teriam que provar sua
“representatividade” para adquirem o direito de representação exclusiva de uma determinada
base territorial e, ao mesmo tempo, ao criticar a possibilidade de quebra do monopólio da
representação sindical como admite o projeto de reforma do Fórum em algumas
circunstâncias, a proposta da Corrente Sindical Classista, de um certo modo, acaba se
aproximando do modelo idealizado por Evaristo de Moraes filho. Assim, apesar de considerar
excessivamente exagerados os níveis de “representatividade” exigidos pelas regras
estabelecidas no FNT (20% de trabalhadores sindicalizados na base), a CSC concorda com a
proposta do Fórum, na medida em que o estabelecimento de critérios para os sindicatos
provarem sua representatividade” estimularia a sindicalização de trabalhadores e o
fortalecimento das entidades sindicais. Conforme destaca Pascoal Carneiro, membro da
executiva nacional da CUT e integrante da CSC, “esta proposta dificulta a pulverização, mas
exige que o sindicato reforce sua representatividade. Isto inibe os sindicatos de carimbo, que
118
servem para arrecadar recursos financeiros e para fazer acordos espúrios” (Carneiro, 2004
p. 32).
Conforme vimos, o que a CSC não aceita é o estabelecimento de um regime de
pluralismo sindical restrito, pois, pelas regras do Fórum, os novos sindicatos criados a partir
da publicação da nova lei de relações sindicais e aquelas entidades que não conseguirem
provar sua “representatividade” (ou não se submeterem ao “estatuto- padrão”) poderiam
sofrer concorrência na base, o que, para a CSC, seria um fator de enfraquecimento do
movimento operário. Segundo ainda Pascoal Carneiro, a principal armadilha do FNT é o risco
de pluralismo sindical, pois, “ a proposta do FNT garante exclusividade apenas para os
sindicatos existentes que aceitarem as regras democráticas e comprovarem ter 20% de
associados no prazo de cinco anos. Caso o sindicato não aceite essas regras e não atinja este
percentual, outra entidade poderá ser criada. Os novos sindicatos a serem criados nascerão sob
o império do pluralismo. Esta é outra armadilha perigosa” (Carneiro, 2004 p. 35).
No capítulo referente ao processo de negociação coletiva, no entender da Corrente
Sindical Classista, sua redação estaria imprecisa e contraditória, apontando para a prevalência
do negociado sob legislado, desprezando o papel do Estado como fonte de direito e
valorizando o mercado como principal ente regulador das relações entre capital e trabalho.
Segundo destaca, o efeito diruptivo desta medida pode ser melhor dimensionada ao se
verificar as condições em que se encontram a grande maioria da classe trabalhadora brasileira,
seus desequilíbrios estruturais (e suas variadas condições de exploração) e a importância da
legislação na regulamentação do mercado de trabalho o país. Assim, ao minimizar o poder
normativo da Justiça do Trabalho fazendo apologia às perspectivas de livre negociação
coletiva, em última instância, o projeto do Fórum estaria operando em coro com a proposta de
desregulamentação (e flexibilização) das leis trabalhistas, uma vez que a regulação pelo
mercado seria o mesmo que a retirada de direitos:
nos capítulos sobre negociação coletiva” e “composição de conflitos” também
surgem várias lacunas preocupantes. Sua redação é imprecisa e contraditória. Ela
deixa implícito o perigo dos direitos fixados na legislação serem suplantados pela
fictícia “livre negociação”. ênfase na figura do arbitro privado e na manutenção
das comissões prévias de conciliação, instrumentos que facilitam a flexibilização
trabalhista. O papel do Estado, como agente indispensável à regulamentação e
fiscalização do trabalho, é desprezado. Valoriza-se a função reguladora do mercado
e a Justiça do Trabalho tem seu papel minimizado [...] não acreditamos na
existência de uma relação de igualdade entre capital e o trabalho que torne
desnecessária a atuação do Estado. No sistema atual de exploração, o capital é mais
forte e objetiva unicamente o lucro. Por isso, o Direito do Trabalho é um
contraponto à ambição patronal, é uma conquista do movimento operário que deve
ser preservada e ampliada. Deixar a relação entre capital e trabalho ao sabor do
mercado apenas favorece o capital! Neste sentido, não vacilamos em defender o
poder normativo da Justiça do Trabalho (Lemos, 2004 p. 141-142).
119
Em suma, desde seu ingresso na CUT em 1991, a CSC ao assumir a defesa da estrutura
sindical corporativa como um importante instrumento de luta dos trabalhadores, acaba se
colocando numa posição diametralmente oposta ao modelo defendido pela corrente
majoritária da CUT, a Articulação Sindical. Durante as atividades desenvolvidas no Fórum
Nacional do Trabalho, a CSC procurou confrontar, conforme vimos, tanto a proposta da CUT
de instituir um “Sistema Democrático de Relações de Trabalho” no país (uma vez que essa
proposta implicaria o fim da unicidade, do imposto sindical e do poder normativo da Justiça
do Trabalho), quanto o próprio modelo de organização sindical surgido a partir das discussões
realizadas no Fórum em 2003 (que recebeu apoio dos setores majoritários da CUT).
3.2.6 O AUGE DAS DIVERGÊNCIAS E A DIVISÃO DA CUT
O auge das divergências se deu mais recentemente, em 2007, com o anúncio da saída da
CSC dos quadros sindicais da CUT para a formação de uma nova Central Sindical. Dentre os
motivos anunciados pela CSC para o rompimento com a Central estaria a questão do
crescente hegemonismo praticado pelos membros da Articulação Sindical, a falta de
democracia interna, a burocratização da CUT (que teria se afastado de suas bases
representativas), o imobilismo diante do governo Lula e as antigas divergências entre a CSC e
a Articulação Sindical. Em um artigo publicado em Janeiro de 2008, Altamiro Borges,
jornalista e membro do Comitê Central do PC do B (braço político da Corrente sindical
Classista), destaca as razões que levaram a saída da CSC dos quadros da CUT para a
formação da nova Central Sindical:
Devido ao quadro de divisão no topo e à realidade adversa da CUT, a segunda
maior força interna, a Corrente Sindical Classista, também decidiu sair da entidade
e fundou, num Congresso no final de 2007, a Central dos Trabalhadores do Brasil
(CTB) [...] Sem adotar uma postura de antagonismo diante da CUT, encarada como
importante aliada, a Central classista acredita que esta padece de três graves
problemas e o tem mais condições de se colocar como pólo de unidade dos
trabalhadores. Em primeiro lugar, os classistas criticam a ausência de democracia
interna e as práticas exacerbadas de hegemonismo da força majoritária. Acusam a
CUT de se tornar uma entidade partidarizada, que não dá espaço para outras
correntes de pensamento [...] A segunda crítica diz respeito à burocratização e à
institucionalização desta entidade, que teria refluído no seu ímpeto combativo e se
afastado das bases dos trabalhadores. Por último, afirmam que esta Central perdeu
autonomia durante o governo Lula, adotando uma postura de passividade acrítica
que reforçaria as marcas de uma entidade chapa-branca [...] Além destas críticas, os
idealizadores da CTB retomam velhas polêmicas, que sempre estiveram presentes
no conjunto do sindicalismo e no interior da CUT. no debate sobre a reforma
sindical, promovido no primeiro mandato do presidente Lula através do Fórum
Nacional do Trabalho, as diferenças de concepções se aguçaram. A corrente
majoritária da CUT defendeu o fim da unicidade e da contribuição sindical e propôs
120
uma estrutura centralizada na cúpula, retirando a autonomia dos sindicatos de base.
A CSC e várias entidades independentes, sem filiação às Centrais, uniram-se para
barrar o perigo da pulverização sindical, da redução dos recursos financeiros e da
concentração de poder no topo
16
.
A saída da Corrente Sindical Classista certamente abalou os quadros sindicais da CUT,
pois, é preciso considerar que essa corrente obteve cerca de 20% dos votos no último
Congresso realizado pela CUT em 2006, quando lançou chapa própria à direção, o que lhe
confere uma razoável expressão, se constituindo na segundo maior força no interior da
Central. Ao mesmo tempo, estima-se que a CSC detém hegemonia na direção de
aproximadamente 400 sindicatos, o que lhe garante uma certa visibilidade para a consolidação
de uma Central Sindical. Com isso, passaria a ter acesso direto à parte do imposto sindical
destinado às Centrais, além do controle das contribuições voluntárias que seus sindicatos
destinam atualmente à CUT.
Essa divisão marca o ponto mais alto de um processo de disputas que vem ganhando
força dentro da CUT, principalmente, a partir da década de 1990, quando a corrente
majoritária (Articulação Sindical) passa a assumir uma posição mais moderada, adotando a
prática de um sindicalismo propositivo (assimilando, inclusive, certos aspectos da ideologia
neoliberal). A idéia lançada pelos membros da Articulação Sindical era que, diante do quadro
recessivo que se avizinhava, era preciso adotar uma postura mais conciliatória com o governo
e com os empresários procurando saídas “propositivas” para a crise. O fato é que essa
inflexão acabou desagradando os setores da esquerda cutista, que ainda continuavam a manter
um certo apego à combatividade, uma vez que permaneciam ligados às práticas sindicais que
a CUT havia desenvolvido ao longo da década de 1980.
No entanto, apesar destas divisões internas, não havíamos presenciado ainda um forte
movimento de desfiliação da CUT, como o ocorrido no governo Lula, mesmo porque, ao
assumir uma postura crítica ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso, resistindo,
principalmente, às medidas que buscavam desregulamentar as relações de trabalho no país,
esses conflitos, de um certo modo, acabaram sendo “encobertos” por aquilo que os unia: a
crítica ao governo Cardoso. Ao fechar os canais de diálogo com o sindicalismo CUT,
frustrando as tentativas da Articulação Sindical em negociar com o governo e com o
patronato, favoreceu uma certa atitude de resistência, protagonizada pelas correntes de
esquerda, evitando uma atitude de extrema passividade por parte da CUT, como a que se tem
verificado após a vitória de Lula para presidente em 2002.
16
Altamiro Borges. CTB: a novidade no sindicalismo. Disponível em
http://www.csc.org.br/conteudo.php?/conteudo_id=129. Acesso em: 20/01/2008.
121
É justamente essa passividade que acabou acirrando as divergências políticas no interior
da CUT uma vez que as expectativas de que o novo presidente rompesse com os pilares do
neoliberalismo foram frustradas: ao invés de combater esse modelo, modificando os pilares da
política econômica, o governo petista não manteve seus fundamentos como aprofundou
alguns de seus aspectos como no caso da reforma da previdência. Mesmo assim, a corrente
majoritária, de um modo geral, vem seguindo as diretrizes básicas do modelo defendido pelo
atual governo, não agradando os setores da esquerda cutista, que acusam a direção da Central
de desenvolver um sindicalismo desvinculado de suas bandeiras históricas, adotando uma
postura de passividade acrítica que reforçaria as marcas de uma entidade chapa-branca.
Assim, paradoxalmente, a vitória de Lula em 2002, ao invés de unificar o sindicalismo CUT
em torno de uma plataforma comum de luta, ao manter (e aprofundar) os pilares básicos da
política neoliberal, acabou acirrando os quadros de divisões no interior da Central: enquanto
que algumas correntes da esquerda cutista ainda buscam resistir ao neoliberalismo, os setores
majoritários têm seguido os parâmetros econômicos estabelecidos pelo governo, mesmo
quando sua política ameaça direitos dos trabalhadores.
Em 2004, a saída do PSTU e a formação da CONLUTAS apontavam o desgaste dos
quadros internos da CUT. Pela primeira vez a Central passava a contar com uma oposição à
esquerda no movimento sindical organizado fora dela. Sob a justificativa de que a CUT
estaria servindo de esteio para sustentar posições e projetos do governo dentro do
sindicalismo (traindo seus princípios de independência de classe), a CONLUTAS (entidade
composta por organizações ligadas a movimentos sociais distintos) procurava se estabelecer
como uma Central Sindical rival à CUT, lutando contra as reformas neoliberais do governo
Lula:
A CONLUTAS Coordenação Nacional de Lutas é, como o próprio nome diz,
uma coordenação, composta por entidades sindicais, organizações populares,
movimentos sociais, etc, que tem por objetivo organizar a luta contra as reformas
neoliberais do governo Lula (Sindical/Trabalhista, Universitária, Tributária, e
judiciária) e também contra o modelo econômico que este governo aplica no país,
seguindo as diretrizes do FMI. A CONLUTAS busca construir-se como uma
alternativa para a luta dos trabalhadores, frente a degeneração da CUT, que
transformou-se em uma entidade “chapa-branca”, preferindo apoiar o governo do
que defender os trabalhadores
17
.
A 11ª Plenária Nacional da CUT em 2005 assistiu novamente ao acirramento das
divergências políticas em seu interior por ocasião do apoio dado pelos setores majoritários da
CUT ao projeto de reforma sindical elaborado no Fórum Nacional do Trabalho. Mesmo não
contemplando, na sua inteireza, o modelo defendido pela Articulação Sindical, o projeto do
17
Coordenação Nacional de Lutas. Disponível em http://www.conlutas.org.br. Acesso em: 20/01/2008.
122
Fórum recebeu o apoio da CUT, pois, conforme destacava, de um modo geral, as propostas
iriam ajudar a fortalecer o movimento sindical no país. Os setores da esquerda cutista, no
entanto, passaram a defender abertamente a saída da CUT do Fórum, por entenderem que o
projeto feria os interesses da classe trabalhadora brasileira ao seguir os parâmetros das
políticas neoliberais que vinham sendo implementadas pelo governo Lula. Entre as principais
críticas endereçadas às propostas do Fórum está a excessiva concentração de poderes na
cúpula do movimento operário, as restrições ao direito de greve, a eliminação da autonomia
das assembléias de base, a abertura de espaços para a prevalência do negociado sobre a lei, e o
sistema de representação derivado.
Em um texto apresentado para discussões na 11ª Plenária da CUT em 2005 (intitulado
“Defender a CUT contra essa reforma sindical e a divisão”), a corrente petista “O Trabalho”
destacava os principais pontos aprovados no projeto do Fórum que teriam contribuído para
acirrar as divergências no interior da Central:
A CUT está ameaçada por essa reforma, composta de uma Proposta de Emenda
Constitucional casada com um Projeto de Lei de 238 artigos. A forma final da
proposta confirma as piores expectativas. Resumimos seus principais pontos
abaixo. Estrutura sindical atrelada ao Estado: não há liberdade sindical, como
previsto pela Convenção 87 da OIT, defendida como um dos princípios da CUT em
seus estatutos, mas sim reforço da intervenção do Estado em toda estrutura e
organização sindical [...] É criada a figura da “representatividade derivada”, uma
aberração que consiste em dar à cúpula das Centrais, Confederações e Federações
prerrogativa de criar, “de cima para baixo”, sindicatos “orgânicos”, atacando a
soberania dos sindicatos de base [...] Se eliminou um parágrafo que aparecia em
versão preliminar, que estabelecia que deveria prevalecer a “norma mais favorável
ao trabalhador” em caso de conflito entre a lei e a Convenção Coletiva. O que
significa que o negociado” prevalece sobre o “legislado”, objetivo perseguido
pelos patrões desde o projeto Dornelles (da era FHC) que a CUT combateu. O
artigo 100 diz que “havendo negociação de nível superior poderá indicar as
cláusulas que o serão objeto de negociação em níveis inferiores”, num claro
atentado sobre a soberania das assembléias de base [...] Direito de greve é atacado.
Todo título V do PL da Reforma, combinado com outros artigos e a PEC, limita
brutalmente o exercício desse direito fundamental do trabalhador [...] Por tudo isso,
a Plenária Nacional da CUT deve retirar o apoio da Central a essa proposta de
Reforma Sindical, que ataca as bases históricas sobre as quais a CUT se constituiu e
abre as portas para a flexibilização dos direitos trabalhistas. Devemos reafirmar a
defesa da CUT contra essa reforma sindical, rejeitando, ao mesmo tempo, a via
proposta pela CONLUTAS de “desfiliação”
, que é outro lado da moeda da
política de destruição de uma conquista da classe que é a CUT (CUT, 2005)
[grifos nossos].
Mesmo com o acirramento das divergências, algumas correntes relutavam em deixar a
Central. A idéia defendida era que a ruptura poderia fragilizar ainda mais a esquerda cutista,
preferindo disputar a hegemonia dentro da CUT a ter que construir uma nova Central de
referência dos trabalhadores. Contudo, a questão que se coloca é que tanto a ruptura como a
“disputa” de hegemonia implica custos: a ruptura significa abandonar uma história e dar início
123
a um novo trabalho de organização e mobilização das bases, a fim de substituir a CUT por
uma outra referência de luta; a não ruptura significa continuar a “disputar” espaços no interior
de uma Central rigidamente monopolizada pela Articulação Sindical. Referindo-se
diretamente à crescente hegemonia dos setores majoritários da CUT e das perspectivas de
disputas no interior da Central com a ascensão do governo Lula, Galvão destaca:
Diante disso, colocamo-nos diante da seguinte questão: é possível disputar
hegemonia no interior da CUT na atual conjuntura? A nosso ver é cada vez mais
difícil, pois a direção tem um relacionamento muito próximo com o governo, a
quem apóia e por quem é beneficiada. É verdade que a direção da CUT nunca
impediu as correntes minoritárias se manifestassem contrariamente a medidas
lesivas aos interesses dos trabalhadores nos governos passados. Mas a conjuntura
era diferente, pois a Articulação Sindical não apoiava abertamente ou integralmente
aqueles governos; portanto, era mais fácil adotar uma postura crítica, mesmo que a
maioria resistisse em fazê-lo. Hoje, a ação da maioria da CUT divide o movimento
pois, quando não apóia o governo, critica-o superficialmente, de modo a sufocar as
vozes descontentes (Galvão, 2006 p. 149).
O desfecho desse processo de disputas políticas que se prolonga, pelo menos, desde a
década de 1990 foi o acirramento do quadro de divisões. Conforme vimos, as divergências
internas em relação ao posicionamento da CUT frente ao governo Lula e ao projeto de
reforma sindical levaram, num primeiro momento, à saída do grupo ligado ao MTS/PSTU em
2004, constituindo a CONLUTAS. Em 2006 alguns outros setores, ligados a partidos como P-
SOL, PSB, PCB e a correntes menores, também anunciaram sua saída da CUT por ocasião de
seu IX Congresso Nacional. Da mesma forma, percebendo as crescentes dificuldades em se
“disputar” a hegemonia no interior de uma Central fortemente controlada por seus setores
majoritários, a Corrente Sindical Classista optou por seguir o caminho aberto pelo PSTU,
anunciando sua saída dos quadros sindicais da CUT em 2007 para a formação de uma nova
Central Sindical. No entanto, esse grupo, ao contrário da CONLUTAS, não vem se colocando
em oposição frontal à CUT, afirmando a intenção de estabelecer uma relação de parceria com
mesma. De qualquer forma, para além dos dados numéricos ou da eventual perda de receita
financeira, é preciso considerar o impacto político da saída desses setores da CUT. Ainda que
não se caracteriza como um organismo exclusivamente sindical, a formação da CONLUTAS
representou um movimento à esquerda organizado fora da CUT. Ao mesmo tempo, a Central
agora reduzido o leque de sua pluralidade interna, de modo que a divisão não significou
apenas o enfraquecimento da própria CUT, mas do sindicalismo brasileiro como um todo.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final da década de 1970, alguns estudiosos europeus, tomando como indicadores a
queda nos índices de sindicalização e a diminuição do número de greves, começaram a falar
em crise do movimento sindical. Dez anos depois, no final da década de 1980, com o
aprofundamento do processo de reestruturação da economia mundial, alguns pesquisadores
começaram a falar em agonia ou morte do sindicalismo. No Brasil, a tese de que o
sindicalismo teria entrado numa fase de declínio irreversível foi lançada por Rodrigues no
final da década de 1990. A explicação para essa suposta decadência é procurada,
principalmente, no nível da economia capitalista contemporânea: as novas tecnologias, os
novos métodos de organização do trabalho, o declínio da ocupação na indústria e o
crescimento da ocupação no setor de serviços, o desemprego, o crescimento do setor informal,
esses e outros fatores de ordem econômica condenariam o sindicalismo à decadência
irreversível.
Trabalhando com os conceitos de sociedade industrial e sociedade pós-industrial (ou
sociedade de serviços), Rodrigues (1999) chega a concluir que as características gerais da
sociedade pós-industrial abriam pouco espaço para a atuação dos sindicatos, uma vez que os
fatores que teriam garantido a expansão sindical, como as grandes concentrações de
trabalhadores em áreas geográficas e industriais, produção em série, homogeneidade da força
de trabalho, peso da classe operária no interior da estrutura social, etc, não existiriam mais.
Na verdade, o autor, ao trabalhar com os conceitos de crise ou de declínio, não entende
que as perturbações que atingiram os organismos sindicais nas últimas décadas não
conduziram a um declínio irreversível do sindicalismo em si (como uma instituição capaz de
intermediar as relações entre capital e trabalho dentro do capitalismo), mas trata-se de uma
crise que atingiu o sindicalismo vertical e burocrático (herdado do período Fordista), que se
encontra incapaz de lidar com a nova era de desigualdade social. Nesse sentido, a crise
(declínio?) está relacionada a um determinado tipo de sindicalismo e não da instituição
sindical em si. Segundo Alves, a tese, defendida por Rodrigues, da crise do sindicalismo
como expressão de seu declínio irremediável nunca foi sustentável. Conforme destaca, apega-
se a indicadores empíricos contingentes, de cariz quantitativo, desprezando as determinações
sócio-estruturais do modo de produção capitalista (Alves, 2004 p. 53).
Ao afirmar que as características gerais da “sociedade pós-industrial” deixariam pouco
espaço para a atuação dos sindicatos, Rodrigues acaba subestimando o potencial de resistência
sindical dos trabalhadores. Em primeiro lugar, o autor não considera que vivemos numa
125
sociedade capitalista, o numa sociedade pós-industrial” ou de “serviços”. Mesmo que na
atual fase de estruturação do capitalismo o setor terciário possa empregar mais do que o setor
industrial, esse dado concreto não muda a natureza social do sistema, que continua baseado na
acumulação de capital e na exploração do trabalho alheio, seja na indústria, seja nos serviços,
ou mesmo no setor agrícola. Em segundo lugar, ao afirmar que o sindicalismo estaria fadado
ao desaparecimento, o autor despreza que (como afirmaram Marx e Engels) o sindicato e o
sindicalismo se constituem em um fato estrutural da modernização capitalista, portanto,
signos irremediáveis da luta de classes (Engels e Marx, 1980 apud Alves, 2004 p. 53).
Dialogando diretamente com Rodrigues, Boito Jr (2003b) assevera que o quadro
sindical das últimas décadas o poderia ser caracterizado com um quadro de declínio
irreversível do sindicalismo. Conforme destaca, mesmo que o movimento sindical tenha
perdido grande parte de sua vitalidade política e de sua capacidade de mobilização nas
principais economias capitalistas do mundo, não se pode concluir, de forma precipitada, que o
sindicalismo não teria mais função na atual fase de desenvolvimento do capitalismo. Segundo
o autor, o simples fato de o movimento sindical estar em ascensão em algumas regiões do
planeta, como os países da Europa Oriental (devido à recente implantação da liberdade de
organização sindical) e os países asiáticos de industrialização recente (países onde apenas
recentemente o sindicalismo começa a se organizar como um movimento social), seria
suficiente para evitar-se falar em decadência do sindicalismo.
Segundo o autor, o correto seria caracterizar o atual recuo como uma fase de crise e de
refluxo temporários. “O recuo internacional do sindicalismo não é uma decadência histórica
que adviria de uma mudança econômica irreversível das sociedades atuais. Ele é sintoma de
uma crise, oriunda de causas reversíveis, e que pode, por isso, ser superadas”. Conforme
destaca, Rodrigues, ao verificar o impacto das mudanças econômicas nos organismos
sindicais (queda no número de sindicalizados e diminuição da atividade grevista), o autor
conclui, de forma decisiva e precipitada, que o atual quadro de perturbações seria indicativo
de uma decadência irreversível que teria selado a sorte do sindicalismo. De acordo com Boito
Jr, o erro teórico deste raciocínio consiste em analisar a classe operária e o sindicalismo
separadamente do processo político nacional e internacional, o sindicalismo separado da
sociedade, da política e do Estado, como se a sociedade pudesse ser dividida em
compartimentos estanques, restringindo a análise ao nível da fábrica e do mercado de
trabalho, fortalecendo a idéia segundo a qual o refluxo ou crise do movimento sindical
origina-se na economia e seria, portanto, irreversível (Boito Jr, 2003b).
126
Essas discussões seriam retomadas em um ensaio posterior desenvolvido por Giovanni
Alves. Questionando a recuperação da atividade sindical em algumas regiões do planeta
anunciada por Boito Jr (2003b), o autor procura entender o sentido imanente desta
recuperação, abrindo um novo foco de análise. “Ora, a questão é saber, primeiro, qual a
teleologia política desta recuperação do movimento sindical e, segundo, verificar se, para
além da crise do sindicalismo não estaríamos vislumbrando a mera reposição do sindicalismo
da crise, cujo pragmatismo cinzento da defensividade sindical atinge setores outrora
identificados com a luta de classes”. Portanto, para o autor, o que se deve discutir é o
conteúdo político-ideológico desta recuperação do movimento sindical anunciada por Boito
Jr, pois, “mais do que índices de sindicalização e diminuição do número de greves, a
teleologia política da práxis sindical é que poderá nos indicar os sinais de vitalidade do
sindicalismo” (Alves, 2004 p. 53-54).
Assim, se por um lado, a ascensão do sindicalismo em países da Ásia constatada por
Boito Jr explicita a necessidade da práxis sindical como forma contingente de resistência da
força de trabalho à exploração capitalista, por outro lado, explicita os limites estruturais do
sindicalismo diante da lógica do capital em processo, pois, mais do que uma recuperação da
atividade sindical estaríamos vivenciado, segundo Alves, uma mera reposição do sindicalismo
da crise, cujos traços assumem uma forma mais acabada, principalmente, nos países de
capitalismo avançado. É, portanto, nestes países e não na Ásia que o sindicalismo exporia
seus limites estruturais, evidenciado na crescente dificuldade em se obter ganhos defensivos,
ao molde do passado, e na crescente dificuldade em barrar a destruição do Welfare State e da
precarização das relações trabalhistas. Conforme destaca Alves, o sindicalismo da crise, em
meio ao quadro histórico de declínio do capitalismo, para preservar os espaços burocrático-
instituicionais, contenta-se em incorporar o discurso da ordem do capital, abandonando os
ideais classistas e a luta anticapitalista, procurando respostas propositivas para a crise.
Dessa forma, não se trata de meras conjunturas conforma analisado por Boito Jr para
detectar “a crise da crise do sindicalismo” (Boito Jr, 2003b p. 321), mas de um dado estrutural
representado pelas pressões concretas do capital em declínio, operando profundas
transformações no mercado de trabalho e na própria dinâmica do emprego assalariado no
modo de produção capitalista contemporâneo. Não estamos com isso decretando a morte ou o
declínio do sindicalismo. O momento é de grandes dificuldades, o que demandará novas
formas de organização dos trabalhadores (que consiga fazer representar trabalhadores
estáveis, precários e desempregados) e de um novo posicionamento político-ideológico dos
sindicatos. Ao mesmo, não podemos deixar de considerar, uma outra determinação essencial
127
do sindicalismo da crise: ele expressa a crise do socialismo, representado pela captura da
subjetividade operária aos valores da ordem do capital. “Portanto, o sindicalismo da crise se
constitui não apenas a partir das determinações estruturais da crise do sócio-metabolismo do
capital e de suas instituições defensivas. Ele decorre da crise histórica do partido (e da
ideologia) socialista do século XX” (Alves, 2004 p. 55).
Pois bem, ao deslocar o debate para o sindicalismo da crise, Alves abre um importante
campo teórico para entendermos o sentido imanente das reformas anunciadas no Fórum
Nacional do trabalho (2003-2004) e suas implicações às formas de organização (e
representação) do sindicalismo brasileiro. Ou seja, a tese aqui defendida é que a intenção do
governo Lula o era conduzir o movimento sindical ao um novo patamar de força, que fosse
capaz de garantir uma maior vitalidade aos organismos sindicais, mas, a partir das reformas
anunciadas pelo Fórum, repor, nas condições do capitalismo brasileiro, uma espécie de
sindicalismo da crise, consolidando, em termos institucionais e normativos, a capitulação do
sindicalismo no país.
A reposição do sindicalismo da crise se em dois aspectos. O primeiro aspecto está
relacionado à incapacidade do projeto em erigir novas formas para a representação de um
operariado que se encontra cada vez mais dividido (e fragmentado) pelo processo de
reestruturação da economia brasileira, ou seja, um novo modelo de organização sindical que
seja capaz de lidar com as novas segmentações que atingem o mercado de trabalho no país,
representando, ao mesmo tempo, trabalhadores permanentes, instáveis, e desempregados.
Essas novas segmentações, que surgem com o processo de reestruturação produtiva,
dificultam a atuação dos sindicatos a partir de estruturas burocráticas, posto que os
organismos sindicais não podem mais desempenhar seu papel tradicional de unificação do
proletariado tendo como perspectiva uma organização corporativa restrita à categoria
profissional. Assim, o projeto de reforma do Fórum na medida em que não procura
estabelecer um diálogo com os novos contingentes de trabalhadores precarizados (não apenas
trabalhadores assalariados empregados, mas os excluídos do emprego), acaba repondo, no
contexto do século XXI, o caráter defensivo do sindicalismo da crise. É preciso desenvolver
novas práticas sindicais que privilegiem dimensões horizontais (e interprofissionais) para a
organização de uma classe que se encontra submetida a diversas condições de exploração (e
subordinação), estabelecendo, desde já, a identidade política e cultural do proletariado em
bases mais amplas do que a rígida divisão em categoria profissional decorrente da estrutura
sindical brasileira. Mesmo que o projeto do Fórum tenha instituído a organização dos
trabalhadores por ramo de atividade econômica, essa dimensão não é capaz de fazer
128
representar os trabalhadores instáveis, precários e desempregados, que se encontram fora do
setor formal da economia e não apresentam nenhum tipo de proteção do Estado.
Um outro aspecto do sindicalismo da crise está relacionado à captura da subjetividade
operária pelos valores da ordem do capital, cujo traço mais avançado é a ideologia do
Tripartismo. Ao longo de todo o documento produzido no âmbito do Fórum a ideologia do
tripartismo (e do diálogo social) é colocada como pressuposto básico (e fundamental) para o
sucesso das relações de trabalho no Brasil. Conforme destaca o artigo 93 do Projeto de Lei de
Relações Sindicais: “O Estado promoverá o diálogo social, o fortalecimento das negociações
tripartites e a participação proporcional das centrais sindicais e das confederações de
empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses sejam objeto de
discussão e de deliberação”. Abstrai-se o que é o mundo real e trabalha-se com uma genérica
idéia de mundo perfeito envolvendo a negociação coletiva e o diálogo social, desprezando os
pressupostos estruturais da sociedade capitalista.
Em suma, o Fórum Nacional do Trabalho reflete, em termos institucionais e normativos,
o refluxo pelo qual o sindicalismo brasileiro (em especial o sindicalismo CUT) vem sofrendo,
principalmente, a partir da década de 1990, quando passa a assumir um discurso mais
conciliatório (e menos combativo), abandonando as perspectivas de classe e o discurso
anticapitalista. Ao elevar o tripartismo e o diálogo social como pressuposto básico para
fundamentar um novo modelo de organização sindical no país, o documento do Fórum acaba
desprezando as disparidades estruturais entre capital e trabalho dentro do modo de produção
capitalista. Ao mesmo tempo, alimentado (e fortalecendo) essa ideologia, o sindicalismo da
crise (no Brasil identificamos, principalmente, a CUT), para preservar-se como elemento de
mediação sócio-institucional de corporações assalariadas com alguma poder de intervenção
social e política acaba incorporando o discurso da ordem do capital, ajudando a difundir a
idéia de que o sindicalismo propositivo seria a única saída possível para os trabalhadores
lidarem com as novas perspectivas do capitalismo contemporâneo.
129
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, M.H.T. “O sindicato no Brasil: novos problemas, velhas estruturas”. Debate e
Crítica, n-6, 1975.
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