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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Carto(foto)grafando o encontro de migrantes brasileiros com a China
Autora: Luciana Trombini Orsolin
Orientadora: Professora Dra Sandra Djambolakdjian Torossian
São Leopoldo, janeiro de 2008
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2
Ao Felipe Telli Fisch pelo
amor dispositivo de todos
esses encontros.
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Agradecimento
À Professora Sandra pela orientação, pela co-autoria e por participar das inquietações que
emergiram no meu encontro com a China.
Aos meus pais Faustino e Ana, e aos meus irmãos Josué, Cristina e Gustavo por tornarem
esse trabalho possível, por suportarem a saudade incentivando-me a vivenciar essa
experiência.
Ao meu marido Felipe por ter participado da construção desse trabalho do início ao fim,
pelos encontros de cada dia.
4
Sumário
Apresentação..............................................................................................................06
I) Carto(foto)grafando o encontro de migrantes brasileiros com a China...........08
Resumo........................................................................................................................08
Abstract.......................................................................................................................09
1. Introdução............................................................................................................10
1.1 Encontro.................................................................................................................13
2. A Carto(foto)grafia..............................................................................................18
2.1 A imagem e suas significações..............................................................................21
2.1.1 A imagem e o capitalismo...................................................................................24
2.2 A atenção cartográfica...........................................................................................25
2.3 A cartógrafa migrante brasileira na China.............................................................29
2.4 Mapeando o cenário de nossa carto(foto)grafia.....................................................31
2.5 Os migrantes do nosso estudo................................................................................33
2.6 Intervenção mutante...............................................................................................35
2.6.1 O primeiro encontro com todos os migrantes.....................................................35
2.6.2 Semana entre o primeiro e o segundo encontro (oficina)...................................37
2.6.3 Oficinas...............................................................................................................38
3. Os processos e suas análises................................................................................40
3.1 Sistema...................................................................................................................41
3.1.1 Ações do governo e seus reflexos nos migrantes................................................42
3.1.2 Piraria, devir- migrante e o consumo..................................................................45
5
3.2 Comunicação..........................................................................................................48
3.3 Diferenças..............................................................................................................55
3.3.1 Cenas do cotidiano..............................................................................................55
3.3.2 Idosos e as tradições na China............................................................................57
3.3.3 Falta de higiene...................................................................................................59
3.3.4 Civilização “tipo bicho”......................................................................................61
3.3.5 “Em terra de olho puxado quem tem olho redondo é rei”..................................62
3.3.6 Identidade carnavalesca na China.......................................................................66
3.4 Adaptação e saudade..............................................................................................68
3.4.1 As viagens...........................................................................................................70
3.4.2 O distanciamento da família...............................................................................71
3.4.3 Céu azul e “um lugar para fazer um churrasquinho”..........................................72
3.4.4 Relações modificadas..........................................................................................74
3.4.5 Decepções em relação ao Brasil.........................................................................76
3.4.6 Se não é a China, nem é o Brasil, então é aonde?...............................................77
4. A cidade subjetiva (O Entre)................................................................................79
5. Referências Bibliográficas.....................................................................................84
II) Carto(foto)grafando a Migração Brasileira.......................................................87
III) Not Made in China”: o Encontro de Migrantes Brasileiros com a
China.........................................................................................................................107
Anexo.........................................................................................................................135
6
Apresentação
Essa carto(foto)grafia, entrelaçamento da cartografia e da fotografia, trabalha a
emergente temática sobre migração, procurando entender o encontro de migrantes
brasileiros com a China. O movimento do migrante brasileiro é acompanhado de gozos e
sofrimentos que emergem pela experimentação, pela problematização de referenciais e
pela saudade e renúncias que essa escolha de morar fora do país de origem produz. Tanto
a permanência na China quanto o próprio retorno do migrante ao Brasil pode apresentar a
necessidade da criação de um território existencial onde o brasileiro possa expressar seus
afetos relacionados às intensidades vivenciadas. Assim o migrante passa por processos
que envolvem territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Estudos
sociológicos, geográficos, econômicos, psicológicos, entre outros contribuíram com esta
dissertação sob amparo maior da esquizoanálise.
O leitor encontrará, primeiramente, o relatório da carto(foto)grafia, onde
desenvolvemos nossa trajetória passo-a-passo, a chegada da cartógrafa ao campo, o
território de observação, a intervenção realizada com os migrantes e as análises dos
processos que emergem no encontro do brasileiro com a China.
Em seguida, apresentaremos o artigo Carto(foto)grafando a migração brasileira
que será submetido à publicação na revista Psicologia & Sociedade. Esse trabalha a
temática do uso da carto(foto)grafia para o entendimento dos processos que ocorrem no
encontro dos migrantes. A cartografia, a fotografia e a própria migração são entendidas
como dispositivo do encontro, colocando o migrante a problematizar suas vivências.
7
E por último apresentamos o artigo “Not Made in China”: o Encontro de
Migrantes Brasileiros com a China, que será submetido à publicação na revista
Psicologia: Ciência e Profissão. Esse traz novamente o encontro dos brasileiros com a
China, analisando os processos de criação e significação que ocorreram em nossa
intervenção.
Desculpamos-nos com o leitor pelas repetições que possam ser encontradas ao
longo da leitura, mas apostamos que essas possam ser lidas a partir das intensidades dessa
carto(foto)grafia.
8
I) Carto(foto)grafando o encontro de migrantes brasileiros com a China
Relatório de pesquisa
Resumo: Os encontros mobilizados nas migrações entre culturas são uma temática
emergente que envolve muitos cidadãos brasileiros e outros cidadãos do mundo. Este
relatório apresenta uma pesquisa que investigou o encontro de brasileiros migrantes com
a China, procurando entender os processos, intensidades, afetos e afecções que nesse
encontro emergiram. Para tanto utilizamos a carto(foto)grafia, que se constituiu de um
entrelaçamento da cartografia com a fotografia. A exploração do campo ocorreu durante
nove meses na cidade de Dongguan, situada ao sul da China. Realizamos uma
intervenção com dez brasileiros residentes nessa cidade, na qual os migrantes produziram
imagens fotográficas sobre seus encontros, imagens que foram discutidas posteriormente
em oficinas. A atenção cartográfica permitiu-nos a seleção de algumas fotografias que
foram analisadas a partir de processos de criação e significação, bem como foram
relacionadas com a observação do campo e as intensidades que apareceram nessa
intervenção. Os brasileiros migrantes criam um território existencial no qual dividem as
dificuldades enfrentadas diante da vida na China e expressam seus afetos.
Palavras-chave: Cartografia e fotografia; migrantes brasileiros; Clínica do Encontro
9
Abstract : The mobilized encounters in the migrations between cultures are an emergent
thematic that involve many Brazilian citizens and other citizens of the world. This report
presents a research investigating the encounter of Brazilians expatriates with China,
seeking to understand the processes, intensities and affections that emerged from this
encounter. In such a way we use the carto(photo)graphy, meaning the interlacement of
the cartography with the photograph. The exploration of the field occurred during nine
months in the city of Dongguan, situated in south China. An intervention was carried
through with ten Brazilian residents in this city. Each expatriate produced photographs
about their encounters. Images that were later discussed in workshops. The cartographic
attention allowed us the election of some photographs that were analyzed by process of
creation and meaning. The photographs were also related to field comment. The Brazilian
expatriates create an existential territory in which they share the difficulties faced living
in China as well as the expression of theirs affections.
Key-words: Brazilian expatriate, encounter and clinic, cartography and photograph
10
1.Introdução
A mobilidade com que indivíduos se deslocam de um país para morar em outra
localidade é característica da sociedade contemporânea e vem se tornando um fenômeno
importante do mundo globalizado. Os avanços tecnológicos e a velocidade da informação
conectaram o mundo de maneira a desmanchar com as integralidades sociais e culturais
antes determinadas regionalmente (Baumann, 1999).
A miscigenação ocasionada por esta conexão facilitou a migração de sujeitos de
diversas nacionalidades. Vivenciando em seu próprio território aspectos sociais e
culturais de outros países, o indivíduo embarcou nos avanços da tecnologia e passou a
habitar outros territórios (Baumann, 1999, Corsini, 2005, Martine, 2005). A migração
assim é impulsionada pelo próprio modo de subjetivação que se tornou globalizado.
Migrar agencia o desejo de experienciar outras culturas, buscar melhor remuneração,
aumentar a capacidade de consumo, procurar aprofundamento em estudos, conhecer e
criar novos mundos.
O Brasil é um país que tem como característica uma forte miscigenação. A
mistura de costumes afros, indígenas, americanos e europeus faz com que os brasileiros
sejam um povo de muitas raças e hábitos diversificados (Rolnik, 1998). A
heterogeneidade vivida no Brasil, a descrença em relação ao país, as dificuldades do
mercado brasileiro e, principalmente, a busca pela maior capacidade de consumo são
algumas razões pelas quais há alguns anos brasileiros têm migrado para China (Beltrão e
11
Sugahara, 2006, Patarra, 2006, Sasaki, 2006). As autoridades brasileiras na China
1
estimam que atualmente residam aproximadamente cinco mil brasileiros no sul desse
país.
Os brasileiros começaram a migrar em busca de melhores oportunidades de
emprego para o sul da China por essa região ser um pólo de desenvolvimento do setor
coureiro-calçadista (Ferreira, 2006). Alguns brasileiros levaram também suas famílias e
muitas crianças brasileiras estudam, atualmente, em escolas chinesas ou escolas
americanas na China. O que acontece quando um sujeito que viveu muitos anos na
cultura, política e história do Brasil atravessa oceanos e se encontra com as intensidades
da vida na China?
Pensando neste cenário desenvolvemos uma pesquisa, através do Mestrado de
Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, procurando investigar
como é o encontro dos brasileiros migrantes com a China. A noção de encontro é
entendida a partir da leitura realizada por Deleuze (2002, 2003) de Spinoza. O encontro é
acontecimento. Encontro dos corpos que possuem potência de afetar e serem afetados, e
assim se transformarem. A clínica do encontro trabalha justamente onde ocorrem essas
transformações dos corpos, acompanhando os processos de produção e as mutações de
sentido.
1
Conforme indicação da Embaixada do Brasil em Pequim na China não existem números precisos de
brasileiros residentes no país em decorrência dos mesmos encaminharem vistos em diferentes lugares do
mundo e de forma geral estes vistos costumam ser de turistas ao invés de residentes, o que dificultaria o
controle do número de pessoas. Site da embaixada disponível em <http://www.brazil.org.cn/index_pt.htm>.
12
Realizamos assim uma intervenção junto a brasileiros residentes na China, onde a
cartografia e a fotografia foram utilizadas num entrelaçamento como dispositivo de
escuta e de encontros com a vida dos migrantes e suas intensidades. A carto(foto)grafia,
nome dado a junção da cartografia com a fotografia, criou assim um espaço de inscrição
de sentidos à experimentação destes migrantes, analisando os processos, seus gozos e
sofrimentos e contribuindo para a formação de laços sociais.
Neste trabalho, primeiramente trazemos a noção de encontro (Deleuze, 2002) por
entender que as migrações são encontros com diferentes intensidades da vida. A
carto(foto)grafia é desenvolvida posteriormente como dispositivo do encontro, colocando
os migrantes a problematizar suas vivências e significando-as.
Destacamos posteriormente a atenção cartográfica (Kastrup, 2007) como base
deste estudo promovendo a seleção das cenas a serem fotografadas pelos migrantes e a
seleção das cenas fotografadas a serem analisadas pela cartógrafa como processos de
criação e significação. E passamos, finalmente, a uma descrição e análise de nossa prática
junto aos brasileiros migrantes na China, procurando trazer algumas imagens produzidas
pelos mesmos e também entender as transformações e significações que esse encontro
promoveu.
13
1.1 Encontro
A noção de encontro recebeu contribuições importantes por autores como
Winnicott, Reich e Ferenczi (Lessa, 2006), contudo em nossa discussão optamos por
utilizar a concepção de Spinoza, e dos estóicos a partir da leitura de Deleuze (2002, 2003)
e as próprias contribuições de Deleuze, por parecerem mais favoráveis à problematização
do encontro dos migrantes brasileiros com a China.
Pensador racionalista do século XVII, Spinoza transformou algumas concepções
filosóficas. Embora Spinoza fosse racionalista, este desenvolveu estudos contra os
valores morais, construindo uma conceituação de ética, que tem como base as afecções e
a afetividade (Deleuze, 2002).
Entendemos as afecções conforme Deleuze (1997, p.156-157):
Um efeito é, primeiramente o vestígio de um corpo sobre um outro, o
estado de um corpo que tenha sofrido a ação de um outro corpo. (...).
Conhecemos nossas afecções pelas idéias que temos, sensações ou
percepções, sensações de calor, de cor, percepção de forma e de
distância. (...). A afecção, pois, não só é o efeito instantâneo de um
corpo sobre o meu, mas tem também um efeito sobre minha própria
duração, prazer ou dor, alegria ou tristeza. São passagens, devires,
ascensões e quedas, variações contínuas de potência que vão de um
estado a outro: serão chamados afectos.
Para Spinoza, conforme nos mostra Deleuze (2002), o desejo vem antes da
racionalidade. As mudanças corpóreas não dependem da razão ou da lógica. O homem
nasce desejante e torna-se racional. O desejo é a potência de afetar e de ser afetado. Esta
potência é de diferentes intensidades.
14
Spinoza (apud Deleuze, 2002) desenvolveu o entendimento sobre o encontro em
busca da compreensão das relações entre os homens e do homem com o mundo.
Afecções e afetos são resultados do encontro destes corpos. A potência de agir é a
essência de um determinado corpo. Esta afeta e é afetada pela potência de outros corpos.
A alma, entendida por Spinoza como a idéia do corpo, é constituída por diversas
idéias. A essência da alma é intensidade de potência e se apresenta como uma potência
objetiva de pensar. Tratando-se do mesmo indivíduo, quando o corpo age, a alma pensa.
Logo, a ação do corpo é a expressão objetiva da potência do pensar. Pensar e agir nunca
estão separados (Deleuze, 2002).
Na concepção de Spinoza, o corpo-alma, ou corpo-espírito, são usados para trazer
o desdobramento ético, visando a liberdade do espírito de pensar e dos corpos de agir. A
liberdade é entendida como o momento em que o espírito pensa e o corpo age por
necessidade própria, a partir de sua própria potência. O filósofo ainda coloca que o
homem não nasce livre, este precisa conquistar sua liberdade. Intensificar a potência do
corpo e da alma permite uma vida mais tranqüila. Esta é uma atitude ética (Deleuze,
2002).
O corpo tem a propriedade de agir, de afetar e ser afetado, propriedade essa, como
colocamos, foi o que Spinoza chamou de potência. Contudo, nenhum corpo possui uma
identidade fixa. A partir do encontro a transformação prevalece e por isso os corpos
15
nunca são os mesmos. As circunstâncias e os encontros com outros corpos fazem a forma
do sujeito, forma sempre em transformação (Deleuze, 2002, Lessa, 2006).
Assim como Spinoza, os estóicos também combateram o platonismo e o
racionalismo moral. Estes não perguntavam sobre a essência ou ser das coisas, como a
filosofia de Platão. Os estóicos perguntavam sobre o sentido, procurando pelo
movimento, pelas transformações, pela criação de novos mundos (Deleuze, 2003, Lessa,
2006). “Perguntas diferentes geram não só respostas diferentes, mas também novos
caminhos de investigação” (Lessa, 2006, p.21).
Para os estóicos, o encontro dos corpos é o acontecimento. Um corpo age sobre
outro e reage sobre ele próprio. Suas misturas também agem e reagem. O próprio corpo
pode ser considerado um acontecimento, ou formado por diversos acontecimentos. O
mundo é um acontecimento. A única coisa que se mantêm neste mundo são as
transformações. O acontecimento, assim, tem as propriedades do corpo, por isto ele é um
extra-ser, ele não existe e sim insiste ou subsiste (Deleuze 2003).
No entre ou no limite da superfície de contato dos corpos é que está o
acontecimento. As idéias são acontecimentos, são o encontro dos corpos. Os estóicos
sugerem que se trata de entender o movimento no acontecimento e não buscar a
compreensão do corpo em si (Deleuze 2003, Lessa, 2006).
16
Deleuze (2003) ainda coloca que para os estóicos, todo encontro dos corpos está
sempre junto a uma cadeia infinita de ações. Não existem ações isoladas de outras ações.
Dessa forma, a razão de uma ação, é atribuída à outra ação, formando assim uma cadeia
de ações. Contudo os corpos são sempre causas nunca são efeitos, por isso se trata de
uma cadeia causal de ações. Um corpo que foi afetado é uma causa passiva, um corpo
que afeta outros corpos é uma causa ativa.
Assim, a partir de Spinoza e dos estóicos e em oposição à moral, Deleuze (2002,
2003) coloca que o encontro leva o sujeito a suspender e questionar os juízos de valor
sobre as coisas do cotidiano. O impacto do encontro é que aciona esta suspensão. O
encontro produz desta maneira, em alguma medida, a desorganização de hábitos e
costumes. O efeito suspensivo e desregulador do encontro questiona o condicionamento
do sujeito, por isso, o encontro é o que obriga o indivíduo a pensar. E pensar, para
Deleuze, é sempre problematizar.
A partir desta reflexão sobre encontro é que entendemos a clínica. A clínica do
encontro, do acontecimento, do entre, da ética. Ética pela liberdade. Nessa clínica não se
busca investigar a essência humana através de representações da vida ou a origem intra-
psíquica dos sintomas, mas acompanha-se o movimento, o processo. Ela trabalha na
superfície onde os corpos se afetam, onde são produzidos os acontecimentos e as
transformações de sentido (Lessa, 2006).
Desse modo temos uma clínica viva que experimenta o confronto de
posições e que problematiza a experiência e não a abstração da mesma.
Uma clínica ético-política que afirma a experimentação dos encontros
afetivos como fonte de produção de subjetividade que é sempre
17
coletiva, porque não está abstraída e nem aprisionada no interior de um
sujeito (Lessa, 2006, p. 70).
Nossa prática problematiza o encontro dos brasileiros com a China, logo também
se trata de um encontro afetivo dos corpos e, assim, de um acontecimento.
Acontecimento que se utiliza do paradigma ético-estético-político. Ético,
problematizando os encontros sem qualquer julgamento moral e potencializando os
movimentos de liberdade que são produzidos nos mesmos. Estético, entendendo como
Deleuze (1992), a vida como obra de arte e valorizando a criação e invenção dos modos
de pensar, sentir e estar neste mundo globalizado. E por fim político, entendendo-o como
uma prática social que analisa os processos e transformações do coletivo que atravessam
a experiência do migrante brasileiro.
Com o amparo da Esquizoanálise, nossa prática se fez através da
carto(foto)grafia. A carto(foto)grafia surgiu a partir do encontro da cartógrafa com a
China. A imagem é entendida como processo de criação do encontro do migrante com o
cenário a ser fotografado. A cartografia, a fotografia e a própria migração são vistas como
um dispositivo do encontro, colocando tanto o cartógrafo no campo que deseja produzir
conhecimento, como o migrante-fotógrafo no encontro com a cena a ser produzida. Além
disso, consideramos que a migração coloca o migrante no encontro com o novo território.
Estes encontros problematizam a vida e possibilitam a criação de novos mundos, onde é
possível a expressão de afetos contemporâneos.
18
2. A Carto(foto)grafia
A cartografia foi escolhida para a compressão dos encontros dos migrantes com a
China, por se entender que ela constitui, assim como a fotografia e a migração, um
dispositivo do encontro produzindo questionamentos sobre o instituído.
O dispositivo é uma rede, um conjunto heterogêneo, multilinear de práticas de
saber, poder e subjetivação (Deleuze, 1996). Nas linhas do saber estão as curvas da
visibilidade e da enunciação. O dispositivo pode ser entendido, então, como uma
máquina de fazer ver e fazer falar. Na dimensão do poder, estão as linhas da força, que
tangenciam as curvas da visibilidade e da enunciação, em um movimento de vai e vem,
entre dobras de um ponto a outro, tecendo o saber. E por fim, um dispositivo é construído
também pelas linhas de subjetivação, linhas que resistem a ações de forças que conduzem
a contornos definitivos. A dimensão da subjetivação recurva essas forças sobre si
próprias, escapando aos saberes e poderes estabelecidos, embora possa ser capturada por
estas forças novamente. A dimensão da subjetivação é a dimensão do si próprio. As
linhas da subjetivação aparecem como linhas de fuga, que transpõem o limiar de um
dispositivo, abrindo uma fissura.
O dispositivo do encontro coloca então a cartografia, a migração e a fotografia
num entrecruzamento. Tecendo, através de linhas de forças que se movimentam entre o
fazer ver e fazer pensar, a construção do entendimento desses encontros. E junto com
essa construção, aparecem as linhas de subjetivação, que dobram essas forças sob elas
19
mesmas de maneira a permitir que o encontro do migrante, da imagem e da cartografia
crie alternativas, linhas de fuga a forças intransponíveis, possibilitando a construção de
um território existencial.
Construída por G. Deleuze e F. Guattari (1995), a cartografia não procura
representar um objeto, mas acompanhar um processo de produção, traçando os
movimentos imanentes a própria produção de subjetividade e, assim, permitindo a
construção do presente. Rolnik (1989, p.15) propõe que a cartografia
acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos
mundos- sua perda de sentido- e a formação de outros: mundos que se
criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os
universos vigentes se tornam obsoletos.
O processo de um migrante se assemelha ao movimento da cartografia,
desconstrução de mundos e formação de outros. O território que o migrante passa a
habitar traz questionamentos através de diferentes hábitos, costumes, e intensidades do
novo território. Isto pode fazer com que o sujeito necessite dar significação aos afetos
experimentados.
A cartografia assim vem mapear a experiência de migração e a fotografia soma-se
a ela num processo de entrelaçamento, no qual se podem problematizar os encontros bem
como significar ao migrante as intensidades vivenciadas.
A idéia de utilizar a cartografia e a fotografia entrelaçadas como dispositivo neste
estudo emergiu do meu encontro com a China. A primeira vez que estive no país foi em
março de 2006. Fui conhecer o local no qual, quase um ano depois, iria morar. Passando
20
pelas ruas largas e bastante arborizadas da cidade, sente-se um cheiro adocicado
característico do local no ar. O fluxo de carros é intenso, caótico, tão intenso quanto às
buzinas. As pessoas falam o Mandarim (língua oficial da China) e o Cantonês (língua da
região). É difícil encontrar pessoas que se comuniquem em inglês. Mc Donalds, Pizza
Hut e diversas multinacionais estão estabelecidas por todos os lados. Grandes shoppings
com uma diversidade de produtos falsificados das mais variadas marcas. Comidas
gordurosas, salsinha doce, povo magro. Chineses pedem para tirar fotos com pessoas de
“olho redondo” (ocidentais). Comércio aberto de segunda a segunda, pelo menos das 9
horas às 21 horas e 30 minutos. Prédios e produtos com inscrições em ideogramas.
Construções por todos os lados. Som alto de furadeira. Céu cinza, muito cinza, poluição.
O Mandarim é uma língua muito difícil de ser aprendida pelos brasileiros (e
talvez por todos os migrantes do ocidente). A comunicação dos brasileiros com os
chineses em grande parte das vezes acontece por mímicas. A própria escrita do mandarim
em ideogramas não permite que se reconheçam os locais ou estabelecimentos, pois os
estrangeiros não conseguem ler o que está escrito nas placas e letreiros. Diante da falta de
comunicação através da linguagem verbal, os brasileiros vão à busca de imagens que os
referenciem, como os desenhos nas embalagens dos produtos ou imagens que
identifiquem em qual estabelecimento estão entrando.
Esta necessidade de direcionar a atenção para as imagens seja de marcas, da
cidade, ou do próprio corpo como possibilidade de informação e comunicação, deu-nos a
idéia da utilização da fotografia. A imagem cria uma série de mensagens as quais o texto
21
por vezes não consegue produzir, do mesmo modo em que a fotografia coloca o fotógrafo
no encontro com o cenário a ser capturado. Assim conectamos a cartografia e a fotografia
uma permeando a outra, pelos encontros que estas promovem e pela multiplicidade de
universos mutantes a serem capturados. A essa conexão da cartografia com a fotografia,
nomeamos de “carto(foto)grafia”. Para a realização de um estudo desta natureza faz-se
necessário o entendimento da imagem e suas possíveis significações.
2.1 A imagem e suas significações
As pesquisas com imagens em Ciências Humanas ainda são muito marcadas pela
tradição positivista. Tacca (2005b) percebe a necessidade da produção de novas práticas,
através das quais a criação e a subjetividade possam obter outro sentido no olhar
fotográfico, um olhar que fuja aos engendramentos objetivos e a neutralidade
relacionadas as restrições deste tipo de ciência.
A imagem técnica, como definiu Vilém Flusser (s/d apud Tacca, 2005b), é
qualquer imagem produzida por aparelho. Esta se tornou saber institucionalizado
academicamente na segunda metade do século XX, através do estudo da significação
pelas ciências da semiologia e da semiótica (Tacca, 2005b).
Na Psicologia a fotografia vem sendo utilizada em diferentes áreas. Alguns
trabalhos são realizados com a utilização da fotografia como representação ou ainda auto-
imagem (Koller e Silva, 2002). Nosso entendimento distancia-se destas idéias. A
fotografia além de colocar o sujeito no encontro com o cenário a ser fotografado, passa
22
pela linha da criação. A imagem é entendida como possibilidade de significação e
expressão de afetos experimentados.
O encontro de possíveis significações na fotografia teve seu início em 1962 com
Roland Barthes (Tacca, 2005a, 2005b). Autor de grandes clássicos como A Câmara Clara
(1984), Barthes apontou que a fotografia se caracteriza por ser puramente denotativa. A
denotação é a composição dos elementos da fotografia em si, dos elementos que formam
determinada cena (Barthes, 1962 apud Tacca, 2005a, 2005b).
A leitura possível dos elementos que compõem uma fotografia é a conotação.
Barthes (1962, apud Tacca, 2005a, 2005b) coloca que a conotação da fotografia é frágil
por ser uma mensagem sem código, e o que permite sua leitura são aspectos da história
pessoal e formação cultural do fotógrafo e do espectador (àquele que está a olhar a
imagem), bem como a conotação de nossa estrutura lingüística. Logo a procura pela
leitura possível da fotografia, daquilo que não está significado (‘insignificância’ da
fotografia), é a procura pela conotação (Barthes, 1962, apud Tacca, 2005b, p.13).
Nossa compreensão sobre as significações da imagem abrange algumas idéias de
Barthes (1984) no sentido que entendemos que é possível observar os elementos criados
de uma imagem e procurar entender os seus sentidos os relacionando ao campo social.
Contudo, discordamos quando este trata a fotografia somente como representação, “a
fotografia é sempre alguma coisa representada” (Barthes, 1984, p.49).
23
Entendemos que a imagem é sempre imersa em um ambiente cultural, em valores
de um determinado campo em decorrência da subjetivação, por isso a relacionamos ao
campo social, contudo, entendemos que ela faz parte de um processo de criação do
encontro do fotógrafo com o cenário. Assim, ela transforma e é transformada pelo sujeito
que está a produzi-la. Como sugere Maciel (1996, p.255) “sujeito, objeto e imagem não
são definidos nas suas distâncias, mas na contigüidade que transforma um em outro numa
metamorfose permanente”.
As significações são resultados da imagem, da experiência daquele que a produziu
e daquele que está a observá-la. A imagem dentro de um contexto cultural, seja ela
simbólica, estética ou epistêmica, é sempre a construção de um cenário que permite
significações (Tacca, 2005b). A imagem coloca o migrante no encontro com o cenário,
problematiza esse encontro e permite que o migrante capture os elementos-processo desta
experiência de migração significando-os.
A fotografia assim possibilita que a leitura do cartógrafo, permeada pelo próprio
fazer cartográfico bem como pelo olhar daquele que produziu a fotografia, possa
desenhar em certa medida os processos que estão em produção nestes encontros. Nossa
atenção é direcionada assim para o que ela cria no migrante. A criação nos dá pistas das
intensidades vividas, das forças que estão atuando neste campo de transformações, as
quais podem ter diferentes sentidos para cada um.
24
A imagem, assim, dotada de sensibilidade da experiência, age não na
representação dos mundos, mas como pulsação. Pulsação enquanto potência de afetar
outros corpos. O desejo pela criação da forma face ao estranhamento coloca o fotógrafo -
artista diante da intensidade da vida.
Por fim, a fotografia não tem a pretensão de cartografar “verdades” sobre a
migração e seus encontros. A carto(foto)grafia captura a textura sobre a experiência de
um migrante em um novo ambiente, de maneira que a intenção de fotografar algo e o
fotógrafo são transformados (pelo) e transformam o encontro com aquilo a ser
fotografado. Isto ocorre numa troca incessante de intenções, emoções e práticas, as quais
falam de um modo de vida ao mesmo tempo em que vão modificando este modo por
possibilitar criações de laços sociais, sentimentos de relação com este novo mundo.
2.1.1 A imagem e o capitalismo
A imagem técnica, desenvolvida por um aparelho, sempre esteve relacionada à
história do capitalismo, seu surgimento e desenvolvimento na Europa. Caracterizada pela
busca simbólica do conhecimento deste mundo em constante transformação, a fotografia
acabou mergulhando na estética e na ideologia. O desenvolvimento tecnológico, o
aparecimento das máquinas digitais, mesmo que ainda não acessível à grande parcela da
população, transferiu técnicas àqueles que não entendem as especialidades da fotografia
(Tacca,2005b).
25
As técnicas relacionam-se com a intenção. A fotografia captura, de certa forma, o
que o olhar humano deseja. Isso não significa capturar o “real”, mas talvez o que “se quer
parecer ser”. O sentido para o fotógrafo pode não ser o mesmo para àquele a olhar a
fotografia, mas sua criação e seu contexto estarão inundados do modo de produção
capitalístico
2
. O fotógrafo está vivendo sob a lógica do capital a qual produz o desejo
direcionando-o ao consumo. A estética da fotografia torna a mesma mais atraente.
Para analisarmos o cenário da imagem, como colocamos anteriormente com
Tacca (2005a, 2005b), consideramos o campo em que o fotógrafo está inserido. O campo
que afeta e é afetado pelo fotógrafo-migrante.
Partindo assim do entendimento da imagem como processo de criação e
significação e sua relação na lógica capitalista, continuamos o processo de nossa
carto(foto)grafia. Na base da construção de um entendimento desta natureza está o
funcionamento da atenção do cartógrafo.
2.2 A atenção cartográfica
O cartógrafo conecta-se com o mundo e assim o experimenta (Rocha, 1993 apud
Fonseca & Kirst, 2004). A atenção cartográfica é flutuante, concentrada e aberta, sem
2
Guattari criou o termo capitalísticos, ao invés de capitalista, para incluir os países do leste os quais são
regidos por sistemas socialistas, mas que na verdade vivem uma “relação de dependência e
contradependência do capitalismo”, e neste sentido não diferem dos modos de produção de subjetividade
dos países capitalistas (Guattari & Rolnik, 1996, p.15).
26
focalização específica. Kastrup (2007) sugere que atenção cartográfica tem quatro
variedades: o rastreio, o toque, o pouso e o reconhecimento atento.
O rastreio limpa inicialmente o campo. A atenção rastreante visa algo em variação
contínua. O objetivo surgirá quase imprevisivelmente, através da localização de pistas ou
signos de processualidade. Ela acompanha as mutações, o movimento, ritmo e
velocidade. Aberta e sem foco, a atenção se concentra por uma tênue sintonia “pelo e no
problema”. A meta é alcançar “uma atenção movente, imediata, rente ao objeto-processo”
(Kastrup, 2007, p.18). A atenção cartográfica explora o território sem trajetória definida
até que algo a toque.
O toque desperta o processo de seleção. Ele é uma rápida sensação, um contato
momentâneo, leve e por vezes elementar, com potência de afetação. “Algo acontece e
exige atenção” (Kastrup, 2007, p.19). Algo se destaca dos demais elementos observados,
contudo, não é apenas um estímulo pedindo por foco. Ele sinaliza que há um processo em
curso convocando uma atenção concentrada. A forma não é o que o destaca, mas sim sua
heterogeneidade, sua “rugosidade” (Kastrup, 2007, p.19). O elemento capaz de afetar
vem do ambiente e por isso sua natureza é exógena, assim não se caracteriza por uma
inclinação relacionada à subjetividade do cartógrafo. Aqui a atenção não atinge o nível
das representações ou percepções dos objetos, mas sim das sensações. O toque revela a
multiplicidade de possibilidades em uma pesquisa, não apontando para um fim
determinado. A cartografia assim se assegura de sua prática sem abrir mão da
“imprevisibilidade do processo de produção do conhecimento” (Kastrup, 2007, p.19).
27
O pouso é a hora da parada. Parada no movimento e não do movimento. Neste
gesto a percepção aproxima-se do objeto-processo. Esta aproximação não deve ser
confundida com focalização. A atenção fecha-se, muda seu posicionamento,
reconfigurando o campo de observação onde um novo território se forma. Muda-se de
janela atencional (Vermesch, 2002a apud Kastrup, 2007). A janela atencional mostra-nos
que há um espectro onde se apreende atenção. Esta referência espacial da janela
demonstra o centro em torno do qual o campo organiza-se momentaneamente, contudo
esta referência é móvel e dá passagem a outras janelas com diferentes formas de existir
embora existam em um mesmo tempo (Kastrup, 2007).
A quarta variedade da atenção cartográfica colocada por Kastrup (2007) é
chamada de reconhecimento atento. Ocorre uma atração por algo que convoca o pouso da
atenção, reconfigurando o campo de observação, onde o gesto do cartógrafo não é se
questionar o que é esse algo, mas sim acompanhar seu processo em produção. Neste
momento a atenção pede pela repetição da suspensão, nos levando novamente ao objeto
para destacar sua singularidade (Bergson, 1897/1990a, apud Kastrup, 2007). A percepção
conecta-se a memória de imagens do passado, reconduzindo-nos aos objetos para
verificar seus contornos. Contudo, o reconhecimento não ocorre por associação ou
percepções cumulativas de idéias, mas em forma de circuitos. O reconhecimento é ponto
de cruzamento entre a percepção e a memória. A memória para Bergson (1897/1990a,
apud Kastrup, 2007) duplica a percepção.
Enfim o importante do reconhecimento atento (...) é a revelação da
construção da percepção através do acionamento dos circuitos e da
expansão da cognição. A percepção se amplia, viaja percorrendo
28
circuitos, flutua num campo gravitacional, desliza com firmeza,
sobrevoa e muda de plano, produzindo dados que, enfim, já estavam lá.
A atenção atinge algo ‘virtualmente dado’, construindo o próprio objeto
através de circuitos que a atenção percorre (Bergson, 1897/1990 apud
Kastrup, 2007, p. 20).
Abandonar a atenção seletiva, a qual costuma dominar nosso funcionamento
cognitivo e acionar a atenção cartográfica (flutuante, concentrada e aberta) é essencial
para o trabalho do cartógrafo. Assim, evita-se que acontecimentos importantes passem
despercebidos, bem como se evita uma atenção rígida e controlada em determinado foco
(Kastrup, 2007).
O trabalho do cartógrafo, assim, começa na chegada ao campo, onde inicialmente
deixam-se as expectativas e saberes em favor de uma atenção sensível. A atenção
cartográfica possibilita a “criação de um território de observação”, onde “emerge um
mundo que já existia como virtualidade e que, enfim, ganha existência ao se atualizar”
(Kastrup, 2007, p. 22). Faz-se importante, para construção deste território de observação,
a análise dos lugares os quais o cartógrafo ocupa, afim de se entender os processos que
estão acontecendo, sem que isso seja determinado pela inclinação subjetiva do mesmo.
Os movimentos de encontro do migrante com o cenário a ser fotografado
apresentam um movimento similar ao da atenção cartográfica. O migrante-fotógrafo
também rastreia suas experiências passando pelos cenários até que algo o toque. O
fotógrafo mergulha neste campo. No encontro com o cenário, elementos-processo
emergem modificando e sendo modificados pelo próprio migrante-fotógrafo. Colocando-
o a problematizar sua vida e expressar sentimentos vivenciados diante da migração.
29
2.3 A Cartógrafa Psicóloga Brasileira Migrante na China
O encontro com o território a ser carto(foto)grafado fez com que eu me deparasse
com os estranhamentos da China, ao mesmo tempo em que esta experiência questionou e
ainda questiona meu ser cidadã brasileira. Desta forma, durante toda carto(foto)grafia
analisei os lugares que habito e as implicações destes lugares no meu encontro com o
campo que foi estudado.
A análise de implicação, segundo Paulon, (2005, p.23) tem como princípio a idéia
de que a aproximação com o campo a ser pesquisado inclui sempre a verificação da
dimensão que estes acontecimentos vivenciados ou observados têm em relação à história
do pesquisador e
(...) sobre o sistema de poder que legitima o instituído, incluindo aí o
próprio lugar de saber e estatuto de poder do ‘perito pesquisador’. O
dispositivo saber-poder identificado por Foucault (1978, 1979) oferece
a ferramenta conceitual necessária para que pesquisador/interventor
coloque a instituição pesquisa em análise.
Coimbra (1995, apud Paulon, 2005) sugere que se analise não apenas a ligação do
pesquisador com o âmbito da intervenção, mas o lugar que se ocupa nas relações sociais,
no cotidiano, em outros locais da profissão e em sua vida. O profissional implicado deve
analisar as suas relações sociais e referências institucionais, bem como seu lugar no
trabalho.
30
Analiso, assim, a minha implicação nesta carto(foto)grafia, desde a escolha do
tema, a criação do projeto e o meu acesso ao campo, iniciado em Janeiro de 2007, enfim
durante todo o processo. Vivenciei, transformei e analisei os encontros até outubro de
2007, carto(foto)grafando, no encontro com a China durante nove meses, o encontro dos
brasileiros com o país. Entre este período passei um mês no Brasil (junho), quando foi
possível trabalhar essa pesquisa no distanciamento. Nesse mês pude construir junto com a
orientadora, através de encontros, agora não mais encontros virtuais, algumas análises
dos processos que estavam acontecendo com os migrantes na China e comigo mesma,
como cartógrafa, migrante, brasileira, filha, estudante, entre outros lugares que ocupo nas
relações sociais.
O encontro com o Brasil me colocou no distanciamento do campo.
Intencionalmente não chamei de reencontro por tratar-se de eu modificada pela
experiência na China, sendo modificada (pelo) e modificando também o Brasil, pelos
novos afetos emergidos nessa experiência de voltar ao país. Este distanciamento permitiu
rever a intervenção que eu viria a realizar e suas possíveis análises. Através de esforços
incessantes da minha orientadora, por estar mais distanciada do processo, foi possível
diferenciar processos que se tratavam de intensidades da minha experiência de migração
e que não necessariamente se transpunham aos processos dos outros brasileiros.
Transformada pelas orientações, pelos encontros com o Brasil e com meus familiares,
voltei para China em julho, quando novamente me encontrei com esse território e novas
transformações emergiram. Em agosto de 2007 realizei uma intervenção junto a alguns
brasileiros migrantes residentes na cidade de Dongguan, ao sul da China.
31
2.4 Mapeando o cenário de nossa carto(foto)grafia
A República Popular da China (Zhonghua Renmin Gongheguo),ou somente China
(Zhong Guo), fica situada ao leste da Ásia e oeste do Oceano Pacífico. Com uma área de
9,600,000 quilômetros quadrados, é o terceiro maior país do mundo e tem mais de 1,3
bilhões de habitantes. Vizinha de muitos países a China tem uma fronteira terrestre de
22.117 km e tem fronteiras com a Rússia, a Mongólia, Cazaquistão, Quirquízia,
Tajiquistão, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal, Butão, Mianmá (antiga Birmânia),
Laos,Vietnã e Coréia do Norte
3
.
Cinqüenta e seis etnias fazem parte da China, sendo que cerca de 92% da
população é da etnia Han. As demais são consideradas minorias étnicas por somente 8%
da população fazer parte deste grupo. Cada etnia possui sua própria cultura e religião. O
budismo é a religião que tem mais adeptos
4
.
A língua oficial do país é o Mandarim, língua própria da etnia Han, embora se
falem dialetos muito diferentes na China. As formas dos caracteres foram progredindo
gradualmente de desenhos para traços, das figuras para símbolos, em seis mil anos de
história. Cada caracter Han é uma sílaba e geralmente eles expressam um som e um
sentido. O Grande Dicionário da Língua Han (publicado entre 1986 e 1990) traz mais de
3
Embaixada da China no Brasil. Acessado em 4 de setembro de 2007. Diponível em <
http://www.embchina.org.br>.
4
Idem 3.
32
56 mil caracteres. Contudo, na prática os caracteres em uso são cerca de quatro mil. A
escrita em chinês não possui somente a função de registrar ou transmitir a linguagem,
mas também se tornou objeto artístico de grande valor
5
.
A cidade de Dongguan, onde a intervenção foi desenvolvida, é situada na
Província de Guangdong, ao sul da China. vinte e cinco anos atrás essa cidade era
uma vila de pescadores. Hoje é considerada um grande centro industrial, com um área de
dois mil quatrocentos e sessenta e cinco quilômetros quadrados e mais de seis milhões de
habitantes
6
.
Na China cada cidade é separada em várias regiões administrativas. Essas regiões
são chamadas de distritos. No distrito de Dongcheng, em Dongguan, residem muitos
estrangeiros, talvez por essa ser uma região nobre na cidade
7
. Caminhando ao redor deste
distrito, dificilmente não se encontrará um brasileiro. Restaurantes e diversos outros
comércios como supermercados, açougues e salões de beleza são direcionados à
população de brasileiros migrantes nesta região.
5
Idem 3.
6
Dados encontrados no site oficial de Dongguan. Disponível em <
http://english.dg.gov.cn/POPULATION.htm>.
7
Idem 6.
33
2.5 Os migrantes do nosso estudo
A participação de alguns migrantes brasileiros, começou a ser solicitada em julho
de 2007. Procurei focalizar a explicação do estudo no entendimento de questões culturais
para que os brasileiros pudessem entender de uma forma simples do que se tratava a
pesquisa. À medida que eu convidava os migrantes estes não demonstravam
disponibilidade para participar e respondiam ao convite com questões como: “Quantas
pessoas vão ser o grupo?” “Mas eu terei que falar da vida das outras pessoas aqui na
China?” “Quem vai ser o grupo?” “Se eu quiser posso ficar quieto?”. “As pessoas vão
falar de mim?” “Não posso participar porque estarei viajando.”
Muitos convites foram feitos até que dez brasileiros, cinco casais, com idade entre
22 e 39 anos aceitaram participar da construção deste estudo
8
. O fato de serem casais não
era uma condição prevista, ocorreu espontaneamente. À medida que eu fazia a seleção,
convidava o casal, porque percebia que os sujeitos tinham mais aceitação quando eu
convidava ambos.
Entre os 10 participantes desta carto(foto)grafia, a pessoa que morava há mais
tempo na China, estava vivendo há 13 anos no país. O casal que morava há menos tempo
chegou à China em fevereiro de 2007. A escolaridade dos migrantes participantes
situava-se entre segundo e terceiro grau completo.
8
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Cada um dos participantes assinou o Termo de Consetimento Livre e Esclarecido (em anexo), também
aprovado pelo Comitê.
34
Todos os homens participantes do estudo migraram em busca de melhor
remuneração no trabalho. Todos estavam empregados na China no setor coureiro-
calçadista e já trabalhavam nessa área no Brasil. Entre as mulheres apenas uma
trabalhava também no setor coureiro-calçadista e já tinha emprego na China quando
migrou, as demais estavam desempregadas e procuravam emprego. Todas trabalhavam
no Brasil antes de optarem por morar na China. As mulheres, quando ainda moravam no
Brasil, trabalhavam em áreas como administração, educação de ensino médio, promoção
de vendas em fábrica de calçados e comércio de móveis.
Os homens participantes da nossa carto(foto)grafia falavam inglês. Isso é um pré-
requisito pela natureza do trabalho que envolve comércio exterior ou negócios
internacionais. Se a empresa não é chinesa, os fornecedores o são, isso faz com que pelo
menos o inglês seja necessário. Entre as mulheres da nossa pesquisa somente uma não
falava inglês.
No meu encontro com os participantes, seus afetos e experimentações, a
intervenção foi se transformando e o grupo, primeiramente planejado para ser realizado
com todos os migrantes reunidos foi se constituindo em oficinas realizadas com cada
casal separadamente, em suas próprias residências. Isso ocorreu a pedido dos próprios
migrantes.
35
2.6 Intervenção mutante
A intervenção junto aos migrantes brasileiros ocorreu em dois momentos: um
primeiro encontro onde estavam todos reunidos e foram debatidas algumas idéias e
escolhidas, no grupo, quatro temáticas para serem fotografadas relacionadas à experiência
de migração de cada um. No segundo momento, realizamos uma oficina separadamente
com cada casal na qual debatemos sobre suas experiências e sobre as imagens
produzidas. Entre o encontro e a oficina houve um espaço de uma semana para que
fossem produzidas as fotografias.
Os encontros sujeito-pesquisador-pesquisado foram registrados através de um
diário de campo. Esse instrumento serviu para registro de meus passos e percepções,
registro da convivência com a comunidade brasileira neste espaço, dos depoimentos e das
imagens produzidas pelos migrantes.
2.6.1 O primeiro encontro com todos migrantes
Realizado na sala de convenções de um hotel na cidade de Dongguan no mês de
agosto de 2007, o primeiro encontro reuniu os dez brasileiros migrantes que aceitaram
participar da pesquisa. Nesse foi realizada uma explicação mais detalhada do estudo,
possibilitando o esclarecimento de algumas dúvidas dos participantes. Debatemos sobre a
vida na China através de relatos das vivências pessoais de cada migrante que ali estava,
36
bem como estabelecemos algumas temáticas a serem fotografadas a partir dessas
vivências.
Após aproximadamente quatro horas de discussão sobre a cultura chinesa,
sentimentos compartilhados sobre as vivências face ao encontro com a China e a saudade
do Brasil, as temáticas estabelecidas pelos brasileiros para serem fotografadas foram:
- Sistema na China: este tema emergiu em relação à forma de vida regrada dos chineses.
O olhar dos brasileiros para os chineses em relação ao excesso de trabalho. A pirataria na
China, a limpeza das ruas, dos parques, o trânsito caótico e o governo chinês.
- Comunicação: a dificuldade de se fazer entender ou de entender algo que os chineses
estão dizendo e as conseqüências desta dificuldade, fizeram com que a comunicação
fosse um dos temas a serem carto(foto)grafados neste estudo. A árdua tarefa de se
comunicar através de mímicas é encontrada na vida cotidiana dos brasileiros no país do
Dragão.
- Diferenças culturais: este tema parece estar sempre presente em todas as falas. O grupo
trouxe as diferenças culturais o que os mobiliza a questionar valores e a se deparar com o
estranhamento de um modo de vida tão diferente.
- Adaptação e saudade: este foi o último tema emergente. Relacionado aos modos de
suportar a vida na China. A discussão se deu em torno de coisas das quais os brasileiros
37
têm saudades, das quais os mesmos se privam quando estão fora do país. Além disso,
neste tema foi mencionada também a adaptação dos chineses em relação à convivência
com os brasileiros na China.
Após as temáticas serem escolhidas e trocados afetos entre os participantes do
grupo em relação à vida na China, teve-se então uma semana de intervalo entre este
encontro e as oficinas (realizadas com cada casal separadamente). Neste intervalo os
migrantes produziram as fotografias.
2.6.2 Semana entre o primeiro e o segundo encontro (oficina)
Durante a semana de intervalo entre o primeiro e o segundo encontro, eles foram
produzindo as fotografias relacionadas às temáticas escolhidas. Havíamos combinado que
cada migrante fizesse duas fotos por tema, contudo, face ao encontro destes com o
cenário a ser capturado, os mesmos foram fotografando quantas imagens acharam
necessárias de acordo com os temas.
Os migrantes fo ram construindo desse modo uma série de questionamentos e
significações a partir de suas experiênc ias singulares enquanto brasileiros na China. Isso
se deu a partir de vários lugares que cada um ocupava como marido, esposa, mulher,
homem, estudante, trabalhador, filha, entre outros lugares que também são transformados
a partir desta experiência de migração. Muitas das fotografias apresentaram mais de uma
temática, isso ocorreu para todos os casais.
38
2.6.3 Oficinas
As oficinas acontecerem uma semana após o primeiro encontro. Estas são aqui
entendidas como dispositivos utilizados para agenciar mudanças na vida dos
participantes, de maneira que esses pudessem reinventar seu cotidiano (Rauter, 2003). Foi
realizada uma oficina com cada casal. Algumas oficinas tiveram aproximadamente duas
horas de duração, outras em torno de quatro horas, de acordo com o modo em que o
próprio casal ia conduzindo o encontro. Todas as oficinas foram gravadas e transcritas.
Alguns casais produziram as fotografias juntos, outros preferiram fazê-las
separadamente. Durante a oficina, levei as fotografias que aquele casal realizou
impressas, aproximadamente 15 fotos. Abri as mesmas em uma mesa e iniciamos a
discussão de maneira livre. Uns preferiram seguir a discussão pelos temas, outros
preferiram falar de forma geral, sem a seqüência temática. As imagens e as falas sobre
suas experiências foram permitindo o surgimento de sentimentos em relação ao encontro
com o território que os brasileiros passaram a habitar. Os mesmos foram significando
afetos vivenciados relacionados à vida na China, à saudade do Brasil, bem como as coisas
brasileiras das quais se envergonhavam ou das quais não sentiam mais saudades, embora
aparecesse, em alguns momentos, a culpa por ter este sentimento de recusa do Brasil.
A interação entre aquele que cria a imagem, a análise daquele que está a observá-
la e a imagem em si interpõe fluxos que passam por uma série de sensações e
39
transformações. Desta forma utilizamos a atenção cartográfica para o processo seletivo
das falas e imagens, relacionando os elementos denotativos que compunham cada cena,
as histórias e intensidades trazidas pelos migrantes, sempre entendendo esses elementos e
o campo social como um processo de criação.
40
3. Os processos e suas análises
A trajetória do entendimento deste estudo foi sendo construída conforme nossa
atenção cartográfica ia sendo tocada. Começamos a análise sobrevoando nossa atenção
pelas imagens de maneira ampla. Colocamos em uma mesa o total de 81 fotografias que
foram produzidas pelos migrantes do nosso estudo, o que permitiu a visualização de todo
o conjunto de imagens.
Algumas imagens que convocavam nosso mergulho se destacaram das demais e
foram selecionadas. Fotografias que se diferenciavam de outras pela diversidade ou
intensidade dos elementos que as compunham, das quais emergiam significados
relacionados à experiência dos brasileiros na China.
Aproximada nossa atenção sobre algumas imagens que pediam por seleção,
procuramos analisar a denotação das mesmas. Conforme descrito anteriormente, a
denotação das imagens são os elementos que compõe a cena fotografada. E assim
relacionamos esses elementos a sua conotação, a possível leitura dos mesmos. A
conotação da imagem faz-se pela relação dos elementos da cena com seu território, a sua
história, política, cultura, conjunto de valores em um determinado tempo (Barthes, 1984,
Tacca, 2005a, 2005b). Procuramos analisá-las então compreendendo que as mesmas
fazem parte de um processo de criação que transforma o fotógrafo-migrante e o próprio
cenário a ser fotografado, permitindo significações.
41
Passamos nossa atenção sob os elementos e fizemos a relação com o campo para
entendermos o processo que ali estava acontecendo. Rastreamos e entrelaçamos os
elementos das imagens, falas dos migrantes, a literatura, o diário de campo e minha
convivência com a comunidade brasileira na China e os processos que emergiram desses
encontros, para o entendimento do encontro dos migrantes com o país.
Organizamos os dados produzidos conforme os temas propostos pelos migrantes.
Percebemos que uma temática incorporava outras de maneira a surgirem dúvidas, por
vezes, a que grupo pertencia determinada imagem. Não tomamos isso com um entrave à
nossa análise, mas como um dos níveis de análise. A interface entre as imagens e os
temas, então, foi também colocada em análise. Consideramos que os temas se
transformaram numa ferramenta para disparar o processo de produção fotográfica.
Ao final desse processo de análise, duas fotografias do tema sistema, duas
fotografias do tema comunicação, três fotografias do tema diferenças e duas fotografias
do tema adaptação e saudade se fizeram selecionar para o entendimento do encontro dos
brasileiros com a China. A análise será apresentada de acordo com as temáticas para
facilitar a leitura.
3.1 Sistema
Este tema trazido pelos migrantes surgiu não somente pensando na economia ou
política da China, mas na forma sistemática de vida deste país que reflete na vida dos
42
brasileiros. Durante o primeiro grupo, no qual foram escolhidos os temas a serem
fotografados, e, posteriormente, durante as oficinas, os migrantes falavam sobre seus
estranhamentos em relação à organização da vida dos chineses, à pirataria na China, à
atitude do governo que também afeta a vida dos brasileiros através, por exemplo, de
bloqueios de alguns programas de televisão e sites da internet, ou ainda na emissão de
vistos e controle de movimentação de dinheiro dos estrangeiros, entre outras idéias.
Traremos alguns aspectos que tocaram nossa atenção cartográfica, os quais
aparecerem intensivamente nas falas, nas imagens e nas experiências dos migrantes,
como por exemplo, o sistema de falsificação de produtos e a relação dos migrantes com o
governo chinês.
3.1.1 Ações do governo e seus reflexos nos migrantes
A China tem como forma de governo o Comunismo, mas como propôs Guattarri
(apud Guattari & Rolnik, 1996, p.15) sobre os países do leste, é uma economia que
funciona sob a lógica de “dependência e contradependência” do capital. Assim os
brasileiros na China, continuando sendo subjetivados pela lógica do capital, contudo, as
ações do governo refletem na vida dos mesmos.
A fotografia abaixo foi capturada por um brasileiro migrante que participou do
nosso estudo. Ela foi relacionada ao sistema, sobretudo às ações do governo chinês.
43
Figura 1: produzida por um migrante brasileiro residente há um ano em Dongguan
Iniciamos descrevendo os elementos da cena. Céu cinza ou nublado. Prédio
grande. Alguns postes de luzes. Árvores. No centro do prédio vê-se o símbolo do governo
chinês.
Na China, grande parte dos prédios do governo tem essa arquitetura imponente,
como o migrante do estudo capturou. O controle do governo em relação aos migrantes
começa inicialmente pelos vistos. Para o migrante brasileiro entrar na China, o mesmo
precisa ter o visto chinês no passaporte. O visto pode ser de turista. Mais tarde, se for do
interesse do migrante, faz-se o visto de residente, ou vai renovando-se o de turismo. Para
emitir o visto de residente é necessário fazer exames cardíacos, de visão, de hepatite,
44
HIV, e outras doenças. Caso exista algum problema em relação a alguma doença,
sobretudo a hepatite, o visto pode não ser emitido. Este controle tornou-se mais rigoroso,
segundo o brasileiro que produziu a imagem, em decorrência da gripe aviária.
A principal restrição do governo, conforme trazido pelos migrantes, que afeta a
vida dos brasileiros em Dongguan, é os sites da internet que o governo chinês censura.
Como diz um brasileiro migrante
“(...)eu estava olhando um site quando a página simplesmente trancou e
apareceu uma mensagem escrita em chinês, indicando que eu não podia
acessar aquilo. Isto é assustador porque daí tu percebes que tu estás
sendo observado”.
Recentemente, o governo chinês proibiu também a circulação de motos pela
cidade, em decorrência do trânsito intenso e furtos efetuados com essas motos. Isso
afetou, sobretudo, as mulheres brasileiras migrantes, pois muitas utilizavam as motos
como veículo de locomoção. “A pena para quem for pego dirigindo moto é quinze dias de
prisão. Por isso que as leis pegam aqui na China”- diz uma brasileira.
A conexão entre os países sob a lógica capitalística captura o desejo das pessoas
de modo clandestino, fazendo com que os sujeitos, inclusive àqueles com boas condições
financeiras sejam movidos por uma falsa sensação de liberdade (Baumann, 1999). Na
China os migrantes percebem uma forma de poder mais explícita, com censura e controle
de sites, vistos, movimentação financeira, motos, os quais atingem também a vida dos
brasileiros no país. Como fala um migrante de nossa pesquisa “parece que o governo
oscila entre comunismo e capitalismo de acordo com o que lhe convém”.
45
3.1.2 Pirataria e o consumo
A China é conhecida mundialmente pela falsificação dos mais diversos produtos
de grandes marcas internacionais (Carvalho, s/d). Além de tênis, bolsas, roupas e
eletrônicos falsificados, existem carros de marcas chinesas com modelos muito similares
a carros de importantes marcas da indústria automobilística internacional.
Na casa, no carro, na roupa, nos pés. A pirataria está por todos os lados na vida
dos brasileiros residentes em Dongguan. Ela dá aos brasileiros acesso a artigos da Puma,
Nike, Adidas, Calvin Klein, Dolce & Gabbana, Lacoste, entre outras marcas destinadas
originalmente a um público elitizado. Além desses produtos de marca, encontram-se cd’s
e dvd’s fasilficados de filmes, de bandas e cantores famosos.
A fotografia e posteriormente a fala abaixo, trazidas pelos participantes do nosso
estudo, convocaram nossa atenção. O leitor deste texto provavelmente vai sentir um
estranhamento ao direcionar seu olhar para a imagem a seguir.
46
Figura: fotografia produzida por um migrante residente há 10 meses em Dongguan.
Ronaldinho, ícone da seleção brasileira de futebol, usando a camiseta da seleção
argentina (arque rival do Brasil), num tag de uma meia da Adidas, quando, como
sabemos, Ronaldinho é patrocinado pela Nike. Na China existem muitas falsificações
idênticas ao produto original, por ironia, contudo, os brasileiros que são reconhecidos,
inclusive na China por pertencerem ao país do futebol, se depararam com esta
informação.
A escolha dessas três marcas ou ícones Adidas, Ronaldinho e seleção argentina,
foram compostas pelo seu poder de venda. Não interessa aos chineses se Ronaldinho
pertence à seleção brasileira de futebol, interessa o consumo. E se existe tanta falsificação
é porque existe demanda para isso. Os brasileiros na China compõem parte do público
alvo deste mercado.
47
Os participantes do nosso estudo migraram para a China em decorrência de
melhores oportunidades de emprego e conseqüente aumento de salário. Considerando o
fato de os produtos falsificados possuírem preços bem reduzidos se comparados aos
preços no Brasil, podemos entender que o poder de consumo do brasileiro eleva bastante
na China. Isso faz com que não só os brasileiros comprem para o consumo próprio, como
comprem para revender os produtos no Brasil, como sugere esta migrante do nosso
estudo:
...a companhia que meu marido trabalha paga duas passagens por ano
para ele ir ao Brasil. Eu tenho que me virar, pago a minha passagem
vendendo estes produtos por lá (no Brasil). Assim, posso ver minha
família duas vezes por ano. Além do mais, quando eu compro as coisas
para vender, compro como se fossem pra mim, gosto mais de comprar
do que vender, e melhor de tudo, como não é pra mim usar, não tenho a
culpa de estar consumindo demais.
A lógica do consumo pode ser vista no mundo todo. Os brasileiros na China, os
chineses na China, os brasileiros no Brasil, assim como todo o globo, estão vivendo os
modos de subjetivação capitalísticos (Rolnik & Guattari, 1996). A sociedade atual molda
seus sujeitos pelo dever de desempenhar o papel de consumir em prol do
desenvolvimento econômico, o que Baumann (1999, p. 86) chamou de “caça global de
lucros e mais lucros”.
Inicialmente, articulamos que a migração é impulsionada por um devir- China ou
por um devir-migrante. Algo da miscigenação brasileira que somada à subjetivação
capitalística convoca no sujeito o devir-migrante. O devir-migrante, contudo é
imprevisível e indiscernível, não está como forma, ele subsiste (Deleuze, 1997).
48
O migrante que devém não é igual ao sujeito, ou àquilo que o meio produziu, mas
outro que não só deixa-se levar por um devir-migrante, não previsto, mas o explora e se
deixa contagiar pelo movimento de criação que habita este devir, convocando outros
devires. Podemos verificar, contudo, que o devir-migrante convoca também o consumo.
Não apenas porque o devir-migrante impulsiona o sujeito a ir à busca de uma maior
capacidade de aquisição de bens, mas pelo consumo de experiências novas. Bauman
(1999) quando articula sobre a sociedade atual, sugere que esta é a sociedade do
consumo, não somente pelo acúmulo de bens, mas também de novas sensações. O sujeito
dessa sociedade é colecionador de sensações.
3.2 Comunicação
A comunicação foi a temática mais fotografada pelos brasileiros participantes. A
dificuldade com os sons do Mandarim, os quais os brasileiros não estão acostumados a
falar e as cinco entonações que a língua possui, tornam o aprendizado da língua oficial da
China muito difícil. Ainda é necessário lembrar que para aprender Mandarim, o sujeito
deve ter um bom domínio da língua inglesa, em decorrência dos professores chineses não
falarem português, assim a troca de informações professor-aluno se dá através do inglês.
A comunicação apareceu nas falas dos participantes do nosso estudo como “a
grande barreira para a inserção dos brasileiros na vida chinesa”. O uso de algumas
expressões como “eu quero” (wo yao), “obrigada” (xie xie) ou “não entendo” (tin bu
49
dong), disseram os brasileiros, auxiliam as mímicas quando os mesmos procuram
comunicar-se com os chineses.
A imagem abaixo produzida por um participante do nosso estudo, traz em seus
elementos diferentes ideogramas, podendo demonstrar as dificuldades encontradas pelos
brasileiros. Dificuldades estas que convocam uma lógica de sobrevivência neste campo.
Figura 3: imagem produzida por um migrante residente há um ano em Dongguan
Nos elementos desta fotografia é possível identificar três idéias. A primeira delas
é que se trata de uma placa de trânsito. A segunda refere-se às setas que, provavelmente,
estão indicando diferentes caminhos a serem seguidos. E ainda na placa triangular
amarela verifica-se o sinal de bifurcação. Depois de aproximada nossa atenção para estes
50
elementos e a dificuldade de compreendê-los, voltamos a afastá-la para entendermos o
que isso significa na vida dos brasileiros na China.
O migrante que capturou a fotografia acima coloca que o brasileiro quando passa
a morar na China, experimenta o lugar de analfabeto:
...eu vou no banco para pagar meu aluguel e tenho que preencher um
recibo de depósito. Não entendo o que está escrito e muito menos sei
escrever o nome do proprietário do meu apartamento. Chego em casa e
na minha porta tem um recado escrito em ideogramas que eu deduzo
ser do condomínio. Penso: amanhã deve faltar água. Meu controle
remoto do ar condicionado só tem caracteres, a máquina de lavar roupa
é em caracteres no botão, isso está o tempo todo no meu dia a dia, eu
me sinto um analfabeto” (brasileiro, migrante há 10 meses).
As placas muitas vezes estão escritas somente em caracteres (ideogramas), exceto
nas ruas principais da cidade, onde se encontram algumas placas escritas também em
pinyin. O pinyn
9
é a romanização do mandarim, aonde os ideogramas são transformados
em letras do alfabeto latino que correspondem a sons similares para permitir a pronúncia.
Por exemplo, se um brasileiro encontra esses caracteres “??, o mesmo não sabe como
pode pronunciá-los. Se isto está escrito em pinyin, o mesmo pode ver “ni hao” e assim
consegue dizer o que está escrito, mesmo que na maioria das vezes não entenda o
significado.
9
O pinyin é o sistema oficial de romanização, por fonética silabática, para a língua chinesa na República
Popular da China. Este sistema é reconhecido pela UNESCO (órgão da O.N.U.) e o Brasil como signatário
da O.N.U., deve considerar o mesmo sistema. O pinyin utiliza letras latinas para representar sons no
mandarim padrão, possibilitando pessoas que não conhecem os ideogramas terem acesso a fonética do
mandarim. Contudo, a representação no pinyin difere, por vezes, do estilo de simbolização escrita de sons
em outras línguas que usam o alfabeto latino. Os sons indicados no pinyin pela letra b e g correspondem
aos sons representados, respectivamente, pela letra p e k no emprego ocidental do alfabeto latino. Outras
letras, como j, q, x, zh, “ang”, indicam sons e terminações que não correspondem exatamente a nenhuma
pronúncia na língua inglesa. Acesso em 12/09/2007- disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pinyin> .
51
Uma brasileira migrante coloca que se os nomes dos estabelecimentos fossem
escritos em pinyin facilitaria muito a vida dos estrangeiros na China, mas geralmente não
o são. Isto significa que os brasileiros residentes em Dongguan não sabem o nome dos
lugares, dos shoppings, dos parques, dos templos, das feiras, dos supermercados, porque
não conseguem ler os caracteres. Quando um sujeito quiser ir para um lugar pela primeira
vez, terá que ir com quem já sabe o caminho. Outra alternativa, como colocou um
brasileiro migrante, seria mostrar um cartão do local ao motorista do táxi. Esta
característica da falta de referências pela não compreensão dos ideogramas é também
trazida nesta fotografia feita por uma participante do nosso estudo.
52
Figura 4 : imagem produzida por uma migrante residente há dois e alguns meses em Dongguan.
Sobrevoando a atenção sob os elementos denotativos desta cena, vemos o céu
cinza, outdoors, marcas, um telão, carros, ideogramas, plantas, cones na calçada.
Algumas pessoas. Uma pessoa segurando uma vassoura e um saco do lado direito da
imagem.
O céu em Dongguan é cinza em função da poluição conseqüente do grande
número de fábricas instaladas na região. Esta característica apareceu muito nas falas e
imagens como um aspecto dificultador da adaptação, posteriormente, retomaremos essa
característica na última temática que direciona nossa análise para a saudade e
adaptação”. A arborização, grandes praças, bem como a limpeza da cidade, discutidas nas
oficinas pelos migrantes como “sistema” também podem ser vistas nessa imagem através
do jardim. Nossa atenção, contudo, é direcionada nesta cena para os ideogramas. É
possível verificar em diversos outdoors caracteres que parecem fazer anúncios,
propagandas de alguns produtos. Reconhecemos, também, como lembrado pela própria
migrante que produziu a fotografia, o símbolo do Mc Donalds e nomes de produtos ou
marcas como Ipod com o símbolo da Apple, Samsung ao lado da imagem de um note
book e a marca Canon. A partir destas idéias deduz-se tratar-se de um shopping. A
dedução é o modo que os brasileiros utilizam para se localizarem, se comunicarem e
interagirem com os chineses como coloca a migrante nesta fala:
“se tu queres comprar leite desnatado, tu chegas lá e enxergas na
prateleira do supermercado um monte de caixinhas com uma vaquinha
na frente que tu deduzes pela imagem e pela caixinha que é leite, mas
tu não consegues ler uma palavra do que está escrito. Então tu compras
um por um para ir testando, até conseguir achar o leite desnatado. (...)
53
na próxima vez, tu o identifica pela cor da embalagem ou por um dos
caracteres que tu gravaste” (brasileira residente na China há 6 meses).
Os nomes de grandes marcas também são traduzidos para o chinês como Mai
Dang Lao (??? ) que é o Mc Donalds e Jia Le Fu (? ? ? ) que é o supermercado
Carrefour. Os chineses traduzem inclusive nomes de pessoas famosas no mundo, como
bandas, cantores ou atores de filmes.
Os brasileiros, em decorrência da dificuldade de comunicação, imersos em um
universo de referências que não compreendem, criaram seus próprios nomes para
identificar os locais, nomes estes que são reconhecidos por toda a comunidade de
migrantes do Brasil em Dongguan. O mercado de verduras, frutas, carnes e comidas
exóticas é chamado de “Fede-fede”. Esse nome é derivado do cheiro forte existente no
local. Outros locais são referidos pelos brasileiros como “beco”. Tem o Beco da Carne, o
Beco das Roupas, o Beco dos Tênis, entre outros. O nome “beco” está relacionado à idéia
de serem lugares difíceis de serem encontrados e, por vezes, lugares estreitos ou sujos.
Todos eles reúnem um tipo de produto principal. No Beco do Forno, por exemplo, tem
várias lojas que vendem forno e assim por diante.
Nomes de becos, dedução, mímicas, memorização das embalagens dos produtos,
ligar para um chinês que fale inglês para que este auxilie a comunicação do brasileiro
com outro chinês são lógicas de sobrevivência através das quais os brasileiros vão
criando um território existencial que faça possível o habitar, que faça os mesmos
sentirem-se ‘em casa’, encontrando sentido às coisas vividas no dia-a-dia. O ‘em casa’ é,
54
conforme Rolnik (1998, p.1), o sentimento de si, da consistência subjetiva palpável, da
familiaridade das relações com o mundo e sentidos compartilhados. Contudo, ao mesmo
tempo em que este território dá possibilidades aos brasileiros de conviver neste âmbito,
faz também com que estes se fechem dentro da comunidade de brasileiros na China,
dificultando a inserção dos mesmos na cultura chinesa.
Embora o Mandarim seja um grande dificultador da inserção dos brasileiros na
cultura chinesa, em migrações para outros países, nos quais a comunicação do migrante
com os cidadãos do local não é tão difícil, também ocorrem essas guetizações de
nacionalidades. Entendemos que nesses encontros dos migrantes os mesmos sentem a
necessidade de um sentimento de familiaridade com o mundo. Diante de tantos
estranhamentos, os mesmos juntam-se em pequenas comunidades de migrantes de seu
país de origem como uma forma de dividir e suportar as intensidades desses encontros.
É importante percebermos que não são apenas brasileiros reunidos, mas
brasileiros reunidos transformados pelos encontros com a cidade. Calligaris (in Pechamn,
1994) coloca que a cidade é o lugar dos acontecimentos, onde se instaura a diferenças,
não apenas as diferenças culturais, étnicas ou sexuais, mas o lugar onde a diferença social
cria seu desejo propriamente humano, no sentido hegeliano. Na cidade começa a
transformação do homem por si mesmo. O desejo se inventa e se revela no humano. Não
são os brasileiros no Brasil, nem os chineses na China, são os brasileiros no encontro com
a cidade que criam uma comunidade-cidade onde expressam seus sentimentos.
55
Esses brasileiros identificam-se não apenas pela vida na China, mas pelas
saudades, decepções e questionamentos em relação a ser brasileiro, em relação ao Brasil,
questionamentos que o encontro com a China produz. Por esse motivo os guetos são
criados por nacionalidades, fazendo que migrantes brasileiros convivam mais entre
brasileiros do que com migrantes de outros países.
3.3 Diferenças
As diferenças estão em todos as temáticas desta carto(foto)grafia. O termo
“diferenças” pressupõe comparações e está sempre relacionado ao estranhamento. A vida
na China comparada à vida no Brasil. As diferenças produzem questionamentos sobre
hábitos, valores, referências, enfim sobre o instituído na vida dos migrantes brasileiros.
3.3.1 Cenas do cotidiano
O estranhamento dos participantes do nosso estudo em relação à vida na China
aparece em diferentes hábitos culturais. A fotografia abaixo, registrada por um migrante
brasileiro, convocou nossa atenção.
56
Figura 5: imagem produzida por um migrante residente há treze anos na China.
Olhando para esta imagem podemos perceber alguns arranjos de flores e uma fita
grossa vermelha que passa sobre as mesmas. Vêem-se novamente os ideogramas.
Cadeiras amarelas estão atrás das flores. Mais ao fundo uma televisão. O painel em frente
aos arranjos também traz ideogramas.
Subjetivados pela cultura brasileira, na qual essa disposição de flores é utilizada
em velórios, toda vez que os brasileiros se deparam com a inauguração de uma loja na
China parecem encontrar-se com a “morte”, como lembra o migrante que produziu a
fotografia. Os chineses utilizam bastante estes arranjos para a abertura de
57
estabelecimentos comerciais. Novamente podemos perceber que os ideogramas não
indicam aos brasileiros nenhuma referência, ou os referenciam erroneamente.
3.3.2 Idosos e as tradições
Hábitos dos chineses como o cuidado com as crianças e o lugar do idoso na
cultura chinesa também foram lembrados pelos brasileiros. A imagem abaixo foi
registrada por um participante do nosso estudo.
Figura 6: imagem produzida por um migrante residente há um ano em Dongguan
Podemos ver nos elementos desta cena, uma mulher, idosa, sorrindo, com um
bebê no colo.
58
As crianças chinesas são cuidadas durante o dia pelas avós e avôs e por vezes
moram com os mesmos. As pessoas de idade se reúnem durante a tarde com seus amigos
em praças e nos parques dos condomínios, onde levam seus netos. Como disse um
brasileiro “onde tem um bolinho de idoso, tem um bolinho de crianças pelo chão”. É
muito mais comum ver um bebê com a avó do que com a própria mãe. Essa realidade foi
trazida pelo grupo, lembrando o lugar que ocupa o idoso na cultura brasileira. No Brasil,
colocaram os brasileiros participantes do nosso estudo, o idoso tem um lugar de
desatualização, de ignorância, a experiência de vida não é importante. Na China tem-se o
idoso enquanto sábio. Esse tem, também, o papel de educar os netos e geralmente ele
mora com um dos filhos.
A China valoriza o idoso, e traz em sua cultura tradições conservadoras. Esse país
se relacionou à lógica do capital mais tardiamente do que os países do ocidente. Os
jovens na China, por exemplo, não podem namorar durante a escola, somente depois que
ingressarem na universidade. Nas boates e bares, não se encontram adolescentes, mas
adultos jovens e em grande maioria homens. As crenças chinesas são muito relacionadas
a superstições e a histórias milenares.
À sociedade do consumo, produzida pela subjetivação capitalística, não interessa
a sabedoria de um idoso, a sabedoria da experiência, do aprendizado. Ao contrário,
interessa o esquecimento e o consumo do maior número possível de objetos em menos
tempo. É interessante, ao sujeito desta sociedade, como colocamos anteriormente,
experimentar algo novo, sempre novo, algo que o sujeito nem se quer se dava conta que
59
existia. “O bom consumidor, na sociedade do consumo, é o bom amante da diversão”
(Baumann, 1999, p.90). Não lhe interessa tanto o aprendizado ou até mesmo o acúmulo
de bens materiais, mas acúmulo de sensações ainda não experimentadas.
3.3.3 Falta de higiene
Outros hábitos chineses que, para àquele subjetivados pela cultura brasileira,
parecem falta de higiene foram citados pelos migrantes. Arroto, por exemplo, é um hábito
para os chineses “naturalizado”. Como trouxe um participante de nosso estudo, uma
atendente chinesa de uma loja arrota, sem nem mesmo colocar a mão na frente da boca,
enquanto está atendendo alguém. Ou ainda alguém solta um escarro no chão do corredor
de um shopping center. Por mais estranhamento que isto possa trazer, acontece muito
freqüentemente. O cheiro de alho, tempero muito utilizado na culinária chinesa, é
característico dos chineses. Até mesmo “puns” são hábitos que os chineses têm sem
constrangimento algum.
Os brasileiros, durante as oficinas, também lembraram de hábitos como o fato dos
chineses não entrarem em suas residências com sapatos. Eles os tiram e deixam na porta
de casa, ou num armário que costuma ficar na entrada. A idéia é não levar a sujeira da rua
para dentro. Quando os chineses percebem que os brasileiros não fazem o mesmo, esses
dizem que isto é relaxamento e ficam ofendidos quando alguém entra na casa deles com
sapatos nos pés. Percebe-se em Dongguan que alguns brasileiros estão adotando este
hábito.
60
O chimarrão, bebida típica dos gaúchos, por outro lado, foi trazido pelos
migrantes brasileiros como um hábito anti-higiênico. Este aspecto foi relacionado à visão
dos chineses para hábitos brasileiros. Os chineses tomam muito chás e são muito curiosos
sobre o chimarrão. Sempre perguntam aos gaúchos em Dongguan o que é isso, como é
feito, sendo a comunicação baseada em gestos e mímicas. A resposta dada pelos
brasileiros é “Baxi tchá” (chá brasileiro em Mandarim). Contudo, quando os gaúchos
migrantes oferecem o chá brasileiro para os mesmos esses são unânimes em dizer que
não querem provar porque a mesma bomba é compartilhada por todos os que tomam o
chimarrão. Hábitos culturais são vistos de diferentes perspectivas e produzem
questionamentos sob os valores na vida dos brasileiros. Como disse uma brasileira
migrante:
“brasileiro que mora na China sabe bem o significado de choque-
cultural. O jeito deles (chineses) se vestirem, comerem, o jeito que eles
cuidam as crianças. Tudo é diferente. Às vezes a China tem coisas
melhores como a segurança, por exemplo. Às vezes o Brasil tem coisas
melhores como o céu azul e principalmente nossas famílias que estão
lá. Tem aquele ditado que diz que “família só é bonita no porta-
retrato”. Eu acrescentaria “no porta-retrato e quando se está morando
longe” (risos). A gente até esquece porque brigamos tanto. Mas não
adianta, a maioria das vezes achamos que o Brasil tem coisas bem
melhores. É que tudo é tão distante da nossa realidade que fica difícil
nos sentirmos em casa”.
A comparação da China com o Brasil está em todas as falas e imagens, está
constantemente presente na vida dos brasileiros migrantes no país. A própria decepção
em relação às notícias do Brasil que chegam à China foram muito faladas. A
ambivalência em relação à saudade da família, aos hábitos brasileiros e a falta de espaço
no mercado de trabalho no Brasil ou problemas da política classificada pelos migrantes
61
como corrupta, foram muito debatidos, sobretudo no primeiro encontro com todos os
migrantes reunidos.
A saudade e frustração do Brasil serão abordadas mais adiante. Contundo, ainda
trazemos como diferenças, alguns hábitos e cuidados com as crianças na China, discutido
entre os migrantes principalmente no encontro que reuniu todos.
3.3.4 Civilização “tipo bicho”
Outra característica ainda relacionada ao cuidado com a criança foi trazida por
todos migrantes sem exceção, provavelmente porque este hábito é gritante à cultura
brasileira. Os bebês dificilmente usam fraldas na China. Os cuidadores costumam colocar
nas crianças calças com uma abertura no meio das pernas e não usam calcinhas ou cuecas
por baixo. Assim, quando os bebês começam a fazer xixi ou cocô, os mesmos são levados
as pressas na rua ou na lixeira do supermercado para fazer suas necessidades. Isso quando
não as fazem nas costas dos avós que costumam carregar seus netos envolvidos em
panos.
Diferenças, hábitos culturais que não só geram desconforto por questionar os
hábitos dos brasileiros, mas que dá aos brasileiros a sensação de uma civilização atrasada,
sem polimento, “tipo bicho”- como disse um migrante. Além da falta de higiene, das
crianças não usarem fraldas, ainda existem vários outros hábitos citados pelos
participantes. Como por exemplo, toda vez que se vai a um banheiro público, o sujeito se
62
depara com privadas no chão. Em português, embora pouco conhecidas, estas são
chamadas de privadas turcas. São como buracos no chão, para utilizá-las o sujeito
agacham-se em cima das mesmas. Por vezes, encontram-se em alguns banheiros privadas
idênticas as utilizadas no Brasil, contudo freqüentemente vê-se marcas de sapatos em
cima destas, porque os chineses as utilizam como as privadas turcas, eles sobem em cima
e se agacham.
Podemos identificar diante destas características em relação às diferenças e
dificuldades atravessadas pelos brasileiros que o sentimento é de não pertencer a essa
civilização. Assim, mais uma vez os brasileiros acabam fechando-se em seus grupos, nos
quais dividem os mesmos valores, compartilham as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia
e criam seu próprio território. Um território que não é nem do chinês na China e nem do
brasileiro no Brasil. É um território entre. Território subjetivado pela cultura chinesa, pela
cultura brasileira e pela vida estrangeira, que continua funcionando sob a lógica
capitalística. Traremos ainda algumas outras características deste modo de vida, para ao
final, analisar este “habitar entre” do brasileiro na China.
3.3.5 Em terra de olho puxado quem tem olho redondo é rei
A fotografia abaixo, registrada por uma migrante brasileira, traz a questão da
diferença sob a perspectiva de ser oriental ou ser ocidental.
63
Figura 7: imagem produzida por uma migrante brasileira residente há quatro anos em Dongguan
Mulher, cabelo preto, rugas, meia idade. Ela sorri com o olho. Olho “puxado”,
oriental, chinesa. Esta imagem toca nossa atenção por uma sintonia muito fina,
sensibilidade. A diferença marcada através do olho, fala da separação do oriental e
ocidental. Diferenças culturais, distanciamento dos mundos.
A China vem desenvolvendo sua economia muito rapidamente. Este fator fez com
que o país começasse a se conectar internacionalmente, sobretudo através exportação e
importação de produtos (Sukup, 2002). Assim o desenvolvimento econômico foi
disparando o processo de miscigenação na China. Contudo, 92% da população chinesa é
de uma única etnia, como dito anteriormente. Dificilmente se encontram chineses que não
tem olho “puxado”, cor amarela e cabelos pretos. Isto significa que ao olhar para alguém
de “olhos grandes”, como dizem os chineses sobre os olhos dos ocidentais, percebe-se no
mesmo momento:not made in China”.
64
Os estrangeiros ocidentais são tratados de forma diferenciada pelos chineses. Nas
ruas as crianças dizem “hello ” e sorriem para os migrantes e as pessoas, mesmo adultos,
por vezes, pedem para serem fotografados junto aos estrangeiros. No comércio, os
chineses supervalorizam o preço dos produtos. Por vezes, dão um preço para os chineses
e outro (mais caro) para os estrangeiros. Essa migrante brasileira traz seu sentimento em
relação ao tratamento dos chineses:
Os chineses nos tratam sempre com um sorriso. Muitas vezes, eles nos
tratam até como celebridade. Outras parecem que somos uns bichinhos
que eles nunca viram. Parece que eles querem beliscar para ver como a
gente é. Quando saio na rua me sinto observada. Até no supermercado
eles mexem dentro do carrinho da gente, para ver o que a gente está
comprando. Chego a me irritar. Daí, eles ficam fazendo comentários
em chinês e dão risadas, a gente fica olhando e “boiando”.
A maneira que os chineses tratam os estrangeiros, não só fala de uma admiração
que o chinês tem pelo ocidental como também fala de um povo que está começando a
miscigenação, como dito anteriormente. Os costumes dos chineses ainda são bem
tradicionais, relacionados ao respeito aos mais velhos, à sabedoria, à sorte, à superstição.
O estrangeiro é o diferente. Os chineses têm a idéia de que os estrangeiros são pessoas
com muito dinheiro. Eles gostam dos olhos grandes e da pele clara. Quanto mais branca a
pele, mais bonita. Na China existe cirurgia plástica para arredondamentos dos olhos.
Como disseram os brasileiros migrantes “em terra de olho puxado, quem tem olho
redondo é rei”.
O Brasil, por outro lado, é um país muito miscigenado. Não conseguimos
diferenciar o brasileiro por seu rosto ou sua cor. A subjetividade do brasileiro é maleável
65
e parece ser um ponto que confronta com a subjetividade chinesa, pouco miscigenada,
mais tradicionalista.
Rolnik (1998) coloca que o brasileiro tem pelo menos três tradições culturais. A
primeira delas está relacionada à aderência de ídolos, símbolos, signos e hábitos trazidos
do exterior, que são consumidos sem crítica alguma e não são adaptados a realidade
brasileira. A segunda tradição é relacionada à cultura local, tratando-se dos hábitos e
costumes que dizem respeito às regionalidades. Estes hábitos criam sentidos às coisas da
vida local, mas não atualizam os atravessamentos estrangeiros que a localidade também
passa a vivenciar. A terceira tradição então vem justamente misturando as duas primeiras,
tentando dar conta da heterogeneidade que se vive atualmente em terras brasileiras. Essa
tradição mistura o erudito e o popular, as vivências locais e globais e atualiza essas
experiências. ‘Em casa’, nessa perspectiva, emerge atualizando toda essa diversidade que
subjetiva o brasileiro. O termo ‘em casa’, como descrevemos anteriormente, se refere ao
sentimento de familiaridade com as relações com o mundo, o sentimento de si, a
consistência subjetiva palpável (Rolnik, 1998, p.1).
Da terceira tradição cultural brasileira surge a noção de subjetividade
antropofágica. Inspirada pela noção de “deglutição” é que a metáfora da Antropofagia
10
10
A metáfora da Antropofagia foi utilizada pensando no Movimento Antropofágico de Oscar de Andrade,
que por sua vez inspirou-se na prática dos índios tupis em devorar seus inimigos. Esses deglutiam a carne
de seus inimigos guerreiros porque acreditavam que dessa maneira adquiririam a força e poder do inimigo.
O movimento antropofágico foi um movimento da literatura brasileira que tinha a intenção de libertar a
poesia e prosa brasileira que deglutia a erudição européia sem adaptá-las a características das terras
brasileiras (Rolnik, 1998; Rolnik in Deleuze, 2000).
66
foi utilizada (Rolnik, 1998: Rolnik in Deleuze, 2000). A subjetividade antropofágica
brasileira deglute outras culturas, as estruturas, o humano, não aderindo a um único
sistema de referência, ela abre-se e mistura-se a todos os repertórios. Assim a ‘casa
subjetiva’ é construída, dando consistência palpável à subjetividade (Rolnik, 1998, p.9).
O brasileiro adere mais facilmente à cultura chinesa. Embora a língua freie esse
processo de inserção e miscigenação, aos poucos, os brasileiros vão misturando seus
hábitos com os dos chineses e desse modo vão deglutindo a vida na China.
3.3.6 Identidade carnavalesca na China
Ao encontrar-se com as diferenças nesta experiência de migração, os brasileiros
acabam também entrando em contato com o próprio jeito de ser e com a visão das
pessoas de outros países sobre o brasileiro. Embora o Brasil não seja reconhecido pelos
chineses como o “país do Carnaval”, os brasileiros carregam consigo o modelo identitário
carnavalesco. O carnaval não só no sentido do samba, mas no sentido maleável da
subjetividade brasileira. O povo brasileiro, independente do tipo de música que goste,
samba, sertanejo, rock, ou MPB, adere a um modelo identitário supostamente “feliz,
alegre, festeiro”. Os brasileiros na China também. Os churrascos em residências de
brasileiros em Dongguan, com música alta, cerveja e por vezes dança, freqüentemente
são interrompidos pelos guardas do prédio a pedido dos vizinhos chineses em decorrência
do barulho. Toda vez que tem churrasco há um guardinha a pedir para a festa acabar. Os
chineses jantam e dormem cedo e consideram que o brasileiro não respeita o chinês.
6
7
Rolnik (in Deleuze, 2000) articula sobre a identidade brasileira, colocando que o
modelo identitário que prevalece no país tem duas formas: identidades locais fixas ou
identidades globais flexíveis. Sob a forma identidades locais fixas, as subjetividades
aderem um “suposto ‘ser brasileiro’” sem qualquer questionamento (Rolnik, in Deleuze,
2000, p.10). A autora coloca que um exemplo deste modelo é brasileiros envolvidos em
bandeiras do país em competições internacionais. Estas pessoas transformam-se
momentaneamente em “puros emblemas de uma pretensa identidade nacional” (Rolnik in
Deleuze, 2000, p.10).
Para a segunda forma do modelo identitário, identidades globais flexíveis, a
autora coloca que os personagens que agem de modo minimamente sedutor tornam-se
ícones e o modelo identitário se reconfigura sob essa identidade, procurando alcançar um
reconhecimento social, de preferência imediato. A esta segunda característica do modelo
identitário a autora chamou de modelo “tosco e exacerbado” (Rolnik in Deleuze, 2000, p.
10).
Sob qualquer “máscara identitária” que a subjetividade do brasileiro use,
reafirmam-se outras máscaras. Máscaras que se transformam de acordo com o
movimento do desejo. A maleabilidade da subjetividade no Brasil é o que deixa o
brasileiro ser habitado por uma diversidade de universos mutantes, ao mesmo tempo em
que também permite que ele crie novas máscaras, linhas de fuga, territórios de existências
possíveis.
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A maleabilidade da subjetividade brasileira vai permeando a subjetividade
chinesa que parece ser bastante rígida. E assim a miscigenação entre chineses e
brasileiros vai acontecendo aos poucos. Atualmente, os brasileiros fazem aula de chinês,
tomam chás chineses, e quando tomam chimarrão, colocam a água da bombona destinada
para chás. Os chineses estão aprendendo português para atender a grande clientela, as
churrascarias brasileiras em Dongguan estão freqüentemente lotadas de chineses.
Brasileiros casaram-se com chinesas. Já existem filhos dessa mistura. Com o tempo, não
faltará o chimarrão na cultura chinesa, mas com a bomba descartável “porque tomar na
mesma bomba é anti-higiênico”.
3.4 Adaptação e saudade
O tema da adaptação e da saudade, escolhido pelos participantes, esteve presente
nas falas e nas imagens durante toda nossa intervenção. A adaptação dos brasileiros na
China, bem como as coisas das quais os brasileiros sentem saudades, passam pela
sistemática de vida dos chineses, pela comunicação e também pelas diferenças, logo este
está relacionado a todas as outras temáticas.
É necessário perceber ao falar de adaptação e de saudade que existem diferenças
importantes relacionadas ao gênero na cultura brasileira. A escolha do tópico para ser
fotografado partiu das mulheres. Estas também fizeram maior quantidade de fotografias
do que os homens sobre o assunto.
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Desde o primeiro encontro, e também durante a oficina, as mulheres trouxeram
nas falas e nas imagens as dificuldades e renúncias que a escolha por morar na China
produziu. Relacionam suas renúncias ao fato de terem ido morar no país em decorrência
do emprego do marido (com exceção de uma migrante que foi a China em função do
emprego). Renúncias relacionadas ao emprego no Brasil, de onde saíram para ir morar no
país do Dragão e a idéia de que os homens não teriam feito o mesmo por elas, mesmo que
estas estivessem ganhando mais do que eles. Elas relatam a pressão social que sentem
quando dizem que não estão trabalhando. E também, colocam a questão familiar como o
lado mais difícil de viver do outro lado do mundo. Relatam sua culpa por não estarem
próximas dos pais e colocam o medo de perder alguém da família.
A fala abaixo é de uma migrante, residente na China há dois anos e alguns meses,
esta veio para China a trabalho, e casou-se com um brasileiro no país, contudo coloca:
Quero uma vida mais simples. Menos corrida do que a que eu levo
hoje. Cheguei aqui (Dongguan) com uma lista de coisas pra fazer,
ganhar grana, viajar pelo extremo oriente. Já fiz tudo isso. Agora, to
afim de abandonar o barco. O monetário não compensa tudo que eu to
perdendo lá (Brasil). Eu tenho um sobrinho que a última vez que eu
estive no Brasil se abraçava em mim chorando pedindo pra que eu
ficasse. Toda vez que chega a hora do aeroporto dá um aperto no
coração. É como um ímã te puxando pra ficar. Aquela choradeira. Só
fico rezando pra que Deus permita que eu veja essas pessoas
novamente. Nenhum dinheiro vai comprar esse tempo perdido sem
eles. Eu to agüentando, mas não vou agüentar mais muito tempo. (...)
Não é o Brasil pelo Brasil, não tenho saudade da corrupção, da
insegurança, do caos no aeroporto que tenho que enfrentar pelo menos
duas vezes por ano. Mas o Brasil é meu lugar, eu não escolhi assim,
essas coisas ruins tão no pacote. Não posso carregar todas as pessoas
importantes da minha vida junto comigo. Se eu pudesse acho que
carregaria. Mas certamente esse país não seria a China.
70
Trazemos esta fala porque ela condensa vários aspectos vivenciados e falados
pelos demais migrantes do grupo, aspectos que pedem por uma análise para entendermos
o encontro dos brasileiros com a China. Se “o lugar não é a China”, onde é esse lugar?
3.4.1 As Viagens
As viagens fazem parte da vida dos brasileiros na China. Não somente dentro do
país, mas também em outros países próximos como Tailândia, Filipinas, Indonésia,
viagens que se comparadas aos preços no Brasil são baratas. Países com culturas muito
diferentes. Segundo os migrantes do nosso estudo, as viagens são a “melhor parte de se
morar na China, conhecer Beijing, Shangai, Xia’n, Tibet e países arredores”.
Direcionamos nossa atenção para a primeira parte dessa frase, se as viagens são a parte
melhor de se morar, entende-se o quanto estes brasileiros moram num processo,
processo sem destino, sem fixar-se em lugar algum, os brasileiros moram no “entre”.
Essas viagens vão fazendo com que os brasileiros sejam subjetivados também por
novos territórios. Bem como passam a conviver com outros migrantes europeus,
americanos, orientais e trocam experiências que vão atravessando a vida do brasileiro e
questionando seu referencial de valores e crenças.
Baumann (1999, p. 93) coloca que “viajar é esperançosamente muito mais
atraente na vida do consumidor do que chegar”. Como colocado anteriormente, interessa
a sociedade do consumo a experimentação de sensações novas.
71
3.4.2 O distanciamento da família
O sofrimento pelo distanciamento da família, trazido também na fala da migrante
acima, apareceu de maneira muito intensa nas mulheres participantes. A fotografia abaixo
foi produzida por uma brasileira migrante e traz a família.
Figura 8: imagem produzida por uma migrante residente há dez meses em Dongguan
A cena traz um mural de fotografias. Todas elas com pessoas. Abaixo um bonsai,
planta de origem oriental e dois cactos. Esta imagem foi capturada na residência da
72
migrante que registrou esta fotografia. As pessoas, segundo a migrante, fazem parte de
sua família, antigos colegas de trabalho e grandes amigos. O bonsai também mostra-nos o
processo de miscigenação que vai acontecendo com os brasileiros na China. Vários
artigos chineses, como vasos, algumas plantas e quadros também foram encontrados nas
residências dos brasileiros participantes do no sso estudo. Além disso, encontramos
bandeiras do Brasil, e murais como esse da imagem, com as fotos da família e amigos.
As mulheres sofrem muito com esse distanciamento da família, sempre colocando
o medo que elas têm de perder alguém importante, “se eu perder alguém eu nunca vou
me perdoar de ter vindo pra cá (China)” diz uma migrante. Nesse ponto o devir-migrante
transforma-se em outros devires, devir-mulher, devir-cuidadora. As mulheres falam com
pesar e repetidamente sobre o afastamento de seus familiares e esse sentimento parece
transformar-se em culpa pelo “dever do cuidado” e saudade, ao mesmo tempo em que
dificulta a adaptação das mulheres que não se permitem desfrutar dessa experiência. Por
vezes, não se trata apenas de não se adaptar, mas de não querer se adaptar. Sentimento
que pouco emergiu dos encontros dos homens brasileiros migrantes com a China.
3.4.3 Céu azul e “um lugar para o churrasquinho”
Ao contrário das mulheres os homens trouxeram as dificuldades de adaptação
relacionada aos negócios, à falta de um lugarzinho para uma “churrasqueirinha descente,
onde a gente faz um churrasquinho sem sair defumado e à falta de céu azul, esta última
característica pode ser vista na imagem produzida por um migrante brasileiro.
73
Figura 9: fotografia criada no encontro de um migrante com a cidade residente há um ano em Dongguan
No horizonte vêem-se prédios entre a poluição. Céu cinza. Vêem-se também
muitas árvores, palmeiras, canteiros e jardins. Ruas largas, com três pistas de cada lado.
Alguns carros, alguns ônibus. Arquitetura sem muitas cores.
A cena da fotografia acima traz novamente o cuidado dos chineses com a
arborização, pelas ruas podemos ter uma noção de que se trata de uma cidade grande e
desenvolvida. A poluição fica bem aparente nesta cena e passa a intensidade que o
migrante capturou em relação a acordar todos os dias com esta camada cinza cobrindo a
74
visão sob a cidade. Como também contempla a fala deste migrante: “na primeira semana
tu não sentes tanto, mas depois, quando tu acordas todos os dias e esta é a vista, bate uma
deprê. Nunca pensei que o sol desse tanta energia assim pra gente. Isso pra mim é o mais
difícil daqui”. O céu cinza de todo os dias em Dongguan é decorrente, conforme dito
anteriormente, da poluição produzida pela quantidade de indústrias nesta região.
Paradoxos do desenvolvimento. A globalização, os modos de produção
capitalísticos e a miscigenação vivida no Brasil fazem com que os brasileiros migrem em
busca de bons salários e, assim, Dongguan acaba sendo mais “ocidentalizada” que outras
cidades da China, torna ndo o ambiente mais fácil de ser habitado pela diversidade de
comidas brasileiras e várias outras coisas direcionadas a esse público. Contudo, essa
mesma globalização, os modos de produção capitalísticos, a miscigenação vivida no
Brasil são o que mantém os brasileiros longe de suas famílias, trabalhando muito mais
que no Brasil, inclusive à noite (quando as empresas no Brasil estão abertas), e
convivendo com o céu cinza todos os dias.
3.4.4 Relações modificadas
Somadas as questões trazidas sobre o sistema, à dificuldade de comunicação e às
diferenças culturais que acabam determinando o jeito de ser e de viver dos brasileiros
migrantes em Dongguan, todas as outras relações são modificadas, mesmo aquelas as
quais o migrante tinha antes da migração. Ou seja, a relação entre os casais, a relação
entre os amigos e com a família no Brasil também acabam se transformando.
75
A China mobiliza tudo na tua vida. A minha relação com o meu marido
mudou muito depois que chegamos aqui. Agora só ele trabalha e
almoça em casa todos os dias. No Brasil nós nunca almoçávamos
juntos, só nos víamos quando chegávamos em casa de noite. Aqui,
quando ele chega em casa de noite, ele está cansado e eu não agüento
mais ficar em casa, quero dar uma volta. Isso que muito frequentemente
a gente divide nossas noites com o Brasil. Ele trabalhando (porque
quando é noite na China, no Brasil é dia e as empresas estão abertas). E
eu aproveito para ver como está o pessoal lá em casa (família no
Brasil). Isso é outra coisa. A minha relação com minha família
melhorou muito depois que eu vim morar aqui. Quando eu vou para o
Brasil, eu sou o centro das atenções. E de longe a gente sente até falta
dos defeitos uns dos outros. Isso para mim é a parte mais difícil dessa
escolha. Me incomoda ter que pedir dinheiro para o meu marido, mas
pior do que isso é a preocupação que tenho com meus pais. Às vezes
fico ligando para meus irmãos para eles darem mais atenção pra eles.
Eu que estou do outro lado do mundo falo mais com a minha mãe do
que minha irmã que mora à uma hora da casa dos meus pais. Bem, a
gente cresce e vira pais dos nossos pais. E pra viver aqui a gente tem
que aprender a cuidar de longe (...). E assim é a nossa rotina. Quase
todas as noites os dois no computador. Depois disso então
aproveitamos para ver um seriadinho e vamos dormir porque amanhã é
outro dia (brasileira migrante há 8 meses).
Podemos perceber através dessa fala as dificuldades em relação à mulher não ter
trabalho, novamente o distanciamento da família é trazido com muito sofrimento e as
relações que se modificam. A relação entre os casais são diferentes porque os programas
são outros, porque grande parte dos homens sustenta economicamente as mulheres e
porque grande parte das mulheres abandonou seus estudos e/ou sua profissão no Brasil
para ir à China. As relações de amizades são diferentes porque o brasileiro se relaciona
com outros brasileiros, que são seus concorrentes, e convida-os para jantar na sua casa.
Se o migrante ficar doente precisará contar com amigos para lhe ajudar a fazer o que for
preciso, porque sua família não está ali. A própria relação com a família no Brasil é
diferente, porque com o distanciamento, os familiares acabam supervalorizando cada
encontro com o brasileiro que retorna ao Brasil de férias.
76
3.4.5 Decepções em relação ao Brasil
No último dia sete de setembro, teve em Dongguan uma grande festa patrocinada
por uma churrascaria brasileira, com música, dança, hino, carne e cerveja. Os brasileiros
usavam camisetas do Brasil e bandanas na cabeça. Até mesmo os garçons chineses
usavam pilchas (vestimenta gauchesca) e bandanas do Brasil. Conversando com um
brasileiro que estava na festa, o mesmo disse “para comemorar o Brasil só morando na
China e tendo muita cerveja na cabeça”.
Decepções em relação à corrupção, à falta de emprego, insegurança e problemas
com serviço de saúde no Brasil apareceram nas falas dos migrantes durante nossa
intervenção. Estes colocavam com tristeza os problemas do país. Contudo, o
distanciamento faz com o migrante por outro lado, supervalorize também o Brasil, por ser
o lugar onde estão os familiares e aonde os mesmos se sentem em casa e talvez por isso
comemorações como as do sete de setembro são mais possíveis na China do que no
Brasil.
O sistema, a comunicação, as diferenças, a adaptação, a saudade e os chineses
subjetivam a vida dos brasileiros na China. Se a vida na China por vezes faz com que o
sujeito sinta saudade do Brasil e deseje voltar para o ambiente onde o cotidiano por vezes
faz mais sentido, essa também traz segurança, pois na China a população não tem armas
de fogos. Os furtos são feitos com facas, os bancos não tem portas eletrônicas e a polícia
faz patrulhamento pelas ruas com carros parecidos com os que no Brasil são usados para
77
jogar golf, como foi lembrado por uma migrante. A vida na China traz o aumento do
poder de compra, as viagens e todos os encontros questionam ao brasileiro qual é o lugar
de viver, aonde é a sua casa. Questionam as relações familiares porque ao mesmo tempo
em que se tem saudade, ao saírem do circuito familiar do dia-a-dia, os brasileiros
passaram a ser tratados de outro modo e a ter um relacionamento melhor com seus
familiares. Um migrante coloca que os brasileiros questionam aonde é melhor criar seus
filhos, pertos dos avôs no Brasil, ou num lugar aonde o mesmo vai conviver com diversas
culturas, num lugar onde tem segurança.
3.4.6 Se não é a China e não é o Brasil, então é aonde?
Nesta experiência de migração, os brasileiros têm sentimentos bastante ambíguos,
se questionando aonde é a sua casa. Como diz essa migrante:
As pessoas não vêm morar na China pelo amor ao país. A galera vai
para Europa para colher maçã, para limpar prato, só pelo amor a
Europa. A gente vem pela grana. Tu não tens uma paixão por conhecer
a cultura. No início tu até foges disso, mas depois as coisas começam a
se tornar interessantes. Só que a gente abdica de muitas coisas para
estar aqui. Fico pensando se realmente é a grana que me mantém
porque ela não compensa o que eu estou perdendo lá. Só que daí passo
quinze dias no Brasil, já estou louca para voltar pra China. Pra minha
casa, minha privacidade, minhas coisas, meu dia a dia. Mas quando
chego na China, fico deprê porque sei que está muito longe de eu ir
para o Brasil novamente. Às vezes, eu sinto como se eu não fosse de
lugar nenhum. No Brasil tem minha família, meus amigos, mas não tem
minha casa. E cada vez que eu vou para lá percebo que as pessoas não
mudam, envelhecem, mas não mudam. Daí penso, não quero essa vida
para mim e sei que se eu voltar a gente se acostuma a viver daquele
jeito, tipo alienado sabe. Mas quando chego na China, no fim de
semana falta o que fazer. Daí inventamos um carteado, reunimos os
amigos, comemos um churrasco, ou vamos no One for The Road (pub
inglês freqüentado por estrangeiros de várias nacionalidades em
Dongguan). E assim ficamos nessa de ter duas casas e às vezes não ter
nenhuma.
78
Problematizamos o sentimento de “onde é a casa” do migrante brasileiro, por ter
aparecido tantas vezes em suas falas. A cada visita ao país, os brasileiros têm um novo
encontro. Encontro dos quais emergem uma série questionamentos, afetos e afecções.
Encontros que colocam os migrantes a pensar do que mesmo que eles sentem tanta
saudade, tanta falta.
Baumann (1999) articula sobre os problemas da sociedade do consumo e coloca
ainda que os sujeitos desta sociedade têm o sentimento de que sempre poderiam estar em
outro lugar. Esses estão fadados a moverem-se sempre. “Não se pode ficar parado em
areia movediça” (Baumann, 1999, p. 87).
Os brasileiros em Dongguan perceberam então, diante de tantos estranhamentos e
dúvidas, à necessidade de criar um território existencial para se sentirem “em casa”, que
permita os mesmos habitarem a China. Território no qual podem expressar os afetos
vivenciados face às diferenças, aos estranhamentos, aos questionamentos. Território que
atualiza esse “entre” que vive o brasileiro na China, uma espécie de obra-cidade que
chamamos de “cidade subjetiva”.
.
79
4. A cidade subjetiva (O Entre)
Entre um rosto e um retrato
O real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez
Entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês
Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão (...)
(Humberto Gessinger A revolta dos Dândis)
Esta carto(foto)grafia nos demonstrou o quanto os modos de produção
capitalísticos ao mesmo tempo em que capturam e produzem os desejos da sociedade
contemporânea, possibilitam ao impulsionarem a experiência de migração à
problematização da vida. A globalização, como desenvolvemos desde o início da nossa
reflexão, sob a lógica capitalística, abriu portas entre os países. As culturas e ‘totalidades’
sociais entraram em um processo de erosão, desencadeado pelos progressos tecnológicos
e de velocidade de informação (Baumann, 1999, p.21).
A migração de brasileiros atualmente é motivada pela miscigenação existente no
Brasil e pelas dificuldades do mercado de trabalho do país (Beltrão e Sugahara, 2006,
Corsini, 2005, Martine, 2005, Patarra, 2006, Sasaki, 2006). A lógica capitalística
impulsiona o sujeito a vivenciar a migração, procurando por melhor condição salarial e
conseqüente maior capacidade de consumo. Contudo, a mesma lógica que impulsiona o
sujeito a vivenciar a migração, coloca-o diante da problematização da mesma. O encontro
80
do migrante brasileiro com a China faz o sujeito questionar seus referencias, valores que
estão em sua constituição.
Percebemos nas oficinas, nas imagens, nas falas, enfim no encontro com os
migrantes que os mesmos têm dúvidas quanto a ser o dinheiro o que os mantém na China.
Esse parece não compensar a perda do convívio familiar, do céu azul, entre outras coisas
das quais os mesmos sentem falta. Contudo, os migrantes brasileiros se perguntam se o
Brasil seria o país no qual eles querem morar, porque face aos encontros com a vida
chinesa e as decepções em relação ao Brasil, os brasileiros criam outros modos de vida.
Assim, a mesma lógica que motiva o sujeito a migrar é que o coloca a problematizar suas
experiências e construir caminhos singulares.
O processo do migrante no encontro com a China torna-o cidadão do mundo. Não
cidadão da China, nem cidadão do Brasil. E essa é uma das razões pelas quais os
brasileiros não querem ficar na China, mas não retornam ao Brasil. O Brasil também não
dá mais conta de todas as intensidades experimentadas pelo brasileiro no encontro com a
China, e por isso ele tem a impressão de que voltar é “alienação”, como disse uma
migrante. O Brasil não atualiza os afetos que no encontro com a China transformaram o
cidadão brasileiro.
Podemos afirmar que o capital continua influenciando, impulsionando o sujeito a
vivenciar uma nova migração para outro país ou ainda mantendo o migrante na China
como garantia de bons salários. No entanto, não podemos negar o questionamento de
81
referenciais decorrente do processo de migração. As afetações que emergem no encontro
do brasileiro com a China coloca-o a pensar e o transforma. O retorno do brasileiro ao
Brasil assim, pode trazer a necessidade de novos encontros, a criação de um território
existencial, um entre, que permita a expressão de afetos vivenciados diante do novo
encontro com o país de origem.
Ser brasileiro e viver na China é habitar “entre”, é viver entre àquilo do Brasil que
o subjetivou durante anos de sua vida e ainda o subjetiva e àquilo da China que o
atravessa, subjetivando e causando estranhamento. O “entre” é o espaço de quem não é o
chinês na China, nem o brasileiro no Brasil. Sustentar esse espaço é morar do outro lado
do mundo e não pertencer a nenhum lugar. É viver entre o desejo de ficar e o desejo de
voltar. É sustentar incertezas, habitar algo entre a experimentação e a alienação, entre
conhecimento e estranhamento, entre os choros e gozos, entre saudade e decepção, entre
realização profissional e a falta, entre dinheiro e amor. É habitar entre chineses, indianos,
italianos, filipinos, americanos. Intensidades pulsantes, um pouco de tudo e nada ao
mesmo tempo, algo do excesso e do vazio. Viver entre é se deparar com todos os “eu”s
que me habitam, o migrante, a filha, o marido, a profissional, a viajante, o fotógrafo, a
cozinheira, o provedor, a estudante, o brasileiro, a chinesa, o habitante, a cidadã.
O brasileiro, filho, profissional, cidadão, migrante, em Dongguan, experimenta a
ausência de um universo de referências, seja pelo não reconhecimento dos caracteres ou
pelos questionamentos que o próprio estranhamento cultural produz sobre os valores que
antes eram referenciais. Contudo, a ausência de referenciais pede por uma lógica de
82
sobrevivência, esta experimentação pede por um habitar possível que crie um sentido.
Assim, o universo de referências é encontrado numa espécie de “obra-cidade” que a
comunidade brasileira criou para conseguir habitar o território China.
Pechman (1994, p.1) coloca que a cidade é “enganadoramente transparente e
verdadeiramente opaca”. A cidade esconde segredos através de sua visibilidade, segredos
os quais podem ser tanto forças de captura como linhas de fuga. Essa é espaço do desejo,
possibilidade de civilização, de conhecimento, campo de signos e sentidos.
As transformações de uma cidade são resultados da conexão entre os países, mas
também dos seus grupos, da arte coletiva (Frayze-Pereira apud Fonseca in Fonseca &
Kirst, 2003). A cidade é uma “obra por excelência”, organizada, instituída e também
criada por seu coletivo, pessoas, signos, coisas (Fonseca in Fonseca & Kirst, 2003, p.
256). Os sentidos são a realidade espessa da cidade, eles estão ligados aos seus habitantes
e transmitem a sensação de estar em casa. Assim, os corpos habitam e são sustentados
pela cidade, contudo não estão nela (Fonseca in Fonseca & Kirst, 2003). A cidade
subjetiva é a morada dos corpos, aonde os territórios existenciais são construídos por um
universo de referências.
A obra-cidade é a cidade subjetiva, onde os migrantes brasileiros na China
sentem-se em casa. É a cidade dos brasileiros criada pelo encontro destes com Dongguan.
Nela compartilham-se valores, referências e sentidos. Território existencial onde os
migrantes dividem suas dificuldades e arranjam caminhos para suportá-las. Esta cidade
83
subjetiva é criada tentando dar conta da falta da familiaridade das relações com o mundo,
buscando sentidos relacionados a sensações experimentadas, significações,
transformando esse espaço “no lugar onde eu moro, na minha casa”.
E assim o devir-migrante do brasileiro vai passando entre os encontros, a cada
encontro novas mutações e novos encontros. O devir-migrante passa entre as cidades,
entre cidadãos, entre nacionalidades, entre os gêneros, entre nômades, entre mutantes,
não adquirindo forma alguma. Imprevisível e indiscernível, o devir-migrante toca outros
devires, devir-mulher, devir- mundo, devir- entre.
84
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___de 20__.
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