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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Carla Nichele Serafim
CONSTRUÇÃO DA ITALIANIDADE ENTRE DESCENDENTES DE IMIGRANTES
NO MUNICÍPIO DE URUSSANGA, SANTA CATARINA
FLORIANÓPOLIS
2007
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Carla Nichele Serafim
CONSTRUÇÃO DA ITALIANIDADE ENTRE DESCENDENTES DE IMIGRANTES
NO MUNICÍPIO DE URUSSANGA, SANTA CATARINA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito parcial e
final para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia.
Orientadora: Dra. Mara Coelho de Souza Lago
FLORIANÓPOLIS
2007
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Carla Nichele Serafim
Construção da italianidade entre descendentes de imigrantes no município
de Urussanga, Santa Catarina
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de
Pós-Graduação de Psicologia, Curso de Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, 28 de março de 2007
Profa. Dra. Mara Coelho de Souza Lago
Profa. Dra. Andréa Vieira Zanella
Departamento de Psicologia – UFSC
Profa. Dra. Gláucia de Oliveira Assis
Departamento de Estudos Básicos – UDESC
Profa. Dra. Maria Chalfin Coutinho
Departamento de Psicologia - UFSC
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha família, pelo amor, incentivo e apoio que me prestou
durante esta jornada de pesquisa. Os laços afetivos que a envolvem são extensos e por isso
presto meus agradecimentos incluindo todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram
para o desenvolvimento deste trabalho. Em especial, dou destaque a minha avó Azi Damiani
Nichele, aos meus pais Vitório Vilnei Serafim e Vera Maria Nichele, aos meus tios e tias Iva,
Lia, Margaret, Marcos, Brígida e Ana Luíza; aos meus queridos irmãos Kamile, Ricardo,
Glauber e Gabriel e aos meus primos Silvio, Augusto e Danilo.
Agradeço de maneira especial a minha amada avó Vitalina Perucchi Serafim, que
mesmo não estando mais aqui entre nós, guardo com muito carinho alguns de seus inúmeros
relatos sobre o tempo de sua infância e juventude. Relatos estes que me impulsionaram a
descortinar a história dos antepassados de minha família e a realizar esta pesquisa.
Sou grata à Universidade Federal de Santa Catarina, ao Centro de Filosofias e Ciências
Humanas e ao curso de Pós-Graduação em Psicologia. Em especial, agradeço aos professores
doutores Kleber Prado Filho, Andréa Vieira Zanella, Fernando Aguiar, Kátia Maheiri e Maria
Juracy Tonelli. Também agradeço às professoras Maria Bernadete Ramos Flores e Marlene de
Fáveri, do Programa de Pós-Graduação em História desta Universidade.
Obrigada professora Mara Coelho de Souza Lago, pela sua confiança, amizade e
incentivo durante o período de orientação desta pesquisa, como também durante grande parte
da minha formação em psicologia.
Sou muito agradecida a todos as pessoas que participaram desta pesquisa, em especial
aos que me atenderam com muito carinho em suas casas ou locais de trabalho, mostrando-se
receptivos ao meu projeto. Também sou grata àqueles que não aparecem aqui, mas que me
auxiliaram de alguma maneira, fortalecendo a concretização deste trabalho.
Agradeço aos componentes da banca do projeto de qualificação e aos componentes da
banca de conclusão do mestrado.
Agradeço aos meus colegas de pesquisa do Núcleo Margens, em especial aos
doutorandos Geórgia Beneti, Regina Bastos, Mario Resende, Giovana Salvaro e aos
mestrandos Adriano Beiras e Rita Flores.
Agradeço aos meus amigos e as minhas amigas que estiveram próximas durante esses
dois anos.
A todos os meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, sou grata pela
força e apoio prestados durante o curso.
RESUMO
SERAFIM, Carla Nichele. Construção da italianidade entre descendentes de imigrantes
no município de Urussanga, Santa Catarina. Florianópolis, 2007. 128 f. Dissertação.
(Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal
de Santa Catarina.
Orientadora: Dra. Mara Coelho de Souza Lago
Defesa: 28/03/2007
Esta dissertação foi construída a partir de pesquisa etnográfica realizada em Urussanga, Santa
Catarina, com descendentes de imigrantes italianos que colonizaram o município, e sujeitos
de outras origens étnicas. A proposta foi analisar, em diferentes famílias residentes em áreas
rurais e urbanas de Urussanga, como os sujeitos significavam sua ascendência italiana e seus
arranjos étnicos, de nero, classes e gerações. A pesquisadora participou de festividades
municipais que celebravam as origens coloniais da localidade e realizou entrevistas
etnográficas com sujeitos de idades que variavam entre 20 e 89 anos, num total de 22
participantes. Foram entrevistados 14 mulheres e 8 homens, ocupando diferentes posições
sociais no município, com níveis variados de escolaridade. De um modo geral, os sujeitos que
participaram da pesquisa, estavam envolvidos no reforço da italianidade no município, este
possuindo laços com cidade da região do Vêneto na Itália. Algumas famílias construíam
projetos de vidas em conjunto, baseados na identidade italiana. Foi muito forte a relação entre
a religiosidade e a identificação dos sujeitos com sua origem italiana. Apesar da permanência
de modos de vida fundados nos costumes tradicionais, foi possível perceber mudanças nas
relações geracionais e de gêneros, acompanhando o processo de urbanização e o investimento
na escolaridade dos jovens no município.
Palavras chaves: identidade italiana, família, gêneros.
ABSTRACT
This dissertation was elaborated from ethnographic research in Urussanga, Santa Catarina,
with descendants of the Italian immigrants who had colonized the city, and citizens of other
ethnic origins. Its purpose was analyzing different resident families of rural and urban areas of
Urussanga, how the citizens meant its ethnic ancestry and its arrangements Italian, of gender,
of class and generations. The researcher took place in municipal festivities which celebrated
the colonial origins of the local and carried through ethnographic interviews with citizens
varied ages, from 20 to 89 years, in a total of 22 participants. 14 women and 8 men had been
interviewed, occupying different social status in the city, with varied levels of education. In a
general way, the citizens who had participated in the research, were strong involved with the
reinforcement of the Italian culture in the city, that was developed with the increasing
relationship with cities of the region of the Veneto in Italy. Some families built projects of
lives in set, based in the Italian identity. The relation between the faith and the identification
of the citizens with its Italian origin was very strong. Although the permanence in established
ways of life in the traditional customs, was possible to perceive changes in the geracionais
and gender relations, following the process of urbanization and the investment in
the education of the youthful in the city.
Words keys: Italian identity, family, genders
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. Praça central Anita Garibaldi................................................................................................11
2. Casarão tombado pelo patrimônio histórico.........................................................................14
3. Praça Longarone em Urussanga............................................................................................19
4. Monumento de homenagem ao Gemellaggio localizado em Longarone..............................20
5. Vista Longarone................................................................................................................... 22
6. Mapa do Município de Urussanga - SC................................................................................23
7. Homenagem à Maria Fumaça.............................................................................................. 28
8. Casa modelo do colono italiano............................................................................................29
9. A Procissão de Corpus Christi entrando no Parque Municipal Aldo Cassetari Vieira.........30
10. Resgate das origens africanas.............................................................................................31
11. Demonstração da Torre de Pisa na Praça de Alimentação................................................. 32
12. Apresentação de dança do Grupo Pastoral Afro-Santana...................................................33
13. Casa da mulher Agricultora................................................................................................34
14. Grupo Teatral “Sempre Avanti” de Rio Maior.................................................................. 38
15. Vista da Comemoração do Feriado de 7 de setembro........................................................ 38
16. Mesa do Café Colonial organizado pelas Mulheres agricultoras Rurais do município......39
17. Sede do Centro Cultural......................................................................................................40
18. Exposição do município de Urussanga na XVI Festa das Etnias em Criciúma..................41
19. Casa do Padre Agenor.........................................................................................................42
20. Casa tombada pelo patrimônio histórico.............................................................................43
21. Interior da casa....................................................................................................................43
22. Quadro dos Sujeitos que Participaram das Entrevistas.......................................................46
23. Casas tombadas e conservadas, localizadas em volta da Praça Anita Garibaldi................47
24. Fachada de casa tombada pelo patrimônio histórico..........................................................48
25. Interior de casa tombada pelo patrimônio histórico............................................................49
26. Símbolos religiosos.............................................................................................................49
27. Igreja de Pedras de Rio Maior.............................................................................................50
28. Estande de vinícola localizado na Praça de Alimentação...................................................56
29. Representação da uva e do vinho........................................................................................57
30. A festa da Colheita..............................................................................................................57
31. Descendentes de africanos..................................................................................................57
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................9
2. O LOCAL DA PESQUISA E A IMIGRAÇÃO ITALIANA...............................................11
2.1. O Retorno às Origens.....................................................................................................17
3. POR ONDE ANDEI: CAMINHOS METODOLÓGICOS..................................................25
3.1 As Festas.........................................................................................................................27
3.2 Os Sujeitos da Pesquisa...................................................................................................47
4. ALGUMAS REFLEXÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE DAS
ENTREVISTAS........................................................................................................................59
4.1 Identidade e Etnicidade..................................................................................................59
4.2 A Questão do Preconceito..............................................................................................61
4.3 Gênero............................................................................................................................63
4.4. Gênero e Relações Familiares.......................................................................................67
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS.........................................................................................72
5.1. Raquel, Fátima e Ronaldo..............................................................................................73
5.2. Adelaide, André e Olga..................................................................................................80
5.3. Beatriz e Valdir..............................................................................................................82
5.4. Ricardo, Francisco e Vanessa........................................................................................85
5.5. Valéria e Jorge...............................................................................................................92
5.6. Marília, Camila, Rui e Marta.........................................................................................96
5.7. Luzia.............................................................................................................................104
5.8. Dulce, Omar e Nívea....................................................................................................108
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................113
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................118
ANEXOS................................................................................................................................126
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi realizado com a intenção de analisar os significados da
ascendência italiana entre homens e mulheres de diferentes gerações e classes sociais.
Utilizando o método etnográfico para a realização da pesquisa, participei de algumas
festividades que comemoravam a colonização italiana e realizei entrevistas com descendentes
de imigrantes italianos em suas residências e locais de trabalho. Entrevistei também membros
de famílias compostas por múltiplas descendências, entre elas a italiana, para estudar se havia
maior identificação dos sujeitos com essa etnia do que com as outras.
A pesquisa foi realizada no município de Urussanga - SC, onde a imigração italiana
foi base para os modos de vida da maioria dos seus habitantes, uma vez que o mesmo se
formou em torno da colonização italiana. A colonização do município de Urussanga pelos
imigrantes italianos transformou os modos de vida das famílias que se formaram
conjuntamente com outras descendências étnicas, sobretudo a partir do resgate das memórias
e dos costumes que as gerações posteriores buscavam de seus ancestrais italianos.
A grande marca da italianidade está presente também em minha família que é formada
por descendentes de imigrantes italianos e na qual práticas relacionadas à memória dos
antepassados e aos hábitos dos imigrantes, são constantemente reconstruídas, passando para
as novas gerações. Pode-se perceber isso nas fotografias, nos móveis antigos presentes nas
casas tombadas pelo patrimônio histórico, como também nos almoços que salientam a
culinária típica das colônias, as massas, a polenta com galinha, o vinho, ou mesmo nas
expressões oriundas do dialeto neto falado originalmente pelos imigrantes, nas músicas
típicas e nos modos de ser. Alguns familiares que residem em Urussanga vivenciam esta
“italianidade” no seu dia-a-dia, seja pela catolicidade, por se associarem a uma das
Associações Italianas de Urussanga, pela presença nos acontecimentos marcantes no
município, ou então pelo estudo da língua italiana
1
e pela participação nas manifestações
culturais.
Meu interesse nesta pesquisa foi analisar, em homens e mulheres, através de seus
arranjos étnicos, de gênero, classes, gerações, as formas como os sujeitos significavam sua
1
“O italiano é uma língua indo-européia derivada do latim, assim como o português, o espanhol e o francês,
entre outras. É um idioma conservador, no sentido de que, apesar de ter surgido apenas no final da Idade Média,
é o mais próximo do latim, além disso sofreu, desde então, menos mudanças do que outras línguas européias”
(BERTONHA, 2005, p. 240).
ascendência italiana e as marcas dessa colonização, ainda presentes nas tradições e modos de
vida do município.
No capítulo 2 desta dissertação procurei recuperar, em trabalhos de historiadores
principalmente, como foram sendo construídas as características italianas presentes em
Urussanga desde o tempo da imigração até os dias atuais.
Optei pelo uso do método etnográfico, pois além de tê-lo praticado em pesquisa
anterior
2
, via-o como o mais apropriado. Desenvolvi a descrição do campo de pesquisa no
capítulo 3, onde relatei meu contato com os sujeitos e os procedimentos utilizados na
realização de entrevistas. Iniciei uma rede de contatos em 2005, quando participei de algumas
manifestações culturais em Urussanga, festivas ou religiosas. Em 2006 entrevistei diferentes
moradores e membros de famílias residentes no centro e em distintas localidades do
município, tais como Rio Maior e em Belvedere, no interior.
Conversei com homens e mulheres sobre a história de seus antepassados e suas
vivências atuais em Urussanga, suas participações nas festividades, opções religiosas,
escutando sobre o passado e sobre alguns de seus projetos futuros, procurando conhecer mais
de perto como eles/elas significavam os acontecimentos em torno da italianidade no
município e em suas próprias famílias. Perguntava aos sujeitos sobre a infância, juventude,
vida adulta e velhice, focando as questões de gênero e etnia.
No capítulo 4 busquei desenvolver algumas reflexões sobre temas que se impuseram
na pesquisa, em função do problema definido na proposta de investigação e ressaltados nos
relatos dos sujeitos entrevistados (identidade, etnia, gênero e família).
No capítulo 5 procurei analisar os relatos dos/as entrevistados/as, detendo-me em
alguns recortes selecionados como significativos para este trabalho. Optei por apresentar a
análise na ordem em que foram realizadas as entrevistas com os sujeitos da pesquisa,
conforme minha descrição do campo, no capítulo 3.
Desse modo, essa pesquisa procurou contemplar vários temas na análise desenvolvida,
além das transformações nos modos de vida dos homens e mulheres entrevistados/as em
função das dinâmicas da vida social.
2
Participei como bolsista de iniciação científica em pesquisa que estudou as relações de nero, gerações e
subjetividades em sujeitos descendentes de alemães, residentes nas localidades de Biguaçú e Antônio Carlos,
municípios da Grande Florianópolis (LAGO, SERAFIM, FIGUEIREDO, 2000). Os motivos que me
levaram a pesquisar descendentes de italianos em Urussanga têm relação com a minha história familiar,
paralelamente à minha trajetória na pesquisa, como estudante de graduação.
2. O LOCAL DA PESQUISA E A IMIGRAÇÃO ITALIANA
Composta por um número significativo de casarios antigos construídos no início do
século XX
3
, Urussanga é conhecida como a “Capital Catarinense do Bom Vinho”. Está
localizada a 18 Km ao norte de Criciúma e a 185 Km ao sul de Florianópolis, ocupando uma
área próxima a 241 Km². O município de Urussanga limita-se ao Norte com Orleans e Lauro
Müller, ao Sul com Cocal do Sul, a Leste com Pedras Grandes e a Oeste com Treviso,
Siderópolis e Lauro Müller. No censo do IBGE de 2000, seus moradores estavam distribuídos
entre a área urbana (10.659) e a área rural (8.058 habitantes), totalizando 9.215 homens e
9.512 mulheres. Segundo os dados do IBGE de 2004, sua população ultrapassava 19 mil
habitantes.
Praça central Anita Garibaldi
Urussanga possui tradição na produção do vinho
4
e na extração do carvão mineral
5
.
Inicialmente a economia do município era baseada na agropecuária, passando mais tarde à
extração do carvão mineral e à indústria, destacando-se as fábricas de vinho. Atualmente a
economia de Urussanga é diversificada, com destaque na indústria moveleira, derivados de
3
Em Urussanga existem casarios tombados pela prefeitura como patrimônio histórico da cidade e que foram
recuperados por famílias proprietárias ou adquiridos por outras pessoas, casas que foram demolidas ou que
pouco ou nada foram restauradas.
4
A média de produção de uva foi de 8.400 Kg/hectares em 2002 (www.ibge.gov.br)
5
A Companhia Carborífera Urussanga S.A., responsável pela instalação da possivelmente primeira estação
meteorológica de Santa Catarina, foi fundada em 1918 por engenheiros de Minas Gerais (...). A empresa foi
pioneira na exploração do carvão em escala industrial em Santa Catarina e a primeira a utilizar os métodos mais
modernos para sua exploração, transporte e beneficiamento, gerando inclusive energia elétrica por meio de
locomóvel” (Agropecuária Catarinense, v. 17, n. 1, mar. 2004).
9
plástico, esquadrias de alumínio, cerâmica, equipamentos, insumos agropecuários,
vitivinicultura, fruticultura, carvão mineral, laticínios, comércio e prestação de serviços
diversos. É um dos municípios que compõe o Sul do Estado de Santa Catarina e é membro da
Associação dos Municípios da Região Carbonífera (AMREC)
6
.
Urussanga foi colonizada por imigrantes italianos provenientes do Norte da Itália e,
assim como em outros municípios de Santa Catarina, as famílias descendentes de imigrantes
italianos buscaram reconstruir os usos e costumes dos imigrantes, a partir das comemorações
dos 100 anos de chegada na sede da colônia.
A vinda dos imigrantes italianos para o Brasil foi possível através de uma aliança”
entre Itália e Brasil, uma vez que estava ocorrendo na Itália o movimento de Unificação das
Províncias e a industrialização dos meios de produção agrícola. Como conseqüência da
industrialização ocorreram aumento nas cobranças dos impostos da terra, o que dificultou a
sobrevivência por parte de famílias agricultoras que não podiam pagá-los, fazendo com que
muitos(as) “italianos(as)”
7
se situassem em condições precárias de sobrevivência.
Segundo Baldin (1999, p. 16) “(...) o processo de industrialização acabou por gerar
desequilíbrios econômicos que possibilitaram a integração de uma minoria detentora de
capital e deixaram uma grande maioria desprovida de bens, à margem do processo”. Em
especial na Região do Vêneto, para “(...) uma multidão de camponeses sucessores hereditários
e endividados, que não mais conseguia manter-se no cultivo da terra, (...) não restava uma
outra alternativa a não ser a emigração” (BALDIN, 1999, p. 17).
Junto com o movimento para a abolição da escravatura, surgia um grande problema
em relação à mão-de-obra para a lavoura no Brasil, havendo interesse na imigração de
trabalhadores estrangeiros. Os europeus eram vistos como mais qualificados para o trabalho
agrícola, pois já desenvolviam esse trabalho na Europa com mais autonomia e tecnologia.
Também ocorria no país um discurso que pregava a miscigenação ou mestiçagem para o
branqueamento da população
8
. Em função destas questões e com empenho de incrementar o
6
A AMREC é originária da AMSESC que incluía uma grande variedade de municípios, tais como Lauro Muller,
Urussanga, Morro da Fumaça, Içara, Praia Grande, Passo de Torres e São João do Sul. Em 1983 foi
desmembrada em duas Associações AMREC e AMESC. Fundada em 1983, com 07 municípios, a AMREC era
integrada por Criciúma (sede), Içara, Lauro Muller, Morro da Fumaça, Nova Veneza, Siderópolis e Urussanga.
Posteriormente os municípios de Forquilhinha, Cocal do Sul e Treviso foram incluídos e em 2004, com a entrada
de Orleans, a AMREC oficializou a sua 11ª cidade integrante. (www.amrec.com.br)
7
Na época da primeira leva da imigração italiana não existia ainda entre os italianos moradores nas diversas
regiões e províncias da Península Itálica recém-unificada, a denominação identitária de “italianos”. Eles se
reconheciam como pertencentes às Regiões ou Províncias da Itália, possuindo dialetos e modos de vida diversos
nos inúmeros povoados. As diferenças de classes entre elites e agricultores era outro agravante que contribuía
para a não identificação entre eles. (BALDIN,1999); (BERTONHA, 2005).
8
“A miscigenação se transformou em um assunto privilegiado no discurso nacionalista brasileiro após 1850,
vista como mecanismo de formação da nação desde os tempos coloniais e base de uma futura raça histórica
10
povoamento da região Sul, surgiu interesse por parte do país em financiar lotes para os
europeus a fim de colonizarem e habitarem o país
9
. Vistos como purificadores da
nacionalidade brasileira, como descreveu Dolzan (2003), os italianos, assim como os alemães,
eram valorizados por suas composições físicas e culturais. Os trabalhadores europeus não
estiveram, no entanto, livres de preconceitos, que eram classificados conforme a classe
social e procedência
10
.
A colonização italiana na região catarinense existe desde 1875, mas com a criação da
“(...) Inspetoria de Terras e Colonização, órgão encarregado de racionalizar o serviço da
imigração (...)” (ESCARAVACO, 1984a, p. 5), o presidente da Província de Santa Catarina
permitiu a formação de novos núcleos colonizadores na Região do Vale do Rio Tubarão no
ano seguinte.
A primeira sede do Sul de Santa Catarina habitada por colonos italianos, chegados da
Itália no dia 26 de abril de 1877 foi Azambuja e, posteriormente, Urussanga. Famílias
compostas e desmembradas, com homens, mulheres e crianças provindas da Região de
Vêneto, em Belluno - incluindo da Feltre, da Cadore e Longarone - formaram a colônia de
Urussanga.
E quem se encontrasse nos dias 24, 25 e 26 de março de 1878 na Prefeitura de
Coneliano, na Província de Treviso, teria visto aglomerarem-se gente de Beluno,
Longaroni, Cadore, Fríuli, Treviso, reunidos em famílias, em grupos, em aldeias
inteiras, circundada por caixões contendo os poucos objetos de uso, e todos
aguardando o trem do dia 27, no qual partiriam para Milão (Marzano, 1985, p. 54).
As primeiras famílias foram se alojando em Urussanga, além da distribuição dos lotes
na sede da colônia, na Linha Rio Maior (distante 3 Km), no Rio Maior (5 Km), em São
Valentim (9 Km), no Rancho dos Bugres (6 Km) e em São Pedro (5 Km). Em 1879 chegaram
mais imigrantes italianos que foram ocupando áreas habitadas pelos primeiros imigrantes e
se alojaram na porção oeste da sede - em Rio Salto, Rio América e Rio América Baixo, Rio
Caeté e Rio Deserto - e também na região Oeste/ Norte - em Rio Carvão, Santana e
brasileira, de um tipo nacional, resultante de um processo seletivo direcionado para o branqueamento da
população” (SEYFERTH, 1998, p. 43).
9
Em Santa Catarina houve predomínio de colonização alemã e italiana e, em menores números, estavam os
colonizadores austríacos, portugueses, polacos, espanhóis.
10
Sobre a discriminação, os italianos em geral sofreram com o preconceito de muitos outros povos que se
denominavam superiores a eles. “(...) enquanto nos países latinos, por motivos de afinidade cultural, lingüística e
mesmo racial, os italianos sempre foram vistos como europeus e brancos, ainda que, muitas vezes, como
inferiores por serem pobres e terem hábitos diferentes, nas regiões de língua inglesa e alemã a situação foi,
comparativamente, muito pior, com os italianos sendo associados à imagem de delinqüentes, violentos e
inferiores que muito os marcou” (BERTONHA, 2005, p. 99).
11
Santaninha (ESCARAVACO, 1984a). Essas famílias tinham até seis anos para pagarem à
província brasileira o referente aos “custos de viagem, utensílios domésticos, ferramentas,
sementes, alimentos para os primeiros meses, enquanto as colheitas não tinham feito as
devidas provisões” (BALDESSAR, 1991, p. 57).
Casarão tombado pelo patrimônio histórico
Não foi uma tarefa fácil atribuída aos “italianos” que encararam inúmeras dificuldades
ao chegarem na sonhada cocagna
11
, no entanto, assim foram sendo construídas algumas das
cidades catarinenses, entre elas Urussanga. Ressalta-se que famílias inteiras ou desmembradas
viajaram durante dias em embarcações à vapor até chegarem ao ponto estabelecido pelo
império brasileiro, sendo que muitos morreram a caminho e outros, assim que chegaram nas
sedes das colônias, por diversos motivos, como falta de nutrientes alimentares, ataques de
índios, de animais selvagens e peçonhentos. Essa é a história contada em livros, teses e
dissertações que problematizam a temática da imigração. Também foi relatada em muitos
trabalhos a co-existência de grupos de pessoas de outras origens nas mesmas localidades
habitadas pelos “italianos”, tais como portugueses, africanos, austríacos, poloneses, espanhóis
e alemães (SIMONI, 2003; DOLZAN, 2003; BERTONHA, 2005; BALDIN, 1999;
BALDESSAR, 1991).
11
Denominação utilizada para se referir a um lugar onde nada faltava, agradável de morar.“Trata-se de uma
lenda de origem medieval que perpassou séculos e embalou os sonhos dos imigrantes italianos que vieram para o
Brasil no final do séc. XIX e início do séc. XX. Há indícios de que o termo seja proveniente ou do latim coquere
(cozinhar), através da derivação cocanha ou coucagno (petisco doce), ou do neerlandês cockaenge, pequeno
pastel doce que era feito em algumas festas anuais” (Grifo do autor) (SIMONI, 2003, p. 27).
12
Muitos acontecimentos marcaram a identificação dos imigrantes com a Itália e com o
Brasil, ora afirmando-os como italianos, ora como brasileiros. Os nacionalismos presentes na
Itália e também no Brasil, formavam forças contrárias na construção da identidade dos
imigrantes italianos, gerando discórdias entre os imigrantes que falavam a língua italiana e os
nacionalistas brasileiros, em especial nos períodos entre guerras e durante a II Guerra
Mundial, que ocasionou muitas mortes de pessoas e perdas simbólicas através da repressão do
Estado para afirmação da identidade brasileira entre imigrantes italianos e alemães
12
. O
Estado brasileiro, através do processo de nacionalização, procurou taxar de nacionais ou de
brasileiros os imigrantes, proibindo manifestações identitárias de grupos considerados pouco
assimiláveis, tais como os alemães, italianos e japoneses.
As colônias italianas eram mais homogêneas, no sentido de que os imigrantes tinham
pouca comunicação com os brasileiros e, de modo precário, eram disponibilizadas aulas de
língua, cultura e costumes da Itália, representando as primeiras escolas da localidade
(BALDESSAR, 1991; VENDRAMINI, 2003).
Na Primeira Guerra Mundial, o governo brasileiro toma medidas para fechar ou
substituir as escolas estrangeiras do sul do país através do Decreto Federal (...) de
1918. Mais tarde, com s acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, o governo
institui a nacionalização das escolas estrangeiras no Brasil, com o Decreto-Lei (...)
de 1938 (VENDRAMINI, 2003, p. 31).
Para melhor contextualizar essas transformações identitárias entre os imigrantes
italianos, é importante ressaltar que uma identidade italiana compreendida conforme os
tempos modernos levou séculos para se formar na Península Itálica, como salientou Bertonha
(2005) ao refletir sobre a configuração espacial e geográfica da península, caracterizada desde
tempos longínquos por ondas imigratórias.
Desde os tempos mais remotos, pessoas, produtos, culturas e exércitos trafegam
pela península. Do norte, pelos passos dos Alpes, vinham agricultores e guerreiros
da Europa Central, tentados pelas férteis terras do vale do Pó. Do sul e do leste,
pelo mar, vinham piratas, imigrantes, comerciantes e invasores dos impérios
orientais e além. Mesmo hoje, o que é a Itália além de um ponto de contato entre o
continente e o mar; entre o mundo cristão ocidental do norte do Mediterrâneo e o
muçulmano do sul e entre o universo latino ao sul dos Alpes e o germânico ao
norte? (BERTONHA, 2005, p. 17).
12
A discriminação no Brasil com descendentes de italianos, alemães e japoneses, em virtude do posicionamento
nacionalista que o presidente Vargas adotou nos anos de ditadura militar, gerou muitas mortes não físicas
como também simbólicas aos que permaneceram identificados, seja através das línguas faladas ou pelas
nacionalidades características de cada país que compunha o eixo (FAVERI, 2004).
13
O autor mencionado descreveu uma estimativa de “italianos” espalhados pelo
mundo
13
, apresentando a forte característica migratória da Itália, presente séculos na
península. Para o autor,
(...) quando falamos da identidade dos descendentes de italianos no mundo hoje,
devemos ter em mente (...) a antiguidade da imigração (com a conseqüente
passagem das gerações) (...). (...) podemos dizer que poucos desses descendentes de
italianos conservam uma pureza’ étnica italiana, falam italiano ou procuram
manter algum vínculo ou contato com a Itália (BERTONHA, 2005, p. 103).
A criação e a busca de uma identidade nacional foi iniciada a partir de novos conceitos
como os de Nação e Estado, criados no período da Revolução Francesa e difundidos por toda
Europa do século XIX. O nacionalismo foi uma conseqüência proveniente (...) ‘do alto’, de
Estados desejosos de conseguir a lealdade de suas populações, e usando os instrumentos
adequados – escola, cultura, serviço militarpara homogenizar a população em torno de uma
língua, uma cultura e uma História” (BERTONHA, 2005, p. 45-46). O referido autor
complementa que o movimento do nacionalismo acarretou lutas sociais reinvindicatórias,
tomando proporções políticas por parte da oposição ao nacionalismo, em especial pela parte
‘debaixo da sociedade’ (idem, p. 46).
Os padres e demais autoridades da igreja católica tiveram uma grande participação em
todo processo de chegada e de assentamento dos imigrantes italianos no Brasil, pois
aprovavam a vinda de famílias católicas para o Sul do Brasil. Com cerca de uma dúzia de
pessoas, as famílias recém-chegadas eram integradas por homens, mulheres e crianças
(VETORETTI, 2001). Após se estabelecerem, os imigrantes italianos insistiram na presença
de um padre italiano na colônia, para apaziguar as diferenças regionais entre os imigrantes
oriundos de províncias italianas que falavam em dialetos diversificados, possuindo modos de
vida distintos uns dos outros, o que ocasionava desentendimentos (OTTO, 2005).
O primeiro pároco de Urussanga foi Luigi Marzano, que chegou à freguesia em
dezembro de 1899. Em 22 de janeiro de 1901 o município foi instalado e em 1902 o mesmo
padre foi nomeado vigário, sendo coadjuvado pelos padres Luigi Gilli e Domenico Bonavero.
Em 1903 o padre Luigi Marzano publicou na Itália um livro sobre a vida dos colonos
13
“Estimativas italianas do ano 2000 indicam que quase 4 milhões de italianos viviam fora das fronteiras
nacionais. Desses, quase 70% estão na Europa, especialmente na Alemanha (660 mil), na Suíça (520 mil) e na
França (370 mil). Outra área de grande presença dos italianos é a América, com mais de 1,1 milhão de italianos
na América do Sul (dos quais quase 500 mil na Argentina, 300 mil no Brasil e 125 mil na Venezuela), 360 mil
no Canadá e nos Estados Unidos e outros 14 mil no México e na América Central” (BERTONHA, 2005, p. 102-
103).
14
italianos, traduzido para o português em 1985 pelo padre João Leonir Dall’Alba, em parceria
com a prefeitura de Urussanga e a UFSC (PANORAMA, 1999).
Os padres vieram para Santa Catarina com a missão de continuarem o trabalho
religioso com os fiéis e fortalecerem nos imigrantes o sentimento de pertencimento à pátria
italiana, fazendo com que a religiosa fosse assimilada à língua de origem e aos modos de
pensar, indo ao encontro do nacionalismo pregado pelo Estado Unificado da Itália. Essa
marca proporcionada pela Igreja entre italianidade e catolicidade tinha a pretensão de
consolidar uma identidade italiana, tantos nos habitantes da Itália quanto nos países de
colonização italiana ancorando a cristã católica. No entanto, disputas de poder entre
autoridades católicas e outras autoridades italianas, estiveram presentes durante o início do
século XX em municípios do Oeste e Sul Catarinense (DOLZAN, 2003; OTTO, 2005).
As escolas coordenadas por padres ou freiras italianas foram mais perseguidas do que
as localizadas nas zonas rurais do município e pressionadas a aderirem ao nacionalismo
brasileiro. “Vários padres que se estabelecem em Urussanga e região são perseguidos,
ameaçados, alguns inclusive são mortos, por não agirem conforme os interesses dos
dirigentes” (VENDRAMINI, 2003, p. 33).
Afirmada com o advento da Unificação Italiana, a identidade italiana foi sendo
construída com a divulgação de uma língua oficial na Itália e também no Brasil e recuperada
pelos brasileiros a partir das comemorações dos 100 anos de imigração italiana dos
municípios colonizados (SAVOLDI, 1998; DOLZAN, 2003; BERTONHA, 2005). Além das
diferenças no próprio ambiente físico das colônias italianas, os imigrantes originavam de
províncias e cidades da região Norte da Itália com usos, costumes e dialetos diversos,
formando municípios no Estado de Santa Catarina com características próprias. “(...) não
havia uma emigração de italianos apenas para o exterior, onde todos se confraternizariam na
qualidade de oriundos do mesmo país, mas de pessoas originárias da península itálica sem
necessariamente forte identidade comum” (BERTONHA, 2005, p. 94-95).
2.1. O Retorno às Origens
15
Após ter passado as duas grandes guerras e chegando ao fim da ditadura militar, a
repressão das manifestações relacionadas à identidade italiana em espaço público,
proporcionava um vazio cultural entre os descendentes de imigrantes italianos.
Da distância para o descaso, não demorou e, em certa época, mostrar-se italiano ou
descendente era ser, na visão de grande parte da população, grosseiro, fora de
moda, sem instrução. Quem quisesse ser chique que não falasse palavras como
“mandolin”, “laurar”, “bambina”, “ragazza” e tantas outras. Comer polenta com
galinha, então, era algo que literalmente denotava mau gosto e caracterizava
pobreza (PANORAMA, 1999, P. 22).
Aproximando-se da data de comemoração dos 100 anos de chegada dos primeiros
imigrantes italianos em Urussanga, o padre Agenor Marques, natural de Palhoça, descendente
de outras origens que não a italiana, escrevia um livro e um hino sobre a história do município
e criava uma bandeira contendo o brasão de Urussanga, que se tornou posteriormente símbolo
turístico. Um movimento conjunto entre sucessivos prefeitos contribuía para o
desenvolvimento cultural em torno dos antepassados italianos e uma série de acontecimentos
trazia à tona as lembranças do passado. Foi construída a Escola de Língua Italiana Padre Luigi
Marzano em 1983, o Complexo Cultural do Parque Municipal, cujo nome é uma homenagem
ao ex-prefeito (Dr. Aldo Cassetari Vieira), surgiam as primeiras associações de descendentes
italianos (1988), a primeira Festa do vinho, em 1984 (PANORAMA, 1999).
Segundo entrevista com o arquiteto responsável pela cultura e turismo do município,
em 1985 Urussanga e Nova Veneza receberam a visita do vice-cônsul italiano Marino
Cervone D’Urso. No ano seguinte, este arquiteto foi convidado a substituir o padre Lípade nas
aulas da Escola de Língua Italiana e organizou entre os alunos o primeiro jantar italiano,
surgindo interesse entre eles de se comunicarem por cartas com italianos, divulgando seus
sobrenomes em busca de parentes na Itália.
O contato por cartas do prefeito de Urussanga com autoridades do município de
Longarone, cidade de onde vieram alguns dos imigrantes italianos estabelecidos no início da
colonização de Urussanga, facilitou a vinda dessas autoridades para a localidade em 1988,
impulsionando um grupo de descendentes de imigrantes italianos a viajarem para a região
Norte da Itália em 1989, com o intuito de conhecer e recuperar a história de seus
antepassados. Essa viagem gerou afinidades entre os descendentes daqui e os italianos de lá,
mas também frustração por parte de algumas pessoas que o foram bem recebidas por seus
parentes.
16
No final de 1988, o prefeito de Erto-Casso e o secretário do prefeito de Longarone,
foram para Urussanga conhecer o bairro de maior expressividade italiana do município, a
localidade de Rio Maior. Segundo relatos de informantes da pesquisa, os visitantes alongaram
seu trajeto para a sede do mesmo e para as demais regiões de colonização italiana do Sul de
Santa Catarina, dentre elas São Joaquim, Frei Rogério, Friburgo, Úbera, indo também à
Argentina. Desta visita, surgiu o convite de criarem laços políticos, culturais e econômicos
entre Urussanga e Longarone, laços esses denominados de Gemellaggio.
O Gemellaggio é a consolidação ou troca política, cultural e econômica entre duas
cidades, sendo uma delas pertencente à Europa. Foi originado após a II Guerra Mundial e as
cidades que o consolidam devem possuir algumas similaridades. No caso de Urussanga, o
Gemellaggio foi realizado entre Longarone, cidade pertencente à província de Belluno,
pertencente à região de Vêneto na Itália, localidade de onde saíram as primeiras famílias de
agricultores italianos para o sul do Brasil, instalando-se em Urussanga. Longarone é a capital
européia do sorvete
14
e referência em indústrias de óculos e móveis. Cabe lembrar que outras
cidades de Santa Catarina possuem elo com cidades italianas e estão unidas pelo
Gemellaggio, entre elas Criciúma, Nova Veneza e Orleans.
Praça Longarone em Urussanga
14
“Os italianos também o grandes apreciadores e fabricantes de sorvetes. O sorvete era conhecido na
Antiguidade, em especial no Oriente Médio, e conta-se que Alexandre, o Grande, apreciava mel e frutas
misturados com neve. Também na antiga Roma, ele era feito com neve, sobretudo do monte Etna, e consta que o
imperador Nero era um grande fã e consumidor. Na Itália moderna, há relatos de consumo de sorvete na Sicília
medieval, rica em frutas e neve, e de hábeis fabricantes de sorvete na Florença do século XVI, os quais
difundiram pela Europa, com outros precursores sicilianos, via Espanha e França, o hábito de apreciar o sorvete.
Também foi um italiano, Giovanni Bosio, que teria introduzido o sorvete nos Estados Unidos em 1770”
(BERTONHA, 2005, p. 246).
17
Desses encontros entre descendentes de italianos com italianos no Brasil e também na
Itália surgiram outros e, assim, muitos descendentes de italianos residentes em Urussanga
buscavam notícias de seus parentes através daqueles que viajavam para a Itália. Em 1991,
com apoio das Associações Italianas, do Gemellagio e da Prefeitura Municipal de Urussanga,
foi realizada uma segunda viagem à Itália, com um grupo de descendentes de imigrantes
italianos, que foi participar do evento do Gemellaggio em Longarone, aproveitando para
conhecer outros pontos turísticos do país. No dia 26 de maio de 1992 foi concluído o
Gemellaggio em Urussanga, projetando o Município nacional e internacionalmente, com a
finalidade de enriquecer os valores da tradição italiana e consolidar a integração dos
“italianos”.
Para a Itália, o interesse no Gemellaggio estava na oferta de mão-de-obra barata e
qualificada para os descendentes de italianos trabalharem nas empresas italianas, além da
divulgação da língua oficial, conjuntamente a uma afirmação da identidade italiana entre os
descendentes.
Monumento de homenagem ao Gemellaggio localizado em Longarone
Do mesmo modo, alguns(mas) italianos(as) m para Urussanga e ficaram/ficam
hospedados(as) nas casas de descendentes residentes em Urussanga, Criciúma e região. Em
outubro de 2006 foi comemorado em Longarone os 15 anos de Gemellaggio e em maio do
ano seguinte a comemoração será em Urussanga, junto com a Festa Ritorno Alle Origine.
Cabe ressaltar que em Urussanga o município está promovendo a abertura para manifestações
de outras descendências além da italiana, nas festas municipais. Exemplo dessa abertura foi na
Festa Ritorno Alle Origine de 2005, quando pela primeira vez foi aberta exposição cultural e
artística dos afros-descendentes oriundos do bairro Santana, e onde também foi ressaltada a
18
importância dos tropeiros na história do município. Com apresentação de danças, shows
musicais, culinária típica e bazar organizado pelos afros-descendentes, a etnia afro-brasileira
foi destacada ao lado da etnia italiana.
Conjuntamente aos 15 anos de Gemellaggio e à Festa Ritorno Alle Origine (chegando
a 10 festas em maio de 2007), as 11 Festas do Vinho caracterizaram a forte influência dos
descendentes de imigrantes italianos na região. Em 2006, na XI Festa do Vinho também
houve manifestação cultural dos afros-descendentes, em especial a culinária típica, mas
prevaleceram em todas as festas as manifestações relacionadas à imigração italiana.
Tanto a Festa do Vinho como a Festa Ritorno Alle Origine são bi-anuais e se
intercalam. A Festa Ritorno Alle Origine, iniciada em 1991 com o Gemellaggio em
Longarone, é realizada em outubro em Longarone e em maio em Urussanga, data da fundação
do município. Em Longarone a festa é celebrada em outubro em homenagem aos
sobreviventes ao desastre ocorrido em 1963, quando desabou uma represa, inundando a
cidade e matando grande parte da população. É como se a cidade tivesse nascido outra vez.
Hoje a cidade não possui construções antigas, porque foram destruídas com o acidente.
Ambas as festas - do Vinho e a Ritorno - são organizadas por diversas associações de
Urussanga, tais como as Associações Italianas
15
, APAE (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais), Lions Clube, Rotary Clube, Grupo de Mulheres Agricultoras, Grupo de Mães,
Vinículas e Vitivinículas de Urussanga, Paraíso da Criança (atual orfanato), entre outras.
Interessados em mão-de-obra para trabalhos em sorveterias espalhadas pela Europa, os
donos de sorveterias italianas de Longarone apresentavam aos descendentes de imigrantes
italianos oportunidades de trabalho durante as temporadas de verão em suas sorveterias,
através de contatos entre as duas cidades.
15
As Associações Italianas foram organizadas a partir da comemoração do Centenário de Urussanga, quando
alguns descendentes de migrantes italianos viram a importância de manifestarem a história de seus antepassados.
Atualmente no município existem a Associação Bellunesi Nel Mondo (fundada em 24.11.1988), o Núcleo
Bergamasso, a Associação Friulana (fundada em 24. 11. 1988), a Associação Trevisana Nel Mondo (27.01.1995)
e o Grupo dos 13.
19
Vista Longarone
A abertura para a obtenção da dupla cidadania
16
facilitou a ida dos descendentes de
imigrantes italianos para a Europa, assim como impulsionou muitas famílias a prontificarem
as documentações
17
necessárias de seus ancestrais para facilitarem suas entradas no Exterior.
Alguns descendentes de imigrantes italianos foram para a Itália com o intuito de se
profissionalizarem e voltarem mais qualificados para o trabalho no município de Urussanga,
mas grande parte vai para Europa e EUA para trabalhar durante a temporada de verão.
Técnicos em turismo e em produção não conseguiram aproveitar os conhecimentos adquiridos
na Itália, assim como no setor da agroindústria, apenas alguns descendentes que foram para
aprender a língua italiana hoje dão aula de língua italiana no município. Desse modo, não
houve intercâmbio tecnológico e comercial entre as duas cidades, mas aconteceram
casamentos realizados entre moradores de diversas regiões da Itália com pessoas oriundas de
Urussanga, encontros festivos, ofertas de trabalho e viagens culturais. Os descendentes de
italianos que vão para Europa trabalhar voltam para o Brasil com capital para investirem em
negócios próprios ou para construírem casas, alguns montaram sua próprias sorveterias na
Europa. Outros estabelecem família na Itália e retornam ao Brasil para visitarem seus
familiares.
16
“Embora date de 1912 a lei que assegura aos descendentes de imigrantes o direito à cidadania italiana, foi
nas últimas décadas que os interessados começaram a pleiteá-la. (...) Até 1994, os cidadãos brasileiros que
optavam pela cidadania italiana, tinham que abrir mão da brasileira. Na prática, isso não acontecia, as pessoas
conservavam as duas cidadanias, correndo o risco de serem descobertas. Com a revisão constitucional de 1994,
foi aprovada a emenda que permite ao cidadão brasileiro manter outra cidadania/ nacionalidade, quando esta for
reconhecida por lei estrangeira” (SAVOLDI, 1998, p. 8).
17
“O reconhecimento da dupla cidadania deriva de um ancestral natural da Itália, que pelo princípio do ‘jus
sanguinis’ concede a seus descendentes (até a quinta geração) o reconhecimento da cidadania italiana”
(FONTANELLA, 2004, p. 61).
20
Segundo Gerusa Fontanella (2004)
Os mais interessados pela dupla cidadania são os agricultores, os operários das
indústrias e os autônomos, que não possuem emprego fixo, além das pessoas que
possuem baixa renda e nenhuma expectativa de crescimento no emprego. Muitos
jovens que estão entrando no mercado de trabalho também se aventuram na busca
de emprego na Europa (FONTANELLA, 2004, p. 63).
Durante a minha adolescência pude presenciar as manifestações das origens italianas
por parte dos descendentes de italianos, que divulgavam o turismo da Região Sul Catarinense
e criavam as Festas Municipais. Acompanhei parte da construção da italianidade e as
transformações ocasionadas, sobretudo na minha família, mas também através da leitura de
jornais, participando de conversas entre conhecidos e ouvindo amigos residentes no
município. Na família, por exemplo, minha avó e sua irmã, ambas residentes em Urussanga,
ingressaram no final da década de 80 no curso de língua italiana, ministrado na Escola de
Língua Italiana Padre Luigi Marzano. Posteriormente, minha avó integrou o Coral Municipal
de Urussanga cantando músicas em italiano e, com sua irmã, ajudou a fundar uma das
associações italianas no município Bellunese nel Mundo. Fizeram parte dos grupos que
realizaram as primeiras viagens para a Itália, participando da comemoração do Gemellaggio
entre os dois municípios, na Itália.
Em 2005 fui a Urussanga com o objetivo de iniciar o trabalho de campo com o
propósito de pesquisar os significados da ascendência italiana entre descendentes dos
imigrantes. Achei pertinente começar o campo já nos primeiros meses de mestrado, para ir me
entrosando com as/os cidadãs/aos de Urussanga. Mesmo indo sempre a Urussanga desde que
nasci, não conhecia tão bem o município e certamente muito ainda falta para poder dizer que
o conheço
18
. Tenho uma rede estabelecida de contatos, mas com o desenrolar da pesquisa, as
redes sociais do município foram se ampliando e ficando mais claras para mim. Procurei
participar de algumas festividades, das quais participavam pessoas de diferentes camadas
sociais, gerações e etnias, e vivenciei um pouco do cotidiano da cidade, hospedada em casas
de parentes, localizadas no bairro central. A seguir, procurarei descrever meus contatos
realizados durante a pesquisa, relatando minhas observações nas festas do município e os
caminhos para chegar aos informantes deste trabalho.
18
“Ninguém sabe tudo, porque não há um tudo para se saber” (GEERTZ, 2001, p. 124).
21
22
3. POR ONDE ANDEI: CAMINHOS METODOLÓGICOS
A etnografia é uma descrição densa do campo e dos sujeitos pesquisados e pressupõe a
interpretação dos relatos feitos pelos sujeitos sobre as questões pertinentes às suas vidas e à
sua “cultura” (GEERTZ, 1998). Para o autor, a tarefa do(a) etnógrafo(a) é dupla, pois visa
“descobrir as estruturas conceptuais” dos sujeitos, o ‘dito’ no discurso social” e “construir
um sistema de análise” próprio dos sujeitos pesquisados (GEERTZ, 1998, p. 19). Para
alcançar as dimensões simbólicas na ação social, o autor aponta a necessidade de “(...)
mergulhar no meio delas” (GEERTZ, 1998, p. 21). Este mergulho é o que se pratica como
trabalho de campo.
Meus contatos realizados durante o ano de 2005 em Urussanga, quando busquei
participar tanto de festas e eventos comemorativos, como freqüentar alguns lugares,
principalmente os localizados no centro do município, foram fundamentais para o
“aquecimento” das entrevistas que se realizaram em 2006.
Desde o início de minhas idas para o campo de pesquisa realizei o que Bronislaw
Malinowski (1976) caracterizou como observação participante, que para Roberto C. de
Oliveira (2000, p. 24) “(...) significa dizer que o pesquisador assume um papel perfeitamente
digerível pela sociedade observada, a ponto de viabilizar uma aceitação se não ótima pelos
membros daquela sociedade, pelo menos afável, de modo a não impedir a necessária
interação”. Participando de eventos públicos e familiares estive observando os modos de vida
dos habitantes do município.
Na observação participante o olhar e a escuta viabilizam o exercício de estranhamento
e familiarização, proposto por Da Matta (1978). Na reflexão de Gilberto Velho (1978, p. 45),
“O processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar
intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a
respeito de fatos, situações”.
Meu campo de pesquisa restringiu-se ao espaço de um município com o qual eu
possuía alguma familiaridade e a pesquisa enfocou uma temática que atravessava minha
própria constituição enquanto sujeito, que compartilhava sentidos sobre a italianidade com
os habitantes de Urussanga. O exercício de estranhamento nesta pesquisa esteve ligado ao
esforço de me distanciar de minha própria identidade étnica”, através de questionamentos
sobre a cultura local
19
, cultura essa que não apenas extrapola aquela localidade em função das
19
“’Local’ é, claramente, um termo ‘relativo’” (GEERTZ, 2001, p. 124).
23
ondas migratórias, das mídias, enfim, das trocas estabelecidas, mas que é constantemente
produzida por sentidos dos quais compartilho
20
. Todos os “demais”, que não possuíam
reciprocidade com esses sentidos foram sendo compreendidos
21
como diferentes daqueles.
A etnografia se torna possível, de acordo com Cláudia Fonseca (1998), pela
interpretação do (a) pesquisador(a) no intuito de compreender diferenças culturais. E neste
ponto, a etnografia (...) consiste no entendimento do outro, qualquer que ele seja”
(ROMANELLI, 1998, p. 122).
Considerando que sou descendente de imigrantes italianos, com família residente na
localidade da pesquisa, estive atenta ao exercício de estranhamento das experiências de
pesquisa também no que se referia às relações familiares, o que incluía reflexões sobre as
relações de gênero e de gerações.
Durante minhas idas a campo pousei na casa de minha a e de minha tia-avó em
Urussanga. Também aconteceu de ficar na casa de meu pai ou de minha irmã em Criciúma. O
fato de ter familiares mais velhos residentes no município auxiliou meus contatos para a
pesquisa, pois tinha um forte referencial familiar, fazendo com que grande parte das pessoas
que eu entrevistava se sentissem mais à vontade para contarem de suas vidas ou passarem
informações referentes à pesquisa.
Morei em Urussanga apenas por seis meses, quando estudei na antiga Escola
Paraíso da Criança, em 1983. Além disso, minhas vivências no município aconteciam durante
as visitas familiares ou para participar das festas municipais. A pesquisa que desenvolvi no
município fez com que eu procurasse também me familiarizar mais com a história de meus
antepassados italianos e compreender como foi sendo construída a italianidade em minha
família, em conjunto com a do município.
O fato de eu não estar o tempo todo no campo, mas de ir e vir de Florianópolis a
Urussanga, restringiu meus contatos de pesquisa. Vejo, no entanto, que os mesmos foram
suficientes para o desenvolvimento da análise. Além disso, acompanhava as notícias de um
dos jornais do município que os familiares guardavam para mim, facilitando a seleção dos
acontecimentos que julgava mais importantes para participar, durante os anos em que fiz o
20
“(...) a cultura (dimensão social), não é algo que se acrescenta ao indivíduo, mas algo que o antecede e o
constitui enquanto sujeito, com suas particularidades, na história de suas relações suas identificações. Estamos
falando de um organismo que nasce em um contexto social, histórico, imerso na cultura e que, no seu
desamparo, se não for cuidado por outros não sobreviverá. No processo de maturação, pela identificação aos
outros, também constituídos nos significantes culturais, vai se individualizando, constituindo-se como sujeito
singular, com uma história de vida, uma sociedade histórica” (LAGO, 2004, p. 74).
21
“(...) Em termos menos figurados, ‘compreender’, no sentido da compreensão, da percepção e do
discernimento, precisa ser distinguido de ’compreender’ no sentido da concordância de opiniões, da união de
sentimentos ou da comunhão de compromissos (...). Devemos aprender a apreender o que não podemos abraçar”
(GEERTZ, 2001, p. 84).
24
trabalho de campo. Quando voltava para minha casa em Florianópolis, elaborava minhas idas
a campo, preparando-me para as próximas visitas.
3.1. As Festas
No ano de 2005, minha primeira ida a Urussanga foi para a IX Festa Ritorno Alle
Origine, da qual já havia participado em anos anteriores, mas fazia alguns anos que não
comparecia. A Festa ocorreu ocasionalmente junto à comemoração do feriado religioso de
Corpus Christi e Urussanga completava 127 anos desde que os primeiros imigrantes italianos
chegaram ali. Os festejos foram entre os dias 26 e 29 de maio, concentrando-se no Parque
Aldo Cassetari Vieira e na Praça Anita Garibaldi
22
.
É de costume, nas grandes festas municipais, o centro da cidade ficar enfeitado com
bandeirinhas com as cores da bandeira italiana colocadas nos postes, assim como as lojas
exporem móveis, roupas, utensílios e relíquias de famílias.
A inauguração oficial da festa foi em frente ao Parque, no final da manhã do dia 26.
Na entrada estava a parte dianteira da locomotiva conhecida por todos como Maria Fumaça.
A inauguração foi iniciada com um público de senhores, senhoras, jovens casais, famílias e
crianças assistindo a apresentação do Coral Municipal, e com um grupo de moças trajadas de
camponesas italianas (com saias longas, camisa, colete e um lenço na cabeça) e duas moças
representando a etnia afro-brasileira (com vestidos longos, largos e coloridos).
Homenagens aos primeiros imigrantes ressaltando as dificuldades que passaram ao
chegarem em Santa Catarina, tais como as mortes de familiares durante a viagem, as doenças
provocadas pela alimentação deficiente e pelas más condições existentes na época foram
prestadas pelo prefeito e o presidente da festa, que falaram dos índios que foram mortos pelos
imigrantes e da disputa pela terra, cujos vencedores foram aqueles que possuíam armas mais
poderosas. Relataram sobre a presente tradição italiana no dia-a-dia em muitas famílias
urussanguenses e sobre as transformações ocorridas ao longo da história do município, entre
elas a participação de outras etnias nas festas municipais, como acontecia pela primeira vez
naquele evento. No final da inauguração oficial, o coral municipal cantou o hino de
Urussanga e todos os presentes louvaram a bandeira do município. Também foi feita uma
22
A construção da Praça foi iniciada em 1932, com inauguração em 1934.
25
homenagem à Maria Fumaça, lembrando da sua função para a economia e o desenvolvimento
do município, que fazia a condução do ouro negro (o carvão) para localidades vizinhas
23
.
Homenagem à Maria Fumaça
Entrando no Parque após a inauguração, dirigi-me à casa típica do colono italiano.
Uma casa pequena, sem repartição, feita de madeira, com uma cerca na varanda, onde havia
algumas cadeiras. Dentro da casa havia uma mesa central, onde estavam colocados alguns
folders com informações turísticas, como a Rota dos Imigrantes Italianos e a Rota dos
Tropeiros
24
, o Turismo Rural da região
25
, restaurantes, cantinas e hospedagens de Urussanga.
No interior da casa havia um forno à lenha, utensílios domésticos como chaleira, panelas e
talheres antigos, entre outros materiais de uso diário dos imigrantes; uma mesa com frutas, um
sofá de madeira e dois murais, um deles contendo o mapa do município e o outro com
fotografias de casas tombadas pelo patrimônio histórico, tiradas por estudantes em um
concurso fotográfico promovido pelo município semanas antes da festa. Havia três mulheres
responsáveis pelas informações turísticas, sendo que uma trabalhava na Prefeitura no setor de
Cultura e outra trabalhava no Conselho Municipal de Turismo do município. Esta foi quem
me deu mais atenção e com quem fiquei conversando por cerca de uns 25 minutos. Em 2006
foi entrevistada junto à família, na residência de sua mãe em Rio Maior.
23
A Construção da Estrada de Ferro Donna Thereza Christina foi iniciada em dezembro de 1880 em Imbituba e
Laguna, inicialmente. A construção do ramal de Urussanga foi iniciada em 1919 e inaugurada em 1925.
24
É um passeio mostrando os principais locais e construções características da cidade e de municípios vizinhos,
tais como Lauro Muller, Morro da Fumaça, Criciúma, Siderópolis, Treviso, Bom Jardim, Orleans e Nova
Veneza.
25
Passando pelo Vale do Rio Maior, bairro localizado ao Norte de Urussanga, abrigando casas antigas tombadas
pelo Patrimônio Histórico de SC e casas de produtos coloniais.
26
Casa modelo do colono italiano
A festa Ritorno Alle Origine é promovida pela Prefeitura Municipal e organizada com
auxílio de associações e instituições privadas. Às duas horas da tarde daquele mesmo dia
estava marcada a procissão do feriado religioso de Corpus Christi e desde cedo havia
pessoas na rua fazendo decorações em tapetes. Em frente à Igreja Matriz, localizada na praça
central, próximo às três horas da tarde, muitas pessoas estavam aguardando o padre sair
para dar início à procissão. Logo de início o padre fez uma parada na praça da cidade, onde há
um monumento do centenário de Urussanga com homenagem póstuma aos primeiros
imigrantes. Ali ele ressaltou que a igreja esteve presente no município desde o início da
colonização. O prefeito fez homenagens aos primeiros imigrantes e, junto com sua mulher,
colocou uma coroa de flores em frente ao monumento, que ali ficou até o último dia da festa.
A procissão seguiu o trajeto dos tapetes rumo ao parque municipal, onde seria celebrada a
missa campal.
27
Procissão de Corpus Christi entrando no Parque Municipal Aldo Cassetari Vieira.
Nesse momento aproveitei para caminhar pelo Parque para conhecer as exposições,
visitando os demais locais. Avistei duas barracas pertencentes a pessoas da etnia afro-
brasileira, que me chamaram a atenção. Uma barraca era denominada de Afro-bazar, onde
vendiam artesanatos que caracterizavam a cultura afro-brasileira e a outra era a barraca da
Pastoral Afro-descendente de Santana, que servia almoço e janta. Fui conversar com o garoto
que estava em frente ao bazar. Ele era natural de Urussanga e morava no Bairro Santana.
Falou-me que naquele bairro de Urussanga moravam muitos afro-descendentes, sendo poucos
os que realizavam atividades de artesanato. Contou-me que achava importante recuperar as
suas origem e tinha orgulho em ser negro, mas muitos de não pensavam o mesmo.
Perguntei se ele sabia sobre a sua procedência, mas ele não soube responder e disse que nunca
havia pensado a respeito. Era um garoto jovem, de 14 anos e seu nome era de origem italiana.
Não cheguei a fazer entrevista gravada com descendentes afros nesta pesquisa de modo a
aprofundar minhas reflexões, mas algumas leituras me auxiliaram a rever minhas observações
em campo e elaborá-las.
Oliveira (2006) relacionando reconhecimento com preconceito marcou que são
variadas as formas assumidas pelo preconceito étnico, mas como característica comum, o
preconceito se mostra como uma barreira ao reconhecimento de si ou ao reconhecimento dos
outros a si no que se refere à identidade étnica. Faz-me refletir que os negros foram
convidados a participarem da Festa Ritorno Alle Origine e a manifestarem suas origens de
modo separado à colonização italiana, demarcando fronteiras entre grupos e etnias. Um ponto
que deve ser mais explorado em futuras pesquisas é a construção da identidade dos afros-
28
descendentes em Urussanga, que residiam em um município com grande número de
descendentes de imigrantes italianos. Do mesmo modo como os negros se concentravam em
residências de um bairro específico no município, também manifestavam suas ascendências
em separado naquela festividade. Será que de algum modo os negros compartilhavam a
italianidade com os descendentes de italianos por morarem num mesmo município,
participando desta construção, fazendo com que as fronteiras entre os grupos de diferentes
origens étnicas não fossem tão rígidas como estavam sendo apresentadas naquela festa?
Resgate das origens africanas
Em seguida entrei no Centro Cultural do Município, uma construção de tijolos à vista,
onde estavam localizadas a Biblioteca Pública Municipal, o Museu Histórico Municipal e a
Escola de Língua Italiana Padre Luigi Marzano, espaço este onde também se realizavam os
pedidos para a retirada da dupla cidadania. Visitei o museu, que estava organizado seguindo a
ordem cronológica dos acontecimentos históricos. Na entrada, exposição de flechas e
utensílios indígenas em pequena quantidade, depois vinham os armamentos (espingardas) dos
italianos, utensílios domésticos, apetrechos de cavalaria, instrumentos musicais, louças,
panelas de ferro, relógios, roupas de guerra, etc. Por fim, um quarto típico italiano, com cama
de casal, sapato, penico, berço, cômoda, etc. Também havia uma grande quantidade de
objetos pertencentes à igreja católica. a biblioteca estava fechada durante o feriado. Voltei
para o local onde estava sendo rezada a missa quando todos cantaram os parabéns para o
município.
29
Voltei ao parque às 20:00 horas com meus primos e fomos até a praça de alimentação,
que ainda não havia visitado. O local é feito especialmente para degustação de vinhos. Existe
exposição e venda de vinhos variados e comidas típicas dos colonos italianos como polenta
com galinha, queijo, salame e outras comidas tipicamente italianas como a lasanha e a pizza.
Uma banda que tocava músicas italianas se apresentava no momento e no centro do galpão
havia uma representação da Torre de Pisa, toda iluminada e rodeada de cartazes com fotos
antigas de algumas famílias de imigrantes. Também havia exposição do concurso fotográfico,
com fotografias de casas pertencentes ao patrimônio histórico do município, igrejas e grutas,
vinhos e uvas.
Demonstração da Torre de Pisa na Praça de Alimentação
Na concha acústica do Parque acontecia uma apresentação do grupo da Pastoral Afro-
santana, que dançava e cantava. No final, o apresentador fez uma declaração, falando da
presença dos negros e sua contribuição positiva para o município, dizendo serem um grupo
importante para Urussanga, elogiando a dança apresentada. Logo após a Orquestra Municipal
de Urussanga tocou algumas músicas e depois seria a apresentação de um cantor de Blumenau
que cantaria em italiano. Importante fazer uma reflexão sobre como foi apresentada a etnia
afro-descendente nesta festa municipal, através de vestimentas buscando representar o “povo
30
africano” e não escravo, comidas, danças e também artesanatos, principalmente objetos que
continham as cores do rastafarismo. Assim como a construção da italianidade foi
constantemente trabalhada no município, também estava sendo reconhecida, de forma
pública, a presença dos afros-descendentes na história do município, como ocorre na Festa das
Etnias
26
em Criciúma, em especial pelo fato de ser esta a cidade catarinense com maior
número de negros em sua população, em 1998 (CAMPOS, 2003).
Apresentação de dança do Grupo Pastoral Afro-Santana
No dia seguinte conversei com uma senhora que estava na barraca da Casa da Mulher
Agricultora. Ela era natural de Urussanga e pertencia ao grupo da Mulher Agricultora 11
anos. Era casada, possuía dois filhos e uma neta. Seu marido era agricultor aposentado e um
filho seu morava em Urussanga. Achei interessante que ela me contou que sua neta de 8 anos,
que morava em Florianópolis com os pais, torcia por um time de futebol italiano. A senhora
me disse que não ligava muito para o fato de ter a dupla cidadania e ser descendente de
italianos, pois sentia muito por seus antepassados, pelo descaso dos italianos com a
emigração, os enganos e toda a dificuldade que passaram. Mesmo sabendo que na época da
emigração para o Brasil a Itália estava passando por problemas econômicos, ela não tinha
26
“(...) a festa foi criada com a intenção de homenagear as etnias colonizadoras de Criciúma: italiana, polonesa,
alemã, negra e portuguesa. Parte desta homenagem havia se edificado, tornada monumento em 1966, quando
se inaugura o monumento do imigrante (ou da primeira mó), localizado na praça do mesmo nome. Naquela
oportunidade uma pedra redonda (em forma de roda de moinho) era sustentada por três colunas que
simbolicamente lembravam as três etnias fundadoras da cidade: italiana, polonesa e alemã. A população negra e
litorânea (chamada etnia portuguesa) não são presentificadas. Porém, em 1980, uma nova homenagem ganha
imponente edificação: o monumento do centenário (conhecido também como das etnias)” (CAMPOS, 2003, p.
28).
31
interesse em conhecer o país e sim em conhecer mais sobre o Brasil. Seus avós (3 deles)
vieram da Itália e somente um deles nasceu no Brasil. Curioso foi ter escutado essa rápida
história de sua família e percebido como as heranças de valores não seguem uma linearidade
geracional, que sua neta valorizava um time de futebol italiano e a senhora que trabalhava
na festa de retorno às origens alegou o se interessar por conhecer os parentes que
permaneceram na Itália, mas certamente respeitava os seus avós imigrantes italianos. Nisso se
faz o trabalho de campo, através das elaborações simbólicas e das reações emocionais de
quem faz pesquisa etnográfica, considerando que as fontes de informação do(a)
pesquisador(a) são paradoxais, pois são acessíveis, mas enganosas e complexas, refletidas no
comportamento e na memória dos sujeitos de pesquisa, como apontou Bronislaw Maninowski
(1976).
Casa da Mulher Agricultora
Ali na barraca conversei também com a Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Urussanga, que estava dois anos no mandato. Foi a primeira mulher presidente
deste sindicato em Urussanga. Contou-me que na Associação de Mulheres Agricultoras
existiam jovens e senhoras que faziam doces e bolachas e organizavam um café colonial todos
os anos, em agosto, para a comunidade, com fluxo próximo de 400 pessoas. No município
existiam 16 associações de trabalhadoras rurais vinculadas a esta e todas produziam para o
32
sustento familiar (produtos como o feijão, milho, fumo, cana) e o restante comercializavam
entre elas nos arredores e nas festas municipais. Contou-me que foi para a Itália e
conheceu o castelo onde seus avós trabalhavam, gostou muito de ir para lá. Hoje em dia é
um local para cursos, explicou-me. Tinha vontade de tirar a dupla cidadania e gostava de ser
descendente de italianos.
No estande da EPAGRI, o informante que trabalhava na área administrativa dessa
instituição contou-me que a EPAGRI promovia os cursos para a Associação das Mulheres
Agricultoras, para que elas se profissionalizassem.
De volta à barraca dos afros-descendentes de Santana, perguntei para homens e
mulheres que serviam comida de quem havia sido a iniciativa daquele estande na festa e me
responderam que o prefeito fez questão de que participassem. No estande ofereciam “vaca
atolada”
27
acompanhada de arroz e salada, e feijoada” no sábado. Entre homens e mulheres
que ali trabalhavam, todos se mostraram felizes com esta abertura. Falaram da presença da
etnia negra na história do município e achavam importante aquele espaço na festa municipal,
em acordo com o discurso dos organizadores da festa que frisavam esse fato inúmeras vezes
nos microfones.
Querendo também observar se estariam sendo representadas outras etnias nesta festa,
uma vez que sabia que os descendentes de italianos não eram os únicos membros de origens
étnicas do município, mas os de maior número, fui pega de surpresa com toda aquela
homenagem aos afros-descendentes e também aos índios que foram mortos. Estranhei a
repetição dos discursos proferidos pelos apresentadores sobre os afro-descendentes. Seria uma
forma de “pedagogia inclusiva”, compensando os anos em que não foram mencionados, que
não foram “incluídos”, ou simplesmente era um posicionamento político que acompanhava o
discurso da diversidade na atualidade? Por não estarmos isolados e como refleti
anteriormente sobre a história da ocupação da Itália e também de Urussanga, penso que o
trabalho de reflexão sobre a questão etnográfica desta pesquisa esteve também relacionado ao
tema da diversidade. Quando se fala em diversidades, estamos nos referindo a inúmeras
diferenças, de gênero, de classe, étnicas, familiares, geracionais, que se misturam nos espaços
sociais, separação que se entre nós e os outros, o que nos leva também às diferenças entre
o eu e o outro. A questão das identidades, de sujeitos e culturais.
Quando na década de 60 o antropólogo Erving Goffman (1975) estudou o estigma,
deteve-se sobre a questão das relações entre o individual e o social, as formas como o
indivíduo vivencia as significações sociais sobre ele e sobre as marcas que o desqualificam
27
Costela de vaca ensopada.
33
nas relações com os outros, incoporando-as ao eu na construção de sua identidade pessoal.
Distinguiu identidade pessoal e identidade social, uma antiga questão das ciências sociais bem
demarcada por Émile Dürkheim, um dos fundadores da sociologia, na separação indivíduo-
sociedade, representações individuais e representações coletivas
28
.
Trabalhando sobre as questões de identidade, etnia e estrutura social, em seus estudos
etnográficos sobre os índios Têrena do Brasil, Roberto Cardoso de Oliveira (1976)
acompanha essa distinção, identidades individuais e identidades culturais, valendo-se da
produção de Erik Erikson (1972) para refletir sobre as identidades individuais, naquilo que
tinham em comum e nas características que as distinguiam das identidades coletivas,
culturais, essas marcadas, segundo Oliveira, pela concepção de Frederik Barth (1976) de
“identidade contrastiva”, forjadas no contraste entre nós e os outros grupos. Dialogando com
Oliveira, Mara Lago (1996) argumenta que tanto identidades culturais quanto identidades
individuais se constroem no contraste entre eu/outro, nós/outros, e na semelhança nós/eu, nos
processos de identificação que constituem o eu e o nós. Assim, as identidades individuais e as
identidades culturais, ambas sociais, relacionais, distinguem-se porque uma se refere ao
sujeito e a outra ao grupo, ao coletivo.
Marcando, com Lago (1996, 1999), a dimensão cultural, social, das identidades dos
sujeitos individuais, passo a me referir à identidade étnica, relacionada ao objeto deste estudo.
No sábado, dia 28 de maio, a comemoração do aniversário do município foi na praça
central de Urussanga. tinha um bolo grande com as velas dos 127 anos do município. O
prefeito da cidade fez um discurso, prestando homenagem às diversas etnias e aos imigrantes
italianos. À tarde teve a gincana dos trabalhadores rurais no Parque Municipal, nomeada em
uma faixa de “II Olimpíadas Coloniais Rurais”. A gincana teve participação exclusiva dos
trabalhadores rurais dos bairros de Urussanga e nela estavam presentes muitos descendentes
de imigrantes italianos, razão porque as falas dos apresentadores alternavam-se entre o
português e um dos dialetos italianos falado no município. Dentre as provas realizadas, todas
eram relacionadas ao trabalho no campo. No meio das provas os (as) integrantes tinham que
tomar um gole de vinho ou suco de uva e comer um pedaço de queijo, polenta ou salame. O
apresentador dava um ar engraçado à brincadeira, acompanhada de músicas italianas. Cada
bairro estava sendo representado com uma cor diferente de camiseta.
Sentada na Concha Acústica do Parque, ao lado de uma senhora, presenciei a gincana
enquanto escutava as histórias que ela me contava de sua família, sobre seus antepassados e
28
Na psicologia, os desdobramentos mais claros dessa discussão podem ser verificados na teoria das
representações sociais, de Serge Moscovici (1978).
34
sua infância. Na prova nomeada por Segon (serrar as árvores) a senhora contou-me que
quando era nova serrou muito tronco de árvore, ajudando seu pai e, mais tarde, seu marido.
Estava casada desde os 15 anos e possuía mais de 50 anos de vida em comum com o
marido. Seus filhos e netos haviam viajado para a Itália e todos em sua família possuíam
dupla cidadania, pois foram seus dois avós quem vieram de lá. Disse-me não ter interesse em
viajar para a Itália e possuía uma irmã que cantava no Coral Municipal, lia e falava quatro
idiomas e se comunicava com os padres que conheceu durante as viagens pela Europa através
da Internet. Durante a prova do Arremesso do queijo o apresentador relatava que os tropeiros
proporcionaram trocas de mercadorias entre o litoral e o planalto, trazendo da Serra do Rio do
Rastro produtos que não eram encontrados em Urussanga, como o queijo, o pinhão, o
charque, a carne de porco, carregando esses produtos nas bruacas das mulas. De volta,
levavam para a Serra açúcar, cachaça e manufaturados da região. A senhora me contou que
lembrava perfeitamente dos tropeiros que ficavam em sua casa quando desciam a serra para
levar à Urussanga alimentos que não havia na cidade, voltando com outras mercadorias
compradas dos italianos. Depois da prova do queijo
29
, na qual ganhava quem arremessava o
queijo mais longe, os tropeiros entraram na Concha Acústica montados em suas mulas. Na
prova do Macarrão o apresentador falava que A massa tinha que ser dura para fazer o
macarrão redondo”, contando o que sua avó dizia, pois na prova, as mulheres tinham que
passar a massa pela máquina. Esta prova era exclusivamente feminina, os homens não podiam
participar, no entanto, o narrador da festa frisou que quando era menino ajudava sua nona a
fazer o macarrão em casa.
Voltei a Urussanga em setembro para assistir a Caminhada Cívica do dia 07 na Praça
Central. Escolhi esta data para ver se teria alguma manifestação em homenagem aos
descendentes de italianos durante o feriado e para freqüentar o Café Colonial organizado pelas
Mulheres Agricultoras Rurais, criando possibilidades para realização de novos contatos. Na
caminhada, entre alunos de pré-escola, ensino fundamental e ensino médio, passaram alunos
da APAE, do coral infantil e da escola de língua italiana do município. Também participaram
da caminhada os clubes Lions, Lions Leo e Rotary, funcionários da Empresa Força e Luz de
Urussanga, representantes da Associação dos Aposentados e Pensionistas, do Movimento dos
Irmãos Agricultores e do Movimento das Mulheres Agricultoras Rurais, entre outros.
Os apresentadores relatavam a história das escolas que passavam, a data de fundação e
o total de alunos. Cada escola ficou responsável por um tema específico. Os temas
selecionados foram paz, cidadania, família, educação, inclusão social e meio ambiente. Houve
29
Um queijo colonial, de formato redondo, pesando em média entre 2 e 3 Kg.
35
uma pequena manifestação de estudantes que batiam em panelas vazias, referindo-se aos
escândalos na política brasileira.
Grupo Teatral “Sempre Avanti” de Rio Maior
Vista da Comemoração do Feriado de 7 de setembro
No café colonial havia famílias com senhoras e crianças e era oferecida uma
diversidade de doces e salgados. Não fiz nenhum contato para a pesquisa naquela ocasião,
mas foi interessante participar deste evento para tomar conhecimento do trabalho realizado
pelas mulheres da Associação.
36
Mesa do Café Colonial organizada pelas Mulheres Agricultoras Rurais do município
Nesta ida a Urussanga aproveitei para ir à Biblioteca Municipal pertencente ao Centro
Cultural, localizado no Parque Municipal Aldo Cassetari. conversei com uma funcionária
da prefeitura, que residia no município cerca de sete anos. Nascida no Rio de Janeiro, seu
pai era nordestino e sua mãe morava em Urussanga, não possuindo antecedentes italianos.
Disse-me que quando foi morar em Urussanga se apaixonou pela história do município.
havia sido guia de turismo de Urussanga, estudara a ngua italiana e na ocasião daquele
encontro dava aula de italiano na escola.
37
Sede do Centro Cultural
Também conversei com Dona Ester, funcionária do setor de dupla cidadania e diretora
da escola de língua italiana, que me contou que esta fora inaugurada em 1983, sendo a
primeira escola de língua italiana de toda a região carbonífera. Freqüentavam-na alunos de
diversas localidades vizinhas, tais como Cocal do Sul, Lauro Muller, Forquilhinas, etc. Disse-
me que uma das propostas do Plano Pluri Anual do Município daquele ano era para o curso
ser gratuito, com gasto pequeno para a taxa de material, pois até então a Escola possuía
vínculo com a Secretaria Estadual de Educação, sem apoio financeiro. Naquele momento, a
escola atendia cerca de 40 alunos adultos e 16 crianças. Sobre o setor de dupla cidadania,
relatou-me que muitas pessoas de Urussanga estavam em Londres, Portugal e Estados Unidos
(principalmente em Boston) sem possuírem a dupla cidadania, na condição de clandestinos.
Ocorria em Criciúma, município próximo a Urussanga, a XVI Festa das Etnias e fui
assistir a inauguração do evento. Havia uma exposição da AMREC, que começava com o
município de Urussanga. Ao lado, estavam as exposições dos municípios de Forquilhinhas,
Nova Veneza, Lauro Muller e Siderópolis. Em outra ala ocorria a abertura da festa com
grupos de danças, onde estavam montados os estandes de culinárias diversas. Na terceira
repartição estavam os restaurantes das etnias, com pessoas vestidas a caráter, e em alguns
deles, painéis exibiam os sobrenomes de famílias. Na frente do restaurante italiano estava
exposto um mural de fotografias e no restaurante dos afros-descendentes se escutava samba.
Na quarta área estavam sendo expostas muitas fotografias de famílias e do município de
Criciúma em diferentes épocas, contando a história da cidade.
38
Antigamente esta festa era chamada de Quermesse de Tradição e Cultura e era
realizada na praça da cidade. Com início em 1989, a festa prestigiava cinco etnias (italiana,
polonesa, alemã, portuguesa e afro), mais tarde foram incluídas a etnia árabe e a espanhola.
Exposição do município de Urussanga na XVI Festa das Etnias em Criciúma
No mês de dezembro retornei à Urussanga e fiz uma visita ao padre Agenor em sua
casa, localizada no alto do morro da Igreja Matriz Eu estava na casa de minha avó vendo
algumas fotografias antigas e demonstrei a ela e a minha tia a vontade de ir visitá-lo. Minha
tia então disse que me acompanharia até lá. O padre, que deixou livros sobre a história de
Urussanga
30
, estava enfermo e indisponível para uma conversa. No momento da visita
participei de uma pequena missa celebrada pelo padre Orlando no quarto em que o padre
Agenor repousava. (O padre Agenor veio a falecer no dia 30 de agosto de 2006). Logo após a
visita, fui ao Paraíso da Criança, atual orfanato, localizado ao lado de sua casa, fundado por
ele. Entramos um pouco e conheci o espaço onde temporariamente, a pedido do Conselho
Tutelar, moravam algumas crianças enquanto esperavam a recuperação de seus pais.
30
Entre eles, A História de Urussanga, 1978.
39
Casa do Padre Agenor
Na descida do morro, em frente à igreja, fui apresentada pela minha tia a um dos
responsáveis pela cultura e turismo no município. Ali conversamos por cerca de uma hora.
Ele se mostrou cansado de seus empreendimentos de 15 anos trabalhando em prol do
Patrimônio Histórico de Urussanga. Contou-me que muita gente ficou chateada com o
tombamento de algumas casas do município que ele providenciara. No seu ponto de vista, os
descendentes de italianos de Urussanga tinham perdido as suas identidades. Estava descrente
com tudo o que investira para a construção de sua pousada e restaurante, pois os moradores de
não valorizavam esses locais, não freqüentavam. Disse que eles tinham vergonha, não
davam o devido valor ao Gemellaggio, não respeitavam o trabalho realizado. Disse-me
também que gostaria que o turismo do município estivesse mais desenvolvido. Mostrou-se
cansado e estava planejando morar um tempo fora da cidade. Falamos que Urussanga não
oferecia oportunidades de trabalho qualificado e que não havia perspectivas para as pessoas.
Ele achava que a identidade italiana havia se perdido, que o Gemellaggio havia sido um
fracasso e tendia a acabar. Pensava que a prefeitura não deveria permitir a venda de crepe e
esfirras nas festas municipais, somente comidas típicas da região, como valorização do
turismo étnico local. Não via mais sentido na Festa do Vinho, uma vez que a Prefeitura
investia apenas em shows nacionais e deixava de investir no que era próprio da cidade.
Contou-me que era o primeiro ano de participação dos afros-descendentes na Festa Ritorno
Alle Origine, mas que convites vinham sendo oferecidos para participarem mais tempo.
Falou-me também que o tombamento das casas era visto pela grande parte da população como
um retardo para o progresso do município. Relatou-me do grande número de associações
italianas no município, mas via que os líderes de uma não interagiam com os das outras e com
isso todas perdiam. Marcamos uma entrevista para o outro dia de manhã na Prefeitura
40
Municipal. Nesta entrevista, que não foi gravada, conversamos sobre a história do
Gemellaggio, da Festa do Vinho e da Festa Ritorno Alle Origine.
Em 2006 fui a Urussanga no mês de janeiro, comemorar o aniversário de minha tia
Paula e, naquela ocasião conversei com algumas pessoas presentes na festa sobre conhecidos
que estavam trabalhando fora do país já há alguns anos e constituindo famílias.
Casa tombada pelo patrimônio histórico
Interior da casa
Retornei à Urussanga no feriado de Páscoa, mas ainda não havia começado a fazer
contatos para entrevistar os sujeitos. Esses foram iniciados no final do mês de abril.
Entendendo a entrevista “como processo e não como produto da pesquisa empírica”,
como apontou Romanelli (1998, p. 125), a realização da pesquisa se deu através da troca de
experiências entre sujeitos e pesquisadora, cujos resultados fizeram parte da “construção de
41
fatos etnográficos”. A entrevista, como um processo que se realiza através da fala, dos gestos
e dos olhares, constitui por si mesma um “produto cultural entre os interlocutores, uma vez
que nos relatos dos informantes são expressas as interpretações sobre suas vivências e a
maneira como pensam viverem futuras situações (ROMANELLI, 1998). Deste modo, os
registros gravados nas entrevistas tornam-se materiais concretos, mas não definitivos, pois
caracterizam um determinado momento dos sujeitos.
No dia 28 de abril foi quando fiz a primeira entrevista gravada. Estava preparada com
o gravador na bolsa e a ocasião favoreceu sua realização. Como possuía familiares residentes
próximos à praça central de Urussanga, fui apresentada a uma informante que era comerciante
e possuía uma loja no subsolo de sua casa. Residente em uma casa tombada pelo patrimônio
histórico e recém restaurada, explicou-me que seu irmão havia adquirido e reformado o
casario. A entrevista foi realizada dentro de sua casa, cujas paredes eram coloridas, as portas
novas, os quartos reformados. Sentadas no sofá da sala, que era ampla e composta por muitas
janelas originais e uma lareira construída com a reforma, conduzi a entrevista. Antes de dar
início à gravação já havia lhe perguntado sobre a casa e sobre suas ascendências. Aquele foi o
momento de decisão no qual estabeleci que estaria entrevistando não apenas descendentes de
italianos, mas também de outras descendências étnicas, como era o caso desta informante,
cujo pai possuía descendência italiana, mas a mãe não. Havia um roteiro pré-estabelecido
comigo que continha algumas temáticas de base para a condução da entrevista, tais como
perguntas sobre os antepassados, seus familiares, trabalho, religião, participações em festas
municipais, se viajou para Itália, se retirou a dupla cidadania, etc. Não segui uma ordem fixa
das perguntas, uma vez que durante a entrevista deixei fluir a seqüência que os sujeitos foram
dando aos seus relatos.
O interesse em entrevistar moradores de Urussanga que descendiam de outras etnias
foi justamente em analisar os sentidos que atribuíam aos movimentos migratórios, festivos e
comemorativos da italianidade no município. Compreendi, a partir de algumas falas dos
sujeitos com os quais entrei em contato, a existência da “comunidade urussanguense” e de
uma certa partilha/ comunhão de sentidos, as quais procurarei demonstrar no decorrer do
trabalho.
Como afirmou Geertz
a história de qualquer povo em separado ou de qualquer povo em conjunto, como
também, a rigor, a história de qualquer pessoa tomada individualmente, tem sido a
história dessa mudança de idéias, em geral devagar, às vezes mais depressa (...) tem
sido a história da mudança dos sistemas de sinais, das formas simbólicas e das
42
tradições culturais. Essas mudançaso (...) levaram a uma mudança de opiniões,
mas a uma mistura delas (GEERTZ, 2001, p. 76)
Os sujeitos
31
da pesquisa foram mulheres e homens de gêneros, gerações classes
sociais diferenciadas, pertencentes a distintos arranjos familiares. A maioria era de
descendência italiana, sendo que alguns entrevistados eram de outras descendências. Como
foi relatado acima, estabeleci contato com sujeitos residentes no município a partir do
primeiro ano de pesquisa, tendo a gravação das entrevistas ficado para o segundo ano do
trabalho de campo. A análise do material obtido ultrapassou as falas dessas entrevistas, uma
vez que considerei as observações e contatos registrados em diário de campo durante todo o
processo de pesquisa.
Foram realizadas entrevistas gravadas com mulheres e homens, de idades que
variavam entre 20 e 89 anos, num total de 23 participantes, sendo 14 mulheres e 9 homens.
Foram escolhidos sujeitos que ocupavam diferentes posições sociais no trabalho e na família,
residentes em áreas rurais e urbanas do município, descendentes de imigrantes italianos e/ou
de outras etnias. Nas áreas rurais tive interesse por sujeitos que trabalhavam no campo e na
área urbana busquei entrevistar sujeitos com experiências de trabalho variadas.
A base de minha pesquisa estava no estudo das diferenças e meu olhar foi direcionado
para as famílias, buscando conhecer um pouco de suas histórias, contadas pelos sujeitos
entrevistados. A partir delas, procurei interpretar como os sujeitos significavam suas
ascendências étnicas e suas relações no contexto familiar. Minhas reflexões, no entanto,
ultrapassaram a esfera familiar, na medida em que busquei participar de diversas
manifestações culturais do município. Sigo com meu olhar para a análise das famílias, o que
inclui a análise de relações de gênero e gerações, entre outras questões que foram trazidas
pelos relatos dos sujeitos.
Quadro dos Sujeitos Entrevistados
31
Para Scott (1999), os sujeitos se constituem através do discurso que é sempre compartilhado. Sendo a
experiência um evento lingüístico e, portanto, coletivo, é através da linguagem que o sujeito encena sua história,
a interpreta e por ela é interpretado.
43
Participantes
das
entrevistas
Idade Estado Civil Profissão Descendência
étnica
Raquel 51 Solteira Funcionária Pública
aposentada
Italiana,
portuguesa e
indígena
Fátima 77 Casada Do lar Portuguesa e
indígena
Ronaldo 78 Casado Aposentado (empregado
em múltiplas funções)
Italiana
Adelaide 86 Solteira Funcionária Pública
aposentada
Italiana
André 82 Viúvo Funcionário Público
aposentado
Italiana
Olga 84 Solteira Aposentada (trabalhadora
da Casa Paróquia)
Italiana
Paula 89 Solteira Professora aposentada Italiana
Beatriz 60 Casada Aposentada (como
lavadeira)
Polaca e
portuguesa
Valdir 60 Casado Aposentado (empregado
em múltiplas funções)
Italiana
Ricardo 20 Solteiro Estudante e comerciante Italiana
Francisco 51 Casado Comerciante, aposentado
(como técnico de
edificações)
Italiana
Vanessa 43 Casada Comerciante Italiana
Valéria 70 Casada Comerciante aposentada Italiana
Jorge --- Divorciado Aposentado (trabalhou
em múltiplas funções)
Italiana
Marília 86 Viúva Agricultora aposentada Italiana
Camila 51 Solteira Funcionária Pública
aposentada
Italiana
Rui 49 Casado Marceneiro Italiana,
alemã,
espanhola e
indígena
Marta 49 Casada Do lar Italiana
Luzia 69 Viúva Agricultora aposentada Italiana
Dulce 70 Casada Agricultora aposentada Italiana
Omar 76 Casado Agricultor aposentado Italiana
Nívea 43 Casada Agricultora Italiana
Hugo 49 Casado Comerciante Italiana
44
3.2 Os Sujeitos da Pesquisa
Raquel
32
era solteira, aposentada e estava com 51 anos de idade. Durante a entrevista
foi me contando que havia viajado três vezes para Itália e achava o país belíssimo para
passear. Nascida em Lauro Muller, havia morado em diferentes lugares durante a sua
infância, tais como em Urussanga, Orleans e Tubarão, mas após ter terminando o magistério
permaneceu em Urussanga. Era ex-vereadora do município e trabalhava um longo período
na Casa Paroquial, sobre a qual apresentava um programa de rádio semanal. Também
trabalhava na loja da família. Contou-me sobre seus antepassados italianos, uma vez que
conhecia sua história, falando-me também de sua própria vida religiosa e de trabalho,
contando que sua aposentadoria era proveniente dos anos em que trabalhara em um órgão
público do município. Falou-me de sua infância, de seus irmãos e sobrinhos. No final da
entrevista, como pude perceber que ela conhecia muitas pessoas residentes no interior de
Urussanga, perguntei a ela se poderia ser minha guia para me conduzir a Belvedere,
localidade em que ela havia me contado que existiam muitos descendentes de italianos e
agricultores rurais. Ela aceitou a proposta e fiquei de marcar uma visita ao local com ela em
outra ocasião. Também conversei rapidamente com os pais de Raquel antes de me despedir,
quando perguntei se gostariam de participar da pesquisa, através de uma entrevista que
realizaríamos em outro dia, e eles concordaram.
Casas tombadas e conservadas, localizadas em volta da Praça Anita Garibaldi
32
Mesmo com o consentimento da grande maioria dos entrevistados para que eu revelasse seus nomes nesta
pesquisa, optei por dar a todos nomes fictícios, uma vez que dois deles pediram para se manterem no anonimato.
45
Na manhã seguinte fui à casa de duas irmãs vizinhas de minha avó, senhoras solteiras,
aposentadas, residentes em uma casa tombada no centro de Urussanga. Ambas estavam com
mais de 80 anos de idade e eram vizinhas de seu irmão de 82 anos, viúvo e aposentado. Na
cozinha da casa delas dei início à conversa com os três irmãos que contaram a história de seus
antepassados. Relataram-me sobre a vinda do pai, tios e avós para o Brasil e alguns fatos de
suas vidas no município. Os três foram respondendo minhas perguntas, construindo suas falas
em conjunto. Também me contavam além do que eu perguntava e, dessa forma, a entrevista
se mesclava entre depoimento e histórias de vidas (QUEIROZ, 1998). Naquela entrevista foi
relatada a rixa entre italianos de províncias diferentes que brigavam por espaços no centro da
região, memórias passadas através das gerações. Falaram dos seus cotidianos, de suas vidas
de trabalho e por fim de seus netos e sobrinhos. Ao encerrar a entrevista, fui conduzida para
conhecer os demais cômodos da casa e fiquei encantada, pois as paredes conservavam a
pintura original e as portas e os móveis antigos mantiveram-se no ambiente. A religiosidade
estava presente nos quartos, sala e corredor com imagens de santos e de Jesus Cristo.
Fachada de casa tombada pelo patrimônio histórico
46
Interior de casa tombada pelo patrimônio histórico
Símbolos religiosos
Durante à tarde fui a Rio Maior (acompanhada de alguns de meus familiares) na casa
de um casal descendente de italianos, em busca de suco de uva artesanal. Depois tirei algumas
fotografias da fachada da igreja do Rio Maior e quando estava saindo um homem se
aproximou e fez o convite para que conhecêssemos a igreja por dentro.
47
Igreja de Pedras de Rio Maior
Mais adiante, de carro, avistamos casas antigas e Paula, minha tia-avó ia apontando
para os lugares e contando algumas histórias de sua vida. em sua casa, sentei-me com ela e
conversamos sobre sua ida para a Itália na comemoração do Gemellaggio em Longarone, no
ano de 1991. Por Paula ser membro de meu grupo familiar, optei por não dar o destaque às
suas falas sobre a família. Especialmente também porque ela se dedicou a relatar suas
experiências sobre as viagens à Itália e as vindas dos italianos a Urussanga, assim como às
atividades para a recuperação da italianidade no município. Foi Paula que me acompanhou à
localidade de Rio Maior, onde realizei entrevistas com pessoas de duas famílias.
No outro dia fui apresentada ao presidente das festas municipais do Vinho e da
Ritorno e combinei de que faria uma entrevista com ele na próxima vez que retornasse a
Urussanga.
Na segunda semana de maio, retornando a Urussanga, fiz uma entrevista com os pais
de Raquel na cozinha da casa deles, pela manhã. Primeiramente conversei com Raquel em sua
loja que perguntou a seu pai se ele gostaria de participar da pesquisa. Ele me conduziu até a
casa deles. Sentamos junto à mesa da cozinha e lá entrevistei dona Fátima e seu Ronaldo. O
marido, que estava com 78 anos, era descendente de imigrantes italianos e natural de
Urussanga. A esposa estava com 77 anos e o possuía descendência italiana, era natural de
Lauro Müller. Durante a entrevista eles me contaram sobre suas infâncias, trabalhos e vida de
casados. Ele contou-me a respeito de seus pais e avós italianos, sobre a imigração e a
educação que teve deles. Ela me disse sobre seu contato com a sogra e da viagem de romaria
que fizeram para a Itália, presente ganho de Raquel. Seu Ronaldo ajudou-a a contar aquela
experiência. Ela relatou-me muito breve sobre seus antepassados e disse-me que perdeu
48
contato, não sabendo se existia algum tio ainda vivo e mostrou o ter certeza de suas
ascendências. No fim falaram-me dos netos e da relação que mantinham com eles. Possuíam
uma neta que estava morando na Itália.
De tarde marquei por telefone com seu Valdir a realização de uma entrevista com ele e
sua esposa no final do dia, em sua casa. Era um casal de conhecidos, como tantos outros
existente por lá, mas fiz o convite para eles por pertencerem às camadas populares do
município, sendo meu objetivo da pesquisa entrevistar sujeitos de diferentes classes sociais.
Ao entardecer, entrevistei-os em sua residência. O casal possuía duas filhas, sendo que a
solteira morava com eles e a outra era casada. Durante a entrevista falamos dos seus
ascendentes familiares, das festas de Urussanga e de alguns aspectos da vida do casal. Seu
Valdir estava com 60 anos, nasceu no Bairro da Estação, em Urussanga, e era descendente de
imigrantes italianos Começou a trabalhar aos 13 anos na britagem do minério fluorita.
estava aposentado, trabalhara de motorista, açougueiro, caminhoneiro, mas continuava
exercendo algumas atividades. Na escola, cursou o ensino fundamental, mas não concluiu.
Possuía 12 irmãos. Dona Beatriz era natural de Santana, bairro de Urussanga e não possuía
descendência italiana. Era descendente de poloneses por parte de pai e de brasileiros
(português com índio) pela e. Lavou roupa durante muitos anos de sua vida e logo cedo
parou de estudar para ajudar na educação dos irmãos. Teve duas irmãs e quatro irmãos.
Gravei toda a entrevista e contemplei as perguntas chaves da pesquisa. Deixei que falassem de
suas memórias, ora perguntando pra um, ora pra outro, assim eles foram me contando sobre
suas vidas.
Na manhã do dia 16 de maio, passei no posto de gasolina pertencente ao Presidente
das festas do Vinho e da Ritorno Alle Origine e falei com sua esposa. O filho mais velho do
casal havia chegado naquela madrugada de um intercâmbio cultural de 20 dias na Itália, para
conhecer a história do país. Viajou com um grupo de descendentes de italianos da América
Latina e a viagem foi financiada pela Itália. Com 20 anos de idade, Ricardo concedeu-me uma
entrevista dentro da loja de conveniência do posto de gasolina. Ele estudou cinco anos na
escola de língua italiana do município, tendo iniciado os estudos quando criança. Era técnico
em cerâmica e estava cursando engenharia civil na UNESC, em Criciúma. De tarde entrevistei
seus pais no mesmo local.
Seu Francisco, pai de Ricardo e de Flávio, estava com 51 anos e era natural de
Urussanga. Fez curso cnico em Florianópolis e era aposentado pela empresa de cerâmicas
Eliane. Abriu seu próprio negócio, dirigindo com a família o posto de gasolina. anos
também trabalhava com a apicultura, tendo passado pelo cargo de presidente na Associação
49
dos Apicultores. Há muito tempo ele se interessou em buscar informações sobre a história de
sua família e trabalhou em prol da valorização e do incentivo da história da imigração italiana
no município. Durante a entrevista que realizei com ele, seu Francisco foi me contando
algumas histórias de seus antepassados italianos, como a do avô imigrante que ajudou a
construir algumas igrejas de Urussanga e localidades vizinhas. Relatou-me sobre o
revigoramento do sentimento de pertença à etnia italiana no município após o centenário,
período em que voltava de seus estudos em Florianópolis, participando dos movimentos
culturais da construção da italianidade em Urussanga. Indaguei sobre as relações em sua
família, sobre a presidência das festas municipais e ele aproveitou para me contar sobre o
Gemellaggio de Urussanga e Longarone. Não havia retirado a dupla cidadania, mas foi ele
quem organizou os documentos dos antepassados, cedendo-os para os familiares.
Em seguida entrevistei sua esposa Vanessa, que estava com 43 anos. Era formada em
pedagogia, possuía uma serraria em sociedade com um irmão mais de 10 anos em
município próximo e há quatro estava trabalhando no posto de gasolina com a família. Ela era
descendente de imigrantes italianos, tanto por parte de pai como por parte de mãe. Trabalhava
também junto ao marido na organização das festas, mas havia participado anteriormente
como voluntária em rias barracas. Contou-me dos almoços na casa de sua mãe aos
domingos e feriados, aonde se encontravam com toda a família, da sua relação em casa com o
marido e os filhos e das lembranças que tinha de seus antepassados. Estava programando
viajar naquele ano pela primeira vez para a Itália para a comemoração dos 15 anos do
Gemellaggio. Desta vez entrevistei cada componente da família separadamente, que eles
estavam trabalhando e precisavam de alguém para cuidar do posto. Aproveitei as falas de um
deles, em algumas ocasiões, para perguntar para os demais sobre os modos como a família se
relacionava.
No início de junho retornei a Urussanga e marquei com Raquel de fazermos uma
visita no interior do município. Naquele dia fui ao Rio Maior ver se encontrava a casa dos
senhores que vendiam suco de Uva artesanal, mas não soube achar. Parei na casa de minha
tia-avó e conversei com uma mulher que trabalhava. Ela residia no Rio Salto, bairro de
Urussanga e disse-me que aonde morava existiam uns italianos de “pés rachados” (querendo
dizer italianos que andavam descalços, que viviam da roça), mas não foi possível ir até lá.
Convidei a minha tia para irmos à Rio Maior comprar o suco de uva e fazermos contato para
uma entrevista. chegando o casal não estava e a senhora que nos atendeu me indicou
algumas pessoas para que eu pudesse entrevistar. Compramos o suco e voltamos para a praça
do centro de Urussanga, onde estavam expostas as barracas da feira, que expunham seus
50
produtos coloniais nas sextas-feiras durante o dia (tais como bolachas, pão, queijo, salame,
doces, geléias, etc). Uma das barracas era de pessoas residentes no Bairro Santaninha. Fui
conversar com eles e peguei o telefone da senhora e as referências de onde morava para
marcar uma eventual entrevista. Não tendo quem pudesse me acompanhar e sabendo ser
difícil chegar à localidade de Santaninha sem um guia, resolvi ir com minha tia no dia
seguinte à Rio Maior.
No outro dia paramos perto da igreja, em frente a uma barraca de produtos coloniais e
ela avistou um senhor e o chamou. Lembrou-se que ele havia sido prefeito da cidade e
apresentou-me. Ele disse para eu ir à casa de sua irmã e que, se eu voltasse no outro dia,
conversaria um pouco. Então fomos à casa da irmã. Ela ficou muito feliz ao ver minha tia,
convidando-nos a entrar. Sua casa era nova, localizada próxima a igreja de pedras de Rio
Maior. Conversamos na sala de sua casa e contei a ela sobre minha pesquisa. Então dona
Valéria foi ao computador mostrar algumas fotos que havia tirado em uma viagem para a
Europa, quando conheceu lugares na Itália, Holanda e Alemanha. Ela nos mostrou algumas
fotos de Longarone, Casso, Padova, Verona e Roma na Itália e sorveterias na Alemanha, onde
trabalhavam alguns de seus conhecidos de Urussanga. Nas fotografias estavam pessoas de
Urussanga, amigos que fez na Itália, alguns que vieram a Urussanga nas festas do
Gemellaggio, entre outros. Ao perguntar sobre uma mulher afro-descendente na fotografia,
contou-me que trabalhava como doméstica em sua casa e havia conhecido um italiano em
uma das visitas deste a Urussanga. Casou-se com ele e moravam na Itália.
Dona Valéria contou-me que estava programando ir para Longarone nas
comemorações dos 15 anos do Gemellaggio, em outubro de 2006. 15 anos abrigava
italianos em sua casa nas épocas de festas e férias e mantinha contato com amigos italianos
através da Internet, cartas, Messenger
33
, contatos estes iniciados por seu pai muitos anos e
também estabelecidos por ela na sua viagem à Europa. Fez duas vezes o curso de italiano no
município e foi uma das primeiras a retirar a dupla cidadania em Urussanga. Todos os seus
irmãos também haviam retirado. Trabalhou como secretária na Associação Friulana, era
descendente de italianos pelos quatro ramos da família e seu marido era descendente de índio,
afro e espanhol, oriundo de região vizinha de Urussanga. Segundo ela me contou, sua filha,
assim como o pai, não se interessava por viagens, mas já havia morado durante cinco anos nos
EUA. Depois de conversarmos um pouco, agendamos um retorno meu no dia seguinte em sua
casa, quando faríamos uma entrevista e sairíamos depois para fazer entrevistas em outras
casas, às quais ela me levaria.
33
Mensagens instantâneas via Internet.
51
À tarde daquele dia fui com Raquel para Belvedere. Não conhecia (ou não lembrava)
daquele lugar. Fomos na casa da Dona Luzia, irmã de um falecido tenor catarinense.
Chegando ela nos recebeu com seus netos de 9 e 10 anos. Estava de chapéu de palha e o
deixou descansando na parede. Na cozinha, o rádio antigo estava ligado e o fogão queimava a
lenha. Gravamos entrevista ali após eu pedir para desligar o rádio, por causa do barulho na
gravação.
Dona Luzia nasceu no interior de Urussanga e após se casar foi para Lauro Muller,
onde morou por 16 anos, retornando a Urussanga. Era viúva, teve 9 filhos e estava com 13
netos. Aposentou-se como agricultora rural, mas ainda trabalhava junto com a sua família na
criação de pintinhos para uma empresa grande de um município vizinho, ordenhava vacas,
plantava milho e cana-de-açúcar. Falamos sobre a sua família, das poucas histórias que ela se
lembrava do que contavam sobre seus bisavôs que vieram da Itália, e da época em que ela e
seus irmãos moravam com os pais e avós, tios e primos em uma só casa.
No final da entrevista, quando estava escurecendo, dona Luzia me indicou uma
família que morava próxima de sua residência, que era descendente de imigrantes italianos,
cujos pais falavam o dialeto bergamasco. Fomos para a casa desta família, que Raquel
também conhecia, distante 100 metros da casa de dona Luzia. Naquela região existiam
famílias bergamascas, como eles se referiam e, até aquele momento, eu não sabia da
existência desse dialeto.
Chegando em frente à casa, uma senhora de chapelão estava subindo o morro e me
cumprimentou. Saímos do carro, ela abraçou a Raquel perguntando se o padre Agenor havia
morrido. Raquel negou e me apresentou a ela, então entramos em sua casa. Seu marido estava
de saída e participou do início da entrevista, mostrando-me a diferença do dialeto
bergamasco para o vêneto. Na casa estava a senhora, uma filha e um filho com a esposa.
Fiquei sentada junto à mesa da cozinha com dona Dulce, que me concedeu a entrevista, da
qual Raquel também participou.
Dona Dulce estava com 70 anos de idade e seu marido, seu Omar, com 76. Juntos
possuíam cinco filhos e 9 netos. Ela era agricultora aposentada e ele era também agricultor,
mas havia se aposentado por tempo de trabalho na mina de carvão. A família criava gado,
porco e galinha e plantava milho e cana para alimentá-los. Vendiam principalmente o leite.
Desde os 10 anos ela já trabalhava na agricultura. Pertencia ao Grupo de Mães, que expunha
trabalhos manuais nas festas municipais, tais como o macramé em toalhas. Assistiu a ultima
Gincana dos Trabalhadores Rurais na Festa da Ritorno de 2005, mas não era sempre que
podia participar das festividades. Foi membro do sindicato das trabalhadoras rurais, mas não
52
compareceu ao café colonial organizado pelas líderes. No final sua nora e o seu filho
participaram da entrevista, falando um pouco sobre a relação de casal.
No outro dia, domingo à tarde, fui para Urussanga, na casa de dona Valéria que estava
com 70 anos de idade. Quando a entrevistava chegou seu irmão Jorge, ex-prefeito de
Urussanga, que também participou da conversa, mas como se sentaram longe um do outro,
parte de sua entrevista foi perdida. O marido de dona Valéria, natural de Orleans, preferiu não
participar da entrevista.
Depois de um lanche fui com dona Valéria em uma casa próxima à dela. Lá entrevistei
mais uma família, com a presença da e, duas de suas filhas e o genro. Sentada na sala de
visitas daquela casa, onde estavam quando cheguei, gravei a entrevista. Comecei
entrevistando a mãe de 86 anos que foi me contado do seu tempo de criança. Durante suas
falas, as filhas e o genro ajudavam-na a contar as histórias. Após as falas de dona Marília, sua
filha Camila que era a Conselheira de Turismo do município, relatou-me sobre sérios
problemas na localidade do Rio Maior, em função de uma pedrita que estava danificando o
ecossistema da região e dificultando o trabalho de muitos moradores na terra, em decorrência
dos abalos e dos fortes ruídos das explosões de pedras. Mostrou-me o problema de rachadura
em muitas casas da região, casas estas tombadas pela prefeitura como patrimônio histórico de
Urussanga. Aposentada pelo Banco, liderava um grupo de teatro “Sempre Avantino bairro.
No grupo apresentavam danças e vestimentas típicas dos colonizadores de Urussanga.
Ela havia viajado algumas vezes para a Itália e contou-me um pouco sobre suas idas. Era
solteira e morara por muitos anos em Criciúma. Seu cunhado, marido da sua irmã Marta, que
estava acompanhado de sua esposa, fazia algumas colocações durante as entrevistas ajudando-
as nos relatos. Marta permaneceu conosco somente no início da entrevista de sua mãe e
retornou no final, com o chamado do marido, quando eu perguntei sobre sua família.
Possuíam dois filhos, e me contaram um pouco sobre seus trabalhos, suas vidas de casados e a
relação que estabeleciam com eles. Destes falaram-me da “bagagem” italiana que carregavam
de sua avó e das identificações com a descendência italiana. Rui, o genro, era proveniente de
outras descendências que não a italiana e relatou-me sobre o convívio de seus filhos com
aquela a em Rio Maior e suas futuras escolhas profissionais, baseadas nas experiências
vivenciadas naquela localidade. Em conjunto, relataram-me sobre a primeira visita dos
italianos para Urussanga, quando alguns se hospedaram naquela casa.
Tomei café com eles na cozinha depois da entrevista, enquanto me mostravam
fotografias antigas dos imigrantes italianos. Todos ficaram em volta de uma mesa grande farta
em alimentos.
53
Em agosto de 2006 fui participar da Festa do Vinho e o clima estava mais quente que
de costume. Normalmente nesta época do ano em Urussanga faz muito frio. O diferencial
entre este evento e Festa da Ritorno Alle Origine estava no número de pessoas que
freqüentaram as festas, uma vez que na Festa do Vinho ocorreram apresentações de shows
nacionais e não foi dada tanta ênfase para as exposições culturais do município. Achei que
nesta festa não teve um público tão grande como nas outras das quais havia participado,
mas como sempre, o maior movimento se deu à noite devido aos shows musicais.
Estande de vinícola localizado na Praça de Alimentação
Um grande atrativo cultural desta festa é o desfile em frente à Praça Central, onde são
apresentados aos visitantes e cidadãos de Urussanga, um pouco sobre as vinícolas e
vitivinícolas da cidade, a história da imigração e ocupação dos espaços. A rainha e as
princesas da festa desfilaram, assim como algumas associações do município. Os afros-
descendentes também fizeram parte do desfile representando as origens africanas, assim como
ocorreram apresentações de descendentes de alemães e outras etnias presentes também nas
cidades vizinhas. O município de Orleans teve destaque no desfile. Encontrei amigos de
infância, familiares e conhecidos durante os dias que estive lá, mas fiz poucos contatos
referentes à pesquisa.
54
Representação da uva e do vinho
A festa da Colheita
Descendentes de africanos
55
É visível que em Urussanga, assim como em outros municípios catarinenses (porém
me aterei a esse) a “ampliação” da dimensão espacial/ subjetiva de muitos dos descendentes
que foram/ viajaram para a então sonhada “cocagna” agora o país de origem e não mais o
Brasil, país de chegada dos imigrantes. Essa abertura para o país italiano possibilitou
experiências que foram narradas pelos viajantes para os demais descendentes residentes no
município e assim criaram-se redes de informações entre os que foram para lá, como também
com os que escutavam essas experiências contadas e recontadas inúmeras vezes. As
comemorações do Gemellaggio, as festas em Urussanga que comemoravam a visita dos
italianos para o interior do Estado e as divulgações desses acontecimentos em diversas mídias,
também foram maneiras de elaboração dessas mudanças nos modos de planejarem suas vidas
no município, ou fora dele.
Experiências menos satisfatórias de encontros com parentes italianos que não se
interessaram por essa aproximação, também ocorreram com alguns informantes dessa
pesquisa.
56
4. ALGUMAS REFLEXÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE DAS
ENTREVISTAS.
4.1 Identidade e Etnicidade
Oliveira (2006) chamou a atenção para as relações entre identidade cultural e
etnicidade. Reportando-se ao Seminário L’identitè organizado por Lèvi-Strauss e Jean-Marie
Benoist na década de 70 na França, Oliveira (2006) lembra que as concepções teóricas sobre o
conceito de identidade eram híbridas entre os participantes, sendo poucos os que traziam à
reflexão o tema da etnicidade. As discussões étnicas que atravessaram a temática da
identidade, mesmo sendo pouco abordadas no seminário, foram no entanto importantes para o
entendimento do tema da etnicidade.
Para Oliveira (2006) a etnicidade é uma característica presente em grupos de
imigrantes diferenciados que, fora de seus territórios de origem, se apropriam de novos
espaços e se identificavam como um grupo comum.
Nessa mesma linha, Gláucia de O. Assis (2003), ao pesquisar sobre migração de
homens e mulheres da localidade de Criciúma para os EUA e para a Itália, marcou a
importância que a rede social e a família tiveram para os migrantes, discorrendo sobre as
formações de novas identidades em função da migração. Referindo-se aos estudos étnicos
realizados na sociedade americana, nas décadas de 60 e 70 do século passado, época de início
significativo do fluxo migratório de brasileiros para os EUA, a autora explicou que
A partir da constatação de que os grupos imigrantes tornavam-se grupos étnicos e
de que, portanto, as diferenças não estavam sendo diluídas e sim reafirmadas, o
conceito de etnicidade passaria a problematizar e a instrumentalizar análises sobre
permanências e rupturas das identidades no contexto da migração. (...) a etnicidade
era vista como uma fonte de solidariedade no grupo migrante (ASSIS, 2003, p.
204).
Manuela C. Cunha (1986) entende a etnicidade como uma forma de organização
política e também uma forma de distinção grupal. Para a autora, existe a necessidade dos
próprios grupos étnicos perceberem a dinâmica e a produção cultural realizada por eles.
Desse modo, existem identidades étnicas quando é possível a construção de elementos
57
semelhantes dentro de um grupo. O outro passa a ser o mesmo e, para isso é necessária uma
cultura repleta de sentidos compartilhados.
De acordo com Maria E. Domingues (2004), é preciso observar no estudo de grupos
étnicos suas transformações sócio-históricas, uma vez que as interações sociais dão
movimento e visibilidade ao caráter étnico de um grupo. Os grupos, para a autora, delimitam
barreiras simbólicas e, a partir destas diferentes maneiras de comunicação, dão forma à sua
etnicidade. Comentando “o mito da origem comum” a autora, que estudou afro-descendentes
na Argentina, frisou que
(...) os fatores que definem a etnicidade o podem ser numerados de uma vez e
para sempre de um modo universal: a ordem sob a qual se estruturam em cada caso
também varia segundo as circunstâncias, podendo alterar a hierarquização de
critérios com que um grupo define seus limites e quem o integra ou não ao longo de
sua existência (DOMINGUES, 2004, p. 39-40).
Márcia S. de Souza (2004) escrevendo sobre memória e etnia, ressaltou que nos casos
dos descendentes de italianos e alemães imigrantes no Brasil, os velhos tiveram um papel
fundamental na preservação da cultura e das tradições étnicas de seus povos, através do relato
de suas histórias, do que viveram em outros países e do que escutaram de seus antepassados.
Tais questões demonstram a importância das diferenças geracionais entre os sujeitos, na
transmissão e afirmação das características étnicas de um grupo. A autora chamou a atenção
para o modo de ocupação dos imigrantes, que procuravam se aproximar para perpetuarem os
hábitos, a língua de origem, e criarem laços de amizade.
Com relação ao entrelaçamento das concepções identidade e cultura, mesmo
ocorrendo o paradoxo de serem categorias complementares e também autônomas e apesar da
complexidade que envolve essas questões, o primeiro estudo de Oliveira já apontava que em
culturas transformadas, como no caso da colonização do Brasil, permaneciam entre os índios
Tênera as identificações étnicas com seus grupos de origem. Concluiu que as transformações
culturais nem sempre são acompanhadas por mudanças identitárias nos sujeitos. Estudos
relacionados a grupos de afro-descendentes ou de imigrantes no Brasil, sobre o
reconhecimento de suas identidades étnicas, são tão importantes, para Oliveira (2006), quanto
os estudos sobre os índios, para comparações entre si.
Cláudia Wasserman (2001), escrevendo sobre identidade salientou que esta sofre um
processo de transição, mutação e flexibilização compatível com o tempo e o espaço de um
determinado grupo e seus membros. Aliada ao sentimento de pertencimento, para a autora a
identidade é sempre simbólica e abstrata. As compatibilidades religiosas, étnicas, deneros
58
são alguns fragmentos que compõem as identidades coletivas. “São as disputas em torno da
criação do hino, da bandeira, do patrono, da materialização do herói, e o modo de utilização
desses símbolos ao longo da história que configuram os processos identitários prioritários em
uma sociedade” (WASSERMAN, 2001, p. 10).
Ressalto também o conceito de identidade social trabalhado por Giralda Seyferth
(1994-1995), que a compreende em sua pluralidade, uma vez que é acionada pelo indivíduo
e/ou grupo em múltiplas dimensões e se constrói nas relações sociais. Para a autora, a
identidade étnica é mais um dos atributos da identidade social.
Conforme Oliveira (2006), os sujeitos procuram pelo reconhecimento dos outros na
formação de suas identidades étnicas, movidos pela moral do reconhecimento. Observou, no
entanto, que os sujeitos devem primeiramente alcançar o auto-respeito às suas origens para
depois reivindicarem o respeito alheio a elas.
4.2 A Questão do Preconceito
O Brasil, caracterizado como um país com classes, etnias, raças e culturas
diversificadas, vivencia desde o século XIX uma crescente mobilidade nas concepções
sociais, produzidas na academia, nas diferentes militâncias e mídias.
O preconceito racial, também entendido como preconceito de cor ou racismo,
combatido através da luta pela cidadania e pelo respeito aos direitos humanos, é um discurso
fundamentado pela hierarquia que classifica os sujeitos, priorizando os brancos e
desfavorecendo os negros ou mestiços.
Gomes (2003), trazendo a reflexão sobre a migração de negros norte-americanos para
o Estado do Mato Grosso no fim da década de 1910, demonstrou os diferentes
posicionamentos sobre a questão do preconceito racial no Brasil, questionando a polissemia
dos sentidos conferidos à miscigenação e à idéia de democracia racial em pleno século XIX.
Guimarães (2004) estudou a história do preconceito de cor e do racismo no Brasil
durante a década de 1940 e nos anos 70. Enfocando a época moderna do racismo dos anos de
1870, cuja idéia era baseada “(...) na diferença biológica, na natureza e na constituição mesma
do ser humano”, o autor apontou o surgimento do racismo na política brasileira, enquanto
doutrina científica, “(...) quando se avizinha a abolição da escravatura e, conseqüentemente, a
59
igualdade política e formal entre todos os brasileiros, e mesmo entre estes e os africanos
escravizados” (GUIMARÃES, 2004)
34
.
Para o autor, o racismo no Brasil não era apenas uma
“(...) reação à igualdade legal entre cidadãos formais, que se instalava com o fim da
escravidão; foi também o modo como as elites intelectuais, principalmente aquelas
localizadas em Salvador e Recife, reagiam às desigualdades regionais crescentes
que se avolumavam entre o Norte e o Sul do país, em decorrência da decadência do
açúcar e da prosperidade trazida pelo café. (GUIMARÃES, 2004)
35
Propagando-se para o Rio de Janeiro e para São Paulo, o racismo tomou outras
dimensões, como salientou o autor, e então
(...) diferentes versões do “embranquecimento”, subsidiando desde as políticas de
imigração, que pretendiam a substituição pura e simples da mão de obra negra por
imigrantes europeus, até as teorias de miscigenação que pregavam a lenta mais
contínua fixação pela população brasileira de caracteres mentais, somáticos,
psicológicos, culturais da raça branca (...) (GUIMARÃES, 2004)
36
.
Desse modo, a história do racismo no Brasil foi iniciada no período colonial com a
dominação dos brancos e a escravidão de negros e índios, mas foi principalmente a partir do
século XIX que intelectuais de dentro e fora do país propagaram pela literatura e pelas artes
em geral, como também através de estudos acadêmicos, o discurso da inexistência de
preconceito racial no Brasil, apresentando a miscigenação como aparato ideológico que
camuflava a discriminação.
Nas palavras de Pinho (2004), a mestiçagem vinha representar o símbolo da
mobilidade social, da urbanização e modernização da sociedade. Ao mesmo tempo, o mestiço
era visto
“(...) como objeto indeterminado, incapaz de propor-se como um sujeito. Este
objeto, o mestiço ou a cultura miscigenada, está eivado de componentes raciais e de
controle social, é por outro lado, parte da estratégia de bio-poder características das
formações sociais latino-americanas” (PINHO, 2004)
37
.
Segundo o autor, o abandono da categoria raça e a utilização de cultura foi introduzida
por intelectuais brasileiros que pretendiam de algum modo equiparar o povo miscigenado, em
sua maioria, aos brancos europeus. Geraram então, através da assimilação ou aculturação, a
34
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
35
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
36
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
37
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
60
face do racismo, produzindo “(...) um povo adequado aos imperativos da civilização ou do
progresso” (PINHO, 2004)
38
.
Oliveira Filho (2005) estudou as formações discursivas sobre o mestiço mulato ou
mulata -vinculado aos conceitos de raça, sexualidade e identidade nacional, comparando-as à
classificação de raças nos EUA, que segue o modelo bipolar de raça negra ou raça branca. No
Brasil a classificação racial é multipolar, “Indivíduos com antepassados negros podem ser
negros, mas também podem ser mulatos, morenos, pardos, de cor, brancos, etc
39
.
Similares ao racismo, outras formas de preconceito e discriminação estão associadas
às condições de diferenças. Sobre essas temáticas Bandeira e Batista (2002) acrescentaram a
reflexão da violência. Segundo as autoras,
“Hoje em dia se divide a população brasileira em negros e brancos, ricos e pobres,
mulheres e homens, etc., não como signo do direito à diferença, mas como signo de
suspeição. Tais divisões remetem a uma violência moral exercida nem sempre de
maneira explícita ou visível na relação com o outro, mas muitas vezes recoberta por
boas intenções” (BANDEIRA; BATISTA, 2002)
40
.
As manifestações afirmativas que trabalham o orgulho das ditas ‘minorias’, tais como
negros, mulheres, homossexuais e indígenas, revelam a existência de preconceitos,
discriminações e exclusões na sociedade. Sejam preconceitos de gênero, de cor ou de classe,
esses se manifestam nos variados espaços sociais.
Fazem-se presentes em imagens, linguagens, nas marcas corporais e psicológicas
de homem e de mulheres, nos gestos, nos espaços, singularizando-os e atribuindo
qualitativos identitários, hierarquias e poderes diferenciais, diversamente
valorizados, com lógicas de inclusões-exclusões conseqüentes, porque geralmente
associados a situações de apreciação-depreciação/desgraça (BANDEIRA;
BATISTA, 2002)
41
.
Imbuído nas relações de poder sobre aquele que é objeto da diferença, o preconceito
existe nas relações sociais e resulta de uma valorização negativa da imagem do outro.
4.3 Gênero
38
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
39
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
40
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
41
Disponível em: <http:// www.scielo.br>. Acesso em 22 dez. de 2006.
61
Homens e mulheres vivenciam historicamente discriminações relacionadas aos modos
naturalizados de hierarquização do masculino em relação ao feminino. Estudos sobre
mulheres e os estudos de gênero sempre estiveram relacionados aos movimentos feministas.
Designado inicialmente para se referenciar aos estudos sobre as mulheres, substituindo
o conceito de papéis sexuais, o termo gênero passou a dar ênfase aos aspectos relacionais, na
construção de masculinidades e feminilidades, implicando nas relações sociais entre os sexos.
O termo também se tornava “uma forma de indicar construções culturais” (SCOTT, 1995, p.
75).
A partir dos estudos iniciados pela Escola de Cultura e Personalidades que tem em
Margareth Mead (1988) sua principal teórica que se constrói o termo papéis
sexuais. Para construção deste conceito foi essencial o estudo comparativo de
culturas porque pode mostrar que comportamentos considerados masculinos ou
femininos vão variar de uma cultura para outra. Mas este campo (...) tendia (...) a
‘naturalidade’ da condição feminina. Foi justamente a partir da necessidade de
romper com esta tradição de pesquisa que se tornou imperativo a construção de um
novo conceito, o de gênero (GROSSI; MIGUEL, 1995, p. 20-21).
Conforme a historiadora Joan Scott (1995), o termo também se tornou uma forma de
indicar construções culturais relacionadas aos sexos. Não determinado pelo sexo, nem
somente pela sexualidade, nero seria a expressão para as sociedades articularem “as regras
de relações sociais ou para construir o significado da experiência” (SCOTT,1995, p. 82).
“Experiência” para a autora revelaria as sucessões históricas que situam os sujeitos. “Não são
os indivíduos que têm experiências, mas os sujeitos é que são constituídos através da
experiência” (SCOTT, 1999, p. 27).Mostrando a própria instabilidade do termo, uma vez que
seu significado estava atrelado ao sujeito que o significava e, por isso, ao social, sua definição
de gênero partia de diversos subconjuntos que se inter-relacionavam e se diferenciavam nas
análises, tais como os conceitos de classe, raça e etnicidade. Dessa forma, para a autora,
gênero era mais um meio “(...) de decodificar o significado e de compreender as complexas
conexões entre várias formas de interação humanas” (SCOTT, 1995, p. 89).
Historicizando as origens do conceito de gênero, Scott remeteu-as às ciências sociais.
Segundo a autora, “a preocupação histórica com o gênero como uma categoria analítica
emergiu no fim do século XX. Ela está ausente nas principais abordagens de teoria social
formuladas desde o século XVIII até o início do século XX” (SCOTT, 1995, p. 85).
Heleieth Saffioti (1992) também articulou gênero às relações sociais, entre homens e
mulheres, entre as classes e as etnias, construídas historicamente. Na academia, dialogando
sobre o social e procurando representar conceitualmente gênero, a autora demonstrou como o
termo vem sofrendo alterações. “(...) nas margens dos discursos competentes, nas brechas da
62
estrutura de poder/saber nascem cotidianamente novas representações, sobretudo auto-
representações, que vão construindo o gênero em outros termos” (SAFFIOTTI, 1994, 275).
Refletindo sobre as discussões existentes no campo acadêmico sobre as concepções sociais do
feminino e masculino e as lutas que defendem as igualdades e as diferenças entre gêneros,
“dada a multiplicidade do sujeito social constituído em gênero, raça/etnia e classe situa-se
fora de cogitação a união da totalidade de uma categoria ou classe” (Idem, p. 281). Nesse
sentido, gênero não deve ser entendido como produto da divisão entre os sexos, tampouco
como uma categoria que engloba outras concepções importantes para a análise social, tais
como classe, raça e etnia. Essas categorias se intercalam e se complementam.
Saffiotti conceituou as relações de gênero “(...) como um processo infinito de
modelagem-conquista dos seres humanos, que tem lugar na trama de relações sociais entre
mulheres, entre homens e entre mulheres e homens” (SAFFIOTI, 1992, p. 211). Para a autora,
analisando as relações de gênero é possível captar as transformações sociais sofridas através
da história.
As manifestações do feminismo no Brasil tiveram diferentes momentos e buscavam
lutar por causas diferenciadas, não seguindo uma uniformidade de interesses.
Segundo Celi Pinto (2003), pode-se dizer que três momentos foram marcados pelo
feminismo no Brasil. Inicialmente o feminismo e/ou movimento das mulheres estava
associado a algumas personalidades que reivindicavam o exercício da cidadania pelo direito
ao voto, representado por mulheres brancas e cultas da classe dominante. Neste período foi
criado o Partido Republicano Feminino em 1910 e, posteriormente, organizada a Federação
Brasileira para o Progresso Feminino. “Era (...) um feminismo bem-comportado, na medida
em que agia no limite da pressão intraclasse, não buscando agregar nenhum tipo de tema que
pudesse pôr em cheque as bases da organização das relações patriarcais” (PINTO, 2003, p.
26). Com a conquista do voto feminino pelas mulheres em 1932, foi finalizada esta primeira
etapa do feminismo.
Nas três primeiras cadas do século XX, com o advento da imigração e a criação da
classe operária nas fábricas, as mulheres requeriam atenção para suas condições
desfavorecidas de dominação pelos homens na adversidade da classe trabalhadora, momento
caracterizado pela autora como anarquista. Durante a ditadura, nas cadas de 70 e 80,
especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro e provavelmente em todos os Estados do
país, grupos de mulheres se formavam em caráter privado para a troca informal de impressões
comuns entre elas. O ano de 1975 foi definido pela ONU como Ano Internacional da Mulher
e nele foi também criado o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira, durante o
63
mandato do general Ernesto Geisel. No mesmo ano foi organizado o Movimento Feminino
pela Anistia “(...) e reunia, em um primeiro momento, familiares de pessoas que haviam sido
exiladas, presas ou estavam desaparecidas” (PINTO, 2003, p. 63).
Desde o golpe militar de 1964 aessa época, o feminismo no Brasil foi caracterizado
pelo seu caráter radical, como resposta às experiências das mulheres na ditadura militar,
muitas delas influenciadas pelo marxismo, porém indo além deste, reivindicando seus direitos
como mulheres. “Novas experiências cotidianas entraram em conflito com o padrão
tradicional de valores nas relações familiares, sobretudo por seu caráter autoritário e
patriarcal. (...) o Ano Internacional da Mulher, (...) propicia (...) a visibilidade do movimento
feminista” (SARTI, 2004)
42
.
Nos anos 70, até meados da década de 1980, de acordo com Cynthia Sarti (2004), o
movimento feminista o era reconhecido como porta voz das diversidades que compunham
os interesses e as especificidades das mulheres, mas como um movimento homogêneo. No
entanto, duas vertentes reivindicavam lutas diferentes dentro do movimento: uma priorizava a
atuação pública e política das mulheres, “(...) concentrando-se principalmente nas questões
relativas ao trabalho, ao direito, à saúde e a redistribuição de poder entre os sexos”; a outra
“(...) preocupava-se (...) com o terreno fluido da subjetividade, com as relações interpessoais,
tendo no mundo privado seu campo privilegiado. Manifestou-se (...) através de grupos de
estudos, de reflexão e convivência” (SARTI, 2004)
43
.
A partir da década de 80 surgiam grupos feministas que tematizavam as questões da
violência e da saúde da mulher, principalmente. Nesta década foi criado o Programa de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) pelo Ministério da Saúde, o SOS Corpo de
Recife e o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo. Em 1985, em função das
pressões dos movimentos feministas foi criada a primeira Delegacia para as Mulheres e
também o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, este existindo até 1989. No ano
anterior, com a Constituição de 1988, foi conquistada a equiparação dos direitos da mulher
aos dos homens (PINTO, 2003).
Em Florianópolis, no início da década de 80, surgiam grupos de discussões feministas,
entre eles o Amálgama, composto por professoras e alunas da UFSC. Em meados da mesma
década nasceu em Santa Catarina o grupo PMDB Mulher que lutava pela redemocratização
partidária e proporcionou uma mobilização de mulheres trabalhadoras (GROSSI, 1999).
42
Disponível em: http:// www.scielo.br. Acesso em 22 dez. de 2006.
43
Disponível em: http:// www.scielo.br. Acesso em 22 dez. de 2006.
64
Na academia, junto às intelectuais brasileiras, cresciam as iniciativas nas áreas de
estudo sobre as mulheres e as relações de gênero, destacando-se os concursos com fundos
para pesquisa, propostos pela Fundação Carlos Chagas e financiados pela Fundação Ford,
entre 1978 e 1998, que deram grande impulso aos estudos sobre a condição feminina, que
viriam transformar-se nos estudos de gênero. Desenvolveram-se núcleos de estudos dentro de
universidades públicas, entre eles o Pagu (Núcleo de Estudos de Gênero) em Campinas,
foram surgindo associações nacionais de diferentes áreas de conhecimento, como também
foram abertas a Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e as
Relações de Gênero (Redor) em 1992. A edição da Revista Estudos Feministas começou no
mesmo ano, no Rio de Janeiro. na década de 90, os movimentos sociais ganharam maiores
proporções, sendo criadas ONGs feministas em todo o país, destacando-se entre elas o
CFEMEA (Centro Feministas de Estudos e Assessoria), criado em 1989 e a AGENDE (Ações
em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento). A RedeSaúde, denominada por Rede Nacional
Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, responsável pela implementação de políticas
públicas referentes à saúde da mulher, reúne cerca de 110 filiais em grande parte dos
estados brasileiros, entre tantas outras. (PINTO, 2003).
O caráter não universal do feminismo, no olhar de Sarti (2004), que é marcado pelas
experiências culturais (ocidentais), demonstra que não existe uma uniformização das mulheres
e, por isso, não dá conta de alcançar sua ampla dimensão, por ser diversificada. A autora traz
a importância da antropologia dentro dos estudos acadêmicos, para entendermos sobre as
mulheres, os homens, seus contextos culturais, no exercício de relativização que a caracteriza.
4.4 Gênero e Relações Familiares
A socióloga Neuma Aguiar (1997) faz algumas reflexões importantes relacionadas à
contribuição dos estudos feministas para o campo das ciências sociais, na discussão do
conceito de patriarcado em relação ao caso brasileiro. Explicando como ocorriam as relações
políticas em Portugal antes mesmo do povoamento no Brasil, baseado no patriarcalismo e no
patrimonialismo, para a autora “o patriarcado é a base inicial da organização social brasileira”
(AGUIAR, p. 179). Segundo os estudos apontados pela autora, o patriarcado continua
existindo nos países industrializados, adequando-se às transformações do capitalismo.
65
Saffioti (2004), ao refletir sobre gênero e patriarcado
44
concluiu que apesar de tantos
avanços em relação às reivindicações feministas pelos direitos das mulheres, a dominação dos
homens continua operando nas relações de gênero no país. Com isso, apontou a importância
da contextualização histórica da dominação das mulheres pelos homens para o entendimento
histórico do patriarcado. Segundo a autora,
a base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação
salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização
de importantes papéis econômicos e políticos-deliberativos, mas também no
controle de sua sexualidade e (...) de sua capacidade reprodutiva (SAFFIOTI, 2004,
p. 106).
Para Saffioti, o patriarcado consiste na hierarquização de relações sociais, enquanto
que o gênero aborda também relações sociais igualitárias. Neste sentido, a autora refere-se ao
conceito de patriarcado, ou o que ela caracteriza por ordem patriarcal de gênero, como mais
uma instância de conceitos do próprio gênero.
Elisabete Bilac (2006), referindo-se à analise do sueco Göran Therborn sobre famílias,
considerando as transformações industriais do século XX, refletidas numa maior variedade de
vínculos sócio-afetivos o mais caracterizados apenas pelo casamento convencional, e ao
controle da fecundidade após a revolução sexual dos anos 60 e 70, “(...) a família subsiste, em
todas as partes do mundo, mas com uma complexidade maior”. Denominada como uma “(...)
instituição social, ou (...) um conjunto de normas definindo direitos e obrigações de seus
membros, além de limites entre membros e não-membros, a família estaria ‘suspensa’ entre o
sexo e o poder”
45
. Neste entendimento, “(...) a família seria reguladora das relações sexuais,
definindo quem pode e que deve ou não deve ter relações sexuais e com quem”
46
.
Resenhando o autor citado, Bilac ressalta sua problematização das mudanças nos
sistemas familiares ocorridas em caráter mundial durante o século XX. “A mudança foi
desigual no tempo e no espaço, e sua dinâmica foi tanto multidimensional, multicultural e
política, quanto econômica”
47
. Com relação ao patriarcado, enfatiza que, para Therborn, este
perdeu sua legitimidade pelo mundo no século XX, mas diferenças entre escolarização,
trabalho e renda permanecem entre regiões econômicas, com desigualdades também entre os
gêneros.
44
“Trata-se de um recém-nascido em face da idade da humanidade, estimada entre 250 mil e 300 mil anos. Logo,
não se vivem sobrevivências de um patriarcado remoto; ao contrário, o patriarcado é muito jovem e pujante,
tendo sucedido às sociedades igualitárias” (SAFFIOTI, 2004, p. 60).
45
Disponível em: <www.multiciencia.unicamp.br>. Acesso em 08/05/2007.
46
Disponível em: <www.multiciencia.unicamp.br>. Acesso em 08/05/2007.
47
Disponível em: <www.multiciencia.unicamp.br>. Acesso em 08/05/2007.
66
Refletindo sobre modelos familiares no Brasil, Mariza Corrêa (1994) expôs que
coexistiam diferentes arranjos dentro da sociedade brasileira nos tempos da colonização
portuguesa e não apenas um modelo único de família, do tipo ideal, patriarcal, extensa,
comandada pelo pai, como fora referida na obra de Gilberto Freire
48
.
A historiadora Eni de M. Samara (2002), mostrou que até o século XIX, o modelo de
família patriarcal era predominante no Brasil, mas ressaltou a existência de diferentes
modelos de família, através de seu estudo dos censos brasileiros desde 1872, o primeiro
realizado no país. Segundo a autora, nos fins do século XIX o homem era designado, por lei,
o chefe de família, enquanto as mulheres eram consideradas aptas a assumirem a liderança
somente na ausência deles. A autora advertiu que na segunda metade do século XIX, segundo
o censo de 1872, nas regiões econômicas examinadas, aproximadamente 30% das mulheres
entre 35 e 59 anos eram chefes de domicílio e mantinham as suas famílias. Os homens, por
sua vez, chefiavam os lares em todas as idades. Em famílias menos favorecidas, as influências
das mulheres sob os grupos familiares eram ainda maiores. A autora ainda apontou para
estudos que mencionavam a flexibilidade nos modelos familiares existentes no Brasil,
segundo as regiões do país, os grupos sociais e etnias.
Candice Souza e Tarcísio Botelho (2001) também procuraram refletir sobre outros
modelos familiares, convergindo com Samara e Corrêa na crítica ao modelo de família
patriarcal brasileira proposto por Gilberto Freire, este “(...) construído, sobretudo, pela
revelação do modo como se davam as relações entre brancos e negros sob a autoridade do
senhor branco proprietário e chefe de família”
49
. Souza e Botelho (2001) discorreram sobre a
pluralidade de modelos familiares existentes no planalto paulista e também em Minas Gerais,
procurando registrar diferenças nas composições de gênero, classes e etnias em famílias
provenientes dessas regiões, demarcando diferenças com o modelo patriarcal nordestino.
Elisabeth Roudinesco (2003), historiadora e psicanalista, fez uma análise sobre
famílias e caracterizou três modelos existentes no Ocidente, a saber: as famílias tradicionais
ou patriarcais, sujeitas a “uma ordem patriarcal”, situadas no primeiro modelo, as famílias
modernas do final do século XVIII até o inicio do XX, influenciadas pela “irrupção do
feminino” e pelo “amor romântico” e por fim, as famílias contemporâneas ou pós-modernas,
surgidas por volta de 1960, cujos arranjos e composições são variados, em função das
48
“Nesse sentido, não podemos nem sequer imaginar a possibilidade de escrever a história da família brasileira,
mas apenas sugerir a existência de um panorama mais rico, a coexistência dentro de um espaço social, de várias
formas de organização familiar, a persistência desta tensão revelando-se, o aquela ‘quase maravilha de
acomodação’, que é para Gilberto Freire o sistema da casa grande e senzala, mas na constante intervenção de
maneiras de escapar ou de melhor suportar aquela dominação” (CORRÊA, 1994, p. 37).
49
Disponível em: <http://www.scielo.com.br>. Acesso em 29 abr. 2007.
67
“relações íntimas ou realização sexual”. Estudar o tipo de família ultrapassa, para a autora, os
olhares antropológicos, perpassando a história para compreendê-la na atualidade. Nesta obra,
Roudinesco fundamentou o segundo modelo de família baseado no construto freudiano da
psique humana. Referindo-se às transformações por que passou a família no decorrer da
história e os papéis dos pais e das mães no contexto familiar, relacionados com as mudanças
sociais, a autora introduziu suas concepções de gênero. Escreveu então que “(...) quaisquer
que tenham sido as variações ligadas à primazia atribuída ao sexo ou ao gênero, percebemos
sempre o traço das modificações sofridas pela família ao longo dos séculos” (ROUDINESCO,
2003, p. 118).
A autora também explicou que “(...) para a psicanálise a família, seja qual for sua
evolução, e sejam quais forem as estruturas às quais se liga, será sempre uma história de
família, uma cena de família (...)” (ROUDINESCO, 2003, p. 129), uma vez que Freud
entendia que a família vivia condenada aos desejos inconscientes dos seus membros e à
sublimação das pulsões.
O período pós-segunda guerra foi marcado pela inversão da dominação masculina
sobre as mulheres, a partir da criação de mecanismos femininos que regulavam a fecundação
e com isso mudanças ocorreram nas estruturas familiares, caracterizando o terceiro modelo
proposto por Roudinesco. Em meados do século XX a idéia de uma mulher-indivíduo
começou a se impor à idéia de uma mulher-natureza” (TORRES, 2000, p. 136) e as relações
conjugais passaram a ganhar novas dimensões.
A partir dos anos 60 novos modelos familiares foram sendo compostos em função
“(...) das transformações nas relações entre os sexos, vistas de uma perspectiva igualitária,
mediante maior controle da natalidade, a inserção massiva da mulher no mercado de trabalho,
etc” (CICCHELLI; PEIXOTO, 2000, p. 9).
Heloísa Szymanski (1995) fez uma observação sobre os vieses repetitivos da família
burguesa e aristocrática, vistos como valores e normas que se solidificam em discursos
midiáticos e institucionais, tornando-se modelos ainda concebidos no social. Para a autora,
“Cada família circula num modo particular de emocionar-se, criando uma ‘cultura’ familiar
própria, com seus códigos, com uma sintaxe própria para comunicar-se e interpretar
comunicações, com suas regras, ritos e jogos” (SZYMANSKI, 1995, p. 25).
Elisabete Bilac (1995) refletiu sobre as transformações familiares a partir dos estudos
de gênero, que problematizam os modos condicionados do feminino e masculino. O aumento
do número de divórcios e casamentos, a perda da autoridade paterna e a independência
68
feminina obrigam-nos a perceber que a família não se compõe apenas do grupo doméstico,
mas envolve também relações complexas entre domicílios.
A partir de estudos sobre migrações internacionais e o alto índice de migrações
femininas no final do século XX, quase equiparado ao masculino, Bilac (1995a) assinalou a
existência de práticas discriminatórias contra mulheres migrantes e a necessidade de analisar
as relações familiares de sujeitos migrantes em uma perspectiva dinâmica, ou seja “(...) como
estrutura de relações de gênero e entre gerações, com conflitos, questionamentos de
autoridade, reformulações, jogos de poder” (BILAC, 1995a, p. 72).
Analisando esses dois últimos textos de Elisabete Bilac, ressalto apoiada na autora,
que as transformações familiares ocasionadas pelos movimentos sociais, decorrentes ou não
de situações migratórias entre os membros da família, demonstram a inter-relação dos estudos
de gênero, classe, gerações e etnias para uma mais bem elaborada compreensão das mesmas.
69
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Das famílias que participaram das entrevistas desta pesquisa, entrevistei membros de
diferentes idades, estados civis, classes sociais e descendências étnicas e assim pude coletar
uma multiplicidade de relatos sobre minhas questões de pesquisa
50
.
A primeira família que entrevistei era composta pela filha solteira e seus pais,
residentes no centro de Urussanga. Na segunda entrevista, participaram três irmãos, sendo
duas irmãs solteiras que moravam juntas e um irmão viúvo, vizinho delas, também residentes
no bairro central. Além disso, entrevistei minha tia-avó, uma senhora solteira que morava
sozinha em uma casa que foi de seus avós no centro do município e, ainda naquele bairro,
concedeu-me entrevista um casal, sendo ele descendente de italianos e ela descendente de
polacos com portugueses. Finalizando as entrevistas no centro de Urussanga, entrevistei o pai,
a mãe e um jovem rapaz de 20 anos de idade. No interior do município em Belvedere
visitei duas residências. Na primeira entrevistei uma senhora viúva, aposentada da agricultura
e na outra gravei entrevista com uma senhora também aposentada no campo, sendo que seu
marido e sua nora que moravam com ela participaram um pouco da entrevista. Em Rio Maior,
um dos bairros do município, coletei entrevistas em duas residências, sendo que em uma delas
participaram uma senhora casada e seu irmão divorciado e na outra entrevistei uma senhora,
sua filha solteira e seu genro, sendo que a esposa dele participou de um pedaço da entrevista.
Dos participantes das entrevistas, quatro estavam aposentados como funcionários
públicos. Uma delas era Conselheira de Turismo do município, outra era comerciante,
radialista e voluntária na Casa Paroquial, além de um homem que também prestava serviço na
Casa Paroquial e exercia outras funções. Oito entrevistados haviam trabalhado no campo,
sendo que desses três eram agricultoras aposentadas. Cinco dos que participaram das
entrevistas haviam trabalhado na extração de minérios, entre eles o carvão
51
. Um homem era
aposentado como técnico em empresa privada e também era dono do posto de gasolina, seu
filho estudava e trabalhava no posto e sua esposa também trabalhava no comércio. Dois
homens estavam aposentados e haviam trabalhado em diversas funções. Uma senhora havia se
50
Ver tópicos de entrevistas no roteiro em anexo.
51
Na região Sul de Santa Catarina, “a extração do carvão mineral fixou (...) uma característica especial de
trabalhador o mineiro- cujo trabalho singular apresenta características que diferem das ocupações dos demais
operários, seja pela atividade de subsolo, seja pelas condições de trabalho precárias e desgastantes. (...) Em
síntese: (...) o desgaste físico e moral do trabalhador; a ameaça de perda parcial ou fatal da saúde; a imposição de
normas disciplinares para o trabalho; salários insuficientes para garantir um nível de vida satisfatório (...)”
(VOLPATO, 1984, p. 15; 146-147).
70
aposentado no comércio e uma outra que era solteira, estava aposentada como professora de
educação física.
5.1 Raquel, Fátima e Ronaldo
A primeira família que irei descrever é a família de Raquel. Ela sempre morou com
seus pais, seus irmãos se casaram e constituíram famílias. Ela teve 2 irmãs e 4 irmãos,
sendo que um deles já havia falecido.
Raquel achava-se mais parecida com os acendestes italianos de sua família, tanto no
que dizia respeito ao físico, como nos modos de ser, do que com as suas outras ascendências.
Segundo ela, todos os seus familiares valorizavam mais “o lado italiano”, o que incluía os
costumes alimentares e religiosos. Segue um trecho de sua fala quando ela caracterizou os
descendentes de italianos, no qual ora ela se incluía como descendente, ora ela frisava
diferenças com os que moram no interior da cidade por parecerem-se mais com os
ascendentes italianos:
Não é... Às vezes eleo é tão polido, fala alto em qualquer lugar, daí a gente fala
muito alto em qualquer lugar, a gente gesticula em qualquer lugar, a gente chama. E
o pessoal daqui tem o costume de bravejar também, ? Como as palavras, porco
dio, essas palavras assim, ele não perdeu, ele recebeu e ainda continua, ne? Que na
sexta-feira tu vem aqui no jardim que tem (...) feirinha, tu consegues nitidamente
ver: esses aqui são tipicamente italianos. Os bigodes grandes, o jeito de falar, de
gesticular, o vozerio bem grosso dos homens. E ai tu consegues ver. Não, esse ai é
italiano, vem lá do interior (Depoimento de Raquel, 51 anos).
Perguntei se ela percebia diferenças nas maneiras como fora educada por seus pais,
vistas as diferentes ascendências familiares existentes entre eles e ela me respondeu que
enquanto a mãe era mais afetuosa, o pai era mais austero (questão ligada aos atributos
masculinos e femininos, de maneira geral). Segue sua fala:
Não. O lado italiano, a forma de educação às vezes ele é mais rígida, né, assim, de
advertir mais, de dar mais castigo, enquanto que o lado brasileiro, o brasileiro é
mais carinhoso, tem isso também, então da forma como a minha mãe nos criou ela
foi sempre muito mais carinhosa conosco. Ela era daquela pessoa que sentava, fazia
os deveres, mesmo sem ter muita cultura, mas ela tentava nos acompanhar, nos
estimular. Enquanto que pelo lado do pai era sempre aquele olhar mais, sabe assim
que dava medo na gente, que a gente sempre tinha aquele respeito mais forte e com
a mãe não, a gente sempre teve um outro lado mais bondoso, né? De carinho,
atenção (Depoimento de Raquel, 51 anos).
71
Nesse depoimento de Raquel foi possível visualizar uma mistura de sentidos, tanto no
que se referia às diferenças étnicas, como às relações de gênero. Os “italianos” eram
generalizados em sua fala como mais rígidos, inflexíveis, enquanto os brasileiros eram mais
afetuosos, maleáveis. Este seu modo de pensar coincidia com a própria idéia passada sobre os
brasileiros no início do século XX, quando buscava mostrar de modo positivo e afirmativo a
miscigenação como característica típica de um povo sem preconceitos e por isso mais amável.
Como seu pai vinha de uma família composta por descendentes de italianos, não havia esta
mistura de ‘raças’ em sua história e essa homogenia se refletia em seu caráter, que era mais
rígido. Refletindo sobre esta sua fala a respeito das relações de gênero, percebi como estavam
situadas as funções que cada um dos seus pais exercia na esfera familiar. Sua mãe
disponibilizou mais de seu tempo para a casa e o cuidado com os filhos, enquanto seu pai
buscava o sustento da família em outros setores sociais, nos moldes que os movimentos
feministas daquela época já buscavam interferir ao contestar os arranjos familiares de cunho
patriarcal, ou seja, o pai era o provedor e a mãe a dona de casa. Como sua mãe tinha mais
tempo para a educação dos filhos era, por isso, mais próxima dos mesmos, já o pai, que
interferia menos nas relações de cuidado com os filhos, posicionava-se estabelecendo limites
do que era certo e do que era errado através de seus olhares, que eram logo entendidos e
respeitados. Dessa forma, lembrando-se de como seus pais agiam em seu tempo de criança/
juventude, Raquel enuncia em sua fala como estão imbricadas as relações de gênero com as
relações étnicas e familiares.
Dona Fátima, sua mãe, concordou com Raquel quando me disse das diferenças entre
os “brasileiros” e os descendentes de italianos nas relações afetivas, misturando em seu relato
categorias analíticas que se mostraram indissociáveis na academia, como é o caso das
concepções étnicas, de gênero e de gerações, como mostra a seguir.
É, são mais calmo, o exige de querer sem mandão, a mulher ficar embaixo e o
homem tem que mandar tudo. aquele soco e se mandam e o brasileiro, ela sabe
disso. E os brasileiro é mais calmo, né? É mais pacato assim. Era tudo mais
pobre, mas também não era brigão igual aos italiano. Os italiano eram mais
ferrenho. (...) Não, não é que eram brigão vamos dizer, eles queriam ser chefe!
Ronaldo – Não, a raça assim, não era o chefe, era uma raça que é o estilo, né?
Fátima – É, o estilo!
Dona Fátima, referindo-se ao seu marido e a sua descendência étnica/ familiar,
colocou que havia uma exigência por parte de seu marido em querer mandar, liderar, pouco
cedendo em suas decisões. Ele (e os outros italianos) era visto por ela como mais agressivo,
inflexível e brigão, enquanto ela - e os (as) outros (as) brasileiros (as) era mais tranqüila,
72
pacífica. Salientou que os brasileiros tinham menos condições financeiras que os italianos,
mas pareciam ser mais cordiais, o que pode ser entendido também como mais submissos,
vista a diferença de classe e uma suposta concepção de “inferioridade étnica”. Novamente em
sua fala estão construídos discursos e posicionamentos que encenam hierarquias de classe, de
gênero e de etnias. O homem, branco, de descendência européia ‘pura’, com maiores
condições financeiras se coloca em uma posição superior e subordina a mulher, com
descendência híbrida e com menos espaço para poder conquistar seu próprio salário, ajudando
no sustento da casa, ficando então confinada à esfera doméstica, ao cuidado dos filhos,
administrando o lar, função esta desfavorecida e dependente do marido. Ele, por sua vez,
salientou que seu jeito de ser possuía um estilo próprio marcado pela raça, o que irei
demonstrar mais adiante que o seu modelo familiar era um modelo consecutivo ao de seus
pais.
Referente a diferenciações na educação entre homens e mulheres em sua família,
Raquel não mencionou lembranças, dizendo-me que não havia distinções nem mesmo nas
brincadeiras durante a infância. Cabe acrescentar que os modelos de mãe/ pai, esposo / esposa
foram passados para os (as) filhos (as) daquela família, como foi apresentado na fala de
Raquel anteriormente, o que é suficiente para entendermos que tais modelos foram os
alicerces para as identificações de gênero entre os (as) filhos (as) e os pais.
Dona Fátima exprimiu que casou no tempo em que as mulheres deviam obediência aos
maridos, mas que com o passar dos anos a igualdade entre o casal foi sendo alcançada nas
famílias de um modo geral, como também na sua, como segue seu relato.
Antigamente era diferente né? Até o modo de pai, mãe, esposo, esposa era diferente
de hoje em dia.
Carla – Como é que era?
Ah! Era amém, né? Amém, amém pro marido e o marido que mandava. Depois a
gente foi se acordando então aí deu pau, né? (Risos) Agora tem que ser igual. (...) A
gente vai aprendendo com as coisas, entende? (...) hoje em dia elas casam,
trabalham igual né? Eu vendia ovos e vendia leite, às vezes escondia o dinheiro
para comprar umas coisas melhor para as meninas, que eu tinha as duas ali mais
velhas, né? Quando ele achava, ele botava no bolso e dizia: carteira é uma só. E
hoje em diao, hoje em dia o dinheiro teu, é teu? (...) O dinheiro é dele. Pode
até ser em conjunto, em acordo, né? Mas birra assim, dizer assim: não, agora quem
manda é o marido, antigamente era, hoje em dia não (Depoimento de dona Fátima,
77 anos).
Dona Fátima também trabalhava, vendendo leite e ovos de sua criação de gado e
galinha em casa, mas enfatizou que não tinha domínio sobre o que ganhava, tendo que passar
ao marido, quem procurava gerenciar as finanças do lar. Mostrou que para que as mudanças
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acontecessem em sua casa, foi preciso brigar para uma melhor colocação das funções de
esposa e esposo, o que ocorria também em outras famílias. Ela não mencionou, mas em
diferentes mídias eram manifestadas pelas militâncias feministas, lutas em prol da igualdade
entre os gêneros e uma melhor colocação da mulher nas esferas públicas, coincidindo com a
segunda onda do feminismo no Brasil, vivenciado entre os anos 60 e 70, como foi
apresentado anteriormente e, de um jeito ou de outro refletiam nos diferentes lares da nação.
Essas mudanças entre os casais, ou acordos como ela mesma colocou, propiciaram diferenças
nas estruturas familiares vivenciadas por suas filhas e netas.
Seu Ronaldo, esposo de dona Fátima, explicou-me que naquele tempo a vida era mais
difícil, recordando que na educação recebida pelos seus pais, sentia-se mais seguro com a
mãe, já que seu pai era mais rígido. Manifestou a identificação que estabelecera com seu pai,
repetindo com sua esposa o que seus pais faziam entre si, pois o pai guardava consigo o
dinheiro que era do casal, mas mesmo sendo uma carteira, era a sua mãe quem
administrava o dinheiro para dar aos filhos o que precisavam, tirando um pouco o peso
sentido na responsabilização depositada aos homens referente ao comando da mulher e do
dinheiro, mostrando que as relações de poder entre o casal não eram tão lineares, mas
dinâmicas, visto que nas esferas domésticas as mulheres vigoravam.
A mãe é que manobrava o dinheiro. Então a gente sempre tinha mais confiança com
a mãe do que com o pai. Porque o pai era daquele durão, né? Tem que ser por aqui,
tem que ser por aí. E o dinheiro então era no bolso dele. gente chegava assim:
Oh mãe, eu queria sair, mas precisava de um dinheirinho! Então ela ia lá, pegava o
dinheiro, olha, não tem troco! Tu leva cinco mil réis aquela época e traz o troco
hein? Então tinha que levar o troco certinho. Oh, gastei dois mil réis, ta aqui o resto
(Depoimento de seu Ronaldo, 78 anos).
Além do respeito e obediência dados aos pais pelos filhos em sua época, ele mostrou
que sua educação era mediada pela mãe em especial, que o pai era de pouca conversa e
tinha pouco espaço nas relações afetivas com os filhos.
Quando perguntei se entre os descendentes de italianos que conheciam era comum se
casarem com pessoas de outras descendências, eles falaram que davam prioridade para quem
possuísse descendência italiana, “mas sempre dava aquela furada” (Depoimento do seu
Ronaldo), como ele mesmo havia feito. Dona Fátima contou-me que as “italianas” de
Urussanga achavam que ela também fosse descendente de italianos, mesmo ela não falando
nada da língua, uma vez que seu marido falava escondido por medo de ser preso durante a
guerra e, assim, nem ela e seus filhos aprenderam a ngua com o pai ou avós, que falavam
entre si na dispensa da casa. Revelou que seus filhos sentiram falta desse aprendizado da
74
língua italiana, pois usariam da língua para se comunicarem com os italianos em decorrência
do Gemellaggio estabelecido pelo município, pois mesmo Raquel tendo estudado italiano na
escola de línguas de Urussanga, não possuía fluidez na fala. Dona Fátima me explicou que
havia estabelecido um bom relacionamento com a sua sogra desde seus 18 anos,
permanecendo até que ela falecesse e, como frutos desta amizade muitas pessoas de
Urussanga achavam que ela fosse de descendência italiana, uma vez que era casada com um
descendente e havia aprendido com a sogra algumas coisas relacionadas àquela “cultura”.
Dona Fátima e o marido moraram juntos com os pais dele durante seis meses, mas Dona
Fátima e sua sogra tiveram uma relação de amizade, como se fossem duas irmãs, como segue
seu relato:
Eu tinha mais chance, como diz o outro de ser uma italiana, do que ...Ele falava às
escondida, né? E nós não, nós ia as festas de aranha junto, naquele tempo era
aranha que dizia, né? Não era galiota, era uma aranha. (...) Nunca visse por aqui pra
matar uma coisa com o cavalo?
Carla – Não.
Ronaldo – Uma charrete!
Durante a entrevista, dona Fátima queixou-se de seu marido pelo pouco carinho que
recebera dele durante a vida, comparando o relacionamento de seus sogros, recordando-se que
mesmo o sogro sendo mais rígido do que a sogra ainda assim ele tirava algumas horas para
conversar com a esposa. Seu Ronaldo então relatou algumas lembranças de seus pais, como
mostra a fala a seguir.
Ronaldo - O caso é o seguinte, o meu pai (...) era assim: ele olhava pra gente, a
gente já sabia o que é que ele queria dizer. Era só no olhar. Não precisava ele sovar,
nem nada. Ele olhava e a gente ia fazer isso ou ia fazer aquilo. A gente saía, a
conversa não tava sendo boa. Então a gente já entendia e..
Carla – E a mãe?
Ronaldo E a mãe não. A mãe já era mais carinhosa. A mãe sempre procurava
botar um pano quente por cima, como diz o caso, né?
Fátima Ela escondia todo erro dos filho, porque ela não queria que batesse. Ela
não queria que ele brigasse, porque ele também.. (não vou botar na gravação...
risos) Aí então quando ele ficava mais nervoso, né? Ele era um bom homem!
Nas falas de seu Ronaldo e de dona Fátima as questões étnicas não estavam sendo
discutidas, uma vez que os pais dele eram descendentes de italianos e não havia diferenças tão
marcantes entre eles nesse ponto. A mãe dele era compreendida por eles como sendo mais
carinhosa, comunicativa e protetora do que o pai de seu Ronaldo, que era severo nos seus
modos de educar os filhos. Dona Fátima denuncia a violência cometida às crianças pelo sogro
e mostra que a mãe naquela estrutura familiar protegia os filhos das intervenções do pai.
75
Naquele tempo a educação era mais rígida e não eram marcadas nos estatutos
52
as proibições
das violências contra as crianças e adolescentes e por isso as agressões físicas dos pais com os
filhos. O arranjo de família que seu Ronaldo vivenciou com seus pais era nos moldes
patriarcais, em que o pai ou patriarca obtinha mais poder nas decisões, enfatizadas em seus
olhares ou até mesmo nas palmadas, o que não tira o lugar da mãe enquanto também detentora
de seus poderes.
Posteriormente dona Fátima demonstrou que a educação que ela recebeu de seus pais a
diferenciava de suas cunhadas, pois ela dava conta de administrar o lar com pouco dinheiro
que ela e o marido recebiam. Em seu ponto de vista pensava que seu marido poderia ter
alcançado uma melhor posição social e ter buscado por melhores empregos, como ter se
tornado um doutor, por exemplo, ou ter lutado mais por promoções salariais. Por achar que o
marido teve pouca iniciativa na vida e no trabalho, disse-me que precisou se esforçar mais na
vida para poder manter a casa. Sua vida de trabalho começou cedo, aos oito anos, quando
precisou parar de cursar o ensino fundamental para escolher carvão e depois trabalhou na
roça. Com a chegada dos filhos, dona Fátima cuidava da casa, vendia leite e ovos, enquanto o
marido viajava a trabalho. Seu Ronaldo, que também começou a trabalhar cedo na roça, não
lembrando ao certo se fora aos 8, 9 ou 10 anos, contou-me que aos 13 anos começou a
trabalhar na mina de carvão e depois de quase 30 anos de serviço não agüentou mais e trocou
de profissão. Passou então a trabalhar com vendas, quando se aposentou. Abaixo segue um
dos relatos de dona Fátima procurando mostrar seu sacrifício na administração das finanças
do lar e sua desaprovação ao marido.
Lá onde nós morava, a minha sogra tinha três filhos casados, né? Três nora. Ela me
adorava porque ela dizia que eu com pouco eu fazia muito. Eu sabia determinar e
tudo e não ficava devendo. E as outras o, as outras as vezes viviam pedindo nas
costas porque elas não, não tinha aquela, aquela economia de somar, dividir e
multiplicar. Porque meu pai e minha mãe me ensinava a somar, dividir e
multiplicar. Então com o pouco eu fazia muito. Aonde que ele erra, ? A auto-
estima dele ficou embaixo, ? Ele sabia que eu levava tudo nas costas. É
olhar para a minha cara que tu como é que eu sofri. (Depoimento de dona
Fátima, 77 anos).
Ele falara que como eles tiveram sete filhoso sentia segurança em dar um passo em
falso, preferindo contar com o que ganhava para colocar a comida na mesa e vestir a família
do que se aventurar para outro serviço ou desafiar o patrão, já que fora empregado durante
52
A proteção da criança e do adolescente foi expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990,
no qual em seu artigo 5 declara que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais”.
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toda sua vida, mostrando como as questões de classe estão imbricadas nas relações familiares
e de como ele era cobrado por sua esposa em assumir uma postura mais masculina, mais
provedora e confiável. Em seus relatos, o casal delatava posturas rígidas assumidas pelos
gêneros masculinos e femininos, mesmo com a esposa lutando por mudanças referentes a
conjugalidade, ela mesma pedia a permanência dos modos hegemônicos que compreendiam a
masculinidade em sua família.
Sobre os ascendentes italianos da parte de seu Ronaldo, ele me contou como ele e sua
família fizeram para descobrir sobre seu avô italiano que, vindo da Itália com mais dois
irmãos, uma moça e o pai, moraram primeiramente em São Paulo. Os irmãos de seu a
morreram por lá, como ele me disse, mas seu avô com os filhos, entre eles o pai de Ronaldo,
mudaram-se para o interior de Urussanga. Contou-me que um tempo atrás seu Ronaldo e a
sua família foram para São Paulo em busca de algum dado relacionado à história de seus
familiares e lá conheceram uma senhora de 90 anos que lhes contou a história de seus tios.
Sobre as relações com os netos do casal entrevistado, ambos contaram-me que
possuíam muito afeto por eles. Uma neta estava morando na Itália e os outros netos gostavam
de escutar as histórias que eles contavam sobre o tempo em que trabalharam na roça e na
mina. Felizes, contaram que os netos aproveitavam de suas histórias para entenderem melhor
o que aprendiam nos cursos universitários.
Não, eles ficam sentados perto escutando (...) a gente (...) contar o passado. E ta
totalmente diferente em, a gente com 77, 78 anos, a gente passou muito, muitas
coisas, ta passando muitas coisas pra eles, né? E eles já, pra faculdade, o, pra
prova, eles lembram daquela conversa da gente e acertam a prova né, naquelas
respostas. Não, eles dão valor! (Depoimento de dona Fátima, 77 anos).
Nas entrevistas realizadas com Raquel e seus pais, as heranças passadas pelas gerações
sobre as concepções étnicas e de gênero, as mudanças estruturais das famílias e as
modificações ocorridas nas esferas familiares nas últimas décadas, no país, estavam marcadas
em seus relatos. A importância da língua italiana, da culinária, da religiosidade relacionada
aos italianos e das festas municipais que manifestavam a cultura italiana no município, fazia
com que Raquel se identificasse mais com a sua descendência italiana, não deixando de
valorizar o lado mais carinhoso e afetivo que ela compreendia ser herança dos brasileiros.
77
5.2 Adelaide, André e Olga
A segunda família que irei apresentar é composta por três irmãos de mais de 80 anos
cada um. As duas irmãs solteiras vivem juntas em residência vizinha do irmão viúvo, e os três
têm convivido durante todos os anos de suas vida.
Os três irmãos começaram a trabalhar desde criança acompanhando o pai na serraria,
como enunciou dona Olga e elas também ajudavam a mãe nos afazeres da casa, como
descreveu dona Adelaide. seu André contou-me que aos 8 anos ia cedo na serraria com o
pai antes da aula começar. Relembraram a convivência entre eles e os outros dois irmãos no
tempo de infância, quando subiam nas árvores, nadavam pelados no rio limpo. Quando
perguntado se existiram diferenciações na educação recebida pelos pais e avós por serem
homem ou mulheres eles concordaram, mas não entraram em detalhes.
As lembranças do que escutavam de seus avós quando eram crianças vieram
carregadas de emoções. Contaram-me dos primeiros trabalhos de seus avós, como foi que
decidiram vir para o Brasil, saídos de Treviso na segunda imigração e como a vida deles foi
melhorando com o passar dos tempos.
Adelaide - Trouxeram uma bigorninha da Itália e fizeram um folie. Te lembra
André do folie que estava de baixo da laranjeira e o marido da dona Dija fez uma
dedicatória na madeira do folie, ? E daquele passou sufoco, mas com o tempo
depois fizeram outras coisas, melhorou um pouco e com o tempo se compôs, ne?
Mas antes de viajar para cá então o marido da dona Dija perguntou pro meu vô, se
ele devia ir para América, então ele disse que sim. (...)
André É. Ele é o faxineiro da praça na Itália. Então o meu avó passou a
carroça, o folie na Serraria e aonde é que tu vais? Eu vou pegar, eu vou a América.
Ai então ele subiu e escreveu. Breve eu também vou. Seis meses depois ele veio.
Falaram pouco sobre a relação que estabeleciam com seus avós, mas disseram-me que
incomodavam muito, já que os avós estavam doentes e passavam dificuldades para manter a
família.
Adelaide – A gente respeitava cada um, né? A minha avó era meia braba!
Carla – E quem que mandava mais, a vó ou o nono?
Adelaide – Eu não sei. Quando a nona...
Olga – O nono, meu avô era muito bom!
Como o nono deles trabalhava na serraria e a nona tinha seu serviço em casa, era mais
comum deles receberem broncas da nona, que era quem disponibilizava mais tempo para
78
educá-los, mas não entraram muito nesta questão e permaneceram mais reservados nos
assuntos familiares.
Os três irmãos eram muito católicos e desde a infância possuíam a prática de
freqüentar a missa, como descreveu André,
Desde pequenininho, desde os 8 anos. O meu pai dizia vai a igreja, então eu fui. E
nós íamos e eu nunca me esqueço. E disse assim para mim: Vá a missa, vá a missa!
(...) que um dia tu vais achar bacana. Nunca me esqueço. E assim, nunca mais
deixei de ir num domingo. Sempre, sempre, sempre, sempre.
A Dona Adelaide se aposentou em um órgão público do município e Dona Olga
trabalhou durante anos na Casa Paroquial. o seu André também se aposentou na mesma
instituição que Dona Adelaide, mas trabalhava junto à Casa Paroquial atendendo aos
batizados, marcando missas e casamentos. Também acompanhava os enterros. Ainda lúcidas,
as duas senhoras sozinhas davam conta da casa, tinham suas hortas e criavam galinhas com a
ajuda do irmão. Contaram-me que chegaram a fabricar vinho caseiro até uns anos atrás e
vendiam-no nas festas do vinho, mas como Dona Adelaide me explicou, depois mudaram as
exigências de fiscalização e eles pararam a fabricação.
Os três consideravam a prática religiosa como uma característica marcante na
descendência italiana, presente desde cedo em suas vidas. Falavam o dialeto e rezavam o
terço em italiano desde a época de seus avós. Segue as falas conjuntas em que eles contam
como buscavam preservar as heranças familiares.
Adelaide Indo a mi, a igreja, rezando...(...) No dia-a dia é, rezamos o terço toda a
noite aqui em casa, toda a noite! Isso desde o tempo da minha avó. Fez um século
já.
André Eu enterro defunto, faço procissão no cemitério, dia de Natal bato o sino
de noite, já é tradição bater. (...) O terço nós também rezamos em italiano.
André reza em italiano. (...)
André – O pai nosso, a ave Maria, o Mistério, e assim até o fim. Até a Salve Rainha
também é em Italiano! É, o anjo do senhor também é em italiano, A gente aprendeu
e o esqueceu mais. E nós continuemos aqui neste banquinho, óh. E depois o
Santo Antônio é dois, três por dia.
Adelaide – E quando não é mais, né? Quando eles perdem.
André – É, eles perdem, ou roubam e depois eles guardam e não encontram mais. É
assim a nossa vida.
Mostraram que também preservavam os costumes dos antepassados na alimentação,
com algumas modificações, como é o caso, por exemplo, do fogão a gás que substituiu o
fogão a lenha e, por isso, não faziam mais o mesmo macarrão de antigamente para
economizarem no gás. E as refeições não eram mais aquelas do tempo da polenta com queijo.
Abaixo estão algumas de suas falas:
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André – É a polenta, bendita polenta, que é o prato principal, né?
Carla – Come quase todo dia?
Adelaide – Todo dia não!
(...)
Olga – Polenta, vinho, carne, galinha, feijão, charque, comida forte, comida boa!
Ao perguntar se estes se relacionavam com pessoas de outras etnias, contaram-me que
sim, que na família havia misturado as descendências, mas no tempo de juventude
lembraram que os negroso freqüentavam os bailes, até por que havia poucos residentes no
município.
Relataram-me que os netos de seu André, todos homens, iam visitá-los nos finais de
semana. Ao perguntar se eles se interessam pelas histórias dos antepassados, assinalaram que
a educação estava muito diferente da que eles receberam no tempo de criança. As falas
seguintes são ilustrativas:
André – É, mas o nosso tempo e agora, a diferença é de 90%.
Olga – Nem se compara!
Adelaide – Nem se pode exigir mesmo, porque não é possível, né? No nosso tempo
era o tempo que a gente amarrava o pescoço.
Olga Naquele tempo os pais mandavam nos filhos e hoje os filhos mandam nos
pais. Não tem mais respeito, não tem mais nada, né? Já foi, já foi, isso já era.
André – O que é bom...
Olga – Acabou.
Nesses relatos ficou marcada a diferenciação entre a infância deles e dos filhos de seu
André, cuja educação não era mais tão rígida e hierárquica como no tempo em que eles foram
crianças. Hoje em dia as crianças e os adolescentes possuem mais direitos e estão
posicionadas com mais igualdades em relação aos adultos da família, como pontuou Dona
Olga. Para ela o tempo deles, mesmo com mais rigidez e polimento, era melhor do que agora
quando os filhos perderam o respeito aos pais.
5.3 Beatriz e Valdir
Na entrevista que realizei com seu Valdir e com a dona Beatriz também foi relatado
como eram as relações familiares entre o casal e como costumavam proceder na educação das
filhas, mesmo na idade adulta. Ambos concordaram que ela, a mãe, foi mais presente na
80
educação da filhas do que o pai, que pouco intervinha. Seguem abaixo seus depoimentos que
mostram esse costume passado de geração a geração.
B Ele participa muito pouco Carla, muito pouco. E depois se acontece alguma
coisa ele cobra de mim. Isso é o mau que ele tem que ele pegou do pai dele, porque
o pai dele era assim e cobrava da mãe dele. Qualquer erro da filha, os filhos,
cobrava da mãe e ele que vem cobrar de mim. Então eu sempre digo pra elas, eu
sempre pedi pra elas não fazer nada errado pra não sobrar pra mim. Porque a
verdade tem que dizer, o meu sogro era do mesmo estilo.
V Porque a mulher era mais fácil de ela, de ela de ver as coisas para filha.
Porque se fosse o homem, o homem é mais fácil de dizer pro rapaz. È ou não é?
B – Tem um genro? Então eu digo bastante eu digo pra ele né, as vezes quando tem
problema então eu digo óh, Fale com ele que tu é homem, conversa com ele.
V De vez em quando elas pedem para eu falar com ele, então eu vou lá, eu falo
e... Não tem problema.
B Então eu sempre digo que ele participa mais, compreende mais com as filhas
né?
V – Eu nunca digo nada.
B – Mas é...
V – Eu não dou tapa nela. (...) O meu falecido pai batia...
Neste trecho da entrevista dona Beatriz está reclamando do pouco diálogo que o
marido estabelecia com as filhas e que ela percebia que aquela postura era herança do pai
dele, como se fosse uma peste que passa de pessoa pra pessoa, “o mau que ele pegou do pai
dele”. Responsabilizada pelos erros e pela educação das filhas, punida pelos acontecimentos,
ela contestava essa divisão entre o casal. Ele então a corrigiu, dizendo que não agia totalmente
como seu pai, que seu pai batia nos filhos e ele, por sua vez, me contou que houve
necessidade de ele tomar tal atitude apenas duas vezes em sua vida, em relato posterior. Ele
procurava explicar que para um homem era mais fácil conversar com homens e, como suas
filhas eram mulheres achava que era sua esposa quem devia tomar a posição de dialogar, de
cuidar, de orientá-las. Com o genro ele até conversava, mas com as filhas ele não falava nada,
calava-se, deixando para a sua mulher o compromisso de atendê-las. Neste relato citado
acima, ficou clara a divisão entre o casal na educação das filhas, mesmo com ambos
trabalhando fora desde sempre para o sustento da casa, o pai dava menos suporte afetivo às
filhas do que a mãe, que se sobrecarregava nesta função, por excesso de responsabilidade.
Seu Valdir relembrou do tempo em que era criança e da educação enérgica que recebia
de seus pais. Como eram em treze irmãos, precisou trabalhar cedo para ajudar no sustento da
casa e precisava obedecer aos pais para não apanhar. Contou que um olhar do pai, por ele ser
muito rígido, já bastava para entender as coisas. Segue seu relato.
V – Ah! Naquele tempo a soitera pegava, não é igual agora não!
B – (Risos)
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V – É! Eu já apanhei muitas vezes. Quando a minha mãe me pegava, o meu pai, era
de de lascar o coro!
C – Os dois? Os dois tinham essa atitude?
V – É! Ele tinha e todo mundo né? Nós ali em casa não tinha, o meu pai só olhava
pra nós assim nós tinha que ir deitar o côco.
C – Deitar o côco!
V – Ai não, vai ver não. Se não eu... se não eu apanhava de novo! Se deixava, se
tinha gente assim que chegasse, o pai só olhava pra nós assim.
C – Quando chegava visita tinha que sair.
V – ÒÕ, tinha que sair!
(...)
V - Já, ele só dizia uma ou duas palavrinhas e tinha que obedecer, senão...
Este relato esclarece ainda mais as posições fixas e hierárquicas dos membros da
família. As crianças não se misturavam com os adultos, tendo que se ausentar da sala se
chegassem visitas. Na hora de dormir, o pai olhava para os filhos e estava entendido o
recado, não eram necessárias palavras, senão lascavam o coro, isto é, apanhavam. Menos
diálogo e mais agressividade, é o que procurava relatar seu Valdir, relembrando de sua
infância. A mãe conversava mais e como ele mesmo disse, dava para se escapar, mas o pai
“era mais seco, falava pouco” (Depoimento de seu Valdir).
Contou que os avós eram severos também e foram eles que vieram da Itália. Lembrou-
se que sua a andava longas distâncias a para visitar os filhos, pois não tinha outras
condições. Os avós que falavam em italiano contavam pouco de suas histórias, ao menos seu
Valdir não as recordava naquele momento da entrevista.
Dona Beatriz possuía 6 irmãos e pouco sabia contar da história de seus antepassados.
“Então era assim né, aquela misturança de sobrenome não tem? Ninguém entendia mais
ninguém (...)” (Depoimento de dona Beatriz). A ela perguntei como foi ter convivido com
descendentes de italianos e se, pela sua vivência em um município colonizado por imigrantes
italianos, seus hábitos de vida mudaram. Ela respondeu como se estivesse integrada aos
costumes, não percebendo diferença. Contou que a família gostava de tudo, não percebia
confrontos deste tipo. seu Valdir relatou mudanças em seus modos de vida, que antes de
se casar sua alimentação era à base de polenta e queijo e após morar com sua esposa, passou a
comer arroz, feijão, de tudo. Segue o relato do casal, quando mais uma vez seu Valdir
descreve sua infância.
V Eu não sabia o que era.. de manhã cedo ia pra roça e a e então depois ia
levar a cesta de polenta, um pedacinho de polenta com queijo... é né? Cada um
tinha o seu pedacinho, que era repartido, cada um tinha o seu pedacinho, que a
família era grande e o pai ganhava pouco. E era tudo assim. Eu fui criado 27 anos,
depois que eu casei com ela que virou a comer arroz e essas coisas. Se não eu fui
criado só na...
82
B A gente continua polenta, galinha ensopada, fritada, salame seco, né? (...) A
gente cozinha comida brasileira e italiana junto, claro né? Macarrão, não vamos
ficar só naquela fritada, né? Tudo.
Ambos disseram que assim como seu Valdir, outras pessoas de sua família haviam se
casado com descendentes de outras etnias que não a italiana. “É, ta tudo assim. Misturou, tem
mais brasileiro do que italiano em nossa família” (Depoimento de dona Beatriz). Referindo-se
para os brasileiros aqueles que foram miscigenados e aos italianos aos descendentes de
imigrantes italianos. No entanto, ela assegurou que de seus irmãos a grande maioria havia se
casado com descendentes de italianos, mas não todos.
Com pergunta referida a dona Beatriz se ela percebia alguma característica ou
peculiaridade nos modos de ser dos descendentes de italianos e se ela percebia algumas
daquelas características nos seus modos de ser, por ser casada com um deles, ela me
respondeu:
Não, eu digo assim a verdade, tanto tem o italiano bom, como tem o brasileiro bom
e tem o brasileiro ruim e o italiano ruim também. Com a classe média é a mesma
coisa, que tem gente que é racista, porque? Porque é o nego, não é bem por aí, que
o branco também faz. Quanta coisa ruim o nego faz, o branco também faz. Então eu
acho assim, eu não sou racista, nem por italiano, nem por...
Seu Valdir completou a fala de dona Beatriz dizendo que para ele “o nego e o branco é
tudo a mesma raça” (Depoimento de seu Valdir). Ambos afirmaram que não viam diferenças
entre as origens étnicas, entendendo por diferenças a questão do preconceito. Dona Beatriz
quis mostrar que existiam diferenças entre as pessoas de um mesmo grupo étnico e por isso
não era preconceituosa com grupos diferentes do seu, no entanto apontou existirem diferenças
nos modos de pensar entre as classes sociais. Relatou que nas camadas populares existia
menos preconceito do que nas camadas médias, que tendiam a ver o negro com mais
preconceito. Ela referiu-se ao preconceito da classe média especialmente em relação aos
negros e não aos brancos de outras descendências (como alemães, polacos, portugueses),
mostrando a existência do preconceito de cor como parte do preconceito étnico. Pareceu-me
que ela percebia diferenças, mas convivia bem com as mesmas, não tendo atitudes
preconceituosas em relação às outras etnias no geral.
5.4 Ricardo, Francisco e Vanessa
83
Uma outra família que entrevistei foi a de Ricardo, cujos pais possuíam muitas
histórias sobre seus antepassados italianos e não foi à toa que ele se interessou em fazer o
curso de línguas no município quando ainda era criança. Contou-me de sua satisfação em ter
viajado com um grupo para a Itália e conhecido Longarone e Pirago, cidades de onde vieram
os imigrantes italianos de sua família. A viagem se concentrou, segundo suas informações,
entre Veneza e Belluno, e teve por objetivo reunir alguns descendentes italianos da América
do Sul. Esta viagem aguçou sua vontade para participar da associação italiana em que seu pai
estava inserido e o incentivou para futuramente dar continuidade ao trabalho do pai nas
organizações das festas, mas não tinha planos de morar fora do país. O que lhe chamou
atenção na Itália foi o número de igrejas e casarios antigos sendo restaurados, o que ele muito
valorizava, uma vez que salientou que em Urussanga a grande maioria queria derrubá-los.
Contou-me que ajudara em outras ocasiões no trabalho de uma das associações nas festas
municipais, mas que seu maior interesse sempre foi no campeonato de skate
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da Festa do
Vinho.
Quando perguntado sobre sua família, via-a como “bem tradicionalista”. Acompanhe
sua fala abaixo:
Pois agora! Ah, sei lá, certinho, correto assim, tudo como a mãe delas fizeram,
elas querem fazer. Não querem.. as vezes eles também não querem tanto assim, eu
vejo pela minha avó assim que tipo a raça, até meio que preconceito. Não com a
minha mãe, mas com a minha avó chega a ter umas coisas assim, de ser italiano
com italiano, coisa assim também.
(...) Eles valorizam bem isso.
Diferente das famílias anteriores, na de Ricardo procuravam preservar os casamentos
com descendentes de italianos, segundo o relato acima, quando ele se referia a sua avó, quem
mais parecia apreciar a continuidade dos laços entre os descendentes de italianos.
Perguntei se ele percebia diferenças entre as gerações de seus familiares referentes às
relações de gênero, no que era comum aos homens e as mulheres fazerem. Segue um trecho
de sua fala:
R É agora acho que faz tanto tempo, ? bem diferente.ta mais como
no resto das outras etnias, a mulher sai mais para trabalhar também, o homem
também. Todo mundo tem com os mesmo deveres em casa, assim né? Mas tipo em
casa assim continuou, a mãe sempre faz a comida ou a gente chega na hora para
comer, não fazemos nada, como era uma vez isso aí, se for ver.
C – Vocês não dividem, né?
53
Uma das atrações realizadas para os jovens nesta festa.
84
R - Tipo a mulher faz tudo a tarefa de casa, e nós não fazemos nada.
Ricardo relatou que percebia mudanças relacionadas ao trabalho das mulheres fora de
casa, já que sua mãe trabalhava fora, mas em relação aos cuidados da casa e a educação dos
filhos, permanecia como era antes. Era a mãe quem conversava mais com ele e com seu
irmão, por ser mais aberta para conversas e o pai era mais fechado, ficando ela com a última
palavra. Mesmo me contando que as decisões da casa eram divididas entre o casal, era a mãe
quem fazia a comida e quem ficava responsável pelas compras. Os homens “não faziam nada”
na cozinha. Sobre esse mesmo tópico, como colocou seu pai na entrevista, “Clube do bolinha
é meio, é meio radical. Não participa disso (Risos)”(Depoimento de Francisco), indo ao
encontro do que o filho dissera, referindo-se ao trabalho na cozinha. Em tom descontraído,
seu Francisco foi me falando sobre as divisões do trabalho em casa e sua mulher, que estava
por perto naquela ocasião, escutava seu relato e intervinha com risos e pequenos comentários:
F - (...) cada um tem que fazer um pouco da sua parte. As tarefas de casa deixa pra
mulher fazer! (A mulher dele ri de longe!) Por que é que eu vou tá botando o bico
lá? (risos da mulher) Pra queimar a panela do feijão? Pra queimar a panela do arroz.
Pra que? (A mulher diz: Ai, meu Deus!) Se ela tem mais habilidade pra fazer
aquela atividade, deixa ela fazer.
Carla – Mas ela também ta trabalhando aqui o dia todo?
F - Trabalha também, quando.. Trabalha também. Vai ficar em casa fazendo o que?
Não tem tanta coisa assim! (a mulher ri ) Então vai ficar em casa... (A mulher diz:
faz de conta que tu acredita, ta?). Cada um tem a sua afinidade pro determinado
serviço. Vai ter que fazer assim.
Carla – Mas não é uma coisa natural, né? É uma coisa que também é passada, já foi
passada.
F - Claro. Não, se fosse machismo não estaria trabalhando aqui, né, não é verdade?
Deixaria em casa. Ela não fica em casa. Mas a gente sai, faz.. o pode
reclamar. Conviver é bom (Depoimento de seu Francisco, 51 anos).
Na fala de seu Francisco percebi heranças de seus antepassados quando ele re-
afirmava que era a mulher quem devia se responsabilizar pelo cuidado da casa,
principalmente no que dizia respeito à alimentação. Para ele não era machismo achar que a
mulher tinha mais afinidade na cozinha, pois ela trabalhava fora também. Por eles terem
empregada em casa, ele queria dizer que não havia tanto serviço em casa para sua esposa, que
administrava o serviço da empregada, mas eles (os homens da casa) não abriam mão da
comida que ela (a mãe) fazia. E também não se aventuravam a procurar aprender sobre a
organização da casa ou a fazer alguma comida.
Vanessa, a mãe, contou em sua entrevista que sempre trabalhou fora de casa e por isso
tinha alguém para ajudá-la em casa, mas a comida os filhos e o marido preferiam que ela
mesma fizesse. “É uma certa exigência, não tem? Não reclamam se não deu para fazer, tudo
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bem, vamos almoçar num restaurante! Mas quando eu tinha empregada direto em casa, o
almoço tinha que ser eu, então... Ou se ela fazia, reclamavam. Então a mãe fazendo não tem.
(risos)”.
Como contou, não fazia mais a polenta em casa porque o fogão era as e a polenta
não ficava tão cozida como tinha que ser e, por isso, comprava-a na feira ou então levava um
pedaço da casa de sua mãe aos domingos.
Na entrevista, seu Francisco falou-me das heranças passadas pelos seus avós,
relacionadas à família. Leia seu depoimento.
É. Por exemplo é... os meus, os meus avós eles nos transmitiram assim uma
segurança e nos transmitiram uma tradição muito forte. Principalmente por parte
da.. feminino. Entre a minha mãe, minha mãe, minha avó eles... é.... eram muito
ligados as raízes. E o meu avô paterno também! Muito! Então isso aí teve uma, uma
influência muito forte em cima de nós. Ele sempre assim oh, é ...ele sempre se hon,
sempre se honraram muito de serem originários de. E nos transmitiram. Isso não
aconteceu com todos! Alguns..eles esqueceram lá. Ah, Itália! Itália abandonou todo
mundo e .. a minha família nunca falou isso. Sempre tinha muita saudade de lá e
eles aqui influenciaram muito forte em cima de nós as nossas tradições. Tanto é que
desde criança nós falávamos em casa, a língua italiana. Nós fomos falar
português quando nós fomos pra aula na... no grupo. Né, na na escola básica, né?
Então, quer dizer, isso foi uma coisa...(Depoimento de seu Francisco, 51 anos)
Expôs que muitas famílias se desfizeram de documentos, fotografias na época do
nacionalismo brasileiro, anos em que ainda não estava nascido. Mas sua família havia
guardado muita coisa, desde os passaportes dos imigrantes. E, como sempre foi contada a
história de sua família por pessoas mais velhas, ele valorizava essas lembranças. Como ele
mesmo falou: “(...) é, as nossas heranças culturais é muito de quem está acima de nós de ter
essa firmeza de nos traduzir. Então: meu avô passou para o meu pai, meu pai passou para mim
e eu procuro passar para o Ricardo” (Depoimento de Francisco).
Ricardo também tinha orgulho em poder contar aos outros que seu bisavô foi uns dos
que construiu a igreja matriz de Urussanga e via influências do trabalho do bisavô nas
gerações de sua família. O fato de seu bisavô ter trabalhado na construção de igrejas do
município e região, não fazia com que Ricardo fosse muito católico, mas sua opção pelo curso
universitário poderia estar relacionada com isso,que seu pai era técnico em edificações, ele
cursava engenharia civil e seu irmão pensava em fazer arquitetura. Abaixo apresento uma
parte de seu relato sobre o trabalho do seu bisavô:
R (....) Ele foi mestre de obras, vamos dizer assim. Ele fez um pouco da
arquitetura também.
C – Mas isso não faz com que tu sejas mais religioso?
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R Não. Acho que isso ai não tem. Acho que isso é que faz com que eu faça
engenharia civil ou.... (...) Tipo, o meu irmão quer ser arquiteto daí, tipo. (...) É. Faz
vinte anos que eu escuto isso, né? (...) Que eu vou ali. Onde o meu nono tem os
móveis todos que eu vejo tudo ali. O cara viu ali. (Depoimento de Ricardo, 20
anos)
Para Francisco, as mães sempre tiveram maior contato com os filhos e por isso
passavam mais as histórias para as próximas gerações. Como ele mesmo colocou, a língua
italiana é passada aos filhos se a mãe a conhece, caso contrário não continuidade da
língua entre as gerações. “(...) E a minha mãe era assim. Ela tinha muito orgulho de falar tudo
aquilo que ela aprendeu com a nona dela, com a bisavó e ela guardava tudo, né? Ela tinha
uma memória muito boa, né? Os provérbios, dizeres. Pra nós hoje essas coisas aqui estão
desaparecendo (...)” (Depoimento de Francisco). Então, contou-me uma das histórias
guardadas por ele, contadas pelos mais velhos, explicando-me da onde vinham os provérbios.
Leia na seqüência.
Na Itália (...) eles viviam (...) nos Alpes, imagina! Frio, frio e frio, né? Só neve!
Então ah... aonde é que eles iam se aquecer durante o dia ou conversar? Eles se
reuniam muitas vezes nos estábulos, onde eles iam tirar leite das vacas. (...) Então
ali naqueles momentos.. é.. também era uma maneira deles conversarem e passarem
um pouquinho mais do tempo. Na rua não dava para ir, ficavam dentro dos
estábulos. E também, é... uma outra maneira deles trocarem essas idéias, eles
faziam um filó, que é assim oh.. eles teciam a lã, teciam os próprios bordados,
faziam os vestidos e ali era o momento de eles conversarem. Então vinha uma
pessoa estranha, vinha uma pessoa de outro local ali naquele, onde eles estavam,
conversavam, contavam as novidades é... traziam anedotas, notícias, aí essa pessoa
saía daqui, ia na casa do vizinho falava tudo aquilo que conversavam aqui nessa
casa..é.. brincadeiras, risos, notícias de morte, tudo né? Então depois daquela casa
eles iam na outra, no outro vizinho, então um ia transmitindo pra isso. E dali que
saíam o que? Os provérbios, anedotas... Porque no inverno o que que eles iam fazer
naquelas, naquelas, naquela neve! Tinha que viver dentro de casa e contar as
horas, contar anedotas, rir, pra passar a hora, né? (...) Aqueles momentos que eles
estavam nos estábulos, ou pra ..fazendo os quilótropos como eles chamam, eles
aproveitavam aquele momento para descontração! E levar notícias pros outros.
Uma coisa muito bonita também na época. (Depoimento de Francisco, 51 anos)
Também me contou a história dos imigrantes italianos de sua família. Em 1879 o
irmão de seu bisavô chegou em Urussanga com alguns amigos e se comunicou por carta com
o bisavô de Francisco que estava na Itália, chamando-o para o Brasil. Então vieram para o
Brasil, o bisavô de Francisco de 60 anos e seus três filhos. O mais novo era o seu avô, que
estava com 11 anos, o irmão mais velho do avô estava com 20 anos e a irmã estava com 17
anos. Dos três irmãos, o mais velho foi para São Paulo e de lá para Argentina e o tiveram
mais notícias. Aos 20 anos o avô de Francisco se casou e começou a trabalhar com marcenaria
e serraria, como descreve em seu relato.
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Ele se desenvolveu e dali pra frente ele começou a exercer a profissão dele,
inicialmente de marceneiro, carpinteiro e depois de pedreiro. Então em 1916 ele já
começou a trabalhar na igreja de Cocal e na igreja de Criciúma; em 1918 eles
começaram a construção da torre da igreja de Urussanga, aí ele era mestre de
obras e concluiu em 1923. E depois construiu a igreja de Rio Caeté, aqui em
Urussanga, e outras grandes, e outras obras que tinham aqui na região dele, né?
Então ele era um pedreiro muito solicitado, como pedreiro e mestre de obras. Em
1938 eles iniciaram, demoliram a igreja antiga e iniciaram a igreja nova, essa daqui
de Urussanga. (Depoimento de Francisco, 51 anos)
Na continuidade de seu relato, seu Francisco explicou que as transformações sociais,
econômicas e espaciais ocorridas no município de Urussanga, entre elas a entrada de pessoas
de fora do município e de outras descendências estava ocorrendo de maneira mais acentuada,
possibilitando, a seu ver, uma diluição da própria cultura italiana da localidade. Os dialetos da
região tendiam a acabar, pois eram pouco transmitidos pelas mães, disse-me ele. as
tradições do vinho e das famílias que preservavam os laços iriam permanecer, segundo seu
modo de ver, mas muita coisa tendia a se perder também, o que é aceitável se pensarmos que
o município foi colonizado por famílias de diferentes províncias do Norte da Itália, e que seria
errado já tê-lo definido alguma vez como de cultura homogenia.
Relatando sobre os afros-descendentes do município e a participação do grupo de
Santana na festa da Ritorno, segundo ele, “(...) chegou ao ponto que se entendeu também que
o negro também fez parte da nossa história”, relatando que conheceu muitos afros no
município que falavam em italiano. Por serem um grupo expressivo em Urussanga,
resolveram então possibilitar a divulgação dessa cultura étnica na festa, mas como ele mesmo
afirmou: “Não vai ser o expoente nunca da festa, porque o é, mas vai ter o espaço deles, o
espaço cultural”. Nesta fala ficaram demarcados os lugares ocupados pelo grupo afro-
descendente na festa, no município, mostrando uma diferenciação étnica e racial que
ultrapassa os tempos antigos. Mesmo existindo outrora negros no município que falavam nos
dialetos italianos da região e, quiçá, tivessem modos de vida semelhantes aos dos
descendentes italianos, tornou-se fundamental estabelecer alguns limites deste encontro
cultural, uma vez que cadagrupo étnico” deveria reorganizar sua própria história, sendo que
a parte que as uniu e desuniu estava simbolizada na segregação dos espaços. Quando
perguntei mais diretamente sobre a discriminação dos negros nos tempos antigos, ele me
respondeu:
Sim. O negro sempre foi discriminado. o pela maioria é..., pela maioria sempre
foi discriminado. Aqui em Urussanga não era tanto. Mas em Cocal, que pertencia a
Urussanga, Cocal detonavam os pretos que apareciam lá. Matavam. Em Urussanga
tem relatos também de morte de ne, de pretos, mas não tanto assim. O preto aqui
eles viviam no meio dos italianos, falavam italiano, conversavam, não eram
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escravos. Os negros que estavam em Urussanga não eram escravos. Pessoas que
tinha, que trabalhavam na colônia, na serraria, normalmente. Então, ele faz parte da
nossa história.
Carla – E hoje em dia ainda tem discriminação assim ou..
Tem. Tem, sempre teve. Discriminação racial não é somos nós que vamos acabar.
Querer dizer que não teve discriminação é tapar o sol com a peneira. Tem. Tem
discriminação na questão racial, mas é.. tem que ser mais generalizado né, sobre
o pobre, sobre o oprimido. Isso tem discriminação. Os prepotentes da riqueza.
Vai dizer que não tem? (Depoimento de Francisco, 51 anos)
Vanessa, mãe de Ricardo e casada com Francisco, contou-me que uma parte de seus
antepassados veio de Padova, mais precisamente Colina, na Itália. O seu nono, o pai de sua
mãe, possuía uma serraria e como viveu até os 95 anos, foi esta parte da família que ela teve
mais contato, pois quando ela nasceu, seus avós paternos não viviam mais, mas mesmo assim
seu pai lhe contava histórias. Mas as lembranças de seus antecedentes maternos não eram
nítidas, pois muito fora perdido com o tempo, principalmente na época da guerra. Como ela
mesma relatou “(...) vai até uma, um certo, digamos, uns anos né, volta pra trás e depois
espalha” (Depoimento de Vanessa). Diferentemente de sua sogra que contava em detalhes as
histórias dos navios que ela havia escutado dos mais velhos. “E tudo tem história. Eu
acompanhei assim a minha sogra que dizia: Ai essa toalha aqui, essa toalhinha aqui a nona tal,
tal e tal. Entende? Tudo tem história, tudo ela sabia” (Depoimento de Vanessa).
Provenientes de Colina, alguns dos antepassados paternos de Vanessa trabalharam na
agricultura e mais tarde encontraram fluorita nas terras da família, passando a explorá-las em
Urussanga. Disse-me que ela e seus irmãos tiveram uma vida melhor que as de seus pais.
O pai e a mãe eles engordavam o porco e andavam na roça, passavam muito
trabalho, né? Quando eram solteiros, a mãe conta que quando eles iam trabalhar no
engenho de farinha, aí, levantavam de madrugada e como diz, ainda iam cantando!
(Riso) Iam pra roça, trabalhavam o dia inteiro e ainda voltava cantando! (riso)
Relatou-me existirem características da cultura italiana em sua família, pois aos
domingos a família ainda se reunia na casa de sua mãe para conversar, tomar café, como ela já
fazia na casa do seu nono quando era criança. Contou-me que aos 76 anos ainda era a sua mãe
quem fazia a comida. A nona faz o almoço, a nona faz o café, ela faz a polenta, ela faz a
galinha. Ainda faz. Ela, todo domingo ela tem o bolo que ela prepara, bolacha, cavaquinho”
(Depoimento de Vanessa). Relatou-me como era a relação de seus pais na família.
É, ela é mais falante, é. É a que mais manda. (risos) Não tem? Faz isso! Não mexe
aí! Né? O nono é aquele que deixa os netos fazerem tudo, ne? Aquela coisa assim
de nono mesmo. (...) Ah, se o nono fala... é a nona também...tipo assim
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..concorda, né, ou baixa a bola. Coisas assim, ? Mais é mais é a nona, que ...
que comanda, como se diz.(Depoimento de Vanessa, 43 anos).
Seus pais moravam na Estação Cocal, local aonde ela nasceu, pertencente a Morro da
Fumaça, município vizinho que fora desmembrado de Urussanga. Ela tinha uma irmã mais
velha, dois irmãos mais velhos e um mais novo do que ela. Aos domingos iam todos com seus
filhos para a casa dos pais. Como ela mesma contou, vão muitas pessoas: Ah, vinte e
poucas. Porque daí vão eles, vão os filhos e eu tenho dois sobrinhos que tem namorada e
levam as namoradas, e vai. E o nono faz questão que levem as namoradas e quando elas
não vão ele diz: Ah, e por que que fulana não veio? Por que que ela não veio?” Contou-me
que seus pais preferiam quando as namoradas dos netos fossem descendentes de italianos,
como havia afirmado Ricardo. “Se não for..... é... normalmente torce o nariz, mas tem que
aceitar, né? Vão fazer o que? Se bem que hoje em dia mudou muito, mas a gente que no
fundinho, no fundinho, o pode ser baieco, como eles dizem. (Risos)” (Depoimento de
Vanessa). Explicou-me que baieco eram aqueles que tinham descendência portuguesa ou
africana, ou então eram as pessoas desleixadas, não muito caprichosas no trabalho ou na casa.
Quanto a sua criação, falou-me que existia um pouco de diferenciação na educação recebida
por homens e mulheres, mas depois negou tal afirmação quando foi me relatando que sempre
estudou, trabalhou, teve carro e podia ir aos bailes com as amigas. Em casa, diferente de seu
pai que ajudou sua e na polenta e no cuidado com os filhos, seus irmãos não sabiam
“cozinhar um ovo, como se diz” (depoimento de Vanessa), uma vez que era ela e sua irmã
quem ficavam com “os afazeres domésticos, porque os homens até não faziam direito,
também, né? Aquela coisa também de querer fazer da nossa maneira!” (Depoimento de
Vanessa). Desse modo, as mulheres também não davam chances para os homens
experimentarem fazerem os trabalhos de casa de suas maneiras, dominando elas a esfera
doméstica. A sua mãe tinha mais espaço na casa, mas quando seu pai pronunciava a palavra,
esta era decisiva.
5.5. Valéria
Na entrevista com Valéria, residente em Rio Maior, ela começou falando que seu pai
sempre lhe contava sobre a história da imigração de seu bisavô, que veio da Itália em 1878,
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deixando lá a mulher e três filhos. Após seu bisavô ter se estabelecido em Urussanga, mandou
que seus familiares viessem para o Brasil, mas devido a problemas de doenças, como a febre
amarela, não puderam desembarcar em Santos, quando foram para a Argentina, se perdendo
por lá. O bisavô os encontrou mais tarde em Buenos Aires, podendo então pagar, no final de
sua vida, a promessa de ir para a Palestina por tê-los encontrado. Um filho havia morrido
durante a viagem, sobrando o a e uma tia-avó. Seu a morreu aos 33 anos e deixou nove
filhos, entre eles o pai dela que estava com 9 anos na época. O pai de dona Valéria foi criado
pelo bisavô dela, que voltou para a Itália para buscar duas de suas irmãs e o seu único irmão
que sumira pelo mundo. Pelo seu relato entendi que voltaram para a Itália algumas irmãs do
pai de Valéria, acompanhadas pelo bisavô. Como seu avô morreu cedo, sua avó casou-se com
outro homem e assim, Valéria foi perdendo o contato com sua avó paterna. Contou que
também teve pouca relação com sua avó materna, que morrera aos 40 anos. Sobre a sua
afinidade com os seus pais, disse-me ser uma vida comum. Lembrou que seu pai era mais
paciente que sua mãe, que era mais nervosa. Segundo ela, seu pai “(...) era uma pessoa muito
alegre, muito...., como diria, gostava de muita aventura, de viajar, ele sempre ia pra Itália!”
(Depoimento de dona Valéria). O pai dela ia para Itália visitar os parentes e amigos e ela, após
a morte do pai, também fez sua visita, como mostra seu relato:
(...) Ele tinha uma prima lá chamada, chamava Pina, ele sempre escrevia, eu tenho
pilhas das cartas dele com ela, correspondência, depois que ele morreu eu
continuei me correspondendo com ela até que ela morreu. Ela morreu uns 4, 5
anos atrás. E agora eu estive na Itália, estive visitando o túmulo dela, os filhos
dela, os netos, os bisneto.
Seus pais, assim que casaram, começaram a trabalhar na roça, mas logo depois
trabalharam com marcenaria. Tiveram sete filhos, sendo que um morava na época da
entrevista no Paraná, outro em Florianópolis e o restante entre Urussanga e Rio Maior.
Contou-me que a educação que tiveram de seus pais era atípica, pois segundo suas palavras
podiam fazer de tudo, eram bem liberais. Lembrava que sua mãe sempre teve empregada em
casa, e ouvira falarem que eles eram ricos, pois tinham carro, ela estudava em colégio
interno, mas relatou-me nunca ter pensado desse modo, não se via diferente por isso. Segundo
me contou, uma das empregadas domésticas de sua mãe era afro-descendente, proveniente do
Estado do Para e havia se casado com um urussanguense. Depois que se separaram ela
conheceu um italiano, numa das vindas dele para Urussanga, casaram-se e moravam na Itália.
Ela percebia que sua mãe era meio impertinente com as empregadas, meio mandona, mas
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mesmo assim elas ficavam bastante tempo trabalhando em sua casa, chegando a criar uma
delas praticamente como uma filha.
Dona Valéria começou a vida dando aula por poucos meses e depois que casou morou
no Rio de Janeiro com o marido e trabalhou como promotora de vendas. Depois os dois se
mudaram para Salvador e ela trabalhava em escritório. Retornaram para Urussanga, onde
montou uma loja para crianças e depois uma de presentes. O marido trabalhou em uma firma
de alimentação durante anos e após retornar para Urussanga, trabalhou com o pai de Valéria e
também abriu uma sociedade com o irmão dela, mas não realizava mais nenhuma atividade.
Ela trabalhou durante alguns anos para a Associação Friulana do município e nas festas era
ela quem organizava o macarrão com galinha desta associação. Parou devido a problemas de
saúde. Estava aposentada e sem nenhuma atividade de trabalho. haviam feito 50 anos de
vida de casados.
Contou-me que quando era criança falava num dialeto italiano, mas foi perdendo a
fluidez assim que foi para a escola e, como havia feito curso de língua italiana duas vezes
no município, não sabia mais falar no dialeto.
E agora que eu tive em Clauti, eu ouvi eles falando o dialeto não entendi uma
palavra. Eles falam um dialeto completamente diferente, que o nosso aqui é o ....de
Carso, né? O cassano e eles falam o cautano, mas é um dialeto assim bem
diferente, não se entende uma palavra, tanto que me deram uns livros também
não entendo nada (Depoimento de dona Valéria, 70 anos).
Em sua família percebia que a sua filha solteira, que estava com 44 anos, puxara o
jeito do marido e da sua mãe e ela era mais parecida com o seu pai, sendo os primeiros mais
sossegados, pois o gostavam tanto de viajar e ela e o seu pai eram mais independentes no
modo de ser, gostavam de viajar sozinhos. Como segue a fala:
Ah, puxou a ele! Não tem nada de mim, nada, nada, nada, nada, de jeito nenhum. É
muito sossegada, eu saí muito ao meu pai, eu gosto muito de conhecer, o meu pai
era muito social, muito. (...) Porque a minha mãe também era assim, não gostava de
sair, não gostava de festa, sabe o meu pai gostava de uma festa! (Depoimento de
Valéria, 70 anos).
Fazendo relação com os modos de ser e a etnia, após eu perguntar se ela percebia
diferenças entre os descendentes de italianos e as outras descendências, Valéria não tinha uma
idéia formulada a este respeito, mas à medida que foi me respondendo, analisava que os
italianos (mesmo os da Itália), assim como os negros, eram muito alegres. Como havia
morado no Rio de Janeiro e em Salvador, nessas cidades ela teve mais contato com os negros
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do que em Urussanga, cuja lembrança de infância era de um casal que passava de vez em
quando em frente a sua casa. Como mostra o trecho abaixo.
(...) Naquela época dizem né, eu não sei, mas dizem que matavam até os preto mas
eu não não peguei esta época. Ah, a gente achava muito engraçado, tinha um casal
de preto que passava os dois a cavalo: ai a gente corria pra ver, porque tinha
aquele casal, não tinha naquela época pretos aqui, ai quando passavam esse casal de
pretos era uma farra né?
Segundo ela, todos “(...) corriam para ver, que era uma coisa diferente!”. No Rio de
Janeiro, dona Valéria me relatou de quando precisou subir a favela a trabalho, lembrava-se de
que não tinha ninguém deprimido ou triste, todo mundo era contente. Na Itália e Alemanha
achou o povo alegre e expansivo, em Salvador, contou-me que via muito preconceito dos
próprios negros entre si. “Acho que é a terra mais racista que vi, porque no Rio tem, o
pessoal não é muito preconceituoso.(...) Mas na Bahia, nossa! É um pouquinho mais clarinho,
não gosta de preto!” (Depoimento de Valéria, 70 anos). Contou-me que estranhava um
pouco morar lá.
Com seus irmãos, dona Valéria me contou que alguns deles também se casaram com
pessoas de outras descendências, assim como ela tinha feito.
Relatou-me que seu bisavô era um líder comunitário e também muito católico, gostava
de cantar na igreja. Seus pais também eram bem religiosos, mas nunca tiveram o hábito de
rezar o terço em casa. Ela gostava dos ritmos da igreja e da socialização entre as pessoas
proporcionadas através dos encontros de domingo. Contou-me que a história da igreja de Rio
Maior foi feita com as mulheres levando as pedras de 1 Km de distância, enquanto os homens
a construíam.
Sobre as refeições e as comidas típicas da região, dona Valéria relatou-me que havia
consumido muito daquela comida durante a vida e que nos últimos tempos havia diminuído a
freqüência com que se alimentava de macarrão e galinha ensopada. Seu marido havia cansado
de qualquer comida que incluísse milho, devido à freqüência que comia em tempos passados.
Olha, eu gosto muito, mas meu marido não come polenta, ele não come nada de
milho. Ele tem, ele foi seminarista e estudou em Azambuja e diz ele comeu
muito, (...), era pão de milho, então pegou uma ojeriza, então ele não como nada de,
ele não come nada ensopado, não come galinha,o come polenta, o que ele come
as vezes é fritada, fritada ele come, mas eu, eu adoro. Eu como polenta, eu adoro!
Mas quando a minha mãe era viva era todo domingo, todo domingo. (...) Ai! Eu
não agüentava mais aquele macarrão com galinha todo domingo (Depoimento de
dona Valéria).
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Na entrevista com dona Valéria ficou marcada a alegria e espontaneidade de sua
família, a maior liberdade proporcionada pelos seus pais a ela e aos seus irmãos. A
experiência que ela tinha em ter morado em outros estados do país e de ter conhecido outros
países da Europa, assim como em manter contato com amigos e parentes que moravam na
Itália e na Alemanha lhe deram mais bagagem para falar sobre suas experiências familiares,
sobre as heranças e as mudanças elaboradas pelas gerações. Não falamos muito de sua relação
conjugal, do cuidado com sua filha, com as funções no lar, mas pareceu-me que a filha teve
uma boa opção de escolhas, já que estudou em Florianópolis e morou nos EUA.
5.6 Marília, Camila, Rui e Marta
A entrevista com a família de dona Marília, residente em Rio Maior, chamada desde
criança por um apelido inventado por uma amiga de infância que não conseguia pronunciar
como a avó a chamava, foi expansiva e pude conversar com muitos deles. Ela teve seis filhos,
sendo que uma era falecida. Quatro eram mulheres e um homem, sendo duas solteiras e duas
casadas. Uma morava em Criciúma e tinha dois filhos e a outra tinha um filho que estava com
o pai, pois trabalhava na Alemanha.
Dona Marília lembrava-se que seus avós “vieram de Bazón, vieram de Mazzucco, de
Canciliere”, mas pediu para a filha buscar o livro de Rio Maior para poder melhorar sua
memória. Com o livro foi me mostrando as fotografias da família. Contou-me que perdeu o
pai aos 7 anos, lembrando-se que ele era inteligente. A sua mãe casou novamente, vindo a
falecer quando dona Marília estava com 15 anos. Foi criada pela a e pelo filho mais velho
dela, que era solteiro e de quem ela cuidou até o fim de sua vida. Tinha apenas um irmão.
Começou a trabalhar na roça com 10 anos e casou-se aos 29 com um descendente de italianos.
Ele não gostava de trabalhar na roça e formou-se em eletro-técnica, um curso que realizou em
São Paulo. Depois que casou passou a maior parte do tempo trabalhando de carpinteiro e
somente nas horas vagas fazia o que mais gostava, que era trabalhar com eletrônicos em sua
oficina em casa. Conforme relatou sua filha, “O pai era um gênio, ele concertava tudo quanto
era tipo de rádio, de aparelho eletrônico, era chamado por todo mundo, pra mexer com
instalação elétrica (...). Ele fabricava vinho, cachaça, fabricava cerveja, ele mesmo construía
94
as coisas tudo!” (Depoimento da filha Camila, 51 anos). Ele criou uma máquina que tirava o
cacho da uva, a irmã e o cunhado ajudavam-na a me contar.
Todos os seus filhos estudaram e nenhum deles seguiu a agricultura, sendo que alguns
estavam aposentados. Com muita dificuldade para chegar à escola naquela época, a sua
filha agradeceu à mãe pelo seu esforço em educá-las. Para o trabalho no sítio, tinham um
caseiro que ajudava a família. Camila, que era presidente do Conselho de Turismo do
município quatro anos, contou-me que após se aposentar voltou seu trabalho para a
comunidade. Juntos fizeram um resgate da história da localidade e estavam pondo em prática
um plano de desenvolvimento rural com alguns projetos encaminhados. Segundo ela me
contou, todos os moradores de Rio Maior eram descendentes de italianos, com ascendentes
oriundos no Norte da Itália, da Friuli Venezia Giulia, cidade de Carso. Contou-me também
que os traços de italianidade eram passados pelas gerações, uma vez que os filhos
permaneciam em Rio Maior e era aquela localidade rural a que mais conservava a arquitetura
italiana em Urussanga. Camila foi me explicando que devido à região montanhosa da
localidade, eram poucos os que viviam da agricultura, sendo o potencial econômico da região
voltado para a exploração do turismo, uma vez existir o patrimônio histórico tombado pelo
Estado, o clima de montanha ser agradável para construção de pousadas e hotéis, a rota era
privilegiada por unir a serra ao mar, assim como por terem uma grande possibilidade para
fabricarem produtos artesanais. haviam implementado cursos de turismo rural na região e
executavam o Projeto Preservar - Vida Bem Maior, integrando o saneamento básico do bairro.
Também haviam conseguido convênio com um curso de gastronomia moderna italiana para a
região como alternativa de renda, com investimento de uma empresa que explorava a
localidade. A empresa patrocinou cursos na escola de gastronomia de Flores da Cunha, no Rio
Grande do Sul, uma extensão da Universidade de Caxias do Sul, para 9 moradores que
multiplicavam os conhecimentos difundindo-os na localidade. A comunidade possuía então
um pessoal preparado para servir em eventos gastronômicos e para produzir massas, molhos,
pães, bolachas, panetones, acabando com a importação de produtos coloniais da região, como
acontecia de comprarem produtos coloniais de Orleans, por o possuírem produção própria
para venderem nos quiosques. O projeto que estava em andamento no momento da entrevista
visava montar um local para o preparo dos alimentos e a construção de uma agroindústria,
com apoio do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da
prefeitura. O centro comunitário, onde oferecia produtos para eventos gastronômicos,
conseguiu aprovar um projeto para a construção de uma fábrica industrial. Desse modo, a
comunidade vislumbrava uma alternativa de renda para a região. Lembrei-me que havia visto
95
uma grande construção perto da estrada e perguntei o que era, então ela me explicou que era
uma fábrica de móveis sendo construída por um dos moradores, ex-funcionário de uma
empresa do município vizinho, que empreendia também seu próprio negócio na localidade,
seguindo o ramo da família, que seus bisavós trabalhavam com marcenaria. Sua mãe
completou a explicação da filha dizendo que eram da mesma família, e então Camila me disse
que o pai do empreendedor era irmão do pai dela.
Camila também me contou que não produziam mais nas terras da família, que foram
divididas para os filhos em condomínios. Devido a um grave problema ambiental ocorrido na
região, como ela me disse, poderiam trabalhar com reflorestamento, que nenhum de seus
irmãos havia seguido o ramo de agricultura.
No desenrolar da entrevista, Camila também me falou dos sonhos de muitos jovens,
filhos de moradores de Rio Maior. Segundo ela, “os filhos dos moradores de Rio Maior,
quando completam 18 anos, o grande sonho deles é ir para Alemanha, trabalhar para as
sorveterias” (Depoimento de Camila). Salientou que era na Alemanha que se instalavam as
sorveterias de Longarone, as mais famosas do mundo e os jovens ficavam por lá trabalhando
por dez anos, permanecendo na localidade pessoas de mais idade. Como ela mesma colocou,
os primeiros que foram estão por quase dez anos e muitos querem voltar para casa,
porque o ritmo de trabalho lá é muito intenso e com poucos benefícios.
E eles querem voltar, não agüentam mais aquele tipo de trabalho, que é um trabalho
de escravidão, às vezes isolados de notícias. Tem patrão que não deixa (...) ver
televisão, nada. É trabalho. Só. eles não querem mais ir. Gostariam de
investir. eles chegam, primeiro é o grande sonho de consumo de todo ser
humano: compram seu carro, um bom aparelho de som e uma casinha. Uma casa.
Mas eles sabem que daí o dinheiro acaba, aí eles não têm como continuar a vida,
gostariam de fazer algo diferente. E aí eles gostariam de permanecer em Rio Maior,
mas muitos estão indo pra fora. Por que? Porque não estão conseguindo
vislumbrar um futuro com qualidade aqui. A partir de 96 se instalou aqui na
comunidade uma empresa que explora (...) usina de asfalto, britagem e extração de
basalto. (...) Nós temos um impacto ambiental altíssimo, sentido pela
comunidade.(...) poluição atmosférica (....) rachaduras progressivas nas casas e
patrimônios históricos, forte odor de óleo no ar em determinados dias, (...) muitos
moradores com problemas respiratórios. (Depoimento de Camila, 51 anos).
Contou-me que em 2002 a comunidade fez um abaixo-assinado contra a empresa e
mandaram para vários órgãos ambientais no ano seguinte. Não resolvendo, em 2005
denunciaram-na para o Ministério Público Federal e, juntos entraram com uma ação civil
pública. O juiz federal determinou uma paralisação das atividades da empresa até o
julgamento final da ação, como medida de precaução. Explicou-me que aquela era uma área
de proteção ambiental, declarada por lei municipal e que a instalação da empresa foi feita de
96
forma irregular. “Os moradores querem ficar aqui, (...) os filhos daqui querem voltar, mas se
não for demolido por crime ambiental, vai todo mundo embora e vai transformar isso aqui em
uma área de mineração. Que a nossa família também vai abandonar tudo e vai embora”
(Depoimento de Camila). Em relação ao trabalho voltado para a cultura, como ela mesma me
disse, estava sendo desenvolvido o Vale da Uva Goethe e o Vale do Rio Maior. Havia sido
montado um projeto de pesquisa, com apoio do SEBRAE, EPAGRI e UFSC, com a finalidade
de identificar a originalidade de um tipo de uva Goethe existente em Urussanga. Segundo ela
me relatou, “Não existe nenhuma parte do mundo esse tipo de Uva Goethe que tem (...) em
Urussanga. (...) E esse indicador vai ser muito interessante porque vai trazer turistas de todo
mundo querendo conhecer a Uva Goethe” (Depoimento de Camila). Segundo ela me
explicou, o Vale da Uva Goethe percorria Urussanga, Pedras Grandes e Azambuja,
municípios vizinhos entre si e até aquele momento havia mais de 20 produtores inscritos para
fazerem parte do projeto. “Mas o interessante é que vai valorizar esse vinho e isso vai gerar
multiplicação, todo mundo vai exportar né? Vai plantar essa uva” (Depoimento de Camila).
Segundo a visão de seu cunhado Rui, essa valorização de um tipo especial de uva
tenderia a fazer com que os cidadãos retornassem às origens na produção de vinho, mas ela
explicou-nos que Urussanga era considerada a capital Catarinense do Bom Vinho e essa
Rota viria aumentar o potencial econômico da região, tanto pelo turismo, quanto pela
produção do vinho artesanal. Contou-me sobre o grupo de teatro que a comunidade possuía, o
Grupo de Máscaras, que estava um pouco parado em virtude da dedicação para as questões
relacionadas ao abalo ambiental da região. Mas faziam apresentações esporádicas.
Ou nós resolvemos isso aí ou não mais para fazer nada. Porque não se convive
(...) com degradação ambiental. Daí o Grupo que nós temos são grupos de máscaras
(...) italianas (...) A gente fala máscara porque a gente faz máscaras assim, mas são
trajes que representam diversas regiões da Itália (Depoimento de Camila).
Falou-me que para a Festa do Vinho daquele ano estavam organizando uma rota
experimental para enófilos e degustadores de vinhos, com participação de três vinícolas.
Quando perguntei se ela havia conhecido a Itália, ela me respondeu que foi para
quatro vezes. A primeira vez foi em 1985, depois foi fazer um curso de língua em uma
universidade de lá. Entre o seu relato a mãe procurou explicar-me sobre a cidade de Casso,
guiada pela lembrança do que sua avó contava a ela nos tempos em que morou na Itália.
Eu tinha vontade de chegar lá porque pela conversa de minha avó eu acho que eu
sei. me soltar lá na Casso eu sei tudo como é que é, porque eu me criei com a
97
minha avó né? (...) De noite assim a gente comia a minestra como eles diziam e
depois rezava o terço e depois ela falava de Casso, de Casso, de Casso.(...)
E tirava leite, la montagna, ela falava só de Casso. Cantava as cantigas da Itália. Eu
gostava eu, eu sempre gostei de coisa italiana! Ela contava tanto daquela coisa
(Depoimento de dona Marília).
Relatou-me também que seu irmão, após a morte de seu marido, ajudou-a no cuidado
dos filhos, trabalhando juntos na roça.
Então me contaram sobre a primeira visita dos italianos em sua casa, no final dos anos
80. “E eles vieram com uma informação completamente errada! Eles achavam que aqui
morava todo mundo no meio do mato, que ainda tinha índio e que estavam passando muitas
necessidades” (Depoimento de Camila). “Que tava faltando comida!”, lembrou-se dona
Marília. Contaram-me que os italianos haviam trazido muita comida e roupa para distribuírem
aos pobres. “Chegaram aqui eles não acreditavam no que eles tinham visto!”, relatou-me
Camila, mostrando que ficaram emocionados com a boa impressão que tiveram. “Eles
choravam! Ah... levaram tudo pra serra lá. Aí eles foram para São Joaquim e distribuíam tudo
pros pobres lá pra cima (...)”, lembrou-se ela. Satisfeitos em poderem receber os italianos em
sua casa de maneira confortável, orgulhavam-se em tê-los atendido tão bem. “(...) eles vieram
aqui e eles foram tomar banho de piscina, que nós temos piscina aqui (...)” (Depoimento de
dona Marília), contando-me que muitos moradores da localidade participaram da chegada dos
italianos no município.
“(...) começaram a amontoar gente o Rio Maior inteiro! Gente, gente! (...) Ai
meu Deus do céu! Aqui tava tudo...Só gente, gente. de noite fizemos uma
missa italiana, que tinha um padre, rezamos em italiano pelas 9 horas... mas
gente que não dava! Fomos obrigados, coitados, fomos obrigados a ir por fora,
porque não tinha mais lugar.” (Depoimento de dona Marília).
O movimento ocasionado no município pela chegada dos italianos é relatado neste
depoimento, mostrando que essa família que recebeu os italianos em suas casas, recebia
também os moradores do município para compartilharem desta união. Do mesmo modo,
relatou-me dona Paula, ao contar-me sobre a sua experiência quando chegaram os italianos no
município e da receptividade conjunta entre os descendentes de italianos, na entrevista que me
concedera anteriormente.
O negócio de dinheiro, de dinheiro, de comida, coisas assim , porque achavam que,
não sei, impressão dele, eu o sei porque, que achava que (...) que tinha muita
pobreza.
(...)
98
Mas quando eles viram, através das festas e homenagens que eram feitas para eles,
porque toda semana, ou quase todo dia, a gente levava, a gente já, a gente falava
com a pessoa: olha hoje a noite a turma vem aqui na tua casa, então eles
preparavam um jantar, um café, qualquer coisa. E eles viram que aqui a comida era
demais. Eles diziam: meu Deus quanta comida! Eles quase não, a comida toda
controlada, né? E aqui meu Deus, eles não podiam se conformar porque achavam
que a comida era muito, muito farta e não, não tinham, assim cuidado para não
botar fora e botam fora muita comida e aquilo não, eles achavam que aquilo né, era
demais! (Depoimento de dona Paula, 89 anos)
Os encontros entre os italianos e os descendentes de italianos naquela ocasião, foi a
prova viva das diferenças culturais entre os dois países, quando o imaginário era colocado em
discurso, mostrando o que pensavam encontrar, o que sentiram quando viram como era a
realidade dos descendentes de italianos da cidade e como se comportavam entre si. Da mesma
maneira, quando um grupo de descendentes de italianos foi para a Itália conhecer o país e
depois outro grupo foi para selar o Gemellaggio em Longarone, as diferenças eram
elaboradas e re-significadas entre eles, por cada um. As lembranças que guardavam de seus
familiares e as recordações de quem eles encontraram por lá, somadas ao que viam na Itália
era organizado de forma coletiva e individual, transformando os sentidos das experiências.
Assim mostrou-me dona Paula, quando me relatou como se sentiu em suas viagens para a
Itália e também quando alguns italianos vieram para o Sul de Santa Catarina.
Falando de sua surpresa ao chegar em Longarone e ser recepcionada por pessoas do
mesmo sobrenome, como sua prima Augusta, no encontro ocorrido 15 anos atrás, quando
junto com o grupo de viagem dona Paula chegou na Itália, compreendi a importância que este
acontecimento teve em sua vida e também para quem participou desses fatos.
Que a gente não conhece nada e quando eu desci, e todo mundo começou a se
apresentar, dar o nome e a gente dava o nome e quando eu disse que eu era Damian,
uns dois, três me abraçaram, me levaram no colo, eles queriam me levar para a
casa deles, porque era Damian, eles tinha Damian muitos conhecido, porque ainda
lá, eu disse família Damian né, parentes da gente mesmo. Me levaram para casa,
me levou para casa dele, mas a Augusta então ela disse não, ela vai para a minha
casa e depois a Augusta esteve aqui mais duas ou três vezes, que eu me lembro
bem, que ela vinha se hospedar aqui em casa. Acho que mais de 20 dias nós
paramos em (...) Longarone, na província de Beluno. E ficamos lá... eu sempre
fiquei hospedada em casa da Augusta, que a Augusta é, é prima da gente. (...) Antes
nada. Nunca, nunca. Eu nunca, nem sabia que existia ainda esses Damiani lá. Sim,
eles são, são parentes da nona sim e ainda depois fiquei e fui conhecer então a
casa de onde a nona saiu, aonde a nona morava. É uma casa muito antiga, antiga
mesmo. Que a cozinha aqui da nona era igual a cozinha de lá, que ainda tem a,
como é que se diz, ainda tem a casa muito antiga com assim as repartições como
era naquele tempo, a cozinha como é que era, e era bem igual a esta da mãe. E
depois fui conhecendo né, ela me levava, na casa de Cézaro, então era a nona que, a
bisnona, a bisnona era de Cézaro. O nono era casado com uma de Cézaro. Ele era
Vicenzo de Cezaro. O Vicenzo Damiane, casado com a, ai meu deus, casado com
(silêncio) agora não me lembro, não me lembro como era o nome da bisnona.
Elisabetha! Elisabetha de Cezaro. O bisnono que era Vicenzo Damian era casado
99
com essa então Elisabetha de Cezaro, que era bisnona. eu fui conhecer a casa
xxx, onde que eles moravam, depois que eles vieram para cá. Porque primeiro veio
o nono, e depois que veio o bisnono. E fui conhecendo os lugares: Beluno, Treviso,
Longarone (...) (Depoimento de dona Paula, 89 anos).
A alegria do encontro contado por dona Paula na festa de recepção que ofereceram a
ela foi sentida mediante a importância que ela atribuía à sua história de família, que foi se
completando com as histórias que se contavam entre eles. Então ela relatou para mim como se
sentiram ao se conhecerem naquela ocasião.
Muito alegre, porque a família podia ter se degenerado, devia ter sido feito
muito tempo, muitos anos assim sem saber que tinha parentesco ainda com eles lá,
né? Porque aqui, coitados eles nem sabiam que ainda tinham parentes aqui. Através
desta festa então ficamos se conhecendo e sabendo que ainda de ambas as partes a
gente ainda, que existia ainda parentesco, parentes nossos, né? (Depoimento de
dona Paula).
As lembranças de Camila também eram muito positivas quando se referia ao modo
como foi recebida pelos italianos e como os receberam aqui no Brasil. Como eles primeiro
foram para Urussanga, na casa de sua mãe receberam uma família e depois ela foi para a
Itália. Contou-me que eles se arrependeram de ter planejado ficarem apenas três dias em Rio
Maior, naquela primeira viagem e como foi recepcionada por eles na Itália.
Quando eu fui para eles me receberam bem, porque imagina, eles foram
recebidos aqui de braços abertos, aqui? Então quando eu fui para eles não
sabiam o que fazer né, me levaram conhecer tudo, guria! Me levaram pra conhecer
as montanhas dos Alpes, nevou, eu nunca tinha visto neve! Nevou no Natal, mas foi
tão lindo! A cidade de Longarone tinha um metro e pouco de neve. Depois vieram
me buscar, uma outra senhora, que mais uma vez veio, se hospedou aqui também
...aí o filho dela me buscou, o outro me levou pra estação de esqui., me deu toda
a roupa, fiquei um dia inteiro na estação de esqui com eles... Olha, foi muito legal,
muito legal assim.... E daí em diante começou a vir pessoas de lá para cá, daqui pra
lá né? (Depoimento de Camila, 51 anos)
Seu cunhado observou o encantamento dos italianos pela conservação do dialeto
mantido em Rio Maior da região de onde moravam aqueles italianos, que diziam que “Meu
Deus, isso aqui nós estamos em um pedacinho da Itália! Isso aqui não é Brasil, isso aqui é
Itália!” (Depoimento de Rui). Camila também colocou que sua mãe ainda rezava em italiano,
falava versos, tinha muita coisa guardada na memória. E então me contaram ali que ela
entendia mais as coisas quando falavam em italiano, que dentro de casa elas também se
comunicavam entre si pelo dialeto. A primeira língua falada por dona Marília foi o dialeto
cassano e por isso era tão vivo em sua memória, ressaltou Camila. Disse-me que tempos atrás
havia aparecido na casa delas um pesquisador universitário atrás de sua mãe, em busca de
100
palavras em português que eram faladas no dialeto cassano. Mostraram-me com satisfação as
fotos dos ascendentes familiares no livro de Rio Maior, cuja parte da história da família estava
contada ali.
Ao perguntar para Camila como ela via a relação de seus pais no seu tempo de criança,
ela se recordou das dificuldades que passaram. Em sua lembrança, sua mãe incentivava os
filhos para o estudo, enquanto o pai, frustrado por não seguir o trabalho que havia se
habilitado, trabalhava na roça para o sustento da família. Com pouco dinheiro na época para
sustentarem cinco filhos, já que na roça a produção era voltada para subsistência e para a troca
de excedente de mercadorias, os filhos também ajudavam levando mercadorias para serem
vendidas em Urussanga. Como recordou Camila, “as pessoas de Rio Maior iam muito pra
Santana. tinha uma loja e o pessoal subia cheio de produto e voltavam com o carro cheio
de compra”.
Rui, genro de dona Marília, que estava com 49 anos, falou-me um pouco de seus filhos
e de sua relação com a esposa. Mostrou-me o contato dele e dos filhos com a “cultura italiana
do município” e como eram envolvidos pelas histórias vivenciadas na casa de sua sogra.
Ah, eu vejo isso aqui como uma coisa muito interessante pra pela cultura ne, pra
manter as tradições. Meus filhos participam muito disso aqui. Eles dizem assim:
ah meu italiano é esse, meu italiano é assim. Eles não falam muito na cultura
portuguesa, que a gente não tem. (...) Não, como aqui assim, com eles
convivendo com esta família, com esta comunidade aqui, porque eles vêm sempre
aqui também, então eles têm, a gente tem, eu tenho um contato assim, tudo que eu
conheci de cultura italiana foi aqui nessa família. (Depoimento de Rui, 49 anos)
Segundo seu relato, as escolhas pelos cursos universitários de seus filhos foram
baseadas nas vivências que eles tinham em Rio Maior. O mais velho por gostar de acampar
nas terras da família escolheu cursar engenharia ambiental e o mais novo estava cursando
direito, ambos na UNESC. Ele era marceneiro, profissão também de seu pai. Conforme
relatou, “(...) Quem começou foi o meu pai. Daí sempre trabalhou com isso, desde novo
começou com carpinteiro. Montava serraria, montava atafona”. Seu pai era natural de Braço
do Norte, criou-se em Grão Pará, mas foi pelos dez filhos que escolheu mudar-se para
Criciúma para poder proporcionar estudo a eles.
Ele contou-me que um de seus filhos havia trabalhado na secretaria da escola de
língua italiana no município, mas sempre preferiu a língua espanhola. Dona Marília disse-me
que contava histórias aos netos dos antepassados e às vezes eles riam porque não entendiam
quando ela falava em italiano. Quando perguntei sobre a relação do casal, sua esposa Marta de
49 anos se considerava submissa ao marido, mas ele a corrigiu dizendo que ela era
101
dependente financeiramente dele e não submissa, porque ela nunca havia trabalhado fora de
casa. Ela mostrou que tinha planos em trabalhar no setor culinário para a comunidade de Rio
Maior.
Nesta família foi ressaltado o problema ambiental e a luta pela promoção do turismo
na região, o medo de perderem as casas devido aos agravos ambientais que as danificavam, as
dificuldades passadas durante as infâncias trabalhadas e histórias da família, os intercâmbios
culturais entre Urussanga e a Itália, as heranças geracionais e as mudanças relacionadas aos
valores culturais na localidade de Rio Maior em Urussanga.
5.7. Luzia
Em Belvedere, na casa de dona Luzia, ela contou-me um pouco de seu tempo de
infância. Até se casar ela morou sempre com os avós, junto com os pais e seus 9 irmãos, mais
seus tios e seus oito primos. Vivia numa grande família, como segue abaixo um trecho de seu
relato.
Era uma família sempre de 16, 18 pessoas, né? Sempre junto. Nós ia pra roça de
manhã (...) em vez de tomar café a gente comia polenta, né? Polenta com fortaia,
feito o queijo com ovo, salame, né? Ou polenta e leite. Nós tomava café assim. (...)
Depois nós ia pra roça, meio-dia também, era polenta, radicho e carne ensopada,
assim, outras comida assim. Mas tudo de colônia assim. (...) De noite era minestra e
feijão. Sempre minestra. Nunca se trocava né, aquela comida. Era sempre aquela.
Às vezes a nona ela fazia, quando era no sábado, ele fazia uns pão daquele de
massa sovada, né? Às vezes ela fazia se não nós não tinha, não era como agora que
tinha pão. Sempre na roça. Plantava milho, feijão, arroz, essas coisas. (Depoimento
de dona Luzia, 69 anos)
O tio ainda morava na mesma casa e seu pai estava acamado no Paraná, no município
de Medianeira, com 87 anos.
Era a mais velha dos irmãos e por isso começou a trabalhar na roça aos 10 anos.
Estudou até a terceira série primária, pois precisou ajudar os pais no sustento de seus irmãos.
Casou-se aos 21 anos e teve nove filhos, sendo que há anos o mais velho era falecido. O mais
novo morava com ela em casa, tinha outro filho que morava próximo de sua casa, um morava
em Lauro Muller, outro em Nova Veneza, uma filha em Cocal, outra em Cochia Rica e duas
no Rio América. Estava com treze netos e no momento da entrevista ainda não possuía
bisnetos.
102
Contou-me que seus bisavôs vieram da Itália, que seu falecido irmão tenor morou na
Alemanha, mas não sabia informar se mais algum de seus familiares estava morando fora do
Brasil. De suas sete irmãs, contou-me que todas se casaram com colonos, descendentes de
italianos. Seus pais não gostavam que as filhas namorassem brasileiros e que isso nunca
aconteceu, mas acreditava que eles não negariam se de fato ocorresse.
Sobre seus avós, lembrou-se que seu avô era muito rígido e eram eles que mandavam
na casa. E essa rigidez era passada para as outras gerações, como mostra a fala a seguir:
“Quando eles falavam, não precisava dizer duas vezes. Nós nem sabia que cor o meu pai tinha
os olhos. Porque nós tinha medo do meu pai, nós tinha medo do nono também, né? Que nós ia
na roça desde de manhã” (Depoimento de Luzia). Mesmo tendo passado por uma educação
rígida, dona Luzia valorizava a educação que havia recebido.
Daí, quando já tava pronta a comida de manhã alguém de casa chamava né? E nós
sabe, nós era novinho, nós tinha fome, nós queria ir embora. Se a gente ia embora,
se um ia embora, mas nós chegava, aquele que ia primeiro embora apanhava! Nós
ia embora quando ele dizia. Nós podia ficar até mais meia hora, uma hora, mas
tinha que ficar ali, até que ele dizia: vamo! O meu nono. Só que eles educaram bem
(...) Nós somos bem agradecidos todos. Eles nós deram boa educação! (Depoimento
de dona Luzia, 69 anos).
Dona Luzia estava me dizendo que eram muitos que moravam na casa e o respeito
pelos avós, pelos pais era um valor inquestionável e como seu Valdir havia relatado em sua
entrevista, não eram necessárias palavras, apenas olhares para entenderem o recado. Como
precisavam todos trabalhar, aprendeu a repartir entre os irmãos e a não querer passar na frente
dos outros.
Quando perguntei se havia diferenças na educação para as mulheres e para os homens
em sua família ela negou, disse-me que nunca viu. “O meu pai nunca dizia nada pra minha
mãe, o meu nono não dizia nada pra nona. Nós não sabia (...) se tinha uma briga dentro de
casa. Nem com esse tio que tava com essa tia junto, tudo junto, eles nunca se brigavam entre o
casal. Sei lá, era bem diferente de agora”. Pois sua vida de casada foi um pouco diferente,
achava seu marido meio bravo, de pouca conversa e por isso educou seus filhos de forma que
se respeitassem sempre. “O meu marido é que foi brabo. Eu não, não, a gente, não, não dava
pra conversar com ele. Mas eu eduquei os meu filho bem. Os meus filhos todos eles se dão
bem com as mulheres deles”. Via que os netos não eram tão obedientes aos pais como ela era
no seu tempo de criança, quando dividia as tarefas de casa com as irmãs. Como possuía
apenas dois irmãos e o mais novo logo cedo foi estudar no Rio Grande do Sul, ela e as irmãs
103
alternavam os trabalhos de dentro de casa. Do mesmo modo, suas filhas trabalharam mais em
casa para ajudá-la do que os seus filhos.
(...) eu tinha o meu, o meu serviço era tratar os porco e as galinha, a outra arrumava
a cama, a outra lavava as louça, era assim, cada uma tinha o seu serviço e era
aquele. Lavava a louça de meio dia cada um era um dia, hoje era eu, amanhã era
aquela outra, amanhã era aquela outra. (...) Quando o Ari nasceu, que foi o primeiro
homem dela, nós era tudo moça. Imagina, os homens não fazia nada de serviço
de casa, né? De carroça, carro de boi (Depoimento de Luzia, 69 anos).
Segundo o depoimento, sua experiência de casada mostrou a ela a autoridade de seu
marido que se sobressaía à dela em casa, por seu jeito mais bravo, de pouco diálogo, o que ela
não percebia entre seus pais, tios ou avós, já que todos agiam da mesma maneira, não via
discussão dentro de casa. Ela procurou mostrar aos seus filhos a importância de conviverem
bem com suas esposas.
Disse-me que sua avó era boazinha e lembrou-se dela com saudades.
A família (ela, o filho solteiro e o filho casado) se mantinha com a venda do leite de
vaca e com a criação de pintinhos para o frigorífico de uma grande empresa de um município
vizinho. Criavam cerca de 23 mil pintos por mês, tinham cerca de 10 vacas e um porco.
Plantavam cana-de-açúcar e milho para alimentarem as aves.
Dona Luzia pareceu o saber muito sobre a história de seus antepassados italianos,
mostrando-se confusa ao explicar as origens de seus antepassados. Quando indaguei sobre a
procedência dos imigrantes italianos de sua família, disse-me que ela era brasileira, por ter
nascido no Brasil. Lembrava-se que uma parte da sua família veio de Bérgamo na Itália, mas
não sabia dizer aonde que se localizava essa região naquele país, que o dialeto era o
bergamasco. Dizia falar o dialeto vêneto, mas também não possuía uma dimensão espacial da
região do vêneto na Itália, de onde também vieram alguns dos seus familiares. Ela falava
fluentemente o dialeto vêneto em casa com seus filhos, que a entendiam e sabiam responder a
ela, mas eles não sabiam falar. Lembrou-se que suas nonas e suas tias não podiam sair de casa
porque falavam em italiano na época em que era proibido e ela era muito pequena ainda.
Entendia tudo do bergamasco, porque seu marido falava neste dialeto, assim como uma tia
sua, mas ela não falava. Dizia que se divertia quando achava alguém na rua que falava no
dialeto italiano. “Eu gostava muito de escutar. Eu tenho uma tia que ela falava em
Bergamasco, eu sabia, eu entendia o que que queria dizer pela conversa que nós estávamos
fazendo (...)” (Depoimento de Luzia).
104
No final da entrevista lembrou-se de mais coisas sobre sua família. “E a minha vó, que
a minha mãe é de Andoline, né? E aí eles lá eram Mantuano, eles eram de Mântua, lá na Itália,
e era outro lugar” (Depoimento de Luzia). Fazia tempo que ela não falava sobre seus
familiares, e as lembranças estavam confusas, que muitas vezes traziam à tona emoções e
então eram deixadas no esquecimento.
Ela não tinha nenhuma fotografia de seus bisavós, somente de seus avós. Não sabia me
dizer o motivo por que seus bisavós vieram para o Brasil e nem em quantos vieram de sua
família. Mas alguma coisa ela tinha guardado em sua memória.
Eu não sei por causa do que. Eu sei que quando eles vieram eles foram morar em
Rio Carvão e depois se dividiram. Que eles eram bastante irmãos e depois se
dividiram. Tem um que veio aqui, aqui no Belvedere, outro é ficaram em Rio
Carvão, outro foram pra Novo Horizonte, que é pra perto do Rio do Rastro, se
dividiram. Mas eu não sei porque os pais vieram. (...) Mas eu não sei quantos que
era. Tinha que contar, né? Mas eu não me alembro bem de tudo, né? Os irmãos do
meu nono, né? Imagina, tinha as mulher também. Mas eu não sei quantos eles são.
Eu não sei dessas coisas (Depoimento de Luzia, 69 anos).
Novamente, perguntei a ela sobre as diferenças entre homens e mulheres na forma de
se comportarem, se ela percebia a submissão das mulheres em sua família. Então dessa vez
ela me respondeu que no seu tempo era submissa, mas que com as suas filhas estava
mudando.
No nosso tempo também, a mulher era abaixo do marido. Dizia que quem mandava
era o marido. A mulher podia falar, mas era ele que mandava. Se ele dizia não, era
não. A gente tinha, não era tão, tão, assim, que a gente podia fazer o que que a
gente queria. (...) Aí as minhas filhas a maioria elas arrumaram uns maridos que são
elas que mandam. (...) Eu acho que elas têm uma vida boa, porque elas podem fazer
o que elas querem. E eles não falam nada. Eu tenho três que é assim (...)
(Depoimento de dona Luzia, 69 anos).
Mostrando-me um pouco de sua submissão, contou-me que por obediência ao marido
fazia sempre polenta ao meio dia e minestra de noite.
(...) Agora quando o meu marido tava... era minestra de noite e polenta de meio dia.
Não podia deixar. Tinha que fazer. (...) Porque ele queria, né? Depois ele faleceu, aí
nós mudamos um pouco, né? Um dia faço polenta, no outro dia faço arroz. Na
maioria faço arroz, porque (...) nós gostamos, né? E em vez ele não queria, arroz ele
não queria, então nós fazia a polenta.
Quando perguntei se no interior ela conhecia alguma família que possuía outras
descendências ela confirmou, dizendo-me que de vez em quando tinha”. Depois foi se
lembrando de um e de outro, dizendo-me que existiam diversos e que se dava bem com todos.
105
Explicou-me que antigamente a relação era mais fechada para a sua origem. Destacou uma
senhora, descendente de índios, que ela gostava, que eles eram trabalhadores como os
italianos. “Aqui no São Donato tem uma mulherzinha que é casada com italiano, mas ela é, a
avó dela é bugre, índia, mas ela é bem boazinha, é trabalhadera que nem aqui os italianos”
(Depoimento de dona Luzia). Neste trecho ela trouxe o trabalho como característica dos
descendentes de italianos, idéias essa construída desde os tempos da imigração, como foi
citado anteriormente.
5.8. Dulce, Omar e Nívea
Também em Belvedere, na casa de dona Dulce, o dialeto falado por ela e o marido era
o bergamasco, confundindo-se quando disseram-me que seus familiares vieram de
Bergamasco, quando queriam se referir a Bérnia, na Itália. Talvez aquela confusão se desse
porque o pai de dona Dulce veio da Itália e os avós de seu Omar também, com dois filhos
pequenos. Mas dona Dulce o falou sempre o bergamasco, explicou-me a confusão que
havia feito entre o dialeto vêneto e o bergamasco, que seu pai ficou viúvo e se casou com
sua mãe, sendo esta a sua segunda esposa e o filho que ele teve com a primeira mulher morou
com a segunda família, e falava no vêneto. Quando dona Dulce se casou com seu marido,
que falava em bergamasco, pouco entendia o que sua sogra dizia, tendo que aprender as
diferenças.
(...) que depois que eu casei (...), pelo amor de Dio, eles falavam tudo
bregamasco e na época eu não sabia falar bregamasco, mas que o pai e a mãe
falava entre eles dois (...), mas nossos irmãos, sabe né, irmãos por parte do pai, nós
falava neto. Mas aqui depois eu aprendi. No começo não foi fácil, porque a
minha sogra, que era a mãe dele, ela falava muito diferente o bregamasco do que o
meu, mas eu aprendi. (...) em casa falo um pouco meio atrapalhado, mas em vêneto
não falo mais, (...) mas bregamasco é uma máquina daquelas de sair falando.
Porque vai que é uma coisa de louco! bregamasco eu gosto de falar!
Então ela me explicou um pouco as diferenças dialetais entre as duas regiões e como
ela fazia para entender a sua sogra, àquela a quem ela deveria atender, principalmente no que
se referia às tarefas da casa.
106
Cesta nós vêneto chamava de cesta, né? o bergamasco quando vinha aqui, (...)
principalmente a minha sogra, (...) ela dizia cãina. (...) Então, em cima do sobrado,
que no tempo as casas tinham aquele sobrado em cima, (...) nós vivia em cima do
sobrado, né? O vêneto, né, nós dizia em cima do sobrado e ela dizia em cima do
sofê. Era assim. Era tudo diferente a nossa fala. Quando vinha aqui com ela. No
caso na chaleira, a chaleira de fazer o café, nós chamava de chaleira. Também o
meu pai e minha mãe que era bregamasco, eles dizia bota a chaleira pra fazer o
café. (...) ela dizia, eu tinha uma cunhada aqui né, (...) e se chamava Maria (...)
ela dizia pra mim assim: Dulce, (...) faz café, e eu tinha que perguntar para Maria
(...), porque naquele tempo nós não chamava de sogra, ? (...) Sim, nós chamava
de mãe pra sogra também. A minha nora também, ela não me chama de sogra, ela
me chama de mãe. (...) Depois de velho nós chamava de nono e nona, né, pros
meus sogro aqui, pro pai do meu marido. Mas no tempo eu chamava de mãe. Então
eu dizia assim pra minha cunhada: Maria, o que que a mãe disse? (...) Então ela
disse, madona, é a chaleira! Bota a chaleira pra ferver o café. Então eu botava. Mas
era muitas coisas, era muita diferença do meu, do meu, da minha fala do que o dela.
E o bregamasco também (Depoimento de dona Dulce, 70 anos).
Interessante que ela não se referiu ao marido neste momento em que falava das
diferenças entre os dialetos, mas à sua sogra. Será porque naquela época ela conversava mais
com a sogra do que com o marido, tendo o casal pouco costume para o diálogo e também
menos contato durante o dia, pelas divisões dos trabalhos?
Dona Dulce tinha pavor em pensar que um de seus familiares pudesse voltar à Itália,
pois temia não vê-los mais. Era muito apegada à família. “Ai é longe, longe da família, pode
acontecer de tudo, morrer nós aqui, eles lá, não se vimo mais”. Significante foi ela ter relatado
que naquela semana haviam aparecido em sua casa pessoas em busca de documentação dos
pais de seu marido para tentarem a retirada da dupla cidadania, com intuito de viajarem para a
Itália.
Contou-me que sua tia, que era sua madrinha e irmã de suae, casou-se com o filho
de seu pai, seu meio irmão. “(...). Então a minha mãe e a tia Inês eram duas irmãs (...), eu que
ficava cunhada da tia Inês. (...) Então a minha mãe, que era irmã dela, também ficava
madrasta também da tia Inês”. Seu pai teve filhos com a primeira esposa e também com a sua
mãe.
Casou-se com 17 anos e logo em seguida engravidou. Disse-me o saber nada sobre
menstruação e gravidez e foi descobrindo tudo aos poucos, quando foi acontecendo, que
naquela época não se falava abertamente sobre o assunto. Tiveram um casal de meos, mas
por nascerem prematuros e não possuir infra-estrutura hospitalar no município, eles não
sobreviveram. Estava com cinco filhos, sendo que o mais velho tinha 50 anos. “Que era um
atrás do outro, naquele tempo não tinha aquela pílula. E nós não tinha né?” (Depoimento de
dona Dulce). as suas filhas pegaram o tempo da pílula anticoncepcional e puderam fazer
um melhor planejamento familiar. “(...) No nosso tempo (...) nós não dizia (...) tá grávida, (...)
107
eles diziam assim, em vez de ganhar neném, (...) pera, como é que nós dizia, legar a
embalacha” (Depoimento de dona Dulce).
Recordando o seu tempo de criança, falou-me das dificuldades que passaram.
Ah, naquele tempo nós era pobre! Poarinho, gente, o meu pai não tinha nada! Ele
tinha serraria, nós trabalhava, ele tinha serraria bem mais retirado da casa, e ele
trabalhava na serraria e nós, filho, criança, tem de ver, com a mãe nós trabalhava na
roça. Mas nós não tinha nada no tempo! Nós tinha dois porco, com aquela canávola
porque no meio do pantão e nós não tinha nada no tempo, nós lá! Pobre
mesmo! E o meu pai trabalhava com a serraria mas sabe, naquele tempo ele tinha
que pagar os operário pra serrar as tora, pra ele poder, e nós ia no mato com o pai e
nós tinha 10, 11 anos. Nós ia pra escola de a. Com o frio e tu te alembra que era
tamanco no tempo. E nós chegava em casa e a minha mãe dizia assim: vocês
comem que depois vai com o pai no mato. Porque eu não sei como é que vocês,
aquele serrote que vai e vem, então o nono de lá, né, o pai, o meu pai, ele do lado
de da tora e nós, 2 ou 3, os mais grande né, daqui fazia o pedaço de cada um.
Serrava, puxava, porque ele tinha força ainda no tempo, mas nós fazia de novo. No
dia de hoje os filho ta no céu, eu digo assim, né? Porque naquele tempo não era
fácil pra nós! (Depoimento de dona Dulce, 70 anos).
Mesmo tendo começado a trabalhar desde cedo para ajudar os pais, Dona Dulce disse-
me que estava trabalhando mais do que antes. “Antigamente nós vendia alguma coisa, mas
agora nós fizemos para o gado. A gente tem bastante criaçon, vaca, porco, galinha, essas
coisas tudo. O que que a gente colhe é pra manter a criaçon né?” Na sua casa morava com o
marido, o filho, a nora e as netas.
Nós tamo aposentadas nós duas, ele trabalha assim como te disse lá, em Cocal e
as duas meninas também trabalham e na roça é eu e o meu marido e a nora. Então
nós fizemo um pouco em casa, um pouco na roça e vamo na roça. Quase cinco
horas viemo embora pra tirar o leite, vamos as duas tirar o leite (Depoimento de
dona Dulce, 70 anos).
As tarefas de dentro de casa ficavam para as mulheres. O filho trabalhava com
distribuição de bebidas em Cocal do Sul e o seu marido ia pra roça junto com ela, mais a nora.
Também trituravam o milho e cortavam a cana. De comida ele não fazia nada. “Imagina se
faz! Se tem uma colher no chão, pisa em cima (risos)”.
No entanto, Raquel lembrou de me dizer que tanto o marido de dona Dulce como
aquele seu filho eram aposentados do trabalho nas minas de carvão.
Imagina! Ele começou a trabalhar na mina com 39 anos e se aposentou com 53
ano. E quando ele completou os 50 anos, ele não podia mais descer na mina, mas
que o encarregado dele, os chefes dele eles deixaram baixar o tempo pra dar o
tempo de aposentar, naquele tempo era 15 anos ei começou a trabalhar na mina
com 18 anos, ele completou 18 anos, que daí ele não abaixava a mina ainda
porque tinha que ter 21 anos, né? Depois de 21 anos ele abaixou na mina, ele
108
trabalhou 15 anos, se aposentou também com trinta e quantos (Depoimento de dona
Dulce, 70 anos).
Perguntei a ela sobre a submissão das mulheres aos homens e ela me confirmou,
dizendo que “Ah não, mas sempre! Nós aqui não fizemos nada sem pedir pro homem. E
também (risos) nas horas difíceis assim meu Deus (risos) nossa, sempre foi!” Ao perguntar se
permanecia daquele modo, sua nora que recém chegava na cozinha, acompanhada de Renato,
seu marido de 49 anos, discordou dizendo que não eram todas que eram daquele modo e que
ela nem sempre o obedecia. Nívea, que estava com 43 anos, falou que “(...) tem coisa que a
gente tem que contrariar o marido, não é sempre que tem que ficar embaixo do da (risos) (... ).
Pois eu acho que no nosso tempo tem quebrado bastante , não é mais que nem o tempo
atrás, que fazia tudo, né?” (Depoimento de Nívea, 43 anos).
Dona Dulce nos contou um pouco de como era a relação de seus pais em casa. Ele era
uma pessoa religiosa, mas tinha problemas com álcool e por isso ficava meio agressivo em
casa. “(...) Então ele ia assim no Belvedere né, no domingo, ele era capelón, naquele tempo se
dizia capelón né, no caso ele rezava o terço, assim, eu também estou rezando o terço na
igreja 40 anos, eu acho (...)”. Recordava-se de sua mãe como alguém que “(...) gostava
de falar bastante! Mama mia! Isso ela gostava também de contar bastante”. Achava-se
parecida com esta característica de sua mãe, mas queixou-se que sua memória não era mais a
mesma e por isso muita coisa já estava esquecida para ela, as coisas que sua mãe lhe contava.
Teve contato apenas com a sua avó materna, pois os outros avós haviam falecido
antes mesmo dela nascer. Como sua amorava perto da casa de seus pais, recordava-se que
dormia na casa dela quando era pequena.
Ela estava com 9 netos, mas nenhum ainda tinha se casado, sendo que o mais velho
deles estava com 27 anos. Contou-me que os netos entendiam quando ela falava em
bergamasco, mas eles não falavam, apenas ouviam bem. o seu filho e a nora que moravam
com ela também falavam às vezes no dialeto bergamasco. Gostava muito de falar no dialeto
com as pessoas mais antigas, mas se fosse preciso virava a língua e falava no vêneto também.
De suas filhas, contou-me que todas haviam se casado com homens de descendência
italiana, assim como seus irmãos casaram-se com mulheres descendentes de italianos. “Tudo
bregamasco! (...) Não, tudo casado com italiano. Nenhuma brasileira. Dos irmãos e nem das
filhas”. Quanto ao preconceito com outras etnias, disse gostar de conversar com negros,
brasileiros, pois amizade era com ela mesma.
Em casa com os eletrodomésticos ela me disse que não mexia em nada, mal sabia ligar
a televisão e usar o fogão a gás, que continuava usando o fogão a lenha quando cozinhava.
109
Os hábitos alimentares da família também haviam mudado bastante, não era mais como no
tempo de sua nona, quando era servida a polenta e a minestra todos os dias. Faziam esses
pratos apenas no sábado, pois o trabalho na roça tomava-lhes o tempo para o preparo do
almoço. “Não é mais igual ao costume antigo que nós todo dia, quando tinha a nona, mas era
todo dia, polenta todo dia! Mas então ela ficava em casa, dava tempo pra ela fazer, quando
nós chegava tava na mesa no dia” (Depoimento de dona Dulce).
Nesta entrevista apareceram novos arranjos familiares, tendo dona Dulce irmãos por
parte de pai e uma tia e um meio irmão que se casaram. Também foi salientada as confusões
ocasionadas no entendimento dos diferentes dialetos (vêneto e bergamasco), as poucas
informações relacionadas ao sexo, mestruação e gravidez nos tempos de juventude de dona
Dulce, sua submissão e dependência ao marido, assim como seu apego e preocupação com os
filhos e netos e as mudanças geracionais, quando sua filha comentou que não era tão
obediente como a mãe ao seu marido.
110
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscando realizar uma etnografia, entendida como uma construção interpretativa que
se elabora a partir de uma descrição minuciosa do campo de pesquisa (GEERTZ, 1998), dirigi
meus olhares para dentro de algumas casas, assim como para algumas festas municipais,
comemorações religiosas, vicas e eventos comunitários, que julguei importantes para a
construção da pesquisa.
Procurando por sujeitos dentro e fora de suas casas, com diferentes atividades de
trabalho, seja organizando eventos, praticantes religiosos ou não, que já haviam viajado para a
Itália ou que não puderam alcançar este sonho, realizei o trabalho de campo da pesquisa entre
os anos de 2005 e 2006, freqüentando diferentes localidades do município de Urussanga.
Nove dos sujeitos que foram entrevistados já haviam viajado ou estavam se programando para
conhecerem a Itália, sendo que grande parte dos/as entrevistados/as tinha este sonho.
Encontrei pessoas durante o trabalho de campo, que não tinham interesse em conhecer a Itália
ou temiam que algum de seus familiares migrassem para e não retornassem mais. Houve
relatos de insatisfação quanto ao encontro de parentes na Itália e outros que mostraram a
construção de laços afetivos permanentes mais de dez anos, entre italianos e descendentes.
Também escutei descrições sobre uniões entre italianos e descendentes de outras origens
étnicas, que apontavam o êxito do movimento do Gemellaggio, alcançando outras
descendências e diferentes classes sociais.
Foi possível visualizar o esforço por parte de alguns dos moradores de Urussanga em
não preservarem, como também buscarem no turismo e na produção regional, uma saída
para as famílias se desenvolverem economicamente e ampliarem o potencial econômico do
município.
Referente às participações nas festas municipais, grande parte dos entrevistados
havia realizado algum trabalho, seja na produção de vinho, seja na organização de uma das
festas, ou mesmo trabalhando ou organizando algumas das barracas que nelas eram montadas
para a venda e difusão de produtos típicos da região. Todos relataram que achavam tanto a
Festa do Vinho como a Festa Ritorno Alle Origine importantes para o município, assim como
valorizavam a abertura econômica que o Gemellaggio proporcionou para muitas famílias e
sujeitos que residiam em Urussanga, fossem provenientes do interior ou não.
Dentre os sujeitos que participaram das entrevistas, 18 possuíam apenas ascendência
italiana e 3 não eram descendentes dos colonizadores italianos. Somente um entre os/as
111
descendentes possuía outras ascendências, além da italiana. Pude observar que as lembranças
relacionadas às histórias dos antepassados foram mais detalhadas pelos sujeitos quando
contaram a respeito de suas ascendências italianas. Não houve relato de lembranças quando os
antepassados dos entrevistados eram de outras ascendências étnicas, mesmo quando lhes foi
perguntado.
Vistas a partir de suas relações entre os gêneros, entre as gerações e as etnias e
caracterizadas pelas classes sociais, as famílias e sujeitos pesquisadas/os pertenciam ao
município de Urussanga, localizado no sul do Estado de Santa Catarina.
Pensando as relações familiares, assim como as relações de gênero, como construções
sociais transformadas pelos movimentos feministas, as mães das famílias entrevistadas,
fossem elas de descendência italiana ou não, de um modo geral eram mais responsáveis pelo
cuidado dos filhos e da casa, ficando os homens em segundo plano nesta função. Mesmo com
algumas mudanças referentes aos papéis das mulheres nas últimas décadas, seja no trabalho
ou nas relações familiares, os homens nesta pesquisa demonstraram menores mudanças
referidas aos modos de agir na família, em relação aos seus antepassados, do que as mulheres.
Os homens participavam pouco ou quase nada dos trabalhos domésticos. No entanto, pude
verificar pelos relatos, que tinham menos decisão dentro de casa do que as mulheres.
Os homens e mulheres entrevistados/as exerceram atividades profissionais variadas.
Sejam eles/elas aposentados/as ou não, muitos/as deles/as haviam se ocupado do trabalho
no campo quando pequenos/as e poucos/as ainda trabalhavam nessa atividade. Alguns dos
sujeitos entrevistados haviam trabalhado na extração de carvão mineral e fluorita, minérios
abundantes no município. Também foram entrevistados sujeitos que se aposentaram como
funcionários/as públicos/as, que se ocupavam de trabalhos vinculados à igreja e que
trabalhavam no comércio. Todos os/as entrevistados/as já haviam exercido atividades
remuneradas, independente de idade e gênero.
Procurei entrevistar sujeitos de diferentes gerações, entre jovens, adultos e velhos, não
escolhendo crianças para participarem das entrevistas. Entrevistei um jovem de 20 anos, não
encontrando sujeitos entre a faixa etária dos 30 anos. Na faixa dos 40 anos, participaram de
entrevista três mulheres e dois homens, todos casados. Entre os 50 anos de idade entrevistei
duas mulheres e um homem, sendo elas solteiras e ele casado. Na casa dos 60 anos entrevistei
duas mulheres e um homem, um casal e uma viúva. Entre os 70 anos participaram de
entrevista três mulheres e dois homens, sendo todos casados. Com mais de 80 anos de idade
realizei entrevista com três mulheres e um homem, elas solteiras e ele viúvo. Pude perceber,
conversando com sujeitos residentes em um mesmo município, que as experiências de
112
homens e mulheres da mesma faixa etária, eram bastante similares nos modos como
significavam suas heranças familiares, com poucas diferenças entre si.
As mulheres de 40 anos (Vanessa, Nívea e Marta) eram todas descendentes de
italianos e tinham forte contato com suas famílias de origem, ou seja, com as mães e com os
pais. Valorizavam as heranças familiares relacionadas à italianidade, mas demonstraram
necessidade de se diferenciarem de seus pais nas relações conjugais, buscando por mais
igualdade entre os gêneros no que dizia respeito ao trabalho, dentro e fora de casa, e à
educação dos filhos. Rui e Hugo estavam com 49 anos, mas foi Rui, que não era descendente
de italianos, quem mais participou da entrevista, mostrando grande envolvimento com a
história familiar de sua esposa e com as influências da italianidade nas decisões familiares e
nos projetos de seus dois filhos.
As mulheres entrevistadas que estavam com 50 anos eram solteiras e ambas tinham
realizado viagens para a Itália, valorizando suas ascendências italianas. Raquel era bastante
envolvida com a igreja, conhecia muita gente moradora do município, acompanhando as
transformações no município em função da aliança entre Urussanga e Longarone. Priorizava
suas descendências italianas e relacionava sua forte ligação religiosa à identidade italiana.
Camila atuava como conselheira de turismo do município, tinha grande envolvimento com a
comunidade de Rio Maior, conhecia a história das famílias que residiam, assim como se
interessava pela preservação e recuperação da italianidade entre as famílias daquela
localidade, principalmente. Francisco era o presidente das duas grandes festas municipais e
foi um dos precursores do resgate da italianidade em Urussanga.
Beatriz havia completado 60 anos e era casada com um descendente de italianos,
acompanhando de perto as características identitárias relacionadas à italianidade, não em
sua residência como nos movimentos que envolveram o município. Dona Luzia, que estava
com 69 anos, percebia alterações nos modos como suas filhas se relacionavam com seus
maridos, em comparação com suas próprias relações com o esposo, achando positivas as
mudanças vivenciadas por suas filhas no que dizia respeito à conjugalidade. Relacionava o
trabalho intenso e a religiosidade à identidade italiana e percebia alterações nas formas de
educação das crianças no tempo de seus avós, e no agora com seus netos. Seu Valdir
trabalhara na extração de carvão mineral e também em outras funções, contando-me da
educação rígida e enérgica que recebera dos pais, da dificuldade que passara na infância e na
criação de seus filhos.
Dulce, Valéria e Fátima, que estavam na faixa dos 70 anos, também demonstraram
grande envolvimento com a italianidade, mesmo Fátima não possuindo esta ascendência
113
familiar. Dulce gostava muito de falar no dialeto, apreciava as festas municipais, assim como
Valéria havia estabelecido vínculo com italianos e italianas, comunicando-se sempre com
pessoas residentes na Itália, participando das festas e sendo membro de uma das associações
italianas do município. Fátima era muito religiosa e explicava seu forte envolvimento com a
italianidade em função de seu contato com a sogra e com seu marido. Valéria possuía
experiências, em suas relações familiares, um pouco diferentes das outras pessoas de seu
bairro, que não passara por tantas privações como a maioria. Teve uma vida mais
confortável e sem tantas reprimendas. Fátima e Dulce precisaram trabalhar desde pequenas
para poderem ajudar os pais no sustento da casa. Seu Ronaldo também falou da educação
rígida e polida que recebeu de seus pais, da dificuldade que passou durante a infância,
recordando-se da proibição de falar italiano durante a segunda guerra mundial. Seu Omar
participou muito pouco da entrevista para eu poder fazer observações mais detalhadas a seu
respeito.
As três senhoras solteiras com mais de 80 anos de idade, assim como seu André,
valorizavam muito a história de seus antepassados e tinham fortes lembranças de seus pais e
avós. Eram muito religiosas/o e associavam esta prática à identidade italiana. Moravam nas
casas que foram construídas por seus avós e preservavam grande parte dos costumes do
passado, nos seus modos de vida.
Bertonha (2005) descreveu que “(...) a maioria dos imigrantes italianos (...) dedicou-se
aos trabalhos de construção urbana e, secundariamente, à agricultura comercial”, sendo a
maior parte deles “(...) dedicados sobretudo ao trabalho e à família” (BERTONHA, 2005, p.
107). Percebi essas características relatadas pelos/as descendentes de imigrantes italianos na
pesquisa, quando contaram de seus antepassados que vieram da Itália em busca de uma nova
vida no Brasil.
Os almoços e encontros de familiares aos domingos era costume de muitos dos/as
entrevistados/as que descendiam dos imigrantes italianos, sendo que pude presenciar um
desses encontros. Em relação ao trabalho, todos os sujeitos da pesquisa demonstraram ter se
dedicado com afinco a suas variadas atividades, não havendo nenhuma diferenciação entre as
descendências étnicas, no que se referia ao esforço ou mérito.
Uma outra característica presente em todos/as os/as entrevistados/as, em menor ou
maior grau, como ficou ressaltado, foi a religiosidade. E não por acaso, que naquele
município existia uma grande parcela de católicos/as, visto que o padre Agenor, líder
comunitário, escritor de livros sobre os descendentes de italianos, permaneceu representando
a igreja em Urussanga e arredores durante muitos anos. Em algumas entrevistas ficaram
114
evidentes as associações de alguns sujeitos entre a catolicidade e a italianidade.
Provavelmente, como descreveu Bertonha (2005), essa associação se dava pelos
acontecimentos históricos em que “(...) as organizações missionárias da Igreja Católica se
constituíram, em muitos países, na única assistência disponível aos imigrantes e ajudaram a
consolidar (...) uma identidade italiana que conjugava italianidade com catolicismo” (p. 109).
De acordo com o autor, a associação entre italianos e catolicidade também ocorre na Europa
pelo fato do papa residir na Itália, assim como também pela história, os costumes, a arte, a
arquitetura e a própria cultura italiana estarem vinculadas há tantos anos à Igreja Católica.
Este trabalho de pesquisa permite reafirmar a concepção de que identidades étnicas são
construções culturais, tanto dos grupos quanto dos sujeitos que os constituem, e que se
constituem como sujeitos na cultura, sendo significados pelos outros, nas relações sociais,
sejam familiares, comunitárias, institucionais, etc. Assim, os movimentos e trabalhos de
aproximação entre Urussanga e a região da Itália de onde vieram os primeiros colonizadores
do local onde se fundou este município catarinense, desempenhou, de acordo com os relatos
que me foram feitos, um importante papel no reforço e valorização da identidade de
descendentes de italianos, a italianidade, entre os sujeitos entrevistados.
Propiciou também a preservação de costumes, tradições, arquitetura, artefatos e da
própria língua italiana. Incentivou a ida de pessoas de diferentes gerações à Itália e outros
países, mediante a afirmação simbólica e materializada em documentos, da identidade italiana
ao lado da naturalidade brasileira. Através de todas essas ações étnico/identitárias que
ocorreram em vários municípios da região sul de Santa Catarina, está havendo, como pude
perceber em Urussanga, um movimento de valorização também de outras etnias que
compõem suas populações.
115
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Prefeitura de Urussanga - <http://www.urussanga.sc.gov.br>
SCIELO - <http:// www.scielo.com.br>
123
ANEXOS
124
Perguntas chaves para a entrevista
Identificação:
Nome –
Idade –
Estado civil -
Possui filho (s) –
Qual seu grau de escolaridade?
Estuda ou trabalha? Em que?
Família, relações de gênero, gerações:
Conte sobre a história de seus antepassados. (Seus pais trabalham (trabalharam) em que? O
que fazem (faziam)? E seus avós?)
Fale um pouco sobre a história de sua família, sobre a imigração. Por que vieram? Como
foram os primeiros tempos?
Para você existem/permanecem hoje em dia, características da cultura italiana em sua família,
relacionadas aos costumes dos antepassados colonizadores do município, entre homens e
mulheres?
Identidade étnica, festas e religiosidade:
Você gosta das festas municipais que o município promove, como a Festa do Vinho e a
Ritorno Alle Origene? Do que gosta mais? Acha importante existirem estas festas no
município? Por que?
Como é a sua relação com os descendentes de outras etnias aqui no município?
Você possui dupla cidadania? Alguém da família possui? Por que motivo você (s) buscou a
dupla cidadania?
125
viajou para o exterior? Com qual finalidade? Tem planos? Acha viável? Quais as
dificuldades encontradas?
Gostaria de conhecer a Itália?
Você fala italiano? Como aprendeu?
Você tem religião? Freqüenta?
126
Livros Grátis
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