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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Adriano Beiras
A NEGOCIAÇÃO DE SENTIDOS SOBRE MASCULINIDADES E
PATERNIDADES EM CONTEXTOS POPULARES DE
FLORIANÓPOLIS
FLORIANÓPOLIS
2007
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ii
Adriano Beiras
A NEGOCIAÇÃO DE SENTIDOS SOBRE MASCULINIDADES E
PATERNIDADES EM CONTEXTOS POPULARES DE
FLORIANÓPOLIS
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre em Psicologia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa
Catarina.
Orientador: Prof.ª Drª Mara Coelho de Souza
Lago.
FLORIANÓPOLIS
2007
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Adriano Beiras
A negociação de sentidos sobre masculinidades e paternidades em contextos
populares de Florianópolis
Dissertação aprovada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre em Psicologia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa
Catarina.
Florianópolis, 15 de março de 2007.
Drª. Andréa Vieira Zanella
(Coordenadora PPGP/CFH/UFSC)
Drª, Mara Coelho de Souza Lago
(PPGP/UFSC-Orientadora)
Dr. Benedito Medrado-Dantas
(UFPE-Examinador)
Dr. Fernando Aguiar Brito de Souza
(PPGP/UFSC-Examinador)
Drª Maria Juracy Filgueiras Toneli
(PPGP/UFSC-Examinadora)
iv
A Dilson e Mariana, meus pais.
v
AGRADECIMENTOS
À minha família, principalmente ao meu pai pelo apoio financeiro e confiança.
Aos meus queridos professores do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
Santa Catarina, em especial a Profª. Drª. Maria Chalfin Coutinho, pela amizade e apoio,
Profª. Drª. Maria Juracy Filgueiras Toneli, pelas grandes parcerias e amizade e ao prof. Dr.
Fernando Aguiar, pelas valiosas contribuições psicanalíticas.
Aos amigos Maria Tereza, Raquel, Alexsandro, Michelli, Simone, Pablo e, em especial, a
Márcia, grande amiga que, mesmo à distância, acompanhou cada passo da escrita,
apresentando importantes contribuições, sempre acreditando em meu sucesso. Foi com o
apoio intenso e carinhoso de todos estes amigos, e de outros que não menciono, que consegui
realizar este trabalho.
Aos colegas das aulas de Diálogos de Teses que, com atenção, leram meus manuscritos e
teceram preciosas sugestões. Agradeço também a toda a Equipe Margens (bolsistas,
estagiários, colegas de mestrado e doutorado e professores), pela valiosa parceria, dicas
acadêmicas, apoio, leituras e artigos conjuntos, os quais me proporcionaram a realização de
um mestrado único, com enorme crescimento acadêmico.
À CAPES, pelo apoio financeiro, importante para a dedicação integral a este trabalho.
E para finalizar, a quem com muito carinho e respeito orientou este trabalho, tornando-se um
feliz encontro em minha vida acadêmica, Profª. Drª. Mara Coelho de Souza Lago.
vi
Pesquisar é isso. É um itinerário, um caminho que trilhamos e com o qual
aprendemos muito, não por acaso, mas por não podermos deixar de colocar
em xeque nossas verdades’ diante das descobertas reveladas, seja pela
leitura de autores consagrados, seja pelos nossos informantes, que têm
outras formas de marcar suas presenças no mundo. Eles também nos
ensinam a olhar o outro, o diferente, com outras lentes e perspectivas. Por
isso, não saímos de uma pesquisa do mesmo jeito que entramos porque,
como pesquisadores, somos também atores sociais desse processo de
elaboração” (Nadir Zago, 2003, p. 307 e 308)
vii
BEIRAS, Adriano. A Negociação de Sentidos sobre Masculinidades e Paternidades em
Contextos Populares de Florianópolis. Florianópolis, 2007. 119 f. Dissertação (Mestrado
em Psicologia) Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa
Catarina.
Orientador: Mara Coelho de Souza Lago
Defesa: 15/03/2007
RESUMO
Estudos sobre paternidades e masculinidades têm adquirido maior visibilidade na literatura
científica brasileira nos últimos anos. No que se refere à paternidade, diversas pesquisas
buscam compreender a interação entre pais e filhos no ambiente familiar, compreender seus
sentidos, práticas e configurações. Com relação aos estudos de masculinidades, ocorreu uma
significativa intensificação destas pesquisas nos anos 80 e 90, impulsionadas principalmente
pelos estudos de gênero. Esta dissertação de mestrado se propôs investigar a negociação de
sentidos sobre masculinidade e paternidade em contextos populares de Florianópolis, a partir
de pesquisa exploratória. O trabalho de campo foi realizado através de entrevistas livres,
inspiradas no modo etnográfico de pesquisar, com jovens homens e seus pais. A população
pesquisada constituiu-se de cinco jovens, os pais de três deles, duas mães, o irmão de um e a
companheira do pai de outro dos informantes. A concepção de sujeito e a orientação teórica
da dissertação fundamenta-se no diálogo com a psicanálise freudo-lacaniana e com teóricos/as
dos estudos de gênero, masculinidades e paternidades, com especial atenção à produção
latino-americana, no que se refere aos dois últimos temas. As tensões entre diferentes práticas
de ser pai e homem com a ruptura de um modelo ideal hegemônico e o fortalecimento de
novas formas de expressão de paternidade e masculinidade, marcam as histórias dos sujeitos
estudados, conforme seus relatos. Se um modelo hegemônico de masculinidade persiste e se
ressignifica em alguns dos discursos analisados, o o faz com exclusividade. Em meio à
complexidade dos processos identificatórios e à constatação de uma história de rupturas e
transformações, a paternidade, em suas práticas e sentidos, é reinventada. Os discursos sobre
paternidade e masculinidade apontam para um momento de mudanças, onde o antigo e o novo
convivem e se superpõem nos relatos dos entrevistados. As posições de pai e de homem dos
sujeitos desta pesquisa encontram-se e desencontram-se na construção das subjetividades dos
informantes, ampliando a arena de possibilidades de expressão de masculinidades e de
exercícios de paternidade, evidenciando, em alguns casos, movimentos de mudanças. Os
modos tradicionais de ser homem reinventam-se e mesclam-se a novos modelos de
masculinidades. Neste campo de possibilidades de novas subjetivações, as mulheres tiveram
fundamental participação, influenciando e definindo mudanças, sendo importante ressaltar o
seu lugar na construção dos sentidos atribuídos à masculinidade e à paternidade, pelos jovens
homens entrevistados e seus pais.
Palavras chaves: masculinidades, paternidades, gerações, discursos.
viii
ABSTRACT
Studies on paternities and masculinities have acquired greater visibility in Brazilian scientific
literature in the past few years. On the paternity matter, many researches seek to understand
the interaction between parents and children in the family environment, to understand its
meanings, employs and settings. On the studies of masculinities, a meaningful increase of
these researches occurred in the 80’s and 90’s, stimulated mainly by the studies of gender.
This Masters Thesis aims to investigate the negotiation of meanings of masculinities and
paternities in low-income areas of Florianópolis, through an exploratory research. The field
work was carried through free interviews, inspired in the ethnographic research model, with
young men and their parents. The group interviewed consisted of five young men, both
parents of three of them, mothers of the other two, the brother of one, and the companion of
the father of another one. The conception of subject and the theoretical orientation of this
dissertation were based on the dialogue between Freud-Lacanian psychoanalysis and the
studies of gender, masculinities and paternities with special attention to the Latin American
production as for the last two themes. The tension in the exercise of being a father and a man,
with the rupture of an ideal and hegemonic model and the strengthening of new ways to
express paternity and masculinity, mark the histories of the studied subjects, as they related. If
a hegemonic model of masculinity persists and it is resignified in some of the analyzed
speeches, it does not happen with exclusiveness. Amid the complexity of the processes of
identification and the verification of a history of ruptures and transformations, the paternity, in
its practices and meanings, is reinvented. The speeches on paternity and masculinities point to
a moment of changes, where the old and the new coexist and overlap in the accounts of the
interviewed ones. The position of father and the position of man meet and fail to meet in the
construction of the subjectivities of the informers, extending the possibilities for the
expression of masculinities and paternity, evidencing, in some cases, movements of changes.
The traditional ways of being a man get reinvented and mixed with new models of
masculinities. In this field of possibilities for new subjectivations, women played an essential
part, influencing and defining changes, being important to emphasize their place in the
construction of meanings attributed to masculinity and paternity, for the young men
interviewed and their parents.
Keywords: masculinities, paternities, generations, discourses.
ix
Lista de Tabelas
Tabela 1 Quadro comparativo da pesquisa inicial em bases de dados...............................18
Tabela 2 Dissertações encontradas no banco de dados da CAPES....................................19
Tabela 3 Artigos encontrados na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-Psi) que tratam de
masculinidade e feminilidade, sob a ótica da psicanálise...................................................21
Tabela 4 Sobre os sujeitos entrevistados............................................................................39
x
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................................vii
ABSTRACT............................................................................................................................viii
LISTA DE TABELAS.............................................................................................................ix
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12
1.1 PERCORRENDO O BANCO DE TESES DA CAPES E BIBLIOTECAS VIRTUAIS ESTUDOS
ACADÊMICOS SOBRE PATERNIDADES E MASCULINIDADES ................................................... 17
2 OS CAMINHOS TEÓRICOS QUE ORIENTARAM ESTA TRAJETÓRIA.............. 22
2.1 PATERNIDADES, MASCULINIDADES E PSICANÁLISE UM CAMINHO POSSÍVEL .............. 22
2.2 A POSIÇÃO MASCULINA NA CLÍNICA LACANIANA APONTAMENTOS SOBRE O LUGAR DO
PAI ................................................................................................................................... 28
2.3 JUVENTUDE E GERAÇÕES ALGUMAS REFLEXÕES NORTEADORAS ................................. 32
3 OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DESTA JORNADA DISCURSIVA – DA
TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR À DESCRIÇÃO DOS INFORMANTES E
LOCAIS DE PESQUISA................................................................................................... 35
3.1 AMBIENTES EM QUE OCORRERAM AS ENTREVISTAS....................................................... 39
3.2 MARCO E SEUS FAMILIARES ......................................................................................... 40
3.2.1 Marco – o jovem pai............................................................................................ 41
3.2.2 O pai de Marco – Pedro ...................................................................................... 41
3.2.3 A companheira de Pedro – Tânia....................................................................... 41
3.3 EDSON E SEUS PAIS ...................................................................................................... 42
3.3.1 Ambiente no qual ocorreram às entrevistas: ........................................................ 42
3.3.2 Edson .................................................................................................................. 43
3.3.3 O pai de Edson – Paulo ...................................................................................... 43
3.3.4 A mãe de Edson – Marta.................................................................................... 43
3.4 OSWALDO E SUA FAMÍLIA ............................................................................................ 44
3.4.1 Ambiente no qual ocorreram as entrevistas – o almoço em família...................... 44
3.4.2 Oswaldo – o primeiro que saiu de casa.............................................................. 45
3.4.3 A mãe de Oswaldo – Clotilde............................................................................... 45
3.4.4 O pai de Oswaldo – Bartolomeu.......................................................................... 46
3.4.5 O irmão de Oswaldo – Norberto........................................................................ 46
3.5 ESTUDANDO UMA FRATRIA LEONARDO E TARCÍSIO ................................................... 47
3.5. 1 Sobre a família ................................................................................................... 47
3.5.2 Leonardo............................................................................................................. 48
3.5.3 Tarcísio ............................................................................................................... 48
4 AS CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO DISCURSO DE ORIENTAÇÃO
FRANCESA ....................................................................................................................... 50
5 NAS VIVÊNCIAS, OS DISCURSOS: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS -
DISCUTINDO E ANALISANDO O MATERIAL OBTIDO COM OS INFORMANTES
............................................................................................................................................ 53
5.1 MARCO E SEUS FAMILIARES EM SEUS DISCURSOS, ENCONTROS E DESENCONTROS ....... 54
5.2 EDSON E SEUS PAIS DAS PALAVRAS AUTORIZADAS ÀS ENTRELINHAS DO SILÊNCIO ....... 68
xi
5.3 OSWALDO E SUA FAMÍLIA............................................................................................ 76
5.3 .1 “Como é difícil falar do meu pai” (Oswaldo) ..................................................... 76
5.3.2 “Eu sou homem, né cara!” (Norberto) ................................................................ 83
5.3.3 “Simplesmente é so isso que eu tenho a dizer” – o dito e não dito nas entrelinhas
..................................................................................................................................... 84
5.4 LEONARDO E TARCÍSIO MUDANÇAS, REFERÊNCIAS, ACERTOS E ERROS, OS DESAFIOS DE
SER HOMEM E DE SER PAI................................................................................................... 89
5.4.1 Sobre masculinidades – características e atitudes de homens nos discursos de
Leonardo e Tarcísio ..................................................................................................... 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 108
APÊNDICE A – ROTEIROS PARA ENTREVISTAS................................................. 115
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO....... 119
12
1 Introdução
Desde que iniciei minha graduação em Psicologia, centro meu interesse em temas
relacionados à família. Dentre estes, um em especial me chama atenção: a relação pai-filho,
dentro de um enfoque de gênero
1
. Considerando que venho de uma família com três irmãos e
grande diferença de idade entre os filhos, minha curiosidade em compreender as construções
do masculino dentro deste contexto cresceu a partir de aprofundamentos teóricos e de minha
própria experiência de vida.
Durante a graduação, em atividades de pesquisa e extensão em um núcleo de estudos
do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulado
Margens - Modos de vida, Família e Relações de Gênero, iniciei minhas reflexões sobre
questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva de jovens, gênero e paternidade. Nas
leituras, no campo e no meu cotidiano acadêmico e familiar, comecei a me interessar cada vez
mais pelos temas paternidades e masculinidades. Também em outras atividades profissionais
que realizei, por exemplo, o Serviço de Mediação Familiar do Tribunal de Justiça do Estado
de Santa Catarina, Comarca da Capital, onde atuei como Mediador Familiar, o tema
paternidade sempre esteve presente, estimulando-me a ler sobre e despertando
questionamentos.
Devido à minha diferença geracional
2
, tanto com meus pais quanto com meus irmãos
mais velhos, pude desde muito cedo observar as vivências de paternidade destes, as diferenças
delas em comparação com as de meu próprio pai e tios e aos mandatos de masculinidades
implícitos no meu meio familiar. Meu interesse nestes temas aumentou quando passei a
observar, em conversas com amigos, seus relatos e questionamentos sobre masculinidades, a
relação pai-filho, os sentidos atribuídos a ela e suas transformações na atualidade. A visão
psicanalítica muitas vezes orientava minhas reflexões, a partir de meus aprendizados e leituras
durante a graduação em Psicologia.
Reportagens em jornais, em revistas e na televisão falando sobre masculinidade, sobre
o que chamavam de crise do masculinoou sobre a emergência de um suposto novo pai” e
“novo homem” tornaram-se cada vez mais frequentes. Edições especiais de revistas de
1
Gênero entendido aqui como os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado” (BUTLER, 2003, p. 24), como um
produto histórico que organiza práticas sociais (CONNEL,1997). Butler o define como uma realização performativa, a qual é
“instituída num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos” (BUTLER, 2003, p. 200).
2
O termo geração será melhor discutido adiante, no capítulo Juventude e gerações - reflexões norteadoras.
13
circulação nacional como Veja, Época e Isto É, direcionadas ao público masculino e na
maioria das vezes com reportagens com excesso de propagandas de produtos para este
público, chamavam-me a atenção e continuaram a circular inclusive durante o meu processo
de escrita desta dissertação.
Naquelas reportagens, temas tais como vaidade masculina, cuidados com o corpo,
separação conjugal, exercício da paternidade, impotência, sexualidade e diferenças entre os
sexos eram trabalhados de forma superficial, com excesso de conselhos, como manuais de
auto-ajuda, estímulo ao consumo de remédios para impotência, queda de cabelo e produtos de
beleza. Nestas revistas, a vaidade masculina era estimulada como pretexto para a venda de
produtos a este setor da população. Quanto à paternidade, a imagem de um novo pai” foi
surgindo também na mídia, refletindo novas formas de relações com os filhos. Cada vez mais,
os homens são chamados a participar da criação dos filhos e a desempenhar diferentes
funções no cuidado destes, havendo um maior estímulo à demonstrações de carinho e afeto.
Diante de todo este contexto, que demonstra a atualidade destes temas e a importância
de discussões acadêmicas a respeito dos mesmos, discussões anteriormente incentivadas
nas Conferências Internacionais de População e Desenvolvimento, organizadas pela ONU e
realizadas em Cairo (1994) e Beijing (1995), interessei-me em explorar estas temáticas a
partir de um enfoque interdisciplinar, considerando minha trajetória nos estudos de gênero,
masculinidades e meu percurso na psicanálise.
Tanto a temática paternidade quanto a masculinidade têm adquirido maior visibilidade
na literatura cientifica brasileira nos últimos anos
3
. No campo das masculinidades, a partir de
um rastreamento geral da literatura, é possível perceber que muitos dos estudos buscam
compreender as angústias dos homens contemporâneos e como muitos valores atribuídos a
eles estão relacionados à constituição de suas subjetividades (ADRIÃO, 2005). No que se
refere à paternidade, diversas pesquisas (LEWIS & OBRIEN, 1987, TRINDADE, 1991;
LAMB, 1996; LYRA, 1998; LYRA & MEDRADO, 1999, 2000; TONELI et al., 2006a,
2006b) procuram entender a interação entre pais e filhos no ambiente familiar, compreender
os seus sentidos, práticas e configurações.
Refletindo sobre o percurso histórico dos estudos feministas, é possível afirmar que
houve, nos anos 80 e 90, uma significativa intensificação de pesquisas relacionadas à questão
das masculinidades. Este aumento se deve, em certa medida, tanto ao movimento feminista,
quanto ao movimento gay, que nas últimas décadas m promovido diversas e importantes
3
Ver adiante pesquisa no banco de teses e dissertações da CAPES e na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-PSI).
14
discussões e reivindicações, contemplando esta temática. Este tema, anteriormente pouco
questionado academicamente, aparece como merecedor de reflexões teórico-científicas
principalmente com o desenvolvimento dos estudos de gênero - refletindo as transformações
ocorridas na sociedade a partir dos movimentos feministas (HEILBORN & CARRARA,1998;
ADRIÃO, 2005).
Considerando os estudos de Robert Connell (1995), Michael S. Kimmell (1997) e
Miguel Vale de Almeida (1995 e 1996), entre outros, observa-se que existe um consenso entre
estes autores com relação a existência de um modelo de masculinidade idealizado e
hegemônico, o qual muitos homens buscam alcançar. Este seria um modelo que
corresponderia ao homem branco, ocidental, da classe dominante, provedor, heterossexual,
forte e viril. Humberto A. Paniagua (2000), em um estudo sobre o modelo masculino
tradicional realizado no Chile com camadas médias e populares, percebeu que as sociedades
geralmente exigem que os homens passem por provas que atestem sua masculinidade, sendo
que esta aparece como uma qualidade muito desejada e difícil de ser alcançada.
No entanto, Connell (1995, p.189) também afirma que “diferentes masculinidades são
produzidas no mesmo contexto social”. Este autor, em estudos mais recentes, relativiza o
conceito de masculinidade hegemônica, afirmando que a masculinidade é necessariamente
uma construção social, raramente existindo apenas uma masculinidade na sociedade, o que
justifica o uso deste termo no plural. Segundo ele, diferentes masculinidades são produzidas
ao mesmo tempo, diante de um complexo processo que envolve uma negociação ativa em
relações sociais múltiplas (CONNELL, 2000). Este autor nos auxilia a entender este conceito,
afirmando que não podemos ver a masculinidade como um objeto isolado e sim como um
aspecto de uma estrutura bem maior. O conceito está relacionado a diversas categorias tais
como: trabalho, estrato social, família, sexualidade, homofobia, globalização, corporeidade,
entre outras. Acredita ainda, que a construção das masculinidades deve ser pensada como um
projeto tanto coletivo como individual.
Considerando gênero como um produto histórico, de acordo com Connell (1995, p.
190) “toda a cultura tem uma definição da conduta e dos sentimentos apropriados para os
homens”. Em conseqüência, homens jovens o estimulados a agir e a sentir a partir desta
conduta, de forma a se distanciarem de comportamentos caracterizados como femininos. Para
Connell (1995), o conceito de masculinidade é necessariamente relacional, ou seja, ele
existe em contraste com a feminilidade. Em conseqüência, segundo o autor, uma sociedade
que não tratasse as mulheres e os homens como portadores de tipos característicos polarizados
não teria um conceito de masculinidade da maneira que temos na sociedade euro-americana.
15
Com relação à paternidade, de acordo com Benno de Keijzer (2000), existe uma
diversidade de formas de exercício da mesma e distintas significações sobre ela ao longo do
ciclo de vida de um homem e de seus filhos e filhas, o que justifica o uso do termo no plural.
Igualmente, Norma Fuller (2000) diz que os significados de paternidade são múltiplos,
heterogêneos e algumas vezes até contraditórios, tanto no que se refere ao âmbito social
quanto à vivência de cada sujeito. José Olavarría (2000) aponta que o próprio pai do sujeito
torna-se o referencial do que é ser pai, seja para imitá-lo, seja para diferenciar-se deste.
Segundo ele, esta mesma vivência acontecerá com os filhos que serão observados como
modelos de paternidade no futuro.
Um aspecto que chama atenção sobre os temas escolhidos para meu estudo é o
geracional. Nos últimos anos, como retrata Mirian Goldenberg (2000), passou a ser valorizado
e incentivado o direito do pai de acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos e
demonstrar afeição (referindo-se principalmente à expressão física de afeto e carinho),
comportamentos que anteriormente eram atribuídos especialmente à mãe. Mara V. Vigoya
(2000) acredita que os pais da atualidade procuram se distanciar do modelo paterno anterior
encontrando, no entanto, dificuldades neste processo devido às contradições suscitadas entre
um desejo de abertura e de expressão espontânea da afetividade e o temor de ver diminuído
seu prestígio como homens, visto que a maior expressão de afetos tradicionalmente foi
atribuída às mulheres.
Olavarria (2000), em seus estudos, afirma que muitos homens vivenciam uma tensão
que se produz entre a expressão de afetos aos/pelos filhos, no que se refere à intensidade e ao
momento, e a autoridade que acreditam dever exercer. Segundo o autor, observa-se nos pais
mais jovens uma necessidade maior de expressar seus sentimentos aos filhos, beijando-os,
tocando-os fisicamente e fazendo carinho. Entretanto, estes pais em alguns momentos sentem
que devem manter certa distância e estabelecer limites. A interferência na expressão dos
afetos estaria, para este autor, em alguma medida relacionada ao exercício da autoridade.
Nos estudos de Vigoya (2000), em uma investigação preliminar sobre a construção da
masculinidade nos setores médios em duas cidades, representando duas culturas regionais
colombianas, surgiu como tema dominante a questão do pai. A pesquisadora relata que foi
marcante o contraste entre uma suposta ausência do pai na socialização dos filhos e a forte
presença dele nos relatos dos seus entrevistados.
De acordo com Paniagua (2000), ao mesmo tempo em que o jovem homem recebe
mensagens explícitas da sociedade sobre as atribuições de gênero e seu lugar correspondente
16
no mundo, pesam os ensinamentos da mãe e do pai, donde provém o modelo masculino mais
próximo. “A partir de sus palabras y sus gestos, de sus acciones y sobre todo, de sus
omisiones, el niño asimila la complementacíon de lo feminino y masculino en un sistema de
afirmaciones y negaciones que irán ‘masculinizando’ su subjetividad” (PANIAGUA, 2000, p.
205)
4
.
Em seus estudos com homens na cidade de Lima (Peru), Fuller (1997) destaca que a
figura do pai tem uma grande influência durante o período de socialização infantil e é este
quem transmite aos filhos os valores e conhecimentos necessários para que os mesmos
possam se apropriar simbolicamente do mundo externo e da esfera pública.
A partir do contato com estas pesquisas e de meu convívio cotidiano, interessei-me em
investigar o lugar, as implicações da relação pai-filho na construção da masculinidade dos
sujeitos a serem pesquisados e os sentidos atribuídos por eles a esta relação. Sentido” é aqui
entendido como sendo “uma relação determinada do sujeito afetada pela língua com a
história” (ORLANDI, 1999, p.47) e “determinado pelas posições ideológicas colocadas em
jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas” (idem, p. 42).
Nesta pesquisa procurei centralizar a investigação em figuras masculinas e nos
discursos sobre paternidade e masculinidade. No entanto, não desconsiderei a importância de
outros membros da família na construção das masculinidades dos sujeitos entrevistados.
Acredito serem a mãe e, conforme a configuração da família, também os avós, figuras de
grande relevância na medida em que estes últimos, segundo Paniagua (2000), trazem os mitos
fundamentais do caráter familiar e, junto destes, os principais traços do modelo masculino
tradicional. Assim busquei responder às seguintes questões: Quais os sentidos que homens de
diferentes gerações atribuem aos vínculos pai-filho? Quais as relações que estabelecem entre
estes sentidos e a construção de suas masculinidades?
4
A partir de suas palavras e seus gestos, de suas ações e sobretudo, de suas omissões, a criança assimila a
complementação do feminino e masculino em um sistema de afirmações e negações que irão masculinizando’ sua
subjetividade (PANIAGUA, 2000, p. 205, tradução minha).
17
1.1 Percorrendo o banco de teses da CAPES
5
e bibliotecas virtuais – estudos acadêmicos
sobre paternidades e masculinidades
Procurando realizar um rastreamento inicial da produção científica sobre paternidade e
masculinidades, realizei uma consulta à base eletrônica de teses e dissertações da CAPES
6
,
nos meses de maio/ junho/julho de 2005. Foi possível perceber que estudos sobre paternidade
(542 pesquisas) ainda são reduzidos, se comparados ao número de pesquisas relacionadas à
maternidade (3122 pesquisas).Tentando comparar o descritor masculinidade com o descritor
feminilidade, não foi possível fazer esta mesma analogia, devido a este primeiro aparecer na
base de dados como sinônimo de sexo masculino, sem um enfoque de gênero. Cruzando os
descritores relação pai e filho e masculino, foram encontradas 21 pesquisas; já com os
descritores paternidade e masculinidade foram encontradas 81 pesquisas. Nos estudos de
paternidade, a psicanálise pode ser considerada como uma importante ferramenta teórica para
a reflexão sobre o tema, principalmente na leitura lacaniana de Freud. Isto pode ser afirmado,
ao lermos a obra destes autores e considerarmos a importância que tanto Freud quanto Lacan
atribuem ao pai nos momentos de organização psíquica de cada sujeito. A partir deste
entendimento, segui a pesquisa em base de dados utilizando os descritores masculinidade e
psicanálise. Com estes marcadores foram encontradas 31 pesquisas (teses/dissertações). No
entanto, cruzando os descritores masculinidade, paternidade, psicanálise foram encontradas
apenas 3 pesquisas. Contudo, é importante ressaltar que a produção psicanalítica ainda
enfrenta algumas resistências de inserção no contexto universitário, além de ocorrer
tradicionalmente em outros circuitos, tais como centros de formação e associações de
psicanalistas, onde muitos outros trabalhos podem ser encontrados.
Em consulta à base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde, área Psicologia (BVS-
PSI)
7
cruzando os descritores paternidade e masculinidade, foram encontrados apenas dois
artigos científicos, relacionados à saúde sexual e reprodutiva. com o descritor
masculinidades foram encontrados seis artigos - número reduzido se comparado com o
descritor feminilidade, que permitiu a localização de 136 artigos científicos. É importante
ressaltar que muitos dos estudos relacionados às mulheres não utilizam este termo,
possibilitando a relativização deste dado que pode ser ainda mais expressivo. Comparando os
descritores paternidade e maternidade foram encontrados 54 artigos relacionados ao primeiro
e 69 relacionados ao segundo. Com relação aos descritores masculinidade e psicanálise foi
5
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
6
Disponível no endereço eletrônico http://www.capes.gov.br
7
Disponível no endereço eletrônico http://www.bvs-psi.org.br
18
possível localizar 12 artigos. Juntando os descritores paternidade ou relação pai-filho a estes
dois últimos, não foi encontrado nenhum artigo.
Tabelas dos resultados iniciais da pesquisa em bibliotecas virtuais e banco de teses
Tabela 1 Quadro comparativo da pesquisa inicial em bases de dados:
Descritores Base de teses CAPES Base de dados BVS-PSI
Maternidade 3122 pesquisas 69 artigos
Paternidade 542 pesquisas 54 artigos
Relação pai-filho e masculino 21 pesquisas -----------
Paternidade e masculinidades 81 pesquisas 2 artigos
Masculinidade e Psicanálise 31 pesquisas 12 artigos
Masculinidade/Paternidade/Psicanálise 3 pesquisas -----------
Masculinidade ------------- 6 artigos
Feminilidade ------------- 136 artigos
Fonte: Banco de teses – CAPES e BVS-PSI (www.periodicos.capes.gov.br e http://www.bvs-psi.org.br)
Na seqüência, apresento alguns títulos de dissertações encontradas no banco de dados
da CAPES, as quais penso que poderiam ter sido de utilidade para a realização desta pesquisa.
No entanto, não tive acesso a todos.
19
Tabela 2 Dissertações encontradas no banco de dados da CAPES
Autor tulo
Universidade / Área Ano Tipo de
Pesquisa
Lilian Adeodato
Carvalho
Reflexões sobre o Pai - Um Estudo
sobre a Construção da Paternidade
na História de Vida e no
Desenvolvimento do Sujeito
Universidade de São Paulo –
Psicologia Clínica
1990 Dissertação
Ana Maria Stingel A Construção do Papel Paterno Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro - Psicologia (Psicologia
Clínica)
1991 Dissertação
Maria Thereza Toledo A diferença sexual na Psicanálise:
entre o destino e a construção
Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro - Psicologia (Psicologia
Clínica)
1997 Dissertação
Eduardo Steindorf
Saraiva
Paternidade e Masculinidade:
Tradição, Herança e Reinvenção
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul – Educação
1998 Dissertação
Ana Cristina Barbosa
Pinheiro de Souza
A paternidade na psicanálise: do
menino interditado ao pai interditor
Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Teoria Psicanalítica
1998 Dissertação
Rubens Ferreira do
Nascimento
POBRE PAI: a construção da
identidade em homens pais pobres
urbanos
Universidade Federal de Minas Gerais
– Psicologia
2000 Dissertação
Marcela Cruz de
Castro Decourt
Para Além do Pai Está o Homem: A
Função Paterna de Freud a Lacan
Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Teoria Psicanalítica
2000 Dissertação
Ramona Edith
Bergottini Palieraqui.
A Função Paterna: Problemática da
Contemporaneidade
Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Psicologia
2001 Dissertação
Maria Helena Coelho
Martinho
O Que é um Pai? Do Papel do Pai à
Função Lógica do Pai
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – Psicanálise
2002 Dissertação
Ulisses Herrera Chaves O Exercício da Paternidade: a
Paternidade com Filhos
Adolescentes do Sexo Masculino
nas Camadas Médias
Universidade de São Paulo/ Ribeirão
Preto – Psicologia
2002 Dissertação
Gracia Maria Fenelon Comunicação em Família:
Autoridade e Amor Mediados Pelas
Funções Materna, Paterna e Fraterna
Universidade Católica de Goiás –
Psicologia
2002 Dissertação
Ercília Gama de
Oliveira
Da metáfora do pai à metonímia do
gozo
Universidade Federal de Minas Gerais
– Psicologia
2003 Dissertação
Fonte: Banco de teses – CAPES (www.periodicos.capes.gov.br )
As pesquisas encontradas que foram elaboradas utilizando a psicanálise como
fundamento teórico, em sua maioria estudam aspectos relacionados à paternidade ou às
diferenças sexuais separadamente e se baseiam principalmente na leitura lacaniana da
psicanálise, enfatizando questões teóricas ou clínicas. Pode-se perceber que a produção
20
psicanalítica nos cursos de pós-graduação, concentra-se principalmente no Rio de Janeiro.
Ainda são poucas as produções psicanalíticas que realizam conversações com outras áreas,
embora existam algumas na antropologia e na educação. As pesquisas que relacionam
paternidade e masculinidade referem-se principalmente ao âmbito da saúde sexual e
reprodutiva, notadamente à paternidade de jovens, embora seu número ainda seja muito
menor, se comparada à maternidade juvenil.
Nesta pesquisa na base de teses da CAPES, duas dissertações me chamaram atenção,
a saber: a de Lilian Adeodato Carvalho (1990) e a de Marcela Cruz de Castro Decourt (2000).
A primeira procura refletir sobre a construção da paternidade investigando as representações
de pai em uma perspectiva que a autora chama de “evolucionista” das relações avô-pai-filho.
Foram entrevistadas cinco famílias. Em sua revisão de literatura, a autora comparou a relação
mãe-filho e pai e a função do pai partindo da etologia e da psicanálise. Concluiu que certos
aspectos do padrão “antigo” permanecem na família atual, enquanto que outros sofreram um
processo de transformação. Apresentou também, a partir da análise das representações dos
pais, a existência de categorias intrínsecas à paternidade. a segunda dissertação procura
percorrer o caminho de Freud a Lacan, com respeito à lei do pai, refletindo sobre o declínio da
função paterna na contemporaneidade e seus efeitos na clínica psicanalítica.
Em adicional, as dissertações de Márcia Longhi (2001), intitulada Ser homem, pobre
e paie de Pedro Nascimento (1999), sob o título Ser homem ou nada’: Diversidade de
experiências e estratégias de atualização do modelo hegemônico da masculinidade em
Camaragibe/PE, ambas apresentadas ao Mestrado em Antropologia da Universidade Federal
de Pernambuco, a de Margareth Arilha (1999), intitulada “Masculinidades e gênero: discursos
sobre responsabilidade na reprodução”, apresentada ao Mestrado em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a de Sandra Unbehaum (2000), intitulada
“Experiência Masculina da Paternidade nos Anos 1990: estudo de relações de gênero com
homens de camadas médias”, defendida no Mestrado em Sociologia da Universidade de São
Paulo, encontradas no acervo bibliográfico do núcleo Margens (UFSC), também foram de
grande importância para esta pesquisa.
A seguir, apresento alguns artigos que são importantes para refletir sobre a produção
científica dos temas desta dissertação, encontrados na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-Psi),
principalmente na Revista Brasileira de Psicanálise, uma das poucas indexadas da área. Estes
artigos tratam de masculinidade e feminilidade sob a ótica da psicanálise.
21
Tabela 3 Artigos encontrados na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-Psi) que tratam de
masculinidade e feminilidade, sob a ótica da psicanálise
Autor Título Revista Ano
PEREIRA, J. O Breve estudo sobre a interação feminilidade-
masculinidade
Revista Brasileira de
Psicanálise
1987
MATOS, Jose de. O masculino em questão. Revista Brasileira de
Psicanálise
1996
CECCARELLI, Paulo
Roberto.
A construção da masculinidade Percurso 1997
MALTZ, Rute Stein Bases psíquicas primitivas da masculinidade e da
feminilidade.
Revista de Psicanálise 1998.
PERSON, Ethel Alguns mistérios sobre gênero: repensando
identificações masculinas em mulheres
heterossexuais.
Revista de Psicanálise 1998
EIZIRIK, Claudio Laks. Masculinidade e feminilidade na virada do milênio:
uma breve reflexão psicanalítica
Revista de Psicanálise 1998.
SANDLER, P. C. Uma teoria sobre o exercício de feminilidade –
masculinidade (conforme apreendida durante uma
sessão de psicanálise).
Revista Brasileira de
Psicanálise
1999
Fonte: Banco de dados –BVS-PSI ( http://www.bvs-psi.org.br )
22
2 Os caminhos teóricos que orientaram esta trajetória
2.1 Paternidades, Masculinidades e Psicanálise um caminho possível
Acreditando que masculinidades são produzidas em diferentes contextos, nesta
dissertação de mestrado procuro refletir sobre a construção da masculinidade no âmbito
familiar, enfatizando a participação em especial do pai e também da mãe neste processo.
Estaria a imagem do pai e de homem mudando no decorrer das últimas cadas? E o que
acarretaria estas mudanças?
A pesquisa inicial realizada sobre paternidade e masculinidade, seja na literatura ou no
banco de teses e bibliotecas virtuais, sugere o referencial psicanalítico como próprio para o
entendimento destes temas, evidenciando sua importância para o estudo proposto nesta
dissertação. Este entendimento foi reforçado pelo trabalho de Connell (1994), um dos autores
mais citados nos estudos sobre masculinidades, que procurou traçar um perfil histórico do
entendimento da psicanálise sobre masculinidade, em seu artigo intitulado “Psychoanalisis on
Masculinity”. Neste artigo, o autor enfatiza, em cada corrente entendida por ele como
psicanalítica ou derivada da psicanálise, um aspecto considerado importante para
compreender a construção da masculinidade, procurando evidenciar as posições paradoxais
existentes entre estas correntes sobre a discussão de masculinidades, explorando a idéia
central de cada posição teórica a respeito do tema. Segundo ele, as pesquisas em psicanálise
têm promovido relevantes documentos sobre os diversos caminhos que a construção de
masculinidades pode tomar em uma ou em diversas sociedades. Connell (1994) ressalta ainda
que a idéia de múltiplas masculinidades, comum nos estudos sociais recentes, encontra um
significado particular e algumas evidências fortes na psicanálise. É neste sentido que enfatizo
o auxílio da psicanálise para explorar os temas propostos nesta pesquisa, de forma a
estabelecer diálogos com as(os) teóricas(os) dos estudos de gênero.
Connell, lendo casos clínicos de Freud (Pequeno Hans e Homem dos Lobos), destaca
pontos relacionados aos estudos de masculinidade. Afirma que Freud desenvolveu um
primeiro mapa para o desenvolvimento das reflexões sobre masculinidades. Este mapa, que
foi atualizado e redesenhado até o fim de sua vida, estaria relacionado ao desenvolvimento
psicossexual e ao complexo de Édipo. Segundo Connell, a teoria psicanalítica clássica marca
a construção da masculinidade a partir do que chama a “entrada do Édipo” na obra de Freud.
23
Essa ênfase no complexo de Édipo foi também ressaltada por Lacan. Assim, Connell resume
seu entendimento:
Freud’s idea about the importance of castration anxiety, Adler’s argument
about overcompensation, Jung’s suggestions about the gender dynamics of
marriages, Horney’s and Dinnerstein’s arguments about the importance of
boys’s fear of the mother, the Frankfurt school’s ideas about the impact of
family power structure and societal alienation, Chodorow’s ideas about
emotional separation, Lacanian arguments about the oedipal ordering of
symbolization, are all useful lines of thought. To treat one of them as the a
priori framework for a theory of masculinity would be to misuse
psychonalisis (in a way unfortunately typical of its applications in the social
sciences)
8
(CONNELL, 1994, p.34).
Vemos que o autor mistura, sob a rubrica de psicanálise, diferentes leituras da teoria
freudiana e até aquelas que se diferenciaram do campo da psicanálise, ou concepções
filosóficas que a consideram, mas não se reivindicam como psicanalistas. Contudo, ele
ressalta a complexidade e variedade de contribuições possíveis aos estudos de
masculinidades, a partir das concepções de Freud e do que ele classifica como derivações da
teoria psicanalítica. Os estudos de Connell (1994), no artigo citado, enfatizam a importância
das contribuições de Lacan para o entendimento das temáticas propostas neste projeto,
considerando a ênfase dada por este autor ao pai simbólico e às identificações, no que se
refere à construção da masculinidade nos meninos.
De extrema importância para esta pesquisa se mostra o trabalho apresentado por
Jacques Lacan em “Complexos Familiares” (1984[1938]), onde ressalta que a família possui
um papel significativo na transmissão da Cultura, pois é na família que as tradições, a
manutenção dos ritos e costumes, a aquisição da língua e a repressão de pulsões acontecem. É
no meio familiar, nas identificações parentais, que se desenvolvem os processos fundamentais
da organização psíquica do sujeito e a transmissão de estruturas de comportamentos e
representações. Quanto a este aspecto Françoise Hurstel (1999), psicanalista francesa que se
fundamenta em Lacan, aponta que:
8
A idéia de Freud sobre a importância da angústia de castração, o argumento de Adler sobre a supercompensação, a sugestão
de Jung sobre a dinâmica de gênero em casamentos, os argumentos de Horney e Dinnerstein sobre a importância do medo da
mãe no menino, as idéias da escola de Frankfurt sobre o impacto da estrutura de poder familiar e alienação social, as idéias de
Chodorow sobre separação emocional, argumentos lacanianos sobre a ordem edípica de simbolização, são todas linhas úteis
de pensamento. Tratar uma destas como a estrutura a priori para uma teoria da masculinidade seria usar erroneamente a
psicanálise (de uma maneira infelizmente típica de suas aplicações em ciências sociais) (CONNELL, 1994, p.34, tradução
minha).
24
... nas famílias, o que se transmite, de geração em geração, não são os “fatos
objetivos”, são os relatos, as lendas familiares, as anedotas cheias de paixão
e ideal, próprias aos “fulanos”. É por meio destes “romances” que uma
criança “aprende” seu lugar simbólico (de quem é filho, filha, sobrinho etc.)
no seio da família. Quer dizer, a qual geração pertence, qual é seu sexo. É
por meio das identificações com tal ou tal figura situada precisamente em
sua genealogia que são constituídas as ancoragens de sua identidade. São
processos de natureza próxima, que podemos encontrar na maneira como se
elaboram as relações dos grupos sociais no texto que lhes é comum, o das
leis (HURSTEL, 1999, p.121).
Lacan (1984[1938]), como Freud, enfatiza a importância de diversos complexos
familiares, com destaque para o complexo de Édipo, demonstrando que estes são estruturantes
e organizadores do desenvolvimento psíquico. Afirma que o complexo de Édipo marca todos
os níveis do psiquismo, operando através de um conflito triangular no sujeito, sendo
considerado um conceito nuclear na concepção freudiana de estruturação do psiquismo. Lacan
em Os Complexos Familiares”, ressalta o “declínio social da imago do pai”, afirmando que
este declínio é também a crise psicológica” que forma a essência da “grande neurose
contemporânea”, para ressaltar a importância do pai como referência, quando afirma que “o
papel da imago do pai se deixa perceber de maneira surpreendente na formação da maioria
dos grandes homens” (LACAN, 1984 [1938], p. 59).
É importante destacar aqui a diferenciação que Lacan faz, em seus estudos posteriores
(Seminário 5, nos anos de 1957/58), dos conceitos de pai real, imaginário e simbólico. O pai
que intervém no complexo de Édipo é o pai fantasiado pela criança, ou seja, o pai imaginário.
O pai simbólico é representado a partir do discurso da mãe, atuando como mediador entre o
desejo da mãe e o do filho.
Enfatizando a importância da função do pai no complexo de Édipo, Joel Dor (1991, p.
43), psicanalista lacaniano, lembra que “a edificação do Pai simbólico a partir do Pai real
constitui a própria dinâmica que regula o curso da dialética edipiana e, com ela, todas as
conseqüências psíquicas que dela dependem”. A noção de pai, desta forma, não estaria
necessariamente encarnada em um sujeito-pai real e sim corresponderia a uma entidade
simbólica, ordenadora de uma função. Este autor afirma que a entidade paterna depende de
uma representação simbólica, sendo que esta função encontra-se aberta a todo “agente
diplomático” da realidade próximo ao desejo da mãe. Desta forma, quanto mais o genitor for
capaz de legitimar este título de embaixador privilegiado”, mais ele se aproximará desta
função. Portanto, a dimensão de um Pai simbólico transcende a necessidade de um homem
real assumir esta função, sendo que “o papel simbólico do pai é sustentado, antes de mais
nada, pela atribuição imaginária do objeto fálico” (DOR, 1991, p. 19), ou seja, basta que haja
25
um terceiro, que seja um mediador entre o desejo da mãe e o do filho, para que esta função
seja legalizada e estruturada.
É neste sentido que o trabalho que Lacan desenvolve a partir de 1955, no qual elabora
uma teoria estrutural da função paterna, apresenta uma sólida base para a distinção
imagem/função. Esta teoria forneceu, naquele momento, novos fundamentos para se refletir
sobre a paternidade, redefinindo a maneira de pensar a paternidade em suas características
contemporâneas
9
.
No seminário 5 (“As Formações do Inconsciente”), nos anos de 1957 e 1958, Lacan
(1999) afirma a existência da operação simbólica chamada “Metáfora do Nome do Pai” -
operação na qual a criança substitui o significante do desejo da mãe pelo significante Nome-
do-pai. Afirma que uma metáfora é um “significante que surge no lugar de outro significante
(LACAN, 1999 [1958], p.180). Continuando, ele coloca que o pai é um significante que
substitui um outro significante”, sendo que “a função do pai no complexo de Édipo é ser um
significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante
materno.” (idem). Desta forma, de acordo com Lacan, todo o homem em posição de pai é
constituído pela metáfora paterna e chamado, no contexto edipiano, a assumir diversas
funções para a criança que está na posição de “filho”. Uma destas funções é a de “sustentador
da lei”, sendo ele o representante da mesma.
Em seus seminários de 1957/1958, Lacan (1999) discorre, durante duas sessões
intituladas “A metáfora Paterna”, sobre a existência de três tempos no complexo de Édipo, em
que o pai é operante em cada um desses momentos. O primeiro tempo seria o da eficiência de
um significante, o nome do pai, ou seja, de um pai simbólico que aparece por meio da relação
com a mãe. Neste primeiro momento do Édipo, a relação da criança com a mãe é de pura
dependência. Segundo Lacan (1999, p. 199) “o sujeito se identifica especularmente com
aquilo que é objeto do desejo de sua mãe”. Este primeiro momento termina com a operação da
“metáfora paterna”. Esta operação lingüística permite ao ser humano passar de uma posição
em que o individuo estaria submetido ao capricho do Outro (a mãe ou seu substituto), para
uma posição de sujeito desejante.
O segundo tempo seria o momento de um pai que se origina dos efeitos da inscrição
do sujeito na ordem da Lei. É neste momento do Édipo que o pai atua privando a criança de
ser o objeto de desejo da mãe, sendo que o desejo de ambos passa a depender do desejo do
9
Lacan, em seus últimos seminários (período do ensino de Lacan classificado por Jacques-Alain Miller como último ensino),
muda sua concepção sobre a paternidade, sobre a função paterna, trazendo outros elementos e discussões para a questão,
reavaliando sua própria teoria. Estes aspectos serão apontados adiante, na sequência deste capítulo.
26
pai, do Outro, ou seja, da lei paterna. Neste período, o pai passa a ser visto como o
“sustentador da lei”, estando na posição de representá-la para o sujeito. Este seria um período
de desdobramento da metáfora paterna, caracterizado por efeitos imaginários no sujeito,
induzidos pela transferência ao pai da onipotência atribuída a princípio à mãe. O pai, neste
período do Édipo, é visto como “interditor e privador”, constituindo para a criança a figura de
um pai ideal, fantasiado, ou seja, um ser infalível e não marcado pela castração
10
, um
interditor absoluto.
o terceiro tempo é aquele em que o pai vem estabelecer, no “real de sua fala”, de
sua presença, o imaginário do pai ideal” e o simbólico da Lei. Esse pai, estabelecendo em si
o real, o imaginário e o simbólico da paternidade, poderia ser chamado de “realidade paterna”
para um filho. A saída do complexo de Édipo depende desta etapa. Segundo Lacan, neste
estágio o pai é visto como aquele que pode dar à mãe o que ela deseja, pois ele o possui, ou
seja, “ele se revela como aquele que tem” (LACAN, 1999, p. 200). É neste momento que a
identificação com a instância paterna acontece e em que o pai se afirma como aquele que é o
suporte da lei. De acordo com Lacan:
No terceiro tempo, portanto, o pai intervém como real e potente. Esse tempo
se sucede à privação ou à castração que incide sobre a mãe, a mãe
imaginada, no nível do sujeito, em sua própria posição imaginária, a dele, de
dependência. É por intervir como aquele que tem o falo
11
que o pai é
internalizado no sujeito como Ideal, e que, a partir daí, não nos esqueçamos,
o complexo de Édipo declina (LACAN, 1999, p.201).
Lacan, nestes seminários, propõe que falemos de “imago
12
do pai”, neste terceiro
estágio do Édipo. No seu livro Complexos Familiares”, em 1938, Lacan afirmava que a
imago do pai, dominando e polarizando as formas mais perfeitas do ideal do eu, indicaria o
10
O termo castração é empregado pela psicanálise para designar uma experiência psíquica complexa, inconscientemente
vivida pela criança e decisiva para seus posicionamentos posteriores, referentes a masculinidades e feminilidades. Está
relacionado ao momento em que a criança, com certa angústia, reconhece a diferença anatômica entre os sexos. Este termo
não se refere estritamente à eliminação ou amputação efetiva do orgão sexual e sim a uma ameaça imaginária vivida pela
criança. Diz respeito a todo o tipo de interpretação que a criança oferece para explicar a diferença anatômica entre os sexos e
que é renovada durante a vida do sujeito, representando a limitação ao gozo e o ingresso do sujeito no mundo simbólico
(ALBANO, LEVIT & GARDNER, 2005). Para um aprofundamento sobre os significados e o uso deste termo em
psicanálise, ver capítulo I do livro de Juan- David Nasio, Lições sobre os 7 conceitos Cruciais da Psicanálise (1997).
11
O termo falo é utilizado na psicanálise para designar o orgão sexual masculino no seu sentido simbólico. Para Lacan, este
termo é entendido como o significante da falta, de uma falta simbólica que é constituinte do sujeitos. A lógica fálico-castrado
organiza masculinidades e feminilidades, não em termos de diferenças anatômicas e sim como posições de sujeito, de como
homens e mulheres se relacionam com o falo, como operador simbólico da falta. (ALBANO, LEVIT & GARDNER, 2005).
Para um aprofundamento sobre os significados e o uso deste termo em psicanálise, conferir Nasio (1997), entre outros
autores.
12
O termo imago, na psicanálise, é compreendido como uma representação infantil e inconsciente, que passa a ser um
modelo imutável, e que orienta a conduta de um sujeito e a maneira como o mesmo apreende o outro. Esta representação é
elaborada nas primeiras relações intersubjetivas reais e também fantasísticas com o meio familiar. (LAPLANCHE &
PONTALIS, 2001)
27
ideal viril no menino, sendo que “é, com efeito, em virtude de uma identificação do sujeito
com a imago do progenitor do mesmo sexo que o supereu e o ideal do eu podem revelar à
experiência traços conformes às particularidades dessa imago” (LACAN, 1984 [1938], p.52).
Joel Dor (1991) em seu livro “O pai e sua função na psicanálise” afirma ser a função
paterna um “epicentro crucial” na estruturação psíquica de um sujeito. Evidencia que a noção
do pai no campo psicanalítico tem uma conotação bem particular, distanciando-se da visão de
um “agente comum da paternidade”, intervindo no campo conceitual da psicanálise como um
“operador simbólico a-histórico”.
A partir destas leituras, sou levado a conceber a função do pai no desenvolvimento da
criança e na construção da masculinidade do filho como primordial. Em reforço trago Hurstel
(1999), que em seu livro sobre a paternidade afirma a existência de duas vias principais de
estudo sobre o tema, a saber: aquelas que utilizam como ponto de partida o grupo ou a
coletividade e argumentam ser o pai uma instituição em significativa transformação; e aqueles
estudos que utilizam como ponto de partida o indivíduo, visto como um “ser psíquico” dotado
de estruturas em atividade. Ambas as vertentes enfatizam a importância do pai no
desenvolvimento psíquico da criança.
Os estudos sobre a paternidade, segundo Hurstel (1999), constituem-se como um
campo conceitual complexo para ser descrito, organizado e hierarquizado, considerando sua
importância constituinte para o sujeito. Esta autora procurou traçar o movimento histórico que
divide o pai em múltiplas realidades. Propondo-se a descrever, organizar e hierarquizar os
registros da paternidade através de pesquisas alcançando homens em diferentes contextos
(homens que sofreram êxodos rurais no interior da França, indo trabalhar em fábricas e
habitar contextos urbanos; pais em uniões livres; e aqueles homens em contextos de
paternidades múltiplas, no caso de diferentes composições familiares), a autora, com
fundamento na teoria freudo-lacaniana sobre a função paterna, historiciza a paternidade na
mídia nas cadas de 70, 80 e 90, evidenciando suas transformações e traçando um perfil
histórico sobre a paternidade, desde o pai feudal a os dias atuais, destacando as
transformações no decorrer dos anos. Segundo a autora:
O pai como função simbólica encontra sua eficiência e sua lógica no campo
de uma subjetividade estruturada pela linguagem. O que Freud chama de
“Complexo de Édipo” conta dessa estrutura do sujeito e da função do pai
nesse contexto. O pai como instituição jurídica, social, familiar e cultural
encontra sua eficiência no campo social e histórico. Os pais designados pela
instituição e “adeptos” da função estão envolvidos na história ao mesmo
tempo em que a constroem. Participam da eficaz colocação emão da
28
função na medida em que, ao representá-la, se submetem a ela (HURSTEL,
1999, p. 61).
Hurstel (1999, p.159) afirma que o filho é identificado com uma imago do pai, como
“uma representação complexa que orienta a forma pela qual o sujeito apreende outrem ou ele
mesmo”. A autora aponta que “essa imagem tem uma função central, a de guia. Constitui o
ideal do filho e lhe indica como se conduzir como pai, e também como homem. Ideal que o
homem deseja realizar transmitindo o que o pai lhe deu” (HURSTEL, 1999, p.159). E para
que haja uma função paterna, segundo Hurstel, entram em ação três necessidades, a saber:
a de uma encenação social da lei do interdito do incesto pela
instituição legal da paternidade, prevendo de antemão um pai para cada
criança;
a de uma transmissão desta lei no contexto familiar, no seio das
relações intersubjetivas e interpessoais marcadas pela paixão e pelo
imaginário, permitindo a inscrição da criança nas categorias da filiação;
enfim, a de um trabalho psíquico específico para os homens aqueles
que assumem instituição, função e procriação – pelo qual se opera, na ordem
das gerações, a passagem do lugar de filho de seu pai ao de pai de seu filho
(HURSTEL, 1999, p.65).
Assim a autora, ao procurar responder como nos tornamos pais, como da posição de
filhos passamos à posição de pais e mães, conclui que ocorreu um declínio social da imagem
do pai, uma fragilização da transmissão da Lei por estes sujeitos, demonstrando que o tema
passa por mudanças marcantes, explicitando a existência na atualidade de paternidades
múltiplas, em situações complexas.
2.2 A posição masculina na clínica lacaniana apontamentos sobre o lugar do Pai
Reflexões sobre masculino e feminino nos estudos de Lacan ganharam espaço
principalmente entre os seminários 18 e 21, em discussões sobre a diferença sexual. No
entanto, é no seminário 20 que ele desenvolve uma teoria de sexuação. Apesar de partir de
Freud, Lacan vai muito além. Ele desenvolve uma nova metáfora da diferença sexual, uma
nova topologia que vai além da dialética de ativo e passivo, de ter e ser. Segundo o autor,
homens e mulheres são definidos de forma diferente com relação à linguagem, ou seja, à
ordem simbólica. Nestas breves reflexões, que comecei a elaborar para uma Jornada da Escola
29
Brasileira de Psicanálise
13
– Sessão de Santa Catarina, sob a orientação da psicanalista Eneida
Medeiros Santos, procurei explorar brevemente a parte masculina da sexuação, conforme
proposta por Lacan, buscando relacionar a participação do Pai neste processo, que se refere
aos temas desta dissertação.
Dentro da perspectiva psicanalítica lacaniana, os sexos são definidos separada e
diferentemente e os parceiros não são simétricos e nem sobrepostos. Masculinidade e
feminilidade, sob esta perspectiva, seriam definidas como tipos diferenciados de se relacionar
com a ordem simbólica, de ser dividido pela linguagem. Na teoria de sexuação de Lacan
(1985), em seu seminário 20, as posições masculina e feminina não dependem
necessariamente da constituição biológica ou genética do sujeito
14
. Neste raciocínio,
independentemente de estrutura genético-biológica masculina ou feminina, no nível psíquico
pode haver homens na posição feminina e mulheres na masculina. Portanto, neste texto, os
termos homem e mulher, de acordo com a psicanálise lacaniana, sempre estarão se referindo a
estas posições.
Em seu estudo sobre o “sujeito lacaniano”, Bruce Fink (1998) procura apontar
diferenças entre as posições
15
masculinas e femininas. A “função fálica”, função que institui a
falta no sujeito, que o aliena na linguagem, desempenha, segundo o autor, um lugar primodial
na definição destas posições. Ela es relacionada tanto à posição masculina quanto à
feminina, apresentando-se de forma muito mais atuante na primeira, que é completamente
determinada por ela e pelo domínio do significante. O falo é, de alguma forma, o significante
do homem, uma vez que a função fálica o define integralmente, diferente da posição feminina
onde esta função não atua de forma absoluta. Portanto, enquanto os sujeitos localizados na
posição masculina estariam limitados ao gozo fálico, aqueles na posição feminina
experienciam tanto este gozo, quanto outro tipo, chamado por Lacan de gozo do Outro,
segundo aponta Fink (1998). Para entender esta diferenciação de gozo fálico e gozo feminino,
torna-se imprescindível compreender o que Lacan entende como gozo.
13
Jornada realizada em dezembro de 2006, em Florianópolis, na Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) Sessão de Santa
Catarina, como requisito para o fechamento do primeiro ano do curso de teoria psicanalítica, da qual participo, ministrado por
esta instituição.
14
Não estou dizendo neste texto que os aspectos biológico e genético não são importantes e sim que não são exclusivamante
determinantes nesta questão. A maneira que homens e mulheres são definidos na teoria lacaniana não tem relação direta com
a biologia. Segundo Fink (1998), isto seria uma explicação para a existência de histéricos masculinos e obsessivas
compulsivas femininas, em termos biológicos de sexuação, visto que este autor considera, lendo os textos de Freud e Lacan,
a histeria como uma estrutura feminina e a neurose obsessiva como masculina. Existem interpretações diversas quanto a esta
questão.
15
Este autor utiliza o termo estrutura masculina. No entanto, neste texto, prefiro utilizar posição masculina, por acreditar ser
mais adequado para o entendimento deste conceito enfatizando sua mobilidade no sujeito, visto que estrutura remete a algo
mais fixo.
30
O termo gozo, para além do seu significado popular e cotidiano, tornou-se um
conceito de grande importância na obra de Jacques Lacan. Apesar de inicialmente ter sido
conceituado como tudo o que diz respeito à distribuição do prazer no corpo e ligado ao prazer
sexual, de acordo com Roudinesco & Plon (1998), este conceito implica uma idéia de
transgressão da lei, desafio e submissão. Lacan faz diferença entre prazer e gozo, referindo-se
a este último como sendo “uma tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de
prazer” (ROUDINESCO & PLON, 1998, p.300). Com o desenvolvimento de sua obra, Lacan
passa a entender gozo no âmbito da teoria da identidade sexual, a partir das fórmulas de
sexuação, fazendo distinção entre gozo lico e gozo feminino. O gozo absoluto seria aquele
representado pelo pai originário, o “pai freudiano” da horda primitiva, o qual não está
submetido à castração. O gozo fálico é entendido como um gozo limitado, submetido à
castração, constituindo a identidade sexual daqueles sujeitos alocados na posição masculina.
o gozo feminino é entendido como um gozo diferente, sem limites, em função da relação
diferente das mulheres com o pai originário. Este gozo é entendido como um “gozo
suplementar”, incognoscível, indizível e desvinculado de qualquer referência biológica ou
anatômica (ROUDINESCO & PLON, 1998).
O limite da função fálica é o pai, a função paterna. Portanto, a formação da posição
masculina (como totalidade, universalidade definido pela função fálica) implica
necessariamente a existência do pai. Sem o pai, o homem o seria nada, estaria sem forma.
É ele quem vai marcar o limite da masculinidade de um homem. No entanto, faz-se
importante destacar que Lacan não se refere aqui a um pai qualquer. Este pai está associado
ao pai originário, como já destacado acima, aquele apresentado por Freud em Totem e Tabu, o
pai da horda primitiva, o qual não foi submetido à castração e supostamente controla cada
mulher solteira de seu meio. A ele a função fálica não se aplica, o está sujeito à lei, já que
ele é a própria lei. Sabemos que este pai não existe, visto que estaria fora da castração
simbólica, portanto fora também da linguagem, é um pai mítico. No entanto, ele existe dentro
de nossa ordem simbólica na qualidade de um nome. Ou ainda, segundo Colette Soler (2005),
mais que um nome, é uma questão de desejo, estando este pai preso a uma das modalidades da
causa do desejo masculino.
Este “pai freudiano”, instituidor do tabu do incesto, limita o homem ao registro do
simbólico, ou seja, instaura nele o simbólico e o desejo, tornando-se o ponto de ancoragem da
neurose. Este limite, o qual institui a ordem simbólica, é dado pelo Não do pai. Desta forma, o
sujeito da posição masculina torna-se completamente determinado pela castração simbólica.
Portanto, todos aqueles sujeitos que o homens para a psicanálise lacaniana, lembrando que
31
não me refiro aqui a aspectos biológicos, são castrados. A castração tem relação com o fato de
que em um dado momento do desenvolvimento psíquico do sujeito este é forçado a renunciar
a algum gozo. Relaciona-se a perda, falta, limite. Esta renúncia refere-se ao modo de gozo e
não ao pênis, como pode vir a ser interpretado por alguns leitores da obra freudiana. Portanto,
esta noção de castração aplica-se tanto para sujeitos na posição masculina, quanto para
aqueles na posição feminina (FINK, 1998).
No entanto, apesar de os sujeitos na posição masculina serem castrados, ocorre uma
contradição, ou seja, um ideal de não castrado, de não conhecer qualquer limite, que insiste
em existir nos sujeitos que estão nesta posição. Quanto a este aspecto, é possível fazer uma
analogia com os estudos de masculinidade no campo de gênero, quando diversos autores da
área (CONNELL, 1995; VALE DE ALMEIDA 1995, entre outros), sociólogos e
antropólogos, apontam para a existência de uma masculinidade idealizada, que todo o homem
busca alcançar. Em termos psicanalíticos, este ideal estaria relacionado à masculinidade deste
grande Pai, um modelo de homem a ser alcançado, mas nunca equiparado pelo filho. Com
relação a ser castrado, podemos relacionar ao apontamento de Humberto A. Paniagua (2000)
quanto à permanente necessidade de comprovação da masculinidade, que nunca é fixa, ou
palpável, exigindo sempre reafirmação. É importante ressaltar que estes autores também se
referem a uma masculinidade não necessariamente colada no sexo masculino, em termos
biológicos ou genéticos.
Fabián Schejtman (2006), ao relacionar a sexuação e os nomes do pai, em seu texto
para o “Scilicet des Nons du Père
16
(Scilicet dos Nomes do Pai), afirma que o declínio da
“imago paterna” proposta anteriormente por Lacan deveria ser abordada a partir das fórmulas
de sexuação, “em termos de queda, - quando não de fragmento - da função de exceção do pai
e, certamente, posta na conta dos efeitos dos ‘discursos’ da ciência e do capitalismo
globalizado, ou hiper moderno” (SCHEJTMAN, 2006, p. 160). Por outro lado, Soler aponta
ainda que:
A função paterna ampliada tem como efeito nodular os sexos entre si (o par
homem-mulher) e as gerações entre si (o par pais-filhos), mas também
nodular entre si os dois casais do sexo e da geração, ainda que a civilização
contemporânea trabalhe no sentido de desuni-los cada vez mais. Assim,
vemos seu alcance socializante e essa foi uma tese constante em Lacan –,
estando todo o problema em saber se esse é um sintoma em vias de
16
Utilizei nesta dissertação, a versão desta obra traduzida para o português pela Escola Brasileira de Psicanálise (EBP).
Trata-se de uma publicação da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), de textos preparatórios para o Congresso de
Roma, sobre o tema “Nomes do Pai”, realizado entre os dias 13 e 17 de julho de 2006.
32
regressão, se pode manter-se além do “declínio do paternalismo” e se pode
ser substituído (SOLER, 2005, p.180).
Valeria aqui uma discussão mais aprofundada sobre o pai no registro do real, sobre a
foraclusão do Nome-do-pai e seu retorno no real e também sobre a pluralização do Nome-do-
pai, aspectos estes relacionados ao que Jacques-Alain Miller chama de último ensino de
Lacan, pensando que relação estes aspectos teriam com a formação da posição masculina da
sexuação. Nesta concepção, o pai estaria débil, não sendo mais o pai da interdição (o pai
freudiano). Este pai seria aquele que vem nomear os modos de gozo e não mais o desejo, que
articula gozo e desejo (DELGADO, 2006). Esta maneira de ver a questão merece uma
exploração mais aprofundada e longa e exige um maior domínio da teoria lacaniana.
Dado que meus estudos sobre esta teoria ainda são iniciais, estando em andamento
nos cursos sobre a teoria lacaniana que realizo na Escola Brasileira de Psicanálise, e também
pelo fato de não ter me proposto a realizar uma pesquisa documental sobre psicanálise,
restrinjo minhas reflexões a estas ginas. Nesta dissertação, em que desenvolvo uma
investigação empírica, entrevistando sujeitos para refletir sobre os sentidos que atribuem à
masculinidade e à paternidade, estou limitado, inclusive pelo tempo. Tive a intenção de situar
os temas masculinidade e paternidade no ensino de Lacan, de forma a fundamentar melhor os
caminhos escolhidos para esta dissertação, lembrando da complexidade destas questões na
psicanálise lacaniana, em especial no seu último ensino, que pretendo aprofundar em outro
momento de meu percurso acadêmico.
2.3 Juventude e gerações – algumas reflexões norteadoras
A compreensão dos termos geração e juventude mostrou-se de grande importância
nesta pesquisa, considerando sua complexidade de definição e problematização. Dificuldades
e confusões na aplicação destes termos são apontadas por diversos sociólogos e historiadores
que refletem sobre problemas de definição e os perigos de banalização e generalizações dos
conceitos (MANNHEIM,1982 [1952]; SIRINELLI, 1996; GROPPO, 2000), questionando a
periodização cronológica da vida humana em etapas, tão ligadas às psicologias do
desenvolvimento e às ciências médicas e biológicas.
Karl Mannheim (1982[1952]), um dos sociólogos que se dedicou a esta questão,
ressaltou o fato de as gerações se encontrarem em um estado de interação constante e,
portanto, apresentarem-se como um guia imprescindível para se compreender a estrutura de
33
movimentos sociais e intelectuais. Para ele, a existência de gerações está relacionada a um
ritmo biológico da vida humana, ou seja, fatores de vida e morte, períodos limitados de vida e
envelhecimento. Afirma que os sujeitos pertencentes a uma mesma geração são dotados de
uma situação comum, de um recorte histórico do processo social. Desta maneira, o dinamismo
da sociedade torna-se proporcionalmente maior na medida em que problemas de gerações
mais jovens se refletem sobre as mais velhas.
O autor define geração como um “fato coletivo”, uma forma de situação social, uma
vivência social criada a partir de um fundamento natural. Segundo ele, os membros de uma
determinada geração estão similarmente situados”, ou seja, experienciam os mesmos
acontecimentos e dados, estão expostos a uma mesma fase do processo coletivo. Nas palavras
de Mannheim ... falaremos de uma geração enquanto uma realidade apenas onde é criado
um vínculo concreto entre os membros de uma geração, através da exposição deles aos
sintomas sociais e intelectuais de um processo de desestabilização dinâmica”
(MANNHEIM,1982, [1952], p.86). Ele trabalha com o conceito de “unidade de geração”, que
define como sendo uma potencialidade de cada momento histórico particular e de cada
situação social, com grandes semelhanças dos fatos que constituem a consciência de seus
membros, os quais participam de um destino comum. Outro fator apontado por Mannheim
para definir este termo é a necessidade de se nascer dentro de uma mesma região histórica e
cultural, ou seja, sujeitos de uma mesma idade pertencem a uma unidade de geração apenas
quando participam de correntes sociais e intelectuais características de sua idade e período.
Jean-François Sirinelli (1996), historiador, tratando a questão dentro da disciplina e
como tema muito central para a História, afirma que a geração no sentido “biológico” é
aparentemente um fato natural. No entanto, aponta que é também um fato cultural, o qual é
moldado por acontecimentos e muitas vezes proveniente da auto-representação e auto-
proclamação, ou seja, de um sentimento de pertencimento a uma faixa etária com uma
significativa identidade diferencial. Alerta também que a geração é “uma reconstrução do
historiador que classifica e rotula” (SIRINELLI, 1996, p. 133). Porém, salienta que a geração
é ao mesmo tempo um objeto de história e um instrumento de análise, sendo considerada uma
peça essencial, de engrenagem do tempo”, cuja importância pode variar de acordo com os
setores estudados e os períodos abordados.
Em uma pesquisa sobre homens e gerações em diversos contextos em Pernambuco,
Parry Scott, Renato M. Athias, & Márcia R. Longhi (2005) afirmam que homens sempre são
diferentes no tempo e espaço, assim como de geração para geração. Estes autores acreditam
que eventos e processos internacionais, nacionais ou regionais, marcam trajetórias históricas e
34
têm repercussões diversificadas nas formas de adultos e jovens se apresentarem como
masculinos. Desta maneira, refletem que a idéia de socialização para a masculinidade, quando
pensada sob o ponto de vista de gerações de pais e filhos, abrange atividades de produção,
reprodução, distribuição e transmissão relacionadas a grupos domésticos, o que é confirmado
nas falas e práticas de seus sujeitos sobre temas diversos.
Em nossa sociedade, de acordo com o que afirma Luís A. Groppo (2000), as
experiências sociais vivenciadas pela juventude de uma determinada geração são muito
diferentes daquelas vividas por adultos quando estes também eram jovens. Este autor entende
a juventude como uma categoria social, como uma realidade social importante para o
entendimento das relações sociais e suas transformações. Acredita que devemos combinar as
categorias juventude e geração com outras categorias sociais, para torná-las mais inteligíveis.
Segundo ele, pensar a juventude como uma representação sócio-cultural, uma situação social,
significa pensar neste conceito como mais do que uma faixa etária ou uma “classe de idade”
de limites etários restritos. Nas palavras do autor: “a juventude é uma concepção,
representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios
indivíduos tidos como jovens, para significar uma série de comportamentos e atitudes a ela
atribuídos” (GROPPO, 2000, p. 8).
Aponta também que muitas definições de juventude caem em uma perspectiva
bastante fisiológica, psicológica ou culturalista. De acordo com o autor o termo juventude
trata “não apenas de limites etários pretensamente naturais e objetivos, mas também, e
principalmente, de representações simbólicas e situações sociais com próprias formas e
conteúdos que têm importante influência nas sociedades modernas.” (GROPPO, 2000, p. 8).
Segundo ele, a juventude é vivida na modernidade com muita heterogeneidade na realidade
cotidiana, em conseqüência de sua combinação com outras situações sociais, tais como as de
camada ou estrato social e também por diferenças culturais, nacionais e de localidade, assim
como por diferenças de etnia e gênero. Desta maneira, parti destas reflexões para refletir sobre
juventude e gerações em consonância com os temas paternidade e masculinidade nas famílias
estudadas nesta dissertação.
35
3 Os caminhos metodológicos desta jornada discursiva – da trajetória do
pesquisador à descrição dos informantes e locais de pesquisa
Minhas experiências como pesquisador tiveram início ao fim de minha graduação em
Psicologia em 2004, na área de direitos sexuais e reprodutivos de jovens, participando de
programas de pesquisa e extensão universitária. Foi neste período que participei de um projeto
de âmbito nacional, coordenado por Jorge Lyra, coordenador do Instituto Papai, ONG de
Recife, no Estado de Pernambuco (PE), o qual pretendia construir outros olhares sobre os
direitos sexuais e reprodutivos de jovens. Nesta pesquisa, que contemplava as cinco regiões
do Brasil, fui membro da equipe responsável pela região sul, a qual foi coordenada pela prof.a
Dra. Maria Juracy F. Toneli, do núcleo de Pesquisas Margens (Modos de Vida, Família e
Relações de Gênero) da UFSC.
Na seqüência daquele projeto surgiram outros em âmbito nacional, durante 2005 e
2006 (anos em que eu cursava o Mestrado em Psicologia), em parceria com o Instituto Papai e
outras universidades brasileiras, abrangendo assuntos tais como: a inserção de homens nos
serviços de saúde
17
e sobre instituições que oferecem assistência a homens autores de
violência
18
. A participação nessas pesquisas, tanto antes, quanto durante o período em que eu
17
O projeto de pesquisa financiado pelo Ministério de Saúde do Brasil, intitulado Homens nos Serviços Públicos de Saúde -
Rompendo barreiras culturais, institucionais e individuais Recife, Florianópolis e São Paulo”, tem como objetivo principal
promover a inserção de homens nos programas de saúde reprodutiva/saúde integral de hospitais de referência em três capitais
brasileiras: Recife, São Paulo e Florianópolis, por meio da capacitação de profissionais, elaboração de estratégias de
comunicação, embasadas em pesquisa-diagnóstico e avaliação visando contribuir para a sociedade brasileira. A proposta é
que essa experiência possa servir de modelo para outras experiências congêneres e para o próprio Ministério da Saúde/ Área
da Saúde da Mulher através da sistematização desta iniciativa em um dossiê e da articulação política junto ao Ministério, o
UNFPA e ao movimento de mulheres e de juventude, de forma que a inserção dos homens em programas de saúde tenha na
experiência do presente projeto uma contribuição importante na construção de políticas de gênero. Este objetivo está em
consonância com tratados internacionais em direitos humanos, dos quais o Brasil é signario, e a atual plataforma feminista
brasileira, na medida em que busca contribuir para implementação de políticas públicas que visem envolver os homens em
questões relativas à sexualidade e à reprodução, com vistas a garantir e ampliar o exercício dos direitos sexuais e direitos
reprodutivos de mulheres e de homens. (Fonte: INSTITUTO PAPAI. Homens nos Serviços Públicos de Saúde - Rompendo
barreiras culturais, institucionais e individuais Recife, Florianópolis e São Paulo. Projeto de pesquisa. Recife, 2004. 17 p.)
18
Projeto de pesquisa intitulado “Violência Sexual e Saúde Mental: análise dos programas de atendimento a homens autores
de violência sexual, tendo os objetivos de 1) desenvolver uma análise das atuais propostas de ação voltadas ao atendimento a
homens autores de violência sexual contra mulheres e 2) implementar uma experiência piloto de atendimento a agressores. A
partir dessas duas ações pretende delinear uma proposta de atendimento psicossocial, inspirada, por um lado, nas atuais
diretrizes do governo brasileiro para redução da violência contra as mulheres e por outro, nas atuais políticas públicas
brasileiras em saúde mental, a partir de uma perspectiva crítica. Esta é uma iniciativa conjunta do Núcleo de Pesquisa
MARGENS - Modos de Vida, Família e Relações de Gênero do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
Santa Catarina, do grupo de pesquisa Representações, Práticas socioculturais e Processos de Exclusão do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, do Núcleo de Pesquisa em nero e Masculinidades (GEMA) do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e da ONG Instituto PAPAI (Recife). Com apoios da
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Ministério da Saúde e do CNPq, entre outras organizações, esses grupos
vêm desenvolvendo diferentes atividades voltadas para a investigação, intervenção e ensino, direcionadas à eqüidade de
gênero em torno de diversas problemáticas: saúde e direitos sexuais e reprodutivos, violência e discriminações de gênero,
paternidades e masculinidades, processos de exclusão/inclusão, bem como ações articuladas com instituições de São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo, entre outros estados brasileiros que integram a Rede de Homens
pela Equidade de nero - RHEG. Neste projeto, fui responsável pelo campo de pesquisa realizado na Ciudad del xico e
também no Rio de Janeiro, realizando entrevistas e visitas às intituições alocadas nestas cidades, que trabalham com grupos
36
cursava o Mestrado em Psicologia, proporcionou-me experiência na realização de entrevistas
semi-estruturadas e na análise de conteúdo, além de ter me permitido entrar em contato com
uma variada literatura científica na área de masculinidades, violência e direitos sexuais e
reprodutivos.
Ao entrar no programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC em 2005, minha
trajetória inicial como pesquisador sofreu mudanças. Nos caminhos percorridos para a
construção desta pesquisa passei a estudar o método etnográfico, o qual me pareceu mais
adequado para a realização das entrevistas com os sujeitos desta dissertação. Cheguei a esta
conclusão inspirado, dentre outras leituras, nas palavras de Cláudia Fonseca (1999), quando
ressalta que a etnografia tem como ponto de partida a interação entre o pesquisador e seus
objetos de estudo, dando ênfase ao seu cotidiano e às subjetividades envolvidas.
No entanto, como salienta Zago (2003, p 293), “o trabalho de campo dificilmente vai
se desenrolar conforme planejado e desse modo está sujeito a sofrer um processo de constante
construção”. Neste sentido, cada passo dado gerava em mim, ora um entusiasmo pelas
empolgantes descobertas do campo, ora desânimo pelas dificuldades que surgiam.
Desvencilhar-me de minhas práticas anteriores de fazer pesquisa, mais atento ao
roteiro elaborado com categorias pré-estabelecidas, embora não rígido, foi um processo difícil
tornando a realização da pesquisa de campo para esta dissertação menos segura para mim,
pela forma como eu estava realizando as perguntas nas primeiras entrevistas e pelas reações
dos sujeitos entrevistados. Acabava por me apoiar no roteiro, embora tivesse a intenção de
deixar a entrevista mais livre, aos moldes do método etnográfico. Estes impasses me
trouxeram questionamentos, os quais eu tentava registrar em meu diário de campo. Importante
ressaltar que com as discussões e reflexões levadas às reuniões de orientação da pesquisa, aos
poucos, estas dificuldades foram sendo re-significadas.
Atento ao que ensina Geraldo Romanelli (1998) em seu artigo sobre a entrevista
antropológica, passei a entender a entrevista como uma relação diádica, a qual desenvolve
uma forma de sociabilidade específica. Este autor apresenta sua concepção de entrevista como
sendo um "processo de construção de dados" realizado sobre experiências múltiplas e
expresso pela linguagem, de forma a constituir um produto cultural. Ressalta a importância da
observação atenta a tudo o que ocorre em uma entrevista, para posterior análise. Esta nova
forma de ver a entrevista permitiu-me avaliar melhor o conjunto de questões que podiam
e atendimentos a homens autores de violência. (Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Núcleo de
Pesquisas Margens. Modos de Vida, Família e Relações de Gênero. Violência Sexual e Saúde Mental: análise dos programas
de atendimento a homens autores de violência sexual.Projeto de Pesquisa. Florianópolis, 2006. 12 p.)
37
surgir neste processo, principalmente quando o tema provocava sentimentos e emoções
intensas, tanto nos entrevistados como no entrevistador. Pesquisar mais de um membro da
mesma família e, na maioria dos encontros, em seu contexto familiar, representou um grande
aprendizado, visto que minha experiência anterior estava resumida a trabalhos com jovens e
grupos em outros ambientes institucionais.
Portanto, nesta pesquisa realizei entrevistas livres inspiradas na etnografia e também
entrevistas mais concentradas em um roteiro pré-estabelecido
19
(ambas acompanhadas de
registros em um diário de campo). Assim ocorreu, como foi relatado, devido à minha
dificuldade, em alguns momentos, de me desvencilhar da prática de entrevistas semi-
estruturadas, que eu continuava a realizar nos outros projetos do Núcleo de Pesquisas
Margens, da UFSC.
Os sujeitos desta pesquisa foram homens jovens de camadas populares, pais ou não,
assim como alguns de seus familiares (seus próprios pais e irmãos), refletindo sobre a
construção de masculinidades e sobre a criação de seus filhos. Meus contatos se deram a
partir de minhas incursões pelos morros da cidade de Florianópolis (Maciço do Morro da
Cruz
20
), iniciadas nas pesquisas do Núcleo Margens da UFSC e em meus momentos de
entretenimento carnavalesco, como participante dos desfiles das escolas de samba. Durante os
meses que antecedem o carnaval, costumava freqüentar os ensaios nas quadras das escolas de
samba desta região, onde fiz amigos e conheci alguns dos informantes desta pesquisa. A
maioria deles me foi apresentada posteriormente, por estes conhecidos dos ensaios.
Nesta dissertação limitei a pesquisa a sujeitos de camadas populares, influenciado
pelos projetos de pesquisa e extensão universitária dos quais participei anteriormente,
realizados e que priorizavam o trabalho com estas camadas da população. Este recorte me
possibilitou uma análise mais atenta e cuidadosa de questões e características específicas das
camadas populares com relação aos temas estudados. É relevante pontuar que alguns dos
sujeitos entrevistados possuíam renda equivalente a profissionais de camadas médias. No
entanto eram oriundos das camadas populares, freqüentando ou morando na comunidade em
questão, participando, portanto, do cotidiano dos sujeitos desta camada da população.
Em complemento, minha pesquisa foi enriquecida por diversas conversas com amigos
homens, conhecidos da universidade e da região onde moro. Diálogos que me trouxeram
questionamentos e me inspiraram em diversos momentos. Destes contatos surgiram
informantes e registros em meu diário de campo. Era muito interessante ouvir estes homens
19
Para maiores detalhes sobre os roteiros, ver apêndice A.
20
A caracterização desta região será feita adiante, na medida em que descrevo os ambientes onde a pesquisa foi realizada.
38
questionando mandatos de masculinidade, relatando seus encontros com a afetividade, os
cuidados com o corpo, o carinho com filhos e filhas como pais e também a intensa angústia de
alguns, no seu processo de construção do que era ser um homem.
Chamou minha atenção a diferença de comportamentos entre gerações de pais. Os
mais velhos eram marcados pela racionalidade, a resistência à afetividade e o distanciamento
nos contatos, enquanto o mesmo quotidiano trazia maior expressão de carinho pelos filhos por
parte dos pais mais jovens. Isto tudo me incitava a querer ler mais sobre os temas
masculinidade e paternidade e sobre o psiquismo humano. Dúvidas e descobertas trouxeram à
tona minha própria construção do que é ser homem e de minhas referências familiares sobre o
ser pai e ser masculino.
A seguir, farei a apresentação dos entrevistados, assim como procurarei dar um
panorama do ambiente onde as entrevistas ocorreram. Considerando que a intenção desta
pesquisa não foi a de produzir dados quantitativos e sim um material que permitisse produzir
uma análise das falas destes sujeitos, as entrevistas não foram numerosas. Adiante, a tabela
com os sujeitos entrevistados:
39
Tabela 4 Sobre os sujeitos entrevistados
Nome
21
Idade Escolaridade Profissão Local de Origem Forma de Contato
Marco
23 2º Grau Auxiliar de Trânsito Florianópolis –SC Amigo em comum –
escola de samba
Pedro
Marco)
45 2º Grau Servidor Público
Federal
Florianópolis – SC Amigo em comum –
escola de samba
Tania
(companheira
de Pedro)
32 2º Grau com Técnico
em Enfermagem
Enfermeira Vacaria- RS Amigo em comum –
escola de samba
Edson
18 Cursando ensino
médio
Estudante Florianópolis – SC Amigo em comum –
escola de samba
Paulo
(pai de Edson)
Na faixa
dos 50
anos
Não informa Militar – Cabo da
Polícia
Nao informa Amigo em comum –
escola de samba
Marta
(Mãe de Edson)
Na faixa
dos 50
anos
Não informa Dona de Casa
Não informa Amigo em comum –
escola de samba
Oswaldo
30 2º Grau com Técnico
em Enfermagem
Enfermeiro Florianópolis – SC Amigo em comum –
escola de samba
Clotilde
(mãe de
Oswaldo)
57 Ensino primário
incompleto
Dona de casa
(trabalhava como
faxineira)
Florianópolis – SC Através de Oswaldo
Bartolomeu
(pai de Oswaldo
e Norberto)
60 Relatou ser
analfabeto, apesar de
afirmar em outro
trecho da entrevista
que estudou, quanto
esteve num abrigo
para menores.
Desempregado-
músico
Florianópolis – SC Através de Oswaldo
Norberto (irmão
de Oswaldo)
24 Sétima série do ensino
fundamental
Desempregado Florianópolis Através de Oswaldo
Leonardo
27 Ensino fundamental Zelador Santa Rosa / RS Contato direto pelo
trabalho dele
Tarcísio
24 Segundo grau
incompleto
Vigia Santa Rosa / RS Contato direto pelo
trabalho dele
3.1 Ambientes em que ocorreram as entrevistas
Fui apresentado aos meus primeiros entrevistados por um amigo em comum que
trabalhava nas atividades da escola de samba da região. Esse amigo me levou até esta
comunidade, localizada no morro do Mocotó (região também conhecida como Prainha, nas
proximidades do centro da capital), apresentando-me a seus conhecidos.
Os morros da região central de Florianópolis o caracterizados, em geral, por
moradias de camadas populares, constituindo, de acordo com Lago (1996), um dos redutos de
resistência desta população à dinâmica do processo de urbanização da cidade. Estes morros
tornaram-se locais de moradia da população mais carente, pelas dificuldades de acesso,
21
Considerando as questões éticas de um estudo científico, todos os nomes utilizados para identificar os informantes nesta
dissertação são fictícios.
40
expandindo-se ao redor da região central e do Morro da Cruz
22
. O chamado Maciço Central
do Morro da Cruz possui manchas de habitações das elites e das camadas médias
florianopolitanas, próximas aos acessos das estações de TV, assim como conserva também
muitos locais habitados por populações de baixa renda.
O morro do Mocotó é localizado próximo ao mar, no entanto, a população desta região
o vive mais das atividades de pesca. Com a urbanização da capital, nativos e moradores
mais carentes foram sendo cada vez mais deslocados para as regiões mais altas do morro e
para as periferias da cidade, na medida em que foram construídas ruas e rodovias para
melhorar o tráfego na região central. Além disso, boa parte destas regiões passaram a ser
procuradas, pela proximidade do centro da cidade, para moradias de camadas médias da
população e pelo setor imobiliário, para a construção de prédios e estabelecimentos
comerciais (LAGO, 1996).
Uma medida da prefeitura, procurando reaproximar parte desta população que tinha
acesso ao mar na região central e em outros locais da cidade (principalmente pescadores
artesanais), promoveu a construção de ranchos
23
para barcos de pesca em frente ao mar. A
comunidade do Morro do Mocotó foi contemplada por este projeto, beneficiando antigos
pescadores e nativos da região, que haviam perdido o acesso ao mar. Nestes locais alguns
moradores desta e de outras regiões deixam seus barcos e costumam passar seus tempos de
folga, durante os fins de semana com amigos. Foi num destes ranchos que fui apresentado aos
meus primeiros informantes, a alguns metros da região do morro, após uma visita à
comunidade.
3.2 Marco e seus familiares
Marco, seu pai e amigos estavam passando a tarde de domingo com amigos nos
ranchos de pesca. Dentro do rancho do pai de Marco havia uma pequena cozinha com
geladeira, televisão e uma rede de descanso. Passamos o dia todo juntos neste local. Marco
ajudava seu pai com o barco de pesca.
Foi possível notar, a despeito da afirmação de um dos entrevistados, que aquele era um
dos principais momentos e locais de socialização entre o dois homens entrevistados (pai e
22
A autora relata, não obstante, como muitos destes espaços vão sendo tomados de seus habitantes originais pela população
de renda mais elevada, no processo de valorização imobiliária dos espaços próximos ao centro da cidade e que oferecem
paisagens atrativas ou disponibilizam equipamentos urbanos, como é o caso do Morro da Cruz, com as estações de TV da
capital.
23
Construções a beira-mar, onde são guardados os barcos e apetrechos de pesca de pescadores artesanais.
41
filho), depois da escola de samba. Foi interessante observar a diferença dos discursos destes
informantes, mostrando diferentes percepções do mesmo contexto e suas idealizações a
respeito de paternidade e masculinidade.
3.2.1 Marco – o jovem pai
Marco é um jovem de 23 anos, natural de Florianópolis e pai de um menino de 5 anos
de idade. Seu filho vive com a mãe e os avós maternos. Marco vive com sua avó, na região
da Prainha, no morro do Mocotó. Tem segundo grau completo e trabalha como auxiliar de
trânsito (Zona Azul, serviço municipal de controle de estacionamentos nas ruas). Na
comunidade onde vive existe uma escola de samba, da qual Marco participa nos períodos de
carnaval, assim como seu pai. Marco mora e sempre viveu com sua avó paterna. Seus pais
viviam nas proximidades até se separarem, alguns anos. Este momento foi caracterizado
por Marco como difícil e ele relata ter sofrido calado. Comenta que o contato com seu pai se
reduziu com a separação. A mãe de Marco atualmente está com outro companheiro e a única
irmã de Marco, mais nova que ele, vive com a mãe, em outro local da cidade, não identificado
por Marco durante a entrevista.
3.2.2 O pai de MarcoPedro
Pedro, pai de Marco, é natural de Florianópolis. Tem 45 anos, segundo grau completo
e é servidor público federal. Também atua na escola de samba nos períodos de carnaval. Vive
sozinho na região continental da capital e tem uma namorada alguns anos. A família de
Pedro é afro-descendente
24
, à exceção de sua companheira.
3.2.3 A companheira de Pedro Tânia
Tânia, companheira de Pedro, é natural de Vacaria, no Rio Grande do Sul, mas vive
em Florianópolis 15 anos, na região continental da capital. Tem 32 anos e segundo grau
completo, com curso técnico em Enfermagem. Na época em que foi entrevistada, estava
cursando a faculdade de Enfermagem e trabalhando como enfermeira. Afirma estar com
Pedro mais de dois anos. Não o casados oficialmente, mas têm uma união estável.
42
Apesar de passar muito tempo na casa de Pedro, não mora com ele e acredita ter uma boa
relação com Pedro e seu filho. Comenta que a filha de Pedro tem bastante ciúmes dela. Os
pais de Tânia são comerciantes e casados aproximadamente 40 anos. Tiveram cinco filhos,
destes dois são homens e três são mulheres. De acordo com a informante, todos vivem com
companheiros(as). Tânia é a exceção quanto a este aspecto, entre seus irmãos.
3.3 Edson e seus pais
3.3.1 Ambiente no qual ocorreram às entrevistas:
Edson e seus pais foram entrevistados no mesmo dia em que Marco e seus familiares.
Fui apresentado a eles pelo mesmo amigo que me levou a família de Marco. O pai de Edson,
Paulo, é vizinho de "rancho" de Pedro (pai de Marco). Embora Edson e seus pais vivam em
outro município da região metropolitana de Florianópolis (Palhoça), Paulo é responsável pela
organização de um bloco de samba, no período de carnaval, com membros da comunidade do
morro do Mocotó, região da Prainha, no Maciço do Morro da Cruz. Sua esposa também
participa das atividades da escola de samba desta comunidade. São todos de pele branca e a
procedência étnica da família não foi informada, visto que este tema não foi abordado durante
a entrevista.
No dia da entrevista, Paulo (o pai de Edson) passou o dia todo no seu rancho em frente
ao mar, bebendo cerveja. Não interagia com nenhum dos vizinhos, apenas observava e bebia.
Seu rancho era similar ao de Pedro, apenas possuindo um pouco mais de mobília. No fim da
tarde chegaram no rancho sua mulher, que estava em uma procissão católica no centro da
cidade e dois de seus filhos, Edson e o caçula. À noite, meu contato me apresentou à esposa
de Paulo, que trabalhava com ele e com o pessoal do morro nas atividades da escola de
samba. Foi por intermédio dela que fui apresentado a Paulo (seu marido) e Edson (seu filho),
como pesquisador da universidade.
Paulo, muito desconfiado ao ter observado que entrevistei Marco e seus familiares em
separado, insistiu que se eu fosse entrevistar sua família teria que ser juntos, pois não tinham
segredos. Ao iniciarem as entrevistas, sua esposa sugeriu que eu os entrevistasse dentro do
“rancho”, enquanto todos os outros estavam em frente ao mesmo à beira do mar. Edson foi o
24
Preferi utilizar este termo, no lugar do termo negro ou preto, considerando ser mais ético e adequado para caracterizar esta
população, embora saiba da existência de discussões e opiniões diversas sobre estas categorias.
43
primeiro a ser entrevistado. Em seguida foi sua mãe e seu pai.
Durante as entrevistas Paulo circulava, entrando e saindo do rancho várias vezes e
observando a entrevista de sua esposa e de seu filho, intervindo em alguns momentos. Sua
entrevista foi realizada em conjunto com a de sua esposa, a partir do momento em que ele
começou a interagir na conversação iniciada com Marta. Foram entrevistas muito breves,
pouco diziam além de adjetivos que qualificavam a vivência familiar como muito boa, nota
10”. Os pais, principalmente a mãe, procuravam enfatizar como eles eram bons na criação de
seus filhos, criando um ambiente de respeito e união.
3.3.2 Edson
Edson tem 18 anos, é o segundo filho do casal Marta e Paulo. Na época da entrevista
cursava o ensino médio. Natural de Florianópolis, o trabalhava, apenas estudava. Edson
pouco falou em sua entrevista, respondendo as perguntas de maneira muito breve. Dizia que
não sabia o que dizer, que não vinha nada em sua cabeça. Seu pai esteve todo o tempo
circulando por perto durante a conversação e seu irmão mais novo, de 12 anos, também esteve
presente, participando da entrevista em alguns breves momentos.
3.3.3 O pai de Edson Paulo
Paulo é militar, cabo da polícia 27 anos. Em sua entrevista, não informou seu local
de origem e nem o grau de escolaridade. Não informou sua idade, mas aparenta estar na faixa
dos 50 anos. Um dos amigos em comum da família de Marco contou que ele pouco fala com
as pessoas, exceto quanto bebe um pouco. Organiza um bloco de carnaval ligado à
comunidade onde vive Marco, no morro do Mocotó. É visto por alguns moradores desta
comunidade como alguém rígido e fechado. Sua mãe era cozinheira e o criou sozinha, sem a
presença de seu pai. Não relata muitos detalhes de sua família de origem. Sua entrevista foi
realizada juntamente com a da esposa.
3.3.4 A mãe de EdsonMarta
Esposa de Paulo, Marta aparenta estar na faixa de 50 anos também. Não informou seu
44
local de origem e nem o grau de escolaridade. Bastante falante, contou que sua família é
muito unida, que é nota 10
25
”. É Mãe de três filhos homens, com idades de 12, 18 e 23 anos.
Casada 24 anos com Paulo, Marta atua nas atividades da escola de samba e é pensionista
da Aeronáutica, visto que seu pai, falecido, era tenente desta força militar. Relatou que sua
mãe também faleceu e que tem cinco irmãs, das quais três trabalham em instituições
públicas.
3.4 Oswaldo e sua família
3.4.1 Ambiente no qual ocorreram as entrevistaso almoço em família
A entrevista com Oswaldo foi realizada no apartamento onde mora, nas proximidades
da Universidade Federal de Santa Catarina, em dia posterior à visita ao local onde vive a sua
família. Seu prédio está localizado em uma região de camadas médias, habitada em sua
maioria por estudantes da universidade. Por telefone, combinei com Oswaldo, com quem eu
tive contato anterior nos ensaios da escola de samba, visitar a sua família em um domingo.
Eu o encontrei nas proximidades da universidade e seguimos de ônibus ao bairro
Agronômica, local de camadas médias, onde paramos perto do shopping Beira-Mar, para
então seguirmos caminhando até a área onde vive sua família próximo aquela região, nas
cercanias do Morro da Cruz, nas partes mais altas do morro. Com o intenso aumento do
processo de urbanização da ilha, a população de camadas populares desta região, que constitui
o Maciço do Morro da Cruz, foi sendo cada vez mais empurrada para as partes mais altas do
morro (LAGO, 1996). A família de Oswaldo, segundo eles relatam, foi uma das primeiras a
povoar a região mais alta deste morro. Contaram como tudo mudou neste local nos últimos
anos, tendo ocorrido um aumento da violência e a banalização do tráfico de drogas.
Após uma longa subida, chegando lá em cima do morro, dava para avistar garotas
jovens na rua conversando, garotos sentados no meio fio e os moradores, todos muito
familiarizados uns com os outros, cumprimentando-se. Ao subirmos, Oswaldo me explicou a
diferença entre morar no morro e morar em uma favela. Segundo ele, no morro as casas são
separadas por terrenos, o que não acontece nas favelas, onde as casas estão todas juntas, de
uma maneira bem mais improvisada e precária. Achei interessante sua observação. Seguindo,
25
Utilizo o formato de fonte itálico para destacar todas as falas dos informantes ao longo do texto ou citadas em separado e,
em consequência, diferenciar das citações literais de outros autores estudados nesta dissertação.
45
na eminência de chegarmos na casa de sua mãe, conhecidos de Oswaldo começaram a surgir,
cumprimentando-o.
A vista de cima do morro era muito bonita. Era possível ver parte da Beira-Mar, os
prédios contrastavam com as casas simples do morro. Subimos uma rua estreitinha e viramos
à direita para chegarmos à casa de madeira, pintada de branco, cercada por muros. Era uma
casa de quatro cômodos (dois quartos, sala, banheiro e um quarto improvisado na sala,
separado pelos móveis e uma cortina). Da janela da cozinha era possível ver o mar ao longe e
os prédios da Avenida Beira-Mar. A madeira comida pelo cupim me lembrava a casa de meus
pais em minha infância. A madeira velha embaixo da casa e o barro no chão também. Ao lado
de fora da casa, já estavam o irmão mais novo do Oswaldo e sua mãe que nos receberam com
muita hospitalidade. Estavam presentes também a companheira do irmão mais novo de
Oswaldo, com seus três filhos (de uma união anterior à relação que tem hoje com o rapaz) e o
outro irmão de Oswaldo, que estava dormindo. Após algumas horas chegaram amigos de
Oswaldo e uma vizinha. Todos na casa falavam muito alto, quase gritando, e riam bastante.
Domingo era sempre dia de festa, o som ficava ligado, tocando samba, pagode e também
funk.
3.4.2 Oswaldo o primeiro que saiu de casa
Oswaldo tem 30 anos e é natural de Florianópolis. Tem segundo grau completo, é
técnico de Enfermagem, e foi o primeiro a sair de casa. Atua como enfermeiro em um hospital
psiquiátrico. Na época da entrevista dividia um apartamento nas proximidades da
universidade. Também é afro-descendente, e dentre os seus irmãos é o mais bem sucedido
financeiramente. Samba muito bem e todos os anos desfila nas escolas de samba da ilha, em
alas coreografadas. Relaciona-se sexualmente com homens e aparentemente sua família não
sabe nada sobre isso, não tendo mencionado nada sobre a questão.
3.4.3 A mãe de Oswaldo Clotilde
A mãe de Oswaldo, dona Clotilde é uma senhora branca, com seus 57 anos, natural
da Região Metropolitana de Florianópolis. É analfabeta e criou seus filhos fazendo faxina e
passando roupa. Clotilde tinha dificuldades para falar e para ouvir devido a um derrame que
havia tido alguns anos atrás, mas nada que prejudicasse demais a comunicação. Por causa
46
do derrame não trabalha mais e, em conseqüência, seus filhos ajudam no sustento da casa.
Nem sempre era possível entender suas falas, embora ela procurasse responder como podia.
Clotilde contou sobre sua família, comentou que seu marido não estava naquele
momento, que devia estar bebendo para baixo do morro e logo voltaria. Relatou que tem
um bom casamento, um bom relacionamento com seu companheiro, que ele já teve problemas
com o álcool, mas que agora era mais tranqüilo. Contou também que ele está desempregado,
fazendo apenas alguns “bicos” ocasionalmente. Tiveram seis filhos, dois destes morreram (um
antes de nascer e outro logo ao nascer), todos homens. Na época da entrevista, somente um
dos filhos morava com o casal. Outro deles mora a alguns metros dali, mas freqüentemente
estava na casa dos pais.
3.4.4 O pai de OswaldoBartolomeu
Bartolomeu não estava presente quando cheguei em sua casa. Chegou perto do almoço
e passou a tarde com a família também. Natural da Região Metropolitana de Florianópolis,
Bartolomeu está na faixa dos 60 anos. Relata ser analfabeto, embora em outro momento da
entrevista afirme ter tido algum estudo quando morava em um abrigo para menores. No dia da
visita à sua casa, estava desempregado, apresentando-se como músico. Quando era jovem,
serviu o exército. Ao sair, trabalhou como pedreiro e também no comércio, onde atuou por 15
anos. Relatou que devido à idade o teve mais oportunidades de emprego, dependendo, na
época da entrevista, do apoio financeiro de seus filhos, e de amigos que o ajudavam. Sobre
sua família de origem, Bartolomeu comentou que sua mãe trabalhava de lavadeira e teve
muita dificuldade para criá-lo. Seu pai se separou dela e ele então foi criado num abrigo de
menores. A princípio, parecia de pouca conversa. Quanto Oswaldo me apresentou como um
amigo psicólogo que estava lá para fazer uma entrevista com ele, ele disse rapidamente
Entrevista pra psicólogo? Mas eu não tô louco, não! Então Oswaldo explicou meu trabalho
como pesquisador ele aceitou gentilmente ser entrevistado.
3.4.5 O irmão de OswaldoNorberto
Norberto é o irmão mais novo de Oswaldo e o primeiro dentre eles que se tornou pai,
motivo pelo qual procurei entrevistá-lo também. Tem 24 anos e é natural de Florianópolis.
47
Quando o entrevistei estava desempregado. Cursou apenas até a sétima série do ensino
fundamental, quando desistiu de estudar. Comentou que tentou voltar, não conseguiu e
começou a trabalhar. Norberto mostrou-se bastante brincalhão, falante e com jeito malandro.
A princípio parecia bravo e de pouca conversa, mas na realidade demonstrou ser bastante
educado e gentil. Norberto disse em tom de brincadeira durante a manhã que eu não poderia
perguntar nada pra ele que ele não quisesse ou não pudesse responder, se não eu ia levar
bala”, pois ele era bandido.Norberto foi pai pela primeira vez aos 14 anos e depois aos 16.
foi casado três vezes. No momento da entrevista relatou não ter contato com os filhos, nada
falando sobre eles. Diz que quando se separou, pagava pensão, mas sua ex-mulher o impedia
de ver os filhos, então parou de pagar e de ter contato com eles. Contou que vivia com uma
outra mulher, mais velha que ele (perto de 40 anos) e com seus enteados, três filhos da união
estável anterior de sua companheira (um garoto de 16, uma garota de 13 e um menino de 6).
Todos estavam lá na casa da mãe de Norberto no dia em que eu os visitei. Estão juntos
quatro meses.
3.5 Estudando uma fratria Leonardo e Tarcísio
3.5. 1 Sobre a família
As entrevistas de Leonardo e Tarcísio ocorreram no local de trabalho de ambos, um
condomínio nas proximidades da Universidade Federal de Santa Catarina. O interesse em
entrevistá-los surgiu a partir de contatos iniciais no próprio local de trabalho destes
informantes, visto que o condomínio onde trabalhavam era próximo à minha residência.
Nestas conversas que antecederam a entrevista, Tarcísio relatou suas aventuras, falou sobre
seu estilo e filosofia de vida e sobre sua relação com a família de origem e com as mulheres.
Leonardo falou sobre a criação de suas filhas e sobre a sua família de origem. A partir destas
conversações iniciais, convidei-os para participarem da pesquisa.
Ambos vieram do Rio Grande do Sul em períodos diferentes. Procurarei descrever a
seguir suas famílias e o ambiente onde vivem. Segundo relataram, o pai, com 61 anos de
idade, mora em um município da Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do
Sul com sua esposa, de 56 anos, que sempre se dedicou ao lar. Tarcísio relatou que seu pai
teve diversas ocupações profissionais, como trabalho na roça e motorista de ônibus, entre
48
outras. Atualmente é funcionário de uma empresa. O casal teve 4 filhos: dois homens e duas
mulheres. Uma das filhas vive em Lages (Santa Catarina) e a outra na mesma cidade dos pais.
Leonardo mora em Florianópolis, no morro da Serrinha, próximo à Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Este morro é caracterizado por ser uma área de moradia de população
de camadas populares (localizado próximo ao bairro Carvoeira) e também faz parte das
comunidades do Maciço do Morro da Cruz. Neste local, casas simples no alto do morro se
mesclam com os prédios e residências de camadas médias localizadas no do morro, ao
redor da UFSC. Leonardo trabalhava em um destes prédios. Morava neste morro com sua
companheira e três filhos, duas meninas e um menino. A mais velha era filha apenas de sua
mulher, e o menino nascera um dia antes de eu entrevistá-lo.
Tarcísio, seu irmão mais novo, veio para Florianópolis acerca de um ano da data da
entrevista e morou por algum tempo próximo a Leonardo. No entanto, por problemas de
ameaças, segundo ele, mudou-se para o norte da Ilha. Após alguns outros empregos, passou a
trabalhar no mesmo prédio que seu irmão. Solteiro, tem uma filha que nunca viu, pois
segundo informa, os pais da mãe o impediram.
3.5.2 Leonardo
Leonardo tinha 27 anos quando o entrevistei. Cursou até a oitava rie do ensino
fundamental. É o filho homem mais velho de sua família de origem. Natural de Santa Rosa,
Rio Grande do Sul, veio para Florianópolis três anos atrás. Um rapaz loiro, muito educado
e responsável que trabalha como zelador de um condomínio de prédios nos arredores da
universidade. Anteriormente trabalhou como porteiro e vigia no mesmo condomínio e em
outros prédios residenciais. Casado há oito anos, tem três filhos, como já foi mencionado. Sua
esposa trabalhava como doméstica, no entanto, na época da entrevista estava de licença de
gestação, pois havia dado à luz ao terceiro filho do casal, um menino. Na entrevista Leonardo
comentou sobre sua família, sua relação com seu pai, seu irmão e com suas filhas. Comentou
também sobre sua expectativa em ter um filho homem.
3.5.3 Tarcísio
Na época da entrevista, Tarcísio relatou que em seus documentos tinha 24 anos, no
entanto diz ser mais velho que isso. Diferente de seu irmão, Tarcísio é moreno e de cabelos
49
escuros. É também natural de Santa Rosa, Rio Grande do Sul. Quanto ao grau de escolaridade
relata ter cursado até o ensino dio, embora seu irmão afirme que ele cursou apenas até a
sétima série do ensino fundamental. Tarcísio trabalhava como vigia noturno de um prédio nas
proximidades da universidade, o mesmo onde trabalhava seu irmão. Começou como porteiro
diurno, mudando para o período noturno pouco tempo depois. havia tido diversos outros
empregos, mas acabava saindo por problemas de relacionamento e rebeldia. Era solteiro e,
segundo seu irmão Leonardo, muito mulherengo. Tarcísio afirmou e demonstrou ser um rapaz
muito vaidoso. Diz ser impulsivo e rebelde, mas que tem amadurecido muito e hoje pensa
mais em suas atitudes. Por desentendimentos com vizinhos na região onde morava (Morro da
Serrinha, mesmo local onde morava seu irmão), mudou-se para o norte da ilha e estava
andando armado. Algumas semanas depois da entrevista foi preso em uma cidade do interior
do Estado. Detalhes sobre os motivos da prisão não foram revelados pelo irmão, apenas que a
família ficou muito abalada com a notícia. Meses após a entrevista, continuava preso,
esperando julgamento judicial.
50
4 As contribuições da análise do discurso de orientação francesa
Jacques Lacan (1985), em seu seminário 20, ressalta ser somente a partir do discurso
que podemos refletir sobre o lugar de cada sujeito. Sua afirmação me levou a compreender a
importância de trabalharmos a partir dos discursos quando buscamos estudar a construção de
masculinidades e feminilidades. Na psicanálise freudo-lacaniana, o sujeito se constitui na
linguagem e é através desta que ele se inscreve no simbólico.
Para a análise do material discursivo obtido através das entrevistas, utilizei as
concepções de Michel Pêcheux, autor da linha francesa da análise do discurso. Esta escolha
está relacionada ao fato do autor se fundamentar nas concepções da psicanálise, afirmando a
necessidade de uma teoria do sujeito de natureza psicanalítica, para se proceder a análise do
discurso. (LEITE, 1994). Este autor utiliza a psicanálise como uma das afiliações teóricas que
fundamentam sua teoria de discurso.
Neste sentido, os ensinamentos aprendidos na disciplina Análise do Discurso,
ministrada pelo Prof. Dr. Pedro de Souza, no programa de pós-graduação em Lingüística,
foram considerados como uma importante ferramenta de auxílio na interpretação do material
obtido no trabalho de campo. Sem a intenção de realizar uma análise do discurso nos moldes
propostos pela lingüística, utilizei-a como instrumento de análise para buscar os sentidos
produzidos pelos sujeitos desta pesquisa sobre os temas paternidade e masculinidade,
procurando dialogar com a literatura existente sobre estas temáticas, com as(os) teóricas(os)
dos estudos de gênero e, em alguns momentos, trazendo concepções da psicanálise sobre
questões referentes à paternidade e às diferenças sexuais, focadas na masculinidade.
Segundo Eni Orlandi (1999), uma das principais pesquisadoras de e sobre este
instrumento de análise no Brasil, divulgadora da obra de Michel Pêcheux, a análise do
discurso de linha francesa procura entender a língua fazendo sentido. Esta maneira de analisar
o material discursivo busca compreender a forma como uma experiência é contada, em outras
palavras, entender porque algo foi dito desta ou de outra maneira, indo além do conteúdo
lingüístico dos discursos.
Para a análise do discurso o que importa é como os sujeitos dão sentidos aos
acontecimentos e ações de suas vidas, quais os recursos lingüísticos e culturais a que
recorrem, entre outros aspectos. Em conseqüência, esta forma de análise pede uma reflexão
mais aprofundada e atenta sobre as falas dos entrevistados, exigindo uma minuciosa atenção a
pequenas sutilezas, ao contexto situacional, à organização discursiva, entre outros detalhes.
Segundo esta autora:
51
Para Pêcheux, o discurso é efeito de sentidos entre locutores. Compreender o
que é efeito de sentidos é compreender que o sentido não está (alocado) em
lugar nenhum mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso
é possível, que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua
inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (ORLANDI, 1995, p.
20).
Como as técnicas de análise em pesquisa, em geral, especialmente no que diz respeito
às pesquisas qualitativas, a análise do discurso é interpretativa. Um analista do discurso busca
entender que gestos de interpretação desenvolvem determinada discursividade, ou seja, ele
procura compreender que gestos de interpretação constituem os sentidos e os sujeitos em suas
posições (ORLANDI, 1996). Estes sentidos nunca estão soltos e sim ligados a “dispositivos
ideológicos”. Os sentidos são determinados ideologicamente, ou seja, ideologia faz parte, ou
melhor, é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos” (ORLANDI, 1999, p. 46).
Além disso, é importante salientar que, segundo Nina Leite (1994), a ideologia sofre o mesmo
tipo de determinação causal que o inconsciente sendo, em conseqüência, também estruturada
e pensada como uma linguagem. Para Orlandi (1999), a ideologia não é concebida como um
conjunto de representações, visão de mundo ou como ocultação da realidade, mas sim como
um efeito da relação necessária do sujeito como a língua e também com a história, tornando
possível o compartilhamento do sentido. A ideologia intervém como um modo de
funcionamento imaginário, sendo através dela que o sujeito se constitui e inaugura a
discursividade.
Vale ressaltar que o sujeito discursivo, a partir desta forma de análise, é pensado como
uma “posição”, um “lugar” que alguém ocupa para ser um sujeito. Desta forma, poderíamos
dizer que as palavras têm sentidos diferenciados de acordo com as posições dos sujeitos que
as utilizam. É a partir destas posições que o sentido é compartilhado, influenciado pelas
ideologias nas quais estão inscritas (ORLANDI, 1999).
Na análise do material coletado para a pesquisa desta dissertação, as posições que
estiveram em jogo no processo discursivo foram às de pai e de homem, presentes nos
discursos dos informantes, de forma a elucidar seus encontros e desencontros. Desta forma, a
análise de discurso foi utilizada para contemplar o material discursivo obtido, de maneira a
procurar identificar os sentidos atribuídos às temáticas estudadas, a partir destas posições de
sujeito, buscando interpretações possíveis para dar sentido àqueles discursos.
A análise do discurso procura evidenciar como um discurso funciona produzindo um
sentido. Para isso, de acordo com Orlandi (1999, p.59), esta análise propõe a construção de
52
um dispositivo de interpretação, o qual procura “colocar o dito em relação ao não dito, o que o
sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que
é dito de outro, procurando ouvir naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz, mas que
constitui igualmente os sentidos de suas palavras”.
De acordo com esta autora, o analista do discurso estuda o modo de construção, a
estruturação, o modo de circulação e as diferentes leituras que constituem os sentidos do
material a ser analisado. Orlandi (1999, p 60) aponta ainda que “o dispositivo, a escuta
discursiva, deve explicitar os gestos de interpretação que se ligam aos processos de
identificação dos sujeitos, suas filiações de sentidos: descrever a relação do sujeito com sua
memória”.
Foi com esse olhar e sob a influência de autores dos estudos de gênero, de
masculinidades e da teoria psicanalítica freudo-lacaniana, que me debrucei sobre o material
densamente transcrito das entrevistas e sobre meu diário de campo, para buscar possíveis
interpretações do material obtido na pesquisa e refletir sobre a construção das masculinidades
e paternidades entre os sujeitos entrevistados. Estes entendimentos orientaram minha escuta e
análise das transcrições das entrevistas, para que eu pudesse ter um olhar crítico e de
estranhamento aos contextos e ao que diziam os sujeitos pesquisados. Faz-se importante
ressaltar que os sentidos atribuídos às temáticas estudadas, contidos no material analisado, dos
discursos dos informantes, surgiram na relação diádica da entrevista, a partir do jogo de
interpretação presente nesta relação. São as interpretações de interpretação (GEERTZ, 1989).
Passaram, portanto, também pela relação que estabeleci com os informantes e pelos sentidos
que eu atribuo aos temas pesquisados e àqueles que eu atribuí à relação estabelecida no
encontro com os sujeitos entrevistados. Em conseqüência, as interpretações discutidas aqui
constituem apenas um dos campos de possibilidades do jogo discursivo, onde o pesquisador
está implicado, em suas posições de sujeito e nas ideologias e significações que o
constituem/iram.
53
5 Nas vivências, os discursos: mudanças e permanências - discutindo e
analisando o material obtido com os informantes
A principal questão que permeia a análise do material apresentado (o cerne da análise),
embora não seja a única devido a complexidade do jogo discursivo, refere-se a pensar a
construção do campo de possibilidades, do que é ser pai ou ser homem, procurando discernir,
no ato deste jogo discursivo, onde ser pai e ser homem se encontram e desencontram. Resta
saber até que ponto o ser homem pode levar à “mudez” de ser pai, ou vice-versa.Baseando-me
na análise do discurso de linha francesa (ORLANDI, 1999), a questão aqui não seria ver quem
é o quê nos discursos estudados, e sim analisar a construção desse espaço, dentro de um
campo de possibilidades. É preciso pensar como estes dois sujeitos de discurso (pai ou
homem) se relacionam e estão pautados por “dispositivos ideológicos” (ORLANDI, 1996)
que determinam estas posições. Sobre esta questão, abaixo um esquema elucidativo
26
:
Sujeito da ação
Ato
Pai ------------ Homem
|
Cerne da análise
Sujeito da ação = sujeito do discurso
Ato= a ação que produz a posição discursiva do sujeito
Pai= uma das possibilidades de posição de sujeito
Homem= outra possibilidade de posição de sujeito
---------- = o espaço de possibilidades, de posições de sujeitos
Cerne da análise= os encontros e desencontros destas posições.
De acordo com estes princípios norteadores, segue a análise do jogo de relações
discursivas, possibilitadas pelo material obtido nesta pesquisa de campo:
26
Quanto à elaboração destas reflexões, eu gostaria de agradecer as contribuições preciosas do doutorando em Psicologia
pela UFSC, Mário Resende, que ajudou-me a clarear estas questões.
54
5.1 Marco e seus Familiares – em seus discursos, encontros e desencontros
O discurso de Marco, em comparação com o de seu pai e o de sua madrasta, apresenta
diferenças marcantes. Foi possível perceber que os informantes desta família têm diversas
maneiras de perceber a mesma relação, o que certamente está ligado às experiências
subjetivas de cada um. As vivências nas famílias de origem surgem como principal referência
para a construção dos sentidos dados à paternidade e à masculinidade.
Apesar de Marco acreditar que tem pouco contato com o pai, sua madrasta
companheirismo nesta relação pai/filho, acreditando ser seu marido um pai bastante presente,
sendo parceiro e amigo, conversando sobre diversos assuntos com o rapaz. Acrescenta que a
relação com seu próprio pai foi muito difícil, por ele ser pouco amigável e distante, não lhe
dando apoio. Por estas questões, Tânia guarda muitas mágoas de seu pai e, em contrapartida,
admira a relação que presencia entre Marco e Pedro.
Em contrapartida, Marco reclama do reduzido contato que tem com seu pai, afirmando
que muito do que aprendeu, foi na rua, com amigos e experiências vividas. Segundo ele:
M
27
. Meu pai... assim... como eu tenho pouco contato com ele... a relação...
eu acho normal... o pouco tempo que a gente...
A. O que é normal?
M. Normal pra mim é e a gente vivendo assim.. (...) uma vez uma pescaria,
futebol, escola de samba e o contato profissional e raramente, eu sou
funcionário dele na escola de samba... então, é raramente, eu acho que...
muitas coisas que eu sei da minha vida, eu aprendi na rua, acho que faltou
isso dele, sentar comigo e conversar... “olha sim.... o caminho é este... fazer
isto.. fazer aquilo”. Então... faltou muito diálogo entre eu e ele, quando eu
era mais novo... então... tudo que eu agradeço a Deus hoje eu aprendi na
rua, com os amigos... vivendo... analisando as coisas e vivendo e fui
aprendendo... (Marco)
Seu discurso levou-me a refletir sobre o uso da palavra normalao caracterizar sua
relação com o pai. Marco a caracteriza como distanciada, de pouco diálogo. A palavra
normal, se usarmos sinônimos tirados de qualquer um dos principais dicionários de língua
portuguesa, poderia ser trocada por “comum”, por “ordinário”, ou ainda “corriqueiro”,
“banal” ou “trivial”. O uso dessa palavra, neste contexto, pode indicar uma certa
naturalização deste distanciamento paterno, desta falta de diálogo entre pai e filho denunciada
27
Utilizarei nos trechos transcritos dos discursos dos informantes, quando necessário, as iniciais dos nomes fictícios e do
pesquisador para identificar as falas de cada sujeito, nas frases apresentadas para análise.
55
por Marco, sendo esta característica colocada como corriqueira, freqüente, comum. Isto pode
nos remeter a resquícios de um modelo patriarcal de paternidade, onde o pai tem a função de
colocar limites e educar através de atitudes, sendo o diálogo mais comum com a mãe.
No trecho a seguir Marcos relata sobre a preponderância da presença de sua mãe em
sua vida, em comparação com seu pai, apesar de ter sido criado e sempre ter vivido com seus
avós:
...na minha vida eu sempre tive mais presença da minha mãe do que do meu
pai, minha mãe, meu pai minha e meu vô. Meu pai... pouco presente...
minha mãe que estava mais ali do meu lado dando apoio, ela tava ali do
meu lado, entendeu? Então ela esteve mais presente do que ele (Marco).
Por outro lado, Marco comenta que com seu filho quer ser diferente, estar presente.
Diz-se muito brincalhão. No entanto, demonstra ter dificuldades de contato com seu filho, por
não ter boas relações com sua ex-sogra e com a ex-companheira. Acredita que este
distanciamento que entre ele e seu pai tem se repetido com seu filho, embora ele esteja
tentando mudar isto.
M. Tipo assim... eu não tive muito contato com meu pai, assim de sentar e
conversar .. então... a mesma coisa está acontecendo entre eu e meu filho...
(...) o contato é pouco. O que aconteceu comigo e com meu pai está
acontecendo com meu filho, mas estou fazendo de tudo para poder dar
um...... não acontecer o que aconteceu comigo e com meu pai.
A. O quê?
M. Um afastamento, o pouco convívio que eu tive com ele, pouca conversa,
o pai tem que estar mais do lado do filho, pro que vier, isto é o mínimo
que eu posso fazer... ficar do lado de meu filho.. fazer de tudo por ele..
(Marco)
Marco questiona a falta de contato e diálogo com seu pai, buscando ser diferente com
seu filho. Mas evidencia uma imagem de um pai ideal que, segundo ele, deve ser mais afetivo,
carinhoso e estar mais presente. Percebe-se, nas entrevistas realizadas com os sujeitos desta
família, a presença deste discurso de idealização do pai que, comparado ao que os informantes
relatam da prática, parece não acontecer efetivamente. Um exemplo disso esnesta frase do
pai de Marco:
56
Olha... o pai é aquele que... assim.. convive o dia-a-dia com o filho, que
realmente quando orienta, quando briga mas é uma briga pra orientar, pra
não pegar outro caminho...né?
...vem sempre contribuindo para o futuro, ajudando nas horas que é preciso,
então este é o verdadeiro pai, nunca virar as costas pro filho, né? Nas horas
boas e nas horas ruins sempre conversando, orientando, então este é o
verdadeiro pai. (Pedro)
O informante Pedro, pai de Marco, afirma dar atenção ao seu filho, cobrar no
momento adequado, proporcionando um bom convívio, embora seu filho formule um discurso
diverso sobre sua relação com seu pai. Segue o trecho do discurso de Pedro: Eu dou atenção
para meus filhos no dia-a-dia, né... momento que é pra cobrar eu cobro, momento pra
dar....(...) eu dou... mas a gente tem um convívio legal, tanto que meu filho está aqui comigo
hoje.
Embora acredite que seu pai é pouco presente, Marco carrega o mesmo conceito de
paternidade que seu pai, fato demonstrado quando afirma que o pai tem que estar mais do
lado do filho , pro que vier , isto é o mínimo que eu posso fazer... ficar do lado de meu
filho... fazer de tudo por ele.”
Estes trechos dos discursos destes informantes incitam a refletir sobre como a
paternidade pode ser construída entre gerações de uma família, uma paternidade idealizada, a
qual se busca alcançar. Quanto à relação estabelecida com este pai, no passar dos anos torna-
se uma referência de paternidade a ser seguida, ou não. Muitos dos aspectos vividos com seu
próprio pai se repetem, outros são banidos, buscando a diferenciação.
Mas o que seria este “verdadeiro” pai, este “que não vira as costas para o filho” e
que “faz de tudo por ele”? Que sentido teria este tudo por ele”, colocado no discurso deste
informante? Este pai verdadeiro” parece estar relacionado a um pai de discurso, ou seja, a
um pai idealizado, um dever-ser pai, que não corresponde necessariamente à realidade,
segundo outras falas dos informantes. É possível perceber no discurso de Pedro e de Marco, a
presença de mudanças mais expressivas, quanto ao exercício da paternidade, no plano das
idéias do que na prática cotidiana. A esta mesma conclusão chega Sandra Unbehaum (2000),
ao pesquisar sobre a experiência masculina de paternidade nos anos 1990, com homens de
camadas médias de São Paulo. Esta autora, em sua dissertação de mestrado em Sociologia na
Universidade de São Paulo (USP), entrevistou homens de escolaridade de vel superior,
profissionais qualificados residentes na cidade de São Paulo, casados e com filhos com idades
até 10 anos. Em sua pesquisa, a autora estava interessada em verificar se diante de tantas
mudanças socioculturais nas últimas décadas, a experiência masculina de paternidade também
57
se alterava.
Sandra Unbehaum (2000) discute o quanto as mudanças de comportamento na
experiência de ser pai apareceram de forma mais expressiva no discurso de seus sujeitos
(marcados principalmente pela influência da mídia em suas vidas), do que na vida cotidiana
destes. Este aspecto, que na pesquisa referida, marca os sujeitos homens de camadas médias
da sociedade paulista entrevistados pela autora, está, em minha interpretação, presente nos
discursos de Marco e seus familiares, atingindo também, portanto, alguns sujeitos de camadas
populares de Florianópolis.
Outra reflexão possível refere-se ao fato de que as atitudes de um pai parecem estar
perpassadas pelas crenças e características que dada sociedade atribui ao ser homem. Neste
sentido, determinadas características atribuídas tradicionalmente ao homem nos últimos anos
não expressam necessariamente o conceito de pai ideal. Mas como era e como é este pai
ideal? Que transformações vem sofrendo ao longo do tempo? Em minha interpretação,
percebo nos discursos dos informantes aqui apresentados, a existência de dois modelos de
paternidade, a saber: 1) o modelo de pai ideal nas gerações anteriores, cujas principais
características seriam: ser “cabeça de casal”, termo juridicamente legitimado
28
no sentido de
ser responsável legal por toda a família, o que equivaleria a dizer: fixar domicílio, ter a
mulher a ele subordinada, responder em juízo, ou fora dele, pelos atos civis da família, prover
o sustento da família, impor limites, ser a parte mais forte; proteger sua família dos perigos,
dentre outras atribuições; 2) o modelo de pai ideal contemporâneo que tem por atribuições:
participar, efetivamente da criação e dos cuidados com os filhos, acarinhar, expondo sua
sensibilidade sem medos, dialogar, fazer-se próximo, acessível.
Dito isto, é possível concluir que algumas das funções anteriores atribuídas ao pai
ainda estão presentes, muitas vezes até intensamente, nos jovens homens, dando forma à
masculinidade. No entanto, foram suprimidas algumas das atribuições tradicionais e com a
igualdade de direitos entre homens e mulheres constitucionalmente proclamada e conquistada
com os movimentos feministas, outras tarefas foram dadas ao homem na função de pai. Faz-
se importante ressaltar que o novo modelo econômico que levou as mulheres ao campo de
trabalho e, portanto, a partilharem despesas e contribuírem para o orçamento familiar, influiu
na criação do padrão de homem e pai da atualidade. Mas estas novas características, muitas
vezes ainda entram em conflito com os mandatos tradicionais de masculinidade, dificultando
28
Ressalto que aqui sigo influenciado pelas minhas incursões no Direito, a partir de discussões com amigos graduados nesta
área (refiro-me principalmente a Dr.a Márcia I. M. Couto, juíza aposentada, uma grande amiga com a qual realizei intensas
discussões sobre esta pesquisa) ou ainda a partir de meus estudos em Psicologia Jurídica, principalmente relacionados à
minha prática em Mediação Familiar, onde eu tive contato direto com advogados da área de Direito de Família.
58
as mudanças na prática, embora já estejam bastante presentes no discurso. Em minha
experiência com mediação familiar, pude observar como as separandas muitas vezes
alegavam como falhas do marido o fato de estes, em muitos casos, não cumprirem com
mandatos tradicionais de masculinidade (não darem conta do provimento, por exemplo),
usando este aspecto como argumento durante o processo de separação. Assim, apesar de
dividir com as mulheres o sustento da casa, os homens ainda continuam a ser considerados os
principais responsáveis pela manutenção das famílias.
Portanto, se a expressão de afeto e carinho é negada como característica masculina,
principalmente se for direcionada a outro homem, de que forma um pai pode mostrar-se
carinhoso e afetivo com seu filho? De que forma ele pode se fazer mais presente na relação?
Como pode mostrar-se atencioso? Se o diálogo é atribuído à mulher e ao homem, a atitude e a
ação, como pode um homem estabelecer diálogo com seu filho? Que tipos de diálogos são
possíveis? Como educar um filho?
Estes questionamentos o significam que um homem não possa assumir
características diferenciadas, ou usualmente atribuídas às mulheres na relação com seus filhos,
apenas representam as dificuldades enfrentadas por muitos homens, na tentativa de conciliar a
força de um modelo tradicional de masculinidade com o que se espera de um pai nos últimos
anos. De acordo com o que aponta Eleonor Faur (2005), pesquisadora argentina, pode-se
pensar a época atual como um período de mudanças nas relações de gênero e nas definições
do que são masculinidades e feminilidades. Esta autora sinaliza que o ritmo de mudança se
faz diferente de sociedade para sociedade, e entre diferentes camadas sociais numa mesma
sociedade (ouso acrescentar, também por diferenças étnicas). Desta forma, segundo ela,
diversos podem ser os sentidos atribuídos ao gênero por grupos aparentemente homogêneos.
Os discursos da primeira família pesquisada, como poderá ser visto nos próximos trechos da
análise, põem em cheque os valores masculinos patriarcais, ao mesmo tempo que permitem a
coexistência de diversos padrões de masculinidades provindos de outras épocas, e
transmitidos de geração a geração.
Marco sente a morte de seu avô paterno como um momento difícil”, passado por sua
família e por ele principalmente. Comenta a primeira ‘abalação’ foi a perda de meu avô,
que era um alicerce de toda a família”. Via seu avô como um modelo forte, para ele, de força
e poder na família, sentido que se consegue abstrair de suas palavras: um alicerce”. Pode-se
substituir o termo por sustentação, por base. Estas palavras remetem a um modelo patriarcal
onde o homem, além de deter o pátrio poder, é referência da família, é aquele que a provê e
lhe segurança, sendo admirado e respeitado por estas razões. Esse modelo que, comparado
59
aos que apresentarei sobre as outras famílias analisadas nesta pesquisa, parece ser o que
melhor se adequa às gerações anteriores, vem sendo relativizado por um crescente número de
homens de gerações mais recentes, embora para muitos outros ainda persista como um ideal.
Uma outra marca das falas sobre masculinidade é “não ser vulnerável”, “não demonstrar
sofrimento”. Isto é manifestado no discurso de Marco, quando diz que sofreu calado a
separação dos pais:
...olha.... isso foi um momento bastante difícil da minha vida. Eu passei
calado, sofri calado. Vivia de aparências... acabei fazendo um bucado(sic)
de coisa errada.. e isso aí... até hoje... agora estou me acostumando, a vida,
meu pai vivendo com a mulher , minha mãe vivendo...(Marco)
A expressão “Vivia de aparências”, em minha interpretação, traz em seu bojo a
rejeição ao sensível que existe em muitos homens, que não conseguem mostrar seus
sentimentos, sua dor, sem se sentirem desmerecidos, menores ou ainda, femininos e fracos.
Pensando em padrões hegemônicos e tradicionais de masculinidade (CONNELL,1995,
KIMMEL,1997 E VALE DE ALMEIDA 1995 E 1996), Marco, para ser forte, potente e viril,
não poderia se permitir chorar, emocionar-se, expor sua dor, suas fraquezas; assim, precisa
sofrer em silêncio, vestido em sua masculinidade, sem poder pedir ajuda, impedido de
experienciar seu drama, na ilusão de o demonstrar sua vulnerabilidade. O afeto e a emoção
ainda são reprimidos, inadmitidos como características masculinas, embora exista uma busca
de maior expressão de afeto entre pais e filhos mais jovens, estes que, em muitos casos,
acabam por buscar outros referenciais fora do ambiente familiar, em seus processos de
subjetivação.
Sim, o homem muitas vezes tem dificuldades de expressar seus sentimentos e sua
vulnerabilidade, mas ressalto aqui o perigo de se cair em um discurso vitimatório ao
desenvolver esta análise, discurso este que tem sido frequentemente divulgado em revistas,
jornais e livros de auto-ajuda. Seriam agora os homens as timas e não as mulheres? Não é
esta a idéia. Ver o homem como vítima, seria cair em um discurso que, de acordo com o
sociólogo Pedro de Oliveira (1998), estaria somente recolhendo explicações para as mazelas
da condição humana, sem questionar a fundo esta posição e as relações de poder nela
implicadas, ou seja, podem-se questionar os “fardos” da masculinidade sem abrir mão de seus
privilégios. Mas esta discussão pode ir além se pensarmos que existe um temor da quebra do
discurso dicotômico e polarizado, o afirmar que os homens são vítimas, pode criar rupturas no
discurso radical maniqueísta, segundo o qual as mulheres são vítimas e os homens, sempre os
60
algozes. Diante destes aspectos, ainda sim gostaria de ressaltar aqui, na fala de Marco, a
dificuldade de expressar as emoções como um importante aspecto de seu discurso sobre sua
masculinidade sem, no entanto, cair numa simplificação da condição de ser homem.
Nos trechos da entrevista da companheira de Pedro (Tânia), a relação de Marco e seu
pai é vista de fora e aqui se descortina a participação do pai na construção da masculinidade
do filho. Tânia afirma que Marco, além dos traços físicos, herdou algumas características
machistas de seu pai, Pedro, como as maneiras de se expressar, entre outras. No entanto, diz
que apesar de manter algumas atitudes iguais às de seu pai, estas parecem ser um pouco mais
modernas, mais ambivalentes, relativizando um pouco mais algumas questões. Referindo-se a
este aspecto, a própria informante enfatiza o momento cambiante dos sentidos dados à
masculinidade, ao dizer:
Então hoje em dia mudou completamente porque os homens conseguiram se
liberar e poder usufruir dessas que a vida tem pra dar! (...) É viver a
vida! ... Viver esta vida que está aí, viver da melhor maneira possível, poder
usar uma roupa diferente, poder botar uma calça colada, poder botar uma
blusa rosa, que era coisa de mulher, quem disse? (Tânia)
A amizade é enfatizada pelos informantes como uma característica importante nas
relações entre Pedro e Márcio. Tânia especial enfoque a este aspecto, pautando-se na
relação pouco amigável que teve com seu próprio pai e as conseqüências disto para sua vida.
Pedro afirma ser amigo de seu filho (embora este último não o veja exatamente dessa forma):
...é uma relação... o Marco e eu hoje não é como pai é meu amigo, não é
nem meu filho é meu amigo, a gente se super bem, na hora que tem que
cobrar eu cobro, entendeu? No momento em que ele tem que me chamar a
atenção em algumas coisas eu aceito, tem algumas coisas que não, mas
somos amigos, somos amigos, é... somos pais, filhos e amigos. (Pedro)
Foi interessante observar que tanto Pedro como Marco demonstram compreender a
masculinidade em contraste com a feminilidade (CONNELL, 1995; KIMMEL,1997) e
intensamente ligada à sexualidade e à virilidade. Nas discussões sobre masculinidade, a
homossexualidade é trazida por eles como contraste.
A. E o que é masculino, o que é masculinidade?
M. Mascuninidade?
A. Como você vê isso hoje?
M. Olha... Eu sou um homem assim que não tem preconceito com os outros
61
tipos de sexo, entendeu? (...) é cara que gosta de mulher, homem com
homem, tem gente que já não tem um respeito, perde o respeito todo, homem
com homem, eu respeito a vontade dos outros. Então eu, como homem eu...
Show de bola, entendeu?(Marco)
Para Marco a homossexualidade está mais relacionada com o feminino, com a
afetividade, com a forma de expressar afeto. No entanto, afirma não ter preconceitos, ter
amigos gays e admirar o afeto e a atenção que estas pessoas demonstram em suas relações:
...mas eu acho que este tipo de pessoa, uma pessoa que tem relacionamento
no mesmo sexo assim, homem com homem, acho que são bem mais
carinhosos, mais atenciosos. Gente que eu conheço, amigo assim,
pessoas...(...) com os filhos. Com... até com a própria... com o próprio ser
humano assim... entendeu? Acho que eles têm modo se de comportar
diferente, é bem assim legal deste jeito. (Marco)
Marco declara respeitar a vontade dos outros, mas coloca a homossexualidade como
um outro tipo de sexo, demonstrando claramente seu estranhamento e, mais, sua necessidade
de aceitação. Entre o discurso e o que ele entende sobre o assunto um abismo. Verifica-se
aqui a tentativa de Marco de conceitualizar a homossexualidade, de dar sentido a esta
diferente expressão de sexualidade, caracterizando-a como um outro tipo de sexo”. Busca
assim dar um lugar a ela e respeitá-la. Isto me faz pensar na dificuldade de integrá-la como
mais um aspecto que pode caracterizar um homem, a dificuldade de entender a
homossexualidade como algo característico de alguém também masculino ou algo pertencente
ao homem, tendo que colocá-la em uma outra posição, um outro sexo e assim poder respeitá-
la ou não. Em outro trecho Marco afirma:
Eu sou bem legal com este tipo de sexo. Tem gente que pensa que eu tenho...
que eu sou completamente diferente.. tem gente que pensa que eu sou
ignorante, folgado... não sei, acho que é o meu jeito, entendeu... mas quando
a pessoa acaba me conhecendo muda completamente o modo de pensar... e
eu sou brincalhão, ... posso odiar aquela pessoa mas eu tenho coração bom,
sempre acabo ajudando a pessoa que não gosta de mim... eu sou um pessoa
boa de coração. (Marco)
Marco começa sua fala referindo a homossexualidade como um outro tipo de sexo,
segue falando de respeito, de que pessoas pensam que ele é diferente, que não respeita, e
termina dizendo que quando as pessoas o conhecem melhor, percebem como ele é uma pessoa
de bom coração, que ajuda quem não gosta dele. Vemos que este tema despertou em Marco
sentimentos como: bondade e respeito, entre outros. Tem gente que pensa que eu sou
62
ignorante, folgado (...), mas quando a pessoa acaba me conhecendo muda completamente o
modo de pensar- este trecho pode denotar, em minha interpretação, a dificuldade de Marco
em mostrar estes sentimentos de bondade e respeito a pessoas que se relacionam sexualmente
com outras do mesmo sexo, entre seus amigos e familiares, apontando para suas possíveis
dificuldades de aceitação, embora afirme respeitá-las. o estou dizendo que Marco seja
preconceituoso, o que gostaria de ressaltar é o quando pode ser difícil para ele, expressar seus
sentimentos de respeito, embora consiga na medida em que aprofunda suas relações, como
afirmou. Até que ponto um homem pode ser bondoso e respeitar um homossexual? Que
dificuldades enfrenta? Como pode fazer diferente?
Acabo ajudando a pessoa que não gosta de mim”, como o pensamento de Marco,
muito similar a uma associação livre, pode chegar a esta frase, relacionada àquela em que ele
diz ter um bom coração? Poderia esta frase estar relacionada com injustiça, incompreensão?
Estes parecem ser sentimentos implícitos na fala de Marco, ressaltando como as pessoas
podem não compreender seu comportamento de início, achar que ele é ignorante”, assim
como muitos também não compreendem de início o comportamento de um homossexual. Seu
discurso demonstra também a dificuldade de se falar sobre homossexualidade, que seria,
para um homem, algo tão perto do feminino, de que tanto buscam se diferenciar para serem
homens. E, curiosamente, bondade também é associada ao feminino em nossa sociedade, o
que pode ter contribuído para a associação de Marco deste sentimento com relação à
homossexualidade.
Ao discutir masculinidade, o pai de Marco também lembra da homossexualidade. É
importante ressaltar que nenhuma pergunta sobre este tema foi feita aos informantes. Pedro
diz:
Isso está crescendo muito em Florianópolis. Isso não quer dizer que os
homens hoje não têm poder de fogo mais isso vem do ser humano, acho que
a gente tem que respeitar, cada ser humano, isso eu digo assim que não
é... é uma doença né, vem do próprio ser humano e a gente não tem
como mudar... (Pedro)
O uso da palavra “isso” nos revela o quanto é difícil para um homem como Pedro,
significar a homossexualidade. “Isso” que está tão à parte do que deve ser um homem e ao
mesmo tempo tão perto, na sua concepção, que na mesma frase significa a homossexualidade
como “doença” e como algo inerente ao “próprio ser humano”. Pedro parece confuso,
conclusão que se pode tirar a partir da contradição destas duas definições.
63
Considerando que para a maioria dos homens, a homossexualidade é associada ao
feminino
29
e que, segundo Kimmel (1997), o medo de ver-se como um afeminado domina as
definições culturais de virilidade, a homossexualidade torna-se uma grande ameaça e um
diferenciador da masculinidade. Principalmente se considerarmos o fato de que a
masculinidade não é fixa, tendo que ser sempre comprovada pelos pares do mesmo sexo,
estando sempre presente o medo de não corresponder ao que se espera de um homem, de
acordo com o modelo hegemônico e tradicional. Segundo o autor citado:
…ser hombre significa no ser como las mujeres. Esta noción de
antifemineidad está en el corazón de las concepciones contemporáneas e
históricas de la virilidad, de tal forma que la masculinidad se define más por
lo que uno no es, que por lo que se es
30
(KIMMEL, 1997, p. 52).
Sendo os homossexuais vistos como homens femininos, homens que fogem dos
mandatos sociais das diferenças entre os sexos, passam a ser vistos como contrastantes, como
“desviantes” do que deveria ser um homem no discurso destes informantes. Portanto, o tema
homossexualidade torna-se parte da definição do que é masculinidade por diferenciação (“um
outro tipo de sexo”), quase que justificando o surgimento deste tema tanto no discurso de
Pedro, quanto no de Marco, ao serem questionados sobre o que era masculinidade ou sobre
características masculinas.
É conveniente observar que, nas discussões sobre masculinidade, a homossexualidade
não foi discutida na entrevista com a madrasta de Marco. Esta, ao ser questionada sobre
masculinidade, estranha a pergunta a princípio para, ao final, declarar que a masculinidade
mudou muito nos tempos atuais. Assim se expressa:
Em relação à masculinidade, de o homem se achar ... eu sou o tal, eu sou o
machão, eu sou o não sei o quê, ou eu... né? Mudou bastante também, hoje
em dia as pessoas respeitam, um respeita o outro. (...) ...os homens que são
mais bravos, mais fechados, que eu digo enrustido, que são mais liberais,
eles estão se aperfeiçoando, se modernizando... Isso é legal, porque eu acho
que masculinidade não existe! É a pessoa ou é da pessoa e não tem... existia
muito tempo e vai existir, vai ser eterno, esta história de masculinidades,
mas com uma cabeça mais aberta agora. (Tânia)
29
Embora saibamos que esta relação é falha, se considerarmos as diversas expressões de homossexualidades, muitas vezes
exacerbando características masculinas e de virilidade.
30
Ser homem significa não ser como as mulheres. Esta noção de antifeminidade está no coração das concepções
contemporâneas e históricas da virilidade, de tal maneira que a masculinidade se define mais pelo que ela não é, do que pelo
que ela é” (KIMMEL, 1997, p. 52, tradução minha).
64
Tânia adota um discurso, a seu ver, moderno e aponta para uma masculinidade
aperfeiçoada e flexível, diferenciada de outros tempos onde se impunha, segundo ela, uma
auto-afirmação exacerbada dos homens (“o homem se achar”). Aponta como características
clássicas de homens ser mais fechado e bravo, características estas que remetem a um modelo
tradicional de masculinidade. Uma afirmação de Tânia merece reflexão: eu acho que
masculinidade não existe”. Este trecho demonstra a lacuna, a vacância entre o que pensa
serem valores masculinos modernos e aqueles que conhecia como uma construção histórica
deste conceito. Mostra o quando a masculinidade pode ser vista como uma categoria vazia,
preenchida por cada sujeito, de acordo com sua posição e influenciada por diversos mandatos
sócio-culturais, a partir de determinados modelos.
A informante relaciona o termo masculinidade a homens que se auto-afirmam,
vangloriam-se de sua posição de macho, afirmando-se como mais poderosos pela
heterossexualidade, ou ainda usando a violência como força e potência. Fracos, precisam
parecer fortes, sensíveis, precisam se mostrar viris, ou seja, precisam reafirmar características
de uma masculinidade idealizada, hegemônica, tão difícil de ser alcançada que, como ela
mesma afirma, parece não existir, caracterizando-se como modelos ideais de ser. Em termos
psicanalíticos poderíamos associar esta masculinidade àquela presente no Pai edipiano, aquele
pai que não é castrado, que é poderoso e temido por todos. Esta posição está fora do plano
simbólico, sendo impossível de ser alcançada, mas intensamente buscada. Isto justificaria a
forte necessidade de comprovação de muitos homens quanto a características masculinas, já
que somos todos seres castrados, segundo a psicanálise freudo-lacaniana.
Tânia aponta também, em sua fala, para uma mudança nos discursos de masculinidade,
acreditando que os homens estão se “modernizando” e que estão mais “liberais”. Quanto a
este aspecto, Rafael Montesinos (2002) aponta a existência, nas novas gerações, de um
aprofundamento do questionamento das características de uma masculinidade tradicional
fundada na “valentia”, que deveria ser comprovada até pela violência. Para isso, fundamenta-
se em estudos sociológicos que buscam compreender as mudanças sociais e culturais e avaliar
suas conseqüências na formação de identidades masculinas. Em conseqüência, outras
maneiras de ser homem ganham espaço, mesclando características historicamente atribuídas a
homens com algumas ligadas tradicionalmente às mulheres. Fala-se cada vez mais nos
últimos anos, e principalmente nos meios midiáticos, da construção de um homem com
autorização para ser sensível e externar sua sensibilidade. Admitir demonstrar características
tradicionalmente atribuídas ao feminino, pode tornar claras diferentes opções de vida,
possibilitar escolhas entre homossexualidade ou heterossexualidade, sem que a isto se associe
65
necessariamente às qualidades de macho ou fêmea, embora ainda exista um grande temor da
“feminização” por parte de muitos homens.
Quanto à diferenciação de atividades masculinas e femininas, Marco enfatiza
diferenças físicas, de força, vendo o homem como mais habilitado para realizar determinadas
tarefas em função disso. Ou seja, maior ênfase ao plano biológico das diferenças. No
entanto, ele vai além para constatar que poucas são, na atualidade, as tarefas que poderiam ser
atribuídas, com exclusividade, a este ou aquele sexo:
...olha tem muitas coisas que, coisas de homem mas que mulher também
pode fazer mas tem coisa assim que o homem tem mais facilidade, trabalho
pesado, tem coisa assim, trabalho pesado, que é pra homem... e esse
negócio assim ah.. dirigir, tem mulher também que dirige bem melhor que
homem, tem mulher aqui que.. trabalho estas coisas que a mulher sabe mais
que o homem.. então... hoje em dia tem bem poucas coisas que são pra
homem, entendeu? (Marco)
o pai de Marco, quando questionado sobre características masculinas, relaciona-as a
aspectos evidenciados como significativos para um pai em uma família, tais como educação
dos filhos, responsabilidade e o prover:
eu acho que eu sou um grande homem porque eu nunca deixei faltar nada
para minha família, pra minha ex-esposa, para os meus dois filhos e
continuo fazendo, então eu acho que isso pra mim é o verdadeiro homem e
responsabilidade, né? Isso é importante.(Pedro)
Um grande homemseria para Pedro aquele que sustenta sua família, que o deixa
nada faltar para ela, que é responsável. Este é o “verdadeiro” homem, segundo o informante.
A palavra “verdadeiro” aponta para uma associação de “uma” masculinidade dita
verdadeira”, em detrimento de outras supostamente “falsas”. Liga a masculinidade ao
provimento, e poder-se-ia complementar, à figura de um homem heterossexual, pai
responsável, “alicerce” da família, usando as palavras de Marco ao referir-se a seu avô. E
como seria o “falso” homem? Aquele que o contempla estas características? Seria então o
homem que não provê, que não tem poder, que divide responsabilidades no meio familiar?
A fala do informante Pedro lembra o conceito de masculinidade hegemônica de
Connell (1995), Kimmell (1997) e Vale de Almeida (1995 e 1996), assinalada no início desta
dissertação. O modelo de referência de masculinidade deste informante contempla a exaltação
do homem forte, viril, além de provedor e responsável. Estes parâmetros também foram
indicados no estudo do antropólogo Pedro F. G. do Nascimento (1999), em sua dissertação de
66
mestrado em Antropologia Cultural, em Recife. Em sua pesquisa de cunho etnográfico, o
autor procurou estudar como os indivíduos de uma comunidade de camadas populares da
região Nordeste do Brasil atualizam, em seu dia-a-dia, a experiência de serem homens,
pautados num modelo hegemônico de masculinidade. Ressalta que a vigência de formas
diversas de vivenciar a masculinidade é inegável, no entanto, percebe em seu estudo a
existência de variadas estratégias para atualizar este modelo hegemônico em espaços de
sociabilidade masculina. Expressões como “não deixar faltar as coisas em casa”, ou cumprir
com as obrigações” surgiram nas falas dos sujeitos pesquisados por este autor, de forma
recorrente. Estas expressões se repetem na ênfase dada por Pedro ao “verdadeiro” homem,
responsável e provedor, que bem sabe suprir sua família..
Na seqüência, o trabalho e a crença de que o homem pensa mais em sexo, são
enfatizados por Pedro como características masculinas, conforme mostra sua fala neste trecho
da entrevista:
O homem sempre tem o lado dele, aquele lado do trabalho, aquele lado do
trabalho e o lado sexo né? E eu gosto muito de sexo (...) ...é uma
característica masculina até.. por que acho que isso vem de família , que
meu pai teve 22 filhos. (Pedro)
A importância dada ao trabalho como passo fundamental no caminho de um homem
adulto é enfatizada por José Olavarría (2001), sociólogo chileno. Segundo ele, o trabalho traz
para um homem respeitabilidade social. Em suas pesquisas, Olavarría assinala que para os
homens os recursos de poder e auto-estima estão sustentados, em grande escala, no trabalho.
Este é caracterizado como a atividade principal de um homem, constituindo-o e valorizando-
o. Esta importância se relaciona com a convicção de muitos homens (e mulheres), de que
devem ser provedores, responsáveis” pelo sustento da família, como diria o informante
Pedro.
A outra característica masculina ressaltada por Pedro, como apontei acima, foi o
gosto pelo sexo. Segundo ele, este é um diferencial dos homens de sua família, transmitido
por herança para as novas gerações. Confirma isto, ressaltando que seu filho é mulherengo,
que teve várias namoradas, tendo puxado “o sangue da família”. A quantidade de filhos é
colocada como prova de masculinidade, de afirmação do que é ser homem e muito homem(!).
67
Então ele teve 22 filhos porque ele gostava de fazer sexo todos os dias, e não
é diferente, todos os nossos irmãos são assim, aquela coisa tarada, aquela
coisa de estar com a mulher de beijar, de acariciar... (Pedro)
A. Você acha que isso passou pro Marco também?
P. O Marco tem, ele tem o sangue da família... tem tem, tem, sim... eu não
tive a quantidade de namoradas que ele tem hoje, né? Mas acho até por ele
ser assim um menino atencioso e carinhoso, não é agressivo, então ele, as
meninas realmente acabam se apegando a ele e tal, mas... o Marco tem a
característica da família e já puxou o pai.
A. (risos) Do seu lado... É, então você acha que é um pouco diferente hoje?
P. É, eu né... quando o homem gosta, quando ele tem aquela coisa...aquele
tesão, aquela vontade de ... nunca vai deixar de gostar...
P. então eu acho que não é... tem que ver vários casos, não pode julgar... Às
vezes a mulher e o homem na cama que vai dizer se realmente ele tem poder
de fogo ou não. (Pedro)
A expressão “poder de fogo” é utilizada por Pedro para caracterizar o gosto do
homem pelo sexo, dando a entender que “homem que é homem mesmo” tem este poder, que
“não nega fogo”. A imagem do homem como um sujeito sempre excitado, obcecado por
sexo, para Irene Meler (2000) psicanalista argentina, está associada ao domínio. Foucault
(1988), em seu livro História da Sexualidade, volume 1, associa esta imagem à relação entre
penetração sexual e dominação social, tão importantes e almejadas pelos homens, como
marcas da masculinidade (tradicional e hegemônica, presente no discurso de Pedro). O custo
subjetivo de ser socializado para dominar, segundo Meler (2000), é uma “penosa dependência
narcísica” de uma imagem masculina ideal que muitos homens crêem que devem alcançar.
A educação e os ensinamentos vividos com seus próprios pais, principalmente
aspectos relacionados ao trabalho e à responsabilidade, são enfatizados por Pedro, pai de
Marco, como referências na educação de seu filho. Busca transmitir estes valores, tidos como
importantes aprendizados vividos com seu próprio pai. O uso da palavra “berço” no trecho a
seguir indica que alguns aprendizados são bens de família e devem ser aprendidos desde
muito cedo. E é neste contexto familiar que diversos valores de paternidade e masculinidade
são construídos e identificados como características fixas, que indicam o sangue da família,
nas palavras de Pedro.
é desta relação, da nossa criação, né? A educação que nós já tivemos de
berço com meu pai e minha mãe eu tento passar para os meus filhos.
Trabalhar, trabalhar e estudar que eles vão alcançar os objetivos deles. (...)
eu cobro muito do... Eu cobro muito assim dos meus filhos de estudar,
trabalhar pra não ir para o outro lado e isso foi bom pra nós, esta cobrança
do meu pai e da minha mãe pra todos nós, os meus irmãos e especialmente a
mim ... E a gente se pensar assim no futuro... Pensar algo na vida, né? E eu
sempre faço isso com meus filhos, a vida que eu tive (...) Eu sempre digo que
68
eles nasceram em berço de ouro então eles têm que realmente preservar
isso, porque nós tivemos uma vida difícil, então nós tivemos que trabalhar
para todo mundo ajudar em casa ... né? Construir uma casinha para minha
mãe, reformar e tal, então cada um sempre ajudou no dia a dia, então eu
falo isso para o meu filho, nada vem de graça, é tudo através do sacrifício,
tem que correr atrás. (Pedro)
Comparando as entrevista de Marco, Pedro e Tânia foi possível notar que os discursos
destes sujeitos, como mencionei no início, estão alinhados quanto à importância do referencial
familiar, da família de origem, e isto reflete no pensar paternidade e masculinidade. A família
de origem parece ser uma referência repleta de exemplos a serem seguidos e outros a serem
evitados, por terem sido por vezes traumáticos e dolorosos.
A construção da masculinidade acontece nas esferas de socialização masculina e
familiar, ela é vista em contraste com feminilidades, às quais a homossexualidade é associada,
e referida à potência sexual, à virilidade e ao provimento da subsistência da família. O pai é
uma referência do que é ser homem, ocorrendo identificação com ele em diversos aspectos e
busca de diferenciação em outros.
Quanto à criação dos filhos, assim como é exposto por Scott, Athias, & Longhi
(2005), os informantes falam de uma relação idealizada com os filhos, onde se vêem como
pais participativos, abertos, embora isto pareça não ocorrer efetivamente, considerando a
contradição entre os discursos dos diferentes membros da família. Além disso, como afirmam
estes mesmos autores, nota-se que em muitos casos, assumir ou não o filho ainda depende
intensamente do comportamento da mãe da criança, como se verifica na relação que Marco
tem com seu filho. Neste contexto, posso concluir que o momento pode ser caracterizado
como de reavaliação dos valores patriarcais, apesar de estes ainda permearem o cotidiano
destes informantes, aspecto que se confirma se pensarmos na reprodução de discursos em
desacordo com suas vivências pessoais e familiares, conforme seus relatos permitem também
interpretar.
5.2 Edson e seus pais – das palavras autorizadas às entrelinhas do silêncio
O material colhido durante as entrevistas com o jovem Edson e seus pais é permeado
de silêncios. As entrevistas foram extremamente breves e os comentários dos sujeitos
pesquisados sobre paternidade, sobre suas relações, restringiram-se a adjetivos como boa,
muito boa, união e nota 10, conforme já foi ressaltado.
69
Edson, em sua entrevista, relatava que “não sabia o que era para dizer” ou respondia
brevemente o que eu perguntava. Sobre o tema paternidade, enfatizou a questão da
responsabilidade e do sustento do filho, lembrando da necessidade de se ter um emprego:
E. Ser pai... é muita responsabilidade, né? Não tem como ser pai ainda.
A. Então, pra ti, o que você entende hoje do que é ser pai é que tem que ter
muita responsabilidade?
A. E o que mais?
E. Tem que ter um emprego fixo pra ti sustentar teu filho, tudo, não tem
como ser...
A . E como você descreveria teu pai?
E. Meu pai? Meu pai é... (pausa) ter responsabilidade na vida, arrumar um
serviço.
A. Não, mas o teu pai, como ele é?
E. meu pai? Meu pai... é gente boa , não tem...(risos) Assim... legal tudo,
não tem nada, de falar assim. (Edson)
De alguma maneira, seja por seu pai, ou pela situação da entrevista, Edson
demonstrava um silenciamento, falava pouco de como era sua relação em casa,
problematizando ou questionando minimamente. Pareceu-me jamais haver questionado a
relação pai/filho ou talvez entendesse que assim era e que nada poderia mudar.
A. E como é a tua relação com ele?
E. Legal
A. Legal também...
E. É...
(...)
E . como é ser homem...
E. (silêncio) não vem não vem o que é pra falar.
A. E o que você entende como masculino?
E. Pô, masculino? Também.... (Edson)
Não vem, o que é pra falar”, mas o que era para falar? O que ele teria que dizer? Por
que não vem? Penso no que representaria para Edson a masculinidade. Seria algo óbvio? Algo
não pensado? Depois de algum silêncio e de uma breve interferência de seu irmão menor, o
entrevistado, assim como os informantes da família anterior (Marco e Pedro), associou o
questionamento sobre masculinidade à homossexualidade “meu pai, nunca teve nada assim de
perguntar se.. como é que se diz... se eu fosse mandar para outro lado assim, travesti assim
né, nunca teve essa...”(Edson). Seria masculinidade, para Edson, aquilo que não é
homossexualidade? Seria a masculinidade pensada somente neste limiar? De acordo com
Kimmel (1997), conhecemos o que significa ser um homem em nossa cultura, na medida em
70
que centramos nossa definição em oposição a um conjunto de outros, sejam estes outros
minorias raciais, sexuais, ou ainda, principalmente, as mulheres. Esta parece ser a maneira
como Edson e também Marco e Pedro significam masculinidade.
Nos limites do não dito, pensando o dizer, Edson disse. Quanto a isso, reporto-me a
Orlandi (1995), quando afirma que O homem está condenado a significar. Com ou sem
palavras, diante do mundo, há uma injunção à “interpretação”: tudo faz algum sentido
(qualquer que ele seja)” (p. 31 e 32). Na dificuldade do dizer ou do não dito, Edson me
possibilita escutar possíveis sentidos atribuídos aos temas pesquisados. Em minha
interpretação, percebo Edson dizendo em seu discurso que a masculinidade está, sem ser
pensada, basta ser homem em termos biológicos, basta não ter dúvidas disso, basta não
questionar, não ser feminino, não ter ou deixar dúvidas. No terreno de possibilidade de
discursos, escuto também Edson dizer que homem não questiona e não reflete sobre ser
homem, não compartilha dúvidas e anseios.
E que relação haveria entre este ser homem e o ser pai? Em ambos os casos Edson tem
pouco a dizer. Tanto a paternidade quanto a masculinidade parecem óbvias, dadas por si só,
inquestionáveis. Nada podia ser dito sobre a relação com seu pai, nada mudou com o passar
do tempo, sua autoridade não era questionada, pelo menos não na frente dele, já que ele estava
por perto durante a entrevista.
A. Nem sobre paternidade, o tipo que um pai hoje é...
E. Não, não mudou nada.
A. É igual como era antes?
E. É igual como era antes.
A. Como que é isso, como ele é?
E. Ele é... amigável ... Ele sempre fica junto de s, dando o que quer e
tudo né? É legal...(Edson)
O pai é “amigável”, nas palavras de Edson, “sempre fica junto de nós, dando...”. O
que importa aqui é que ele esteja presente fisicamente, que os ajude financeiramente. Mas e o
que diz seu pai sobre esta relação?
A. E como é a tua relação com seus filhos?
P. Meus filhos a gente... Às vezes... É como ela falou assim, eu dou um
dinheiro pra eles, ele não pedem pra mim.
M. Querido, a tua relação com seus filhos como é em casa, é isso que ele
quer saber! (diz sua esposa, levantando a voz..) como é que tu tratas teus
filhos em casa...
P. É 10.
71
M. É isso aí, tava dizendo pra ele, não disse.
P. Desde a hora agora, tá levando meu filho meu carro pra casa.
M. O teu comportamento, se és agressivo com seus filhos, é isso que ele quer
saber.
P. Não, não...
M. Tens que falar como é que é...
P. Até o meu do meio ali, vai levar o carro pra casa agora.
M. O teu regulamento, como é em casa, com teus três filhos, se tu és
agressivo, se tu és ruim, se tu maltratas, é isso que ele quer saber... É isso.
P. Não, não, não.
M . Eu acabei de dizer pra ele agora, como é nossa relação em casa.
P. Eu sou ignorante. Nosso bloco aqui é bem evoluído. (Paulo e Marta)
Mescladas as declarações com interferências seguidas da esposa Marta, que tentava
direcionar o que o marido deveria dizer e, assim demonstrar que sua família vivia em
harmonia, Paulo então afirma ser “10” a relação com seus filhos. Mas refletindo sobre o
início deste trecho da entrevista, quando ele começa falando do dinheiro, dizendo que seus
filhos não pedem dinheiro a ele, poder-se-ia afirmar que existe aqui uma queixa de perda de
poder, de destronamento neste contexto familiar, mantido, até então sob o controle financeiro,
da garantia de sustento pelo dinheiro. Ser pai para Paulo, assim como ficou evidenciado na
fala de Edson, está sustentado na capacidade de prover, de garantir a subsistência da mulher e
dos filhos, o que, por si só, envolveria uma grande responsabilidade. Um fato merece realce:
Paulo tenta esclarecer que seus filhos já não lhe pedem dinheiro diretamente, momento em
que, interrompido por sua esposa, cala, na medida em que ela tenta direcionar a entrevista e
enquadrar o que o marido deve e pode dizer.
Esta família me passou a sensação de que nem tudo podia ser dito e que nada podia ser
questionado. Neste grupo, quem aparentemente dominava era o pai, militar, de pouca
conversa e chefe da família. Não foi por acaso que este pai supervisionou todas as entrevistas
e não deixou que estas fossem feitas longe de seus olhares e domínio. Qualquer comentário
sobre relações de gênero e/ou questionamento da autoridade deste pai eram limitados,
inadmitidos, não podendo ser mencionados, pelo menos não naquele momento. No entanto,
este poder que “deveria” estar centrado na mão do pai exemplar (representante da manutenção
de um poder patriarcal, militar, chefe de família) parecia mesmo estar com a mãe. Foi ela,
Marta, quem o desautorizou, impedindo-o de reclamar quanto a fazer a entrevista em separado
e me levou para dentro do rancho para fazer a entrevista com o filho. Foi esta mãe que durante
todo o tempo tentou passar a imagem de uma família perfeita e unida e tentou direcionar o
72
que eu perguntava ao seu marido e o que seu marido deveria responder
31
. E era à Marta que os
filhos recorriam e pediam dinheiro quando precisavam:
P.. Ela diz assim é difícil você pedir o dinheiro pro pai e pra mãe, pede mais
pra ela e não pede pra mim e diz assim “o pai, me um dinheiro pra
mim... comprar um refri, não tem?” Ah e daí pede pra mãe e a mãe vai e
coça a bolsa dela e acha. Então a geração de hoje das crianças.. é....
M. (paralelamente) De antigamente para agora....
P. É meio coisa.. porque hoje a convivência de vida ... e isso faz parte
também de ...dizer assim salário... assim meu filho pega 10 reais aqui, vai lá
fazer teu lanche. Vai faz teu lanche e traz o troco e diz assim e vai lá traz
o teu troco e não tem um retorno e se diz assim... (Paulo)
O que Paulo pode estar tentando dizer nestes trechos se refere a uma perda de espaço,
de poder de homem e de pai em sua casa, com relação a seus filhos, poder este que seria
sustentado pelo dinheiro. Paulo generaliza este declínio de poder, transporta-o para a nova
geração, para tratar a relação do dinheiro com os filhos e evidenciar esta mudança. Ou seja,
para ele a figura paterna perdeu poder frente à família e atribui isto à possibilidade de a
mulher de hoje poder trabalhar, ter meios próprios de subsistência, ganhar seu dinheiro,
tornando-se independente e autônoma. No caso de Marta, sua esposa, esta tinha uma pensão
da Aeronáutica provinda de seu pai, o que lhe possibilitava certa independência financeira do
marido.
Questiono, que relação guarda esta perda de poder patriarcal e a construção da
masculinidade de Paulo? A partir desta perda, que ameaça Paulo, como fica sua reputação
como homem e pai? Segundo Kimmell (1997), a masculinidade de um homem precisa de
aprovação “homossocial”, ou seja, riscos precisam ser assumidos, a cada passo a
masculinidade precisa ser provada, atos heróicos precisam ser executados, tudo para que os
outros homens admitam a virilidade do sujeito. Este poder, que Paulo deixa perceber em sua
fala estar perdendo em casa, permanece vivo em seu trabalho, no mundo público e
principalmente entre outros homens nos momentos de socialização masculina, garantido a
“permanência” de sua masculinidade, em suas funções de homem que comanda outros
homens. Abaixo, um trecho da entrevista de Paulo e Marta:
A. Então.. e o que é ser homem pra ti
P. Ser homem como assim dentro de casa?
31
Caberia aqui sinalizar uma reflexão sobre o micropoder, em termos foucaultianos, desta esposa e mãe, levantado por algumas feministas
como Heleieth I. B. Saffioti (1992), para uma análise mais aprofundada do poder feminino presente nesta família. Para esta autora, o
conceito de poder em Foucault (1988 [1976]) permite uma melhor análise das relações de poder entre homens e mulheres, tanto em nível
macro quanto micro. Saffioti aponta que o poder da mulher se inscreve principalmente no plano micro.
73
A. Envolve mais responsabilidade?
M. No teu serviço, no teu trabalho, explica pra ele o teu militarismo.
(direciona sua esposa)
P. Dentro do trabalho e dentro de casa eu acho que muda várias coisas.
Dentro do trabalho é responsabilidade, eu como superior, sou graduado e
tenho uma responsabilidade, eu tenho que cobrar dos meus subordinados e
dentro de casa a gente mantém uma aparência que não fechando. Quer
dizer assim.. ou desmancho ou não desmancho... Mas dentro da minha
hierarquia militar eu comprometo.
A. Compromete com...
P. Com rigor. Assim oh... Se eu tô dizendo assim... este papel não sai daqui,
o papel não sai dali!
M. Em casa se dizer que ele sai ele sai. Não é verdade?
A. Como?
M. Se em dizer que ele sai, ele sai... (risos de esposa..)
P. Mas dentro do meu trabalho não sai, por isso que eu tô fechando 27 anos
de serviço e não saí daquele trabalho ali. (Paulo e Marta)
Paulo diz, neste trecho, que é militar apenas no trabalho e não em casa e demonstra
seu descontentamento com isto, explicitando as diferenças de poder implicadas nesta
dinâmica. Em casa e no plano familiar haveria um maior domínio de sua mulher, que não
está fechando”, diferente do que ocorre em seu trabalho, onde ele desmancha ou não, onde
compromete”, espaço simbólico em que domina e tem seus subordinados. Este trecho
demonstra também o humor com o qual Marta trata esta questão. Claudia Fonseca (1992) em
um ensaio intitulado “Honra, humor e relações de gênero: um estudo de caso,” discute esta
questão do humor nas relações de gênero, a partir de uma etnografia realizada por ela, com
sujeitos de camadas populares, em Porto Alegre. Segundo a antropóloga “pela palavra
feminina, os homens são sujeitos a sanções simbólicas de importância proporcional”
(FONSECA, 1992, p. 319). Através de fofocas, piadas e acusações que, para a autora, são
domínios femininos por excelência, as mulheres podem manipular a imagem pública dos
homens. Este humor, presente no discurso de Marta, pode servir também, em consonância
com o estudo de Fonseca, para denunciar a hipocrisia de uma cultura burguesa, pondo em
relevo outros valores e virtudes de camadas populares. Fonseca finaliza seu ensaio com o
seguinte trecho, que se aplica bem ao humor demonstrado por Marta nesta pesquisa:
As famílias “populares” definem-se justamente pelo estilo jocoso de tratar os
assuntos mais prementes da vida social. E é essa jocosidade que, pela
cumpricidade tática da risada coletiva, age sub-repticiamente para
transformar os diversos assuntos e as diversas regras (sejam elas oriundas
dos grupos dominantes, dos “bons proletários” ou dos homens) numa
expressão própria aos grupos populares (FONSECA, 1992, p. 330).
Paulo, em outro trecho de sua entrevista, deixa entrever que não teve pai, sua mãe era
74
cozinheira, tendo sustentado todos os filhos. Ele pouco falou de sua família de origem. Marta,
sua esposa, foi quem se referiu à mãe de Paulo, contando que era cozinheira e criou os filhos
com seu trabalho.
A. Eu queria saber um pouquinho como era a relação com teu pai, tua
relação com teu pai.
P. Meu pai... Não tive pai.
A. Não teve pai?
P. Não. Não tive pai, eu tive mãe, pai não.
A. Então era tudo com tua mãe?
P. Não com minha mãe não....
M. Com ela tudo nota 10 também. Criou eles era cozinheira e é isso aí.
P. Sou um baita de um cozinheiro também, não tenho convivência, mas...
M. É ela é cozinheira e é isso aí. (Marta)
O pouco que disse nos faz pensar na ênfase que ele ao sustento da família, ao
militarismo, como grandes marcas no exercício da paternidade. Talvez tenha sido no meio
militar que Paulo encontrou seu principal modelo de paternidade e masculinidade.
Na minha interpretação, Paulo parece viver um conflito com relação ao exercício de
sua masculinidade. No trabalho consegue se impor, através das regras, do seu “militarismo”,
nas palavras de sua esposa, mantendo um poder diretivo sobre seus “subordinados”. No
entanto, em casa isto o tem acontecido. A expressão dentro de casa a gente mantém uma
aparência que não fechandoparece denotar sua insatisfação, seu descontentamento por
não manter o mesmo poder que sustenta no trabalho, o que poderia implicar diretamente em
enfraquecimento, fragilização de sua masculinidade. Fora de sua casa ele é um homem rígido,
apontado por membros da comunidade como homem de pouco diálogo, mas em casa tudo
parece ser diferente. Paul Higate & John Hopton (2005) lembram que existe uma ligação
histórica entre o militarismo e a masculinidade. A virilidade, a competitividade, o sexismo, a
celebração da agressividade, o controle emocional e a dominação de outros são aspectos de
uma masculinidade hegemônica, intensamente estimulados no meio militar. Segundo Kimmel
(1997) o que define uma virilidade hegemônica é um homem em poder, com poder e um
homem de poder. As definições de virilidade em nossa cultura, segundo o autor, perpetuam o
poder que alguns homens m sobre outros e principalmente sobre as mulheres. Em
conseqüência, toda esta ideologia de masculinidade e militarismo pode influenciar também na
forma como Paulo acredita que deve ser um pai.
Em minha interpretação, nos trechos analisados do discurso de Paulo, este expressa
sua insatisfação no exercício de paternidade, onde ele parece acreditar que “deveria” ter mais
poder ou domínio sobre seus filhos (ou seriam “subordinados”?). A “responsabilidade”, as
75
“regras” e o “rigor são enfatizados por Paulo em seu trabalho e como pai. Indo mais além,
entrecruzando paternidade, militarismo e masculinidade, interpretei suas falas sobre o
exercício de paternidade, dentro deste contexto, como representativas da difícil conciliação
entre suas posições de sujeito na família e no trabalho. Paulo, formado nestas ideologias
militares, não encontra espaço para o cuidado, expressões de afeto e carinho, amizade e
diálogo com os filhos. Todavia, como pai, ao adotar a qualidade de superior, responsável, com
poder sobre os demais, não pode deixar faltar nada para sua “tropa”.
Certamente sem falar muito, sobre um suposto silêncio do filho, sobre uma imagem de
família nota 10, enfatizada pela esposa de Paulo, e nas entrelinhas das regras e do militarismo
do pai, esta família expressou seu entendimento sobre masculinidade, como ela era construída
naquele contexto e como era vista a paternidade no grupo familiar. Quanto a este suposto
silêncio, Orlandi expõe que:
...o silêncio é garantia do movimento dos sentidos. Sempre se diz a partir do
silêncio. O silêncio não é pois, em nossa perspectiva, o “tudo” da linguagem.
Nem o ideal do lugar “outro”, como não é tampouco o abismo dos sentidos.
Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito de trabalhar sua contradição
constitutiva, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos deixam
ver que todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade
significativa (ORLANDI, 1995, p. 23).
Entre o silêncio, a idealização de família “unida” e “muito boa” e o militarismo,
diversos mandatos de masculinidade estavam presentes, direcionando os sentidos dados a
paternidade e organizando o meio familiar destes sujeitos. Em meio à autorização ou
desautorização de discursos, foi possível perceber a mudez de uma posição de sujeito pai e
homem fundamentado em características de uma masculinidade hegemônica, e de um poder
paternal patriarcal ao mesmo tempo que este existia como um ideal, no discursos dos homens
desta família. O dinheiro apareceu como um importante significador, definindo posições e o
poder feminino. Pensado em termos foucaultianos, o poder feminino, circulando no nível
macro e micro (SAFFIOTI, 1992), destacou-se nos discursos apresentados, autorizando falas,
produzindo sentidos, evidenciando uma participação inquestionável da mulher na definição
dos sentidos atribuídos a paternidade masculinidade pelos sujeitos desta família.
76
5.3 Oswaldo e sua Família
A visita à família de Oswaldo trouxe, em alguns momentos, a lembrança de minha
família. Todos festeiros, falando alto, demonstravam sua simplicidade e hospitalidade. Neste
encontro, procurei me desprender de qualquer roteiro sobre o que eu deveria perguntar a estes
informantes, depois de algumas tentativas de pouco sucesso. Sentia-me fazendo perguntas
abstratas, ao questionar o que era ser homem ou mulher. A questão da masculinidade parecia
algo tão distante e impensado naquele grupo, que não havia uma pergunta a fazer e muito
menos uma resposta a ser dada. Penso que na visita a esta família consegui estar mais
próximo de um modelo etnográfico de pesquisa. Procurei entrar no cotidiano daquele grupo e,
a partir disto, entender os sentidos atribuídos por eles aos temas que eu estava pesquisando.
Tudo no momento da visita era festa e eu, muito bem recebido, ora era um visitante psicólogo,
amigo de Oswaldo, ora era um repórter observador.
Observei que os afazeres domésticos ficavam a cargo principalmente das mulheres.
Por um momento, dona Clotilde (mãe de Oswaldo) revelou que quando trabalhava fora,
Oswaldo a ajudava, na louça e no cuidado com os irmãos. O dia de socialização era sempre o
domingo, com almoço em família, muita cerveja e pagode, aproximando também os vizinhos.
Todos pareciam gostar muito do convívio em família e agradeciam por trilharem o caminho
do bem, longe das drogas, os filhos empregados e ajudando os pais.
Nesta visita foram entrevistados o pai de Oswaldo (Bartolomeu), a mãe (Clotilde) e o
filho mais novo (Norberto), como relatei anteriormente. Neste dia dei maior ênfase ao
conhecimento da família de Oswaldo, observando detidamente sua interação e
relacionamento. Assim, optei por entrevistar Oswaldo em um segundo momento. A entrevista
ocorreu em seu apartamento, na semana subseqüente.
5.3 .1 “Como é difícil falar do meu pai” (Oswaldo)
Oswaldo, durante a entrevista, após comentar sobre sua família e sobre minha visita à
casa de seus pais, começou a falar sobre seu pai. Relatou sua dificuldade de discorrer sobre
ele, comentando que seu pai era alcoolista e havia abandonado o trabalho completamente.
Segundo Oswaldo, tanto seu pai como sua mãe, à época da entrevista, eram sustentados pelos
filhos.
77
Os quatro, bancando, desde remédios a roupa, eu acho assim, que era uma
coisa que porra que ele tem uma mulher ele pelo menos podia levar uma
blusa, não por mim pra ela que é mulher dele, né, aentão antes dela ficar
doente ela trabalhava, eu acho que ele como marido ele devia, não assumir
o papel de pai, mas pelo menos o papel de marido, que eu não preciso dele
hoje, como eu precisei do meu pai até os sete anos de idade, dos sete em
diante eu nunca mais precisei dele nem pra uma bala. (Oswaldo)
Este trecho, selecionado de sua entrevista, demonstra sua insatisfação quanto ao fato
de seu pai não ter nenhuma iniciativa para sustentar pelo menos sua própria esposa, afirmando
não precisar dele hoje, como já precisou outrora. Quando perguntei sobre a relação de
Oswaldo com seu pai, ele respondeu:
É assim o pai não era assim aquela pessoa carinhosa, o pai assim é uma
pessoa seca, sabe, mas assim ele não te condena, é um pai assim...
(Oswaldo)
(...)
O. Até os sete meu pai pra mim era um super homem, era, era super homem,
era o meu melhor amigo, depois a vida vai te dando tanta porrada que tu
vai vendo que não é por aí.
A. Aí passa a ser o quê?
O. Teu pai é uma pessoa que tu tem ali pra chamar de pai, pra dizer
assim eu tenho um pai, é um cara que tu gosta, é um cara que tu foi
apaixonado, é um cara que tu ama, mas, é um pai, é um pai, não é um, é
aquele cara que tu chama de pai, não é aquele cara assim que te deu um
colo de pai, que te deu aquele carinho, um beijo de pai, isso não rola mais.
(Oswaldo)
Quanto a este trecho da fala de Oswaldo, entendo que, apesar de seu pai atualmente ser
uma pessoa “seca”, quando o informante era pequeno ele era diferente, mais carinhoso.
Quanto a este aspecto, é interessante pensar sobre a dificuldade de alguns homens (e digo isso
observando meus próprios familiares e também famílias com as quais convivo) em expressar
afeto e carinho para seus filhos homens crescidos, a despeito de uma espontânea expressão de
afeto e carinho direcionados e eles quando ainda pequenos.
Segundo estudos de Olavarría (2001) nos últimos vinte anos ocorreu uma mudança
radical no cenário da paternidade. A forma tradicional de ser pai, representada por aquele que
trabalha, sustenta e é chefe do lar, foi submetida à prova. Os homens passaram a questionar os
sentidos dados à paternidade, suas relações e práticas. De acordo com o autor, demandas da
economia e novas realidades sociais, confrontam a paternidade patriarcal (ligada ao prover e
ao distanciamento afetivo), seus referentes e os recursos disponíveis para os homens em seu
78
exercício. Portanto, muitos homens de gerações mais recentes, como Oswaldo, passam a
questionar mais seus pais, requerendo maior afetividade e reprovando uma relação pai-filho
distanciada, ou um pai “seco”, como exposto no discurso de Oswaldo. Nas palavras de
Olavarría:
Para los varones más jóvenes un padre debe ser muy expresivo en sus
sentimientos, no ocultándolo a los hijos, debe ser cariñoso, cercano
afectivamente, activo en la participación de las actividades de los hijos. Esta
actitud debe ser, de alguna manera, comprendidos por el niño; éste debe
darse cuenta de las acciones y esfuerzos del padre por establecer lazos de
cercanía e intimidad. (…) La intensidad de esta forma de relacionarse con
los hijos va disminuyendo a medida que el padre es mayor, en cambio se
acrecientan en los menores, que lo incorporan conscientemente al mundo
familiar y social
32
(OLAVARRÍA, 2001, p. 49).
Apesar de existir na atualidade uma maior presença de um discurso sobre a importância
da afetividade do pai, de sua participação nos cuidados da casa e dos filhos, de seu carinho,
para alguns homens existe uma grande dificuldade de incorporar estas atribuições, encarando-
as de maneira defensiva, por contrastarem com mandatos tradicionais de masculinidade. Isto
foi observado no comportamento de Norberto, irmão caçula de Oswaldo:
O enteado do Norberto estava em um canto do terreno, chateado por terem
chamado a atenção dele por algo que ele estava fazendo. A amiga de
Oswaldo fala pra Norberto ir lá, já que ele era o padrasto e mostrar afeto.
Então Norberto mostra o punho fechado como que para bater em alguém
com um soco e diz aqui o “olha o afeto aqui oh.” Em seguida brincam com
o que seria o afeto e direcionam para mim dizendo “conversa com o
psicólogo ali”. (trecho do diário de campo da visita à família de Oswaldo)
Esta reserva defensiva de Norberto (o que não significa que ele não seja afetivo em
algum momento com os filhos e enteados) pode estar diretamente relacionada a determinados
mandatos de masculinidade, os quais incitam os homens a serem pouco afetivos e mais
racionais, considerando o cuidado e o afeto como características femininas. Como foi
mencionado anteriormente, o medo de se verem como afeminados domina as definições
culturais de virilidade dos homens (KIMMEL, 1997). Complementando, Michael Kaufman
32
Para os homens mais jovens um pai deve ser muito expressivo em seus sentimentos, não ocultá-los a seus filhos, deve ser
carinhoso, próximo afetivamente, ativo na participação das atividades dos filhos. Esta atitude deve ser, de alguma maneira,
compreendida pela criança; este deve dar-se conta das ações e esforços do pai para estabelecer laços de aproximação e
intimidade. (...) A intensidade desta forma de relacionar-se com os filhos vai diminuindo na medida em que o pai é mais
velho e, ao contrário, aumentando nos mais novos, que o incorporam conscientemente ao mundo familiar e social”
(OLAVARRÍA, 2001, p. 49, tradução minha).
79
(1997) lembra em seus estudos que os homens suprimem emoções, abortam o prazer de cuidar
dos outros, embotam a receptividade, empatia e a compaixão, tudo em nome de um mito,
exclusivamente para serem vistos como homens, como masculinos, já que a sensibilidade e as
demonstrações de afeto e companheirismo são consideradas incompatíveis com a
masculinidade.
As figuras do “pai herói”, super homem” e “melhor amigo” também passam a ser
mais questionados nos últimos anos. O estudo de Sandra Unbehaum (2000) sobre a
experiência masculina de paternidade nos anos 90, relatado anteriormente, também aponta
para esta questão. Em sua pesquisa, a autora ressalta que o pai-herói da infância, o pai forte e
que tudo sabe, toda esta imagem de pai se desfaz na medida em que o filho se torna adulto.
Esta imagem transforma-se na de um homem com qualidades e defeitos, de um homem que
também é frágil, de forma que os próprios limites de um pai são reconhecidos. Segundo esta
autora “na infância e na adolescência um certo olhar sobre a figura paterna, diferente
daquele da maturidade, quando filho e pai se aproximam, se identificam” (UNBEHAUM,
2000, p. 127). Apesar da pesquisa de Sandra Unbehaum ser com homens de camadas médias,
vê-se que vários aspectos salientados por ela se aplicam sob certa medida a homens de
camadas populares, como pode ser percebido no discurso de Oswaldo, no trecho apresentado
anteriormente.
Se pensarmos a partir da psicanálise, este pai, este super homem, como enfatizado por
Oswaldo, está relacionado à imagem do pai freudiano da horda primitiva, fálico e potente, tão
importante na estruturação psíquica de um sujeito, principalmente na infância. No entanto,
este “Grande Pai”, nas últimas décadas, tem perdido seu poder, seu espaço, seu nome.
Segundo Hurstel (1999, p.22), “vivemos um período de transição histórica no qual o exercício
da função paterna se fragiliza – ou, para utilizar uma expressão cara a Pierre Legendre (1989),
fragiliza-se o oficio do pai
Todas estas indagações e questionamentos sobre paternidade no discurso de Oswaldo,
não estiveram presentes nas falas de seu irmão Norberto, o filho mais novo que foi pai na
adolescência. Norberto, como já mencionei, foi pai pela primeira vez aos 14 anos e depois aos
16 anos. Já foi casado três vezes. Naquele momento não tinha contato com os filhos.
A.... a tua mãe estava me contando que você já é pai também né, quanto
tempo?
N. Que eu sou pai?... hum.. uns nove...
A. Como foi isso pra ti? Você participa da criação dos seus filhos?
N. Participava, é... pagava pensão, só que ela não deixava eu ver os filhos
daí eu parei de pagar a pensão.
80
A. Daí hoje você não tem mais muito contato... e como teu pai era contigo?
N.. Sangue bom, o pai sempre... apoiou.. numa boa....(Norberto)
(...)
N. Paternidade... é tudo que um homem quer cara, um filho... eu gostei,
passei pela experiência, né? Fiquei pouco tempo né?
A. E como você acredita que o pai pode participar da criação deste filho?
Como que deve ser?
N. É legal cara. A gente pode participar... Levando o filho pra passear,
fazendo de tudo um pouco. (ele chama e conversa com outras pessoas ao
mesmo tempo em que responde minhas perguntas...) (Norberto)
A paternidade aparece no discurso de Norberto principalmente relacionada ao
pagamento da pensão. Parece ter vivido pouco esta experiência, não tendo dado muita
importância ao assunto quando lhe foi perguntado na entrevista. O informante fala pouco,
rapidamente e de forma genérica, sobre como o pai pode participar da criação dos filhos:
levando o filho pra passear, fazendo de tudo um pouco”. No que se refere ao prover o
sustento dos filhos, posso aqui arriscar a fazer uma associação entre a paternidade de Norberto
e a de seu próprio pai. Ambos não se responsabilizam pelo sustento dos filhos. O prover,
apesar de surgir como uma característica relevante da paternidade, o se mostra como uma
necessidade, uma obrigação. Outros aspectos como carinho, educação e estar presente na
criação dos filhos não surgem como importantes características, ou necessárias ao exercício
da paternidade, no discurso de Norberto e Bartolomeu. Talvez também não sejam facilitadas,
dado que em muitos casos estes aspectos são atribuidos ao feminino, diminuindo o campo de
possibilidades de expressão destas características para estes homens.
Em outro ângulo de análise, este trecho do discurso de Norberto provoca uma reflexão
sobre o que Lacan (1984[1938]) denomina de declínio da função paterna, sobre o
enfraquecimento do poder familiar e da autoridade do pai no seio da família, concomitante à
desvalorização da imagem social do pai, nas sociedades ocidentais atuais, capitalistas e
consumistas. Os discursos sobre paternidade, tanto de Norberto quanto de Bartolomeu
exemplificam a vivência deste período de transição histórica caracterizada pela fragilização da
função paterna.
Na entrevista com Bartolomeu, pai de Oswaldo e Norberto, o declínio da função
paterna, da autoridade do pai, também surge em seu discurso quando este fala sobre sua
família de origem, revelando que foi criado praticamente somente por sua mãe e pouco
relatando sobre seu pai. Ele foi encaminhado para um abrigo de menores, pelas dificuldades
financeiras de sua família e por seus pais terem se separado:
81
.... pelo seguinte, na época a minha mãe teve muita dificuldade em criar-nos,
trabalhava de lavadeira, o meu pai se separou da minha mãe tal e daí teve
muitos anos fora, daí depois... com a graça de Deus na época do ... a minha
mãe tinha muita dificuldade pra me criar... arrumou uma vaga com... na
época o governador, o Jorge Lacerda, arrumou uma vaga, fui criado.. pra
me colocar num abrigo de menores, nao é esta vagabundagem que tem hoje
aí, a gente chegava ali pra estudar e aprender uma profissão. (...)... então...
dali eu saí, fui pro exército e tal... (Bartolomeu)
A história de Bartolomeu demonstra que em praticamente três gerações desta família,
o pai não foi o suporte financeiro da família e nem, arrisco aqui a dizer, um simbolo de
autoridade. As mães desta família tiveram que trabalhar e, sem o apoio direto do pai, dar
conta da criação dos filhos. O pai de Bartolomeu se separou e foi embora. Bartolomeu esteve
presente em sua família, mas Oswaldo reclama que ele não trabalha, sendo sustentado pelos
filhos e que é pouco carinhoso. Norberto, o filho caçula de Bartolomeu, deixou de pagar
pensão aos seus filhos e não os vê mais. É possível notar como alguns aspectos da relação pai-
filho se repetem entre as gerações.
Norberto ressalta que a paternidade é como um grande feito de um homem, nas
palavras dele “tudo que um homem quer” e afirma ter gostado de passar pela experiência. O
discurso de Norberto me possibilita interpretar que a paternidade significou para ele uma
afirmação de sua masculinidade, principalmente pelo fato de ter sido pai pela primeira vez
aos 14 anos, ou seja, em plena adolescência. Desta forma, a paternidade teria servido para ele,
naquele momento, para confirmar sua virilidade, nesta posição de sujeito ela teria
importância. Interessante que Norberto diz que passou pela experiência de ser pai e não que
está passando, ou seja acabou, como ele mesmo afirma “fiquei pouco tempo né”, visto que
não vê mais os filhos e nem paga pensão. É como se Norberto não fosse mais pai, ou fosse um
“pai falso”, fazendo uma analogia ao termo “pai de verdade” de seu irmão Oswaldo.
Oswaldo, ao ver-se como um futuro pai, afirma querer ser um “pai de verdade”. O
que seria um “pai de verdade”? Poder-se-ia dizer que Oswaldo estaria se referindo a uma
paternidade diferente daquela exercida, ou não exercida, por seu irmão mais novo (Norberto)
e por seu próprio pai:
...o caçula, que tem filho, ele na verdade ele é um pai ausente, dá impressão
que ele só botou os filhos no mundo e logo em seguida ele se separou, então
daí a menina foi embora, pegou as crianças e se mandou, acho que se ele
quisesse ser um pai de verdade ele pelo menos que ia atrás com pensão, mas
acho que ele não está nem aí com a hora do Brasil. (Oswaldo)
(...)
A. E como que tu achas que vai ser quando tu tiveres o teu, um filho, se
82
tiveres, se quiser ter, como seria? Seria como ele, seria diferente?
O. Ah, eu seria um pai de verdade.
A. E o que seria um pai de verdade?
O. Ah, um pai de verdade é um pai maravilhoso, eu acho que não é
instinto... Leva pro colégio, não? Eu acho assim, isso é um pai de verdade,
depois tu teu filho assim e bota na cabecinha dele que tu é o super
herói dele, que eu tive com meu pai quando eu era pequeno, protege que
nada de mal vai acontecer, eu acho que pai é isso.
A. E isso também envolve mais afeto?
O. Claro, com certeza só que assim depois a gente cresce e vê que não é por
aí.
A. Mas se não é por aí é por onde?
O. É tudo imaginação.
A. É tudo imaginação?
O. É, e quando a gente é criança é beleza, mas depois que cresce...É óbvio
que a gente não quer perder, ta é um caco, trabalho, mas é meu, mas
ele é meu, meu pai, ele aqui sinto uma falta fudida, apesar dele ser um
zero à esquerda né? Mas é meu pai. (Oswaldo)
Um “pai de verdade”, “um pai maravilhoso” que não é “instinto”, ou em outras
palavras, que não é nato, pré-determinado. Oswaldo pode estar querendo dizer aqui, a partir
do que pude analisar em seu discurso, que a paternidade pode ser aprendida. De acordo com
Olavarría (2001), os aprendizados sobre paternidade o oriundos de nossas vivências,
lembranças e imagens que temos de nossos pais. Vivências estas muitas vezes contraditórias,
que criam conflitos e tensões. Estas são incorporadas em nossa subjetividade, seja para imitá-
las, em caso de admiração, seja para fazer exatamente o contrário, em caso de rejeição.
Oswaldo quer ser um pai “maravilhoso”, carinhoso e protetor, um pai que ele gostaria de ter
tido. Um pai que o é “instinto”, ou seja, estas características não seriam herdadas e sim
construídas nesta relação. No final do trecho selecionado de sua entrevista, o informante se
questiona se este ideal de pai não é “tudo imaginação” e que na medida que crescemos esta
idéia é desfeita e a imagem do pai idealizada, rui, é destronada.
Este trecho de Oswaldo remete também à diferenciação feita por Lacan (e apontada no
início desta dissertação) entre pai real, simbólico e imaginário. Em seu discurso, este
informante talvez esteja se referindo ao pai imaginário, aquele que intervém no complexo de
Édipo e é fantasiado pela criança, e que não corresponde necessariamente a um pai real e nem
necessariamente ao pai biológico (ou seja, muito longe de qualquer “instinto”).
Apesar de reprovar algumas atitudes de seu pai, Oswaldo se identifica com ele, ou
seja, ele não deixa de ser uma referência para a construção de sua subjetividade:
Eu tenho a personalidade do meu pai, eu também sou mais fechado, meu pai
também é tímido, eu sou mais parecido com ele, ele mudou, de repente
83
mudará o dia que eu tiver um filho, porque eu e meu pai a gente é grosso
quando quer, a gente é simpático quando quer, só que a diferença é que ele
não gosta de trabalhar e eu gosto.(Oswaldo)
...ele é uma pessoa grossa, apesar de eu também ser uma pessoa grossa, eu
sou grosso quando eu quero, o pai não, o pai é grosso 24 horas por dia, ele
também assim, ele também tem um lado sensível, a gente nota, mas
assim na parte de perdas.(Oswaldo)
5.3.2 “Eu sou homem, cara!” (Norberto)
Quanto ao tema masculinidade, Oswaldo enfatiza, em um trecho de sua entrevista, a
importância de um homem saber se impor, tanto no meio familiar como fora dele, além disso,
aponta como um outro importante aspecto, a capacidade de um homem de construir uma
família: Ah, eu acho que ser homem é ser aquele cara que sabe se impor dentro de casa ou
fora de casa, que construiu uma família legal assim, eu tenho que ser pai e construir uma
família pra mim saber como que é...” (Oswaldo)
A maneira que Oswaldo compreende o que seria um homem, neste trecho de sua
entrevista, pode estar diretamente relacionada à sua relação com seu pai, o qual se apresenta
como uma importante referência, seja em termos positivos, seja em negativos. Percebe-se no
discurso do informante a presença de um importante mandato de masculinidade, apontado
nos discursos de Edson e seus familiares: ter sucesso na construção, criação e sustento de uma
família, dos filhos. Este aspecto surge como uma tarefa, um passo necessário para se tornar
um grande homem, ou um homem bem sucedido.
seu irmão mais novo, Norberto, durante a entrevista estranhou o aporte ao tema
masculinidade e pensou bastante quanto ao que responder. Retornou para mim a pergunta,
dizendo que eu sabia, que pensava o mesmo que eu achava, já que eu também era um homem.
Dizia que os homens tinham vantagens sobre as mulheres, e que era assim mesmo que tinha
que ser.
N. Masculinidade? O que que eu penso? ...
A. Não tem certo nem errado...
N. Então... O que eu vou dizer pra você.... (pausa)
A. Então o que é ser homem pra você?
N. Ser homem? Pô.... eu sou homem, né cara!
A. Então, conta aí pra mim!
N. Como é pra ti ser homem?
84
A. Bom eu estou te perguntando ( risos) eu sei como é... (risos)
N. Bom, como é que eu vou te responder, pô, eu sou homem, pô!(Norberto)
A estranheza de Norberto quanto à pergunta sobre a masculinidade merece ser
analisada. A masculinidade pra ele é inquestionável, a partir de que tem certeza de ser
homem. Ser homem para ele assume uma conotação natural, pré-deteminada. Não surge
nenhum questionamento sobre esta posição ou condição. Norberto se homem naquilo que
se faz órgão, pelo biológico, e isto lhe basta. Isto me faz lembrar do homem como sendo
alguém sem gênero. Foram as mulheres que levantaram a necessidade de se discutir as
relações de gênero, em consequência das reivindicações dos movimentos feministas.
Anteriormente (e para muitos ainda), costumava-se tratar os homens como se eles não
tivessem gênero. Segundo Oliveira (1998), por muito tempo os homens não estiveram
capacitados a enxergar como o gênero afetava suas vidas, vendo-se como seres humanos
universais e generalizáveis. Neste sentido, não havia nenhum questionamento sobre sua
condição de homem, que estes sempre estiveram envoltos de privilégios perante os outros
grupos, significativamente considerados minoritários.
5.3.3 “Simplesmente é so isso que eu tenho a dizer” – o dito e não dito nas entrelinhas
...eu boto a mão pro céu, por nenhum deles ter caído neste mundo da droga..
e o que eu posso dizer é que... Eles me ajudam, eu sou desempregado. A
minha esposa é doente e tal, então a única coisa que eu posso dizer é isso.
(Bartolomeu)
“A única coisa que eu posso dizer é isso...” Frases como esta foram intensamente
repetidas na entrevista de Bartolomeu. Elas nos dizem o quanto, no entendimento do
informante, este não podia reclamar de seus filhos, afinal estava desempregado, eram os filhos
que sustentavam financeiramente seu lar, eram muito bons para ele. Além disso, não cumpria
com os mandatos tradicionais de masculinidade onde o pai seria o chefe da casa, o provedor,
o orientador e educador. Adotava, por prevenção e técnica de auto-preservação, o aceitar para
ser aceito. Talvez se reconheça interiormente como fracassado e, para valer-se dos benefícios
trazidos pelos filhos, permite-se aceitar incondicionalmente o lugar de dependente.
85
...simplesmente é só isso que eu tenho a dizer. Pra dizer bem verdade eu sou
músico mas.... (barulho) A música hoje em dia é som mecânico, então eu
praticamente parei. Às vezes eu toco aí, tenho uma bandinha de velho aí,
pra tomar umas cachaças... É o que eu tenho pra dizer é isso mesmo,
porque não tenho mais nada a dizer.(Bartolomeu)
No entendimento de Bartolomeu, por estar desempregado, ser analfabeto, não ter uma
profissão de destaque (já que entende que ser músico tem sido difícil devido ao som mecânico
e outras dificuldades desta profissão) ele pouco teria a dizer. O discurso deste informante
pode indicar implicitamente que para ser homem e pai, para se ter alguma coisa a dizer sobre
isso, é importante ter mais sucesso do que ele tem na vida, ou seja, ser instruído, ser
profissionalmente bem sucedido, agir mais. Como ele não contempla estas características, ou
seja, não participa de um modelo tradicional de paternidade e nem de um modelo hegemônico
de masculinidade, ele o teria “nada a dizer”. A partir de seu discurso, é possível refletir
sobre como outras características que o dignificariam como pai são silenciadas, já que ele não
cumpre com estes mandatos hegemônicos.
A. E como que foi criar quatro filhos homens?
B. Bem verdade, com muito sacrifício mais, graças a Deus consegui criar
eles. (...)
A. E que responsabilidade você acredita ter como um pai, o que é ser pai
hoje? É diferente do que era antes?
B. Não... porque o seguinte, porque pra mim a maior felicidade do mundo, é
eu ser pai e ter uns filhos muito obedientes, que eu, com a graça de Deus,
aos trancos e barrancos, dei estudo pra eles, e...eles me ajudam, com a
graça de Deus, tem um que está desempregado (...) Eu não tenho mais
condição de trabalhar, estou com 60 anos de idade.
(...)
B. Nós estamos vivendo nossas vidas, com nossas dificuldades, às vezes de
se alimentar, eu e minha esposa, mas tem meus filhos que com a graça de
Deus me ajudam e a mais eu não tenho mais nada a dizer. Desculpa a minha
franqueza, mas tudo que eu disse é isso daí. (Bartolomeu)
De acordo com o discurso de Bartolomeu, o pai deve dar estudo aos filhos, direcioná-
los a um emprego, torná-los independentes. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas,
Bartolomeu conseguiu encaminhar seus filhos e agora são eles que o ajudam, que sustentam a
ele e à sua esposa. A maioria deles tem emprego e mais instrução do que ele. Isto o realiza
como pai e esvazia seu discurso - “não tenho mais nada a dizer e pede desculpas pela
franqueza. Por que Bartolomeu precisaria pedir desculpas? Por que ele insiste em diversos
momentos que o tem mais nada a dizer? Isto pode estar diretamente relacionado a como o
informante se percebe como homem e pai. De acordo com os psicólogos mexicanos Carlos D.
86
Carrillo Trujillo & Jorge A. Revilla Fajardo (2006), muito do que é associado com a
masculinidade gira em torno da capacidade do homem de poder e controle. Portanto,
Bartolomeu, longe de cumprir minimamente estes requisitos que constituem a masculinidade
tradicional, acredita não merecer ser ouvido.
A dissertação de Marcia Longhi (2001) intitulada “Ser Homem, Pobre e Pai” é de
grande auxílio para o entendimento dos sentidos dados por Bartolomeu à paternidade e a
masculinidade. Esta autora inicia seu estudo a partir do que ela chama de tripé família,
pobreza e masculinidade” e realiza uma etnografia com jovens homens e seus respectivos pais
moradores da favela do Bode, em Recife. Neste estudo, a autora comenta que, devido às
condições desiguais de distribuição de renda no Brasil, o homem pobre é condenado a não
cumprir com o provimento de sua família, fazendo com que ele se sinta em risco em relação a
sua masculinidade. Longhi observou em sua pesquisa que alguns de seus informantes se
sentiam humilhados por não serem provedores de suas famílias. Na impossibilidade de
corresponder ao que esperam deles, muitos se afastam do espaço doméstico.
Segundo esta autora, em camadas populares a pobreza e o trabalho definem o homem.
O trabalho é a possibilidade de provimento e um veículo de transmissão da masculinidade. É
através dele que se é ensinado o que é ser homem. Segundo os informantes da pesquisa de
Longhi, é ensinando o que se sabe que se ensina a ser um homem. Portanto, na concepção de
Bartolomeu, o que ele pode ensinar se o trabalha? O que pode dizer sobre o ser homem e
ser pai? Então, em minha interpretação, Bartolomeu se questiona quanto a estas questões e a
partir disso afirma que, na medida em que tem pouco estudo Qualquer coisinha que me
perguntar eu sei retribuir a pergunta”. Afirma não ser ignorante, ou seja, acredita poder
alguma coisa ensinar, embora venha a se contradizer em seu discurso, quando se desvaloriza,
pensando ter pouco a dizer para mim, em sua entrevista. Em meio a contradições, ditos e não
ditos, Bartolomeu deixa transparecer sua concepção de paternidade e masculinidade, que
parece estar de acordo com o estudo de Longhi (2001). Abaixo, um trecho da entrevista de
Bartolomeu:
Bom , eu estudei até... Ah... Eu saí da aula em 1960, faz quarenta e seis
anos, dali pra não estudei mais nada, não dei mais nada pro estudo, na.
carteira eu sou analfabeto. Qualquer coisinha que me perguntar eu sei
retribuir a pergunta, porque eu não sei falar, idioma é só o português
mesmo, porque nós brasileiros nem nós falamos a nossa língua certa,
porque nossa ngua é o guarani. Nao sei se você sabe disso, você é mais
estudado do que eu. Nós brasileiros, nossa língua é o guarani... Então quer
dizer.. Eu não sei .... Por.. sou analfabeto, ...não intelectual e ignorante.
É só o que eu tenho a dizer meu amigo. (Bartolomeu)
87
Deste trecho da entrevista com Bartolomeu pude extrair que valores nortearam sua
relação em família. Íntegro, mas acomodado, pautou sua vida no respeito e gratidão. Mal
sucedido, centrou seus esforços na educação dos filhos, talvez para evitar que sentissem a
desvalia que sente por si mesmo naquilo que o corresponde ao modelo de homem, de pai.
Impotente, perde a auto-estima e se recolhe humilhado, esquecido de tudo o que representa
nesta relação.
Em termos psicanalíticos, Glacy Q. de Roure, Jaqueline M. Coelho & Juliana C. de
Resende (2001), pesquisadoras que se fundamentam na psicanálise lacaniana, auxiliam-nos na
reflexão sobre a situação de Bartolomeu. Para estas autoras, tem ocorrido, nos ultimos anos,
um deslocamento da posição de pai, “que deixa de comparecer como o ‘grande Outro’, ou
seja, como sustentador de uma ordem simbólica, e passa a comparecer apenas como puro
semelhante, ‘pequeno outro’, ou seja, em sua pequena e insignificante pessoa”
(ROURE,COELHO & RESENDE, 2001, p. 206). Este aspecto, segundo as autoras, provoca
uma redefinição na configuração dos vínculos dentro de uma família, afetando a credibilidade
do saber que o pai transmite.
Muito destas mudanças apontadas pelas autoras, relacionam-se a uma superação do ter
em detrimento do ser. Neste sentido, diante de situações de pobreza, o sujeito é destituido do
poder simbólico, por não ter bens, não proporcionar riquezas, sendo desvalorizado
socialmente, compromentendo também sua própria auto-percepção como pai. Com a
exacerbação deste aspecto, tão estimulado pela sociedade consumista, outros aspectos
importantes da paternidade, relacionados ao ser, como educação, caráter, dignidade, bravura,
entre outros, o diminuidos, passando a ser pouco valorizados, perdendo em importância e
atingindo também os mandatos de masculinidade.
Quanto ao fato de ter apenas filhos homens, Bartolomeu lamenta, diz que Deus o
deu a ele a graça de ter uma filha mulher, que isso teria sido bom para sua esposa, para ajudá-
la na casa. Comenta ter um bom relacionamento com sua companheira. Relata que
“aprontou” muito por aí, que ficou com outras (mais um mandato de masculinidade), mas
nunca deixou de voltar pra casa, para sua esposa. Diz que bebia muito, que teve problemas
sérios de saúde e que, por isso, hoje bebe mais moderadamente. Abaixo, um dos trechos de
sua entrevista:
....e é bem verdade que depois de casado eu fiz diversas travessuras, é
amiga e tal, mas eu nunca deixei de dormir uma noite com minha mulher,
88
em noite de carnaval, que chegava de manhã no outro dia, tava tocando.
No outro dia, chegava pensando no serviço e nem dormia direito em
casa... mas graças a Deus nós estamos aí, a única coisa que eu tenho a
dizer.(Oswaldo)
As “amigas” e as “travessuras” podem ser consideradas, no discurso de Bartolomeu,
como reforço de uma masculinidade para ele fragilizada. Indicam sua atividade sexual, o
gosto por mulheres (o “não negar fogo”, nas palavras do informante Pedro, pai de Marco),
características consideradas importantes para a afirmação de sua virilidade. Bartolomeu,
todavia, enfatizou que nunca deixou “de dormir uma noite” com sua mulher, deixando clara
sua dependência afetiva, moral e financeira da esposa, que tinha trabalho mais regular e que
sustentava a família, segundo o relato de Oswaldo .
Com relação ao espaço que a mulher tem conquistado nos últimos anos, Bartolomeu
aponta o quanto os homens têm perdido espaço e poder diante das mulheres, seja na questão
do trabalho, seja na questão de direitos. “A mulher tem direito a tudo”, diz o informante.
Interessante este questionamento. E o homem, não podia tudo antes? Não pode mais?
Como este crescimento de poder da mulher afeta os homens?
(...) em materia de trabalho tem mais, (...) porque pros homens é..., é mulher
isso, é mulher aquilo, é deputada, é senadora, é.... Hoje,. tem mulher tirando
serviço de um homem e até mais inteligente e.. (...) porque a mulher tem
direito em tudo. Se eu dou um tapa na minha mulher ela pode dar parte, eu
vou pra delegacia, memo eu não fazendo nada, podem dar parte de mim na
delegacia da mulher e eu vou pra cadeia e ela fica aí. Então a mulher hoje
em dia... Andam mais avantajada do que os homens.(Bartolomeu)
A mulher é “até mais inteligente”. Esta expressão pode estar indicando uma
concepção de Bartolomeu de que o homem é superior à mulher, é mais poderoso e inteligente.
O uso da palavra “até” demonstra a surpresa do informante de as mulheres estarem ocupando
cargos de poder, cargos para pessoas instruídas e inteligentes e estarem desempenhando bem
estas funções que eram “destinadas” a homens, dado sua suposta superioridade e maior
inteligência. Nas palavras de Bartolomeu Hoje, tem mulher tirando serviço de um homem”-
este trecho, em minha interpretação, demonstra o incômodo do informante pelas mulheres
conseguirem boas posições de emprego, ao contrário de muitos homens, lembrando que ele
está desempregado. Mas toca também em outras questões, já que na sua própria família, fora a
mulher que garantira o sustento dos filhos e até do marido. Dele, que não conhecera o pai e
que dependera da mãe, até ser colocado por ela num abrigo para crianças. Suas relações com
as mulheres e o poder que possuem, pelo menos no ambiente doméstico, o devem ter sido
89
fáceis. Imagine-se agora, quando as mulheres passam a ter domínio em funções do mundo
público. Até pouco tempo, não se pensava que as mulheres podiam chegar a estas posições,
visto que eram consideradas inferiores, devendo estar à “sombra” dos homens, cuidando
destes, dos lares e de seus filhos, apenas.
É possível notar a partir do material selecionado para a análise discursiva das
entrevistas de Oswaldo e seus familiares que, ao mesmo tempo em que são preservados
alguns aspectos referentes a uma masculinidade tradicional, outros são rechaçados,
apresentando-se novos aspectos que caracterizam um pai e um homem. Quanto à paternidade,
apesar de existir um discurso de Oswaldo reivindicando uma maior afetividade de seu pai, o
que predomina na história de paternidade desta família é um maior distanciamento afetivo do
filho, influenciado por questões de masculinidade. O prover, durante várias gerações na
família de Oswaldo não constituiu fator relevante para a caracterização de pai, sendo a mãe a
grande responsável pela criação dos filhos e ajudando também no seu sustento. É possível
perceber como características que significam a paternidade e a masculinidade se entrecruzam
nas vivências destes homens na relação pai-filho, subjetivando-os como homens e pais e
definindo os sentidos dados a estes temas por estes sujeitos.
5.4 Leonardo e Tarcísio mudanças, referências, acertos e erros, os desafios de ser
homem e de ser pai
L. Olha, a minha família de uns tempos para cá mudou muito, né?
A. O que que mudou?
L. Eu tenho vinte e sete anos hoje, mas principalmente mudanças com o meu
pai, né, meu pai que mudou mais. Quando eu tinha oito anos por aí, nove
anos ele era bem mais, bem mais assim, mais carrasco digamos, tanto
comigo com as minhas irmãs, tudo, minhas irmãs sofreram bem mais, elas
são mais velhas um pouco, né, mas depois com o passar do tempo ele foi
melhorando. (Leonardo)
Uma significativa mudança cultural na imagem da paternidade e nas características de
masculinidade provocaram uma revitalização do exercício da paternidade, o discurso de
Leonardo apresentado acima, ilustra bem isto. Aspectos tradicionalmente considerados
masculinos que significavam a paternidade e definiam as atitudes de um pai tornaram-se
questionáveis, abrindo espaço para uma gama de outras características até então consideradas
femininas, as quais passaram a fazer parte da imagem do que deveria ser um pai. A figura
paterna tradicional, inspirada no modelo patriarcal, de um pai autoritário, demasiadamente
poderoso e temido, perdeu espaço para a imagem de um pai afetivo, carinhoso e presente,
90
como aponta Tarcísio no trecho apresentado abaixo. Esta passou a ser uma realidade possível
em muitos lares, nas últimas décadas (no entanto, não ainda na maioria).
A. E a paternidade, tu também achas que tem mudado nas últimas gerações?
T. Tem, tem sim.
A. Em que aspecto?
T. No mesmo aspecto que a gente começou a conversar. Tipo, antigamente o
pai educava o filho na base do tapão, da porrada.
A. E hoje?
T. Às vezes acontece ainda isso, mais é mais raro isso aí, é mais o diálogo, a
conversa, mais o carinho, mais o jeitinho, não sei se é bom ou ruim.
(Tarcísio)
Nos discursos de Leonardo e de Tarcísio sobre seu pai, é possível perceber este
momento de mudanças, na medida em que apresentam um pai que fora outrora muito
autoritário e violento, mas que atualmente se permitia ser pai de outra maneira. Muita coisa
mudou nesta família, mas o pai continuou sendo uma figura de destaque na construção da
subjetividade destes meninos, agora crescidos, os quais trazem consigo seu pai como uma
importante referência que os ajudou a definir caminhos e atitudes na vida que têm hoje.
Um “herói” e uma referência de honestidade. Este pai é para Tarcísio um modelo a
ser seguido, apesar de diversos erros cometidos com seus outros filhos e de problemas
familiares que surgiram em tempos anteriores. É importante ressaltar aqui que Tarcísio é o
filho mais novo, não tendo passado pela mesma criação que seus outros irmãos, ou seja, seu
pai já começava a relativizar seus atos de violência e procurara criar seu último filho de forma
diferente, com menos surras, com menos interdições.
A. E qual o significado do teu pai pra ti na tua vida?
T. Hoje, meu herói!
A. Por quê?
T. Porque ele é e foi tudo o que eu sempre quis ser, mas não consegui ser,
honesto, justo, certo.
T. Meu pai é meu herói e meu ídolo. (Tarcísio)
Definindo a maneira de ser destes dois jovens ou como gostariam de ser enquanto
pais, suas vivências na família de origem surgem em seus discursos como de grande
relevância e este aspecto aparece também quando falam da relação de seu pai com o avô. Para
Tarcísio, o pai é colocado como um modelo ideal de homem, aquele que tentava mostrar o
caminho certo, orientar, mesmo que este resistisse a seguí-lo. Assim como na pesquisa de
Longhi (2001), é possível perceber um modelo de masculinidade onde o pai se reafirma
91
enquanto “homem de bem” e o filho, seguindo-o, afasta-se do “caminho errado”. Leonardo
teria seguido este caminho, e Tarcísio não, segundo suas entrevistas.
T. Aí eu não sei, penso eu criar meus filhos, os meus filhos, como meu pai
tentou me criar.
A. Como que ele tentou? Descreve.
T. Da maneira mais correta possível, mais amorosa possível, mais correta
possível, tipo tentar ensinar as coisas certas, não deixar que o mundo
ensine as coisas erradas como eu aprendi.
A. Tu achas que seria melhor?
T. Claro, lógico que ensinava as coisas erradas também, mas, apesar dele
ensinar não deixar passar, também, o deixar quebrar a cara pra
aprender. (Tarcísio)
Apesar de Tarcísio admirar seu pai, seu irmão questiona a educação que teve, devido à
violência e ao autoritarismo. Esta era a forma que este pai aprendera de criar seus filhos, a
forma como fora criado. Dentre os relatos e mitos familiares, Tarcísio declara que seu avô era
conhecido como muito violento. Leonardo comenta o quanto seu avô havia sido violento com
seu pai, tentando justificar a criação que teve.
T. Eu conheci meu avô, tipo muito pouco, mas dizem que meu avô era muito
violento, talvez graças a essa violência meu pai é o homem que é, meu pai
foi o homem que foi, entendeu?
A. Teu pai contava sobre o teu avô? O que que ele contava?
T. Ah, ele contava da maneira que meu avô criou ele.
A. E como que foi isso?
T. Tipo, um erro uma surra, um erro uma surra, dois erros três surras,
quatro erros oito surras, entendeu? Talvez e eu imagino que talvez por isso,
que meu pai é o homem correto que ele é hoje, ou foi, e agora pra mim
talvez por isso que eu caí pelo lado errado no mundo, eu imagino que sim.
(Tarcísio)
A. E como que ele é hoje com vocês?
L. Ah, hoje ele é outra pessoa, hoje é uma maravilha, ele se arrepende muito
das coisas que ele fez, de todas as coisas ruins que ele fez, ele foi uma
pessoa bem, bem carrasca por que o pai dele também foi assim com ele, ele
conta muito a passagem que ele teve com o pai dele que o pai dele bateu
nele com a vara e enquanto tinha a vara e depois que a vara acabou o pai
dele começou a dar socos nele deixando meu pai desmaiado no chão, então
uma coisa leva a outra, ele foi criado dessa maneira então ele achou que
tinha que fazer a mesma coisa. (Leonardo)
A violência esteve presente em diferentes gerações desta família, sendo significada de
variadas maneiras. Leonardo, que foi educado com o uso de atos violentos, questiona este tipo
de criação. Já Tarcísio, filho caçula que não foi criado desta forma, acredita que deveria ter
sido mais repreendido, ter apanhado mais”, que isto o teria deixado menos rebelde, mais
92
próximo do modelo de homem que o pai representa para ele. Na família de Leonardo e
Tarcísio, em minha interpretação, houve uma transmissão da masculinidade através da
violência.
A identificação de Tarcísio com a violência é um recurso de identificação masculina.
Ele não se interditado pelo pai contra a mundo feminino e para se livrar disso identifica-se
com a violência para se fazer homem. Expressões de agito e agressividade seriam expressões
corporais como formas de se rebelar do domínio materno e do mundo feminino, frente a
angústia de castração e temor de ver-se engolido pela mãe. O pai de Leonardo aprendeu a ser
homem através da educação violenta de seu pai e com Leonardo aconteceu o mesmo, com
Tarcísio tudo foi diferente. Esta mudança fez com que Tarcísio o se identificasse com seu
pai e sim com a violência, com a rebeldia, para tornar-se homem. A partir disso admira seu
pai, mas não consegue ser como ele. A ele não foi “passado o bastão” (ser educado através da
violência), foi quando ele se tornou o próprio “bastão”(ser rebelde, cometer atos de violência
dentro e fora de casa).
Nas últimas décadas, as conseqüências negativas de uma educação autoritária e
violenta foram bastante questionadas, embora a violência ainda se apresente como um
marcador de masculinidade para muitos homens, ou mais especificamente de virilidade,
segundo Kimmel (1997), quando mostram sua valentia e a usam para intimidar adversários,
para resolver situações difíceis e nos momentos de conflito. Para Longhi (2001), o homem de
camadas populares vê a força física como um elemento de afirmação de masculinidade. Neste
sentido derrotar o outro seria uma maneira de mostrar que se é forte e viril e suficientemente
“macho” para proteger uma família. No entanto, este aspecto também o torna temido e
condenado no espaço doméstico.
Os psicólogos mexicanos Trujillo & Fajardo (2006) afirmam que o modelo visto
como ideal para o homem traz como característica o poder sobre mulheres e diante do mundo,
como possuir objetos, mandar em outros homens, etc. Porém, para um homem de camadas
populares, este poder diante do mundo é restringido, contribuindo também para os índices
altos de violência doméstica, segundo os autores. Sobre estes aspectos, seguem abaixo alguns
trechos da entrevista com Leonardo:
L. É, a minha família em relação ao tratamento que eu tinha quando eu era
criança e morava em casa com o meu pai é bem diferente, né, meu pai não
tinha muita paciência com a gente, ele era mais, qualquer coisinha ele
partia para ignorância, né, então a gente tinha, além do respeito, primeiro
do respeito a gente tinha um medo, a gente temia nosso pai, antes de
respeitar. Eu já procuro não ser assim, né procuro ser um pouquinho
93
diferente, sempre tentando fazer o correto mas não com tanta violência,
como se fazia antes.
(...)
A. E como foi isso para você, essa maneira dele ser, esse tratamento
contigo?
L. Olha por incrível que pareça pra mim não deu muito, não teve nenhum
trauma, pra mim não, mas pra outras pessoas já, pra minha irmã que sofreu
mais do que eu, ela já ficou um pouco traumatizada, o filho dela ela nem
encosta a mão nele porque começa a lembrar das coisas que acontecia
com ela, né.
A. Tu acha que o principal problema era ele bater?
L. É o principal problema era esse.
A. E tu acredita que ele mudou?
L. Mudou. (Leonardo)
(...)
L.Por que assim ó, que nem eu te falei meu pai foi mudando, eu quando era
criança ainda peguei uma fase ruim do meu pai, só que hoje a gente
pergunta será que foi ruim ou será que foi boa pra mim, eu não sei, eu não
reclamo disso, apanhei às vezes mais do que devia mas merecia apanhar,
poderia ser menos, mas merecia, o meu irmão não, meu irmão por ser o
caçula, o mais novo, meu pai achou que, por ele mudando, achou que
poderia ser diferente a criação dele, e foi, eu acho que foi um grande
equivoco, meu irmão é completamente diferente de todos os outros filhos, as
coisas que ele fez, é uma coisa assim que sinceramente, a gente... é a mesma
coisa que uma bomba cair aqui no meio da nossa sala, aqui agora e a gente
tá conversando, é um absurdo, completamente um absurdo.(Leonardo)
Temido, antes mesmo de ser respeitado. Poderoso e autoritário. Esta é a imagem que
Leonardo apresenta em seu discurso sobre o pai que, segundo o informante, mudou muito.
Relata que não teve grandes traumas como suas irmãs, será que por ele ser homem e ter que
ser forte, ter que saber enfrentar estas adversidades? Montesinos (2002) aponta para a
importância de considerar as conseqüências da reprodução cultural de um pai fielmente
orientado pelos traços tradicionais de masculinidade, que reforçam a autoridade do homem,
sendo esta moral e econômica. Segundo o autor, os jovens adultos nos últimos anos possuem
dois grandes referenciais de masculinidade, a saber: um ligado ao estereótipo do passado,
onde o autoritarismo representava a característica essencial do homem e também da
paternidade, e o outro ligado a um estereótipo que reflete uma transformação cultural e suas
novas tendências, o que o autor chama de uma nova identidade masculina (MONTESINOS,
2002).
A afetividade e a emoção surgem no discurso de Leonardo como características da
nova fase de seu pai. A dificuldade anterior de expressar afeto e carinho é enfatizada por
Leonardo quando lembra que seu pai nunca o pegou no colo. Descreve o quanto ficou
impactado a primeira vez que seu pai foi capaz de pedir desculpas a ele.
94
Trujillo & Fajardo (2006) ressaltam o quanto muitos homens não se sentem próximos
de seus pais ao mesmo tempo que os vêem como um deus, inacessível, não afetuoso e
intransigente. Além disso, pouco recordam de ter sido beijados, mimados ou sequer
abraçados, ao passo que lembram bem de terem sido castigados. Assim, incubiria ao grupo de
iguais a tarefa de desfeminizá-los e torná-los homens, afastando-os do exercício do cuidado,
do carinho e expressão de afetos, tidos como caracterísicas femininas.
Para Kaufman (1997), adquirir a masculinidade hegemônica e também a maioria das
subordinadas é um processo onde os homens suprimem emoções, o prazer de cuidar do outro,
a empatia e a compaixão entre outros aspectos, que são experimentados, para muitos homens,
como sendo incompatíveis com o poder masculino. Abaixo, um trecho da entrevista de
Leonardo:
A. Você está me dizendo que a maneira como você é pai hoje é diferente
de como teu pai foi, se tu puderes me falar um pouquinho mais dessa
relação, de como que era tua relação com o teu pai e qual é a diferença de
como você é hoje.
L. Olha a relação minha com o meu pai, pra te ser bem sincero, o meu pai
nunca me pegou no colo.
A. Você é o mais velho dos meninos?
L. Dos homens sim.
A. Nunca?
L. Nunca me pegou no colo. Nunca. Então eu, quando aconteceu que a
minha mãe decidiu se separar dele, eu até achei bom, por que até então...
olha, eu fui aprender a gostar do meu pai depois dos 15 anos por aí, por que
até então, assim, se o meu pai não mudasse, acho que a nossa família iria
ser um fracasso total.
A. Depois ele ficou mais afetivo?
L. Ficou, ficou bem mais afetivo.
A. Como é que ele demonstrava essa afetividade?
L. É ele, para uma pessoa que sempre foi um carrasco de repente mudar não
precisa, a pessoa não precisa te pegar no colo, a pessoa não precisa estar te
beijando toda hora, simplesmente o fato, uma coisa que me marcou muito e
até hoje eu lembro foi uma vez que eu tava trabalhando junto com ele,
ajudando ele e ele deixou uma ferramenta cair na minha mão e me
machucou, foi a primeira vez que o meu pai pediu desculpas pra mim.
(Leonardo)
Segundo Leonardo, seu pai, ao reconhecer seus erros do passado, seus problemas com
álcool e na iminência de perder sua família, transformou-se em um novo homem, sendo capaz
de expressar suas emoções, seus sentimentos. Fica implícito aqui o poder desta mãe e esposa,
na família, que de certa maneira teve fundamental importância e participação na mudança de
atitudes de seu marido, o pai de Leonardo e Tarcísio, redefinindo o exercício da paternidade
95
do mesmo e suas atitudes como homem. Considerando o gênero como relacional, faz-se
importante ressaltar a influência desta mulher na mudança do marido.
Outro aspecto que devo destacar é o problema do álcool, da bebida nestes contextos
(esteve presente também na família de Oswaldo), trazendo diversas conseqüências para a
vida familiar dos jovens entrevistados. A bebida é frequentemente utilizada nos momentos de
socialização masculina, sendo socialmente mais permitida e autorizada para os homens do que
para as mulheres.
Fernando Zarco Hernández (2006), psicólogo mexicano, em seu estudo sobre a
construção de discursos que configuram noções de masculinidade, em contexto de grupos de
ajuda mútua contra o alcoolismo (Al-Anon
33
) realizado na cidade de Morelia, no México,
afirma que para um homem o consumo de álcool é visto como algo normal e parte importante
da amizade masculina, podendo este beber muito e embriagar-se. O consumo de álcool torna-
se assim uma característica da masculinidade hegemônica e tradicional de muitas sociedades.
Nestes grupos de auto-ajuda os participantes são majoritariamente homens. Na medida
que eles se sentem não correspondendo a mandatos tradicionais de masculinidade, abusam do
álcool, vindo na sequência, em muitos casos, a violência doméstica e diversos outros
problemas famíliares, como foi relatado por Leonardo, referindo-se ao seu pai, quando afirma
que sua família estava desmoronando com os problemas de seu pai, violento e alcoolista.
Muitos daqueles que conseguem parar com o consumo de álcool, como foi o caso do pai de
Leonardo e Tarcísio e como acontece nos grupos de ajuda-mútua, re-significam sua
participação intrafamiliar e mandatos tradicionais de masculinidade, relativizando o atos de
autoritarismo e expressando suas emoções. Abaixo o trecho da entrevista de Leonardo:
Hoje sim, hoje ele se arrepende de tudo o que ele fez, tanto pra gente quanto
pra ela, principalmente pra ela, hoje ele bem diferente, hoje o meu pai,
por qualquer coisa ele se emociona, pessoa muito emotiva, por qualquer
coisinha ele tá emocionado, mudou bastante, diria cem por cento do que ele
era, boa parte disso foi ela, a bebida que ele parou, né?. (Leonardo)
Uma das características mais admiradas, tanto por Leonardo como por Tarcísio em seu
pai, é a honestidade. Leonardo a enfatiza como uma das características que herdou de seu pai,
dentre outras, como falta de paciência. Embora Leonardo se identifique com valores e traços
de seu pai, relata que sua maior referência de vida, por sua força e garra, foi sua mãe.
33
Equivalente aos grupos de Alcoolicos Anônimos no Brasil, AA.
96
L. Meu pai é uma pessoa que... é muito honesto, honestidade para o meu pai
é elogiável, ele é muito honesto mesmo, então graças a Deus essa parte eu
também puxei a ele, né, então ele sempre procurou ensinar assim, ser assim.
A. Como?
L. Muito honesto, nunca pegar nada que não é da gente, nada, nada.
A. E o que mais você acredita que puxou do seu pai?
L. O que eu puxei do meu pai, olha, ser um pouco nervoso.
A. Nervoso?
L. Um pouco nervoso comigo, e também o ter muita paciência com as
coisas, entende, se fazendo alguma coisa que não muito certo, se é
alguma coisa que tem que fazer com paciência, já não tenho muita
paciência. E essas coisas, honestidade, palavra, o meu pai fala alguma
coisa, se ele te pede alguma coisa, um dinheiro ou alguma coisa emprestada
e ele te devendo alguma coisa e ele fala que tal dia ele vai te pagar, tal
dia ele vai te pagar, acho que é isso aí, a gente sendo honesto, tendo palavra
o resto é conseqüência, né?
A. E como foi assim, tu foi crescendo, conhecendo a vida como que era ser
homem no mundo de hoje, ele participou disso ou nada, tu te espelhaste nele
de alguma forma?
L. Bastante, na minha mãe, a minha mãe é uma guerreira, a minha mãe
olha, melhor... Tanto ela como ele, mas ela é uma pessoa que, que batalhou
muito para que ele mudasse, se não fosse o apoio da minha mãe ele não
tinha mudado...(...) (Leonardo)
Leonardo deixa evidente, neste trecho de seu discurso, a força de sua mãe no meio
familiar, impulsionando a mudança do seu pai. Esta mãe, forte, com a qual Leonardo se
identifica, destaca-se aqui (assim como na família de Edson), mostrando-se como
fundamental no processo de mudanças dos sentidos atribuídos à paternidade e à
masculinidade . A força desta mãe não causa estranhamento se pensarmos em termos
freudianos, visto que a mãe é o primeiro objeto de amor da criança, que ao nascer está numa
relação fusional com ela. A mãe que inicialmente é vista pela criança como onipontente, forte
e poderosa e é quem significa para ela o pai - o pai simbólico.
De acordo com Hurstel (1999), o pai, no complexo de Édipo, é aquele ao qual a mãe
se refere para a criança, passando a ocupar a terceira posição no triângulo edipiano. Como foi
ressaltado no início desta dissertação, o pai que intervém no complexo de Édipo é o pai
fantasiado pela criança, ou seja, o pai imaginário, sendo que o pai simbólico é significado
pelo discurso da mãe. Em consequência, a mãe é figura central na construção da paternidade.
De certa maneira, poder-se-ia dizer, portanto, que a masculinidade destes homens, os
filhos cujos relatos foram aqui analisados, e também as maneiras como agem e significam os
modos de serem pais eles próprios, dependeu também e em grande parte, da relação com sua
mãe, da força que ela teve nesta relação, dos sentidos que ela atribuiu a estes temas e das
maneiras como estes sentidos constituíram os filhos, nos processos de identificações
parentais.
97
5.4.1 Sobre masculinidades – características e atitudes de homens nos discursos de
Leonardo e Tarcísio
A masculinidade está do lado da ação, da atitude, segundo Tarcísio. Em seu discurso
ele diz que ser homem “é agir”, é “tomar atitude”. Juntamente com esta ação vem a valentia,
a impulsividade e, em alguns momentos, a violência. O discurso de Tarcísio pode ser ligado
ao que dizem Trujillo & Fajardo (2006), quando afirmam que o modelo idealizado de um
jovem homem é ser agressivo, abusivo, hábil com esportes, descuidado com os estudo, entre
outras características. Para estes autores, muitos homens se vêem obrigados a seguir este
modelo que estimula a violência e a competitividade entre os homens, como forma de afirmar
a masculinidade.
Outra ênfase dada por Tarcísio para definir masculinidade é a anatomia das diferenças
sexuais. Em suas palavras “Masculinidade, isso é meu órgão sexual. Ou seja, a anatomia é
colocada aqui como um importante definidor de masculinidade. Basta ter um pênis para ser
um homem, é simples, é algo fixo, dado, não seria então uma condição, como para a mulher.
A partir deste trecho do discurso de Tarcísio, é possível desenvolver reflexões fundadas na
psicanálise lacaniana. O principal significante do falo
34
, embora este não se restrinja a ele, é o
órgão sexual masculino, o pênis. O falo é associado ao masculino, simbolizando força,
potência. Tomando por base esta interpretação, Tarcísio associa sua masculinidade quase que
exclusiva e simplesmente ao fato de ter o órgão genital masculino, sendo o grande
significador de sua masculinidade, e poder-se-ía dizer, não somente em termos biológicos, do
sexo masculino, mas também como este significante de força, plenitude e poder.
Outro aspecto importante a ser discutido, pois aparece no discurso de ambos os
informantes desta família, são as mudanças nas atitudes e características masculinas para a
geração de Leonardo e Tarcísio, em comparação com as gerações anteriores. Leonardo relata
mudanças nas divisões de trabalho doméstico com a esposa, diferenciando seus
comportamentos em comparação com os de seu pai. Tarcísio traz como uma nova
característica do homem a vaidade (relatando que se depila e faz sobrancelhas) e comenta O
homem a cada minuto que passa, a cada minuto que passa ele é mais feminino, mais
compreensivo, menos brigão”. Verifica-se que ideologias de camadas dias e altas, como a
figura do metrossexual
35
, de um homem consumista, vaidoso, frequentador de centros de
34
De acordo com Laplanche e Pontalis (2001) o uso do termo falo, em psicanálise “sublinha a função simbólica
desempenhada pelo pênis na dialética intra e intersubjetiva, enquanto o termo “pênis” é sobretudo reservado para designar o
órgão na sua realidade anatômica” (p. 166).
35
O termo metrossexual começou a ser utilizado no final dos anos 90. Foi usado pela primeira vez pelo jornalista britânico
Mark Simpson, popularizando-se na mídia européia e americana em 2002. Surgiu a partir da junção das palavras
98
estética, grifes caras de shoppings e sempre cuidadosamente bem vestido (figura esta que se
popularizou na mídia nacional, e que surgiu principalmente em grandes centros urbanos como
Nova York, Paris e Londres) começam a se difundir entre camadas populares, como Tarcísio
o demonstra Estas ideologias, intensamente divulgadas em revistas de circulação nacional
passam a fazer parte do cotidiano de alguns homens de camadas populares, redefinindo
atitudes ligadas aos homens, os quais começam a se preocupar mais com a beleza,
expressando sua vaidade (esta que até pouco tempo era uma característica diferenciadora da
masculinidade, por ser considerada eminentemente feminina). Desta maneira, vaidade,
valentia, rebeldia, ou valores tradicionais e novos, misturam-se como características
definidoras de masculinidade em Tarcísio. Abaixo o trecho de sua entrevista:
T. Sou vaidoso pra caramba, faço sobrancelhas, me depilo, enfim, vaidoso
pra caramba, acho que todo mundo tem seu lado feminino.
A. Então dessas características, tem a vaidade, tem mais alguma?
T. Carinhoso não, porque todo homem que ama é carinhoso, acho que é
isso mesmo, só sou vaidoso demais. (Tarcísio)
Leonardo apresenta, em seu discurso, as mudanças na maneira de ser homem nos
últimos anos, sinalizando a divisão mais igualitária de tarefas no meio doméstico e a
desaprovação de seu pai quanto à esta divisão. Segundo Kimmel (1997) o pai é o primeiro
homem que avalia o desempenho masculino de um menino. É o primeiro homem para o qual
se busca comprovar a masculinidade. Em seu discurso, Leonardo aponta que ser homem não
se sustenta apenas pelo discurso (“dizer que você é homem, que você é...”), demonstrando o
quanto a masculinidade não é algo palpável e concreto, precisando ser comprovada de
diferentes maneiras (PANIAGUA, 2000). Comprovação iniciada pelo pai e, em seguida a ele,
continua-se a “ter que”, nas palavras de Leonardo, comprovar a masculinidade de diferentes
formas, para diferentes outras figuras masculinas, tais como amigos, companheiros de
trabalho, chefes, etc (KIMMEL,1997).
Mas Leonardo desafia mandatos tradicionais de masculinidade e diz ser participativo
nas atividades domésticas, ser companheiro, evidenciando outras posições possíveis de
subjetivação de um homem, de um pai, outras maneiras de participar e se relacionar no
ambiente doméstico, familiar e parental. Abaixo o trecho:
metropolitano e heterossexual, tornando-se uma gíria urbana para homens preocupados com aparência, bem sucedidos e
excessivamente consumistas. Independe da orientação sexual do sujeito e representa um homem vaidoso, narcisista, que
rompe com digos tradicionais de masculinidade. (Fonte: WIKIPEDIA. Enciclopédia on line. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Metrossexual e http://veja.abril.com.br/especiais/homem_2004/p_022.html, Acesso em: 29 de
dezembro 2006).
99
L: Ser homem hoje, olha ser homem hoje, hoje mudou bastante.
A: Por quê?
L: Eu mudei muito hoje, tipo...
A: O que tu acha que mudou?
L: Por que assim, quando a minha esposa teve a minha primeira menina,
minha filha, eu mudei passei a fazer tudo dentro de casa, lavar roupa, lavar
casa, tudo, meu pai olhava pra mim e falava assim: Olha, eu não fazia isso
jamais, isso é coisa de mulher. Entende, então eu acho que ser homem
não é você apenas ser homem, dizer que você é homem, que você é, mas... a
mulher tem que fazer tudo dentro de casa, acho que não pode separar tudo
isso, homem hoje em dia tem que ser companheiro principalmente né, tem
que... (Leonardo)
Diferente de seu irmão que sempre buscou fazer tudo corretamente, de acordo com o
que seu pai ensinava, Tarcísio mostrou-se um rapaz aventureiro, impulsivo, teimoso e livre.
Em nosso encontro ele enfatizava a importância de aproveitar a vida, de desfrutá-la. Relata
suas aventuras por diferentes cidades e empregos, sua relação com as mulheres e fala sobre
sua rebeldia. O discurso de Tarcísio relaciona, como apontou Paniagua (2000), liberdade e
masculinidade. Segundo este autor, “la condición masculina va íntimamente ligada con la
noción de liberdad. La liberdad es el fundamento de su capacidad de experimentar, conocer y
auto-construirse”
36
(PANIAGUA, 2000, p. 208). De acordo com ele, esta relação entre
liberdade e masculinidade pode ser aprendida pelo menino desde pequeno, com seu próprio
pai e com outras figuras masculinas.
Tarcísio diz que tem muitas atitudes de garoto, de “moleque”. Quando pergunto sobre
atitudes de um homem, ele responde enfatizando atitudes de honestidade e respeito com o que
é do outro, valores admirados no seu pai por ambos os filhos. Em termos psicanalíticos,
poder-se-ía dizer que o discurso de Tarcísio remete a um menino que não se tornou homem
pela identificação fálica com seu pai. Este que não usou sua lei com o filho mais novo, não o
proibiu, não apresentou a mesma interdição. A partir disso, este garoto não se identificou com
o pai poderoso e agressor. Ele tornou-se um rebelde contra a lei do pai e contra a falta da lei
dele, buscando mundo a fora aventuras, liberdade, sem limites. A masculinidade está aqui,
para ele, na ação, no agir, no sentido de ter atitude, de não ser passivo diante do mundo. No
entanto, esta maneira de ver o masculino não o preenche, suas atitudes são vistas por ele
mesmo como de um menino, briguento, impulsivo, que resiste à lei do pai e que busca ser
homem de outras maneiras, através de outras identificações. Busca o falo por outras vias. E o
36
“...a condição masculina está intimamente ligada à noção de liberdade. A liberdade é o fundamento de sua capacidade de
experimentar, conhecer e autoconstruir-se” (PANIAGUA, 2000, p. 208, tradução minha).
100
homem, o homem feito está na ordem da honestidade, da atitude correta e justa. Estas são
características de seu pai, seu modelo, seu herói, seu ideal, mas que ele não consegue igualar.
Sendo assim, parte em busca deste falo, da masculinidade, dos sentidos para seu mundo, sua
existência.
T. Eu acho que sim cara, eu acho que é a maneira de ser, a maneira de agir,
as vezes não, às vezes eu faço umas coisinhas de piá, de moleque, tipo eu
sou briguento pra caralho cara.
A. Isso é de piá?
T. Pra que, tu vai andar aqui na rua, tu vai brigar com alguém tu vai cortar
tua mão, tu vai machucar o cara, tu vai estar fazendo uma ceninha ridícula,
eu era bem mais violento, agora não sou tanto né, mas mesmo assim eu sou,
isso eu acho do tipo infantil. (Tarcísio)
A. Que atitudes são de homem?
T. Sei lá, tipo se alguém passa aqui e perde uma carteira ali, daí você vai ali
e olha a carteira e bah, cheia de dinheiro, e pra ti acabou o dinheiro e daí
pegou a carteira, e não, qual é você vai podia ficar ali a noite toda, mas
não, ali ó chega aqui e achei... entendeu, e não só isso, isso é só um...
A. Tá, mas espera um pouquinho, que outras atitudes tu acreditas que são de
um homem?
T. Não errar, ou tentar não, a assumir as conseqüências com seu relativo
erro. (Tarcísio)
Leonardo, em seu discurso, relata sobre a dificuldade de seu pai em se relacionar com
Tarcísio. Este se esquivava de seu pai, com medo de ser repreendido, por sua rebeldia.
Leonardo comenta que seu irmão era muito agressivo com seus pais e que todos sofriam
muito com as rebeldias de seu irmão e pela forma como ele se comportava com os pais.
Enfatiza como tudo foi diferente com seu irmão se comparado com outros filhos, dando a
entender que faltou limite na criação do irmão.
A. Então tu acha que ele tinha uma boa relação com o teu pai, teu pai
procura ser mais próximo?
L. Meu pai tinha uma boa relação com ele, mas ele, que nem eu te falei, eu
não gostava muito de ver ele conversando com meu pai, por que ele era
muito ignorante com meu pai, coisas que ele falava com meu pai, na minha
época eu nem sonhava em falar pro meu pai, nem sonhava, se eu falava um
negócio daqueles pro meu pai me dava um soco na cara.
A. E ele não fazia isso?
L. Não, que nem eu te falei o meu pai e a minha mãe imaginaram criar ele
de uma maneira diferente, achando que essa seria a maneira certa, e a gente
viu que não é, não foi a maneira certa, então meu irmão aprontou muito, foi
pego com arma, né, reagiu e pra polícia, por sorte a polícia não atirou nele,
mas tá preso, não tá preso aqui, tá preso em Caçador. (Leonardo)
101
Tarcísio dá sua versão da relação com o seu pai:
A. E hoje a tua relação com o teu pai, é legal?
T. Agora é boa.
A. E o que que é uma relação boa com ele hoje.
T. Afeição carinho.
(...)
T. Talvez não tinha mais carinho, não tivesse mais compreensão, mais
atenção porque eu não deixava.
(...)
T. Lógico, como é que eu vou chegar perto de você se você não deixa...
A. E ele tentava chegar perto?
T. Talvez sim.
A. E tu sabe porque que tu não deixava?
T. Com medo de que ele chegasse perto de mim e fosse conversar comigo e
falasse: “Meu filho não faz mais isso, isso é errado, meu filho faça isso, siga
esse caminho, esse que tu indo ele não dando certo”, e eu queria
continuar fazendo, eu queria continuar fazendo as coisas do meu jeito, da
minha maneira, entendeu? Meu irmão, ele não comprava um chinelo se não
perguntar: “Ah, pai, o que o senhor acha de eu comprar um chinelo?”A
minha irmã: “O pai eu queria comprar um tênis novo o que o senhor
acha?”Eu não, eu queria, eu queria comprar eu ia e comprava, pronto
mais ou menos isso, entendeu. (Tarcísio)
Os discursos dos irmãos sobre masculinidade e paternidade enfatizam o período de
transformações na diferenciação de características e atitudes masculinas e no exercício da
paternidade. Em alguns momentos, os informantes apresentam dificuldades de absorver e
transitar por novos mandatos, como é o caso da expressão de carinhos e afetos de pai para
filho. Algo difícil para Tarcísio e novo e bem recebido por Leonardo (refiro-me a atitudes de
afeto de seu pai nos últimos anos com eles), que acaba de ser pai de um menino.
O pai destes garotos, ao reconhecer seus erros, seus atos de violência, ganha
admiração. Seu caráter e honestidade são reconhecidos por ambos os filhos como algo a ser
seguido e louvado. Ser homem para estes garotos é ser honesto, é ter atitude. O homem
autoritário e violento perde aos poucos força nesta família, sendo admitida a existência de
uma feminilização (digo isto inspirado no discurso de Tarcísio), que autoriza os homens da
família a serem mais compreensíveis, menos violentos, mais vaidosos, com mais cuidados
com a saúde e também, no caso de Leonardo, dividindo tarefas domésticas. Para Trujillo &
Fajardo (2006), o momento atual caracteriza-se pelo surgimento de um movimento que define
as bases de um modelo ideal, relativiza-o e amplia os límites de expressão de masculinidade,
de maneira a integrar diversos conteúdos que até então eram significados como femininos.
A paternidade passa a ser valorizada também pela expressão de afeto e cuidado, em
oposição à autoridade superior e temida de outrora. O pai continua sendo uma figura
102
importante para ensinar e dar limites aos filhos, mas de uma forma mais branda. Este mesmo
pai se mantém como um importante modelo de homem, de masculinidade, influenciando na
construção da subjetividade dos garotos.
Mas porque a paternidade e as atitudes dadas como masculinas mudaram nesta
família? Como foi a mudança deste pai? E como esta mudaa chegou aos filhos, de que
maneira estes se subjetivaram como homens e pais? A mãe teve aqui fundamental
participação, em minha interpretação, demonstrando uma força transformadora nesta família.
Ela surge no discurso de Leonardo como uma mulher forte e guerreira, como alguém que
lutou para manter a família e transformar seu marido, ao mesmo tempo em que criava seus
filhos e filhas, ensinando-lhes o melhor caminho para suas vidas.
Desta maneira, esta mãe teve grande participação na definição das posições de pai e de
homens nos sujeitos desta família, redefinindo, redesenhando o pai e o homem ideal,
tranformando valores hegemônicos que eram prejudiciais à sua família, em outros que traziam
mais harmonia e maior união. Sendo o gênero relacional, aqui o poder feminino destacou-se,
assim como foi percebido na família de Edson, na definição de novas possibilidades
discursivas de masculinidades e do exercício de paternidade destes homens.
103
Considerações Finais
A ruptura de um modelo ideal e tradicional de ser pai e homem e o fortalecimento de
outras formas de expressão de paternidade e masculinidade marcam as histórias dos sujeitos
estudados, apresentadas em seus discursos, nesta pesquisa. Se um modelo tradicional
caracterizado como aquele que corresponde aos ideais de uma cultura patriarcal, onde os
homens têm uma posição de domínio sobre as mulheres e seus filhos, persiste e se re-significa
em alguns dos discursos analisados, não é tão forte, embora ainda se faça muito presente.
Este modelo tradicional que representa o poder, a riqueza, a força, a autoridade, o domínio e a
virilidade, sendo um ideal a ser seguido, esteve presente de forma notável nos discursos do pai
de Marco (Pedro), no pai de Edson (Paulo), estando presente também em diferentes
proporções nos discursos dos informantes Edson, Norberto e Bartolomeu.
No meio da complexidade dos processos identificatórios, e da constatação de uma
história de rupturas e transformações, a paternidade é reinventada, dividida e multiplicada. A
família ganha outro espaço, sua função social e simbólica sofre um processo de esvaziamento
(ROURE, COELHO & RESENDE, 2001). Outras configurações de família ganham maior
destaque e espaço, surgem novas formas de subjetivação, novos referenciais. Ainda assim,
esta instituição continua sendo um importante espaço de diálogo e convívio de diferentes
gerações e de distintas concepções de mundo. Os avós apresentam-se como figuras
importantes neste diálogo intergeracional, tendo surgido nos discursos de Marco e de Tarcísio
e Leonardo.
Como foi referido no início deste estudo, de acordo com Paniagua (2000) os avós
são aqueles responsáveis pela manutenção das tradições e dos mitos familiares, trazendo
consigo mandatos tradicionais de masculinidade e feminilidade. No caso de Marco, seus avós
foram os responsáveis pela sua criação participando, consequentemente, de forma ativa na
construção de suas concepções de paternidade e masculinidade. no caso de Leonardo e
Tarcísio, seu avô surgiu em seus discursos como uma referência de autoritarismo e educação
violenta, que modelou o tratamento de seu pai na relação com os filhos. Este modelo de
paternidade não foi exercido pelo pai com o mais novo (Tarcísio). Foi possível notar nesta
família como o autoritarismo e a violência, colocados como características de masculinidade,
passaram de geração a geração, trazendo conseqüências diversas para estes sujeitos e
definindo o exercício da paternidade e a construção de masculinidades e feminilidades.
Os discursos sobre paternidade e masculinidade apresentados nesta dissertação
104
apontam para um momento de mudanças, onde o antigo e o novo convivem e disputam
espaço. Tomando por base o entendimento de que o que significa no discurso são as posições
discursivas influenciadas por ideologias e pelo contexto socio-histórico (ORLANDI, 1999), as
posições de pai e de homem dos sujeitos desta pesquisa encontram-se e desencontram-se na
construção de suas subjetividades, ampliando a arena de possibilidades de exercícios de
masculinidade e paternidade como também, em alguns casos, impedindo movimentos de
mudanças. O modelo tradicional de ser homem reinventa-se e mescla-se com características
de um homem dito mais moderno para alguns dos informantes (Tarcísio, Leonardo, Marco).
Neste campo de possibilidades, de novas subjetivações, a questão do poder das
mulheres na família ficou evidenciada, marcando a influência das mães até na alteração dos
modos de ser homem e pai em alguns casos. Afirmo isto pensando inclusive nas heranças
culturais e nas relações geracionais. Marco foi criado pelos avós e mora até hoje com sua avó.
Na família do informante Edson, seu pai (Paulo) havia sido criado apenas pela mãe e no atual
contexto familiar, era a esposa (mãe de Edson) que tinha a palavra nas decisões cotidianas,
portanto o poder feminino era muito presente, desde a geração anterior. Na família de
Oswaldo não era diferente, seu pai também fora criado inicialmente apenas pela mãe, antes de
ter sido deixado em um abrigo de menores. Em seu atual contexto familiar, sua esposa (mãe
de Oswaldo) tinha sido quem sustentara o lar, já que tivera oportunidades de trabalhos mais
estáveis que ele. Após o derrame que limitou seus afazeres, dona Clotilde parou de trabalhar,
passando a ser, juntamente com o marido Bartolomeu, sustentada por seus filhos. E,
finalmente, na família de Tarcísio e Leonardo, a mãe teve participação fundamental na
mudança do pai, proporcionando a estabilidade da família que estava prestes a ruir com os
atos violentos do marido e em conseqüência de seu alcoolismo. A mãe aparece nos discursos
destes jovens como uma grande guerreira, à qual Leonardo se identifica e a quem admira.
O poder da mulher era, portanto, forte e presente nestes contextos familiares,
perpassando as gerações. Forte e onipresente assim como a mãe teorizada por Freud, na
psicanálise. Esta mãe que, tanto para o menino quanto para a menina, é o primeiro objeto de
amor, intensa e exclusivamente amada nos primeiros anos de vida. Ela é o representante do
Outro para a criança, é objeto de identificação, sendo vista como fálica e poderosa. É através
do discurso da mãe que o pai é simbolizado e surge como terceiro, na relação edipiana.
Portanto, desde Freud, tanto para o menino quanto para a menina, é destacada a
importância da relação com a mãe na organização do psiquismo e na construção da
subjetividade da criança.
Apesar desta dissertação não ser sobre mulheres, como em todos os estudos de
105
gênero, o outro da relação se presentifica na pesquisa empírica. Considerando que gênero é
um conceito relacional, o que significa dizer que masculinidades e feminilidades só se
constroem nas relações contrastivas homens/mulheres (como experiências empíricas,
simbólicas ou imaginárias), era inevitável que as mulheres surgissem também como sujeitos,
na construção dos sentidos de masculinidade e paternidade para os homens entrevistados.
A relação entre os ideais tradicionais de masculinidade e do pai como uma figura
patriarcal, surgiu nos discursos de vários sujeitos desta pesquisa, porém de uma forma menos
valorizada entre os mais jovens. Esta relação aparece como relevante e importante
característica nos pais das gerações anteriores. Apesar de um ideal de masculinidade
tradicional ainda persistir, novas expressões de ser masculino vêm aos poucos ganhando
espaço. O exercício da paternidade perde características de autoritarismo e poder exacerbado,
dando lugar a outras maneiras de ser pai, que incluem maior expressão de afeto e participação
nos cuidados com os filhos. Todas essas formas de ser pai e homem coexistem no cotidiano
destes sujeitos, caracterizando um momento de transformações e novos posicionamentos.
Apesar disso, muitas mudanças ainda permanecem no plano das idéias e do discurso,
conforme observado na família de Marco e apontado em outras pesquisas.
O velho e o moderno convivem em algumas famílias, onde aspectos agora
indesejáveis são suprimidos e outros permanecem fortes, ocorrendo uma mescla de ideais
antigos e novos. Figueira (1986) chegou a esta conclusão já na década de 80, em estudo com
famílias de camadas médias. Ressaltou que, perto de um grupo ou de alguém que se mostra
como moderno, existe sempre alguém que desempenha a função de “encarnar tudo o que o
se quer (mais) ser/ter” (FIGUEIRA, 1986, p. 29). Este autor questionou, na época em que seu
estudo foi realizado, se realmente havia uma nova família brasileira. Segundo ele, o processo
de modernização da família brasileira inseria-se, então, na “ideologia do igualitarismo”,
apresentando-se mais no plano do ideal do que no do real. Concluiu que a família
modernizada mostrava-se hesitante e ambígua, considerando que o processo de modernização
se dava de formas múltiplas e complexas, não lineares.
No jogo discursivo de ser homem e ser pai dos sujeitos desta dissertação, modelos
ideais tradicionais ora eram relativizados, ora lutavam por garantir espaço, resistindo ao novo.
Seria este um momento de reinvenção de ser homem e de ser pai? Para Hurstel (1999), a
paternidade contemporânea encontra-se em momento de ruptura, mudança, evolução,
mutação. Progressivo ou o, lento ou rápido, este processo caracteriza a paternidade e sua
transmissão de valores e modos de agir, de pais para filhos. Usando o raciocínio de Hurstel, é
possível tecer conclusões similares quanto à masculinidade.
106
E aonde vamos chegar? O pai perde importância? Ele ganha, certamente, nova
roupagem. Talvez o objetivo seja chegar à desconstrução de modelos hegemônicos,
exercitando um maior equilíbrio de poder nas relações e respeito à diversidade, nos diferentes
campos possíveis de ser homem e pai nesta sociedade. Nesta dissertação, a psicanálise foi
uma das ferramentas utilizadas para a discussão destas questões.
É inevitável destacar a queda da função paterna, da autoridade do pai e o
enfraquecimento do poder familiar. De acordo com a psicanalista Marcela C. de Castro
Decourt (2004), em seu doutoramento em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, tem ocorrido na contemporaneidade uma terceirização da função paterna, o
estado moderno gerou um declínio nos ideais na cultura, causando uma mudança na função de
pai. Sua legitimidade, segundo a autora, deixa de ser sustentada por figuras que o representam
socialmente, como deus ou o rei. Ele passa a ser definido a partir de suas tarefas e atribuições.
Sua condição soberana declina, portanto, perdendo a autoridade tão presente outrora. Assim, o
sujeito na contemporaneidade estaria desprovido de um pai que fosse o responsável por
sustentar a função fálica. Decourt (2004, p. 40) ressalta ainda que, de Freud a Lacan,
“assistimos a um movimento de (des)construção da função paterna, movimento este que
acompanha o declínio dos ideais no âmbito da cultura”.
A função paterna perde progressivamente seu poder. A onipotência social e familiar
do pai de gerações anteriores, começa a ceder espaço para a multiplicidade da função paterna.
(e a psicanálise é fundamental para o entendimento deste processo). Homens renunciam aos
poucos à idéia de serem necessariamente os “chefes de família”, tornando-se cada vez mais
distintos de seus próprios pais. Um modelo ideal de ser pai e também de ser homem rude, é
relativizado. Tradições, valores e obrigações já não mais garantem um lugar para um pai.
Um dos efeitos do declínio da imagem social da função paterna, de acordo com o
psicanalista Oscar Zack (2006) em seu texto sobre a virilidade e os Nomes-do-pai, seria esta
resistência, ou até rejeição de muitos homens, em assumir a responsabilidade de parceiros
estáveis, de serem pais, ou do sustento da família. Este declínio, segundo o autor, “arrasta em
sua queda a virilidade” e produz “uma desordem na tradição que marcava o laço entre os
sexos” (ZACK, 2006, p.184). Este autor discute e aponta a idéia de que um declínio na
virilidade dos homens contemporâneos tem relação direta com o declínio do pai.
Estes aspectos podem ser referidos na análise dos discursos de alguns sujeitos
entrevistados, principalmente o do informante Oswaldo, quanto à relação de seu pai com o
sustento da família e nos relatos dele e do irmão ao caracterizarem Bartolomeu como pai,
idealizando suas próprias experiências de paternidade (como experiência ou como aspiração).
107
Esta relação entre virilidade/masculinidade e declínio da função paterna traz em seus efeitos
novas formas de subjetivação, de relações intrafamiliares, definindo outras possibilidades de
posicionamento dos sujeitos frente à paternidade e à masculinidade, conforme os discursos
dos informantes desta pesquisa.
No final dos parágrafos conclusivos para esta dissertação e pensando no ponto de vista
educativo e político, faz-se importante assinalar que tanto masculinidade quanto feminilidade
são efeitos de uma aprendizagem cultural, de uma construção social, apresentando-se de
diferentes formas em diferentes grupos. Considerando que nem todos os homens ou mulheres
são iguais, a expressão de muitos caminhos possíveis para as posições de sujeito masculinos
e femininos tem ganho maior visibilidade, caminhos estes distanciados de preceitos de uma
sociedade patriarcal impositiva.
É importante enfatizar que masculinidades e feminilidades não existem de maneira
absoluta, visto que são elaborações simbólicas, sociais e históricas. Indo além de
características biofisiológicas, as diferenças entre homens e mulheres não são categorias
fechadas e nem sequer naturais, sendo resultado de uma complexa construção social. Os
autores referenciados foram de grande auxílio para esta discussão, ao afirmarem que não
existe uma única masculinidade ou uma única experiência de ser homem. Uma variedade de
posições e relações sociais estão em jogo, construindo maneiras distintas de experienciar
masculinidades e paternidades, marcadas por diferenças étnicas, de condições sociais e
econômicas, crenças, valores religiosos, entre outras.
Desta forma, esta pesquisa procurou aprofundar discussões da área de gênero e
família, buscando promover equidade de gênero, diversidade e cidadania. Lembrando que esta
não é uma tarefa fácil, visto que rompe com um padrão tradicional anos cuidadosamente
instituído, Trujillo & Fajardo (2006) ressaltam a importância de mostrar outras maneiras de se
entender tanto masculinidades e feminilidades (e eu acrescentaria aqui, em consequência, o
exercício da paternidade), desligadas das afirmações de virilidade ou submissão, permitindo
diferentes exercícios de paternidade e maternidade.
Mudanças estão em processo, novas gerações trazem outros olhares para as relações
de gênero e para a paternidade, buscando se distanciar de modelos preestabelecidos. Junto ao
que persiste do passado, do tradicional, possibilidades de novas signicações socio-culturais de
masculinidade e paternidade têm se tornado uma caracteristica desta época, momento própício
para transição e experimentação de outras posições de sujeito, de outras combinações de
posicionamento e de discursos.
108
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APÊNDICE A Roteiros para entrevistas
Roteiro sócio-demográfico:
Nome:
Idade: Naturalidade:
Grau de escolaridade: Profissão:
Religião: Renda:
Roteiro de entrevista com o filho:
Fale-me um pouco sobre sua família...
Conte-me sobre sua família de origem...
Para você, o que é “ser pai”? Poderia me falar sobre isso? Como você descrevia seu pai?
Fala-me sobre sua relação com seu pai...
O que é ser homem pra você?
O que você entende como masculino/masculinidade? Que características tidas socialmente
como masculinas você acredita ter? E femininas?
Que participação tem seu pai neste entendimento? Que características masculinas que você
tem hoje você atribui a seu pai?
Você acredita que a maneira de você ser pai será ( ou é) diferente de como seu pai foi (ou é)
com você?
116
Que relação você estabelece entre o seu entendimento do que é masculinidade e sua relação
com seu pai?
Você acredita que os sentidos dados à masculinidade na atualidade são diferentes da época de
seu pai?
E com relação à paternidade?
Se tiver filho: fale-me sobre sua relação com seu filho...
117
Roteiro de entrevista com o pai:
Fale-me um pouco sobre sua família...
Conte-me sobre sua família de origem...
O que é ser pai pra você? (aspectos sobre a dinâmica familiar, relacionamentos, semelhanças
e diferenças com a sua família atual).
Fala-me sobre sua relação com seu pai...
O que é ser homem pra você?
O que você entende como masculino/masculinidade? Que características tidas socialmente
como masculinas você acredita ter? E femininas?
Que participação tem seu pai neste entendimento? Que características masculinas você tem
hoje e atribui a seu pai?
Você acredita que a maneira de você ser pai hoje é diferente de como seu pai foi (ou é) com
você?
Fale-me sobre sua relação com seu filho...
Que relação você estabelece entre o seu entendimento do que é masculinidade e sua relação
com seu pai? E com relação ao seu filho?
Você acredita que suas percepções do que é masculino e feminino são diferentes daquelas de
seu filho?
Você acredita que os sentidos dados à masculinidade na atualidade são diferentes da época de
seu pai? E com relação à geração de seu filho? E com relação à paternidade?
118
Roteiro de entrevista com a mãe:
Fale-me um pouco sobre sua família ...
Conte-me sobre sua família de origem (aspectos sobre a dinâmica familiar, relacionamentos,
semelhanças e diferenças com a sua família atual).
Fale-me sobre a relação de seu filho com seu companheiro...
Fale-me sobre sua relação com seu filho...
O que é ser homem e o que é ser mulher para você?
Você acredita que suas percepções do que é masculino e feminino são diferentes daquelas de
seu filho?
Você acredita que os sentidos dados à masculinidade na atualidade são diferentes da sua
geração? E com relação à paternidade?
119
APÊNDICE B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Adriano Beiras e estou desenvolvendo a pesquisa A Negociação de
Sentidos Sobre Masculinidades e Paternidades em Contextos Populares de
Florianópolis”. Para tanto, serão realizadas entrevistas gravadas com você e seus
familiares (pai/mãe/filho). Pedirei que você me conte algumas coisas de sua vida pessoal e
peço a sua permissão para usar um gravador para registrar a sua fala. Se você tiver alguma
dúvida em relação ao estudo ou não quiser mais fazer parte do mesmo, pode entrar em
contato pelo telefone (48) 3721-8215 - Núcleo de Pesquisa Margens - Modos de Vida,
Família e Relações de Gênero, do Departamento de Psicologia da UFSC. Se você estiver
de acordo em participar, posso garantir que as informações fornecidas serão confidenciais
e só serão utilizadas neste trabalho.
Assinaturas:
Pesquisador principal ________________________________________
Orientadora do pesquisador responsável _____________________________________
Eu, ______________, fui esclarecido sobre a pesquisa “A Negociação de Sentidos Sobre
Masculinidades e Paternidades em Contextos Populares de Florianópolis” e concordo que
meus dados sejam utilizados na realização da mesma.
(local e data)
Assinatura: ______________________________________________________
RG: ___________________________
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