metalingüística. Além disso, essas duas vertentes do haicai o difundem
basicamente por meio de oficinas, debates, concursos e sessões de estudo, de
modo que o nome haicai designa aí, mais do que um gênero literário ou uma
forma, uma prática, um modo específico de utilizar a linguagem. Uma prática
que se revela avessa à celebração e à exibição do “gênio”, e na qual o produto é,
muitas vezes, avaliado principalmente como testemunho de uma ação dirigida
para uma finalidade.
38
A transcriação de Campos não teria lugar nessa classificação de Franchetti,
pois este acredita que a abordagem adotada por Campos é exclusivamente literária,
concentrando muita atenção na “materialidade do signo”, perdendo uma característica
do haikai: o despojamento.
Penso que as traduções de Haroldo foram feitas com um viés muito específico.
Ele julgava que devia concentrar a atenção no ideograma. Ora, uma dada
palavra, num haicai, tanto pode ser escrita com ideograma ou com caracteres
silábicos. É uma escolha que o poeta ou o calígrafo tem. Além disso, a poesia
clássica japonesa, da qual o haicai emerge tardiamente como forma autônoma, é
eminentemente oral: os participantes se reúnem e dizem as estrofes do poema
coletivo, que são anotadas por um secretário. Já o haicai, o terceto isolado do
poema coletivo, era apresentado sempre com um outro texto, verbal ou visual.
Quando era apresentado com um acompanhamento visual, a escolha do kanji ou
da grafia silábica era determinada pelas necessidades da composição visual.
Quero dizer: há muito mais visualidade, no haicai, do que a visualidade
enfatizada por Haroldo, que tinha uma perspectiva simultaneamente etimológica
e paronomástica: etimológica porque buscava decompor o kanji nos seus
componentes, e paronomástica porque buscava, ao longo do haicai, as
repetições, as retomadas das partes ou figuras identificadas na decomposição do
ideograma. Minha crítica à tradução do haicai da rã, nesse livro, se funda no
fato de que o texto de Bashô, cuja singularidade na história do haicai reside no
fato de ter tratado a rã sem personificações, alusões ou ironia, acabou por
originar, em português, um texto desequilibrado, que atrai sobre o jogo verbal, e
não sobre o seu despojamento imagético e lingüístico, a atenção do leitor.
39
Concordamos com Franchetti quando ele afirma que na tradução de Campos
falta o despojamento que o haikai, em sua essência, propõe. Mas é preciso levar em
consideração que a concepção de tradução para Campos é outra, é de recriação. A
transcriação usada por Campos possibilita ao tradutor, a partir do seu olhar sobre o
poema, traduzir de forma criativa, sendo sua tradução o produto de elaboração da
38
Franchetti em entrevista concedida a Revista de Cultura Agulha,
http://www.revista.agulha.nom.br/ag42franchetti.htm
39
Opus cit.