Essa influência também se deve ao sucesso atingido por certos romances
do século XIX junto ao público nos séculos XIX e XX, o que fez aumentar o interesse
das produtoras de cinema em adaptá-los. Sendo o cinema uma arte em que a
questão da recepção pública é com freqüência um dos fatores determinantes da
produção artística, em especial no cinema de alto custo, rapidamente essa relação
se consolidou:
Dado o fato de que o romance e o filme são as formas mais populares de
narrativa dos séculos XIX e XX respectivamente, talvez não seja
surpreendente que produtores de cinema tenham buscado explorar o tipo
de resposta causada pelo romance, além de vê-lo como uma fonte de
material já pronto... (McFarlane, 1996:8, tradução minha)
2
Entretanto, desde o momento em que o cinema atingiu ampla difusão e
relativo reconhecimento, passamos a encontrar, com maior freqüência, críticos que
perceberam a afinidade de certos escritores com as técnicas da arte
cinematográfica.
Para André Bazin, a força da linguagem do cinema fez com que nossa
percepção ficasse condicionada pela realidade das telas. Essa nova forma de
construção do mundo teria aberto uma série de possibilidades que agradaram a
muitos romancistas modernos:
Sem dúvida, e como não poderia ser de outra maneira, os novos modos de
percepção impostos pela tela, maneiras de ver como o primeiro plano, ou
estruturas de relato, como a montagem, ajudaram o romancista a renovar
seus acessórios técnicos. (Bazin, 1991:89)
Brito reitera a posição de Bazin, afirmando que o modo de narrar do
cinema passou a ser referência para os escritores modernos ao perceberem que a
visão onisciente do narrador do Realismo
3
não dava conta da multiplicidade de
visões que compõem a experiência humana.
2
No original, em inglês: “Given the fact that the novel and the film have been the most popular narrative modes of
the nineteenth and twentieth centuries respectively, it is perhaps not surprising that film-makers have sought to
exploit the kinds of response excited by the novel and have seen in it a source of ready-made material...”
3
A respeito do narrador do Realismo, Decio de Almeida Prado diz: “O narrador, por excelência, talvez seja o
dominante no século XIX, o narrador impessoal, pretensamente objetivo, que se comporta como um verdadeiro
Deus, não só por haver tirado as personagens do nada como pela onisciência de que é dotado. Ele está em
todos os lugares ao mesmo tempo, abarca com o seu olhar a totalidade dos acontecimentos, o passado como o
presente, é ele quem descreve o ambiente, a paisagem, quem estabelece as relações de causa e efeito, quem
analisa as personagens (revelando-nos coisas que às vezes elas mesmas desconhecem), é ele quem discorre
sobre os mais variados assuntos (lembremo-nos das intermináveis considerações marginais de Tolstoi em
Guerra e Paz), carregando o romance de matéria extra-estética, dando-lhe o seu sentido social, psicológico,
moral, religioso ou filosófico. “ (Prado, 2002:85-86)