Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Mirella Loterio Siqueira
Filantropia ou cidadania: um estudo da
participação de entidades religiosas de
atendimento na política para a infância e a
adolescência em Juiz de Fora pós anos 90
JUIZ DE FORA
Novembro – 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Mirella Loterio Siqueira
Filantropia ou cidadania: um estudo da
participação de entidades religiosas de
atendimento na política para a infância e a
adolescência em Juiz de Fora pós anos 90
JUIZ DE FORA
Novembro – 2007
Dissertação de Mestrado,
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Serviço Social da
Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de
Fora
na Linha de Pesquisa “Políticas
sociais e G
estão pública”, como
requisito à obtenção do título de
Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Drª Carina Berta Moljo
ads:
3
Aos meus pais,
fonte de amor e afeto.
Pelo estímulo de sempre.
4
A
A
G
G
R
R
A
A
D
D
E
E
C
C
I
I
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
S
S
Aos meus pais, a quem dedico este trabalho, minha base sólida de vida. Como os
amo!!!
Ao Carlos, um agradecimento mais do que especial (e merecido) pela presença
sempre constante, pelo amor, pela doação, pelo companheirismo... Teria sido muito
difícil sem a sua companhia! Também agradeço a sua família, “grande família”, que
foi refúgio em vários momentos, principalmente quando precisei rir da vida, do
mundo e de mim mesma.
À amiga Dri, mesmo na distância, pelo incentivo de sempre, dando-me força e
coragem.
À Ana Lívia, pelo incentivo constante, pela oportunidade de crescimento
profissional, fundamental para o amadurecimento deste trabalho e pela revisão do
texto.
Ao Hernãn, orientador inicial, que soube lidar com minhas inseguranças e medos,
respeitado-me no meu tempo e amadurecimento.
À Carina, que continuou esse processo, pelo incentivo, pela amizade ao longo do
caminho, pela compreensão nos momentos difíceis, pelo amadurecimento intelectual
no grupo de pesquisa e abertura de caminhos futuros. Não poderia deixar de
lembrar do Gabriel, que mesmo um ser ainda em formação, acompanhou quase toda
essa trajetória. Por isso, agradeço a você Carina, pelo comprometimento e pelo
esforço empenhados nesta fase da sua vida. Exemplo de admiração!
À Claudia Mônica, pelas sugestões na Banca de Qualificação e pela prontidão
quando necessitei da sua ajuda, indispensável durante todo o processo.
5
À Estela, Fillipe, Helyene e via, colegas do grupo de pesquisa, pelos momentos
de crescimento, troca, e amadurecimento intelectual. Uma experiência coletiva
marcante!
À Flávia, Juliana, Angelisa e Luciana, colegas do Núcleo de Assistentes Sociais
da Área da Educação do Conselho Regional de Serviço Social /Seccional de Juiz de
Fora, que entre conversas, debates e viagens possibilitaram uma qualificação na
minha inserção política e conseqüentemente na forma de apreender a profissão e as
questões pertinentes a ela.
Aos dirigentes de entidades e aos conselheiros de direito que possibilitaram a
concretização da pesquisa empírica que embasou este trabalho.
Um agradecimento especial à Ana Cláudia, secretária executiva do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora, sempre muito
solícita nas minhas interrogações e na disponibilização de documentos do Conselho.
6
Talvez nossa reflexão deva começar por aí:
pelo fato de que nossa sobrevivência está ameaçada.
[
...
]
Temos a chave do futuro da humanidade,
mas para poder usá-la temos que compreender o presente.
[
...
]
Não podemos nos permitir desviar os olhos.
Êxodos, Sebastião Salgado
7
R
R
E
E
S
S
U
U
M
M
O
O
A presente dissertação aborda a participação das entidades religiosas na
política pública destinada a infância e adolescência em Juiz de Fora no período
posterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de compreender os
desafios que se colocam na atualidade em relação à implementação do Estatuto
num cenário em que muita experiência com a tradição conservadora do
assistencialismo, do paternalismo e do clientelismo ainda permanece como
mecanismo para o enfrentamento da questão social. Além disso, as mudanças do
Estado na condução das políticas sociais têm recolocado na agenda a relevância
das ações filantrópicas e revalorizado a atuação religiosa neste campo.
A intervenção deste tipo de instituição na área social em nosso país não é
recente, pelo contrário, marcou a origem do atendimento neste campo atuando pelo
viés da caridade, da benemerência, do “amor ao próximo”. No entanto, a existência
de experiências locais de inserção de grupos religiosos nas ações sociais de
enfrentamento a pobreza contrasta com o que efetivamente sabemos sobre eles,
suas práticas e contribuição efetiva.
Este trabalho buscou analisar a relação das entidades religiosas com a
política de atendimento destinada a crianças e adolescentes no município através da
adequação das mesmas aos princípios e diretrizes desta política, em consonância
ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e também da relação estabelecida com o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDCA/JF, com o
Poder Público Municipal no seu órgão gestor e “executor”, e com o próprio Estatuto.
Para tanto, realizamos dezesseis entrevistas com dirigentes das
entidades de atendimento e três entrevistas com conselheiros de direito.
Entrevistamos também a coordenadora da Equipe de Monitoramento e Avaliação da
Secretaria de Política Social, órgão responsável pelo monitoramento das entidades
registradas no CMDCA. Optamos ainda pela observação participante no Conselho
num período de quatro meses, buscando apreender a dinâmica de funcionamento
do mesmo e o jogo de correlação de forças nesse espaço, que supúnhamos ter um
peso significativo nas discussões e encaminhamentos à política. Além da
participação nas reuniões plenárias quinzenais, participamos também de dois
eventos promovidos pelo Conselho. O procedimento metodológico foi
complementado com o levantamento e análise documental referente à política
municipal de atendimento a infância e adolescência em Juiz de Fora, às entidades
de atendimento e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Pretendeu-se contribuir com o debate dos direitos de cidadania e da
democracia e com a apreensão dos desafios da Política para a infância e
adolescência na escala municipal, arena onde o embate entre filantropia e cidadania
acontece.
Palavras-chave: entidades religiosas, política de atendimento para a
infância e a adolescência, Estatuto da Criança e do Adolescente, filantropia,
cidadania.
8
A
A
B
B
S
S
T
T
R
R
A
A
C
C
T
T
This dissertation deals with the participation of religious organizations in
public policy for the children and adolescents in Juiz de Fora, in the period after the
Statute for Children and Adolescents. It is about understanding the challenges faced
at the present time in relation to the implementation of the Statute, in a scene of great
experience with the conservative tradition of welfarism, paternalism and patronage
still remains as a mechanism for the confrontation of the social issue. Moreover,
changes of State in the conduct of social policies are back on the agenda the
relevance of the shares philanthropic and revalued the religious activity in this field.
The intervention of this kind of institution in the social area in our country is
not recent, however, marked the origin of the attendance in this area acting by the
charity, the benevolent act, the love of each other. However, the existence of local
experiments of insertion of religious groups in social actions to confront poverty
contrasts with that, actually, we know about them, their practices and effective
contribution.
This work searched for analyze the relationship of religious organizations
with the policy of attendance for children and adolescents in the town, through the
adequacy of them to the principles and guidelines of this policy, according to the
Statute of the Child and Adolescent, and also the relationship established with the
City Council on the Rights of the Child and Adolescent - CMDCA/JF, with the
Municipal Public Power in its manager and “executor” institution, and with its own
Statute.
Then we performed sixteen interviews with the leaders of the
organizations of attendance and three interviews with advisors of law. We also
interviewed the coordinator of the Monitoring and Evaluation Team of the Department
of Social Policy, the institution responsible for monitoring the organizations registered
in the CMDCA. We still decided for the participated observation in the Council, in a
period of four months, seeking to apprehend the dynamics of its operation and the
game of correlation of forces in this area, that we supposed to have a significant
weight in the discussions and referrals to the policy. In addition to the participation in
the plenary sessions fortnightly, we also participated in two events promoted by the
Council. The methodological procedure was complemented with the survey and the
documentary analysis with reference to the municipal policy of attendance for
children and adolescents in Juiz de Fora, to the organizations of attendance and to
the City Council on the Rights of Children and Adolescents.
The intention of this work is to contribute with the discussion of the rights
of citizenship and democracy and the apprehension of the challenges of policy for
children and adolescents in the municipal scale, arena where the collision between
philanthropy and citizenship happen.
Keywords: religious organizations, political attendance for children and
adolescents, Statute of the Child and the Adolescent, philanthropy, citizenship.
9
L
L
I
I
S
S
T
T
A
A
D
D
E
E
A
A
B
B
R
R
E
E
V
V
I
I
A
A
T
T
U
U
R
R
A
A
S
S
E
E
S
S
I
I
G
G
L
L
A
A
S
S
AI-5 Ato Institucional nº 5
ABE Associação Beneficente Evangélica
ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ABUB Aliança Bíblica Universitária do Brasil
AEVB Associação Evangélica Brasileira
AMAC Associação Comunitária de Apoio Comunitário
AMAS
Associação Metodista de Ação Social
AME Aliança Municipal Espírita
AMEB Associação Missionária Educacional e Beneficente
ASA Ação Social Arquidiocesana
ASBAVI Associação Beneficente Água Viva
CAICs Centros de Apoio Integral à Criança e ao Adolescente
CAPs Caixas de Aposentadorias e Pensões
CBIA Centro Brasileiro para Infância e Adolescência
CEAS Centro de Estudos de Ação Social
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CELAM Conferência Episcopal Latino-americana
CEPAL Centro Econômico para a América Latina
CERT Centro de Recepção e Triagem
CIAMES Centros Integrados de Atendimento ao Menor
CLADES Congressos Latino-Americanos de Evangelização
CMAS Conselho Municipal de Assistência Social
CMDCA/JF Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Juiz de Fora
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social
CNSS Conselho Nacional de Serviço Social
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CR/LBA Centro Regional de Serviço Social da Legião Brasileira de
Assistência
CRAS Centros Regionais de Assistência Social
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
DEDICA Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
DEPLAN Departamento de Planejamento
DGP Departamento de Gestão de Pessoas
DIA Departamento da Infância e da Adolescência
DIP Departamento da Inclusão Produtiva
DNCr Departamento Nacional da Criança
DPA Departamento da Pessoa Adulta
DSM Departamento Social do Menor
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EMA Equipe de Monitoramento e Avaliação
10
EMCASA
Empresa Regional de Habitação de Juiz de Fora
EMEI Escola Municipal de Ensino Infantil
FAM Fundo de Assistência a Menores
FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FGV Fundação Getulio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FTL Fraternidade Teológica Latino-Americana
FUMECAD Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
FUNALFA Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica
GAC Grupos de Apoio Comunitário
IAPs Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IFES International Fellowship of Evangelical Students
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IPB Igreja Presbiteriana do Brasil
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPLAN Instituto de Pesquisa e Planejamento de Juiz de Fora
LBA Legião Brasileira de Assistência
LBV Legião da Boa Vontade
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
MNMMR Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua
ONG Organização Não governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PEMSE Pólo de Medidas Sócio-Educativas
PETI Programa de Erradicação do Trabalho infantil
PIB Produto Interno Bruto
PJF Prefeitura de Juiz de Fora
PNBEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROCON
Agência de Proteção e Defesa do Consumidor
PRONAICA Programa Nacional de Atenção integral a Criança e ao
Adolescente
PPC Paridade do Poder de Compra
RCC Renovação Carismática Católica
SAA Secretaria de Agropecuária e Abastecimento
SALTE Saúde, Alimentação, Transporte e Energia
SAM Serviço de Assistência ao Menor
SE Secretaria de Educação
SEMAC Setor de Monitoramento, Avaliação e Convênios
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
11
SESC
Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo
SPM Sociedade Pró-melhoramento
SPS Secretaria de Política Social
SPU Secretaria de Política Urbana
SRC Sub-secretaria de Recursos Compartilhados
SSPDF Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
SSSDA Secretaria de Saúde, Saneamento e Desenvolvimento
Ambiental
SUS Sistema Único de Saúde
TAB Tabela
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
12
L
L
I
I
S
S
T
T
A
A
D
D
E
E
Q
Q
U
U
A
A
D
D
R
R
O
O
S
S
E
E
T
T
A
A
B
B
E
E
L
L
A
A
S
S
TABELAS
Tab.1 – Entidades de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora -
127
Tab. 2 – Entidades religiosas e Regimes de atendimento -----------------------------
132
Tab. 3 – Entidades religiosas e Serviços oferecidos ------------------------------------
133
Tab. 4 – Entidades religiosas e Origem dos recursos financeiros -------------------
139
Tab. 5 – Entidades religiosas e Motivação para atendimento ------------------------
172
Tab. 6 – Entidades religiosas e Objetivos com a prestação do serviço ------------
175
Tab. 7 – Entidades religiosas e Valores que orientam as ações ---------------------
177
QUADROS
Quadro 1 – Configuração das entidades em relação à vinculação religiosa ------
131
Quadro 2 Configuração das entidades religiosas em relação à Política de
Atendimento à Infância e Adolescência ----------------------------------------------------
141
Quadro 3 Qualificação das entidades religiosas segundo Critérios Gerais
para a política de atendimento à infância e adolescência -----------------------------
159
Quadro 4 – Qualificação geral das entidades religiosas por vinculação religiosa
segundo Critérios gerais ------------------------------------------------------------------------
160
Quadro 5 – Categorias de análise por regime de atendimento ---------------------- 161
Quadro 6 Qualificação das entidades religiosas em Regime de Orientação e
Apoio Sócio-familiar segundo Critérios Específicos por regime de atendimento-
164
Quadro 7 Qualificação das entidades religiosas em Regime de Apoio Sócio-
educativo em Meio Aberto segundo Critérios Específicos por regime de
atendimento ----------------------------------------------------------------------------------------
166
Quadro 8 Qualificação das entidades religiosas em Regime de Abrigo
segundo critérios específicos por regime de atendimento -----------------------------
168
Quadro 9 Qualificação geral das entidades religiosas segundo Critérios
Específicos por regime de atendimento ----------------------------------------------------
168
Quadro 10 Qualificação geral das entidades religiosas em relação à
participação na Política de Atendimento à Infância e Adolescência em Juiz de
Fora --------------------------------------------------------------------------------------------------
169
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------
15
CAPITULO I QUESTÃO SOCIAL, POLÍTICAS SOCIAIS, DEMOCRACIA E
CIDADANIA: APROXIMAÇÕES AO DEBATE ------------------------------------------
23
1.1
Democracia e cidadania ----------------------------------------------------------------
24
1.2
Esfera pública e Democracia no Brasil: entre o público e o privado ----
29
1.2.1 Esfera pública e redemocratização do país: Constituição Federal e
mecanismos de democratização -------------------------------------------------------------
34
1.2.2 Controle social de políticas públicas: a experiência dos Conselhos --------
36
1.3 Questão social e Políticas sociais no Brasil: a construção da
cidadania ------------------------------------------------------------------------------------------
40
1.3.1 Políticas sociais no Brasil --------------------------------------------------------------
43
1.4
Anos 90 e Neoliberalismo: contra-tendências ao projeto democrático
de proteção social -----------------------------------------------------------------------------
48
CAPITULO II POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À
ADOLESCÊNCIA: A EXPERIÊNCIA DO BRASIL E DE JUIZ DE FORA --------
61
2.1 Política de atendimento à infância e adolescência no Brasil e a
interface com o setor de filantropia ------------------------------------------------------
61
2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política nacional de
atenção à infância e à adolescência -----------------------------------------------------
76
2.2.1 O CONANDA e as diretrizes da política nacional de atenção à criança e
ao adolescente ----------------------------------------------------------------------------------- 82
2.3 A Política de Proteção à infância e adolescência em Juiz de Fora------- 86
2.3.1 Aspectos de Juiz de Fora --------------------------------------------------------------
86
2.3.1.1 História -----------------------------------------------------------------------------------
86
2.3.1.2 Dados atuais-----------------------------------------------------------------------------
89
2.3.2 O campo religioso juiz-forano --------------------------------------------------------
90
14
2.3.2.1 O catolicismo em Juiz de Fora -----------------------------------------------------
92
2.3.2.2 O protestantismo em Juiz de Fora ------------------------------------------------
96
2.3.2.2.1 A presença metodista --------------------------------------------------------------
96
2.3.2.2.2 A presença presbiteriana ----------------------------------------------------------
97
2.3.2.2.3 O pentecostalismo em Juiz de Fora --------------------------------------------
98
2.3.2.3 O espiritismo em Juiz de Fora-------------------------------------------------------
100
2.3.2.4 Catolicismo, protestantismo e espiritismo: a inserção no espaço
público através da caridade -------------------------------------------------------------------
101
2.3.2.4.1 Neoliberalismo: revalorização da filantropia e ressignificação da
caridade --------------------------------------------------------------------------------------------
108
2.3.3 A Política de proteção à infância e adolescência em Juiz de Fora ---------
110
2.3.1 Histórico da Política de Atendimento até os anos 80----------------------------
110
2.3.3.2 Redemocratização do país e promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente: os caminhos de Juiz de Fora -----------------------------------------------
118
CAPÍTULO III - O CASO DE JUIZ DE FORA -------------------------------------------
127
3.1 Pesquisa com os Dirigentes das entidades religiosas de atendimento 131
3.2 Pesquisa com os Conselheiros de direito ----------------------------------------
177
CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------------
198
REFERÊNCIAS ----------------------------------------------------------------------------------
206
APÊNDICES --------------------------------------------------------------------------------------
219
ANEXOS -------------------------------------------------------------------------------------------
227
15
INTRODUÇÃO
O trabalho que aqui apresentamos trata da participação das entidades
religiosas na política pública destinada a crianças e adolescentes em Juiz de Fora no
período posterior a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
A intervenção deste tipo de instituição no campo social em nosso país não é
recente, pelo contrário, marcou a origem do atendimento nesta área atuando pelo
viés da caridade, da benemerência, do “amor ao próximo”.
Os anos 90 configuraram no Brasil uma nova ordem em relação às
políticas sociais repercutindo na área da infância e adolescência um novo trato com
os sujeitos destinatários desta política, agora considerado de direitos, e uma nova
forma de fazer política nesta área. Lógica esta que opera na direção contrária a
lógica caritativa e assistencialista vigente até então, o que não impede, entretanto, a
coexistência das velhas práticas com as novas numa superposição de modelos de
intervenção no social.
A Constituição Federal de 1988 abriu caminho a essas transformações,
com o desenho de uma nova ordem social baseada na primazia da atuação do
Estado na implementação das políticas, reforçando a sua efetivação como direito de
cidadania e estabelecendo a descentralização político-administrativa e a
participação popular como diretrizes democráticas de atuação.
Posteriormente a este período, leis específicas referentes às políticas
sociais foram implementadas corroborando com as diretrizes da Constituição e
estabelecendo mecanismos de efetivação das mesmas. Na área da infância e
adolescência destaca-se a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente
ECA, através da lei federal nº 8069, de 13 de junho de 1990.
O ECA tornou-se um marco nesta área, pois consolidou um efetivo
amparo legal para a garantia dos direitos dessa parcela da população, revogou o
antigo código, cuja base doutrinária fundamentava-se na Situação Irregular e
instituiu a Doutrina da Proteção Integral tornando-se pilar para a defesa, proteção e
viabilização do desenvolvimento integral de toda população infanto-juvenil.
Em relação à política de atendimento à infância e a adolescência o ECA
introduziu um importante conjunto de mudanças baseada nas diretrizes da
16
descentralização político-administrativa e da participação popular. Assim,
institucionalizou a criação dos Conselhos de direitos nas três esferas de governo de
participação democrática com finalidade de discussão, formulação, implementação e
controle das políticas na área e os Conselhos tutelares, instâncias em nível
municipal responsáveis por zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes
aplicando medidas de proteção especial à crianças e adolescentes ameaçados e/ou
violados em seus direitos. Deste modo, o novo Estatuto substituiu o assistencialismo
filantrópico por propostas de trabalhos sócio-educativos voltados à cidadania.
A instalação dos Conselhos de direitos assume um papel fundamental
para a garantia do cumprimento dos direitos assegurados no Estatuto, pois são
canais de comunicação entre o Estado e a sociedade civil, cabendo-lhes a
coordenação e articulação das ações procedentes dos serviços públicos e da
iniciativa privada.
Em âmbito nacional, compete ao Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente – CONANDA – a elaboração das normas gerais da
Política nacional de atendimento ao público infanto-juvenil a serem executadas pelas
organizações governamentais e não-governamentais e, compete aos Estados e
Municípios a normatização, coordenação e execução da política de defesa em
articulação com as instâncias deliberativas
1
, controladoras
2
e executoras em todos
os níveis.
Em relação à atuação das organizações o governamentais na política,
o Estatuto da Criança e do Adolescente reserva-lhes um papel estratégico ao incluí-
las no bojo da política de atendimento (SABINO, F.; SEIXAS, R.; e SIQUEIRA, M.,
2005, p.77).
A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente
far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais
e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. (BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE, cap.1 art 86).
Em seu artigo 90, o ECA as responsabiliza pela manutenção das suas
unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas sócio-
educativos e de proteção destinados a crianças e adolescentes demonstrando que
1
Conselhos de direitos e fóruns de participação da sociedade civil.
2
Poder Judiciário e Poder Executivo.
17
as entidades não-governamentais são atores relevantes na implementação das
políticas de proteção especial à infância e à adolescência.
Entretanto, a predominância desse tipo de entidade na prestação de
serviços deve reforçar ainda mais a responsabilidade do Estado, em suas três
instâncias, no cumprimento de seu papel de coordenar um sistema com vistas à
efetiva implementação de uma política conforme preconizado no Estatuto, assim
como na garantia do apoio técnico e financeiro necessário às ações realizadas pela
sociedade civil.
É neste contexto, de gestão compartilhada entre Estado e sociedade civil,
que se insere este trabalho. Tendo como objeto as entidades religiosas de
atendimento, busca-se contribuir para a leitura municipal da política de atendimento
à infância e adolescência em Juiz de Fora através da preocupação com a natureza,
objetivos e resultado da participação destas entidades no período pós-
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O interesse pelo tema em estudo, além de uma inquietação decorrente da
vivência religiosa em movimentos da estrutura da Igreja Presbiteriana do Brasil, tais
como a União de Mocidade Presbiteriana e a Federação de Mocidade Presbiteriana,
e também na Aliança Bíblica Universitária do Brasil – ABUB
3
– no período da
graduação, remonta ao Trabalho de Conclusão de Curso - TCC
4
- que tratou dos
abrigos em Juiz de Fora, buscando avaliar a gestão da Política Pública de Abrigo
destinada à infância e adolescência desenvolvida no município de acordo com os
princípios do ECA. Uma das descobertas mais instigantes desse trabalho foi que os
abrigos ligados a instituições religiosas mostravam-se mais frágeis em relação às
diretrizes da política de abrigo estabelecidas pelo Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente CMDCA/JF e que essa “inadequação”, sustentada
na recusa às mesmas em nome de valores religiosos, era tolerada pelas instâncias
municipais.
3
A ABUB é um movimento missionário evangélico interdenominacional que tem como objetivo básico
a evangelização e o discipulado de estudantes universitários e secundaristas e profissionais, em
parceria com igrejas e profissionais cristãos. Sua atuação se através dos próprios estudantes e
profissionais, por meio de núcleos de estudo bíblico, acampamentos e cursos de treinamento. A
ABUB faz parte da IFES International Fellowship of Evangelical Students, entidade internacional
que congrega mais de cem movimentos estudantis semelhantes por todo o mundo.
4
Intitulado “A Política Pública de Abrigo à Criança e ao Adolescente: Um estudo do atendimento nos
abrigos em Juiz de Fora”, este TCC foi elaborado SABINO, F.; SEIXAS, R.; e SIQUEIRA, M.; e
defendido em julho de 2005, na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de
Fora.
18
O fortalecimento das entidades religiosas, antes que um fato restrito aos
abrigos, parece ser característico da gestão das políticas sociais para a infância e a
adolescência num vasto número de experiências locais. Assim, em Juiz de Fora,
como observado na realização da pesquisa empírica que embasa este trabalho, as
entidades religiosas representam 39% das entidades de atendimento a infância e
adolescência. Destas, 45% ainda não estão registradas no CMDCA/JF
5
. Isso nos
leva a questionar a efetividade da Política pública destinada ao segmento infanto-
juvenil haja vista o não cumprimento inicial ao funcionamento destas entidades
6
.
Tendo como ponto de partida esta inquietação, outros questionamentos
foram levantados:
1 Sabendo-se que o CMDCA/JF tem ciência da existência de entidades
sem registro, que providências o tomadas? Como são acompanhadas as
entidades? diferenças entre as que estão registradas no Conselho das que não
estão? Estar registrada no Conselho é garantia de efetivação da Política de
atendimento à infância e adolescência e, portanto, do cumprimento do Estatuto da
Criança e do Adolescente?
2 Sabendo-se que as entidades religiosas encontram-se na origem do
atendimento nessa área, e, portanto, muito anterior à perspectiva balizada pelo ECA,
será que ainda reforçam o padrão tradicional de atendimento? Estarão atuando na
perspectiva da implementação dos direitos de cidadania ou reforçando a lógica
caritativa, filantrópica, assistencialista, inerente à sua origem?
3 Se o atendimento é baseado na crença religiosa, de que modo estes
valores não entram em confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente? É
um impeditivo para a adequação aos princípios e diretrizes da Política de
Atendimento estabelecidos pelo CMDCA/JF?
4 Qual a relação dessas entidades com o Poder Público Municipal? De
que forma as entidades são acionadas pelo Poder Público para execução da
política? Quais as parcerias e convênios realizados? De que forma são
acompanhadas, monitoradas e avaliadas? Sobrepõem ao papel do Estado numa
conjuntura de desresponsabilização do mesmo?
5
Pesquisa realizada em dezembro de 2005 e fevereiro de 2006 nas pastas de registro das entidades
no CMDCA/JF e no Guia de Instituições e Serviços de Atendimento à Criança e ao Adolescente de
Juiz de Fora realizado pela AMAC e Prefeitura de Juiz de Fora no ano de 2005.
6
As entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar
à autoridade judiciária da respectiva localidade.” (ECA, art. 91).
19
É também perceptível um aumento das entidades de atendimento no
município após a regulamentação do Estatuto, em 1990. Considerando as entidades
registradas no CMDCA/JF
7
, percebe-se um crescimento de 40% de entidades
religiosas atuantes na política para a infância e adolescência após este período. Em
relação à vinculação religiosa, houve um aumento de 50% de entidades de
atendimento espíritas e de 100% das protestantes, embora ainda continuem com
pouca presença no conjunto das entidades de atendimento. Se tomarmos como
referência os anos 80 – marcados pela mobilização em prol do Estatuto no município
– o crescimento de entidades religiosas é ainda maior, chegando a 75%.
O impasse, contudo, parece ser mais grave, pois, na contramão desse
processo que fortaleceu as políticas como dever do Estado e direito do cidadão e
imprimiu uma nova lógica de atuação com as mesmas, deu-se o ajuste neoliberal
que abriu novo espaço ao retorno da filantropia em substituição à atuação do
Estado. Este processo, além de redefinir o lugar do Estado na condução das
políticas blicas e as relações entre o Estado e a sociedade, implicou em maiores
oportunidades de ação social à margem da ação estatal recolocando na agenda a
relevância das ações filantrópicas, revalorizando a atuação religiosa no campo das
políticas sociais, estimulando, inclusive, o seu crescimento, tendo em vista um
“abrandamento da rejeição ou resistência à participação desses grupos no espaço
público” (BURITY, 2000, p.42).
Soma-se a esse aspecto conjuntural a herança de uma cultura política em
nosso país que privilegiou e conformou relações patrimonialistas, clientelistas, de
tutela e favor entre o Estado e a sociedade civil, tão presentes nas práticas e
concepções das políticas sociais, conflitando com uma cultura política baseada no
direito, na cidadania e nas relações democráticas. A forma como a área sócio-
assistencial em Juiz de Fora se configura demonstra que este tipo de relação
também se apresenta na realidade do município.
Tendo em vista nosso objeto de estudo, é imprescindível considerar a
cultura religiosa das entidades de atendimento, que a atuação no social, além de
estar na base doutrinária das religiões na qual as entidades vinculam-se e não se
restringindo a isso, coloca-se como um recurso de legitimação das mesmas na
sociedade.
7
Pesquisa realizada nas pastas de registro das entidades no CMDCA/JF em dezembro de 2005 e
fevereiro de 2006.
20
Deste modo, as políticas públicas para a criança e o adolescente
instituídas nos anos 90, ao mesmo tempo em que se propõem promover proteção
como um direito de cidadania, criando condições legais de efetivação de políticas
sociais, abrem brecha a ações filantrópicas e caritativas, o que pareceria negar os
direitos de cidadania numa complexa tensão entre o quadro legal e a realidade
cotidiana das práticas sociais
8
.
A existência de um crescente número de experiências locais de inserção
de grupos religiosos nas ações sociais de enfrentamento a pobreza contrasta com o
que efetivamente sabemos sobre eles, suas práticas e contribuição efetiva. Deste
modo, revela-se imprescindível estudar tais contextos onde estes fatores confluem
contribuindo desta maneira, aos gestores públicos e atores sociais nos desafios da
efetivação da cidadania.
Sendo assim, este trabalho orienta-se por uma grande questão:
considerando as diversas formas de inserção das entidades na política de
atendimento à infância e adolescência, será que todas as entidades religiosas
voltadas ao atendimento a este público em Juiz de Fora se configuram meramente
como espaço de filantropia conforme verificado no TCC para o caso dos abrigos?
A abordagem aqui proposta relaciona a concepção de políticas sociais e a
sua relação com a cidadania, os projetos societários em disputa e os mecanismos
de fortalecimento da democracia política e social, nos quais a constituição dos
Conselhos de Direito se insere.
Deste modo, este trabalho estrutura-se a partir de três capítulos. O
primeiro refere-se ao debate mais geral sobre a democracia, a cidadania, o Estado e
a sociedade civil com vistas a delinear a constituição da esfera pública no Brasil,
tendo como pano de fundo a histórica cultura política do país. A seguir remete-se a
discussão sobre o tratamento à questão social conferido pelo Estado brasileiro, o
que implica apreender a constituição das políticas sociais no país e a tentativa de
efetivação da cidadania, com sua máxima expressão desenhada na chamada
Constituição Cidadã, de 1988. Destacam-se neste processo os mecanismos de
democratização instituídos na Constituição enfatizando os Conselhos de Direitos
como mecanismos de controle social das políticas públicas, principalmente num
contexto de necessidade de reavaliação do papel das entidades de atendimento, e
8
Sobre a contradição das políticas sociais nos anos 90 consultar Mota, 2000; Soares, 2000; Montaño,
2003; Behring e Boschetti, 2007.
21
dentro destas as religiosas, que têm preenchido um vácuo da atuação pública em
nosso país.
Tal contexto, referenciado no ideário neoliberal constitui-se o último ponto
deste capítulo. Busca-se perceber suas características principais e seu reflexo no
Brasil em contraposição ao projeto democrático desenhado na Constituição Federal
de 1988, num movimento de despolitização das relações entre público e o privado.
O segundo capítulo diz respeito à discussão sobre a política de
atendimento à infância e adolescência no Brasil e em Juiz de Fora. No âmbito
nacional destaca-se a configuração desta política, ressaltando os marcos jurídicos
do Código de Menores e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Enfatiza-se a
atuação das instituições filantrópicas nesse campo com realce para a presença
religiosa e para o mecanismo de subsidiariedade, marca da relação do Estado com
estas instituições.
Ao tratar dessa política em Juiz de Fora aborda-se o elemento da religião
destacando a configuração do campo religioso juiz-forano como mais um elemento
para a compreensão desta área. Mais do que apenas resgatar o histórico de
intervenção nesta área, trata-se de compreender os desafios que se colocam na
atualidade em relação à implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente,
num cenário onde muita experiência com a tradição conservadora do
assistencialismo, do paternalismo e do clientelismo ainda permanece como
mecanismo para o enfrentamento da questão social.
A apresentação da pesquisa empírica constitui o terceiro capítulo deste
trabalho. Busca-se analisar a relação das entidades religiosas com a política de
atendimento destinada a crianças e adolescentes no município através da
adequação das mesmas aos princípios e diretrizes desta política estabelecidos pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Também se propõe verificar a posição do Conselho de direito quanto à
política para a infância e adolescência em Juiz de Fora, a relação estabelecida com
o Poder Público de Juiz de Fora para implementação desta política e as providências
do Conselho frente às irregularidades das entidades de atendimento.
Para tanto, foram realizadas 14 entrevistas com dirigentes das entidades
de atendimento e 3 entrevistas com conselheiros de direito. Entrevistamos também a
coordenadora da Equipe de Monitoramento e Avaliação da Secretaria de Política
22
Social, órgão responsável pelo monitoramento das entidades registradas no
CMDCA/JF.
Optamos ainda pela observação participante no Conselho num período de
quatro meses, buscando apreender a dinâmica de funcionamento do mesmo e o
jogo de correlação de forças nesse espaço, que supúnhamos ter um peso
significativo nas discussões e encaminhamentos à política pública voltada a criança
e ao adolescente. Além da participação nas reuniões plenárias quinzenais,
participamos também de dois eventos promovidos pelo Conselho.
O procedimento metodológico foi complementado com o levantamento e
análise documental referente à política de atendimento a infância e adolescência em
Juiz de Fora, às entidades de atendimento e ao Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
Ao final desta empreitada, pretendeu-se contribuir com o debate dos
direitos de cidadania e da democracia e com a apreensão dos desafios da Política
para a infância e adolescência na escala municipal, arena onde o embate entre
filantropia e cidadania acontece.
23
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
1
1
QUESTÃO SOCIAL, POLÍTICAS SOCIAIS, DEMOCRACIA E CIDADANIA
NO BRASIL – APROXIMAÇÕES AO DEBATE
A discussão sobre o papel do Estado e sua relação com a sociedade civil
na deliberação e execução de políticas públicas, bem como a discussão sobre a
esfera pública e sua redefinição na atualidade, ocupam um lugar de destaque neste
trabalho.
Analisar a participação das entidades religiosas de atendimento na
política destinada a crianças e adolescentes em Juiz de Fora exige um esforço de
compreensão do lugar social que estas entidades ocupam nesta política; da relação
que estabelecem com o Poder Público e com a esfera pública, neste caso, através
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; e da sua
contribuição ao campo dos direitos e da cidadania.
Numa conjuntura de ressignificação do papel da sociedade civil e dos
instrumentos de democratização conquistados na Constituição Federal de 1988,
torna-se importante ressaltar que partimos do princípio da primazia do Estado na
condução de políticas publicas, sem, no entanto, excluir a participação da sociedade
civil na sua formulação, controle e execução, desde que com critérios que norteiem
esta relação e estabeleçam os papéis destinados a cada um deles.
Este capítulo aborda o debate mais geral sobre a democracia, a
cidadania, o Estado e a sociedade civil com vistas a delinear a constituição da esfera
pública no Brasil. Tendo como pano de fundo uma cultura política que conformou
relações patrimonialistas e clientelistas entre Estado e sociedade, isto nos será
importante na apreensão e compreensão do nosso objeto de estudo.
A seguir remete-se à discussão sobre o tratamento dado à questão social
pelo Estado brasileiro, o que implica apreender a constituição das políticas sociais
no país e a tentativa de efetivação da cidadania, com sua máxima expressão
desenhada na chamada Constituição Cidadã. No entanto, o contexto político-
ideológico de implantação da mesma trouxe desafios ainda maiores a efetivação do
projeto democrático preconizado na Constituição, o que se constitui o último ponto
deste capítulo.
24
1.1 Democracia e cidadania
A palavra democracia tem sua origem na Grécia Antiga. Este sistema de
governo foi desenvolvido em Atenas, onde um número relativamente amplo de
pessoas interferia ativamente na esfera pública, contribuindo para a formação do
governo. Longe de possuir uma dimensão universal, mulheres, estrangeiros e
escravos não participavam das decisões políticas. Esta participação era restrita ao
cidadão, a aquele considerado membro da cidade e dotado de privilégio, transmitido
por herança, de participar da vida política.
Interessante é que o grupo social dos cidadãos atenienses ocupava a
posição superior da escala social e era formado por gente comum (mercadores,
artesãos e agricultores) de forma que, possivelmente a participação política
acontecesse quando pudessem escapar às obrigações particulares. No entanto, a
cidadania ateniense estabelecia sempre a necessidade de participação política,
porque “a própria idéia de cidadania requeria algo partilhado, próximo à filiação a
uma família, certamente um conceito mais íntimo e bem menos jurídico do que em
nossos tempos contemporâneos” (VIEIRA, 2004, p.169).
A democracia como forma de governo sofreu alterações desde a sua
concepção na Grécia Antiga. Atualmente a democracia é exercida, na maioria dos
países, de forma mais participativa. É uma forma de governo do povo e para o povo.
Existem várias formas de democracia na atualidade, porém as mais comuns são:
direta e indireta. Na democracia direta, o povo, através de plebiscitos ou consultas
populares, pode decidir diretamente sobre assuntos políticos ou administrativos de
sua cidade, estado ou país, sem a presença de intermediários (deputados,
senadores, vereadores), o que não é tão comum.
Na democracia indireta, o povo também participa, porém, através do voto,
elegendo seus representantes que tomam decisões em nome e a favor daqueles
que os elegeram. Esta forma também é conhecida como democracia
representativa.
outra definição de democracia além da descrita acima, embora seja
menos usada. De acordo com essa definição, a palavra ''democracia'' se refere
somente ao regime direto, enquanto a representativa é conhecida como ''república''.
25
As primeiras origens desta definição podem ser encontradas no trabalho
de Aristóteles
9
que distinguiu, no seu livro ''Política'', seis formas de governo, seja,
por poucos ou muitos, e se a administração era justa ou injusta. Ele chamou de
''demokratia'' (democracia) um governo injusto governado por muitos, e um sistema
justo governado por muitos chamou ''politeia'', normalmente traduzido como
''república'' (do latim ''res publica'', 'coisa pública'). A ''demokratia'' de Aristóteles
chegou mais perto do que hoje podemos chamar democracia direta, e ''politeia'' se
aproximou do que podemos chamar ''democracia representativa'', embora a
''demokratia'' ainda tenha executivos eleitos.
Esta definição não é normalmente usada na atualidade. A maioria dos
cientistas políticos usa o termo "democracia" para se referir a um governo pelo
povo, seja direto ou representativo. Diz-se "república" normalmente significando um
sistema político onde um chefe de estado é eleito por um tempo limitado, oposto de
uma monarquia constitucional.
Segundo Coutinho (2000) a democracia constitui-se um valor universal na
medida em que contribui para explicitar e desenvolver os componentes essenciais
do ser genérico do homem, a saber: o trabalho enquanto objetivação do homem, a
socialização, a universalização, a consciência e a liberdade.
Após o século XVIII, quando uma nova etapa marca o desenvolvimento
da humanidade, afirma Vieira (2004) que, não restou a democracia, mas sim as
“democracias”, tendo em vista que o capitalismo e a sociedade burguesa forjaram
ideologias democráticas diversas da democracia ateniense. Para o autor, embora
inaugurassem uma época de relações entre liberdade, virtude e razão, (típicos da
modernidade com seu projeto civilizatório) tidas como harmoniosas e tranqüilas,
inauguraram também a ruptura das relações entre elas
10
.
9
Cf. WEFFORT (2000).
10
Esta nova fase da história humana diz respeito à Modernidade. Ela costuma ser entendida como
um ideário ou visão de mundo que esrelacionada ao projeto de mundo moderno, consolidado com
a Revolução Industrial e relacionada com o desenvolvimento do Capitalismo. A principal caracteristica
da Modernidade relaciona-se à secularização, que implicou na perda da centralidade de Deus como o
pressuposto de explicação do social. Neste sentido, a ciência ganhou relevância. Em Rouanet (1993)
encontramos os componentes que compuseram o projeto civilizatório da modernidade representando
os ideais revolucionários da burguesia em ascensão: 1) Universalidade - visa todos os seres
humanos independentes de barreiras nacionais, étnicas ou culturais; 2) Individualidade - esse seres
humanos são considerados pessoas concretas e não como integrantes de uma coletividade e que se
atribui valor ético positivo à sua crescente individualização; 3) Autonomia - esses seres humanos
individualizados são aptos a pensarem por si mesmos sem tutelas religiosas ou ideológicas, assim
como participar livremente do espaço público, e adquirirem pelo trabalho as condições de reprodução
da própria vida. Para o autor, na conjuntura atual vivencia-se uma crise desse projeto civilizatório,
26
É na Modernidade, portanto, que a cidadania ganha evidência, divulgação,
novas concepções e práticas.
Conforme Coutinho (2000) uma profunda articulação entre cidadania e
democracia, sobretudo na concepção moderna. Sendo a democracia “a presença
efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos
cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em conseqüência, no
controle da vida social”, (idem, ibidem, p.50) a cidadania se coloca como a
reabsorção dos bens sociais pelo conjunto dos indivíduos. Isto é,
a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de
uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem
dos bens socialmente criados e de atualizarem todas as
potencialidades de realização abertas pela vida social em cada
contexto historicamente determinado. (idem, ibidem).
Assim, a condição de cidadão conclama forte apelo para participar da vida
social, de modo que a participação revela-se como um instrumento imprescindível no
conjunto da democracia liberal
11
(VIEIRA, 2004).
Assim como na Grécia, a noção de cidadania moderna também está
organicamente ligada à idéia de direitos, e num primeiro momento, exatamente à
idéia de direitos individuais ou civis.
Em Marshall (1977) apreendemos a compreensão histórica da cidadania
moderna compreendida em três níveis de direitos de cidadania: civis, políticos e
sociais. Embora tenha analisado o caso inglês e traçado uma ordem cronológica de
constituição desses direitos, a constituição da cidadania deu-se de forma
diferenciada em outros países, tal como no Brasil
12
.
Os direitos civis correspondem aos direitos individuais de liberdade,
igualdade, propriedade, de ir e vir, direito à vida, dentre outros. A base desse direito,
visto que, ancorado na idéia de progresso à humanidade, o desenvolvimento capitalista com o
acirramento da questão social mostrou-se bem mais próximo da barbárie.
11
Segundo Vieira (2004) a base da democracia liberal encontra-se no pensamento liberal originário
da Revolução Industrial na Inglaterra que refletiu os interesses da sociedade burguesa. Consagrando
as liberdades individuais sob a égide do racionalismo, do individualismo e do não intervencionismo
estatal na esfera econômica e social, o pensamento liberal consagrou também a liberdade de
mercado, fazendo-o reinar soberanamente sobre a sociedade. Tanto o liberalismo quanto a
democracia liberal encontram-se alicerçados no capitalismo. Assim, a desigualdade social e a
dominação de uma classe sobre a outra pode ser admitida desde que esteja assegurada a igualdade
da cidadania. Deste modo, a cidadania “revela-se indispensável à continuidade da desigualdade
social e não entra em conflito com ela” (idem, p.190).
12
Uma ponderação sobre a concepção marshalliana de cidadania pode ser visto em BEHRING e
BOSCHETTI (2007).
27
de origem liberal Lockeana
13
, constituiu-se na ideologia da classe burguesa em
formação
14
. Em certo ponto tais direitos mantiveram um papel revolucionário na
medida que afirmavam a liberdade individual em contraposição ao Estado
absolutista que cerceava este direito.
Os direitos políticos abrangem o respeito à liberdade de associação e
reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral e ao
sufrágio universal. Os direitos sociais, por sua vez, relacionam-se ao direito à saúde,
educação, assistência, habitação, previdência, enfim, a garantia de acesso aos
meios de vida e bem-estar social. Segundo Coutinho (2000) são estes direitos que
permitem ao cidadão uma parcela mínima na riqueza material e espiritual criada pela
coletividade.
A conquista dos direitos de cidadania é resultado das lutas sociais
travadas no decorrer do século XVIII, XIX e XX e mantém relação com o processo
de ampliação do Estado
15
na medida em que este se abre à representação de
diversos atores socais que passam a apresentar diferentes demandas e lutar por
estes interesses (FERNÁNDEZ SOTO, 2005).
Ao longo da história da humanidade e no contexto da ordem
burguesa, os direitos de cidadania se tornaram fundamentais para
que as classes subalternas e o conjunto de forças interessadas na
construção de uma sociedade mais igualitária conseguissem
avançar na construção de projetos políticos que apontassem nesta
perspectiva. Com isso, torna-se importante, sobretudo, para os
excluídos do mercado e da participação política, a luta para garantir
melhores condições de vida e por oportunidade de participar das
decisões que dizem respeito à vida de toda a sociedade.
(OLIVEIRA, 2005, p.59).
Como ressalta Coutinho (2000) a cidadania é um processo de luta
13
John Locke foi um filósofo contratualista, pois defendia que a origem do Estado e da sociedade
estava baseada num contrato social. De sua obra “Dois tratados sobre o governo civil” (1679-1680)
pode-se extrair a primeira formulação do Estado liberal, o que lhe conferiu o titulo de “pai do
liberalismo”. Também é considerado jusnaturalista, posto que defendia os direitos naturais, ou seja, a
vida, a liberdade e a propriedade, como inalienáveis aos indivíduos. Cabia ao Estado a preservação
destes direitos, inclusive a preservação da propriedade privada.
14
Este conceito de cidadania, baseado no modelo de Estado Democrático de Direito tem como
fundamento a isonomia jurídica, isto é, todo o cidadão é igual perante a lei.
15
O processo de ampliação do Estado diz respeito ao movimento de extensão dos limites restritivos
do Estado liberal. Neste processo, o Estado deixa de ser o mero comitê executivo da burguesia e se
abre às demandas das classes em disputa objetivando alcançar legitimidade e consenso. Ainda
assim, não se pode negar que o Estado continue sendo um Estado de classe. Sobre este assunto ver
Netto (2001).
28
permanente implicando num processo histórico e mais importante do que o simples
reconhecimento legal dos mesmos é a luta para torná-los efetivos, isto é, o seu
desenvolvimento dá-se “a partir da luta pela conquista de certos direitos e
posteriormente através da luta pra usufruir deles” (VIEIRA, 2004, p.190).
Além do caráter histórico e processual da cidadania destacados pelos
autores, Fernández Soto (2006)
16
ressalta que a cidadania também possui um
caráter relacional que expressa formas particulares de relações sociais, e um caráter
ético e político, relacionado a um projeto de sociedade e de Estado. Para a autora, a
cidadania refere-se ao processo de incorporação do sistema institucional através da
intervenção estatal mediante a consagração do desenvolvimento conflito/luta e ao
embate entre o ideal liberal capitalista (lógica conservadora) e ideais democráticos
(direitos políticos e sociais).
Contudo, a ampliação da cidadania, isto é, o processo progressivo e
permanente de construção dos direitos democráticos, termina por se chocar com a
lógica do capital. Sendo assim, a universalização da cidadania se coloca como
incompatível com a existência de uma sociedade de classes (Coutinho, 2000; Vieira,
2004). Porém, como afirmam Behring e Boschetti (2007), o reconhecimento desse
limite estrutural não invalida a luta pela conquista e afirmação da cidadania nos
marcos do capitalismo. Antes disso, essa conquista deve ser vista não com um fim
em si mesmo, mas como um horizonte de construção de uma sociedade justa e
igualitária.
A democracia moderna assim como a noção de cidadania baseada no
princípio do direito positivo que expressa a igualdade dos homens perante a lei,
consolida a idéia do Estado Democrático de Direito.
Para Vieira (2004) um Estado de Direito se sustenta em princípios válidos
em qualquer país onde a liberdade prevalece sobre a autoridade. Por princípios tem-
se: a lei, a divisão de poderes, a legalidade da administração e a garantia de direitos
e liberdades fundamentais, sendo este último o ponto central de qualquer Estado de
Direito, expresso geralmente nas constituições dos Estados. Porém, como afirma o
autor (ibidem, p.133), tal Estado “não se realiza apenas com a garantia jurídico-
formal desses direitos e liberdades, expressos em documentos solenes”.
16
Apontamentos do Seminário “Cuestión social, intervención social del Estado y trabajo social”
ministrado pela professora Silvia Fernández Soto da Universidade de Tandil, realizado no Programa
de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de
Juiz de Fora, em novembro de 2006, em Intercâmbio com a Universidade Argentina.
29
O Estado de Direito determina sua proteção formalizada e
institucionalizada na ordem jurídica e, principalmente, reclama a
presença de mecanismos sócio-econômicos dirigidos e planificados
com a finalidade de atingir a concretização desses direitos. Muitas
razões de Estado têm conduzido a contradições entre a simples
declaração dos direitos e liberdades e a sua real efetivação. (idem,
ibidem, p.133).
Para o autor, a sociedade democrática coloca-se como o sustentáculo do
Estado de Direito. Entende-se por sociedade democrática “aquela na qual ocorre
real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões,
havendo, portanto, real participação deles nos rendimentos da produção” (VIEIRA,
2004, p.134)
17
.
Em relação ao Brasil, a ausência da sociedade democrática vem
permitindo a “substituição do Estado de direito por qualquer inspiração momentânea
da classe dirigente” (Vieira, 2004, p.135). Neste sentido, uma categoria importante
para entender a relação entre o Estado e sociedade civil na conquista dos direitos e
efetivação da cidadania é a esfera pública, assunto a ser abordado no próximo
tópico.
1.2 Esfera pública e Democracia no Brasil: entre o público e o privado
A esfera pública
18
diz respeito a novas formas de articulação entre Estado
e sociedade civil em que interesses coletivos são confrontados e negociados
(Raichelis, 2005a; Duriguetto, 2005). Sua construção transcende a forma estatal ou
privada e supõe um movimento de publicização de ações públicas com vistas a uma
nova institucionalidade que “implica a criação de espaços públicos, nos quais os
sujeitos sociais investidos de representatividade social possam disputar lugares de
reconhecimento político de suas demandas” (RAICHELIS e WANDERLEY, 2004,
p.8).
17
Vieira (2004, p.135) faz a crítica à sociedade industrial de massas ou de consumo que para ele não
se constitui na sociedade democrática. Segundo o autor, criar uma sociedade do “bem-estar”, sem
dar a todos a participação efetiva no controle das decisões e nos rendimentos da produção, consiste
unicamente em transformar os homens em consumidores obedientes.
18
Em Habermas (1984) encontram-se as grandes linhas que demarcam as transformações
estruturais da esfera pública, no entanto na perspectiva da esfera comunicativa, não como campo de
disputa de projetos societários, na qual nossa concepção se localiza. Sobre essa diferenciação, ver
Souza Filho (2003a), Duriguetto (2005) e Raichelis (2005a).
30
Estes autores assinalam os seguintes atributos centrais da esfera pública,
considerados num conjunto articulado e dinâmico:
1 - Visibilidade social transparência nas ações governamentais e dos
atores sociais nas decisões políticas. Implica em publicidade e
fidedignidade das informações.
2 - Controle social acesso aos processos decisórios da sociedade política
com vistas à participação da sociedade civil na formulação, revisão e
fiscalização das regras do jogo político.
3 - Representação de interesses coletivos constituição de sujeitos
políticos ativos, mediadores no cenário público de demandas coletivas
qualificadas.
4 - Democratização – ampliação de fóruns de decisão política para além dos
tradicionais de representação, permitindo a incorporação de novos
sujeitos sociais.
5 - Cultura pública – enfrentamento do autoritarismo social e da cultura
patrimonialista através da construção de mediações sócio-políticas dos
interesses a serem reconhecidos e negociados na cena visível da esfera
pública.
Segundo Oliveira (1991, p.86) a constituição da esfera pública é um
processo que “depende, em estreita consonância com os movimentos de
complexificação e diversificação societários, da presença e da constituição de
sujeitos coletivos fortes”
19
. Ela precisa ser construída nas relações entre Estado e
sociedade civil, e no interior dessas duas instâncias de poder de forma a “ultrapassar
a dicotomia estatal-privado com a instauração de uma esfera capaz de introduzir
transformações nos âmbitos estatizados e privados da vida social, resultando daí um
novo processo de interlocução e decisões públicas” (RAICHELIS e WANDERLEY,
2004, p.8).
19
Para o autor a explicitação da esfera pública dá-se num duplo movimento de privatização do
público e publicização do privado. O primeiro movimento diz respeito ao uso privado de qualquer
forma de riqueza pública e caracteriza a forma específica do capitalismo contemporâneo. A
publicização do privado diz respeito à devolução da privatização anterior de bens privados à
sociedade.
31
Em relação à constituição da esfera pública na América Latina afirmam
Raichelis e Wanderley (2004) que a partir da formação e desenvolvimento capitalista
nos países desta região é possível verificar várias modalidades de combinação entre
o estatal e o privado, expressando uma simbiose entre o público e o privado na
constituição dos Estados nacionais. Resulta disto uma presença ínfima de esfera
pública com destaque para uma cultura patrimonialista em que os processos de
privatização e feudalização dos Estados nacionais colocam-se como exemplos
20
.
Sobre a constituição da esfera pública no Brasil, Oliveira (1991) considera
que ela se deu de forma truncada e inacabada devido às relações estabelecidas
entre Estado/sociedade/economia, principalmente nos últimos 50 anos e decorreu
da ação das classes dominadas, historicamente destituídas da fala
21
.
No que tange à configuração do Estado brasileiro afirma o autor que em
seu desenho inicial, o Estado pode ser descrito à moda liberal, isto é, um Estado
passivo, presente nas concessões, sobretudo ao capital estrangeiro, e interventor na
economia nos momentos de crise, configurando deste modo um Estado a favor dos
interesses privados.
Raichelis (2005a, p.67), acrescenta que a privatização do Estado
brasileiro “é intrínseca ao desenvolvimento capitalista da formação social brasileira.
A ausência de dimensão pública nas ações do Estado nos seus diferentes níveis e
esferas tem marcado o exercício de sua intervenção na vida social ”tendo em vista
que ”historicamente, o Estado usurpou a representação das classes sociais no seu
interior, para inscrever no centro dos aparatos estatais os interesses da grande
burguesia nacional e internacional” (OLIVEIRA apud RAICHELIS, 2005a, p.67).
Oliveira (2000) denomina os anos 30 como o marco da tentativa de
constituição de uma esfera pública no país através da constituição de partidos de
20
Segundo Borón (2007, p.64) “o molde autoritário do capitalismo latino-americano tem raízes muito
profundas, que derivam de nosso passado colonial e da modalidade reacionária e dependente com a
qual nossas sociedades se integraram ao capitalismo mundial”.
21
Oliveira (2000, p.60-61) considera que a constituição da esfera pública constitui-se no “fazer
política” que significa “a reivindicação da parcela dos que o têm parcela, a reivindicação da fala,
que é, portanto, dissenso em relação aos que têm direito às parcelas, que é, portanto,
desentendimento em relação a como se reparte o todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo e
os que não têm nada”. No entanto, dada a configuração do Estado ‘autoritário’ brasileiro, a sociedade
brasileira se constitui como um processo complexo de violência, proibição da fala e mais
modernamente de privatização do público interpretado por alguns como a categoria do
patrimonialismo, revolução pelo alto e incompatibilidade radical entre dominação burguesa e
democracia; em resumo, de anulação da política, do dissenso, do desentendimento” (idem, ibidem,
p.59).
32
classe
22
. Porém, tal tentativa foi marcada por um processo de anulação da política,
visto que ocorreu a anulação dos sindicatos transformados em Institutos de
Previdência, tutelados e com prática assistencialista.
Após os anos 30 abriram-se as relações entre Estado e economia,
sobretudo devido à regulação capital/trabalho. Configurou-se uma política de
industrialização em que as intervenções assumiram “caráter de ações pontuais
numa longa cadeia de interpenetração entre recursos estatais e privados”
(OLIVEIRA, 1991, p.80).
O período populista, compreendido pelos anos 50 e 60, fundou a relação
entre o estatal e o privado implicando na apropriação privada da riqueza pública.
Esse processo configurou uma tendência de pontualização das relações
Estado/sociedade/economia e a supressão da representação das classes e dos
interesses baseada no autoritarismo.
Nos anos 50 vivenciou-se no país a idealização de um “Projeto de Nação”
baseado num modelo de desenvolvimento nacional e sustentado. As políticas
desenvolvimentistas propuseram uma intervenção mais ativa no plano econômico
para propiciar o desenvolvimento da sociedade. Para tanto, criaram-se empresas
nacionais e estrangeiras (MOLJO, 2006)
23
.
Segundo Moljo (2006) os anos 60, marcados pelo esgotamento do
modelo do Centro Econômico para a América Latina CEPAL, configuraram no
Brasil a disputa de 02 modelos de país: um que privilegiava as reformas
democráticas, tendo em João Goulart a sua representação; e outro que propunha o
aprofundamento do capitalismo monopolista no país. Preponderou o segundo
modelo com a instalação da ditadura, representando a inserção do Brasil na
economia internacional, porém de forma subalterna.
A ditadura militar não somente coroou esse processo como ampliou as
intervenções do Estado na economia. Além disso, a Doutrina da Segurança Nacional
estabeleceu parâmetros entre Estado e sociedade civil que implicaram numa cultura
política absolutamente autoritária, posto que privilegiou as relações de hierarquia,
22
Neste momento o Brasil se insere no cenário capitalista, a questão social ganha visibilidade política
e o Estado inicia sua intervenção no campo social. Cf. tópico 1.3 deste capítulo.
23
Conforme a autora, as políticas desenvolvimentistas compuseram um marco dentro das políticas
adotadas pelos paises latino-americanos, tendo no CEPAL o seu centro de irradiação.
33
poder, desigualdade e desconfiança (Moljo, 2006, p.30)
24
. Sendo assim tal período
caracterizou-se por “uma total anulação do dissenso, do desentendimento, da
política” representando um “esforço desesperado de anular a construção política que
as classes dominadas haviam realizado no Brasil” (OLIVEIRA, 2000, p.63-64).
No período seguinte, o da Nova República, também se manteve a
pontualização das relações entre Estado/sociedade/economia e o Estado utilizou-se
do autoritarismo para a representação formal das classes e dos interesses. Tal
processo pôde ser visualizado através dos planos econômicos: Cruzado, Bresser,
Verão e Collor I tendo em vista a concepção de exterioridade das relações entre o
Estado, sociedade e economia (OLIVEIRA, 1991).
Na contramão desse processo e “nas brechas das próprias contradições
da expansão capitalista (...) as classes sociais dominadas voltaram a reconstruir a
política” (Oliveira, 2000, p.64), fato este caracterizado pelas reivindicações no
terreno das políticas públicas, dos movimentos sociais e do movimento popular que
se mostraram na ofensiva até a Constituinte de 1988
25
. Nesse período, “todas as
reivindicações que significam política como o processo mediante o qual se põe em
xeque a repartição da riqueza apenas entre os que são proprietários, ganhou uma
forma, talvez a mais acabada que as condições históricas permitiram” (idem, ibidem,
p.65).
Cabe destacar que esse processo iniciou-se nos anos 70 com a “repulsa
à ordem autoritária então vigente e a luta pela redemocratização do país, levantando
24
Uma boa noção de cultura política é a encontrada em López que a define como “el patrón de
actitudes individuales y de orientación con respecto a la política para los miembros de un sistema
político. Es el aspecto que subyace en la acción política y le ortoga significados. Tales orientaciones
individuales incluyen diversos componentes: a) orientaciones cognitivas, conocimiento preciso - o no -
de los objetos políticos y de las creencias; b) orientaciones afectivas, sentimientos de apego,
compromisos, rechazos y otros similares respecto de los objetos políticos y, c) orientaciones
evaluativas, juicios y opiniones sobre los aspectos políticos que, por lo general, suponen la aplicación
de determinados criterios de evaluación a los objetos y acontecimientos políticos (LÓPEZ, apud
MOLJO, 2007, p.20). A discussão da cultura política brasileira é tratada em diversos autores: Oliveira
(2000), Oliveira (2005), Moljo (2006, 2007), Behring e Boschetti (2007), por exemplo. um
consenso entre esses autores que os traços conservadores e autoritários da formação social, cultural
e econômica do país conformaram práticas em nossa sociedade que a caracteriza como uma cultura
política antidemocrática.
25
Contudo, como colocam Behring e Boschetti (2007, p.141-142), “a Constituinte foi um processo
duro de mobilizações e contramobilizações de projetos e interesses mais específicos, configurando
campos definidos de forças. O texto constitucional refletiu a disputa de hegemonia, contemplando
avanços em alguns aspectos, a exemplo dos direitos sociais, com destaque para a seguridade social,
os direitos humanos e políticos, pelo que mereceu a caracterização de Constituição Cidadã’, de
Ulisses Guimarães. Porém, manteve fortes traços conservadores, como a ausência de enfrentamento
da militarização do poder no Brasil (...), a manutenção de prerrogativas do Executivo, como as
medidas provisórias, e na ordem econômica”.
34
as bandeiras da anistia política, das eleições diretas e da convocação da assembléia
constituinte” (CONANDA, 2000, p.19).
Nos anos 80 e início dos 90 no Brasil o movimento sindical brasileiro
configurou uma experiência que assinalou avanços na formação da esfera pública e,
portanto, no reforço de procedimentos democráticos reafirmando como eixos de
pauta na Constituinte: a reafirmação das liberdades democráticas, a impugnação da
desigualdade descomunal e afirmação dos direitos sociais, a reafirmação de uma
vontade nacional e da soberania com rejeição das ingerências do FMI, os direitos
trabalhistas e a reforma agrária (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
Ao mesmo tempo, forças políticas (presidência de Collor) fundamentadas
em setores da burguesia interna e externa operavam em sentido contrário na direção
de reforçarem a privatização da política e da economia e a concepção liberal de
Estado
26
. Para Oliveira (2000), o governo Collor constituiu-se como um mandato
destrutivo da política construída pelas classes dominadas e no governo Fernando
Henrique Cardoso – FHC – esse processo conquistou sua forma mais plena e
acabada através do projeto neoliberal que assume a face do totalitarismo. Na
análise de Nogueira (2003, p.9-10), o governo FHC “assumiu com muita rapidez, e
sem maior distanciamento crítico, todas as propostas de ajuste neoliberal
concebidas pelas agências internacionais”.
Em relação ao governo Lula, o autor afirma que, em seu primeiro
mandato, este governo “insistiu em seguir a mesma trilha aberta no início da cada
de 1990” (Nogueira, 2003, p.7). Para Braz (2007, p.51), o governo Lula “inaugura
uma nova fase do Estado neoliberal” no Brasil visto que, além de ser continuidade
da primeira fase com FHC, tem significado a “recuperação parcial do papel do
Estado como garantidor/financiador dos espaços de acumulação de capital no país”.
Analisando a recente segunda fase do governo Lula II, o autor considera
que ela “vem se configurando como um governo que tem buscado aprofundar os
interesses neoliberais no Brasil a partir de uma reordenação do Estado talvez mais
eficiente do que a que se efetivou com FHC” (idem, ibidem, p.51).
Embora sofra resistências com o projeto hegemônico atual, o movimento
que culminou na Constituição Federal de 1988 projetou novos e importantes
26
A discussão sobre o ideário neoliberal e seus rebatimentos no Brasil, principalmente no âmbito das
políticas sociais, é assunto do tópico 1.4 deste capítulo.
35
contornos na relação entre o Estado e a sociedade, como veremos no tópico a
seguir.
1.2.1 Esfera pública e redemocratização do país: Constituição Federal de 1988
e mecanismos de democratização
Segundo Raichelis (2005) o processo de mobilização da sociedade civil
em torno da redemocratização da sociedade brasileira que culminou na Constituição
Federal de 1988 esboçou a tentativa de construção de uma esfera blica no país.
Este processo de luta, juntamente com a participação dos sujeitos políticos,
profissionais e de usuários foram decisivos para a formatação legal dos direitos
sociais no Brasil (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
A Constituição Federal de 1988 fortaleceu a defesa da democracia com
propostas de descentralização do poder, autonomia municipal e participação da
sociedade civil. Nesse sentido foram instituídos diversos mecanismos de
participação na formulação e no controle da gestão das políticas públicas, nos quais
se destacam os Conselhos (SOUZA FILHO, 2003a; RAICHELIS, 2005a).
A institucionalidade legal da ordem social, com a CF-88, projetou
para o país os marcos para estruturação de um Estado voltado para
universalização dos direitos sociais, através de mecanismos que
promovem maior participação da sociedade na definição e
implantação de políticas sociais, redefinindo assim, a noção de
espaço público numa perspectiva de aprofundamento da
democracia. (SOUZA FILHO, 2003a, p.13).
No que diz respeito à participação da sociedade civil na definição e na
gestão das políticas sociais, afirmam Raichelis e Wanderley (2004, p.7) que ela se
apresenta como “elemento fundamental para a democratização das esferas
governamentais, mas não é garantia automática de que daí resulte efetiva ampliação
da pauta de direitos sociais aos excluídos”.
O tema da descentralização, entretanto, é um assunto polêmico (Moljo,
2005; Oliveira, 2005; Raichelis, 2005) tendo em vista que “pode abrigar concepções,
práticas de gestão e projetos políticos diferentes” (Oliveira, 2005, p.171). Apesar de
associada à democratização e à participação popular, pode servir a práticas
autoritárias, dos que defendem o Estado mínimo e a privatização dos serviços
36
públicos; quanto a processos democratizantes, “dos que lutam pela expansão das
políticas sociais e maior responsabilização pública do Estado na garantia de sua
implementação” (RAICHELIS, 2005a, p.219).
Behring e Boschetti (2007) trazem outros elementos para este debate. O
caráter democrático e descentralizado da administração deve garantir a gestão
compartilhada entre governo, trabalhadores e prestadores de serviços, de modo que
aqueles que financiam e usufruem os direitos (os cidadãos) devam participar das
tomadas de decisão. Entretanto, a descentralização atual não tem sido encarada
como compartilhamento do poder entre esferas públicas e sim como mera
transferência de responsabilidades para entes da federação ou instituições privadas.
Em concordância com Souza Filho (2003a), afirmamos que a
descentralização somente se traduz em forma democrática se expressar um
processo de participação e viabilização do controle das ações públicas e se for
operacionalizada pelo Estado. Somente dessa maneira se pode construir a
possibilidade do desenvolvimento efetivo das políticas sociais descentralizadas e
democráticas que garantam um processo de universalização dos direitos sociais.
1.2.2 Controle social de políticas públicas: a experiência dos Conselhos de
direito
Embora não se refira explicitamente à formação de Conselhos, é na
Constituição que encontramos perspectiva de abertura de novos espaços de
participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas em
diferentes níveis político-administrativos no âmbito do Estado, “tese incorporada ao
texto constitucional a partir das proposições democratizadoras encabeçadas por
diferentes instâncias organizadas que marcaram presença ativa nos trabalhos
constituintes” (RAICHELIS, 2005a, p.177).
No contexto da gestão pública, a experiência dos Conselhos tem sido uma
prática que vem se desenvolvendo especialmente no âmbito da política de
seguridade social nas áreas de saúde e da assistência social, da política de atenção
à criança e ao adolescente, da política de educação e outros.
Segundo Raichelis (2005a, p.36-38) os Conselhos “significam uma
experiência em gestação no que se refere ao desenho de uma nova
institucionalidade nas práticas sociais de distintos atores da sociedade civil e do
37
Estado” representando “mecanismos de participação da sociedade civil no âmbito da
definição, controle e gestão das políticas sociais”.
Afirmam Raichelis (2005a) e Duriguetto (2005) que os Conselhos
representam um mecanismo para viabilizar a perspectiva publicista, isto é,
reformular a noção de interesse público, bem como o papel e as responsabilidades
estatais. Na área da assistência social, por exemplo, podem funcionar “como
elemento indutor de nova cultura política no campo (...), área que por tradição,
nunca foi publicizada” (RAICHELIS, 2005a, p.45, grifos da autora).
Entretanto, ainda que os Conselhos sejam um instrumento fundamental
para a participação popular na formulação das políticas, a simples criação deste
mecanismo não é suficiente para a garantia da gestão municipal das políticas sociais
como política blica (Oliveira, 2005). Além disso, a heterogeneidade dos atores
nesses espaços, bem como a heterogeneidade de concepções, práticas,
experiências e propostas acumuladas geradoras de múltiplos interesses e
demandas, nem sempre convergentes, desafia o estabelecimento da agenda
comum que deve orientar ações e decisões coletivas (RAICHELIS, 2005a).
Behring e Boschetti (2007) ressaltam a existência de outras dificuldades
para a realização dos sentidos da participação e do desenvolvimento na direção
acima apontada, que são:
1 - Indicação de conselheiros por critérios discutíveis e particularistas, num
controle inadmissível sobre a sociedade civil.
2 - Capacitação dos conselheiros para o exercício do controle democrático.
3 - Pouco investimento na infra-estrutura de funcionamento dos Conselhos.
4 - Necessidade de assessorias sobre questões específicas, que
geralmente esbarra na “falta de recurso crônica”.
5 - Excessiva fragmentação e setorialização das políticas que dificulta a
ocupação de espaços, principalmente por parte dos movimentos sociais
e usuários.
Apesar da importância a ser atribuída a experiência atual dos Conselhos,
é importante considerar que esta experiência é um processo em curso e em disputa
com potencialidades democráticas e também práticas antidemocráticas (Behring e
Boschetti, 2007). Além disso, “não podem ser considerados como os únicos
38
condutos de participação política. Nem é possível fazer dessas experiências
exemplos modelares de uma nova sociedade civil ativa e organizada” (Raichelis,
2005a, p.273). Sendo assim, torna-se importante também considerar e reforçar
“outros mecanismos de controle, como o ministério público, a imprensa, os
conselhos de fiscalização das profissões e outros, mas, sobretudo, priorizar o
fortalecimento dos movimentos sociais, tão necessários em período de ofensiva
conservadora” (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.184).
Concordamos com Moljo (2006) quando ela afirma que mesmo repletos
de contradições e problemas, os Conselhos se constituem em espaços de
democratização da esfera pública. “De fato são espaços coletivos e abertos a serem
construídos, que possibilitam a construção de uma cultura política que faça questão
da participação real em todas as instâncias da gestão, assim como da intervenção
na esfera pública” (idem, ibidem, p.63).
No âmbito específico das políticas de proteção à infância e adolescência,
a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a questão da
descentralização e controle social foram previstos em seus artigos 86 e 88 conforme
se segue:
Art. 86: “A política de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e
não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Art. 88: “São diretrizes da política de atendimento:
I - Municipalização do atendimento;
II - Criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos
os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações
representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais (...)”
Os Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente são instrumentos
valiosos para definir e conduzir uma política coerente, vigorosa e continuada, em
prol desse público e devem participar efetivamente da formulação da política de
atendimento, do controle das ações, além de tomar decisões fundamentais para
garantia dos direitos das criança e adolescente do município.
39
As principais funções do Conselho de direito da Criança e do Adolescente
são:
- Deliberar participando da formulação das diretrizes e planos que possam
garantir os direitos básicos da infância e adolescência;
- Controlar as ações em todos os níveis para garantir que as políticas sociais
básicas atendam aos direitos fundamentais da criança e do adolescente;
- Fiscalizar o cumprimento do plano de ão proposto para o município e o
destino das verbas;
- Cadastrar as entidades de atendimento inclusive exercendo o controle sobre
a atuação dessas entidades no que se refere aos direitos fundamentais e
especiais preconizados no ECA;
- Propor o reordenamento institucional dos programas públicos e privados de
atendimento;
- Gerenciar o fundo financeiro oriundo de verbas públicas, doações
subsidiárias, multas e impostos de renda de pessoas físicas e jurídicas.
Tendo em vista o perfil histórico do atendimento a infância e adolescência
tradicionalmente associado à filantropia, em geral de caráter confessional, a
formação dos Conselhos de direito adquire importância particular. No entanto, os
esforços de participação da sociedade civil nos Conselhos ainda que representem
elementos importantes para a democratização da gestão pública, não
necessariamente implicam em ampliação de inclusão de direitos (Raichelis, 2005a),
tornando-se espaço para a privatização da cidadania, quando não implicam na
responsabilidade do Estado no controle, por exemplo, das entidades executoras
dessa política.
As políticas municipais para a infância e a adolescência ao mesmo tempo
em que incorporam instrumentos destinados a garantir a participação da sociedade
civil na formulação e gestão, tal como o Conselho de direito, permitem o crescimento
da participação das entidades privadas, dentre as quais as religiosas, na execução
dessa política, como será abordado no próximo capítulo.
Isto pode ser considerado um retorno à filantropia ou uma forma de
envolvimento da sociedade civil. A resposta dependerá da natureza das relações
entre entidades, Poder Público municipal e Conselho de direito. Implica, portanto, em
40
responder: Qual é a relação entre o Conselho, o Poder Executivo municipal e as
entidades de atendimento na implementação da Política de atendimento à infância e
adolescência? Até que ponto essa Política segue as diretrizes do Estatuto da
Criança e do Adolescente? Qual é a relação entre essa Política e a participação das
instituições religiosas? Quem financia a Política e como a distribuição de verbas
afeta esta participação?
Por outro lado, supondo que uma espécie de “parceria” com as
entidades privadas, e que estas, principalmente as religiosas, aceitem e se adequem
ao Estatuto da Criança e do Adolescente, elas participam do Conselho de direito e
da formulação de políticas? Qual é o grau de adequação ao ECA? Quais as
dificuldades encontradas nessa adequação?
São questões que buscamos responder ao longo deste trabalho.
1.3 Questão social e Políticas sociais no Brasil: a construção da cidadania
Tendo em vista que as políticas sociais guardam relação com o processo
de ampliação e consolidação da cidadania, é importante destacar o panorama
histórico de sua constituição para entendê-la no contexto da sociedade brasileira.
Segundo Behring e Boschetti (2007) o existe precisão de período
específico de reconhecimento das políticas sociais. Sua gestação relaciona-se à
confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução
Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. Sua
origem comumente está relacionada aos movimentos de massa social-democratas e
ao estabelecimento dos Estados-nação na Europa ocidental do final do século XIX.
E sua generalização ocorreu na passagem do capitalismo concorrencial para o
monopolista, sobretudo, pós Segunda Guerra Mundial (1945).
O capitalismo monopolista constituiu-se como uma nova fase de
desenvolvimento do sistema capitalista no final do século XIX marcado por
profundas alterações no ordenamento econômico com incidências na estrutura
social e instâncias políticas. Neste período, conforme Netto (2001), ampliaram-se as
contradições fundamentais deste sistema e a sociedade burguesa atingiu sua
“maturidade histórica”
27
.
27
Segundo Behring e Boschetti (2007) são características do capitalismo tardio ou maduro: intenso
processo de monopolização do capital, intervenção do Estado na economia e no livre movimento do
41
Foi no marco do capitalismo monopolista que se evidenciou a acumulação
do capital eclodindo a questão social
28
, necessitando, portanto, da intervenção do
Estado via políticas sociais. Neste sentido, como forma de garantir o objetivo de
maximização dos lucros, ocorreu a refuncionalização e redimensionamento do
Estado onde este deixou de atuar apenas como garantidor da propriedade privada
em situações episódicas e passou a atuar continuamente na organização da
economia (Netto, 2001). Segundo o autor, é nesta fase que ocorre o casamento das
funções políticas e econômicas do Estado, isto é, sua atuação dá-se de forma
contínua na organização da economia através de subsídios, investimento em áreas
não rentáveis, em infra-estrutura e pesquisa, assim como na garantia da
conservação da força de trabalho por meio das políticas sociais. Pois, “a
preservação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e excedente, é
uma função estatal de primeira ordem” (idem, ibidem, p.26).
Conforme visto, para exercer no plano econômico o papel de “comitê
executivo da burguesia” o Estado deve politicamente se legitimar incorporando
outros protagonistas, o que implica o alargamento da sua base de sustentação
mediante a institucionalização de direitos sociais.
Para Fernández Soto (2005), estas transformações na materialidade do
Estado, com a ampliação dos limites restritivos do Estado liberal clássico
29
,
expressam um processo importante, visto que o Estado não representa apenas os
interesses da burguesia, mas, no processo de construção de legitimidade, vê-se
pressionado a responder a outros interesses, principalmente da classe trabalhadora.
A funcionalidade essencial das políticas sociais diz respeito ao controle da
força de trabalho e a garantia de condições adequadas ao desenvolvimento do
mercado, constituindo-se oligopólios privados (empresas) e estatais (empresas e fundações
públicas). Para as autoras, as sociedades pré-capitalistas não privilegiavam as forças de mercado e
assumiam algumas responsabilidades sociais com intuito de manter a ordem social. “Ao lado da
caridade privada e de ações filantrópicas, algumas iniciativas pontuais com características
assistenciais são identificadas como protoformas de políticas sociais” (idem, ibidem, p.47).
28
A noção de questão social aqui abordada é a compreendida por Iamamoto (2001, p.16-17) como o
“conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura,
impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção,
contraposto à apropriação privada da própria atividade humana - o trabalho, das condições
necessárias à sua realização, assim como de seus frutos (...) a questão social expressa, portanto
disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de
gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre
amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal”.
29
O Estado liberal clássico diz respeito à configuração inicial de Estado (mínimo ou restrito) no
surgimento da sociedade burguesa (1830 e 1848) em que este representava somente os interesses
da classe burguesa (Fernández Soto, 2005).
42
sistema. As políticas sociais intervêm no ordenamento das relações sociais,
participando do processo de manutenção da ordem e em processos de legitimação
dos projetos sociais vigentes. Além disso, elas desempenham um impacto na
materialidade visto que afetam o nível de vida da população, e exercem uma
regulação sobre o mercado de trabalho (Fernández Soto, 2005). Conforme Netto
(2001), elas também asseguram um mínimo de respaldo a imagem do Estado como
‘social’ e mediador de interesses conflitantes.
As seqüelas da ordem burguesa passaram a ser tomadas como
áreas e campos que legitimamente reclamavam, e mereciam, a
intervenção da instância política que, formal e explicitamente,
mostrava-se como expressão e manifestação da coletividade.
(NETTO, 2001. p.34).
Contudo, torna-se importante ressaltar que ainda que o casamento das
funções econômicas e políticas do Estado se pela mediação da correlação das
classes e forças sociais, isto não implica dizer que o Estado deixe de ser um Estado
de classe pois, a sua ampliação é plenamente suportável, como necessária, para
que ele possa continuar a desempenhar sua funcionalidade econômica (Netto,
2001). As “respostas positivas a demandas das classes subalternas podem ser
oferecidas na medida exata em que elas mesmas podem ser refuncionalizadas para
o interesse direto e/ou indireto da maximização dos lucros” (idem, ibidem, p.29).
Segundo o autor é somente nestas condições, isto é, no contexto do
capitalismo monopolista, que a questão social torna-se objeto de intervenção
contínua do Estado e se põe como alvo das políticas sociais. Importante destacar
que o surgimento dessas políticas relaciona-se com o coroamento da cidadania via
conquista dos direitos sociais, conforme explanado anteriormente.
La ampliación de la ciudadanía política y social conduce a una
importante transformación en el orden liberal, en el Estado
capitalista; transformación que se manifiesta en la apertura del
espacio político a la representación de nuevos intereses. El Estado
comienza a ampliarse, diversos actores sociales pasan a presentar
diferentes demandas e luchan por intereses diversos. (FERNÁNDEZ
SOTO, 2005, p. 158).
Através das políticas sociais o Estado procura administrar as expressões
da questão social de forma a atender as demandas do sistema e “conformando, pela
43
adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de
consenso variáveis, mas operantes” (NETTO, 2001, p.30).
1.3.1 Políticas sociais no Brasil
Após uma breve contextualização sobre a constituição das políticas
sociais e sua relação com a esfera pública e a cidadania na luta pela sua conquista
e efetivação, é possível entendermos o desenvolvimento das políticas sociais no
Brasil, considerando o modelo de Estado, sociedade civil e esfera pública brasileiros.
Durante os três primeiros séculos da história brasileira as iniciativas em
relação à área social estiveram a cargo da Igreja Católica, através das Irmandades
da Santa Casa de Misericórdia. Conforme Rizzini e Vogel (1995), as Irmandades
somente se tornaram necessárias em conseqüência da falência oficial em cumprir
essa obrigação, cunhando assim a “marca de atenção aos pobres nas práticas da
filantropia e da benemerência dentro de uma concepção elitista e paternalista da
ação da ‘boa sociedade’ para como os ‘mais frágeis’ e ‘mais necessitados’”
(SPOSATI apud RAICHELIS, 2005a, p.236).
Até então, a Igreja Católica como religião oficial do Estado e com o
mandato deste, obteve um papel na gestação de espaços e iniciativas de atividades
filantrópicas em várias áreas da vida social, tais como registros civis, escolas,
centros de festas e lazer, organizações de ajuda tua e assistência médica e
social, e desta forma desempenhou um papel importante de legitimação do poder
político do Estado na consolidação da sociedade patriarcal e autoritária (Quiroga,
2001). Segundo esta autora, o padrão assistencial do período colonial representou o
modelo de organização econômico, social e do poder político e patrimonial, onde em
nome da caridade, práticas sociais se estruturavam “tendo como pano de fundo as
complexas relações dessa instituição com o Estado. Misturam-se público e privado,
confessional e civil” (Landim, 1993, p.16). A questão social nesse período era
concebida como questão de ordem moral, e, portanto, não entendida como
responsabilidade do Estado.
O advento da República, no século XIX, caracteriza-se como o corte mais
indicado de análise da ação governamental brasileira em relação às políticas sociais,
44
embora sua atenção estivesse mais voltada à questão previdenciária e à saúde
30
. A
atuação do Estado na política assistencial, bem como nas políticas de atendimento à
infância e a adolescência no Brasil era tímida e não se caracterizava como política
pública, o que somente veio acontecer após a Constituição de 1988.
No entanto, no período inicial republicano
31
, a questão social era
encarada como caso de polícia. A pobreza não era considerada como expressão da
questão social e quando vislumbrada pelo Estado era tratada no interior de seus
aparelhos repressivos. De acordo com Sposati (1995), os problemas sociais eram
mascarados e ocultados sob a forma de fatos esporádicos e excepcionais, em que a
pobreza era tratada como disfunção pessoal dos indivíduos.
Destacam-se leis repressivas à atividade político-sindical
32
e em relação
ao trato com à infância e adolescência novas formas de intervenção foram criadas
sem fugir do caráter repressivo. Neste sentido, destacam-se a aprovação do
Regulamento da assistência e proteção aos menores, em 1923, e a instituição do
Código de Menores em 1927.
Como exemplo de iniciativas de medidas de proteção social neste
período, destaca-se em 1888 a Lei 3397/88, onde foram criadas as Caixas de
Socorro para empregados das estradas de ferro do Império
33
. No ano seguinte criou-
se o Fundo de Pensão dos funcionários da Imprensa Oficial. Em 1903, foi
reconhecido o direito de organização sindical aos profissionais da agricultura e
industriais rurais. Quatro anos mais tarde, a legislação assegurou o mesmo direito às
demais categorias profissionais, configurando o movimento sindical como um novo
ator organizado no cenário político e “rapidamente o Poder Público irá perceber a
importância de que tal organização seja por profissões, que é o que vai marcar
30
Conforme Santos (1994) o histórico da intervenção estatal na regulação social no Brasil não se
difere da experiência dos outros países. Após a crescente intensidade e magnitude dos conflitos
gerados pela acumulação capitalista, com o aparecimento da questão social, inicia-se a ingerência do
Estado no âmbito das relações de trabalho, evoluindo posteriormente para a legislação
previdenciária.
31
Este período denominado República Velha, foi caracterizado pela transição do Regime Monárquico,
abolição da escravatura, surgimento dos primeiros sinais de industrialização e com eles um forte
sentimento de construção do país e busca de uma identidade nacional. Também representou a
continuidade das relações clientelistas e coronelistas do antigo regime que os setores oligárquicos
utilizavam-se da máquina estatal em favor de seus interesses. Essas relações constituíram formas
específicas do poder político brasileiro que tiveram suas raízes no Império, porém atingiram sua plena
expansão e plenitude na primeira república.
32
Segundo Santos (1994) é possível relacionar pelo menos cinco leis repressivas em relação à esta
atividade visando, sobretudo, à expulsão de trabalhadores estrangeiros devido à militância em
sindicatos tidos como influenciadores na vida operária brasileira.
33
As caixas de socorro disponibilizavam auxílio em período de doença e em casos de morte (auxílio
funeral).
45
decisivamente, a seqüência da regulação social no Brasil até recentemente” (Santos,
1987, p.19). Em 1923 houve a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões
CAPs
34
para os ferroviários, sendo no ano de 1926 estendida aos portuários e
marítimos. Segundo Cartaxo (1992), a aplicação da lei a estas categorias
profissionais justificava-se pela sua organização e vitalidade à economia brasileira,
na época, baseada na agroexportação.
Com ênfase nas políticas relacionadas ao processo de acumulação,
afirma Santos (1987) que a questão social brasileira vinha se resolvendo,
privadamente, mediante os acordos de seguro entre empregadores e empregados.
Neste sentido o autor complementa dizendo que
a responsabilidade estava clara e nitidamente dividida: ao Estado
incubia zelar por maior ou melhor justiça no processo de
acumulação, enquanto que às associações privadas competia
assegurar os mecanismos compensatórios das desigualdades
criadas por esse mesmo processo. (idem, ibidem, p.28).
A partir da década de 30, quando o Brasil vivencia seu momento de
inserção na fase monopólica do sistema capitalista, a questão social passou a ser
reconhecida como uma questão política que devia ser resolvida no âmbito do
Estado
35
. Todavia, o Estado utilizou-se de uma política corporativista, em que
somente as categorias profissionais e seus respectivos sindicatos reconhecidos por
ele podiam ter acesso aos direitos sociais, configurando neste período o que Santos
denomina de “cidadania regulada”.
Em 1931, foi criada, no Governo de Getulio Vargas, a Lei de
sindicalização, baseada no princípio de tutelamento sindical através do atrelamento
ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. No ano seguinte, foi instituída a
Consolidação das Leis do Trabalho e instituída a carteira de trabalho assinada,
“instrumento jurídico de comprovante do contrato entre o Estado e a cidadania
34
Também conhecida como Lei Eloy Chaves.
35
Considerando o objeto de estudo deste trabalho é importante registrar a observação que Netto
(2001) faz em relação às políticas sociais privadas e públicas no marco do capitalismo monopolista.
Para ele, as políticas sociais privadas, caracterizadas por sua condução por organizações religiosas e
laicas tais como a associações de profissionais, são formas de intervenção assistemática e
embasadas por motivações ético-morais, precedendo ao Estado na fase dos monopólios. Com o
desenvolvimento do Estado, estas passam a ter uma ponderação marginal na vida social implicando
em sua subordinação às políticas públicas. Como observaremos em relação ao trato dado às políticas
sociais pelo Estado brasileiro, as políticas privadas nem sempre assumiram essa ponderação
marginal.
46
regulada (...) uma certidão de nascimento vico” (Santos, 1987, p.19). Deste modo,
o regulamento das profissões, a carteira profissional e o sindicato público tornaram-
se parâmetros de definição da cidadania.
Em 1933, houve a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPs para marítimos e posteriormente, para bancários, comerciários e
industriários. Além da concessão dos benefícios de aposentadoria e pensão, os
IAPs também prestavam assistência médica aos trabalhadores de cada categoria
profissional. Assim, criou-se à estrutura básica do sistema previdenciário, que
permaneceu quase inalterado até 1966. Contudo, como afirma Santos (1987, p.31),
o Estado buscou conciliar uma política de acumulação que “não exacerbasse as
iniqüidades sociais a ponto de torná-las ameaçadoras, e uma política voltada para o
ideal de equidade que não se comprometesse, e se possível ajudasse, o esforço de
acumulação”. Deste modo estava claro a submissão da política social à política de
acumulação.
Em relação às políticas de Educação, em 1930 são criados o Ministério da
Educação e Saúde Pública, o Conselho Nacional de Educação e o Conselho
Consultivo do Ensino Comercial. No que diz respeito à Saúde, até os anos 30 não
existia uma política efetiva. Em sua configuração inicial foram realizadas campanhas
do Departamento Nacional de Saúde, criado em 1937. Porém, na avaliação de
Behring e Boschetti (2007) o que predominou foi o desenvolvimento da saúde
privada e filantrópica no que se refere ao atendimento médico hospitalar.
No tocante à Assistência Social, uma certa centralização começou em
âmbito federal a partir da criação da Legião Brasileira de Assistência LBA em
1942. No entanto, no comando estava a esposa do presidente, o que reforçou
características de tutela, favor e clientelismo na relação entre Estado e sociedade.
Anos depois a LBA se tornou uma instituição articuladora da assistência social, com
uma rede forte de instituições privadas conveniadas, sem, no entanto, perder a
marca assistencialista do primeiro-damismo.
A partir da década de 50, com o predomínio de políticas
desenvolvimentistas e de massas, foi implementado o plano Saúde, Alimentação,
Transporte e Energia SALTE e intensificado a educação sanitária, a assistência
alimentar, a assistência hospitalar e médica à infância. Também foi criado o
Programa de Higiene e Segurança no Trabalho. A Assistência Social adquiriu nova
amplitude no discurso governamental que além dos serviços de atendimento à
47
carências imediatas, eram oferecidos serviços sociais básicos e de desenvolvimento
comunitário.
No período caracterizado pelo início do regime ditatorial no país, houve
um avassalador processo de urbanização que estimulou o êxodo rural e a formação
dos grandes centros metropolitanos. Ao mesmo tempo, houve a expansão da
pobreza e do processo de marginalização com a dificuldade de integração no
mercado de trabalho, resultando na diminuição da renda e da participação da
população no consumo de bens materiais.
As políticas sociais da época adquiriram tendência universalizante
36
. Em
1966 foi estruturado o Instituto Nacional de Previdência Social – INPSno intuito de
unificar os IAPs e padronizar os benefícios. Foram incorporados os trabalhadores
rurais, empregadas domésticas e trabalhadores autônomos. Houve ainda a criação
do Sistema de Financiamento de Habitação e investimentos nas áreas da saúde e
da educação. No entanto, o financiamento das políticas sociais não foi modificado,
permanecendo a prestação de serviços de baixa qualidade. Para Sposati (1995), as
tendências observadas na década de 50 são retomadas no pós-64 em grau maior de
racionalidade e sofisticação técnica.
Os anos 80 e 90 caracterizaram-se como um período de efervescência
política, visto o término do regime ditatorial. Com a queda do AI-5
37
começou a
ocorrer na sociedade brasileira uma mobilização em favor da redemocratização do
país. Houve uma intensa movimentação da sociedade civil em um leque de
movimentos sociais em prol da defesa e efetivação de políticas sociais de fato
públicas e democráticas.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, formalizou-se no
país um projeto de políticas sociais de cunho universalizante e institucional centrado
na concepção de Seguridade Social (Saúde, Assistência e Previdência) como direito
36
Behring e Boschetti (2007) ressaltam que em ambiente de restrição de direitos políticos e civis, as
políticas sociais demonstram fortemente seu caráter: são pauta de reivindicação dos movimentos e
manifestações da classe trabalhadora e por outro, representam a busca de legitimidade das classes
dominantes. No período ditatorial segundo elas, “o bloco militar-tecnocrático-empresarial buscou
adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais” a exemplo da
instituição do INPS, do Ministério da Previdência e Assistência Social e da FUNABEM. (idem, p.136).
37
O Ato Institucional número Cinco foi o quinto de uma série de decretos emitidos pela ditadura militar
nos anos seguintes ao Golpe militar de 1964 no Brasil. Redigido pelo Presidente Artur da Costa e
Silva em 13 de dezembro de 1968, conferiu ao presidente da República poderes de fechar
provisoriamente o Congresso e intervir nos Estados e municípios nomeando interventores. O AI-5
também suspendeu a garantia do habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança
nacional e de infrações contra a ordem econômica e social e a economia popular. Fonte: CUNHA
(2000).
48
do cidadão e dever do Estado. Tal projeto propunha a reorganização do sistema de
proteção social do país através da descentralização político-administrativa com forte
vertente na municipalização, participação popular e integração dos serviços e
benefícios.
Até então, a execução das políticas sociais pelo Estado brasileiro, tinha
caráter de benesse e favor, não chegando a se constituir como um direito para o
cidadão. Em relação à assistência social, a nova Constituição representou um
avanço na medida em que esta ganhou status de direito social e passou, portanto, a
ser identificada como política pública. Tal reconhecimento implicou numa superação
da identificação da assistência enquanto dever moral de ajuda para o dever legal de
garantia de benefícios e serviços sociais (PEREIRA, 1998, FERREIRA, 2000;
MARTINS e PAIVA, 2003).
A Constituição também trouxe grandes avanços em relação às políticas
de atendimento ao público infanto-juvenil e aos direitos da criança e do adolescente,
que passaram a ser considerados sujeitos de direitos, logo, cidadãos. Através do
artigo 227 estabeleceu que
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente com absoluta prioridade, o direito a vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocar a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, 1988).
A regulamentação desse artigo culminou no Estatuto da Criança e do
Adolescente, assunto que será melhor discutido no capítulo 2 deste trabalho.
Entretanto, como ressalta Oliveira (2005, p.72-73) “o tardio processo de
conquista de direitos no Brasil caminha na contramão da tendência internacional da
perda de direitos como produto das políticas de ajuste neoliberal”. “O período pós-
Constituição de 1988, que poderia ser a ‘era dos direitos’ (...) transformou-se no
acesso a ‘precários e mal financiados serviços públicos’” e a seguridade social
“parece que nasce condenada ao fracasso, pela total ausência de condições
objetivas para a sua efetivação” (idem, ibidem, p.84).
O projeto neoliberal e seus rebatimentos ao projeto democrático
preconizado na Constituição Federal de 1988 constituem-se tema do próximo tópico.
49
1.4 Anos 90 e Neoliberalismo: contra-tendências ao projeto democrático de
proteção social
A conjuntura dos anos 90 apresentou um quadro de esvaziamento de
referências democráticas para o desenvolvimento de políticas sociais e do espaço
público, na medida que a orientação neoliberal tem predominado nessas dimensões
sócio-políticas (Souza Filho, 2003a, p.11). A lógica do papel complementar e
coadjuvante do Estado na proteção social é histórica no Brasil e tem assumido
características perversas neste cenário.
Além disso, vivencia-se uma transformação na cultura política, via ideário
neoliberal, em que as estratégias descentralizadoras e participativas da sociedade
civil têm sido utilizadas como mecanismos substitutivos e não complementares às
ações do Estado para com as políticas sociais fazendo com que ao invés de
promoverem a cidadania, estimulem a filantropia (SOARES, 2000; BEHRING, 2003;
MONTAÑO, 2003; MESTRINER, 2005).
Neste tópico nos propomos a compreender este período, que vai desde
os anos 90 até a atualidade, de forma a entender os desafios postos à efetivação
das políticas sociais, principalmente na área da infância e adolescência. Sendo
assim, torna-se importante situar a configuração desse modelo.
Conforme Anderson (2007), o neoliberalismo nasceu logo depois da II
Guerra Mundial na região da Europa e da América do Norte, onde o capitalismo
imperava, e se constituiu como uma reação teórica e política veemente contra o
Estado intervencionista e de “bem-estar”.
O capitalismo vivenciou um período de auge nos anos 40 e 50 com a
intervenção do Estado de Bem-estar Social. Porém, nos anos 70, vivenciou uma
grande crise caracterizada por uma longa e profunda recessão com baixa taxa de
crescimento e altas taxas de inflação. Como solução à crise do sistema houve a
abertura dos mercados com o processo de globalização, o advento do
neoliberalismo e de um novo modelo organizacional do processo produtivo
denominado acumulação flexível. Segundo Coimbra (2002, p.13) o que definiu as
características desse processo produtivo foi o conjunto de inovações que se
convencionou denominar de reestruturação produtiva: “uma das expressões do
reordenamento político e econômico internacional, das tendências da divisão
50
internacional do trabalho e das questões relativas à reorganização do processo de
produção”.
A proposta neoliberal propunha um Estado forte na capacidade de romper
com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro e parco nos gastos sociais e
nas intervenções econômicas
38
. Fazendo um balanço do neoliberalismo, afirma
Anderson (2007) que economicamente ele fracassou, porém, socialmente,
“conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais
desiguais” (idem, ibidem, p.23).
Além disso, ocorreu a mercantilização dos direitos sociais; o desmonte do
Estado transformando-o em Estado mínimo; a difusão de uma cultura antiestatal
39
,
baseada na superioridade da ‘eficiência do mercado’ em relação ao ‘burocratismo do
Estado’; e a tendência à reversão de padrões universais de proteção social,
caracterizando o que Fernandes apud Therborn (2007) aponta como o tripé do
neoliberalismo: desestatização, desregulamentação e desuniversalização
40
.
Sob generalizada concepção reformadora concentrada na diminuição do
Estado e valorização do mercado foram implementados nos anos 90, nos países da
América Latina
41
e no Brasil, a contra-Reforma do Estado (Behring, 2003) e o ajuste
38
Para Draibe (1993), a tese do Estado mínimo (para o social) constitui o mote e o móvel da ideologia
neoliberal.
39
A ideologia neoliberal produz um discurso incriminatório (Duriguetto, 2005) ou auto-incriminatório
(Borón, 2007) do Estado. Assim, tudo o que é estatal é igualado com a ineficiência, a corrupção e o
desperdício, enquanto que a ‘iniciativa privada’ aparece sublimada como a esfera da eficiência, da
probidade e da austeridade” (Borón, 2007). Segundo Duriguetto (2005) tal processo recupera e
metamorfoseia a visão maniqueísta entre o Estado e a sociedade civil para desqualificar e minimizar
tudo o que é estatal, produzindo “imagens dicotômicas do público e do privado” (BORÓN, 2007, p.78).
40
Na análise de Draibe (1993) o tripé do neoliberalismo seria formado por: descentralização,
privatização e focalização dos programas sociais. Por descentralização, a autora compreende a forma
de aumentar a eficiência e a eficácia do gasto, já que aproxima problemas e gestão; a focalização diz
respeito ao direcionamento do gasto social a programas e a públicos-alvo específicos, seletivamente
escolhido pela sua maior necessidade e urgência; e a privatização como deslocamento da produção
de bens e serviços públicos para o setor privado lucrativo. Esta estratégia “foi apresentada como uma
resposta que alivia a crise fiscal, evita irracionalidade no uso de recursos induzida pela gratuidade de
certos serviços blicos e aumenta a progressividade do gasto público ao evitar que benefícios não
proporcionais (maiores) à contribuição que realizam para financiá-los” (ISSUANI apud DRAIBE,
1993).
41
Importante sinalizar a discussão de Moljo (2005) em relação à implantação do neoliberalismo nos
países da América Latina. Conforme a autora o modelo neoliberal não foi de fácil implementação na
América Latina no período de implementação do neoliberalismo mundial. A conjuntura de
efervescência política que a América Latina vivenciava, propiciava a organização e participação nas
organizações de esquerda, o que implicou na instalação, de forma sincronizada, das ditaduras
militares. Pois estas, “buscavam enfrentar e aniquilar com o pensamento de esquerda, que, com
diferentes graus e formas, vinha se impondo na nossa latitude (...) desta forma de instalou o
neoliberalismo, tendo como uns dos seus objetivos enxugar o Estado e ferir de morte os precários
sistemas de proteção social latino-americanos” (Moljo, 2005, p.34). Neste sentido, há que se ressaltar
que no caso brasileiro foi a ditadura que começou com o processo de dilapidação do Estado. (idem,
ibidem).
51
econômico de corte neoliberal (Soares, 2000). Tal concepção representa o reforço
de uma imagem negativa e desacreditada do papel, da natureza e do sentido do
Estado aos olhos do cidadão, configurando-se uma visão do Estado que o definiu
como devendo ser mínimo, submetendo-se a contrapesos que estariam “fora” dele:
mercado, sociedade civil, e indivíduos (NOGUEIRA, 2005).
Para o autor, o contexto de restrição do Estado constitui a base da
consagração ao Terceiro Setor
42
, ao voluntariado, à solidariedade e à
responsabilização social corporativa, implicando, portanto, a refilantropização da
questão social. Isto porque, na medida em que amplos setores da população ficam
descobertos pela assistência do Estado, precária e focalizada, e também não têm
condições de acesso aos serviços privados, transfere-se à sociedade civil a iniciativa
de assisti-la através de ações filantrópicas e caritativas.
O processo de reconstrução e contra-reforma do Estado, na visão de
Montaño (2003), implica em uma nova modalidade no trato da questão social
atingindo diretamente as políticas públicas sociais que, relegadas a segundo plano
pelo Estado, tornam-se cada vez mais seletivas, focalizadas e descentralizadas.
Assim, o Estado diminui a prestação direta de serviços, e se mantém como
regulador e provedor de ações fragmentadas.
Em relação às respostas às expressões da questão social dadas pelo
Estado, o projeto neoliberal, conforme Montaño, indica que ela
deixa de ser responsabilidade privilegiada do Estado, e por meio
deste do conjunto da sociedade, e passa a se agora de
autoresponsabilidade dos próprios sujeitos portadores de
necessidades, e da ação filantrópica, “solidária-voluntária”, de
organizações e indivíduo. A resposta às necessidades sociais deixa
de ser uma responsabilidade de todos (na contribuição compulsória
e do financiamento estatal, instrumento de tal resposta) e um direito
do cidadão, e passa agora, sob a égide neoliberal a ser uma opção
42
A discussão sobre o Terceiro Setor é realizada com propriedade por Montaño (2003). Segundo o
autor no ideário neoliberal o Terceiro setor é igualado à sociedade civil em contraposição ao primeiro
setor (Estado) e ao segundo setor (mercado) representando a articulação e intersecção entre o
público e o privado, o público não-estatal. O Terceiro setor é composto por organizações não
lucrativas e não governamentais (ONGs, movimentos sociais), instituições de caridade religiosa,
atividades filantrópicas, ações solidárias, ações voluntárias e atividades pontuais e informais. Desta
maneira, não está à margem da lógica do capital e do lucro privado, mas é funcional a nova estratégia
hegemônica do capital porque o questiona a reprodução das relações sociais, de acumulação e de
manutenção da hegemonia da propriedade privada, implicando num esvaziamento do poder
democrático e dos direitos dos cidadãos. “No lugar de centrais lutas de classe, temos atividades de
Ongs e fundações; no lugar da contradição capital/trabalho, temos a parceria entre classes por
supostos ‘interesses comuns’; no lugar da superação da ordem como horizonte, temos a confirmação
e ‘humanização’ desta” (MONTAÑO, 2003, p.18).
52
do voluntário que ajuda o próximo e um não-direito do portador de
necessidades, “o cidadão pobre”. (idem, ibidem, p.22).
No tocante às políticas sociais, o ajuste provocou cortes lineares no gasto
social e deterioração dos padrões de serviço público. As políticas sociais foram
substituídas por programas focalizados de combate à pobreza baseados na retórica
da solidariedade e da participação comunitária, não sendo “suficientes para diminuir
a desigualdade social e a pobreza preexistente e, sobretudo, agravadas pelo próprio
ajuste” (SOARES, 2000, p.20-21).
A focalização e a seletividade reduzem o acesso aos serviços
assistenciais, deixando descobertos milhões de pessoas, fazendo com que os
padrões universalistas e redistributivistas de proteção social fiquem numa profunda
tensão. Além disso, o processo de privatização suscita uma universalização
excludente
43
posto que provoca uma dualidade entre os que podem e os que não
podem pagar pelos serviços (DRAIBE, 1993; BEHRING, 2003).
Draibe (1993, p.99) aponta que a “focalização proposta pelo
neoliberalismo tem tido grandes possibilidades de se transformar em uma espécie
de neobeneficência - desta vez a cargo do Estado e não das damas de caridade”,
contribuindo desta forma para a filantropia estatal. Isto porque mesmo na focalização
o Estado deve abster-se de produzir ações sociais mais amplas. Sendo assim, a
solidariedade da sociedade é “invocada como a responsabilidade moral para com a
pobreza” e “longe da solidariedade da partilha é instalada e fortalecida a
solidariedade da benemerência” (Sposati, 1995, p.133). A autora sinaliza a
importância de qualificar tal solidariedade. Seria a solidariedade da justiça e da
igualdade ou da benemerência?
A este respeito sua análise é elucidativa:
A lógica neoliberal rejeita os direitos sociais como obrigações do
Estado. Os riscos sociais sob sua ótica, devem ser enfrentados com
a capacidade individual de prevenir e de estar pronto para o amanhã
e para as incertezas da vida. O Estado deve ter o papel subsidiário.
Em primeiro lugar a família deve ser o lócus de ‘amparo aos fracos e
às fraquezas’, depois a sociedade, e então do Estado deve atuar
parcialmente, que precaver-se é responsabilidade do indivíduo.
(idem, ibidem, 1995, p.132).
43
Nas palavras de Draibe (1993), segmentação da cidadania.
53
Para Soares (2000), as ações específicas e focalizadas de programas
sociais ad hoc são associados à estratégia da descentralização, predominando tal
articulação na política social. No entanto, tal descentralização representa a total
desresponsabilização dos municípios pela implementação das políticas sociais. A
esse processo a autora denomina de descentralização destrutiva: de um lado tem-se
o desmonte das políticas sociais existentes sem deixar nada em substituição; e de
outro se delega aos municípios as competências sem ou recursos correspondentes
e/ou necessários. Para a autora, em todos os níveis da política social onde esta
estratégia foi acompanhada por um desmonte, o resultado foi o agravamento da
iniqüidade na distribuição e oferta de serviços.
Sendo assim, o problema da utilização desses mecanismos (focalização,
privatização, descentralização) está no seu “caráter substitutivo dos serviços
públicos e o em sua possível atuação complementar, sobretudo na
democratização, fiscalização e controle desses serviços que passam a ser precários
ou inexistentes” (SOARES, 2000, p.80).
Em relação à Seguridade Social, saúde e previdência estariam a cargo do
setor empresarial e a assistência social do Terceiro Setor. Desta forma, os serviços
seriam caracterizados em três modalidades: privado/mercantil de boa qualidade;
estatal/gratuito precário; e filantrópico/voluntário de qualidade duvidosa e, portanto,
gerariam três categorias de cidadãos: os integrados/consumidores, os
excluídos/usuários e os excluídos/assistidos (MONTAÑO, 2003).
Deste modo, ocorre um desprezo ao padrão constitucional da seguridade
social, ganho da Constituição de 1988. A assistência social então vista como
política social, não existe enquanto política pública nesse novo ideário. Como afirma
Behring (2003) todo o movimento que rompeu com o padrão de atividade focal,
pontual e assistencialista na assistência social, é ignorado transferindo-a à
solidariedade privada e colocando a Lei Orgânica da Assistência Social LOAS
em situação de extrema vulnerabilidade.
Importante sinalizar que o Programa de Publicização da Reforma do
Estado
44
regulamentou o Terceiro Setor através do estabelecimento de Termo de
Parceria com ONGs Organizações não governamentais e Instituições
44
Este programa transferiu para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou
não-exclusivos de Estado estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para
seu financiamento e controle. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI1.HTM>. Acesso em: 19 ago 2007.
54
filantrópicas para a implementação das políticas, fazendo com que essa nova
arquitetura institucional na área social se combinasse com o serviço voluntário,
desprofissionalizando a intervenção nessas áreas e remetendo-as ao mundo da
solidariedade, da realização do bem comum pelos indivíduos, através de um
trabalho voluntário não-remunerado (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).
As mudanças na esfera do Estado e suas políticas levam a emersão e ao
retorno na arena pública de entidades da sociedade civil que passam a assumir a
responsabilidade na execução das políticas sociais. Isto porque a questão social
agrava-se cada vez mais e as ações do governo são insuficientes para minimizá-las,
caracterizando uma revalorização do campo da filantropia onde novas alianças e
contornos na ação das entidades sem fins lucrativos são realizados com mobilização
dos recursos públicos e também empresariais (Mota, 2000). Entretanto, como afirma
Sposati (1995, p.136) “as manifestações pró-filantropia crescem e não significam,
em absoluto, redução de desigualdades sociais e econômicas”.
Conforme Duriguetto (2005, p.97) na concepção hegemônica a sociedade
civil é apresentada normalmente como não-contraditória. “O produto dessa visão é
uma concepção homogeneizadora, subalternizante e que tende a minimizar a
percepção dos conflitos sociais e do seu papel na transformação social”. Assim,
sendo concebida como um mero agregado de indivíduos que realizam seus
interesses individuais, as ações que interferem nesses interesses não podem ser
legitimadas. Desta forma, as políticas sociais perdem a condição de direitos e
tornam-se recursos (ou mercadorias) reguladas pelo mercado. “O não acesso deixa
de ser um problema do Estado e torna-se um problema a ser resolvido no âmbito
privado” (Soares, 2000, p.73) caracterizando um retrocesso histórico, qual seja, o
retorno da família e dos órgãos da sociedade civil sem fins lucrativos como agentes
do bem-estar social (SOARES, 2000; YAZBEK, 2000a; BEHRING, 2003).
A desresponsabilização do Estado para com a questão social e a
transferência para o Terceiro Setor promove o desgaste da noção de bem público
colaborando para o encolhimento do ideário universalista dos direitos e para a perda
do protagonismo do Estado (YAZBEK, 2000a; MONTAÑO, 2003; NOGUEIRA,
2005).
Tal situação na visão de Yazbek (2000a, p.1) constrói uma forma
“despolitizada de abordagem da questão social, fora do mundo público e dos runs
55
democráticos de representação e negociação dos interesses em jogo nas relações
Estado/sociedade”.
A presença do setor privado na provisão de bens e serviços sociais, antes
de ser uma novidade na trajetória das políticas sociais no Brasil, vem assumindo
uma posição de crescente relevância no sistema de proteção social no país
“confirmando o deslocamento de ações públicas estatais no âmbito da proteção
social para a esfera privada” (idem, ibidem, p.2).
Conforme Raichelis (2005, p.79), este discurso aparece atualizado, pois
não se trata apenas da filantropia tradicional, “mas da filantropia do grande capital,
que moderniza seu discurso e suas práticas, incorpora pautas que buscam
homogeneizar o discurso” da sociedade civil, “redefinido o papel socializador do
capital e ampliando suas ações para fora da empresa como parceiros na
implementação de políticas sociais”.
Neste sentido, a filantropia empresarial é expressiva e vem crescendo
significativamente, porém os serviços oferecidos por ela tem direcionamentos
específicos e focalizados, relacionados aos interesses de quem oferece o serviço e
ligados a grupos sociais previamente selecionados, que não se propõe a
atendimentos universalizantes. Essa filantropia é diferente da filantropia tradicional,
pois,
não se trata de ações fundadas em motivos de inspiração religiosa
ou moral, nem levadas a cabo por filantropos individuais orientados
pelos saberes médico ou jurídico. Trata-se de um movimento
realizado por entidades empresariais cujos operadores de
legitimação se articulam a valores cívicos de responsabilidade social
ou pública das empresas com as sociedades nas quais se inserem,
onde são enfatizados os conhecimentos vindos das áreas de
administração, psicologia, comunicação, marketing e publicidade.
(QUIROGA, 2001, p.54).
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada IPEA, em 1999, sobre a ação social das empresas na região sudeste do
Brasil, destacam-se alguns dados: 67% das empresas realizam algum tipo de ação
social para a comunidade que podem ser doações eventuais até projetos sociais
estruturados; 57% das empresas realizaram ou apoiaram ações de assistência
social, sendo que 81% destas a realizam por motivos humanitários. A satisfação
pessoal e as melhorias nas condições de vida da comunidade são os principais
56
resultados percebidos pelo setor empresarial; 71% consideram a insuficiência de
recursos como a principal dificuldade para expandir sua ação. Cerca de R$3,5
bilhões de recursos privados foram destinados às atividades sociais de fins públicos,
o que corresponde a menos de 1% da receita bruta das empresas da região.
As entidades filantrópicas inerentes à história assistencial brasileira, que
têm como característica uma baixa profissionalização, que nascem e se
desenvolvem à sombra da religião e que possuem muitas vezes valores distantes da
militância e do campo dos movimentos sociais, reforçam o novo discurso de
cidadania, em que o trabalho voluntário adquire maior peso e valor simbólico.
Ressalta Yazbek (2000a) que a filantropia no contexto de restrição do Estado no
âmbito das políticas sociais se apresenta com um discurso atualizado numa
perspectiva modernizadora principalmente na dimensão da gestão das instituições
filantrópicas: captação de recursos, administração, formação de quadros
profissionais e voluntários.
Conforme Duriguetto (2005, p.91) a concepção da sociedade civil como
terceiro setor vem reforçar, cada vez mais, “a lógica da solidariedade e da
concessão no que tange às políticas sociais pela via da despolitização das lutas das
classes subalternas na sociedade civil”. Afinal “não é a perspectiva do direito que
impulsiona e orienta as ações do Terceiro setor, mas valores da solidariedade,
filantropia, voluntarismo e não-política” (idem, ibidem, p.95).
O voluntário é o cidadão que, motivado pelos valores de participação e
solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não
remunerada, para causas de interesse social e comunitário (LANDIM e SCALON
apud BRESOLIN e CAMPOS (2003).
De acordo com Coelho apud Bresolin e Campos (2003), duas razões
para uma pessoa dedicar-se voluntariamente a algum tipo de atividade. A primeira
seria um impulso altruísta, no sentido de tentar fazer o bem através da ajuda aos
necessitados. a segunda razão estaria fundamentada em interesses próprios,
uma vez que o trabalho voluntário pode ser visto (principalmente nos países em que
tal atividade apresenta tradição e reconhecimento) como uma espécie de estágio
formador de bons profissionais, dadas às experiências vivenciadas que agrega ao
profissional.
Independente do motivo que leva uma pessoa ao trabalho voluntário a Lei
9680/98, que dispõe sobre esse tipo de atividade no Brasil, afirma que para ser
57
caracterizado como voluntário ele deve ocorrer por vontade própria, sem
remuneração, ser prestado por um indivíduo isoladamente e para uma organização
sem fins lucrativos, voltada a objetivos públicos.
Entre 1979 e o início dos anos 90, em relação ao trabalho voluntário no
Brasil, vigorou o Programa Nacional do Voluntariado, da LBA, sendo coordenado,
normalmente, pela primeira dama do país. Com a extinção da LBA em 1995 e
criação do Conselho de Comunidade Solidária, também sob coordenação da esposa
do presidente, foi dado um novo impulso ao trabalho voluntário no Brasil.
Analisando o Programa Comunidade Solidária, Oliveira (2005) afirma que
ele é um exemplo de desresponsabilização do Estado para com a assistência social,
pois “além de ser uma ação paralela e de expressar a opção do governo com a não
efetivação da assistência social como política de seguridade social, reforçou um dos
traços mais conservadores e atrasados desta área, que é o primeiro-damismo”
(idem, p.19), um “equivoco democrático e gesto de manifesta permanência do
entulho populista em nossa política” (SPOSATI, 1995, p.127)
45
.
Com o lançamento do “Programa Voluntários” do referido Conselho em
1996, incentivou-se a criação de Centros Voluntários em todo o país com o objetivo
de promover, valorizar e estimular as atividades voluntárias
46
. Em decorrência disso,
entre 1997 e 1999 o número de voluntários no Brasil teve um aumento de 73,3%
(BRESOLIN e CAMPOS, 2003)
47
.
Sobre o perfil do voluntário no Brasil, dados de pesquisa realizada em
nove centros urbanos em 2004
48
, apontam que os voluntários brasileiros apresentam
alto índice de escolaridade: 23% são pós-graduados e 20% completaram o ensino
superior. Em relação ao sexo, 47% são homens e 53% o mulheres. Em outra
pesquisa realizada por Landim e Scalon (2000)
49
, onde se buscou verificar o
trabalho voluntário e a doação individual no país no final dos anos 90, é possível
45
“Isto significa manter o simbólico do centralismo na figura masculina do presidente, a quem cabe a
razão, e a mulher, que na condição de consorte, cabem as iniciativas do coração, e por
conseqüência, o social. É o social sob esta ideologia palco de manifesta ‘bondade’, ‘sensibilidade’ e
não de políticas públicas” (SPOSATI, 1995, p.127).
46
O primeiro Centro Voluntário criado foi o de São Paulo em 1997. Logo em seguida foi criado o Rio
Voluntário.
47
Dado relativo ao Censo de 2000 do Terceiro Setor, publicado pela Revista Forbes em janeiro de
2001.
48
Pesquisa Ipsos Marplan realizada com 50.520 pessoas maiores de 13 anos em São Paulo, Rio de
Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza. Disponível em:
<http://www.portaldovoluntario.org.br>. Acesso em: 12 out 2006.
49
LANDIN, L.; SCALON, M C. Doações e trabalho voluntário no Brasil - uma pesquisa. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2000.
58
retirar outras referências: 50% dos voluntários fazem doações de alimentos, roupas,
calçados, objetos, dinheiro diretamente para instituições; 30% fazem doações de
bens e dinheiro diretamente para pessoas necessitadas e 22,6% doam "tempo", isto
é, fazem trabalhos voluntários. Com relação à atuação dos voluntários: 57% atuam
em instituições religiosas, 17% atuam em instituições de assistência social, 14%
atuam em áreas de saúde e educação e 8% atuam em instituições de defesa de
direitos e ações comunitárias. Com relação às atividades dos voluntários: 53%
prestam serviços de limpeza e infra-estrutura, 15% atuam na captação de recursos,
14% atuam em atividades religiosas e 18% em atividades de ensino e treinamento,
apoio psicológico e aconselhamento, cuidados pessoais e serviços profissionais em
geral. Ainda de acordo a pesquisa, a média de horas doadas é de 74 horas/ano, ou
seja, 6 horas/mês. Destaca-se que 31% dos voluntários são jovens, na faixa de 18 a
34 anos de idade e, nos últimos 5 anos, o voluntariado jovem cresceu de 7 para
34%.
Segundo Raichelis (2005a, p.238) o problema da transferência da
atenção social aos segmentos empobrecidos às entidades assistenciais privadas diz
respeito à inexistência de “contrapartida de exercício do controle público e da
garantia de um padrão de qualidade dentro de patamares considerados socialmente
aceitáveis”.
Conforme a autora, as políticas sociais como função estatal exigem a
delimitação de responsabilidades definidas nas três esferas de poder, formulação de
padrões de proteção social, fixação de metas, recursos orçamentários, programas
que tenham continuidade, assim como padrões de avaliação da qualidade dos
programas, serviços e dos impactos sociais, o que supõe uma explícita
responsabilidade estatal. No entanto, “esta compreensão não restringe o universo
das políticas sociais a uma intervenção exclusiva dos governos, uma vez que supõe
a participação, em diferentes níveis, dos segmentos organizados da sociedade civil
em sua formulação, implementação e gestão” (RAICHELIS, 2005a, p.131).
Soares (2000) atenta ainda para o fato das organizações tenderem a
defender sua relação com o Estado de forma complementar, visando melhorar a
situação imediata dos que se beneficiarão com essa relação implicando na
realização de convênios pontuais que atendem as necessidades da população de
forma fragmentada.
59
O que se e como imperativo então é “a consolidação de parâmetros e
critérios públicos que orientem as relações entre Estado e sociedade civil” (Raichelis,
2005, p.248), possibilitando o estabelecimento de uma rede pública ampla e
conectada de serviços e atenções (estatais e privados), que se complementam
submetidas a um controle social efetivo (Mestriner, 2005), tendo em vista que “a
consolidação de espaços públicos no campo das políticas sociais põe em evidência
responsabilidades públicas” (RAICHELIS, 2005a, p.252).
Concordamos com Raichelis (2005b, p.59) que “o Estado permanece
sendo a forma mais efetiva de operar a universalização dos direitos e das políticas
sociais, diante da força e da prevalência histórica dos interesses privados na esfera
pública” embora nunca tenhamos atingido na sociedade brasileira, a efetiva de
operar a universalização dos direitos.
Sintetizando a discussão realizada neste capítulo constatamos que a
forma de articulação do Estado brasileiro, que sempre se comportou como um
Estado a favor dos interesses da classe dominante, com o setor privado efetivou
uma ínfima presença da esfera pública no país. Assim, a ausência de uma dimensão
pública nesta relação marcou a intervenção do Estado na vida social.
Tal situação funciona como um mecanismo de desresponsabilização
pública do Estado frente às políticas sociais, legitimando a intervenção privada na
área social e colocando-se como um obstáculo de efetivação da democracia em
nosso país.
Verificamos também que o processo de redemocratização do país
desempenhou um importante papel na formatação legal dos direitos sociais no
Brasil, constituindo-se numa tentativa de construção da esfera pública. Como fruto
deste processo, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a defesa da democracia
através da proposta de descentralização e participação popular, no qual se destaca
o papel dos Conselhos. Estes são importantes canais para a viabilização de uma
perspectiva publicista e a produção de uma nova cultura política, embora não sejam
suficientes para a garantia da gestão das políticas sociais como públicas.
Em relação às políticas sociais na área da infância e adolescência, o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é um importante ator
na formulação da política de atendimento ao público infanto-juvenil, no controle das
ações e na garantia dos direitos deste segmento. Se considerarmos a realidade
60
histórica do atendimento nesta área, tradicionalmente associado à filantropia, este
espaço assume uma importância significativa.
A Constituição Cidadã também estabeleceu novas diretrizes em relação
às políticas sociais no país, definindo-as como dever do Estado e direito do cidadão.
Entretanto, opostamente à tentativa de consolidação da democracia no
país, o projeto neoliberal, implementado nos anos 90 e ainda hegemônico na
atualidade, trouxe mudanças expressivas na relação do Estado com a questão
social e as políticas sociais, assim como nos mecanismos implementados pela
Constituição Federal de 1988, utilizados nesta nova lógica como substitutos ao
Estado. Deste modo, vivencia-se no contexto atual um estímulo e valorização da
intervenção filantrópica na execução das políticas sociais, contribuindo assim, para a
despolitização das relações entre o público e o privado. Esta situação tem dificultado
a composição de uma esfera de fato pública no país, e a implementação dos direitos
de cidadania, pactuados na Constituição Federal de 1988.
A política destinada à infância e adolescência reflete o cenário conjuntural
dos anos 90, no qual as organizações da filantropia tradicional são colocadas em
cena não provocando assim, mudanças significativas no padrão de atendimento a
esse público. Este assunto constitui-se objeto do debate do capítulo seguinte.
61
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
2
2
POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA: A
EXPERIÊNCIA DO BRASIL E DE JUIZ DE FORA
A discussão deste capítulo se debruça sobre a política de atendimento à
infância e adolescência no Brasil e mais especificamente, em Juiz de Fora.
Em âmbito nacional resgata-se o histórico da intervenção nesta área em
interface com o setor filantrópico. Destacam-se as diretrizes e linhas de ação da
política nacional de atenção à crianças e adolescente, estabelecidos pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente e apresenta-se uma avaliação do Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente da política nacional após anos 2000.
Ao tratar da política de atendimento em Juiz de Fora aborda-se o
elemento da religião, destacando-se a configuração do campo religioso juiz-forano
como mais um elemento na compreensão nesta área. Isto porque a intervenção no
campo social pelas instituições religiosas, mais do que simplesmente uma prática
caritativa, constituiu-se em estratégia de penetração e legitimação na vida social e
política da cidade.
A seguir, aborda-se o histórico de intervenção nesta área no município
com a finalidade de compreensão dos desafios que se colocam na atualidade em
relação à implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente num cenário de
muita experiência com a tradição conservadora do assistencialismo, do paternalismo
e do clientelismo que ainda permanece como mecanismo para o enfrentamento da
questão social.
2.1 Política de atendimento à infância e adolescência no Brasil e a interface
com o setor de filantropia
Toma-se como referência sica para a abordagem deste tópico a
discussão realizada por Mestriner (2005) em que ela analisa as políticas de Estado
na sua relação “simbiótica” com o setor filantrópico no país. A partir da intervenção
do Estado na questão social nos anos 30 e no modo de regulação do setor privado a
62
autora adjetiva a filantropia no Brasil em vários estágios: filantropia disciplinadora
(1930-45), filantropia partilhada sob o âmbito educacional (1946-64), filantropia de
clientela e apadrinhamento (1964-85), filantropia vigiada entre a benemerência e a
assistência social (1985-93), e filantropia democratizadora (1994-2000).
Consideramos filantropia a ação de doação, de dinheiro, bens e/ou
tempo, em favor de instituições ou pessoas com vistas ao bem comum. Neste
campo, inserem-se diversas instituições dentre as quais as confessionais. Deste
modo, a filantropia congrega e extrapola a ação meramente religiosa. A caridade por
sua vez refere-se a um valor, sentimento (de compaixão) de ordem religiosa. Optou-
se por usar neste tópico a discussão sobre a filantropia para demarcar a ação
privada no campo das políticas sociais voltadas à infância e adolescência, tendo em
vista que este setor predominou no atendimento ao público infanto-juvenil. Mais
adiante utilizaremos a discussão sobre a caridade quando nos deteremos
especificamente a ação das instituições religiosas no espaço público.
Conforme visto no capítulo anterior, embora o Estado brasileiro tenha
investido e implementado políticas nas áreas da previdência, saúde, e educação, a
área assistencial
50
permaneceu relegada pelo Estado. Conforme indicam Landim
(1993) e Mestriner (2005), esta situação evidenciou o pacto costurado pelo Estado
com igrejas e outras organizações da sociedade civil
51
, “na medida em que
permaneceram mecanismos facilitadores do acesso ao fundo público de
organizações privadas, por meio da regulamentação do instrumento de utilidade
pública” (RAICHELIS, 2005, p.236).
Para Mestriner (2005), embora a assistência social tenha ingressado na
agenda do Estado, este sempre a fez de “forma dúbia”, mais reconhecendo o
conjunto de iniciativas organizadas da sociedade civil do que propriamente
reconhecendo como de responsabilidade blica e estatal as necessidades da
população atendida por tais iniciativas. Esta área voltou-se historicamente para a
50
Importante sinalizar que a análise do atendimento à infância e a adolescência pretendida aqui,
estará intimamente ligada a análise da política de assistência social. Afinal, a área assistencial
sempre se propôs a atender setores mais vulneráveis, nos quais crianças, adolescentes e suas
famílias constituem-se públicos-alvos.
51
Apesar da separação strictu sensu entre Igreja Católica e Estado ocasionada pela instauração da
República, eles mantiveram um pacto onde a igreja objetivou o “estabelecimento de um novo modelo
de Neo-cristandade, ou seja, uma sociedade moldada segundo os valores morais/culturais do
Catolicismo. (...) Reivindicando-se a religião da nação, buscou articular um arranjo como o Estado em
que este lhe concedesse o controle dos aparatos mantenedores de sua hegemonia na sociedade -
área de educação e assistência social - exercida desde a época colonial” (CAMURÇA, 2001, p.135).
63
introdução de mecanismos de apoio às organizações via subsídios, subvenções e
isenções por meio do mecanismo de convênios e atribuição de certificados, fazendo
com que a assistência social “transitasse sempre no campo da solidariedade,
filantropia e benemerência, princípios que nem sempre representam direitos sociais,
mas apenas benevolência paliativa” (idem, ibidem, p.21).
Deste modo, criando mecanismos de coordenação e fiscalização da
filantropia privada, o Estado reservou um papel importante às entidades sem fins
lucrativos no campo das políticas públicas e principalmente na área assistencial.
O setor da filantropia no Brasil foi dominado tradicionalmente pela Igreja
Católica, por intermédio das congregações religiosas, originando o quadro de
organizações sociais no país em meios do século XVI. A Santa Casa de
Misericórdia
52
“foi o exemplo expressivo da ação social das ordens religiosas, sendo
o atendimento predominante nesse período” e constituiu-se na “base para a
assistência higienista, desenvolvida em aliança com a medicina social” no século
XIX (MESTRINER, 2005, p.41).
Sob o comando das Santas Casas foi instituído como política de
assistência às crianças abandonadas, órfãs e pobres, o Sistema de Roda dos
Expostos
53
. Criado em 1726, na Bahia, e em 1738, no Rio de Janeiro, este sistema
recolhia crianças abandonadas que eram entregues a famílias para serem criadas. O
Sistema de Roda dos Expostos perdurou no Brasil até 1927 quando o Código de
Menores decretou sua extinção. Grande foi o índice de mortalidade das crianças e
aos poucos sobreviventes restava o trabalho precoce e explorado para ressarcir os
“criadores” com os gastos de sua criação (Rizzini e Vogel,1995). Conforme Quiroga
(2001, p.46), “a Santa Casa constituiu-se em um modelo abrangente de intervenção
social que teve na caridade cristã, seu operador de legitimação, mas cuja
estruturação e âmbito de ação extrapolou em muito os limites de uma perspectiva
religiosa ou assistencial”.
No período republicano, influenciado pelo contexto internacional de
investimento na criança, vista como um patrimônio valioso da nação, chave para o
52
A ação da Igreja Católica no Brasil tem relação com o projeto colonial português. A prática do
Catolicismo brasileiro iniciou-se no período colonial trazido pelas corporações medievais que no Brasil
tomaram o nome de irmandades, confrarias e ordens terceiras. Uma delas foi a Irmandade da
Misericórdia que acolhia crianças enjeitadas através da Roda dos Expostos.
53
Consistia numa janela aberta para o exterior do convento, onde um cilindro oco de madeira girava
sobre um eixo e tinha uma abertura na qual as crianças podiam ser deixadas para serem recolhidas
por tais entidades. De origem medieval, a Roda dos Expostos teve vida longa no Brasil sendo o último
país a acabar com esse sistema.
64
futuro, e ser em formação moldado tanto para o bem quanto para o mal (ser
“desviante”, propenso à criminalidade), começa a existir no Brasil um forte
investimento na infância no entendimento de que “salvar a criança é salvar o país”
tirando-o do atraso e da ignorância (Rizzini, 1997). Dessa forma, a nova mentalidade
exigia que criança deixasse de ser interesse e preocupação privada da família e da
igreja e passasse a ser objeto de intervenção do Estado que deveria zelar por ela a
fim de garantir a ordem social.
Criou-se então, um aparato médico, jurídico e assistencial de atendimento
a criança pobre, juridicamente denominada “menor”, com o objetivo de prevenir a
degradação/degeneração deste e da sociedade, a educação para o trabalho e a
repreensão do menor delinqüente. A “Política da Menorização” oscilava entre o pólo
assistencial dos abrigos, asilos e albergues, numa ótica assistencialista, e o pólo
jurídico das prisões, centros de internamento e casas de correção, numa ótica
repressiva
54
.
Constituiu-se neste período uma filantropia higiênica
55
nos termos de
Adorno e Castro apud Mestriner (2005) em que o atendimento assistencial oferecido
encaminhava os “portadores desse mal” ao asilamento ou internação.
Cabe destacar que neste momento vivenciava-se uma explosão
demográfica no Brasil. O número de habitantes triplicou de 10 para 30 milhões. Essa
passagem foi extremamente importante para a história da legislação brasileira em
relação à criança, pois, as pessoas com menos de 19 anos representavam 51% da
população (CONANDA, 2000).
Assim, foram criadas 14 instituições asilares, de abrigamento e escolar, e
6 instituições de saúde a crianças: policlínicas e dispensários. Destas, apenas 4
eram totalmente estatais. As demais eram mantidas por organismos religiosos e
contribuições do Estado e de particulares (SABINO, F.; SEIXAS, R.; e SIQUEIRA,
M., 2005).
que ressaltar também que a conjuntura da Guerra Mundial
favoreceu um clima de efervescência social no país através de iniciativas da
54
Visto que a questão social neste período era encarada como caso de polícia, novas formas de
intervenção no trato com a infância e adolescência foram criadas sem fugir do caráter repressivo.
Assim, a esfera policialesca do Estado passou a ser assumida e substituída por intervenções médicas
e jurídicas. De acordo com Faleiros (1995), o jurista e o médico representaram as forças
hegemônicas no controle da complexa questão social da infância abandonada.
55
O higienismo buscou produzir um novo modelo de intervenção no social baseado no conhecimento
científico, racionalizador e laicizante, porém mantendo ainda valores e justificativas morais.
65
sociedade civil (Partido Comunista, Coluna Prestes, Movimento Tenentista, Semana
da Arte Moderna, Movimento Sindical) que pressionaram o Estado na busca de
mudanças políticas e econômicas e levantaram discussões sobre a questão da
infância
56
.
Em 1920, foi realizado o I Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. No
ano seguinte, através da Lei Federal 4242, foi instituído o Serviço de Assistência e
Proteção da Infância Abandonada Delinqüente. Em 1923, foi aprovado o
regulamento da assistência e proteção aos menores e em 1927 foi instituído o
Código de Menores.
O Código de 27 tratou-se de um instrumento de controle social da infância
e da adolescência timas das omissões e transgressões da família, da sociedade e
do Estado em seus direitos básicos, em que os menores eram objetos de medidas
judiciais.
O Código de Menores dispunha sobre a assistência a menores entre zero
e dezoito anos que se encontravam em situação irregular (desvio de conduta e
infração penal, abandono moral, material e jurídico), e também aos que se
encontravam entre 18 e 21 anos nos casos previstos em lei, através da aplicação de
medidas preventivas e terapêuticas numa lógica discriminatória, repressiva,
criminalizante e assistencialista.
Sua filosofia era higienista (proteção do meio e do indivíduo) e correcional
(visão jurídica repressiva e moralista). O código não exigia fundamentação das
decisões relativas à apreensão e confinamento de menores, sendo o poder do juiz
irrevogável. As decisões eram baseadas na índole da criança e não havia
fiscalização do Judiciário por nenhuma instância governamental ou não
governamental. Da mesma forma, os órgãos do Executivo não executavam, via de
regra, uma política de participação e transparência e não abria espaços à
participação de outros atores que limitassem os poderes da autoridade policial
judiciária e administrativa.
O código de Menores aboliu formalmente a Roda dos Expostos e
segundo Rizzini (1997), possibilitou uma dicotomização da infância: à criança
56
O movimento “Cruzada pela Infância”, formado por filantropos, médicos higienistas e juristas foi um
dos movimentos populares que demandaram ao Estado uma assistência pública para as crianças
abandonadas e delinqüentes.
66
mantida aos cuidados da família era garantida a cidadania, ao menor sob a tutela
vigilante do Estado, a estadania.
No período de 1930-45 em relação à assistência social, é criado no ano
de 1938 o Conselho Nacional de Serviço Social CNSS, atrelado ao Ministério da
Educação e Saúde, como o “primeiro espaço institucional introduzido no governo
para gerir a assistência no interior do Estado” atuando como uma forma pautada na
ajuda ao setor privado através do “arbitramento das subvenções” (Mestriner, 2005,
p.285). Entretanto, ainda que o CNSS tenha representado um avanço, o governo
varguista criou somente uma política de incentivo ao amparo social privado e
filantrópico através do mecanismo de subvenção.
Conforme Mestriner (2005, p.84) a Igreja e o Estado firmaram um “acordo
de interesse mútuo no combate à pobreza e disputaram o controle social e
ideológico sobre a sociedade. Embora a questão social tenha alcançado o estatuto
de questão política, tal pacto realizado permitiu a negação do conflito de classe visto
que “os ricos ajudavam os pobres, sem conflitos, numa perfeita integração social”,
fundamentados no “conformismo à pobreza pela religião e no amparo emergencial
devido ao Estado”.
Nesse momento, a Igreja Católica constitui-se como a mais forte
instituição da sociedade civil brasileira responsável por agregar hospitais, asilos,
escolas, internatos, manicômios e também recursos da filantropia empresarial ou
das classes mais abastadas para suas obras de ação social. A igreja interveio na
questão social através da criação do Centro de Estudos de Ação Social CEAS e
do curso de Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica
57
.
Segundo Landim (1993) deram início também a ações na prestação de
serviços sociais de Igrejas Protestantes, em desenvolvimento no país, e de grupos
menos visíveis como Espíritas e Afro-brasileiros.
A própria Constituição Federal de 1934 permitiu ao Estado financiar
escolas da Igreja, seminários, hospitais, e outras atividades de instituições
designadas como legalmente de “interesse coletivo” (CAMURÇA, 2001, p.136).
Destacou-se como característica do Estado a centralização político-
financeira no Executivo, o que para Draibe (1989), torna-se campo fértil para as
ações assistencialistas e clientelistas. Outro aspecto a considerar é que as políticas
57
A primeira escola de Serviço Social foi fundada em 1936 na cidade de São Paulo.
67
sociais nesse período foram influenciadas e determinadas pelo caráter seletivo do
pensamento liberal, que considera a proteção social como responsabilidade privada
e não pública (MESTRINER, 2005).
Em relação às políticas de atendimento ao menor, o Estado estabeleceu
subvenções para as instituições particulares em busca de legitimação, deixando em
descaso as públicas. Em 1941, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor SAM,
numa tentativa de centralizar a assistência social no Distrito Federal e resolver os
problemas enfrentados pelo Juízo de Menores na sua ação. Em 1944, adquiriu
âmbito nacional.
O SAM foi responsável pela sistematização e orientação dos serviços de
assistência a menores desvalidos. Deveria orientar e fiscalizar educandários
particulares, investigar menores em caso de internação e ajustamento social, abrigar
e distribuir menores em estabelecimentos, estimular a iniciativa particular de
assistência e estudar causas de abandono. No entanto, suas finalidades não
representaram muitas novidades das idéias e práticas até então vigentes visto que,
embora a execução do atendimento fosse parcialmente separada da instância
jurídica, estava subordinada ao Ministério da Justiça (SABINO, F.; SEIXAS, R.; e
SIQUEIRA, M., 2005).
O modelo sico de atuação do SAM baseou-se na triagem e internação,
e por isso, ele também mantinha contrato com instituições particulares para
encaminhamento dos menores que passavam pela triagem. Porém, algumas
instituições subvencionadas pelo Poder Público recusavam-se a receber
“desvirginadas e rebeldes”.
A criação desta instituição agregou a uma perspectiva corretiva alguns
objetivos de natureza protecionista valorizando-se a necessidade de estudos e
pesquisas, assim como uma assistência psico-pedagógica aos menores
considerados carentes e delinqüentes. No entanto, segundo Carvalho (2000) estes
objetivos não se concretizaram, pois a assistência financeira prevista aos estados
não se materializou e as escolas de reeducação aplicavam como instrumento de
correção a disciplina, a coerção e os maus-tratos
58
.
58
O SAM tinha a fama de ser uma ameaça à criança pobre, pois era considerado como Escola do
Crime, Fábrica de Monstros Morais, etc. Chegou a ser considerado como “SAM Sem Amor ao
Menor”. Os internatos eram considerados como as experiências mais condenadas de assistência à
crianças e adolescentes. Maus-tratos corriqueiros, alimentação de péssima qualidade, superlotação,
ausência de higiene e precariedade dos estabelecimentos formavam o quadro de inadequações.
68
Também no ano de 1941, foi instituído, através de um decreto lei, o
Departamento Nacional da Criança DNCr, como sistema de proteção à
maternidade, infância e adolescência
59
.
Em 1942, no contexto da Ditadura Vargas, foi criada a Legião Brasileira
de Assistência LBA, como o primeiro órgão de proteção social de serviços
assistenciais. Entretanto, sob o comando da esposa de Vargas, inaugurou-se na
área social o seu atrelamento ao primeiro-damismo.
A LBA foi criada com o objetivo de assistir às famílias de convocados pela
segunda Guerra Mundial, priorizando a maternidade e a infância. A justificativa para
tal ação era que “o preparo de ‘gerações de homens fortes’ continuava sendo
percebido pelo Estado com uma questão de “defesa nacional’” (Rizzini e Vogel,
1995). Entretanto sua atuação foi assistencialista e clientelista.
Segundo Mestriner (2005) o período de 1930 a 1945 conformou uma
filantropia disciplinadora visto que o interesse colocado nas práticas assistenciais
nesse momento era a recuperação de meninos e meninas com vista a prepará-los
para sua futura incorporação à força de trabalho, isto é, “o enquadramento físico,
moral e social do pobre, visando eliminar sua ‘vadiagem’, tornando-o um trabalhador
produtivo e disciplinado, harmonizado com os interesses patronais” (idem, p.292).
Vai se consolidando assim, uma filantropia disciplinadora, que
combina educação intelectual, moral, física, saúde e higiene,
amparo social e iniciação ao trabalho, respondendo às exigências
de relações sociais disciplinadas para se obter massas e elites
sincronizadas. (...) A filantropia disciplinadora será instrumento
político importante na moldagem do corpo do trabalhador que se
idealiza. E se desenvolverá por meio de ações assistenciais
esparsas, fragmentadas, paliativas e emergenciais, longe de se
constituir em políticas de assistência social. (MESTRINER, 2005,
p.100).
No período de 1946-64, a política de Educação tornou-se a base da
política social do Estado. Em decorrência das exigências de capacitação profissional
de trabalhadores empobrecidos, principalmente jovens e adolescentes, para as
Além disso, menores eram vendidos por funcionários à organizações criminosas e à prostíbulos e
outros eram vítimas de violência sexual. No caso das meninas havia também a exploração do
trabalho doméstico (RIZZINI e VOGEL, 1995).
59
O DNCr era um órgão federal subordinado ao ministério da Educação e da Saúde com o objetivo
de coordenar atividades relativas à política de proteção à maternidade, infância e adolescência. Para
tanto, devia estudar e divulgar o problema social desse público e conceder auxílios e subvenções a
instituições privadas bem como fiscalizá-las.
69
necessidades industriais, houve a mobilização do empresariado para criação e
manutenção de macrorganismos SESI, SENAC, SENAI, SESC configurando-se
nos termos de Mestriner (2005) a filantropia pedagógica profissionalizante
partilhada sob o âmbito educacional.
Para a autora, a partir deste conjunto de macrorganismos é dado para a
área um novo estatuto legal, pois saiu do âmbito da benemerência para um modelo
educacional. Contudo, o modelo histórico de relação Estado/filantropia/sociedade
civil não se alterou e os governos continuaram incentivando a filantropia.
Ainda assim estava claro que o tratamento dado à questão social, desde
os anos 30, era preocupação das esferas estatal e patronal considerando prioritária
a adoção de uma série de medidas sociais e assistenciais voltada para os setores do
trabalho, saúde e educação (JACOMETI, 2001).
A Constituição Federal de 1946 garantiu como obrigatória a assistência
ao público infanto-juvenil. No entanto, poucos foram os serviços públicos fazendo
com que o Estado lançasse mão do setor privado. A área de atuação da filantropia
deu-se na assistência médico-hospitalar e no atendimento à criança sem, no
entanto, configurar-se como política (Mestriner, 2005). A Constituição também trouxe
nova perspectiva às instituições sociais garantindo-lhes benefícios fiscais. Em 1951
decretou-se a obrigatoriedade de registro geral das instituições no CNSS
possibilitando o controle centralizado da ação social. O governo também alargou os
incentivos à filantropia com vantagens fiscais e posteriormente com a certificação do
caráter de “fins filantrópicos”, instrumento importante no acesso ao fundo público.
A LBA ampliou sua estrutura às outras esferas de poder e também nas
áreas de assistência social com destaque na organização do Serviço Social no país.
Nesse período o Serviço Social adquiriu maior racionalidade (utilização de métodos
e técnicas), e suas escolas voltaram-se à qualificação do voluntariado. As atividades
de assistência foram negadas como benemerência pelo Serviço Social instalando-se
a dicotomia promoção/assistência (MESTRINER, 2005).
O Serviço Social vivencia seu momento de inserção nas universidades,
nos anos 50, “deixando a condição originária das instituições de ensino isoladas e
confessionais, para mergulhar em um contexto majoritariamente público e laico”
(YAZBEK, 2000b, p.15).
70
Ressalta-se também nesse período a expansão de congregações e
irmandades católicas e outras correntes religiosas, assim como o surgimento de
sociedades de amigos de bairro (LANDIM, 1993).
A partir dos anos 60, com a implantação de políticas desenvolvimentistas,
crianças e jovens ganharam destaque na atuação do Estado tendo em vista que
representavam a parcela mais vulnerável da sociedade. As políticas de
desenvolvimento deveriam dedicar-se de modo particular a essa parcela da
população com atenção especial à família, “célula de base da sociedade”,
objetivando o fortalecimento do Poder Nacional, visto que o problema do menor era
devido à carência familiar e, portanto, a reintegração da família deveria ser
priorizada (RIZZINI e VOGEL, 1995, p.305).
O Serviço de Assistência ao Menor foi alvo de irregularidades
administrativas: afilhados políticos foram utilizados sem preparação para aturarem
nas instituições, agências inexistentes ofereciam empregos hipotéticos, crianças
abastadas freqüentavam os melhores internatos sem passar pela triagem, além de
estabelecimento de convênios com externatos, ginásios e escolas normais. Em 1956
instituiu-se uma CPI para avaliar essas irregularidades sem muito sucesso. Em 1961
abriu-se uma sindicância que extingui o SAM em 1964, instituindo a Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM.
A FUNABEM foi o órgão central da Política Nacional do Bem-Estar do
Menor PNBEM. Tinha caráter normativo e a incumbência básica de repasse de
recursos. A estratégia adotada pela FUNABEM precisava romper com as práticas
repressivas do SAM e para tanto, foram criadas as seguintes diretrizes fundamentais
de ação: manutenção e reintegração da família, integração da comunidade, e
internamento em casos extremos.
A FUNABEM propunha a integração do menor à comunidade através da
assistência à própria família, além de apoiar instituições que se aproximassem da
vida familiar. No entanto, configurou-se como um meio de controle social a fim de
manter a “segurança nacional”, pois privilegiou a relação menor/instituição em
detrimento da relação menor/sociedade, e assumiu um caráter assistencialista
incapaz de reeducar. Daí o fracasso da política para a infância da ditadura (RIZZINI
e VOGEL, 1995).
Para a aplicação dos recursos da FUNABEM em nível local foram criadas
as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor FEBEMs, responsáveis pela
71
instalação de centros de recepção e triagem para diagnóstico e de unidades
educacionais e de reeducação.
Segundo Carvalho (2000) embora a tentativa de descentralização da
execução da Política Nacional do Bem-estar do Menor por meio das fundações
estaduais, o modelo de gestão tecnocrático e centralizador do regime político
autoritário da época colocou limitações ao desenvolvimento de projetos de acordo
com as especificidades regionais e locais.
A partir da década de 60, a LBA estimulou a participação da comunidade
nos problemas assistenciais relacionados à população devido à perspectiva
desenvolvimentista da época.
Com relação ao papel das instituições religiosas nesse período, conforme
afirma Landim (1993), ainda que houvesse o controle do Estado sobre a sociedade e
o corporativismo, isso não eliminou o papel da ação social da igreja Católica, nem de
outros grupos religiosos em crescimento nas áreas de saúde, educação e
assistência social.
No período compreendido entre os anos de 1964-85, a questão social foi
controlada pelo economicismo, coerção e violência e as políticas sociais assumiriam
o caráter de acumulação combinando assistência e repressão. As ações
assistências colocaram-se como forma de amenizar o estado de empobrecimento
dos trabalhadores, no entanto, assumiriam cada vez mais o caráter tradicional.
Expandiram-se práticas assistenciais para instâncias municipais e estaduais que
reproduziram “o comportamento da União, no sentido de atuar também, por meio de
multiplicadores, e indiretamente, por convênios com as instituições privadas”
(MESTRINER, 2005, p.165).
O modelo de “assistência por convênios” tornou-se a nova estratégia de
financiamento da filantropia privada “reafirmando a estratégia populista de aliança
com a sociedade civil” e “configurando a atenção do Estado ao social a partir de
então” (Mestriner, 2005, p.170). Sob o Estado autoritário o arbitramento da filantropia
deu-se por meio dos parlamentares em que Executivo e Legislativo, via indicação
política, realizavam o apadrinhamento de instituições configurando-se na filantropia
de clientela e apadrinhamento.
Em relação à política voltada para a infância e adolescência, devido ao
processo de redemocratização que se iniciava no país, em 1979 ocorreu a
reformulação do Código de Menores, contudo, sem muitas alterações em relação ao
72
conteúdo de 1927. A estratégia de ação da FUNABEM continuou repressiva e
assistencialista sendo a família e o menor culpabilizados pelos problemas a eles
afetos. Segundo Faleiros (1995), o sistema nacional de atendimento ao menor
pouco, se tanto, alterou a estrutura de desigualdade que penalizava a criança e
adolescentes de baixa renda e menos ainda elevou os patamares de cidadania
desses segmentos.
Ressalta-se ainda um período de revisão da prática do Serviço Social
60
com negação das práticas oficiais e valorização de experiências alternativas, e o
ressurgimento dos movimentos sociais.
Os anos 1985-93, também denominado de Nova República,
representaram o governo de transição do retorno à democracia e ao Estado de
Direito.
Afirma Mestriner (2005) que esta transição não afetou o caráter clientelar
da relação com as organizações de benemerência que permanecem sob a custódia
de parlamentares. Desta forma, “a filantropia e a assistência se identificam então,
perversamente, com a prática de corrupção e do favorecimento patrimonial” (idem,
ibidem, p.293), configurando neste período a filantropia vigiada entre benemerência
e assistência social. Neste momento a LBA e o CNSS, alvo da política clientelista e
patrimonialista vivenciaram sua desmoralização
61
.
Em relação às políticas de atendimento à infância e adolescência,
destaca-se no ano de 1985 o Programa governamental “Prioridade Criança”,
executado pela LBA, voltado para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. Em relação
60
Este momento de renovação da profissão foi denominado de Movimento de Reconceituação. Foi
um movimento de mudança nos fundamentos filosóficos e científicos do Serviço Social, num esforço
de busca de respostas adequadas à problemática do contexto latino-americano, a partir de novas
posições e contribuições das ciências sociais contemporâneas. A responsabilidade deste processo é
atribuída à “geração 65”, um grupo constituído por assistentes sociais oriundos do Brasil, Argentina,
Uruguai e Chile, que começou a demonstrar insatisfação e críticas em relação ao projeto profissional
do Serviço Social frente à realidade social do continente. O Movimento de Reconceituação foi um
processo heterogêneo assumindo direcionamentos diversos, demarcando três tendências
profissionais: 1- Modernização Conservadora, caracterizada por sua conexão com o ideário
desenvolvimentista, cujo aporte era o estrutural-funcionalismo norte-americano; 2- Reatualização do
Conservadorismo, repudiava a tradição positivista e as referências ao pensamento crítico-dialético;
Recuperava elementos da herança histórica e conservadora e repunha uma base teórico-
metodológica que se declarava como novidade; Deu relevo às questões da subjetividade, e retórica
irracionalsita e humanista; 3- Intenção de Ruptura, deu o tom da polêmica profissional nos anos 80;
Buscou construir uma contraposição ao tradicionalismo profissional e a vinculação profissional com a
perspectiva histórica da classe trabalhadora (NETTO, 2002).
61
A LBA esteve envolvida em escândalos administrativos e financeiros sendo extinta em 1995. A
LOAS em 1993, previu a sua extinção tendo em vista o reordenamento institucional necessário à
implementação da nova concepção da assistência social. Também devido a LOAS o CNSS foi
substituído pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.
73
à sociedade civil, várias iniciativas e movimentos de âmbito nacional se articularam
na defesa de um sistema universal dos direitos. Dentre eles o Movimento Nacional
dos Meninos e Meninas de Rua MNMMR
62
, Pastoral do Menor, ONGs e entidades
de direitos humanos. que destacar que a crise econômica agravou a situação da
criança dando visibilidade ao menino e menina de rua nas grandes cidades.
Em 1987, foi criada a “Comissão Nacional Criança e Constituinte” com
representantes das organizações governamentais e não-governamentais que
reuniram em todo o país mais de 600 grupos de trabalho responsáveis por elencar
as recomendações à Assembléia Constituinte sobre os direitos das crianças e dos
adolescentes. Esta comissão exerceu também uma pressão sobre os resultados da
Constituição de 1988, através da criação da Frente Parlamentar Suprapartidária
pelos Direitos da Criança e do Adolescente, culminando nos artigos 227, 228 e 229
da nova Constituição destinados a esse segmento.
A partir da Constituição, a criança e o adolescente foram considerados
sujeitos de direitos, logo, cidadãos, com absoluta prioridade sendo dever da família,
do Estado e da sociedade a garantia da efetivação de seus direitos.
Os dispositivos assegurados na Constituição Federal de 1988 são
regulamentados como Doutrina de Proteção Integral às crianças e aos adolescentes.
A doutrina da proteção integral é fruto de uma luta que se deu no Brasil e no mundo
em favor dos direitos humanos. Em oposição à doutrina da situação irregular, ela
constitui-se na base do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal 8.069,
promulgada em 13 de Julho de 1990
63
.
62
Juiz de Fora teve uma comissão local do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua,
fundamental na implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente no município.
63
A Constituição Federal através do seu artigo 227 estabeleceu direitos às crianças e aos
adolescentes que corresponderam aos direitos presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente:
direitos à sobrevivência; direito ao desenvolvimento pessoal e social; direito à integridade física,
psicológica e moral; e direito a proteção contra todas as formas de violação. O ECA tem seu alicerce
em documentos internacionais que ratificaram os direitos das crianças e dos adolescentes sendo
estes: a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948 pela Assembléia Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU). Com base nela, a Assembléia Geral aprovou, 11 anos mais
tarde, em 1959, outro documento sobre os direitos fundamentais que é a Declaração Universal dos
Direitos da Criança, texto contendo 10 princípios, aumentando o elenco dos direitos aplicáveis à
população infantil. 30 anos mais tarde, em 1989, a Assembléia Geral aprovou outro importante texto,
que oferece as diretrizes para a implementação de uma política de proteção integral à criança e ao
adolescente, conhecida como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Além destes, a
doutrina da proteção integral está em alinhamento com outros 3 documentos internacionais, dentro da
área da
garantia de direitos. São eles: Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça Juvenil (Regras de Beijing -1985); Regras Mínimas das Nações Unidas para Jovens Privados
de Liberdade (1990); e Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil
(Diretrizes de Riad -1990).
74
O Estatuto muda a base doutrinária de atendimento à criança e ao
adolescente que deixa de se basear na Situação Irregular destinada a uma
menoridade particular, para o paradigma da Proteção Integral abrangendo todas as
crianças e adolescentes
64
.
A Proteção Integral constitui-se na defesa, proteção e viabilização do
desenvolvimento integral de toda população infanto-juvenil. Garantem-se os direitos
pessoais e sociais através de ações da família, sociedade e Poder Público por meio
de oportunidades e facilidades a fim de propiciar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade. “Esta concepção
implica mudanças nos todos de intervenção, que não devem ser mais punitivos e
corretivos como no Código de Menores, mas de respeito, sobretudo, às fases de
desenvolvimento biopsicossocial das crianças e dos adolescentes” (CARVALHO,
2000, p.189).
Ainda no mesmo ano de implantação do Estatuto da Criança e do
Adolescente a FUNABEM, após uma reforma administrativa, foi substituída pelo
Centro Brasileiro para Infância e Adolescência CBIA cuja função era coordenar,
normatizar e formular políticas na área.
Em 1991 foi instituído o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente cujos conselheiros tomaram posse no ano de 1992 e realizaram sua
primeira reunião em 1993. Neste mesmo ano é inaugurado o Programa Nacional de
Atenção Integral a Criança e ao Adolescente – PRONAICA – do Ministério da
Educação que organizou a construção dos Centros de Apoio Integral à Criança e ao
Adolescente CAICs em todo o país. No ano de 1994 realizou-se a I Conferência
Nacional de Conselheiros de Direito e Tutelares.
Em 1995 foi extinto o CBIA e implementado o Conselho Comunidade
Solidária, nos moldes do ajuste econômico neoliberal em curso no país, reforçando a
lógica primeiro-damista na área social conforme visto no capítulo anterior.
Para Mestriner (2005) o período compreendido entre os anos de 1994 e
2000 conformou a filantropia democratizadora, visto que a própria Constituição
Federal de 1988 colocou a filantropia como um instrumento para conceder
vantagens às associações, e não para garantir direitos à população. Ela reafirmou
uma relação cartorial em que os certificados de utilidade pública e de fins
64
O Estatuto da Criança e do Adolescente revoga o Código de Menores e a lei de criação da
FUNABEM.
75
filantrópicos funcionam como passaportes eficientes para acúmulo de vantagens,
persistindo o que sempre foram as práticas de assistência favorecidas pelos
mecanismos do Estado. Assim, “confronta-se o princípio constitucional de geração
de responsabilidades públicas e de dever do Estado (...) com a reiteração das
práticas históricas” (MESTRINER, 2005, p.23).
Percebe-se então que a política para a infância e a adolescência no Brasil
foi tratada pelo Estado por meio do mecanismo de subsidiariedade ao setor privado-
filantrópico, tal como visto no SAM, no DNCr, na LBA, e na FUNABEM.
Em período de vigor do neoliberalismo, a partir da década de 90, o Estado
faz avançar com nova ênfase os paradigmas da solidariedade, da filantropia e da
benemerência ocasionando um reforço dos múltiplos mecanismos criados pelo
Estado ao longo dos anos de subsidiariedade para as organizações sem fins
lucrativos, sem, no entanto, reequacioná-los, direcioná-los e revisá-los ao novo
patamar de política social de direitos estabelecidos pela Constituição. Destaca-se
uma valorização da filantropia no contexto atual com ênfase para a filantropia
empresarial (idem, ibidem).
As práticas assistenciais deste quadro de organizações sociais
repousam sobre as bases de uma filantropia que, regulada
inicialmente pela Igreja (principalmente católica) e depois pelo
Estado, passou por fases e alianças que lhes deixaram marcas
difíceis de superar. (idem, ibidem, p.39).
Com a lógica da desresponsabilização do Estado, agora mínimo, em
relação ao setor social, os recursos destinados às políticas públicas tornaram-se
cada vez mais escassos compelindo-as ao sucateamento, precariedade, focalização
e seletividade. Com a apologia ao voluntariado, à solidariedade e à privatização das
políticas sociais, tem-se na área da criança e do adolescente a abertura de espaço
para o ressurgimento de organizações voltadas para a filantropia com práticas e
valores tradicionais e desta maneira, o estímulo à participação religiosa no espaço
público. Essa proposta neoliberal representa uma reação aos avanços democráticos
que culminaram na Constituição de 1988 (e suas leis complementares) e a
perspectiva da construção de um padrão blico universal de proteção social
trazendo desafios à efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
76
2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política nacional de atenção à
infância e à adolescência
O Estatuto da Criança e do Adolescente constitui-se um marco na área da
infância e adolescência, pois introduz um importante conjunto de mudanças em
relação à política de atendimento à infância e a adolescência.
Este tópico debruça-se sobre as diretrizes e linhas desta política
estabelecidos em seus artigos 86 a 89.
A política de atendimento à infância e a adolescência é baseada nas
seguintes diretrizes: participação, descentralização, mobilização, integração,
sustentação e específicação, o que implica num reordenamento institucional da
relação entre União, Estados e Municípios e em novos parâmetros de relação entre
Estado e sociedade civil.
Sinteticamente abordamos cada uma destas diretrizes.
1. Participação
No Estatuto da Criança e do Adolescente os Conselhos de Direito são as
instâncias privilegiadas de participação popular. Sua composição é paritária, com
igual número de membros representantes de instituições governamentais e
membros representantes de instituições da sociedade civil. O Conselho dos Direitos
da Criança e do Adolescente é o locus de discussão e deliberação de políticas para
a área da infância e da adolescência.
Pois conforme afirma o Estatuto:
"
Art. 88 do ECA– Item II: São diretrizes da política de atendimento:
II- "criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos
direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e
controladores das ações em todos os níveis, assegurada a
participação popular paritária por meio de organizações
representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais."
2. Descentralização
Segundo item I do artigo 88 do ECA, a municipalização do atendimento
constitui-se uma das diretrizes da política. A descentralização/municipalização é uma
das grandes inovações da nova gestão pública proposta pela Constituição Federal
de 1988. No caso do ECA especificamente, a União e os Estados deixam de deter o
77
poder relativo às questões da política de atendimento à criança e ao adolescente,
repassando-as aos municípios, que assumem assim grandes responsabilidades em
relação à política de atendimento, criação de conselhos de direito, programas
específicos e outras atividades relacionadas à política.
As vantagens da municipalização são muitas, destacando-se dentre elas
uma maior qualidade dos atendimentos, que são idealizados, modelados e
executados a partir de uma demanda local. No entanto, conforme explanado no
capítulo anterior ela é passível de dilemas tendo em vista os diversos projetos
políticos que podem vir a orientá-la.
3. Mobilização
A importância de se mobilizar a opinião da sociedade e dos órgãos
públicos para a conscientização e esclarecimento da existência dos problemas da
área da infância e adolescência é fundamental para que a articulação entre os
diversos atores da política de atendimento possa acontecer e para que os cidadãos
possam acompanhar e exigir a garantia dos direitos das crianças e adolescentes.
Como preconiza o ECA, “são diretrizes da política de atendimento: "Mobilização da
opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da
sociedade" (Art. 88 do ECA – Item VI).
4. Integração
São diretrizes da política de atendimento: V - "integração
operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,
Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um
mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a
adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional” ("Art. 88 da
ECA - Item V).
Uma equipe integrada deve atender e acompanhar o adolescente
acusado de ato infracional. A integração operacional de órgãos do Judiciário,
Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social vem ao
encontro do novo método de atendimento ao adolescente em conflito com a lei que
tem como diretriz a agilização da prestação do atendimento inicial, que deverá
contar com cnicos capazes para operar esta nova política e, ao mesmo tempo,
promover a defesa dos direitos destes adolescentes.
78
5. Sustentação
A "manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente” (art. 88 do ECA -
item IV) é importante porque oferece aos Conselhos sustentabilidade. Tais fundos
são públicos e os recursos a eles destinados serão utilizados em ações que não são
cobertas pelas políticas públicas, sociais e de assistência social, mas sim, por ações
comprometidas com a proteção de crianças e adolescentes em situação de risco
pessoal e/ou social.
6. Especificação
A "criação e manutenção de programas específicos, observada a
descentralização político-administrativa” (Art. 88 da ECA - Item III) constitui outra
diretriz da política de atendimento a crianças e adolescentes. É importante, pois
garante que adolescentes e crianças em situação de risco pessoal e social tenham
acesso a programas específicos. Os programas específicos são os de proteção e os
sócio-educativos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também estabelece linhas de
ação da política que compreendem: políticas sociais sicas consideradas direitos
do cidadão e dever do Estado, tais como saúde, educação, trabalho, habitação, e
outros; política de assistência social a aqueles que necessitem independente de
contribuição à seguridade social; serviços especiais de prevenção e atendimento às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso e proteção especial; e defesa
de direitos, como analisamos a seguir.
1. Políticas sociais básicas
1.1. Saúde
As ações desta linha compreendem os seguintes órgãos: hospitais,
postos de saúde, maternidades, centros de recuperação
65
e clínicas médicas de
iniciativa privada. Estas podem participar do Sistema Único de Saúde SUS em
65
No que diz respeito a centros de recuperação de adolescentes em situação de dependência
química, Juiz de Fora não dispõe de um centro público de tratamento nesta área, contando para tanto
com iniciativas privadas.
79
caráter complementar, mas devem obedecer a todas as normas previstas em lei e
atender ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
1.2. Educação
A Educação escolar é composta pela educação básica, (formada pela
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e pela educação superior.
Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a organização e
colaboração dos respectivos sistemas de ensino em regime de cooperação.
A União coordena a política nacional de educação e exerce a função
normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.
Apesar de não haver uma equidade na forma como cada estado brasileiro organiza
a educação, a LDB algumas diretrizes: os Estados devem assegurar o ensino
fundamental e priorizar o ensino médio; os Municípios devem assegurar a educação
infantil em creches e pré-escolas e priorizar o ensino fundamental.
Além destes órgãos, são importantes atores na política da infância e da
adolescência nesta área a Escola Municipal de Ensino Infantil EMEI
66
, as creches
comunitárias, escolas particulares e a Secretaria de Educação.
1.3. Esporte
Compõem esta linha de ação: quadras blicas, ginásios poli-esportivos,
centros comunitários, associações de amigos de bairro, clubes, e a Secretaria de
Esporte. Com o apoio do Estado e da União, os municípios devem estimular e
facilitar a destinação tanto de recursos como de espaços para a programação
esportiva e de lazer voltadas para crianças e adolescentes.
1.4. Cultura
66
A educação infantil passou a ser um direito universal a partir da Constituição de 1988. Logo,
podemos afirmar que é dever do Poder Público assegurar à criança de zero a seis anos de idade
atendimento em creche e pré-escola. Desde a sanção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de
20 de dezembro de 1996, as creches passaram a integrar o sistema de Educação Básica dos
municípios e a ter que responder por diretrizes curriculares básicas, definidas pelo Conselho Nacional
de Educação, com profissionais preparados para garantir que, naquele espaço, a criança tenha
acesso aos estímulos que garantem seu desenvolvimento pleno. A partir dessa lógica a educação
infantil começou a integrar a Secretaria de Educação e não mais a Secretaria de Assistência Social
como alguns anos. Entretanto, em Juiz de Fora a os programas de creche ainda permanecem
alocados na AMAC, órgão responsável pela execução da política de assistência social. O Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora realizou esta discussão e
compreendeu que as ações nesta área são passíveis de financiamento através da Política de
Educação por meio do Conselho Municipal de Educação, e não do CMDCA.
80
Esta área envolve: bibliotecas municipais, museu, teatros, centros
culturais, e a Secretaria de Cultura.
Como assinala o relatório do CONANDA, que será detalhado mais
adiante, em relação a esta área:
A falta de integração das políticas sociais e a concepção elitista que
se tem sobre as ações de cultura e esporte criam uma distância
entre os setores oficiais dessas políticas e o esforço de atenção
integral que vem sendo colocado em favor de crianças e
adolescentes. (CONANDA, 2000, p.29).
1.5. Profissionalização
Esta área é composta por: escolas técnicas, faculdades tecnológicas,
centros de profissionalização, Programa Agente jovem aprendiz
67
e Secretaria do
Trabalho.
2. Política de assistência social
Envolve ações de apoio emergencial tais como cesta básica, alimentação,
albergue; programas resdistributivos: renda mínima, bolsa escola, bolsa
alimentação; geração de trabalho e renda; Programa de Erradicação do Trabalho
infantil – PETI, Programa Agente Jovem; e benefícios permanentes tal como o
BPC
68
.
3. Políticas de proteção especial
As políticas de proteção especial dizem respeito a serviços direcionados a
adolescente em cumprimento de medidas sócio-educativas (atendimento sócio-
67
Os aprendizes são jovens de 14 a 18 anos que estão cursando ou já concluíram o ensino médio ou
fundamental. Eles recebem salário e possuem todos os direitos trabalhistas, pois são vinculados à
CLT. A Lei do Aprendiz (Lei 10.097, regulamentada em 2000), que regulamenta o trabalho do
adolescente aprendiz obriga as empresas de médio e grande porte a ter de 5% a 15% de aprendizes
no total de empregados. Em contrapartida, uma redução na alíquota do FGTS (Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço) destas empresas. A empresa contrata o aprendiz e tem obrigação de lhe
proporcionar uma formação técnico-profissional. Para isso, matricula os jovens em um dos cursos do
SESI, SENAI e SENAC ou em programas de formação de ONGs. Disponível em:
<http://www.risolidaria.org.br>. Acesso em 01 mai 2007.
68
A Constituição de 1988 e a LOAS garantem um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência
e aos idosos que não possuam meios para se manter nem possam contar com a ajuda de sua família.
Em ambos os casos, a renda familiar per capita dos beneficiários deve ser inferior a ¼ do salário
mínimo. O Benefício de Prestação Continuada começou a ser pago em 1996 e é um dos maiores
programas de renda mínima da América Latina. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o
órgão responsável por sua operacionalização, sob coordenação e avaliação da Secretaria de Estado
de Assistência Social.
81
educativo) e aos serviços especiais de prevenção e atendimento à crianças e
adolescente timas de negligência, maus-tratos, exploração e abuso (atendimento
protetivo).
3.1. Atendimento sócio-educativo
O Estatuto em seu artigo 112 estabelece as seguintes medidas sócio-
educativas a serem aplicadas em adolescentes em situação de ato infracional
69
:
advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço a comunidade,
liberdade assistida, semi-liberdade
70
e internação
71
e as previstas no artigo 101, I a
VI
72
.
3.2 . Atendimento protetivo
Diz respeito ao trabalho de orientação e apoio à família, programas
destinados à população rua, violência doméstica, colocação em família substituta,
combate ao abuso e exploração infantil (Programa Sentinela
73
) e abrigos.
4 - Políticas de garantia de direitos
São órgãos pertinentes a essa política: Defensoria Pública
74
, Centro de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ministério blico
75
, Delegacia de
69
As medidas cabíveis ao ato infracional praticado por crianças estão previstas no artigo 101 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
70
A Semi-liberdade é uma medida de transição aos casos de internação. A medida prevê que o
adolescente passe a noite em uma unidade educacional e durante o dia faça as diversas atividades
em que está engajado. É importante um suporte técnico para que o adolescente esteja envolvido na
vida comunitária.
71
A medida de internação é medida privativa de liberdade e deve ser aplicada em casos
excepcionais, devendo ser o mais breve possível, respeitando a dignidade do adolescente e sua
condição peculiar de desenvolvimento. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente a unidade
educacional, deve atender um número pequeno de adolescentes e ser comprometida com a
educação dos meninos e com sua inserção social. Além disso, uma ênfase na equipe que trabalha
em um momento particularmente difícil da vida destes adolescentes que se encontram sem o direito
de ir e vir precisa ser dada. Juiz de Fora ainda não dispõe de um Centro de Internação. Os
adolescentes que cumprem esta medida são atendidos pela Ong Pólo de Medidas Sócio-Educativas
– PEMSE. Este assunto tem sido pauta no cenário político da cidade em diversos momentos.
72
Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio
e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de
ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
alcoólatras e toxicômanos.
73
O Programa Sentinela criado em 01 de janeiro de 2003 é composto por um conjunto de ações de
assistência social, de natureza especializada, destinada ao atendimento de crianças e adolescentes
vítimas de violências, com ênfase no abuso e exploração sexual, buscando condições que
possibilitem o resgate e a garantia dos direitos e o acesso aos serviços de Assistência Social, Saúde,
Educação e Justiça. Disponível em: <http://www.assecom.rn.gov.br/pg_projetos.asp?PRJ_ID=23>.
Acesso em: 12 de ago 2007.
74
O artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
diz que “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a
82
Proteção à Criança e ao Adolescente
76
, Distrito Policial, e Vara da Infância e
Adolescência.
2.2.1 O CONANDA e as diretrizes da política nacional de atenção à infância e
adolescência pós ano 2000
O CONANDA é o órgão deliberador e controlador da política de promoção
e defesa dos direitos da criança e do adolescente em nível federal.
Foi instituído
pela Lei 8.242, de 12 de outubro de 1991 e atualmente está vinculado
administrativamente à Secretaria Especial de Direitos Humanos
77
, órgão da
Presidência da República, através da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente
78
.
No ano de 2000 o Conselho propôs ao governo e à sociedade brasileira a
urgente e imperativa integração das políticas públicas e definiu diretrizes
paradigmáticas, orientadoras e referenciais que deveriam ser incorporadas na
concepção, planejamento e operacionalização do conjunto de ações de atendimento
à criança e ao adolescente. Estas diretrizes foram definidas para o período de 2001
a 2005.
O norte da discussão levou em consideração a realidade de cada local e
enfatizou o município como entidade competente para tecer e organizar a rede de
atenção a crianças e adolescentes. As diretrizes foram pensadas segundo as linhas
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham
sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Este é um aspecto essencial a todo
e qualquer sistema de administração de Justiça, que é a dimensão da paridade, ou seja, do equilíbrio
entre a acusação e a defesa. O artigo da nossa Constituição também na garantia ao acusado da
plenitude da defesa. Esta é a função da Defensoria blica, também do Sistema de Administração da
Justiça Juvenil: assegurar ao jovem a quem se atribui a autoria de um ato infracional o direito à plena
defesa. Disponível em: <http://www.risolidaria.org.br>. Acesso em: 1 mai 2007.
75
O Ministério Público, a partir da Constituição de 1988, tem um conjunto de novas atribuições. Em
relação às crianças e adolescentes destacam-se como obrigações: cumprir e fazer cumprir a lei. O
Ministério Público é o fiscal do cumprimento da lei, podendo promover inquérito civil e ação civil
pública para a proteção dos interesses da infância e da adolescência; exigir e usar os mecanismos
legais para que todos os municípios criem, instalem e façam funcionar os seus Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente, seus Conselhos Tutelares e o Fundo dos Direitos da Criança e
do Adolescente; fiscalizar permanentemente as entidades e programas de atendimento à criança e ao
adolescente.
76
Em Juiz de Fora não uma Delegacia específica para criança e adolescentes, sendo atendidos
na Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Mulher.
77
A Secretaria Especial de Direitos Humanos tem por objetivo assessorar o Presidente da República
nas questões relativas às políticas e diretrizes voltadas à promoção dos direitos das crianças e
adolescentes.
78
Instituída em 2003 por meio do Decreto N.º 4.671, de 10 de abril.
83
de ação previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e também se definiram
estratégias de sua operacionalização
79
.
Em 2006 o CONANDA, a partir da análise das atividades dos planos de
ação referentes aos anos 2004-2005, avaliou as dificuldades, metas e ações,
realizou ajustes e inscreveu novas ações apontando prioridades para o ano
referido
80
.
Este documento propôs a revisão das diretrizes apontadas para o ano de
2001-2005, principalmente em relação a ações para crianças e adolescentes
indígenas, quilombolas e portadoras de necessidades especiais.
Outra prioridade relacionou-se a centralidade no orçamento do governo
federal para as políticas públicas direcionadas à infância e adolescência, com a
realização de duas assembléias específicas, uma em cada semestre, para
acompanhar, entre outros, a execução orçamentária dos Ministérios da Saúde,
Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Esporte e da Secretaria
Especial de Direitos Humanos.
A análise de 435 Projetos de Leis e Projetos de Emenda à Constituição
PECs que tramitaram no Congresso Nacional, com foco na criança e adolescente
também se constituiu como uma das prioridades. O objetivo era apresentar ao
Parlamento Nacional a relação de projetos considerados essenciais para aprovação,
os que necessitavam de melhoria na propositura e aqueles que o CONANDA rejeitou
por terem conteúdo que negavam ou retiravam os direitos humanos de crianças e
adolescentes, consagrados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Este ano, no qual o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 17
anos, o CONANDA realizou uma avaliação da implementação do Estatuto
levantando os avanços, retrocessos e desafios à política de atenção à infância e
adolescência.
79
As diretrizes e estratégias definidas pelo CONANDA podem ser verificadas no documento
“Diretrizes nacionais para a política de atenção integral à infância e adolescência 2001-2005”.
Disponível em: <www.oei.es/inicial/politica/diretrizes_atencion_infantil_brasil.pdf>. Acesso em: 12 out
2006.
80
Esta discussão, juntamente com uma reflexão sobre os inúmeros casos de violações aos direitos
humanos de crianças e adolescentes, e a eleição da presidência do CONANDA foram pauta da 136º
Assembléia Ordinária do Conselho, realizada nos dias 15 e 16 de fevereiro de 2006. O encontro
contou com a presença do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.
Disponível em: <http://www2.abong.org.br/final/informes_pag.php?cdm=18394>. Acesso em: 01 ago
2007.
84
Entre os principais avanços, destacam-se:
Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária
Aprovado em 2006, o plano visa o fortalecimento da família como um
ambiente de excelência para o desenvolvimento da criança e do adolescente; bem
como a construção de alternativas comunitárias ao abrigamento, com os programas
de famílias acolhedoras e o estímulo à adoção;
Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (SINASE) e a Lei 476/07
Estes são instrumentos que regulam a política de atenção a adolescentes
em conflito com a lei, definindo novos parâmetros de atendimento e as
responsabilidades dos três níveis de governo, buscando a necessária inclusão social
destes adolescentes e a redução da violência juvenil no país;
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)
Aprovado este ano, o Fundo objetiva proporcionar o aumento e uma nova
distribuição dos investimentos em educação, com destaque para o atendimento em
creches, educação infantil e especial, bem como os ensinos fundamental e médio e
educação de jovens e adultos;
Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes e o Disque 100
Implantado desde 2000, este Plano mobiliza ações dos governos,
organismos internacionais e organizações não-governamentais no tratamento da
violência sexual no âmbito da família e da exploração sexual. A mobilização da
sociedade tem sido fundamental na identificação desta violação de direitos e o
Disque 100 tem funcionado como importante receptor de denúncias;
Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção
ao Trabalhador Adolescente
Novas estratégias de articulação e monitoramento foram delineadas para
a eliminação do trabalho infantil, visando modificar a situação de cerca de 2 milhões
de crianças e adolescentes que ainda exercem, ilegalmente, atividades laborais no
Brasil;
Classificação Indicativa.
85
Disciplinada nos termos da portaria 1.220/07, passa a integrar o Sistema
de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
81
, destinando-se a promover,
defender e controlar a efetivação do direito de acesso a diversões públicas
adequadas a crianças e adolescentes.
Realização de 07 Conferências Nacionais dos Direitos da Criança e do
Adolescente e ampliação dos Conselhos
A cada dois anos, estes espaços qualificados e participativos permitiram a
avaliação e a formulação das políticas públicas, com realce para a conferência deste
ano, que terá pela primeira vez caráter deliberativo e ampliação da delegação de
adolescentes. Segundo o CONANDA (2006), 90% dos municípios brasileiros contam
com Conselhos de Direitos e Tutelares implantados
82
.
Como retrocesso o Conselho destaca a aprovação, neste ano, da
Proposta de Emenda Constitucional na Comissão de Constituição e Justiça do
Senado Federal que trata da redução da maioridade penal, em descompasso com a
normativa internacional e, por conseqüência, em dissonância com o Estatuto da
Criança e do Adolescente, que garante aos adolescentes até 18 anos um tratamento
diferenciado dos adultos por sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Por fim colocam-se como desafios urgentes a redução das desigualdades
sociais e regionais e o respeito a peculiaridades inerentes às questões de raça,
etnia, gênero, orientação sexual e de pessoas com deficiência. Para o CONANDA
(2006) os impactos e avanços somente estão sendo possíveis e serão otimizados
pela articulação dos variados atores sociais, tanto governamentais, quanto não-
governamentais, Conselhos de Direitos e Tutelares, Frentes Parlamentares, fóruns
de entidades e órgãos de defesa dos direitos infanto-juvenis; Poder Judiciário,
Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, além de organismos internacionais.
Neste sentido, reforça a definição das diretrizes elencadas para o ano de
2007, que segundo o Conselho
81
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente envolve todas as instâncias legais
instituídas de exigibilidade de direitos para enfrentar as sistemáticas violações sofridas por crianças e
adolescentes, sobretudo aquelas em situação particularmente difíceis e vulneráveis. Compõem o
Sistema os seguintes órgãos: Conselhos de Direitos (Criança e adolescente, idosos, portador de
deficiência, mulheres) Conselhos tutelares, Fundos, Órgãos operadores de justiça, Fóruns da
sociedade civil e Organizações da sociedade civil.
82
Plano de ão do CONANDA/2006. Disponível em:
<www.mj.gov.br/sedh/ct/CONANDA/Plano%20CONANDA%202006%20-%20última%20versão%20-
%2010.05.06.pdf>. Acesso em: 21 mai 2007.
86
vai além do estabelecimento de interface entre as políticas para
orientar concepções de padrões de planejamento e de criação de
mecanismos de avaliação e monitoramento. Ela se funda no próprio
sistema de atendimento integrado que requer a construção de uma
rede de atenção integral à criança e ao adolescente. (CONANDA,
2000, p.42).
2.3 A Política de Proteção à infância e adolescência em Juiz de Fora
A preocupação central deste trabalho concentra-se na presença das
entidades religiosas na política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de
Fora após a década de 1990, quando a regulamentação do ECA trouxe nova diretriz
à política destinada ao público infanto-juvenil. Para tanto, tornou-se importante
resgatar o histórico do atendimento nesta área, ainda que limitada devido às poucas
fontes de consulta, para se perceber que o trato com a questão da infância e
adolescência em Juiz de Fora segue o movimento nacional, conforme abordagem
realizada no início deste capítulo: uma ênfase da atuação das entidades da
sociedade civil, principalmente as religiosas e com predominância em sua fase
inicial, e uma presença tímida e tardia do Estado através da utilização de parcerias e
convênios com estas instituições.
Fez-se necessário também resgatar a história da constituição da cidade e
do mesmo modo e inerente a esse processo, a formação do campo religioso juiz-
forano. O curioso nessa trajetória foi perceber como a atuação das religiões em
atividades sociais, mais do que simplesmente a prática da caridade, constituiu-se
como recurso de penetração, legitimidade e visibilidade delas na vida social e
política do município.
2.3.1 Aspectos de Juiz de Fora
2.3.1.1 História
A cidade de Juiz de Fora tem sua história ligada ao rio Paraibuna, à
estrada Caminho Novo, iniciada em 1703, à estrada do Paraibuna construída em
1836, e à estrada União e Indústria surgida cerca de 20 anos depois.
87
Situada na Zona da Mata
83
, então habitada pelos índios puris e coroados,
a região foi desbravada quando da abertura da Estrada Caminho Novo, estrada
criada por volta de 1703, para o transporte do ouro da região de Vila Rica, atual
Ouro Preto, ao porto do Rio de Janeiro. Às suas margens surgiram diversos postos
oficiais de registro e fiscalização de ouro, que era transportado em lombos de mulas,
dando origem às cidades de Barbacena e Matias Barbosa. Outros pequenos
povoados foram surgindo ao longo do caminho em função de hospedarias e
armazéns, a exemplo de Santo Antônio do Paraibuna, surgido por volta de 1820,
que daria origem, posteriormente, à cidade de Juiz de Fora.
Nesta época, o Império distribuiu terras na região facilitando o
povoamento e a formação de fazendas que, mais tarde, se especializariam na
produção de café.
Em 1835 um engenheiro alemão, Henrique Halfeld, construiu a Estrada
do Paraibuna, que ligava Vila Rica ao Rio de Janeiro. Esta estrada desempenhou
um importante papel no desenvolvimento da cidade.
Em 1850, a lei provincial 472, de 31 de maio, elevou o povoado Santo
Antônio do Paraibuna à categoria de vila, emancipando-se de Barbacena e
formando um município. Em 1853 com a reunião da Câmara Municipal a vila
passou a chamar-se Cidade do Paraibuna e em 1865 recebeu o nome definitivo de
Juiz de Fora (SILVA, 1963).
A partir de 1850, Juiz de Fora passou a vivenciar um processo de grande
desenvolvimento econômico proporcionado pela agricultura cafeeira que se
expandia pela região. Por iniciativa de Mariano Procópio Ferreira Lage
84
, iniciou-se a
83
A Zona da Mata é uma das doze mesorregiões do estado de Minas Gerais. É formada por 143
municípios agrupados em sete microrregiões, sendo Juiz de Fora o principal deles. Outras cidades
importantes da região o Manhuaçu, Viçosa, Muriaé, Ubá, Cataguases, Ponte Nova, Leopoldina,
Santos Dumont, Visconde do Rio Branco, São João Nepomuceno, Carangola e Além Paraíba.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mesorregi%C3%A3o_da_Zona_da_Mata>. Acesso em: 13
jun 2007.
84
Mariano Procópio Ferreira Lage nasceu na Chácara do Matinho, em Barbacena, MG em 23 de
junho de 1821. Além de ter criado a Estrada União e Indústria foi também comerciante e produtor
agrícola, empresário e investidor em imóveis e ações. Engenheiro formado na Alemanha, foi autor de
diversos livros técnicos. Fundou a Escola Agrícola União e Indústria e foi proprietário de uma fazenda
em Goianá, perto de Rio Novo, onde criou cavalos de raça. Foi também diretor da Estrada de Ferro
Dom Pedro II e das Docas da Alfândega, além de presidente do Jockey Club Brasileiro, no Rio de
Janeiro, onde morou alguns anos. Mariano Procópio foi deputado provincial em 1861, e deputado-
geral pelo Partido Conservador sendo representante de Minas Gerais na Assembléia Geral do
Império entre 1861-1864 e 1869-1872. Em 1861 iniciou a construção da Villa Ferreira Lage, embrião
do que seria posteriormente o primeiro museu de Minas Gerais, o Museu Mariano Procópio, fundado
em 1915 por seu filho mais novo: Alfredo Ferreira Lage. Deixou inúmeros bens à sua família ao
falecer em 14 de fevereiro de 1872, em Juiz de Fora. Disponível em :
88
construção da primeira via de transporte rodoviário do Brasil: a Estrada União e
Indústria
85
, que com 144 km de Petrópolis a Juiz de Fora, objetivava encurtar a
viagem entre a Corte e a Província de Minas e facilitar o transporte do café. Foi o
café, aliás, que patrocinou muito do pioneirismo dos homens de Juiz de Fora. De
pequena cidade foi conduzida ao título de mais importante do Estado, condição que
ostentou por uns 40 anos
86
.
Neste período, houve o incentivo a vinda de imigrantes, por parte do
governo do Império, com o objetivo de povoamento de regiões vazias, valorização
das terras que seriam ocupadas e produção de alimentos para abastecimento das
lavouras de café.
Esta política teve reflexos em Juiz de Fora através das iniciativas de
Mariano Procópio Ferreira Lage que obteve empréstimos para a introdução de
colonos alemães na cidade. Seu objetivo inicial era obter mão-de-obra especializada
para a construção da referida estrada União e Indústria. Para tanto, contratou, em
1853, vários técnicos, engenheiros, arquitetos e, após 3 anos, 20 artífices como
ferreiros, pintores, latoeiros. Assim, em 1857, chegaram 1.162 imigrantes alemães,
correspondendo a 20% da população total da cidade (CORRÊA, 2003).
Os alemães foram aos poucos se integrando às atividades urbanas, se
tornaram carroceiros, sapateiros, marceneiros, operários, pedreiros etc, e deram
origem a várias fábricas de cerveja na cidade além de curtumes, fundições e
malharias contribuindo, assim, para o crescimento industrial da cidade.
A produção de café na Zona da Mata cresceu muito e Minas Gerais se
tornou uma grande província cafeeira. Os ganhos obtidos com o café, associados às
facilidades de transporte, energia e mão-de-obra e, acrescida com a chegada de
centenas de imigrantes italianos, possibilitaram um intenso desenvolvimento
industrial, e a cidade passa a ser denominada "a Manchester Mineira"
87
. Os setores
que mais se desenvolveram foram o da indústria têxtil e, em segundo lugar, o da
produção de alimentos e bebidas.
Em 1855, na Vila de Santo Antônio do Paraibuna, havia um total de 4 mil
escravos para 2.400 homens livres e, em 1872, havia 18.775 escravos para 11.604
<http://www.espeschit.com.br/historia/uniao_e_industria/mariano_procopio/>. Acesso em: 09 set
2007.
85
Inaugurada em 1861 com a presença do Imperador D. Pedro II.
86
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Juiz_de_Fora>. Acesso em: 18 abr 2007.
87
Cabe destacar que a cidade possui também a presença de outros imigrantes tais como árabes,
portugueses.
89
livres. Estes constituíam, na década de 1860, quase 60% da população total. Em
1875, a cidade de Juiz de Fora era a mais próspera entre outras localidades,
possuindo a maior quantidade de escravos, sendo seguida por Leopoldina, Mar de
Espanha e São Paulo do Muriaé
88
.
Com a grande crise econômica de 1929, a economia dos municípios
mineiros ligados à cafeicultura sofreu grande abalo e Juiz de Fora só conheceu novo
período de desenvolvimento a partir da década de 1960, quando passou a se
destacar pelo crescimento dos setores comercial, industrial e de prestação de
serviços, o que a coloca como a terceira cidade de Minas Gerais e a capital da Zona
da Mata Mineira, sendo atualmente o principal pólo industrial, cultural e de serviços
do sudeste de Minas Gerais
89
.
2.3.1.2 Dados atuais
Juiz de Fora é o município mais extenso da Zona da Mata Mineira.
Totalizando uma área de 1.436,8 km², é formado por 4 distritos: Juiz de Fora,
Sarandira, Torreões e Rosário de Minas. A localização da cidade é privilegiada
devido à proximidade com as principais metrópoles da Região Sudeste. Por rodovia,
a cidade dista 255 km da capital Belo Horizonte, 180 km da cidade do Rio de Janeiro
e 480 km da cidade de São Paulo.
A cidade possui a quarta maior população do Estado é o município mais
populoso da Zona da Mata
90
. Possui alto grau de urbanização, residindo cerca de
99% da sua população na área urbana. As mulheres representam 52,4% da
população, e os homens 47,6%, e a população infanto-juvenil corresponde a 26,6%
do total da população
91
.
Os principais setores econômicos o o serviço, responsável por 51,7%
do Produto Interno Bruto (PIB) do município e a indústria que gera 42,2% do PIB. As
principais atividades industriais do município o a fabricação de alimentos e
88
Disponível em: <http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/historia.php>. Acesso em: 18 abr 2007.
89
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Juiz_de_Fora>. Acesso em: 18 abr 2007.
90
Segundo o IBGE, a população estimada no censo de 2000 (IBGE) para o ano de 2007 é de
513.348
habitantes. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 10
ago 2007.
91
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 10 ago 2007.
90
bebidas, produtos têxteis, artigos de vestuário, produtos de metal, metalurgia,
mobiliário, montagem de veículos e outros
92
.
Juiz de Fora possui um PIB per capita de 8.589
93
mil reais e uma das
mais altas expectativas de vida do Brasil, destacando-se no ranking de
desenvolvimento humano da Organização das Nações Unidas – ONU. Seu Índice de
Desenvolvimento Humano
94
(IDH) é de 0.828 segundo o Atlas de Desenvolvimento
Humano/PNUD (2000). Além disso, possui um nível salarial médio por trabalhador
de R$ 746,67
95
.
2.3.2 O campo religioso Juiz-forano
Juiz de Fora possui um campo religioso bastante representativo da
diversidade religiosa brasileira. “Pode-se dizer que na cidade se encontra
condensado um microcosmo, um ‘laboratório’ do panorama religioso brasileiro”
(TAVARES e CAMURÇA, 2003, p.7, grifo dos autores).
A religião predominante na população do município é o catolicismo.
Desde 1924 a cidade é sede de uma Arquidiocese e tem Santo Antônio como seu
padroeiro. A cidade tem presença significativa de cristãos protestantes
96
de todos os
92
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 10 ago 2007.
93
Valor referente ao ano de 2003. Disponível em: <www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php.> Acesso
em: 18 jun 2007.
94
A elaboração do IDH tem como objetivo oferecer um contraponto a outro indicador, o Produto
Interno Bruto (PIB), e parte do pressuposto que para dimensionar o avanço não se deve considerar
apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que
influenciam a qualidade da vida humana. No IDH estão equacionados três sub-índices direcionados
às análises educacionais, renda e de longevidade de uma população. O resultado das análises
educacionais é medida por uma combinação da taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada
nos três níveis de ensino (fundamental, médio e superior). o resultado do sub-índice renda é
medido pelo poder de compra da população, baseado pelo PIB per capita ajustado ao custo de vida
local para torná-lo comparável entre países e regiões, através da metodologia conhecida como
paridade do poder de compra (PPC). E por último, o sub-índice longevidade tenta refletir as
contribuições da saúde da população medida pela esperança de vida ao nascer. A metodologia de
cálculo do IDH envolve a transformação destas três dimensões em índices de longevidade, educação
e renda, que variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), e a combinação destes índices em um indicador
síntese. Quanto mais próximo de 1 o valor deste indicador, maior será o nível de desenvolvimento
humano do país ou região. Fonte: PNUD/Atlas de Desenvolvimento Humano. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/>. Acesso em 23 jun 2007.
95
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 10 ago 2007.
96
O termo “protestante” origina-se da chamada Reforma Protestante Européia do século XVI a partir
do episódio em que Martinho Lutero afixou na porta da Igreja de Wittemberg, na Alemanha, suas 95
teses com conteúdos de protesto contra os desvios da Igreja Católica. Na América Latina os
protestantes são também conhecidos como evangélicos. O protestantismo está dividido em duas
grandes vertentes: o protestantismo tradicional ou histórico, e o pentecostalismo. O Protestantismo
histórico surge no Brasil de duas formas: uma decorre da imigração e a outra, do trabalho
missionário. O protestantismo de imigração forma-se na primeira metade do século XIX com a
91
estilos e correntes: protestantismo de imigração no qual refere-se à Igreja Luterana,
advinda da imigração alemã em decorrência da construção da Estrada União e
Indústria; protestantismo de missão referenciados nas Igrejas Metodista,
Presbiteriana e Batista; pentecostais através da Congregação Cristã do Brasil,
Assembléia de Deus, Igreja de Deus; e neopentecostais com as Igrejas
Quadrangular, Casa da Bênção, Deus é amor, Universal do Reino de Deus e Igreja
Pentecostal Água Viva e outras. O protestantismo compõe o segundo credo na
cidade.
O terceiro credo na cidade é representado pelo movimento espírita-
kardescista
97
com cerca de 15 mil adeptos dispersos nos 42 “Centros Espíritas”
liderados pela Aliança Municipal Espírita – AME (TAVARES e CAMURÇA, 2003).
ainda em Juiz de Fora a presença de religiões afro-brasileiras
(Umbanda e Candomblé) e recentemente de uma rede neo-esotérica (New age) e de
grupos orientais.
Essa diversidade religiosa em Juiz de Fora é explicada por Tavares e
Camurça (2003) por fatores externos e internos à cidade. Os fatores externos
relacionam-se aos processos mais gerais da dinâmica das religiões em relação às
tendências societárias no país e no mundo, e os internos dizem respeito a processos
locais que constituíram a realidade religiosa na cidade, sendo um deles a
proximidade com os grandes centros urbanos da região sudeste, com destaque para
o Rio de Janeiro, o que permitiu um fluxo cultural de idéias, crenças e costumes.
Tendo em vista que o objeto deste trabalho refere-se às entidades
religiosas que atuam na área da infância e adolescência e que a amostra da
pesquisa realizada neste trabalho é composta por entidades vinculadas à religião
católica (Pastorais, Sociedade de Vicentinos) protestante (Igreja Presbiteriana, Igreja
chegada de imigrantes alemães ao Brasil. As igrejas do protestantismo de missão são instituídas no
país na segunda metade do século XIX, por missionários norte-americanos vindos principalmente do
sul dos Estados Unidos e por europeus (www.portalbrasil.eti.br). O Pentecostalismo, no entanto,
originou-se de correntes revivalistas que percorreram o protestantismo histórico, iniciando sua
ascensão nos EUA como movimento autônomo dando origem a diversas igrejas no início do século
XX e a partir de 1910 no Brasil (FRESTON apud SILVEIRA, 2003).
97
O espiritismo chega ao Brasil em meados do século XIX, nos estados do Rio de Janeiro, Ceará,
Pernambuco e Bahia. Ganha impulso com a formação de grupos de estudo das obras do professor
francês Allan Kardec, fundador da Doutrina Espírita. Os primeiros adeptos da nova religião
pertenciam a classes sociais abastadas tendo em vista que, na época, as obras espíritas ainda não
estavam traduzidas para o português. Em 1884 é fundada a Federação Espírita Brasileira, que em
2000 indica a existência de 8 milhões de adeptos e cerca de 9 mil centros no país. Disponível em:
<www.portalbrasil.eti.br>. Acesso em: 10 mai 2007.
92
Metodista, Igreja de Deus e Igreja Missão Pentecostal Água Viva) e espírita, nos
deteremos apenas na exposição da constituição destas religiões em Juiz de Fora.
2.3.2.1 O catolicismo em Juiz de Fora
Sua relação com a cidade data da fundação do povoado de Santo Antônio
do Paraibuna em meados do século XVIII que esteve sob a proteção do santo
98
.
Neste momento registra-se a presença do catolicismo tradicional em que “a fé do
povo se manifestava através das devoções aos santos, das procissões, das orações
de invocações e perdão e dos milagres” (TAVARES e CAMURÇA, 2003, p.15-16).
Segundo Pereira (2003) a presença do catolicismo tradicional em Juiz de
Fora revela uma experiência diferenciada no estado de Minas Gerais em que houve
a proibição do Estado ao desenvolvimento das ordens religiosas, sobretudo devido
ao controle sob o contrabando do ouro extraído nesta região. Tal situação permitiu a
formação de um catolicismo de base leiga, popular, que se desenvolve ao lado da
organização eclesiástica institucional.
A presença das irmandades, associações religiosas nas quais se
reuniam os leigos em torno de um santo, funcionavam como
agentes de solidariedade grupal, congregando, simultaneamente,
anseios comuns frente à religião e perplexidades frente à realidade
social. (...) Assim, os fiéis e devotos se comprometem no plano
religioso a construir o templo, manter o seu culto e promover sua
festa e, no plano assistencial, socorrer os irmãos e colaborar para
melhorar de alguma forma as condições de vida da sociedade.
(idem, ibidem, p.17-18).
Em relação às Irmandades, registra-se em Juiz de Fora a presença da
Irmandade de Nosso Senhor dos Passos
99
(1854), cuja maior preocupação foi a
assistência social, tendo em vista a criação de uma Casa de Caridade, hoje a Santa
Casa de Misericórdia; a Irmandade do Santíssimo Sacramento, reservada ao
98
Em 1741 foi construída a primeira capela em devoção ao santo sob a coordenação da Diocese do
Rio de Janeiro. Em 1847, com a transferência do povoado da margem direita do rio Paraibuna para a
margem esquerda, uma nova capela foi construída no novo local, hoje Avenida Barão de Rio Branco.
Em 1850, quando o povoado é elevado à condição de Vila, a nova paróquia foi desmembrada de
Simão Pereira, elevada à categoria de Igreja Matriz e incorporada à Diocese de Mariana (TAVARES e
CAMURÇA, 2003, p.16).
99
Esta Irmandade congregava pessoas da aristocracia rural e comercial com objetivo de socorrer os
pobres, dentro da tradição católica lusitana do período colonial (CAMURÇA, 2001).
93
homens; a Irmandade Nossa Senhora do Rosário (1888), espaço devocional de
negros, livres e escravos; e Irmandade de Santo Antônio.
A partir de 1890 iniciou-se na cidade a ação reformadora da igreja
100
,
representando, portanto, uma ruptura com o modelo tradicional católico. A
implantação do regime republicano em 1889 e o Decreto de Separação do poder
entre o Estado e a igreja contribuíram para que esta pudesse implementar as
mudanças necessárias à implantação do processo reformador.
É importante destacar que o processo de reforma católica no Brasil e em
Juiz de Fora é reflexo do período de modernização do pensamento social e de sua
hierarquia que a Igreja Católica vivenciava em nível mundial. O papa Leão XIII,
pontífice nesse momento, escreveu oito encíclicas sociais, entre elas a Rerum
Novarum
101
, considerada como o pilar fundamental da Doutrina Social da Igreja.
Característico do processo reformador da igreja, dá-se a chegada em Juiz
de Fora de religiosos europeus fundando duas congregações masculinas:
Redentoristas holandeses (1894) e Verbo Divino - Verbitas alemães (1899) e três
femininas: Irmãs de Santa Catarina, Irmãs do Bom Pastor e Servas do Espírito
Santo.
A Congregação do Verbo Divino esteve ligada à história da Academia de
Comércio de Juiz de Fora e em 1903 fundou a Escola Parochial Menino Jesus para
atender aos pobres. Os padres da Congregação Redentorista, que assumiram a
Igreja Nossa Senhora da Glória
102
, também fundaram a Escola Parochial do Curato
da Glória.
Data de 1888 e 1890 a chegada das irmãs de Santa Catarina que se
dedicaram à instrução e educação das crianças da Escola Católica da Colônia dos
100
Também chamado de Processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana, teve início na
segunda metade do século XIX, fortalecendo-se a partir do período republicano. Preconizava o
monopólio da Igreja Romana e do Papado sobre as igrejas locais, significando uma reestruturação da
Igreja Católica emveis mundial, nacional e local. Foi marcada pelas seguintes características:
reforma do clero, atuação das congregações européias, substituição do tradicional catolicismo luso-
brasileiro por um catolicismo romanizado, subordinação dos leigos ao poder clerical. (Ferenzini,
2003). A Reforma Católica em Juiz de Fora se deu entre os anos de 1890-1924, sendo seu principal
centro de revitalização a paróquia onde se buscava o enquadramento dos fieis através de
ensinamentos religioso-doutrinais e práticos, via catecismo. Data desta época a existência de 12
templos católicos, entre paróquias e capelas particulares (PEREIRA, 2003).
101
A encíclica Rerum Novarum que em latim significa "Das Coisas Novas" foi escrita em resposta a
gravidade da situação social vivenciada pelos operários na recente sociedade capitalista. Ela orientou
os primeiros passos do Serviço Social no Brasil e sendo escrita em 15 de maio de 1891 marca o dia
do Assistente Social no país (15 de maio) em referência a esta encíclica.
102
Conhecida também como Igreja dos Alemães, pois foi construída em 1858 para servir aos
imigrantes da colônia alemã que vieram residir Juiz de Fora em virtude da construção da Estrada
União e Indústria.
94
Alemães. Em 1908 construíram sua própria escola, o Colégio Santa Catarina. As
irmãs da Congregação Servas do Espírito Santo chegaram em 1902 também para
atuar na área educacional. Em 1917 fundaram o Colégio Stella Matutina, embora
sua obra tenha iniciado no ano de chegada das irmãs na cidade. Em 1902 chegaram
também as irmãs da Congregação do Bom Pastor que se dedicaram ao trabalho de
assistência social no Asilo Pe. João Emílio
103
.
Em 1894 é fundada em Juiz de Fora a primeira Conferência Vicentina cuja
atuação destacou-se no campo das atividades filantrópicas. No final do século XIX
as Conferências Vicentinas passaram a ocupar o lugar das antigas irmandades.
É importante destacar que neste período, com a inauguração da liberdade
religiosa, crenças não católicas (protestantismo e espiritismo) começaram a se
expressar com mais força na cidade tornando-se uma preocupação eclesiástica para
a Igreja Católica. Numa tentativa de acompanhar o importante momento de
transformação social e política vivenciado na cidade
104
, o investimento em obras
educacionais e assistenciais, foi um dos recursos utilizado pela igreja para
sintonizar-se com o “progresso”, ao mesmo tempo que empenhou-se no processo de
romanização (OLIVEIRA, 2003).
A atuação das Congregações foi a predominância do movimento católico
em Juiz de Fora até a década de 50 do século XX
105
.
Entre os anos 1960 e 1980, o catolicismo em Juiz de Fora vivenciou o
surgimento das pastorais: familiar, carcerária, da criança, do menor, do negro, dentre
outras. Tal situação foi reflexo do contexto de reorientação teológica e social
vivenciada pela Igreja Católica em nível nacional
106
. Conforme Silva (2005), partiu-se
103
Além de abrigo o Instituto João Emílio, como é conhecido hoje, dedicou-se também nesta época à
aprendizagem profissional doméstica e comercial.
104
Destacam-se como características deste momento: a influência liberal advinda da inauguração da
República; a ligação da elite da cidade (proprietários de terra, banqueiros, comerciantes) à capital
brasileira, Rio de Janeiro, de onde vieram influências culturais, etc.; e a mentalidade européia trazida
pelos imigrantes, contribuindo para as mudanças de comportamento em todos os setores”.
(OLIVEIRA, 2003, p.138).
105
Outras congregações instalaram-se na cidade nos anos 30, 40 50. As congregações masculinas
foram: Ordem de Santa Cruz, Ordem dos Dominicanos, Missionários do Sagrado Coração de Jesus e
a Companhia de Jesus, responsável pela implantação do Colégio dos Jesuítas em 1956. As
Congregações femininas foram: Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo (1932), Carmelitas
Terciárias, Irmãs Pascoalinas e Irmãs do Carmelo do Sagrado Coração de Jesus (1948). (JACOMETI,
2001).
106
Durante a década de 60, a Igreja Católica mundial vivenciava um período de revisão da sua área
de atuação voltando-se para os setores empobrecidos. Parte da igreja envolveu-se com setores de
esquerda destacando-se movimentos de bispos na América Latina, como será descrito adiante. A
Igreja brasileira foi influenciada pela Teologia da Libertação, movimento formado por religiosos e
leigos que interpreta o Evangelho sob o prisma das questões sociais e atua em setores populares,
95
do pressuposto teológico de experimentar Deus no encontro com os excluídos
sociais numa identificação de Jesus Cristo com o pobre, isto é, o Filho de Deus que
veio ao mundo, pobre, nascido em uma família pobre” (SILVA, 2005, p.211).
Tais práticas religiosas se consolidaram por todo o Brasil ao longo da
década de 70, graças aos incentivos de padres, leigos e religiosas das paróquias
localizadas nos bairros de periferia. Sua principal característica consistia em discutir
os problemas sociais, valendo-se da leitura do Evangelho e exigindo do Poder
Público respostas às questões do cotidiano dos cidadãos.
Sociologicamente, significam uma mudança na forma de
gerenciamento dos ritos e da identidade católica, numa tentativa de
‘descentralizar’ ou talvez ‘desclericalizar’ (...) cuja inspiração seria a
teologia da libertação e as comunidades eclesiais de base (Ceb’s).
Em seu repertório de crenças sobressai a crença na atuação
política/reflexiva, buscando lutar pela igualdade/justiça social.
(SILVEIRA, 2003, p.46).
No final dos anos 70 e início dos 80 surge em Juiz de Fora o movimento
Renovação Carismática Católica
107
(RCC), no entanto sem interferências
significativas de atuação na área social.
Atualmente, o catolicismo em Juiz de Fora conta com um bispo e um clero
composto de 128 membros, 73 paróquias, 12 em formação, 720 comunidades, 9
Ordens religiosas masculinas e 21 femininas, 3 Seminários e diversos movimentos
representativos de leigos: Apostolado da Oração, equipes de Nossa Senhora,
Legião de Maria, Renovação Carismática, Vicentinos, Irmandade Nossa Senhora do
Carmo, Cursílio de Cristandade, Encontros de Casais com Cristo, Movimento
Familiar Cristão e Movimento de Emaús (Tavares e Camurça, 2003).
principalmente por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs vinculam o
compromisso cristão à luta por justiça social e participam ativamente da vida política do país,
associadas a movimentos de reivindicação social e a partidos políticos de esquerda. Um dos
principais teóricos do movimento é o ex-frade brasileiro Leonardo Boff. No entanto, o pontificado de
João Paulo II, iniciado em 1978 marcou uma mudança importante da igreja em nível internacional
configurando numa virada de sentido dos conservadores. Deste modo, a Teologia da Libertação foi
duramente criticada sendo suas publicações censuradas e seus teólogos processados. Após o
engajamento da Igreja, principalmente via CEBs, na luta pela redemocratização do país, os
movimentos mais ligados à Teologia da Libertação cedem espaço, a partir da década de 80, à
proposta conservadora da Renovação Carismática. Apesar do declínio que experimentam nos anos
90, as CEBs continuam em atividade com vários núcleos em todo o país.
107
De origem norte-americana, o movimento carismático chega ao Brasil em 1968. Seus adeptos
resgatam práticas como a reza do terço, a devoção à Maria e as canções carregadas de emoção e
louvor. A RCC valoriza a ão do Espírito Santo, o que aproxima o movimento de certo modo, dos
protestantes pentecostais e dos cristãos independentes neopentecostais.
96
2.3.2.2 O protestantismo em Juiz de Fora
2.3.2.2.1 A presença metodista
O metodismo, movimento eminentemente leigo e surgido no interior do
luteranismo, nasceu na Inglaterra no século XVIII inspirado nas idéias religiosas de
João Wesley, então ministro da Igreja Anglicana. Destacam-se como características
de sua mensagem religiosa: o apelo à conversão individual, a ação social visando à
moralidade e a disciplina e o emocionalismo. Foi nos Estados Unidos, em 1784, que
o movimento organizou-se em Igreja, pela primeira vez. (CORDEIRO, 2003, p.72).
O metodismo se insere no chamado protestantismo de missão e chegou
ao Brasil como parte do projeto expansionista dos Estados Unidos da América no
ano de 1884. Em 1930, o movimento conseguiu sua autonomia em relação à Igreja
norte-americana, sendo criada a Igreja Metodista do Brasil.
Em Juiz de Fora o metodismo chegou também em 1884 através da
missão metodista, cuja sede localizava-se no Rio de Janeiro. Segundo Cordeiro
(2003), devido à predominância do catolicismo na sociedade juizforana, a missão
metodista enfrentou vários obstáculos para se inserir na cidade. Desta forma, a ação
missionária, caracterizada pela evangelização e pela educação, deu-se a partir de
elementos complementares, tais como: difusão e pregação da Bíblia, divulgação de
periódicos da Igreja, criação da escola dominical
108
e, principalmente, a criação de
uma instituição de educação formal. Afirma a autora que embora a conversão da
sociedade fosse o objetivo primordial da missão metodista, o investimento na
educação formal foi privilegiado como estratégia de estabelecimento na cidade
conquistando, deste modo, as elites locais que na época estavam sensíveis aos
valores liberais e republicanos norte-americanos.
Os missionários tinham consciência de que o modelo educacional
metodista, decorrente de uma cultura “mais desenvolvida”, atrairia
uma parte das elites liberais, desejosas de uma formação “moderna”
para seus filhos. Para os metodistas, a cultura protestante, fluindo
através da educação, acabaria por transformar a sociedade de
forma a inseri-la na “civilização cristã”. (idem, ibidem, p.77).
108
A criação da escola bíblica dominical foi motivada pela alta taxa de analfabetismo entre a
população, considerada um obstáculo para expansão da missão.
97
Em 1889 foi instalada em Juiz de Fora a High School and Seminary que
após um ano passou a chamar-se Collegio Americano Granbery que compreendia
três departamentos: primário, ginasial e teológico. Em 1904 criou-se a Faculdade de
Farmácia e Odontologia e em 1912, a Faculdade de Direito.
Conforme Cordeiro (2003, p.78) o sucesso das atividades do Granbery
deveu-se aos princípios educacionais metodistas diferenciados do “rígido modelo
educacional brasileiro”. Tais princípios adotavam o sistema de ensino norte-
americano, mais flexível, com um currículo inovador que “enfatizava o estudo das
ciências exatas, o método pedagógico, valorizando o aspecto prático-utilitário,
privilegiava a observação e a experimentação, estimulando, assim, a criatividade dos
educandos” além da utilização de atividades extra-escolares.
Recentemente existem 15 igrejas metodistas em Juiz de Fora com seus
respectivos pontos missionários. Destas, 3 possuem entidades beneficentes de
assistência social, denominadas “Associação Metodista de Ação Social”. Há também
uma entidade que trabalha no atendimento ao dependente químico, atendendo
inclusive adolescentes.
2.3.2.2.2 A presença presbiteriana
O presbiterianismo tem seu berço nas idéias de João Calvino e foi
instalada no país pelo missionário Ashbel Green Simonton, em 1859, no Rio de
Janeiro.
Em Juiz de Fora, data de 1951, a fundação da primeira Igreja
Presbiteriana na cidade, formada por ex-membros da igreja metodista, “num período
de grande turbulência para o protestantismo histórico devido à ascensão do
pentecostalismo, o que provocou esvaziamento das suas igrejas” (COSTA, 2003,
p.85).
Apesar de inúmeras divisões no presbiterianismo no Brasil
109
, Juiz de
Fora conta somente com igrejas vinculadas a pioneira Igreja Presbiteriana do Brasil
IPB. Atualmente existem 7 Igrejas Presbiterianas na cidade, localizadas em
109
A IPB é o maior ramo da Igreja Presbiteriana do país. Ao longo do século XX surgiram outras
igrejas congêneres, seguidas por ordem cronológica de organização: Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil (1903), Igreja Presbiteriana Conservadora (1940), Igreja Presbiteriana
Fundamentalista (1956), Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil (1975), e Igreja Presbiteriana Unida
do Brasil (1978).
98
diversos bairros, com suas respectivas congregações e pontos de pregação. Destas,
3 possuem entidades beneficentes de assistência social e desenvolvem atividades
voltadas à crianças e adolescentes.
2.3.2.2.3 O pentecostalismo em Juiz de Fora
Tendo em vista a ausência de bibliografia referente às igrejas de Deus e
Igreja Missão Pentecostal Água Viva, cujas entidades de atendimento a criança e
adolescente pertencentes a nossa amostra se vinculam, não nos deteremos muito
neste tópico. Ainda assim, é importante destacar a presença do movimento
pentecostal na cidade relacionando sua vinculação com a atuação política, o que o
difere das religiões anteriormente apresentadas, mais vinculadas a ações sócio-
assistenciais.
O fenômeno pentecostal em Juiz de Fora, já existente na cidade desde os
anos 30
110
, sofreu dois momentos de crescimento: um na década de 70 quando do
surgimento das Igrejas Casa da Benção, Casa de Oração Vida Nova e Igreja
Missionária Filadélfia; e outro na década de 80, quando também no cenário nacional,
registra-se a multiplicação de denominações pentecostais
111
com ênfase em dois
grupos que começam a ganhar destaque: Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja
Pentecostal Deus é Amor.
“A busca de ambientes terapêuticos e propiciadores de uma participação
religiosa mais intensa, talvez sejam, aqui como em outros lugares do Brasil, alguns
dos fatores que possibilitaram esse avanço pentecostal” (Nascimento, 2003, p.105).
Soma-se a isso o refluxo da ação católica ocorrido nos anos 80 e 90 na cidade, além
do agravamento da questão social que ocasionou aumento da demanda religiosa e
social das camadas mais pobres da população (NASCIMENTO, 2003; FGV, 2007).
Para Nascimento (2003), o que muito se ressalta no movimento
pentecostal é a forte influência e visibilidade no plano político e o controle de meios
de comunicação de massa (televisão e rádio), características também presenciadas
em Juiz de Fora.
A televisão privilegia a imagem numa cultura iletrada e o rádio a
difusão de uma cultura predominantemente oral. A imagem, a
110
Através da Igreja Assembléia de Deus e da Congregação Cristã do Brasil.
111
Segundo Nascimento (2003) a existência de denominações pentecostais tendeu a crescer
chegando a ter em Juiz de Fora no ano de 2000 mais de 60 denominações diferentes.
99
emoção e o testemunho oral são peças importantes na difusão e
expansão do pentecostalismo. Em Juiz de Fora os pentecostais
lançaram mão desses instrumentos eficientes. (idem, ibidem, p.105).
Destaca-se também a explosão das rádios comunitárias, sob o controle
de fiéis ligados a igrejas pentecostais. A Gueto FM, por exemplo, é uma rádio
comunitária em Juiz de Fora, sob a coordenação de membros da Igreja de Deus,
onde é desenvolvido um projeto de protagonismo juvenil
112
.
No que diz respeito à influência política das igrejas pentecostais em Juiz
de Fora, foi pentecostal e pastor o primeiro vereador evangélico na cidade em 1988.
Em 1992, foi eleito um novo representante pentecostal na Câmara Municipal, tendo
o mesmo recebido no ano de 2000 o convite para assumir a Controladoria Geral do
Município e em 2005 a Secretaria de Política Social da Prefeitura
113
. A presença de
vereadores pentecostais na Câmara Municipal foi crescente sendo na gestão 1996-
2000 dois, na gestão 2000-2004, três e na gestão atual (2005-2008) 4,
representando 21% do total de vereadores.
Em relação às igrejas pentecostais, cujas entidades compõem a amostra
da pesquisa deste trabalho, a Igreja de Deus tem com um dos seus eixos de
atuação a filantropia, como está no site oficial da igreja
114
.
A Igreja Missão Pentecostal Água Viva, ao contrário das demais, somente
existe em Juiz de Fora não possuindo uma estruturação em níveis regional e
nacional. Segundo depoimento do pastor da igreja
115
ela existe a 4 anos na cidade e
surgiu de uma “revelação”, através de um sonho, que o pastor recebeu de Deus, no
qual ele deveria criar uma igreja. Conta o pastor que antes da fundação da igreja,
ele pastoreava outra igreja
116
que possuía uma congregação no bairro Nossa
Senhora de Fátima. Depois de um momento de crise financeira vivenciada por esta
igreja em Juiz de Fora, o movimento estadual resolveu terminar com os trabalhos na
cidade. Neste período o pastor orou novamente a Deus, tendo como resposta a
permanência dele no bairro e a fundação da igreja Missão Pentecostal Água Viva,
112
Sob o slogan “Gueto FM 106,5 - A comunidade agora tem voz ativa”, a rádio foi inaugurada em
2005 compondo um dos projetos da Associação Ministério Galera de Cristo. No início deste ano foi
fechada devido a não legalização.
113
João Batista Barbosa Júnior assumiu a SPS em julho de 2005, quando da saída da então
Secretária Marluce Araújo Ferreira, e exerceu a função até março de 2006 quando foi substituído pelo
atual secretário Rogério Ghedin Servidei.
114
www.idbpa.net.br.
115
Depoimento de Ademir da Silva Gomes, pastor da Igreja Pentecostal Missão Água viva, em
segunda entrevista concedida no dia 12 de maio de 2007.
116
Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil.
100
confirmando-se a revelação anteriormente recebida. O nome teria sido também
revelado por Deus através do tal sonho no qual o pastor vislumbrou uma placa
contendo o nome. Apesar de ser um movimento “independente”, a igreja pretende
vincular-se ao Conselho de Pastores de Juiz de Fora – CONPAS.
2.3.2.3 O espiritismo em Juiz de Fora
A entrada do espiritismo no Brasil deu-se no final do século XIX, momento
de instauração da República e de crise entre a Igreja Católica, religião oficial do país,
e o Estado. Segundo Oliveira (2003, p,140) “o espiritismo favoreceu-se desse clima
de arejamento das idéias unindo-se a elas, sendo associado por muitos aos
movimentos pela abolição, laicização do Estado e, sobretudo, pela defesa do diálogo
com a ciência e a modernidade”.
Para a autora é importante considerar também que quando o espiritismo
chegou ao Brasil, vivenciava-se no país uma realidade onde ser católico “equivalia
ao reconhecimento de bom comportamento social, de seriedade, representando
quase o mesmo que ter um título de cidadania” (idem, ibidem, p.136).
Além disso, cabe frisar que o país neste período mantinha vínculos
estreitos com a Europa, sobretudo a França, onde era formada a elite intelectual
brasileira que absorvia as tendências científicas e religiosas no mundo e dentre elas
o Espiritismo.
Aponta-se para a influência do Rio de Janeiro o surgimento do espiritismo
em Juiz de Fora, pois moravam na capital brasileira os primeiros adeptos da doutrina
espírita. Além disso, o movimento estendeu-se na cidade mineira e carioca no
mesmo período (década de 1880) sendo o primeiro centro espírita em Juiz de Fora
formado por pessoas originárias do Rio de Janeiro
117
.
Ressalta Oliveira (2003) que a dedicação aos necessitados, através da
prática da caridade, além do caráter racional da doutrina
118
foram elementos que
permitiram ao espiritismo estabilidade e inserção social na cidade.
117
Um grupo de pessoas formou o Grupo Espírita, Fé, Esperança e Caridade que, após o aumento
significativo de participantes e a necessidade de um espaço específico para as reuniões, deu origem
ao Centro Espírita União, Humildade e Caridade no ano de 1901, o segundo Centro Espírita em
Minas Gerais.
118
Os espíritas primam pelo estudo da doutrina e necessidade de seu entendimento, em oposição à
aceitação por imposição. É importante também distinguir a doutrina codificada por Allan Kardec,
chamada de Espiritismo, das religiões conhecidas como afro-brasileira tais como o candomblé e a
101
Atualmente os espíritas em Juiz de Fora gozam de grande prestígio na
cidade haja vista a representação nos diversos cultos e encontros ecumênicos além
da realização de eventos culturais que abordam temas ligados à doutrina espírita.
em Juiz de Fora uma presença significativa de Centros Espíritas. O
movimento espírita ainda conta com a Aliança Municipal Espírita AME, entidade
que serve como referência aos centros locais e circunvizinhos, tornando a cidade um
pólo regional do Espiritismo (Oliveira, 2003). É condição para filiação junto a AME o
registro aos órgãos públicos governamentais, classificando essa parte do movimento
como “espiritismo institucionalizado” (Pavam e Souza, 2003). Embora nem todo
centro espírita seja cadastrado na AME, segundo os autores, é essa parte do
movimento que interage mais intensamente com a sociedade, tanto através da
adesão de fiéis, quanto pelos eventos promovidos na cidade.
Conforme Pavam e Souza (2003) é possível classificar quatro modelos de
casas espíritas segundo o enfoque das suas atividades: assistenciais, estudos da
doutrina, evangelização de crianças e espirituais. Embora a maioria dos centros se
diga plural nesse aspecto, todos se destacam em uma das atividades, o que os
classifica e define o perfil do público que os freqüenta. Os autores enfatizam que a
caridade, categoria chave no movimento espírita, permeia todas as atividades
desenvolvidas nos centros
119
.
2.3.2.4 Catolicismo, protestantismo e espiritismo: a inserção no espaço
público através da caridade
Este tópico tem por objetivo refletir sobre a utilização da caridade como
forma de inserção das instituições católicas, espíritas e protestantes no espaço
público, ressaltando o uso desta estratégia em Juiz de Fora.
Apresenta-se com maior consistência o movimento católico, destacando-
se o papel do Serviço Social como parte do projeto da Igreja Católica, e o movimento
umbanda. Devido ao uso pelo senso comum da palavra espiritismo”, como associação a essas
crenças utilizou-se o termo “Espiritismo kardecista” como forma de diferenciação. (OLIVEIRA, 2003).
119
As atividades caritativas no espiritismo não se resumem a atividades assistenciais. Conforme
Cavalcanti apud Camurça (2001, p.149) “toda tarefa espírita é no sentido amplo caridade, pois é um
serviço de amor ao próximo. Receber espíritos sofredores na reunião de desobssessão é caridade,
dar um passe num freqüentador é caridade. Contudo, as tarefas designadas como de caridade são as
obras assistenciais em geral e (...) o atendimento fraterno”.
102
espírita, cujas bibliografias produzidas são maiores
120
. No entanto, sem a pretensão
de esgotar o assunto, destacam-se apenas alguns pontos para elucidar a relação da
caridade com a inserção no espaço público.
O catolicismo, o protestantismo e o espiritismo representam as religiões
com maior densidade no país
121
. Todas elas compartilham os ensinamentos de
Jesus Cristo e consideram a caridade como a maior das virtudes contidas em seu
corpo doutrinário, tida com um dom infuso de Deus nos seus filhos, uma virtude
moral que predispõe o indivíduo à prática do bem
122
. Para Camurça (2005, p.50),
esta noção de caridade
123
tem nos pobres, nos fragilizados e doentes, o seu alvo
direto “elevados a um carisma especial daqueles que no mito cristão ‘herdarão o
reino dos céus’”.
Em pesquisa realizada no Brasil, Giumbelli (1998) afirma que mesmo com
suas divergências, espiritismo e catolicismo são semelhantes quanto ao significado
da caridade: a salvação está relacionada ao “outro”, e este pode ser o “pobre”, o
“necessitado” ou o “desvalido”. Mais do que um valor, a caridade é um mandamento,
que mobiliza recursos pessoais (voluntários) e financeiros (contribuições) para ações
filantrópicas, seja em instituições específicas ou nos diversos centros espíritas.
Analisando a vinculação da caridade com a atividade filantrópica no caso espírita, o
autor coloca que 71% das instituições espíritas se declaram com fins assistenciais, o
que demonstra que a motivação religiosa e a atividade assistencial estão articuladas,
a última não existindo desvinculada da primeira. É porque a caridade faz parte da
doutrina espírita que a filantropia adquire sentido.
Observa-se então que a ação filantrópica está relacionada a um sentido
religioso tendo em vista que a caridade aos pobres é vista como libertação espiritual
do homem (GIUMBELLI, 1998; NETO, 2005).
120
É quase inexistente a discussão sobre a presença evangélica na área social, colocando-se como
um campo de pesquisa em aberto. A bibliografia geralmente aborda a atuação católica e espírita. Há
bastante referência à participação de evangélicos no espaço político, como por exemplo em Freston
(1993; 1994) e Brasil (2003; 2004).
121
Segundo pesquisa recentemente divulgada pela Fundação Getúlio Vargas católicos representam
73,8% da população; evangélicos 17,9%; sem religião 5,3%; e outros, nos quais os espíritas se
encontram, representam 3% da população. Fonte: FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Economia das
religiões: mudanças recentes. NÉRI, M. C. (Org). Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2007. Disponível em:
<http://www4.fgv.br/cps/simulador/site%5Freligioes2>. Acesso em: 03 mai 2007.
122
O discurso da caridade (e a utilização do termo) é mais explícito no catolicismo e no espiritismo.
Evangélicos utilizam mais a expressão “prática do amor ao próximo”, “ação social”, ainda que
denotem o mesmo sentido.
123
Baseada na tradição judaico-cristã, a caridade es diretamente relacionada ao alívio das
necessidades dos pobres, famintos e doentes (tradição do Bom Samaritano).
103
Normalmente a mobilização de um agente religioso para atuar no
trabalho assistencial passa geralmente por um processo de
conversão em que seu envolvimento pessoal é fundamental para
estruturar os nexos que irão conduzir sua ação. Ou seja, a salvação
para os necessitados normalmente está diretamente vinculada à
salvação do próprio agente religioso que procede ao trabalho de
amparo. Existe um sentido religioso para a ação que supera as
motivações que a crença numa racionalidade puramente política e
sociológica, que também está presente, poderia mobilizar. (NETO,
2005. p.35).
Analisando o uso da caridade por católicos e espíritas em Juiz de Fora,
Camurça (2001) assinala que estas duas religiões, no início do século XX,
vivenciaram um processo de competição religiosa no qual a caridade serviu como
objeto de contenda entre eles. Isto porque o catolicismo buscou a preservação do
monopólio de sua presença junto à população desqualificando a presença espírita, e
o espiritismo buscou a legitimidade e reconhecimento da sociedade inserindo-se em
atividades filantrópicas.
O autor afirma que na prática da caridade, interesses religiosos,
competição e afirmação de identidade religiosa moviam as duas instituições, não
somente no campo da benemerência, mas também no plano doutrinário-teológico
124
,
cujo objetivo era a disputa de adeptos, reafirmando que a prática caritativa inseria-se
numa dimensão mais do que social.
Em relação ao exercício da caridade pelo Espiritismo brasileiro, expõe
Camurça (2001), que ele funcionou como uma estratégia de legitimidade da
instituição no país mediante as acusações de charlatanismo, curandeirismo e prática
de medicina ilegal que lhe eram imputadas pelo Poder Público.
Com respeito à inserção desta religião em Juiz de Fora, o ambiente de
diversidade étnica, cultural e ideológica que a cidade vivenciava, em fins do culo
XIX e início do século XX, propiciou a entrada de novas doutrinas religiosas e
filosóficas, facilitando, portanto, a entrada da religião. O contexto local de
reconhecida precariedade da saúde pública e às imensas carências da população
facilitou a legitimidade do Espiritismo “perante a população dos grandes centros
urbanos como uma das formas terapêuticas mais acessíveis e eficazes” (Camurça,
2001, p.146), caracterizando o exercício da caridade como fundamentação para as
atividades de cura.
124
Em Camurça (2001) é possível visualizar a disputa que católicos e espíritas vivenciaram no início
do século XX em Juiz de Fora se utilizando, para tanto, da imprensa escrita.
104
No caso da Igreja Católica brasileira, a caridade foi difundida como um
dever cristão, como possibilidade de demonstrar perante a sociedade um caráter
nobre e bondoso. “Tendo por premissa básica o amor ao próximo, ela é considerada
a base que levaria homens e mulheres a terem sentimentos e virtudes que seriam
inerentes à natureza humana, como a bondade, a capacidade de perdoar, de
acolher, a humildade, a aceitação mútua” (SILVA, 2005, p.207).
Para a autora (2005), essa concepção de caridade, encontrada em várias
passagens da Bíblia, foi difundida pela Igreja Católica, em virtude de sua hegemonia
em nossa sociedade, por meio de um discurso repetitivo e moral, cujo objetivo era
equilíbrio e a harmonia entre os diferentes segmentos sociais, evitando, assim, o
perigo de conflitos e revoltas daqueles que se encontravam na miséria. Observa-se,
desta forma, um tratamento moral à questão social.
Importante destacar que a Igreja Católica manteve sua hegemonia no
campo social praticamente até no início do século XX, quando a proclamação da
República declarou a instauração de um Estado laico e, portanto separado do poder
religioso. Como forma de recuperar a “hegemonia do pensamento social da igreja
diante da questão social” (Yazbek, 2000b, p.22), a Igreja Católica utilizou-se do
Serviço Social como parte integrante dos projetos e práticas desencadeadas pela
Ação Católica brasileira (GUIMARÃES, 2005).
A relação entre Serviço Social e Igreja Católica remonta à gênese da
profissão no Brasil, na década de 30 do século XX, “no contexto de expansão e
secularização do mundo capitalista” (Yazbek, 2000b, p.22). Segundo a autora, foi
através desta relação com a Igreja Católica que o Serviço Social fundamentou e
formulou seus primeiros objetivos político-sociais. Relação esta que
imprimiu na profissão um caráter de apostolado, fundado em uma
abordagem da questão social como problema moral e religioso e
numa intervenção que prioriza a formação da família e do indivíduo
para solução dos problemas e atendimento de suas necessidades
materiais, morais e sociais. (idem, ibidem,
p.22
).
Conforme Guimarães (2005), o Serviço Social e a Igreja Católica, desde
então, mantém relações de aproximações e de afastamentos que variam de alcance
e intensidade conforme situações e conjunturas, os modos de pensar e de agir nas
relações que estabelecem entre si, as mudanças internas e externas ao Serviço
Social e à Igreja Católica, assim como dos interesses e projetos em jogo. Para a
105
autora, estas relações “apontam variados vínculos e elos de ligação que
ultrapassam, em muitos momentos e situações, as esferas de um contrato de
trabalho profissional conforme os mecanismos do mercado e das leis trabalhistas”
(idem, p.190).
Segundo Yazbek (2000, p.22), nos anos 40, o Serviço Social brasileiro
vivenciou um período de tecnificação, ao entrar em contato com o Serviço Social
norte-americano e suas propostas de trabalho permeadas pelo caráter conservador
da teoria social positivista. A profissão se reorientou visando atender às novas
configurações do desenvolvimento capitalista que exigiu a qualificação e
sistematização de espaço sócio-ocupacional da profissão e “às requisições de um
Estado que começou a implementar políticas no campo social” (idem, ibdem). “Esse
processo que vai constituir o que Iamamoto (1992:21) denomina de arranjo teórico
doutrinário, caracteriza do pela junção do discurso humanista cristão com o suporte
técnico-científico de inspiração na teoria social positivista” (YAZBEK, 2000, p.23).
Deste modo, o surgimento de outras influências teórico-metodológicas,
novos canais de formação e variadas formas de manifestação e experiência
profissionais, via Estado e empresas, contribuiu para que a Igreja Católica perdesse
a hegemonia na condução dos processos de formação, pensar e agir profissional.
Segundo Guimarães (2005) através da regulamentação da profissão, por
meio do Decreto lei 35311 de abril de 1954, ocorreu uma tentativa de ruptura nas
relações entre o Serviço Social e a Igreja Católica que alterou substancialmente os
processos de formação conduzidos pelas diferentes escolas, visto que todas elas
tiveram que se submeter aos Currículos Mínimos aprovados pelo Conselho Federal
de Educação.
Nos anos 60 e 70 uma nova intenção de ruptura foi instaurada, devido ao
Movimento de Reconceituação
125
vivenciado pela profissão. Apesar de todo
movimento de repensar a profissão, Yazbek (2000, p.24) afirma que o contexto
político da ditadura levou o Serviço Social a “priorizar um projeto tecnocrático-
modernizador, do qual Araxá e Teresópolis são as melhores expressões”.
A intervenção do Estado na questão social, agravada neste período,
através de políticas sociais centralizadas e tecnificadas, contribuiu para a ênfase
tecnicista da profissão.
125
Cf. nota 62.
106
Neste momento também parte da Igreja Católica vivenciava um giro para
a esquerda, numa aproximação com o marxismo, “o por lo menos a comprender de
una forma radicalmente diferente su relación con los sectores más pobres de la
sociedad” (Moljo, 2005, p. 58), via Teologia da Libertação.
Como resultado disto, no plano mundial realizou-se, no ano de 1967, o
Concílio Vaticano II, onde foi escrita a encíclica Populorum Progressio dedicada aos
pobres, sobretudo os do terceiro mundo. Na América Latina, um ano mais tarde,
ocorreu o encontro do Movimento dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo, na
Argentina. Neste encontro os participantes apoiaram a encíclica Populorum
Progressio e denunciaram a exploração dos pobres na América. Ainda em 1968, em
Medellín, Colômbia, ocorreu a I Conferência Episcopal Latino-americana CELAM,
como fruto do movimento da Igreja latino-americana empenhada em fazer sua leitura
e assimilação própria dos novos tempos que o Concílio trazia. As conclusões do
encontro apontavam três linhas-força para a Igreja do continente: a luta pela justiça
inseparável do trabalho de evangelizar e anunciar a Boa Nova; um novo modo de
fazer teologia, a partir da situação dos pobres e dos problemas sociais; a articulação
das bases comunitárias
126
. No caso brasileiro, este movimento influenciou o
surgimento das CEBs e mais tarde das Pastorais, com intervenção expressiva na
área social.
Em relação a utilização da caridade como mecanismo de preservação da
hegemonia do catolicismo juiz-forano, o projeto católico romanizador na cidade
destinou um padre para coordenar a ação filantrópica da Igreja, sendo esta ação
inspirada nas encíclicas sociais do Papa Leão XIII
127
. As Conferências Vicentinas,
por exemplo, que surgiram na cidade nesse período, são consideradas precursoras
da Doutrina Social de Leão XIII e da Rerum Novarum “o que colocava o conjunto das
iniciativas sociais ocorridas em Juiz de Fora em sintonia com o que estava
126
Disponível em: <http://br.celam.info/content/view/113/173/>. Acesso em: 11 ago 2007
127
Leão XIII foi eleito Papa em 1878, com 68 anos de idade e governou a Igreja até 1903. Encorajou
as associações católicas, como a Terceira Ordem Franciscana e a Sociedade de São Vicente de
Paulo. Em 1891, escreveu a encíclica Rerum Novarum, na qual discutia as condições das classes
trabalhadoras e que lhe mereceu o título de o “Papa dos operários”. Esta encíclica é considerada a
base da doutrina social da Igreja Católica. A encíclica veio completar outros trabalhos de Leão XIII
durante o seu papado tais como Diuturnum, sobre a soberania política; Immortale Dei, sobre a
constituição cristã dos Estados e Libertas, sobre a liberdade humana. Disponível em:
<http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=opiniao&Id=9471> Acesso em: 11 ago 2007.
107
acontecendo de mais avançado nas práticas do catolicismo” (CAMURÇA, 2001,
p.144)
128
.
Outro momento significativo da Igreja Católica em Juiz de Fora relaciona-
se à criação da Faculdade de Serviço Social.
Segundo Jacometi (2001), a realidade municipal dos anos 1940 e 1950
era favorável à implantação da Faculdade, tanto em termos de trabalho técnico
especializado, quanto também na possibilidade de expansão das instituições de
nível superior no município, posto que havia o interesse em consolidar o plano de
criação da futura UFJF. Além disso, o contexto de modernização do parque
industrial, nos anos 50, demandou a atuação do Serviço Social com os
trabalhadores, principalmente nas vilas operárias.
Conforme a autora, o SESI, em 1947, ocupou-se da capacitação de
auxiliares sociais numa tentativa de trabalho com os operários das fábricas. No ano
de 1956, ocorreu a ampliação da intervenção dos assistentes sociais através da
implantação de Centros Sociais que atendiam a população operária. Em 1957, o
SESC iniciou o trabalho dos centros sociais numa “época em que o município
encontrava-se em fase de expansão comercial” (idem, ibidem, p.13).
Deste modo, essas duas instituições representaram em Juiz de Fora o
espaço inicial de implantação do Serviço Social na cidade, tornando-se inclusive um
“modelo de trabalho realizado na capital mineira e difundido pela sua significação
social” (JACOMETI, 2001, p.14).
A Faculdade de Serviço Social foi fundada em 1958, numa iniciativa da
Igreja Católica da cidade, por intermédio do Padre Jaime Snoeck, pároco da
Congregação Redentorista, em articulação com a Congregação das Irmãs
Missionárias de Jesus Crucificado de Petrópolis, e contou com doações e
manifestações de apoio do Poder Público local.
O funcionamento da Faculdade esteve sob a coordenação das Irmãs
Missionárias até 1968. A estrutura de funcionamento da Faculdade era regida pela
Doutrina Social da Igreja e os alunos freqüentavam o curso de Cultura Religiosa e a
disciplina obrigatória “Doutrina social da igreja”. Ainda que com viés religioso, o
curso seguiu as determinações do Conselho Nacional de Educação e da Associação
128
na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora um Trabalho de
Conclusão de Curso datado do ano de 1956 e intitulado “São Vicente de Paulo precursor do Serviço
Social” que trata desse assunto, inclusive escrito por uma freira.
108
Brasileira de Escolas de Serviço Social ABESS. Para Jacometi (2001, p.26) a
criação da Faculdade de Serviço Social “contribuiu para ampliar a importância da
cidade como pólo prestador de serviços na área, fortalecer os movimentos religiosos
e culturais, contribuir para a difusão da Doutrina Social da Igreja, sedimentar
organizações de natureza diversa”.
Embora não se tenha uma bibliografia específica da atuação evangélica
na área social, torna-se importante destacar o movimento de renovação pelo qual a
igreja evangélica mundial vivenciou, na década de 70, trazendo novas orientações à
intervenção nesta área. Podemos dizer que, assim como no caso católico, uma
parcela da igreja evangélica repensou sua atuação na sociedade, em especial com
os setores mais empobrecidos.
O Movimento Evangelical iniciou-se após a guerra mundial, alcançou
grande crescimento nas últimas décadas, e teve seu marco internacional no
Congresso Internacional de Evangelização Mundial, ocorrido em Lausane na Suíça,
em 1974, culminando com o Pacto de Lausane
129
. Este documento afirmou que a
evangelização e o envolvimento cio-político são ambos parte do dever cristão,
conformando assim a doutrina da “Missão Integral”. Esse movimento surgiu também
como uma reação ao contexto de renovação católica mundial e na América Latina.
Destaca-se que duas entidades de atendimento pertencentes à amostra
da pesquisa empírica deste trabalho embasam-se nesta doutrina.
2.3.2.4.1 Neoliberalismo: revalorização da filantropia e ressignificação da
caridade
Como abordado, os anos 80 e 90 representaram um marco significativo
para o trato da questão social no Brasil. A perspectiva democrática balizada pela
Constituição Federal de 1988 e leis complementares a ela, imprimiu um caráter
público, portanto secular e não religioso, às políticas sociais não mais sendo objeto
da caridade e benemerência de voluntários.
129
A teologia do Movimento Evangelical é marcada pela Fraternidade Teológica Latino-Americana,
FTL, e os Congressos Latino-Americanos de Evangelização CLADEs. No Brasil, a mais recente
expressão do Evangelismo é a Associação Evangélica Brasileira AEVB. Disponível em:
<http://www.faculdadelatinoamericana.com.br/teologia_integral/proclamando.html>. Acesso em: 11
ago 2007.
109
No entanto, na contramão desse percurso, o ideário hegemônico
neoliberal reforçou um caráter de privatização das políticas, com o apelo à
sociedade civil através do voluntariado, da solidariedade, travestidos na velha noção
de caridade.
Neste sentido, a análise de Camurça (2005) é emblemática. Segundo o
autor, o estímulo a uma cultura moderna da filantropia e do voluntariado nos anos 90
fez com que a caridade tradicional (marcada pelo donativo pessoalizado, baseado
em valores cristãos e centrado em relações de reciprocidade e redes religiosas)
emergisse adquirindo visibilidade e combinando-se com programas governamentais
e empresariais
130
, em meio a transformações recentes nas articulações que visam à
constituição de uma “sociedade civil”.
Assim, as práticas de caráter tradicional, tais como a caridade, seriam
legitimadas pela consciência de “cidadania” desde que expurgadas de um viés
assistencialista, podendo ser assumida por amplas parcelas, porém sem que
signifiquem necessariamente uma definição por um credo. Segundo Camurça
(2005), esta situação assumiu ainda mais contornos de uma ‘religião comum’ aos
brasileiros e reforçou uma nova roupagem a este elemento, componente da nossa
cultura política. Para o autor, a caridade constitui uma religião social dos brasileiros
haja vista que ela foi guindada de assunto de crença religiosa à modalidade de
caráter cívico-social, engendrando formas modernas de praticá-la como
‘voluntariado’, conformando uma cultura e sociabilidade no Brasil.
Desta maneira, a caridade permaneceria em seu formato original dentro
do seu próprio mundo tradicional, como também disseminada pela sociedade
institucionalizada, “expandindo suas características de dádiva e reciprocidade por
sobre a ordem política e econômica”, mantendo deste modo, uma “continuidade dos
valores da caridade tradicional por dentro da moderna filantropia” (CAMURÇA, 2005,
p.47-48).
O deslocamento desta prática dos domínios das relações pessoais,
familiares, de vizinhança e das ‘obrigações’ religiosas para o espaço
público das regras, normas, contratos sociais, vem acompanhado da
superação de sua condição pré-moderna. Deste modo assiste-se a
tentativas de colonização da ‘caridade’ tradicional através de
conceitos modernos como ‘eficácia’, ‘auto-sustentação’, ‘marketing
130
Como por exemplo, a articulação entre o programa governamental Comunidade Solidária e
grandes fundações ligadas a grupos do setor privado.
110
social’ gestados nas práticas desenvolvidas pela nova filantropia a
partir de experiências de gestão empresarial e administração
pública. (CAMURÇA, 2005, p.47).
Sintetizando este tópico, cuja discussão debruçou-se sobre o campo
religioso juiz-forano, verificamos que a inserção das religiões católica, espírita e
protestante na cidade relacionou-se com o contexto sócio-político vivenciado no
mundo, no país e principalmente na cidade, e que a atuação em atividades
assistenciais, via prática caritativa, desempenhou um papel primordial de
legitimação.
O catolicismo, por exemplo, esteve imbricado ao surgimento da cidade, na
devoção a Santo Antônio. No período de surgimento de outras religiões na cidade, o
investimento em obras educacionais e assistenciais foi um recurso importante
utilizado pela Igreja Católica para manutenção de sua hegemonia.
Foi através da prática caritativa que o protestantismo, no caso o
movimento metodista, e o espiritismo, se inseriram na cidade na busca de
legitimidade, estabelecendo, inclusive um ambiente de competição religiosa com a
Igreja Católica, até então hegemônica na cidade.
Pudemos observar então, que a atuação destas religiões em atividades
sócio-assistenciais, foi imprescindível para a penetração, legitimidade e visibilidade
na sociedade juiz-forana, sendo fundamentadas pela caridade, categoria chave de
atuação com os mais necessitados, nos quais mulheres, crianças e adolescentes,
constituem-se públicos-alvos. Na conjuntura atual, a prática caritativa ganha uma
roupagem de pseudocidadania legitimando a atuação de instituições religiosas no
espaço público.
A constituição da política de atenção à infância e adolescência em Juiz de
Fora constitui o tema do próximo item no qual se destaca a atuação destas religiões
nesta área.
2.3.3 A Política de Proteção à infância e adolescência em Juiz de Fora
2.3.1 Histórico da Política de Atendimento até os anos 80
O primeiro registro de atendimento a crianças e adolescentes em Juiz de
Fora data de 1855, com a criação da Santa Casa de Misericórdia, ainda que o
111
atendimento não fosse restrito a esse público. Com a prestação de assistência
médica e hospitalar, a entidade estabelecia convênios com instituições para
atendimento particular, e aos “necessitados” que o disponibilizavam de recursos
para pagar, o atendimento era gratuito (SILVEIRA, 1968).
Inicialmente a manutenção da instituição esteve a cargo da Irmandade de
Nosso Senhor dos Passos. “Depois de anos de gestão tradicional desta Irmandade e
as crises financeiras que daí advieram, o comando da instituição passou ao Dr. Brás
Bernardino, novo juiz da comarca em 1897, que buscou imprimir nela uma
modernização dos serviços” (CAMURÇA, 2001, p.143). Para tanto, contou com a
congregação religiosa das Irmãs de Santa Catarina encarregadas da
superintendência do hospital e da farmácia.
No ano de 1884 foi instalada na Igreja Metodista Central uma Comissão
de Ação Social que oferecia assistência alimentar, material (distribuição de roupas,
calcados, cobertores, material escolar e medicamentos), e serviço médico sem
restrição de idade para o atendimento.
Em 1890 foi criado o Instituto Granbery da Igreja Metodista, que atendia
em regime de internato e externato e oferecia os cursos de pré-primário até o
aperfeiçoamento em contabilidade mediante contrapartida em dinheiro do usuário.
No ano seguinte fundou-se a Academia de Comércio de Juiz de Fora, entidade
confessional católica de caráter educacional, que atuava também mediante
contrapartida do usuário.
Em 1894, foi criada a Sociedade São Vicente de Paulo do Conselho
Central Arquidiocesano da Igreja Católica
131
. A instituição oferecia, de forma gratuita,
assistência alimentar, material, pecuniária, serviços dentário, médico e jurídico, além
de aprendizagem profissional doméstica (cursos de culinária, corte e costura,
bordado), comercial (cursos de datilografia) e industrial (carpintaria, marcenaria).
Segundo Camurça (2001, p.144), a instalação da Conferência na cidade foi apoiada
pelo vigário romanizado Pe. Café e instalada junto à igreja matriz. As conferências
mantiveram obras sociais diversificadas como uma “Vila das viúvas”, depois
“Recolhimento de São Vicente de Paulo” onde eram abrigados os sem-teto da época
e praticada a ajuda financeira às famílias desassistidas. Era realizada também
131
A Conferência de São Vicente de Paulo é uma “associação de leigos para a caridade, fundada na
França pelo leigo Frederico Ozanan e trazida ao Brasil pelos Padres Lazaristas franceses em tempos
de romanização” (CAMURÇA, 2001, p.144).
112
distribuição de roupa aos pobres, visita e assistência aos encarcerados e escola
noturna. Havia também uma versão feminina das Conferências, as “Damas da
caridade”.
Em 1901, registra-se a presença da religião espírita no atendimento com
crianças e adolescentes através da criação do Centro Espírita União, Humildade e
Caridade. Além de assistência alimentar, material, serviço dentário e médico,
assistência habitacional e pagamento de conta de energia, a instituição oferecia
serviço de albergue, que atendia menores desde que “acompanhado por um
responsável ou com licença da polícia” (Silveira, 1968). Em 1903, foi criado o
Albergue dos pobres com o objetivo de amparo à viúvas.
Foi instituído em 1918, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância
oferecendo assistência médico-preventiva, serviço dico-pediátrico, prevenção à
tuberculose e controle de vacina. O serviço, no entanto era remunerado. Um ano
mais tarde, por iniciativa do movimento espírita, foi organizado o Abrigo João de
Freitas para velhos desamparados e viúvas com filhos pequenos. Em 1921 criou-se
a Escola Primária João Lustosa destinada a crianças pobres, também de origem
espírita.
Também como iniciativa da sociedade civil, registra-se em toda a década
de 10, 20 e 30, a criação de Institutos de aprendizagem profissional doméstica e
comercial, principalmente de base confessional, exclusivamente para menores
como, por exemplo, o Instituto Profissional Eugênio Braga de origem espírita,
destinado a educar profissionalmente moças e meninas carentes, em 1929.
A presença do Estado no trato com a infância e adolescência em Juiz de
Fora se em 1900 através do Dispensário Eduardo de Menezes, de âmbito
estadual, que além da profilaxia e tratamento de tuberculose atendia menores até os
14 anos na especialidade de pediatria.
Ainda nesse período foram organizados os Grupos Escolares estaduais
Antônio Carlos e Delfim Moreira, que ofereciam serviço educacional, assistência
material, serviço médico e dentário aos menores. Nas décadas seguintes, vários
Grupos Escolares foram fundados, com período de maior crescimento nas décadas
de 50 e 60, período este em que a Educação foi a tônica da política do Estado.
Em 1929 foi instalada na cidade, pelo governo estadual, a Inspetoria de
Higiene Escolar que proporcionava serviço médico e dentário a escolares entre 7 a
14 anos.
113
Podemos considerar então que a política de atendimento à infância e a
adolescência em Juiz de Fora até os anos 1930 era privada e com ênfase na
atuação de instituições religiosas. As ações centravam-se nas atividades
assistenciais e educacionais e mantinham relação com os projetos políticos das
religiões em disputa: no catolicismo com o projeto de reforma; no metodismo com a
tentativa de inserção na cidade com um projeto educacional moderno para a época
e como alternativa a taxa de analfabetismo da população; e no espiritismo como
busca de legitimidade e penetração na sociedade.
A atuação do Estado, ainda incipiente, teve seu foco na política de
educação, no entanto, de âmbito estadual. Neste sentido cabe lembrar que a
questão social era tratada como questão de polícia e a intervenção mais efetiva do
Estado brasileiro nesta área deu-se após os anos 30. A ênfase na área educacional,
principalmente pela sociedade civil através das escolas profissionalizantes, conforma
uma filantropia disciplinadora (Mestriner 2005) associada à política de menorização
(Rizzini, 1997), visto o interesse na recuperação de crianças e adolescentes no
preparo para a incorporação no mercado de trabalho.
Em 1942, no período de intervenção do Estado na área social e ano de
fundação da Legião Brasileira de Assistência, é organizada uma Comissão Municipal
desta instituição na cidade. Cabia às Comissões verificar a experiência das obras
sociais de assistência à maternidade e à infância, a prestação de orientações às
obras e o pagamento de subvenções e auxílios concedidos às instituições
conveniadas.
Observa-se então que, assim como em âmbito nacional, o mecanismo de
subsidiariedade marcou o início da atuação pública em Juiz de Fora por meio do
estabelecimento de convênios e subsídios com as instituições da sociedade civil,
sendo este mecanismo intermediado pela LBA e mais tarde pelo Departamento
Social do Menor e pela FEBEM.
Em consonância com o movimento nacional foi instituído o “Sistema S” na
cidade. No ano de 1945 foi organizado o SENAI; em 1947 o SESI; em 1957 o SESC;
e em 1960 o SENAC.
Em 1956, foi criada a Legião da Boa Vontade LBV oferecendo
assistência alimentar, material e pecuniária ao público infanto-juvenil
132
.
132
A Legião da Boa Vontade é uma instituição filantrópica e foi fundada no Brasil em de janeiro de
1950.
114
Entre 17 e 21 de outubro de 1960 foi promovida pela Ação Social
Arquidiocesana ASA de Juiz de Fora
133
a I Semana do Menor, na qual estiveram
presentes: SESI, SENAI, Sopa dos Pobres da Sociedade São Vicente de Paulo e
Departamento de Serviço Social da Santa Casa de Misericórdia.
Em 1961 a comissão da LBA foi transformada em caráter experimental
em Centro Regional de Serviço Social (CR LBA/Juiz de Fora)
134
. Os CRs eram
“instalados em municípios pólos, sendo assim considerados aqueles que, por sua
localização geográfica, meios de comunicação e infra-estrutura sócio-econômica,
apresentem condições que possibilitem o desenvolvimento integrado da região”
(Cintra, Faria, e Menezes, 1973, p.20). O CR LBA/JF coordenou comissões
municipais de 37 cidades vizinhas. Aos Centros Regionais cabia a coordenação e
orientação das atividades técnico-administrativas das Comissões Municipais.
Outra atividade desenvolvida pelos CRs, era o treinamento de voluntários
“objetivando a motivação e mobilização da comunidade, para alcançar-se a
promoção cio-econômica das famílias e comunidades carentes” (Cintra, Faria e
Menezes, 1973). Os Núcleos de voluntariado constituíam-se como meta prioritária
da política ação da LBA e eram justificados pela insuficiência de recursos financeiros
que não comportavam número necessário de técnicos, bem como a utilização e
aproveitamento de uma força social disponível. Cabia ao Serviço Social o
treinamento dos voluntários. Afirmam os autores que o relacionamento do CR
LBA/Juiz de Fora com as obras sociais da região restringiu-se praticamente à
entrega de verbas, através de convênios firmados.
Neste mesmo ano foi criado o Setor Social da Agência do Departamento
Social do Menor DSM em Juiz de Fora
135
composto por assistentes sociais e
estagiárias de Serviço Social. A equipe veio transferida do DSM de Belo Horizonte.
No ano de 1965 foram incorporados ao DSM 14 estabelecimentos de menores no
133
Órgão anexo à Cúria, por meio do qual era feito o “Serviço Social” Arquidiocesano e prestada a
assistência social. (SILVA, 1963).
134
A LBA possuía uma Diretoria Estadual em Minas Gerais onde foram criados 7 Centros regionais,
dentre eles o de Juiz de Fora.
135
O Departamento Social do Menor foi criado em todo o Estado de Minas Gerais no ano de 1957.
Era um órgão diretamente subordinado à Secretaria do Interior cuja finalidade era “coordenar,
organizar, dirigir e executar a assistência e proteção aos menores transviados e abandonados,
material e moralmente, visando sua integração na vida social” (Silva, 1963, p.1). Seu chefe era
nomeado pelo governador do Estado e o Departamento era composto por um órgão técnico que
dispunha dos serviços médicos, educacionais e sociais.
115
Estado, dentre eles o Instituto de Menores Dom Geraldo Maria de Morais Penido
136
em Juiz de Fora, com o qual o DSM mantinha convênio
137
. Outra instituição
conveniada na cidade foi o Abrigo Profissional Dom Bosco, reforçando assim, o
mecanismo de subsidiariedade como instrumento de mediação da relação entre o
Estado e as instituições filantrópicas.
Entre os dias 7 a 12 de outubro de 1963, foi organizada a II Semana do
Menor
138
cujo objetivo era “estudar em bases concretas o problema do menor em
Juiz de Fora, afim de num esforço conjunto, trazer uma contribuição para a solução
do mesmo” (Silva, 1963). O evento, com o tema “O menor, a família e a
comunidade”, foi organizado pelo Departamento Social do Menor e contou com a
participação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Prefeitura Municipal de Juiz
de Fora, ASA, Câmara dos Vereadores, Faculdade de Serviço Social, Secretaria de
Educação do Estado, Juizado de Menores e diversas Obras sociais da cidade. Como
resultado do evento foi formado um Conselho de Obras, “órgão coordenador,
consultivo e planejador”, visando a integração, o aperfeiçoamento e atualização das
obras sociais no sentido de mobilizar recursos técnicos, financeiros e humanos para
a solução dos problemas sociais que afetavam direta ou indiretamente o menor. Este
Conselho pleiteou junto à Câmara Municipal uma lei para a criação do Fundo de
Assistência a Menores – FAM (idem, ibidem, p.13).
No ano de 1965, no contexto da ditadura militar, foi instituído na cidade
o Comissariado de Vigilância, de âmbito estadual, visando a “assistência à infância e
adolescência, ao menor desamparado, ao menor delinqüente, serviço de
sindicância, colocação familiar, encaminhamento a obras assistenciais para internato
e vigilância de menores” (SILVEIRA, 1968).
136
A instituição atendia menores do sexo masculino entre 15 e 18 anos destinando-se
especificamente à educação profissionalizante visando a absorção do menor ao mercado de trabalho.
137
Importância mínima per capita.
138
Importante registrar que a II Semana do Menor ocorreu por ocasião da realização do Trabalho de
Conclusão de Curso “O departamento social do menor e sua ação comunitária” realizado por uma
estagiária de Serviço Social do DSM em Juiz de Fora. Motivada pelo aumento progressivo de pedidos
de internamento de menores nas obras de Juiz de Fora, a pesquisa diagnosticou as entidades de
assistência ao menor e destacou os principais problemas vivenciados pelas obras, entre os quais se
destacam a dificuldade financeira e o despreparo dos profissionais em lidar com o menor. Além disso,
foi levantado pelos dirigentes das obras a necessidade de maior entrosamento entre as entidades. O
TCC apontou soluções aos problemas encontrados e após uma apresentação às autoridades da
cidade, pensou-se na realização do evento. Fonte: SILVA, D. B. R. G da. O departamento social do
menor e sua ação comunitária. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social).
Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Juiz de Fora: UFJF, 1963.
116
Em cumprimento a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em curso no
país, instalou-se em Juiz de Fora no ano de 1967 uma unidade da FEBEM. A
instituição manteve convênio com a escola D. Geraldo Maria de Moraes Penido, o
Instituto Profissional Dom Orione
139
e a Casa Maternal Maria Helena.
Conforme Pereira (2001) a criação da FUNABEM/FEBEMs representou
uma ínfima mudança no atendimento a esse público combinando o enfoque corretivo
repressivo com o assistencial.
Nesta época foi organizado em Belo Horizonte um Centro de Recepção e
Triagem CERT que também mantinha convênios com instituições de assistência
ao menor, em regime de semi-internato e internato, mediante pagamento mensal per
capita. O CERT deveria criar 10 Centros Integrados de Atendimento ao Menor
CIAMES – sendo um deles em Juiz de Fora.
Na década de 60, registra-se a instalação, em vários bairros da cidade, de
Postos de Assistência Médica e Dentária da Divisão de Saúde e Assistência (DSA)
da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Além dos serviços médicos e dentários,
básicos a todas as unidades, alguns postos disponibilizavam assistência alimentar a
lactentes, serviço de enfermagem e Serviço Social.
Em 1968, por ocasião de um TCC da Faculdade de Serviço Social
140
foi
realizado um catálogo dos recursos sociais e assistenciais existentes na cidade. O
levantamento arrolou 416 obras sociais e assistenciais incluindo os serviços de
saúde, assistenciais, educação, culturais, jurídico-sociais, previdência, casas
recolhimento, cooperativas, sindicatos e SPMs. Possuíam finalidade educacional e
cultural, 47,9% das obras; de sde 14%; e assistencial, 10%. Essa proporção
manteve-se também quando foram destacados os serviços oferecidos. Dos 1095
levantados, 31,1% eram educacionais e culturais; 26,5% de saúde; 25,9%
assistenciais.
139
A entidade atendia menores do sexo masculino, entre 8 e 16 anos, em regime de internato e semi-
internato. Atualmente, atende crianças e adolescente (7 a 16 anos) do sexo masculino em regime
sócio-educativo disponibilizando atividades escolares, recreativas, religiosas e culturais. Esta
entidade faz parte da amostra da pesquisa empírica que subsidiou este trabalho. Segundo o dirigente
da entidade o atendimento ao sexo masculino é uma “questão de tradição” da instituição. Devido a
infra-estrutura da casa, e a existência de outras entidades na cidade que atendem crianças e
adolescentes do sexo feminino, nunca foi pensado em ampliar o atendimento ao público feminino. Em
outras instituições da mesma ordem católica há esse atendimento misto.
140
SILVEIRA, E. C. T. Catálogo e análise dos recursos sociais e assistenciais do município de
Juiz de Fora. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social). Universidade Federal
de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Juiz de Fora: 1968.
117
Em relação à natureza jurídica das obras verificou-se um predomínio de
entidades privadas (62,3%). Destas, 31% eram religiosas
141
. As entidades católicas
representavam 67,1% das obras religiosas, as espíritas, 18,3% e as protestantes
12,2%
142
. As atividades desenvolvidas por essas instituições concentravam-se na
área educacional, casas de recolhimento de menores e em destaque a atividade
assistencial
143
. No que diz respeito às obras públicas, 75,2% desenvolviam
atividades na área educacional. A pesquisa ainda constatou que o maior
crescimento das instituições deu-se na década de 60. No que diz respeito à
realização de convênios, verificou-se que a maioria dos convênios públicos era
realizada com obras educacionais, seguidos das de saúde.
Com a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em vigor, até o início dos
anos 80, a política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora
permaneceu inalterada nas três esferas do governo (PEREIRA, 2001).
Observamos então que, a partir do período da ditadura militar, a política
voltada à infância e adolescência em Juiz de Fora contou uma presença mais ativa
do Estado, no entanto, através de uma política repressiva e controladora que teve na
FEBEM a sua marca de atuação. Como em âmbito nacional, esta política esteve
concentrada na esfera central. Algumas tentativas esparsas de política local
puderam ser visíveis na área de saúde. No seu conjunto, a política destinada a
infância e adolescência combinou assistência (oferecida pela sociedade civil) e
repressão (do Estado), conforme apontou Mestriner (2005) para o caso nacional.
De forma geral foi possível verificar que a política destinada a crianças a
adolescentes em Juiz de Fora apresentou uma presença muito tímida do Estado
mostrando-se mais ativo no período ditatorial. Na relação do Estado com as
entidades filantrópicas o mecanismo de subsidiariedade foi enfatizado atuando
através da LBA, do Departamento Social do Menor, e da FEBEM. Devido à ausência
141
Esta proporção de entidades religiosas na política sócio-assistencial em Juiz de Fora tornou-se
uma constante desde esta época. Eiras e Santos (2001) verificaram que das 89 entidades
cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social no ano de 2001, 37 (41%) possuíam
vínculo religioso. Como será demonstrado no capítulo 3, que analisa os dados da pesquisa empírica
do presente estudo, atualmente existem 120 instituições que prestam serviços para crianças e
adolescentes em Juiz de Fora, sendo destas 47 (39%) religiosas.
142
A pesquisa ainda listou 2,5% de obras sociais maçônicas e as categorizou nas obras de origem
confessional.
143
Das obras que prestavam serviço assistencial 41,2% eram católicas, 25% espíritas e 16%
protestante.
118
do Estado, a sociedade civil mostrou-se ativa nas diversas áreas de educação,
saúde, e principalmente na assistência social por meio das entidades confessionais.
2.3.3.2 Redemocratização do país e promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente: os caminhos de Juiz de Fora
A partir dos anos 80, em virtude da conjuntura de redemocratização do
país, a questão da criança e do adolescente retornou ao cenário político através da
mobilização da sociedade. Em Juiz de Fora foram realizados diversos seminários
que discutiram o direito do menor e a problemática dos meninos de rua. Nesses
encontros formularam-se as diretrizes básicas para uma Política de Bem-Estar
Social que possibilitassem a execução de programas de prevenção à situação de
marginalização das crianças e adolescentes e a descentralização do atendimento da
FEBEM (SABINO, F.; SEIXAS, R.; e SIQUEIRA, M., 2005).
Em 1985 o Poder Público local criou uma estrutura de atendimento à
infância e adolescência sob a coordenação da Associação Municipal de Apoio
Comunitário – AMAC, órgão executor da política de assistência social no município.
A AMAC desenvolveu-se a partir dos Grupos de solidariedade (entidades
populares de apoio às creches, escolas, habitação e distribuição de energia elétrica
e assistência social) e também dos Grupos de Apoio Comunitário GAC,
originalmente ligados ao gabinete do prefeito, cuja finalidade era o atendimento e
acompanhamento de reivindicações das associações de moradores e subsidiar
ações de assistência
144
.
Destaca-se ainda na década de 80, no âmbito das organizações não
governamentais, a criação de creches de natureza filantrópica, internatos (abrigos e
orfanatos) e instituições (semi-internato e externatos), como parte da rede de
atendimento numa proposta de trabalho baseada na integração entre família e
comunidade.
Segundo Pereira (2001), a rede de atendimento à criança e ao
adolescente em Juiz de Fora passou por uma crise após a promulgação do Estatuto
da Criança e do Adolescente devido o desmonte da estrutura federal de bem-estar
144
Mesmo com a criação da AMAC o Grupo de Apoio Comunitário não deixou de existir. Em 2004, de
acordo com o Decreto N.º 8389 de 16 de novembro, foi transformado em Gerência de Ação
Comunitária passando a integrar o Nível de Execução Programática da Diretoria dos Centros
Regionais da prefeitura tendo os seus servidores transferidos para o novo órgão.
119
do menor, a extinção da FUNABEM e, sobretudo, a extinção progressiva da LBA
devido ao seu aporte financeiro às instituições.
Em decorrência disso, as instituições envolvidas com a temática da
infância e adolescência discutiram o atendimento ao público infanto-juvenil
identificando que as razões da crise estavam ligadas à administração e
organização das entidades. A partir dessas discussões foi organizado, em 1991, o
Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Fórum DEDICA que
se originou da Comissão local do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua cuja finalidade foi a construção de um espaço democrático, alternativo e
permanente, onde as questões relativas à criança e adolescente fossem discutidas e
encaminhadas em conformidade com as diretrizes do ECA. A principal meta do
Fórum DEDICA na época foi a implantação do Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente CMDCA/JF, ocorrida em 1992. No ano de 1995 foram
instituídos os Conselhos Tutelares no município.
A criação do CMDCA/JF e dos Conselhos Tutelares foi permeada pela
disputa de interesses dos diversos segmentos da sociedade e do Poder Público.
Entretanto, a estruturação desses órgãos juntamente com o Fórum DEDICA
representaram um significativo avanço na direção de uma nova política municipal
(SABINO, F.; SEIXAS, R.; e SIQUEIRA, M., 2005).
Em 1996, tendo em vista a necessidade de adequação ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, discutiu-se a necessidade de se formular a Política de
Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. Assim, foi apresentada pela AMAC
uma proposta baseada no ECA, de operacionalização dos 4 regimes de atendimento
na área infância e adolescência, a saber: a orientação sócio-familiar, a colocação
familiar, apoio sócio-familiar em regime aberto e os abrigos.
A partir de então, a grande demanda colocada para a política de
atendimento à crianças e adolescentes em Juiz de Fora foi a sensibilização da
sociedade e dos órgãos públicos quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente e
o reordenamento institucional dos órgãos componentes do Sistema de Garantia de
Direitos. Destaca-se neste processo a realização de 3 Conferências Municipais do
Direito da Criança e do Adolescente, ocorridas nos anos 2001, 2003 e 2005.
A AMAC vivenciou um momento de reordenamento institucional, com o
desenvolvimento do planejamento estratégico em 2001. Atualmente a associação
estrutura-se nos seguintes departamentos: Departamento de Planejamento
120
DEPLAN; Departamento de Gestão de Pessoas DGP; Departamento
Administrativo e Financeiro; Departamento da Pessoa Adulta DPA; Departamento
da Infância e da Adolescência – DIA; e Departamento da Inclusão Produtiva – DIP.
Em relação ao atendimento com crianças e adolescentes destacam-se o
DIA subdividido nas coordenadorias executivas dos programas sócio-educativo, de
proteção especial e de creche; e o DIP que além da Gerência de emprego e renda e
a Gerência de qualificação profissional, possui uma Coordenadoria Executiva de
Atendimento ao Adolescente, através de programas de profissionalização.
Devido à legitimidade desta Associação na cidade torna-se importante
destacar de que forma se deu a criação da AMAC e como ela se relaciona com o
Poder Público Executivo Municipal, tendo em vista que o atendimento conferido pela
entidade marca a ação pública da assistência social no município, principalmente em
relação a infância e adolescência nas áreas cultural, recreativa, nutricional,
profissional, abrigo e creche.
Diferentemente das prefeituras brasileiras de médio e grande porte, a
política de Assistência Social no município não está alocada numa secretaria
específica responsável por sua gestão, financiamento, monitoramento e avaliação. É
a AMAC, “entidade civil com objetivos assistenciais”, responsável pela execução da
política de assistência social desenvolvida em Juiz de Fora
145
. Embora não vinculada
diretamente à administração municipal
146
, na prática ela se caracteriza como um
órgão de governo, inclusive financiada com recursos públicos e seu superintendente
(cargo máximo no organograma da instituição) indicado diretamente pelo prefeito,
sendo atualmente ocupado pela primeira-dama.
Fica sob responsabilidade da administração direta, através da Secretaria
de Política Social SPS, a promoção, implantação, e manutenção da política de
Assistência Social por meio de financiamento.
A SPS é um órgão subordinado inteiramente ao chefe do Poder
Executivo. Possui autonomia administrativa, orçamentária e financeira e juntamente
com as Secretarias de Saúde, Saneamento e Desenvolvimento Ambiental – SSSDA,
145
A AMAC executa projetos e programas de âmbito federal e estadual, estabelecendo inclusive
convênios e parcerias com outras entidades da sociedade civil para a implementação dos mesmos.
146
De acordo com o decreto 10000 de 08 de maio de 2001 que “Dispõe sobre a Organização e
Estrutura do Poder Executivo do Município de Juiz de Fora, fixa princípios e diretrizes de gestão e dá
outras providências”, a AMAC compõe a administração indireta da prefeitura de Juiz de Fora. Este
ano, após escândalos na administração blica envolvendo o prefeito e a superintendente da AMAC,
a instituição foi desvinculada da prefeitura, como veremos adiante.
121
de Agropecuária e Abastecimento SAA, de Política Urbana – SPU, de Segurança
Pública e Defesa Social SSPDF e de Educação SE, compõe o nível de
formulação, execução e avaliação de Políticas Públicas e Promoção da Cidadania
da administração do município.
Portanto, como sua área de atuação o está restrita à política de
assistência social a SPS é também responsável pela formulação, articulação e
implantação das políticas sociais de habitação, cultura, esporte, lazer, trabalho,
renda e promoção da cidadania, em conjunto com as políticas estaduais e federais e
com os demais órgãos e entidades que atuam nestas áreas.
A SPS é formada por 03 sub-secretarias: Sub-secretaria de Esporte e
Lazer, Sub-secretaria de Promoção da Cidadania, e Sub-secretaria de Recursos
Compartilhados.
Através da Sub-secretaria de Recursos Compartilhados – SRC são
realizados os contratos de gestão e convênios municipais
147
. Faz parte da SRC o
Setor de Monitoramento, Avaliação e Convênios SEMAC, cujas atribuições são
monitorar e avaliar as instituições inscritas no CMAS bem como no CMDCA, através
de levantamento dos aspectos físicos, humanos, administrativos e atendimento aos
usuários. Além disso, o SEMAC realiza emissão de pareceres cnicos das visitas a
essas entidades e celebra convênios com as mesmas. Isto nos será importante para
entender a relação do Poder Público com o CMDCA como será explorado no
próximo capítulo.
Estão vinculadas a SPS, a Agência de Proteção e Defesa do Consumidor
PROCON, a Empresa Regional de Habitação de Juiz de Fora EMCASA, a
Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage FUNALFA, e a AMAC. No organograma
da prefeitura estas instituições compõem o nível de implementação descentralizada
de políticas setoriais
148
.
No final de 2006 a AMAC esteve envolvida em um processo relacionado
ao Ministério da Previdência. No ano de 1999 o Conselho Nacional de Assistência
Social negou o pedido de renovação do certificado de filantropia da associação
obrigando-a, a partir de então, a pagar a cota patronal correspondente a 20% da
147
Importante ressaltar que a AMAC também realiza convênios com entidades da sociedade civil
embora os critérios para tal não sejam os mesmo adotados pela SPS. O registro nos conselhos, por
exemplo, é um critério ignorado pela AMAC, fortalecendo desta forma a rede cio-assistencial “não
oficial” no município, assunto que será abordado no próximo capítulo.
148
Para melhor visualização segue nos anexos o organograma da Prefeitura de Juiz de Fora, da SPS
e da AMAC.
122
contribuição previdenciária
149
. No entanto, mesmo depois ter recorrido em primeira e
segunda instâncias e a Justiça ter dado ganho de causa ao Ministério, o imposto não
vem sendo pago correspondendo a uma dívida de R$ 28 milhões
150
. Segundo a
mesma fonte o motivo do indeferimento deve-se ao parecer do INSS alegando que a
Associação era um órgão governamental.
No início de 2007 uma outra discussão envolveu a AMAC relacionada a
sua desvinculação da prefeitura como tentativa clara de renegociação da dívida com
o INSS. O prefeito enviou à Câmara de vereadores uma proposta de alteração da lei
10000 de maio de 2001 pretendendo desvincular a Associação e para tanto propôs a
revogação do artigo 54, II, b, que qualifica a associação como sendo da
administração indireta e também o artigo 94 pelo qual a entidade deveria ser
transformada em fundação
151
.
Em abril do mesmo ano, a Câmara aprovou a desvinculação da AMAC da
administração pública. Com as alterações na lei o órgão voltou a ter o caráter
original de uma sociedade sem fins lucrativos do direito privado. Contudo, a
possibilidade prevista na legislação da AMAC ser transformada em uma fundação
saiu momentaneamente de cena, já que o artigo nesse sentido foi revogado
152
.
Fica a dúvida, no entanto, do que de fato implicará no plano prático essa
desvinculação da AMAC da administração municipal. A mudança dar-se-á apenas
no plano formal (tendo em vista a solidificação da imagem da instituição vinculada a
prefeitura)? Deixará de cumprir sua função de clientelismo político, servindo a
interesses particulares e/ou políticos ou “politiqueiros”? Pois aa presente data as
informações sobre a AMAC (estrutura, organização, projetos, etc,) inclusive notícias
atuais, continuam sendo postadas no site oficial da prefeitura mesmo depois da sua
desvinculação da mesma.
Se não bastasse a polêmica em torno da desvinculação da AMAC, o
prefeito e a primeira-dama (superintendente da instituição) estiveram envolvidos em
processo de improbidade administrativa. O Ministério Público acusa os dois de uso
indevido da máquina pública para realizar promoção pessoal com verbas destinadas
149
Entidades que possuem o certificado de filantropia têm isenção da cota patronal. A AMAC
conseguiu o certificado de filantropia no ano de 1994.
150
Jornal Panorama, 15 dez 2006, Caderno Cidade, Juiz de Fora.
151
Jornal Panorama, 14 jan 2007, Caderno Social, Juiz de Fora.
152
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PREFEITOS. Aprovado na Câmara: AMAC fica fora da
administração. 28 mar 2007.
123
à publicidade oficial do município. O Ministério requisitou o afastamento do prefeito
do cargo e ressarcimento de R$ 6 milhões aos cofres públicos
153
.
O promotor, autor da ação, encaminhou à Justiça um documento com 12
volumes alegando que o prefeito estaria utilizando em suas publicidades a
logomarca de sua administração ao invés da bandeira oficial ou brasão do
município. A utilização da logomarca representaria a personificação da
administração, contrariando o artigo 37 da Constituição Federal, em que os poderes
públicos devem obedecer ao princípio da impessoalidade. Além do símbolo da
Administração Bejani, também é questionada a publicação freqüente, em
informativos institucionais, de fotos do prefeito e da superintendente
154
.
É possível perceber então que todas as características que conformam a
cultura política conservadora do nosso país encontram campo rtil em Juiz de Fora,
pois a AMAC, enquanto órgão paralelo ao órgão gestor da assistência social, marca
as práticas do patrimonialismo, do clientelismo, do personalismo e do primeiro-
damismo. Os processos nos quais ela esteve envolvida neste último ano são
exemplos incontestes de tais práticas, que conformam não somente este espaço em
Juiz de Fora, mas a cultura política local. Relações estas, que conforme
anunciado, são históricas na nossa sociedade e conflitam com a nova proposta
democrática desenhada na Constituição Federal e em suas leis complementares
155
.
Numa breve retomada dos principais pontos discutidos neste capítulo
verificamos que a filantropia marcou a atuação privada no campo das políticas
sociais voltadas à criança e ao adolescente no país, tradicionalmente dominado pela
Igreja Católica. Neste sentido, a caridade foi o operador de legitimidade da igreja no
país, numa atuação que extrapolou a ação puramente assistencial.
O Estado estabeleceu mecanismos de incentivo e coordenação do setor
filantrópico por meio do acesso ao fundo público com o estabelecimento de
convênios e certificados, o que reservou às entidades filantrópicas um papel
importante nas políticas sociais no país.
153
Juiz de Fora passa por inspeção do TCE. Jornal O tempo. 18 mai 2007. Disponível em:
<http://www.otempo.com.br/politica/lerMateria/?idMateria=89729> Acesso em: 19 mai 2007.
154
Juiz de Fora passa por inspeção do TCE. Jornal O tempo. 18 mai 2007. Disponível em:
<http://www.otempo.com.br/politica/lerMateria/?idMateria=89729> Acesso em: 19 mai 2007.
155
Importante destacar que o que se coloca em discussão não é a qualidade e eficiência dos serviços
disponibilizados pela AMAC, haja vista que a associação dispõe de boa estrutura organizacional, uma
rede ampla de serviços, grande quadro de profissionais, sendo inclusive o grande empregador de
assistentes sociais no município. O que está posto é a utilização patrimonialista dessa estrutura, pelo
poder executivo, como espaço de realização da política sócio-assistencial.
124
Vimos que o contexto de fundação da República suscitou a necessidade
de investimento na criança trazendo ao debate a necessidade da intervenção estatal
quanto aos cuidados com ela. No entanto, foi estabelecida uma Política de
Menorização (Rizzini, 1997), voltada à criança pobre, juridicamente chamada menor,
que conjugava assistência e repressão. O Código de Menor, instituído em 1927, foi o
marco desta política regulamentando as ações dirigidas ao público infanto-juvenil. O
SAM, o DNCr e a LBA foram órgãos componentes desta estrutura, mantendo uma
atuação assistencialista e clientelista. Além disso, a LBA também instituiu o primeiro-
damismo, um dos elementos da cultura política brasileira.
Pudemos observar também que as políticas desenvolvimentistas dos
anos 60 colocaram em evidência a atuação na área da infância e adolescência. Foi
elaborada então a Política Nacional do Bem-estar do Menor instituindo a FUNABEM
e as FEBEMs, como órgãos executores desta política. No entanto, sem fugir ao
caráter das políticas sociais da época, a política destinada a crianças e adolescentes
continuou combinando assistência e repressão.
No período de redemocratização da sociedade brasileira, a “Comissão
Nacional Criança e Constituinte” exerceu grande influência nos resultados da
Constituição Federal de 1998 voltados à área da infância e adolescência. Como
desdobramento, foi instituído, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
revogou o Código de Menores e estabeleceu a Proteção Integral como o pilar para a
defesa, proteção e viabilização dos direitos da população infanto-juvenil.
Constatamos, porém que, embora a conquista significativa na área da
infância e adolescência, e das políticas sociais em geral, com a demarcação da
primazia do Estado na efetivação das mesmas, a Constituição Federal de 1988
reafirmou vantagens à filantropia.
Neste contexto também, a implantação do neoliberalismo no país colocou
em cena ações filantrópicas e caritativas, revalorizando a atuação confessional no
campo social e reafirmando os mecanismos históricos criados pelo Estado no
financiamento da filantropia.
Em relação à política de proteção à criança e ao adolescente em Juiz de
Fora, verificamos que a participação das religiões em atividades sócio-assistenciais,
por meio da caridade, funcionou como recurso de inserção e legitimidade destas
instituições na cidade.
125
Averiguamos que as ações voltadas à infância e a adolescência em Juiz
de Fora, até os anos 1930, eram principalmente de natureza privada, com ênfase da
atuação de instituições religiosas. As ações centravam-se em atividades
assistenciais e educativas e mantiveram conexão com os projetos políticos das
religiões em disputa na cidade. A atuação do Estado, ainda incipiente, teve seu foco
na política de educação. A ênfase nesta área, principalmente pela sociedade civil,
por meio das escolas profissionalizantes, conformou uma filantropia disciplinadora
(Mestriner 2005) associada à Política de Menorização (Rizzini, 1997), visto o
interesse na recuperação de crianças e adolescentes preparando-os para a inserção
no mercado de trabalho.
Verificamos que somente a partir do período da ditadura militar que a
política voltada à infância e adolescência em Juiz de Fora contou uma presença
mais ativa do Estado. Todavia, através de uma política repressiva e controladora que
teve na FEBEM a sua marca de atuação. Como em âmbito nacional, esta política
esteve concentrada na esfera central. Algumas tentativas parcas de política local
puderam ser visíveis também na área de saúde. No seu conjunto, a política
destinada a infância e adolescência continuou combinando assistência (oferecida
pela sociedade civil) e repressão (do Estado).
Verificamos que na relação do Estado com as entidades filantrópicas o
mecanismo de subsidiariedade foi enfatizado por meio da LBA, do Departamento
Social do Menor, e da FEBEM.
Vimos também que a implantação do Estatuto da Criança e do
Adolescente na cidade, nos anos 90, trouxe mudanças significativas à política
destinada ao público infanto-juvenil, através da implantação do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e da realização
das Conferências. A partir de então, novas demandas foram colocadas aos órgãos
formuladores, executores e fiscalizadores da política de atendimento, exigindo um
esforço de reordenamento dos mesmos e de sensibilização não somente destes
órgãos, mas de toda sociedade, quanto à novas diretrizes demarcadas pelo ECA.
Através da conformação da política de atendimento, na qual percebemos
uma presença tímida do Estado e a ação substitutiva da sociedade civil na proteção
a infância e adolescência em Juiz de Fora, e do contexto atual de revalorização
dessa prática histórica da relação estatal-privado em nosso país, nos propomos a
avaliar a atual política destinada à infância e adolescência na cidade, através da
126
participação das entidades religiosas de atendimento nesta política. Buscamos
assim, identificar os principais desafios que ainda se colocam como obstáculos à
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta discussão será
abordada no próximo capítulo, que apresenta a pesquisa empírica deste trabalho.
127
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
3
3
O CASO DE JUIZ DE FORA
Como sinalizamos, este trabalho objetivou analisar a participação das
entidades religiosas na política para a infância e adolescência em Juiz de Fora no
período pós-implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo os dados pesquisados
156
existem em Juiz de Fora 120
entidades de atendimento que prestam serviços para crianças e adolescentes.
Destas, 47 (39%) são religiosas
157
e 55 (46%) o se encontram registradas no
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Tab.1 – Entidades de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora
Registro no CMDCA
Possuem Não possuem
Entidades
n (%) n (%)
Total %
laica 39 53% 34 47% 73 61%
religiosa 26 55% 21 45% 47 39%
Total 65 54% 55 46% 120 100%
Fonte: Pesquisa realizada nas pastas de registro das entidades de atendimento do CMDCA/JF em
dezembro de 2005 e fevereiro de 2006 e no Guia de Instituições e Serviços de Atendimento à Criança
e ao Adolescente de Juiz de Fora desenvolvido pela AMAC e pela Prefeitura de Juiz de Fora em
2005.
Diante desta realidade, algumas indagações nortearam o caminho
percorrido por este trabalho:
1 - Sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 91,
afirma que as entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de
156
Dados baseados nas informações do CMDCA/JF referente ao registro das entidades no ano de
2005 e início de 2006 e no Guia de Instituições e Serviços de Atendimento à Criança e ao
Adolescente de Juiz de Fora realizado pela AMAC/Prefeitura de Juiz de Fora em 2005, no qual
participei como pesquisadora. Além de entidades de atendimento também foram catalogados neste
guia programas governamentais voltados à infância e adolescência e demais instituições que
disponibilizavam algum serviço ao público infanto-juvenil, mas que não se caracterizavam como
entidades de atendimento, tais como Sociedades de Moradores, Associações de bairro e Igrejas.
Para nossa pesquisa consideramos somente as entidades de atendimento.
157
Esta proporção de entidades religiosas na política sócio-assistencial em Juiz de Fora já é uma
constante desde os anos 60, conforme indicou Silveira (1968) no TCC “Catálogo e análise dos
recursos sociais e assistenciais do município de Juiz de Fora” e mais recentemente o “Diagnóstico
Infância e Adolescência em Juiz de Fora” realizado em 2001. Segundo este trabalho, das 89
entidades cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social, 37 (41%) possuíam vínculo
religioso.
128
registradas no CMDCA, como atuam 45% das entidades religiosas de atendimento
em Juiz de Fora sem registro? De que modo pode-se garantir uma efetiva política
pública se as exigências ao cumprimento desta não são cumpridas? Sabendo-se
que o Conselho de direito tem ciência disso, que providências são tomadas? Como
são acompanhadas as entidades? diferenças entre as que estão registradas no
Conselho das que não estão? Estar registrada no Conselho é garantia de efetivação
da Política de atendimento à infância e adolescência e, portanto, do cumprimento do
Estatuto? A vinculação ao Conselho garante a entidade uma particularidade no seu
atendimento?
2 - Sabendo que as entidades religiosas encontram-se na origem do
atendimento nessa área, e, portanto, muito anterior à perspectiva do ECA, será que
ainda reforçam o padrão tradicional de atendimento? Isto é, estão atuando na
perspectiva da implementação dos direitos de cidadania ou reforçando a lógica
caritativa, filantrópica, assistencial, inerente a sua origem? Como atuam as
entidades que mantêm parcerias com o Estado visto que obrigatoriamente precisam
basear-se na lógica do direito?
3 - Se o atendimento é baseado no ideário religioso, de que modo estes
valores não entram em confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente? É
um impeditivo para a adequação aos critérios da política de atendimento à infância e
adolescência estabelecidos pelo CMDCA/JF?
4 - Qual a relação dessas entidades com o Poder Público Municipal? De
que forma as entidades são acionadas pelo Poder Público para execução da
política? Quais as parcerias e convênios realizados? De que forma são
acompanhadas, monitoradas e avaliadas? Sobrepõem ao papel do Estado numa
conjuntura de desresponsabilização do mesmo?
Com o intuito de buscar respostas ou novas perguntas a estas
indagações, desenvolveu-se uma pesquisa empírica com dois atores importantes na
política para a infância e adolescência em Juiz de Fora: as entidades religiosas de
atendimento, objeto de estudo deste trabalho, e o Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente.
A coleta de dados ocorreu num período de oito meses. Foram realizadas
16 entrevistas com as entidades religiosas de atendimento, entre os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007, na figura de seus dirigentes ou informantes
indicados por estes.
129
A amostra foi composta por 30% (14) das entidades religiosas de
atendimento a infância e adolescência existentes na cidade, considerando os
seguintes critérios para composição da mesma: entidades registradas e não
registradas no CMDCA/JF, e entidades pertencentes a vinculações religiosas
diversas, de modo que abarcássemos todos os credos religiosos. Posteriormente a
observação de tais critérios, a escolha das entidades deu-se de maneira aleatória.
Das 16 entrevistas realizadas, duas foram desconsideradas. Uma delas
foi realizada no pré-teste, no qual objetivávamos verificar a adequação do formulário
de entrevista proposto. Apesar de não utilizada na análise da pesquisa, esta
entrevista foi de extrema importância para a delimitação da amostra e
amadurecimento quanto ao objeto de estudo. O motivo do descarte deu-se em
função da natureza da instituição, posto que se tratava de uma instituição
confessional e não uma entidade de atendimento sócio-assistencial
158
(mesmo
sabendo que o fato de uma instituição religiosa não ser uma entidade de
atendimento não a impede de eleger entre seus objetivos e suas finalidades
preocupações sociais, o que de fato atestamos nesta entrevista realizada).
A outra entrevista descartada também se deu em função da natureza
institucional da entidade. Tratava-se de uma entidade de atendimento, porém não
religiosa, o que descobrimos somente na realização da entrevista.
Utilizou-se a entrevista semi-estruturada baseada nos seguintes eixos:
atividades desenvolvidas pelas entidades religiosas de atendimento, vinculação
religiosa, concepção do trabalho desenvolvidos com crianças e adolescentes,
motivação e objetivos na prestação do serviço, relação estabelecida com o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o Poder Público Municipal
no seu órgão gestor e “executor” da política sócio-assistencial, e também com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Neste percurso procurou-se verificar as principais dificuldades das
entidades religiosas de atendimento quando a existência de inadequações, haja
vista que a pesquisa partiu da indicação de entidades atuantes sem o registro no
CMDCA/JF. Tal situação além de um descumprimento do ECA, e que deveria
158
o consideradas entidades de atendimento, aquelas que, reguladas nos artigos 90 a 94 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, têm como finalidade a execução das medidas de proteção (art
101 do ECA) e sócio-educativas (art. 112 do ECA), destinando-se ao atendimento de crianças e
adolescentes em razão da ação ou omissão da sociedade ou do Estado, em razão da falta, omissão
ou abuso dos pais e responsáveis, ou ainda em razão de sua conduta (art. 98 do ECA).
130
impedir o funcionamento das mesmas, é um dado preocupante que o controle
social dessas entidades fica prejudicado.
Desenvolveu-se a pesquisa com o Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente de Juiz de Fora devido o importante papel deste órgão na
política de atendimento à infância e adolescência. Além de formulador, articulador e
controlador desta política, o controle social das entidades que executam o
atendimento a crianças e adolescentes é uma das responsabilidades do CMDCA/JF.
Conforme verificado desde o processo de composição da amostra da pesquisa
empírica com as entidades religiosas de atendimento, este controle encontrava-se
frágil, apresentando-se como um obstáculo à efetivação da política de atendimento à
infância e adolescência no município. Utilizou-se para tanto da técnica da entrevista
semi-estruturada com os conselheiros de direito e da observação participante no
Conselho.
Foram abordados três conselheiros de direito, entre os meses de março e
abril de 2007 considerando a possibilidade de informação e a contribuição dos
mesmos a este trabalho. Optou-se também pela entrevista com o presidente do
Conselho, tendo em vista o seu papel político como representante deste espaço. Um
dos conselheiros, devido às atividades de trabalho, optou pelo preenchimento por
escrito do formulário, não ocorrendo, portanto, a entrevista presencial.
A observação participante no CMDCA/JF foi desenvolvida durante os
meses de março e julho de 2007, buscando apreender a dinâmica de funcionamento
do Conselho e o jogo de correlação de forças nesse espaço, que supúnhamos ter
um peso significativo nas discussões e encaminhamentos à política de atendimento
a criança e ao adolescente. Além da participação nas reuniões plenárias quinzenais,
participamos também de dois eventos promovidos pelo Conselho: “O Dia F Fundo
Amigo da Criança” e a “IV Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Juiz de Fora”.
O procedimento metodológico foi complementado pela leitura e análise
documental referentes à política municipal de atendimento a infância e adolescência
em Juiz de Fora, às entidades de atendimento e ao Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente, e também por uma entrevista com a coordenadora da
Equipe de Monitoramento e Avaliação da Secretaria de Política Social, responsável
pelo monitoramento das entidades registradas no CMDCA.
131
3.1 Pesquisa com os dirigentes das entidades de atendimento
A pesquisa com os dirigentes das entidades dividiu-se em dois momentos:
o primeiro buscou verificar a adequação das entidades aos critérios e indicadores de
qualidade da política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora
estabelecidos pelo CMDCA; num segundo momento buscou-se apreender a
motivação, os objetivos e os valores das entidades com o intuito de perceber a
compreensão do ideário religioso e também a percepção das entidades quanto ao
Estatuto, ao CMDCA/JF e à Política pública para a infância e adolescência em Juiz
de Fora, além das relações estabelecidas com estes atores.
As entidades de atendimento pesquisadas segundo vinculação religiosa
são:
Quadro 1 – Configuração das entidades em relação à vinculação religiosa
Vinculação
Religiosa
Entidades
Católica
Assistência Social Nossa Senhora da Glória Escola
Menino Jesus
Instituto Profissional Dom Orione
Sociedade São Vicente de Paulo Conselho Cristo
Redentor
Pastoral do Menor
Espírita
Associação Espírita Paz e Amor
Creche Comunitária Antônio e Maria Geny
Instituto Maria
Lar Espírita de Laura
Lar Fabiano de Cristo
Evangélica
Associação Beneficente Água Viva – ASBAVI
Associação Beneficente Evangélica – ABE
Associação Metodista de Ação Social do bairro Monte
Castelo – AMAS
/
Monte Castelo
Associação Ministério Galera de Cristo
132
Associação Missionária Educacional e Beneficente – AMEB
Fonte: Pesquisa realizada nas pastas de registro das entidades de atendimento do CMDCA/JF em
dezembro de 2005 e fevereiro de 2006.
Em relação às atividades disponibilizadas pelas entidades no atendimento
à crianças e adolescentes observou-se que 57% (8) destas atendem exclusivamente
em regime de Apoio Sócio-educativo em Meio Aberto
159
. Em regime de Orientação e
Apoio Sócio-familiar
160
atendem 14% (2) das entidades. Atendem nesses dois
regimes 21% (3) das entidades e em regime de Abrigo
161
apenas 1 entidade.
Tab. 2 – Entidades religiosas e Regimes de atendimento
Total
Regime de atendimento Católicas
Espíritas
Evangélicas
n %
Abrigo 1 1 7%
Apoio Sócio-educativo em Meio
Aberto 2 3 3 8 57%
Orientação e Apoio Sócio-familiar 1 1 2 14%
Orientação e Apoio Sócio-familiar e
Apoio Sócio-educativo 1 2 3 21%
Total 14
100%
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
No regime de Apoio Sócio-educativo em Meio Aberto, as atividades
oferecidas pelas entidades religiosas são diversas: creche e pré-escola (11%),
jornada ampliada
162
(11%), reforço escolar (11%), atendimento à saúde (4%) e
atividades recreativas (4%). Por sua vez, no regime de Orientação e Apoio Sócio-
familiar, as atividades desenvolvidas pelas entidades dizem respeito a auxílios
eventuais visando suprir situações emergenciais esporádicas das famílias, tais
como: distribuição de alimentos, vestuário, material escolar (19%); oficinas e cursos
de geração de renda com vistas à melhoria do nível sócio-econômico (19%); e
também a aquisição e/ou melhoria de habitação (4%).
159
Pertencem a este regime de atendimento programas para crianças e adolescentes que residem
com suas famílias visando assegurar a efetivação dos seus direitos referentes à vida, saúde,
alimentação, educação, profissionalização, cultura, dignidade, ao esporte e ao lazer.
160
Regime composto de programas, medidas e ações de fortalecimento da família, que favoreçam a
manutenção ou a reintegração da criança e do adolescente à mesma.
161
Este regime desenvolve ações de atendimento à criança e ao adolescente privados de apoio e
orientação dos pais ou responsáveis.
162
Atividades nas quais a criança ou o adolescente em horário contrário ao da escola participa de
atividades de lazer, cultura, esporte, educação e alimentação oferecidos pelas entidades com objetivo
de complementaridade de ações entre escola, família e sociedade.
133
Tab. 3 – Entidades religiosas e Serviços oferecidos
Total
Serviços* Católicas
Espíritas
Evangélicas
n %
Auxílios eventuais 2 1 2 5 19%
Abrigo 1 1 4%
Aquisição e/ou melhoria de habitação
1 1 4%
Atendimento à saúde 1 1 4%
Atividades recreativas (esporádicas) 2 2 7%
Creche e pré-escola 1 2 3 11%
Jornada ampliada 2 1 3 11%
Oficinas e cursos 1 4 5 19%
Prestação de serviço à
comunidade
163
1 1 4%
Profissionalização 2 2 7%
Reforço escolar 3 3 11%
Total 27
100%
*Respostas múltiplas
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
A grande questão que se coloca é: o desenvolvimento destas atividades
tem implicado em efetivação de direitos? Para tanto, buscou-se a avaliação das
entidades religiosas quanto ao cumprimento dos critérios e indicadores de qualidade
da política estabelecidos pelo CMDCA/JF
164
, considerando que esses critérios estão
baseados no ECA e portanto, se adotados, garantem e efetivam direitos.
Importante salientar que não utilizamos todos os critérios e indicadores de
qualidade da política de atendimento à infância e adolescente em Juiz de Fora.
Elencamos aqueles que mantinham referência com as indagações deste trabalho e
adensando com outras questões, elaboramos um questionário próprio de avaliação
das entidades
165
.
163
A prestação de serviço à comunidade é uma das medidas cabíveis ao adolescente em situação de
ato infracional. A Pastoral do Menor é a única instituição da nossa amostra que oferece este serviço.
Como informou a dirigente da entidade, a instituição disponibiliza este serviço sempre que solicitada
pela juíza da Vara da Infância e Adolescência.
164
É importante sinalizar que os critérios e indicadores de qualidade da política de atendimento
destinada à criança e ao adolescente estabelecidos pelo CMDCA/JF datam de 2001. Conforme
observação participante, a necessidade de revisão desses indicadores constituiu-se como ponto de
pauta nas plenárias do conselho. Como observamos no decorrer da pesquisa, alguns deles nunca
sequer saíram do papel como, por exemplo, a assessoria na área nutricional disponibilizada às
entidades pela Secretaria de Agropecuária e Abastecimento. Somente as resoluções sobre o registro
de entidades e inscrição de programas, e os critérios específicos do regime de abrigo foram revistos
no ano passado (2006).
165
Cf . apêndice 1.
134
A pesquisa empírica relacionada aos critérios e indicadores de qualidade
do CMDCA estruturou-se em dois eixos: 1- Critérios Gerais e 2- Critérios específicos
por regime de atendimento. Os dados coletados foram organizados e em seguida
analisados, conforme apresentaremos a seguir.
Cabe anteriormente, apresentar o procedimento analítico utilizado. Para
cada eixo foram elaborados categorias de análise com indicadores e descritores a
serem observados
166
. Utilizamos o termo adequado quando os descritores em
análise foram atendidos, e inadequado quando ocorreu o contrário.
Para cada indicador analisado utilizamos o termo satisfatório (S) quando
acima de 70% de seus descritores foram atendidos e apontamos como insatisfatório
(I) quando os descritores atendidos foram inferiores a 70%.
A partir da definição dos indicadores em S, e I, seguimos a mesma lógica
para qualificar a categoria como satisfatória quando acima de 70% de seus
indicadores foram atendidos e insatisfatória quando estes indicadores foram
inferiores a 70%.
Procedemos da mesma maneira pra qualificarmos as entidades em
relação aos eixos analisados.
Eixo 1 – Critérios Gerais
Neste eixo foram consideradas as seguintes categorias: Gestão e
Recursos Humanos, Atendimento sócio-educativo desenvolvido pela entidade,
Controle social da política, Compatibilidade com os propósitos e objetivos da política
municipal de atendimento à infância e adolescência, e Direitos fundamentais da
criança e do adolescente.
De modo geral todas as categorias analisadas apresentaram índices
insatisfatórios como observaremos a seguir na análise pormenorizada.
A – Categoria “Gestão e recursos humanos”
Como afirmam a Resoluções nº 05/01 e 15/06 do CMDCA/JF para esta
categoria, destacamos os seguintes artigos:
166
Cf . anexo 4.
135
I – Quanto à administração:
§ A coordenação das atividades tomará como base uma rotina de:
c) recrutamento, seleção e treinamento de pessoal;
II – Quanto à organização:
§ 4º Para o desenvolvimento de suas ações a entidade deverá contar com a atuação
de equipe de profissionais especializados (assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos, médicos, fonoaudiólogos, etc.) de acordo com o plano de trabalho,
podendo para tanto contar com a assessoria técnica e/ou financeira por parte do
poder público;
V – Quanto aos recursos humanos:
§ 1º A entidade deverá ter como preocupação central a formação técnica de seus
funcionários e, para tanto, deverá propiciar oportunidades para que estes:
a) participem de eventos e cursos de formação e aperfeiçoamento;
b) freqüentem o ensino regular ou supletivo de forma a que completem sua
escolaridade e, cursos profissionalizantes, tornando-se pessoas autônomas e
mais qualificadas;
§ Na admissão dos funcionários, a entidade deverá selecionar pessoas com a
qualificação mínima exigida (...);
Nesta categoria a maior dificuldade relacionou-se ao descritor “existência
de equipe interdisciplinar”, isto porque, além da inexistência da equipe, a utilização
do trabalho voluntário ocorre em todas as entidades.
Em 57% (8) destas, o quadro de recursos humanos da entidade é
somente composto por voluntários. Nas entidades em que há contratação de
pessoal, na maior parte dos casos, ela está restrita a cargos administrativos
(secretaria, almoxarifado) e serviço gerais (limpeza, cozinha); o trabalho voluntário é
desempenhado nas atividades de nível superior, geralmente relacionado à equipe
técnica (pedagogo, psicólogo e assistente social).
Em alguns casos, a utilização do trabalho voluntário tem relação direta
com a concepção religiosa. Como demonstram as falas a seguir:
Os membros da Sociedade São Vicente de Paulo são voluntários;
em si o vicentino ele é voluntário. Alguns Conselhos que estão mais
estruturados, eles tem as vezes os funcionários, alguns funcionários,
mas em si, todas essas pessoas que fazem estes trabalhos de
136
sindicância (ênfase), trabalho mesmo do vicentino, são tudo
voluntariado, todo o trabalho voluntariado. Alguns Conselhos
(pausa) por as vezes serem pouco mais assim, (pausa) maiores,
com mais responsabilidade, as vezes na área administrativa se
contrata alguém, mas em si o vicentino é um voluntário.
167
Todos os que fazem, fazem de boa vontade, são voluntários, mas,
é, as pessoas não podem também deixar de lado suas atividades
remuneradas pra ficar a disposição da igreja. Então a gente tem
enfrentado sim essa dificuldade. É, acredito sim que se todos
tivessem, pela doutrina, pelo conhecimento bíblico, ninguém
cobraria.
168
Como vimos em Giumbelli (1998), a filantropia tem um sentido religioso
que está na base doutrinária: a caridade como um mandamento impele as pessoas
à ação; a salvação leva os salvos a trabalharem no plano da redenção do outro.
Tratando-se de entidades religiosas, o trabalho voluntário encontra um respaldo
nesta concepção.
Em algumas entidades há a consciência da necessidade de contratação
de pessoal, no entanto, esbarra-se na ausência de recurso para tanto.
A gente precisa muito é de ter uma psicóloga, mas a gente ainda
não recebe o convênio continuado da prefeitura que a gente, é um
direito nosso, mas ainda não saiu. Deve sair talvez em janeiro.
Desde 2004 nós estamos nessa luta... eu já fui até conversar com a
superintendente da AMAC e ela se prontificou que em janeiro a
gente recebe esse dinheiro. Porque não tem condição né? Como
que você vai ficar mantendo?
169
Em outra situação uma limitação da instituição que impede a
contratação de pessoal obrigando-a a lançar mão do trabalho voluntário.
Em geral são agentes voluntários. A igreja não tem como pagar.
Não paga. Se faz projeto, mas você não faz projeto pra pagar
pessoal. A gente faz projeto pra atendimento mesmo a criança,
questão da alimentação, é a questão do, do, de bola, de isso, aquilo
outro que precisa pra isso. Livro didático, é, biblioteca pra eles,
essas coisas que eles precisam mas a gente não pode jamais fazer
um projeto pra ter facilidade de pagar pessoal... É até pela condição
167
Luiz Fernando Knaip Moraes de Oliveira, Administrador, Secretário do Conselho Central Cristo
Redentor da Sociedade São Vicente de Paulo. Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
168
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
169
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
137
da Pastoral não ter um projeto próprio de sustentação, que seria
é, através, se tivesse uma associação da pastoral, mas os bispos
ainda não entenderam, o papel da Pastoral é amplo, e eles não
entenderam que tem que ela ter uma associação pra buscar o
recurso.
170
No depoimento a seguir verifica-se a necessidade de contratação de
pessoal, a impossibilidade de recurso, porém a defesa do trabalho voluntário.
a gente, eu e a diretoria, pensa talvez meio a meio [profissionais
contratados e voluntários]. Eu acho que existe a necessidade da
profissionalização. Se eu vou fazer um trabalho de na área de
engenharia, desenvolver alguma, tem que ter um engenheiro ou um
arquiteto a frente porque se não fica um negócio muito complicado
seja ele voluntário ou contratado, mas muitos anos nós temos
discutido isso de profissionalizar, você remunerar (pausa) olha se
vai alguém fazer um, talvez seja ideal você remunerar uma pessoa
para aquilo, que um, um trabalho voluntário funciona, funciona talvez
é um compromisso tênue é, a pessoa assina um documento se
compromete, mas você não pode exigir dela um compromisso igual
de alguém que é contratado. A Magda todo dia trabalhando, se
ela fosse voluntário pode ser que ela fosse uma semana a outra
não, aí quando você precisa ela vai e outra ela não vai. Eu acho que
os dois tipos são necessários né, a gente precisa, que hoje a
gente não tem recursos, os projetos que a gente tem mandado
sempre implica de remuneração daquele que vai trabalhar, se
precisa (pausa) de professores, então esses professores são
remunerados entra no custo, não como voluntários se não fica muito
difícil. O voluntário talvez seja uma atividade esporádica tem que,
é muito mais complicado trabalhar com voluntário.
171
A grande questão é que a ênfase na utilização do trabalho voluntário pode
estimular o Estado a desobrigar-se com a criação de condições para efetivação da
boa qualidade da política.
Esta situação além de encontrar forte apelo no ideário religioso das
entidades, também se respalda no ideário neoliberal que concebe a questão social
como obrigação dos indivíduos transferindo assim, responsabilidades do Estado
para a sociedade civil.
170
Élia de Oliveira Melo, Pedagoga, Filósofa e Teóloga, Coordenadora Diocesana da Pastoral do
Menor. Entrevista concedida no dia 15 de dezembro de 2006.
171
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
138
B – Categoria “Atendimento sócio-educativo desenvolvido pela entidade”
Conforme coloca a Resolução 05/01 do CMDCA/JF ficam
estabelecidos como critérios genéricos a serem observados pelas entidades:
I- Quanto à administração:
§ 1º A coordenação das atividades tomará como base uma rotina de:
e) planejamento periódico das ações e investimentos, levando-se em conta a
demanda apresentada e o parecer dos envolvidos no trabalho (família, comunidade,
funcionários, crianças e adolescentes, etc);
f) avaliação sistemática e coletiva das ações.
§ 2º A gestão contará com a participação efetiva das famílias usuárias.
II - Quanto à organização:
§ 3º Os serviços deverão seguir uma rotina de atendimento que inclua:
b) fichas de identificação de crianças e/ou adolescentes atualizadas com seus dados
pessoais, história de vida, informações acerca de sua saúde (vacinação, alergias,
etc);
c) trabalho articulado com outros segmentos responsáveis pela criança e/ou
adolescente (família, escola, poder público ...);
§ 4º Para o desenvolvimento de suas ações a Entidade deverá contar com a atuação
de equipe de profissionais especializados (assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos, médicos, fonoaudiólogos, etc).
Nesta categoria o indicador “equipe técnica” encontrou-se defasado, pois
72% (10) das entidades pesquisadas não a possuem. Destas, destacam-se todas as
entidades evangélicas. Das que a possuem, observam-se vínculos de trabalho muito
frágeis. Além do trabalho voluntário de um ou mais dos componentes da equipe,
uma baixa carga horária de trabalho, ou convênios realizados com outras instituições
em que os usuários são encaminhados.
Em uma entidade foi interessante destacar que, além do reconhecimento
da necessidade de contratação de um profissional qualificado, o voluntário não
desempenha o trabalho do profissional, mas serve como apoio ao mesmo.
É voluntária [assistente social]. Na verdade é até o último ponto que
falta. O sonho nosso é então a gente tinha esse sonho mesmo de
139
contratar a Erica mesmo. Porque é o que falta: é uma assistente
social pra que possa fazer essa ponte com as famílias (pausa). Há o
contato com a família, mas não é o ideal. O contato que a gente tem
é: eu como pastor, as pessoas líderes da própria congregação, esse
contato espiritual das pessoas, da própria congregação, minha como
pastor, das famílias, mas não é um trabalho satisfatório. O contato
satisfatório é realmente o da assistente social, que vai, visita, faz
uma pesquisa, acompanha. Esse é um contato ideal que a gente
não tem.
172
Neste mesmo caso há a preocupação com a capacitação dos voluntários
Porque até então a gente utilizava o voluntário. Até o ano
passado era só o voluntário, eramvoluntários na AMEB. Nos não
tínhamos pessoas remuneradas. Só que o trabalho não ia pra frente
porque o voluntário um dia ia, outro dia não ia. Então nós
contratamos quatro pessoas e passamos a dar o curso de
voluntários. O curso então serviu demais pro voluntariado, ele se
tornar muito mais compromissado, muito mais freqüentes. Valeu a
pena! (pausa) na verdade quando eles vão, eles vão pra apoiar o
trabalho tanto na cozinha quanto as professoras.
173
Observamos que a inexistência da equipe técnica comprometeu o
cumprimento dos demais descritores do indicador “atendimento técnico” a saber:
atendimento personalizado baseado em plano individual e planejamento das ações.
Se esta dificuldade, em geral, passa pela questão financeira torna-se
interessante ressaltar de que forma se mantêm as entidades religiosas em Juiz de
Fora.
As doações de pessoa física correspondem a 42% da origem dos
recursos das entidades, em sua maioria proveniente dos próprios membros e
associados. A realização de campanhas e eventos é a segunda opção para
captação de recursos com 27%. Em seguida, as entidades lançam mão de doações
de pessoa jurídica além de aluguéis de bens e serviços com 15% cada. Observa-se
então que as entidades adotam mais de uma estratégia pra obtenção de recursos.
172
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
173
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
140
Tab. 4 – Entidades religiosas e Origem dos recursos financeiros
Total
Origem dos recursos*
Católicas Espíritas Evangélicas
n %
Bens e serviços 1 1 2 4 15%
Campanhas e eventos 3 4 7 27%
Pessoa Física 3 4 4 11 42%
Pessoa Jurídica 2 1 1 4 15%
Total 26 100%
*Respostas múltiplas
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
A arrecadação através de pessoa jurídica varia entre doações de igrejas
(nas quais as entidades estão vinculadas), doações esporádicas de ONGs nacionais
e internacionais, além de convênios e parcerias com o governo federal, estadual
e/ou municipal. Uma das entidades católicas mantém uma parceira com o governo
estadual através de locação de um imóvel. Apenas duas entidades dentre as
entrevistadas possuem convênio em espécie com o órgão gestor da política social
em Juiz de Fora (SPS/PJF). Uma destas também possui convênio com o governo
federal através do Fundo Nacional de Assistência Social.
Outras duas entidades desenvolvem em parceria com a prefeitura,
através da Secretaria de Política Social, o projeto “Arte dos bairros”. Esse projeto,
que teve início em 2002, oferece a diversos bairros das cidades oficinas de arte,
teatro, música e artesanato. Para tanto, a prefeitura disponibiliza os professores para
ministrar as oficinas e as instituições parceiras (igrejas, associações de bairro, etc)
disponibilizam o espaço físico para realização das atividades.
Outra forma de parceria com o Poder Público local dá-se através da
AMAC mediante a cessão de profissionais, recebimento de doações em alimentos,
parcerias em assessoria nutricional e doações em cesta básica
174
. Das entidades
pesquisadas, 4 possuem este tipo de parceria. Importante registrar que a entidade
que desenvolve o programa de cesta básica, quando solicitou a inscrição no
Conselho Municipal de Assistência Social, foi visitada pela Equipe de Monitoramento
e Avaliação da Secretaria de Política Social
175
, que verificou um trabalho pautado na
174
A AMAC desenvolve o Programa de Cesta Básica do município que agora é descentralizado nos
bairros. Assim, a associação estabelece parcerias com as entidades para distribuição das cestas
básicas.
175
Responsável pelo monitoramento das entidades de atendimento. Mais a frente segue uma
explicação detalhada.
141
caridade
176
. Ainda assim esta entidade continua sendo acionada pelo Poder Público
local para execução do programa, e como veremos mais a frente comportou-se de
maneira insatisfatória na análise dos critérios de qualidade da política de
atendimento à crianças e adolescentes. A entidade que possui parceria através de
recebimento de alimentos a conseguiu através de relações de vínculo pessoal e
clientela com pessoas atuantes na prefeitura, como observamos no relato a seguir:
Tem uma menina dentro da Igreja, que é a Mariana que trabalha
na prefeitura. Trabalha ali naquela área do Conselho municipal de
ação social. E o Barbosa Júnior
177
que era da, ele foi criado ali na 1ª
Igreja. Ele foi secretário de ação social no município até o ano
passado. Inclusive nos recebeu, fez a ponte conosco, foi ele que
abriu o espaço. Muito legal isso! Esse apoio da prefeitura é
excelente, é muito melhor do que verba. A gente passa a gastar
então só com pão, leite e carne. O que é muito bom. pra manter
o cuidado.
178
Conforme Oliveira (2005, p.48) “a construção e a afirmação de relações
de amizade com políticos, funcionários são fundamentais para que a entidade
cumpra o seu papel de beneficiar a comunidade”. Deste modo, reforça-se a histórica
cultura política do nosso país em que o uso do clientelismo justifica-se como
caminho para acesso a bens e recursos e serviços assistenciais. Pois como assinala
a autora, “o privilegiamento e a valorização de relações pessoais no acesso aos
convênios assumem aspectos de normalidade”.
O quadro a seguir ilustra a participação das entidades na política pública
para a infância e adolescência em Juiz de Fora, no qual as formas de convênio
estabelecidas com o Poder Público podem ser visualizadas.
Quadro 2 – Configuração das entidades religiosas em relação à Política de
Atendimento à Infância e Adolescência
Inserção na Política de Atendimento
176
Segundo entrevista realizada com a coordenadora da Equipe de Monitoramento e Avaliação no dia
02 de março de 2007.
177
João Batista Barbosa Júnior assumiu a Secretaria de Política Social em julho de 2005, quando da
saída da então Secretária Marluce Araújo Ferreira, e exerceu a função até março de 2006 quando foi
substituído pelo atual secretário Rogério Ghedin Servidei. Atualmente João Batista Barbosa Júnior é
coordena a Sub-secretaria do Sistema de Controle Interno.
178
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
142
Vinculação
religiosa Registro no
CMDCA
Parceria com
órgão gestor
(SPS)
Parceria com
órgão
executor
(AMAC)
Não possui
registro no
CMDCA
Católica
Pastoral do
Menor
Instituto
Profissional Dom
Orione
Sociedade
São Vicente
de Paulo
(Programa de
distribuição de
cesta básica)
Assistência
Social Nossa
Senhora da
Glória - Escola
Menino Jesus
Sociedade São
Vicente de Paulo
Espírita
Lar Fabiano de
Cristo
Instituto Maria
Creche
Comunitária
Antônio e Maria
Geny
Lar Espírita de
Laura
Instituto Maria
(Convênio em
espécie)
Creche
Comunitária
Antônio e Maria
Geny
(Convênio em
espécie)
Creche
Comunitária
Antônio e
Maria Geny
(Acompanham
ento
nutricional)
Lar Espírita de
Laura
(profissional
cedido)
Associação
Espírita Paz e
Amor
Evangélica
Associação
Missionária
Educacional e
Beneficente –
AMEB
Associação
Beneficente
Evangélica -
ABE
Associação
Metodista de
Ação Social –
AMAS/Monte
Castelo
(Projeto “Arte
nos bairros”)
Associação
Beneficente
Evangélica –
ABE
(Projeto “Arte
nos bairros”)
Associação
Missionária
Educacional e
Beneficente –
AMEB
(recebimento
de alimento)
Associação
Beneficente
Água Viva –
ASBAVI
Associação
Ministério Galera
de Cristo
Associação
Metodista de
Ação Social –
AMAS/Monte
Castelo
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Outro indicador nesta categoria relaciona-se a assistência religiosa às
crianças e adolescente conforme consta no artigo da Resolução 15/06 do
CMDCA/JF.
O indicador “Direito ao exercício de diferentes credos e religiões” foi de
difícil mensuração, pois, como não adotamos como procedimento metodológico
143
nesta pesquisa a observação participante nas entidades, nos valendo somente do
discurso dos dirigentes, ficou difícil “constatar”.
No discurso dos dirigentes das entidades uma prática de respeito às
religiões e não imposição ao assistido da participação nos rituais religiosos da
instituição, como pode ser observado nas falas abaixo:
Na ação social, que é aquela coisa de necessidade mesmo, quem
chega, é porque precisando...então, é, a direção dessa área de
ação social, sempre o apoio, “oh! eu tô te dando uma cesta
básica mas eu quero te dizer que, você, que esse alimento te ajude
muito, a suprir a sua necessidade material. Nós aqui da igreja, essa
igreja aqui pra ajudar a suprir a sua necessidade espiritual. Caso
você precise, nós estamos aqui, se você quiser nós podemos ir na
sua casa te visitar, conhecer a tua realidade, nós podemos ir com o
pastor. Você quer uma ajuda? Ah! eu quero, meu marido
desempregado, vamos lá, ora por nós”. Então, a gente, na ação
social é onde acontece mais esse contato de apoio religioso,
espiritual. Mas lembrando: nada de imposição! A gente não impõe,
não cobra nada
179
.
Nós não, até que a Pastoral é, ela é mais do que ecumênica, ela é
interdialogal, ela não está com o fundo da questão religiosa, a não
ser se a criança é católica e pede que se reze um Padre Nosso,
você reza com ela. Mas nós não batemos na questão religiosa
específica da católica porque nós recebemos toda e qualquer
criança de qualquer credo. E a família também. Então ela é
interdialogal. Não pode ser uma, uma Pastoral que diz: eu sou
católica, não. Porque a gente vê o sujeito. Você não vê a questão de
religião. Você pode ver a questão religiosa porque todo mundo pode
adorar a um Deus não é? Mas você dizer que tem que adorar o
Deus católico, ou o Deus protestante, ou o Deus budista, sei lá, não
sei, não é por aí, não é isso a finalidade da Pastoral do Menor.
180
A gente não impõe a questão bíblica a questão ah! você tem que ser
crente, você tem que ser cristão, não, tem nada disso, a religião da
pessoa é a religião dela. A gente vai passar pra ela aquilo que a
gente sabe né, e cabe a Deus trabalhar na vida dela né. Se é da
vontade dela ser, se é da vontade de Deus ou não, é, mas nós
passamos a nossa semente né, nós plantamos e o resultado é
com Deus que vai dá. Mas no momento, ah! ce quer participar tem
que ser, não, nem na igreja, como também na associação. Se a
gente vai fazer algum trabalho é, comunitário, não tem religião,
entendeu?
181
179
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
180
Élia de Oliveira Melo, Pedagoga, Filósofa e Teóloga, Coordenadora Diocesana da Pastoral do
Menor. Entrevista concedida no dia 15 de dezembro de 2006.
181
Ademir da Silva Gomes, Pastor, Presidente da Associação Beneficente Água Viva. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
144
Porém, perceberam-se contradições, como por exemplo, o controle sobre
o usuário com o benefício prestado.
O que vir, vamos dizer, fruto da igreja para o evangelho, além,
entendeu? é bênçãos vamos dizer, mas o que não vir, pelo menos
nós fizemos alguma coisa pra alguém. A nossa intenção não é
ganhar pessoas ah! vamos fazer uma, uma assistência social,
vamos distribuir alimento e trazer pra igreja, entendeu? Nunca tive
essa visão e não tenho essa visão porque eu creio que as pessoas
têm que mudar né. Então a gente procurando ajudar a pessoa a
mudar. Agora a gente não vai, como é, eu te disse, se a gente pegar
a assistência social, vai montar a assistência social e a pessoa vai
continuar no erro, gastando dinheiro com coisas que a gente vê que
não certo, a gente vai apertar, vai arrochar, entendeu? Porque
senão a gente vai de contra aquilo que a gente crê,
entendendo?
182
Pois, como ressalta Silva (2005, p.222),
O merecimento por parte de quem deve ser objeto desta caridade
acaba por estabelecer uma relação vertical e de favores, na qual os
propósitos altruístas são implantados pelos valores morais e éticos
do voluntário, que tem por intenção enquadrar esta população em
sua concepção de mundo.
É importante considerar que as crenças religiosas nas quais as entidades
estão vinculadas são proselitistas, o que justifica que, embora se preste assistência
aos usuários, o objetivo é ganhar adeptos para a religião.
Em outros depoimentos a atividade religiosa toma um caráter de
“universalidade”, visto que se trabalha apenas a questão moral podendo então ser
praticada por todos os usuários independente da sua crença. Neste caso, conforme
o discurso dos dirigentes, a questão doutrinária específica ao credo na qual a
entidade está vinculada é deixada de lado.
A gente tem um momento de estudo da bíblia e de oração... Nós
temos uns 20 a 25 minutos antes da cada aula pro estudo da blia
dentro de temas que eles escolheram. (pausa) Então a gente não
entra em doutrina, não entra em, a gente vai por valores. A única
coisa que a gente deixa isso muito claro, que a gente fala mesmo, a
gente fala do evangelho de Jesus. Fala da vida que é ter com Cristo
Jesus. (...) Então a gente toma até certo cuidado com isso de, de
182
Ademir da Silva Gomes, Pastor, Presidente da Associação Beneficente Água Viva. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
145
não bater de frente se alguém tiver uma religiosidade diferente da
nossa. A gente não bate de frente não. Transmite valores. O ideal.
183
Elas têm uma evangelização. Porque elas têm assim é pra dizer
pra elas Jesus existe, quem que é Jesus, quem foi, mas nada de
(pausa) é uma vez por semana, toda quinta-feira (pausa). E aí essa
evangelização, ela é estendida aos pais também. Então as duas
últimas terça-feira do mês, quer dizer, o pessoal da evangelização,
trazem os pais, fazem uma reunião pra dizer o que que eles
passaram pros filhos, as experiências deles com os filhos, as
dificuldades que eles tão tendo. Então isso tudo é passado pra eles
também...Eles não dão o espiritismo, mas eles dão evangelização
mesmo. Como se fosse uma catequese pra criança.
184
A única coisa assim que eles tem as vezes, os que tão mais
agitados, tem um passe, que a gente fala que é o passe e água
fluida. E essa água é a única forma que eu dou... As vezes a própria
dona Geny vem aqui, ela mesmo faz uma oração que pra todo
mundo né. Só. Mas nem sempre né. Não é toda semana também
não. É, a gente não valoriza. Isso pra nós é indiferente. Nós
respeitamos todas as religiões e nesse respeito a gente (pausa) é
mutuo entendeu?
185
As atividades religiosas são poucas na verdade né, um pouco de
oração, as vezes tem uma missa, e catequese, sempre respeitando
(pausa), mas de religiosa é muito assim, um pouco de formação,
catequese, sobretudo respeitando, uma média de uma missa
mensal, e alguma ocasião né
186
.
Interessante notar que as atividades de “cunho universalista” são muito
específicas ao universo simbólico de cada religião: “passe” e “água fluida” nos
espíritas, “missa” e “catequese” pros católicos, “oração” e “estudo da Bíblia” pros
evangélicos. Sendo assim, de que forma é vivenciado pelo assistidos a participação
nesses ritos, quando são de outra religião ou não professam crença alguma, de
maneira que realmente não haja o choque (imposição) de valores?
Segundo uma pesquisa realizada nos anos de 1999 a 2003 com as
pastorais sociais da Igreja Católica de Londrina, verificou-se que embora um
discurso de defesa e garantia dos direitos, “as ações desenvolvidas estiveram longe
de promoverem estes objetivos diante da dependência que se estabelece entre os
183
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
184
Ana Cristina, Graduanda em administração, Gerente Administrativo do Instituto Maria. Entrevista
concedida no dia 22 de dezembro de 2006.
185
Célia, Pedagoga, Coordenadora da Creche Comunitária Antonio e Maria Geny. Entrevista
concedida no dia 11 de dezembro de 2006.
186
João D Bona, Padre, Diretor do Instituto Profissional Dom Orione. Entrevista concedida no dia 21
de dezembro de 2006.
146
atendidos e os membros das pastorais, com reforço da situação em que vivem, sem
a garantia da inclusão social destes” (Silva, 2005, p. 221). Além disso, visto que a
pesquisa buscou verificar de que forma os atendidos pelas pastorais compreendiam
a ação da qual eram objeto, estes declararam se submeterem a “normas e
exigências para receberem a ‘ajuda’ sob pena de se verem excluídos do
atendimento” (idem).
Importante ressaltar que a nossa pesquisa não buscou identificar a
percepção dos assistidos em relação ao serviço recebido pelas entidades religiosas
impedindo desta forma que se contrastasse a efetivação do discurso dos dirigentes.
C – Categoria “Controle social”
Como consta no capítulo 1, artigo da Resolução 16/06 do
CMDCA/JF “as entidades da sociedade civil, legalmente constituídas, sediadas no
município e que atendam aos seguintes critérios: I – Prestar serviços em, no mínimo,
um dos regimes previstos no art. 90 da Lei 8069/90”, deverão requisitar o registro no
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora.
Em relação ao registro das entidades no Conselho, tem-se que 43% (6)
das entidades não o possuem, como previa a amostra. No entanto, destas, 3
possuem inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) sendo que
2 atendem em regime de Orientação e Apoio cio-familiar. Como estas são
instituições, cujo foco de atuação relaciona-se à atividades de auxílios eventuais,
isso pode justificar o não registro no CMDCA e o registro no CMAS. A outra entidade
que não atende nesse regime registrou-se no Conselho Municipal de Assistência
Social por uma questão burocrática e é desacreditada na atuação do Conselho,
como veremos mais adiante.
É interessante destacar a percepção dos dirigentes em relação ao papel
do Conselho de direito.
Alguns entrevistados emitiram uma opinião favorável à atuação do
Conselho e sobre a participação das entidades nele.
Se a gente também não entrar e não participar, a gente não
sabendo nem o que acontecendo no município. Existem ainda
muitas falhas, que a gente, claro a gente que tem. Mas eu acho
que mudou muito, eles tão numa abertura muito grande, em eles
147
tão fazendo muitas reuniões, eles tão ouvindo muito as
entidades...
187
Acho [importante a participação] porque, até tempos atrás, algum
tempo atrás a gente não participava, então você perde
oportunidades de recursos, de tá vendo o que tá acontecendo.
188
No entanto, o que mais aparece como entendimento do papel do
Conselho relaciona-se ao acesso ao recurso.
eu avalio assim, que é, que é ótimo né? E é uma coisa muito
mais transparente você receber um dinheiro via Conselho né?, e a
gente sabe que o trabalho do Conselho ali não é pelo Lar de
Laura, porque o meu, a gente tem que ter claro, que eu não tô lá pra
repre, eu represento o Lar mas eu estou ali né, a trabalho da criança
como um todo. E eu acho que é muito importante as instituiç, porque
as instituições que não tiverem inscrita no Conselho fica difícil
receber essas verbas né? que vem através do Fundo.
189
Quando indagada sobre a participação das entidades estar vinculada à
questão financeira a entrevistada continuou:
eu como Conselheira não acho isso não, mas pras instituições é ué.
Eu acho que é. Porque tanto é que tem muita gente que se inscreve
mesmo pra ganhar o recurso. E fica uma coisa mais transparente.
Fala a verdade? Porque se você não é atu, porque eu posso falar
que pra mim é importante o Conselho, porque eu sou atuante. Mas
aquele que vai se inscrever pra ganhar o dele, a gente tem que
ser sincero né, que é o lado financeiro.
190
A percepção do Conselho como órgão fonte de recurso não está restrito
ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Uma entidade não
registrada neste, mas no Conselho Municipal da Assistência Social também
apresenta a mesma percepção.
A Sociedade São Vicente de Paulo ela, ela vive de doação né, então
quer dizer, não é uma ONG, que tem verbas, x e y, não é, por
enquanto não é, Nós estamos tentando nos adequar no Conselho
de assistência social, pra se futuramente a gente pode também
187
Ana Cristina, Graduanda em administração, Gerente Administrativo do Instituto Maria. Entrevista
concedida no dia 22 de dezembro de 2006.
188
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
189
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
190
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
148
participar de futuras verbas que são destinadas a estas instituições,
mas por outro lado, mas numa visão atual, a sociedade vive de
doação e na verdade precisa, o nosso trabalho é muito grande,
muito grande!
191
A gente fez um cadastro, que a Prefeitura, a Prefeitura em si ela não
exigiu não, olha vocês tem que fazer um cadastro pra atender,
pra vocês poderem receber doação. Nós temos quinze anos.
Dezessete, dezessete anos, e depois de quinze anos que a gente foi
fazer esse cadastro do Conselho Municipal de Assistência Social e
do Conselho Estadual agora né, que a Prefeitura pediu, que até
então a gente fazendo esse cadastro é mais para a gente receber
doações não é?
192
Uma dirigente de entidade considera importante a participação pela
possibilidade de obter recurso, porém apresentou um descrédito em relação à
atuação do Conselho.
Eu acho, mas eu não vejo muita diferença não. Agora, assim
também não posso te falar, mas a pessoa que fica mais próxima
tende a se beneficiar mais. E pra gente é muito complicado porque
pelo que a gente te falando do trabalho e do número de
funcionários que nós somos. Então eu participava, e não tenho
condições de participar. Não tenho como sair daqui e ficar uma
manhã lá. Tem dia que a reunião tá marcada pra começar as 8:30 e
começa as 9:30. Então assim, eu não tenho tempo. Não digo a
presença mas, a minha coordenação aqui é mais importante do que
eu estar lá. Mas eu acho que a gente perde a possibilidade de
parceria, de convênio. Igual agora, nós apresentamos o projeto. Por
quê? Participa das reuniões lá. Então é importante nesse sentido. O
que eu percebo é que quando a gente participa a gente vê os
canais, que existe o recurso, existe todas as possibilidades pra
isso, mas as entidades têm muita dificuldade pra isso. Não falo
em relação ao Lar Fabiano não, mas as outras entidades também.
193
Um entrevistado, cuja entidade não possui registro no CMDCA, mas no
CMAS, considera a atuação do Conselho desvinculada da prática e vinculou-se a ele
somente por uma questão burocrático-legal pra funcionamento de um dos projetos
da instituição
194
.
191
Luiz Fernando Knaip Moraes de Oliveira, Administrador, Secretário do Conselho Central Cristo
Redentor da Sociedade São Vicente de Paulo. Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
192
Aparecido, Presidente do Conselho Central Cristo Redentor da Sociedade São Vicente de Paulo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
193
Regina lia de Paula, Administradora, graduanda em Pedagogia, Supervisora do Lar Fabiano de
Cristo. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
194
Esta entidade está em fase de formalização de parceria com a UNESCO e necessitava para tal do
registro no Conselho Municipal de Assistência Social.
149
O Conselho municipal de assistência social, eu tenho que me ligar a
ele para o funcionamento da casa, para legalizar os documentos.
Porque eu não vejo competência neles para atuar e trabalhar. Eu
acho que eles são acadêmicos demais, teóricos demais, e faltam
prática. Sentar atrás de um balcão e assinar papel e dar ordem é
fácil. O negócio é você ir ter um encontro com o pessoal que tipo
assim, uma menina que foi estrupada por um padrasto, estrupada
pelo próprio irmão. São situações assim que a gente vai ver, menina
que tem o pai que é alcoólatra. Então você sai da teoria e vai pra
prática. Aí, por isso que não existe valor, os valores deles são
representados por número, o nosso é por transformação.
195
A questão do acesso ao recurso não é apenas utilitarismo das
instituições. Como vimos no capítulo 2, foi o próprio Estado quem institucionalizou
esse mecanismo tornando-se a marca da relação do Estado com a sociedade civil
para execução de políticas desde os anos 40 com a criação da LBA.
Um ponto importante a ser destacado em relação ao controle social da
política de atendimento a infância e adolescência diz respeito a uma participação
formal das entidades religiosas no Conselho. Das entidades registradas no
CMDCA/JF apenas 1 participa da composição do Conselho com a representação
pelo seu dirigente atuando como conselheiro de direito e outras 2 entidades
participam com freqüência das reuniões plenárias, embora não tenham assento na
composição do Conselho. Destas, uma é também membro do Fórum DEDICA que
presta assessoria ao Conselho. Constatamos então que a inserção das entidades
religiosas no CMDCA/JF não se efetiva em participação política.
Pudemos perceber também, nas entrevistas com os dirigentes das
entidades, o equívoco de compreensão do Conselho de direito como um órgão
pertencente a estrutura administrativa da prefeitura.
Até porque a gente entrou com o processo na prefeitura, esse ano.
Até então não tinha, não tava inscrito nem no conselho municipal de
ação social nem no conselho municipal de assistência à criança e
adolescente. Então, entramos com a documentação, até porque é
uma burocracia muito grande, difícil levantar toda a documentação
exigida pela prefeitura! Até de um deles, do Conselho municipal de
ação social, agora que a gente tá finalizando. Demorou muito tempo
pra conseguir toda a documentação que eles queriam. Burocrático,
mas é até bom a gente ter essa parceria com a prefeitura.
196
195
Jefferson da Silva Januário, Rapper, Presidente da Associação Ministério Galera de Cristo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007. Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
196
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
150
Porque nunca nos procuraram, a que digo pra você o seguinte, a
gente mantém sempre a preocupação de olhar para o outro, não as
instituições, agora eu acho que se é, se a AMAC ou qualquer um
outro, quiser ajudar vamo sentar e vamo conversar, não não é
fechado, eu não aceito doação pública, não. Por que, pra que,
quando, como, quais são os objetivos né. Mas a gente não trabalha,
vamo funcionar se tiver doação, se a Prefeitura, se, não, mais de
quinze anos que funciona dessa maneira né, felizmente.
197
Nestas falas percebe-se uma persistência nas parceiras e também no
desconhecimento do Conselho de direito, pois, quando indagado sobre a relação
com o CMDCA/JF o entrevistado afirmou participar somente do Conselho Municipal
Espírita.
Há ainda aqueles que consideram um peso favorável possuírem o registro
no Conselho diante da possibilidade de parceiras com outras instituições.
É importante. É, a gente acompanha, na teoria, a gente vê um
pouco da prática mesmo (...) mesmo que a gente não esteja
participando diretamente, o nosso registro tá lá, isso é um peso
favorável quando a gente, é, vai pleitear alguma coisa, a gente fala:
Poxa! Nós temos o nosso registro nos Conselhos da cidade!
198
E fora que fica uma coisa mais, mais transparente até pra você
receber ajuda, de outras entidades. Se a gente não fosse inscrito no
Conselho da Criança e no Conselho da Assistência a gente não
estaria hoje, até esqueci de falar sobre isso, recebendo uma doação
mensal duma empresa da Bélgica.
199
Entretanto, opiniões que ressaltam a importância deste espaço
demonstrando conhecimento e consciência do papel deste órgão.
O da assistência social, eu pessoalmente tenho uma boa
participação, e a gente que o Conselho melhorando nessa
participação, porque as chamadas reuniões plenárias que são
mensais são muito participativas e questionadoras e tal, os que são
conselheiros tem direito a voto né, então nós temos uma
participação, estamos questionando muito, pressionando pra ter
algum, mais subsídio pra que a prefeitura destine mais dinheiro; que
a nível federal, pra que seja destinado um pouco mais de dinheiro
pra assistência social, que é no orçamento, dentro do orçamento
197
Marcos Alfredo Pimentel, Médico, Diretor de Ação Social da Associação Espírita Paz e Amor.
Entrevista concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
198
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
199
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
151
chamado de seguridade social, pra que entre, né, essa é uma luta
grande, e pelo que nós estamos pressionando pra que também se
destinar dinheiro, faça mais convênio.
200
A consciência do papel do Conselho também é compartilhada por outra
entrevistada, militante na área da infância e adolescência em Juiz de Fora e também
em nível nacional.
Claro que é importante a entidade estar. Primeiro é a questão dos
projetos, que tem que passar pelo Conselho pra ser avaliado e o
próprio trabalho ser avaliado pelo Conselho, da entidade. Ela tem
que estar cadastrada lá, e ter o registro sempre atualizado e os
programas inscritos da própria entidade dentro do Conselho. Porque
é o Conselho que vai dar as diretrizes da caminhada dessa
entidade.
201
D Categoria “Compatibilidade com os propósitos e objetivos da Política
Municipal de Atendimento a Infância e Adolescência”
Segundo a Resolução 05/01 do CMDCA/JF
202
fica estabelecido que as
entidades, quanto à organização, devem oferecer serviços direcionados
prioritariamente para o atendimento dos direitos e deveres das crianças e/ou
adolescente, estendidos às suas famílias; e de acordo com a Resolução 16/06
203
as entidades para solicitarem o registro no Conselho “devem comprovar, através de
sua documentação e do trabalho desenvolvido, que prestam um atendimento
fundamentado nos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Mais preocupante que o desconhecimento ou conhecimento parcial do
Conselho de direitos, é o desconhecimento ou incompreensão do Estatuto da
Criança e do Adolescente por parte dos gestores das entidades
204
. Das instituições
pesquisadas em apenas 50% delas o Estatuto era conhecido pelos gestores e
utilizado em ações na entidade. O que demonstra também que mesmo nas
200
João D Bona, Padre, Diretor do Instituto Profissional Dom Orione. Entrevista concedida no dia 21
de dezembro de 2006.
201
Élia de Oliveira Melo, Pedagoga, Filósofa e Teóloga, Coordenadora Diocesana da Pastoral do
Menor. Ela participou do processo de criação do ECA em nível nacional e da implementação em Juiz
de Fora, através do Fórum DEDICA. Entrevista concedida no dia 15 de dezembro de 2006.
202
Artigo 1º, parágrafo 1º.
203
Artigo 5º, inciso 1.
204
O conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente constituiu-se em um descritor de análise
da pesquisa.
152
entidades registradas no CMDCA o desconhecimento do ECA. Assim sendo,
podemos afirmar que estar vinculado ao Conselho não representa a garantia de
conhecimento e implementação do Estatuto. Segundo a lei de criação do CMDCA/JF
a divulgação do ECA constitui uma das funções do mesmo
205
, e como vimos, não
vem sendo realizada.
No entanto, cabe destacar que a divulgação e conscientização do Estatuto
não é uma tarefa exclusiva e restrita ao Conselho de direito. Além do mais, na
maioria dos casos a apreensão e incorporação do ECA mantém profunda relação
com a questão cultural, de valores, como é o caso das entidades religiosas. Isto
porque, sendo a gica que rege as entidades religiosas privada, e não havendo a
preocupação delas com a política pública, logo, haverá o desconhecimento,
desinteresse e/ou omissão com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Além do desconhecimento, posições diferenciadas, equívocos, e
discordâncias em relação ao Estatuto por parte dos dirigentes das entidades, como
pode ser visto nos depoimentos a seguir:
Eu acho que conhecer não, conhecer de citar e de (pausa) acho que
não. Sabe que existe, lógico! É, não digo assim que, olha vamos
fazer isso pensando (pausa), mas tudo que a gente faz talvez seja
ligado com o Estatuto. Quando você se preocupa com a criança com
segurança, com educação, com saúde, com essa coisa toda eu
acho que a gente buscando de alguma forma mesmo sem
conhecimento é, teórico do Estatuto, mas a gente tá atendendo
aquilo que o Estatuto preconiza, acho que é um negócio mais ou
menos, (pausa) a gente faz atendendo sem ter ess, sem se
preocupar com, olha gente vamos fazer isso porque o Estatuto, isso
nunca foi feito dessa forma, não há essa preocupação.
206
Neste caso, demonstrou-se despreocupação com o conhecimento do
ECA. O contraditório nisto é que a entidade é registrada no Conselho e, portanto
deveria ter seu plano de ação fundamentado no Estatuto. Assim, mais uma vez
comprova-se que a existência do Conselho de direitos e o registro da entidade no
mesmo não é uma garantia para a efetivação do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
205
“Realizar e incentivar campanhas promocionais e de conscientização dos direitos da criança e do
adolescente na comunidade” (Lei 8056/92. Art 6º XV).
206
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
153
Houve depoimentos também que abordavam o Estatuto como propriedade
de uma profissão específica. A entrevistada colocou: “Eu não trabalho direto com
ele, isso é a assistente social”.
207
Em outros depoimentos percebemos também um
conhecimento superficial do Estatuto por parte dos dirigentes, como nas falas
abaixo:
É, a gente sabe que tem. Eu tenho o meu livrinho. Eu tenho.
Conheço algumas coisas, acredito que a maioria da diretoria, os 6,
é, da diretoria, conhecem também um pouco. É, a igreja como um
todo, os voluntários acredito que sabe que existe, mas, é (pausa)
com certeza não foi trabalhado. Assim, vagamente numa reunião ao
outra, alguém citou.
208
Eu conheço alguma coisa. Eu até cheguei a fazer um curso na
prefeitura que é o trabalho que a gente tava fazendo que eles iam
fazer, eu fiz o primeiro curso que eu tava trabalhando, não deu
pra mim fazer o segundo, que era pra dar assistência pra
adolescente, é, menor infrator né? Mas aí eu não fiz o segundo.
Então eu sei alguma coisa, como eu te falei, sempre que eu tenho
alguma dúvida eu vou na Internet, pesquiso entendeu? é, vou na
biblioteca, pergunto entendeu? Tem é, pessoas assim, tem o
advogado da igreja, o advogado da associação, que as vezes eu
vou e pergunto também alguma coisa. Mas profundado tudo mesmo
a gente não tem, o conhecimento todo a gente não tem.
209
Olha a gente tem pessoa aqui do nosso Conselho, que faz que é
conselheiro do Conselho tutelar, e o Estatuto aqui oh, a gente
tem, a gente conhece, por que a gente trabalha com crianças e
adolescentes também né, é o básico né. É a gente tem sim,
conhecer a gente conhece né, alguma coisa né, nem tudo né!
210
Existiram também posicionamentos contrários ao Estatuto. Um deles diz
respeito ao trabalho realizado por adolescentes.
Eu discordo de algumas coisas do, do Estatuto da criança e do
adolescente, acho que não é por , existe uma, uma, um equívoco
muito grande, principalmente com relação ao trabalho, o trabalho
nunca atrapalhou ninguém, o trabalho digno, eu trabalhei desde os
nove anos. Hoje você, eu acho que é uma deseducação quando
você não permite que o adolescente trabalhe, entendeu, só em
condições especiais, lógico não precisa de um adolescente quebrar
207
Eleonora Angeli, Geógrafa, Coordenadora da Assistência Social Nossa Senhora da Glória –
Escola Menino Jesus.
208
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
209
Ademir da Silva Gomes, Pastor, Presidente da Associação Beneficente Água Viva. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
210
Aparecido, Presidente do Conselho Central Cristo Redentor da Sociedade São Vicente de Paulo.
Aparecido
154
pedra ou trabalhe numa mina de carvão, mas tem muito trabalho
que ele possa fazer e que ele pode estudar e trabalhar.
211
Além da questão do trabalho realizado por adolescentes, foi levantada por
um entrevistado a discussão do tipo de correção que os pais podem imprimir aos
filhos.
A gente trabalha assim né, na observância da lei pra que não venha
também trazer transtorno pra gente né. Mas a gente, não, né,
porque a gente usa mais o nosso termo, é, vamos dizer, é, uma
educação né, é, espiritual que a gente passa pras pessoas, né, o
que é certo, o que é errado. Agora a parte da lei, igual algumas
coisas a gente né, então a gente deixa de lado, porque a lei, os
jovem é muito complexo, então vai passar alguma coisa pra eles de
lei, eles usa muito esse termo, meu filho uma vez me falou comigo
“Oh! O senhor não pode me bater não porque senão eu chamo a
polícia!” eu falei assim “te dou uma surra, depois ce chama a
polícia”. Mas é igual a, a, o pessoal da prefeitura, desse curso
que eu fiz, não sei se foi pela AMAC, aí eles falaram “não, essa lei
ela não proíbe o pai de corrigir os filho, proíbe é o espancamento né.
Então são coisas que as vezes a gente vai passa pra comunidade, a
gente vai aprendendo a gente passa pra comunidade. Mas é, é, não
tudo. A lei toda a gente não conhece, né, o Estatuto todinho a gente
não conhece. Algumas coisas que a gente vai pegando que dá mais,
assim, que chama mais atenção, que toca com o jovem né. Então é
o que a gente vai é pegando.
212
Essas duas situações: correção nos filhos (que muitas vezes traduz-se em
violência doméstica) e trabalho infantil, de fato são questões muito polêmicas em
torno do Estatuto da Criança e do Adolescente e relacionam-se à forma histórica de
tratamento das crianças e adolescentes em nosso país. Crianças e adolescentes
foram considerados objetos da ação dos adultos que, seja pelo uso da força física
ou muitas vezes da violência simbólica (palavras, gestos, uso do corpo),
apropriaram-se dessa criança ou adolescente
213
.
211
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
212
Ademir da Silva Gomes, Pastor, Presidente da Associação Beneficente Água Viva. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
213
Apontamentos da palestra Desconstruindo a violência: Implicações sócio-pedagógicasproferida
no Curso Eca nas Escolas, realizado em Juiz de Fora, no dia 10 de outubro de 2006, do qual
participei como comissão organizadora. Este curso foi realizado pelo Núcleo de Assistentes Sociais
da Área da Educação do Conselho Regional de Serviço Social, em parceria com a Secretaria de
Educação e o lo de suporte as políticas de proteção à família, infância e juventude da UFJF.
Objetivou através da discussão das temáticas que perpassam os direitos das crianças e dos
adolescentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumentalizar professores e coordenadores
da rede pública de ensino de Juiz de Fora, além de assistentes sociais e órgãos públicos que lidam
155
A questão do trabalho também está relacionada à forma da política voltada
para esse setor desde o início da República. Esta era considerada uma possibilidade
de contenção social, de retirada da vadiagem e da criminalidade, principalmente
quando se tratava de adolescente pobre. Neste caso em que a educação voltada
para o trabalho foi chave da política. Somente a partir da Constituição Federal de
1988, com a perspectiva dos direitos, é que crianças e adolescente foram
considerados sujeitos. O ECA em sua proposta político-pedagógica trabalha a lógica
da autonomia desses sujeitos tendo, portanto direito a fala e a expressão da opinião.
Em outro depoimento foi possível verificar um confronto (choque de
valores) entre valores religiosos e o ECA.
E usa-se mais, é o que eu te falando, é o conhecimento da gente
dentro da Palavra de Deus, a gente passa pra eles o que é certo e o
que é errado né. Porque mesmo que a lei direito, não direito,
mas a gente mostra pra eles o que eles tem que fazer né. É, sobre,
muitas coisas que existe, sobre por exemplo, a prostituição, sobre o
vício, sobre a droga né. sobre até mesmo o trabalho porque as
vezes a lei proíbe mas a gente mostra pra eles que o trabalho
edifica, né. Meu pai começou a trabalhar com 6 anos de idade né,
hoje taí com 80 anos, entendeu? e ainda trabalha ainda, que ele
gosta de trabalhar. Aposentado, mas trabalha. Então quer dizer, e a
gente mostra que não é que a pessoa vai é trabalhar em tudo, mas
fazer alguma coisa, que nem em casa a pessoa faz. Então isso é
que tem que passar né, que a gente passa, dentro do pouco que a
gente conhece, entendeu?
214
No depoimento a seguir, percebe-se uma supervalorização dos valores
religiosos em detrimento ao Estatuto.
Lei nessa terra nunca existe, nunca existiu. A única lei que existe
nessa terra é a de Deus. Contra ela nada consegue passar, contra
isso, o ECA eu acho que é um erro, sabe, é um erro muito, porque
nada se cumpre do que está escrito. Foi lei escrita pelos homens e
ninguém apóia... eu não acredito no ECA, pra mim é um fracasso,
uma instituição falida, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
215
Outro ponto polêmico do Estatuto da Criança e do Adolescente levantado
diz respeito à discussão sobre o ato infracional praticado por adolescentes. No
com a infância e juventude, para uma intervenção direta e indireta nas expressões da violência no
ambiente escolar.
214
Ademir da Silva Gomes, Pastor, Presidente da Associação Beneficente Água Viva. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
215
Jefferson da Silva Januário, Rapper, Presidente da Associação Ministério Galera de Cristo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
156
entanto, foi possível perceber um equívoco de interpretação do ECA pelo
entrevistado.
o ECA é uma lei que foi sancionada, uma lei que foi elaborada para
a criança e o adolescente embora eu veja que ela, ela abra a perna
demais (pausa) ela abre a perna, favorece muito a, é a criança, a
criança nem tanto, o adolescente. Eles são abonado porque eles tão
usando isso aí com arma. A informação ela é arma. E é arma
precisa até para te livrar na hora que você sendo acausador de
alguma atitude, entendeu? Tipo assim, você tá no seu carro tá numa
via, um muleque te borda, te aborda ali e mete um ferro na sua cara
e fala assim a é, o, o, o, me o toca-fita”, você vai de repente
o toca-fita o muleque um tiro, morre você ali. pega o sujeito
não pode ir preso porque é menor. (pausa) Ele está sendo abonado
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
216
Neste depoimento percebe-se uma visão muito presente no imaginário
social de impunidade do adolescente autor de ato infracional, assim como de
maiorização deste adolescente (no sentido de que ele deve ser julgado como
adulto). Em direção oposta, o ECA em seu artigo 112 prevê sete medidas sócio-
educativas previstas ao adolescente nesta situação, levando-se em consideração a
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento físico, psíquico e moral deste
sujeito.
Esta discussão esteve em voga no cenário nacional, este ano (2007), com
forte divulgação da mídia, culminando com a aprovação da redução da maioridade
penal, o que representou uma derrota para os movimentos em defesa dos direitos da
criança e do adolescente, que se posicionaram contra esta atitude.
Este mesmo entrevistado ainda criticou a posição “universalista” do
Estatuto, pois para ele, embora o ECA garanta direitos à crianças e adolescentes
indistintamente, o pertencimento a classes sociais diferentes não é garantia das
mesmas condições para acesso destes direitos.
Se existe uma assistência, assistência é o que? É você ajudar os
menos favorecidos. E em que esses menos favorecidos são
apoiados, ajudados? Em quê? Então a gente, quando a gente fala, o
ECA ele vale pra criança que mora no Bom Pastor no condomínio
fechado, ele vale para o que mora na periferia. Então ele não
estipula cor, idade, favorecimento, posição social. Favorece a
situação de criança entendeu? Então tem pais que tem condição de
216
Jefferson da Silva Januário, Rapper, Presidente da Associação Ministério Galera de Cristo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
157
suprir o filho em tudo sem que ele venha a necessitar de apoio.
eu falo, se eles formular e rever toda as situações do poder público,
ou do ECA, quando que uma criança, você pega uma criança hoje
da periferia com 6 anos, e pega uma do centro da cidade, com 6
anos, acompanha eles até os 18 anos, você acha que essa criança
da periferia vai conseguir ir pra faculdade igual a debaixo? E a
culpa é dele que ele não conseguiu estudar?
217
Nesta fala percebe-se uma questão interessante relacionada ao cerne na
sociedade na qual vivemos que é a desigualdade das classes sociais, o que implica
numa desigualdade de oportunidades e conseqüentemente de acesso a riqueza
material produzida na sociedade. De fato, se considerarmos a questão da cidadania
no marco da sociedade burguesa ela homogeneíza as classes (pois parte do
princípio de igualdade entre as pessoas), escamoteando a divisão da sociedade em
classes antagônicas. Ainda assim, a conquista pela cidadania coloca-se como um
horizonte de construção de uma sociedade justa e igualitária. Além disso, a
universalidade não pode ser sinônima de uniformidade, necessitando assim
considerar as especificidades dos grupos sociais.
Dentre as entidades que conhecem o Estatuto da Criança e do
Adolescente a adoção dele nas práticas da instituição. Os entrevistados citaram
reuniões semanais de equipe nas quais são realizados estudos de caso com
encaminhamentos baseados no Estatuto, adoção nas normas de matrícula, além de
preocupação com a capacitação de todos os funcionários da instituição, inclusive os
voluntários.
Inicialmente, e de quando em quando eu também uso, né. A gente
tem que fazer um estudo a respeito, a gente sempre tá voltado, nós
temos um dia do mês, a última segunda-feira do mês, a gente
denomina de centro de estudos. Então nesse dia a gente levanta
determinadas situações, até mesmo em relação às crianças, e a
gente vai estudar o que aquilo ali pode ser e qual a orientação que a
gente vai dar às vezes pra família. Então a gente sempre busca pra
gente poder saber que atitude a gente pode tomar
218
.
Conhece. Adota totalmente. Tanto é que a gente trabalha em
cima dele, ele já é livro de mesa meu, de todo mundo. A gente parte
totalmente, a gente sempre pede ajuda, qualquer coisa que a gente
tem ao Conselho Tutelar. Então a gente, o Conselho vem aqui, faz
reuniões, fez reuniões, com os pais, com as mães, explicando
tudo, como é que é...quando uma criança entra, faz uma matrícula e
217
Jefferson da Silva Januário, Rapper, Presidente da Associação Ministério Galera de Cristo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
218
Regina lia de Paula, Administradora, graduanda em Pedagogia, Supervisora do Lar Fabiano de
Cristo. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
158
tudo, é lido pra ela todas as normas. Tem os artigos do Estatuto
sobre negligência, sobre maus-tratos a criança, a gente coloca até
isso nas normas da instituição
219
.
Nós estamos procurando implantar né, primeiro lugar é o
conhecimento. Logo que chega alguém pra trabalhar, nós
distribuímos o livrinho e creio que nós estamos respeitando
bastante, apesar de ele ter vários anos, mas infelizmente nem
sempre sociedade também conhece , nós temos vários
exemplares, então a gente procura cumprir né.
220
E – Categoria “Direitos Fundamentais”
“O oferecimento de uma alimentação ao seu público com cardápios
balanceados e planejados de acordo com as normas básicas de nutrição (fornecidos
pela Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento)”
221
é o descritor de
qualidade a ser observado pelas entidades nesta categoria.
Contudo, dado a sua inoperância este foi um dos casos de necessidade
de revisão dos critérios e indicadores de qualidade do CMDCA/JF tendo em vista
que o oferecimento das normas de nutrição pela referida Secretaria nunca se
realizou.
Ainda assim, das entidades pesquisadas, 10 (71%) oferecem pelo menos
uma refeição aos usuários atendidos. Em somente 3 a questão da alimentação
seguindo regras nutricionais é cumprida. Para tanto, uma delas mantém convênio
com a AMAC, outra com uma Instituição de Ensino Superior Privada do município
que fornece o profissional da área de nutrição, e a outra segue as orientações
nutricionais da instituição em nível nacional para todas as suas filiais.
Particularizando cada entidade neste eixo, podemos observar o
comportamento destas em relação aos critérios gerais através do quadro a seguir:
219
Ana Cristina, Graduanda em administração, Gerente Administrativo do Instituto Maria. Entrevista
concedida no dia 22 de dezembro de 2006.
220
João D Bona, Padre, Diretor do Instituto Profissional Dom Orione. Entrevista concedida no dia 21
de dezembro de 2006.
221
Resolução nº 05/01 do CMDCA/JF.
159
Quadro 3 – Qualificação das Entidades religiosas segundo Critérios Gerais
para a política de atendimento à infância e adolescência
Categorias de Análise
Entidades
Gestão e
Recursos
Humanos
Atendimento
Sócio-educativo
Controle social
Compatibilidade
com objetivos
da Política
Direitos
fundamentais da
criança e do
adolescente
Assistência Social Nossa
Senhora da Glória – Escola
Menino Jesus
I S I I I
Pastoral do Menor
S S S S I
Sociedade São Vicente de
Paulo
I S I I I
Instituto Profissional Dom
Orione
I S S S I
Lar Fabiano de Cristo
S S S S S
Instituto Maria
S S S S S
Creche Comunitária Antônio e
Maria Geny
S S S S S
Associação Espírita Paz e
Amor
I I I I I
Lar Espírita de Laura
S S S S S
Associação Missionária
Educacional e Beneficente –
AMEB
S I S S I
Associação Beneficente Água
Viva – ASBAVI
I I I I I
Associação Ministério Galera
de Cristo
S I I I I
Associação Metodista de Ação
Social – AMAS/Monte Castelo
I I S I I
Associação Beneficente
Evangélica – ABE
I I S I I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Com relação à qualificação geral de cada entidade segundo sua
vinculação religiosa, obtém-se a seguinte configuração:
160
Quadro 4 – Qualificação geral das entidades religiosas por vinculação religiosa
segundo Critérios Gerais
Entidades
Vinculação
religiosa
Qualificação
Assistência Social Nossa Senhora da
Glória – Escola Menino Jesus
Católica I
Pastoral do Menor
Católica S
Sociedade São Vicente de Paulo
Católica I
Instituto Profissional Dom Orione
Católica I
Lar Fabiano de Cristo
Espírita S
Instituto Maria
Espírita S
Creche Comunitária Antônio e Maria
Geny
Espírita S
Associação Espírita Paz e Amor
Espírita I
Lar Espírita de Laura
Espírita S
Associação Missionária Educacional
e Beneficente – AMEB
Evangélica I
Associação Beneficente Água Viva –
ASBAVI
Evangélica I
Associação Ministério Galera de
Cristo
Evangélica I
Associação Metodista de Ação Social
– AMAS/Monte Castelo
Evangélica I
Associação Beneficente Evangélica –
ABE
Evangélica I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Deste modo, temos que as entidades religiosas de atendimento à criança
e adolescente em Juiz de Fora se comportam de maneira insatisfatória em relação
aos Indicadores de Qualidade da política de atendimento a infância e adolescência,
haja vista que somente 5 (35%) entidades cumpriram mais de 70% dos itens
pesquisados.
Se analisarmos as entidades segundo sua participação na política de
atendimento à infância e adolescência, conforme quadro 2, verificamos que: todas
as entidades “satisfatórias” estão registradas no CMDCA. No entanto, também
outras 3 registradas no Conselho que estão insatisfatórias. Destas, 2 possuem
parceria com o Poder blico: uma com a SPS, através do projeto “Arte nos bairros”
161
e a outra com a AMAC, através de recebimento de alimento. Todas as entidades que
não estão registradas no CMDCA estão “insatisfatórias”, sendo que 2 delas possuem
inscrição no CMAS.
Eixo 2 – Critérios Específicos por Regime de Atendimento
Conforme apresentado no início deste capítulo, as entidades religiosas
oferecem atividades em 3 dos regimes de atendimento estabelecidos no Estatuto da
Criança e do Adolescente. Assim, foi necessário atentar para as particularidades de
cada um desses regimes e estabelecer categorias, indicadores e descritores
específicos de análise.
Segue abaixo, para melhor compreensão, um quadro deste eixo com as
categoriais de análise.
222
Quadro 5 – Categorias de análise por regime de atendimento
Regimes de atendimento
Programas Categorias de análise
Regime de orientação e
apoio sócio-familiar
Atendimento sócio-
educativo desenvolvido
pela entidade
Programas destinados a
crianças de zero a 5 anos
e 11 meses de idade
Programa destinado às
crianças e adolescentes
na faixa etária de sete a
dezoito anos de idade
Regime de apoio sócio-
educativo em meio aberto
Programa de iniciação,
formação profissional e/ou
colocação no mercado de
trabalho
Direito fundamental da
criança e do adolescente
Ambiente e Infra-estrutura
Atendimento Sócio -
educativo
Regime de Abrigo
Direitos Fundamentais
222
Para melhor visualização dos descritores das categorias, cf. anexo 4.
162
Controle Público do Abrigo
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
1 – REGIME DE ORIENTAÇÃO E APOIO SÓCIO-FAMILIAR
A – Categoria “Atendimento sócio-educativo desenvolvido pela entidade”
“O estabelecimento de critérios claros, sistematizados, de admissibilidade
e permanência, priorizando a promoção da família para que ela possa oferecer
condições de desenvolvimento às crianças e/ou adolescentes” é uma das diretrizes
a ser observada pelas entidades para o trabalho de Orientação e Apoio Sócio-
familiar, conforme indica a Resolução nº 07/01 CMDCA/JF, no artigo 1º, inciso I.
Segundo os dados pesquisados, as entidades que desenvolvem este
regime de atendimento não possuem tais critérios que favoreçam a promoção da
família. Isto porque, na maioria das entidades de atendimento, o trabalho dirigido às
famílias é mais pontual, voltado à auxílios eventuais. Observamos também que essa
ação coloca-se como uma extensão do trabalho da igreja. Em uma entidade
evangélica, por exemplo, o ministério de ação social da igreja na qual a entidade
vincula-se foi incorporado pela associação da mesma forma que era desenvolvido na
igreja, inclusive com as mesmas pessoas que executam as atividades.
Com a criação da AMAS não justificava a gente ficar com o
ministério de ação social. Poxa, dois, duas áreas, uma pessoa
jurídica, consolidada, organizada, e um ministério de ação social que
as finalidades de ambos era o social; então não fazia sentido a
gente ficar com esse ministério fora da AMAS. Mas, infelizmente ele
permaneceu ali por um bom tempo, assim coisa de um ano e meio,
dois anos. Dois órgãos distintos. Então quando eu assumi a direção,
eu fiz questão de unificar isso. A gente precisava de mão-de-obra
aqui pra tocar essa estrutura que nós montamos, e aqui a gente
tinha a mão de obra, mas não tinha a organização. Então, vamos
fundir isso, o nosso, a gente tá com um corpo mais fortalecido
podendo atuar de uma forma bem mais compacta, né. Então
fizemos essa fusão. Hoje nós temos essa área que deixou de
levar essa nomenclatura ministério de ação social e recebe
simplesmente esse nome de ação social.
223
223
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
163
Em outra entidade também de vinculação evangélica, a assistência às
famílias funciona de forma semelhante. Esta ação é desenvolvida por um órgão da
igreja
224
e incorporado como atividade da entidade. Isto se também pelo fato da
entidade ter sua sede no mesmo endereço da igreja.
Aqui na sede há uma triagem né, a pessoa vem pedindo uma ajuda,
vem pedir uma cesta, pedir um remédio, a gente faz uma sondagem
né, se necessário até ir na casa da pessoa pra ver o que realmente
ela precisa aí é, um critério maior por que você receber gente
na sede aqui em São Mateus de todas as partes da cidade.
225
Em relação ao estabelecimento de critérios de seleção dos usuários para
o atendimento, um dirigente de entidade espírita foi muito contundente:
Minha mulher é Assistente Social, eu digo a você o seguinte, eu
assim, quem bate nas nossas portas embora minha formação seja
técnica, antes de ser técnica ela é humana, então eu digo para você
o seguinte, a gente não tem muita preocupação né? (...) Quem
precisa das atividades, sou eu quem vou dizer quantos salários você
tem, quantas pessoas são ativas, quanto a sua luz e parará, igual
vocês fazem? Eu acho que é inerente à profissão de vocês, mas
numa atividade elaborativa diferente da nossa, (pausa) a nossa
atividade na realidade a gente tá, a gente faz o que Jesus nos
ensinou: amor ao próximo e caridade independente de credo, de
cor, de raça, de poder econômico de renda familiar né (pausa). Olha
eles [critérios] são válidos. Válidos numa atividade elaborativa, a
nossa instituição é religiosa!
226
Como pudemos verificar em relação ao trabalho voltado ao grupo familiar,
ele ainda está baseado em práticas assistencialistas, descontínuas, sem critérios
relacionados à emancipação desta família. Assim, contraria-se a própria diretriz da
política que afirma que “os programas de renda ou doação de bens devem ser um
recurso emancipatório à cidadania e não um exercício de subserviência a uma ação
assistencialista”
227
.
Tendo em vista que este tipo de ação ainda permeia o campo de trabalho
com famílias empobrecidas, os formuladores da política também m consciência
224
Esta entidade é vinculada a Igreja Presbiteriana do Brasil, cuja ação social realizada nas igrejas
filiadas é de responsabilidade do órgão denominado ”Junta Diaconal”.
225
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
226
Marcos Alfredo Pimentel, Médico, Diretor de Ação Social da Associação Espírita Paz e Amor.
Entrevista concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
227
Resolução nº 08/01 CMDCA/JF (que define diretrizes para a Política dirigida ao grupo familiar), art.
1, inciso 1, parágrafo 9º.
164
que uma mudança de paradigma neste campo dar-se-á em longo prazo. Pois como
consta no artigo da Resolução 08/01 do CMDCA/JF “as práticas
assistencialistas devem ser progressivamente superadas, sendo substituídas por
praticas educativas que tenha o grupo familiar como sujeito do processo”.
No quadro seguinte podemos visualizar a configuração das entidades que
atendem em Regime de Orientação e Apoio Sócio-familiar segundo conforme os
critérios estabelecidos para este regime.
Quadro 6 – Qualificação das entidades religiosas em Regime de Orientação e
Apoio Sócio-familiar segundo Critérios específicos por regime de atendimento
Categorias de Análise
Entidades
Atendimento Familiar
Assistência Social Nossa Senhora da Glória – Escola
Menino Jesus
I
Sociedade São Vicente de Paulo S
Associação Espírita Paz e Amor I
Associação Metodista de Ação Social – AMAS/Monte
Castelo
I
Associação Beneficente Evangélica – ABE I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte: Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
2 – REGIME DE APOIO SÓCIO-EDUCATIVO EM MEIO ABERTO
Este regime de atendimento é composto por 3 programas: 1- Programas
destinados a crianças de zero a 5 anos e 11 meses de idade, 2- Programas
destinado às crianças e adolescentes na faixa etária de sete a dezoito anos de
idade, 3- Programas de iniciação, formação profissional e/ou colocação no mercado
de trabalho. Em nossa pesquisa consideramos a categoria “Direito fundamental da
criança e do adolescente” como comum aos três programas.
Atendem neste regime 11 entidades, das quais 8 desenvolvem
exclusivamente um desses programas.
165
2.1 – Programas destinados a crianças de zero a 5 anos e 11 meses de idade
A Resolução 09/01 CMDCA/JF estabelece que para programas
destinados a crianças de zero a 5 anos e 11 meses de idade, devem fornecer quatro
refeições diárias às crianças atendidas em horário integral.
Das 4 entidades que desenvolvem este programa, 3 atendem em horário
integral, porém somente 2 cumpriram este quesito.
2.2 Programa destinado às crianças e adolescentes na faixa etária de sete a
dezoito anos de idade:
Conforme indica a Resolução 09/01 CMDCA/JF, ficam estabelecidas
as seguintes medidas para este programa:
I - a priorização e apoio à escolarização dos destinatários dos serviços, com
acompanhamento da vida escolar da criança e do adolescente, em estreita relação
com a escola e o oferecimento de serviços que visem potencializar a aprendizagem
do educando;
II - a existência de serviços, além do reforço escolar, que priorizam os demais
aspectos da formação humana, como atividades culturais, artísticas, esportivas,
centradas no desenvolvimento físico, emocional e político dos educandos.
Neste programa verificou-se como deficitário o indicador “escolarização”.
Nas entidades que desenvolvem as atividades de reforço escolar foi possível
verificar uma descontinuidade das ações desenvolvidas com a vida escolar do
assistido, principalmente quando são executados por voluntários.
2.3 – Programa de iniciação, formação profissional e/ou colocação no mercado
de trabalho
Como indica a Resolução 09/01 CMDCA/JF para este programa,
destacamos as seguintes medidas:
I o estudo de reais possibilidades de inserção no mercado de trabalho, com o
oferecimento de capacitação adequada sem discriminação de qualquer natureza;
166
II o acompanhamento junto ao empregador da vida profissional do adolescente,
durante um período mínimo de seis meses, não negligenciando em nenhuma
hipótese os direitos trabalhistas garantidos legalmente;
As atividades oferecidas pelas entidades religiosas neste programa são
em sua maioria cursos e oficinas. Contudo, sem a existência de um estudo das reais
possibilidades de inserção no mercado de trabalho além do não acompanhamento
junto ao empregador da vida profissional do adolescente, conforme indicam as
diretrizes acima.
Além do não cumprimento das medidas sinalizadas acima, questiona-se
que tipo de capacitação é oferecido aos adolescentes, pois em sua maioria são
cursos genéricos: cabeleireiro, manicure, artesanato e, oferecidos por voluntários.
Em apenas uma entidade isto não ocorre tendo em vista o oferecimento
do curso em parceria com a UFJF. No entanto, mais em caráter sócio-educativo do
que profissionalizante.
A seguir, apresenta-se a qualificação das entidades religiosas que
atendem em Regime de Apoio Sócio-educativo em Meio Aberto.
Quadro 7 – Qualificação das entidades religiosas em Regime de Apoio Sócio-
educativo em Meio Aberto segundo Critérios específicos por regime de
atendimento
Categorias de Análise
Programas
0 a 6 anos
Programas 7
a 18 anos
Programas
Formação
profissional ou
colocação no
mercado
trabalho
Entidades
Direitos
Fundamentais
Direitos
Fundamentais
Direitos
Fundamentais
Assistência Social Nossa
Senhora da Glória – Escola
Menino Jesus
I
Instituto Maria
S
Creche Comunitária Antônio e
Maria Geny
S
Associação Metodista de Ação
Social – AMAS/Monte Castelo
I I
Associação Beneficente
Evangélica – ABE
I
167
Pastoral do Menor
S
Instituto Profissional Dom Orione
S
Lar Fabiano de Cristo
S
Associação Missionária
Educacional e Beneficente –
AMEB
S I
Associação Beneficente Água
Viva – ASBAVI
I
Associação Ministério Galera de
Cristo
I I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
2 – REGIME DE ABRIGO
Conforme indica a Resolução 15/06 para este Regime de atendimento,
destacamos os seguintes artigos:
Art. 4º. Atender no máximo 35 crianças e/ou adolescentes nos abrigos, de
acordo com sua capacidade de atendimento (...);
Art. 10. Manter um ambiente humanizado, possuindo banheiros, cozinha,
dormitórios, quintal, sala de estudos em condições de habitabilidade, higiene,
salubridade e segurança;
Art. 13. Promover todas as condições básicas para o desenvolvimento
afetivo, cognitivo, social e físico das crianças e adolescentes abrigadas
(alimentação, vestuário, assistência médica, odontológica, terapêutica, farmacêutica,
atendimentos especializados, qualificação profissional);
Art. 16. Garantir assistência religiosa às crianças e adolescentes que o
demandarem, de acordo com suas crenças.
Art. 17. Estabelecer uma relação sistemática e formal com o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos tutelares, Juizado da
Infância e adolescência, de acordo com os limites de competência de cada um e
cumprindo as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 20. Manter em cada abrigo uma equipe técnica com carga horária
mínima de 20 horas semanais para cada profissional, nas áreas de serviço social,
psicologia e pedagogia, ou profissional de normal superior.
168
Este regime apresentou-se satisfatoriamente tendo em vista que o único
abrigo pesquisado apresentou dificuldades somente no quesito carga horária da
equipe técnica.
Quadro 8 – Qualificação das entidades religiosas em Regime de Abrigo
segundo Critérios Específicos por regime de atendimento
Categorias de Análise
Entidade
Ambiente e Infra-
estrutura
Atendimento
Sócio -
educativo
Direitos
Fundamentais
Controle
público do
abrigo
Lar Espírita de
Laura
S I S S
Legenda: S – Satisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Particularizando cada entidade de atendimento no eixo “Critérios
específicos por regime de atendimento” observamos o seguinte comportamento:
Quadro 9 – Qualificação Geral das Entidades religiosas segundo
Critérios específicos por regime de atendimento
Entidades
Vinculação
religiosa
Qualificação
Assistência Social Nossa
Senhora da Glória – Escola
Menino Jesus
Católica I
Pastoral do Menor
Católica S
Sociedade São Vicente de
Paulo
Católica S
Instituto Profissional Dom
Orione
Católica S
Lar Fabiano de Cristo
Espírita S
Instituto Maria
Espírita S
Creche Comunitária Antônio e
Maria Geny
Espírita S
Associação Espírita Paz e Amor
Espírita I
Lar Espírita de Laura
Espírita S
Associação Missionária
Educacional e Beneficente –
AMEB
Evangélica I
169
Associação Beneficente Água
Viva – ASBAVI
Evangélica I
Associação Ministério Galera de
Cristo
Evangélica I
Associação Metodista de Ação
Social – AMAS/Monte Castelo
Evangélica I
Associação Beneficente
Evangélica – ABE
Evangélica I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Observamos que as entidades de atendimento neste eixo também se
comportaram de modo insatisfatório, visto que apenas 7 (50%) das entidades
preencheram mais de 70% dos quesitos avaliados. Destas, 6 estão registradas no
CMDCA. Destaca-se que das 7 “insatisfatórias”, 5 não estão registradas no CMDCA.
A partir da qualificação das entidades em S e I, utilizamos a mesma lógica
descrita para análise dos eixos, para qualificarmos a participação destas em relação
à Política de Atendimento à Infância e Adolescência.
Assim, com relação à qualificação geral de cada entidade em relação à
política municipal verificamos a seguinte configuração:
Quadro 10 – Qualificação Geral das entidades religiosas em relação à participação
na Política de Atendimento à Infância e Adolescência em Juiz de Fora
Eixos de Análise
Entidades
Vinculação
religiosa
Indicadores
de
qualidade
Critérios
específicos
por regime
de
atendimento
Qualificação Geral
Assistência Social Nossa
Senhora da Glória – Escola
Menino Jesus
Católica I I I
Pastoral do Menor
Católica S S S
Sociedade São Vicente de
Paulo
Católica I S I
Instituto Profissional Dom
Orione
Católica I S I
Lar Fabiano de Cristo
Espírita S S S
Instituto Maria
Espírita S S S
170
Creche Comunitária Antônio e
Maria Geny
Espírita S S S
Associação Espírita Paz e Amor
Espírita I I I
Lar Espírita de Laura
Espírita S S S
Associação Missionária
Educacional e Beneficente –
AMEB
Evangélica
I I I
Associação Beneficente Água
Viva – ASBAVI
Evangélica I I I
Associação Ministério Galera de
Cristo
Evangélica I I I
Associação Metodista de Ação
Social – AMAS/Monte Castelo
Evangélica I I I
Associação Beneficente
Evangélica – ABE
Evangélica I I I
Legenda: S – Satisfatório I – Insatisfatório
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Constatamos que as entidades religiosas de atendimento apresentam um
comportamento insatisfatório na Política de Atendimento à Infância e Adolescência
em Juiz de Fora, pois, (9) 75% entidades pesquisadas apresentaram índices
insatisfatórios nos eixos de análise, sendo que 7 (50%) delas apresentaram-se
insatisfatórias nos 2 eixos. Analisando particularmente as entidades insatisfatórias
percebemos que: 4 possuem vinculação com o CMDCA/JF; 4 estabelecem parcerias
com o Poder Público municipal sendo 2 com a Secretaria de Política Social por meio
do Projeto “Arte nos bairros” e 2 com a AMAC, através do Programa de cesta básica
e de recebimento de alimento.
Das 05 (35%) entidades que apresentaram comportamento satisfatório,
todas estão registradas no Conselho.
Se analisarmos por vinculação religiosa, verificamos que as entidades
espíritas são as que se comportam de maneira satisfatória, pois 80% dessas
entidades atenderam aos quesitos analisados nos eixos desta pesquisa; somente
50% das entidades católicas se comportaram de maneira satisfatória; e todas as
entidades evangélicas comportam-se insatisfatoriamente.
Tendo em vista que as entidades religiosas encontram-se inadequadas em
relação aos critérios da política de atendimento à infância e adolescência
estabelecidos pelo CMDCA e conseqüentemente aos princípios do Estatuto da
Criança e do Adolescente, a pesquisa buscou verificar se o ideário religioso tem
171
relação com essa inadequação. Verificou-se então, quais as motivações das
entidades para atenderem o público infanto-juvenil, quais os objetivos com a
prestação desse atendimento e quais os valores que guiam a instituição e conduzem
suas ações. Em algumas entrevistas foi possível também verificar a concepção de
serviço e de usuário. As perguntas formuladas foram abertas, necessitando por isso,
categorização.
Com relação à motivação chegamos as seguintes respostas: 43% (6) das
entidades relataram como motivação para atuarem na área da infância e
adolescência a situação social dos usuários e nestes casos estão incluídas
respostas como: “situação social, que infelizmente existia né, crianças
abandonadas, crianças órfãs”, “situação do menino de rua”, “necessidades das mães
que precisavam trabalhar e não tinham onde deixar os filhos”. Esta primeira situação
foi categorizada como Situação Social.
Em 21% (3) das entidades a motivação está baseada no ideário
religioso
228
. Neste caso destacam-se os seguintes depoimentos:
As pessoas começaram a perceber que o evangelho precisa, tem
que ser dessas paredes pra fora. Não simplesmente dentro da
igreja. A igreja é um lugar onde você se abastecer, espiritualmente,
e ir pra fora, porque fora que nós temos os problemas, e é
que a gente tem que ir e ajudar aqueles que estão necessitados,
porque dentro da igreja são poucos os que passam necessidade, e
os que passam são prontamente atendidos. Mas lá fora não.
229
Partiu muito da visão da Aline. A Aline tem muito uma visão
missionária. É (pausa) quando reativou as atividades da AMEB, ela
queria casar a atividade missionária com a atividade de ação social,
o que foi um ensinamento dado na Igreja [Presbiteriana de Juiz
de Fora] e sei que na 4ª é assim também, essa mesma visão
(pausa) do Evangelho Integral, eu sempre fui muito adepto dessa
visão. Então o que, essa idéia de um evangelho integral, de que não
fosse só a assistencial espiritual, mas a assistência espiritual casada
com a assistência social.
230
Começou com uma obra de caridade, a princípio como orfanato pra
cuidar dessas crianças, depois passou para uma creche escola e
228
É bom explicitar que tratando-se de entidades religiosas, é muito provável que a motivação tenha
relação com a questão religiosa. Entretanto, aqui optamos por diferenciar as respostas e categorizar
como ideário religioso quando este apareceu de forma explícita na fala do entrevistado, ou seja,
quando a motivação apresentou uma relação direta com a crença religiosa.
229
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
230
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
172
hoje ele é uma empresa, organizado como uma empresa mesmo do
terceiro setor e é creche escola em regime sócio-educativo.
231
Outra possibilidade é o sonho de um fundador da instituição, ficando
categorizada como Sonho Pessoal com 15%. Na categoria outros (21%) apareceram
mudança de bairro, falta de motivação dos jovens e envolvimento com a sociedade.
Tab. 5 – Entidades religiosas e Motivação para atendimento
Total
Motivos Católicas
Espíritas Evangélicas
n %
Outros 1 2 3 21%
Situação social 3 3 6 43%
Sonho pessoal 1 1 2 15%
Ideário Religioso 1 2 3 21%
Total 14 100%
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Tão importante quanto obter essas repostas era saber se o ideário
religioso estava presente nos objetivos, bem como nos próprios valores que guiam a
instituição e como se refletia no serviço prestado.
Quanto aos objetivos da entidade destacam-se: ajuda (36%), formação do
caráter (14%) garantia de direito (14%), estudo da doutrina (7%).
Nas entidades que apresentaram a ajuda como motivação para a atuação
com crianças e adolescentes, em quase todos os casos ela está presente nas
entidades que oferecem assistência material às famílias e vem acrescida do estigma
do usuário como carente, como podemos observar nas declarações a seguir:
Essa é a nossa proposta. Amparar realmente essas crianças e
adolescentes carentes e os idosos. Um trabalho todo voltado às
famílias, atendendo aos segmentos dentro da família.
232
(...) disponibilizando o que você tem, de conhecimento, de recursos,
recurso que eu digo não é financeiro não, todos os recursos para
uma comunidade, as pessoas mais carentes né.
233
231
Ana Cristina, Graduanda em administração, Gerente Administrativo do Instituto Maria. Entrevista
concedida no dia 22 de dezembro de 2006.
232
Regina lia de Paula, Administradora, graduanda em Pedagogia, Supervisora do Lar Fabiano de
Cristo. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
233
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
173
Em outra entidade, a ajuda guarda relação estreita com a conversão da
pessoa à religião. Neste sentido a ajuda pode ser uma “porta de entrada” para
trabalhar o lado religioso do usuário. Novamente voltamos à idéia de proselitismo
religioso.
O objetivo básico, que na mente de todo mundo é primeiramente
de ajudar. Ajudar de alguma forma. Então, nós estamos traçando, é,
as seguintes diretrizes pra que essa ajuda aconteça. Primeiro, é,
suprir as necessidades básicas. A gente parte desse princípio. A
gente visualiza que é inadmissível, palavra forte mais é, você querer
falar pra uma pessoa que tá no mundo passando dificuldade, é,
viciado, sem ter abrigo, nem nada, querer falar do Evangelho pra
pessoa, se primeiramente se ela com fome, se ela tá com frio, se
ela com medo. Então são nesses, primei, o enfoque, o primeiro
enfoque é: vamos suprir a necessidade básica. Depois se, a
pessoas se interessar, a gente começa a fazer um trabalho no
âmbito mais religioso, espiritual pra ajudar, pra mostrar pras
pessoas que ela pode mudar de vida se ela quiser. Se ela quiser
(ênfase). E a gente não força nada. Nós ajudamos as pessoas sem
que elas tenham compromisso, sem que elas tenham que freqüentar
a igreja.
234
Em outro momento o mesmo entrevistado complementa essa relação da
assistência material e assistência espiritual.
A gente entende que isso é uma conseqüência. A pessoa ao ser
ajudada nas suas necessidades básicas, elas vão começar perceber
“pô, que povo é esse que ajuda de boa vontade, todo mundo
voluntário, não me cobra nada por isso?” Aí, é através dessa
afinidade, desse prazer em se ajudar, elas, muitas se achegam a
nós pra tentar esse outra ajuda que é na parte religiosa, espiritual.
235
A garantia dos direitos com vistas à cidadania apareceu em 14% (2) das
entidades. Em uma delas, ela apareceu de forma explícita e em outra de forma
implícita conforme depoimentos abaixo:
É trabalhar a questão da situação da criança e adolescente
empobrecido, tá? Garantir a eles os seus direitos para que eles se
234
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
235
Sidney Carvalho de Oliveira, Administrador, Presidente da Associação Metodista de Ação Social –
Monte Castelo. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2006.
174
tornem plenos cidadãos. Então o objetivo maior é esse: é a
cidadania deles. Que eles sejam realmente protagonistas
236
Então a missão do Lar de Laura é o que? é que a gente possa
encaminhar as crianças pra que elas possam ser adotadas. Ou
então fazer um trabalho até delas retornarem a família biológica.
237
A formação do caráter das crianças e adolescentes representa 14% dos
índices de respostas. Juntamente com Transformação, Melhorar a qualidade de vida
e Promoção e assistência (com 7% cada), os objetivos das entidades mantém
relação direta e clara com a questão religiosa.
No estatuto da AMEB reza isso: que é uma instituição que visa
à formação do caráter da criança a partir da educação. Então
esse é o objetivo maior nosso, a missão da casa da AMEB é:
através da educação, seja da educação fundamental, básica,
escolar, ou também, inclusive da educação religiosa, espiritual,
formar o caráter dessas crianças. Transmitir valores, conceitos,
auxiliar na formação delas e no caráter delas. Com os
adolescentes é a mesma coisa.
238
Então a Galera de Cristo surgiu nessa proposta: de apresentar
um novo horizonte, uma outra cidade por detrás do muro, que
é viver bem, mas tendo como sol a luz do evangelho. Por isso
que surgiu a Galera de Cristo, apresentar pra outras pessoas a
transformação através da Palavra.
239
Em outra entidade o objetivo primordial é o estudo da doutrina, seguido
do apoio material, quando necessário.
Ela é uma entidade sem fins lucrativos e filantrópica e tem o objetivo
de estudar a doutrina espírita e divulgar a doutrina espírita e a parte
social né, e evangelização das crianças, dos adultos né, e levar
também o apoio, apoio moral e o material quando necessário.
240
236
Élia de Oliveira Melo, Pedagoga, Filósofa e Teóloga, Coordenadora Diocesana da Pastoral do
Menor. Entrevista concedida no dia 15 de dezembro de 2006.
237
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
238
Marcos Paulo Vieira, Pastor, Diretor presidente da Associação Missionária Educacional
Evangélica. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
239
Jefferson da Silva Januário, Rapper, Presidente da Associação Ministério Galera de Cristo.
Entrevista concedida no dia 10 de janeiro de 2007.
240
Linaura Pontes da Silva, Professora, Presidente da Associação Espírita Paz e Amor. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
175
Tab. 6 – Entidades religiosas e Objetivos com a prestação do serviço
Total
Objetivos Católicas
Espíritas
Evangélicas
n %
Ajuda 2 3 5 36%
Estudar a doutrina e assistência
material 1 1 7%
Formação do caráter 1 1 2 14%
Garantir direitos 1 1 2 14%
Melhorar a qualidade de vida 1 1 7%
Promoção e assistência 1 1 7%
Sociabilização das crianças 1 1 7%
Transformação 1 1 7%
Total 14 100%
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Em relação aos valores que orientam as ações das entidades religiosas,
43% dizem respeito aos valores cristãos, 14% a caridade, 14% a moral, e com 7%
cada aparecem as demais respostas: justiça e solidariedade; transformação; vida; e
dignidade, sinceridade, lealdade.
A maior incidência de respostas (valores cristãos), está presente nas
entidades católicas, espíritas e evangélicas, haja vista que esses credos religiosos
são adeptos ao cristianismo.
São valores cristãos né, basicamente são aquilo que o Cristianismo
passa pra gente, de, de ajudar o próximo, quem que é o próximo? O
próximo é aquele que necessita de ajuda.
241
Os ensinamentos de Jesus né, os valores espirituais, amar a Deus
sobre todas as coisas e o próximo como a si mesma.
242
A caridade somente não aparece, de forma explícita, nas entidades
evangélicas, como já abordado no capítulo 2.
Os valores são esses, os valores humanos, cristãos, os valores da
vida do respeito às pessoas, da formação, e o valor é a vida, a
caridade, lema do nosso fundador é caridade né, no sentido amplo
241
Marco Antônio Barbosa, Engenheiro civil, Presidente da Associação Beneficente Evangélica.
Entrevista concedida no dia 21 de dezembro de 2006.
242
Linaura Pontes da Silva, Professora, Presidente da Associação Espírita Paz e Amor. Entrevista
concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
176
da palavra, e os valores são humanos, cristãos, da pessoa humana
mesmo, vida, da solidariedade, são os valores principais né.
243
A nossa atividade na realidade a gente faz o que Jesus no ensinou
amor ao próximo e caridade independente de credo, de cor, de raça,
de poder econômico de renda familiar né.
244
A moral é destacada como valor apenas em entidades espíritas.
Os valores que eu acabei de falar que assim é, a gente trabalhar
o lado moral, é, o lado religioso porque aqui eles são evangelizados
dentro da doutrina espírita. Depois que sai daqui é diferente, mas
aqui dentro eles recebem a doutrina que a gente professa né, que é
o espiritismo. (pausa) Porque, é, os valores que a gente tem que
mostrar pra eles. Porque se eles não tiverem alguma coisa pra
acreditar, se eles não tiver uma bandeira, de alguma coisa que, que
ajude eles no caminhar da vida, como que eles vão sobreviver?
245
É, a gente enfoca muito a questão moral. Sabe, a promoção deles
enquanto pessoa. Não apenas o lado material. A busca realmente
de amanhã serem pessoas melhores.
246
A justiça e a solidariedade estão presentes na mesma entidade que
objetiva a garantia dos direitos dos usuários atendidos. No entanto, a entrevistada
destaca também a mística
247
como uma valor de orienta a instituição.
Você no rosto da criança ou do adolescente o rosto do Cristo
sofrido, né, daquele que deu a vida por todos nós e que nós hoje
colocamos de lado. Essa é mística dela. Você sempre. E essa
mística é que nos empurra ao trabalho e que nos prende não nos
deixando soltar. Eu tô dizendo isso porque eu tô a 18 anos dentro da
Pastoral do Menor. uma força, eu acho que é a força do Espírito
que não deixa de que a gente se escape disso não (pausa).
Segundo é a solidariedade que é a própria ação em si, o querer a
243
João D Bona, Padre, Diretor do Instituto Profissional Dom Orione. Entrevista concedida no dia 21
de dezembro de 2006.
244
Marcos Alfredo Pimentel, Médico, Diretor de Ação Social da Associação Espírita Paz e Amor.
Entrevista concedida no dia 19 de janeiro de 2007.
245
Maria do Carmo Ribeiro, Presidente e Fundadora do Lar Espírita de Laura. Entrevista concedida
no dia 22 de dezembro de 2006.
246
Regina lia de Paula, Administradora, graduanda em Pedagogia, Supervisora do Lar Fabiano de
Cristo. Entrevista concedida no dia 29 de novembro de 2006.
247
A mística é o modo de ser e de agir que faz com que o agente se sinta envolvido constantemente
com uma causa que é essencial, um motivo que impulsiona aão, a vida... A mística da Pastoral do
Menor é esse motivo que responde à pergunta: ‘Por que faço aquilo que faço?’ É através de sua
mística que a Pastoral do Menor se manifesta como presença da Igreja na defesa da vida. Essa
aproximação torna a presença da Graça Libertadora algo concreto, histórico. É o lado divino presente
no mundo da desgraça para libertá-lo.” In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.
Projeto político da Pastoral do Menor. 2005. p. 23.
177
justiça. É querer que cada criança e adolescente tenha direitos
iguais dentro da sociedade né, que ela está.
248
Tab. 7 – Entidades religiosas e Valores que orientam as ações
Total
Valores Católicas
Espíritas
Evangélicas
n %
Caridade 1 1 2 14%
Dignidade, sinceridade, lealdade 1 1 7%
Justiça e solidariedade 1 1 7%
Moral 2 2 14%
Transformação 1 1 7%
Valores cristãos 2 1 3 6 43%
Vida 1 1 7%
Total 14 100%
Fonte:
Pesquisa realizada com os dirigentes das entidades de atendimento durante os meses de
novembro de 2006 a janeiro de 2007.
Como observamos nesta segunda parte da pesquisa com as entidades
religiosas, podemos afirmar que uma relação do ideário religioso com as
inadequações das entidades. Se observarmos as 9 entidades que apresentaram-se
“insatisfatórias” nos critérios e indicadores da política de atendimento à infância e
adolescência vemos que elas são as entidades que apresentaram nas respostas a
maior vinculação com a religião. Foram elas que apresentaram o ideário religioso
como motivação para o atendimento, a ajuda como o objetivo principal da instituição
e os valores cristãos como base para suas ações. Em relação aos valores, conforme
índice das respostas, observamos que 71% das respostas relacionam-se aos
cristãos, à caridade e à moral, contrários à perspectiva de efetivação de direitos
sociais.
3.2 Pesquisa com os Conselheiros de direito
A pesquisa com os conselheiros dividiu-se em dois eixos: 1- Em relação a
política para a infância e adolescência em Juiz de Fora e 2- Com relação às
entidades religiosas de atendimento.
Em relação ao eixo 1 buscou-se verificar: Qual a avaliação dos
conselheiros quanto a política? Qual a relação do CMDCA/JF com o Poder Público
248
Élia de Oliveira Melo, Pedagoga, Filósofa e Teóloga, Coordenadora Diocesana da Pastoral do
Menor. Entrevista concedida no dia 15 de dezembro de 2006.
178
de Juiz de Fora para implementação desta política? E no eixo 2: Quais as
providências do CMDCA/JF quanto ao não registro das entidades no Conselho e às
irregularidades das que estão registradas? Qual a opinião dos conselheiros quanto
às entidades religiosas: são diferenciadas em relação às laicas? O ideário religioso
contribui para a inadequação aos critérios do CMDCA? Ele é compatível com a
proposta cidadã do Estatuto da Criança e do Adolescente?
No momento de realização das entrevistas o CMDCA/JF passava por uma
mudança na mesa diretora: a presidente, representante do governo, acabara de ser
exonerada
249
, assumindo o então vice-presidente, representante da sociedade civil.
Quando iniciamos a observação participante nas reuniões plenárias do Conselho
ocorria a eleição para o cargo de vice-presidente (que ficou vacante), devendo ser
ocupado obrigatoriamente por um conselheiro representante do governo. Neste
processo foi eleita uma das conselheiras anteriormente escolhidas para a nossa
pesquisa
250
. Deste modo, durante o período de realização das entrevistas, os três
conselheiros entrevistados eram membros da mesa diretora do CMDCA/JF
(presidente, vice-presidente e tesoureira), sendo dois representantes da
sociedade civil e um do Poder Público.
Segue-se então uma apresentação dos entrevistados:
Lindomar Januário Silva, psicólogo com especialização em
desenvolvimento humano; membro da Pastoral do Menor; secretário do Centro de
Defesa dos Direitos Humanos de Juiz de Fora; atuante no CMDCA/JF a 4 anos;
atual coordenador do Instituto de Defesa da Criança e do Adolescente
251
; é
presidente do CMDCA/JF na gestão atual (gestão 2006-2008).
Cláudia Stumpf Nazareth, assistente social; iniciou a militância na área da
infância e adolescência a partir do Fórum DEDICA no ano de 1995, presidiu o
CMDCA/JF na gestão 1998-2000, coordenou o setor de convênios da Secretaria de
Política Social da Prefeitura de Juiz de Fora ente os anos de 2001 e agosto de 2005,
sendo, portanto, membro da Equipe de Monitoramento e Avaliação EMA;
participou do processo de discussão, articulação e implantação da política de abrigo
249
Esta conselheira assumia um cargo comissionado na AMAC e foi exonerada do cargo, sem
explicação do motivo do mesmo.
250
No momento que terminávamos a etapa da observação participante, acontecia o procedimento
regimental de troca dos conselheiros efetivos da mesa diretora pelos suplentes. Como anteriormente,
devido a substituição na presidência do Conselho, a vice-presidente, saiu do Conselho ocorrendo
assim uma nova eleição.
251
Programa desenvolvido em parceria com o Instituto Telemig Celular.
179
da AMAC; atual coordenadora da ONG Pró-Juventude, 2ª tesoureira do CDMCA/Juiz
de Fora na gestão atual (Gestão 2006-2008).
Márcia Regina Fonseca Moreira de Rezende, assistente social,
coordenadora do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, membro da Equipe
de Monitoramento e Avaliação – EMA, vice-presidente do CMDCA/JF.
Antes da apresentação da pesquisa empírica realizada com os
conselheiros de direitos, torna-se importante uma breve apresentação do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora – CMDCA/JF.
Este Conselho foi criado em 1992, através da Lei Municipal 8056/92.
Constitui-se como órgão normativo, consultivo, deliberativo e controlador da Política
de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente em todos os níveis.
Órgão autônomo, vinculado a Secretaria de Política Social da Prefeitura
de Juiz de Fora, localiza-se, juntamente com outros Conselhos em espaço físico
cedido pela prefeitura, no prédio da AMAC (onde também se situa a SPS)
252
. O
Conselho dispõe de infra-estrutura básica ao seu funcionamento disponibilizado pelo
Poder Público municipal: 1 secretária executiva, 1 secretária administrativa,
computador, impressora e cotas de xerox, além de salas para reuniões em espaço
compartilhado com os demais Conselhos.
O CMDCA/JF é órgão paritário, composto por 24 conselheiros, sendo 12
titulares e 12 suplentes. Conforme sua lei de criação, representam o Poder Público
municipal no espaço do Conselho
253
: a Secretaria de Educação, a Secretaria de
Saúde, a Associação Municipal de Apoio Comunitário AMAC, a Coordenadoria de
Apoio e Assistência à Pessoa Deficiente, a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage
– FUNALFA, e o Instituto de Pesquisa e Planejamento de Juiz de Fora – IPPLAN.
O Conselho possui uma dinâmica de reuniões plenárias quinzenais, além
das reuniões das comissões internas, permanentes ou periódicas. As comissões
permanentes são: Comissão de análise de projetos, Comissão de registro de
entidades e inscrição de programas, Comissão de apoio aos conselhos tutelares,
252
Este espaço é a Casa dos Conselhos onde funcionam além do CMDCA, o Conselho Municipal de
Valorização da População Negra, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal do
Desporto, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Municipal de Fomento ao Crédito e à Geração de
Emprego e Renda, Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, Conselho Municipal dos Direitos
da Mulher, Conselho Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência, Conselho Municipal de
Habitação, Conselho Municipal da Adolescência, e o Conselho Municipal de Controle Social do
Programa Bolsa Família.
253
Lei 8056/92, Art. 10
º
.
180
Comissão do FUMECAD, Comissão de política de atendimento, Comissão de
medidas sócio-educativas e Comunicação e divulgação; e as periódicas são:
Comissão de normas e relatorias, instituída durante a organização da Conferência
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; e Comissão de processo de
escolha de conselheiro tutelar, a cada três anos.
Segue abaixo a análise da pesquisa empírica, realizada com os
conselheiros, apresentada segundo os pontos trabalhados na entrevista.
1- Política de Atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora
Quando indagados sobre a política para a infância e adolescência em Juiz
de Fora os conselheiros destacaram a existência de uma boa estrutura da política
composta por diversos serviços, programas e projetos, além da instalação dos
Conselhos de direito e tutelares. No entanto, uma conselheira colocou que embora a
área de proteção (políticas básicas e assistenciais) esteja estruturada, a política
ainda carece na questão da organização e comunicação da rede de atendimento e
nas políticas de aplicação de medidas sócio-educativas.
Em relação a esta última, a conselheira afirma que falhas nesta área
necessitando de um processo de descentralização como aconteceu com a
Liberdade Assistida
254
. A medida de prestação de serviço à comunidade, por
exemplo, ainda está sendo executada pelo Poder Judiciário (que não é órgão
executor). Importante ressaltar que uma das entidades que compõe a amostra desta
pesquisa disponibiliza este serviço sempre que “solicitado pela juíza”. As medidas de
semi-liberdade e internação têm funcionado numa ação compartilhada do Estado
com uma Organização Não Governamental, o lo de Execução de Medidas Sócio-
Educativas – PEMSE
255
.
Embora a existência de lacunas, o presidente do CMDCA/JF destacou
que a política executada em Juiz de Fora está avançada em relação ao estado de
Minas Gerais, principalmente na questão da implementação de Conselhos de direito
e tutelares. Segundo o entrevistado, “cerca de 27% dos municípios não têm
254
Até 2005 a Liberdade Assistida era executada pelo Judiciário e passou a ser executada pelo Poder
Público através da AMAC.
255
Esem negociação com o governo estadual a criação de um centro de internação, que poderá
alterar essa relação com o PEMSE.
181
Conselho de direito e cerca de 31% não têm Conselho tutelar. E esse número ele é
maior na zona da mata. É a nossa região que detém o maior número de municípios
que não tem Conselho de direito e tutelar”.
Entretanto, ele destaca que “ter Conselho de direito e tutelar não é
garantia da efetivação da política de atendimento à criança e ao adolescente” e que
esta política em Juiz de Fora ainda deixa a desejar em relação ao que o Estatuto
preconiza.
Juiz de Fora está muito bem comparado a Minas, muito bem na
questão da política de atendimento a criança e ao adolescente,
jurídico-legalmente, quer dizer, como está instituído o Conselho,
como ele trabalhando, a sua dinâmica, ele se encontra muito
bem, mas em relação ao que o Estatuto propõe ele se encontra
aquém de fato daquilo que deveria ser.
256
2- Interlocução do CMDCA/JF com o Poder Público em Juiz de Fora
Os conselheiros demonstraram boa percepção do que é o Conselho de
direito, isto é, espaço de correlação de forças, de projetos políticos em disputa. Fato
que pôde ser observado quando foram questionados sobre a relação estabelecida
entre o CMDCA/JF e o Poder Público em Juiz de Fora.
Foi destacado que a relação com o Poder Público é tensa, oscilante e
conflituosa, variando de acordo com as pessoas que ocupam tanto um espaço
quanto outro, e também com a compreensão que possuem da política. No entanto, o
conselheiro destacou que o CMDCA/JF ainda não conseguiu alcançar o espaço de
articulador da política pra infância e adolescência no município, tendo em vista a
dificuldade de reconhecimento, respeito e valorização
257
.
256
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
257
A questão da desvalorização e desrespeito do CMDCA/JF pôde ser observada em 2 momentos da
observação participante. O primeiro deles, ocorrido em uma das reuniões plenárias, referiu-se à
discussão sobre a aprovação de uma Moção de Indignação, em decorrência de um evento realizado
pela prefeitura para lançamento de um projeto voltado pra adolescente num bairro periférico da
cidade. Este projeto foi realizado através de uma parceria da empresa Votorantin com a prefeitura. No
entanto, o recurso disponibilizado pela empresa foi doado ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança
e do Adolescente FUMECAD, necessitando de aprovação em plenária para a sua destinação. Os
conselheiros avaliaram que quando ocorreu o evento de lançamento, o CMDCA/JF não recebeu o
devido crédito, pois, não foi citado como parceiro, e nem teve seu nome no folder de divulgação.
Importante lembrar também que este tipo de tratamento da prefeitura em relação ao Conselho tem
estreita afinidade com a atual administração pública de Juiz de Fora cujo projeto é centralizador e
182
Ele ganha esse lugar especial no município de ser o espaço de
deliberação da política de atendimento, da política pública pra
criança e pro adolescente no município. Ele se torna o espaço, ele
não acima do prefeito, do poder executivo, nem do judiciário e
nem abaixo. Mas ele é o espaço que deveria ser respeitado, que
deveria ser valorizado. E isso não é Juiz de Fora. Isso a nível de
Minas, do país que a gente vê, ainda não é reconhecido o Conselho
municipal como esse espaço, de deliberação, de formulação, de
proposição da política pública pra criança e pro adolescente e do
controle da mesma em todos os níveis, em todas as instâncias e
isso ao Conselho o papel e o lugar de ser o articulador da rede
de proteção, do sistema de garantia dos direitos da criança e do
adolescente no município.
258
Uma entrevistada ressaltou que o CMDCA/JF não é o único espaço que
promove esta relação com o Poder Público. Há outros Conselhos que também
medeiam esta relação e que estabelecem contato com a política pra criança e
adolescente. Neste sentido, podemos observar a importância da intersetorialidade
destacada pela conselheira, tendo em vista o caráter transversal da política para
este segmento.
Este fato pôde também ser verificado durante a observação participante.
Foi apontada nas plenárias do CMDCA/JF a necessidade de verificação das
entidades que atendem crianças e adolescentes registradas nos demais Conselhos
da cidade, mas que ainda não se registraram no CMDCA, numa tentativa de melhor
organização e articulação da rede de atendimento, o que demonstra o interesse do
Conselho com a qualidade da política.
Foi destacado também pelos entrevistados que é preciso um maior
investimento do Poder Público na questão da infra-estrutura do Conselho de direito,
principalmente em relação à assessoria técnica. Pois, a presença de profissionais da
área fixos no Conselho facilitaria o trabalho das comissões internas tendo em vista a
rotatividade de conselheiros decorrente do processo de eleição dos mesmos.
populista, tal como atestou o processo de improbidade administrativa sofrido pelo prefeito e pela
primeira-dama neste ano. Outra situação que comprova a desvalorização do Conselho foi o
fechamento de duas entidades de atendimento pelo Juizado sem fazer interlocução com o Conselho.
Nesses dois casos, o CMDCA/JF se colocou contrário ao posicionamento da juíza. Uma destas
entidades, componente da nossa amostra, teve suas atividades suspensas temporariamente pela
juíza devido irregularidades na instituição. Interessante é que de acordo com a nossa pesquisa, esta
entidade apresentou dificuldades em relação as diretrizes para a política para infância e
adolescência no que tange a carga horária da equipe técnica. Esta situação vem atestar que os
órgãos públicos componentes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente em
Juiz de Fora não estão estabelecendo um trabalho articulado.
258
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
183
Importante sinalizar que o CMDCA/JF conta atualmente com a assessoria
promovida pelo Fórum DEDICA, entidade da sociedade civil.
3- Recurso para execução da política de atendimento a infância e adolescência
Os conselheiros destacaram a insuficiência do recurso para a execução
da política de atenção à criança e ao adolescente em Juiz de Fora. Ressaltaram
também a particularidade do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente FUMECAD em relação aos fundos de outros Conselhos setoriais.
Devido ao orçamento da criança e do adolescente perpassar várias ações,
recursos alocados em outros Conselhos tais como educação, saúde e assistência
social que financiam propostas de ação continuada. O FUMECAD, ao contrário,
prioriza ações de proteção e em caráter não continuado, isto é, financia projetos com
início, meio e fim.
Segundo a entrevistada,
O Fundo da Criança e do Adolescente ele deve priorizar ações de
proteção tá, e quando muito, ações de medidas sócio-educativas
quando o município tá, ainda não dispõe de um financiamento
concreto, mas logo essas ações elas tomem um caráter de política
pública tá, elas devem fazer parte dos orçamentos específicos dos
órgãos que tão executando essas políticas públicas, (pausa) pra
dar oportunidade pra que o fundo possa financiar tá, políticas que
ainda o orçamento, ou então lacunas que o município ainda não
conseguiu atender. Isso deve funcionar mesmo como um impulso
né. Porque as ações continuadas elas devem estar garantidas nos
orçamentos específicos. (...) Os nossos projetos eles são projetos
pequenos pra fazer mesmo um impulso e preencher lacunas que
hoje o Poder Público não consegue financiando através das
outras políticas, das políticas básicas e das políticas assistenciais.
259
Como vimos na pesquisa com as entidades, a dificuldade financeira é
uma questão que esbarra na dificuldade orçamentária da própria política. Segundo a
coordenadora da EMA
260
somente 30 entidades possuem convênio em espécie com
a prefeitura em Juiz de Fora, o que é insuficiente se olharmos o número de
entidades, as dificuldades de manutenção das mesmas, e a própria demanda do
259
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
260
Entrevista realizada com a assistente social Silvana Galliano concedida no dia 02 de março de
2007.
184
município. Salientamos que a transferência de recursos e as parcerias realizadas
com o Poder Público não podem estar deslocadas do controle social das entidades,
o que não vem ocorrendo em Juiz de Fora.
4- Irregularidades das entidades de atendimento
Quando abordamos as questões referentes às irregularidades das
entidades religiosas, tal como a ausência de registro e o desconhecimento do
Estatuto, as respostas dos conselheiros foram unânimes. Os entrevistados
destacaram a logística e a infra-estrutura do CMDCA/JF como dificuldade no
acompanhamento das entidades. E neste caso ressaltaram a atuação da Equipe de
Monitoramento e Avaliação EMA da Secretaria de Política Social, responsável
pelo acompanhamento das mesmas.
Conforme explanado no capítulo anterior, a SEMAC é responsável por
monitorar e avaliar as instituições inscritas no CMAS bem como no CMDCA, através
de levantamento dos aspectos físicos, humanos, administrativos e atendimento aos
usuários. Também realiza a emissão de pareceres técnicos das visitas a essas
entidades para celebração de convênios.
Cabe aqui destacar o funcionamento da EMA, de acordo com a entrevista
realizada com a coordenadora do Setor de Monitoramento, Avaliação e Convênios
SEMAC – da Secretaria de Política Social, onde a equipe está alocada.
A Equipe de Monitoramento e Avaliação, cuja equipe técnica é formada
por uma assistente social, uma pedagoga e estagiários dessas duas áreas, é a
responsável pelas visitas efetuadas às instituições. Conforme informou a
coordenadora, as visitas não têm um caráter punitivo e busca-se através delas
verificar a qualidade das entidades, isto é, o alcance social do trabalho realizado e
se o funcionamento delas está de acordo com a Política Nacional de Assistência
Social ou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nessas visitas as entidades são
orientadas também quanto à participação nos Conselhos e à articulação com a rede
de atendimento.
Segundo a coordenadora, as visitas são realizadas a todas as entidades,
independente da existência de convênio com a Secretaria de Política Social. O
monitoramento é realizado 1 Quando da inscrição no CMAS ou registro no
CMDCA, (neste caso, quando tem recurso visita-se as entidades 3 vezes ao ano); 2
185
Quando as entidades enviam projeto para captação de recurso no CMDCA. Neste
caso, a equipe visita a instituição e realiza o parecer técnico; 3 – Quando da
renovação do registro nos Conselhos; 4 Quando denúncias de irregularidade
das entidades.
Entretanto, percebemos um descompasso entre essa fala e a dos
conselheiros de direito. Embora eles tenham destacado a atuação da EMA no
monitoramento das entidades ressaltaram que o acompanhamento às entidades dá-
se somente para as entidades registradas no Conselho. Quando indagados sobre
isso, um dos conselheiros afirmou que as não registradas não passam pela EMA
porque a demanda é muito grande.
Os conselheiros também ressaltaram como providência quanto às
irregularidades das entidades uma capacitação que será oferecida pelo Conselho
como forma de enfrentamento destas questões. Torna-se importante, então, explorar
as falas dos conselheiros em relação às irregularidades levantadas.
4.1- Entidades sem registro
Como colocado, um dos conselheiros afirmou que o CMDCA/JF ainda
não está organizado de forma a ocupar o espaço de deliberação e controle da
política voltada à criança e ao adolescente no município, o que dificulta a
legitimidade frente às entidades. Além do mais, o conselheiro ressaltou que em
outras instâncias não é exigido à entidade que ela possua o registro no Conselho, de
forma a fortalecer as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não de forma amarrada que pra receber um alvará de
funcionamento, seje cobrado dela que primeiro ela tenha o registro
no Conselho. A prioridade não é essa, a prioridade não é a criança e
o adolescente ainda.(...) Sem isso não vai liberar né, que pra
conseguir outras, outros registros jurídicos também que ela tenha
isso. Porque pra ela conseguir recursos junto ao Conselho ela tem
que ter, junto às empresas, ela tem que ter. Então na hora de
acessar o recurso financeiro é que exigindo; e a relação tem que
ser mais ampla, pra ela funcionar ela tem que ter.
Nesta fala ficou claro que, assim como verificado com os dirigentes de
entidade, a questão do Conselho como fonte de acesso ao recurso público também
186
faz com que o CMDCA/JF utilize desse mecanismo do Estado para obter
legitimidade, como veremos mais adiante.
O conselheiro destacou que o interesse das entidades no recurso
financeiro é um desgaste (e também como pudemos verificar, um mecanismo de
poder) para o Conselho, para as entidades que brigam pelos recursos e para as
empresas que destinam recurso ao fundo
261
.
Outro conselheiro afirmou que a desvinculação do interesse pelo
Conselho pelo viés do recurso “envolve mudança de paradigma de cultura”.
eu acho que muito a longo prazo a gente vai ter um resultado tá das
instituições entenderem que a participação ela não se pelo
viés do financiamento. Mas ela ainda é uma questão cultural mesmo
de participar na possibilidade de conseguir um financiamento pra
organização.
262
No entanto, a mesma conselheira ressaltou que a busca das entidades
pelo recurso financeiro é um processo histórico e legítimo em nosso país, porém
destaca a necessidade de se compreender o financiamento como uma questão de
política pública e não somente de interesse privado de entidades.
A gente tem que entender que a captação de recurso pra uma
entidade sem fins lucrativos ela é legítima. Ela é legítima tá. Então o
que que acontece? Quando ela olha a questão do Conselho na
possibilidade de buscar um financiamento ela olha como uma
estratégia de captação de recurso. A questão é entender que esse
fundo público ele não ali pra atender a necessidade da
instituição mas a necessidade de uma política. Então assim, toda
essa sensibilização ela tem que ser contínua porque sai e entra
261
Uma situação ilustrativa desta questão foi a realização de um evento promovido pelo Conselho
com o objetivo de divulgar as suas ações e o FUMECAD. Neste dia, além da baixa adesão ao evento,
não somente pelas entidades e parceiros, mas principalmente pelos conselheiros, esteve presente
apenas uma empresa da cidade, parceira do conselho. Houve um embate com este participante que
solicitou uma prestação de contas do dinheiro investido pela empresa no Fundo. Este representante
queria saber para quais projetos (entidades) tais recursos foram destinados com o objetivo de retorno
aos funcionários da empresa que são voluntários em projetos sociais. O Presidente do CMDCA
insistiu dizendo que ainda que o recurso destine-se a projetos específicos das entidades, essa ação
tem por objetivo o financiamento da política de atendimento à criança e adolescente com um todo não
podendo, portanto, ser realizado tal prestação de contas. Importante também destacar que o pouco
envolvimento dos conselheiros foi percebido também nas reuniões plenárias do CMDCA/JF, nas
comissões de trabalho do conselho e na organização da IV Conferência Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Em vários momentos o presidente do conselho destacou esse assunto nas
reuniões. Ressalta-se também uma rotatividade de conselheiros no período da observação
participante.
262
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
187
entidades representativas, a gente sempre vai ter, parece que isso é
cíclico, né, e é um direito da instituição ela vim buscar o recurso no
Conselho e é dever do Conselho explicando se essa instituição
não conseguir o seu objetivo que é a captação de recurso. Porque
você não conseguiu apesar de ser, não basta ser registrada no
Conselho e ser uma entidade de criança e adolescente para
conseguir a captação de recursos do fundo. Ela tem que entender
que o recurso vai ser disponibilizado se ele passar por uma
deliberação de plenária e se aquele projeto ele fortalecer a política
prevista no plano de ação do Conselho da Criança e do
Adolescente. Se ela for passível, for considerada uma prioridade
pelo Conselho tá.
263
Retomando a questão das entidades sem registro foi interessante
perceber a discordância dos conselheiros quanto às entidades não registradas na
relação com a rede de atendimento à criança e ao adolescente em Juiz de Fora.
Um dos conselheiros afirmou que “se elas não estão registradas no
Conselho elas não são oferecidas ao Conselho tutelar como um ponto da rede que
pode ser contado, que o Conselho tutelar pode contar com ele na hora de requisitar
serviço”
264
.
E complementou:
Até o momento em que ela vai esbarrar nesse ponto da rede, quer
dizer, se ela atendendo e atendendo fora dos padrões e
alguém faz uma denúncia, ela registrada ou não aí o Conselho
tutelar fiscaliza. ela vai né, começar a ter problemas, porque o
Conselho tutelar fiscaliza, ele manda pro Conselho de direito, ele
manda pra juíza da vara da infância, que vai tomar providências em
relação a ela, ela vai ter que se adequar. é a hora que ela vai ter
que entrar na rede. Então assim, ela tava antes, mas ela, se ela não
toma consciência e não busca por né, livre iniciativa, até pra ter os
benefícios que são os recursos que as empresas e pessoas físicas
destinam anualmente pro fundo municipal, pra financiar essa política
de atendimento, uma hora ela vai por conseqüência disso também,
porque muitas são né.
265
De fato, conforme preconiza o ECA, as entidades somente deveriam
funcionar depois de serem registradas no CMDCA. Se observarmos a Resolução
263
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
264
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
265
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
188
16/06 do CMDCA/JF temos que o registro deferido confere à entidade o ingresso na
rede de atendimento
266
.
Porém, na fala de outra conselheira pudemos verificar que essa afirmação
não se efetiva, pois independente de estar ou não registrado no Conselho, as
entidades são contadas como ponto de apoio para encaminhamentos e
atendimentos fazendo parte, desta maneira, de uma “rede não oficial” de
atendimento
267
. Tal fato foi verificado na pesquisa com as entidades. As que não são
registradas estão funcionando normalmente, inclusive sendo acionadas pelo Poder
Público para realização de parceiras.
Ela faz parte de uma rede que é não oficial, não está devidamente
registrada nos Conselhos setoriais, ou da criança e do adolescente
ou da assistência social. Por que? As instituições acham que o
registro serve realmente pra buscar financiamento. Por que você
quer ser registrada? Ah! Porque eu penso no futuro em
conseguindo algum recurso financeiro pra ajudando a
manutenção da entidade.
268
A própria questão da realização de convênios na SPS/PJF e na AMAC
difere neste sentido. A SPS somente realiza convênios com entidades registradas, a
AMAC, entretanto não leva isso em consideração. Neste caso voltamos à questão
da cultura política local que contribui para o assistencialismo, o clientelismo e a
transferência de responsabilidade do Estado para a sociedade civil.
Importante lembrar que as entidades pesquisadas, em sua maioria,
possuem uma relação utilitarista com o Conselho de direito, pois se registram com
vistas a obtenção de recursos, não efetivando assim em uma participação política.
5- Atuação do Conselho de direito frente às irregularidades das entidades de
atendimento
266
Entende-se por rede de atendimento do município o conjunto articulado de órgãos, entidades,
programas e serviços desenvolvidos pela sociedade civil e a vigência dos direitos da criança e do
adolescente. (Resolução nº 16/06, do CMDCA/JF, Art. 8º, parágrafo único).
267
Outra questão importante ressaltada pela conselheira diz respeito a rede dos Centros Regionais
de Assistência Social CRAS que mapeiam todos os recursos socais existente no seu território de
localização, independentemente do registro no CMDCA. Importante registrar que o processo de
descentralização da assistência social em Juiz de Fora é recente, ocorrido em 2006. A cidade conta
apenas com um CRAS.
268
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
189
Cabe salientar que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente não é órgão fiscalizador. Segundo o artigo 91 do Estatuto da Criança e
do Adolescente, a fiscalização das entidades é competência dos Conselhos
tutelares, do Ministério blico e do Judiciário. No entanto, o Conselho como o
articulador da política de atendimento não pode ser omisso frente à realidade que se
apresenta devendo exercer o controle sobre a atuação dessas entidades.
Os conselheiros destacaram que a infra-estrutura e logística do Conselho
são obstáculos para a realização de um trabalho mais direto com essas entidades.
Destacaram também que as dificuldades de inadequação os critérios e indicadores
da política de atendimento à infância e adolescência não são exclusivos das
entidades religiosas. Como solução a isso os conselheiros citaram novamente a
questão da capacitação prevista no Plano de Ação
269
.
A busca sendo essa capacitação que vai ser oferecida pra todo
mundo e de trazê-las e que que a gente vai fazer? Identificar quais
as que não estão pra fazer uma busca ativa no sentido de
sensibilizá-las porque o Conselho não está organizado de forma que
ele possa né, cobrar ou conseguir sensibilizar essas entidades a
registrarem-se no Conselho. Ele não tem um mecanismo, nem
perna, nem pessoal pra poder fazer isso. Ele tá indo muito na via da
sensibilização. Do atrair pelo recurso financeiro, pelas vantagens
que se tem de estar no Conselho municipal e não pelo viés jurídico
que seria olha, se você não registra você não vai funcionar.
270
No entanto, a finalidade desta capacitação tem maior relação com a
questão do acesso ao FUMECAD como demonstram as falas a seguir:
A nossa intenção, eu vou falar por essa gestão, é seguir o plano de
ação no que diz respeito a capacitação de entidades. Nós devemos
pra essa gestão agora organizando uma capacitação onde nós
vamos fazer uma convocação, uma chamada pra todas as
organizações que atuam na área de criança e adolescente pra
participar dessa capacitação. Que ela tem tá, a finalidade de
identificar instituições que ainda não tão registradas e instituições
que querem também buscar financiamento junto ao fundo da criança
e do adolescente. Nós vamos explicando quais foram as
269
“Capacitação de entidades não governamentais e atores sociais com vistas à melhoria na atuação,
representação e qualidade dos serviços sociais; Desenvolvimento de campanha para captação de
recursos via empresas e sociedade civil com vistas a fortalecer, implementar os projetos e programas
que atendam crianças e adolescentes, fortalecendo as deliberações do CMDCA, além de sensibilizar
a sociedade e empresas a destinarem recursos para o FUMECAD” (Plano de ação 2007 -
CMDCA/JF).
270
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
190
prioridades elencadas e qual é o modelo de projeto a ser
apresentado no Conselho, quais são as condições pra tal.
271
A gente vai apresentar o plano de ação do Conselho, quer dizer,
quais são os buracos da rede de atendimento do município que o
Conselho tem proposta pra elas e quer captar recurso pra poder
financiar. Isso 4 horas de trabalho mostrando isso, quer dizer, o
Conselho. 4 horas de trabalho a gente vai mostrar o projeto, como é
que ele funciona, como é que ele tem que se adequar. Isso é um
primeiro passo, é mínimo né?
272
Aqui vemos o reforço da utilização do acesso ao fundo como estratégia
de legitimação do CMDCA/JF frente às entidades, o que de certa maneira contribui
para endossar a concepção que as entidades têm do Conselho.
Um dos entrevistados destacou que as entidades oscilam muito nos
padrões de qualidade (por uma questão de dinâmica da realidade), e que neste
sentido, o recurso financeiro muitas vezes mantém relação direta com isso. Também
destacou o desconhecimento e a dificuldade de assimilação do ECA pela sociedade
como um entrave nessa oscilação.
6- Associação entre a inadequação das entidades religiosas e o ideário
religioso das mesmas
Quando indagados sobre a relação entre a inadequação das entidades
religiosas e o ideário religioso das mesmas a opinião dos conselheiros divergiu. Para
o presidente do Conselho esta relação é simbiótica, visto que as entidades religiosas
operam na lógica da caridade, diferente da lógica da cidadania preconizada pela
Constituição Federal de 1988 e endossada pelo ECA. Segundo ele, o ideário
religioso, que constitui a visão de mundo da entidade, pode ser um fator de
resistência a inadequação ao Estatuto.
Então essa trajetória nossa de quase 500 anos ela é muito superior
a uma trajetória de 16 anos que tem o Estatuto, muito superior a
uma trajetória de 27 anos da constituição federal que é de 88 que
271
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
272
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
191
propõe um regime democrático continuado, é muito curto em relação
aos outros que a gente viveu. E essa relação desse viés da caridade
ele não vai ser tira..., não é 16 anos de Estatuto que consegue
mudar.
273
Para as demais conselheiras a questão da irregularidade não guarda
relação com o ideário religioso visto que esta situação de inadequação não é
específica das entidades religiosas.
Eu acho que a questão do ideário religioso não tá ligado a isso não.
Porque essa questão não perpassa só por instituições que são
religiosas né. Em outras organizações que não tem fundo religioso
também acontece isso.
274
Outra conselheira ainda complementou afirmando que possuir um ideário
é um ingrediente fundamental, mas não pode ser o único a guiar a instituição. Para
ela, a inadequação das entidades tem relação com a dificuldade de entender a
importância das exigências do Conselho.
7- Diferenças entre entidades religiosas de atendimento e não religiosas
Um dos entrevistados considera que a diferença está justamente na
questão do ideário que constitui a visão de mundo da instituição.
No entanto, uma conselheira destacou não haver diferenças significativas,
pois, além das dificuldades vivenciadas serem muito semelhantes, a questão da
religiosidade não é restrita às entidades religiosas, já que a maioria dos dirigentes de
entidades, religiosas ou não, possuem uma religião.
Neste mesmo sentido, outra entrevistada destacou o apelo que o ideário
religioso pode ter na imagem das entidades e ressaltou a questão da atuação das
entidades religiosas como um preenchimento da lacuna do Estado frente às políticas
sociais.
A questão da religiosidade ela tem um chamamento à participação
muito pelas questões de solidariedade, muito pelas questões de
caridade, ainda que esse processo também esteja sofrendo
transformação por algumas organizações, mas a questão do, por
que o que acontece com essas organizações? Elas entram numa
273
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
274
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
192
lacuna onde o Estado não dá conta. Então a sociedade civil, a
questão do Terceiro Setor hoje no Brasil, a gente assim que ela
cresce a passos largos. A passos largos por que? Porque o Poder
Público ele não consegue ser eficaz com as suas competências e
a aplicação desses recursos também nem sempre elas se dão de
maneira eficazes. Então ela entra nessa lacuna, mas ela entra
muitas vezes com um apelo pela caridade, pela solidariedade, não
que esses sentimentos tá, eles não sejam importantes. que hoje
outras estratégias também por instituições religiosas, além da
questão do bem né, para com o próximo, no caso do bem para com
as crianças e adolescentes, elas precisam de outras ferramentas
também, e essas ferramentas são quais? São ferramentas de
gestão, são ferramentas de capacitação desses recursos humanos,
de organização de recursos financeiros, de transparência com os
resultados dessas organizações.
275
Conforme abordado no capítulo 1, a participação do Terceiro Setor nos
últimos anos no Brasil tem-se constituído uma diretriz das políticas públicas do
Estado neoliberal. Este setor vem crescendo no país e se utilizado de um discurso
modernizador, principalmente na dimensão da gestão, conforme sinalizado por
Yazbek (2000a).
O complicador disto é que uma das estratégias da política neoliberal tem
sido a utilização do recurso da descentralização, o com uma diretriz de
fortalecimento do Estado democrático, conforme previsto na Constituição e leis
complementares referentes às políticas sociais, mas como um reforço da omissão do
Estado, como ênfase na atuação privada nas políticas públicas.
O depoimento a seguir é ilustrativo neste caso:
mas existe uma diferença que é a descentralização de política
pública. Que a gente tem muito isso hoje principalmente na área
assistencial. Por que? Porque ela é mais barata, mas a questão da
eficácia ela não foi totalmente comprovada. A gente até ouve
resultados que as organizações não governamentais elas
conseguem ter bons resultados com muito menos gastos, mas
assim aprofundar nessas questões precisaria ter uma pesquisa
nessa área.
276
De fato, o Estado utiliza-se do discurso de escassez de recursos para
reforçar a lógica privada na política que deveria ser pública. Os critérios dessa
275
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
276
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
193
parceria com o privado nem sempre são critérios públicos e passíveis de controle
social.
a descentralização ela acontece somente praquelas que estão
registradas ou inscritas nos Conselhos setoriais.(...) Mesmo porque
hoje você pode fazendo convênio através dos fundos públicos
teoricamente, mas a gente sabe que ainda faz-se convênios sem
passar pelos fundos públicos tá?
277
8- Compatibilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente com o ideário
religioso das entidades de atendimento
Para um entrevistado, a garantia de direitos não impede a convicção
religiosa, devendo, no entanto, ser a premissa das organizações. Deste modo, para
ela, é possível uma compatibilidade entre o ECA e o ideário religioso.
Eu acho que elas não caminham, elas não deveriam caminhar
separadas. Eu acho que assim, você tem que garantir o, o fato de
você garantir o direito não significa que não se tenha que ter um
atendimento humanizado e que as pessoas não possam ser
solidárias e terem as suas convicções religiosas. Eu acho que são
questões que se completam. (...) Garantir o direito não impede a
convicção religiosa das pessoas que atuam, mas com certeza a
premissa pra qualquer organização seja ela de fundo religioso ou
não deve ser a garantia de direitos.
278
Um outro conselheiro reforçou esta questão afirmando que o ECA
sensibiliza e indica uma nova orientação para as entidades, extrapolando a questão
da caridade.
O Estatuto puxando pra profissionalização, pra assistência social,
invés do assistencialismo, e as entidades pra terem os benefícios
que o Estatuto também garante, faculta e essa entidades que se
adequam a ele, tem se movimentado. Então assim, não é bem uma
relação de complementariedade, mas uma relação onde o Estatuto
consegue sensibilizá-los e puxarem eles prum outro caminho, que
vai demorar muito tempo se adequarem
279
.
277
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, 2ª tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
278
Claudia Stumpf Nazareth, assistente social, tesoureira do CMDCA/JF, gestão 2006-2008.
Entrevista concedida em 02 de abril de 2007.
279
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
194
Então assim, e como isso elas estavam antes nessa política é
preciso ter um bom senso de ir readequando até atingir 100% das
que estava e das novas vai existir essa relação.
280
De fato, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe uma nova diretriz
à política destinada a infância e adolescência baseada na lógica da cidadania e dos
direitos. Assim, as práticas assistencialistas e caritativas o negadas. Entretanto,
tais práticas ainda são presentes no cotidiano das entidades e das políticas sociais
necessitando, portanto, de um amplo e gradativo processo de mudança.
Como vimos na pesquisa com os conselheiros de direito, o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora ainda carece de
reconhecimento e legitimidade frente às entidades de atendimento e ao Poder
Público local, (não somente com o executivo, mas também com o judiciário) visto a
inexistência de um trabalho articulado com este ator.
Em relação às entidades o Conselho utiliza-se do mecanismo do acesso
ao FUMECAD como estratégia de legitimação, o que é perverso na sua relação com
as instituições porque reforça o conceito que elas possuem dele. Além disso,
constatamos que as entidades religiosas, em sua maioria, mantêm uma relação
formal com o CMDCA, restrita ao registro da instituição neste espaço, não se
expressando em participação política.
Da mesma forma que procedemos nos capítulos anteriores, propomos
uma síntese do capítulo para melhor apreensão da discussão realizada.
Este capítulo apresentou a pesquisa empírica desenvolvida com as
entidades de atendimento e com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Partindo do princípio da fragilidade do controle social das entidades,
esta pesquisa buscou verificar as providências do CMDCA/JF quanto às
irregularidades das mesmas, o processo de acompanhamento das entidades, a
relação das entidades com o CMDCA, a existência de diferencial no atendimento
das entidades registradas no Conselho, a conexão do ideário religioso com à
inadequação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e a relação estabelecida pelo
Conselho e pelas entidades com o Poder Público de Juiz de Fora. Ao final,
buscamos verificar se a participação das entidades na política destinada à crianças e
280
Lindomar J. Silva, psicólogo, presidente do CMDCA/JF, gestão 2006-2008. Entrevista concedida
em 21 de março de 2007.
195
adolescentes em Juiz de Fora apresenta-se com uma atuação meramente
filantrópica ou contribui para a implantação de direitos de cidadania.
A pesquisa realizada com as entidades religiosas pretendeu avaliá-las
quanto ao cumprimento dos critérios e indicadores de qualidade da política de
atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora, estabelecidos pelo CMDCA,
em consonância ao ECA.
Neste sentido observamos que as entidades apresentaram uma
participação insatisfatória na política de atendimento, haja vista o não cumprimento
de tais critérios. Verificamos que, em sua maioria, as entidades não dispõem de uma
equipe interdisciplinar necessária ao atendimento de qualidade e nas entidades que
a possuem, vínculos frágeis de trabalho que comprometem a qualidade do
serviço.
Foi significativa a presença do trabalho voluntário nas entidades de
atendimento. Percebemos que, em alguns casos, este tipo de trabalho sustentava-
se no ideário religioso da entidade, pois a ação caritativa, inerente ao corpo
doutrinário, apresentou-se como motivação a este tipo de ação. Em grande parte
dos casos, a dificuldade financeira da instituição e conseqüente incapacidade de
contratação de pessoal, colocou-se como justificativa para a utilização do
voluntariado.
Vimos também que em relação aos recursos das entidades, a grande
parte das suas receitas derivou de doações dos próprios membros. Entretanto,
outras ações eram acionadas, tais como realização de eventos, locação de imóveis
e também convênios e parecerias com ONGs e o poder público. Pudemos constatar
que o estabelecimento destes convênios e parcerias reforçou práticas clientelistas e
de desresposanbilização da prefeitura quanto à execução da política social, nos
moldes de descentralização de tipo neoliberal, posto que inexistiu a contrapartida do
controle da entidade parceira.
No que diz respeito ao desenvolvimento de atividades religiosas voltadas
ao público infanto-juvenil, os dirigentes das entidades apresentaram um discurso de
respeito às religiões dos usuários através de atividades que poderiam ser realizadas
por todos, independentes da crença professada por eles. Entretanto, pudemos
verificar, no decorrer das entrevistas, práticas diferentes do discurso, tais como o
controle do usuário sobre a atividade prestada, atitudes proselitistas, e
196
desenvolvimento de rituais muito particulares ao universo das religiões nas quais as
entidades vinculam-se.
Quando observadas segundo o regime de atendimento, constatamos que
as atividades desenvolvidas para o segmento familiar não efetivam direitos de
cidadania, posto que as ações eram pontuais, assistencialistas e numa lógica de
extensão do trabalho da igreja. No regime de Apoio Sócio-educativo verificamos que,
além do não cumprimento dos quesitos avaliados, as ações desenvolvidas nos
Programas de iniciação, formação profissional ou colocação no mercado de trabalho,
em sua maioria, eram descontínuas, com oferecimento de cursos e oficinas que se
efetivavam na perspectiva de profissionalização. O regime de abrigo, ao contrário,
não apresentou irregularidades que comprometessem a qualidade do seu
atendimento.
Em relação à participação das entidades no espaço do controle social da
política de atendimento, vimos em alguns casos um descrédito das entidades quanto
à atuação do CMDCA/Juiz de Fora e um desconhecimento deste espaço.
Observamos também que a maioria das entidades estabelece uma relação formal-
utilitária com este Conselho. Formal no cumprimento do registro da instituição para
realização de parcerias que exigem este registro, e utilitária, posto que concebem o
Conselho como fonte de acesso ao recurso público, o que de fato acontece, mas
não representa sua função primordial. Constatamos então, que a participação das
entidades no CMDCA não se efetiva em participação política.
A relação das entidades com o Estatuto da Criança e do Adolescente
também se apresentou preocupante. Apenas 50% das entidades o conhecem e o
adotam nas ações desenvolvidas, o que constata que mesmo as entidades
registradas no CMDCA/JF não conhecem o ECA. Deste modo, afirmamos que estar
registrado no Conselho não é garantia da implementação e efetivação do Estatuto.
No conjunto da avaliação empreendida quanto aos critérios e indicadores
da política voltada ao público infanto-juvenil, constatamos que as entidades
religiosas se comportaram de maneira insatisfatória na política de atendimento, pois
apenas 50% delas conseguiram preencher 70% dos quesitos avaliados nos dois
eixos analíticos.
Através da investigação dos motivos, valores e objetivos das entidades no
atendimento ao blico infanto-juvenil, procuramos averiguar se o ideário religioso
mantinha relação com as inadequações apresentadas. Verificamos que esta relação
197
é pertinente, pois, as entidades que apresentaram índices insatisfatórios foram as
que, em suas respostas, afirmaram ter o ideário religioso como motivação para o
atendimento, a ajuda como objetivo da instituição (neste caso com um sentido
proselitista), e valores cristãos, caritativos e morais como orientadores das ações da
entidade. Valores estes que reforçam a lógica filantrópica, contrária, portanto, à
lógica da cidadania.
A pesquisa desenvolvida com os conselheiros de direito corroborou as
questões levantadas com as entidades religiosas.
Verificamos que o CMDCA/JF ainda não se apresenta como o articulador
da política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora, seja pela
relação desarticulada com os órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança
e do Adolescente, principalmente, com a rede de atendimento; seja pela dificuldade
de atividades de divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, contribuindo
para sua incorporação e apreensão pela sociedade.
Foram destacados pelos conselheiros que as dificuldades vivenciadas
pelo Conselho de direito na implementação da política de atenção à crianças e
adolescentes justificam-se nas deficiências de infra-estrutura do Conselho e
ausência de assessoria técnica disponibilizada pelo Poder Público. Ressaltaram
como estratégia de enfrentamento a estas irregularidades das entidades a
realização de uma capacitação. Entretanto, observamos que esta ação está
direcionada a capacitação das entidades quanto à elaboração de projetos para o
acesso ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Aliás,
verificamos que o CMDCA/JF utiliza-se do FUMECAD como mecanismo de
obtenção de legitimidade com as entidades, o que reforça a concepção que estas
possuem do Conselho.
Constatamos que o controle social da política de atendimento à infância e
adolescência em Juiz de Fora não vem acontecendo, haja vista a inexistência de
acompanhamento das entidades executoras, principalmente das que compõem a
“rede não oficial” de atendimento, prejudicando a efetivação desta política, conforme
preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente.
198
C
C
O
O
N
N
S
S
I
I
D
D
E
E
R
R
A
A
Ç
Ç
Õ
Õ
E
E
S
S
F
F
I
I
N
N
A
A
I
I
S
S
A filantropia marcou a atuação privada no campo das políticas sociais
voltadas à criança e ao adolescente no país, tradicionalmente dominado pela Igreja
Católica, que por intermédio das congregações religiosas, cujo exemplo expressivo
foi a Santa Casa de Misericórdia, conformou os espaços de atuação na área até a
metade do culo XIX. Neste sentido, a caridade foi o operador de legitimidade da
igreja no país, numa atuação que extrapolou a ação puramente assistencial.
A instauração da República, a influência do contexto internacional, e a
efervescência de iniciativas sociais no país, nos anos 1920, suscitaram a
necessidade de investimento na criança trazendo para o debate a necessidade doa
intervenção do Estado quanto aos cuidados com ela.
É a partir dos anos 1930 que se inicia uma atuação efetiva do Estado
brasileiro nas políticas sociais, num período de politização da questão social no país.
Ainda que o Estado brasileiro tenha investido e implementando políticas nas áreas
da previdência, saúde, e educação, a área assistencial, na qual crianças,
adolescentes e suas famílias constituem público-alvos, permaneceu relegada pelo
Estado numa clara expressão do acordo do Estado com igrejas e outras
organizações da sociedade civil.
A intervenção do Estado nas políticas sociais o eliminou o papel do
setor privado nesta área, ao contrário, através da criação de mecanismos de
coordenação e fiscalização da filantropia, que perduram nos dias atuais, o Estado
reservou um papel importante às entidades sem fins lucrativos no campo das
políticas públicas e principalmente na área assistencial. De tal modo, conformou a
particularidade dada pelo Estado ao campo sócio-asssitencial, isto é, política
relegada ao setor privado, com ênfase na atuação de instituições religiosas, e
realizada através de investimento público.
Em relação às políticas de atendimento ao menor, neste momento, foi
estabelecida uma Política de Menorização (Rizzini, 1997), voltada à criança pobre,
juridicamente chamada menor, que conjugava assistência e repressão. O Código de
Menor, instituído em 1927, foi o marco desta política regulamentando as ações
dirigidas ao público infanto-juvenil. O Serviço de Assistência ao Menor, o
199
Departamento Nacional da Criança e a Legião Brasileira de Assistência foram
órgãos componentes desta estrutura, mantendo uma atuação assistencialista e
clientelista. Além disso, a LBA também instituiu o primeiro-damismo, um dos
elementos da cultura política brasileira.
Como percebemos ao longo deste trabalho, a atuação destes órgãos
reforçaram práticas que conformam a cultura política brasileira e determinam os
padrões de relação entre o Estado e a sociedade civil: patrimonialismo, clientelismo,
benesse, tutela e favor, primeiro-damismo, e autoritarismo do Estado.
Os anos 80 e 90 representaram um marco na área social no Brasil posto
que o processo de redemocratização do país desempenhou um importante papel na
formatação legal dos direitos sociais no Brasil, constituindo-se numa tentativa de
construção da esfera pública. Como fruto deste processo, a Constituição Federal de
1988 fortaleceu a defesa da democracia com propostas de descentralização político-
administrativa, autonomia municipal e participação popular na formulação e no
controle da gestão das políticas públicas, nos quais se destacam os Conselhos.
Estes são importantes canais para a viabilização de uma perspectiva publicista e a
produção de uma nova cultura política, embora não sejam suficientes para a
garantia da gestão das políticas sociais como públicas (RAICHELIS, 2005).
Na área da infância e adolescência várias iniciativas da sociedade civil e
movimentos de âmbito nacional se articularam na defesa de um sistema universal
dos direitos que exerceram forte pressão sobre os resultados da Constituição de
1988. A partir de então crianças e adolescentes foram considerados sujeitos de
direitos, logo, cidadãos, com absoluta prioridade no atendimento sendo dever da
família, do Estado e da sociedade garantir a efetivação de seus direitos.
Os dispositivos assegurados na Constituição foram regulamentados como
Doutrina de Proteção Integral às crianças e aos adolescentes, que em oposição à
doutrina da situação irregular do antigo Código de Menores, constitui-se na base do
Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal 8.069, promulgada em 13 de Julho
de 1990.
Em relação às políticas sociais na área da infância e adolescência, o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é um importante ator
na formulação da política de atendimento ao público infanto-juvenil, no controle das
ações e na garantia dos direitos deste segmento. Se considerarmos a realidade
200
histórica do atendimento nesta área, historicamente associado à filantropia, este
espaço assume uma importância significativa.
Entretanto, as novas práticas desenhadas na Constituição Federal não
representaram a anulação das velhas práticas no campo das políticas sociais, pois,
a própria Constituição reafirmou vantagens a filantropia, por meio de uma relação
cartorial do Estado com as instituições, em que os certificados de utilidade pública e
de fins filantrópicos funcionam como passaportes para acúmulo de vantagens
(Mestriner, 2005).
Além disso, na contramão do processo de implantação da Constituição e
em suas leis complementares ocorreu o ajuste neoliberal no país com a proposta de
desmonte do Estado e, portanto, de reforço ao caráter privado das políticas sociais.
Neste contexto, as estratégias de descentralização e participação popular foram
utilizadas como mecanismos substitutivos e não complementares às ações do
Estado para com as políticas sociais reforçando a promoção da filantropia em
detrimento da cidadania.
Sendo a questão social neste novo ideário compreendida como
responsabilidade individual, numa perspectiva moralizante da pobreza, o Estado fez
avançar com nova ênfase os paradigmas da solidariedade, da filantropia e da
benemerência, reafirmando os mecanismos históricos criados pelo Estado no
financiamento da filantropia, sem, no entanto, o efetivo controle social.
Com esta “nova velha” lógica tem-se na área da criança e do adolescente
a abertura de espaço para o ressurgimento e valorização de organizações voltadas
para a filantropia com práticas e valores tradicionais.
A política destinada à infância e adolescência em Juiz de Fora evidencia o
cenário nacional, onde as organizações da filantropia tradicional, principalmente as
confessionais, são enfatizadas pelo Estado, através de parcerias e convênios na
atuação na questão social.
Observamos que a configuração da política destinada a crianças a
adolescentes no município apresentou uma presença muito tímida do Estado,
apresentando-se mais ativo no período ditatorial. Verificamos que na relação do
Estado com as entidades filantrópicas o mecanismo de subsidiariedade foi
enfatizado por meio da LBA, do Departamento Social do Menor, e da Fundação
Estadual do Bem-Estar no Menor.
201
Em relação a presença de entidades religiosas neste campo verificamos
que a inserção em atividades sociais representou uma atuação para além da simples
caridade, posto que manteve relação com os projetos políticos das religiões em
disputa: no catolicismo com o projeto de reforma; no metodismo com a tentativa de
inserção na cidade com um projeto educacional moderno para a época; e no
espiritismo como busca de legitimidade e penetração na sociedade.
A partir dos anos 80, em virtude da conjuntura de redemocratização do
país e de mobilização da sociedade civil, diversos encontros foram realizados em
Juiz de Fora na tentativa de formulação de diretrizes básicas para uma Política de
Bem-Estar Social em contraposição as práticas da FEBEM.
Em 1985 foi criado pelo Poder Público a Associação Comunitária de
Apoio Comunitário AMAC, órgão executor da política de assistência social no
município que marcou a atenção à infância e adolescência. Contudo, a relação desta
instituição com o Poder Público local, reforça práticas do patrimonialismo, do
clientelismo, do personalismo e do primeiro-damismo, características da cultura
política conservadora do nosso país.
A implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente na cidade, nos
anos 90, trouxe mudanças significativas à política destinada ao público infanto-
juvenil, através da implantação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, dos Conselhos Tutelares e da realização das Conferências. A partir de
então, novas demandas foram colocadas aos órgãos formuladores, executores e
fiscalizadores da política de atendimento, exigindo um esforço de reordenamento
dos mesmos e de sensibilização não somente destes órgãos, mas de toda
sociedade, quanto à novas diretrizes demarcadas pelo ECA.
Analisar a participação das entidades religiosas de atendimento na
política destinada a crianças e adolescentes em Juiz de Fora, que fora proposição
deste trabalho, exigiu-nos um esforço de compreensão do lugar social que estas
entidades ocupam nesta política, da relação que elas estabelecem com o Poder
Público e com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e da
sua contribuição ao campo dos direitos e da cidadania.
Neste sentido observamos que as entidades apresentaram uma
participação insatisfatória na política de atendimento à criança e ao adolescente,
haja vista o não cumprimento dos critérios e indicadores de qualidade desta política.
Verificamos que, em sua maioria, as entidades não dispunham de uma equipe
202
interdisciplinar necessária ao atendimento de qualidade e nas entidades que a
possuíam, em alguns casos os vínculos de trabalho eram frágeis de trabalho que
comprometia a qualidade do serviço.
A presença do trabalho voluntário nas entidades de atendimento foi
significativa. Percebemos que, em alguns casos, este tipo de trabalho sustentou-se
no ideário religioso da entidade, pois a ação caritativa, inerente ao corpo doutrinário,
apresentou-se como motivação a este tipo de ação. Em grande parte dos casos, a
dificuldade financeira da instituição e conseqüente incapacidade de contratação de
pessoal, colocaram-se como justificativa para a utilização do voluntariado.
Em relação aos recursos das entidades, a grande parte das suas receitas
derivou de doações dos próprios membros. Entretanto, outras ações foram
acionadas, tais como realização de eventos, locação de imóveis e também
convênios e parecerias com ONGs e o poder blico, através da SPS e da AMAC.
Pudemos constatar que o estabelecimento destes convênios e parcerias reforçou
práticas clientelistas e de desresposanbilização da prefeitura quanto à execução da
política social, nos moldes de descentralização de tipo neoliberal, posto que inexistiu
a contrapartida do controle da entidade parceria.
No conjunto da avaliação empreendida quanto aos critérios e indicadores
da política voltada ao público infanto-juvenil, constatamos que as entidades
religiosas se comportaram de maneira insatisfatória na política de atendimento, pois
apenas 50% delas conseguiram preencher 70% dos quesitos avaliados nos dois
eixos analíticos.
Verificamos que as atividades desenvolvidas para o segmento familiar
não efetivam direitos de cidadania, posto que as ações eram pontuais,
assistencialistas e numa lógica de extensão do trabalho da igreja. No regime de
Apoio Sócio-educativo verificamos que, além do não cumprimento dos quesitos
avaliados, as ações desenvolvidas nos Programas de iniciação, formação
profissional ou colocação no mercado de trabalho, em sua maioria, eram
descontínuas, com oferecimento de cursos e oficinas que se efetivavam na
perspectiva de profissionalização. O regime de abrigo, ao contrário, não apresentou
irregularidades que comprometessem a qualidade do seu atendimento.
Em relação à participação das entidades no espaço do controle social da
política de atendimento, vimos em alguns casos um descrédito das entidades quanto
à atuação do CMDCA/Juiz de Fora e um desconhecimento deste espaço.
203
Observamos também que a maioria das entidades estabelece uma relação formal-
utilitária com o Conselho de direito. Formal no cumprimento do registro da instituição
para realização de parcerias que exigem este registro, e utilitária, posto que
concebem o Conselho como fonte de acesso ao recurso público, o que de fato
acontece, mas não representa sua função primordial. Constatamos então, que a
participação das entidades no CMDCA não se efetiva em participação política.
A relação das entidades com o Estatuto da Criança e do Adolescente
também se apresentou preocupante. Apenas 50% das entidades o conhecem e o
adotam nas ações desenvolvidas, o que constata que mesmo as entidades
registradas no CMDCA/JF não conhecem o ECA. Deste modo, afirmamos que estar
registrado no Conselho não é garantia da implementação e efetivação do Estatuto.
Através da investigação dos motivos, valores e objetivos das entidades no
atendimento ao blico infanto-juvenil, procuramos averiguar se o ideário religioso
mantinha relação com as inadequações apresentadas. Verificamos que esta relação
é pertinente, pois, as entidades que apresentaram índices insatisfatórios foram as
que, em suas respostas, afirmaram ter o ideário religioso como motivação para o
atendimento, a ajuda como objetivo da instituição (neste caso com um sentido
proselitista), e valores cristãos, caritativos e morais como orientadores das ações da
entidade. Valores estes que reforçam a lógica filantrópica, contrária à perspectiva da
cidadania.
Observamos também que as entidades que se desprenderam mais do
ideário religioso, ou seja, que investiram na profissionalização dos funcionários, que
possuem uma estrutura organizacional mais definida (coordenação, equipe técnica,
demais funcionários), e cujos membros têm uma militância política, foram as que
melhor se apresentaram diante do cumprimento das diretrizes da política,
corroborando assim para uma atuação baseada na lógica do direito. Esse
“desprendimento” não impediu, entretanto, que atividades religiosas continuassem a
serem oferecidas pelas instituições.
Entretanto, se olharmos entidades de mesma vinculação religiosa, o que
faz uma despertar para a lógica do direito e a outra, por exemplo, ignorar essa
proposta? Qual seria a diferença, por exemplo, entre a Pastoral do Menor (que se
comportou satisfatória) e a Sociedade São Vicente de Paulo (que apresentou uma
atuação pautada na lógica caritativa)? Seria somente o componente político, se
levarmos em consideração o contexto de surgimento dessas instituições e a
204
proposta de trabalho realizada por elas? São questões em aberto que necessitam de
futuras pesquisas.
A pesquisa desenvolvida com os conselheiros de direito confirmou as
questões levantadas com as entidades religiosas.
Verificamos que o CMDCA/JF ainda não se apresenta como o articulador
da política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora, seja pela
relação desarticulada com os órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança
e do Adolescente, principalmente, com a rede de atendimento; seja pela dificuldade
de atividades de divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, contribuindo
para sua incorporação e apreensão pela sociedade.
Os conselheiros destacaram que as dificuldades vivenciadas pelo
Conselho na implementação da política de atenção à crianças e adolescentes
justificam-se nas deficiências de infra-estrutura do Conselho e ausência de
assessoria técnica disponibilizada pelo Poder Público. Ressaltaram como estratégia
de enfrentamento a estas irregularidades das entidades a realização de uma
capacitação. Entretanto, observamos que esta ação está direcionada a capacitação
das entidades quanto à elaboração de projetos para o acesso ao Fundo Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Aliás, verificamos que o CMDCA/JF
utiliza-se do FUMECAD como mecanismo de obtenção de legitimidade com as
entidades, o que reforça a concepção que estas possuem do Conselho.
Pôde-se perceber que o controle social da política de atendimento à
infância e adolescência em Juiz de Fora não vem acontecendo, haja vista a
inexistência de acompanhamento das entidades executoras pelo CMDCA/JF,
principalmente das que compõem a “rede não oficial” de atendimento, prejudicando
a efetivação desta política, conforme preconizada no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Este acompanhamento das entidades é realizado pela Equipe de
Monitoramento e Avaliação da SPS e somente disponibilizado às registradas no
Conselho (e em situações específicas), e às que possuem convênio em espécie com
a Prefeitura.
Constatamos também que as dificuldades relacionadas às irregularidades
das entidades, de fato, extrapolam o esforço de atuação do Conselho de direito, pois
esbarram na cultura política brasileira que sempre valorizou a atuação privada sem a
205
contrapartida de critérios públicos, e são reforçadas pela conjuntura neoliberal, e
pela cultura religiosa das próprias entidades.
Este trabalho se propôs a contribuir para a leitura municipal da política de
atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora através da preocupação com
a natureza, objetivos e resultado da participação das entidades religiosas de
atendimento nesta política. No percurso caminhado, percebemos que ainda
permanecem muitos desafios na efetivação desta política como pública, embora a
existência de 17 anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pois, como destaca Viera (2004, p.61), “na realidade, não existe direito sem sua
realização e sem suas mediações. Do contrário, os direitos e a política social
continuarão presa da letra da lei irrealizada”.
206
R
R
E
E
F
F
E
E
R
R
Ê
Ê
N
N
C
C
I
I
A
A
S
S
ABREU, M. M. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagógicos da
prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.
AÇÃO civil pública de improbidade administrativa já foi encaminhada, mas Prefeito e
superintendente ainda não foram notificados. Jornal Panorama, 24 abr 2007,
Caderno Cidade, Juiz de Fora. Disponível em:
<http://ipanorama.globo.com/plantao/comentar.asp?id_noticia=78761> Acesso em:
19 de mai 2007.
ALENCAR, M. M. T.; SALES, M. A. O Estatuto da criança e do adolescente e a
Política social para a infância e a adolescência. In: Em pauta - Revista da Faculdade
de Serviço Social da UERJ, Rio de Janeiro: UERJ, n.11-12, 1997.
AMAC pode ser desvinculada. Jornal Panorama, 17 jan 2007, Caderno Cidade, Juiz
de Fora.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PREFEITOS. Aprovado na Câmara: AMAC fica
fora da administração. 28 marc 2007. Disponível em:
<http://www.jornaldosprefeitos.com.br/politica/textos.php?cod_texto=63958>. Acesso
em: 19 mai 2007.
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E;GENTILI, P (org) Pós-
neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado democrático. 7.ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 2007. p. 9-38.
BEHRING, E. R. Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado e perda
de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 2.ed. São
Paulo: Cortez, 2007. (Biblioteca do Serviço Social; v.2)
BOBBIO. N. A sociedade civil. In: Estado, governo e sociedade: para uma teoria
geral da política. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. v.69, p.33-52. (Coleção
Pensamento Crítico).
BORÓN, A. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, E; GENTILI, P
(org) Pós-neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado democrático. 7.ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 2007. p.63-138.
207
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069, de 13 de julho de
1990. In: CRESS. Coletânea de leis. 4.ed. Belo Horizonte: CRESS 6ª Região, 2006.
p.245-294.
_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Texto consolidado
até a emenda constitucional nº 47, de 05 de julho de 2005. In: CRESS. Coletânea
de leis. 4.ed. Belo Horizonte: CRESS 6ª Região, 2006. p.50-76.
BRAZ, M. O PAC e o Serviço Social: crescimento para que e para quem? Os setenta
anos da profissão e os seus desafios conjunturais. In: Serviço Social e Sociedade,
São Paulo: Cortez, p.49-61, 2007.
BRESOLIN, A. B; CAMPOS, W. T. Voluntariado: tendência de crescimento?
2003. Disponível em: <http://www.fundata.org.br/Artigos%20-%20Cefeis/7%20-
%20Voluntariado.htm>. Acesso em 13 mar 2007.
BURITY, J. A. Redes Sociais e o Lugar da Religião no Enfrentamento de Situações
de Pobreza: um acercamento preliminar. In: Cadernos de Estudos Sociais da
Fundação Joaquim Nabuco. Recife: Fundação Joaquim Nobuco, v.16, n.1, 2000, p.
29-53.
CAMURÇA, M. A. Fora da caridade não há religião! Breve história da competição
religiosa entre catolicismo e espiritismo kardecista e de suas obras sociais na cidade
de Juiz de Fora: 1900-1960. Lócus: revista de história. n.1, v.7. Juiz de Fora:
EDUFJF, 2001. p.131-154.
_____. Seria a caridade a “religião civil” dos brasileiros? In: Praia Vermelha:
Estudos de política e teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.12, 2005.
p.42-62.
CARTAXO, A.M.B. Análise da política previdenciária brasileira na conjuntura
nacional – da Velha República ao Estado autoritário. In: Serviço Social e
Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XIII, n.40, p.58-80, dez 1992.
CARVALHO, D. B. B. de. Criança e Adolescente. In: Capacitação em Serviço
Social e Política Social. Brasília: UNB, 2000, módulo 3, cap. 3, p. 183 – 202.
CINTRA, A. R.; FARIA, I. B.; MENEZES, M. N. L. A. O Serviço Social no centro
regional da Legião Brasileira de Assistência em Juiz de Fora. Trabalho de
Estágio de Campo. Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço
Social. Juiz de Fora: 1973.
208
COÊLHO, A. B. S. R. Política de proteção à infância e adolescência e
descentralização. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XX, n.60,
jul 1999.
COIMBRA. A. Esfera pública e cidadania: Análise das práticas políticas do
movimento sindical de trabalhadores em Juiz de Fora no período pós-constituição de
1988”. Projeto de Pesquisa encaminhado ao VI Programa de Bolsas de Iniciação
Científica PROBIC/FAPEMIG/UFJF – 2003/2004. Juiz de Fora. 2002. Mimeo.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Projeto político da
Pastoral do Menor. 2005.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
Diretrizes nacionais para a política de atenção integral à infância e
adolescência - 2001-2005”. 2000. Disponível em:
<www.oei.es/inicial/politica/diretrizes_atencion_infantil_brasil.pdf>. Acesso em: 12
out 2006.
______. Projeto Global: avaliação dos projetos da área da criança e do adolescente
vinculados à Subsecretaria de promoção dos direitos da criança e do adolescente e
ao Conselho nacional de direitos da criança e do adolescente. Brasília: 2004.
Mimeo.
_____. Diretrizes nacionais para a política de atenção integral à infância e
adolescência 2001-2005. Disponível em:
<www.oei.es/inicial/politica/diretrizes_atencion_infantil_brasil.pdf>. Acesso em: 12
outubro 2006.
_____. Plano de ação do CONANDA/2006. Disponível em:
<www.mj.gov.br/sedh/ct/CONANDA/Plano%20CONANDA%202006%20-
%20última%20versão%20-%2010.05.06.pdf>. Acesso em: 21 mai 2007.
_____. CONANDA apresenta balanço dos 17 anos do ECA. Nota pública em
13.07.07. Disponível em:
<http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/noticias/ultimas_noticias/
MySQLNoticia.2007-07-13.3625>. Acesso em: 18 jul 2007.
_____. VII Conferência nacional dos direitos das crianças e adolescentes.
Texto base e orientações Gerais. Disponível em:
http://www.mj.gov.br/sedh/CONANDA/viiconferencia/texto_base.pdf. Acesso em 21
julho 2007.
_____. Subsídio para as Conferências Municipais, Estaduais e Distrito Federal -
Orçamento Criança e Adolescente. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/sedh/CONANDA/viiconferencia/>. Acesso em: 21 jul 2007.
209
_____. Subsídio para as Conferências Municipais, Estaduais e Distrito Federal
– Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/sedh/CONANDA/viiconferencia/>. Acesso em: 21 jul 2007.
_____. Subsídio para as Conferências Municipais, Estaduais e Distrito Federal
– Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/sedh/CONANDA/viiconferencia/>. Acesso em: 21 jul 2007.
CORDEIRO, A. L. Evolução histórica do metodismo em Juiz de Fora. In: TAVARES,
F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das Devoções. Diversidade Religiosa em
Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003. p.71-80.
CORREA. E. M. A. A presença luterana em Juiz de Fora. In: TAVARES, F. R. G;
CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de
Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003. p.61-70.
COSTA, J. G. da. O presbiterianismo em Juiz de Fora. In: TAVARES, F. R. G;
CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de
Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003. p.81-87.
COUTINHO, C.N. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo.
São Paulo: Cortez, 2000.
CUNHA, E. S. (Ed). Brasil 500 anos. Vol 2. São Paulo: Abril, 2000.
DAGNINO, E. et al. Movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de
cidadania. In: Anos 90, Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1994. p.103-115.
DRAIBE, S. M. As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas. In: Para
a década de 90: Prioridades e Perspectivas de Políticas Públicas. Brasília: IPEA,
1989.
_____. As políticas sociais e o neoliberalismo. Reflexões suscitadas pelas
experiências latino-americanas. In: Revista USP. n.17. São Paulo:USP, 1993. p.86-
101.
DURIGUETTO, M. L. Sociedade civil, esfera pública, terceiro setor: a dança dos
conceitos. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, 2005, ano XXVI,
n.81, p.82-101, mar 2005.
EIRAS, A. A. L. T. S.; SANTOS, C. M. (Coords). Diagnóstico Social: Infância e
Juventude em Juiz de Fora, Juiz de Fora: Concorde, 2001.
210
FALEIROS, V. P. Infância e processo político no Brasil In: RIZZINI, I.; VOGEL, A. A
Arte de Governar Crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da
assistência no Brasil. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1995. p.47-98.
FERENZINI, V. L. A Igreja Católica Apostólica Brasileira: uma passagem meteórica
por Juiz de Fora. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das
Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003.
p.29-40.
FERNÁNDEZ SOTO, S. Políticas sociales, ciudadanía y espacio público. In: El
trabajo Social y la cuestión social: crisis, movimientos sociales y ciudadanía.
Fernández Soto (org). Buenos Aires: Espacio Editorial, 2005. p.156-168.
FERREIRA, I. S. B. As políticas brasileiras de seguridade social. Assistência social.
In: Curso de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais. Capacitação em
Serviço Social e Política Social. módulo 3. CFESS-ABEPSS - Centro de Educação
Aberta, Continuada a Distância/NED-UNB, 2000.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Economia das religiões: mudanças recentes.
Marcelo Côrtes Néri (org). Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2007. Disponível em
<http://www4.fgv.br/cps/simulador/site%5Freligioes2>. Acesso em 3 maio 2007.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/ESCOLA DE GOVERNO DE MINAS GERAIS;
SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E COORDENACAO GERAL.
Qualificação de conselheiros municipais e gestores de política de atendimento
à criança e ao adolescente. Programa Estadual de Educação Profissional. Belo
Horizonte, 1998. (apostila).
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Nossos
compromissos com a criança. In: Situação mundial da infância 2006. Disponível
em <www.unicef.org/brazil/sowc06/cap1.htm >. Acesso em 11 jun 2007.
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF Brasil). Situação da
Infância Brasileira 2006. Disponível em: <www.unicef.org/brazil/sib06h.htm>.
Acesso em: 11 jun 2007.
GIUMBELLI, E. Caridade, assistência social, política e cidadania: práticas e
reflexões no espiritismo. In: LANDIM, L. (org.). Ações em sociedade: militância,
caridade e assistência. Rio de Janeiro: NAU, 1998, p. 123 – 171.
GOMES, A. L. A nova regulamentação da filantropia e o marco legal do terceiro
setor. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XX, novembro, n.61,
p.91-108, nov 1999.
211
GUIMARÃES, S. J. Serviço social e igreja católica – entre o social e o religioso:
vínculos e relações nos anos 80 e 90. In: Praia Vermelha: Estudos de política e
teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação
em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.12, 2005. p.176-201.
GUSMÃO, R. A ideologia da solidariedade. In: Serviço Social e Sociedade, São
Paulo: Cortez, ano XXI, n.62, p.93-112, mar 2000.
IAMAMOTO, M. V. A Questão social no capitalismo. In: Temporalis. Brasília:
ABEPSS, Grafiline, n.3, ano 2, jan/jul, 2001.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. As fundações
privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro:
IBGE, 2004. 148p.
JACOMETI, R. C. Faculdade de Serviço Social: significação da sua criação para
Juiz de Fora. In: Libertas, v.1, n.1, 2001. p.11-28.
JUIZ DE FORA passa por inspeção do TCE. Jornal O tempo. 18 mai 2007.
Disponível em <http://www.otempo.com.br/politica/lerMateria/?idMateria=89729>
Acesso em 19 de maio de 2007.
JUIZ DE FORA. CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE – CMDCA. Resolução nº05/01. Dispõe sobre os indicadores de
qualidade a serem observados pelas instituições de atendimento, defesa e
promoção de criança e adolescente no município de Juiz de Fora. Juiz de Fora,
2001.
______. Resolução nº06/01. Dispõe sobre os critérios específicos de qualidade a
serrem observados pelas entidades para execução de programas em regime de
abrigo. Juiz de Fora, 2001.
______. Resolução nº07/01. Dispõe sobre os critérios específicos de qualidade a
serrem observados pelas entidades para execução de programas em regime de
orientação e apoio sócio-familiar e colocação familiar. Juiz de Fora, 2001.
______. Resolução nº08/01. Dispõe sobre as diretrizes para estabelecimento de
política dirigida ao grupo familiar. Juiz de Fora, 2001.
______. Resolução nº09/01. Dispõe sobre os critérios específicos de qualidade a
serem observados pelas entidades que desenvolvem programas em regime de apoio
sócio-educativo em meio aberto. Juiz de Fora, 2001.
212
______. Resolução nº15/06. Estabelece modificações nos Critérios Específicos de
qualidade a serem observados pelas entidades para execução de programa de
abrigo. Juiz de Fora, 2006.
______. Resolução nº16/06. Dispõe sobre registro de entidades e inscrição de
programas em cumprimento aos artigos 90 e 91 da Lei Federal nº 8069/90 –
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Juiz de Fora, 2006.
JUIZ DE FORA. PREFEITURA DE JUIZ DE FORA. Lei n. 8056 de 27 de março de
1992. Cria o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Juiz de
Fora, 1992.
______. Planejamento Estratégico da AMAC. Juiz de Fora: Rio Branco, 2002.
______. A história de Juiz de Fora. Disponível em:
<http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/historia.php>. Acesso em 18 abr 2007.
LANDIM, L. Para além do mercado e do Estado? Filantropia e cidadania no Brasil.
Rio de Janeiro: ISER, 1993.
LESBAUPIN, I. Comunidades de base e mudança social. In: Praia Vermelha:
Estudos de política e teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.10, 2000.
p.54-79.
_____. Comunidades de base e mobilização social. In: Praia Vermelha: Estudos de
política e teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-
graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.12, 2005. p.120-146.
LIMA, W. R. A.; RAMALHO, J. S. Diante da marginalidade, um problema social: o
menor. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social).
Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Juiz de Fora:
1977.
LOPES, J. R. Terceiro setor: a organização das políticas sociais e a nova esfera
pública. In: São Paulo em perspectiva, n.18, v.3, São Paulo, 2004. p.57-66.
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
MARTINS, M. A.; BRAGA, M. F. V. et al. Manual de orientação de aplicação de
medidas de proteção e sócio-educativas. Fazer Direito é ter responsabilidade com
a criança e o adolescente. Juiz de Fora: Educandário Carlos Chagas, 2005.
213
MARTINS, V. B.; PAIVA, B. A. A implementação da Lei Orgânica da Assistência
social: uma nova agenda para a cidadania no governo Lula. In: Serviço Social e
Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XXIV, n.73, p.46-74, mar 2003.
MELLO, L. I. A. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, F. C. (Org). Os
clássicos da política – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, o
“Federalista”. vol 2, 3º ed, São Paulo: Ática, 1992. p.79-110.
MESTRINER, M. L. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 2.ed. São
Paulo: Cortez, 2005.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. Pesquisa Qualitativa em saúde.
2.ed. São Paulo: HUCITEC, Rio de Janeiro: ABRASCO, 1993.
MOLJO, C. B. Trabajadores sociales em la historia. Una perspectiva
transformadora. Buenos Aires: Espaço Editorial, 2005.
_____. Cultura, política e cultura política: assistentes sociais na construção da
esfera pública. Relatório Técnico-analítico (Pós-Doutorado em Serviço Social).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Serviço Social. São Paulo: PUC, 2006.
_____. Cultura política e Serviço Social. In: Libertas, n.2, v.1, Juiz de Fora: UFJF,
2007. p.19-38. Disponível em: <http://www.revistalibertas.ufjf.br/volume1n2.htm>.
Acesso em: 11 ago 2007.
MONTAÑO, C. N. Das “lógicas do Estado” às “lógicas da sociedade civil”. Estado e
“terceiro setor” em questão. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano
XX, n.59, p.47-79, mar 1999.
_____. Terceiro Setor e questão social: Crítica ao padrão emergente de
intervenção social. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2003.
MOTA, A. M. Cultura da Crise e Seguridade Social – Um estudo sobre as
tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. 2.ed.
São Paulo: Cortez, 2000.
NASCIMENTO, N. S. F. Desenvolvimento capitalista e “questão social”: notas para
debate. In: Praia Vermelha: Estudos de política e teoria social/ Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro:
UFRJ, n.10, 1997. p.46-61.
NASCIMENTO, R. F. do. Os pentecostais em Juiz de Fora: da obscuridade ao
poder. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das Devoções.
Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003. p.97-110.
214
NETO, F. P. Assistência social e religião: participação política e inserção religiosa
em perspectiva. In: Praia Vermelha: Estudos de política e teoria social/ Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Rio de
Janeiro: UFRJ, n.12, 2005. p.14-40.
NETTO, J. P. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3.ed. ampliada. São
Paulo: Cortez, 2001.
_____. Ditadura e Serviço Social. Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64.
6.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
NOGUEIRA, M. A. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da
gestão democrática. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2005.
______. A agenda cristalizada, o Estado e o governo Lula. In: Serviço Social e
Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XXIV, novembro, n.76, p.5-37, 2003.
OLIVEIRA. F. Uma alternativa democrática ao liberalismo. In: CARVALHO, F. L.;
CÂMARA, A. L. (Orgs). A democracia como proposta. v.1. Rio de Janeiro: IBASE,
1991. p.77-92.
_____. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o
totalitarismo neoliberal. In: PAOLI, M. e OLIVEIRA, F. (Org.). Os sentidos da
democracia: políticas de dissenso e hegemonia global. 2.ed. Petrópolis: Vozes;
Brasília: NEDIC, 2000. p.55-81.
OLIVEIRA, H. M. J de. Cultura política e assistência social - uma análise das
orientações de gestores estaduais. São Paulo: Cortez, 2006.
OLIVEIRA, I. M de. Assistência social pós-loas em Natal: a trajetória de uma
política entre o direito e a cultura do atraso. Tese (Doutorado em Serviço Social).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Serviço Social. São Paulo: 2005.
OLIVEIRA, S. G. de. O espiritismo em Juiz de Fora: do surgimento à consolidação
de uma “religião”. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das
Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003.
p.135-156.
PASTORINI, A. Quem mexe os fios das políticas sociais. Avanços e limites da
categoria “concessão-conquista”. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo:
Cortez, ano XVIII, v. 1, n.53, p. 80-101 mar, 1997.
215
PAVAM, D; SOUZA, P. G. de. Diversidade identitária no movimento espírita em Juiz
de Fora. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas das Devoções.
Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003. p.157-164.
PEREIRA, D.C., LOPES, G.S., SCHAD, M. et al. A política de abrigo em Juiz de
Fora: a experiência da Casa do Aconchego. Monografia (Graduação em Serviço
Social). Faculdade de Serviço Social, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de
Fora, 2001.
PEREIRA, M. S. A presença do catolicismo romanizado em Juiz de Fora: do modelo
tradicional ao reformado. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A. (Orgs.) Minas
das Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF,
2003. p.15-28.
PEREIRA, P. A P. A política social no contexto da seguridade social do Welfare
State. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, Ano XIX, n.56, p. 60-76,
mar 1998.
PREFEITO quer desvincular AMAC. Jornal Panorama, 14 jan 2007, Caderno
Social, Juiz de Fora.
PREVIDÊNCIA cobra dívida de R$ 28 milhões da PJF. Jornal Panorama, Juiz de
Fora, 15 de dez 2006, Caderno Cidade. Disponível em
<http://ipanorama.globo.com/plantao/noticia/default.asp?id_noticia=75898> Acesso
em 19 de maio de 2007.
QUIROGA, A. M. Caridade, filantropia e justiça e os modelos de ação social. In:
Praia Vermelha: Estudos de política e teoria social/ Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.5,
2001.
RAICHELIS, R. Esfera pública e conselhos de assistência social - Caminhos da
construção democrática. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2005a.
_____. Articulação entre os conselhos de políticas públicas - uma pauta a ser
enfrentada pela sociedade civil. In: Caderno Abong - A Abong nas Conferências
2005 Criança e Adolescente - Assistência Social. São Paulo: Abong, p.55-59,
2005b.
______.; WANDERLEY, L. E. W. Desafios de uma gestão pública democrática na
integração regional. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XXIV,
n.78, p.5-32, jul 2004.
216
RIZZINI, I. O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a
infância no Brasil. Rio de Janeiro. Petrobrás - BR. Ministério da cultura. Universitária,
1997.
______.; VOGEL, A. A Arte de Governar Crianças: a história das políticas sociais,
da legislação e da assistência no Brasil. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1995.
ROUANET, S. P. Iluminismo ou barbárie. In: Mal-estar na modernidade: ensaios.
São Paulo: Companhia das letras, 1993.
SABINO, F.; SEIXAS, R.; SIQUEIRA, M. A política pública de abrigo à criança e
ao adolescente: um estudo do atendimento nos abrigos em Juiz de Fora.
Monografia (Graduação em Serviço Social). Universidade Federal de Juiz de Fora,
Faculdade de Serviço Social. Juiz de Fora: 2005.
SADER, E; GENTILI, P (org) Pós-neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado
democrático. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2007.
SANTOS, W. G. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. 2.ed. Rio
de Janeiro:Campus, 1987.
SILVA, C.N da. Serviço Social, caridade e política de assistência social:
aproximações e divergências. In: Praia Vermelha: Estudos de política e teoria
social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em
Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.12, 2005. p.202-225.
SILVA, D. B. R. G da. O departamento social do menor e sua ação comunitária.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social). Universidade
Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Juiz de Fora: 1963.
SILVEIRA, E. C. T. Catálogo e análise dos recursos sociais e assistenciais do
município de Juiz de Fora. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Serviço Social). Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social.
Juiz de Fora: 1968.
SILVEIRA, E. J. S. da. Pelas franjas da batina: uma reflexão sobre a Renovação
Carismática Católica em Juiz de Fora. In: TAVARES, F. R. G; CAMURÇA, M. A.
(Orgs.) Minas das Devoções. Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora:
ed. UFJF, 2003. p.41-58.
SIMOES, P. Mediações religiosas no Serviço Social. In: Praia Vermelha: Estudos de
política e teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-
graduação em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.3, 2000. v.2. p. 30-53.
217
_____. Assistentes sociais e religião: um estudo Brasil/Inglaterra. São Paulo:
Cortez, 2005.
_____. Valores religiosos e profissões. In: Praia Vermelha: Estudos de política e
teoria social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação
em Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, n.12, 2005. p.148- 175.
SOARES, L. T. Os custos do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo:
Cortez, 2000. v.78. (Coleção Questões da nossa época).
SOUZA FILHO, R. Organizações da sociedade civil e a execução de políticas
públicas de assistência social. UFRJ: 2003a. (paper para qualificação no
doutorado). Mimeo.
_____. Sociedade Civil e Políticas Públicas para Infância e Adolescência. In.
GARCIA, J et al. Sociedade e políticas: novos debates entre Ongs e Universidade.
Rio de Janeiro: Revan, 2003b.
SPOSATI, A. Cidadania e comunidade solidária. In: Serviço Social e Sociedade,
São Paulo: Cortez, ano XVI, n.48, p.124-147, ago 1995.
______.; FALCÃO, M. C.; FLEURY, S. M. T. Os direitos (dos desassistidos)
sociais. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2006.
STEIN, R. H. A descentralização político-administrativa na Assistência Social. In:
Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XX, n.59, p.24-46, mar 1999.
TAVARES, F. R. G.; CAMURÇA, M. (Orgs.) Minas das Devoções. Diversidade
Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: ed. UFJF, 2003.
THERBÓRN. G. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, E;GENTILI, P (org)
Pós-neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado democrático. 7.ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 2007. p. 39-62.
VIEIRA, E. Os direitos e a política social. São Paulo: Cortez, 2004.
WANDERLEY, L. E. Rumos da ordem pública no Brasil: a construção do público.
São Paulo em Perspectiva, n.4, v.10, São Paulo: Fundação Seade, 1996. p.96-106.
Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/spp >. Acesso em 22 jul 2007.
_____. Igreja Católica e política no Brasil. Disponível em:
<http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1107>. Acesso em:
11 ago 2007.
218
WEFFORT. Francisco C. (org). Os clássicos da Política. vol 2, 3.ed. São Paulo:
Ática, 1992.
YAZBECK, M. C.Terceiro Setor e a Despolitização da questão social brasileira In:
Inscrita, n.6, julho, Brasília: CFESS, 2000a.
_____. Os fundamentos do Serviço Social na contemporaneidade. Curso de
Capacitação Continuada para Assistentes Sociais. Capacitação em Serviço Social e
Política Social. módulo 4. CFESS-ABEPSS - Centro de Educação Aberta,
Continuada a Distância/NED-UNB, 2000b. p.20-34.
219
A
A
P
P
Ê
Ê
N
N
D
D
I
I
C
C
E
E
S
S
1. Formulário de entrevista com os Dirigentes de entidades
Nome do(a) Entrevistado(a):
Função na entidade:
Formação:
Data da entrevista:
A) Identificação da Entidade
1. Nome:
2. Vinculação Eclesiástica: ( ) católica ( ) espírita ( ) evangélica
3. Data de fundação da entidade:
____________________________________________________
4. O que motivou a criação da entidade?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5. Quais são os objetivos da entidade?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6. Quais os valores que guiam a instituição?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
B) Estrutura e funcionamento
7. Público atendido: ( ) criança _____ ( ) adolescente ______ ( ) adulto ________
8. Meta de Atendimento: ___________________________________________
9. Atividades desenvolvidas: (marcar mais de uma se houver)
( ) atendimento na área de saúde ( ) ensino creche ou reforço escolar ( )
distribuição de cesta básica, alimento material escolar, vestuário ou medicamento ( )
220
oficinas e cursos ( ) abrigo ( ) Inserção no mercado de trabalho ( )
Outra ( ) Qual ?__________________
10. Freqüência do atendimento:
( )Diário ( ) Semanal ( ) Eventual ( ) Mensal
11. Existem critérios de seleção para o atendimento? Quais?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12. A instituição sempre trabalhou com criança e adolescente? Se não, desde
quando?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
13. O que levou a instituição a atender esse público?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
14. Qual o objetivo da Instituição ao desenvolver as atividades?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
15. Recursos Humanos: (Indicador de Qualidade/Critério especifico)
Cargo/Função Quantidade Escolaridade
Vínculo de
trabalho
Área de
Prestação de
Serviço
Carga
Horária
Diretor
Coordenador
Assistente
Social
Psicólogo
Médico
Dentista
Professor
Monitor
Cozinheiro
Berçarista
Recreador
Legendas:
Escolaridade:
221
0 – Sem escolaridade; 1- Primeiro Grau; 2- Segundo Grau; 3- Terceiro Grau; 4- Primeiro Grau
Incompleto; 5- Segundo Grau Incompleto; 6- Terceiro Grau Incompleto
Área de Prestação de serviço:
ADM – Administração; AD – Atendimento Direto; SG – Serviços Gerais
Vinculo de Trabalho:
VOL – Voluntário; CED – Cedido; CLT – Registrado; PS - Prestador de Serviço (Conveniado); Estado
– Estagiário
16. Espaço Físico:Quais as dependências utilizadas para o atendimento? (Indicador
de Qualidade/Critério especifico) (observar o adequamento a faixa etária atendida)
Dependências Quantidade
Sala de atividades
Oficina
Cozinha
Refeitório
Banheiro
Biblioteca
Dormitório Individual
Dormitório Coletivo
Quadra esportiva
Campo de futebol
Lavanderia
Almoxarifado
Sala de Estar/Tv
17. Como a entidade se mantém?
( ) Recurso Público ( ) municipal ( ) estadual ( ) federal
( ) Doações ( ) pessoa física ( ) pessoa jurídica
( ) Campanhas e eventos
( ) Bens e serviços
( ) Outros _______________
C) Participação na Política e na Esfera Públicas
18- Estabelece alguma parceria com a prefeitura ou algum órgão público? Qual?
a- ( ) Sim Qual?_________________________
b- ( ) Não
19- Participa de redes ou realiza intercâmbios com outras instituições?
222
a- ( )Sim Quais?
_________________________________________________________________
b- ( ) Não
20- Participa do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente?
a- ( ) Sim De que forma?
( ) possui inscrição no Conselho ( ) participa das reuniões ( ) possui
representante que participa como conselheiro de direito ( ) participa de outras
atividades realizadas pelo Conselho
( ) recebe verba do FUMECAD ( )Outra __________________
b- ( ) Não Por quê?
___________________________________________________________________
21- Caso negativo a resposta acima, a entidade participa do Conselho Municipal de
Assistência Social?
( ) Sim ( ) Não
22 - A Entidade conhece e adota o Estatuto da Criança e do Adolescente na prática
das suas atividades?
a- ( ) Sim De que forma?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
( ) Não Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
D) Critérios gerais de avaliação
D1. Administração:
23. A entidade desenvolve um Plano de Recrutamento e seleção de pessoal?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
19. A entidade possui um plano de trabalho?
a- ( ) Sim b- ( ) Não 20. Quem o realiza?
___________________________________________________________________
223
24. Quais os princípios que o fundamentam?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
25. Há participação dos usuários no planejamento das atividades?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
26. De que forma isso ocorre?
___________________________________________________________________
27. Há um processo sistemático de avaliação das atividades da entidade?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
28. Qual a periodicidade?
___________________________________________________________________
D2. Organização:
29. Como é realizada a identificação das crianças e adolescentes em relação a
história de vida, escolar, informações sobre saúde, etc?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
30. articulação com outros programas e entidades no município? (Rede sócio-
assistencial)
a- ( ) Sim b- ( ) Não
D3. Saúde, Nutrição e Assistência social:
31. Oferece alimentação aos usuários?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
32. Quem organiza o cardápio?
___________________________________________________________________
33. Com que critérios é definido o cardápio?
___________________________________________________________________
D4. Recursos Humanos:
34. Os funcionários participam de processos de capacitação e treinamento?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
35. Com qual periodicidade?
___________________________________________________________________
224
36. Os funcionários possuem qualificação adequada à função que desempenham?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
E) Critérios específicos de qualidade:
E1. Regime de Orientação e Apoio Sócio-Familiar:
1. Como é feito o trabalho com família?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2. Existem critérios claros e sistematizados de admissão e permanência das famílias
priorizando a sua promoção de forma que ofereça condições de desenvolvimento
das crianças e/ou adolescentes?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
E2. Regime de Apoio Sócio-Educativo em Meio Aberto:
E2.1. Programas a crianças de 0 a 5 anos e 11 meses:
1. o fornecimento de 4 alimentações diárias?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
E2.2 Programas a criança e adolescente de 7 a 18 anos:
1. prioridade do apoio à escolarização dos usuários com acompanhamento da
vida escolar?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
2. Existem serviços que priorizem os demais aspectos da formação humana:
atividades culturais, artísticas, esportivas
a- ( ) Sim b- ( ) Não
E2.3 Programas de iniciação, formação profissional ou colocação no
mercado de trabalho:
3. estudo das reais possibilidades de inserção no mercado de trabalho, com
oferecimento de capacitação adequada?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
4. Aos que são encaminhados ao mercado de trabalho, o acompanhamento
junto ao empregador da vida profissional do adolescente?
225
a- ( ) Sim b- ( ) Não
E3. Regime de Abrigo:
1. Prioriza serviço de apoio à família?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
2. Como é feito o trabalho com família?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3. Há a preocupação com o não desmembramento de grupos de irmãos?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
4. A Entidade promove todas as condições básicas para a vida do usuário:
alimentação, vestuário, assistência médica, odontológica, farmacêutica, etc.?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
5. A entidade prioriza o desenvolvimento ou encaminhamento dos usuários aos
programas de atividades culturais, esportivas e de lazer?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
6. A entidade garante assistência religiosa aos que demandam independente da
orientação da entidade?
a- ( ) Sim b- ( ) Não
37- A entidade desenvolve alguma atividade religiosa? Qual? Ela não entra em
confronto com a crença religiosa do usuário, caso seja diferente da professada pela
entidade?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
226
2. Questionário de entrevista com os Conselheiros de direito
Nome do(a) Entrevistado(a):
Formação:
Representação no CMDCA: ( ) Governo ( ) sociedade civil
Data da entrevista:
Com relação à Política de Atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora:
1. Qual a sua opinião sobre a Política para a criança e o adolescente em Juiz de
Fora?
2. Como é a relação do CMDCA com o Poder Público de Juiz de Fora para
efetivação da Política de Atendimento voltada à criança e adolescente?
3. Em relação a dotação orçamentária para a política?
- O recurso é suficiente?
- Porque há poucas entidades conveniadas?
4. De que forma se dá o acompanhamento e o controle da qualidade dos
serviços das entidades?
Com relação às entidades de atendimento:
5. Quais as providências do Conselho em relação às entidades de atendimento
que funcionam sem o registro do Conselho contrariando o artigo 91 do ECA?
6. As entidades religiosas em sua maioria não atendem aos critérios do
CMDCA. Apresentam fragilidades em relação à equipe técnica, capacitação
de funcionários, desconhecimento do Estatuto. De que forma o Conselho
pode ajudar nessas fragilidades?
7. Você avalia que o ideário religioso pode ter relação com a “inadequação”
dessas entidades?
8. Você avalia que há diferença entre entidades religiosas e não religiosas?
227
A
A
N
N
E
E
X
X
O
O
S
S
1- Organograma da Prefeitura de Juiz de Fora
281
281
Disponível em: <http://www.sarh.pjf.mg.gov.br/>. Acesso em: 10 mar 2007.
228
2- Organograma da Secretaria de Política Social da Prefeitura de Juiz de
Fora
282
282
Disponível em: <http://www.sps.pjf.mg.gov.br/>. Acesso em: 10 ago 2007.
229
3- Organograma da Associação Municipal de Apoio Comunitário – AMAC
283
283
Disponível em: <http://www.AMAC.pjf.mg.gov.br/>. Acesso em: 19 ago 2007.
230
4- Planilha de Qualificação das entidades conforme indicadores e critérios da
política de atendimento à infância e adolescência em Juiz de Fora
CRITÉRIOS GERAIS
Categoria
Qualificação
Indicadores
Qualificação Descritores Qualificação
Plano de Recrutamento e seleção de
pessoal
Escolaridade e formação profissional de
todos os agentes envolvidos na entidade
Formação inicial específica para o
exercício de cada uma das funções no
contexto da instituição
Capacitação continuada de todos os
profissionais da instituição, inclusive os
voluntários
Gestão e
Recursos
Humanos
Formação e
Capacitação
e Recursos
humanos
Existência de Equipe interdisciplinar
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Equipe interdisciplinar para
atendimento biopsicossocial
pedagógico
Atendimento personalizado
baseado em plano individual
elaborado a partir das
necessidades e habilidade dos
usuários
Identificação dos usuários
quanto à história de vida,
escolar, saúde, etc.
Atendimento Técnico
Sistematização dos
atendimentos e ações (relação
– técnico/voluntários)
Existência de Projeto Político-
Pedagógico
(Planejamento periódico das
ações)
Participação dos
usuários no
planejamento das atividades
Processo sistemático de
avaliação das atividades
Projeto Sócio-
educativo da entidade
Direito ao exercício de
diferentes credos e religiões
Atendimento
sócio-
educativo
desenvolvido
pela entidade
Rede Sócio-
assistencial
Estabelecimento de parcerias
com a rede sócio-assistencial
(Trabalho a
rticulado com outros
segmentos)
231
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Participação
na Esfera
Pública
(Controle
Social da
Política)
Registro no CMDCA
Registro da Entidade no
CMDCA conforme artigo 90
do
Estatuto da Criança e do
Adolecente
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Compatibili-
da
de com os
propósitos
e objetivos
da Política
Municipal de
Atendimento
a infância e
adolescência
Articulação da entidade
com a Política de
Atendimento
a infância e
adolescência
Informação e conhecimento da
Política Municipal de
Atendimento à Criança e ao
Adolescente e do Estatuto por
parte dos gestores das
entidades
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Direito
fundamental
da criança
e do
adolescente
Alimentação
Oferecimento de alimentação
com cardápios seguindo
normas básicas de nutrição
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
CRITÉRIOS ESPECÍFICOS POR REGIME DE ATENDIMENTO
Regime de Abrigo
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Capacidade
Abrigo com capacidade de
atendimento conforme Política
de Abrigo (35
criança/adolescente)
Salubridade
Conservação e higiene dos
espaços
Ambiente
físico e Infra-
Estrutura
Dormitórios
Dormitórios com condições de
habitabilidade, higiene e
espaço adequados
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
232
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Atendimento
sócio-
educativo
desenvolvido
pela entidade
Atendimento Familiar
Priorização e viabilização de
serviço de apoio à família
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Escolarização
Inserção dos usuários no
espaço escolar
Profissionalização
Oferecimento ou
encaminhamento para cursos
profissionalizantes
Esporte, cultura e lazer
Oferta de diferentes atividades
(externa e internamente)
Atendimento médico e
odontológico
Direito
fundamental
da criança
e do
adolescente
Atenção à saúde
Encaminhamento para outros
atendimentos especializados
fora da unidade
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Controle
Público do
abrigo
Articulação do abrigo
com segmentos
responsáveis pela
criança e adolescente
Estabelecimento de relação
sistemática e formal com o
CMDCA, Conselho Tutelar e
Juizado da Infância e
Adolescência
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Regime de Orientação e Apoio Sócio-familiar
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Atendimento
sócio-
educativo
desenvolvido
pela entidade
Atendimento Familiar
Existência de critérios claros e
sistematizados de admissão e
permanência das famílias
priorizando a sua promoção
de forma que ofereça
cond
ições de desenvolvimento
das crianças e adolescentes
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
233
Regime de Apoio Sócio-educativo em meio aberto:
Programas a crianças de 0 a 5 anos e 11 meses
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Direito
fundamental
da criança
e do
adolescente
Alimentação
Fornecimento de 4
alimentações diárias
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Programas a criança e adolescente de 7 a 18 anos:
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Prioridade do apoio à
escolarização
Escolarização
Acompanhamento da vida
escolar
Direito
fundamental
da criança
e do
adolescente
Esporte, cultura e lazer
Oferta de diferentes atividades
(externa e internamente)
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Programas de iniciação, formação profissional ou colocação no mercado de trabalho
Categoria Qualificação
Indicadores Qualificação
Descritores Qualificação
Estudo das reais possibilidades
de inserção no mercado de
trabalho
Capacitação adequada
Direito
fundamental
da criança
e do
adolescente
Profissionalização
Acompanhamento junto ao
empregador da vida
profissional do adolescente
Legenda: A – Atendido N – Não atendido S – Satisfatório I – Insatisfatório
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo