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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Ana Maria Dantas de Maio
A RETÓRICA DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE
A COMUNICAÇÃO NAS COOPERATIVAS DE CAFÉ
Bauru
2005
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Ana Maria Dantas de Maio
A RETÓRICA DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE
A COMUNICAÇÃO NAS COOPERATIVAS DE CAFÉ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação, da Área de Concentração em Comunicação Midiática,
da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - campus de Bauru,
como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a
orientação do Prof. Dr. Cláudio Bertolli Filho.
Bauru
2005
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Ficha catalográfica elaborada por
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP - Bauru
Maio, Ana Maria Dantas de
A retórica do campo: um estudo sobre a comunicação
nas cooperativas de café / Ana Maria Dantas de Maio. -
- Bauru : [s.n.], 2005.
159 f.
Orientador: Cláudio Bertolli Filho.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista.
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, 2005.
1. Comunicação no desenvolvimento rural. 2. Imprensa
cooperativa. 3. Cooperativismo. 4. Café - cultivo. I –
Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura,
Artes e Comunicação. II - Título.
Ana Maria Dantas de Maio
A RETÓRICA DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE
A COMUNICAÇÃO NAS COOPERATIVAS DE CAFÉ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Faculdade de Arquitetura,
Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - campus de Bauru, para a
obtenção do título de Mestre em Comunicação.
Banca Examinadora:
Presidente: Prof. Dr. Cláudio Bertolli Filho
Instituição: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Titular: Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira
Instituição: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Titular: Profª. Drª. Luzia Yamashita Deliberador
Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Bauru, junho de 2005.
Para
Victor e Francisco
AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas e instituições contribuíram para a realização deste trabalho e
espero retribuir com essa simples lembrança. A princípio, agradeço à Coopemar e à Cooxupé,
pelas portas abertas durante o desenvolvimento da pesquisa. Também foi acolhedor o contato
com docentes, funcionários e colegas da Pós-Graduação da Unesp, que sempre me
estimularam.
Ao meu orientador, prof. Cláudio Bertolli Filho, um agradecimento
especial pela dedicação, paciência e estímulo à reflexão. Agradeço à minha irmã Cláudia de
Maio Carrilho, e ao meu cunhado, Paulo Henrique Martinez, por aquele bate-papo decisivo
em 2002, no Parque Arthur Thomas, em Londrina (PR), quando me convenceram a tentar
uma pós-graduação.
Não poderia deixar de agradecer a Rogério Martinez, hoje um grande
amigo, pelos momentos de riso em meio à tempestade, e a Carmem Medina de Castro
Martinez, pelo apoio “logístico”, sem o qual minhas viagens a Bauru seriam muito
complicadas. A meus pais, Horácio e Rosa, obrigada pelo incentivo de sempre.
Agradeço à jornalista e amiga Ieda Borges, que acompanhou
momentos importantes dessa pesquisa e sempre esteve pronta a me ouvir. Para concluir, um
reconhecimento especial e carinhoso a Hor Chi Yuen, certamente a pessoa que mais
contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho, com seu apoio incondicional em todos os
momentos.
Muito obrigada a todos.
MAIO, Ana Maria Dantas de. A retórica do campo: um estudo sobre a comunicação nas
cooperativas de café. 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Programa de Pós-
Graduação em Comunicação. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP,
Bauru, março, 2005.
RESUMO
A partir das concepções latino-americanas de comunicação rural, avalia os jornais
impressos por duas cooperativas brasileiras de cafeicultores: a Cooxupé, localizada no sul de
Minas Gerais, e a Coopemar, no interior paulista. Revela o panorama crítico da cafeicultura
no país entre 2002 e 2003 e apresenta a origem e o desenvolvimento do movimento
cooperativista. Indica as características atuais e aponta tendências e desafios do
cooperativismo diante da globalização da economia. Exibe o perfil das lideranças nas
cooperativas agropecuárias e questiona sua legitimidade. Fundamenta o procedimento
metodológico a ser utilizado na análise de conteúdo qualitativa e quantitativa dos jornais
dessas organizações. Descreve e interpreta os resultados obtidos a partir de hipóteses
levantadas e vincula esta interpretação aos pressupostos teóricos da comunicação rural,
baseados nas idéias de Paulo Freire e Juan Diaz Bordenave. Constata que os jornais de
cooperativas abrem espaço para o agricultor manifestar-se como sujeito em uma relação
dialógica e aponta que os grandes personagens desses periódicos são a difusão tecnológica e o
competitivo mercado global. Predominam nesses veículos de comunicação temáticas
macroestruturais, em detrimento das noções de desenvolvimento local, tidas como tendência
paradigmática da comunicação rural contemporânea. Cientistas da comunicação alertam que
“rural” não é mais sinônimo de “agrícola” e vislumbram temáticas mais abrangentes para essa
especialidade jornalística.
Palavras-chave: comunicação rural – imprensa cooperativa – cooperativismo – cafeicultura
MAIO, Ana Maria Dantas de. The rhetoric of country: a study about communication in
coffee cooperatives. 2005. Dissertation (Post-Graduate in Communication). Program of Post-
Graduate in Communication. College of Architecture, Arts and Communication, UNESP,
Bauru, March, 2005.
ABSTRACT
From Latin-Americans conceptions about rural communication, it analyzes the
newspapers printeds by two Brazilians coffee grower’s cooperatives: the Cooxupé, localized
in South of Minas Gerais State, and the Coopemar, in State of São Paulo, countryside. It
shows the hard scene of coffee growing in country between 2002 and 2003 and it presents the
origin and development of cooperativist movement. It indicates the real features and it points
trends and challenges of cooperativism in globalized economy. It displays the profile of
agricultural cooperative leaderships and debates their legitimacy. It establishes the
methodologic procedure that will be used in qualitative and quantitative content analysis of
this organizations newspapers. It describes and explains the results from hypothesis analysed
and it links this interpretation to theorists presuppositions of rural communication, based on
Paulo Freire and Juan Diaz Bordenave’s thoughts. It evidences that cooperative press creates
an opportunity to agriculturist manifest as a subject in dialogic connection and it exposes that
the diffusion of technology and the competitive global market are the greats protagonists of
theses periodicals. Macrostructural themes predominate in these media, to the detriment of
notions about local development, considered as paradigmal tendency of contemporary rural
communication. Scientists of communication alert that “rural” doesn’t mean just
“agricultural” anymore. They include more extensive thematics in this journalistic speciality.
Key-words: rural communication – cooperative press – cooperativism – coffee growing
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
005
006
007
010
1 COMUNICAÇÃO RURAL: NOVO ESPAÇO, NOVO PÚBLICO
015
1.1 A comunicação na América Latina: fase 1
015
1.2 A comunicação na América Latina: fase 2
017
1.3 A comunicação na América Latina: fase 3
019
1.4 Comunicação rural: proposta agendada
021
1.4.1 O difusionismo norte-americano
022
1.4.2 O diálogo de Freire e Bordenave
023
1.4.3 Estudos contemporâneos: o desenvolvimento local
027
1.4.4 O novo público rural
030
2 COOPERATIVISMO: ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E TENDÊNCIA
034
2.1 Doutrina x teoria
037
2.2 Cooperativismo no Brasil
038
2.3 Cooperativismo globalizado e pós-moderno
043
2.3.1 Os exemplos norte-americano e europeu
046
2.4 Tendências e desafios para as cooperativas
048
2.5 Minas e São Paulo
051
2.5.1 Guaxupé e Marília
054
2.5.2 Cooxupé e Coopemar
058
2.6 Imprensa cooperativa rural
062
2.6.1 A eficaz rádio-peão
068
2.7 Lideranças na comunicação alternativa
069
2.8 Contexto histórico
077
3 FOLHA RURAL & INFORMATIVO COOPEMAR 080
3.1 Metodologia
080
3.1.1 Hipóteses
083
3.2 Folha Rural: profissionalismo premiado
085
3.3 Informativo Coopemar: dupla função
089
3.4 Títulos que fazem a história
095
3.4.1 Tecnologia no campo
096
3.4.1.1 O produtor é o sujeito
097
3.4.2 Mercado
098
3.4.3 Diversificação
099
3.4.4 Meio Ambiente
100
3.4.5 Princípios cooperativistas
101
3.4.6 Café & Saúde
103
3.4.7 Reforma Agrária
104
3.4.8 Estrutura interna
104
3.4.9 Utilidade política
105
3.4.10 Lideranças prestigiadas
110
3.5 Temas ausentes ou coadjuvantes
111
4 PERFIL EDITORIAL: LÓGICAS & CONTRADIÇÕES 115
4.1 Personagens construídos pela mídia rural
116
4.1.1 O bem-sucedido homem do campo
116
4.1.2 Lideranças prestigiadas e representativas
118
4.1.3 A todo-poderosa tecnologia
119
4.1.4 O mercado é a mensagem
121
4.2 A história que os títulos fazem
122
4.2.1 Diversificação e monoconteúdo
123
4.2.2 A saúde desvinculada dos alimentos
124
4.2.3 Princípios na pauta dos comunicadores
126
4.2.4 A silenciosa reforma agrária
128
4.2.5 Estrutura interna e o discurso da expansão
129
4.3 Comprovação das hipóteses
129
4.4 Os jornais e a comunicação rural
134
4.5 A sistematização de um perfil editorial
138
CONCLUSÃO 142
REFERÊNCIAS
149
ANEXOS
157
10
INTRODUÇÃO
Alguns pesquisadores contemporâneos da comunicação rural questionam se é
necessário manter essa especialidade no mundo globalizado e pós-moderno, em que o
ambiente rural não é mais estritamente agrícola e até mesmo muitos sítios e fazendas estão
conectados, graças às tecnologias da informação. Este trabalho segue o inexorável propósito
de provar que faz sentido estudar a comunicação rural impressa, mesmo que a comunidade
científica deixe-se seduzir pela Era da Pós-Informação, com seus fenômenos digitais,
hipermidiáticos, interativos e virtuais. É viável aprofundar os conhecimentos sobre
comunicação dialógica e participativa, apesar do ambiente acadêmico estar abolindo a
disciplina Comunicação Rural das grades curriculares.
A justificativa para insistir na contra-mão do que se impõe como modismo na
pesquisa comunicacional está na convicção de que é pouco provável o espaço rural e o
homem do campo serem considerados “espécies em extinção” num país como o Brasil ou
num bloco geográfico chamado América Latina. Indicadores econômicos e sociais
apresentados nas próximas páginas fundamentam a consistência do agronegócio no país. E
mesmo que a ruralidade deixasse de existir, nada impediria que a Comunicação, enquanto
Ciência, acompanhasse esse processo e contribuísse –sob uma perspectiva transdisciplinar– ,
para aprofundar o conhecimento acerca das mudanças estruturais da sociedade.
As circunstâncias que envolvem o contato interpessoal ou midiático com o
produtor rural não fascinam menos que qualquer outro campo de investigação
comunicacional. O interesse particular pelo tema surgiu da experiência profissional desta
pesquisadora como assessora de comunicação de uma cooperativa agrícola em Marília,
interior do Estado de São Paulo, e da constatação de que os jornais dessas instituições
representam um importante suporte para o macrodiálogo que ajuda a fomentar um expressivo
11
setor da economia brasileira. O projeto para pesquisar a imprensa cooperativa nasceu da
motivação acumulada através do conhecimento empírico e da inquietude associada à ausência
de fundamentos teóricos que norteassem a práxis da comunicação rural.
Com o intuito de não restringir a investigação aos limites da experiência pessoal e
conhecer outras possibilidades de intervenções, ampliou-se o universo a ser estudado. Além
da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Marília (Coopemar), a idéia era analisar a
comunicação em outras quatro ou cinco organizações semelhantes. Mas a razão recomenda
prudência e a análise foi estendida a apenas mais uma instituição, a Cooperativa Regional de
Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), selecionada pela condição de ser uma das maiores
cooperativas de cafeicultores do mundo. Não existe um ranking oficial de cooperativas rurais,
mas nenhum país do globo supera o Brasil em produção de café e em nenhuma região do
planeta essa cultura é tão expressiva em quantidade e qualidade como no sul de Minas Gerais.
A definição do período a ser pesquisado, de março de 2002 a março de 2003,
buscou garantir a atualidade possível, sem o prejuízo pela suspensão da circulação do
Informativo Coopemar. Naquele mês o jornal deixou de ser produzido periodicamente em
função de uma crise financeira na cooperativa. Edições especiais circularam posteriormente,
mas com freqüência bastante esporádica. Outro motivo marcante que contribuiu para
determinar o período foi o final do mandato de 46 anos do presidente da Cooxupé, também
em março de 2003.
A delimitação do objeto direcionou a pesquisa para a intertextualidade temática,
equivalente à montagem de um caleidoscópio, em que os três elementos do jogo angular de
espelhos seriam a comunicação rural, o cooperativismo e a cafeicultura. Combinadas e
dinamicamente refletidas, essas faces compuseram infindáveis representações e matizaram o
processo de construção do conhecimento científico, sob o prisma teórico da Escola Latino-
Americana de Comunicação.
12
O marco teórico deste trabalho perpassa as idéias de Paulo Freire e Juan Diaz
Bordenave, com importantes contribuições de outros pensadores latino-americanos, entre eles
Néstor García Canclini, Jesús Martin-Barbero e Luis Ramiro Beltrán, que auxiliaram na
enriquecedora tarefa de contextualização. É igualmente valioso o aporte contemporâneo dos
pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que arquitetam vias alternativas rumo à pós-ruralidade.
Não menos fundamental foi o estudo histórico e doutrinário sobre o cooperativismo, com
suportes significativos dos pesquisadores Diva Benevides Pinho e Ralph Panzutti, expoentes
brasileiros no estudo do tema.
As perspectivas teóricas abertas por todos esses pensadores conduziram à revisão
conceitual e paradigmática da comunicação rural. Foi necessário reexaminar as definições
weberianas sobre as diferentes formas de dominação para projetar uma concepção menos
reducionista a respeito das lideranças rurais. Relacionou-se o objeto de estudo à questão do
desenvolvimento local, para incorporar no plano midiático os efeitos da globalização.
Estudou-se o cooperativismo sob a perspectiva ambilátera de doutrina e teoria, na
tentativa de esclarecer o paradoxo de um movimento que surgiu com a função social de
humanizar as relações de trabalho e tende a submeter-se à lógica do capital. Avaliou-se
cuidadosamente a proposta dialógica e participativa da comunicação rural como autêntico
mecanismo de reestruturação social em contraposição ao extensionismo praticado em nome
do desenvolvimento rural, em um momento difusionista dos exercícios comunicacionais.
Essas e outras digressões conceituais foram trilhadas para que o objetivo
primordial desse estudo pudesse ser alcançado: descobrir se a comunicação rural praticada
através da imprensa cooperativa está contribuindo para a inclusão do homem do campo no
competitivo mercado global. A análise de conteúdo de dois periódicos foi a técnica de
pesquisa adotada para verificar que tipo de mensagem é transmitida ou que modelo de diálogo
13
é construído pela mídia especializada. O método escolhido levou à descoberta dos assuntos
protagonizados pelos jornais rurais.
Quatro capítulos compõem a pesquisa. No Capítulo I desenha-se um histórico das
principais correntes teóricas que influenciaram a Escola Latino-Americana de Comunicação,
berço de relevantes pensamentos sobre a comunicação rural. Três momentos dessa
especificidade comunicacional são sintetizados, iniciando pelo difusionismo, passando pela
comunicação dialógica e chegando à contemporaneidade, sob a perspectiva do
desenvolvimento local. Define-se o novo público rural e revelam-se as características da
imprensa cooperativa, antes de percorrer o instigante caminho que desvenda a legitimidade
das lideranças agrícolas.
O Capítulo II é um convite a conhecer a história, os princípios, as propostas e os
desafios do movimento cooperativista. Existe uma tendência de desconfiguração do
cooperativismo, provocada pelas mudanças paradigmáticas relacionadas à pós-modernidade, e
ela é exposta neste tópico. A delimitação do espaço e do tempo desta pesquisa aparece a
seguir, com informações sobre o cultivo do café nos Estados de Minas Gerais e São Paulo. O
ambiente local é igualmente contextualizado, a partir da apresentação de dados históricos,
econômicos e sociais sobre as cidades de Guaxupé e Marília. Por fim, há um relato da criação
e do desenvolvimento das duas cooperativas selecionadas para este estudo e algumas
referências sobre o panorama político e econômico no Brasil durante o período avaliado.
As opções metodológicas abrem o Capítulo III, no qual a pesquisa entra em sua
fase descritiva. Apresentam-se as hipóteses que a posteriori seriam confirmadas ou rejeitadas
pela análise de conteúdo. Conta-se a história dos dois jornais, a Folha Rural e o Informativo
Coopemar, e em seguida são expostas as principais temáticas tratadas pelas duas publicações,
numa abordagem privilegiadamente qualitativa.
O Capítulo IV revela o estudo das identidades construídas pela mídia rural
envolvendo o homem do campo e os líderes cooperativistas. Essa análise se dá através da
14
interpretação dos dados coletados e apresentados no tópico anterior. Avalia-se como os
grandes personagens desses jornais –a difusão tecnológica e o mercado–, contribuem para
inserir o produtor rural na economia globalizada, descaracterizando o movimento
cooperativista e desvalorizando as oportunidades de atrair a atenção do agricultor/cooperado
para as questões locais.
É hora de sustentar o conhecimento empírico com os fundamentos teóricos e
explicar porque o processo comunicacional segue paralelo à tendência do desenvolvimento
local, deixando-se encantar pelas temáticas hegemônicas que permeiam a chamada grande
mídia, contrariando as concepções transformadoras inerentes à ideologia da comunicação
rural. As hipóteses são avaliadas neste capítulo, que termina por esboçar o perfil editorial da
imprensa cooperativa baseado em suas efetivas publicações.
Na Conclusão, comprova-se que os jornais cumprem parte de sua função de
comunicação dialógica, à medida em que abrem espaço para o produtor agir como sujeito.
Porém, dentro de uma visão mais contemporânea, eles se perdem no perfil editorial que
sobrevaloriza as grandes questões estruturais, ocultando soluções locais, próximas, que podem
interferir diretamente na melhoria da qualidade de vida do produtor rural, especialmente do
pequeno. A inclusão social, econômica, política e cultural do homem do campo dificilmente
será obtida através das abordagens macroestruturais, embora seja louvável o esforço das
cooperativas em manter os cafeicultores informados sobre os avanços políticos, técnicos e
mercadológicos. Os efeitos da globalização materializam-se nas cidades, nas cooperativas,
dentro das porteiras das fazendas e a comunicação rural pouco tem explorado essa vertente.
Por outro lado, a performance da imprensa cooperativa é positiva à medida em
que mantém a linha editorial comprometida com os princípios cooperativistas. Enquanto a
cúpula e as representações organizadas do setor justificam a “capitalização do
cooperativismo” pela lógica do mercado, os comunicadores empenham-se em difundir os
ideais de igualdade, cooperação, solidariedade e democracia preconizados pelo movimento.
15
Não é pretensão deste trabalho esgotar o tema ou sequer sugerir considerações
irrefutáveis sobre a comunicação em cooperativas rurais. A abordagem científica sobre o
assunto é incipiente e a ambição desta pesquisa é tão somente contribuir para futuras reflexões
que envolvam o ambiente rural na contemporaneidade. Buscou-se respeitar o saudável
distanciamento entre pesquisadora e objeto de estudo, sem restringir do texto final
informações valiosas baseadas na experiência profissional, que pudessem contribuir para
aprofundar o saber sobre o tema. O estímulo a novas incursões científicas pela pós-
ruralidade representa mais que um projeto de realização pessoal, acadêmica e profissional da
autora. É o reconhecimento de que o espaço rural persiste enquanto rico objeto de estudo,
praticamente inexplorado pelos pesquisadores urbanos.
16
1 COMUNICAÇÃO RURAL: NOVO ESPAÇO, NOVO PÚBLICO
A análise da comunicação nas duas cooperativas deve ser fundamentada em um
suporte teórico, que vai propiciar o entendimento do processo comunicacional dessas
instituições com o seu público alvo: o homem do campo. Mas antes de apresentar paradigmas,
conceitos e a evolução do estudo da comunicação rural, faz-se necessária uma abordagem
sobre as circunstâncias em que o receptor deixa de ser encarado como ser passivo e sem
capacidade de resistência para assumir a posição de sujeito ativo no processo de comunicação.
Esse conhecimento passa necessariamente pela história dos estudos comunicacionais na
América Latina.
1.1 A comunicação na América Latina: fase 1
Iniciada há aproximadamente 50 anos, a pesquisa em comunicação na América
Latina sofreu forte influência, num primeiro momento, dos temas, métodos e princípios
difusionistas norte-americanos. O modelo atendia às necessidades da emergente indústria
cultural e foi responsável pela criação das primeiras agências privadas que estudavam a
opinião pública, a audiência dos meios de comunicação de massa e a persuasão dos
consumidores.
Aparentemente menos vinculada às questões ideológicas e verticalmente
caracterizada, a pesquisa latino-americana subordinava-se à hegemonia dos Estados Unidos.
“Filmes e séries de TV transmitiam um quadro idealizado do estilo de vida que os teóricos da
modernização –e com eles vários dirigentes de governos latino-americanos– tinham como
ideal: ‘the american way of life’” (TUFTE, 1996, p. 26). A idéia de modernização e
desenvolvimento proposta pelos Estados Unidos materializava-se na forma do consumo. A
obtenção de um status social elevado era diretamente proporcional à aquisição de bens
17
materiais e simbólicos hierarquicamente superiores. Até mesmo o primeiro centro de
pesquisas da América Latina, o Ciespal –Centro de Estudos Superiores de Comunicação–
criado em 1959 pela Unesco e pela Universidade Central de Quito, no Equador, iniciou seus
trabalhos sob a forte influência do imperialismo ianque.
Nas décadas de 1960 e 1970, os países latino-americanos viviam um processo de
transformações estruturais profundas e o cenário era de turbulência política e social. Ditaduras
militares assumiam os governos da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Venezuela,
ampliando sua relação de dependência com os chamados países capitalistas desenvolvidos.
Ao mesmo tempo, o processo de industrialização e de crescimento econômico financiado, em
boa parte, pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), ampliava ainda
mais o êxodo rural e o inchamento das cidades, processo iniciado no pós-Segunda Guerra.
Nos grandes centros urbanos da América Latina reproduzia-se a sociedade de consumo,
impulsionada em grande parte pela televisão, que consolidava-se como veículo de
comunicação de massa.
Em 1973 o Ciespal promoveu em Costa Rica uma conferência histórica que
reuniu pesquisadores latino-americanos da comunicação. Este fórum representou uma
reviravolta na pesquisa e no próprio centro de estudos, que foi avaliado e redirecionado. As
críticas iam da falta de um marco conceitual próprio à ênfase exagerada à pesquisa
quantitativa, passando pela descontextualização dos fenômenos comunicacionais analisados.
Diluem-se as idéias de que a audiência era passiva, que a comunicação se restringia a
operações mecanicistas de emissão-recepção e que a principal função dos comunicadores era
a persuasão.
[...] através de longa experiência, os latino-americanos sabem que esse tipo de
comunicação tem sido instrumento de mercantilismo, propaganda e alienação.
Sabem ainda que tem sido usada tanto na dominação externa dos Estados Unidos
como na que se exerce internamente em todos os países da região pelas elites de
poder sobre as massas. (BELTRÁN, 1981, p. 20, grifo do autor)
18
Nota-se agora uma nítida influência do pensamento europeu fundamentando as
críticas feitas pelos pesquisadores da América Latina. Ocorre, portanto, uma transferência do
centro exportador, mas a pesquisa comunicacional latino-americana mantém sua dependência
teórica. Em um primeiro momento, “a corrente que mais fascina os emergentes cientistas
latino-americanos da comunicação é a teoria crítica da Escola de Frankfurt” (MELO, 1999, p.
2). Basicamente, essa corrente européia vislumbrava uma indústria cultural capaz de
manipular um público passivo e alienado.
Já na década de 1980, percebe-se a presença de elementos dos estudos culturais,
de origem inglesa, mais voltados aos estudos de recepção. Essa vertente teórica, influenciada
pelo filósofo marxista italiano Antonio Gramsci, desmonta as teses de passividade e de
manipulação das massas pelos veículos de comunicação. Os estudos culturais preconizam que
as respostas individuais a um discurso estão longe de ser uniformes. “É reconhecido um papel
ativo do receptor na construção do sentido das mensagens, sendo acentuada a importância do
contexto da recepção” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 148). Na década de 1990 os
estudos culturais passam a refletir sobre o papel dos meios de comunicação na construção de
identidades. Com esse perfil, esta corrente teórica se alastra por todos os continentes e passa a
influenciar a pesquisa comunicacional na América Latina.
1.2 A comunicação na América Latina: fase 2
Após a conferência em Costa Rica e as primeiras influências do pensamento
europeu, a pesquisa comunicacional na América Latina jamais seria a mesma. Passa a existir,
a partir deste momento, um comprometimento político e os cientistas começam a apontar as
possibilidades de resistência dos receptores. A comunicação popular e alternativa se
transforma, enfim, em objeto de estudo. Sabia-se, como já foi dito, que a classe dominante
19
usava os meios de comunicação de massa para o controle ideológico.
Papel igualmente importante nessa mudança de perspectiva tiveram setores da
igreja católica que, segundo Tufte (1996, p. 27), “começaram a tornar-se progressivamente
atores sociais do processo de desenvolvimento”. Comunidades Eclesiais de Base se
multiplicaram pela América Latina, desenvolvendo uma política de engajamento social.
Ganha corpo a Teologia da Libertação, que usava o marxismo para explicar as desigualdades
sociais. Esse novo posicionamento da igreja fortaleceu os movimentos populares, que na
década de 1980 seriam decisivos na efetivação dos processos de eleições livres nos países
latinos que se democratizavam e viviam o fim das ditaduras.
Ainda no contexto de mudança, um ícone do pensamento comunicacional latino-
americano propunha, a partir do exílio no Chile, o diálogo como fundamento para a
comunicação. Mais que descartar a passividade do receptor em um sistema comunicacional, o
educador brasileiro Paulo Freire o coloca como sujeito ativo capaz de provocar mudanças no
próprio emissor. O teórico desloca, definitivamente, o emissor/educador do pedestal histórico
em que sempre se sobrepôs, e o posiciona no mesmo nível horizontal dos receptores. Para ele,
o emissor tem muito a aprender com o receptor e apenas através do diálogo os dois podem
modificar a realidade.
Para que haja diálogo é necessário romper com a concepção de sociedade muda.
”O mutismo não é propriamente inexistência de resposta. É a resposta a que falta teor
marcadamente crítico” (FREIRE, 1967, p. 69, apud MELO, 1980, p. 96). Detalhes do
conceito de comunicação dialógica serão analisados adiante, na abordagem específica sobre
comunicação rural.
O pensamento comunicacional na América Latina já criava uma identificação com
os anseios regionais, mas ainda não tinha força para estabelecer uma teoria própria, ajustada
às necessidades latino-americanas. Apenas a partir da década de 1980 essas idéias começam a
ser discutidas nas universidades. Mas 30 anos depois de Costa Rica, a América Latina
20
continua dependente dos padrões de pesquisa de outros centros (informação verbal)
1
.
Pode-se dizer que a Escola Latino-Americana passa por um processo de
maturação, com a abertura de novos espaços de reflexão, como a Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), em 1977, a Asociación
Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic), em 1978, e outros centros de
estudos espalhados pelos países da América Latina. Esses espaços ajudaram a consolidar o
pensamento dos pesquisadores autóctones, criaram uma memória dos estudos regionais e
estimularam a difusão da pesquisa latino-americana, hoje reconhecida em outros continentes.
A singularidade de que se reveste a pesquisa em comunicação na América Latina
vem suscitando o interesse de analistas internacionais, cujas observações e críticas
têm sido importantes para respaldar o esforço e o entusiasmo de uma comunidade
intelectual que, mesmo trabalhando em condições adversas, tem procurado avançar
academicamente. (MELO, 1998, p. 112)
1.3 A comunicação na América Latina: fase 3
Alguns autores e conceitos estão em evidência nos estudos contemporâneos de
comunicação na América Latina. Além da re-descoberta de Paulo Freire, o antropólogo
mexicano Néstor García Canclini e o filósofo espanhol Jesús Martín-Barbero, que mora na
Colômbia desde 1963, vêm se destacando nas pesquisas mais recentes, em um primeiro
momento pelos conceitos de “culturas híbridas” e “mestiçagem”, respectivamente.
Canclini introduziu o conceito de hibridismo ou culturas híbridas ao enfocar o
cotidiano urbano das grandes cidades latino-americanas em seus estudos:
1
Avaliação apresentada pela pesquisadora Maria Cristina Gobbi, da Universidade Metodista de São Bernardo do
Campo, em Seminário Temático do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Unesp/Bauru no
dia 24 de junho de 2003
21
Quando a circulação cada vez mais livre e freqüente de pessoas, capitais e
mensagens nos relaciona cotidianamente com muitas culturas, nossa identidade já
não pode ser definida pela associação exclusiva a uma comunidade nacional. O
objeto de estudo não deve ser, então, apenas a diferença, mas também a
hibridização. Nesta perspectiva, as nações se convertem em cenários
multideterminados, onde diversos sistemas culturais se interpenetram e se cruzam.
[...] Hoje a identidade, mesmo em amplos setores populares, é poliglota, multiétnica,
migrante, feita com elementos mesclados de várias culturas. (CANCLINI, 1999, p.
166)
O estudo dos gêneros, das relações cotidianas no ambiente urbano, das mediações
sociais, dos movimentos populares e da construção de identidades ganha peso na ótica dos
dois pesquisadores. A diversidade cultural dentro de uma mesma territorialidade é abordada
também por Martín-Barbero, que considera essa problemática como central dos estudos
culturais na América Latina. Essa complexidade levou o autor a valorizar o reconhecimento
da mestiçagem, como “algo que nos constitui” e nossa “razão de ser”.
É como mestiçagem e não como superação –continuidades na descontinuidade,
conciliações entre ritmos que se excluem– que estão se tornando pensáveis as
formas e os sentidos que a vigência cultural das diferentes identidades vem
adquirindo: o indígena no rural, o rural no urbano, o folclore no popular e o popular
no massivo. Não como forma de esconder as contradições, mas sim para extraí-las
dos esquemas de modo a podermos observá-las enquanto se fazem e se desfazem:
brechas na situação e situações na brecha. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 271)
Mais recentemente, Canclini e Martín-Barbero têm se dedicado às pesquisas sobre
os conflitos multiculturais gerados a partir da globalização, sempre tendo como referência a
recepção. Mas não em um sentido fragmentado como foram abordados anteriormente os
estudos da emissão e da mensagem. O filósofo espanhol propõe avaliar a problemática da
recepção como um outro modo de ver a comunicação: um modo de interação, de produção de
sentido.
Com a hegemonia do mercado nas sociedades pós-modernas, os estudiosos
também avaliam a questão do consumo. Canclini propõe uma visão menos apocalíptica e mais
22
cidadã do consumo, afirmando que ele serve para ordenar politicamente cada sociedade e para
estimular o pensamento. A partir do consumo, define-se o que é publicamente valioso. O
autor desmistifica a idéia de que o consumo seria apenas o cenário para gastos inúteis.
Martín-Barbero concorda e acrescenta que o consumo é um espaço de
diferenciação social: “É o lugar da distinção simbólica, por meio não só do que consumimos
materialmente, mas, sobretudo, dos modos de consumir” (MARTÍN-BARBERO, 2002, p.
61). Com esses aportes os pesquisadores mantêm a pesquisa latino-americana vinculada à
temática social, política e cultural. Esse suporte contribui para a introdução, a seguir, das
primeiras sistematizações e da evolução dos estudos acerca da comunicação rural.
1.4 Comunicação rural: proposta agendada
A mesma trajetória do pensamento comunicacional latino-americano pode ser
aplicada aos estudos em comunicação rural. Até as décadas de 1960 e 1970, a comunicação
dirigida aos camponeses e agricultores seguia a lógica difusionista, de origem norte-
americana. Em um segundo momento predominou a comunicação dialógica, proposta por
Paulo Freire e sustentada por Juan Diaz Bordenave. Essa corrente ainda influencia boa parte
dos estudos na atualidade.
Mas a partir dos anos 90 há uma busca por novos paradigmas e a pesquisa em
comunicação rural sofre profundas transformações. Afinal, o próprio conceito de ruralidade é
posto em xeque e coloca-se a seguinte questão: a comunicação rural ainda comporta
especificidades no mundo globalizado?
É indispensável a contribuição de pesquisadores da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE), que mantém um curso de mestrado em Administração e Comunicação
Rural, nos estudos contemporâneos sobre o tema.
23
1.4.1 O difusionismo norte-americano
De acordo com a concepção difusionista, existiam dois pólos dentro de uma
sociedade: o moderno e o tradicional. O segundo, associado ao ambiente rural, só atingiria o
progresso e o desenvolvimento se adotasse recursos disponibilizados pelo meio urbano,
estrategicamente ligado à modernização. Entre esses recursos está a difusão tecnológica. A
comunicação, no sentido de extensão rural, tinha como finalidade básica transmitir o
conhecimento do estrato “moderno” à população tida como “inferior” e “atrasada”.
Ademais, considerando que os camponeses ou agricultores vivam dentro de uma
estrutura tradicional e sejam pouco receptivos às inovações, os difusionistas
atribuem à comunicação o papel não só de vencer as resistências ao progresso
(caráter persuasivo), mas, também, o de promover uma integração mecânica dos
agricultores aos esforços de modernização da sociedade. (OLIVEIRA, 1988, p. 40)
Esses pressupostos marcaram as estratégias da comunicação com o homem do
campo entre as décadas de 1950 e 1960. Mas ainda no final da década de 1970 encontram-se
resquícios dessa verticalização em publicações científicas de comunicação. Cezar e Quesada
(1979, p. 28) afirmam que o processo de introdução de novas técnicas no campo se divide em
quatro funções: 1) conhecimento; 2) persuasão; 3) decisão e 4) confirmação. E mais: “O
extensionista rural é o elemento encarregado de promover mudanças no meio rural. De sua
atuação depende, em muito, o sucesso do programa de desenvolvimento” (Ibid, p. 38).
A suposta passividade do homem do campo é relacionada também à sua
exposição aos meios de comunicação de massa, o que interessava à classe dominante. Este
fenômeno aumenta proporcionalmente ao enfraquecimento de outras instituições mediadoras.
Ou seja, quanto maior a dependência da mídia, mais passivo (e manipulável) tende a ser o
receptor. Em sociedades onde a cultura popular persiste, o espaço ocupado pela cultura de
24
massa é limitado, favorecendo a presença do receptor ativo, menos exposto aos conteúdos
alienadores transmitidos pelos meios de comunicação.
O modelo difusionista e persuasivo passou a ser bastante criticado, principalmente
pelos pesquisadores latino-americanos, que tinham uma visão mais orgânica e menos
mecanicista da sociedade. Os estudos em comunicação preconizavam agora uma nova
trajetória, passando do sentido vertical para o horizontal, no qual as classes subalternas –que
não detém o controle dos meios– deixam de ser apenas objeto e passam a atuar como sujeitos,
ainda que em um processo comunicacional alternativo.
1.4.2 O diálogo de Freire e Bordenave
Esta nova perspectiva na comunicação rural coincide com a reviravolta na
pesquisa comunicacional na América Latina. Cabe aqui aprofundar a proposta dialógica do
brasileiro Paulo Freire, que tratou especificamente da relação agrônomo-camponês no livro
“Comunicação ou Extensão?”, publicado em 1971. Com obras traduzidas para diversos
idiomas, Freire é respeitado pela comunidade científica internacional e começa a ser
valorizado pelos pesquisadores brasileiros.
Sem tratar da comunicação massiva, este livro (“Comunicação ou extensão?”)
orientou muitas interpretações na área. Pois nele está contida a crítica principal aos
meios de comunicação de massa: de consistirem em meros instrumentos de
transmissão, de tratarem os destinatários como receptores passivos e de
impossibilitarem relações dialógicas. (BERGER, 2002, p. 256)
Paulo Freire destaca-se entre os pesquisadores latino-americanos que já nos anos
60 pensavam a comunicação sob o prisma da política. Com a influência dos estudos culturais,
25
as investigações passaram a abordar a cultura, deixando de lado a análise exclusiva dos meios
e das mensagens.
A proposta freireana contempla o receptor ativo, participante do processo de
comunicação, e rejeita o extensionismo praticado pelos agrônomos-educadores que vestem a
máscara da superioridade para impor suas idéias perante os camponeses. “[...] a ação
extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem
aqueles que a fazem, de ir até a ‘outra parte do mundo’, considerada inferior, para, à sua
maneira, normalizá-la.” (FREIRE, 1992, p. 22). A crítica do educador prossegue quando ele
revela a tarefa fundamental do extensionista: persuadir as populações rurais através da
invasão cultural.
A comunicação dialógica é o caminho apontado por Freire para o humanismo,
para a libertação. Ao assumir o papel educativo libertador, o agente social passa a entender as
pessoas com quem trabalha como tão agentes da mudança quanto ele. A riqueza do
pensamento freireano está menos na percepção de que é fundamental o receptor/educando
agir e mais na finalidade de todo esse processo, que levará este receptor à conscientização.
Tudo pode ser problematizado. O papel do educador não é o de ‘encher’ o educando
de ‘conhecimento’, de ordem técnica ou não, mas sim o de proporcionar, através da
relação dialógica educador-educando, educando-educador, a organização de um
pensamento correto em ambos. O melhor aluno de filosofia não é o que disserta,
ipsis como na universidade, não é o que mais memorizou as fórmulas, mas sim o
que percebeu a razão destas. (Ibid, p. 53).
Freire fez, na década de 1960, uma ligeira referência aos meios de comunicação
existentes: reconheceu o potencial de uso da mídia nos processos de ação cultural libertadora,
“[...] todavia, nas poucas vezes em que se referiu diretamente à mídia, não há dúvida quanto à
visão crítica do que chamava de seu ‘extraordinário poder ideológico’” (LIMA, 2001, p. 58).
26
O paraguaio Juan Enrique Diaz Bordenave, que vive no Brasil, também tem obras
referenciais para os estudos da comunicação rural. É dele a clássica definição, bastante
utilizada pelos pesquisadores da área:
Comunicação rural é o conjunto de fluxos de informação, de diálogo e de influência
recíproca existente entre os componentes do setor rural e entre eles e os demais
setores da nação afetados pelo funcionamento da agricultura, ou interessados no
melhoramento da vida rural. (BORDENAVE, 1983, p.7)
O conceito estabelece a existência de diálogo e influência recíproca, seguindo a
lógica freireana. Essa visão coincide com o suporte teórico dos estudos culturais, pela
rejeição à passividade das massas e aposta na interatividade dos receptores. Os fluxos de
informação citados por Bordenave ocorrem em diferentes níveis: entre os próprios produtores
rurais, que trocam experiências e levantam suas necessidades; entre os agricultores e serviços
de apoio na área técnica ou política; e entre os serviços de apoio à agricultura, que deveriam
atuar de forma integrada e não-contraditória. O pesquisador paraguaio, ao detalhar esses
fluxos, explica que esses serviços de apoio referem-se ao setor agrícola oficial, ou seja,
instituído na esfera governamental.
Por último, Bordenave inclui entre os fluxos de informação algumas experiências
de educação à distância com o uso de rádios na América Latina. O interessante desta proposta
é a pedagogia participativa e problematizadora, crítica e transformadora, que trabalha desde o
conteúdo formal até noções de saúde, agricultura, cultura e educação de filhos.
Nesta pedagogia, o fluxo de Comunicação Rural se torna multidirecional e os
programas de rádio rural, por exemplo, antes carregados de palestras e
recomendações dos técnicos, hoje veiculam a voz dos homens e mulheres do campo,
dos repórteres populares, dos educadores populares, enfim, do povo em geral que
agora tem acesso aos meios massivos. (BORDENAVE, 1993, p. 17)
27
Assim como Freire, o pesquisador desenvolveu algumas críticas à indústria
cultural. Segundo ele, os meios de comunicação de massa atuam como veículos de penetração
ideológica e possuem uma função narcotizante do sentido crítico. Na mesma tendência dos
principais expoentes latino-americanos, Juan Diaz Bordenave defende que as classes
subalternas têm condições de resistir ativamente às imposições dos mass media. Ele transfere
essa tomada de consciência ao setor rural:
Gradualmente, o nível de consciência dos produtores foi crescendo, organizaram-se
em sindicatos e cooperativas, e passaram a exigir mais diálogo e menos propaganda.
A Informação Rural transformou-se então em COMUNICAÇÃO RURAL, baseada
não mais na difusão unilateral de informação e instruções, mas no diálogo entre os
diversos setores que compõem o setor agrícola [...]. Deste macrodiálogo surgem não
somente melhores condições para a transferência tecnológica (que é o que a
Informação Rural almejava) mas para resolver qualquer problema técnico,
econômico ou político que afete o bem-estar da população rural (e inclusive da
população urbana que consome seus produtos). (BORDENAVE, 2002, p. 86,
destaque do autor)
Para Bordenave, a sociedade civil passou a cobrar mais posições do Estado
através das organizações populares, entre elas, as cooperativas. Os meios de comunicação
alternativos –e horizontais– atuam como mediadores desse diálogo, incorporando mensagens
das mais diversas fontes com um objetivo transparente: promover a transformação estrutural
da sociedade.
A pesquisa em comunicação rural tomou esse rumo dialógico a partir das décadas
de 1960 e 1970. Mas esse modelo também foi criticado pelo excesso de ideologias em suas
premissas. A concentração das atenções nas bases teóricas desviou a trajetória dos avanços na
comunicação propriamente dita. “Sem um corpo teórico bem polido jamais se chegaria a
compreender a finalidade do que estava sucedendo no terreno das práticas comunicacionais.
Estas poderiam esperar” (CONTRERAS, 1986, p. 23-24 apud OLIVEIRA, 1988, p. 47).
28
A partir da década de 1990, a pesquisa em comunicação rural requer novos
paradigmas e muda de rumo. Os estudiosos contemporâneos partem do princípio de que
“rural” não é mais sinônimo de “agrícola” e relacionam essa comunicação específica com o
conceito de desenvolvimento local.
1.4.3 Estudos contemporâneos: o desenvolvimento local
Os pesquisadores contemporâneos da comunicação rural são pós-freireanos e
estão revendo os limites da comunicação horizontal e participativa. Destacam-se no Brasil,
como já foi dito, estudiosos da UFRPE como Angelo Brás Fernandes Callou, Maria Salett
Tauk Santos, Irenilda de Souza Lima e outros. Na Argentina, Gustavo Cimadevilla vem
contribuindo para o estudo dessa temática.
As investigações recentes no Brasil fundamentam-se na “Caracterização do Novo
Rural Brasileiro”, uma ampla pesquisa que está em sua terceira fase e leva o nome de Projeto
Rurbano. É uma das poucas redes de pesquisa na área de ciências sociais, envolvendo o
governo federal, 11 universidades federais e núcleos da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). O trabalho começou em 1997 e é coordenado pelos professores José
Graziano da Silva e Rodolfo Hoffmann, do Núcleo de Estudos Agrícolas do Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O Projeto Rurbano
2
delineou que a ruralidade extrapola as atividades tradicionais
(como agricultura e criação de animais) e inclui no espaço agrário a produção de serviços
ligados ao setor, como o turismo, o lazer, o artesanato, a preservação e educação ambiental, a
agroindústria, as festas de rodeio, entre outros. Essa nova concepção não se desenvolveu na
mesma velocidade da telemática. Foram anos de dúvidas, reflexões e procura de novas
2
Resultados da pesquisa e textos complementares de autores do projeto estão disponíveis em
www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/rurbanw.html
29
perspectivas. A crise de paradigmas levou estudiosos a batizar os anos 90 como “a década da
busca”.
Outra proposta que surge a partir dessa revisão paradigmática é a concepção de
rural pelo seu uso e não pela sua origem:
[...] o que permite a abordagem de temas estreitamente relacionados com a
problemática rural, mas até então ignorados por não se enquadrarem nas categorias
de análise tradicionais, geralmente a agricultura e o espaço rural. Seguindo essa
linha, assuntos tão diversos como a emergência do turismo rural no Pantanal, a
nudez de Débora Rodrigues na revista Playboy
3
, os dias de campo realizados pela
Embrapa e a presença dos zapatistas na Internet
4
poderiam ser considerados temas
de estudo na Comunicação Rural. (FONSECA JÚNIOR, 2002, 105).
Repensar a ruralidade e rever o campo teórico da comunicação rural foram
medidas cruciais, já que o espaço dessa população também sofreu o impacto da revolução
tecnológica e da globalização. A pesquisa contemporânea considera a introdução das novas
tecnologias de informação e comunicação, que alteraram o cotidiano social –na cidade e no
campo. O rural pós-moderno desequilibra conceitos como “participação” e “comunitário” e,
segundo Callou (2002, p. 21), há dúvidas se essa desestabilização “acena apenas para a
necessidade de um ajuste conceitual ou é um indício de um esgotamento total do modelo em
virtude da expansão e do crescimento das tecnologias de comunicação no mundo
contemporâneo”.
Cientistas da comunicação rural descobrem que a noção de localidade é
diretamente proporcional à identidade de um grupo e ao sentimento de pertencimento a um
determinado espaço. Eles propõem que a comunicação rural mantenha-se como “momento de
encontro”, reforçando o diálogo e as relações interpessoais entre seus atores.
3
Débora Rodrigues era militante sem-terra e provocou indignação no movimento pela reforma agrária ao posar
nua para a principal revista masculina do país
4
Em 1994 entraram em conflito no México o Exército Zapatista de Libertação Nacional, formado por rebeldes
camponeses, e o governo. Os camponeses, na maioria indígenas marginalizados, usam a Internet para comunicar
suas reivindicações ao mundo
30
Além de fechar-se em si, preenchido de informações mas vazio de diálogo, o
indivíduo da era tecnológica vai também se desvinculando culturalmente de seus
grupos identitários (sem vincular-se a algum outro), uma vez que não produz nem
interpreta o mundo a partir de uma lógica compartilhada (como ocorre nas relações
interpessoais). (SPENILLO, 2002, p. 31)
Também representante da UFRPE, a professora Giuseppa Spenillo (Ibid, p. 32)
defende que a comunicação rural seja reconhecida como um espaço de negociação que se
desenrola na esfera pública, envolvendo o grupo hegemônico (Estado, empresas, investidores,
latifundiários), as culturas populares (classes subalternas: trabalhadores, pequenos
proprietários, desempregados, assentados e reassentados) e a cultura massiva e tecnológica
(meios de comunicação de massa, internet, intranet, redes telemáticas), numa orientação
crítica frente à realidade.
Outra preocupação da comunidade científica em relação ao tema está ligada à
urbanização do campo. Aqui a preocupação de Canclini com a cultura híbrida se justifica.
Embora o avanço tecnológico ocorra dentro da porteira, transferindo para o espaço agrário
características típicas da cidade, a identidade cultural do homem rural precisa ser considerada,
assim como devem ser preservadas as mestiçagens abordadas por Martín-Barbero.
Outra idéia que ganha importância na pesquisa contemporânea é a de
desenvolvimento local, que surge para substituir o antigo modelo de desenvolvimento
nacional, desgastado por circunstâncias políticas e ideológicas. O protagonismo local se
estabelece a partir do momento em que as oportunidades de solucionar problemas e melhorar
a qualidade de vida de uma determinada população se dá potencialmente pelas suas
capacidades endógenas. De acordo com SANTOS (2002, p. 50), essa perspectiva é eficaz “no
sentido das populações locais enfrentarem os desafios e conflitos advindos da globalização,
no espaço onde esses conflitos se materializam: no local”.
31
Assim, a própria comunicação rural passa a ser trabalhada em contextos locais,
sem a pretensão de resolver problemas macroestruturais, mas com o objetivo de provocar
mudança social, estimulando o diálogo e melhorando a qualidade de vida do homem do
campo. Mas, afinal, quem é esse sujeito social?
1.4.4 O novo público rural
Uma proposição fundamental para complementar o conceito de comunicação rural
é a definição de seu público, ou seja, a quem se destinam as políticas de comunicação rural?
Para começar, é apropriada a singular definição de público impressa nas páginas de Ética na
Comunicação”:
Fica assim configurado o público como um grupo receptor disperso que tem
capacidade de intercomunicação por participar de um mesmo processo informativo.
Este não se esgota na unidirecionalidade da emissão da mensagem, porque seu
circuito se estende tanto para o interior do grupo como para fora dele,
reconvertendo-se o receptor em emissor, ainda que esse processo não ocorra de
modo simétrico nem equilibrado. Este tema da circulação informativa intragrupal e
do seu efeito-resposta oferece, logicamente, distintas graduações, na medida em que
falamos não só de públicos locais ou nacionais, como também de públicos externos
e transnacionais. (BARTOLOZZI, 2003, p. 117)
O autor espanhol encaixa-se na corrente teórica que atribui ao receptor uma
postura ativa, “com capacidade de intercomunicação”. Portanto, ao adotar esse conceito
descarta-se definitivamente a idéia de um público passivo, omisso, que apenas absorve os
conteúdos da comunicação sem filtros nem resistência.
O público rural brasileiro é bastante heterogêneo. Nesta categoria encontram-se do
analfabeto absoluto ao proprietário com formação superior. Sabe-se que o homem do campo
é também alvo da comunicação de massa, seja através do rádio, dos jornais ou da televisão.
Existem entre os cooperados, embora em quantidade reduzida, produtores rurais que acessam
32
com freqüência a Internet e estão digitalmente incluídos. Mas o homem do campo, a partir do
momento em que torna-se cooperado, é também objeto e sujeito de uma comunicação
alternativa, dirigida, feita sob medida para ele. Para se filiar a uma cooperativa, o homem
rural precisa ser responsável por uma área produtiva, seja ele proprietário, meeiro ou
arrendatário. Portanto, o homem do campo assume também a condição de público da
comunicação organizacional.
Como a pesquisa limitou-se à produção dos jornais rurais, sem explorar a
recepção, apresenta-se a seguir contribuições enriquecedoras de outros autores sobre o perfil
do público rural contemporâneo. Segundo Matzenbacher (2003, p. 96), “ele é um ser
pensante, crítico e individual, o que vai levar cada um a perceber a mensagem e seus
significados segundo seus valores cognitivos e denotativos próprios”. E mais:
São homens e mulheres bem informados, não apenas sobre a realidade brasileira,
mas também a mundial, gerenciam suas propriedades como empresários que são e
buscam novas alternativas tecnológicas para obter maior eficiência em seus
empreendimentos. Por buscar novos conhecimentos tecnológicos e econômicos, o
atual homem do campo tem uma visão muito clara da sua atividade, o que o torna
um ser com idéias e conceitos próprios, não se deixando influenciar por informações
vazias que não levam em conta suas necessidades. (Ibid, p. 96)
O publicitário paulista Richard Jakubaszko retoma as categorias estabelecidas no
“Perfil do Produtor Rural Brasileiro”, publicado pela Editora Abril no final dos anos 80. Ele
explica que existem o produtor rural, o empresário rural e o produtor alternativo. O primeiro
seria aquele produtor tradicional, que vive da produção agropecuária e mora na zona rural ou
em pequenas cidades do interior. O segundo, chamado de empresário rural, seria o produtor
que tem na atividade agropecuária sua principal fonte de renda, mas também se dedica a
outros negócios. Acredita na tecnologia, acompanha o mercado e tem um bom administrador
para dar suporte à gestão da propriedade rural. O terceiro, produtor alternativo, seria aquele
33
que mora em grandes centros e vive de outras atividades, como os profissionais liberais,
executivos ou empresários. Atua no agronegócio por opção racional e aplica técnicas
modernas de produção.
Um perfil atualizado do pecuarista brasileiro foi traçado pelo pesquisador Sérgio
Borgato, que estudou a produção e a audiência do Canal do Boi, uma emissora por assinatura
transmitida a partir de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que tem como finalidade a
venda de animais através de leilão pela TV. O autor constatou uma mudança no perfil do
homem rural. Segundo o levantamento, 42% dos entrevistados possuem grau superior
completo ou incompleto, “o que desmistifica em parte a visão generalizante de que as
pessoas do campo possuam pouca cultura formal” (BORGATO, 2001, p. 92).
Outra informação interessante está relacionada à idade dos produtores rurais: 90%
têm menos de 50 anos, sendo que a maior concentração (61%) está na faixa etária dos 41 aos
50 anos. Nota-se que uma geração mais jovem está no comando das propriedades rurais. A
pesquisa apresenta dados sobre o domicílio dos pecuaristas. Segundo Borgato (2001, p. 105),
89% afirmaram morar na cidade e 44% disseram viver em Estado diferente de onde está
localizada sua fazenda. O mundo rural ainda é predominantemente masculino: apenas 8% dos
produtores rurais são mulheres.
Os números são significativos e podem, com restrições, ser transferidos para o
estudo sobre as cooperativas. A maioria do quadro social da Coopemar, por exemplo, é
composta por pecuaristas, apesar do foco principal da cooperativa ser a cafeicultura. São
1.016 cooperados trabalhando com a criação de bovinos e 609 cultivando café. Alguns
exercem as duas atividades.
Faz-se necessário também dissociar a imagem do produtor rural do latifundiário,
ainda bastante arraigada e mitificada pela própria imprensa brasileira. A Coopemar informa
que 70% dos associados são pequenos produtores (até 50 hectares ou o equivalente a até 500
m²); 20% são médios (de 51 a 250 hectares, ou de 510 m² a 2.500 m²); e 10% são grandes
34
(acima de 251 hectares ou 2.510 m²). De acordo com a Cooxupé, 73% dos cafeicultores são
pequenos (de 1 a 300 sacas de café), 20% são médios (de 301 a 1.000 sacas) e apenas 7% são
grandes (acima de 1.001 sacas)
5
. Portanto estão numericamente mais identificados com a
classe subalterna que a hegemônica.
Como o foco deste tópico é o público cooperado rural, propõe-se a seguinte
classificação: é essencial distinguir o “produtor rural” –também chamado de agricultor,
agropecuarista, ruralista, fazendeiro, sitiante, proprietário rural ou empresário rural– do
“trabalhador rural” –tratado também por lavrador, camponês, peão, posseiro ou caseiro. Este
sim eventualmente vive no campo, mora na propriedade rural, mas não é o dono da terra.
Continuamos utilizando a expressão “homem do campo” como referência à primeira
categoria, mesmo considerando que boa parte dos produtores rurais (e dos cooperados) vive
em área urbana.
A análise dos dois jornais de cooperativas revela que o público alvo é o produtor
rural e não o trabalhador rural, portanto uma minoria dentro do universo do “homem do
campo”. De acordo com as contribuições dos outros autores e com as entrevistas feitas nas
duas cooperativas, define-se assim o recorte do grupo social que será estudado: o homem do
campo do sul de Minas e do interior paulista é cooperado, portanto, responsável pela terra; é
alfabetizado e, em sua maioria, pequeno produtor; é desconfiado e participa pouco do
processo de decisões tomadas em assembléia. Porém, gosta de ser informado sobre os rumos
da organização. É um público majoritariamente masculino e que decide o que pretende fazer
dentro da porteira. Politicamente é conservador, mas tecnicamente está sempre em busca de
inovações tecnológicas para aumentar a produtividade e reduzir custos.
A definição do público é apenas uma das características da imprensa cooperativa
rural. No próximo capítulo serão detalhados seus objetivos, sua história, sua evolução, seu
5
As cooperativas usam diferentes indicadores para medir o “tamanho” dos produtores porque em Marília a
diversificação agrícola é mais representativa do que na cooperativa mineira, onde predomina a cafeicultura
35
perfil ideológico e seu conteúdo, pesquisados a partir da escassa literatura sobre o assunto e
de entrevistas com alguns responsáveis por essas publicações. Antes, é recomendável
conhecer os fundamentos do movimento cooperativista e as transformações que ameaçam
seus princípios.
2 COOPERATIVISMO: ORIGENS, DESENVOLVIMENTO E TENDÊNCIA
No momento em que o Brasil comemora o maior saldo comercial de sua história,
com superávit de US$ 33,7 bilhões em 2004
6
, convém relacionar a participação do
agronegócio, particularmente da cafeicultura, e do cooperativismo nesses resultados recordes.
Como vem ocorrendo nos últimos anos, a cadeia produtiva agropecuária –que começa nas
pesquisas científicas e termina na prateleira de um supermercado– responde por uma parcela
importante da economia nacional. Em 2004, o agronegócio representou 34% do PIB (Produto
Interno Bruto), gerou 37% dos empregos do país e participou com 42% das exportações
brasileiras
7
. O café movimentou US$ 1,6 bilhão em exportações. O que as cooperativas de
cafeicultores têm a ver com esses dados?
Nem todo cafeicultor é filiado a uma cooperativa. Em Minas Gerais, o maior
Estado produtor de café do país, 67% dos cafeicultores estão ligados a uma das 37
cooperativas do setor. Eles produzem 86,5% do café mineiro
8
. As cooperativas ajudam o
produtor a escoar a produção, obter crédito, comprar insumos, comercializar os produtos e a
incorporar tecnologia, o que dificilmente teria atuando de forma isolada. Diferente de uma
empresa capitalista, a cooperativa não tem como objetivo principal o lucro. O cooperativismo
é uma doutrina –e hoje uma teoria econômica– que nasceu há 161 anos.
6
Dados publicados na Folha de S.Paulo, Caderno Dinheiro, em 4 de janeiro de 2005.
7
Informações retiradas do artigo “Feliz ano velho! Feliz ano novo!”, do ministro da Agricultura, Roberto
Rodrigues, publicado na Gazeta Mercantil em 3 de janeiro de 2005 e disponível em www.agricultura.gov.br
8
Dados publicados na Folha Rural, da Cooxupé, edição de dezembro de 2004, p. 16
36
Oficialmente o movimento cooperativista começou na Inglaterra, em 21 de
dezembro de 1844, quando foi inaugurada a Rochdale Society of Equitable Pioneers Ltd, no
distrito de Rochdale. A iniciativa reuniu 28 tecelões que apostaram na criação dessa
cooperativa de consumo como alternativa de trabalho e sobrevivência. Trabalhadores das
indústrias têxteis, eles temiam ser substituídos pelas máquinas a vapor, implementadas pela
Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XVIII. A cooperativa dos
pioneiros de Rochdale nada mais era que um armazém onde vendiam alimentos e vestuário.
Apesar disso, os ideais do cooperativismo são anteriores a 1844. Sua origem está
intimamente ligada aos chamados socialistas utópicos, pensadores que defendiam a volta à
natureza através de associações agrícolas e uma nova forma de organização dos trabalhadores
urbanos, também em associações. Com isso, eles propunham uma doutrina econômica cuja
finalidade era a reforma social. “Pretendiam, basicamente, combater as conseqüências
desastrosas da Revolução Industrial e das precárias condições de vida dos operários que se
concentravam nas cidades industriais [...]” (PINHO, 2001, p. 82).
Os utópicos mais citados entre os precursores ingleses e franceses do
cooperativismo são Robert Owen, François Marie Charles Fourier, William King, Philippe
Joseph Benjamin Buchez e Louis Blanc. Com exceção deste último, todos viveram entre o
final do século XVIII e meados do século XIX. Blanc nasceu em 1812 e veio a falecer em
1882.
O cooperativismo moderno é fruto das propostas iluministas, que ganharam
aspecto crítico quando os homens passaram a usar a razão para explicar a vida em sociedade.
O Iluminismo foi um processo que começou no Renascimento e abriu caminho para a
Revolução Francesa. Entre suas principais idéias está a de que o homem é portador de razão, e
não de fé. Essa mudança paradigmática ocorreu em função de inovações comerciais e atritos
entre reis e Igreja. Também são características da filosofia iluminista a valorização da
37
individualidade e a universalização da liberdade. O século XVIII foi marcado por essa grande
efervescência social.
Os socialistas utópicos estão entre os pensadores que buscam no Iluminismo e nos
ideais da Revolução Francesa os fundamentos de sua crítica à sociedade capitalista. Robert
Owen chegou a implantar algumas inovações sociais na fábrica de fiação que dirigiu na
Escócia. O modelo provocou admiração na Europa, mas não foi imitado e, logo se tornou
oneroso e não competitivo. O precursor combatia o lucro e a concorrência, por considerá-los
responsáveis pelas injustiças sociais
9
, buscando com isso novas formas de organização do
trabalho em um contexto pautado pelo capitalismo triunfante.
Inspirados nesses ideais, os pioneiros de Rochdale instituíram os famosos
princípios cooperativistas. No início, eram seis: adesão livre, gestão democrática, distribuição
das sobras, juros limitados ao capital, fundo de educação e cooperação entre cooperativas. Em
1995, reunidos no Congresso da Aliança Cooperativa Internacional realizado em Manchester,
Inglaterra, os órgãos representantes do cooperativismo mundial modificaram algumas
denominações a acrescentaram o sétimo princípio (tabela 1).
Tabela 1. Princípios cooperativistas
9
Detalhes sobre a vida e a idéias defendidas pelos precursores podem ser encontrados em boa parte da literatura
específica sobre a história do cooperativismo. Não é objetivo deste estudo aprofundar essa questão
COMO ERAM COMO FICARAM
1- Adesão livre 1- Adesão livre e voluntária
2- Gestão democrática 2- Controle democrático
3- Distribuição das sobras 3- Participação econômica do sócio
4- Juros limitados ao capital 4- Autonomia e independência
5- Fundo de educação 5- Educação, treinamento e
informação
6- Cooperação entre cooperativas 6- Cooperação entre cooperativas
7- Preocupação com a comunidade
38
Fonte: Elaborada por Ana Maio em out/2004, com base em COSTA, 2001, p. 20-21
A maioria desses princípios já estava concebida nos ideais dos precursores, mas
segundo Schneider (2001, p. 116), “os Pioneiros foram completamente originais ao proporem
pela primeira vez no movimento cooperativo a norma de ‘uma pessoa, um voto’”. Essa pode
ser apontada como a principal característica desta forma associativa, já que todos são donos
do negócio e têm o mesmo poder de decisão, independente do número de cotas com que
participem da organização.
A cooperativa de Rochdale cresceu rapidamente e já em 1852 –oito anos após a
fundação– seus armazéns diversificavam as atividades. Os pioneiros agora atuavam nos ramos
de drogaria, alfaiataria, mercearia, açougue, chapelaria e sapataria. Começaram também a
organizar as vendas por atacado, criando uma rede de varejo integrado. O movimento se
espalhou pelo mundo, mas o ideal de transformar-se em via alternativa entre o capitalismo e o
socialismo não prosperou. O cooperativismo acabou seduzido pela lógica do capital.
A História se encarregou de demonstrar a utopia da proposta de socialização contida
na doutrina cooperativista de Robert Owen e outros ideólogos do movimento. A
dialética da interação entre o movimento cooperativista e as forças propulsoras do
capitalismo não só frustraram a proposta de transformação da sociedade, como
possibilitaram a incorporação do cooperativismo na própria dinâmica da expansão
do capital, enquanto elemento de complementação à economia de mercado.
(SCHNEIDER, 1981, p. 11)
Apesar de não ter transformado a sociedade na dimensão proposta inicialmente, o
movimento cooperativista se estabelece como uma alternativa que preserva a iniciativa
privada e socializa os resultados, considerando que é o homem quem gera riquezas e tem
direito a participar delas.
39
2.1 Doutrina x teoria
Tudo o que foi dito até agora está relacionado à doutrina cooperativista. Ou seja,
como deveria ser colocado em prática o pensamento cooperativo. Mas o estudo sobre o
assunto também se multiplicou e hoje há vários analistas empenhados em criar um suporte
teórico para o cooperativismo. Entre as propostas teóricas em elaboração, uma das que vem se
destacando é a Teoria de Münster, desenvolvida por um grupo de professores do Instituto de
Cooperativismo da Universidade de Münster, na Alemanha. No Brasil, quem vem
acompanhando essas tentativas de teorização é a pesquisadora Diva Benevides Pinho, da
FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo).
Uma teoria do cooperativismo, diferente da doutrina, é capaz de explicar o
sistema, como ele funciona e de prever o que pode ser a atividade cooperativa com uma certa
margem de segurança.
Os pressupostos mais importantes da Teoria de Münster são: 1. a cooperativa não
exclui o interesse pessoal, nem a concorrência (tal como afirmam as outras teorias
cooperativistas); ao contrário, permite aos fracos desenvolverem-se dentro da
economia competitiva; 2. os associados buscam satisfazer seus interesses pessoais
mediante de cooperativas quando verificam que a ação solidária é mais vantajosa do
que a ação individual (é a capacidade equilibradora da cooperativa); 3. a cooperativa
adquire sua própria importância econômica, independentemente das unidades
econômicas dos associados; 4. os dirigentes (Conselho de Administração e gerentes)
atendem aos seus próprios interesses na medida em que fomentam os interesses dos
membros da cooperativa; [...] 5. entre os associados e a cooperativa deve haver
solidariedade ou lealdade consciente, embasada em normas contratuais ou
estatutárias [...] (PINHO, 2001, p. 91)
A pesquisadora explica ainda que, embora os teóricos de Münster critiquem
veementemente o cooperativismo rochdaleano por considerar os pioneiros limitados, a
complementaridade entre doutrina e teoria é fundamental. Isso porque as cooperativas são um
misto de associação e de empresa, atuando não apenas na atividade econômica, como também
na esfera social. Encaixam-se na moderna concepção de responsabilidade social, ao
40
difundirem princípios de cidadania, solidariedade, preocupação com a comunidade e com o
meio ambiente.
2.2 Cooperativismo no Brasil
Diva Benevides Pinho revela que recentemente foram encontrados em Minas
Gerais os estatutos da Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro
Preto (Província de Minas), fundada em 1889. “Esta cooperativa, a mais antiga até agora
localizada, marca o início do cooperativismo rochdaleano no Brasil” (Ibid, p. 96). Até então
acreditava-se que a cooperativa brasileira mais antiga seria a Associação Cooperativa dos
Empregados da Cia. Telefônica de Limeira, no Estado de São Paulo, fundada em 1891.
De qualquer modo, a literatura sobre o tema atribui o pioneirismo aos Estados de
Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. As primeiras leis brasileiras sobre o cooperativismo
surgiram em 1903 (anexo I). Araguaia Feitosa Martins, jornalista que estudou os movimentos
de arregimentação de cafeicultores em cooperativas no Brasil, explica que o primeiro Estado a
incentivar essa união foi Minas Gerais.
Lá surgiram as primeiras cooperativas agropecuárias em 1907 e as cooperativas de
cafeicultores em 1911. O então governador do Estado, João Pinheiro, lançou um Projeto
Cooperativista para eliminar os intermediários da produção agrícola, principalmente do café.
Cooperativas agrícolas também surgiram no sul do país, a princípio nas comunidades de
origem alemã e italiana, que conheciam o sistema cooperativista europeu. O segmento
agropecuário sempre foi o mais expressivo do cooperativismo brasileiro.
Martins estabelece duas grandes ondas de fomento ao cooperativismo nacional: a
primeira na década de 30, em plena ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945). Em 1932, o
presidente promulgou o decreto 22.239, a primeira Lei Orgânica do Cooperativismo
41
Brasileiro, consolidando o movimento no país e estimulando o desenvolvimento de
cooperativas de consumo e na área rural, atreladas ao Estado.
Um ano antes havia sido criada a Central de Cafeicultores Paulista, que agrupou
12 cooperativas de produtores, mas todas estariam paralisadas já na década de 1940. Na
prática o movimento fracassou porque havia muitos intermediários no negócio do café, o que
inviabilizou preço melhor ao produtor.
Tais iniciativas guardavam uma forte ambigüidade. Por um lado o movimento
cooperativo preservava seus marcos de origem: o apelo às propostas socialistas e as críticas e
negação total ou parcial dos valores capitalistas. Por outro, a vinculação do cooperativismo
aos ditames do Estado Varguista impunha a produção para o capital, inviabilizando o
funcionamento fluído das instituições cooperativas. Não havia auto-gestão, elemento básico
das cooperativas, o mesmo se repetindo no pós-64.
A única explicação é que, sendo o café um produto de exportação de altos lucros, e
já com uma estrutura de comercialização bem sedimentada, não havia interesse, por
parte dos cafeicultores, em criar novas alternativas de comercialização. Só no final
da década de 50, os cafeicultores se interessaram pelas cooperativas como
alternativa de comercialização, devido às novas condições econômico-sociais
surgidas com a queda das cotações internacionais, sob pressão de safras brasileiras
sempre maiores e dos crescentes estoques em mãos do governo. (PANZUTTI, 2000,
p. 122)
De fato, no final da década de 1950, com financiamentos através do IBC (Instituto
Brasileiro do Café), o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) estimulou a associação
dos cafeicultores. As cooperativas receberam recursos para a importação de adubos, aparelhos
contra a geada, máquinas de beneficiamento, esteiras de catação e outros equipamentos
destinados a melhorar a qualidade do produto destinado à exportação.
Parecer do governo emitido em 1957 justificava essa campanha alegando que “a
criação de cooperativas de produtores de café em zonas ecologicamente indicadas e dirigidas
42
por elementos capazes é, a nosso ver, a maneira mais segura de a produção sair da rotina em
que vive, e tomar novos rumos” (MARTINS, 1962, p. 30).
Em 1971, em pleno regime militar, o então presidente general Emílio Garrastazu
Médici sancionou a lei n. 5.764, que regulamentou o cooperativismo brasileiro. Essa lei
estabeleceu a Política Nacional do Cooperativismo e vinculou as cooperativas agropecuárias
ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que tinha a função de
fiscalizá-las e controlá-las. Fiscais visitavam as cooperativas duas ou três vezes por ano,
avaliavam todos os livros de registro, atas e contabilidade. Qualquer irregularidade era
comunicada ao Conselho Nacional de Cooperativismo, ao qual elas eram subordinadas. Na
época, os chamados “anos negros da ditadura”, os movimentos estudantil e sindical eram
contidos pelo governo militar. Esse contexto ajuda a entender a vigilância do poder público
sobre o associativismo. Também era interessante ao governo, nesse período, utilizar o sistema
cooperativista como instrumento de modernização da agricultura.
A abertura política no Brasil e a Constituição Cidadã promulgada em 1988
alteraram o perfil do cooperativismo no país. O presidente era José Sarney, que assumiu o
poder em virtude da morte de Tancredo Neves em 1985. A nova legislação tornava as
cooperativas auto-gestoras e as desvinculava dos órgãos de controle. Ao mesmo tempo em
que o Estado ampliava a liberdade de operação, o fim do paternalismo deixava as
cooperativas –principalmente as agropecuárias– órfãs de créditos oficiais e de capacitação.
Foi no início dos anos 90 que o Brasil acompanhou a crise e a falência da maior
cooperativa rural do país, a Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC). Fundada em 1927, no
município de Cotia, próximo à capital paulista, a CAC chegou a faturar US$ 1,1 bilhão/ano e
empregar 9.000 funcionários. Foi criada e administrada por japoneses e ao longo de 67 anos
ganhou uma estrutura com 78 núcleos. A crise tornou-se pública em abril de 1993. Sem
recursos oficiais, a cooperativa passou a financiar os próprios cooperados, que se tornaram
inadimplentes.
43
A imprensa, na época, noticiou que o endividamento da CAC chegou aos US$
900 milhões. A lista de bancos credores somava 83 e os maiores prejuízos ficaram com o
Banespa e o Banco do Brasil. Em 30 de setembro de 1994 os cooperados se reuniram em
assembléia e optaram pela liquidação da cooperativa. A administração de seu patrimônio foi
transferida para as filiadas. As lojas ou núcleos que atuavam nos municípios próximos foram
transformados em cooperativas singulares ou sociedades anônimas. O caso CAC abalou a
credibilidade do sistema cooperativista nacional. Mas o governo contra-atacou e passou a
incentivar a auto-organização do setor.
Uma terceira onda de fomento ao cooperativismo rural é lançada pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998. Através de medida provisória, o ex-
presidente instituiu o Recoop (Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção
Agropecuária). Exigiu ampla profissionalização e modernização das cooperativas rurais e
prometeu em troca um alongamento das dívidas dessas instituições e dos produtores
associados com o governo. O Recoop reordenou a administração de grande parte das
cooperativas agropecuárias, que iniciaram um processo de capacitação dos gestores, dos
cooperados e dos funcionários. Os associados foram “convidados” a capitalizar suas
cooperativas.
Houve uma tentativa de descentralização das decisões, com pré-assembléias
realizadas nos núcleos ou filiais. Antes, a práxis era a realização de uma assembléia ordinária
anual na matriz e, quando necessário, assembléias extraordinárias sempre concentradas no
prédio central. Mas nem todas as cooperativas conseguiram o benefício da linha de crédito
anunciada e chegaram a protestar em Brasília, cobrando uma posição do governo e do Banco
do Brasil. A Coopemar está nesse grupo.
Junto com o Recoop foi criado o Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo), uma organização semelhante ao Senai e Senac, que buscam o
aperfeiçoamento dos setores industrial e comercial, respectivamente. Este serviço tem a sede
44
em Brasília, mas foi implantado nos 27 Estados brasileiros. Cada unidade segue os programas
de caráter geral formulados pela sede nacional, mas tem autonomia para desenvolver ações
localizadas, de acordo com as necessidades regionais. O Sescoop/SP, por exemplo, criou o
Portal do Cooperativismo
10
, um site referencial para quem integra ou busca informações sobre
o cooperativismo paulista.
A meta é a profissionalização do cooperativismo e ela tem sido buscada através de
cursos, palestras, workshops, publicações, troca de experiências e ampla programação social
para integrar as cooperativas de todos os ramos. Através da educação permanente e da
promoção social dos cooperados e suas famílias, o Sescoop propõe melhorar a qualidade de
vida dos integrantes do movimento.
2.3 Cooperativismo globalizado e pós-moderno
Toda essa reestruturação do movimento cooperativista vem ocorrendo à luz de um
fenômeno macro, mais visível na esfera econômica: a globalização. Para entender um pouco
mais essa ocorrência, convém abordar também outro conceito bastante atual, o da pós-
modernidade.
Não são poucos os autores que se dedicam a entender e explicar conceitos,
implicações e conseqüências da globalização e da pós-modernidade. Historiadores,
antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, filósofos e comunicólogos emprestam suas
visões de mundo e contribuem para mapear as mudanças estruturais da sociedade
contemporânea, chamada de pós-moderna ou pós-industrial.
Nenhuma explicação é, porém, definitiva, fechada, completa. Se os aportes desses
pesquisadores auxiliam na tarefa de compreender as origens e o desenvolvimento de tais
10
www.portaldocooperativismo.org.br
45
fenômenos, faz-se necessário empenho extra para acompanhar seus efeitos porque tais
mudanças estão em andamento.
Entre vários conceitos de globalização, o do sociólogo lusitano Boaventura de
Souza Santos parece bastante oportuno pela simplicidade com que trata a complexa questão:
A globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local
consegue estender a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a
capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival. [...] Para
dar um exemplo de uma área totalmente diferente, à medida que se globaliza o
hambúrguer ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau português ou a feijoada
brasileira no sentido de que serão cada vez mais vistos como particularismos típicos
da sociedade portuguesa ou brasileira. (SANTOS, 1997, p. 108)
O autor coloca como antagônicos os conceitos de globalização e localização,
afirmando que os dois processos ocorrem simultaneamente e explicam o mesmo fenômeno.
Mas o discurso científico hegemônico tende a privilegiar a história do mundo na versão dos
vencedores, ou seja, a vitória da globalização sobre a localização.
A pós-modernidade também é estudada por inúmeros pesquisadores, que a
definem a partir de diferentes paradigmas. Escolhemos a concepção de Canclini, entre tantas
outras avaliadas, pela noção dinâmica de processo emprestada ao tema:
Concebo a pós-modernidade não como uma etapa totalmente distinta nem
substitutiva da modernidade, mas como um desenvolvimento de tendências
modernas que se reelaboram nos conflitos multiculturais da globalização.
(CANCLINI, 1999, p. 70)
Pós-modernidade e globalização não se confundem, embora estejam estreitamente
relacionadas. A globalização promoveu rupturas que caracterizam um outro modo de ver a
contemporaneidade, o modo pós-moderno. Seria arriscado tentar entender um fenômeno sem
conhecer o outro.
46
Alguns autores afirmam que a modernidade está para a Revolução Industrial
assim como a pós-modernidade está para a Revolução das Tecnologias da Informação. Há
quem prefira chamar a pós-modernidade de modernidade-mundo. “No contexto da
modernidade-mundo uma instituição social adquiriu um peso desproporcional. Refiro-me ao
mercado. Trata-se de uma instância não apenas econômica, como imaginam às vezes os
economistas. Ele é também produtor de sentido” (ORTIZ, 1999, p. 86).
Se o mercado é produtor de sentido, o consumo adquire status não menos
importante. Na sociedade globalizada, em que a inclusão é determinada pelo consumo e não
mais pela cidadania, questiona-se se existem consumidores cidadãos. Esse processo passa pela
reconquista do espaço público, porque na sociedade pós-moderna as mediações sociais se dão
mais pela mídia e menos pelos canais tradicionais, como escolas, igrejas, associações e outros
meios.
Outras transformações marcam a pós-modernidade. A idéia de Estado-nação se
dissolve e a de Estado neoliberal e ausente se fortalece. No neoliberalismo, a liberdade
econômica fundamenta a liberdade política. Conceitos como livre iniciativa, competitividade,
lucratividade e produtividade tornam-se relevantes, assim como a idéia de que o mercado
global ajusta todos os problemas, independente de qualquer intervenção estatal.
Na pós-modernidade, a sociedade civil desterritorializada se organiza enquanto
comunidade de consumidores de bens e produções de sentido; a cultura de cada nação é
sobreposta por elementos simbólicos transnacionais e começa a surgir uma cultura
mundializada; os meios de comunicação de massa se tornam a principal fonte de acesso a
informações e um dos mais importantes instrumentos de educação da população mundial; a
economia se privatiza e a vida íntima se desprivatiza (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 47).
Essa é uma breve visão do contexto atual em que se encaixa o movimento
cooperativista. A economia globalizada forçou a reestruturação das empresas capitalistas para
que elas se tornassem competitivas e sobrevivessem no mercado. Com as cooperativas não foi
47
diferente. “Cooperativismo não é mais a via alternativa entre capitalismo e socialismo. Ele
tem a missão de inserir o pequeno produtor no mercado globalizado”, já dizia o presidente da
Organização das Cooperativas Brasileiras, Márcio Lopes Freitas (BRANDÃO, 2003, p. 40).
Encontrar o ponto de equilíbrio entre os valores e ideais do cooperativismo e a
necessidade de tornar competitivas as empresas cooperativas é o grande desafio do
movimento. As primeiras análises revelam uma tendência à desumanização das cooperativas,
que devem perder algumas características sociais em função das exigências do mercado. Para
ajustar-se e sobreviver, elas terão que demitir funcionários, reduzir despesas, exigir
profissionalismo e tecnologia do cooperado, aumentar suas receitas (até com a abertura de
capital a terceiros), abrir novos mercados e valorizar os cooperados mais eficientes.
É uma incógnita a estratégia que as cooperativas pretendem utilizar para manter o
diferencial que as caracterizou desde sua criação. Tudo indica que o cooperativismo está se
adaptando à lógica do mercado. Mas não se sabe até que ponto o movimento terá que abrir
mão de seus princípios sem tornar-se somente um apêndice do capitalismo. O cooperativismo,
em sua essência, já mudou. E essas transformações não acontecem apenas no Brasil. O
cooperativismo está diferente no mundo inteiro.
2.3.1 Os exemplos norte-americano e europeu
Nos Estados Unidos as cooperativas eram caracterizadas pela tradição, pelo
gerenciamento ineficiente de seus negócios empresariais e pela dificuldade de adotar novos
modelos de administração. Elas passaram por um lento processo de capitalização, através da
retenção de lucros da própria empresa.
Mais do que um fenômeno restrito às cooperativas norte-americanas, esse
processo ocorreu também em cooperativas da maioria dos países de agricultura avançada,
como a Austrália, a Argentina, o Canadá, a África do Sul, os países europeus de forma geral e
48
também o Brasil. As cooperativas norte-americanas definiram, ainda, duas estratégias básicas
para se adaptar ao novo paradigma: a consolidação (através do fortalecimento da imagem da
empresa em sua área de atuação) e a proporcionalidade (participação de capitais na empresa
cooperativa, através de alianças, joint-ventures e associações entre cooperativas e entre
cooperativas e empresas de capital aberto).
O que se pode perceber é que o sistema cooperativista norte-americano, através da
crescente profissionalização de seu quadro diretivo e do maior comprometimento do
seu quadro social, através da fidelidade, acompanhamento e monitoramento das
decisões da direção, evoluiu de um modelo defensivo de organização, voltado ao
mercado doméstico e caracterizado pela falta de profissionalismo em todos os níveis
de atividades, para um modelo, ou vários tipos de modelos, que passam a assumir
uma atitude ofensiva com relação aos mercados, profissionalizando todas as suas
atividades e aumentando o comprometimento de seus cooperados com os destinos
traçados pela empresa. (COOK, 1997, p. 182)
Essa relação de fidelidade e comprometimento dos associados com as
cooperativas norte-americanas de nova geração não foi um processo natural, que brotou
intrinsecamente da formação e educação dos cooperados. Existe, sim, uma relação contratual
de fidelidade entre associado e cooperativa, modelo que começa a ser debatido entre as
cooperativas brasileiras.
Durante o XI Congresso Brasileiro de Cooperativismo, realizado em Brasília em
1997, já foi apontado como perspectiva o estabelecimento de uma relação contratual estável,
sem oportunismos e com altos índices de fidelidade, por parte de seus associados. Mesmo
considerando que o oportunismo não pode ser eliminado, sugeriu-se que as cooperativas
criassem mecanismos de monitoramento dos cooperados aliados a intensos programas de
educação cooperativista.
Em 2004, pelo menos duas orientações nesse sentido foram transmitidas às
cooperativas paulistas, no curso “Cooperativas de Nova Geração”, promovido em São Paulo,
em junho, e durante o “IV Workshop Internacional de Tendências do Cooperativismo
49
Agropecuário”, realizado em Ribeirão Preto no final de outubro
11
. O primeiro evento explicou
o modelo que procura manter a fidelidade aos princípios do cooperativismo dentro de uma
estrutura mais compacta. Nas cooperativas de nova geração norte-americanas e européias, o
quadro de associados é mais restrito, a gestão é profissionalizada e a capitalização aberta.
Além de receber recursos de fora, o próprio cooperado passa a capitalizar a
cooperativa, adquirindo o direito e a obrigação de entregar a produção negociada em contrato.
A busca pela eficiência econômica passa também pela agregação de valor ao produto,
iniciativa que começa a se destacar no agronegócio brasileiro. Mas a legislação que
regulamenta o cooperativismo no Brasil ainda impede a capitalização externa.
O outro modelo, importado da Comunidade Européia, é o chamado “Cooperativas
em Rede”. Não se trata de fusões ou incorporações, mas de alianças estratégicas para reduzir
custos, somar funções, aumentar o poder de negociação e estabelecer formas eficientes de
governança. A organização em rede deu certo na Dinamarca, mas falhou na Holanda. Os dois
exemplos foram relatados no workshop.
O sistema agrícola dinamarquês é formado por cooperativas interligadas e os
produtores buscam o lucro. A competitividade é fundamentada na intercooperação. No Brasil,
diferenças culturais, porte desigual entre cooperativas e interesses antagônicos dos dirigentes
dificultam essas alianças.
Na Holanda, o Cebeco –uma rede de cooperativas com 40 mil associados, 22
cooperativas singulares e 200 subsidiárias– vendeu 80% de seu patrimônio nos últimos dez
anos. O sistema tornou-se grande demais, extremamente diversificado e difícil de ser
administrado. Manter o foco na produção e evitar e heterogeneidade são caminhos apontados
pelo pesquisador brasileiro Jader Bianco, que estudou a gestão de cooperativas agropecuárias
no Estado de São Paulo.
11
Os conteúdos do curso e do workshop foram divulgados pela assessoria de imprensa da Ocesp (Organização
das Cooperativas do Estado de São Paulo)
50
Os dois modelos tendem a se transformar em novos paradigmas para o sistema
brasileiro por dois motivos. Primeiro, porque é incipiente a pesquisa de alternativas de gestão
cooperativa no Brasil. Segundo, porque o país tem o hábito histórico de importar soluções,
teorias, movimentos e modelos empacotados dos países desenvolvidos. O custo dessa
importação poderá ser aferido a médio ou longo prazo.
2.4 Tendências e desafios para as cooperativas
No Congresso realizado em Brasília em 1997, o líder cooperativista Roberto
Rodrigues –hoje ministro da Agricultura do governo Luís Inácio Lula da Silva– já
vislumbrava mudanças radicais no sistema. Naquele ano, ele seria o primeiro não europeu a
assumir a presidência da ACI (Aliança Cooperativa Internacional), cargo que ocupou até
2001.
Rodrigues (1999, p. 107) defendia que “as cooperativas são empresas que também
precisam competir no disputado mercado global”. E para isto teriam que reduzir custos e
aprimorar a gestão, o que implicaria na demissão de funcionários. Também previa a expulsão
daqueles considerados “maus cooperados” e o tratamento diferenciado para seus membros em
função de seu tamanho, de sua eficiência individual e da reciprocidade em relação à
cooperativa.
“Ora, tudo isto é uma aparente contradição à doutrina cooperativista, porque
também afronta o social, com prevalência do econômico. Mas não há outra saída. [...] não há
eficiência com empregados ociosos, maus dirigentes ou associados não participativos.” (Ibid,
p. 108). Elas enfrentam o desafio de agir como empresas privadas no mercado para terem
condições de sobrevivência e, ao mesmo tempo, preservar suas relações características com os
cooperados, que são seus donos, clientes e fornecedores.
51
Uma visão mais cética da influência da globalização no cooperativismo é
apresentada pelo jornalista Jorge Arlan de Oliveira Pereira, que fez um amplo estudo expondo
a visão dos comunicadores sobre a educação e a comunicação em cooperativas agropecuárias
do oeste do Estado de Santa Catarina. Sua análise mostra a preocupação dos comunicadores
ao constatarem o abandono da idéia de solidariedade no meio cooperativo.
Para responder a tal expectativa, as cooperativas vem procurando ao longo das quase
três últimas décadas a função empresarial e social, na busca de ser viável
comercialmente e de propiciar aos seus associados determinados benefícios,
cumprindo uma função que outras organizações do mercado não se encontram
interessadas nem comprometidas a fazer. Ocorre que nos últimos cinco anos, e mais
especialmente nos últimos três, as cooperativas passaram a cumprir cada vez menos
a função social. (PEREIRA, 1999, p. 19-20)
Mesmo se tratando de um fenômeno relativamente recente, a descaracterização
das cooperativas já era prevista em 1981 por estudiosos menos apologéticos e mais críticos,
como João Elmo Schneider:
[...] na medida em que a organização cooperativa se expande enquanto empresa e
consolida sua sobrevivência em meio a uma ordem essencialmente competitiva, ela
tende a se descaracterizar como cooperativa, porquanto inviabiliza um dos princípios
básicos que a definem como tal. (SCHNEIDER, 1981, p. 32)
O autor refere-se ao princípio da participação efetiva e do controle democrático da
organização por parte de seus associados. E torna-se efetivamente atual se analisarmos que as
decisões tomadas em assembléias, embora garantam essa participação democrática, hoje são
consideradas ineficientes em função da lentidão para mobilizar o quadro social, apresentar os
dados e discutir soluções. O chamado assembleísmo foi marca registrada das cooperativas nos
anos 70 e 80. Hoje os associados ainda se reúnem e definem os rumos e estratégias da
52
organização, mas “as operações cotidianas são tocadas com autonomia por profissionais”
(BRANDÃO, 2003, p. 44).
Em suma, o que instiga as cooperativas é conciliar os interesses competitivos de
uma empresa de negócios com a possibilidade de manter –ou retomar– a participação efetiva
dos cooperados no controle democrático de sua gestão. A tendência, como aponta a maioria
dos estudiosos, é que as cooperativas assumam cada vez mais a lógica e a racionalidade de
uma empresa capitalista.
Questiona-se os enfoques que vislumbrem um eixo de continuidade claro entre as
primeiras expressões cooperativas, datadas da primeira metade do século XIX e o
cooperativismo atual. Isto porque, se o compromisso inicial definia-se pela constituição de
associações que guardavam como princípio articular alternativas para o processo capitalista,
os arranjos históricos orquestrados buscam substituir esse compromisso pelo afinamento
com a sociedade e o mercado capitalista.
2.5 Minas e São Paulo
As duas cooperativas de cafeicultores selecionadas para esse estudo –a Cooxupé,
localizada no sul de Minas Gerais, e a Coopemar, no interior paulista– são instituições
representativas do movimento cooperativista agropecuário. A expressividade dessas
cooperativas, de suas regiões e dos seus Estados na produção cafeeira será explicada a seguir.
No início da década de 1960, o governo brasileiro instituiu um plano de
erradicação de cafezais para atender a um convênio da Organização Internacional do Café, a
OIC. Havia excesso de oferta e o país se propôs a destruir dois bilhões de cafeeiros em duas
etapas: de 1962 a 1965 e de 1966 a 1967. O governo pagou ao produtor por pé de café
arrancado e financiou a diversificação de culturas das áreas liberadas. O plano quase atingiu a
53
meta proposta: foram erradicados 1 bilhão e 300 milhões de pés e outros 350 milhões foram
abandonados espontaneamente.
Marcado sempre por fases de expansão e retração, o café teve outra onda de
estímulo a partir de 1969, quando o governo implantou o Plano de Renovação e
Revigoramento de Cafezais, através do Instituto Brasileiro do Café (IBC).
De 1970 a 1981/82 foi financiado o plantio de cerca de 2,1 bilhões de cafeeiros, em
cerca de 160 mil projetos, com base em um zoneamento agro-climático, gerando
uma nova tecnologia na cafeicultura brasileira, com variedades melhoradas, sistemas
de plantio mais adensados, com práticas de correção de solo, adubação etc. Houve a
renovação do parque, em mais de 60%, em apenas 10 anos, incorporando novas
regiões, como os cerrados em Minas Gerais e áreas na Bahia e na Amazônia.
(MATIELLO, 2002, p. 10)
Entre as décadas de 1970 e 1980, São Paulo e Paraná ainda eram os Estados que
dominavam a cafeicultura no país. Cada um respondia por 38% da produção nacional. Mas
este programa de renovação teve grande adesão dos cafeicultores mineiros, especialmente os
do sul de Minas. A partir de 1985, Minas Gerais assumiu a liderança nacional da produção de
café.
Em Guaxupé (Minas), café é cultivado em morros
54
Hoje Minas e São Paulo são os maiores Estados produtores de café arábica
12
do
país. Há pelo menos dez anos, desde a safra 1994-1995, os cafeicultores mineiros vem
colhendo o equivalente à metade da produção nacional (anexo II). Nas últimas dez safras as
lavouras paulistas vem mantendo a média de 13% da produção nacional, enquanto a produção
paranaense caiu para 5,5%.
O Estado do Espírito Santo aparece nas estatísticas oficiais como o segundo maior
produtor, com média de 18% da produção nacional. Mas a variedade produzida lá é a robusta,
mais resistente e de fácil adaptação às regiões quentes e de altitudes menores. O café robusta
apresenta o dobro de cafeína, é mais amargo e pouco ácido. Não é consumido puro, mas pode
ser usado nos blends (misturas) com o arábica.
No Brasil existe uma estrutura de representação das cooperativas e no topo está a
Organização das Cooperativas Brasileiras, a OCB. Criada em dezembro de 1969 durante o VI
Congresso de Cooperativismo, ela foi o resultado da união de duas outras entidades que
representavam as cooperativas do país desde a década de 1950, a União Nacional das
Associações Cooperativas (Unasco) e a Associação Brasileira de Cooperativas (Abracoop).
Juridicamente, a OCB passa a existir com a Lei 5.764/71. Nos dois primeiros anos ela
funcionou em São Paulo, mas a sede foi transferida em 1972 para Brasília.
Foto: Paulo Cansini
Florada de café arábica, na região de Marília
12
É o tipo de café mais valorizado, considerado bebida básica e normalmente consumido pelos brasileiros
55
Cada Estado do país possui a sua organização estadual das cooperativas, que está
representada na OCB, hoje dirigida pelo cafeicultor e administrador de empresas Márcio de
Freitas Lopes. Nascido do interior paulista, ele atuou em cooperativas de café antes de dirigir
a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), de 1996 a 2001.
A Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg) e a Ocesp
foram criadas, respectivamente, em setembro e outubro de 1970. Além de todo o suporte
técnico e jurídico, essas organizações têm estimulado a representação política para o
cooperativismo em seus Estados. Mostram também grande preocupação em formar novas
lideranças, através de programas para jovens cooperativistas.
2.5.1 Guaxupé e Marília
Guaxupé
Fonte: www.guianet.com.br/mg/mapamg.htm
Mapa de Minas Gerais, localizando Guaxupé
56
Guaxupé surge como arraial em 1837 e depois de ganhar as denominações de vila
e distrito, vinculada a São Sebastião do Paraíso e Muzambinho, transforma-se em município
em 1912.
13
Um fato histórico chama a atenção: todos os escravos de Guaxupé foram
libertados sete anos antes da Lei Áurea, o que pode indicar um traço menos conservador dos
proprietários rurais da região.
A cidade sempre teve vocação para a agricultura. A qualidade do solo e o clima
são propícios para a produção de café de qualidade superior. Guaxupé dista nove quilômetros
da divisa de Minas com São Paulo e tem atualmente cerca de 46 mil habitantes. A cafeicultura
é explorada nos morros, já que o relevo daquela região é bastante acidentado.
O município de Marília foi criado em abril de 1929 em função da expansão
cafeeira pelo interior de São Paulo. Diferente de Guaxupé, existem vários estudos publicados
sobre a história da cidade. Em todos eles fica evidente que sua fundação esteve
Fonte: PÓVOAS, Glycerio, 1947, entre páginas 22-23
Foto da abertura da ferrovia na região de Marília, publicada na década de 1940
13
São raras as informações publicadas sobre a história de Guaxupé. Esse levantamento tem como base o site
www.geocities.com/TheTropics/6654/hist.htm
57
intimamente ligada à história do café e da estrada de ferro. Antes de se chamar Marília, um
dos três patrimônios que deram origem à cidade ganhou o nome de Alto Cafezal.
A história de Marília liga-se, portanto, à epopéia do café. Ela surgiu sob a influência
irresistível da ambicionada rubiácea e também como conseqüência da expansão
ferroviária do Estado. Foi ele principalmente, que arrastou para estas paragens a
coragem sem par e a energia dos modernos bandeirantes. (PÓVOAS, 1947, p. 17)
Antes mesmo da criação oficial do município em 1929, matas haviam sido
derrubadas na região para o plantio de café. O primeiro registro fotográfico dessas derrubadas
é de 1923, mas os pesquisadores da história de Marília confirmam que já em 1915 o café era
cultivado como forma de assegurar a posse das terras contra possíveis invasores.
Logo após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência
substituindo Washington Luiz, foi implantada uma política de retração da cafeicultura
nacional. Estoques foram queimados e o plantio de novos cafeeiros, proibido. Apesar da
região de Marília não ter respeitado essa proibição, houve um estímulo à diversificação e
outras culturas se tornaram secundárias, como o algodão, o arroz, o amendoim e a pecuária.
58
Fonte: PÓVOAS, Glycerio, 1947, entre páginas 22-23
Primeiro registro fotográfico de derrubada de mata realizada em Marília
Alternando momentos de expansão e declínio do plantio, regulados por fatores
como preço, oferta, produtividade, estoque e efeitos climáticos, a cafeicultura na região de
Marília manteve-se expressiva pelo menos até a década de 1970. Mas a geada histórica de
1975, o ataque da ferrugem e a infestação de nematóide
14
reduziram o parque cafeeiro da
cidade de 11 milhões de pés para menos de dois milhões. Esse número persistiu até 1997,
quando o município implantou um programa para retomar os cafezais e gerar mais empregos
no campo.
Marília conta hoje com 217 mil habitantes e a agricultura não representa mais a
principal vocação econômica do município. A concentração de indústrias alimentícias,
principalmente nos ramos de biscoitos e confeitos, levou a cidade a adotar o slogan de
“Capital Nacional do Alimento”.
14
“O nematóide é um verme minúsculo, que se propaga pela água das chuvas, e também por meio de mudas e
implementos agrícolas infectados. Ele ataca as raízes do cafeeiro, impede a circulação da seiva e pode causar a
morte da planta. O mal quase tornou inviável a cafeicultura no oeste paulista.” (OKUDA, 1997, p. G13)
59
Fonte: www.guianet.com.br/sp/mapasp.htm
Mapa de São Paulo, localizando Marília
O setor de serviços é um dos que mais geram empregos. Apenas na área de ensino
superior, Marília possui três universidades e uma faculdade. Mesmo assim, a atividade
agropecuária persiste, com destaque ainda para o café, a pecria de leite e de corte, a
melancia, o amendoim e a citricultura.
2.5.2 Cooxupé e Coopemar
A Cooperativa de Crédito Agrícola Guaxupé foi criada em 1932 por um grupo de
24 produtores rurais. Apenas em 1957 transformou-se em cooperativa de cafeicultores e tinha
95 associados. A estrutura era limitada: não havia armazéns, nem maquinários.
60
Naquele ano o presidente eleito foi o engenheiro Isaac Ribeiro Ferreira Leite, formado
pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Indicado por amigos para assumir a
liderança, ele afirma ter se inspirado nos ideais de Tomás Alberto Whately
15
, de Ribeirão
Preto, um dos grandes fundadores de cooperativas de cafeicultores.
O presidente da Cooxupé revela que, como Whately, sempre procurou valorizar e
difundir os princípios rochdaleanos, mas nunca perdeu de vista a necessidade de transformar
a cooperativa em empresa competitiva. Para isso, Isaac Ferreira Leite contratou profissionais
para atuar na gestão estratégica da Cooxupé. A preocupação sempre foi promover o lucro, que
na linguagem cooperativa é chamado de “sobra”.
O crescimento da cooperativa e o incremento das exportações de café foram
marcas registradas da gestão de Isaac Ferreira Leite. Em 1977, a Cooxupé iniciou seu
processo de expansão pelos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Em três anos inaugurou os
núcleos de Monte Santo de Minas, Cabo Verde e o prédio onde até hoje funciona a matriz, em
Guaxupé. Na década de 1980 foram inauguradas mais sete filiais: cinco em Minas Gerais, nas
cidades de Guaranésia, Nova Resende, São Pedro da União, Alfenas e Carmo do Rio Claro; e
duas no Estado de São Paulo, em Caconde e São José do Rio Pardo. A cooperativa tem hoje
17 unidades espalhadas entre o sul de Minas, a região do cerrado mineiro e o norte do Estado
de São Paulo.
15
Whately fundou a Cooperativa de Cafeicultores de Ribeirão Preto, a Cooperativa Regional da Mogiana, a
Cooperativa Central dos Cafeicultores da Região da Mogiana e a Federação Brasileira das Cooperativas de
Cafeicultores. Ele morreu durante uma reunião de cafeicultores realizada em Jaú, quando era debatido o
embarque da safra de 1960-61.
61
A primeira exportação foi feita em 1979, quando a cooperativa embarcou 900
sacas. Na safra 81/82 o sul de Minas foi responsável por 60% da produção nacional de café e
Fachada da matriz da Cooxupé, em 2004
Ásia e América do Norte.
Com um faturamento de 930 milhões de reais em 2004, a Cooxupé divulga-se
como a maior cooperativa de cafeicultores do mundo, com 9.750 cooperados. Apesar de 73%
serem considerados pequenos cafeicultores, a diretoria assume a “relação 80-20”. Dirigentes
admitem que 80% dos agricultores cooperados são responsáveis por apenas 20% do
movimento financeiro da cooperativa. Em contrapartida, 20% dos cooperados respondem por
80% das movimentações de café. Em 2004, passaram pelos seus armazéns 11,7% da produção
nacional de café e 18% da produção mineira
16
. Do volume anual que padroniza, metade
destina-se à exportação direta, 25% vão para empresas exportadoras, 24% ficam no mercado
interno e 1% é utilizado pela torrefação da própria cooperativa.
Doutor Isaac, como é tratado pelos funcionários, diretores e cooperados, é hoje,
aos 94 anos, o presidente de honra da Cooxupé. Freqüenta diariamente a cooperativa,
16
Dados divulgados pela assessoria de imprensa da Cooxupé
a Cooxupé recebeu apoio do
IBC para exportar mais.
Em 1984, já com
um escritório de exportação
em Santos, a Cooxupé aparece
pela primeira vez na lista dos
maiores exportadores de café
do Brasil. Seus principais
mercados consumidores são
os mais exigentes: Europa,
62
participa de reuniões, mantém contatos internos e externos. Vem recebendo diversas
homenagens de entidades representativas do agronegócio brasileiro, que o consideram uma
liderança legítima e carismática.
Quem assumiu a presidência em 2003 foi o então vice-presidente Carlos Alberto
Paulino da Costa, engenheiro agrônomo. A transição foi aparentemente tranqüila, até porque
não houve disputa nem chapa de oposição. Diretores e cooperados entrevistados reconhecem
na figura do atual presidente a imagem da continuidade e da estabilidade da cooperativa,
demonstrando a estrutura monolítica de poder.
A Coopemar foi criada em 1961 por 116 pioneiros insatisfeitos com a relação de
dependência que mantinham com os donos das máquinas de café. Além de beneficiarem o
produto, eles eram responsáveis pela comercialização e obtinham altas margens de lucro
porque compravam o café em coco a preços baixos. Essa não foi a primeira cooperativa do
município –outras três experiências foram registradas nos setores de mandioca, de crédito
agrícola e de consumo entre 1938 e 1944, mas não tiveram continuidade.
Criada com o nome de Cooperativa Mista dos Agricultores da Zona de Marília,
seu primeiro presidente foi Francisco Wilson de Almeida Pirajá, que permaneceu no comando
até agosto de 1970. A história da cooperativa passa pelas pesquisas científicas que permitiram
desenvolver tecnologias e apoiar os cafeicultores da região. Junto com o IAC (Instituto
Agronômico de Campinas) e a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), a
Coopemar pesquisou e descobriu que mudas enxertadas de café eram resistentes ao
nematóide. Passou a produzir essas mudas, tecnologia adotada posteriormente em várias
regiões do país.
Mais tarde, em 1989, a Coopemar também inovou ao iniciar a produção de mudas
em tubetes, em substituição aos balaios de plásticos. A nova técnica trouxe vantagens como a
obtenção de mudas uniformes, com controle sanitário mais apurado e melhor aproveitamento
de espaço. Em vez da terra, as mudas passaram a ser cultivadas em um substrato, eliminando
63
a necessidade do uso de defensivos, e hoje são produzidas em bandejas suspensas, o que
facilita o manejo.
Fachada da matriz da Coopemar, em Marília, em 2004
maioria do quadro social da Coopemar é composta por pecuaristas.
O atual presidente é o engenheiro agrônomo François Regis Guillaumon, formado
pela Esalq em Piracicaba. Ele está no cargo desde 1983 e já venceu oito eleições, todas sem
chapa de oposição. A tendência ao continuísmo manifesta a personalidade conservadora dos
produtores rurais e a capacidade dos atuais diretores de esvaziar eventuais movimentos
oposicionistas.
Entrevistado para este trabalho, François Guillaumon afirma que um presidente
deve permanecer no cargo enquanto tiver disposição para participar de todas as atividades,
que incluem viagens, reuniões, conversas com cooperados e funcionários, festas agrícolas e
churrascos. Quando o entusiasmo acabar, deve ser dada a ignição do processo sucessório. A
exemplo da Cooxupé e em nome da estabilidade, a administração da cooperativa de Marília
não deve sofrer mudanças radicais.
A Coopemar chegou a manter oito filiais e um escritório exportador em Santos, já
desativado. Tem hoje cinco filiais e 1.700 cooperados –já chegou a ter 3.500. Enfrenta uma de
A cooperativa de
Marília sempre estimulou os
cooperados a diversificar a
produção. Há registros de
apoio técnico para a
implantação de lavouras de
pupunha, coco anão,
fruticultura, amendoim e
pecuária. Apesar da tradição
cafeeira, como já foi dito, a
64
suas piores crises, atribuída pelos diretores aos baixos preços do café.
2.6 Imprensa cooperativa rural
A comunicação social passou a ser explorada pelo movimento cooperativista
brasileiro no início de década de 1970, quando o país vivia o auge das grandes produções. Foi
nessa época que surgiram os primeiros jornais de cooperativas, dirigidos aos cooperados que
eram, logicamente, produtores rurais.
Os objetivos iniciais da imprensa cooperativa eram, além de criar um canal de
comunicação entre as aspirações do quadro social e as deliberações do quadro
diretivo, formar o hábito de leitura na zona rural e proporcionar um veículo de
defesa das vontades e idéias do produtor, principalmente do pequeno agricultor,
quase sempre marginalizado das decisões oficiais. Hoje, a imprensa cooperativa tem
mais particularidades: divulgação, representação e defesa política do sistema
cooperativista e a comunicação rural propriamente dita. (ROSSATO, 1981, p. 82)
A falta de espaço e interesse dos grandes jornais nacionais e regionais para o
noticiário rural em profundidade criou condições favoráveis ao desenvolvimento de um
jornalismo especializado. A imprensa cooperativa é ainda mais abrangente que o jornalismo
rural, pois seu conteúdo vai além de informações técnicas, políticas, econômicas e sociais que
afetam a vida do homem do campo.
Nota-se o comprometimento desses veículos com os princípios cooperativistas,
que serão apresentados no próximo capítulo. Textos que divulgam o intercâmbio entre
cooperativas, a relação de igualdade entre cooperados (um homem, um voto), as iniciativas de
educação cooperativista, a suposta transparência da gestão e o interesse pela comunidade onde
estão instaladas são comuns nos jornais dessas organizações.
65
Embora transpareçam nos textos alguns ideais de democracia –limitados pelas
relações de poder próprias de qualquer organização social–, nos dois jornais pesquisados, a
Folha Rural, da cooperativa mineira, e o Informativo Coopemar, da cooperativa paulista, o
leitor não tem poder de decisão sobre a pauta, segundo as jornalistas responsáveis e diretores.
Na cooperativa mineira, essa decisão é assumida e ratificada pela diretoria, que não vê
vantagens em abrir espaço para que o cooperado participe do processo de produção do
veículo. Já a direção da Coopemar afirma que essa ausência dos cooperados na elaboração da
pauta pode ter sido uma falha.
De qualquer maneira, essa integração do homem do campo à produção do jornal
rural é rara. Apenas um registro dessa participação foi encontrado no Rio Grande do Sul, no
jornal da Cooperativa Tritícola Serrana Ijuí, a Cotrijuí, “elaborado a partir de uma reunião
mensal com diversos agricultores” (COTRIJORNAL, maio 1980. p.6 apud ROSSATO, 1981,
p.89). Normalmente, as principais fontes dos comunicadores de cooperativas são os diretores
e os agrônomos dos departamentos técnicos. Estes últimos se transformam em intermediários
entre o veículo e os produtores. Franco (1985, p. 56) alerta que “a cooperativa pode e deve
discutir com os associados os conteúdos” veiculados. É uma forma de obter subsídios para
aperfeiçoá-los.
A difusão de inovações tecnológicas entre os cooperados é uma obrigação das
cooperativas, que não podem ignorar as exigências do mercado e deixar de apoiar os
produtores que buscam a competitividade. São abundantes as reportagens técnicas mostrando
as novidades que podem ou não ser adotadas pelo homem do campo. Em muitos casos, os
protagonistas desses textos são os próprios cooperados, que estão obtendo sucesso utilizando
alguma tecnologia inovadora.
A relação de confiança entre comunicador e dirigente em uma cooperativa deve
distanciar-se das possibilidades de manipulação dos associados e aproximar-se da ética,
pressuposto básico do trabalho do jornalista. A transparência e a prestação de contas são
66
deveres dos dirigentes, que não precisam esperar a cobrança dos associados para se
manifestar. Neste caso, os jornais se apresentam como um instrumento legítimo de
comunicação rural, permitindo que o homem do campo –precisamente o cooperado–
acompanhe a atuação de suas lideranças.
Além da função de buscar a transparência da gestão, a imprensa cooperativa
costuma trazer em seus conteúdos opções de diversificação agrícola, informações sobre o
mercado, interpretação de fatos políticos, econômicos e sociais que interferem na vida do
agricultor, orientações sobre o uso adequado de defensivos e da destinação correta das
embalagens de agrotóxicos, educação cooperativista, informações internacionais com reflexos
nas atividades do agricultor, lançamentos de programas ligados à agricultura e divulgação de
eventos relacionados ao setor.
É através desses veículos, atuando diretamente na comunidade, que o sistema
cooperativista logra alcançar os objetivos a que se propõe: purificação do sistema;
desenvolvimento da produção, da técnica; educação; crescimento econômico e
social; união; defesa dos interesses comuns; preparação dos jovens para o
cooperativismo; associativismo, comunitarismo (participação do agricultor na
comunidade). (ROSSATO, 1981, p. 82)
Dirigentes das cooperativas pesquisadas preconizam como funções dos seus
veículos impressos a integração dos cooperados, a doutrinação, a disseminação de
tecnologias, a prestação de contas e a motivação para vários temas de interesse. A imprensa
cooperativa, na visão deles, é responsável por estimular o cooperado a participar das
assembléias, investir em qualidade, prevenir doenças, diversificar as culturas na propriedade
rural e adotar práticas objetivas de preservação ambiental.
Informações políticas que envolvam o setor –tanto a produção agrícola como o
cooperativismo– são privilegiadas. Mas os jornais são reconhecidamente um ponto de partida
para provocar uma aproximação do leitor com a organização. De acordo com os dirigentes, a
67
função do veículo é “despertar o interesse” do produtor para que ele procure a cooperativa em
busca de informações complementares. O que os dirigentes não manifestam é que os jornais
são possivelmente um canal de reforço para a manutenção do poder dentro das organizações.
Embora a política partidária seja assunto declaradamente proibido nesses veículos,
nota-se que recentemente a imprensa cooperativa tem incentivado o engajamento político dos
produtores rurais, destacando a importância da tomada de posição e da cobrança política.
Como perfil ideológico, os jornais dessas organizações mantêm a tradição de assumir a defesa
do produtor rural. E embora seja freqüente a representação de prestígio dos dirigentes, sempre
apresentados ao lado de autoridades políticas ou empresariais, os veículos não se omitem
quando precisam criticar ou pressionar os governos federal e estadual –localizados nas esferas
mais distantes do cotidiano das cooperativas. Críticas ao poder público municipal são raras ou
até inexistentes.
Internamente, a responsabilidade pelo jornal é disputada por diretores, que
admitem ter brigado pelo comando editorial. Essa concorrência é mais acentuada na
cooperativa mineira, onde o alcance do veículo é respeitável: aproximadamente 10.000
exemplares, circulação igual ou maior que a de muitos jornais diários de cidades de porte
médio, como Marília. O Informativo Coopemar tem uma tiragem menor, em torno de 2.000
exemplares, e não foi relatada disputa interna pela supervisão editorial. Percebe-se que,
quanto maior a visibilidade do veículo, maior a competição interna pelo seu controle.
Outra característica interessante da imprensa cooperativista é o
descomprometimento destes veículos com esquemas comerciais. Os jornais existem
independente dos anunciantes, que eventualmente ajudam a cobrir parte dos custos. A
publicidade, em geral, é de produtos agrícolas. Mas existe uma preocupação dos diretores
com a credibilidade e anunciantes já chegaram a ser rejeitados pelas duas cooperativas porque
os produtos não eram indicados para as lavouras ou pecuária. Os insumos vendidos nas lojas
68
de cooperativas são sempre testados pelos agrônomos em campos experimentais e dos
resultados desses testes depende a indicação para venda.
Espaços valorizados dos jornais pesquisados chegam a ser ocupados por anúncios
institucionais ou de outras cooperativas. Apenas como ilustração, no jornal da Coopemar,
edição de dezembro de 2002, há um anúncio colorido de meia página de uma cooperativa
educacional, publicado gratuitamente. A última página da Folha Rural, da Cooxupé, edição
de março de 2003, foi ocupada por uma propaganda colorida anunciando o Programa
Cooxupé de Cafeicultura Sustentável.
A atualização gráfica da imprensa cooperativa é evidente. Os jornais nasceram em
preto e branco, tamanho ofício e tinham diagramação carregada, com textos longos e poucas
fotos. Com o tempo foram acompanhando a modernização gráfica de jornais diários.
Adotaram o formato tablóide e se tornaram mais leves, ganharam mais fotos, gráficos e
ilustrações. A impressão colorida começou na década de 1990. Coincidentemente, os dois
jornais estudados passaram a ser impressos em cor em 1996.
Anúncio de outra cooperativa, publicado sem custos Anúncio institucional da Cooxupé de página inteira
69
A aceitação dos jornais de cooperativas é grande. Em Marília não há dados
estatísticos disponíveis, mas em Guaxupé uma pesquisa mercadológica confirma a
credibilidade e a satisfação dos cooperados com a Folha Rural. A pesquisa, que envolveu
todos os setores da cooperativa e não apenas a comunicação, foi feita em 1999 e publicada na
edição de outubro. A empresa responsável foi a Wisdom, de São Paulo, contratada para
levantar o grau de satisfação dos cooperados com a cooperativa.
Os produtores foram estimulados a responder o questionário com 80 perguntas
(71 fechadas e 9 abertas), concorrendo a um sorteio de 15 televisores. Dos 7.375 cooperados
existentes na época, 3.500 devolveram as respostas. O retorno de 47% dos questionários
enviados, segundo a empresa, garante um grau de confiança à pesquisa da ordem de 95%. A
cooperativa não teve acesso aos questionários durante o processo.
Foram avaliados 15 itens, entre eles setores, campanhas, assistência técnica,
contatos pessoais, palestras etc. A facilidade de leitura da Folha Rural foi elogiada por 87%
dos entrevistados, que consideraram a linguagem usada como boa ou ótima. Outros 6%
apontaram a linguagem como regular. A variedade de assuntos foi citada como boa ou ótima
por 77% dos entrevistados, como regular por 12% e ruim por 1%. Não responderam a essa
pergunta 10% dos entrevistados.
Na média, 72% declararam que a Folha Rural atende suas necessidades e 16%
opinaram que atende regularmente. A pesquisa também avaliou a freqüência de leitura do
jornal. Os resultados estão na tabela abaixo:
Tabela 2 . Freqüência de leitura da Folha Rural
Fonte: Pesquisa Wisdom publicada na Folha Rural em outubro de 1999, p. 5
Sempre 51%
Quase sempre 13%
Às vezes 18%
Muito pouco 9%
Nunca 5%
70
As jornalistas responsáveis afirmam que o retorno sobre a aceitação dos jornais é
percebido no contato informal com os cooperados. Eles costumam manifestar opiniões sobre
reportagens ou pedir mais informações sobre determinado assunto abordado no jornal quando
há um encontro pessoal na cooperativa. Às vezes esse retorno também ocorre intermediado
pelos agrônomos, que estão em contato constante com os produtores.
2.6.1 A eficaz rádio-peão
A comunicação interpessoal é extremamente valorizada na relação cooperativa-
cooperado. Nesta modalidade, agrônomos, vendedores, gerentes e balconistas se transformam
em comunicadores do que as cooperativas chamam de “rádio-peão”, uma forma mais rápida e
eficaz de disseminar uma informação entre os produtores rurais. O termo surgiu dentro do
ambiente sindical no ABC paulista, para designar a circulação de informações entre os
operários das indústrias. Era chamada de rádio conotativamente, referindo-se a um canal
informal de comunicação nas organizações, através do qual a informação era passada entre os
trabalhadores, de ouvido a ouvido. O objetivo da rádio-peão era integrar os operários em
torno das propostas e reivindicações sindicais. No caso das cooperativas, a adaptação ganhou
uma relação hierárquica não prevista nas origens da rádio-peão, já que a o start da
comunicação interpessoal está em formadores de opinião, existindo, portanto, uma relação de
poder na transmissão.
A linguagem usada na comunicação interpessoal é simples. Nas palestras, os
agrônomos procuram adequar o vocabulário ao repertório dos produtores rurais. Sempre que
possível a comunicação é enriquecida com recursos audiovisuais, facilitando ainda mais o
processo de compreensão das mensagens. A porteira se abriu para a multimídia.
Além da comunicação interpessoal, outros canais são utilizados por essas
organizações para dialogar com o homem do campo. Algumas cooperativas adotam a
71
comunicação via rádios locais, como a própria Cooxupé, mas são mensagens esporádicas e
que não atendem todos os filiados de maneira uniforme por restrições técnicas. A área de
abrangência da cooperativa é muito extensa (138 municípios) e o alcance das rádios, limitado.
A Coopemar nunca adotou o rádio como veículo para difundir informações aos cooperados,
em função dos altos custos de inserção, de acordo com os dirigentes.
Cooperativas do interior paulista e mineiro ainda não utilizam a televisão de
forma regular. Seus representantes e cooperados estão constantemente na mídia eletrônica,
são entrevistados por jornalistas. Mas programas feitos ou patrocinados pelas cooperativas
inexistem, até em função do elevado custo de produção.
A mídia digital é um importante canal de comunicação já adotado pelas
cooperativas de médio e grande porte. O formato e o conteúdo dos sites são semelhantes ao de
qualquer empresa: história, serviços, estrutura física e administrativa, cadastro, possibilidades
de contatos. As duas cooperativas pesquisadas disponibilizam em suas home-pages as versões
on-line dos jornais impressos. O texto é apenas transposto para a mídia digital. Na Cooxupé, o
site é alimentado e acompanhado pela auxiliar da jornalista. Na Coopemar, a jornalista não
tem qualquer participação na elaboração e acompanhamento da página na Internet, que é feita
por um funcionário do Centro de Processamento de Dados.
Apesar desse leque de opções, os jornais mantêm o status de principal veículo de
comunicação das cooperativas agropecuárias. Por isso foram escolhidos como foco desta
pesquisa. Relacionar a imprensa cooperativa com as lideranças rurais é imprescindível para
decifrar o seu conteúdo ideológico. E é interessante abrir um parêntese que pode ajudar a
entender o processo comunicacional nessas organizações: apesar de haver uma diretoria que é,
teoricamente, o principal emissor desse veículo alternativo, não se deve ignorar que esses
diretores são, assim como os receptores, homens do campo. Na imprensa cooperativa,
produtores rurais enviam mensagens para outros produtores rurais. Mas essas relações
precisam ser melhor compreendidas.
72
2.7 Lideranças na comunicação alternativa
Essa identificação entre dirigente e cooperado é um diferencial no processo de
comunicação. Se os diretores de cooperativas fossem executivos especializados em
administração de empresas, sem vínculos pessoais com a temática rural, a aceitação seria
diferente. A questão das lideranças no meio rural precisa ser abordada de forma mais
profunda.
Existe nas cooperativas agropecuárias brasileiras um histórico de perpetuação no
poder. É comum encontrar presidentes que permanecem nos cargos por dez, vinte anos ou
mais. Mas seriam essas lideranças legítimas? Teria a Cooxupé conseguido o status de uma das
maiores cooperativas de café do mundo sem o comando do presidente Isaac Ribeiro Ferreira
Leite? “Essa idéia de poder legítimo é um tema de interesse central para a comunicação. Se as
comunicações serão aceitas numa organização dependerá do grau em que o superior possui
autoridade legítima.” (LITTLEJOHN, 1982, p. 291)
Isaac Ferreira Leite, da Cooxupé François Guillaumon, da Coopemar
73
O perfil dos dois líderes cooperativistas que serão avaliados é semelhante.
Considera-se como líderes nesta pesquisa os dois presidentes no período avaliado, que vai de
março de 2002 a março de 2003: Isaac Ribeiro Ferreira Leite, da Cooxupé, e François Regis
Guillaumon, da Coopemar. O primeiro permaneceu no cargo durante 46 anos, desde que a
Cooxupé foi fundada, em 1957, até 27 de março de 2003 (15 mandatos). O segundo está no
comando da Coopemar há 22 anos. Engenheiros formados em faculdades conceituadas, eles
se identificam com o movimento cooperativista e passam a atuar nessas organizações ainda
jovens. Desde que assumiram as presidências, conseguiram neutralizar eventuais oposições e
venceram todos os processos eleitorais.
Internamente, eles são considerados figuras carismáticas, principalmente pelos
funcionários. Na Coopemar, o presidente chega a ser chamado de “pai” por alguns
trabalhadores. Na Cooxupé, o ex-presidente é tratado por “Doutor Isaac” (inclusive nas
matérias jornalísticas), menos por imposição ou autoritarismo e mais pela admiração que
parece ter cultivado entre os funcionários. Mas essas relações bastante próximas podem
sugerir um modo sutil de manipulação de poder, típicas do coronelismo e do populismo.
Externamente, a imagem desses personagens não é tão positiva assim. A longa
permanência na direção dessas organizações provoca um impacto negativo em setores da
sociedade, que enxergam como “ditatorial” a manutenção do poder. Mas esse desgaste não
chega a comprometer a credibilidade dos líderes perante a classe hegemônica, que os
considera influentes formadores de opinião.
O sociólogo alemão Max Weber estudou as diversas formas de autoridade e
classifica as dominações legítimas em três categorias: racionais (ou legais), tradicionais e
carismáticas. A primeira consiste em uma relação onde haja uma nomeação, uma estrutura
legal ou burocrática que garanta a hierarquização e o exercício do poder. A dominação
tradicional é legítima à medida em que a obediência a ordens e poderes considera a tradição
do dominante (“existentes desde sempre”).
74
Já a dominação carismática, segundo Weber, é instável e está intimamente ligada
a virtudes pessoais do líder. Originalmente aplicado à problemática religiosa ou sobrenatural,
o conceito de carisma passa necessariamente pela promoção de bem-estar entre os adeptos. O
reconhecimento do carisma, em sua forma pura, não explica a legitimidade de uma
dominação. Mas as pessoas submetidas à autoridade carismática são chamadas a reconhecer
essa qualidade.
O portador do carisma assume as tarefas que considera adequadas e exige
obediência e adesão em virtude de sua missão. Se as encontra, ou não, depende do
êxito. Se aqueles aos quais ele se sente enviado não reconhecem sua missão, sua
exigência fracassa. Se o reconhecem, é o senhor deles enquanto sabe manter seu
reconhecimento mediante “provas”. (WEBER, 1999, p. 324, grifo do autor)
O pensamento weberiano mostra que as lideranças carismáticas nascem em
situações extraordinárias, nas quais os líderes assumem, momentaneamente, posturas
heróicas. É possível que a origem do carisma do presidente da Coopemar esteja relacionada
ao seu empenho em descobrir, na década de 1970, a solução para o problema do nematóide,
que representou uma grave ameaça aos cafezais da região. Ele foi um dos responsáveis pela
pesquisa que apontou as mudas enxertadas como saída para a manutenção da cafeicultura no
Estado de São Paulo e em outras áreas atingidas pela doença.
O “heroísmo” de Isaac Ribeiro Ferreira Leite pode ter sido a própria trajetória dele
à frente da Cooxupé. O engenheiro, formado na capital paulista, dizia querer dedicar-se aos
próprios negócios, mas a pedido de amigos abre mão dessa vontade, segundo ele próprio, para
ocupar-se de uma causa coletiva. O pequeno grupo de cooperados pioneiros rapidamente
cresce, o negócio prospera e ele deixa o comando da organização com um quadro social
superior a 9.000 produtores rurais. É como se o prazer de administrar a cooperativa estivesse
vinculado a um grande sacrifício pessoal.
75
Uma característica da liderança carismática é sua efemeridade. Weber (1999, p.
332) explica que o desejo do próprio líder e de seus discípulos é transformar o carisma
transitório em uma “propriedade permanente da vida cotidiana”. Mas essa mudança altera
também o caráter interno dessa estrutura de dominação e ela se torna híbrida, podendo
assumir características da autoridade tradicional ou racional, e até mesmo das duas.
A dominação carismática é, por natureza, autoritária. Isto significa que a
autoridade carismática requer o reconhecimento por parte dos dominados. A princípio,
segundo Weber, um reconhecimento tido como conseqüência da legitimidade. Mas à medida
em que as relações dentro de uma organização vão se tornando mais racionais, esse
reconhecimento passa a ser fundamento desta legitimidade e precisa ser ratificado por um
processo eleitoral.
Diante desse quadro, o próprio Weber faz uma reinterpretação antiautoritária do
carisma. Essa ratificação eleitoral é descrita pelo sociólogo alemão como um processo
diferenciado, que começa com a designação do líder/candidato pelo próprio quadro
administrativo que o sustenta (no caso das cooperativas, outros diretores, funcionários e
cooperados mais próximos do poder) e termina com a legitimação pela comunidade em geral.
Nesse caso, o senhor legítimo, em virtude do próprio carisma, transforma-se num
senhor pela graça dos dominados, é eleito e levado ao poder por estes de modo
(formalmente) livre, segundo seu arbítrio, e eventualmente também destituído –do
mesmo modo que, antes, a perda do carisma e a falta de sua ratificação tinham por
conseqüência a perda da legitimidade genuína. O senhor é agora um líder livremente
eleito. (WEBER, 1991, p. 176, grifo do autor)
Essa liderança “livremente eleita” a que Weber se refere dissimula as relações de
autoritarismo e manipulação usadas na construção da identidade carismática. O papel
desempenhado pelo quadro administrativo é fundamental nesse processo, pois esse segundo
escalão do poder alimenta e reproduz o status quo dentro da organização. Existe uma
76
sustentabilidade oferecida pelos assessores de confiança, que compõem uma camada
privilegiada na estrutura de dominação e se interessam em garantir o suporte necessário para a
conservação de elementos carismáticos.
Outro aspecto da liderança que merece ser avaliado com mais cuidado é o processo
de sucessão, que envolve diretamente a continuidade da dominação. Se o quadro
administrativo (quadro de pessoas) é vital para manter uma dominação, subentende-se que
para romper essa estrutura é preciso criar um outro quadro administrativo ou contar com a
conivência do existente em eventual crise com o dominador precedente. Compor outro quadro
administrativo que represente a ruptura parece um processo mais complexo que a
continuidade da dominação. Talvez esse argumento explique as sucessivas vitórias eleitorais
dos líderes avaliados nas duas cooperativas.
O processo de sucessão das autoridades carismáticas pode ocorrer de várias
formas. Duas, particularmente, interessam a essa análise: quando o portador do carisma
designa seu sucessor, que é reconhecido pela comunidade, ou quando o quadro administrativo
carismaticamente qualificado designa o sucessor, que em seguida é ratificado pela
comunidade. Esta segunda possibilidade não deve ser confundida com a idéia pura de eleição,
porque não se trata de uma seleção livre, mas construída.
Ao que tudo indica, a sucessão de Isaac Ferreira Leite na presidência da Cooxupé,
em 2003, seguiu um dos modelos acima. Mas há indícios de que o carisma do ex-presidente
não foi transferido automaticamente ao sucessor. A imagem da continuidade persiste, mas o
presidente eleito em 2003 é menos elogiado por seu carisma e mais lembrado por sua
competência. O ex-presidente não conseguiu eleger como sucessor seu filho, que atualmente
ocupa um dos cargos de superintendente da cooperativa.
A sucessão na Coopemar é uma incógnita. O líder não preparou, aparentemente,
seu substituto. É possível que seus herdeiros, um estudante universitário de agronomia e outro
agrônomo recém-formado, protagonizem esse processo. Os filhos do presidente são bastante
77
ligados às atividades rurais e cooperativistas. Embora não morem em Marília atualmente, eles
participam com razoável freqüência das atividades da Coopemar. A “idéia de que o carisma
seja uma qualidade do sangue e, portanto, seja inerente ao clã do portador” também foi
prevista pelo sociólogo alemão, que a chama de “carisma hereditário” (Ibid, p. 163, grifos do
autor).
A questão sucessória é importante no estudo da liderança carismática, mas foge ao
escopo deste trabalho. O importante, ao analisar toda a teoria weberiana sobre a dominação, é
entender que há outras variáveis determinando o poder dentro das organizações. Se Weber é
extremamente racional ao definir e classificar as formas de dominação, há outros estudos
sobre lideranças que precisam ser considerados.
Uma visão original sobre a questão da autoridade foi apresentada pelo executivo
americano Chester Barnard, que em 1938 publicou “The Functions of the Executive”, pela
Universidade de Harvard. Embora seus estudos tenham mais impacto na área de
administração, o pesquisador colocou a comunicação em posição central dentro de uma
organização e a relacionou com a autoridade.
Uma das mais importantes contribuições de Barnard é o seu conceito de autoridade.
A autoridade envolve a disposição dos indivíduos para cooperarem. Pode ser vista
subjetivamente como a aceitação de uma comunicação por determinado indivíduo,
ou objetivamente como o caráter da comunicação que leva à sua aceitação.
(LITTLEJOHN, 1982, p. 303-304)
Barnard desloca a análise da liderança para a perspectiva do receptor. Assim, a
autoridade existe se houver aceitação ou consentimento dos indivíduos. Em outras palavras,
isto significa que é o receptor da comunicação quem pode decidir se vai encará-la como uma
ordem ou não. Diferente da concepção weberiana, o indivíduo obedece não pela legitimação
da autoridade, mas passa a ter o poder de decidir entre as alternativas de obedecer ou não.
78
Nesse processo ele leva em conta se a desobediência lhe traz desvantagens que ele quer evitar
ou se a obediência lhe garante vantagens que ele quer conservar. Desta maneira, Chester
Barnard determina que a verdadeira autoridade é estabelecida de baixo para cima.
O executivo relaciona quatro condições para que uma comunicação seja aceita
dentro de uma organização: ela tem que ser entendida, tem que ser percebida como coerente
com o propósito da organização, tem que ser percebida como compatível com o interesse
pessoal do indivíduo e precisa ter a concordância do receptor. Como essas quatro condições
geralmente se concretizam, a maioria das ordens são aceitas, segundo o autor.
Essa outra concepção de liderança pressupõe ainda a existência da ficção de
autoridade superior, que surge em função do que Barnard chama de “zona de indiferença”
dentro do grupo. É uma zona ampla e estável, onde as ordens são aceitas sem reflexão. Os
membros evitam discutir para não aumentar a sensação de subserviência pessoal ou de perda
de prestígio diante dos colegas. Uma das funções primordiais do sistema de comunicação
numa organização consiste em manter essa ficção de autoridade superior e em concretizar a
zona de indiferença. “[...] a autoridade depende de uma atitude pessoal de cooperação dos
indivíduos, por um lado, e do sistema de comunicação, por outro. Sem este último, a primeira
não pode ser mantida” (BARNARD, p. 175 apud LITTLEJOHN, 1982, p. 304).
Nos estudos mais recentes sobre teorias da comunicação, essa “zona de
indiferença” pode ser identificada com a hipótese da “espiral do silêncio”, proposta pela
alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Para os dois teóricos, os receptores se calam porque não
querem ser julgados. A diferença fundamental está no âmbito das pesquisas: Noelle-Neumann
avalia o impacto da opinião pública provocado pela mídia na sociedade, enquanto Barnard
limita os efeitos da comunicação ao nível organizacional. Trata-se de uma abordagem que
merece ser aprofundada pelos estudos de recepção, que não serão tratados nesta pesquisa.
Todas as contribuições sobre a legitimidade e o poder das lideranças em uma
organização serão úteis para alicerçar a análise de conteúdo dos dois jornais. Atores
79
importantes do processo comunicacional, os líderes vinculam reiteradamente sua imagem ao
prestígio. Estaria certo Max Weber (1991, p. 173) ao afirmar que o fundamento de toda
dominação é a crença no prestígio do dominador?
Nota-se, afinal, que embora a pesquisa em comunicação rural tenha avançado e
indique caminhos mais democráticos rumo à inserção social e econômica do pequeno
agricultor, a prática comunicacional neste ambiente reproduz em suas ações a lógica da
sociedade capitalista e os estigmas do urbano sobre o rural. No predominante mundo urbano
persiste obstinadamente o rural idealizado como caipira. E o mundo rural procura quebrar
esse estigma, até mesmo em hits sertanejos, como “Nóis é caubói”, da dupla Cezar e
Paulinho:
Nóis é country, é caubói, nóis é fazendeiro
Nóis tem gado, nóis tem roça e nóis tem dinheiro
Nóis tem vaca, nóis tem porco, nóis tem galinheiro
Nóis tem carro, tem carroça, nóis é motoqueiro
Nóis tem pinto, tem galinha e nóis tem muié
Nóis num é caipira, nóis não tem bicho de pé
Nóis num é caipira, nóis não tem bicho de pé
Nóis semos lindo, nóis é herói
Nóis é mocinho, nóis é preibói
Nóis semos lindo, nóis é herói
Nóis é metido, nóis é caubói
Nóis tem currar, nóis tem rancho, nóis nascemo aqui
Nóis tem dois Mitsubishi, nóis tem jet-sky
Nóis tem celular e bip, nóis tem internet
Nóis é rico, nóis é chique, com nóis ninguém se mete
Nóis tem música de viola e nóis tem CD
E nóis tem orgulho de ser macho pra valer
E nóis tem orgulho de ser macho pra valer
Algumas propostas supostamente inovadoras, nas iniciativas públicas ou privadas,
aparecem travestidas como dialógicas, mas não passam do velho difusionismo disfarçado. E
pode-se dizer que é incipiente a abordagem de paradigmas mais atuais, como do
desenvolvimento local, na prática da comunicação rural. As problemáticas econômicas
80
macroestruturais permeiam, a cada edição, a imprensa cooperativa rural, desestimulando as
soluções domésticas para melhorar a qualidade de vida do homem do campo.
2.8 Contexto histórico
Entre abril de 2001 e março de 2003, o preço da saca de café manteve-se abaixo
dos US$ 60, período mais longo de baixa dos últimos 30 anos. Em 2002 os produtores
brasileiros colheram a safra recorde de 48,5 milhões de sacas
17
. Para o excesso de oferta, a
saída apontada pelas cooperativas era o investimento em qualidade para a obtenção de um
produto superior, valorizado pelo mercado externo.
Nos dias que precederam a 11ª Conferência da Unctad (órgão das Nações Unidas
para comércio e desenvolvimento), realizada em junho de 2004 em São Paulo, a imprensa
divulgou que “nos últimos 20 anos, os preços internacionais de produtos agrícolas tropicais
caíram entre 50% e 86%, especialmente café e cacau” (CARDOSO, 2004, p. B7). Apesar
desses dados negativos, neste início de século o país mantém o status de maior produtor e
maior exportador de café do mundo.
Politicamente, em 2002 o Brasil vivia o período eleitoral em que o candidato José
Serra (PSDB), apoiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi derrotado
pelo petista Luís Inácio Lula da Silva. O Partido dos Trabalhadores (PT) existia há 22 anos e
Lula disputava a presidência pela quarta vez. Conseguiu cerca de 53 milhões de votos, o
equivalente a 61% dos votos válidos.
Mais conservador e tecendo acordos com a direita do país, com quem precisou
associar-se para chegar à vitória, o presidente Lula assumiu o poder em janeiro de 2003
anunciando um pacto com todos os setores da sociedade para resolver a crise que o país
17
Dados do Ministério da Agricultura, disponíveis em www.agricultura.gov.br
81
atravessava. Lideranças agropecuárias e cooperativistas do Brasil aplaudiram a nomeação do
novo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.
O cenário econômico pouco mudou com a ascensão de Lula ao poder. O controle
da inflação foi mantido a um alto custo social. O desemprego permaneceu em patamares
elevados e a política neoliberal de abertura econômica não foi alterada. O ex-presidente
Fernando Henrique havia privatizado, nos anos anteriores, empresas estatais de setores
estratégicos para o país como telefonia, energia elétrica, siderurgia, bancos, rodovias e outros.
A população passou a reclamar mais das tarifas elevadas e da qualidade dos serviços
prestados pelas concessionárias. Juros elevados continuaram impedindo a retomada do
crescimento econômico.
Sob os reflexos da política econômica, as cooperativas agropecuárias apostaram
na profissionalização para sobreviver –e crescer. A Cooxupé mantém sua política de
expansão, mas a custos baixos. Está criando núcleos virtuais que funcionam dentro de
cooperativas de crédito e prestam todo o atendimento que o cooperado precisa. A Coopemar
busca adaptar-se à economia global, enxugando sua estrutura e buscando assessoria financeira
para superar a crise. O bom desempenho da cafeicultura em 2004 pode prenunciar uma nova
onda de otimismo. Ao que tudo indica, termina mais uma fase de declínio e recomeça a
próxima etapa de expansão.
3 FOLHA RURAL & INFORMATIVO COOPEMAR
Como qualquer veículo de comunicação que circula durante anos, os dois jornais
de cooperativas selecionados para esse estudo expressam em seu conteúdo mais que as
simples reportagens, notas, editoriais ou anúncios publicitários. Devidamente
contextualizados, eles revelam parte da história, da ideologia e da cultura de um grupo e de
82
uma época. Decifrar essas relações –proposta imanente desta pesquisa em comunicação–
requer a escolha de metodologia específica e o uso de técnicas adequadas.
Para Lopes (2003, p. 14), a comunicação “não pode ser investigada fora dos
marcos do contexto econômico, social, político e cultural que a envolve”. Esse processo
científico de construção do conhecimento exigiu o planejamento de uma trajetória
metodológica que começou com a definição do objeto de estudo – os jornais de cooperativas–,
passou pela fase de observação, entra agora nos procedimentos descritivos e caminha para a
etapa de interpretação, no próximo capítulo. Antes de iniciarmos a descrição, considerada a
primeira etapa da análise dos dados coletados, torna-se imprescindível explicitar e
fundamentar as opções metodológicas.
3.1 Metodologia
A natureza interdisciplinar da Comunicação Social e a dificuldade em definir com
clareza seu objeto de estudo e metodologia próprios refletem-se diretamente na pesquisa
científica. Essas particularidades manifestam-se na construção do conhecimento científico,
caracterizado pela heterogeneidade teórica e superficialidade metodológica. Existe neste
campo de estudo uma diversidade temática, teórica e metodológica que enriquece a produção
científica mas preocupa:
A diversidade em si não é um traço negativo; ao contrário, ele deve ser reconhecido,
perseverado e mesmo estimulado. O problema passa a residir na necessidade de
trabalhar essa diversidade cientificamente, isto é, necessidade de trabalhar o objeto
em seu nível epistemológico, teórico e metodológico, que é a única forma que
justifica a existência de qualquer novo campo da Ciência. (Ibid, p. 79)
A complexidade metodológica da pesquisa em comunicação, por si só, é um
obstáculo ao processo investigativo. Porém a vigilância e o rigor científico fazem-se
83
obrigatórios para formatar o conhecimento empírico e constituir, na prática, a produção
científica. Respeitando as dimensões epistemológicas, teóricas, metodológicas e técnicas,
justifica-se a seguir os procedimentos adotados nas diferentes fases deste trabalho.
A definição do objeto de estudo deu-se a partir da minha experiência profissional
como assessora de comunicação da Coopemar, em Marília, entre 1995 e 2003. A curiosidade
sobre o processo comunicacional no ambiente rural transformou-se nas primeiras páginas de
um projeto que levantava problemas, dúvidas e hipóteses. Iniciado o procedimento científico
com a delimitação do objeto, começou a etapa seguinte, a observação.
Uma das técnicas utilizadas a partir desta segunda fase e no decorrer de todo o
processo investigativo foi a pesquisa bibliográfica com os devidos fichamentos. Outra técnica
adotada foi a entrevista semi-estruturada, com a elaboração de um roteiro de perguntas
específicas para os dirigentes de cooperativas, para os agrônomos e jornalistas. Esse guia foi a
base das entrevistas nas duas cooperativas, mas não limitou ou restringiu o encaminhamento
das conversas, que foram enriquecidas com perguntas elaboradas em função das respostas dos
entrevistados.
Ainda na etapa de observação e para fundamentar a interpretação, foi eleita a
análise de conteúdo para avaliar os dois periódicos. Alguns autores classificam esse tipo de
análise como um método de pesquisa; outros o chamam de técnica; há também aqueles que o
classificam como “método técnico”. Independente dessa diversidade de catalogação, o
procedimento é bastante semelhante: seleciona-se a amostragem do documento a ser
estudado; levantam-se hipóteses baseadas em pressupostos empíricos e que mais tarde serão
confirmadas ou rejeitadas; define-se a unidade de codificação para a análise quantitativa;
criam-se categorias para classificar os temas; relacionam-se os resultados obtidos na
contagem com as temáticas pré-estabelecidas; para finalizar, confrontam-se as proposições
obtidas com as hipóteses levantadas anteriormente.
84
Essas etapas foram rigorosamente cumpridas para que fosse possível conhecer,
quantitativamente, a representação dos temas escolhidos para avaliação. A unidade de
codificação selecionada para a contagem foram os títulos de todas as matérias publicadas: 350
nas 13 edições da Folha Rural e 228 das 7 edições do Informativo Coopemar, embora todos
os textos completos tenham sido exaustivamente averiguados. O resultado da análise
quantitativa foi sintetizado em quatro gráficos, apresentados e analisados neste trabalho.
Mas a primazia deste estudo foi a análise qualitativa do conteúdo, verificando a
presença (ou ausência) de determinados temas nos dois veículos de comunicação.
Na medida em que a análise de conteúdo é utilizada como um instrumento de
diagnóstico, de modo a que se possam levar a cabo inferências específicas ou
interpretações causais sobre um dado aspecto da orientação comportamental do
locutor, o seu procedimento não é obrigatoriamente quantitativo, como até então se
admitia. [...] A análise qualitativa apresenta certas características particulares. É
válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento
ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais. Pode funcionar
sobre corpus reduzidos e estabelecer categorias mais discriminantes, visto não estar
ligada, enquanto análise quantitativa, a categorias que dêem lugar a freqüências
suficientemente elevadas, para que os cálculos se tornem possíveis. Levanta
problemas ao nível da pertinência dos índices retidos, visto que seleciona estes
índices sem tratar exaustivamente todo o conteúdo, existindo o perigo de elementos
importantes serem deixados de lado, ou de elementos não significativos serem tidos
em conta. [...] A análise qualitativa que é maleável no seu funcionamento, deve ser
também maleável na utilização dos seus índices. (GEORGE, A. L., 1959, apud
BARDIN, 1977, p. 114-115)
A interpretação dos dados coletados, subsidiada pela pesquisa bibliográfica e
pelas entrevistas realizadas em Guaxupé, em julho de 2004, e em Marília, em novembro do
mesmo ano, baseou-se no método dialético, que permite estudar os fenômenos
comunicacionais dentro de um contexto social que configura a totalidade. A inserção dos
significados construídos a partir da análise de conteúdo no cenário histórico que envolve o
cooperativismo globalizado foi um dos momentos mais ricos de todo o processo investigativo.
A conclusão encerra a trajetória metodológica, com um balanço dos resultados
obtidos e o cruzamento com a proposta inicial. Busca-se, nessa última etapa, não apenas
85
ajustar inferências e deduções, mas abrir perspectivas para que, na prática, a pesquisa
científica contribua para que a comunicação nas cooperativas seja considerada útil na busca
do desejado equilíbrio entre a lógica do mercado e a doutrina de valorização humana.
3.1.1 Hipóteses
Levantadas a priori, ou seja, em instância provisória e anterior aos estudos que
poderão comprová-las ou anulá-las, as hipóteses são importantes fios condutores do trabalho
científico.
Uma hipótese é uma afirmação provisória que nos propomos verificar (confirmar ou
infirmar), recorrendo aos procedimentos de análise. Trata-se de uma suposição cuja
origem é a intuição e que permanece em suspenso enquanto não for submetida à
prova de dados seguros. [...] Levantar uma hipótese é interrogarmo-nos: “será
verdade que, tal como é sugerido pela análise a priori do problema e pelo
conhecimento que dele possuo, ou, como as minhas primeiras leituras me levam a
pensar, que...?” (BARDIN, 1977. p. 98)
O trabalho com o sistema de hipóteses facilita a elucidação de problemas e a
contextualização, permitindo a vinculação entre o conhecimento empírico e as proposições
teóricas. Algumas hipóteses foram levantadas simultaneamente à definição do objeto de
estudo, no início desta pesquisa. Outras surgiram e foram descartadas durante a investigação.
Cinco hipóteses serão propostas a seguir, duas delas consideradas centrais, pela perspectiva de
revelar ampla conjuntura sobre os temas da comunicação rural e do cooperativismo, e outras
três secundárias, mais específicas e não menos relevantes para a interpretação dos conteúdos
avaliados.
A primeira hipótese central foi levantada a partir da experiência profissional na
Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Marília: o grande personagem dos jornais de
cooperativas agropecuárias é a difusão tecnológica. Nos oito anos de atividades jornalísticas
86
desenvolvidas na empresa, era evidente a valorização das reportagens na área técnica, na
maioria das vezes sugeridas ou encaminhadas pelos engenheiros agrônomos ou diretores. O
contato direto com produtores rurais também originava pautas interessantes sobre tratos
culturais, novas tecnologias, cultivos diferenciados, combate a doenças e pragas, entre outros.
Como assessora de comunicação, considerava o tema atraente e útil. Linguagem didática e
simples era mecanismo obrigatório para facilitar e estimular a leitura. Essa hipótese é
considerada central porque responde à principal pergunta deste estudo: que tipo de mensagem
está sendo transmitida ao homem do campo?
Igualmente central, a segunda hipótese foi proposta durante a pesquisa
bibliográfica sobre comunicação rural e é inerente à adoção do paradigma freireano que
norteou os estudos específicos dessa área do conhecimento: o produtor rural passou da
condição de objeto passivo a sujeito ativo no processo comunicacional das cooperativas. A
submissão desta hipótese à avaliação irá confirmar ou negar que a comunicação dialógica
defendida por Freire e Bordenave transformou-se em prática freqüente no ambiente rural.
A terceira hipótese, secundária por percorrer paralelamente as questões
fundamentais traçadas como objetivo deste trabalho, está relacionada ao tratamento político
dos periódicos: as lideranças usam abertamente os jornais para permanecerem no poder pelo
maior tempo possível. Embora pareça lógica, surgiram dúvidas durante o processo sobre o
grau de sutileza, transparência ou dissimulação empregado pelas lideranças na construção de
um discurso hegemônico com finalidades eleitorais.
Também secundária é a quarta hipótese, que aflorou durante a leitura de um dos
raros textos sobre jornais de cooperativas, publicado em revista científica no início da década
de 1980. Dizia a autora que esses veículos nasceram com o objetivo de “defesa das vontades e
idéias do produtor, principalmente do pequeno agricultor, quase sempre marginalizado das
decisões oficiais” (ROSSATO, 1981, p. 82). A partir daí, pressupõe-se que os interesses do
produtor rural são defendidos através dos jornais de cooperativas.
87
A quinta hipótese foi levantada nos primeiros contatos com os periódicos, em
função de um anúncio colorido que ocupou página inteira e nobre em duas edições da Folha
Rural e que, pelo destaque, despertou a atenção. A mensagem publicitária era simples:
“Aguardem a receita da Cooxupé para a prática de uma cafeicultura sustentável. Preservar
hoje para produzir sempre”. Como a análise de conteúdo não contemplaria anúncios nem
colunas fixas, surgiu o interesse pela temática ambiental. Neste caso, a hipótese delineou-se
naturalmente: O produtor rural não se preocupa com questões ambientais. Também foi
considerada secundária porque, apesar de interessante, desvia-se do foco primordial deste
estudo.
Apresentadas as hipóteses, iniciam-se os procedimentos descritivos da pesquisa,
com a organização, contagem, classificação, exposição e primeiras inferências sobre os dados
coletados. A partir das entrevistas e dos arquivos mantidos pelas duas cooperativas, introduz-
se um breve histórico dos dois jornais, bem como suas principais características gráficas e
editoriais.
3.2 Folha Rural: profissionalismo premiado
A primeira edição da Folha Rural circulou em julho de 1970 e foi escrita pelo
engenheiro agrônomo José Geraldo Rodrigues de Oliveira. Ele conta que desde criança tinha
facilidade e gosto pela escrita. O jornal da Cooxupé surgiu espontaneamente e era feito, no
início, sem tanto comprometimento com a periodicidade. Começou com uma tiragem
aproximada de 600 a 700 exemplares, equivalente ao número de cooperados, e era impresso
na gráfica que o agrônomo presidia –e ainda dirige.
Entre 1989 e 1990, a professora de português Iracema Elias passou a ajudar na
produção, mas ela faleceu em 1991 e a diretoria passou a procurar um jornalista profissional.
Nessa época, quem coordenava o jornal não era José Geraldo, mas sim o também agrônomo e
88
diretor Antonio Carlos Oliveira Martins, chamado de Cacau. Segundo relatos dos dois, nesse
período houve um desentendimento entre eles porque Cacau queria mudar o formato do jornal
para o tamanho tablóide e José Geraldo defendia a continuidade do tamanho ofício. Vencido,
o fundador do veículo afastou-se temporariamente da coordenação, que viria a retomar alguns
anos depois.
Primeira edição da Folha Rural
A partir de 1995, sob a coordenação de José Geraldo, a produção se
profissionalizou. Silvia foi convidada a freqüentar a Cooxupé uma vez por semana para
coletar e produzir efetivamente o jornal. Embora tivesse o suporte de um arte-finalista na
gráfica, a paginação era feita pela própria jornalista, que sempre atuou de forma terceirizada.
A contratação de uma profissional para substituir a produção “amadora” indica o
reconhecimento estratégico da importância do jornal e a possibilidade de manipulação de
informações publicadas (ou não) no veículo de maneira igualmente “profissional”.
89
As pautas eram definidas em reuniões mensais, das quais participavam Silvia,
José Geraldo e João Baptista. Não havia limite para o número de páginas, que variava de
acordo com a necessidade. Essa característica diferencia bastante os dois jornais estudados.
Primeira edição colorida em
dezembro de 1996
As propagandas estão presentes em todas as edições, sempre em preto e branco, e
nunca ocupam espaço superior a meia página. Em geral os anunciantes são empresas
José
Geraldo,
fundador
do jornal
Silvia
M
arques,
jornalista
Pela flexibilidade do número de páginas, a
diagramação da Folha Rural é menos
elaborada. Cada matéria ocupa, em geral, uma
página inteira do periódico.
O reconhecimento pela
profissionalização veio logo em seguida. Em
1995, 1996 e 1997, a Folha Rural recebeu o
prêmio de melhor informativo de cooperativas
do Estado de Minas Gerais. Em 1998 o
concurso foi suspenso e seria retomado apenas
em 2003 pela Ocemg. O periódico ganhou cor
em dezembro de 1996.
90
produtoras ou revendedoras de insumos agrícolas, mas também foram publicadas propagandas
de uma revenda de automóveis, um restaurante e uma promoção de venda de chuveiro
elétrico. A única publicidade colorida e de página inteira foi institucional, anunciando o
Programa Cooxupé de Agricultura Sustentável.
A partir de 1998, Silvia iniciou a produção de outro jornal na Cooxupé, o Coisa
Nossa, direcionado aos funcionários. Impresso em tamanho ofício, papel cuchê e média de 12
páginas mensais, o jornal interno tem uma tiragem aproximada de 1.200 exemplares,
modificada de acordo com o quadro de pessoal. O Coisa Nossa é distribuído rigorosamente
Exemplares do Coisa Nossa, para funcionários
temas que precisam de atenção no momento, como combate a determinadas doenças,
cuidados na colheita e outros tratos na lavoura.
Já os assuntos mais freqüentes, segundo declarações dos diretores –que poderão
ser comprovados ou não pela análise de conteúdo– são o apelo à qualidade, o estímulo à
diversificação, a produção agrícola sustentável e a disseminação tecnológica.
Hoje o periódico circula com média de 20 páginas mensais, em formato tablóide
e tem uma tiragem de 10 mil exemplares. Quatro páginas são coloridas: a capa, a última e
as duas centrais. Desde que José Geraldo deixou a cooperativa, em julho de 2003, a
supervisão do jornal voltou a ser assumida por Cacau. Todas as edições da Folha Rural
no dia do pagamento dos funcionários.
A Folha Rural nunca foi
utilizada como veículo de comunicação
para o quadro interno. Seu público, muito
b
em definido, é o cooperado. José Geraldo
e Cacau afirmam que as funções do jornal
da cooperativa são a integração, a prestação
de contas da diretoria e o alerta para os
91
estão encadernadas e arquivadas na Cooxupé, com cópias das edições mais recentes no
Antonio Carlos, o Cacau, atual responsável pela publicação
apartamento da jornalista. Isso demonstra o cuidado com a preservação da versão histórica
formulada pela e para a cooperativa.
3.3 Informativo Coopemar: dupla função
A história do Informativo Coopemar é um pouco mais nebulosa. Não se sabe ao
certo quando circulou a primeira edição e o exemplar mais antigo preservado pela cooperativa
é de junho de 1983. O levantamento histórico só foi possível a partir das entrevistas. François
Guillaumon conta que foi admitido como funcionário da cooperativa em 1974 e naquela
época o informativo já existia, embora fosse bem diferente.
Produzido pelos funcionários e sem periodicidade definida, o boletim nasceu com
o formato de uma página mimeografada. A partir de 1977, o próprio François e outros
agrônomos do departamento técnico ajudaram a produzi-lo e o informativo passou a ter maior
regularidade, circulando em meses alternados, mas ainda em folha mimeografada. Era através
92
dele que os cooperados ficavam sabendo das famosas listas de compras
18
. A distribuição do
jornal era feita no próprio balcão da loja da cooperativa, que se localizava em uma região
central de Marília.
O mimeógrafo funcionou até o início da década de 1980, quando o jornal passou a
ser impresso em tipografia. Nessa época, por volta de 1982, foi contratado o primeiro
jornalista da cooperativa. Hercílio Hermel atuava em um jornal da cidade e passou a produzir
também o Informativo Coopemar.
1ª edição arquivada do Informativo Coopemar
nome era Newton Sanches e ele permaneceu no cargo até 1986. Foi durante esse período que
o jornalista Hermel foi substituído por outro identificado apenas por “Gilmar”. Segundo
François, esse profissional ficou dois anos à frente do periódico e causou vários problemas.
Alguns de ordem técnica, como publicar nomes de cooperados no diminutivo; outros, de
ordem moral, como apropriação indébita dos valores pagos pelos anunciantes.
Em 1986 a Coopemar optou por substituí-lo e contratou –também de forma
18
Naquela época o fornecimento de alguns produtos agrícolas, como o herbicida, era escasso e a cooperativa
elaborava uma relação dos interessados para fazer o pedido
Assim como na cooperativa de
Minas, um jornalista assume o lugar do
agrônomo na produção editorial. Em Marília,
essa modernização (a contratação de um
profissional) ocorre no período de abertura
política e redemocratização. Em Guaxupé, é
um pouco mais tardia. De acordo com os dados
obtidos na entrevista, Hermel fez o informativo
até 1984, quando deixou a cooperativa para
dedicar-se apenas à imprensa local. Nesta
época um diretor que apreciava comunicação
decidiu assumir a coordenação do jornal. Seu
93
terceirizada– a jornalista provisionada Célia Ribeiro. Responsável pela profissionalização do
periódico, ela investiu no conteúdo, aparência, formato e texto. Desde que assumiu o
informativo, Célia retomou a coluna “Cooperado do Mês”, que destacava os produtores fiéis,
mostrando como eles atuavam, que tecnologias utilizavam, que ideais defendiam. Essa coluna
circulou pela primeira vez em 1984, mas havia sido abandonada. De 1986 a 2003, foi mantida
ininterruptamente.
Célia Ribeiro permaneceu na Coopemar até janeiro de 1995, quando mudou-se
para Jaú (SP). O nível de seu envolvimento com a cooperativa –e com o cooperativismo–
pode ser mensurado pela carta de despedida que ela entregou à diretoria e que foi publicada
na primeira edição após seu afastamento:
Marília, 6 de novembro de 1994
Dr. François,
Dr. Roberto,
Dr. João Luiz,
Eis que surge o último Informativo Coopemar que produzo em 8,5 anos. As matérias
estão paginadas e impressas em papel vegetal que é o último estágio antes da
fotolitagem e gravação da chapa para impressão final.
Mesmo assim, será possível fazer alterações (desde que não muito drásticas) em seu
conteúdo. Pra tanto, basta que assinalem a frase ou palavra a ser mudada.
Quando receberem este material já estarei em Jaú. Não tive coragem para despedir-
me.
Acreditem: está sendo mais difícil do que quando deixei o “Correio de Marília” após
10 anos.
A Coopemar representou e representa muito prá mim.
Tenho esta entidade como uma verdadeira escola.
Com ela e todos que delam participam (diretores, agrônomos, funcionários e
cooperados) , aprendi muito.
Aprendi a acreditar na seriedade das pessoas, na integridade de homens que colocam
o seu ideal acima de tudo (parece até fora de moda).
Aprendi o que é o verdadeiro espírito cooperativo, de cooperação, de irmandade, de
fraternidade.
Vocês não discursam. Vocês praticam. É muito diferente.
Quando aí cheguei em 1986, eu era apenas uma jornalista em início de carreira com
um interesse especial pela agricultura.
O hábito de tomar meu cafezinho todas as manhãs com o sr. Orlando Fogaça na
cooperativa velha criou raízes. No prédio novo ficou melhor ainda: ganhei novos
amigos, conheci mais pessoas... Agora, sinceramente, não sei como vou ficar sem
esse cafezinho em Jaú.
Estou aqui no escritório às 2h30 da manhã desta sexta-feira pensando numa forma
de poder continuar contribuindo com a cooperativa.
Acho que divulgar as notícias daí em Jaú e Bauru (sem custos), através de meus
94
contatos, será o mínimo que poderei fazer para retribuir tudo que tive com a
Coopemar nesse tempo todo.
Para a assessoria de imprensa, estou indicando a jornalista Ana Maio. [...] Mas por
favor, não se esqueçam de mim...
Gostaria de acompanhá-la aí para o primeiro contato com vocês, mas tá difícil até
escrever, imagine apresentar a Ana “ao vivo”.
Ela trabalha no Diário e vem de Rio Preto, onde atuava na regional da Folha de
S.Paulo.
Bem, é hora de partir.
Retornarei a Marília dentro de dez dias para resolver algumas pendências.
Na oportunidade, trarei todos os arquivos, devidamente organizados (textos e fotos)
da cooperativa.
Mesmo de longe tenham a certeza de que estarei torcendo por todos vocês e pela
cooperativa. Vocês são apenas o máximo.
Eu os amo profundamente.
De coração,
Celinha
(INFORMATIVO COOPEMAR, 1995, p. 2, grifo da autora)
A jornalista, entrevistada para esta pesquisa, disse que tinha liberdade para atuar e
jamais sofreu qualquer tipo de cerceamento na cooperativa. Ao contrário, ela relembra que em
época de campanhas eleitorais, a diretoria lhe pedia cuidado redobrado para que o jornal não
emitisse opiniões favoráveis ou contrárias a qualquer candidato, por representar milhares de
cooperados.
Graficamente, o visual do jornal era criado pelas empresas onde era feita a
impressão, em Marília. A primeira edição colorida é de agosto de 1996, e cinco anos depois a
Coopemar decidiu investir em um projeto gráfico mais arrojado, terceirizando a montagem ao
designer gráfico Eiji Hayashi. A partir daí, o jornal passou a ser impresso em Bauru (SP), o
que reduziu significativamente os custos. Como o número de páginas permanecia o mesmo
e o volume de matérias aumentava, a diagramação passou a ser mais valorizada para que
o jornal não se tornasse “pesado” demais.
De 1995 a 2003, durante minha atuação como jornalista responsável, o
Informativo Coopemar manteve a política de profissionalização, buscando sempre uma
linguagem didática e simples, textos curtos, variedade de fotos e uso de gráficos e tabelas. A
periodicidade permaneceu irregular, com o número de edições anuais variando de 6 a 11.
95
Edição de agosto de 2001:
projeto gráfico terceirizado
em praticamente todas as edições estudadas, o Informativo Coopemar publica anúncios com
promoções da sua loja de defensivos e do seu magazine, que vende roupas, eletrodomésticos e
calçados. A estratégia das propagandas é chamar a atenção dos leitores. No passado, esse tipo
de promoção era apresentado em forma de texto ou reportagem.
Diferente da Folha Rural, o jornal de Marília era dirigido também ao público
interno, com reportagens específicas sobre negociações salariais, destaques entre os
colaboradores, relação de aniversariantes, informações sobre o grêmio e o time de futebol dos
funcionários, entre outras. A diretoria nunca cogitou a produção de um veículo de
comunicação específico para os empregados. Apesar da dupla função, o público principal
sempre foi o cooperado.
O Informativo Coopemar suspendeu sua circulação em março de 2003 com uma
média de 12 páginas por edição, seis delas coloridas. A tiragem, que havia atingido 4.000
exemplares nos melhores tempos da cooperativa, baixou para 3.000 no último ano de
circulação. Das edições especiais produzidas recentemente foram impressos 2.000
exemplares.
As propagandas no jornal mariliense eram
mais esporádicas, mas com algumas características
diversas da Folha Rural. É mais comum encontrar no
Informativo Coopemar anúncios coloridos, das mesmas
empresas que publicam suas propagandas em preto e
branco no veículo de comunicação mineiro.
Uma empresa fabricante de insumos chega a
ocupar uma página inteira e colorida. É um sinal que a
publicidade no jornal de Marília era mais barata, até
porque seu alcance era menor. Outro diferencial era que
96
O motivo alegado para a interrupção foi o alto custo de produção e a necessidade
de corte de gastos. A crise na cafeicultura e na cooperativa tornou inviável manter o jornal, de
acordo com depoimento do presidente. A Coopemar começou a demitir funcionários e fez as
contas: manter o jornal seria o equivalente a cortar mais quatro ou cinco colaboradores.
Houve uma tentativa de buscar anunciantes para ajudar a cobrir os custos, mas não havia um
contato publicitário capacitado.
O presidente afirma que pretende retomar a comunicação na Coopemar assim que
o processo de reestruturação for concluído. Em seu relato, ele conta que alguns cooperados
Última edição do Informativo
Coopemar: dezembro de 2004
armário, na ante-sala de François Guillaumon. Na residência da última jornalista existe
um arquivo, também feito em pastas, mas limitado ao período em que ela atuou na
cooperativa: 1995 até hoje (edições especiais).
A Coopemar e a Cooxupé utilizam o sistema de distribuição via Correios,
enviando os jornais ao endereço de cadastro dos cooperados, na área urbana ou rural. Os
gastos com a postagem são pagos pelas próprias cooperativas.
deixaram de ser sócios pela falta de
transparência gerada a partir da suspensão do
jornal. Eles alegavam não saber mais o que se
passava na cooperativa, já que freqüentavam
pouco a matriz e perderam o vínculo que o
informativo mantinha.
Exemplares do jornal estão
arquivados na Coopemar, mas de forma
desorganizada. Não há arquivos encadernados
nem espaço físico adequado. Uma parte das
pastas com os jornais mais antigos está na sala
da
p
residência e outra
p
arte se encontra em um
97
3.4 Títulos que fazem a história
Como foi antecipado na explicação sobre metodologia, foi feita uma contagem e
uma classificação de todos os textos dos jornais avaliados entre março de 2002 e março de
2003, através dos títulos. Nesse período foram contabilizados 350 títulos na Folha Rural e
228 no Informativo Coopemar. Colunas fixas compostas por notas não foram incluídas porque
não tinham títulos expressivos. É o caso da Tribuna Livre, Café Passo a Passo e Balcão
(Classificados), do jornal mineiro, e da Agenda, Curtas e Calendário do Cafeicultor, do jornal
paulista.
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, os números absolutos e porcentagens
terão a função de referendar os resultados obtidos a partir da leitura de todos os exemplares.
Fica também reforçada a proposição de que os títulos foram selecionados como unidades de
codificação tão somente por uma questão de praticidade. Há casos de títulos ambíguos, que
foram classificados em mais de uma temática porque o conteúdo do texto indicava duplo
sentido. Assim, uma matéria sobre novas técnicas de adubação para a cultura da melancia foi
classificada nas categorias “Tecnologia” e “Diversificação”.
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um
conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, são rubricas ou
classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registo, no caso da
análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em razão
dos caracteres comuns destes elementos. (BARDIN, 1977, p. 117)
Impõe-se, neste momento, delimitar os critérios utilizados para a definição das
categorias fundamentais para que se possa não só avaliar as hipóteses pré-estabelecidas como
também enriquecer o conhecimento acerca da imprensa cooperativa. Alguns grupos temáticos
foram descobertos durante a análise e devidamente categorizados, já que a proposta é
98
privilegiar a abordagem qualitativa, que permite inferir a presença ou ausência de temas
relevantes para traçar o perfil editorial dos dois periódicos.
3.4.1 Tecnologia no campo
Nesta categoria foram incluídos todos os títulos (e, em conseqüência, as matérias)
que, diretamente, remetem à difusão tecnológica, seja através de cursos, palestras e encontros,
Reforma Agrária
Café & Saúde
Tecnologia no campo
Mercado
Diversificação
Utilidade política
Meio ambiente
Estrutura interna
Lideraas prestigiadas
Princípios cooperativistas
Legenda
5
15
25
30
20
10
%
27,16%
24,74%
21,97%
12,28%
11,2 4%
9,34%
9,16%
5,19%
0,86%
0,51%
Gráfico 1
: Porcentagem temática sobre universo de 578 títulos analisados
Folha Rural e Informativo Coopemar
Fonte:
Elaborado por Ana Maio em jan/2005, com base na contagem de títulos
dos dois jornais, publicados entre mar. 2002 e mar. 2003
seja pela divulgação de práticas, idéias ou invenções dos cooperados. Abordagens técnicas,
descobertas e pesquisas, recomendações dos agrônomos, enfim, assuntos que, de uma forma
ou de outra, contribuem para o conhecimento dos produtores rurais em relação às suas
atividades primárias: plantio, colheita, criação de animais, tratos culturais, controle de
doenças etc.
Alguns exemplos de títulos desta categoria: “Seu lote não foi considerado
especial? Saiba o porquê.”; “Dia de campo divulga novo sistema de secagem”; “Cooperado
99
oferece estrutura para planejamento agropecuário”; “Encontro estimula o cultivo do coco
na região de Marília”; “Vacinação contra a brucelose passa a ser obrigatória”.
A categoria revelou-se mais freqüente no Informativo Coopemar, indicando uma
significativa preocupação da cooperativa em oferecer condições para que os produtores rurais
acumulem conhecimento sobre técnicas agrícolas. Os numerosos encontros rurais promovidos
pela Coopemar representavam não apenas a oportunidade de atualização e reciclagem dos
cooperados, mas também a troca de experiência entre eles. Pode-se afirmar que a difusão
tecnológica foi a temática mais relevante considerando os jornais em conjunto, totalizando
27,16% dos títulos.
3.4.1.1 O produtor é o sujeito
Durante a operacionalização da análise, optou-se por criar uma subcategoria no
tema “Tecnologia no campo”, que permitisse aferir a origem das informações transmitidas.
Com o universo dos títulos reduzido apenas ao tema da difusão tecnológica (157 textos),
buscou-se o sujeito e/ou personagem principal da reportagem, ou seja, “quem estava
transmitindo tecnologia, idéias, inovações, experiências ou modelos.
Entre os exemplos de matérias incluídas nesta subcategorias estão: “Mesmo na
crise, cooperado amplia parque cafeeiro”; “Lavouras exemplares”; “Família Totti investe na
mecanização em Echaporã”; “Produtores aprovam praticidade de nova tecnologia na secagem
do café”; “Produtores apontam soluções criativas”. Foram descartadas desta subcategoria as
matérias em que as informações técnicas eram transmitidas por agrônomos, pesquisadores,
veterinários e outros sujeitos que não o homem do campo.
Não são poucos os textos sobre disseminação tecnológica em que o produtor rural
é o personagem principal, o grande difusor das técnicas agropecuárias. Considerando os dois
jornais, 38,21% dos títulos indicam que o transmissor de tecnologia é o homem do campo.
100
Nota-se que essa ocorrência é maior no Informativo Coopemar (41,57%), mas tamm
significativa na Folha Rural (33,82%), podendo-se afirmar que a comunicação rural caminha
para uma relação equilibrada da transmissão do conhecimento. Os jornais, ao que tudo indica,
Média dos dois jornais
Folha Rural
Informativo Coopemar
Legenda
5
15
25
30
35
40
20
10
%
38,21%
33,82%
41,57%
Gráfico 2
: Participação do produtor rural enquanto sujeito das reportagens sobre difusão
tecnológica
Universo de títulos sobre disseminação de tecnologias: 157
Folha Rural e Informativo Coopemar
Fonte:
Elaborado por Ana Maio em jan/2005, com base na contagem de títulos
dos dois jornais, publicados entre mar. 2002 e mar. 2003
têm funcionado como instrumentos de mão-dupla no processo comunicacional, levando uma
diversidade de informações para o ambiente rural, mas também coletando o repertório técnico
e cultural do produtor e difundindo-o num exercício horizontal e dialógico da comunicação.
3.4.2 Mercado
Abordagens sobre o escoamento da safra, preços, consumo, financiamentos,
exportação, política cafeeira, visitas e contatos internacionais serviram de critério para
101
agrupar os títulos nesta segunda categoria. Antes mesmo da contagem, era nítido o enfoque no
elemento “mercado” em diversas reportagens, especialmente sobre o café e com mais
destaque na cooperativa mineira. O assunto domina a Folha Rural, com 27,14% das
ocorrências. Na Coopemar, tem uma importância secundária, ocupando a terceira temática
mais abordada, com 21,05% dos títulos.
Também foram incluídas nesta categoria as iniciativas voltadas à produção de
cafés especiais –de qualidade superior– , quando o foco da matéria concentrava-se direta ou
indiretamente na comercialização. O lançamento do programa “Jornada da Excelência”
19
, na
Cooxupé, que ocupou páginas e páginas no período avaliado, e os diversos concursos para
selecionar os melhores cafés em Minas e São Paulo –que seriam vendidos a preços elevados,
geralmente em leilões– preencheram o espaço reservado a esta categoria.
Entre os exemplos de títulos com abordagem mercadológica, destacam-se:
“Cooxupé vai a Boston participar da Feira de Cafés Especiais”; “Cooxupé solicita política
consistente para o café”; “Guaxupé será a primeira cidade mineira a possuir Redex para
agilizar exportação”; “Safra é a maior dos últimos 10 anos”; “Identificação de bovinos já é
obrigatória para exportar”; “Brasil, Vietnã e Índia devem crescer com a crise”.
3.4.3 Diversificação
Constatou-se, durante a leitura das duas publicações, a presença considerável de
textos relacionados a culturas alternativas. Nesta categoria foram agrupadas todas as matérias
relacionadas às atividades agropecuárias, exceto o foco principal das duas cooperativas, o
café. Os jornais informavam seus leitores sobre o cultivo de cebola, melancia, amendoim,
19
A Jornada da Excelência foi uma campanha intensiva promovida pela Cooxupé em 2002, com 46 eventos
técnicos para divulgar informações sobre como produzir café com mais qualidade. No total, 1.572 cooperados
acompanharam esses eventos, mas apenas 465 se inscreveram, manifestando interesse em continuar no
programa. Dos inscritos, 195 cooperados enviaram seus lotes para serem avaliados e desses, somente 90 tiveram
seus cafés classificados como especiais.
102
cereais, mandioca e sobre a criação de animais (pecuária de corte e leiteira). Também foram
identificadas matérias que se enquadram na visão mais atual da comunicação rural, aquela
sintetizada pelo Projeto Rurbano, a que nos referimos no primeiro capítulo. São textos sobre
turismo no campo, a cadeia produtiva da água mineral e o uso da Internet voltada ao campo,
temáticas até então distantes do universo rural.
Os títulos a seguir exemplificam alguns dos textos desta categoria: “Encontro do
coco terá quatro palestras”; “Produtores de melancia vão implantar padronização”;
“Cooperado investe em água mineral”; “Cooxupé analisa plantio de cebola na palhada” e
“Falta leite nas alturas”. A diversificação manifesta-se como realidade no Informativo
Coopemar e como tendência na Folha Rural. O tema é tão freqüente no jornal de Marília que
divide a liderança com as matérias sobre tecnologia no campo (39,03%). No jornal mineiro, a
diversificação é a quarta temática mais presente (10,85%), empatada com os textos sobre a
estrutura interna da Cooxupé.
3.4.4 Meio Ambiente
A questão ambiental foi incluída neste levantamento, como já foi dito, porque
propagandas sobre a agricultura sustentável publicadas na Folha Rural chamaram a atenção.
Através dessa categorização será possível mensurar a relação homem do campo x preservação
ambiental, na qual o primeiro sempre foi apresentado como vilão.
A seleção dos textos sobre o assunto agrupou matérias sobre reflorestamento,
legislação ambiental, técnicas e alternativas de preservação, dados climáticos e uso de
agrotóxicos. Exemplos de títulos dessa categoria: “Fumaça que vira dinheiro”; “Produtor
preserva matar ciliares”; “Barracão vai armazenar embalagens de agrotóxicos”; “Fogo? Só se
for controlado!” e “Produtores não respeitam normas no descarte de embalagens”. A
103
freqüência desses textos é pequena: 5,19% nos dois jornais. A porcentagem pode parecer
desprezível na análise quantitativa, mas torna-se valiosa para a abordagem qualitativa.
3.4.5 Princípios cooperativistas
Dos sete princípios que regem o movimento cooperativista, quatro freqüentam
regular ou ocasionalmente as páginas das publicações: gestão e controle democrático dos
sócios; educação, treinamento e informação; cooperação entre cooperativas e interesse pela
comunidade. Mas o tratamento dispensado ao cooperativismo é diferenciado nos dois jornais.
5
15
25
30
35
40
20
10
%
Reforma Agrária
Tecnologia no campo
Mercado
Diversificação
Utilidade política
Meio ambiente
Estrutura interna
Lideranças prestigiadas
Prinpios cooperativistas
Legenda
27,14%
19,42%
14,00%
10,85%
10,85%
9,71%
9,42%
5,71%
1,14%
0,85%
Gráfico 3
: Porcentagem temática sobre universo de 350 títulos
analisados -
Folha Rural
Fonte:
Elaborado por Ana Maio em jan/2005, com base na contagem de títulos
da , publicados entre mar. 2002 e mar. 2003
Folha Rural
O Informativo Coopemar prioriza o princípio da gestão e controle democrático
dos sócios, com apelos constantes para que o cooperado assuma sua responsabilidade e
contribua com a cooperativa através de uma participação mais efetiva. Alguns textos com
abordagem institucional tentam despertar nos associados a consciência sobre a importância da
104
cooperativa para a região, nitidamente com o objetivo de ampliar essa participação. Neste
aspecto, a publicação reflete o esforço da cooperativa em atrair a presença dos sócios, até
mesmo com a implantação de pré-assembléias nos núcleos entre 1999 e 2002. Na Folha
Rural, não é perceptível a mesma preocupação, notando-se a ausência deste princípio
cooperativista durante o período avaliado.
Com exceção de reduzidos contatos políticos na esfera municipal, praticamente
inexistem no Informativo Coopemar informações que contemplem as relações da cooperativa
com a comunidade onde está instalada. Pelo menos no período avaliado foram localizadas
poucas matérias que revelassem essas relações. Na Folha Rural, ocorre o oposto. São bastante
freqüentes os relatos dessa integração, seja através de programas desenvolvidos em parceria
com a comunidade local, de visitas de estudantes, estagiários e crianças à cooperativa, ou
ainda, com mais destaque, das doações de computadores que a Cooxupé costuma fazer nos
municípios onde atua e que atendem às necessidades de delegacias, escolas, creches, polícia
militar, hospitais e associações de moradores.
Foram localizados alguns textos que mostram o intercâmbio da Coopemar com
cooperativas de outros países, com a explícita intenção de trocar experiências para fortalecer o
movimento cooperativista. Em um plano de entretenimento e integração, a divulgação da
Olimpíada Integrada do Cooperativismo Paulista (Olicoop) revela uma relação diferenciada
entre as cooperativas. A Folha Rural traz mais relatos desse intercâmbio entre cooperativas,
destacando contatos regionais, interestaduais e internacionais.
São bastante raros nas duas publicações os textos que expressam o princípio da
educação, treinamento e informação, com foco na cooperação. A capacitação de gestores e
não mais que três matérias institucionais sobre cooperativismo foram divulgadas pelo jornal
da Cooxupé. Os títulos a seguir revelam a difusão de princípios do movimento através da
imprensa cooperativa: “Cooxupé visita cooperativa diversificada no Paraná”; “Equipamentos
são doados em Guaxupé”; “De férias, estudantes visitam Cooxupé”; “Coopemar fica em
105
terceiro na Olicoop; Coplap vence”; “Presidente conhece cooperativas na Austrália e Nova
Zelândia”; “Participação, democracia e responsabilidade”; e ainda “Pré-assembléias
mobilizam cooperados em todas as filiais”.
Contabilizando todos esses princípios cooperativistas, o tema aparece em quarto
lugar no jornal mariliense, presente em 16,66% dos textos, e ocupa a sétima posição na Folha
Rural (9,42%), o que indica um comprometimento maior da Coopemar com a difusão das
idéias cooperativistas.
5
15
25
30
35
40
20
10
%
39,03%
39,03%
21,05%
16,66%
8,77%
7,01%
6,57%
4,38%
0,43%
0,00%
Gráfico 4
: Porcentagem temática sobre universo de 228 títulos
analisados -
Informativo Coopemar
Fonte:
Elaborado por Ana Maio em jan/2005, com base na contagem de títulos
do , publicados entre mar. 2002 e mar. 2003
Informativo Coopemar
Reforma Agrária
Café & Saúde
Tecnologia no campo
Diversificação
Utilidade política
Meio ambiente
Estrutura interna
Lideranças prestigiadas
Princípios cooperativistas
Legenda
3.4.6 Café & Saúde
Relacionar a ingestão de café a um hábito saudável é o foco primordial dos textos
desta categoria, mas não o único. Nas duas publicações foram encontradas referências ao uso
da borra de café no combate à dengue, matéria baseada em uma pesquisa desenvolvida na
Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto.
106
Quantitativamente, essa categorização é inexpressiva, pois não atinge meia dúzia
de textos num universo superior a 500. Mas trata-se de um tema que poderia ser melhor
explorado, porque relaciona-se diretamente com o aumento do consumo. Os títulos a seguir
são exclusivos da Folha Rural e foram publicados entre outubro e dezembro de 2002: “Café
estimula memória em mulheres idosas”; “Estudo revela que café pode evitar diabete” e “Café
faz mal ao coração?”.
3.4.7 Reforma agrária
É significativa a quase absoluta ausência do tema nas duas publicações, condição
que a análise qualitativa permite constatar. Os jornais de cooperativas evitam abordar a
reforma agrária e nas raras ocasiões em que o assunto aparece é tratado na forma de artigos de
opinião. Apenas dois textos específicos sobre o assunto foram publicados na Folha Rural
durante o ano pesquisado: coincidentemente dois artigos de autoria do então deputado federal
Xico Graziano (PSDB) transcritos do jornal O Estado de S. Paulo.
Os títulos são “O que está acontecendo com nossa reforma agrária” e “A fábrica
de sem-terra” e os conteúdos são críticas contundentes ao MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra). O tema é tratado ainda, sem alarde, no editorial “Valorize o
agronegócio com o seu voto”, em que o presidente da Cooxupé pede que os cooperados
escolham um “candidato que respeite a propriedade privada”, na sucessão presidencial de
2002. O tema não aparece no Informativo Coopemar.
3.4.8 Estrutura interna
Boa parte das matérias dos dois jornais, principalmente da Folha Rural, se dedica
a relatar os investimentos das cooperativas em sua estrutura interna. Inaugurações de novos
107
núcleos, ampliações e reformas, desempenho das filiais, nomeações de dirigentes, capacidade
de armazenagem, reconhecimento do laboratório e outros assuntos relacionados ao
funcionamento da cooperativa tiveram destaque em matérias, editoriais e chamadas de capa.
A Folha Rural explora mais esse tipo de reportagem, que aparece como o quarto
tema mais freqüente (10,85%), até porque a cooperativa mantém sua política de expansão e
não deixa de investir na estrutura física e administrativa. No Informativo Coopemar esse
conteúdo é menos incisivo (6,57%), nem por isso ausente. Alguns exemplos desses títulos:
“Paraguaçu ganha nova filial”; “Oscar Bressane consegue melhor resultado entre filiais”;
“Primeiro núcleo da Cooxupé faz 25 anos”; “Temos um novo superintendente na área de
administração e finanças” e “Laboratório da Cooxupé recebe conceito máximo do IAC”.
3.4.9 Utilidade política
Veículos de comunicação sempre foram vinculados ao uso político que deles se
faz. No caso da imprensa cooperativista, não há diferença. Essa categoria reúne textos sobre
política, no sentido mais restrito do termo: ocasiões em que os jornais foram usados em
campanhas internas ou externas, a favor de candidatos ou nomeações, em críticas ou elogios
ao poder público. O período selecionado foi rico enquanto cenário para manifestações
políticas: além da sucessão para a presidência da República e nomeação do novo ministro da
Agricultura, a Cooxupé preparava o processo para a escolha do novo presidente, o primeiro a
substituir Isaac Ferreira Leite.
Tratando-se de política interna, o Informativo Coopemar revela-se mais sutil,
sem grandes apelos em favor dos dirigentes. Mas essa aparente imparcialidade pode ser fruto
do próprio contexto no período avaliado: não havia nenhuma situação de disputa, como na
Cooxupé. A Folha Rural foi um dos suportes adotados pela diretoria da Cooxupé na sucessão
108
interna. Apesar da chapa única, o presidente valeu-se do editorial para fazer campanha a favor
“de membros que tenham, como prioridade, manter a estabilidade da Cooperativa”.
No editorial de março de 2003, intitulado “Presidente da Cooxupé coordena
sucessão”, o dirigente afirma que os cooperados podem “ficar tranqüilos” pois não haverá
confronto de chapas. Outra informação interessante na mesma coluna é a de que a única
disputa pelo poder na Cooxupé ocorreu em 1995, quando Isaac Ferreira Leite venceu com
80% dos votos. E ele aproveita este espaço para mostrar, com números, como a Cooxupé
cresceu de 1995 a 2003. Outras situações de auto-promoção que conferem status político aos
dirigentes serão apresentadas no próximo tópico.
Antes, porém, convém evidenciar as relações políticas externas à cooperativa. No
âmbito municipal, o Informativo Coopemar patenteava as relações amistosas entre a
cooperativa e a prefeitura. De acordo com François Regis Guillaumon, os últimos três
secretários municipais de agricultura foram indicados pela cooperativa. Entre 2002 e 2003,
Heleno Gual Nabão acumulava essa função pública com a de diretor administrativo da
Coopemar e essa condição era sempre enunciada nas matérias em que o dirigente era
entrevistado.
O bom relacionamento com o poder público municipal manifestava-se ainda no
espaço aberto para a publicação de fotos e depoimentos do prefeito de Marília, Abelardo
Camarinha (PMDB), e dos vereadores que prestigiavam os encontros e festas agrícolas
promovidas pela cooperativa. Um projeto de lei em que a Câmara Municipal concedia o título
de Cidadão Mariliense ao presidente da Coopemar selava essa conduta editorial. Uma análise
mais aprofundada sobre essa homenagem será elaborada adiante.
As poucas menções da Folha Rural ao poder público municipal estão registradas
não nos títulos, mas nos textos sobre as inaugurações de novas filiais, quando as prefeituras
contribuíam geralmente com a cessão de terrenos em regime de comodato. “Se viemos a Serra
do Salitre, foi porque o prefeito Cresmar Dornellas, junto ao engenheiro [...] e um grupo de
109
produtores nos procuraram na Matriz, manifestando interesse para que aqui atuássemos”,
afirma o presidente da Cooxupé no editorial de outubro de 2002.
As relações com os governos estaduais mostram-se mais distantes e eventuais nos
dois periódicos. Um telefonema do governador Geraldo Alckmin (PSDB), em julho de 2002,
ao presidente da Coopemar transformou-se em matéria de destaque. Ele anunciava que o
Escritório de Desenvolvimento Rural de Marília não seria transferido para outra regional,
como prenunciavam alguns boatos. O prefeito estava ao lado do governador, na capital, no
momento do telefonema. Outra situação registrada pelo Informativo Coopemar e que
denotava um relacionamento aparentemente amigável com o governo era a presença do
secretário estadual de Agricultura em aberturas oficiais de eventos técnicos promovidos pela
cooperativa. As relações políticas da Cooxupé com o governo de Minas Gerais são
editorialmente desprezíveis. A Folha Rural publicou três textos apenas transcrevendo
modificações na legislação estadual.
O uso político dos dois jornais é mais explícito ao retratar as relações das
cooperativas com o governo federal, nas instâncias executiva e legislativa. Os personagens
que têm espaço liberado nas duas publicações são os mesmos: o deputado federal Xico
Graziano (PSDB) e o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. O primeiro foi, sem sombra
de dúvida, o deputado que mais visitou a Coopemar nos últimos anos, com uma média de dois
a três contatos pessoais a cada ano. Todas as visitas foram divulgadas no Informativo
Coopemar e no período estudado Graziano esteve na cooperativa para agradecer à votação
expressiva que recebeu na região. Na Folha Rural, sua participação manifestou-se através dos
artigos sobre reforma agrária.
O tratamento dispensado ao ministro Roberto Rodrigues pelo jornal da Cooxupé
mereceria um capítulo à parte, porque foi ele o pivô de uma pseudo-redenção do líder
cooperativista de Minas no processo eleitoral de 2002. Também cabe uma análise mais
criteriosa sobre a postura editorial da Folha Rural em relação aos então candidatos à
110
presidência José Serra e Luís Inácio Lula da Silva. Nesta fase de procedimentos descritivos,
antecipa-se que nenhum dos dois foi citado nominalmente durante o processo eleitoral,
embora a transparência da campanha a favor do candidato da situação tenha sido praticamente
inexcedível.
Nota-se, a partir da análise dos editoriais, que em julho foi iniciado um processo
de construção de Cenário de Representação Política (CR-P) na Folha Rural.
[...] o CR-P é o espaço específico de representação da política nas “democracias
representativas” contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da
articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e
pela mídia...[...]. (LIMA, 2001, p. 182)
Essa formulação tem início com a divulgação de que dois deputados mineiros da
base governista –um do PSDB e outro do PMDB – estariam tentando junto ao governo federal
a renegociação de dívidas dos produtores rurais. Essa publicação é de julho de 2002 e está no
texto “‘Investimos para exportar qualidade’, afirma dr. Isaac”, sob o intertítulo “Temos
aliados políticos”.
Na edição seguinte, em agosto, o presidente da Cooxupé explica como vão
funcionar medidas recém-adotadas pelo governo federal para tentar conter a crise no setor. A
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) passará a comprar café em leilões, com
preço mínimo acima do valor de mercado na época. O teor do texto “‘Medidas ajudam, mas
falta dinheiro na mão do produtor’, afirma dr. Isaac” é menos político e mais técnico.
Em setembro, o presidente pede no editorial que os cooperados, antes de votar,
lembrem-se das importantes medidas anunciadas pelo governo no mês anterior para atenuar a
crise da cafeicultura. E que rejeitem candidatos favoráveis à reforma agrária através de meios
violentos e invasões, em prol de um outro que respeite o direito à propriedade. A história
política de Lula sempre esteve associada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,
111
inimigo declarado dos proprietários rurais. O título do editorial é “‘Valorize o agronegócio
com seu voto’, afirma dr. Isaac”.
Luís Inácio Lula da Silva venceu a eleição no segundo turno, em 27 de outubro de
2002, mês em que o editorial da Folha Rural não abordou questões políticas. A partir de
novembro, o jornal inicia uma verdadeira exaltação a Roberto Rodrigues, a princípio
apresentando-o com um provável indicado ao Ministério da Agricultura e elogiando seu
caráter conciliador. Em seguida, já confirmada a nomeação, a Cooxupé compromete-se
definitivamente com o futuro ministro, anunciando que junto com outras entidades do setor,
foi responsável pela indicação. A manchete do jornal na edição de dezembro é: “Roberto
Rodrigues no Ministério da Agricultura: ‘o homem certo no lugar certo’, afirma presidente da
Cooxupé”.
Em janeiro, sete páginas, das 20 que circularam, foram destinadas à cobertura da
posse do ministro. Mas em todos os momentos, não há vinculação de Roberto Rodrigues com
o PT ou com Lula. O nome do novo presidente da República permanece oculto na Folha
Rural. Era como se o novo ministro, amigo pessoal de Isaac Ferreira Leite, não fizesse parte
de uma equipe de governo.
O Informativo Coopemar foi menos passional na cobertura das eleições
presidenciais. As mesmas medidas de socorro à cafeicultura foram anunciadas positivamente
na edição de agosto/setembro. Na edição seguinte, François Guillaumon reconhece que a
situação só não é pior em função dos leilões, mas ainda assim, afirma que os produtores estão
“no fundo do poço”. Em dezembro, com o resultado da eleição já conhecido, o editorial trata
apenas de assuntos internos.
Em março de 2003 o presidente da Coopemar elogia a nomeação de Roberto
Rodrigues para o ministério e demonstra esperança: “Isso mostra parte do respeito que este
governo do Lula poderá ter por nós, diferentemente dos governos passados, que pouco se
importaram com os agricultores e Cooperativas”. É a primeira e única vez que o nome do
112
presidente empossado é publicado nos dois jornais, e mesmo assim, sem a preocupação ou o
cuidado de quem refere-se respeitosamente a um presidente da República.
Se nos depoimentos coletados com os dirigentes, as cooperativas negam que a
política partidária seja abordada em seus veículos de comunicação, é pelo menos curioso que
o tema esteja representado em 9,34% das reportagens publicadas naquele ano.
3.4.10 Lideranças prestigiadas
Como visto anteriormente, Weber defende a idéia de que toda dominação e
obediência busca suporte na crença do prestígio pessoal das lideranças. A Folha Rural, com
uma linha editorial mais direcionada ao mercado exportador, constrói ainda toda uma
simbologia de prestígio institucional para a cooperativa. Situações em que os dirigentes ou a
própria organização são apresentados com essa aura de superioridade são abundantes na
Folha Rural (14%) e não menos expressivas –embora mais raras– no Informativo Coopemar
(7,01%). Em praticamente todas as edições a Cooxupé recebe visitas de empresários ou
autoridades estrangeiras, interessadas em conhecer o café de qualidade superior produzido
pelos cooperados.
A construção midiática do prestígio pessoal se faz pela divulgação de contatos dos
dirigentes com prefeitos, deputados, banqueiros, ministros, empresários, secretários,
governadores e outras autoridades. Nestes casos, as fotografias são sobrevalorizadas, pois a
proximidade com o poder foi flagrado e exibido. As representações de prestígio são
contempladas com um ingrediente adicional: via de regra são sempre os “notáveis” que se
aproximam da cooperativa ou dos dirigentes, e não o contrário. Os títulos a seguir denunciam
essa tendência: “Governador liga para a Coopemar e tranqüiliza produtores”; “Secretário
estadual prestigia abertura”; “Cooxupé recebe secretário do Ministério da Agricultura”;
113
“Cooxupé recebe comitiva mundial da Nestlé” e “Comitiva japonesa sente-se em casa junto à
Cooxupé”.
O prestígio das lideranças cresce, teoricamente, quando essas são homenageadas
pela sociedade, o que lhes confere um grau de reconhecimento por atitudes beneméritas que
tenham praticado. Os dois jornais publicaram, com destaque, entre 2002 e 2003, a cobertura
de homenagens concedidas aos presidentes Isaac Ferreira Leite e François Regis Guillaumon.
O presidente da Cooxupé foi laureado pelo Conselho dos Exportadores de Café
Verde do Brasil, como representante do setor produtivo, em uma solenidade que ocupou as
manchetes da Folha Rural em fevereiro e março de 2003. Coincidentemente, meses que
antecediam a eleição para a presidência da cooperativa. Até a transcrição de uma reportagem
do jornal O Estado de S. Paulo foi publicada no veículo estudado, ratificando a deferência da
homenagem.
Também ocupou páginas de destaque –mas nunca as manchetes– do Informativo
Coopemar a entrega do título de Cidadão Mariliense ao presidente da cooperativa. Sabe-se, no
entanto, que a homenagem foi sugerida por funcionários da Coopemar aos vereadores que
elaboraram o projeto de lei. O prestígio, neste caso, está menos associado a atividades
produtivas e mais ligado ao status social que a figura do dirigente construiu ao longo dos
anos.
3.5 Temas ausentes ou coadjuvantes
Assuntos não abordados ou pouco explorados nos dois jornais podem revelar não
apenas uma postura editorial, mas um quadro ideológico da organização e do grupo social que
a compõe. Constatada a baixa expressividade e freqüência de assuntos como reforma agrária e
meio ambiente, convém explorar no próximo capítulo os motivos que levam esses veículos a
menosprezar determinadas temáticas. Também é relevante o pouco espaço reservado ao
114
âmbito local e regional, seja em relação à abertura de novos mercados, à aproximação política
com o poder público municipal ou à busca de soluções domésticas para a crise. O mercado
externo, os efeitos da globalização e outras questões macroestruturais são sobrevalorizadas,
em detrimento do desenvolvimento local.
Não menos curiosa é a ausência de três princípios cooperativistas nos textos: o da
livre e aberta adesão dos sócios, o da participação econômica do associado e o da autonomia e
independência das cooperativas. O primeiro pode ter sido ignorado porque refere-se a novos
cooperados, que ainda não recebem os jornais. O princípio da participação econômica do
sócio está relacionado a uma questão bastante burocrática, que é a destinação das sobras da
cooperativa. Apesar de não disfarçar a crise, a Coopemar reserva essa discussão para as
assembléias ordinárias.
A Cooxupé também não trata do assunto na publicação, mas as decisões sobre o
capital da cooperativa foram amplamente abordadas nas entrevistas dos dirigentes. Embora
perceba-se nas entrelinhas que o controle das cooperativas pertence aos associados, o
princípio da autonomia e independência não é abordado diretamente nos textos dos dois
periódicos.
Também são raras, embora existam, as manifestações que envolvem a questão
cultural no ambiente rural. O concurso “Café & Leite em Prosa e Verso”, lançado pelo
Instituto Mineiro de Agropecuária em conjunto com as Secretarias de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e da Educação, ganhou destaque na Folha Rural, em novembro de
2002. O concurso tinha a finalidade de estudar, divulgar e valorizar o café e o leite, produtos
que estão inseridos no dia-a-dia dos mineiros, gerando hábitos, criando laços sociais e
alimentando manifestações folclóricas. Mas a cobertura ficou restrita à divulgação dos
vencedores e à visita que eles fizeram à Cooxupé. As manifestações culturais descritas pelos
alunos não foram publicadas.
115
O Informativo Coopemar valorizou o enfoque cultural na cobertura da Festa da
Melancia de Avencas, na edição de dezembro de 2002, mostrando os hábitos e costumes da
população de um distrito de 5.000 habitantes, sobrepondo a tradição daquela comunidade às
inovações tecnológicas para o cultivo. Interessante é que a própria festa, idealizada por um
dos diretores da cooperativa em parceria com uma associação de produtores rurais do distrito
de Avencas, estimula essa valorização cultural. O concurso de beleza, que nas cidades atraem
modelos ou aspirantes ao mercado da moda, no ambiente rural preserva a simplicidade através
de um regulamento “corporativo”: só podem se inscrever as filhas, sobrinhas ou netas de
produtores ou trabalhadores rurais do distrito.
Rapazes que trabalham na colheita da fruta exibem na passarela – montada sob
uma lona no campo de futebol, em frente à igreja matriz– a performance do dia-a-dia na roça,
de um jeito bastante original. São eles quem desfilam apresentando as variedades de melancia
cultivadas na região. Um poema escrito por uma moradora do distrito é encenado na abertura
da festa, relatando a religiosidade dos habitantes locais. Doces e compotas à base da fruta são
preparados pelas mulheres dos produtores e vendidos aos visitantes. O baile sertanejo encerra
a programação do primeiro dia do evento, que recomeça na manhã seguinte com uma gincana
em que a vedete é a melancia. Arremesso de sementes, concurso para ver quem come mais
melancia e quem fatia mais rápido, corrida da melancia e outras provas reiteram a ligação
entre a comunidade e a produção agrícola.
Como no caso do café e leite em Minas, a melancia acaba fortalecendo relações na
pequena comunidade. Embora recente, com a primeira edição promovida em 2000, a festa é o
acontecimento mais esperado do ano no pequeno distrito de Avencas. O suporte oferecido
pela cooperativa, que ajudou a criar a associação de produtores locais e ainda hoje é co-
promotora da festa, foi fundamental para a organização do evento, que hoje é totalmente
concebido e montado pelos habitantes locais. Embora a reportagem revele ricos aspectos
culturais da comunidade rural, ela é pontual. Não há, nas outras edições, essa preocupação em
116
apresentar os valores, práticas e costumes dos produtores e suas famílias.
Descritas as condições concretas dos fenômenos midiáticos presentes e ausentes,
inicia-se a seguir a etapa de interpretação, para que a pesquisa atinja o grau de cientificidade
projetado. Para Marconi e Lakatos (1999, p. 37), “em geral, a interpretação significa a
exposição do verdadeiro significado do material apresentado, em relação aos objetivos
propostos e ao tema”. A amplitude social, política, econômica e ideológica do conteúdo
publicado, das entrevistas realizadas e da literatura pesquisada será, a partir de agora,
sintetizada e contextualizada. Já se sabe “como” os jornais de cooperativas cumprem sua
função de informar e formar opinião entre os produtores rurais. A próxima etapa explicitará
“por que” eles são conduzidos por determinada trajetória editorial.
4 PERFIL EDITORIAL: LÓGICAS & CONTRADIÇÕES
A mídia rural funciona como um mediador da esfera pública, onde são construídas
identidades e alteridades. Elas são estabelecidas a partir de vinculações envolvendo atores
sociais, como o homem do campo e os líderes cooperativistas, além de outros personagens
não-humanos que merecem uma avaliação mais criteriosa. Expoentes da imprensa cooperativa
estudada, a “tecnologia no campo” e o “mercado” também serão focados a partir de agora sob
essa perspectiva.
As identidades são construídas simbolicamente de acordo com interesses
ideológicos e camuflam relações de dominação e resistência. A definição de uma identidade
se dá em um contexto delimitado não apenas pelo espaço social ocupado pelos personagens,
mas também sob uma perspectiva temporal. Por isso o etnólogo francês Denys Cuche vê a
identidade como uma construção social dinâmica, que muda de acordo com o contexto e com
117
as relações de forças dos agentes sociais. Ela “se constrói e reconstrói constantemente no
interior das trocas sociais” (CUCHE, 1999, p. 133).
É também relativa, porque existe em referência a outra identidade, o que
possibilita a existência de identidades requeridas ou atribuídas. Essa atribuição geralmente é
imposta pelo grupo hegemônico. “Nem todos os grupos têm o mesmo ‘poder de
identificação’, pois esse poder depende da posição que se ocupa no sistema de relações que
liga os grupos” (Ibid, p. 135-136). O autor não descarta, no entanto, a presença de uma
negociação entre a auto-identidade (requerida) e a exo-identidade (atribuída).
Na mesma linha, Canclini empresta sua contribuição para a formulação
conceitual. Para ele, “ao se tornar um relato que construímos incessantemente, que
reconstruímos com os outros, a identidade se torna também uma co-produção. Porém, essa co-
produção se realiza em condições desiguais entre os variados atores e poderes que nela
intervêm” (CANCLINI, 1999, p. 173). Ele defende que, em algumas regiões, a cultura rural
preserva mais sua identidade porque sofre os efeitos da globalização de forma diferenciada:
“o rendimento dos investimentos é menor e a inércia simbólica é mais prolongada” (Ibid, p.
174). Canclini define identidade como uma construção imaginária que se narra.
4.1 Personagens construídos pela mídia rural
Essa introdução sobre o conceito de identidade torna-se relevante para explicar
como os jornais das duas cooperativas constroem (ou reproduzem) imagens simbólicas de
seus principais personagens. Com base nas reflexões acima, presume-se que as identidades do
agricultor, dos líderes rurais, do mercado e das tecnologias do campo foram construídas a
partir da ótica dos detentores do poder de identificação, no caso, os diretores das cooperativas.
Mas tratando-se da comunicação rural no ambiente cooperativista, essa análise preliminar
parece bastante reducionista. É necessário admitir uma co-produção com outros atores sociais
118
deste processo, como as jornalistas, os agrônomos e os próprios produtores rurais. Uma vez
sujeitos da comunicação rural, a eles abriu-se espaço para demonstrar, ou no mínimo
negociar, a identidade requerida.
4.1.1 O bem-sucedido homem do campo
O agricultor ou pecuarista que ganha espaço nos jornais das duas cooperativas é
aquele que tem acesso a tecnologias e as implementa em sua propriedade, seja um pequeno
sítio ou um latifúndio. Invariavelmente, este cooperado é atuante e fiel. É identificado como
moderno, empreendedor e bem-sucedido. Tudo indica que essa identificação do homem rural
com o sucesso seja requerida pelo próprio produtor. Pressupõe-se que este grupo social não
tenha interesse em apresentar-se como fracassado, derrotado ou acomodado.
Em contraponto a essa imagem empreendedora e otimista, os jornais endossam o
ônus político de uma classe desvalorizada. O homem do campo surge também como figura
penalizada pela falta de subsídios e vítima de um sistema produtivo supostamente injusto.
Essa identificação seria atribuída pelos dirigentes, a quem interessa representar cooperados
em dificuldades que justifiquem a obtenção de subsídios (como linhas de crédito,
empréstimos ou renegociação de dívidas) junto ao poder público. Essa atribuição pode até
legitimar-se se as vantagens reivindicadas pelos líderes beneficiarem, de fato, o homem rural.
Os pensamentos de Cuche explicam esse contraponto. Ele afirma que o contexto
relacional poderia justificar porque em um determinado momento uma identidade é afirmada
e, em outro, reprimida. Como poderiam os dirigentes de cooperativas, representando os
produtores rurais, protestar e cobrar atenção de autoridades governamentais, apresentando os
cooperados como empreendedores de sucesso? Até que ponto o homem do campo poderia
demonstrar e disseminar inovações tecnológicas identificando-se como sujeito passivo e
sacrificado pelas circunstâncias econômicas?
119
Se a identidade é uma construção social e não um dado, se ela é do âmbito da
representação, isto não significa que ela seja uma ilusão que dependeria da
subjetividade dos agentes sociais. A construção da identidade se faz no interior de
contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam
suas representações e suas escolhas. Além disso, a construção da identidade não é
uma ilusão, pois é dotada de eficácia social, produzindo efeitos sociais reais.
(CUCHE, 1999, p. 132)
Admitindo-se ainda a possibilidade de co-produção das identidades,
aparentemente interessa aos engenheiros agrônomos da cooperativa a divulgação da imagem
bem-sucedida dos agricultores que estão sob suas orientações. Cria-se uma cumplicidade
subliminar quando o homem do campo expõe seu próprio saber, através da mídia rural. Não
são raras as vezes em que as indicações de reportagens diretas com o agricultor partem dos
agrônomos. Seus nomes e fotografias aparecem, com freqüência, vinculados a determinado
produtor rural. O sucesso do profissional fica, assim, atrelado ao do cooperado inovador. As
pretensões de cada agente social poderiam determinar se a construção desse link é proposital
ou simples acaso. As próprias comunicadoras, igualmente co-produtoras dessa identificação,
poderiam favorecer ou prejudicar determinados sujeitos sociais com seus discursos
jornalísticos. Tudo seria uma questão de interesse. Mas nem mesmo a possibilidade de
condutas desinteressadas deve ser descartada.
Como admite o filósofo e sociólogo francês, Pierre Bourdieu (1996, p. 142) é
possível refutar a idéia de que os agentes sociais sejam sempre movidos por ações
conscientes, que ajam de maneira a obter o máximo de eficácia com o menor custo para a
obtenção de seus objetivos previamente calculados e que sejam motivados permanentemente
pelo interesse econômico. Desligando-se da filosofia da consciência, é sociologicamente
plausível que agentes estejam apenas empenhados nos seus afazeres. Nada mais.
4.1.2 Lideranças prestigiadas e representativas
120
A estrutura hierárquica dentro de uma cooperativa garante aos dirigentes o poder
de auto-identificação. Portanto, a identidade construída e divulgada pela mídia rural, neste
caso, é exclusivamente requerida. Os líderes rurais apresentam-se como prestigiados,
reconhecidos pela comunidade setorial e legítimos representantes dos produtores rurais.
Assumem a condição de liderança e discursam em nome dos cooperados. Homenagens
pessoais e/ou profissionais prestadas pela sociedade são amplamente divulgadas pela
imprensa cooperativa. Todo destaque é bem-vindo.
Várias reportagens e fotografias evidenciam a intimidade dos dirigentes com o
poder político e econômico. Prefeitos, deputados, banqueiros, ministros, governadores e
autoridades internacionais também são apresentados como personalidades próximas das
cooperativas, indicando prestígio de seus dirigentes. Nesse processo de construção identitária,
uma ocorrência chama a atenção: são sempre os “notáveis” que se aproximam da cooperativa
ou procuram seus eventos. É o governador que telefona para a cooperativa; o deputado que
participa de um encontro; o banqueiro que faz uma visita. Raras são as situações em que os
líderes batem à porta das autoridades em busca de apoio, o que comprometeria a fabricação da
imagem de prestígio.
Depois de tantos anos à frente dos produtores rurais e sem enfrentar oposição, os
líderes parecem não duvidar de sua legitimidade. Sentem-se extremamente à vontade para
representar o agricultor perante autoridades públicas. Essa segurança permeia ainda a atuação
dos dirigentes enquanto formadores de opinião: não há pudor ou receio quando o ex-
presidente da Cooxupé pede aos cooperados, na campanha à presidência da República, que
lembrem-se dos efeitos positivos das últimas medidas tomadas pelo governo e valorizem o
candidato que respeite a propriedade privada em eventual reforma agrária.
É provável que as jornalistas, únicas possíveis co-produtoras desse processo de
identificação, tenham filtrado informações exageradas e moldado a construção do prestígio.
Mas essa atuação não chega a interferir na imagem altamente positiva dos dirigentes. Em
121
nenhum momento eles aparecem na imprensa cooperativa com alguma indicação negativa,
algum defeito, alguma falha ou fraqueza. Os presidentes e diretores são super-homens: não
erram jamais. Aliás, essa condição estende-se aos próprios produtores rurais, que conquistam
espaço nas páginas do Informativo Coopemar e da Folha Rural por suas condutas exemplares.
4.1.3 A todo-poderosa tecnologia
Os personagens não-humanos mais incisivos da imprensa cooperativa transpassam
a história, o cotidiano, os discursos, as imagens (simbólicas ou não) e os modelos da própria
organização, representados em cada edição impressa. Começando pela difusão tecnológica,
ela faz-se ubíqua e onipotente. Identifica-se como a solução para qualquer problema que o
homem do campo venha a enfrentar. A tecnologia é o argumento do sucesso. É requisito para
a exposição midiática. O produtor que desconhece inovações tecnológicas está ausente das
páginas dos jornais e, pior, está excluído do mercado.
Juízos de valor sobre essa conduta jornalística são relativos. A cooperativa tem o
dever de informar o produtor rural sobre as novas técnicas agropecuárias. Cabe a ela motivá-
lo a buscar inovações e não privá-lo de conhecimento que pode significar redução de
despesas, aumento de produtividade, melhoria na qualidade, respeito ao meio ambiente,
incremento nos lucros ou, resumindo, maior competitividade. A ressalva fica em torno da
deificação da tecnologia, identificada como o único canal de acesso a um degrau superior e,
em alguns casos, a exclusiva possibilidade de sobrevivência no mundo rural.
Apesar dessa sobrevalorização da difusão tecnológica, a imprensa cooperativa
parece lidar bem com o fenômeno na hora de aproximá-lo do leitor. No discurso jornalístico,
boa parte das inovações é acessível e fácil de ser implementada por qualquer agricultor que
tenha vontade de crescer. Um terreiro suspenso, colocado em determinado ângulo em relação
ao sol, cuidados na hora de transportar a melancia, aplicação correta da vacina no gado... a
122
todo-poderosa tecnologia é digerida pelo produtor através de dicas simples para o dia-a-dia na
propriedade.
Menos comuns são as reportagens que associam a tecnologia a investimento. A
utilização de máquinas ou produtos recém-lançados, nem sempre ao alcance do pequeno
produtor, também é apresentada nos dois jornais. Mas a grande vedete tecnológica exposta
durante meses na Folha Rural, a campanha “Jornada da Excelência”, e mesmo as freqüentes
matérias sobre qualidade do café publicadas no Informativo Coopemar não exigem gastos
extras por parte dos cafeicultores. Basta que eles tomem cuidados especiais na hora da
colheita e secagem dos grãos. Não é preciso adquirir nenhum equipamento caro ou produtos
químicos milagrosos. O sucesso está ao alcance de qualquer cooperado que tenha,
simplesmente, informação.
O status adquirido pela tecnologia no ambiente rural e cooperativo brota das
relações interpessoais entre dirigentes, produtores, funcionários, fornecedores, jornalistas e
agrônomos. É assunto obrigatório nas rodas que se formam na matriz, nos núcleos e mesmo
nas propriedades rurais. A mídia rural não constrói sozinha essa identidade, mas a reproduz. A
naturalidade com que o assunto é tratado cotidianamente dissimula o fenômeno
comunicacional e oculta o poder atribuído ao personagem por todos os co-autores envolvidos
neste processo. Quanto mais se fala em tecnologia, mais cumplicidade e dependência se criam
em torno deste tema.
4.1.4 O mercado é a mensagem
Irresistível adaptar o célebre conceito do canadense Marshall McLuhan para tentar
explicar a identidade hegemônica do mercado na mídia rural avaliada. Idolatrado por alguns
estudiosos da comunicação, desprezado por outros e ignorado pela maioria, o autor da frase
“O meio é a mensagem” concebeu importância ímpar aos veículos de comunicação. O
123
conceito foi criado na década de 1960, auge da expansão da TV no mundo. McLuhan foi, no
mínimo, inovador. Ousou ao atribuir à máquina a relevância do conteúdo. Não cabe aqui
aprofundar as idéias do autor, mas relacionar suas concepções com esta pesquisa.
O mercado é metaforicamente a mensagem porque predomina, comanda, define o
conteúdo dos jornais de cooperativas. Ele produz sentido, representa o fim, o objetivo, a meta
a ser atingida, “pois a ‘mensagem’ de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala,
cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (MCLUHAN,
2002, p. 22). É o mercado que controla e configura a estrutura das relações humanas, mesmo
dentro de uma cooperativa. Suas estatísticas, seus valores, as previsões de safra e a busca
interminável pelas exportações impõem-se através de suas exigências. Os textos jornalísticos
conduzem por uma lógica irredutível e clara: para ganhar espaço no mercado o produtor
precisa ter acesso à tecnologia e colher café de qualidade superior. Esse é o discurso.
A supremacia do mercado no ambiente cooperativista soa como um paradoxo.
Como já foi dito, o movimento surgiu justamente em oposição à lógica capitalista. Diante das
transformações do cooperativismo apresentadas no decorrer deste trabalho fica evidente que o
espaço ocupado pelo personagem não poderia ser outro que não o central. Ele é a mensagem.
Pior: a mensagem a ele se submete. E se subverte.
Essa política editorial contribui para inserir o produtor rural no competitivo
mercado global? Não há dúvidas de que o homem do campo que vivencia essa realidade na
cooperativa está, no mínimo, informado sobre exigências, novidades e tendências para
produzir e vender sua safra. A organização cooperativa cumpre seu papel de disponibilizar
conhecimento ao homem rural. Os jornais são contundentes ao afirmar, a cada edição, que o
café produzido sem tecnologia tende a ser desprezado pela baixa qualidade e alto custo. Seria
incabível a cooperativa ignorar essa ocorrência e manter seus produtores atrelados ao atraso
tecnológico. A linha editorial dos dois veículos, portanto, facilita a inserção do agricultor ao
124
mercado à medida em que garante a ele acesso a informações importantes sobre a
comercialização.
4.2 A história que os títulos fazem
O conhecimento do processo de construção identitária desses personagens é um
passo significativo na pesquisa sobre a comunicação rural. Mas é pertinente interpretar
também, de forma mais incisiva, as outras categorias temáticas de reportagens encontradas na
Folha Rural e no Informativo Coopemar, descritas no capítulo anterior, no item “Títulos que
fazem história”. Cada categoria detém seu espaço editorial e ele está articulado com o
contexto regional, com a política interna das cooperativas e com a percepção e iniciativa dos
agricultores. A análise interpretativa do tratamento dispensado pelos jornais ao meio ambiente
e à utilidade política dos jornais será complementada a seguir, na comprovação das hipóteses.
4.2.1 Diversificação e monoconteúdo
A diversificação é uma temática bastante valorizada na Coopemar porque a região
de Marília deixou de privilegiar a cafeicultura na década de 1970, após a geada. A própria
cooperativa estimulou a policultura como alternativa para a agricultura regional e como
solução para o cafeicultor em crise. Alguns produtores abandonaram definitivamente o café
para dedicar-se a outra atividade agrária, com destaque para a pecuária. Os que mantiveram as
plantações de café reservaram um espaço na propriedade para outras experiências, como a
125
É mais fácil encontrar estímulo à diversificação no jornal da Coopemar
citricultura a olericultura
20
, a silvicultura
21
ou a criação de ovelhas, sem grande
expressividade econômica, mas com o intuito de geração de renda extra. O Informativo
Coopemar é um veículo que contempla os 37% de cooperados cafeicultores, mas que também
oferece conteúdo para a maioria do quadro social que se dedica a outras atividades.
No sul de Minas Gerais, as condições ambientais extremamente favoráveis ao
cultivo do café favorecem a monocultura, que é estimulada pela Cooxupé. A qualidade do
produto transforma o mineiro na elite da cafeicultura nacional, menos no sentido de elite
dominante ou concentradora de poder –pois trata-se de uma grande massa de pequenos
produtores–, mas de uma dedicação exclusiva à produção do melhor café brasileiro. A Folha
Rural é um retrato fiel desse diferencial e pode-se inferir que o quase monoconteúdo da linha
editorial atende às necessidades do quadro associativo, formado por 88% de cafeicultores. A
diversificação é tímida em suas páginas, embora seja abordada.
4.2.2 A saúde desvinculada dos alimentos
20
Cultivo de legumes
21
Cultivo de árvores florestais
126
Uma categoria subestimada pela imprensa cooperativa e que é digna de mais
atenção é “Café & Saúde”. A sociedade pós-moderna faz a apologia à vida saudável e, dentro
de uma prescrição ética, a imprensa cooperativa tem condições de contribuir para a formação
de uma opinião pública esclarecida a respeito do consumo do café –e mesmo de outros
produtos de origem agrícola. São inadmissíveis a espetacularização de temas relacionados à
saúde e a omissão de informações sobre a nocividade, mas a divulgação de pesquisas sérias,
avalizadas por instituições idôneas e devidamente repercutidas pode colaborar na construção
de uma mentalidade crítica em relação ao consumo.
A inexpressiva divulgação de textos que relacionam o café à saúde e o espantoso e
quase absoluto silêncio em relação aos benefícios que outros produtos agrícolas (como o leite,
as frutas, legumes e outros) podem propiciar refletem um aparente desinteresse das jornalistas
pela temática. São publicadas apenas as raras notícias que chegam às assessorias e inexiste um
trabalho de garimpo dessas informações. Uma atuação mais deliberada nessa área iria ao
encontro da perspectiva do desenvolvimento local, com uma proposta simples, uma solução
doméstica no sentido de estimular o consumo.
A Folha Rural publicou em maio de 2002 a reportagem “Escolas ensinam que
beber leite faz bem à saúde!”, mas a cobertura ficou restrita à descrição do projeto. Em três
linhas, sem nenhum destaque, consta a informação mais preciosa: “[...] estudos desenvolvidos
na Alemanha mostram que tomar de 1,5 a 2 litros de leite diariamente é muito saudável, pois
este hábito reduz o estresse, diminui a ansiedade e até efeitos depressivos.” O jornal da
cooperativa é o espaço adequado para esse tipo de divulgação, já que seu público é o homem
do campo? Ora, o produtor rural é um importante formador de opinião dentro da sua
comunidade e a sua família terá acesso às reportagens. Desprezar essa temática nesses
veículos é uma conduta equivocada, quiçá uma patologia editorial.
127
Produção orgânica não é relacionada à questão da saúde
O descaso das jornalistas é mais alarmante em relação à cobertura da produção
orgânica
22
nas duas regiões. Distante da mídia cooperativa, a técnica orgânica deixa de ser
incentivada entre os agricultores, que pouco conhecem sobre o assunto. No período avaliado,
a Folha Rural publicou em setembro de 2002 a única entrevista sobre o assunto com um
produtor de café orgânico, mas o foco foi o detalhamento da técnica adotada. O agricultor
apenas cita que “todos devem se comprometer a produzir alimentos saudáveis, sem
agrotóxicos”.
Em nenhum momento o jornal explora a questão da saúde relacionada aos
alimentos orgânicos, induzindo a uma visão fragmentada e descontextualizada desta
informação jornalística e desperdiçando uma boa oportunidade de estimular o consumo de
alimentos mais saudáveis.
4.2.3 Princípios na pauta dos comunicadores
22
Nesse tipo de cultivo ecologicamente correto é proibido o uso de agrotóxicos e os alimentos, mais saudáveis,
são bastante valorizados pelo mercado consumidor; todo o controle fitossanitário é feito com elementos e
técnicas naturais
128
Os princípios cooperativistas ocupam um espaço considerável nos jornais da
Cooxupé e da Coopemar, menos através de um discurso burocrático, educativo ou
institucional e mais direcionado às ações práticas que envolvem o cooperativismo.
Interessante salientar que os textos estão presentes nos dois jornais (correspondem a 16,66%
das matérias do Informativo Coopemar e 9,42% da Folha Rural), sem que as jornalistas
tenham noção de que estão abordando o tema. A jornalista Silvia Marques, da Cooxupé, relata
que os princípios cooperativistas são divulgados em palestras. “Eu até acho que o jornal não
deve falar muito disso não, porque fica um pouco maçante”, afirma.
A jornalista Célia Ribeiro, responsável pelo Informativo Coopemar entre 1986 e
janeiro de 1995, se dizia “totalmente comprometida” com os ideais cooperativistas. “Sempre
acreditei que a união de todos era a única forma de fortalecer o setor, de dar-lhe voz e vez”,
afirma a profissional, em entrevista a este trabalho. O comprometimento de jornalistas com os
princípios cooperativistas já havia sido identificado em pesquisa de mestrado, no oeste de
Santa Catarina, em 1999.
A maioria dos comunicadores se posiciona contrária à possibilidade de extinção do
princípio um homem-um voto e questionam um certo abandono da idéia de
solidariedade no meio cooperativo, substituída pela idéia da competitividade. Em
geral, a visão dos entrevistados é pessimista em relação ao futuro do cooperativismo
agropecuário da região, prevendo estruturas elitizadas, com o afastamento do
pequeno produtor. Enxergam com pessimismo o futuro do próprio setor de
comunicação e educação. No nosso entendimento, os comunicadores/educadores
têm razão. O cooperativismo agropecuário da região segue neste rumo pouco
otimista, porque se submete inteiramente à lógica da globalização da economia. Do
ponto de vista objetivo, reconhece-se seria muito difícil seguir em outra direção,
porém, em tese, haveria a possibilidade da busca de outras alternativas. (PEREIRA,
1999, p. 161)
A situação catarinense não difere muito das regiões avaliadas por esta pesquisa.
Mas o despreparo e a formação falha dos profissionais para atuar em comunicação rural não
permitem essa “busca de outras alternativas” e a produção jornalística se perde na mesmice
129
dos temas convencionais, difundindo os problemas macroestruturais e pautado
majoritariamente pelas exigências do mercado global.
Página do Informativo Coopemar dedicada a difusão do cooperativismo
4.2.4 A silenciosa reforma agrária
O tema reforma agrária ainda é tabu na imprensa cooperativa porque os
produtores rurais não estabelecem diretrizes para uma proposta própria. Para os líderes e
produtores em geral, “reforma agrária” é quase sinônimo de “invasão de terras pelo MST” e a
estratégia adotada é o silêncio, como se eles não fizessem parte da problemática.
130
O princípio teórico da reforma agrária é disponibilizar aos trabalhadores sem-terra
áreas consideradas improdutivas. Interesses políticos à parte, os agricultores ligados às duas
cooperativas não teriam por que se preocupar pois deveriam ter seu direito à propriedade
preservado. Na prática a reforma agrária transformou-se em um roteiro cinematográfico sem
fim, que alimenta um dos mais organizados movimentos sociais do mundo, o MST.
Na década de 1980 foi criada a UDR (União Democrática Ruralista), que tentou
mobilizar a categoria, liderada pelo médico e pecuarista Ronaldo Caiado, de Goiânia. A
bandeira deste movimento era tão somente resistir às pressões dos sem-terra, também
organizados, e defender o direito constitucional à propriedade privada.
A UDR ou qualquer outra entidade representativa dos produtores rurais não
apresenta uma proposta alternativa para a reforma agrária. As cooperativas discutem o assunto
timidamente, publicando apenas artigos de opinião do deputado Xico Graziano, um crítico
convicto da reforma e do MST.
Uma discussão de base sobre o assunto poderia nascer das publicações da
imprensa cooperativa, que iria estimular um posicionamento autêntico e expressivo dos
pequenos produtores rurais. Por que não convidá-los a debater o assunto ao invés de calar? A
mídia cooperativa perde uma grande oportunidade de apresentar argumentos em defesa dos
produtores e de contribuir com idéias e propostas para a solução do problema. Esse silêncio
terá um custo, ainda imensurável.
4.2.5 Estrutura interna e o discurso da expansão
A política de investimentos da Cooxupé e da Coopemar é constantemente exibida
nas páginas dos seus jornais, seja para indicar o crescimento da organização ou para prestar
serviço ao cooperado, que precisa conhecer toda a estrutura física, tecnológica e humana da
empresa da qual é dono. A cooperativa mineira vive fase de expansão e usa com mais vigor
131
essa estratégia, exibindo não apenas o crescimento quantitativo, mas também os avanços em
qualidade e excelência obtidos a partir dessa estrutura.
O jornal mariliense dá pouco destaque à categoria “estrutura interna” por razões
óbvias, mas a crise não chega a ser omitida do jornal. O fechamento de filiais, a contratação
de uma consultoria externa para oferecer suporte na gestão financeira e os freqüentes alertas
para a difícil situação da cafeicultura e da cooperativa foram assuntos abordados pelo
informativo. Editorialmente, é um tema previsto e melhor trabalhado pelos veículos quando a
realidade local permite demonstrar o desenvolvimento.
4.3 Comprovação das hipóteses
O primeiro pressuposto central levantado no capítulo 3 está parcialmente
confirmado. Relembrando: a hipótese inicial era que o grande personagem dos jornais de
cooperativas agropecuárias é a difusão tecnológica. Não se deve reservar esse apogeu
exclusivamente à disseminação de tecnologia, pelo menos a partir da análise qualitativa. É
certo que em números absolutos esse assunto predomina na soma de temas publicados nos
dois periódicos. Mas uma diferença inferior a 2,5 pontos percentuais não é tão significativa, a
ponto de subestimar o segundo colocado. A análise qualitativa permite esse cuidado: na Folha
Rural, um dos mais representativos da imprensa cooperativa rural do país, a lógica do
mercado é a senhora absoluta do discurso jornalístico, um dado que não pode ser desprezado.
À primeira hipótese, portanto, acrescenta-se essa ressalva: os grandes personagens dos jornais
de cooperativas agrícolas são a difusão tecnológica e as exigências do competitivo mercado
global.
A segunda hipótese relaciona-se ao paradigma freireano. Teria o produtor rural
passado da condição de objeto passivo a sujeito ativo da comunicação rural nas
cooperativas? A confirmação deste pressuposto é integral, o que pode ser visto com certo
132
otimismo. Quase 40% dos textos sobre inovações tecnológicas têm suas origens nas
propriedades rurais, e não apenas nos institutos de pesquisas, órgãos governamentais ou no
corpo técnico da própria cooperativa. Nota-se que 36 anos após o lançamento de “Extensão
ou comunicação?”, o agricultor passou a ser mais valorizado enquanto fonte da imprensa
cooperativista e ganhou voz para relatar suas experiências e seu saber. É difícil precisar se
esse espaço conquistado é suficiente ou limitado. Mas ele existe na prática comunicacional e
essa informação não pode ser descartada.
Confirmada também está a terceira hipótese, considerada secundária. As
lideranças usam abertamente os jornais para permanecerem no poder pelo maior tempo
possível. Como já foi colocado, esse pressuposto parece óbvio, mas havia dúvidas em relação
à transparência ou dissimulação com que o tema era tratado pelos dois periódicos. A sutileza é
menor na Folha Rural, onde o discurso dominante revela o uso da mídia cooperativa em prol
da manutenção no poder. No Informativo Coopemar, o uso político é mais velado. Não existe
um discurso direto, até porque o período avaliado não era eleitoral. Mas a construção
jornalística permite criar uma imagem positiva da atual diretoria, o que indiretamente
favorece a permanência do presidente no cargo.
Cabe aqui aprofundar também um aspecto exponencial da pesquisa, que contrapõe
o discurso dos dirigentes e o resultado da análise de conteúdo, em relação às funções dos
jornais. Seria ingenuidade assumir como verdade absoluta que os periódicos têm apenas como
função a integração dos cooperados, a doutrinação, a disseminação de tecnologias, a prestação
de contas e a motivação para vários temas de interesse. Os jornais de qualquer organização
têm também a função de preservar o status quo, sustentando o grupo que está no poder. Essa é
a missão ideológica desses veículos, que a exercem em maior ou menor grau, de forma mais
ou menos explícita.
Essa função primária direciona toda a cobertura jornalística, pois estabelece o
sentido de produção das notícias. É como se o grupo dirigente demarcasse um padrão-limite
133
por onde as jornalistas pudessem circular, levantar pautas, abrir e encerrar discussões. Nada
muito diferente da redação de um grande jornal ou de qualquer outra mídia. Essa restrição
pode ser tão sutil que nem mesmo o comunicador se dá conta que ela existe. A jornalista Célia
Ribeiro é categórica ao afirmar que “nunca” sofreu algum tipo de censura dentro da
Coopemar. Já a jornalista da Cooxupé admite que “tem determinados assuntos que não vale a
pena você jogar no jornal, não vale a pena comentar, por mais que estejam em pauta”.
A quarta hipótese, de que os interesses do produtor rural são defendidos através
dos jornais de cooperativas também foi confirmada. Esses veículos nasceram com essa
função e ela permanece a cada edição. As necessidades tecnológicas, financeiras e sociais dos
agricultores ocupam as páginas da mídia cooperativista. É um canal legítimo em defesa do
produtor rural, bem diferente da chamada grande imprensa ou mesmo dos jornais de cidades
de médio porte.
O Diário de Marília, por exemplo, contempla em suas páginas a industrialização e
a urbanidade, tratando com descaso o ambiente rural. Em abril de 2005, na cobertura da crise
da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Garça (Garcafé), que entrou em processo de
liquidação, o editor do jornal, José Ursílio Souza e Silva, fez críticas pessoais pesadas ao
presidente da organização, Manoel Vicente Bertone. O jornal desconsiderou o contexto
político e econômico que prejudicou várias cooperativas de cafeicultores e atribuiu a falência
exclusivamente à suposta má gestão da Garcafé. Entrevistado por esta pesquisadora, o editor
alega que não reconhece nos presidentes de cooperativas da região a liderança rural e que eles
são entrevistados para repercutir assuntos nacionais apenas por serem “a única alternativa”. O
motivo apontado pelo jornalista é a falta de representatividade dos dirigentes, pelo longo
tempo de permanência nos cargos. Bertone foi presidente da cooperativa de Garça por oito
anos.
O que o editor desconsidera é que, atacando a cooperativa, está atingindo centenas
de produtores rurais, que são seus donos. Podem ter sido omissos, complacentes ou vítimas
134
nesse processo que gerou um endividamento insustentável. Mas como cooperados, são
igualmente responsáveis pela crise: eis o ônus do cooperativismo. Sem poder contar com uma
cobertura isenta e especializada na área agrícola pela mídia local ou regional, os cooperados
encontram nos jornais de cooperativas um importante espaço onde são discutidos assuntos de
seu interesse.
A quinta e última hipótese foi parcialmente comprovada. Partiu-se do princípio
que o produtor rural não se preocupa com questões ambientais, até por questões históricas
Matéria da Folha Rural indica a preocupação da cooperativa com a questão ambiental
envolvendo o desmatamento para a exploração agrícola de grandes áreas. É relevante
considerar que, apesar de incipiente, os jornais de cooperativas começam a abrir espaço para a
discussão dessa temática. Textos que orientam os agricultores a tomar certos cuidados em
suas propriedades para garantir a preservação ambiental foram localizados nos dois jornais.
Medidas preventivas adotadas por fazendeiros são pautas bem-vindas na mídia cooperativa.
Dentro da Coopemar funciona uma associação ambientalista, chamada Flora
Paulista, responsável por projetos de recuperação e preservação ambiental. Parte do viveiro de
135
mudas de café da cooperativa é reservada à entidade, para a produção de mudas exóticas e
nativas, distribuídas gratuitamente aos agricultores e à população em geral. Em caso de crime
ambiental, essas mudas tamm são utilizadas, mas o condenado paga pela matéria-prima.
Em 15 anos de atuação, a Flora Paulista promoveu o plantio de 5,1 milhões de
mudas de árvores nativas e de eucalipto em 37 municípios da região de Marília. Reportagens
sobre a atuação desta associação foram veiculadas em cinco, das sete edições pesquisadas do
Informativo Coopemar. E nos meses em que textos sobre a Flora Paulista não foram
publicados, outras fontes ocuparam esse espaço de reportagens sobre o meio ambiente. Em
nenhuma edição o assunto deixou de ser abordado.
Na Folha Rural, apesar da análise quantitativa apontar uma presença maior em
proporção ao total de títulos contabilizados, o tema não foi abordado em todas as edições.
Uma das maiores preocupações da Cooxupé –e também da Coopemar– está relacionada ao
descarte adequado de embalagens de agrotóxicos.
A lei federal que regulamenta a questão é recente, de 2000, e as cooperativas têm
se empenhado em mostrar aos produtores, com o uso de textos e figuras em seus jornais,
como devem proceder para lavar e guardar os recipientes vazios. Em 2002, essas embalagens
descartadas passaram a ser devolvidas aos revendedores (inclusive cooperativas) e foi criado
um serviço público para recolher, armazenar e reciclar de forma adequada. A imprensa
cooperativa cobriu o assunto com bastante destaque.
4.4 Os jornais e a comunicação rural
Podem os jornais de cooperativas agrícolas serem classificados como
difusionistas, dialógicos ou adeptos do desenvolvimento local, paradigmas da comunicação
rural que influenciaram os estudos e as práticas comunicacionais? É preciso cuidado nesta
avaliação, porque seguir uma tendência não significa descartar as outras. Desse modo, os
136
periódicos podem ser difusionistas em determinado aspecto e dialógicos em outros, sem
deixar de apresentar algum referencial ao desenvolvimento local. As diferentes teorias da
comunicação rural não são absolutas e nem podem ser consideradas ultrapassadas. É mais
recomendável vê-las como diferentes tendências ou enquadramentos que envolvem a
comunicação com o homem do campo.
Elementos da visão difusionista parecem distantes dos jornais de cooperativas, o
que é bastante compreensível, se considerarmos que são jornais alternativos, com a função de
defender o interesse dos agricultores e com ampla participação do próprio produtor rural em
seu conteúdo. A própria essência cooperativista, apesar de suas recentes transformações,
favorece um distanciamento desta vertente teórica. Percebe-se que o discurso de organizações
governamentais é acolhido pelos jornais, mas não dentro da concepção difusionista –
impositiva, verticalizada e invasiva. A presença do Estado nesses veículos se dá em torno de
parcerias, proximidade ou até mesmo de cobrança de apoio. Mesmo a comunicação feita por
agrônomos ou institutos de pesquisas, através dos jornais, aparece em forma de orientação
técnica e não de imposição.
A maioria dos estudos difusionistas trata da adoção de inovações tecnológicas
23
,
segundo um dos ícones dessa corrente, o sociólogo norte-americano Everett Rogers. Em seus
estudos da década de 1960, ele definia comunicação como “a transferência de idéias da fonte
ao(s) recebedor(es). Um tipo especial de comunicação, a que se relaciona a novas idéias, é a
difusão, que pode ser definida como o processo pelo qual uma inovação se propaga”
(ROGERS, 1969, p. 30). Não se deve confundir, portanto, com a imposição ideológica do
mercado ao movimento cooperativista, praticada pelos dois veículos. Como visto
anteriormente, a hegemonia do mercado na pós-modernidade é uma questão bem mais
23
Bordenave inovou quando decidiu estudar como os agricultores do nordeste brasileiro buscavam informações
no processo de tomada de decisões, trabalho concluído em 1963 em Pernambuco
137
emblemática e que vem sendo estudada por pesquisadores do mundo todo, inclusive pelos
latino-americanos.
Teriam as cooperativas, então, uma comunicação dialógica, participativa e
horizontal? Em certos aspectos sim. No dicionário Aurélio, diálogo é definido como “fala
entre duas ou mais pessoas; conversação, colóquio”. Considerando que o jornal circula entre
produtores rurais e que os assuntos abordados exigem a consulta a variadas fontes, pode-se
afirmar que a comunicação rural nas cooperativas é dialógica sim. Essa conversação inclui
dirigentes, cooperados, governos, técnicos, fornecedores, políticos, comunidade, banqueiros,
compradores, outras cooperativas, enfim, uma irrestrita relação de sujeitos. A polifonia da
imprensa cooperativa favorece a construção dessa troca de idéias, o que dificilmente ocorre
em outras mídias.
O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação
de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas um
‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário. Esta co-
participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. O objeto, por isto
mesmo, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o
mediatizador da comunicação. (FREIRE, 1992, p. 66)
O ambiente rural seria o objeto amplo que mediatiza a comunicação nas
cooperativas. Com essa estrutura e essas características, esse processo contempla também a
definição de Bordenave, firmando-se como o “conjunto de fluxos de informação, de diálogo e
de influência recíproca” entre esses diversos sujeitos. Os jornais são, portanto, mediadores de
uma esfera pública que envolve interesses, mas nem por isso impede a discussão de temáticas
que afetam a produção, a política e a cultura rural.
Ainda é incipiente a prática comunicacional envolvendo a perspectiva do
desenvolvimento local. Os dois jornais veiculam, ainda que acanhadamente, mudanças na
concepção do espaço agrário. As próprias reportagens ligadas à educação ambiental, ao
138
turismo, ao envasamento de água mineral, ao marketing do café, à Internet, ao selo
aromatizado, ao policiamento na área rural e outros serviços não-agrários encaixam-se nessa
tendência, que revê o conceito de ruralidade.
A introdução dessas pautas nos jornais ocorre com naturalidade, mas não ameaça
a cobertura maciça dos dois periódicos, ainda predominantemente agrária. Enquanto o próprio
campo teórico da comunicação rural é reexaminado, parece prematuro apontar tendências
para a prática do jornalismo rural, mas não se pode negar que algumas mudanças, de fato,
ocorrem.
Nessa perspectiva, a Comunicação Rural deve promover a ‘concertação’ dos atores
envolvidos no desenvolvimento local no sentido de possibilitar a promoção de ações
econômico-produtivas imediatas; garantir a oportunidade para que os projetos de
desenvolvimento sejam resultados das aspirações das pessoas envolvidas localmente
e que o apoio governamental, em todos os níveis, sirva de reforço à lógica local.
(SANTOS; CALLOU, 1995, p. 46 apud SANTOS, 2002, p. 51)
Duas reportagens publicadas na Folha Rural em abril e agosto de 2002 chamam a
atenção para o desenvolvimento local. A primeira, intitulada “Venha tomar um cafezinho com
a gente!”, relata uma iniciativa inédita da Torrefação Cooxupé para aumentar o consumo de
café no mercado regional. Duas peruas kombis foram equipadas com mini-cozinhas para
oferecer à população a degustação gratuita de um tipo de café produzido pela cooperativa.
Elas iriam percorrer 22 cidades em uma primeira etapa, sem comercializar o produto. Numa
segunda fase, os dois veículos iriam revisitar os municípios apresentando outros produtos da
torrefação e aí sim, vendendo os cafés. A meta da torrefação era dobrar o volume de vendas
nessa região e a idéia da degustação volante é apresentada pela Folha Rural como um
diferencial em relação à concorrência.
A segunda reportagem tem o título “Falta leite nas alturas” e trata de outra solução
endógena, proposta por atores envolvidos com o problema. Desta vez, a intenção é ampliar o
139
consumo de leite e a medida foi proposta pela Láctea Brasil - Associação para o Progresso do
Agronegócio Lácteo. A diretoria da Láctea descobriu que a TAM, umas das maiores empresas
aéreas brasileiras, não oferecia leite durante os serviços de bordo em suas aeronaves, nem
mesmo no café da manhã. Segundo a matéria, a associação fez contato com a TAM, que pediu
desculpas pela falha e informou que o setor de suprimentos iria providenciar o produto. O
texto pede ainda ao leitor que costuma viajar por essa companhia aérea que fiscalize se o leite
está sendo oferecido e indica o telefone da Láctea Brasil para por “a boca no trombone” se o
produto estiver em falta. A Cooxupé é filiada a essa associação.
Os dois exemplos acima refletem iniciativas simples, patrocinadas por agentes
locais e que independem do onipotente mercado global. É certo que o aumento no consumo
promovido por essas duas medidas é modesto, mas não desprezível. Essa é a mensagem do
desenvolvimento local: construir oportunidades para melhorar a qualidade de vida das
populações locais explorando seus próprios potenciais. Em ambos os casos, e também na
cobertura que o Informativo Coopemar fez da Festa da Melancia –relatada no capítulo 3– ,
nota-se que a imprensa cooperativa abre espaço para essa tendência, embora as questões
macroestruturais ainda se sobreponham a essas microiniciativas.
Outra característica do paradigma do desenvolvimento local focaliza as relações
interpessoais e propõe que a comunicação rural mantenha-se como momento de encontro e
espaço de negociação. A cooperativa é, em sua natureza, um importante ponto de encontro
entre produtores rurais. O cooperativismo se faz, na prática, das reuniões casuais e da troca de
experiência diária, que ocorrem na sede da matriz ou nos núcleos. Trata-se de um espaço
físico onde a esfera pública se concretiza e “em que sujeitos em princípio livres se reúnem
para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns” (RÜDIGER, 2001, p. 140). Mas o
contato interpessoal não é o escopo desta pesquisa, embora seja uma forma de comunicação
relevante no movimento cooperativista rural.
140
4.5 A sistematização de um perfil editorial
A análise de conteúdo e todas as informações adicionais coletadas sobre os
veículos de comunicação das duas cooperativas possibilitaram conhecer detalhes sobre este
segmento editorial. A partir de agora, a idéia é sistematizar esses dados para facilitar a
compreensão do processo de construção e transmissão de mensagens por esses periódicos.
Essa sistematização não contempla o consumo das mensagens, que demanda uma profunda
pesquisa de recepção com os agricultores.
A idéia, nesta etapa final de interpretação dos dados, é também observar se existe
coerência entre teoria e prática comunicacional. A partir da elaboração da tabela 3, será
possível observar a lógica, as contradições e os acasos da comunicação rural produzida nas
duas cooperativas.
Verifica-se que a Folha Rural assume a racionalidade do mercado em sua linha
editorial, seguindo a lógica da globalização e da pós-modernidade. Esse discurso ideológico
contradiz a essência do movimento cooperativista e contribui para a transformação do
cooperativismo no Brasil, devido à representatividade do veículo. A fidelidade dos
cooperados mineiros, atestada nas diversas entrevistas feitas em Guaxupé, é um fator
favorável à manutenção dessa estrutura.
Os interesses da diretoria comungam-se com os dos produtores, que participam
ativamente do cotidiano da cooperativa, seguem suas recomendações e são premiados com
diversas campanhas de valorização da fidelidade. Esse compartilhamento de interesses
fortalece a organização. A afinidade dos dirigentes da Cooxupé com a política neoliberal
implementada no país pelo presidente Fernando Collor (1990-1992) e consolidada pelo PSDB
de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) é realçada pelos editoriais, artigos de opinião e
algumas reportagens.
141
Politicamente, o Informativo Coopemar ainda reflete um ressentimento com o fim
do paternalismo que “protegia” as cooperativas até a Constituição de 1988 e cobra
enfaticamente em seus editoriais uma postura mais agressiva do Estado em defesa da
agricultura. As críticas ao governo de centro-esquerda são mais contundentes e a aparente
receptividade ao Governo Lula – “Isso [a nomeação de Roberto Rodrigues para ministro]
mostra parte do respeito que este governo do Lula poderá ter por nós, diferentemente dos
governos passados” – revela, no mínimo, a insatisfação da diretoria com o PSDB. Difícil é
entender se a crise na Coopemar estimulou a oposição ao neoliberalismo ou se o
desalinhamento da cooperativa ao projeto neoliberal agravou a crise. Quem nasceu primeiro:
o ovo ou a galinha?
Embora não haja nos jornais avaliados nenhuma menção ao governo de extrema
direita, em entrevista para esta pesquisa o presidente da cooperativa mariliense revelou uma
afinidade do setor agrícola com a ditadura militar. “Infelizmente a ditadura foi muito boa para
a agricultura. Nós não aceitávamos a ditadura como ela era, mas para a agricultura nós
tínhamos um plano de governo melhor”, afirma François Guillaumon. O que mais assustava
os produtores, nos anos pós 1964, era a possibilidade de invasão de terras para forçar a
reforma agrária. Segundo o dirigente, os militares ofereciam mais segurança contra ocupações
e mais tranqüilidade para que os agricultores continuassem trabalhando normalmente.
Ainda avaliando o perfil editorial, o Informativo Coopemar mostra uma
preocupação maior em atualizar os agricultores da região e a indicar alternativas de produção.
Essa conduta não contradiz a lógica da pós-modernidade, alicerçada no uso de novas
tecnologias em todas as áreas. Mas o deslumbramento deste periódico com o mercado é bem
menor. Na análise quantitativa, as matérias com ênfase à comercialização representam
praticamente a metade (21,05%) em relação aos dois temas predominantes: tecnologia no
campo (39,03%) e diversificação (39,03%).
142
Tabela 3. Perfil editorial da Folha Rural e Informativo Coopemar
Folha Rural Informativo Coopemar
Padrão gráfico
Textos mais extensos com
design menos elaborado
Visual mais trabalhado, com
uso de artes, ilustrações e
textos mais curtos
Possibilidade de influência
no leitor
Grande, pois é o veículo de
comunicação mais próximo, de
alta credibilidade e não existe
concorrência
Média. A periodicidade
irregular frustra a expectativa
do leitor. Sofre a concorrência
de jornais locais e de outras
cooperativas da região
Possibilidade de influência no
movimento cooperativista
Grande, por se tratar de um
jornal representativo de uma
das maiores cooperativas do
mundo, sob a influência de um
reconhecido líder do setor
Pequena, principalmente em
função da atual crise que reduz
a representatividade da
cooperativa no cenário
nacional
Principais fontes regulares
(quem comunica)
Presidente, diretores,
cooperados e visitantes
Presidente, diretores,
cooperados e agrônomos
Mensagem predominante
(o que comunica)
Apenas produzindo café de
qualidade superior o produtor
conseguirá espaço no mercado
O uso de tecnologias e a
diversificação de culturas são
as soluções para o produtor em
tempos difíceis
Característica do leitor
(para quem comunica)
Pequeno produtor do sul de
Minas e norte de São Paulo,
alfabetizado, conservador,
desconfiado, responsável
pelas decisões e fiel à
cooperativa
Pequeno produtor do oeste
paulista, alfabetizado,
conservador, responsável pelas
decisões em sua propriedade
Linguagem & discurso
(como comunica)
Linguagem simples e uso
excessivo de indicadores
econômicos (preços, previsões
de safra, dados sobre
exportações etc)
Linguagem simples, que busca
tornar as novas tecnologias
acessíveis ao produtor
Área de alcance
(onde comunica)
138 municípios da região sul
de Minas Gerais e norte de São
Paulo
6 municípios da região oeste
do Estado de São Paulo
Tendência política
Defende algumas idéias
conservadoras, mas admite
parcerias com grupos de
centro-esquerda
Defende algumas idéias
conservadoras e critica o
governo de centro-esquerda
Tendência ideológica
Seduzido pela lógica do
mercado, o jornal conduz o
diálogo entre produtores,
exportadores e países
consumidores
Produzido para um público
mais heterogêneo e que não
representa a elite da
cafeicultura nacional, o jornal
cumpre seu papel de estimular
o produtor a investir em
inovações
Fonte: Elaborada por Ana Maio, em junho/2005, com base nas informações levantadas e descritas
nesta pesquisa
Embora a possibilidade de influência da Coopemar sobre o movimento
cooperativista seja reduzida, nota-se que o Informativo Coopemar valoriza mais os seus
143
princípios. Novamente a crise na instituição favorece uma interpretação ambígua: a
cooperativa destaca mais a essência do cooperativismo porque está em situação difícil ou
enfrenta uma de suas piores crises porque ainda se apega a valores fundamentais do
movimento? Se a segunda alternativa estiver correta, o que é provável, comprova-se que o
cooperativismo não comporta mais a prática de alguns ideais. Ideais que já nasceram utópicos.
CONCLUSÃO
Nesta etapa cria-se o ambiente ideal para cruzar informações, rever conceitos,
assumir posições, reconhecer falhas e sugerir mudanças. Esse coquetel de ações não tem a
pretensão de fechar questão em torno do assunto, mas sim, como exposto na introdução, abrir
caminho para novas reflexões acerca da comunicação rural e do cooperativismo.
Percorrida a trajetória metodológica, é possível inferir que os jornais de
cooperativas agrícolas cumprem parte de sua função de comunicação dialógica, à medida em
que abrem espaço para o produtor rural agir como sujeito, especialmente o pequeno
agricultor. Outro diferencial desses veículos é o suporte que oferecem às mais diversas vozes
que compõem o mundo rural. Quem tem algo a dizer encontra respaldo nesses periódicos
especializados.
Contudo, se a proposta da comunicação dialógica é criar mecanismos para a
reestruturação social e se efetivamente as cooperativas abriram essa perspectiva, que tipo de
avanço estrutural foi alcançado? Basicamente o homem do campo deixou de ser visto como
sujeito passivo e ganhou um importante espaço para manifestar suas próprias idéias. Além
disso, a comunicação alternativa passou a ser valorizada dentro do ambiente rural, já que o
tema é excluído ou precariamente tratado pela mídia em geral. Mas o caminho rumo à
transformação social é longo e o homem do campo está apenas no começo.
144
O pequeno agricultor brasileiro não tem grandes pretensões de poder. O que ele
almeja são condições mínimas para manter sua produção sem prejuízos, recebendo um preço
justo pela safra. No distrito de Avencas, em Marília, o maior problema dos produtores de
melancia tem sido o calote dos intermediários. Um grupo se reuniu para debater o assunto e
chegou à conclusão que a única saída seria criar uma associação de produtores para
profissionalizar a comercialização. A união entre agricultores nem sempre visa grandes
transformações sociais, apenas a solução de problemas que persistem e atrapalham suas
rotinas. Segundo François Guillaumon, a ambição do produtor rural é tão somente “produzir,
sustentar a família e deixar um dinheirinho para tentar estudar um filho”.
O cooperativismo, em seus fundamentos, prevê melhor qualidade de vida aos
associados e a comunicação rural nas cooperativas deveria estar comprometida com esse
ideal. Um equilíbrio entre as reportagens conjunturais e as propostas voltadas ao
desenvolvimento local poderia tornar os veículos mais interessantes e atuantes, em defesa
dessa qualidade de vida. O homem do campo precisa estar informado sobre as ocorrências que
envolvem mercado e tecnologia, mas todo exagero deve ser contido.
Verifica-se que, até certo ponto, a imprensa cooperativa contribui para a inclusão
social, econômica, política e cultural do homem do campo. Mas a linha editorial limita-se a
informar as exigências do mercado e alertar o agricultor para que busque as tecnologias e
produza com mais qualidade. É uma atuação restrita para veículos com boa aceitação e alta
credibilidade entre seus públicos. Com criatividade, percepção da realidade local e
conhecimento teórico, os comunicadores de cooperativas têm condições de oferecer muito
mais.
A comunicação rural voltada ao desenvolvimento local vincula-se naturalmente a
um cooperativismo mais humanizado, mais solidário e fortalecido em sua essência. Se os
efeitos da globalização se dão no ambiente local, na propriedade rural, dentro da cooperativa,
uma eventual reação contrária ao “cooperativismo capitalista” deve surgir nessa mesma
145
perspectiva, por meio de movimentos populares apoiados pela comunicação alternativa. As
elites e classes hegemônicas não vão oferecer resistência ao modelo neoliberal que as
sustenta.
O neoliberalismo parece narcotizar a sociedade. A imprensa em geral manifesta
apoio à lógica neoliberal e a mídia rural, desorientada, segue a mesma tendência. O agricultor
percebe as transformações sociais que o circundam, que alteram suas relações e seu cotidiano.
Demonstra insatisfação, mas não reage. Mas nem sempre foi assim. A desmobilização e
apatia da classe não combinam com o cooperativismo, que no passado respaldava protestos,
reações, resistências. Esse efeito narcotizante sobre o homem do campo poderia ser melhor
diagnosticado por um estudo de recepção.
O imobilismo e omissão marcam também o comportamento do produtor dentro
dos limites da própria cooperativa. Essas características explicam porque o agricultor se deixa
representar pelas mesmas lideranças durante décadas. O desgaste dos presidentes após 20 ou
40 anos no poder é inevitável, por melhores que tenham sido suas intenções e atuações. A
renovação é uma conduta saudável, que reoxigena qualquer organização e deveria ser mais
freqüente. Se a Cooxupé se tornou uma das maiores cooperativas do mundo porque teve Isaac
Ferreira Leite em seu comando durante 46 anos, quem garante que outros líderes não
conseguiriam o mesmo resultado?
Cabe à comunicação rural o papel de reeducar, dialogicamente, o produtor rural
para uma nova realidade, motivando a organização, a mobilização e a prática da democracia.
O homem do campo ainda não se deu conta que no movimento cooperativista sua participação
garante a soberania. As chamadas “zona de indiferença” ou “espiral do silêncio” continuarão
existindo enquanto ele não tiver essa consciência. Infelizmente, a imprensa cooperativa pouco
tem colaborado para mudar essa visão.
O agricultor deve ser respeitado, ouvido, estimulado e cobrado. Como cooperado,
ele tem uma responsabilidade incalculável nos rumos que o movimento está tomando. Quando
146
uma cooperativa entra em crise, a sociedade responsabiliza apenas a administração. Mas a
experiência profissional desta pesquisadora em oito anos de prestação de serviços junto à
Coopemar detectou um agricultor omisso e desinteressado. As causas dessa desatenção
precisam ser urgentemente avaliadas. É uma missão adicional para os comunicadores:
coordenar uma pesquisa para desvendar esse comportamento.
Também cabe avaliar aqui as causas e conseqüências do comprometimento dos
jornalistas com os princípios cooperativistas. Afinal, diante das mudanças estruturais
provocadas pela globalização, por que os profissionais da comunicação ainda se empenham
em difundir os ideais de igualdade, cooperação, solidariedade e democracia preconizados pelo
movimento?
Particularmente, quando iniciei minha atuação na Coopemar em 1995, pouco
conhecia sobre o cooperativismo e nada me foi ensinado formalmente. Nessas organizações,
os comunicadores aprendem cooperativismo na prática, no dia-a-dia, porque a cooperação e a
solidariedade efetivamente acontecem. Cursos modulares sobre educação cooperativista só
foram disponibilizados pelo Sescoop/SP à assessoria de imprensa da Coopemar a partir de
2001. A profissional da Cooxupé disse que nunca participou de um curso do Sescoop/MG,
embora tenha acompanhado congressos e encontros realizados por outros promotores.
A difusão desses princípios pela mídia cooperativa é positiva, mas poderia ser
melhor trabalhada. Não existe um planejamento e, em alguns casos, nem mesmo uma noção
de que eles estejam agendados. Transformar princípios “maçantes em pautas atraentes é uma
demonstração de habilidade profissional. O jornalista de cooperativa precisa de uma formação
sólida para compreender a importância da re-educação do cooperado e de como a divulgação
dos princípios do movimento pode contribuir para esse processo.
Não é intenção desse trabalho apontar soluções para o movimento cooperativista,
mas contribuir para que a comunicação no ambiente cooperativo não se distancie tanto dos
ideais de justiça social que fundamentaram o cooperativismo no século 19. Este trabalho não
147
segue a lógica dos manuais, sugerindo como fazer ou não fazer a assessoria de comunicação
de organizações rurais, mas espera contribuir para a reflexão em torno da responsabilidade
dos jornalistas nesse processo comunicacional que envolve seres humanos, produtores de
riqueza de um país historicamente injusto e detentor de um dos maiores índices de
concentração de renda do planeta.
Eventual censura envolvendo o trabalho dos comunicadores de cooperativas não
justifica a falta de compromisso com a responsabilidade social. Essa limitação existe em
qualquer veículo de comunicação e não impede que eles apresentem, ainda que
esporadicamente, reportagens de relevante alcance social, algumas históricas ou
revolucionárias, dignas de prêmios de jornalismo. Nesse aspecto, os periódicos de
cooperativas têm uma grande vantagem a seu favor: a autonomia em relação aos anunciantes.
Trata-se de uma ingerência a menos no processo de produção da notícia.
A investigação realizada e o conhecimento empírico acumulado revelam ainda um
despreparo por parte das jornalistas, no sentido de desconhecer fundamentos teóricos
importantes para realizar um trabalho efetivo de comunicação rural. Na Universidade
Estadual de Londrina, recebi instruções básicas sobre essa especialidade e participei da
implantação de um projeto de rádio rural em um distrito no final da década de 1980. Silvia
Marques afirma nunca ter tido a disciplina na PUC-SP. Sem formação adequada, o que se vê
são jornalistas agindo intuitivamente e passando por um período de “aprendizado estressante”,
segundo o relato da jornalista da Cooxupé. Depois de um certo tempo, elas passam a atuar
baseadas na experiência profissional acumulada. Mas o modelo jornalístico que se pratica nas
cooperativas remete ao padrão da grande imprensa ou da mídia regional, distante do foco da
comunicação rural.
Em algumas situações levantadas por essa pesquisa, foi apontado descaso ou
desinteresse por parte das jornalistas em relação a algumas temáticas, o que não ocorre
deliberadamente. Os motivos variam da falta de conhecimento teórico sobre causas e efeitos
148
de algumas abordagens ao desconhecimento de conceitos importantes ligados à história e à
teoria da comunicação rural. Uma formação continuada evitaria a repetição de condutas
equivocadas.
Se o perfil do homem rural mudou, a comunicação deve acompanhar essa
transformação. Os jornalistas de cooperativas não precisam temer a ocorrência da mestiçagem
do urbano no rural ou do rural no urbano. Não há indícios de que o rural esteja em extinção. A
ocorrência da mestiçagem merece ser observada criticamente e pode oferecer suporte no
planejamento de uma nova comunicação para um novo público.
O foco nos jornais impresso não deve desviar a atenção dos comunicadores de
outras mídias, que podem ser instrumentais à comunicação cooperativa. Há situações em que
o uso do rádio é insubstituível ou que mesmo a TV por assinatura é indicada. Sugere-se uma
atenção especial dos pesquisadores à comunicação interpessoal na nova ruralidade, atentando
para a concepção proposta por Giuseppa Spenillo, de que a comunicação rural se dá menos
através de mediações e mais no efetivo contato entre cidadãos desse universo.
Esta investigação espera contribuir com a abordagem da comunicação rural no
mundo acadêmico, científico e profissional. Cabe às universidades preparar não somente
jornalistas capacitados, mas atores sociais dispostos a ocupar espaços estratégicos e assumir
compromissos com a justiça social. Não há outro caminho para formar esse profissional, sem
passar pela reflexão teórica.
A incursão pela análise de conteúdo, pelas entrevistas semi-estruturadas e análises
documentais revelou-se um método eficaz do processo de construção científica,
proporcionando um suporte seguro para constatações e inferências. A escolha da Escola
Latino-Americana de Comunicação como marco teórico foi igualmente enriquecedora, por
abrigar pensamentos que se encaixaram perfeitamente aos objetivos desta investigação e
fornecer as ferramentas necessárias para responder a questões práticas acerca da comunicação
rural.
149
O agronegócio não é modismo nem um fenômeno efêmero. Boa parte da
população brasileira estará envolvida com os negócios do campo durante as próximas
décadas, seja através da pesquisa, da agroindústria, do turismo, dos insumos, da logística, do
marketing, da informática. Há uma estrutura que sustenta o agronegócio e dela fazem parte
sujeitos que precisam dialogar. A produção agrícola persistirá enquanto o homem necessitar
de alimentos e a tecnologia não der conta de suprir essa carência exclusivamente em
laboratórios. A agricultura cria relações e onde elas existem, a presença do comunicador é
fundamental.
Em tempo: nada foi dito até agora sobre a retórica, vocábulo escolhido para abrir
o título desse trabalho. Nascida na antiga Grécia, a retórica era uma forma de discurso
persuasivo, geralmente verbal, que deveria convencer cidadãos a agir. Também chamada de
oratória, ela antecede (e explica) fundamentos teóricos da persuasão que surgiram
posteriormente nos estudos da comunicação. “A retórica do campo: um estudo sobre a
comunicação nas cooperativas de café” busca tão somente a idéia de ancestralidade desse
modelo discursivo, indicando que os estudos sobre a comunicação rural em cooperativas estão
apenas começando e vislumbrando um fecundo aprimoramento das pesquisas nesta área,
assim como se desenvolveu a arte de falar ao público.
150
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158
ANEXO I
159
ANEXO II
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