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UNIVERSIDADEFEDERALFLUMINENSE
PROGRAMADEPÓSGRADUAÇÃOEMCOMUNICAÇÃO
MESTRADOEMCOMUNICAÇÃO
RENATACRUZOLIVEIRA
FOTOGRAFIA,MEMÓRIAEIDENTIDADE:
OSÁLBUNSDAFAMÍLIALIMA
ORIENTADOR:PROF.DR.ANÍBALFRANCISCOALVESBRAGANÇA
NITERÓI
DEZEMBRODE2007
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RENATA CRUZ OLIVEIRA
FOTOGRAFIA,MEMÓRIAEIDENTIDADE:
OSÁLBUNSDAFAMÍLIALIMA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Comunicação da Universidade Federal
Fluminense como requisito para obtenção do
grau de Mestre. Área de concentração:
TecnologiasdaComunicaçãoedaInformação.
ORIENTADOR:PROF.DR.ANÍBALFRANCISCOALVESBRAGANÇA
NITERÓI
DEZEMBRODE2007
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Oliveira, Renata Cruz (1979-)
Fotografia, memória e identidade: os álbuns da família Lima
Dissertação de mestrado em Comunicação. Niterói: Programa de Pós-graduação em
Comunicação, Instituto de Artes e Comunicação Social, Universidade Federal
Fluminense, 2007, 124 p., 30cm
Orientador: Aníbal Francisco Alves Bragança
Inclui referências bibliográficas e sumário
Palavras-chave: – memória – identidade – álbuns de família - família Lima
4
Folha de aprovação
RENATA CRUZ OLIVEIRA
FOTOGRAFIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE: OS ÁLBUNS DA FAMÍLIA LIMA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Comunicação da Universidade Federal
Fluminense como requisito para obtenção do
grau de Mestre. Área de concentração:
TecnologiasdaComunicaçãoedaInformação.
Aprovadaem____/____________/_______
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Aníbal Francisco Alves Bragança – Orientador
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Nelson Schapochnik
Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Simone Pereira de Sá
Universidade Federal Fluminense
Profa. Dra. Marialva Barbosa (suplente)
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2007
5
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Rosane e Cláudio, por despertarem em mim o espírito crítico e
investirem sempre na minha formação.
Ao meu amor, Luiz Eduardo, que com sua paciência, bom-humor e vibrações
positivas trouxe leveza aos momentos mais difíceis.
À Lourdes, sogra, mestra e amiga, pelo incentivo desde o começo.
6
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a
conclusão deste trabalho.
Obrigada, primeiramente, a todos os professores do Curso de Mestrado da
Universidade Federal Fluminense pelas aulas sempre cativantes.
Em especial, gostaria de agradecer às professoras Marialva Barbosa, “oráculo da
comunicação”, pelo carinho, atenção e palavras amigas sempre que precisei; e Simone
Sá, pelas dicas valiosas, troca de experiências e indicações bibliográficas.
Ao meu orientador, professor Aníbal Bragança, muito obrigada pela seriedade e
interesse com que tratou este trabalho. Obrigada também pela paciência e pelos
“puxões de orelha” na hora certa.
Aos meus familiares e amigos, que em nossas conversas informais e sempre
divertidas, forneceram, mesmo que sem perceber, colaborações muito interessantes.
Muito obrigada também à família Lima por me receber tão bem e abrir tão
generosamente seu acervo. A Cesar Carvalho, o guardião dos álbuns da família,
agradecimento especial pelo tempo despendido em entrevistas, pelas frutíferas
conversas e pelas dicas de leitura.
7
RESUMO
Este trabalho, ao relacionar álbuns de família – mais especificamente as fotos
da família Lima – com a construção de memória e identidade, visa mostrar que as
imagens da família, dos lugares e dos amigos funcionam como um suporte para a
memória de um determinado grupo e, também, como uma maneira de reforçar a
sensação de pertencimento a esse grupo e a própria identidade. No desenvolvimento
dessa relação, investigamos, primeiramente, algumas das abordagens do campo da
memória e da identidade aplicáveis ao estudo dos álbuns. Além disso, percorremos a
história da fotografia mostrando como esta técnica, usada como meio de
representação social, evoluiu junto com as novas tecnologias e de que forma ela vem
alterando o conceito de álbum de família na era atual.
Palavras-chave: fotografia – memória – identidade – álbuns de família -
família Lima
8
ABSTRACT
While portraying family photo albums - which in this case belongs to the Lima
family - this work has a goal to "picture" them as a keepsake of memories and
identity, where images of places, family and friends function as a support for the
memories of this same group and it's identity. Investigating this process, we first
looked at some approaches on the science fields of memory and identity that were
applicable to the research study context. In addition, we brushed trough the
photography's history and how it's techniques, once used as means of social
representation, evolved with new technologies and the way it has been changing the
concept of the family photo album in modern days.
Keywords: photography – memory – identity – family albums – Lima family
9
SUMÁRIO
NOTA PRELIMINAR.................................................................................................11
INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
CAPÍTULO 1: UM BREVE PANORAMA TEÓRICO SOBRE
MEMÓRIA E IDENTIDADE
.....................................................................................16
1.1 Sobre memória.......................................................................................................17
1. 2 Sobre identidade....................................................................................................22
CAPÍTULO 2: O MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES: A HISTÓRIA
DA FOTOGRAFIA
.....................................................................................................26
2.1 Vários inventores, uma patente..............................................................................26
2.2 Uma nova tecnologia para um país ainda novo: a fotografia no Brasil.................30
2. 3 Hercules Florence: pioneirismo em terras brasileiras...........................................32
2.4 Algumas considerações sobre a invenção da fotografia........................................33
CAPÍTULO 3: POSE PARA A POSTERIDADE. O SURGIMENTO
DOS ÁLBUNS DE FAMÍLIA
.....................................................................................37
3.1 A rápida popularização do retrato..........................................................................37
3.2 A burguesia e o desenvolvimento dos álbuns........................................................42
3. 3 Família, um sentimento moderno .........................................................................44
3.4 Por que, afinal, fazemos álbuns?............................................................................48
3.5 Fotografias digitais, a ampliação da capacidade de memória e o esquecimento...49
3. 6 Álbuns de família ontem e hoje: do valor de culto ao valor de exibição?............54
CAPÍTULO 4: FAMÍLIA LIMA: MEMÓRIA E IDENTIDADE
ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA
..................................................................................60
4. 1 Sobre Thomaz Lima e seus descendentes.............................................................60
4.2 Narrativa ilustrada de um grupo ............................................................................66
4.3 Culto à história da família......................................................................................77
10
4.4 Parece, mas nem sempre é: interpretando as imagens...........................................81
4.5 As fotos da família Lima........................................................................................83
CONCLUSÃO...........................................................................................................113
BIBLIOGRAFIA: ......................................................................................................120
11
NOTA PRELIMINAR
Originalmente, este trabalho deveria contemplar o fenômeno recente dos
fotologs
1
e sua relação com a formação de memória e subjetividade na era
contemporânea. Esta foi a proposta apresentada, em setembro de 2004, ao Programa
de Pós-graduação em Comunicação, onde ingressei em março de 2005. Entretanto,
com o passar dos meses e o decorrer das aulas, percebi que não estava suficientemente
ligada ao objeto de pesquisa, já que praticamente não visitava fotologs e nem sequer
possuía um. Notando este distanciamento, meu orientador, prof. Dr. Aníbal Bragança,
sugeriu uma mudança de rumo na pesquisa e a procura por um objeto que despertasse
mais motivação, mas sem perder de foco a questão da fotografia.
Foi então que, no início de 2006, decidimos trabalhar com álbuns de família,
uma opção muito mais interessante, considerando-se minha ligação afetiva com o
tema. Lembro-me, desde criança, de revirar fotos em casa e na casa dos meus avós em
busca de referências do passado. Lembro, ainda, de ser a responsável pela organização
das fotos em álbuns, quadros, porta-retratos ou pastas. Não deixava que ninguém
olhasse o envelope da revelação antes que eu arrumasse as fotos na seqüência que
achava apropriada. Além de contemplar as imagens, gostava também de ser a
“fotógrafa oficial” das reuniões familiares e dos amigos, na tentativa de eternizar
aqueles momentos.
Mas, se de um lado, esta mudança de objeto deu fôlego novo para o
desenvolvimento do trabalho, de outro, disparou uma corrida contra o tempo, já que
exigiu uma série de novas leituras. Algumas puderam ser aproveitadas do projeto
anterior, outras acabaram sendo descartadas. Além disso, uma outra necessidade se
apresentava: escolher um álbum de família que nos ajudasse a aprofundar mais os
estudos, imagens que, de alguma forma, apresentassem na prática o que havia sido
estudado.
1
Fotolog é um site (www.fotolog.net) no qual qualquer pessoa pode publicar fotos pessoais e vê-las
comentadas, através dos guestbooks - “livros de visitas” -, por familiares, amigos ou qualquer outra
pessoa que esteja conectada à internet. Um fotolog é uma espécie de blog só que, em vez de textos,
seus usuários disponibilizam fotos. Eles até podem conter textos, mas, geralmente, as palavras
aparecem apenas para identificar pessoas, locais, datas e fazer descrições ou comentários das imagens
apresentadas para situar o “visitante”. A ferramenta foi criada em abril de 2002 nos Estados Unidos,
chegando a ter brasileiros como maiores usuários. Atualmente, existem mais de oito milhões de
fotologers em todo o mundo, de acordo com a última visita à página, em junho de 2007.
12
Tal escolha não foi rápida e se fundamentou em alguns fatores. O primeiro
deles foi a vontade de analisar uma família de Niterói, cidade querida por mim e pelo
professor Aníbal, onde moramos e trabalhamos, e cidade que abriga a Universidade
Federal Fluminense, onde concluí a graduação e, agora, o mestrado. Estudar uma
família daqui é, assim, uma forma de devolver à cidade a oportunidade de ter
estudado em uma universidade federal nela sediada.
Mas entre tantas famílias niteroienses, precisávamos encontrar uma que
possuísse um acervo razoável de fotos que ilustrassem o que pretendíamos discutir.
Além disso, tal família deveria estar disposta a expor sua intimidade emprestando não
apenas suas imagens, mas também seu tempo para entrevistas e para esclarecer nossas
dúvidas.
Achávamos adequado, ainda, que a família escolhida fosse de classe média ou
alta, já que, em nossos estudos, descobrimos que a prática da organização de álbuns
familiares foi difundida, principalmente, pelas classes mais altas. Assim, uma família
de trajetória próspera provavelmente possuiria mais imagens e um material mais
organizado.
Reunindo esses fatores, lembrei da família Lima. Como editora de projetos
especiais do jornal O Fluminense, sugeri uma pauta, em 2005, sobre os imigrantes de
Niterói e orientei o repórter a procurar o senhor Tomaz Lima, filho mais velho do
imigrante Thomaz Lima (que veio para o Brasil em 1909 em um navio de terceira
classe e chegou a ser um dos principais acionistas e diretor do Banco Predial do
Estado do Rio de Janeiro na década de 30). O senhor Tomaz, atualmente, é presidente
do Centro da Comunidade Luso-Brasileira do Estado do Rio de Janeiro, entidade com
sede em Niterói e que teve seu pai como um dos fundadores, em 1968. Dessa forma,
ficou a lembrança daquele simpático senhor e, conseqüentemente de sua família,
como uma das mais representativas da comunidade portuguesa em Niterói. A escolha,
o contato e o desenvolvimento do trabalho foram favorecidos pelas anteriores relações
do professor orientador com a família.
Nosso primeiro contato com os Lima foi feito com o senhor Tomaz e sua
esposa, Labouré, que nos sugeriram procurar o sobrinho, Cesar Carvalho (neto do
senhor Thomaz), quem, segundo eles, “guardava” as fotos da família. Foi o que
fizemos. Em nossas primeiras visitas à casa de Cesar, eu e Aníbal constatamos que o
acervo era bem amplo e muito bem organizado. Nesse primeiro encontro,
descobrimos, ainda, que Cesar é antropólogo e professor e trabalha justamente com
13
memória através das imagens, o que foi uma surpresa muito gratificante, pois ele
rapidamente entendeu o objetivo desta dissertação e nos ofereceu dois artigos seus
sobre o tema. Sua participação foi além dos depoimentos esclarecedores, com
indicações valiosas para o desenvolvimento do trabalho e empenho para que
pudéssemos chegar a outros membros da família.
Marcamos, então, entrevistas separadas com ele, por ser o atual guardião das
imagens, com sua mãe, dona Maria, e com seu tio, senhor Tomaz, por serem os filhos
mais velhos do imigrante Thomaz e de sua mulher, dona Margarida (a outra filha do
casal, dona Tereza, vive em Portugal e o outro, senhor Eduardo, faleceu
recentemente). Conversamos também com o filho mais velho de Cesar, Pedro, de 18
anos.
Após a análise do material e das entrevistas, seguiu-se a escolha das fotos a
serem usadas no trabalho. Diante de um acervo muito grande (cerca de dez grandes
álbuns, além de muitas fotos avulsas guardadas em caixas antigas de dona Margarida)
foi preciso definir alguns critérios para orientar nossa escolha. Assim, levamos em
consideração os depoimentos dos entrevistados (suas lembranças sobre momentos,
pessoas, lugares, hábitos, imagens ou comemorações em família); os livros deixados
pelo patriarca Thomaz (autobiografias e relatos escritos entre 1966 e 1977) e fotos
que, segundo nossa avaliação, representam a família Lima e contam um pouco de sua
história. Com essa seleção, foi como se “montássemos” um novo álbum da família.
As fotos escolhidas expressam o olhar dos informantes sobre sua família e também o
nosso olhar sobre eles. São uma reconstrução do passado a partir do presente, sem,
necessariamente, existir uma rígida preocupação cronológica ou temática. Como nos
ensina a professora Marialva Barbosa (2007: 44), “(...) a operação memorável jamais
seria mera cópia do passado e sim recuperação ou recalcamento desse mesmo
passado, sob a forma de sinais, emblemas, vestígios e traços”.
14
INTRODUÇÃO
Eu não tenho fotos da minha infância com minha família, parece que
não vivi aquele período. (Informação verbal)
2
O comentário em epígrafe, feito por uma amiga numa reunião informal, reflete
nossa intenção com este trabalho: a de mostrar a força que a fotografia - e mais
especificamente as fotografias de família - têm na vida de todos nós, mesmo que
muitas vezes não tenhamos consciência dela. O depoimento, proveniente de uma
pessoa não ligada ao meio acadêmico e gerado a partir de uma pergunta sobre o que
se tratava esta dissertação, ajudou a reforçar em nós a hipótese de que as imagens
familiares são um poderoso aliado na construção de nossa memória e de nossa
identidade. Tal afirmação fortaleceu a premissa de que, ao contemplar fotos de sua
família, o espectador se sente parte do núcleo daquele grupo, construindo uma história
que é sua e que é também das pessoas ali retratadas. Assim, acreditamos que os
retratos da família dão ao observador o sentimento de pertencimento a um grupo,
ajudando a fortalecer sua identidade e sua memória.
Para desenvolver nossa dissertação, dividimos o trabalho em quatro capítulos.
O capítulo 1, sobre os temas memória e identidade, será desenvolvido com base nas
idéias de Maurice Halbwachs, Henri Bergson e Stuart Hall, privilegiando aquelas que
serão usadas, posteriormente, em nossa análise sobre a relação entre álbuns de família,
memória e identidade.
No capítulo 2, voltaremos ao século XIX para contar um pouco da história do
nascimento da fotografia, ressaltando a polêmica em torno de sua invenção. Nosso
objetivo aqui é contextualizar o surgimento de uma nova tecnologia e apontar
algumas das mudanças geradas na sociedade ocidental a partir de seu
desenvolvimento. Abordaremos, também, a chegada da primeira câmera de
daguerreotipia ao Brasil, em 1840, apenas cinco meses após sua apresentação na
França. Neste capítulo, recorremos a Walter Benjamin e Gisèle Freund,
2
Comunicação pessoal à autora feita por uma amiga, Luciana, em fevereiro de 2006.
15
especialmente, e no que diz respeito à fotografia no Brasil, utilizamos os estudos de
Pedro Vasquez e Boris Kossoy.
No capítulo 3, sobre os álbuns de família, destacamos que o retrato foi a forma
de fotografia que mais se popularizou, apesar de sua utilização não ter sido cogitada
pelos entusiastas da nova tecnologia à época de sua invenção. Em seguida, abordamos
o papel da burguesia no surgimento da prática de organizar álbuns familiares. Ainda
neste capítulo, faremos referência ao fascínio que a fotografia ainda exerce sobre as
pessoas, mesmo com o advento de outras tecnologias, como o vídeo, e o que a torna
tão especial a ponto de agradar a pessoas de todas as idades. São referência neste
percurso obras de Phillipe Ariès, Roland Barthes e Gisèle Freund, além dos estudos de
Nelson Schapochnik e Miriam Moreira Leite.
Neste capítulo mostramos, também, como as novas tecnologias – entre elas a
fotografia digital - têm ampliado nossa capacidade de memória e de que forma elas
vêm contribuindo para uma mudança no conceito de álbuns de família. A hipótese
levantada é a de que, com o advento das máquinas digitais, é cada vez menos comum
as pessoas organizarem álbuns em papel. Para fazer essa análise, vamos mostrar como
a fotografia, como meio de representação social, evoluiu junto com as novas
tecnologias e de que forma ela vem passando do espaço reservado da família, dos
amigos e da própria subjetividade para o espaço público da Internet, da exposição
total na rede. Nesta parte do trabalho, recorreremos a pensadores como Susan Sontag
e Andreas Huyssen.
O quarto capítulo é dedicado à apresentação da família Lima e à análise de seu
acervo fotográfico. Além de contar um pouco da trajetória do imigrante português
Thomaz Lima, patriarca do grupo, nosso principal objetivo é mostrar como a relação
entre fotografia, memória e identidade se expressa nos álbuns desta família,
especificamente. Neste capítulo, que utiliza os depoimentos de membros da família
Lima colhidos entre abril e novembro de 2007, temos como referência os trabalhos de
Myriam Moraes Lins de Barros, Ilana Strozemberg e Miriam Moreira Leite.
16
CAPÍTULO 1: UM BREVE PANORAMA TEÓRICO SOBRE MEMÓRIA E
IDENTIDADE
Halbwachs (1990: 160) afirma que "cada sociedade recorta o espaço a seu
modo (...) de forma a constituir um quadro fixo onde encerra e localiza suas
lembranças". Dessa forma, partimos da premissa que, assim como as pinturas nas
cavernas, a escrita e os livros – recursos que ajudaram a humanidade a organizar
melhor sua memória –, também a fotografia e os álbuns de família funcionam, entre
outras coisas, como um grande arquivo no qual seus usuários e descendentes
organizam não apenas fotografias, mas histórias de vida.
Acreditamos que tais imagens contribuem para a formação da memória e da
identidade de uma pessoa e também do grupo no qual ela está inserida, na medida em
que são a materialização de um tempo vivido e uma maneira de olhar os antepassados
e a si próprio. Ao contemplarmos uma foto de família, além da possibilidade de
recordar determinadas situações, temos também a oportunidade de nos reconhecermos
através dos traços físicos, posturas ou olhares de nossos pais, avós ou tios, por
exemplo. Através dos retratos, temos também a possibilidade de ver a nós mesmos em
diferentes fases e papéis de nossa vida (nossa infância, adolescência, nosso papel de
mãe, estudante ou turista, por exemplo). Nossas fotos são nossas narrativas de vida
em forma de imagem. São fragmentos de momentos congelados que podem ser
revisitados ao sabor de nossa saudade.
Dessa forma, os álbuns de família, mais que um registro, funcionam como um
elo entre o passado e o presente, uma forma de perpetuar a tradição, a memória de um
indivíduo ou de um grupo. Para Jurandir Freire Costa (2004: 12), “a função do que
chamamos tradição é a de preencher a lacuna entre as duas experiências (...) A
tradição, ao iluminar o futuro com as luzes do passado, permite que as novas gerações
ingressem no mundo com a confiança dos que pisam em terreno conhecido. Nela e,
por ela, o mundo estranho ao qual chegamos se torna, rapidamente, um mundo
familiar”.
Como mostra Carvalho (mimeo: 3;8), estamos tão acostumados a fotografar e
ser fotografados que chegamos a estranhar e lamentar quando não há fotos de
determinadas situações. Para o autor, é como se as imagens garantissem a existência
do mundo real e não o inverso. Isso porque, segundo ele, os atos de memória se dão,
17
em grande parte, ao redor das imagens. Lembramos das imagens e não mais dos
acontecimentos e personagens que elas representam. Dessa forma, o casamento, o
aniversário, a viagem ou os parentes que ninguém mais conhece só existem ou
continuam a existir porque é possível atestar tais acontecimentos e figuras familiares
por meio da imagem fotográfica.
1.1 Sobre memória
A memória opera com grande liberdade escolhendo acontecimentos
no espaço e no tempo não arbitrariamente, mas porque se relacionam
através de índices comuns. São configurações mais intensas quando
sobre elas incide o brilho de um significado coletivo. (Bosi, 2003, 31)
São várias as abordagens teóricas da memória. Neste capítulo apontaremos
apenas algumas com o objetivo de traçar um breve panorama sobre o assunto. Vamos
mostrar o que consideramos mais relevante das idéias de autores cujos modos de
pensar a memória acreditamos ser os mais adequados para tratar nosso objeto de
estudo, os álbuns de família. Começaremos por Bergson, em Matéria e memória,
1896, pois entendemos que sua obra é referência para compreender a maneira de
pensar o tema na virada do século XIX para o XX.
Para Bergson, o passado inteiro se conserva em nosso inconsciente, em nosso
espírito. Segundo ele, as memórias ficam arquivadas e “aparecem” quando são
necessárias para uma determinada situação no presente. Henri Bergson (1859-1914)
nasceu e viveu na França em meio ao processo de modernização das relações de
trabalho fabris, da arquitetura de Paris (passagens, galerias, monumentos), das
técnicas de comunicação e de aparatos visuais (caleidoscópio, fotografia e cinema).
Essa modernização se estendeu às novas relações de noção de tempo, espaço, corpo,
psique, realidade, atenção e memória. Na passagem do século XIX ao XX, em meio
às experiências modernas, Bergson elaborou sua obra contrapondo as duas correntes
filosóficas predominantes da época: o idealismo subjetivista e o realismo materialista.
O autor, ao formular, então, uma nova concepção de matéria, “Matéria, para
nós, é um conjunto de imagens” (Bergson, 1999: 1), afirma que o próprio corpo é um
18
conjunto de imagens (nervos aferentes, nervos eferentes, cérebro, estímulos
transmitidos pelos nervos sensitivos...) e o cérebro é mais uma imagem integrante do
universo, é parte da imagem do corpo e não a condição da imagem total, ou seja, não
é ele que produz as imagens. O corpo é um conjunto do mundo material, uma imagem
que age e reage sobre as outras imagens, mas que tem um papel privilegiado sobre as
outras, pois pode agir e reagir sobre os objetos que o cercam. Desta forma, o cérebro é
um instrumento de análise em relação ao movimento recolhido e um instrumento de
seleção com relação ao movimento executado. O autor compara o cérebro a uma
central telefônica:
Imagem por imagem, preferíamos comparar o trabalho elementar da
atenção ao do telegrafista que, ao receber um telegrama importante,
torna a expedi-lo, palavra por palavra, ao lugar de origem para
verificar sua exatidão. Mas, para reenviar um telegrama, é preciso
saber manipular o aparelho. Assim, também para refletir sobre uma
percepção e a imagem que recebemos dela, é preciso que possamos
reproduzi-la, isto é, reconstruí-la por um esforço de síntese.
(ib.: 81)
Com esta comparação, ele vincula o cérebro à ação, à atenção, ao contrário da
tradição filosófica e científica anterior, que sustentava o cérebro como local de
representação e conhecimento. Para Bergson, a função do cérebro não é a de
representar ou conhecer, mas sim, a de ter a possibilidade de diferir de uma ação
anterior, retardar uma reação ou mesmo hesitar diante de um acontecimento presente.
Bergson explica, ainda, que não há percepção que não esteja impregnada de
lembranças e que, na maioria das vezes, essas lembranças deslocam nossas
percepções reais, das quais retemos simples signos destinados a nos trazerem à
memória antigas imagens. Para ele, a percepção ocupa sempre uma certa duração e
exige, conseqüentemente, um esforço da memória. A memória é a sobrevivência das
imagens passadas e lembranças úteis. Essas imagens se misturam com as percepções
do presente e se completam. A intuição, então, faz-se necessária porque é justamente
ela que “chama” a lembrança, a torna ativa e atual.
19
Assim, o corpo, isto é, seu sistema nervoso, é um local de passagem de
movimento que deverá ser transformado em ação motora ou, como ele chama, ação
possível. É nesse momento que aparece o papel da consciência. Além de reter na
memória cada um dos instantes vividos (ou cada uma das imagens percebidas) diante
da chegada de uma excitação ao organismo e diante da necessidade de transformá-la,
a consciência é chamada a escolher, inspirando-se na memória, a reação motora mais
apropriada para a situação que o organismo vive no momento presente.
A consciência apóia-se, então, na memória e realiza uma escolha da reação
motora cujas conseqüências são as mais adequadas para o corpo em um dado
momento. A consciência ilumina, a todo o instante, essa parte imediata do passado e
evoca todas as percepções passadas parecidas com a percepção presente. Com base
nessas recordações, o corpo tomará a decisão do que fazer.
Para Bergson, nossas memórias são armazenadas de duas formas diferentes:
em mecanismos motores e em lembranças independentes. Os mecanismos motores,
que ele também chama de memória-hábito, são aquelas memórias que não precisamos
nos lembrar de como fazer, simplesmente repetimos automaticamente, como andar de
bicicleta, escovar os dentes ou comer. Já as lembranças independentes, também
chamadas de memória-lembrança, são aquelas lembranças personalizadas, datadas,
como, por exemplo, o dia em que eu aprendi a andar de bicicleta, uma viagem.
A grande maioria de nossas lembranças objetiva os acontecimentos e detalhes
de nossa vida que têm uma data e não se reproduzem jamais. Já as lembranças que se
adquirem voluntariamente por repetição são poucas, mas como são mais úteis para
nosso dia-a-dia, reparamos mais nelas. Assim, Bergson diz que:
Das duas memórias que acabamos por distinguir, a memória-
lembrança parece, portanto, ser a memória por excelência. A
memória-hábito, aquela que os psicólogos estudam em geral, é antes
o hábito esclarecido pela memória do que a memória propriamente.
(ib.: 64)
Ao contrário de Bergson, Halbwachs trata a memória como um fenômeno
social. Para o sociólogo, a memória individual estaria sempre construída em relação
20
ao grupo do qual se faz parte, em relação ao meio social e em relação a todos que nos
cercam. Assim, para ele, o que importa não é a memória, mas os quadros sociais da
memória, ou seja, as condições sociais para a produção de lembranças ou
esquecimentos, para a materialização da memória. Os quadros sociais da memória,
segundo Halbwachs, são a linguagem, o tempo e o espaço.
Nossas lembranças permanecem coletivas e elas nos são lembradas
pelos outros mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós
estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos. É porque, na
realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens
estejam lá, que se distingam materialmente de nós, porque temos
sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se
confundem.
(Halbwachs, 1990: 26; passim)
O autor nos fornece um exemplo para ilustrar o que afirma: o de uma pessoa
que viaja sozinha para um local onde nunca esteve antes. O que ele pretende mostrar é
que, mesmo que essa pessoa esteja materialmente só, ela não tem lembranças
estritamente individuais desse passeio, pois já está impregnada de outras informações.
Mesmo que uma pessoa nunca tenha ido a Londres, por exemplo, ela sabe muito sobre
a cidade através de um romance que possa ter lido na infância, de revistas, da
conversa com amigos ou através de fotos ou filmes. Assim, não se pode dizer que esta
pessoa esteve só nos momentos em que passeou por Londres já que, em pensamento,
ela se deslocava de um grupo para outro conectando lembranças, informações:
Outros homens tiveram essas lembranças em comum comigo. Muito
mais, eles me ajudaram a lembrá-las: para melhor me recordar, eu me
volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de vista, entro em
seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois sofro ainda seu
impulso e encontro em mim muito das idéias e modos de pensar a
que não teria chegado sozinho, e através dos quais permaneço em
contato com eles. (idem: 27)
21
Três conceitos são básicos na obra de Halbwachs: memória social, memória
coletiva e memória individual. Memória social é aquela que pertence a toda a
sociedade e memória coletiva é aquela que pertence a um grupo determinado (família,
vizinhos, cidade, país). O que pode ser considerado mais relevante na contribuição do
autor reside em sua maneira de definir a memória individual: para ele, mesmo a
memória individual é de natureza social, já que a memória de um indivíduo só existe e
se conserva em relação à memória dos outros. Ele destaca a participação determinante
do grupo na formação das lembranças. Para Halbwachs, a lembrança é reconstruída
sempre a partir do presente (os calendários, as palavras que exprimem a lembrança, as
convenções, os espaços, as durações que dão ao passado sua significação).
Ana Lúcia Enne
(2004: 1) esclarece essa conceituação de memória individual
que pode suscitar dúvidas à primeira vista. Ela explica que mesmo a lembrança
aparentemente mais particular possui um caráter de pluralidade, pois remete a um
grupo, a um contexto de interação. Assim, as lembranças, ao contrário das referências
históricas, pertencem e estão no indivíduo, mas nem por isso elas são únicas e
individuais.
Barbosa lembra que a memória individual é de natureza social por várias
razões: a primeira é que ela é sempre de natureza intelectual. Localizar uma
lembrança significa utilizar a inteligência e as correlações imediatas com a sociedade.
Por essa dependência é que é possível ligar a imagem a um lugar, a um nome, a uma
reflexão. A memória, assim, estabelece uma relação com o outro e com o tempo.
Segundo a autora, a memória se inscreve numa dada materialidade, num espaço físico
e em laços através dos quais os indivíduos se reconhecem na sociedade. “Neste
sentido, a memória coletiva é sempre plural, multiforme, existe na multiplicidade dos
tempos sociais e em espaços diferenciados nos quais os grupos se apóiam ou se
inscrevem” (2005: 102;111). Portanto, é apenas como uma metáfora que se
desenvolve a idéia de que uma sociedade ou um grupo possui lembranças, comemora
seu passado, celebra sua identidade, assegurando-se com isso uma função de
integração social.
Barros ressalta que, apesar de o homem só poder ter memória de seu passado
enquanto ser social, cada indivíduo traz em si uma forma particular de inserção nos
diversos meios em que atua. Assim, cada memória individual é um ponto de vista da
memória coletiva e esse ponto de vista varia de acordo com o lugar social que é
22
ocupado. Este lugar, por sua vez, muda em função das relações que se tem com outros
meios sociais.
É este “sentimento de realidade” a base para a reconstrução do
passado. No ato de lembrar nos servimos de campos de significados –
os quadros sociais – que nos servem de ponto de referência. As
noções de tempo e de espaço, estruturantes dos quadros sociais da
memória, são fundamentais para a rememoração do passado na
medida em que as localizações espacial e temporal das lembranças
são a essência da memória.
(Barros, 1989: 30-31)
Assim, para haver uma memória coletiva, como afirma Enne (op. cit.: 1-2), é
preciso que exista uma interligação das memórias dos indivíduos que fazem parte
daquele grupo. A memória coletiva é referendada pelo grupo com o qual se convive e
do qual extraímos nossas lembranças. É esta noção de memória construída em relação
com a coletividade que usaremos no capítulo 5 como base para desenvolver nossas
hipóteses sobre a relação entre álbuns de família, memória e identidade.
1. 2 Sobre identidade
Diante da objetiva sou, ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo,
aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me
julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte. (Barthes, 1984:
27)
O conceito de identidade, assim como o de memória, também é complexo e
comporta várias definições. Stuart Hall localiza o “nascimento” do “indivíduo
soberano” entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século
XVIII. Isto não significa, lembra ele, que nos tempos pré-modernos as pessoas não
23
eram indivíduos, mas que a individualidade era tanto vivida quanto conceitualizada de
forma diferente. Segundo Hall, as transformações associadas à modernidade
libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas que se
acreditava serem divinamente estabelecidas e assim não sujeitas a mudanças
fundamentais. O status, e a posição de uma pessoa na grande cadeia do ser – a ordem
secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de que a
pessoa fosse um indivíduo soberano.
O nascimento do “indivíduo soberano”, dessa forma, representou uma ruptura
importante com o passado e muitos movimentos importantes no pensamento e na
cultura ocidentais contribuíram para isso: a Reforma e o Protestantismo, que
libertaram a consciência individual das instituições religiosas da igreja e a expuseram
diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentista, que colocou o homem
no centro do universo; as revoluções científicas, que conferiram ao homem a
faculdade e as capacidades para inquirir e decifrar mistérios da natureza; e o
Iluminismo, centrado na figura do homem racional, científico, libertado do dogma e
da intolerância. Assim, o sujeito iluminista era totalmente centrado, unificado, dotado
de capacidade de razão, de consciência e de ação. Seu centro consistia em um núcleo
interior que surgia quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia até a morte.
Ainda era possível, no século XVIII, imaginar os grandes processos da vida
moderna centrados no indivíduo “sujeito-da-razão”. Mas à medida que sociedades
modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva e
social. As teorias clássicas liberais do governo, baseadas nos direitos individuais,
foram obrigadas a dar conta das estruturas do estado-nação e das grandes massas que
fazem uma democracia moderna. As leis clássicas da economia política, da
propriedade, do contrato e da troca tinham que atuar, depois da industrialização, entre
as grandes formações de classe do capitalismo moderno.
Emergiu, então, segundo Hall, uma concepção mais social do sujeito. O
indivíduo passou a ser visto como mais localizado e definido no interior dessas
grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna. Dois eventos
contribuíram para articular um conjunto mais amplo de fundamentos conceituais para
o sujeito moderno. O primeiro foi a biologia darwiniana: a razão tinha uma base na
natureza. O segundo foi o surgimento das novas ciências sociais. O sujeito
sociológico refletia a complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse
núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na
24
relação com outras pessoas que mediavam valores, sentidos e símbolos, ou seja, a
cultura de onde ele vivia. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o
seu "eu real", mas ele é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos
culturais exteriores. Por essa concepção, a identidade preenche o espaço entre o
interior e o exterior, entre o privado e o público. Neste tipo de identidade, ainda
segundo o pensamento de Stuart Hall, alinhamos nossos sentimentos subjetivos com
os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. Assim, a identidade
costura o sujeito ao meio. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que
eles habitam, tornando-os unificados.
Marialva Barbosa, no texto Identidade, nação e memória: algumas
articulações teórico-conceituais (mimeo: 3), afirma que há identidade social do
indivíduo ou do grupo e esta se caracteriza pelos seus conjuntos de pertencimentos ao
sistema social. O indivíduo as encontra no seu grupo sexual, etário, social, na nação e
etc. O grupo possui uma identidade e uma definição que permite situá-lo num
conjunto social. A identidade social pode incluir - ou excluir - um indivíduo ou um
grupo.
Para a antropologia, é a identidade que dá unidade a um povo, a uma
pessoa, sendo, pois, um modo de distinção. Assim, tende a ser
definida pelo pertencimento do sujeito social a uma dada cultura e
que é descrita a partir de um quadro básico de referências comuns.
(Da Matta
3
, 1989, apud Barbosa, mimeo: 3)
Barbosa identifica as três teorias mais usadas na antropologia para conceituar a
identidade cultural: a teoria do patrimônio genético, a teoria primordialista e a
abordagem culturalista. De acordo com a primeira abordagem, a hereditariedade
biológica determinaria a identidade de um indivíduo. Essa identidade seria, então,
inata, estável e definitiva. A teoria primordialista entende a identidade como um
fenômeno etnocultural. É como se a identidade tivesse uma propriedade inerente ao
próprio grupo étnico, transmitida no e pelo grupo. Já a teoria culturalista defende que
a identidade surge antes do indivíduo, pois o legado cultural, a socialização do
3
MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1989
25
indivíduo no seu grupo cultural e a interiorização dos modelos culturais que lhe são
impostos são ressaltados. Nessa perspectiva, o foco é a essência do grupo, um
conjunto de atributos invariáveis e comuns. Por esse pensamento, a identidade se
produz e se modifica em função das relações, reações e interações sociais – situação,
contexto e circunstâncias – onde emergem sentimentos de pertencimento, visões do
mundo semelhantes. Segundo a autora, não se pode pensar em identidade como
constituída a partir de um conjunto estável de traços culturais. A identidade é mutante,
está sempre em construção e desconstrução.
Assim como Barbosa, Ana Lucia Enne também ressalta que a identidade não é
algo estático ou pronto, é um processo de interação e de fluxos. Ela recorre ao
dicionário para entender a raiz da palavra identidade, que significa “qualidade de
idêntico”. Mas o mesmo dicionário também define a palavra como um conjunto de
caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa, como nome, idade, profissão, sexo,
defeitos físicos, estado civil e impressão digital, entre outras coisas. A primeira
definição remete à perspectiva de se buscar algo em comum com o outro e não
somente aquilo que lhe é único. Nas palavras da autora:
Se identidade remete a traços individuais, como os citados acima,
naquilo que podemos chamar de identidade individual, em termos
gerais o que confere identidade a um indivíduo está atrelado à sua
inserção social. Portanto, não é possível pensar o conceito de
identidade sem pensar sua relação com alteridade. Embora
identidade, em sua matriz etimológica, seja referente a tornar comum,
o mesmo, idêntico, é preciso levar em conta que só se define o
mesmo em relação ao outro. Identidade é, portanto, uma categoria
transitiva, que implica em relação de semelhança e diferença.
(Enne,
op. cit.: 7)
26
CAPÍTULO 2: O MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES: A HISTÓRIA DA
FOTOGRAFIA
2.1 Vários inventores, uma patente
A imagem é fácil de entender e acessível a todos. A sua particularidade
consiste em que ela se dirige à emotividade: não deixa tempo para a reflexão
nem para o raciocínio, como é o caso com a conversação ou com a leitura de
um livro. É na sua imediatez que reside a sua força e também o seu perigo. A
fotografia multiplicou a imagem para milhões e, para a maioria dos homens,
o mundo deixou de ser evocado para ser apresentado.
(Freund, 1995, 200)
A invenção da fotografia é questão polêmica. Autores respeitáveis têm opiniões
diferentes quando se trata de indicar o nascimento da nova técnica. Segundo Walter Benjamin
(1994: 91), diversos pesquisadores, trabalhando de forma independente e em diferentes
países, vinham pensando em uma maneira de fixar as imagens da câmera escura
4
. Em 1826, o
francês Nicéphore Nièpce conseguiu reproduzir uma imagem do quintal de sua casa usando a
luz do sol, sais de prata e uma placa de estanho. Essa imagem, entretanto, não lembra nem de
longe as imagens fotográficas que estamos hoje acostumados a contemplar. Era uma
reprodução rudimentar, que levou oito horas para ser “revelada” e que parecia um borrão em
preto e branco.
Arlindo Machado
(1984: 30), entretanto, acredita que a invenção da fotografia não
pode ser confundida com a descoberta das placas sensíveis à luz e, por isso, a data de 1826 é
4
Câmeras escuras ou obscuras eram caixas negras inteiramente lacradas que deixavam passar luz
somente por um pequeno buraco. Assim, os raios luminosos que penetravam em seu interior
projetavam em uma das paredes o reflexo invertido dos objetos iluminados. Durante o Renascimento
foram muito usadas por pintores que queriam tornar seus desenhos mais fiéis à imagem real. Não se
sabe ao certo quando a câmera escura foi usada pela primeira vez. O conhecimento de seu princípio
operacional é atribuído por alguns historiadores ao chinês Mo Tzu, no século V a.C; outros indicam o
filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C) como o responsável por seus primeiros comentários
esquemáticos. Há também informações de que um erudito árabe, Ibn al Haitam (965-1038), o Alhazem,
tenha observado um eclipse solar com a câmera escura em Constantinopla, no século XI. Cf:
MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Editora
Brasiliense/Funarte, 1984: p.30
27
arbitrária para designar o nascimento do processo. No entendimento do autor, a câmera
fotográfica já estava inventada desde o Renascimento, sob a forma da câmera escura. Os
pintores renascentistas usavam esses aparelhos freqüentemente, pois eles os ajudavam a
reproduzir objetos com mais fidelidade. Ao artista cabia fixar essa imagem com pincel e tinta.
Assim, para Machado, a fotografia, pelo menos do ponto de vista óptico, já existia desde o
século XV; o que a descoberta das propriedades químicas dos sais de prata significou foi
simplesmente a substituição da mediação humana (o pincel do artista que fixa a imagem da
câmera escura) pela mediação química do daguerreótipo
5
. A invenção da fotografia, na visão
do autor, foi o cruzamento de descobertas distintas no tempo e no espaço. Em suas palavras:
Junte-se os aparelhos de produzir retratos com base no fenômeno da câmera
obscura, a técnica da perpectiva artificialis sistematizada por Alberti e as
objetivas inventadas por Bárbaro e já temos solucionados nos séculos XV e
XVI todos os problemas ópticos que intervêm no processo fotográfico.
Faltava apenas descobrir um meio de fixar o reflexo luminoso projetado na
parede interna da câmera escura. A descoberta da sensibilidade à luz de
alguns compostos de prata, no começo do século XIX, veio solucionar esse
problema e representou o segundo grande passo na invenção da fotografia.
(ib.:32)
Assim como Benjamin, Gisèle Freund
(op. cit.: 37) credita a invenção da fotografia a
Nièpce, mas ressalta que o mérito de aperfeiçoar a tecnologia a ponto dela se tornar acessível
a todos se deveu ao francês Louis Jacques Mande Daguerre, que no dia 19 de agosto de 1839
apresentou seu aparelho de daguerreotipia (o primórdio da máquina fotográfica) ao público
no Palácio do Instituto da França. Devido à comoção pública que a apresentação causou em
Paris, essa data acabou ficando mundialmente conhecida pela opinião pública como sendo a
do nascimento de uma técnica revolucionária: fotografia.
De acordo com a autora, Nièpce e Daguerre chegaram a firmar um acordo de
cooperação em suas pesquisas e se corresponderam durante alguns anos. O objetivo era que
5
Daguerreótipos eram imagens fixadas sobre uma fina camada de prata polida aplicada em uma placa
de cobre e sensibilizada em vapor de iodo. No século XIX os daguerreótipos valiam cerca de 25
francos cada e eram guardados como jóias em luxuosos estojos decorados com passe-partout de metal
dourado e forro de veludo. Cf: VASQUEZ, Pedro. A fotografia no império. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002: 56 e BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. Obras escolhidas - Magia e
técnica, arte e política, 7ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994: 93
28
ambos repartissem seus conhecimentos no intuito de aprimorar a técnica, chamada na época
de heliografia (gravura com luz solar), diminuindo o tempo de exposição e melhorando a
qualidade das imagens, mas Nièpce morreu na miséria, em 1833, antes de ver esse resultado.
Com a morte de Nièpce, Daguerre fez um contrato com o filho do inventor para que eles
continuassem as pesquisas.
Alguns anos depois, Daguerre consegue reduzir o tempo de exposição de oito horas
para 20 minutos e apresenta ao público seu daguerreótipo. Foi um pequeno incidente
doméstico que o ajudou a solucionar a questão da nitidez das imagens fixadas em placas de
estanho:
Sua sorte foi esquecer uma placa subexposta dentro de um armário onde
havia um termômetro de mercúrio que se quebrara. Dias depois, abrindo o
armário, percebeu que, para sua surpresa, a placa havia adquirido uma
imagem visível de densidade bastante satisfatória. Eventualmente, Daguerre
chegou à conclusão de que a “revelação” daquela imagem latente se devia à
presença de vapor exalado pelo termômetro de mercúrio quebrado. Em todas
as áreas atingidas pela luz, o mercúrio criara um amálgama de grande brilho,
formando as áreas claras da imagem. Dois anos mais tarde, Daguerre
submeteu a placa com a imagem a um banho fixador, usando cloreto de sódio
(o famoso sal de cozinha), dissolvendo os halogenetos de prata não-revelados
e formando as áreas escuras da imagem. (
Newhall
6
, 1982, apud Sanz,
2005, 46-47)
Aconselhado por seu amigo cientista e deputado François Arago, como indica Sanz,
Daguerre logo revela sua descoberta ao governo francês, que compra a patente do inventor
em troca de uma pensão vitalícia para ele e para o filho de Nièpce. Assim, apesar de o dia 19
de agosto de 1839 ser largamente lembrado com o do nascimento da fotografia, ele foi,
segundo a autora, um dia político, já que a influência de Arago foi decisiva para que
Daguerre conseguisse patentear sua invenção antes de outro inventor.
Freund (op. cit.: 38) afirma que Daguerre era uma personalidade bem popular em
Paris devido a seus Dioramas, espetáculos feitos com enormes painéis translúcidos pintados
6
NEWHALL, Beaumont. The history of photography, 1839 to the present. New York: Moma, 1982
29
com auxílio da câmara escura que produziam efeitos visuais surpreendentes. Além disso, ele
era um homem de negócios ambicioso, que aproveitava os meios em que circulava para fazer
de suas pesquisas o tema das conversas. Devido a esse boca-a-boca anterior à apresentação do
daguerreótipo, a elite intelectual de Paris compareceu em peso ao Palácio do Instituto da
França, chegando a obstruir as portas de entrada. Além dos pensadores, artistas e público em
geral, intelectuais estrangeiros também compareceram ao local. A apresentação foi um
acontecimento e rendeu reportagens em diferentes jornais. Nas semanas seguintes, vários
parisienses tinham sido tomados pelo espírito da “experimentação” e podiam ser vistos nas
ruas carregando aparelhos que pesavam quase cem quilos, além de instrumentos e acessórios,
em busca de paisagens para fotografar. “Predizia-se a ruína dos gravadores e cercavam-se as
lojas dos fabricantes de instrumentos de ótica onde estavam expostos os primeiros aparelhos
[...] Paris tinha-se enriquecido com uma sensação nova”. (Freund, idem: 40)
A notícia da apresentação do daguerreótipo surpreendeu outros pesquisadores que
também estudavam uma maneira de fixar as imagens da câmera escura e que reclamavam o
mérito da invenção. Entre eles, o também francês Hippolyte Bayard, que desde 1837
trabalhava na área. Este chegou a expor 30 fotografias um mês antes de Daguerre apresentar
seu invento, mas como não publicou nenhum artigo acabou perdendo a “paternidade” da
fotografia para Daguerre.
Além dele, o inglês Willian Henry Fox-Talbot também pesquisava há algum tempo
uma maneira de fixar as imagens da câmera escura em papel (McLuhan, 2001: 216). O
método que Talbot concebeu foi o de imprimir positivos, quimicamente, a partir de negativos,
de modo a obter imagens exatas e reproduzíveis. Em janeiro de 1839, ou seja, sete meses
antes de Daguerre apresentar seu invento, ele lê nos jornais algumas matérias sobre as
pesquisas feitas pelo francês e se apressa em escrever um artigo sobre seus trabalhos. Talbot
chega a enviá-lo a alguns jornais e à Royal Society, porém a academia considera seu texto
genérico e pouco explicativo.
O impacto causado pela apresentação de Daguerre não ficou restrito apenas ao Velho
Continente. Ele atravessou a Europa chegando a terras brasileiras e, como afirma Kossoy
(1980: 51) incomodou o francês Hercules Florence, que morava no país. Ao ler uma notícia
publicada no Jornal do Commercio sobre a invenção do daguerreótipo, Florence ficou
chocado, pois ele estava certo de ter inventado, desde 1833, um método de fixar imagens,
conforme veremos adiante.
Além deles, muitos outros cientistas, como J. B. Read, John Herschel e Friedrich
Gerber também estariam fazendo experiências na área:
30
Tais experiências estavam literalmente pulverizadas, acontecendo de forma
independente e simultânea em várias partes do mundo ocidental, numa
verdadeira febre que tomou artistas e cientistas, culminando no advento
fotográfico. A invenção da fotografia seria de tal modo marcada pela
pulverização de inúmeros eventos correlatos desenvolvidos aleatoriamente,
que seu registro, a concessão de uma patente ou a identificação de seu autor
torna-se um lance de oportunidade, um lance que envolve questões
econômicas e políticas, mais do que propriamente um mérito autoral.
(Fatorelli
7
, 2003, apud Sanz, 2005: 50)
2.2 Uma nova tecnologia para um país ainda novo: a fotografia no Brasil
Considerando-se que uma viagem de navio entre a Europa e o Brasil na primeira metade
do século XIX levava cerca de 45 dias e que as notícias do que acontecia por lá demoravam a
chegar por aqui, foi relativamente rápida a chegada em terras brasileiras da primeira câmera
de daguerreotipia. Em 17 de janeiro de 1840, apenas cinco meses depois de os franceses
serem apresentados à invenção, o abade francês Louis Compte, capelão da fragata
L’Orientale, desembarcava no Rio com a novidade, encomendada por Dom Pedro II, na
época com 14 anos. Segundo Pedro Vasquez (2002: 8), o jovem imperador foi o primeiro
brasileiro a possuir e usar por conta própria um aparelho de daguerreotipia, percebendo,
desde o início, a importância de tal invento. O autor ressalta, entretanto, que os primeiros
daguereótipos produzidos no Brasil não foram feitos pelo imperador, e sim pelo abade Louis
Compte após desembarcar no Rio. São dele as imagens do Paço Imperial, do chafariz do
mestre Valentim e do antigo mercado da Candelária.
Segundo Vasquez, em meados do século XVIII eram poucas as imagens de paisagens
brasileiras já que, durante o período colonial, a metrópole tinha proibido a elaboração de
quadros com paisagens da colônia para evitar a cobiça de possíveis invasores europeus (o
7
FATORELLI, Antonio. Fotografia e viagem. Entre a natureza e o artifício. Rio de Janeiro: Faperj,
Relume Duma, 2003
31
autor lembra que o primeiro grande pintor paisagista do país foi um invasor holandês, Frans
Post, que retratou a ocupação holandesa no Nordeste no século XVII).
Só depois da vinda família real para o Brasil, em 1808, e, sobretudo, da chegada da
Missão Artística Francesa, em 1816, a pintura de paisagem passou a ser incentivada, ensinada
em academias e praticada. Mas, apesar desse impulso, havia dois obstáculos em relação a
essa técnica: era muito caro comprar um quadro e a produção de gravuras e estampas ainda
estava no começo. Por sua vez, a fotografia, começava a se popularizar pelo seu realismo e
praticidade, além de custar menos que um quadro.
A fotografia encontrou aí um terreno praticamente vago, sobretudo quando se
iniciou a ligação regular por navios a vapor com a Europa, na década de
1860, aumentando a demanda por esse tipo de imagens por parte dos
visitantes estrangeiros. Nesse momento se consolidava também o processo de
cópias sobre papel albuminado, de modo que se tornou mais fácil o
oferecimento aos visitantes de outros países ou de outras províncias de vistas
avulsas e álbuns contendo a imagem e semelhança das principais construções
e logradouros da Corte, assim como de suas muitas belezas naturais.
(Vasquez, idem: 13-14):
A expansão da fotografia no país, conforme Marcelo Sutil e Maria Luiza Baracho
8
,
aconteceu primeiramente nas maiores cidades costeiras (Rio, Salvador e Recife) devido ao
intenso movimento de seus portos. Mesmo assim, a fotografia ainda estava restrita aos mais
ricos, como os grandes negociantes e os membros da nobreza e da elite agrária. Com o
desenvolvimento técnico e a redução dos custos da fotografia começaram a surgir os
retratistas itinerantes que percorriam várias cidades em busca de clientela em um mercado
ainda incipiente.
Segundo os historiadores, o desenvolvimento da fotografia no Brasil coincidiu
também com o crescimento de uma classe urbana formada por comerciantes, operários,
funcionários da administração pública, militares, artesãos, imigrantes e escravos alforriados.
Ao se deixarem fotografar, eles contribuíram para a difusão de possibilidades que a fotografia
8
SUTIL, Saldanha e BARACHO, Maria Luiza. Fotos de estúdio: imagens construídas. Disponível em
http://catalogos.bn.br/redememoria/fotografia.html. Acesso em 20 de março de 2007
32
permitia. Entre elas, a carte de visite, que contribuiu muito para a popularização do retrato,
como veremos adiante.
2. 3 Hercules Florence: pioneirismo em terras brasileiras
O fato praticamente não é citado nos livros que contam a história da fotografia, mas,
de acordo com Boris Kossoy
(1980: passim), ele realmente aconteceu. Em 1833, ou seja, sete
anos antes de Daguerre apresentar a fotografia ao mundo, o francês Hercules Florence, que
morava no Brasil desde 1824, já havia descoberto a nova tecnologia. Florence buscava uma
forma de conseguir imprimir seus desenhos usando a luz solar.
Ele queria que suas pinturas se aproximassem ao máximo da realidade e, para
conseguir tal efeito, passou a pintar a natureza utilizando-se, como complemento, de uma
técnica de furos sobre o original nos lugares destinados a luzes e reflexos. Esses exemplares
deveriam ser apreciados, segundo o autor, em um local escuro, com a luz do sol incidindo
apenas sobre a pintura. O efeito obtido seria semelhante ao de uma sala de projeção, onde se
projetam transparências por trás. Esse tipo de representação pictórica é considerada por
Kossoy um grande passo em direção à fotografia, pois denota a preocupação do seu autor em
reproduzir com “exatidão fotográfica” o efeito das luzes sobre o desenho.
A dificuldade de imprimir textos e desenhos numa região onde não havia oficinas
tipográficas (Florence introduziu a tipografia em Campinas apenas em 1838) era um
problema que afligia o inventor, por isso, em 1830, ele se dedicou à pesquisa e ao
aperfeiçoamento da arte de imprimir e deu nome de poligrafia ao seu invento. Ao perceber,
entretanto, a possibilidade de se imprimir pela luz do sol, ele passou a se dedicar a essa
descoberta.
As condições sócio-econômicas e culturais do país levaram-no em suas
investigações com a fotografia para um caminho diferente daquele percorrido
pelos inventores na Europa. Embora Florence se mostrasse fascinado com a
idéia de obter imagens pela camera obscura, a impressão pela luz solar foi,
de fato, sua grande meta. (Kossoy, idem: 66)
33
Apesar de Florence mencionar no Livre d’annotations et de premiers matériaux (um
de seus diários) que a idéia de fixar as imagens na câmera escura lhe tivesse vindo à mente
em 15 de agosto de 1832, é somente no dia 15 de janeiro de 1833 que aparecem os primeiros
registros anotados e é essa data que Boris Kossoy considera como sendo a do início das
experiências de Florence com a fotografia. Ainda segundo o historiador, Florence foi o
primeiro a cunhar o termo fotografia, apesar de a maioria dos historiadores estrangeiros
creditarem o feito a John Herschel, em fevereiro de 1839. De acordo com Kossoy, vários
termos foram inicialmente empregados pelos precursores da fotografia. Nièpce deu o nome
de heliographie, por volta de 1826, enquanto Daguerre chamou sua invenção de
daguerreotypie. Fox Talbot, por sua vez, cunhou o termo calotype e depois talbotype, apesar
de também ter descrito suas primeiras experiências como photogenic drawings.
No início de suas pesquisas, Florence tinha o mesmo problema que os precursores
europeus: o de tornar as imagens obtidas com a câmera escura permanentes. Nessa busca, ele
teve uma ajuda fundamental de Joaquim Corrêa de Mello, o boticário da farmácia de seu
sogro, que o apresentou às propriedades do nitrato de prata na fixação das imagens. O
inventor chegou a usar, também, cloreto de prata e cloreto de ouro em sua pesquisa. Para
comprovar a autenticidade de tal feito, Boris Kossoy solicitou aos laboratórios do Rochester
Institute of Technology, em 1976, uma reprodução das experiências de Florence com as
substâncias químicas usadas na época na revelação das fotos. O instituto confirmou que as
fórmulas usadas pelo inventor realmente funcionavam.
2.4 Algumas considerações sobre a invenção da fotografia
Como mostra Ana Maria Mauad
9
, a fotografia, ao longo de sua história, foi marcada
por polêmicas ligadas aos seus usos e funções. Ainda no século XIX, causou agitação no
meio artístico, marcadamente naturalista, que via na nova tecnologia uma concorrente à
pintura, já que ela poderia reproduzir o mundo com muito mais exatidão e rapidez que um
pintor. Nessa época, prossegue a autora, a fotografia era comparada a um espelho mágico que
“guardava” a imagem refletida. A associação entre fotografia e magia era tão recorrente,
9
MAUAD, Ana Maria. Fotografia e história. Disponível em
http://catalogos.bn.br/redememoria/fotografia.html. Acesso em 20 de março de 2007
34
afirma Mauad, que o nome de uma das primeiras lojas a vender material para eletricidade no
Rio de Janeiro era “Ao Grande Mágico”.
McLuhan (op.cit: 220) afirma que os pintores, dispensados da obrigação de pintar o
mundo da forma mais real possível, passaram a se dedicar ao processo interno da
criatividade, o que acabou resultando, posteriormente, no expressionismo e na arte abstrata. A
nova tecnologia mudou também a função do escritor. Este já não precisava descrever
detalhadamente objetos e acontecimentos aos seus leitores, já informados pela imprensa, pela
fotografia, e, mais tarde, pelo cinema e pelo rádio. O poeta e o romancista voltaram-se para a
introspecção – que, segundo McLuhan, fornece o material com o qual elaboramos nosso
mundo e nós mesmos. Para Benjamin (op. cit.: 97), a verdadeira vítima da fotografia não foi
a pintura da paisagem, e sim o retrato em miniatura. A evolução foi tão rápida que, por volta
de 1840, ou seja, um ano depois da apresentação dos primeiros daguerreótipos ao público,
muitos pintores de miniaturas se transformaram em fotógrafos.
Com essa marca da realidade associada à fotografia, seu uso foi muito difundido na
área científica e no plano do controle social. Desde o início do século XX até os dias de hoje,
a imagem está associada à identificação. Prova disso são as fotos de carteiras de identidade,
passaportes, carteiras estudantis e vários outros documentos de reconhecimento social. Como
aponta Annateresa Fabris (1991: 28), um dos principais motivos que levaram a sociedade,
ainda no começo do século XX, a usar fotos em documentos foi a necessidade de proteção
contra indivíduos perigosos, já que as imagens, tomadas de frente e de perfil de modo direto,
sem nenhum dos truques dos ateliês fotográficos, permitiam estabelecer catálogos baseados
nas características pessoais de indiciados e suspeitos.
Lins de Barros e Strozenberg (1992: 30) ressaltam que nessas fotos o que interessa
registrar é exclusivamente a identidade genérica do cidadão, diferenciado dos demais apenas
por suas características biológicas externas, como cor da pele, do cabelo ou traços
fisionômicos. Tanto a pose quanto o enquadramento visam a este efeito: com queixo e
pescoço retos e a fisionomia do rosto neutra, sem estar rindo, o indivíduo é reduzido à pura
forma, a “um corpo sem alma”, nas palavras das autoras. Daí a sensação de que essas
imagens são mais formais e frias que as fotos de família, onde é possível, em alguns casos,
perceber traços de subjetividade expressos em olhares, gestos ou trejeitos.
Cláudia Sanz (2005: 89) lembra que a invenção da câmera portátil Kodak n. 1, no
final da década de 80 do século XIX, ampliou enormemente a produção de fotos familiares,
inaugurando a era do fotoamadorismo. Bastava apenas colocar o rolo na máquina e, a cada
foto, girar o sistema de transporte do filme. Terminado o filme, ele deveria ser enviado pelo
35
correio à fábrica da Kodak, onde era revelado e as cem fotos montadas em papel cartão. Tal
simplicidade levou a fotografia de vez para dentro das casas, com almoços, passeios e festas
sendo interrompidos muitas vezes para que os parentes posassem para a posteridade. As
fotografias amadoras dentro do âmbito da família e da sociabilidade, diz a autora, são um
testemunho das representações de um grupo, dos gostos e hábitos de uma época.
Assim, muito rapidamente a fotografia deixou de ser aquele daguerreótipo, objeto
único, para se tornar algo passível de ser reproduzido infinitas vezes, virando uma imagem-
moeda, uma representação do imaginário econômico do capitalismo moderno. Como afirma
Benjamin (op. cit.: 166; 168), as obras de arte sempre puderam ser reproduzidas de alguma
forma. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação
era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para difusão das obras ou por
terceiros, meramente interessados no lucro. Mas a reprodução técnica da obra de arte
representou um processo novo. De acordo com o autor, com o advento da fotografia pela
primeira vez a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes que agora
cabiam unicamente ao olho. Como o olho aprende mais depressa que a mão desenha, o
processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no
mesmo nível que a palavra oral.
Benjamin descreve, ainda, outras mudanças geradas a partir da invenção da fotografia.
Segundo o autor, a tecnologia pode acentuar certos aspectos do original acessíveis à objetiva,
mas não acessíveis ao olhar humano, como, por exemplo, a ampliação de detalhes
arquitetônicos de uma igreja. Ela pode também, graças a procedimentos como a ampliação ou
a câmara lenta, fixar imagens que fogem inteiramente à ótica natural. Em segundo lugar, a
reprodução técnica pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio
original. Ela pode, principalmente, aproximar a obra ao indivíduo, seja sob a forma da
fotografia, seja do disco, por exemplo.
Com a reprodutibilidade técnica , a obra de arte se emancipa, pela primeira
vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual. A obra
de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada
para ser reproduzida. A chapa fotográfica, por exemplo, permite uma grande
variedade de cópias; a questão da autenticidade das cópias não tem nenhum
sentido.
(Benjamin, idem: 171)
36
Como afirma Fabris (op. cit.: 33), um poderoso aliado na difusão da imagem
fotográfica em seu momento de popularização foi o cartão postal ilustrado, cuja origem é
atribuída por uma revista especializada da época a um livreiro de Oldenburg, Alemanha, que,
em 1875, teria editado duas séries de 25 cartões. O primeiro cartão postal ilustrado francês
remonta a 1889, reproduzindo em sua superfície uma vinheta da torre Eiffel. Ele foi
introduzido no Brasil em 1901 e logo caiu no gosto do público. Graças à adoção de várias
técnicas, colocou ao alcance popular um verdadeiro inventário do mundo. Abarcando
monumentos, paisagens, usos e costumes, profissões, instantâneos de eventos importantes,
celebridades e imagens picantes, multiplicou a possibilidade de posse simbólica de todos os
aspectos do universo para um público ávido por novidades. Ou, nas palavras de McLuhan
(op. cit.: 224-225): o “mundo virou uma espécie de museu de objetos que já encontramos
alguma vez, em outro meio”.
Com essa disseminação das imagens do mundo, diz o autor, a fotografia inverteu os
propósitos de uma viagem, que antes eram o encontro com o estranho, o pitoresco e o não-
familiar. Ele afirma que a experiência da viagem se transformou em algo diluído, forçado e
pré-fabricado pelo excesso de imagens que geralmente se têm de um destino. Um turista que
visita pela primeira vez a Torre de Pisa ou o Grand Canyon, por exemplo, não tem grandes
surpresas, pois ele pode ter visto várias fotos, filmes ou noticiários com as imagens daqueles
locais.
37
CAPÍTULO 3: POSE PARA A POSTERIDADE. O SURGIMENTO DOS ÁLBUNS
DE FAMÍLIA
3.1 A rápida popularização do retrato
Que enriquecimento viria a arqueologia a receber da nova técnica!
Para copiar os milhões e milhões de hieróglifos que cobrem, mesmo
no exterior, os grandes monumentos de Tébas, de Mênfis, de Karnak
etc., seriam precisas vintenas de anos e legiões de desenhadores. Com
o daguerreótipo, um só homem poderia levar a bom termo esse
imenso trabalho. (Freund, op. cit.: 39)
O artista encontrará no novo processo um auxilar precioso e a própria
arte será democratizada pelo daguerreótipo. Veremos em breve as
belas estampas, que se encontravam apenas nos salões de ricos
amadores, ornamentando até as moradas humildes do operário e do
camponês. (idem, ib.)
Uma pessoa que ignore totalmente o desenho pode, com o auxílio do
daguerreótipo, obter em alguns minutos imagens perfeitas e duráveis
de todos os objetos e de todas as vistas que lhe agradam. Basta
posicionar o aparelho diante de uma paisagem, diante de um
monumento, diante de uma estátua, ou, dentro do próprio quarto,
diante das curiosidades e dos quadros que o ornamentam e, em
poucos instantes, conseguir perfeita reprodução. Terá, assim, um
desenho que pode ser enquadrado, protegido com um vidro e
pendurado na parede como uma estampa que ele teria executado
lentamente, pacientemente, e com grande custo. Cada um de nós
pode, com essa admirável invenção, cercar-se de todas as lembranças
que lhe são caras; ter uma reprodução fiel de sua casa paterna, dos
38
lugares onde viveu, ou que admirou no decurso de suas viagens.
(Vasquez, op. cit.: 24-25)
A primeira epígrafe, parte do discurso de François Arago ao apresentar os
primeiros daguerreótipos ao mundo, a segunda, publicada na Magasin Pittoresque, e a
terceira, retirada de La Revue Française, todas as três em 1839, mostram como a
invenção da fotografia foi encarada na época. Acreditava-se que seu valor estava em
ajudar a ciência na reprodução de imagens, em auxiliar o artista em suas obras e até
em democratizar a arte, já que não era preciso ser um grande artista ou possuir muito
dinheiro para ter uma bela obra de arte em casa: bastava fotografá-la ou ter uma
fotografia dela.
É inegável a contribuição da fotografia em todas essas áreas, porém, essas
funções foram superadas, e muito, de acordo com Pedro Vasquez (op. cit.: 24), por
uma outra que na época nem chegou a ser cogitada pelos entusiastas da nova
tecnologia: a reprodução do rosto humano, ou seja, o retrato. Como mostra o autor, o
retrato se consolidou como um dos gêneros fotográficos preferidos das pessoas que
podiam pagar por um daguerreótipo. Ele permitiu a expansão inicial da fotografia,
apesar de nos primórdios ainda ser muito caro possuir um retrato.
Segundo Gisèle Freund (op. cit.: 69), os preços elevados deviam-se, por um
lado, aos grandes formatos das placas metálicas e, por outro, ao fato delas não se
prestarem à reprodução. Cada chapa era única. Percebendo que seu ofício não daria
muito lucro devido a um número reduzido de clientes, o fotógrafo francês André
Adolphe-Eugène Disdéri moldou o retrato às condições econômicas das classes
menos favorecidas. Em 1854, ele reduziu o tamanho das fotos criando um novo
formato que ganhou o nome de carte de visite, uma fotografia de cerca de 9,5 x 6 cm
montada sobre um cartão rígido de cerca de 10 x 6,5 cm. Devido ao seu tamanho
reduzido, virou moda na década de 60 do século XIX no mundo todo, inclusive no
Brasil. A carte de visite (ver exemplos na página 90) podia ser dada a parentes ou
ficar guardada em casa para lembrança. Disdéri pedia vinte francos por doze
fotografias enquanto, até então, se pagava entre 50 e 100 francos por uma única cópia,
segundo Freund. Graças a essa mudança radical de preços e formatos, ele tornou a
fotografia definitivamente popular.
39
A autora acrescenta que o empreendimento de Desdéri era o maior do tipo em
toda a Europa. Além dos dois estúdios, ele possuía ainda uma imprensa fotográfica, o
que lhe possibilitava entregar, em apenas quarenta e oito horas, milhares de cópias a
preços bem acessíveis. Com tanto sucesso, Desdéri fez escola e não demorou para que
muitas pessoas, principalmente em Paris, largassem seus ofícios para abrir estúdios
fotográficos. Bastava ter o dinheiro suficiente para instalação e compra de aparelhos e
equipamentos, o que na época, segundo Freund, não era difícil, já que a fotografia
prosperava.
Benjamin (op. cit.: 97) afirma que foi justamente nessa época da consolidação
da fotografia como atividade profissional que começaram a surgir os álbuns de
família. No início eram grandes volumes encadernados em couro, com fechos de
metal e as páginas grossas e douradas nas quais apareciam “figuras grotescamente
vestidas ou cobertas de rendas: o tio Alexandre e a tia Rika, Gertudres quando
pequena, papai no primeiro semestre da faculdade e, para o cúmulo da vergonha, nós
mesmos, com uma fantasia alpina, cantando à tirolesa”. Os álbuns geralmente ficavam
em consoles ou guéridons na sala de visitas.
Os retratos de família, segundo Miriam Moreira Leite
(2001: 159), estão
ligados aos ritos de passagem, ou seja, a acontecimentos que marcam uma mudança
de situação ou troca de categoria social. Os ritos funcionam como um intervalo de
indefinição social, de transição de um tempo normal e repetitivo para um outro estado,
como a passagem da criança ao adulto, do solteiro a casado ou de vivo a morto, por
exemplo. No século XIX, ainda de acordo com a autora, era comum fotografar
parentes mortos e manter suas fotos no álbum como uma forma de mostrar que,
mesmo ausentes, eles faziam parte da família. Assim, nascimentos, batizados,
aniversários, primeira-comunhão, casamentos eram, e ainda são, alguns dos ritos mais
fotografados. É como se essas fotos imortalizassem momentos importantes,
funcionando como marcos do que foi e por onde passou a família. “Nesses retratos
estão reunidos, mais que na maioria dos outros, o valor de culto e o valor de
exibição”, diz a autora.
Nelson Schapochnik afirma que as fotografias familiares, estejam elas
expostas em porta-retratos em cima de algum móvel, arrumadas em álbuns,
penduradas nas paredes ou arquivadas em um computador, são como um “registro
virtual da memória familiar”, ou seja, funcionam como um recurso moderno para
conservar e dar permanência a um passado. Por meio dessas fotos, a auto-imagem de
40
indivíduos e grupos familiares é fixada. Por meio delas é possível, ainda, perceber
mudanças nos padrões da vida privada e da própria sociedade.
A fotografia se afigura um suporte da memória, quando não a própria
história visual da família, em que se entrecruzam a celebração da
vida e entronização dos mortos. O ato de revisitar esse tipo de
fotografia quase sempre desperta um irrecusável convite à
especulação memorativa [...] Essas imagens parecem reiterar a todo
momento a existência de paisagens, de lugares, mas sobretudo de
pessoas que acentuam e reforçam a coesão social e o sentimento de
pertença àquela comunidade afetiva que denominamos família.
(
Schapochnik, 1998: 457)
O autor ressalta que a fotografia funciona como um vestígio de alguma coisa
que realmente existiu, ela não é a imagem exata desta coisa, é apenas a captura de um
momento. Dessa forma, segundo ele, não se pode afirmar que a fotografia tem a
capacidade de conservar o passado, mas sim de oferecer referências desse passado
para a rememoração no presente. Outro aspecto importante a ser ressaltado: muitas
vezes, o conteúdo, a situação representada naquela imagem não é o mais importante
aos olhos do observador. Diz Schapochnik (idem: 459-460): quando olhamos uma
fotografia, não é ela que vemos , mas sim outras que se desencadeiam na memória
despertadas por aquela que se tem diante dos olhos” Este detalhe especial que nos
atrai em uma foto é o que Roland Barthes (1984: 46; 89) chama de punctun (o que
punge, o que toca). É um interesse especial que atrai quem está olhando a imagem. É
algo não codificado na foto, uma experiência pessoal que o espectador acrescenta à
“leitura” de tal imagem. Ele é uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem
dissesse algo além do que ela está mostrando.
O gesto de escolher onde dispor as fotos (expostas em cima de móveis, fixadas
na parede ou guardadas em álbuns ou caixas) muitas vezes expressa que o guardião
daquelas imagens quer expor algumas e deixar escondidas outras, ou seja, existe uma
lógica na formação e organização das coleções, o que deve ou não ser revelado, assim
como o que deve ou não tem muita necessidade de ser fotografado. Segundo
Schapochnik, não se fotografa a vida inteira de uma pessoa, mas ocasiões como
41
nascimento de um bebê, casamento, batizado, primeira comunhão e aniversários são
registradas para a posteridade.
Deve-se lembrar que, hoje em dia, principalmente com a proliferação das
máquinas fotográficas digitais, não apenas essas datas comemorativas, mas qualquer
outra ocasião corriqueira pode ser registrada com facilidade, já que não se depende de
um fotógrafo profissional ou de um estúdio para registrar uma imagem. Essa
banalidade acaba levando, também, ao descarte de parte considerável das fotos. Muito
diferente, portanto, da forma de se retratar no fim do século XIX e início do século
XX, quando famílias inteiras iam a estúdios fotográficos (que tinham grandes janelas
ou clarabóias para garantir a passagem da luz), com seus melhores trajes, para terem
suas imagens eternizadas pelas mãos de um profissional. A hierarquia familiar
aparecia na disposição que homem, mulher e filhos eram arrumados no ambiente.
Muitas vezes, lembra Schapochnik, os fotógrafos dispunham em seus estúdios de
móveis, objetos decorativos (como livros, quadros ou flores), acessórios (armas,
escudos, leques, bonecas), painéis ou peças de roupa que ajudavam a compor um
“enredo” para aquelas fotos, a criar um espaço e, assim, transmitir uma idéia. O
retrato funcionava como uma prova de um estilo de vida e de uma riqueza que eram
representados através de objetos, poses e olhares.
Segundo Benjamin (op. cit.: 98), essas primeiras fotos tentavam reproduzir os
quadros feitos por pintores, por isso elas deveriam ser artísticas, com muitos detalhes,
daí a mania em usar colunas, balaustradas e cortinas para compor o ambiente. A
diferença, afirma, é que nos quadros as colunas pintadas tinham um simulacro de
probabilidade, ao passo que na fotografia não faziam o menor sentido, já que, em
geral, “se erguiam em cima” de um tapete. Um trecho retirado pelo autor de uma
publicação inglesa da época faz graça com o assunto: “Ora, todos estão de acordo em
que não é sobre um tapete que se constroem colunas de mármore ou de pedra”.
Já os lambe-lambes usavam o espaço público onde trabalhavam (praças,
parques ou próximos a monumentos) para fazer suas fotos. Dessa forma, o cenário era
real. Com o advento dos flashes, por volta de 1917, foi possível passar a fazer fotos do
lado de dentro de casas, uma mudança significativa na maneira de produzir imagens.
Antes mesmo dos flashes surgem as primeiras máquinas portáteis, que se disseminam
na primeira década do século XX. Com o passar do tempo o fotógrafo profissional
deixa de ser necessário, a não ser em ocasiões extremamente importantes, como
casamentos, por exemplo. As situações menos solenes, entretanto, passavam agora
42
para as mãos de quem possuía a câmera portátil. E essas situações geralmente
implicavam espontaneidade e simplicidade e seriam, assim, registros mais “reais” do
que aqueles posados no estúdio, menos preocupados com a posteridade e mais em
registrar o momento.
3.2 A burguesia e o desenvolvimento dos álbuns
Segundo Gisèle Freund (op. cit.: 19; 25-26), cada momento da história tem
seus modos de expressão artística e eles estão diretamente afinados com a política,
com a maneira de pensar e com os gostos do momento (o gosto não é uma
manifestação inerente à condição humana, e sim, uma formação cultural, lembra a
autora). Quando a burguesia começou a prosperar na Europa, no século XVIII, ela
passou a querer ter seus retratos pintados, assim como já faziam os nobres há muito
tempo. Eles funcionavam como uma maneira dessa classe nascente afirmar sua
identidade, tomar consciência de si. Esses primeiros retratos tinham um ar
aristocrático, pois os gostos da época eram determinados pela classe no poder, ou seja,
a nobreza.
Na presença de uma clientela burguesa, o pintor retratista tinha uma tarefa
dupla: por um lado imitar em seus retratos o estilo dos pintores da corte e, por outro,
fazer obras que pudessem ser pagas por aquela classe. Assim, muitas vezes, o rosto
dos retratados era idealizado, fugia de sua real aparência para que ficasse semelhante
ao tipo humano dominante na época: o príncipe. Já os nobres eram clientes mais
difíceis, pois exigiam fidelidade absoluta à sua imagem. Devido a essa exigência, os
pintores tinham que procurar materiais apropriados para retratar detalhes como veludo
ou seda de um vestido, por exemplo, efeito que nem sempre era obtido usando-se
materiais comuns.
A estas exigências correspondia particularmente uma das formas do retrato: o
retrato miniatura. Feito em tampas para caixas de pó ou em berloques, ele permitia
que seu dono trouxesse consigo o retrato dos ausentes, da família, dos amigos ou dos
amantes. Muito comuns nos meios aristocráticos, foram uma das primeiras formas de
43
retrato a serem adotadas pela camada ascendente da burguesia que encontrou aí um
meio de expressar seu culto ao indivíduo.
Mesmo adaptado à classe burguesa, o retrato miniatura ainda conservava
elementos aristocráticos. À medida que a burguesia prosperava e que seu poder
político se tornava mais forte, transformava-se o gosto. O modelo ideal deixava de ser
principesco: no seu lugar aparecia o rosto burguês. A sobrecasaca e a cartola
substituem o traje de renda e as perucas, assim como a bengala substitui a espada.
O retrato miniatura teve seu declínio por volta de 1850, quando a sociedade
burguesa se estabeleceu definitivamente, mesma época em que a fotografia já estava
consolidada na Europa e substituía, com muito mais perfeição que um retrato pintado,
a reprodução da imagem humana. Assim, para Freund, a disseminação do retrato
fotográfico está diretamente associada a um estado particular da evolução social: a
ascensão de amplas camadas sociais em direção a maior representação política e
social. Os precursores do retrato fotográfico surgiram em estreita relação com essa
mudança.
A ascensão das camadas sociais provocou a necessidade de se
produzir tudo em grande quantidade e, particularmente, o retrato.
Pois “fazer tirar seu retrato” era um daqueles atos simbólicos pelos
quais os indivíduos da classe social ascendente tornavam visível para
si mesmos e para os outros seu crescimento e se classificavam entre
os que gozavam de consideração social.
(Freund, idem: 25)
Segundo a autora, a evolução da fotografia deveu-se muito à burguesia, pois
foi ela quem primeiro criou uma base econômica para que o retrato se tornasse mais
acessível às outras camadas sociais. Mas, da mesma forma que a moda é concebida,
originalmente, nas camadas superiores da sociedade e adotada por elas antes de
descer, pouco a pouco, para as camadas inferiores, assim também aconteceu com a
fotografia. Ela foi adotada, primeiramente, no interior da classe dominante, aquela que
tinha em mãos o verdadeiro poder, ou seja, industriais, proprietários de fábricas,
banqueiros, homens de Estado, literatos, sábios e todos que faziam parte dos meios
intelectuais de Paris.
44
3. 3 Família, um sentimento moderno
É muito comum encontrar fotos de crianças nos álbuns de família,
principalmente nos dias atuais, com a praticidade das máquinas digitais. Quase todas
as famílias que têm crianças em casa dedicam boa parte de suas coleções particulares
a imagens dos pequenos. Entretanto, nem sempre foi assim. Era muito raro encontrar,
até o século XVI, documentos iconográficos retratando cenas de crianças ou de
famílias. Como mostra Phillipe Ariès
(1981: 272), o mais comum eram desenhos e
pinturas de mercados, jogos, ofícios ou cenas religiosas. Eram, geralmente, imagens
da rua, da vida pública, esfera onde se situavam os acontecimentos e na qual as
pessoas se deixavam retratar. Não que não existissem famílias antes disso, mas esse
sentimento de amor entre pais e filhos, essa relação que hoje entendemos como
família, era desconhecida na Idade Média, pois, nessa época, o que era considerado
importante era a linhagem (todos os descendentes de um mesmo ancestral) e não essa
concepção de família ligada à intimidade, a convivência de um pequeno núcleo. Pelos
laços da linhagem, tios, primos, irmãos e sobrinhos poderiam viver juntos debaixo do
mesmo teto, sem privacidade, sem quartos separados.
A passagem da família medieval para a família moderna acontece, segundo o
autor, quando há o enfraquecimento da linhagem em favor da família conjugal,
formada apenas pelos pais e seus filhos. Essa revolução de costumes certamente não
aconteceu de uma hora para a outra e alguns fatores foram decisivos para que ela
tomasse corpo. O principal deles foi a mudança da percepção dos adultos em relação à
infância, em relação às suas crianças. Na Inglaterra do século XV, era comum manter
as crianças em casa até os sete ou nove anos. Depois dessa idade, elas eram mandadas
para a casa de outras pessoas - onde permaneciam por mais sete ou nove anos - para
virarem aprendizes, isto é, para fazerem tarefas domésticas pesadas e aprenderem
algum ofício. Assim, elas aprendiam vendo os mais velhos fazerem e acabavam
freqüentando os mesmos lugares que os adultos. Só iam para a escola quando
voltassem à casa dos pais, o que nem sempre acontecia, aos 14 ou 18 anos. Nessas
condições, era difícil nutrir um sentimento forte entre pais e filhos, já que eles
passavam mais tempo separados do que juntos. A família era uma realidade moral e
social, mais do que sentimental, afirma Ariès.
45
Essa mentalidade começa a mudar, ainda que muito lentamente, no século XV
e ganha força no século XVII. Preocupados com o fato de suas crianças entrarem
desde cedo no mundo “sujo” dos adultos, os pais, para preservar sua inocência e tentar
vigiá-las mais de perto, passam a enviá-las mais cedo para a escola. A educação
escolar, que antes era fornecida apenas aos clérigos, se torna um instrumento normal
da iniciação social, da passagem da infância para a vida adulta.
A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma
aproximação da família e das crianças, do sentimento de família e de
infância, que eram separados. A família passa a se concentrar em
torno da criança (...) Era como se a família moderna tivesse nascido
ao mesmo tempo que a escola. (Ariès, idem: 232)
Richard Sennet (1988: 121; 124) registra a gênese da limitação da vida pública
somente aos adultos: ela é, em parte, proveniente das gradativas distinções feitas entre
os jogos infantis e os jogos de adultos, já que as brincadeiras que divertiam os mais
velhos eram as mesmas que divertiam os pequenos até o século XVII. Bonecas
elegantemente vestidas e soldadinhos de chumbo divertiam meninos e meninas,
homens e mulheres. Era como se não existissem demarcações entre os estágios da
vida. No final do século XVII, com as linhas divisórias entre infância e maturidade
cada vez mais demarcadas, certos tipos de jogos foram reservados às crianças e outros
terminantemente proibidos. Entre estes estavam os jogos de azar, além das partidas de
tênis e bilhar, que eram considerados impróprios por envolverem apostas. Acreditava-
se que as crianças eram muito inocentes para lidar com essas experiências.
Essa gradativa percepção da inocência e da dependência dos pequenos em
relação aos mais velhos gerou um senso de direitos de proteção. A justificativa para a
proteção das crianças, de acordo com o autor, era que, se por natureza elas eram
vulneráveis, então teriam direito ao alimento e ao conforto.
É assim que as relações familiares passam a ser glorificadas. Como
os estágios da maturação natural passam a ser percebidos como mais
importantes, cada ser humano passa a ser importante na família. Era
46
isso que significava o “direito à vida” há dois séculos; mais do que o
direito à mera existência, era o direito a ser valorizado, ser amado.
(
Sennet, op. cit.: 121; 124)
Com isso, os limites entre o público e o privado começavam a ser melhor
delineados. O domínio público passou a ser reservado aos adultos, enquanto a vida
privada se caracterizava pelos cuidados com as crianças, com a vida no lar. A tarefa
especial que os pais poderiam executar, isto é, a manutenção dos desamparados,
acabou por ser considerada como função natural da família. A criação da criança deu
à família um destaque nas disposições sociais.
Mas para que esse sentimento de família germinasse era necessário o mínimo
de privacidade, de intimidade, o que, até essa época, ainda não existia. Como mostra
Ariès, as relações de trabalho, as festas religiosas ou as relações de vizinhança se
sobressaíam em relação ao tempo dedicado à prole. Não havia separação entre a vida
profissional, privada ou a vida mundana ou social; a casa era uma extensão da rua. E,
dentro da casa, não havia cômodos separados, no mesmo lugar onde se dormia, eram
feitas as refeições, amigos eram recebidos e mendigos recebiam esmolas.
As camas eram desmontáveis, podiam ser colocadas em qualquer lugar. Ariès
lembra que a transformação da cama desmontável em um móvel fixo marcou um
progresso na questão da intimidade. Mesmo assim, o espaço onde ficava a cama ainda
não podia ser considerado um quarto de dormir, já que várias outras pessoas podiam
se alojar no mesmo local. Um casal até dormia na mesma cama, porém, várias outras
pessoas poderiam dormir no mesmo cômodo. As pessoas passaram, assim, a usar
cortinas em torno de seus leitos para delimitar seus espaços. Cortinas que se abriam
ou se fechavam de acordo com a necessidade de intimidade.
Até o século XVII, afirma Ariès, era difícil ficava sozinho, já que a densidade
social não permitia muito isolamento. Tais práticas de sociabilidade durante muito
tempo dificultaram formação do sentimento de família, pois não havia espaço para a
intimidade. Só no século XVIII a família começou a manter a sociedade a distância e
separá-la da vida particular. Assim, a família nasceu do declínio dessas práticas de
sociabilidade. Isso se refletiu diretamente na distribuição dos espaços da casa, que
passou a ser uma espécie de defesa contra o mundo. Os cômodos ganharam funções
específicas e, com a invenção do corredor, já não era mais preciso atravessar um
47
cômodo para chegar a outro. As camas passaram a ficar apenas no quarto de dormir,
que ganhou armários e outros móveis necessários à toalete e à higiene. Assim se
criava a casa moderna, que garantia a independência dos cômodos. A busca do
conforto nasceu nessa época: ao mesmo tempo que a intimidade, a discrição e o
isolamento.
Essa organização dos cômodos da casa, surgida inicialmente entre a burguesia
e a nobreza, segundo Ariès, foi uma das maiores mudanças da vida quotidiana. Vem
dessa época uma série de costumes que persistem até hoje. Um deles é o de manter os
empregados em cômodos separados (antes os criados dormiam junto com seus
patrões). O outro é dar apelidos ou diminutivos para as crianças, numa tentativa de
criar uma linguagem especial entre pais e filhos, de distinguir os familiares dos
estranhos. No fim do século XVIII, não se usava mais, por exemplo, ir à casa de um
amigo ou sócio a qualquer hora, sem avisar.
Dessa forma, o sentimento de casa passa a ser o sentimento de família, que,
por sua vez, corresponde a uma necessidade de intimidade e identidade: os membros
da família se unem pelo sentimento, costume e gênero de vida. Para Áries, essa forte
questão moral associada à família moderna é um fenômeno burguês, pois os dois
extremos - a alta nobreza e o povo - conservaram por muito tempo os costumes
tradicionais. Podemos arriscar dizer que, até os dias de hoje, as classes mais populares
(pelo menos no Brasil) mantêm frouxa essa fronteira entre o privado e o público.
Basta ver que, nos barracos de favelas ou em alguns casebres, nem sempre é possível
haver quartos separados: toda a família divide um pequeno cômodo, onde, muitas
vezes, nem há cortinas isolando a intimidade de seus moradores. Existe, portanto,
segundo Ariès, uma relação entre o sentimento de família e o sentimento de classe.
As famílias e as classes reuniam indivíduos que se aproximavam por
sua semelhança moral e pela identidade de seu gênero de vida (...) O
sentimento de família, o sentimento de classe e talvez, em outra área,
o sentimento de raça, surgem, portanto, como as manifestações da
mesma intolerância diante da diversidade, de uma mesma
preocupação de uniformidade.
(Ariès, op. cit.: 278-279)
48
3.4 Por que, afinal, fazemos álbuns?
Segundo Miriam Moreira Leite (op. cit.: 86), o retrato foi uma modalidade
fotográfica que caiu rapidamente no gosto popular, principalmente os retratos de
família. A necessidade de reproduzir e fixar a experiência vivida encontrou nas
facilidades dessa nova tecnologia um meio de se satisfazer. Para a autora, é essa
necessidade que consegue explicar a difusão e penetração tão rápidas da fotografia na
sociedade, mais que o baixo preço dos aparelhos ou sua facilidade de utilização.
Já Pierre Bourdieu
10
(1963 apud Leite, idem: 87) acredita que a proteção
contra a passagem do tempo - que torna a fotografia um substituto do que o próprio
tempo destruiu - é uma das principais razões para explicar o fascínio que as fotos de
família exercem sobre as pessoas. Há outros fatores, de acordo com o autor, que
podem explicar esse encantamento coletivo, como a possibilidade de “comunicação”
com os outros através das imagens; a auto-identificação, o prestígio social
conquistado pela proeza técnica, pela realização pessoal; além de pura distração ou
evocação da memória já esquecida.
Moreira Leite (op. cit.: 143-144) lembra, entretanto, que nem sempre as fotos
revelam as reais situações emocionais das famílias. Nessas imagens, o grupo aparece
sempre em harmonia, como se não houvessem desentendimentos, doenças,
dificuldades econômicas e outros problemas comuns a toda família. Talvez seja por
isso que, para a autora, muitas pessoas se encantem com os álbuns familiares: eles
transmitem a idéia de felicidade, de estabilidade. “A fotografia pode ser uma
reprodução de um recorte de alguma coisa existente, mas, frequentemente, é mais uma
reprodução do que o retratado e o fotógrafo quiseram que ela fosse”.
Barros e Strozenberg (op. cit.: 22) compartilham a mesma opinião. Segundo as
autoras, a foto da família reunida, sorridente, exposta no porta-retrato sobre o piano,
não revela o quanto foi difícil promover o encontro de todas aquelas pessoas, nem o
esforço necessário para convencê-las a posar para o fotógrafo, mas contém, para a
família, uma verdade incontestável. Isso porque, não são as ausências, as brigas e as
contradições que existem em qualquer família que devem ficar registradas para a
posteridade, e sim, um elo mais permanente e mais profundo que dá significado e
10
BOURDIEU, Pierre, et. al. Un art moyen – Essay sur les usages sociaux de la photographie, 2 ed.
Paris: Les Editions de Minuit, 1963
49
consistência àquele grupo: “os laços de sangue e afeto, os sentimentos de
solidariedade e pertencimento que os une e a partir dos quais se identificam diante de
si mesmo e dos outros como uma família feliz”.
Uma outra explicação para o fascínio que as antigas fotos de família exercem
sobre quem as contempla pode ser encontrada em Benjamin (op. cit.: 96). Para ele, as
expressões obtidas à força pela longa imobilidade dos retratados é a principal razão
pela qual essas primeiras imagens - que ele compara a quadros bem pintados - evocam
no observador uma impressão mais persistente e mais durável que as produzidas por
fotografias modernas. O próprio procedimento técnico usado não permitia que o
modelo vivesse a sabor do instante, era necessária uma certa introspecção. Assim,
durante a longa duração da pose, eles “cresciam” dentro da imagem, muito diferente
das fotos atuais, que permitem muito mais espontaneidade. Tudo nessas primeiras
imagens era feito para durar.
3.5 Fotografias digitais, a ampliação da capacidade de memória e o
esquecimento
No livro Fedro
11
, Platão, ao discorrer sobre a introdução do alfabeto fonético
no mundo grego, imagina um diálogo entre Theuth, deus egípcio a quem miticamente
se atribui a invenção das letras, e Thamus, o rei a quem Theuth apresentava suas
invenções. Nesse diálogo, o rei julgava as invenções e, de acordo com a utilidade ou
não de cada uma, as aprovava ou desaprovava. Ao apresentar o alfabeto, Theuth
argumenta que tal invenção funcionará como um remédio para a memória, pois sua
virtude é aumentar a possibilidade de armazenagem da informação para além da
capacidade mneumônica dos homens. A escrita, assim, seria um auxílio poderoso à
fala e ao pensamento. Sua vantagem em relação à oralidade seria dar um caráter
permanente à informação, salvando-a daquela existência passageira ligada à fala.
O rei Thamus, entretanto, argumenta que tal invenção, ao invés de remédio,
seria um veneno para a memória, pois a enfraqueceria, assim como o contato entre os
homens. Isso porque, com a escrita, um indivíduo poderia escrever uma história e as
pessoas lerem depois, no lugar em que quisessem e quando achassem melhor, ou seja,
elas não precisariam estar no mesmo local ao mesmo tempo que outras ouvindo um
11
PLATÃO, Fedro. Trad. de Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2002
50
mestre ou ancião contar um fato. Assim, a escrita, enquanto memória auxiliar, que
vem de fora do corpo humano, não forçaria nossa memória a reter, a guardar.
O célebre diálogo platônico, escrito quase 400 anos a.C, continua atual para
pensar a questão da memória e da tecnologia. De fato, nossa memória parece cada vez
mais calcada “fora” de nosso cérebro. Se não lembramos de alguma coisa, podemos
recorrer ao livro, à agenda de telefones, ao celular, ao rádio, ao computador, à
televisão, à fotografia. Está tudo lá, guardado, arquivado, pronto para ser relido,
escutado e revisto quantas vezes precisarmos ou quisermos, com as mesmas palavras,
o mesmo som, as mesmas cores.
Por outro lado, afirma Santaella (2000: 87), há uma grande vantagem desse
deslocamento de memória: o armazenamento do acervo humano não depender mais
de um ou mais cérebros que desaparecem com a morte dos indivíduos. Armazena-se
fora do cérebro para transcender a morte. Segundo a autora, com o aparecimento de
cada nova tecnologia ou meio de produção, circulação e armazenamento de
linguagens, desde o alfabeto fonético, no mundo grego, até a informática, hoje,
alguma habilidade humana se desloca e se expande. O cérebro e os sentidos humanos
estão crescendo, mas crescem fora da cabeça e do corpo na multiplicidade de seus
prolongamentos. Exemplos disso são as inteligências artificiais, os sintetizadores de
som e a profusão das imagens digitais.
Desse modo, as novas tecnologias (mais especificamente, no caso, as
tecnologias da imagem ligadas à produção de fotos) vêm ampliando a noção de
memória na sociedade contemporânea. Acreditamos que essa vontade de congelar o
tempo, de eternizar um momento - tão associada à fotografia - ganha ainda mais força
com o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação. Segundo
Pereira (2004: 141), à medida em que as tecnologias comunicacionais se
desenvolvem, ampliam nossa capacidade de memória e nos ajudam a organizá-la
melhor. “Os registros (...) viabilizarão operações cada vez mais plenas abarcando um
crescente conjunto de dados e mensagens, constituindo, assim, uma memória coletiva
cada vez mais elaborada e extensa”, diz o autor.
No caso de nosso objeto de pesquisa, os álbuns de família, isso fica bem
nítido, pois, com o advento das máquinas digitais, as famílias aumentaram
consideravelmente seus acervos, passando a registrar não só datas consideradas
importantes (como aniversários, batizados ou casamentos), como fatos corriqueiros do
cotidiano, como, por exemplo, animais de estimação, crianças comendo ou alguém
51
lavando louça, por exemplo. Em 1977 – primeira edição de seu livro e época em que
ainda não existiam câmeras digitais –, Susan Sontag (1981: 8) afirmava que “a época
em que fotografar exigia um trabalho caro e incômodo (...) parece cada vez mais
distante do presente, em que práticas câmeras de bolso convidam qualquer um a tirar
fotografias”. Ela registrou ainda: “até mesmo as pessoas muito ricas possuíam em
geral apenas um retrato de si próprias ou de seus antepassados (...) ao passo que [hoje]
é comum termos muitas fotografias de nós mesmos”. (idem, ibidem, 158, grifo nosso)
Essa última afirmação, feita por Sontag há 26 anos, nos parece adequada para
ilustrar a fotografia nos dias atuais. A facilidade de clicar, ver e deletar e a grande
capacidade de memória de um cartão de fotos faz com que possamos “largar o dedo”,
como diz a gíria dos fotógrafos, sem medo de acabar o filme ou de sairmos com os
olhos fechados naquela foto que imaginávamos que seria perfeita para colocar em um
porta-retratos. Como podemos olhar a imagem logo depois de captada, podemos
repetir a cena várias vezes, até encontrar aquela em que “saímos bem”. Assim, nunca
como hoje tivemos tantas imagens de nós mesmos e de pessoas próximas. Além disso,
podemos fotografar qualquer “bobagem”, levar a máquina conosco para qualquer
lugar, sempre pensando na possibilidade de captar alguma coisa interessante, um fato
diferente ou simplesmente algo que chamou nossa atenção.
Mas, afinal, para que essa profusão de imagens, de nós mesmos e de tudo o
que nos cerca? Por que tanta ânsia em registrar todos os momentos? Por que viver
fotografando em vez de vivenciar aquele momento, guardá-lo na memória?
Poderíamos supor que fazemos isso simplesmente pelo fato da tecnologia digital
permitir, já que é muito fácil fotografar, ver e deletar. Para Cláudia Sanz, entretanto,
essa “proteção contra a ansiedade” está relacionada a um certo sentimento de tempo
que se constitui, primeiramente, na modernidade, mas que chega a patamares
exponenciais na contemporaneidade. Assim, a aceleração do tempo pode estar
vinculada a esse desejo de fixar uma imagem instantânea, de conquistar algo que
possa frear os segundos, cada vez mais velozes. Fotografar seria tentar fixar o que não
pode ser estabilizado. Mas, segundo a autora, se a fotografia parece ter surgido como
uma maneira de estabilizar o instável, isso não significa que de fato ela tenha
conseguido tal “proeza”.
52
A fotografia tornou-se símbolo desse paradoxo, sendo,
simultaneamente, a captura do real e a invenção de uma narrativa
autoral; a imagem ‘estável’ de um mundo acelerado, mas também o
instantâneo que, junto com a experiência temporal, acompanha uma
idéia cada vez mais efêmera e escorregadia sobre o instante e o
acontecimento (...) Desse modo, a passagem da temporalidade
moderna à contemporânea parece ter sido acompanhada de
significativa intensificação na produção de imagens fotográficas.
(Sanz, op. cit.: 96; 97)
De acordo com Sanz, a fotografia hoje não responde mais à maneira com a
qual o sujeito moderno se relacionava com o tempo. Ela acredita ser possível
identificar, na contemporaneidade, outros tipos de fotografias que, além de sua função
moderna (serem organizadas em um belo álbum), também produzam novas operações
e relações com o presente e com o futuro, com o esquecimento e com a memória. Ela
lembra que, no final do século XIX, selecionar um instante para ser fotografado era
uma atitude de atribuição de relevância e valor à situação presente, transformando-a, a
partir daquele momento, em um fato para ser relembrado posteriormente, em um
acontecimento. Certamente, essa idéia de congelar um momento ainda permanece nos
dias de hoje, porém, as fotos são geradas a cada pequeno intervalo de tempo,
sobrepondo-se às últimas.
Esse exagero de imagens cria, segundo Sanz, um grande fluxo de
acontecimentos sem diferenciação. Já não são apenas os ritos de passagem que
determinam o que deve ou não ser fotografado. Não há mais uma ruptura ou mudança
aparente de situação social que possa ser notada através das fotos, como uma moça
solteira que passa a casada, uma criança pagã que passa a católica através do batismo
ou um adulto que se depara com a passagem do tempo quando revê a antiga foto do
seu aniversário de três anos. Ainda fotografamos esses momentos, mas também
fotografamos qualquer outro, em qualquer dia comum, sem necessidade de haver uma
data comemorativa, uma necessidade de marcar uma mudança. Basta visitarmos
alguns fotologs (como veremos a seguir) para constatarmos a banalidade das fotos
exibidas. Existem fotos de objetos, de quartos, de brinquedos e de partes do corpo,
entre outras coisas. Para Sanz (idem: 130), “quando o número de acontecimentos
noticiados é gigantesco, há uma espécie de cancelamento mútuo: todos os fatos são
53
acontecimentos e, ao mesmo tempo, nenhum o é efetivamente”. Dessa forma, as fotos
seriam uma forma de estar em sintonia com essa sensação de velocidade dos tempos
atuais e, ao mesmo tempo, uma forma de tentar desacelerar os acontecimentos.
É Huyssen quem afirma que o grande objetivo dos homens de hoje parece ser
conseguir a recordação total da história, numa espécie de grande obsessão
contemporânea pela memória. Ele usa o conceito de “musealização” para explicar as
mudanças na maneira de se pensar a temporalidade nos dias atuais. Vale ressaltar que
o conceito de “musealização” não é algo necessariamente ligado à instituição do
museu, mas uma prática que se infriltou em todas as áreas da vida cotidiana. Segundo
o autor, nunca o presente foi tão obcecado com o passado como agora. Huyssen
acredita que precisa-se da memória e da musealização, juntas, para construir uma
proteção contra a obsolescência e o desaparecimento, para combater a nossa profunda
ansiedade com a velocidade de mudança e o contínuo encolhimento dos horizontes de
tempo e espaço.
A musealização de Lübbe e os lugares de memória de Nora
compartilham a sensibilidade compensatória que reconhece uma
perda de identidade nacional e comunitária, mas crê na nossa
capacidade de compensá-la de algum jeito. Os lugares de memória,
em Nora, compensam a perda dos meios de memória, do mesmo
modo que, em Lübbe, a musealização compensa a perda de tradições
vividas. (Huyssen,
2000: 27; 29)
Entretanto, a própria musealização, prossegue o autor, é sugada neste cada vez
mais veloz mundo de imagens, espetáculos e eventos e, portanto, sempre em perigo de
perder a sua capacidade de garantir a estabilidade cultural ao longo do tempo. Além
disso, ele questiona o grau de confiabilidade dos arquivos digitais e diz que esta é uma
das maiores ironias da era da informação: se não encontrarmos métodos de
preservação duradoura das gravações eletrônicas, esta poderá ser a era sem memória.
De fato, a ameaça do esquecimento emerge da própria tecnologia à qual confiamos o
vasto corpo de registros eletrônicos e dados, parte mais significativa da memória
cultural do nosso tempo.
54
Ele ressalta, entretanto, que o ciberespaço sozinho não é o modelo apropriado
para imaginar o futuro global. A memória vivida é ativa, viva, incorporada no social
isto é – em indivíduos, famílias, grupos, nações e regiões. Estas são as memórias
necessárias para construir futuros locais diferenciados num mundo global. Para o
autor, não há nenhuma dúvida de que a longo prazo todas estas memórias serão
modeladas em grande medida pelas tecnologias digitais e pelos seus efeitos, mas elas
não serão redutíveis a eles. Huyssen não acredita numa separação radical entre
memória real e virtual, pois “qualquer coisa recordada – pela memória vivida ou
imaginada - já é virtual por sua própria natureza”. A memória é sempre transitória,
não-confiável e passível de esquecimento, diz ele. Ela é humana e social. E já que a
memória pública está sujeita a mudanças, ela não pode ser armazenada para sempre,
nem protegida em monumentos ou em sistemas digitais.
Se nós estamos, de fato, sofrendo de um excesso de memória,
devemos fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos
passados dispensáveis. Precisamos de discriminação e rememoração
produtiva e, ademais, a cultura de massa e a mídia virtual não são
incompatíveis com este objetivo. Mesmo que a amnésia seja um
subproduto do ciberespaço, precisamos não permitir que o medo e o
esquecimento nos dominem. Aí então, talvez seja hora de lembrar o
futuro, em vez de apenas nos preocuparmos com o futuro da
memória. (idem: 37)
3. 6 Álbuns de família ontem e hoje: do valor de culto ao valor de exibição?
Com as fotografias digitais, eliminamos a necessidade do laboratório, já que só
precisamos “revelar” as fotos se quisermos (mesmo assim, com os modelos mais
recentes de impressoras domésticas, muitas pessoas têm copiado suas fotos em casa).
Controlamos a captura da imagem, a edição e a “revelação” da foto. Uma
conseqüência disso é a mudança no próprio conceito de álbum de família, se é que
ainda podemos chamá-lo assim, já que é cada vez menos comum as pessoas
55
imprimirem as fotos e arrumá-las em álbuns de papel. Quando não estão arquivadas
no computador, ficam guardadas em CDs, podem ser passadas por e-mail para a
família ou amigos, exibidas na tela da TV ou arrumadas em sites e fotologs..
Tal inovação na forma de fotografar acarreta mudanças na maneira do usuário
se relacionar com as fotos. Como salienta Miriam Moreira Leite (op. cit.: 25), com a
reprodução das imagens cada vez mais rápida e fácil, o valor de culto das fotos
familiares muitas vezes dá lugar ao valor de exibição. Isto porque, as fotografias
passam do espaço reservado da família e dos amigos para o espaço da exibição total
da Internet. Elas se transferem dos pesados álbuns das salas de estar burguesas para o
espaço ilimitado da Internet, podendo ser vistas por qualquer pessoa e não apenas para
um grupo restrito a quem essas imagens poderiam interessar. A não ser que o usuário
coloque uma senha para permitir o acesso a familiares e amigos apenas, o que
raramente acontece, qualquer pessoa pode olhar imagens alheias em sites ou fotologs.
De fato, parece muito mais prático e atual – principalmente para a geração
mais nova, que cresceu aprendendo a usar o computador – postar fotos de uma viagem
em um site e mandar um e-mail aos amigos e família avisando que as fotos estão lá do
que mostrar um álbum em papel a cada uma dessas pessoas. A publicitária Juliana
Victória, por exemplo, mora na Nova Zelândia e, em vez de mandar fotos para a
família e os amigos no Brasil, decidiu fazer um fotolog para que a família e os amigos
pudessem acompanhar as etapas de sua aventura no país. Assim, ela posta fotos dos
novos amigos, dos empregos, das viagens que faz, da casa onde mora. Como
defendem os próprios criadores da ferramenta, a idéia não é fazer do fotolog um
álbum de fotografias on-line, e sim, criar uma ambiente para “trocar impressões sobre
momentos interessantes e efêmeros da vida”
12
ou seja, para eles, o fotolog não serve
apenas para acumular fotos em uma página. Para isso existem vários sites que
funcionam como álbuns de fotografia, com postagem ilimitada de fotos. O princípio
básico do fotolog é apresentar as imagens mais interessantes, criativas, diferentes, seja
do dia-a-dia ou de uma viagem, por exemplo.
Gostaríamos de ressaltar, entretanto, que este comportamento não é
generalizado. Muitas pessoas ainda imprimem fotos e montam álbuns em papel,
enquanto outras ainda continuam usando suas máquinas de filme e outras sequer
possuem câmeras digitais. O que estamos sublinhando aqui é uma tendência dos
12
Cf. OYAMA, Thaís. Gente, olha eu na rede!. Revista Veja, São Paulo, 21 de jan. 2004, p. 64.
56
tempos atuais, um apontamento do que se percebe hoje. Nossa percepção é de que a
fotografia, quando exibida em álbuns virtuais na Internet ou em fotologs, passa do
espaço reservado da família, dos amigos e da própria subjetividade para o espaço
público da Internet, da exposição total na rede. Tal tendência parece estar alinhada a
um comportamento atual que enaltece a exposição da vida privada. Basta ver o
sucesso de programas do tipo Big Brother, de revistas como Caras e Quem, a
crescente onda de documentários sobre personalidades, além da proliferação de livros
biográficos e autobiográficos. Só para citar um exemplo, O doce veneno do escorpião,
a autobiografia da ex-garota de programa Bruna Surfistinha, foi sucesso editorial em
2005 e ficou meses na lista dos mais vendidos. No livro, fruto do sucesso de seu blog,
ela conta detalhes de sua vida sexual.
Em um interessante estudo sobre o fenômeno dos blogs, Paula Sibilia (2003:
140) mostra que o sucesso desses diários íntimos da Internet se deve a dois fatores
aparentemente paradoxais: a crescente ênfase biográfica que permeia o mundo
ocidental e o declínio da interioridade psicológica que caracterizou a subjetividade do
indivíduo moderno. A análise feita pela autora permite-nos pensar a respeito dos
fotologs, já que, assim como os blogs, eles também parecem sintomáticos da era atual,
já que, muitas vezes, expõem a privacidade de seus usuários.
Para compreender melhor como se deram essas transformações na
subjetividade contemporânea, Sibilia volta à Europa dos séculos XVIII e XIX,
mostrando como foi construída a subjetividade na era moderna. Ela afirma que foi
nesta época que surgiu a separação entre as esferas privada e a pública da vida. A
“criação” do mundo privado era uma maneira de criar um espaço de refúgio para o
indivíduo e a família livre das exigências, formalidades e perigos da vida pública.
Como mostramos anteriormente, a partir de Sennet, a casa teve um papel
fundamental no desenvolvimento dessa intimidade, pois, na Idade Média, ela era uma
extensão da rua, um entra e sai de pessoas que dividiam os mesmos cômodos, sem
nenhuma privacidade. Com a mudança na arquitetura das casas, os cômodos
ganharam funções específicas, como sala de estar, quartos, cozinhas e cabinets
(quarto mais íntimo para atividades como a leitura e a escrita). Dessa forma, a casa foi
se transformando em um local da autenticidade e da verdade, em oposição à esfera
pública, onde as pessoas deveriam desempenhar papéis e seguir a vida de acordo com
o austero mundo burguês.
57
Os novos ambientes íntimos e privados que começaram a proliferar
três séculos atrás eram um verdadeiro convite à introspecção: nesses
espaços, impregnados de solidão, o sujeito moderno podia mergulhar
na sua obscura vida interior, embarcando em fascinantes viagens
auto-exploratórias que, muitas vezes, eram vertidas no papel. (Sibilia
idem: 142)
Dessa forma, a escrita de si tornou-se uma prática habitual no século XIX.
Além dos diários íntimos e cartas, a literatura moderna seguiu o gênero confessional.
Seus personagens influenciavam fortemente as subjetividades da época, marcadas por
essa “interioridade psicológica”. Nas últimas décadas do século XX, entretanto, os
relatos autobiográficos, especialmente as diversas formas de diário íntimo, perderam
sua força. Segundo Sibilia, tais “narrativas do eu” ressurgiram nos dias atuais através
dos blogs e webcans (poderíamos acrescentar os fotologs aqui também). Porém, o
sentido dessas práticas é diferente do que foi no passado.
Para Sibilia, tais fenômenos não são apenas uma reinvenção contemporânea de
uma prática de escrita moderna auxiliada por novas tecnologias. Isso porque, os
diários dos séculos XVIII e XIX tinham a função de preservar a intimidade. Eram
uma forma de introspecção, uma forma de auto-conhecimento, e, muitas vezes, eram
guardados em esconderijos, protegidos com chaves ou escritos com senhas. Maridos e
pais muitas vezes proibiam sua prática. Já os blogs, webcans e fotologs não parecem
ser espaços propícios para guardar nenhum segredo. Ao contrário, eles têm a função
de dar visibilidade a essa narrativa do eu tão em voga nos tempos atuais. São feitos
para serem vistos. Tais tendências de exposição da intimidade vão ao encontro e
prometem satisfazer a uma vontade do público, que é a de espiar a vida dos outros. É
uma mudança na subjetividade que pode ser explicada, entre outras coisas, por fatores
como a aceleração do tempo, a virtualização, a globalização e a digitalização. A
decadência dos “grandes relatos” que organizavam a vida moderna também pode
explicar essa atração pela vida como ela é. Através de relatos em blogs e imagens em
tempo real de webcans e fotologs, as pessoas percebem que suas vidas são tão banais
e iguais a de milhares de outras pessoas no mundo inteiro.
58
As possibilidades inauguradas pelos meios eletrônicos, como a
Internet, que permitem a qualquer um ser visto, lido e ouvido por
milhões de pessoas – mesmo que não se tenha nada específico para
dizer – talvez esteja dando conta dessa falta de sentido que marca as
experiências subjetivas contemporâneas: uma carência que consegue
dotar de valor o mero fato de se exibir, de ser visível. (Sibilia, idem:
149)
Tais práticas contrastam, como mostra Sanz, com a função que os álbuns de
família tinham na modernidade. Eles eram os próprios símbolos da privacidade. Os
álbuns transmitiam a idéia de família, já que, a partir da seleção e organização das
imagens nos álbuns, o guardião do acervo julgava o que deveria ou não entrar no
álbum. As imagens escolhidas seriam aquelas a confirmar ou acentuar os laços do
grupo. Para a autora, é como se a vida da família fosse contada por essas coleções.
Os álbuns de família modernos, portanto, são objetos de uso próprio,
visam a uma autocriação coletiva, investem em seus próprios
membros e constituem-se como riqueza simbólica que deve ser
protegida, sobretudo, por aqueles que desejam se afinar com os laços
familiares. (Sanz, op. cit.: 134-135)
Assim, as fotos da família correspondiam àquela narrativa do sujeito moderno
dotado de uma subjetividade interiorizada. O indivíduo buscava a coerência de si
mesmo através das fotos. Sua identidade estava registrada pelas fotos desde o
nascimento, passando pelos ritos da comunhão, do casamento, da compra do carro e
do estabelecimento profissional. Havia uma idéia de futuro, de progressão do tempo
associada às fotos. Assim, os álbuns eram estruturados a partir desses conceitos
modernos de passar do tempo, da progressividade. Obviamente, ainda hoje
construímos essa narrativa, fotografamos os principais ritos de passagem. Porém, não
há uma preocupação tão forte em fornecer através das imagens uma identidade
estável, pois o tempo é agora, o presente é contínuo.
59
De acordo com Sanz, houve uma progressiva diluição daquela interioridade
construída ao longo da vida, que previa a construção de si a partir do acúmulo das
experiências na duração do tempo. Esse deslocamento na maneira de construirmos a
imagem de “nós mesmos” acabou alterando nossa relação com os álbuns. As
narrativas do sujeito contemporâneo não têm essa necessidade da coerência de si
mesmo, como na modernidade. Como nossa subjetividade passa a ser constituída a
partir da exterioridade, ou seja, de fora para dentro, nada mais natural que nossas fotos
estejam expostas em fotologs, por exemplo. Que saiam do espaço privado de nossas
casas. Fotologs são uma forma de mostrar quem somos, uma maneira de construirmos
nossa identidade e de conhecermos como os outros são. Para a autora, esse declínio da
interioridade e o interesse público pela intimidade – sustentados em grande parte pela
mídia - formam os eixos desse universo da visibilidade em que vivemos atualmente.
A vida privada não é mais um segredo a ser protegido pelos guardiões da família; a
experiência individual e familiar é objeto de interesse público e deve ser exposta, até
para que possa ser comparada com a dos outros.
Para Guy Debord (1972: passim), estamos vivendo na era do espetáculo, uma
forma de sociedade na qual a vida real é pobre e fragmentária e, por isso, os
indivíduos adoram e consumem passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em
sua existência real. Isso explica porque revistas de fofocas, novelas, reality shows,
propagandas e programas sobre celebridades, entre outras coisas, fazem tanto sucesso.
Eles se encarregam de dar às pessoas o glamour que, muitas vezes, não existe em suas
vidas cotidianas. A realidade torna-se uma imagem, e as imagens tornam-se realidade;
a unidade que falta à vida é recuperada no plano da imagem.
60
CAPÍTULO 4: FAMÍLIA LIMA: MEMÓRIA E IDENTIDADE ATRAVÉS DA
FOTOGRAFIA
4. 1 Sobre Thomaz Lima e seus descendentes
A trajetória do imigrante português Thomaz Correia de Figueiredo Lima
(1896-1981), patriarca da família Lima, a partir de sua vinda para o Brasil, em 1909,
será aqui apresentada de forma sintética. Assim se poderá compreender a importância
deste senhor e de sua família para a cidade de Niterói. Também iremos apresentar
seus descendentes, alguns deles nossos informantes. A base para as informações que
se seguem foram, fundamentalmente, os livros escritos pelo próprio Thomaz Lima
contando sua história de vida (ver bibliografia) e as entrevistas feitas com seus
descendentes.
Ao todo, ele deixou 14 livros publicados, simples e certamente editados por
sua conta em diferentes gráficas de Niterói (no Brasil) e em Vizeu (Portugal), dos
quais cinco foram especialmente úteis para que pudéssemos conhecer sua
personalidade e sua trajetória pessoal e profissional. Os livros autobiográficos, foram,
como sempre ocorre nesse gênero, uma forma de deixar registrada a “versão oficial”
dos fatos para a posterioridade. Eles refletem seu orgulho de imigrante que “deu
certo”, que progrediu através do trabalho e da fé em Deus
13
. Seu neto, Cesar
Carvalho, antropólogo e atual guardião do acervo fotográfico e impresso da família,
acredita que o fato do avô escrever, publicar e divulgar fatos que considerava
relevantes em sua trajetória pessoal também era parte de uma estratégia dele se manter
em evidência na sociedade em que vivia, já que, além da família, ele dava seus livros
para amigos, para membros da comunidade portuguesa em Niterói e também os
enviava para revistas e jornais.
13
Quase todos os livros possuíam dedicatórias. Algumas foram feitas para dona Margarida, uma prova
de que esses escritos passaram para as mãos de Cesar depois da morte da avó. A maioria dos livros,
porém, tinha dedicatórias para o próprio Cesar. Em um deles, Recordações da minha terra, está escrito:
“Ao Neto estudioso Cesar, do Avô muito amigo, Thomaz, 1975”. Tal mensagem revela o orgulho do
neto e a importância que o senhor Thomaz dava à educação, já que ele mesmo, como nos contou Cesar,
só teve o ensino primário.
61
.............................................
Thomaz Lima nasceu em uma localidade chamada Casal, parte da Freguesia
de Vil-de-Soito, distrito de Viseu, Portugal, em 12 de janeiro de 1896. Mais novo de
sete irmãos, não chegou a conhecer o pai, que morreu dois meses antes de seu
nascimento devido à febre amarela, no Brasil, para onde tinha vindo em 1985.
Em 1909, Thomaz saiu de seu vilarejo rumo ao Brasil em busca de
oportunidades, deixando a mãe e as irmãs em Portugal. Três de seus irmãos já
estavam em Niterói, onde trabalhavam no comércio. Como ele mesmo conta em um
de seus livros, Pelos caminhos da vida, no começo do século XX era comum famílias
de “poucos e médios recursos enviarem seus filhos para o Brasil”. (Lima, 1977: 11)
É sabido que o país oferecia todas as possibilidades para quem
desejasse vencer na vida, o que era facilitado, grandemente, pela
identidade do idioma e pela continuidade consangüínea
Como mostra Maria Helena Lima, 1973, apud Carvalho, 1996: 10, analisando
a imigração portuguesa para o Brasil entre 1884 e 1970, verifica-se um fluxo
contínuo, embora irregular, da chegada de cidadãos vindos da antiga metrópole. A
maior parte deles camponeses alfabetizados vindos do norte de Portugal, onde
predominavam as pequenas propriedades afetadas por dois graves problemas desde o
final do século XIX: a grande concentração fundiária, agravada pelas múltiplas
divisões ocorridas a cada nova sucessão familiar, e a decomposição do campesanato
local provocada pela deterioração das condições de produção na unidade de
exploração doméstica, acompanhada da ameaça de assalariamento permanente e perda
das terras utilizadas. Thomaz Lima confirma isso em seus escritos
A Europa super-povoada e de terras já cansadas, com seu comércio
saturado, não dispunha das mesmas facilidades que o Brasil. Até
mesmo os países neo-latinos não atraiam tanto, apesar da relativa
vantagem oferecida pelos respectivos idiomas. Embora habituados ao
trabalho do campo, os portugueses que chegavam ao Brasil raramente
62
iam trabalhar nas lavouras. Eles iam geralmente para o comércio. A
explicação para isso é que a atividade comercial gerava lucros mais
imediatos, além de concentrar as pessoas em centros mais populosos,
onde era mais fácil manter um convívio social com outros imigrantes.
(id.,ibid.)
A autora lembra, entretanto, que a possibilidade de emigrar para a América era
uma alternativa restrita, já que a ida para um país tão distante como o Brasil era
onerosa. Mesmo uma passagem só de ida na terceira classe de um navio custava caro
para um assalariado rural. A motivação para a saída da terra natal era justamente a
perspectiva de melhora de vida, principalmente se o imigrante fosse homem, jovem e
solteiro. As informações que chegavam na correspondência dos parentes e vizinhos
sobre o país motivavam a mudança para uma nova terra, cheia de boas oportunidades.
O mais comum, segundo Maria Helena Lima, era parentes e amigos que aqui
já estavam incentivarem a vinda dos patrícios garantindo abrigo e, muitas vezes, um
emprego. Havia, assim, uma rede de relações solidárias entre os portugueses que
chegavam e os que já estavam estabelecidos. Assim aconteceu com o jovem Thomaz.
Acompanhado por um amigo da família que já conhecia o Brasil, ele embarcou na
terceira classe de um navio rumo a terras brasileiras. Uma passagem marcante sobre
esta viagem, descrita por ele em outro de seus livros, Minha infância, minha vida... ,
dá uma idéia dos sonhos do menino português, então com 13 anos:
No navio, entregaram-nos um cobertor, um prato de folhas de
flandres, uma colher e uma caneca, com a recomendação de
guardarmos bem os referidos objetos até o fim da viagem (...) No dia
13 de abril de 1909 chegávamos à baía da Guanabara e, ao passar em
frente ao morro do Pão de Açúcar, peguei o cobertor, prato, colher e
caneca joguei tudo ao mar e disse: Se voltar à minha terra não
viajarei mais desta forma!
(Lima, 1972: 16)
De fato, Thomaz nunca mais voltou de terceira classe a Portugal. Ao chegar ao
Brasil, seus irmãos lhe arranjaram um emprego em uma pequena loja de ferragens no
63
Rio de Janeiro e, oito meses depois, ele passou a trabalhar na firma Saramago &
Irmão, no Centro de Niterói, onde seu irmão já era gerente. Como encarregado da
limpeza da loja e dos banheiros, trabalhava de 6h às 22h, inclusive aos sábados. Aos
domingos, o expediente terminava ao meio-dia. Mesmo com um regime de trabalho
sacrificante, ele diz que nada enfraquecia seu ânimo, “essa minha disposição bem
lusitana de vencer, de superar todos os obstáculos”. (Lima, op. cit.: 14).
Depois de um ano como faxineiro, Thomaz foi promovido a primeiro caixeiro,
já com direito a participação nos lucros. Ao todo, ele ficou oito anos na loja e, em
seus escritos, afirma que o tempo passado na firma Saramago foi muito proveitoso, já
que lá aprendeu a trabalhar com disciplina, obedecer aos mais velhos, ter contato com
o público e, consequentemente, com a vida social na cidade de Niterói. O mundo do
trabalho é extremamente importante para o português no Brasil, porque é através
dessa experiência que ele vai pautar sua sociabilidade. Assim, o cumprimento das
obrigações é quase sempre fundamento de toda a ideologia de progresso e ascensão
social, além de representar o espaço do aprendizado e do domínio das regras de vida
numa sociedade em intensa mudança, segundo Carvalho (op. cit.: 17). “É pelo
trabalho, por meio da dedicação e da perseverança que o indivíduo conquista seu
próprio lugar e ingressa nas esferas sociais cobiçadas”.
Foi assim que o jovem Thomaz Lima conheceu o sucesso. Em 1917, sua vida
tomou novos rumos e o rapaz, então com 21 anos, passou de empregado a patrão.
Junto com o irmão Eduardo, eles abriram a firma Lima & Irmão, que ficou
tradicionalmente conhecida pelos niteroienses como Bazar Brasil. Segundo Thomaz, a
abertura de seu próprio negócio foi uma etapa marcante de sua trajetória.
Senti-me orgulhoso da nova promoção feita por mim mesmo. Eu me
regalava olhando as prateleiras, os balcões, os armários, as vitrines,
tudo cheio de mercadorias, e a clientela comprando chita,
algodãozinho, elásticos para ligas, tricolines, linhas e sabonetes,
enquanto meu irmão fazia ‘cantar’ a máquina registradora, que era,
por sinal, a canção que nós mais gostávamos de ouvir. O Bazar
constituiu, inegavelmente, o ponto de partida para um vertiginoso
progresso econômico. Foi como um ‘abre-te sézamo’ para todos os
meus triunfos futuros. (Lima, id., ib.)
64
Já bem estabelecido profissionalmente, em 1923 Thomaz se casa com
Margarida, jovem filha de fazendeiros portugueses que moravam no interior do estado
do Rio. Logo depois da festa de casamento, o casal decide morar em Portugal, já que
Thomaz havia desfeito a sociedade com seu irmão no Bazar Brasil. Lá têm seus dois
primeiros filhos: Tomaz e Maria. Tempos depois, retornam ao Brasil, onde nascem
mais dois filhos, Maria Tereza e Eduardo. Thomaz foi, então, convidado a fazer parte
da diretoria do Banco Predial do Estado do Rio de Janeiro. Como deixou escrito, ao se
tornar banqueiro sua vida econômica foi definitivamente consolidada.
Com efeito, o Banco Predial do Estado do Rio de Janeiro e a
Companhia de Seguros Niterói, para cujas diretorias entrei, foram as
minhas grandes e últimas ocupações na órbita dos negócios
financeiros. Na cadeira da presidência de ambas essas organizações,
tranqüila e honradamente sentei-me, levado pela confiança e estima
daqueles que comigo lidavam. A ambas (se não dei muitos esforços),
dediquei-me com a maior vontade de servir, de vê-las sempre
prósperas e engrandecidas no conceito de toda a sua clientela e da
população em geral de Niterói.
(Lima, 1974: 10).
Filantropia e gratidão a Niterói
Em quase todos os seus livros, Thomaz deixou registrado seu sentimento de
afeto e gratidão por Niterói, cidade onde o jovem imigrante prosperou
economicamente, se casou, onde nasceram dois de seus quatro filhos, seus netos, e
onde faleceu. Ele chegou a dedicar um livro, Niterói e minha vida, especificamente à
cidade, onde conta suas primeiras impressões sobre o local, lembra como era o
comércio e as paisagens do lugar.
Movido por este sentimento de agradecimento ao país e, especialmente, à
cidade que o viu crescer, Thomaz criou entidades filantrópicas e culturais. Ao lado da
65
esposa, Margarida, ele fundou a Casa da Amizade, entidade voltada para o
atendimento a carências de crianças pobres.
Dois motivos nos levaram a fundar essa entidade: o primeiro, foi o
sentimento inato de filantropia do qual – graças a Deus – minha
mulher e eu nos sentimos possuídos, mormente, em face da infância
desvalida. Segundo, pelo sentimento de gratidão para com a terra e a
gente que me proporcionaram tanta felicidade. Havia necessidade de
dar alguma coisa a alguém em troca do que tenho recebido. Nesta
cidade na qual tudo obtive, eu precisava deixar um pedaço da minha
alma e uma fatia do meu pão, no terreno da assistência social (Lima,
op. cit.: 17).
Além da Casa da Amizade, Thomaz ajudou a fundar organizações na cidade
organizações como a Sociedade Beneficente Portuguesa de Niterói, o Centro da
Comunidade Luso-Brasileira do Estado do Rio de Janeiro, o Instituto de Cultura
Brasil-Portugal, a Associação Comercial de Niterói, o Elos Clube, o Rotary Clube e o
Clube Português de Niterói. Estas associações existem até hoje (quase todas) e duas
delas são presididas por seu filho mais velho, Tomaz (Elos Clube e o Centro da
Comunidade Luso-Brasileira). Esse aspecto da trajetória do senhor Thomaz Lima foi
ressaltado por sua filha Maria e por seu neto César Carvalho:
Ele era muito ativo, fazia movimentos sociais e de filantropia.
Quando voltou a morar em Portugal, construiu uma escola e uma
igreja lá. O presidente Américo Tomás, que era amigo do meu pai na
época, chegou a participar da inauguração da igreja. Aqui no Brasil,
ele também ajudava muito as pessoas. Além das organizações de
caridade e recreativas, lembro que ele costumava hospedar quem
viesse de Portugal em busca de uma vida melhor lá em casa e, como
tinha muito conhecimento, arranjava trabalho para elas. (Depoimento
de dona Maria).
Meu avô era brincalhão, tinha muitos contatos e ajudava quem
precisasse, apesar de ser austero (...) Ele era capaz de conviver com
66
chefes de Estado, autoridades públicas, artistas e “gente importante”
do mundo luso-brasileiro e, ao mesmo tempo, com o mais humilde
dos camponeses lá de Portugal (Depoimento de Cesar Carvalho).
4.2 Narrativa ilustrada de um grupo
Espelho mágico em que se conjugam o real e o imaginário, ponte
entre o presente e o passado, emblema, documento de identidade, é
de uma memória subjetiva que as fotografias de família recebem seu
valor e seu significado próprios. Fragmento do real que recorta o
fluxo do tempo, toda foto é um registro parcial, uma pista para o
trabalho da memória. Pista, toda foto encerra um mistério. (Barros e
Strozemberg, 1992: 80 )
Ao partirmos da abordagem que entende a memória e a identidade na relação
com a coletividade, chegamos à conclusão que os dois conceitos andam de mãos
dadas. Afinal, se os indivíduos dividem práticas, representações e crenças, eles,
conseqüentemente, dividem também lembranças, dividem memórias. Segundo Michel
Pollack
14
(1992, apud Enne, 2004: 5), há uma ligação fenomenológica muito estreita
entre a memória e o sentimento de identidade. Isso porque, a memória ajuda um
indivíduo a construir sua relação de pertencimento a um grupo. A memória constrói a
identidade na medida em que a pessoa busca em seu passado traços para confirmar
sua individualidade, já que sem lembranças e raízes não existem sujeitos. Assim, a
memória funciona como uma espécie de “lugar de nutrição da identidade” (Joel
Candau, 1998: passim) participando de sua construção paralelamente ao
esquecimento.
Pierre Nora
15
(1984, apud Enne, idem: 4) também faz essa relação entre
memória e identidade. Segundo o autor, museus, institutos históricos, casas de cultura
e monumentos são lugares de memória, cuja função é exatamente manter ativo o
14
POLLACK, Michel. Memória e identidade social. In: Estudos históricos, 5. Rio de Janeiro, 1992
15
NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984
67
pertencimento a determinado vínculo identificatório. As fotografias de família
também funcionam como lugares de memória que ajudam a construir a identidade de
um grupo e de um indivíduo, pois tais imagens são a materialização da memória
familiar. Ao contemplar imagens próprias ou de seus antepassados e até mesmo de
seus contemporâneos, aquele que vê as fotos tem reforçado o sentimento de
pertencimento àquele grupo familiar e a sua própria identidade.
As fotografias de família são, talvez, o nosso mais precioso e
definitivo documento de identidade. Uma identidade que não está
contida em nosso próprio corpo ou em nossas vivências individuais,
mas que se inscreve nos laços que temos com um passado, com uma
origem, nas relações de sangue e afeto que nos unem a um universo
humano que nos transcende e nos situa como elos numa trama que
nos confere significado (...) O álbum de família me reflete múltiplo
na minha unicidade. Múltiplo porque me reconheço em outros rostos,
nos corpos daqueles a quem posso apontar dizendo: é meu irmão,
meu avô, meu primo, meu amigo. Múltiplo também porque, refletido
em minhas várias faces, meus inúmeros eus, diverso nos diferentes
momentos do meu ciclo de vida – criança, adolescente, adulto,
diverso nos distintos contextos e papéis em que desempenho a minha
individualidade – estudante, desportista, pai, mãe, turista ou folião.
Do conjunto de imagens que estampam e atestam esta pluralidade de
pertencimentos, o álbum de família faz emergir a minha
individualidade única e incomparável. (Barros e Strozenberg, 1992:
36;39)
No artigo Memória e família, Myriam Moraes Lins de Barros (1989: 29)
relaciona a fotografia com a identidade e a memória. A autora usa o filme de ficção
científica Blade Runner como exemplo dessa relação. A história se passa no ano de
2019 e narra como andróides, cópias de humanos dotados de força, agilidade e
inteligência superiores à média de seus criadores, lutam para sobreviver além dos
quatro anos de vida adulta para os quais foram programados. O filme trata a memória
como algo inerente ao ser humano. Em uma das cenas, a questão é apresentada de
68
forma contundente: Deckard, personagem à caça de suas cópias quase perfeitas, revela
a Rachel a falsidade das fotos e das lembranças que ela apresenta como prova
irrefutável de sua humanidade: suas fotografias de infância, onde ela aparece ao lado
da mãe, e a lembrança de episódios antigos que só a memória humana seria capaz de
guardar foram tomadas do passado de uma mulher e implantadas em seu corpo
fabricado, conferindo-lhe uma falsa natureza humana.
A cena mostra que os indivíduos guardam nas velhas fotos de família o resgate
de uma memória e, dessa forma, sua própria condição humana. Espalhadas em cima
do piano, as fotografias da família de Deckard são como peças arqueológicas que
guardam a memória de um passado. Segundo a autora, a distância entre o homem
adulto que contempla as imagens fotografadas e o instante paralisado nessas mesmas
imagens não é apenas um espaço temporal. Entre a observação solitária de Deckard e
as imagens de sua família, dois mundos se defrontam.
É neste ato de contemplação que o caminho que separa o personagem
das pessoas fotografadas é percorrido, inserindo-se no seio do grupo
familiar, de uma história que é sua e daqueles ali retratados. Os
retratos de família dão ao homem de 2019 o sentimento de
pertencimento a um grupo, a uma história, garantindo sua
humanidade.
(idem: 30)
De acordo com Barros, são inúmeras as motivações que fazem com que uma
pessoa se torne a guardiã do acervo familiar. Alguns momentos da vida são
particularmente inspiradores, como, por exemplo, o adolescente que se vê sozinho e
aos poucos percebe sua posição distinta e peculiar na família; a mulher que perdeu o
marido e procura refazer sozinha a história dos anos de convivência com seu parceiro;
a morte da mãe que permite reviver o passado familiar; o casamento e o crescimento
do primeiro filho marcando o início de uma nova família, entre outras questões. Todos
esses momentos têm significados subjetivos relevantes para desencadear um processo
de busca e de pesquisa da memória familiar.
69
O guardião está referido à família quando constrói para si e para os
familiares o perfil desse papel social. Não é uma motivação
individualizada que leva o colecionador a procurar, investigar,
encontrar e conservar seus bens preciosos. Ele está imbuído de um
papel que lhe confere o direito e também a obrigação de cuidar da
memória do grupo familiar. Essas atribuições não são especificadas
apenas pelo guardião, mas por toda a família que, consensualmente, o
incumbiu desta tarefa.
(idem: 38)
Cesar Carvalho, guardião atual das fotos da família Lima, neto do senhor
Thomaz Lima, inclui entre as razões que o levaram a ficar com as fotos o fato de os
outros parentes não demonstrarem interesse em manter o acervo depois da morte de
dona Margarida, sua avó. Segundo ele, foi também uma tentativa de resgate, de não
deixar que aquelas imagens se perdessem, acrescentando que o fato dele ter morado
com os avós foi determinante para que houvesse uma preocupação em manter os
álbuns, decorrente de uma ligação afetiva maior.
Acabou sendo uma escolha minha ficar com os álbuns. Eu tinha uma
relação muito estreita com a minha avó e com a morte dela muitas
coisas eu me encarreguei de destrinchar. Acho que se eu não tivesse
ficado com os álbuns talvez eles tivessem ido para o lixo mesmo.
Tive pena. A minha mãe disse que não guardou os álbuns por falta de
espaço, mas acho que a questão emocional foi mais forte, porque o
fim da casa significou para minha mãe e meus tios muito mais perdas
do que ganhos, então isso significava uma memória que precisava ser
esquecida, e isso incluía os álbuns. Minha mãe não tinha carga
emocional para se desfazer da casa, para suportar a morte da mãe e
começar uma nova vida carregando o peso daquele passado. Então a
morte da mãe foi uma ruptura para ela, que teve que recomeçar a vida
e por isso não queria carregar essas imagens. Ela não queria estar em
contato com essas pessoas mortas com quem teve tanta intimidade.
(Depoimento gravado)
70
Enne (op. cit.: 3) ressalta que o guardião de uma memória é aquele indivíduo
que tem um conhecimento mais profundo do material que guarda, em relação aos
outros membros do grupo. Assim, conhecimentos sobre o passado conferem ao
guardião uma certa autoridade. Tal situação pode ser confirmada no discurso de
Cesar:
A fotografia é um instrumento de poder. Guardar fotos antigas me
coloca em uma situação de poder em relação aos outros parentes.
Mas é oneroso também. Eu guardei muitas coisas que tive dificuldade
de me desapegar, até mesmo coisas pessoais da minha avó, como
lenços. Quando a casa foi leiloada, com várias coisas dentro, tive
dificuldades em ver isso acontecer. As coisas antigas me remetiam a
essas relações. Só agora estou tentando me desvencilhar. Vejo mais a
necessidade de guardar a memória em si do que no suporte.
(Depoimento gravado)
Barros (op. cit.: 38) afirma que o poder centralizador do guardião não elimina
a mobilidade das coleções de fotografias. Perdas e acréscimos são comuns e acabam
fazendo as fotos circularem no meio familiar. É justamente essa circulação que,
segundo ela, contribui para a construção de identidades individuais e familiares que,
de alguma forma, correspondem aos diversos momentos do ciclo de vida da família.
“Os caminhos por onde circulam as fotos são traçados por sua doação e contradoação.
As dedicatórias escritas sobre as fotos refazem estes caminhos e localizam o doador e
o receptor”. É comum encontrar, entre as diversas fotos guardadas, a foto que o
próprio colecionador enviou para alguém. Quando essa foto volta é porque,
geralmente, o receptor morreu e algum descendente seu achou que a foto deveria
voltar para quem a enviou (ver foto 7, página 87) .
Como diz a autora, essas imagens são a prova ou o testemunho da existência
de pessoas, lugares e paisagens. Se é possível voltar ao passado através delas é porque
aquele fato certamente existiu, tal o valor de veracidade atribuído à fotografia. Dessa
forma, histórias de vida ou trajetórias familiares podem ser construídas e
reconstruídas a partir da documentação fotográfica. A leitura da “realidade” da foto,
71
porém, será diferente para quem participou daquele momento e para quem dele não
participou. Para o primeiro grupo a imagem geralmente desperta lembranças do
momento vivido capturado naquela foto. Para os que herdaram de seus antepassados
as imagens impressas em papel, surge a curiosidade e o esforço para buscar um
sentido para rostos, casas e paisagens. Foi isso que Cesar procurou fazer com algumas
fotos que estavam espalhadas fora dos álbuns. Ele as arrumou em uma pasta sem
necessariamente seguir uma ordem cronológica. Sua preocupação foi não perder
aqueles registros. A organização dessas fotos contou com a ajuda da mãe, dona Maria,
que informou, quando lembrava, o nome, as datas e as relações entre os fotografados.
Entre essas fotos estão imagens de dona Margarida e do senhor Thomaz ainda
crianças (ver fotos da página 89), fotos de parentes e imagens com a comunidade
portuguesa em Niterói (ver fotos da página 101), entre outras. Segundo Barros (op.
cit.: 39):
Em algumas fotografias encontra-se sintetizado o sentimento de
pertencimento à família ou a emoção da recordação de uma vivência
passada. Algumas fotografias, mais que outras, trazem a síntese do
que se pretende captar da imagem impressa no papel fotográfico. São
estas as boas fotos (...) Algumas dessas imagens ganham um poder
sintético de tal ordem que acabam ganhando status de emblema
familiar (...) É a foto-emblema. (...) É ela que consegue transmitir a
importância da família, das relações e dos papéis familiares.
Nos álbuns da família Lima, pelo que pudemos constatar, também há uma
foto-emblema. Todos os informantes entrevistados (Cesar, Maria e Tomaz) foram
unânimes na escolha: a foto mais representativa é uma que reúne os filhos, sogras,
genros e netos em volta do senhor Thomas e de dona Margarida e virou um pôster
que, durante muito tempo, decorou uma das paredes da residência em Portugal. Esta é
a foto usada na capa deste trabalho.
Barros e Strozenberg (op. cit.: 45) lembram que não são apenas nessas fotos de
grupo que os modelos de família são captados. Outras imagens têm também esse dom
sintético de traduzir o espírito familiar. Geralmente essas são as fotos das casas,
72
representação mais forte do universo familiar (ver fotos da página 103). Ao mesmo
tempo em que a casa fornece identidade social a um grupo de pessoas, ela é um signo
de distinção em relação a outros grupos, estabelecendo os limites externos da família.
Segundo as autoras, a frente da casa é a parte que se abre ao público. De frente para a
rua, protege a intimidade da família ao mesmo tempo em que afirma sua face social.
“A fachada é um símbolo. Às vezes, aqueles que ali residem se colocam à sua frente
como a confirmar uma relação entre eles e a casa”. Ao analisarmos o acervo da
família Lima, percebemos que a casa da Rua Presidente Pedreira, no bairro
niteroiense do Ingá, teve uma importância muito grande para todos os três familiares
que nos confiaram seus depoimentos, sendo bastante mencionada nas entrevistas. Nas
palavras de Cesar:
Não sei se havia intenção direta de mostrar a casa nas fotos. Apesar
do meu avô ter feito uma grande reforma, ter mandado trazer azulejos
de Portugal, apesar do culto à casa, não era um culto do objeto em si,
e sim do que ela representava em termos de coesão familiar. Depois
da morte do meu avô, da minha avó e da venda da casa, que era um
lugar aglutinador, a família se desgarrou um pouco. Ali tudo era
referência a ele, à marca Thomaz Lima. A casa foi leiloada e cada um
ficou com algumas peças, como lençóis, toalhas, louças, cadeiras, o
piano... (Depoimento gravado)
Em seu trabalho, Barros e Strozenberg (op. cit.: 61 ) ressaltam que, além da
casa, outros símbolos importantes aparecem nas fotos familiares, entre eles, os carros,
especialmente a partir de 1960, quando eles passam a ser produzidos no Brasil e se
tornam mais acessíveis à população de classe média. Eles viram símbolos de status e a
aquisição de cada novo modelo é registrada com a presença dos proprietários (ver
fotos da página 106).
Outras imagens muito recorrentes nos álbuns familiares, de acordo com as
autoras, são as fotos de carnaval (ver foto 30, página 100), que funcionam como um
contraponto à linearidade da vida cotidiana; as fotos de casamentos (ver fotos 12 e 13,
página 92), que marcam o início de uma outra família; e as fotos de crianças, que
sintetizam a imagem da família. Elas lembram que os pequenos aparecem sempre
73
como um marco de referência, a razão de ser do grupo familiar, já que, na imagem da
criança, está expressa a ponte entre a tradição e a renovação.
As roupas, a postura e o espaço que a criança ocupa na cena
fotografada são instrumentos para a leitura do modelo familiar. A
seqüência dessas imagens através dos anos cria um outro tipo de
texto: revelam-se, agora, os diferentes valores que fundamentam a
construção da idéia da infância e de família nos vários momentos
históricos. Detectar esses elementos é escrever uma história social da
família utilizando, como documento, a imagem fotográfica. Mas este
material permite ainda outras leituras. Como a de uma viagem
interior e pessoal em busca da própria identidade no contexto da
família. Aqui, é o tempo individual, seqüencial e linear que dá os
parâmetros para o deciframento na construção de uma história
existencial. (Barros e Strozenberg, idem: 61)
Dona Maria comenta essa questão da presença das fotos de crianças nos
álbuns:
Mamãe gostava de organizar os álbuns, mas ela não costumava bater
muitas fotos. Papai gostava mais. Ele adorava fotografar os quatro
filhos em escadinha!
(ver fotos da página 96). Mas ele também
chamava o fotógrafo quando tinha algum evento, como um passeio,
por exemplo, alguma festa, ou para fazer uma imagem da família
inteira. Ele tinha um amigo fotógrafo que muitas vezes era quem
fazia as fotos. Além das fotografias ele gostava de fazer filmes da
família. Não sei onde foram parar esses filmes... Naquela época era
diferente fazer fotos. As crianças eram mais obedientes, ficavam
quietas na hora da foto, a gente se arrumava... (Depoimento gravado)
Existe, ainda, um outro aspecto a ser ressaltado em relação às fotos de
crianças, segundo Barros e Strozemberg: as imagens servem para que uma pessoa, já
74
adulta, se lembre dela mesma na infância ou na adolescência. Assim, têm um papel
central na construção da identidade, na confirmação da inserção do indivíduo em
determinado grupo. É como se os álbuns servissem para nos lembrarmos de nós
mesmos, como se eles congelassem um momento permitindo transportá-lo para o
futuro. Miriam Moreira Leite (op. cit.: 40) afirma que se a foto é o instante congelado,
as mudanças de uma pessoa, seu crescimento, só se tornam visíveis pela justaposição
de diversas imagens feitas em momentos diferentes. Segundo ela, a contemplação
dessas fotos é uma maneira da pessoa observar a si mesma dentro de um espetáculo
doméstico e aprofundar o conhecimento dos outros. Há, nesse processo, uma busca de
identidade.
De acordo com César Carvalho, os álbuns que ele guardou significam uma
relação de descoberta, de ter contato com um momento não vivenciado. É uma relação
de curiosidade e de buscar referências de família. Porém, as fotos que têm mais
importância são aquelas em que ele aparece.
A fotografia é sempre uma referência de identidade. A gente se vê
nelas. É um instrumento de reflexão, percepção e distinção. Os
álbuns funcionam muito como referências, crônicas de momentos,
como uma viagem, uma festa, um batizado, um casamento. Tem
também uma coisa positivista de tentar mostrar o real, mas, na
verdade, a fotografia é uma reconstrução a partir do hoje. Com as
fotos eu precisava guardar, manter as amarras, preservar tempos,
momentos. Para mim esses álbuns significam uma relação de
descoberta, de ter contato com um momento que eu não vivenciei. Eu
precisava me localizar na família, buscar essas fontes. Minha relação
com os álbuns não tem nada a ver com memória de infância porque
eu não costumava visitar esses álbuns. Acho que tem a ver com o que
estava fechado, guardado. Para mim é uma relação de identidade.
Buscar compreender um mundo com olhos não de um garoto, mas de
alguém que queria entender referências passadas, as quais eu só teria
acesso através desses recortes de memória. Acho que talvez a minha
mãe e os irmãos tenham outras relações em torno dos sentimentos
que não passavam pelas fotografias, outras referências de identidade
que não precisavam desse suporte. Para uma geração mais nova acho
75
que sim. Mas essa é uma relação dúbia para mim, complicada,
porque ao mesmo tempo em que quero me encontrar com as fotos
para entender a história, não quero ficar preso a ela. Quero conhecer
minha inserção dentro daquele grupo, mas me diferenciando. As
fotos permitem que se retome a crônica familiar mais próxima e eu
tinha curiosidade em relação a isso. Os mortos falam através das
fotos. A partir dessas imagens, passo a ter consciência do que quero,
do que sou e do que não sou. Na verdade, não posso dizer que esses
álbuns (os mais antigos, que ele recolheu da casa da avó) me tocam.
Eu não tenho uma relação afetiva com eles. Eles não fazem parte da
minha história. São imagens que herdei, imagens de tios e parentes
que nem sempre sei quem são. As fotos das quais participei ou que
presenciei têm um significado muito mais especial. São parte de uma
história que foi vivida por mim. Talvez essas outras fotos fossem
mais importantes para quem perdeu, de certa forma, os vínculos com
a família, quem saiu da terra natal, no caso, os meus avós. Entendo
como se fosse uma necessidade deles firmarem novas raízes.
(Depoimento gravado).
Senhor Tomaz se referiu dessa forma aos álbuns que selecionou para guardar
consigo:
Tenho muitos álbuns, mas os que guardo em casa são os meus, com a
minha família, minhas viagens. Não costumo ficar olhando muito, a
não ser, por exemplo, como aconteceu outro dia: recebi um casal de
amigos lá em casa e a gente conversou sobre viagens e aí mostrei um
dos álbuns. (Depoimento gravado)
Dona Maria assim se manifestou em relação aos álbuns:
:
76
Os meus netos chegam lá em casa e ficam perguntando sobre as
fotos. Mas são as fotos mais atuais que eles vêem. As fotos em que
nós, os avós, aparecemos, as fotos das nossas viagens. Os álbuns
mais antigos, os que estão com o Cesar, acho que eles não têm muito
interesse. Eu também, na verdade, não tenho. Não tive interesse em
guardar esses outros e nem espaço para guardar. Para mim eles não
tinham um significado maior. Com a venda da casa, fiquei com
poucos álbuns, entre eles os das bodas de ouro (ver fotos 15 e 16,
página 92), que é lindo e tem uma importância muito grande para
mim. Foi uma festa sem igual em Niterói! Meu pai ficou anos
planejando essa festa. O álbum das bodas é o mais representativo,
pela emoção e pelos retratos. Também porque tinham muitas pessoas
de minhas relações pessoais, ele reúne a família inteira. Foi um
momento marcante da história familiar. (Depoimento gravado)
Além das fotos de casa, de carnaval e de crianças, há um outro tipo de imagem
muito recorrente no álbum da família Lima: as fotos que revelam o lado profissional e
a face pública do patriarca da família (ver fotos da página 110). A princípio
surpreendeu encontrar essas imagens em um acervo ligado à vida privada, mas, como
afirmam Barros e Strozenberg (op. cit.: 70), é justamente nesse mundo da profissão
que os pais de família tinham (e têm até hoje) sua identidade afirmada. A idéia de que
é no trabalho que o homem provê o sustento de sua família constrói a identidade desse
pai, daí ser tão comum achar fotos em locais de trabalho nas coleções familiares,
principalmente se o patriarca for bem-sucedido, como o senhor Thomaz Lima. “Não é
por acaso que, às qualidades do bom pai, se associa aquela do bom trabalhador. Uma
e outra face se unem na descrição desse personagem”, afirmam as autoras. No acervo
da família Lima, encontramos algumas fotos do senhor Thomaz Lima em seu
escritório; com membros da colônia portuguesa no Brasil ou com personalidades
políticas e religiosas. Essa face profissional e de homem público é uma das mais
lembradas por dona Maria e pelo senhor Tomaz, seus filhos, quando perguntados
sobre a imagem que guardavam do pai.
77
Para mim, fica a imagem de um menino que chegou aqui com 13
anos e conseguiu o que ele conseguiu. Não é só a questão do
dinheiro, porque a melhor riqueza que se tem é a saúde. De qualquer
forma, ele deixou um grande patrimônio, pois éramos quatro filhos
(um deles morreu ano passado) e estamos bem até hoje, temos uma
vida tranqüila. Meu pai me deu uma lição muito interessante de
trabalho. Ele vinha diariamente para cá (para o escritório) depois que
vendeu o banco. Abriu uma imobiliária com mais três sócios. Foi
trabalhador. Além disso, ele sabia fazer amigos. Era o líder da
colônia portuguesa. Inclusive, o governo português deu a ele o título
de comendador, mas não essa comenda que se compra por aí não, foi
por mérito mesmo. Papai fundou a Beneficência Portuguesa de
Niterói, o Clube Português de Niterói, o Clube Central, a Banda
Portuguesa de Niterói. Todas essas organizações portuguesas foi ele
quem deu o pontapé inicial. (Depoimento gravado do senhor Tomaz)
Ele teve uma trajetória bem-sucedida, afinal, tinha apenas instrução
primária e chegou onde chegou. Ele se orgulhava dessa situação.
Lembro que, na época em que moramos em Portugal, ele foi
convidado a ser vereador. Ele era muito ativo, fazia movimentos
sociais e de filantropia. Construiu uma escola e uma igreja lá. O
presidente Américo Tomás, que era amigo dele na época, chegou a
participar da inauguração da igreja. Aqui no Brasil, ele costumava
hospedar várias pessoas de Portugal lá em casa e, como tinha muito
conhecimento, arranjava trabalho para elas. (Depoimento gravado de
dona Maria)
4.3 Culto à história da família
A fotografia é utilizada para reforçar a integração do grupo familiar,
reafirmando o sentimento que ele tem de si. Tanto tirar fotografias como guardá-las
ou contemplá-las constitui uma espécie de culto doméstico, segundo Leite
(op. cit.:
78
87). Carvalho (op. cit.: 5) acrescenta que neste culto há o efeito de auto-identificação
e de definição de papéis, hierarquias e atitudes que serão tomadas, reproduzidas ou
alteradas, em função da lógica interna da vida familiar. Para ele, também através
destas imagens é possível comparar os diferentes momentos que compõem o ciclo da
família. Na família Lima, era justamente esse culto à história familiar que motivava
dona Margarida, segundo Cesar, a organizar álbuns.
Minha avó guardava os álbuns para ela, como uma construção
subjetiva. Não era exibição ou autopromoção. Tanto é que ela não
costumava mostrar muito as fotos para as pessoas. Ela tinha
preocupação com a memória emocional, preocupação em estabelecer
uma crônica, uma história familiar. Enquanto meu avô tinha a face
pública do empreendedor, ela era a face privada, que tomava conta da
família. Mas ao mesmo tempo que era uma coisa subjetiva fazer os
álbuns, uma coisa do universo dela, ela também fazia um
acompanhamento da história dele através das fotos e recortes de
jornal. Acompanhava a trajetória de comerciante bem-sucedido, do
empresário. Ela tinha a função de promover festas, fazer com que a
imagem pública dele repercutisse como uma pessoa idônea, correta,
que prezava as relações familiares, de amigos. Além de montar os
álbuns, ela fazia os recortes dos jornais onde ele aparecia. Era um
trabalho de bastidor. (Depoimento gravado)
Walter Benjamin afirmou que o valor de culto da fotografia se transformou
muitas vezes em valor de exposição. Mas é no retrato que o valor de culto da
fotografia ainda resiste. O retrato reflete o culto da saudade, consagrado nos amores
ausentes ou defuntos. “A aura acena pela última vez na expressão fugaz de um rosto,
nas antigas fotos. É o que lhes dá sua beleza melancólica e incomparável” (op. cit.:
174).
Quando contemplamos uma fotografia é como se aquela imagem despertasse
na memória várias outras lembranças, como se resgatasse a memória de uma situação
que já estava até esquecida. Em muitos casos, lembranças das fotografias substituem
79
lembranças de pessoas ou acontecimentos, que são mutáveis, enquanto a fotografia
pode ser vista e revista várias vezes:
A imagem se transforma na lembrança e muitas vezes a lembrança se
fixa na imagem (...) O reconhecimento das fotos de família pode
funcionar como um desencadeador de lembranças múltiplas e
constituir, de um lado, uma forma de resgatar um passado esquecido
e, de outro, no caso do pesquisador, um estimulante formulador de
hipóteses para testar a comunicação das fotografias e seu
esquecimento temporário ou total. (Leite, op. cit.: 130; 135)
O depoimento do senhor Tomaz ressalta essa experiência:
Os álbuns retratam o decorrer da família, afinal, a gente fica com a
fotografia a vida toda, né? Por exemplo: em 1977 eu fiz a volta ao
mundo com meu filho de navio por três meses. Tenho esse álbum,
que de vez em quando eu olho para relembrar, porque passamos por
tantos lugares... A fotografia tem essa vantagem de recordar.
Acontece de eu pegar as fotos e recordar situações que eu nem
lembrava mais. Além disso, ela dá o prazer da gente ver as coisas
boas que fizemos (as outras coisas não tão boas a gente esquece, não
é?). São recordações muito interessantes. O álbum de família é muito
importante. (Depoimento gravado)
Os álbuns funcionam como índice do que foi e por onde passou a família. Eles
estão ligados, entre outras coisas, à memória dos parentes queridos que se foram e
que, através da fotografia, sobrevivem. É como se as fotos recuperassem a presença
dos ausentes. Esse poder de fixidez, entretanto, pode ser recusado, já que, muitas
vezes, o que se quer mesmo é esquecer uma época, esquecer algumas pessoas, seja
porque eram pessoas muito queridas que morreram ou pessoas que nos magoaram de
alguma forma. Daí a reação de jogar no lixo, rasgar, queimar ou recortar fotos.
Miriam Moreira Leite lembra que, assim como se acrescentam aos álbuns de
80
fotografia os que se foram, existem aquelas imagens de onde foram retiradas as
ovelhas negras (geralmente parentes que, por algum motivo, foram banidos do
convívio com a família). Essa autora registra que, em alguns álbuns que analisou,
foram encontradas fotos cortadas com tesoura ou gilete e mantidas no álbum como um
buraco vazio. Através da marca tais pessoas não são esquecidas, embora não mereçam
estar presentes.
Quando falamos de memória estamos tratando também do esquecimento.
Segundo Barbosa (op. cit.: 1), considerar a questão da memória é visualizá-la como
uma operação seletiva, enfocando a dialética lembrança e esquecimento. “Só é
possível lembrar porque é permitido esquecer”, afirma.
Esquecimento em relação com a memória pôde ser percebido em nossas
entrevistas com a família Lima. Segundo Cesar, os álbuns que estão em seu poder
entraram em um lugar de esquecimento para sua mãe na medida em que continham
imagens de pessoas muito queridas que já haviam partido, o que tornava difícil para
ela revisitar esses álbuns. Por isso ela não quis ficar com eles, pois aquelas imagens
representavam um passado feliz que havia terminado.
Algumas heranças são negativas, não é? As pessoas não querem
recordar momentos difíceis, de carestia ou rever pessoas queridas que
já se foram. Para mim foi mais fácil manter os álbuns, não tive tanto
esse peso. Quando a gente pensa a memória, temos que pensar
também o esquecimento, então em grande parte esses álbuns entram
em um lugar de esquecimento. Comenta-se sobre esses personagens,
mas ao mesmo tempo essa memória não é atualizada. Acho que
houve uma ruptura, um esgarçamento dessas relações, até mesmo por
conta das segmentações da família. Hoje vivemos mais em famílias
com seus núcleos específicos, não se troca tanto. (Depoimento
gravado)
81
4.4 Parece, mas nem sempre é: interpretando as imagens
Diz o ditado popular que uma imagem vale mais do que mil palavras. Porém,
nem sempre é possível compreender uma imagem se não houver, junto a ela, um
documento escrito ou um depoimento verbal que lhe confira um contexto,
principalmente se ela for uma foto de família. O que geralmente acontece é que
observamos roupas, posturas, expressões faciais e objetos para tentar decifrar a época
em que a foto foi feita, a classe social dos retratados, seus hábitos, a relação entre eles
etc. É como se um enredo sobre aquela família se desenrolasse no observador a cada
foto.
Estas imagens, certamente, não contêm a verdade completa. Deve-se levar em
conta, entre outras coisas, as condições técnicas em que foram feitos os retratos. O
instantâneo de uma família em pose estática não quer dizer, necessariamente, que
aquela família desejou transmitir uma imagem sisuda, séria. A fotografia pode ter sido
feita em uma época na qual era preciso um grande tempo de exposição para que a
imagem ficasse nítida, sem borrões, sendo assim necessário que os retratados
permanecessem praticamente imóveis. Benjamin
(op. cit.: 96) afirma que a fraca
sensibilidade luminosa das primeiras chapas exigia uma longa exposição ao ar livre.
Isso, por sua vez, obrigava o fotógrafo a colocar o modelo num lugar tão retirado
quando possível, onde nada pudesse perturbar a concentração necessária ao trabalho.
Pedro Vasquez
(op. cit.: 27) acrescenta uma curiosidade: quando as fotos eram feitas
em estúdio, eram usados acessórios de aparência medonha, como uma forquilha
destinada a manter imóvel a cabeça dos retratados para que seus rostos não saíssem
tremidos. Assim, esse longo tempo de exposição e a necessidade do uso de tantos
aparatos técnicos para fixar uma imagem transformavam os primeiros estúdios numa
espécie de “câmara de tortura”.
Isso e a preocupação em não piscar conferiam aos primeiros
retratados uma expressão ora de excessiva solenidade, ora de espanto
ou desatino. De tal forma que, ao examinarmos retratos fotográficos
dos primórdios, às vezes temos a impressão de vermos diante de nós
a própria pessoa em sua substância mais íntima. (Vasquez, ib. id)
82
As inovações de iluminação e o aparecimento das primeiras câmeras móveis
mudaram a utilização não-profissional da fotografia e as ocasiões em que a família se
fazia retratar, com as imagens ganhando mais espontaneidade e movimento. Leite (op.
cit.: 92) afirma que o ritual de “tirar retrato” levou a uma uniformização das
fotografias (pelo menos em seus primórdios), já que as pessoas que iam ser retratadas
se preparavam com as melhores roupas e procuravam ostentar atitudes distintas e
socialmente aprovadas. Além disso, os fotografados se preocupavam em posar para a
posterioridade. É por isso que a expressão do rosto e do corpo eram, muitas vezes,
sugeridas pelos fotógrafos.
Essa característica da pose para ser mostrada torna as antigas fotos de família
bem parecidas entre si, sendo difícil, muitas vezes, distinguir classes sociais através da
comparação de fotos de diferentes famílias. O período em que a foto foi tirada pode
ser “sugerido” pelas roupas, arranjos de cabelo, bigodes e barbas, objetos e lugares
escolhidos para a foto, além das expressões faciais e corporais mais freqüentes.
Assim, se não houver nenhuma indicação escrita ou verbal sobre datas, situações ou
pessoas, nossa reação ao contemplar álbuns familiares é a de “criar” uma história para
aquelas imagens.
Procurando evitar tal risco, a escolha das fotos da família Lima foi baseada
nos depoimentos dos familiares e nos livros escritos pelo senhor Thomaz Lima, o
patriarca. A partir das lembranças de momentos, lugares, hábitos e comemorações
destacadas por Cesar, dona Maria e pelo senhor Tomaz (o filho) durante as
entrevistas, buscamos imagens que, de alguma forma, representassem a família,
contassem um pouco de sua história e tivessem uma ligação sentimental importante
para eles.
83
4.5 As fotos da família Lima
Para analisar de que forma a relação entre fotografia, memória e identidade se
expressa nos álbuns da família Lima
16
, selecionamos 57 fotos de um acervo de cerca
de mil imagens guardadas cuidadosamente por Cesar Carvalho. Uma parte das fotos
estava organizada nos álbuns (cerca de dez), mas além deles havia muitas fotos
avulsas guardadas em grandes caixas de madeira antigas, ainda da época de dona
Margarida. Algumas imagens continham informações no verso ou na frente da foto,
como data e local do registro, ou ainda dedicatórias. Dessa forma, as informações
verbais passadas principalmente por Cesar e por sua mãe, dona Maria, foram
fundamentais para a melhor compreensão das fotografias.
O processo de seleção das fotos se deu, pelas circunstâncias, na parte final do
trabalho e só começou depois das entrevistas com a família. Como o acervo é muito
grande e rico, inclusive com fotos de antepassados do século XIX, foi necessário, a
princípio, fazer uma delimitação cronológica no material. Assim, as fotos
apresentadas estão compreendidas entre a primeira década do século XX (com o
primeiro registro fotográfico de então menino Thomaz Lima no Brasil), até, mais ou
menos, a década de 1970, quando já estão nascidos todos os netos. Dessa forma,
embora não tenha havido uma preocupação rígida em seguir uma linha do tempo, é
possível perceber uma certa cronologia na arrumação das fotografias .
Outros critérios também orientaram nossa escolha, especialmente os
depoimentos dos entrevistados (suas lembranças sobre momentos, pessoas, lugares,
hábitos, imagens ou comemorações em família) e fatos narrados nos livros do senhor
Thomaz Lima (relatos autobiográficos escritos entre 1950 e 1977).
16
Quando falamos da família Lima, esbarramos em uma dificuldade: como definir quem são os seus
integrantes? O grupo familiar, oriundo de Portugal, se perpetua por aqui e por lá, como quase todas as
famílias. Se definíssemos o grupo apenas a partir de seu sobrenome, deixaríamos de incluir neste
trabalho membros da família que não têm Lima no nome, como é o caso de Cesar. Entendemos que,
além do sobrenome e do sangue, uma família também é formada por laços de amor, de convivência e
por afinidade entre seus membros. Assim, noras, genros, primos, grandes amigos ou fiéis empregados
também fariam parte da família Lima e, portanto, poderiam estar presentes nas fotos. Mas como
precisávamos fazer um recorte de tempo e de espaço, optamos por pensar os Lima e usar suas fotos a
partir da vinda de Thomaz Lima para o Brasil e da formação de sua família aqui. Como foi necessário
delimitar a quantidade de fotos a serem analisadas neste trabalho, optamos por privilegiar imagens que
contemplassem, principalmente, o núcleo formado por Thomaz, Margarida, seus filhos e seus netos. A
exceção fica por conta da foto da capa, onde aparecem também genros e noras. Ela faz parte da seleção
por ter sido considerada pelos informantes como a “foto-emblema” da família.
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Após ser feita a escolha das fotos, optamos por organizá-las em 14 núcleos
temáticos. Com essa atitude, é como se “montássemos” um novo álbum da família
Lima. As fotos escolhidas expressam o olhar dos familiares sobre sua própria família
e também o nosso olhar sobre os álbuns. São uma reconstrução do passado a partir do
presente, pois, como afirma Barbosa (2007: 44), “(...) entendendo que o objeto de
recuperação são sempre os traços e nunca o todo, a operação memorável jamais seria
mera cópia do passado e sim recuperação ou recalcamento desse mesmo passado, sob
a forma de sinais, emblemas, vestígios e traços”.
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NÚCLEO 1: RETRATOS DO SENHOR THOMAZ LIMA
Uma seleção das imagens do patriarca da família em diversos momentos: na
infância, na juventude, em típica foto de estúdio do início do século XX, na
maturidade e condecorado com a comenda do governo português.
A imagem de Thomaz ainda criança (foto 1) foi a primeira fotografia dele
tirada no Brasil, em 1909, fato que dona Margarida deixou registrado na frente e no
verso da imagem. A foto 2 representa a passagem da infância à juventude quatro anos
depois de chegada de Thomaz ao Brasil. A imagem de Thomaz vestido com um traje
típico português (foto 3) foi feita em um estúdio, em 1914, e é um exemplo de um
tipo de fotografia muito comum no fim do século XIX e início do século XX. A foto 4
mostra Thomaz Lima na maturidade. Na foto 5, Thomaz Lima posa como
comendador, honraria oferecida em 1958 pelo governo português.
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3
3
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NÚCLEO 2: RETRATOS DE DONA MARGARIDA LIMA
Minha avó era a segurança emocional do meu avô. Ela era uma
espécie de relações públicas para ele. Mesmo depois dele morto, ela
continuou guardando todas as fotos, recortes de jornais, livros e
documentos referentes a ele. Lembro que ela tinha um broche com
uma foto dele. (Depoimento de Cesar Carvalho)
A foto 6 estava um pouco danificada e com marcas de durex, como se tivesse
sido recuperada. É, provavelmente, uma imagem de dona Margarida antes do
casamento. A foto7 nos chamou a atenção por conter, em seu verso, uma dedicatória
ao senhor Thomaz (que não conseguimos decifrar por completo) e pelo fato de dona
Margarida estar usando um cordão com a letra T. A foto 8, feita em Portugal, revela
dona Margarida na maturidade. A foto 9 representa a comemoração dos 80 anos de
dona Margarida. O senhor Thomaz já era falecido nessa época.
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NÚCLEO 3: CARTES-DE-VISITE
Dois exemplos de cartes-de-visite, formato que tornou a fotografia
definitivamente popular em meados do século XIX na Europa, chegando pouco tempo
depois ao Brasil. As fotos 10 e 11, de Thomaz e Margarida na infância, foram feitas
no início do século XX.
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NÚCLEO 4: CASAMENTO, BODAS DE PRATA E BODAS DE OURO
As imagens do casamento de Thomaz e Margarida, em 1923, (fotos 12 e 13)
significam o registro iconográfico do início da família Lima no Brasil. Segundo Leite
(op. cit.: 119), os retratos de casamento têm, geralmente, duas formas fundamentais: o
retrato das duas famílias, com membros de duas ou três gerações, com os noivos
sentados ou de pé na primeira fila, ou o retrato frontal dos noivos, de pé, exatamente
como encontramos no acervo da família Lima.
A foto 14, das bodas de prata, é mais um marco da vida a dois do casal
lembrado pelos familiares em seus depoimentos. A foto 15 é um registro das bodas de
ouro no Brasil. Esta ocasião, que teve duas comemorações, uma no Brasil e outra em
Portugal, foi muito lembrada pelos filhos, dona Maria e senhor Tomaz, em seus
depoimentos. O senhor Tomaz contou que o pai fretou um avião do Brasil para levar a
família e os amigos a Portugal para a celebração;
A foto 16 mostra o casal entrando pelo tapete de flores (uma tradição
portuguesa) na festa de bodas de ouro comemorada em Portugal. Esta foi a única
imagem deste trabalho retirada do acervo de dona Maria. Este álbum foi o único que
ela quis guardar depois da morte dos pais e da venda da casa.
Essas fotos reúnem a família inteira. Foi um momento marcante da
história familiar. Meu pai ficou anos planejando... Eu acho que ele
tinha orgulho da família, por isso programou tanto essa
comemoração. Acho que isso também tem a ver com a trajetória
bem-sucedida dele, afinal, tinha apenas instrução primária e chegou
onde chegou. Ele se orgulhava dessa situação e as bodas de ouro
eram uma forma de comemorar isso. (Depoimento de dona Maria)
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NÚCLEO 5: FAMÍLIA LIMA: OS FILHOS
Entre o ‘eu’ criança, o ‘eu’ adulto e o ‘eu’ aqui presente, descobrindo
e apontando, a cada foto, um pouco de mim mesmo, muita vida foi
vivida (...) As fotos servem para me lembrar de mim mesma, criança
e moça, menino e adolescente. A foto congela o presente permitindo
transportá-lo para o futuro. E, a cada observação, passado e presente
se fundem, anunciando um novo futuro. Negando o tempo no mesmo
movimento em que documenta fragmentos de uma história
existencial, a imagem fotográfica possui uma dimensão atemporal.
(Barros e Strozenberg, op. cit.: 68)
Este núcleo apresenta fotos de Thomaz e Margarida com seus filhos em
diversas épocas. É a passagem do tempo registrada em imagens. Essa história social
parece ser o que dona Margarida tentou fazer ao montar os álbuns. Como nos contou
dona Maria, a mãe adorava guardar fotos, montar álbuns, mas não fazia questão de
mostrá-los:
Lembro que ela ia ao escritório para ver, curtir, trocar fotos de lugar.
A gente falava: “para que guardar esse monte de fotos”? Mas ela
adorava. Eu acho que ela gostava disso porque era filha única e talvez
porque na casa dela não houvesse o hábito de fazer fotos. Ela fazia
álbuns de todas as ocasiões. Não lembro muito de fotos nas paredes
ou em porta-retratos, acho que ela gostava mais de fazer álbuns.
Mamãe comprava um álbum e ia montando as fotos. O álbum “Meus
Filhos” (um álbum temático menor que os outros e escrito “meus
filhos” na capa) foi uma novidade na época, mas o normal era ter um
álbum grande no qual colocavam-se as fotos. (Depoimento de dona
Maria)
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NÚCLEO 6: FILHOS EM ESCADINHA
Minha mãe gostava de montar os álbuns, mas não lembro dela
mesma bater muitas fotos. Papai tirava algumas e outras ele chamava
o fotógrafo. Lembro que ele adorava fotografar os quatro filhos em
escadinha! (Depoimento de dona Maria)
Encontramos várias fotos dos filhos em escadinha, algumas com dona
Margarida junto a eles. Optamos por apresentar quatro delas (três feitas
provavelmente pelo próprio senhor Thomaz e outra feita em um estúdio em Portugal).
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NÚCLEO 7: VIAGENS EM FAMÍLIA
O senhor Thomaz Lima, sempre que podia, voltava a Casal de Vil de Souto,
seu torrão natal, e a outros lugares de Portugal e da Europa. Algumas das viagens,
geralmente feitas de navio, foram registradas em imagens e também em livros escritos
por ele. A foto 25, por exemplo, foi feita na Serra da Estrela, em Portugal. As fotos
26, 27 e 28 foram feitas em 1935 - como dona Margarida deixou registrado na frente
de uma delas - em uma embarcação com destino ao país. Em 1970, o casal fez uma
viagem de volta ao mundo. O senhor Thomaz deixou a aventura registrada em um
livro, Uma viagem à volta do mundo. Em uma das passagens ele diz:
Três famílias que residem em Niterói resolveram visitar a Exposição
Internacional do Japão para, a seguir, irem à Europa e depois ao
Brasil. O que se vai ler é como que um “diário-recordação” do nosso
roteiro no mundo nosso desconhecido
. (Lima, 1970: 3)
Em outro livro, Terras da Beira – coração de Portugal, ele fala sobre a cidade de
Fátima, em seu país natal:
A primeira vez que visitei o monte da Cova da Iria, onde apareceu a
Virgem de Fátima aos Pastorinhos, foi em 12 de outubro de 1923.
Desde essa data para cá, em todas as viagens que tenho feito a
Portugal tenho voltado ao local, quase sempre em companhia de
minha esposa e filhos. (Lima, 1958: 89)
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NÚCLEO 8: ESPÍRITO FESTIVO DA FAMÍLIA LIMA
A faceta festiva da família Lima está representada em algumas imagens do
acervo, como a de uma festa na casa da Rua Presidente Pedreira (foto 29), a do casal
Thomaz e Margarida fantasiado para o carnaval (foto 30), os quatro filhos tocando
(foto 31), a comemoração do Natal (foto 32) e um almoço de confraternização (foto
33).
O português é, por índole, um amante de festas. É um povo que traz a
alegria latente em sua alma e, por isso, não perde nenhuma
oportunidade para exibi-la, quer no seio da família, quer
publicamente em comunhão com o povo em geral. (Lima, 1977: 83)
As expressões de alegria, as comemorações em família e a
musicalidade são marcas muito características da família. A casa da
Rua Presidente Pedreira era um local muito festivo. Na música e na
festividade era uma forma da família se encontrar. (Depoimento de
Cesar)
Papai fez questão que cada um de nós estudasse um instrumento.
Talvez porque ele não tivesse tido oportunidade quando novo. Nem
perguntava se a gente gostava ou não: determinava o que cada um ia
aprender. Depois botava a gente para tocar nas festinhas, no Rotary...
(Depoimento de dona Maria)
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NÚCLEO 9: A FAMÍLIA LIMA, A COMUNIDADE PORTUGUESA
E A FILANTROPIA
O envolvimento do casal Thomaz e Margarida com instituições de caridade
era muito grande e isso ficou fartamente registrado em imagens. Muitas delas estavam
ampliadas, demonstrando a importância que possuíam para seus donos.
Em uma delas, dona Maria (foto 34), ainda criança, foi vestida de enfermeira
pelos pais para arrecadar fundos para uma entidade beneficente de auxílio médico. O
senhor Thomaz aparece na foto próximo à filha, enquanto a mãe beija uma conhecida
na saída da missa. Em outra (foto 35), o senhor Thomaz aparece ao lado de
representantes da comunidade portuguesa.
A foto 36 é um registro do senhor Thomaz discursando no Rotary Clube. Já a
foto 37 revela algum acontecimento ligado à Beneficência Portuguesa.
Essa sociedade, a que chamávamos de colônia, embora composta de
um número pequeno em relação à sociedade dos próprios filhos da
terra em que vínhamos viver, era suficientemente forte para se impor
ao seu próprio futuro. Havia nela um determinismo social que nós
mesmos ignorávamos, apesar do nosso desejo de vencer na vida e no
meio do povo que nos recebia de braços abertos. Assim é que os que
vinham para cá primeiro recebiam e encaminhavam os que chegavam
depois... Hospitais, asilos, casas de caridade, clubes esportivos,
centros cívicos e culturais, enfim, onde se manifeste uma centelha de
amor ao próximo ou se cultuem as tradições da terra e da gente, aí há
sempre de se encontrar os portugueses. De minha parte orgulho-me
disto. (Lima, 1974: 30)
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NÚCLEO 10: FOTOS DAS CASAS DA FAMÍLIA
Aqui estão reunidas imagens de algumas casas da família Lima: a casa do Ingá
(foto 38), a mais citada nos depoimentos, a casa construída na década de 1960 em
Portugal (foto 39), a casa do Fonseca (foto 41) e a quinta de Portugal (foto 42), onde
nasceram os dois primeiros filhos de Thomaz e Margarida. Esta última imagem
merece atenção pelo fato de ser Cesar o menino que aparece na frente da casa
segurando um típico cajado português. É como se, com esse gesto, ele quisesse
confirmar seu sentimento de pertença àquele grupo familiar, àquele lugar. Além da
quinta de Portugal, Cesar fala com muito carinho da casa da Rua Presidente Pedreira:
A casa do Ingá era agregadora, tinha sempre um movimento de vai-e-
vem. Além da família, tinham as pessoas de Portugal, que quando
vinham para o Brasil ficavam por lá. A própria Casa da Amizade
começou na casa da Presidente Pedreira, com as senhoras do Rotary
costurando para crianças pobres. Mas não sei se havia intenção direta
de mostrar a casa nas fotos. Apesar de o meu avô ter feito uma
grande reforma, ter mandado trazer azulejos de Portugal, apesar do
culto a casa, não era um culto do objeto em si, e sim do que ela
representava em termos de coesão familiar. Depois da morte do meu
avô, da minha avó e da venda da casa, que era um lugar aglutinador,
a família se desgarrou um pouco. Ali tudo era referência a ele, à
marca Thomaz Lima. A casa foi leiloada e cada um ficou com
algumas peças, como lençóis, toalhas, louças, cadeiras, o piano...
(Depoimento gravado)
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NÚCLEO 11: FOTOS DOS CARROS DA FAMÍLIA LIMA
Os carros aparecem nas fotos de forma a mostrar a modernidade incorporada à
vida do grupo familiar. Cada modelo adquirido é devidamente registrado em fotos,
atestando a progressão da família na escala da ascensão social. Segundo nos informou
Cesar, as fotos desse núcleo foram provavelmente feitas em Portugal. A foto 46
contém uma dedicatória: Retrato de Margarida, Thomaz, Tomazinho, Maria, Eduardo
e Maria Teresa em 1935 no Casal de Vil de Soito, Portugal, para o meu querido Cesar
Augusto. Da sua querida Margarida.
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NÚCLEO 12: MOMENTOS EM PORTUGAL
Algumas imagens da família Lima em Portugal: uma festividade na casa (foto
47), senhor Thomaz colhendo uvas para produção caseira de vinhos (foto 48), um
registro dele em uma igreja local na foto 49 (esta imagem, além de captar um
momento em Portugal, revela a religiosidade do senhor Thomaz Lima, uma
característica marcante de sua personalidade). A foto 50 mostra o patriarca falando ao
telefone, provavelmente, de acordo com Cesar, com algum parente no Brasil.
... Enquanto existir um beirão digno deste nome, no país ou no
estrangeiro permanecerá sempre viva no coração daqueles que
tiveram a felicidade de nascer na terra dos pinheiros bravos, do
granito, do Crasto, dos vinhedos e dos pomares; terra dadivosa, de
solo fértil, que tudo produz com a benção de Deus; terra de tantos
heróis, cujos nomes aureolados ficaram escritos com sangue generoso
e bom, para a imortalidade e glória de nossa Pátria, esta Pátria tão
querida que se chama Portugal. (Lima, 1958: 8)
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NÚCLEO 13: O LADO PROFISSIONAL DO PATRIARCA
Presentes nos álbuns e nas caixas de fotos de família Lima, os registros da
atuação profissional do patriarca são parte fundamental da trajetória da família. A foto
51, de 1920, estava ampliada e emoldurada em um cartão rígido e registra o terceiro
aniversário do Bazar Brasil. A foto 52 mostra uma cerimônia de homenagem a
funcionários do Banco Predial do Estado do Rio de Janeiro. Na foto 53, o senhor
Thomaz Lima é condecorado pelo Almirante Américo Tomás, presidente de Portugal
(1958-1974), enquanto na foto 54 ele posa para um fotógrafo em um ambiente de
trabalho.
Em 1938, meu pai e Manuel João Gonçalves compraram um banco.
O nome era Banco Predial do Estado do Rio de Janeiro. Ter um
banco não era muito comum para portugueses, que geralmente eram
donos de padaria ou trabalhavam no comércio. O banco durou 33
anos, até ser vendido para o Unibanco. (Depoimento do senhor
Tomaz)
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NÚCLEO 14: A TERCEIRA GERAÇÃO DA FAMÍLIA LIMA:
THOMAZ E MARGARIDA COM OS NETOS
As fotos com todos os netos ao lado de Thomaz e Margarida são uma
referência de passado e futuro, falam sobre tradição e renovação. Hoje, as crianças
que aparecem nestas fotos são todas adultas, na faixa dos 40 ou 50 anos. Cesar é o que
aparece, na foto 55, ao lado do avô, o que mais parece “vibrar” com o beijo deles.
Acho que, para mim e para os meus primos, essa imagem desperta
mais curiosidade, mais emoção, afinal, foi um momento do qual
participamos. Já para os meus filhos, ela não diz muita coisa (...) Eles
dizem: “essa é a tralha do papai, a velharia”. É natural que eles
tenham essa atitude de distanciamento (...) Acho que é comum as
pessoas se desvencilharem do que não tem referência para elas. Eu é
que tenho uma certa dificuldade com isso. Até tento me desvencilhar.
Afinal, não posso impor minha carga passada à minha nova família.
Minha mulher reclamou quando eu quis colocar fotos da minha
família nos porta-retratos da casa. Ela falou: “se você colocar da sua
eu vou querer colocar da minha também”. Então optamos por colocar
em casa apenas fotos da nossa família: eu, ela e nossos dois filhos.
(Depoimento de Cesar Carvalho)
Não cheguei a ler os livros do meu bisavô, quem sabe um dia? O que
sei dele é o que meu pai e meu avô paterno me contam. Quanto às
fotos que meu pai guarda, já disse que essa história morre com ele, eu
não vou guardar isso tudo. Meu pai é muito saudosista, além das
fotos tem um quarto cheio de coisas velhas... (Depoimento de Pedro
Carvalho, 18 anos, bisneto de Thomaz Lima, filho mais velho de
Cesar Carvalho)
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CONCLUSÃO
Situação 1: Em fevereiro de 2006, durante uma reunião informal em minha
casa, uma amiga, Luciana, perguntou sobre o tema desta dissertação. Ao saber que era
sobre a relação entre álbuns de família, memória e identidade, fez o seguinte
comentário: “Legal você escrever sobre isso! Eu sinto como se não tivesse memória
de uma parte da minha infância porque, em um ato de raiva, quando meus pais se
separaram, meu irmão queimou quase todas as nossas fotos e álbuns, inclusive
negativos”.
..............................
Situação 2: Em um encontro com minhas amigas, em minha casa, em maio de
2007, alguém lembrou de uma foto que havia sido tirada há anos. Peguei então a caixa
de fotografias dentro do armário e começamos a revirar os álbuns, rindo das roupas,
cabelos e situações do passado. Algumas vezes, nem lembrávamos mais de
determinada situação e, ao contemplar as imagens, aquele acontecimento voltava
automaticamente à nossa memória.
Entre as centenas de fotos da caixa, as meninas se interessavam,
principalmente, por aquelas em que o grupo aparecia reunido ou por aquelas em que
cada uma aparecia sozinha. Escolhi, então, uma foto antiga em que todas nós
aparecíamos juntas e pendurei na parede do corredor, espaço em minha casa dedicado
às fotos da família e dos amigos. Ao me ver arrumando a foto no quadro, o filho de
uma de minhas amigas, Pedro, de três anos, fez o seguinte comentário. “Aqui é
mamãe, aqui é você, aqui é tia Maria... Cadê eu?”
..............................
114
Situação 3: Durante visita a casa dos meus avós, em março de 2007, meu
primo Eduardo, de cinco anos, sentou-se ao meu lado com um álbum de fotografias na
mão. A coleção, organizada pela avó dele, minha tia, tinha fotos de Dudu desde o
nascimento até dias atuais. Eram imagens do batizado, de aniversários, viagens à casa
de praia e carnaval, entre outras, arrumadas de forma cronológica e com legendas.
Dudu deitou no meu colo e pediu que eu “contasse a história dele”. Para ele,
aquele álbum de fotografias era uma espécie de livro sobre a sua vida ilustrado por
fotos pessoais e de pessoas próximas. A cada “página” virada, uma reação: “Eu
lembro desse dia lá em Búzios”. Ou então: “Por que papai não está aqui?”. Ou, ainda:
“Olha eu vestido de índio!”.
Como o álbum era grande, eu tentava “enganá-lo”, pulando algumas páginas
para não ter que falar sobre cada uma das fotos. Mas ele me fazia voltar. “Você
passou essa página, não pode!”. Para meu primo, era como se eu estivesse suprimindo
uma parte de sua história de vida. Aquelas fotos, para ele, deveriam ser “lidas” na
seqüência correta.
.........................
As situações descritas acima aconteceram ao longo do desenvolvimento deste
trabalho. Achei-as interessantes, pois estava trabalhando com álbuns de família e
qualquer coisa a esse respeito despertava minha atenção. Desde que o tema foi
escolhido, foi impressionante a quantidade de conversas em que participei, filmes e
programas de TV que vi e livros que li que, de alguma forma (inclusive não
acadêmica), ressaltavam a relação entre fotografia, memória e identidade. Tive
certeza, então, da força da fotografia na vida das pessoas - mesmo que muitas vezes
elas nem se dêem conta disso - e que o tema despertava interesse, fosse de crianças ou
de pessoas idosas. Ao começar a redação desta conclusão, lembrei dessas situações e
achei que, por sua riqueza de significados, elas poderiam ser aqui citadas, pois
ajudariam a retomar as principais idéias desenvolvidas ao longo dos quatro capítulos
anteriores.
Na primeira situação, fica nítida a importância da fotografia na construção da
memória e da identidade de um indivíduo. As fotos são como uma prova de que uma
pessoa esteve presente em determinada situação, de que ela vivenciou determinado
115
período. Além disso, atestam que a pessoa pertence a um determinado grupo,
ajudando a construir sua identidade. Se através da língua, dos hábitos, da culinária, da
música, das roupas e da religião as pessoas se sentem parte de um grupo maior, como
uma nação, por exemplo, os retratos da família (assim como jóias de família, móveis,
postais ou cartas, entre outros objetos) são uma maneira de garantir o pertencimento a
um núcleo menor, mais próximo de nós: nossa família e amigos.
Dessa forma, quando Luciana diz que sente como se não tivesse memória de
uma parte de sua infância é porque ela perdeu a oportunidade de ter a memória
daquela época estabilizada em um suporte material, no caso a fotografia. Ela perdeu a
chance de voltar no tempo e ver como ela era antes de ser o que é hoje. Perdeu, ainda,
a possibilidade de ter uma parte de sua história de vida registrada. Com as fotos da
infância, esse sentimento de perda parece ainda pior, porque não lembramos de nós
mesmos até certa idade. Daí a importância das imagens dessa etapa da vida: elas nos
ajudam a montar as peças de nossa existência. Miriam Moreira Leite (op. cit.: 41)
lembra que as mudanças de uma pessoa só se tornam visíveis pela justaposição de
diversas imagens feitas em momentos diferentes. A contemplação dessas fotos é uma
maneira da pessoa observar a si mesmo e aos outros. É uma busca pela própria
identidade dentro da família.
Sendo essencialmente o instante congelado, a imagem fotográfica
fixa não registra a passagem de tempo. As mudanças ou o
prolongamento do mundo visível só podem ser obtidos pela
justaposição de diversas imagens sobre a mesma questão, tomadas
em momentos diferentes. O período fixado para o exame de
diferentes núcleos temáticos de fotografias será observado em
subunidades e diferentes momentos de diversos anos.
O depoimento de Luciana vem ao encontro do que afirma Cesar Carvalho
(op.
cit.: 3). O autor diz que nossa relação com a fotografia é tão forte que chegamos a
achar estranho ou lamentar quando não há um registro de determinada situação. Para
ele, é como se a imagem garantisse a existência do mundo real, “em inversão
paradoxal do que seria o vetor, lógica e cronologicamente esperado, isto é, do real ao
116
representacional”. Em função do registro da imagem a realidade se manifesta,
legitimando seu direito de existir. Em certo sentido, o casamento, a festa, a viagem e
os parentes que ninguém mais conhece só existem (ou continuam a existir) porque é
possível atestar tais acontecimentos e figuras familiares por meio do registro
imagético.
Quando Luciana diz que “parece que não vivi aquele período”, além de
lamentar a perda daquele “documento” que comprovaria a “existência” de sua
infância, ela parece fazer uma relação entre a fotografia e o tempo, ao desejo de,
através da imagem, “congelar” um instante considerado importante. Essa vontade de
capturar um momento presente é inerente a quem fotografa e a quem é fotografado. A
infância é uma etapa da vida que não volta mais. A fotografia, nesse sentido, seria
uma espécie de túnel do tempo que traria de volta aqueles momentos (vale aqui
ressaltar que quando olhamos uma foto fazemos uma interpretação, a partir do
presente, do que foi o acontecimento no passado. Os fatos não voltam à tona
exatamente como aconteceram). Segundo Enne (op. cit.: 5), a memória é construída
no presente, a partir de demandas dadas por ele, e não necessariamente pelo passado
em si. Sem as fotos – o suporte material para sua memória - Luciana perdeu a
oportunidade de ter aquela etapa da vida fixada. Perdeu a chance de, como lembra
Sanz
(op. cit.: 69) “frear os segundos, estabilizar o que não pode ser estabilizado”.
O segundo exemplo revela que geralmente olhamos uma foto para nos
procurar. Interessamos-nos muito mais pelas imagens nas quais aparecemos. Em sua
pesquisa com fotos de diversas famílias, Leite (op. cit.: 130) observou que a maioria
das pessoas entrevistadas não tinha muito interesse em comentar as fotos que não
fossem de seu círculo direto de familiares e amigos. Como não há uma possibilidade
de reconhecimento e de identificação através de um contexto, os informantes
desinteressavam-se por completo dizendo, algumas vezes: “Quem é?”, “Esse eu não
conheço”.
Foi mais ou menos isso que aconteceu com Pedro, filho mais velho de Cesar e
bisneto do senhor Thomaz Lima. Em algumas das ocasiões em que estive na casa de
Cesar para colher informações, Pedro estava presente, mas não demonstrou muito
interesse em saber sobre seus antepassados, fazendo apenas algumas observações
sobre cabelos e roupas “estranhas” do passado. Já quando via alguma foto em que ele
ou seus familiares mais próximos apareciam, o interesse era imediato, gerando
perguntas direcionadas ao pai.
117
Segundo Lins de Barros e Strozenberg
(op. cit.: 29), como estas fotos
registram nossa história pessoal, elas refletem uma certa autoconsciência. Como sou,
como me vejo, como me vêem, como quero que me vejam são as perguntas que,
consciente ou inconscientemente, fazemos ao posar para uma foto. Segundo as
autoras, recompomos a aparência, as expressões, os gestos, ou seja, construímos nosso
próprio personagem numa dramatização quase teatral.
Posamos assumidamente adotando atitudes formais, mas posamos
também negando a pose, escolhendo deliberadamente uma atitude de
informalidade, envergando a máscara do espontâneo. Posamos, às
vezes, em conivência com o fotógrafo, cúmplices de uma mesma
intenção na construção de nossa imagem, mas posamos também
contra ele buscando contrapor nossa intenção a dele. É neste poder de
contrariedade que se encontra a fonte do poder lúdico da brincadeira
(quase que institucionalizada na relação fotográfica) de fazer o gesto
gaiato, a careta ridícula que surpreende e frustra o fotógrafo no
momento decisivo e irreversível em que este aciona o botão de sua
máquina.
Ao contemplar uma foto, várias situações, que já nem lembrávamos mais,
voltam à nossa mente. É como se a lembrança estivesse fixada na imagem. Segundo
Carvalho
(op. cit.: 3), os atos de memória se dão em grande parte ao redor das
imagens, por isso é que nos lembramos muitas vezes das imagens e não mais dos
acontecimentos e personagens que elas representam. De acordo com Leite (op. cit.:
130), quando contemplamos uma fotografia é como se aquela imagem despertasse na
memória várias outras lembranças, como se resgatasse a memória de uma situação
que já estava até esquecida. “Em muitos casos, lembranças das fotografias substituem
lembranças de pessoas ou acontecimentos, que são mutáveis, enquanto a fotografia
pode ser vista e revista várias vezes”.
O terceiro exemplo mostra que, para Dudu, aquele álbum é a sua própria
história de vida, uma maneira dele se reconhecer em relação ao grupo no qual está
inserido. Como sua história de vida está diretamente relacionada com a vida de outras
pessoas, ele estranhou quando, em determinada foto, seu pai não estava. Outro detalhe
118
que podemos destacar da afirmação do menino é a necessidade dele ver sua história
contada com uma certa cronologia, desde o seu nascimento, passando por seu
batizado, seu primeiro aniversário, primeira visita à casa dos bisavós, carnaval e etc.
Essa é uma necessidade que parece inerente a todos nós. A imagem fotográfica, fixa,
não registra a passagem do tempo, por isso a necessidade de examinarmos as fotos em
seqüência para acompanharmos nosso desenvolvimento. Além disso, nesta
“cronologia” estão geralmente incluídas imagens de alguns ritos de passagem (cf.
capítulo 2). Nascimentos, aniversários, batizados, casamentos, entre outros, são
devidamente registrados através da foto. São registros de momentos sacralizados pela
alteração do tempo normal e repetitivo. Daí o pedido de Dudu para que eu não
“pulasse as páginas”. Ele precisava saber de cada detalhe sobre sua vida.
Esta cronologia através das imagens, entretanto, parece ter mais força e fazer
mais sentido quando observamos os álbuns de família organizados em papel. Assim
como um romance, que para ter sentido deve ser lido na seqüência correta, os álbuns
em papel parecem seguir a mesma lógica. Quando eles têm indicações, como datas ou
legendas explicativas, fica ainda mais fácil acompanhar o desenrolar da “história
familiar”. Acreditamos que quem se dispõe a organizar um álbum quer contar alguma
história através das imagens. No caso da família Lima, os álbuns organizados por
dona Margarida eram arrumados de forma a narrar a trajetória da família, na medida
do possível seguindo alguma linearidade (vale lembrar que, naquela época, como
conta dona Maria, o que existiam eram grandes álbuns onde as pessoas iam colando
ou encaixando as fotos nas páginas de papel-cartão. Quando o álbum era completado,
comprava-se outro). Isso ajudava a estabelecer uma cronologia para as famílias, pois,
como não havia tanta facilidade em fazer fotos como temos hoje, levava-se um tempo
para completar um álbum (a não ser em casos de álbuns específicos para determinadas
ocasiões, que começaram a surgir mais tarde, como álbuns do tipo “Primeira-
comunhão”, “Meus quinze anos” ou “O álbum do casamento”. Dona Maria lembra de
um álbum específico que foi novidade na década de 30, com o título “Meus filhos”,
comprado por dona Margarida).
Com a popularização da fotografia digital e a profusão de imagens que ela
proporciona, está havendo uma mudança no conceito de álbuns de família. Nossa
percepção é a de que, com a facilidade das câmeras portáteis, a partir do início do
século passado e hoje, com a proliferação das máquinas digitais, palm tops e celulares
com câmera, não apenas os ritos de passagem, mas qualquer momento do dia-a-dia
119
pode ser facilmente registrado através de câmeras fotográficas ou celulares. Como
quase não imprimimos mais as fotos, quase também não montamos mais álbuns.
Guardamos as imagens no computador, em pen drives, passamos por e-mail,
“postamos” em sites ou exibimos para amigos e família na tela do computador ou da
TV. E como, geralmente, há um excesso de imagens, vamos sobrepondo umas às
outras, sem necessariamente demarcar as mais ou menos importantes. Arrumar
cronologicamente as fotos parece não fazer muito sentido nos dias de hoje.
Como lembra Sanz (op. cit. 97; 130), selecionar um instante para ser
fotografado no final do século XIX era uma atitude de atribuição de relevância e valor
à situação presente, transformando-a, a partir daquele momento, em um fato para ser
relembrado posteriormente, em um acontecimento. As fotos de família
correspondiam, assim, à narrativa de um sujeito moderno (ou de um grupo) dotado de
uma subjetividade interiorizada. Esse sujeito buscava a coerência de si mesmo através
das fotos. Sua identidade e, conseqüentemente, seu desenvolvimento, estavam
registrados desde seu nascimento, passando por seu batizado, sua primeira-comunhão,
seu casamento, a compra de um carro, a foto em local de trabalho etc. Havia uma
idéia de futuro, de progressão a ser alcançada.
Essa construção de uma narrativa familiar parece justamente ter sido o que o
senhor Thomaz e dona Margarida procuraram fazer ao fotografar determinados
momentos da vida em família e organizá-los em álbuns. Eles almejavam não apenas
deixar registrado para a posteridade tais momentos, mas também, construir, através
das imagens, a história de sua “bem-sucedida” família. O fato dos Lima terem um
acervo tão amplo está diretamente relacionado à trajetória vitoriosa do patriarca, que
veio ainda menino para o Brasil e prosperou economicamente. Dona Margarida tinha
tanto orgulho disso, que teve a preocupação em escrever na frente de uma foto de seu
marido: “primeira fotografia tirada no Brasil, em 1909” (ver foto 1, página 86). É
como se ela visse nesta imagem do senhor Thomaz, ainda criança, o começo de uma
caminhada de sucesso que possibilitou a formação de sua família. Assim, as fotos do
casal, dos filhos, dos momentos profissionais, das casas e carros da família e das
viagens eram uma forma da família Lima cultivar sua memória e reafirmar sua
identidade.
120
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