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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NIVANDA FRANÇA ARAÚJO
O ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
EM ESCOLAS DE CUIABÁ - MATO GROSSO:
UMA ANÁLISE REFLEXIVA E DIALÓGICA
CUIABÁ - MATO GROSSO
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NIVANDA FRANÇA ARAÚJO
O ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
EM ESCOLAS DE CUIABÁ - MATO GROSSO:
UMA ANÁLISE REFLEXIVA E DIALÓGICA
CUIABÁ - MATO GROSSO
2006
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NIVANDA FRANÇA ARAÚJO
O ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
EM ESCOLAS DE CUIABÁ - MATO GROSSO:
UMA ANÁLISE REFLEXIVA E DIALÓGICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação do Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como
parte dos requisitos para a obtenção do Título de
Mestre em Educação na Área de Concentração
Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação
Escolar na Linha de Pesquisa Formação de
Professores e Organização Escolar sob a
orientação do Professor Doutor Peter
Büttner.
CUIABÁ – MATO GROSSO
2006
FICHA CATALOGRÁFICA
A663e Araujo, Nivanda França
O Ensino de Filosofia para Crianças em Escolas
de Cuiabá-MT: uma análise reflexiva e dialógica /Nivanda França Araújo.
- - Cuiabá: UFMT/IE, 2006
141p.
Dissertação apresentada como exigência à obtenção do Título de Mestre em
Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de Concentração Teorias
e Práticas Pedagógicas na Educação Escolar. Linha Formação de Professores.
Universidade
Federal de Mato Grosso
Orientador: Prof. Dr. Peter Peter Büttner
Bibliografia: p. 136-141
CDU – 372.81
Índice para Catálogo Sistemático
1.Filosofia para Crianças
2.Fortalecimento das habilidades cognitivas
3.Formação de professores
4.Relação teoria e prática
5-Saber e ser
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Peter Büttner
Orientador – UFMT
______________________________________________
Profª Doutora Mariluce Bittar
Examinadora Titular – UCDB
______________________________________________
Profª Doutora Ana Arlinda de Oliveira
Examinadora Titular – UFMT
______________________________________________
Professor Doutor Silas Borges Monteiro
Examinador Suplente – UFMT
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Terezinha Beviláqua de França e Francisco Martins de França
(Chicão) que renunciaram noites, dias e a muitos dos sonhos de suas vidas para que eu
pudesse estudar. Vocês, meus pais são a prova evidente de que o maior de todos os valores é a
honestidade.
Ao meu esposo Índio do Brasil Ferreira Araújo, pela compreensão dos sonhos que
tenho como ser humano. Por entender minhas muitas ausências do nosso lar. Por ter me
acompanhado até onde cheguei com muita fé na minha caminhada de educadora.
Aos meus filhos, muito amados, Leonardo França Araújo e Luana Thaís França
Araújo, pela independência que têm em suas abordagens, fruto daquilo que sempre acreditei
na educação. Acreditem que muito do que fiz foi para que vocês compreendam que o maior
de todos os bens é a capacidade de aprender.
Aos meus amigos Professor Doutor Delarim Martins Gomes e Professor Mestre
Alceu Vidotti companheiros fiéis e inseparáveis de sonhos e de perdas. A vida certamente nos
aproximou para que juntos pudéssemos caminhar, não fugindo jamais daquilo que realmente
acreditamos.
Ao Secretário de Estado de Planejamento e Coordenação Geral do Governo Blairo
Maggi, Yênes Jesus de Magalhães, pelo apoio e pela compreensão sempre generosa, ainda
que muitas vezes silenciosa, extremamente importante na consolidação deste trabalho.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Quero agradecer em especial, ao meu orientador Professor Dr. Peter Büttner, pela forma
afetuosa com que sempre me acolheu. Com suas valiosas observações, aliadas às suas
diferentes competências, em muito contribuiu para que este trabalho se realizasse. Acreditou
em mim em um momento em que eu acreditava muito pouco em muitas coisas.
A Professora Doutora Marta Maria Pontin Darsie, que com seu olhar em suas aulas,
sempre me encorajou. Sua postura profissional e sua competência são referências eternas para
mim.
A Professora Doutora Ana Arlinda de Oliveira, pela sensibilidade e competência com
que concebe a educação. Pelas contribuições extremamente significativas na consolidação
deste trabalho
A Professora Doutora Mariluce Bittar, pelo acolhimento, pelo incentivo, considerações e
contribuições valiosas que enriqueceram este trabalho.
A Professora Doutora Filomena Maria de Arruda Monteiro, que nas suas inserções no
presente e pela história construída juntas, nos idos de 1980, inspirou-me a continuar
acreditando na educação. Silenciosamente me ajudou a continuar caminhando, sem mesmo
perceber.
A minha afetuosa amiga e estimada sobrinha Professora Mestre Débora Pedrotti, pelo
apoio e força, encorajando-me em momentos difíceis ainda que muito prazerosos, no percurso
da realização deste trabalho.
Ás professoras entrevistadas que na sua maioria se mostraram alegres e colaboradoras.
Sem dúvida, eu devo estar esquecendo de alguém.
Mas gostaria que este trabalho representasse meu abraço fraterno e reconhecimento a
todos, pelo que representam para mim.
Como em muitas situações, nossos sentimentos são confusos, peço licença para
agradecer com as palavras do poeta.
O Amor Quando se Revela
Fernando Pessoa
O amor quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah! Mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Grande Sabedoria Divina, que me manteve lúcida e íntegra, e
proveu todas as forças para que eu concluísse mais uma etapa de minha vida, que esteve
presente em todos os momentos da vivência do mestrado, do processo de pensar, construir e
organizar este trabalho. Por me conceder a oportunidade de aprender e amar sempre!
Dedico a todas as professoras, parceiras de caminhada, pela oportunidade de
trilharmos caminhos e aprendermos de forma dialética.
Dedico este trabalho às crianças que fizeram parte da minha vida, pois suas presenças
instigadoras, nos meus caminhos de educadora, mostraram-me que o afeto e o amor fazem
parte das relações humanas e por me fazerem compreender que “os porquês” jamais podem
ser calados. Isso foi o diferencial para que eu pudesse continuar pensando e caminhando...
Seu caminho cada um terá que descobrir por si.
Descobrirá caminhando.
Contudo, jamais seu caminho será aleatório.
Cada um parte de dados reais,
apenas o caminho há de lhe ensinar
como os poderá colocar e como com eles irão lidar.
Caminhando saberá.
Andando, o indivíduo configura o seu caminho.
Cria formas, dentro de si e ao redor de si.
E assim como na arte o artista se procura
nas formas de imagem criada, cada
indivíduo se procura nas formas do seu fazer,
nas formas do seu viver.
Chegará ao seu destino.
Encontrando, saberá o que buscou.
(OSTROWER,1987 apud MULTIEDUCAÇÃO, 1996, p.139).
RESUMO
O Ensino de Filosofia para Crianças ocupa hoje espaço no currículo de muitas escolas
públicas e particulares de Cuiabá-MT. Sabendo da necessidade da formação de um educador
que conheça os fundamentos da Filosofia para Crianças e da Educação para o Pensar, se
apresenta o objetivo central deste trabalho. O propósito desta pesquisa de cunho teórico e
investigativo fundamenta-se no método qualitativo na busca de elementos para o
conhecimento e compreensão de como se apresenta o ensino de Filosofia para Crianças no
cotidiano de quatro escolas de Cuiabá MT, sendo duas escolas da rede pública e duas da
rede particular de ensino, utilizando como critério que os Projetos Políticos Pedagógicos ou
Propostas Pedagógicas contemplassem em seus pressupostos o ensino de Filosofia para
Crianças. Foram pesquisados sujeitos que atuavam no primeiro ciclo e no segundo ciclo do
ensino fundamental I a IV. O resultado da pesquisa identificou do perfil dos oito profissionais
que trabalhavam no ensino de Filosofia para Crianças nas escolas pesquisadas, bem como os
procedimentos pedagógicos, revelando as referências teóricas que sustentam suas práticas,
identificando o material estruturado utilizado no encaminhamento do desenvolvimento do
pensar e a prática da educação filosófica usada em sala de aula. Neste sentido, para que o
ensino de Filosofia para Crianças se efetive de forma plena, faz-se necessário que esta seja
uma opção determinada quanto ao currículo das escolas públicas e particulares de Cuiabá
MT. Quanto ao professor necessário para o ensino da Filosofia para Crianças este deve ser
competente na teoria e prática de um pensar superior, capaz de construir e reger uma
Comunidade de Investigação e de criar um clima apropriado e prazeroso do processo
investigação-ensino-aprendizagem de construção de conhecimentos e desenvolvimento de
habilidades cognitivas, pela provocação de perguntas intrigantes e instigantes, oportunizando
o fortalecimento do pensar no diálogo interativo, levando os alunos a compreenderem e
reconhecerem a complexidade do ser e do saber, tanto a complexidade e unicidade na
diversidade do universo-cosmo como de seu próprio universo-pessoa. É este processo que vai
fortalecer sua competência de autonomia, de sua respectiva resistência ao intolerável, pela
denúncia deste e a anunciação do dever-ser, que são valiosas competências da cidadania
democrática, dialógica e reflexiva..
Palavras-chave: filosofia para crianças, fortalecimento das habilidades cognitivas,
formação dos professores, relação teoria e prática, saber e ser.
ABSTRACT
The Philosophy´s teaching to children finds its place nowadays in the content of many public
and private schools of Cuiabá-MT. the main goal of this work emerges from the need to form
an educator that knows the principals of Philosophy to Children and Education for the
Thinking. The purpose of this investigative and theoretical research is based on the qualitative
method, in search for elements to allow the knowing and comprehension about the way the
teaching of Philosofy for Children is found in the daily routine of four schools in Cuiabá
MT, two of them public network and the other of the private network. The main criterion used
was that the Political and Pedagogical Projects or Pedagogical Proposals have taken into
account in their premises the teaching of Philosofy for Children. The subjects researched
worked in the first and the second cicle of fundamental education (I a IV). The research´s
outcomes identified the profile of the eight professionals that worked in the teaching of the
Philosofy for Children in the selected schools, as well as the pedagogical procedures, showing
the theoretical references that support their practices, identifying the structured guide used
toward the development of thinking and philosophical practice used in class. In that direction,
to allow the teaching of Philosofy for Children happen in an efective shape, it becomes
necessary that this option is determined in the content of public and private school of Cuiabá
MT. As for the required teacher to the education of Philosofy for Children, one must be
capable in theory and practice of a higher thought, able to build and prevail an Investigation
Community and to create an appropriate and pleasant environment for the investigation-
teaching-learning process, as well as the construction of knowledge and development of
cognitive skills, by the provoking of intriguer and interesting questions, offering the
opportunity of strengthening the thought in interative dialogue, taking the pupils to
understand and recognize the complexity of the know and the being, both the complexity and
the unity on the diversity of the cosmo-universe and its own personal-universe. This process
will strengthen its autonomy capability, its respective resistance to the unbearable, by the
denunciation and the announcement of the must-be, which are valuable competences in the
democratic, dialogic and reflexive citizenship.
Key-words: Philosofy for Children, strengthening of the cognitive skills, teacher´s formation,
theory-practice relation, know and being.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
1.1 Contextualização de uma trajetória – justificativa para o objeto de pesquisa 14
1.2 Um novo olhar para a educação 19
2.1 Aspectos da história do Programa Filosofia para Crianças 23
2.2 O pensamento de Matthew Lipman na realidade brasileira 29
2.3 O Papel do Professor no Desenvolvimento do Pensar do Aluno 33
2.4 A Comunidade de Investigação 38
3 CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA ....................................................... 46
3.1 A opção metodológica – construindo um caminho 46
3.2 Etapas que foram construídas para a realização da pesquisa 50
3.3 Princípios relevantes para a coleta das informações 51
3.4 O espaço da pesquisa 52
3.5 Escolas nas quais foram realizadas as pesquisas 54
3.6 Os sujeitos da pesquisa 65
4 OS SABERES ENVOLVIDOS NA PRÁTICA ........................................................ 67
4.1 O ensino da Filosofia para Crianças no cotidiano de quatro escolas de Cuiabá-MT -
uma análise reflexiva e dialógica 68
4.2 Uma leitura contemporânea sobre a formação reflexiva do professor 95
4.3 Considerações sobre a formação do professor de filosofia 104
4.4 O Professor e as Habilidades de Investigação 111
4.5 O professor necessário para o desenvolvimento das diferentes habilidades – Caminhos
a percorrer 116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS - RECONHECENDO A COMPLEXIDADE DO SER E
DO SABER ............................................................................................................. 122
5.1 Assentando a função do filosofar – uma análise reflexiva e dialógica 122
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 136
13
1 INTRODUÇÃO
Penso que essas memórias que agora passo a relatar evidenciam o motivo desta
dissertação bem como ajudem a compreender minhas escolhas.
Temos sempre muitos elementos comuns das nossas concepções, articuladas com
nossa história: se não falamos dela, ela se faz falar em nós, pois estamos, com certeza,
traduzindo-a em ação, em posições corporais, de maneira muitas vezes inconsciente. Esse
movimento dinâmico da vida nos encaminha para a elaboração, que é o momento de
reorganização das representações das diferentes leituras e da reconstrução permanente que
realizamos na nossa trajetória de vida pessoal e profissional.
Segundo Hobsbawm (1998, p.18), temos três maneiras de usufruir o passado: buscar
nele o modelo ideal, as glórias para o orgulho da nacionalidade ou para buscar elementos para
problematizar o presente. É nesta terceira que me inspiro na elaboração desta dissertação: com
o resgate de algumas de minhas memórias e dos vínculos construídos na escola como aluna e,
no “chão” da escola, como educadora, além de nuances de minha trajetória vivida no grupo
familiar durante a infância.
Este trabalho de resgatar as memórias escolares dos educadores tem sido realizado
desde 1980 pela educadora Madalena Freire que, ao resgatar no professor o aluno que foi,
encontrou uma forma de luta contra a repetição de modelos recebidos. Trazer para a
consciência fatos à cuja relembrança na verdade resistimos, é recuperar nossa história, nossas
marcas, nosso percurso e desejo. Recuperar a relembrança do passado é um dos meios para
construir a diferença entre o passado, o presente e o futuro.
Agreguei, ainda, a este trabalho, minha preocupação com a investigação dos objetos
de desejo em jogo na cena educativa, verificando que o cenário subjetivo é colorido com
aspectos e personagens da vida profissional que, no caso da escola, são os colegas de trabalho,
a autoridade, os educandos e suas famílias, o conhecimento.
Assim começo este diálogo, entendendo minha exposição através desta dissertação
como um diálogo que estabeleço com o leitor, mesmo que este não possa me responder com
14
palavras, mas com suas próprias reflexões sobre a importância das experiências vividas, e da
necessidade permanente da formação, no caminho na constituição do sujeito.
1.1. Contextualização de uma trajetória – justificativa para o objeto de pesquisa
Penso que a vida pode ser comparada com o processo de confecção de colcha de
retalhos que vai se construindo, retalho por retalho, juntando “cores”, trabalho, sonhos,
projetos, dedicação, estudos, realização, e, com sensibilidade ao contexto da vida, vai se
tornando uma obra de arte.
Assim tem sido minha vida: a busca incessante de construção de uma colcha de
retalhos. Não posso dizer se algum dia essa colcha ficará pronta, até porque o prazer na
construção da colcha não está no seu final, mas no caminho, no percurso de construção, nos
pedaços de tecidos que se juntam, se recortam, se costuram e nos quais se colocam as mãos
afiadas do tempo, dos pesos e experiências, na busca de uma forma harmoniosa de se fazer,
de ser e se fazer apresentar.
Os caminhos vividos por mim ao longo de vinte e seis anos de trabalho como
educadora possibilitaram muitas leituras e descobertas. Os principais recortes desta vivência
cotidiana se constituíram em saberes úteis e importantes para a presente pesquisa, tais como o
reconhecimento de que não existe nem uma maneira neutral, nem única de realizar o trabalho
pedagógico e de que o oficio de educar não é imutável. Conscientizei-me também de que as
transformações, e mesmo mutações, urgem cada vez mais por causa das necessidades
emergentes e das respectivas exigências de novas competências para ensinar e educar.
Outro recorte da minha vivência profissional é a convicção de que a capacidade de
criar e organizar, de proporcionar e dirigir situações investigativas, interativas e prazerosas de
aprendizagem torna-se o grande desafio para o trabalho do professor e, também, para o seu
sucesso.
Assim recordando e recortando, aparece um retalho enorme da experiência do meu
cotidiano de educadora, dessa minha busca de métodos significativos para uma prática que
oportunize e propicie o desenvolvimento de habilidades e competências, a Filosofia para
15
Crianças, que se apresenta como um caminho possível e necessário, rico de possibilidades e
de evidente eficiência, fomentando práticas instigantes e prazerosas de leituras, reflexões e
investigações filosóficas de “porquês”, ou seja, um paradigma filosófico-pedagógico
altamente adequado para fortalecer o desenvolvimento das habilidades do pensamento e da
convivência democrática.
Nasci no interior do Estado, em Jaciara Mato Grosso, filha de pessoas simples e
humildes, que me mostraram, desde pequena a importância dos valores humanos e que
dignidade se constrói mesmo é com pé no chão.
Os primeiros anos de estudos, cursei na cidade na qual nasci, cercada de colegas, gente
amiga, excelentes professores. Pude compreender muito tempo depois à importância dos
primeiros anos de vida na escola na formação humana.
Tive a oportunidade de ter encontrado uma avó que me ensinou o gosto pela leitura.
Quando pequena, quando tinha sete anos, sentava perto da sua presença, junto à cadeira de fio
e observava as leituras que realizava nos jornais que, depois de mais de uma semana,
chegavam a nosso município. Ficava enamorando-a e de tanto me ver por perto, ela percebeu
que eu tinha interesse também nos jornais. Ela os passava para mim e eu lia textos,
propagandas, tudo o que encontrava.
Durante a minha formação acadêmica participei de vários congressos e cursos de
atualização e extensão. Meu trabalho como docente começou ainda na graduação onde atuei
como professora da Classe de Alfabetização em 1982, em uma escola particular de Cuiabá
Mato Grosso. Mudei-me em 1983, para Brasília Distrito Federal, onde atuei como
professora regente da primeira e da terceira séries do ensino fundamental. De retorno a
Cuiabá Mato Grosso, no final do ano de 1984, trabalhei como professora interina na Escola
Pública de 1985 a 1990, no Colégio André Avelino Ribeiro, em Cuiabá-MT, ministrando
aulas de Língua Portuguesa na então quinta série do ensino fundamental e acompanhando
Literatura Infantil e Didática no Magistério. No período de 1985 a 1990, trabalhei ainda como
professora no Colégio São Gonçalo onde acompanhei crianças da primeira e terceira séries e
também como regente de salas da educação infantil. Em 1990 fui convidada a assumir a
orientação educacional das primeiras e segundas séries, nas quais permaneci na função até
1993. Em 1994, assumi a supervisão pedagógica da educação infantil e do ensino
fundamental I a IV. No período de 1996 a 1999, participei da assessoria das escolas
16
salesianas. No ano de 1996, participei da coordenação de implantação da Escola Municipal
Tempo Integral “Dom Bosco do Praeirinho”, escola que funcionou em parceria com a MSMT
– Missão Salesiana de Mato Grosso – onde, além de acompanhar a estruturação da escola, fui
assessora pedagógica para os professores da educação infantil, na organização da proposta de
alfabetização, voltada para a realidade ribeirinha, como voluntária.
No mesmo ano (1996), no Colégio Salesiano São Gonçalo, assumi a vice-direção da
Educação Infantil e do Ensino fundamental I à IV, onde permaneci na função até julho de
2002.
Ainda na vice-direção no Colégio São Gonçalo, no ano de 1990, coordenei a
implantação da proposta de Filosofia para Crianças, com a assessoria do Programa PROPHIL
da UFMT, organizando cursos para os professores, fundamentados nas novelas filosóficos
escritas por Matthew Lipman e trabalhados em forma de livros didáticos que trazem como
suporte um manual de orientação para os professores - "Pimpa", "lssao e Guga". Participei
ainda de um curso fundamentado na novela filosófica "Rebeca" que o PROPHIl oportunizou
com professores do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças em São Paulo e de oficinas
sobre as novelas filosóficas "Luisa" e "Ari" organizadas pelo referido Programa, com
professores do Centro de Filosofia para Crianças, de Barcelona, Espanha.
Esse recorte histórico faz-se importante nesta primeira abordagem, na medida em que
sinaliza a minha proximidade com a necessidade de me apropriar do compromisso com o
desenvolvimento do pensar crítico-criativo-cuidadoso com crianças e professores que
estiveram presentes em minha vida. Além disso, acompanhei o processo de formação de
professoras que atuavam, no ensino fundamental I a IV, e que participaram da implantação da
Filosofia para Crianças no Colégio São Gonçalo, em Cuiabá-MT, na década de 1990 e ainda o
processo de discussão tanto na academia, bem como nas oficinas nas quais participei, de
formação de professores para o ensino de Filosofia para Crianças que me sinalizaram a
importância da educação para o pensar e que essa educação só se efetiva com educadores que
estejam preparados e formados permanentemente.
Assim, a Filosofia para Crianças que conheci e da qual me aproximei no início da
década de noventa do século XX, sustentaram e significaram a minha angústia na busca de
caminhos que pudessem desenvolver o pensamento das crianças, das diferentes habilidades
cognitivas e me fizeram descobrir e acreditar ainda que ao longo de minha caminhada como
17
educadora, o que sempre me serviu como maior referência, foi ter a certeza que o saber é um
processo de construção contínua, tanto para os educadores quanto para os educandos. A
curiosidade, o espírito de busca por referências teóricas sempre me acompanharam, ao longo
desses anos. Tenho clareza que estamos neste mundo a serviço das pessoas, para
contribuirmos na construção de uma sociedade mais justa, mais humana, mais fraterna, mais
ética, para que todos possam ter acesso aos bens culturais, intelectuais e materiais produzidos
historicamente pelos seres humanos. A educação é um caminho necessário na vida dos seres
humanos, para que a sociedade se torne melhor.
Além disso, tenho clareza que, mesmo não podendo resolver todos os problemas que
se apresentam no mundo, a educação possibilita apropriação de instrumentos para o
desenvolvimento de habilidades e competências importantíssimas para o domínio de um novo
tempo que já se apresenta agora. Assim a Filosofia para Crianças pode ser um caminho viável
a ser percorrido por aqueles que sonham e acreditam que as crianças podem e são capazes de
usar o seu pensamento de forma lógica, ética desde que estimuladas.
Importante considerar que ao conhecer o Programa de Filosofia para Crianças, fiquei
encantada com sua didática que instiga notavelmente o desenvolvimento de habilidades de
pensamento. Nesse contexto, retomo Lipman:
Pensar é o processo de descobrir ou fazer associações e disjunções. O
universo é feito de complexos (não há, evidentemente, realidades simples)
como as moléculas, as cadeiras, as pessoas e as idéias, e estes complexos
têm ligações com algumas coisas e não com outras. O termo genérico para
associações e disjunções é relacionamentos. Considerando que o significado
de um complexo encontra-se nos relacionamentos que este tem com outros
complexos, cada relacionamento, quando descoberto ou inventado, é um
significado, e grandes ordens ou sistemas de relacionamentos constituem
grandes corpos de significados (LIPMAN, 1995, p.33).
Ao acompanhar todo o processo vivenciado no Colégio São Gonçalo, na implantação
do Programa de Filosofia para Crianças, e ainda em outras instituições de ensino onde
participei de discussões sobre esse Programa, permaneço com a clareza de que, cada vez
mais, se faz necessário uma educação cujo objetivo pressupõe professores que ajudem as
crianças a pensar critica-criativa-cuidadosamente, de um modo aberto, ainda que rigoroso,
construindo saberes sobre as idéias de seus pares, competentes no processo da investigação e
reflexão.
18
Essa educação dialógica, imbuída de investigação, precisa começar bem cedo, quando
as crianças estão nos primeiros anos escolares ou mesmo antes, precisando de reforço, ano
após ano, por professores que compreendam as crianças, reconhecem o método da
investigação como essencial na educação e respeitam as idéias das crianças.
O professor ocupa um lugar especial no processo da educação filosófica, concebendo e
encaminhando os trabalhos na sala de aula como uma permanente comunidade de
investigação. Ele funciona como modelo para a criança em relação ao seu comportamento na
discussão; é um fator essencial, comprometido com a atividade e capaz de suscitar nos alunos
o entusiasmo, a curiosidade e o prazer de investigar, refletir, dialogar e construir
conhecimentos.
Em suma, o professor deve estar preparado para levar adiante uma discussão
filosófica, coordenando-a de maneira razoável, provocando objeções aos erros, perguntando,
reperguntando, intervindo nas discussões filosóficas.
Outra característica importante é saber ouvir. Essa é uma habilidade que nem todos
têm. O “ouvido” filosófico se desenvolverá na medida em que o professor instiga
discussões filosóficas ordenadas em que cada criança tem o direito de expor sua idéia
enquanto as demais escutam com respeito e interesse. Acrescenta-se ainda que o professor de
Filosofia para Crianças tem de possuir um espírito jovial e deve perceber que o
desenvolvimento das idéias envolve uma livre construção de significados. Deve ser
autônomo, seguro de si. Sua autonomia não consiste apenas na escolha do material que mais
sirva ao professor e não ao inverso, mas principalmente na sua liberdade de pensar e agir com
responsabilidade e sensibilidade ao contexto. O professor seguro de si é capaz de submergir
ao questionamento de um texto, sem saber aonde isto poderá levá-lo.
Assim à luz desse contexto e sabendo que o “ensino” de Filosofia para Crianças ocupa
hoje espaço no currículo de muitas escolas públicas e particulares de Cuiabá-MT, bem como
de outras cidades do Estado de Mato Grosso e, sabendo da necessidade da formação de um
educador que conheça os fundamentos da filosofia e da Educação para o Pensar, se apresenta
o objetivo central deste trabalho cujo tema é “O ensino de Filosofia para Crianças em de
Cuiabá, Mato Grosso: uma análise reflexiva e dialógica”, que é identificar e analisar a relação
da formação de oito professores que atuam no “ensino” de Filosofia para Crianças e a prática
vivida no cotidiano da .escola em quatro escolas, sendo duas públicas e duas particulares.
19
O propósito desta pesquisa de cunho teórico e investigativo fundamenta-se no
método qualitativo na busca de elementos para o conhecimento e compreensão de como se
apresenta o ensino de Filosofia para Crianças no cotidiano da escola à luz da formação dos
professores.
Os sujeitos da pesquisa, em número de oito, foram escolhidos de forma que quatro
atuassem em escolas públicas e quatro em escolas particulares.
Para obter respostas que pudessem nortear os fundamentos desse diagnóstico, procurei
identificar o perfil do profissional que trabalha no ensino de Filosofia para Crianças nas
quatro escolas, bem como investigar o procedimento pedagógico e a prática da educação
filosófica usada em sala de aula e a realidade de formação dos professores que orientam o
ensino de Filosofia para Crianças.
1.2 - Um novo olhar para a educação
Vivemos um momento de crise que traz em seu âmago a convivência de ameaças e
possibilidades. Essa crise, porém, pode ser entendida como um momento de evolução na
história da humanidade. Para que essa evolução seja positiva para a sociedade, é urgente que a
educação proporcione o desenvolvimento de competências e as condições necessárias para
lidar com essa situação que ora se apresenta, viabilizando a interação da tecnologia com o
pensar humano crítico-criativo, sobretudo na ética, na ecologia, na sabedoria e sensatez.
Vivemos um momento em que ocorre uma mutação sociológica muito ampla que
provoca um processo de personalização que rompe com a ordenação, disciplina e austeridade,
originando uma sociedade em que o valor primordial é a liberdade de viver no aqui e agora
sem coação, com liberdade sexual, anulação da hierarquia e a igualdade em tudo como
conseqüência da ascensão do hedonismo e narcisismo.
Será a educação capaz de lidar com essa mudança de valores que incessantemente vem
sendo divulgado pela mídia? Sabemos que a tarefa é desafiante, mas não pode ser relegada
20
nem pela família, nem pelos educadores dos quais vêm sendo exigido cada vez mais, que
dêem conta das tarefas antes exercidas pelos pais.
Vivemos uma crise de futuro e um presente angustiado e infeliz, na medida em que o
desenvolvimento científico e tecnológico, além de não garantir a melhoria desse futuro, cria a
possibilidade de manipulação da humanidade. Manipulação sutil do homem pelo homem e/ou
do homem pelas entidades sociais. Criam-se máquinas para servir ao homem e colocam-se
homens a serviço de quinas. Esse problema vem provocando a demissão do sujeito em
termos morais e éticos havendo, conseqüentemente, o empobrecimento do humano.
Torna-se imprescindível, portanto a reconquista pela humanidade do domínio sobre o
desenvolvimento científico e tecnológico. Esse domínio, porém, será alcançado através da
educação. Para que isso aconteça, a capacidade de produzir ciência e tecnologia com sensatez
e sensibilidade ética e ecológica tem que ser o foco central do processo educativo.
É pela educação que os seres humanos ascendem à capacidade de dialogar com seus
semelhantes e com a realidade circundante e de nela se inserirem de forma crítico-cuidadosa e
criativamente por meio da invenção e construção do conhecimento necessário.
Portanto, é preciso que o educando, não apenas seja alfabetizado quanto à máquina
informacional, mas que, também, seja instigado a desenvolver seu potencial de raciocínio e de
posturas independentes. É através da educação que se desenvolvem sujeitos críticos, capazes
de comandar a ciência e tecnologia existente no momento e de ter o domínio sensato, ético e
ecológico daquilo que ainda está por ser inventado. Para que isso se concretize é necessário
que o educador e os educandos juntos, em Comunidade de Investigação, consigam se
apropriar criticamente da realidade desenvolvam habilidades cognitivas e sócio-afetivas e
desta forma, competências, construindo conhecimentos que permitam a transformação dos
problemas em soluções.
É inegável que o processo de construção e reconstrução de conhecimento depende da
capacidade de questionamento da realidade, tanto por parte do professor quanto do aluno.
Esse questionamento, tão desejado e necessário, é natural na criança que, desde muito cedo,
quer saber o porquê dos fatos e fenômenos. Porém, na maioria das vezes, esses porquês não
são respondidos ou sequer aceitos pela escola. Isso faz com que o questionamento dos
porquês seja calado precocemente.
21
Outro aspecto também espontâneo na infância é a capacidade argumentativa que, se
for estimulada adequadamente, evolui através da interação com seus pares, ou seja, do diálogo
que estabelecem com as diferentes fontes de informação, com as pessoas, com o ambiente,
com o mundo.
O diálogo com a troca de idéias, a percepção de pontos de vista diversos favorecem
tanto o desenvolvimento da autonomia, do senso critico e da criatividade quanto da tolerância
necessária na criança. É indispensável, entretanto, que, para auxiliar o aluno no
estabelecimento dessas condutas, o professor tenha, ele mesmo, vivenciado situações
similares. Experiências passadas, por outro lado, não bastam. O professor precisa estar
continuamente vivenciando essas situações na vida e, especificamente, na Comunidade de
Investigação na sua sala de aula.
Dessa forma, precisa estar preparado para lidar com a diversidade das modalidades da
inteligência, com as diferentes formas de aprender, de pensar, considerar os conhecimentos
prévios dos alunos e dominar vários métodos de comunicação. Tais exigências,
freqüentemente geram dúvidas e ansiedade e como decorrência, provocam resistência. O novo
sempre ameaça!
Cabe à escola criar um clima que venha a eliminar ou minimizar essa resistência. O
professor precisa sentir-se seguro para iniciar e dar continuidade aos projetos propostos.
Precisa, além disso, estar preparado para lidar, não apenas com o que está posto, mas
também reger sua comunidade de investigação a construir o que deverá ocorrer. Essa parece
ser a melhor forma de garantir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sócio-afetivas
de seus alunos e o avanço do conhecimento.
À luz desse debate, vale retomar Catherine Young Silva, (apud LIPMAN,1998, p. 10):
A tarefa dos educadores de hoje é menos a de transmitir conteúdos aos
alunos e mais a de orientá-los a como buscar aquilo que necessitam saber e
como processar as informações para aquilo que dêem subsídios para a
aquisição de conhecimentos significativos (
apud LIPMAN,1998, p. 10)
Entretanto, essa busca pode ser filosófica ou não-filosófica, dependendo dos meios e
os métodos utilizados para se chegar à construção de conceitos e interpretação do mundo.
22
Assim, podemos nos indagar o que caracteriza um pensamento filosófico. Se as conversas, os
diálogos, estabelecidos com as crianças, forem apenas umas trocas de opiniões, isso não
indica um debate filosófico. Reconhecemos se uma troca de idéias é filosófica, analisando se
os temas são da alçada da filosofia e se estão sendo usadas as ferramentas da indagação
filosófica: as habilidades de raciocínio, o diálogo de auto-avaliação e a reflexão em torno dos
diferentes assuntos. O debate em curso deve exigir capacidade de raciocínio e chegar a
diferentes modelos de fazer, dizer e agir. Lorieri acha que são características básicas do
pensamento filosófico: “a autonomia do pensar, a reflexão crítica e criativa, a ‘reinvenção’ e
‘reconstrução’ contínua e continuada das significações humanas” (LORIERI, 2000, p.54).
Nesse sentido, poderíamos dizer que as crianças parecem estar mais aptas a filosofar
do que boa parte dos adultos, o que não quer dizer que elas tenham mais capacidade de
elaborar raciocínios difíceis e complexos do que filósofos profissionais, ou que encontrem
mais facilidade para compreender os vários sistemas filosóficos. Ou ainda, que dominam um
vocabulário técnico com mais competência que um adulto. É que elas estão em fases de
aprendizagem e desenvolvimento que têm mais a ver com a curiosidade, com a busca do saber
do novo, do misterioso e desconhecido, com as questões certo-errado e justo-injusto e outras
mais do pensar filosófico.
Este trabalho está dividido em cinco capítulos. O capítulo que nomeio de introdução
revelo elementos que justificam a escolha do objeto de pesquisa que apresento nesta
dissertação, e o encontro da minha história de vida pessoal e profissional e a preocupação na
formação dos professores que atuam na educação básica, especialmente na educação que
possibilite o desenvolvimento de habilidades no pensar. No segundo capítulo, abordo sobre o
ensino de Filosofia para Crianças. No terceiro capítulo, descrevo a metodologia usada, as
perguntas que nortearam este trabalho, a constituição do contexto da pesquisa em Cuiabá -
MT e os sujeitos investigados. No quarto relato as falas das professoras e analiso a massa de
textos resultantes das entrevistas, buscando estabelecer um diálogo com as teorias e autores
apresentados. Nas considerações finais, em vista dos resultados, busco discutir com o leitor
sobre o alcance da formação dos professores no cotidiano das escolas, reconhecendo que a
formação para o desenvolvimento das habilidades cognitivas é complexo, mas também
reflexivo e dialógico.
É nesse fundamento que este trabalho busca dialogar.
23
2 O ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas reflexões que considero relevantes
sobre o “ensino” da Filosofia para Crianças e as idéias centrais que embasam a proposta de
Matthew Lipman, contida no seu Programa de Filosofia para Crianças.
Não é possível que muitos de nós educadores continuem a pensar em Didática e
Práticas de Ensino sem ponderar, o mais profundamente possível, a necessidade da filosofia,
tanto em nossa formação de docentes, quanto principalmente na formação de nossas crianças
e jovens. que haver um esforço sério, não para a presença da Filosofia na Educação
Básica, mas para o debate sobre a melhor forma de esta presença se realizar e, com destaque,
sobre o papel do professor no desenvolvimento do pensar do aluno. Antes de dissertar sobre
isso, preciso, contudo, relatar alguns aspectos da história do Programa Filosofia para Crianças
e sobre o pensamento de Matthew Lipman na realidade brasileira, tanto como as propriedades
educativas específicas da Filosofia para Crianças e sua Didática de Comunidade de
Investigação muito importantes para o desenvolvimento das habilidades das crianças e para a
educação em geral.
2.1 Aspectos da história do Programa Filosofia para Crianças
Para a compreensão do papel do professor no ensino de Filosofia para Crianças, faz-se
necessário o conhecimento da história da Filosofia para Crianças e o trabalho de Matthew
Lipman.
Na década de sessenta do século XX, o Professor norte-americano Dr. Matthew
Lipman, filósofo contemporâneo, professor de Lógica da Universidade de Colúmbia, começa
a se interrogar em 1969, sobre o valor de seu ensino:
Eu me perguntava espantado que benefício meus alunos poderiam tirar do
estudo das regras que determinam a validade dos silogismos, ou da
aprendizagem da construção de oposições inversas. Haveriam eles de
raciocinar melhor em função de seus estudos de lógica? Não Estariam seus
24
hábitos lingüísticos e psicológicos tão solidamente arraigados que todo tipo
de método ou de ensino relativo ao raciocínio chegava um pouco tarde?
(LIPMAN, 1994, p.1).
Preocupado com o desempenho insuficiente de seus alunos de segundo grau, e a partir
de suas indagações e de suas experiências de ensino universitário concebeu o Programa
Filosofia para Crianças, visando cultivar o desenvolvimento das habilidades cognitivas nas
escolas primárias e secundárias, que poderia se iniciar a aprendizagem do pensamento
autônomo e crítico.
Assim, cerca de trinta e seis anos, lançava as bases do Programa de Filosofia para
Crianças, inaugurando um novo paradigma educacional que tem como meta o
desenvolvimento do pensar crítico-criativo-cuidadoso da criança. Mas, como fazer com que
esse processo de aprendizagem se efetivasse? Isto era o grande questionamento que
angustiava esse filósofo contemporâneo. Que as crianças pensam de formas tão naturais
quanto falam ou respiram disso eu não tinha dúvidas. Mas como ajudá-las a pensar bem?”
(LIPMAN, 1994, p.5).
Ao longo de seus questionamentos e de suas reflexões sobre o valor e a utilidade de
seu ensino universitário e de suas aulas de Lógica no ensino médio, desenvolveu o Programa
de Filosofia para Crianças, com o objetivo fundamental de valorizar as experiências
cotidianas da criança e de estimulá-la a investigar a realidade, os valores, os significados.
Surgem, assim, as novelas filosóficas, cada uma concebida em função de uma faixa
etária e adaptada a uma etapa precisa do desenvolvimento mental. Estas novelas têm a função
de despertar o espanto e a curiosidade e, assim, de provocar discussões de temas filosóficos
no nível das crianças, capazes, de instigar o fortalecimento de suas habilidades cognitivas e
sócio-afetivas e possibilitando a competência e segurança da criança na busca de
conhecimentos e significados. Nesse contexto afirmou Lipman: "Alunos que estudam
filosofia expressam-se com major clareza, pensam mais criativamente, questionam mais
e.adoram filosofia". (LIPMAN, 1990, p. 9).
Lipman também dava cursos de Filosofia das Ciências Sociais. Um dos seus cursos
incluía uma explanação completa acerca de Piaget e o desenvolvimento intelectual das
crianças. (Piaget, 1969, p. 56), afirmava que as crianças de dez ou onze anos são capazes de
25
realizar operações formais que chamaríamos de operações lógicas básicas. Lipman queria
assegurar-se de que as ferramentas da filosofia fossem acessíveis para as crianças. Não se
tratava de levar às crianças a história da filosofia - não era isso que ele queria. Na verdade o
que ele queria era utilizar a disciplina como um todo, suas habilidades cognitivas e
intelectuais e seus conceitos fundamentais. Estes ele procurou imbutir em suas novelas
filosóficas para forçar as crianças e professores a discuti-los e compreendê-los mais e mais.
Para estas discussões criou a didática chamada "Comunidade de Investigação". O processo
dessa investigação comunitária e interativa favorece o pensar por si mesmo, além do
desenvolvimento das ferramentas cognitivas e das habilidades de convivência democrática,
constituindo-se processo de libertação da criança. Ele estava certo de que não se consegue
compreender comunicações faladas e escritas corretamente sem ter essas ferramentas
cognitivas bem afiadas, sem saber dialogar. Uma pesquisa da TV Globo em 2005 comprovou
esta certeza de Lipman, quando constatou e publicou pelo Jornal Nacional que apenas cerca
de 5% das crianças brasileiras entendem o que lêem. Isto demonstra que apesar de que o
Brasil, nas últimas décadas, tenha ampliado o acesso a educação para uma grande parcela das
crianças brasileiras filhas de trabalhadores, muitas vezes o processo ensino e aprendizagem
não tem contribuído para o desenvolvimento do pensar dialógico e investigativo, ou seja, há
falta de um processo de aprendizagem igual ou similar à proposta de Lipman. Com a falta
dessa educação para o pensar, as crianças e de certa forma, todos nós, nos tornamos presas
fáceis da propaganda dos meios de comunicação no sistema em que vivemos.
Para Lipman, 1990, toda teoria epistemológica é vã se não tem lugar dentro de uma
Comunidade de Investigação.
Se examinarmos nosso sistema educacional com essa franqueza, é
absolutamente previsível que seremos obrigados a concluir não apenas que
é imperfeito, mas que suas imperfeições são muito mais responsáveis do
que gostaríamos de admitir pelas graves circunstâncias em que o mundo se
encontra atualmente. Se lamentamos nossos líderes e nossos eleitores por
serem egoístas e não esclarecidos, devemos nos lembrar que eles são
produtos de nosso sistema educacional. Se protestamos, como um fator
atenuante, que eles são também produtos de lares e famílias, devemos
lembrar que os pais e avós dessas famílias são igualmente produtos do
mesmíssimo processo de educação. Como educadores, temos uma enorme
responsabilidade pela irracionalidade da população mundial (LIPMAN ,
1990, p. 33).
26
Dewey (1974, p.74) entende, neste contexto, que a vida se processa na medida em
que o indivíduo interage com o meio, retirando deste os elementos fundamentais de que
necessita para gerar conhecimento.
A experiência na qualidade de interação com o meio, aparece como elemento
importante e possibilita tanto ao indivíduo quanto à sociedade a renovação de ideais, crenças
e hábitos. É, no entanto, a educação do pensar inteligente que possibilita desenvolver e burilar
habilidades da construção, compreensão e assimilação do conhecimento. Dado que a rigor não
existe transmissão de conhecimentos a outros, torna-se necessário que o sistema educacional
troque esta pretendida e impossível transmissão pelo processo investigativo e reflexivo que
capacita as pessoas a construírem ativamente e interativamente os conhecimentos que
buscam, ao mesmo tempo em que fortalecem sua competência intelectual.
No processo interativo da construção do conhecimento os alunos desenvolvem
também as habilidades sócio-afetivas de convivência democrática. Já que a escola
proporciona de modo rápido e sistemático o contato com situações novas e pessoas de idéias e
vivências diversas, o crescimento intelectual e social dos alunos decorre da possibilidade de
se conviver democraticamente com diferentes indivíduos de diferentes grupos e classes. As
habilidades desta convivência devem ser desenvolvidas no processo da educação, para o qual
a didática da Comunidade de Investigação está eficazmente apropriada.
Em 1974, auxiliado pela Dra. Ann Margereth Sharp, Lipman fundou o Institute for the
Advancement of Philosophy for Children (IAPC), instituição vinculada à Universidade
Estadual de Montclair, New Jersey - EUA, com o objetivo de estruturar melhor o currículo de
Filosofia para Crianças, preparar educadores para o trabalho em sala de aula, realizar
pesquisas acadêmicas sobre o Programa e oferecer suporte e preparação para os Centros de
Filosofia em outros paises.
na década de 1970, o Programa Filosofia para Crianças demonstrou ser uma
abordagem promissora para o aprimoramento das habilidades cognitivas e, a partir de 1976,
espalhou-se pelo mundo, sendo traduzido e trabalhado em mais de cinqüenta paises.
Atualmente, mais de noventa países trabalham com esta proposta. Entre eles: África
do Sul, Alemanha, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá,
Chile, China, Coréia do Sul, Costa Rica, Espanha, Filipinas, Finlândia, Holanda, Hungria,
27
Inglaterra, Islândia, Israel, Itália, Lituânia, Malta, México, Nigéria, Nova Zelândia, Polônia,
Portugal, Quênia, România, Rússia, Singapura, Suécia, Turquia e Uruguai.
Lipman defende ser a filosofia a disciplina, por excelência, capaz de favorecer o
desenvolvimento da capacidade das crianças de fazer juízos logicamente corretos, estimular
atitudes éticas e o pensamento reflexivo.
Nesse sentido, podemos afirmar que com aulas de Filosofia para Crianças, estas
demonstram estar mais aptas a filosofarem do que boa parte dos adultos. Isto o quer dizer
que elas teriam mais capacidade de elaborar raciocínios difíceis e complexos do que filósofos
profissionais ou, ainda, que dominariam um vocabulário filosófico com mais competência que
um adulto. É que as fases etárias delas, como disse acima, têm mais a ver com o
desenvolvimento das habilidades e competências do pensar e com a admiração, a curiosidade
e a busca de sentido, próprias do filosofar. .Para a compreensão disso recorro a filósofos de
renome a fim de enfatizar a característica da admiração: Para Platão e Aristóteles, a
admiração é o principio da filosofia. Para os filósofos antigos e também para os modernos
como Descartes, Kant e Jaspers, a admiração está na raiz da dúvida, da interrogação e da
investigação, portanto, no inicio do filosofar. É próprio, do pensar infantil, a imensa
capacidade de admirar o mundo, dos porquês no processo de construção de significados e
valores. A maioria dos adultos tem suas certezas e seus valores e está em meio a tantas
preocupações cotidianas, a tantos desencantamentos, que perde a capacidade de admirar-se
perante a existência.
Outro aspecto importante é a postura do não-saber, pois a filosofia não começa com o
acúmulo de conhecimento, e sim com o seu contrário, o não-saber consciente. Sócrates parte
da afirmação de que nada definitivamente se sabe. Descartes assume a dúvida como início de
seu filosofar.
Os filósofos guardam, ou pelo menos devem guardar, a humildade de não ter certeza
definitiva do saber, inclusive para continuar filosofando, sem necessariamente cair no
ceticismo radical. A abertura mental e a disponibilidade para fazer perguntas são condições
para a filosofia. Mas o ser humano adulto, de maneira geral, tem opiniões prontas e sistemas
fechados. Assumir uma postura de não-saber é bem mais problemático para ele do que para
uma criança. A criança naturalmente está em atitude de dúvida e de aprendizado diante da
vida.
28
Lembrando ainda Sócrates, pode-se ver em sua prática maiêutica uma relação
intrínseca entre o ato de filosofar e o ato de educar, quase uma identificação entre ambos.
Como filósofo não tinha verdades prontas e sistemas acabados e, como educador, não
pretendia transmitir conhecimentos, como faziam os aristocratas do saber. Nem tampouco
pretendia vender o saber, como faziam os sofistas, ensinando a arte da retórica. A tarefa que
ele se impõe é questionar, interrogar, dialogar com seus interlocutores jovens a fim de que
possam eles mesmos construir a verdade, passo a passo e de acordo com as situações
circunstanciadas (Citação livre de anotações em aulas do Prof. Peter Büttner, 2004).
Assim, filosofia e educação se encontram, porque em última análise, a verdade
filosófica pode ser atingida por um ato pedagógico e a educação deve ser à busca da
verdade com atitude filosófica. E mais: A atitude de Sócrates, que caracteriza tanto a filosofia
quanto a educação, é democrática, e fascinante. Não é autoritária e humilhante. (ibidem)
Se a filosofia nasce da admiração e do reconhecimento do não-saber e se o filosofar
não é, como queriam os sofistas, adquirir um saber, ou uma atitude acadêmica e profissional
de poucos cultos, mas sim um questionamento crítico sobre a vida e a realidade circundante,
um apelo à consciência do ser e um parto, um nascimento do conhecimento, com a ajuda dos
mestres, a criança é capaz de aprender a filosofar e ser interlocutora sensível da realidade. É
nesse sentido que se pode justificar que as crianças tenham aulas adequadas de filosofia e
não apenas pequena parte dos adultos.
O Programa Filosofia para Crianças é uma proposta pedagógica que abrange tanto a
educação infantil, quanto o ensino médio. Sua didática corresponde também à natureza do
ensino superior. Ela se apóia no pressuposto de que o ensino tradicional não é capaz de
"produzir pessoas que se aproximem do ideal de racionalidade" (LIPMAN, 1990, p. 34), isto
é, pessoas com habilidades não apenas para pensar, mas para "pensar criticamente"
(LIPMAN, 1995, p. 154).
Assim como os filósofos, as crianças se perguntam sobre os fundamentos dos valores
e dos conhecimentos humanos. Propiciar o processo de investigação filosófica de forma
sistemática com crianças é fornecer as ferramentas e um método eficiente para aperfeiçoar o
pensamento, pois é na filosofia que se edificam as questões sobre significado da realidade e
sobre o próprio processo do pensar. (Ibidem)
29
Sob estes aspectos a Filosofia para Crianças ganhou chão e em 1998, a UNESCO
ofereceu ajuda para disseminação da Filosofia para Crianças através de sua rede mundial.
2.2 O pensamento de Matthew Lipman na realidade brasileira
No Brasil, o Programa Filosofia para Crianças foi introduzido pela Professora
Catherine Young Silva, que fundou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC),
em São Paulo.
Em janeiro de 1985, ao retornar do Institute for the Advancement of Philosophy for
Children, nos Estados Unidos, Catherine Young Silva, descobriu que voltava a um solo fértil.
Em pouco tempo percebeu que a Filosofia para Crianças vai ao encontro do trabalho de Paulo
Freire, que havia preparado milhares de professores brasileiros para pensar em termos de
diálogo criativo, raciocínio critico e de superação da opressão, rumo à autonomia do pensar
Paulo Freire, mais do que um educador, foi um grande pensador da pedagogia
libertária e problematizadora. Apostando no diálogo, pactuando por uma educação
significativa, dando oportunidades ao ser humano de despertar criticamente para a consciência
do mundo, de si mesmo e do outro, Freire acaba por enriquecer o desejo de surgimento no
Brasil de um Programa que contribuísse para o diálogo e a superação da opressão.
Paulo Freire, em toda sua existência, sempre procurou compreender o processo
educativo no âmbito da sociedade; para ele a educação nunca poderia ser analisada de forma
abstrata, mas sempre levando em consideração a força dos condicionantes sociais. Mesmo
porque a educação oficial diz respeito a uma forma de integração dos indivíduos às estruturas
sóciopolíticas para a sua manutenção. Nesta perspectiva, a educação numa sociedade de
classes, tem por função a legitimação do status quo, uma vez que é a principal agência
formadora, responsável pelo processo permanente de socialização do indivíduo no contexto
social. Em sua experiência como educador Paulo Freire constatou a "teoria da consciência
opressora", daí a denúncia de sua intencionalidade, seus propósitos enquanto ideologia
dominante, conforme registra em Pedagogia do Oprimido: A educação como prática de
liberdade, ao contrário daquela que é prática de dominação, implica na negação do homem
30
abstrato, isolado, solto, desligado no mundo, assim também na negação do mundo como uma
realidade ausente nos homens (FREIRE,1975, p. 81). Nessa perspectiva a pedagogia deveria
ser baseada no diálogo franco e rigoroso entre dois aprendizes, mediados pelo conhecimento,
sob a direção daquele que, entre eles, pode avançar para além do senso comum, sem
desqualificá-lo, mas trabalhando com ele e a partir dele.
Assim, a escola deve ser valorizada como instrumento de luta das camadas populares,
propiciando o acesso ao saber historicamente acumulado pela humanidade, porém reavaliando
a realidade social na qual o aluno está inserido. A educação se relaciona dialeticamente com a
sociedade, podendo constituir-se em um importante instrumento no processo de
transformação da mesma. Sua principal função é elevar o vel de consciência do educando a
respeito da realidade que o cerca, a fim de torná-lo capaz para atuar no sentido de buscar sua
emancipação econômica política, social e cultural. Por isso se faz enfático quando frisa que
ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a questão de identidade cultural que atinge a
dimensão individual e a classe dos educandos, é essencial a "prática educativa progressista".
Portanto, torna-se imprescindível "solidariedade social e política para se evitar um ensino
elitista e autoritário como quem tem exclusividade do "saber articulado".
Igualmente, para ele, educar é como viver exige a consciência do inacabado porque
a História em que me faço com os outros (...) é um tempo de possibilidades e não de
determinismo". (FREIRE, 1997, p.58). No entanto, tempo de possibilidades condicionadas
pela herança do genético, social, cultural e histórico que faz dos homens e das mulheres seres
responsáveis, sobretudo quando "a decência pode ser negada e a liberdade ofendida e
recusada" (FREIRE, 1997, p.62).
Segundo Freire (1997, p.63), "o educador que 'castra' a curiosidade do educando em
nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do
educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica". A autonomia, a
dignidade e a identidade do educando têm de ser respeitada, caso contrário, o ensino tornar-
se-á "mautêntico, palavreado vazio e inoperante". E isto é possível tendo em conta os
conhecimentos adquiridos de experiências feitas pelas crianças e adultos antes de chegarem à
escola.
Freire contrapunha a urgência da dialogicidade; ao disciplinamento de corpos e
consciências interpunha a compreensão do mundo, através de uma busca rigorosa e alegre do
31
conhecimento. Aos saberes disciplinadores, reprodutores de cidadanias intimidadas, opunha-
se a construção de abordagens dialógicas formadoras de consciências críticas produtoras de
uma cidadania em constante busca da autonomia.
A dialogicidade freireana não iguala professores e alunos, aproxima-os na construção
do conhecimento a partir de lugares diferenciados para cada um, em movimentos constantes
de apropriação e socialização desse conhecimento construído. Ao professor corresponde um
domínio prévio do conhecimento existente, a ser recriado na aprendizagem feita em conjunto
com os aprendizes, aprendendo com estes, na condição de um aprendiz.
Na proposta de aprendizagem conjunta, os professores assumem sua autoridade,
oriunda do conhecimento e o da delegação, sem destruir a criatividade e a liberdade dos
aprendizes e na convicção de que através de uma postura crítica e participativa que esses
podem construir, gradativamente, sua autonomia.
O diálogo assim entendido representa um embate constante entre a autoridade, não
autoritária, advinda do conhecimento e a liberdade para o desenvolvimento crítico e a criação
de novos saberes, tanto dos aprendizes como dos professores.
Freire, (1977 p. 45), defende que todo aprendizado está no exercício intelectual de
observar, intuir, verificar e apreender. Esse é o caminho do pensamento, o processo que cada
um constrói. Paulo Freire levou para o construtivismo o componente político que, segundo
ele, faz parte do ato de educar e aprender. As abordagens e concepções de Freire nessa
perspectiva se aproximaram dos pressupostos da Filosofia para Crianças. Vale salientar, que
há convergências em muitos aspectos entre Lipman e Freire.
É nesse contexto brasileiro que a Filosofia para Crianças encontrou um campo fértil,
pois, ela persegue a mesma mentalidade pedagógica e o mesmo objetivo. Lipman acentua
com mais ênfase a reflexão e o desenvolvimento das habilidades cognitivas e cio-afetivas,
defendendo: A Filosofia numa educação reflexiva cuida do desenvolvimento das habilidades
de pensamento dos alunos, ao mesmo tempo em que cria um ambiente de trabalho coletivo de
investigação no qual se pratica atitudes de respeito mútuo, ouvir o outro, dialogar, trabalhar e
interagir com o grupo, aprender a elaborar (LIPMAN ,1990, p.45).
Tanto na perspectiva freireana, quanto na lipmaniana, os educadores e educandos se
fazem sujeitos do processo educativo. A base para a busca do conhecimento se funda na
32
investigação. Assim, o educador deve agir como um provocador de situações e problemas,
como um animador cultural num ambiente em que todos aprendem em comunidade.
O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de
outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não um “penso”, mas um “pensamos”. É o
“pensamos” que estabelece o “penso” e não o contrário (FREIRE, 1977, p. 53).
Assim, a aproximação da Filosofia para Crianças aos pedagogos e educadores
brasileiros conhecedores da teoria de Freire, foi relativamente fácil e rápida em termos
teóricos, mas difícil na execução prática. Após muitos entraves e debates, aconteceu em 1984
a primeira experiência prática com o programa com um grupo de crianças.
No ano seguinte, a despeito das dificuldades que permaneciam, o Programa começou a
ser aplicado em algumas escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo.
Para que o Programa fosse, de fato, implantado e realizado no Brasil, era preciso que
mais pessoas se envolvessem, e se capacitassem para desenvolvê-lo. Até então, essa
capacitação era feita nos Estados Unidos, para onde os interessados tinham que se dirigir a
fim de participar dos cursos oferecidos pelo IAPC. Foi o que fizeram alguns dos integrantes
do grupo originalmente organizado por Catherine Young Silva (PENIN, 1979, p.23).
Geralmente esses cursos, programados para o período de férias, tinham duração de
cerca de dez dias, com uma carga horária de oitenta horas e eram ministrados por Lipman e
Sharp e incluíam, além do treinamento prático para o uso adequado e eficiente do material
didático, palestras e debates sobre questões teóricas e metodológicas.
Porém, os custos representavam uma séria dificuldade para a ampliação dos
monitores. Dai a necessidade de criar condições para que essa capacitação ocorresse no
Brasil.
Surge o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças. Com isso, o Programa de
Filosofia para Crianças se espalhou por várias regiões do país e aumentava assim, o número
de pessoas envolvidas em sua aplicação. Sediado na cidade de São Paulo e sem fins
lucrativos, o Centro é responsável pela tradução e adaptação dos textos de Matthew Lipman
na realidade brasileira e também pela formação da maioria dos monitores / multiplicadores e
dos professores que têm levado a proposta para vários estados do país.
33
No Brasil foram criados centros regionais que divulgam e promovem o Programa e
promovem sua adoção que têm consolidado o “ensino” de Filosofia para Crianças nos
diferentes contextos regionais brasileiros (escolas públicas e privadas).
Em 1990, O Programa Filosofia para Crianças chega em Cuiabá - Mato Grosso. Não
pretendo escrever sobre isso, pelo fato de outros colegas do Mestrado terem pesquisado e
relatado isso largamente em suas dissertações. Nesse ano foram fundados o Programa
PROPHIL e o Centro Mato-grossense de Filosofia para Crianças, chamado AMEPI
(Associação Mato-grossense de Educadores do Pensar Inteligente). Foi o PROPHIL que
ministrou os três primeiros Cursos de Especialização em Filosofia para Crianças (Pós-
Graduação lato sensu) do mundo e em parceria com o Programa de Pós-Graduação do
Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, o primeiro Mestrado (após o
próprio de Lipman). Essa iniciativa, como a da criação do PROPHIL e da AMEPI, coube ao
Professor Doutor Peter Büttner. Vale ressaltar que estas entidades promoveram na cidade de
Cuiabá, e em outras de Mato Grosso, cursos de capacitação, aperfeiçoamento e especialização
em Filosofia para Crianças, assessorando ainda escolas interessadas em implantar este
paradigma filosófico-pedagógico inovador.
Pelos poucos momentos históricos aqui apresentados pode-se concluir, mesmo sem
fundamentos convincentes ainda, que a Filosofia para Crianças se constitui um novo
paradigma do ensino da filosofia e um meta-paradigma para uma educação-formação
holística. Este paradigma, como qualquer outro paradigma novo, custa para ser diferenciado
dos anteriores. Vou tentar diferenciá-lo pelo menos em parte, pelo diferente papel do
professor.
2.3 O Papel do Professor no Desenvolvimento do Pensar do Aluno
Para compreender o papel do professor neste paradigma da Educação para o Pensar
temos de ver alguns elementos essenciais da Educação para o Pensar e do próprio pensar
humano.
34
O pensar é o elemento essencial da vida e das relações humanas. Hoje, uma das
grandes preocupações que se revela no campo da educação é a necessidade do
desenvolvimento de habilidades do pensar bem nos alunos. Este desenvolvimento é o
parâmetro de uma boa educação e da formação humana necessária e eficaz. Bem no sentido
como diz Lipman: "Educação que não reconheça a importância do pensar como fundamento
de todo processo educativo é superficial e estéril”.(Lipman, 1990. p.39) E na mesma página
complementa: "No nosso Programa tentamos fazer com que as crianças percebam o raciocínio
descuidado ao mesmo tempo em que tentamos ajudá-las a pensar bem.”
Esta educação é um processo de auto-educação em Comunidade de Investigação. Que
custa um certo tempo para chegar à qualidade desejada.
Depois de décadas de pesquisas, Lipman chega à conclusão de que o impacto dessa
filosofia não pode ser observado imediatamente nas crianças, mas o impacto nos adultos de
amanhã poderá ser tão espantoso que nos lamentaríamos por tê-las privado até hoje do acesso
à filosofia.
De acordo com Gadotti (
apud KOHAN, 1999, p.70):
Serão as crianças que construirão suas filosofias e seus modos de produzi-
las. Não é mostrando que as crianças podem pensar como adultos que
vamos revogar o desterro de sua voz. Pelo contrário, nesse caso haveremos
cooptado, o que constitui uma outra forma de silenciá-Ias. Seria mais
adequado preparar-nos para escutar uma voz diferente como expressão de
uma filosofia diferente, uma razão diferente, uma teoria do conhecimento
diferente, uma ética diferente e uma política diferente: aquela voz
historicamente silenciada pelo simples fato do emanar de pessoas
estigmatizadas na categoria de não adultos (KOHAN, 1999, p.70).
Segundo Lipman (1990, p.76) as objeções feitas para as crianças não fazerem
filosofia, estão diminuindo e dando lugar à discussão sobre qual o tipo de filosofia que as
crianças podem fazer. Embora haja diferenças entre a fase infantil e a adulta, elas não são tão
significativas, a ponto de as crianças não poderem entrar no mundo adulto e em companhia
destes, compartilhá-lo. As crianças não estão tão distantes do paradigma da racionalidade
adulta, como se pensa.
35
Ao se trabalhar a filosofia com as crianças, percebe-se facilmente que elas têm
inclinação natural para a curiosidade, admiração, indagação, discussão e reflexão. Esses são
traços cognitivos do empenho que a criança faz para descobrir como as coisas funcionam no
mundo. Ann Sharp diz que as crianças buscam compreender o significado das palavras e as
ações das pessoas que estão à sua volta. Os conceitos de bem, verdade, tempo, amizade,
liberdade, amor, são centrais para o modo como a criança constrói o mundo. Por isso, é
essencial que se discutam esses conceitos e sentimentos e dando-lhes significado.
Se me perguntassem por que eu me envolvi na idéia de que as crianças
façam filosofia, diria que é porque me sinto ofendida com a idéia de que
tratamos crianças como se fossem depósitos e as mutilamos até que sejam
maiores de idade. Elas fazem dezoito anos e continuam utilizando palavras
como amor, amizade sem saber do que estão falando (SHARP, 1998, p.17).
Dessa forma vale afirmar que significados, conceitos, não nascem conosco. Devem ser
conquistados num processo de reflexão e diálogo. Portanto, quando às crianças chegam à
escola, suas mentes já estão em processo de educação, conquistaram muitos conceitos,
significados certos e errados. A educação escolar deve intensificar e sistematizar esse
processo. Mas o processo de construção e formação de conceitos começou na primeira
infância.
Quando um filósofo perguntou a um grupo de crianças qual era a diferença entre
esperar e desejar, uma delas respondeu: - Até o dia do Natal podemos esperar e desejar um
determinado presente. Após abrir os presentes, podemos apenas desejar que tivesse sido
alguma outra coisa, mas a esperança acabou. O mesmo filósofo perguntou a outro grupo de
crianças o que seria mais precioso para elas: as fotos tiradas durante as férias na praia ou as
lembranças que elas tivessem das férias. Uma das crianças disse: - Minhas lembranças,
porque jamais serão destruídas. Ao discutir os direitos dos seres humanos e dos animais, outra
criança, na Inglaterra, disse que do ponto de vista religioso, achava que moralmente era mais
errado matar um animal. Os seres humanos tinham a oportunidade de viver uma outra vida,
mas o animal não.
Essas abordagens nos levam a refletir sobre a importância de que tem o debate
filosófico no desenvolvimento do pensamento crítico-criativo-cuidadoso, tanto para criar
significados e conhecimentos, quanto para corrigi-los e aperfeiçoá-los.
36
Se as conversas, os diálogos, estabelecidos com as crianças, forem apenas uma troca
de opiniões, isso não quer dizer que sejam um debate filosófico. Reconhecemos se uma troca
de idéias é filosófica, analisando se os temas são da alçada da filosofia e se estão sendo usadas
as ferramentas da indagação filosófica: as habilidades de raciocínio, o diálogo de auto-
avaliação e autocorreção e a reflexão em torno de diferentes assuntos. O debate em curso deve
exigir e estimular a capacidade de raciocínio e chegar a diferentes modelos de pensar, fazer,
dizer e agir.
Lorieri (2000, p.54) defende que são características básicas do pensamento filosófico:
a autonomia do pensar, a reflexão critica e criativa, a ‘reinvenção' e 'reconstrução continua' e
continuada das significações humanas.
Dado que a Filosofia para Crianças em sala de aula oportuniza e desenvolve a
autonomia do pensar, a reflexão crítica e criativa, essa atividade filosófico-pedagógica requer
professores capacitados e dispostos a instigar e examinar idéias em Comunidade de
Investigação, que se comprometam com a investigação filosófica, respeitando as idéias das
crianças. Necessariamente o professor tem um novo papel neste novo paradigma de educação
que o coloca como vértice de um triângulo entre saber/reestruturação do saber e a criança
(citar a fonte!), e como mediador/facilitador no processo de desenvolvimento de habilidades
cognitivas e sócio-afetivas.
Assim, o professor não deve se apresentar como a única fonte de informação, e a
escola como mera transmissora de informações e conhecimentos prontos onde o professor se
coloca como fonte inestimável de informação, já que esse modelo frustra o objetivo da
Filosofia para Crianças", pois "mina a noção de comunidade". Lipman propõe substituir esse
modelo pelo da Comunidade de Investigação, no qual professor e alunos são "co-
investigadores" e o professor procura incentivar também trocas entre os próprios alunos.
O papel do professor modifica-se radicalmente quando ocorre esse processo de
transformação na sala de aula tradicional numa comunidade de investigação. Não se trata de
igualar a posição do professor e dos estudantes como ingenuamente pensam alguns que
seguem certas tendências não-diretivas. O professor tem a responsabilidade de provocar o
diálogo e garantir que sejam seguidos os procedimentos apropriados para a sua realização. Os
estudantes devem ser estimulados pelo professor a explicitar esses pontos de vista e a expor
seus fundamentos e suas implicações. (LIPMAN; OSCANYAN; SHARP, 1994, p.72-73).
37
A Filosofia para Crianças busca uma construção coletiva de conhecimento, através do
diálogo edificante, pela investigação e reflexão, pelo respeito à liberdade e à cooperação. É
por isso que exige um professor que possibilita e provoca a reflexão crítico-criativo-cuidadosa
sobre um assunto comum a ser compartilhado, buscando, pelo questionamento, sentido e
contexto de significação dos fatos. É sugerido que se comece por histórias (novelas)
filosóficas instigantes. Instigantes por que nelas aparecem problemas que as crianças dessas
novelas não conseguem solucionar e assim as crianças da sala de aula, com curiosidade e
vontade de solucioná-las, passam a assumir o problema e sua solução.
Toda filosofia surge quando se problematiza o mundo e todo problema tem sua origem
numa pergunta a respeito de uma situação difícil. A filosofia exige tipos especiais de
perguntas instigantes e provocadoras, complexas, problemáticas. Estas instigam o
desenvolvimento das habilidades cognitivas e é isto a que se propõe a Filosofia para Crianças,
especialmente com crianças e jovens. É importante frisar que a discussão argumentativa é o
coração da prática filosófica e que, ao longo do tempo, deve se tornar competência e hábito,
prazer e até paixão.
Facilitar uma discussão filosófica é uma arte que requer disposição, método, saberes e,
ao mesmo tempo, prática e exercício. É por isso que os melhores docentes de Filosofia não
são os detentores do saber, mas aqueles que mais se capacitam para provocar e “reger” uma
“Comunidade de Investigação” em sala de aula, que propicia o diálogo, instiga e promove o
desenvolvimento dos alunos. Assim, aos professores cabe o importante papel de facilitar aos
educandos seu desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo, tanto quanto sua qualidade e
dimensão filosóficas, bem no sentido de Lipman e Paulo Freire, e sempre abertos a novas
leituras e à troca de idéias pelo diálogo investigativo que vai ampliando sua compreensão e
descobrindo novas e melhores formas de realizar sua prática pedagógica. Um aspecto
fundamental da atividade do educador é a vivência de uma reflexividade atenta e propiciadora
da dúvida e sensível ao contexto. Outro é a postura democrática, pela qual o professor
propicia a criação de uma posição filosófica própria nos educandos, facilita o
desenvolvimento da autonomia do pensar e da capacidade de traçar e transitar por caminhos
novos e fecundos.
Este paradigma novo de fazer filosofia com crianças e jovens busca enriquecer a
prática educativa para o pensar, de modo que o professor não se detenha somente na prática
conteudista, mas que propicie a internalização do hábito do pensamento reflexivo e o
38
desenvolvimento das respectivas habilidades a fim de construir conhecimentos necessários e
significativos para a vida.
Considera-se que a implementação de uma educação para o pensar nas práticas
escolares, com a específica formação prévia dos professores pode facilitar a compreensão e as
iniciativas crítico-criativo-cuidadosas das transformações necessárias e importantes na
sociedade brasileira. Nesse sentido, a Comunidade de Investigação pode sinalizar um
caminho fecundo para a vivência em sociedade e para uma educação que objetiva o
desenvolvimento das habilidades de pensamento.
2.4 A Comunidade de Investigação
A filosofia no sentido de educação para o pensar não pode ser mais bem vinda em
outro momento da vida do ser humano do que nas séries iniciais da escolaridade, tendo em
vista a necessidade do desenvolvimento das habilidades de pensar por si mesmo. Justamente
nas séries iniciais existe um solo fértil para o desenvolvimento do pensamento das crianças.
De acordo com Lipman, Oscanyan e Sharp:
Quando as crianças são incentivadas a pensar filosoficamente, a sala de aula
se transforma numa comunidade de investigação, a qual possui um
compromisso com procedimentos de investigação, com a busca responsável
das técnicas que pressupõe uma abertura para a evidência e para a razão
(LIPMAN, OSCANYAN E SHARP, 1994, p.72)
O sucesso do programa de Lipman se deve, em grande parte, ao método de
aprendizagem que é denominado Comunidade de Investigação.
Nessa metodologia é dada ênfase tanto à prática filosófica, quanto às práticas
atitudinais, intelectuais e sociais. Os materiais são especificamente elaborados para o “ensino
da filosofia” com o objetivo de ser um espaço aberto ao questionamento e à investigação. Isto
permite à criança e ao jovem criarem significados e conhecimentos sobre o mundo em que
vivem, capacitando-os para o acolhimento, pensamento, decisão e ação competente.
39
É o próprio Lipman que afirma:
A Comunidade de Investigação é a sementeira necessária para o cultivo da
Filosofia na escola primária, pois ela intermistura a preocupação com a
justiça e o impulso criativo em direção ao interesse e à atenção. Ela gera o
respeito tanto pelos princípios quanto pelas pessoas, fornecendo, deste
modo, um modelo de democracia como investigação.(LIPMAN 1995,
pp.367-368)
Nas aulas de Filosofia, em Comunidade de Investigação, as crianças são incentivadas
a elaborar seus próprios conceitos e idéias através do diálogo investigativo que leva a
autocorreção, e se constitui, assim, em um processo de construção autônoma de
conhecimentos e exercício do respeito mútuo, da solidariedade e da democracia.
Assim, nessa perspectiva de trabalho na escola, nesse modo diferenciado de educar,
muda-se a estrutura de organização na sala de aula. Os alunos se sentam em circulo, face a
face, e a metodologia é voltada para a elaboração, pelas próprias crianças, de perguntas para a
discussão interativa dessas, e a investigação mais ampla de temas geradores e
problematizadores, que surgem da leitura compartilhada.
Essa disposição em círculos possibilita a cada um confrontar-se com o rosto do outro,
fato que está auxiliando no diálogo investigativo e possibilitando uma discussão respeitosa,
onde cada um tem o direito de falar no momento apropriado para apresentar seus argumentos,
enquanto os outros o ouvem prontamente com atenção e respeito do seu ponto de vista,
podendo também censurar, ou não, com boas razões a idéia do outro. É um clima que permite
combinar o individual com o coletivo, que respeita o pluralismo de idéias e questiona a
finalidade de regras. Cada qual se habitua a trabalhar coletivamente, a não fugir do tema
proposto, a pensar a respeito do próprio pensamento e a desenvolver habilidades cognitivas e
sociais.
A Comunidade de Investigação possibilita também a visualização do processo do
conhecimento como um processo social, compartilhado em cooperação. Assim, o professor
como coordenador dessa comunidade tem de ser alguém que inspire confiança e, do ponto de
vista filosófico, que esteja consciente de não ser o único que tem respostas. Pelo paradigma já
superado da educação tradicional, mas ainda em uso, é muito difícil que os adultos assumam
40
que não se têm certeza absoluta sobre as opiniões e os conceitos, enquanto as crianças
aprendem com facilidade que a conquista da verdade é uma busca sem fim.
Na Comunidade de Investigação as crianças são ouvidas às vezes pela primeira vez na
vida. Suas idéias são levadas a sério e a Comunidade de Investigação constrói-se a partir
delas. Isso é muito importante para o crescimento das crianças. Uma outra característica é a
de trabalhar cooperativamente, respeitando uns aos outros como possíveis fontes de saber e
sobre tudo, como pessoas. Algumas vezes, mesmo a criança mais retraída e tímida pode dizer
algo capaz de mudar todo o rumo do diálogo; o que não é importante para essa criança
como também para o grupo.
Colaboradora de Lipman na elaboração do Programa de Filosofia para Crianças, Ann
Sharp fala dos comportamentos que indicariam que um aluno estivesse vivenciando o que é
participar de uma comunidade de investigação:
Aceita, com boa vontade, a correção feita pelos colegas; é capaz de ouvir
atentamente os outros; é capaz de considerar, seriamente, as idéias dos
demais; é capaz de construir sobre as idéias dos demais; é capaz de
desenvolver suas próprias idéias sem medo de rejeição e humilhação; é
aberta a novas idéias; é capaz de detectar pressuposições; demonstra
preocupação com a consistência ao apresentar um ponto de vista; faz
perguntas relevantes; verbaliza relações entre meios e fins; mostra respeito
pelas pessoas da comunidade; mostra sensibilidade ao contexto ao discutir
conduta moral; exige que os colegas dêem suas razões; discute questões
com objetividade; exige critérios (SHARP, 1995, pp. 7-8).
A esta altura poderíamos, com razão, perguntar se essa comunidade de eterna
investigação chega a algo. Esse processo de eterna autocorreção produz alguma coisa? Existe
alguma concepção verdadeira de racionalidade ou de moralidade; se tudo o que podemos
fazer é nos aproximar dela no diálogo? É aqui que os pensadores diferem. Como Rorty (1998,
p.47) afirma, alguns acham que tudo que temos é o próprio diálogo, o eterno processo de
autocorreção continuamente sendo expresso dentro da tradição filosófica.
Além disso, ele e outros acham que esse diálogo é suficiente para tornar o mundo mais
razoável, mais humano, pois proporciona o uso de modos de procedimentos pelos quais
podemos tornar o mundo um lugar melhor para viver, um mundo mais razoável. Outros
filósofos acham que o fato de podermos falar de nossas diferentes concepções como
41
diferentes concepções da racionalidade pressupõe uma verdade absoluta. A concepção quase
dominante hoje em dia, é a de que não temos nada que nos garanta a certeza de uma verdade
absoluta e que temos apenas aproximação a ela. Um desses processos, por excelência, é o
diálogo filosófico. Este processo, contudo, deve ser apreendido, pois não é uma competência
automática.
A filosofia proposta por Lipman, portanto, tem como pressuposto o pensar por si
mesmo, o pensar bem e sobre isso ele explica:
O objetivo de um programa de habilidades de pensamento não é
transformar as crianças em filósofos, em tomadoras de decisões, mas ajudá-
las a pensar mais, ajudá-las a terem mais consideração e serem mais
razoáveis. (LIPMAN, 1994, p.35).
A metodologia utilizada nas aulas de Filosofia para Crianças, mostrou-se
mundialmente eficiente e eficaz para essa importante tarefa da educação, mas pode-se ainda
perguntar: para que ensinar a pensar se todos pensam? E Lipman, 1994, responde:
Assim como respirar e digerir, o pensar é um processo natural algo que
todo mundo faz. Infelizmente isso nos leva rapidamente concluir que nada
pode ser feito para desenvolver o pensar. Inferimos que o estamos
fazendo da melhor maneira possível, bem como achamos que o podemos
melhorar o modo que respiramos ou digerimos. O pensar é natural mas
também pode ser considerado uma habilidade passível de ser aperfeiçoada.
Existem Maneiras de pensar eficientes e outras menos eficientes. Podemos
dizer isso com certeza porque temos critérios que nos permitem distinguir
pensamento habilidoso do pensamento inábil. Esses critérios são princípios
da lógica. (LIPMAN, 1994, p. 34).
O próprio fato de podermos concordar que alguns pensadores no passado tenham sido
teimosos, obcecados por uma idéia ou brilhantes em algumas coisas, mas limitados em outras,
pressupõe, ao menos, que tenhamos um ideal regulador de um intelecto justo, atencioso e
equilibrado.
A educação é um processo de crescimento nas habilidades e na competência de
reconstruir as próprias experiências para que se possa viver uma vida mais plena, mais feliz e
qualitativamente mais rica. Entretanto, à luz da conquista de conhecimentos práticos em
consonância com conhecimentos teóricos - isto é, conhecimentos que possam ajudar a viver
42
uma vida melhor, mais satisfatória - não se pode deixar de reconhecer, além da relevância da
criticidade, o papel da imaginação e criatividade e sua importância no desenvolvimento nos
primeiros anos da infância. Daí se pode concluir a necessidade de instigar o desenvolvimento
das habilidades do pensar bem nas crianças e jovens. Esta, ressalto e complemento aqui com
as palavras de Büttner, 1999:
Esta qualidade do pensar não ocorre automaticamente. O ser humano a
conquista e adquire somente por meio de uma educação adequada. É
necessário, portanto afiar as ferramentas intelectuais, fazer ginástica do
cérebro, exercitar o raciocínio crítico apropriar-se do hábito e das
habilidades de questionar e investigar e de criar o necessário, em vez de
esperar e aceitar respostas prontas, obsoletas e insuficientes (grifos meus).
(BÜTTNER, 1999, pp. 39-40).
Com base nas pesquisas do Programa PROPHIL do Departamento de Filosofia da
Universidade Federal de Mato Grosso e de outros grupos dessa natureza no mundo, não existe
ainda método mais eficiente para isso do que a Comunidade de Investigação. O papel da
filosofia nas séries iniciais é justamente o de propiciar o desenvolvimento de habilidades
cognitivas das crianças.
Os cursos ou, melhor, oficinas de Filosofia para Crianças concebidas e elaboradas por
Matthew Lipman e posteriormente complementados e aperfeiçoados por seus colaboradores
de diversas partes do mundo, encorajados por ele, tratam a parte concreta da prática da sala de
aula. Isto revela o significado de oficina que demarca um trabalho prático, um fazer. E, de
fato, é isso que ele intencionou: fazer aula, fazer pensar, fazer filosofar, fazer democracia em
sala de aula. Fazer não no sentido de ministrar que significa passar para alguém, mas fazer em
interação com todos, lendo coletivamente um texto, investigando, duvidando, refletindo,
construindo saberes. Não é apenas contar como se faz! Isto é prazeroso, principalmente
quando gera curiosidade e impasses e as respectivas descobertas e soluções. É uma
brincadeira gostosa, mas muito séria, como uma criança de nove anos definiu o fazer
filosofia.
Por meio desta prática do fazer filosofia, pensando cada um por si mesmo na interação
do diálogo, surgem mais e mais curiosidades, dúvidas e erros; próprios, não de alguém
estranho, não de um autor de livro, mas dos próprios participantes desse diálogo em
Comunidade de Investigação. Exauridos os recursos intelectuais e experienciais próprios,
43
amadureceu a hora de recorrer aos que pensaram antes sobre o mesmo assunto, que o
pesquisaram e refletiram, experimentaram e praticaram com dedicação e competência, aos
teóricos. É a hora que pedimos socorro a eles, não a hora em que alguém sem motivação nos
quer ministrar suas verdades.
Lipman, neste seu novo paradigma de filosofar com crianças e jovens, de educar para
o pensar em Comunidade de Investigação, inicia cada aula com uma história intrigante, com
um episódio de novela. E quem não gosta de uma história intrigante, de novela ou, pelo
menos, de um momento curioso e provocativo dela? Ele caracteriza seus romances que
escreveu para crianças com a finalidade de provocar sua curiosidade da seguinte maneira:
O texto tradicional dá lugar ao “romance filosófico”, um trabalho de ficção,
constituído, tanto quanto possível, de diálogos, de modo que elimine a
repreensível voz de um narrador adulto atrás dos bastidores. As idéias
filosóficas estão espalhadas profusamente em cada página, de modo que é
raro que a criança possa ler uma página sem ser golpeada por alguma coisa
intrigante, alguma controvérsia ou algo que a deixe maravilhada. À medida
que as crianças que povoam o romance vão se envolvendo numa
cooperação intelectual e, assim, formando uma “comunidade de
investigação”, a história se torna um paradigma para as crianças reais da
sala de aula. De fato, o objetivo de cada um desses romances é ser um
exemplo ao retratar crianças de ficção no ato de descobrir a natureza da
disciplina na qual e sobre a qual é esperado que as crianças de sala de aula
pensem. (LIPMAN, 1990, p. 22).
Estes romances, Lipman começou a escrever para os seus alunos do colégio onde deu
aulas de filosofia e sentiu as mesmas, ou semelhantes, dificuldades como as professoras da
minha pesquisa, aliás, como todo professor que dá aula de filosofia e mesmo de outros
componentes curriculares. Muitos alunos universitários de Lipman começaram, então,
aventurar suas aulas com crianças, usando os romances de seu mestre, mas nem todos deram
conta disso. Com a cooperação da Profa. Ann Margaret Sharp e do Prof. F. Oscanian, Lipman
criou por esta razão os manuais para o professor no sentido de apoio e orientação na
preparação das aulas de filosofia para crianças, aqueles manuais mencionados pelas
professoras da pesquisa e que tanto lhes ajudaram.
Além de ajuda na preparação e na organização e liderança das aulas, estes manuais
têm ainda uma outra função. Esta, em geral, está pouco compreendida, mas de extrema
importância na formação dos professores de Filosofia para Crianças. Dado que quase todos os
44
cursos de licenciatura em filosofia não formam seus futuros docentes para fazer aulas de
filosofia com crianças, e outras licenciaturas ainda muito menos, grupos de defensores da
Filosofia para Crianças, no mundo inteiro, preparam graduados em filosofia, e também em
outras áreas, por meio de minicursos sucessivos de cerca de quarenta horas. Como entender a
preparação de professores para uma tarefa tão difícil em tão poucas horas?
Os manuais para o professor de Filosofia para Crianças têm nesta tarefa sua segunda e
engenhosa função. Nestes mini-cursos, que por diversas razões não podem ser muito longos,
evidentemente não se pode proporcionar uma formação profissional completa e em tudo
satisfatória. O que se faz, ou pelo menos pretende fazer, é preparar praticamente os
participantes para suas atividades filosófico-pedagógicas com base nos romances e manuais
lipmanianos. Com este preparo inicial o professor pode engatinhar na prática de suas aulas de
filosofia, orientado pelo manual e, às vezes, por uma assessoria de sua escola ou de um
Centro de Filosofia para Crianças e, ainda, de outros cursos desta natureza, mas sempre mais
avançados. Esta invenção de Lipman e Sharp está capacitando professores de Filosofia para
Crianças, eficientes, crítico-criativo-cuidadosos e muito felizes em sua tarefa difícil, no
mundo inteiro. Isto é, quando estes seguem as orientações e práticas do curso e usando os
romances e manuais adequadamente e com dedicação, pelo menos durante dois anos.
Engatinhando assim, se chega a andar e caminhar autonomamente sem auxílio de pai e mãe.
Aprender a fazer filosofia bem, pressupõe uma comunidade de experiências
partilhadas na qual há procedimentos comuns e compromisso com esses procedimentos.
Hábitos e habilidades intelectuais não são ensinados por preleções, mas criando condições
que permitam às crianças adquirirem prática em agir de modo imparcial, objetivo e
imaginativo, condições estas que as encorajam a serem abertas a novas experiências e a
desenvolver a coragem que necessitarão para mudar suas antigas visões tendo por base as
novas experiências. Esses hábitos o pré-condições da investigação aberta. E são estes que
poderão desenvolver nas crianças de hoje intelectos competentes e harmoniosos, equilibrados
e morais.
Procurei neste capítulo, enfocar a raiz histórica do Programa Filosofia para Crianças e
suas propriedades educativas específicas muito importantes para o desenvolvimento das
habilidades das crianças de modo que possam constituir em seu conjunto um meta-paradigma
capaz de reorientar e fundamentar toda a educação. Mostrei o papel diferente do professor em
relação ao sistema educacional superado, mas ainda em vigor, e frisei os elementos mais
45
relevantes no método utilizado neste paradigma para agora poder falar sobre a formação de
professores para esta relevante e revolucionária tarefa.
46
3 CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA
Este capítulo apresenta a metodologia aplicada na pesquisa apresentando elementos
identificadores sobre a opção metodológica vivenciada, o espaço onde se efetiva a pesquisa,
os sujeitos da pesquisa.
3.1 A opção metodológica – construindo um caminho
O caminho metodológico adotado nesta pesquisa concentra-se no método qualitativo
por duas razões principais: a de ser este método originalmente e propriamente da filosofia e
por considerar que o mundo não se constitui de coisas prontas e acabadas, cristalizadas, mas é
um conjunto de processos em que as coisas constantemente surgem, mudam, se transformam,
ou seja, estão em permanente movimento.
Complementando:
A pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatizando assim,
mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 24).
O método qualitativo, de acordo com os historiadores da Filosofia, foi iniciado e
introduzido à humanidade por Tales de Mileto (séc. VI ac). Este método nasceu, portanto
junto com a filosofia, dado que o objetivo principal desta é a investigação das causas racionais
de toda a realidade, junto com a busca de seus significados e valores. Desde então, as
pesquisas filosóficas exigiram caráter qualitativo sob pena de não serem filosóficas. O diálogo
socrático e a dialética de Platão se tornaram marcas históricas deste método. A parábola da
caverna, também de Platão, se constituiu a primeira teoria educacional, ao mesmo tempo em
que metaforicamente ensina fazer investigações críticas da realidade à luz do sol em vez de se
deixar enganar por imagens de sombras. Com o processo de tecnicização da educação, a
47
formação filosófica dos educadores e docentes, ficou mais e mais de lado, cedendo seu lugar a
métodos mais técnicos e quantitativos. Em grande parte, os números das estatísticas se
tornaram os parâmetros de avaliação que nem poderia ser mais chamada assim, dado que lhe
faltaram valores, significados e conceitos inequívocos. Nunca faltaram vozes críticas na
história da educação que alertaram a problemática criada com isso e forçaram a volta a
pesquisas e avaliações qualitativas na educação.
Finalmente, a década de sessenta do século XX pôde ser considerada por
pesquisadores como o marco de consolidação da abordagem qualitativa no campo
educacional, tendo em vista o envolvimento de profissionais da área em pesquisas dessa
natureza, impulsionados por financiamentos de agências estatais que subsidiavam esse tipo de
investigação.
Dado que a Antropologia Filosófica que trata das características universais dos seres
humanos e de sua sociedade, sempre cultivou e utilizou métodos qualitativos, estes
ressurgiram no seio da Sociologia e das Antropologias que pesquisam e estudam
características humanas específicas, típicas e diferenciadas. A Antropologia, assim, contribuiu
significativamente por estar centrada no estudo da cultura diferenciada das etnias, inserindo
os sujeitos no campo para observar diretamente o fenômeno pesquisado.à Sociologia, mais
especificamente à Sociologia de Chicago, deve-se o envolvimento em estudos de
comunidades particulares.
Assim, vale retomar:
[...] os pesquisadores da Escola de Chicago tiveram uma grande importância
na consolidação do método qualitativo. Dentre as características que
constituíam suas investigações, destacam-se "a abordagem interacionista (...)
enfatizando a natureza social e interativa da realidade e a intenção de captar
a perspectiva dos entrevistados
(BOGDAN; BIKLEN, 2000, p.2).
A partir da década de oitenta, as abordagens qualitativas ocupam um lugar central em
pesquisas educacionais, sendo considerada a década do reconhecimento dessas investigações.
A pesquisa quantitativa por si, sem estar aliada a outros métodos de coleta de dados e de
interpretação dos fenômenos da realidade não consegue explicar os fenômenos
educacionais. Sabemos que, dependendo do objeto da pesquisa, mesmo sendo essencialmente
qualitativo, por vezes é necessário lançarmos os dos dados quantitativos estatísticos e dar
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conta de problemas intrínsecos a dinâmica de sala de aula o que deu lugar a uma abordagem
que, segundo Minayo (1994, p. 22) aprofunda-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias estatísticas”.
Assim, a pesquisa qualitativa busca os significados, os pensamentos, as crenças e
atitudes dos indivíduos. Para isso, fundamenta-se no processo de interação social entre
pesquisador e os sujeitos pesquisados e denota uma grande atenção ao contexto em que as
situações são pesquisadas.
Ludke e And (1986, p.11) também mencionam e salientam esse processo de
interação social entre os sujeitos envolvidos na investigação ao afirmarem que a característica
principal de estudos dessa natureza é o "contato direto e prolongado do pesquisador com o
ambiente e a situação que está sendo investigada através do trabalho de campo”.
Sobre os estudos de natureza qualitativa, Richardson considera que eles podem:
Descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de
certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por
grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e
possibilitar, em mais nível de profundidade o entendimento de
particularidades do comporta-mento dos indivíduos (RICHARDSON (1999,
p.80)).
O propósito da pesquisa presente, cujo tema é “O ensino de Filosofia para Crianças
em Escolas de Cuiabá, Mato Grosso: uma análise reflexiva e dialógica”, de cunho teórico e
investigativo, fundamenta-se no método qualitativo, e tem o objetivo de identificar e analisar
a relação da formação de oito professores que atuam no ensino de Filosofia para Crianças em
quatro escolas de Cuiabá-MT com a prática vivida, buscando identificar as referências
teóricas que sustentam suas práticas. Busco ainda, esclarecer quais os pressupostos do
trabalho desses professores evidenciando quais os materiais usados no encaminhamento do
“ensino” de Filosofia para Crianças.
Foram selecionadas quatro escolas de Cuiabá – MT para serem pesquisadas. O critério
da escolha das referidas escolas foi definido dessa forma: duas são da rede pública e duas da
rede particular de ensino, cujos Projetos Políticos Pedagógicos ou Propostas Pedagógicas
contemplam em seus pressupostos o ensino de Filosofia para Crianças.
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Foram entrevistados oito professores, sendo quatro de escolas públicas e quatro de
escolas particulares Para a escolha dos professores foi utilizado o seguinte critério: um em
cada escola pesquisada deveria atuar na segunda e terceira etapa do primeiro ciclo ou nas duas
primeiras séries da educação básica – ensino fundamental I a IV e um que atuasse na primeira
ou segunda etapa do segundo ciclo, ou seja, terceira ou quarta série do ensino fundamental.
Justifica-se essa opção pela atualização e formação contínuas que estas escolas
solicitam do Programa PROPHIL do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de
Mato Grosso e pelo fato de o PROPHIL pesquisar o fenômeno educativo do paradigma
filosófico-pedagógico de Lipman como contribuição indispensável para toda a educação e,
sobretudo, para uma educação integral, considerando sua complexidade, as ltiplas
realidades em que se encontram os sujeitos (rede pública e rede particular), bem como valor,
função e necessidade da atitude humana universal do filosofar na vida particular, social e
profissional do cidadão de hoje e do futuro.
Justifica-se a escolha do método da pesquisa qualitativa pelas características indicadas
por Bogdan:
A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e
o pesquisador como instrumento chave; é descritiva; os pesquisadores
qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os
resultados e o produto; os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus
dados indutivamente; o significado é a preocupação essencial na abordagem
qualitativa (apud TRIVIÑOS 1987, p.128-130).
Assim, as características desse tipo de investigação se apresentam como adequadas à
observação e à análise da realidade de forma natural, complexa e atualizada, possibilitando
assim revelar a multiplicidade de dimensões que compõem uma determinada situação,
focalizando-as como um todo e evidenciando sua complexidade e a inter-relação de seus
componentes, na medida em que o pesquisador pode se valer de uma larga variedade de
informações e dados provenientes de diversas fontes, permitindo o cruzamento desses dados,
confirmando ou rejeitando hipóteses, considerando assim novos dados, criando questões
alternativas.
50
3.2 Etapas que foram construídas para a realização da pesquisa
Apresento assim as etapas que foram construídas e percorridas para a realização deste
trabalho.
Foi realizado um primeiro contato com a direção e coordenação da escola, abordando
o objetivo da pesquisa bem como a forma da seleção dos professores a serem pesquisados.
Em seguida, me apresentei aos professores de cada escola, e qual seria nosso aporte na
pesquisa - o objeto e os objetivos dessa investigação.
Após a apresentação, busquei nos Projetos Políticos Pedagógicos das instituições nas
quais a pesquisa foi realizada, escolas essas que serão identificadas por Escola 1, Escola 2,
Escola 3 e Escola 4., elementos que sinalizassem os pressupostos teórico-metodológicos de
cada escola, ou seja, o perfil da escola de forma documental, no sentido de caracterizá-las
para melhor conhecimento de suas propostas.
Os procedimentos do primeiro contato com a escola deram-se de forma bastante
tranqüila e da mesma forma, as entrevistas com os professores, o que possibilitou que
ficassem bastante à vontade. Importante considerar que além dessa informalidade revelada na
apresentação do objeto e dos objetivos da pesquisa, muitos destes professores tinham em
algum momento de sua trajetória, tido algum contato comigo, a pesquisadora, seja em cursos
de formação organizados pelo PROPHIL, na implantação do paradigma Filosofia para
Crianças, ou em outros cursos que aconteceram em Cuiabá: seminários, congressos ou ainda
em estágios realizados com alunos do Curso de Pedagogia, nos quais eu estive orientando o
trabalho de Práticas de Docência do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Cândido
Rondon, instituição na qual trabalho como educadora.
Vale ressaltar que, depois de apresentado objeto e objetivos da pesquisa aos
entrevistandos, o trabalho aconteceu de forma bastante organizada, tranqüila, em clima de
confiança e respeito mútuo e de acordo com o que lembra BOGDAN; BIKLEN (1994 p.54):
“Para todos os efeitos, o investigador faz interpretações, devendo possuir um esquema
conceptual para as fazer”.
51
Após a entrevista estive em contato com o trabalho de cada professora na sala de aula,
buscando elementos que fundamentassem minha pesquisa e análise, tendo em mente os
princípios mais relevantes para a coleta das informações.
3.3 Princípios relevantes para a coleta das informações
Considerando a concepção própria com que cada pessoa analisa a mesma realidade de
olhares diferentes, e incorpora suas experiências pessoais, culturais e sócio-econômicas,
torna-se necessário saber discernir as afirmações subjetivas das intersubjetivas. Estas últimas
se relacionam a princípios, leis, teorias, critérios e experiências reconhecidos por um
considerável número de cientistas da atualidade, enquanto as primeiras, geralmente, são de
senso comum ou, em certos casos, de experiências e afirmações válidas, mas ainda não
suficientemente discutidas comprovadas e reconhecidas por cientistas de renome e
competência. Sem rejeitar estas, categoricamente, o pesquisador precisa ser muito criterioso
em avaliá-las, para não se tornar vítima de falácias e afirmações de senso comum.
Uma pesquisa, igualmente, não se precisa estender a todas as categorias e unidades do
gênero investigado para alcançar resultados válidos e significativos. Este princípio, também
usado na estatística, permite privilegiar alguns aspectos em detrimento de outros e pode
tornar-se necessário em uma leitura da realidade. Assim, por exemplo, não é necessário
pesquisar todas as escolas e entrevistar todos os professores e alunos dessas para conseguir
um diagnóstico lido de sua situação. Em outras palavras: a “colcha” do diagnóstico pode
representar uma imagem significativa e válida com poucos “retalhos”, dependendo da
relevância e força de expressão deles.
Para olhar determinada realidade, e para que a observação dessa se torne um
instrumento fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo,
circunspectiva, ponderada e sistemática, o que evidentemente implica na necessidade e
exigência de um planejamento rigoroso e cuidadoso do trabalho e, para isso, de competência
metodológica suficiente do observador.
Segundo Ludke e Menga (1986, p.25), “Planejar a observação significa determinar”
o quê “e o” como observar “.
52
Portanto, a primeira tarefa, pois, no preparo das observações é a delimitação do objeto
de estudo. Definindo-se claramente o foco da investigação e sua configuração espaço
temporal, ficam mais ou menos evidentes quais aspectos do problema serão cobertos pela
observação e qual a melhor forma de captá-los.
Obedecidos e definidos os princípios, precisa ser claramente definido o foco da
investigação e sua configuração espaço temporal, ficando evidentes os aspectos do problema
a ser investigado e analisado, tanto como a melhor forma de captar sua realidade concreta.
3.4 O espaço da pesquisa
Realizei esta pesquisa em quatro escolas da educação básica, sendo duas da rede
pública municipal e as outras duas da rede privada, todas trabalhando com Filosofia para
Crianças, segundo o Projeto Político Pedagógico das escolas, a fim de obter respostas e
fundamentos para o diagnóstico pretendido, tendo por base a seguinte pergunta:
Qual a relação existente entre a formação e a prática dos professores que atuam no
ensino de Filosofia para Crianças em quatro escolas de Cuiabá – Mato Grosso.
Para procurar responder essa pergunta central, outras questões norteiam essa
investigação:
Como é formado o professor que trabalha com filosofia nessas escolas de Cuiabá?;
Quais os pressupostos teórico-metodológicos que sustentam suas práticas?
Qual o material utilizado como fonte do trabalho dos professores nessas escolas?
Qual o seu procedimento pedagógico e a prática da educação filosófica usada em sala
de aula; Como se efetiva a prática desses professores?
Qual o perfil desses profissionais que trabalham no “ensino” de Filosofia para
Crianças?
53
Qual a real situação da formação do professor para este ensino de filosofia?
A natureza do objeto investigado fez surgir a necessidade de realizar a pesquisa de
campo em momentos distintos, para os quais foram utilizadas diferentes técnicas, a fim de
buscar a essência da proposta da pesquisa.
Estão sendo contempladas as entrevistas e a observação da realidade. As entrevistas
foram semi-estruturadas, desenvolvendo-se a partir de um esquema básico de questões que
poderiam ser acrescidas de outras, ou mesmo omitidas, conforme a necessidade do
investigador.
Segundo Triviños:
A entrevista semi-estruturada é aquela que parte de certos questionamentos
básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que,
em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas
hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do
informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha
de seu pensamento e de suas expectativas dentro do foco principal colocado
pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da
pesquisa (TRIVINOS, 1987 p.146).
Pelas entrevistas busquei contemplar a identificação da formação do professor no
“ensino” de filosofia nas séries iniciais das quatro escolas cuiabanas e as influências dessa
formação neste ensino.
Para o diagnóstico da realidade foram analisados:
1. Projeto Político da Escola
2. Pesquisa semi-estruturada com professores da escola e com a coordenação de
ensino.
3. Análise da realidade da sala de aula, ou seja, do trabalho dos professores.
Exponho, então, agora uma apresentação de cada escola nas quais realizei a pesquisa.
54
3.5 Escolas nas quais foram realizadas as pesquisas
A pesquisa foi realizada em quatro escolas de Cuiabá-MT, sendo duas públicas e duas
da rede particular.
Passo a relatar o perfil da Escola 1, escola da rede particular de ensino:
A Escola 1 é uma escola que atende da educação infantil ao ensino médio e pertence
à rede particular de ensino. Está situada na região central de Cuiabá, onde o Programa
Filosofia para Crianças foi implantado no ano de 1994, para fortalecer, bem no sentido de
Lipman o pensamento das crianças, visto como base essencial de uma educação holística, não
tanto apenas para contribuir na construção de conhecimentos, mas principalmente para
desenvolver as habilidades e competências cognitivas e sócio-afetivas dos alunos, processo
educacional em que o pensar filosófico investigativo e argumentativo é o meio mais adequado
e eficiente para a aprendizagem do diálogo democrático e da competência do pensar crítico-
criativo-cuidadoso.
A escola implantou a Filosofia para Crianças em um período no qual efervescia no
país a necessidade de a escola, desde os anos iniciais, possibilitou que os alunos
vivenciassem situações instigantes do pensar. Assim, a direção da escola decidiu pela
implantação do ensino de filosofia no currículo das séries iniciais. Considerando a “grande
dificuldade” desta tarefa, segundo a coordenadora, a direção da escola entrou em contato com
o PROPHIL da Universidade Federal de Mato Grosso, programa recentemente criado para a
pesquisa e contribuição com a preparação de professores de Filosofia para Crianças. A
Direção, naquele tempo sensibilizada com o Programa de Lipman, tinha a preocupação de
possibilitar às crianças de sua escola esta aprendizagem filosófica avançada e eficiente,
centrada sobre as novelas filosóficas e o método da Comunidade de Investigação com os seus
pressupostos e sábios e ponderados objetivos.
Como na época também em outras escolas de Cuiabá e outras cidades de Mato
Grosso, a equipe do Programa Prophil começou com palestras para todos os professores do
Colégio, tentando sensibilizá-los para este novo paradigma filosófico-pedagógico que poderia
significar uma verdadeira mutação na educação. Após uma fundamentação teórica da
proposta Lipmaniana, foram ministradas oficinas onde os professores puderam aprender
vivenciando o método da Comunidade de Investigação e o processo instigativo do
55
desenvolvimento das habilidades cognitivas e dialogais por meio de intrigantes
questionamentos e indagações sobre situações concretas e interessantes para as crianças
provocadas por episódios das novelas filosóficas. O curso básico trabalhou com as novelas
Issao e Guga (maravilhando-se com o mundo) e Pimpa (sensibilizando-se com a linguagem),
novelas para as duas primeiras e as duas últimas séries do Ensino Fundamental I a IV, onde
foram implantadas após a preparação específica dos professores.
Para este preparo específico, o PROPHIL, coordenado por Peter Büttner, e seus então
mestrandos Roberto de Barros Freire e Maria Cristina Theobaldo, chamou professores do
Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças em São Paulo e do Instituto de Pesquisa e
Ensino de Filosofia em Barcelona, Espanha, para ministrarem cursos de Filosofia para
Crianças e garantir a qualidade destes. Vale lembrar que estes Professores ministraram os
mesmos cursos organizados pelo Prophil para professores das Escolas da Rede Municipal de
Cuiabá.
Posteriormente o PROPHIL promoveu com professores do Centro Brasileiro de
Filosofia para Crianças um curso de preparação docente para trabalhar com a novela
filosófica Rebeca, voltada para a Classe de Alfabetização, e os cursos de Ari dos Teles
(primeiras aprendizagens da Lógica) e Luisa (investigação ética). Assim, sucessivamente, a
escola acabou implantando todo o Programa Lipmaniano para o ensino fundamental I a IV e
V a VIII.
As crianças e professores das séries iniciais usam as novelas filosóficas de Lipmam
para estas fases da vida. Parece evidente que se sentem seguros, segundo o que foi observado
na realidade da escola, se sentem capazes e seguros para trabalhar com outros textos que
oportunizam e instigam o diálogo filosófico no sentido de Lipman.
Na decorrer do tempo de 1994 para cá, muitos dos professores preparados em cursos
para a Filosofia para Crianças mudaram de escola e muitos foram promovidos a cargos na
coordenação, ou foram substituídos por outros sem a fundamentação oportunizada nos anos
de noventa. Evidentemente, não ensinam filosofia no sentido de Lipman ou apenas
aproximadamente. Por necessidade também ensinantes de filosofia sem nenhum preparo
56
filosófico adequado e sem perseguir os objetivos da educação para o pensar da Filosofia
para Crianças.
1
Fazendo a Escola 2 parte da pesquisa, sistematizo agora esta escola da rede municipal
de ensino.
A Escola 2, pertencente à rede municipal de ensino, foi criada pelo Decreto 1.756
de 28 de setembro de 1987 e está situada na zona oeste da cidade, atendendo a educação
infantil e o primeiro ciclo de estudos, sistema implantado pela rede municipal de ensino da
capital.
Importante considerar que a escola é respeitada na comunidade e fonte de referência
no bairro para os moradores. Promove muitas atividades que possibilitam a integração da
escola à comunidade, preocupando-se sempre com a boa formação de seus alunos, já que um
de seus objetivos segundo o Projeto Político Pedagógico da escola é “torná-los cidadãos
críticos e participativos”.
O regime adotado é da Escola Ciclada, com a carga horária de 200 dias letivos,
respeitando 45 dias de férias e recesso para o devido descanso escolar de alunos e professores
de acordo com a legislação.
Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, é função da escola de, através da
educação possibilitar que os alunos contribuam na construção de uma sociedade justa,
humana e democrática. O trabalho da escola, segundo esse documento tem como fundamento
a Filosofia para Crianças e a Pedagogia da Autonomia com a metodologia de temas geradores
do educador brasileiro “Paulo Freire”.
Os temas geradores em parceria com a Comunidade de Investigação lipmaniana
constituem-se numa estratégia político-pedagógica que leva em consideração a experiência de
vida dos educandos, valorizando a cultura popular, as relações dialéticas estabelecidas entre o
homem e o mundo social comprometido com a formação de cidadãos democratas e
competentes. Esta tem na cooperação metodológica entre a Comunidade de Investigação
lipmaniana o tema gerador freireano seu objetivo central, visando o desenvolvimento e
1
Consciente desta situação e, sobretudo, do valor e da necessidade desta educação filosófica, o atual Diretor
desse Colégio esta fazendo o Mestrado em Filosofia na Educação (Paradigma Lipmaniano) com o Prof. Dr.
Peter Büttner e tomou todas as iniciativas com o Programa PROPHIL para proporcionar palestras, cursos e
assessorias.
57
fortalecimento de habilidades, competências e relações humanas importantes, dentro do
contexto social no qual o educador e seus alunos estão inseridos, usando-se do diálogo
investigativo e construtivo sobre esses temas e perseguindo capacidades e qualidades crítico-
criativo-cuidadosas, isto é, filosóficas e cientificas.
No projeto Político da Escola, estão assim organizadas as capacidades (habilidades e
competências) que a escola busca desenvolver nos alunos:
Capacidade de refletir e agir em prol de projetos coletivos e não apenas do sucesso
pessoal.
Capacidade de pensamento, deliberação e ações autônomas.
Capacidade de saber ouvir, conversar e se expressar de modo coerente.
Saber pensar e agir cientificamente e participar de investigações.
Capacidade de observar, analisar e constituir os conceitos que formam sua vida
cotidiana.
Capacidade de estabelecer relação entre as palavras e idéias, as áreas do conhecimento
e as experiências humanas.
Capacidade de prover meios adequados para atingir os fins considerados significativos
a partir de parâmetros éticos.
A Escola apresenta ainda em seu projeto Político Pedagógico o objetivo geral como
segue:
Educar para o conhecimento integral do homem como ser consciente de si
mesmo e do mundo integrando-o na comunidade em que vive e livre para
participar da construção da história tendo como base o senso crítico e a
reflexão e construindo para a formação de cidadãos tornando-se mais crítico
e consciente em seu papel na sociedade em que vive.
Ainda estão contempladas no Projeto Político Pedagógico as abordagens a seguir:
Proporcionar ao aluno condições de ampliação e conexão de suas experiências,
valorizando e qualificando seu saber e capacidade de compreender, para interagir com o
mundo de forma crítico-criativo-cuidadosa.
58
Favorecer um ambiente rico em estimulo, onde poderá desenvolver seu potencial com
novas experiências de pensar, conhecer, viver, conviver e sentir emoções com autonomia e
competência.
Assegurar a permanência do aluno na sala através da organização do tempo e espaço
escolar em ciclo de formação.
Analisar e avaliar o processo de desenvolvimento individual do aluno, isto è, através
de relatórios avaliativos bimestrais.
Embora o projeto político-pedagógico contemple a fundamentação filosófica que se
alicerça na proposta de Paulo Freire e na Filosofia para Crianças, observamos, nas entrevistas
realizadas e no chão da sala de aula, que as crianças não vivem e cultivam efetivamente
situações em que a investigação e reflexão filosóficas fomentem e sustentem o
desenvolvimento do pensar crítico-criativo-cuidadoso e de outras competências objetivadas.
Mesmo tendo em seus pressupostos registrados no seu projeto pedagógico, o
compromisso de “Contribuir no desenvolvimento da capacidade humana de pensar, refletir e
agir de forma crítica, criativa, cuidadosa e ética”, o currículo vivido no dia-a-dia não garante
em nenhum momento discussões investigativo-construtivas fundamentadas em textos
filosóficos intrigantes e apropriados para as crianças.
Sabendo que a Filosofia para Crianças não pretende formar pequenos filósofos, mas
cidadãos críticos e competentes no pensar e agir, orientados por valores e ideais
humanizadores intersubjetivos, sabendo pensar de forma autônoma, inteligente e prática,
convenci-me, no entanto, pelas entrevistas e as observações das salas de aula, que a escola
sem utilizar o material filosófico-pedagógico de Lipman, ou equivalente, não alcançará estes
objetivos por meio de texto qualquer a reflexão filosófica, mesmo que tenha no seu dia-a-dia,
a preocupação com valores humanitários e éticos.
A escola em pauta exemplificou esta convicção, pois, mesmo tendo como objetivo
registrado o de “proporcionar o desenvolvimento do raciocínio lógico através da filosofia em
sala de aula com recurso estratégico e metodológico, provocando a interdisciplinaridade”, ela,
não está usando nenhum material estruturado que possibilite o desenvolvimento do
pensamento filosófico das crianças, não alcançou seus objetivos.
59
Por conseguinte, esta unidade escolar, a despeito de ter as metas de trabalho
suficientemente planejadas para dar suporte à execução do trabalho necessário, isto é, para a
prática pedagógica que fomente as ações e reflexões dos alunos por parte do educador,
instigando a autonomia do pensar e agir destes e promovendo assim sua verdadeira formação
de cidadão crítico que sabe dos seus direitos e deveres, não está conseguindo atingir o que se
propôs por falta do material didático eficaz e apropriado.
Quanto à metodologia, segundo o Projeto Político Pedagógico, É preciso, em
primeiro lugar, conhecer as características da criança com a qual se vai trabalhar, tentando
aliar os conhecimentos que se tem a respeito do seu desenvolvimento cognitivo e sócio-
afetivo à sua contextualização e história de vida e experiência”. Não obstante, os professores
não conhecem, ou não respeitam, esta máxima, embora que somente obedecendo a ela se
pode adotar a metodologia adequada, essa ação precisa ser ancorada pela metodologia e um
trabalho organizado.
Apresenta-se no projeto político da Escola: oportunizar situações para a tomada de
decisões, onde cada criança deve ser respeitada na sua totalidade, capacidade e limite, e ter
seu próprio ritmo de desenvolvimento, interesse e necessidade peculiares e viver no contexto
social.
Assim, a escola entende em seu documento oficial que o conhecimento construído
pela criança acontece num contexto indissociável de interações com o meio físico e social.
A pesquisa permitiu a interpretação de que os docentes de filosofia desta escola,
apesar de que demonstraram boa vontade, demonstraram também suas grandes deficiências de
formação, ou mesmo a ausência de formação, dado que muitos professores que fizeram os
cursos do Prophil foram substituídos por outros. Estas demonstrações e comprovações da
formação falha, insuficiente e ineficaz são motivo e razão para repensar e reorganizar a
formação dos professores. Dado que a formação do professor é a preocupação desta
dissertação, voltarei ao assunto mais adiante em contexto mais amplo, ficando aqui apenas o
que foi verificado nesta escola pela pesquisa.
Continuando a identificação do perfil das escolas, apresento agora a Escola 3, situada
na zona oeste, pertencente à rede particular de ensino
60
A Escola 3 pertence à rede particular de ensino se situa na zona oeste da cidade de
Cuiabá. Foi criada no ano de 1996, bem na efervescência da Filosofia para Crianças na
cidade de Cuiabá. Foi autorizada pelo Conselho Estadual de Educação, atendendo da
Educação Infantil ao Ensino Fundamental I a IV. Tem contemplado em seu currículo, desde a
classe de alfabetização uma aula semanal de Filosofia para Crianças. Atende vinte crianças
na classe de alfabetização, e no ensino fundamental I a IV: quinze crianças na primeira série,
dezesseis crianças na segunda série, doze crianças na terceira série e dez crianças na quarta
série.
Ao todo atende na disciplina de Filosofia para Crianças setenta e três crianças. Porém
não usa o material estruturado das novelas filosóficas proposto por Lipman.
Ao analisar o projeto político-pedagógico da escola, encontrei que a escola se
fundamenta nas concepções construtivista e interacionista. O papel do professor é o de mediar
e também de acrescentar no processo da aprendizagem algo mais do que é dado inicialmente,
no sentido de enriquecer este processo e suscitar decisões.
A escola trabalha, segundo a coordenadora com projetos que na sua concepção “são
conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos específicos construídos a partir de
um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver, ou um
produto final que se quer obter”
Este tipo de trabalho, entretanto, segundo a coordenadora, não se constitui como uma
“fórmula gica”, que pretende resolver todas as questões das relações dos sujeitos
aprendizes com o conhecimento. Possui limites. Saber desses limites e refletir sobre eles nos
possibilita seguir aprendendo.
A Proposta da Escola considera o princípio de que as crianças “não podem aprender
tudo, têm de seguir aprendendo e essa aprendizagem é processual”. E mais: “as crianças
pequenas são muito mais capazes do que imaginamos” já que pesquisas recentes mostram que
o cérebro humano trabalha nos dois primeiros anos de vida com muito mais rapidez e presteza
que no resto de nossas vidas. Milhões de sinapses são acionados, superando, em muito, a
capacidade humana de construir redes neuronais numa idade mais avançada. Disso resulta
uma nova concepção de criança pequena no campo educativo, que a compreende como
parceira capaz de estimular a produção constante de um conhecimento novo. Essa idéia de
61
uma criança forte, rica, potente desde o nascimento e, portanto, interlocutora, que tem como
ofício primeiro o seu próprio desenvolvimento, é recente e ocupa um cenário instigante,
estimulador, que propõe novas formas de se trabalhar a prática educativa. Curiosos, com
profunda capacidade de aprendizagem, o desejo pelo conhecimento ainda imaculado, com
capacidades cognitivas que os levam a formular hipóteses, a criar metáforas e a expandir o
campo da imaginação, esses pequenos atores são capazes de interagir com o mundo que os
cerca e, sobretudo, de maravilhar-se diante deste mundo e da vida. É este maravilhar-se que
Aristóteles chama o início do filosofar.
A escola em seu Projeto Político Pedagógico considera que “quanto mais
mergulhamos na compreensão do que seja a criança pequena, mais surpresos ficamos com
suas possibilidades de desenvolvimento, que sempre nos reservam algo inovador, inesperado.
Portanto esse é o momento privilegiado de se trabalhar o desenvolvimento integral do ser
humano.”
O desenvolvimento integral da pessoa pressupõe o desenvolvimento da racionalidade
e da afetividade, potenciais que atuam, comprovadamente, de forma integrada. Além do mais,
não são apenas elementos de um todo integrado, mas a base condicional do universo pessoal.
Para o profissional que trabalha com crianças das séries iniciais - fases mais apropriadas para
o desenvolvimento da racionalidade, da leitura, descoberto e descrição do mundo - essa
integração merece consideração ainda maior, uma vez que se desenvolve a racionalidade
através de um trabalho que considere as diferentes linguagens que o ser humano constrói, em
seu percurso sócio-cultural. Linguagens que dialogam com a afetividade, com a emoção, com
o mundo à sua volta e que permitem à criança desvendar, reconstruir, mudar e construir. o seu
mundo.
Ajudar a criança a desenvolver sua racionalidade pressupõe trabalhar com uma
pluralidade de linguagens que abarquem o conhecimento do cotidiano, o conhecimento
científico e filosófico e, dentro deste último, o conhecimento epistemológico, ético e estético,
o que resulta na necessidade de uma prática investigativo-construtiva em que professores e
alunos busquem compreender as relações do ser humano com a natureza e as relações sociais
nas quais estão inseridos.
As crianças pequenas o, portanto, interlocutoras ativas, capazes de merecer atenção,
respeito e dedicação por parte do professor, no sentido de tratá-las como aquilo que são:
62
pessoas plenas, mesmo que em fases iniciais, mas potencialmente capazes de participar dum
debate filosófico-existencial na linguagem própria de sua fase etária, muito antes de se
darem conta da profundidade com que abordam o conhecimento humano.
Essa visão tem por base uma concepção de desenvolvimento e aprendizagem que vem
sendo elaborada desde o início do século XX com os trabalhos de Piaget, Wallon, Vygotsky e
Lipman, cujas idéias se pautam nos seguintes princípios:
O desenvolvimento se faz do social para o individual - somos sujeitos de cultura;
Aprende-se na relação com o outro e essa aprendizagem promove o desenvolvimento;
Não linearidade no desenvolvimento, ou melhor, não se trata de fases que se
sobrepõem a outras até que o sujeito se torne um adulto, mas esse desenvolvimento é
dialético, pleno de crises, marcado pela história individual de cada ser humano;
No caminho do desenvolvimento sempre espaço para o imprevisível, o inesperado, a
perplexidade.
O processo educacional deve desenvolver atividades de pensamento nos alunos. Isso
implica desenvolver habilidades de pensamento.
Considerando estas concepções de acordo com as filosofias e ciências da educação
mais avançadas de nosso tempo, a pesquisa revelou uma escola com projeto pedagógico, em
tese, exemplar, tanto em vista de suas atividades educacionais gerais, quanto das específicas
do paradigma filosófico-pedagógico de Lipman.
A Escola 4 situa-se na região central de Cuiabá, é uma escola pública, vinculada à
Secretaria Estadual de Educação, atendendo crianças de diversos bairros da cidade, mas
atendendo especificamente as crianças do Abrigo Bom Jesus de Cuiabá MT, entidade esta de
assistência às crianças carentes que não têm onde ficar, suas famílias ou as abandonaram, ou
por necessidade, deixam seus filhos sob os cuidados do referido abrigo.
A característica singular desta escola é que sua clientela se perfaz, toda ela, de crianças
carentes, que freqüentam em um período o Abrigo e em outro a Escola. Atende crianças que
estejam na fase do primeiro ciclo primeira, segunda e terceira etapa e segundo ciclo e
primeira e segunda fases do segundo ciclo, ou seja, da Classe de Alfabetização a quarta séries.
A escola atende ainda uma sala de crianças especiais.
63
Embora o Abrigo tenha sido reformado três anos atrás, e que a Escola 4, estava
incluída no projeto de reforma, esta não foi contemplada, pois os recursos orçamentários e
financeiros não foram suficientes.
Vale dizer que a escola possui um espaço bastante limitado, inclusive sem lugar
adequado para a recreação. Embora tenha uma área nos fundos, que se adequado, poderia ser
um espaço prazerosos para as crianças brincarem e participarem de atividades significativas,
este espaço acaba ficando sem uso, tendo em vista o desnível do terreno.
A filosofia da escola está voltada para “a formação e desenvolvimento do senso
crítico, com o objetivo de instrumentalizá-los para conquistar um espaço na sociedade,
participando e atuando como agentes de mudanças de sua própria realidade para construir um
mundo mais justo e mais fraterno”. Para isso, os educadores, segundo o Projeto da Escola
devem “orientar seus alunos no sentido que estes possam adquirir conhecimentos úteis e
necessários para que possam ter uma vida melhor no mundo”.
Assim, os pressupostos filosóficos da escola contemplam “a organização do trabalho e
fundamentam os princípios de igualdade de condições para oferecer um ensino de qualidade
para todas as crianças, autonomia e liberdade nas relações dos sujeitos que se estabelecem em
uma escola democrática”.
Assim, para efetivamente realizar esses pressupostos, segundo o Projeto da Escola, o
professor precisa: participar da formação continuada em serviço, organizar o material
didático-pedagógico adequado, dedicação integral. A prática pedagógica do professor deve
oportunizar às crianças a capacidade de interação de mão dupla, um ir e vir, em vel de
igualdade, entre professor e aluno, que juntos constroem; o coletivo da escola.. Os professores
decidem quais os componentes curriculares que devem ser trabalhados para formar o aluno
crítico, criativo, cidadão comprometido com a vida, com a escola e com as pessoas. A função
do professor no processo educativo é mediar para auxiliar o desenvolvimento afetivo do
aluno, bem como o conhecimento elaborado, o qual o aluno deve adquirir, sempre
relacionando os conteúdos trabalhados, fazendo elos com os conhecimentos anteriores, para
transformá-los em novos conhecimentos.
Nesse sentido, o professor deve trabalhar o raciocínio lógico, a criatividade,
afetividade, as relações sociais, valorizando a pesquisa, a leitura, a produção de texto, criando
64
regras e desenvolvendo valores de convivência.
Vale informar que a escola atende o primeiro ciclo, ou seja, a primeira, segunda e
terceira etapas, correspondendo a Classe de Alfabetização, primeira e segunda séries do
ensino fundamental e o segundo ciclo, na primeira e segunda etapa, ou seja, crianças da
terceira e quarta séries do ensino fundamental. Atende ainda uma sala com crianças de
necessidades especiais. A escola tem como objetivo melhorar o processo ensino e
aprendizagem através de aulas motivadas e participativas, na qual o aluno aprende a ler,
escrever e contar com prazer. E esse conhecimento sistematizado, articulado deve estar em
consonância com sua prática cotidiana de vida, de forma que ele, de posse desses
conhecimentos, possa usá-los como ferramenta de interferência e transformação na sociedade
na qual vive.
Segundo ainda o projeto pedagógico da escola a metodologia de ensino é um forte
instrumento de ensino e aprendizagem. Dependendo da forma como o professor apresenta o
conteúdo aos seus alunos, estes terão maior dificuldade para compreendê-los. Por isso o
professor precisa pensar constantemente em sua prática pedagógica. no dia a dia. Para que
exista maior produtividade no processo ensino e aprendizagem, o professor deve trabalhar de
forma globalizada e interdisciplinar, na qual as áreas de conhecimentos se apresentam inter-
relacionadas, dentro de uma visão sóciointeracionista.
Quanto a concepção pedagógica da escola, o professor deve oportunizar capacidade
de estabelecer interação de mão dupla, um ir e vir, em nível de igualdade, entre professor e
aluno para juntos construírem novas habilidades sociais e conhecimentos significativos para a
vida. Deve ser o mediador para auxiliar o desenvolvimento afetivo do aluno, bem como o
conhecimento elaborado, que o aluno deve adquirir, sempre relacionando o conhecimento
trabalhado no momento, fazendo o elo com os conhecimentos anteriores, para transformá-los
e adequá-los aos novos conhecimentos. Por isso, o professor deve trabalhar o raciocínio
lógico, a criatividade, a afetividade, as relações sociais, ajudar a superar a visão autoritária,
preconceituosa, individualista, incentivos à pesquisa, à leitura, à produção de texto, criando
assim regras de condutas e valores morais.
A formação contínua do professor está estruturada, segundo esse documento da escola,
voltada para o ensino ciclado, relações interpessoais e tema gerador.
65
Importante considerar que a escola tem em cada sala de aula, crianças de diferenças
idades, o que muitas vezes dificulta o trabalho das professoras, segundo a fala de uma delas.
3.6 Os sujeitos da pesquisa
Para a pesquisa foram escolhidos dois professores de cada escola, sendo ao todo oito
professoras envolvidas na pesquisa. Um critério escolhido para a escolha das escolas onde
seria realizada a pesquisa é que duas escolas deveriam pertencer a rede pública de ensino e
duas escolas deveriam pertencer a rede particular. Foi usado como critério na escolha das
professoras que uma trabalhasse na primeira etapa do primeiro ciclo ou primeira e segunda
séries da educação básica e o outra na segunda etapa do segundo ciclo ou terceira e quarta
séries da educação básica. Isso em virtude das duas novelas filosóficas elaboradas por
Lipman: Issao e Guga para o primeiro ciclo ou primeira e segunda ries da educação básica
de estudos e Pimpa para a segunda etapa do segundo ciclo, ou terceira e quarta séries da
educação básica.
Apresento assim as professoras que fazem parte desta pesquisa:
Professor A - Trabalha na Escola 1, escola da rede particular, situada na região
central de Cuiabá com Filosofia para Crianças, praticando e usando a proposta e material
Issao e Guga de Matthew Lipman na primeira série do Ensino Fundamental. É formada em
Pedagogia, pela UniC - Universidade de Cuiabá, tem Pós-Graduação em Currículo para o
Ensino Fundamental, realizado na mesma universidade
Professora B - Trabalha também na Escola 1, escola na região central de Cuiabá com
Filosofia para Crianças, praticando e usando proposta e material Pimpa de Matthew Lipman
na quarta série da educação básica. É formada em Letras pela Universidade de Cuiabá Mato
Grosso, tem Pós-Graduação em Linguagem e atua na quarta série do ensino fundamental I a
IV.
Professora C - Trabalha na Escola 2, escola da rede pública na região oeste de
Cuiabá. É formada em Pedagogia e trabalha na segunda etapa do primeiro ciclo da rede
66
municipal de ensino, ou seja, com a segunda série do ensino fundamental I a IV. Não tem
curso de especialização.
Professora D –Trabalha na rede pública, na Escola 2, em uma escola da região oeste
de Cuiabá. é formada em Pedagogia, com Especialização em Psicopedagogia. Trabalha na
primeira etapa do segundo ciclo, ou seja, na terceira série do Ensino Fundamental I a IV. Não
fez especialização.
Professor E -Trabalha na Escola 3 da rede particular de ensino na região oeste de
Cuiabá - MT, na primeira série da educação básica. Formou-se no ano de 2005 em Pedagogia.
Professor F - Trabalha na rede particular de ensino, na Escola 3, situada na região
oeste de Cuiabá –MT é formada em Letras pela UniVag, Centro Universitário de Várzea
Grande, cidade vizinha à Cuiabá MT; trabalha na terceira série do Ensino Fundamental I a
IV, com treze alunos. Não tem especialização.
Professor G - Trabalha na rede pública de ensino de Cuiabá, na Escola 4, situada na
região central, é formada em Pedagogia, pela UniVag Universidade de Várzea Grande e
terminou o curso no ano de 2005. Trabalha com a segunda etapa do primeiro ciclo, o que
corresponde a primeira série da educação básica.
Professor H Trabalha na rede pública em uma escola da região central de Cuiabá
MT, na Escola 4. É formada em História e Pedagogia, pela UFMT e tem Pós Graduação em
Psicopedagogia e atua na segunda fase do segundo ciclo ou quarta série do ensino
fundamental.
67
4 OS SABERES ENVOLVIDOS NA PRÁTICA
Se as características dos trabalhadores do início do século XX eram determinadas pela
Revolução Industrial em marcha, no início do século XXI essas características são definidas
por outros valores e necessidades. É preciso ter clareza que vivemos em um mundo cujas
competências são estabelecidas pela era do conhecimento ou pela sociedade do conhecimento.
Assim, vale pensar com Mussak (2003, p.37): “De crates até o século XXI, o
homem tem realizado um incrível exercício de aprender a pensar, ou melhor, de aperfeiçoar
a qualidade da faculdade de pensar, própria de nossa espécie.”
Assim, sabemos que podemos exercitar e desenvolver nossa capacidade de saber.
Se o pensamento diferencia os seres humanos dos animais, a qualidade
desse pensamento é o que diferencia os homens entre si. E está algo que
devemos cultuar: a arte de pensar, de melhorar a qualidade, de fortalecer as
bases do pensamento e facilitar a ligação dessas bases com o pensamento
em si mesmo (MUSSAK, 2003, p.37).
Esse contexto impõe um grande desafio aos educadores que têm o papel fundamental e
valoroso na formação de novos cidadãos com habilidades necessárias para transformar a
informação em conhecimento e conhecimento em ações subseqüentes. Pensar uma educação
que possibilite o ajuste à substituição dos paradigmas que se está produzindo numa escala
sociológica mundial é essencial. E um caminho possível é a Filosofia para Crianças, aqui
entendida como algo ainda distante da realidade das séries iniciais, mas real e possível. Assim
retomo Bochenski (1977, p.21):
Filosofia é um assunto que não interessa ao especialista porque, por mais
estranho que isto pareça provavelmente não homem que não filosofe; ou
pelo menos, todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida.
(…) o importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos
obrigados a filosofar (BOCHENSKI (1977, p.21).
68
Motivado pela necessidade humana de aprender a pensar com qualidade, ou seja, a
pensar inteligentemente, e mesmo a filosofar, e diante do desafio que esta situação existencial
traz para a educação, realizei a minha pesquisa, cujos resultados do ensino da Filosofia nas
séries iniciais em quatro escolas de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, apresento agora neste
capítulo. Analisei o seu cotidiano, evidenciando que este trabalho pode ser um caminho
possível para novas buscas em educação, principalmente para uma formação adequada e de
qualidade do professor à luz de uma metodologia de formação humana que vem ganhando
espaços significativos na educação.
4.1 O ensino da Filosofia para Crianças no cotidiano de quatro escolas de Cuiabá-MT - uma
análise reflexiva e dialógica
A valorização dos saberes da prática é uma tendência relativamente recente na
pesquisa educacional e está ligada ao reconhecimento da importância da vida cotidiana como
instância social privilegiada para a compreensão da elaboração e reelaboração do
conhecimento, no processo histórico de produção do homem e da sociedade. No Brasil,
especialmente a partir de 1980, trabalhos como os de GATTI (1997, MELLO (1982),
ROSEMBERG (1984), KRAMER e ANDRÉ (1984), PENIN (1989), PATTO (1990), entre
outros, lançam o olhar sobre o interior da escola, mostrando, por meio da contradição e
fragmentação do cotidiano escolar, as práticas e os processos que constroem, no dia a dia da
rotina escolar, o significado social e político da escola brasileira.
Uma das conseqüências positivas trazidas pelas pesquisas do cotidiano escolar é o
reconhecimento da importância da dimensão pedagógica do fenômeno educativo e o
direcionamento das investigações para o estudo das práticas escolares e dos saberes
construídos pelos professores em seu trabalho cotidiano.
Freire e Lipman permeiam em suas obras entendimento similar do cotidiano, mas,
como defendem, cada um de sua maneira, que o sujeito principal da construção do
conhecimento e da educação em geral é o próprio aluno, valorizam a construção do
conhecimento pelo diálogo prazeroso aluno-aluno e aluno-professor, em vez do monólogo
cansativo do professor.
69
Na medida em que se vai desvelando esse espaço dinâmico e contraditório, onde a
educação escolar acontece concretamente, no dia a dia de alunos e professores, podemos
perceber que a escola não é apenas o reino dos problemas e da incompetência, como muitas
vezes tem sido apresentada, mas que nesse espaço existem práticas inovadoras, competências
construídas pelos professores na sua experiência prática, apesar das condições adversas de
organização e de trabalho numa escola que não tem sido, via de regra, um espaço favorável à
docência.
Nesta esteira ainda, vale salientar, que não é o educador que desenvolve habilidades e
competências no aluno, mas este próprio pela sua atividade cognitiva, instigada e orientada,
contudo, pelo educador. Esta ginástica intelectual do cérebro, que fortalece o pensar em todas
as suas qualidades e níveis, pode ser comparada com a ginástica esportiva do corpo que treina
e fortifica os músculos. Assim, como o professor de educação física pela sua ginástica o
pode fortalecer os músculos de seus alunos, desse modo o professor o pode construir e
desenvolver conhecimentos e competências dos seus alunos. Tem de instigar e provocar,
facilitar e orientar sua autoconsciência, sua autonomia do pensar e agir, sua auto-correção e,
neste processo, sua auto-estima, sem a qual dificilmente alguém se educará
O presente estudo situa-se nessa vertente, buscando compreender, a partir da
investigação da prática de oito professoras que trabalham Filosofia para Crianças em escolas
públicas e particulares de Cuiabá, qual a relação entre a formação dessas professoras e prática
do ensino de Filosofia pra Crianças, buscando identificar ainda como estas constroem as suas
práticas, que saberes os alunos podem construir ou reconstruir e que habilidades podem
desenvolver nessa prática e, especificamente, como se demonstra a competência docente no
processo de desenvolvimento das habilidades do pensamento no paradigma Filosofia para
Crianças.
Das duas escolas particulares onde a pesquisa foi realizada, uma adotou tanto o
método, quanto o material de Lipman e outra incorporou os pressupostos lipmanianos, mas
não o uso do seu material, ficando este como fonte de inspiração.
As escolas públicas nas quais foi realizada a pesquisa, não trabalham com os livros
lipmanianos, ou seja com as novelas filosóficas, por razões financeiras, ligadas à falta de
acesso das crianças ao material estruturado.
70
Das professoras entrevistadas, ao todo oito, cinco cursaram Pedagogia, uma cursou
Pedagogia e História e duas cursaram Letras, quando tinham iniciado a carreira no
magistério, ou seja, exerciam uma prática docente sobre a qual podiam refletir. Isto
representa um aspecto importante no contexto da formação. Importante considerar que
nenhuma cursou Graduação em Filosofia.
Quanto à formação em tempo de serviço, isto é durante a docência, diferenças
sensíveis entre elas, dados estes revelados pelas entrevistas realizadas com as professoras. Os
dados disponíveis, contudo, não ofereçam informações detalhadas sobre a formação teórica
das professoras. As entrevistas permitiram as seguintes informações de cada professora:
A Professora A Trabalha na rede particular de ensino, na primeira série do ensino
fundamental I a IV com a novela filosófica Issao e Guga. Tem especialização em Currículo
para o Ensino Fundamental. Mostra-se atualizada, revelando familiaridade com as idéias
construtivistas atualmente veiculadas nos cursos de formação em serviço, e tem acesso a
seminários e palestras oportunizados pela escola e outras fontes de formação, buscadas por ela
mesma.
Participou do processo de organização, fundamentação, preparação prática e
implantação do Programa de Filosofia para Crianças, bem como das respectivas oficinas das
novelas filosóficas, solicitadas pela coordenação da escola, organizadas e promovidas pelo
Programa PROPHIL da Universidade Federal de Mato Grosso.
Apresenta-se muito entusiasmada pela proposta e afirma que as crianças gostam muito
das discussões que os textos oportunizam. a conhecer formação, competência e bom
desempenho no trabalho com Filosofia para Crianças, que ao observar uma de suas aulas
percebi que ouve as abordagens das crianças, formula perguntas intrigantes, instiga e organiza
a discussão, estimula e valoriza a conversação das crianças. Ela mesma conta:
Trabalho na primeira série, com 26 alunos Sou graduada em Pedagogia
UNIC, com Pós-Graduação em Currículo para o Ensino Fundamental –
UNIC Participei de todo o processo de implantação, fundamentação teórica e
oficinas organizadas pela equipe da escola (Professora A, Entrevista 2005).
.
Perguntada sobre que fundamentos encontrou para a prática na sala de aula de
Filosofia para Crianças, disse ter participado de todo o processo de formação para o Ensino
71
de Filosofia para Crianças, oportunizado pela escola, incluindo as oficinas para as aulas
práticas das novelas filosóficas Issao e Guga e Pimpa.
Sobre o que sustenta o trabalho que realiza na sala de aula, afirma:
[...] estou mais segura agora, depois de vários anos trabalhando com
Filosofia para Crianças. Isso me ajudou muito no trabalho de
interdisciplinaridade e de transversalidade. (Professora A, Entrevista 2005).
Disse ainda:
[...] em todas as etapas do desenvolvimento da criança, a Filosofia tem
papel fundamental, porém na primeira série a contribuição é ainda mais
curiosa. Através do lúdico, do diálogo, das perguntas, dos debates, a criança
se descobre e descobre o mundo. (Professora A, Entrevista 2005).
Afirma ainda:
[...] quando almejamos que nossos alunos tenham um pensamento
ordenado, com sustentação, que saibam de onde concluíram tal idéia,
implicitamente estamos contribuindo para o desenvolvimento de um
raciocínio lógico. Justamente por termos que instigar a “desenvolver” esse
raciocínio lógico, é que perguntamos como se dá o processo de organização
do trabalho de Filosofia para Crianças (Professora A, Entrevista 2005).
Ela ainda complementa:
A sala de aula acaba, nas aulas de Filosofia para Crianças se transformando
num espaço para a liberdade, para a reflexão, a cooperação e o diálogo. Só
que na Comunidade de Investigação, nosso cotidiano é marcado por muitos
conflitos: as crianças às vezes discutem e querem impor seu jeitos de pensar
e às vezes me sinto insegura para resolver os impasses. Mas... o que seriam
desses impasses, onde eles se esconderiam, se a gente não tivesse as aulas de
filosofia? Eu acho que o professor, quando impõe muito o silêncio, para que
as crianças fiquem quietas, impedindo-as de participar, eu acho que isso
tolhe um pouco, tira um pouco da liberdade de falar, da criança se expressar.
Então essa maneira de fazer filosofia na comunidade de investigação, essa
interação eu acho importante, para que elas possam ter liberdade de falar o
que pensam, de ter liberdade de pensar para falar e liberdade para se
expressar. Eu gosto de buscar coisas para elas aprenderem, mas aprenderem
a pensar. Então eu parto do que é de maior interesse das crianças, para
podermos encaminhar as discussões, para eu poder observas as falas das
crianças. Fico assim observando para poder ver o que está por trás de cada
72
olhar, de cada rosto. Aí, o que cada aluno revela é que se torna importante
para cada aluno (Professora A, Entrevista 2005).
Quanto aos pressupostos filosófico-pedagógicos orientadores que sustentam o trabalho
da professora, diz:
Um dos grandes desafios atuais na área do ensino é o de conseguir propiciar
uma educação voltada para o pensar crítico, e a Filosofia para Crianças ajuda
muito nisso. Mas acho que, além de Lipman, tudo o que já estudei aqui na
escola e na faculdade, sobre Piaget, Wallon, sobre Vygotsky – gosto muito
do Vygotsky, quando ele fala das zonas de desenvolvimento....acho que
Vygotsky se aproxima muito de Lipman, quando ele se preocupa no
caminho percorrido na aprendizagem.... e também sobre as Múltiplas
Inteligências (Professora A, Entrevista 2005).
Quanto às mudanças e transformações influenciadas pela educação filosófica na
vivência dos educandos e na comunidade escolar em geral, diz que:
As crianças com o trabalho de Filosofia começam a pensar melhor, a
refletirem mais sobre o que vão falar...mas isso não acontece assim, de
forma mágica....quer dizer... num passe de mágica.... isso é um trabalho
longo.... de muitas aprendizagens. As crianças mudam e mudam as suas
falas, mudam seus conceitos, começam a entender que as pessoas pensam
diferente (Professora A, Entrevista 2005).
Nesse contexto vale lembrar Marie-France Daniel:
A Filosofia do programa Lipmaniano é holística, isto é, comporta uma inter-
relação que não se refere apenas ao processo mental de investigação, mas
supõe também uma série de interações: entre a pessoa e o objeto da
investigação, entre a pessoa e o meio, entre os diferentes aspectos da pessoa.
(DANIEL, 2000, p. 187).
Isso parece evidente na abordagem apresentada pela professora, bem como no
acompanhamento das aulas nas quais presenciei os encaminhamentos dados pela mesma, nas
aulas de Filosofia, momentos esses nos quais apresentou domínio e segurança no trabalho à
luz da proposta de Filosofia para Crianças. Ouve as crianças em suas abordagens, suscita
perguntas, faz inferências, num diálogo seguro e de respeito com as crianças.
73
Outra professora entrevistada, aqui chamada de Professora B, trabalha na rede
particular de ensino, é formada em Letras, pela Universidade de Cuiabá Mato Grosso, tem
Pós-Graduação em Linguagem e atua na quarta série do ensino fundamental I a IV, com
cinqüenta e sete crianças, divididas em duas turmas, sendo uma turma de vinte e oito crianças
e outra de vinte e nove alunos. Em seu depoimento aponta para a importância da reflexão na e
sobre a prática como forma de apropriação ativa da teoria: o contato com as teorias estudadas
no curso forneceu aquilo que Perrenoud (1993) chama de “chaves de interpretação” do que se
passa na sala de aula, ou seja, um novo olhar sobre a prática que permitiu à professora uma
releitura e uma reelaboração do próprio trabalho. Ao mesmo tempo, a possibilidade de
mostrar o seu trabalho em cursos onde se abria espaço para a discussão da prática, deu-lhe a
oportunidade de falar sobre esse processo de transformação, ou seja, de dizer os seus saberes.
A professora afirma que teve oportunidades de freqüentar cursos de formação em
serviço e estes aconteceram de forma
permanente nos anos seguintes de seu ingresso na
escola, período que se caracterizou pela diversidade de influências teóricas, que este se
apresentou como um momento de transição entre a orientação dos antigos guias curriculares -
cujo referencial teórico revelava a influência tanto das teorias comportamentalistas quanto do
modelo cognitivista - e a implantação, a partir de 1986, das novas propostas curriculares, de
inspiração construtivista.
Importante considerar que a Professora B não participou do processo de implantação
da Filosofia para Crianças no Currículo da ESCOLA 1:
Trabalho na quarta série, com 57 alunos, 28 em uma turma e 29 em outra.
Sou formada em Letras pela UNIC (Universidade de Cuiabá) com pós-
graduação no ensino de linguagem realizado na mesma instituição..
Participei de uma oficina organizada pela coordenadora. Quando cheguei
na escola, o Programa havia sido implantado (Professora B, Entrevista
2005).
Perguntada sobre que fundamentos encontrou para a prática do ensino de Filosofia
para Crianças na sala de aula, respondeu que conheceu a fundamentação teórica e as
oficinas oportunizadas pela coordenadora da escola e através da leitura de fundamentos
teóricos realizados em algumas reuniões organizadas pela escola. Afirma que a base do seu
trabalho efetivamente na sala de aula de Filosofia para Crianças é o manual de orientação da
novela filosófica Pimpa e é uma ferramenta importante para a professora. Afirmou ainda que
74
esse manual é fonte de pesquisa para todas as professoras que trabalham na escola. Mas
afirma com bastante entusiasmo que as trocas que realiza com as demais professoras da escola
sempre ajudam e que sempre pensam as aulas, que sempre discutem juntas. Ao ser perguntada
sobre se tem interesse em capacitar-se mais afirmou:
Em filosofia sim, no sentido de ajudar a trabalhar filosofia. Por quê? Eu
acredito. A filosofia ajuda todas as matérias, pois possibilita o pensar, o
questionar. Sinto que não tenho todo o embasamento teórico que preciso
para realizar um trabalho. Sinto falta de ter um certo respaldo, em estar
fazendo curso. No Manual de Instrução... tenho ajuda, mas e os outros
aspectos? No caso do Pimpa, em ele não toda a orientação que é
necessária para fazer acontecer ele oportuniza a orientação sobre as
discussões ao longo de todo capítulo, eu não consigo visualizar filosofia,
meu trabalho, sem ajuda do material. (Professora B, Entrevista 2005).
Perguntada como procura realizar o trabalho de filosofia em sala de aula respondeu
que após a leitura de um episódio da novela filosófica, é no questionamento, no diálogo, nas
atividades orais, no ouvir as respostas das crianças que procura oportunizar questionamentos
ou desafiar crianças a novas perguntas. Os alunos é que falam, eu facilito as discussões”,
afirma a professora.
Quanto aos pressupostos filosófico-pedagógicos orientadores que sustentam o trabalho
da professora, responde:
mesmo no manual. E as coisas que já aprendi, de Vigotsky, do professor
mediador de aprendizagem, da zona de desenvolvimento... E das coisas que
aprendi na oficina com a coordenadora (Professora B, Entrevista 2005).
Quanto às mudanças e transformações influenciadas pela educação filosófica na
vivencia dos educandos e na comunidade escolar em geral, diz que, com clareza são
percebidas as influências que o ensino de Filosofia para Crianças traz na escola e nas
crianças.
O aluno organiza muito mais respostas coerentes. Ajuda na argumentação.
Geralmente, a criança sem filosofia apresenta poucos argumentos, a criança
que usa filosofia tem facilidade de expressar-se, a filosofia ajuda as crianças
a expor as idéias. Ah... E mudam os seus comportamentos, começam a
75
apresentar atitudes de muito mais respeito pelas pessoas, pelo outro, pelo
que dizem [...] (Professora B, Entrevista 2005).
Perguntada sobre o material usado nas suas aulas, respondeu usar a novela filosófica
PIMPA, mas ousa usar algumas fábulas, textos extras, que oportunizam uma discussão
filosófica.
Nesse contexto, perguntamos ainda se todo texto possibilita uma discussão filosófica e
a professora respondeu que antes de conhecer o Programa, achava que qualquer texto oferecia
o desenvolvimento do pensar filosófico nas crianças, o investigar, a discussão. Mas que ao se
aprofundar, ao conhecer os encaminhamentos da proposta de Filosofia para Crianças,
responde que não é qualquer texto que leva ao investigar filosófico.
Quanto ao procedimento pedagógico e a prática da educação filosófica usada na sala
de aula afirma que o mais importante que existe nas aulas de filosofia é o fato de sair do
espaço tradicional da sala de aula e ir para um espaço diferenciado que chamam de
Comunidade de Investigação.
A gente tem uma sala de filosofia. O ambiente é legal, as crianças gostam.
que tem dia que não para usar a sala. A gente senta no chão. os
episódios, encaminhamos as discussões. Tem dia que as crianças falam
coisas tão profundas, que me deixam feliz. O mundo dessas crianças, quando
elas ficarem adultos vai ser muito diferente de hoje. Se hoje elas já pensam
por si mesmas... Elas não vão aceitar os fatos, sem questionar. O mundo vai
mudar, eu tenho certeza disso. A filosofia me abre os olhos, para ver as
coisas bem diferentes do que elas parecem ser. Eu não sou mediadora das
discussões, puxando as crianças para o pensar... eu aprendo. (Professora B,
Entrevista 2005).
A Escola 1, ao longo da observação e das entrevistas realizadas, apresenta ter uma
preocupação bastante evidente na formação de seus professores e está sempre voltada para a
permanente qualificação da equipe pedagógica.
Isso se revelou também na proposta educativa da escola que contempla os pilares
propostos pela UNESCO: Aprender a Conhecer, Aprender a Ser, Aprender a Fazer, Aprender
76
a Conviver e acrescenta ainda a sua proposta o Aprender a Crer, já que a escola é e tem cunho
religioso.
As Professoras C e D trabalham na Escola 2. A professora C é formada em
Pedagogia e trabalha na segunda etapa do primeiro ciclo da rede municipal de ensino, ou seja,
com a primeira série do ensino fundamental I a IV, com vinte e seis crianças. Não tem curso
de especialização, fato esse revelado, segundo a professora, pelo acúmulo de trabalho, que
trabalha em outro período em uma escola da rede particular de educação básica. Diz ter
vontade de continuar os estudos, mas as dificuldades financeiras e o acúmulo de tarefas a
impedem de fazê-lo.
Revelou que fez cursos de formação sobre os pressupostos teóricos de Lipman,
conhece de forma “bastante leve o trabalho e que vivenciou nos anos anteriores,
especialmente nos meados da década de noventa, na mesma escola que hoje ainda trabalha.
Disse ainda que quando a escola começava a se debruçar sobre o “ensino” de Filosofia para
Crianças, novas diretrizes implantadas pela Secretaria Municipal de Educação deixaram de
“cobrar” esse trabalho no currículo das escolas municipais. Isso, segundo a professora
“esvaziou” o trabalho.
Acredita que:
É função da escola é ajudar os alunos a desenvolverem a independência para
construírem seus pensamentos próprios, mas que muitas vezes os pais não
entendem isso. Os pais querem que seus filhos decorem, copiem. Segundo a
professora, o professor acaba sendo avaliado pelos pais, pelo tanto de
conteúdo que passam para as crianças, e não pelo processo lento e
importante que é o de ajudar o aluno no desenvolvimento da capacidade de
pensar (Professora C, Entrevista 2005).
A Professora C, mesmo dizendo acreditar na importância da Filosofia para Crianças, e
sabendo que está contemplado no Projeto Político da Escola, o Ensino de Filosofia para
Crianças, afirma que historicamente, a escola municipal tem deixado de contemplar o ensino
de Filosofia para Crianças. Afirma ainda que:
Na década de noventa os pressupostos do trabalho de Filosofia para Crianças
contagiaram as professoras e o cotidiano escolar, quando a Secretaria
Municipal de Educação inseriu no currículo das escolas municipais o ensino
de Filosofia para Crianças (Professora C, Entrevista 2005).
77
Perguntada se a formação para o ensino de filosofia ajuda a prática do ensino na escola
esta afirma:
Tenho dificuldades de organizar textos que oportunizem o investigar
filosófico com as crianças. Sei que é pela questão de minha formação
(Professora C, Entrevista 2005).
Perguntada sobre o por quê de hoje a escola não usar o material estruturado das
novelas filosóficas de Lipman disse:
Quando a proposta foi implantada nas escolas municipais, tivemos o apoio,
tanto nos cursos de formação e oficinas, quanto no apoio em material. Hoje,
como não é prioridade o ensino de Filosofia para Crianças e não faz parte da
política educacional do município. Tudo o que aconteceu caiu por terra [...]
Assim, o que resta é o que aprendemos, sobre como levar as crianças a
pensarem, refletirem (Professora C, Entrevista 2005).
Questionada sobre os pressupostos teóricos que sustentam suas práticas, afirma a
Professora C:
Meu trabalho em sala de aula está fundamentado sobre tudo o que aprendi
nos diferentes cursos de formação desde a Pedagogia amesmo os de
formação para o ensino de Filosofia para Crianças, passando por tantos
outros cursos que fiz e ainda pelos livros, diversos textos e pelas trocas que
fazemos entre nós, professoras[...] (Professora C, Entrevista 2005).
Perguntada sobre a influência do ensino de Filosofia para Crianças no cotidiano de seu
trabalho como educadora, afirma:
Por exemplo, quando eu entro na classe eu começo a observar aluno por
aluno, as atitudes deles. Eu já esqueço do que tem fora. Sabe, a minha
existência fora não existe mais. Então eu olho na criança, eu já noto se ela
está contente de estar no ambiente, eu já observo se ela está interessada em
entrar em contato comigo, se ela... Enfim, eu observo os movimentos dela,
eu fico observando a maneira como devo encaminhar a nossa
comunicação para que ela se sinta bem no ambiente (Professora C,
Entrevista 2005).
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A Professora D da Escola 2 é formada em Pedagogia, com Curso de Especialização
em Psicopedagogia. Trabalha na primeira etapa do segundo ciclo, ou seja, na terceira série do
Ensino Fundamental I a IV. Aborda que no auge da implantação de Filosofia para Crianças na
rede municipal de ensino, diz ter participado de cursos e oficinas do Programa PROPHIL e
acredita que as crianças de hoje precisam aprender a pensar. A professora afirma em sua fala
que “a única forma de a escola ajudar as crianças a compreenderem e conhecerem o mundo, é
ajudando-as a usarem seus pensamentos como forma de não aceitarem as verdades prontas”.
Questionada sobre o motivo pelo qual a escola não trabalha com o material de
Lipman, respondeu:
[...] isso é decisão da direção, já que o material é ca ro, a prefeitura não doa
o material e isso dificulta, pois as crianças são filhos de trabalhadores que
têm pouco acesso à compra do material pelo fator orçamentário e financeiro
familiar (Professora D, Entrevista 2005).
Afirmou trabalhar com materiais diversos, mas ao analisarmos os materiais que são
utilizados, efetivamente, a professora realiza mera interpretação dos textos, e quando avança
muito, oferece extrapolação dos mesmos. Além do mais, são textos que não trazem em seu
bojo quaisquer possibilidades de investigação filosófica.
A professora diz conhecer a proposta, mas efetivamente, na prática, não vivencia o
ensino de Filosofia para Crianças. Questionada a Professora D sobre o porquê de não utilizar
o material estruturado por Lipman, comentou:
[...] ao longo da caminhada da escola, a proposta do Ensino de Filosofia
para Crianças foi-se esvaziando tendo em vista que a Secretaria Municipal
de Educação deixou de priorizar essa metodologia de desenvolvimento do
pensar e logo, sem o material estruturado por Lipman, sentia-se
desmotivada e insegura para a prática do ensino de Filosofia para Crianças
na sala de aula. (Professora D, Entrevista 2005).
Outro ponto importante a considerar, segundo a Professora D, é o fato de a mesma
afirmar que mesmo no auge do trabalho de Filosofia para Crianças nas escolas municipais, os
professores formados pelo Programa PROPHIL – UFMT, quando se destacavam em seu
trabalho no cotidiano da escola, com a efetivação de um trabalho na Filosofia para Crianças,
acabavam sendo remanejados para cargos de coordenação.
79
Perguntei à Professora sobre a influência de sua formação na prática vivida do ensino
de filosofia para crianças na sala de aula e esta respondeu:
Os diversos cursos ajudam no cotidiano da escola e no ensino de filosofia
para crianças. Mas existe a necessidade de uma formação continuada, que
se forma nas políticas de educação do município. O professor precisa esta
sendo formado todo dia [...] Eu sinto muita falta de novos cursos de
formação para o ensino de filosofia, seu que preciso[...].(Professora D,
Entrevista 2005).
As Professoras da Escola 3 escola particular, que se situa na zona oeste da cidade
entrevistadas são a Professora E e Professora F.
A Professora E, trabalha na primeira série da educação básica, não fez o Curso de
Filosofia para Crianças, formou-se no ano de 2005 em Pedagogia, tem trinta anos e apresenta
uma formação na dimensão humana bastante forte. Tem uma relação bastante afetuosa com
seus alunos, e um diálogo aberto, situações essas percebidas quando de minha presença na
sala de aula e pela fala da diretora da escola sobre o trabalho da professora.
Importante considerar que a Professora E não participou do processo de implantação
da Filosofia para Crianças no Currículo na Escola 3, vindo a ingressar na escola no ano de
1997, quando a escola já trabalhava com Filosofia para Crianças em seu currículo.
Trabalho na primeira série, com dezesseis alunos, estou estudando
Pedagogia e sinto que o curso ajudou-me muito. O meu trabalho é
sustentado pela novela filosófica Rebeca, pois a diretora da escola, pelos
anos que tem com educação, acha que Rebeca situa-se muito mais para a
primeira série do que Issao e Guga... Estou falando das novelas filosóficas
(Professora E, Entrevista 2005).
Ao responder sobre o que fundamenta sua prática disse que:
[...]
conheci a fundamentação teórica e as oficinas oportunizadas pela
direção da escola, mas que a professora que trabalhava anteriormente na
escola com a primeira série tinha o Curso e as oficinas do Programa. Mas
que pediu demissão, indo para uma escola maior (Professora E, Entrevista
2005).
80
Afirmou ainda:
Tenho vontade de fazer um curso aprofundado de Filosofia para Crianças e
que, sempre que possível, a escola oportuniza situações onde a gente
textos, onde a gente aprende como pode melhorar nosso trabalho na aula de
Filosofia para Crianças. (Professora E, Entrevista 2005).
O que sustenta seu trabalho na sala de aula de Filosofia para Crianças é a ajuda sempre
presente da diretora, que, segundo a professora:
[...] orienta muito o nosso trabalho, nos ajuda a entender como se
organiza a comunidade de investigação na sala de aula, a buscar textos
diversos.... o manual de orientação que segue a novela filosófica é
uma ferramenta muito importante, muito importante (Professora E,
Entrevista 2005).
Perguntada sobre o que pensa do ensino de filosofia no desenvolvimento do pensar
dos alunos, afirma:
O ato de pensar é próprio da natureza humana, mas uma diferença muito
grande entre o pensar e o pensar qualquer. O pensar que falamos na Filosofia
para Crianças é o pensar criativo, crítico. O pensar crítico o implica no
desenvolvimento de uma reflexão apenas crítica da situação do texto que
consiste em aprender a ler, escrever, compreender [...]. Oportunizar o pensar
crítico, é o maior dos desafios da escola [...] (Professora E, Entrevista 2005).
Perguntei à Professora E, o que espera das aulas de filosofia?
Assim esta pensa e responde:
Essas questões (a finalidade/resultado das aulas de Filosofia para Crianças),
a minha posição em sala, o meu direito de ser professor, me levam a pensar
sobre questões ainda mais amplas. Será que se pode dar aula de Filosofia?
Como fazer filosofia com hora marcada? Existe uma hora para começar a
pensar e para parar de pensar? Será que conseguimos vivenciar uma
educação libertadora quando oportunizamos a Filosofia para Crianças nas
escolas? Como fica a questão da nossa formação enquanto professores de
Filosofia para Crianças? Será que conseguimos uma educação emancipadora
quando vivenciamos a proposta de Lipman na sala de aula? Será que é
favorável para o sistema em que vivemos, crianças que pensem criticamente
sobre consumismo, direitos, leis, deveres, liberdade e outros temas? Todas
essas questões me inquietaram bastante E têm-me feito repensar toda a
noção de construção e responsabilidade do professor na escola e no
desenvolvimento das diversas habilidades de pensamento e convivência.
Com isso senti minhas bases que, antes nem tão firmes e certas, agora se
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tornam oscilantes e duvidosas - frágeis. Assim acontece com todos nós
quando filosofamos: acabamos questionando todas as certezas que antes
parecíamos ter. É claro que isto pode parecer algo negativo, visto que ação
não é mais tão certeira como se acreditava que ela fosse. Porém, ela não é
mais tão certeira de imediato, de improviso, sem boas razões, sem bons
julgamentos de acordo com critérios e princípios. O fato de estar levantando
dúvidas e questionar o que sempre achamos certo, tantas ideologias, crenças
costumes, vivências, leis, convicções, de estar pensando e relativizando tanta
coisa, isso é algo positivo. A própria investigação é positiva, pois ela nos
faz duvidar, desconfiar, autocorrigir, mudar e crescer (Professora E,
Entrevista 2005).
A Professora E, por exemplo, falando sobre as práticas reflexivas presentes em seu
cotidiano, refere-se a essa atividade em seu depoimento da seguinte maneira:
[...] Em qualquer momento, em casa, eu estou procurando um assunto novo,
estou lendo uma reportagem, buscando outras fontes de texto[...] em até
muito livro de literatura que me ajuda[...]mas aí.. eu é que tenho que pensar
como organizar as aulas... e pensar como Lipman pensou na organização dos
episódios, questionamentos, não é tarefa muito fácil não[...] demanda tempo
[...]Aí eu penso: isso aqui cabe para eu discutir com as crianças.. esse texto
vai oportunizar muitas perguntas[...] (Professora E, Entrevista 2005).
Perguntei então sobre qual é a especificidade do pensar crítico. E que sentido a
Filosofia para Crianças precisa acontecer para sustentar o trabalho na sala de aula.
Eu preciso saber mais sobre filosofia... Preciso saber mais sobre como fazer
perguntas, como ajudar as crianças a pensar bem, de forma autônoma... a
autonomia a gente não dá para ninguém... a gente constrói, a partir das
diferentes leituras, das perguntas que fazemos, que os outros fazem... Só sei
que depois que comecei a trabalhar textos filosóficos com as crianças elas
mudaram muito, pensam melhor sobre as coisas da escola, do que o texto
trata. E eu mudei muito também. Mas eu preciso ainda a aprender mais... a
desafiar as crianças mais.... Sinto que não tenho todo o embasamento teórico
que preciso para realizar um trabalho (Professora E, Entrevista 2005).
Perguntada como procura realizar o trabalho de filosofia em sala de aula afirmou que:
Após ler o episódio da novela filosófica, analiso os encaminhamentos do
manual, preparando as aulas. Uso diferentes formas de leitura com as
crianças. Aí, sentados em círculo,geralmente uso o espaço verde da escola,
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deixo as crianças escolherem quais os temas que elegerão para discutir
[...]
aí começa a fase das perguntas, das falas das crianças
[...]
o questionamento,
o diálogo. Geralmente as discussões vagueiam por caminhos fora do texto...
aí, eu puxo para a discussão que elegeram (Professora E, Entrevista 2005).
Quanto aos pressupostos filosófico-pedagógicos orientadores que sustentam o trabalho
da professora, diz:
mesmo no manual. E as coisas que aprendi, sobre a Filosofia para
crianças, dos livros de Lipman, que a diretora tem na escola para gente ler,
das suas falas (da diretora). Quando tenho dúvidas tenho apoio na diretora da
escola que é uma pessoa que acredita muito no trabalho de Filosofia para
Crianças. Isso sem falar nas atitudes das crianças, como elas mudam ao
longo do tempo... Passam, a saber, ouvir, perguntar... e a encontrar respostas
para coisas que eu nem mesmo imaginava que encontrassem. (Professora E,
Entrevista 2005).
Perguntada sobre o que efetivamente a professora sente falta, quando trabalha
Filosofia para Crianças, disse:
Acho que sinto falta de ter um preparo melhor, mais leituras, mais sobre a
proposta...Talvez até um Curso de graduação onde pudesse conhecer mais
sobre como os filósofos pensavam (Professora E, Entrevista 2005).
A Professora F, da Escola 3, é formada em Letras pela UniVag, Centro Universitário
de Várzea Grande, cidade vizinha à Cuiabá; trabalha na terceira série do Ensino Fundamental
I a IV, com treze alunos. Não tem especialização.
Quanto às mudanças e transformações influenciadas pela educação filosófica na
vivência dos educandos e na comunidade escolar em geral, afirma que, com clareza, é
percebida a influência que o ensino de Filosofia para Crianças traz na escola e nas crianças:
O aluno organiza muito mais respostas coerentes. É ativo na argumentação.
A criança sem filosofia apresenta poucos argumentos, a criança que usa
filosofia tem facilidade de expressar-se, a filosofia ajuda as crianças a expor
as idéias. Ah…. E mudam os seus comportamentos, começam a apresentar
atitudes de muito mais respeito pelas pessoas, pelo que dizem [...]
(Professora F, Entrevista 2005).
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Ao ser perguntada sobre como vê a questão do Ensino Filosofia para Crianças, diz:
Acredito que a filosofia é fundamental desde as séries iniciais para o
desenvolvimento do raciocínio, da criticidade, do questionamento, do
aprendizado, da elaboração e exposição de idéias. [...] (Professora F,
Entrevista 2005).
Quanto à metodologia aplicada nas aulas de Filosofia para Crianças, afirma:
A Filosofia para Crianças nas séries iniciais uma dinâmica nova à sala de
aula, a disposição em círculos, olhando uns nos olhos dos outros, para
aprenderem a não se esconder umas das outras a para aprenderem desde
cedo a se expressarem, sem medo, de discordar do outro e de ser aceito em
sua individualidade, na arte de aprender a ouvir o outro e de pensar com o
outro, ainda que pensar diferente. (Professora F, Entrevista 2005).
Perguntada qual o material que usa nas suas aulas respondeu usar a novela filosófica
PIMPA, textos impressos da internet ou de livros da autora Dora Incontri, sugeridos e
socializados pela diretora da Escola, que além de uma abordagem lipmaniana, trazem em seus
bojos uma leitura espiritualista na qual o aprender a ser, é um dos pilares que sustentam os
mesmos.
Nesse contexto, perguntei ainda se todo texto possibilita uma discussão filosófica e a
professora disse:
Bem antes de conhecer o Programa, e de vivenciá-lo no cotidiano da sala de
aula, achava que qualquer texto oportunizava o desenvolvimento do pensar
bem nas crianças, o investigar, a discussão, hoje sei que não. Que os textos
das novelas filosóficas de Lipman são textos fortes, que ajudam a gente e as
crianças a pensar bem. (Professora F, Entrevista 2005).
Mas afirma ainda que ao se aprofundar, e ao fazer uma análise de textos usados
cotidianamente, foi percebendo que estes oportunizam apenas o desenvolvimento nas crianças
o conhecimento da compreensão, interpretação dos mesmos, e que ao conhecer os
encaminhamentos da proposta de Filosofia para Crianças, diz que não é qualquer texto que
leva e oportuniza o investigar filosófico.
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Quanto ao procedimento pedagógico e à prática da educação filosófica usada em sala
de aula afirma que o mais importante que existe nas aulas de filosofia é o fato de sair do
espaço tradicional da sala de aula e ir para um espaço diferenciado que chamam de
Comunidade de Investigação.
Aqui na Escola usamos espaços diversos para a aula de filosofia e as
crianças gostam muito. É uma forma agradável de fazermos Filosofia.
Espaço diferente, jeito diferente de fazer as aulas. (Professora F, Entrevista
2005).
Perguntei sobre como compreende o papel do professor e a questão da formação
profissional no encaminhamento do trabalho em Filosofia para Crianças e esta respondeu:
Penso que todo professor deveria agir ao inverso da forma tradicional de
ensinar, de despejar um amontoado de conceitos, fórmulas, conteúdos [...]
deveria investigar as coisas a fundo, dialogando com os alunos numa relação
de troca, onde o professor também é um pesquisador e desperta esse tipo de
comportamento no aluno através do exemplo [...] ele também investiga,
também procura resposta, também está em formação, também se interessa
pelas formas do saber e mantém com ele uma relação aberta, de troca e não
de manutenção, de posse, mas sim de curiosidade, de elaboração pessoal, de
construção, desconstrução e reconstrução contínua. (Professora F, Entrevista
2005).
E ainda acrescenta:
Não, isso de que falo não é utopia, tem acontecido na prática nas aulas da
turma em que trabalho. Não que tudo sejam pétalas de flores
[...]
as crianças
têm um ritmo próprio, algumas ainda precisam despertar, vão levar um
tempo maior para isso, o “seu” tempo (Professora F, Entrevista 2005).
Perguntei sobre como as aulas de filosofia para crianças influenciam no cotidiano da
escola e a professora respondeu:
Comparo a influência da filosofia no aprendizado dos alunos como se
fôssemos guardando uma porção de sementes., de mudas, que de repente
explodem, tornam-se plantas fortes e transformam. É [...] com a filosofia, as
crianças passam a ver seu dia a dia diferente, passam a acreditar nos seus
pensamentos, como se eles estivessem saindo do escuro e passassem a
enxergar a luz do dia e toda beleza que se encontra a seu redor (Professora F,
Entrevista 2005).
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Sobre a proposta metodológica de seu trabalho ao realizar as aulas de Filosofia para
Crianças, afirma:
Reafirmo que a metodologia usada nas oficinas de filosofia pode e deve ser
usada nos demais momentos da escola, estabelecendo uma relação diferente
com os demais campos de conhecimento humano. Essa mudança de relação
com o conhecimento, o é fácil, exige muito do professor que não teve
formação nesse sentido, contudo é possível. (Professora F, Entrevista 2005).
Perguntei ainda como a professora vê a questão da sua formação em serviço e ela diz:
É, sinto que precisaria de mais formação para trabalhar filosofia, mas sou
limitada. Limitada porque tive pouca formão, acho que preciso estudar
mais. Para trabalhar com investigação quanto mais formação melhor. Sim...
tenho vontade de estudar mais ... de fazer novos cursos. Ler mais livros...
apesar de aqui na escola a gente estudar bastante... a diretora sempre
organiza horários para a gente estudar (Professora F, Entrevista 2005).
Perguntei à professora o que espera das aulas de Filosofia para Crianças e assim respondeu:
Mesmo que outros zombem de nós, que não chegaremos nem ao mesmo
lugar em que antes nos encontrávamos, que não cheguemos a lugar algum,
teremos que conviver sempre com essas incertezas. Sabemos que nem
queremos chegar ao mesmo lugar de antes, mas transcender o que
descobrimos como insuficiente, falso, errado. Que não queremos chegar a
lugar algum no sentido de porto seguro , mas que temos de saber pensar,
optar, decidir e agir crítica-criativa-cuidadosamente. Sabemos, com Sócrates
que nossa única certeza absoluta é esta: que sabemos que nada sabemos com
certeza definitiva, que alcançamos com a nossa visão, a nossa inteligência,
sempre um horizonte e, do ponto de vista deste, outro horizonte e assim
em diante.(Professora F, Entrevista 2005).
Apesar de esta professora ter tido pouca formação em oficina e não ter freqüentado os
Cursos oportunizados no programa PROPHIL, esta tem formação em serviço. Demonstra
conhecimentos profissionais relevantes e essenciais e parece ter domínio de pressupostos da
proposta de Filosofia para Crianças.
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O que parece bastante salutar é que mesmo se colocando em uma situação de
aprendente a professora parece estar preocupada com sua formação, parece revelar que tem
intencionalidades guardadas.
Quanto à Professora G da Escola 4, é formada em Pedagogia, pela UniVag
Universidade de Várzea Grande e terminou o curso no ano de 2005. Trabalha com a segunda
etapa do primeiro ciclo, na segunda fase, o que corresponde à primeira série da educação
básica.
Afirma que esteve atuando na década de 1990, quando o Ensino de Filosofia para
Crianças foi implantado na rede municipal de ensino, quando participou de cursos e oficinas
do Programa PROPHIL e acredita que o ensino de filosofia para crianças vem sustentar a
superação do senso comum.
Tenho clareza de que nunca sabemos tudo e que estamos em processo de
aprender sempre a pensar melhor, a filosofia leva ao caminho do perguntar,
de não aceitar as verdades prontas (Professora G, Entrevista 2005).
Questionada sobre como trabalha em sala de aula afirma que a escola trabalha com
“Tema Gerador” e a partir da definição do tema é que são organizadas as atividades em cada
disciplina. Perguntada sobre como encaminha o trabalho de Ensino de Filosofia para Crianças
diz que “dentro de cada tema procuro estabelecer alguns questionamentos de ordem superior”.
Perguntei se o não uso do material de Lipman dificultava o trabalho na sala de aula
respondeu:
Não me sinto limitada, isso depende do professor de ter um olhar crítico e
reflexivo sobre as possibilidades de perguntar às crianças e de mediar as
discussões. Mas o material de Lipman é uma forma bem concreta da gente
organizar o trabalho de Filosofia para Crianças (Professora G, Entrevista
2005).
Perguntei para a professora sobre o que ela pensa sobre o ensino de filosofia para
crianças e ela respondeu:
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Até hoje continuo me perguntando o que é realmente a Filosofia. Vários
pensadores discorreram sobre isso. Nós, alunos, professores e mediadores,
também discutimos muito sobre o tema. (Professora G, Entrevista 2005).
Afirma que mesmo não usando o material estruturado por Lipman procura aplicar a
sua proposta na escola, mas o não uso dificulta o trabalho na sala de aula para os professores
da escola, especialmente aqueles que não têm nenhum conhecimento da proposta do autor.
O material organizado por LIPMAN nos dá segurança do trabalho com
Filosofia para Crianças. Não ter o material para usar com as crianças, onde
cada uma tenha o seu, dificulta muito para os professores da escola.
(Professora G, Entrevista 2005).
A professora, afirma trabalhar com materiais diversos, mas ao analisar suas aulas, e os
materiais que são utilizados, observei que a professora parece estar insegura no
encaminhamento das discussões. Mesmo afirmando conhecer a proposta parece evidente que
não um comprometimento efetivo da professora nas suas abordagens cotidianas do
comprometimento com a filosofia.
Outro ponto importante a considerar, segundo a Professora G, é o fato de a mesma
afirmar que a escola está comprometida com o desenvolvimento da capacidade de pensar das
crianças. Porém pela estrutura das aulas, notei que não existe um horário específico para as
aulas de Filosofia para Crianças. As aulas acontecem num bojo único, em que os diferentes
recortes disciplinares acontecem. A professora encaminha perguntas de ordem de
compreensão, interpretação e algumas vezes alguma de ordem superior, sempre vinculadas ao
tema gerador. Perguntada como procura realizar o trabalho de filosofia em sala de aula
respondeu:
Uso sempre como referência o tema com que estou trabalhando. Deixo as
crianças discutirem, vou fomentando perguntas e mais perguntas,
procurando aproximá-las o mais possível de novas leituras (Professora G,
Entrevista 2005).
Quanto aos pressupostos filosófico-pedagógicos orientadores que sustentam o trabalho
da professora, diz:
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Tudo o que hoje aplico nas minhas aulas, quando vou perguntar ou
encaminhar algumas questões com as crianças, procuro usar tudo o que eu
aprendi ao longo de minha vida de professora. Quando eu fiz as oficinas do
Programa PROPHIL, na década de noventa, ainda não tinha o Curso de
Pedagogia. Isso me dificultou muito pois as teorias que conheci ao longo do
Curso que fiz de Pedagogia poderiam ter me ajudado mais quando eu fiz as
Oficinas do Programa. que o Curso de Pedagogia veio depois.
(Professora G, Entrevista 2005).
Perguntei ainda à Professora G se a formação recebida ao longo de sua trajetória possibilita o Ensino de Filosofia para Crianças e
esta afirma:
A formação sempre ajuda. Os pedagogos [...] acho que têm mais facilidade
que eu, na prática. Mas, as oficinas dadas me ajudaram muito. O que
dificulta é a falta de uma política de educação que efetive o ensino de
Filosofia para Crianças. Se não for uma política, não anda o ensino [...]
Ainda mais que a falta do material de Lipman para as crianças, digo [...] as
novelas filosóficas [...] Faltam livros, falta curso de formação (Professora
G, Entrevista 2005).
Agora vejamos os relatos da Professora H.
A Professora H Escola 4 - é formada em História e Pedagogia, tem Pós Graduação
em Psicopedagogia e atua na segunda fase do segundo ciclo ou quarta série de uma escola
municipal.
Trabalha na escola três anos e perguntada sobre o que pensa sobre o ensino de
filosofia para crianças, diz:
O ato de pensar é próprio da natureza humana, mas há uma diferença muito
grande entre o pensar e o pensar crítico . Desenvolver um pensar crítico,
além das habilidades básicas, é um dos desafios da educação.(Professora H,
Entrevista 2005).
Insisti ainda com o questionamento sobre em quê à filosofia contribui na vida da
criança.
Em todas as etapas do desenvolvimento da criança, a Filosofia tem papel
fundamental, porém nas séries iniciais a contribuição é ainda mais curiosa.
(Professora H, Entrevista 2005).
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E ainda acrescenta:
Acredito que a filosofia pode ser útil na formação da criança, sim. Visto que
trabalha com a reflexão, com o pensamento, com a crítica, a autocrítica; com
o ouvir, o falar, o pensar e o escrever. Porém, sei que a filosofia não é a
única capaz de fazer isso. E sei também que isso não pode ser o que vai
guiar a minha ação, pois assim eu estabeleceria uma finalidade para a
filosofia, e com isso limitaria toda minha ação e de meus alunos. (Professora
H, Entrevista 2005).
Perguntei como acontecem as aulas de Filosofia para Crianças na escola e ela
respondeu:
Nós, professores defendemos a sua presença (da Filosofia para Crianças) na
escola, como uma disciplina. Todavia, não podemos negar que a
transversalidade é uma de suas características marcantes, uma vez que, é
uma área do saber que busca conexão com outras áreas do conhecimento
(Professora H, Entrevista 2005).
Perguntei que material usa para o encaminhamento das aulas de Filosofia para
Crianças e esta afirmou:
Uso diferentes textos, ligados ao tema que estou trabalhando. O que eu
espero dos alunos quando entro em sala para fazer uma oficina, ou melhor, o
que eu espero que aconteça durante uma oficina, em resumo, é um debate.
Uma discussão. Um diálogo, uma troca mútua (e até mesmo uma re-
construção) de idéias, pensamentos e posições. Eu entro em sala com o
intuito de conversar e discutir, mas entro também buscando à minha própria
mudança
(Professora H, Entrevista 2005).
Perguntei como se sentia em relação à questão de sua formação no encaminhamento
do trabalho com Filosofia para Crianças e ela abordou:
Leio bastante e queria saber mais, mas penso que para o trabalho de
Filosofia para Crianças a escola deveria ter professores específicos, com
mais formação, pois não dá para a gente saber tudo. Mas acho que o trabalho
de Filosofia é bem mais do que eu realizo em sala. Talvez eu sinto isso por
que tenho pouca formação, não uso o material estruturado, específico para as
aulas de Filosofia. Nem fiz as oficinas dadas na década de noventa. E tem a
questão da Prefeitura Municipal. No fundo, a gente faz que faz filosofia mas
a gente acaba é fazendo coisa bem diferente.
(Professora H, Entrevista
2005).
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Posso analisar que cada professora entrevistada, e isto parece estar bastante evidente,
carrega para as suas falas uma imagem de educador que não inventaram, nem aprenderam
apenas nos cursos de formação, nem nas oficinas do programa: carregam sua imagem social,
seu papel cultural, suas formas de se relacionarem com o mundo, com as crianças e com o
objeto do conhecimento.
Acredito que são sinais que estes aprendizados foram feitos em outros papéis sociais:
no convívio e no cuidado com irmãos e irmãs, nos papéis de parentes, avós, pais e mães, nos
movimentos sociais, nas organizações da categoria, nas experiências escolares, nas relações
dos tempos de formação, no aprendizado de ser criança, adolescente, jovem e adulto. Foram,
penso eu, acumulando saberes, valores, formas de diálogo, de relações, de intercâmbios que
levam para o que de mais permanente e definidor de toda ação educativa: ser uma relação,
um diálogo de pessoas, de sujeitos sociais, culturais, de gerações. Na prática educativa
socializam os aprendizados que fizeram e fazem, que a sociedade acumulou, que nós
acumulamos como indivíduos e como coletivo.
Falar em desenvolvimento integral pressupõe pensar no desenvolvimento da
racionalidade e da afetividade, potencialidades que atuam comprovadamente de forma
integrada. Para o profissional que trabalha com crianças das séries iniciais, essa integração
merece consideração ainda maior, uma vez que só se desenvolve a racionalidade através de
um trabalho que considere as diferentes linguagens que o ser humano constrói, em seu
percurso cio-cultural. Linguagens que dialogam com os semelhantes, com o mundo, com a
afetividade, com a emoção e que permitem à criança desvendar o mundo à sua volta.
Desenvolver a racionalidade da criança pequena pressupõe trabalhar com uma
pluralidade de linguagens que abarquem o conhecimento do cotidiano, o conhecimento
científico e filosófico e, dentro deles conhecimentos epistemológicos, éticos e estéticos, o que
resulta numa prática investigativa em que professores e alunos juntos busquem compreender
as relações do ser humano com a natureza e as relações sociais nas quais estão inseridos.
As crianças pequenas o, portanto, interlocutoras ativas, capazes de merecer nossa
atenção e respeito, uma vez que conseguem desencadear naturalmente um debate filosófico-
existencial muito antes de se darem conta da profundidade com que abordam o conhecimento
humano.
91
No entanto, é comum ouvir nas escolas professores aconselhando: “temos que estar
abertos ao diálogo...”, mas o que realmente isso significa? Para estarmos abertos ao diálogo
basta não proibir que os alunos perguntem ou pronunciem suas opiniões? E, se for isso, estar
“abertos” ao diálogo é suficiente para desenvolver uma prática dialógica? Como o professor
pode ajudar o aluno a conquistar sua libertação intelectual? E ainda, quais as características de
um professor capaz de conduzir uma aula dialógica?
As diferenças no acesso das professoras à formação em serviço mostram o quanto as
condições de vida e de trabalho interferem na disponibilidade para uma formação que envolve
viagens, gastos e tempo. Nos casos observados, as professoras têm aproveitado mais as
oportunidades de atualização oferecidas pela escola, embora todas declarem que valorizam e
buscam o conhecimento teórico. Isso nos leva a achar que uma política de formação de
professores nas escolas teria que levar em conta esses fatores, repensando a adequação de um
tipo de formação em serviço que também deve ocorrer fora das escolas, no mundo acadêmico,
em congressos. Além da dificuldade para a freqüência dos professores a esses encontros,
muitas vezes a concepção de trabalho docente neles desenvolvida, conflita, não com as
concepções dos próprios professores, mas com a forma de gestão das escolas onde esses
professores trabalham.
Quanto aos cursos de Pedagogia, feitos já após o início do exercício docente, a
contribuição foi maior, na análise das professoras, justamente pela possibilidade de
articulação das teorias estudadas na faculdade e da prática exercida na sala de aula. A esse
respeito, o depoimento da Professora D é esclarecedor:
Só que eu acho que no Magistério eu não aprendi tudo não. Eu vim aprender
depois de casada, depois que eu já exercia a minha profissão de professora,
com a faculdade que eu fiz. Quando eu fiz Pedagogia, eu achei, eu tive
excelente professora, e que, nossa [...] .eu pude aproveitar, eu lia muitos
livros [...]porque eu tinha a prática, mas a teoria eu não tinha [...] Então eu
achei que foi ótimo porque tudo o que eu aprendia eu comecei a usar na
escola, né [...] então foi uma revolução. Inclusive a experiência que eu tive
com os cursos de Filosofia para Crianças do Lipman foi muito bom
(Professora D, Entrevista 2005).
Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 227-231) salientam a importância desse processo,
observando que, quando os professores são levados a transmitir seus saberes a seus pares, ao
sistematizá-los para elaborar um discurso da experiência, são levados a tomar consciência
92
desses saberes, objetivando-os tanto para os colegas como para si mesmos. No caso da
professora A ocorrem, portanto, duas condições fundamentais para a elaboração do saber
docente, ou seja, a possibilidade de refletir sobre os seus saberes experienciais no confronto
com a teoria e de explicitá-los pela possibilidade de expô-los aos colegas.
Outro aspecto a ser destacado é a importância que a professora atribui à valorização e
ao reconhecimento do seu trabalho. Como lembra Nóvoa, (1992, p.36): “o saber dos
professores - como qualquer outro tipo de saber de intervenção social - não existe antes de ser
dito”.
Com estas palavras se confirma o que escrevi no início deste capítulo afirmando que
conhecimento não pode ser transmitido, pois se torna tal, somente pela ginástica do cérebro
daquele que a faz. Este processo de pensar constrói o saber e, às vezes, o pensar não se torna
efetivo antes de ser dito, como afirma Nóvoa, (1995, p.36): Assim, a possibilidade de dizerem
os seus saberes e o reconhecimento desses saberes pelos demais professores, deu à professora
a consciência de possuir um saber, conferiu a esse conhecimento prático existência social.
Não chega a surpreender, portanto, que ela considere esse momento como aquele em que
ocorreu uma revolução na sua prática. Talvez seja também por esse motivo que, das três
professoras investigadas, a professora A foi a que mais reiterou a falta que sente de um
diálogo mais freqüente com as colegas sobre suas experiências docentes.
É preciso destacar, então, a importância que tem para as professoras a oportunidade de
terem a palavra e serem ouvidas. Mas, se os professores efetivamente aprenderam somente
preparando e ministrando aulas e não em seus cursos de formação apenas ouvindo um
professor, como crianças vão construir seu saber apenas ouvindo? Lipman se preocupou com
este problema e a solução que encontrou é a Comunidade de Investigação e o diálogo em
lugar do monólogo do professor. Assim, todos constroem conhecimentos e significados,
professores e alunos, e uns dos outros, pois dizem o que pensam e reconhecem-se como
possuidores de saber, o que é condição fundamental para que os professores sejam capazes de
lidar com um diálogo investigativo e argumentativo, que em interação com os alunos
trabalham conceitualmente esses saberes e todos aprendem realmente.
Acredito que esse fator - perceberem-se como possuidoras de um saber prático - é
essencial para explicar a relação que essas professoras mantêm com os saberes teóricos. Elas
93
valorizam e buscam os conhecimentos teóricos, mas mantêm com relação a eles uma atitude
crítica, submetendo-os ao crivo da prática.
Na análise que fazem dos cursos de formação em serviço aos quais têm tido acesso,
podemos perceber mais claramente essa atitude:
E eu sou muito crítica, então eu vou, quando eu sinto que não vai melhorar
para o meu trabalho, não vai me enriquecer em nada, eu me afasto, porque
eu acho que é um tempo que eu posso empregar em outra coisa, não é?
(Professora B, Entrevista 2005).
“[...] eu tive muitos problemas, assim, de maneiras de dar, discutir, e de
ter o meu ponto de vista e outra pessoa, de um bom conhecimento, não
aceitar. entra em discussão. Eu acho que é assim, porque eu quero que
você vá passar tudo o que você está me falando na sala de aula. Porque falar
é uma beleza! Agora eu quero ver, dentro da sala de aula, se você vai
conseguir fazer tudo isso [...]Que nem a [...] fala assim: Ah! não existe
“mesclar”; outra coisa que o) falava: não existe mais “fixação”; ora, se eu
não estou entendendo o que é fixação, porque eu acho que é importante, eu
falei pra ele. Eu não fico quieta quando eu não estou de acordo.
(Professora
A, Entrevista 2005).
Estes depoimentos nos trazem várias informações relevantes. O que se mostra à
primeira vista é uma relação crítica das professoras com as teorias, onde a prática tem um
papel de referência que lhes permite avaliar e selecionar os saberes teóricos. Entretanto, é
importante destacar que a atitude crítica das professoras não é propriamente em relação às
teorias pedagógicas, mas à forma como esses conhecimentos lhes são transmitidos. Podemos
observar nos depoimentos que a relação das professoras com o conhecimento envolve um
confronto entre os saberes dos especialistas, que se percebem como possuidores de um
conhecimento válido, porque produzido no âmbito da academia, e os saberes dos práticos, que
são percebidos como executores que devem aplicar esses conhecimentos, adequando a sua
prática às diretrizes emanadas das teorias. É essa atitude de superioridade, freqüentemente
assumida pelos que se sentem “detentores” do conhecimento cientifico - como ocorre com
muitos professores de cursos de formação - que não reconhecem a legitimidade dos saberes
práticos produzidos pelos professores, que tem dificultado a relação dos mesmos com as
teorias pedagógicas.
94
Em seus depoimentos, as professoras não questionam as teorias, cujo conhecimento
elas buscam e valorizam, mas a forma prescritiva como essas teorias lhes são apresentadas.
Em síntese, as professoras investigadas têm diferentes níveis de informação teórica e
recorrem a referenciais diversos para interpretar a sua prática. Apesar de valorizado, o
conhecimento teórico não é percebido por elas como um conjunto de normas a serem
seguidas, mas como fonte de explicação e reflexão sobre a prática. Elas o aceitam a atitude
normativa que, por vezes, acompanha a divulgação de teorias pedagógicas, e questionam
teorias que contradizem a sua prática.
Isso pode ser atribuído, a meu ver, à valorização, assumida pelas três professoras
(Professora A, Professora B e Professora D) de seus saberes experiências. Apoiando-nos na
análise de Heller (1991), sobre as relações entre o saber cotidiano e o saber científico,
poderíamos dizer que a consciência de possuírem um saber construído no exercício docente e
capaz de produzir uma prática competente, permite a elas o estabelecimento de relações não
alienadas com os saberes teóricos, isto é, elas o percebem esses saberes como verdades
acabadas; são capazes de fazer escolhas, aceitando ou negando as idéias sobre sua prática
produzidas em outras instâncias.
Aliás, também as crianças, segundo Lipman, necessitam pelo menos o mesmo tempo
de prática e cultivo da Filosofia para Crianças, a fim de estabilizar esta maravilhosa
educação e assimila-la para a sua vida.
Com os dados que as professoras forneceram para a minha pesquisa a respeito de suas
experiências com Filosofia para Crianças, e com os as abordagens inseridas através das
minhas contribuições teóricas e experienciais a este respeito, falta agora apresentar uma
análise que possa dar uma visão de conjunto.
O foco deste capítulo se concentra sobre o professor, pois é nele, nos seus saberes, na
sua mentalidade, nas suas crenças e, sobretudo, na sua formação, que objetivo conhecer,
analisando e refletindo, os fundamentos que sustentam suas práticas. É no seu cotidiano de
professor e da escola que saberes e competências se tornam práxis.
95
4.2 Uma leitura contemporânea sobre a formação reflexiva do professor
Vivemos no mundo da globalização, das grandes transformações, com o processo de
desenvolvimento centrado na aquisição de conhecimentos - enfoques que modificam os
conceitos de educação, geram novos modelos de gestão educativa e novas expectativas sobre
os rumos da educação.
Segundo Mello e Rego (2202; p.4), a preparação e desempenho dos professores ligam-
se a dois fatores básicos; o novo perfil que a escola e os professores devem assumir para
entender as demandas do mundo contemporâneo”.
Segundo Pellegrini (in MEC, 2000) daqui para frente, cada vez mais a escola terá
como objetivo formar cidadãos. E para isso precisa de profissionais estimulados, bem
preparados e sempre atualizados. O professor precisa conscientizar-se de que sua formação é
permanente, um dos pontos enfocados pelas Referências para Formação de Professores,
lançada pelo Ministério da Educação (MEC) em maio de 2000. O documento indica uma
nova concepção do trabalho docente. Fica para trás a escola baseada na memorização e surge
outra, na qual o aluno aprende a aprender. Os Referenciais definem as diretrizes sobre a
formação docente e educação continuada estabelecendo como meta que, além dos conteúdos,
todos saibam fazer análises, estabelecer relações, levantar hipóteses.
Quanto à formação de professores para a educação básica, o documento define que
deverá voltar-se para o desenvolvimento de competências que abranjam todas as dimensões
da atuação profissional do professor.
O desenvolvimento de competências profissionais é processual e a formação inicial é
apenas a primeira etapa do desenvolvimento profissional permanente. A perspectiva de
desenvolvimento de competências exige a compreensão de que o seu trajeto de construção se
estende ao processo de formação continuada, sendo, portanto, um instrumento norteador do
desenvolvimento profissional permanente.
Para compreender a questão da formação dos professores faço uma retomada histórica,
contextualizando assim esse capítulo.
96
Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil deu passos significativos para universalizar o
acesso ao ensino fundamental obrigatório: melhorando assim o fluxo de matrículas e
investindo na qualidade da aprendizagem desse nível escolar. Agregam-se a esse esforço o
aumento do número de crianças de seis anos ao sistema educacional e a expansão do ensino
médio.
A democratização do acesso e a melhoria da qualidade da educação básica vêm
acontecendo num contexto marcado pela modernização econômica, pelo fortalecimento dos
direitos da cidadania e pela disseminação das tecnologias da informação, que impactam as
expectativas educacionais ao ampliar o reconhecimento da importância da educação na
sociedade do conhecimento.
Desde a década de 1980, os sistemas de ensino público e privado vêm passando por
processos de reforma educacional, em âmbito estadual, local ou mesmo nas unidades
escolares. Algumas dessas iniciativas de reforma são mais abrangentes e atingem todos os
componentes do processo educativo; outras se dirigem a apenas alguns deles.
Com a promulgação da Lei no 9.394/96, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), que agregou as experiências e lições aprendidas ao longo desses anos,
inicia-se outra etapa de reforma. Em relação à flexibilidade, regime de colaboração recíproca
entre os entes da federação e autonomia dos entes escolares, a nova LDB consolidou e tornou
norma uma profunda ressignificação do processo de ensinar e aprender: prescreveu um
paradigma curricular no qual os conteúdos de ensino deixam de ter importância em si mesmos
e são entendidos como meios para produzir aprendizagem e constituir competências nos
alunos.
Na sucessão da LDB, os órgãos educacionais nacionais estão desenvolvendo um
esforço de regulamentação e implementação do novo paradigma curricular. No Conselho
Nacional de Educação foram estabelecidas, em cumprimento ao mandato legal desse
colegiado, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica. Por seu caráter
normativo, as diretrizes são genéricas: focalizam as competências que se quer constituir nos
alunos, mas deixam ampla margem de liberdade para que os sistemas de ensino e as escolas
definam conteúdos ou disciplinas específicas.
97
No executivo, o MEC elaborou um currículo nacional os Parâmetros Curriculares do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio, além de Referenciais Curriculares para a Educação
Infantil, Educação Indígena e Educação de Jovens e Adultos. Todo esse trabalho está
disponível, em caráter de recomendação, a todos os sistemas e escolas.
À luz desses encaminhamentos macros, estados, municípios e escolas estão, por sua
conta, adotando as providências necessárias à organização de seus currículos de acordo com o
novo paradigma disposto na LDB e nas normas nacionais. Essas iniciativas se beneficiam
tanto dos parâmetros e referenciais preparados pelo MEC quanto da assistência técnica de
universidades, instituições de estudos e pesquisas e organizações não-governamentais do setor
educacional.
Se a aprovação da LDB marcou o final da primeira geração de reformas educacionais,
as diretrizes e parâmetros curriculares inauguraram a segunda geração, que tem duas
características a serem destacadas: o se trata mais de reformas de sistemas isolados, mas
sim de regulamentar e traçar normas para uma reforma da educação em âmbito nacional; e
atinge, mais que na etapa anterior, o âmago do processo educativo, isto é, o que o aluno deve
aprender, o que ensinar e como ensinar.
A etapa que ora se inicia, se implementada para atingir suas conseqüências mais
profundas, deverá mudar radicalmente a educação básica brasileira ao longo das duas ou três
primeiras décadas do terceiro milênio. Para gerenciá-la de modo competente, é preciso que
todos os envolvidos construam uma visão de longo prazo e negociem as prioridades.
Ensinar é uma atividade relacional: para co-existir, comunicar, trabalhar com os
outros, é necessário enfrentar a diferença e o conflito. Acolher e respeitar a diversidade e tirar
proveito dela para melhorar sua prática, aprender a conviver com a resistência, os conflitos e
os limites de sua influência fazem parte da aprendizagem necessária para ser professor.
Mas ensinar é também uma atividade altamente indeterminada ou altamente
determinada por fatores que escapam ao controle de quem ensina. O projeto educativo e a
ação cotidiana, a intenção e o resultado na sala de aula, na escola, no sistema e na política
educacional sempre guardarão alguma distância, maior ou menor. Ensinar, portanto, exige
aprender a inquietar-se e a indignar-se com o fracasso sem deixar destruir-se por ele.
98
A qualidade que se espera da educação está pautada em um aspecto formalcom base
em conhecimento inovador e um aspecto político voltado para a cidadania capaz de
intervir. Os dois aspectos mantêm uma relação hierárquica e ética, pois a qualidade formal é
vista como instrumental, permanecendo como educação os desafios ligados a fins e valores.
O desafio de reconstruir conhecimento como instrumento essencial da educação
inovadora é o caminho emancipatório do ser humano, que implica postura reconstrutiva
diante da vida.
Este desafio da competência somente é viável se o professor for a imagem e
semelhança dela. A escola é a entidade principal na formação desta competência, ou seja,
deve formar cidadãos dotados de qualidade formal e política.
Essa visão coloca o professor básico diante de desafios como a superação do professor
que somente dá aula, transmitindo conhecimentos através da didática reprodutiva.
Para incorporar a competência moderna, inovadora e humanizadora, deve
impreterivelmente saber reconstruir conhecimento e colocá-lo a serviço da cidadania. Assim,
professor se quem, sabendo reconstruir conhecimento com qualidade formal e política,
orienta o aluno no mesmo caminho. A diferença entre professor e aluno, em termos didáticos
é apenas de fase de desenvolvimento, já que ambos fazem estritamente a mesmo coisa.
(DEMO, 1995).
O professor precisa primar pela formação básica e para saber pensar para melhor
intervir, precisa renovar-se constantemente.
O professor, como sujeito histórico capaz de se emancipar, não pode restringir-se a
mero mediador na transmissão do conhecimento, mas precisa incorporar o questionamento
reconstrutivo aliado ao manejo criativo do conhecimento com os da cidadania competente
para saber mudar, teorizar e intervir.
Diante dessas perspectivas, espera-se do professor básico, competências relevantes
para a eficácia do exercício profissional voltado para a qualidade educativa:
- capacidade de pesquisa, por ser esta a maneira mais próxima de reconstruir
conhecimento, passando da simples transmissão, para a atitude reconstrutiva. A pesquisa vista
99
como princípio educativo englobando teoria e prática, buscando no conhecimento a
capacidade de intervir. O professor ainda deve como critério essencial o questionamento
reconstrutivo, compreendendo a pesquisa como atitude cotidiana, ou seja, capacidade de
questionar a realidade, como forma de vida, maneira de ser;
- capacidade de elaboração própria, para completar a reconstrução do conhecimento
com o desafio da proposta própria, formulada autonomamente; o processo emancipatório
supõe contraproposta, com base no questionamento, tornando-se habilidade essencial
transformar o conhecimento disponível e sobretudo o reconstruído em ferramenta elaborada
de intervenção.
Segundo Demo (1995), competência competente é aquela que todo dia se renova, para
dar conta, de modo inovador, de cada novo dia. Para tanto, não basta apenas a socialização do
conhecimento, mas torna-se indispensável reconstruí-lo. Uma escola que somente repassa
conhecimento copiado não tem compromisso com a formação da competência humana
finalidade maior da educação.
A competência implica sempre a articulação de diferentes conhecimentos. No caso do
professor, isso significa organizar informações de conteúdo especializado, de didática e
prática de ensino, de fundamentos educacionais e de princípios de aprendizagem em um plano
de ação docente coerente com o projeto pedagógico da escola; participar da elaboração deste
último sabendo trabalhar em equipe; e estabelecer relações de cooperação dentro da escola e
com a família dos alunos.
A competência docente requer também mobilizar conhecimentos e valores em face da
diversidade cultural e étnica brasileira, das necessidades especiais de aprendizagem, das
diferenças entre homens e mulheres, de modo a ser capaz não de acolher as diferenças,
como de utilizá-las para enriquecer as situações de ensino e aprendizagem em sala de aula.
Nessa perspectiva, professor competente não se limita a aplicar conhecimentos, mas
possui características do investigador em ação: é capaz de problematizar uma situação de
prática profissional; de mobilizar em seu repertório ou no meio ambiente os conhecimentos
para analisar a situação; de explicar como e por que toma e implementa suas decisões, tanto
em situações de rotina como diante de imprevistos, revelando capacidade de metacognição
dos próprios processos e de transferência da experiência para outras situações; de fazer
100
previsões, extrapolações e generalizações a partir de sua experiência, e registrá-las e
compartilhá-las com seus colegas.
Assim, para Rios (2001; p.63), “o ensino competente é o ensino de qualidade”, o que
apresenta a possibilidade de conexão entre as dimensões: técnica, política, ética e estética da
formação docente. Dessa forma, “professor competente” pode ser revelado através de duas
vertentes de qualidade: o caráter reflexivo da atividade docente e o caráter reflexivo do
professor, como profissional e pesquisador.
Essas dimensões comportam competências que revelam o perfil do profissional,
denominado reflexivo pela literatura, como um profissional cuja atuação é inteligente e
flexível, situada e reativa, produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte, com
sensibilidade de artista. A tarefa é um saber-fazer sólido, teórico e prático, criativo, a ponto
de permitir ao profissional decidir em contextos instáveis, indeterminados e complexos, com
zonas de indefinição, o que torna cada situação uma novidade que exige reflexão e diálogo
com a realidade.
O profissional reflexivo é também aquele que sabe como suas competências são
constituídas, é capaz de entender a própria ação e explicar por que tomou determinada
decisão, mobilizando para isso os conhecimentos de sua especialidade. A reflexão, nesse caso,
identifica-se com a metacognição dos processos em que o profissional está envolvido nas
situações de formação e exercício.
Para a formação do professor, esse aspecto é crucial. A hipótese, nesse caso, é a de que
ao compreender o processo de aprendizagem e constituição de competências, o futuro
professor estaria mais preparado para compreender e intervir na aprendizagem de seu aluno.
Para dar sustentação a esse processo, o futuro professor deveria aprender sobre
desenvolvimento e aprendizagem de modo integrado aos demais conhecimentos do currículo
de formação docente.
Se for aceita a premissa de que o sentido da profissão de docente não é ensinar, mas
fazer o aluno aprender supõe-se que, para que o professor seja competente nessa tarefa, é
importante dominar um conjunto básico de conhecimentos sobre desenvolvimento e
aprendizagem. Esse domínio deve estar na aplicação dos princípios de aprendizagem na sala
de aula; na compreensão das dificuldades dos alunos e no trabalho a partir disso; na
101
contextualização do ensino de acordo com as representações e os conhecimentos espontâneos
dos alunos; do envolvimento dos alunos na própria aprendizagem.
Inserida neste processo de tamanho dinamismo, a docência precisa ser constantemente
questionada e reformulada para se adequar às sempre novas exigências e atender às
necessidades do educando, visando a formá-lo como um cidadão consciente e capaz de lutar
por um lugar nesse mundo globalizado e exigente.
Questionar e reformular a docência, é uma tarefa tão difícil quanto importante e
necessária à boa qualidade da educação, e sua realização é possível com uma mudança de
postura dos profissionais da educação, iniciando-se com uma formação crítico-reflexiva do
professor, ou seja, o conceito de professor como profissional prático-reflexivo deve ser uma
preocupação de todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, pois “(...) é certo que
a formação geral de qualidade dos alunos depende da formação de qualidade dos professores”
(LIBÂNEO, 2000, p.64). É exatamente este aspecto da formação e atuação do professor que o
presente trabalho pretende abordar, tecendo alguns comentários sobre a atual situação do
professor no contexto educacional para poder traçar um paralelo entre a realidade prática e o
ideal teórico, almejando uma convergência entre esses paralelos.
Como não é automática ou mecânica, a ação reflexiva requer um certo esforço e três
pressupostos para que possa ser alcançada e fazer parte da vida de quem se preocupa e se
interessa por ela. Esses pressupostos são atitudes que devem ser tomadas na vida do
profissional; o primeiro deles é a “abertura de espírito ou o desejo ativo de se ouvir mais do
que uma única opinião, de se atender a possíveis alternativas e de se admitir a possibilidade
do erro, mesmo naquilo em que se acredita com mais força” (ZEICHNER, 1993, p.18); em
outras palavras, é a disposição de deixar de lado a crença em que se é dono da verdade e que
a sua verdade importa. O segundo pressuposto é a responsabilidade que, basicamente, é a
reflexão a respeito dos efeitos do seu ensino sobre os conceitos, sobre o desenvolvimento
intelectual e sobre a vida dos alunos, além de se preocupar com as conseqüências inesperadas
do seu ensino. A terceira atitude necessária à ação reflexiva no campo educacional é a
sinceridade, isto é, o professor deve acreditar sinceramente no que faz, tendo plena
consciência do que o seu trabalho representa (ou deveria representar) para o aluno e da
importância que ele tem para o desenvolvimento satisfatório da sociedade, tomando como
diretriz da sua profissão o espírito aberto e a responsabilidade, sem se esquecer de buscar seu
próprio aprendizado e aperfeiçoamento.
102
A prática-reflexiva requer, portanto, um constante policiamento das atitudes do
professor na sala de aula, mas, também fora da sala de aula, é preciso que o professor esteja
sempre questionando as verdades correntes, fazendo-se perguntas como: De que maneira
estou trabalhando? Para quem estou trabalhando? Por que trabalho desta maneira? Alcanço os
resultados pretendidos no meu trabalho? Gosto destes resultados? Enfim, é necessário que o
profissional nunca se sinta plenamente satisfeito com seu trabalho e suas atitudes perante ele,
pois, se incomodado, é muito mais fácil mudar e “(...) todo ser, porque é imperfeito, é passível
de mudança, progresso, aperfeiçoamento (...)” (HYPOLITTO, 2001, p.49).
Pode até ser bastante difícil obter uma postura tão crítica em relação a si mesmo e a
sua profissão. Porém, a prática-reflexiva é a busca de um equilíbrio entre o ato de rotina e o
ato de reflexão, porque “para gerir as nossas vidas, precisamos sempre de uma dose de rotina”
(ZEICHNER, 1993, p.20). Contudo o que se pode concluir é que, comportando-se
criticamente em relação a tudo que o cerca, o profissional, docente ou não, tende a
transformar a crítica, a reflexão, uma constante em sua vida, colocando como rotineiro e
menos árduo o ato reflexivo, encontrando assim o almejado equilíbrio entre ato e pensamento,
rotina e razão. Pois a reflexão é um processo que deve ocorrer antes, durante e depois da ação,
ou seja, “a reflexão deve ser na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação” (SCHON,
1992), haja vista que os práticos-reflexivos refletem sobre o que estão pensando a respeito de
sua ação, colocando em discussão com outros práticos ou apenas fazendo experiências e
mudanças de atitudes em sala de aula, tentando sempre ultrapassar as distâncias entre teoria e
prática existentes no processo ensino-aprendizagem.
em decorrência do esforço em se adquirir a “rotina” da reflexão é que se poderá
completar a tarefa de se conseguir a junção entre teoria e prática. O primeiro passo a ser dado
em direção a essa realização é olhar de forma crítica os saberes educacionais implantados no
seu trabalho ou na sua escola, examinando e melhorando essas teorias correntes no ensino
que, geralmente, não têm sua origem dentro da sala de aula. Segundo SCHON (1992) “há
ações, reconhecimentos e julgamentos que sabemos levar a cabo espontaneamente (...) que
nem temos consciência de que os aprendemos, mas damos conosco a fazê-los sem
conseguirmos exprimir este saber na ação”. O professor deve tentar tornar mais conscientes
estes saberes, que freqüentemente, não consegue exprimir forma cada vez mais clara e
atuante.
103
Essa nova atitude em relação às teorias utilizadas em sala de aula deve fazer ser mais
valorizada a opinião do professor a respeito dessas teorias, pois fazem parte do seu trabalho, e
ninguém melhor que ele para analisar crítica e empiricamente se determinado saber,
produzido fora da sala de aula, possui validade quando testado sob condições extremas da
realidade. Mais que isso, é condição da correta adoção pedagógica do conceito da prática-
reflexiva que o professor possa teorizar sobre sua prática e que essa teoria possa ser discutida
séria e amplamente, por seus pares e intelectuais do ensino, porque “a diferença entre teoria e
prática é, antes de mais, um desencontro entre a teoria do observador e a do professor, e não
um fosso entre teoria e prática” (ZEICHNER, 1993, p.21). Haja vista que a teoria pessoal de
um professor reflexivo acerca de um problema específico, como a razão pela qual uma lição
de leitura tenha ocorrido melhor ou pior do que o esperado, é tão válida quanto a teoria gerada
por pesquisadores nas universidades.
Outro fator com que deve se preocupar o professor prático-reflexivo é o das condições
sociais que permeiam o seu trabalho. Ao criticar as próprias teorias e as teorias de terceiros
sobre a sua prática, o professor não deve perder de vista os problemas sociais que podem estar
dificultando o seu pleno desenvolvimento. Isso porque o desenvolvimento do ensino e do
professor está diretamente relacionado à luta pela construção de uma sociedade mais justa e
decente, que muitas crianças e adultos continuam a ser deixados de fora pelas reformas
educativas implementadas nos últimos anos. Nisso também consiste a responsabilidade do
professor perante o seu aluno e à sociedade que espera mudanças significativas no mundo por
meio da educação, por isso o professor deve ter sempre em mente que a escola nunca foi e
nunca será neutra, mesmo porque a educação é uma forma de intervenção no mundo, e esse
poder deve ser canalizado exatamente para a luta pela diminuição das desigualdades sociais,
seja desmascarando ideologias possivelmente opressoras que turvam a visão da realidade, seja
implementando ou implantando valores éticos e morais nos alunos e introduzindo noções de
cidadania nas aulas. Assim, ao saber que sua prática não pode ser neutra, o professor não pode
fugir à sua responsabilidade e precisa fazer escolhas, ou concorda com a situação em que vive
e trabalha, ou utiliza seu trabalho em busca de melhorar essa situação. O professor, portanto,
deve decidir em favor do quê e de quem ele trabalha.
A prática-reflexiva, então, requer uma revisão de vários conceitos, que o professor
provavelmente possuía sobre sua prática, e uma consciência do tamanho da
responsabilidade que ele deveria saber estar inserida na sua profissão quando escolheu exercê-
104
la. Todos esses pressupostos, conselhos e exigências contidos no conceito do professor como
profissional prático-reflexivo devem estar na formação e na atuação de todos os professores e
de qualquer área. Mas, ao professor de filosofia, nos parece, essas exigências podem ser mais
acentuadas, porque a função da Filosofia, enquanto disciplina específica na educação, é a de
ensinar ou ajudar o aluno a refletir por si mesmo, “a especificidade do ensino de Filosofia se
expressa exatamente pela questão de que o ato de ‘ensinar’ Filosofia não se confunde com a
transmissão de conteúdos em si, mas com a aquisição, pelo aluno, do estilo reflexivo”
(MAGNANI, 2000, p.67).
Portanto, de todas os componentes curiculares, o que mais pode se prejudicar ou
prejudicar seus alunos em relação ao papel de auxílio à construção do conhecimento que elas
devem representar, caso não considere a prática-reflexiva, é a Filosofia. Assim, se um
componente curricular que tem como função específica, ditada nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, estimular a reflexão, não tiver um profissional prático-reflexivo à sua frente, esse
não pode nem existir enquanto tal, porque sua função principal e talvez única não estará sendo
cumprida, que um professor que não reflete sobre sua própria prática não poderia jamais
ensinar outras pessoas a refletirem sobre suas vidas e seria um contra-senso deixar tal
profissional responsável por tão importante missão.
Não se concebe, portanto, um professor de filosofia não conhecer o conceito da prática-
reflexiva ou não atuar de acordo com as premissas desse conceito. Caso ele não tenha
tomado conhecimento dessa teoria quando da sua formação, ele deve ter em mente que
essa formação deve ser permanente, continuada e tentar atualizar-se, pois esta é uma
exigência contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, um documento de leitura
obrigatória a qualquer professor envolvido com o desenvolvimento de um ensino de
qualidade.
4.3 Considerações sobre a formação do professor de filosofia
Como todos os professores, o professor de filosofia é um indivíduo que constrói na sua
vida e na sua formação a sua própria visão de mundo. Ele não pode ser visto como um mero
robô que executa e que processa informações. Ele é uma pessoa e, como afirma Jennifer Nias
105
(apud CANDAU, 1996, p. 149), "o professor é a pessoa, e uma parte importante da pessoa é
o professor”.
Como tal vai construindo, a seu modo, o seu mundo representacional, no cotidiano de
sua vida e em sua história, suas crenças, seu universo pessoal, suas visões de mundo, Partes
da cultura pessoal e da cultura profissional do professor; são o pano de fundo do contexto em
que ele decide diante de situações específicas e define tanto o seu pensamento quanto sua
ação (PACHECO, 1995, p.51). Ele, o professor, irá orientar a atuação de seus alunos tanto
para o sucesso como para o insucesso escolar de acordo com essas construções cognitivas.
Gatti, 1997, p.60 afirma que o professor como ser em movimento possui valores,
estrutura, crenças, atitudes e age de modo pessoal, que é parte de sua identidade. Mas essa
identidade é fruto de interações sociais, de expressões sócio-psicológicas adquiridas de
aprendizagens e de formas cognitivas. Segundo a autora, este dado deve ser levado em conta
nos processos de formação e profissionalização docente, pois, nestas representações, existem
muitas crenças construídas por ele, que interagem com a sua própria formação e com as ações
pedagógicas que ele desenvolve.
Esta afirmação de Gatti vale para todo ser humano e para todas as profissões. Na
formação profissionalizante dos docentes, não obstante, isto merece uma consideração
especial pela razão de o educador necessariamente ter sobre si a responsabilidade para com a
transformação dos alunos e da sociedade rumo a melhores condições cognitivas e sociais para
as quais devem instigar em seus alunos o desenvolvimento de habilidades e competências e a
competência geral de pensar e agir razoavelmente. E mais: os programas de formação de
professores devem aproveitar ao máximo de valores, estruturas, crenças, atitudes e atitudes
pessoais dos formandos que, criticamente avaliados, possam contribuir para uma boa
educação. Devem, ao outro lado, discriminar com boas razões atitudes, crenças e saberes
pessoais prejudiciais à educação, apesar de as pessoas dificilmente desistirem deles.
Neste contexto vale lembrar que antes de ser professor, qualquer pessoa foi aluno,
foi filho e muitos foram filhos ou parentes de professores. como tal, aprendeu a acreditar
em algumas idéias e valores e também construiu as suas próprias, acerca da escola, do ensino,
da aprendizagem e sobre como ser professor e como ensinar, sobre fazer e sobre como saber
fazer.
106
Assim, sua vida toda, antes e como professor, foi permeada de fatos que se
relacionaram à escola, e estes fatos e experiências foram se constituindo em concepções e
representações acerca do trabalho docente. Além disso, muitos dos professores também são
pais e têm filhos nas escolas. Acompanham o processo de aprendizagem deles; muitas vezes,
isso se torna um meio de aprender e conhecer mais sobre o processo ensino-aprendizagem.
Estas experiências pessoais são importantes na formação do professor, mas, como
foi abordado nesta dissertação, não são suficientes. Elas devem ser reavaliadas e selecionadas
criticamente e, sobretudo, fundamentadas sobre teorias científicas. Aquelas que passam nesta
peneira merecem ser cultivadas e praticadas. Elas unicamente, contudo, não podem substituir
teorias educacionais, metodologias e didáticas científicas.
De suprema importância nos cursos de formação de professores são modelos vivos de
exercício da profissão, como Sarmento os defende e Lipman os exige na formação dos
professores de Filosofia para Crianças. Trata-se de educadores modelos que, mesmo no
ensino superior, sabem modelar a ação pedagógica mais adequada para crianças e jovens.
Segundo Sarmento, 1994 p.56):
O saber profissional dos professores participa do conhecimento articulado e
sistemático fornecido pela aquisição, num processo escolar cada vez mais
prolongado e especializado, de saberes teórico-práticos no domínio das
ciências da educação. Mas, simultaneamente, também participa do conjunto
de dispositivos tácitos e inarticulados obtidos de um longo processo de
socialização profissional. Ora na medida em que os professores possuem,
desde o início do seu processo escolar portanto, desde a sua formação
formal modelos vivos de exercício da profissão, esse processo de
socialização é provavelmente mais longo e mais profundo do que em outros
grupos ocupacionais. Na verdade, ele começa muito antes de ser professor,
quando o futuro profissional ainda é aluno, e percepciona de forma concreta
o que é ser professor e o que é ensinar (
SARMENTO, 1994 p.56).
Mas não é na vida cotidiana fora da escola que ele aprende a construir seu alicerce
profissional. A escola onde trabalha também lhe uma gama de experiências que
influenciarão essas suas construções cognitivas. A escola é um lugar de cultura - uma
cultura escolar e uma cultura da escola - e é lá que o professor fica a maior parte de seu
tempo, é que ele trabalha, e é que constrói boa parte de suas concepções e de seus
saberes, alguns bem específicos que se relacionam ao que é construído dentro da escola.
107
A escola é o lugar onde o discurso dos professores veicula e se torna válido. De acordo
com Orlandi (1996, p. 23), a escola:
[...] atua através dos regulamentos, do sentimento de dever que preside o
discurso pedagógico e este veicula, se define como ordem legitima porque se
orienta por máximas e estas máximas aparecem como válidas para a ação,
isto é, como algo que deve ser.
A cultura escolar caracteriza-se pelas regras rígidas do sistema educacional, pela
rotina, pela tradição e pelas máximas que surgem no espaço da escola, e obedece a uma forma
própria de cada instituição.
As tradições escolares, sobretudo aquelas pregadas pelos professores mais antigos,
podem levar a um despojamento do saber academicamente construído. O jovem professor,
imbuído dos ideais pedagógicos aprendidos na formação e cheio de perspectivas de
transformação da escola, encontra em algumas vezes uma escola fechada, dominada por
regras, orientações, solicitações e hábitos que vão desmentindo essas perspectivas iniciais,
sofre o choque com a realidade e segundo Sarmento (1994, p.112) é introduzido num” rito
de passagem “que o leva a um sentimento de solidão”.
O choque com a realidade se normalmente quando este jovem professor se
confronta com problemas de controle da sala de aula, no conflito entre aprendizagem e
disciplina dos alunos. A partir disso, o que vai prevalecer é a rotina, a tradição, as regras
rígidas do sistema. Muitas vezes o aconselhamento com os mais velhos vem contribuir para a
afirmação de seu poder em sala de aula e mais ainda, vem compensar o seu sentimento de
solidão. Desta forma os saberes tendem a serem construídos pela realidade educacional
preexistente, e, como conseqüência disso, podem acabar sendo perpetuadores dessa realidade.
Isso torna distinta a socialização da formação, pois que deveriam ser realidades que
caminham par a par. A formação para a mudança deveria ser inseparável da mudança dos
contextos de socialização.
Existe ainda uma afirmação que considero essencial nesse momento de discussão
sobre a formação do professor: "um espaço público para um clima intelectual aberto,
embora seja um espaço pouco aproveitado” (GIMENO, 1996, p.161)
108
Este clima intelectual aberto pode ser utilizado para a reflexão, para a construção de
novos conhecimentos e para a formação continuada dos professores, sobretudo para a
desmistificação de algumas crenças enraizadas que não permitem o exercício da
intelectualidade e de ações pedagógicas coerentes e competentes.
Candau (1996, p.298) aponta a escola como locus de formação continuada dos
professores, pois é nela que acontecem as experiências pessoais e profissionais, onde eles
passam a maior parte de seu tempo. É no cotidiano escolar que o professor aprende,
desaprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas, estrutura formas de pensamento e
constrói crenças. De uma forma ou de outra, a escola, com sua cultura, é lugar de construção
coletiva desses saberes, crenças e mitos que precisam ser analisados.
Quase desnecessário lembrar que a escola o é autônoma; tanto ela quanto o
professor sofrem as influências da sociedade e a influenciam por sua vez. (GIROUX;
MCLAREN, 1997, p.73). Assim, a prática docente e as atividades escolares são práticas
políticas. Algumas mudanças na sociedade implicam mudanças diretas no sistema escolar.
Porém, várias políticas de educação ou propostas administrativo-pedagógicas impõem
alterações diretas no cotidiano escolar de alunos e professores, sem que sejam alterados
saberes e crenças que os professores partilham a respeito.
A imbricação de saberes construídos na formação e por um processo prolongado de
socialização, na vida e na escola, a profissão se constitui como fundamento cognitivo das
decisões cotidianas dos professores.
Evidentemente, o professor não constrói seus saberes somente em sua vida cotidiana, e
não a escola, com sua cultura, lhe proporciona meios para construir estes saberes. Há,
sobretudo, o processo de sua formação acadêmica que deve ter papel transformador e decisivo
na construção do profissional professor. Essa formação é não somente a acadêmica ou outra
oficialmente reconhecida como profissionalizante, mas também a continuada, aquela que
acontece em serviço, oficinas específicas e cursos posteriores de aperfeiçoamento. Dias da
Silva, (1997, p. 39) afirma que:
[...] fica claro que a experiência dos bons professores não é um mero "passar
de tempo", mas sim um exercício constante de buscar alternativas de ação
para enfrentar o fracasso - quer dos alunos quer do próprio professor. Busca
que inclui desde a procura por cursos, treinamentos ou leituras, até uma troca
109
constante de informação com colegas considerados mais competentes ou
especialistas na área. (
DIAS DA SILVA, 1997, p. 39).
O mundo contemporâneo exige que a formação do professor aconteça em um
processo contínuo. Os cursos acadêmicos devem ser considerados apenas como iniciação,
como formação inicial. Precisamos pensar em continuidade desta formação e em que
condições ela pode e deve ser realizada, aprendendo também daquilo que está acontecendo
Como exemplos podem ser lembrados os cursos de especialização em Filosofia para
Crianças e os cursos básicos desse paradigma, oferecidos e realizados pelo Programa Prophil.
É preocupante pensar que, por falta de cursos desta natureza, a fragilidade da formação de
alguns professores brasileiros pode permitir crenças, atitudes e metodologias ineficientes que
acabam enraizadas na prática docente sem competência de uma prática desalienante e sem a
devida construção de conhecimentos básicos para o exercício da profissão.
Na sociedade em que vivemos, onde o capitalismo dita as regras de todas as áreas
possíveis, essa influência vem atingir também a área do ensino, em que se visa eficiência e
lucro e esquece-se da importância do prazer pelo ensino e aprendizagem. Além disso,
esquece-se que além de transmitir dados e informações precisamos instigar e promover
processos de construção do conhecimento e da construção razoável das personalidades dos
alunos.
Neste sentido, Alves (2000, p.42), faz uma boa distinção entre o Professor e o
Educador, advertindo-nos de que na realidade, na prática, eles se devem encontrar juntos,
mesclados no bom profissional da educação. Assim, para esse pedagogo:
O professor trabalha sem interesse e sem prazer, apenas para obter um
salário e usufruir dele enquanto o educador é aquele que abraça a causa com
vontade, que tem paixão pelo que faz, que busca motivar seus alunos,
construindo constantemente novos saberes e contagiando os alunos,
descobrindo que há esperança e que é possível transformar o azedo limão em
uma deliciosa limonada (ALVES 2000, p.42).
A formação dos professores, ainda, deve ter em mente que a educação é um ato
político-pedagógico que exige capacitação para a reflexão e ação críticas. Mas, ainda para os
110
professores de Filosofia para Crianças, que objetivam instigar e propiciar em seus alunos o
desenvolvimento da competência da criticidade com habilidades do questionamento e
julgamento cada vez mais aguçados, tanto como a competência da criatividade que transcende
o obsoleto e inútil, o ineficiente tido como eficiente, não se conformando com o pronto e
acabado, apenas porque sempre foi assim, mas indo a busca do novo mais razoável, do
desejado e da utopia, do aparentemente impossível.
Não podemos esquecer que tudo se aprende com facilidade e melhor quando está
relacionado a um prazer. Assim, faz-se imprescindível fazer da escola um lugar do prazer.
Aristóteles defendia que o maior prazer humano é a descoberta. Lipman criou o método da
Comunidade de Investigação, pois pela investigação se chega à descoberta e por esta ao
prazer. Assim investigação-descoberta-prazer, constituem uma tríade da aprendizagem
prazerosa e eficaz. Dessa forma, brilhantemente Rubem Alves percebeu e acusa que a escola
do paradigma opressor, ainda em vigor, desempenha o papel disciplinador, que transforma
seres vivos em seres autômatos. Rubem Alves como Lipman e Freire defende um paradigma
educacional de libertação e autonomia que, entre outras, tem a característica do prazer e da
alegria.
A Filosofia para Crianças foi criada sobre este princípio do prazer e da alegria. A
formação dos respectivos professores, além de aulas teóricas sobre isso, necessita de oficinas
práticas em que os futuros educadores podem aprender a conduzir um processo de
aprendizagem com alegria e prazer. É, contudo relevante alertar, que prazer e alegria nestas
aulas não vem de brincadeiras, piadinhas e gracinhas do professor, mas do próprio filosofar,
que nas palavras de uma criança é: uma brincadeira gostosa, mas muito séria e ainda de
outra é a gene voar alto nos pensamentos.
Ligado a este assunto, de certa maneira, está a afetividade do aluno, que deve ser
valorizada para ele melhor desenvolver suas habilidades, sua aprendizagem, sua
personalidade. Isso exige uma formação específica do professor, dado que esta competência
pedagógica não pode ser orientada apenas por sentimentos e o senso comum.
E ainda: O professor precisa, como toda pessoa, uma formação para a leitura que hoje
em dia, não pode ser apenas de livros. O hábito e as técnicas de uma boa leitura exigem uma
aprendizagem apropriada e adequada que infelizmente deixa muito de desejar no ensino
fundamental e no superior; quase em nada é recuperada e aperfeiçoada. Em nosso tempo se
111
acrescenta ainda a necessidade de saber navegar pela Internet para pesquisar e descobrir
informações relevantes. Da formação para a leitura que, aliás, deve ser principalmente uma
leitura do mundo, da realidade, deve fazer parte a formação para a investigação.
Dado que no paradigma lipmaniano da Educação para o Pensar a investigação é o
método principal da docência-aprendizagem, esta formação para a investigação é
fundamental.. Pesquisa, docência e aprendizagem se tornam uma tríade indissociável. O
professor, portanto, deve conhecer as habilidades da investigação. Deve ter altamente
desenvolvido em si mesmo essas habilidades a ponto de serem hábitos e atitudes. Por motivo
desta relevância segue, agora, um sub-capítulo próprio sobre isso: O Professor e as
Habilidades de Investigação.
4.4 O Professor e as Habilidades de Investigação
Por sua natureza, o filosofar é busca e construção da verdade no sentido de
conhecimento intersubjetivo, processo perene sem ponto final. Outras formas simbólicas do
conhecimento, tais como o mito, a arte, a religião, a linguagem e a ciência, têm a mesma
função. As habilidades cognitivas não são típicas e rigorosamente apenas de uma destas
modalidades do conhecimento, mas mescladas em todas, uma ou outra sendo mais específica
em cada uma. As habilidades cognitivas e cio-afetivas, que o cultivo do filosofar interativo
em sala de aula desenvolve nos alunos, devem fazer parte da competência do professor de
Filosofia para Crianças.
A Comunidade de Investigação, tríade do investigar, ensinar-educar e aprender, é a
plataforma apropriada para vivenciar e cultivar as habilidades em pauta.
A investigação filosófica começa com a admiração. Este potencial inato na espécie
humana, como também em outras, pode ser aperfeiçoado pela instigação, levando à melhor
observação. Para investigar precisamos ser capazes de, no mínimo, observar bem,
problematizar e formular boas questões, formular hipóteses plausíveis, verificar
cuidadosamente, constatar, chegar a produzir juízos e conclusões. Para produzir juízos e
julgamentos, portanto, precisamos investigar. É muito importante a habilidade da auto-
112
correção, toda vez que nossas conclusões e convicções anteriores se mostrarem defasadas
com as mais recentes.
Assim, o papel do professor no desenvolvimento de habilidades é muito importante, já
que para formar pensadores faz-se necessário que primeiramente eles mesmos sejam
pensadores por excelência, e que tenham essas capacidades desenvolvidas na sua formação
profissional. É o chamamento à competência filosófica.
Em Natasha, sua última obra traduzida no Brasil, Lipman, ao ser interrogado quanto à
expressão "habilidades de investigação", diz que a utiliza na "falta de melhor nome”,
definindo que “são as habilidades empregadas para fazer ciência.” (LIPMAN, 1997, p. 49).
Algumas características e formas de emprego do repertório básico das habilidades que
as tornam de ordem superior. Dentre as referidas características e formas destacam-se a sua
complexidade de uso, a coordenação e sequência entre elas quando do seu emprego e formas
de sua aplicação expandidas e cumulativas.
As habilidades cognitivas são utilizadas assim, de uma maneira "superior", quando são
articuladas naquilo que Lipman chama de mega- habilidades, isto é, grupos de habilidades
que são utilizadas conjuntamente para as operações de raciocínio, investigação, formação de
conceitos e tradução.
Habilidades de raciocínio, habilidades de investigação, habilidades de formação de
conceitos e habilidades de tradução são expressões utilizadas por Lipman para indicar grupos
de habilidades cognitivas. Cada grupo contém, ou envolve, várias habilidades que concorrem
interligadamente para que aconteça, ou o raciocínio, ou a investigação, ou a formação de
conceitos, ou a tradução.
Não só. Estes grupos de habilidades estão sempre funcionando interligadamente no
nosso processo de pensar e, por conseguinte, no nosso processo de falar. É no nosso processo
de falar que o nosso processo de pensar é operado. Sem linguagem, para Lipman, não
pensamento. D a importância que ele atribui à conversa organizada, isto é, ao diálogo
investigativo que deve ser promovido na sala de aula. A sala de aula deve ser transformada
em uma pequena, mas importante, comunidade de investigação.
113
Ora, as habilidades empregadas para fazer ciência são, dentre outras, as relacionadas
acima e que Lipman não indica, nos seus escritos com esta nomenclatura, em listagem
específica, mas apresentando-as numa grande listagem sem diferenciá-las nos quatro grupos
das "mega-habilidades", às quais se dedica este sub-capítulo, a fim de deixar a dissertação
mais detalhada sobre as respectivas habilidades e para evidenciar bem o que segue.
A-Grupo das Habilidades de Investigação
Para produzirmos juízos, precisamos investigar. Para investigar precisamos ser
capazes de, no mínimo, observar bem, problematizar ou formular boas questões, formular
hipóteses plausíveis, verificar cuidadosamente, constatar, chegar a produzir conclusões ( os
tais juízos) e, muito importante, ser capazes de nos auto-corrigirmos toda vez que nossas
conclusões se nos mostrarem enganadas.
Investigação é uma prática auto-corretiva onde um tema é investigado com o objetivo
de descobrir ou inventar maneiras de lidar com aquilo que é problemático. Os produtos da
investigação são os julgamentos.
Em Natasha, sua última obra traduzida no Brasil, ao ser interrogado quanto à
expressão "habilidades de investigação", Lipman diz que a utiliza na "falta de melhor nome.
São as habilidades empregadas para fazer ciência."(LIPMAN, 1997, p. 49).
Ora, as habilidades empregadas para fazer ciência são, dentre outras, as relacionadas
acima e que Lipman não indica, nos seus escritos, em listagens assim, mas assinalando umas
ou outras delas, ou apresentando-as numa grande listagem sem separá-las nos quatro grupos
das "mega-habilidades".
B- Grupo das Habilidades de Raciocínio
Seguindo os passos de Lipman, 1995:
114
Raciocínio é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto
através da investigação. Implica em descobrir maneiras válidas de ampliar e
organizar o que foi descoberto ou inventado enquanto era mantido como
verdade. (
LIPMAN (1995, p. 72)).
Os nossos juízos e julgamentos, por exemplo, são maneiras válidas de ampliar e
organizar o que foi descoberto ou inventado enquanto era mantido como verdade.
Ora, os nossos juízos o afirmações ou negações, que produzimos a respeito de uma
situação, de um fato, de algo, após termos feito uma análise investigativa: descobrimos
alguma "verdade" a respeito e a afirmamos com base na investigação feita. Nós expressamos
os juízos através de proposições ou orações.
Quando ordenamos e coordenamos os nossos juízos de uma tal forma que, a partir
deles, nós ampliamos aquilo que havíamos descoberto na investigação, nós estamos fazendo
um raciocínio.
O conhecimento origina-se da experiência. Uma maneira de ampliá-lo sem, no
entanto, recorrer a experiências adicionais, é através do raciocínio. Considerando aquilo que
conhecemos, o raciocínio nos permite descobrir coisas adicionais afins.
A partir de um argumento sólida e cuidadosamente formulado, onde iniciamos com
premissas verdadeiras, descobrimos uma conclusão igualmente verdadeira que é "inferida" em
conseqüência destas premissas.
O raciocínio é, pois, o processo do pensamento através do qual nós produzimos nossas
conclusões a partir de algo sabido. Isso, todas as pessoas fazem, inclusive crianças
pequenas.
Mas raciocínios mais simples e raciocínios mais complexos, isto é, aqueles que
fazem parte do pensamento de "ordem superior". Um dos objetivos de uma educação para o
pensar deve ser o de ajudar crianças e jovens a serem capazes de realizar raciocínios mais
complexos. Para tanto é importante promover o fortalecimento das habilidades de raciocínio
que "envolvem por exemplo, a utilização de inferências bem fundamentadas, a apresentação
de razões convincentes, a revelação de suposições latentes, a determinação de classificações e
115
definições defensáveis e a organização de explicações, descrições e argumentos
coerentes.(LIPMAN, 1995, P. 46).
Definições defensáveis e a organização de explicações, descrições e argumentos
coerentes exigem, por sua vez, habilidades de formação de conceitos.
C-Grupo das Habilidades de Formação de Conceitos
A formação de conceitos implica na organização de informações para grupos
relacionais e, então, em analisar e esclarecê-los para facilitar sua utilização na compreensão e
no julgamento.
O pensamento conceitual envolve, também, relacionar conceitos entre si a fim de
formar princípios, critérios, argumentos, explicações, etc. (LIPMAN, 1995, p. 72). Esta
organização de informações que construímos em nossa consciência pode ser expressa por
palavras, por sentenças e por esquemas, (LIPMAN, 1995, p. 67). Trata-se de conjuntos de
informações relacionadas entre si e que formam um sentido, um significado.
Pense-se, por exemplo, na palavra mesa. Se "dominamos", ou compreendemos o
significado que esta palavra expressa, é sinal de que somos capazes de "ver" um conjunto de
aspectos que, reunidos e interligados, nos dão a idéia, o conceito, do que constitui uma mesa.
Não só. Na verdade, nós ficamos de posse de um conjunto significativo de informações inter-
relacionadas (de um conceito) que nos ajuda a nos entendermos mutuamente quando falamos
de mesa e nos ajuda a identificarmos como mesa, os objetos que se nos apresentam com um
conjunto de dados interligados desta mesma forma.
Nós podemos ir formando conceitos a partir de nossas relações diretas com as coisas,
objetos, situações, etc., dentro de contextos situacionais culturais de uso e de significação ou,
também, podemos formar conceitos sem estarmos em relação direta, física, com os objetos.
Em ambas as situações, para sermos capazes de formar conceitos em nós mesmos,
precisamos ser capazes de relacionar idéias entre si; "esmiuçar" idéias que estejam juntas, isto
é, analisar; juntá-las de novo, isto é, sintetizar; esclarecer significados; explicar; etc.
116
Esta é uma listagem de habilidades que auxiliam na habilidade maior de formação de
conceitos que se pode encontrar nos textos de Lipman. Relacionado às habilidades de
formação de conceito é o grupo das habilidades de tradução.
D- Grupo das Habilidades de Tradução
Segundo Lipman, 1995, p.72, traduzir é conseguir dizer algo que está dito com certas
palavras ou de certa forma, por meio de outras palavras, ou por meio de outras formas,
mantendo o mesmo significado. Tradução implica na transmissão de significados de uma
língua ou esquema simbólico, ou modalidade de sentido, para outra, mantendo-os intactos.
Para Lipman, isto é o que ocorre nas boas traduções de uma língua para outra. Mas
isto ocorre, também, quando procuramos dizer, com nossas próprias palavras, algo que
alguém disse com as palavras dele. Ou, ainda, quando alguém procura traduzir em gestos, ou
em desenhos, etc., algo dito ou expresso de qualquer outra forma. O importante é manter o
significado.
Parece-nos óbvia a importância desta "mega-habilidade". Mas, para o seu
desenvolvimento, diz Lipman, é necessário desenvolver a capacidade de interpretação e
criatividade, bem como todas as habilidades envolvidas na formação de conceitos.
4.5 O professor necessário para o desenvolvimento das diferentes habilidades –
Caminhos a percorrer
A nova ordem mundial apresentada nos cenários desenhados pela sociedade pós-
moderna não considera os conceitos como a referência maior do processo educativo e das
práticas vivenciadas em sala de aula, mas não discute a sua importância, mas os amplia na
busca como do desenvolvimento de um pensar complexo à luz dos conceitos.
117
Assim, cumpre-nos repensarmos e refletirmos sobre as novas competências para
ensinar, novos entendimentos sobre ensinar e aprender, aprender a aprender e como apreender
as novas formas de relação entre a ética e o agir pedagógico.
Isto deve ocorrer para que possamos compreender e ensinar a pensar sobre os
problemas existentes, diante da pluralidade dos diferentes contextos culturais de uma
sociedade que altera profundamente seus processos de socialização e de formação de
identidade. Assim, para Hermann (2001, p.90):
Embora a sociedade imprima à Educação um caráter de constante
mutação, como incontrolável, nós não devemos entender este
processo como de desorientação. E é neste contexto que se torna
impossível se sustentar um modelo ideal de Educação e, muito
menos, de se continuar com a aplicação das tradicionais práticas
pedagógicas (
HERMANN, 2001, p.90).
As crises das relações homem-natureza e homem-homem de hoje reclamam cada vez
mais novos valores e uma visão mais avançada do homem. Precisamos de um contraprojeto
às concepções que, direta ou indiretamente, provocaram as crises atuais. Este projeto é
relevante para nortear o novo paradigma da educação que, na fase decadente do ainda em
vigor, emerge, cresce e sobrevém. Portanto, “hoje é vital não aprender, não
desaprender, mas, sobretudo, reorganizar nosso sistema mental para reaprender a
aprender”.(MORIN, 1995, p.21).
As teorias educacionais contemporâneas apresentam novos parâmetros. A mera
transmissão de conhecimentos e o ensino de seu uso adequado se demonstram insuficientes. O
debate crítico-criativo-cuidadoso das grandes questões humanas e sociais emerge com vigor.
Com este, surge a necessidade duma educação para a reflexão e o diálogo. O professor em vez
de ensinante assume o papel de motivar, instigar e conduzir esse debate, propiciando o
desenvolvimento da autonomia do pensar, criar, sentir, decidir, querer e agir do aluno. O
próprio processo de investigar e pesquisar interativamente se torna processo de educação e
construção de conhecimentos e favorece um extraordinário desenvolvimento pessoal e
profissional.
118
As questões multidisciplinares e de abordagem transversal exigem uma nova atitude
pedagógica capaz de desenvolver nos alunos as habilidades para construir sua maneira própria
de pensar e dialogar, de decidir e agir. O cidadão que se forma com este pensar crítico-
criativo-cuidadoso e dialógico se capacita para sobreviver, viver e conviver com
comportamentos ético-ecológicos, contribuindo, assim, para uma vida democrática e de
qualidade.
Assim, a proposta de uma educação para o pensar que contemple o desenvolvimento
do pensamento crítico-criativo-cuidadoso é imprescindível e terreno fértil para o trabalho dos
professores a partir das séries iniciais. Uma proposta para que isso possa acontecer e dessa
forma os alunos possam desenvolver e fortalecer suas mais variadas habilidades de pensar
inteligentemente e conviver democraticamente é a Filosofia para Crianças, dando resultados
admiráveis em mais de sessenta países sobre todos os continentes, de acordo com um Boletim
do International Council of Philosophical Inquiry with Children de 2001. Com a mentalidade
filosófico-pedagógica, o método dialógico-interativo e a bagagem teórico-conceitual deste
paradigma, ou outro similar, o professor pode ser o facilitador desse desenvolvimento
qualitativo do pensar.
Mas quais seriam as habilidades cognitivas (ou habilidades de pensamento mais
elaborado) necessárias para a formação de cidadãos crítico-criativo-cuidadosos, competentes
tanto em sua vida particular, quanto na social e profissional?
Lipman, 1995, oferece uma primeira lista na seguinte passagem:
Assim, mesmo quando estamos envolvidos com os tipos mais elaborados de
pensamento - longas cadeias dedutivas, construções teóricas altamente
confusas, e coisas parecidas - pressupõe-se uma familiaridade com um
número relativamente pequeno de atos mentais, habilidades de raciocínio e
habilidades investigativas sobre as quais se baseiam as operações de
pensamento mais elegantes e sofisticadas. Sem a capacidade de presumir,
supor, comparar, inferir, contrastar ou julgar, para deduzir ou induzir,
classificar, descrever, definir ou explicar, nossa própria capacidade para ler e
escrever estaria ameaçada, para não mencionar nossa capacidade para
participarmos em debates em sala de aula, prepararmos experimentos e
compormos textos (LIPMAN, 1995, p.57).
Este pensar de ordem superior é mais exigente quanto a critérios, razões,
profundidade, abrangência de sua compreensão e ao contexto ou contextos a que se refere;
quanto ao rigor, dado que a autocorreção, a se ver e se acompanhar no seu próprio processar-
119
se, é inerente ao método e ao metapensar proposto e leva ao maior aperfeiçoamento possível;
quanto à complexidade das relações que identifica ou que estabelece e reconstrói e quanto à
sua capacidade reflexiva, pois o diálogo interativo abre horizontes maiores do que,
normalmente, um estudo individual.
Nessa perspectiva, são necessárias habilidades cognitivas de ordem superior, dado que
as de ordem inferior, de uso comum e sem determinadas qualidades, não atendem às
exigências elencadas no parágrafo anterior, ou devem ser usadas de uma outra forma, num
outro grau de profundidade e complexidade, para se tornarem de ordem superior.
Lipman (1995) aponta algumas características de emprego das habilidades básicas que
as tornam de ordem superior e dentre elas citei no item 4.4 - habilidades de raciocínio,
habilidades de investigação, habilidades de formação de conceitos e habilidades de tradução
expressões essas utilizadas por Lipman para indicar grupos de habilidades cognitivas. Cada
grupo contém, ou envolve, várias habilidades que juntas cooperam para a construção de
raciocínios, a investigação, a formação de conceitos e a tradução.
Estes grupos de habilidades, portanto, estão sempre funcionando de forma articulada
no nosso processo de pensar e, por conseguinte, no nosso processo de falar, de decidir e agir.
É no nosso processo de falar que o nosso processo de pensar é operado e vice-versa. Sem
linguagem, para Lipman, não pensamento e sem pensamento não linguagem. Daí a
importância que ele atribui à conversa organizada e interativa, isto é, ao diálogo investigativo,
ordenado, construtivo e autocorretivo, que deve ser promovido na sala de aula. A sala de aula
deve ser transformada em uma pequena, mas importante,Ccomunidade deIinvestigação.
Neste sentido são importantes as seguintes palavras de Lipman:
A sala de aula deve ser convertida em uma Comunidade de Investigação.
Deve ser uma comunidade questionadora, uma comunidade interativa,
colaboradora e pesquisadora. No surgimento de injustiças e equívocos dentro
da comunidade, estes devem ser tratados como problemáticos e tratados de
maneira racional e experimental, como seria qualquer outra questão
problemática. Em suma, para Dewey a sala de aula deve ser um microcosmo
da Grande Comunidade, e se conseguirmos chegar a esta Grande
Comunidade é necessário, em primeiro lugar, estabelecer estes
microcosmos. As escolas da atualidade irão gerar a sociedade do futuro
(LIPMAN, 1995, p. 373).
120
Em termos ideais, a própria família, desde a infância inicial, deveria ser uma
Comunidade de Investigação, uma comunicação lingüística, que no contexto familiar prepara
as crianças aos poucos para pensarem na linguagem da sala de aula, e isto significa por sua
vez, que as prepara para pensar nas linguagens das disciplinas. Mas, visto que a comunicação
familiar raramente é o que deveria ser, a conversa disciplinada e coerente na sala de aula
deve ser oferecida como seu substituto. O papel do professor é assim relevante na medida em
que ao oportunizar e instigar o diálogo, possibilita aos educandos sua passagem gradativa do
ninho familiar à sociedade, seja a da escola, seja a da nação ou do mundo. "O grupo de
conversação é a chave para a transição suave da vida familiar para a vida governada pelas
normas da sala de aula” (LIPMAN, 1995, p. 54).
É neste convívio da sala de aula e com seu cultivo do diálogo que a criança, da melhor
maneira possível, fortalece suas habilidades, não apenas para as demonstrar numa prova, ou
no vestibular, mas para pensar e viver competentemente e feliz. Para este objetivo
educacional Lipman esclarece as áreas de habilidades mais relevantes:
As áreas de habilidades mais relevantes para os objetivos educacionais são
aquelas relacionadas com os processos de investigação, processos de
raciocínio, organização de informações (formação de conceitos, é bom
lembrar) e tradução. É provável que crianças muito pequenas possuam todas
essas habilidades de maneira ainda rudimentar. A educação não é, portanto,
uma questão de aquisição de habilidades cognitivas, mas de fortalecimento e
aperfeiçoamento de habilidades. Em outras palavras, as crianças estão
naturalmente inclinadas a adquirir habilidades cognitivas, do mesmo modo
que adquirem naturalmente a linguagem; e a educação é necessária para
fortalecer o processo (LIPMAN, 1995, p. 65).
Considerando o exposto neste capítulo, suficiente para evidenciar uma nova visão da
formação do professor de filosofia para as aulas com crianças e jovens, sinto, não obstante, a
necessidade de caracterizar mais sucintamente possível o paradigma que deve orientar a
mentalidade e metodologia pedagógica, o saber profundo e complexo da filosofia e a didática
específica e eficiente que a formação necessária deve propiciar, exigir e levar à competência.
Neste sentido ouso afirmar:
Propostas avançadas, como esta de Matthew Lipman ou a de Paulo Freire, entre
outros, demonstram que o novo paradigma de educação, não pode ser de instrução unilateral,
mas deve ser do diálogo, não da receptividade passiva, mas da atividade do aluno, não da
submissão ao autoritarismo, mas sim da autonomia do pensar e da investigação crítico-
121
criativo-cuidadosa e construtiva. O filosofar não mais pode ser somente tarefa de
profissionais, mas atitude importante para todos os seres humanos, elemento indispensável e
integrador do educar. o é concebido, portanto, como domínio de técnicas formais ou como
posse de conhecimentos filosóficos, mas como maneira de refletir sobre problemáticas
consciente e criticamente, com abertura para diversas alternativas e, neste sentido, como
pensar não dogmático, mas crítico e autocrítico.
Ainda mais: a reflexão dialógica-reflexiva e filosófica é compreendida também
como pensar num metaplano, isto é, como um metapensar capaz de esclarecer tanto as
condições e limites do conhecimento, os princípios que levam à construção do conhecimento,
quanto a não-razoabilidade da produção antiética e incompatível com as necessidades da
humanidade. Não se pensa, com isso, somente no ato de reflexão do sujeito isolado, mas bem
mais num pensar dialógico comunitário como defendido por Lipman, que realça o significado
e a relevância da Comunidade de Investigação. Neste contexto se também o
desenvolvimento para a prontidão de consenso, para tolerância, solidariedade e co-
responsabilidade, pressupostos para a cidadania democrática e planetária.
Tal maneira inteligente de pensar deve ser desenvolvida, quanto mais cedo possível,
isto é, a partir da infância, durante as fases mais apropriadas para a aprendizagem fácil,
para se tornar suporte e meio de uma educação integral e de plenitude.
Por conseguinte, se concebe a meta da educação num horizonte amplo: cidadãos
melhores e competentes, com vida mais plena, com prontidão para a cooperação e para o agir
solidário e cuidadoso, com comportamentos éticos e ecologicamente responsáveis.
O professor necessário para a educação filosófica, portanto, deve ser competente na
teoria e prática deste pensar superior, capaz de construir e reger uma Comunidade de
Investigação (que não precisa ser em tudo apenas lipmaniana) e de criar um clima apropriado
e prazeroso (não autoritário) do processo investigação-ensino-aprendizagem de construção de
conhecimentos e desenvolvimento de habilidades pela provocação de perguntas intrigantes e
instigantes. E, diga-se para lembrar, a educação filosófica é parte integrante de todas os
componentes curriculares, de toda a educação.
122
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS - RECONHECENDO A COMPLEXIDADE
DO SER E DO SABER
Este capítulo não pretende definir, ou ainda cristalizar a necessária formação para as
professoras que atuam no ensino de Filosofia para Crianças nas duas escolas públicas e duas
particulares de Cuiabá MT. Pretende sim, analisar a formação das professoras, suas
competências na dialética de sua vida e de seu tempo, as convivências; e a necessidade da
consciência e sensibilidade para o trabalho com as crianças. Segundo GADOTTI, 2000, não
se pode imaginar um futuro para a humanidade sem educadores, assim como não se pode
pensar num futuro sem poetas e filósofos” Os educadores, na perspectiva de formação
precisam estar preparados para a emancipação, para a reflexão dialógica e investigativa, não
só transformando a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também
formando pessoas, atribuindo sentido para a vida das pessoas e para a humanidade,
oportunizando assim a construção de um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável
para todos.
5.1 Assentando a função do filosofar – uma análise reflexiva e dialógica
Vivemos tempos de globalização, ou para melhor dizer, momentos de
homogeneização. Procura-se a unidade de pensamento, o consenso no livre mercado e na
democracia representativa. Com efeito, os critérios de normalidade vigentes nas esferas da
ética, da política, da religião, da cultura, nunca foram tão indiferentes às diferenças de classes,
de cultura, de raça, de gênero como hoje, nem tão dinâmicos e flexíveis no momento de
apropriar-se de tudo o que apareceu; nunca antes as variadas formas culturais e sociais
tiveram sua existência tão ameaçada por um modelo único e universal (RAMOS, 1995 p.130).
Se a educação recebeu sempre demandas enfrentadas de socialização e transformação, de
adaptação e resistência, deve-se considerar que hoje se impõe muito mais do que nunca
educar para resistir a unidimensionalidade dominante, pois a adaptação está mais do que
123
garantida por um contexto social massificador (ADORNO, 1995, p. 144-5) e os espaços
sociais de resistência são atualmente minúsculos.
A filosofia pode ser um desses espaços de resistência. Se ela tem sido sempre
intempestiva, e a tensão entre ela e a realidade é, de alguma forma, irreconciliável e deriva
dos princípios imanentes da própria filosofia, essa tensão se encontra hoje em pico máximo
num contexto onde o próprio pensar filosófico está em risco. A filosofia não pode aceitar a
lógica da globalização unificadora e destruidora praticada pelo poder dominante em
detrimento da vida da humanidade e da própria Terra. Ela não tem o papel de globalizadora e
totalizante múltipla da realidade física e da vida; não é essa a sua função. É totalizante, não
obstante, na visão refletida das conexões ocultas do mundo, da sociedade e da visão crítica de
unidade na diversidade de tudo que pode observar e conceber. Ela vive de pensares diferentes
do mundo dos valores dominantes, dado que estes diferem da ética e da sensatez. Dessa
forma, a própria filosofia está em risco. Alias, sempre esteve em risco por esta mesma razão.
Mas não é o pensar filosófico que está ameaçado na era da globalização; são todos aqueles
valores, idéias, saberes, formas sociais e políticas que não correspondem à lógica tirana do
mercado. Pensar filosoficamente, entre outras atitudes é submeter ao processo de raciocínio,
epistemológico, ético e estético a realidade com que pela sensibilidade circunspectiva nos
defrontamos, buscando o dever-ser com critérios correspondentes. Nesta visão é por sua
natureza crítico-criativo-cuidadoso e, como tal, pode responsabilizar-se por aquilo que é
tolerável nos limites destes critérios. Diante da realidade fora destes limites seu papel é de
denunciar e resistir, tanto como anunciar o que deve ser.
As resistências necessárias da filosofia são os procedimentos astuciosos e sensatos em
prol da sobrevivência, são os fundamentos para a rebeldia perante as ofensivas que ameaçam
nosso ser (FREIRE, 1997, p.87); elas são, ao mesmo tempo, reafirmação de nossa não-
completude-existencial, de nossa autonomia compulsória de pensar, optar e criar para viver,
conviver e sobreviver e, por conseguinte, do caráter ético-político não negociável do ser
humano. O termo “autonomia” denota desde sua origem grega (autos: si mesmo; nómos:
costume, norma, lei) uma relação entre a norma, o comum, o compartilhado e o sujeito que a
produz. Autônomo é aquele que se dá a si mesmo a norma, no sentido de critérios e princípios
ponderados em visão da totalidade e conectividade do todo da realidade. Contrariamente ao
autônomo, o heterônomo segue a norma de outro cegamente, sem submetê-la ao processo de
raciocínio lógico, ético e estético sem sensibilidade e visão do contexto. Assim, com muita
124
pouca probabilidade acerta o que é “autos”, de si mesmo, de sua própria vida e natureza,
caindo com facilidade naquilo que é “heteros”, estranho para ele, é alienante, fora de seus
limites existenciais, estranho também ao conjunto harmônico de leis, regularidades e
conexões, que comandam o universo.
(Livre citação de anotações durante um Seminário do Prof.
Peter Büttner)
Resistir, portanto, é uma forma de afirmação da autonomia. Resistimos a
unidimensionalidade da globalização, à onipotência do mercado, porque impõem uma lógica
que avassala nossa autonomia e a extensão de nossa existência, porque pretende decidir por
nós, sobre nós, para nós ou mesmo contra nós. Resistimos a essa lógica porque nos torna
menos humanos, limita nosso campo de ão e de pensamento, restringe nossa liberdade de
pensar e ser aquilo que somos e queremos ser dentro dos limites da funcionalidade
estabelecida do universo.
A uma educação para a resistência e autonomia se opõe uma educação para a opressão
e controlabilidade que exigem docilidade, e obediência cega. Nenhuma pedagogia de controle
e opressão, com seus efeitos de obediência e docilidade sem criticidade, combina com a
prática e atitude da filosofia e, assim, ela propriamente deixa de ser prática de um filosofar
íntegro e no sentido de saída libertadora da caverna, como diria Platão. Docilidade e
obediência sem criticidade obstaculizam o exercício da liberdade e da autodeterminação da
pessoa. Estes procedimentos, portanto, não são próprios do exercício da filosofia, não são de
conformidade com a dignidade do ser humano autoconsciente e consciente de sua situação
circunstancial, de seus valores e significados.
Por isto, a educação filosófica na escola importa principalmente propiciar às crianças e
professores o pensar autônomo, crítico-criativo-cuidadoso, e com este a resistência sensata e
inteligente frente a tudo aquilo que lesione a autonomia da pessoa. É no processo de
fortalecimento do pensar deste nível e desta qualidade, instigado no diálogo interativo em sala
de aula, que o aluno irá compreender e reconhecer, mais e mais, a complexidade do ser e do
saber, tanto a complexidade e unicidade na diversidade do universo-cosmo como de seu
próprio universo-pessoa. É este processo que vai fortalecer sua competência de autonomia, de
sua respectiva resistência ao intolerável pela denúncia deste e a anunciação do dever-ser, que
são valiosas competências da cidadania democrática.
Surgem as perguntas: Será que os responsáveis pela educação têm esta visão? Como é
a realidade a este respeito em nossas escolas?
125
As entrevistas possibilitaram uma maior compreensão da real situação do Ensino da
Filosofia nas quatro escolas pesquisadas em Cuiabá-MT.
As atividades e atitudes filosófico-pedagógicas das professoras investigadas
demonstram como característica marcante essa resistência de que acima falamos, tanto como
a atitude e o cultivo de busca e construção constantes de informações e conhecimentos que
contribuam para melhorar a sua prática e, com esta, a formação de seus alunos.
Evidenciaram, sobretudo, qual a formação do professor que atua nesse âmbito de
ensino, qual o procedimento pedagógico e a prática da educação filosófica vivida na escola.
Revelaram, ainda, em quê o ensino da filosofia pode contribuir no currículo e na vida dos
alunos e como ele se apresenta no cotidiano das quatro escolas pesquisadas. Possibilitaram,
além disso, saber qual o material didático usado, quais pressupostos sustentam as práticas dos
professores que atuam no encaminhamento do ensino de Filosofia para Crianças e quais os
recursos técnico-didáticos utilizados no encaminhamento e na realização dos trabalhos.
As professoras entrevistadas declararam que os conhecimentos teóricos obtidos em sua
formação são importantes em seu trabalho, mas analisam diferentemente essa contribuição
nos vários momentos de sua trajetória profissional. Sua formação inicial tem pontos comuns.
Todas elas fizeram o curso de graduação em faculdades e universidades, embora em cidades
diferentes, no final da década de 1980 e 1990.
Consideram os conhecimentos científicos relevantes, mas não sempre mais
importantes que os demais; o critério é a adequação e a contribuição que trazem à prática
educativa e com ela à formação mais plena e de maior competência possível de seus alunos.
Conforme apontam Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 4), a experiência atua como um filtro
através do qual os professores selecionam, julgam e incorporam ou recusam os saberes.
Lipman esclarece que esta competência dos professores exige uma formação adequada para
eles, na qual o fortalecimento do pensar crítico-criativo-cuidadoso deve ter um papel
fundamental. Alerta, ainda, que o desenvolvimento das atividades, principalmente das
cognitivas e sócio-afetivas, é condição sine qua son desta formação.
Uma das fontes de conhecimento mais valorizada pelas professoras investigadas é a
prática de outros professores. Embora, como foi destacado, o sistema escolar não lhes
venha oferecendo muitas oportunidades para trocas de experiência e discussão sobre a prática,
126
as professoras buscam alternativas para essa partilha de conhecimentos em situações não
oficiais.
Pelos depoimentos nas entrevistas e mesmo através dos “silêncios” e pelo que pude
observar durante a permanência nas escolas é que as professoras recorrem às colegas para
obterem, desde informações sobre episódios, busca de outros textos a serem trabalhados,
sejam textos de cunho filosófico, de literatura infantil, jornalísticos e poemas como também
fazem intercâmbios, umas com as outras, das perguntas e respostas que muitas crianças
fazem.
A apropriação e utilização dessas informações não envolvem, à primeira vista, uma
atitude reflexiva que implique consciência dos fundamentos dessas ações. São atitudes
voltadas para a solução de problemas particulares, rotineiros, imediatos, que poderiam ser
entendidos no âmbito de pensamento cotidiano, cuja validade decorre de sua confirmação na
prática. Esse tipo de atividade poderia ser considerada uma prática mimética, em que as
professoras limitar-se-iam a copiar fórmulas ou esquemas de ação. Entretanto, como salienta
Schon (1992, p.90) a imitação é mais do que uma mímica mecânica; é uma forma de
actividade criativa”. Imitar a ação hábil de outra pessoa implica em identificar o que nela é
característica e essencial embora nem sempre conscientemente.
De fato, uma análise mais atenta mostra que algumas professoras não buscam e
utilizam sistematicamente quaisquer informações. No entanto, selecionam ocasionalmente
aquelas vindas de fontes confiáveis - colegas que consideram bons profissionais ou lhes
parecem particularmente interessantes e promissoras. Não se limitam, a repetir
mecanicamente as atividades de outros professores, mas submetem-nas a uma apreciação
crítica, reelaboram-nas e as adequam a seus propósitos. Freqüentemente buscam informações
específicas para a solução de situações problemáticas que vivenciaram ou que poderiam vir a
ocorrer, o que indica planejamento e reflexão sobre ação.
Entendemos que essa atividade de recolhimento, avaliação e reelaboração das
informações decorrentes da prática de outros professores poderiam ser entendidas como parte
de um processo que Perrenoud (1993 p.40) descreve como bricolage”, a atividade criadora
que implica em recolher e adaptar recursos e materiais disponíveis, dando-lhes uma utilização
em função dos objetivos e necessidades do “bricoleur”.
127
Perrenoud (1993, p.49) destaca a importância desses procedimentos lembrando que “o
bricolage não se define pelo seu produto, mas pelo modo de produção: trabalhar com os
meios disponíveis, reutilizar textos, situações, materiais”, ou seja, a atividade de reunir e
reutilizar uma diversidade de informações e materiais é um indicador da capacidade criativa
dos professores, que não se contentam em utilizar conhecimentos e procedimentos prontos,
mas criticam e essas informações, atribuem-lhes significados, enfim, se apropriam delas e as
transformam, na criação da sua própria prática.
Essa atividade é intensamente praticada pelas professoras investigadoras que se
revelam colecionadoras, não de informações decorrentes da prática de outros professores,
mas de todo tipo de informação ou material que possa ser adaptado para utilização na sala de
aula: livros de literatura infantil, livros didáticos ou paradidáticos, revistas e jornais ou
recortes materiais com todo tipo de tema capaz de interessar às crianças ou com assuntos
suscitados por elas. Enfim, uma variedade de materiais que as professoras recolhem, inclusive
com a colaboração das crianças, que se tornam participantes nesse processo de “reciclagem
didática”. Essas informações e materiais são combinados e utilizados pelas professoras como
meios de ensino, na construção de situações de cunho filosófico.
Pesquisar como são construídas as significações sobre a trajetória docente constitui-se
em tema relevante, segundo Antunes (2004 a, p.36), para ampliar os conhecimentos sobre o
processo contínuo e permanente de tornar-se professor, com vistas a orientar a construção de
indicadores mais consistentes que apontem para a repensar a formação inicial e continuada de
professores. As inquietações como formadores de professores e as constatações empíricas
conduziram-me a procurar aprofundar a compreensão desse processo de construção de
significados, perceptíveis nos diferentes ciclos da profissionalização que marcam a carreira
docente.
Os resultados alcançados, levando-se em consideração o trabalho desenvolvido nas
etapas de coleta e de análise das informações obtidas nessas pesquisas de cunho qualitativo,
evidenciam que a metodologia adotada possibilitou compreender, a partir da reflexão à luz do
processo de formação, e da prática pedagógica, que ainda que se esforcem na busca de um
ensino que possibilite o desenvolvimento do pensar reflexivo nas crianças, as professoras
evidenciam, nas entrelinhas as suas limitações.
128
Esse processo de reflexão, no entanto, necessita de tempo, estímulo e continuidade
para se instalar, fundamentação teórica e experencial permanente, especialmente quando se
trata do encaminhamento das discussões e escolha de materiais, quando a escola não possui
um material estruturado como fonte de referência, o que foi bastante evidenciado nas escolas
públicas. Tal necessidade parece comprovada pelo que as professoras entrevistadas disseram a
respeito.
As professoras, falando sobre as práticas reflexivas presentes em seus cotidianos, se
referem a essas, afirmando sobre a dificuldade que têm de criar situações de aprendizagem a
partir da reunião e utilização de uma diversidade de materiais e informações. Falam ainda do
fato de que a seleção e a escolha desses materiais é desafiadora, bem como a sua utilização na
criação das atividades de cunho filosófico. Parece evidente que algumas professoras têm
clareza que não é qualquer texto que oportuniza o desenvolvimento do pensar crítico-criativo-
cuidadoso. A escolha de um texto para a discussão filosófica não deve se dar pela simples
escolha de um texto qualque. Mais que uma estratégia didática, o que move as professoras
nessa busca constante de todos os meios possíveis para que as crianças aprendam a pensar, é
um projeto de trabalho constituído a partir dos cursos de formação oficial e de iniciativas
cotidianas, do conhecimento da proposta e do compromisso com o desenvolvimento do
pensar dessas crianças.
Entre todas as fontes de informação a que as professoras recorrem na construção de
sua prática, nenhuma parece ser mais importante que seus alunos. As professoras procuram
conhecer os conhecimentos e habilidades que estes possuem e percebem a importância
desses conhecimentos como fonte de informação para o seu trabalho. Essa busca de
informação não se restringe à sala de aula ou às questões de aprendizagem, como mostram os
depoimentos das professoras.
Uma primeira questão que emerge nessas falas, é que as professoras não vêem as
crianças apenas como alunos, mas como pessoas, por cuja formação são responsáveis.
Em sua análise do pensamento, Wallon, Tran-Thonh (1981, pp. 76-77) destaca a
importância que atribui a esta questão, quando afirma que a ação educativa da escola não
pode se limitar à instrução, mas deve abranger a personalidade inteira da criança. Essa
capacidade de ver a criança na sua totalidade é, a meu ver uma das qualidades importantes das
professoras investigadas, o que poderíamos chamar de atitude observadora.
129
Lipman chama essa atitude de pensar cuidadoso que não pode ser desvinculado do
pensar crítico-criativo. Aliás, o processo dialógico da comunidade de investigação lipmaniana
tem por base esse respeito e reconhecimento do saber da criança, tanto como de sua
autonomia de pensar, mesmo que contemple inicialmente pensamentos diversos, ou ainda não
bem acertados.
Em seus depoimentos isso parece evidente e não descrevem essa atitude como
mostram que têm consciência de sua importância. (Professora C e a Professora A).
As falas das professoras levantam ainda, várias questões para análise. Um aspecto que
deve ser considerado nessas falas é o respeito pelos diferentes interesses e necessidades dos
alunos, a preocupação de estabelecer uma relação de prazer no ambiente escolar. Mas isso só
se torna possível através de uma observação constante, de respeito ao pensar das crianças e de
uma sensibilidade que Lipman aborda e insiste com relação aos alunos e que permite aos
professores perceber todos esses direitos e necessidades que as crianças têm.
Ao abordar o papel da investigação na formação de professores, Perrenoud (1993,
p.121) salienta que, ao contrário das crianças, os adultos por disporem de rotinas que lhes
permitam enfrentar as situações do cotidiano, freqüentemente deixam de lado a atitude
investigadora como processo cognitivo próprio do ser humano, na compreensão do ambiente
que os rodeiam. É essa atitude investigadora básica e essencial da pedagogia lipmaniana em
que investigação, docência e aprendizagem se tornam um único e inseparável processo que
pude perceber como o grande anseio, percebido nas abordagens das professoras.
Daí a importância, a meu ver, os anseios e muitas vezes necessidades reveladas ou não
das professoras investigadas em relação a seus alunos. Elas procuram favorecer, mesmo com
algumas limitações, a prática reflexiva e procuram evitar que a rotina cotidiana se torne
predominante, monótona, insuportável no processo docência-aprendizagem.
Outro fator que considero muito importante salientar é que ao observar algumas
práticas de sala de aula do trabalho das professoras com o ensino de Filosofia para Crianças, é
que esses "pequenos grandes atores” - as crianças - tanto das escolas particulares quanto
públicas, quando instigadas, estimuladas, desafiadas a pensar, na maioria das vezes
respondiam com a mesma clareza, participavam, instigavam e dialogavam,
independentemente de freqüentarem o ensino público ou particular, o que me leva a
concordar em que as relações entre a infância e o filosofar são muito mais espontâneas e
130
comuns do que usualmente estamos dispostos a admitir e muitas vezes são cristalizados pela
sociedade. As questões filosóficas não são pontuais, isoladas, mas estabelecem redes,
conectam-se a outras questões, tecendo um campo mais amplo de investigação. Poderemos,
com isso, compreender, pela nossa própria experiência, e com uma relativa autonomia, que o
filosofar consiste em uma dimensão fundamental de nossas vidas, desde a infância. E, desde
que possamos internalizar uma tal atitude, estabelecendo novos pontos de partida a questões
anteriormente formuladas, ou exercitando a significabilidade filosófica de novas questões,
poderemos transitar a algo mais, a uma postura, assumida como dimensão do nosso próprio
viver.
Nesse sentido posso considerar que a atitude observadora desenvolvida pelas
professoras tem características de uma prática investigativa, composta de múltiplos olhares; é
um olhar interrogador da sua realidade, que não se acomoda à familiaridade de um mundo
conhecido, mas busca o novo, procura o oculto, percebe o que muitas vezes passa
despercebido para outros. Seu objetivo, entretanto, não é apenas compreender, mas agir. Essa
atitude observadora dessas professoras tem uma série de conseqüências nas suas práticas.
Em primeiro lugar, permite-lhes lidar com a totalidade da classe sem perder de vista a
especificidade de cada criança, ver de forma diferenciada o que geralmente é observado
apenas de forma difusa. Essa capacidade de olhar cada criança, percebendo-a em sua
individualidade, ao trabalhar o conjunto da sala de aula, é um fator importante quando se
considera a realidade das salas observadas. Em duas das classes observadas - das Professoras
A e B - o número de alunos era bastante grande, o que uma idéia da diversidade de
solicitações que essas professoras têm que administrar.
Observando a prática de algumas professoras investigadas, noto que elas têm
numerosas dificuldades neste sentido, o que as leva a trabalhar com um aluno padrão, uma
generalização que lhes permite economizar esforço, evitando a dispersão da atenção e
ignorando algumas necessidades e interesses de cada criança. É essa tendência que leva, por
exemplo, os professores a procurarem trabalhar com toda a classe numa mesma perspectiva,
deixando que o diálogo por si só, conta do filosofar. Essas observações se revelaram de
forma evidente, quando da observação das aulas. O que é necessário compreender e
concretizar, no trabalho com Filosofia para Crianças, é que o papel dos professores de instigar
e reger um diálogo investigativo, argumentativo, autocorretivo, construtivo e democrático é
imprescindível, dado que este oportuniza a liberdade e abertura para diferentes e múltiplas
131
opiniões, idéias, saberes e atitudes. O caminho para o sucesso desse papel de educador, que
Lipman ensina e tanto defende, é a necessidade da formação adequada de competência e
eficiência do professor.
Essa competência da observação e sensibilidade cuidadosa, unida ao respeito para com
as crianças, seus direitos, necessidades, saberes e habilidades, não pode ser ensinada apenas
teoricamente, nem é uma ação individual. Exige uma conquista teórica, mas também prática,
fundamentada na vivência de oficinas permanentes que contribuam para o desenvolvimento
de competências nos professores para o filosofar, bem como para encaminhamento de
situações no cotidiano da sala de aula, por isso também coletiva.
Assim, podem estar preparados com fundamentos teóricos, métodos, habilidades e
experiências para conhecer cada aluno, percebendo a diversidade das vivências, interesses e
universos culturais que existem entre as crianças na sala de aula e para trabalhar com essa
diversidade. Isso trás uma segunda vantagem que decorre dessa capacidade de perceber a
riqueza de experiências e saberes que as crianças possuem, o que leva as professoras a
valorizar e incorporar estes no seu trabalho.
Pude notar nas observações das oito salas de aula, que indiferentemente de usarem
material de Lipman ou não, as professoras exploram a diversidade das experiências,
valorizam conhecimentos vividos pelas crianças, estimulando-as à expressão das idéias, o que
não implica necessariamente que todas estas vivenciam o filosofar permanentemente. O
material estruturado em novelas filosóficas, organizado por Lipman e usado nas aulas de
Filosofia para Crianças revela ser um suporte e um referencial seguro para o trabalho das
educadoras. O que não implica necessariamente que este contemple efetivamente a educação
para o pensar, tendo em vista que algumas professoras precisam perceber e articular os
múltiplos saberes, numa relação dialógica, reflexiva e filosófica. Porém, vale salientar que a
ausência de um material estruturado para as aulas de Filosofia para Crianças muitas vezes
dificulta o trabalho das professoras, o que pode ser um sinal negativo na consolidação do
desenvolvimento do pensamento filosófico nas séries iniciais, que as professoras,
cotidianamente precisam lidar com diferentes saberes.
A capacidade de perceber e utilizar a diversidade de saberes que existem na sala de
aula permite ainda às professoras, um equilíbrio entre o costumeiro, ou seja, os esquemas de
132
trabalho que proporcionam uma certa organização e tranqüilidade nas tarefas cotidianas, e o
não rotineiro, ou seja, o espaço para a improvisação e criatividade.
Como pude observar, ainda nas salas de aula, a principal função da atitude
observadora para as professoras é permitir uma reformulação constante da prática docente,
adequando-a aos interesses e necessidades dos alunos. Posso considerar ainda esse processo
de observar/interpretar/adequar como uma reflexão na ação, baseada no conhecimento do
aluno, que elas conseguem através de uma fina percepção de seus problemas e dificuldades,
bem como de suas disposições e possibilidades. É essa sensibilidade para ver e ouvir as
crianças, desenvolvida ao longo de sua trajetória profissional e fundada num genuíno
interesse por essas pessoas e no compromisso com a sua formação, que permite às professoras
tomar o aluno como fonte de referência para a sua prática.
Pelo que pude concluir à luz dos dados coletados, o conhecimento do aluno como é
reconhecido pelas professoras, é indispensável para uma educação eficaz, eficiente e efetiva e
é parte importante da prática docente e resultado de sua formação. É parte integrante de
informação e estimulação, elemento estrutural do saber docente, mas como parte, não é o
todo.
Com base nesta convicção, os professores do PROPHIL do Departamento de Filosofia
da Universidade Federal de Mato Grosso, em seus inúmeros cursos de preparação de
professores de Filosofia para Crianças, além de instigar a visão e o desenvolvimento desta
qualidade educativa, deram máxima importância em conhecimentos e habilidades filosóficos,
tanto como numa didática apropriada e avançada.
Considerando esses cursos uma necessidade, o que pôde ser evidenciado nas falas das
professoras que atuam no ensino de Filosofia para Crianças que participaram desta pesquisa e
diante da improvisação precária de alguns docentes, mas justificadas no sentido de preparação
do uso do respectivo material didático, que junto com a prática em sala de aula no decorrer
dos anos, pôde formar sui generis professores de Filosofia para Crianças, os mesmos
professores do PROPHIL empenharam toda a sua força e seu tempo para criar e reconhecer
na Universidade Federal de Mato Grosso um Curso de Bacharelado e Licenciatura em
Filosofia.
133
Vale ressaltar que mesmo sabendo que um professor não vai ensinar na prática, com
crianças, o que aprendeu na universidade, ele precisa as bases, a história e o universo da
filosofia, para ser filósofo e precisa das bases dos componentes pedagógicos e didáticos para
ser educador. Para filosofar com crianças, se precisa, além de tudo isso, aprender as práticas
inovadoras, eficientes e prazerosas do paradigma lipmaniano, inspirado no diálogo socrático e
fundamentado sobre os filósofos e educadores mais brilhantes da história.
Importante comentar que foi evidente e revelador nas falas das professoras
entrevistadas, a humildade que têm com relação à questão da fragilidade que muitas vezes
sentem com relação à sua formação para o encaminhamento de um trabalho filosófico com as
crianças. E de se sentirem, muitas vezes, limitadas para a proposta de Filosofia para Crianças,
de Lipman.
Criticadores, não críticos da filosofia, e em específico da Filosofia para Crianças,
negam a possibilidade de filosofar com crianças, achando que se quer fazer aulas acadêmicas
com elas, como nos cursos superiores.
Julgamentos levianos e incompetentes desta natureza podem ser sanados somente por
meio de estudos da realidade investigada e verificada. Não é intenção desta dissertação fazer
uma defesa desta realidade em vista de criticadores não críticos.
Certas críticas e perguntas a respeito da filosofia encaminham ao questionamento:
como caminhar sem estabelecer a forma correta para isso e sem demarcar o caminho, mas
mesmo assim chegar a algum lugar? E como avaliar e julgar o lugar em que chegamos? Ou
seja, como dar aulas de filosofia sem querer chegar a algum lugar, mas também sem se
frustrar com o lugar a que se chega, vem da falta de conhecimento mínimo a respeito da
filosofia. Neste ponto, a filosofia, não estabelecendo uma finalidade de praticidade imediata,
um fazer de uma determinada coisa, um fim, é mal entendida até por muitos de seus
estudiosos.
A filosofia como atitude universal dos seres humanos, no sentido de potencial de todas
as pessoas, justamente não tem finalidade específica pré-fixada, por que sua competência é de
generalidade aberta, não basicamente especializada, mas necessária para todo pensar, decidir
e agir sensatos e competentes, mesmo que não sejam tanto em nível e qualidade tão elevados.
134
Convenci-me que a filosofia é necessária e útil na formação da criança, visto que
trabalha com a reflexão, o pensamento argumentativo e o diálogo construtivo, com a crítica e
com a autocrítica, com o ouvir, o falar e o escrever e, neste cultivo, as crianças desenvolvem e
fortalecem suas habilidades cognitivas e sócio-afetivas. Porém, sabemos, que a filosofia não
consegue sozinha, fazer com que o desenvolvimento desse pensar se torne algo fácil.
Mas convenci-me ainda que para que o ensino de Filosofia para Crianças se efetive de
forma plena, faz-se necessário que esta seja uma opção determinada quanto ao currículo das
escolas públicas e particulares de Cuiabá MT, pois “A filosofia abre novos horizontes não
apenas às crianças que estudam como também aos professores que ministram as aulas”,
escreve a Professora Catherine Young Silva, na introdução à edição brasileira do livro de
Lipman, A Filosofia vai à Escola, 1990.
Pela fala das professoras das escolas públicas na qual a pesquisa foi realizada, quando
o ensino de Filosofia para Crianças compunha o currículo das escolas públicas de Cuiabá
MT, este acontecia de forma mais estruturada, pois existia permanente formação em serviço e
ainda era uma opção da política educacional. Dessa forma existia apoio quanto ao material a
ser usado no ensino de Filosofia para Crianças e ainda a formação em serviço.
Com esse estudo realizado não espero resolver todas as inquietações, mas pretendo,
pelo menos, evidenciar as principais e sensibilizar muitos educadores para essa
responsabilidade: de educar para o pensar por si mesmo e, com isso, de promover uma
pedagogia da autonomia e da libertação das crianças, de opressões, ideologias e outros
perigos que possam frustrar seu desenvolvimento mais pleno possível. Resolver todos esses
problemas talvez seja impossível, mas uma simples compreensão mais profunda da
problemática já pode ser bastante esclarecedora e transformadora.
Como esse trabalho é uma dissertação que foi escrita com a intenção de discutir
questões práticas que possam contribuir para repensar a formação do professor,
principalmente no que se refere à ação didática em sala de aula, e a sua formação, no Ensino
de Filosofia para Crianças, espero que ela possa auxiliar nesse processo.
Espero, outrossim, que possa colaborar em reconhecer a complexidade do ser e do
saber, sobretudo em relação à formação dos professores, de todas os componentes
curriculares, mais, especialmente, dos de Filosofia para Crianças.
135
Espero, também, ter suficientemente esclarecido, nas linhas e entrelinhas, que o
pensar e a discussão filosóficos geram o próprio pensar que se busca desenvolver nos
alunos dentro de um contexto humanístico da filosofia no qual os alunos experienciam
relevância cultural e rigor metodológico. É essa estreita identificação entre o processo e o
produto é o que torna a filosofia um caminho tão valioso dentro da educação básica. Além
disso, o pensamento crítico gerado pela filosofia infunde nos demais componentes
curriculares o questionamento, o espírito de auto-correção e a razoabilidade, assim como
busca de normas e padrões de logicidade e racionalidade.
Espero, mais uma vez, ter evidenciado a importância de reconhecer a complexidade
do ser e do saber no ensino de Filosofia para Crianças, nestas páginas, em relação à
formação de professores. Espero ainda que tenha evidenciado que essa reflexão é
permanentemente reflexiva e dialógica.
Para mim foram suficientes para afirmar com a Professora Catherine Young Silva,
(SILVA, in LIPMAN,1990, p.10) que poucos lugares se mostram tão apropriados para o
exercício do questionamento filosófico como a sala de aula. Ali, professores e alunos tornam-
se co-participantes de comunidades de investigação de assuntos importantes para a vida
humana, que são os temas da própria filosofia. E, mais importante ainda: neste processo
afiam-se as ferramentas de um pensar crítico-criativo-cuidadoso e do diálogo ordenado,
investigativo-reflexivo, autocorretivo e construtivo, que capacita os alunos para pensar por si
mesmos e se tornarem competentes na profissão e na vida social e particular. E as mesmas
ferramentas se constituem em essência da formação dos professores afiadas ao máximo
possível, para que os resultados sejam como em tantas escolas espalhadas no mundo, onde
professores competentes e fascinantes revolucionam a educação com este paradigma e seus
alunos são capazes de compreender o mundo e a realidade de uma forma racional com o
desenvolvimento do raciocínio, da criticidade, do questionamento, do aprendizado, da
elaboração e exposição de idéias. Da nova dinâmica que à sala de aula, a disposição em
círculos, olhando uns nos olhos dos outros, para aprenderem a não se esconder, mas a
dialogar, para aprenderem desde cedo a lógica da dialogicidade que forma seres humanos em
comunhão, na amizade, na liberdade de expressar-se, de discordar do outro e de ser aceito em
sua individualidade, na arte de aprender a ouvir o outro e de pensar com o outro, ainda que
pensar diferente do outro.
136
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