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Ministério da Educação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ
Criada pela Lei no. 10.435, de 24 de abril de 2002
Pró-Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação
A PONDERAÇÃO DE INTERESSES APLICADA A
CONFLITOS ASSOCIADOS À GERAÇÃO HIDRELÉTRICA:
UMA ANÁLISE JURÍDICA
Dissertação apresentada à Universidade
Federal de Itajubá como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
título de mestre em Engenharia da
Energia
SANDRO MASSELI
Itajubá 2005
1
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Ministério da Educação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ
Criada pela Lei no. 10.435, de 24 de abril de 2002
Pró-Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação
A PONDERAÇÃO DE INTERESSES APLICADA A
CONFLITOS ASSOCIADOS À GERAÇÃO HIDRELÉTRICA:
UMA ANÁLISE JURÍDICA
Orientador: Prof. Dr. Afonso Henriques Moreira Santos
Co-orientador: Prof. Dr. Alexandre Santos de Aragão
SANDRO MASSELI
Itajubá 2005
2
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Sr. Adailton e Dona Nina, que,
com muito amor, me ensinaram a verdadeira
razão da vida e me trouxeram até aqui.
3
AGRADECIMENTOS
A concepção deste trabalho é fruto da brilhante e criativa mente do professor Afonso
Henriques Moreira Santos, a quem agradeço não apenas por ter me orientado, mas também
por ter me acolhido como um filho, acreditando em minhas habilidades profissionais e
construindo uma relação íntima de amizade a ponto de trasferí-la a todos os seus familiares.
Sem sombra de dúvidas, esta foi a conquista mais valiosa desses quatro anos de convívio, o
que vale mais do que qualquer título que este trabalho possa conferir.
Agradeço ao professor Alexandre Santos de Aragão, que de imediato se prontificou a auxiliar
na construção deste trabalho e o fez com contribuições especiais nas pesquisas bibliográficas
e no horizonte a ser desbravado no âmbito jurídico.
Agradeço também: aos amigos do Centro de Excelência em Recursos Naturais e Energia –
CERNE, em especial aos amigos Marco Aurêlio Raphul de Azevedo Garcia e Leopoldo
Uberto Ribeiro Júnior, pela contribuição direta no trabalho; aos meus sócios e amigos,
Alexandre Masseli e Marcos Vinícius Crisafule Leuba, pelos reparos e críticas feitas ao
trabalho, e; ao grande amigo Willian Nogueira Arcanjo, pela revisão e críticas postas.
A todos, o meu muito obrigado!
4
“O direito cessa onde começa o abuso, e não pode haver
uso abusivo de qualquer direito que seja, pela razão
irrefutável de que um só e mesmo ato não pode ser, ao
mesmo tempo, conforme e contrário ao direito”.
M. Planiol,
Traité élémentaire de droit civil, t.2, no. 871
5
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................................................9
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................10
RESUMO .................................................................................................................................11
ABSTRACT..............................................................................................................................12
1 Introdução........................................................................................................................13
2 A formação do estado democrático.................................................................................16
2.1 A descentralização....................................................................................................... 16
2.2 O estado federativo...................................................................................................... 18
2.3 O princípio da subsidiariedade e o fortalecimento do poder local.......................... 20
2.4 O federalismo como garantia das minorias............................................................... 21
2.5 A repartição de competências no Estado federativo................................................. 22
2.6 As técnicas de repartição de competências................................................................ 26
2.7 A repartição de competências nas Constituições brasileiras................................... 27
2.8 A repartição de competências na Constituição Federal de 1988............................. 30
2.8.1 Competência legislativa....................................................................................33
2.8.2 Competência administrativa .............................................................................34
2.9 Conclusão do capítulo.................................................................................................. 36
3 “interesse público” ..........................................................................................................38
3.1 Introdução.................................................................................................................... 38
3.2 O Poder Público e o “interesse público”.................................................................... 41
3.3 A evolução do Estado: da centralidade e unicidade à pluralidade dos “interesses
públicos”.................................................................................................................................... 44
3.4 O conflito interesse local vis a vis interesse global.................................................... 48
3.5 O nascimento de um interesse ambiental “superior” ao local ou global ................ 51
3.6 A supremacia do “interesse público”......................................................................... 53
3.7 Conclusão do capítulo.................................................................................................. 55
4 O panorama institucional da gestão dos recursos hídricos ...........................................57
4.1 A gestão dos recursos hídricos: aspectos legais e institucionais .............................. 59
4.2 O setor elétrico............................................................................................................. 61
4.3 Saneamento .................................................................................................................. 62
4.4 Agricultura e pecuária ................................................................................................ 63
4.5 Pesca e aqüicultura...................................................................................................... 65
4.6 Navegação..................................................................................................................... 66
4.7 Lazer e turismo............................................................................................................ 67
6
4.8 Atenuação de condições críticas................................................................................. 68
4.9 Conclusão do capítulo.................................................................................................. 69
5 Ponderação de interesses sob a ótica jurídica................................................................70
5.1 Introdução.................................................................................................................... 70
5.2 Princípios constitucionais............................................................................................ 71
5.3 O princípio da dignidade da pessoa humana ............................................................ 74
5.4 O princípio da proporcionalidade.............................................................................. 78
5.5 A ineficácia do modelo de resolução dos conflitos normativos quando aplicada ao
caso concreto deste trabalho.................................................................................................... 80
5.6 A técnica da ponderação de interesses....................................................................... 82
5.7 A ponderação de interesses aplicada ao conflito nos reservatórios hidrelétricos.. 85
5.8 Conclusão do capítulo.................................................................................................. 89
6 A argumentação jurídica como justificativa de uma análise multicriterial..................91
6.1 Introdução.................................................................................................................... 91
6.2 A teoria do discurso prático na ética analítica.......................................................... 92
6.2.1 O naturalismo e intuicionismo..........................................................................92
6.2.2 O emotivismo ...................................................................................................93
6.2.3 O discurso prático como atividade guiada por regras ......................................94
6.3 A teoria consensual da verdade de Habermas.......................................................... 94
6.4 Teoria do discurso prático racional geral.................................................................. 95
6.5 A teoria da argumentação jurídica............................................................................ 96
6.6 Direito positivo e direito natural................................................................................ 97
6.7 O discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral........................... 99
6.8 A justificação interna ................................................................................................ 101
6.9 A justificação externa................................................................................................ 102
6.9.1 A interpretação (lei)........................................................................................102
6.9.2 Da dogmática..................................................................................................103
6.9.3 Dos precedentes..............................................................................................103
6.9.4 Da argumentação prática geral (razão)...........................................................104
6.9.5 Da argumentação empírica (empirismo); .......................................................104
6.9.6 Das formas especiais de argumentação jurídica.............................................104
6.10 Conclusão do capítulo................................................................................................ 104
7 Formatação matemática da ponderação de interesses.................................................106
7.1 Introdução.................................................................................................................. 106
7.2 A Interpretação matemática da ponderação de interesses .................................... 107
7.2.1 A aplicação do método da Programação de Compromisso – PC ...................107
7.3 A ponderação do conflito de interesses pelo uso da água no Trecho de Vazão
Reduzida – TVR de uma central hidrelétrica de desvio..................................................... 119
7.3.1 A conceituação do “interesse público” no caso do TVR................................121
7.3.2 Impacto na biota .............................................................................................125
7
7.3.3 Relocação de comunidades.............................................................................128
7.3.4 Recreação e turismo........................................................................................129
7.3.5 Sistema de transposição de peixes..................................................................131
7.3.6 Usos da água...................................................................................................132
7.3.7 Produção de energia elétrica...........................................................................133
7.4 A ponderação do conflito de interesses no uso dos recursos hídricos em
reservatórios hidrelétricos..................................................................................................... 135
7.4.1 A aplicação do método “trade-off”.................................................................139
7.5 Conclusão do capítulo................................................................................................ 144
8 Conclusões e recomendações........................................................................................145
9 Bibliografia....................................................................................................................147
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Usos e programas autorizados pelo congresso Americano em reservatórios .........59
Figura 2 – Estrutura esquemática do discurso baseado no naturalismo. ..................................93
Figura 3 – Estrutura esquemática do discurso baseado no intuicionismo................................93
Figura 4 – Estrutura esquemática do discurso baseado no emotivismo ...................................94
Figura 5 – Estrutura esquemática do discurso prático racional geral.......................................96
Figura 6 – Tabela de variação da medida da sala entre o melhor e o pior ponto ...................109
Figura 7 – Incidência da variação de “s” sobre a variação de medida ...................................110
Figura 8 – Variação das curvas em função do coeficiente “s”...............................................111
Figura 9 – Representação cartográfica da região da PCH Paraitinga.....................................120
Figura 10 – Usinas ligadas à cascata de Furnas......................................................................136
Figura 11 – Demonstração gráfica do método de “trade-off” ................................................140
Figura 12 – Aplicação do método de “trade-off” aos dados de Furnas..................................142
Figura 13 – Aplicação do método de “trade-off” aos dados de Furnas – com peso dois......144
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Demonstrativo de repartição de competências na Constituição Federal ................33
Tabela 2 – Desenvolvimento institucional dos usos múltiplos da água ...................................58
Tabela 3– Variação das medidas ............................................................................................108
Tabela 4 – Adoção do peso da sala.........................................................................................115
Tabela 5 – Adoção do peso da cozinha ..................................................................................116
Tabela 6 – Adoção do peso do quarto do filho.......................................................................117
Tabela 7 – Adoção do peso do quarto dos pais ......................................................................118
Tabela 8 – Resultado da ponderação da medida dos cômodos – com a limitação imposta ...118
Tabela 9 – Resultado da ponderação da medida dos cômodos – sem a limitação imposta....119
Tabela 10 – Dados técnicos da PCH Paraitinga .....................................................................120
Tabela 11 – Coeficientes “s” adotados para os cômodos.......................................................123
Tabela 12 – Pesos adotados para a biota ................................................................................128
Tabela 13 – Pesos adotados para a relocação de comunidades..............................................129
Tabela 14 – Pesos adotados para a recreação e turismo.........................................................131
Tabela 15 – Pesos adotados para sistema de transposição .....................................................132
Tabela 16 – Pesos adotados para o uso da água .....................................................................133
Tabela 17 – Pesos adotados para a produção de energia elétrica...........................................134
Tabela 18 – Pesos adotados nos atributos ..............................................................................135
Tabela 19 – Matriz de critérios...............................................................................................135
Tabela 20 – Resultado da ponderação ....................................................................................135
10
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar os interesses incidentes nos reservatórios hidrelétricos,
propondo estruturas matemáticas que incorporem conceitos jurídicos e sociais que não só os
econômicos monetarizados. Assim, o que se busca é construir uma gestão pluralista dos
recursos hídricos, que consiga incorporar princípios democráticos e considerar o interesse de
minorias atingidas e influenciadas diretamente por este recurso natural em centrais
hidrelétricas.
Neste sentido, se faz uma revisão de princípios jurídicos, ligados à descentralização e à
própria formação do Estado democrático, demonstrando a necessidade do respeito à
pluralidade de interesses e às minorias. Os conceitos jurídicos, tratados no trabalho, seguem
dois objetivos, o primeiro de demonstrar a necessidade do respeito às minorias, a pluralidade
de interesses e às garantias fundamentais. O segundo, de quantificar a importância de cada um
dos agentes, pautando-se em princípios éticos e morais ligados a princípios jurídicos
consolidados.
Assim, sequencialmente, elaborou-se a formatação matemática que busca representar a
ponderação desses diversos interesses. Para isto, o trabalho busca fundamentação nos
conceitos filosóficos da teoria da argumentação jurídica e utiliza ferramentas matemáticas
como os métodos da Programação de Compromisso – PC e de Trade-off. Desta forma, o
trabalho atribui pesos, induzidos pelos conceitos jurídicos apresentados, para equilibrar os
interesses incidentes, limitando-se, contudo, às garantias fundamentais impostas pelo Estado
democrático de Direito.
Como aplicação prática, da ponderação sugerida, o trabalho se volta a resolução dos conflitos
existente em reservatórios hidrelétricos e no trecho de vazão reduzida em pequenas centrais
hidrelétricas, onde há um evidente conflito entre os interesses locais, representados pela
população lindera, e os interesses globais, representado pelo setor elétrico nacional.
11
ABSTRACT
This job aims to analyze the interests incurring on the hydro-electric reservoirs, proposing
mathematics structures which includes legal and social concepts in addition to the monetary
economic ones. So, it is presented a way for constructing a pluralist management of hydric
resources, being able to incorporate democratic principles and to consider the interest of
minorities affected and influenced directly by this natural resource in hydroelectric plants.
In this sense, it is presented a review of the legal principles, associated to the decentralization
and to the formation of the democratic State, showing the need of respect to the interests’
plurality and to the minorities. The legal concepts, treated in this job, follow two aims: the
first one is to show the need of the respect to minorities, to interests’ plurality and to the
fundamental warranties. The second one is to quantify the importance of each agent, basing
on ethic and moral principles connected to consolidated legal principles.
Therefore, sequentially, it was elaborated the mathematics formatting which searches to
represent the ponderation of these different interests. For this, the job looks for basis in the
philosophic concepts of the legal argumentation theory and uses mathematics tools such as the
methods of the Compromise Programming – PC and Trade-off. In this way, the job attributes
weights, induced by the legal concepts presented, for balancing the incident interests, limiting,
however, to the fundamental warranties imposed by the democratic State of Right.
As a practical application of the ponderation suggested, this job is also aimed to the resolution
of the conflicts existing in hydroelectric reservoirs and in the stretch of reduced outflow in
small hydroelectric plants, where there is an evident conflict between the local interests,
represented by the bordering population and the global interests, represented by the national
hydroelectric sector.
12
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar os interesses incidentes nos reservatórios hidrelétricos,
propondo estruturas matemáticas que incorporem conceitos jurídicos e sociais que não só os
econômicos monetarizados. O que se busca é construir uma gestão pluralista dos recursos
hídricos em centrais hidrelétricas, que consiga incorporar princípios democráticos e, assim,
considerar e incorporar o interesse de minorias atingindas e influenciadas por esse recurso
natural.
A motivação inicial deste estudo se deu durante o racionamento de energia elétrica de 2001,
quando os reservatórios de regularização do Sistema Elétricos Interligado - SIN foram
fortemente esvaziados, causando um enorme transtorno econômico, social e ambiental em seu
entorno. Do lado da população lindeira aos reservatórios, após o racionamento, cresceu a
organização e competência na luta em defesa de seus interesses, que não estão restritos a
atividades econômicas muito monetarizadas. O lazer, o turismo ou simplesmente o interesse
cênico são suficientes para que a população local também tenha espaço na exploração desse
potencial hídrico. Dessa forma, o trabalho fará o estudo de dois casos: o primeiro se dá no
âmbito do planejamento e projeto de uma pequena central hidrelétrica, onde a definição do
trecho de vazão reduzida - TVR gera enorme polêmica entre os distintos atores que exploram
o recurso hídrico nesse trecho; o segundo se refere à operação de um reservatório de uma
central hidrelétrica, onde a população local tem sofrido com o intenso e duradouro
esvaziamento do mesmo.
No caso do reservatório, vale observar que, se de um lado, o impacto ambiental está associado
à área e ao volume do mesmo, de outro, o impacto social pode ser medido pelo comprimento
de sua borda. As análises tradicionais de usos múltiplos seguem, fundamentalmente, dois
caminhos: o primeiro se prende à monetarização dos diferentes produtos e serviços associados
ao insumo água. Essa monetarização, que pode se dar diretamente, por meio de pesos,
assumindo, muitas vezes, preços de certo momento, pela impossibilidade de suas projeções;
estabelecendo cenários de desenvolvimento econômico segundo a ótica tecnocrática;
desprezando parâmetros socioeconômicos, culturais e psicológicos, como aversão a risco,
risco de crédito, preferências, irreversibilidade, dentre outras. O segundo caminho pode ser o
da incorporação de utilidades, ponderações difusas, dentre outras. Seguramente, esse segundo
caminho é mais eficaz no que diz respeito à capacidade de captar os diferentes interesses
sobre o lago, e, se necessário, ponderá-los. Resta, entretanto, uma questão fulcral: como
13
estabelecer pesos entre os interesses local e global, enquadrando dentro do global
principalmente a geração de energia elétrica.
Sabe-se que, historicamente, o setor elétrico sempre prevaleceu sobre os usos da água,
notadamente por ser ele o principal detentor de capital entre os vários usuários. Nesse
caminho desenvolvimentista, e porque não dizê-lo, juridicamente positivista, o setor agrediu
fortemente o meio ambiente, tendo sido, na realidade brasileira, um dos grandes motivadores
para o fortalecimento da ética ambiental.
Mas a questão ambiental não se restringe aos impactos das intervenções de novas centrais. O
racionamento, como já foi dito, pôs à mostra as chagas ambientais da operação, entendendo-
se “ambientais” no seu sentido lato em que o homem é um dos principais atingidos e não
apenas a biota. Essa nova ética é reforçada a partir de princípios consolidados na Constituição
Federal de 1988, mas a falta de regulamentação complementar e de uma cultura apropriada
permitem que o setor elétrico continue no seu movimento inercial, sufocando os demais
interesses.
De outro lado, observa-se que o Ministério Público e o próprio Judiciário incorporam, dia-a-
dia, essa nova visão ambientalmente equilibrada e, com a força constitucional que lhes é nata,
começam a mudar tais práticas. Neste trabalho, um dos principais pontos de desenvolvimento
é o estudo dos princípios éticos que permitem ponderar os diferentes interesses e fortalecem
os interesses minoritários. O que se busca aqui é uma utópica “teoria unificada da
ponderação”, onde a análise técnica, a análise econômica e a análise jurídica mapeariam, cada
uma por si, os diferentes interesses, ponderando-os. E, após as restrições técnicas associadas
às funções de produção, as valorações econômicas, associadas às funções de custo e
benefício, não seriam suficientes para encontrar o ótimo da sociedade, em que se tenha
eficiência produtiva e eficácia alocativa. Necessita-se de incorporações de externalidades, das
quais se destacam os princípios éticos da análise jurídica.
A integração dessas análises levará a um ponto robusto, com viabilidade técnica, eficiência
econômica, sustentabilidade institucional e respaldo social. Enfim, o objetivo maior deste
trabalho é, sobre a análise de poucos casos, contribuir para o conhecimento dos diferentes
interesses sobre o reservatório hidrelétrico, e buscar, de formas diversas, ponderar esses
mesmos interesses.
Outro fato, que determina a exploração pluralista dos recursos hídricios na geração
hidrelétrica, é a forte tendência da sociedade brasileira de se voltar ao interesse individual ou
14
coletivo organizado, aproximando, cada vez mais, a atividade Estatal dos anseios das
comunidades difusas.
É oportuno observar que a simples interpretação literal do texto normativo não deve ser
acolhida no caso em tela, já que esse envolve conflitos maiores e com reflexos em princípios
supra-legais, como o da dignidade da pessoa humana, a formação federalista do Estado
brasileiro e os próprios Direitos fundamentais individuais.
Para essa análise subjetiva, o presente trabalho se compromete a montar estruturas
matemáticas que possibilitem avaliar esse conflito sob o enfoque jurídico doutrinário,
curvando-se para alguns institutos consolidados no Direito Brasileiro, como a formação do
Estado Federativo, a conceituação do “interesse público” e a supremacia deste sobre os
demais, a garantia da Dignidade da Pessoa Humana e o respeito aos Direitos Fundamentais
Individuais.
Assim, inicialmente, o trabalho faz um estudo sobre a formação do Estado Democrático,
partindo do conceito da unicidade de poder para a descentralização federativa. Adiante, é
estudada a questão do “interesse público”, demonstrando seu caráter evolutivo e uma breve
demonstração do panorama institucional dos recursos hídricos no Brasil, visando a
contextualizar a visão normativa desse setor. Nos capítulos seguintes, apresentam-se: a teoria
da ponderação de interesses e a justificativa filosófica da análise multicriterial para a
aplicação do Direito. Consolidando o estudo, estruturas matemáticas, que normalmente
subsidiam as análises técnicas e econômicas, buscarão integrar o discurso com a formulação
matemática, incorporando a essas equações a analise ética oriunda das reflexões do Direito.
Para tanto, serão adotados dois estudos desenvolvidos por Ribeiro Júnior, a Programação de
Compromisso – PC e a técnica de negociação “trade-off”, conflitando visões locais com
visões distantes, sempre ligadas à geração hidrelétrica.
15
2 A FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO
O grande motivador da inserção deste tópico no trabalho é a necessária apresentação da
crescente importância dos interesses locais, dispersos territorialmente pelo Estado, na tomada
de decisão em assuntos que lhe afetam direta ou indiretamente. Assim, este capítulo
demonstrará o fortalecimento do cidadão individualizado e a sua inserção nas discussões
“globais”, de repercussão coletiva.
Dessa forma, serão discutidos os conceitos de descentralização e de federação, bem como o
princípio da subsidiariedade e a repartição de competências, demonstrando-se, assim, a
evolução do Estado, que passa a sofrer influências do conceito de democracia e se aproxima
cada vez mais dos anseios individuais, caminhando para a auto-gestão.
O Estado, desde sua formação até chegar ao modelo descentralizado, atualmente vivido nos
países democráticos, passou por uma série de modificações em sua estrutura administrativa,
alterando sua formação não apenas territorial, mas principalmente, política, governamental e
social. Neste trabalho, toda discussão, acerca da formação do Estado, será pautada pelo
necessário respeito às minorias e à inserção destas na pauta dos tomadores de decisão e na
atuação do Estado como gestor da coisa pública.
Sabe-se que naturalmente o homem necessita viver em sociedade e, para isso, cria estruturas
políticas que lhe garantam um mínimo de segurança para o seu desenvolvimento, sendo
gerenciado pelo interesse das maiorias, mas, também, garantindo um mínimo de respeito a sua
vida individual e a sua dignidade
1
. Assim, a evolução histórica demonstra que o homem se
distancia cada vez mais dos regimes autoritários e centralizados de governo, tendendo
fortemente à descentralização administrativa e à gestão local.
2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO.
Descentralizar quer dizer retirar, afastar, desviar do centro, dispensar ou distribuir as funções
ou poderes de um governo. Porém, para o modelo de Estado contemporâneo, além de
objetivar um desmembramento das atividades do governo, a descentralização requer
independência, ou seja, não basta apenas a divisão das atividades em vários ramos periféricos
se forem estes submissos a um centro de decisões. Na definição do professor espanhol
1
Nesse sentido, é bom que fique claro que a pretensão do autor é demonstrar a necessidade de o Estado garantir o respeito aos Direitos
Fundamentais e a Dignidade da Pessoa Humana, princípios esses já consagrados em todos os países de organização política democrática,
sendo estes pressupostos para o real exercício da democracia.
16
Ellorrieta y Artaza, a descentralização é a forma de organização em que os poderes centrais
reconhecem aos grupos locais uma certa independência.
2
A estrutura descentralizada do Estado possui duas definições formais: a territorial ou
geográfica, típica dos Estados federados e a por serviços ou funcional, com a criação de
pessoas jurídicas de direito público, detentoras de funções específicas e de competência do
Estado.
Como se vê, para o Estado contemporâneo, o tema descentralização deu uma maior
importância à governabilidade democrática, pois assim se tem o Estado mais ágil e eficiente,
além de responder de forma mais transparente e imediata aos anseios da sociedade. Alexandre
Santos de Aragão, da mesma forma, afirma que “a mera criação de pessoas jurídicas da
Administração Indireta, sem que possua um grau de razoável e efetiva autonomia para
desenvolver suas atribuições, não tornará o seu desempenho mais ágil e eficiente”.
3
Essa concessão de autonomia, necessária à descentralização, não se demonstra soberana,
podendo, quando muito, ser tida como autônoma, porém submissa, de alguma forma, a algum
poder, seja o poder constituinte ou a própria personalidade jurídica do Estado, devendo se
submeter, por exemplo, aos direitos fundamentais. Para Elliz Katz, “Descentralizar implica a
existência de um centro que, dentre outras finalidades opta pela conveniência de distribuir
parcelas de autoridade aos poderes governamentais hierarquicamente inferiores”.
4
A descentralização das atividades do Estado teve forte influência sobre a formulação do
Estado democrático moderno em dois momentos históricos: primeiro com a Revolução
Americana de 1776, onde se concebeu a união dos 13 Estados independentes, por meio da
criação de um Estado Federativo, formando-se os Estados Unidos da América; segundo com a
Revolução Francesa, por meio da teoria da Tripartição dos Poderes, concebida por
Montesquieu. A partir daí, pode-se dizer que o Estado contemporâneo passou a atuar de forma
descentralizada sob dois aspectos: de forma horizontal, com a divisão do Estado em três
poderes independentes e harmônicos, podendo um opor-se ao outro; e de forma vertical, em
um corpo federativo, porém não hierárquico, contendo, cada um dos Estados, atribuições
próprias advindas do poder constituinte.
2
Ellorrieta y Artaza, Derecho Político Comparado, Madrid, 1916, p.237.
3
Aragão, Alexandre Santos de. Agencias Reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico.
Editora Forense, Rio de Janeiro, 2002. pp. 212.
4
Katz, Ellis. Aspectos constitucionais e políticos do federalismo americano.in Revista de Direito Público.
Editora Revista dos Tribuinais, ano XVI, no. 65, Janeiro / Março -1983.
17
É oportuno observar que a origem do federalismo americano ocorreu de modo “centrifugo”,
ou seja, as colônias reuniram-se e formaram o Estado. Já no federalismo brasileiro, a origem é
contrária, já que o Estado, já independente, busca descentralizar-se de modo a criar os
diversos estados membros. Neste caso, pode-se dizer que tal fenômeno ocorreu de modo
“centrípeto”.
Neste trabalho, abordaremos apenas a forma vertical, pois se acredita que esta se aproxima
mais do objetivo deste, de demonstrar a importância do ser individualizado e,
conseqüentemente, da força dos interesses locais difusos.
2.2 O ESTADO FEDERATIVO
O surgimento do federalismo conhecido pelo mundo moderno teve origem na elaboração da
Constituição Americana de 1787. Naquele momento, o constituinte buscava a solução para
problemas advindos da independência das 13 colônias, sendo necessário criar um Estado
central forte o suficiente para garantir a segurança de seus membros e eficiente para alcançar
o desenvolvimento econômico e social pretendido por todas as colônias, sem, contudo, ferir a
liberdade que acabara de conquistar. Nessa pretensão, fortalece-se demasiadamente a figura
do cidadão individualmente, dando-se importância para uma série de interesses difundidos
pelo Estado Americano.
Para Ellis Katz
5
, “Essas duas metas, eficiência e autogoverno, criaram a necessidade de um
balanceamento delicado entre o poder federal e governos estaduais. Por um lado, se o governo
federal, em nome da eficiência, fosse excessivamente poderoso, o autogoverno estaria
ameaçado. Por outro lado, se os Estados permanecessem muito poderosos e autônomos, agora
em nome da liberdade, os diversos objetivos que iluminaram a criação do Governo Federal
estariam ameaçados”.
Em contrariedade ao modelo de Estado unitário, nascido na Revolução Francesa, o conceito
de Estado Federativo se apresentou como uma organização política realmente nova,
possibilitando uma maior aproximação das funções do Estado aos anseios da sociedade que
estivessem mais próximos do indivíduo, deixando-se de lado o que acreditavam ser o
“interesse público”. Nesse momento, o valor do interesse da maioria deixa de ser supremo,
fazendo com que o Estado se aproxime mais dos interesses difusos da sociedade.
5
Katz, Ellis. Aspectos constitucionais e políticos do federalismo americano.in Revista de Direito Público.
Editora Revista dos Tribuinais, ano XVI, no. 65, Janeiro / Março -1983.
18
Para José Alfredo de Oliveira Baracho, a justificação do federalismo é feita por motivações
racionais, sendo que a doutrina elenca alguns pontos essenciais como: 1) o federalismo
preserva a diversidade histórica e a individualidade; 2) facilita a proteção das minorias;
6
3) (...); 4) o federalismo é um meio de proteção da liberdade; 5) o federalismo encoraja e
reforça a democracia, facilitando a participação democrática; 6) a eficiência é, também,
considerada como uma das razões que justifica o federalismo”.
7
O ideal federativo, concebido pelo pensamento americano, previa uma grande
descentralização do governo central aos Estados membros, dando-lhes autonomia
administrativa e política. Para José de Castro Nunes, “salvo o requisito constitucional de
guardar a forma republicana, cada Estado adota para si a Constituição que entender”.
Ao Governo Federal, concede-se apenas a competência para tratar de assuntos de interesses
globais, visando à representação e defesa do Estado, respeitando as diferenças, costumes e
interesses locais (adote-se a definição de interesse local dada neste trabalho), ficando a cargo
dos estados membros, distrito federal e municípios, a competência de atuar mais próximo aos
interesses individuais ou dos nichos comunitários, tendo uma atuação administrativa mais
corriqueira e próxima do dia-a-dia da sociedade.
A repartição de competências é a peça fundamental dessa “máquina” administrativa buscada
pelo federalismo, devendo ser muito bem efetuada para que se alcancem os objetivos de
eficiência e liberdade, buscados pelo ideal federalista.
A descentralização geográfica e política obtida com o federalismo, por meio da concessão de
autonomia, traz o respeito às diferenças regionais, típicas de nações com grande extensão
territorial. Para a efetiva garantia da liberdade, buscada pelo federalismo, deve-se considerar e
respeitar as diversas formas de vida e convívio social adotadas pelo homem.
A evolução do conceito democrático de vida social leva, cada vez mais, a certeza de que
qualquer estrutura governamental, que busque a democracia e o bem comum, deve considerar
que as pessoas são diferentes entre si, em sua forma física, social e também na interpretação
do que seja o “interesse público”, conforme será apresentado
8
.
Para Robert Nozick, os homens “diferem em temperamento, interesses, capacidade
intelectual, aspirações, inclinações naturais, anseios espirituais e modo de vida. Divergem nos
6
Grifo nosso.
7
José Alfredo de Oliveira Baracho. O Princípio da Subsidiariedade: Conceito e Evolução. Revista de Direito
Administrativo, Volume 200, abril/junho 1995, Edições Renovar, Rio de Janeiro, p. 48
8
Vide capítulo 3.
19
valores que aceitam e usam pesos diferentes àqueles que compartilham (desejam viver em
climas diferentes – alguns nas montanhas e outros em planícies, desertos, beira-mar, cidades
grandes e pequenas). Não há razão para pensar que haja uma única comunidade que sirva
como ideal para todas as pessoas e há muitas para pensar que não existem”.
9
Assim, a descentralização, determinada pelo ideal federalista, garante o respeito às
divergências sociais do ser humano, possibilitando, contudo, uma administração central mais
eficiente. Porém, para isso, é imprescindível uma repartição de competência que garanta a
autonomia necessária aos estados membros (“interesses locais”), que passam a ter atribuições
próprias, constitucionalmente garantidas. Estas o aproximam do ser individualizado, criando
assim um elo institucional de ligação.
É oportuno observar que a doutrina classifica a origem do Federalismo sob dois aspectos: o
Federalismo centrípeto (caso brasileiro) e o Federalismo centrifugo (caso americano). No caso
do primeiro tem-se que o Estado nação se descentraliza territorial e administrativamente,
nascendo os estados membros através da vontade da federação. No caso do Federalismo
centrifugo o poder emana de dentro para fora, ou seja, os estados membros decidem pela
união e o conseqüente nascimento na nação federalizada.
2.3 O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E O FORTALECIMENTO DO
PODER LOCAL
O princípio da subsidiariedade será tratado neste trabalho apenas superficialmente, não sendo
aprofundado em sua conceituação. Aqui, este deverá aparecer apenas como fundamento da
força que tem sido dada ao poder local e o propulsor do seu próprio desenvolvimento nas
constituições modernas.
Na definição de José Alfredo de Oliveira Baracho, “a subsidiariedade deve ser vista como
princípio pelo qual as decisões serão tomadas ao nível político mais baixo possível
10
, isto
é, por aqueles que estão, o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas
ou executadas”. Paulo José Leite Farias completa dizendo que esse princípio está relacionado
à descentralização política e administrativa, associado ao fortalecimento do poder local.
11
Muitos doutrinadores vinculam o princípio da subsidiariedade ao federalismo, traçando para
ambos o mesmo objetivo, o de respeito ao individualismo e às minorias. A subsidiariedade
9
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1991, trad. De Ruy
Jungmann.
10
Grifo nosso
11
Citado por Paulo José Leite Farias, Competência Federativa e Proteção Ambiental. Sérgio Antônio Fabris
Editor. Porto Alegre 1999. p. 319
20
garante a manutenção do individualismo, dentro dos já classificados neste trabalho como
“nichos” sociais.
O princípio da subsidiariedade é o instrumento que possibilita conciliar a integração (central)
com a autonomia regional (autogoverno). Atualmente, frente aos novos acontecimentos
políticos mundiais, de aglomeração de nações, como é o caso da União Européia e do
Mercosul, o principio da subsidiariedade garante o individualismo do cidadão frente aos
interesses supranacionais.
Em face de todo o exposto, o princípio da subsidiariedade vem de encontro ao que se defende
neste trabalho. O respeito às minorias e à individualidade do cidadão deve, cada vez mais,
tomar força e ditar os caminhos a serem seguidos pelo Estado moderno. É falsa a crença de
que a função do Estado deve se limitar aos anseios do sufrágio majoritário. A doutrina
jurídica da formação do Estado moderno tem demonstrado o contrário.
2.4 O FEDERALISMO COMO GARANTIA DAS MINORIAS
Conforme já citado anteriormente, o surgimento do ideal federalista acontece na revolução
americana, que buscava, após a independência das 13 colônias, criar um corpo forte o
suficiente que garantisse a segurança dos pequenos estados que se haviam formado, nascendo
a necessidade de se criar um ente que fosse central, garantindo a eficiência do todo e, contudo,
mantivesse nas colônias o poder de autogoverno.
O grande problema enfrentado na época foi como conciliar um governo central, que
concedesse estabilidade aos estados, sem, dessa forma, destruir a liberdade conquistada pelas
colônias após a independência. Eliz Katz advertia que “por liberdade, os founding fathers
12
entendiam algo mais do que direitos individuais; certamente eles eram parte dela. Mas, mais
importante, liberdade envolvia o direito do povo de autogovernar-se”.
13
Essa preocupação com a autogovernança, em verdade, representa uma cautela ao direito de
propriedade dado ao indivíduo, que, por natureza, é um ser divergente, sendo que esta é, sem
sombra de dúvidas, a primeira garantia às minorias. Dessa forma, o ideal federalista procura
eqüalizar as divergências existentes entre seus membros, buscando o desenvolvimento
conjunto e o respeito às minorias.
12
Grifo do autor
13
Elliz Katz, Aspectos Constitucionais e Políticos do Federalismo Americano. Tradução do Bacharel Artur Lima
Gonçalves. Revista de Direito Público. Janeiro/Março – 1983, no. 65, Ano XVI. Editora Revista dos Tribunais.
P. 98 – 101.
21
É obvio que não existe um modelo de vida ideal e aceito por todos da mesma maneira, a
divergência de pensamento e de condução de vida é salutar e fomentador do desenvolvimento
social humano, contudo, o desrespeito aos que não estão agregados ao pensamento majoritário
pode levar a humanidade a catástrofes. Para José Alfredo de Oliveira Baracho “qualquer tipo
de estrutura deverá, primeiramente, considerar que as pessoas são diferentes entre si”.
14
Em face de tão farta divergência de interesses, o federalismo procura aproximar o poder
público dos anseios regionais, garantindo voz às minorias, por meio da representatividade
política e da repartição territorial. No ideal federalista, as minorias possuem espaço e fazem
parte das decisões globais.
2.5 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO ESTADO FEDERATIVO
Competência é a autoridade que o Estado delega a determinado ente, administrativo ou não,
sobre tal assunto ou patrimônio. A demonstração das competências, constitucionalmente
garantidas aos órgãos administrativos, é de suma importância para este trabalho, já que assim
se verificam os legítimos detentores do poder de atuação, nas diferentes áreas.
Segundo Maria Helena Diniz (1998)
15
, competência, para o Direito Administrativo, é a
aptidão de uma autoridade pública, órgão ou funcionário público, para efetivação de certos
atos ou para apreciar e resolver determinados assuntos. Para o trabalho, adotar-se-ão,
primeiramente, as competências estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, ou seja, a
competência legislativa e administrativa, referidas, diretamente ou indiretamente, aos recursos
hídricos.
Considerando que o tema a ser discutido neste capítulo trata da divisão de atribuições entre os
entes da federação, delegando poderes de interesse global à União e de caráter local aos
Estados e Municípios, a discussão acerca da repartição é fundamental para a compreensão da
influência dos diversos interesses no equilíbrio buscado pela federação, no que se refere ao
tema principal desta pesquisa. Assim, estudar a técnica de repartição, no que se refere à
competência administrativa e legislativa da União, dos Estados e dos Municípios, a respeito
do recurso hídrico e seus diversos usos é fundamental à busca da ponderação dos conflitos
existentes sobre esse recurso.
Como questão fundamental do federalismo moderno, a repartição de competências garante a
efetiva autonomia aos estados membros, possibilitando uma maior eficiência na execução de
14
BARACHO, José Alfredo de Oliveira Baracho. O princípio da subsidiariedade conceito e revolução. Revista
de Direito Administrativo. Volume 200, abril/junho 1995. Editora Renovar, Rio de Janeiro-RJ. Pp. 21-54.
15
Diniz, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Editora Saraiva. São Paulo, 1998
22
suas atribuições, além de impossibilitar a concentração de poderes nas mãos do Estado
central, típica de Estados unitários.
Considerando que competência se equivale a capacidade de praticar atos jurídicos, a
repartição garante à União e aos Estados a capacitação para exercer os poderes que a cada um
incumbe a Constituição. Dessa forma, a repartição de competências é encarada por Raul
Machado Horta como “a chave da estrutura do poder federal”, “o elemento essencial da
construção federal”, “a grande questão do federalismo”.
16
Assim, é na repartição de
competências que se constata o maior ou menor grau de descentralização de uma nação.
Consoante o precioso ensinamento de Paulo José Leite Farias,
17
verbis: “A autonomia do
Estado-membro pressupõe repartição constitucional de competências para o exercício e o
desenvolvimento de sua atividade normativa. O Estado Federal não autoriza que se
desvinculem esses dois aspectos fundamentais de sua fisionomia. A técnica de repartição é
elemento específico e essencial ao sistema federal. E, sob o ângulo da autonomia, a
distribuição constitucional de competência entre o governo central e os governos estaduais irá
conduzir ao conteúdo da atividade autonômica. A fórmula da repartição de competências
constituiu preocupação absorvente na confecção do modelo originário do Estado Federal e a
solução encontrada, para os intérpretes iniciais da Constituição norte-americana, deveria
favorecer os poderes estaduais ou reservados, fundados em cláusula expansiva, enquanto os
poderes federais seriam limitados pelo volume definido dos poderes enumerados”.
Constatado que o federalismo é um grande sistema de repartição de competências
18
, a
definição e a correta distribuição dessas atribuições, administrativas e legislativas, é essencial
ao bom funcionamento de toda federação. Contudo, ao longo de seus duzentos anos de
história, o ideal federalista tendeu a desviar-se de sua formatação original, que proporcionava
equilibrar eficiência e liberdade por meio da repartição de competências para a União e os
Estados.
Amoldando-se aos imperativos de ordem social, econômica e política, típicos da evolução
natural das sociedades, o sistema federativo tem sido classificado de duas formas, os
chamados: federalismo dual e federalismo cooperativo.
16
HORTA, Raul Machado. Organização constitucional do federalismo. Revista de Informação Legislativa,
Brasília:ano 22, no. 87, jul./set. 1985.
17
FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto
Alegre - RS, pp. 95.
18
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988.Editora Atlas, São Paulo –
2000.
23
No federalismo dual, a repartição de competências é operada em dois campos de poder
mutuamente exclusivos, a União e os Estados, sendo estes limitadores e absolutamente iguais,
possuindo uma esfera de atuação bem definida e delimitada pela Constituição. Nos Estados
Unidos, o sistema dual prevaleceu desde o momento da concepção da Constituição de 1787
até a grande depressão dos anos 30, quando o Governo Federal assumiu uma enorme força
para o restabelecimento da ordem econômica que havia sido abalada por uma crise mundial
que teve origem na bolsa de Nova York, fato esse que ocorreu em diversos países, inclusive
no Brasil.
Ponderando sobre o federalismo dual, passa-se a transcrever os ensinamentos de Ellis Katz
19
verbis: “...constitucionalmente, a concepção do governo federal deixou de ser aquela de um
governo limitado e passou a ser aquela de um governo geral, com ampla autoridade para
promulgar qualquer lei que acredite ser do interesse dos cidadãos norte-americanos. Isso não
significa sugerir que o governo nacional use sempre sua autoridade. Tal como todos os
governos, o governo nacional norte-americano continua limitado por fatores econômicos e
políticos.”
Em contrariedade ao sistema apresentado, o federalismo cooperativo segue uma tendência de
organização centrípeta das competências, fortalecendo o Governo central, onde este adquire
uma grande força para interferir em matérias que antes eram de competência dos Estados. O
surgimento deste sistema, nos Estados Unidos, deu-se, efetivamente, a partir das medidas
energéticas do New Deal, o que foi paulatinamente sendo apoiado pela Suprema Corte
Americana.
Inicialmente, o federalismo cooperativo, nos Estados Unidos, restringi-se apenas a
intervenções de caráter político e econômico, não se estendendo às questões dos direitos civis
e à tão valiosa liberdade. Contudo, no que se refere às garantias individuais e à defesa das
minorias, é importante ressaltar que os Estados Unidos da América teve importante papel no
combate ao racismo, na adjudicação dos negros nas escolas, e no caso do respeito aos
imigrantes.
Contudo, o cenário político americano, diferentemente do passado, tem demonstrado que esse
impedimento do Governo Federal sobre as questões individuais de direito fundamental tem-se
distanciado cada vez mais da realidade, haja vista o que o Governo Federal americano tem
19
Katz, Ellis. Aspectos constitucionais e políticos do federalismo americano.in Revista de Direito Público.
Editora Revista dos Tribuinais, ano XVI, no. 65, Janeiro / Março -1983.
24
praticado atualmente, em nome do combate ao terrorismo, não só em relação aos cidadãos de
outros povos, mas também aos seus próprios cidadãos.
O momento vivido atualmente pela nação americana é totalmente atípico e não deve ser
considerado como evolução do ideal de desenvolvimento social, já que essa aproximação do
que se acredita ser o “interesse público” (combate ao terrorismo) é fruto do medo e se dá pelo
instinto de conservação humana, motivo principal da formação do Estado. Além disso, essa
política atualmente vivida nos Estados Unidos não modificou a forma de representatividade
proporcional, que representa a minoria, nem o federalismo americano.
Apesar de a reeleição do atual governo americano demonstrar um possível referendo ao que
se vem fazendo no campo político (restrição dos direitos individuais), a história tem mostrado
que isto não prospera, já que a repressão conduz à revolução e o silêncio da sociedade se dá,
neste momento, refletido pelo medo do que se acredita ser um mal maior, o terrorismo. Além
disso, diversas denúncias colocam em dúvida a credibilidade do resultado das eleições
americanas.
No Brasil, a reboque dos Estados Unidos, o federalismo se iniciou, juntamente com a
República, por meio da aplicação da teoria clássica do federalismo, com esferas de
competências bem definidas e delimitadas à União e remanescentes para os Estados-
membros. Assim, o poder central não podia interferir nos assuntos sobre os quais não lhes er
atribuída competência, restringindo-se somente aos assuntos contidos para si na Constituição.
Contudo, em face da grande disparidade de condições, principalmente econômicas, os estados
mais ricos como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul prosperaram e
conseguiram realizar plenamente as necessidades públicas, o que favorecia ainda mais o
próprio desenvolvimento. Porém, em contrário, alguns estados, insuficientes até mesmo em se
sustentarem, não atendiam nem mesmo as necessidades elementares.
Assim, sob a influência norte-americana, o Brasil, quase que instantaneamente também adere
ao federalismo cooperativo, basicamente a partir da Constituição de 1934, que centralizava o
poder no Governo Federal e atribuía a competência a este de promover, também, a
equalização das condições dos Estados-membros. Demonstrando que, mesmo com a intenção
de centralizar-se o poder na União, existia uma grande preocupação com as disparidades
existentes no território nacional e o respeito às minorias hipossuficientes.
A partir daí, a centralização do poder não cessou mais, aumentando gradativamente e
chegando ao seu ápice na Constituição de 1967, principalmente a partir da Emenda
25
Constitucional 1/69, sendo estes os anos de estrangulamento do federalismo no Brasil,
criando, cada vez mais, uma maior dependência das autoridades estaduais frente ao Governo
Federal.
É evidente que em face da exagerada concentração de poder nas mãos do Governo Federal, o
ideal de equilíbrio entre eficiência e liberdade foi seriamente prejudicado.
Contudo, o que é entendido por muitos como a solução para esse desequilíbrio de funções, a
garantia de autogoverno tem assegurado uma maior proximidade do governo com a
sociedade, garantindo, de certa forma, a realização dos anseios da população. Porém, é bom
registrar que a majoração alcançada com o sufrágio universal não quer dizer necessariamente
que haja nela a efetiva realização do “interesse público” e que este, muito menos, é supremo a
tudo. Como já foi demonstrado, o ideal democrático e a função do Estado prevêem o respeito
aos direitos fundamentais e ao interesse particular.
Sobre essa “homogeneidade” dos interesses sociais, resulta-se o que afirma José Alfredo de
Oliveira Baracho verbis: “O poder do Estado não deve estar assentado em base unitária e
homogênea, mas no equilíbrio plural das forças que compõem a sociedade, muitas vezes, elas
próprias rivais e cúmplices. A auto-organização da sociedade não exclui o princípio da
unidade política, desde que a unidade que se procura, por meio do consenso, é a que se efetiva
na pluralidade”.
20
Finalmente, tem-se que a repartição de competências é o mecanismo fundamental e mais
importante do Estado Federativo, o qual garante o respeito aos interesses individuais e difusos
da sociedade. Por meio dela, o Estado se aproxima do indivíduo e, conseqüentemente, de seus
anseios. A forma de repartição adotada pelo Estado brasileiro (cooperativa) se fundamenta na
necessidade de equilibrar o desenvolvimento nacional em todos os pontos do país. O que
demonstra sobremaneira que a grande preocupação do Estado brasileiro é garantir o
desenvolvimento global por meio de um equilibrado desenvolvimento em todo território.
2.6 AS TÉCNICAS DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
A história do federalismo sempre teve a divisão de competências por meio de combinações
diversas dos poderes enumerados, remanescentes e concorrentes. Da forma que foi concebido,
o federalismo clássico previa a chamada técnica da repartição horizontal, que, como já foi
dito, previa a delimitação dos poderes em uma radical divisão entre a União e os Estados.
20
BARACHO, José Alfredo de Oliveira Baracho. O princípio da subsidiariedade conceito e revolução. Revista
de Direito Administrativo. Volume 200, abril/junho 1995. Ed. Renovar, Rio de Janeiro. Pp. 21-54.
26
Nesta, atribuem-se à União questões de caráter global, concernentes às relações exteriores, à
defesa nacional, ao sistema monetário e de pesos e medidas, à nacionalidade, ao comércio e
comunicação interestadual. Assim, resta ao Estado membro atuar em todas as matérias que
não lhe são proibidas e que não estejam a cargo da União.
A repartição horizontal de competências, além de aplicada nos Estados Unidos, foi seguida
por diversas Constituições, como a Argentina, de 1853; a da Venezuela, de 1961; a do
México, de 1917; a da Suíça e outras. Contudo, constatam-se algumas pequenas diferenças do
modelo original.
A repartição vertical, típica do federalismo cooperativo, utiliza competência concorrente,
atribuindo a mesma matéria a concorrentes entes da Federação, porém em níveis diferentes,
concedendo, sobre uma mesma matéria, ao Governo Federal, a competência de estabelecer
normas gerais, particulares e específicas, porém, seguindo sempre a orientação traçada pela
norma federal.
A repartição vertical de competências é claramente perceptível na Constituição de Weimar, da
Alemanha, onde o artigo 6
º
relacionava as competências legislativas exclusivas da União e o
artigo 7
º
atribuía a um elenco de matérias, a competência concorrente dos Estados e da União.
Assim, aos Estados-membros, cabia apenas legislar sobre as matérias em que o governo
central não utiliza tal prerrogativa, contendo, ainda naquela Constituição, o dispositivo de que
os dispositivos federais deveriam prevalecer sobre os dispositivos estaduais (art. 12 e 13).
A Constituição Alemã de 1949, assim como no Brasil, após um turbulento período de
concentração de competências ao poder central, reorganizou as estruturas democráticas de um
grande país que passou a ser chamado de República Federal da Alemanha.
A técnica de repartição de competências é a peça fundamental da formação de um Estado
federativo, a delimitação da atuação de cada um dos membros da federação delimita o grau de
descentralização dado aos diversos membros. Assim, a repartição de competências determina
a força dos interesses locais e regionais. Adiante, será demonstrado como foi operacionalizada
tal repartição nas diversas Constituições brasileiras, desde o século XIX, com a formação da
República até a Constituição democrática vigente de 1988.
2.7 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS
As elaborações das Constituições brasileiras sempre sofreram uma forte influência do modelo
proposto por outros países, sendo que a primeira, de 1891, nasceu com uma grande influência
27
americana, instituindo o federalismo dual no Brasil. Já na Constituição de 1934, apesar de
repartir as competências conforme o federalismo cooperativo, como foi o caso dos Estados
Unidos, essa Constituição sofre, agora, uma grande influência das Cartas Alemã e Austríaca,
que também instituíam a competência concorrente.
Basicamente, a repartição de competências, no Brasil, teve essas duas fases, iniciando com o
federalismo clássico, com a repartição dual de competências e, posteriormente, passando para
o cooperativo, o que perdura até os dias de hoje.
No fim do século XIX, o Brasil se deparava com a derrocada do regime monárquico, no qual
se previa uma exagerada concentração de poderes no monarca, não possuindo qualquer forma
de descentralização de poderes às regiões do País. De forma contrária ao que havia ocorrido
nos Estados Unidos, o federalismo no Brasil vem diretamente da transição da monarquia para
o republicanismo, não havendo, no caso, a independência prévia dos Estados, como foi no
caso americano.
De todas as Constituições brasileiras, essa foi a mais fiel ao federalismo clássico, com a
repartição dual de competências, dando uma grande autonomia aos Estados-membros, o que
gerou uma série de conflitos entre os Estados e entre estes e o Governo Federal.
Além das competências implícitas (art. 33) e as privativas (art. 34) da União, a Constituição
de 1934 concedia, também, alguns poderes residuais aos estados (art. 65) e inovava em
relação ao Município, assegurando a sua autonomia nos assuntos de seu peculiar interesse
(art. 68).
Sob o aspecto tributário, o que garantiria a autonomia financeira dos Estados e da União, os
artigos 7
º
e 9
º
, foram relacionados os tributos da União e dos Estados, respectivamente, além
de possibilitar aos Estados a criação de outros, cumulativamente ou não (art.12).
A Constituição de 1934, seguindo a tendência americana e influenciada pelas Constituições
Austríaca e Alemã, instituiu uma repartição de competências centralizada, com competências
privativas da União, além de inserir as competências concorrentes não cumulativas,
conferindo à União a fixação de normas gerais sobre certas matérias e aos Estados a
legislação complementar nessas mesmas matérias.
Aos Municípios foram atribuídas as competências de organizar-se politicamente, instituir os
seus tributos, atuar de forma a aplicar suas rendas e organizar os serviços de caráter local,
ficando sob sua autonomia, os assuntos de seu particular interesse (art. 13).
28
A partir dessa, as Constituições brasileiras não trouxeram muitas novidades no tocante à
repartição de competências, pautando-se sempre por uma mesclagem dos poderes
enumerados, remanescentes e concorrentes.
A Constituição de 1937, apesar de ainda sofrer a influência do ideal centralizador, trazia uma
novidade: o artigo 17 facultava aos estados legislarem sobre matérias de competência
privativa da União, contudo, somente para regulamentá-la ou de forma a suprimir lacunas,
mas sempre sob a condição de serem assuntos de predominante interesse do Estado,
necessitando, ainda, a chancela do Governo Federal.
Visando a suprimir deficiências ou a atender a peculiaridades locais, porém cumprindo as
exigências da lei federal, quando houvesse, o Estado poderia legislar sobre matérias
específicas, sendo que, caso contrariasse a norma federal já existente ou que viesse a ser
sancionada, ficaria a legislação estadual revogada, prevalecendo a do Governo Federal (art. 17
e 18).
O Governo Federal poderia, ainda, conceder ao Estado-membro a competência para executar
serviços de sua responsabilidade, havendo, também, uma reciprocidade do Estado, que
poderia delegar a funcionários federais atribuições estaduais (art. 22).
Apesar dessas inovações, as competências remanescentes dos Estados continuaram fortes (art.
21), sendo que aos Municípios criaram-se apenas algumas restrições ao autogoverno (art. 26).
Quanto aos tributos, continuou-se com a mesma essência da de 1934, especificando os
tributos cabíveis a cada esfera (art. 20, 23 e 28), proibindo a bi-tributação e determinando que
os Estados partilhassem com os Municípios os impostos da indústria e das profissões (art. 23).
Tratando de analisar as duas Constituições, de 1934 e 1937, Fernanda Dias Menezes de
Almeida presta-se à seguinte análise: “O fato, porém, é que a duração fugaz da Constituição
de 1934 e a circunstância sobejamente conhecida de não ter sido efetivamente aplicada a
Constituição de 1937 impediram a produção de resultados que permitiriam melhor sopesar o
valor dos dois documentos na prática constitucional”.
Mantendo, ainda, o ideal de federalismo cooperativo de repartição vertical de competências, a
Constituição de 1946 basicamente em nada mudou, no tocante a esse tema, em relação à de
1934, tratando dos poderes enumerados da União no art. 5
º
, dos poderes remanescentes dos
Estados, no art. 18, e dos poderes concorrentes no artigo 6
º
, mantendo a competência
supletiva complementar para os Estados, mantendo, também, inicialmente, as mesmas
divisões no tocante à repartição dos tributos, tendo, posteriormente, pequenas alterações.
29
Fruto de um governo autoritário e ditatorial que se vivia à época, a Constituição de 1967
estrangula, por definitivo, o federalismo, possibilitando posteriormente a intervenção do
governo central até mesmo na vida individual dos cidadãos. No tocante à repartição de
competências, não se alterou o que vinha da Constituição de 1946. Contudo, com a Emenda
1/69, algumas alterações foram colocadas no texto original, inovando-se na que se refere à
competência concorrente, já que o art. 13 previa a possibilidade de, mediante convênios,
União, Estados e Municípios poderem combinar a execução de suas leis, de seus serviços e de
suas decisões, por intermédio de seus funcionários.
Aos Municípios manteve-se, em grande parte, sua autonomia, reprimindo-se apenas o que se
referia à eleição de seus governos, o que foi gradativamente retornando ao original. No
tocante aos tributos, também se manteve o que vinha da Constituição anterior.
Em face do longo período vivido pelo Brasil, de centralização do poder, principalmente nos
anos que a sucederam, a Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, montou
uma nova ordem federativa no Estado brasileiro, sofrendo uma grande influência dos ideais
democráticos e aplicando o que se viu de mais moderno no que se refere à garantia dos
direitos individuais, eficiência administrativa e liberdade. Tamanha sua complexidade e
inovação, a Constituição de 1988 será tratada separadamente em um capítulo próprio.
2.8 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
Com o amadurecimento dos ciclos revolucionários, iniciados em 1967, a sociedade brasileira
demonstrava um desejo manifesto pela democracia, determinando as eleições diretas e
clamando pela recomposição das instituições democráticas brasileiras que, há tempos, haviam
sido estranguladas pelas mãos do autoritarismo. Assim, o povo brasileiro iniciou um ciclo de
movimentos populares jamais visto na história do Brasil, o movimento denominado como
“Diretas Já”.
Ao fim do mandato do Presidente João Figueiredo, ainda por eleições indiretas, Tancredo
Neves é declarado o próximo Presidente da República, contudo, o destino mostraria outro
caminho ao Brasil. Tancredo morre antes de ser empossado e José Sarney, seu vice, assume a
Presidência.
Por meio da Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985, José Sarney convoca a
Assembléia Nacional Constituinte, composta pelo Congresso Nacional, que viria a ser eleita
30
em 15 de novembro de 1986. Assim, em primeiro de fevereiro de 1987 instala-se a
Constituinte, que prepara a Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988.
Para a direção dos trabalhos de elaboração dessa nova Carta Constitucional, que deveria trazer
contribuições do povo, por meio de diversos segmentos da sociedade, o Presidente nomeia a
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, composta por variados membros da
sociedade e presidida por Afonso Arinos de Mello Franco, a posteriormente chamada de
“Comissão dos Notáveis”.
Nos trabalhos de elaboração, a discussão acerca do tema repartição de competências deu
origem a três subcomissões distintas e vinculadas à Comissão da Organização do Estado,
sendo elas: Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios; a Subcomissão dos Estados,
e a Subcomissão de Municípios e Regiões.
A intenção de se criar um Estado totalmente diferente do que se tinha na época era claro em
todos os pensamentos. Buscavam-se a democracia e a descentralização efetiva dos poderes do
Estado brasileiro. Isso fica claro em todos os relatórios das comissões e subcomissões, pois
estes demonstram claramente a intenção de modificação da estrutura federativa, na busca de
uma descentralização maior que levasse à recuperação das autonomias periféricas.
Contudo, em face do histórico de centralização dos poderes, o Estado brasileiro não poderia
sofrer uma modificação brusca em sua estrutura federativa; era, pois, necessário uma
mudança lenta, na qual se implantasse a descentralização de maneira gradual, sendo
recomendada, para isso, a criação de uma esfera comum de competências para a União, os
Estados e os Municípios.
Por fim, o anteprojeto constitucional trazia em seu escopo a distribuição de competências com
a combinação dos poderes enumerados, remanescentes e concorrentes, originando um sistema
complexo, com competências privativas e concorrentes, possibilitando, também, a delegação
de competência. Adiante, segue uma pequena descrição do modelo adotado.
Para a União, o artigo 21 reserva as competências administrativas e políticas, inerentes ao
funcionamento do Estado (nação), sendo que, no artigo 22, estão elencadas as matérias de
competência normativa privativa deste.
Aos Estados-membros reservou-se a competência residual não enumerada (artigo 25), além de
atribuir a competência privativa de explorar os serviços locais de gás canalizado (art. 25, §2
º
);
instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art.25, §3
º
); criar
31
Municípios (art. 18, §4
º
), e a competência administrativa e política de sua organização interna
(art. 25).
Aos Municípios foi reservada a competência de legislar sobre assuntos de interesse local (art.
30 inciso I), além de outras de caráter administrativo, elencadas nos incisos III, IV, V e VIII.
O Distrito Federal assumiu as competências reservadas aos Estados e ao Município, conforme
artigo 32, § 1
º
.
Analisando as competências comuns, o artigo 23 apresenta uma série de assuntos, os quais em
conjunto ou separadamente, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem
defender. As competências comuns devem ser tratadas como a forma que o constituinte se
utilizou para abordar assuntos de relevância geral, além de não afrontar demasiadamente a
cultura centralizadora vivida pelo Brasil na época.
De forma concorrente, o artigo 24 atribui competência legislativa à União, aos Estados e ao
Distrito Federal a uma série de matérias, sendo que, apesar de excluído dessa competência
concorrente, o inciso II do artigo 30 atribui a competência ao Município de suplementar
legislação federal e estadual nos assuntos que couber.
A Constituição de 1988 traz, também, a figura da competência delegada, que, conforme o
artigo 22, à União é permitido autorizar, através de lei complementar, legislar sobre questão
específica de matéria de competência legislativa da União.
Seguindo seu princípio federativo, a Constituição Federal delegou competências legislativas
exclusivas, ora à União (art. 22), ora aos Estados (art. 25, § 1o.) e ao Distrito Federal (art. 32,
§ 1o.) ou ora aos Municípios (Art. 30, I e II), além de competência concorrente a estes entes
(art. 24).
Grandes inovações democráticas foram postas nessa Carta Constitucional, que, no que se
refere ao meio ambiente e aos recursos hídricos, possui grandes particularidades, delegando
competência concorrentes a todos os entes da federação e ampliando a participação popular e
dos interesses locais difundidos pela sociedade, o que pode ser constatado na Tabela 1, que
segue adiante. Nessa tabela, buscou-se trabalhar a repartição de competências administrativa e
legislativa, além de demonstrar os órgãos administrativos responsáveis (cenário institucional)
e a divisão constitucional por atribuição aos diversos entes da federação.
32
Tabela 1 – Demonstrativo de repartição de competências na Constituição Federal
Entes da
federação
Competência legislativa Competência administrativa
(atuação ambiental)
Órgãos administrativos Divisão da atribuição
por matérias
definidas
União
PRIVATIVA
Monopólio: águas,
energia, crimes, recursos
minerais, questões
indígenas
(Congresso Nacional)
Art. 22 da CF
CONCORRENTE
Estabelece as normas
gerais
(Congresso Nacional)
Art. 24, 1
o
. da CF
COMUM
Poder de Polícia
Multar
Licenciar
Fiscalizar
Embargar
Interditar
Art. 23 da CF
Ministério do Meio
Ambiente
CONAMA
IBAMA
DNPM
ANA
ANEEL
Caça
Energia nuclear
Agrotóxicos
Águas
Mineração
Garimpo
Lixo
Unidades de
conservação
Floresta
Estados
CONCORRENTE
Assembléia Legislativa
Art. 24 da CF
COMUM
Poder de Polícia
Multar
Licenciar
Fiscalizar
Embargar
Interditar
Art. 23 da CF
Secretarias do Meio
Ambiente
Secretarias de Energia
Secretarias de Recursos
Hídricos
Conselhos Estaduais de
Meio Ambiente
Órgãos Ambientais
Estaduais
Águas internas
Solo agrícola
Erosão
Lixo
Floresta
Municípios
SUPLEMENTAR
Interesse local
Plano diretor
Art. 30 da CF
COMUM
Poder de polícia
Multar
Licenciar
Fiscalizar
Embargar
Interditar
Art. 23 da CF
Secretarias Municipais de
Meio Ambiente
Conselhos Municipais de
Meio Ambiente
Zoneamento urbano
Plano diretor
Distrito industrial
Parcelamento do solo
urbano
Poluição sonora
Edificação
Trânsito
Lixo
Para o melhor entendimento do trabalho, passa-se a enumerar a competência legislativa de
cada um desses, restringindo-se àquelas relevantes ao tema “água”.
2.8.1 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Conforme determina o artigo 22 da Constituição Federal, trata-se de competência exclusiva da
União, dentre outros assuntos, legislar sobre: “águas, energia, informática, telecomunicação e
radio difusão (inciso IV); regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial (inciso X); trânsito e transporte (inciso XI).”
Porém, o parágrafo único do referido artigo autoriza a delegação de tal competência
legislativa para os Estados, por meio de Lei Complementar, ainda inexistente.
Em seu artigo 24, a Constituição Federal dá atribuição legislativa comum aos entes federados
nos seguintes temas relativos à água: “floresta, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição
(inciso VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso
33
VII); responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, cultural, turístico e paisagístico (inciso VIII)”.
Concorrente, a Constituição limitou à União a competência de estabelecer normas gerais,
atribuindo aos Estados o dever de legislar de forma suplementar. A lógica constitucional
reflete a realidade da sociedade, uma vez que os assuntos selecionados neste artigo são de
maior interesse local, dando, assim, ao cidadão importância maior, sem, contudo, excluir os
interesses coletivos maiores. É a descentralização sem chegar ao cúmulo do feudalismo.
Para os Estados, a Constituição Federal reservou-lhes a competência de legislar somente sobre
os assuntos sobre as quais a Constituição não lhe vedou autoridade nem a atribuiu
exclusivamente à União. Já o Distrito Federal detém competência de legislar sobre as mesmas
matérias reservadas aos Estados e aos Municípios.
Ao Município compete legislar sobre matérias de interesse local, que não contrariem
legislação federal ou estadual vigente.
2.8.2 COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA
A competência administrativa, aqui evocada, trata da autoridade da administração pública
para cuidar dos assuntos de sua responsabilidade, sendo que este trabalho abordará somente
os aspectos voltados aos recursos hídricos. Por vezes, o domínio é suficiente para definir a
competência plena administrativa. No entanto, existem competências concorrentes, mesmo
esse não havendo. Dessa forma, domínio de bem público e competência administrativa quase
sempre se confundem, porém uma não está inserida na outra, isto, em face da preocupação da
Constituição em descentralizar os assuntos de interesse regional e local, conforme se verifica
em alguns artigos, em que se atribui competência comum para os entes da federação, não só
no tocante à legislativa como também à administrativa.
Embora a discussão de competência e domínio seja de fundamental interesse, não é este o
foco deste trabalho. Aqui, busca-se uma interpretação menos hermenêutica, atendo-se às
necessidades das populações, o que, em última instância, deveria conduzir à prática do direito.
José Afonso da Silva (2000)
21
afirma: “O princípio geral, que norteia a repartição de
competência entre as entidades componentes do Estado Federal, é o da predominância do
interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante
21
Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros – 17a. edição. São Paulo,
2002.
34
interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de
predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local...”
Conforme determina a alínea “b”, do inciso XII, do artigo 21 da Constituição Federal, é
competência da União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos
cursos d’água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidrenergéticos. A
alínea “d”, do mesmo inciso, estabelece, ainda, que os serviços de transporte aquaviário entre
portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou
Território, e dos portos marítimos, fluviais e lacustres, também deverão ser explorados pela
União.
No tocante ao aproveitamento energético dos cursos d’água, não haveria a necessidade de se
definir competência à União, uma vez que já é dela o potencial hidrenergético. Deduz-se, daí,
que o objetivo do artigo 21 é o de permitir a exploração dos mesmos de maneira indireta e o
de estabelecer a obrigatoriedade de articulação com os Estados, para a exploração hidrelétrica.
Entende-se, aqui, como “exploração” a construção e a operação do aproveitamento
energético, sendo que, “articulação” não é meramente um processo de comunicação ou de
aconselhamento, constituindo-se, sim, em uma decisão comum, partindo-se de iniciativa da
União.
Ainda, no artigo 21, verifica-se a competência da União: no planejamento e na defesa
permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; na
instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e na definição de
critérios de outorga de direitos de seus usos, o que foi efetivamente cumprido a partir da lei
9.433/97, que institui a política nacional de recursos hídricos e determina o aproveitamento
múltiplo das águas.
Porém, o artigo 23 da Constituição atribui competência comum à União, aos Estados e ao
Distrito Federal e aos Municípios, para o registro, o acompanhamento e a fiscalização das
concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios. Ficam, pois, definidas ações concorrentes e harmônicas que devem buscar o
interesse coletivo sem oprimir os interesses locais, independente de quem seja o domínio.
O artigo 20, da Constituição Federal, indica, também, entre os bens da União, os lagos, rios e
quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado,
sirvam de limites com outros países, se estendam a território estrangeiro ou dele provenham.
35
Também são da União as águas em depósito, em rios estaduais, quando decorrentes de suas
obras (art. 26, inciso I). Esse último ponto, foco de muita contestação, está submetida à
exigência constitucional de edição de lei, que ainda não ocorreu, não havendo, tampouco
legislação anterior que seja recepcionada.
Aos Estados e ao Distrito Federal, a Constituição (art. 26, I) reservou o domínio das águas
superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas aquelas de
domínio da União.
De forma recíproca à União, conforme estabelecido no artigo 23 da Constituição Federal, os
Estados poderão ter, em suas águas, ações administrativas de fiscalização, registro e
acompanhamento por parte dos municípios e da própria União.
2.9 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Conforme se vê do estudo, a evolução do Estado leva a uma descentralização administrativa
e, conseqüentemente, fortalece os anseios locais, diversificados em toda sociedade.
Evolutivamente, a formação social do Homem o levou ao modelo de Estado moderno, o qual
garante o respeito aos direitos individuais fundamentais e se preocupa com os anseios
populares das minorias. Além disso, vê-se que a história conduz sempre à criação de
instrumentos que impossibilitem a tirania e garantam o respeito ao Homem individualizado.
A criação do modelo de Estado Federativo busca garantir o fortalecimento de determinada
“nação” sem que, conseqüentemente, seja enfraquecido o interesse do indivíduo e de sua
localidade.
O princípio da subsidiariedade demonstra que mesmo que o Estado busque mecanismos de
fortalecimento do global, estes deverão sempre encontrar espaço para os anseios das minorias
localmente assentadas. Assim, o Estado moderno busca a democratização, por meio do
respeito às minorias e da busca do bem comum global.
Para a instrumentalização de tal formação estatal, a constitucionalização dos conceitos
federativos requer a configuração dos mecanismos de repartição de competências, o que
garante a preparação da “máquina” do Estado.
No caso do Estado brasileiro, a Carta cidadã de 1988 traz a redemocratização e uma ampla
descentralização, seja administrativa ou territorial. A formalização de um Estado Federativo
cooperativo faz da União o agente responsável pelo desenvolvimento “global” com o
equilíbrio das desigualdades regionais e, dos Estados, os instrumentos administrativos que se
36
aproximam do indivíduo e se adaptam às diferenças regionais. Além disso, a Constituição
atribui, como já foi mencionado, uma responsabilidade solidária na proteção ao meio
ambiente, determinando que este deva ser ecologicamente equilibrado de forma a garanti-lo
para as atuais e futuras gerações.
Tornando o Poder Público mais próximo do indivíduo, a Constituição de 1988 concede ao
poder local, o Município, uma série de autonomias e responsabilidades, o que demonstra a
crescente importância dada ao poder local.
Em todo texto constitucional, nota-se, claramente, que o Constituinte teve uma grande
preocupação quanto ao fortalecimento das questões locais, seja por meio da repartição de
competências, seja nas garantias individuais e, também, na criação de mecanismos de
participação popular, como proposição de projetos de lei e outros.
Sobre a questão ambiental, a Carta de 88 buscou atribuir competência a todos os entes da
federação na atuação de forma a preservar e proteger o meio ambiente, já que o “interesse
ambiental” possui uma forma diferente das demais questões.
Por fim, conclui-se que, apesar de ser de competência exclusiva da União tratar de assuntos
relacionados à água e à energia, a questão do conflito no uso dos reservatórios hidrelétricos,
por não ser de caráter exclusivamente vinculado à energia e à água, deve considerar a questão
local, haja vista que o que se defende, nesse caso, são questões muito maiores do que às
ligadas a esses setores, afetando princípios constitucionais, como o do direito à vida, o do
desenvolvimento regional, e o de um ambiente ecologicamente equilibrado.
37
3 “INTERESSE PÚBLICO”
3.1 INTRODUÇÃO
É comumente aceita no mundo jurídico a fundamentação de decisões administrativas
evocando-se a supremacia e a indisponibilidade incondicionais do chamado “interesse
público”. Contudo, é unânime o entendimento de que não há uma conceituação concreta desse
termo e que este não é absoluto nem possui uma lógica concreta que o torne perceptível e
universalmente aceito. Ou seja, não há um instrumento jurídico que possibilite a determinação
efetiva do que seja o “interesse público”.
No entanto, pode-se verificar que há uma grande facilidade em apresentar o que não seja o
“interesse público”. Marçal Justem Filho
22
apresenta três equívocos na tentativa de
apresentação de uma teoria para visualização do “interesse público”. Primeiro, segundo ele,
pode-se dizer que não há qualquer possibilidade de se confundir “interesse público” e
interesse estatal, isso por haver interesses estranhos à atividade estatal e que se qualificam
como de “interesse público”, como os interesses do chamado terceiro setor, e, também, por
ser o “interesse público” o próprio formador do Estado. Segundo, na alegação de que o
“interesse público” não se confunde com o interesse do aparato do administrativo, ou seja,
vantagens administrativas não podem ser vistas como “interesse público”. E, por fim, que o
“interesse público” não se confunde com o interesse do agente público.
Assim, algumas tentativas foram traçadas por Marçal Justem Filho
23
para tentar criar uma
lógica interpretativa do “interesse público”, chegando-se às seguintes conclusões:
O “interesse público” não é o interesse particular compartilhado por todos, pois não há
qualquer possibilidade de um consenso universal sobre qualquer assunto que seja, já
que o homem é diferente em sua essência;
O “interesse público” não pode se fundamentar, em uma democracia, no interesse da
maioria, já que, dessa forma, sufocaria as minorias e “um Estado Democrático
caracteriza-se pela tutela tanto dos interesses das maiorias como das minorias”.
Não é possível reconhecer um único e absoluto interesse que possa ser tido como
“interesse público”. Uma sociedade democrática se caracteriza pelo respeito a
pluralidade de pensamento e de interesses.
22
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo – SP.2005.
23
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo – SP.2005.
38
É certo afirmar que, em um Estado Democrático de Direito, qualquer atividade que envolva
uma variada gama de interesses, os quais, em certos casos, respaldam-se no “interesse
público”, merece uma ponderação em sua interpretação, pautando-se em princípios éticos do
direito relacionados a princípios e valores fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa
humana. Para Marçal Justen Filho “nem sequer há um modo prático de descobrir “o” interesse
da “maioria” do povo. É que existe um conjunto homogêneo de interesses privados aos quais
se possa atribuir a condição de interesse da maioria. Na sociedade moderna, há uma
pluralidade de sujeitos, com interesses contrapostos e distintos”
24
.
Dessa forma, no tema central deste trabalho, a grande discussão acerca do conflito sobre o uso
dos recursos hídricos em centrais hidrelétricas ocorre entre os interesses locais, representados
pelas comunidades locais que exploram os recurso hídrico e os interesses globais, que se
reflete nos setores dependentes da energia gerada pela usina, ou seja, na indústria, comércio,
residências, hospitais, escolas, segurança pública, etc, de todo país, já que a energia gerada
será posta no sistema interligado e distribuída em todo país. Inicialmente, é bom que se deixe
claro que não há uma impossibilidade de convivência entre os dois interesses, pois,
tecnicamente, é possível chegar-se a um ponto que possibilite tanto a geração de energia
quanto a exploração dos recursos hídricos pelos demais agentes.
No caso em debate, os interesses locais lutam por uma cota mínima de água, que deveria ser
respeitada pelo setor elétrico no despacho operativo (que determina a geração e a vazão de
água) das usinas hidrelétricas. Vale dizer que a manutenção da água nos reservatórios não
satisfaria apenas interesses econômicos, mas, também, ambientais e até o de consumo humano
de água.
Os interesses globais requerem a liberdade de operação dos reservatórios hidrelétricos, de
forma que estes possam maximizar a geração de energia elétrica, minimizando o custo
operativo, o que, conseqüentemente, resulta no deplecionamento dos reservatórios.
O que se percebe é que, nesse caso, não há uma configuração exata e determinada do que seja
o “interesse público”. Aqui, os dois conflituosos agentes prestam-se a fundamentar-se na
supremacia e indisponibilidade do “interesse público”. Dessa forma, este estudo buscará
encontrar um equilíbrio entre estes, de forma que se alcance o “interesse público”, a partir da
razoabilidade e racionalidade da discussão, fundamentando-se em princípios humanos, sociais
24
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo – SP.2005.
39
e éticos de bem-estar social e não apenas na matemática do máximo alcance dos
“beneficiados” econômicos.
Este capítulo terá como papel demonstrar que o “interesse público” não pode ser visto de
forma única e absoluta, devendo este se apresentar frente a determinado contexto fático. No
caso deste trabalho, não se deve considerar que haja um interesse particular envolvido, mas
sim interesses coletivos conflituosos, pela forma de operação do lago.
É bom que se afaste a idéia ideologicamente contaminada de que os interesses locais estão
inseridos nos interesses particulares e por isso não pode prosperar pelo fato de beneficiar
indivíduos determinados. O que se tem aqui são comunidades dispersas pelo entorno dos
reservatórios que se utilizam destes economicamente e também como suprimento do consumo
humano de água, o que garante a vida desses indivíduos em uma extensa faixa territorial e em
um importante aglomerado populacional.
A visão que se deve ter do caso é a de que as comunidades do entorno representam não
apenas interesses individuais, mas, também, os interesses difusos e coletivos. Contudo,
considerando que o “global” é formado por universo composto de “indivíduos”, estes, em
certos momentos, também deverão ser respeitados em sua vida individual.
A questão ventilada por este capítulo nos remete à discussão em torno do conflito de
interesses (princípios), sendo que, neste caso, estão, de um lado, os interesses locais
(comunidades do entorno do lago), que garantem a sobrevivência das comunidades lindeiras
dos reservatórios e, de outro, o setor elétrico, que busca a maximização da geração de energia,
por meio da minimização dos custos, ou seja, este, caso atendesse os anseios locais, não
deixaria de gerar energia, mas sim necessitaria de uma complementaridade, por meio de outra
usina. Considerando-se que os setores dependentes da energia gerada por esta usina pode ser
atendida por outra usina já existente ou a ser construída, isso graças a “fungibilidade” da
energia elétrica. Desta forma, pode-se dizer que os interesses globais encontram respaldo
unicamente por fundamentos econômico-financeiros. Assim, o presente estudo deverá traçar
uma discussão que possibilite contextualizar o “interesse público” no caso em discussão, sob
a ótica do Estado Democrático de Direito, nascido, no Brasil, com a Constituição de 1988.
Para isso, será feita uma discussão ideológico-jurídica, na qual será contextualizado o Estado
e sua evolução histórica, partindo do Estado feudal e chegando ao Estado moderno. Em
seguida demonstrar-se-á a estrutura administrativa deste e suas funções perante os indivíduos,
40
demonstrando, também, que o termo “interesse público” não possui uma forma única e
absoluta.
3.2 O PODER PÚBLICO E O “INTERESSE PÚBLICO”
Fruto da busca pela conservação própria da humanidade, o Estado surge a partir da
socialização do homem e sua busca por segurança e desenvolvimento. Assim, o homem
submete sua liberdade individual a uma liberdade social, ao bem comum, sujeitando-se aos
interesses desse Estado, que passa a personificar e representar uma aglomeração social. Para
Hobbes
25
, tal fenômeno ocorre pois, cansado de sua condição incerta de guerra e sujeito às
suas paixões naturais, o homem verifica a necessidade de sua conservação e cria um ente,
forte o suficiente para dar-lhe segurança e garantir o bem comum, no qual exerce o poder de
toda uma coletividade sobre o ser individual. Para Hans Kelsen
26
, o Estado é apenas uma
unidade de indivíduos criada por um vínculo comum de interação mútua.
Visualizando o Estado de uma forma mais contratualista, passando a ponderar os interesses
envolvidos nesta troca da liberdade individual pela submissão à coletividade, Rousseau
contextualiza, no que chama de primeira forma de Estado, a relação de submissão e
conservação, afirmando que “a mais antiga de todas as sociedades, e única natural, é a da
família; ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam para a própria
conservação”.
A idéia de necessidade de conservação e união de poder, também é compartilhada pelo citado
filósofo, que passa a supor que os homens, em dado momento, não podem mais “engendrar
novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes”, não possuindo outra forma de
conservar-se senão por meio da aglomeração de um conjunto de forças, criando um
ordenamento que possibilite a tal aglomeração atuar de forma a operar em “concerto”.
27
Não é a intenção do estudo fazer uma definição absoluta e incólume acerca do Estado, já que
a mutabilidade social e histórica do Homem afeta frontalmente as finalidades e a estrutura do
Poder Público. Como já alertou Floriano Marques Azevedo Neto
28
, é possível tratar do Estado
referindo-se às diversas de suas dimensões. “Pode-se estar enfocando-o enquanto detentor do
monopólio da violência legítima. Pode-se, de outra feita, estar privilegiando o Estado
25
Hobbes, Tomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Editora Nova Cultural,
tradução de João Paulo Monteiro et al. São Paulo 1999. Pp.141.
26
Kelsen, Hans. A Democracia. 2
a
. edição, São Paulo: Martins Fontes, 2000. pág. 305.
27
Rousseau, Jean Jaques. Contrato social ensaio sobre a origem das línguas, Do. Volume I. Editora Nova
Cultural, tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo-SP, 1999. Pp. 55.
28
Azevedo Neto, Floriano Marques de. Regulação Estatal e Interesses Públicos. Editora Malheiros, 2002, São
Paulo – SP.
41
enquanto formulador ou executor de políticas públicas. Por fim, pode-se estar privilegiando a
concepção de Estado enquanto aparelho decisório, detentor de um poder vinculante dos
indivíduos”.
Melhor se adapta às intenções deste trabalho o enfoque dado ao Estado por Marques Neto,
que o coloca como “núcleo que reúne a capacidade concentrada de deliberar, politicamente,
sobre a alocação de bens, direitos, oportunidades e recursos amealhados junto à coletividade
social com vistas, potencialmente, a atender as necessidades dispersas por essa coletividade
(“bens públicos” ou “utilidades públicas”)”.
O grande enfoque que se pretende dar ao Estado, por este trabalho, é a aparência deste como
instrumento que atenda as necessidades dispersas pela coletividade, ou, dentro de uma
definição mais simplista, porém mais abrangente, como agente fomentador da busca do “bem
comum”.
Em seu pensamento, Rousseau teoriza o que chama de “contrato social”, na submissão do
indivíduo às regras do Estado, afirmando que o homem ao nascer socialmente renuncia a
todos os seus direitos, inclusive à sua liberdade natural, em prol do respeito geral à sua
própria liberdade, agora coletiva, transferindo todos os seus direitos, advindos de sua natureza
livre, em prol do bem-estar geral, no qual está inserido. Com isso, conclui-se que esse pacto
social dá ao corpo político (o Estado) um poder absoluto sobre todos os seus membros, que,
sendo exercido por meio da vontade geral, ganha o nome de “soberania”.
Apesar de possuir o que chamam de soberania, o Estado, por ser fruto da liberdade individual,
deve se submeter às garantias individuais dadas aos seus membros, respeitando o indivíduo e
exercendo o interesse da maioria.
Nessa mesma linha, Sieyès, em 1979, escreveu que, embora a nação se caracterize pela
“unidade da vontade comum”, não se poderia esquecer que “o indivíduo é a origem de todo o
poder”
29
. Daí, a liberdade do Estado é fruto da coletividade e do respeito ao ser individual,
que também compõe essa chamada soberania.
É bom que se deixe claro que esse interesse da sociedade não está presente apenas na
matemática da maioria dos membros deste Estado, mas, também, em certas minorias e até
mesmo no individual, pois, como já foi dito, ao submeter sua liberdade aos interesses do bem
comum, o homem o faz na esperança de ter seus direitos individuais respeitados, formando de
sua individualidade o todo da coletividade (o Estado).
29
E. Sieyès,.Quést-ce que lê tiers état?, pp. 65-6
42
Contudo, a exagerada concessão de poderes ao governante, na derrocada da Idade Média,
mais precisamente com o advento do Absolutismo, fez com que o Estado afastasse sua prática
dos verdadeiros anseios da sociedade, o real titular do poder. Como já preconizava
Maquiavel, o homem quando detentor do “Poder” o exerce abusivamente e de forma a
satisfazer seus anseios pessoais.
Neste trabalho, adotar-se-á o Estado sob duas de suas principais particularidades essenciais,
tais como a soberania e a dicotomia entre público e privado, que, com a modernização do
Estado, passam a se aproximar a se confundir.
Segundo Marques Neto, o Estado moderno adquire novas formas e passa a se modificar
nesses dois pontos que ele afirma serem fundamentais ao exercício do poder público. Para ele,
“difunde-se a idéia da substituição do poder do soberano (pessoa), para si e contra o súdito
pelo poder do soberano (ente) para o súdito. Só que, onde havia o indivíduo (súdito), passa a
haver a sociedade – o que envolve um conjunto de indivíduos dotados de alguma identidade
coletiva”.
30
Tal conceituação faz-se pertinente ao trabalho no momento em que apresenta a atuação da
soberania do Estado, não apenas na unicidade e centralidade do poder decisório, que antes era
do soberano, mas na difusa multiplicidade de interesses que emergem da Sociedade.
Nesse Estado, concebido anteriormente, o poder indivisível e absoluto do Soberano encontra
as limitações apenas no que se tem como esfera pública e na manutenção inabalável da esfera
privada. Daí, fortalece-se a orientação do conceito de que o Estado deveria ser gerido pelo que
se tem como interesse geral, que, de certa forma, pertence à totalidade social e a nenhum
indivíduo em particular, o que, posteriormente se modifica para o atendimento da pluralidade
de interesses existentes em um aglomerado social, sendo impossível existir um “interesse
público” uno e absoluto.
Nesse ponto, chega-se no que se pretendia, inicialmente, neste capítulo, ou seja, demonstrar
que o Estado moderno, em face das transformações sociais, da globalização e dos novos
anseios populares, passa a atuar de forma a buscar o bem comum, não exclusivamente ditado
pela maioria, mas sim difundido entre os diversos “clãs” sociais, os quais necessariamente
convergem para a busca do “bem comum”, equilibrado na pluralidade social ideológica.
30
Floriano Marques Neto, Ob. Cit. Pág. 51
43
3.3 A EVOLUÇÃO DO ESTADO: DA CENTRALIDADE E UNICIDADE À
PLURALIDADE DOS “INTERESSES PÚBLICOS”
Apesar de, inicialmente, o Estado necessitar de uma estrutura administrativa extremamente
bem definida e engessada, em que a Soberania seguisse o fluxo do soberano sobre o indivíduo
e a dicotomia público e privado tivesse um espaço extremamente delimitado, a evolução
social conduziu o Estado à descentralização e à preocupação com a pluralidade de interesses,
em que a Soberania emana do povo para o povo.
Assim, pretende-se aqui, apresentar a evolução da estrutura do Estado, demonstrando que este
necessitou criar meios que o tornasse mais sensível aos interesses difusos da sociedade, que,
aqui, passa a ser a detentora do exercício da soberania.
O Estado feudal, que surge com a queda do Império Romano e a conseqüente formação de
pequenas estruturas sociais em toda Europa, possuía uma formação centralizada, firmada na
relação dos súditos com os senhores feudais, baseada no juramento de lealdade, nos laços de
sangue, na proteção e na utilização do solo, gerando uma economia basicamente formada no
escambo. Nessa estrutura, era absolutamente inviável a descentralização administrativa,
estando o exercício da soberania exclusivamente nas mãos do senhor feudal, que a exercia
sobre os vassalos, sendo o “interesse público” uno e absoluto, qual seja o que saísse da
decisão do soberano.
Com a perda de poder por parte dos feudos para a classe econômica burguesa, o Rei concentra
em suas mãos o monopólio da força e do Direito. Nesse período, o exercício do poder do Rei
só existia graças à imposição da força, conectada aos grandes exércitos e posteriores às
batalhas de conquista. Tudo era “real”, não havia uma divisão tão segura quanto ao que era
privado, apesar deste, de certa forma, existir. Essa formação do Estado vincula o homem ao
poder central, não apenas pelo espírito de conservação, mas, também, pela coerção exercida
sobre o cidadão como forma de dominação.
No absolutismo monárquico e no feudalismo, a decisão centralizada não respeitava a possível
existência de um interesse individual, contudo, o “contrato social” garantia o respeito aos
direitos fundamentais, como contrapartida à submissão do súdito (indivíduo) ao soberano
(pessoa), sendo que, neste caso, o bem comum se confundia com os anseios pessoais desse
soberano, que vinculava o desenvolvimento social às suas aspirações. Essa exagerada
concessão de poderes ao governante, na derrocada da Idade Média, fez com que o Estado
afastasse sua prática dos verdadeiros anseios da sociedade, o real titular do poder.
44
Após as grandes revoluções, quase todas com motivação econômica, acometeu-se o fim do
absolutismo monarca, no século XVIII, dando início ao Estado liberal-burguês. Então, o
corpo estatal começa a se organizar politicamente em três pilares: (1) o poder Político só
incumbia ao Parlamento; (2) os Poderes Executivo e Judiciário só podiam praticar atos que
decorressem imediatamente dos atos aprovados pelo Legislativo e; (3) o Estado deveria
respeitar os direitos de liberdade do indivíduo frente ao Poder Público. Nesse cenário, é
possível visualizar o início de uma descentralização e da inversão da regulação do Estado, o
que coloca o indivíduo como executor da soberania essa nova estruturação do corpo político
do Estado começa, ainda que de forma modesta, a sensibilizar os anseios difusos da
sociedade, existindo mecanismos capazes de atender aos diversos interesses existentes na
sociedade.
O grande marco para a retomada do exercício do poder pelo povo ocorre com a Revolução
Francesa, difundindo-se a teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu, dando-se a
primeira descentralização da gestão do Estado, o que vem a ser seguido por quase todo
Mundo. Para Montesquieu, a repartição do Estado em três poderes autônomos, Executivo,
Legislativo e Judiciário (descentralização política), traz uma maior segurança ao todo social.
Com isso, Montesquieu descentraliza o ápice do governo do Estado, tornando cada um desses
poderes autônomos e harmônicos. Tal autonomia é condição para a existência da
descentralização, pois, sem ela, esses órgãos seriam apenas um sub-governo, subordinado
ainda a um poder central.
Contudo, essa descentralização e a participação do povo na gestão administrativa não
garantiam um amplo respeito às minorias, que também constituem o todo e devem ter espaço
no que se vislumbrava ser o “interesse público”. Para Kelsen
31
, “se na origem parecia que o
princípio da maioria absoluta correspondia mais à idéia democrática em vias de realização,
hoje se percebe que o princípio da maioria qualificada, em determinadas circunstâncias, pode
constituir uma aproximação ainda maior da idéia de liberdade, representando certa tendência à
unicidade na formação da vontade geral”.
Com o início da formação do Estado, por meio do sufrágio, que inicialmente não era
universal, e com o conseqüente surgimento do Estado democrático de direito, fica evidente o
31
Kelsen afirma que “o domínio de classe é o que o princípio majoritário – no âmbito do parlamentarismo –
condição de realizar”. Em sua obra, fica evidente que o respeito às minorias é essencial para o efetivo
cumprimento da democracia, já que para ele, o respeito e a proteção não são suficientes ao que representa a
minoria, já que, para ele, a pluralidade de indivíduos forma o global, devendo este ser respeitado e ter
participação, para que assim se cumpra a efetiva democracia.
45
exercício da soberania pela e para a sociedade, já que, toma força a idéia de que todo poder
emana do povo e para ele esse deve ser exercido.
Aqui, o Estado começa a ter um novo caráter: Estado de bem estar, Estado social, pós-
capitalista, pós-industrial, intervencionista, propulsivo, administrativo, gestor, incitador,
dirigente e, mais recentemente, regulador, etc
32
.
Mais recentemente, no fim da Segunda Guerra, a economia teve um forte aquecimento e o
Estado passou a ter um papel extremamente interventor para garantir construção de infra-
estrutura e geração de empregos, o que perdurou até meados dos anos 80. Contudo, com a
escassez de recursos, esse Estado precisa agora sair desta condição, necessitando abrir sua
economia, antes monopolizada, para o capital privado.
Neste momento, o Estado ganha uma nova face, necessitando criar instrumentos que lhe
confiram habilidade para uma percepção mais ampla para a pluralidade dos interesses sociais,
o que resulta em uma forte descentralização de suas atividades; o que fortalece os interesses
difusos, até mesmo os dos hipossuficientes.
Assim, o Estado moderno incorpora a preocupação com a pluralidade de interesses existentes
em toda sociedade e, segundo Marques Neto, “hoje em dia os ordenamentos jurídicos
outorgam relevância prática a outros tipos de interesses sociais, catalogados pela doutrina
como interesses difusos e coletivos”.
Nas constituições modernas de quase todos os países, existem mecanismos os quais
possibilitam a percepção dos interesses difusos e coletivos, que possibilitam a atuação do
Estado sobre o sujeito individual.
Para Kelsen, “a existência da maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e,
por conseqüência, o direito da maioria pressupõe o direito à existência de uma minoria”.
Tal afirmativa traz uma visualização igualitária dentro do Estado entre o que é o interesse da
maioria e o da minoria, o que deve ser equalizado, ou ponderado. Contudo, a supressão de
qualquer dos dois lados desse cenário contrariaria a função do Estado, qual seja o de
promover o “bem social”. Respeitar as minorias faz parte do chamado Direito Fundamental,
ao qual todo membro deste Estado pluralista deve ter direito. Daí, a teoria de Rousseau que
coloca o homem como renegador de sua liberdade natural, para submeter-se ao Estado que lhe
garantirá os Direitos Individuais Fundamentais.
32
Alexandre Santos de Aragão. Agências Reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio
de Janeiro, Forense, 2002. pág. 54 – 55.
46
Conforme se viu, o Estado passou por uma evolução em sua estrutura política que determinou
que este atuasse de forma difundida, cumprindo os diversos interesses existentes na
sociedade, não havendo mais espaço para uma administração una e soberana, já que a idéia de
centralidade e unicidade desse poder entrou em colapso, dando espaço ao poder
descentralizado, o que modificou bruscamente a relação soberano e indivíduo. Vale ressaltar
que a descentralização citada não deve ser vista apenas como ideologia política (esquerda ou
direita), mas sim da nova estrutura estatal.
Não é o objetivo deste tópico debater sobre formas de governo ou gestão administrativa, já
que isso seria fruto de um outro estudo. Aqui se pretende focar apenas os tópicos
concernentes ao Estado fomentador do “interesse público” e propulsor do “bem comum”.
Aproveitando-se do entendimento de Marques Neto, tem-se que o reconhecimento da
impossibilidade de se edificar uma Teoria do Estado centrada na idéia de homogeneidade,
universalidade e singularidade de “interesse público” nada tem a ver com a
imprescindibilidade de o poder político manter-se na tutoria dos interesses públicos dos
hipossuficientes. Nesse sentido, acredita-se ser possível sustentar a necessidade de prevalência
dos interesses difusos (enquanto classe dos interesses públicos) no processo decisório levado
a cabo no âmbito do Estado. Aqui, o indivíduo passa a ter maior participação no exercício da
soberania do Estado, sendo o agente principal da existência desse Poder.
É claro e evidente que a estrutura institucional do Estado moderno deixa de atuar de forma
soberana, centrada no que se acreditava ser o “interesse geral” transcrito na vontade da
maioria, limitando-se apenas aos direitos fundamentais dos indivíduos. A evolução histórica
da estrutura do Estado, como foi apresentada, parte da centralidade do poder decisório,
justificada pela determinação divina dos absolutismos monárquicos, chegando à inversão do
exercício dessa soberania, que agora é exercida pelo indivíduo (povo
33
).
O desenvolvimento desse Estado moderno coloca seu direcionamento cada vez mais próximo
dos interesses dos indivíduos, criando, cada vez mais, instrumentos capazes de perceber e
operacionalizar o que se entende como “interesses públicos”. O acolhimento da expressão no
sentido plural é provocativo e tem a intenção de demonstrar que é impossível à sociabilidade
humana acolher um interesse uno e absoluto. A pluralidade de pensamentos e de anseios é
fundamental ao tão sonhado desenvolvimento social, de modo que o torna mais forte,
duradouro e justo. Forte no sentido de ter o respaldo de toda sociedade; duradouro, na medida
33
Para Kelsen, “o ‘povo’ não é um conjunto, um conglomerado, por assim dizer, de indivíduos, mas
simplesmente um sistema de atos individuais, determinados pela ordem jurídica do Estado”.
47
em que buscam agradar, de certa forma, os mais diversos interesses e justo, quando se busca
uma forma de ponderar esses interesses e, assim, tratar de maneira igualitária essa pluralidade.
Para a unicidade do corpo político, formador do Estado, é essencial a visualização dos mais
diferentes interesses difundidos pela sociedade, a conversão da independência individual em
união só se dá em face do atendimento desses interesses individuais. A fortificação da
estrutura particular é difundida, formadora de pequenos “clãs” sociais e torna, cada vez mais,
imediata a necessidade de um Estado descentralizado e fomentador dos mais diversos
interesses.
Goyarde-Fabre diz que “o direito político moderno tem a função de dirigir o Poder do Estado,
exprimindo pelas leis a vontade geral que traduz a soberania do povo; simultaneamente,
compete-lhe promover e garantir as liberdades dos cidadãos. Por meio dessa dupla tarefa, o
direito político do Estado moderno realiza a síntese da ordem da liberdade”.
Essa apresentação evolutiva do Estado tem a pretensão de trazer uma interpretação do tema
central deste trabalho dentro do corpo político do Poder Público. O conflito de interesses
existentes em reservatórios hidrelétricos não prevê uma hierarquia ou uma supremacia de
qualquer um deles, seja do setor elétrico, de geração de energia, seja dos demais interessados,
pautados no uso múltiplo dos recursos hídricos. Está claro que o Estado não pode conduzir
suas decisões firmadas no único e absoluto entendimento de um metafísico “interesse
público”. O respeito às minorias e aos interesses locais deve ser levado em consideração,
podendo até mesmo se sobrepor ao que chamam equivocadamente de “interesse público”.
3.4 O CONFLITO INTERESSE LOCAL VIS A VIS INTERESSE GLOBAL
Antes de iniciar qualquer discussão acerca deste tópico, faz-se extremamente oportuno definir
o que se pretende delimitar com a utilização dos termos “interesse local” e “interesse global”,
qual a amplitude e o que estes representam para o trabalho.
Ao falar de interesse local, pretende-se referir à representação de pequenos nichos sociais, os
quais unam os particulares envolvidos aos mesmos interesses, devendo-se imaginar esses
como os interesses difundidos pela sociedade, os quais, apesar de serem comuns em
pensamento e objetivo, não possuem uma estrutura setorial bem definida e delimitada, não
tendo força e representatividade suficientemente forte para chegar ao que se define como
majoritário.
O que se representa com o termo “interesse local” pode-se definir como interesses
pontualmente difundidos na sociedade, os quais compartilham do mesmo objetivo, alguma
48
coisa bem próxima ao indivíduo; concluindo, este estaria identificado pontualmente no
pluralismo de uma sociedade pluralista. Vale registrar que não se pretende delimitar
territorialmente o que seja o interesse local, haja vista que esse pode possuir uma fisionomia
em cada análise feita em um caso concreto, podendo este aparecer como uma bacia
hidrográfica, um município, um Estado-membro ou uma região do País, etc. Assim, definir-
se-á o termo adotado como os interesses existentes na sociedade, que contrariam o que
representa a maioria.
Para interesse global, adota-se, obviamente, o oposto do que seja interesse local, ou seja, tudo
que representa a maioria ou a representatividade majoritária. Assim, é lógico e faz parte da
própria definição adotada, que um estará sempre em conflito com o outro, visto que a
existência de um depende da contrariedade ao outro. É bom que se reflita que a existência do
majoritário se dá graças à existência de uma formação minoritária, que, se assim não fosse,
seria absoluta e una, o que não cabe no Estado moderno.
Semelhante ao problema estudado neste trabalho, Marçal Justen Filho cita um exemplo,
fictício, que demonstra uma situação na qual não é possível visualizar o “interesse público” de
imediato. Imagina ele uma estrada com grande tráfego, necessitando de duplicação, o que
melhoraria a atividade econômica da região, a qualidade de vida dos que ali transitam e,
certamente, o desenvolvimento daquela região. Contudo, imagine se, para efetivar tal
atividade, fosse necessário relocar toda uma população carente para uma localidade longínqua
do centro urbano ou que, naquele local, houvesse uma floresta de preservação permanente e
inestimável valor ecológico, ou que ali houvesse um importante sítio arqueológico. Veja que
as duas situações, seja na duplicação da rodovia ou não, será atendido um determinado
interesse, que possui um fundamentado respaldo no “interesse público”.
No objetivo central deste trabalho, entende-se como interesse global o interesse do setor
elétrico, fundamentado na necessidade nacional de geração de energia elétrica, e interesse
local aquele que está inserido em todos os demais exploradores dos reservatórios hidrelétricos
(agricultura, pecuária, transporte hidroviário, lazer, turismo, etc.).
Conforme já foi apresentado, é papel do Estado buscar o “bem estar social”, por meio do bem
comum, de onde se conclui que se deve, sempre, buscar um consenso entre a pluralidade da
sociedade, para que não haja a opressão de uma classe sobre outra, ou melhor especificando,
de um interesse sobre o outro. Assim, pode-se afirmar que é papel do Estado ponderar os
interesses difusos e coletivos da sociedade para a busca do bem comum.
49
Para Hans Kelsen, a “proteção da minoria é a função essencial dos chamados direitos
fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão.”
34
Continuando
seu pensamento, ele entende que a democracia, por estar intimamente ligada à liberdade, o
“chefe” sempre encontrará opositores, e, com isso, o interesse geral deixa de existir, para ele,
“na democracia ideal não existe lugar para chefe”
Apesar de o Estado, historicamente, ter suprimido os interesses das minorias, a democracia e a
conseqüente descentralização do Poder Público exigem o respeito às minorias e, assim, o
Estado moderno tem-se adaptado, cada vez mais, para recepcionar os interesses difusos dos
hipossuficientes. Odete Medauar ressalta que “A atividade de consenso/negociação entre
Poder Público e particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no processo
de identificação e definição de interesses públicos e privados, tutelados pela
Administração.”
35
Nessa nova concepção de Estado moderno, vê-se que este possui um caráter muito mais
regulador, qual seja o de equilibrar interesses, que nada mais é do que ponderá-los para se
chegar ao desejado bem-estar social. Desde a formação do Estado, tem-se, de maneira
crescente, que os interesses particulares, ou tidos também como locais, têm sido cada vez
mais importantes, resultando na descentralização administrativa.
Conforme já foi discutido, a primeira grande demonstração dada de descentralização
administrativa foi prestada inicialmente por Montesquieu, em sua teoria de tripartição dos
poderes. Contudo, a grande contribuição trazida pelo Estado moderno, de atuação
descentralizada como garantia do respeito aos direitos fundamentais e individuais, que
evidentemente dá ouvidos aos interesses das minorias, dá-se com o surgimento do conceito de
Estado Federal, que, no século XVIII, com a Constituição Americana, apresenta-se de forma
extremamente descentralizada e dá uma força grandiosa aos “interesses locais” frente ao
Estado.
Devido à significativa importância do conceito de Estado Federativo para a apresentação de
respeito às minorias, pretendida neste trabalho, este tema será tratado em momento oportuno,
de forma a dar maior compreensão do tema no estudo proposto.
Buscando o “bem-estar social”, o grande desafio do Estado está na conciliação da liberdade
individual de seus membros e na necessária submissão às leis do Estado. Conciliar o respeito
34
Hans Kelsen. A Democracia. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2000. p. 67.
35
Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno. São Paulo, Ed. RT, 1996. p. 202.
50
às minorias com a vontade da maioria é o grande problema enfrentado historicamente pelo
Estado. Rousseau, considerado por Kelsen como um dos mais importantes teóricos da
democracia, demonstra que o grande problema encontrado pelo Estado é, também, o grande
objetivo da democracia, qual seja: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja
qualquer membro a ela pertencente e na qual o indivíduo, mesmo se unindo a todos os outros,
obedeça apenas a si mesmo e permaneça livre como antes”
36
.
Assim, nessa busca pelo equilíbrio desse conflito, o Estado necessitou criar instrumentos que,
alheios às decisões políticas de representação classista, atendesse a esses interesses de
maneira ponderada, não se ligando exclusivamente ao interesse da maioria, mas sim aos
objetivos do Estado.
Por fim, deve-se registrar que o desenvolvimento do Estado o obrigou a não mais se curvar
somente aos interesses majoritários representados pela maioria, pois, como se discutiu, o todo
é formado pelo individual, que, inicialmente, deve ter os mesmos direitos dentre seus
semelhantes. A submissão do individual ao “pacto social” se dá graças à garantia de respeito
aos seus direitos individuais, estando o da liberdade e cada igualdade entre eles. Basta
imaginar que se o total é fruto do individual, como pode o primeiro ser o soberano e atuar
sobre o segundo sem o consentimento deste? A resposta está no pensamento que afirma que
Democracia não é feita apenas do interesse da maioria, mas, também, do respeito às minorias.
3.5 O NASCIMENTO DE UM INTERESSE AMBIENTAL “SUPERIOR” AO
LOCAL OU GLOBAL
Anteriormente à entrada focalizada no que seja o “interesse ambiental”, pretende-se ilustrar
este tópico com a definição adotada por José Afonso da Silva sobre o que seja o conceito de
meio ambiente, para assim dar andamento à discussão acerca do que se pretende. Afirma
ainda, que: “o conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a
natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo,
portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico,
turístico, paisagístico e arqueológico. O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado, da
vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do
ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais”
37
.
36
Jean Jaques Rousseau. Contrato Social, Livro I, cap. 6
37
José Afonso da Silva. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo, Ed. Malheiros, 1994. p. 1 e 2.
51
Após a Segunda Guerra, a Humanidade passou a demonstrar preocupações relativas aos
direitos individuais, tais como os direitos à liberdade e à vida, dentre outros, passando,
também, a ver o Homem inserido dentro de um ambiente, vinculando o seu bem-estar e seu
desenvolvimento à preservação desse ambiente. Dessa forma, o direito ao “meio ambiente
sadio e equilibrado” tem sido visto como sendo um dos mais importantes a partir do fim do
século XX
38
. A título de exemplo, vê-se na Constituição portuguesa que “(...) todos têm
direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o
defender”, assim como na Carta colombiana, onde “(...) todas las personas tienen el derecho
de gozar de um médio ambiente sano
É incontestável o fato de que a Constituição de 88 deu elevada importância ao princípio da
preservação ambiental, colocando este como forma de garantia do direito fundamental à vida
e definindo o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dando a
natureza de bem de uso comum do povo. No texto constitucional, o poder constituinte
reservou capítulo específico (Capítulo VI), atribuiu competência para a proteção do interesse
ambiental tanto ao povo quanto ao Ministério Público, delimitou a possibilidade de crime
ambiental e atribuiu competência concorrente de defesa e preservação ambiental a todos os
entes da federação (artigos 5º., LXXIII; 129, III; 225, § 3º. e; 23,VI)
Atualmente, em face da relevância do tema, a busca por um “meio ambiente sadio e
equilibrado” tem sido qualificada, pela doutrina, como direito fundamental de terceira
geração
39
, incluídos entre os chamados “direitos de solidariedade, direitos de fraternidade ou
direitos dos povos”, adquirindo o status de um dos maiores direitos humanos do século XXI,
já que o homem se vê ameaçado no que lhe é fundamental, o ambiente equilibrado que
garanta a sua própria existência.
40
38
Paulo José Leite Farias. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Editora Sérgio Antônio Fabris Editor,
Porto Alegre 1999.
39
Segundo Paulo Bonavides, I Curso de Direito Constitucional, 6ª. Ed., p. 516 a 524. Em termos apertados, os
direitos de primeira geração relacionam-se com o liberalismo e correspondem aos diretos de liberdade, aos
direitos individuais, aos direitos negativos; a segunda geração de diretos relaciona-se com a social-democracia
do fim do século XIX, correspondendo aos direitos sociais, econômicos e culturais; direitos a prestação do
Estado, direitos à igualdade social e direitos positivos; a terceira geração de direitos surge a partir da consciência
de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, que exige a fraternidade, para a proteção
do gênero humano, correspondendo ao meio-ambiente, ao desenvolvimento, à paz, ao patrimônio comum da
humanidade.
40
Déjeant-Pons, Maguelone. in Revne Universelle des Droits de Homme. L’insertion du droit de l’homme à
lénvironnement dans les systèmes régionaux de protection des droits de l’homme”, Strasbourg-Kehl, vol. III, no.
11, p.461-470, apud Machado, Paulo Afonso Leme. Estudos de Direito Ambiental Brasileiro. 5ª. Ed., São Paulo
Malheiros, 1995, p.25.
52
Dessa forma, o princípio jurídico da defesa do meio ambiente faz-se presente na Constituição
de 1988, ganhando tamanha amplitude, que passa a impor a racionalidade da preservação
ambiental às normas de variados ramos, redimensionando a legitimidade do direito.
Poderia entender-se “racionalidade da preservação ambiental” como sendo a síntese do
desenvolvimento sustentável, explicitado no princípio terceiro da Declaração do Rio de
Janeiro/92: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de forma tal que responda
eqüitativamente às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e
futuras
41
. Ou seja: como e o que utilizar no momento presente de maneira a resguardar
potenciais usos para gerações futuras, observando, fundamentalmente, a disponibilidade de
recursos naturais e a capacidade ambiental de absorver os produtos desse uso.
Nesse cenário, onde o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado toma força e torna-se
direito de todos, incluindo-se, inclusive, dentre os objetivos do Estado brasileiro, é notório o
nascimento de um interesse ambiental, que se demonstra supremo e acima dos demais, pois
como já foi dito, este é fundamental à existência da própria humanidade.
A grandeza desse “interesse ambiental” em face de qualquer outro interesse insurgente na
sociedade é evidente. E fica clara a sua prevalência frente aos demais, estando acima do que
seja o interesse local ou global. Assim, o desenvolvimento social e a gestão do Estado devem
atuar de forma a considerar o que venha a ser o “interesse ambiental”, que pode ser definido
como o desejo de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pautando suas decisões no
respeito a esse equilíbrio.
3.6 A SUPREMACIA DO “INTERESSE PÚBLICO”
Oriundo do período em que o Estado detinha todo poder centralizado e detinha o monopólio
da força de ingerência na vida privada, o princípio da supremacia do “interesse público” perde
força e deixa de prevalecer sobre interesses particulares difundidos pela sociedade. Tal fato
ocorre devido à constatação da pluralidade de interesses existentes em uma sociedade e à
interação que passa a existir entre o que seja interesse público e privado.
Em verdade, atualmente, o conceito de “interesse público” não possui uma fisionomia una e
absoluta, mas sim pluralista. Assim, o anseio popular, aquele que agrupe e equilibre dos
diversos interesses existentes na sociedade pode ser visto como “interesse público”. Dessa
forma, fica difícil visualizar uma supremacia de determinado interesse sem que tenha havido
41
grifo nosso.
53
uma prévia ponderação entre todos os interesses envolvidos, o que iguala estes perante o
intérprete na busca do equilíbrio.
Alexandre dos Santos de Aragão compartilha da idéia de que o princípio da supremacia do
“interesse público” deva ser abandonado ou, ao menos, adaptado ao Estado Democrático de
Direito e à sua formação pluralista. Nesse Estado, citado por Aragão, apesar de a
administração dever ser orientada sob o influxo dos interesses públicos, isso não quer dizer
que este deva prevalecer sobre todos os demais.
42
Na formação do Estado moderno, composto por uma sociedade complexa e pluralista, não
existe apenas um “interesse público”. O conceito da busca do bem estar social incorpora uma
variedade de interesses públicos oriundos dessa sociedade. Odete Medauar afirma que “a
doutrina contemporânea refere-se à impossibilidade de rigidez na prefixação do “interesse
público”, sobretudo pela relatividade de todo padrão de comparação. Menciona-se
indeterminação e dificuldade de definição do “interesse público”, a sua difícil e incerta
avaliação e hierarquização, o que gera crise na sua própria objetividade”.
43
Nesse contexto, apesar do ato público ser mais “poderoso” e tender, naturalmente, à
supremacia e à imposição, este passa a ponderar e procurar por um equilíbrio que satisfaça à
máxima realização dos diversos interesses envolvidos, seja ele público ou privado, não
havendo nem mesmo qualquer hierarquia entre eles.
Dessa forma, considerando que o “interesse público” pode estar no equilíbrio de uma
pluralidade de anseios sociais, pode-se entender que, nesse caso e após uma prévia
ponderação, o “interesse público” deve ser superior aos demais, que, mesmo assim, encontra
limitações nos direitos individuais fundamentais.
Para Floriano, “o simples fato da atividade administrativa acarretar benefícios e proveitos
indiretos extensivos a apenas alguns administrados, não torna inquinados de nulidade nem faz
imorais os atos do poder público.”
44
É óbvio que os resultados dos atos administrativos irão
sempre, quando adentrarem à vida real, trazer reflexos aos administrados, sendo que, neste
caso, o papel do Estado é tornar o mais equilibrado possível esses resultados entre os
administrados.
42
Alexandre Santos de Aragão. Agências Reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio
de Janeiro, Forense, 2002. pág. 136 - 137.
43
Odete Medauar. O Diireito Administrativo em Evolução, Ed. RT, São Paulo, 1992, p. 182.
44
Floriano de Azevedo Marques Neto. A possibilidade de restrições de acesso a bens públicos de uso comum
por questões ambientais e urbanísticas, in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, ano 7, no. 13, janeiros a junho de 2004, páginas 11 e 37.
54
Formada por diversos indivíduos interessados na máxima realização de seus interesses o
Estado é formado por uma pluralidade de anseios, dos quais passa a ser o detentor da
soberania e, somando-se a outros particulares, cria alguns pontos dispersos pela sociedade, os
quais devem possuir o mesmo peso na análise do Estado sobre eles. Mais uma vez, registra-se
que o global é formado pelo particular que deve ser tratado igualitariamente no Estado
moderno, estando inserido no pensamento comum da coletividade ou difuso na sociedade. “É
essa ponderação para atribuir máxima realização aos interesses envolvidos o critério decisivo
para a atuação administrativa”.
Por fim, deve-se evocar o pensamento de Marçal Justen Filho quando se referiu à relação
entre a atividade do Estado e o “interesse público”, afirmando que “a atividade administrativa
do Estado Democrático de Direito subordina-se, então, a um critério fundamental que é
anterior à supremacia do “interesse público”. Trata-se da supremacia e indisponibilidade
dos direitos fundamentais
45
.
3.7 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Conceituar e compreender o termo “interesse público” é essencial para este trabalho, na
medida em que o resultado da ponderação de interesses deverá aproximar-se ao máximo desse
conceito. Assim, este capítulo demonstrou a evolução histórica da percepção social do que se
interpreta como “interesse público”.
Neste capítulo, conclui-se que há uma estreita ligação entre os interesses do Estado com a
conceituação do “interesse público” aplicada a cada caso. Nesse sentido, pode-se concluir que
o bem comum possui pilares construídos sobre as limitações de princípios jurídicos ligados às
garantias individuais e aos direitos fundamentais. Assim, tem-se que o “interesse público” é
uma espécie de personificação do objetivo do Estado, construído pela maioria, porém limitado
por garantias mínimas concedidas às minorias, o que se alcança somente através da
ponderação de interesses.
Como se demonstrou, não é sustentável construir a lógica que apresente o “interesse público”
como sendo um conceito uno e absoluto. A evolução da sociedade e a subjetividade contida
na interpretação social sobre os anseios de cada cidadão, tornam o “interesse público” um
conceito evolutivo e direcionador do Estado.
Outra observação que deve ser feita é a de que justamente por não ser uno, mas evolutivo, o
“interesse público” não pode ser tido como absoluto, ou seja, não há uma supremacia irrestrita
45
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo – SP.2005.
55
do “interesse público” sobre o particular, já que, em alguns momentos, o interesse do
particular estará ligado a princípios jurídicos que garantem a própria formação do Estado.
56
4 O PANORAMA INSTITUCIONAL DA GESTÃO DOS RECURSOS
HÍDRICOS
Em face do já apresentado conflito no uso dos recursos hídricos em reservatórios
hidrelétricos, é importante visualizar o conceito de “interesse público”, que, para este
trabalho, não possui um corpo definido e imutável, mas sim uma estrutura subjetiva,
adaptável a casos particulares e extremamente mutável, seja sob o aspecto territorial ou
temporal.
Nessa instabilidade conceitual da percepção coletiva do “interesse público”, a vertente
temporal é a que possui a maior influência na sociedade, já que o senso comum humano é
evolutivo e sofre grande influência do desenvolvimento social. A constante mutação do
sentimento humano de justiça, moral e ética, influencia diretamente nas questões
governamentais e na “verdade social”
46
que se reflete diretamente no ordenamento jurídico.
No que se refere à atuação do Estado, seja através de instrumentos normativos ou de
concessão de direito, é sabido que o desenvolvimento econômico e a evolução tecnológica da
sociedade direciona os novos anseios e interesses dessa coletividade, o que influencia
diretamente na elaboração legislativa, conforme se vê da tabela 2, adiante, que trata da
evolução institucional de temas voltados a recursos hídricos, fazendo um paralelo entre países
desenvolvidos e o Brasil.
O objetivo neste capítulo é demonstrar que o arcabouço legal caminha para o fortalecimento
institucional dos diversos agentes.
46
Neste trabalho, tem-se como verdade social, o sentimento comum sobre o que seja justo. Seria algo como o
entendimento comum sobre determinado assunto. A colocação das aspas se dá pelo fato de que acredita-se nao
existir uma verdade absoluta e imutável.
57
Tabela 2 – Desenvolvimento institucional dos usos múltiplos da água
Período Países desenvolvidos Brasil
1945-1960
Crescimento
Industrial e
populacional
Uso dos recursos hídricos: abastecimento navegação,
energia, etc.
Qualidade da água dos rios
Controle das enchentes
Inventário dos recursos hídricos
Início dos empreendimentos hidrelétricos e planos de
grandes sistemas
1960-1970
Início da pressão
ambiental
Controle de efluentes
Medidas não estruturais para enchentes
Legislação para a qualidade da água dos rios
Início da construção de grandes empreendimentos
hidrelétricos
Deterioração da qualidade da água de rios e lagos
próximos a centros urbanos
1970-1980
Início do controle
ambiental
Legislação ambiental
Contaminação de aqüíferos
Deterioração ambiental de grandes áreas metropolitanas
Controle na fonte da drenagem urbana da poluição
doméstica industrial
Ênfase em hidrelétricas e abastecimento de água
Início da pressão ambiental
Deterioração da qualidade da água dos rios em razão
do aumento da produção industrial e da concentração
urbana
1980-1990
Interações do
ambiente global
Impactos climáticos globais
Preocupação com a conservação das florestas
Prevenção de desastres
Fontes pontuais e não pontuais
Poluição rural
Controle de impactos da urbanização no ambiente
Contaminação de aqüíferos
Redução do investimento em hidrelétricas
Piora das condições urbanas: enchentes, qualidade da
água
Fortes impactos das secas do Nordeste
Aumento de investimentos em irrigação
Legislação ambiental
1990-2000
Desenvolvimento
sustentável
Desenvolvimento sustentável
Aumento do conhecimento sobre o comportamento
ambiental causado pelas atividades humanas
Controle ambiental das grandes metrópoles
Pressão para controle da emissão de gases, preservação da
camada de ozônio
Controle da contaminação dos aqüíferos das fontes não
pontuais
Legislação de recursos hídricos
Investimento no controle sanitário das grandes cidades
Aumento do impacto das enchentes urbanas
Programas de conservação dos biomas nacionais:
Amazônia, Pantanal, Cerrado e Costeiro
Início da privatização dos serviços de energia e
saneamento
2000
Ênfase na água
Desenvolvimento da visão mundial da água
Uso integrado dos recursos hídricos
Melhora da qualidade da água das fontes difusas: rural e
urbana
Busca de solução para os conflitos trans-fronteiriços
Desenvolvimento do gerenciamento dos recursos hídricos
dentro de bases sustentáveis
Avanço do desenvolvimento dos aspectos
institucionais da água
Privatização do setor energético e de saneamento
Diversificação da matriz energética
Aumento da disponibilidade de água no Nordeste
Planos de drenagem urbana para as cidades
TUNDISI (2003)
Verificando o cenário internacional, tem-se o caso dos reservatórios hidrelétricos americanos
que, conforme
Figura 1, demonstra a pluralidade de interesses incidentes sobre os
reservatórios hidrelétricos, a partir das autorizações concedidas, apresentando a evolução
cronológica dessas diversas explorações. Isso demonstra claramente que o desenvolvimento
econômico e tecnológico influencia fortemente a percepção do “interesse público” para a
sociedade e reflete diretamente na evolução institucional do Estado e das normas.
Transportando a evolução institucional voltada ao gerenciamento de recursos hídricos para o
caso dos reservatórios hidrelétricos, a figura 1 apresenta a evolução dos instrumentos legais e
os projetos criados pelo Congresso Americano, no que se refere ao uso múltiplo dos recursos
hídricos em reservatórios hidrelétricos.
58
1820 1850 1880 1910 1940 1970 2000
Proteção da bacia
Planejamento de bacia
Espécies em extinção
Aumento da vazão
Proteção estuarina
Qualidade de água
Psicultura e Aquicultura
Abastecimento de emergência
Irrigação
Abastecimento para consumo
Recreação
Controle de vazão
Geração Hidrelétrica
Navegação
Figura 1 – Usos e programas autorizados pelo Congresso Americano em reservatórios – USACE (1989)
4.1 A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: ASPECTOS LEGAIS E
INSTITUCIONAIS
Analisar a operação dos reservatórios hidrelétricos atualmente requer um estudo acerca da
evolução da sociedade, no que tange à elaboração das normas, tanto voltadas diretamente aos
recursos hídricos como às de caráter ambiental e, sobretudo, analisar a ordem constitucional
no tocante ao papel do Estado frente ao necessário equilíbrio dos diversos interesses
existentes em uma sociedade pluralista. Para tanto, dever-se-á se traçar uma evolução legal e
doutrinária do caso, além do panorama institucional acerca das diversas entidades envolvidas
no uso múltiplo dos recursos hídricos.
A discussão sobre o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos já possui um caráter
histórico, já que seu debate existe desde o início do século passado, tendo como um grande
defensor o engenheiro Catullo Branco. Sua determinação legal surgiu já com o Código de
Águas de 1934, em seu artigo 143, que estabelecia: “Em todos os aproveitamentos de energia
hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais: a) da alimentação
das necessidades das populações ribeirinhas; b) da salubridade pública; c) da navegação; d) da
irrigação; e) da proteção contra inundações; f) da conservação e livre circulação do peixe; g)
do escoamento e rejeições das águas.”
Quando do momento histórico da elaboração desse Código, o Brasil passava por uma intensa
modificação, alterando a prioridade econômica de rural para industrial. Esse desenvolvimento
industrial necessitava de uma grande ampliação da geração elétrica. Mais tarde, após a
59
segunda guerra, grandes usinas hidrelétricas surgiram e, com elas, extensos reservatórios, que
objetivavam somente a regularização energética.
Segundo Catullo Branco, citado por Hélio B. Costa
47
(2002), o conceito de uso múltiplo das
águas previa que, para o manejo racional, deveriam ser incluídos os seguintes aspectos: o
saneamento, o abastecimento de água potável, o aproveitamento das águas na agricultura, por
meio da irrigação, a piscicultura, o transporte hidroviário, as atividades de lazer e turismo e,
também, a produção de energia elétrica.
Com o advento da Lei 9.433, de 1997, o princípio dos usos múltiplos foi instituído como uma
das bases da Política Nacional de Recursos Hídricos e, assim, os diferentes setores usuários de
recursos hídricos, em qualquer corpo d’água, passaram a ter igualdade de direito de acesso à
água, o que, apesar do Código de Águas já tratar do assunto desde 1934, no que se refere aos
reservatórios hidrelétricos (art. 143), isso nunca ocorreu no Brasil. É oportuno ressaltar que a
única exceção, trazida na lei, se refere à prioridade de uso, no caso de escassez, para o
abastecimento humano e a dessedentação animal, o que fortalece a tese da necessidade de
garantirem-se os direitos individuais e da dignidade da pessoa humana. Todavia, o citado
instrumento legal coloca todos os demais usos em igualdade, tais como, geração de energia
elétrica, irrigação, navegação, abastecimento industrial, lazer, etc. Desde então, o crescimento
da demanda por água para os mais variados usos fez crescer e tomar corpo o princípio dos
usos múltiplos, gerando uma série de conflitos de interesses entre os mais diversos usuários.
Um ótimo exemplo a prestar que representa claramente a força que os demais usos têm ganho
no cenário atual é o conflito ocorrido no ano de 2001, quando o setor hidroviário - Hidrovia
Tietê-Paraná e o setor elétrico disputaram o acesso a esse recurso natural. Naquela ocasião, o
país enfrentava uma crise de abastecimento de energia elétrica, o que levou o governo a
incentivar todas as possíveis formas de geração de energia. Em face desse cenário, surge a
oportunidade de utilizar-se um dos reservatórios da bacia do Tietê-Paraná, o reservatório de
Ilha Solteira, com seu total deplecionamento, para produzir uma quantidade de energia da
ordem de 4.700 MW por mês. Contudo, era necessário construir uma barreira no Canal
Pereira Barreto, que impediria temporariamente a navegação. Essa situação era inaceitável
pelo setor hidroviário, em função da interrupção da navegação e de uma eventual demora na
sua retomada. Após várias reuniões entre os mais diversos agentes, públicos e privados, com a
participação e mediação da ANA - Agência Nacional de Águas, foram definidas novas regras
47
Costa, Helio B. Política energética e crise de desenvolvimento: a antevisão de Catullo Branco. Editora paz e
terra S/A. São Paulo 2002.
60
operativas naquele reservatório impossibilitando tal ação, o que representou um importante
benefício para o setor de transporte hidroviário.
A gestão dos recursos hídricos, atualmente, preocupa-se basicamente, com dois aspectos: a
quantidade e a qualidade. Quando se trata de reservatórios de centrais hidrelétricas, esses
conceitos têm de ser analisados de uma maneira mais ampla. Exemplo claro disso é a
importância do nível d’água desses lagos para o lazer e o turismo, independentemente se
fazem uso direto da água. Assim, o efeito paisagístico do espelho d’água é afetado pelo nível
operativo, que é conseqüência do balanço quantitativo (o volume inicial, mais o que aflui,
menos o que sai, resulta no novo volume armazenado e um correspondente nível).
A questão da qualidade tem recebido, historicamente, pouca atenção da sociedade, embora
tenha evoluído legalmente nas últimas décadas. Por vezes, esse avanço tem estado distante da
realidade sócio-institucional do país, tornando-se “letra morta”. Esse tem sido o caso nos
reservatórios focados. A classificação dessas águas é de classe I, exigindo dos usuários um
tratamento dos efluentes bastante sofisticado. O que ocorre, de fato, é que, em sua maioria, os
esgotos têm sido lançados “in natura” e um tratamento primário não obteria o licenciamento
ambiental, uma vez que não resultaria em água de mesma qualidade que o referido corpo
d’água. Problemas como esses são comuns na exploração dos potenciais hidrenergéticos.
Na seqüência, enfocar-se-ão os usos concorrentes das águas, em centrais hidrelétricas,
destacando-se as instituições e os agentes voltados à tutela e representação desses usuários
difusos, em diferentes níveis institucionais.
4.2 O SETOR ELÉTRICO
Apesar do grande marco legal para os recursos hídricos no Brasil ter sido o Código de Águas
(Decreto no. 24.643 de 10 de julho de 1934), o envoltório social e político acerca da tutela
legal e institucional dos recursos hídricos iniciou-se anteriormente, em 1920, com a criação de
uma Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas no Serviço Geológico e Mineralógico do
Brasil, órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Na década seguinte, já no início do ano de 1933, por meio de uma nova organização, criou-se
naquele Ministério uma Diretoria de Águas, que veio a se transformar em Serviço de Águas e,
posteriormente, em Divisão de Águas, a partir do Decreto nº. 6.402, de 28 de outubro de
1940.
Posteriormente, em 1960, a partir da Lei nº. 3.782 de 22 de julho de 1960, criou-se o
Ministério de Minas e Energia e, cinco anos depois, o Departamento Nacional de Águas e
61
Energia – DNAE, sofreram pequena alteração em sua denominação, passando a se chamar
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE.
Criado com o claro objetivo de fomentar e incentivar o crescimento do setor elétrico
brasileiro, o DNAEE tinha a responsabilidade de cuidar do “planejamento, coordenação e
execução dos estudos hidrológicos em todo o território nacional; pela supervisão, fiscalização
e controle dos aproveitamentos das águas que alteram o seu regime; bem como pela
supervisão, fiscalização e controle dos serviços de eletricidade”.
Contudo, fruto das modificações ocorridas na estrutura do Estado brasileiro, iniciadas no final
da década de 1980, a reformulação do modelo institucional do setor elétrico brasileiro exigiu
uma série de adaptações à estrutura do Estado brasileiro, seja nos documentos legais, como o
que regula as concessões e permissões de serviço público (lei 8.987), que institui a política
nacional de recursos hídricos (lei 9.433), seja na criação de instituições estatais que enfrentem
essas adaptações políticas.
Em verdade, tem-se que o Estado brasileiro, ao criar um novo modelo para o setor elétrico,
necessitou criar uma agência reguladora que atuasse sobre o setor elétrico, com um papel de
Estado e pautando-se na busca pelo bem-estar social e na regulação da prestação dos serviços
públicos de energia elétrica. Assim, o Estado passaria a ter um papel diferente do até então
vivido, atuando de modo a incentivar o desenvolvimento energético do país, sem, contudo,
deixar de lado questões, agora latentes, ligadas ao meio ambiente, ao desenvolvimento social
e ao equilíbrio entre os interesses nacionais com os interesses individuais, ligados à dignidade
da pessoa humana.
É oportuno registrar que a promulgação da lei 9.433, ao instituir a política nacional de
recursos hídricos e determinar o uso múltiplo deles, de uma certa forma, afetou diretamente os
interesses do setor elétrico brasileiro, que com a sua grande dependência de geração
hidrelétrica, vem perdendo forças na operação dos reservatórios hidrelétricos, já que, segundo
determina a lei, a nenhum usuário é concedida a prioridade no acesso a esse recurso. Assim, a
gestão dos recursos hídricos em reservatórios hidrelétricos deixa de ser de caráter preferencial
para o setor elétrico, o que vem de encontro aos interesses dos demais setores usuários,
conforme já foi discutido anteriormente.
4.3 SANEAMENTO
O consumo humano é tido como o uso prioritário da água, não apenas pelo determinado na
Lei 9.433/97, mas por tratar-se do direito à vida, que é um dos princípios basilares do Direito.
62
Como conseqüência natural, tem-se o esgoto, com grandes impactos na saúde pública. Desta
forma, a questão do saneamento envolve o interesse maior da vida em comunidade, qual seja
o da qualidade de vida, o que tem ligação direta com o princípio da garantia da dignidade da
pessoa humana
As comunidades instaladas no entorno dos reservatórios sofrem uma grande influência da
operação dos mesmos, já que, em tempos de seca e geração intensa de energia, os
reservatórios diminuem seu volume, o que desloca a borda de sua posição inicial (reservatório
cheio), ocasionando, por vezes, a impossibilidade de captação da água, e, no caso do
lançamento de dejetos, o surgimento de lançamento de esgoto a céu aberto, o que influencia
não somente a salubridade pública, como também o turismo.
São de competência Municipal os serviços locais de distribuição de água e captação e
tratamento de esgoto. No entanto, o lançamento de esgotos nos reservatórios enfocados
demandaria autorização dos órgãos ambiental e de água, no nível federal, e, como reflexo da
“articulação” estabelecida no artigo 21 da Constituição Federal e das competências comuns
estabelecidas no artigo 23, os Estados deveriam estar presentes, definindo, conjuntamente,
níveis operativos, condições de captação e lançamento. Ao se ausentarem, os Estados
sujeitam-se a ações do Ministério Público, que tem a função precípua de defesa dos interesses
sociais, individuais indisponíveis e coletivos.
Enfocando os princípios estabelecidos na lei 9.433/97, o comitê de bacia hidrográfica deveria
ter papel preponderante nas definições do uso das águas no seu sentido “lato”, sem,
entretanto, ter um caráter exclusivo ou excludente. O inciso II do artigo 38, da lei 9.433 de
1997, estabelece o papel de árbitro aos comitês, prevendo recurso aos conselhos superiores de
recursos hídricos. Esse modelo institucional, baseado em conselhos, tem obtido razoável
sucesso na área ambiental, como demonstra o CONAMA. Entretanto, aproxima-se mais de
um arranjo institucional, em que o Estado é mais forte do que o governo, típico dos regimes
parlamentaristas.
Resumindo: seguindo-se as disposições constitucionais, o número de instituições presentes
nesse tema seria bastante elevado. A questão que se coloca refere-se à tomada de decisão,
com tal número elevado de agentes.
4.4 AGRICULTURA E PECUÁRIA
A história mostra que o surgimento das primeiras civilizações se deu à margem de grandes
rios, basicamente utilizados para o consumo humano e agropecuária, base da economia e do
63
sustento destas. Em muitos casos, a prática da irrigação era comum, destacando a importância
histórica que esta tem no aproveitamento do recurso hídrico.
No caso da agricultura e pecuária, os interesses ligados à exploração dos reservatórios
encontram respaldo na necessidade de manutenção da vida e da economia local, pois além das
produções de subsistência, tem-se o agronegócio. Dessa forma, verifica-se haver uma ligação
dessas atividades com a subsistência de famílias e comunidades, o que está ligado ao princípio
da dignidade da pessoa humana.
Uma análise da legislação da mostra que, no Brasil, a política nacional de irrigação foi fixada
por meio da lei 6.662 de 25-06-79, alterada pela lei 8.657, de 21-05-93, e regulamentada pelo
decreto 89.496, de 29-03-84, também alterado pelo decreto 2.178, de 17-03-97. Esta, em
suma, tem como objetivo o aproveitamento racional de recursos de água e de solos para a
implantação de desenvolvimento de agricultura irrigada, atendendo-se princípios como a
preeminência da função social e utilidade pública do uso da água e solos irrigáveis e o
estímulo e maior segurança às atividades agropecuárias, prioritariamente nas regiões sujeitas a
condições climáticas adversas (art. 1
o
., I e II, da lei 6.662, de 1979).
Em certos países, como a Espanha, a irrigação é vista como serviço público. No Brasil, essa
definição não é clara, existindo situações em que ela se caracteriza como tal. Notadamente,
quando resultante de obras da União, o serviço de irrigação é cobrado com base em preços
públicos, ou seja, tarifa. Entretanto, não existe, claramente, uma instituição pública, seja
agência reguladora ou administração direta, que regule esse serviço público. Sendo a irrigação
o maior usuário consuntivo da água, e, estando ela, por vezes, associada a uma prestação de
serviço realizada pelo Estado ou por particulares, parece ser interessante a formalização de
um ente regulador e de outorga para esse setor. Atualmente, a ANA tem cumprido um
importante papel na regulação desse setor.
A história recente tem demonstrado que a irrigação cresce significativamente ao largo dos
reservatórios de hidrelétricas, desfrutando da facilidade de captação. É evidente que a
variação significativa de nível traz transtornos acentuados aos sistemas de captação, que
normalmente coincidem seu período de maior dependência dos reservatórios, justamente com
os de maior deplecionamento, ou seja, os de seca prolongada.
Desnecessário dizer da importância da agricultura na atual conjuntura econômica do país,
posto ser ela a responsável pelos excedentes comerciais obtidos. A preocupação com a
64
irrigação já consta da Constituição Federal, quando, em seu artigo 187, isso fica explicitado
com a mesma importância da eletrificação rural.
Outra questão que vem preocupando gestores de recursos hídricos é a pecuária intensiva, não
só pelo volume captado, mas, principalmente, pela contaminação das águas superficiais e
subterrâneas. Tal risco se agrava quando essa prática ocorre próxima às margens dos
reservatórios focados. Evidentemente, é uma questão, antes de tudo, ambiental, mas um
zoneamento correto da região do entorno poderia combinar esse potencial econômico com os
demais interesses
4.5 PESCA E AQÜICULTURA
Inicialmente, é bom que se definam e se diferenciem os termos pesca, aqüicultura e
piscicultura, que, mesmo possuindo uma relação intima, trazem consigo uma singela
diferença conceitual. Pesca é a ação ou arte de pescar, ou seja, tirar alguma coisa da água
48
,
podendo esta ter caráter esportivo, como recreação, ou até mesmo de subsistência, não
possuindo qualquer caráter de criação, exercendo-se sobre o que já existe naturalmente.
Piscicultura é a atividade que se dedica a criar e multiplicar os peixes, utilizando-se dessa
como atividade econômica, porém como um criadouro. Aqüicultura é o cultivo de organismos
que tenham na água o seu normal, ou mais freqüente, meio de vida, podendo ele ser peixe,
molusco ou qualquer outro ser vivo de vida aquática.
Tanto a pesca quanto a aqüicultura, no caso dos reservatórios hidrelétricos possuem uma
ligação muito próxima com o sustento familiar e de pequenas comunidades, estando
respaldado, também, pelos mesmos princípios atribuídos à defesa da atividade agrícola,
anteriormente tratada neste trabalho.
Legalmente, a aqüicultura, a pesca e a piscicultura sempre tiveram uma tutela especial. Já nas
décadas de 20 e 30, do século passado o ordenamento jurídico se apresentava sólido, com os
decretos 16.184 de 25-10-23 (aprova e manda executar o regulamento da pesca), 23.672 de
02-01-34 (aprova o código de caça e pesca) e o 794 de 19-10-38 (aprova e baixa o código de
pesca), todos já revogados.
Vigorando atualmente têm-se o decreto-lei 221, de 28-02-67 (dispõe sobre a proteção,
estímulos à pesca e dá outras providências), o decreto 2.869, de 09-12-98 (regulamenta a
cessão de águas públicas para exploração de aqüicultura e dá outras providências), a lei 7.643,
48
Michaelis 2000: moderno dicionário da língua portuguesa – Rio de Janeiro: Reader’sDigest; São Paulo:
Melhoramentos, 2000 2v.
65
de 1987 (proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras
providências) e a lei 7.679/88 (dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em períodos de
reprodução e dá outras providências), além do código de águas de 1934 e da lei 9.433/97.
O decreto 2.869/98 define o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA,
como o ente administrativo competente para a cessão de uso de águas, para aqüicultura, dos
reservatórios hidrelétricos, caracterizando, aí, mais uma instituição com ação de controle
sobre a exploração dos lagos de centrais hidrelétricas. Entretanto, em seu artigo 24, esse
decreto submete a aqüicultura à plena operação do respectivo reservatório, exigindo que o
aqüicultor e a concessionária assinem um termo de ajuste de seus interesses. Deduz-se daí que
o setor aqüicultor deverá se submeter ao setor elétrico, independentemente dos interesses
sociais regionais. É a tradicional supremacia de um setor centralizado sobre um setor
descentralizado. O absolutismo de tal preceito parece ser inconstitucional, posto que a lei
maior, em nenhum momento, prioriza a energia elétrica em face de outros usos, dando, como
já visto, destaque ao uso social das águas acumuladas por obras da União (art. 43 § 2
o
.)
4.6 NAVEGAÇÃO
Desnecessário dizer a importância do transporte hidroviário para o desenvolvimento nacional.
Destaca-se, dentro desse cenário, a hidrovia Paraná – Tietê, que faz uso de diversas barragens
de hidrelétricas. Nesse momento, ocorre um significativo aumento do transporte de carga na
hidrovia Tocantins – Araguaia, e já se cogita estender a hidrovia do Madeira, a montante de
Porto Velho, alcançando terras bolivianas e peruanas, por meio de dois barramentos a serem
usados para geração hidrelétrica.
O crescimento desse setor resultou em uma organização dos agentes privados envolvidos,
reduzindo o caráter difuso de suas ações. Isto ficou evidente no período do racionamento de
energia elétrica, quando seus interesses foram preservados ao impedir o esvaziamento
excessivo de Ilha Solteira.
Além dessa organização, a criação da Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAq
definiu administrativamente o ente responsável por sua regulação e outorga, bem como o de
interlocução com outras agências setoriais. É importante ressaltar o princípio preconizado na
lei de sua criação, que estabelece a descentralização de suas ações, bem como a harmonização
com entes Estaduais e Municipais encarregados do gerenciamento das operações de transporte
aquaviário intermunicipal e urbano.
66
A lei 9.433 é enfática ao definir, em seu artigo 13, a necessidade e a manutenção de condições
adequadas ao transporte aquaviário, estando tal princípio no mesmo nível que aquele que
define o respeito à classe em que o corpo d’água estiver enquadrado.
Conclui-se, do exposto, que os lagos das centrais hidrelétricas são naturalmente fomentadores
do transporte hidroviário, devendo se sujeitar, em face do “interesse público”, às regras
estabelecidas para a manutenção e a fiscalização dessas vias, sejam elas realizadas pela
ANTAq ou por instituições descentralizadas. Evidentemente, a questão do nível do espelho
d’água é o tema básico a ser enfocado.
4.7 LAZER E TURISMO
Não há dúvida de que o setor de lazer e turismo, no que diz respeito ao uso da água, é o de
caráter mais difuso, seja pelos agentes econômicos envolvidos, seja pelos interesses
apresentados. No que diz respeito aos reservatórios objetivados, o aparecimento de atividades
de lazer e instalações facilitadoras do turismo ocorre de forma natural, possivelmente pela
quase inexistência de lagos naturais no país e pelas grandes distâncias ao litoral, típicas das
regiões economicamente afetadas por esses reservatórios.
Como já foi abordado neste trabalho, a manutenção do espelho d’água e de sua orla,
principais atrativos turísticos, depende das condições operativas dos reservatórios. Não basta
definir as quotas máximas e mínimas, se mais importante ainda, não forem definidas as
durações e freqüências dos deplecionamentos. Exemplo disso são os reservatórios de usinas
de regularização de ponta, cujos níveis variam entre o máximo e o mínimo diariamente. Não
menos impactantes são os reservatórios plurianuais, como o de Furnas, que se mantem
intensamente deplecionados por períodos que podem ser superiores a um ano. Não há
estrutura turística que suporte tal política de exploração.
Embora o Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR tenha por competência a execução
da política nacional de turismo e, mesmo tendo o turismo um destaque constitucional (art.
180), que atribui à União, aos Estados e aos Municípios a obrigatoriedade de incentivá-lo, em
face à sua importância de fator de desenvolvimento social e econômico, esse setor carece de
uma instituição que se pronuncie, na defesa de seu interesse, no mesmo nível de outros entes,
como por exemplo as agências reguladoras envolvidas.
Como conclusão, pode-se verificar que grande parte das atividades desenvolvidas pelas
comunidades lindeiras, de uma certa forma, estão relacionadas à subsistência familiar e à das
próprias comunidades. Assim, essas atividades devem ser interpretadas como fundamentais
67
para o desenvolvimento da qualidade de vida e da própria sobreviência das comunidades
locais.
4.8 ATENUAÇÃO DE CONDIÇÕES CRÍTICAS
Uma função primordial de qualquer reservatório de regularização é a atenuação de cheias e
estios, típicos do clima tropical em que se vive. Além desses, calamidades ambientais podem
exigir operações excepcionais dessas acumulações, objetivando a diluição acelerada ou
evitando a propagação de impactos negativos.
As centrais hidrelétricas não podem estar à margem das necessidades da defesa civil, devendo
os critérios operativos abrangerem situações emergenciais. Exemplo disso é a definição do
volume de espera para atenuação de enchentes. Historicamente, o setor elétrico definiu
sozinho os parâmetros fundamentais à sua operação. A existência da ANA ampliou essa
discussão, atribuindo a ela essa função decisora. Entretanto, o crescimento das cidades e das
atividades econômicas a jusante dos reservatórios se faz, costumeiramente, à revelia de
qualquer plano diretor ou zoneamento. Observa-se que as áreas alagáveis em situações
extremas (várzeas) são atrativas desse crescimento, estando eventualmente sujeitas a
enchentes quando do vertimento dos reservatórios hidrelétricos.
Mesmo possuindo um arcabouço legal historicamente bem definido, iniciado no Império, no
ano de 1824, quando já se demonstrava a preocupação com a segurança do cidadão, a Defesa
Civil não tem uma atuação direta nas definições técnicas do volume de espera dos
reservatórios. Atualmente, apesar de a Constituição atribuir competência somente à União
para o planejamento e promoção da defesa contra as calamidades públicas (art. 21, inciso
XVIII), o Estado brasileiro possui uma estrutura organizada, descentralizada e bem definida,
para tanto. Organizada sob a forma de sistema (Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC),
é composto por vários órgãos que atuam nos três âmbitos, quais sejam, a União, os Estados e
os Municípios, possuindo, ainda, uma estrutura regional, atuante nas cinco regiões do país.
Vinculada ao Ministério da Integração Nacional, a Secretaria Nacional de Defesa Civil –
SEDEC é o órgão central, estando subordinadas a este as Coordenadorias Regionais da
Defesa Civil – CORDEC, as Coordenadorias Estaduais da Defesa Civil – CEDEC e as
Comissões Municipais da Defesa Civil – COMDEC, além dos órgãos setoriais que a auxiliam.
Porém, como já foi abordado, todos à margem das definições do volume de espera dos
reservatórios.
68
A questão que se coloca é a falta de um ente institucional claramente responsável pela
ocupação territorial ou pela renegociação dos parâmetros operativos dos lagos aqui focados.
Embora, à primeira vista, os municípios tenham essa responsabilidade, não parecem ser
suficientemente capazes para tal renegociação. Surge, de forma clara, a importância dos
comitês de bacia, aptos que seriam para captar os interesses locais e definir novos critérios
operativos, sobrepondo-se às agências estaduais e federais de recursos hídricos.
4.9 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Neste capítulo buscou-se apresentar a estrutura institucional dos diversos agentes
exploradores dos reservatórios. Assim, o que se vê neste pequeno apanhado de normas que
instituem e regulamentam esses setores e suas relações com os demais.
Tal apresentação se faz necessária para demonstrar que há uma organização institucional
desses agentes e, sobretudo, um interesse da nação em garantir-lhes um mínimo de direitos.
Verifica-se, também, que essas atividades, relacionadas aos interesses locais, são
resguardadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana e detêm uma estreita ligação com
a qualidade de vida dos cidadãos do entorno. Por outro lado, o setor elétrico, que procura pela
maximização dos benefícios econômicos para todo o país, encontra respaldo no
desenvolvimento global do país, o que também deve ser considerado e possui um grande peso
na valorização objetiva dos princípios.
Neste sentido, os capítulos seguintes buscarão criar uma metodologia que apresente uma
ponderação dos diversos conflitos incidentes no caso concreto. Inicialmente, se aproveitará da
teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy, para demonstrar a necessidade de
quantificar as incidências dos diversos atributos, estranhos ao positivos jurídicos, na resolução
do caso concreto.
Adiante, utilizar-se-á ferramentas matemáticas, largamente usadas pela economia e demais
ciências exatas, para criar uma metodologia que torne factível a ponderação de cada caso
concreto, sob a ótica da norma posta, mas, também, dos preceitos éticos e sociais aplicáveis
ao caso.
69
5 PONDERAÇÃO DE INTERESSES SOB A ÓTICA JURÍDICA
5.1 INTRODUÇÃO
O estudo da técnica de ponderação de interesses se apresenta ao objetivo central deste
trabalho como o instrumento mais adequado à resolução deste conflito, qual seja, o da disputa
pela exploração dos recursos hídricos em reservatórios hidrelétricos. É sabido que,
historicamente, o setor elétrico possui uma “supremacia” sobre todos os demais interesses,
fazendo valer sua vontade sobre estes, o que tem acalorado a antológica disputa, interesse
local vis-à-vis interesse global.
Nessa disputa, tem-se, de um lado, o setor elétrico que requer a utilização da água dos
reservatórios para a produção de energia elétrica e, do outro, estão as comunidades locais, que
se utilizam do reservatório para exploração de outras atividades econômicas e até mesmo
como forma de sobrevivência.
É bom que se registre que a técnica da ponderação de interesses deverá auxiliar a solução
deste conflito, pautando-se nos princípios constitucionais e na busca pela garantia da
dignidade humana e dos chamados direitos fundamentais.
O método de ponderação de interesses não possui um caráter absolutamente metodológico e
objetivo para solução de conflitos constitucionais, mas sim um instrumento altamente
subjetivo de análise social e humana, da qual se contamina de valores humanísticos
superiores, subjacentes à ordem constitucional, como a dignidade da pessoa humana e os ditos
direitos naturais fundamentais.
49
O termo ponderar possui uma estreita relação com o que, comumente, se tem por noção de
justiça. Equilibrar interesses ou argumentos, nada mais é do que procurar a justiça por meio
da prática da ponderação.
Como já foi abordado, o texto literal da lei presume a existência de um interesse uno e
absoluto, firmado na ação positiva da lei, o que já se demonstrou não ser verdade. Ponderar
interesses aproxima a atividade social do que se tem por justiça e, principalmente, das funções
do Estado.
Neste capítulo, será discutido o tema ponderação de interesses, buscando-se demonstrar a
ineficácia da análise extremamente positivada de um ordenamento jurídico, sem deixar que
49
Daniel Sarmento. A ponderação de interesses e a Constituição Federal. Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro,
2003.
70
este seja influenciado pelo desenvolvimento social e pelos mutantes interesses da sociedade,
fruto da nova fase vivida, denominado por alguns doutrinadores como o “pós-positivismo”.
Inicialmente, será feita uma análise do princípio da dignidade da pessoa humana, devido à
fundamental importância deste, dentro do ordenamento jurídico do Estado moderno.
Subseqüentemente, será apresentado um breve estudo sobre princípios constitucionais, e,
especificamente, do princípio da proporcionalidade. Além disso, dever-se-á demonstrar a
ineficácia dos modelos clássicos de resolução de conflitos normativos e, finalmente,
apresentar a técnica da ponderação de interesses e aplicá-la ao caso concreto.
5.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Esta análise acerca de princípios constitucionais é requisitada pelo trabalho na medida em que
este busca solucionar o conflito sobre o uso dos recursos hídricos, tratando de interesses
divergentes e inserido em um Estado Democrático de Direito. Assim, considerando que a
formação da norma advém dos princípios gerais de Direito, é de suma importância a análise
destes, aplicados ao caso concreto, de forma que subsidiem o resultado obtido através da
análise ponderativa do conflito.
A compreensão dos princípios jurídicos que regem um determinado ordenamento é
extremamente importante na medida em que aqueles determinam os rumos a serem tomados
por estes, ou seja, os princípios jurídicos são tidos como os pilares que sustentam um
ordenamento jurídico, determinando o seu alcance e a direção a ser tomada por estes, ficando
acima de qualquer norma posta. Os princípios jurídicos podem ser compreendidos como
normas universais e supra-legais, das quais não necessitam estar escritas em Códigos, mas
orientam todos os atos normativos.
Para Daniel Sarmento, “os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico,
irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação
e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam”.
50
Buscando uma conceituação para o que representa o termo princípio, a Corte Constitucional
italiana, em 1956, deu parecer no seguinte sentido: “Faz-se mister assinalar que se devem
considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas
de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação
50
Daniel Sarmento. A ponderação de interesses e a Constituição Federal. Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro,
2003. p. 42.
71
e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento
histórico, o tecido do ordenamento jurídico”.
51
Um ordenamento positivo pode assumir duas formas básicas: regras ou princípios. As regras
possuem uma configuração específica e determinada, sendo que os princípios possuem um
caráter mais abrangente e amplo, direcionador e absoluto, já que está ligado a própria
formação de um ordenamento jurídico, influenciando na criação das normas e em sua própria
interpretação. Para Canaris os princípios se situam entre as regras jurídicas e os valores
sociais.
52
Em verdade, os princípios gerais de Direito em um ordenamento jurídico são os instrumentos
que aproximam, metafisicamente, a norma da resolução do caso concreto, desvinculando o
intérprete da literal e material interpretação legal positiva. Para Gustavo Zagrebelsky, se o
Direito não contivesse princípios, mas apenas regra jurídica, seria possível a substituição dos
juízes por máquinas.
É pacífico para doutrina que os princípios tomam caráter de norma e, igualmente a este,
direcionam o intérprete na decisão do caso concreto. Nesse sentido é necessário mencionar a
contribuição de Crisafulli nesta caminhada doutrinária para a normatividade dos princípios.
Para este professor italiano, “os princípios (gerais) estão para as normas particulares como o
mais está para o menos, como o que é anterior e antecedente está para o posterior e o
conseqüente”.
53
Neste sentido, tem-se que, para o trabalho, é de suma importância demonstrar a relação
existente entre norma e princípio, qual seja especificidade e generalidade. Vale demonstrar o
pensamento de Ronald Dworkin
54
sobre tal comparação, haja vista que para ele, a norma
incide sobre o “tudo ou nada” (all or nothing), ou seja, existe uma especificidade absoluta,
enquanto os princípios incorrem sobre qualquer fato que o chame para tutelá-lo.
Ao contrário da forma de interpretação da resolução de conflitos normativos, o que não é o
caso, na relação entre generalidade (princípio) e especificidade (norma) prevalece a
generalidade, pois esta demonstra valores maiores postos pela sociedade sobre o ordenamento
51
Giur. Costit., I, 1956, 593, apud Norberto Bobbio, “Principi generali di Diritto”, in Novíssimo Digesto
Italiano, v. 13, p. 889.
52
Claus Wilhelm Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Tradução de
Antônio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 86-87.
53
Per la determinazione del concetto dei principi generali del Diritto. In Studi sui principi Generali
dell’ordinamento Giurdico, p. 240.
54
Ronald Dowrkin. Taking Rights Seriously. Cambrikge: Harvard University Press, 1980, p.24
72
jurídico. Assim, os princípios jurídicos devem se sobrepor a qualquer norma, já que estes
possuem um caráter universal e supralegal, como já foi tratado.
No entendimento de Paulo Bonavides, os princípios são “os valores supremos ao redor dos
quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional”.
55
Assim, para uma melhor compreensão da estrutura jurídica de um determinado
ordenamento, é importante se voltar a uma análise da evolução da juridicidade dos princípios
que, ainda para ele, passa por “três distintas fases: a jusnaturalista, a positivista e a pós-
positivista”.
56
Na fase pós-positivista o ordenamento jurídico passa a sofrer uma forte influência dos
conceitos de Direito Natural, de origem “divina” existente no íntimo de todos os seres
humanos. Neste momento as normas passam a transcrever tais sentimentos, inserindo
questões superiores do convívio humano nos instrumentos normativos. Nas últimas décadas
do século XX o Direito Constitucional passou a recepcionar princípios jurídicos em seus
textos, preocupando-se, como já foi mostrado, com questões relacionadas à defesa da
dignidade da pessoa humana.
Na ponderação de interesses os princípios, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa
humana, tornam-se instrumento da técnica, o primeiro como justificativa do meio a ser
utilizado e o segundo, como necessidade de adequação do resultado a este. Além disso, na
aplicação da técnica, os princípios gerais de Direito têm o papel fundamental de vincular o
resultado aos anseios da sociedade.
Neste sentido, é oportuno fazer menção a algumas decisões do Supremo Tribunal Federal
onde se aplicou a ponderação de interesses para resolução de conflitos entre princípios
jurídicos contidos na Constituição Federal.
Em recente julgamento do STF, onde se decidia um pedido de habbeas corpus de uma prisão
por racismo, onde o paciente pautava-se na liberdade de imprensa, já que havia condenado
por ter publicado um livro que, segundo a decisão de segunda instância, “faz apologia de
idéias preconceituosas e discriminatórias”. Neste julgamento, prevaleceu o a tese de que o
combate ao racismo é mais importante à sociedade brasileira
57
.
Outra importante decisão, que mostra o conflito entre o interesse de um particular e o
interesse de toda sociedade. Neste caso o judiciário foi incitado a decidir um aparente conflito
55
Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. P.254.
56
Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. P.259.
57
Supremo Tribunal Federal decisão proferida no julgamento do HC 82424.
73
de princípios constitucionais, de um lado, estava o interesse de uma artista que foi exposta na
mídia, através da veiculação de uma matéria que denegria sua imagem, de outro lado, figurou
o interesse da sociedade acerca da liberdade de imprensa. Decidiu o Juiz de primeira instância
pela reparação do dano causado à artista, sob a alegação de que a informação a ser divulgada
não teria importância à sociedade e também denegria a imagem da artista
58
.
Para a resolução do conflito proposto pelo trabalho, será necessário fazer uma análise dos
princípios gerais de Direito, envolvidos no caso concreto, para fortalecer o resultado obtido.
Desta forma, este estudo será pautado em duas vertentes, a primeira nos princípios jurídicos
que tutelam o já apresentado interesse global (que teoricamente representa o setor elétrico) e,
a segunda, os que estão presentes no interesse local (que representa os interesses difusos).
Contudo, é oportuno observar que ambos os interesses podem se manifestar de modo
individual, difuso e coletivo.
A simples interpretação positivista do caso está longe de se chegar à justiça, pois, neste caso,
estão envolvidas questões maiores, que remontam a própria sustentação do ordenamento
jurídico posto.
No caso estudado por este trabalho, certamente, estão envolvidos alguns princípios
constitucionais de forte relevância, dos quais serão analisados e ponderados, lembrando que
não existe nenhuma hierarquia entre princípios constitucionais, devendo estes se adequar ao
caso concreto e buscar a melhor solução, aplicando-se o princípio da proporcionalidade e
buscando a manutenção da dignidade da pessoa humana.
A seguir serão estudados os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa
humana, para que sirvam de suporte à apresentação da técnica de ponderação de interesses.
5.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A atividade ponderativa do ser humano é um exercício diário em sua atividade social, todas as
suas decisões estão fundamentadas em um breve balanceamento dos benefícios e malefícios a
serem alcançados. Para isso, o homem se utiliza de valores íntimos, os quais conduzem sua
vida, seja ela da forma que for.
Igualmente ocorre com a atividade do Estado, que executa a justiça através de um “intérprete”
que pondera argumentos e preceitos socialmente consolidados para, assim, alcançar o objetivo
desejado pelo “íntimo social”, a justiça. Para isso, o Estado possui uma estrutura da qual se
58
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, processo número 2000.001.068627-6.
74
utilizam valores e princípios extraídos da sociedade, que se transportam para o ordenamento
jurídico e conduzem tais decisões, sendo que o mais forte e formador de todos os demais é o
princípio da garantia da dignidade da pessoa humana. Para Marçal Justen Filho, “o ponto
fundamental é a questão da ética, a configuração de um direito fundamental. Ou seja, o núcleo
do direito administrativo não reside no “interesse público”, mas nos direitos fundamentais.”
59
Na Constituição brasileira de 1988, o constituinte reconheceu a dignidade da pessoa humana
como fundamento da República, mostrando a importância deste princípio já no art. 1º, inciso
III, o que demonstra certo simbolismo. Para Luiz Roberto Barroso, tal atitude está ligada
diretamente à preocupação que se tinha de elaborar uma Constituição fortemente ligada à
promoção dos direitos humanos e da justiça social no Brasil.
60
É bom que se ressalte que a formação do Estado e a construção de um ordenamento jurídico
têm como justificativa única o indivíduo, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana,
sem qualquer dúvida, é o epicentro formador de todos os princípios gerais de direito e dos
princípios constitucionais. No entendimento de Miguel Reale
61
a pessoa humana deve ser
concebida e tratada como valor-fonte de toda atividade do Estado.
Contudo, devido a sua carregada estrutura sentimental e filosófica, pouco objetiva, o conceito
de dignidade humana possui um corpo metafísico mutante e ligado diretamente ao
regionalismo da sociedade em estudo. O conceito de humanamente digno é diferente se
estudado, por exemplo, no mundo ocidental e oriental, além do fato de que tal conceito não
possui o mesmo entendimento hoje com o que se tinha há trezentos anos atrás.
É bom que se registre que os direitos fundamentais e os direitos humanos possuem uma
extrema fundamentação extraída do princípio da garantia da dignidade da pessoa humana,
assim, o termo “direitos humanos” é universalmente adotado como a busca pela garantida da
dignidade humana.
Para Cláudia Toledo, “a expressão direitos humanos, refere-se ao grupo de valores básicos
para a vida e dignidade humanas, elevados a direitos dos homens universalmente, ainda que
não positivados; direitos fundamentais, ao contrário, representam o grupo desses valores
expressamente consagrados nos ordenamentos jurídicos nacionais”.
62
59
Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo – SP.2005.
60
Luiz Roberto Barroso. Dez anos da Constituição de 1988.
61
Miguel Reale. A Pessoa, valor-fonte fundamental do Direito, in Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo:
Saraiva, 1990, pp.59-69.
62
Cláudia Toledo. Direito Adquirido e Estado Democrático de Direito, Editora Landy, São Paulo, 2003, pp. 22.
75
A história da humanidade demonstra que a dignidade da pessoa humana sofreu diversas
interpretações através dos séculos. Os inúmeros conflitos humanos e a própria relação de
dominação entre os povos fez com que o homem interpretasse tal conceito de modo diverso
em cada período de sua existência. É do íntimo humano a relação de dominação frente ao seu
próximo e, em outros tempos, tal atitude não possuía a limitação atual e colocou o ser humano
em situações que atualmente não se interpretaria como digna.
Colocando todos os indivíduos como filhos de um mesmo “ser” e vinculando-os como se uma
família fosse, o monoteísmo alerta para a necessidade de uma vida mais “justa” e igualitária.
Além disso, a alegação de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (o “ser”
citado anteriormente), coloca todos merecedores de cuidados e de viverem com dignidade.
Assim, o cristianismo, apesar de ter atuado de forma modesta no início, coloca os homens sob
uma igualdade e passa a introduzir o conceito de uma vida digna para todos.
Essa assumida ligação da defesa dos direitos humanos com a religião é o único ponto de
referência ética relativamente estável na presente sociedade globalizada, mesmo considerando
que tal princípio é de origem ocidental.
63
O exercício da dignidade humana possui uma íntima ligação com o ideal de liberdade,
igualdade e fraternidade, oriundos do Iluminismo. Em verdade, a dignidade humana só poderá
ser alcançada se passada pelo crivo destes conceitos.
Fazendo uma análise histórica do princípio da dignidade da pessoa humana, percebe-se que a
necessidade da diminuição das forças do Estado e da conseqüente proteção dos direitos
fundamentais, ocorrida na fase do Iluminismo e do Racionalismo, influenciou fortemente o
constitucionalismo que vinha sendo criado nesta época (séc. XVIII).
Neste momento, foram construídos os ideais do jus naturalismo, onde se colocava o ser
humano maior que o próprio Estado e centro de todas as preocupações. Isto gerou uma
inversão na ótica do poder político, passando a Soberania do monarca para a Nação e
posteriormente para o povo, como já foi demonstrado anteriormente.
Para Montesquieu a separação dos poderes e a criação da norma constitucional tinham como
principal objetivo o respeito aos direitos individuais dos cidadãos. Este entendimento é tão
forte que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não considera como
63
Lima Vaz. Etica II – Ética Sistemática, Belo Horizonte, Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus,
Instituto Santo Inácio de Loyola, 31 out. 1997, notas de aula citadas por Cláudia de Toledo. Direito Adquirido e
Estado Democrático de Direito, Ob. Cit.
76
Constituição a norma que não prevê a tripartição dos poderes e a garantia dos direitos
individuais.
A evolução humana demonstrou que o simples constitucionalismo não garantiu a dignidade
humana como se pretendia, já que a política liberal advinda da industrialização das Nações
inseriu novas preocupações para o Estado e, consequentemente transformou o conceito que se
tinha por dignidade humana.
É certo que o marxismo, o socialismo utópico e a doutrina social da igreja católica
questionavam os rumos que vinham sendo tomados pelas mais diversas Nações em todo o
mundo, sendo que, a Revolução bolchevique na Rússia assumira um importante papel na
mudança em que o modelo de Estado sofrera, onde este passa a abrir os olhos para as mais
diversas classes sociais, passando a dar ouvidos aos mais diferentes anseios difundidos pela
sociedade.
Neste novo modelo, a dignidade humana passa a ter um novo contexto e o Estado se curva
para novas preocupações, passando a fomentar condições mínimas de vida para a população
como, promover a saúde pública, garantir a educação, proporcionar a criação de postos de
trabalho, garantir maior segurança pública, etc. Em suma, o Estado começa a ter agora um
caráter social e pluralista.
É claro que, cada vez mais, o Estado passará a ter uma atuação mais próxima do indivíduo,
desenvolvendo mecanismos que garantam diferentes necessidades sociais e possibilitem a
garantia da dignidade da pessoa humana.
Graças a isso, o constitucionalismo, em todo o mundo, passa por uma mudança e começa a se
abrir a novos direitos, especificando, cada vez mais, a sua atuação face ao indivíduo e à
sociedade, passando a se voltar forte e pontualmente à dignidade humana e à qualidade de
vida do homem.
Atualmente a sociedade vem sofrendo uma perigosa “turbulência” trazida pela globalização
econômica, e esta tem ameaçado conquistas importantes relacionadas aos direitos
fundamentais e à dignidade humana, colocando o homem em segundo plano frente ao
desenvolvimento econômico. O indivíduo passa a ser um instrumento descartável neste novo
cenário de maximização dos resultados econômicos.
Contudo, os interesses difusos da sociedade têm sido cada vez mais fortalecidos, contrariando
este ideal de maximização do resultado econômico, aproximando-se do anseio individual.
Para Daniel Sarmento “a ótica que prevalece nesta matéria no constitucionalismo
77
contemporâneo é a do personalismo, que busca uma solução de compromisso entre as
concepções individualista e coletivista”.
64
A questão da garantia da dignidade da pessoa humana possui uma estrutura evolutiva
metafísica que a impõe à universalização e à ampliação quantitativa e qualitativa.
Quantitativamente no sentido de que o mundo vem evidenciando a inscrição dos direitos
humanos (garantia da dignidade humana) em diversos atos, tratados, convenções, pactos,
declarações, etc., em diversas nações, inclusive em Estados não democráticos.
Qualitativamente devido à evolutiva e ampliada conceituação do entendimento de vida
humana digna e à necessária garantia desta para todos.
Por fim, conclui-se que tratar o homem como o centro de todas as preocupações é o objetivo
fundamental do Estado democrático e o princípio da dignidade da pessoa humana; é a base
deste Estado, orientando todas as atividades deste.
5.4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade, intuitivamente conduz à interpretação de que o exercício do
poder público deve, sempre, ser aplicado proporcionalmente ao bem jurídico a ser defendido.
Isto nada mais é do que um controle de conformidade dos atos administrativos com os
ditames da razão e da justiça, o que envolve o princípio da dignidade humana.
A aplicação do princípio da proporcionalidade aproxima o exercício do poder público com a
interpretação subjetiva do ordenamento jurídico, fato necessário à condução da sociedade. De
fato, este aplica o ato normativo ao bem jurídico a ser defendido de modo “homeopático”,
aproximando o exercício do poder público com a justiça, sem deixar que a frieza do texto
normativo contamine a decisão do agente julgador. Assim, o que se busca é a aplicação da
intenção da norma ao ato e não somente o texto da lei.
Tal subjetividade permite que este princípio sirva para a análise dos mais diversos interesses
conflituosos, pois sua fluidez garante a aproximação do resultado ao que se interpreta por
justo o íntimo da sociedade. Assim, a aplicação da ponderação de interesses deve sempre estar
ligada ao princípio da proporcionalidade, estando este inserido dentro do procedimento de
ponderação.
No Direito Administrativo o princípio da proporcionalidade aparece como o instrumento
garantidor da liberdade individual. Ele garante que o Estado não ultrapasse a fronteira dos
64
Daniel Sarmento. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Ob. Cit. pp. 69.
78
direitos fundamentais, fazendo da relação do indivíduo com o Poder Público uma relação
bilateral e limitada na razão e na justiça. Aqui, se interpreta justiça como a “justa medida”, a
“perfeita proporção”, a “medida exata e proporcional”.
O controle de constitucionalidade representa perfeitamente a atuação do princípio da
proporcionalidade, já que este tem como finalidade adequar todos os atos administrativos
(normativos e administrativos) aos princípios constitucionais e à norma constitucional posta.
Fazendo uma pesquisa histórica, conclui-se que a constitucionalização deste princípio
acontece somente após a Segunda Guerra, quando, na Alemanha nasce uma preocupação com
que o legislador não repita as barbáries cometidas, limitando o poder deste sobre a sociedade,
através da adequação dos atos ao princípio da dignidade humana e dos Direitos Naturais.
Hoje o princípio da proporcionalidade, para a doutrina alemã, possui um corpo teórico muito
bem trabalhado, e ele se desmembra em três formas: “adequação, necessidade ou
exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito”.
65
O princípio da adequação limita o ato do poder público (normativo ou administrativo) ao
sucesso na obtenção dos fins a que aspira, ou seja, adequar o ato à finalidade perseguida pelo
Estado. Este princípio limita o julgador a analisar a finalidade da norma, ou seja, a vontade do
legislador e não exclusivamente o texto normativo.
O princípio da necessidade ou exigibilidade obriga sempre a análise de uma medida menos
gravosa para atingir o objetivo pretendido. Assim, o Poder Público deve atuar da maneira
menos penosa à sociedade para atingir o fim que se pretende. Para este estudo, tal análise é
extremamente pertinente, na medida em que busca resolver o conflito pelo uso dos recursos
hídricos em reservatórios hidrelétricos, da forma menos prejudicial a todos os usuários.
Como conclui J. J. Gomes Canotilho, o exame do subprincípio da necessidade deve
compreender: “a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível
quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial, que aponta para a
necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal, que pressupõe a
rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva pelo poder público; d) a exigibilidade
pessoal que significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses
devem ser sacrificados”.
65
Daniel Sarmento. A ponderação de interesses na Constituição. Ob. Cit. Pp.81.
79
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito limita a atuação do poder público a uma
análise de custo benefício de seus atos, sendo que o ônus social imposto pela norma ou ato,
deva ser inferior ao benefício trazido pela mesma. Assim deve-se ponderar a respeito do que
se pretende com o que resultará esta ação, buscando-se sempre o melhor benefício.
Assim, toda norma ou ato administrativo deverá: ser apto para o fim a que se destina; ser
menos “onerosa” possível e; causar mais benefícios do que malefícios.
Na ponderação de interesses é essencial que se aplique o princípio da proporcionalidade,
havendo uma ligação extremamente íntima entre estes, pois o entendimento aplicado aos seus
três subprincípios é o mesmo imposto à ponderação de interesses.
Além disso, para que ocorra a ponderação de interesses, é necessário que se imponham
algumas restrições aos interesses em disputa, sendo elas: garantir a sobrevivência do interesse
contraposto; não haver solução menos gravosa e; os benefícios angariados compensarem o
sacrifício imposto aos interesses antagônicos. Assim, fica demonstrada a íntima ligação
conceitual entre estes dois preceitos jurídicos estudados.
5.5 A INEFICÁCIA DO MODELO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
NORMATIVOS QUANDO APLICADA AO CASO CONCRETO DESTE TRABALHO
A principal característica de um ordenamento jurídico está na sua unicidade, que mesmo
frente a inúmeros textos legais, estes se submetem a uma única e exclusiva força central, que
se personifica nos interesses de um Estado ou, até mesmo em um texto legal, como é o caso
dos países submissos a uma Constituição rígida. Para José Joaquim Gomes Canotílho, a
unidade da Constituição “obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a
procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a
concretizar”.
66
Assim, torna-se necessária a existência de um mecanismo que possibilite adequar as diversas
normas a estes interesses maiores, que no caso estão contidos na Constituição, sendo que
também para Norberto Bobbio, tais mecanismos são o cronológico, hierárquico e de
especialidade.
67
A interpretação cronológica das normas possibilita que o desenvolvimento da sociedade seja
acompanhado pelo ordenamento jurídico. Assim, uma determinada norma passa a produzir
66
José Joaquim Gomes Canotílho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almeidina, 1998,
p. 1.097.
67
Norberto Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7
a
. Fed. Trad. Maria Celeste Cordeiro. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 1996, pp. 92 e seguintes. Citado por Daniel Sarmento. Ob. Cit.. p. 29.
80
efeito no momento de sua validação e revoga o texto normativo que a contraria. Desta forma,
a norma mais recente é superior à mais antiga, lex posterior derogat priori. Contudo, não se
pode deixar de falar que neste caso deve ser respeitado o princípio do direito adquirido, de
modo a garantir certa estabilidade jurídica.
Para a interpretação hierárquica, deve-se considerar a supremacia de uma norma, previamente
determinada pelo próprio ordenamento jurídico.
Por especialidade, tem-se que a norma específica sobrepõe-se a de caráter geral,
demonstrando a força do específico sobre o geral, ou seja, a aproximação ao caso concreto é
fortalecida pela especificidade da lei.
Em verdade, vale dizer que tais mecanismos são úteis para adequar o ordenamento jurídico
com os interesses sociais mutantes, tornando-se ineficazes frente ao conflito de princípios
constitucionais, que, a primeiro modo, possuem um caráter supremo e absoluto. Isto ocorre,
pois os princípios jurídicos não são conflitantes, mas sim concorrentes, não havendo qualquer
hierarquia entre eles.
No caso dos conflitos de princípios constitucionais, a análise cronológica não tem eficácia já
que a edição da lei maior acontece de maneira instantânea, sendo que a modificação de textos,
de forma inteira ou parcial, apagará a eficácia do preceito modificado, ou será inconstitucional
se ferir alguma cláusula pétrea. Quanto às demais, por razões óbvias, não se aplicam ao caso,
já que não há hierarquia quanto a Constituição, já que esta é produzida de forma una.
Contudo, deve-se alertar para a possibilidade de existência de normas constitucionais
inconstitucionais, quando estas contrariam princípios transcendentes e supralegais. É claro
que tal teoria possui um viés fortemente naturalista, o qual coloca direitos superiores ao
ordenamento positivado na norma escrita, qual seja, por exemplo, o dos direitos
fundamentais, que devem ser respeitados em todos os Estados. Para ele tais preceitos possuem
uma grandiosidade tamanha que não poderiam nem mesmo ser suprimidos pelo próprio
constituinte.
Pode-se dizer que as cláusulas pétreas procuram registrar tais preceitos, haja vista a
impossibilidade de serem suprimidos, representando-se neles os maiores interesses do Estado.
O surgimento de tal teoria se dá anos após o fim da Segunda Guerra, o que fundamenta tal
preocupação com direitos tidos como supralegais, já que a preocupação de todos, naquele
momento, era fazer com que as atrocidades praticadas na guerra não ocorressem novamente.
81
A corte constitucional Alemã chegou a aceitar a possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade de norma constitucional ao dizer: “A adoção do postulado segundo o
qual o constituinte pode tudo, significa uma recaída na concepção intelectual de um
positivismo despido de valores, há muito superado pela jurisprudência. Exatamente a
experiência com o regime nazista ensinou-nos que o legislador é capaz de perpetrar injustiças
graves, de modo que a prática do exercício do direito não pode ficar indiferente a esses
desenvolvimentos históricos, sendo-lhes lícito, nos casos extremos, preservar a idéia de
justiça material diante do princípio da segurança jurídica. Também o constituinte originário
pode ultrapassar os limites da justiça”.
68
Contudo, vale ressaltar que a citação desta decisão da corte alemã, não compartilha com o
entendimento do autor dessa obra. Esta se faz somente para demonstrar que existe a
possibilidade de dentro da norma constitucional haver preceitos conflituosos ou contrários ao
que a sociedade busca (Direito Natural), sendo necessária a criação de mecanismos que
possibilitem a ponderação destes para o alcance do bem comum. Além disso, tal fato é
praticamente impossível de acontecer em um Estado Democrático de Direito, face ao
positivismo da norma posta. No Brasil já ocorreram julgados pelo Supremo Tribunal Federal
que negaram o provimento desta tese.
Semelhante ao pensamento de Otto e igualmente frágil, no Brasil, José Souto Maior Borges
sustenta a existência de hierarquia entre normas constitucionais.
Finalmente conclui-se que o clássico modelo de resolução de conflitos normativos não pode
ser utilizado no caso de conflitos entre normas constitucionais, sendo necessária a aplicação
da técnica de ponderação de interesses para tanto, o que, conseqüentemente, leva a uma
análise dos ditos princípios constitucionais.
5.6 A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES
A multiplicidade de idéias e interesses em uma sociedade, certamente se projeta para o texto
constitucional através de seus princípios. No caso da Constituição brasileira, pode-se dizer
que isto ocorreu de forma exagerada, devido à grande especificidade do texto constitucional,
às matérias não relacionadas, à formação do Estado.
Neste caso, dentro de uma sociedade pluralista, é inevitável que exista um conflito de
interesses na aplicação destes princípios à resolução de casos concretos. Isto é inerente ao
próprio pensamento humano, que impõe ao seu convívio social a aceitação e harmonização de
68
BverfGE 3, 225, cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional,ob cit. P. 116
82
interesses contraditórios, como já foi estudado neste trabalho. Assim, o papel da Constituição
é receber e organizar a formação deste Estado pluralista, garantindo o respeito a todos estes
interesses e fundamentando-se na busca de um bem maior, qual seja o do “interesse público”.
Desta forma, torna-se necessária a aplicação de uma ferramenta que possibilite a solução
deste conflito, garantindo, sobretudo, o respeito às minorias e àqueles subprincípios já
tratados no princípio da proporcionalidade, sem contrapor ao bem maior almejado pelo
Estado, a dignidade da pessoa humana.
Vale ressaltar que a ponderação de interesses é um instrumento de análise subjetiva, sem uma
mensuração exata e formada de fórmulas certas e precisas. Tal análise deve se fundamentar na
lógica social inexata, típica da atitude humana, sem nenhuma estrutura de lógica formal,
devendo ser estudada e aplicada sob a análise do caso concreto. Assim, qualquer ponderação
deverá ser influenciada pelos pensamentos sociais existentes naquele momento e naquela
estrutura social.
Apesar de não possuir uma formatação “matemática”, a ponderação de interesses deve seguir
certa estrutura de interpretação do caso concreto, vinculando o intérprete a uma formalidade,
conforme se apresentará adiante.
Primeiramente deve-se efetuar uma análise pontual dos princípios contraditórios, buscando-se
constatar a efetiva existência de uma incompatibilidade de convívio destas no caso a ser
julgado. É bom que se saiba que o caráter unitário da norma constitucional solicita uma
análise concorrente e não sobrepujante dos princípios nela existentes.
Por análise concorrente tem-se o entendimento que a norma constitucional é composta por
uma série de princípios jurídicos dos quais se completam para formar uma lógica única,
buscando um mesmo objetivo, ou seja, os princípios constitucionais formam uma unidade no
objetivo final da Constituição.
J. J. Gomes Canotilho “interpreta que o princípio da unidade obriga a considerar a
constituição em sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas
constitucionais a concretizar”.
69
Assim, tem-se que só haverá um conflito de interesses se o caso a ser analisado gerar uma
incapacidade de convívio de dois princípios constitucionais, obrigando que um ameace ou
apague o outro, resultando em soluções divergentes.
69
J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional. P. 232.
83
Constatado o efetivo conflito, o intérprete deverá analisar o caso impondo uma compreensão
dos princípios conflituosos de forma a buscar a mínima restrição a cada um deles para o seu
efetivo convívio. Esta análise será obrigatoriamente contaminada pelo íntimo do intérprete,
que deverá analisá-la sob os olhos comuns da sociedade, ou seja, deverá interpretá-los
segundo os anseios da comunidade na qual o caso concreto se originou. Para isto, o intérprete
deverá atribuir, segundo Daniel Sarmento, dois pesos aos princípios conflitantes: genérico e
específico.
Peso genérico é a força que a norma constitucional confere a todos os interesses de forma a
compatibilizar e unificar todos os princípios contidos na mesma. A generalidade dos
princípios constitucionais está contida dentro da unicidade dos objetivos da norma.
O peso específico vincula o princípio constitucional ao princípio jurídico a ser tutelado,
garantindo a ligação de determinado interesse com o objetivo existente de forma específica
em determinado princípio constitucional.
Desta forma, para a solução dos conflitos tem-se que “o nível de restrição de cada interesse
será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do
qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio protetor do
bem jurídico concorrente”.
70
Esta determinação coloca o intérprete perante uma decisão
totalmente casuística e pragmática, estando sempre condicionada às formas nas quais os
interesses se apresentarem no caso concreto.
Assim, quanto maior o peso específico do princípio tutelado, maior será sua garantia de
sobrevivência. Isto se dá, pois apenas princípios específicos deverão ser contrapostos, sendo
que a generalidade de um princípio não deverá contrapor, nunca, um princípio específico.
Subseqüente a esta análise, o intérprete deverá se curvar à adaptação de sua decisão ao
princípio da proporcionalidade sob o enfoque de seus três subprincípios, conforme já
apresentado anteriormente, sendo eles: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito.
Em todos os momentos da aplicação da ponderação de interesses, o intérprete deverá fazer
com que o resultado garanta a proteção da promoção do princípio da dignidade da pessoa
humana, princípio geral orientador de todos os princípios constitucionais e núcleo
fundamental de todo ordenamento jurídico.
70
Daniel Sarmento Ob. Cit. pp. 104.
84
Devido à estreita ligação de causalidade do resultado da ponderação com o caso concreto,
conforme foi apresentado, a decisão aplicada pelo intérprete não poderá, jamais, influenciar
em norma oriunda do princípio suprimido pela ponderação realizada, ou seja, a aplicação da
ponderação ao caso concreto deverá se limitar somente a este, não produzindo efeitos sobre
qualquer outra norma oriunda do mesmo princípio no ordenamento jurídico. Assim, apesar
destas não terem validade neste caso concreto devem manter-se intocáveis na estrutura
jurídica sem qualquer mácula.
Considerando que a ponderação de interesses é uma atividade diária e corriqueira do ser
humano, é bom registrar que o julgador está limitado a ponderar somente evidentes conflitos
entre princípios e estará sempre amarrado à pauta axiológica subjacente ao texto
constitucional. Tal consideração é apresentada para que fique claro que o positivismo jurídico
delimita a atuação do julgador ao ordenamento jurídico posto pela atividade democrática de
representatividade legislativa. Caso assim não fosse, o julgador estaria fazendo com que suas
convicções políticas superassem a força democrática da atividade legislativa.
5.7 A PONDERAÇÃO DE INTERESSES APLICADA AO CONFLITO NOS
RESERVATÓRIOS HIDRELÉTRICOS
Como já foi apresentado, este estudo pretende equilibrar o conflito pelo uso dos recursos
hídricos utilizados para a geração hidrelétrica, onde, de um lado está o setor elétrico e do
outro as comunidades do entorno do lago. Tal conflito remonta à própria existência do Estado,
o qual trouxe, em toda história da humanidade, um antológico conflito entre os interesses
locais e globais. Assim, pretende-se aplicar a técnica da ponderação de interesses ao caso,
porém sob uma proposta pautada na utilização de ferramentas matemáticas, já utilizadas pela
economia, que buscam inserir a subjetividade da decisão humana, na formulação de cenários
econômicos.
Apesar de haver uma grande variedade de interesses conflituosos, o trabalho irá se pautar na
dicotomia local e global existente. Desta forma, os interesses deverão ser agrupados pelos
mesmos objetivos, o que coloca os interesses do setor elétrico de um lado e os das
comunidades do entorno de outro.
Conforme determina a técnica de Ponderação de Interesses, o primeiro passo a ser dado é o da
viabilidade de convívio consensual entre os anseios conflitantes. Assim, no caso em tela, tem-
se como resultado a impossibilidade da satisfação total de ambos os lados.
85
Garantir irrestritamente os interesses do setor elétrico inviabiliza o desenvolvimento das
demais atividades locais, dependentes do recurso hídrico daquele sistema. Contudo, atender
somente aos anseios locais também acarretaria enormes prejuízos ao setor elétrico. É bom que
se diga que o principal objetivo da ponderação de interesses é garantir o equilíbrio de forças
conflitantes, com vistas a atender o melhor benefício social.
Sendo essencial ao desenvolvimento econômico nacional, historicamente, os interesses do
setor elétrico se sobrepuseram aos demais em todos os seus atos, seja na operação ou no
planejamento da expansão. Isto pelo fato de que no passado acreditava-se que o
desenvolvimento econômico social representava o “interesse público”, por trazer benefícios a
todo o país, o que conceituava equivocadamente o interesse global como “interesse público”.
Assim, o setor elétrico se fundamenta no princípio de que o “interesse público” deve se
sobrepor ao particular. Neste caso necessita-se fazer duas análises: primeiro se realmente o
setor elétrico possui o respaldo de detentor do “interesse público” e, segundo, se os demais
interesses devem ser intitulados de “interesses particulares”.
Como já foi tratado neste trabalho, o “interesse público” não pode ser visto na matemática da
maioria, mas sim no equilíbrio dos anseios de uma sociedade pluralista, onde, inicialmente,
todos eles apresentam-se igualitariamente. Assim, não há o que se falar em “interesse
público” como sendo o interesse da maioria. Além disso, deve-se ressaltar que há limitação ao
chamado “interesse público”, como a garantia da dignidade da pessoa humana e nos Direitos
Fundamentais dos indivíduos, seja de primeira, segunda ou terceira geração.
71
Seguindo a metodologia da técnica da ponderação de interesses, tem-se que o caráter
específico, da alegação de representatividade do “interesse público”, está na manutenção da
vontade definida, democraticamente, como bem comum, encontrando respaldo no corpo
matemático da maioria popular, sendo que o caráter geral está na unidade do corpo político do
Estado. Contudo, a formação deste corpo está também submissa à necessidade de respeito às
minorias, o que enfraquece o princípio alegado no momento da ponderação dos interesses
envolvidos. Além disso, inserindo o que se alega, na realidade social, política e normativa
71
Segundo Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 6ª. Ed., p. 516 a 524. Em termos apertados, os
direitos de primeira geração relacionam-se com o liberalismo e correspondem aos diretos de liberdade, aos
direitos individuais, aos direitos negativos; a segunda geração de diretos relaciona-se com a social-democracia
do fim do século XIX, correspondendo aos direitos sociais, econômicos e culturais; direitos a prestação do
Estado, direitos à igualdade social e direitos positivos; a terceira geração de direitos surge a partir da consciência
de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, que exige a fraternidade, para a proteção
do gênero humano, correspondendo ao meio-ambiente, ao desenvolvimento, à paz, ao patrimônio comum da
humanidade.
86
atualmente vivida no país, tem-se que o Estado brasileiro está se curvando ao respeito às
minorias e aos interesses difusos, buscando formas de inserir a vontade popular, difundida
pela sociedade, também na pauta das decisões nacionais. Assim, a alegação da supremacia
deste dito “interesse global” não pode prosperar e não encontra respaldo jurídico para tanto.
Além disso, e agora fazendo a segunda análise, deve-se concentrar no fato de que os demais
interesses não possuem uma fisionomia de “interesse particular”, mas sim, um respaldo na
difusão de diversos interesses de uma sociedade pluralista, que por representarem
coletividades, devem resguardar espaço no hall dos interesses públicos.
A alegação do Direito Adquirido do setor elétrico de explorar os reservatórios hidrelétricos
não encontra respaldo normativo nem doutrinário, já que este princípio visa garantir a
estabilidade de um ordenamento jurídico e, assim, se aplica exclusivamente à norma posta, o
que não é o caso, já que, contrário ao que se alega, o Código de Águas, já em 1934,
determinava a exploração múltipla dos reservatórios hidrelétricos em seu art. 143. Somando-
se a isto, a lei 9.433, coloca o recurso hídrico como bem de domínio público, determinando a
satisfação do uso múltiplo deste recurso natural, o que impossibilita a posse deste por
qualquer agente. Como peso específico, o princípio do Direito Adquirido visa garantir a
estabilidade jurídica do Estado democrático, sendo que o peso geral está na garantia da
dignidade da pessoa humana no que tange a sua relação com o Estado, que deve possuir uma
garantia face aos instrumentos normativos que sofrem alteração.
Historicamente, a supremacia dos interesses ligados à geração hidrelétrica de energia esteve
sempre amparada em questões econômicas e, assim, ligadas única e exclusivamente a
decisões administrativas centralizadas, imunes ao clamor dos interesses difusos, não
possuindo nenhum respaldo normativo.
Deve-se considerar, também, a importância da questão dos recursos hídricos, que, como se
sabe, é de importância universal, merecendo o tratamento jurídico dado ao “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, que tem ganho espaço em diversas Constituições (Portugal,
Alemanha, Áustria, etc.), elevado ao status de “interesse supralegal”. O tratamento dado ao
meio ambiente, no caso do direito adquirido, tem sido o de que por se tratar de questão de
interesse “universal” (no sentido de que há um reflexo em toda humanidade), relacionado à
própria existência humana e, assim, ligado à garantia da dignidade da pessoa humana, não
prospera, por exemplo, a alegação de direito adquirido de poluir.
87
Passando para uma interpretação mais objetiva e fundamentada no positivismo constitucional,
tem-se que a Carta de 88 não apresenta, em momento algum de seu texto normativo, o setor
elétrico em posição superior e detentor de um bem maior e supremo que deva ser resguardado
sob todas as hipóteses. Muito pelo contrário, o tratamento dado por esta, aos interesses
regionais, é consideravelmente forte, demonstrando a grandiosidade dos interesses difusos. Os
instrumentos de participação popular, trazidos pela Constituição Federal, demonstram esta
preocupação do constituinte com os interesses locais, o que se repete na jamais vista força
concedida ao Município.
Fazendo ainda uma análise do texto Magno, o simples fato do setor elétrico ser assunto de
competência posta ao agente federal, ou seja, ser de competência da União, não o coloca
superior a nenhum outro assunto, mas apenas procura garantir uma organização lógica e
unitária no que se refere aos objetivos do Estado brasileiro e do modelo federativo adotado
por este, qual seja o federalismo cooperativo.
Finalmente, conclui-se que não há qualquer respaldo, social, normativo ou doutrinário para os
alegados princípios de supremacia do “interesse público” e do princípio do Direito Adquirido,
quando estudado no caso concreto do conflito pela exploração dos recursos hídricos em
reservatórios hidrelétricos.
Quanto aos interesses das comunidades locais, sabe-se que, da mesma forma que todas as
comunidades formadas na história da humanidade, estas se formaram em regiões com
abundância de água, a fonte da vida. Isso ocorre desde os primórdios da civilização humana.
Desta forma, não foi diferente no caso dos reservatórios hidrelétricos, já que as cidades
afetadas foram transpostas para as regiões do entorno dos lagos e, além dessas, outras se
formaram com a promessa de prosperidade trazida pela água do reservatório.
O assentamento das comunidades e a conseqüente exploração dos recursos hídricos dos
reservatórios hidrelétricos em seu entorno, sempre foi legalmente garantido e, em certo
momento, incentivado como forma de promoção do desenvolvimento econômico nas regiões
próximas ao lago.
A re-alocação das comunidades alagadas ocorreu de modo a garantir o mínimo de locomoção
dos afetados e o conseqüente assentamento no entorno dos reservatórios, garantindo aos
afetados a possibilidade de exploração dos recursos hídricos do lago.
Desta forma, as comunidades do entorno tornaram-se extremamente dependentes do
reservatório, seja pela atividade econômica, seja pelo consumo urbano ou pela própria
88
manutenção de um meio ambiente regional ecologicamente equilibrado, pois se sabe que o
deplecionamento do lago afeta fortemente estes três pontos.
Pela atividade econômica destas comunidades, deve-se ter em mente que o deplecionamento
exagerado do lago inviabiliza e acaba com as demais atividades exploradoras da água do
reservatório, o que traz um prejuízo irreparável às comunidades do entorno, seja financeiro,
pelos clientes momentaneamente perdidos, ou pela credibilidade e a própria falência de
empresas pela paralisação de suas atividades.
Neste caso, deve-se fazer uma análise comparativa da exploração dos dois agentes, sob o
enfoque econômico, ou seja, pelos prejuízos que podem ocorrer com o atendimento de alguns
dos agentes. Colocando a operação dos reservatórios sem restrições sociais e econômicas das
comunidades do entorno, tem-se o extermínio de todas as atividades, o que não acontece com
o estabelecimento da cota mínima de espelho d’água, para nenhum dos lados, já que o setor
elétrico pode buscar a energia perdida através da geração por outras fontes, como, por
exemplo, a termelétrica.
É bom que se ressalte, mais uma vez, que o estabelecimento de uma cota mínima de espelho
d’água, trará prioritariamente prejuízos econômicos, de solução perfeitamente aceitável, ao
setor elétrico. Já para as comunidades do entorno, a ausência de água nos reservatórios,
causada pelo modelo operativo atualmente vivido, ocasiona problemas irreparáveis a todas
elas.
Nesta análise, deve-se mensurar também, que as atividades exercidas pelas comunidades do
entorno, possuem características sociais extremamente importantes, não só para as
comunidades regionais, mas também para o país como um todo. O incentivo às atividades
econômicas do entorno pode trazer a descentralização do desenvolvimento para essas regiões,
ocasionando, de certa forma, o desafogamento dos grandes centros urbanos.
5.8 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Neste capítulo viu-se que a ponderação de interesses trata-se da inserção de princípios
jurídicos na resolução de casos onde haja um conflito de interesses com respaldo supralegal,
relacionado a princípios e conceitos jurídicos consolidados no Estado democrático de Direito.
Assim, neste trabalho, este capítulo tenta criar instrumentos que possibilitem a construção da
formatação matemática que irá ponderar os interesses conflitantes. Desta forma, fica
demonstrado que existem princípios supralegais que devem direcionar a analise e limitar a
atuação do Estado nestas questões.
89
O que se pretende é demonstrar a viabilidade da utilização de ferramentas matemáticas, em
questões de caráter subjetivo. Este conceito deverá subsidiar a conclusão deste trabalho,
demonstrando que qualquer atividade de tomada de decisão segue uma forma de ponderação,
que pode ser contextualizada por formulações matemáticas, como já ocorre na economia.
90
6 A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA COMO JUSTIFICATIVA DE
UMA ANÁLISE MULTICRITERIAL
6.1 INTRODUÇÃO
Construindo uma fundamentação jurídica que busque equilibrar a força dos interesses
antagônicos, incidentes sobre o reservatório hidrelétrico, inevitavelmente se passará pela
ponderação de interesses e, assim, através da formulação de um conceito de “interesse
público”, aplicado ao caso, se chegar a uma proposta juridicamente justificável e equilibrada.
Contudo, para isso, torna-se necessário discutir uma lógica jurídica que construa uma
argumentação plausível e fundamentada não apenas no interesse majoritário, mas sim na
evolução da sociedade, na mutabilidade das percepções sociais e no respeito aos interesses
difusos das minorias. Neste sentido, conceitos éticos e democráticos deverão ser
exaustivamente utilizados na fundamentação do respeito a princípios como o da dignidade da
pessoa humana, da garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado e do
desenvolvimento econômico sustentável.
Para isto, a teoria da argumentação jurídica, de Robert Alexy, demonstra que o pensamento
jurídico também se forma através da influência de outros conceitos, que não apenas os
positivados na norma posta, o que dará sustentação ao que se construirá com este trabalho.
Assim, as ferramentas matemáticas, utilizadas neste trabalho, para fundametar a
argumentação jurídica que solucione o caso segundo a ótica de um “interesse público”
pluralista são embasadas na influência de muitos conceitos, conforme já posto por Robert
Alexy.
Neste sentido, a proposta deste capítulo é estudar os caminhos traçados pela teoria da
argumentação jurídica de Robert Alexy
72
, que utiliza reflexões teoricas e filosóficas do
discurso prático e do discurso prático racional geral, para, assim, construir a sua teoria da
argumentação jurídica. Por não ser o objetivo central do trabalho, o autor se curva a utilizar a
conceituação elaborada por Robert Alexy, aplicando sua revisão bibliográfica, conceituação e
metodologia. Contudo, tal trabalho será utilizado apenas como justificação da construção de
uma formatação lógica das decisões jurídicas, sendo que, no capítulo seguinte, se construirá
uma metodologia própria, o que corresponderá totalmente a proposta central do trabalho.
72
Alexy, Robert. Teoria da argumentação Jurídica: A teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica.
91
O trabalho de Alexy se presta a construir uma teoria da argumentação jurídica, utilizando a
filosofia analítica sobre o discurso prático para fundamentar a formatação prática de sua
teoria. Para isto, ele se debruça nas teorias de lógica formal, que justifica os discursos
humanos e os convencimentos coletivos, vinculando a verdade ao convencimento coletivo,
demonstrando a volatilidade e subjetividade destes conceitos, o que se assemelha a uma
argumentação jurídica. Evoluindo seu trabalho, Alexy condiciona a robustez da verdade na
fundamentação racional, que, para tanto, necessita se fundamentar em outras verdades já
anteriormente comprovadas.
Concluindo seu trabalho, Alexy vincula a norma a uma espécie de verdade, que para se
fundamentar e produzir seus efeitos necessita de um embasamento ético, social e moral, o que
a torna uma “verdade jurídica” (a norma), aceitável socialmente e mutável quando comparado
à evolução humana.
A utilização da teoria da argumentação jurídica neste trabalho se faz oportuna, na medida em
que esta justifica a incidência de outros conceitos, estranhos ao positivismo da norma, como
ética, moral, conceitos psíquicos, princípios jurídicos supra legais como a dignidade da pessoa
humana, etc.
Assim, adiante será apresentada uma pequena explicação sobre a construção da teoria da
argumentação jurídica de Robert Alexy, visando assim, criar subsídios para formulação de
uma lógica que justifique a proposta deste trabalho.
6.2 A TEORIA DO DISCURSO PRÁTICO NA ÉTICA ANALÍTICA
Utilizando-se das teorias filosóficas analíticas, Alexy alega que a justificação de uma
argumentação ou discurso requer a utilização de uma norma textual, psíquica ou moral que a
fundamente, ou seja, para ele, todo convencimento, pessoal ou coletivo, passa pela construção
de uma “verdade”, seja ela pessoal ou coletiva.
Para a Ética analítica, Alexy constrói a idéia de uma disciplina metaética, dividida em três
partes: o naturalismo e intuicionismo, o emotivismo e o discurso prático guiado por regras.
6.2.1
O NATURALISMO E INTUICIONISMO
Nestes preceitos se utilizam questões empíricas ou de caráter subjetivo, da própria intuição
humana. No naturalismo, os enunciados normativos podem ser comprovados segundo os
procedimentos das ciências naturais ou das ciências sociais de caráter empírico. Assim, por
exemplo, podemos definir como “bonito”, sob um enfoque empírico, “aquilo que agrada
92
visualmente a todos”; então “bonito” pode ser substituído sempre por tudo o que “agrada
visualmente a todos”.
Figura 2 – Estrutura esquemática do discurso baseado no naturalismo.
Para o intuicionismo, a fundamentação do argumento não se repousaria sobre qualquer
atividade empírica, se desviando do aconselhamento dos cinco sentidos humanos, havendo,
neste caso, uma corrente subjetiva e pessoal, fundamentada na própria intuição particular de
cada homem, por muitos chamados de sexto sentido.
Figura 3 – Estrutura esquemática do discurso baseado no intuicionismo.
Construção
da verdade
Fundamentação
Baseada nos
sentidos
humanos
Discurso
Construção
da verdade
Discurso
Lógicas
empíricas de
ciências naturais
ou sociais
Fundamentação
6.2.2 O EMOTIVISMO
Neste caso, incluem-se externalidades de caráter sentimental e moral, ou seja, a argumentação
seria fundamentada, diferentemente do naturalismo e do intuicionismo, por sentimentos
pessoais e/ou atitudes morais, de caráter subjetivo, ora coletivo e ora individual. Neste há uma
grande influência de juízos morais, na argumentação do falante
73
.
Para Stevenson, “a função essencial dos juízos morais não é a de referir-se a fatos, mas a de
influenciar pessoas. ‘Em vez de simplesmente descrever os interesses das pessoas, eles os
modificam ou intensificam’”.
73
Alexy chama de falante todo o agente que busca fundamentar sua argumentação.
93
Assim, a grande importância do emotivismo está na possibilidade de regular a fundamentação
do falante, na ética moral, abrindo espaço, assim, para a construção da verdade através dos
dogmas. Contudo, o grande questionamento firmado sobre o emotivismo está na falta de
influência de normas textuais.
Figura 4 – Estrutura esquemática do discurso baseado no emotivismo
Construção
da verdade
Discurso
Externalidades de caráter
sentimental e emocional,
como juízo de valor e de
dever (moral, ética, etc.)
Fundamentação
6.2.3 O DISCURSO PRÁTICO COMO ATIVIDADE GUIADA POR REGRAS
Para Alexy, o maior ataque na formatação de um consenso sobre a teoria do emotivismo de
Stevenson foi a falta do reconhecimento de limitações, estabelecidas por regras, ao discurso
moral, o que originou diversas teorias que estabeleceram uma certa limitação ao conceito
moral, sendo elas: a filosofia da linguagem de Wittgenstein e Austin; a teoria de Hare; a teoria
de Toulmin e; a teoria de Baier. Todos estes discutindo sobre a formatação de uma lógica
moral relacionada à linguagem e à argumentação. Contudo, este trabalho se restringirá a
apenas citá-las, pois sua fundamentação e exposição não seriam pertinentes ao tema central do
trabalho.
trarem em meu discurso, a aceitar a minha
argumentação como verdadeira.
disso, sofrem
influência psíquica, moral e ética, o que, por si só, torna mutável tal conceito.
6.3 A TEORIA CONSENSUAL DA VERDADE DE HABERMAS
A teoria de Habermas busca criar uma lógica, Aristotélica, que justifique um “fato”,
condicionando a elaboração da verdade ao consenso interpretativo. Ou seja, para que eu crie
uma verdade eu devo convencer a todos que en
Assim, tem-se que a criação desta “verdade consensual” seria a elaboração de uma verdade
absoluta e imutável, o que não pode ser aceito, pois os instrumentos que fundamentam tal
afirmativa, certamente ainda não conhecem todos os pontos incidentes e, além
94
Contudo, Havermas veio quebrar essa lógica consensual empírica. Para ele, o argumento
deveria se influenciar sim pela construção de uma verdade fundamentada, porém estar apto à
mutabilidade de inovações advindas de fatos constatados. Ou seja, segundo Havermas, “uma
proposição é verdadeira se está justificada a pretensão de validade dos atos de fala com que
afirmamos qualquer proposição mediante o uso de enunciados”.
6.4 TEORIA DO DISCURSO PRÁTICO RACIONAL GERAL
Na obra de Robert Alexy o segundo passo para a construção da teoria da argumentação
jurídica, foi tornar sólidas as teorias dos discursos práticos, fundamentados na ética analítica,
o que só foi possível através da teoria do discurso prático racional geral, que traz a
racionalidade interpretativa à argumentação. Este avanço foi crucial para a elaboração da
teoria da argumentação jurídica de Alexy, pois este torna a argumentação jurídica adaptável à
evolução humana e cria uma interpretação intelectual e subjetiva, que possibilite a aplicação
ao homem social.
Neste momento, tem-se que, considerando que os juízos de valor e de dever se unam a uma
pretensão de valor, estes podem ser questionados segundo os diversos pontos de vista
humano. Ou seja, os juízos de valor, os conceitos morais e éticos, apesar de possuírem uma
consolidada base estrutural, podem sofrer interpretações diversas, o que influencia
diretamente em sua fundamentação.
Assim, o que se busca com essa teoria é criar uma racionalidade na interpretação das normas e
dos valores éticos, ou seja, a delimitação literal apenas induz e dá instrumentos ao “falante”
para a fundamentação de sua argumentação, que deve estar embasado fortemente em uma
racionalidade que seja consenso. Aqui, a “verdade” é construída na racionalidade, que se
utiliza dos diversos aspectos, morais, sociais, empíricos, psíquicos e não, como é o caso das
demais, apenas nas literalidades desses aspectos.
Adiante será demonstrada a fundamentação racional do discurso, que pode ser aplicado às
ciências exatas ou às ciências sociais.
95
Figura 5 – Estrutura esquemática do discurso prático racional geral.
Assim, tem-se que a fundamentação do discurso requer a ponderação (valoração) dos diversos
aspectos incidentes e analisados pelo falante,
Discurso
Construção
da verdade
Racionalidade
(valoração)
Etc.
Conceitos
éticos
Regras do discurso:
Fundamentação
técnica; empírica;
definitória e;
pragmática.
Fundamentação
Juízo de
valo
r
Lógicas
empíricas
das ciências
naturais e
sociais
através de um consenso “universal” do que seja
“racional”.
xegese, até 1880, o da escola funcional e
sociológica, até 1945 e o do raciocínio judiciário
74
.
cos, etc. Trata-se, desta forma, da convalidação das intenções
estatais da aplicação do Direito.
6.5 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Como já foi tratada, a argumentação de determinado discurso deriva da necessidade de
fundamentação deste, perante uma lógica compartilhada por uma coletividade ou por uma
aceitação empírica, ou até mesmo psíquica. Daí vale o registro que a obrigação da motivação
das decisões judiciais somente foi imposta a partir de 1790, desde então, podemos dividir a
história do Direito em três grandes períodos, o da e
Conforme se viu, o raciocínio fortalece a fundamentação dos discursos e traz credibilidade ao
consenso daquele entendimento. Isto porque o “raciocínio” é o puro produto da atividade
intelectual; é um fruto da atividade mental; dele se extraem os discursos; se correlacionam
argumentos; se ponderam valores; dele se constroem o silogismo; trata-se então da
inteligência e da razão. Assim, no que se refere à ciência do Direito, o raciocínio jurídico é a
formulação ou formatação lógica de determinado argumento juridicamente ponderado, ou
seja, trata-se da fundamentação lógica, segundo preceitos legais, supralegais (princípios gerais
de direito) morais, éticos, psíqui
74
Chaïn Perelman, Lógica Jurídica: nova retórica; tradução Verínia K. Pupi – 2ª. Edição, São Paulo, SP.
Editora Martins Fontes, 2004, p. 29.
96
Não é à toa que a fase do raciocínio jurídico se inicia justamente no pós-guerra, este é sim o
resultado dos absurdos jurídicos cometidos na Alemanha que acabaram por originar a
Segunda Guerra Mundial. Naquela situação eliminaram direitos fundamentais e concepções
jurídicas formadoras do Estado, aviltando todas as garantias individuais que resultaram no
absurdo ocorrido naquela guerra.
Nesse sentido, a argumentação jurídica, dentro de uma delimitação filosófica lógica, aberta,
evolutiva, limitada e “natural” é o que garante a própria formação institucional do Estado
Democrático de Direito. Assim, neste trabalho, o estudo da teoria da argumentação jurídica
traz a validação da inserção de outros preceitos sociais e humanos, que não apenas os contidos
na legalidade expressa do positivismo jurídico, para a discussão acerca do tema principal.
O que se pretende demonstrar é que o Direito é uma ciência social e, sendo assim, possui um
caráter mutável, porém determinado, ou seja, é subjetivo, mas limita-se ao texto legal ou aos
princípios gerais de Direito. Daí pode-se dizer que o Direito não pode mais ser visto como
uma ciência absoluta e positivista, como a teoria de Hans Kelsen, mas sim, evolutiva e
conectada aos anseios sociais, ligada ao chamado “direito natural”. Desta forma, tem-se que
existe, no mundo jurídico, uma espécie de norma metafísica, que rodeia toda atividade ou
discussão jurídica e que esta, influencia os legisladores e os intérpretes do Direito. Na
concepção de Aristóteles, ao lado das leis especiais, escritas, afirma-se a existência de um
direito geral, “todos esses princípios não escritos que se supõem ser reconhecidos em toda
parte”
75
.
Fundamentalmente, se demonstrará, neste capítulo, que a argumentação jurídica deve ser
receptiva à mutabilidade do consenso humano e, por isso, deve se adaptar a evolução social.
Contudo, a interpretação jurídica não pode fugir à mínima aceitação lógica, sendo assim,
limitada pela norma e pelos princípios gerais de Direito. Perelman afirma que a lei, sendo
“obra do homem, está sujeita, como todas as coisas humanas, à força dos acontecimentos, à
força maior, à necessidade”
76
.
6.6 DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL
Para a compreensão da evolução da filosofia jurídica que concerne à interpretação das normas
e da própria aplicação do Direito, faz-se necessário estabelecer um pequeno esclarecimento
acerca da antítese “direito positivo e direito natural”, já que estas estão ligadas à própria
75
Retórica, I, 1368, b, 8-9
76
Perelman, p.106
97
gênese do direito, sendo que a primeira se limita à estrita aplicação da norma literal posta e a
segunda considera “interpretações pragmáticas”, de natureza sentimental, social, política,
moral e econômica.
Assim, demonstrar a crescente influência, no mundo jurídico, dessas “interpretações
pragmáticas”, ligadas ao sentimento individual de justo, ético e moral, ressalte-se a tese de os
interesses ora incidentes sobre os reservatórios hidrelétricos não mais podem ser vistos e
julgados como no momento de sua construção, sofrendo a influência de momentos políticos,
sociais e econômicos diferentes.
Essa antítese filosófica, para Perelman, data apenas do século XIX, pois, segundo ele, antes
daquela época não se visualizava diferença entre dizer o “direito” e “administrar a justiça”.
Para o direito positivo, a justiça é apenas um resultado da aplicação da lei, o que com a
tripartição dos poderes, impõe ao juiz, a simples aplicação da “vontade” da lei, ou seja, aqui
justiça não é o objetivo central. Alega-se, no entanto, que o sentimento de justiça, por possuir
uma dose muito grande de subjetividade, colocaria em risco todo o mundo do direito e da
ciência jurídica. “Para o positivismo jurídico, a justiça conforme ao direito é a justiça tal como
foi precisada pelo legislador”
77
.
Contudo, este cenário positivista apresentado enfrentou alguns problemas que acabaram por
lhe impor, gradativamente alguma interpretação naturalista, embasada em sentimentos
empíricos e de uma igualdade qualificada e não pura e simples como se imagina no
positivismo.
Ao se atentar a tradição cristã, percebe-se claramente que a idealização do direito natural
advém do ideal “Divino”, e algumas vezes “hipócrita”, de justo e moral. “Para Santo
Agostinho, na ausência de justiça, não pode haver direito (A cidade de Deus, XIX, 21) e o que
não é justo parece não ser, de modo algum, uma lei (Do livre arbítrio, I, 5). Para Santo Tomás,
na medida em que uma lei humana se opõe ao direito natural, já não se trata de uma lei, mas
de uma corrupção da lei (Suma teológica, I secundae, Q. 95, art. 2º).
Pode-se dizer que a fusão dos conceitos de direito positivo e de direito natural cada vez mais é
aceita por filósofos e juristas. É certo dizer que na ralação social humana há uma certa
dependência mútua na própria gênese deste conceito. Ou seja, o direito positivo é fruto do
interesse coletivo na proteção dos “direitos naturais” e estes, só são mantidos pelo positivismo
77
Perelman, Chaïn, Ética e Direito. Tradução de Maria Ermetina Galvão, Editora Marins Fontes, São Paulo –
SP, 2002. p 389.
98
jurídico. Para Rousseau, filósofo positivista que construiu o “contrato social”, “o Estado só é
legítimo quando protege os direitos naturais do homem, em especial a liberdade”.
78
No
mesmo sentido, a colocação do professor Goffredo Telles Jr., “o direito natural é o direito
positivo consentâneo com a moral social, conjunto de bens soberanos de uma determinada
sociedade. Se o direito positivo corresponde àquilo que a comunidade deseja, resta evidente
que não é um direito artificial, imposto pela força bruta, mas natural, acatado
espontaneamente, porque legítimo”
79
.
O que se busca nesta confrontação teórica, entre o direito positivo e o direito natural, é
mostrar que, cada vez mais, influências diversas têm atingido o positivismo da lei e dos
conceitos administrativos governamentais, para captar os verdadeiros anseios sociais,
prestando-se a fazer, de fato, justiça.
Confirmando esta teoria de aceitação do direito natural e de que este, de certa forma, possui
uma superioridade ao positivismo, Norberto Bobbio, um positivista kelseniano, afirma que “o
critério dos critérios é o princípio supremo da justiça”
80
.
Concluindo, vale transcrever a observação de Perelman: “o crescente papel atribuído ao juiz
na elaboração de um direito concreto e eficaz, torna cada vez mais ultrapassada a oposição
entre o direito positivo e o direito natural, apresentando-se o direito efetivo, cada vez mais,
como o resultado de uma síntese em que se mesclam, de modo variável, elementos emanantes
da vontade do legislador, da construção dos juristas, e considerações pragmáticas, de natureza
social e política, moral e econômica”.
81
6.7 O DISCURSO JURÍDICO COMO CASO ESPECIAL DO DISCURSO
PRÁTICO GERAL
Para a criação da teoria da argumentação jurídica, Alexy a coloca como sendo um caso
especial da já apresentada teoria do discurso prático racional geral, logicamente, criando
algumas particularidades exclusivas quando aplicada ao mundo do Direito.
Inicialmente, Alexy faz a observação de haver uma diferença crucial, e que influência
diretamente em sua teoria, entre os discursos jurídicos oriundos das discussões acadêmicas,
entre Advogados ou Juristas, dos debates diante dos tribunais e deliberações de tribunais,
alegando que a primeira não possui nenhum compromisso formal com a “verdade” (podem
78
Aquaviva, Marcus Claudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Aquaviva. Jurídica Brasileira. São Paulo, 1998
79
Talles Jr., Goffredo. O Direito Quântico, Max Limonad, São Paulo, SP.
80
Bobbio, Norberto. In les antinomies em droit naturale. Essai de définition d’um droit naturale positif. Revue
Internationale de Philosiphie, 65, 1963, p 335-352.
81
Perelman, Chaïn, Ob cit. p 392.
99
ser fundamentadas como dogmas) por não possuírem conseqüências temporais e, portanto,
pode ser defendida como absoluta (dogmas). Já na segunda, por estarem institucionalizadas,
devem alcançar um resultado num tempo limitado e possuírem repercussões sociais concretas.
Assim, as argumentações jurídicas, debatidas nesta teoria, possuem limitações de caráter
processual e normativo, o que as vincula a um mundo “virtual”, onde se busca a construção de
uma verdade pontual e absoluta, porém desvinculada da formação de dogmas, o que a torna
mutável e evolucionista. Para Alexy, “aqui se pode estabelecer um ponto: a argumentação
jurídica se caracteriza pela vinculação ao direito vigente”
82
.
Além das limitações normativas, impostas às discussões jurídicas
83
, a grande diferença está
que a argumentação jurídica não busca apenas o convencimento da parte contrária (ou
ouvinte), mas sim de toda comunidade jurídica, ou seja, os debates e deliberações jurídicas
necessitam do convencimento “coletivo” para alcançar seu objetivo, não bastando o
convencimento apenas dos envolvidos. Aqui se fundamenta toda a estrutura do que temos
como Estado Democrático de Direito. Assim, uma sentença sem a aceitação
84
da comunidade
jurídica não passa de um instrumento moralmente defeituoso e democraticamente falho.
Outro ponto, talvez o que trouxe maior debate à teoria de Alexy, está na, aqui também
existente, pretensão de correção. Contudo, nesta, a racionalidade deve-se firmar apenas nos
caminhos delimitados pelo ordenamento jurídico vigente, ou seja, deverá se buscar “uma
fundamentação racional no ordenamento jurídico vigente”.
85
É justamente na busca dessa
racionalidade jurídica que está firmada toda a teoria da argumentação jurídica que se pretende
apresentar neste trabalho.
Neste contexto, tem-se que os discursos jurídicos são fundamentados pelas decisões jurídicas,
que nada mais são do que justificativas do argumento. Assim, a teoria da argumentação
jurídica apresenta dois traços fundamentais, a justificação interna e a justificação externa
86
.
Objetivamente, na primeira trata-se da formulação das premissas da fundamentação e, na
82
Alexy, Robert. Teoria da argumentação Jurídica: A teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica.
83
Acautela-se pela não utilização do termo “discurso”, como utilizado em outro momento, pois este, é repudiado
por Alexy, quando aplicado à argumentação jurídica, haja vista que nesta existem limitações que não podem ser
impostas ao discurso..
84
Sobre o termo aceitação, é bom que fique claro que não se trata do compartilhamento universal, daquela
sentença, como sendo verdadeira, mas sim, de uma mínima racionalidade dentro da lógica comum existente no
meio acadêmico jurídico. Para Alexy, “não se pretende que o enunciado jurídico normativo afirmado, proposto
ou ditado como sentença seja só racional, mas também que no contexto de um ordenamento jurídico vigente
possa ser racionalmente fundamentado”.
85
Alexy, Robert. Ob. Cit.
86
Sobre esses conceitos ver Wróblewski, J., Legal Syllogism and Rationality of Judicial Decision, em
Rechtstheori 5, 1974, p. 33-46.
100
segunda, da correção dessas premissas, que, por sofrerem influências externas ao meio
jurídico, recebe este nome.
6.8 A JUSTIFICAÇÃO INTERNA
Conforme já citado anteriormente, a teoria de Alexy se divide em duas partes, que segundo
sua própria construção trata-se de “traços fundamentais da argumentação jurídica”. O
primeiro deles, denominado de “justificação interna”.
Seguindo uma lógica Aristotélica, chamada por muitos de “silogismo jurídico”, a justificação
interna deve seguir um raciocínio dedutivo, disparados a partir de um cenário dicotômico,
onde duas proposições levam à obtenção da conclusão.
O que realmente se pretende nesta estrutura lógica de construção de uma justificação é a
formatação de uma dedução objetiva de causa e efeito, relacionando normas a fatos e,
delimitados os agentes, constrói-se o resultado pretendido pela norma. Para uma
exemplificação, Alexy constrói um esquema representativo, onde coloca um símbolo
representativo de um universo de agentes, outro símbolo de representação da norma e, por
fim, um que demonstre o cumprimento do objetivo daquela norma.
Nesta construção, Alexy evoca a existência e a necessária justificação de argumentação
jurídica, através de princípios universais, dos quais servem de base para o que ele chama de
justiça formal. Ou seja, como ele próprio observa, “O princípio da justiça formal exige
‘observar uma regra que obriga tratar da mesma maneira todos os seres de uma mesma
categoria’. Para observar uma regra na fundamentação jurídica exige-se que a decisão jurídica
decorra logicamente desta regra”. Desta forma, através da justificação interna, a teoria da
argumentação vincula todas as decisões a princípios universais de direito, alegando que estes
são a razão de ser da formulação de todo o arcabouço normativo.
Frente à subjetividade de questões jurídicas complexas, a justificação interna necessita de uma
certa adaptação do positivismo jurídico ao resultado da norma, ou seja, é inserida uma série de
pressupostos de caráter valorativo à aplicação da norma, condicionando o seu resultado ao
cumprimento de certos requisitos prévios. Contudo, tais pressupostos se referem apenas às
questões factuais e não morais e éticas, que serão tratadas na justificação externa. Daí a
especificidade de certas normas que, claramente, se sobrepõem às de caráter geral, mas estão
submissas a princípios universais. Um simples exemplo, que pode clarear esta observação,
está nas questões agravantes e atenuantes da pena, que existem em certas normas de ordem
penal.
101
Assim, a norma busca absorver questões racionais e interpretativas que diferenciem fatos e
necessitem de tratamento diferenciado, que, resguarde o interesse social, torne gradual a
aplicação de penas e, que busque igualar questões aparentemente desiguais. Desta forma as
fundamentações das argumentações jurídicas devem se vincular a princípios universais e
construir uma lógica que especifique e objetive ao máximo a sua aplicação ao fato concreto.
Por fim, vale ressaltar que a justificação interna visa criar uma lógica para a fundamentação
jurídica, que se refere exclusivamente à norma posta, ou seja, ao próprio texto normativo,
deixando as questões jurídicas de Direito, ligadas à doutrina, à jurisprudência e, sobretudo, à
ética e à moral para serem tratadas na justificação externa.
6.9 A JUSTIFICAÇÃO EXTERNA
“O objeto da justificação é a fundamentação das premissas usadas na justificação interna.
Ditas premissas podem ser de tipos bastante diferentes. Pode-se distinguir: (1) regras de
direito positivo, (2) enunciados empíricos e (3) premissas que não são nem enunciados
empíricos nem regras de direito positivo”.
87
Com esta afirmação, Alexy vincula às
argumentações jurídicas, a subjetividade do pensamento humano, inserindo na lógica
positivista jurídica, a ponderação do pensamento humano e a inserção de aspectos de caráter
diverso, que nada mais são do que a aceitação de princípios do direito natural. Para isso, ele
cria seis grupos de regras e formas na justificação externa, sendo elas: 1 – de interpretação
(lei); 2 – da argumentação da ciência do Direito (dogmática); 3 – do uso dos precedentes
(precedente); 4 – da argumentação prática geral (razão); 5 – da argumentação empírica
(empirismo); 6 – formas especiais de argumentação jurídica.
6.9.1
A INTERPRETAÇÃO (LEI)
Alexy alega ser necessário estudar e compreender os chamados cânones da interpretação, que
desde Savigny
88
tem sido objeto de muitas discussões, acerca de seu número, sua formulação
precisa, sua hierarquia e seu valor. Para clarear, de uma forma muito simples, tem-se que os
cânones são considerados os instrumentos pelos quais se constrói uma certa lógica
interpretativa e coativa (sanção) da norma. O que se pretende aqui é sempre vincular o
resultado de uma norma sempre fundamentado em algum dos seis grupos de interpretação dos
cânones, que estão agrupados em: semântica, genética, histórica, comparativa, sistemática e
teleológica.
87
Alexy, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Página 226
88
Fr. C.v. Savigny, System des heutigen Römischen Rechts, vol. 1, Berlim, 1840, p.212 ss.
102
Fala-se em argumento semântico quando este é submetido a uma validação ou admissão
através da pura interpretação lingüística. A genética está vinculada à própria gênese da norma,
ou seja, busca-se a fundamentação na própria vontade do legislador. O argumento histórico
possui uma relação próxima com o que interpretamos como jurisprudência, ou seja, visualiza-
se o problema jurídico segundo a sua história, angariando argumentos a favor ou contra uma
determinada interpretação. Na argumentação comparativa, busca-se uma fundamentação no
chamado Direito Comparado, ou seja, em outra sociedade. A argumentação sistemática está
ligada à interpretação da norma segundo uma validação desta através de outras normas. A
argumentação teleológica está vinculada a conceitos de fim e de meio, assim como dos
conceitos de vontade, intenção, necessidade, prática e fim. Nestes conceitos há uma grande
influência de princípios jurídicos e sociais, ligados ao objetivo da norma e do próprio
aplicador da norma.
6.9.2 DA DOGMÁTICA
Inicialmente, é bom que se ressalte que não há um consenso acerca da teoria da dogmática
jurídica aceita de maneira geral. O que se pretende classificar como dogmática jurídica, neste
caso, está ligado à própria ciência do Direito, visualizando suas três atividades, ou seja: na
determinação do Direito vigente; no estudo conceitual e sistemático das normas e; na
elaboração de propostas para solução de caos jurídicos problemáticos, ou seja, na própria
atividade interpretativa do jurista. Nisto, constrói-se uma estrutura paralela, de atuação dessas
atividades, que estão ligadas a uma conceituação empírica, lógica e pragmática.
A dogmática está ligada aos princípios gerais de direito e às doutrinas consensuais de
interpretação da lei, ou seja, possui um grande arcabouço empírico evolutivo, no qual se
constrói toda ciência jurídica, o que dá subsídios à formulação lógica de teorias jurídicas.
6.9.3 DOS PRECEDENTES
Neste trabalho, se eximir-se-á da discussão acerca da aceitação do argumento do precedente
como fonte do Direito. O que se busca aqui é utilizar decisões anteriores, como forma de
cumprimento do princípio da universalidade, que condiciona a igualdade aos iguais. Contudo,
é bom que se alerte que a interpretação da norma e, como já foi dito, os interesses do Estado
não são homogêneos e imutáveis, mas sim totalmente adaptáveis e submissos ao tempo e à
subjetividade do pensamento humano. Nesse sentido, vale transcrever a afirmação de Alexy
que alerta: “É possível que um caso seja igual a outro caso anteriormente decidido em todas
103
as circunstâncias relevantes, mas que, porém, se queira decidir de outra maneira porque a
valoração destas circunstâncias mudou”.
Com isto, pretende-se apenas demonstrar que o argumento do precedente segue apenas uma
forma de fundamentar a interpretação jurídica segundo um mesmo objetivo transcrito na lei,
mesmo que seja apenas semelhante, ao mesmo problema jurídico.
Toma-se a liberdade de advertir que a verdade imutável não é uma verdade racional, mas sim
uma verdade dogmática e frágil sob o ponte de vista científico e até mesmo jurídico.
6.9.4 DA ARGUMENTAÇÃO PRÁTICA GERAL (RAZÃO)
A argumentação prática geral vem apenas com a função de tratar de modo racional, e aí,
sofrendo diversas influências externas ao meio jurídicos, ao resultado da interpretação e da
argumentação jurídica. Nessa condição, a razão faz o papel de ponderar os diversos
argumentos na solução dos problemas jurídicos.
6.9.5 DA ARGUMENTAÇÃO EMPÍRICA (EMPIRISMO);
A argumentação empírica se utiliza do empirismo das demais ciências, exatas ou sociais, para
a fundamentação do resultado da interpretação da norma aplicado à problemática jurídica, ou
seja, nesta imagina-se uma cooperação interdisciplinar que possibilita o trânsito da norma
sobre a realidade da vida social.
Desta forma, verifica-se que o empirismo atua como a fundamentação através de
“experimentos” normativos na resolução de problemas jurídicos.
6.9.6 DAS FORMAS ESPECIAIS DE ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
As argumentações especiais estão ligadas ao raciocínio lógico estrito na interpretação de
problemas jurídicos, utilizando metodologias jurídicas como a analogia, o argumento
contrário e o argumento absurdo. O que se busca é a construção de uma “verdade” lógica, seja
sob o ponto de vista científico, social ou jurídico.
Neste caso, pode-se utilizar também a exclusão de argumentos contrários pela simples
demonstração de impossibilidade de sustentação do mesmo.
6.10 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Neste capítulo buscou-se demonstrar, através das teorias filosófica sobre o discurso e de sua
aplicação no caso do discurso jurídico, justificar uma analise ponderativa naturalista do caso
104
em estudo. Este capítulo é o elo que vincula toda justificativa jurídica trabalhada, com os
conceitos técnicos matemáticos que se pretende apresentar adiante.
Como se viu, o discurso jurídico é contaminado por questões subjetivas, não exclusivamente
positivistas, ligadas a dogmática, a interpretação humana, ao empirismo e ao próprio
desenvolvimento social. Todas estas questões devem incidir sobre a formulação matemática
que se pretende construir.
Inicialmente, utilizando de debates jurídicos já consolidados pela filosofia jurídica,
demonstrar que o discurso jurídico deve se submeter ao naturalismo e ser influenciado por
questões sociais evolutivas, até mesmo de caráter pessoal. Assim, ficou demonstrado que a
subjetividades dessas decisões são extremamente mutante e evolutiva, já que depende das
conclusões humanas sobre cada conceito.
O que se busca aqui é demonstrar que a decisão jurídica é influenciada por diversos fatores,
que não apenas os positivados no ordenamento jurídico. Assim, pretendeu-se demonstrar,
através da teoria de Alexy
89
, que é perfeitamente factível modelar uma teoria que quantifique
e qualifique essas influências externas ao ordenamento positivado, na decisão a ser tomada.
Esta formatação deverá, de alguma forma, justificar todas as decisões jurídicas, consolidando
uma metodologia que quantifique e aplique cada um dos princípios jurídicos incidentes em
cada caso concreto.
89
Alexy, Robert. Teoria da argumentação Jurídica: A teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica.
105
7 FORMATAÇÃO MATEMÁTICA DA PONDERAÇÃO DE
INTERESSES
7.1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é aplicar a subjetividade do pensamento jurídico na resolução do
problema central do trabalho. Para isto, adotar-se-ão estruturas matemáticas que normalmente
subsidiam as análises técnicas e econômicas. Assim, busca-se integrar o discurso com a
formulação matemática, incorporando a essas equações a analise ética oriunda das reflexões
do Direito. Para tanto, serão adotados dois estudos desenvolvidos por Ribeiro Júnior
90
, onde
há disputa entre interesses de diferentes agentes, conflitando visões locais com visões
distantes, sempre ligadas à geração hidrelétrica.
O primeiro problema se dá no âmbito do planejamento e projeto de uma pequena central
hidrelétrica, onde a definição do trecho de vazão reduzida - TVR gera enorme polêmica entre
os distintos atores. O segundo problema se refere à operação de um reservatório de uma
central hidrelétrica, onde a população local tem sofrido com o intenso e duradouro
esvaziamento do mesmo.
A literatura é bastante variada no que diz respeito à análise de decisão multiobjetivo.
Programações matemáticas, como a programação de compromisso – PC, teoria dos jogos,
técnica “trade-off”, conjuntos difusos (fuzzy-sets) são instrumentos já bastante dominados do
ponto de vista matemático. Por outro lado, nenhum deles dispensa a avaliação subjetiva da
sociedade ou do indivíduo. Contudo, como já foi apresentado neste trabalho, não basta levar-
se em consideração a opinião momentânea de grupos sociais. Os princípios éticos que
sustentam e amalgamam uma sociedade, embora variáveis no tempo, não podem ser levados
por opiniões efêmeras, muitas vezes conduzidas por propagandas na mídia. Devem encontrar
base de sustentação em princípios sólidos.
Assim, este capítulo deverá construir uma interpretação matemática da ponderação de
interesses, utilizando-se de questões subjetivas de princípios sociais e jurídicos, buscando
assim aproximar-se do papel do Estado Democrático e do conceito comum de Justiça. Para
isto, primeiramente se construirá a formatação matemática de um pequeno conflito, apenas
com caráter exemplificativo, para, em seguida, aplicar-se aos dois casos, onde se buscará
aproximar a formulação matemática aos princípios e conceitos concernentes ao objetivo deste
90
Leopoldo Uberto Ribeiro Júnior. Contribuições metodológicas visando a outorga do uso de recursos hídricos
para geração hidrelétrica. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em engenharia da energia da
Universidade Federal de Itajubá, 2004.
106
trabalho, qual seja, construir uma solução mais próxima possível do que se tem por “interesse
público”.
7.2 A INTERPRETAÇÃO MATEMÁTICA DA PONDERAÇÃO DE
INTERESSES
Para conceituar a visão matemática da ponderação de interesses, associando-a ao discurso,
serão tomados, como exemplo, o método da Programação de Compromisso – PC e o de
“trade-off” (negociação). O primeiro é bastante conveniente para a alocação de recursos entre
diferentes interessados (ou interesses), enquanto o segundo pondera a disputa entre dois
interesses, podendo ser expandido para maior número através de processos interativos.
7.2.1 A APLICAÇÃO DO MÉTODO DA PROGRAMAÇÃO DE COMPROMISSO
– PC
No método da Programação por Compromisso três avaliações são necessárias: a primeira diz
respeito à distância existente entre o ótimo ideal e o pior caso, para cada atributo associado a
um interesse; a segunda avalia o impacto em um determinado interesse, à medida que o
atributo se distancia da sua posição ótima; o terceiro capta a visão sistêmica, ponderando a
importância de cada interesse, em relação aos demais. É importante ressaltar que as variáveis
subjetivas que formularão este “caso matemático” deverão ser influenciadas pelos princípios
jurídicos já apresentados noutros capítulos
91
.
Inicialmente, para demonstrar didaticamente a interligação entre o método da Programação de
Compromisso – PC e a formulação matemática que se pretende construir, o trabalho adota,
como exemplo, a distribuição de área em uma casa, que está sendo projetada e deverá ter área
total de 100 metros quadrados, contando com um banheiro uma sala uma cozinha e dois
quartos. É claro que, o aumento de um cômodo fará reduzir um ou vários outros cômodos,
havendo, portanto, um conflito claro entre os interesses que cada cômodo simboliza. Adotou-
se o . exemplo de uma casa, posto ser ela, enfim, o abrigo da célula “mater” da sociedade, que
é a família, e de onde se originam os princípios de convivência e harmonia.
Assumindo-se que o banheiro é intocável e que terá 15 metros quadrados, resta avaliar os
outros quatro cômodos. Para isso, após um prévio acordo, a família adotou medidas mínimas
e máximas, que deverão ser consideradas como o pior e o melhor caso para cada um dos
cômodos, chegando-se aos seguintes valores: a cozinha deverá ter, no mínimo, 10 e não
ultrapassará 20 metros quadrados; cada quarto deverá, independentemente, ter no mínimo 9 e
91
Vide capítulo 5 página 74.
107
não ser superior a 25 metros quadrados; a sala, no mínimo 20 metros quadrados e sem
limitação máxima.
Essas medidas mínimas e máximas, adotadas para cada cômodo, podem ser interpretadas, ao
analisar-se analogicamente à ponderação de interesses quando aplicada aos princípios
jurídicos, como as garantias fundamentais e os direitos mínimos resguardados por um Estado
Democrático de Direito. Assim, este acordo certamente é precedido de uma negociação global
e extensa, que busca garantir a sobrevivência de cada interesse, impedindo a sobreposição
exagerada que inviabilize um determinado interesse em prol de outro.
Tabela 3– Variação das medidas
Área total Banheiro Quarto 01 Quarto 02 Cozinha Sala
100 15 9 9 10 20
100 15 25 25 20 Maior que 20
Desta forma, é extremamente clara a existência de um conflito real entre os cômodos da casa,
que são representados na discussão, pelos membros da família que mais utilizam cada um
deles. Assim, seguindo as três avaliações, pertinentes a esta formulação matemática, que se
pretende aplicar, primeiramente, verifica-se que a distância entre o ótimo ideal e o pior caso
(l) pode ser medida de uma forma unitária, onde à medida que se distancia do ponto ótimo
cresce esta distância, partindo-se de zero e indo até um, onde se está no pior caso. Assim, têm-
se a equação (1) para o “l” da sala, a equação (2) para o “l” dos quartos e a equação (3) para o
“l” da cozinha.
2047
47
=
=
A
AA
AA
real
piorótima
realótima
l (1)
925
25
=
A
real
l (2)
1020
20
=
A
real
l (3)
Como exemplo, veja a representação gráfica do “l” da sala, onde: o pior caso é a sua menor
dimensão (20 metros quadrados), e o melhor caso é quando os demais cômodos têm dimensão
mínima, restando, portanto, 47 metros quadrados.
108
Medida da sala
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
20
22
24
26
28
30
32
34
36
38
40
42
44
46
área da sala
Distância proporcional entre
o melhor e o pior ponto
Figura 6 – Tabela de variação da medida da sala entre o melhor e o pior ponto
Quanto à influência da alteração das medidas, no conforto de cada cômodo, têm-se que o
comportamento da distância “l” é dado por uma reta que sai de um, quando a área real é a
mínima, indo para zero quando a área real é a ótima, conforme dado na figura nove. Este
comportamento revela que há uma perda acentuada de conforto à medida que se reduz a área
da sala. Cabe a questão: esta perda de conforto é constante com a perda de área? Analisando o
comportamento social da família que irá morar nesta casa, poderia se dizer que a perda inicial
de conforto é pequena, acentuando-se na medida em que a sala fica com área menor. Neste
sentido, os atributos considerados para determinar matematicamente o comportamento de
cada família, no que se refere à relação de melhor conforto com a área dos cômodos, deverá
ser influenciada por princípios subjetivos, ligados a comportamento, tradição, evolução social
e convívio familiar, o que está intimamente ligado à forma em que os integrantes da família se
utilizam da casa e a importância dada para cada centímetro retirado ou concedido à cada
cômodo. A variação do comportamento desta perda de conforto pode ser dada pela equação
(4) seguinte:
S
real
A
l
=
2047
47
(4)
A figura dez mostra a alteração de comportamento descrito, que representam o conforto
ganho ou perdido, de acordo com a alteração do coeficiente “s”. Nesta, tem-se a evolução
linear, onde “s” é igual a um, outra côncava, onde “s” é igual a dois e, a mais côncava, com
“s” igual a três.
109
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 102030405060708090100
Variação das medidas do cômodo - %
(entre o mínimo e o máximo)
Distância entre o pior ponto e
melhor ponto
Figura 7 – Incidência da variação de “s” sobre a variação de medida
Assim, para este trabalho, os coeficientes deverão variar, em números inteiros, de um a três,
de acordo com a importância dada pela família, para o aumento ou diminuição do cômodo, o
que se adotará, apenas neste exemplo, de modo aleatório, isto com o intuito de demonstrar a
formatação matemática. Ficando: um para uma influência constante; dois para uma influência
acentuada a partir da redução de 55%, e; três para uma influência mais acentuada após a
redução de 70%.
Visando aplicar esta metodologia para todos os cômodos, adotam-se os seguintes coeficientes:
para os quartos “s” igual a três (equação 3); para a cozinha “s” igual um (equação 4), e; para a
sala, “s” igual a dois.
110
Medida do Quarto
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
9 10111213141516171819202122232425
Variação da medida
Variação entre o pior ponto e
melhor ponto
Medida do Quarto
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
9 10111213141516171819202122232425
Variação da medida
Variação entre o pior ponto e
melhor ponto
Medida da cozinha
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Variação da medida
Variação entre o pior ponto e
melhor ponto
Medida da sala
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
20
22
24
26
28
30
32
34
36
38
40
42
44
46
Variação da medida
Variação entre o pior ponto e
melhor ponto
Figura 8 – Variação das curvas em função do coeficiente “s
O valor de cada cômodo, que será representado por alfa (apresentado na equação (5)), deverá
incidir sobre a formulação matemática como a importância que a família concede para cada
um dos cômodos. Assim, a construção desta lógica de tratamento diferenciado a cada um dos
cômodos, de acordo com a importância deles ao convívio social da família, deve receber
influência substancial dos usos e costumes de uma família comum.
Desta forma, deverão ser feitas algumas considerações que influenciaram neste momento do
estudo. Por exemplo, deve-se considerar que o desenvolvimento social não tem colocado mais
o bem estar do patriarca como o grande objetivo da família. Atualmente questões como a
educação dos filhos, o convívio harmônico entre os membros e as limitações financeiras têm
sido de importância superior ao conforto dos pais. Além disso, deve-se considerar que, no
momento de se atribuir peso aos quartos, é extremamente relevante a observação de que o
estudo dos filhos pode ser prejudicado pela limitação de espaço.
A sala deve sofrer limitações pela prática do convívio familiar. Outro fator que deverá
influenciar na importância da sala está na limitação financeira para a compra de equipamentos
eletrônicos, obrigando esta família a utilizar coletivamente, por exemplo, a televisão. Quanto
à cozinha, sabe-se que é costume regional, a realização de reuniões familiares no momento do
preparo da comida, o que exigirá um ambiente mais confortável.
111
Assim, pode-se construir uma fórmula que forneça a distância ao conforto ótimo para o
conjunto dos cômodos da casa, ponderando (multiplicando por α) a importância da distância
ao conforto ótimo de cada cômodo. Assim, a distância total é dada pela soma do “l” de todos
os cômodos, representado pela equação (5).
+++=
925
25
925
25
1020
20
2047
47
21
2
21
1
AA
AA
quarto
real
quarto
real
cozinha
real
sala
real
l
Squarto
quarto
S
quarto
S
cozinha
S
salatotal
quarto
dacozinhadasala
αααα
(5)
Aqui, deseja-se minimizar a distância total ao conforto ótimo, o que seria idealmente igual a
zero. Isto implicaria dizer que se teria uma sala com 47 metros quadrados, uma cozinha com
20 metros quadrados e quartos com 25 metros quadrados, lembrando, ainda, que o banheiro
tem área de 15 metros quadrados. Isto totalizaria 132 metros quadrados, que é superior aos
100 metros quadrados disponíveis. Em termos matemáticos pode-se dizer que a soma das
áreas de cada cômodo tem que ser igual a 100 metros quadrados, conforme a equação (6).
100
21
=
+
+++
banheiroquartoquartocozinhasala
AAAAA (6)
Empregando uma planilha Excel pode-se calcular a distribuição ótima de área entre os
diferentes cômodos, levando-se em consideração as limitações de engenharia, os usos e
costumes da família focada e outros aspectos sociais. O resultado então deve ser construído
através da busca da ponderação da influência da redução de cada cômodo frente aos membros
da família e à importância de cada cômodo para a coletividade da família.
Para a valoração da importância dos cômodos, frente ao interesse desta família, o trabalho
buscará atribuir pesos de acordo com a relevância de cada ambiente frente ao desejo desta
família, o que pode ser chamado de “interesse público” desta família.
Neste momento, dever-se-á fazer uma analogia entre os parâmetros que se adotaram para dar
peso aos cômodos, como sendo princípios jurídicos, já que neste momento pretende-se apenas
demonstrar a formatação matemática da ponderação de um conflito de interesses.
Assim, criou-se quatro parâmetros para cada quarto, imaginando que estes são princípios
jurídicos com representação, inclusive, na Constituição Federal brasileira. Considerando a
tese de que não haja superioridade entre princípios constitucionais, o que é oportuno neste
momento do trabalho, adotaremos a mesma importância para cada um deles, apenas como
forma de justificar a subjetividade intrínseca destes pesos.
112
O que se pretende aqui é criar uma justificativa, não exclusivamente pessoal, para a valoração
que se dará a cada cômodo no momento da ponderação dos interesses. Neste caso busca-se
demonstrar como serão inseridos os princípios jurídicos que tutelam cada um dos interesses
em conflito. Obviamente que atividade de atribuir pesos, segundo critérios subjetivos,
seguindo princípios jurídicos, é uma atividade totalmente variável de acordo com a aplicação
e como agente que o analisa. Contudo, vale observar que paira entre todas as sociedades e
dentro do homem médio, um senso de justiça comum, que apesar de não ser único, absoluto,
nem imutável, permeiam por um mesmo ambiente de proximidade entre todos os homens de
uma mesma sociedade. A subjetividade da prática de se atribuir pesos é inerente a qualquer
julgamento humano, já que a própria interpretação do conceito de Justiça é extremamente
mutante e variável de acordo com o tempo, o agente e, principalmente, segundo os interesses
que se defende. Neste sentido afirma o escritor polonês Stanislaw Lac que diz:
“imparcialidade não é neutralidade. É parcialidade por Justiça”
92
.
Vale ressaltar que os princípios jurídicos, quando inseridos na carta constitucional, adquirem
um corpo genérico, tomando forma específica de acordo com a análise e aplicação de cada
caso, ou seja, este deverá ser influenciado por questões sociais, históricas, paradigmáticas,
dogmáticas e outras. Neste sentido, valorar cada princípio, separadamente para cada critério
adotado, aproxima o resultado do equilíbrio pretendido com a ponderação de interesses.
Assim, no caso da construção da casa, serão estabelecidos quatro critérios, como se fossem
princípios jurídicos, que deverão ser julgados todos sob cinco pesos diferentes, variando de
zero a quatro, partindo de pouco influenciado igual a zero e muito influenciado igual a quatro.
Os quatro critérios são: A – influência nas condições de estudo dos filhos; B – influência nas
condições de convívio coletivo da família; C – influência nas condições sanitárias e de
engenharia; D – influência nas condições de convívio social da família. Por fim, será obtido o
peso do cômodo, de acordo com a média simples dos valores atribuídos.
Primeiro cômodo: Sala de estar
Em qualquer casa, a sala de estar é o ambiente onde há o maior convívio coletivo da família,
onde ocorrem os encontros com amigos, a família assiste televisão, podendo esta ser utilizada
também como ambiente de estudo dos filhos e coletivamente nos momentos das refeições.
A – Condições de estudo para os filhos:
92
Stanislaw Lec, escritor polonês (1909 – 1966).
113
A sala de estar pode também ser utilizada pelos filhos como sendo o local adequado para a
dedicação às atividades escolares que devem ser praticadas em casa. Contudo, por ser um
ambiente coletivo, onde todos tem acesso contínuo e há, até mesmo, presença de pessoas de
fora da família, pode-se dizer que este não é o mais adequado para tal atividade.
Há de se observar que os momentos de estudo dos filhos, devem ser tidos como uma atividade
de concentração, ou seja, sem muitas interrupções, o que não condiz com a sala de estar.
Assim, por poder, em uma condição de exceção, ser o ambiente de estudo dos filhos, mas não
ser o mais adequado, atribui-se o peso dois.
B – Convívio coletivo da família
Certamente a sala é o ambiente mais apropriado ao convívio da família, sendo esta a razão de
existir deste cômodo. Na sala de estar a família poderá reunir-se para os mais diversos fins,
seja para descontração em jogos, assistindo televisão ou escutando música. Em qualquer
família, este cômodo é utilizado também para os momentos de reflexão coletiva, geralmente
ocorridos no período pós trabalho, onde todos estão presentes.
Assim, neste critério, será atribuído o peso quatro para a sala de estar, já que o convívio
coletivo da família é a própria razão de existir deste cômodo.
C – Condições sanitárias e de engenharia
Não há qualquer questão sanitária que seja influenciada pelo tamanho deste cômodo, contudo,
deve-se considerar que há uma necessidade mínima de espaço que garanta à sala de estar, a
colocação dos móveis, uma distância mínima entre eles e o conforto nos momentos de reunião
com todos os membros da família. Assim, atribui-se o peso dois para este critério.
D – Convívio social da família
Este critério está relacionado à ligação desta família com vizinhos, amigos e parentes. Assim,
para esta análise, deve-se considerar que a sala de estar é o ambiente onde a família recebe
seus amigos e parentes, sendo o ambiente próprio para tal atividade.
É comum uma família brasileira, proporcionar recepções, fazer comemorações e festas, o que
demanda um ambiente adequado para trazer, ao lar, os amigos mais próximos e queridos.
Neste sentido, deve-se observar também, que a relação dos filhos com amigos, seja quando
criança, adolescente ou jovem, pode se dar na sala de estar.
114
Não é costume, por exemplo, que os filhos recebam namorados em seus quartos ou qualquer
outro cômodo, assim a sala de estar, por ter acesso coletivo, é considerado o ambiente mais
adequado para isto. Desta forma, atribui-se o peso quatro para este critério.
Tabela 4 – Adoção do peso da sala
A B C D Peso adotado
2 4 2 4 3
Segundo cômodo: Cozinha
A cozinha deve ser vista não apenas como o ambiente de preparação da refeição. É costume,
que as famílias se reúnam ali durante o preparo dos alimentos e coloquem os filhos para ali
estudarem. Além disso, este cômodo é considerado o mais utilizado por todos os membros da
família e deverá ser pontuado por todos os quatro critérios.
A – Condições de estudo para os filhos:
Igualmente à sala de estar, apesar deste não ser um ambiente adequado ao estudo, algumas
famílias costumam utilizar a cozinha para tanto. Contudo, pelas mesmas condições já
declaradas quando da descrição deste critério na sala de estar, este não é o ambiente mais
adequado para esta prática. Assim, dá-se o peso de dois para este critério.
B – Convívio coletivo da família
Como já foi observado, a cozinha, por ser um ambiente coletivo, é freqüentemente utilizado
para as reuniões familiares, seja durante o preparo dos alimentos ou nas refeições. Sabe-se
que as importantes reuniões familiares ocorrem durante alguma refeição, ou seja, há sempre
uma ligação de datas comemorativas com grandes refeições ou festas, onde o papel da
cozinha é fundamental. Além disso, deve-se considerar que existe uma estreita relação entre a
cozinha e o conforto da mãe, já que esta, geralmente, é quem se utiliza, diretamente e por
grande parte do tempo, deste cômodo. Contudo, fruto de importantes mudanças sociais, as
mulheres têm buscado cada vez mais atividades fora do lar. Assim, atribui-se o peso três para
este cômodo.
C – Condições sanitárias e de engenharia
Importantes limitações sanitárias e de engenharia serão impostas à cozinha. É necessário se
planejar um ambiente de fácil limpeza e higienização, o que exigirá um certo espaço entre os
móveis e utensílios.
115
Deve-se imaginar que o ambiente deva ser arejado e de grande troca de calor, o que exigirá
grandes janelas e um espaço livre considerável. Outro fator importante, ligado à higiene, está
na colocação do lixo, que não poderá ficar próximo ao ambiente de preparo e armazenamento
de comida.
Por não haver nesta casa nenhuma área de estoque de comidas, a cozinha deverá estar
preparada para armazenar alimentos, o que exigirá uma maior atenção no que se refere à
higiene.
Desta forma, deve-se considerar que importantes questões ligadas à sanidade desta cozinha
serão comprometidas pelo tamanho reduzido da cozinha, o que leva à atribuição do peso três.
D – Convívio social da família
Não é comum, aos hábitos desta família, receber amigos ou parentes na cozinha, já que, para
eles, o ambiente adequado é a sala de estar, o que não influencia em nada a variação do
tamanho do cômodo com este critério. Assim, atribui-se peso zero a este critério.
Tabela 5 – Adoção do peso da cozinha
A B C D Peso adotado
2 3 3 0 2
Terceiro cômodo: quarto do filho
Os quartos serão analisados separadamente, pois estes envolvem interesses distintos, sendo
um deles o do filho e o outro do casal. Assim, eles terão ocupações diferentes e, certamente,
medidas diferentes.
Como é costume desta família, os quartos são utilizados para o descanso noturno, porém,
deve-se considerar que o quarto do filho deve ser voltado, também, para a criação de um
ambiente propício ao estudo.
A – Condições de estudo para os filhos:
Certamente o quarto é o ambiente mais propício a este tópico. A tranqüilidade e privacidade
deste cômodo garantem um ambiente excelente para os momentos de estudo. Deve-se
considerar que para construir um ambiente adequado a esta atividade, faz-se necessário
reservar uma parte do quarto para a colocação de uma escrivaninha, cadeira e, pelo menos,
uma prateleira ou armário de livros. Assim, a delimitação das medidas do quarto influenciam
fortemente neste tópico, que deverá ser visto como muito importante nesta análise.
116
Assim, considerando que este é o ambiente mais propício ao estudo, o peso atribuído neste
tópico será quatro.
B – Convívio coletivo da família
Não há qualquer atividade de convívio coletivo da família neste cômodo, o que dispensa
maiores esclarecimentos, já que não há uma influência prejudicial acentuada na redução do
tamanho do quarto com este tópico. Assim, atribui-se o peso zero.
C – Condições sanitárias e de engenharia
A única limitação ligada a engenharia é a construção de um quarto suficientemente arejado, o
que exigirá um maior espaçamento entre os móveis. Assim, não há grande influência deste
tópico na adequação das medidas do quarto do filho, com isto, atribui-se o peso dois.
D – Convívio social da família
Pode-se considerar como convívio social ligado ao quarto dos filhos, a recepção e o convívio
com amigos no quarto. É comum que crianças e adolescentes compartilhem de seus quartos,
com amigos e parentes, para brincarem ou fazerem atividades escolares. Neste sentido, um
quarto com medidas limitadas impedirá este tipo de atividade. Assim, atribui-se a este tópico
o peso dois.
Tabela 6 – Adoção do peso do quarto do filho
A B C D Peso adotado
4 0 2 2 2
Quarto cômodo: quarto dos pais
A – Condições de estudo para os filhos:
Por não haver qualquer ligação deste cômodo com as condições de estudo dos filhos, o peso
atribuído para este critério será zero.
B – Convívio coletivo da família
A única utilização do quarto dos pais é a do descanso noturno, não havendo qualquer
atividade de convívio familiar. Sabe-se que este ambiente é um local privado para o acesso
quase que exclusivo aos pais desta família.
Assim, não há qualquer influência da medida do quarto que impeça ou incentive o convívio
familiar. Desta forma, o valor atribuído a este critério é zero.
C – Condições sanitárias e de engenharia
117
A única restrição de engenharia imposta a este ambiente é o da necessidade de um conforto
superior ao dos outros quartos, pois este é compartilhado por dois membros da família e,
estes, são os provedores desta construção, tendo a idade mais avançada e, assim, necessitam
de mais espaço para desfrutarem de um certo conforto.
Além disso, os pais da família vivem uma atividade de trabalho diária que exige um maior
conforto nos momentos de descanso, o que obrigará a colocação de uma cama mais
confortável e conseqüentemente maior. Por terem um maior volume de roupas que o usuário
do outro quarto, este cômodo necessitará de um amplo guarda roupas. Assim, atribui-se o
peso quatro para este critério.
D – Convívio social da família
Não há qualquer atividade de convívio social da família neste cômodo. Sabe-se que o quarto
dos pais da família são de acesso exclusivo dos membros desta família, não havendo a
mínima possibilidade de desenvolvimento de atividades sociais neste cômodo. Assim, atribui-
se o peso zero.
Sobre este critério, vale fazer uma importante observação sobre o tamanho deste em relação
ao quarto dos filhos. Considerando que exista uma hierarquia familiar, que deva ser
respeitada, o quarto dos pais jamais poderá ter medidas inferiores ao do filho. Tal restrição
deverá ser imposta aos resultados.
Tabela 7 – Adoção do peso do quarto dos pais
A B C D Peso adotado
0 0 4 0 1
Assim, tem-se os seguintes dados para o cálculo da medida dos cômodos da casa que se
pretende construir. Contudo, considerando a limitação imposta ao quarto dos pais, serão feitos
dois cálculos, respeitando a limitação imposta.
Tabela 8 – Resultado da ponderação da medida dos cômodos – com a limitação imposta
Cômodo
Min Max Alfa S Área Ponderação
Banheiro 15 15 15,00
Cozinha 10 20 2 1 20,00 0,00
Sala 20 47 3 2 34,42 0,65
Quarto do filho 9 25 2 3 15,29 0,45
Quarto dos pais 9 25 1 3 15,29 0,22
118
Tabela 9 – Resultado da ponderação da medida dos cômodos – sem a limitação imposta
Cômodo
Min Max Alfa S Área Ponderação
Banheiro 15 15 15,00
Cozinha 10 20 2 1 20,00 0,00
Sala 20 47 3 2 34,90 0,60
Quarto do filho 9 25 2 3 16,76 0,27
Quarto dos pais 9 25 1 3 13,34 0,39
Como pode-se ver da tabela anterior, a ponderação dos critérios adotados para cada cômodo
resultou em uma divisão equilibrada, dentre as medidas previamente estipuladas pela família e
a importância do aumento ou não de cada cômodo. Neste exercício, demonstrou-se que é
possível inserir questões subjetivas a uma formulação matemática que busque equalizar
diferentes interesses. É oportuno ressaltar que este exercício ponderativo não é absoluto e
sofre influência constante do desenvolvimento social, que irá modificar a percepção social
sobre cada um dos pesos adotados aos critérios.
Assim, este método deverá ser utilizado para o caso do conflito de interesses no caso o trecho
de vazão reduzida, como demonstração da aplicação desta metodologia na gestão de recursos
hídricos, conciliando agentes, chegando-se o mais próximo possível do equilíbrio entre a
melhor e a pior situação adotada.
7.3 A PONDERAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES PELO USO DA
ÁGUA NO TRECHO DE VAZÃO REDUZIDA – TVR DE UMA CENTRAL
HIDRELÉTRICA DE DESVIO
A construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas tem enfrentado um sério problema no que se
refere ao trecho do rio que liga a barragem da represa até a casa de máquinas, o que é
chamado de Trecho de Vazão Reduzida - TVR. Este trecho corresponde ao leito original do
rio desde a barragem da represa até a casa de máquinas, figura 12. Com a construção da usina,
a água do rio é desviada deste trecho. Assim, ocorre uma intensa redução do volume de água
nesta parte do rio, ocasionando importantes impactos ambientais.
Aplicando a metodologia matemática anteriormente conceituada, este trabalho irá buscar,
seguindo o já proposto por Ribeiro Júnior, uma resolução para o citado conflito, através da
ponderação dos interesses incidentes sobre os recursos hídricos neste caso, contudo, focando
os interesses sob um diferente ponto de vista, desta vez voltado a questões jurídicas e sociais.
119
Figura 9 – Representação cartográfica da região da PCH Paraitinga
R
io Paraitin
g
a
22 ha
T
T
V
V
R
R
Neste sentido, adota-se o estudo de caso e os resultados técnicos utilizados por Ribeiro Júnior
(2004). Para tanto, utilizam-se os dados da PCH Paraitinga, nesta, o trecho de vazão reduzida
é de 3,2 quilômetros, onde, neste caso, o rio Paraitinga corre sobre o leito rochoso com
formação de corredeiras num declive de aproximadamente 68 metros desde o local do eixo do
barramento até o local da restituição da casa de força. A tabela 10 apresenta as informações
técnicas desta PCH.
Tabela 10 – Dados técnicos da PCH Paraitinga
Município Cunha (SP) e Lorena (SP)
Curso d’água Rio Paraitinga
Potência instalada 7 MW – 2 unidades Francis
Energia média 42.924 MWh/ano
Altura máxima da barragem 10 metros
Área do reservatório 22,2 hectares
Assim, dever-se-á, primeiramente, mapear todos os interesses convergentes e concorrentes,
visando agrupar os que se sintonizam em um mesmo objetivo. O que se pretende com esta
divisão, é, além de visualizar a representatividade e a importância de cada interesse
defendido, buscar dar equilíbrio aos pesos a serem dados aos atributos. Vale observar que a
discussão neste caso está na vazão que deverá ser mantida no TVR, buscando-se assim, um
equilíbrio entre o pior e o melhor caso para todos os agentes.
Apesar de já tratado neste trabalho, é oportuno observar que quanto menos específico for o
princípio jurídico, maior será a sua aplicabilidade, o que torna sua interpretação também mais
subjetiva e mutável. Tal observação se faz necessária, pois a Constituição Federal apresenta
120
princípios genéricos, que deverão ser aplicados e contextualizados segundo cada caso. Apenas
como exemplo, o fato de que a Carta Magna determina a promoção da segurança pública,
contudo, não especifica as medidas adotadas para tanto. Neste sentido, pode-se dizer que a
delimitação de horário de funcionamento de estabelecimentos onde haja alto índice de
criminalidade, encontra amparo em princípio jurídico contido em dispositivo constitucional,
apesar de também afrontar outros
93
.
Desta forma, passa-se à aplicação da metodologia matemática anteriormente debatida,
cumprindo as três atividades descritas. Contudo, neste caso, se dará maior importância aos
conceitos e princípios jurídicos, principalmente os contidos expressamente em dispositivo
constitucional. Para tanto, inicialmente, dever-se-á demonstrar e fundamentar o grande
interesse que será defendido, o que podemos chamar de “interesse público” do caso, para, em
seguida, delimitar os critérios sob os quais serão analisados e a forma pela qual estes se
valorizam frente ao “interesse público”.
7.3.1
A CONCEITUAÇÃO DO “INTERESSE PÚBLICO” NO CASO DO TVR
Na aplicação da ponderação de interesses, em qualquer caso, é fulcral estabelecer,
inicialmente, o grande objetivo que se busca, o que pode ser denominado de “interesse
público”, ou seja, o maior benefício possível que a sociedade alcançará com a atividade que se
pretende julgar. É importante ressaltar que a subjetividade intrínseca da conceituação do
“interesse público” definirá claramente o resultado que se alcançará com a ponderação de
interesses, já que os valores a serem atribuídos aos critérios terão sempre como horizontes
aproximar-se ao máximo deste objetivo.
Os atributos considerados para mensurar os diferentes interesses da sociedade neste caso
foram: 1- impacto na biota; 2- relocação de comunidades; 3 - recreação e turismo; 4 - sistema
de transposição de peixes; 5 - usos consuntivos e não consuntivos da água; 6 - produção de
energia elétrica. Esses atributos podem ser agrupados em dois grandes conjuntos, compondo o
primeiro conjunto, os sete primeiros atributos e o segundo conjunto, a produção de energia
elétrica. O primeiro conjunto inclui os interesses que desejam uma maior vazão no curso
natural do rio, que foi desviado (TVR – trecho de vazão reduzida). O segundo conjunto
conflita com o primeiro ao querer que o máximo de água passe pelas turbinas, gerando mais
93
De fronte a um explícito conflito de princípios constitucionais, onde, se valendo da liberdade de expressão,
determinado cidadão difunde conceitos ligados ao racismo, em questão de ordem, o Ministro Moreira Alves
determina a prevalência dos princípios ligados a proibição da prática de racismo. Neste caso, pautando-se nos
direitos fundamentais, “dos quais erige a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser
humano e de sua pacífica convivência no meio social”. HC 82424 QO DJ 19-03-2004 PP 00017 EMENT VOL-
02144-03 PP-00524.
121
energia elétrica. Dentro de uma outra ótica, pode-se dizer que o conjunto I representa os
interesses locais, enquanto o conjunto II representa os interesses não locais. A estanqueidade
contida nesta classificação não é absoluta. A sociedade local necessita de energia elétrica, seja
gerada ali ou alhures. De outra parte, a extinção de espécies, dentre outros aspectos, interessa
à sociedade como um todo, e a soma de pequenos impactos tem levado à destruição de uma
forma abrangente.
Não há árbitro que, em pleno juízo, não queira favorecer os dois conjuntos: mais energia
elétrica, para gerar desenvolvimento, e a preservação de um meio ambiente intocado. A
posição inicial tem sido, em todas as esferas, buscar alcançar os benefícios, evitando-se os
custos; ter o conforto da energia elétrica sem ter a perda do seu ambiente. Esta equação é
infactível, pois não se têm benefícios sem custos, podendo-se, lamentavelmente, ter custos
sem benefícios. Todos querem o ladrão preso, mas não querem o presídio próximo de si,
todos querem a cidade limpa, mas não querem o cesto de lixo de fronte de sua casa. A questão
não está apenas em ponderar custos e benefícios, mas, também, alocá-los no tempo e no
espaço.
A energia elétrica gerada em Itaipu beneficia uma grande parte da sociedade brasileira, não se
restringindo aos cidadãos paranaenses. A extinção de sete quedas atingiu frontalmente a
sociedade daquela região de fronteira, mas, também atingiu os interesses de longo prazo da
sociedade brasileira e mundial, que perderam uma beleza cênica de rara particularidade, além
de outros impactos ainda mal caracterizados. Itaipu valeu ou não valeu a pena? Quem se
beneficiou e quem arcou com os custos? Esse caráter temporal e espacial da decisão, mesmo
“ex-post”, é de difícil análise e conclusão, sendo de muito maior complexidade quando
realizado “ex-ante”.
Primeiramente, será interpretada a influência da variação entre o melhor e o pior ponto para
cada um dos atributos estipulados. O que se pretende é estabelecer o “s” deste caso. Assim,
adotando-se a mesma metodologia praticada no caso da casa, atribui-se valor um para uma
influência constante e direta, o valor dois para uma influência mais acentuada a partir de uma
variação de quarenta por cento e o valor três para uma variação mais acentuada somente a
partir de sessenta por cento. Assim, passa-se à análise de “s” para cada um dos atributos a
serem estudados:
1- impacto na biota: a retirada de pequena quantidade de água não causa grandes danos ao
meio biótico, ocorrendo grandes danos, apenas com a retirada maior de água, o que
122
dificultaria a vida aquática e da mata ciliar, afetando também a fauna. Desta forma, adota-se o
coeficiente de valor três;
2- relocação de comunidades: neste, qualquer alteração comunitária causa grandes danos
familiares e àquela comunidade. Assim interpreta-se que esta influência é direta e linear,
adotando-se o coeficiente um para este atributo;
3 - recreação e turismo: as práticas recreativas e o turismo contemplativo e esportivo não são
afetados linearmente pela diminuição do nível do rio. Pode-se dizer que este critério necessita
de um volume mínimo de água, imaginando-se que somente abaixo deste nível haverá
prejuízos. Assim, atribui-se o coeficiente três;
4 - sistema de transposição de peixes: para a piracema é necessário a existência de um nível
mínimo de água, que possibilite aos peixes subirem o rio. Neste sentido, a influência não é
grande inicialmente, sendo perceptível somente com a diminuição substancial do nível do rio.
Assim, adota-se o coeficiente três;
5 - usos consuntivos e não consuntivos da água: estes são influenciados somente nos
momentos de escassez, sendo que inicialmente não há uma grande influência. Assim, atribui-
se o coeficiente dois para estes casos;
6 - produção de energia elétrica: sabe-se que a geração de energia elétrica é diretamente
influenciada pela estipulação do mínimo de vazão no TVR. Assim, o coeficiente adotado é
um, por considerar-se uma influência direta e linear.
Tabela 11 – Coeficientes “s” adotados para os cômodos
1 2 3 4 5 6
3 1 3 2 1 1
Em seguida, atribui-se a cada atributo um valor diferenciado de acordo com a influência dos
tópicos previamente definidos, que, neste caso, serão ligados a questões jurídicas, voltadas a
princípios supra constitucionais.
Neste sentido, pode-se dizer que a distância entre o pior e o melhor ponto é a proximidade ou
distância do chamado “interesse público” do caso. Isto deverá influenciar diretamente na
análise separada de cada critério. Para tanto, deve-se estabelecer quais são os grandes
princípios jurídicos que serão defendidos neste estudo. Assim, no caso da TVR, tem-se que o
grande objetivo desta ponderação é conciliar o evidente conflito entre o desenvolvimento
social e econômico obtido com a geração de energia elétrica e o mínimo impacto ambiental e
social causado por este empreendimento.
123
Com isto, deve-se estabelecer os princípios jurídicos a serem tutelados no caso, visualizando
em cada critério a influência do aumento ou redução da vazão no TVR em função da
supressão deste instituto jurídico. Veja o exemplo: considerando que a preservação ambiental
é um importante instituto jurídico e, assim, deve-se estabelecer a condição de maior impacto,
que será o pior ponto, e a de menor impacto, que será o melhor ponto, para assim, estabelecer
o ponto mais equilibrado, entre a maior geração de energia elétrica e a variação da vazão na
TVR que garanta o menor impacto.
Neste sentido, os critérios a serem analisados na busca pelo maior benefício social são:
impacto na biota; impacto social; recreação e turismo; sistema de transposição; usos da água;
qualidade da água; dessedentação, e; produção de energia.
Desta forma, cada um desses critérios deverá ganhar pesos, mediante uma análise jurídica,
seguindo princípios contidos na Constituição Federal e no meio jurídico. Neste sentido, os
critérios deverão ser submetidos a uma pontuação sob quatro vertentes, para, através de uma
média simples, justificar-se a subjetividade da valoração dos critérios. Adota-se uma
igualdade entre estes princípios, pois se admite que não há uma hierarquia entre os princípios
jurídicos, sendo que a supressão ou valoração de cada um deles se dá no momento da
aplicação. Assim como Hobbes admite que todos os homens são iguais, curva-se para o
entendimento de que os interesses, que representa a vontade dos “homens” também são iguais
em sua essência.
Primeiro, segundo a relação com valores fundamentais como dignidade, trabalho, livre
iniciativa (art. 1o), justiça, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza (art. 3o),
igualdade, função social da terra (art. 5o, caput), estabilidade das relações (art. 5o, caput e
inciso XXXVI), lazer (art. 6o). Para a pontuação deste tópico deve-se considerar que os
princípios jurídicos referentes aos valores fundamentais estão diretamente ligados ao ser
humano como cidadão, sendo sempre relativo à formação do Estado e a relação deste com o
cidadão.
Segundo, com relação à atividade econômica como a livre iniciativa, função social da
propriedade, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais,
tratamento favorecido às pequenas empresas (art. 170) e o incentivo ao turismo como fator de
desenvolvimento social e econômico (art. 180). Certamente, a atividade econômica é o eixo
principal do desenvolvimento de uma nação e, conseqüentemente, um instrumento para o
alcance do bem estar social. A atividade econômica pode proporcionar a igualdade social, o
bem estar coletivo, garantir a saúde coletiva, dentre outros. Assim, o Direito não poderia
124
deixar de tratar deste tema tão importante a uma sociedade, nem este ser descartado nesta
ponderação, já que há uma ligação direta entre geração de energia e desenvolvimento
econômico. Neste sentido, a tutela constitucional acerca dos setores produtivos, ligados à
economia, ganha um espaço especial e está repleto de importantes princípios jurídicos, que no
que se refere à biota, terá influência sobre a redução das desigualdades regionais e sociais e o
incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.
Terceiro, voltados à ordem social como o trabalho como fomentador do bem-estar e justiça
sociais (art. 193), saúde (art. 196), pleno exercício dos direitos culturais, defesa e valorização
do patrimônio cultural (art. 215), fomento à prática desportiva (art. 217), proteção ao meio
ambiente equilibrado, preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético,
proteção da flora e da fauna e a proteção à família (art. 226).
Estes pesos, deverão variar entre 0 e 4 de acordo com a influência do tópico estudado na
necessidade de controle da vazão no TVR, ou seja, deverá se mensurar o quanto será
prejudicado cada critério e a força deste, na análise conjunta, segundo os princípios jurídicos
pré-estabelecidos.
Desta forma, passa-se a prestar a análise pontual de cada critério, conforme já descrito
anteriormente.
7.3.2
IMPACTO NA BIOTA
O impacto na biota relaciona-se aos prejuízos causados à flora e à fauna local, seja na ação
direta, conseqüência da construção do empreendimento, ou nas causas indiretas, advindas da
modificação estrutural do ambiente que encontrava-se relativamente estabilizado e foi
alterada pelo empreendimento. Atualmente, a questão ambiental tem tomado um caráter
supra-global, ou seja, não tem sido mais visto apenas local ou regionalmente, mas sim, como
algo que influencia diretamente na vida do próprio planeta, tendo conseqüências globais
importantes. Neste sentido, a grande preocupação da humanidade, atualmente, está na busca
do equilíbrio entre o desenvolvimento social e econômico com a garantia de um ambiente
equilibrado para as gerações atuais e futuras.
A visualização global das questões ambientais atribui a este tópico uma grande força na
ponderação do conjunto. Além disso, pode-se dizer que existem questões de caráter local, de
alta importância, relacionadas à biota, seja na preservação de espécies para manutenção do
ecossistema, seja para a realização de pesquisas químicas medicamentosas ou pela simples
contemplação paisagística.
125
Desta forma, deve-se considerar este critério sob dois aspectos importantes, o primeiro
relacionado ao reflexo global, que atua sobre o interesse da coletividade do planeta, já que a
extinção de uma espécie animal ou vegetal poder trazer prejuízos ao planeta como um todo, já
quanto à abrangência local, pode-se considerar a influência de determinada mata no clima de
uma região ou na influência desta sobre o lençol freático. Isto sem falar, na contemplação de
paisagens, nas tradições regionais, ligadas à flora e à fauna ou, também, no desequilíbrio
ambiental como a superpopulação ou extinção de determinados animais ou vegetais. Passando
à valoração deste critério, segundo os quatro tópicos já pré-determinados.
A - A pontuação segundo os princípios ligados aos valores fundamentais
Pode não haver uma relação de causa e efeito no que se refere aos impactos causados à biota,
as repercussões físicas da variação da vazão na TVR não influenciam diretamente nestes
valores jurídicos. Contudo, mesmo que de modo indireto, deve-se considerar que os impactos
causados à fauna e à flora podem ter incidência sobre princípios constitucionalmente
defendidos como o trabalho e o lazer.
Quanto ao trabalho, tem-se que a influência na biota pode causar repercussões na atividade
pesqueira, através da redução dos peixes, o que, em certas regiões, pode repercutir em toda
cadeia produtiva de determinada comunidade, gerando desemprego, ocasionando um
desequilíbrio nas relações de consumo daquela região. Assim, é necessário verificar se o
empreendimento, ao influenciar no “equilíbrio” da biota daquela região, não afetará a
atividade produtiva daquela região. Isto deve ser considerado, também, para as atividades que
se vinculam à fauna. Em determinadas regiões há uma grande exploração de plantas
medicamentosas, que são também utilizados pelo setor produtivo daquela região.
Outro aspecto que deve ser considerado, também pela redução de peixes, é o lazer, já que, em
algumas regiões a pesca e a caça são consideradas atividades de lazer, ligadas à tradição e ao
folclore de determinada região.
Desta forma pode-se concluir que existem atividades tuteladas por princípios constitucionais,
ligados aos valores fundamentais, que podem sofrer influência direta com a implantação deste
empreendimento. Contudo, vale observar que tal ligação é indireta, sendo incidente de modo
indireto. Além disso, fundamento maior destes princípios, ligados aos valores fundamentais,
não são afetados. Com isto, atribui-se o valor um, já que o objetivo maior da análise é
conciliar o interesse da manutenção das condições atuais da biota, com o máximo de geração
126
de energia elétrica, sendo que, segundo a análise pautada neste tópico, não haverá grandes
influências com a redução da vazão no TVR.
B - A pontuação segundo os princípios ligados à atividade econômica
Quanto ao desenvolvimento regional, tem-se que a pesca e a caça – na atividade esportiva, de
lazer ou comercial – e o extrativismo – na retirada de alimentos, na fabricação de remédios e
na comercialização de plantas – quando exercidos por uma comunidade local podem
representar uma importante fonte de renda e sustentar economicamente famílias. Certamente,
algumas dessas comunidades detêm esta atividade como única fonte de renda, já que longe
dos grandes centros, não desfrutam do desenvolvimento global da nação. A própria
agricultura familiar, largamente incentivada pelo Governo Federal, pode ser influenciada por
algum desequilíbrio ocorrido na biota local, seja na proliferação de insetos, ou na mudança
climática regional. Sendo assim, tem-se que pode haver uma grande influência do
empreendimento, a economia local e, o desequilíbrio desta atividade, pode afrontar as
condições que conduzem ao desenvolvimento regional.
Quanto ao turismo, vale ressaltar que este setor movimenta grandes fortunas é, em alguns
países, é base da economia. Neste sentido, a exploração do eco-turismo, seja na interação com
a natureza ou na atividade contemplativa, pode ser a única atividade econômica de dada
região. Contudo, os impactos causados à biota, podem pôr fim a exploração desta atividade, já
que, neste caso, a natureza “equilibrada” seria o grande atrativo aos turistas. Neste sentido,
tem-se que há um relação direta entre a geração de energia com a supressão ou extinção desta
atividade, o que, respaldado pela necessidade de incentivo ao desenvolvimento regional, os
possíveis impactos causados à biota podem inviabilizar tal atividade. Assim, atribui-se a este
tópico o valor dois.
C - A pontuação segundo os princípios ligados à ordem social
Quanto à ordem social, pode-se apresentar a influência sobre as defesa da cultura e do
patrimônio histórico, o fomento à atividade desportiva, a proteção ao meio ambiente
equilibrado, a preservação da diversidade, a integridade do patrimônio genético e a proteção à
fauna e à flora.
Já inicialmente, é oportuno observar que há amparo constitucional para a proteção da fauna e
da flora, contudo, vale observar que proteger não significa não tocar, mas sim, criar formas
que mantenham condições plausíveis para que se preserve a fauna e a flora. Desta forma,
127
conclui-se que, havendo uma grande influência da diminuição da vazão do TVR sobre a biota,
há de se preservar a biota, segundo os interesses deste dispositivo constitucional.
As questões folclóricas, já que estas têm ligação direta com a cultura de determinada
comunidade, estando relacionadas à própria identidade das pessoas ou da formação daquele
agrupamento social. Sabe-se que os moldes da colonização brasileira, inseriram em nossa
sociedade um rico folclore que, por influência das tradições indígenas e africanas, trazidas
pelos escravos, tem ligação direta com a fauna e a flora.
O folclore nada mais é do que a expressão do desenvolvimento cultural da ligação de
determinada região com suas origens, tendo este uma grande importância para aquela
comunidade.
A atividades recreativas e turísticas, como a prática de esportes, a atividade contemplativa de
paisagens, e a relação direta de determinadas famílias com a fauna e flora local possuem
guarida constitucional.
Quanto à defesa do meio ambiente e à proteção do patrimônio genético, tem-se que estes são
os mais importantes institutos a serem tratados neste tópico, já que os danos causados à biota,
repercutirão diretamente nestes. Além disso, a biota de determinada região desperta interesse
em todo o planeta, seja pela diversidade genética daquela região ou dos possíveis impactos
globais que a ausência desta biota pode causar ao mundo.
Assim, por haver uma grande importância, no que se refere às questões ambientais, este
tópico deverá ser pontuado de modo a demonstrar a importância do equilíbrio ambiental, não
apenas para o mundo atual como para as futuras gerações. O que atribui o valor três a este
tópico.
Tabela 12 – Pesos adotados para a biota
A B C Peso adotado
1 2 3 2
7.3.3 RELOCAÇÃO DE COMUNIDADES
Talvez o impacto social de maior relevância em empreendimentos hidrelétricos esteja na
relocação de comunidades, já que a transposição de famílias nunca oferece as mesmas
condições ambientais sociais em que se vivia anteriormente, além de trazer um imenso
desconforto íntimo a estas famílias. Qualquer comunidade possui uma estreita relação
cultural, social e econômica com sua localidade, havendo questões territoriais de caráter
objetivo e subjetivo que devem ser consideradas. A própria estrutura produtiva de
128
determinada região dificilmente será recomposta em um novo sítio, ou seja, o acesso à água, a
proximidade de centros comerciais e industriais, as atividades de entretenimento e de convívio
social não podem ser identicamente reconstruídos.
Outro ponto está na separação de famílias e no desligamento do homem de sua terra de
origem, questões culturais de amor a terra ou a sua região jamais serão transferidos a uma
nova localidade. Além disso, há de se observar que os cemitérios jamais poderão ser re-
locados e, como é de costume de nossa sociedade, o culto aos ascententes será prejudicado.
Contudo, a relocação de comunidades possui repercussão exclusivamente de caráter local, não
havendo qualquer influência em questões globais. Assim, a tutela deste interesse se dará pelo
respeito às minorias, imposto às atividades do Estado Democrático.
Apesar de a relocação de comunidades possuir uma grande importância nas análises de
impacto, principalmente no enchimento de reservatórios, para o caso específico do trecho de
vazão reduzida – TVR não haverá grnade incidência, já que não é comum a relocação de
comunidades, ocorrendo, quando muito, o deslocamento de pouquíssimas famílias.
Neste caso, não será realizada a valoração pontual, já que, este atributo não tem grande
influencia neste estudo, conforme já foi mencionado. Apesar de ser valorizado por todos os
tópicos, este tópico deverá ser limitado ao valor um.
Tabela 13 – Pesos adotados para a relocação de comunidades
A B C Peso adotado
- - - 1
7.3.4 RECREAÇÃO E TURISMO
No que se refere às atividades de recreação e turismo no TVR, têm-se a pesca esportiva, a
prática de esportes ligados a cachoeiras e corredeiras, além do chamado turismo ecológico e a
contemplação de paisagens. Nestes casos, a influência deste empreendimento nessas
atividades é direta, pois a manutenção de uma vazão mínima neste trecho é extremamente
necessária para a própria possibilidade de exploração dessas atividades.
Neste caso, deve-se considerar que o turismo tem ganho, a cada dia, uma grande importância
na economia das nações em todo o mundo. Desta forma, este importante potencial turístico
deve ser considerado nesta análise, já que, geralmente, as comunidades localizadas próximo a
estes rios, por estarem distantes dos grandes centros, desenvolvem o turismo também
ancorado nestas atividades.
129
A - A pontuação segundo os princípios ligados aos valores fundamentais
No que se refere aos valores fundamentais, a supressão deste “interesse” pode suprimir o
desenvolvimento de importantes atividades, constitucionalmente tuteladas. O trabalho e a
livre iniciativa podem ser suprimidos, já que a economia de determinada região pode
despertar o interesse de empreendedores que visem explorar tal atividade econômica. Além
disso, deve-se considerar, também, a prática desses esportes, simplesmente como atividade de
lazer, exercida por membros da comunidade.
Certamente, qualquer atividade econômica auxilia na erradicação da pobreza. Para este tópico
atribui-se o valor três.
B - A pontuação segundo os princípios ligados à atividade econômica
Certamente, o desenvolvimento do turismo, nessas regiões, ajudam na geração de riquezas e
na busca da igualdade com outras regiões. O desenvolvimento da atividade econômica, é o
principal resultado que se pode obter com o turismo nessas regiões. Como já foi observado, o
turismo pode ser a única atividade econômica nesses regiões. Assim, deve-se considerar que a
atividade econômica pode proporcionar a igualdade social, o bem estar coletivo, garantir a
saúde coletiva, dentre outros.
Desta forma, para a atribuição do valor deste tópico deve-se considerar que esta pode ser a
única atividade econômica de determinada região e que esta pode ser suprimida com a
diminuição da vazão do rio. Assim, atribui-se o valor quatro.
C - A pontuação segundo os princípios ligados à ordem social
O fomento à pratica desportiva pode desenvolver estas regiões, sendo que, neste aspecto deve-
se preocupar com o equilíbrio ambiental, pois o acesso incontrolado de pessoas pode causar
um desequilíbrio ambiental, assim, a prática desportiva deve ser muito bem planejada.
No que se refere à atividade recreativa, há ligações diretas com a cultura de determinada
localidade, o costume da pesca e de outras atividades ligadas ao rio detém certa importância
em algumas regiões. Como exemplo, pode-se citar o caso da pesca do Salmão no norte dos
Estados Unidos, que para aquela comunidade é de suma importância, o que chega a
influenciar na vazão de algumas usinas ali existentes.
Assim, considerando que o meio ambiente pode sofrer alterações substanciais, caso a prática
desportiva no TVR seja muito desenvolvida, este tópico não pode ser pontuado com o valor
130
dois, pois apesar de não haver uma forte ligação com as questões de ordem social, deve-se
considerar que o esporte e o lazer pode trazer prejuízos substanciais ao meio ambiente.
Tabela 14 – Pesos adotados para a recreação e turismo
A B C Peso adotado
3 4 2 3
7.3.5 SISTEMA DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES
O sistema de transposição de peixes de um rio deve garantir a reprodução de espécies que
praticam a piracema, ou seja, necessitam migrar no sentido das nascentes nos períodos
reprodutivos. A impossibilidade da piracema pode trazer a extinção de determinadas espécies
e prejudicar a vida aquática nesses rios. Assim, a construção de barragens e o próprio trecho
de vazão reduzida podem ser vistos como obstáculo para o peixe, seja pela impossibilidade de
transpor a barragem seja pela escassez de água no TVR.
A questão da transposição dos peixes pela usina deve ser vista como um critério
extremamente importante, pois, neste caso, há influência local e global. Pode-se dizer que a
atividade da pesca, com a diminuição dos peixes, estaria prejudicada em todo o rio, afetando
as comunidades locais, seja na pesca esportiva ou na economia de subsistência, comum nas
comunidades localizadas nas margens dos rios. Quanto à repercussão global, pode haver a
extinção de determinada espécie de peixe. Contudo, ações mitigadoras podem ser
operacionalizadas neste caso. Além disso, deve-se considerar que a questão da transposição
dos peixes deve ocorrer, basicamente, nos meses chuvosos, que, pela abundância de água,
ameniza ou soluciona o problema. Assim, apesar de influenciar em questões importantes, os
valores atribuídos à cada análise não deverão ser muito altos.
A - A pontuação segundo os princípios ligados aos valores fundamentais
Diversas comunidades dependem da pesca até mesmo como economia de subsistência
familiar. Assim, o sustento de famílias pode depender desta atividade pesqueira, o que será
prejudicado pela redução da vazão. Neste sentido, a dignidade familiar, com prejuízos ao, o
trabalho e o aumento da pobreza também podem ser influenciados pela diminuição dos
peixes. Assim, atribui-se o valor dois para este tópico.
B - A pontuação segundo os princípios ligados à atividade econômica
A interferência no ciclo de vida dos peixes pode influenciar na atividade pesqueira e em toda
vida aquática do rio, o que trará repercussões diretas à economia. Assim, as questões ligadas à
131
desigualdade regional e ao desenvolvimento local também serão afetadas. Assim, atribui-se o
valor um.
C - A pontuação segundo os princípios ligados à ordem social
No que se refere à ordem social, o trabalho, a pesca esportiva, as atividades culturais e a
defesa do meio ambiente possuem uma ligação direta com a equilibrada vida aquática. A
questão do trabalho e a ligada ao desequilíbrio ambiental merecem uma atenção especial, a
primeira por estar diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e, a segunda, por ser de
extrema importância para a localidade e o planeta. Desta forma, atribui-se o valor três a este
tópico.
Tabela 15 – Pesos adotados para sistema de transposição
Sistema de transposição
A B C Peso adotado
2 1 3 2
7.3.6 USOS DA ÁGUA
Na análise do uso da água, deve-se visualizar sempre os usos consuntivos e os não
consuntivos da água, já que alguns usos podem influenciar consideravelmente na vazão do
TVR, como irrigação, abastecimento humano e dessedentação animal. Estes usos são fatores
determinativos de mínimo de vazão, pois estes, se respeitados, deverão somar-se ao mínimo
necessário àquele trecho. Vale observar que a retirada de água em determinado ponto do rio
restringe futuras outorgas, tanto a jusante como a montante daquele ponto.
É oportuno observar que o uso da água está ligado à vida, quando se refere a abastecimento
urbano e rural, à economia, quando utilizado em alguma atividade produtiva e ambiental, pela
mudança climática que pode causar.
A - A pontuação segundo os princípios ligados aos valores fundamentais
A formação de qualquer agrupamento social, historicamente, se deu em função do uso da
água e da proximidade de grandes rios ou lagos. Sabe-se que a vida humana e o próprio
desenvolvimento econômico e social, de qualquer comunidade, são dependentes do uso da
água. Assim, a produção de alimentos, a geração de empregos e a sustentabilidade da vida
estão direta e inseparavelmente ligados de alguma forma à água. Assim, atualmente a grande
preocupação do mundo esta na garantia de água para ser utilizada pelas gerações atual e
futura.
132
Assim, a vida, a geração de emprego, a produção de comida e a garantia da dignidade humana
estão claramente vinculados à forma com que o homem utiliza a água e a preserva para as
gerações futuras.
Desta forma, pode-se dizer que o uso da água possui um vínculo direto com a manutenção de
direitos mínimos, ligados aos valores fundamentais. Assim, atribui-se o valor três para este
tópico.
B - A pontuação segundo os princípios ligados à atividade econômica
A água está presente em quase todas as atividades industriais, gerando empregos e, com isso,
trazendo desenvolvimento econômico e social. No que se refere a TVR, a atividade industrial
não é uma prática muito comum. Contudo, o uso agrícola da água, como irrigação e
dessedentação animal são atividades mais freqüentes.
Sabe-se que as comunidades rurais, localizadas próximas ao TVR, necessitam captar água
neste eixo para a sobrevivência de suas atividades, o que pode ser visto como uma limitante
para a vazão deste trecho, visto sua tamanha importância. Assim, atribui-se o peso três.
C - A pontuação segundo os princípios ligados à ordem social
No que se refere ao uso consultivo da água, pode-se dizer que há uma influência nas questões
ligadas à proteção ao meio ambiente, já que a alteração da quantidade de água neste trecho
influenciará no equilíbrio ambiental daquela região, seja no meio físico ou biótico. Assim,
atribui-se o peso três a este tópico
Tabela 16 – Pesos adotados para o uso da água
A B C Peso adotado
3 3 3 3
7.3.7 PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
O desenvolvimento social e econômico da humanidade se deu fortemente com a revolução
industrial e a utilização dos combustíveis fósseis nos setores de produção. Desde então, a
humanidade é extremamente dependente das diversas formas de energia. Assim, a capacidade
de produzir energia tem ligação direta com a qualidade de vida e o desenvolvimento social de
qualquer comunidade.
A capacidade de geração de energia elétrica é um dos fatores, se não o principal, que
direciona o desenvolvimento econômico e o bem estar social, isto através das facilidades do
mundo moderno.
133
Desta forma, deve-se considerar que a vida humana é extremamente dependente desta
constante ampliação da capacidade de geração de energia. O desenvolvimento do homem no
planeta depende disto.
A - A pontuação segundo os princípios ligados aos valores fundamentais
A geração de energia garante o desenvolvimento nacional, proporcional à dignidade humana
atrvés da geração de empregos e do desenvolvimento econômicos. Auxilia na inserção social
e, conseqüentemente, na erradicação da pobreza e proporciona o lazer.
Pode-se dizer que o desenvolvimento de qualquer sociedade é totalmente dependente da
constante ampliação da capacidade de geração de energia elétrica. Assim, atribui-se o peso
quatro para este critério.
B - A pontuação segundo os princípios ligados à atividade econômica
Atualmente é impossível se imaginar o desenvolvimento de uma nação sem que haja uma
constante ampliação da capacidade de geração de energia. Os meios de produção exigem cada
vez mais energia e, assim, a geração de empregos e o desenvolvimento tanto local quanto
global são dependentes desta ampliação. Assim, atribui-se o peso quatro para este critério.
C - A pontuação segundo os princípios ligados à ordem social
Já foi observado que a geração de empregos é dependente da ampliação da capacidade de
geração de energia. O bem estar social, a melhora da qualidade de vida, o desenvolvimento
cultural, a valorização do patrimônio cultural e o fomento à prática desportiva são todos
assuntos diretamente ligados à geração de energia.
Contudo, quanto à preservação ambiental, pode-se dizer que a geração de energia é o
principal agente poluidor. Atividade mais nociva ao meio ambiente é, sem qualquer sombra
de dúvida, a geração de energia. Apesar de o homem, atualmente, estar buscando fontes
alternativas de energia, esta atividade ainda será por muito tempo a grande “destruidora” do
planeta. Assim, atribui-se o peso um, para este critério.
Tabela 17 – Pesos adotados para a produção de energia elétrica
A B C Peso adotado
3
4 4 1
Considerando que há uma clara divisão dos interesses em conflito, ficando, de um lado, a
produção de energia e, do outro, os demais interessados, não é possível ponderar esta disputa
134
sem dar igualdade aos interesses em conflito, ou seja, é necessário conceder a mesma
distribuição de pesos para os dois grandes interesses conflitantes.
Assim, multiplica-se o peso adotado para a produção de energia, pelo número de atributos que
representam os interesses da parte contrária. Desta forma, o peso realmente adotado pelo
critério de produção de energia deverá ser quinze e não três.
Tabela 18 – Pesos adotados nos atributos
1 2 3 4 5 6
2 1 3 2 3 15
Adotando os resultados técnicos, calculados por Ribeiro Júnior, constrói-se uma variação
entre o melhor e pior ponto, referente à vazão mínima do TVR, conforme o resultado de onze
métodos de cálculo de vazão mínima, que estão transcritos na tabela 19. Assim, para cada
valor de vazão mínima adotada, atribuiu-se um valor referente às repercussões que esta vazão
traria a cada critério. Estes valores variam de zero a dez e representam uma variação de pouco
impacto e muito impacto, de acordo com o valor atribuído.
Tabela 19 – Matriz de critérios
Montana
Montana
Alternativas Luz Mortari
Montana
Eletrobrás ABF Larson Conama
Q7 DNAEE
60%
30%
10%
0,62 0,77 0,82 0,92 2,06 2,46 2,58 2,6 2,64 3,62 4,92
Critérios
4 4,2 4,4 4,5 6 6,5 6,8 6,9 7 7,2 7,8
1
4,8 4,9 5 5,1 6 6,4 6,5 6,6 6,6 7,6 8,6
2
3 3,1 3,3 4 5 5,4 5,6 5,7 5,7 6,5 7,5
3
0 4 4,5 5 5,6 5,8 6 6,1 6,2 8,5 10
4
5,5 5,7 5,8 5,9 7 7,2 7,3 7,4 7,5 8,2 8,5
5
9,5 9,4 9,2 9 7 6,6 6,5 6,4 6,4 5 4,5
6
Assim, considerando que o melhor resultado está no caso do valor que mais se aproxima de
zero, com os cálculos feitos, obteve-se como a melhor vazão, a estipulada pelos métodos
“Luz” e “Mortari”, conforme se vê da tabela 20.
Tabela 20 – Resultado da ponderação
Luz Mortari
Montana
10%
Q7 DNAEE
Montana
30%
Eletrobr
ás
ABF Larson Conama
Montana
60%
0,18 0,19 0,37 0,41 0,41 0,42 0,42 0,54 0,58
0,16 0,16
7.4 A PONDERAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES NO USO DOS
RECURSOS HÍDRICOS EM RESERVATÓRIOS HIDRELÉTRICOS
O caso que será tratado agora é o da disputa que vem se dando sobre a operação do lago da
central hidrelétrica de Furnas. Nesta análise, dá-se a disputa entre dois ambíguos interesses.
Desta forma, diferentemente do que se tem feito, conforme já tratado por Santos et. al.,
apresenta-se uma proposta de negociação entre dois grupos distintos, a saber: a população
135
lindeira ao lago de Furnas, que deseja ver o lago com seu espelho d’água mais constante
possível; o segundo grupo, se constitui da população que se beneficia do efeito regularizador
do reservatório, que é, essencialmente, a população a jusante dessa central, e os usuários do
Sistema Interligado Nacional – SIN, posto que a regularização traz ganhos energéticos ao
sistema elétrico.
Para maior compreensão, a figura treze mostra a cascata da bacia do Paraná, destacando-se o
reservatório de Furnas, na cabeceira. Observa-se que este tem grande influência nas demais
centrais à jusante, devido seu efeito regulador.
Figura 10 – Usinas ligadas à cascata de Furnas
Vale observar que o reservatório da usina hidrelétrica de Furnas compreende um perímetro de
borda de aproximadamente 3.400 quilômetros, alcançando trinta e três municípios e
influenciando economicamente, no que se refere aos usos diretos da água daquele
reservatório, 54 municípios. Em termos populacionais, poderia-se relacionar uma população
de um para dez, entre a população beneficiada pela não variação da quota do lago e pela
população beneficiada a jusante. Caso se considerasse a população beneficiada pelo SIN, que
inclui a própria população localizada no entorno do reservatório, esta relação subiria para algo
136
em torno de um para duzentos. Portanto, não há sentido ponderar, de forma direta e
quantitativa no que se refere aos benefícios alcançados, pois o interesse local será sufocado.
Como já foi apresentado e discutido neste trabalho, a evolução histórica da humanidade e da
formação do Estado Democrático têm conduzido a uma realidade distinta da simples análise
quantitativa da representatividade de determinado interesse. Ou seja, a simples constatação da
vontade da maioria não é tida como o genuíno “interesse público”. Os conceitos fundamentais
da formação democrática do Estado impõem o respeito às garantias individuais e impede a
supressão absoluta do interesse das minorias. Assim, qualquer negociação, se adotarmos a
lógica jurídica aplicada a um ambiente discursivo democrático, deverá garantir a todos os
agentes a observância mínima de seus interesses. Mais uma vez, é oportuno observar que a
democracia não se curva apenas aos interesses da maioria, mas também respeita e não
suprime o interesse das minorias.
Neste sentido, afirma-se, novamente, que a atividade ponderativa, assim como a prática da
justiça, nada mais é do que encontrar o equilíbrio entre conflitos diversos, segundo a
incidência dos chamados interesses públicos, que, como já foi discutido, não pode ser
unicamente vinculado à vontade da maioria.
Contudo, deve-se considerar que o “interesse público” deverá respeitar limitações de caráter
ético, ligadas às questões de garantias fundamentais, sem, para isto, tratar de modo igual os
desiguais. Faz-se esta observação, pois o atendimento de determinado interesse poderá ser
mais benéfico ao bem comum e à sociedade como um todo. Porém, deve-se ter em mente, que
jamais um interesse poderá suprimir direitos individuais ligados às garantias fundamentais.
O princípio jurídico da subsidiariedade e o da proporcionalidade são dois institutos que não
podem deixar de ser mencionados neste momento, já que estes são a justificativa da utilização
da ferramenta trade-off no caso em estudo.
A subsidiariedade, na prática, vincula, dentro de uma relação de dependência do global com o
local, o indivíduo ao seu nível político mais alto. Assim, repetindo a definição de Baracho, “a
subsidiariedade deve ser vista como princípio pelo qual as decisões serão tomadas ao nível
político mais baixo possível”. Dessa forma, tem-se que o interesse individual participa e
integra o interesse global, confirmando a tese de que o desenvolvimento social tem levado o
Estado a uma total descentralização e fortalecimento do interesse local.
A aplicação do princípio da proporcionalidade aproxima o exercício do poder público com a
interpretação subjetiva do ordenamento jurídico, fato necessário à condução da sociedade. De
137
fato, este aplica o ato normativo ao bem jurídico a ser defendido de modo “homeopático”,
aproximando o exercício do poder público com a justiça, sem deixar que a frieza do texto
normativo contamine a decisão do agente julgador. Assim, o que se busca é a aplicação da
intenção da norma ao ato e não somente o texto da lei.
Tal subjetividade permite que este princípio sirva para a análise dos mais diversos interesses
conflituosos, pois sua fluidez garante a aproximação do resultado ao que se interpreta por
justo o íntimo da sociedade. Assim, a aplicação da ponderação de interesses deve sempre estar
ligada ao princípio da proporcionalidade, estando este inserido dentro do procedimento de
ponderação.
No Direito Administrativo o princípio da proporcionalidade aparece como o instrumento
garantidor da liberdade individual. Ele garante que o Estado não ultrapasse a fronteira dos
direitos fundamentais, fazendo da relação do indivíduo com o Poder Público uma relação
bilateral e limitada na razão e na justiça. Aqui, se interpreta justiça como a “justa medida”, a
“perfeita proporção”, a “medida exata e proporcional”.
A ponderação adotada neste caso tem ampla utilização na economia, que, contudo, monetariza
os agentes e interesses que serão ponderados. Neste sentido, vê-se que também há uma
ponderação, representada graficamente, com parâmetros de escolha de caráter subjetivo.
Como exemplo, para a demonstração da subjetividade de uma análise econômica, pode-se
dizer que o preço de um produto, além de depender de outros aspectos, pode ser visto como
uma disputa entre o vendedor, que pretende obter o maior lucro, e o consumidor, que busca
um produto de qualidade, que lhe agrade e tenha o menor preço. Neste caso, verifica-se que
ambos os agentes buscam o melhor ponto dentre destes parâmetros, porém com limitações
para ambas as partes: no caso do vendedor, o preço do custo de produção é a limitante, ou
seja, o pior ponto, e; no caso do consumidor, a disposição a pagar é o pior ponto. Destes
pressupostos inicia-se a negociação buscando o melhor ponto, que será o preço adotado.
Transportando este pequeno exemplo para a análise que se faz neste trabalho, tem-se dois
interesses divergentes e conflitantes: onde existem limitações para ambas as partes que são, de
um lado, o respeito às garantias fundamentais, ligadas a questões éticas e a princípios ligados
ao Estado Democrático e, do outro, a não intervenção no bem-estar global, ou seja no maior
benefício alcançado pela sociedade como um todo.
Assim, considerando os dois grupos definidos anteriormente como o de igual importância,
pode-se buscar uma “negociação virtual” entre as partes, de forma a não se imputar
138
significantes perdas a nenhum dos dois, o que é um preceito jurídico contido no princípio da
proporcionalidade. Uma ferramenta matemática capaz de bem captar este sentido de
equilíbrio é o método Trad-off.
A APLICAÇÃO DO MÉTODO “TRADE-OFF
7.4.1
O princípio deste método é estabelecer atributos de interesse dos grupos em disputa e analisar
o impacto de diferentes alternativas sobre esses atributos. Para cada alternativa se obtém um
par de atributos associados aos dois distintos grupos, que podem ser representados
graficamente em um plano, onde na abscissa está a variação do atributo de um interessado e
na ordenada a variação do atributo do outro interessado.
A figura 14 ilustra esta representação gráfica. Os onze pontos representados indicam possíveis
alternativas dos interesses de um e de dois. A linha tracejada é denominada fronteira de
eficiência, posto que qualquer ponto interno a ela é pior que um ponto sobre a mesma. Isto é:
tomando-se o ponto quatro observa-se que o ponto cinco tem o mesmo valor para o atributo
um, mas piora o atributo dois. Em ralação ao ponto oito, o ponto cinco tem o mesmo valor
para o atributo dois, mas é pior para o valor do atributo um. Assim, o melhor ponto, onde se
encontra o equilíbrio para as melhores condições das duas partes está no “joelho” da curva.
139
Figura 11 – Demonstração gráfica do método de “trade-off”
A disputa entre os dois grupos interessados na operação do lago de Furnas se dá,
fundamentalmente, com relação à variação do nível do reservatório (de interesse do grupo
um) e a variação da vazão a jusante (de interesse do grupo dois). O grupo um deseja que o
reservatório fique o mais próximo possível de uma determinada quota (altura de referência –
Href.) e o grupo dois, deseja que a vazão seja a mais constante possível, isto é, a vazão média
(Qméd).
Assim, a variação do nível do reservatório é o atributo escolhido para a negociação pelo grupo
um e a vazão a jusante é o atributo escolhido para a negociação, pelo grupo dois. Santos et al
apresenta uma série de critérios de operação do reservatório, que não exclui outros critérios
possíveis, que darão origem a outros pontos. Entretanto, assumindo a simulação desenvolvida
por Santos et al, tem-se o plano da figura quinze, onde, na ordenada é colocada a variação do
nível em relação a uma quota de referência, 762, e na abscissa a variação da vazão em relação
à vazão média 932,16 m
3
/s. Adotou-se o desvio médio quadrático como sendo a forma de
medida da variação do atributo, seja quota ou vazão, isto é: para um determinado critério de
operação verifica-se quais foram o do nível do reservatório e da vazão defluente, calculando-
se o desvio médio quadrático (QDV) de cada um dos atributos, que são dados pela equações
(7) e (8).
140
()
[]
T
QtQ
QQDV
T
t
2
1
=
=
(7)
()
[]
T
HtH
HQDV
ref
T
t
ref
2
1
=
=
(8)
, onde:
t = mês do histórico
T = período total do histórico
H(t) = cota no mês “t”
H
ref
= altura de referência
Q(t) = vazão de jusante no mês “t”
Q= vazão média
Para uma boa análise, recomenda-se transformar o desvio médio quadrático, que tem
dimensão, em um atributo adimensional. Para tanto, basta dividir o desvio médio quadrático
da quota pela própria quota de referência e o desvio médio quadrático da vazão pela vazão
média. Obtém-se, assim, os pontos apresentado na figura quinze.
141
Figura 12 – Aplicação do método de “trade-off” aos dados de Furnas
A linha azul, que une os vários pontos, é a própria fronteira de eficiência para os critérios
operativos adotados. Observa-se que não há pontos interiores, o que poderia acontecer
testando outros critérios operativos, que poderiam ser oriundos, inclusive, da própria
negociação entre os grupos conflitantes.
Em consonância com o princípio da proporcionalidade, que impede a supressão de um
interesse, e, considerando que o equilíbrio se aproxima ao máximo do conceito que se tem por
justiça, evitando-se situações extremadas, poderia-se dizer que os pontos oito, nove e dez,
localizados no joelho da fronteira de eficiência são os mais adequados, pois estão
eqüidistantes dos extremos. Qualquer desses pontos representa uma boa alternativa. Contudo
o ponto dez representa o melhor caso, reduzindo a variação de nível no reservatório, mas,
também, não perdendo muita capacidade de regularização.
Existem pontos intermediários que trazem benefícios à população a jusante e ao SIN, sem
entretanto trazer grandes transtornos à população lindeira. Observe que no método do
trade-
off
não se estabeleceram pesos, como no método da programação de compromisso.
Aparentemente isto induz à crença de que este último método tem menos incerteza. Em
verdade, isto não reflete a realidade. Ao se construir a curva de variação dos atributos, está se
dando o mesmo peso entre estes. Ou seja: a variação da vazão de jusante tem a mesma
importância que a variação da quota do reservatório, a montante. Poderia se dar pesos
diferentes, a dúvida reside em qual deve ser este peso. Como já discutido anteriormente, não
142
se pode simplesmente ponderar pelas populações afetadas ou meramente pelo valor
econômico. Fosse assim, o habitat das populações indígenas já teria sido extinto em sua
totalidade. Além do mais, o impacto local, que hoje está centrado no entorno do lago de
Furnas, pode se repetir, e usualmente se repete de formas diferentes, em qualquer local do
território nacional. Então, o cidadão que tem interesse na energia elétrica, fazendo parte de um
todo global, também defende o seu interesse local, seja a preservação de um determinado
ambiente ou de valores culturais. Caso sempre prevalecesse a maioria, os interesses locais iam
sendo sufocados até que isto tivesse um sentido global, como é o caso da extinção de espécies
ou o aquecimento global.
Contudo, não pode-se deixar de lado a importância do desenvolvimento econômico e a
dependência desta da geração de energia, deve-se considerar que a energia é essencial ao
mundo moderno e está intimamente ligada à qualidade de vida e ao bem-estar de todos,
possibilitando a inclusão social, gerando empregos e produzindo riquezas. Assim, deve-se
atribuir um peso maior aos interesses globais.
Assim, como exercício repete-se a mesma técnica de
trad-off, dando-se peso dois à variação
de vazão a jusante neste caso, os pontos do joelho são os mesmos oito, nove e dez, porém,
neste caso, o ponto nove passa a ser o melhor caso. Observa-se que estes pontos também estão
distantes das posições extremadas de “regularização total de vazão” ou “reservatório com
nível constante”.
143
Figura 13 – Aplicação do método de “trade-off” aos dados de Furnas – com peso dois
7.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Observa-se neste capítulo que as ferramentas matemáticas de ponderação de interesses,
podem tratar de assuntos relacionados a conceitos subjetivos, como os relacionados aos
princípios jurídicos. A aplicação do método de Programação de Compromisso e de “trade-off”
é razoavelmente simples do ponto de vista de um bacharel em ciências sociais. Contudo,
destaca-se da análise a dificuldade em aplicar este método, no que se refere a distribuição dos
atributos e pesos adequados.
A prática da matematização dos conceitos jurídicos de ponderação de interesses poderão
facilitar a aplicação dos modelos. Ocorre que, naturalmente, os atributos e pesos irão se
adequando de modo a aproximar-se cada vez mais do objetivo central que liga o conflito ao
“interesse público”.
144
8 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Evolutivamente, a formação social do Homem o levou ao modelo de Estado moderno, do qual
deve garantir o respeito aos direitos individuais fundamentais e se preocupar com os anseios
populares das minorias. Assim, frente está análise, no caso do conflito entre interesse local e
interesse global, na geração hidrelétrica, deve-se respeitar restrições impostas pelos interesses
locais, dentro de certos limites.
Segundo o conceito de federalismo, vê-se que a evolução da sociedade tem, cada vez mais,
criado mecanismos que impossibilitem a tirania e garantam o respeito ao Homem
individualizado, aproximando a gestão pública dos interesses locais. Assim, a criação do
modelo de Estado Federativo busca garantir o fortalecimento de determinada “todo” sem que,
consequentemente, se enfraqueça os interesses do indivíduo e de sua localidade,
demonstrando o crescente fortalecimento dos interesses locais.
No caso do Estado brasileiro, a Carta cidadão de 1988 traz a redemocratização e uma ampla
descentralização, seja administrativa ou territorial. A formalização de um Estado Federativo
cooperativo faz da União o agente responsável pelo desenvolvimento “global” com o
equilíbrio das desigualdades regionais e os Estados instrumentos administrativos que se
aproximam do indivíduo e se adaptam às diferenças regionais. Além disso, a Constituição
atribui uma responsabilidade comum, à União, Estados e Municípios, na proteção ao meio
ambiente, determinando que este deva ser ecologicamente equilibrado de forma a garanti-lo
para as atuais e futuras gerações.
Tornando o Poder Público mais próximo do indivíduo, a Constituição de 1988 concede ao
poder local, o Município, uma série de autonomias e responsabilidades, o que demonstra a
crescente importância dada ao poder local. Em todo o texto constitucional, nota-se,
claramente, que o Poder Constituinte teve uma grande preocupação quanto ao fortalecimento
das questões locais, seja através da repartição de competências, seja nas garantias individuais
e, também, na criação de mecanismos de participação popular, como proposição de projetos
de lei e outros.
A discussão acerca do que seja o interesse público e que este deve ser supremo a todos os
demais é pertinente à busca pela melhor forma de operação dos reservatórios, segundo os
objetivos do Estado (aqui se referindo a nação). Assim, para o direcionamento do problema
apresentado pelo trabalho, deve-se visualizar o conflito de interesses de forma a possibilitar
uma interpretação ponderada que traga a solução mais equilibrada possível entre todos os
145
interesses divergentes. Para isso, é necessário ter-se em mente que o grande objetivo do
Estado é garantir a dignidade da pessoa humana e possibilitar o maior benefício social, com
vistas a equilibrar: desenvolvimento econômico, qualidade de vida individual, um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a manutenção dos direitos individuais fundamentais.
Desta forma, verifica-se que as atividades relacionadas aos interesses locais são resguardadas
pelo princípio da dignidade da pessoa humana e detêm uma estreita ligação com a qualidade
de vida dos cidadãos lindeiros. Por outro lado, o setor elétrico, na busca pela maximização
dos benefícios econômicos para todo o país, encontra respaldo no desenvolvimento global, o
que também deve ser considerado e possui um grande peso na valorização objetiva dos
princípios. Contudo, os interesses do setor elétrico podem ser perfeitamente satisfeitos com a
inserção de outras fontes no sistema, garantindo uma geração satisfatória e a continuação das
demais atividades.
Em verdade, fica claro que o atendimento da população do entorno mais se aproxima com os
objetivos do Estado Democrático de Direito. Por fim, conclui-se que, apesar de ser de
competência exclusiva da União legislar sobre água e energia, a questão do conflito no uso
dos reservatórios hidrelétricos, por não ser de caráter exclusivamente vinculado à energia e
água, deve-se considerar a questão local, haja vista que o que se defende neste caso são
questões muito maiores do que as ligadas a estes setores, afetando princípios constitucionais
como o do direito a vida, o do desenvolvimento regional, e o de um ambiente ecologicamente
equilibrado.
A matematização dos conceitos jurídicos para a resolução de um conflito de interesses,
utilizando técnicas de ponderação é extremamente factível e deve ser desenvolvida e
estendida, com vistas a, evolutivamente, ganhar mais sensibilidade aos conceitos subjetivos
ligados às ciências sociais. Nesta evolução, deve-se buscar outros métodos, mais sofisticados,
que consiga, cada vez mais, trabalhar com maior sensibilidade a abrangência de interpretação
dos conceitos jurídicos. Neste sentido, recomenda-se a aplicação dos conceitos aqui discutidos
com a ferramenta matemática “fuzzy sets” (conjuntos difusos).
146
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