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MARCOS PAULO DA SILVA
A representação da Segunda Guerra
Mundial em um semanário do interior
paulista. O Eco (1939-1944).
BAURU/SP
Junho/2007
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
FACULDADE DE ARQUITETURA ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Área de Concentração: Comunicação Midiática
A representação da Segunda Guerra Mundial em um
semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944).
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
Área de Concentração em Comunicação
Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes
e Comunicação da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de
Bauru-SP, como requisito para a obtenção do
Título de Mestre em Comunicação,
desenvolvida sob orientação do Prof. Dr.
Ricardo Alexino Ferreira.
BAURU/SP
Junho/2007
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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP – BAURU
Silva, Marcos Paulo.
A representação da Segunda Guerra Mundial
em um semanário do interior paulista / Marcos
Paulo Silva, 2007.
111 f. il.
Orientador : Ricardo Alexino
Ferreira.
Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual Paulista. Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru,
Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
FACULDADE DE ARQUITETURA ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Área de Concentração: Comunicação Midiática
A Dissertação A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do
interior paulista. O Eco (1939-1944), desenvolvida por MARCOS PAULO DA
SILVA, foi submetida à Banca Examinadora como exigência para obtenção do Título
de Mestre em Comunicação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru-SP.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira
Instituição: FAAC/UNESP – Bauru/SP
Titular: Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente
Instituição: FAAC/UNESP – Bauru/SP
Titular: Prof. Dra. Alice Mitika Koshiyama
Instituição: ECA/USP – São Paulo/SP
Bauru, junho de 2007.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, José Aparecido e Maria Teodora.
Ao meu avô, Firmiano (em memória).
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente aos meus pais, José Aparecido e Maria Teodora, pela educação
que me deram em todos esses anos, tornando-se verdadeiras referências no meu modo
de encarar os desafios da vida.
Ao Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira, pela orientação, caráter, dedicação e confiança
demonstrados em todos esses anos de convivência.
À Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio
financeiro concedido durante o primeiro ano desta pesquisa por meio de bolsa-mestrado.
Aos meus irmãos, Maria José, Adriana e Fernando, ao meu cunhado Cristiano Paccola
Jacon e ao meu sobrinho Caio, pela força em todas as ocasiões, pela amizade e pelos
inúmeros momentos de alegria compartilhados.
Não poderia deixar de fazer um agradecimento especial ao meu outro cunhado, Edson
Fernandes, historiador, mestre e guia em importantes etapas desta pesquisa.
À Aline Zero, pelo carinho e força nos momentos difíceis.
Agradeço também aos meus amigos de infância e adolescência (são inúmeros!), hoje
profissionais de diferentes áreas, pela valiosa amizade, pela força nos momentos de
dificuldade e, sobretudo, pelas diversões, verdadeiras válvulas de escape nos períodos
de tensão.
Aos profissionais do jornal O Eco e da antiga Folha Popular, pelas inúmeras portas
abertas em todos os momentos.
Às irmãs Therezinha, Adélia e Meiry Chitto, filhas do jornalista Alexandre Chitto, e a
tantas outras famílias lençoenses, pelas entrevistas e empréstimos de fotografias e
documentos para consulta e pesquisa durante a realização da série de reportagens
“Grandes Famílias”, publicada pelo jornal Folha Popular em 2003 e 2004 – importante
fonte de dados desta dissertação.
À equipe do Serviço de Comunicação do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais da USP, atual porto seguro profissional, pelo apoio dado desde o início de
minha trajetória na instituição.
Agradeço ainda aos profissionais Silvio Carlos Decimone e Helder Gelonezi, da Seção
de Pós-Graduação da Unesp-Bauru, pelos eficientes serviços.
Aos companheiros de Pós-Graduação que trilharam caminhos semelhantes aos meus
nos últimos três anos, pelas informações e angústias compartilhadas.
Por fim, minha gratidão se estende também a todos os professores do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da Unesp-Bauru e, especialmente, aos membros da banca
de qualificação, Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente e Prof. Dr. Antonio Carlos de
Jesus, cujas sugestões e críticas construtivas enriqueceram o trabalho.
RESUMO
SILVA, Marcos Paulo. A representação da Segunda Guerra Mundial em um
semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944). 2007. 111f. Dissertação
(Mestrado em Comunicação). Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru-SP, junho, 2007.
Esta dissertação tem como objetivo observar e analisar a maneira como o
semanário O Eco, fundado em 1938, em Lençóis Paulista (300 quilômetros a oeste de
São Paulo), cidade fortemente marcada pela imigração italiana, construiu em suas
páginas a representação da Segunda Guerra Mundial. Ao optar pelo estudo de uma
realidade local, a pesquisa procura entender a dinâmica social em que o jornal se insere
para depois decifrar, nas fronteiras delimitadas pelas diferenças culturais e políticas, seu
envolvimento com a guerra. Para tanto, a dissertação sustenta-se principalmente nas
formulações teóricas de Douglas Kellner, Sergi Moscovici, Laurence Bardin e Luiz
Beltrão. Como recorte metodológico foram selecionados 55 editoriais de capa,
veiculados entre novembro de 1939 e junho de 1944, com a temática do conflito. A
pesquisa discute o papel de dois pontos que compõem o pano de fundo para a atuação
do semanário no período: o ambiente de descrença que pesava sobre o jornalismo local
na região e a atuação do braço censor do Estado Novo na imprensa brasileira. A análise
mostra que embora presentes na pauta do jornal, os assuntos relacionados à guerra
integram uma estratégia do veículo de ocultamento de suas posições ideológicas.
Palavras-chave: Comunicação; Jornalismo; Segunda Guerra Mundial
ABSTRACT
SILVA, Marcos Paulo. The representation of the World War Two in a weekly
newspaper from central São Paulo State. O Eco (1939-1944). 2007. 111f.
Dissertation (Master’s Program in Communication). Post-graduate Program in
Communication. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru-SP,
june, 2007.
The objective of this essay is to observe and analyze how the weekly publication
“O Eco”, founded in 1938 in Lençóis Paulista (300 Kilometers to the west of São
Paulo), a city marked by the Italian immigration, built in its pages the representation of
the World War Two. By choosing the study of a local reality, the research is looking to
understand the social dynamics in which the newspaper is inserted to later decipher, on
the borders limited by the cultural and political differences, its involvement with the
war. For such, the lecture is sustained mainly in the theoretical formulations of Douglas
Kellner, Sergi Moscovici, Laurence Bardin and Luiz Beltrão. As a methodological cut,
55 cover editorials were chosen, released between November 1939 and June of 1944,
with the theme of the conflict. The research discuss the role of two points that
composed the background for the acting of the weekly in the period: the disbelief
environment, which was over the local journalism in the area, and the actions of the
censor department of the New State in the Brazilian press. The analysis shows that
although present in the newspaper’s agenda, the subjects related to the war are
integrated to a strategy of the newspaper of hiding its ideological positions.
Key-words: Communication; Journalism; World War Two
FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS
Figura 1. Representação do Estado de São Paulo com destaque para a região
de Lençóis Paulista.................................................................................. 27
Figura 2. Fachada de casa comercial na rua 15 de Novembro, principal via de
Lençóis Paulista, em 1909....................................................................... 30
Figura 3. Rua 15 de Novembro, principal via comercial de Lençóis Paulista,
em fotografia estimada da década de 1960.............................................. 33
Figura 4. Capa da primeira edição do semanário O Eco (antes grafado E’cho)..... 40
Figura 5. Mauro Chitto, Santina Lazzari e filhos, em 1907................................... 43
Figura 6. Marechal Pietro Badoglio visita Lençóis Paulista, em 1924................... 48
Figura 7. Alexandre Chitto, em 1932...................................................................... 49
Figura 8. Mensagem anti-Mussolini grafitada em muro de residência em
Lençóis Paulista e atribuída a simpatizantes do comunismo – Década
de 1930 .................................................................................................... 51
Figura 9. Pichações comunistas em muro de casa em Lençóis Paulista –
Década de 1930 ....................................................................................... 51
Figura 10. Reprodução de edital da Delegacia de Polícia de Lençóis Paulista
publicado no jornal O Eco em 16 de junho de 1940 ............................... 69
Figura 11. Reprodução de registro no Departamento de Imprensa e Propaganda
publicado no jornal O Eco em 7 de julho de 1940 .................................. 70
Figura 12. Reprodução de texto publicado no O Eco em 23 de julho de 1940 ....... 72
Figura 13. Reprodução de publicação do O Eco em 19 de dezembro de 1940 ........ 93
Gráfico 1. Evolução numérica de editoriais sobre a Segunda Guerra Mundial no
semanário O Eco...................................................................................... 57
Gráfico 2. Porcentagem temática sobre o universo de 55 editoriais analisados
do semanário O Eco................................................................................. 62
Quadro 1. Editoriais de capa publicados no jornal O Eco, entre setembro de
1939 e julho de 1944, assinados por Alexandre Chitto, com a
temática da Segunda Guerra Mundial (títulos com grafia original)........ 58
Tabela 1. Pecuária em Lençóis Paulista, 1905-1940............................................... 28
Tabela 2. Evolução da propriedade segundo a nacionalidade dos proprietários
em Lençóis Paulista, 1905-1940.............................................................. 31
ABREVIAÇÕES
AIB – Ação Integralista Brasileira
Ascana – Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê
Deops – Departamento Estadual de Ordem Política e Social
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
FEB – Força Expedicionária Brasileira
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LBA – Legião Brasileira de Assistência
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PNF – Partido Nacional Fascista
PSP – Partido Social Progressista
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 10
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E CONCEITOS
2.1 Referencial teórico.................................................................................. 12
2.1.1 A contribuição de Kellner....................................................................... 18
2.2 Os editoriais no contexto do jornalismo de opinião ............................... 21
2.2.1 Editoriais: atributos e características ...................................................... 23
3. O ECO NO CONTEXTO DO INTERIOR PAULISTA
3.1 Lençóis Paulista, antiga boca do sertão .................................................. 26
3.2 O Eco no contexto do jornalismo local .................................................. 33
3.3 O Eco: espaço de representações sociais................................................ 41
4. AS REPRESENTAÇÕES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NOS
EDITORIAIS DO SEMANÁRIO O ECO
4.1 Categorização e descrição dos dados...................................................... 54
4.2 As diferentes etapas da cobertura ........................................................... 62
4.2.1 Pessimismo e apreensão relacionada à guerra........................................ 64
4.2.2 O enigma de Moscou: a crítica ao comunismo no semanário ................ 74
4.2.3 Soberania nacional em foco.................................................................... 80
4.2.4 O viés econômico nos editoriais............................................................. 88
4.2.5 A queda de Mussolini em pauta ............................................................. 95
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 106
APÊNDICE
ANEXO
10
1. INTRODUÇÃO
Os reflexos da Segunda Guerra Mundial no Brasil já foram estudados em suas
mais variadas manifestações, mas ainda há muito a ser pesquisado e compreendido,
sobretudo nas áreas distantes dos grandes centros urbanos. Este é o caso da região de
Lençóis Paulista, município localizado a 300 quilômetros a oeste de São Paulo. A
história do município remete ao século XIX e reforça as peculiaridades de sua
formação, bem como sua importância para o desenvolvimento do interior paulista.
Fundada oficialmente em 1858, a cidade caracterizou-se durante suas primeiras décadas
de existência como uma terra de pequenos agricultores e criadores de gado que
destinavam sua produção aos mercados local e regional, além da própria subsistência.
Com a aproximação do século XX e a entrada em vigência das leis que restringiram e,
mais tarde, proibiram a escravidão no Brasil, Lençóis Paulista recebeu um significativo
número de famílias estrangeiras, principalmente as italianas. O último século ficou
marcado pela acentuada fixação destas famílias na cidade, processo que influenciou a
política, a economia e a cultura local.
Em meio a tais particularidades, foi fundado em fevereiro de 1938, por
Alexandre Chitto, Vicente de Paula Ferraz e Alcides Ferrari, o semanário O Eco,
inicialmente chamado de E’cho, único veículo impresso de caráter local com circulação
em Lençóis Paulista durante a Segunda Guerra Mundial. Observar e analisar a maneira
como o jornal construiu em suas páginas a representação do conflito, proposta desta
dissertação, constitui-se uma tarefa oportuna. Mesmo com o aumento de pesquisas
acadêmicas com ênfase no jornalismo local, o presente estudo surge para contribuir no
entendimento da história social da imprensa paulista.
O que se ambiciona, portanto, é um olhar diferenciado para o período do
conflito, analisando-o sob uma nova perspectiva: o olhar da imprensa local de Lençóis
Paulista. Esta pesquisa foi iniciada no primeiro semestre de 2005, momento em que se
comemoravam os 60 anos do final da Segunda Guerra Mundial. De todos os lados,
notícias sobre o assunto ganharam na época as páginas dos mais representativos
veículos da imprensa mundial. Na maior parte dos casos, no entanto, os fatos foram
tratados em sua singularidade, com escassa relação com o conjunto social que
determinou seus acontecimentos.
11
Por outro lado, passadas seis décadas do final da Segunda Guerra Mundial,
constata-se, por meio de estudos que tornam a problematização contemporânea, que o
assunto ainda permanece vivo. Ainda são muitas as zonas nebulosas que subsistem
quanto às circunstâncias que conduziram o Brasil ao conflito. Da mesma maneira, ainda
são reproduzidas diferentes versões que se entrecruzam na tentativa de explicação do
envolvimento tanto dos pracinhas quanto da imprensa brasileira na guerra. Apesar da
abertura dos arquivos diplomáticos brasileiros, numerosas fontes – entre elas os jornais
e outros veículos de comunicação – permanecem até hoje inexploradas, senão
inacessíveis.
Ao optar pelo estudo de uma realidade local, a pesquisa assume o desafio de
entender a dinâmica social em que o jornal O Eco se insere para depois decifrar, nas
fronteiras delimitadas pelas diferenças culturais e políticas, seu envolvimento com a
guerra. A dissertação está estruturada em três partes principais. No capítulo inicial,
apresenta-se a base teórica sobre a qual a dissertação se sustenta e esclarecem-se
conceitos que tiveram discussões oportunas no transcorrer da pesquisa. Também são
apresentados os objetivos, a justificativa e a hipótese do estudo.
O segundo capítulo se destina a mostrar as peculiaridades do semanário O Eco,
objeto do estudo, contextualizando-o no âmbito de Lençóis Paulista e de sua colônia
italiana. A cidade é caracterizada com dados relativos à evolução histórica e à formação
econômica. Por sua vez, o veículo é observado junto a informações sobre o perfil do
jornalismo local e sua evolução no interior de São Paulo.
O terceiro e último capítulo segue o fio condutor iniciado no primeiro capítulo,
com a apresentação da fundamentação teórica, e extendido no capítulo seguinte, com a
contextualização e caracterização do objeto de estudo. Os dados selecionados são
categorizados, tabelados e elencados em gráficos, na etapa que pode ser chamada de
descritiva. Por fim, ocorre a interpretação, completando a cientificidade da pesquisa.
Desta forma, mesmo sem a intenção de encontrar uma resposta fechada e
definitiva sobre a atuação do semanário O Eco na cobertura da Segunda Guerra
Mundial, a presente dissertação procura cumprir seu papel de trazer para a pesquisa
acadêmica um tema de relevância para a memória de Lençóis Paulista e para os estudos
do jornalismo local que muito provavelmente se esconderia por muitos outros anos nos
arquivos históricos do veículo estudado.
12
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E CONCEITOS
Este capítulo tem como finalidade apresentar a base teórica sobre a qual a
dissertação se estrutura e esclarecer conceitos que tiveram discussões oportunas no
transcorrer da pesquisa. São apresentados os objetivos, a justificativa e a hipótese do
estudo. Como referencial teórico, o trabalho recorre às técnicas da análise de conteúdo,
bem como ao modelo proposto por Douglas Kellner para o estudo das relações entre
Comunicação e sociedade. Foca-se ainda no conceito de representações, importado da
Psicologia Social, importante ferramenta utilizada na pesquisa. Por fim, para subsidiar a
análise nos capítulos que se seguem, também são expostas – segundo a classificação de
Luiz Beltrão – as características dos editoriais jornalísticos, recorte escolhido do objeto
de estudo da dissertação: o semanário O Eco.
2.1 Referencial teórico
Como qualquer outro veículo de comunicação que se articula como um
privilegiado espaço de construção de representações, o semanário O Eco (inicialmente
chamado de E’cho), fundado em 1938, na região de Lençóis Paulista (cidade localizada
a 300 quilômetros a oeste de São Paulo), expressa em seu conteúdo mais que simples
editoriais, matérias, notas ou anúncios publicitários. Devidamente contextualizado, o
semanário revela parte da história, da ideologia e da cultura da localidade em que esteve
inserido em um determinado período histórico. No âmbito da pesquisa, portanto, o
semanário pode ser interpretado como um agente histórico, conforme definem Barbosa
e Morel (2003):
Na tradicional historiografia identificada como historicista, a imprensa
aparecia em geral como fonte privilegiada na medida em que era vista
como portadora dos "fatos" e da "verdade". Em seguida, com a renovação
dos estudos históricos e a ênfase numa abordagem que privilegiava o
sócio-econômico, a imprensa passou a ser relegada à condição subalterna,
pois seria apenas "reflexo" superficial de idéias que, por sua vez, eram
subordinadas estritamente por uma infra-estrutura sócio-econômica. E a
subseqüente renovação historiográfica, com destaque às abordagens
políticas e culturais, redimensionou a importância da imprensa, que passa
a ser considerada como fonte documental (na medida em que expressa
discursos e expressões de protagonistas) e também como agente histórico
que intervém nos processos e episódios, não mero "reflexo". (BARBOSA
e MOREL, 2003)
13
Maria Immacollata Vassallo Lopes (2001) adverte que a comunicação não pode
ser investigada fora dos marcos do contexto econômico, social, político e cultural que a
envolve. Desta forma, decifrar tais relações – proposta da presente pesquisa – requer a
escolha de uma metodologia específica e o uso de técnicas adequadas. O processo
científico de construção do conhecimento que marca este estudo exige o planejamento
de uma trajetória metodológica marcada por diferentes etapas: da escolha do objeto de
estudo ao levantamento da hipótese; da fase de observação aos procedimentos
descritivos, para chegar, ao final, à interpretação. Desta forma, convém antes de mais
nada apresentar os fundamentos teóricos e metodológicos sobre os quais a pesquisa está
edificada.
Por sua complexidade metodológica, a pesquisa em comunicação já traz si um
obstáculo ao processo de investigação. Contudo, a vigilância e o rigor acadêmico
fazem-se fundamentais para a formatação do conhecimento empírico e a construção, na
prática, do conhecimento científico. Respeitando as dimensões epistemológicas,
teóricas, metodológicas e técnicas, justificam-se os procedimentos adotados nas
diferentes fases da pesquisa.
Este trabalho, assim como a maior parte dos trabalhos científicos, nasceu de uma
inquietação: por quais motivos estudar a maneira como um semanário isolado no
interior do Estado de São Paulo, a cerca de 300 quilômetros da capital estadual,
construiu representações em um não menos longínquo período da história, entre 1939 e
1945, anos marcados pela efervescência da Segunda Guerra Mundial? A escolha do
objeto da pesquisa não se deu ao acaso. A preferência das escolas de comunicação pelas
pesquisas e estudos da chamada grande imprensa, concentrada nos grandes centros
urbanos, acabou por relegar a um segundo plano os jornais locais como se tivessem
pouca ou nenhuma relevância no contexto da atividade jornalística, o que torna
oportuna a presente proposta.
Outro ponto que chama a atenção no desenvolvimento da pesquisa diz respeito à
própria história da localidade na qual o veículo se insere. Prestes a completar 150 anos
de fundação oficial, Lençóis Paulista ainda apresenta um quadro de carência no que diz
respeito ao seu resgate histórico. Apesar do trabalho esporádico de alguns pesquisadores
e de a cidade possuir uma volumosa biblioteca pública dotada de acervo histórico,
pouco a população lençoense conhece do seu passado.
Elevada à freguesia em 1858, Lençóis Paulista constitui-se uma cidade formada
essencialmente por famílias de imigrantes italianos. Famílias, estas, que fugindo da
14
recessão econômica que tomou conta do território italiano a partir da década de 1870,
cruzaram o Oceano Atlântico e adentraram no interior de São Paulo, sobretudo a partir
da década de 1890, para ocuparem as vagas na ascendente cultura cafeeira em
substituição à mão-de-obra escrava.
Em razão da maciça presença de imigrantes italianos, assunto tratado de maneira
mais específica no próximo capítulo, Lençóis Paulista criou, desde os primeiros anos do
último século, uma relação muito peculiar com a Itália. Tal relação repercutiu nos
destinos político, econômico e cultural do município. Com a entrada em vigência do
regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1937, e mais tarde, em 1939, com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial, no entanto, as relações entre a população de
Lençóis Paulista e a Itália se tornaram mais complexas. Identifica-se uma espécie de
lacuna na história da cidade, contribuindo para a construção da hipótese da pesquisa: a
de que a região tenha dado um tratamento peculiar à guerra motivado pela presença da
colônia italiana.
Frente a tal lacuna e com a prevalência de interpretações equivocadas sobre os
reflexos da Segunda Guerra Mundial no interior paulista, são escassos os instrumentos
que podem ser utilizados por um estudo das representações construídas no período. Um
rico instrumento de análise são os textos impressos do jornalismo local, importante
objeto de exploração pela pesquisa acadêmica.
Neste sentido, partindo da curiosidade sobre o processo comunicacional no
jornalismo interiorano no período que compreendeu o maior conflito bélico do último
século, foi elaborado o projeto de pesquisa inicial, ponto de partida deste trabalho,
levantando problemas e objetivos. Como objetivo geral, propôs-se um estudo da
construção das representações da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior
paulista. Conforme já exposto, o veículo adotado como objeto de análise é o jornal O
Eco, de Lençóis Paulista, localidade que recebeu significativas influências da imigração
italiana. Os objetivos específicos apresentados no projeto de pesquisa inicial são:
identificar, pela ótica da notícia impressa, a evolução do contato entre os lençoenses e a
Itália no período estudado; estudar de maneira crítica o processo de mitificação de
personagens históricos feito pelas versões oficiais entre os anos de 1939 e 1945; e
contribuir para a construção de uma visão mais crítica sobre as repercussões da Segunda
Guerra Mundial na história de Lençóis Paulista e do interior do Estado de São Paulo.
Após uma análise preliminar do arquivo histórico do jornal, optou-se pelo
estudo dos editoriais de capa assinados por Alexandre Chitto, jornalista e editor
15
responsável pelo veículo. A opção metodológica pelos editoriais se deu pela relevância
dos textos no veículo (salvo algumas poucas exceções, estampavam sempre a primeira
página) e por representarem a opinião do jornal sobre os temas estudados. Além disso,
conforme será abordado à frente, considera-se que os editoriais constituem espaços
privilegiados para o desenvolvimento de estudos acadêmicos no campo da
Comunicação.
Para o entendimento das relações que envolvem a presença da Segunda Guerra
Mundial nas temáticas abordadas nos editoriais do semanário O Eco, um importante
recurso é o conceito de representações. Moscovici (2003) centra-se no fenômeno da
comunicação para fundamentar suas idéias sobre o conceito. Segundo o autor, a
comunicação possui papel essencial nas representações. É ela que atua no desejo da
familiarização com o desconhecido: “Todo desvio do familiar, toda ruptura da
experiência ordinária, qualquer coisa para a qual a explicação não é óbvia, cria um
sentido suplementar e coloca em ação uma procura pelo sentido e explicação do que nos
afeta como estranho e perturbador” (MOSCOVICI, 2003, pág. 207). Moscovici
interpreta a comunicação na tentativa da construção de uma ligação entre o estranho e o
familiar, sendo esta responsável pela gênese das representações sociais. Desta forma, ao
passo que são formadas representações a fim da familiarização com o estranho, também
são constituídas representações para a redução da margem de não-comunicação em um
determinado público. Sustenta o autor: “As representações sociais têm como finalidade
primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não
problemática e reduzir o ‘vago’ através de certo grau de consenso entre seus membros”
(MOSCOVICI, 2003, pág. 208).
O conceito de representações apresentado por Moscovici – presente na
“familiarização do desconhecido” – é oportuno na pesquisa, sobretudo se levada em
consideração a distância entre o palco onde se desenrolava as negociações e os conflitos
da Segunda Guerra Mundial e o interior de São Paulo, onde estão inseridos Lençóis
Paulista e, consequentemente, o semanário O Eco. Apesar da guerra propriamente dita
ter se desenrolado principalmente em solo europeu, suas influências e conseqüências
percorreram, essencialmente via imprensa, todos os continentes do globo. Para os
brasileiros não foi diferente. No Brasil, as notícias atingiram também o interior de São
Paulo, chegando a cidades do centro-oeste do Estado, como Lençóis Paulista. Ainda
com acesso restrito aos grandes veículos da comunicação de massa da época, a
16
população da cidade tinha na mídia local, sobretudo no jornal impresso, uma importante
fonte de informação sobre o desenrolar do conflito.
O jornal impresso, como veículo de comunicação, tem sua importância
ressaltada não somente como fonte para se contar a história, mas também como um
instrumento de preservação da memória coletiva. Como mídia, o jornal se apresenta
como um elemento concreto da memória social, reunindo histórias escritas por
profissionais segundo as convenções jornalísticas de um determinado período. O jornal
do interior, por sua vez, desempenha um papel ainda mais particular frente ao leitor. Ao
possuir uma convivência próxima do receptor, o jornal local caracteriza-se como um
instrumento fundamental na conquista da população. Portanto, era por meio de
representações construídas que a população de Lençóis Paulista, receptora das
mensagens publicadas pelo jornal O Eco, tomava conhecimento do desenrolar da
Segunda Guerra Mundial. Em muitos casos, o produto final veiculado nas páginas do
semanário era composto de representações construídas sobre outras representações, já
que o veículo se pautava por informações oriundas de agências e/ou veículos
internacionais.
Para fundamentar o estudo e desvendar como ocorreu a construção de tais
representações nos editoriais do jornal O Eco, foi escolhida como ferramenta a análise
de conteúdo. Alguns autores classificam a análise de conteúdo como um método de
pesquisa enquanto outros a chamam de técnica. Há também os autores que a classificam
como método técnico. Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo consiste em:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p.42)
Para o autor, a análise de conteúdo deve ser baseada na dedução que “absolve e
cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o
potencial de inédito do não-dito, retido por qualquer mensagem” (BARDIN, 1977, p.9).
Ou seja: por trás de todo discurso aparente – simbólico e polissêmico – esconde-se um
sentido que convém desvendar. A saída exposta por Bardin é o rigor metodológico
aliado à atenção especial às condições de produção – ou contexto em que os textos
foram produzidos. Deriva daí a exigência de um cuidado redobrado na realização da
análise qualitativa.
17
A análise qualititativa apresenta certas características particulares. É
válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um
acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não tem
inferências gerais. Pode funcionar sobre corpus reduzidos e estabelecer
categorias mais descriminantes, visto não estar ligada, enquanto análise
quantititativa, a categorias que dêem lugar a freqüências suficientemente
elevadas, para que os cálculos se tornem possíveis. Levanta problemas ao
nível da pertinência dos índices retidos, visto que seleciona estes índices
sem tratar exaustivamente todo o conteúdo, existindo o perigo de
elementos importantes serem deixados de lado, ou de elementos não
significativos serem tidos em conta. A compreensão exata do sentido é,
neste caso, capital. Além do mais, o risco de erro aumenta, por que se lida
com elementos isolados ou com freqüências fracas. Donde a importância
do contexto. Contexto da mensagem, mas também contexto exterior a
este: quais serão as condições de produção, ou seja, quem é que fala a
quem e em que circunstâncias? Qual será o montante e o lugar da
comunicação? Quais os acontecimentos anteriores ou paralelos?
(GEORGE, 1959, apud BARDIN, 1977, p.114)
De forma prática e obedecendo as etapas que concedem o rigor metodológico ao
estudo, a análise de conteúdo pode ser sistematizada da seguinte maneira: seleciona-se a
amostragem do documento a ser estudado; levantam-se as hipóteses baseadas em
pressupostos empíricos e que mais tarde serão confirmadas ou rejeitadas; define-se a
unidade de codificação para a análise quantititativa; criam-se categorias para classificar
os temas; relacionam-se os resultados obtidos na contagem com as técnicas pré-
estabelecidas; e, para finalizar, confrontam-se as proposições obtidas com as hipóteses
levantadas anteriormente. Tais etapas foram cumpridas para que fosse possível conhecer
– quantitativamente – a representação dos temas escolhidos para a avaliação do
semanário O Eco.
Os textos estudados estão compreendidos entre setembro de 1939 – mês da
invasão da Polônia pela Alemanha, evento essencial para a deflagração do conflito – e
julho de 1944 – quando os aliados já haviam desembarcado na Normandia e o território
soviético já estava inteiramente libertado das tropas do “Eixo”. A data final foi
escolhida devido a uma variável que poderia alterar substancialmente a pesquisa: não
foram encontrados nos arquivos históricos do jornal as edições compreendidas entre
agosto e dezembro de 1944, o que prejudicaria uma abordagem estendida até o dito final
oficial da guerra, com a capitulação de Berlim, em 2 de maio de 1945, ou com a
capitulação do Japão, em 14 de agosto de 1945. Desta forma, trabalhando com textos
publicados entre setembro de 1939 e julho de 1944, entende-se que o estudo conta com
um corpo de pesquisa representativo e que compreende diferentes e importantes fases
do conflito – entre elas, a tomada de posição do Brasil ao lado dos aliados, em meados
18
de 1942, o armistício italiano, em setembro de 1943, e a derrota dos alemães pelos
soviéticos em Stalingrado, no mesmo ano. Foram selecionados 55 textos, todos que de
alguma maneira abordam a Segunda Guerra Mundial como temática.
O resultado da análise quantitativa foi sintetizado em gráficos e tabelas,
apresentados e analisados no terceiro capítulo. Por sua vez, a interpretação dos dados
coletados, subsidiada pela pesquisa bibliográfica, leva em consideração a condição de
produção dos textos (BARDIN, 1977), o que permite estudar os fenômenos dentro do
contexto social que configura a totalidade.
Nesta perspectiva, pode ser traçado um paralelo entre a conceituação de Bardin e
a de Douglas Kellner (2001), sobretudo quando o segundo afirma que “também se deve
prestar atenção ao que fica de fora dos textos ideológicos, pois frequentemente são as
exclusões e os silêncios que revelam o projeto ideológico do texto” (KELLNER, 2001,
p.149). Aliada à análise de conteúdo, a contribuição teórica de Kellner permite uma
observação mais aprofundada da construção de representações sobre a Segunda Guerra
Mundial nos editoriais do semanário O Eco.
2.1.1 A contribuição de Kellner
Desencadear um diálogo mais intenso entre duas das mais importantes tradições
de pensamento no campo da comunicação – isto é, entre a Escola de Frankfurt e os
Estudos Culturais britânicos – consiste no principal desafio da proposta teórica
elaborada pelo norte-americano Douglas Kellner.
A relação do autor com os frankfurtianos não é recente. Graduado em Filosofia
na década de 1960, Kellner chegou à universidade com uma bagagem privilegiada
conquistada ainda durante o ensino secundário quando teve recomendada a leitura de
autores como Eric From e Martin Buber. Em artigo sobre a trajetória de Douglas
Kellner, Leite (2004) ressalta que a leitura desses autores funcionou como a porta de
entrada para os textos dos intelectuais alinhados à Escola de Frankfurt. “O contato mais
profundo com a Filosofia estimulou o interesse pelos pensadores que mais tarde ele
definiu como fundamentais para a compreensão da sociedade contemporânea, em
especial: Karl Marx, Friedrich Nietzche e Sigmund Freud” (LEITE, 2004, p.4).
As revoltas estudantis de 1968 tiveram forte influência sobre o ainda estudante
de Filosofia Douglas Kellner. Na época, Kellner se engajou no movimento político
conhecido como a New Left, novo grupo de esquerdistas influenciados pelo discurso de
19
do líder soviético Nikita Kruchev na vigésima edição do Congresso do Partido
Comunista da URSS, denunciando malevolências cometidas durante o período de
Joseph Stalin no poder. O acontecimento repercutiu decisivamente entre os filiados ao
Partido Comunista inglês, decorrendo na saída de importantes intelectuais. Entre eles,
deixaram o partido Eric Hobsbawm, Rodney Hilton, E. P. Thompson e Raymond
Willians. Os dois últimos, ao lado de Richard Hoggart, foram fundadores dos Estudos
Culturais Britânicos e influenciadores do pensamento acadêmico de Kellner. Em 1969,
ao concluir a graduação na Universidade de Columbia, Douglas Kellner foi
contemplado com uma bolsa de estudos do governo alemão para concluir seus estudos
na Europa. Na Alemanha, aprofundou seus conhecimentos na Teoria Crítica,
participando de grupos de estudo e cursando disciplinas sobre a Escola de Frankfurt
(LEITE, 2004). Tal formação, somada aos Estudos Culturais britânicos, constituiu seu
principal referencial teórico.
A Escola de Frankfurt, segundo Kellner, desenvolveu seu modelo de Indústria
Cultural, entre as décadas de 1930 e 1950, e a seguir não desenvolveu nenhuma
abordagem significativamente nova ou inovadora para a cultura da mídia. Já os Estudos
Culturais britânicos surgiram nos anos 60 como um projeto de abordagem da cultura a
partir de perspectivas críticas e multidisciplinares (KELLNER, 2001, p.47). Portanto, a
formação peculiar do autor – influenciado por ambas as tradições – o permitiu visualizar
uma soma frutífera entre a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais britânicos,
conforme explica Leite (2004):
Na ótica de Douglas Kellner, a Escola de Frankfurt tem sido acusada,
injustamente, pelos pesquisadores ligados aos Estudos Culturais, de
elitismo e reducionismo. Pois, a despeito de algumas diferenças
significativas de enfoque e interpretação, há perspectivas comuns entre as
duas escolas. Tais perspectivas devem servir de base para o diálogo mais
intenso entre ambas. A articulação das afinidades é frutífera desde que se
faça o cotejamento das suas possibilidades e dos seus limites. O diálogo
pode produzir, por exemplo, novas perspectivas que contribuirão, entre
outros aspectos, para o desenvolvimento de Estudos Culturais mais
robustos, isto é, que não coloquem em um plano secundário, o horizonte
social que serve de contexto para a produção da cultura veiculada pela
mídia. Assim, o autor argumenta que antes de antagônicas, a Escola de
Frankfurt e os Estudos Culturais apresentam concepções reciprocamente
complementares que podem implicar em uma nova configuração para os
avanços das pesquisas no campo da comunicação. (LEITE, 2004, p.8)
Nas palavras do próprio Kellner, os teóricos dos Estudos Culturais pecam por
não incluírem em suas análises importantes variáveis:
20
Essa ênfase no texto/público, porém, deixa de lado muitas mediações que
devem fazer parte dos Estudos Culturais, incluindo análises do modo
como os textos são produzidos no contexto da economia política e do
sistema de produção da cultura, e o modo como o público e sua
subjetividade são produzidos pelas várias instituições, práticas e
ideologias. (...) Nosso argumento é que focalizar apenas textos e públicos,
excluindo a análise das relações e instituições sociais nas quais os textos
são produzidos e consumidos, trunca os Estudos Culturais tanto quanto a
análise de recepção que deixe de indicar o modo como o público é
produzido por meio de suas relações sociais e como, até certo grau, a
própria cultura ajuda a produzir os públicos e a recepção destes textos.
(KELLNER, 2001, p.56)
Por outro lado, Kellner também reconhece que a mídia nunca foi homogênea e
massificada como postulou o modelo da Escola de Frankfurt. Além disso, o autor ainda
critica a forma problemática como os frankfurtianos colocaram o dualismo entre a arte
autêntica e a cultura de massa, desprezando momentos críticos, emancipatórios e/ou
subversivos da cultura contemporânea.
Voltando aos Estudos Culturais britânicos, Kellner valoriza a maneira como eles
reconhecem a constituição de formas distintas de identidade. Neste sentido, coloca em
evidência o modo como diferentes grupos resistem aos diferentes sistemas de
dominação cultural, criando novos estilos e novas identidades. Transitando entre os
aspectos considerados por ele positivos nas diferentes tradições, Douglas Kellner
propõe um estudo cultural multiperspectívico
1
, incluindo a investigação dos textos
culturais em três dimensões: 1) produção e economia política da cultura; 2) análise
textual e crítica dos artefatos; e 3) estudo da recepção e dos usos das mensagens
midiáticas. A abrangência do modelo multiperspectívico de Kellner aponta a pertinência
de, no plano teórico, considerar-se tanto a produção quanto a circulação e o consumo de
um texto jornalístico. A presente dissertação, por motivos práticos, foca-se mais
especificamente nas duas primeiras dimensões do modelo.
Tomada como uma das referências norteadoras da pesquisa, a conceituação que
Kellner faz da cultura da mídia serve, nesta pesquisa, de suporte para a análise das
representações da Segunda Guerra Mundial pelo jornal O Eco. Kellner inclui na cultura
da mídia os textos culturais veiculados pela imprensa. Desta forma, pode-se entender os
textos jornalísticos veiculados pelo semanário O Eco como partes dessa cultura. Para o
1
Termo inspirado no perspectvismo de Nietzsche, segundo o qual toda interpretação é necessariamente
mediada pela perspectiva de quem a faz, portanto, trazendo inevitavelmente em seu bojo pressupostos,
valores, preconceitos e limitações. Para Douglas Kellner, deve ficar claro que o multiperspectivismo é
diferente de um ecletismo liberal ou de pout-pourri de diferentes pontos de vista.
21
autor, as formas da cultura da mídia são intensamente políticas e ideológicas. Sendo
assim, sugere Kellner, quem deseja saber como ela incorpora posições políticas e exerce
efeitos políticos deve aprender a ler politicamente a cultura da mídia. Ainda segundo o
autor, o conceito de ideologia não deve se restringir à dominação econômica (de classe),
mas também se estender às outras formas de dominação existentes na sociedade, como
sexo e raça. “Parte-se assim do pressuposto de que a sociedade é um grande campo de
batalha, e que essas lutas heterogêneas se consumam nas telas e nos textos da cultura da
mídia e constituem o terreno apropriado para um estudo crítico da cultura da mídia”
(KELLNER, 2001, p.79).
Seguindo a perspectiva exposta por Kellner, entende-se que neste grande
“campo de batalha” os diferentes projetos políticos e ideológicos buscam sempre
conquistar o consentimento do público receptor.
A cultura da mídia, assim como os discursos políticos, ajuda a estabelecer
a hegemonia de determinados grupos e projetos políticos. Produz
representações que tentam induzir anuência a certas posições políticas,
levando os membros da sociedade a ver em certas ideologias “o modo
como as coisas são”. (KELLNER, 2001, p.81)
O que está em jogo é o desenvolvimento de um estudo que analise, em primeiro
lugar, o modo como a cultura da mídia “transcodifica as posições dentro das lutas
políticas existente e, por sua vez, fornece representações que, por meio de imagens,
espetáculos, discursos, narrativas e outras formas culturais, mobilizam o consentimento
a determinadas posições políticas” (KELLNER, 2001, 86).
Apesar de tratar da cultura contemporânea, entende-se que a contribuição de
Douglas Kellner pode também ser transportada para o estudo de acervos históricos,
como é o caso do O Eco durante a Segunda Guerra Mundial, levando em consideração,
sobretudo, os diferentes projetos políticos e ideológicos que se emancipavam na época e
eram refletidos nas páginas do semanário.
2.2 Os editoriais no contexto do jornalismo de opinião
Amparada pela proposta teórica de Douglas Kellner, a pesquisa também
apresenta uma orientação metodológica que justifica seu recorte. A escolha dos
editoriais do semanário O Eco como objeto de estudo se deu – dentre outras condições
já expostas – pela relevância dos textos no veículo. Tratam-se os editoriais de espaços
22
privilegiados de construção de representações nas páginas do semanário lençoense. Tal
característica, evidentemente, não consiste em peculiaridade do jornal O Eco. Desde sua
gênese, o jornalismo com caráter opinativo serviu a interesses de grupos específicos,
com projetos políticos e ideológicos diferentes.
O início do jornalismo de opinião remete à origem da imprensa. As folhas
volantes, avulsos impressos que foram os precursores do jornal, eram eminentemente
opinativas, como as que circularam após a descoberta da imprensa de Johannes
Gutenberg e fizeram propaganda, entre outros temas polêmicos, da Reforma na
Alemanha e em outros países que se desligaram da ortodoxia da Igreja de Roma. Porém,
logo a impressão dessas folhas opinativas nos territórios protestantes passou a ser
controlada e monopolizada pela autoridade leiga e pela Igreja, impondo-se a dupla
censura – governamental e eclesiástica, que ainda se confundiam em somente um
instrumento de poder. Desta forma, como se sucederia com os primeiros jornais do
século XVII, os volantes deste longo período, de quase dois séculos, acabaram por ser,
sobretudo, repositório de informações (BELTRÃO, 1980).
Mais tarde, com os movimentos sociais e a efervescência política provocada na
Europa pela Revolução Burguesa, o prestígio da imprensa foi restaurado e a imprensa
de opinião foi praticamente recriada. “Oblico reclamava uma orientação e os
impressos foram convertidos em agentes de luta, adotando, propagando e defendendo
determinados princípios e ideologias e combatendo os opositores” (BELTRÃO, 1980,
p.35).
Os primeiros editores de folhas impressas, no século XVII, foram agentes de
correios ou impressores de livros, que, contudo, não redigiam especialmente ao público.
Limitavam a divulgar notícias ou opiniões como lhes chegavam às mãos. Tratava-se de
um mero negócio. Porém, a atividade chegou a ser encarada de outro modo quando o
Estado absolutista se apoderou dos elementos noticiosos ao verificar a importância
política da difusão de informação.
É nesta fase que, segundo Beltrão (1980), o Estado editor requer o trabalho do
jornalista, passando este a formar um emprego independente. Resultam, assim, os três
agentes do jornalismo com atividades profissionais definidas: o jornalista, o editor e o
gráfico, sobre os quais pesaria por longo tempo rigorosa censura.
Depois de 1789, com a queda da censura e o estabelecimento da liberdade
de opinião, se desenvolve o jornalismo da era liberal. Primeiramente, é o
jornalista que obtém decisiva influência sobre a configuração do jornal, de
23
modo que se torna, nesse tempo, seu editor, sem dirigente espiritual e
quem determina seu conteúdo e seus fins. (DOVIFAT apud BELTRÃO,
1980, p.47)
Dos fins do século XVIII até a metade do século XIX, consolida-se a autonomia
e a soberania individual da personalidade jornalística. “Se o editor aparece, é como um
simples mandatário do jornalista, que cuida da impressão e da distribuição”
(BELTRÃO, 1980, p.47). Desde então, passando pelas primeiras décadas do século XX
(contexto do semanário O Eco, criado no final da década de 1930), começaram a ser
moldadas as características do editor – e consequentemente dos editoriais – que se
conhece no jornalismo moderno. Tais características, descritas a seguir segundo a
classificação de Beltrão (1980), são importantes ferramentas para o estudo da
construção de representações pelo jornal O Eco, subsidiando a análise nos próximos
capítulos.
2.2.1 Editoriais: atributos e características
É através do editorial, principalmente, que o grupo proprietário e administrador
de um periódico manifesta sua opinião sobre os fatos que se desenrolam em todos os
setores de importância e interesse para a sociedade e para a própria empresa. Para
Beltrão (1980), o editorial é a voz do jornal, sua tribuna. Difere-se o editorial da notícia
não somente por suas características estruturais, mas também por sua profundidade. Por
representar uma manifestação do ponto de vista do grupo editorial, tal gênero
jornalístico apresenta características especiais, entre elas, a impessoalidade.
O jornal é um catalisador de opiniões, um agente da consciência pública.
Não é o que eu penso o que exprimo no editorial, mas o somatório do que
pensa uma expressiva parcela da opinião pública, representada pelo grupo
que fundou, orienta e mantém o jornal. Este pensamento que eu – como
encarregado de colaborar e redigir o editorial – tenho de exprimir se
origina na política editorial, ou seja, na linha filosófico-prática daquele
grupo mantenedor e administrador do periódico. (BELTRÃO, 1980, p.52)
Além da impessoalidade, explícita ou não, Beltrão (1980) categoriza outros três
atributos para os editoriais: a topicalidade, a condensibilidade e a plasticidade. A
topicalidade consiste na propriedade do texto de exprimir não somente a opinião
sedimentada, mas, sobretudo, a opinião que está em formação. Para Beltrão, o leitor dos
editoriais é “um ser perplexo diante da vertiginosa mutação da face do mundo e que
24
busca no jornal a explicação, enciclopédica ou protética, de tudo quanto de significativo
e decisivo está acontecendo ao seu redor e até mesmo daquilo que vai acontecer”
(BELTRÃO, 1980, p.53).
Terceiro atributo do gênero, a condensibilidade se configura na busca do
editorial em focalizar uma idéia central única, uma vez que visa exprimir várias idéias
em um espaço curto. Abertas muitas lacunas, o editorialista não alcançaria êxito de uma
boa conclusão. Por fim, a plasticidade – quarto atributo – ocorre em razão de o editorial
possuir caráter persuasivo por excelência, visando orientar os indivíduos por si e a
comunidade em geral. E assim deve fazê-lo com flexibilidade, sem dogmatismos
(BELTRÃO, 1980, p.53).
Beltrão (1980, p.56-57) propõe ainda outras classificações para o gênero,
incluindo questões como morfologia e estilo. Pelo caráter da presente pesquisa, este
capítulo toma a liberdade de se prender às questões da topicalidade e do conteúdo dos
editoriais.
Quanto à topicalidade, os editoriais podem ser:
Preventivo: quando se antecipam à realidade, apontando situações, fixando
circunstâncias e focalizando aspectos reveladores de que determinados sucessos
se irão produzir na sociedade;
De ação: quando acompanham imediatamente a ocorrência, analisando suas
causas e apreciando seu desenvolvimento, com o objetivo de esclarecer o
público em pleno impacto da realidade;
De conseqüência: quando resultam do exame das repercussões e dos efeitos do
fato, da dedução da realidade.
Quanto ao conteúdo, podem ser os editoriais:
Informativo: que se destina a esclarecer o leitor sobre determinados fatos,
idéias ou situações, ajuntando pormenores e explorando aspectos que passaram
despercebidos ou não estão explícitos na notícia;
Normativo: que intenta convencer o leitor a atuar em determinado sentido,
inspirando-o, encorajando-o, exortando-o por meio de sentenças e argumentos
lógicos e incitadores;
25
Ilustrativo: que objetiva aumentar o cabedal de instrução do leitor, entretê-lo,
despertar seu interesse para a apreciação de questões e facetas menos comuns da
vida e do cotidiano.
Em estudo sobre os gêneros jornalísticos no veículo Folha de S.Paulo, José
Arbex Júnior (1992) traça outras considerações sobre os editoriais. Segundo o autor, os
editoriais não refletem apenas a opinião de seus proprietários nominais, mas o consenso
das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da
organização. A visão de Arbex Júnior é compartilhada por José Marques de Melo
(1985). Para Melo:
Além dos acionistas majoritários, há financiadores que subsidiam a
operação das empresas, existem anunciantes que carreiam recursos
regulares para os cofres da organização através da compra de espaço, além
de braços do aparelho burocrático do Estado que exercem grande
influência sobre o processo jornalístico pelos controles que exercem no
âmbito fiscal, previdenciário, financeiro. (MELO, 1985, p.119)
Neste sentido, o editorial deve ser compreendido como espaço de contradições,
pois, como define Melo (1985), seu discurso constitui uma teia de articulações políticas
e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio semântico.
Ainda sobre os editoriais, vale ressaltar que apesar das classificações e
características apresentadas, os textos do semanário O Eco escolhidos para a análise
possuem particularidades que serão debatidas à frente. Ao invés da impessoalidade
explícita, por exemplo, nota-se nos textos – entre outras peculiaridades – a assinatura do
jornalista e editor Alexandre Chitto em todos os textos. Tais particularidades, que
envolvem também a linguagem em que os editoriais foram redigidos, refletem a
estrutura da empresa jornalística pesquisada e a época de suas publicações, como
veremos no capítulo que segue.
26
3. O ECO NO CONTEXTO DO INTERIOR PAULISTA
Este capítulo apresenta o contexto no qual está inserido o semanário O Eco,
objeto de estudo da pesquisa. Num primeiro momento são expostas as características da
região de Lençóis Paulista, com dados referentes à evolução histórica e à formação
econômica. Posteriormente, são apresentadas informações sobre o perfil do jornalismo
local e sua evolução no interior de São Paulo até chegar ao contexto do O Eco. As
peculiaridades do veículo e seu envolvimento na sociedade lençoense, bem como as
relações nutridas com a colônia italiana fixada na cidade, são expostas na parte final do
capítulo.
3.1 Lençóis Paulista, antiga boca do sertão
A Lençóis Paulista que fertilizou terreno para a atuação do semanário O Eco
localiza-se a 300 quilômetros a oeste de São Paulo. A história da cidade, que remete ao
século XIX, reforça as peculiaridades de sua formação e sua importância no passado
para o desenvolvimento do interior paulista.
A partir de 1721 passaram a ser divididas em sesmarias as terras demarcadas
pelo rio Paranapanema na região de Botucatu, local que servia para a pousada de
exploradores a caminho do sertão. A doação de sesmarias era seguida da exigência de se
trabalhar a terra sob pena da devolução à coroa portuguesa. A primeira referência feita a
Lençóis Paulista (antiga Lençóes) até hoje encontrada em documentos oficiais ocorre
em uma carta de sesmaria lavrada na capital da província de São Paulo, em 12 de março
de 1818. O primeiro proprietário de sesmaria na região de Lençóis Paulista foi Antonio
Antunes Cardia, que recebeu da coroa portuguesa as terras à margem do rio Lençóis
(antigo rio Lençóes), desde o ponto em que o afluente deságua no rio Tietê (SÃO
PAULO, 1944).
Estima-se que na época em que Antonio Antunes Cardia recebeu sua sesmaria já
existiam na região alguns roçados isolados e distantes entre si, tocados por posseiros
que se aventuravam pelo sertão em busca de terras devolutas. Há registros de posse de
terras na região do rio Batalha (região da atual Bauru) – portanto, mais ainda sertão
adentro – a partir de 1830, o que nos leva a supor que o que seria a futura Lençóis
Paulista já tinha seus primeiros moradores. Era natural de Minas Gerais boa parte dos
27
primeiros povoadores e isso pode ser comprovado estatisticamente. Um único livro de
registros de nascimento de crianças livres entre os anos de 1876 e 1877 dá números a
esta constatação. São 234 registros que nos revelam que 35% dos pais e 25% das mães
eram originários da província mineira. A maior presença de homens provenientes de
Minas Gerais pode estar relacionada à estrutura familiar do período alinhada às
dificuldades da transposição do vasto território até o estabelecimento na fronteira e à
permanência nessa região ainda não provida de todos os recursos necessários a uma
vida sem maiores sobressaltos, como meios de transportes e de comunicação
(FERNANDES, 2003).
Figura 1 – Representação do Estado de São Paulo com destaque para
a região de Lençóis Paulista.
Fonte: Biblioteca Municipal Orígenes Lessa – Lençóis Paulista.
Durante os últimos anos da escravidão no Brasil, Lençóis Paulista foi a “boca de
sertão” paulista, mantendo sob sua jurisdição uma vasta área compreendida entre os rios
Tietê e Paranapanema. Tendo se elevado à freguesia em 1858 e à vila em 1865,
desmembrando-se de Botucatu, Lençóis Paulista, por sua vez, deu origem a várias
outras importantes povoações (entre elas, os atuais municípios de Agudos, Bauru e
28
Santa Cruz do Rio Pardo) que foram se estabelecendo à medida que o século chegava ao
seu final.
Nesta etapa do povoamento paulista, novas características o diferenciavam de
outras épocas e regiões:
O advento da ferrovia, a entrada dos imigrantes, o avanço do café, as leis
abolicionistas formavam um pano de fundo que dava uma singularidade
própria a esta “boca do sertão”, cuja ocupação se deve, em parte, à
presença de mineiros que, com o declínio da mineração, se deslocaram
para diversas áreas paulistas. Deve-se ressaltar, também, o intenso
movimento de desmembramentos territorial e populacional que
caracterizou a região no século XIX. (FERNANDES, 2003, p.5)
A grande força econômica de Lençóis Paulista derivou, por muito tempo, da
atividade agrícola. Em meados do século XIX, a cidade era caracterizada como uma
terra de pequenos agricultores e criadores de gado que destinavam sua produção aos
mercados local e regional, além da própria subsistência. As criações preferidas dos
primeiros lençoenses eram o gado bovino e o suíno. Este último, por representar uma
atividade de baixo custo, tornava-se viável à população mais pobre. Além disso, a
criação de porcos era tradicional na Província de Minas – e muitos mineiros foram
povoadores dos sertões do planalto ocidental paulista.
Mas não só de bois e porcos se compunha a pecuária daqueles tempos. Havia,
ainda, cavalos, burros e carneiros, os primeiros como força animal nas tarefas do
cotidiano dos sítios e roçados espalhados pelo vasto território da então Lençóes. Há
dados da pecuária lençoense nas primeiras décadas do século XX que mostram que esta
atividade perdeu força com o passar dos anos, possivelmente reflexo da opção de muitos
fazendeiros pela atividade agrícola, primeiro com o café e depois com a cana-de-açúcar.
A tabela abaixo dá números a esta situação:
Tabela 1 – Pecuária em Lençóis Paulista, 1905-1940
Gado
Anos
Bovino Eqüino Asinino e muar Total
1.905
- - - 19.873
1.920
12.793 2.868 1.916 17.577
1.934
10.567 2.240 1.986 14.793
1.940
8.374 1.581 1.245 11.200
Fonte: Camargo, 1952
29
Pode-se supor que a decadência da atividade criatória esteja relacionada à
própria evolução de Lençóis Paulista. Seus primeiros povoadores vieram de áreas de
povoamento mais antigo, como o sul de Minas ou a região paulista conhecida como a
“parte baixa” da cuesta de Botucatu (popularmente chamada de Serra de Botucatu).
Traziam seus pertences e dentre eles, provavelmente, gado. Ao se fixarem na terra,
formaram seus roçados e se dedicaram a outras culturas, como o algodão (que teve um
período áureo na Província de São Paulo entre 1860 e 1875) e principalmente o café,
que se alastrou por toda a província. Este último foi o responsável pelo surgimento de
fortunas e, por várias décadas, fez com que muitos agricultores abandonassem antigas
atividades e formassem cafezais (FERNANDES, 2003).
A suspensão do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queiroz), em 1850, a Lei do
Ventre Livre, em 1871, e a abolição da escravatura, em 1888, abriram caminho para um
grande fluxo de imigrantes no Brasil. Com a proclamação da República, em 1889, o
governo federal acentuou o fluxo migratório com a criação de programas de colonização
que atraíam camponeses pobres da Europa, os chamados “braços livres para a lavoura”.
A região de Lençóis Paulista não ficou estanque a este processo. O século XX ficou
marcado na cidade pela acentuada fixação de famílias estrangeiras, sobretudo as
italianas.
Após chegarem à região em busca de novas oportunidades, os imigrantes, em
sua grande maioria, tiveram que labutar nas lavouras que já haviam sido constituídas
pelos primeiros povoadores que se aventuraram pelos sertões paulistas. Porém, alguns
anos depois de trabalhar em terras alheias, os imigrantes já podiam ostentar o título de
suas próprias terras. Em 1905, eram registradas no município 675 propriedades
agrícolas, 526 delas em mãos de brasileiros e as restantes 149 em posse de estrangeiros:
108 italianos, 11 portugueses e 30 de outras nacionalidades. Em menos de duas décadas,
os imigrantes já representavam 22% dos proprietários rurais de Lençóis Paulista,
proporção que aumentaria nos anos seguintes, medida do êxito de muitos deles no Novo
Mundo (CAMARGO, 1952).
Em 1920, as propriedades eram em número de 607, das quais 313 (51%) em
mãos brasileiras e 294 (48%) com os imigrantes. Um relativo equilíbrio, embora as
propriedades em poder dos imigrantes fossem menor: tinham, em média, 30,5 alqueires,
contra 80,3 alqueires dos brasileiros. Nesta data, a população imigrante, 4.008 pessoas,
representava 19,7% da população total de 20.294 habitantes da cidade. Isto significa que
30
7% dos considerados imigrantes eram proprietários agrícolas, um índice bastante alto.
Entre os brasileiros, esta porcentagem era de 2% (CAMARGO, 1952).
Figura 2 – Fachada de casa comercial na rua 15 de Novembro, principal via de
Lençóis Paulista, em 1909.
Fonte: Arquivo familiar – Família Paccola.
A década de 1920 pode ser considerada a data limite para efeito de comparação,
uma vez que as próximas datas das quais se dispõe de dados já podem trazer resultados
enviesados. Isto porque ocorre um “abrasileiramento” dos imigrantes com a morte das
gerações mais velhas e a divisão das terras entre os filhos já nascidos no Brasil. Ainda
assim, os dados disponíveis de 1934, agora incluindo Macatuba, município
desmembrado em 1924, mostram que persiste o relativo equilíbrio: 54% das
propriedades estão com os brasileiros e 45% com os considerados imigrantes. Há um
total de 917 propriedades registradas, 417 em mãos estrangeiras: 245 italianos, 34
portugueses e 138 de outras nacionalidades. O tamanho médio é de 67 alqueires no caso
dos brasileiros e 29 alqueires para os estrangeiros. Finalmente, em 1940, período já
marcado pela presente pesquisa, 441 brasileiros (66%) têm propriedades agrícolas, com
um tamanho médio de 43 alqueires, enquanto 228 estrangeiros (34%) têm uma
propriedade com tamanho médio de 34 alqueires. Entre eles, 136 italianos, 20
portugueses e 72 “outros” (CAMARGO, 1952).
31
Tabela 2 – Evolução da propriedade segundo a nacionalidade dos proprietários em
Lençóis Paulista, 1905-1940.
Anos 1905 1920 1934 1940
Brasileiros 77,9 51,6 54,5 66 Proprietários
(%)
Estrangeiros 22,1 48,4 45,5 34
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Camargo, 1952
Os números mostram a presença maciça de italianos entre os imigrantes.
Ilustram também que muitos deles venceram as vicissitudes de uma vida que se
mostrava incerta quando da partida da terra natal, mas que se revelou promissora com o
tempo. A chamada “grande naturalização” decretada no Brasil com a proclamação da
República teve reflexos em Lençóis Paulista. Com a medida, os imigrantes ganharam
direitos eleitorais e representatividade política na cidade. Não faltaram incentivos para a
fixação dos estrangeiros.
Uma das primeiras demonstrações de força da colônia italiana ocorreu ainda no
século XIX, em 1889, quando o padre italiano José Magnani, representante religioso
com grande envolvimento na atividade política local, solicitou da Câmara Municipal um
auxílio às famílias dos seus conterrâneos. Aceito o pedido, foi definido que a
importância destinada aos imigrantes como auxílio corresponderia a 150 mil réis, o
equivalente à metade do salário pago na época ao advogado da administração
municipal. Outra demonstração da representatividade da colônia italiana em Lençóis
Paulista no início do século XX foi a visita à cidade do general italiano Pietro Badoglio,
representante de Benito Mussolini, assunto que será tratado à frente.
Como demonstrado anteriormente, as últimas décadas do século XIX e as
primeiras do século XX foram essenciais para o crescimento econômico do município.
Inicialmente, os imigrantes ajudaram a impulsionar a produção cafeeira. Na medida em
que acumulavam economias, passaram a comprar terras, abrindo novas frentes de
trabalho e adquirindo empresas e prestígio com o passar das décadas. É o caso,
sobretudo, da indústria de produção de açúcar e álcool, principal atividade econômica
da cidade.
O plantio da cana de açúcar no município antecedeu o plantio de café. Os
primeiros registros documentais publicados em livro sobre o cultivo da cana-de-açúcar e
32
a produção artesanal de aguardente em Lençóis Paulista remetem à década de 1860
2
. No
entanto, o cultivo primitivo da cana, realizado ainda de forma precária, não representou
a principal fonte de renda para os proprietários de terras lençoenses no século XIX. Foi
no século XX, com a entrada de imigrantes na cidade, que a produção ganhou
representatividade (CHITTO, 1978). Em um período aproximado de 30 anos, que
compreende a última década do século XIX e as duas primeiras do século XX, as
propriedades rurais se destacavam no cultivo do café. Mas, na década de 1920, uma
combinação de questões climáticas e econômicas fez com que os proprietários rurais
trocassem a cultura do café pela cana e a conseqüente produção de aguardente.
A recessão originada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929,
prejudicou o cultivo do café brasileiro. Por outro lado, a crise norte-americana
incentivou o crescimento do cultivo da cana. Com o passar dos anos, a produção
canavieira equiparou-se ao cultivo do café em Lençóis Paulista, sendo ambas
economicamente predominantes em relação ao algodão e à atividade fruticultora na
década de 1930.
No início da década de 1940, a aguardente já era produzida no município em
escala considerada industrial para a época. Os produtores de Lençóis Paulista chegaram
a produzir 4 milhões de litros de cachaça em 1941. O cultivo da cana-de-açúcar cresceu
tanto na cidade ao ponto da criação de uma data simbólica, o Dia da Cana, comemorado
anualmente na década de 1940 com exposições e desfiles de trabalhadores rurais. Em
1945, Lençóis Paulista contava com 52 fábricas de aguardente.
Com a abertura de usinas de açúcar e álcool (inicialmente somente de açúcar) o
número de engenhos sofreu uma considerável redução numérica. As fábricas de
aguardente foram reduzidas a cinco. Em contrapartida, os engenhos que continuaram
trabalhando aparelharam-se para maior capacidade do seu rendimento, ultrapassando a
produção das pequenas fábricas anteriores.
As décadas de 60 e 70 marcaram um grande crescimento de produção nas usinas
de açúcar e álcool lençoenses. A diferença mais considerável ocorreu na passagem entre
os anos de 1976 e 1977. Em 1977, foram produzidos 37,3 milhões de litros de álcool
contra 11,4 milhões de litros do ano anterior. Ainda foram produzidas aproximadamente
2,2 milhões de sacas de açúcar contra 1,9 milhão de sacas em 1976 (CHITTO, 1978).
2
Registros apontam que na época já havia plantio de algodão e fumo na região.
33
Figura 3 – Rua 15 de Novembro, principal via comercial de Lençóis Paulista, em
fotografia estimada da década de 1960.
Fonte: Arquivo familiar – Família Carani.
Atualmente com 67 mil habitantes, Lençóis Paulista ainda mantém a indústria da
cana-de-açúcar como principal atividade econômica (ao lado da indústria alimentícia e
de celulose e papel), destacando-se no setor agrícola nacional. Com o incentivo que o
álcool recebe da indústria automobilística no Brasil, a produção é de 6.816.795,94
toneladas de cana somente nas usinas do Grupo Zilor, um dos principais do país no
setor (ASCANA, 2007).
3.2 O Eco no contexto do jornalismo local
Ao contrário do leitor da capital, que tem outros meios de informação sobre sua
comunidade, o habitante do interior escolhe o próprio jornal de sua cidade para saber o
que ocorre ao seu redor, no seu mundo. Para Dirceu Fernandes Lopes, é no jornal local
que o morador busca e encontra, numa linguagem acessível e própria, aquilo que
interessa para o seu dia-a-dia (LOPES, 1998, p. 105). É ainda este tipo de imprensa a
principal fonte de informação e o melhor ponto de encontro de quem quer comercializar
idéias em âmbito local.
34
Nada substitui a visão local. Há um processo natural de identificação do
leitor com o jornal de sua cidade, independentemente de sua linha
editorial, já que é esse o veículo que informa o que interessa mais de perto
a seus leitores. (...) Os grandes meios impressos não eliminam os
pequenos jornais por que não têm condições de atender algumas de suas
funções, principalmente a divulgação das reivindicações da comunidade,
além de expressar seus valores numa autêntica demonstração de veículos
comunitários. (LOPES, 1998, p. 106)
Tal peculiaridade já era observada no final da década de 1930, no interior
paulista. É o caso do semanário O Eco, fundado em 1938, em Lençóis Paulista, exemplo
de veículo que manteve por décadas as particularidades do jornalismo local. A imprensa
já foi estudada em suas mais variadas manifestações no Brasil, mas ainda há muito a ser
pesquisado e compreendido, principalmente sobre a imprensa das áreas distantes dos
grandes centros urbanos. Com o êxito de pesquisas recentes, apesar de não mais
desconhecida, a realidade do jornalismo local ainda merece atenção, tornando oportuno
um estudo da história social da imprensa paulista.
Segundo Lopes, a preferência das escolas de comunicação para as pesquisas e
estudos da chamada grande imprensa, concentrada nos grandes centros urbanos, acabou
por relegar a um segundo plano os jornais locais como se tivessem pouca ou nenhuma
relevância no contexto da atividade jornalística.
Tomando como referência os grandes veículos impressos, professores,
estudantes, jornalistas e pesquisadores acabam se omitindo, esquecendo
da força da imprensa do interior, fundamental para a circulação de
informações entre moradores das cidades que produzem boa parte das
riquezas deste país. (LOPES, 1998, p. 105)
Há uma série de características que ressaltam a importância do jornalismo local.
Considerando o caráter reivindicativo, um paralelo interessante pode ser traçado entre a
imprensa do interior e a imprensa de bairro, presente nas grandes cidades. Valendo-se
de um estudo realizado com os jornais de bairro da cidade de São Paulo, Valéria Uchoa
(1998) afirma que tal imprensa – marcada por uma característica bem definida, a
proximidade entre o fato e o público leitor – é consolidada como um dos mais fortes
instrumentos de informação, “garantindo espaço para as suas reivindicações e
profundidade na discussão dos fatos de interesse local, que dificilmente ganham a
mesma oportunidade na chamada grande imprensa” (UCHOA, 1998, p. 59).
35
A sobrevivência de alguns jornais de bairro por décadas está confirmando
a antiga regra do jornalismo de que o fato é mais importante quanto mais
próximo, afetiva e geograficamente, estiver do público leitor (receptor),
bem como confirma ainda o seu potencial enquanto mídia. (UCHOA,
1998, p. 59)
Desta forma, entende-se que a característica de aproximar o fato do leitor, assim
como o jornal de bairro, faz da imprensa do interior um instrumento de vasta
importância na integração de comunidades. Tal relação – entre o jornal local e a
comunidade – também é verificada pelo professor Wilson da Costa Bueno (1977). Em
sua dissertação de mestrado, defendida em 1977, Bueno define o que seria um objeto-
modelo para o estudo da imprensa artesanal, conceito aplicado na época à imprensa
local.
Na apresentação da metodologia do estudo, o autor tem a preocupação de definir
três diferentes classes de elementos para caracterizar a imprensa artesanal: a) classe dos
elementos do jornal enquanto empresa, ou seja, como forma de organização e produção;
b) classe dos elementos do jornal enquanto produto final da empresa, com o qual o
leitor mantém contato direto; c) classe dos elementos que pertencem à relação entre o
jornal e a comunidade, isto é, representada pelas variáveis do processo de comunicação
entre o jornal, enquanto empresa e produto de consumo, e a comunidade no qual ele
circula.
Ressalta-se aqui o último tópico, referente à relação entre o jornal local e a
comunidade na qual ele se insere. Destaca Bueno que a pessoalidade, a integração à
vida comunitária, a identificação com os anseios da população e o respeito por seus
tabus geram um conteúdo peculiar na imprensa local.
O jornal do interior não pode ser visto, a exemplo da grande imprensa,
como um estranho que fala à comunidade mas como um serviço ativo e
participante da própria comunidade. Sem as características da
comunicação de massa, mantém ainda o vel da comunicação oral, direta,
fato que é rotulado pelos que não convivem com essa realidade com a
expressão “provincianismo”. (BUENO, 1977, p. 50)
Bueno acrescenta que pelo seu perfil próximo ao comunitário, o jornal das
cidades do interior tende a se distanciar da grande imprensa (nacional ou regional), que
por outro lado possui como tendência o tratamento de assuntos mais gerais, não
específicos de uma ou outra realidade. Na imprensa local as notícias externas
representam uma parcela pouco representativa no espaço editorial. Além disso, embora
a quantidade de espaço dedicado às questões nacionais e internacionais seja limitada na
36
imprensa local, quando tais jornais se interessam por um assunto desta natureza, como é
o caso da Segunda Guerra Mundial, tratam de retratá-lo sob um ponto de vista local
com grande sensibilidade e rapidez. “A situação internacional é descrita em termos que
influenciam diretamente a vida dos residentes da localidade” (BUENO, 1977, p. 53).
Contudo, apesar da validade dessa característica, ainda é necessário cautela na
realização de um estudo sobre a imprensa local, evitando generalizações equivocadas.
Bueno adverte que durante muito tempo os editores não souberam fazer vingar suas
verdadeiras funções nos jornais do interior. Para o autor, é verdade que alguns jornais
locais, por um mero processo de imitação ou para justificar os contratos com agências
internacionais de notícias, davam equivocadamente destaque também ao noticiário
internacional.
Isso se constitui, no entanto, num evidente atestado de desconhecimento
da atividade jornalística e, principalmente, da desarmonia com os
interesses da comunidade. A um jornal paulista interessará mais (por que é
esse o interesse do seu leitor) os comentários dos jogos de futebol que
envolve o time da cidade que, por exemplo, a crise no parlamento inglês,
embora possa ser até difícil convencer disso alguns jornalistas e editores.
(BUENO, 1977, p. 53)
Outra constatação de Bueno é de que na imprensa local também ocupam papel
de destaque as notas sociais. Não raramente, o colunista social é considerado um dos
jornalistas de mais prestígio da comunidade, podendo ser também o mais remunerado
do quadro de funcionários da empresa.
As notícias sociais ocupam posição de destaque na imprensa artesanal e,
ao contrário dos veículos da grande imprensa, elas não se limitam a uma
seção – a coluna social – mas se estendem a todas as páginas do jornal. As
fofocas da comunidade substituem o “furo”, a grande reportagem ou
editorial, características da imprensa industrial. As notícias
sensacionalistas de caráter policial não merecem, por outro lado, uma
cobertura maior destes órgãos de informação e isso se deve principalmente
à atuação da imprensa artesanal como veículo comunitário. (BUENO,
1977, p. 29-30)
Dona de tais peculiaridades, a imprensa local teve seu início no interior paulista
na primeira metade do século XIX. Em um levantamento sobre a história da imprensa
paulista, Gisely Valentim Vaz Coelho Hime (1998) relata que foram tantas as
dificuldades encontradas para o estabelecimento da imprensa no Estado, que o primeiro
periódico paulista sobre o qual se tem registro data de junho ou julho de 1823, ou seja,
quinze anos após a circulação do Correio Braziliense, considerado o primeiro jornal
37
brasileiro, apesar de editado ainda na Inglaterra. O primeiro veículo impresso em São
Paulo aparece somente em fevereiro de 1827, quando o Rio de Janeiro já contava com
nove jornais e sete outras províncias somavam juntas outras duas dezenas de periódicos
(HIME, 1998, p.14).
A história da imprensa no interior de São Paulo começa ainda mais tarde, em
Sorocaba, no dia 27 de maio de 1842, com a fundação do jornal O Paulista, por Diogo
Antonio Feijó
3
. O Paulista, de Sorocaba, ganhou vida 15 anos após a fundação, em
fevereiro de 1827, do O Farol Paulistano, o primeiro jornal impresso na capital do
Estado, e 34 anos após o início do primeiro jornal editado realmente no Brasil, a Gazeta
do Rio de Janeiro, que foi às ruas em setembro 1808.
Segundo Fernando Ortet (1998), no período entre o surgimento da Gazeta do Rio
de Janeiro e a fundação do periódico O Paulista, em Sorocaba, os jornais já chegavam a
então Província de São Paulo, “mas em um número que mal dava para satisfazer as
necessidades de leitura dos moradores do centro administrativo da região, quanto menos
para alcançar as povoações do interior” (ORTET, 1998, p. 121). O autor ressalta que o
surgimento da imprensa no interior paulista acompanhou o desenvolvimento econômico
dos nascentes municípios.
O surgimento dos primeiros jornais no interior de São Paulo (Revista
Comercial, Santos, 1849; O 25 de Março, Itu, 1849; e A Aurora
Campineira, Campinas, 1858) esteve estreitamente vinculado ao
desenvolvimento econômico, industrial, sócio-cultural, político e
urbanístico de cada uma das cidades. (..) Refletia paralelamente a
necessidade das classes dominantes de manifestarem pontos de vista sobre
cada aspecto da dinâmica do desenvolvimento local. (ORTET, 1998,
p.122)
Para Wilson da Costa Bueno, citado por Ortet, no passado a imprensa do interior
também se caracterizava por ser uma “imprensa mais opinativa do que informativa, que
discute todos os problemas, intromete-se nos bastidores da política, provoca os
adversários, denuncia, reclama e, principalmente, fofoca” (BUENO apud ORTET,
1998, p.123). Neste sentido, não é difícil compreender a importância da imprensa do
interior na formação e no crescimento das cidades e sua influência no rol de relações
sociais localmente estabelecidas.
A região na qual a presente pesquisa se foca, delimitada pela porção centro-oeste
do Estado de São Paulo, mais especificamente no território que compreende as cidades
3
Também há referências de que o jornal tenha sido fundado pelo francês Antoine Hercule Florence.
38
de Botucatu e Bauru, onde localiza-se Lençóis Paulista, fortemente marcada pela
colonização italiana, evidencia a importância de um estudo detalhado das relações
sociais locais para o entendimento do processo comunicacional. A própria fundação dos
primeiros jornais impressos na região leva a crer que a formação da imprensa nesta
porção do interior paulista foi influenciada pelo desenvolvimento econômico e pelo
processo de urbanização dos municípios.
Quando chegou à porção centro-oeste do Estado, a imprensa interiorana já dava
mostras de um tímido desenvolvimento. Conforme levantamento elaborado por Gastão
Thomaz de Almeida (1983), depois de Sorocaba, Santos, Itu e Campinas, a imprensa
passou para o Vale do Paraíba, onde teve início em Guaratinguetá, chegando também
em Taubaté, Pindamonhangaba, Bananal, Areias e Caçapava. Do Vale do Paraíba, a
imprensa interiorana foi para outras regiões, chegando a Amparo, Lorena, Mogi-Mirim
e Rio Claro, em 1872. Naquele ano começaram a surgir novos jornais em várias
cidades. Praticamente a cada ano novas comunidades passavam a conhecer a imprensa
que penetrava então em Queluz, Silveiras, Tietê, Bragança Paulista, Capivari,
Itapetininga, entre outras (ALMEIDA, 1983, p. 35).
Em Botucatu, o primeiro jornal – denominado A Gazeta de Botucatu – foi às
ruas em 1887. Seguindo o avanço territorial, surgiram nos anos que se passaram os
primeiros jornais de Jaú (O Jahuense, em 1889), São Manuel (O Município, em 1894),
Lençóis Paulista (Correio de Lençóis, em 1895), Bauru (O Bauru, em 1906), Agudos
(Gazeta de Agudos, em 1927) e Marília (Correio de Marília, em 1928).
Ainda em Lençóis Paulista, antes da fundação do semanário O Eco, em 1938,
outros veículos impressos ganharam as ruas entre o final do século XIX e as primeiras
décadas do século XX. Nos últimos anos do século XIX circulou na cidade o primeiro
semanário: o Fiat Lux. O veículo era dirigido pelo polêmico padre José Magnani,
personagem presente nas páginas políticas e um dos responsáveis pelo fortalecimento
dos núcleos de imigrantes italianos na cidade. O Fiat Lux foi posteriormente substituído
por outro veículo chamado Imparcial, também com a direção de Magnani. Ambos eram
impressos no gabinete do pároco, no cruzamento de duas das principais ruas de Lençóis
Paulista (15 de Novembro e Coronel Joaquim Anselmo Martins). Circularam ainda em
Lençóis Paulista no início do século XX alguns panfletos e jornais reivindicativos. Entre
eles, destaca-se O Trovão, que trazia o subtítulo “quem não deve não teme”. Não há, no
entanto, registros do veículo, o que impede o detalhamento de suas características e a
identificação de seus responsáveis. (CHITTO, 1978, p.70).
39
Entre os primeiros jornais e a criação do semanário O Eco, outros veículos de
curta circulação também foram impressos em Lençóis Paulista. Em 1923, foi lançado o
jornal O Imparcial, veículo que não passou de poucos meses. No ano seguinte, também
sem trajetória duradoura, ganhou às ruas o veículo O Indicador, voltado exclusivamente
à publicidade. Em 1928, editou-se na cidade o Jornal de Lençóes. Em 1936, foi criado
outro veículo também intitulado O Imparcial, não chegando ao sexto número (CHITTO,
1978, p.70).
O histórico dos anos antecedentes fez com que O Eco, inicialmente chamado de
E’cho, nascesse em um ambiente de relativa descrença com o jornalismo local. O
semanário foi fundado em 6 de fevereiro de 1938 pelo jornalista Alexandre Chitto, o
secretário Vicente de Paula Ferraz e o professor Alcides Ferrari. Apesar do
envolvimento dos três colaboradores na fundação do jornal, foi Alexandre Chitto que
ocupou desde o início o cargo de diretor do veículo, constituindo o grande responsável
pelos rumos do noticiário. Antes de sua fundação, todos os outros jornais que o
antecederam na região de Lençóis Paulista tiveram duração máxima de um ano. O
próprio Chitto, em uma de suas publicações, descreve sucintamente o clima gerado com
a criação do jornal. “O Eco surgiu numa época duvidosa, de pessimismo, quanto a
existência de jornais na cidade. Poucos acreditavam no sucesso deste semanário.
Ventilava-se, mesmo, em 1938, que não chegaria até a sexta edição” (CHITTO, 1978,
p.71).
De modo geral, o semanário O Eco sempre se manteve dentro das características
do jornalismo local. As características apontadas por Bueno (1977) e Lopes (1998)
podem ser verificadas nos primeiros anos de atuação do veículo. Composto e impresso
em tipografia própria, de maneira semi-artesanal, com uso de tipos e clichês, o
semanário circulou ininterruptamente nos primeiros anos com edições que variavam de
quatro a seis páginas. Nos primeiros anos de circulação, com tiragem aproximada de
100 exemplares
4
, o jornal conjugava em suas páginas notas informativas sobre os
acontecimentos da cidade (alistamento militar, datas festivas, falecimentos, esportes,
entre outros assuntos), notas sociais (núpcias, aniversários e festas), reproduções de
poesias e outros textos assinados, editais oficiais e publicidade. Devido ao modo de
composição das páginas na tipografia, o semanário não mantinha critérios estabelecidos
de diagramação – característica comum a outras publicações jornalísticas do período.
4
Em 1970, a tiragem já atingia 250 exemplares por edição. Atualmente, a tiragem do O Eco é de cerca de
5 mil exemplares.
40
Desta forma, os poucos elementos com lugar fixo nas páginas do jornal eram a
logomarca e o editorial, ambos ocupando sempre a primeira página. Outra propriedade
verificada no O Eco em seus primeiros anos de atuação, que ressalta o caráter da
imprensa artesanal (BUENO, 1977), é a corrente troca de letras e acentuação na
composição das páginas. É possível identificar em um mesmo texto diferentes grafias da
mesma palavra.
Figura 4 – Capa da primeira edição do semanário O Eco (antes grafado E’cho).
Fonte: CHITTO, 1978, p.72.
Ao prezar – dentro de suas limitações – pelas características do jornalismo
5
elencadas pelo teórico alemão Otto Groth (BUENO, 1972) – sobretudo pela
periodicidade – o semanário O Eco criou desde o início um elo muito particular com a
5
Otto Groth sublinha quatro características fundamentais aos periódicos que auxiliam na compreensão do
jornalismo convencional. A atualidade diz respeito à relação dos fatos com o tempo presente. A
periodicidade se refere à repetição regular no tempo das diferentes edições de um periódico. A
universalidade trata da abordagem dos mais diferentes campos do conhecimento humano efetuada por um
veículo. E, por fim, a difusão coletiva diz respeito à circulação dos periódicos por diversificadas camadas
sociais distribuídas cultural, econômica e geograficamente de modo heterogêneo (Bueno, 1972).
41
comunidade de Lençóis Paulista. Sem deixar de circular em uma única semana sequer, o
jornal criou a cultura na comunidade lençoense de esperá-lo aos sábados – muitas vezes
com a formação de filas em sua sede. Durante mais de duas décadas o veículo circulou
sem concorrentes no município, contribuindo para a fixação de sua marca na sociedade
local. Somente em novembro de 1959, após 21 anos da criação do O Eco, é que passou
a circular ininterruptamente na cidade outro semanário. Fundado por Zanderlit Duclerk
Verçosa, com posterior direção de Célio Pinheiro, Luiz Carlos Bernardi e Edemir
Coneglian, o semanário Tribuna Lençoense
6
é ainda hoje o principal concorrente local
do jornal O Eco.
3.3 O Eco: espaço de representações sociais
Como todo veículo de comunicação que se articula como um espaço privilegiado
de representações sociais, o jornal O Eco desde o início de sua circulação, em fevereiro
de 1938, construiu identidades. Conforme expõe o próprio jornalista responsável:
O Eco nasceu com o objetivo de propugnar pela grandeza e crescimento
de Lençóis, sem o receio de atingir partes que ainda pretendiam ser
absolutas nas suas opiniões, olvidando que, dias mais, dias menos, tudo
chegaria ao seu termo e as renovações se sucederiam. (CHITTO, 1978,
p.71)
É comum por parte do jornal a utilização de termos como “grandeza” ou
“pujança” para valorizar o município. Identifica-se no conteúdo do veículo a defesa de
obras de infra-estrutura em Lençóis Paulista e a evolução da idéia de uma cidade
próspera que não deveria padecer ao pessimismo ou sentir-se inferiorizada em relação
aos mais populosos municípios vizinhos. Segundo um texto publicado por Chitto na
época do aniversário de quarenta anos do veículo, O Eco – em seu ponto de vista –
nasceu para ser porta voz das aspirações dos lençoenses. “Em 1938, Lençóis Paulista
estava ainda à espera de dias melhores, a cidade continuava desprovida dos recursos que
a população tanto reclamava para a realização dos mesmos” (CHITTO, 1978, p.71).
Outra idéia propagada desde o editorial de estréia é a de isenção, com o semanário se
auto-intitulando livre de vínculos políticos, religiosos ou ideológicos:
Hoje, lançamos ao público o “E’CHO” sem matizes políticos ou
religiosos. Tem como postulado a defeza dos direitos do povo de Lençóes
6
Atualmente o veículo pertence à família Lorenzetti.
42
e a missão de arrancar do leito lectargico os que permanecem indifferentes
ao interesse collectivo. Lançamos o “E’CHO” dispostos a enfrentar aos
árduos trabalhos e arcar com as pesadas responsabilidades que acarretam
taes emprehendimentos.
7
No entanto, tomando como pressuposto básico a superação do paradigma da
imparcialidade no jornalismo (idéia sustentada por muito tempo pelos manuais de
redação), um olhar mais apurado às páginas do semanário O Eco torna clara a rede de
vínculos sob a qual o veículo foi tecido desde o começo.
Diretor desde seu início e voz predominante nos destinos e na linha editorial do
semanário, o jornalista Alexandre Chitto, assim como sua família, teve em sua trajetória
de vida uma relação muito peculiar com a Itália. O percurso da família Chitto com
descendência em Lençóis Paulista tem início em 1872, em Isola Dovarese, na província
italiana de Cremona. Em 24 de novembro daquele ano, filho de César Chitto e de
Anunciata Chitto, nascia Mauro Chitto, patriarca da família que anos depois teria
influência no comércio, na política e na comunicação de Lençóis Paulista. Aos 15 anos,
Mauro ingressou no serviço de telégrafo italiano e, aos 18, foi convocado para o
exército, onde chegou à patente de sargento. Na última década do século 19, serviu na
África Oriental, que a Itália tentava então colonizar. No conflito do exército italiano
contra as tribos da Abissínia comandadas por Ras Menelik, Mauro Chitto se apresentou
como voluntário e permaneceu em solo italiano até o final do combate.
Passada a guerra, condecorado pelos serviços militares, decidiu se mudar para a
América. Escolhendo o Brasil como destino, viajou junto de um primo, deixando a
família na Itália. Na época, Lençóis Paulista já possuía uma considerável colônia
italiana, sobretudo das regiões de Treviso e Cremona. Em Lençóis, Mauro Chitto
conheceu Santina Lazzari, uma imigrante da mesma cidade italiana da qual ele partira.
Com ela se casou, fixando residência na Rocinha, um bairro rural formado por
imigrantes italianos, onde teve seus três primeiros filhos – entre eles, Alexandre Chitto.
No bairro rural, Mauro passou a cultivar uvas e a fabricar vinho em escala relativamente
grande para a época. A família Chitto também fomentava em sua residência encontros
entre brasileiros e a comunidade imigrante local, servindo pratos típicos da cultura
italiana. Nas reuniões, o jornal Fanfulla, marco da imprensa italiana, era lido em voz
alta pelo patriarca aos demais imigrantes.
7
O Eco, edição de 06/02/1938, p.1.
43
Com o passar dos anos e a entrada dos filhos na adolescência, Mauro Chitto
resolveu voltar definitivamente com a família para a Itália. Esse, aliás, era o sonho (na
maior parte das vezes malogrado) de grande parte dos imigrantes que desejavam apenas
fazer riquezas no Brasil e retornar posteriormente à terra natal. Os Chitto venderam seus
pertences em Lençóis Paulista e viveram cerca de dois anos na Itália. Mas a Primeira
Guerra Mundial, que eclodiu na Europa em 1914, influenciou a trajetória da família.
Preocupada com uma possível convocação dos filhos adolescentes, Santina Lazzari
convenceu Mauro a voltar com a família ao Brasil.
Figura 5 – Mauro Chitto, Santina Lazzari e filhos, em 1907.
Fonte: Arquivo Alexandre Chitto.
Os Chitto retornaram a Lençóis Paulista e passaram a residir no núcleo urbano
da cidade, iniciando um representativo papel na comunidade local. Engajado na política
da localidade, Mauro Chitto assumiu a presidência da Sociedade Italiana de Mutuo
Socorso Stella D’Itália, criada no município pela colônia italiana como forma de mútua
assistência aos estrangeiros e descendentes.
44
As sociedades italianas foram no início do último século, ao lado das escolas e
da imprensa, importantes instrumentos de propagação da cultura imigrante no Brasil,
sobretudo no interior paulista. Em 1927, a colônia italiana dispunha de 250 associações
de natureza educacional para a “propaganda e a divulgação da cultura italiana”. A
colônia contava também com 310 escolas e dezessete mil alunos, a maior parte no
Estado de São Paulo. Em relação aos meios de comunicação, 31 publicações eram
dirigidas exclusivamente à colônia italiana (quatro cotidianos, dezessete semanais, duas
quinzenais, sete mensais e uma publicação sem periodicidade fixa) (SEITENFUS, 2003,
p.40). A questão da propaganda ideológica era mais branda na colônia italiana quando
comparada, por exemplo, aos imigrantes alemães. A principal questão ítalo-brasileira,
até meados de 1930, dizia respeito ao grande número de imigrantes estabelecidos no
Brasil. Seitenfus ressalta que o governo italiano, inclusive o fascista, abordava a questão
da colônia de forma conciliadora. “Há a preocupação em manter vivas a cultura e a
língua italianas entre os imigrados mas, ao contrário da Alemanha, a Itália não utiliza,
até 1935, meios além dos legais para defender os vínculos entre os imigrados e a
península” (SEITENFUS, 2003, p.43). Conforme o autor, a própria atuação das
chamadas sociedades italianas em geral não conduziam a ações antibrasileiras. A
propaganda ideológica empregava sobretudo instrumentos tradicionais, como as
conferências, a atribuição de bolsas de estudos a jovens brasileiros, viagens de estudos
subvencionadas e a propagação das realizações fascistas por meio de publicações
oficiais.
Por outro lado, registros do Departamento Estadual de Ordem Política e Social
(Deops) levantados por Brusantin (2003) revelam que antes de deflagrada a Segunda
Guerra Mundial as autoridades policiais identificaram pontos de encontros clandestinos
de adeptos do Integralismo
8
camuflados pelo interior paulista. Em Bauru, cidade
localizada a 60 quilômetros de Lençóis Paulista, por exemplo, há registro de uma Casa
de Representações e Importações que armazenava armas para os integralistas
8
Movimento político com atuação no Brasil na década de 1930, o Integralismo, moldado sobre o
fascismo, com adaptações nacionais, expande-se em nível nacional, colhendo a herança abandonada da
direita nacionalista da década de 1920 (Faoro, 2001, p.783). Formatado sobretudo na Ação Integralista
Brasileira (AIB), que enquanto organização política tem uma trajetória breve (iniciada em 1932 e
extinguida em 1937, com a proibição da existência de partidos no Brasil). Em maio de 1938, os
integralistas tentam uma ofensiva contra o Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, com o objetivo de
derrubar Getúlio Vargas. Fracassada a ofensiva, Vargas toma medidas mais duras contra os adeptos do
Integralismo, culminando no exílio de Plínio Salgado, em 1939, o principal expoente do movimento. A
relação do governo Vargas com o Integralismo tornou-se ainda mais rígida após a tomada de posição do
Brasil ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.
45
distribuírem pelas cidades do interior. Em Lins, também no centro-oeste paulista, a
polícia política registrou reuniões integralistas na sede da Congregação Mariana local.
Em Rio Claro, a ação clandestina dos representantes do Integralismo foi identificada na
Sociedade Italiana Fascista.
Com base nestes registros é possível afirmarmos que o Integralismo
recebia apoio de diversos segmentos sociais, ainda que na ilegalidade. As
idéias do Sigma facilitavam, até por uma questão de identidade
ideológica, a colaboração entre distintos segmentos da extrema direita
católica e fascista. Esse fato abre evidência das bases sociais de apoio ao
movimento integralista, que manteve suas forças mesmo após a repressão
pública do governo Vargas. (BRUSANTIN, 2003, p.87)
Não há registros identificados no Deops de ligação direta da Sociedade Italiana
de Mutuo Socorso Stella D’Itália, de Lençóis Paulista, com o Integralismo, bem como
com o fascismo italiano. Contudo, a sociedade, que durante um longo período de tempo
foi o único clube da cidade, teve seus bens confiscados e foi fechada, a exemplo de
outros centros de propagação da cultura italiana, exatamente após a tomada de posição
do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Foi neste período, marcado pelos anos de 1942 e
1943, que Vargas foi pressionado a assumir sua posição contrária ao nazi-fascismo,
mudando o caráter da perseguição aos integralistas enquanto inimigos do Estado.
Como define Marilena Chauí (1980), com base nos textos de Plínio Salgado, o
Integralismo exerceu sua ação no Brasil sob três formas: desenvolvendo intenso esforço
cultural, através de cursos, conferências, centros de pesquisas e de estudos dos
problemas nacionais e humanos; organizando-se no sentido de uma maior eficiência de
um magistério moral e cívico de preparação de juventude e de um ministério social,
visando uma ampla assistência às classes populares; instruindo o povo brasileiro acerca
do que lhe convém saber sob sua tradição, suas realidades e possibilidades de um futuro
melhor. A doutrinação se fazia por meio de jornais, revistas, comícios urbanos e
penetração dos oradores nos campos e pequenas cidades do interior (CHAUÍ, 1978,
p.47).
O movimento se dirigia especialmente à classe média urbana. Segundo Chauí,
esse direcionamento dos integralistas não ocorre somente sob a invocação de valores
tradicionalmente imputados pela classe (entre eles, a tradição religiosa e a família), mas
por meio de convocação explícita e “não somente para que venham cerrar fileiras na
qualidade de militante, mas sim para que venham constituir-se como vanguarda
política” (CHAUÍ, 1978, p.53). Na visão de Hélgio Trindade, citado por Chauí, a
46
estrutura social da AIB pode ser sintetizada numa pirâmide formada por três camadas,
conforme o grau de participação nacional, regional ou local.
A camada superior, constituída pelos dirigentes nacionais, é integrada
exclusivamente por membros da burguesia e da média burguesia, sob a
supremacia das elites intelectuais. A camada média dos dirigentes
regionais encontra-se ainda sob preponderância da média burguesia
intelectual que, com a burguesia e média burguesia dos oficiais, ocupa
quase os três quartos dos postos de direção. Na camada inferior, a pequena
burguesia e as camadas populares formam globalmente os três quartos do
total dos militante locais. Essa estratificação social é análoga à estrutura
paramilitar da milícia: as elites intelectuais detêm o ‘comando’ e as
camadas médias e populares não intelectualizadas constituem a tropa.
Esse perfil da estrutura social integralista parece aproximar-se bastante
dos modelos fascistas europeus, especialmente do fascismo italiano e do
nacional-socialismo alemão. (TRINDADE, 1974, p.130 apud CHAUÍ,
1978, p.66)
A partir deste plano de ação do movimento integralista, Brusantin (2003) chama
a atenção para a presença evidente do grupo nas cidades do interior paulista. Conforme
aponta a autora, o tom dado pela polícia política de Vargas em relação aos integralistas
tangencia mais a “manutenção da ordem pública” do que de repressão propriamente
dita.
Destacamos que a movimentação integralista só foi registrada pelas
autoridades policiais, sobretudo, no ano de 1938. Percebe-se, na verdade,
a intensificação da perseguição a este grupo somente após 1938, como
conseqüência da tentativa de golpe contra Vargas. Vale ressaltar que o
silêncio, muitas vezes, anterior a esse período não quer dizer que o “credo
verde” não estava sendo pregado e que seus ativistas estavam inativos. É
antes de tudo expressão de que o ideário fascista, endossado pelos
integralistas, não incomodava as autoridades oficiais que tinham o regime
nazi-fascista como um paradigma de civilização. (BRUSANTIN, 2003. p.
77)
Pelo lado dos adeptos do Integralismo destacava-se a estratégia de ataque aos
comunistas. “A ação propagandista (do Integralismo) era dupla, pois visava a
divulgação das idéias do partido e o combate ao inimigo, fatos evidentes entre 1935 e
1938” (BRUSANTIN, 2003, p. 83).
Outro fato de destaque no período era o apoio dado aos integralistas pela
imprensa nas cidades do interior, que muitas vezes funcionava para que o ideário do
grupo se tornasse público. Brusantin afirma que a propaganda dos seguidores do
Integralismo era garantida pelo apoio da imprensa local, facilitando o programa de
doutrinação.
47
Em 1935, no auge do conflito entre esquerda e extrema direita brasileiro,
o Integralismo, ainda que agindo legalmente, se utilizava da imprensa
local para “construir” a imagem do mal dos movimentos aliancistas. Em
nome de uma “encantadora” cidade paulista, o Sigma, articulado com os
núcleos das AIBs regionais, propagava seus ideais anticomunistas. Fato
esse que reafirma o cenário de conflitos político-ideológicos antes da
decretação do Estado Novo. (BRUSANTIN, 2003, p.85)
Embora não haja registros aparentes de apoio ao Integralismo ou ao fascismo
italiano por parte do semanário O Eco, fundado em 1938, já sob a vigência do Estado
Novo, algumas relações que envolvem o veículo e a Itália fascista devem ser
consideradas. Parte dessas relações recai sobre a figura do patriarca da família Chitto, o
italiano Mauro Chitto. Além de presidente da Sociedade Italiana de Mutuo Socorso
Stella D’Itália, fechada e com seus bens confiscados após a tomada de posição do Brasil
contrária aos países do “Eixo” na Segunda Guerra Mundial, Mauro Chitto foi ainda
Representante Consular Italiano na cidade e vice-prefeito, eleito em 1922, ocupando o
cargo de chefe do Executivo por quase um ano em substituição ao então prefeito Elias
Rocha. Neste período, em 1924, recepcionou na cidade o General Pietro Badoglio,
representante oficial de Benito Mussolini em visita ao Estado de São Paulo.
Segundo Alexandre Chitto, em texto redigido em 1972, a visita de Badoglio a
Lençóis Paulista se deu com o objetivo de discutir questões relativas à imigração de
italianos para a região.
Na década de 1920, o governo de Mussolini via-se às mãos com o problema
da imigração. A sua preferência era pelo Brasil. Em 1924, Mussolini enviou
ao nosso país um de seus altos missionários, o general Badoglio, que aqui
veio para entrar em entendimento com autoridades brasileiras, as quais
colocaram à disposição do visitante todos os meios possíveis, inclusive as
zonas do Estado de São Paulo, que deveriam ser povoadas. Foi-lhe indicada
a zona que compreende Agudos e Lençóis Paulista. O general Badoglio, em
trem especial, veio diretamente para esta cidade (Lençóis Paulista), onde
recebeu grande manifestação das autoridades e colônia italiana, mantendo-se
aqui pelo espaço de meio dia. (CHITTO, 1972, p. 57)
Pietro Badoglio
9
foi militar e político, caracterizando-se na primeira metade do
último século como um dos principais nomes da Itália nas duas áreas. Inicialmente se
9
Em 1936, Pietro Badoglio foi nomeado comandante das forças italianas durante a invasão da Etiópia,
onde teria ordenado o uso de gás venenoso contra os etíopes. Assumiu posteriormente o cargo de chefe
das forças armadas italianas. Como não era um entusiasta da aliança militar com a Alemanha nazista,
desaconselhou a guerra que Mussolini declarou em junho de 1940 ao lado do “Eixo”. Após os insucessos
militares italianos na África e na Grécia, Badoglio deixou o cargo em dezembro do mesmo ano. Em 1943,
após o Grande Conselho Fascista votar pela deposição de Benito Mussolini, Badoglio assumiu a chefia do
governo provisório como primeiro-ministro da Itália e rapidamente tratou de negociar a paz com os
Aliados (PALLA, 1996).
48
opôs aos fascistas, mas depois se aliou a eles e, em 1922, foi designado embaixador
para o Brasil, época em que visitou a colônia italiana de Lençóis Paulista. Apesar da
biografia de Badoglio ser marcada por mudanças de posicionamentos políticos, a
presença dele em Lençóis Paulista como representante oficial da Itália ilustra a relação
de proximidade que na época a colônia italiana lençoense mantinha com o governo
comandado por Mussolini – ainda sem a radicalização dos contornos autoritários que o
marcou principalmente a partir da segunda metade da década de 1920.
Figura 6 – Marechal Pietro Badoglio visita Lençóis Paulista, em 1924.
Fonte: Arquivo Alexandre Chitto
Segundo filho de Mauro Chitto, o jornalista Alexandre Chitto também manteve
durante sua vida uma relação muito próxima com a Itália. Alexandre nasceu em
fevereiro de 1901 no bairro italiano da Rocinha, em Lençóis Paulista, onde passou a
infância e parte da adolescência. Após morar cerca de dois anos na Itália durante a
adolescência, Alexandre, junto de sua família, voltou a Lençóis onde começou a
trabalhar no comércio. Em fevereiro de 1938, fundou junto de dois companheiros o
jornal O Eco (então na grafia E’cho). Em 1939, Chitto fez estágio de jornalismo na
capital paulista, recebendo o Certificado de Jornalista Profissional, registrado no
Departamento do Trabalho. Um ano após fundar O Eco, assumiu sozinho o veículo.
Passou a cumprir as funções de administrador, repórter e redator, noticiando fatos da
cidade. Chitto tem os méritos de ter administrado por cerca de cinco décadas um veículo
de caráter local num ambiente que não favorecia – e ainda não favorece – a longevidade
49
dos jornais de tais características. Ficou na função de diretor do jornal até meados da
década de 1980, quando vendeu a empresa.
10
Figura 7 – Alexandre Chitto, em 1932
Fonte: Arquivo Alexandre Chitto
Alexandre Chitto não defendia explicitamente nas páginas de seu semanário
nenhuma doutrina política que se opusesse ou contrariasse o Estado Novo de Getúlio
Vargas, posição entendível quando considerado o fato de O Eco ter nascido já sob
regime de censura. Contudo, ao abordar determinados assuntos e se calar perante outros,
o veículo transparecia seu posicionamento – desde sempre velado.
Em uma homenagem póstuma a Virgílio Capoani, prefeito de Lençóis Paulista
entre 1952 e 1954, publicada em uma edição comemorativa do semanário em 1972,
Chitto ressalta a atuação do político – descendente de uma tradicional família imigrante
– no Integralismo:
O sr. Virgílio Capoani, fazia parte da firma comercial Zillo Capoani Ltda.
Na política fez parte do Integralismo, manifestando ardente inimigo do
Comunismo. Como simples soldado conseguiu reunir um grupo de 400
integrais no Município. No governo do sr. Getúlio Vargas, tendo-se
extinto o Integralismo, o sr. Virgílio Capoani ingressou no Partido Social
Progressista, no qual ocupava elevado posto no Diretório Local.
Candidatou-se à vereança pela legenda do PSP e foi eleito vereador, com
10
O jornalista faleceu em 1994 e está enterrado no Cemitério Municipal de Lençóis Paulista. O jornal O
Eco teve outros proprietários após ter sido vendido por Alexandre Chitto. Atualmente, quase sete décadas
após seu surgimento, em 1938, o veículo ainda circula como um dos principais meios de comunicação da
micro-região de Lençóis Paulista (sob comando do empresário Moisés Rocha). Desde 2006, com a
reformulação do projeto editorial, o jornal O Eco passou a circular três vezes por semana, periodicidade
inédita para veículos impressos no município.
50
larga margem de votos, no período de 1948 a 1951. Na eleição seguinte, o
PSP elegeu-o prefeito municipal, orientando magistralmente os destinos
de Lençóis Paulista de 1952 a 1954. (CHITTO, 1972, p.153)
O trecho evidencia alguns pontos importantes sobre a política local.
Primeiramente, a atuação de um representativo número de lençoenses junto ao
movimento integralista. Em seguida, ilustra a admiração de Chitto pela atuação política
de Capoani. O fato de o jornalista ter colocado o ex-prefeito no posto de “ardente
inimigo do comunismo” também deixa transparecer um posicionamento bastante
evidente do semanário O Eco durante os anos que compreenderam a Segunda Guerra
Mundial. Se por um lado o jornal nunca se posicionou claramente ao lado do fascismo
italiano ou da AIB, por outro usou de estratégia semelhante aos integralistas para
desqualificar o comunismo, colaborando para a construção de uma imagem “do mal” da
doutrina (como demonstrado no próximo capítulo), sobretudo antes da tomada de
posição do Brasil na guerra.
No âmbito local, a presença de comunistas sempre foi tratada de maneira
silenciosa. Uma importante passagem na história de Lençóis Paulista que não mereceu
destaque nas páginas do semanário O Eco é a perseguição feita pela polícia política de
Vargas a um grupo de moradores da cidade considerados simpatizantes do comunismo.
Tal perseguição se tornaria ainda mais oculta se não fosse a abertura dos arquivos do
Deops referentes ao período do Estado Novo.
Ligada a Bauru e Botucatu pela Estrada de Ferro Sorocabana, Lençóis Paulista,
apesar da pequena população que possuía nas décadas de 1930 e 1940 também tinha
entre seus moradores alvos de silenciosas e múltiplas ações preventivas e repressivas
ditadas pelo Deops. O caso mais representativo é do comerciante Abrahão Maluf,
simpatizante do comunismo. Filho de Inácio Abrahão Maluff e de Maria Maluff, o
jovem Abrahão foi fichado pela primeira vez no Deops quando tinha 19 anos. Nascido
em Lençóis, Abrahão era solteiro e empregado do comércio. Seu prontuário no Deops,
sob número 2426, aponta que foi preso pela polícia política em 22 de maio de 1941. Os
motivos para a prisão de Abrahão, segundo os arquivos da polícia paulista, eram muitos.
O Deops chegou a enviar um representante diretamente a Lençóis Paulista para
acompanhar, relatar e fotografar suas atividades. O comerciante, que segundo os
registros do Deops era chefe do Partido Comunista Brasileiro (PCB) da região de
Bauru, foi delatado em 1941 como “perigoso comunista”, ao lado de Ludovico
Olegário, Geraldo Guedes e Issa Maluf, por um cidadão lençoense que se identificava
51
pelo pseudônimo de João Brasil. Mais tarde, João Brasil pôde ser identificado,
conforme a documentação do Deops, como sendo Salústio Rodrigues Machado, na
época vigário da cidade (BRUSANTIN, 2003, p.50).
Figura 8 – Mensagem anti-Mussolini grafitada em muro de residência em Lençóis
Paulista e atribuída a simpatizantes do comunismo – Década de 1930.
Fonte: Laboratório Técnico de Fotografia do Gabinete de Investigações. Prontuário 2426 – Abrahão
Maluf. DEOPS. In: Brusantin, 2003, p 48.
Figura 9 – Pichações comunistas em muro de residência em Lençóis Paulista –
Década de 1930.
Fonte: Laboratório Técnico de Fotografia do Gabinete de Investigações. Prontuário. 2426 – Abrahão
Maluf. DEOPS. In: Brusantin, 2003, p 49.
A prisão de Abrahão Maluf, em 1941, mostra que sua atuação política foi
considerada subversiva às últimas conseqüências. Em seu prontuário, hoje guardado no
52
acervo histórico do Deops, no Arquivo do Estado, em São Paulo, estão anexadas
fotografias de fachadas de prédios lençoenses, alguns ainda existentes na cidade, com
pichações alusivas ao comunismo e críticas ao fascismo de Mussolini. Além de Abrahão
Maluf, um grande número de moradores de Lençóis Paulista também teve suas vidas
rastreadas por serem considerados subversivos
11
.
Em nenhum momento durante todo o transcorrer da Segunda Guerra Mundial,
porém, o semanário O Eco reservou editoriais para tratar de informações sobre tais
ocorridos. Muito se deve, evidentemente, à atuação da censura, que coibia o tratamento
de assuntos que envolviam o comunismo. Por outro lado, a figura do vigário Padre
Salústio Rodrigues Machado, registrado no Deops sob o pseudônimo de João Brasil por
delatar Abrahão Maluf, sempre figurou entre os personagens de destaque nas páginas do
jornal. Nome de uma das principais avenidas de Lençóis Paulista, o vigário, como
representante da classe religiosa local, teve embates com os supostos comunistas,
entregando-os à polícia (como no caso de Abrahão Maluf) (BRUSANTIN, 2003, p.50).
Nos textos de Chitto, no entanto, Padre Salústio Rodrigues Machado era comumente
retratado como um exemplo de dedicação às causas do município, conforme ilustra o
trecho a seguir:
A 1º de janeiro de 1939, Padre Salústio Rodrigues Machado assumia a
Paróquia de Lençóis Paulista, até findar sua existência. Pelo espaço de 16
anos, o Padre Salústio exerceu grande atividade, destacando-se não
somente na religião, mas em todos os setores da nossa cidade. Com a
comissão composta dos srs. Lídio Bosi e Franscisco Radicchi, construiu a
nova Igreja Matriz, a qual teve a felicidade de inaugura-la, dois anos antes
de sua morte.
Reergueu a religião em nossa cidade, com grande elevação de espírito,
cujos feitos são dignos de registro, principalmente quanto à festa
tradicional de Santo Antônio, no bairro do Corvo Branco, que está sendo
um acontecimento inédito e de invejar cidades vizinhas.
O Padre Salústio Rodrigues Machado batalhou em prol da assistência, da
instrução e da grandeza de Lençóis Paulista. Contribuiu fortemente pela
emancipação jurídica lençoense, a criação da comarca. Foi amigo assíduo
e colaborador da imprensa local que mesmo hospitalizado em Botucatu,
enviava suas apreciáveis colaborações. Faleceu em 5 de julho de 1955.
(CHITTO, 1972, p. 153)
11
Uma relação nominal, entregue ao departamento em fevereiro de 1948 e que também consta nos
arquivos do Deops, mostra que eram muitos: Issa Maluf, Adib Abrão Maluf, Domingos Giovanetti,
Ricieri Coneglian, Benedicto Seberino Rodrigues, Joaquim Henrique Moreira, José Pinto da Silva,
Ernesta Sesato Jaccon, Benedicto Giglioli, Alfredo de Oliveira Capucho, Luiz Falso, Ageu Meirelles,
Luiz de Oliveira, José Guardiã, Lazaro Sampaio, Aristeu Sampaio, Mamede Rodrigues Sampaio, Gabriela
Serralvo Maluf, Nicola Rossi, Adolfo Sian, João Amaral de Oliveira, Silvio Guarido, Adolfo Nardim,
Alfredo Chieri, Antonio Benedito Sampaio, Benedito Modesto, José Alves Cafunho, Adolfo Stam,
Adolfo Biral e Alexandre Pasquarelli.
53
Desta forma, dada trajetória pessoal e profissional de Chitto, não deve ser
descartada a proximidade entre o jornalista e a Itália
12
fascista e o relacionamento que
manteve enquanto agente da imprensa local com personagens da política lençoense. Na
pesquisa acadêmica, como esclarecido no primeiro capítulo, tais relações devem ser
analisadas sob o ponto de vista das condições de produção
13
dos textos – ou contexto
em que os textos foram produzidos, prática que assegura maior segurança à análise.
Por fim, também dentro das chamadas condições de produção a análise deve
levar em conta que, na época da Segunda Guerra Mundial, Lençóis Paulista se
caracterizava como um município de forte tradição católica e pouco populoso, apesar
das grandes proporções territoriais. Segundo dados do censo demográfico realizado em
setembro de 1940 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
município possuía uma população total de 13.804 habitantes, distribuídos em 7.172
homens e 6.632 mulheres. No mesmo levantamento foi constatado que a cidade possuía
uma população estrangeira composta por 1.123 pessoas, sendo 495 italianos, 188
japoneses e 18 alemães, países que integravam o “Eixo”
14
.
12
Para saber mais sobre a trajetória da família Chitto em Lençóis Paulista, ver SILVA, 2005.
13
Termo utilizado por Laurence Bardin (1977) em sua proposta teórica para a realização de uma análise
de conteúdo.
14
BASSANEZI, 2001.
54
4. AS REPRESENTAÇÕES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
NOS EDITORIAIS DO SEMANÁRIO O ECO
A escolha da região de Lençóis Paulista e a periodização adotada, assim como a
adoção do semanário O Eco como objeto de estudo, devem-se a vários fatores, mas
todos derivam de um eixo principal: a hipótese de que a região tenha dado um
tratamento peculiar à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) motivado pela presença da
colônia italiana na cidade e pela relação de proximidade da comunidade com o país
europeu.
Este capítulo, marcado pela análise propriamente dita dos editoriais do
semanário, está alicerçado na fundamentação teórica exposta no capítulo inicial, bem
como na contextualização e na caracterização do objeto de estudo apresentadas no
segundo capítulo. Trata-se, portanto, de outra etapa essencial da dissertação, na qual se
completa a cientificidade da pesquisa com o desenvolvimento da interpretação. Antes,
porém, seguindo as fases da análise de conteúdo, os dados selecionados no corpo da
pesquisa foram categorizados, tabelados e elencados em gráficos, na etapa da pesquisa
que pode ser chamada de descritiva.
4.1 Categorização e descrição dos dados
Etapa essencial da análise de conteúdo, a categorização consiste em um processo
de tipo estruturalista que comporta duas etapas: o inventário (isolar os elementos) e a
classificação (repartir os elementos e procurar conceder certa organização às
mensagens). O critério de categorização adotado na pesquisa é semântico, ou seja,
foram elencadas categorias temáticas para a realização da análise. O tema, enquanto
unidade de registro, corresponde aqui a uma regra de recorte (de sentido e não de forma)
e a uma unidade de significação que se liberta naturalmente do texto analisado segundo
critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura. Para Bardin (1977), fazer uma
análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a
comunicação e cuja presença ou freqüência de aparição pode significar alguma coisa
para o objetivo analítico escolhido.
A primeira categorização realizada nesta etapa da pesquisa é a própria seleção
dos textos de capa assinados pelo jornalista Alexandre Chitto pela temática do trabalho:
55
a Segunda Guerra Mundial. Como já dito, foram selecionados 55 textos compreendidos
entre setembro de 1939 e julho de 1944. Constata-se uma divisão anual dos textos,
permitindo uma análise da incidência da temática durante o transcorrer do conflito. A
descrição a seguir compara de maneira sucinta a incidência dos textos com alguns dos
principais episódios da guerra na Europa e suas repercussões no Brasil. Em seguida, um
quadro reúne por ordem cronológica todos os textos selecionados.
Em 1939, ano que determina o início da Segunda Guerra Mundial, entre
setembro e dezembro, verifica-se a presença de apenas um editorial de capa assinado
por Alexandre Chitto (no dia 5 de dezembro), quando, na Europa, França e Grã-
Bretanha já haviam declarado guerra à Alemanha. No mesmo ano já se constata a
preocupação do governo brasileiro com a opinião pública, inquietação presente desde as
vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando o país ainda temia o início do conflito e
mantinha relações diplomáticas e comerciais com dois lados beligerantes. Em junho de
1939, o chanceler brasileiro Oswaldo Aranha
15
, recém-voltado de uma missão comercial
nos Estados Unidos e com contatos freqüentes com o Departamento de Estado em
Washington, sente necessidade de alertar o presidente Getúlio Vargas para os perigos de
uma guerra próxima. Para cuidar de tal situação, Aranha lista uma série de prioridades
para o governo brasileiro, colocando a arregimentação da opinião pública no mesmo
patamar da economia de combustíveis, da constituição de estoques dos produtos
indispensáveis e da proibição da exportação de ferro (SILVA, 1972, p.167). Outro
acontecimento importante para o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial,
ocorrido em 1939, é a Declaração do Panamá, na qual os países americanos declaram
neutralidade coletiva.
Em 1940, ano marcado pelo impacto dos sucessos militares alemães, são seis os
editoriais publicados pelo semanário O Eco com a temática da guerra. Os textos estão
distribuídos entre fevereiro, mês que precede a invasão da Dinamarca e da Noruega pelo
exército da Alemanha, e dezembro, período que compreende a guerra ítalo-grega. No
Brasil, 1940 é um ano marcado pela queda acentuada nas relações comerciais com a
Alemanha. Em contrapartida, o comércio entre o Rio de Janeiro e Washington aumenta
15
Oswaldo Aranha foi um dos nomes mais influentes no Brasil no período que marcou o envolvimento do
país na Segunda Guerra Mundial. Nomeado por Getúlio Vargas em março de 1938 para o Itamaraty, faz
um acordo prometendo não se envolver na política interna do país. Por outro lado, tem em suas mãos o
caminho livre para o tratamento das questões externas. De personalidade forte, segundo a bibliografia da
época, e dono de estreitas ligações com Vargas, Aranha nutre uma grande admiração pelos Estados
Unidos e, particularmente, pelo presidente Franklin Roosevelt. Por outro lado, mantêm péssimas e
polêmicas relações com a embaixada alemã no Brasil. Tais circunstâncias fazem com que Aranha
desenvolva uma ativa política em benefício dos norte-americanos a partir de 1938.
56
sensivelmente no período. A Europa, que em 1939 fornecia 52% do total das
importações brasileiras, fornece no ano seguinte apenas 26%. Em compensação, o
continente americano passa a fornecer de 44%, em 1939, para 69% das importações do
Brasil em 1940 (SEITENFUS, 2003, p.180). É também em 1940, em junho, que Getúlio
Vargas profere o polêmico discurso em homenagem ao Dia da Marinha – a bordo do
encouraçado Minas Gerais, navio-chefe das forças navais – no qual trata do início de
uma nova era política no Brasil. O discurso, responsável por um considerável
desconforto diplomático, alimenta o sonho alemão de um possível apoio dos brasileiros
ao “Eixo”, expectativa que se torna malograda com os acontecimentos dos meses
seguintes.
O ano de 1941, com quatorze textos selecionados, é – ao lado de 1943 – o
período de maior incidência de editoriais do jornal O Eco sobre a Segunda Guerra. Os
textos estão divididos entre janeiro, mês que precede a lei norte-americana de
fornecimento de produtos aos exércitos britânicos, e novembro, fase da guerra que
antecede a tomada do comando do exército alemão por Hitler. É também ao longo de
1941 que Brasil e Estados Unidos fortalecem seus vínculos, sobretudo de cooperação
econômica, como jamais haviam feito, demonstrando uma mudança decisiva na posição
brasileira em face da guerra e, mais particularmente, com a Alemanha.
Em 1942, conhecido pelo ano da virada na guerra, marcado pelas primeiras
derrotas alemãs, são publicados 12 editoriais de capa assinados por Alexandre Chitto
com a temática Segunda Guerra Mundial. A primeira publicação do período ocorre em
janeiro, quando 26 países já haviam assinado a Declaração das Nações Unidas, e a
última em dezembro, época em que os ingleses são detidos pelos alemães na Tunísia. O
ano também é fundamental para o envolvimento brasileiro no conflito. Em janeiro de
1942, após uma série de negociações diplomáticas com os demais países da América do
Sul e – sobretudo – com os Estados Unidos, culminadas na Conferência do Rio de
Janeiro, o Brasil toma partido ao lado dos aliados, rompendo suas relações diplomáticas
com o “Eixo”. Após o rompimento, uma sucessão de fatos de ordem comercial, política
e militar aproxima ainda mais o governo brasileiro dos norte-americanos. Além disso, a
escalada da destruição de navios mercantes e de embarcações de passageiros brasileiros
é responsável por escaldar parte do governo e da opinião pública frente aos alemães
(SEITENFUS, 2003, p.297).
Em 1943, ano marcado já pelo envolvimento do Brasil no conflito, são
selecionados 14 editoriais – distribuídos nas páginas do semanário O Eco entre janeiro,
57
período que compreende a Conferência de Casablanca (entre Roosevel, De Gaulle e
Giraud), e novembro, mês de duas importantes conferências para o destino da guerra: a
Conferência do Cairo (entre Roosevelt, Churchill e Chang Kai-chek) e a Conferência de
Teerã (entre Roosevelt, Churchill e Stalin). O ano também é marcado pelo
fortalecimento do papel político dos militares brasileiros e do alinhamento do grupo
junto aos Estados Unidos.
Por fim, em 1944, entre janeiro e julho, são selecionados oito editoriais com a
temática. Em janeiro, data do primeiro texto, um dos principais fatos da guerra é a
execução do conde italiano Galeazzo Ciano, genro de Mussolini. Em junho, mês do
último texto selecionado, além do desembarque aliado na Normandia ocorre também o
primeiro bombardeio de Londres pelas bombas V1. É também em junho de 1944 que
5.081 brasileiros embarcaram no navio de transporte de tropas americanas General W.A.
Mann com destino ao combate na Itália. Chegam a Nápoles em 16 de junho de 1944,
sendo a primeira força expedicionária sul-americana a intervir nos assuntos europeus.
Gráfico 1 – Evolução numérica de editoriais sobre a Segunda Guerra Mundial no
semanário O Eco
1
6
14
12
14
8
1939 1940 1941 1942 1943 1944
Anos
Número de editoriais
Fonte: Gráfico elaborado por Marcos Paulo da Silva em fev/2007 com base na contagem de editoriais do
semanário O Eco, publicados entre set/1939 e jul/1944.
Seguindo a categorização, todos os textos selecionados foram tabelados por
ordem cronológica e dispostos no quadro abaixo:
58
Quadro 1 – Editoriais de capa publicados no jornal O Eco, entre setembro de 1939
e julho de 1944, assinados por Alexandre Chitto, com a temática da Segunda
Guerra Mundial (títulos com grafia original)
Data Título Assunto
5/11/1939 O temor á guerra Pessimismo / apreensão relacionada ao início
da guerra
11/2/1940 As duas guerras matam Pessimismo / apreensão relacionada à guerra
14/4/1940 A guerra e o pessimismo Pessimismo / apreensão relacionada à guerra
28/4/1940 A guerra e as discussões As duas versões da guerra / Apreensão
relacionada ao conflito
16/6/1940 O momento é de calma e
ponderação
Pessimismo / apreensão relacionada à guerra
10/11/1940 Os desanimados e a crise Crítica ao Comunismo
22/12/1940 Conseqüências da guerra Apreensão relacionada à guerra / Crítica ao
Comunismo
26/1/1941 Por que uma atitude do "O
Eco"
Posicionamento do veículo contrário à
Inglaterra / Defesa do patriotismo
2/2/1941 Quando dois rivalizam em
força
Pessimismo / apreensão relacionada à guerra
30/3/1941 A Rússia em face da
guerra actual
Questionamento da neutralidade russa na
guerra
6/4/1941 Diplomacia brasileira Elogio à posição brasileira de "neutralidade"
8/6/1941 A guerra e o discurso dos
grandes homens
A valorização dos discursos dos governantes
que ainda não entraram na guerra
22/6/1941 Amigos e inimigos da
França
A tomada da França pelas tropas alemãs /
distanciamento francês da Inglaterra
20/7/1941 Efeitos de uma aliança
militar
Crítica ao Comunismo / Apreensão com a
Aliança entre Inglaterra e Rússia
17/8/1941 A guerra e as suas
conseqüências
Prejuízos criados com a guerra /
Crítica à guerra
31/8/1941 A Guerra Russo Filandeza
e Italo Grega
Questionamento da força do exército russo
28/9/1941 Psicologia comunista que
morre
Crítica ao Comunismo / Ventilação da
Idéia de fim do Comunismo
5/10/1941 Esperanças de ontem e de
hoje
Especulações sobre o lado mais
poderoso da guerra (Aliados x “Eixo”)
19/10/1941 Os católicos e o
comunismo
Crítica ao Comunismo / Posicionamento dos
católicos norte-americanos contra a aliança
com a Rússia
26/10/1941 Previsões que justificam
fatos
Conflito entre Itália e Inglaterra /
Questão do Mediterrâneo
2/11/1941 Erro do comunismo Crítica ao Comunismo
1/3/1942 As raridades européias e a
guerra
Pessimismo / Apreensão relacionada à
guerra / Possibilidade de destruição das
raridades européias
22/3/1942 Cooperação e patriotismo Possibilidade da entrada do Brasil na Guerra
/ Defesa do patriotismo
59
29/3/1942 Mais pessimismo do que
realidade
Economia / Especulação de que a guerra não
Gere crises econômicas no Brasil
30/8/1942 Momento decisivo para o
Brasil
Posicionamento do Brasil ao lado dos
Aliados na guerra / Defesa do patriotismo
5/9/1942 A Goiana Fracêsa como
trampolim
Possibilidade de a Guiana Francesa ser usada
como ponto de ataque ao Brasil / Defesa da
soberania
12/9/1942 Reafirmação eloqüente Reafirmação do catolicismo contra o
comunismo
11/10/1942 Uma forte retaguarda Valorização da participação brasileira na
"retaguarda" dos Aliados / Valorização da
produção agrícola
18/10/1942 A guerra e as mentiras Mentiras veiculadas em tempos de guerra
25/10/1942 São Paulo na tarefa da
guerra
Participação do Estado de São Paulo na
guerra
1/11/1942 Vai-se o velho Mil Réis Economia / Troca de moeda brasileira /
Relação da troca com o "estado de guerra"
15/11/1942 Legião Brasileira de
Assistência
Formação da Legião Brasileira de
Assistência
13/12/1942 Um presente de Natal Campanha de Natal da Legião Brasileira de
Assistência
10/1/1943 Seda paulista nos Estados
Unidos
Economia / Novas fontes de riqueza /
Sericultura
17/1/1943 Carne para a Europa Economia / Exportação de carne /
Novas oportunidades de exportação
31/1/1943 Uma grande fábrica de
soda caustica nacional
Economia / Construção de uma fabrica de
soda caustica para suprir as necessidades
internas / Defesa do Patriotismo
14/2/1943 Hortas para a vitória Economia / Incentivo ao plantio de hortas
para suprir as necessidades no período de
guerra
21/2/1943 Uma transformação
agrícola
Economia / Super-produção agrícola /
Transformação da agricultura em pastoreio
20/6/1943 Cousas de após guerra Economia / Precauções com o fim da guerra
/ Influência do final da guerra na economia
11/7/1943 Fabricação açucareira Economia / Racionamento de açúcar
1/8/1943 Três hipóteses Crise política italiana / Três hipóteses para
o afastamento de Benito Mussolini
8/8/1943 Queixas de ordem
econômica
Economia / Antagonia: crescimento nos
ganhos dos produtores e encarecimento na
vida dos operários
15/8/1943 Voz do povo voz de Deus Diferentes versões envolvendo a queda de
Mussolini / Possibilidade de crise política na
Alemanha
22/8/1943 Uma estratégia que falha Possibilidade da saída de Mussolini do poder
ser um "blef" / Relação dos aliados com a
Itália
31/10/1943 O dever da retaguarda Economia / Importância da "retaguarda"
econômica na guerra / Defesa do patriotismo
60
7/11/1943 Carta aberta do "Daily
Herald"
Queda de Mussolini / Impasses e
possibilidades de o Rei Vitor Manuel
assumir o poder na Itália
14/11/1943 Segurança econômica Economia / Influências da guerra nos
municípios monocultores / Defesa da
policultura
9/1/1944 Previsões pessimistas Economia / Incerteza na economia brasileira
após a guerra
13/2/1944 Hortas e pomares Economia / Incentivo ao plantio de hortas
para suprir as necessidades no período de
guerra
20/2/1944 O preço dos imóveis Economia / Variação no preço dos imóveis
com a guerra / Possibilidade de estagnação
no pós-guerra
12/3/1944 Previsões de após guerra Economia / Previsões para o final da guerra /
Exportação / Diferentes visões sobre a
influência do final da guerra
2/4/1944 Causas da guerra Economia / Previsões para o final da guerra /
Exportação de gado
23/4/1944 Melhorando a produção Economia / Melhora da produção
agropecuária brasileira durante a guerra
7/5/1944 Pensamento errôneo Economia / Combate à inflação /
Lucros conquistados durante a guerra
4/6/1944 Correspondentes de
guerra
Jornalismo / Atuação, riscos e prêmios dos
correspondentes de guerra
Fonte: Quadro elaborado por Marcos Paulo da Silva em mar/2006 com base na contagem de editoriais do
semanário O Eco, publicados entre set/1939 e jul/1944.
Outra categorização que pode ser feita a partir da tabulação dos dados é referente
à evolução temática no decorrer dos meses. Foi assim, por exemplo, com o tema
pessimismo, assunto que marcou o início das publicações. Outras categorias temáticas
podem ser identificadas – como a crítica ao comunismo, a queda Mussolini e a
economia, temática identificada, sobretudo, na parte final do corpo da pesquisa.
O primeiro texto selecionado no corpo da pesquisa, intitulado “O temor á
guerra”, data de 5 de novembro de 1939 e apresenta o pessimismo relacionado à guerra
como assunto. A publicação do texto inaugura uma temática que se repete pelo menos
outras sete vezes, principalmente no decorrer dos primeiros meses pesquisados.
Portanto, o pessimismo pode ser entendido como a primeira categoria temática
encontrada no corpo da pesquisa.
A segunda categoria temática encontrada entre os textos selecionados apresenta
como destaque o comunismo. Após aparecer pela primeira vez no editorial do dia 10 de
novembro de 1940, a temática se repete pelo menos outras oito vezes, todas
61
compreendidas no período que se estende até o dia 12 de setembro de 1942. Na ocasião,
há a veiculação de um texto que trata da reafirmação do catolicismo frente ao
comunismo (“Reafirmação eloqüente”).
Com o aumento da possibilidade da tomada de partido do Brasil na guerra, surge
a terceira categoria temática identificada no corpo da pesquisa. Trata-se de textos que
trazem como assunto não somente a possibilidade da entrada do Brasil no conflito, mas
também a defesa e a valorização do patriotismo. Esta tendência tem início no dia 26 de
janeiro de 1941, quando publicado o texto “Por que uma atitude do ‘O Eco’”, com
críticas à Inglaterra devido a um bloqueio marítimo que envolveu o Brasil. A temática
tem seqüência em 6 de abril de 1941, com a veiculação do editorial “Neutralidade
brasileira”, que apresenta elogios à posição de neutralidade do Brasil até aquele
momento. Outros sete textos que se espalham até dezembro de 1942 tratam da entrada
do Brasil no conflito sob o enfoque da defesa e da valorização do patriotismo. Neste
mês, o semanário veicula um texto intitulado “Um presente de Natal”, tratando da
campanha natalina da Legião Brasileira de Assistência.
A quarta categoria temática, responsável pela maior incidência de textos no
corpo da pesquisa, apresenta a economia como assunto principal. No total, são 19 os
textos incluídos nesta categoria. É válido ressaltar, contudo, que a divisão aqui proposta
não é estanque, constituindo apenas uma opção metodológica para o desenvolvimento
da análise. Desta forma, constata-se que alguns textos presentes neste bloco também
fazem referência à participação brasileira no conflito e suas possíveis conseqüências,
mas por apresentarem enfoque essencialmente econômico foram aqui categorizados. É o
caso, por exemplo, do texto “Mais pessimismo do que realidade”, publicado no dia 29
de março de 1942, que trata da especulação de crises econômicas no Brasil em razão da
guerra. Apesar desta veiculação em 1942, porém, a maior incidência da temática é
encontrada no período entre janeiro de 1943 e junho de 1944, época de circulação do
último texto selecionado para a análise.
Por fim, uma quinta categoria – reunindo editoriais que abordam a crise italiana
e a queda de Benito Mussolini – pode ser localizada no corpo da pesquisa. São quatro
textos (“Três hipóteses”, “Voz do povo voz de Deus”, “Uma estratégia que falha” e
“Carta aberta do Daily Herald”) veiculados entre agosto e novembro de 1943, período
que marca o armistício italiano.
62
Gráfico 2 – Porcentagem temática sobre o universo de 55 editoriais analisados do
semanário O Eco
Fonte: Gráfico elaborado por Marcos Paulo da Silva em fev2007 com base na contagem de editoriais do
semanário O Eco, publicados entre set/1939 e jul/1944.
É importante ressaltar que além das cinco categorias temáticas destacadas, há
outros seis editoriais de temáticas variadas (categorizados sob o rótulo “outros”). Tais
textos tratam, via de regra, de curiosidades sobre o conflito, como é caso do editorial
“Correspondentes de guerra”, de 4 de julho de 1944, sobre os riscos e prêmios dos
repórteres correspondentes.
4.2 As diferentes etapas da cobertura
Apresentado o referencial teórico, categorizados e descritos os textos que
integram o corpo de pesquisa do trabalho, torna-se possível uma discussão mais apurada
da maneira como o semanário O Eco construiu a representação da Segunda Guerra
Mundial em suas páginas. Fundado em fevereiro de 1938, o jornal era o único veículo
impresso de caráter local que circulava na região de Lençóis Paulista durante o conflito.
Deriva daí a importância para a pesquisa do conceito de representações apresentado por
Moscovici (2003). Presente na ligação entre o desconhecido e o conhecido para um
determinado público, o conceito é oportuno na análise, pois apesar de a guerra
63
propriamente dita ter se desenrolado principalmente em solo europeu, suas influências e
conseqüências percorreram, sobretudo via imprensa, todos os continentes do globo.
Do mesmo modo também se faz necessária uma leitura política da situação em
questão. Durante a Segunda Guerra Mundial, no turbilhão de informações e jogos de
interesses, as notícias do conflito eram enviadas da Europa e dos Estados Unidos ao
Brasil. Já no país, elas ganhavam interpretações e eram publicadas conforme a visão dos
editores locais. Assim também acontecia com o semanário O Eco. Este estudo apóia-se
na hipótese de que os textos da mídia, seja ela de grande abrangência ou local, não
espelham meramente a realidade, mas constituem versões. Versões, estas, que
dependem de posições sociais, interesses e objetivos daqueles que a produzem. De
forma concreta, pode-se afirmar que este processo se caracteriza por meio de escolhas
feitas nos vários níveis dos processos de produção dos textos, desde as escolhas
temáticas até os vários tipos de discursos que se inter-relacionam na construção do
significado.
Seguindo a conceituação de Bardin (1977), ressalta-se a importância de
considerar as diferentes variáveis envolvidas nas condições de produção dos textos:
variáveis individuais do emissor, variáveis sociológicas e culturais e variáveis relativas
à situação de comunicação ou do contexto de produção da mensagem. Apresentadas no
capítulo anterior algumas das principais características do semanário O Eco e,
sobretudo, da trajetória de seu responsável, o jornalista Alexandre Chitto, tornam-se
mais seguras interpretações sobre a maneira como o veículo construiu as representações
da Segunda Guerra Mundial.
Para esta análise, especificamente, reconhecemos – além de sua trajetória
pessoal – que Chitto tinha outras responsabilidades na sua função de editor e jornalista:
era o veículo editado por ele a principal fonte de informações do município no período
estudado. Desta forma, não é de se estranhar a incidência irregular de editoriais sobre a
Segunda Guerra Mundial durante determinados meses na capa do semanário O Eco. De
perfil reivindicativo, o veículo dividia os espaços de suas páginas entre os mais diversos
assuntos de interesse local.
Não é equívoco, portanto, afirmar que a Segunda Guerra Mundial dividia espaço
na pauta com assuntos mais concretamente ligados à população lençoense, como é o
caso da defesa da Comarca local e da exaltação de obras como o hospital e a matriz da
cidade, reivindicados na época. De todo modo, é evidente e importante informar que,
além do tratamento que recebeu nos editoriais de capa, o conflito bélico foi também
64
retratado – durante todo o período estudado – em outras sessões do semanário,
sobretudo por meio de imagens e notas enviadas por agências internacionais. A escolha
dos editoriais assinados por Alexandre Chitto, como já destacado, se deu pela relevância
dos textos no veículo (ocupavam a primeira parte da capa) e por representarem a
opinião do jornal sobre os temas estudados.
Mais precisamente, pode-se afirmar que o semanário O Eco realiza uma
cobertura sobre a Segunda Guerra Mundial dividida em fases distintas. Tais etapas,
conforme a explanação a seguir, refletem o grau de envolvimento do veículo com os
temas que fervilhavam no transcorrer da guerra.
4.2.1 Pessimismo e apreensão relacionada à guerra
No jornalismo local, independente do momento histórico, os assuntos externos
sempre representaram uma parcela pouco representativa no espaço editorial (Bueno,
1977). Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, no entanto, os assuntos
internacionais saíram do rótulo de exceção e passaram a ganhar destaque nas páginas
dos mais diferentes veículos. Com o semanário O Eco não foi diferente. Encravado em
uma pequena comunidade do interior paulista, o jornal passou a tratar a partir de
novembro de 1939 de temáticas internacionais relativas ao conflito que meses antes
havia se iniciado na Europa. Nos editoriais assinados por Alexandre Chitto, os assuntos
referentes à Segunda Guerra Mundial eram abordados, via de regra, sob um ponto de
vista local, descritos a partir das influências que poderiam ter sobre a vida das pessoas
da localidade.
Tal característica pode ser percebida na fase inicial da cobertura. No primeiro
momento, marcado ainda pelas incertezas da abrangência e das conseqüências do
conflito, o semanário O Eco trata em seus editoriais de assuntos que transparecem o
ambiente de tensão, apreensão e pessimismo relacionado às primeiras movimentações
na Europa – diplomáticas ou no campo de batalha propriamente dito. São categorizados
oito textos neste bloco temático. O trecho a seguir, retirado do editorial do dia 5 de
novembro de 1939, o primeiro sobre a Segunda Guerra Mundial veiculado nas páginas
do semanário, revela o tom dado inicialmente à cobertura:
As conjecturas são de que a guerra actual pode deflagrar-se numa
conflagração mundial de conseqüências desastradamente maiores das da
hecatombe de 1914, principalmente com relação á pensada transformação
65
social. Ninguém ignora que a guerra presente pode caracterizar-se num
conflicto mundial e que, em sua passagem, será susceptível de arrastar
consigo conseqüências tristes e difficilmente previstas, ainda que se queira
prever o futuro.Mas, nem por isso, o mundo acabará com o choque Hitler
vs. Charberlain-Deladier. Sabe-se que os últimos dias do mundo não serão
estes do século XX, sabe-se disso tudo. Entretanto os prognósticos são tão
alarmantes que a guerra de hoje parece a última esponjada de Marte para
apagar o orbe. O temor infundiu-se tão tanto no espírito do homem que o
rithmo da vida ficou completamente alterado. Se é para a construção de
uma casa, a guerra; se é para a abertura de um estabelecimento
commercial, a guerra e se fôr para uma viagem, a guerra. Enfim tudo
acaba morrendo nos pés do visionário Marte: a guerra, a guerra e nada se
faz. Em certos casos é justificável tal apprehensão, por que de facto as
circunstamcias do momento não são muito favoráveis aos grandes
negócios e emprehendimentos mas em outros não há razão de o ser. Uma
concepção assim extremamente pessimista, isto é, que por causa da guerra
não devemos mexer nem siquer uma palha, não é mais do que a destruição
da confiança que devemos depositar na clarividência dos nossos
governantes. Ainda que briguem além do Athantico, devemos continuar
trabalhando. A guerra um dia acabará e nós então já teremos feito o que
mais tarde precisaremos fazer.
16
Apesar de tratar do conflito que inicia seu desenvolvimento na Europa, o
editorial dirige-se ao público local, ao leitor rotineiro do semanário. Seguindo a
classificação de Beltrão (1980), apresentada no capítulo inicial, trata-se de um editorial
preventivo quanto à topicalidade. No texto, Alexandre Chitto procura se antecipar à
realidade, apontando situações e fixando circunstâncias. A característica preventiva é
evidente no momento em que o editorial adverte aos leitores que aqueles não serão os
últimos dias do século XX, convocando-os ao trabalho. Quanto ao conteúdo, o editorial
pode ser classificado como normativo, pois “intenta convencer o leitor a atuar em
determinado sentido, inspirando-o, encorajando-o, exortando-o por meio de sentenças e
argumentos lógicos e incitadores” (BELTRÃO, 1980, p.57) Desta forma, mesmo
falando da Segunda Guerra Mundial, o jornalista Alexandre Chitto procura retratá-la
sob um ponto de vista local, descrevendo, apesar das limitações da imprensa artesanal, a
situação internacional em termos que influenciam diretamente a vida dos residentes na
região de veiculação do semanário.
A tentativa de aproximar o fato do público leitor (característica do jornalismo
local) também pode ser observada no editorial do dia 11 de fevereiro de 1940. Na
ocasião foi publicado o texto “As duas guerras matam”, no qual Alexandre Chitto
procura traçar um paralelo entre as dificuldades dos flagelados na guerra e as
dificuldades dos moradores da região de Lençóis Paulista.
16
O Eco, edição de 05/11/1939, p.1.
66
Desde que irrompeu a guerra, a destruição, o exterminio na Europa, o
resto do mundo voltou-se para o velho continente, acompanhando a
marcha dos acontecimentos, aprehensivo de uma catastrophe sem limites e
nem fronteiras. E sacudido pelos acontecimentos, corre em auxilio da
victimas com donativos, dinheiro etc. De todas as partes do orbe, nota-se
profundo desprendimento em favor dos povos martirizados pelas
metralhas dos mais fortes. E a cada passo, avultadas quantias seguem para
os longinquos e pequenos paizes em guerra. É um acto humanitario
trabalhar suavisando as dores de um povo que ora esta sofrendo as
terríveis consequencias de uma lucta inglória. É um gesto digno de todos
os encomios abraçar uma causa em prol do bem estar dessa humanidade, a
qual se esfacella a golpe de metralha e de miséria, de mentira e de roubo.
(...) Mas desviando um pouco a attenção do ponto onde uma parcella
humana se sacrifica em holocausto pelas ideologias politicas, veremos que
não é só a guerra que mata e que faz de um povo um nada. Veremos
tambem que as doenças, a falta de higiene, a falta de assistencia social, a
falta de outras cousas em fim, tambem matam. Então, tu velho amigo
leitor, que costumas dar tanto aos necessitados de alem mar, vira-te um
pouco e veraz que atrás de ti ha um caboclo padecendo, um caboclo que
sofre callado, não as consequencias da guerra feita pelo homem, mas as
consequencias da guerra que lhe faz a natureza. E que a sua incapacidade
ainda o impossibilita de deffender-se. Olha e reparta os teus donativos
entre os que soffrem la longe e os que soffrem aqui, apenas fora do
perimetro urbano. Dar aos de alem mar é um dever, mas dar aos teus
patrícios é maior ainda.
17
No texto, o jornalista Alexandre Chitto usa a expressão “Então, tu velho amigo”
para invocar diretamente o leitor, recurso que coloca a mensagem pretendida ainda mais
próxima do receptor. Mais uma vez, o semanário lança mão de um editorial normativo,
pois incentiva e encoraja, com argumentos incitadores, o leitor a agir de uma
determinada maneira (“Olha e reparta os teus donativos entre os que soffrem la longe e
os que soffrem aqui, apenas fora do perimetro urbano. Dar aos de alem mar é um dever,
mas dar aos teus patrícios é maior ainda”). Mas, com as primeiras movimentações no
palco da guerra em andamento e com seus efeitos já atingindo (sobretudo via imprensa)
a região de Lençóis Paulista, o texto difere do editorial anteriormente analisado por
apresentar as características de um editorial de ação (BELTRÃO, 1980). A classificação
é evidenciada pela preocupação do jornalista em descrever o andamento do conflito e
esclarecer o público em pleno impacto da realidade.
Outros editoriais veiculados no mesmo período também deixam transparecer o
ambiente pessimista vivido nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. É o caso
do texto publicado no dia 16 de junho de 1940, sob o título “O momento é de calma e
ponderação”, marcado por expressões que ilustram a tensão do momento:
17
O ECO, edição de 11/2/1940, p.1.
67
Antes da invasão da Noruega pelo exercito allemão, a guerra européa
limitava-se mais a palavras e orações insultuosas atravez das radio-
emissoras. Os homens preferiam os insultos aos ferimentos physicos nos
campos de batalha. “Uma guerra de insultos e boletins” commentava-se
optimisticamente nas rodas e nos jornaes. E o velho rithmo de vida corria
quasi que inalterável. Não se havia serias aprehensões. Esperava-se que,
de um momento a outro, o anjo da paz cahisse entre os litigantes, antes
que o conflito tomasse maiores proporções. Mas o destino não quis que
assim o fosse. Outros paizes viram-se envolvidos na contenda teuto-
franco-britanica, pondo em holocausto a sua gente, sua cultura, sua
economia e a sua formação physica. E diante desses graves
acontecimentos, o mundo neutro, enlevado, sophisma cousas que em
outros tempos não passariam de mythos: as ameaças da “Quinta
Columna”, o fucturo emprego do “Raio da Morte”, aviões gigantescos
transportando tanques collosaes e guindastes, canhões de alcance
desconhecido e outras armas automáticas de effeitos incognittos. Que bem
andaria se houvesse maior calma e ponderação, raciocinando livremente
afim de que o reflexo das phantasias sejam neutralizados a tempo de não
ferirem os sentimentos. Com isso poder-se-ia defender o ponto de vista
sem tanto ascender discussões e discórdias, compromettedoras dos velhos
laços de amizade, separando conterraneos, parentes e as vezes mesmo
membro da própria família. O momento, pois, é de calma, ponderação e
evitar discussões.
18
A utilização de termos como “ameaças da Quinta Columna”, “Raio da Morte”,
“canhões de alcance desconhecido” e “armas automáticas de effeitos incognittos”
revelam o clima de tensão que o jornalista Alexandre Chitto procura passar no editorial.
Na época, é importante ressaltar, o mundo tinha como referência as conseqüências da
Primeira Guerra (1914-1918). As grandes proporções que a Segunda Guerra Mundial
prometia abarcar possibilitavam um clima de especulação sobre catástrofes ventilado
em todas as partes do planeta. Novamente, a exemplo do primeiro editorial veiculado
pelo semanário abordando a Segunda Guerra Mundial, o jornalista Alexandre Chitto
trabalha com um editorial preventivo ao tentar se antecipar à realidade e apontar
situações (“Diante desses graves acontecimentos, o mundo neutro, enlevado, sophisma
cousas que em outros tempos não passariam de mythos”). Quanto ao conteúdo, o texto
mais uma vez pode ser classificado como normativo, pois procura inspirar o leitor a agir
em um sentido determinado (no caso, mantendo a ponderação e evitando discussões –
referência feita já no título do editorial).
Contudo, além das classificações, um olhar mais atento ao texto veiculado em 16
de junho de 1940 revela nas entrelinhas outra característica que convém à pesquisa
desvendar. Ao abordar a temática do pessimismo, o semanário opta por não entrar no
embate ideológico que fervilhava no período. Desta forma, elencando um inimigo
distante (no caso a própria guerra), o veículo deixa de tomar partido em favor de um dos
18
O Eco, edição de 16/6/1940, p.1.
68
projetos ideológicos que se emancipavam na tensão da Segunda Guerra Mundial. A
opção do jornal, assim como sua preocupação em incentivar os leitores a também não
radicalizarem suas exposições de pensamentos, fica evidente no editorial veiculado no
dia 28 de abril de 1940, sob o título “A guerra e as discussões”, conforme ilustra o
trecho a seguir:
A guerra trouxe por aqui divergencias de ideas, alias, muito justas, por
que, do contrario, nem estariam brigando na Europa, se todos pensassem
da mesma forma. Mas dessas que a principio eram méros palpites,
occasionaes, dados assim para registrar os acontecimentos nas espheras
sociaes, agora, talvez com o prolongamento do conflicto, as discussões
são mais acaloradas, ultrapassam as raias da simples exposição de
pensamento para entrar no campo dos debates e da systematica
intransigencia. Repetem-se os episódios de 1914. Rompem-se velhos
liames de amizades e velhas ligações de interesse economico e
commercial.
19
Apesar de considerar justas as divergências de idéias, o jornal não assume e nem
incentiva uma postura ideológica nesta primeira fase da cobertura da Segunda Guerra
Mundial. No editorial, Alexandre Chitto chega, inclusive, a citar a possibilidade de
rompimento de relações econômicas e comerciais motivada pelas diferenças
ideológicas. Por outro lado, como mostrado no editorial do dia 16 de junho de 1940, o
semanário lamenta, de forma implícita, o fato de não poder assumir sua posição no
conflito de idéias do período (“Que bem andaria se houvesse maior calma e ponderação,
raciocinando livremente afim de que o reflexo das phantasias sejam neutralizados a
tempo de não ferirem os sentimentos. Com isso poder-se-ia defender o ponto de vista
sem tanto ascender discussões e discórdias”).
A interpretação deste ocultamento permite algumas respostas. Sem adotar um
posicionamento ideológico delineado, o semanário encontra subsídios para sobreviver
no jogo de interesses que domina o período. Primeiramente, se considerado o ambiente
de descrença que marcava o jornalismo local no período. Com pouco mais de dois anos
de circulação (o veículo ganhou as ruas pela primeira vez em 6 de fevereiro de 1938), o
jornal O Eco tem motivos suficientes para se escaldar – já que todos os outros jornais
que o antecederam em Lençóis Paulista, conforme exposto no capítulo anterior, tiveram
poucos meses de vida.
Em seguida também deve ser observada a relação entre o semanário O Eco e os
instrumentos de censura do período. Em 16 de junho de 1940, mesmo dia da veiculação
19
O Eco, edição de 28/4/1940, p.1.
69
do editorial “O momento é de calma e ponderação”, o jornal trouxe em suas páginas a
publicação de um edital da Delegacia de Polícia de Lençóis Paulista, assinado pelo
delegado José Sigmaringa de Moraes Cordeiro, proibindo a manifestação pública, em
favor ou crítica, tanto dos aliados quanto da Alemanha e da Itália.
Figura 10 – Reprodução de edital da Delegacia de Polícia de Lençóis Paulista
publicado no jornal O Eco em 16 de junho de 1940.
Fonte: O Eco, edição de 16/06/1940, p.3.
Após a publicação do edital, passaram-se cinco meses até que o jornal voltasse a
publicar um editorial tratando da Segunda Guerra Mundial. Neste período, as
referências ao conflito se deram apenas em notas informativas. Por outro lado, menos de
um mês após a veiculação do edital, foi publicado em 7 de julho de 1940 – de acordo
com o decreto-lei 2.322, de 20 de junho de 1940 – o registro do semanário O Eco no
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
70
Figura 11 – Reprodução de registro no Departamento de Imprensa e Propaganda
publicado no jornal O Eco em 7 de julho de 1940.
Fonte: O Eco, edição de 7/7/1940, p.3.
O departamento, um dos principais braços repressores do regime varguista, foi
criado em 1939 com o objetivo principal de sistematizar a propaganda e exercer o poder
de censura aos meios de comunicação. “O DIP, portanto, materializou o grande esforço
empreendido durante o Estado Novo: controlar os instrumentos necessários à
construção e à implementação de um projeto político-ideológico que se afirmasse como
socialmente dominante” (LEITE, 2005, p.41). Verifica-se no período uma demonstração
dos meios de comunicação como reprodutores de mitos. O DIP projetou para a
sociedade brasileira, por intermédio dos meios de comunicação (principalmente a
imprensa, o rádio e o cinema), “uma imagem homogênea e harmônica da nação, base
ideológica de sustentação do imaginário social construído pelo discurso político
estadonovista” (LEITE, 2005, p.42).
Neste contexto, houve uma proliferação de produtos midiáticos sustentados
sobre as bases do Estado Novo. Leite (2005) chama a atenção para a utilização dessas
produções como poderosos instrumentos de propaganda política promovidos pelo DIP
com o objetivo de construir a imagem de uma sociedade unida e harmônica, organizada
em torno do líder Getúlio Vargas.
É preciso sublinhar que a ilusão do uno oferece acabamento perfeito para o
ocultamento dos sinais de divisões e conflitos sociais. A montagem das
imagens de Getúlio Vargas nos cinejornais teve como característica principal
realçar a cabeça do presidente da República, colocada sobre a imagem da
multidão, destacando-a como o ícone que representa o cérebro que governa a
sociedade. Nessa mesma perspectiva, houve a preocupação em “filtrar” as
imagens por meio de tratamentos especiais. (LEITE, 2005, p.44)
71
A propaganda política elaborada pelo Estado Novo e pelo DIP também foi
direcionada para nutrir uma nova leitura da história brasileira, sobretudo sob o
argumento oficial de que “o presente fez o que o passado não pôde realizar” (LEITE,
2005, p.46). Por fim, encontra-se na censura a outra faceta da ação estatal do DIP.
Apesar de as primeiras ações de censura do governo Getúlio Vargas terem ocorrido
ainda antes da implantação do Estado Novo, as leis mais rígidas sobre o controle da
imprensa e o funcionamento da propaganda foram fixadas pela Constituição de 1937 e
regulamentadas pelo decreto-lei número 1.949, de 30 de dezembro de 1939. O trecho a
seguir lista oito dos principais artigos relacionados ao controle da imprensa publicados
no decreto-lei 1.949:
Art. 6º Todos os correspondentes de jornais do interior deverão
registrar-se no D. I. P.
Art. 7º Aos correspondentes estrangeiros, residentes ou em trânsito no
país, o D. I. P. prestará toda assistência profissional, devendo os mesmos,
para esse fim, solicitar a necessária autorização para o livre exercício de
suas atividades em território brasileiro, mediante a apresentação dos
documentos comprobatórios de suas funções.
Art. 8º Todas as empresas jornalísticas de publicidade, bem como as
oficinas gráficas, deverão ser registradas no D. I. P., até 30 dias depois da
publicação do presente decreto-lei.
Art.Aos jornais é facultado não publicar o nome dos autores de
artigos, notícias, informações e comentários de redação, mas esses nomes
deverão constar dos originais entregues às oficinas.
Parágrafo único. Os nomes dos autores deverão; porém, ser declarados
à autoridade pública, quando feita a exigência.
Art. 10. Fica sujeita à aplicação de penalidade a transgressão ou
inobservância de instruções oficiais vedando, por motivo de interesse
público, a divulgação de determinados assuntos, fatos, acontecimentos ou
medidas administrativas.
Art. 11. É passível de punição a publicação de notícias ou comentários
falsos, tendenciosos ou de intuito provocador, induzindo ao desrespeito e
descrédito do país, suas instituições, esferas ou autoridades representativas
do poder público, classes armadas ou quando visem criar conflitos sociais,
de classe ou antagonismos regionais.
Art. 12. Em todo periódico é responsável o Diretor e, no caso da
empresa editora não ser proprietária da maquinaria com que se edita o
periódico, a responsabilidade se estenderá ao particular ou à entidade
proprietária da oficina de impressão.
Parágrafo único. Dentro de 30 dias, a partir da publicação deste
Regimento, as pessoas físicas ou jurídicas, proprietárias dos periódicos,
deverão fazer, perante o D. I. P., a declaração do nome, idade, estado ou
domicílio da pessoa proposta para diretor, do redator que provisoriamente
se encarregará da direção do periódico em caso de substituição eventual
do secretário da redação e da pessoa ou empresa proprietária do periódico
e oficina onde é ditado.
Art. 13. O número e a extensão das publicações periódicas serão
regulados pelo D. I. P. (BRASIL, 1939)
72
É importante ressaltar os reflexos da publicação do decreto-lei 1.949 no
semanário O Eco (sobretudo dos artigos 10 e 11). Um levantamento realizado por
Dirceu Fernandes Lopes (2001) sobre o perfil dos jornais do interior de São Paulo cita o
jornal O Eco entre os veículos impressos que chegaram a sofrer censura prévia durante
o Estado Novo. Porém, independentemente da maneira em que a censura tenha se dado,
o fato é que em suas páginas (em notas, matérias, editoriais e fotografias) o jornal
contribuiu para a difusão dos mitos projetados pelo regime estadonovista. A nota a
seguir, publicada em 23 de junho de 1940, ilustra o imaginário construído em torno da
cultura nacional forjada pelo DIP.
Figura 12 – Reprodução de texto publicado no O Eco em 23 de julho de 1940.
Fonte: O Eco, edição de 23/7/1940, p.3.
73
Outros textos, neste mesmo sentido, foram publicados pelo semanário a partir da
criação do DIP. Publicações que variam de decretos oficiais a notas informativas e
sociais
20
. No caso dos editoriais, a difusão do mito de uma nação homogênea é
constatada com maior ênfase nas fases seguintes da cobertura da Segunda Guerra
Mundial realizada pelo semanário. Etapas, que apesar da estratégia de ocultamento,
deixam transparecer com maior evidência os posicionamentos ideológicos e as
identidades do veículo.
4.2.2 O enigma de Moscou: a crítica ao comunismo no semanário
Identifica-se uma passagem da temática do temor à guerra para a crítica ao
comunismo na segunda fase da cobertura da Segunda Guerra Mundial nos editoriais do
semanário O Eco. Entretanto, apesar da mudança temática, nota-se que de forma
semelhante à primeira etapa da cobertura o veículo apresenta em sua argumentação a
propagação de um clima de apreensão. A tensão, antes traduzida no potencial de
destruição do conflito (marca dos primeiros textos estudados), está presente agora na
possibilidade de avanço do comunismo. De modo geral, os editoriais categorizados
nesta etapa da cobertura fazem críticas diretas aos comunistas ou demonstram apreensão
com o envolvimento da URSS na guerra. Ao todo, são nove os textos que apresentam
essa temática, a maior parte deles veiculada no decorrer de 1941.
Ao abordar o comunismo nos editoriais, o jornalista Alexandre Chitto utiliza de
diferentes recursos argumentativos. Alguns textos se referem à doutrina de maneira
irônica, enquanto outros são marcados por críticas ríspidas. Um dos exemplos em que o
comunismo é tratado em tom irônico pelo jornal é o texto do dia 10 de novembro de
1940, intitulado “Os desanimados e a crise”, publicação que inaugura o comunismo
como categoria temática, conforme ilustra o trecho a seguir:
Com o advento do communismo na Russia, a idéa de Karlos Marx
germinou no mundo inteiro, tomando vulto de tal modo que foi preciso a
intervenção da força para que não viesse perturbar profundamente a ordem
política vigente nos paizes ante-communistas. Porem, como houve
adeptos á doutrina marxista, houve também avessos intransigentes. E dahi
nasceu a critica, por um lado acerbamente contra os conservadores e por
outro tenaz em contraste á innovação. Sabe-se que os dias sombrios não
perturbam a todos, há quem mantem a calma e bom humor, fazendo as
suas, indifferente e alegre. E assim se deu em relação ao alastramento do
20
Até mesmo a data de aniversário de Getúlio Vargas passou a ser considerada motivo para a veiculação
de notas sociais
74
communismo. Muitos vem, nos partidários da ideologia vermelha uma
porção de fracos, fracassados e vencidos, esperando que novos decretos
venham, á guisa de razoura, igualar as classes sociaes e econômicas,
creando um orbe utópico onde as arvores fructificam presuntos, nas
sargetas, ao em vez de enxurradas, corre caldo de gallinha, e onde os
cereaes são de geração expontanea. Faz-se por assim dizer, escarneo a
esse desespero de causa: “Eu sou tua has de ser também”. A proposito
gravou-se um disco humorístico em idioma italiano, o qual pode ser vir de
lição aos que tem a lei marxista como único remédio restaurador da
decorrente ordem social e economica. É um tenor que canta dizendo: “Que
cousa é a crise? Trá-lá-lá-lá, trá-lá-lá-lá, trá-lá-lá-lá, comece trabalhar que
a crise passará”.
21
No início do texto, Alexandre Chitto desenvolve uma espécie de genealogia da
crítica aos comunistas, justificando seu posicionamento. A crítica é incisiva e, apesar do
humor almejado pelo jornalista, o editorial pode ser classificado em seu conteúdo como
normativo, pois procura convencer o leitor com argumentos contrários ao comunismo.
Tal tentativa de convencimento, verificada no decorrer de todo o texto, pode ser
exemplificada com a utilização do verbo “perturbar” na frase “foi preciso a intervenção
da força para que (o comunismo) não viesse perturbar profundamente a ordem política
vigente nos paizes ante-communistas”. É notório o esforço argumentativo para
caracterizar o comunismo como um obstáculo à ordem previamente instituída, recurso
largamente verificado nesta etapa da cobertura da Segunda Guerra Mundial nos
editoriais do O Eco.
Pouco mais de um mês após a publicação do editorial “Os desanimados e a
crise”, Alexandre Chitto assina outro texto de capa abordando o comunismo. Em 22 de
dezembro de 1940 há a veiculação do editorial “Conseqüências da guerra”, transcrito na
íntegra a seguir:
É certo que um dia a guerra acabará. Arrebente a corda do lado allemão ou
do lado inglez, o actual estado de cousas terá um fim diffinitivo, para o
socego e satisfação da humanidade. Luctando a vida inteira é que os
paizes em litígio não poderão permanecer. E emquanto, agora, o conflicto
se desenvolve no velho continente, alastrando por novos sectores, no
mundo onde há só guerra de “manchetes” e noticias, faz-se conjecturas em
torno da nova ordem política, social e economica que sobreviverá á
conflagração, nos paizes sobre os quaes o implacavel Marte calcou os
tacões de suas botas. – Sim! Depois da hecatombe, é pensamento de
muitos, as mudanças idealogicas proceder-se-ão radicalmente, tendo como
ponto final o communismo. Após a guerra o communismo será o unico
credo politico que permancerà incolume, será a tocha incendiaria
devorando nazismo, fascismo, democracias, semi-democracias etc, pondo
tudo em pé de egualdade! Esta naturalmente é a prophecia dos adeptos de
Moscou, os quaes crêm piamente que o enfraquecimento das nações
belligerantes trará certo, mas certissimo o sucesso vermelho. Mas,
21
O Eco, edição de 10/11/1940, p.1.
75
pensemos! Se um dia a Russia for obrigada a participar da guerra, não é
difícil, enfraquecendo-se como se espera da Inglaterra, da Italia, etc, o que
resultaria da sua exhaustividade? Um novo communismo? Uma
democracia moldada nos soffrimentos e nas miserias da guerra? Ou um
nazismo, fascismo disfarçado ludibriando o povo russo que a ordem
politica vigente fora a causa da desgraça e que agora carece de profunda
remodelação? Se é que logicamente a guerra canaliza os paizes de
regimens differentes para o communismo, a Russia que já é communista
que destino terá? Talvez recomece por onde veio até chegar novamente ao
paraizo Lenine-Stalin. A guerra traz graves consequencias, como se sabe,
todavia não tão profundas e susceptiveis de arrastar o mundo inteiro á
sombra da bandeira de Moscou. Puros sonhos para a phantasia dos
vermelhos. Enquanto este vae, aquelle esta de volta.
22
O editorial traduz o clima de especulação sobre o envolvimento militar da URSS
na Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, sobre um possível avanço do
comunismo frente aos demais países. Para Alexandre Chitto, os brasileiros (que
assistem de longe a “guerra de manchetes e notícias”) têm um motivo claro de
preocupação com a possibilidade da entrada em guerra dos soviéticos: o avanço do
comunismo sobre os países não-europeus. O “temido” envolvimento da URSS na
Segunda Guerra Mundial ocorre em 1941, ano marcado pela veiculação da maior parte
dos editoriais com a temática do comunismo (seis dos nove textos). Um elemento que
chama a atenção no período é o fato de 1941 ser um ano marcado pela aproximação
entre Brasil e Estados Unidos, resultando no fortalecimento dos vínculos entre os dois
países e no distanciamento diplomático entre os brasileiros e a Alemanha nazista. Para
Seitenfus (2003), a despeito da falta de tato manifestada por seu Departamento de
Estado, os Estados Unidos caracterizaram-se durante a Segunda Guerra Mundial pela
coerência política no que diz respeito à diplomacia, designando com clareza desde o
início seu adversário no conflito: o nazi-fascismo. “A partir daí, toda a estratégia de
aproximação com a América Latina, em geral, e com o Brasil, em particular, obedece
apenas ao escopo de resguardar o Novo Mundo do perigo totalitário” (SEITENFUS,
2003, p.307). No âmbito local, entretanto, o inimigo que merece destaque sob a ótica do
semanário O Eco é o comunismo.
A ofensiva alemã sobre a URSS se dá no final de junho de 1941, fato que
incrementa ainda mais a aproximação diplomática e as negociações para cooperação de
guerra entre soviéticos e países aliados. As influências da aproximação diplomática
despontam no jornal em 20 de julho, poucas semanas após o início da ofensiva. O
22
O Eco, edição de 22/12/1940, p.1.
76
editorial “Efeitos de uma aliança militar” faz críticas incisivas ao comunismo e mostra
preocupação com os acordos militares entre russos e ingleses:
Quando o credo moscovita, entre nós, tinha ampla liberdade de difundir
idéias, saturando de teorias o pensamento da juventude, não deixou de
haver ousados afirmando que o comunismo russo é a consumação inicial
dos princípios deixados por Christo sobre a terra. Esta, já vamos dizendo,
era a arma perigosa com a qual os oportunistas vermelhos ludibriavam a
bôa fé, arregimentando partidários inconscientes do caminho que estavam
sendo arrastados. Comparar, em principio, as teorias de Christo com as de
Moscou? Que absurdo, que pequenez d’alma, que incompreensão
filosófica e moral, que perversidade trazer os preceitos Christo e de Stalin
em pé de igualdade. É isso que, da longínqua Moscou, mas que graças á
intervenção enérgica do Sr. Getúlio Vargas afastou-se do Brasil, um
grupelho de filósofos cansados da vida e um reduzido numero de
celibatarios cuja covardia os põem distantes de todas as responsabilidades
do lar, irradia pelo orbe. (...) Passou-se o tempo. E as circunstancias da
guerra obrigaram, agora, a Inglaterra a uma aliança militar com a Rússia.
O que dirão com esse acordo, os anglilofilos? Continuarão combatendo o
comunismo ou passarão a defende-lo? Ou usarão aquela celebre expressão
desculpatoria quando se lhes pergunta da guerra teuta-russa: “Vença quem
vencer, para mim é indeferente”. Cuidado! As teorias de Moscou são as
mesmas após a aliança militar com a Grã-Bretanha. Cuidado! Vencendo
Stalin, depois não poupará nem mesmo o desejo dos seus simpatizantes e
aliados.
23
De maneira semelhante aos editoriais da primeira fase da cobertura do conflito, o
jornal procura invocar diretamente o leitor com a utilização de interjeições (“Cuidado!”)
e questionamentos (“Comparar, em principio, as teorias de Christo com as de
Moscou?”), colocando-se ainda mais próximo do receptor da mensagem. Trata-se de um
editorial preventivo quanto à topicalidade, pois Alexandre Chitto, dentro de sua ótica,
procura traçar situações futuras. Quanto ao conteúdo, novamente o editorial pode ser
classificado como normativo. Nota-se a adoção de um discurso simplista e mitificador
ao apontar um dualismo entre os ditos defensores do bem e os defensores do mal (“Esta,
já vamos dizendo, era a arma perigosa com a qual os oportunistas vermelhos
ludibriavam a bôa fé, arregimentando partidários inconscientes do caminho que estavam
sendo arrastados”). Tal recurso argumentativo vai ao encontro do que Kellner (2004)
considera o discurso duplo orwelliano, que opõe dois lados de maneira não crítica.
O dualismo também está presente na relação que o veículo procura fazer entre o
comunismo e o catolicismo. O texto apresenta exemplos claros do esforço
argumentativo desempenhado pelo jornalista Alexandre Chitto para opô-los. Neste
mesmo sentido, chega às ruas de Lençóis Paulista no dia 19 de outubro de 1941 o
23
O Eco, edição de 20/07/1941, p.1.
77
editorial “Os católicos e o comunismo”. O texto, conforme demonstra o trecho a seguir,
trata especificamente do posicionamento contrário dos católicos norte-americanos a
uma possível aliança do país com a URRS:
A Imprensa de Madrid noticia que 35 milhões de católicos são contrários,
sob todas as fórmas, a uma aliança com os soviéticos. Nos mesmos
ambientes, informa-se na capital espanhola, a política de Roosevelt, a
favor da Russia, tem encontrado profunda repulsa. De fato, ainda que o Sr.
Roosevelt tenha razões de sóbra prestando socorros ao bolchevismo, a
pretesto de que seu gesto só seria auxilio á Russia para salvaguardar as
democracias e não defesa do comunismo, os católicos norte-americanos
sentir-se-iam espiritualmente derrotados cooperando com o governo do
seu país, levando armas e munições aos vermelhos russos. Os episódios
históricos do bolchevismo estão repletos de passagens o que foi a luta dos
comunistas contra a Igreja e contra todos os preceitos religiosos e
espirituais. A bolchevisação da Russia foi um verdadeiro desastre para o
catolicismo. Foram os comunistas que destruíram e incendiaram 22.000
Igrejas, transformando outras 8.000 em fábricas de “Wodka”, estribarias,
casas de profanações e armazens. Foram os comunistas que, na Russia e
na Espanha vermelha, profanaram conventos, depredaram imagens,
assassinaram freiras e padres, submetendo-os antes a tristes e repugnantes
torturas. Foram eles que desmantelaram os alicérces do lar, destruindo o
sentimento santo e nobre entre progenitores e filhos. Sim, foram os
comunistas. Basta, então, historiar um desses capítulos para que um
católico: simples ou ignorante, rico ou pobre, preto ou branco sinta correr
pela medula um arrepio de repulsa ouvindo profecias de um suceso
moscovita nesta guerra. (...) Sentir-se-ão felizes os católicos norte-
americanos pensando em contrariar o chefe da Nação em sua política de
auxilio á Russia? Por certo que sim, se forem verdadeiramente católicos.
Agora se forem meio cá meio lá, naturalmente a ideologia política
terminará por convence-los de que o maior e melhor paraíso é o creado
por Stalin.
24
Nota-se a tendência de considerar a URSS um enigma, observando seu
crescimento com apreensão. O jornal repete o uso de um editorial normativo para tratar
do assunto. Os argumentos utilizados no convencimento do leitor contra o comunismo –
uma extensa lista de “pecados” – são evidentes. Ao final, o autor ainda faz um
questionamento que coloca em xeque aqueles que considera os “verdadeiros católicos”
(“Agora se forem meio cá meio lá, naturalmente a ideologia política terminará por
convence-los de que o maior e melhor paraíso é o creado por Stalin”).
É importante lembrar que na época Lençóis Paulista se caracterizava como um
município de forte tradição católica e pouco populoso (aproximadamente 14 mil
habitantes, segundo o censo de 1940), apesar das grandes proporções territoriais. Se
para efeito de exemplificação da influência do catolicismo for considerada a história da
imprensa na cidade, constata-se, conforme exposto no capítulo anterior, que dois dos
24
O Eco, edição de 19/10/1941, p.1.
78
primeiros veículos impressos em Lençóis Paulista (Fiat Lux e Imparcial) foram criados
– ainda nos últimos anos do século XIX – por um representante da classe religiosa local,
o pároco italiano José Magnani, um dos responsáveis pelo fortalecimento dos núcleos
de imigrantes italianos no município.
Outro personagem de destaque da classe religiosa lençoense no período que
envolveu a Segunda Guerra Mundial é o Padre Salústio Rodrigues Machado. Figura
comumente retratada nas páginas do semanário O Eco pelos trabalhos prestados ao
município, o vigário, sob o pseudônimo de João Brasil, passou a constar nos registros
do Deops por seu embate com simpatizantes do comunismo (BRUSANTIN, 2003,
p.50).
Sabe-se, segundo a documentação histórica presente nos arquivos do Deops, que
havia na região de Lençóis Paulista nas décadas de 1930 e 1940 um grupo de pessoas
tratadas como subversivas e fichadas pela polícia política de Getúlio Vargas por
simpatia ao comunismo. É o caso, por exemplo, do comerciante Abrahão Maluf, detido
em 1941. Em nenhum momento, porém, o semanário trouxe em seus textos de capa
versões ou informações sobre tais ocorridos, posição compreensível quando
considerado o fato de O Eco ter nascido já sob o regime de censura getulista. A própria
posição de Getúlio Vargas de repressão aos comunistas recebe apoio do jornal. No
editorial “Efeitos de uma aliança militar”, de 20 de julho de 1941, Alexandre Chitto
ressalta o papel do líder na contenção ao comunismo (“graças á intervenção enérgica do
Sr. Getúlio Vargas afastou-se do Brasil, um grupelho de filósofos cansados da vida e
um reduzido numero de celibatários cuja covardia os põe distantes de todas as
responsabilidades do lar”). A seqüência de fatos ilustra que a apreensão vivida em todo
o ocidente católico motivada pelo envolvimento da URSS na guerra também ganha
representações na página do jornal O Eco.
Outro fator de que deve ser considerado na análise é a utilização de editoriais
com conteúdos normativos. Segundo Beltrão (1980), os editoriais normativos são
aqueles que “intentam convencer o leitor a atuar em determinado sentido, inspirando-o,
encorajando-o, exortando-o por meio de sentenças e argumentos lógicos e incitadores”
(BELTRÃO, 1980, p.57). Desta forma, ao abordar o conflito sob o ponto de vista local,
o semanário dirige-se ao leitor com estratégias argumentativas que visam o
convencimento. Apesar de não deixar claro seu posicionamento ideológico em relação à
guerra, o jornal procura, via de regra, orientar seus leitores a atuar em um determinado
sentido.
79
Qual seria, então, este sentido que cabe à pesquisa desvendar? Em um primeiro
nível, como é evidente, o jornal volta sua argumentação em oposição ao comunismo. A
análise de conteúdo, no entanto, exige uma interpretação mais aprofundada na busca
pelo sentido não-aparente retido nos editoriais.
Ao tratar do comunismo, mesmo adotando uma posição crítica bastante
delineada, o semanário O Eco opta novamente por se ocultar (e não tomar partido)
frente ao principal problema (e gênese) da guerra: o avanço do nazi-fascismo. Alguns
pontos justificam tal opção. Em primeiro lugar, há o fato de o veículo ter no
ocultamento de suas posições ideológicas um subsídio para sobreviver no jogo de
interesses que caracterizava o período (vale lembrar que os jornais que o antecederam
na região de Lençóis Paulista não sobreviveram às primeiras edições). Em seguida deve
ser levada em conta a atuação da censura do regime varguista (sob vigilância, os
jornalistas contavam com um representativo obstáculo para delinear claramente seus
posicionamentos na época).
Contudo, o relacionamento do jornalista Alexandre Chitto com personagens do
contexto político local, bem como as demais condições de produção dos textos, dão
outras respostas que devem ser somadas à pesquisa. Para Kellner (2001, p.149), são as
exclusões e os silêncios que podem revelar à análise o projeto ideológico de um texto
midiático. Neste sentido, nota-se que a tônica anticomunista no conteúdo dos editoriais
do O Eco nesta etapa da cobertura da Segunda Guerra Mundial assemelha-se do
discurso movimento integralista. Conforme aponta Marilena Chauí (1978), a posição
bem definida de contrariedade ao comunismo é um aspecto dos integralistas que não
pode ser ignorado:
À primeira vista, esse aspecto pode ser tido como decorrência do caráter
mimético da AIB face aos fascismos europeus, ou, ainda, como
decorrência do espiritualismo católico do Chefe (Plínio Salgado) que,
naquela carta (enviada em 2 de janeiro de 31 a Augusto Schmidt), afirma
que haverá dois blocos opostos: “por Deus e contra Deus”. Se o lema
“Deus, Pátria e Família” alimenta o catolicismo dos militantes e explica
seu moralismo na crítica da democracia liberal que destrói os valores
sagrados, esse lema também sustenta a atitude anticomunista, na medida
em que marxismo, socialismo, bolchevismo e comunismo, sendo
“materialistas”, são ateus, internacionalistas e destruidores do núcleo
familiar. (CHAUÍ, 1978, p.76)
No caso do semanário O Eco, embora não haja um posicionamento delineado do
veículo sobre o nazi-fascismo, tampouco sobre o integralismo, a categorização do
comunismo como temática e a proximidade argumentativa entre os discursos do jornal e
80
do movimento, apontam que nesta fase da cobertura da guerra houve um alinhamento
entre o conteúdo dos editoriais e as estratégias da AIB. Não se trata de afirmar
categoricamente se o jornal é ou não integralista, mas de reconhecer a proximidade
argumentativa entre as propostas ante ao comunismo, ideário que se alinha também ao
discurso da direita católica do período.
Portanto, é na interpretação de alguns dos principais episódios da Segunda
Guerra Mundial (como a aproximação entre a URSS e os aliados) e em suas inúmeras
correlações que os textos de Alexandre Chitto revelam – muitas vezes nas entrelinhas –
as controvérsias que no âmbito local atingiam os projetos de uma classe média
imigrante que sonhava com o progresso e temia o comunismo.
4.2.3 Soberania nacional em foco
É na terceira etapa da cobertura da guerra realizada pelo jornal O Eco em seus
editoriais que se torna mais evidente a proposta estruturada pelo DIP na difusão dos
mitos de uma nação homogênea e harmônica consolidada ao redor do líder Getúlio
Vargas. Tratam-se de textos que abordam o envolvimento propriamente dito do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, colocando em foco a soberania nacional. São nove os
editoriais categorizados nesta fase da cobertura, a maior parte deles veiculados entre o
início e o fim de 1942, conhecido como o ano da virada na guerra (marcado pelas
primeiras derrotas alemãs) e pela tomada de partido do Brasil ao lado dos aliados.
Como pano de fundo observa-se o movimento pendular do Estado Novo
varguista de rejeição e aproximação em relação aos países do “Eixo” na véspera e nos
primeiros anos do conflito. Ressalta Seitenfus (2003) que o envolvimento do Brasil na
Segunda Guerra não pode ser encarado como um simples dilema – de um lado o “Eixo”
e de outro os Estados Unidos. Antes da entrada dos norte-americanos na guerra, a
terceira via, da neutralidade, revestiu-se de importância, influenciando tantos as
decisões internas quanto a política externa brasileira.
Neste sentido, ainda em torno da indefinição do Brasil, surgem os primeiros
editoriais do jornal O Eco em defesa da soberania nacional. Em 26 de janeiro de 1941,
ganha as ruas de Lençóis Paulista o editorial “Por que uma atitude do ‘O Eco’”, o
primeiro a abordar a temática do patriotismo. O texto expõe a posição do semanário de
contrariedade à Inglaterra ao tratar do bloqueio de um navio brasileiro. Apesar de o
editorial não apresentar detalhes, o contexto leva a crer que se trata do conhecido caso
81
do navio Siqueira Campos – embarcação retida em novembro de 1940 pela Marinha de
Guerra britânica ao largo de Portugal com equipamentos bélicos comprados da
Alemanha em 1938. O caso demorou para repercutir na imprensa brasileira. Vigiados
pela censura, os jornais não veicularam informações sobre o ocorrido no período em que
foi anunciado o bloqueio inglês. A notícia só ganhou as páginas dos jornais no final de
novembro de 1940, ainda sem referência de que a carga retida era composta de
armamentos. A censura de informações sobre o caso do navio Siqueira Campos foi
coordenada diretamente por Oswaldo Aranha, representante das relações internacionais
brasileiras, que entendeu que as notícias deveriam ser dadas gradativamente (SILVA,
1972, p. 296-297). Semanas após o imbróglio diplomático, o DIP proibiu a publicação
na imprensa de artigos favoráveis à Inglaterra. A seqüência de fatos nutriu o ambiente
para a veiculação no O Eco do primeiro editorial em defesa da soberania brasileira,
como mostra o trecho a seguir:
Logo que deflagrou o conflicto armado entre os paizes actualmente em
guerra, era justo que o pensamento internacional se abrisse em duas
facções sympathizantes: os alliadophilos e os germanophilos. Os
primeiros, segundo ao menos transparencia na imprensa e nos
commentarios, eram em porcentagem muitíssima mais elevada do que os
germanophilos. A conta de que a Inglaterra era defensora da justiça e do
direito internacional, impondo-se pelas armas, a custa de vidas e
sacrifícios, quando o seu inimigo tentava transgredir o brio e a livre
existencia dos pequenos em potencia bellica, essa atitude era admirada
como gesto admiravel e digno de constituir um bello capitulo nas
paginas da história do universo. Quasi no mundo inteiro, tanto nos
grandes como nos pequenos centros, commentava-se os factos da guerra
actual com profunda sympathia a favor da Inglaterra. As suas façanhas
guerreiras eram tidas como pura defesa do direito e da justiça
internacional. Essa era a glória que a Inglaterra desfrutava, até hontem
bem dizer, no pensamento dos povos de perfeita neutralidade, tal o
brasileiro, e desejosos de uma paz urgente e duradoura. Mas diante da
attitude inamistosa para com o Brasil, aliás injustificavel e desrespeitosa
á dignidade nacional, applicando á nossa pátria um bloqueio de inimigos
e brutal, a Inglaterra cahiu em desagrado da sympathia dos brasileiros,
ciosos de sua altivez patria e do seu glorioso passado. Desagrado esse
hoje tão accentuadamente manifesto na consciencia dos lençoenses.
25
Mais uma vez, o jornalista Alexandre Chitto apresenta um texto com
características de um editorial normativo. O trecho transcrito reforça a posição do
semanário em defesa da neutralidade brasileira – tendência verificada no período que
antecede a entrada dos Estados Unidos no conflito. Aos olhos do jornal (sob orientação
do DIP, evidentemente), a atitude da Inglaterra (que temia que a chegada do material
25
O Eco, edição de 26/01/1941, p.1.
82
bélico ao Brasil pudesse ser usada pela propaganda alemã) foi considerada inamistosa
por ferir a soberania nacional.
Cerca de dois meses após a publicação do editorial com teor crítico à Inglaterra,
a guerra ganha mais uma vez as páginas do semanário sob o enfoque do envolvimento
brasileiro. O editorial “Diplomacia brasileira”, de 6 de abril de 1941, apesar de ter sido
veiculado logo depois da declaração de apoio dos norte-americanos aos aliados, ainda
ressalta valorização da posição de neutralidade do Brasil, conforme ilustra a transcrição
a seguir:
Irrompendo a guerra na Europa, o mundo havia de abrir-se em duas partes
extremamente oppostas, disputando pelo desfecho final da lucta com a
victoria da nação sympathica. E com isso entrou em jogo a diplomacia.
Conhece-se o papel preponderante que está desempenhando a artimanha e
a argucia diplomatica no desenvolvimento da actual guerra. Ultimamente,
nos Balcans, a arma de conquista foi mais a diplomacia do que as próprias
armas. E dispostas nos quatro quadrantes do orbe, as forças diplomaticas
vão agregrando sympathizantes cada qual ao seu redor. Não só como
attrahem cooperação bellica e alimentar. Tornam-se, em fim, as favoritas
dos paizes que não lhes resistem às batidellas nas costas. É bem reduzido
o numero de nações dos differentes continentes que actualmente ainda não
hajam manifestado a sua opinião pelo lado do qual nutrem o desejo de
victoria. Na Europa, excepto o enigma russo, que estudando-o bem, a sua
neutralidade tambem não é de todo absoluta, os paizes do velho mundo já
se manifestaram. E agora não só sympathizam como trabalham para que o
curso dos acontecimentos não se altere desfavoravelmente ao seu favorito.
Na America, os Estados Unidos já escolheram o seu partido e já tomam
parte activa com o envio de viveres e munições á Inglaterra. Na America
do Sul si bem que atraz dos bastidores das altas espheras governamentaes
de muitos paizes se manifeste o regosijo pela victoria de um ou de outro,
manifestações abertas denunciando a pendencia official ainda não houve.
A America do Sul portanto, não esta integrada activamente na lucta. Ao
menos esforça-se para uma politica de absoluta neutralidade. Mas a
diplomacia mais fina, mais leal, verdadeiramente imparcial e digna de
todos os incomios, por ser baseada na pura e manifesta neutralidade, é a
exercida pelo Brasil. Pondo de lado o nosso fervoroso patriotismo,
precisamos confessar, sem rodeios nem subterfugios que o Brasil,
integrado na politica da personalidade do sr. Getulio Vargas soube, até
agora, manter-se numa linha de conducta de grande envergadura, de
molde a não desagradar ambos os litigantes, uma vez respeitada a
dignidade nacional. E seguindo essa rota de absoluta neutralidade,
amanhã, terminada a guerra, vencido e vencedor não terão que lamentar o
procedimento do Brasil e do seu governo com relação a um conflicto
completamente extranho á sua existencia externa e interna.
26
Carregado de expressões patrióticas, o editorial compartilha com a idéia de uma
nação forte e firmemente conduzida por Getúlio Vargas ao mesmo passo que defende
neutralidade dos brasileiros frente à guerra. Nota-se que o posicionamento de mão dupla
adotado pelo Estado Novo frente ao conflito reflete na estratégia de ocultamento
26
O Eco, edição de 06/04/1941, p.1.
83
adotada pelo semanário. Ao defender a postura do Brasil de “não desagradar ambos os
litigantes”, o jornal novamente transparece sua preocupação de não tomar partido para
sobreviver no jogo de diferentes interesses do período.
Entretanto, a partir de 1942, o argumento da neutralidade adotado pelo Estado
Novo e defendido pelo O Eco perde espaço com as novas movimentações no xadrez
diplomático. Em janeiro deste ano, após uma série de negociações com os demais países
da América do Sul e – sobretudo – com os Estados Unidos, culminadas na Conferência
do Rio de Janeiro, o Brasil rompe suas relações diplomáticas com o “Eixo”. Pela
primeira vez desde 1930, o país demonstra colocar em prática uma política externa
correspondente a interesses bem definidos (apesar das contradições ainda serem
numerosas). A resolução assinada no Rio de Janeiro prevê medidas econômicas que
reforçam a coerção intra-americana ao redor dos Estados Unidos (SEITENFUS, 2003,
p.282-283). De outro lado, os novos passos dados pelos brasileiros motivam os países
do “Eixo” a desconsiderarem a posição de neutralidade brasileira e a promoverem
ataques contra a marinha mercante nacional. A situação se agrava e no final de agosto
de 1942 o estado de beligerância antes declarado pelo Brasil é transformado em estado
de guerra contra a Itália e a Alemanha. Seitenfus (2003) numera três fatores principais
que determinam a orientação definitiva da política externa brasileira nos primeiros anos
da Segunda Guerra Mundial:
O primeiro é a atitude agressiva e equivocada da Alemanha, que perde em
algumas semanas tudo o que ela havia conquistado, graças ao trabalho
paciente de sua colônia, bem como à complementaridade das economias
dos dois países e às inegáveis simpatias que o III Reich desfrutava de
parte da elite dirigente brasileira.
O segundo fator é a nomeação de Oswaldo Aranha para o Itamaraty. Ele
ingressa em posição de força. O acordo tácito com Vargas, prometendo
não se envolver na política interna do país, deixa-lhe as mãos inteiramente
livres nas questões externas. Sua forte personalidade, suas estreitas
relações pessoais com Getúlio Vargas, sua grande admiração pelos
Estados Unidos e pelo presidente Roosevelt, bem como as péssimas
relações que mantém com a embaixada alemã, fazem com que o
responsável pelo Itamaraty desenvolva uma ativa política pró-americana, a
partir de março de 1938.
O terceiro fator importante é a eclosão da guerra na Europa e a
impossibilidade de tornar efetivas, através, por exemplo, de uma
cooperação econômica em larga escala, as intenções ainda remanescentes
de aproximação entre Berlim e o Rio de Janeiro. (SEITENFUS, 2003, p.
309-310)
Apesar de tomar partido no conflito ao lado dos aliados e em defesa da
democracia, as contradições que envolvem o Estado Novo permanecem. A assinatura do
84
“estado de emergência” por Vargas em março de 1942 concentra apenas nas mãos do
Executivo todos os poderes nacionais. Neste contexto, marcado pela intensificação do
caráter repressivo do regime getulista, a soberania nacional continua em pauta no jornal
O Eco. Em 1942, entre março e dezembro, são veiculados sete editoriais abordando a
temática. Verifica-se que mesmo após a saída de cena do argumento da neutralidade, os
mitos patrióticos de uma nação sólida e homogênea permanecem como tônica no
conteúdo dos textos.
Em 22 de março de 1942 é veiculado o editorial “Cooperação e patriotismo”. O
texto é o primeiro a abordar o alinhamento brasileiro junto aos aliados, conforme ilustra
o trecho a seguir:
A guerra nos colocou diante de um estado de cousas que não poudemos
adiar por mais tempo a atitude dicisiva e inabalavel que tomamos. As
diretrizes do Brasil foram delineadas pelo sr. presidente da Republica e
dentro delas devemos seguir o caminho de nossa conduta. Nesta hora em
que o Brasil atravessa, cada brasileiro deve ter plena consciencia das
responsabilidades sociais, políticas e individuais assumidas ante o altar da
patria, com a obrigação de dedicar-lhe profundo despreendimento moral e
cívico, cooperando na manutenção da ordem, confiança e ritmo da vida
nacional. Cada brasileiro deve representar uma sentinela, escolher um
posto avançado no território do país, para que nada se desvirtue, nada
sofra empedimento tentado pelos pretensos destruidores das nossas
fronteiras. É preciso que nos coloquemos bem alto, num ponto bem
proeminente da patria onde a reunião dos fatos não escape á nossa
observação, porque todas as vias são caminhos abertos para infiltrações
venenosas, ora introduzidas por elementos dos paizes com os quais
estamos de relações cortadas, ora por oportunistas disfarçados em
patriotas, que, entretanto, implantam verdadeiramente o confucionismo,
dando assim expansão á sua ideologia exotica e sem fronteiras.
27
Seguindo a classificação de Beltrão, o editorial pode ser enquadrado como “de
ação” no que se refere à topicalidade, pois procura esclarecer os acontecimentos ao
público ainda sob o impacto do novo posicionamento brasileiro. Porém, o que mais uma
vez chama atenção no texto é o conteúdo normativo demonstrado na convocação dos
brasileiros em defesa da pátria. Observado em seu contexto, o editorial revela uma
inversão de valores que merece ser interpretada: ao advertir cuidado com os “elementos
dos paizes com os quais estamos de relações cortadas”, Alexandre Chitto se refere
também à Itália, país com o qual sempre nutriu laços. É importante lembrar a relação
alimentada por décadas entre a família Chitto e a colônia italiana de Lençóis Paulista:
engajado na política da localidade, o imigrante Mauro Chitto, patriarca da família, foi
27
O Eco, edição de 22/03/1942, p.1.
85
presidente da Sociedade Italiana de Mutuo Socorso Stella D’Itália, criada no município
pela colônia italiana como forma de mútua assistência aos estrangeiros e descendentes.
A sociedade, que durante anos foi o único clube da cidade, teve seus bens confiscados e
foi fechada, a exemplo de outros centros de propagação da cultura italiana, justamente
após a tomada de posição do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Foi neste período, marcado pelos anos de 1942 e 1943, que Vargas assumiu com
maior clareza sua posição contrária ao nazi-fascismo, mudando também o caráter da
perseguição aos integralistas enquanto inimigos do Estado. Desta forma, não causa
estranhamento o fato de o conteúdo anticomunista dos editoriais – estratégia que se
assemelha da tônica integralista – ter se atenuado nas páginas do O Eco a partir do
início de 1942. Entre janeiro e dezembro de 1942, apenas um editorial aborda o
comunismo como temática (no ano anterior foram seis as vezes que a temática se
repetiu).
Por outro lado, a inversão de valores verificada no conteúdo do jornal pode ser
justificada pela boa integração da colônia italiana estabelecida em Lençóis Paulista
28
.
Ao contrário das colônias alemãs dos estados do sul, os italianos do interior de São
Paulo sofreram apenas parcialmente o choque da política de nacionalização
empreendida pelo Estado Novo entre 1937 e 1938. Neste sentido, apesar da tentativa de
aproximação entre a diplomacia italiana e Plínio Salgado (líder da AIB, “uma filha
autêntica do fascismo”) no período que antecedeu a tomada de posição do Brasil, a falta
de objetivos diplomáticos definidos e a admiração mantida pelos líderes da península
por Getúlio Vargas (“um chefe heróico aos moldes de Mussolini”) abriram caminho
para que a colônia aceitasse mais tranquilamente as diretrizes rígidas impostas pelo
Estado Novo a partir de 1942.
No caso do semanário O Eco, os reflexos das orientações varguistas não tardam
a aparecer e assuntos das mais diferentes naturezas são utilizados nos editoriais em
defesa da soberania nacional. Em 30 de agosto de 1942, poucos dias depois de
oficializada a declaração de guerra do governo brasileiro aos países do “Eixo”, é
publicado o editorial “Momento decisivo para o Brasil”. O texto, conforme ilustra o
trecho a seguir, volta a fazer alarde em torno do sentimento patriótico:
28
Vale ressaltar que entre os cerca de 25 mil soldados brasileiros que partiram para a Europa, em
setembro de 1944, para integrar o exército aliado, havia alguns lençoenses: Mário Damico, Anísio Lopes
Carneiro, Tito Colomera e Armando Dalben, os dois últimos descendentes de famílias italianas.
86
Desde que o Brasil decretou-se em estado de guerra com a Itália e
Alemanha, estão em jogo os destinos de nossa pátria. E portanto cabe a
cada um de nós enfrentar a situação com uma linha de conduta altiva,
patriota e inquebrantável, que na vida militar tem como patrono o grande
inesquecivel Duque de Caxias. Enquanto que o Brasil não havia ainda
tomado dicisivamente partido, cada qual, brasileiro ou extrangeiro, era-lhe
facultado o direito de pensar livremente quanto aos assuntos da guerra
internacional. Mas depois que nossa pátria definiu sua atitude e pela
defesa da qual empenhará todas as suas forças, é justo que a nenhum
brasileiro lhe é lícito gastar um só pensamento que não seja em benefício
da causa comum nacional. De norte a sul, de leste ao oeste, cada brasileiro
deve representar uma sentinela, quando não armada de fusil, armada do
alto ideal de combater os perigosos e reunir os bens intencionados,
cooperando assim tanto no trabalho como na manutenção da órdem,
podendo-se, com essa cooperação mutua, descobrir mais facilmente as
células daninhas que tentarem infestar o corpo gigantesco do Brasil.
29
Nota-se o posicionamento do semanário de contrariedade à livre manifestação de
pensamentos, corroborando com idéia de um sentimento nacional e homogêneo
propagado pelo Estado Novo. Outro texto, publicado uma semana depois, segue o
mesmo caminho. Veiculado em 5 de setembro de 1942, o editorial “A Goiana Francêsa
como trampolim” volta a tratar da soberania nacional ao levantar a possibilidade do país
vizinho ser utilizado como ponto para um ataque ao Brasil:
É mundialmente conhecido o motivo pelo qual o Brasil entrou a participar
ativamente da atual guerra. Não o levaram desejo de conquista e menos
ainda capricho de emiscuir-se em assuntos que não fossem extreitamente
ligados á integridade da sua soberania, da sua grandeza e das suas
tradições. A guerra do Brasil foi antes de tudo uma resposta a altura ao
atentado do eixo contra a indefesa navegação mercantil nacional, cujas
perdas materiais e morais jamais haveriam sido reivindicadas de outra
maneira. Portanto, estamos em estado de beligerância com a Itália e
Alemanha ha quinze dias. E agora resta-nos pensar de um modo
inteiramente diferente do até então. (...) Notícias de fontes eixistas dizem
que o Brasil está na eminência de ocupar militarmente a Goiana Francesa,
sendo, todavia, esta noticia foi desmentida pelo sr. Oswaldo Aranha como
farça injustificavel. Mas, relembremo-nos que a Goiana Francêsa faz
divisa com o norte do Brasil e o eixo não se esqueceu disso, já faz
referências. E dadas ás manobras da política incerta de Laval, seriamos
otimistas demasiado descuidar da Goiana Francêsa, principalmente em
tempos como estes a qual poderá servir, justamente, de trampolim a um
corpo de exército expedicionário inimigo para atacar de surpresa o Brasil.
Não facilitemos pois.
30
No texto, o jornalista Alexandre Chitto mantém a tendência de uso de editoriais
normativos ao reproduzir argumentos incitadores que orientam os leitores a seguirem
uma determinada conduta: neste caso, a defesa do patriotismo frente às contradições da
29
O Eco, edição de 30/08/1942, p.1.
30
O Eco, edição de 05/09/1942, p.1.
87
Segunda Guerra Mundial. A tendência é mantida em outras publicações. Até mesmo
uma campanha de Natal da Legião Brasileira de Assistência (LBA) torna-se motivo para
a veiculação de um editorial que resgata a temática da soberania nacional. O texto,
veiculado no dia 13 de dezembro 1942 sob o título de “Um presente de Natal”, convoca
as crianças de Lençóis Paulista a doarem presentes aos filhos dos convocados para o
exército:
A geração brasileira atual nunca conheceu um Natal com a Pátria em
guerra. Chegando as festas de fim de ano, povo brasileiro, no seu
sentimento humanitário, voltava o pensamento para as crianças pobres,
presos e doentes, enviando-lhes presentes e cartas, confortanto-os material
e espiritualmente. Mas respondendo á sanha dos inimigos do Brasil,
atacando a nossa marinha mercante em próprias águas nacionais, o Natal
de 1942 encontra-nos numa luta que nos obriga patriótica e
humanitariamente alargar os pensamentos não só para os pobres, presos e
doentes, mas também para os diferentes pontos da pátria, onde lá se
encontram os soldados destacados no cumprimento do dever. E
justamente atendendo esse apelo patriótico que a Legião Brasileira de
Assistência incluiu também na sua atividade benéfica o ensejo de
proporcionar um Natal alegre aos filhos dos que foram convocados ás
armas. (...) Assim a L.B.A., porta vóz de todo esse sentimentalismo
patriótico, apela para as crianças abastadas de Lençóis para que enviem
um presente de Natal aos seus pequenos compatriotas de coração saudoso
pelo ente que está garantindo, de armas em punho, a integridade do
Brasil.
31
Seja ao tratar da possibilidade de ataque à Guiana Francesa ou ao incorporar
uma campanha para doação de brinquedos aos filhos de combatentes, as diferentes
manifestações de defesa do patriotismo e da soberania nacional dadas pelo semanário O
Eco em seus editoriais permitem uma interpretação: verifica-se que ao ser pautado pelo
DIP, reproduzindo em suas páginas a imagem mítica construída em torno de um líder
nacional, o jornal contribui para a consolidação no âmbito local do fenômeno populista
encabeçado por Getúlio Vargas. Tal fenômeno deve ser entendido também no contexto
da comunicação. Neste sentido, o apelo à comunicação de massa surge como um
instrumento capaz de propiciar uma espécie de arregimentação a governantes que o
povo não legitimou pelo voto (MELO, 1981, p. 16). Reconhecendo a importância dada
pelo regime de Vargas à questão da opinião pública, nota-se com clareza a cooptação
realizada pelo DIP no âmbito do jornal O Eco. A própria inversão de valores
apresentada pelo veículo – da crítica ao comunismo à defesa da soberania nacional,
31
O Eco, edição de 13/12/1942, p.1.
88
passando pelas demais nuances verificadas no conteúdo dos textos – reflete o
delineamento de conduta apontado pelo braço repressor do Estado Novo.
A análise dos editoriais demonstra o peso sentido pelo veículo do decreto-lei
1.949, sobretudo dos artigos 10 e 11 (que tratam das penalidades pela transgressão das
instruções oficiais), bem como da intensificação da vigilância realizada pelo DIP após a
tomada de posição do Brasil no conflito. Se nesta fase da cobertura o semanário não
mais oculta seu posicionamento frente à guerra, defendendo com ênfase a opção
brasileira de alinhamento aos aliados, por outro lado segue à risca, sem
questionamentos, as diretrizes do Estado Novo. Observa-se, portanto, que o papel
desempenhado pelo jornal O Eco sob o peso da censura reflete, em nível local, o vácuo
de trabalhos críticos realizados no período, fenômeno que Rubem Braga (1985, p.8)
denomina de “simples literatura de exaltação cívica”.
4.2.4 O viés econômico nos editoriais
A Conferência do Rio de Janeiro, em janeiro de 1942, é determinante para o
abandono da neutralidade brasileira na guerra em favor dos aliados. São três os grupos
de medidas assinados entre os países americanos na reunião diplomática. Além do
combate às atividades subversivas de simpatizantes do “Eixo” e da questão militar de
defesa do continente, a conferência também resulta em um conjunto de medidas sobre a
cooperação econômica. Desde então, a economia passa a pautar cada vez mais a opinião
pública no período.
A cooperação econômica é um dos principais fatores a aproximar o Brasil dos
Estados Unidos desde 1941. No final deste ano, Getúlio Vargas chega a declarar que os
mercados europeus perdidos pelos brasileiros em virtude da guerra são compensados
pelo desenvolvimento do comércio com a América. A recuperação econômica citada
por Vargas diz respeito principalmente ao comércio de algodão, prejudicado pela perda
dos mercados alemão e japonês. Com a Conferência do Rio de Janeiro, várias
resoluções de ordem econômica são assinadas com o objetivo de:
Aumentar as relações comerciais interamericanas;
Desenvolver a produção de material estratégico;
Manter a segurança das vias de transporte no hemisfério;
89
Manter a organização econômica do hemisfério;
Romper as relações comerciais e financeiras com o “Eixo”;
Controlar as operações bancárias vinculadas ao “Eixo”;
Desenvolver produtos de base;
Aumentar investimentos mútuos. (SEITENFUS, 2003, p. 275-276).
Neste contexto, marcado já pelo envolvimento brasileiro na guerra, encontra-se a
quarta fase de cobertura nos editoriais do jornal O Eco. Nota-se nesta etapa que o
semanário adota, sobretudo a partir de 1943, uma cobertura da Segunda Guerra Mundial
pelo enfoque econômico. São categorizados 19 textos sob esse enfoque, 17 deles
veiculados entre janeiro de 1943 e maio de 1944.
Os primeiros reflexos da política de cooperação econômica são percebidos nos
editoriais do O Eco em março de 1942, com a publicação do texto “Mais pessimismo
que realidade”. O editorial trata justamente da substituição das exportações européias
pelas intra-americanas, conforme ilustra o trecho a seguir:
É verdade que a guerra cortou quasi que totalmente o intercambio entre as
americas e a europa. E dessas circunstancias originou uma incerteza e
desconfiança de relação comercial que mui pessimisticamente a
classificamos com o alarde vocabulo de crise. E por todos os efeitos deve
ser crise, não obstante, hoje, o Brasil ser o principal exportador do mundo.
Escapa-nos da lembrança que o intercambio antes havido com a Europa,
agora è largamente recompensado com as transações intra-americanas. Em
crise devem falar seriamente os paizes cuja produção geral já não tem
mais lugar em suas terras, atingiram o nível maximo. Os paizes que dentro
dos quais a colheita de cogumelos, morangos e outras cousas que os
valham pesam assustadoramente na balança da sua economia. Mas para o
Brasil, país ainda não milenar e de riquezas de um futuro incalculável, as
guerras e as revoluções, por enquanto, não passam de acontecimentos
passageiros, rapidos como as enchentes dos rios que logo nos primeiros
dias de bom tempo as aguas descem para o leito tomando-o curso calmo e
continuo. (...) Hoje, o mundo necessita dos recursos economicos
brasileiros e se a sua produção abarrotassem os mercados consumidores,
os nossos produtores haveriam então de procurar novas vias, como por
exemplo fosse a exploração de lã, peles etc., que para isso e demais
atividades temos espaço e bom senso. Assim, analizando os fatos tais
como manda a logica, falarmos em crises assustadoras é mais pessimismo
do que realidade.
32
Nota-se pela primeira vez desde o início da cobertura da Segunda Guerra
Mundial em seus editoriais que o semanário deixa de lado a característica normativa que
32
O Eco, edição de 29/03/1942, p.1.
90
vinha adotando nos textos e aborda a guerra por meio de um editorial de propriedades
mais informativas, explorando os aspectos econômicos do conflito.
Após a tabulação dos dados, pode-se afirmar que o veículo apropriou-se do
conflito bélico para tratar de temas de seu interesse, retratando a guerra, evento de
ordem militar, por meio de suas influências no âmbito local. Em alguns casos, a opção
foi por temas econômicos com referência direta à cidade, como é o caso do texto “Seda
paulista nos Estados Unidos”, veiculado em 10 de janeiro de 1943, conforme demonstra
o trecho a seguir:
Muitos dos agricultores lençoenses terão lido, por vezes, os nossos
editoriais, fazendo alusão ao futuro da sericultura e a qual passaria a
representar uma das principais fontes de riqueza do Estado de São Paulo.
O nosso intuito era, principalmente, reanimar os sericultores lençoenses
que haviam iniciado a interessante e rica atividade produtiva, acertando,
dessa maneira, o caminho produtivo que lhe abria um futuro bastante
promissor. E que abandonaram, depois, por abuso dos mercados
compradores, quando já se achava ás portas as medidas governamentais,
assegurando-lhe maior expansão, registrada em muitos pontos do Estado
nestes últimos tempos. A guerra, porém, abreviou as espectativas. Com a
eclosão do conflito nipo-americano, fecharam-se os mercados
abastecedores para os Estados Unidos. E estes voltaram as vistas para o
Brasil, vendo em nosso país as possibilidades de exportar grandes partidas
para o seu consumo. Em tempos normais, o Japão remetia aos EE.UU
seda no valor de três bilhões de cruzeiros, ou sejam tanto quanto a
exportação exterior do Estado de S.Paulo nos seus melhores exercícios. A
guerra necessita fabulosas quantidades de seda: confecção de paraquédas,
sacos para polvora e outros apetrechos. E as possibilidades brasileiras,
hoje, são consideradas as únicas para garantir avultado consumo, do qual
os exércitos aliados tanto dependem para sua perfeita e moderna
organização. Segundo as últimas divulgações da imprensa paulista, as
indústrias norte-americanas já estão utilizando a seda brasileira, não
obstante ainda seja a titulo de experiência. Todavia espera-se que o
resultado alcance as melhores espectativas. Assim o Brasil estará á mão
com uma nova e grande fonte de riqueza.
33
Outro exemplo da estratégia adotada pelo O Eco de tratar de temas econômicos
relacionados diretamente aos produtores do município é o editorial “Cousas de após
guerra”, publicado em 20 de junho de 1943. No texto, como ilustra o trecho transcrito a
seguir, o jornal faz especulações sobre o impacto do final da Segunda Guerra Mundial
na economia local e defende a policultura. A defesa da policultura, aliás, é outra
bandeira defendida pelo jornalista Alexandre Chitto nesta etapa da cobertura da guerra.
Hoje, um município como o de Lençóis, possuindo ricas culturas de cana
e algodão, os agricultores não haveriam mais nada que pensar , se não
fossem tomadas pelo ardor e entusiasmo progressistas. Pois, as duas
33
O Eco, edição de 10/01/1943, p.1.
91
produções podem garantir grandes riquesas e sólida estabilidade
economica. Odiernamente sobrepujam a lavoura cafeeira, não obstante ser
inagavel a pesada concorrência do Ouro Verde na balança da economia
brasileira. Ainda que assim seja, que o município de Lençóis esteja
preparado para um surpreendente desenvolvimento da indústria da cana e
cultivo algodoeiro, os agricultores não devem depositar cega esperança
numa única monocultura. Por que, nesta terra, num país em posição como
o Brasil, as oscilações de preços são sempre ascendentes. Terminado o
conflito, entretanto, o qual não tardará, segundo autorizados prognosticos,
a dúvido de baixa pode ocasionar um fenômeno de órdem econômica
como o após guerra de 1914. Depois da guerra de 1914, as compras e
vendas passaram por estágio de seis meses de paralização total,
desiquilibrando completamente a vida comercial. E os desastres foram tão
irreparaveis tanto quanto eram invaraveis e grandes os estoques e
produções. Os municípios policultores, como tivemos exemplo próprio, e
o comércio miudo foram os que mais sobreviveram ao colapso
econômico. (...) Por isso convem estarmos precavidos com as
monoculturas e os estoques. A pás vem aí.
34
Além da tendência de tratar localmente dos assuntos, grande também é a
incidência de editoriais com tons otimistas. Mesmo ao retratar uma guerra, o semanário
apresenta um volume representativo de textos sobre economia com enfoques otimistas.
Na maioria das vezes, o otimismo aparece rebuscado em assuntos como o aumento da
possibilidade exportação dos produtos locais e nacionais. Expressões como “reanimar
sericultores” ou “garantir os mercados”, assim como adjetivações do tipo “grandes
estoques e produções”, “transformação rápida” e “rica atividade produtiva” exibem o
caráter de “a guerra pode nos fazer bem” com o qual os textos são construídos. O
editorial “Causas da guerra”, veiculado no dia 2 de abril de 1944 e transcrito a seguir na
íntegra, consiste em um exemplo claro do tom otimista utilizado pelo jornalista
Alexandre Chitto ao abordar assuntos ligados à economia:
Ha poucos dias, tivemos o ensejo de ouvir um conceituado negociante e
criador de gado de Ribeirão Preto, um dos principais centros pastoris
paulistas. Depois de feitas inúmeras referências sobre sua terra, o nosso
interlocutor disse nos que em Ribeirão Preto o comércio de gado,
atualmente, é um fato surpreendente, todavia os negócios seguem um
círculo vicioso. Isto é, compra-se e vende se em alta escala, porem o gado,
quasi totalmente, permanece no município. E a uma pergunta nossa por
qual motivo esse comércio de retenção, talvês suscetivel de baixa após
guerra, o abastado fazendeiro prognosticou-nos que o fim da conflagração,
de forma alguma, poderá afetar o mercado de gado. Haverá, antes,
tendências para maiores altas. Dados os primeiros passos pora o
armistício, a Europa importará gado não apenas com o fim de abastecer-se
de carne, mas tambem para repovoar da pecuária, as regiões devastadas
pelo vai e vem dos exércitos em luta. E o Brasil, naturalmente, se
apresentará como um dos principais fornecedores. E de fato, conforme
pensa o nosso interlocutor, não se pode por em dúvida que, enquanto a
indústria bélica norte-americana não for transformada em aparelhamento
de produção, nossa Pátria será o fornecedor número um dos mercados
34
O Eco, edição de 20/06/1943, p.1.
92
internacionais. Um exemplo típico o temos quando as tropas do “eixo”
abandonaram a África, arrasando tudo, deixando aqueles povos em
petição de miséria. Entrando os aliados no continente africano,
imediatamente procuraram abastecer a população, facultando-lhe meios
rápidos para o acesso aos mercados amigos. Diz-se mesmo que o estado
econômico dos africanos era tão deprimente que os aliados se viram na
contingência de transportar os compradores por via aérea. E estes vieram
ao Brasil, justificando-se assim a alta de certos produtos. E por isso o
fazendeiro de Ribeirão Preto diz que, naquele local, o gado troca de mão,
mas não sai do município.
35
Nesta etapa da cobertura, o clima de otimismo com a economia também ganha
outras seções do semanário O Eco. No dia 19 de dezembro de 1943, por exemplo, o
jornal abre mão – de maneira inédita – da publicação de seu editorial de capa para a
veiculação, com bastante alarde, da notícia da inauguração da destilaria central de
Lençóis Paulista, conforme ilustra a imagem a seguir:
35
O Eco, edição de 02/04/1944, p.1.
93
Figura 13 – Reprodução de publicação do O Eco em 19 de dezembro de 1940
Fonte: O Eco, edição de 19/12/1943, p.3.
94
Outros exemplos podem ser verificados no período. No caso dos editoriais,
mesmo nos textos com assuntos econômicos e enfoques mais pessimistas, o semanário
procura adotar uma linguagem professoral de alerta aos leitores. Ou seja, apesar do
pessimismo, os textos não são redigidos com caráter alarmante, mas em tom de alerta,
informando aos leitores que a Segunda Guerra Mundial pode novamente influir na
economia do país e do município, mas desta vez para pior. Neste grupo estão textos que
abordam desde a variação no preço dos imóveis com a guerra até outros que incentivam
o cultivo de hortas e pomares nos quintais, em alerta para possíveis racionamentos. Um
exemplo deste tom de alerta adotado pelo O Eco é o editorial “Previsões pessimistas”,
do dia 9 de janeiro de 1944, transcrito a seguir:
No transcorrer do atual estado de cousas, não obstante, no campo
econômico, tudo se desenvolve favoravelmente para o progresso
brasileiro, assim mesmo ha quem conjecture com pessimismo, um futuro
bastante incerto após guerra. O conceito é de que terminado o conflito os
paízes beligerantes europeus e aziáticos retomarão o seu lugar primitivo
nos mercados internacionais. O Japão, por exemplo, passará a ser o
primeiro fornecedor de seda aos Estados Unidos; a Inglaterra voltará ao
seu domínio na fabricação de tecidos; a Suécia, na cutelaria, vencerá
novamente os seus concorrentes criados pela guerra. E assim
sucessivamente. Afirma-se em certos meios que os paizes extremamente
forçados a um regionalismo de produção, com as circunstâncias da guerra,
depois passarão por um estágio crítico. Indubitavelmente são apenas
conjecturas, porem alarmantes para os bem intencionados a encrementar a
lavoura, indústria e comércio. Como em 1918, o fim da guerra trará
momentos de indicisão, todavia sabemos que o governo está alerta e
aparelhado para receber os golpes econômicos que transitóriamente
surgirão, não contando com a lição que o povo adquiriu, quando o mundo
voltou á paz. Por isso, quem tiver intenção de plantar cana deve faze-lo
sem o menor receio, por que a fabricação de álcool, açúcar e aguardente
jamais se extinguirá no Brasil. E os entusiasmados em criar o bicho da
seda não deve exitar diante do futuro concorrente japonês, pois os
mercados estarão abertos para os produtores mais inteligentes, caprichosos
e, finalmente, amigos. E do Brasil quem não deseja comprar? Todo
mundo. O Brasil é bem quisto. Portanto o nosso lema deve ser produzir,
produzir.
36
Apesar do título “Previsões pessimistas”, o editorial aponta um caminho mais
positivo do que negativo aos produtores locais. O tom de alerta fica evidente no trecho
em que Alexandre Chitto reconhece o clima de indecisão gerado com a aproximação do
final da guerra. No entanto, a mensagem deixada no texto é de que o Brasil absorverá os
impactos econômicos do conflito.
Ao adotar a estratégia de abordar assuntos econômicos em seus editoriais, o
semanário O Eco possibilita à pesquisa respostas interessantes sobre seu
36
O Eco, edição de 09/01/1944, p.1.
95
comportamento na Segunda Guerra Mundial. Esta etapa da cobertura, marcada
principalmente pelo recorte temporal de janeiro de 1943 a maio de 1944
37
, reveste-se de
representatividade, sobretudo, pela grande incidência de textos. Ao caracterizar 19
editoriais, o enfoque econômico representa 35% de todo o corpo da pesquisa (55 textos)
– um volume de editoriais ao menos duas vezes maior que o apresentado em qualquer
das etapas anteriores. Verifica-se a partir da análise que a partir de 1943 os lençoenses
têm uma visão diferenciada da Segunda Guerra Mundial. A cidade – que recebeu, em
1924, o general Pietro Badoglio e enviou, em 1945, moradores dentre os combatentes
da Força Brasileira Expedicionária – observou o conflito não somente pelas mortes ou
conflitos, assuntos trazidos à tona, sobretudo pela mídia radiofônica, mas também pela
ótica da economia.
Nota-se também que a opção pelo enfoque econômico manifestada pelo jornal
em seus editoriais sobre o conflito, muitas vezes de maneira otimista, permite mais uma
vez sua não entrada no embate ideológico, mantendo o ocultamento verificado nas fases
anteriores. Por outro lado, observa-se o fechamento de um ciclo de inversão de valores
iniciado na primeira etapa da cobertura. Partindo de um tom notadamente pessimista
nos primeiros meses da guerra, o semanário chega, a partir de 1943, a um conteúdo
caracterizado pelo otimismo.
Pela análise proposta, é significativo que tenha se detectado que do pessimismo
quanto à guerra e do temor ao comunismo, as temáticas tenham evoluído para o
patriotismo, a constituição da Nação, e a economia, setor ao qual toda a discussão
política passou a ser submetida no Brasil – sobretudo via imprensa. O mito envolvendo
a exportação dos produtos brasileiros e o sonho de integrar, finalmente, o grupo dos
países ocidentais, desenvolvidos e industrializados, estavam nas páginas do O Eco,
como também estiveram na pauta de tantos outros governos a partir de Getúlio Vargas.
4.2.5 A queda de Mussolini em pauta
A última temática identificada no corpo da pesquisa é, numericamente, a de
menor incidência. Trata-se também de uma temática que não pode ser considerada,
diferentemente das demais, como uma fase ou etapa específica da cobertura da Segunda
Guerra Mundial nas páginas do jornal O Eco. São quatro textos, três deles veiculados
37
Há dois editoriais com enfoque econômico fora deste período: “Mais pessimismo do que realidade”, de
29/03/1942, e “Vai-se o velho mil réis”, de 01/11/1942.
96
em agosto de 1943 e outro em novembro do mesmo ano, intercalados na etapa da
cobertura marcada pelo enfoque econômico, mas que apresentam como assunto a crise
italiana e a queda de Benito Mussolini. Contudo, apesar da menor representatividade
numérica frente às outras temáticas, este grupo de editoriais traduz em seu conteúdo a
relação de proximidade vivida e construída pelo jornalista Alexandre Chitto em relação
à Itália.
Como pano de fundo, tem-se a profunda crise política no qual mergulha a
península principalmente a partir de 1943. Segundo a explicação de Palla (1996), com o
avanço da Segunda Guerra Mundial os italianos passam a encarar com disposição cada
vez menor os inúmeros sacrifícios e privações impostos pelo fascismo.
Até então, a figura do Duce havia sido relativamente poupada dos boatos e
críticas que corriam à boca pequena. Estes visavam muito mais os
diversos hierarcas fascistas, sobretudo Ciano (a quem se condenava a
riqueza e a ostentação), os sucessores de Starace na chefia do PNF
(Partido Nacional Fascista), como Ettore Muti, Adelchi Serena e Aldo
Vidussoni, e os jovens ministros carreiristas que adulavam o Duce. Mas,
nesse clima de corrupção que os dirigentes não conseguiam esconder,
Mussolini começou a ser alvo de severas críticas da população, para a qual
o custo da guerra se tornava insuportável. Mussolini já havia se
transformado numa figura distante. Não percorria mais as cidades e
aldeias em festa; não tomava mais seus “banhos de povo”. E o mais
importante: não parecia partilhar dos sofrimentos dos italianos. (PALLA,
1996, p. 123)
Uma sucessão de fatos da Segunda Guerra Mundial, entre eles o rendimento, em
maio de 1943, de todas as forças ítalo-germânicas no norte da África e o desembarque,
em julho do mesmo ano, das tropas americanas e inglesas na Sicília contribuem para a
derrocada de Mussolini. A queda do líder fascista resulta também das seguidas derrotas
militares vividas pelo “Eixo” na guerra. O golpe final contra a liderança de Mussolini se
dá na noite do dia 24 de julho de 1943, quando o Grande Conselho do Fascismo, que
não era convocado há anos, reúne-se pela última vez. Na ocasião é aprovada a proposta
que sugere transferir ao rei Vítor Emanuel III a responsabilidade pela condução da
guerra. No dia seguinte, Benito Mussolini é preso e substituído por Pietro Badoglio,
militar já conhecido pela colônia italiana de Lençóis Paulista
38
.
Palla (1996) descreve o ambiente gerado pela queda do líder fascista:
38
Representando Mussolini, Pietro Badoglio visitou a colônia italiana de Lençóis Paulista em 1924 (ver
segundo capítulo).
97
Logo após a queda de Mussolini, o rei e Badoglio anunciaram ao país que
não tolerariam nenhum distúrbio. Não iriam nem processar os ex-
dirigentes nem permitir manifestações de rua. “Nenhuma insubordinação
será tolerada, nenhuma recriminação será admitida”, declarou Vítor
Manuel em seu primeiro pronunciamento radiofônico. Em seguida,
Badoglio afirmou que, tal como antes, a Itália continuava na guerra ao
lado da Alemanha. Não houve, portanto, uma reviravolta abertamente
antifascista e democrática. O novo governo, constituído essencialmente de
técnicos e militares, levou a situação em banho-maria durante algumas
semanas. Por um lado, tentou não legalizar os partidos antifascistas; por
outro, procurou estabelecer contatos secretos com os Aliados para
negociar a saída da Itália do conflito. (PALLA, 1996, p.129-130)
O armistício entre a Itália e os países aliados é assinado em 5 de setembro de
1943. Somente três dias depois, porém, o fato torna-se público. Neste período, Vítor
Emanuel, a família real, Pietro Badoglio e outros oficiais fogem de Roma para longe do
alcance das tropas alemãs. Trata-se do abandono da Itália do conflito.
Neste contexto, marcado pelo desgaste da imagem do fascismo frente à opinião
pública italiana e por um embate de versões e boatos sobre a crise, as notícias ganham,
na pequena Lençóis Paulista, as páginas do semanário O Eco. Uma das especulações do
período é de que o golpe de Estado encabeçado por Vítor Manuel não passa de um
despistamento com a finalidade de preservar o fascismo o máximo possível com o
sacrifício de Mussolini (PALLA, 1996, p.129). Os reflexos de tal especulação –
ventilada principalmente pelas agências de notícias russas – chegam aos editoriais do O
Eco em 1º de agosto de 1943, com a publicação do texto “Três hipóteses”. Na ocasião,
conforme a transcrição a seguir, o jornalista Alexandre Chitto reconhece a existência da
“guerra de informações” no período e apresenta diferentes possibilidades para a saída do
líder fascista do poder na Itália.
Sem dúvida, com o afastamento do sr. Benito Mussolini do govêrno da
Italia, tudo indica que aquele país esta atrevessando uma grave crise
política da qual resultará numa solicitação de paz por parte do Marechal
Badoglio. E o armistício será tão breve quanto forem atenuadas as
condições impostas pelos aliados. Agora, o ponto de partida para as
devidas negociações está nas potências unidas a desvendarem a causa
principal que obrigou Mussolini a abidicar assim tão inesperadamente. As
agências telegráficas do mundo inteiro encheram os quatro cantos da terra
de noticias, porem poucas podem justificar as fontes fididígna dos fatos.
Umas afirmam que, no último encontro Mussolini solicitára de Hitler a
força suficiente para defender o território italiano da invasão aliada. E esta
não podendo ser cumprida por parte alemã, houve a renuncia do ex-Duce,
constatando-se dessa hipótese o enfraquecimento total do “eixo”. Outras
fontes, ao em vês, dizem que já havia profundas e intoleraveis
incompatibilidades entre o fascismo de um lado e o exército e a coroa de
outro. E, finalmente, outras agências telegráficas ainda sustentam que a
obdicação de Mussolini não passa de um “bluf”, de uma farsa para salvar
o próprio partido, uma vez que a guerra dos aliados é feita exclusivamente
98
contra o fascismo. Assim sendo, baseados nestas hipóteses principais,
refletem as solicitações de paz da Italia aos aliados. No primeiro caso é
uma guerra totalmente ganha, tão próxima quanto menos se imagina. E na
segunda e terceira hipótese, as potências unidas terão de descobrir
claramente o pensamento do velho Marechal italiano. As veses, essa
confusão na Italia é unicamente aparente, um meio para o “eixo”
reorganizar-se no sul da Sicilia e depois vibrar golpes inesperados, como
opinam as agências telegráficas russas. Na Russia, encara-se a queda de
Mussolini com desconfiança. Diz-se que na Italia já houve outras
demonstrações idênticas que preconizavam o desmorronamento do
fascismo. Entretanto não passava de um “bluf”. Porém os aliados estarão
atentos e prontos para toda e qualquer emergência, tanto para a paz como
a continuação da guerra.
39
No editorial, merece atenção a expressão “as veses, essa confusão na Italia é
unicamente aparente, um meio para o ‘eixo’ reorganizar-se no sul da Sicilia e depois
vibrar golpes inesperados, como opinam as agências telegráficas russas” por ilustrar –
dentre as inúmeras hipóteses apresentadas – a expectativa vivida no período de uma
ressurreição da Itália mesmo com as seguidas baixas no campo de batalha. Em 15 de
agosto de 1943, o editorial “Voz do povo voz de Deus”, que também apresenta
hipóteses para justificar a queda de Mussolini, coloca em questão a possibilidade de
existência na Alemanha de uma crise política nos mesmos moldes da italiana. Mais uma
vez a especulação é colocada em pauta. Uma semana mais tarde, em 22 de agosto de
1943, a hipótese de blefe relacionada à saída de Mussolini, levantada pelo semanário em
1º de agosto de 1943, novamente ganha destaque. Desta vez, a versão é abordada no
editorial “Uma estrategia que falha”, conforme o trecho a seguir:
Após a demissão de Mussolini da chefia do govêrno italiano interpretando
o pensamento dos líderes moscovitas, as agências telegráficas russas
faziam ver ao mundo que a extinsão do fascio não passava de um simples
“bluf”. “Bluf”, por que não se pode conceber que uma ideologia política
arraigada há vinte e três anos no seio de um povo fosse extinta com o
mero decreto de Badoglio. E por isso, Moscou é de parecer que a guerra
contra a Italia deve ser conduzida com o mesmo ritmo de então. A queda
de Mussolini, afirmam as agências telegráficas russas, foi a última
tentativa camuflada do fascio para moralmente equilibrar-se no poder, em
face dos sucessivos reveses do “eixo” nos diferentes campos de batalha.
40
A seqüência de editoriais ilustra o clima especulativo vivenciado no período em
relação à arranhadura sofrida pelo fascismo (regime que vigorou com mãos de ferro na
Itália por mais de duas décadas), ao mesmo passo que reitera o envolvimento apontado
no capítulo anterior entre o semanário O Eco e o país europeu. Nota-se que, de modo
39
O Eco, edição de 01/08/1943, p.1.
40
O Eco, edição de 22/08/1943, p.1.
99
geral, a crise italiana e, de forma mais pontual, a saída de Benito Mussolini do governo
são assuntos que interessam diretamente ao jornal, motivando a publicação de três
editoriais de capa no intervalo de um único mês (agosto de 1943).
Verifica-se também que o peso da censura varguista sobre a imprensa e sobre os
colonos oriundos dos países do “Eixo” pode ter tido um papel significativo no ambiente
de especulação traduzido nos editoriais. Refém das fontes de informação ligadas aos
aliados, o veículo reproduz as hipóteses às quais tem acesso, construindo representações
sobre a queda de Benito Mussolini. Para Moscovici (2003), as representações sociais
têm como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação dentro de um grupo
relativamente não problemática. Desta forma, observa-se que o jornal O Eco colaborou
na propagação entre os lençoenses das especulações sobre o fim do fascismo na Itália.
Por outro lado, é importante reconhecer que nessas ocasiões o semanário adota
uma postura mais isenta e menos apaixonada na cobertura da guerra, opção que pode ser
interpretada como reflexo do desgaste sofrido pelo fascismo italiano frente à opinião
pública e – particularmente – por Mussolini, um líder que já demonstrava “não partilhar
dos sofrimentos dos italianos” (PALLA, 1996, p.123). Nos quatro editoriais em que o
assunto torna-se pauta, os textos têm caráter informativo, apresentando – mesmo longe
do ideal da imparcialidade jornalística – versões diferentes dos fatos e diferindo-se da
tendência normativa das etapas iniciais da cobertura da guerra. Tal sobriedade
argumentativa está presente, por exemplo, no editorial “Uma estrategia que falha”, de
22 de agosto de 1943, no qual o semanário é mais realista ao levantar a possibilidade do
blefe especulado consistir em uma tática não acertada do fascismo. Fica evidente que ao
citar sempre de modo reticente as fontes russas nos editoriais, o jornal volta a
demonstrar seu delineamento contrário aos comunistas. Nestes casos, porém, a
contrariedade ao comunismo é bem menos explícita quando comparada às etapas
anteriores.
Por fim, vale ressaltar que a utilização de editoriais informativos, postura que
demonstra maior isenção por parte do veículo na apresentação de diferentes hipóteses
sobre a queda de Mussolini, não significa o abandono de sua estratégia de ocultamento.
Mesmo quando em pauta um assunto que diz respeito diretamente à colônia italiana, o
semanário mantém a opção de não evidenciar seu posicionamento sobre o nazi-
fascismo.
100
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida – desde a fundamentação teórica exposta no capítulo
inicial, passando pela contextualização e caracterização do objeto de estudo
apresentadas no segundo capítulo, e chegando às interpretações no capítulo final –
permite algumas constatações que podem contribuir para a pesquisa acadêmica na área
da Comunicação.
Em primeiro lugar, por se tratar de um período passado (1939-1944), o estudo
exigiu uma atenção redobrada do pesquisador. Para fugir de possíveis equívocos na
interpretação de dados históricos e sociais, optou-se – dentro da proposta da análise de
conteúdo – por um modelo que privilegiasse tanto o caráter qualitativo quanto o
quantitativo da amostra. A proposta se fez necessária na busca de congruência entre as
duas áreas distintas que dialogaram durante toda a análise: a Comunicação e a História.
Desta forma, tabelas, gráficos e outros elementos numéricos foram lançados na tentativa
constante de garantia de confiabilidade à pesquisa. A escolha do conceito de
representações, focado por Moscovici no âmbito da Comunicação, favoreceu o elo
proposto. Entendendo as representações num processo dinâmico de familiarização entre
um determinado público e algo desconhecido (como era a relação entre a população
local e os assuntos que envolviam a Segunda Guerra Mundial), compreende-se melhor o
questionamento central da pesquisa: de que maneira o semanário O Eco, criado em 1938
em Lençóis Paulista, representou em suas páginas o conflito? Sustentada ao mesmo
tempo nos enfoques qualitativo e quantitativo, a pesquisa encontrou suas respostas de
forma natural.
Ainda dentro da questão metodológica, a opção pela proposta teórica de Douglas
Kellner requereu a identificação dos posicionamentos ideológicos adotados pelo veículo
no período estudado. Para o autor, a sociedade pode ser metaforizada como um campo
de batalhas, onde lutas heterogêneas de posições ideológicas se consumam nos textos
midiáticos. Portanto, o que esteve em jogo na pesquisa foi uma análise que identificasse
o modo como o semanário O Eco transcodificou suas posições dentro das lutas políticas
existentes, fornecendo representações que contribuíram para o consentimento a
determinadas posições ideológicas.
Característica especial dos editoriais, a impessoalidade não é explicitada pelo
jornal no período estudado. Os editoriais de O Eco, que via de regra ocupam a capa do
periódico, são todos assinados pelo jornalista Alexandre Chitto, responsável pela
101
publicação. De todo modo, entende-se que a assinatura de Chitto não tira do editorial,
gênero jornalístico escolhido para análise, o caráter de catalisador de opiniões
(BELTRÃO, 1980) e de espaço de contradições (MELO, 1985). O estudo revela a
presença substancial de editoriais normativos no corpo da pesquisa, sobretudo nas três
primeiras categorias temáticas identificadas, o que constata que o veículo expõe
argumentos incitadores aos leitores na busca de consentimento a certas posturas. É
nesse aspecto que reside um dos principais paradoxos verificados na atuação do jornal.
Ao mesmo passo que procura convencer os leitores na atuação em um determinado
sentido com o uso de textos normativos, as representações construídas pelo semanário O
Eco durante o conflito são caracterizadas pela estratégia de ocultamento frente ao nazi-
fascismo – o principal entrave da Segunda Guerra Mundial.
A estratégia de ocultamento é mais aparente nas duas primeiras categorias
temáticas verificadas na cobertura: pessimismo em relação à guerra e crítica ao
comunismo, identificadas principalmente entre 1939 e 1941. Nos dois casos, a análise
leva a crer que o semanário elenca inimigos distantes para: 1) ocultar sua ideologia ao
trabalhar os imaginários da catástrofe e do avanço do comunismo; e 2) desviar sua
postura, não tomando partido no jogo de interesses ideológicos estabelecidos no
período.
Com as movimentações diplomáticas ainda engatinhando no cenário da guerra,
inicialmente o veículo procura camuflar-se, sem expor seu posicionamento, fato que
pode ser compreendido como uma tentativa de sobrevivência no ambiente inóspito e de
descrédito que marcava o jornalismo local da região no período. Mas não somente sobre
o descrédito da imprensa local deve recair a justificativa para a estratégia de
ocultamento adotada pelo O Eco. Há o importante papel da censura aplicada sobre os
jornais durante o Estado Novo. Neste caso, considera-se que a atuação do braço
repressor do regime varguista se dá em duas frentes bem definidas: controlar os
instrumentos necessários à construção e à implementação de um projeto político-
ideológico que se afirmasse como socialmente dominante e difundir uma imagem
homogênea e harmônica da nação em torno do líder Getúlio Vargas.
A primeira faceta do papel censor do Estado Novo, que diz respeito diretamente
à vigilância da imprensa, pode ser interpretada como determinante para a colocação em
prática da estratégia de ocultamento do O Eco na primeira etapa da cobertura da
Segunda Guerra Mundial, quando a temática envolvida era o pessimismo em relação a
uma possível catástrofe.
102
No caso da temática que envolve o imaginário construído ao redor do
comunismo, a relação é mais complexa: nota-se uma aproximação entre o conteúdo dos
editoriais e a estratégia do movimento integralista de desmoralização dos comunistas.
Mais uma vez recorre-se a Kellner na observação da postura do jornal. Segundo o autor,
são as exclusões e os silêncios que podem revelar à análise o projeto ideológico de um
texto. Portanto, o dualismo entre bem e mal exposto na desmoralização dos comunistas
e o uso de expressões que ressaltam o temor de O Eco frente ao avanço da URSS
merecem uma observação cautelosa. Não se trata de afirmar se o jornal é ou não
integralista, mas de reconhecer a proximidade argumentativa entre as propostas do
veículo e da AIB ante ao comunismo, ideário que se alinha também ao discurso da
direita católica do período. Para Kellner, a cultura da mídia, assim como os discursos
políticos, ajuda a estabelecer a hegemonia de determinados grupos e projetos políticos
ao produzir representações que tentam induzir anuência a certas posições políticas, na
busca de que os membros da sociedade vejam em certas ideologias “o modo como as
coisas são”. E assim se comporta o semanário na construção de um ideário degradante
do comunismo.
Na terceira categoria temática identificada torna-se novamente evidente o
reflexo da censura nos editoriais de O Eco. A justificativa para o acirramento do papel
censor do Estado Novo nesta etapa está no fato de, a partir de 1942, o Brasil ter se
posicionado ao lado dos aliados no conflito, colocando em pauta assuntos como o
patriotismo e a soberania nacional. Desta forma, se há ocultamento da posição do
veículo em relação ao nazi-fascismo, ele está ligado ao poder repressor do regime
varguista. É nesta etapa da cobertura que se verifica com mais clareza a propagação dos
mitos de Getúlio Vargas como líder nacional e do Brasil como nação forte e
homogênea, proposta forjada pelo DIP desde sua criação. Há referências nos editoriais
de conclamação dos brasileiros para o embate com os países do “Eixo”, inimigos do
Brasil a partir de então. Porém, tais referências ressaltam mais a defesa da pátria e a
soberania nacional em si do que a contrariedade propriamente dita aos países eixistas.
Desta forma, os editoriais se enquadram no que Rubem Braga (1985) chama de
“simples literatura de exaltação cívica”, tendência não-crítica verificada nos jornais do
período motivada pelo peso da censura. É evidente que o semanário O Eco, sob
vigilância do Estado Novo, se preocupa mais em ressaltar o patriotismo do que em
delinear seu posicionamento frente aos países beligerantes.
103
A quarta categoria temática identificada é caracterizada pelo enfoque econômico
dado à cobertura da guerra pelo semanário O Eco. É inquestionável a representatividade
da temática, que consiste em 35% de todo o corpo da pesquisa. Ao abordar assuntos de
caráter econômico, o veículo mais uma vez apropria-se do conflito bélico para tratar de
temas de seu interesse, retratando a guerra por meio de suas influências no âmbito local.
Neste caso, no entanto, é significativa a opção de O Eco por temas otimistas e a
reprodução do mito que envolve a exportação dos produtos brasileiros e o sonho do país
de integrar grupo dos países ocidentais, desenvolvidos e industrializados, para onde se
tornou comum o jornalismo desviar sua atenção. Se por um lado a análise mostra que os
assuntos econômicos abordados permitem mais uma vez a não entrada do jornal no
embate ideológico, por outro revela a evolução temática e o fechamento de um ciclo de
inversão de valores também representativo: o veículo parte nos primeiros meses da
guerra de um tom notadamente pessimista para chegar, a partir de 1943, rebocado pela
economia, a um conteúdo caracterizado pelo otimismo.
A última categoria temática encontrada no corpo da pesquisa diz respeito à crise
italiana e à queda de Benito Mussolini. Trata-se de um grupo de quatro editoriais que
reitera o envolvimento entre o semanário O Eco e a Itália. Constata-se nesta categoria
temática que os textos apresentam contornos mais informativos, apresentando – mesmo
longe do ideal paradigmático da imparcialidade jornalística – versões diferentes dos
fatos e diferindo-se da tendência normativa das etapas iniciais da cobertura da guerra.
Entretanto, verifica-se que a utilização de editoriais informativos, possível reflexo do
desgaste sofrido pelo fascismo italiano frente à opinião pública, não representa o
abandono por parte do semanário da estratégia de ocultamento, tônica identificada
durante toda a cobertura.
Enfim, ressalta-se que a cobertura distribuída em temáticas distintas realizada
pelo veículo revela seu processo de envolvimento com a temática maior: a Segunda
Guerra Mundial. Nota-se que o jornal aproxima-se e distancia-se de assuntos referentes
ao conflito, contorcendo-se – dentro de seus limites e percepções – junto ao movimento
pendular realizado pelo Estado Novo entre “Eixo” e aliados. Mas, escaldado no jogo de
interesses do período, em nenhum momento o semanário deixa claro seu
posicionamento em relação aos lados beligerantes – posição compreensível quando
considerado o fato de o jornal já ter sido criado sob vigência do Estado Novo. Mesmo
ao adotar durante um determinado período um discurso que se aproxima da estratégia
do movimento integralista, o semanário O Eco não assume tal posição. Outro
104
delineamento verificado no veículo é o de valorização da liderança de Getúlio Vargas a
partir de 1942, posição justificada pelo acirramento do papel censor do DIP. Portando,
de modo geral, o jornal priva-se do embate e preza pela estratégia de ocultar-se frente às
diferentes bandeiras em conflito.
Compreende-se que o ocultamento relacionado a assuntos conflitantes em uma
determinada sociedade, estratégia à qual o jornalismo brasileiro passou a ser submetido
com freqüência em períodos de crise, é tão ideológico quanto uma postura assumida. No
caso específico do semanário O Eco, verifica-se que sendo ou não o veículo adepto do
Integralismo, a análise comprova que durante um determinado momento houve a
aproximação discursiva com a estratégia da AIB, colaborando para o consentimento em
relação à postura do grupo liderado por Plínio Salgado. Mais do que isso, nota-se que no
turbilhão de versões característico do período o semanário trilha seu próprio caminho de
sobrevivência, trajetória que é pavimentada entre contradições e pressões.
Por sua vez, Alexandre Chitto, jornalista responsável pelo semanário, pode ser
interpretado como um agente midiático que traduz em sua trajetória os sentidos de uma
espécie de “hibridismo” cultural. Esses sentidos estão contidos nas narrativas
construídas sobre a Itália, memórias que conectam seu presente ao seu passado e
imagens que são construídas sobre o país. Tal particularidade vai ao encontro da
formação do núcleo urbano Lençóis Paulista, consolidado nas primeiras décadas do
último século. Trata-se de um caso de centro urbano, como inúmeros outros espalhados
pelo território brasileiro, formado pela contribuição do trabalho imigrante. Nesses locais
“fronteiriços”, a partir dos processos produzidos na articulação das diferenças culturais,
encontra-se a matéria-prima capaz de dar início a novos signos de identidade. Signos,
estes, como os verificados na evolução (e na conseqüente inversão de valores) da
cobertura da Segunda Guerra Mundial realizada pelo O Eco.
Portanto, sugere-se que a análise contempla, dentro de suas limitações, os
objetivos propostos no início da pesquisa, a saber: 1) Identificar, pela ótica do
jornalismo impresso, a evolução do contato entre os lençoenses e a Itália no período
estudado; 2) Estudar de maneira crítica o processo de mitificação de personagens
históricos feito pelas versões oficiais entre os anos de 1939 e 1945; e 3) Contribuir para
a construção de uma visão mais crítica sobre as repercussões da Segunda Guerra
Mundial na história de Lençóis Paulista e do interior do Estado de São Paulo. Do
mesmo modo, a pesquisa acena positivamente à hipótese previamente levantada de que
105
a região tenha dado um tratamento peculiar à guerra motivado pela presença da colônia
italiana. Tratamento, este, com reflexos eminentes nos destinos do jornalismo local.
106
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APÊNDICE
Quadro – Editoriais de capa publicados no jornal O Eco, entre setembro de 1939 e
julho de 1944, assinados por Alexandre Chitto, com a temática da Segunda Guerra
Mundial (títulos com grafia original), coloridos por temática.
ANEXO
Reprodução dos editoriais de capa publicados no jornal O Eco, entre setembro de
1939 e julho de 1944, assinados por Alexandre Chitto, com a temática da Segunda
Guerra Mundial (corpo da pesquisa).
Editorial do semanário O Eco de 5/11/1939
Editorial do semanário O Eco de 11/12/1940
Editorial do semanário O Eco de 14/4/1940
Editorial do semanário O Eco de 28/4/1940
Editorial do semanário O Eco de 16/6/1940
Editorial do semanário O Eco de 10/11/1940
Editorial do semanário O Eco de 22/12/1940
Editorial do semanário O Eco de 26/1/1941
Editorial do semanário O Eco de 2/2/1941
Editorial do semanário O Eco de 30/3/1941
Editorial do semanário O Eco de 30/3/1941
Editorial do semanário O Eco de 6/4/1941
Editorial do semanário O Eco de 8/6/1941
Editorial do semanário O Eco de 22/6/1941
Editorial do semanário O Eco de 20/7/1941
Editorial do semanário O Eco de 20/7/1941
Editorial do semanário O Eco de 17/8/1941
Editorial do semanário O Eco de 31/8/1941
Editorial do semanário O Eco de 28/9/1941
Editorial do semanário O Eco de 5/10/1941
Editorial do semanário O Eco de 19/10/1941
Editorial do semanário O Eco de 26/10/1941
Editorial do semanário O Eco de 2/11/1941
Editorial do semanário O Eco de 1/3/1942
Editorial do semanário O Eco de 22/3/1942
Editorial do semanário O Eco de 29/3/1942
Editorial do semanário O Eco de 30/8/1942
Editorial do semanário O Eco de 5/9/1942
Editorial do semanário O Eco de 12/9/1942
Editorial do semanário O Eco de 11/10/1942
Editorial do semanário O Eco de 18/10/1942
Editorial do semanário O Eco de 18/10/1942
Editorial do semanário O Eco de 1/11/1942
Editorial do semanário O Eco de 15/11/1942
Editorial do semanário O Eco de 13/12/1942
Editorial do semanário O Eco de 10/1/1943
Editorial do semanário O Eco de 17/1/1943
Editorial do semanário O Eco de 31/1/1943
Editorial do semanário O Eco de 14/2/1943
Editorial do semanário O Eco de 21/2/1943
Editorial do semanário O Eco de 20/6/1943
Editorial do semanário O Eco de 11/7/1943
Editorial do semanário O Eco de 1/8/1943
Editorial do semanário O Eco de 8/8/1943
Editorial do semanário O Eco de 15/8/1943
Editorial do semanário O Eco de 22/8/1943
Editorial do semanário O Eco de 31/10/1943
Editorial do semanário O Eco de 7/11/1943
Editorial do semanário O Eco de 14/11/1943
Editorial do semanário O Eco de 9/1/1944
Editorial do semanário O Eco de 13/2/1944
Editorial do semanário O Eco de 20/2/1944
Editorial do semanário O Eco de 12/3/1944
Editorial do semanário O Eco de 2/4/1944
Editorial do semanário O Eco de 23/4/1944
Editorial do semanário O Eco de 7/5/1944
Editorial do semanário O Eco de 4/6/1944
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