Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CAMPUS DE BAURU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA
Leandro Eduardo Wick Gomes
A RELIGIÃO NA TV: A COMUNICAÇÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE
DEUS NA REDE RECORD
Bauru
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Leandro Eduardo Wick Gomes
A RELIGIÃO NA TV: A COMUNICAÇÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE
DEUS NA REDE RECORD
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação, da Área de
Concentração em Comunicação Midiática, da
Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da UNESP/Campus de Bauru,
como requisito à obtenção do título de Mestre
em Comunicação, sob a orientação da Profa.
Dra. Ana Sílvia Lopes Davi Médola.
Bauru
2006
ads:
3
Leandro Eduardo Wick Gomes
A Religião na Tv: A comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus na Rede Record
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação, da Área de
Concentração em Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
da UNESP/Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Banca Examinadora:
Presidente:
Instituição:
Titular:
Instituição:
Titular:
Instituição:
Bauru, __ de _______ de 2006.
4
Aos meus pais,
Osmar e Walkíria.
Pelo apoio sem igual nos momentos mais
importantes da minha vida, inclusive na
realização deste trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
À Deus
Ao meu irmão Willian, que mesmo distante, pude contar com a sua ajuda para
mais esse desafio.
À minha namorada Andreia, pela compreensão e incentivo neste momento da
minha vida.
Aos meus amigos Magnus, Fábio e Diego, que me deram apoio e foram como
irmãos para mim.
Aos meus colegas de faculdade que conheci, onde tivemos oportunidades de
ótimas trocas de experiências de vida e de saber.
À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Sílvia Médola, pelo bom-humor e paciência
para me conduzir até o fim desse projeto.
Aos companheiros Hélder e Sílvio que sempre estiveram à disposição em todos os
momentos.
6
GOMES, Leandro E. W. A Religião na Tv: A comunicação da Igreja Universal do Reino de
Deus na Rede Record. 2006. Xf.. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP. Bauru, 2006.
RESUMO
Diante do crescimento do número de seus féis, a Igreja Universal do Reino de
Deus também expande sua presença em vários segmentos da sociedade. A partir de estratégias
modernas de comunicação, a igreja adquiriu essa visibilidade utilizando principalmente os
meios de comunicação de massa e entre todos os projetos na área, a Rede Record de televisão
demonstra ser o mais ambicioso. Altos investimentos ocorreram no aspecto técnico e na
programação da emissora que refletiram na audiência conseguida, a ponto de assumir a vice-
liderança no Ibope durante o horário nobre da TV (18h às 24h). A influência da emissora
também é percebida nos bancos da igreja do bispo Macedo, muitos testemunhos confessam
que foi através da programação religiosa, presente nas madrugadas da Record, que induziram
os fiéis a participarem das reuniões. Com base nos estudos semióticos de linha francesa, o
trabalho apresenta as articulações dos elementos enunciativos manifestadas nos programas de
TV da Igreja Universal para a produção de sentido. De acordo com o percurso gerativo da
significação, podem-se apontar as estratégias discursivas do texto audiovisual que pretendem
produzir o efeito de sentido de verdade e promover a adesão não só ao programa em si, mas a
todo o conteúdo religioso da instituição. Dessa forma, a prioridade da IURD não é conquistar
altos índices de audiência, mas estabelecer um contrato fiduciário entre destinador e
destinatário da comunicação para que seu telespectador se torne um consumidor dos serviços
religiosos e bens simbólicos oferecidos.
Palavra-chave: televisão; semiótica; discurso, veridicção; Igreja Universal.
7
ABSTRACT
Ahead of the growth of the number of its faithful people, the Universal Church of
the Kingdom of God also expands its presence in some segments of the society. From modern
strategies of communication, the church acquired this visibility using mainly the mass
communication media and among all the projects in the area, the Record TV Network
demonstrates to be the most ambitious. High investments had occurred in the technical
aspects and in the programming of the broadcasting station, which reflected in the obtained
audience, even assuming the vice-leadership in the audience ranking during the noble
schedule of the TV (18h to 24h). The influence of the broadcasting station is also perceived in
the seats of the bishop Macedo’s church. Many testimonials confess that the faithful people
have been induced to participate in the meetings because of the religious programming
broadcasted during the dawns of Record. Based on the semiotic studies of the French
approach, the work presents the articulations of the enunciative elements revealed on the TV
programs of the Universal Church for the meaning production. Through the generative course
of the signification, the discursive strategies of the audiovisual text can be pointed out. They
intend to produce the truth-effect sense and not only promoting the adhesion to the program
itself, but to all the religious content of the institution. This way, the priority of the UCKG is
not to conquer high indices of audience, but to establish a fiduciary contract between sender
and receiver of the communication so that its viewer becomes a consumer of the offered
religious services and symbolic goods.
Keywords: television; semiotics; speech, veridiction; Universal Church.
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Participação das principais igrejas no movimento evangélico ....... 24
QUADRO 2: Distribuição da população por religião ........................................... 42.
QUADRO 3: Programação da IURD na Record .................................................. 84
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BAND: Bandeirantes (TV)
CACP: Centro Apologético Cristão de Pesquisas
CIN: Censo Institucional Evangélico
CNT: Central Nacional de Televisão (TV)
CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
ISER: Instituto de Estudos da Religião
IURD: Igreja Universal do Reino de Deus
LOTERJ: Loteria do Estado do Rio de Janeiro
ONU: Organização das Nações Unidas
PMR: Partido Municipalista Renovador
PRB: Partido Republicano Brasileiro
SBT: Sistema Brasileiro de Televisão
TV: Televisão
VT: Vídeo Tape
10
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
RESUMO ............................................................................................................... 6
ABSTRACT .......................................................................................................... 7
LISTA DE TABELAS .......................................................................................... 8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................... 9
1 - INTRODUÇÃO ................................................................................................ 13
2 - Igreja Universal do Reino de Deus: fenômeno religioso ou comunicacional? . 16
2.1 - O movimento evangélico e as diferentes denominações ............................... 17
2.2 - Breve histórico do movimento evangélico no Brasil .................................... 20
2.3 - A Igreja Universal do Reino de Deus: surgimento e expansão ..................... 23
2.4 - A Igreja Universal como instituição religiosa ............................................... 29
2.5 - A Igreja Universal como instituição empresarial ......................................... 34
2.6 - O Rádio e a TV no processo de evangelização ............................................. 37
2.7 - A pluralidade da TV religiosa ........................................................................ 40
3 - Abordagem teórica das estruturas enunciativas no texto televisual .................. 47
3.1 - A Igreja Universal a partir da Rede Record .................................................... 48
3.2 - O sentido do texto audiovisual ........................................................................ 50
3.3 - A instância da enunciação ............................................................................... 55
11
3.4 - Estruturas de análise do texto ........................................................................ 57
3.4.1 - Estruturas sêmio-narrativas ............................................................ 58
3.4.2 - Estruturas discursivas ..................................................................... 64
3.5 - A questão da veridicção no discurso ............................................................. 70
3.6 - A figuratividade na construção de um dizer-verdadeiro ............................... 73
3.7 - O contrato fiduciário: valores e formas de adesão ........................................ 76
4 - Características do discurso religioso da programação da Rede Record ........... 80
4.1 - A Igreja Universal como atração na TV ........................................................ 81
4.2 - A instauração da falta para a conquista de novos fiéis .................................. 84
4.3 - A fé como elemento mágico de transformação ............................................. 93
4.4 - Recorrência temática na variação de formatos .............................................. 98
4.5 - O testemunho: identificação que motiva a ação ............................................ 102
5 - APONTAMENTOS FINAIS ........................................................................... 107
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 113
7 - APÊNDICE ...................................................................................................... 119
12
1 - INTRODUÇÃO
13
INTRODUÇÃO
Embora a Igreja Católica se mantenha como religião hegemônica no cenário
brasileiro, é possível verificar um aumento no número de fiéis evangélicos em uma proporção
significativa, ocorrida especialmente a partir da década de 90. Entre as denominações que
mais atraíram fiéis, a Igreja Universal do Reino de Deus é o exemplo mais visível. Mesmo
com a discordância de outras importantes igrejas evangélicas sobre a sua postura eclesiástica,
a IURD se estabeleceu com uma forma de ação diferenciada quanto às estratégias de
proselitismo e ofertas de produtos religiosos.
Essa dimensão que a Igreja Universal adquiriu diante da sociedade tem sido
abordada em áreas do conhecimento como a sociologia, a antropologia, a comunicação e os
estudos de religião, ressaltando a relação da instituição com os meios de comunicação. Para
compreender mais profundamente tal relação, o presente trabalho pretende identificar algumas
práticas exercidas pela IURD que podem ser observadas nas manifestações discursivas dos
programas de TV. A tele-evangelização, muitas vezes, significa o primeiro momento da
adesão de um futuro fiel. Por isso, é muito valorizada como um dos mais importantes recursos
de comunicação da igreja. Nessas oportunidades de estar na tela da TV, os pastores convidam
a audiência a participar das reuniões, que possuem temas específicos em cada dia da semana,
nos quais são distribuídos objetos variados, revestidos de um valor sagrado. Estratégias de
comunicação aparentemente simples, mas que levaram a Igreja Universal, com apenas doze
anos de existência, a adquirir a Rede Record, que atualmente disputa com o SBT o posto de
segunda maior rede de televisão do país.
A própria a Igreja Católica sentiu a necessidade de alterar sua política de
comunicação devido ao êxito do tele-evangelismo da Universal e em 1995 criou a Rede Vida
de Televisão para tentar, de certa forma, recuperar o espaço e tempo perdidos. Diante disso, o
panorama atual dos programas de TV religiosos é muito diferente da realidade encontrada até
os anos 80. Na época, o público podia assistir às missas dominicais, aos pregadores norte-
americanos e alguns poucos pastores brasileiros, em escassos horários nas grades de
programação das emissoras. Hoje, a audiência tem a oportunidade de ver programas até
mesmo no considerado horário nobre da TV, com uma qualidade técnica adequada.
As denominações evangélicas que apresentam um maior crescimento nesses
últimos anos estão presentes na mídia televisiva e o exemplo da IURD chama a atenção
14
porque, em menos de trinta anos, ela se tornou uma das maiores igrejas protestantes do Brasil.
Pela TV, a Universal pôde alcançar regiões do país nas quais não se poderiam imaginar abrir
um templo. Se para isso foram necessários altos investimentos nos meios de comunicação de
massa, a proporção de sua expansão também seguiu um ritmo acelerado, embora tenha se
apresentada agressiva em muitos momentos diante das religiões espíritas e do catolicismo.
Além de prestar serviços religiosos e de assistência social, que são próprios de
uma missão religiosa, a Igreja Universal oferece uma gama enorme de outros produtos que a
caracterizam também como um grande conglomerado empresarial, nos quais constam planos
de saúde, empréstimos bancários, viagens de turismo, entretenimento e informação em
diversas mídias. A administração é extremamente centralizada na pessoa do bispo Edir
Macedo, fundador da igreja, que segue as modernas estratégias no mundo dos negócios e visa
estabelecer uma relação não somente eclesiástica com seu fiel, mas uma relação de empresa e
cliente.
Os projetos e a influência da IURD abrangem até mesmo o cenário político, que
conseqüentemente, incorporou novos aspectos na relação entre religião e política. Nos anos
90, o Congresso Nacional conheceu o surgimento da chamada “bancada evangélica” em
Brasília. Até então, as relações entre os protestantes e a política eram mais veladas, mas a
necessidade de defender os interesses das igrejas despertou a intenção de instituir líderes
religiosos para cargos políticos. Fatos como a prisão do bispo Macedo em 1992, a necessidade
de apoio político para obter concessões de rádio e TV e projetos como a “lei do silêncio”, que
obrigaria as igrejas a respeitarem horários e níveis de barulho, foram alguns dos argumentos
para que líderes evangélicos pedissem votos para os representantes escolhidos pela igreja.
Embora a Assembléia de Deus possua o maior número de deputados federais com vinte e três
representantes, a IURD, com 1/4 de fiéis em relação a maior igreja evangélica do Brasil, tem
apenas um deputado a menos, vinte e dois, resultado de uma ação de apresentação sistemática
de candidatos aos diversos cargos políticos, criando inclusive o Partido Republicano
Brasileiro (PRB) em 2005.
Considerando a Igreja Universal como um fenômeno estruturado com base
também na utilização da comunicação massiva e a TV um espaço privilegiado para
evangelização, este trabalho apresenta-se organizado em três partes, que, de modo geral,
reconstitui o contexto religioso no qual a IURD está inserida, assim como suas estratégias de
comunicação e sua constituição de caráter empresarial. A partir desse panorama, pretendemos
avaliar a importância da Rede Record de Televisão para a evangelização e revelar algumas
15
estratégias discursivas utilizadas pela igreja de acordo com a análise semiótica,
fundamentação teórica adotada.
O primeiro capítulo aborda a complexidade em tentar definir o movimento
evangélico, pois o mesmo se configura fragmentado. Discutimos também a forte influência
das igrejas norte-americanas na história do movimento evangélico brasileiro. Procuramos
demonstrar como essa pluralidade religiosa e a secularização do sentido da religião
influenciam a postura eclesiástica e balizam as principais características que delineiam
algumas e características religiosas atualmente. É nesse contexto no qual a Igreja Universal se
configura sintonizada com a realidade e conquista visibilidade no cenário nacional.
A relação de importância que a Rede Record tem com a IURD, destacando a
emissora como o principal meio de divulgação da igreja, é tratada no segundo capítulo, como
um dos resultados da eficácia dos discursos religiosos por ela veiculados. Para compreender
como tais discursos o construídos, utilizamos o instrumental teórico-metodológico da
semiótica discursiva de linha francesa, capaz de revelar os efeitos de sentido engendrados
pelos procedimentos enunciativos e valores presentes no discurso midiático da igreja, por
meio dos elementos que articulam o percurso gerativo da significação. Serão apresentadas de
forma sintética as principais formulações teóricas sobre os mecanismos sêmio-narrativos e
discursivos que subsidiarão as análises visando demonstrar as estratégias de construção dos
efeitos de sentido de verdade e de manipulação da audiência.
Por fim, o terceiro capítulo concentra-se nas análises de segmentos extraídos dos
programas de TV da IURD, veiculados na Rede Record. Procura-se investigar quais os eixos
comuns entre os diferentes programas, de que modo são estabelecidos os contratos na relação
de comunicação entre a emissora e a audiência nesse gênero de produção, a contribuição do
domínio da linguagem televisual no fazer persuasivo, entre outros. Questões que permeiam a
busca da compreensão da dimensão que a Igreja Universal adquiriu na sociedade brasileira
contemporânea após estabelecer a televisão como o principal meio de evangelização para
expandir suas próprias estruturas.
16
2 – IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: FENÔMENO RELIGIOSO OU
COMUNICACIONAL?
17
2.1 - O MOVIMENTO EVANGÉLICO E AS DIFERENTES DENOMINAÇÕES
O panorama da religiosidade brasileira tem revelado uma considerável
transformação dentro de nossa sociedade nessas últimas décadas. Se durante séculos a Igreja
Católica manteve a hegemonia dos fiéis brasileiros, nessas últimas três décadas, os números
mostram que essa hegemonia não é mais tão absoluta assim, pois o movimento evangélico
encontrou no Brasil, um campo fértil para seu crescimento. Dentre várias instituições
evangélicas que conseguiram seu espaço e visibilidade no país, a que mais se destaca é a
Igreja Universal do Reino de Deus, que em menos de trinta anos, já é uma das mais
importantes igrejas evangélicas em número de fiéis, na participação política e nos meios de
comunicação no Brasil.
Fundada em 1977 no Rio de Janeiro e tendo como seu principal líder Edir
Macedo, a Igreja Universal é a igreja evangélica que mais cresce no Brasil e se encontra
presente em cerca de noventa países. O principal instrumento de divulgação de sua mensagem
é o rádio e a TV. Os grandes investimentos, desde o seu começo, nos meios de comunicação
são alguns dos principais motivos que justificam essa grande adesão de novos fiéis ao longo
desses anos.
Mesmo considerando a IURD como uma igreja evangélica, é impossível
esclarecer as características desse universo religioso, que se apresenta de forma complexa.
Diferentes significados podem representar sentidos peculiares, desde o termo popular crente,
como também o termo protestante, pentecostal ou, para pesquisadores, o termo
neopentecostal. Afirmar que um segmento religioso é evangélico não é suficiente para
elucidar a complexidade e diversidade de crenças, práticas religiosas, estruturas de
organização e formas de inserção na sociedade. Antes de definirmos os traços principais da
Igreja Universal, é necessário primeiramente esclarecer as peculiaridades desses termos pra
podermos distinguir mais precisamente o enfoque dado na mídia, nas pesquisas acadêmicas e
até mesmo no cotidiano.
De acordo com essas variações dos termos do protestantismo, Mendonça (2000, p.
71) afirma que “vemos essa confusão nos meios de comunicação, em especialistas e nas teses
acadêmicas. São colocados no mesmo espaço classificatório, grupos que se excluem assim
como do próprio conceito generalizado de protestantes”.
18
O termo protestante refere-se historicamente às igrejas oriundas da Reforma
Protestante na Europa do século XVI
1
, tendo como principal líder Martinho Lutero (1483-
1546), o movimento criticou algumas práticas religiosas e políticas da Igreja Católica. Neste
caso, a identidade evangélica é definida a partir da referência do catolicismo, poder-se-ia até
pretender englobar todas as igrejas cristãs não-católicas somente nessa categoria, mas mesmo
assim não se conseguiria ter uma unanimidade nessa identificação, porque os batistas, por
exemplo, não aceitam serem reconhecidos como oriundos da Reforma, pois sua formação
religiosa é anterior a essa época histórica, decorrente do movimento anabatista.
Ainda sobre o termo restrito de protestante, o IBGE oferece duas categorias:
protestante tradicional e protestante pentecostal. No nosso contexto, o termo protestante
(tradicional) referir-se-á às igrejas tradicionais, ligadas ao protestantismo histórico e o termo
protestantismo pentecostal estará inserido no contexto das igrejas pentecostais (que têm sua
origem nos movimentos norte-americanos do início do século XX). Para fazer referência, de
modo geral, às igrejas cristãs não católicas
2
, elas serão apresentadas como igrejas
evangélicas. De acordo com Freston (1993, p. 1) o termo evangélico é considerado um
sinônimo de protestante”, enquanto o primeiro é preferido por membros das igrejas, o
segundo é usado por pesquisadores não comprometidos com a instituição religiosa.
Através dos trabalhos missionários das igrejas protestantes e da necessidade de
unificar sua mensagem religiosa de modo a não causar confusão na identificação de seus
nomes nas áreas missionárias, o termo evangélico foi mais utilizado. Mendonça e Velasques
Filho (1990, p. 15) comentam que “a auto-identificação de evangélico era individual e
significava o compromisso da pessoa com aquele conjunto de princípios doutrinários; antes de
pertencer a esta ou aquela denominação, o indivíduo era evangélico”.
O propósito evangelizador do protestantismo faz com que os fiéis dessas igrejas
participem da divulgação da religião que freqüentam. Enquanto ser reconhecido como
protestante pode pressupor uma ligação com as causas de Lutero contra práticas do
catolicismo, ser evangélico sugere ser também um missionário, alguém que aceita a
mensagem de Jesus e se prontifica a divulgá-la.
Um outro termo muito conhecido também é identificar o fiel como um crente e
Mendonça e Velasques Filho (Ibid., p. 16) justificam que
1
O contexto histórico possibilitou uma intensa propagação do protestantismo, havia vários outros críticos de
dentro e fora da Igreja Católica que abordavam as questões como a venda de indulgência, purgatório e
penitências.
2
Mendonça (2000) observa que algumas igrejas cristãs não-católicas também não são protestantes, como é o
caso da Igreja Ortodoxa.
19
A
antiga auto-identificação de ‘crente’ está ficando cada vez mais relegada às áreas
pentecostais. De fato, os protestantes tradicionais apresentam, principalmente nas
áreas urbanas, acentuado preconceito contra a designação de ‘crentes’ [...]. De modo
esquemático, quanto à identificação atual dos cristãos não-católicos no Brasil, a
situação é esta: o termo ‘crentes’ identifica pentecostais e protestantes tradicionais
em regiões rurais.
Até a década de 80, o evangélico era reconhecido mais como crente nas regiões
do interior do Brasil. Igrejas como a Assembléia de Deus e Congregação Cristã tinham a
maioria dos fiéis, que eram reconhecidos por não assistirem televisão, as mulheres não
cortavam os cabelos e usavam saias e vestidos, os homens usavam calças compridas,
evitando shorts e bermudas. Essas características de usos e costumes ficaram associadas ao
termo crente, que para grande parte dos novos evangélicos, é um termo indesejado.
Dentro do universo das igrejas pentecostais, Paul Freston (1993) trata o
desenvolvimento histórico como se pudesse ser compreendido como a história de três ondas
de implantação de igrejas. De acordo com a análise de várias definições propostas, Ricardo
Mariano (1995) apresenta o seguinte conceito para cada onda: a primeira foi no início do
século XX (na década de 1910), denominada de pentecostalismo clássico, em seguida, nos
anos 50, temos o pentecostalismo neo-clássico e a terceira onda ocorreu a partir dos anos 70,
conhecida como neopentecostalismo.
A expressão pentecostalvem do grego e está relacionada a uma festa judaica
celebrada cinqüenta dias após a Páscoa. Particularmente no movimento evangélico, o sentido
desse termo se refere à experiência de uma manifestação sobrenatural do Espírito Santo sobre
os discípulos dias após a morte e ascensão de Jesus Cristo, justamente na Festa de
Pentecostes. Segundo registra o livro de Atos dos Apóstolos cap. 2, o Espírito Santo desceu
como um vento impetuoso e encheu todo o lugar em que estavam reunidos cerca de cento e
vinte discípulos, no cenáculo em Jerusalém. Em seguida eles começaram a falar novas
línguas, a ponto de todo o povo estrangeiro entender o que falavam nas suas respectivas
línguas maternas, apesar dos apóstolos não serem poliglotas.
De acordo com Juvêncio B. Silva (2005), alguns pregadores como Charles
Parham (a partir de 1901) e seu aluno de teologia W. J. Seymour, anunciavam a mensagem do
batismo com o Espírito Santo com a evidência da glossolália
3
com muito sucesso. Os novos
3
De origem grega, glossolália significa, língua, linguagem e fala. É um termo que se refere à experiência de falar
uma outra língua, ainda que desconhecida. Tal experiência é atribuída à ação do Espírito Santo na vida do cristão
e é o principal fundamento da teologia pentecostal.
20
fiéis fundaram o movimento pentecostal nos Estados Unidos no início do século XX. O
movimento pentecostal está fundamentado na experiência apostólica registrada no livro de
Atos dos Apóstolos, ou seja, aqueles que receberam o dom do Espírito Santo, assim como os
discípulos, manifestam a glossolália e são considerados batizados pelo Espírito Santo.
O pentecostalismo cresceu muito nos Estados Unidos a ponto de não se restringir
em seu próprio território, em pouco tempo, atingiu vários países através de imigrantes leigos e
missionários, inclusive o Brasil. Na década de 70 em diante, as igrejas pentecostais que
surgem não enfatizam tanto o falar em outras línguas e são mais flexíveis nos usos e costumes
de seus fiéis. A ênfase nas músicas religiosas e no uso dos meios de comunicação fazem
dessas igrejas não tão semelhantes como as igrejas pentecostais que se originaram no início
do século XX. Para caracterizar essas novas igrejas pentecostais, estudiosos como Freston as
denominam de igrejas neopentecostais, inclusive a Igreja Universal do Reino de Deus.
Mas de modo abrangente, pelo menos na mídia, o termo evangélicoé o mais
utilizado quando se refere aos grupos religiosos cristãos não-católicos provenientes da
Reforma Protestante, inclusive os pentecostais. A idéia que pretende apresentar certa
uniformidade, não consegue corresponder à realidade dos vários segmentos protestantes e
suas doutrinas de fé.
2.2 – BREVE HISTÓRICO DO MOVIMENTO EVANGÉLICO NO BRASIL
A presença da religião no Brasil durante sua história confunde-se muito com a
presença da Igreja Católica. Desde a catequização indígena até a conversão dos negros
escravos, os missionários católicos fizeram com que as tradições religiosas dos nossos
colonizadores fossem assumidas por quase a totalidade da população e transformasse o país
na maior nação católica do mundo.
Já um dos primeiros indícios da presença protestante no Brasil foi registrado
durante a invasão holandesa nos anos de 1624 e 1625. De acordo com o Centro Apologético
Cristão de Pesquisa (CACP) os holandeses divulgaram a doutrina protestante principalmente
entre os índios, mas com a expulsão deles do Brasil pelos portugueses, nenhuma igreja
protestante foi estabelecida e os sinais da catequese indígena desapareceram.
21
Sobre a situação do protestantismo no Brasil até o século XIX, Ribeiro (1973, p.
15) afirma que “quando se proclamou a Independência, contudo, ainda não havia igreja
protestante no país. Não havia culto protestante em língua portuguesa. E não notícia de
existir, então, sequer um brasileiro protestante”.
Se em um primeiro momento a influência portuguesa fez do Brasil uma colônia
essencialmente católica, a partir do culo XIX, a vinda de imigrantes de outras partes da
Europa traz consigo traços da Reforma Protestante. É o caso dos imigrantes alemães, sua
formação religiosa era luterana e foram os responsáveis por estabelecer a primeira igreja
protestante no Brasil, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, em 1824. Em seguida
vieram a Igreja Presbiteriana em 1859, Igreja Metodista e Igreja Batista, ambas em 1881
4
.
Esse primeiro movimento evangélico representa as igrejas conhecidas como protestantes
tradicionais, elas foram cautelosas nas suas estratégias de evangelização e discretas em
número de fiéis ao comparar com a grande maioria católica da época.
Devido à vinda de imigrantes europeus para colonizarem e trabalharem nas
lavouras do país, a flexibilização legal quanto à liberdade de culto foi se estabelecendo aos
poucos. Como conseqüência, o Brasil recebia clérigos protestantes da Inglaterra, Alemanha e
Estados Unidos, até que na proclamação da República, o Estado passou a garantir plena
liberdade de culto. Barbosa (2000, apud PINHEIRO, 2000) destaca que o protestantismo do
século XIX se caracterizou pela ausência de confrontos diretos com o catolicismo, com a
esfera política e jurídica a fim de assegurar a permanência dos missionários no Brasil. A
preocupação inicial dos missionários protestantes era promover o serviço de capelania voltado
para os imigrantes. Em seguida, a prioridade se concentrou em estruturar igrejas e formar
líderes para depois atuar entre os brasileiros católicos. A estratégia de divulgação da
enfatizava a alfabetização e ensinamentos pragmáticos, contrapondo-se com as tradicionais
escolas vigentes ministradas por sacerdotes católicos.
A partir do início do século XX, novas igrejas surgem com um caráter mais
dinâmico em suas reuniões e que foram conhecidas no Brasil como igrejas pentecostais. A
oração é participativa, todos fazem seu clamor ao mesmo tempo em voz alta, a música ganha
mais destaque, as manifestações sentimentais são valorizadas, com a liberdade de poder
manifestar o dom do Espírito Santo, o falar em línguas estranhas (doutrina básica do
pentecostalismo). Esse movimento é importante para análise porque se liga diretamente às
4
Dados obtidos do Núcleo de Pesquisa ISER e do CIN Censo Institucional Evangélico de 1992.
22
bases religiosas da Igreja Universal, que herda o pentecostalismo e nele introduz novos
elementos e uma nova dinâmica.
A primeira igreja pentecostal a chegar ao Brasil foi a Congregação Cristã no
Brasil. Fundada em 1910, por Luís Francescon, um italiano criado nos Estados Unidos e que
veio para São Paulo com propósito de evangelizar, mas por divergências teológicas foi
expulso da Igreja Presbiteriana. No ano seguinte (1911), dois missionários suecos, mas que
também participaram das reuniões avivalistas dos Estados Unidos, fundaram no Pará a Igreja
Assembléia de Deus. São as igrejas que inauguraram a primeira fase do movimento
pentecostal no Brasil e predominam durante quarenta anos, pois suas concorrentes são
inexpressivas.
A segunda onda do movimento pentecostal brasileiro se em meados do século
XX, conhecida como pentecostalismo neo-clássico, se destaca pela vinda da Igreja do
Evangelho Quadrangular em 1951 (também de origem norte-americana), a Igreja Brasil para
Cristo em 1955 e a Deus é Amor em 1962. Essas igrejas começaram a utilizar os fenômenos
da cultura de massa em prol da evangelização. Os traços apresentados dessa cultura estavam
presentes nas estruturas de lonas semelhantes a circos para realização dos cultos, no uso de
programas radiofônicos e também nas músicas alegres dos cultos, de letras simples,
acompanhadas em ritmo de palmas pelos fiéis. Elas apresentavam o espetáculo da fé, com
demonstrações de milagres e curas divinas, sob liderança de pastores carismáticos e
empolgantes. Essa fase já apresenta uma forte fragmentação de ministérios eclesiásticos.
A partir da década de 70 uma pluralização maior de igrejas evangélicas no
Brasil. O movimento pentecostal apresentou novas características, principalmente na sua parte
administrativa, mais centralizada em torno de um líder. Surgem novas denominações,
conhecidas como igrejas neopentecostais e que apresentam uma estrutura organizacional com
fortes características empresariais, tanto em gerenciamento, marketing e projeção de
crescimento. Mais uma vez, essa nova fase do movimento evangélico surge sob forte
influência de missionários evangélicos norte-americanos. As denominações neopentecostais
vislumbram a mídia, tanto o rádio quanto a televisão, como seus principais meios para
divulgar suas mensagens e arrebanhar mais fiéis.
Os aspectos que podemos sintetizar sobre o neopentecostalismo são a ênfase da
pregação sobre a teologia da prosperidade, a realização de exorcismos e a cura divina. Se
durante um bom tempo a tradição dos usos e costumes dos pentecostais os distinguia na
sociedade e eram facilmente reconhecidos como crentes, a proposta dessas igrejas é pela
23
liberalização. Já o sinal que mais reconhecia a igreja como sendo pentecostal, dom de falar em
outras línguas, continua presente, mas perde a prioridade na mensagem religiosa. As
denominações neopentecostais que mais se destacam é a Igreja Universal do Reino de Deus,
desde 1977, a Igreja da Graça, criada em 1980 e Renascer em Cristo, fundada em 1986.
Apesar de distinguir o movimento pentecostal em três diferentes ondas históricas,
algumas igrejas apresentaram traços correspondentes a outros momentos do pentecostalismo.
É o caso da Igreja Nova Vida fundada em 1960, ela poderia ser classificada como uma igreja
pentecostal neo-clássica, mas suas características eram muito semelhantes do
neopentecostalismo. De certo modo, ela está diretamente relacionada com as origens das
igrejas neopentecostais, tendo o próprio líder da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo, como
um dos importantes fiéis dessa igreja, assim como seu cunhado R.R. Soares (líder da Igreja
da Graça), até meados dos anos 70.
Algumas religiões evangélicas presentes no Brasil, como a própria Igreja
Universal, não conseguem refletir quase nenhuma similaridade com o protestantismo
histórico, presente ainda em denominações como os metodistas, presbiterianos, luteranos e
outros.
2.3 - A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: SURGIMENTO E EXPANSÃO
Se comparada a outras igrejas evangélicas brasileiras, de acordo com seu tempo
de existência, a Igreja Universal é uma igreja recente, mas se apresenta como uma das
maiores do ramo evangélico do Brasil, podendo considerá-la dessa forma como um dos mais
importantes fenômenos religiosos brasileiros.
O número de fiéis da igreja é impreciso. De acordo com os dados do IBGE de
2000, a IURD teria em torno de 2 milhões de membros, estando atrás apenas da Assembléia
de Deus e Congregação Cristã no Brasil. Guedes e Mendes (2000, p. 58) afirmam que em
2000, a Igreja Universal teria “2,5milhões de fiéis, segundo pesquisadores, ou 8 milhões,
conforme estatísticas da própria igreja”. O fato é que um consenso entre os estudiosos de
que seus fiéis não são menos que 2 milhões, mas dados de diferentes fontes indicam que pode
ser bem mais que isso.
24
Os dados do IBGE de 2000 colocam a IURD como a quarta maior igreja
evangélica do país. Dentre as principais de cada momento histórico do movimento evangélico
temos:
QUADRO 1 – Participação das principais igrejas no movimento evangélico
IGREJA FUNDADA EM Nº. DE FIÉIS
Batista 1881 3,1 milhões
Protestante Luterana 1824 1 milhão
Presbiteriana 1859 980 mil
Assembléia de Deus 1911 8,4 milhões
Pentecostal Congregação Cristã 1910 2,5 milhões
Quadrangular 1951 1,3 milhões
Neopentecostal Universal 1977 2,1 milhões
Total de Evangélicos no Brasil 26 milhões
Fonte: Censo demográfico do IBGE, 2000
Hoje a Igreja Universal se destaca na mídia e na sociedade, mas seu início
modesto se deu no coreto de uma praça no bairro do Méier, no Rio de Janeiro, quando Edir
Macedo ainda realizava reuniões ao ar livre. Um de seus primeiros fiéis foi o ex-bispo e
também ex-deputado federal Carlos Rodrigues
5
(1998, p. 15) no qual relembra que “todo
sábado, às 18 horas, o bispo Macedo levava uma caixa de som e um pequeno teclado e
pregava para meia dúzia de pessoas. Foi que conheci o seu trabalho, quando passava pela
praça”.
O principal líder da igreja, Edir Bezerra Macedo, nasceu em fevereiro de 1945 na
cidade fluminense de Rio das Flores, numa família de migrantes nordestinos. Sua família
mudou para Petrópolis e em seguida para São Cristóvão e com 17 anos começou a trabalhar
5
A declaração faz parte de uma entrevista concedida para a própria revista Plenitude da IURD antes das eleições
de 1998. Durante muitos anos, o bispo Rodrigues foi um dos principais responsáveis pela articulação política da
Igreja Universal, mas foi afastado do seu cargo na igreja por ter seu nome entre os suspeitos de participarem do
esquema de corrupção conhecido como o caso do “mensalão” (denunciado em 2005) e a “máfia dos
sanguessugas” (denunciado e preso em junho de 2006).
25
como office-boy da Loteria do Rio de Janeiro (Loterj), vinculada a Secretaria de Finanças do
Estado. De católico e freqüentador da umbanda, em 1963, Edir Macedo se converteu com 18
anos de idade para a Igreja Nova Vida, no qual permaneceu por 11 anos.
Juntamente com seu cunhado R.R. Soares, Roberto Augusto Lopes e os irmãos
Coutinho, Macedo saiu da Igreja Nova Vida e abriu a Cruzada do Caminho Eterno em 1974.
Os desentendimentos com os irmãos Coutinho fizeram os demais a criarem uma outra igreja
em julho de 1977 e assim surgiu a Igreja Universal do Reino de Deus
6
O primeiro endereço
da igreja foi uma antiga fábrica de móveis, onde funcionava uma funerária. O galpão alugado
ficava na Abolição (Rio de Janeiro) e tinha a capacidade para 1500 pessoas. Nessa época, a
divulgação das reuniões era feita por cerca de dez obreiros, que colocavam os folhetos nos
postes e convidavam as pessoas com panfletos a participarem dos cultos.
O modo centralizador e autoritário de administrar de Macedo fez com que
houvesse mais uma cisão na igreja e Romildo Soares se desligasse do ministério para fundar a
Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1980. Após a saída de Soares, Edir Macedo e
Roberto Augusto se auto consagraram bispos em 1981 e adotaram o mesmo modelo episcopal
da Igreja Nova Vida.
Roberto Augusto, co-fundador da igreja, foi o responsável pela implantação da
IURD em São Paulo, primeiramente no Parque Dom Pedro, em seguida mudaram para o
bairro da Luz e depois se fixaram no Brás
7
. Em 1984 ele regressou ao Rio de Janeiro e dois
anos depois foi eleito deputado federal com a maior votação do PTB, mas em 1987 saiu da
Igreja Universal e retornou à Igreja Nova Vida alegando que a visão de Macedo passara e ser
tão somente empresarial e mercantilista.
Em 1980 a Igreja Universal ingressou na mídia com um programa de 15 minutos
durante a madrugada na Rádio Copacabana AM do Rio de Janeiro. Quatro anos depois, em
1984, a emissora de rádio se torna a primeira aquisição da igreja, o que seria o primeiro passo
para a formação de uma grande estrutura comunicacional.
6
As informações dos dados históricos da IURD são encontradas nos seguintes textos: FRESTON, Paul. Breve
história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI et all. Nem anjos, nem demônios: interpretações
sociológicas do pentecostalismo. Ed. Vozes, Ed., Petrópolis, 1996, p. 131-159. SILVA, Juvêncio Borges.
Igreja Universal do Reino de Deus: empreendimento econômico, religioso e político. Tese de Doutorado.
Araraquara: UNESP, 2005. MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: Os pentecostais estão mudando.
Dissertação de Mestrado. USP, São Paulo, 1995, p.42-74. MENDONÇA, Antônio Gouvêa e VELASQUES
FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola e Ciências da Religião, 1990.
Revista Veja, 03.07.2002; 20.07.2005. Revista Plenitude . 52, nº.57, nº. 62 e nº. 63. No site oficial da igreja;
www.igrejauniversal.com.br.
7
A igreja do Brás se tornou sede nacional da IURD em 1989.
26
Ainda em 1980, a IURD inaugura também sua primeira igreja no exterior e o país
escolhido foram os Estados Unidos, na cidade de Mount Vermont, no estado de Nova York.
Em 1986, Macedo se mudou para com o intuito de difundir a igreja pelo mundo a partir de
Nova York, os recursos obtidos no exterior poderiam financiar os próprios fiéis convertidos a
regressarem para seus países de origem
8
como missionários da igreja.
No fim dos anos 80, a Igreja Universal realiza seu maior investimento até então e
adquiriu a Rede Record. A repercussão do fato fez a igreja ser conhecida pela sociedade
através da mídia nacional. Em novembro de 1989 Macedo voltou ao Brasil para concluir a
transação, com muita negociação e intensa campanha de arrecadação de dinheiro nos templos,
a IURD comprou a Record por 45 milhões de dólares.
A aquisição da emissora chamou a atenção da mídia pelo fato de como uma igreja
com doze anos de existência e um início modesto conseguiria tamanho volume de dinheiro
em tão pouco tempo. A Rede Globo e Rede Manchete apresentaram reportagens que
questionavam as curas testemunhadas na igreja, os rituais de exorcismo e as promessas de
prosperidade em programas como Globo Repórter e Documento Especial
9
. Através de
entrevistas com pastores ligados ao protestantismo histórico e líderes católicos, a imprensa
procurou questionar as práticas religiosas da igreja, bem como a daqueles que nela
depositavam sua confiança.
Sobre a parcialidade da mídia quanto ao aspecto religioso brasileiro e os conflitos
de interesses dos donos dos meios de comunicação, Mariano (1995, p. 55,56) analisa o
contexto a partir dos estudos de Paul Freston sobre o assunto:
Um ano depois, como frisou Freston, a Globo, no Fantástico, tratou de modo bem
distinto a Renovação Carismática Católica. Entrevistou pessoas de classe média que,
antes de serem curadas milagrosamente, haviam vencido o ceticismo dos bem-
instruídos. Fez propaganda das já concorridas intercessões de cura de Dona Laura,
moradora de Lorena. E, ao contrário do que fez com a IURD, não consultou
psiquiatras nem expôs opiniões negativas de médicos a respeito das supostas curas
alcançadas nas reuniões desta corrente pentecostal católica. No caso da IURD,
engodo e curandeirismo, no caso da RCC, milagre, novo modo de ser católico e de
viver o catolicismo.
A pressão da Rede Globo e Rede Manchete na época para tentar desarticular os
projetos da Igreja Universal na área televisiva foi intensa. Porém, as muitas denúncias e
8
Grande parte da população de Nova York é imigrante ou descendente de imigrante.
9
Programas exibidos em 15 mai. 1990 e 11 nov. 1990.
27
críticas não conseguiram inibir o crescimento da participação da IURD nos meios de
comunicação.
Após efetuar o primeiro pagamento da compra da Rede Record no primeiro
semestre de 1990, a Igreja Universal passou a ser investigada assim como a origem do
dinheiro empregado na negociação. No ano seguinte, Carlos Magno de Miranda
10
, ex-pastor
da igreja, acusou Edir Macedo de sonegação de impostos, remessa ilegal de dólares para o
exterior e de ter recebido um milhão de dólares, em dezembro de 1989, de um traficante
colombiano ligado ao Cartel de Medellín que teria se convertido à IURD.
A IURD rebateu as acusações afirmando que Carlos Magno foi exonerado de seu
cargo em 1990 devido a irregularidades administrativas e por ter se candidatado a deputado
federal contra as recomendações da igreja. Mas devido às denúncias feitas por ele, Edir
Macedo foi intimado a depor na CPI do Narcotráfico, em outubro de 1991. Carlos Magno não
compareceu à acareação com Macedo marcada pela polícia e acusou o relator da CPI de ter
recebido dinheiro de Macedo para sua campanha política, o que resultou em sua condenação a
um ano de prisão por difamação e o relatório final não apresentou provas contra a igreja.
Em maio de 1992, o bispo Macedo voltou a ter problemas com a justiça devido às
acusações de cinco ex-membros da igreja e desta vez acabou sendo preso. Na ação judicial
iniciada em 1988, os ex-membros alegaram que haviam se desfeito de todos os seus bens e
entregaram o dinheiro à Igreja Universal, mediante a promessa de que seriam beneficiados
com milagres. Macedo foi processado criminalmente por estelionato, charlatanismo,
curandeirismo, vilipêndio a culto religioso e incitação ao crime
11
.
Antes de ser libertado através de habeas-corpus, Macedo permaneceu doze dias
em uma cela especial na 91ª Delegacia de Polícia da Zona Oeste de São Paulo. Ele recebeu
visitas importantes de pastores evangélicos como R.R. Soares e políticos, como Luís Inácio
Lula da Silva.
No oitavo dia de prisão, cerca de dois mil fiéis da Igreja Universal formaram uma
corrente humana em volta da Assembléia Legislativa de São Paulo protestando contra a
detenção. Duzentos pastores de trinta e quatro igrejas e trinta deputados redigiram um
documento repudiando a prisão e afirmavam:
10
O pernambucano Carlos Magno foi pastor da IURD durante 11 anos e teve grande atuação em vários estados
nordestinhos.
11
A denúncia de incitação ao crime decorreu de declarações de um jovem que confessara o assassinato de várias
crianças no Rio de Janeiro e afirmara ter recebido inspiração na Igreja Universal.
28
O Brasil vive nos últimos dias momentos de preocupação no que diz respeito aos
direitos de expressão religiosa e suas garantias constitucionais. Os trinta e cinco
milhões de evangélicos de todo país exigem o cumprimento da Constituição e o fim
de todo tipo de discriminação religiosa (SILVA, 2005 apud MARIANO, 1999, p.
45).
As acusações proferidas contra o bispo Macedo poderiam ser muito bem dirigidas
a vários outros líderes religiosos que desenvolvem práticas semelhantes. Com isso, vários
pastores se solidarizaram com Macedo, até mesmo aqueles que discordavam de certas práticas
da IURD. Por ocasião da Eco 92, os líderes evangélicos organizaram uma passeata da
Candelária até a Cinelândia, no Rio de Janeiro e esse encontro foi conhecido como
“Celebrando Deus com o Planeta Terra”. O evento ocorreu um dia após a libertação de
Macedo da prisão e terminou com o próprio bispo orando de joelhos diante de mais de meio
milhão de evangélicos.
Alguns fatos polêmicos que envolveram a Igreja Universal voltaram a ocorrer em
1995. Em setembro, a Rede Globo apresentou a minissérie Decadência, escrita por Dias
Gomes, tinha como personagem principal o pastor Dom Mariel, líder da Igreja da Divina
Chama, interpretado por Edson Celulari. O protagonista era uma caricatura do bispo Macedo,
que enriquecia as custas da exploração financeira dos fiéis, aos quais prometia milagres para
aqueles que enchiam os “cofres de Jesus”.
No dia 12 de outubro do mesmo ano, no programa matutino da Igreja Universal, o
bispo Sérgio Von Helde apresentou uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida, a padroeira
do Brasil, de acordo com o catolicismo. Ao se referir à comemoração do dia da padroeira,
Von Helde pregou contra a idolatria, chutou e deu tapas na santa, afirmando que tal imagem
não era capaz de fazer nada. O episódio ficou conhecido como o “chute na santa” e foi
explorado pela mídia, principalmente na Rede Globo. A atitude revoltou muitos católicos por
todo país, alguns lugares houve invasão e tentativa de destruição dos templos da IURD e fez
com que o bispo Macedo fosse à televisão pedir desculpas pela atitude de Von Helde, que foi
imediatamente transferido para a África. Sobre o fato, Ferreira (SILVA, 2005, p.117 apud
FERREIRA, 1995, p. 98) afirma:
Uma das práticas mais comuns da Universal é desprezar outras religiões e agredir
seus símbolos. Durante os cultos, os pastores dizem o diabo da umbanda, xingam os
orixás do candomblé e acusam os adeptos do espiritismo de filhos do demônio. No
entanto, não se tem notícia de uma mobilização para defender umbandistas ou
kardecistas ou para denunciar a intolerância religiosa. ‘Esse episódio chamou a
atenção por duas razões’, diz o antropólogo Jefferson Barcelar, do Centro de
Estudos Afro-Orientais, da Universidade Federal da Bahia: ‘Porque a mídia deu
29
divulgação e porque eles mexeram com a religião majoritária do país, que é a Igreja
Católica’.
Ainda no ano de 1995, o ex-bispo Carlos Magno volta a atacar a Igreja Universal
revelando um vídeo gravado em 1990. O Jornal Nacional, da Rede Globo exibiu trechos em
que Macedo aparecia rindo enquanto contava dinheiro em um templo em Nova York,
divertindo-se num iate em Angra dos Reis e no intervalo de uma partida de futebol, ele
instruía os demais pastores a serem mais eficazes na coleta de dízimos e ofertas. As
denúncias, mais uma vez foram amplamente divulgadas pela mídia, mobilizaram a Receita
Federal, a Previdência Social, a Procuradoria da República e a Interpol para investigar a igreja
e seus líderes. A IURD, por sua vez, organizou imensas manifestações públicas reclamando
de perseguição religiosa e criticou a postura da Rede Globo. Somente no final dos anos 90 a
Igreja Universal e seus líderes conseguiram uma relativa tranqüilidade.
2.4 - A IGREJA UNIVERSAL COMO INSTITUIÇÃO RELIGIOSA
A organização administrativa da Igreja Universal é rigorosamente centralizada na
figura do bispo Edir Macedo. Ele coordena todas as diretrizes da igreja, a formação
doutrinária, as realizações das campanhas nos cultos, a escolha de pastores para as principais
igrejas, os planos para os meios de comunicação e a participação política da instituição entre
outros assuntos.
Na metade dos anos 90, foram nomeados dezenas de novos bispos para exercerem
a direção em nível regional, estadual e nacional, essa reorganização pretendeu evitar possíveis
divisões. O poder eclesiástico passou a ser representado por três instâncias hierárquicas; o
Conselho Mundial de Bispos, em seguida o Conselho de Bispos do Brasil e por fim o
Conselho de Pastores. Dessa forma, a estrutura da igreja se mantém verticalizada e suas
decisões concentradas nos bispos superiores da igreja, tendo sempre o comando de Edir
Macedo.
Esse modo centralizado de administrar é considerado como um dos principais
fatores para o crescimento da IURD, que segundo Mariano (2004)
30
O governo episcopal tal como exercido pela igreja reforça a unidade e a coesão
denominacional, dinamiza o processo decisório, agiliza a transmissão das ordens
superiores e a realização dos trabalhos administrativos, organizacionais e de
evangelismo, permite centralizar a administração dos recursos coletados e fazer
investimentos caros e estratégicos, como a abertura de novas congregações e frentes
de evangelização, a construção de templos de grande porte, a compra de emissoras
de rádio e TV, a criação de gravadoras, de editoras e de outros empreendimentos.
Muito diferente do que ocorre com a maioria das igrejas evangélicas, a Igreja
Universal abre seus templos todos os dias para realização de três cultos em média, na manhã,
tarde e noite. Seus pastores trabalham em tempo integral e com total exclusividade para a
igreja, que também conta com trabalho voluntário de dezenas de milhares de obreiros,
responsáveis por um importante suporte para o bom andamento das reuniões e da
evangelização pessoal.
Ser obreiro é o primeiro passo para quem quer tornar-se pastor ou até mesmo
bispo, o aprendizado para exercer o pastorado é a atuação prática nas igrejas, a exigência,
segundo Macedo (1994, p. 7) é “a conversão, a dedicação e o desejo de exercer a função”. O
aspirante a pastor deve aprender e reproduzir corretamente o que os pastores titulares fazem
no púlpito. De acordo com Silva (2005, p. 80) “há na IURD até mesmo uma forma de
mimetismo que se orienta pela forma do bispo ser, falar, pregar. A maioria dos pastores
procura imitá-lo: gestos, palavras, tom de voz, etc.”.
O culto é o momento mais importante da Igreja Universal. O marketing de rádio,
TV e jornais enfatizam a presença de seu público nas reuniões. Este é o momento em que a
pregação pode romper todo o ceticismo e barreiras de um futuro fiel, assim como é o local
onde se arrecada todo o dinheiro utilizado para os investimentos da igreja nas mais variadas
áreas.
Os fiéis participam ativamente no culto da IURD, nas músicas de louvor os fiéis
cantam, levantam as mãos e realizam algumas coreografias simples. O pastor escolhe alguns
fiéis para narrarem suas vidas, assim como a transformação ocorrida após freqüentarem a
igreja, o testemunho é um espaço importante na reunião para estimular a dos demais. O
momento da contribuição é tido como uma ocasião especial para exercer a fé, o fiel é
desafiado a contribuir com o seu melhor, para que Deus possa satisfazer o desejo de seu
coração. Nas orações, todos clamam a Deus juntamente com o pastor em alta voz, fazem seus
pedidos fervorosamente e repetem frases de vitória, que segundo a igreja, os liberta dos
problemas e dos “encostos” (espíritos malignos). Aliás, o exorcismo de demônios é um dos
mais importantes elementos dos cultos da IURD, o bispo Macedo (1997) explica que os
31
“encostos” são anjos caídos, espíritos que passaram a viver errantes a procura de corpos para
levar adiante seu intento maligno. Orixás, caboclos, preto-velhos, espíritos de luz e guias são
todos demônios, anjos caídos que procuram destruir a vida das pessoas.
A violência, a desigualdade social, a fome e a doença são resultados dos espíritos
malignos de acordo com a teologia da Igreja Universal e Silva (2005,p. 170) ainda acrescenta
que
Ameniza-se a responsabilidade do homem social, bem como se eximem as estruturas
sociais constituídas pelo homem de qualquer participação nos problemas presentes
na sociedade. As estruturas opressoras do próprio sistema social acabam por ser
isentadas de qualquer participação nos problemas sociais, sendo que a Igreja
Universal se torna a grande agência de solução de males sociais.
Atração em cultos especiais na Igreja Universal, o exorcismo reúne um número
crescente de pessoas que acreditam em mau-olhado, inveja, feitiço ou macumba como
responsáveis pelas desgraças. Ao invés de novenas e uso de água benta no catolicismo, a
IURD promove correntes de oração e a água ungida, mas também apresentam vários outros
elementos religiosos para práticas semelhantes da Igreja Católica, como óleo, sal, cruz entre
outros.
Os cultos são apresentados como o lugar para o fiel ter a experiência com o
mundo espiritual, com o sagrado e possa vivenciar os milagres, assim cria-se a consciência de
que os fiéis dependem desse momento para que essa experiência se perpetue. A Igreja
Universal oferece um tipo de reunião para cada dia da semana, de modo geral, todos os
problemas têm solução através das campanhas da igreja, conhecidas como Reuniões da
Felicidade
12
.
Na segunda-feira, realiza-se o Congresso Empresarial com a Nação dos 318
13
.
De acordo com a igreja, o objetivo é mostrar a importância de se ter uma vida próspera, em
que o aspecto financeiro e empresarial é aliado com a fé. A presença de fiéis nesse dia é muito
grande, tanto que na igreja sede são realizadas sete reuniões.
Terça-feira também ocorre um importante culto, conhecido como Sessão do
Descarrego. A reunião é apresentada como um tratamento espiritual para pessoas que sofrem
com problemas causados por “encostos”. Na lista de atuações mais comuns desses encostos, é
12
Slogan utilizado na divulgação dos dias de reuniões da igreja no site www.igrejauniversal.org.br
13
O termo Nação dos 318 pastores é inspirada na passagem bíblica do Velho Testamento que narra quando
foi feito cativo juntamente com sua família e seu tio Abraão, com 318 homens, perseguiu e derrotou o rei
Quedorlaomer e seus aliados, libertou e sua família e recuperou todos os bens que haviam sido roubados
(Gêneses 14:12-17).
32
apresentada a separação conjugal, vícios, traições, depressão, medo, nervosismo, doenças que
os médicos não conseguem diagnosticar e dívidas financeiras. Esses são problemas comuns na
sociedade e por isso o convite a participar da Sessão do Descarrego é praticamente para quase
todas as pessoas.
A Corrente dos Filhos de Deus é realizada na quarta-feira com ênfase na
participação dos próprios fiéis da igreja, depois deles terem sido libertos de espíritos malignos
na Sessão do Descarrego. Esta reunião propõe revigorar a do fiel para enfrentar as
tentações das forças malignas através da busca do Espírito Santo.
A Igreja Universal prega que depois da salvação pessoal, o próximo objetivo é
alcançar a libertação de todos os familiares da pessoa que freqüenta a igreja. Ainda segundo
ela, se problemas nessa área, mesmo que se tenha tudo, é impossível uma vida feliz,
portanto a quinta-feira é dedicada à Corrente da Família.
Na sexta-feira há uma ligação simbólica com os cultos afro-brasileiros. Segundo
os pastores, é o dia mais utilizado para realização de obras de macumba, bruxaria,
principalmente à meia-noite (quando em vários templos a IURD também realiza da Vigília da
Libertação). A Igreja Universal promove a Corrente da Libertação afirmando que esse dia é
especial para todos aqueles que têm problemas, estão desesperados e pensam até em se matar.
Realiza-se uma oração para libertar a pessoa de demônios, apresentados como entidades
associadas aos cultos afro-brasileiros como o exu, pomba-gira, preto-velho e outros.
Sábado é o culto especial para tratamento espiritual na vida amorosa, é a Terapia
do Amor. O termo terapia é utilizado na medicina e psicologia, referindo-se a um tratamento
de cura. Ao utilizar o termo, a Igreja Universal sugere ser capaz de solucionar problemas
conjugais e afetivos. A reunião também é direcionada para aqueles que estão à procura de um
grande amor e que se transformaria em um relacionamento concreto capaz de restaurar sua
vida sentimental.
Finalmente, o domingo é o dia da Corrente de Louvor e Adoração a Deus. Esse
dia o fiel ouve ensinamentos de como expressar a sua em Deus, além de buscá-lo em
orações e entoar cânticos de louvor. Nessa reunião também é celebrada a santa ceia, um
sacramento adotado pelas igrejas evangélicas que corresponde à eucaristia da Igreja Católica.
O termo corrente é muito utilizado para se referir às várias reuniões da Igreja
Universal e que segundo Silva (Ibid, p. 170)
Implica no fato de que a pessoa, para alcançar a benção pretendida, precisa se fazer
presente em vários momentos na igreja. É esse o sentido da corrente. Cada ida da
33
pessoa à igreja representa um elo da corrente, que deve ser completada para que a
pessoa alcance o que pretende: prosperidade, cura, libertação, etc.
A realização de um desejo ou a libertação de qualquer mal é apresentada como
uma atitude firme de através de declarações positivas daquilo que se busca nas reuniões.
Para todas as igrejas neopentecostais, inclusive a IURD, confessar palavras de saúde e riqueza
é essencial na vida cristã, assim como o demônio é expulso através da ordem verbal do pastor
com o sai!”, todas as demais benções são obtidas de modo semelhante. De acordo com
Mariano (1995), essa doutrina é conhecida como confissão positiva e foi difundida por
pregadores norte-americanos a partir dos anos 50, entre eles T.L. Osborn e Jimmy Swaggart,
principais tele-evangelistas no Brasil na década de 80. A lógica parte do princípio que Deus
criou o mundo através da palavra e nós, como filhos de Deus, podemos criar e mudar as
coisas também através do uso da palavra. Assim, se o pentecostalismo considerava a palavra
importante como um sinal do poder de Deus manifestado pela glossolália, o
neopentecostalismo adota a palavra como ato de fé para reivindicar a ação de Deus na vida do
fiel.
A partir da confissão positiva, as igrejas neopentecostais, principalmente a Igreja
Universal, também adotaram toda uma teologia baseada na busca do fiel para realizar seus
sonhos e desejos de enriquecimento. Conhecida como Teologia da Prosperidade, ela nasce
nos Estados Unidos em 1962 através do ministério de Kenneth Hagin, e chega ao Brasil nos
livros publicados pela editora do cunhado de Macedo, R.R. Soares.
O bispo Macedo (1999, p. 7) esclarece os fiéis que buscam por milagres
afirmando que
Se o nosso coração estiver vivendo na plenitude da presença de Deus, então nossas
palavras exprimirão exatamente isso. Se ele estiver repleto de confiança, nossas
palavras determinarão o impossível, bastando apenas termos a coragem de expressá-
las. A grandeza do milagre depende da qualidade da e não do tamanho
propriamente dito.
O discurso religioso da Igreja Universal sugere que para ser um verdadeiro
cristão, o fiel deve ser bem sucedido em todas as áreas da sua vida. Deus concedeu ao
cristão todas as bênçãos celestiais e ele precisa tomar posse delas pela fé, caso contrário,
continuaria com os mesmos problemas, como dívidas e doenças. A prosperidade é
apresentada como resultado de uma vida de fé, sem estabelecer nenhuma relação direta com
as questões sociais.
34
2.5 - A IGREJA UNIVERSAL COMO INSTITUIÇÃO EMPRESARIAL
Com reuniões diárias, pastores exclusivamente dedicados e divulgação intensa das
correntes que trazem a solução para todos os problemas, a Igreja Universal tem crescido em
uma proporção maior que as demais religiões instituídas no país. Isso revela que apesar de ser
questionada muitas vezes pelos seus métodos, a igreja é muito bem sucedida no intuito de
levar a sua mensagem.
Esse forte crescimento é percebido pela sociedade de modo geral. Depois de
vários embates com a justiça e outros meios de comunicação, a igreja conseguiu estabelecer
seu espaço na sociedade. O jornal Folha de São Paulo, em 2004, divulgou uma pesquisa do
Datafolha sobre o poder e prestígio de doze instituições e a IURD teve a maior variação
positiva entre elas. A comparação foi entre os anos de 1995 e 2003 e os entrevistados que
atribuíam alto prestígio à igreja subiu de 29% para 46%, os que acharam que a IURD tem
muito poder passou de 39% para 49%. Ainda na matéria, os jornalistas Carrielo e Marreiro
(2004, p. A-4) ressaltam que
Para o antropólogo Otávio Velho, especialista na relação entre religião e política, a
igreja colhe os frutos de ter vingado segundo os parâmetros de sua própria ideologia,
que seriam em grande medida os valores da sociedade atual. ‘A Igreja Universal,
nesses últimos anos, conseguiu sair do gueto de ser identificada apenas como uma
igreja dos despossuídos, dos pobres. Hoje, ela alcança um espectro socioeconômico
mais amplo, alcança também a classe média. Isso lhe deu visibilidade e quase que
uma dignidade maior, numa sociedade em que o respeito fica bastante associado ao
sucesso’, afirma o professor titular da UFRJ [Universidade Federal do Rio de
Janeiro].
‘Essa ideologia do sucesso, da prosperidade, que é uma ideologia da própria
Universal, ficou associada à presença na igreja de empresários e à presença forte
dela na mídia’, ele diz.
O aumento da percepção da presença influente da Igreja Universal na sociedade é
também reflexo do crescimento de sua estrutura em si. Afinal são cerca de 15 mil pastores e
100 mil obreiros nos mais de 5 mil templos próprios e outros milhares alugados em noventa
países. Alguns templos construídos recentemente são verdadeiras maravilhas arquitetônicas
de mármore e granito. O templo de Belo Horizonte é um dos vários exemplos, inaugurado em
35
2004, tem lugar para cinco mil fiéis, estacionamento para carros e ônibus, heliponto, hotel
para bispos e pastores, berçário e loja de produtos da igreja.
Para divulgar suas reuniões, a IURD estruturou uma imensa rede de comunicação.
A partir da compra da Rádio Copacabana AM em 1984, foram adquiridas também 62 rádios
nesses vinte anos e arrendaram outras dezenas para formar a Rede Aleluia, que abrange as
principais cidades brasileiras.
Mas é na área televisiva suas maiores ambições e investimentos. A aquisição da
Rede Record em 1989, comprada do grupo Sílvio Santos, é hoje avaliada em quarenta vezes
mais em relação aos 45 milhões pagos na época e disputa acirradamente o espaço de segunda
maior rede de televisão brasileira em audiência, com a pretensão declarada de ser a mais
importante emissora do país.
Se a ousadia do bispo Macedo impressiona, os resultados para atingir esse
objetivo também não ficam por menos. Segundo Caparelli (2004), até 1993, a Rede Record se
restringia ao Estado de São Paulo, algumas regiões do Rio de Janeiro, às áreas metropolitanas
de Belo Horizonte e Manaus. Mesmo antes de 2000, seus sinais atingiam cerca de 90% do
território nacional, mesmo nível de cobertura do SBT. Por conta de sua programação
claramente comercial é importante ressaltar que o objetivo principal da Record hoje não é
unicamente o tele-evangelismo, mas afirmar sua influência nos meios de comunicação, na
política e por fim, na sociedade como um todo.
Se não bastasse todo esse investimento da Igreja Universal na Rede Record, ela
também adquiriu a Rede Mulher em 1998, e criou a Rede Família, com mais espaço para
programações religiosas e uma resposta à reação da Igreja Católica, que implantou a Rede
Vida com o slogan “o canal da família”, deixando explícito em ambos os casos o público-
alvo das duas igrejas, a família. Outras emissoras também freqüentemente comercializam
horários da sua grade de programação para a IURD, como a Band e a Gazeta.
Edward (2005) revela que a ênfase dos investimentos na televisão também ocorre
no exterior, como a compra em 2004 de um canal de televisão voltado para a comunidade
hispânica nos Estados Unidos, na cidade de Atlanta (Geórgia) e pela aquisição de horários em
alguns canais, entre eles o canal Telemundo de Nova York, também dirigido aos latinos. O
maior suporte, no entanto, na IURD em seus mais de noventa países, é a presença da Rede
Record Internacional, através da cobertura em grande parte do mundo através de TV por
assinatura via satélite.
36
Os demais meios de comunicação também não são deixados de lado nos planos da
Igreja Universal, como a Line Records, uma das maiores gravadoras evangélicas do Brasil
com mais de cinco milhões de cds vendidos pelos seus artistas. A Editora Gráfica Universal
Produções (Unipro) imprime o jornal semanal da igreja; a Folha Universal, que tem uma
tiragem de um milhão e quinhentos mil jornais; produz mensalmente duzentas mil cópias da
Revista Plenitude e edita livros evangélicos dos membros da igreja, principalmente do bispo
Macedo, que possui trinta e quatro 34 títulos publicados. O livro Orixás, Caboclos e Guias;
deuses ou demônios?”, de 1990, é o seu best-seller com três milhões de exemplares vendidos.
A IURD também possui um portal na internet, o www.arcauniversal.com.br. Pela Ediminas,
publica um dos maiores jornais de Minas Gerais, o “Hoje em Dia”.
Além da mídia, os negócios do bispo Macedo se diversificam nas mais distintas
áreas. Na atividade imobiliária, a IURD tem a Unimetro, responsável por incorporação de
imóveis. Uma empresa de plano de saúde, a Life Empresarial Saúde Evangélica. A Cremo
Empreendimentos presta serviços administrativos a empresas, pessoas e entidades. Na área
financeira, a igreja tem a Credinvest Facility e a Uni-Factoring Comercial. Para cuidar da
movimentação financeira internacional, a IURD conta com a Cableinvest e a Investholding.
Há também uma agência de turismo, a New Tur, que tem vôos para Israel em pacotes
turísticos voltados para os fiéis. Desde 1991, a igreja também adquiriu o Banco de Crédito
Metropolitano. Para administrar todas as empresas do grupo, menos os templos, foi criada a
holding LM.
Por outro lado, a IURD também promove trabalhos de assistência social. A mais
importante instituição é a ABC (Associação Beneficente Cristã), que realiza cursos de
alfabetização e profissionalizantes, além de distribuir alimentos e roupas a pessoas
necessitadas. O projeto Fazenda Canaã é um trabalho especial da igreja na Bahia. A iniciativa
partiu do sobrinho de Macedo, o também bispo Marcelo Crivella. Como cantor, Crivella
gravou um cd pela Sony e com dinheiro do contrato, mais o percentual da venda, a igreja
adquiriu uma fazenda e contratou técnicos israelenses a fim de implantar no sertão nordestino
o sistema dos kibutz de Israel. O projeto foi orçado em três milhões de reais e consistiu na
instalação de uma comunidade autônoma voltada para produção rural. O suporte tecnológico
também é oferecido para os agricultores vizinhos. As crianças e adolescentes têm escolas,
tratamento médico e treinamento para mão-de-obra.
Todos esses empreendimentos justificam-se pela dimensão da igreja. Quanto mais
cresce o número de fiéis e suas contribuições, maiores são os investimentos do bispo Macedo
37
em vários setores estratégicos empresariais. Por se tratar de uma instituição que é tida como
prestadora de serviços religiosos e sociais pelo governo, a arrecadação financeira da igreja é
isenta de impostos.
Como última conquista na área política, a Igreja Universal criou o Partido
Municipalista Renovador (PMR), obteve a filiação de políticos vinculados à igreja, como o
senador do Rio de Janeiro Marcelo Crivella e outros de destaque como o vice-presidente da
República José Alencar. Na convenção nacional do partido em outubro de 2005, a sigla foi
mudada para PRB, Partido Republicano Brasileiro. De acordo com a sua liderança, eleger os
próprios pastores para cargos políticos, protegeria o avanço da igreja contra interesses
contrários de eventuais opositores. De modo geral, afirmam também que o grupo de empresas
da IURD é um suporte necessário para a igreja se expandir e cumprir seus ideais religiosos.
2.6 – O RÁDIO E A TV NO PROCESSO DE EVANGELIZAÇÃO
Assim como todo o movimento pentecostal se desenvolveu tendo por base os
modelos norte-americanos, as igrejas evangélicas brasileiras não deixariam de lado o modo
peculiar de valorizar a dia e sua importância na evangelização. Carvalho (1997) aponta que
no início do século XX as igrejas temiam pelo fim da religião por causa do avanço
tecnológico e científico. Esse avanço, principalmente com o apoio dos meios de comunicação,
promoveu o efeito contrário. Foi a partir do uso do rádio e da TV que a mensagem religiosa se
apresentou revigorada, podendo ser comparada como um importante microfone capaz de
alcançar uma multidão de fiéis a milhares de quilômetros.
A princípio, os líderes católicos apresentaram grande interesse em participar das
novas mídias tanto nos anos 30 com o rádio, como nos anos 40, na televisão. Logo no início
da era do rádio, em 1931, Marconi fundou a Rádio Vaticano como um projeto transnacional,
para que o papa pudesse anunciar sua mensagem para todas as comunidades cristãs do mundo.
Ainda nos anos 30, o maior fenômeno dos programas radiofônicos nos Estados Unidos foi o
padre Charles Coughlin.
Na mesma época, em 1931, o movimento pentecostal norte-americano instalou
também sua primeira rádio internacional no Equador, a HCJB (Heralding Christ Jesus’s
Blessing). Com programação adaptada para uma outra realidade que não era a norte-
38
americana, a rádio atingia 22 países da América Latina com transmissão em espanhol durante
o dia e à noite se voltava para o Pacífico, atingindo até o Leste Europeu. Ainda de acordo com
os estudos de Carvalho, além de uma crescente participação dos pentecostais na grade de
programação de diversas rádios nos Estados Unidos, ao final da II Guerra Mundial,
conseguiram divulgar também sua mensagem religiosa por todo o mundo. O apoio do
governo norte-americano nesse projeto de evangelização também foi fundamental, por meio
da venda de equipamentos a preços irrisórios, concessões de canais de rádio e até nos
trabalhos de cooperação na tradução de Bíblias para outras línguas.
A televisão se expandiu na II Guerra Mundial e, assim como no rádio, a primeira
estrela da televisão norte-americana foi um líder católico, o bispo Fulton Sheen. No entanto, a
partir dos anos 60 é que a presença dos missionários pentecostais na TV norte-americana se
afirma como principal segmento religioso na nova mídia.
Ao mesmo tempo em que essa investida na evangelização se apresentava como
um movimento interno, os pentecostais tinham uma proposta de evangelizar o resto do
mundo. O Brasil, por exemplo, recebeu nos anos 50 e 60 os pregadores dos Estados Unidos
com enorme interesse no uso do rádio para divulgação de suas igrejas. As igrejas evangélicas
pioneiras no rádio foram a Igreja Adventista, primeira a usar o rádio em âmbito nacional e as
igrejas pentecostais, como a Assembléia de Deus, Igreja Quadrangular e Igreja Deus é Amor.
Como afirma Santana (2005), o modelo de programas nos primeiros anos era norte-
americano, mas posteriormente passaram a ser idealizados por brasileiros e apresentaram uma
mensagem mais voltada para realidade nacional.
Já o ingresso de pregadores evangélicos na televisão brasileira se dá no começo da
década de 60, quando surgem os primeiros programas de TV. Esses programas eram locais e
de curta duração e mais uma vez a Igreja Adventista foi a pioneira, primeiro em São Paulo e
depois no Rio de Janeiro. Já nos anos 70 e 80, estabeleceram-se na TV brasileira, importantes
tele-evangelistas norte-americanos, como Billy Graham, Jimmy Swaggart e Rex Humbard.
Muito conhecidos nos Estados Unidos, esses tele-evangelistas também foram os principais
pregadores na época aqui no Brasil, mesmo não tendo obtido os mesmos resultados de seu
país de origem.
Apesar da Igreja Universal ser reconhecida como uma forte instituição
transnacional e que influencia outras igrejas pentecostais, sua postura diante da importância
dos meios de comunicação foi fortemente determinada pelo modelo norte-americano de
evangelização. De forma direta, pode-se notar a influência do líder da Igreja Nova Vida,
39
Walter Robert McAlister, um missionário canadense, convertido ao pentecostalismo nos
Estados Unidos. A partir de um programa radiofônico chamado A Voz da Vida Nova”, ele
fundou a sua igreja em 1960 no Rio de Janeiro e ainda nos meados dos anos 60, foi o primeiro
evangelista pentecostal a ingressar na TV brasileira, com um programa na TV Tupi do Rio de
Janeiro. Dentre os fiéis do pastor McAlister, encontravam-se os futuros fundadores da Igreja
Universal, como Edir Macedo e Romildo R. Soares.
Os programas norte-americanos estiveram presentes até quase o fim dos anos 80,
quando a produção nacional cresceu. Com uma mensagem mais voltada para a realidade local,
os programas religiosos brasileiros de televisão conquistaram a independência das produções
estrangeiras, surgiram líderes evangélicos com programas próprios na televisão, alguns auto-
sustentáveis como o pastor Silas Malafaia, o então deputado federal evangélico Carlos
Apolinário e o pastor batista Nilton Fanini.
Para Freston (1993), alguns fatores se destacam no estreitamento da relação entre
evangélicos e a televisão a partir da década de 80 como o fim do regime militar no país, que
gera uma abertura política e cultural durante essa época e a televisão se torna o veículo de
comunicação de maior importância e totalmente aberto ao mercado, comercializando sua
grade de programação para as igrejas nos mais diversos horários. O crescimento no número de
fiéis é o fator que dá mais suporte para o aumento de investimentos das igrejas evangélicas na
TV, que, por sua vez, justifica-se como um bom retorno desses investimentos.
Em relação à participação da Igreja Católica na TV, seus primeiros projetos
foram as transmissões de missas dominicais de manhã nas TVs públicas e na Rede Globo.
Santos e Capparelli (2004) apontam que apesar da igreja contar com prestígio do Governo
Militar, a falta de uma política de comunicação fez com que a instituição não buscasse obter
concessões de emissoras de televisão. Dos anos 60 aos anos 80, a Igreja Católica preocupou-
se mais em usar os meios de comunicação para promoção de valores morais e éticos do que
praticar o tele-evangelismo. Raras emissoras de TV eram de propriedade da igreja, como o
caso da pioneira TV Sudoeste de Pato Branco, no Paraná, outorgada em 1979 e ligada aos
padres franciscanos. Foi mesmo através do surgimento da Rede Vida
14
em 1995, que a Igreja
Católica iniciou sua administração em um canal de televisão de âmbito nacional.
14
O projeto da Rede Vida de Televisão iniciou-se em 1989, pelo pedido de concessão de um canal independente
ao Governo Federal do jornalista João Monteiro de Barros Filho, para a cidade de São José do Rio Preto, interior
de São Paulo. Inaugurada em 1995, a primeira década de operação consistiu em expandir seu sinal para todo o
Brasil. Contando com facilidades de concessões junto ao Ministério das Comunicações, foi a rede de televisão
que mais se expandiu no território nacional.
40
Mas o projeto da Igreja Católica como proprietária de emissora de TV não se
restringe à Rede Vida, o movimento de Renovação Carismática
15
também possui o canal
Canção Nova, com sede em Cachoeira Paulista e o canal Século XXI, de Valinhos. O mais
novo empreendimento é a TV Aparecida, que iniciou sua transmissão em setembro de 2005,
ligada à igreja da cidade de Aparecida do Norte e em parceria com José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni, proprietário da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo em São José dos
Campos. Além de retransmissores distribuídos em boa parte do território nacional, esses
canais são captados via parabólica em cerca de 10 milhões de domicílios e pelo sistema de TV
a cabo.
Sobre a Rede Vida e a postura da Igreja Católica diante do uso da televisão,
Marques (2003) afirma que o espaço na mídia não parece ser a dificuldade da igreja, mas a
forma de produção dessa mensagem. Os programas de TV católicos ainda encontram-se fora
de sintonia com a própria linguagem televisiva como confirma Rocha (2002) ao comparar a
postura comunicacional do catolicismo com a IURD, no qual afirma que estes fazem “uma
TV para telespectadores e não para fiéis, ao contrário dos católicos que ainda teimam em
levar a igreja para dentro da TV”. De modo geral, as pretensões televisivas da Igreja Católica
enfrentam dois desafios bastante distintos, o primeiro é competir com as televisões comerciais
e o segundo é reagir diante da invasão neopentecostal nos meios de comunicação, sobretudo
nas emissoras de TV.
2.7 - A PLURALIDADE DA TV RELIGIOSA
Torna-se difícil reconhecer a esfera religiosa tal como séculos atrás. O advento
da modernidade e a evolução científica tomaram o lugar de importância anteriormente dada às
explicações metafísicas do universo e a visão apocalíptica do homem. É o que aponta as
análises de Berger (1985) sobre a pluralização das igrejas, que não confere mais à
racionalidade religiosa oferecer explicações plausíveis sobre as catástrofes, o sofrimento, a
morte e dar sentido à realidade do mundo. Com o fim da função da religião como ordenadora
15
O movimento de Renovação Carismática foi fundado nos Estados Unidos em 1967. Com um modelo
semelhante ao pentecostalismo, apresentam-se como uma reação ao movimento evangélico. Adotam um tom
milagroso nas suas pregações e investem no carisma dos padres, que são também cantores, esportistas e atores. O
movimento carismático se tornou uma importante liderança católica na política de comunicação da Igreja
Católica.
41
do cosmos, encontra-se uma situação de pluralismo onde qualquer instituição pode explicar e
fundamentar a realidade. Enquanto as análises científicas assumem o lugar da religião para
explicar os acontecimentos do contexto social, as igrejas tendem a apresentar respostas às
indagações e necessidades de caráter mais individual, nem sempre preocupadas em apresentar
alguma racionalidade. No caso da Igreja Universal, as forças malignas são as principais
responsáveis pelas desgraças no mundo, mas que são manifestadas de modo individual, na
vida de cada novo fiel e podem ser resolvidas com a presença desse fiel nas campanhas da
igreja.
O pluralismo é uma situação objetiva e real de algo que aconteceu dentro do
indivíduo, em sua consciência, como afirma Santana (2005) sobre os hábitos dos novos
“consumidores de religião”. Neste sentido, a adesão à religião passa a ser voluntária,
dependendo da escolha e da preferência do indivíduo. Dessa forma, a religião é limitada a
uma necessidade particular sem, com isso, desempenhar a tarefa anteriormente clássica de
construir um mundo comum no âmbito do qual toda vida social recebe um significado último
que obriga a todos.
Os conteúdos religiosos são atingidos por esse pluralismo e mudados pela
preferência de seus fiéis. Assim como o mundo está secularizado, essas preferências também
não se restringem mais ao sagrado e os produtos religiosos correspondem às necessidades das
consciências secularizadas. No seu trabalho sobre mídia, religião e política, Campos (1997)
enfatiza que quando se prega a gratuidade dos milagres e da salvação, todo o suporte
necessário utilizado está extremamente interessado no retorno financeiro e/ou político. As
“igrejas-empresas” podem utilizar a mídia tanto para alcançar um destaque social a partir do
número de sua multidão de fiéis, ou então para promover a comercialização de produtos e
conteúdos evangélicos. Para conseguir a adesão de “fiéis-clientes”, a religião tem agora que
usar a lógica econômica, pois o pluralismo é uma situação de mercado.
De acordo com os dados do último censo feito pelo IBGE, nos últimos anos se
intensificaram o fluxo migratório de pessoas entre as religiões, de forma mais evidente,
verificou-se uma enorme perda de fiéis do catolicismo para o movimento pentecostal. Além
do mais, como prova de um desinteresse ou descontentamento com as instituições religiosas,
o número de pessoas que admitem não ter mais nenhuma religião também cresceu
significativamente, conforme podemos observar abaixo:
42
QUADRO 2
Toda a migração de fiéis de uma religião para outra não é só do catolicismo para o
pentecostalismo, dentro do próprio meio evangélico é intenso o fluxo de fiéis, que
insatisfeitos com o “serviço” prestado pela igreja, preferem mudar para outra com discurso
mais compatível aos seus desejos. A disputa por fiéis resulta em fragmentações, inovações de
métodos e investimentos em propaganda e marketing. De acordo ainda com o censo do
IBGE
,
uma importante parcela da população se confessa sem uma religião. Na sua análise sobre o
mercado religioso, Prandi (1996) ressalta que entre os motivos do aumento do número de
pessoas sem religião estão as promessas feitas para os fiéis, elas são muito altas, os custos são
caros para participar das campanhas que prometem tanto e muitas vezes ocorrem a frustração
e abandono de sua instituição religiosa.
Atualmente, a religião se propõe a responder às necessidades imediatas do
indivíduo e não mais as necessidades da sociedade como num todo. Essas necessidades são
semelhantes na vida de muitos, como falta de emprego, doença ou problemas familiares e
estabelecem um padrão nas diversas mensagens religiosas. Berger (1985) refere a uma
mudança no sentido da religião, foi esvaziado e se resume em criar o desejo de consumo de
seus bens simbólicos, representados na
Igreja Universal
pelo mel que sara toda amargura ou a
rosa ungida que liberta de todo espírito do mal. Ao mesmo tempo em que a sua mensagem
ainda se reveste das tradições religiosas e isentam esses mesmos bens simbólicos de serem
43
vistos como mercadorias, eles são contextualizados nas metáforas bíblicas e apresentados
como resposta de Deus a uma confissão positiva de fé mediada pela igreja.
A mídia favorece muito essa nova proposta da religião, Santana (2005, p. 65)
acrescenta que
A mídia é o lugar da visibilidade atual, estar na mídia é existir, é ser comprado, é
ditar normas, é atingir a consciência criando consenso. A mídia faz parte da massa
de tal forma que nela e nela mesma que se constitui a linguagem comum. É em
busca disso que a religião entra na mídia para poder continuar produzindo sentido.
A expansão evangélica televisiva e os resultados no aumento de número de fiéis,
fizeram a
Igreja Católica
alterar a sua postura diante do uso da televisão e aderir ao veículo
de comunicação mais popular do Brasil como um dos mais importantes meios
evangelizadores. até certo equilíbrio em número de canais de TV entre os evangélicos
como num todo e os católicos, o mesmo não acontece entre as denominações evangélicas,
poucas igrejas neopentecostais concentram a maioria absoluta das concessões
16
. O
acirramento da concorrência religiosa despertou, principalmente nesta última década, o
enorme interesse aos princípios da
igreja eletrônica
17
. Esse modelo de igreja está baseado na
adesão aos meios de comunicação como espaços estratégicos para conquistarem fiéis e dar
maior visibilidade aos produtos especificamente direcionados aos consumidores religiosos.
O avanço tecnológico é um aspecto fundamental que fortalece a relação do
indivíduo, mídia e igreja. A sociedade está inserida em um novo mundo, que proporciona
modos muito diferentes de viver e conviver se comparado a décadas passadas. Anteriormente,
havia a necessidade das pessoas conversarem pessoalmente com o seu der religioso, de
receber oração com uma imposição de mãos sobre sua cabeça e manter uma comunidade a
partir de relações sociais estabelecidas no cotidiano. O uso dos meios de comunicação alterou
este modo de estar numa igreja, o fiel recebe a oração por telefone ou pela própria tela da TV,
o rádio veicula pregações e conselhos religiosos e os jovens das igrejas, por exemplo, se
relacionam durante os dias da semana pela internet tanto quanto, ou até mais, numa relação
pessoal.
16
As Redes Record, Família, Mulher (IURD), Vida, Canção Nova, TV Aparecida (Igreja Católica), Boas Novas
(Assembléia de Deus), Gospel (Renascer em Cristo), Super (Batista) e RIT (Igreja da Graça) representam 15%
do total de geradoras do Brasil. Fonte:Boletim número 56 (22 a 28/07/2005) do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação.
17
Santos e Capparelli (2005) adotaram esse termo a partir da análise de Hugo Assman (1986), no qual Igreja
Eletrônica aponta a adoção da televisão e ferramentas publicitárias pelas igrejas, através do conceito de
“marketing da fé”, como parte de um processo mercadológico de comércio não apenas de produtos culturais,
mas também da salvação espiritual dos fiéis.
44
Ao analisar as metáforas da migração digital no cinema, Vilches (2001) aponta
para as noções do espaço e do tempo que foram alteradas pelo modo de vida e suporte
tecnológico. A grande mudança que as tecnologias da informação promovem na sociedade
não é uma simples convergência entre os meios (informática, televisão, telefone e outros),
mas a migração simbólica entre o espaço e o tempo e seus conteúdos culturais. O tempo e o
espaço são deslocados para novas referências, através de rede de conexões, a urgência do
tempo é pelo agora e a distância desaparece nos relacionamentos virtuais, ao mesmo tempo
em que o telespectador assiste a um programa de TV, recebe orientação espiritual por telefone
a compra produtos religiosos pela internet.
De acordo com as análises de Vilches sobre as empresas de comunicação e suas
tendências nessa nova realidade, as igrejas neopentecostais, principalmente a
IURD
,
assemelham-se a essa nova postura diante das relações da mídia com a sociedade atual. A
presença virtual do pregador na tela da TV é capaz de convencer o telespectador de que ele é
seu amigo e irá ajudá-lo, seja através de e-mail, por telefone ou numa oração onipresente, que
socorre aqueles que participam da prece, como no final dos programas religiosos da
IURD
que se abençoa o copo d’água e o milagre está pronto para acontecer. Experiências religiosas
dessa natureza se tornam comuns, sempre mediadas pela TV, telefone e internet, sem precisar
nem mesmo sair do conforto do seu lar.
As semelhanças entre as modernas empresas de comunicação analisadas por
Vilches e os métodos das igrejas neopentecostais continuam. As instituições religiosas
utilizam um discurso de transcendência, uma fantasia de um mundo idealizado, a rotina diária
sem encanto não atrai a audiência e muito menos convence o telespectador a aderir a
mensagem religiosa. Com os testemunhos milagrosos dos convidados, promessas de mudança
de vida e de realização dos sonhos, os programas religiosos de rádio e TV apresentam uma
nova referência bíblica de “paraíso”. No mesmo contexto de problemas e desafios, o
indivíduo que aceita a mensagem é convencido de que sua vida será muito melhor que antes.
O apresentador do programa de TV da
IURD,
por exemplo, está disposto a convencer o
público a mudar de postura diante da sua realidade social, a dificuldade financeira, a falta de
saúde, a violência e os problemas familiares metaforizam-se, tornam-se espíritos malignos e
deslocam o contexto social para novas conotações. Os programas oferecem aos
telespectadores novas experiências ante a realidade, eles se tornam integrantes do “exército de
Deus” para destruir as obras dos espíritos malignos e então surgem empresários, famílias
harmoniosas e uma vida segura e protegida, mesmo nas cidades grandes. As fantasias do
45
“reino de deus” contrastam com a decepção das utopias políticas e sociais características do
nosso tempo.
Ainda comparando o perfil das importantes empresas de comunicação e as
igrejas
eletrônicas
, ambas têm a atenção voltada para o seu público, para uma audiência disponível a
consumir vários serviços. A
Igreja Universal
apresenta esse mesmo perfil, preocupada com o
telespectador em frente à tela e não para a produção de programas em si. A prioridade é obter
a adesão do público à igreja, oferecendo produtos e objetos religiosos que prometem resolver
os problemas e garantem uma “vida abençoada”. Para promover essa adesão, o pastor convida
quem está assistindo ao programas a participar das reuniões e tornar-se um membro fiel da
igreja. O objetivo dos programas não é informar ou entreter, tão pouco conquistar altos
índices de audiência, mas sim convencer o telespectador a participar das campanhas da igreja.
Algumas estratégias das empresas de comunicação também são adotadas pela
IURD
, para garantir uma relação com seus telespectadores de longa duração e que vá além da
audiência. A primeira consiste na experiência tradicional dos meios, a televisão, por exemplo,
atrai a atenção de forma massiva ao oferecer programas para vários tipos de pessoas, ao
diversificar horários de exibição dos programas e os canais de transmissão. O telespectador
pode assistir as mensagens da igreja, seja ela direcionada para a vida sentimental, profissional,
cura de doenças, ou até mesmo a libertação de espíritos malignos, em horários como na hora
do almoço, no horário nobre das 8 da noite e de forma exaustiva nas madrugadas.
Uma segunda estratégia é a identificação desse público com conteúdo divulgado
na televisão, promove-se a semelhança das situações da vida real, no qual convidados dos
programas testemunham como conseguiram superar as mesmas dificuldades vividas pelos
telespectadores. Nesse momento, a igreja gera seus próprios produtos, como os elementos
religiosos necessários para receber o milagre.
A terceira estratégia é notada ao estabelecer vínculos de confiança com o público
através de ações interativas. A pessoa que assiste ao programa pode participar pelo telefone e
pela internet, expressar a opinião nas enquetes, como também tem a oportunidade de
compartilhar sua experiência de vida, buscar ajuda e conselhos para poder se sentir inserida na
comunidade de fiéis felizes.
Como última estratégia, a
IURD
fortalece esses nculos de confiança para que
eles sejam duradouros e socialmente estáveis com os telespectadores e fiéis Amplia-se o
número de ofertas de produtos, como os
cds
, a mídia impressa e
sites
na internet, com opções
de compra de vários artigos religiosos. Esses vínculos participam do processo de integração
46
do indivíduo com a comunidade de fiéis da igreja através de novas afinidades. A igreja
fortalece a mensagem religiosa ao mesmo tempo em que promove o consumo da comunidade
de interesse, identificáveis com a marca da casa.
A comunicação dos programas religiosos de TV propõe suprir precisamente essa
demanda por identidade. A televisão cria um senso de comunidade e evita que o telespectador
sinta-se isolada em frente à tela. Mais do que a um programa, o telespectador é convidado a
pertencer a uma comunidade de interesse que se identifica com mesmos valores culturais,
morais e econômicos. Esses valores, o mercado religioso logo os converte em bens simbólicos
que, em seguida, trata de levar ao terreno comercial.
Se a religião ocupa um lugar de destaque na sociedade, uma importante parcela
desse sucesso atualmente pode ser conferida à postura das igrejas diante das mídias, em
especial a televisão. Se num passado recente os Estados Unidos souberam usar os meios de
comunicação de massa para revigorar a mensagem cristã, a
Igreja Universal
intensificou essa
relação entre a igreja e a mídia e seu resultado se mostrou muito eficiente para o seu
crescimento. Através da análise das estruturas do discurso de acordo com a
semiótica
de linha
francesa, a pesquisa propõe destacar os elementos de manipulação para estabelecer um
contrato fiduciário
entre o
enunciador
e
enunciatário
. Também será demonstrado o
percurso
gerativo do sentido
que se manifesta nos textos audiovisuais da
IURD
, que são articulados de
tal forma a produzirem o efeito de sentido de verdade.
47
3 – ABORDAGEM TEÓRICA DAS ESTRUTURAS ENUNCIATIVAS NO TEXTO
AUDIOVISUAL
48
3.1 - A IGREJA UNIVERSAL A PARTIR DA REDE RECORD
O crescimento da presença da
Igreja Universal do Reino de Deus
na sociedade
justifica-se, dentre outros motivos, pela estreita ligação com os meio de comunicação, que se
revelam como uma das principais fontes de sucesso desse empreendimento. Em seus
respectivos meios, podemos destacar os principais projetos da igreja: na internet, o portal
www.arcauniversal.com.br
, no qual fornece informações e entretenimento tanto do meio
religioso como secular, inclusive compras e pregações; no meio impresso, o jornal
Folha
Universal
tem uma tiragem de quase 2 milhões de exemplares e é distribuído semanalmente
nas igrejas por todo o Brasil; centenas de rádios formam a
Rede Aleluia de Comunicação
, que
abrangem as principais cidades brasileiras e divulgam as músicas e as mensagens da igreja e
na televisão o destaque é a
Rede Record
, uma emissora com conteúdo secular, mas que nas
madrugadas se torna o púlpito eletrônico dos pastores da igreja.
De todos os investimentos na área de comunicação, a
Rede Record
18
foi o mais
audacioso e o que se revela como o mais importante para os futuros projetos da
IURD
na
mídia. No começo dos anos 90, o grande desafio era honrar as prestações da compra da
emissora de um total de 45 milhões de dólares. A parir de 1993, a emissora se preocupou em
expandir seu sinal para todo território nacional. Em 1997, a emissora investiu no jornalismo e
contratou o âncora do telejornal do
SBT
, Boris Casoy. Paralelamente, outros apresentadores se
destacaram e elevaram a audiência da emissora, como Ana Maria Braga e Carlos Massa, o
Ratinho. Os bons índices de público não inibiram as mudanças de planejamento a partir de
2000, sob a justificativa de que a própria audiência da emissora estava mais relacionada como
o carisma dos apresentadores e, portanto, ela seria frágil. Em 2003 a emissora adotou a
produção de novelas como principal estratégia para elevar a sua audiência.
De acordo com os dados do
Ibope
, a média mensal de janeiro a maio desse ano
revela que a
Record
assumiu o segundo lugar em audiência no horário nobre (das 18h. às
24h.), com média de 10 pontos, enquanto o
SBT
mantém uma média de 8 pontos
19
. O
presidente da emissora, Alexandre Raposo, estima uma receita bruta para este ano de R$ 950
18
Informações do site www.rederecord.com.br; www.arcauniversal.com.br; CASTRO, Daniel. Dízimo da
Universal leva Record à vice-liderança. In Ilustrada, E1. Folha de São Paulo, 4 de junho de 2006; FONSECA,
Juvêncio. Igreja Universal do Reino de Deus: empreendimento econômico, religioso e político. Tese de
Doutorado. Araraquara: UNESP, 2005.
19
Cada ponto no Ibope equivale a 54 mil domicílios na Grande São Paulo.
49
milhões, cerca de R$ 150 milhões a mais do que o SBT e também espera superar até
dezembro a audiência média diária da concorrente (das 7h às 24h).
Apesar de buscar um distanciamento da igreja com a emissora, para caracterizar o
canal como uma televisão “laica”, a igreja mantém alguns de seus membros em cargos
estratégicos, como o bispo Honorilton Gonçalves, superintendente da emissora. Além disso,
nenhuma outra igreja possui alguma atração de TV na
Record
. Na grade de programação,
cerca de 45 horas semanais são religiosas e compradas exclusivamente pela
Igreja Universal
,
principalmente entre 1h às 7h da manhã, portanto, a madrugada da emissora é completa de
programas da igreja.
Conforme mencionamos no capítulo anterior, cada dia da semana apresenta uma
reunião característica. Como na segunda-feira o objetivo é solução de problemas de ordem
econômica, os programas da madrugada de domingo para segunda convidam as pessoas com
dívidas, desempregadas e dificuldades financeiras, na madrugada de segunda para terça, os
problemas a serem vencidos são os espirituais, nas reuniões da
Sessão do Descarrego
e assim
por diante. Durante a madrugada, podemos assistir a as atrações como
“A Hora dos
Empresários”
,
“Em Busca do Amor”
,
“Programa da Família”
,
“Casos Reais”
além de
outros. Todos esses programas apresentam o formato semelhante e relacionam seus temas
com as respectivas reuniões na semana.
Os programas religiosos de TV da
Igreja Universal do Reino de Deus
analisados
neste trabalho, não se destacam somente pelos índices de audiência que conquistam, mas por
ser um dos principais meios que a igreja utiliza para divulgar sua mensagem e buscar a adesão
de novos fiéis. A audiência medida pelo instituto
Ibope
aponta para uma média de 0,8 ponto
no horário da 1h da manhã às 6h da manhã. Nas entrevistas dos fiéis na TV
,
podemos notar o
bom resultado desse índice para a igreja, quando se pergunta sobre como a pessoa chegou até
a reunião, a resposta, muitas vezes, indica que foi devido aos próprios programas televisivos
que fizeram ela decidir a participar das reuniões. Se em números absolutos essa audiência é
pequena, os resultados nos bancos da igreja fazem confirmar o bom resultado da presença
da
IURD
na televisão, justificando os investimentos feitos na reformulação da
Rede Record
e
Rede Mulher
, na criação da
Rede Família
e na compra de horários em outros canais como
Gazeta
e
Band
.
Para entender a
Igreja Universal
como um fenômeno religioso e comunicacional,
é necessária uma análise sobre a sua presença na mídia. Este trabalho visa analisar como o
discurso religioso se constrói nos programas de TV da madrugada da
Rede Record
, assim
50
como também propõe apontar como essa mensagem se atualiza na linguagem televisiva e
estabelece a relação contratual entre a instituição religiosa e os telespectadores. Para isso, o
instrumental de análise utilizado é a semiótica discursiva de linha francesa. A semiótica é,
segundo Greimas (1983, p. 415), uma teoria da significação que tem por objetivo “explicitar,
sob a forma de uma construção conceitual, as condições da apreensão e da produção do
sentido”.
3.2 - O SENTIDO NO TEXTO AUDIOVISUAL
O programa de TV é um texto audiovisual, onde se fazem presentes várias
linguagens que formarão um único texto e, de acordo com Barros (1999, p. 8),
O estudo do texto com vistas à construção de seu ou de seus sentidos pode ser
entrevisto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores
contextuais ou sócio-históricos de fabricação do sentido
Os estudos que analisam as estruturas internas do texto o consideram como um
objeto de significação, mas ele também é analisado como objeto de comunicação entre dois
sujeitos, inserido numa sociedade, relacionado com o contexto histórico e cultural que,
conseqüentemente, contribui para formar o sentido. A leitura semiótica possibilita conciliar as
análises, tanto interna como externa do texto, examinando “os procedimentos da organização
textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto.”
(Ibid., p. 8).
Dentro do programa de TV da
IURD
, o telespectador pode observar várias
linguagens sendo utilizadas para formar a mensagem, ou o sentido de tudo o que ele e
ouve. Os programas são textos audiovisuais, portanto sincréticos, que reúnem linguagens
como a verbal, no caso a própria fala das pessoas, a linguagem escrita, com os caracteres que
passam constantemente na tela da TV que informam os horários de culto e até a moda
entende-se como uma linguagem, que a vestimenta do pastor/apresentador, de terno e
gravata é capaz de produzir sentidos, como uma respeitável posição social, por conseqüência,
credibilidade.
51
Apesar de possuir no seu plano de expressão várias linguagens, o texto televisivo
é considerado como um “todo de significação”. Diante disso, Floch (1987, p. 31) afirma que
o sentido do texto é obtido pelo “conjunto das linguagens e não se deve considerar que cada
uma tenha sua própria significação”. Numa distinção das várias linguagens presentes
simultaneamente no texto audiovisual, podemos agrupá-las de início através da percepção de
nosso sistema sensorial: a audição e a visão.
Através desses dois modos de percepção sensorial, o modelo apresentado por
Médola (1999, p. 203) distingue as seguintes linguagens presentes nos textos audiovisuais
como os da televisão:
Imagético Musical
Verbal Escrito Verbal Oral
Gestual Ruído
Proxêmica
Moda
A linguagem verbal é a única presente nos dois sistemas e muitas vezes manifesta-
se de modo hegemônico na TV. A princípio pode-se supor que a língua falada predomina
sobre as demais linguagens nos programas de TV da
IURD
. Conforme nossa análise,
poderemos perceber como as relações da linguagem falada com as demais linguagens
produzem os efeitos de sentido propostos pelo destinador da mensagem.
Torna-se importante reconhecer o texto televisivo dos programas religiosos da
Igreja Universal
com sua autonomia relativa de objeto significante, ou seja, capaz de produzir
em si mesmo, ao menos parcialmente, as condições contextuais de sua leitura. Por outro lado,
para que o sentido seja construído no texto, a semiótica propõe estudar além da palavra e da
frase, englobando o discurso como num todo.
Para exemplificar alguns conceitos semióticos, adotamos o programa
“Saindo do
Vermelho”
do dia 3 de julho de 2006, exibido na
Rede Record
, logo após o programa
esportivo
“Terceiro Tempo”
, na madrugada de domingo para segunda-feira à 1h da manhã. O
apresentador Alexandre Mendes, ao invés de ser reconhecido como pastor, é identificado
como palestrante, vestido de terno e gravata, ocupa uma bancada com um. No cenário,
podemos observar poltronas para os entrevistados no estúdio do lado direito do pastor. O
SISTEMAS VISUAIS
SISTEMAS SONOROS
52
painel de fundo, atrás do pastor, ilustra uma imagem noturna da cidade com prédios e suas
luzes, sugerindo que o estúdio também poderia ser um escritório na parte alta de um edifício,
já que a perspectiva é de cima para baixo.
A maior parte do tempo, o apresentador estabelece uma comunicação direta com o
telespectador, exceto em momentos quando ele introduz a presença de um entrevistado no
estúdio e direciona as perguntas para ele, mas que no final, vão servir de argumento para
retomar o convite ao blico para participar da reunião do
Congresso Empresarial com os
318 pastores”
.
A situação da vida de quem participa do programa, necessariamente aponta para
uma dificuldade inicial, uma busca de solução através da
Igreja Universal
e uma conseqüente
recompensa divina pela decisão tomada. Esses depoimentos são dados de modo sucinto no
estacionamento da igreja para uma repórter ou de uma entrevista mais extensa e com mais
detalhes concedida ao apresentador no estúdio.
As matérias que são apresentadas no programa se referem ao tema da campanha
na igreja, a “nova geração”. A passagem bíblica referida é sobre a história dos doze espias que
Moisés enviou para conhecer a terra prometida por Deus, após a libertação do povo de Israel
da escravidão no Egito, na época dos faraós. O relato distingue dois diferentes pontos de vista,
ambos reconheceram que a terra era boa, mas dez espias desanimaram porque na terra haviam
cidades protegidas com seus exércitos, mas outros dois espias, Josué e Calebe, preferiram
confiar na promessa de Deus, encorajando o povo a conquistar a terra. Segundo o trecho
bíblico, a “velha geração” desistiu e acabou sucumbindo no deserto, enquanto a “nova
geração” guerreou para tomar posse da terra prometida.
O convite do apresentador é para que o telespectador participe das reuniões como
um membro da “nova geração”, lute contra seus problemas e tome posse da promessa. A
analogia estabelece a dívida financeira como o inimigo a ser vencido e através da
oração
forte dos 318 pastores”
, a pessoa tomará posse da vida próspera. As últimas imagens da
matéria ilustram a prosperidade como um carro de luxo ou uma casa de classe alta.
Os telespectadores também participam da programação por telefone e ressaltam a
importância da reunião. Alguns nomes de participantes por e-mail e telefone ainda são
divulgados pelo apresentador, ressaltando o compromisso de participarem da reunião na
igreja.
Através da análise semiótica, podemos pressupor como os diferentes elementos do
programa de TV se relacionam a fim de produzir um sentido, um significado, para o
53
telespectador, que por sua vez, aceita os valores propostos ou não desse texto audiovisual.
Para a semiótica,
texto
se refere ao “resultado da junção do
plano do conteúdo
[...] com o
plano da expressão
, [...] um objeto de significação e um objeto cultural de comunicação entre
sujeitos”
20
.
A partir dos estudos lingüísticos de Saussure, Hjelmslev (1975), aprofunda a
distinção desses dois planos no texto e acrescenta que o sentido de qualquer discurso é
resultado da relação entre eles, que toda linguagem possui. No
plano da expressão
estão os
traços diferenciais que a linguagem utiliza para se manifestar. No nosso exemplo específico,
podemos destacar o recorte da imagem, as cores dispostas na tela, o verbal, a forma das letras,
o tom e timbre presentes nos fundos musicais entre outros. O
plano do conteúdo
concentra o
nosso sistema ideológico, nossa grade de leitura cultural desses elementos da expressão, cuja
leitura da forma de articulação produz um modo de pensar o mundo e de ordenar o discurso.
Essa pressuposição recíproca entre o plano da expressão e o plano do conteúdo faz surgir o
sentido do texto. Quando começa o programa, a figura de uma pessoa é representada na tela
da TV, ao mesmo tempo, nossos valores culturais o identifica como apresentador do
programa, dessa forma, torna-se impossível separar o plano de expressão com o plano de
conteúdo, de modo que a relação entre os dois planos constrói um significado.
A concepção do sentido é apresentada através de um modelo de análise semiótica
conhecido como
percurso gerativo da significação
. Esse modelo proposto por Greimas
(1979) sugere que a produção de sentido do texto é construída a partir das relações que vão se
estabelecendo dentro dele num percurso estratificado em camadas. Essas camadas são
divididas em três níveis, podendo cada uma delas ser explicada de modo independente,
contudo, o sentido depende da relação desses níveis. Barros (1999) explica que o modelo de
análise proposta por Greimas ocorre a partir das formas mais simples e abstratas para as mais
complexas e concretas. O sentido inicia em uma estrutura fundamental, em seguida atingi o
nível sêmio-narrativo e se completa no nível discursivo.
O
nível fundamental
ou
profundo
é a primeira etapa do percurso, onde surge a
significação na sua forma mais abstrata através de uma oposição semântica mínima, como por
exemplo,
“liberdade”
vs
“opressão”
, tratado no programa de TV
Saindo do Vermelho”
. A
liberdade
só pode ser considerada como um valor visado pelo sujeito quando se apresenta um
modo de contradição, que nega seu valor, no caso a
opressão
. Quando o telespectador assiste
ao programa, duas situações contraditórias são apresentadas em todo momento, seja na
20
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1999, p.90.
54
própria fala do pastor, como nos testemunhos e também nos comerciais que divulgam as
reuniões. Uma situação revela a
opressão
por causa de dívidas, falências e desemprego,
enquanto o outro valor sugerido é a
liberdade
sobre todos essas amarguras que prendem a
pessoa.
Em seguida temos o
nível narrativo
, é a estrutura que organiza a narrativa do
ponto de vista de um sujeito. Os elementos das oposições semânticas fundamentais são
considerados valores na narrativa e as ações entre os sujeitos do texto fazem circular esses
valores. Neste nível, a
liberdade
é apresentada como um
objeto de valor
conquistado pelos
entrevistados do programa, que no caso, a semiótica irá denominá-los
actantes
. Antes o
entrevistado do estúdio estava numa relação de falta com o valor de
liberdade
, então ele
promove uma ação, que é participar da reunião do
Congresso Empresarial com os 318
pastores
e a partir de então, ele se apropria do valor visado. O
nível fundamental
e o
nível
narrativo
correspondem à estrutura como sêmio-narrativa.
O terceiro nível é o das
estruturas discursivas
, onde as oposições fundamentais,
assumidas como valores narrativos, desenvolvem-se sob a forma de temas, concretizadas em
investimentos figurativos. O apresentador, os entrevistados, o dia da reunião, o mel que se
distribuído para curar toda amargura da opressão do telespectador, são todos elementos
projetados no texto, relacionados com as próprias condições de produção. Os elementos
figurativos e temáticos associam-se aos aspectos estabelecidos nas projeções de espaço,
tempo e pessoa e é dessa forma que a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação,
responsável pela produção e pela comunicação do discurso.
Se observarmos as estruturas mais profundas até o nível mais superficial e
complexo, podemos notar de nível em nível desse percurso, como o sentido se enriquece,
torna-se complexo e mais concreto, pressupondo uma geração do sentido, por isso a semiótica
denomina esse modelo como
percurso gerativo do sentido
.
Mais adiante serão apresentadas as características de cada nível desse percurso,
suas qualidades sintáticas e semânticas e as relações entre as estruturas. Mas antes de
aprofundar nas perspectivas teóricas desses níveis, é necessário reconhecer que o texto
existe porque ele foi de fato enunciado, ou seja, o programa da
IURD
de TV
Saindo do
Vermelho”
é considerado um texto enunciado a partir de um ato de
enunciação
Essa
enunciação
se constitui como uma instância de mediação de duas formas, entre as
estruturas
narrativas
e
discursivas
do texto e entre o mesmo texto com o contexto-sócio-histórico.
55
3.3 - A INSTÂNCIA DA ENUNCIAÇÃO
A
enunciação
é um conceito apresentado pela lingüística. A partir da dicotomia
saussureana de
língua vs fala
, Benveniste (1995, p. 83-84) promove a distinção entre a língua
e o emprego da ngua, considerado por ele como necessária, mas que se passa despercebida.
Enquanto a língua não é assumida pela enunciação, ela é apenas uma “possibilidade da língua,
mas [...] depois da
enunciação
, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana
de um locutor”. A semiótica se apóia na definição feita por Benveniste, de que “a
enunciação
é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (Ibid., p. 82).
Este ato é pressuposto por um
enunciado
, que de acordo com o próprio significado da palavra,
é o que é dito, escrito ou filmado e assim por diante. Bertrand (2003, p. 89) acrescenta que a
enunciação
pode ser “compreendida como uma mediação entre o sistema social da língua e
sua assunção por uma pessoa individual na relação com o outro”.
Portanto, o
enunciado
é concebido como um objeto do pensamento e para ele
existir, é necessário que ele de fato seja enunciado, esse processo é a
enunciação
. Greimas
(1974) considera que se temos o objeto enunciado e ele se faz existir através de um ato,
pressupõe-se a existência de um
sujeito da enunciação
. Para comunicar então, temos o
enunciado como objeto do pensamento, a
enunciação
como uma função ou um predicado e
conseqüentemente, pode-se pressupor a existência de sujeitos de tal enunciação, reconhecidos
como
enunciador
e
enunciatário
. O “
Saindo do Vermelho”
é considerado o
enunciado
que irá
servir de exemplo. A partir do momento em que o programa é exibido na TV ocorre a
enunciação
desse objeto do pensamento e que também se torna possível pressupor o sujeito
responsável por essa enunciação.
É no programa que depreendemos os traços desse sujeito, assim como o contexto
histórico-social. Dessa maneira, distinguindo-se do
enunciado
, a
enunciação
é examinada
como uma instância pressuposta pelo discurso, mas que deixa marcas que permitem recuperá-
la. Ao considerar a
enunciação
como uma estrutura composta por um sujeito, um predicado e
um objeto, Greimas afirma que a
enunciação
também pode ser reconhecida como um
enunciado elementar
, com a ressalva de que somente o objeto é manifestado. O
sujeito da
enunciação,
por sua vez, está pressuposto, concebido como uma instância em construção,
sempre incompleta e transformável e apreendida a partir de fragmentos do discurso realizado.
56
A
enunciação
é constituída, de acordo com o que se pode observar, de duas
perspectivas distintas e complementares, a primeira a partir do texto, de seus traços presentes
em seu interior e a segunda perspectiva é pelo papel de instância mediadora entre o discurso e
o contexto histórico-cultural.
Na perspectiva interna do texto, Greimas apresenta o
enunciador
e
enunciatário
como desdobramentos do sujeito da enunciação e que cumprem no discurso funções de
destinador
e
destinatário
. Na medida em que o
enunciador
realiza um discurso persuasivo e
pretende levar o
enunciatário
a
fazer-crer
”, ele é constituído como
destinador-manipulador
.
Torna-se preciso que no discurso interpretativo desse
enunciatári
o, ele entre no jogo e aceite
ou não a regra do
crer-verdadeiro
da mensagem, cumprindo o papel de
destinatário-sujeito
no discurso. Essa relação entre os dois sujeitos da comunicação é conhecida como
contrato
enunciativo
e é dentro do discurso que se pode interpretar o problema de veridicção, a
verdade e a falsidade.
Numa perspectiva intertextual do enunciado, a análise semiótica não considera os
discursos produzidos como verdadeiros ou falsos, eles carregam somente o efeito de sentido
de verdade ou falsidade, de acordo com os valores sócio-culturais. Se o que se revela no texto
são simulacros das situações sociais, as referências da vida social podem ser transpostas nas
formulações do texto e apresentar o mesmo jogo de persuasão daquilo que é verdade ou
falsidade, portanto, o
enunciador
propõe um contrato, que estipula como o
enunciatário
deve
interpretar a verdade do discurso e o reconhecimento do
dizer-verdadeiro
”, de acordo com a
cultura, a formação ideológica e as próprias características do discurso dentro de um
determinado sistema de valores. O
parecer-verdadeiro
é interpretado como
ser-
verdadeiro
”, a partir do contrato de veridicção assumido pelo
enunciatário
.
Greimas (1974, p. 4) ainda afirma que “o sujeito da enunciação não é jamais
apreensível e todos os
eu
[encontrados] no discurso não são sujeitos da enunciação, são
simulacros”. O
eu
não se refere especificamente ao indivíduo ou a algum conceito, quando
pronunciado, ele designa o sujeito do enunciado. Sobre a instauração do sujeito no enunciado,
Fiorin (2001, p. 42) destaca que “o sujeito é o ponto de referência das relações espaço-
temporais”.Como o enunciador produz um texto num determinado contexto e época, a
enunciação
estabelece as categorias espaciais e temporais de acordo com as categorias da
pessoa. Dessa forma, o espaço e o tempo são dependentes do
eu
que neles se enuncia. Como
no exemplo, o apresentador do programa de TV, assume no discurso o
eu
, uma projeção do
sujeito da enunciação (fora do texto), a sala do estúdio e o
ao vivo
do programa são as
57
categorias de espaço e tempo estabelecidas a partir da instauração da categoria de pessoa.
Todas as categorias dispostas ali na tela da TV, nesse caso, coincidem com o momento do
evento descrito e o ato de enunciação que o descreve.
As categorias de pessoas no texto não se referem a figuras de seres humanos
exclusivamente, podem ser apresentados como a figura de Deus. No trecho bíblico, Deus
ordena ao povo judeu que escolha espias para conhecerem a terra que será dada por Ele.
Narrado em primeira pessoa por uma voz em
off
que assume a figura divina, o texto
apresenta-se escrito na tela, no qual instaura a figura de Deus no discurso (categoria de
pessoa) e estabelece a época do Antigo Testamento como referência temporal (categoria de
tempo) e Canaã, como a terra prometida, a referência espacial (categoria de espaço).
De acordo ainda com Greimas (1974), as categorias de pessoa, espaço e tempo
projetados no enunciado podem produzir efeitos de sentido diversos. Conforme as escolhas
realizadas para enunciar o texto, pode-se construir o valor veridictório da mensagem ou não.
Essa veridicção é estabelecida a partir de um acordo fiduciário entre o enunciador e
enunciatário do texto. Enquanto o primeiro realiza um fazer persuasivo, o outro é responsável
por um fazer interpretativo e aceitar a mensagem significa compartilhar os valores e crenças
propostos pelo destinador.
3.4. - ESTRUTURAS DE ANÁLISE DO TEXTO
A preocupação da análise semiótica é reconhecer os elementos que formam o
efeito de sentido do texto e como eles se estruturam para apresentar-se com determinado
valor. A partir do programa de TV da
IURD
como objeto de estudo, o trabalho propõe
apresentar as relações da construção da veridicção em seu interior, como também o modo de
adesão que o
contrato enunciativo
propõe ao seu telespectador. Como a veridicção se projeta
no texto? Como se apresenta a argumentação no discurso? O efeito do enunciado pode ser
considerado como de “realidade”?
Conforme foi dito, o sentido do texto é gerado a partir da relação dos
componentes significantes do discurso e explicar a produção do sentido decorre da
investigação das relações internas presentes em sua organização. Para isso, o modelo proposto
58
é o percurso gerativo do sentido, que no caso do texto televisivo, engloba não a linguagem
verbal, mas todas as linguagens.
Sabemos que o modelo é dividido em duas grandes estruturas: as
estruturas
sêmio-narrativas
, que se distinguem em
nível profundo
e
nível superficial
e as
estruturas
discursivas
. Os diferentes níveis de estruturas se convertem uns nos outros, através de regras
sintáticas e semânticas que fundamentam a coerência do texto. Para compreender cada um
desses níveis, faremos uma síntese dessas estruturas de acordo com a forma de apreensão do
sentido, ou seja, do simples, profundo e abstrato para o complexo, superficial e concreto.
3.4.1 - Estruturas sêmio-narrativas
As
estruturas sêmio-narrativas
correspondem à organização do texto (no nosso
exemplo, o texto audiovisual da
IURD
), antes que essa ordem seja revestida pelos elementos
discursivos e tomada pela enunciação. O percurso de geração do sentido revela que ele se
inicia no nível profundo ou
categoria fundamental
e articula-se com o nível das estruturas
narrativas.
A significação do programa
“Saindo do Vermelho”
aponta para uma oposição
semântica nima,
opressão
vs
liberdade
. Durante todo enunciado, o texto se constrói sobre
essa relação de contrariedade. O desenvolvimento sintagmático dos elementos da significação
é revelado na alteração de um estado ao outro, sempre se apresentando como uma negação do
valor de origem para depois assumir o valor visado. Nos testemunhos do programa, o sujeito
da ação parte da categoria de
opressão
, ele recusa esse valor (estado de
não-opressão
) e por
fim confessa assumir a categoria de l
iberdade
. Portanto, o primeiro nível de geração de
sentido determina o mínimo de significação, ainda simples e abstrato e a partir de então, o
nível profundo
será articulado com o
nível superficial
da narrativa.
O nível superficial é representado pela
narratividade
e de acordo com Floch
(2001, p. 15) pode ser definida como uma
Seqüência ordenada de situações e ações [de estados e transformações] que perpassa
as frases e os parágrafos, os planos e as seqüências, [...] as relações se tornam
carências ou perdas, aquisições ou ganhos; as transformações, performances; e os
operadores dessas transformações, sujeitos.
59
Os pontos a serem analisados nesse nível são os mecanismos que estruturam a
seqüência do texto, inseridos na
sintaxe narrativa
e as questões da modalização do sujeito,
que são as determinações e qualificações do próprio sujeito diante dos valores que circulam
no texto, analisados na
semântica narrativa
.
Sintaxe narrativa
A partir das categorias fundamentais da geração do sentido (no nosso caso, o
estado de
opressão
vs
liberdade
), a sintaxe narrativa trata de determinar a organização de
transformação de estados, seus participantes e o papel que representam no texto. Barros
(1999, p. 16) apresenta duas definições da análise semiótica sobre narrativa, mas que, ao
mesmo tempo, são complementares:
Narrativa como mudança de estados, operada pelo fazer transformador de um sujeito
que age no e sobre o mundo em busca dos valores investidos nos objetos e narrativa
como sucessão de estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um destinador e
um destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e
circulação de objetos.
Um dos fundamentos de toda reflexão sobre a narratividade está na
Morfologia do
conto maravilhoso
do formalista russo Vladimir Propp (1928). Essa análise contempla o
contexto dos estudos folclóricos, cento e um contos de fadas eslavos e propõe estabelecer a
constância dos elementos dos personagens e ações assim como suas relações, ou seja, o
encadeamento dessas ações e que constitui a forma do conto popular. Os contos podiam ser
divididos em até trinta e uma unidades, consideradas como funções e surgem sempre numa
mesma seqüência ordenada, partindo da “carência”, em seguida a “busca”, a “luta”, o
“retorno” e assim por diante. As personagens o eliminadas do plano principal do estudo,
elas constituem apenas suportes para as funções proppianas, aliás, são as funções que
atribuem as características dos personagens. De acordo com essas funções, o número dos
personagens fica limitado somente a sete, são eles o herói, seu ajudante, o vilão, o malfeitor, o
falso herói, o doador e a personagem procurada.
A partir de uma abstração dessa lista de personagens de Propp, Greimas (1977)
estabeleceu o termo de
actante
e de
papéis actanciais
. No desenvolvimento de uma sintaxe
60
narrativa, o núcleo da toda análise estaria ligado ao conceito de
actante
, distinto do termo
ator
, reconhecível nos discursos particulares em que se encontra manifestado. Com isso,
Greimas (1977, p.179) acrescenta que embora a relação entre os dois termos pareça uma
simples ocorrência do tipo de que cada
ator
cumpriria a função de um
actante
, a relação se
apresentaria mais complexa, no qual “um
actante
podia ser manifestado no discurso por
vários
atores
, o inverso era igualmente possível; um
ator
podia ser o sincretismo de vários
actantes
”. Greimas (1973) reconhece apenas três pares de categorias actanciais, cada
categoria é definida por uma relação de oposição com outro termo do mesmo nível, seriam
elas:
Sujeito ________ Objeto
Destinador ________ Destinatário
Adjuvante ________ Oponente
Juntamente com o conceito de
actante
, outro elemento de análise dos estudos de
Propp aplicado por Greimas na análise da sintaxe narrativa é o conceito de
função.
Redefinido
sob o nome de
enunciado narrativo
, ele sugere uma relação ao menos entre dois
actantes,
regida por um predicado. Essas relações se estabelecem entre o
actante sujeito
e o
actante
objeto
em duas diferentes formas:
junção
e
transformação
.
A
junção
indica a relação de estado do
sujeito
com o valor investido no
objeto
,
ressalta-se assim, que não é o
objeto
em si que é visado, mas o valor inserido nele o faz
desejável pelo
sujeito
. São duas as formas de relação entre os dois
actantes
: a
conjunção
e a
disjunção
. Nos exemplos dos testemunhos dos fiéis da
Igreja Universal
, podemos formular
que antes de participar das reuniões do
Congresso Empresarial dos 318 pastores”
, o
sujeito
(fiel da igreja) estava numa relação de
disjunção
com o
objeto-valor
(a empresa, o carro, o
sucesso).
a relação de
transformação
é responsável pelo
enunciado de fazer
, ou seja,
opera a passagem de um estado ao outro, da
conjunção
a
disjunção
e vice-versa. O objeto
desse
enunciado de fazer
é sempre o
enunciado de estado
e a articulação desses dois
enunciados elementares formam o
programa narrativo
. A narrativa apresenta que o fiel
participou da campanha da
IURD
(
enunciado de transformação
) e passou a ter um estado de
conjunção
com o objeto-valor (a prosperidade).
61
O
programa narrativo
é a estrutura sintática elementar da narrativa. Para se ter
uma narrativa mínima é necessário que ela apresente um
programa narrativo
. Ele é definido
pela transformação que o
enunciado de fazer
realiza sobre um
enunciado de estado.
Bertrand
(2003, p. 292) apresenta a seguinte estrutura:
O programa narrativo [PN] é uma função [um fazer] pela qual um sujeito de fazer
[S1] faz com que um sujeito de estado [S2] se torna conjunto [] de um objeto ao
qual estava disjunto [U], ou vice-versa. Os dois actantes-sujeitos [de fazer e de
estado] podem ser representados por dois atores distintos ou por um só mesmo ator.
Esses programas podem ser hierarquizados dentro da
estrutura narrativa
,
classificados entre o
programa de base
e os
programas de uso
, para a existência destes é
necessário a realização do primeiro. As relações de seqüências de
programas narrativos
organizam-se em
percursos narrativos
. Nessa etapa de análise, o
sujeito de estado
, o
sujeito
de fazer
e o
objeto
, são redefinidos e se tornam
papéis actanciais
.
Assim como as relações dos enunciados determinam o
programa narrativo
, do
mesmo modo, os encadeamentos lógicos dos tipos de
programas
determinam os
percursos
narrativos
, podendo ser constituídos de três diferentes modos: o
percurso do sujeito
, o
percurso do destinador-manipulador
e o
percurso do destinador-julgador
.
No percurso do sujeito, ele não é mais considerado o actante
sujeito de estado
ou
de fazer
, ele desempenha um conjunto variado de papéis actancias (
actante funcional
). Esse
percurso representa o encadeamento lógico entre um
programa narrativo de competência
com
um
programa de performance
, ou seja, o sujeito apropria-se da competência necessária à ação
e realiza a performance.
O seg
undo percurso é do destinador-manipulador, no qual o
programa de
competência
é analisado do ponto-de-vista do sujeito doador desse /
poder
/
21
ou /
saber
/, que é
o
destinador
e não daquele ponto-de-vista do sujeito que recebe a doação, esse sujeito que
agora se apresenta como
destinatário
. Num primeiro momento, o
destinador
atribui uma
competência semântica, no qual institui o objeto como um valor visado para o sujeito. Em
seguida, o destinador doa a competência modal, é a fase da manipulação propriamente dita,
quando é doado ao sujeito o /
querer-fazer
/, o /
dever-fazer/
, o /
saber-fazer
/ e o /
poder-fazer
/,
aqui reside um dos focos do interesse das análises que serão realizadas neste trabalho. Em
relação a essa manipulação, Barros (1999, p.25) afirma:
21
Os verbos entre traços oblíquos servem para representar que são verbos de valores modais (capacidade de
serem seguidos por um outro verbo no infinitivo).
62
O destinador propõe um contrato e exerce a persuasão para convencer o destinatário
a aceitá-la. O fazer-persuasivo ou o fazer-crer do destinador tem como contrapartida
o fazer-interpretativo ou crer do destinatário, de que ocorre a aceitação ou a recusa
do contrato.
A aceitação da manipulação pode ocorrer quando o sistema de valores em que
ela se sustenta for compartilhado pelo manipulador e pelo manipulado, quando houver certa
cumplicidade entre eles. Não se manipular corresponde à recusa dos sistemas de valores
propostos e é isso que a
IURD
pretende evitar.
O último percurso é do
destinador-julgador
, essa fase encerra o
percurso
narrativo
e corresponde à sanção do
sujeito
. O primeiro programa narrativo desse percurso
estabelece um
destinador
que interpreta a ação do
sujeito
em relação aos valores propostos na
narrativa. De acordo com o contrato inicial da manipulação, cabe avaliar agora se o
sujeito
cumpriu o compromisso assumido, verificando suas ações de acordo com os sistemas de
valores adotados no contrato. O segundo programa narrativo desse percurso é quando ele é
julgado de acordo com os compromissos assumidos e recebe a recompensa (julgamento
positivo) ou a punição (julgamento negativo). Considerando o contrato proposto nos
programas da
IURD
, não podemos demonstrar dentro do texto audiovisual se tal manipulação
de fato é assumida pelo telespectador. Tais informações estão fora do texto, mas pelo avanço
crescente da
Igreja Universal
conforme apresentado no primeiro capítulo, pode-se inferir que
as estratégias de manipulação conseguem atingir o resultado desejado.
Todos esses elementos narrativos são organizados na unidade maior da hierarquia
sintática, o
esquema narrativo
, proposto por Greimas (1977) como um quadro geral da
organização da narrativa. Bertrand (2003, p. 293) define esse
esquema
, de maneira geral,
como uma “representação de um objeto semiótico reduzido às suas propriedades essenciais”.
Semântica Narrativa
As primeiras definições de
actante
apresentadas aqui estavam relacionadas com
uma estrutura narrativa, a sintaxe definia o
actante
através da relação com um outro
(definição interactancial). O
destinador
era definido pelo seu
destinatário
, o
objeto
tinha seu
valor de acordo com o
sujeito
e assim por diante. a
semântica narrativa
propõe analisar a
63
problemática das modalidades, o
actante
é reconhecido não na sua relação com um outro, mas
nas relações constituintes de seu estatuto, com seus componentes modais (o /
querer
/, o
/
dever
/, o /
saber
/, o /
fazer
/, o /
crer
/ e o /
ser
/). As articulações de suas modalidades permitem
definir o
actante
, seu papel e no decorrer da narrativa, suas próprias definições modais são
modificadas, enriquecidas ou alteradas (definição intra-actancial).
Bertrand (Ibid., p. 313) define modalidade como
Um enunciado que modifica outro enunciado. [...] ‘dever’, ou ‘querer’, ou ‘saber’,
ou poder modificam [modalizam] os enunciados de ‘fazer’ ou ‘ser’, ou então o
‘fazer’ que modaliza o ‘fazer’ e, em conseqüência , todas as outras modalizações do
fazer. Essas modalidades podem igualmente combinar-se entre si
Os
enunciados elementares
de
fazer
e de
ser
, na
sintaxe narrativa
, correspondem
também a enunciados modais, conhecidos como
modalização do fazer
e a
modalização do
ser
. Na
modalização do fazer
, os aspectos analisados são o fazer do destinador que comunica
valores modais ao destinatário-sujeito para que ele faça (/fazer-fazer/) e a organização modal
da competência do sujeito (/ser-fazer/).
a
modalização do ser
analisa a modalidade da
veridicção
, no qual a questão da
verdade
é substituída pelo termo
veridicção
ou
dizer-verdadeiro”
e relaciona-se ao
fazer
interpretativo
, apresentado no
percurso do destinador-manipulador
e a manipulação em si.
Outro ponto examinado também é a determinação do sujeito em relação ao objeto-valor pelas
modalidades do /
querer
/, do /
dever
/, do /
saber
/ e do /
poder
/. Esses tipos de determinações
modais alteram a existência modal do sujeito Os efeitos de sentido produzidos por esses
dispositivos modais são configurações passionais e o exame das paixões (“estado de alma” do
sujeito), sob a forma de percursos modais, explica a organização semântica da narrativa.
O capítulo seguinte irá apresentar, de forma detalhada, a modalidade veridictória
presente no programa de TV da
Igreja Universal
, pois a
narrativa
propõe estabelecer um
contrato fiduciário com o telespectador, persuadí-lo a aceitar os valores apresentados a partir
de uma construção de um
dizer-verdadeiro
do
destinador
. Para isso são promovidas narrativas
identificáveis com diversos contextos de um telespectador, que são uma das estratégias de
manipulação para buscar a adesão do público. Conseqüentemente, é sugerida a participação
do blico nas reuniões como uma proposta de solução de problemas financeiros, espirituais,
sentimentais, familiares e qualquer um outro. As narrativas são sempre semelhantes na
maioria dos programas e que, através das análises no próximo capítulo, poderão ser
comprovadas e estabelecidas as tais características.
64
3.4.2 - Estruturas discursivas
A importância atribuída
às estruturas discursivas
deve-se ao fato de ser o lugar
em que se revelam os traços da enunciação e que se retoma os elementos das
estruturas
sêmio-narrativas
a fim de que sejam enunciados. O
sujeito da enunciação
faz as escolhas de
pessoa, espaço e tempo, essas categorias são apresentadas no texto de várias formas
figurativas, mas que para produzir sentido, elas devem conter uma certa coerência discursiva.
O tema apresentado na narrativa e desenvolvido numa relação entre os actantes é relacionado
com as figuras do discurso.
No programa
Saindo do Vermelho
”, o casal entrevistado no estúdio contrasta o
seu passado com o presente, no texto Sérgio Vidal está figurativizado numa foto no presídio
de Ribeirão Preto (SP) em 1993, além de centenas de cheques devolvidos na mesa do
apresentador da época que ele saiu da cadeia e tentou abrir sua empresa, mas faliu. No estúdio
ele se apresenta bem vestido, com sua esposa e a TV mostra imagens da empresa no qual ele é
o proprietário. A narrativa do texto apresenta alguém que não tinha liberdade e nem a
prosperidade, mas que no final adquire o valor desejado. Mas é na
discursivização
do texto
que se opera as projeções da pessoa, do espaço e do tempo da enunciação. Quando essa
narrativa é articulada com mecanismos das
estruturas discursivas
, segundo Greimas (1979)
cria-se então a representação actancial, espacial e temporal do enunciado.
O
discurso
se apresenta então como uma narrativa “enriquecida” por todas as
opções do enunciador. A análise do vel discursivo enfoca as projeções da enunciação no
enunciado, os recursos de persuasão utilizados pelo enunciador para manipular o enunciatário
e a cobertura figurativa dos conteúdos narrativos abstratos.
Sintaxe Discursiva
65
Na
sintaxe discursiva
, são analisados principalmente dois aspectos: a projeção da
instância da enunciação no discurso enunciado e as relações argumentativas entre o
fazer
persuasivo
do
destinador
e o
fazer interpretativo
do
destinatário
.
Greimas (1974) a partir de um conceito de
shifter
(embreante), elaborado por.
Jakobson
22
, apresenta algumas operações discursivas a partir do ato da
enunciação
, são elas as
operações de
debreagem
e
embreagem
. Na
debreagem
, o sujeito da enunciação projeta para
fora de si as categorias que servem de suporte para o enunciado, realiza-se uma
debreagem
actancial,
uma
debreagem temporal
e uma
debreagem espacial
. Na primeira se estabelece um
não-eu
, definido pelo universo do
ele
, em seguida sugere um
não-agora
, que representa o
universo do
então
e o terceiro apresenta o
não-aqui
, o universo do
.
O fiel da igreja testemunha para a repórter no estacionamento da IURD que
aparece no programa da TV é uma projeção da instância da enunciação, nesse caso, o
entrevistado, assim como o estacionamento da igreja e o período da noite que antecede a
reunião. A instauração da pessoa, do espaço e do tempo pretendem manifestar no discurso
traços diferenciais do momento da enunciação.
A projeção para fora da instância da enunciação do actante e de suas coordenadas
espaciais e temporais constitui o sujeito pelo que ele não é, o sujeito do discurso não é o
mesmo sujeito da enunciação. Seguindo os estudos de Benveniste (1989, p. 84) sobre a
subjetividade na linguagem, a semiótica adota a definição do
eu
a partir da oposição ao
tu
,
para assim instaurar o locutor como sujeito:
A linguagem é possível porque cada locutor se coloca como sujeito, remetendo a
si mesmo como eu em seu discurso. Dessa forma, eu estabelece uma outra pessoa,
aquela que, completamente exterior a mim, torna-se meu eco ao qual eu digo tu e
que me diz tu.
As categorias de pessoa exploradas na
debreagem actancial
podem articular-se de
duas formas: em pessoa
eu/tu
, e em enunciados decorrentes da projeção do
ele
. No primeiro
caso ocorre a função de
debreagem enunciativa
, conhecida como uma
enunciação-enunciada
e no segundo caso temos o
enunciado-enunciado
, com uma
debreagem enunciva
.
O início do programa “
Saindo do Vermelho
” tem o pastor dando bom dia e
divulgando o tema da reunião da segunda-feira para o telespectador. Com o olhar direcionado
para a câmera ele instaura o telespectador como o
enunciatário
, esse exemplo refere-se ao
22
JAKOBSON, R. Les embrayeurs, les catégories verbales et le verbe russe, (1963). O lingüista russo afirmava
nesse artigo que a significação geral de um embreante não pode ser definida fora de uma referência à mensagem.
66
primeiro caso, trata-se de uma
enunciação-enunciada
. São traços que simulam a presença do
enunciador, o seu lugar e seu tempo, revelando dentro do próprio enunciado, traços de sua
existência. O
eu
implícito do enunciador não é o mesmo
eu
revelado no texto audiovisual,
assim como também o tempo e o espaço, são apenas simulacros construídos. Os textos são
considerados subjetivos, se fundam na similaridade e apresentam uma equivalência com a
enunciação pressuposta. A instância da enunciação engloba suas mais importantes marcas ou
traços e os dissemina por todo o texto.
O fato de o enunciador instaurar determinado personagem, em determinada época
e determinado lugar no texto revela o mecanismo de
debreagem enunciativa
, que é a
instauração do
não-eu
, o
não-aqui
e o
não-agora
, mas que produz o efeito de sentido de
semelhança entre o enunciado e a instância da enunciação. O discurso simplesmente projeta a
instância da pessoa, o pastor que apresenta o programa na tela da TV é uma figura, um
simulacro e um recorte do pastor ontológico, de carne e osso. Assim como é projetada a
instância da pessoa, as categorias de espaço e tempo são organizadas de modo semelhante, a
ponto de serem apresentados no nosso exemplo, como
eu
, a
qui
e
agora
e retomando traços
característicos da instância da enunciação.
O segundo caso é o da
debreagem enunciva
, que produz o
enunciado-enunciado
.
Como exemplo, podemos citar a matéria sobre a “
nova geração
”, na qual um narrador conta a
história do povo de Israel distinguindo a
velha geração
”, desanimada e descrente da
nova
geração
”, corajosa e disposta a obedecer a Deus, ocorre uma
debreagem actancial
, o povo
de Israel é o sujeito instaurado no discurso (refere-se a um
não-eu
no texto), uma
debreagem
temporal
, na época bíblica do antigo testamento (sugere um
não-agora
) e uma
debreagem
espacial
, nas terras da região de Israel (propondo um
não-aqui
). Nesse caso, as representações
actancias, temporais e espaciais são distintas das categorias de pessoa, de tempo e de espaço
da enunciação. O uso no discurso de um
ele
, um
então
e um
confere a possibilidade de
distanciar o contexto do enunciador com o texto, que pode representar sujeitos, coisas e
épocas sem a relação com a situação da enunciação.
A semiótica considera também o problema das projeções enunciativas dentro do
próprio texto. O sujeito debreado, seja ele da
enunciação
ou do
enunciado
, promove uma
segunda debreagem, delegando a voz a um outro participante do discurso. Esse caso ocorre,
por exemplo, quando o pastor entrevista o fiel da igreja, fazendo que o entrevistado assuma o
papel actancial do
eu
no discurso. Essas sucessivas debreagens são subordinadas umas as
outras e são responsáveis pela presença dos
interlocutores
no discurso.
67
De acordo com as relações de debreagem, Barros (1988, p. 75) apresenta o
seguinte esquema:
IMPLÍCITOS (ENUNCIAÇÃO PRESSUPOSTA)
DEBREAGEM DE 1° GRAU (ATORES EXPLICITAMENTE INSTALADOS)
DEBREAGEM DE 2° GRAU
Enunciador [ Narrador [ Interlocutor [ Objeto ] Interlocutário ] Narratário ] Enunciatário
Os efeitos da enunciação são criados pelo uso das operações de
debreagem
enunciativa
(a
enunciação-enunciada
), que cria um valor de subjetividade no texto e pela
debreagem enunciva
(o
enunciado-enunciado
), responsável pela simulação de uma
objetividade no texto. Além desses dois mecanismos, ainda temos a função da
embreagem
,
tida como um efeito de retorno das formas já debreadas da enunciação, através de um
processo de neutralização das categorias de pessoa, de espaço e de tempo (a
embreagem
não
se manifesta necessariamente nas três categorias simultaneamente no mesmo texto).
A
embreagem
sugere recuperar as formas da enunciação que foram projetadas
para fora de si, nega-se o enunciado e pretende suspender a oposição entre os atores, os
tempos e os espaços da enunciação e do enunciado. Toda
embreagem
pressupõe uma
debreagem
anterior e produz efeitos de sentido contrários, enquanto a
debreagem
referencializa as instâncias enunciativas e enuncivas, o enunciado apresenta-se
desreferencializado pelo uso da
embreagem
no discurso. No programa de TV da
Igreja
Universal
, o uso da
embreagem
é praticamente inexistente, a preocupação é fazer do discurso
uma referência mais próxima possível de seu contexto.
No exame das projeções de enunciação no discurso, podemos considerar também
alguns procedimentos discursivos relacionados à delegação de voz e aos efeitos de enunciação
decorrentes. A
delegação de voz
é um mecanismo resultante da operação de
debreagem
, para
construir seu texto, o enunciador instaura um ou mais sujeitos no discurso atribuindo a eles
um /
dever-fazer
/ e um /
poder-fazer
/, ou seja, seleciona o
narrador
ou
observador
para que
cumpra a função de assumir a fala no discurso e o qualifica para tal, ele deve e pode narrar.
68
Sobre a instauração do narrador no discurso, Barros (1988, p.81) o define como “resultado da
projeção da instância da enunciação, fundadora do discurso, tendo o narrador manifestação
explícita ou implícita no discurso enunciado”. O
narrador
é apresentado como uma máscara
da enunciação e inclusive seu desaparecimento no texto o faz ainda conhecido como uma
categoria. Dessa forma obtemos dois diferentes efeitos de sentido: a ilusão de ausência da
enunciação
ou de distância em relação a ela, enquanto este sugere um efeito de objetividade,
o primeiro apresenta uma aparente anulação da distância entre o
enunciado
e a
enunciação
,
um efeito de subjetividade.
Os procedimentos discursivos para criar a veridicção no programa de TV da
IURD
pretendem criar o efeito de sentido de que os fatos apresentados são os fatos ocorridos,
de que seus personagens são reais e o discurso é tão somente cópia dessa realidade. Para o
pastor, mais importante que apenas narrar a história do empresário Sérgio Vidal e sua esposa,
é delegar a voz para que eles mesmos contem suas histórias de vida, de forma subjetiva, com
todas as emoções e dificuldades. Esse procedimento pretende produzir maior efeito verídico
sobre a importância da
Igreja Universal
para fazer com que suas vidas fossem transformadas.
Semântica Discursiva
Para construir os efeitos semânticos do discurso, o sujeito da
enunciação
dissemina os percursos temáticos e os revestem com elementos figurativos. Assim sendo, os
componentes de
aspectualização temporal
,
espacial
e de
pessoas
articulam-se com a
tematização
e a
figurativização
.
A
figuratividade
é concebida como uma propriedade semântica fundamental da
linguagem. De acordo com os estudos da teoria estética, ela é definida como uma semelhança,
uma representação ou imitação do mundo pela disposição das formas numa superfície.
Bertrand (2003, p. 154) apresenta como o conceito de figuratividade foi incorporado pela
semiótica e adotado de modo estendido para todas as linguagens, tanto verbais quanto não-
verbais ou sincréticas para “designar esta propriedade que elas têm em comum de produzir e
restituir parcialmente significações análogas às nossas experiências perceptivas mais
concretas”. Portanto, a semiótica não assume a
figuratividade
apenas como uma representação
mimética, capacidade de apresentar-se de modo idêntico ao real, mas de criar sentido a partir
69
do modo de apreensão do enunciatário. Mesmo o texto visual pode revelar diferentes graus de
figurativização
, desde a
iconização
, que garante a semelhança com as figuras do contexto da
enunciação, até chegar ao grau de abstração, que gera um afastamento entre a semelhança das
duas instâncias. em um texto verbal, a representação figurativa é possível pelo crivo de
leitura do mundo natural.
No monitor de plasma do estúdio do
Saindo do Vermelho”
, a imagem apresenta
uma escultura de dois homens que carregam um enorme cacho de uvas (essa escultura
também se encontra na mesa do apresentador), essa figura representa ali uma estilização das
figuras de Josué e Calebe, que representam os dois espias corajosos da
nova geração
”. No
mesmo monitor, podemos assistir aos momentos da
Vigília dos 318 pastores”
na
IURD
,
representa-se ali a
iconização
do objeto do mundo natural. Greimas (1984, p. 27) esclarece
que a
iconização
e
abstração
[...] constituem graus variáveis da
figuratividade
”. Enquanto a
abstração
reúne uma densidade baixa de traços semânticos para representar o objeto real, a
iconicidade
é o resultado de uma alta densidade de traços figurativos suficientes para
“permitir sua interpretação como representante de um objeto do mundo natural” (Ibid., p.25).
Para o investimento figurativo ser compreendido, ele precisa ser assumido por um
tema. De acordo com Denis Bertrand (2003, p.213),
A tematização consiste em dotar uma seqüência figurativa de significações mais
abstratas que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua
orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou
passionais.
Através do tema podemos resgatar o sentido da figura. Os elementos figurativos
do enunciado necessitam apresentar uma certa coerência temática, para que essa significação
percorra de modo coerente por todo o texto, surge o recurso da
isotopia
. De acordo com os
estudos semióticos, Bertrand (Ibid., p. 187) apresenta
isotopia
como um “conceito de
interação” de um elemento semântico e um efeito da permanência do sentido ao longo do
enunciado. Como uma regra de coerência textual, ela assegura a repetição dos elementos
semânticos de uma frase para outra (ou de uma imagem para outra, considerando o
sincretismo da linguagem televisiva) e garante a continuidade figurativa e temática do texto.
É possível reconhecer dois tipos de
isotopias
na semântica do nível discursivo, a
isotopia figurativa
, que assegura a recorrência dos atores, do espaço e do tempo no texto e a
isotopia temática
, mais abstrata e estabelecida pela construção de recorrências temáticas a
partir da superfície figurativa. No programa da
Igreja Universal
, notamos as
isotopias
70
figurativas
no exemplo como do casal que apresentam os cheques devolvidos e a foto do
marido na prisão, para confirmar as suas falas. Já as
isotopias temáticas
do programa revelam
a superação das dificuldades financeiras e a solução dos problemas com a justiça, entre outras.
Quando encontramos a metáfora, ou comparação, no programa de TV sobre o
povo de Israel e os fiéis da
IURD
, sua significação está baseada no duplo sentido, são
oferecidos dois planos de significação à interpretação. Nesse caso, são compreendidos como
conectores de isotopias
,
enunciados
que podem ser interpretados em duas ou mais
isotopias
e
promovem a passagem de uma leitura outra.
A partir desse referencial teórica da semiótica de linha francesa, poderemos
identificar a programação da
IURD
na
Record
como os componentes discursivos são
articulados para a geração de sentido do texto. A mensagem religiosa é apresentada como um
dizer-verdadeiro
e ela pretende se estabelecer a partir de estratégias argumentativas. Fazer a
mensagem ser interpretada como um
crer-verdadeiro
pelo telespectador é o principal passo
para promover uma alteração modal desse destinatário. O /
querer-fazer
/ desse sujeito será a
modalização necessária para ele participar das reuniões da igreja e se tornar um futuro fiel.
3.5 - A QUESTÃO DA VERIDICÇÃO NO DISCURSO
A experiência de assistir a um programa de TV da
Igreja Universal
pode
representar o primeiro contato do telespectador com sua nova igreja, pelo menos é o que
pressupõe o convite dos pastores, reforçado em cada final de programa. Como fazer com que
a mensagem divulgada no programa obtenha tal resultado? Quais são as articulações internas
do texto que pretendem conquistar a adesão de um novo fiel? Qual é a posição do
telespectador em relação ao que lhe é proposto?
Em primeiro lugar, vale ressaltar que o objetivo de todo conteúdo da
IURD
divulgado na TV não é simplesmente simular o mundo real, nem tão pouco se apresentar
como uma ficção ou fábula. A convicção da verdade do texto é o valor que é proposto em
todos os segmentos do programa, o conteúdo do programa está assim enunciado para parecer
verdadeiro. Todo o texto está baseado na pressuposição de um
dizer-verdadeiro
presentes nos
elementos descritivos de cada testemunho, como por exemplo, a empresa adquirida, a nova
casa e os carros de luxo do entrevistado, são apresentados para serem considerados reais.
71
Quando o texto é enunciado, ele também irá apresentar uma modalidade ou um tipo de
verdade. Se o pastor diz que o mel distribuído no
Congresso Empresarial dos 318 pastores
livra de toda amargura decorrente de problemas, a enunciação também projeta que a fala do
pastor é para ser considerado como verdadeira tal afirmação.
Greimas (1974, p. 9) afirma que a construção da verdade no texto depende de uma
intertextualidade, “cada enunciado [...] apóia-se sobre uma argumentação, ou melhor, uma
demonstração [...], um outro discurso que lhe é paralelo e que fundamenta este enunciado”.
Então, neste exemplo da distribuição do mel na campanha da
IURD
, o pastor apóia sua
verdade no texto bíblico, em que Deus promete para seu povo uma terra que manaria leite e
mel
23
e também no depoimento de vários fiéis que alcançaram a prosperidade e vivem livres
de amarguras por causa dos ensinamentos da igreja.
Através então de elementos internos do texto articulados com as percepções do
mundo natural é que o sentido será formado. Para Greimas, o texto não irá referir-se ao real,
mas ele próprio será articulado para representar o real dentro de si mesmo, ou seja, as
situações e as personagens reconhecidas no mundo natural terão seus simulacros construídos
no texto audiovisual da
IURD
. A partir dessas considerações, Bertrand (2003, p. 433)
esclarece a razão pelo qual a semiótica adota o termo
veridicção
ao invés de
verdade
no texto:
Diferentemente de uma definição de verdade baseada, em teoria da comunicação, na
adequação da mensagem a seu referente, a semiótica desenvolve uma análise da
veridicção, isto é, dos jogos da linguagem com a verdade que o discurso instala em
seu interior. Por mais forte que seja a modalização de sua certeza, o crer-verdadeiro
do enunciador não é suficiente: ele deve ser partilhado pelo mesmo crer-verdadeiro
do enunciatário.
A modalidade veridictória de um texto não se configura no discurso somente a
partir de um referente. A veridicção é construída também a partir de um contrato entre o
enunciador e enunciatário, pois a verdade, a falsidade, a mentira e o segredo se apresentam
tão somente como efeitos específicos do discurso e sua organização. No programa de TV, o
comercial da
Campanha dos 318 pastores
se apóia na fala do apresentador, que por sua vez se
refere ao testemunho de vida dos fiéis da igreja, que são felizes porque acreditaram no
dizer-
verdadeiro
do próprio pastor. Assim, cada unidade do texto faz de uma outra seu plano de
referência, atualiza os mesmos elementos e os confirmam, a fim de serem assumidos como
23
De acordo com o Livro de Êxodo no cap. 3:8, Deus prometeu para Moisés que iria libertar o povo de Israel do
Egito e os conduziria a uma terra próspera, uma “terra que mana leite e mel” (uma expressão proverbial que
significa fartura da terra).
72
verdadeiros. As unidades do texto são referencializadas reciprocamente, sem esquecer das
relações intertextuais do enunciado, como a passagem bíblica que fundamenta a campanha e o
contexto social que identifica as circunstâncias do mundo natural presentes no texto.
Portanto, Bertrand (Ibid., p. 162)considera que a realidade não é de modo algum
legível como uma verdade intrínseca, mas como um efeito específico do discurso e sua
organização”. Juntamente com o
dizer-verdadeiro
do enunciador, também o valor verídico
do enunciado que se pretende impor ao enunciatário e assim ser assumido como real. Os
estudos semióticos deixam de lado do valor da verdade de uma pressuposta realidade e
problematiza a relação entre o
fazer-crer
do enunciador e o
crer-verdadeiro
do enunciatário.
Na modalidade veridictória no enunciado, ao mesmo tempo em que se constrói
um discurso persuasivo por parte do enunciador, cabe ao enunciatário o
fazer-interpretativo
do texto. Não é apenas o sujeito enunciado que instaura o efeito de verdade no texto, mas é
preciso que o enunciatário assuma os valores apresentados no texto e aceite tal regra de
organização discursiva a fim de instaurar o texto como real e verdadeiro. Mesmo que a
credibilidade do pastor seja alta e apresente o discurso com convicção, o é suficiente para
garantir que o telespectador vá até a igreja e participe das reuniões. Os mesmo valores
apresentados no programa devem ser partilhados pelo telespectador e serem interpretados
como verdadeiros, assim, o contrato enunciativo pode ser estabelecido quando o enunciador e
o enunciatário partilhem da mesma crença.
As formulações do enunciado e sua narratividade podem ser consideradas
simulacros das situações sociais. Por vezes, o destinador da comunicação se preocupa em
persuadir que é verdade, ou falso, convencer que é mentira ou manter um segredo de algo. O
contrato enunciativo
traz consigo as estratégias dessa veridicção, que é modalizada de acordo
com um “jogo de aparências” organizado no discurso. Nos diferentes graus de verdade que se
pode estabelecer no texto, Greimas (1974, p.9) apresenta uma contrariedade dos valores
ser
e
parecer
e a contradição particular de cada termo, o
não-ser
e o
não-parecer
. Nessa relação
entre a categoria semântica do
ser
e
parecer
, a associação de dois termos produz uma forma
de adesão ao contrato. O
não-ser
e
não-parecer
define a falsidade, o
não-ser
e
parecer
sugere
a mentira, o
ser
e
não-parecer
promove o segredo e a relação do
ser
e do
parece
r no discurso
define a verdade.
O intuito da mensagem religiosa de TV da
IURD
é fazer com que ela seja aceita
como verdade, o que é possível quando o fazer interpretativo do destinatário é de um
crer-
verdadeiro
. A forma de adesão do telespectador esperado no contrato é a de que ele
73
identifique a verdade, como efeito de sentido produzido no texto, ou seja, o sentido do
discurso da
IURD
na TV seja reconhecido entre os valores do
ser
e do
parecer
, portanto
verdadeiro.
3.6 – A FIGURATIVIDADE NA CONSTRUÇÃO DE UM DIZER-VERDADEIRO
A verdade do texto, entendida na semiótica como efeito de sentido da relação
entre o
ser
e
parecer
, sustenta-se a partir do
contrato enunciativo
, conforme enfatizamos, já as
articulações internas e externas do texto para formular um
dizer-verdadeiro
perpassam todos
os níveis do percurso gerativo do sentido. Vale ressaltar como a figurativização contribui para
engendrar os efeitos de sentido do
dizer-verdadeiro
em uma figuratividade textualizada pelas
diferentes linguagens constitutivas do dispositivo audiovisual. As diferentes variações do
nível figurativo determinam os níveis de apreensão e de interpretação do texto, tornando um
dos elementos responsáveis para a aceitação do contrato por parte do enunciatário.
Os elementos figurativos do programa da
IURD
são manifestados na fala do
pastor, no seu caráter sério e convicto que ele transmite, no modo de vestir, de forma social,
na imagem da reunião na igreja com muitas pessoas, nos entrevistados felizes que mostram
seus carros, casas e empresas. Enfim, todas as
isotopias figurativas
revestem as
isotopias
temáticas
, que são as dificuldades iniciais superadas a partir de que o fiel freqüente as
campanhas e entre em harmonia com a prosperidade. O discurso impõe ao telespectador que o
aceite como verdadeiro, dessa forma, os elementos figurativos (
parecer
) são articulados para
promoverem a verossimilhança do discurso (
ser
). Assim que é reconhecido pelo indivíduo
que assiste à atração na TV como um
dizer-verdadeiro
, os valores pregados no programa são
compartilhados pelo telespectador.
A
figuratividade
foi abordada dentro do percurso gerativo do sentido como um
elemento da semântica discursiva. Nessa primeira análise, sua definição se baseia na
correspondência das figuras do mundo natural com as figuras de linguagem, a fim de formar
as categorias de espaço, tempo e pessoa. Mas quando se considera a interpretação do
enunciatário, a figuratividade é responsável pelo efeito de sensibilização e argumentação do
texto, para que somente depois ela produza um efeito de realidade proposto.
74
A interpretação de um
crer-verdadeiro
do texto sustenta o contrato enunciativo,
no qual identifica os valores que se concretizam também pelo enunciatário. Nessa relação
entre o nível figurativo e o contrato de veridicção, Greimas (1987, p. 78 apud BERTRAND
2003 p 158) afirma que
A figuratividade não é mera ornamentação das coisas, é essa tela do parecer cuja
virtude consiste em entreabrir, em deixar entrever, em razão de sua imperfeição ou
por culpa dela, como que uma possibilidade de além-sentido. Os humores do sujeito
reencontram, então, a imanência do sensível.
Essa segunda abordagem do nível figurativo não se volta para o efeito de
sentido produzido, mas para os elementos na percepção sensorial das coisas. Diferentemente
da relação entre os valores sócio-culturais e as normas da leitura do texto, o
parecer
se torna
um espaço semiótico que articula a percepção individual do sujeito telespectador e o objeto
audiovisual, no nosso caso, o presença da
IURD
na tela da TV. A construção da cumplicidade
entre o sujeito que percebe e o objeto percebido cria um grau de verdade e realidade sobre o
mundo natural representado no texto.
Esse deslocamento da concepção da figuratividade valoriza o modo de contato do
telespectador com o programa de TV. A partir do momento que não se restrinja à
representação, o nível figurativo sugere um ato sensorial, de percepção, no qual o
telespectador entra em contato com o conteúdo do texto.
A aceitação da verdade do texto pelo enunciatário é assumida através de uma
crença partilhada, a fidúcia. Ela é um elemento que fundamenta a concepção intersubjetiva da
enunciação e essa crença se apóia também sobre as projeções figurativas. O contrato de
veridicção estabelece as condições de confiança que determinam o compartilhamento das
crenças.
As figuras apresentadas no programa da
IURD
representam o mundo natural e
também são constituídas por ícones construídos para o
fazer-persuasivo
do pastor. Os
elementos do templo cheio de fiéis, o estacionamento da igreja com a repórter entrevistando
um fiel feliz e os testemunhos no estúdio sugerem um modo de representação desse universo
religioso. A verdade pretendida no texto pressupõe uma projeção de um
objeto-valor
(vida
próspera) que o telespectador não consegue ter, mas que são sentidos e percebidos no
discurso. A solução ainda não foi encontrada e o desejo de se livrar dos problemas, que
outrora também atormentaram os personagens do discurso é despertado.
75
O modo de contato entre o público e o programa religioso da TV pode sensibilizar
o telespectador com as histórias de sucesso dos personagens e instituir uma falta do objeto-
valor, em contraste com sua dificuldade diária e sem solução. A mensagem propõe uma nova
referência, a fé dentro dele é a solução e para saber usá-la, o telespectador tem que participar
da campanha. Quando o programa apresenta vários depoimentos em seqüência, um texto se
reforça com o seguinte para construir sua verdade. Os elementos religiosos oferecidos, como
o mel (que livra de toda amargura) é mais um elemento figurativo de sensibilização para o
dizer-verdadeiro
. Tal bem simbólico representa um ponto de contato com o sobrenatural, é
um objeto que liga o conteúdo religioso proposto pela igreja com a dimensão figurativa e
sensível, é o conteúdo religioso manifestado na figura do mel. Esse modo de contato pretende
estimular a fé de quem deseja participar da campanha.
A matéria que apresenta a passagem bíblica sobre a conquista da
nova geração
do povo de Israel da terra prometida que “mana leite e mel”, também é figurativizada no
discurso. O telespectador entra em contato com a representação dos personagens bíblicos, de
imagens de filmes que mostram o Egito, Moisés e todo o contexto da passagem selecionada.
Tal trecho não é apenas referido pelo pastor, ele é figurativizado com mais elementos e
associada com a realidade atual. Revela-se mais uma vez a importância de estabelecer um
contato perceptivo entre o argumento religioso e o telespectador. Quem assiste o comercial,
vê e ouve a voz de Deus, na figura do narrador que lê o versículo em que Deus faz a promessa
ao povo de Israel e o texto é escrito na tela, visível e perceptível ao olhar. A verdade quer se
impor ao telespectador não porque o pastor se refere a ela tão somente, mas o próprio trecho
da figuratividade da fala de Deus é enfatizado no programa de TV.
Quem assiste ao programa também pode sentir ou perceber na fala do pastor que
há uma preocupação de reposta rápida ao discurso apresentado. O pastor instaura uma relação
de confiança e o telespectador é considerado um “amigo” e terá toda ajuda para conquistar os
valores positivos manifestados no texto. Para isso, é fundamental não esperar para decidir, tal
decisão tem que ser tomada no ato da percepção da mensagem. O telespectador deve
aproveitar o momento de contato com o texto audiovisual e assumir o compromisso de ir até a
igreja no mesmo dia.
Diante dessa necessidade de uma resposta rápida ao convite do pastor, a
racionalização e o julgamento dos valores do telespectador ficam suspensos. São as maneiras
de apreensão do discurso que articulam as formas de interpretar o enunciado e assim
estabelecer o contrato de veridicção.
76
Juntamente com o modo de contato do texto audiovisual, o telespectador pondera
o diferente modo de sentir o seu mundo natural e o mundo discursivo da
IURD
. Quando seus
valores e crenças, assumidos pelo cotidiano são sentidos e percebidos sobre um novo ponto de
vista, o telespectador é desafiado a questioná-los. Essa primeira adesão perceptiva se torna
passível de ser modulada e modificada. Se antes o mundo sensível em que o indivíduo estava
inserido o fazia crer e aderir à conformidade com tal situação, o programa de TV da
IURD
promete um novo modo de sentir o mundo, perceber novos valores e aderir a uma nova “fé
perceptiva”. A prosperidade é o valor que circula entre os personagens fiéis da
Igreja
Universal
, quando o telespectador entra em contato com o programa, a identificação das
semelhanças com seu mundo real aponta para uma falta, uma carência, do objeto de valor que
está disjunto dele.
O contato do telespectador com o programa de TV pode mudar a atitude do
indivíduo em relação à sua crença anterior. As figuras do texto revelam os mesmos elementos
do contexto social, mas a narrativa é diferente (e bem-sucedida) justamente porque o fiel
participa da campanha e usa a para assumir um estado de conjunção com objeto-valor
(prosperidade). No discurso do pastor, uma nova crença é proposta ao público e tudo se torna
possível para aquele que adere a esse contrato fiduciário.
3.7 –O CONTRATO FIDUCIÁRIO: VALORES E FORMAS DE ADESÃO
A argumentação está presente na primeira fase do
esquema narrativo
na análise
semiótica sob a forma de um
fazer-persuasivo
. Nessa fase é apresentado um
destinador-
manipulador
que propõe valores descritivos e modais para o sujeito e espera-se que ele aceite
tal manipulação, realize a ação e finalmente receba uma sanção do destinador (que no final do
percurso cumpre o papel de julgador). Retomando os aspectos da teoria da ação de Greimas
(1979), os estudos atuais apresentam o
esquema narrativo
como um modelo possível para
uma teoria geral do discurso. O que esse modelo esquematiza não é mais somente a narrativa
de sujeitos que agem, mas a própria comunicação entre os homens, que por sua vez, tem a
narrativa como uma forma privilegiada de manifestação.
Bertrand (2003, p. 299) comenta que:
77
Não nada de espantoso em aceitarmos a idéia de que as estruturas e as relações
entre actantes, reconhecíveis no discurso enunciado, são as mesmas que estruturam a
realidade enunciativa das interações. A narrativa é uma cenografia exemplar do
discurso em ato.
A partir de uma maior abstração sobre sua abrangência, o modelo narrativo foi
ampliado e pôde alcançar três dimensões distintas do discurso, a
dimensão pragmática,
cognitiva e patêmica
. Essas dimensões formam unidades distintas pelo que solidárias, unidas
numa mesma abordagem e princípios de análise.
A
dimensão pragmática
apresenta a relação entre sujeito e objetos de uma
semiótica da ação. A
dimensão cognitiva
focaliza a narrativa do saber, fundada no princípio
de que bastam dois atores não compartilharem o mesmo saber sobre os objetos, para que esse
objeto assuma um valor visado. Já a
dimensão patêmica
não se preocupa em descrever as
transformações dos estados de coisas, mas as variações contínuas e instáveis dos próprios
estados do sujeito.
A maior abrangência na apresentação do esquema narrativo permite considerar os
elementos do esquema além do conceito de encadeamento das ações. Esses elementos podem
ser depreendidos como “domínios de articulação relativamente autônomo das significações
narrativas”
24
e podem estar presentes em qualquer tipo de discurso. Abstraindo os elementos a
partir dos
percursos narrativos
, Bertrand apresenta três principais esferas:
manipulação
,
ação
e
sanção
.
Para a semiótica, o contrato fiduciário está inserido nessa esfera mais geral da
manipulação.
Barros (1999, p.28) comenta que na
manipulação
, o destinador propõe o
contrato fiduciário e exerce a persuasão para convencer o destinatário a aceitá-lo. “O
fazer-
persuasivo
ou
fazer-crer
do destinador tem como contrapartida o
fazer-interpretativo
ou o
crer
do destinatário, de que decorre a aceitação ou a recusa do contrato”. Portanto, mais do
que simplesmente considerar o destinador como uma figura actancial fixa, ele é constituído de
acordo com os enunciados modais que lhe atribuem um /fazer-crer/, um /fazer-querer/, um
/fazer-dever/, um /fazer-saber/ ou um /fazer-poder/ (destinador é o sujeito doador de valores
modais).
A esfera da
ação
abriga os programas de
competência
e
performance
do percurso
do sujeito. Nessa dimensão, o sujeito que age enfrenta o anti-sujeito que lhe impõe resistência
e que resulta na aquisição ou perda dos valores. A definição do ato é um /fazer-ser/, tanto na
dimensão pragmática quanto cognitiva.
24
Ibid., p. 296.
78
A última esfera relativamente autônoma é a
sanção
. Nesse caso, o destinador se
apresenta dotado de um
saber-verdadeiro
e julga as ações do sujeito propostas no contrato
fiduciário. Deve-se pressupor um poder ou legitimidade do destinador que o autorize a
elogiar, censurar, retribuir ou punir, senão o discurso perde o efeito veridictório.
A relação entre essas três esferas promove diferentes pontos de vista e efeitos no
discurso. A narrativa é uma forma mais privilegiada na análise semiótica por estar mais bem
definida em suas bases teóricas, mas para uma análise mais consistente do discurso religioso
da
Igreja Universal
na TV vale ressaltar as estratégias argumentativas. A esfera da
manipulação
rege o discurso dos programas da
IURD
e as narrativas presentes (assim como a
esfera da ação) colaboram pra o
fazer-persuasivo
do pastor. O programa de TV resgata uma
realidade enunciativa, entre destinador–manipulador e sujeito, mas que usa a narração de
histórias em seu interior do discurso para serviço da persuasão.
Sobre as formas de apresentação do contrato, Barros estabelece quatro principais
classes de manipulação: a
tentação
, a
sedução
, a
intimidação
e a
provocação
. Muitas vezes
mais de um tipo de manipulação está presente no discurso, em maior ou menor grau de
intensidade. Esses tipos de
manipulação
são distinguidos de acordo com dois critérios: “o da
competência do manipulador, ora sujeito do saber, ora sujeito do poder e o da alteração
modal, operada na competência do sujeito manipulado”
25
.
Quando o pastor oferece para o público o mel consagrado, a estratégia de
manipulação está baseada na
tentação.
Se o telespectador for à igreja e participar da
campanha do mel, ele receberá o que seu coração deseja. Nesse caso, o pastor apresenta uma
competência de
poder
sobre valores positivos e se espera uma alteração modal do destinatário
para um
querer-fazer
.
Em outros momentos, na participação do público por telefone ou até mesmo nas
entrevistas concedidas, essa manipulação apresenta-se mais como uma
provocação
. O pastor
representa um
saber
sobre o destinatário que não reagiu de acordo com o contrato proposto,
projetando uma imagem negativa dele. O pastor argumenta que não houve nenhuma
transformação na vida de tal pessoa que não aceitou o contrato, assim como a vida do
destinatário também não teve nenhuma mudança. A alteração modal do destinatário esperada
é de um
dever-fazer
, ou seja, a escolha de aceitar o contrato deveria ter sido feita, não é
somente uma escolha se quer ou não aceitar a manipulação, mas uma necessidade para então
poder mudar de vida. Como ainda não foi aceito o contrato, o resultado não aconteceu e para
25
Ibid., p. 32.
79
corrigir essa atitude negativa do destinatário, ele deve aceitar essa outra oportunidade e agir
conforme a orientação da igreja.
também outros dois tipos de manipulação apresentados por Barros, mas que
não se configuram como estratégias mais recorrentes utilizadas pela Igreja Universal, como a
sedução
e a
intimidação
.
A análise dos programas de TV da
IURD
neste trabalho poderá constatar as
articulações desses elementos da
manipulação
. As outras esferas presentes no discurso, a
ação
e a
sanção
não são a ênfase em tal discurso argumentativo da
Igreja Universal
.
Enquanto os elementos narrativos da
ação
apresentam-se como argumentos persuasivos do
pastor para propor o contrato, a esfera da
sanção
é manifestada no interior do discurso,
através de depoimento dos interlocutores de maneira positiva e também no contexto social
com o crescente número de fiéis. Como pano de fundo das estratégias de manipulação, está a
construção de um recurso persuasivo baseado no
dizer-verdadeiro
do discurso da
IURD
.
Essas articulações serão analisadas no próximo capítulo através de trechos de programas de
TV da igreja.
80
4 – CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO RELIGIOSO DA PROGRAMAÇÃO DA
REDE RECORD
81
4.1 - A IGREJA UNIVERSAL COMO ATRAÇÃO NA TV
Como se observou no início do capítulo anterior, a
Rede Record
concentra os
programas religiosos da
Igreja Universal
na madrugada. Sua postura de emissora comercial
revela a pretensão de conquistar altos índices de audiência, a ponto de querer assumir o lugar
da
Rede Globo
, emissora que detém a maior audiência televisiva no país. Para isso, o próprio
tele-evangelismo da igreja colabora financeiramente no projeto de expansão da Record. Os
horários nas madrugadas da emissora são comprados pela igreja por um preço que, segundo
Castro (2006), equivale a 1/3 do faturamento líquido total da TV. Mesmo sendo veiculados
em um horário que para outras emissoras gera pouca audiência e retorno financeiro, os
programas da
IURD
parecem estar conseguindo cumprir sua proposta, ou seja, levar milhares
de fiéis para seus templos. A
Igreja Universal
utiliza outros meios de comunicação, mas é a
televisão que absorve os mais altos investimentos da igreja e os resultados em número de fiéis
só colaboram para a continuidade dessa política de comunicação.
Diferentemente do uso do rádio, que apresenta uma programação quase
exclusivamente religiosa, a
Igreja Universal
apresenta um distanciamento entre instituição
religiosa e a TV. A grade de programação da emissora durante o dia é completamente secular,
dirigida a um público abrangente e preocupada com os índices de audiência. Nesse período,
pode-se observar que não nenhuma presença dos pastores no vídeo e muito menos se
divulgam as reuniões e campanhas (o horário reservado para a igreja é mesmo a madrugada).
Na entrevista à
Folha de São Paulo
(CASTRO, 2006) o presidente da emissora, Raposo
Tavares, afirma que a
IURD
é somente um cliente e o bispo Macedo um acionista, com isso a
Record é considerada uma empresa de comunicação preocupada com audiência e
faturamento. Essa postura diverge das demais instituições religiosas no Brasil, a
Igreja
Católica
, por exemplo, associa seus canais de televisão, a
Rede Vida
, a
Canção Nova
e outros,
com suas doutrinas religiosas, o cunhado de Macedo, R. R. Soares, utiliza a
RIT
com um
conteúdo predominantemente evangélico.
A televisão é o principal meio de comunicação de massa no país e mais do que
pregar pela TV, a
IURD
pretende conquistar audiência de um público abrangente e assim
aumentar sua base de influência na sociedade. Como se pôde demonstrar, a
Igreja Universal
nos primeiros anos à frente da
Record
sofreu intensas críticas e denúncias de outros veículos
de comunicação, principalmente da
Rede Globo
. Atualmente, apesar de denúncias em
CPIs
de
82
pastores e bispos em escândalos políticos no envolvimento de esquemas de corrupção, a igreja
mantém sua imagem sem muitos desgastes. A pesquisa de opinião pública referida no cap. 1
sobre a influência e o poder de algumas instituições na sociedade demonstrou um aumento no
grau de importância e poder da
Igreja Universal
no país. Já na relação entre
Record
e
Globo
,
não são mais as denúncias desta com propósito de desmoralizar a
IURD
que acirram a
concorrência entre elas. A concorrência se verifica nos altos investimentos da emissora do
bispo Macedo para produção de programas e contratação de funcionários da própria
Globo
.
Estes são alguns sinais de que a
Record
está disposta a aumentar bastante seu espaço no
mercado televisivo e acirrar ainda mais a disputa.
É possível afirmar que a expansão da
Rede Record
beneficia os programas
religiosos e conseqüentemente, a própria igreja. Na década de 90, a prioridade era melhorar a
qualidade da imagem e expandir o sinal de TV, juntamente com o aumento de número de
templos espalhados pelo Brasil. Uma maior cobertura da emissora colabora também para
atrair mais audiência nas madrugadas, esse benefício pode ser percebido nas comparações
entre dois canais de TVs distintos, mas que veiculam os programas da
IURD
: enquanto a
igreja compra um horário nobre na
TV
Gazeta
(canal de pequeno porte, considerando sua
estrutura e área de cobertura) e consegue uma audiência inferior a 1 ponto no
Ibope
, mesmo
índice alcançado na média geral da
Record
entre 1h às 6h da manhã. Reconhecendo as
limitações do horário da madrugada, os programas da igreja conseguem um bom desempenho
na
Record
, enquanto que na
Gazeta
pode ser considerado bem mais modesto, chegando a
perder para a
Igreja da Graça
, que consegue 1,4 ponto de média no
Ibope
com as pregações
do R. R. Soares das 21h às 22h
26
.
Nas madrugada, os vários programas da
IURD
apresentam uma organização
relacionada às reuniões que acontecem nas igrejas. Em cada dia da semana, a
Igreja Universal
realiza reuniões com determinados temas, a segunda-feira é o dia voltado para os problemas
financeiros, na terça-feira realizam-se campanhas contra espíritos malignos, reconhecidos por
eles como “encostos”, na quarta-feira o objetivo é reunir os fiéis com mensagens voltadas
para crescimento espiritual, na quinta-feira o alvo é a família, com orações pelos pais e filhos,
a sexta-feira é um outro dia para libertação de espíritos malignos, no sábado promovem
reuniões de jovens, com objetivo de cura sentimental e amorosa e no domingo é o dia para o
fiel tradicionalmente ir à igreja para buscar o Espírito Santo.
26
Dados obtidos na Revista Veja (12/07/2006) e Folha de São Paulo (4/06/06)
83
Conforme a agenda da igreja, os programas articulam seus testemunhos e convites
ao telespectador para participar das campanhas. As reuniões mais enfatizadas são de segunda-
feira, o “C
ongresso Empresarial com os 318 pastores”
, na terça-feira com a “S
essão do
Descarrego”
e no domingo, quando as reuniões apresentam vários objetivos, como a oração
pela mãe que sofrem, oração pelos dizimistas e a eucaristia da santa ceia. As demais reuniões
são divulgadas de forma menos intensa.
Durante a semana de 13 à 20 de agosto de 2006, a
Rede Record
transmitiu os
seguintes programas durante a madrugada:
QUADRO 3 – Programação da IURD na Record
SEG. TER QUA QUI SEX SÁB DOM
Saindo do
1:00 Vermelho Fala que eu te Escuto
2:00 Hora dos
Empresários Saindo do Vermelho
2:30 Espaço
Empresarial Hora dos Empresários
5:30 Nação Realidade Despertar Falando Ponto Casos
dos 318 Atual da Fé de Vida de Fé Impossíveis
6:00 Hora dos
Empresários Programa da Família
7:00 Programação Record - São Paulo no Ar Em Busca Casos
do Amor Reais
8:00 Santo Culto Pgm de
no seu Lar Domingo
9:00 Gospel Desenho
Line Bíblico
Tanto antes como depois dos programas da
IURD
, a grade da emissora veicula
telejornais, às 00:30h é apresentado o
Jornal 24 horas
(de segunda a sábado) e às 7h da
manhã o
São Paulo no Ar”
(de segunda a sexta). No final de semana, a última atração do
domingo à noite antes da
Igreja Universal
é o
“Show de Bola”
. Nas manhãs de sábado e
domingo, a grade de programação da
Record
se inicia com
Pesca Alternativa
e
Super
Séries
” respectivamente. Em relação aos horários intermediários da madrugada (entre as 3h às
5:30h), a transmissão via satélite da emissora é suspensa para geração de vinhetas, chamadas
da emissora e até mesmo testemunhos e matérias da igreja para as afiliadas no Brasil. Os
84
programas que terminam às 3h ou iniciam às 5:30 nem sempre são transmitidos via satélite na
íntegra, devido à necessidade de geração de conteúdos da emissora sede para as demais.
No horário reservado para uma grade marcadamente religiosa, pode-se destacar o
Fala que Eu te Escuto”
,
Saindo do Vermelho”
,
Em Busca do Amor”
e o
Programa da
Família”
. O início da programação da
IURD
apresenta o
Fala que Eu te Escuto”
(segunda a
sábado, à 1h), um programa com grande participação de telespectadores que opinam sobre
determinado tema relacionado com manchetes do dia-a-dia ou cenas das novelas da
Record
.
Somente na parte final que o convite para participar da igreja e a oração pelos
telespectadores. Em seguida é veiculado o programa
Saindo do Vermelho”
(de segunda a
sábado às 2h e domingo à 1h da manhã), enfatiza-se as reuniões de segunda-feira, com a
busca da prosperidade, mas não ignora as demais campanhas da igreja. No sábado, o
Em
Busca do Amor”
(às 7h da manhã) apresenta situações referentes à reunião da
terapia do
amor”
na
IURD
. O
Programa da Família”
é transmitido todos os dias (às 6h da manhã) e
divulga as diferentes reuniões nos respectivos dias da semana.
A programação da
Igreja Universal
apresenta formatos muito semelhantes e são
distribuídos em canais de TV como
Rede Mulher
,
Rede Família
,
TV Gazeta
e
Band
e
CNT
. O
tele-evangelismo é baseado na figura de um pastor/apresentador, nos testemunhos de vida dos
fiéis, nos quadros e chamadas referentes às reuniões divulgadas e na oração final com a
benção do copo com água. Para subsidiar as análises, foram selecionados trechos que
apresentam características marcantes dos programas de TV da
IURD
. A partir deles, os
estudos semióticos de linha francesa serão aplicados para demonstrar como se a produção
de sentido nos discursos e as estratégias argumentativas da igreja para estabelecer um contrato
fiduciário com o telespectador.
4.2.1 – A INSTAURAÇÃO DA FALTA PARA CONQUISTAR NOVOS FIÉIS
Como um dos objetos de análise,
“A Hora dos Empresários”,
foi veiculado às 2h
da manhã de domingo para segunda, no dia 2 de junho de 2006. A segunda-feira na
Igreja
Universal
é um dia exclusivamente voltado para reuniões de busca de prosperidade, por isso a
ênfase do tema na grade de programação nessa madrugada. O nome do programa, de maneira
objetiva, projeta um valor visado por muitos na sociedade, serem seus próprios patrões e
85
terem suas empresas. Pelo título do programa, pode-se identificar um perfil idealizado de
pessoas de classe alta e bem sucedido e, em contrapartida, não apresenta nenhuma relação
com o universo religioso.
Com base no contrato de veridicção proposto, a articulação entre a categoria
semântica do
ser e parecer
, pode-se obter os termos complexos de verdade (
ser
e
parecer
) e
de falsidade (
não-ser
e
não-parecer
) e complementariedades como a mentira (
não-ser
e
parecer
) e o segredo (
ser
e
não-parecer
). O título
“A Hora dos Empresários”
apresenta uma
relação entre o
ser
e
não parecer.
Essa relação contraditória produz um efeito de sentido de
segredo
sobre o conteúdo do programa, ou seja, o sentido do título não parece ter um discurso
religioso, mas que na realidade é esse discurso que fundamenta o programa. Por outro lado, há
também um efeito de sentido de
mentira
quando o nome parece, mas não é de fato, um
programa relacionado com o tema dirigido a empresários. Embora o programa chame
“A
Hora dos Empresários
, o conteúdo não está voltado para o mundo dos negócios e para
pessoas que possuem uma empresa. O nome sugere mais um possível /
querer-ser
/ do
telespectador, que no decorrer do programa, pode se identificar com as várias dificuldades
apontadas pelos atores do discurso e em seguida desejar fazer parte de um grupo de fiéis
satisfeitos. Enfim, é o discurso religioso proposto que i servir de plataforma para suprir
desejos de consumo da sociedade.
O apresentador e pastor Jadson Santos está ambientado em um estúdio que tem a
presença de três convidados e uma secretária responsável pela leitura de e-mails. Ele se
apresenta bem vestido, com terno e gravata, demonstrando estar adequado para assumir um
papel de alguém credenciado a falar sobre prosperidade pelo seu próprio modo de presença. A
fala do pastor no início do programa expressa uma benção clássica de uma autoridade
espiritual e sugere o motivo que justifica sua presença na tela da TV:
Olá! Que Deus abençoe a todos abundantemente!
Estamos abrindo o nosso programa e vamos trabalhar no decorrer do mesmo para
abrir a sua visão. Porque quando a pessoa começa a olhar para baixo, achar que está
tudo perdido, achar que não tem jeito para resolver os seus problemas, é porque a
pessoa perdeu a visão da grandeza de Deus. Deus é muito grande e eu vou provar no
decorrer desse programa que é possível que a pessoa que perdeu tudo voltar a ter de
volta. Quem se apagou voltar a brilhar. Quem perdeu a credibilidade voltar a ter e
para isso eu tenho base. Eu tenho aqui três pessoas que passaram por situações
complicadas [...].
A primeira preocupação do pastor é criar um desejo e, em contrapartida,
estabelecer uma falta, que é um estado de disjunção do objeto-valor visado. Ainda segundo o
86
pastor, o sujeito construído nesse trecho do discurso é o telespectador a quem ele direciona a
mensagem. A expressão “abrir a sua visão” remete a um despertar para uma mudança de
postura, ou alteração modal, supõe fazer o sujeito /
querer
/ assumir uma nova perspectiva
diante da situação de vida. Além de reconhecer o estado de perda sugerido pelo pastor, a
pessoa que assiste ao programa é convocada a direcionar sua “visão” também para um estado
de prosperidade e conseqüentemente passar a desejá-la. Na instauração do actante sujeito, o
pastor propõe uma narrativa mínima em que esse sujeito, que se encontra em situação de
derrota, assuma uma competência doada por ele, destinador e realize uma performance que o
fará estar em um estado de conjunção com a vitória.
O pastor se refere a três fiéis presentes no estúdio, mas dirige a palavra para
uma delas, a Dona Mari, as outras duas pessoas são a Dona Celma e José de Arimatéia, ambos
empresários. A presença dos três convidados no estúdio sugere, de acordo com a própria fala
do apresentador, provas que confirma o seu discurso. Mesmo que eles não contem seus
depoimentos de imediato, a presença deles durante todo o programa fortalece a argumentação
do pastor, dispostos a concordar com toda mensagem divulgada. O fato de serem três
entrevistados e não somente um, aumenta a confirmação de efeito de verdade do discurso.
Depois da rápida conversa com a primeira entrevistada, o pastor convoca o
telespectador a reagir diante de uma situação semelhante e não se entregar. A secretária
divulga o e-mail e o telefone para participação dos telespectadores e o pastor complementa
que “ainda neste programa posso te atender”. Baseado no depoimento da Maiara, o pastor
articula o discurso tendo em vista alguns traços da experiência de vida do depoimento e
conclui que:
É impossível a pessoa que está na fé ser fraca, ser medrosa, [...] estar com depressão,
[...] pedindo a morte todo dia. Você deve manifestar a que você tem. Deus te deu
a para você vencer, não e para você ser derrotado não. Nós estamos colocando
esta estola sacerdotal todas as segundas [...] e nós estamos determinando uma
mudança na sua vida econômica, seja você católico, espírita, evangélico, que tenha
religião ou não tenha. Aproveite a oportunidade segunda-feira agora [...]. Inclusive
agora nós estamos vivendo a da ‘fogueira santa de Israel’ e assim como Josué e
Calebe não tiveram medo e lutaram para conquistar a sua terra, [...] você também vai
lutar por isso, para que você tenha seu espaço, sua independência econômica, para
que você venha realmente tomar posse de coisas grandes. Deus está te chamando
nesse programa não para você ser mais um rosto no meio da multidão não, é para
você fazer a diferença.
Enquanto na primeira fala do pastor a preocupação era de conseguir despertar um
desejo e suprir a falta, nessa segunda fica manifestado o caráter religioso do discurso. O
87
pastor divulga as informações mais gerais da campanha de segunda-feira, como o horário, o
objeto simbólico que será distribuído e o tema. Para que essa falta projetada possa ser suprida,
ele aponta o uso da como a solução. A reunião do “C
ongresso Empresarial
é considerada
o lugar que Deus preparou para que esta seja manifestada e a mudança na vida econômica
ocorra. Nesse trecho, é evidente a convocação do enunciatário para /
fazer-ser
/, ou seja,
realizar a ação de participar do “
Congresso Empresarial
”.
O ator Jadson Santos desempenha dois papéis temáticos no programa; como
apresentador, ele está ligado ao
fazer discursivo
midiático e como pastor, ele está relacionado
com o
fazer discursivo
eclesiástico. Ao assumir o papel de apresentador, Jadson coordena as
seqüências de cada bloco do programa, entrevista os convidados e também anuncia os VTs
das chamadas e depoimentos. o papel de pastor é manifestado nas conclusões de cada
testemunho, no estabelecimento de similaridades entre os fiéis da igreja e o telespectador e na
promessa de milagre para quem se dispuser a participar das reuniões. Ainda como pastor, ele
também é identificado como um dos líderes de uma igreja lotada de pessoas, dentre as quais,
vão até ao programa para referendar o efeito de
dizer-verdadeiro
do discurso.
No terceiro e último trecho selecionado da fala do pastor, ele enfoca um
telespectador que se encontra em uma situação de dificuldades e afirma:
Hoje é o dia em que Deus está te chamando para mudar o quadro de sua vida de
derrota, de vergonha, de dor e de desespero. Talvez você esvivendo uma situação
que você imaginaria qualquer um passar, menos você. Olha em que situação você se
enfiou! Você não consegue pagar uma conta de luz, as prestações do seu carro estão
atrasadas, [...].Vovai esperar acontecer mais o quê? Honestamente, você vai ficar
de braços cruzados vendo sua vida desmoronando?
Essa convocação do enunciatário como sujeito do discurso contrasta com o
depoimento que antecede a fala, o testemunho era de um médico que participou da principal
campanha da
Igreja Universal
, a
fogueira santa
e conseguiu realizar todos os seus sonhos.
No discurso do pastor, o telespectador é projetado como uma pessoa infeliz, depressiva, com
medo e sem saber como agir para se livrar de todos problemas de sua vida. O modo de
existência construído é de um sujeito de estado de falta e procura instaurar a modalização
virtualizada do /
querer
/, mas ainda incapaz de realizar nenhuma ação, porque não possui a
competência do /
poder
/ e do /
saber
/. Esse
sujeito
enfrenta vários problemas de ordem
econômica e não consegue agir para sair de tamanha crise. O simulacro da pessoa construído
pelo pastor no discurso pretende assumir uma semelhança com a pessoa que assiste ao
programa, a identificação é fundamental para propor o convite ao telespectador para ir à
88
igreja. Pela estratégia de manipulação de provocação, o discurso do pastor projeta um modo
de /
saber/
do
destinador
sobre uma imagem do destinatário de forma negativa e o convoca a
um /
dever-fazer
/, ou seja, assumir o contrato para receber a sanção positiva de vitória sobre o
problema financeiro.
A manipulação também se caracteriza por um
fazer-interpretativo
do destinatário
.
Sendo assim, para a manipulação se completar é necessário que o telespectador interprete a
mensagem como um
crer-verdadeiro.
Para que esse
fazer-persuasivo
obtenha o resultado
esperado, o enunciatário do programa deve interpretar o discurso do pastor como um
dizer-
verdadeiro
, portanto deve-se compartilhar dos mesmos valores pregados pelo destinador.
A figura de Deus é instaurada no discurso como o actante que convoca o
telespectador a assumir um contrato. Por duas vezes nesse trecho selecionado, o pastor afirma
olhando para a câmera que “Deus está te chamando” para mudar de vida. Deus também é
reconhecido como um destinador na estrutura narrativa, pois ele é um doador de competência
(/
faz-fazer
/) e responsável pela sanção. Na função de destinador-manipulador, a doação de
competência semântica é figurativizada na fé, na qual o pastor afirma ser esta uma dádiva de
Deus, mas que precisa ser usada de forma adequada. As instruções para o uso correto da
são obtidas na reunião em questão, o
Congresso Empresarial
”, quando os líderes da igreja
são apresentados como actantes adjuvantes do
sujeito
que quer ter sua despertada. Por fim,
a argumentação do pastor conclui que Deus irá mudar a história da vida do telespectador que
se dispuser a participar dessa reunião. Nesse último percurso, Deus cumpre a função de um
destinador
-julgador
que retribui conforme a ação realizada pelo sujeito que foi até à igreja. De
acordo com o discurso, se o fiel não for retribuído com a prosperidade, conforme o prometido,
é porque ele não utilizou apropriadamente a sua fé. Como a responsabilidade de dar a
recompensa é de Deus, que tem um poder sobrenatural, a culpa por um eventual fracasso na
busca pela vitória é mesmo do sujeito que não realizou devidamente a ação.
Nessa parte, as afirmações atribuídas a Deus são realizadas pelo próprio pastor, no
qual se coloca como um porta-voz da figura divina e sincretiza os papéis actancias de
destinador-manipulador, juntamente com Deus e adjuvante do sujeito, quando ora em favor
do fiel durante a reunião para conquistar as promessas feitas por ele mesmo.
A presença do objeto religioso é uma estratégia para reafirmar a fé, que é
espiritual. Através de um ponto de contato com o mundo natural, a estola sacerdotal
complementa a proposta da manifestação da fé. De acordo com a própria fala do pastor, a
precisa ser manifestada e esse elemento acrescenta um valor mágico sobre a ação de busca do
89
sujeito. A estola sacerdotal serve para consultar a orientação divina, esse objeto simbólico era
utilizado pelo povo de Israel e está registrado no Antigo Testamento da Bíblia. No discurso,
todo esse valor do objeto simbólico é resgatado pela igreja, juntamente com ela todas as
proezas divinas descritas na época bíblica são também possíveis de se realizarem.
Os elementos da expressão como o tom de voz e a gestualidade revelam uma
performance diferenciada de contato com o público, o telespectador é sensibilizado pela
presença firme e de autoridade do apresentador. A certeza presente na postura do pastor
atualiza o
dizer–verdadeiro
da mensagem religiosa, que promete uma mudança de vida para
quem está assistindo, desde que essa pessoa participe da referida reunião.
Em relação ao cenário, pode-se notar que a espacialidade projetada no estúdio é
destituído de elementos que remetem a um culto religioso. Na estante de fundo, há um
monitor grande de plasma, livros e objetos, dentre os quais estão a imagem de um leão e dois
homens que carregam um grande cacho de uva. Esses dois objetos representam símbolos das
campanhas da igreja. O leão é a figura de Jesus, na metáfora bíblica ele representa o “leão da
tribo de Judá” e os dois homens são Josué e Calebe com o grande cacho de uva da terra
prometida. Enquanto na maioria dos programas religiosos é comum observar a presença de
elementos como um altar, uma bíblia ou uma cruz (os programas católicos apresentam os
padres vestidos tradicionalmente com batinas e imagens de santos e até o terço) o programa
da
Igreja Universal
é destituído de tal preocupação. O cenário está ajustado mais para um
programa de TV e ao mesmo tempo, evita-se estabelecer relação com elementos tradicionais
da religião.
também outros três pequenos monitores com o nome do programa, um deles
participa do enquadramento da secretária, que possui um notebook da marca
Sony
, modelo
Vaio
, um dos mais sofisticados modelos disponíveis no mercado. Já no início do programa os
caracteres na parte inferior do vídeo afirmam: “se você tem problemas financeiros, ligue
agora [...]”. Já em outros momentos, os caracteres divulgam os horários das reuniões e
endereços das igrejas. Essa estratégia é uma convocação para o enunciatário participar da
campanha. A linguagem verbal escrita reitera a fala do pastor quanto ao convite para a
reunião e também confirma o papel do telespectador como destinatário da comunicação.
Nesse trecho do programa selecionado para análise, o pastor também anuncia uma
“matéria” que depois será acompanhada pelo depoimento de um dico. Esse VT, na
verdade, mostra encenações que ao mesmo tempo são narradas por uma voz em
off
. São
situações de dificuldades financeiras descritas como “dívidas impossíveis de serem pagas”,
90
“oportunidades que escapam das mãos” e “empreendimentos que têm tudo para dar certo, mas
que não chegam a lugar algum”. Diante disso, a voz em
off
apresenta duas posições
diferentes, a primeira é se desesperar, sentir o fracasso e aceitar a situação ou então ter a
postura de Josué e Calebe, que não se acovardaram, enfrentaram os gigantes que viviam na
terra prometida e conquistaram o seu espaço. Enquanto a figurativização dos problemas
financeiros é feita por atores que interpretam tal situação, o exemplo de Josué e Calebe é
figutavizado com cenas de um filme que reconstituem a época bíblica e que associam os
personagens a líderes da
nova geração
do povo de Israel. Através do uso de uma metáfora
bíblica que irá servir de suporte para a argumentação religiosa, uma solução para vencer a
crise. O discurso tem um caráter reducionista, ou o sujeito se abate e se torna fracassado ou
então faz como os exemplos bíblicos, enfrenta a situação com coragem e se torna um
vencedor.
Feita a distinção entre dois diferentes posicionamentos sobre a situação de
dificuldade, a seqüência mostra o depoimento do médico Oscar Gomez, um senhor bem
vestido que também conta sua história de vida, semelhante aos demais fiéis. No princípio ele
tinha uma vida razoavelmente boa, mas teve dificuldades, precisou sair do país e quando
retornou teve que morar de favor em uma pequena casa de madeira. Reconhecia que tinha
talentos e lutava, mas não conseguia concretizar seus sonhos. Sua visão de Deus era como se
ele fosse uma energia positiva, esotérica, até que um dia a mulher viu um programa de TV da
Igreja Universal
e foram juntos participar da reunião. Com menos de uma semana ele
comprou um carro zero quilômetro, mas depois fez questão de adquirir carros importados. Ele
também obteve quatro imóveis, entre eles uma casa de praia e um apartamento numa
cobertura, ao final do depoimento, o médico afirma que tem paz e está muito feliz e que:
“tenho mais sonhos, não parei por aqui, mas Ele concretizou até agora todos os que eu
quis”. Para terminar a matéria, a voz em
off
convida o telespectador a ingressar nessa “nova
geração” e fazer a diferença, ao mesmo tempo em que é exibida a imagem da igreja cheia de
pessoas.
O depoimento de Oscar Gomez no programa
“A Hora dos Empresários”
se refere
especialmente ao resultado da sua participação na campanha da
“fogueira santa do Monte
Sinai”
, a principal campanha da
Igreja Universal,
que é realizada duas vezes por ano, em
julho e janeiro. Na época em que ela ocorre, todos os programas de TV da igreja enfatizam o
tema e a orientação dos pastores nos programas é que o fiel deva cumprir um sacrifício para
conseguir realizar seus principais sonhos. No templo, esse sacrifício é realizado por uma
91
doação mínima proporcional com a renda, sempre a partir de um salário mínimo (trezentos e
cinqüenta reais). No testemunho, o médico revela que realizou um sacrifício na igreja, mas
não esclarece como foi, mas se comparado com as outras histórias de vida contadas no
programa, o médico foi o que mais se destacou na conquista de seus desejos de consumo. As
imagens reforçam a sua fala, que elas apresentam o casal em uma linda mansão, com três
carros na garagem, dos quais dois são importados. Há também um espaçoso ambiente interno,
com o luxo até de uma lareira. Esse alto padrão de vida demonstrado nas imagens é
apresentado como a sanção positiva de uma ação do sujeito. No caso, a ação correspondeu a ir
até a igreja e ofertar um importante valor financeiro. O efeito de sentido produzido nessa
construção discursiva é que Deus avalia essa performance do sujeito e retribui de acordo com
seu sacrifício. Esta retribuição é extremamente positiva no discurso, com a realização de todos
os desejos do médico.
Sobre os depoimentos do estúdio, a primeira pessoa para qual o pastor delega a
voz é a Dona Mari Alves, que conta a rapidamente parte de seu testemunho. Através de uma
debreagem enunciativa, ela é instaurada como uma interlocutora no discurso e afirma ao
pastor: “[...] eu tinha empresas, duas casas, dois automóveis, mas cheguei a perder tudo”.
Quando o pastor pergunta qual foi o momento de “maior vergonha” da sua vida, ela responde:
Foi quando eu me encontrei numa situação que não tinha dinheiro para comprar um
pão para dar pra o meu filho. Eu não tinha dinheiro para nada. [...] Aí o que ocorreu,
as doenças. Comecei a ter depressão profunda mesmo, veio problemas de tiróide e
brigas na família [...]
Nesse momento do testemunho, o propósito é somente apresentar traços mais
importantes da vida da D. Mari, destacando o pior momento antes de encontrar a
Igreja
Universal
. Posteriormente, o pastor utiliza, de forma argumentativa, a história do depoimento
como um modelo de performance para o sujeito telespectador. A transformação de estados
reforça o valor da ação em si. O discurso estabelece todo um estado de derrota do fiel
27
, para
depois ressaltar os pontos mais importantes de seu estado de vitória. Na narrativa do
testemunho, a esfera da ação de como as mudanças foram ocorrendo é tratada rapidamente,
nesse caso especificamente, a performance da D. Mari foi ir à igreja, onde ela diz: “comecei a
fazer as correntes, porque ali eu mergulhei de cabeça” e conseqüentemente prosperou.
27
O termo “fundo do poço” é muito utilizado para destacar o pior momento da vida do fiel antes de participar da
Igreja Universal.
92
Um outro aspecto importante no depoimento da D. Mari diz respeito à estratégia
de desconstrução de uma das principais barreiras para a adesão do enunciatário ao discurso
persuasivo do pastor. No diálogo com a empresária, ela também afirma que era contra a
Igreja
Universal
antes de se tornar uma fiel da igreja. O pastor pergunta o porquê desse
posicionamento e apresenta inclusive um sorriso no rosto. Ela, por sua vez, responde: “eu
achava que vocês pediam dinheiro, era dinheiro, dinheiro, todo mundo falava pastor”. Essa
parte revela um ponto de vista bastante divulgado na sociedade, que a
Igreja Universal
pede
muito dinheiro. A Dona Mari comenta que não gostava da igreja porque muitas pessoas
afirmavam tal ponto de vista.
Essa visão tem espaço em amplos segmentos sociais, a própria mídia, enquanto
concorrente direta da
Rede Record
, colabora para construir a imagem que a
IURD
“comercializa” a fé. Principalmente na década de 90, houve várias denúncias de outros meios
de comunicação, especialmente a
Rede Globo
, sobre o método agressivo de arrecadação de
ofertas pela igreja. Dentre algumas notícias, pode-se citar uma matéria especial no
Jornal
Nacional”
da
Globo
, em 1995. A reportagem divulgou fitas do ex-pastor Carlos Magno nas
quais o bispo Macedo ensinava outros bispos a arrecadarem mais dinheiro. Na ocasião, eles
estavam se divertindo num campo de futebol, mas também havia o passeio de iate no litoral
do Rio de Janeiro, que foi apresentado como um sinal de esbanjamento e ostentação de luxo
dos pastores.
A
Igreja Universal
tem demonstrado maior preocupação desde então sobre o seu
método de arrecadação, tanto que nas reuniões em grandes estádios e ginásios na década 90,
era comum o momento da arrecadação ser transmitido pela própria
TV Record
. Enquanto a
igreja se defendia dizendo que as sacolas carregadas pelos obreiros eram papéis de pedidos de
oração, parte da mídia afirmava ser o dinheiro de ofertas dos fiéis. De qualquer forma, a
IURD
agora não transmite o momento da contribuição em seus meios de comunicação,
inclusive nos cultos transmitidos pelo rádio. No
A Hora dos Empresários
”, o pastor divulga
a distribuição da estola sacerdotal de forma gratuita, mas na reunião, o fiel é induzido a
adquirir o objeto simbólico mediante uma oferta estipulada pelos pastores.
Todas as falas das pessoas no programa enfatizam a dimensão subjetiva e
individual de um discurso religioso. Não há nenhum ensinamento bíblico amplo ou um estudo
sobre o caráter divino. A intertextualidade bíblica é superficial e apenas complementa a
argumentação sugerida de que prosperar é para todos. O pastor chama a atenção para os
testemunhos, pois é a principal estratégia de persuasão, no qual, através de uma subjetivação e
93
individualização das ações, qualquer pessoa pode se identificar com os depoimentos e desejar
realizar seus sonhos através da igreja, sem depender de seu contexto social.
4.2.2 – A FÉ COMO ELEMENTO MÁGICO DE TRANSFORMAÇÃO
O programa
“Realidade Atual”
foi exibido na terça às 5:30h da manhã na
Rede
Record
, no dia 31 de julho de 2006. De acordo com o crivo de leitura cultural das atrações de
TV, o telespectador pode estabelecer relações entre um telejornalismo e o
“Realidade Atual”
.
As imagens apresentadas na abertura são de fatos e tragédias que se destacam por seus valores
negativos, como as guerras, os protestos, explosões e outros fatos importantes. A linguagem
musical da vinheta de abertura tem o mesmo estilo das trilhas sonoras de programas de
noticiários e reforça o sentido jornalístico sugerido no nome. A presença do pastor em
figurativiza a imagem de uma autoridade espiritual e também a de um apresentador de
telejornal. Tal configuração é reforçada pela presença do monitor de plasma com o nome do
programa, semelhante ao extinto
“Cidade Alerta”
28
.
A proposta de semelhança entre o
Realidade Atua
l” e um telejornal continua na
exibição da primeira matéria sobre o tema da modernidade e a busca da felicidade. Uma voz
em
off
anuncia dados do aumento do desemprego no país em conseqüência das contradições
do avanço tecnológico. Na saúde, a matéria constata a modernidade da medicina e detecta o
aumento de problemas como “depressão, angústia, síndrome do pânico entre outras doenças
que parecem piorar a cada dia”. A narração estabelece “uma vida tranqüila” como objetivo
final que não é alcançado e no final da matéria o discurso deixa de ter uma postura de
distanciamento para adotar uma visão mais subjetiva e interpretativa dessa realidade, no qual
afirma que:
Podemos deduzir que o grande sonho da maioria das pessoas, que é ser feliz, tem
ficado a desejar. Alguns, de tanto sofrer, já passaram a aceitar a situação em que
vivem por não encontrarem uma saída.
28
O programa “Cidade Alerta era veiculado na Rede Record no início da noite e apresentava notícias
consideradas sensacionalistas, pois exibiam cenas de tragédias e violências. O jornalista apresentava o programa
em e interagia com o monitor para anunciar as matérias. Esse modelo ainda é usado em telejornais com o
“Brasil Urgente” da Band.
94
Tanto na vinheta de abertura como em grande parte da matéria referida, a
ancoragem é muito utilizada para produzir o efeito de realidade. Esse procedimento da
semântica discursiva determina a associação de elementos do texto com o mundo “real”, esse
procedimento é utilizado pelo jornalismo e o programa resgata esse recurso já na sua abertura.
As cenas são variadas, como um enterro de palestinos, cidades com enchentes, presidiários
rebelados, Saddam Hussein saudando o povo e personalidades reunidas na
ONU
, com
destaque para Kofi Annan. Já na matéria, as imagens também não são simulações, são cenas
captadas nos grandes centros, filas de pessoas procurando emprego e em hospitais com muitos
enfermos. O texto narrado divulga o número de dois milhões e cem mil desempregados nas
seis maiores regiões metropolitanas do Brasil, dados obtidos pelo
IBGE
. Essa referência a
nomes, locais e fatos é o procedimento de ancoragem, que busca o efeito de sentido de
realidade, de uma associação direta com o contexto real.
Portanto, no primeiro momento do programa, a credibilidade da proposta ocorre
com a construção do efeito de sentido de referência à realidade dos telejornais. São problemas
atuais, típicos da modernidade, que afetam aspectos físicos e psíquicos. As estratégias de
discursivização utilizadas produzem um efeito de sentido de distanciamento e objetividade
(narrado em terceira pessoa) sobre o tema, semelhante ao jornalismo.
Ao considerar os aspectos gerais do programa, esse efeito de sentido de uma
objetividade inicial que analisa a modernidade, cede lugar a um discurso subjetivo e
espiritualizado. O segundo VT apresenta o elemento simbólico que será distribuído na
campanha da “S
essão do Descarrego
”. Articulado com uma trilha sonora de drama e terror, e
com imagens de simulações de pessoas oprimidas e tristes, a voz em
off
afirma:
São muitas as pessoas que têm sofrido com problemas na vida sentimental, familiar,
financeira e física. [...] Conseqüência das forças espirituais do mal, que têm
produzido infelicidade, derrotas e fracassos. Nesta terça-feira, na ‘sessão do
descarrego’, você recebea rosa ungida e onde ela for colocada, na sua casa ou no
seu trabalho, o mal que tem amarrado sua vida será vencido.
Em seguida, são apresentados três depoimentos de fiéis satisfeitos com a rosa. A
primeira história é de uma mãe que conseguiu a cura do filho de uma alergia, em seguida, um
ex-viciado agradece a campanha porque se livrou das drogas e termina com uma senhora que
obteve a paz no lar, marcado por brigas, em apenas cinco reuniões na igreja. Os depoimentos
são objetivos e rápidos, enfocam somente o problema específico solucionado pela rosa
ungida. Diante de uma análise sobre problemas que a modernidade tecnológica e a medicina
95
avançada não conseguem resolver, somente um elemento com poderes sobrenaturais é
apresentado como solução. O resultado da performance do sujeito é determinado pelo valor
modal do /
querer-fazer
/ e também pelo valor descritivo da rosa. Portanto são dois programas
narrativos propostos pelo destinador; o primeiro é adquirir a rosa ungida (programa de uso),
com um valor descritivo da aquisição de competência do sujeito e o segundo é a performance
em si (programa de base), que consiste em apenas colocar a rosa ungida no lugar em que
ocorre o problema e tudo será resolvido. Esses dois programas narrativos são bem definidos
nos testemunhos dos fiéis da igreja e capazes de alterar o estado do sujeito em relação ao
objeto-valor.
O uso da rosa ungida, por sinal, remete ao no contexto bíblico, no qual Jesus é
comparado à “rosa de Sarom” no livro de
Cantares de Salomão cap. 2:1
e por isso a
IURD
atribui um poder sobrenatural à rosa ao afirmar que ela representa o Filho de Deus. Por outro
lado, pelo crivo de leitura cultural, podemos associá-la ao objeto gico da “varinha de
condão” presente nas histórias de contos de fada como
Cinderela”
e
Pinóquio
”, basta o
toque na pessoa ou apontar para o objeto, que um poder se manifesta e o desejo se realiza. De
qualquer forma, situações complexas são apresentadas como resolvidas pelo uso “mágico” do
toque da rosa.
Na dramaturgia, a
Igreja Universal
também utiliza pequenas encenações em seus
programas. Tecnicamente, essas produções são simples, diferente dos padrões de
teledramaturgia da
Rede Record
, mas atende ao objetivo proposto, mostrar algumas situações
cotidianas. É o que ocorre no terceiro VT selecionado, pois se trata de uma simulação sobre
os dez sintomas que caracterizam uma pessoa com influência de espíritos malignos. As
histórias interpretadas não chegam a desenvolver qualquer narrativa mínima, onde um
enunciado de transformação altera um enunciado de estado. Os dez sintomas sugeridos são:
nervosismo; síndrome do pânico ou medo; vícios; audição de vozes ou visão de vultos;
doenças que não são diagnosticáveis; insônia; dores de cabeça constante; desmaios; desejo de
suicídio e depressão. Identificados como sintomas da presença de espíritos malignos, todos
estão relacionados com a saúde da pessoa, tanto física quanto psíquica.
Nas simulações, os atores interpretam de maneira bem objetiva as situações
típicas de cada sintoma. A proposta é criar uma identificação com alguma situação vivida pelo
telespectador que justificaria sua necessidade de participar da campanha da igreja. Essa
estratégia de apresentar o texto em primeira pessoa ao invés de estabelecer um narrador, como
vimos na primeira matéria do programa, produz um efeito de subjetividade sobre o ponto de
96
vista dos fatos vividos. Com isso, o efeito de sentido produzido na apreensão do telespectador
é diferente da linguagem objetiva do jornalismo, enquanto esta produz um distanciamento do
discurso com o fato narrado, a subjetividade promove um efeito de proximidade entre as duas
instâncias e de identificação por parte do enunciatário. A instauração dos atores, das situações
e de suas atitudes passionais pretende estabelecer um discurso verossímil para um
fazer-
interpretativo
do telespectador. Esse efeito de aproximação também manifesta traços de
“parcialidade” sobre o fato. Esses recursos são utilizados na teledramaturgia e pretendem
construir um discurso de verossimilhança com a realidade, ao invés de serem assumidos como
um
dizer-verdadeiro
.
O apresentador e pastor Claudene Conte, logo de início, coloca à “inteira
disposição” o número de telefone, identificado nos caracteres como
SOS Espiritual”
com a
inscrição “ligue agora”. Se comparado ao programa anterior
A Hora dos Empresários
”, o
pastor Claudene apresenta-se bem vestido socialmente, mas sem o terno. Tanto as imagens do
pastor, como seu ambiente, estão mais simplificadas, com um cenário mais despojado, pois o
tema da prosperidade abordado anteriormente não está em pauta. A temática do programa
Realidade Atual
está centrada na solução de problemas espirituais que refletem diretamente
na saúde das pessoas.
Na sua fala, o pastor convida o telespectador a
Acompanhar vários depoimentos, de pessoas que estavam sofrendo e achavam que o
sofrimento era um carma, uma cruz, [...]. Elas viram que não era nada disso, por trás
da dor e do sofrimento havia uma carga, uma energia negativa que levavam elas a
viverem depressivas, a ter desejo de suicídio, a não conseguir se libertar dos vícios.
Problemas esses que fugiam do controle delas, [...]. Quando o problema foge do
controle, já passa a ser um problema espiritual.
O destaque do programa anunciado pelo pastor é mesmo os testemunhos, as
histórias de vida particulares dos fiéis. Esse direcionamento se desconecta com o efeito de
sentido construído sobre uma perspectiva da sociedade em geral e de fatos de influência até
mesmo mundial, presentes na vinheta de abertura. Esse primeiro trecho do discurso do pastor
apresenta um ponto de vista religioso sobre problemas de saúde física e psíquica, em que a
causa da depressão, dos vícios e do desejo de suicídio é atribuída a espíritos malignos.
No trecho do programa em que o pastor anuncia o VT das dramatizações de
pessoas com os dez sintomas de possessão maligna, ele argumenta:
97
Você vai saber agora de que maneira eles entram na vida de uma pessoa, quais são
os danos que eles causam. Preste bem atenção e tire suas conclusões e veja se o que
o senhor e senhora está passando é realmente um carma, uma cruz ou uma provação,
ou são forças do mal que está aí presente.
Diante dessa construção argumentativa, a influência maligna é a razão de vários
problemas na vida das pessoas. Os sintomas diagnosticados, num primeiro momento, foram
relacionados com a nova perspectiva da vida moderna, mas o discurso do pastor encarrega
assumi-los como problemas de ordem espiritual. Em uma prerrogativa de raciocínio gico, o
pastor convoca o telespectador a tirar “suas conclusões” sobre os “fatos”, que na verdade são
simulações apresentadas. Se por um lado as crises de segurança pública, de desemprego e do
sistema de saúde são temas citados na vinheta de abertura e na primeira matéria, o discurso
mais abrangente do programa conclui que os “encostos” são os responsáveis por essas
tragédias. Essa desconexão está fortemente presente na estratégia de manipulação a fim de
propor o contrato fiduciário ao destinatário. Por essa razão que as dezenas de depoimentos são
reconhecidos pelo pastor como elemento principal do discurso e as imagens que ilustram os
fatos jornalísticos não dizem respeito diretamente às aflições individuais.
A última seqüência do pastor no trecho selecionado é o momento em que ele
conversa por telefone com uma senhora. Ela é identificada apenas como “amiga” do bairro
Ipiranga em São Paulo e tal reconhecimento sugere uma proximidade estabelecida com a
telespectadora, uma relação mais estreita entre a igreja e o público. Pelo telefone, essa senhora
conta que não consegue dormir devido aos muitos problemas de saúde na família, seu filho é
autista e necessita de cuidados constantes, o marido apresenta problemas cardiovasculares.
De acordo com essas informações da telespectadora, o diálogo se estabelece da seguinte
forma:
Pastor: Amiga, presta atenção! A senhora diz assim: eu não sei mais o que fazer
pastor. Porque fisicamente falando a senhora está desgastada, ou não?
Amiga: É verdade pastor, eu estou.
Pastor: Porque a senhora não dorme direito. A senhora está deixando de viver
para viver em função deles. Não que a senhora não deva ajudar eles, é claro, vou
ajudar sim. que eu não posso ajudar eles com a minha capacidade, com a
minha força do braço. Agora eu tenho que recorrer a Deus [...]. Eu vou usar a que
eu tenho nele para que esse mal que está na vida do meu marido, esse mal que está
na vida de meu filho, Deus de fato Deus venha se manifestar para fazer com que
dentro da minha casa haja paz, haja saúde [...]. Não é o que a senhora deseja?
Amiga: É o que eu desejo!
Pastor: Nesta terça-feira, amiga, nós estaremos dando na ‘sessão do descarrego’ a
rosa vermelha e eu gostaria que a senhora viesse receber essa rosa, está bom?
98
Depois de ouvir um breve relato dos problemas, o pastor assume o ponto de vista
da telespectadora e tira conclusões evidentes sobre seu estado físico e psíquico. Desgaste
físico e grande dedicação para cuidar da família são algumas deduções apresentadas pelo
pastor e são interpretadas como verídicas pela “amiga”, reconhecidas com um
crer-
verdadeiro
. Uma vez que essa credibilidade é conquistada, o pastor propõe o contrato em que
ela deve ir à igreja, receber a rosa ungida e em contrapartida sua família irá ter a paz e a saúde
desejadas.
Ao encerrar a conversa por telefone, o pastor volta a dirigir a palavra a todos que
estão assistindo e estende o convite para que o público busque a rosa ungida também. A
própria projeção do sucesso da senhora que participou do programa por telefone é utilizada
como argumento para convencer a audiência também a participar. Mais uma vez observamos
que o programa está preocupado em construir o efeito de verdade através da utilização de
depoimentos. Particularmente nos programas que divulgam a “S
essão do Descarrego”
, os
depoimentos não se restringem somente a uma das áreas da vida, seja ela econômica,
sentimental ou familiar. O programa afirma que os problemas com espíritos malignos afetam
diretamente a vida das pessoas como num todo.
4.2.3 - RECORRÊNCIA TEMÁTICA NA VARIAÇÃO DE FORMATOS
Direcionado àqueles que passam por problemas amorosos, aos sábados, na
Igreja
Universal
, acontece a
Terapia do Amor”
. Essa reunião está voltada para solução de
problemas de ordem emocional e sentimental. O termo “terapia” conota uma espécie de
tratamento mais psicológico e não a articula a um culto religioso. Um dos programas
responsáveis pela divulgação dessa reunião é o
“Em Busca do Amor”
. O programa
selecionado foi exibido às 7h da manhã de sábado na
Record,
no dia 29 de julho de 2006.
A fonte da escrita utilizada no nome do programa remete ao tipo de letra presente
em convites de casamento, por exemplo. No logotipo do programa exibido, na parte inferior
do lado esquerdo da tela, a letra “o” de “amor” é substituído pela figura de um coração na sua
cor vermelha. Essa troca mantém a leitura da palavra “amor” mas também manifesta
figurativamente um símbolo “clichê” do amor, reforçando um valor romântico proposto pelo
programa.
99
na abertura, a linguagem musical apresenta uma canção romântica em espanhol
e o texto do pastor é acompanhado por um “bg” (background) à base de teclado, bem suave. A
sonoridade musical atenua o tom mais incisivo de sua fala, um efeito de sentido que colabora
para formar a imagem de um conselheiro amoroso (como também são reconhecidos) e não
somente pastor. No primeiro VT, a trilha sonora utilizada é um solo de sax acompanhada de
cenas de filmes provocando uma sensibilização na narração aparentemente jornalística e mais
objetiva da repórter. Já o último VT divulga o horário e o tema da reunião e a relação entre o
narrador e fundo musical é alterado. A voz em
off
narra de modo mais subjetivo as sensações
de tristeza e medo de acordo com o arranjo musical. Em todos os aspectos do programa, a
utilização de músicas e trilhas sonoras românticas é uma estratégia importante na construção
do efeito de sentido.
Outro elemento importante na construção do texto é o recurso da iluminação. A
primeira cena do programa é à meia-luz, de modo a realçar a presença das luzes auxiliares do
estúdio em tom vermelho rosado e reforçar o efeito de sentido de introspecção, de intimidade
desse programa em relação aos demais. Assim que inicia a fala do pastor, todas as luzes do
cenário são utilizadas, mas a predominância do tom rosa persiste. Dessa forma, pode-se
apreender uma preocupação da igreja em articular os recursos expressivos das linguagens no
texto audiovisual. Luzes de estúdio, som e entonação no texto verbal são elementos do plano
da expressão que se articulam para formar linguagens que comunicam por meio das isotopias
temáticas presentes no texto, como a tristeza de um abandono, a alegria de um amor e a
presença de um amigo confidente capaz de ajudar a resolver os conflitos amorosos.
Esse amigo que se estabelece no texto é o apresentador e pastor Adelson Sandes,
logo de início ele expõe o objetivo do programa:
Nós vamos mostrar que a sua história de vida pode mudar. [...] Você que tem
passado lutas na vida sentimental. [...] Você que busca uma resposta, mas não
encontra, você não sabe porque nunca conseguiu ser feliz no amor, porque você
nunca conseguiu encontrar a pessoa certa, sempre aparecem pessoas comprometidas.
Você é uma pessoa que se casou, mas seu casamento hoje é um casamento de
vergonha, de fachada. Você é uma pessoa extremamente infeliz. s vamos mostrar
para você que neste sábado [...] na primeira noite da ‘resposta de Deusvocê vai ter
essa resposta e como fazer para mudar essa situação.
Os traços diferenciais do sujeito projetado como destinatário da comunicação o
supostamente conhecidos pelo destinador-manipulador, o pastor apresenta a modalidade do
/saber/
, tanto sobre o sujeito como sobre o objeto-valor. De acordo com a fala do pastor, é
reconhecida a falta no enunciado de estado do sujeito e identifica o desejo visado, a felicidade
100
na vida amorosa. A partir desse discurso, o pastor representa o destinador-manipulador e por
meio de um contrato com o sujeito telespectador, deflagra a manipulação para o /
fazer-fazer
/,
ou seja, participar da reunião da
Resposta de Deus
e a sanção prometida é uma retribuição
positiva dessa ação, que é a conjunção como a felicidade amorosa.
Os caracteres divulgam meios para estabelecer a comunicação entre enunciador e
enunciatário através do e-mail e do telefone. Assim como no programa
“A Hora dos
Empresários”
, os caracteres enfatizam o tema principal para a participação por telefone do
telespectador. No caso das reuniões da prosperidade, é escrito “se vosofre de problemas
financeiros, ligue [...]”, no
“Em Busca do Amor”
a frase é “se você sofre na vida
sentimental, ligue [...]”. Apesar de pretender atingir vários perfis de telespectadores, o
público-alvo inicial parece ser mesmo as pessoas que estão com algum sofrimento emocional.
Pelo estabelecimento da falta do sujeito, essas pessoas se apresentam mais vulneráveis a
assumirem o discurso como verdadeiro e agirem conforme o contrato fiduciário proposto pelo
pastor.
Nos três VTs apresentados no programa, a estrutura discursiva constrói o
dizer-
verdadeiro
de cada VT tendo em vista o efeito de sentido produzido pelo seu anterior. O
primeiro quadro considera a “dor do abandono” como um problema sentimental de difícil
solução. Em seguida, é apresentado um VT em que a repórter entrevista um casal que superou
o fim de relacionamentos e separações, mas que atualmente estão felizes por causa da
campanha da igreja. O último trecho é direcionado às pessoas separadas, que devem participar
das reuniões para também conseguir a felicidade conjugal.
No primeiro quadro, as cenas de filmes hollywoodianos ilustram o tema narrado
pela voz em
off
, a “dor do abandono”. Algumas reações listadas são depressão profunda e até
desejo de suicídio e que no programa
Realidade Atual
”, essas reações são consideradas
sintomas de influência de espíritos malignos. No final desse quadro, a questão levantada pela
voz em
off
é “[...] de onde tirar forças? Como esquecer este amor? Como vencer este
problema?”. A apresentação desse VT constrói um percurso de um sujeito virtualizado no seu
modo de existência e para se atualizar, ele depende do pastor como um doador de
competência. Enquanto o sujeito apenas apresenta a modalidade do /
querer
/, ele se encontra
virtualizado, mas a partir do momento que ele realiza a performance, seu modo de existência é
de sujeito atualizado. Nesse caso, o sujeito sofre por desejar um objeto-valor, mas não se
atualiza em nenhuma performance que o faça conquistar um relacionamento amoroso bem-
sucedido. Pode-se constatar ainda que o sujeito se encontra em uma situação de perda ou
101
disjunção, porque mesmo através da ação de se entregar e agradar seu parceiro, ele não
conseguiu a felicidade amorosa. Diante desse percurso apresentado pela voz em
off
, a
indagação é sobre um programa narrativo de competência (“de onde tirar forças?”) necessário
para a realização de um programa de performance (“Como vencer este problema?”) que
estabeleça essa conjunção do sujeito com o objeto-valor.
Diante da questão que encerra o primeiro VT, o segundo quadro pretende
apresentar a solução através do depoimento de um casal concedido à repórter do programa.
Ao invés de responder diretamente a essa pergunta, o enunciador delega a voz para a
entrevistada contar sua experiência de vida na área sentimental. Ela comenta, na sua fala, que
sofreu com relacionamentos anteriores, mas através do programa de TV, aceitou o convite e
foi “curar” seu coração na
“Terapia do Amor”
. No testemunho, ela aparece acompanhada de
seu namorado, qualificado como o amor de sua vida e ele, por sua vez, confirma o
depoimento e garante que estará “trocando de alianças até o final do ano”.
Na discursivização desse quadro, o enunciador instaura a categoria de pessoa
figurativizada por um casal de fiéis da
Igreja Universal
, a categoria de espaço é projetada no
interior do templo da igreja e a categoria de tempo é o presente. Através dessa estrutura
discursiva, um contraste se estabelece com o VT anterior. As pessoas do discurso, assim como
a aspectualização espaço-temporal produzem o efeito de sentido de realidade, enquanto que
no primeiro quadro, a utilização de cenas de filmes e os dramas dos atores objetivavam a
verossimilhança. Para se estabelecer o efeito de verdade do segundo VT, o recurso utilizado é
uma debreagem de grau, no qual se instalam interlocutores, no caso, a repórter e o casal
entrevistado. A parir dessa debreagem, as perguntas se apresentam com traços jornalísticos e
o relato de vida como um fato vivido e real, com ênfase sobre o acontecimento da reunião da
Terapia do Amor
”. No término desse pequeno bloco, a voz em
off
divulga o endereço e o
horário da reunião ao mesmo tempo em que as imagens mostram o templo lotado de casais
abraçados, reconhecidos na narração como sendo o lugar onde os “problemas sentimentais
têm solução”.
O último quadro retoma algumas características do primeiro. O discurso é
apresentado por uma voz em
off
, que desta vez masculina. As imagens de atores e seus
dramas são interpretações das situações projetadas de acordo com o texto narrado, mas não
chegam a ser cenas de filmes conhecidos e atores famosos. O fundo musical marca o ritmo da
locução do texto. Mas uma importante diferença entre os dois VTs é o próprio fechamento ou
conclusão. O texto direciona-se a um destinatário infeliz no amor (“Para você que hoje se
102
encontra separado ou divorciado”) e termina dizendo “venha se tratar e dar uma chance ao seu
coração para que dentro em breve você possa ser feliz novamente”. A abordagem da situação
de divórcio é manifestada com afirmações como “marcas tristes que o tempo não consegue
apagar”, “há o medo de tentar novamente e não ser feliz” e “afinal, ninguém casa para se
separar”. A estratégia discursiva propõe ao telespectador tomar uma atitude de participar da
Noite do Amor
” e resolver esse problema.
Dessa forma as três seqüências apresentam uma estrutura coerente na estratégia
argumentativa do programa. Na primeira parte há um diagnóstico dos sintomas de problemas
sentimentais decorrentes da perda. Em seguida revela-se o resultado de um “tratamento” do
coração feito pela igreja na vida de um casal. Finalmente, é proposta a saída para as
dificuldades nos relacionamentos. Sem se basear na utilização de um discurso religioso do
pastor, a intenção de convencer o telespectador à participar das reuniões da igreja é obtido
através dos elementos presentes nos variados formatos televisivos no programa.
4.2.4 - O TESTEMUNHO: INDENTIFICAÇÃO QUE MOTIVA A AÇÃO
No início de agosto de 2006, o bispo Edir Macedo realizou uma “viagem
missionária” pelo Brasil que foi divulgada em todos os programas de TV da
Igreja Universal
.
Dentre os trechos de pregação do bispo na igreja, o mais utilizado na televisão foi sobre o
tema do dízimo, já que o primeiro dia de pregação no Brasil desta viagem missionária seria no
domingo, dia 6 de agosto. Nesse dia da semana, as reuniões concentram vários temas, como a
“Novena da Sagrada Família”
e a
“Consagração dos Fiéis”
. As pessoas que freqüentam as
campanhas de outros dias da semana são estimuladas a também participarem das reuniões no
domingo.
Esse trecho da pregação do bispo Macedo escolhido para análise foi exibido no
“Programa da Família”
pela
Record
, na quarta-feira, dia 2 de agosto de 2006 às 6h da
manhã, mas essa chamada pôde ser assistida em vários outros programas da igreja.
Diferentemente dos demais pastores citados anteriormente, quando o bispo Macedo é
instaurado como o destinador no discurso, ele desempenha somente um papel temático, o de
um fazer discursivo eclesiástico (pastor). A figura do bispo não é representada como um
103
apresentador, afinal, ele é a atração da reunião de domingo e, portanto, os demais
apresentadores/pastores promovem a divulgação da figura do bispo.
A participação de uma voz em
off
também apresenta traços diferenciados em
relação aos demais quadros observados anteriormente. Com imagens do templo lotado, a
narração divulga o horário, o tema e endereço da igreja, sem nenhuma argumentação ou
convite ao telespectador para participar da reunião referida. Toda a estratégia argumentativa
do discurso se baseia na fala do bispo Macedo e no testemunho da Sandra, que está associado
ao tema. O único momento que a voz em
off
desempenha outra função além de divulgar os
horários das reuniões é para apresentar o texto bíblico utilizado pelo bispo Macedo na
articulação de seu discurso. Nesse momento, um desenho de computação gráfica mostra a
Bíblia sendo aberta no livro de
Malaquias, cap 3:10
e a voz em
off
assume o papel actancial
de Deus que fala. Esse efeito de subjetividade relaciona a instância da enunciação com o texto
bíblico como sendo um só, no qual o sujeito (que está narrando) e a figura de Deus (que faz a
promessa) desempenham um único papel actancial. O texto diz:
Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa;
e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e
não derramar sobre vós benção sem medida
.
Diante de uma igreja lotada de fiéis, a pregação do bispo refere-se ao ato de
contribuir financeiramente através da entrega do dízimo
29
. O texto bíblico lido pela voz em
off
é a base teológica utilizada na mensagem. Diferentemente de uma oferta voluntária, o dízimo
apresentado como um pagamento e em uma relação de troca, Deus promete abrir “as janelas
dos céus”.
Nesse pequeno trecho o bispo Macedo afirma que:
Deus foi o primeiro a pagar o dízimo quando mandou o seu filho ao mundo. O
dízimo que a gente paga representa Jesus, é um símbolo de Jesus. Amém pessoal?
Porque Deus diz assim: ‘abrirei as janelas dos céus’.
Um dia eu falei para Deus: ‘Ó Deus, o Senhor me desculpa, eu ouço falar aí, os
pastores vem falando isso muito tempo, mas eu nunca vi isso na minha vida. Eu
ouço os pastores pregando isso, Fulano foi abençoado, Beltrano, mas na minha
vida eu tenho sido fiel a ti nos dízimos e tenho vivido uma vida de miséria. Nesse
momento a geladeira está vazia e eu não tenho dinheiro. tenho dinheiro para ir
trabalhar e não tenho dinheiro para voltar para casa’.
Isso me aconteceu [...] trinta e cinco anos atrás. Eu falei com raiva, eu falei com
raiva, eu falei com raiva, que Deus me perdoe, mas eu falei com raiva. Revoltado,
29
O dízimo, na maioria das igrejas evangélicas, é uma doação estipulada de 10% de seus rendimentos, já a oferta
é uma doação voluntária do fiel.
104
indignado, porque está escrito e eu não via acontecer nada. No dia seguinte Deus me
deu resposta, isso foi à noite e no outro dia, [...] por volta da uma hora, Deus me deu
resposta e desde aquele dia as coisas começaram.
Sempre que se trata sobre o tema financeiro nos programas de TV da
Igreja
Universal
, o enfoque é considerá-lo como um objeto-valor para o telespectador, no qual Deus
está oferecendo abundantemente para aqueles fiéis que participam das reuniões. Como prova
disso, eles divulgam depoimentos de pessoas que se tornaram prósperas participando das
campanhas e seguindo as pregações dos pastores, mas nesse caso específico, o dinheiro é
apresentado no início da fala do Macedo também como um pagamento. De acordo com essa
perspectiva, o único que parece ter autoridade de expor traços sobre o método de arrecadação
da igreja é mesmo o fundador da
IURD
.
Na fala do bispo, o próprio Deus é colocado como destinador-manipulador e
realiza a promessa de “abrir as janelas dos céus”, de acordo com o versículo bíblico referido.
Ao mesmo tempo, Deus foi um actante que entregou Jesus como pagamento do dízimo, para
conseqüentemente, receber em troca vários novos filhos, que são os fiéis da igreja. Essa
performance deve ser considerada como exemplo, ou um “símbolo”, de acordo com o bispo,
de entregar o dízimo para a igreja.
O discurso reconstitui a categoria actancial, temporal e espacial do bispo em um
outro contexto. Macedo era um empregado que ia de ônibus para o trabalho, trinta e cinco
anos mais jovem e era fiel dizimista de uma outra igreja, no qual também se pregava a mesma
mensagem religiosa. Até antes da citada “revolta” do bispo, o enunciado de estado era de
disjunção com a prosperidade, mas a instauração da falta, promove o objeto-valor. O
“desabafo” com Deus é o enunciado de transformação de Macedo e a resposta divina
representa o início de um novo enunciado de estado, dessa vez euforizante, porque está em
conjunção com a prosperidade.
O destaque no discurso é a entonação na afirmação em que Macedo diz: “eu falei
com raiva”. Por quatro vezes ele repete essa frase e interpreta com uma gestualidade que
configura uma agressividade incompatível em relação a sua postura como pregador. Esse
discurso manifesta um sujeito modalizado pelo /
querer-ser
/ próspero, de forma intensificada,
multiplicada. No caso, o destinador-julgador também é Deus e a interpretação divina diante
dessa atitude do bispo foi de uma sanção positiva. A fala do bispo não o apresenta como
beneficiário do pagamento do dízimo pelo seu fiel, ele é reconstituído como sendo apenas um
entre outros fiéis que conseguiram fazer cumprir a promessa divina de prosperidade. Esse
105
ponto de vista adotado na narração de sua história isenta seu interesse pela contribuição
financeira do fiel da
IURD
, é Deus que instituiu a lei e também promete a retribuição, o
bispo testemunha que tal promessa se trata de um
dizer-verdadeiro
. Da mesma forma que ele
realizou uma oração com Deus e houve a resposta, a campanha divulga a oração pela
Consagração dos Fiéis
e a resposta positiva dessa oração projeta a conquista da
prosperidade. A modalização a ser reconhecida com destaque no bispo Macedo pelos fiéis é a
do /
saber
/, afinal, para a igreja, na sua relação pessoal com Deus, ele demonstra
conhecimento de como buscá-lo e conseqüentemente obter o /
poder
/ divino para transformar
a sua realidade.
Após a fala do bispo no templo, é apresentado o depoimento em estúdio de uma
mulher chamada Sandra, que comenta como sua vida estava “destruída” antes dela começar a
entregar o dízimo. Ela acumulou dívidas, foi morar de favor, tinha dificuldades até para
comprar comida para casa, mas a partir do momento que ela começa a pagar o dízimo, a sua
vida mudou. Hoje ela testemunha que tem um apartamento, comprou um carro e sua vida está
totalmente transformada. Na seqüência surge a voz em
off
narrando o texto bíblico que trata
sobre o dízimo, comentado anteriormente, e termina com a divulgação da hora das reuniões e
do endereço da igreja.
O testemunho da Sandra é importante porque confirma o discurso do Macedo, que
por sua vez, também é justificado pelo versículo narrado no final. Essa relação entre as falas
do texto pretende estabelecer o caráter de
dizer-verdadeiro
da ordenança divina de que se
deve pagar o dízimo e assim receber as bênçãos das “janelas dos céus”. Embora o bispo deixe
claro no texto que a pessoa deve pagar o dízimo, o foco narrativo não se direciona para as
vantagens obtidas pela igreja sobre a ação desse sujeito que contribui. O contrato fiduciário é
apresentado como sendo uma relação entre Deus e o fiel, a igreja se apresenta isenta de
qualquer responsabilidade sobre o não cumprimento da promessa.
106
5 - APONTAMENTOS FINAIS
107
APONTAMENTOS FINAIS
Ao considerar a história da
Igreja Universal
, podemos constatar que o principal
diferencial foi o uso dos meios de comunicação de massa para o evangelismo. Essa postura
comunicacional da igreja foi determinante para seu crescimento. Especificamente na TV, a
IURD
desenvolveu sua forma de pregação baseada nos tele-evangelistas norte-americanos e
adaptou muito bem a proposta de pregação pela TV à realidade sócio-cultural brasileira, no
qual podemos observar uma produção de programas que explora de maneira adequada a
linguagem televisiva e os diversos elementos presentes, como a teledramaturgia, reportagens,
cenário, edição, entre outros.
Até mesmo a Igreja Católica investiu na mídia televisiva, preocupada com o
êxodo de fiéis para o movimento evangélico. Através de seus canais de televisão,
principalmente a Rede Vida, que apresentou a maior expansão entre todas as emissoras nos
últimos dez anos, ela ainda mantém a maioria das concessões de geração e retransmissão de
TV cedidas às instituições religiosas, segundo Caparelli (2004). Esse predomínio é
questionado quando consideramos o uso que a igreja faz da TV, a grade de programação e os
formatos televisivos caracterizam a liturgia católica e distanciam a audiência secular.
Algumas atrações católicas na tela podem ser consideradas como “janelas” para se observar
os elementos religiosos presentes dentro da igreja, como a reza do terço e os sermões. O
desafio da
Igreja Católica
na área televisiva tem sido elaborar uma programação que possa
concorrer com as igrejas evangélicas e com as outras emissoras de modo geral, sem romper
com os laços tradicionais de sua audiência religiosa.
Mas enfatizando os programas de TV da
Igreja Universal
como nosso objeto de
pesquisa, os estudos semióticos puderam apontar algumas estratégias discursivas comuns a
todos os exemplos analisados. De modo geral, nota-se que a atração fundamental é os
depoimentos dos fiéis, nos quais referendam as falas dos pastores. O testemunho é um
importante recurso discursivo de um
dizer-verdadeiro
e projeta uma identificação com o
contexto vivido pelo telespectador, pois são apresentadas dezenas de histórias de vida que, de
alguma forma, são reconhecidas pela audiência. Para muitos fiéis da
IURD
, o primeiro
contato com a doutrina religiosa se deu através televisão e a partir disso, eles são promovidos
a serem co-participantes do projeto de expansão da igreja. Isso se dá, num primeiro momento,
com as ofertas e pagamentos de dízimos para manter e ampliar a estrutura da
Igreja
108
Universal
. Em seguida, alguns fiéis são destacados para anunciarem seus testemunhos, o que
é motivo de orgulho para eles, que irão desempenhar um papel de “exemplo de fé” para as
pessoas de dentro e fora da igreja.
Os tipos de manipulação utilizados na estratégia argumentativa dos programas de
TV propõem uma decisão imediata e passional do telespectador, diante das afirmações
incisivas dos pastores e de promessas altamente desejáveis. Se por acaso, o telespectador se
encontra com algum problema na vida e não sabe como resolver, ele se sente desafiado a dar
crédito ao que é dito e experimentar o que lhe é proposto, aceitando a manipulação por
provocação
.
As falas dos pastores são discursivamente constituídas como afirmações do
próprio Deus, que reconhece as dificuldades do público, faz promessas e, em contrapartida,
convida a todos a participarem das reuniões para receberem as “bênçãos” prometidas. Essa
postura projeta uma autoridade divina sobre os próprios pastores e isenta-os de qualquer
responsabilidade sobre o que foi prometido, que Deus é poderoso para fazer tudo o que Ele
prometeu. Quando a pessoa não recebe o que deseja, a culpa recai à sua falta de fé,
desobediência e assim por diante. Os fiéis que interpretam as falas dos pastores através de um
crer-verdadeiro
consideram estar ouvindo o próprio Deus, pois reconhecem os pastores como
representantes legítimos de Deus na terra. Como decorrência de estratégias dessa natureza, a
igreja obtém uma grande arrecadação financeira, seleciona dezenas de milhares de voluntários
e até elege seus líderes para importantes cargos políticos.
As questões sociais levantadas de forma abrangente, como desemprego e
violência, são apresentadas como resolvidas nas histórias de vida dos fiéis. Não se observa
nenhuma relação dos problemas sociais que afligem as pessoas com o contexto particular do
indivíduo, nesse caso, as crises de saúde, familiar e financeira estão ligadas às ações
individualizadas do sujeito e são resolvidas também de forma única, a partir da presença dele
nas reuniões. A mensagem religiosa e o uso da fé se apresentam como uma solução individual
e subjetiva, diferente de doutrinas que pregam a vida em comunhão entre os “irmãos” com
responsabilidade social, que não são manifestadas no discurso da igreja na TV.
Outra estratégia muito utilizada é o recurso de elementos figurativos que
promovem uma intertextualidade entre o discurso do pastor e a referência bíblica. A oferta de
objetos religiosos como o mel consagrado, a rosa ungida ou a estola sacerdotal servem como
ponto de contato entre o mundo natural e espiritual. Esses objetos são ilustrações de trechos
bíblicos que contam sobre a manifestação do poder divino e no discurso midiático,
109
representam o motivo principal para convencer o telespectador a participar das campanhas. O
objeto em si é comum, o valor está na consagração dele, que os faz sagrado e o dota de
poderes sobrenaturais, por isso ele é a atração da reunião, no qual também está estreitamente
relacionado ao tema abordado.
Aliás, a escolha dos temas de cada programa de TV também é diretamente ligada
às reuniões realizadas durante a semana, portanto, o público pode ser abordado de acordo com
a necessidade com o qual ele se identifique melhor. Nessa segmentação temática, os discursos
promovem uma aproximação com o telespectador, especificamente na área de sua vida que se
encontra com problemas. Mas na própria proposta da grade de programação, a igreja aborda
todas essas áreas, seja ela financeira, de saúde, espiritual, amorosa ou familiar, tornando
impossível para o sujeito não se identificar com uma dificuldade, para depois procurar ou não
a ajuda da
Igreja Universal do Reino de Deus
.
Essa atitude de fazer o telespectador procurar a solução de seus problemas nas
reuniões é o objetivo da presença da
IURD
na TV e a audiência constitui somente um meio
para esse objetivo. Por outro lado, a
Rede Record,
como uma TV comercial, investe alto para
conquistar mais audiência e planeja assumir a liderança do mercado, que mais de três
décadas pertence à
Rede Globo
. Essa ambigüidade pode ser compreendida quando a
Igreja
Universal
considera que possuir um meio de comunicação influente na sociedade fortalece a
própria igreja e o fato da
Record
ter a programação secular garante essa proposta, ao contrário
de tão somente oferecer programas religiosos. Podemos comparar algumas audiências de
programas evangélicos em várias emissoras e os melhores índices não atingem dois pontos de
acordo com o
Ibope
, mesmo em horário nobre, como é o caso do
Show da
do R. R.
Soares na
Band
e os programas da
IURD
na
TV Gazeta
. Essa audiência religiosa é o público-
alvo para o proselitismo e fazer com que esse contato se transforme numa relação mais ampla,
acaba sendo o objetivo final de toda programação religiosa da
Igreja Universal
.
Embora as atrações religiosas da
IURD
abordem temas diferentes durante a
madrugada e os dias da semana, o programa em si tem uma redundância temática pertinente,
mas os vários formatos presentes e a alternância dos quadros possibilitam manter a audiência
do telespectador do começo ao fim. O pastor apresenta o tema e a partir de então, convoca as
participações de repórteres, veiculam-se simulações de casos reais e matérias elaboradas a
partir de fatos jornalísticos. As próprias entrevistas ocorrem em diversos locais com
abordagens distintas e as chamadas das campanhas são divulgadas no intervalo dos
programas. Os cenários seguem modelos semelhantes aos da
Record
, a direção de imagens e
110
edição garantem um dinamismo dos programas. As imagens externas captadas ilustram os
depoimentos e revelam as empresas e casas que são os sinais de sucesso, as cenas de filmes
reconstituem histórias bíblicas. O uso da linguagem musical é explorado para sensibilizar a
audiência e alterar seu estado passional, esse recurso é importante, já que o discurso se
estrutura sobre elementos mais emotivos que racionais. O uso de caracteres é intenso e
reiteram as falas dos pastores e através de e-mail e telefone, o telespectador pode entrar em
contato com a igreja mesmo antes de ir às reuniões. Dessa forma, pode-se verificar que a
Igreja Universal
apresenta um domínio da linguagem televisiva sobre diversos gêneros e
formatos.
As análises realizadas apontam que os pastores não desenvolvem nenhuma
doutrina teológica nos programas, suas falas apenas destacam afirmações pontuais que
justificam o tema das campanhas. Raramente se observa a presença de uma Bíblia e mais
difícil ainda é ver o pastor ler algum trecho dela e realizar um pequeno sermão, momentos
assim são casos excepcionais. Esse despojamento de um certo tradicionalismo religioso na
televisão é a principal característica que diferencia a
IURD
das demais instituições religiosas,
como a
Igreja Católica,
por exemplo. De modo geral, o único momento que se evidencia
traços de uma liturgia é a oração final no encerramento de cada programa, quando o pastor
abençoa um copo d´água e realiza a prece em favor dos telespectadores. Nesse momento, toda
argumentação do discurso foi feita e espera-se que a audiência já assuma o
dizer-
verdadeiro
da mensagem e com isso se disponha a receber uma benção eclesiástica.
Percebe-se também nas estratégias discursivas, uma construção que procura não
evidenciar o elo de ligação entre as contribuições para a igreja e a prática dos fiéis. O que os
programas de TV da
IURD
não divulgam são os métodos de arrecadação de ofertas
estipuladas para participar das campanhas, pelo contrário, os pastores reforçam a idéia de que
os elementos religiosos são distribuídos gratuitamente. Nos próprios depoimentos dos fiéis na
TV, muitos comentam que adquiriram a rosa, o mel ou sacrificaram na “
fogueira santa
” e não
assumem uma relação direta com a contribuição financeira.
Para finalizar, num contexto marcado pela secularização e pluralização religiosa, a
Igreja Universal
tem desempenhado com êxito, a função de associar o discurso religioso com
as realidades e necessidades mais imediatas dos indivíduos. Diante da concorrência com as
outras instituições religiosas, a igreja do bispo Macedo se apresenta mais agressiva no
proselitismo, pois apresenta um domínio no uso de vários meios de comunicação de massa,
com o destaque para a aquisição de um espaço privilegiado na televisão brasileira. Na relação
111
que se estabelece com a sua audiência, a
Igreja Universal
oferece promessas de saúde, carros
importados, mansões, empresas e uma família feliz. É com base em promessas dessa natureza
que são manifestadas nos discursos televisivos, a igreja conquista cada vez mais fiéis e estes,
por sua vez, irão fortalecer financeiramente a própria
IURD
para continuar a expansão de seu
ministério.
112
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de.
Teoria do discurso:
fundamentos semióticos. São Paulo.
Atual. SP. 1988.
______.
Teoria semiótica do texto
. 4
.
ed. São Paulo: Ática, 1999.
BENVENISTE, Émile.
Problemas de lingüística geral II.
Campinas: Pontes, 1989.
______.
Problemas de lingüística geral I
. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995
BERGER, Peter L
. O dossel sagrado:
elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Paulus, 1985.
BERTRAND, Dennis.
Caminhos da semiótica literária
. Trad. Ivã Lopes et al. Bauru:
EDUSC, 2003.
BOURDIEU, Pierre.
Sobre a televisão
. Trad. Miguel Serras Pereira. Oeiras: Celta Editora,
2001.
CACP
: Centro Apologético Cristão de Pesquisas. Disponível em: http://www.cacp.org.br/
Acesso em: 15 fev. 2006
CAMPOS, Leonildo Silveira.
Teatro, templo e mercado:
organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal. São Paulo: Ed. Petrópolis, 1997.
CAPPARELLI, Sérgio; LIMA, Venício A. de.
Comunicação e televisão; desafios da pós-
globalização
. São Paulo: Hacker, 2004.
CARRIELO, Rafael; MARREIRO, Flávia. Igreja Universal e os bancos ganham poder. In:
Folha de S. Paulo
, São Paulo, 4 jan. 2004. Folha Brasil, Caderno A, p. 4.
CARVALHO, José Jorge. Religião, mídia e os predicamentos da convivência pluralista: uma
análise do evangelismo transnacional norte-americano.
Série Antropologia 226.
Brasília:
Dep. de Antropologia da UNB, 1997
CASTELLS, M.
A sociedade em rede a era da informática:
economia, sociedade e
cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
CASTRO, Daniel
.
Dízimo da Universal leva Record à vice-liderança.
Folha de S. Paulo
, São
Paulo, 4 jun 2006 Folha Ilustrada, Caderno E, p. 1.
______. Universal quer montar ‘CNN Gospel’.
Folha de S. Paulo
, São Paulo, 4 jun 2006
Folha Ilustrada, Caderno E, p. 3-4.
DEFLEUR, Melvin L; BALL-ROKEACH, Sandra.
Teorias da comunicação de massa
. Rio
de Janeiro: Zahar, 1993.
114
DUARTE, Adriano Rodrigues.
Comunicação e cultura a experiência cultural na era da
informação
. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
EDWARD, José. Dinheiro a jato: flagrantes em dois aeroportos revelam que o dinheiro da
Igreja Universal viaja pelo céu nas bagagens de parlamentares.
Veja
, São Paulo: Abril, ano
38, n. 29, p. 90-92, 20 jul. 2005.
FERNANDES, Carlos.Fé em rede nacional.
Igreja
: Revista da EBF Editora, São Paulo, n 3, p
36-42, mai. 2006.
FIGUEIREDO FILHO, Valdemar.
Entre o palanque e o púlpito:
mídia, religião e política.
São Paulo: Annablume, 2005.
FIORIN, José Luiz.
Linguagem e ideologia
. São Paulo: Ática, 1988.
______.
As astúcias da enunciação:
as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2
.
ed. São
Paulo: Ática, 2001.
______. (org).
Introdução à lingüística
. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
FLOCH, Jean-Marie. Semiótica plástica e linguagem publicitária: análise de um anúncio da
campanha de lançamento do cigarro News.
Significação
: Revista Brasileira de Semiótica.
Annablume, n 9, p 29-50, jun. 1987
______. Alguns conceitos fundamentais em semiótica geral.
Documento de estudo do
Centro de Pesquisa Sociossemióticas
. São Paulo: CPS, 2001.
FRESTON, Paul.
Protestantes e política no Brasil:
da constituinte ao impeachment.
Campinas: IFCH-UNICAMP, 1993.
GUEDES, Cilene; MENDES, Daniela. Pastores da prosperidade.
Época
, Rio de Janeiro:
Globo, ano 3, n. 124, p. 85-87, 2 out. 2000.
GREIMAS, A. Julien.
Semântica estrutural
. Trad. H. Osakape e I. Blikstein. São Paulo:
Cultrix, 1973.
______. Enunciação, uma postura epistemológica.
Significação
: Revista Brasileira de
Semiótica. CES, Ribeirão Preto, n 1, p 9-25, jun. 1974.
______. Actantes, atores e figuras. In: CHABROL, C.
Semiótica narrativa e textual
. São
Paulo: Cultrix, 1977, p. 179-195.
______. As aquisições e os projetos. In: COURTÉS, Joseph.
Introdução à semiótica
narrativa e discursiva
. Trad. N. Tasca. Coimbra: Livraria Almedina, 1979, p. 7-34.
______. Semiótica figurativa e semiótica plástica.
Significação
: Revista Brasileira de
Semiótica. CES, Ribeirão Preto, n 4, p 18-46, jun. 1984.
115
Hjelmeslev, Louis.
Prolegômenos a uma teoria da linguagem
. São Paulo: Perspectiva,
1975.
HOHLFELDT, Antonio e outros.
Teorias da comunicação
. 2 Ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
JAKOBSON, Roman.
Lingüística e comunicação.
São Paulo: Cultrix, 1969.
LANDOWSKI, Eric.
Presenças do outro
. São Paulo: Perspectiva, 2002.
LATOUR, Bruno.
Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches
. Trad. Sandra
Moreira. Bauru: EDUSC, 2002.
MACEDO, Edir.
O caráter do servo
. São Paulo: Universal Produções, 1994.
______.
Orixás, caboclos e guias:
deuses ou demônios? Rio de Janeiro, 14 edição Universal ,
1997.
______. sobrenatural.
Plenitude
: Revista bimensal. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, ano
18, n. 66, p. 3, 1999.
MACHADO, Arlindo.
A arte do
vídeo.
2
.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.
MANSUR, Alexandre; VICÁRIA, Luciana. Exorcismo na tv.
Observatório da Imprensa
,
Rio de Janeiro, 29 abr 2003. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp3004200391.htm Acesso em 15 set.
2005.
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal.
Instituto
de Estudos Avançados
. vol. 18, n 52, dez. 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142004000300010&lng=en&nrm=iso Acesso em: 28 abr 2006.
______.
Neopentecostalismo:
os pentecostais estão mudando. Dissertação de Mestrado em
Sociologia. São Paulo: USP, 1995.
MARQUES, Luís Henrique.
Rede vida de televisão:
análise da prática comunicacional da
igreja católica no Brasil a partir de um referencial. Dissertação de mestrado em Comunicação.
FAAC, UNESP. Bauru, 1999.
MCLUHAN, Marshall.
Os meios de comunicação como extensões do homem
. São Paulo:
Cultrix, 1995.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Protestantismo latino-americano entre a racionalidade e o
misticismo.
REVER
: Revista de Estudos de Religião. São Bernardo do Campo: UMESP, ano
14,18 jun. 2000.
116
MÉDOLA, A. S. L. D. A articulação entre linguagens: a problemática do sincretismo na
televisão.
Caderno de Discussão do Centro de Pesquisas Sociossemióticas
, São Paulo, n 6,
p. 201-209, 1999.
______. Terra Nostra: estratégias de textualização na novela das oito.
Galáxia:
Revista
Transdisciplinar de Comunicação Semiótica Cultura. São Paulo, n. 4, p. 139-158, 2002.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro.
Introdução ao
protestantismo no Brasil
. São Paulo: Loyola, 1990.
PAOLI, J. Antonio.
Comunicación e información
. México: Trillas, 1987.
PEIRCE, Charles S.
Semiótica e filosofia
. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1975.
PEREIRA, Camila; LINHARES, Juliana. Os novos pastores.
Veja
, São Paulo: Abril, ano 39,
n. 27, p. 76-85, 12 jul. 2006.
PIERUCCI, Antônio Flávio. "Bye bye, Brasil": o declínio das religiões tradicionais no Censo
2000.
Instituto de Estudos Avançados
, vol. 18, n 52, dez. 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142004000300003&lng=en&nrm=iso Acesso em: 28 abr. 2006.
PINHEIRO, Márcia L. ‘Negro não entra na igreja: espia da banda de fora’ protestantismo e
escravidão no Brasil Império. Resenha ed. n. 14, 2000.
Comunidade Virtual de
Antropologia
. Disponível em http://www.antropologia.com.br/res/res14.htm, 2000. Acesso
em 14 abr. 2006.
PINTO, Milton José.
Comunicação e discurso
. São Paulo: Hacker, 1999.
PRANDI, Reginaldo. Religião paga, conversão e serviço. In: PIERUCCI; PRANDI:
A
realidade social das religiões no Brasil.
São Paulo:Hucitec, 1996. p. 257-273.
RIBEIRO, Boanerges.
Protestantismo no Brasil monárquico (1822-1888
): aspectos
culturais de aceitação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973.
ROCHA, Penha. dia e religião: Canal Século 21 e Rede Família . In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., 2002, Salvador.
Anais...
São
Paulo: Intercom, 2002. Disponível em: http://hdl.handle.net/1904/18986 Acesso em: 29 jul
2006.
______. Telejornalismo, Rede Família e Rede Vida. Anais do 24. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 24., 2001, Campo Grande.
Anais...
São Paulo: Intercom, 2001. Disponível em: http://hdl.handle.net/1904/4970 Acesso em 29 jul.
2006.
SANTAELLA, Lucia.
Comunicação e pesquisa
. São Paulo: Hacker, 2001.
117
SANTANA, Luther King de A. Religião e mercado: a mídia empresarial-religiosa.
REVER:
Revista de Estudos da Religião. São Paulo: PUCSP, n.1, p. 54-67, 2005.
SANTOS, Susy dos; CAPARRELLI, Sérgio. Crescei e multiplicai-vos: a explosão religiosa
na televisão brasileira.
In Texto
. Porto Alegre: PPGCOM-UFRGS, vol 11, 2005.
SAUSSURE, Ferdinand de.
Curso de lingüística geral
. São Paulo: Cultrix, 1969.
SILVA, Juvêncio Borges.
Igreja Universal do Reino de Deus:
empreendimento econômico,
religioso e político. Tese de Doutorado. Araraquara: UNESP, 2005.
WEBER, Max.
A ética protestante e o espírito do capitalismo
. São Paulo: Pioneira, 2001.
VILCHES, Lorenzo.
A migração digital.
São Paulo: Edições Loyola, 2003.
118
APÊNDICE
119
APÊNDICE
APÊNDICE A – SAINDO do vermelho, 3 jul. 2006; A HORA dos empresários, 2 jun 2006;
REALIDADE atual, 31 jul 2006; EM BUSCA do amor, 29 jul. 2006;
CONSAGRAÇÃO dos fiéis, 2 ago 2006. Trechos dos programas. São Paulo:
Rede Record de Televisão. DVD.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo