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Carmem Virgínia Moraes da Silva
FAZ-DE-CONTA QUE EU BRINCO:
O comparecimento da brincadeira na educação infantil da rede
pública de Vitória da Conquista – Bahia
Dissertação elaborada sob orientação da Profª Drª Rosângela Francischini e apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Natal
2007
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ii
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA).
Silva, Carmem Virgínia Moraes da.
Faz-de-conta que eu brinco: o comparecimento da brincadeira na
educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista - Bahia /
Carmem Virgínia Moraes da Silva. – Natal, 2007.
131 f.
Orientadora : Rosângela Francischini.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação em Psicologia.
1. Psicologia infantil – Dissertação. 2. Educação infantil – Dissertação. 3. Desenvolvimento
infantil – Dissertação. 4. Jogos e brincadeiras – Dissertação. 5. Creche – Dissertação. I. Francischini,
Rosângela. II. Título.
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iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Psicologia
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
A dissertação “FAZ-DE-CONTA QUE EU BRINCO: o comparecimento da brincadeira
na educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista - Bahia”, elaborada por
Carmem Virgínia Moraes da Silva, foi considerada aprovada por todos os membros da
banca examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como
requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, 29 de março de 2007
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Rosângela Francischini _____________________________
Profª Drª Denise Maria de Carvalho Lopes _____________________________
Profª Drª Therezinha Vieira _____________________________
iv
A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas
fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto
qualquer.
(Alberto Caeiro)
v
Dedico este trabalho ao meu avô Clarindo, pela maestria e doçura com que conduz a
vida, pela abundância de amor e ternura em cada gesto e por reascender em mim a
sensação de ser criança toda vez que lhe peço “benção, vô”, num eterno retorno à minha
infância.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Zito e Zenaide, presentes em todos os momentos desta trajetória,
agradeço o amor, confiança e admiração pelo que tenho construído em cada dia.
À minha orientadora, Profª Drª Rosângela Francischini, pelo prazer ao longo das
orientações, pela competência e delicadeza de cada gesto.
Aos professores Drº Herculano Ricardo Campos, pelas discussões inspiradoras nas
disciplinas e Drª Raquel Souza Lobo Guzzo, pelas valiosas contribuições como leitora
no primeiro seminário de dissertação.
Às professoras Drª Denise Maria de Carvalho Lopes, leitora cuidadosa no seminário de
dissertação, e Drª Therezinha Vieira, que gentilmente aceitaram compor a mesa
examinadora de meu trabalho.
Às crianças Pepê, João Vitinho e Dudu, que brincando, me inspiram em estudar
o desenvolvimento infantil.
Aos irmãos José Pedro, Sheila, João Luiz e Aline pelo carinho e por darem
sentido ao termo família, tão importante neste período de estudos.
A Margô, amiga do todas as horas, modelo de gente e tia querida.
A Marx, meu amor, pela compreensão e alegria que fizeram tanta diferença na
construção deste trabalho.
A Morena, Deyna, Thelma, Roque e Bergher, amigos presentes mesmo quando
estávamos longe, pelo interesse constante.
Aos amigos que estiveram nesta mesma labuta, perto ou longe, Emília, Soraya,
Deliane, Marina, Odilza e Liliane.
Às amizades feitas em Natal, especialmente a amiga Gina, um grande presente
que ganhei no mestrado.
Aos companheiros do Educandário Santa Rosa, especialmente Rosa e Rosinha,
pela paciência em aguardar o meu retorno.
Aos participantes deste trabalho, educadores e crianças das creches, por
compartilharem comigo um cotidiano tão rico, dando vida a um projeto.
vi
SUMÁRIO
LISTAS ....................................................................................................................viii
RESUMO...................................................................................................................ix
ABSTRACT................................................................................................................x
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................1
Capítulo 1. Era uma Vez... A Educação Infantil.....................................................4
1.1. O início da história: a educação infantil na assistência para criança no Brasil 5
1.2. Era uma vez... e ainda é assim 18
1.3. Educação infantil: uma história de 'vitórias' e 'conquistas'? 26
Capítulo 2. Pesquisando a Brincadeira.................................................................. 34
2.1. A escolha de 'quem' pesquisar 36
2.1.1. Creche Amarela 42
2.1.2. Creche Azul 44
3.1.3. Creche Verde 46
2.1.4. Creche Vermelha 47
2.2. A escolha de 'como' pesquisar a brincadeira 49
Capítulo 3. Hora de Brincar....................................................................................51
3.1. Era uma vez... a brincadeira na educação 53
3.2. Um, dois, três e já: Vamos brincar! 56
3.3. Brincar de que? Faz-de-conta, brincadeira, jogo ou brinquedo? 68
3.4. A cultura lúdica na creche 81
Capítulo 4. Composição do Corpus: Hora de Brincar na Creche........................ 84
4.1. O contato com a brincadeira 86
4.2. Brincadeira tem hora 90
4.3. O contexto social da brincadeira 94
Capítulo 5. Para Concluir: Acabou-se a Brincadeira.........................................115
APÊNDICES...........................................................................................................120
Apêndice A - Roteiro de entrevista semi-estruturada com equipe pedagógica 121
Apêndice B - Termo de consentimento livre e esclarecido do diretor 122
Apêndice C - Termo de consentimento livre e esclarecido do educador 123
Apêndice D - Roteiro de entrevista semi-estruturada com educadora 124
REFERÊNCIAS.....................................................................................................126
vii
LISTAS
Tabela 1 – Número de crianças, por faixa etária, matriculadas nas creches públicas e nas
creches públicas conveniadas em Vitória da Conquista no ano de 2005 37
Tabela 2 – Matrícula inicial na Creche e na Pré-escola das redes estadual, federal,
municiapal e privada e o total de matrícula nessas redes de ensino em 2005 38
Tabela 3 – Localização por região das creches públicas de Vitória da Conquista 39
Tabela 4 – Número de professores e monitores nas creches públicas e nas creches
públicas conveniadas em Vitória da Conquista no ano de 2005 41
Figura 1 – Hall coberto que dá acesso às salas das turmas de 03 e 04 anos, Creche
Amarela 43
Figura 2 – Sala da turma de 04 anos, Creche Amarela 44
Figura 3 – Sala da turma de 03 anos, Creche Azul 45
Figura 4 – Sala da turma de 04 anos, Creche Azul 45
Figura 5 – Sala da turma de 03 anos, Creche Verde 47
Figura 6 – Sala da turma de 04 anos, Creche Verde 47
Figura 7 – Sala da turma de 03 anos, Creche Vermelha 48
Figura 8 – Sala da turma de 04 anos, Creche Vermelha 48
Quadro 1 – Termos envolvendo a temática da brincadeira 69
Tabela 5 – Caracterização geral das turmas observadas 85
Tabela 6 – Número de observações feitas em cada turma, por turno 85
Figura 9 – Brincadeira no pátio de areia, turma de 03 anos, Creche Azul 98
Figura 10 – Brincadeira no pátio de areia, turma de 03 anos, Creche Azul 98
Figura 11 – Brincadeira de roda, turma de 03 anos, Creche Verde 102
Figura 12 – Brincadeira no pátio, turma de 03 anos, Creche Vermelha 112
Figura 13 – Brincadeira no pátio, turma de 03 anos, Creche Vermelha 112
viii
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo compreender o lugar da brincadeira na educação
infantil da rede pública de Vitória da Conquista – Bahia. Entendemos a instituição de
educação infantil como espaço que deve respeitar a criança como pessoa em condição
peculiar de desenvolvimento. Adotamos a abordagem sócio-histórica compreendida a
partir de Vygotsky e Leontiev, com a teoria social da construção do conhecimento e seu
diálogo com autores como Piaget e Brougère. A brincadeira é vista como fruto das
relações sociais com grande influência no desenvolvimento infantil. A pesquisa é
realizada em 04 creches públicas, dentre 18 existentes no município. Enquanto sujeitos
da investigação participam 09 educadoras que trabalham com crianças de 03 e 04 anos e
as crianças de suas respectivas salas. Os procedimentos empregados para a constituição
do corpus da pesquisa são a observação participante e a entrevista semi-estruturada com
as educadoras, enfocando a atividade da brincadeira, especificamente na forma como se
manifesta na educação infantil. A partir da constituição do corpus empregamos a análise
temática de conteúdo. Agrupamos o comparecimento da brincadeira na educação
infantil em três núcleos temáticos para análise detalhada: 1. Brincadeira possibilitada
pela educadora; 2. Brincadeira proposta pela educadora; 3. Brincadeira iniciada pelas
crianças. Os resultados mostram que, apesar das limitações que configuram a rotina nas
creches, a brincadeira comparece na educação infantil. Esperamos, através da
compreensão do lugar ocupado pela brincadeira na educação infantil, contribuir para a
efetivação das políticas públicas, sobretudo no âmbito educacional, para a criança de
zero a seis anos, fomentando a discussão sobre a prática do educador, suas limitações e
possibilidades.
Palavras-chave: brincadeira; creche; educação infantil; desenvolvimento infantil.
ix
ABSTRACT
This research aimed to understand the place that the child’s play in the childish
education of Vitoria da Conquista’s public system. We understand the childish
education institution like a space that should respect the child as a person in a peculiar
condition of development. We adopted the social-historical approach understood from
Vygotsky and Leontiev, with the social theory of construction of knowledge and its
dialogue with authors like Piaget e Brougère. The child’s play was seen like result of
social relations with great influence in the childish development. The research was
accomplished in 04 public day care centers, amongst 18 existent ones in the city. While
subjects of investigation participated 09 educators that works with children with ages
between 03 and 04 years old and the children of their respective class-room. The
procedures used were the participative observation and the interview with the educators,
as a procedure of composition of research corpus, focusing the child’s play activity,
particularly in the way that it is expressed in the childish education. From of corpus
constitution we used the thematic content analysis. We clustered the appearance of
child’s play in the childish education in three thematic nucleuses to detailed analysis: 1.
mediated by the educator; 2. proposed by the educator; and 3. started by the children.
The results show that, despite of the limitations that configure the day care centers’
routine, the child’s play appears in the childish education. We hope, through the
comprehension of the place occupied by the child’s play in the childish education,
contributes to the execution of the public politics, above all in the educational scope, to
children with ages between zero and six years old, fomenting the discussion of the
educator practice, its limitations and possibilities.
Key-Words: child’s play; day care centers; childish education; childish development.
1
Apresentação
Da infância vivida no interior de uma família de classe média na década de
1970, carrego lembranças felizes envolvendo um quarto nos fundos da casa cheio de
bonecas, objetos em miniatura para brincadeira de casinha, cacarecos que eram
guardados em um grande balaio de vime e uma casinha de alvenaria construída no
quintal, idealizada pelos meus pais. Quando eu contava com a participação das primas,
uma mesma brincadeira chegava a se prolongar por dois ou três dias. Esse foi o meu
primeiro contato com o tema desta dissertação: a brincadeira.
No final da graduação em psicologia tive a oportunidade de participar, como
bolsista da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, de um
projeto supervisionado pela Professora Drª Therezinha Vieira num orfanato, no sentido
de viabilizar a atividade da brincadeira; o orfanato tinha um enorme quarto cheio de
brinquedos oriundos de doações, mas as crianças não tinham acesso aos mesmos. A
brincadeira estava novamente presente em minha trajetória.
Com a conclusão da graduação em Psicologia e o retorno à Bahia, venho me
dedicando à atuação na área infantil. Inicialmente como psicóloga escolar numa escola
para crianças a partir de um ano de idade e como psicóloga clínica atendendo crianças.
Desde o ano 2000 me dedico à área acadêmica, especificamente à disciplina
Desenvolvimento Infantil.
A vivência no ambiente escolar e clínico despertou a minha atenção para a
importância da atividade da brincadeira como um processo fundamental na infância. Por
outro lado, a prática docente proporcionou a oportunidade de estabelecer uma relação
2
entre as abordagens teóricas que tratam do desenvolvimento infantil e as observações
feitas ao longo destas minhas vivências.
Todo esse percurso foi sistematizado em um projeto de pesquisa aprovado no
programa de mestrado em Psicologia da UFRN em 2005. O ingresso no Núcleo de
Estudos Sócio-Culturais da Infância e Adolescência – NESCIA imprimiu a marca da
perspectiva sócio-histórica neste trabalho e o encontro com a Professora Drª Rosângela
Francischini possibilitou que o projeto feito a duas mãos se constituísse numa pesquisa
feita a quatro mãos.
A pesquisa apresentada nesta dissertação tem como objetivo principal, numa
perspectiva sócio-histórica, compreender de que forma a brincadeira comparece na
educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista – Bahia.
O capítulo inicial Era uma Vez... A Educação Infantil discorre sobre a
assistência à criança no Brasil, com ênfase nas condições de surgimento da educação
infantil do país, assim como das creches em Vitória da Conquista.
No segundo capítulo, Pesquisando a Brincadeira, delineamos
metodologicamente a pesquisa, apresentando e caracterizando as instituições escolhidas
(campo da pesquisa), os participantes e os procedimentos empregados.
Em seguida, no terceiro capítulo, intitulado Hora de Brincar, partimos para a
compreensão da brincadeira como um processo sócio-histórico, discutindo sua relação
com a educação e o desenvolvimento infantil, assim como principais conceitos
envolvendo o tema.
O quarto capítulo Composição do Corpus: Hora de Brincar na Creche
apresenta os dados constituídos a partir da pesquisa de campo, num diálogo constante
com o referencial teórico adotado.
3
Em Para Concluir: Acabou-se a Brincadeira fazemos as considerações finais
acerca da realização desta pesquisa, apontando os desafios e possibilidades que
envolvem nosso contexto.
4
Capítulo 1
Era uma Vez... A Educação Infantil
O devir da história real sempre
desmentiu os prognósticos dos
dogmáticos, que pretenderam ter
decifrado seu segredo. O cientista
segue a história, não se antecipa a
ela, pois nada tem de um profeta.
(Hilton Japiassu)
Para compreender de que forma a brincadeira comparece na educação infantil da
rede pública de Vitória da Conquista, Bahia, numa perspectiva sócio-histórica, torna-se
imprescindível entender que esta atividade existe em contínua relação com outros
fenômenos e ocorre num espaço que comporta características específicas, históricas e
sociais.
Faremos um passeio pela história da assistência à criança
1
no Brasil, buscando
compreender as condições de surgimento da educação infantil e o lugar ocupado pela
criança nas políticas públicas do país. Na medida em que desvendamos as práticas e
posturas junto à população infantil conheceremos também as concepções sobre criança
que norteiam estas práticas. Compreendendo o contexto de surgimento da educação
infantil, o fenômeno aqui estudado se apresenta de forma mais consistente. Partiremos,
1
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) faremos uso, ao longo desse
trabalho, do termo criança para nos referir à pessoa até doze anos incompletos. Manteremos o termo
infância quando a bibliografia consultada assim o fizer, considerando infância como uma condição da
criança, como uma produção histórica dependente da cultura e contexto da criança.
5
então, para a educação infantil no município de Vitória da Conquista, dando ênfase à
implantação das creches
2
públicas.
É importante esclarecer que a trajetória aqui apresentada é apenas uma dentre as
possíveis formas de abordar o tema e analisá-lo.
1.1. O início da história: a educação infantil na assistência para criança no
Brasil
É porque eu amo o mundo que luto
para que a justiça social venha
antes da caridade.
(Paulo Freire)
Para iniciar esta história nos valemos de Kramer (2003) que emprega, com
alguma modificação, uma classificação em três fases feita por Moncorvo Filho
3
para
situar historicamente a atenção à criança no Brasil, do descobrimento até 1930: primeira
fase, do descobrimento até 1874; segunda fase, de 1874 até 1889; e terceira fase, de
1889 até 1930.
Na primeira fase, do descobrimento até 1874, pouco se fazia pela criança. Os
primeiros movimentos assinalados pela história no sentido de assistir crianças foi uma
iniciativa apresentada por Farias (2005), na qual as Câmaras Municipais passaram a
destinar uma quantia monetária ao acolhimento de crianças negras, mestiças ou brancas
que eram abandonadas, as chamadas crianças enjeitadas. Amas-de-leite e criadoras eram
2
As instituições responsáveis pela educação infantil da rede pública em Vitória da Conquista têm a
denominação de creche.
3
Moncorvo Filho foi um médico higienista que teve o início da carreira na década de 1880, foi um
defensor da organização de serviços na assistência infantil e criticava o descaso do governo em relação à
pobreza no setor urbano. Fez esta classificação de proteção à infância no Brasil no livro Histórico da
proteção à infância no Brasil, 1500-1922. Rio de Janeiro, Emp. Graphica Ed., 1926.
6
pagas com essa quantia para criarem as crianças abandonadas e, sistematicamente,
apresentavam as crianças às autoridades governamentais. Num segundo momento foram
fundadas as Rodas dos Expostos, que eram instituições católicas de cunho caritativo que
se espalharam pelos países católicos e foram implantadas no Brasil no início do século
XVIII, via Santa Casa de Misericórdia; tinham como objetivo acolher crianças das
primeiras idades, sem identificar as pessoas que as abandonavam. Para os abandonados
maiores de doze anos existia a Escola de Aprendizes Marinheiros, fundada pelo Estado
em 1873.
Farias (2005) nos apresenta um outro aspecto ao olhar o cotidiano das crianças
que fizeram parte da história do Brasil nesta fase inicial: o caráter educativo e
pedagógico, sem abandonar o percurso da assistência dada à criança. Indica a chegada
dos jesuítas no Brasil como o início da história da educação, ainda que a marca fosse
mais de instrução de matéria religiosa do que de instrução de outra natureza (como
leitura e escrita). A partir de 1549, a Companhia de Jesus se ocupou de educar a criança
vista como uma folha de papel em branco, passível de ser moldada e educada para a
submissão e disciplina. Havia uma distinção entre a criança da casa-grande e a criança
escrava: para as primeiras, além da educação jesuíta oferecida a partir dos seis anos, era
reservada instrução em casa para a aprendizagem das primeiras letras; para as demais,
nenhum direito à educação, mas o dever de aprender algum ofício também a partir dos
seis anos. É com este crivo de desigualdade que começamos a nossa história.
Com relação à segunda fase, de 1874 até 1889, podemos ver em Irene Rizzini
4
(1997) que, ao longo do século XIX, houve um deslocamento da caridade para a
filantropia, substituindo as ações religiosas por uma assistência de cunho social
mostrando, nessa fase, uma preocupação maior com a criança. Essa mudança ocorreu
4
Faremos uso do nome e sobrenome da autora para diferenciá-la da autora Irma Rizzini.
7
em função da nova mentalidade em torno da criança, como um reflexo da preocupação
com o futuro do país, ensejada pelo advento da República. A expectativa e crença no
Brasil como um país do futuro geraram a idéia de que este futuro estava na criança;
desta forma, para garantir um futuro promissor e saudável, eram necessários maiores
cuidados e controle desta fase da vida. A Roda dos Expostos era um exemplo claro do
descaso com as crianças: por um lado incentivava uniões ilícitas por não identificar
aqueles que abandonavam as crianças; por outro, questionava-se as condições precárias
destes locais apinhados de gente. Neste sentido, no ano de 1888, houve um projeto
oficial para acompanhar as condições higiênicas, de sono, alimentação, entre outros
aspectos dos expostos (Irene Rizzini, 1997). No final do século XIX o Estado, no
exercício de sua postura preventiva, tomava para si a função de zelar pela educação das
crianças, de suprir, tanto quanto possível, os cuidados familiares que lhes faltavam, para
controlar essa fase da vida e, conseqüentemente, investir no futuro da nação.
Irene Rizzini (1997) apresenta o surgimento da pediatria, no período entre 1874
e 1889, como uma marca dessa nova mentalidade em torno da criança como futuro da
nação, com a atuação especial dos profissionais desta especialidade médica junto à
família, treinando-a nos cuidados para com a saúde e higiene da criança. Havia um
reconhecimento de que os primeiros anos de vida compunham uma fase importante,
mas o interesse maior era de moldar a criança e no discurso de proteção à mesma estava
embutida a proposta de defesa da sociedade.
É neste período que encontramos em Pardal (2005) a construção das primeiras
idéias a respeito da creche no Brasil. Tanto a palavra ‘creche’ quanto a finalidade e
funcionamento da mesma foram importados da França que teve a primeira crèche
implantada em 1844. A participação do imperador e imperatriz do Brasil na vigésima
sessão pública da Sociedade de Creches em Paris nos rendeu a versão brasileira que
8
definia essa instituição: “uma sociedade beneficente é estabelecida entre pessoas
caridosas que desejam concorrer e fundar uma creche para crianças pobres de menos de
dois anos, cujas mães trabalham fora do seu domicílio e tenham uma boa conduta” (p.
61). A definição estabelece uma divisão entre classes na medida em que se propõe
atender, apenas, as crianças pobres; e tem como outro propósito a liberação da mão-de-
obra feminina. Ao mesmo tempo em que se constituía o espaço de atendimento das
crianças pobres, datam de 1877 e 1880 os primeiros jardins-de-infância no Brasil, o
primeiro, em São Paulo na Escola Americana, atual Instituto Mackenzie e, o segundo,
no Rio de Janeiro, ambos destinados às famílias de alto poder aquisitivo, possibilitando
às mães se dedicarem às prendas domésticas.
O mesmo texto apresenta alguns detalhes do funcionamento das creches naquela
época, esclarecendo o contexto social do país e oferecendo-nos dados de comparação
com o momento atual. As creches funcionavam das 5:30h às 20:30h, de segunda a
sábado, com exceção de dia de festa; as mães podiam amamentar os filhos duas vezes
ao dia, sendo o restante da alimentação proveniente de mamadeira e cada ama era
responsável por cinco ou seis crianças.
É apenas na terceira fase, de 1889 até 1930, que percebemos ações que
demonstram maior atuação da administração pública voltada para a criança. Em 1897
foi inaugurado, em São Paulo, o edifício do Jardim da Infância, com o objetivo de
educar as crianças com idade compreendida entre quatro e sete anos
5
. O Jardim da
Infância ou Kindergarten
6
, embasado nas idéias do filósofo alemão Friedrich Wilhem
5
Para uma leitura mais detalhada acerca da estrutura do Jardim de Infância sugerimos Monarcha, C.
(2003). Arquitetura escolar republicana: a escola normal da praça e a construção de uma imagem de
criança. In Freitas, M. C. (Org.) História Social da Infância no Brasil (pp. 119-122). São Paulo: Cortez.
6
Metáfora que assemelha o crescimento das crianças ao das plantas e o papel das professoras ao de
jardineiras; idéia romântica proveniente da proposta frobeliana.
9
August Froebel
7
, tinha como objetivo e prática educar os sentidos das crianças. A partir
da utilização de jogos, cantos, danças, marchas e pinturas o intuito era de despertar o
divino que existia no interior da alma humana. No ano de 1899 foi fundado o Instituto
de Proteção e Assistência à Criança do Brasil que tinha, dentre outros objetivos, criar
creches e jardins de infância. Em 1909 tivemos a primeira creche para filhos de
operários com até dois anos, mas a maior parte das práticas voltadas para crianças de
zero a seis anos era de caráter médico.
O Brasil do início de século XX apresentava problemas em função da expansão
desordenada das cidades; nesse contexto, havia o crescimento da intervenção médica
através de movimentos higienistas, objetivando uma maior vigilância e maior controle
sobre a população. Era a chamada medicina social que estava voltada para tudo aquilo
que no espaço social poderia intervir no bem-estar físico e moral da população. As
crianças estavam presentes neste contexto e os temas como mortalidade e criminalidade
infantil, assim como os lugares onde estavam as crianças (ruas, fábricas, asilos) iriam
interessar a diversos segmentos profissionais. Algumas práticas apresentadas por
Moncorvo Filho (1914, citado por Irma Rizzini, 1993) demonstram com clareza a falta
de conhecimento a respeito do desenvolvimento infantil em questões simples como a
alimentação: “os vícios do regime consistiam no uso de alimentos como angu, peixe,
feijão, arroz e até carne seca na nutrição de crianças muito pequenas” (p. 40). Além
disso, não há registros de atividades lúdicas e de uma preocupação com a educação e o
processo de aprendizagem nas instituições asilares que atendiam os menores
desamparados pelas próprias famílias:
7
A proposta de Froebel será retomada de forma mais detalhada no item Era uma vez... a brincadeira na
educação (Capítulo 3).
10
Todas as atividades são pré-determinadas, inclusive seu horário, tempo de duração e o espaço
a ser ocupado neste momento. Até as horas ditas livres não escapam ao controle institucional
que determina o horário de iniciá-las, terminá-las e o espaço que ocuparão. As horas livres de
lazer não são de forma alguma um escape à vigilância e ao controle da instituição. Servem aos
propósitos do esquadrinhamento ao permitirem a observação e o estudo dos internos nos seus
momentos de maior descontração, quando, em tese, aflorariam comportamentos com menos
disfarces. (Irma Rizzini, 1993, p. 43)
As instituições destinadas ao cuidado de crianças tinham um caráter preventivo e
de recuperação das crianças pobres, consideradas perigosas para o futuro de uma nação
promissora. O foco da assistência não estava na criança, mas naquilo que se classificou
como menor, menor abandonado e menor delinqüente. A expressão infância perigosa,
também tratada como um período de futuros criminosos (Kuhlmann Jr., 2002),
demonstra uma imagem da criança pobre como delinqüente e perigosa em potencial,
pois as crianças viviam mal alimentadas, em lares nos quais o alcoolismo era uma
constante e conviviam com pais que, muitas vezes, não trabalhavam. Cuidar dessa
criança era fundamental para que ela estivesse protegida de todos esses perigos e não
reproduzisse, mais tarde, a realidade dos seus lares pobres, vistos como delinqüentes e
não constituíssem, no futuro, uma ameaça à sociedade, sua ordem e bem estar.
Todas as práticas caminhavam no sentido de fazer uma distinção entre criança
pobre e menor: com a primeira havia uma preocupação de amparo na própria família,
através da assistência extra-asilar; a criança pobre que fosse desamparada ou
abandonada pela família, transformando-se em menor, deveria ser afastada do meio
social e inserida no regime educativo asilar (Irma Rizzini, 1993). No final do século
XIX não havia no país uma política educacional e sim uma política jurídico-assistencial
de atenção à criança; as crianças que tinham casa e família ficavam sob os cuidados da
própria família. O Estado tinha um olhar apenas para as crianças que, de alguma forma,
representavam perigo para a sociedade. Ao longo do século XIX designava-se a criança
como os anos de desenvolvimento de um indivíduo, até que atingisse a maioridade. No
11
início do século XX aparecem menções ao púbere. A Justiça de Menores no Brasil tinha
como alvo a criança pobre que não era contida pela própria família capaz de educar os
filhos de acordo com os padrões de moralidade da época; essas crianças, classificadas
como ‘menores’, eram passíveis de intervenção judiciária (Irene Rizzini, 1997).
Observamos que o termo ‘menor’ é um termo jurídico e socialmente construído pelas
práticas e pela postura frente a esta parcela da população brasileira.
Percebemos, então, que algumas iniciativas apontavam para a interrupção do
adormecimento público no que diz respeito ao atendimento das crianças de uma forma
geral, mas, principalmente, as pobres. Em primeiro de março de 1919 foi criado o
Departamento da Criança no Brasil, como a primeira iniciativa de abrangência nacional
com atuação em diversas frentes, com a tarefa de arquivar dados referentes à proteção
da criança, divulgar conhecimento, promover congressos e cursos educativos em
puericultura e higiene infantil. Todas essas iniciativas tinham um forte caráter médico
assistencialista e não percebemos um cuidado maior com a educação das crianças
pequenas.
Em agosto e setembro de 1922, no Rio de Janeiro, foi realizado o Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância (CBPI) com o objetivo de “tratar de todos os assuntos
que direta ou indiretamente se referiam à criança, tanto no ponto de vista social, médico,
pedagógico e higiênico, em geral, como particularmente em suas relações com a
Família, a Sociedade e o Estado” (Kuhlmann Jr, 2002, p. 465). Para tanto, o evento foi
dividido em sessões: Sociologia e Legislação, Medicina, Higiene, Assistência e
Pedagogia. As sessões tratavam de questões relacionadas à família (como o alcoolismo),
gravidez, mãe, higiene e medicina da criança na primeira e segunda idade e à psicologia
infantil. Não encontramos registros a respeito do lúdico em nenhuma dessas sessões, ou
seja, o assunto brincadeira não foi tratado e discutido em nenhuma sessão.
12
Nas primeiras décadas do século XX a Justiça e a Assistência se uniram visando
um saneamento moral da sociedade, enquadrando os indivíduos, inclusive as crianças, à
disciplina e ao trabalho e, desta forma, as ações médicas passaram a contar com as
ações da justiça. Na década de 1920 foram criados o Juízo de Menores e o 1º Código de
Menores. Com o objetivo de educar moralmente o país, a figura do juiz tornava-se cada
vez mais presente no cenário que envolvia a população pobre, com a clara função de
controle social. Sem uma legalidade efetiva, os juízes estavam à frente de discussões
envolvendo questões da regulamentação do trabalho infantil e do ensino
profissionalizante, que ganharam força com a aprovação do 1º Código de Menores, em
1927. Legitimado pelo Código, passou a existir um discurso jurista para que os menores
pobres considerados abandonados fossem retirados das famílias e mantidos sob os
cuidados da autoridade pública, a exemplo de países mais cultos, como uma medida
preventiva e de atenção a esta população. Enquanto a assistência jurídica destinava-se
ao menor, a assistência médica estava mais voltada ao cuidado da criança pobre no seio
familiar.
O Código, um instrumento tanto de assistência quanto de controle social da
legislação das crianças de zero a dezoito anos, fortaleceu o discurso em torno da criança
abandonada ao mesmo tempo em que legitimou uma relação estabelecida entre pobreza
e delinqüência. Percebemos isso quando Nunes (2005) e Silva (1998) apresentam a
definição do Código para a criança pobre, tratada como menor, com o intuito de
sistematizar o atendimento ao mesmo: os expostos, os abandonados, os vadios, os
libertinos e os mendigos, postura que acompanhou a assistência à criança e ao
adolescente até os anos 80, chamada de Doutrina do Direito do Menor. Os expostos
eram especificamente as crianças até os sete anos de idade; aos abandonados até os
dezoito anos eram destinadas as práticas de cunho filantrópico, cujo objetivo principal
13
era a comercialização da mão-de-obra e para os vadios que viviam nas ruas, libertinos
que freqüentavam prostíbulos e mendigos que pediam esmolas, vistos como
delinqüentes e uma ameaça à população, as práticas giravam em torno da reclusão,
conforme apresentaremos a seguir.
Conforme mostra Silva (1998) o 2º Código de Menores, aprovado em 1979,
instituiu a Doutrina da Situação Irregular, especificando a natureza do tratamento ao
menor infrator, substituindo todos os termos definidos anteriormente (expostos,
abandonados, vadios, libertinos e mendigos) pela expressão situação irregular. O 2º
Código vigorou até 1990, quando foi adotada a Doutrina da Proteção Integral, através
da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 13 de junho
de 1990, incorporando como obrigação da família, da sociedade e do Estado assegurar
os direitos da criança e do adolescente.
Apesar de diversas ações, conforme citamos, marcarem um deslocamento das
ações religiosas para uma assistência de cunho social, até o final de década de 1930 as
ações assistenciais no Brasil ainda eram de ordem caritativa ou filantrópica e estavam
em conflito; a tentativa de substituir a fé da caridade pela cientificidade da filantropia
foi um dos motivos das brigas entre os defensores das duas tendências. Mas havia uma
comunhão entre ambas na medida em que o objetivo perseguido era o mesmo: a
proteção da ordem social. Irma Rizzini (1993) e Kramer (2003) traçam um percurso
indicando as condições para o surgimento da filantropia, conforme veremos a seguir.
Com o objetivo inicial de integrar jovens ao mercado de trabalho, foi criado em 1941 o
Serviço de Assistência a Menores (SAM), que passou a assistir a criança tanto judicial
quanto administrativamente. As ações do SAM tinham como objetivo evitar a influência
das famílias sobre as crianças e fazia isto através de ações como internações de menores
14
em instituições particulares. Os jovens maiores de dezoito anos eram encaminhados ao
Exército, à Armada e à Aeronáutica.
Por não cumprir com o papel de proteção à criança o SAM foi extinto em 1964
e, com o mesmo propósito de proteção à criança, foi criada, nesse ano, a Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), efetivando a transição entre os
Códigos de 1927 e 1979. Este órgão de caráter normativo e supervisor tinha como
objetivo a formulação e implantação de uma política nacional do bem-estar do menor,
passando a subordinar todas as entidades públicas e privadas que prestavam
atendimento à criança e ao adolescente. A execução destas políticas ficava a cargo das
Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEMs). Como exemplo das ações de
caráter filantrópico, os médicos vinculados eram responsáveis por intervenções extra-
asilares voltadas para as famílias pobres no sentido de prevenir o abandono de crianças,
a educação inadequada e a delinqüência. Essas intervenções ocorriam no formato de
visitas domiciliares com a finalidade de que as crianças pobres e as gestantes fossem
examinadas, assim como através de pregação de conselhos sobre higiene e educação
infantil (o vestir, o dormir, etc) junto às famílias; estas eram percebidas como foco de
doenças e como a principal causa dos problemas surgidos junto às crianças.
Percebemos, então, que a partir da década de 1940 surgiram diversos órgãos e
iniciativas voltadas para a proteção à criança, mas vamos destacar aquelas que se
ocuparam, especificamente, da criança de zero a seis anos. Em 1942 surgiu a Legião
Brasileira de Assistência (LBA), como uma iniciativa que contava com o poder público
e privado objetivando proteger a maternidade e a criança nos primeiros anos de vida.
Um dos projetos pertencentes à LBA foi o Casulo. Criado em 1976, foi o primeiro
projeto de educação infantil de massa e teve condições de ser implantado em larga
escala a partir da união das seguintes posturas apontadas por Rosenberg (2003): adotou
15
um discurso preventivo no sentido de demonstrar que os cuidados dispensados aos
pobres afastariam possíveis ameaças à integração nacional; possibilitou uma atuação
direta do governo federal em grande número de municípios; e, adotando a participação
da comunidade como forma de custeio, reduziu o investimento federal. As unidades do
Projeto Casulo atendiam crianças durante quatro a oito horas diárias, realizando para
tanto, atividades que atendessem as especificidades de cada faixa etária. Além de uma
preocupação com a alimentação das crianças, o Projeto Casulo realizava atividades
recreativas, atendendo às necessidades infantis; mas, em toda a bibliografia consultada,
não há informações a respeito dessas atividades.
Apesar de ter sido implantado na década de 70, o Projeto Casulo foi fruto de
uma união entre o governo e organismos intergovernamentais, principalmente o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que ocorreu durante a década de 1960,
tendo como objetivo a implantação de programas para as crianças pobres. Rosemberg
(2003) defende a idéia de que esta união tinha o mesmo propósito para os dois lados
envolvidos: um enfraquecimento das tensões, conflitos e contradições presentes na
população que vivia sob o regime militar. A era militar – 1964 a 1985 – tinha como
lema a segurança e o desenvolvimento da nação que seriam alcançados na medida em
que as diferenças e tensões diminuíssem. Desta forma, projetos como o Casulo eram
estratégias preventivas junto à população pobre para diminuir as diferenças e
desigualdades, e, com isso, diminuir também as possibilidades de conflitos.
Vista a primeira iniciativa de educação infantil de massa no país, encontramos
em Kramer (2003) a apresentação do surgimento da assistência pré-escolar para
crianças compreendidas na faixa etária de zero a sete anos. Segundo a autora
desenvolveram-se duas formas de atendimento pré-escolar no Brasil, considerando o
aspecto educacional: uma, de caráter privado e de atuação reduzida, desenvolvida pela
16
Organização Mundial de Educação Pré-Escolar (OMEP) e a outra de caráter público
federal, realizada pela Coordenação de Educação Pré-Escolar (COEPRE), que
retomaremos a seguir. A OMEP, fundada em 1948, teve por objetivo atender crianças
de todas as classes sociais, de zero a sete anos e “sua ênfase parece ser a psicologia da
criança, havendo preocupação com a alfabetização e com aspectos metodológicos e
didáticos do processo educativo” (p. 81).
A história da educação infantil no país está inserida na história da assistência
para a criança, conforme delineamos neste texto. Se o termo ‘menor’ fora construído
jurídica e socialmente a partir das posturas e práticas junto a uma parcela da população
brasileira, a parcela das crianças desamparadas, temos também uma concepção de
criança norteando as práticas no âmbito educacional. Neste sentido Kramer (2003)
aponta os diversos programas de educação pré-escolar como sendo de caráter
compensatório, sendo estes influenciados pelas práticas norte-americanas de mesma
natureza. Na educação compensatória as crianças pobres são consideradas inferiores e
deficientes quando comparadas a um padrão estabelecido como normal e os programas
educacionais têm a função de suprir essas faltas
8
. A educação de crianças com faixa
etária inferior a sete anos passou a adotar o mesmo modelo de escola para crianças mais
velhas e o sentido da pré-escola passou a ser o de evitar problemas e deficiências
futuras, ou seja, um cunho preparatório. Esse modelo que veio a se tornar hegemônico
foi, contudo, contraposto por experiências desenvolvidas em São Paulo, ainda nas
décadas de 1930 e 1940.
Sendo assim, antes de apresentarmos a educação infantil a partir da década de
1970, fase em que ocorreu sua maior expansão, vamos tratar de uma iniciativa diversa
de tudo que ocorria na época e que apresenta uma grande aproximação com o tema
8
Para um maior aprofundamento na Abordagem da Privação Cultural e Educação Compensatória,
consultar Kramer (2003) e Patto (1990).
17
deste trabalho, na medida em que aproxima a educação de crianças pequenas e o lúdico:
os Parques Infantis de Mário de Andrade.
No livro que é fruto da sua tese de doutoramento, Faria (2002) propõe uma
reflexão sobre o conceito de educação para as crianças de zero a seis anos de uma forma
mais independente do conceito de educação escolar, defendendo a união entre educação
e assistência para as crianças pequenas e pobres, mas uma educação diferente da
proposta pela escola que tenta reproduzir com as crianças de zero a seis anos o modelo
da educação fundamental. Partindo de uma vasta bibliografia e documentos, apresenta a
proposta do Serviço Municipal de Parques Infantis, nos anos de 1930, em São Paulo,
como mais uma modalidade de educação infantil, idealizado e também gerido, nos
primeiros anos, pelo poeta modernista Mário de Andrade.
Os Parques Infantis tinham como lema educar, assistir e recrear, assegurando o
direito da criança ser criança, considerando as dimensões física, intelectual, cultural,
lúdica, artística, etc. A brincadeira tinha um lugar de destaque na proposta dos Parques
Infantis, sendo até uma exigência do programa dos concursos para as instrutoras a
orientação de atividades recreativas espontâneas e o ensino da prática de jogos, assim
como a participação com as crianças nas atividades lúdicas em geral. Os Parques
Infantis eram uma fonte de inspiração para a educação de crianças pequenas, diferente
da proposta de escolarização.
A preocupação de Mário de Andrade era a valorização do prazer pelo prazer dos
jogos e das brincadeiras, incentivadas em atividades que “... as crianças brincavam o dia
todo, muitas vezes eram brincadeiras orientadas e tantas outras propiciavam, através do
lúdico, reviver as tradições nacionais, manifestas artisticamente através do desenho, da
dança, canto, etc” (Faria, 2002, p. 201). Eram espaços de prazer, locais de criação da
cultura infantil. Uma das características dos Parques, além das já mencionadas, era a
18
ênfase em conhecer as crianças, sua cultura e a cultura da sua família, através da
pesquisa e da observação pelos educadores. Este foi um capítulo especial na história da
educação da criança do Brasil, uma iniciativa que demonstrou preocupação em se
garantir momentos nos quais as crianças estivessem entre elas, sem a interferência do
adulto para oportunizar o inesperado e a criação, embora sob sua proteção e cuidado.
1.2. Era uma vez... e ainda é assim
Era uma vez
(e é ainda)
Certo país
(E é ainda)
Onde os animais
Eram tratados como bestas
(São ainda, são ainda)
(Chico Buarque)
Após apresentarmos a participação especial de Mário de Andrade, passamos
para o desenvolvimento da educação infantil e sua expansão nas décadas de 1970 e
1980 até os dias atuais; para tanto, utilizaremos como fio condutor o documento Política
Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos de idade
(Brasil, 2005). Produzido pela Secretaria de Educação Básica o documento contém
diretrizes, objetivos, métodos e estratégias para a educação infantil.
O documento apresenta inicialmente um percurso histórico da educação infantil
no país. Aponta que as décadas de 70 e 80 foram marcadas por uma expansão do
atendimento educacional, sobretudo das crianças de zero a seis anos, atendendo à
intensificação da urbanização do país e o ingresso da mulher no mercado de trabalho;
foi como expressão dessa necessidade de crescimento que tivemos, conforme citado
anteriormente, no ano de 1975, a criação da COEPRE como ação do Ministério de
19
Educação junto à educação de crianças de quatro a seis anos, com a finalidade de
realizar um plano de abrangência nacional de educação pré-escolar, através de estudos e
contatos diversos. Apesar de ações como esta, a falta de uma legislação educacional
estruturada e vigente proporcionava o aparecimento e crescimento desordenado de
instituições informais que atendiam a população infantil, deixando a desejar em itens
básicos como formação dos educadores e estrutura física dos locais.
Além de fazer o percurso histórico, o documento apresenta dificuldades em se
definir as funções da educação infantil, desde o seu surgimento até os dias atuais: as
ações teriam um caráter assistencialista, compensatório ou educacional? O histórico de
ações e posturas junto às crianças nesta faixa etária apresentada nesta dissertação aponta
uma tendência em se adotar uma postura assistencialista, mas, a partir da década de 90 a
função educativa ganha força junto às crianças de zero a seis anos, contando com dois
grandes marcos: a Constituição Federal de 1988 que traz o dever do Estado de oferecer
creches e pré-escolas para todas as crianças de zero a seis anos e o ECA (Brasil, 1990),
enfatizando, em seus artigos 53 e 54, o direito da criança à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, sendo dever do Estado assegurar atendimento em
creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. No mesmo documento, em
seu artigo 71, é garantido também à criança e considerado preventivo o direito à cultura,
lazer e diversão na medida em que respeitem sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
Fazendo parte deste movimento de conquistas na área da educação, em 1994,
nasceu o primeiro documento de Política Nacional de Educação Infantil com o intuito
de expandir a oferta de vagas para a criança de zero a seis anos e fortalecer a associação
dos aspectos de cuidado e educação junto às crianças nas instituições de educação
infantil.
20
Compondo este cenário temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), (Brasil, 1996). Faz-se necessário uma apresentação desta lei no que se refere à
educação infantil. Em seus artigos 2 e 4 a LDB estabelece que a educação é um dever da
família e do Estado que será efetivado mediante a garantia de atendimento gratuito em
creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. O mesmo documento, nos
artigos 11 ao 13, estabelece que cabe aos municípios oferecer educação infantil em
creches e pré-escolas e aos próprios estabelecimentos de ensino a elaboração e execução
da proposta pedagógica, assim como administração do seu pessoal e dos recursos
materiais e financeiros, sendo que os docentes incumbir-se-ão de participar da
elaboração da proposta pedagógica de cada estabelecimento. E no artigo 18 estabelece
que as instituições de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal, assim
como as criadas e mantidas pela iniciativa privada fazem parte do sistema municipal de
ensino.
A LDB faz também uma classificação administrativa das instituições de ensino
que merece a nossa atenção na medida em que nos auxilia na descrição do nosso espaço
de investigação. No artigo 19 classifica como públicas as instituições criadas ou
incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público e como privadas as
instituições mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Desta forma, esta pesquisa se ocupa das instituições classificadas como públicas,
conforme veremos no item seguinte deste capítulo.
Na medida em que delimitamos o nosso espaço de pesquisa, vale ressaltar que
eventualmente estaremos nos referindo, ainda que superficialmente, aos demais espaços
destinados à educação infantil, pois muitas vezes há, na literatura, uma comparação
entre espaços públicos e privados. Neste sentido Lordelo (2002) nos chama atenção para
outra caracterização das instituições públicas e privadas, apontando algumas diferenças
21
entre estas: as creches públicas apresentam um ingresso mais precoce da criança e
permanência da mesma durante o dia inteiro, maior número de crianças por instituição e
por grupos etários, assim como rotinas marcadas por longos horários dedicados à
higiene, alimentação e sono, enquanto curtos períodos são destinados às atividades
lúdicas e pedagógicas. Já nas creches privadas é mais freqüente a opção por um turno e
o ingresso mais tardio da criança; as instituições são menores, com número menor de
criança por grupo etário e as rotinas são mais flexíveis, com menor tempo dedicado à
higiene e alimentação e uma variedade maior nas demais atividades.
Ainda nos reportando à LDB, esta considera, em seus artigos 29 e 30, a
educação infantil como primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos, em seu aspecto físico, psicológico,
intelectual e social, sendo oferecida em creches ou entidades equivalentes para crianças
de até três anos e, pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos. Para o mesmo
documento, em seu artigo 62, o profissional da educação responsável pelo exercício do
magistério na educação infantil deve ter como formação mínima a oferecida em nível
médio, na modalidade Normal. Todos os passos apresentados demonstram um
estreitamento na relação entre cuidar e educar, na medida em que percebem a criança
como um ser integral e específico, que merece atenção em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social.
Em 1998 foi organizado pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC),
contando com a contribuição de especialistas e representantes dos Conselhos de
Educação de todos os Estados, o documento Subsídios para o Credenciamento e
Funcionamento das Instituições de Educação Infantil, que contribuiu para a formação de
normas e diretrizes para a Educação Infantil. Concomitantemente, foi feita, pelo MEC,
uma pesquisa para se conhecer as propostas pedagógico-curriculares adotadas em todo o
22
país, assim como os princípios que norteavam a prática cotidiana das instituições. A
partir disto o MEC elaborou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI), (Brasil, 1998) com o objetivo de oferecer uma base nacional comum para os
currículos, apesar de não ser obrigatório, e o Conselho Nacional de Educação definiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) como um
instrumento a ser seguido compulsoriamente na construção das propostas pedagógicas e
do seu desenvolvimento.
Em consonância com o objeto de estudo da nossa pesquisa, as Diretrizes de
Política Nacional de Educação Infantil estabelecidas pelo MEC reconhecem a
importância da brincadeira, na medida em que propõe que “o processo pedagógico deve
considerar as crianças em sua totalidade, observando suas especificidades, as diferenças
entre elas e sua forma privilegiada de conhecer o mundo por meio do brincar” (p. 17) e
apresenta como estratégia o apoio financeiro aos municípios na aquisição de
mobiliários, equipamentos, brinquedos e livros de literatura infantil.
Em vigor a partir de 1998, o RCNEI tem uma importância fundamental na nossa
pesquisa, pois estabelece os princípios que podem nortear a prática na educação infantil
no momento atual
9
. O primeiro volume do RCNEI nos interessa, particularmente, na
medida em que faz uma reflexão sobre a concepção de criança, educar, cuidar e brincar,
estabelecendo uma relação entre educação e brincadeira. Encontramos, já na sua
caracterização, “o direito da criança a brincar, como forma particular de expressão,
pensamento, interação e comunicação infantil” (p. 13) como um dos princípios que
devem nortear a prática educativa. O documento, assim como a LDB, adota a divisão
9
Após a realização da pesquisa de campo desta dissertação foi publicado o documento Parâmetros
Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil – Volume 1 e 2 (Brasil, 2006), com referências de
qualidade a serem utilizadas pelos sistemas educacionais, por creches, pré-escolas e centros de Educação
Infantil.
23
por faixa etária na qual a educação infantil é oferecida em creches para crianças de até
três anos de idade e em pré-escola para crianças de quatro a seis anos.
O RCNEI propõe a integração entre educar e cuidar como função da educação
infantil e apresenta um conceito de educação no qual aprendizagem e desenvolvimento
são processos interligados e dependentes:
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens
orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude
básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais
amplos da realidade social e cultural. (p. 23)
Empregando esta concepção acerca do educar este é o primeiro documento
específico da educação infantil que trata de forma mais detalhada do lugar do brincar na
educação de crianças de zero a seis anos. O RCNEI apresenta a brincadeira como uma
linguagem simbólica e infantil que ocorre no plano da imaginação e depende da
realidade para fornecer-lhe conteúdo necessário para a sua realização
10
. A importância
da brincadeira no processo de aprendizagem e desenvolvimento é estabelecida pelo
documento na medida em que este aponta a brincadeira como uma atividade que
favorece a auto-estima e ajuda as crianças a superarem suas aquisições de forma criativa
e a transformarem os conhecimentos que já possuíam em conceitos gerais.
O RCNEI agrupa a brincadeira em três categorias, considerando como critério
para esse agrupamento, o material envolvido e os recursos implicados na brincadeira: o
brincar de faz-de-conta, brincar com materiais de construção e brincar com regras
11
,
apontando o professor como o responsável, no espaço da educação infantil, por
possibilitar e ajudar a criança na estruturação dessa atividade. O documento atribui ao
10
A fundamentação teórica à qual o RCNEI recorre para discutir o tema brincadeira será apresentada no
Capítulo 3 deste trabalho.
11
Esta classificação será retomada no item 3.3. Brincar de que? Faz-de-conta, brincadeira, jogo ou
brinquedo? do Capítulo 3. Hora de Brincar.
24
professor o papel de observar a criança brincando e, a partir disso, possibilitar condições
adequadas para atividades dessa natureza. Percebemos, ao longo do texto, que o RCNEI
estabelece como fundamental que o professor tenha conhecimento sobre
desenvolvimento infantil, processo de aprendizagem e também sobre a brincadeira,
como fica claro no trecho “é preciso que o professor tenha consciência que na
brincadeira as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas
esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa” (p. 29).
No item “Aprender em situações orientadas” (p. 29-31) do RCNEI é atribuída ao
professor a responsabilidade de considerar os seguintes conhecimentos para que haja
uma aprendizagem adequada: a interação entre crianças como fator de promoção da
aprendizagem e desenvolvimento, o conhecimento prévio que a criança já possui, a
individualidade e diversidade de cada criança, o grau de desafio que as atividades
apresentam e a possibilidade de aprendizagem a partir da resolução de problemas.
Apesar do RCNEI não definir um padrão único de intervenção, sugere
orientações didáticas. Salientamos aqui que existe no documento a sugestão de
atividades permanentes, consideradas como aquelas que respondem às necessidades
básicas de cuidados, aprendizagem e de prazer para a criança. Entre outras, considera-se
a brincadeira no espaço interno e externo como atividade permanente.
De acordo com Palhares e Martinez (2003), vale ressaltar que o RCNEI apontou
uma mudança na trajetória das discussões sobre educação infantil ao longo da década de
1990, principalmente de 1994 para 1998, com a mudança dos membros da
Coordenação-geral de Educação Infantil (COEDI), na medida em que desconsiderou o
que vinha sendo discutido a respeito de propostas e projetos na área.
Segundo Cerisara (2003), em fevereiro de 1998, setecentos pareceristas
envolvidos com educação infantil receberam uma versão preliminar do RCNEI para que
25
emitissem opinião acerca do mesmo. A autora produziu um texto com o resultado de
vinte e seis pareceres recebidos por demanda espontânea e constatou que:
uma minoria considerou relevante e adequado como está; a maioria criticou a forma e o
conteúdo do documento, sendo diferentes os encaminhamentos dados: de
complementação e de transformação do mesmo. Apenas um sugeriu que o mesmo fosse
retirado e que houvesse uma ampla revisão de todo o processo. (p. 24)
Cerisara (2003) aponta que o maior consenso entre os pareceres analisados foi o
de que a educação infantil é tratada na versão preliminar do RCNEI como ensino e a
criança tratada como aluno, desconsiderando o binômio educação/cuidado.
Dos setecentos pareceres solicitados, o MEC recebeu duzentos e trinta e
produziu a versão final referida anteriormente. No Capítulo 3 deste trabalho
retomaremos o documento e faremos uma análise do aspecto que enfocamos, a
brincadeira.
A presença de discussões sobre a educação infantil nos últimos anos em leis e
documentos como a Constituição Federal de 1988, ECA, LDB, Política Nacional de
Educação Infantil, RCNEI e DCNEI conforme nosso percurso, além dos Parâmetros
Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (Brasil, 2006)
12
, não deixa dúvida de
que há uma preocupação maior com essa fase da vida, ou, pelo menos de que existem
leis que regulamentam a atenção e educação da mesma. Por outro lado, há uma distância
entre este discurso e a realidade, como já apontava os resultados da pesquisa de
mestrado de Sônia Kramer, produzido no final da década de 1970, cujo objetivo foi
12
O documento (Volume 1 e 2) é uma publicação do MEC como referência de qualidade para a educação
infantil e tem como objetivo ser utilizado como referência de qualidade em sistemas educacionais, por
creches, pré-escolas e centros de educação infantil em todo o território nacional. Apesar de o documento
discutir a temática desta dissertação, não faremos sua apresentação em função de ter sido publicado
posteriormente à realização da nossa pesquisa de campo.
26
questionar a política que direcionava o atendimento pré-escolar no Brasil
13
. Os
resultados apresentavam uma realidade com condições restritas de atendimento e
exíguas perspectivas de expansão como um reflexo da inexistência de recursos próprios
destinados à educação pré-escolar, pois a verba empregada era proveniente do ensino
fundamental.
Partiremos agora para a realidade da educação infantil em Vitória da Conquista
e, apesar de não ser este o objetivo da pesquisa, teremos oportunidade de estabelecer
uma relação entre o que existe estabelecido em lei e a realidade atual do município.
1.3. Educação infantil, uma história de ‘vitórias’ e ‘conquistas’?
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós mesmos.
(Fernando Pessoa)
No início dos anos de 1980, a partir de reivindicações da população, reflexo da
história nacional, surgiram as primeiras instituições que vieram a se constituir como
espaços da educação infantil na rede pública em Vitória da Conquista, denominadas
como creches, vinculadas à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC). A
partir da imigração de camponeses para a cidade e da saída das mães para o mercado de
trabalho, os líderes comunitários, igrejas e associação de moradores de bairros
periféricos fundaram as quatro primeiras creches, que posteriormente foram abarcadas
pelo município: Tia Zaza, Regina Ramos Cairo, Bela Vista e Vivendo e Aprendendo.
13
O texto da dissertação de mestrado da autora originou o livro A política do pré-escolar no Brasil: a arte
do disfarce, utilizado aqui em sua 7ª edição: Kramer (2003).
27
Encontramos em Medeiros (2003) a história da fundação do município e a
contextualização dos dois processos considerados importantes na implantação da
educação infantil na rede pública em Vitória da Conquista: a atuação da igreja católica
junto à comunidade e a implantação do pólo cafeeiro na região.
Com uma população de 262.585 habitantes (IBGE, 2000) Vitória da Conquista,
considerada hoje como a capital da região sudoeste da Bahia, começou a sua história
como um pequeno núcleo no final do século XVIII e no ano de 1840 tornou-se
município com o nome Imperial Vila da Vitória. Após a proclamação da República, em
1889, recebeu o nome de Conquista e na primeira metade do século XX obteve o nome
atual de Vitória da Conquista.
Durante todo o século XIX o município vivia da criação de gado, cultura de
milho, algodão e subsistência. Na primeira metade do século XX a construção da
rodovia Rio-Bahia impulsionou o desenvolvimento da região conquistense, que já
contava com o comércio como atividade mais importante economicamente. A rodovia
Rio-Bahia como facilitadora de acesso e a seca que assolava a região faziam com que a
cidade fosse periodicamente invadida por imigrantes que buscavam sobrevivência e
acabavam vivendo na miséria. Medeiros (2003) chama atenção para o papel da igreja
católica no sentido de conscientizar e organizar a comunidade através das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), principalmente na periferia. Trabalhando junto à população,
sobretudo no campo da saúde e educação, as CEBs ajudavam o povo a ter conhecimento
da realidade social, econômica e política na qual o país se encontrava. Foi a partir desse
vínculo comunidade-igreja que a população se engajou em lutas variadas: por
abastecimento de água, energia, estradas, escolas e também pelas creches públicas.
Com um desenvolvimento crescente, o ano de 1972 é considerado o marco da
implantação da lavoura cafeeira na região conquistense que viveu seu auge durante a
28
década de 1980. Este processo alterou a realidade dos trabalhadores da cidade e região,
na medida em que a demanda por mão-de-obra temporária aumentou em detrimento da
mão-de-obra fixa, atendendo o ciclo do café (plantio, limpa e colheita). Os pequenos
proprietários e os camponeses que passaram a se dedicar ao café, quando não estavam
trabalhando, pois atendiam a especificidade do ciclo cafeeiro, se dirigiram para a
periferia da cidade em precárias condições de vida.
Foi exatamente esta parcela da população a responsável pelos movimentos
iniciais de luta para construção das primeiras creches públicas, tendo como instituição
de apoio a igreja católica.
Além das creches públicas, segundo dados da Prefeitura Municipal de Vitória da
Conquista (s.d.), atualmente o município conta com uma Rede de Atenção e Defesa da
Infância e do Adolescente composta por treze entidades
14
que atuam junto às crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social, mesma situação vivida ao longo da
história do Brasil. Esta atuação ocorre a partir de um trabalho integrado da Rede,
considerando-se a demanda e identificando-se as prioridades; para tanto, há uma
coordenação responsável por esta integração.
O projeto de implantação da Rede de Atenção
15
foi elaborado estabelecendo
como propósito a integração das entidades de atendimento às crianças e adolescentes,
articulação das ações das entidades governamentais e não governamentais, formação e
treinamento de recursos humanos que atuam nos diversos serviços, captação e
14
São nove entidades Não Governamentais, dois Conselhos e duas Governamentais: COMDICA,
Conselho Tutelar, Programa Conquista Criança, Centro de Recuperação e Amparo ao Menor, Fundação
Educacional de Vitória da Conquista, Pastoral do Menor da Paróquia Nossa Aparecida, Pastoral do
Menor da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Projeto do Pequeno Ofício, Grupo de Apoio ao
Adolescente da Creche Vivendo e Aprendendo, Associação dos Amigos da Pastoral do Menor, Lar Santa
Catarina de Sena, Programa de Educação para a Vida e Projeto Sentinela. Para conhecer os objetivos e
clientela atendida em cada entidade, consultar Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (s.d.).
15
Versão preliminar de maio de 1999, em vigência até o momento.
29
gerenciamento de recursos, e construção de uma rede de informação dotada de banco de
dados e sistema informatizada (ainda não houve execução deste último propósito).
Das treze entidades envolvidas na Rede de Atenção apenas o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA), o Conselho Tutelar,
o Lar Santa Catarina de Sena e o Projeto Sentinela têm atuação direta junto à demanda
das crianças com faixa etária de zero a seis anos. A única creche vinculada à Rede
estabelece este vínculo através de um projeto que desenvolve atividades educativas,
recreativas, culturais e profissionalizantes com um grupo de adolescentes do sexo
feminino em situação de risco pessoal e social, chamado Grupo de Apoio ao
Adolescente da Creche Vivendo e Aprendendo.
Temos abaixo as entidades que compõem a Rede de Atenção e estão diretamente
ligadas às crianças com faixa etária de zero a seis anos:
1. COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente –
empossado em 1991.
2. Conselho Tutelar – empossado em 1997, encaminha e acompanha os casos de
defesa das crianças e adolescentes em situação de risco no município.
3. Lar Santa Catarina de Sena – orfanato para crianças e adolescentes do sexo
feminino provenientes de famílias extremamente pobres ou abandonadas pelos
pais.
4. PEV – Programa de Educação para Vida – oferece projetos em arte, cultura,
lazer e educação para crianças e adolescentes que vivem e convivem com
HIV/Aids.
5. Programa Sentinela – programa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social, oferece atendimento 24 horas a crianças e adolescentes vítimas de abuso
e exploração sexual. Tem como objetivo possibilitar às vítimas e a suas famílias
30
o resgate de seus direitos e o acesso à assistência social, saúde, educação,
justiça, segurança, esporte, lazer e cultura.
De posse dos dados a respeito da história do município, fizemos uma entrevista
semi-estruturada (Apêndice A) com a equipe pedagógica
16
responsável pelas creches
públicas, via Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, para compreender a
história da implantação e expansão das creches, do seu surgimento até os dias atuais.
Após as quatro primeiras creches, as demais surgiram na década de 1990,
estando vinculadas à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social a partir de 1993.
Nesta década, percebeu-se, com o declínio da cafeicultura, uma nova migração da
população da zona rural para a zona urbana, fato que aumentou a demanda por creches,
que aumentou de 4 para 18. Este número de 18 creches permanece em 2005
17
, sendo
nove creches mantidas completamente pelo município: despesas com funcionários,
saúde, alimentação, higiene, coordenação pedagógica, material pedagógico e despesas
com as instalações físicas; e nove creches têm convênio com a prefeitura municipal: as
despesas com funcionários, saúde e coordenação pedagógica são responsabilidades do
município. Desta forma, passaremos a denominar como públicas as dezoito creches,
adotando o critério da LDB que classifica como públicas as instituições criadas ou
incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público. Sendo que são nove creches
públicas não-conveniadas e nove creches públicas conveniadas.
Contrariando a Constituição Federal, o ECA e a LDB
18
, que definem como
gratuito o atendimento às crianças de zero a seis anos de idade, as creches públicas de
16
Composta por cinco profissionais de nível médio, sendo que três destes estão cursando nível superior.
17
Creches públicas: Gelásio Alves, Jardim Casa Coletiva, Jardim Valéria, Monteiro Lobato, Padre
Benedito Soares, Paulo Freire, Prascóvia Menezes Lapa, Regina Ramos Cairo e Tia Zaza; Creches
públicas conveniadas: Bela Vista, Bem Querer, Criança Esperança, Dinaelza Coqueiro, Joana D’arc,
Jurema, Lar Criança Meimei, União e Força e Vivendo e Aprendendo.
18
Conforme apresentação no item A educação infantil na história da assistência para infância no Brasil,
neste capítulo.
31
Vitória da Conquista atendem crianças compreendidas na faixa etária entre dois a seis
anos completos, empregando a nomenclatura de creche para crianças de até três anos e,
pré-escola, para crianças de quatro a seis anos, também de acordo com a LDB. Algumas
creches atendem crianças a partir de um ano, mas não existe o serviço de berçário. Essa
restrição existe em função da falta de estrutura física para o serviço de berçário, apesar
de existir demanda.
Com relação às matrículas, o diretor de cada creche exige um termo de
responsabilidade assinado pelos responsáveis pelas crianças, assim como um atestado
de trabalho da mãe, ou seja, é exigido que a mãe esteja trabalhando. Cada creche recebe
as mães e efetua matrícula até que as vagas sejam preenchidas. A matrícula é feita em
cada creche, atendendo também crianças que, em decorrência da pobreza, estão
vulneráveis, privadas de renda e do acesso a serviços públicos e provenientes de uma
frágil estrutura familiar. No ano de 2005 houve matrícula de 2.545 crianças nas creches
públicas
19
: aproximadamente, 1.300 matrículas na pré-escola e 1.200 na creche,
havendo uma enorme demanda reprimida; apesar de não haver registros exatos, em
torno de 2.000 crianças ficaram nas listas de espera no referido ano.
Existem duas creches, também fundadas pela comunidade, em vias de
estabelecerem convênio com o município. Por parte da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura há uma preocupação em implantar centros de educação infantil,
com o objetivo de atender a demanda reprimida, mas este projeto não tem previsão de
ser concretizado. A realidade encontrada no município corrobora com os resultados da
pesquisa de Kramer (2003) de uma realidade com condições restritas de atendimento e
exíguas perspectivas de expansão.
19
Esse dado será explorado no próximo capítulo.
32
Diferente das primeiras creches no Brasil que funcionavam de 5:30 da manhã às
20:30 da noite, as creches do município funcionam de 7 da manhã às 5 da tarde e
oferecem atividades diversas, a saber: atividades pedagógicas, baú de leitura, jogos e
recreação, higiene, corte de cabelo, aula prática vivenciada, horticultura, passeios,
atividades festivas, refeição, atividades motoras, incentivo à leitura, orientação à saúde
bucal e assistência médica garantida por meio das Unidades Municipais de Saúde, numa
parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. Existe uma proposta pedagógica
unificada, elaborada pela coordenação pedagógica na Secretaria Municipal de Educação
e cada creche tem um plano de ação específico construído pelos profissionais da própria
creche. Vale ressaltar que a LDB estabelece que cabe aos próprios estabelecimentos de
ensino a elaboração e execução da proposta pedagógica, contando com a participação
dos docentes.
Os recursos pedagógicos básicos das nove creches públicas não-conveniadas,
como papel ofício, cola, giz de cera, lápis de cor, cartolina, papel madeira e papel
crepom, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, são
adquiridos com os recursos provenientes do Serviço de Ação Continuada
20
(SAC),
numa parceria com o Governo do Estado. As creches públicas conveniadas têm um
convênio próprio com o SAC e adquirem este material com este recurso. A maioria das
creches possui aparelho e TV, vídeo e som e não há verbas suficientes para serem
adquiridos livros didáticos, jogos e brinquedos. Além dos recursos financeiros
provenientes do SAC, as creches públicas contam com o Programa Nacional de
Atendimento à Creche (PNAC), constituindo-se numa verba específica para a
20
Serviço de Ação Continuada, em que são repassados valores per capita fixos de referência, para a
cobertura de despesas correntes com o atendimento direto das crianças e de suas famílias; estes recursos
são para despesas correntes caracterizadas como manutenção de serviços internos e externos já criados e
instalados – R$ 17,02/criança.
33
alimentação nessas instituições. O PNAC faz parte do Programa Nacional de
Alimentação Escolar
21
(PNAE).
Os funcionários das dezoito creches são mantidos com os recursos da prefeitura:
direção, professor, monitor e serviço geral (limpeza, vigilância, secretaria), sendo que os
funcionários são concursados ou contratados e lotados na Secretaria de Educação
(professores) ou Secretaria de Desenvolvimento Social (monitoras e demais
funcionários). Os profissionais responsáveis pelo exercício do magistério nas creches
são os professores e monitores. Os monitores têm formação variada: apenas primeiro
grau, ensino médio, magistério ou curso superior. Somente uma creche, a creche
Meimei, tem, além dos funcionários mantidos pela prefeitura, quatro funcionários
mantidos pela União Espírita de Vitória da Conquista. Algumas salas de crianças até os
três anos contam apenas com a presença da monitora, que nem sempre possui o curso de
magistério, entrando em conflito com o critério estabelecido na LDB de que o
profissional da educação responsável pelo exercício do magistério na educação infantil
deve ter como formação mínima a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Existe, ainda, uma política de capacitação pedagógica pontual oferecida aos professores,
direções e monitores, em formato de jornada pedagógica no início de cada ano letivo
com profissionais específicos: pedagogos, psicólogos e profissionais afins.
Feita a revisão de literatura sobre educação infantil e iniciada a exploração local,
situaremos metodologicamente o nosso trabalho no próximo capítulo.
21
Programa de assistência financeira suplementar com vistas a garantir no mínimo uma refeição diária
aos alunos beneficiários; a criação do PNAE ocorreu em 1983. Valor per capita de R$ 0,18/criança.
34
Capítulo 2
Pesquisando a Brincadeira
O cotidiano escolar é uma
realidade de emergências, sem
itinerários fixos, que faz do
pesquisador um sujeito errante, em
busca de perguntas e de respostas
e sempre distante das verdades
definitivas.
(Maria Tereza Esteban)
A abordagem sócio-histórica, na medida em que considera a relação do sujeito
com a sociedade à qual pertence e percebe os sujeitos como históricos, oferece
elementos importantes que nortearam a escolha metodológica desta pesquisa, que teve
como objetivo compreender de que forma a brincadeira
22
comparece na educação
infantil da rede pública de Vitória da Conquista – Bahia.
Alcançar esse objetivo geral significou, dentre outras possibilidades, interpretar
as ações de um grupo de indivíduos no mundo social e as maneiras pelas quais estes
indivíduos atribuem significado
23
aos fenômenos sociais, ou seja, compreender de que
forma educadoras possibilitam e participam da atividade da brincadeira na educação
infantil da rede pública de Vitória da Conquista, assim como a concepção que as
educadoras têm acerca desta atividade.
Para compreender a atividade da brincadeira no contexto da educação infantil da
rede pública, percorremos, no Capítulo 1, a história da assistência para a criança no
22
A brincadeira será compreendida neste trabalho como uma atividade dominante e fruto das relações
sociais, com grande influência no desenvolvimento infantil (Leontiev, 1972; Vygotsky, 1966/1984) e será
discutida de forma detalhada no Capítulo 3.
23
Significado, de acordo com Pino, é aquilo que o homem sabe e pode dizer a respeito das produções
humanas, que em seu conjunto formam a cultura (2005, p. 59).
35
Brasil e as condições de surgimento das creches em Vitória da Conquista. De acordo
com Japiassú (1982) adotamos a postura na qual a história não oferece nenhuma certeza
nem verdade, mas se preocupa em conferir um sentido à existência humana. Optamos
pelos métodos compreensivos e históricos
24
, cujo objetivo consiste em evidenciar o que
realmente se passou. No historicismo, cada aspecto da realidade humana depende de
uma investigação histórica, pois é o passado que explica o presente e este, com seus
fenômenos e processos, depende da cultura na qual está inserido; entendemos assim, de
acordo com o referido autor, que não há uma lei capaz de fornecer a essência da
realidade.
O percurso histórico feito no capítulo anterior foi possível a partir da análise de
textos, análise documental e dados de entrevistas, que forneceram elementos
importantes para a composição do corpus deste trabalho, considerado por nós, de acordo
com Minayo (2004), como pesquisa social, pois “trabalha com gente, com atores sociais
em relação, com grupos específicos” (p. 105). Apesar da educação infantil ser oferecida
por instituições públicas e privadas, escolhemos investigar a brincadeira na rede pública
porque estas instituições atendem a grande maioria da população pobre até os 6 anos de
idade que está matriculada em instituições de educação infantil.
24
Japiassú apresenta o historicismo numa dupla perspectiva: filosófica e epistemológica. Ao leitor
interessado numa leitura detalhada, sugerimos Japiassú, H. (1982). Os eixos epistemológicos. In
Nascimento de morte das ciências humanas. Rio de Janeiro: Francisco Alves. p. 95-105.
36
2.1. A escolha de ‘quem’ pesquisar
Alcançar a totalidade não é o
projeto dos estudos do cotidiano,
pois o objeto de estudo deixa de
ser tratado como uma totalidade a
ser apreendida, para ser percebido
como um contexto relacional
tecido por fios e movimentos que
se mostram e se ocultam como
parte de uma dinâmica também
configurada pelo pesquisador.
(Maria Teresa Esteban)
A partir dos dados apresentados no capítulo anterior, na fase inicial de
exploração local, constituídos junto à equipe pedagógica responsável pelas instituições
públicas de educação infantil para compreender a história da implantação e expansão
das mesmas, surgiu a necessidade de caracterizar as instituições, campo da nossa
pesquisa, para chegarmos à seleção dos participantes. Retornamos, então, à Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social para obtenção dos dados referentes ao número de
matrícula de crianças, por faixa etária, em cada instituição no ano de 2005, assim como
o número de professores e monitores de cada uma delas. O contato para composição
desses dados foi feito com um dos membros da equipe pedagógica responsável pelas
instituições.
A partir dos dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social houve matrícula de 2.545 crianças nas instituições públicas: aproximadamente,
1.300 matrículas na pré-escola e 1.200 na creche, conforme a Tabela 1
25
.
25
Os nomes das creches serão substituídos por nomes de cores, a partir deste momento, para preservar o
sigilo das instituições.
37
Tabela 1.
Número de crianças, por faixa etária, matriculadas nas creches públicas e nas creches
públicas conveniadas em Vitória da Conquista no ano de 2005
Creche 02anos 03anos 04anos 05anos 06anos Total
Cinza 30 50 73 100 32 285
Marrom
26
Bege 32 20 43 26 - 121
Laranja 20 22 24 24 - 90
Branca 25 25 50 50 - 150
Preta 25 25 25 25 - 100
Roxa 25 25 25 50 - 125
Vermelha 25 25 25 50 50 175
Lilás 24 24 48 44 - 140
Ocre 20 - 40 25 - 85
Mostarda 25 25 50 50 - 150
Dourada 50 50 50 50 - 200
Azul 48 48 96 96 - 288
Prateada 17 16 20 23 - 76
Rosa 27 30 34 27 27 145
Amarela 25 50 25 50 - 150
Verde 30 29 30 26 - 115
Vinho 25 25 70 30 - 150
Número total de crianças 473 489 728 746 109 2545
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
26
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não teve acesso aos dados da creche pública
conveniada Marrom.
38
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), houve matrícula de 3.558 crianças na rede municipal: 2.870 crianças
na pré-escola e 688 na creche
27
, conforme a seguir na Tabela 2.
Tabela 2.
Matrícula inicial na Creche e na Pré-Escola das redes estadual, federal, municipal e
privada e o total de matrículas nessas redes de ensino em 2005
Matrícula Inicial Unidades da
Federação
Município Dependência
Administrativa
Creche Pré-escola
Bahia Vit. da Conquista 1.189 8.284
Bahia Vit. da Conquista Estadual 40 219
Bahia Vit. da Conquista Federal 0 0
Bahia Vit. da Conquista Municipal 688 2.870
Bahia Vit. da Conquista Privada 461 5.195
Fonte: MEC/Inep
A diferença encontrada entre os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social e os dados do INEP justifica-se em função deste último se
referir às matrículas efetuadas não somente em creches, mas também em escolas da rede
municipal de ensino de crianças compreendidas na faixa etária de 04 a 06 anos.
Além da análise dos textos e dos documentos feita no capítulo anterior, a
composição dos dados estatísticos demonstrados acima, fornecidos na entrevista e pelo
INEP, ajudou na construção de uma idéia mais ampla da realidade que escolhemos para
27
Os resultados completos referentes à matrícula na Creche, na Pré-Escola, no Ensino Fundamental
(Ensino Regular), no Ensino Médio (Ensino Regular), na Educação Especial e na Educação de Jovens e
Adultos das redes estadual, federal, municipal e privada e o total de matrícula nestas redes de ensino em
2005 podem ser encontradas em http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/resultados.htm.
39
realizar esta pesquisa, corroborando com a opinião de que “a combinação de
metodologias diversas no estudo do mesmo fenômeno, conhecida como triangulação,
tem por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão
do objeto de estudo” (Goldemberg, 2001, p. 63).
De posse dos nomes e endereços das creches, o passo seguinte foi buscar um
instrumento que possibilitasse a localização das mesmas no município. Procuramos os
responsáveis pelo Departamento de Geografia da Universidade do Sudoeste da Bahia,
que disponibilizaram uma planta urbana do município na qual estão identificados os
bairros. Localizamos as 18 creches públicas para facilitar a visualização e seleção das
instituições com as quais trabalhamos de forma mais aprofundada. Dividimos a planta
por região: nordeste, sudeste, noroeste e sudoeste e chegamos à composição que pode
ser visualizada na Tabela 3.
Tabela 3.
Localização por região das creches públicas de Vitória da Conquista
Creche
Região
Creches públicas
conveniadas
Creches públicas
Nordeste Bege e Vinho Amarela
Sudeste Cinza, Marrom e Verde Mostarda
Noroeste Laranja e Lilás Branca, Preta, Dourada e
Azul
Sudoeste Vermelha e Ocre Roxa, Prateada e Rosa
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista
Trabalhamos com um pequeno grupo de instituições que, de acordo com Demo
(2000, p. 155), “jamais será representativo da sociedade inteira, mas pode ser
40
exemplar”, pois nossa preocupação foi com o aprofundamento e abrangência de um
tema específico. A partir disto, as instituições envolvidas nesta pesquisa foram 04 do
número total de 18. Com relação aos critérios para escolha dessas instituições,
trabalhamos com uma instituição por região da cidade, sendo 02 instituições públicas e
02 instituições públicas conveniadas. Estabelecemos como critério de escolha nas
regiões, as instituições que tiveram o maior número de crianças matriculadas no ano de
2005.
A partir dos critérios explicitados acima, nossa campo de pesquisa se constituiu
das seguintes instituições: Amarela e Azul (instituições públicas); Verde
28
e Vermelha
(instituições públicas conveniadas).
As creches são as instituições que, na rede pública, oferecem às crianças de 0 a 6
anos de Vitória da Conquista, a primeira etapa da educação básica, de acordo com a
LDB, em seus artigos 29 e 30, conforme vimos no capítulo anterior. Esse documento
denomina de creche o serviço oferecido às crianças até 3 anos e de pré-escola o serviço
oferecido às crianças de 4 a 6 anos. Desta forma, pesquisamos os serviços de creche e
pré-escola oferecidos pelas instituições denominadas como creche.
As educadoras nas creches estão divididas entre professoras e monitoras.
Professoras são as profissionais que têm como formação mínima a oferecida em nível
médio, na modalidade Normal e monitoras são profissionais que tem como formação
mínima o fundamental maior. No ano de 2005 as creches contaram com 54 professoras
e 150 monitoras, totalizando 204 educadoras trabalhando diretamente com as crianças,
segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social e demonstrado na Tabela 4.
28
A creche Verde, a segunda com maior número de crianças matriculadas no ano de 2005 na região
Sudeste, substituiu a creche Cinza, pois esta última, com maior número de crianças matriculadas em
2005, estava passando por reforma no ano de 2006 e, por este motivo, não recebeu visitantes.
41
Tabela 4.
Número de professores e monitores nas creches públicas e nas creches públicas
conveniadas em Vitória da Conquista no ano de 2005
Creche Professor Monitor Total
Cinza 08 05 13
Marrom
29
Bege 03 10 13
Laranja 02 08 10
Branca 03 10 13
Preta 02 02 04
Roxa 03 08 11
Vermelha 05 06 11
Lilás 02 10 12
Ocre 02 07 09
Mostarda 03 09 12
Dourada 04 14 18
Azul 05 17 22
Prateada 01 06 07
Rosa 03 09 12
Amarela 03 13 16
Verde 02 07 09
Vinho 03 09 12
Nº total de educadores 54 150 204
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
29
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não teve acesso aos dados da creche pública
conveniada Marrom.
42
Como as creches trabalham com turmas por faixa etária e cada creche tem, pelo
menos, uma turma por faixa etária (crianças de 02 anos, 03 anos, 04 anos, 05 anos e 06
anos), as nossas participantes foram as educadoras que trabalham com crianças de 03 e
04 anos e essas crianças, pois, desta forma, tivemos representantes das classes de creche
e pré-escola nas instituições selecionadas. Então, tivemos 09 participantes na pesquisa,
sendo 02 educadoras de cada creche selecionada, nas turmas de 3 e 4 anos, com exceção
da Creche Amarela, que foram 03 educadoras, pois a turma de 03 anos contava com
duas profissionais.
Faremos uma breve caracterização das 04 instituições selecionadas para situar o
leitor no universo desta pesquisa.
2.1.1. Creche Amarela
Localizada na região nordeste do município de Vitória da Conquista, a Creche
Amarela situa-se em zona urbana e próxima ao centro comercial da cidade; o pequeno
portão de entrada da creche dá para o início de uma das principais ruas asfaltadas do
bairro residencial ao qual pertence.
É vizinha de uma grande praça, onde estão localizadas uma delegacia de polícia,
um clube recreativo tradicional da cidade, um supermercado, uma escola municipal, um
museu pedagógico da universidade, uma casa de cultura, um bar e uma quadra
poliesportiva particular. Está rodeada de casas residenciais e existem muitos bares nas
redondezas.
A creche está localizada numa esquina, mas tem entrada por apenas uma das
ruas; pelo portão de entrada se tem acesso a um pátio central descoberto que tem de um
lado as instalações da cozinha, lavanderia e secretaria e do outro o pavilhão com cinco
43
salas de aula, dois banheiros e um hall coberto contendo três mesas compridas com
bancos, que são utilizadas por algumas turmas para as refeições. Uma das salas tem
acesso ao pátio e as demais têm acesso ao hall coberto. Na figura a seguir podemos
visualizar a porta de entrada da sala de 04 anos e à esquerda a porta e janela da sala de
03 anos.
Figura 1. Hall coberto que dá acesso às salas das turmas de 03 e 04 anos, Creche
Amarela
A sala destinada à turma de 03 anos é retangular e ampla, com uma porta de
entrada e uma grande janela direcionada para a área coberta. A sala tem seis mesas
quadradas para as crianças e 20 cadeiras, uma mesa com filtro de água, um armário de
alvenaria com material pedagógico e de higiene; sobre este armário fica uma caixa de
papelão forrada com uma etiqueta escrita “BRINQUEDOS”. A sala possui em quadro
negro e é decorada com cartazes confeccionados pelas educadoras desejando boas
vindas, assim como conteúdos pedagógicos (cores, alfabeto, numerais, etc).
A sala destinada à turma de 04 anos é quadrada e menos ampla do que a
anterior; tem uma porta de entrada e uma janela tipo basculante no alto da parede. A
sala tem oito mesas quadradas, organizadas em duplas. Possui uma mesa e cadeira para
a educadora, uma mesa com filtro de água, um armário e uma estante aberta com
44
material pedagógico, conforme podemos observar na figura que segue. Além do quadro
negro, as paredes contam com um varal onde ficam as atividades mimeografadas já
feitas pelas crianças e diversos cartazes: com os nomes das crianças, partes do corpo
humano, alfabeto, vogais, entre outros.
Figura 2. Sala da turma de 04 anos, Creche Amarela
2.1.2. Creche Azul
Localizada na região noroeste, a Creche Azul situa-se em zona urbana e
periférica do município. A creche está localizada numa esquina; o portão de entrada fica
numa grande avenida, via de acesso a alguns bairros da região. Do outro lado da
avenida existem, apenas, terrenos baldios. A avenida lateral possui casas residenciais e
pequenos comércios, como: bares, mercearias, mercado e padaria.
Pelo portão principal temos acesso a dois prédios: o da creche e um prédio onde
funciona um centro de aperfeiçoamento de professores. O portão interno de acesso à
creche leva ao hall central que é dividido em um jardim descoberto e pátio coberto. A
creche é construída em forma de ‘U’, sendo que o hall constitui a parte central. Ao
longo dos dois grandes pavilhões tem quatro salas de aula, refeitório, secretaria,
vestiário, cozinha, dispensa e lavanderia; no pavilhão menor ficam uma sala de aula e
45
uma sala de leitura. O hall central tem acesso a um grande pátio de areia descoberto
com algumas árvores ao redor e duas grandes manilhas de concreto em forma de dois
túneis paralelos.
A sala destinada à turma de 03 anos é ampla, arejada, com amplas janelas e
possui um banheiro para uso do grupo; a sala possui seis mesas e vinte e cinco cadeiras
organizadas em fila, identificadas com os nomes das crianças, uma mesa e cadeira para
a educadora e uma pequena estante aberta com material pedagógico. Além do quadro
negro, as paredes contam com um varal onde ficam as atividades mimeografadas já
feitas pelas crianças, um cabideiro onde ficam as mochilas e diversos cartazes: alfabeto,
numerais, colagem coletiva, histórias, letras de músicas, corpo humano, etc.
A sala da turma de 04 anos tem a estrutura semelhante à descrita acima, as mesas
para as crianças são organizadas em formato de retângulo, não possui banheiro e tem
um armário de ferro fechado.
Figura 3. Sala da turma de 03 anos,
Creche Azul
Figura 4. Sala da turma de 04 anos,
Creche Azul
46
2.1.3. Creche Verde
Localizada na região sudeste, a Creche Verde situa-se em zona urbana e
periférica do município, num bairro rodeado de bairros de classe alta. A creche está
numa rua sem saída que possui casas residenciais e comerciais, igreja evangélica e
acesso a uma grande avenida. Fica próxima ao estádio municipal, um colégio estadual e
um posto de gasolina.
A creche funciona numa casa adaptada; pelo pequeno portão de entrada temos
acesso a um pátio coberto, onde existem bancos compridos; a porta de entrada na creche
dá acesso à sala das crianças de 04 anos, que tem uma ligação com a sala das crianças
de 03 anos; uma outra porta na sala dá acesso à secretaria e as demais salas da creche.
Num terreno ao lado tem a sala com o parque, uma sala e a cozinha.
A sala destinada à turma de 03 anos é retangular, escura, conta com duas
pequenas janelas basculantes e a única porta da sala dá acesso à sala da turma de 04
anos. A sala conta com sete mesas e vinte e oito cadeiras para as crianças; uma mesa e
uma cadeira para a educadora, um armário de ferro fechado contendo material
pedagógico e um cabideiro com as sacolas identificadas com o nome das crianças. As
paredes são decoradas com as tarefas das crianças expostas num varal e diversos
cartazes: oração, letras de músicas, atividades coletivas feitas pelas crianças, entre
outros, podendo ser vista na figura 5.
A sala destinada à turma de 04 anos é bastante arejada e se constitui numa
passagem entre a sala da turma de 03 anos e os demais espaços da creche: pátio e parte
administrativa; por este motivo possui três portas e conta ainda com uma janela. Esta
sala não conta com mesa e cadeira para a educadora, possuindo apenas cinco mesas e
vinte cadeiras para as crianças. Como pode ser visto na figura 6, tem um quadro negro
47
em uma das paredes e as demais paredes são decoradas com um painel com escovas de
dente e cartazes: calendário, nome das crianças, letras de músicas e atividades coletivas
feitas pelas crianças.
Figura 5. Sala da turma de 03 anos,
Creche Verde
Figura 6. Sala da turma de 04 anos,
Creche Verde
2.1.4. Creche Vermelha
Localizada na região sudoeste, a Creche Vermelha situa-se em zona urbana e
periférica do município, num bairro sem saneamento básico. Rodeada por pequenas ruas
e casas residenciais, fica próxima a um grande campo de terra que é utilizado pelas
crianças da redondeza como campo de futebol, um boteco, um cemitério municipal e
pequenos estabelecimentos comerciais, como: bares, mercearias e vendas. Está próxima,
ainda, de um anel viário que circunda a cidade, via de acesso a diversos bairros
periféricos.
A creche está localizada no início de uma rua sem calçamento. Pelo pequeno
portão de entrada entramos num corredor coberto que dá acesso ao pátio central e
descoberto. A creche é construída em formato de um quadrado; ao redor do pátio temos
48
cinco salas de aula, um vestiário, um banheiro, uma cozinha, um refeitório e a
secretaria.
A sala da turma de 03 anos, ilustrada na figura 7, é pequena e pouco ventilada,
tem uma porta de entrada e uma janela basculante no alto de uma das paredes. Na sala
tem alguns colchonetes empilhados, uma mesa comprida com quatorze cadeiras e duas
mesas pequenas, com quatro cadeiras cada, além da mesa e cadeira da educadora e um
armário de alvenaria onde é guardado material pedagógico e de higiene. Além do
quadro negro, as paredes contam com varais nos quais as tarefas mimeografadas feitas
pelas crianças ficam penduradas e alguns cartazes: com letra de música, nome das
crianças, alfabeto, numerais, etc.
A sala da turma de 04 anos é retangular e mais ampla que a descrita
anteriormente, mas não conta com janela, tendo somente uma porta de entrada. É
mobiliada com vinte carteiras de braço, uma mesa e cadeira para a educadora e um
armário de alvenaria para o material pedagógico e de higiene. Nas paredes, além do
quadro negro, visto na figura 8, existe um varal onde as atividades mimeografadas das
crianças ficam penduradas e alguns cartazes: vogais, numerais, alfabeto, etc.
Figura 7. Sala de 03 anos, Creche
Vermelha
Figura 8. Sala de 04 anos, Creche
Vermelha
49
2.2. A escolha de ‘como’ pesquisar a brincadeira
Pesquisamos com o cotidiano,
aprendemos com o cotidiano. E
continuamos a trilhar o
fascinante processo de encontro e
desencontro de parcerias.
(Regina Leite Garcia)
A escolha dos procedimentos para estarmos em contato com o grupo foi feita de
forma cuidadosa por considerarmos fundamental a interação entre pesquisador e
participante. Partimos do referencial teórico e das características do nosso contexto e
escolhemos trabalhar com a observação participante e entrevista.
A observação participante é um procedimento muito utilizado pelas pesquisas
qualitativas, conforme encontramos em Chizzotti (1998), Minayo (2004), Alves-
Massotti e Gewandsznajder (1998) e Rizzini; Castro e Sartor, (1999), no qual o
pesquisador se insere num determinado contexto com a finalidade de observar e
compreender o que está ocorrendo. De acordo com Alves-Massotti e Gewandsznajder
(1998) adotamos esse procedimento por possibilitar checar respostas dadas pelos
participantes em outro procedimento, como na entrevista; possibilitar a identificação de
comportamentos não-intencionais e o registro de comportamentos e atitudes no contexto
natural.
A observação participante é “obtida por meio do contato direto do pesquisador
com o fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto natural”
(Chizzotti, 1998, p. 90). Em nossa pesquisa, a observação teve como foco as atividades
que ocorrem na rotina da creche, envolvendo a interação entre educadoras e crianças.
Com isso, objetivamos compreender e experienciar a dinâmica dessas educadoras, no
que diz respeito à brincadeira.
50
De acordo com Rizzini; Castro e Sator (1999), através do procedimento de
observação participante, observamos e participamos do cotidiano das creches,
admitindo que não havia possibilidade de neutralidade na relação entre pesquisador e
participante. Em alguns momentos da observação fotografamos o nosso universo com o
intuito de ilustrar os fenômenos observados.
Além da observação, utilizamos a entrevista com as educadoras como um
procedimento de apreensão de informações sobre a brincadeira, tanto da sua utilização
na creche como a concepção que essas educadoras têm da mesma; segundo Minayo
(2004) esses dados são “os que se referem diretamente ao indivíduo entrevistado, isto é,
suas atitudes, valores e opiniões” (p. 108). Trabalhamos com a “entrevista semi-
estruturada que combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições pré-
fixadas pelo pesquisador” (Minayo, 2004, p. 108), sendo este um procedimento capaz
de revelar tanto a singularidade quanto a historicidade das práticas e concepções dos
participantes.
Em nossa pesquisa, a entrevista transmitiu, através das educadoras selecionadas,
as impressões do grupo de educadoras das creches públicas de Vitória da Conquista, nas
condições históricas, sócio-econômicas e culturais descritas no Item 1.2 “Educação
infantil: uma história de ‘vitórias’ e ‘conquistas’? do Capítulo 1, acerca do tema
brincadeira.
Estes foram os procedimentos que empregamos para nos aproximar da
brincadeira na prática das educadoras e crianças no espaço da creche. Procuraremos, no
próximo capítulo, compreender a atividade da brincadeira e sua relação com a educação
e o desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos.
51
Capítulo 3
Hora de Brincar
Brincadeira é coisa boa que
distrai, diverte a gente. Tira, assim,
as coisas que a gente ta pensando
da cabeça e, ali, só ta assim na
brincadeira... eu gosto da
brincadeira.
(Educadora da turma de 03 anos da
Creche Vermelha)
O percurso que fizemos pela história da assistência para a criança no Brasil, no
Capítulo 1, além de nos proporcionar a compreensão das condições de surgimento da
educação infantil, enquanto etapa inicial da Educação Básica, integrante do sistema de
ensino e direito da criança de 0 a 6 anos (Brasil, 2005), revelou um discurso a respeito
do fenômeno da brincadeira inserido em espaços educacionais de crianças pequenas nas
últimas décadas. Partiremos agora para a compreensão deste processo amplo que é a
brincadeira.
Existem diversas áreas do conhecimento que se ocupam deste tema, mesmo
indiretamente, como a filosofia, a antropologia e a sociologia quando tratam do ser
humano, da cultura e dos fenômenos sociais, ou a pedagogia quando organiza o sistema
educativo. Na medida em que esta pesquisa é na área da psicologia, nossas reflexões se
inserem no interior dessa ciência, mas dialogaremos com as demais áreas quando for
necessário. O fato de situar a área de conhecimento da pesquisa não facilita o percurso
daqui para frente, pois são muitas as abordagens teóricas e nestas, muitos teóricos que
se ocupam do brincar, não havendo unanimidade para a definição dos termos a que
52
esses autores recorrem para fazer referência à brincadeira, para o papel dessa atividade
no desenvolvimento da criança e no processo de aprendizagem.
Temos clareza de que a escolha de uma abordagem atende uma concepção
acerca do indivíduo, do seu desenvolvimento e dos processos que envolvem o mesmo.
Neste sentido, adotamos a abordagem sócio-histórica compreendida a partir de Lev
Semyonovich Vygotsky e as reflexões deste autor sobre a teoria social da construção do
conhecimento e Aléxis Leontiev com o conceito de atividade; estabeleceremos um
diálogo entre estes e outros autores, tais como Piaget, Kishimoto, Brougère e outros.
Ao longo do capítulo, poderá ser observado que as produções acadêmicas e
científicas empregam termos diferentes como brincadeira, jogo, brinquedo, lúdico, faz-
de-conta e brincar para discutir e conceituar o fenômeno da brincadeira. De maneira
geral, entendemos a brincadeira como um processo construído sócio-historicamente
pelo sujeito, que se modifica em função do meio cultural e da época em que ele vive. Na
medida em que apresentarmos as definições, num processo dialógico e ilustrado com as
situações envolvendo a brincadeira, frutos da nossa pesquisa de campo
30
, iremos clarear
as especificidades do nosso objeto de pesquisa, respondendo a questão: Como
entendemos a brincadeira?
30
As situações ilustrativas citadas neste capítulo poderão ser retomadas na composição do corpus para
uma análise mais profunda.
53
3.1. Era uma vez... a brincadeira na educação
Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem
Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu
(Arnaldo Antunes)
Como iremos investigar a brincadeira na realidade específica da educação
infantil e esta tem a sua prática norteada pelo RCNCEI
31
que estabelece uma relação
entre educação e brincadeira, então, começaremos essa discussão apresentando o
percurso histórico da ligação dos dois processos. Apesar do século XVI ser apontado
como o contexto no qual surgiu o jogo educativo, com o aparecimento da Companhia de
Jesus, onde Inácio de Loyola deu importância à utilização do jogo na educação como
auxiliar de ensino, Platão (427 – 347 a.C.) e Aristóteles (384 – 322 a.C.) já tinham a
idéia do educar brincando e Quintiliano (século II) utilizava letras de doce para brincar.
Com o Cristianismo, até o século XIV, os jogos foram banidos da educação, por sua
associação aos jogos de azar e no Renascimento a criança começou a ser vista como
dotada de valor positivo, de uma natureza boa que se expressava por meio dos jogos de
educação física, jogos de raciocínio/adivinhação, baralho educativo e outros. Nesse
contexto em que apareceram novos ideais, nasceu o jogo educativo como recurso
auxiliar de ensino e a brincadeira era vista como conduta livre que favorecia o
desenvolvimento da inteligência e o estudo (Kishimoto, 1998).
31
O uso do RCNEI não é obrigatório e, conforme sinalizado no Capítulo 1, após a realização da pesquisa
de campo desta dissertação foi publicado o documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a
Educação Infantil – Volume 1 e 2 (Brasil, 2006), com referências de qualidade a serem utilizadas pelos
sistemas educacionais, por creches, pré-escolas e centros de Educação Infantil.
54
Para chegarmos hoje à diversidade de teorias que discutem o valor da
brincadeira no desenvolvimento infantil, Brougère (2004) chama atenção para a origem
desse discurso. Mostra que após o império da razão durante o Renascimento, as idéias
de Rousseau (1712 – 1778) acerca do homem como um ser bom por natureza serviu de
base para o Romantismo. Este movimento exaltava a criança como naturalmente
portadora da verdade e a brincadeira “aparece como o comportamento por excelência
dessa criança rica de potencialidades interiores” (Brougère, 2004, p. 91); a criança
passou a ser vista como portadora de uma natureza própria que deveria ser desenvolvida
em oposição à idéia da criança como um ser inacabado, sem nada específico e original.
É a partir desse discurso filosófico de valorização da brincadeira e da concepção de que
a criança é dotada de natureza boa, que a psicologia tentou construir seu discurso
científico sobre a importância da brincadeira.
Apesar do percurso citado acima mostrar que a relação entre a brincadeira e a
educação é antiga, encontramos em Froebel (Alemanha / século XIX), filósofo e
representante do Romantismo, a legitimação da relação entre crianças pequenas e
educação formal, com a criação do espaço do jardim de infância utilizando jogos e
brinquedos. Conforme vimos em 1.1. O início da história: A educação infantil na
assistência para a criança no Brasil
32
os jardins de infância, criados no Brasil no século
XIX, adotaram práticas da pedagogia de Froebel (1912, citado por Kishimoto, 2002),
que concebia a brincadeira como uma atividade inata e espontânea da criança, e também
priorizaram as atividades dirigidas pelos professores com finalidades educativas em
detrimento da livre exploração dos materiais por parte das crianças.
32
Item do Capítulo 1. Era uma Vez... A Educação Infantil.
55
Em nosso trabalho, de acordo com Kishimoto (1998), adotaremos o termo
brinquedo
33
como objeto de suporte da brincadeira, qualquer que seja sua natureza, mas
apresentaremos diferentes definições encontradas na literatura para o mesmo termo,
começando por Froebel (1912, citado por Kishimoto, 2002), que chamou de brinquedos
as atividades livres que independiam de objetos, tendo um fim em si mesmo e chamou
de jogos as atividades livres propostas pelas educadoras, nas quais as crianças
utilizavam materiais como bolas, cubos e varetas, tendo a finalidade de ensino. Mas
Kishimoto (2002) critica os espaços do jardim de infância criados por Froebel por não
utilizarem as atividades livres, mas somente os jogos como meios de ensino.
O trecho abaixo deixa clara a concepção da brincadeira para Froebel (1912,
citado por Kishimoto, 2002) como um processo natural, desde os primeiros anos de
vida
34
:
Neste estágio de desenvolvimento (nos primeiros anos de vida) a criança vai crescendo
como ser humano que sabe usar seu corpo, seus sentidos, seus membros, meramente
por motivo de seu uso ou prática, mas não por busca de resultados em seu uso. Ela é
totalmente indiferente a isso, ou melhor, ela não tem idéia sobre o significado disso. Por
tal razão a criança neste estágio começa a brincar com seus membros – mãos, dedos,
lábios, pés, bem como com as expressões dos olhos e face (p.69).
Diferente desta concepção de Froebel, a perspectiva sócio-histórica parte da
concepção do homem como um ser inserido num contexto social e cultural e entende as
atividades como impregnadas de cultura e fruto das interações sociais do sujeito com o
outro e com o ambiente. A brincadeira é, então, vista como um processo aprendido e
não natural do ser humano, como ilustrado no trecho acima. Compartilhar desta
concepção fortalece o nosso objetivo de investigar o lugar que a brincadeira ocupa na
educação infantil, pois entendemos que essa atividade depende da cultura e das
interações nas quais as crianças estão inseridas, ou seja, a educação infantil como um
33
A discussão sobre o termo brinquedo será retomada neste capítulo em momento mais oportuno.
34
O autor não delimita uma idade para a expressão ‘primeiros anos de vida’.
56
espaço de convívio diário é fundamental para a aprendizagem da criança no que diz
respeito à brincadeira.
Desta forma, partiremos, a seguir, para a compreensão do fenômeno da
brincadeira na perspectiva sócio-histórica.
3.2. Um, dois, três e já: Vamos brincar!
Não pode haver construção do
saber, se não se joga com o
conhecimento. Ao falar de jogo,
não estou fazendo referência a um
ato, nem a um produto, mas a um
processo.
(Alicia Fernández)
Percebendo a criança como um sujeito sócio-histórico e a instituição de
educação infantil como espaço que deve respeitá-la como pessoa em condição peculiar
de desenvolvimento, condição delimitada pelo ECA, e também apresentada por
Francischini e Campos (2005) como uma dinâmica observada no desenvolvimento, em
que os aspectos biológico, afetivo, emocional e cognitivo sofrem transformações
qualitativas e quantitativas muito mais acentuadas e mais rápidas, em comparação com
o que é observado em fases posteriores, fizemos a opção por empregar os conceitos de
Vygotsky como principais suportes teóricos desta pesquisa, dentre os teóricos que se
ocupam do desenvolvimento do indivíduo, para compreender a brincadeira e o papel
desta no desenvolvimento e aprendizagem.
Faremos uso, principalmente, do texto O papel do brinquedo no
desenvolvimento
35
, corroborando com os resultados da pesquisa realizada por Freitas
35
Trata-se do sétimo capítulo do livro Formação Social da Mente, de Vygotsky e teve como base uma
palestra proferida pelo autor, em 1933 e publicada em 1966.
57
(2004) sobre os trabalhos fundamentados no pensamento de Vygotsky, divulgados nos
Anais das reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd), de 1998 a 2003. Os resultados da referida pesquisa indicam o livro Formação
social da mente como o mais citado nas referências, seguido de Pensamento e
linguagem, fato justificado pela escassez de material traduzido do autor. Estaremos, a
partir de agora, recorrendo aos diversos conceitos deste autor, tanto teórica quanto
metodologicamente, como um dos pilares do nosso trabalho. Conceitos que estarão
sempre em diálogo com outras teorias e teóricos para complementações que facilitem a
compreensão e ampliem a abrangência da discussão.
Em psicologia, as teorias que tratam do desenvolvimento e aprendizagem
infantil dedicam um tempo especial à função e significado do brinquedo nesses
processos. Na perspectiva interacionista, destacamos Vygotsky (1966/1984), que define
o desenvolvimento como “um processo dialético complexo caracterizado pela
periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou
transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e
externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra”
(p. 83).
Na discussão que Vygotsky faz sobre desenvolvimento, encontramos a
compreensão do autor a respeito da atividade foco desta pesquisa, a brincadeira. Ele
compreende o termo brinquedo
36
como fruto das relações sociais, com grande influência
no desenvolvimento infantil e como um mundo ilusório e imaginário criado pela criança
em idade pré-escolar para realizar desejos não realizáveis do seu cotidiano. Partindo
deste conceito de brinquedo como um mundo imaginário criado pela criança, a
imaginação é um ingrediente indispensável dessa atividade. Para Vygotsky (1966/1984)
36
O termo brinquedo, utilizado por Vygotsky (1966/1984), tem o significado de brincadeira de faz-de-
conta para outros autores.
58
a imaginação “representa uma forma especificamente humana de atividade consciente,
não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente
em animais” (p. 106), pois a criança pequena ou o bebê tende a realizar seus desejos
imediatamente e, na medida em que se desenvolve, a imaginação é uma função da
consciência que surge da ação e possibilita a solução da tensão causada pela não
realização imediata da própria ação.
O fato de criar situações ilusórias e imaginárias para realizar seus desejos não
significa que as crianças, na brincadeira, não utilizem regras; o próprio Vygotsky
(1966/1984) diz que “sempre que há uma situação imaginária no brinquedo, há regras”
(p.108). Como exemplo, podemos citar uma situação observada na Creche Vermelha, na
turma de 04 anos:
A turma estava no pátio, no horário do recreio e seis crianças sentaram num
banco e agiram como se o banco fosse uma moto, fazendo o barulho de
aceleração e os movimentos imaginários e supostos de condução do veículo,
como, por exemplo, virar em uma curva.
Nesta situação não houve um estabelecimento prévio de que o banco fosse uma
moto, mas as crianças lançaram mão de um objeto e estabeleceram a regra no momento
da brincadeira. O mesmo exemplo pode ser empregado para demonstrar a idéia de que
“no brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não
das coisas” (Vygotsky, 1966/1984, p. 111), pois a utilização de um banco como se fosse
uma moto surge a partir da idéia que a criança tem de moto. Esta mudança na forma de
lidar com a realidade, empregando o elemento da imaginação, é um processo longo e
não ocorre de uma hora para outra no desenvolvimento infantil.
59
Vygotsky (1966/1984) fala de uma outra forma de brinquedo, num estágio mais
avançado do desenvolvimento; o brinquedo com regras que, segundo o autor, também
possui uma situação imaginária. A diferença estabelecida pelo autor reside no fato de
que nesse tipo de brinquedo as regras são claras e a situação imaginária, oculta. Como
exemplo, podemos citar uma atividade na turma de 03 anos da Creche Amarela:
A educadora começou a cantar uma música que é empregada para comandar
uma brincadeira: Vamos passear na floresta, enquanto seu lobo não vem... seu
lobo é um bichinho que não faz mal a ninguém...tá pronto seu lobo?
As crianças respondiam: Não! (demonstrando conhecer a regra da brincadeira).
A educadora continuava: Tá vestindo a calça... (enquanto as crianças faziam os
gestos referentes às ações citadas na música num determinado momento).
A educadora cantou até que uma hora respondeu que o lobo estava pronto e
correu atrás das crianças; eles corriam, riam muito e pediam para a educadora
repetir a brincadeira: De novo, tia!
Mesmo nesta ‘brincadeira do lobo’, na qual as regras existem de forma clara e
independente de quem esteja na brincadeira, é possibilitado à criança a criação de
situações imaginárias, como a função do lobo e da criança ‘chapeuzinho vermelho’.
Na perspectiva de explicar os fenômenos psicológicos mais complexos, típicos
do ser humano, Vygotsky (1966/1984), como já sinalizamos, considera o brinquedo
como um elemento construído sócio-historicamente pelo sujeito, que se modifica em
função do meio cultural e da época na qual este sujeito se encontra; ele acredita que,
brincando, a criança aprende a lidar de outra forma com o desejo e o prazer, pois ambos
vão estar subordinados às regras criadas pela criança, mesmo em se tratando de
atividades que já possuem regras pré-estabelecidas. A criança só consegue realizar seu
desejo e sentir prazer na brincadeira na medida em que submete ambos às regras do
brinquedo e isso exige esforço.
60
De posse deste conceito e retomando a definição de desenvolvimento em
Vygotsky, conforme vimos no início deste capítulo, vamos analisar a relação entre
brincadeira e desenvolvimento, pois esta é uma das justificativas pela escolha do tema
deste trabalho, a brincadeira como um fenômeno importante no processo de
desenvolvimento da criança. Veremos o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
fundamental para a compreensão desta relação.
Vygotsky (1966/1984) mostra que para compreendermos o desenvolvimento
devemos considerar a capacidade da criança de realizar tarefas de forma independente,
assim como sua capacidade em desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou
companheiros mais capazes. O autor constrói, a partir destas postulações, o conceito de
zona de desenvolvimento proximal, como sendo
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da
solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes (p. 97).
Esse percurso é o caminho que a criança vai percorrer para desenvolver funções
que estão em processo de amadurecimento. Para o autor, o brinquedo cria uma zona de
desenvolvimento proximal porque, nele, a criança se comporta de uma forma imaginária
e não real. No brinquedo a criança subordina a ação ao pensamento
37
e se esforça para
se submeter às regras, diferente da vida real, em que a ação está subordinada à
percepção. Vejamos essa situação de brincadeira da turma de 04 anos que aconteceu no
parque da Creche Verde:
37
Ao leitor interessado em aprofundar a relação entre ação e pensamento, sugerimos a leitura de
Vygotsky (1966/1984).
61
As crianças escolheram livremente os brinquedos e demonstravam alegria
subindo no túnel e passando sob o mesmo, pulando na piscina de bolinhas,
rodando e balançando nos balanços, subindo e descendo no escorregador,
entrando e saindo da casa.
Conversavam em pequenos grupos e faziam juntas atividades na piscina de
bolinha.
Formavam uma pequena fila para desfrutar da atividade no escorregador.
Participavam em grupo de uma atividade animada na casa.
A educadora permitiu a atividade livre e intervinha em algumas situações:
ajudou a resolver a disputa de alguns brinquedos, orientando o uso de
brinquedos que estavam ociosos, incentivou algumas crianças que estavam
subindo no túnel.
Essa atividade demorou um bom tempo.
Quando as crianças formam a fila para desfrutar do prazer de escorregar,
demonstram que se submetem às regras, abrindo mão de uma realização imediata.
A partir dessas considerações o educador tem um papel fundamental, podendo
propor e possibilitar brincadeiras motivadoras, nas quais a criança tem a oportunidade
de cooperar, de competir, de praticar e adquirir padrões sociais que irá usar, mais tarde,
em situações diversas. A criança, assim, constrói seu mundo através da brincadeira. O
adulto ajuda a organizar o campo das brincadeiras na vida das crianças, a partir da
interação que estabelece com a criança e da maneira de lidar com as situações do
cotidiano oferecendo objetos e o espaço físico que dão suporte ao brincar e que podem
ampliar os conhecimentos infantis, pois
no brinquedo
38
, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua
idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do
que é na realidade... o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob
forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento
(Vygotsky, 1966/1984. p. 117).
38
O termo brinquedo para Vygotsky (1966/1984) tem o significado de brincadeira discutido acima.
62
Neste sentido a intervenção do educador como alguém que possibilita a
brincadeira é necessária para que as crianças, brincando, possam ampliar suas
descobertas e aprendizagens, modificando sua forma de lidar com a realidade, como
vimos na brincadeira no parque da turma de 4 anos (Creche Verde). Foi a partir desta
consideração a respeito do papel do educador, que estabelecemos como um dos
objetivos da nossa pesquisa compreender de que forma os educadores participam da
brincadeira que comparece na educação infantil.
O fato de escolher Vygotsky como base teórica desta pesquisa significa
interpretar a brincadeira como processo psicológico e biológico, mas considerando que
estes estão inseridos num contexto social e cultural. Como exemplo disso podemos citar
Brougère (2002), para quem o brincar é uma atividade de significação social passível de
aprendizagem e o autor estabelece que características e capacidades físicas e
psicológicas presentes em determinadas idades têm uma relação com a produção da
cultura lúdica, ao dizer, por exemplo, que “os jogos de ficção supõem a aquisição da
capacidade de simbolização para existirem” (p. 27). Percebemos isso na ‘brincadeira do
lobo’ vista anteriormente, na qual as crianças fazem de conta que interagem com o lobo
porque já possuem a capacidade de atribuir significado.
Buscamos um teórico com quem, mesmo tendo outra concepção sobre a
brincadeira, fosse possível um diálogo que contribuísse para a substancialização do
tema. Desta forma, escolhemos a proposta de Piaget, na qual as funções cognitivas
pressupõem a materialidade neuronal, por considerarmos sua importância na psicologia
infantil. Na bibliografia existente sobre a obra piagetiana não há consenso com relação à
inserção do autor nas perspectivas estruturalista, cognitivista ou construtivista, mas
fazemos a leitura do autor como um interacionista que explica o desenvolvimento e a
aprendizagem na perspectiva de que sujeito e meio interagem em um processo que
63
resulta na construção e reconstrução de estruturas cognitivas, não observáveis, pois,
segundo Piaget (1970/1983):
O conhecimento não poderia ser concebido como algo predeterminado nas estruturas
internas do indivíduo, pois que estas resultam de uma construção efetiva e contínua,
nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois que estes só são conhecidos graças à
mediação necessária dessas estruturas; e estas estruturas os enriquecem e enquadram.
(p. 3).
Encontramos, na obra de Piaget, comparações constantes entre o
desenvolvimento psíquico e o desenvolvimento orgânico, principalmente através de
termos específicos, como estruturas e esquemas mentais. Entendemos que estas
comparações são feitas a partir da sua formação original como biólogo e também para
tornar mais clara sua idéia a respeito da aprendizagem e do desenvolvimento mental da
criança, que, segundo ele, assim como o desenvolvimento orgânico, tende sempre ao
equilíbrio. Apresentaremos algumas idéias e conceitos fundamentais para entender o
que o autor nos diz sobre a brincadeira
39
.
Para Piaget (1967/1999) existem, nas pessoas de todas as idades, necessidades
internas ou externas, constituindo-se em motivos que impulsionam as ações envolvendo
movimento, pensamento ou sentimento; este processo é denominado por ele de
equilibração, ou como uma tendência constante de estar em equilíbrio.
Conforme o referido autor, toda necessidade se processa através de dois
movimentos (assimilação e acomodação) da seguinte forma:
tende 1º a incorporar as coisas e pessoas à atividade própria do seu jeito, isto é,
assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas, e 2º a reajustar estas últimas em
39
Apresentaremos conceitos da obra piagetiana que têm relação direta com o tema deste trabalho. Ao
leitor interessado numa leitura detalhada, consultar Piaget, J. (1971). A formação do símbolo na criança.
Rio de Janeiro: Zahar.
64
função das transformações ocorridas, ou seja, acomodá-las aos objetos externos.
(1967/1999, p. 17)
Exploramos esses conceitos porque, segundo Piaget (1967/1999), o jogo
representa um momento em que estas funções não estão equilibradas, sendo que
acontece um predomínio da assimilação sobre a acomodação; o jogo é definido como
sendo a assimilação quase pura, onde o pensamento é orientado pela preocupação da
satisfação individual. Há uma diferença significativa entre essa afirmativa e o
pensamento de Vygotsky, já apresentado, de que no brinquedo há um esforço enorme da
criança de se submeter às regras. De acordo com este, conforme discutido
anteriormente, quando a criança se submete às regras proporcionadas pelo brinquedo e
abre mão de uma ação impulsiva, ela está buscando um prazer maior, o de brincar.
Diferente da perspectiva sócio-histórica que não tem grande preocupação na
classificação e caracterização do brinquedo, a obra piagetiana classifica os jogos a partir
da evolução das estruturas mentais, caracterizando três formas básicas de atividade
lúdica, de acordo com as etapas do desenvolvimento: os jogos de exercício, os jogos
simbólicos e os jogos de regras. O brincar do bebê com o próprio corpo é o primeiro
jogo do ser humano, caracterizado por ações que se repetem por prazer funcional. Os
jogos de exercício são as atividades lúdicas do período em que os bebês se adaptam e
organizam o mundo através das ações sensoriais e motoras, denominado como período
sensório-motor. Percebemos aqui uma similaridade com a perspectiva vygotskyana na
qual as atividades lúdicas dos primeiros anos de vida têm uma forte relação com a ação
motora. Para Vygotsky (1966/1984) a atividade do bebê é determinada pelas condições
na qual ocorre; a brincadeira, atendendo ao mesmo princípio, é uma atividade
subordinada à percepção.
65
A forma lúdica seguinte é o jogo simbólico, no qual a criança utiliza-se da
linguagem e do brinquedo para adaptar-se a um mundo que não compreende; sua função
é a satisfação dos desejos infantis e, conseqüentemente, seu equilíbrio afetivo e
cognitivo. Piaget (1967/1999, p.29) diz que “o jogo simbólico não é um esforço de
submissão do sujeito ao real, mas, ao contrário, uma assimilação deformada da
realidade ao eu”. Como o jogo simbólico pressupõe manifestação de uma capacidade,
ele está restrito às crianças que já têm domínio dessa capacidade.
Assim como Vygotsky, Piaget (1967/1999) discute a importância da função
simbólica no processo de desenvolvimento infantil; para este autor, a criança, quando
joga, elabora os desejos frustrados, conhece regras e papéis sociais, expande conceitos
(espaço, tempo e velocidade), desenvolve a inteligência e, através das contradições que
vivencia enquanto brinca, sai do mundo egocêntrico. O uso da imitação e representação
de papéis enriquece os processos de aprendizagem e, sobretudo, de desenvolvimento
saudável. Ao brincar, a criança tem oportunidade de errar, de tentar e arriscar para
progredir e evoluir.
A brincadeira com massa de modelar na turma de 03 anos da Creche Azul pode
ilustrar essa discussão:
Após uma atividade pedagógica, a educadora disse que todo mundo podia
brincar com a massinha.
As crianças começaram modelar a massinha.
Pesquisadora: O que vocês estão fazendo?
Criança 1: A cobra!
Um grupo de quatro crianças: Uma cobra!
As crianças faziam o som da cobra e falavam que a cobra morde.
Uma criança desmanchou a cobra e disse que estava fazendo um avião; fez o
barulho do avião e fez movimentos no ar dizendo que o avião estava voando.
66
As crianças que estavam próximas pediram para eu fazer um avião e eu sugeri
que elas pedissem para a criança que tinha feito o primeiro avião.
As crianças pediram e a criança fez.
Todos fizeram o barulho do avião voando.
Desmancharam e fizeram novamente avião, cobras e bolas.
Uma criança disse que estava fazendo um leão, outra disse que estava fazendo
um helicóptero.
Todas conversavam sobre os objetos que estavam modelando, comparavam e
mostravam uns para os ourtos.
A educadora avisou que estava na hora de almoçar.
Ao brincar de massa de modelar, por exemplo, a criança usa o conhecimento
que tem sobre cobras e aviões, adaptando-o à sua maneira e considerando as condições
contextuais, revive prazeres ou conflitos, resolvendo-os, compensando-os, ou seja,
completando a realidade através da ficção. O jogo simbólico é visto como um fator
fundamental da aprendizagem e desenvolvimento infantil na perspectiva piagetiana.
Os jogos de regras, para Piaget (1967/1999), estão presentes numa fase mais
avançada do desenvolvimento cognitivo, onde os processos mentais de uma criança
tornam-se lógicos e ela é capaz de diferenciar e integrar diversos pontos de vista, em
consonância com a idéia de Vygotsky já apresentada. A presença do outro possibilita o
caráter coletivo do jogo, envolvendo competição, desafio e regularidade.
Na teoria piagetiana a brincadeira é entendida como ação assimiladora, como
forma de expressão da conduta, como veículo na construção do conhecimento. Dessa
forma, de acordo com Piaget (1967/1999) a criança que tem oportunidade de participar
de muitos jogos e brincadeiras aprende a trabalhar em grupo e por ter aprendido a
aceitar as regras do jogo saberá também respeitar as normas sociais.
Apesar de Vygotsky e Piaget marcarem uma evolução na forma de brincar tendo
como linha norteadora o lugar que as regras ocupam nessa atividade, nosso foco não
67
está na compreensão das diferentes formas de brincar, mas em compreender como
qualquer brincadeira comparece na educação infantil e a implicação do professor neste
processo. Assim, um jogo estruturado previamente, contendo regras e objetivos
específicos, é foco do nosso interesse, desde que seja uma atividade na qual a criança
demonstre interesse e motivação, pelo prazer de estar brincando.
Um exemplo dessa situação é a atividade com massa de modelar a seguir, na
qual a professora tem como objetivo pedagógico a modelagem de uma letra que estava
sendo apresentada às crianças (letra i) e as crianças demonstram participar da atividade
pelo prazer de estar modelando e modificam a estrutura da mesma quando modelam
objetos diversos:
A educadora distribuiu massa de modelar para a turma e pediu que eles
modelassem a letra ‘i’ e as letras que conheciam.
As crianças começaram modelar sentadas nas carteiras.
Criança 1: Eu vou fazer um avião.
Criança 2: Eu vou fazer o saci pererê.
Algumas crianças se aproximavam da educadora, que estava rodando tarefa no
mimeógrafo e dizia: Ó tia, fiz a letra ‘i’.
Educadora: Muito bem.
Algumas crianças modelavam sozinhas, outras sentavam em duplas ou trios e
conversavam sobre o que estavam fazendo; aproximavam-se de mim mostrando
o que modelavam (as letras ‘i’, ‘a’, ‘o’, ‘x’).
Uma criança que estava sentada ao meu lado disse: Vou fazer um ovo de páscoa
e um ovo de galinha.
A criança fez uma bolinha e me mostrou.
Pesquisadora: É o ovo de páscoa ou o ovo de galinha?
Criança: De páscoa (e entregou para mim).
Pesquisadora: Hum, vou comer um pedaço.
Criança: Não pode, é massinha.
Pesquisadora: Vou comer de mentira.
Criança: Não pode.
68
Outra criança aproximou mostrando o que havia feito; mostrava, voltava para a
carteira, modelava um outro objeto e retornava sempre me perguntando: O que
é isso, tia?
Eu respondia ou perguntava para ela o que havia feito e ela respondia que era
um avião, uma bola, um helicóptero, um bigode, etc e sempre retornava para
fazer outro objeto.
A criança que estava o meu lado disse: Vamos cozinhar?
Pesquisadora: Vamos! Vamos fazer o que?
Criança: Um bolo, mas não pode comer porque é massa.
A educadora avisou que iam arrumar as tarefas no varal; todos ainda realizavam
a atividade de modelar com bastante entusiasmo; todo o tempo Ed ficou na
própria mesa, organizando as tarefas.
Após este diálogo com Vygotsky e Piaget sobre o nosso tema, faz-se necessário
clarear para o leitor quais são as possibilidades de atividades observadas no cotidiano da
criança de educação infantil que vamos considerar como brincadeira.
3.3. Brincar de que? Faz-de-conta, brincadeira, jogo ou brinquedo?
Brincadeira pra mim é brincar
livre, sem ninguém falar é isso,
isso, isso... deixar brincar sozinho,
do jeito que quer, a criança
escolhe o jeito de brincar.
(Educadora da turma de 03 anos
da Creche Verde)
Partindo dessas discussões sobre a brincadeira, especialmente nas perspectivas
teóricas sócio-histórica e interacionista, percebemos a presença de termos como
brincadeira, jogo, jogo educativo, jogo simbólico e brinquedo. Vamos explorar estes
termos para situar e clarear o nosso tema de estudo. Podemos visualizar a complexidade
da discussão envolvendo os termos no quadro que segue:
69
Quadro 1 – Termos envolvendo a temática da brincadeira
BRINCADEIRA
Froebel – atividade inata e espontânea da criança;
Kishimoto – condução de uma conduta estruturada, com regras.
JOGO
Froebel – atividade livre proposta pelas educadoras, na qual as
crianças utilizavam materiais como bolas, cubos e varetas,
tendo a finalidade de ensino;
Piaget – definido como sendo a assimilação quase pura, onde o
pensamento é orientado pela preocupação da satisfação
individual;
Brougère – objeto de uso tanto infantil quanto adulto, é definido
pela sua função lúdica, constituindo-se como jogo mesmo
quando não está na brincadeira;
Kishimoto – conjunto composto tanto pelo objeto como pelas
regras do jogo.
JOGOS DE
EXERCÍCIO
Piaget – atividades lúdicas do período em que os bebês se
adaptam e organizam ao mundo através das ações sensórias e
motoras, denominado como período sensório-motor.
JOGO
SIMBÓLICO
Piaget – a criança utiliza-se da linguagem e do brinquedo para
adaptar-se a um mundo que não compreende, sua função é a
satisfação dos desejos infantis e, conseqüentemente, seu
equilíbrio afetivo e cognitivo.
BRINQUEDO
Froebel – atividades livres que independem de objetos, tendo
um fim em si mesmo;
Vygotsky – mundo ilusório e imaginário criado pela criança em
idade pré-escolar para realizar desejos não realizáveis do seu
cotidiano; o pensamento está separado dos objetos e a ação
surge das idéias e não das coisas;
Brougère – objeto que a criança manipula livremente, sem estar
condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra
natureza;
Kishimoto – objeto de suporte da brincadeira.
JOGO
EDUCATIVO
Kishimoto – utilização do jogo na educação como auxiliar de
ensino
Começamos por Brougère (2004) que faz uma rica discussão envolvendo a
função e o valor simbólico do brinquedo e do jogo: conceitua o brinquedo como “um
objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a
princípios de utilização de outra natureza” (p. 13) e o jogo, objeto de uso tanto infantil
quanto adulto, é definido pela sua função lúdica, constituindo-se como jogo mesmo
quando não está na brincadeira. O autor estabelece o brinquedo como um objeto que
70
desperta imagens, dando sentido às ações da criança, afirmando que há o domínio do
símbolo. Já no jogo, o autor afirma que a função está presente antes mesmo do uso do
objeto. Mesmo não havendo um equilíbrio entre a presença do símbolo e da função no
brinquedo e no jogo simbólico, ambos estão sempre juntos. Vamos recorrer a uma
situação ocorrida na Creche Verde, na turma de 03 anos, para exemplificar o que
Brougère (2004) chama de brinquedo:
As crianças estavam fazendo uma tarefa de recorte e quando acabavam
recebiam massa de modelar da educadora; modelavam nas mesas.
A pesquisadora aproximou-se das mesas e perguntou o que estavam fazendo.
Criança: Brincando.
Pesquisadora: Mas estão fazendo o que com a massinha?
Crianças: Brincando.
Falavam sobre a atividade de modelar, uns com os outros; trocavam pedaços de
massa e interagiam de forma animada; mostravam para mim o que estavam
fazendo: bolas e cobras.
Todos ficaram em atividade com a massa de modelar por um tempo, arrastavam
as cobras sobre a mesa e rolavam as bolas.
A massa de modelar funciona como o que Brougère (2004) chama de brinquedo,
pois, tanto a matéria prima (massa) quanto o que é produzido por ela (bolas e cobras)
dão sentido às ações das crianças, não estando condicionados a regras.
A situação que segue, ocorrida na Creche Amarela enquanto as crianças da
turma de 03 anos estavam no pátio, pode demonstrar o que o autor chama de jogo:
Uma criança encontrou uma pequena bola de plástico e começou a chutá-la;
uma outra criança apareceu com uma bola maior e também começou chutar a
bola; as crianças corriam atrás das bolas.
71
A bola tem a função determinada socialmente de um objeto para ser chutado,
jogado ou rolado, mesmo quando não está na brincadeira. Apesar dessa distinção,
trataremos todos os objetos que dão suporte à brincadeira como brinquedo, conforme já
sinalizado.
Ao abordar o valor simbólico do brinquedo, Brougère (2004) apresenta também
duas categorias para o mesmo: matéria e representação. A matéria diz respeito à forma,
cor, textura, odor, ruído, etc, que fazem com que ele seja um objeto, independente de ser
um brinquedo, independente de ter a significação de brinquedo. Por outro lado, ao
brinquedo é destinada uma imagem da realidade e não uma reprodução da mesma e isto
ocorre através da representação. Para ilustrar estas categorias do brinquedo, na situação
que segue as crianças brincam com objetos de plástico, coloridos (matéria) que imitam
cavalos (representação):
Em sala de aula a educadora colocou o conteúdo de sacos contendo brinquedos
em cada mesa com quatro crianças: 1) peças de madeira (alfabeto e pequenas
peças do jogo ‘construtor’); 2) peças pequenas de plástico (animais e outras
peças); 3) peças pequenas de plástico (animais e outras peças); 4) bonecas.
Uma criança falou: Eba, eba, brinquedo!
(...)
Aproximei-me da mesa com animais de plástico.
Pesquisadora: E vocês, estão fazendo o que?
Criança 1: Com os cavalos.
Criança 2: Tão dormindo.
Criança 3: Esse ta bebendo água.
Criança 4: To fazendo um aniversário.
Criança 2: Os cavalo acordou.
(Creche Verde, turma de 04 anos)
72
Podemos citar também Kishimoto (1998), que, em sua extensa obra abordando o
jogo e a educação, trabalha com a perspectiva evolutiva da psicologia acerca da
brincadeira, onde os psicólogos atribuem um importante valor ao jogo simbólico no
processo de desenvolvimento infantil, sobretudo de 0 a 6 anos. A autora se ocupa da
classificação dos diversos termos envolvendo atividades lúdicas: adota o termo
brinquedo, assim como Brougère, como objeto de suporte da brincadeira, o termo
brincadeira como a condução de uma conduta estruturada, com regras, e jogo infantil
para designar o conjunto composto, tanto pelo objeto como pelas regras do jogo.
Uma outra discussão é apresentada por Kishimoto (1998) ao abordar a presença
e utilização do jogo na educação. A autora mostra que existem dois sentidos ao se
empregar objetos que dão suporte à brincadeira: quando os objetos utilizados criam
momentos lúdicos de livre exploração, nos quais a brincadeira tem um fim em si
mesmo, estes são classificados como brinquedos, mas quando os objetos servem como
suporte na aquisição de conhecimento, com a finalidade de ensino, são classificados
como material pedagógico
40
. Vamos retomar a situação com a massa de modelar
ocorrida na Creche Vermelha, turma de 04 anos:
A educadora distribuiu massa de modelar para a turma e pediu que eles
modelassem a letra ‘i’ e as letras que conheciam.
As crianças começaram modelar sentadas nas carteiras.
Criança 1: Eu vou fazer um avião.
Criança 2: Eu vou fazer o saci pererê.
Algumas crianças se aproximavam da educadora, que estava rodando tarefa no
mimeógrafo e dizia: Ó tia, fiz a letra ‘i’.
Educadora: Muito bem.
40
Sobre material pedagógico e jogo educativo, o leitor pode recorrer a Kishimoto, T. M. (1998). O jogo e
a educação infantil. São Paulo: Pioneira.
73
Algumas crianças modelavam sozinhas, outras sentavam em duplas ou trios e
conversavam sobre o que estavam fazendo; aproximavam-se de mim mostrando
o que modelavam (as letras ‘i’, ‘a’, ‘o’, ‘x’).
Uma criança que estava sentada ao meu lado disse: Vou fazer um ovo de páscoa
e um ovo de galinha.
A massa de modelar pode ser vista como material pedagógico ou brinquedo
nessa discussão de Kishimoto? Parece que um mesmo objeto funciona como material
pedagógico para a educadora e como brinquedo para as crianças. De acordo com esta
diferença estabelecida pela autora, reafirmamos o brinquedo como objeto presente na
brincadeira que iremos investigar. Essa diferenciação será retomada no momento
específico da análise do corpus desta pesquisa, pois entendemos, como na situação da
massa de modelar, que o educador pode ter um objetivo pedagógico ao empregar um
objeto na brincadeira, mas a criança, na mesma situação, pode redirecionar o objetivo
estabelecido inicialmente, existindo um limite tênue entre uma função e outra.
Ainda no âmbito educacional e de acordo ao exposto no Capítulo 1, o RCNEI
apresenta o termo ‘brincar’ em seu Volume 1, fazendo parte do item ‘Educar’.
Retomamos o documento porque, além se servir de referência para a construção dos
demais volumes do RCNEI, é um material acessível aos profissionais que trabalham
com crianças de 0 a 6 anos, mesmo não sendo obrigatório.
Em nenhum momento a discussão apresentada no RCNEI faz referência às
teorias ou teóricos que tratam do processo da brincadeira; mesmo assim, o documento
justifica a importância da brincadeira através de argumentos que indicam a apropriação
de outros discursos.
Podemos perceber, a partir dos termos empregados, que o discurso do RCNEI
acerca da brincadeira tem sua fundamentação teórica na psicologia, com ênfase nos
74
pressupostos piagetianos e vygotskyanos. No entanto, a argumentação nele apresentada
é pouco aprofundada e a concepção do processo é simplificada, conforme podemos
apreciar nos segmentos de textos:
Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem
experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os
sentimentos e os diversos conhecimentos (p. 28)
...uma criança que, por exemplo, bate ritmicamente com os pés no chão e imagina-se
cavalgando um cavalo, está orientando sua ação pelo significado da situação e por uma
atitude mental e não somente pela percepção imediata dos objetos e situações (p. 27)
No 1º segmento a proposta de propiciar a brincadeira tem relação com o
conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1966/1984), que diz
respeito ao percurso que a criança vai percorrer para desenvolver funções que estão em
processo de amadurecimento, conforme apresentamos neste capítulo.
No 2º segmento, o RCNEI trata da diferença existente entre a brincadeira como
uma ação proveniente da percepção ou como proveniente da atividade mental, sem
mencionar a origem desse discurso. No mesmo sentido, Vygotsky (19661984) apresenta
a diferença entre a brincadeira e a vida real, quando diz que no brinquedo a criança
subordina a ação ao pensamento e se esforça para se submeter às regras, diferente da
vida real que a ação está subordinada à percepção.
O RCNEI propõe um agrupamento para a brincadeira em três categorias,
conforme podemos observar nos segmentos:
O brincar apresenta-se por meio de várias categorias de experiências que são
diferenciadas pelo uso do material ou dos recursos predominantemente implicados (p.
28).
75
Estas categorias de experiências podem ser agrupadas em três modalidades básicas,
quais sejam, brincar de faz-de-conta ou com papéis, considerada como atividade
fundamental da qual se originam todas as outras; brincar com materiais de construção e
brincar com regras (p. 28).
Podemos considerar a categorização apresentada no 3º e 4º segmentos como uma
apropriação da obra piagetiana, que classifica os jogos a partir da evolução das
estruturas mentais, caracterizando três formas básicas de atividade lúdica, de acordo
com as etapas do desenvolvimento: os jogos de exercício, os jogos simbólicos e os
jogos de regras. Novamente, chama a atenção a superficialidade na construção do
discurso no RCNEI, que não deixa claro os pressupostos que justificam a categorização,
tratados como recursos predominantemente implicados, nem a relação sugerida entre
esta e o uso do material.
Novamente encontramos o emprego de signos, que tem origem na obra de
Vygotsky:
...para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a
atribuir-lhes novos significados (p. 27).
No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra
coisa daquilo que aparentam ser (p. 27).
O discurso do RCNEI, conforme o 5º e o 6º segmento, recorre à rica discussão
feita por Vygotsky (19661984) sobre ação e significado no brinquedo. Além de não
fazer referência à origem e autoria, não justifica com clareza o emprego desta discussão
que é empregada por Vygotsky para explicar as formas de brincar ao longo do
desenvolvimento.
76
O documento apresenta explicitamente pré-requisitos necessários para que
ocorra a brincadeira:
Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação isto implica que aquele
que brinca tenha o domínio da linguagem simbólica (p. 27).
Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus
companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e
enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca (p.
28).
O 7º segmento apresenta a linguagem simbólica como pré-requisito da
brincadeira e estabelece uma relação desta com a imaginação. Encontramos a origem
dessa relação entre brincadeira e imaginação na obra de Vygostsky (19661984) que
compreende o termo brinquedo como um mundo ilusório e imaginário criado pela
criança em idade pré-escolar para realizar desejos não realizáveis do seu cotidiano,
conforme vimos anteriormente. O discurso do RCNEI apenas apresenta o termo, mas
não o discute e não aprofunda as afirmações.
No mesmo trecho, a linguagem simbólica aparece como pré-requisito da
brincadeira. Mas, seria de qualquer forma de brincar? Piaget (19671999) apresenta a
linguagem como elemento essencial do jogo simbólico, no qual a criança utiliza-se da
linguagem e do brinquedo para adaptar-se a um mundo que não compreende e sua
função é a satisfação dos desejos infantis e, conseqüentemente, seu equilíbrio afetivo e
cognitivo. Podemos perceber a apropriação de pressupostos piagetianos, mas não existe
referência feita ao autor.
O 8º segmento também apresenta elementos essenciais para que ocorra a
brincadeira, sem que exista o mínimo de justificativa acerca dos mesmos. Temos a
expressão ‘certa independência’ no discurso do documento, que, além de ser imprecisa,
77
não é discutida. Por outro lado, os termos ‘tema’ e ‘enredo’ apresentam-se
completamente soltos e, mais uma vez, sem discussão.
O referido documento aponta o professor como o responsável, no espaço da
educação infantil, por possibilitar e ajudar a criança na estruturação da atividade de
brincadeira, mas não explora as formas de brincar, com a justificativa de ser apenas um
referencial que indica diretrizes de ação.
Além destas referências, existe uma variedade de autores com conceitos e
termos para tratar do tema brincadeira, mas vamos nos voltar para a perspectiva teórica
que norteia esta pesquisa. Conforme vimos antes, Vygotsky (1966/1984) emprega o
termo brinquedo fazendo referência ao processo e não ao objeto, para designar a solução
encontrada pela criança em idade pré-escolar para resolver a tensão de não poder
realizar os seus desejos de imediato, ou seja, a criança envolve-se num mundo
imaginário e realiza os seus desejos brincando. Considera que neste brinquedo existem
regras que são originadas na própria situação imaginária. Piaget (1967/1999) chama de
jogo simbólico a atividade na qual a criança utiliza-se da linguagem e do brinquedo para
adaptar-se a um mundo que não compreende, estabelecendo como função deste jogo a
satisfação dos desejos infantis.
Essa especificidade do brinquedo explorada por Vygotsky, com relação aos
elementos imaginação e regras, não dá conta de todas as possibilidades de brincadeiras
que surgem entre as crianças, conforme exemplo que segue, fruto da observação do
recreio da turma de 03 anos na Creche Azul:
Algumas crianças ficavam correndo, pulando e gritando no pátio.
A pesquisadora perguntou a uma criança que estava correndo: Você está
fazendo o que?
Criança : Brincando
78
Pesquisadora: Brincando de que?
Criança: De correr.
Pesquisadora: Como é brincar de correr? Mostra pra mim!
A criança saiu correndo e se jogou no chão; fez isso várias vezes, rindo e
gritando, como as outras.
Não conseguimos identificar explicitamente um conteúdo imaginário na
‘brincadeira de correr’ descrita acima, que envolve os movimentos do corpo da criança
e uma aparente alegria e prazer.
Na medida em que escolhemos investigar a brincadeira no espaço da educação
infantil e diante de todas as discussões e definições envolvendo os fenômenos da
brincadeira, jogo e brinquedo percebemos que um único conceito não dá conta de
abarcar esse processo; encontramos em Leontiev uma discussão fundamental,
apresentando a importância desta atividade no desenvolvimento infantil, a partir do
conceito de atividade dominante.
Leontiev (1972) considera como dominante a atividade
sob a forma da qual aparecem e no interior da qual se diferenciam tipos novos de
atividade (...) na qual se formam ou se reorganizam os processos psíquicos particulares
(...) de que depende o mais estreitamente as mudanças psicológicas fundamentais da
personalidade da criança observadas numa dada etapa do seu desenvolvimento (p. 311)
Para Leontiev (1972) a atividade é um elemento que aborda os processos
psicológicos e está presente no desenvolvimento da criança, definindo a mesma como
“os processos que são psicologicamente determinados pelo fato de aquilo para que
tendem no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento objetivo que
incita o paciente a uma dada atividade, isto é, com o motivo” (p. 315), sendo este
processo associado a emoções e sentimentos. Para o autor nem todo processo pode ser
79
considerado como atividade e para ser considerado como tal, um processo deve
responder a uma necessidade que lhe é própria.
A tarefa de compreender a brincadeira como atividade à luz da proposta de
Leontiev é um desafio, pois o próprio autor considera difícil analisar um processo e
defini-lo como atividade ou não porque é necessário definir o que o determinado
processo representa para o indivíduo. Em nosso caso, o que a brincadeira representa
para a criança e para o educador.
De acordo com Leontiev (1972) a atividade é constituída por ações que podem
ser vistas como processos cujos motivos não coincidem com o seu objetivo; o autor
estabelece uma relação entre atividade e ação que nos interessa na análise da
brincadeira: pode haver o deslocamento do motivo de uma atividade, tornando-se a
finalidade de uma ação e desta forma a ação transforma-se em atividade. Leontiev
(1972) diz que neste caso ocorre o nascimento de uma nova atividade.
Observamos em nossa pesquisa de campo que, na maior parte das vezes, as
brincadeiras propostas pelas educadoras com um objetivo pedagógico podem ser
consideradas atividade de brincadeira para as crianças, pois as crianças compreendem as
instruções dadas, mas brincam com o objetivo de estar no processo, demonstrando um
deslocamento do motivo, como ilustrado abaixo:
A educadora saiu para pegar um material e voltou dizendo: Eu vou ser o Sr.
Lobo e a música é assim: (cantou) Vou passear na floresta... enquanto seu lobo
não vem...
A educadora cantou e usou objetos como toalha e sabonete para representar o
lobo tomando banho, enxugando, penteando o cabelo, etc; todas as crianças
prestaram atenção.
A educadora convidou a turma para ficar de pé e fazer os gestos da música;
todos participaram imitando os gestos de tomar banho, enxugar o corpo, pentear
o cabelo, escovar os dentes, etc.
80
As crianças riam muito e faziam os gestos, imitando a educadora e
acompanhando a mesma, cantando a música.
(Creche Azul, turma de 03 anos)
A atividade proposta pela educadora tem o objetivo pedagógico de apresentar os
hábitos de higiene e trabalhar as habilidades motoras, ou seja, a brincadeira é um modo
de aprender; mas as crianças demonstram claramente que brincam tendo como motivo a
atividade em si, apresentando também o sentimento de alegria por estar na atividade.
Interessa-nos compreender de que forma o educador lida com essa situação na
qual a criança se envolve, a brincadeira, que consideramos de acordo com Leontiev
(1972) atividade dominante pela importância que tem no processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança.
O educador é responsável por permitir e proporcionar materiais e espaços, ou
seja, os meios para que a criança brinque, assim como agir sobre esta atividade.
Conforme apresentamos na situação acima, essa brincadeira surge quando a criança está
no meio de uma atividade pedagógica, podendo também acontecer durante uma
atividade de rotina, como lanche, fila ou escovação dos dentes. De que forma o
educador lida com essa brincadeira e de que forma a criança responde ao que é proposto
ou possibilitado pelo educador? Vamos retomar estas questões na composição do
corpus.
Para finalizar esta discussão acerca dos conceitos, retomamos o termo brinquedo
que tratamos como objeto suporte da brincadeira. Apesar de considerarmos o brinquedo
como fonte e estímulo da brincadeira, entendemos que a falta de um objeto com a
função lúdica não exclui a possibilidade da brincadeira, ou seja, a brincadeira está além
do brinquedo, como ilustrado nesta situação ocorrida na Creche Vermelha, com a turma
de 03 anos:
81
A turma estava no pátio em horário de recreio e espontaneamente fez uma roda
e cantou a música ‘atirei o pau no gato’.
Eu estava com uma máquina fotográfica e uma criança pediu para tirar uma
foto do cachorro; perguntei qual cachorro e ela foi para o centro do pátio com
outras crianças e ficaram de quatro e começaram imitar o latido de um
cachorro.
3.4. A cultura lúdica na creche
Eu faço de conta com eles. Esse
ano é o ônibus, tem uma música do
ônibus no Cd, toda vez que toca
eles querem arrumar as cadeiras em
fileiras...
A diretora fala: O que é isso?
Eu respondo: O ônibus! Os
meninos tão no ônibus viajando,
depois eles arrumam!
A gente já criou esse negócio de
que bagunçou tem que arrumar,
então, eles arrumam... e eu entro na
brincadeira também.
(Educadora da turma de 04 anos da
Creche Verde)
Na perspectiva sócio-histórica, retomaremos Brougère (2002), com quem
compartilhamos o ponto de vista de que a brincadeira é uma atividade de significação
social passível de aprendizagem e que este processo de aprendizagem tem um campo
fértil para o seu início nas brincadeiras estabelecidas entre mãe e bebê; este último
funcionando muito mais como um brinquedo para a mãe, que dá significado e sentido à
situação, pois o bebê ainda é passivo nesta relação e isso vai mudando com o tempo, na
medida em que ele se desenvolve, inclusive a partir do desenvolvimento motor que lhe
possibilita uma maior independência.
Esta postura frente ao brincar chama a atenção para a presença da cultura como
algo que define a atividade da brincadeira. E, partindo desta perspectiva, só há
82
possibilidade de aprender brincar, brincando. Neste sentido, o autor propõe a existência
de uma cultura lúdica, como um “conjunto de regras e significações próprias do jogo
41
que o jogador adquire e domina no contexto de seu jogo” (p. 23). Nesta perspectiva,
podemos pensar na presença da cultura lúdica na creche como um conjunto de regras e
significações próprias da brincadeira que a criança adquire e domina no contexto da
brincadeira no espaço da educação infantil, assim como a cultura lúdica do educador.
Para facilitar a nossa compreensão apresentaremos a descrição que Brougère
(2002) faz de cultura lúdica infantil, mas presente também no adulto: a) “...um conjunto
de procedimentos que permitem tornar o jogo possível” (p. 24). Quer dizer esquemas e
interpretações por parte das pessoas que estão envolvidas num contexto no qual ocorre o
jogo para que seja permitida e compreendida uma brincadeira. No espaço da educação
infantil, essas pessoas são os educadores, as crianças e demais adultos que fazem parte
desse cotidiano; b) “...compreende evidentemente estruturas de jogo que não se limitam
às de jogos com regras” (p. 24), ou seja, evidencia-se aqui a importância de entrarmos
em contato com o cotidiano das instituições de educação infantil, pois as características
do fenômeno da brincadeira dependem dos hábitos e do contexto envolvido,
considerando a brincadeira como um processo vivo e não como um objeto, e: c) “... se
apodera de elementos da cultura do meio-ambiente da criança para aclimatá-lo ao jogo”
(p. 25), a característica que chama a atenção para a existência de uma cultura mais
ampla que está além de cultura lúdica das pessoas envolvidas no jogo e que deve ser
considerada como mais um critério na produção desta última.
Na medida em que a criança freqüenta a educação infantil, este ambiente
constitui-se num dos espaços de produção desta cultura lúdica, incluindo as relações
41
O termo jogo, utilizado por Brougère (2002) para discutir a cultura lúdica, para nós tem o significado
de brincadeira.
83
entre as crianças, entre crianças e adultos e também entre as crianças e os objetos. No
próximo capítulo vamos conhecer a cultura lúdica das instituições de educação infantil
da rede pública de Vitória da Conquista que fizeram parte desta pesquisa a partir das
situações observadas nas creches e das falas das educadoras.
84
Capítulo 4
Composição do Corpus: Hora de Brincar na Creche
É importante reafirmar que essa é
uma possibilidade. Os estudos do
cotidiano não oferecem garantias e
as metodologias de pesquisa
rascunhadas recusam a definição
de etapas, procedimentos,
instrumentos, teorias que mostrem o
caminho seguro para o encontro da
verdade.
(Maria Teresa Esteban)
Com a finalidade de compreender de que forma a brincadeira comparece na
educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista, partimos para a observação
nas 04 instituições. Entramos em contato com as diretoras para agendarmos a primeira
visita com o intuito de apresentar o projeto de pesquisa e marcar as datas das primeiras
observações. As diretoras foram solícitas e ouviram com atenção a explanação sobre os
objetivos da pesquisa, assim como sobre os procedimentos que seriam adotados por nós:
observação da rotina na creche e entrevista com as educadoras.
Cada instituição recebeu um projeto contendo os principais passos do estudo e
os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B e C) que deveriam ser
assinados pelas diretoras e educadoras antes do início do nosso trabalho. As diretoras
indicaram as educadoras responsáveis pelas turmas de 03 e 04 anos, conforme
sinalizado no projeto e marcamos as datas da primeira semana de observações; as
demais datas foram marcadas nas observações subseqüentes, sempre com antecedência.
As turmas observadas têm a caracterização geral conforme exposto a seguir na Tabela 5.
85
Tabela 5.
Caracterização geral das turmas observadas
Creche Faixa etária N° crianças Profissional
Responsável
42
Turno de
Atendimento
Turno
Observado
Vermelha 03 anos 25 monitora integral tarde
Vermelha 04 anos 25 professora manhã manhã
Azul 03 anos 24 professora integral manhã
Azul 04 anos 24 monitora tarde tarde
Amarela 03 anos 25 monitora
43
integral manhã
Amarela 04 anos 25 professora tarde tarde
Verde 03anos 30 monitora integral manhã
Verde 04 anos 30 professora manhã manhã
O período de observação aconteceu entre os dias 06 de março e 11 de maio de
2006, conforme contabilizado na Tabela 6, respeitando o horário de funcionamento e
dinâmica de cada instituição, considerando o turno de trabalho de cada educadora.
Tabela 6.
Número de observações feitas em cada turma, por turno
Turno e N° de Observação por Turma Observação
Creche
Turma de 03 anos Turma de 04 anos
Creche Vermelha 04 - tarde 04 - manhã
Creche Azul 06 - manhã 05 - tarde
Creche Amarela 05 - manhã 04 - tarde
Creche Verde 04 - manhã 04 - manhã
42
As profissionais responsáveis pelas turmas estão divididas entre professoras e monitoras. Professoras
são as profissionais que têm como formação mínima a oferecida em nível médio, na modalidade Normal e
monitoras são profissionais que tem como formação mínima o fundamental maior.
43
A turma de 03 anos da Creche Amarela conta com duas monitoras em cada turno.
86
4.1. O contato com a brincadeira
Eu acho que brincadeira é um jeito
da gente tornar a vida mais bonita,
tanto é que brincar todo mundo
brinca, adulto brinca também... é
por isso que eu gosto de brincar
(risos)...
(Educadora da turma de 04 anos da
Creche Verde)
Tendo em vista a apresentação feita no Capítulo 1 dos princípios que norteiam a
prática na educação infantil no momento atual, a partir do RCNEI e a discussão sobre a
brincadeira que apresentamos no Capítulo 3, iniciamos nossa inserção num cotidiano de
muitas tramas e interações, com o propósito maior de compreender como a brincadeira
comparece na rotina da educação infantil dessas instituições e o papel das educadoras
nesse processo. Algumas questões nos acompanharam durante essa jornada:
O contexto social de surgimento das brincadeiras;
O contexto material de surgimento das brincadeiras, com ênfase nos
objetos utilizados;
Os sujeitos crianças envolvidos nas brincadeiras;
A participação das educadoras nas brincadeiras;
Os objetivos das brincadeiras à luz do conceito de atividade (Leontiev,
1972);
As características das brincadeiras.
A pesquisa de campo foi uma tarefa de construção de conhecimento durante três
meses de trabalho diário, construindo o corpus num processo constante de reflexão e
diálogo com o referencial teórico adotado. As idas e vindas que fizemos do corpus ao
referencial teórico refletem uma necessidade de compreender a singularidade das
87
situações observadas, que também fazem com que procedimentos individuais
semelhantes configurem processos coletivos distintos (Estaban, 2003). Encerrado o
período de observação, marcamos diretamente com as educadoras os locais e horários
para a realização das entrevistas, que ocorreram entre os dias 15 de maio e 02 de junho
de 2006.
Foi realizada uma entrevista com cada educadora (Apêndice D), seguindo um
roteiro previamente estruturado, com questões abertas e fechadas, guardando a
possibilidade de novas questões surgirem ao longo das entrevistas, pois reconhecemos a
singularidade em cada processo. As questões foram estruturadas buscando dar conta dos
seguintes aspectos:
Identificação geral, formação e experiência da educadora;
Caracterização do vínculo com a instituição e contexto social neste
espaço;
Caracterização da turma atual;
Planejamento e rotina de trabalho, envolvendo atividades realizadas;
Concepção acerca da brincadeira, desenvolvimento e aprendizagem;
Dados pessoais e subjetivos acerca do tema brincadeira.
As observações foram registradas num diário de campo e as entrevistas foram
gravadas para transcrição posterior.
Partindo de uma perspectiva sócio-histórica, a proposta de trabalhar com
procedimentos qualitativos atendeu a necessidade de realizar uma interpretação mais
profunda, voltada para a elucidação, conhecimento e compreensão da brincadeira,
ultrapassando o alcance somente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem. Nesta
perspectiva empregamos a análise de conteúdo apresentada por Minayo (2000) como
um processo que parte de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível que
88
ultrapasse os significados manifestos, e faz isso relacionando significantes e
significados dos enunciados numa articulação entre o texto e os diversos fatores que o
determinam: contexto cultural, variáveis psicossociais e processo de produção da
mensagem. Embora o trabalho seja norteado pela análise do conteúdo, o nosso objetivo
de trabalhar com o significado dos dados encontrados ultrapassa a análise de conteúdo
clássica de Bardin (1977/2000) que valoriza as inferências estatísticas.
Dentre as modalidades em análise de conteúdo apresentadas por Minayo (2000) a
análise temática atende a especificidade do nosso objeto de estudo. Esta modalidade
“consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja
presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”
(Minayo, 2000, p. 209). Em nosso estudo estes núcleos de sentido foram construídos a
partir do referencial teórico e da emergência de temas ao longo da construção do
corpus, fruto da pesquisa de campo, corroborando com a idéia de Esteban (2003, p.
130) de que “não há trajetos predefinidos, lineares, cujos pontos de partida sejam fixos e
os pontos de chegada previsíveis”.
De posse de todos os registros escritos e inundadas de sentimentos, impressões e
expectativas, partimos para a pré-análise que consistiu na leitura de todo o material
construído, fruto das observações e entrevistas, no sentido de nos aproximar dos
sentidos e significados contidos nestes documentos. Mesmo tendo como foco a
atividade da brincadeira, tivemos sempre o cuidado de registrar os diversos momentos
que compuseram as observações.
Decidimos por não utilizar todas as observações feitas, citadas na Tabela 6 (p. 85
deste capítulo), em função de não ter havido uma identidade com relação ao número de
vezes que estivemos em cada instituição ou turma, pois, conforme dito anteriormente,
respeitamos a dinâmica de cada instituição. Fomos afetadas com o que Esteban (2003)
89
diz dos participantes da pesquisa que, teimosos, não se deixam traduzir como objetos de
pesquisa e se movem segundo seus próprios percursos, parecendo ignorar os roteiros
organizados pelos pesquisadores. Ao longo dos dois meses, não foram poucas as vezes
em que as atividades foram suspensas nas instituições em função de assembléia de
funcionários e professores junto aos sindicatos, ausência do educador, reunião
pedagógica, datas comemorativas, feriados e a deflagração de uma greve de professores
em meados do mês de maio.
Sendo assim, como não fizemos o mesmo número de observações em cada
instituição, decidimos empregar um número equivalente de observações para cada
turma com a finalidade de analisar o tema brincadeira. Trabalhamos com 03
observações por turma, na totalidade da sua extensão, ou seja, 12 períodos (turno
completo) de observação. Fizemos essa escolha considerando períodos integrais que
ficamos no espaço, do início ao fim das atividades por turno, em dias alternados.
O primeiro passo foi identificar, ao longo do texto referente às observações
selecionadas, o tema central da nossa pesquisa, ou seja, todas as vezes que surgiram
situações envolvendo qualquer tipo de brincadeira e organizar esse material, recortando-
o do conjunto geral de atividades que ocorreram nas instituições. Essa organização
proporcionou uma compreensão geral da atividade da brincadeira na educação infantil.
90
4.2. Brincadeira tem hora
Rotina é o que faz desgastar o
professor, aliás, acho que qualquer
profissional, caiu na rotina,
pronto, é um desgaste, aí você fica
sem saber se você quer levar
aquilo adiante ou não. Tem que
estar sempre buscando uma coisa
nova; as vezes eu nem planejo uma
coisa, eu vi o objeto, eu quero
levar, eu levo pra enriquecer na
sala.
(Educadora da turma de 04 anos da
Creche Amarela)
Podemos afirmar que a brincadeira ocupa um lugar no cotidiano da educação
infantil, pois em todos os dias observados ocorreram situações de brincadeira, sendo
que existe uma freqüência maior desta atividade nas turmas de 03 anos. E, a partir da
leitura do material fruto das observações, construímos três grandes núcleos de sentidos
que envolvem o nosso tema:
1. Brincadeira possibilitada pela educadora;
2. Brincadeira proposta pela educadora;
3. Brincadeira iniciada pelas crianças, independente de ser proposta ou
possibilitada pela educadora.
A brincadeira faz parte de um contexto amplo ao qual recorreremos para clarear
a compreensão daqueles que não estiveram em campo. Iniciamos por pontuar que,
independente de existir um planejamento diário das atividades que são realizadas na
educação infantil, conforme o discurso da educadora da turma de 04 anos da Creche
Amarela sobre o planejamento, durante a entrevista: “Olha, eu não sou daquele tipo que
coloco tudo na ponta do papel, não. Às vezes eu anoto ali só o conteúdo que eu quero
trabalhar, só pra eu me organizar, mas eu não coloco assim o passo a passo não”,
91
existe uma rotina clara no dia-a-dia dessas instituições. Uma rotina que faz com que o
cotidiano seja composto por atividades bastante semelhantes ao longo dos dias.
Quando solicitamos que as educadoras descrevessem a rotina, a maioria fez de
forma imprecisa, como a educadora da turma de 04 anos da Creche Azul:
No caso, o caderno da gente tem assim: primeiro momento, atividade de rotina;
segundo momento que a gente vai desenvolver as tarefas deles, terceiro
momento o lanche (...) quarto momento, recreio... não, o terceiro momento é
lanche e recreio e no quarto momento começa a atividade novamente ou o
término da tarefa e depois prepara pra ir embora.
Diferente das demais, a educadora da turma de 04 anos da Creche Verde fez um
relato pormenorizado da rotina:
Então, eles chegam e trocam de roupa. De oito e quinze até as nove é o
momento da rodinha que também não dá pra ser muito comprido porque eles
perdem a atenção, o tempo de atenção deles é curto. Aí vem o lanche, que vai
de nove até nove e quinze e aí a creche tem um negócio, todo mundo tem que
sair da sala depois do lanche pra poder limpar, tem isso também, mais tempo
que é perdido. Nesse momento eu inventei de contar sempre história lá no pátio
ou fazer alguma atividade de psicomotricidade pra ver se ocupa, porque outras
turmas ficam sentadas esperando ‘vamos sentar pra esperar a tia limpar a
sala’, aí dez, quinze minutos são perdidos. Depois que eles voltam do banheiro
a gente tem que esperar os de 03 anos voltar pra poder ir a minha turma
porque os de 03 anos vão primeiro, nesse tempo aí nem sempre dá pra começar
contar a história porque se eu começar contar a história a história vai ser
interrompida porque quem chegou com os de 03 anos não quer esperar eu
acabar de contar história pra poder levar os meus não, tipo assim ‘meu
trabalho tem que ser feito logo, problema seu se você ta aí esperando’, aí leva e
volta, aí eu canto com eles, brinco, faço brincadeira que possa ser interrompida
rapidinho pra poder levar e voltar. Aí, de umas nove e meia até dez e meia é o
horário da atividade dirigida, é o que a gente fica na sala mesmo, dez e meia é
92
o horário do parque, de dez e meia as onze, as vezes eu burlo isso aí, eu
aumento meu horário de atividade e vou até umas dez e quarenta e cinco, aí é
de dez e meia a onze o parque ou pátio, aí fica de onze a onze e meia é o
horário que a gente volta pra sala, aí onze e quinze é o horário que o almoço já
ta chegando, então, esses quinze minutos aí ficam meio que perdidos, eu acabo
esticando aquele horário, aumento de dez até dez e quarenta e cinco, mais ou
menos, vou mais tarde pro parque ou pro pátio e volto já praticamente na hora
do almoço, pra lavar a mão e voltar pro almoço.
O discurso desta educadora de uma turma de 04 anos chama a atenção para a
presença do tempo e da espera na rotina das instituições observadas. As situações que
iremos analisar, ainda que digam respeito à brincadeira, fazem parte de um cotidiano
que parece engessado por atividades que envolvem o cuidado, havendo sempre uma
espantosa marca do tempo: hora de chegar, hora de trocar a roupa, hora do café, hora de
ir ao banheiro, hora de lavar as mãos, hora de orar, hora de almoçar, hora de dormir,
hora de ir embora. A marca do tempo também aparece na hora de esperar: as crianças
estão sempre esperando todas essas horas.
Percebemos que a maioria das educadoras faz referência à necessidade de
ausência da brincadeira durante a realização das atividades pedagógicas e de rotina, e
empregam expressões recorrentes que indicam sempre que não está na hora de brincar;
ilustramos tais posicionamentos nos segmentos de discurso que seguem, que ocorreram
durante as observações:
1
Educadora: Olha! Não tá na hora de brincar. Ta na hora de esperar a
merenda que já vai chegar.
(Creche Verde, turma de 03 anos)
93
2
Educadora: Não tá na hora de brincar; eu não mandei. Agora é a tarefa.
(Creche Vermelha, turma de 04 anos)
3
Educadora: Tá na hora de brincar? Não! Eu não estou brincando! Não é hora
de brincar!
(Creche Azul, turma de 04 anos)
Observamos outra marca que é a promessa da brincadeira como recompensa por
bom comportamento, conforme discurso a seguir:
4
Educadora: Todo mundo sentadinho; depois que eu pentear o cabelo, vou dar
massinha, mas só pra quem estiver quieto.
(Creche Vermelha, turma de 03 anos)
Assim como constatamos que há a promessa acerca da supressão da brincadeira
em decorrência de mau comportamento das crianças; uma promessa que nem sempre se
cumpre, por exemplo:
5
Educadora: Já sabe, o nosso combinado é que se bater no coleguinha não pode
brincar.
(Creche Verde, turma de 03 anos)
Os posicionamentos que foram observados com relação à brincadeira e rotina
serão retomadas no momento em que estivermos analisando de forma específica as
situações de brincadeira e todo o contexto que envolve este processo.
94
4.3. O contexto social da brincadeira
Olha, na brincadeira livre, eu acho
que eles entre si... com o brinquedo
deles, ou com o concreto, eu acho
que eles... não sei... se você orienta
eles tão ali ligados naquela
orientação que você deu e o livre
eles ficam ali todos, entre eles pra
conversar... as vezes você fica
observando quantas coisas sai
naquela brincadeira ali...
(Educadora da turma de 04 anos da
Creche Azul)
Vamos analisar, de forma detalhada, o que chamamos de brincadeira
possibilitada pela educadora, brincadeira proposta pela educadora e brincadeira iniciada
pelas crianças. Recorremos aqui ao conceito de brincadeira contido no RCNEI,
apresentado no primeiro e terceiro capítulo deste trabalho, a saber: a brincadeira como
uma linguagem simbólica e infantil que ocorre no plano da imaginação e depende da
realidade para fornecer-lhe conteúdo necessário para a sua realização. Neste momento
nos interessa exatamente o papel que este documento atribui à educadora como
responsável, no espaço da educação infantil, por possibilitar e ajudar a criança na
estruturação dessa atividade, como vamos analisar nas situações:
Situação 1
A educadora estava na sala e falou com a turma que estava na hora do recreio e
que eles podiam ir para o pátio.
A turma saiu correndo para o pátio; a educadora saiu e outra profissional da
creche ficou observando a turma.
As meninas sentaram em grupos na areia e os meninos correram em direção às
manilhas de concreto que têm formato de túnel.
95
Aproximei-me das meninas e perguntei o que estavam fazendo. Elas
responderam que estavam fazendo bolo.
Todas faziam montinhos com a areia, colocavam pequenos gravetos sobre o
montinho e cantavam parabéns, batiam palmas.
Alguns meninos corriam e tentavam subir nas manilhas, outros passavam por
dentro das mesmas.
Ficaram nesta atividade por um tempo, até que a educadora retornou e chamou a
turma porque iam se organizar para o almoço.
(Creche Azul, turma de 03 anos)
Situação 2
A educadora chamou a turma para o pátio para brincar; despejou uma caixa de
brinquedos no chão.
Cada criança pegou mais de um brinquedo; eram bonecas de pano, ursos de
pelúcia, carrinhos, animais de borracha e bonecos construídos com sucata (na
maioria, tampas).
Algumas crianças saíram correndo com os brinquedos nas mãos; outras crianças
ficaram sentadas nos bancos com os brinquedos nas mãos.
A educadora sentou num banco e ficou observando o grupo; solicitava cuidado
às crianças que estavam correndo.
Algumas das crianças que estavam sentadas realizavam uma atividade com os
brinquedos; quando eu me aproximava, as crianças paravam a atividade.
Duas crianças sentaram no chão, trocaram os brinquedos e mexiam nos
brinquedos.
Algumas crianças sentavam e narravam as próprias ações com os brinquedos;
ninavam bonecas, faziam filas com os animais de borracha, conversavam com
as bonecas e os animais.
Uma criança falou com a boneca: Vem filha, vamos passear.
A atividade que predominava era a de correr.
(Creche Verde, turma de 03 anos)
Situação 3
A educadora avisou que estava na hora do recreio e todos foram para o pátio.
Havia mais de uma turma no pátio.
As crianças corriam livremente pelo pátio, individualmente ou em pequenos
grupos.
96
A educadora andava pelo pátio.
(Creche Vermelha, turma de 04 anos)
Situação 4
Uma das educadoras saiu da sala e voltou com o aparelho de som; colocou uma
música e a maioria das crianças começou a dançar; eram cantigas de roda.
As educadoras estavam sentadas conversando.
As crianças estavam pulando, subindo e descendo das cadeiras, correndo pela
sala e dançando.
Tiraram os sapatos, rodavam, riam e gritavam bastante.
Ficaram nesta atividade por uns minutos.
A educadora mandou todos sentarem para ouvir música; ficaram assim até a
hora de lavar as mãos para o almoço.
(Creche Amarela, turma de 03 anos)
A brincadeira possibilitada pela educadora tem uma relação próxima com um
momento da rotina presente em todas as creches, a hora do recreio, conforme demonstra
as Situações 1, 2 e 3. Com o objetivo de recreação, as educadoras, apesar de não
fazerem parte da atividade, possibilitam o espaço do pátio com o material que existe
neste local, para que as crianças brinquem livremente.
A partir do conceito de cultura lúdica como um “conjunto de regras e
significações próprias do jogo que o jogador adquire e domina no contexto de seu jogo”
(Brougère, 2002, p. 23), podemos dizer que o recreio carrega a significação própria da
brincadeira na creche e as crianças observadas já adquiriram esse significado, pois basta
ouvir “tá na hora do recreio” para todos saírem correndo e logo começarem uma
brincadeira. O recreio no pátio se constitui como o espaço legitimado da brincadeira.
Esta interpretação feita a partir das observações pode ser fortalecida através do discurso
de todas as educadoras nas entrevistas, diante da pergunta acerca dos espaços físicos nos
quais ocorrem as brincadeiras nas instituições; como exemplo, podemos citar:
97
6
Educadora: No pátio e lá na areia.
(Educadora da turma de 04 anos, Creche Azul)
7
Educadora: Se não for na sala é aqui no pátio, não tem outro lugar.
(Educadora da turma de 03 anos, Creche Vermelha)
8
Educadora: Na sala, no parque, no pátio, na sala de alguma colega pra assistir
algum filme.
(Educadora da turma de 03 anos, Creche Verde)
O discurso da educadora da turma de 04 anos da Creche Azul indica que a sala
não é um espaço para brincadeira e o discurso da educadora da turma de 03 anos da
Creche Vermelha nos diz de uma insatisfação com relação à escassez de espaços para
brincar.
Retomando as situações 1, 2, 3, e 4, em todos os casos as crianças interagem
entre si em pequenos grupos, compartilhando os objetos que dão suporte às
brincadeiras, conversam e riem. Em consonância com essas observações, as educadoras
responderam nas entrevistas que as crianças preferem brincar em grupo a sozinhas.
Nas Situações 1 e 4 as crianças empregam os elementos do meio em que estão
na realização das brincadeiras: na Creche Azul as meninas faziam montinhos com a
areia, colocavam pequenos gravetos sobre os montinhos para cantar parabéns e os
meninos corriam e tentavam subir nas manilhas, enquanto outros passavam por dentro
das mesmas, ilustrado nas figuras 9 e 10; na Creche Amarela as cadeiras foram usadas
numa brincadeira de subir, descer e pular das mesmas. Os objetos que dão suporte às
brincadeiras não têm uma função lúdica a priori, mas ganham este significado à partir
das ações das crianças.
98
Figura 9 e 10. Brincadeira no pátio de areia, turma de 03 anos, Creche Azul
Na Situação 2 (Creche Verde) os objetos que dão suporte à brincadeira são
aqueles que Brougère (2004) classifica como brinquedos porque representam a
realidade e dão sentido às ações das crianças; neste caso, as bonecas representam bebês
que dão sentido às ações de ninar das crianças, vejamos:
Algumas crianças sentavam e narravam as próprias ações com os brinquedos;
ninavam bonecas, faziam filas com os animais de borracha, conversavam com
as bonecas e os animais.
Uma criança falou com a boneca: Vem filha, vamos passear. (Situação 2,
Creche Verde, turma de 03 anos)
Em decorrência da possibilidade criada pela educadora, as crianças constroem
situações lúdicas de faz-de-conta na Situação 1, quando cantam parabéns com o bolo
feito de areia e na Situação 2 quando a criança, tomando para si o papel de mãe, trata a
boneca como uma filha; ou constroem situações lúdicas envolvendo o corpo e
movimento na Situação 3, quando correm livremente pelo pátio e na Situação 4 quando
pulam, dançam, sobem e descem de cadeiras. Percebemos aqui a presença de um dos
elementos que Brougére (2002) apresenta para descrever a cultura lúdica, pois a criança
99
se apodera de elementos da própria cultura do meio-ambiente para aclimatá-lo à
brincadeira.
Observamos que as brincadeiras criadas pelas crianças não contam com a
participação das educadoras, que parecem desconsiderar esse momento. As educadoras
apenas possibilitam, mas não participam da brincadeira. O RCNEI aponta a observação
que o professor faz da criança brincando como elemento importante que o auxilia na
construção de atividades dessa natureza, mas, dentre as educadoras observadas, a
maioria aproveita o momento da brincadeira para se ausentar e conversar com colegas
de trabalho, mantendo distância desse momento.
Retomamos aqui a marca do tempo presente na rotina da creche, pois parece,
muitas vezes, que a brincadeira é uma atividade para preencher o tempo livre até chegar
a hora de uma outra atividade, como na Situação 1 na qual as crianças brincam no pátio:
“ficaram nesta atividade por um tempo, até que a educadora retornou e chamou a turma
porque iam se organizar para o almoço” e na Situação 4 “a educadora mandou todos
sentarem para ouvir música; ficaram assim até a hora de lavar as mãos para o almoço”.
Outro contexto social de surgimento da brincadeira é quando a atividade é
proposta pela educadora. Uma das formas que nos possibilitou a identificação dessa
categoria foi a explicitação pela educadora do objetivo da atividade, logo em seu início,
como nas Situações 5 e 6:
Situação 5
Em sala, a educadora falou: Agora a tia vai distribuir a massinha e vocês vão
fazer os personagens da história, tá?
100
Crianças: Eu vou fazer o lobo! Eu vou fazer chapeuzinho! Eu vou fazer o
príncipe!
44
A educadora distribuiu pedaços de massa de modelar para cada criança; as
crianças perguntaram se podiam misturar as cores e a educadora permitiu.
Criança: Olha o rabo do lobo mau.
Perguntei o que eles estavam fazendo com a massinha.
Crianças: O rabo do lobo mau! O príncipe! Power rangers! Chapeuzinho! O
leião
As crianças estavam modelando livremente as massinhas.
A educadora passava de cadeira em cadeira, arrumando as cadeiras,
aproximando-as da mesa; sentou numa cadeira junto à turma, observou por uns
instantes e perguntou o que eles estavam fazendo.
As crianças responderam que estavam fazendo carro, avião, moto, etc.
Uma criança fez o barulho da moto e outra criança fez o movimento de voar do
seu avião. Algumas crianças começaram fazer anéis com a massinha e
colocavam-nos em seus dedos.
Todos mostravam os seus produtos para a educadora e esta dizia que estava
bonito.
Educadora: Cadê o lobo mau? Será que o lobo tem cabeça? Vamos fazer a
cabeça do lobo mau? Tia vai pegar um pedaço de massinha pra fazer todo
mundo junto... psiu! Vamos fazer, assim... faz assim. (e mostrou como deveriam
fazer a bola de massa na mesa).
As crianças que estavam próximas da educadora imitavam os movimentos que
esta fazia com a massinha, mas a maioria das crianças continuava modelando
outras formas.
As crianças modelavam sentadas, mostrando para os colegas, fazendo sons,
conversando sobre os objetos modelados.
A educadora fez o lobo mau enquanto as crianças conversavam alto.
A educadora começou cantar a música do lobo mau, alguém bateu na porta
dizendo para as crianças irem para o recreio porque a diretora queria falar com
educadora.
(Creche Azul, turma de 03 anos)
44
A educadora contou a história Chapeuzinho Vermelho e não havia o personagem do príncipe na
mesma; no momento em que a criança fez referência ao príncipe como um personagem da história que
seria modelado com a massa, a educadora se omite e não faz qualquer comentário a respeito do fato.
101
Situação 6
Após a realização de uma atividade em sala, a educadora falou: Vamos brincar
um pouco de roda.
As crianças fizeram a fila e saíram para o pátio.
Chegaram no pátio e a educadora orientou a realização da roda; começou cantar
‘atirei o pau no gato’ e a turma acompanhou; cantaram duas vezes.
Em seguida a educadora ensinou outra música e cantaram várias vezes: envolvia
gestos, como bater palmas e bater os pés no chão.
A turma participou de forma animada até a hora de lavar as mãos para almoçar.
(Creche Verde, turma de 03 anos)
A atividade proposta na Situação 5 conta com a participação da educadora, que
além de orientar o desenvolvimento de ações esperadas que correspondem ao objetivo
explicitado inicialmente, possibilita o surgimento da atividade livre iniciada pelas
crianças. Somente quando propõe uma atividade essa é uma postura presente na maior
parte das educadoras, tanto no que diz respeito à participação quanto ao fato de
possibilitarem atividades iniciadas pelas crianças. Percebemos também a tentativa de
retomar o objetivo inicial quando “a educadora fez o lobo mau enquanto as crianças
conversavam alto”.
De acordo com Leontiev (1972) podemos considerar que houve o deslocamento
do motivo da atividade inicial proposta pela educadora que era de retomar, através da
modelagem, os personagens de uma história específica para as ações de modelar
livremente das crianças, sendo que estas ações transformaram-se numa nova atividade:
brincadeira com massinha. A massa de modelar é o objeto que dá suporte à atividade
inicial proposta pela educadora e também à atividade que é iniciada pelas crianças.
Conforme discutimos no Capítulo 3, consideramos a massa de modelar como o que
Brougère (2004) chama de brinquedo, pois, tanto a matéria prima (massa) quanto o que
102
é produzido por ela (carro, avião, moto) dão sentido às ações das crianças, não estando
condicionados a regras.
Enquanto na Situação 5 a educadora propõe a atividade com massa de modelar
com um objetivo pedagógico, na Situação 6 a educadora parece ter como objetivo a
recreação; em ambas as atividades existe a interação entre crianças e percebemos a
presença da cultura lúdica, pois as crianças dão sentido aos procedimentos específicos
da distribuição da massa de modelar e formação da roda, iniciando brincadeiras.
Durante a entrevista, a educadora da Situação 6 disse que emprega a brincadeira
“assim... depois da hora pedagógica... que eu acho que cansa muito a criança (...) a
gente brinca no pátio, com brinquedos, brincando de roda, cantando”, corroborando
com o que presenciamos durante a observação, ilustrado na figura 11, abaixo. Da
mesma forma ocorre com a resposta dada pela educadora quanto à sua participação na
brincadeira: “quando é roda eu tô na roda também, né? No parquinho, assim, a gente
fica mais observando pra um não bater no outro... que eles adoram correr (...)”.
Figura 11. Brincadeira de roda, turma de 03 anos, Creche Verde
Nem sempre a brincadeira proposta pela educadora tinha o objetivo explicitado
às crianças no início da atividade, mas consideramos pertencentes a esta categoria as
103
atividades que tinham a participação da educadora, no sentido de estruturar a
brincadeira, orientando o desenvolvimento desta, conforme Situação 7 e 8:
Situação 7
Acabou a escovação e a educadora 1 perguntou para a educadora 2: Vão brincar
um pouco aqui no pátio?
Educadora 2: É bom... Agora todo mundo pode brincar! (falou em direção à
turma).
Educadora 2: Vamos dar uns 10 a 15 minutos.
As crianças correram livremente.
A educadora 1 chamou o grupo para formar uma roda e cantaram várias
músicas.
A educadora 2 entrou na roda. As crianças cantavam as músicas e faziam gestos
solicitados pelas educadoras, a partir das letras das músicas.
As crianças demonstravam alegria e interesse ao realizar a atividade.
A educadora 1 foi até a sala e pegou giz (para quadro negro); riscou duas linhas
paralelas e retas no chão, nas extremidades do pátio.
Educadora 1: Tia vai ensinar como é que é.
Mostrou como era a atividade: as crianças deveriam ir de um lado ao outro,
pulando num pé só.
Poucas crianças participaram e começaram a se dispersar.
A educadora 1 traçou a letra ‘A’ no chão do pátio e disse para a turma andar, em
fila, sobre o traçado da letra.
A educadora 1 perguntava para a turma qual era a letra e a turma não respondia.
A educadora 1 distribuiu giz para todas as crianças desenharem no chão.
As crianças começaram riscar e envolveram-se nessa atividade.
Aproximei-me de um grupo de crianças.
Pesquisadora: O que vocês estão fazendo? As crianças não responderam.
Pesquisadora: Oi, você está fazendo o que com este giz no chão?
Criança 1: Um carro, ó.
Criança 2: Eu também to fazendo um carro.
Criança 3: Eu também.
Aproximei-me de uma dupla de crianças.
Perguntei para a criança 1: Oi, você está fazendo o que?
Criança 2: Ela ta brincando.
104
Pesquisadora: Brincando de que?
Criança 2: De riscar.
As crianças ficaram em atividade livremente no pátio e as educadoras saíram.
As educadoras voltaram e chamaram para fazer uma fila, lavar as mãos e voltar
para a sala.
(Creche Amarela, turma de 03 anos).
Situação 8
As crianças foram levadas pela educadora para o parque: um espaço grande,
coberto e fechado com brinquedos de plástico (uma casa, um túnel, um
escorregador, uma piscina de bolinhas e quatro balanços).
As crianças escolheram livremente os brinquedos e demonstravam alegria
subindo no túnel e passando sob o mesmo, pulando na piscina de bolinhas,
rodando e balançando nos balanços, subindo e descendo no escorregador,
entrando e saindo da casa.
Conversavam em pequenos grupos e faziam juntas atividades na piscina de
bolinha. Formavam uma pequena fila para desfrutar da atividade no
escorregador. Participavam em grupo de uma atividade animada na casa.
A educadora permitiu a atividade livre, observando todo o tempo e intervinha
em algumas situações: ajudou a resolver a disputa de alguns brinquedos,
orientando o uso de brinquedos que estavam ociosos, incentivou algumas
crianças que estavam subindo no túnel.
Essa atividade demorou um bom tempo.
(Creche Verde, turma de 04 anos).
Chama nossa atenção a forma como a atividade da Situação 7 se inicia, pois o
diálogo estabelecido para decidir naquele momento o que ia acontecer, demonstra falta
de planejamento na realização da atividade. Apesar das crianças demonstrarem
interesse, participando da atividade de brincadeira livre, há uma mudança em seu
formato, passando para uma atividade de roda com orientação da educadora. Parece
haver uma desconsideração por parte da educadora do envolvimento das crianças na
atividade de roda, pois ocorre novamente uma mudança de atividade. Na proposta da
105
atividade de pular em um pé só e andar sobre o traçado da letra ‘A’, a dispersão das
crianças pode indicar que não houve a consideração, também por parte da educadora, do
conhecimento prévio e habilidades da criança, assim como do grau de desafio que a
atividade propunha, retomando o item “Aprender em situações orientadas” (p. 29-31) do
RCNEI no qual é atribuída ao professor a responsabilidade de considerar estes aspectos
citados para que haja uma aprendizagem adequada.
Com relação à atividade observada na Situação 8, consideramos proposta pela
educadora visto que ela convida o grupo para um espaço que conta com um parque
infantil, cuja finalidade é a brincadeira. A educadora observa atentamente todo o
processo e orienta as crianças na resolução de problemas, agindo como mediadora.
Retomamos aqui a relação entre brincadeira e desenvolvimento para Vygotsky
45
: a
brincadeira no parque pode ser vista como um processo no qual a criança desenvolve
funções que estão em processo de amadurecimento, como a competição pelos
brinquedos e a prática de padrões sociais no momento em que esperam a vez para
brincar. As crianças interagem entre si e contam com a colaboração da educadora na
resolução de conflitos que surgem desta interação.
Os objetos que dão suporte às brincadeiras são o giz na Situação 7 e os
brinquedos do parque na Situação 8. Podemos dizer, de acordo com Kishimoto (1998),
que inicialmente o giz é empregado como material pedagógico, pois funciona como
suporte na aquisição de habilidades motoras; em seguida o giz ganha o sentido de
brinquedo porque cria momentos lúdicos de livre exploração, nos quais a brincadeira
45
Vygotsky estabelece esta relação através do conceito de zona de desenvolvimento proximal,
apresentado no Capítulo 3, como sendo o a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração
com companheiros mais capazes. Para o autor, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal
porque, nele, a criança se comporta de uma forma imaginária e não real, desenvolvendo funções que estão
em processo de amadurecimento. (Vygotsky, 1966/1984)
106
tem um fim em si mesmo (Kishimoto, 1998; Brougère, 2004). Já os brinquedos do
parque são definidos como tal pela sua função lúdica; são considerados por Brougére
(2004) como jogo, pois possuem a função lúdica mesmo quando não estão na
brincadeira.
O terceiro núcleo que emergiu do corpus tendo como sentido o contexto social
foi a brincadeira iniciada pela criança, sendo bastante presente nas creches Vermelha e
Verde. Iniciaremos com situações nas quais a brincadeira não conta com a participação
da educadora, vejamos:
Situação 9
Na sala, durante a realização de uma atividade pedagógica sobre formas
geométricas, uma criança pegou um carrinho que estava em sua mochila.
A criança que estava com o carrinho começou mexer com este objeto; fez de
conta que o retângulo de papel que fazia parte da tarefa era algo pesado que
estava sendo carregado pelo carro; a criança que estava ao lado também
participou da atividade e colocou a figura do retângulo que estava segurando no
carro do colega.
As demais crianças estavam envolvidas na tarefa sobre formas geométricas e a
educadora passava pelas carteiras orientando a turma numa atividade de colorir
o retângulo de papel e colar no caderno.
(Creche Vermelha, turma de 04 anos)
Situação 10
As crianças estavam na sala, sentadas, quatro por mesa, aguardando a merenda.
Em uma das mesas as crianças começaram uma atividade que consistia em
bater as palmas das mãos, umas nas outras, cantando a música ‘pirulito que
bate-bate’.
(Creche Verde, turma de 03 anos)
Situação 11
As crianças se acomodaram nas mesas.
107
A educadora estava fixando um cartaz no quadro; enquanto isso, todos
conversavam sobre assuntos variados: filmes, bichos, objetos que têm em casa,
etc.
Uma criança pegou um prendedor de cabelo e disse que era um bicho, que ia
pegar outra criança; fez o barulho de um bicho pegando as crianças e todos
riram bastante.
A educadora se aproximou, pegou o objeto da mão da criança e disse que
guardaria porque não era hora de usar.
A educadora organizou a turma sentada em fila, lado a lado, de frente para o
quadro e disse que iam começar a atividade.
(Creche Azul, turma de 04 anos)
Situação 12
A educadora saiu da sala por um instante.
Fiquei sozinha com a turma e todos começaram tirar as blusas de frio e jogar
para cima; pedi as blusas para guardá-las e eles entregaram.
As crianças começaram correr na sala, lutar uns com os outros, caiam e
levantavam; eu pedi que tivessem cuidado e eles pareciam não me ouvir.
Uma criança ficou de quatro e começou latir; eu também comecei latir; eles
pararam para ouvir e logo ficaram de quatro, latindo também e rolando no chão.
A educadora chegou na sala e disse pra todo mundo sentar, que começaria a
troca da roupa, que eles iriam vestir a farda.
(Creche Amarela, turma de 03 anos)
As situações ilustram um fato que ocorre na maioria das vezes em que as
crianças iniciam uma atividade de brincadeira: a não participação da educadora neste
processo, assim como a interrupção do processo por parte da educadora quando toma
conhecimento do mesmo.
Na Situação 9, a criança pega um carrinho e começa uma nova ação inserida na
atividade pedagógica; emprega o conteúdo ‘retângulo de papel’ que está sendo
trabalhado na atividade nesta nova ação, transformando-a numa nova atividade, ou
melhor, numa atividade de brincadeira que tem como objetos que dão suporte, tanto o
108
carrinho quanto os retângulos de papel. A educadora, apesar de não interromper a
brincadeira que ocorre com a interação entre duas crianças, não faz qualquer tipo de
intervenção.
A educadora desta turma de 04 anos (Creche Vermelha, Situação 9) concebe a
brincadeira como uma forma de introduzir conteúdos pedagógicos: “brincadeira pra
mim é brincar com a criança, fazer ela se sentir bem e conseguir passar alguma coisa
pra ela, assim, pra satisfazer a idade delas, né?”. Diante da pergunta de como emprega
a brincadeira no dia-a-dia, ela responde: “Eu gosto de introduzir o conteúdo, trabalhar
com o conteúdo”. Então, ela não faz menção ao tipo de brincadeira que surgiu na
Situação 9, que não conta com este propósito pedagógico.
As brincadeiras são iniciadas pelas crianças nas Situações 10, 11 e 12 enquanto
esperam a merenda e o retorno da educadora. Diferente das situações em que as
educadoras possibilitam ou propõe a brincadeira, aqui as crianças interagindo
socilamente, de acordo com Vygotsky (1966/1984), criam situações imaginárias e
ilusórias para realizar desejos que fazem parte do cotidiano. Na Situação 11 o objeto
prendedor de cabelo representa um bicho, fazendo parte da brincadeira como um
brinquedo.
A educadora que é responsável pela turma de 03 anos da Creche Verde (Situação
10) conceitua a atividade com a música ‘pirulito que bate-bate’ que ocorre nesta
situação como brincadeira: “brincadeira pra mim é brincar livre, sem ninguém falar é
isso, isso, isso... deixar brincar sozinho, do jeito que quer, a criança escolhe o jeito de
brincar”.
A Educadora da turma de 04 anos da Creche Azul (Situação 11) estabelece uma
diferença entre brincadeira livre e brincadeira orientada, conforme podemos perceber a
seguir:
109
Pesquisadora: Pra você, o que é brincadeira?
Educadora: Mas você fala a brincadeira orientada ou a brincadeira livre?
Pesquisadora: Você, então, vê uma diferença entre a brincadeira livre e
orientada, né?
(...)
Pesquisadora: Então, essa brincadeira livre, o que é isso pra você?
Educadora: Olha, na brincadeira livre, eu acho que eles entre si... com o
brinquedo deles, ou com o concreto, eu acho que eles... não sei... se você
orienta eles tão ali ligados naquela orientação que você deu e o livre eles ficam
ali todos, entre eles pra conversar... as vezes você fica observando quantas
coisas sai naquela brincadeira ali... eu acho que tudo que é livre é mais
gostoso, prazeroso, não é?
A brincadeira que surge na Situação 15 pode ser considerada como livre
partindo do conceito da educadora, pois não foi orientada e começou com o brinquedo
deles, mas não contou com a observação ou participação da mesma.
Retomando o conceito de cultura lúdica (Brougère, 2002) percebemos que
existem significações próprias das brincadeiras que as crianças já adquiriram e
dominam, pois diante de um procedimento específico a brincadeira é iniciada: uma
criança pega um carrinho e outra criança que está ao lado se insere na brincadeira; as
crianças começam cantar uma música e a brincadeira ‘pirulito que bate-bate’ é iniciada
num grupo de quatro crianças; um objeto é empregado por uma criança para representar
um bicho e as demais se inserem na brincadeira; por último, as crianças começam a
imitar cachorros, numa mesma brincadeira, demonstrando compartilhar o significado da
atividade.
As crianças iniciam uma brincadeira independente de contarem com objetos que
dêem suporte às atividades, conforme pode ser visto na brincadeira do ‘pirulito que
bate-bate’ e do ‘cachorro’. Na Situação 9 a atividade conta com a presença do carrinho
como brinquedo, assim como dos retângulos de papel que passam de suporte
110
pedagógico a brinquedo, quando começam fazer parte da brincadeira. Na Situação 11 o
brinquedo é um prendedor de cabelo que representa um bicho na brincadeira das
crianças.
Observamos que a brincadeira iniciada pela criança também pode surgir a partir
do momento em que a educadora disponibiliza espaço, tempo e materiais para a
brincadeira, ou seja, a partir do momento em que há condições as crianças brincam,
contando com o que existe disponível, vejamos:
Situação 13
A educadora falou que algumas crianças iriam desenhar com ela enquanto
outros iriam brincar; em seguida pegou uma caixa com brinquedos.
Deixou numa mesa um brinquedo de formas geométricas coloridas de madeira,
em outra mesa umas bonecas, em outra mesa uns carrinhos e em outra mesa um
jogo da memória de peças grandes com figuras de animais; na última mesa
deixou papel e um pote com giz de cera.
Algumas crianças trocavam de brinquedo e a educadora não fazia nenhuma
intervenção.
Algumas crianças ficaram no chão, envolvidas com os objetos e isso era
permitido pela educadora.
A educadora sentou-se à mesa com as três crianças que estavam desenhando.
Algumas crianças saiam da sala com os brinquedos, a educadora chamava e
eles retornavam.
Todos participavam animadamente em pequenos grupos nas mesas ou no chão.
Algumas crianças chamavam a educadora para ver o que estavam fazendo e a
educadora fala sempre algo positivo.
Tinha brinquedos para todos e as crianças trocavam sempre e sem nenhum
conflito.
A educadora chamou para guardar material porque estava na hora de ir para o
pátio e as crianças atenderam, ajudando a guardar tudo.
(Creche Verde, turma de 04 anos)
111
Situação 14
A educadora 2 pegou uma caixa de brinquedos que estava sobre o armário da
sala; todos as crianças se aproximaram dela, tentando segurar a caixa;
A educadora 2 retirou uma bola da caixa e disse: Olha, a bola é pra chutar e
não é pra segurar não!
Jogou a bola no chão, pegou outra bola na caixa e jogou no chão também.
Saiu da sala para a parte externa carregando a caixa e as crianças foram atrás.
Despejou a caixa de brinquedos; tinha brinquedos variados, de plástico, em
número reduzido: carrinhos, bonecos, motos, animais, telefone e peças variadas
quebradas e faltando partes.
As crianças pegavam no chão os brinquedos e ficaram em atividade livremente.
A educadora 2 saiu para ir ao banheiro e a educadora ficou, conversou comigo e
com as colegas que passavam por ali.
As crianças continuavam em atividade livre com os brinquedos.
A educadora 2 falou com uma criança: Vamos brincar de bola, vamos brincar!
A educadora 2 chutou a bola uma vez e continuou conversando com as colegas.
Passados alguns minutos a educadora 2 recolheu os brinquedos.
(Creche Amarela, turma de 03 anos)
Situação 15
A educadora falou que a turma podia ir para o pátio porque estava na hora do
recreio.
As crianças ficaram em atividades livres durante todo o tempo
Algumas crianças utilizavam três cadeiras que ficavam sempre no pátio e a
atividade consistia em sentar nas cadeiras, organizadas uma atrás da outra,
como se fosse um trem; as crianças faziam o barulho de um motor.
Outras crianças utilizavam dois bancos compridos do pátio e a atividade
consistia em subir no banco, ficar de pé e pular no chão.
Outras crianças utilizavam mais dois bancos: sentavam, formando uma grande
fila nos bancos, faziam o barulho de um motor e os movimentos como se
estivessem virando curvas.
Outras crianças corriam pelo pátio e algumas ficaram sentadas durante o
recreio, ilustrado nas figuras 12 e 13, a seguir.
A educadora ficou todo o tempo do recreio sentada em um banco, ao meu lado.
Acabou o recreio.
(Creche Vermelha, turma de 04 anos)
112
Figura 12 e 13. Brincadeira no pátio, turma de 03 anos, Creche Vermelha
Situação 16
Era hora do recreio e a educadora falou que podiam ir para o pátio, onde já
existiam duas turmas.
As crianças estavam correndo ou mexendo na areia: fazendo montes e buracos,
procurando folhas secas e virando cambalhotas.
(...)
Sentei ao lado de uma criança que estava mexendo com areia e algumas folhas
secas e perguntei: Você está fazendo o que?
Criança: Brincando.
Pesquisadora: Brincando de que?
Criança: Areia
Pesquisadora: Você está fazendo o que com a areia?
Criança: Ué, brincando.
Pesquisadora: O que é isso que você está fazendo com esse monte de areia?
Criança: Um bolo.
Pesquisadora: Um bolo? Dá um pedaço desse bolo pra mim?
Criança: Ta fazendo.
Pesquisadora: Eu espero.
Pesquisadora: Ta pronto?
Criança: Ta
Pesquisadora: Cadê meu pedaço?
A criança pegou um punhado de areia e entregou em minha mão.
Pesquisadora: Hum! Gostoso! Esse bolo é de que?
Criança: De chocolate.
113
Mais três crianças se aproximaram e pediram para ver o que havia na minha
mão; mostrei e disse que era um bolo; a criança falou para as demais que ela
havia feito.
A educadora chamou as crianças para a sala.
(Creche Azul, turma de 03 anos)
Consideramos que essa postura das educadoras disponibilizarem objetos e
espaços para que as crianças atuem livremente tem como conseqüência a atividade da
brincadeira, partindo do conceito de cultura lúdica de Brougère (2002) como um
conjunto de regras e significações próprias da brincadeira que a criança adquire e
domina no contexto da brincadeira no espaço da educação infantil. Vamos analisar as
brincadeiras das situações de 13 a 16 a partir da descrição que o autor faz de cultura
lúdica, apresentada no capítulo anterior:
a) “...um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo
possível” (p. 24) - A partir do procedimento de distribuição de
brinquedos pelas educadoras nas Situações 13 e 14 e da
disponibilização do espaço do pátio nas Situações 15 e 16 as
brincadeiras foram iniciadas pelas crianças, mesmo sem uma
participação efetiva das educadoras;
b) b) “...compreende evidentemente estruturas de jogo que não se limitam
às de jogos com regras” (p. 24) – é bastante evidente que as
brincadeiras são iniciadas levando-se em consideração os hábitos das
crianças, as relações sociais que são estabelecidas naquele momento e
os objetos;
c) c) “... se apodera de elementos da cultura do meio-ambiente da criança
para aclimatá-lo ao jogo” a (p. 25) – as crianças demonstram que
114
possuem conhecimentos que possibilitam a produção da ludicidade,
como o conhecimento das características do trem na Situação 15 e do
bolo na Situação 16.
Existe a presença de objetos que dão suporte às brincadeiras em todas as
situações, sendo que nas Situações 13 e 14 as crianças contam com a disponibilização
de objetos que possuem uma função lúdica independente de estar na brincadeira, como
as bonecas, os animais de plástico e a bola; nas situações 15 e 16 as crianças contam
com objetos que ganham sentido de brinquedo na medida em que as crianças empregam
os mesmos: as cadeiras representam um trem e a areia representa o bolo de chocolate.
As crianças interagem entre si, empregam os objetos na realização das atividades
de brincadeira e contam com a presença da educadora nas situações 13, 14 e 15, mas
não contam com a participação das mesmas nas brincadeiras. Apenas na Situação 16 a
educadora se ausenta do pátio no horário do recreio.
Finalizamos retomando o conceito de Vygotsky (1966/1984) de que as crianças
criam situações imaginárias e ilusórias para realizar desejos que fazem parte do
cotidiano, e chamamos atenção para o fato de que somente uma educadora (turma de 04
anos da Creche Verde, Situação 13) fez menção à imaginação para conceituar a
brincadeira:
Eu acho que brincadeira é um jeito da gente tornar a vida mais bonita, tanto é
que brincar todo mundo brinca, adulto brinca também... é por isso que eu gosto
de brincar (risos)... esse negócio de fazer de conta... esse negócio da
imaginação, eu acho que a brincadeira estimula muito, né? É por isso que eu
valorizo o conto de história, da imaginação... então, pra mim, brincar é viver,
ta muito relacionado...
115
Capítulo 5
Para Concluir: Acabou-se a Brincadeira
Entrou por uma porta
e saiu por outra
O senhor meu rei, se quiser
que lhe conte outra!
(Ditado Popular)
Goldenberg (2005) compara a realização de uma pesquisa a um relacionamento
amoroso composto por fases diversas: paquera, namoro, casamento e separação. Pois
bem, chegamos a esta fase final. Ainda que não seja uma separação, vamos refletir
sobre o que passou.
Alcançar o objetivo de compreender de que forma a brincadeira comparece na
educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista – Bahia nos afetou,
principalmente, com dois grandes desafios: o primeiro deles foi pesquisar o tema, já
bastante explorado teoricamente, conforme apresentamos no Capítulo 3 deste trabalho,
assim como explorado em pesquisas variadas: Debortoli (2005), Oliveira (2004),
Poletto (2004) e Silva (2003). Um segundo desafio foi manter o foco na atividade da
brincadeira diante da imensa teia que se constitui a educação infantil da rede pública,
neste caso, a educação de crianças pobres no interior da Bahia.
A inserção no cotidiano das creches através da observação participante durante
dois meses foi fascinante na medida em que nos colocou diante da presença da
brincadeira. Por outro lado, provocou medo e angústia por estarmos diante de crianças
com fome, crianças sujas, crianças tristes e maltratadas pela desigualdade social, a
mesma desigualdade revelada pela história da assistência para a criança no Brasil
apresentada no Capítulo 1.
116
Como nosso foco não estava na compreensão das diferentes formas de brincar,
mas em compreender como qualquer brincadeira comparece na educação infantil e a
implicação do educador neste processo, as discussões envolvendo conceitos da
brincadeira no Capítulo 3 e a construção do texto solicitavam a todo instante ilustrações
que facilmente encontramos na constituição do corpus. Na medida em que
apresentamos as definições, num processo dialógico e ilustrado com as situações das
creches, clareamos as especificidades do nosso objeto de pesquisa e respondemos a
questão de como entendemos a brincadeira: como um processo construído sócio-
historicamente pelo sujeito, com as marcas da cultura e do tempo. Como exemplo destas
marcas na creche, apresentamos as situações do recreio como momento destinado à
brincadeira, por carregar a significação própria da brincadeira e as crianças e
educadoras já terem adquirido este significado.
A constituição do corpus feita teve um compromisso de compreender a relação
entre a brincadeira naquelas creches e fatores como: o contexto social do seu
surgimento, contexto material, objetivos, entre outros. Buscamos compreender o
significado e sentido envolvidos no processo e, para tanto, descobrimos um sentido no
material fruto da pesquisa de campo que deu significado à brincadeira.
A nossa inserção nas creches como observadoras e as entrevistas realizadas
contribuíram para que compreendêssemos a atividade que era nosso foco no cotidiano
da educação infantil da rede pública de Vitória da Conquista, assim como a concepção
que as educadoras têm acerca desta atividade, lembrando que “os estudos do cotidiano
não oferecem garantias e as metodologias de pesquisa rascunhadas recusam a definição
de etapas, procedimentos, instrumentos, teorias que mostrem o caminho seguro para o
encontro da verdade” (Esteban, 2003, p. 135) e que não há uma lei capaz de fornecer a
essência da realidade.
117
Conforme apresentado e discutido no Capítulo 4, construímos três grandes
núcleos de sentido que nortearam a constituição do corpus: brincadeira possibilitada
pela educadora, brincadeira proposta pela educadora, brincadeira iniciada pelas
crianças, independente de ser proposta ou possibilitada pela educadora.
Estes núcleos de sentido responderam a um dos nossos principais focos que era
compreender de que forma as educadoras participam da brincadeira que comparece na
educação infantil. Podemos observar que o fato de possibilitar não garante a
participação e envolvimento das educadoras nas atividades. Durante as entrevistas todas
as educadoras reconhecem a importância da brincadeira e estabelecem uma relação da
mesma com o desenvolvimento infantil, mas, na maior parte das vezes, não exploram a
atividade na rotina da creche.
Percebemos a valorização da brincadeira pelas educadoras, quando falam o que
entendem pela mesma, como no discurso da educadora da turma de 04 anos da Creche
Verde “eu acho que brincadeira é um jeito da gente tornar a vida mais bonita” ou no
discurso da educadora da turma de 04 anos da Creche Vermelha brincadeira pra mim é
brincar com a criança, fazer ela se sentir bem e conseguir passar alguma coisa pra ela
(...)”, mas é um discurso baseado no senso comum e não há um conhecimento mais
profundo da atividade da brincadeira e a relação desta com o processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
Compartilhamos da perspectiva sócio-histórica que parte da concepção do
homem como um ser inserido num contexto social e cultural e percebemos ao longo da
nossa inserção nas creches que as educadoras não se dão conta da importância dos
papéis sociais que ocupam e das possibilidades envolvidas nas interações com as
crianças na creche. Muitas vezes os discursos e a forma de agir das educadoras, que se
ausentam quando começa uma brincadeira, lembram o conceito frobeliano da
118
brincadeira como uma atividade inata e espontânea da criança. Outras vezes as
educadoras estão presentes, mas parecem não saber o que fazer neste processo.
Apesar de perceber, durante as observações, uma freqüência maior da atividade
da brincadeira nas turmas de 03 anos, as educadoras não mencionam essa diferença
durante as entrevistas. Outro ponto percebido é um lugar recorrente ocupado pela
brincadeira, que parece surgir para preenchimento de espaços entre atividades outras,
sem planejamento prévio, atendendo ao espontaneísmo, por exemplo, as crianças podem
brincar enquanto esperam a hora do almoço ou a hora de ir embora.
De forma geral a brincadeira está presente em todas as turmas observadas, conta
com a interação entre as crianças, algumas vezes com a presença da educadora e com
objetos que dão suporte a estas atividades. Vale ressaltar que não existe um horário
destinado ao planejamento, com exceção da Creche Azul, que dispensa as crianças
quinzenalmente, conforme podemos observar no discurso da educadora da turma de 04
anos:
Pesquisadora: Como é feito esse planejamento?
Educadora: Em conjunto com as colegas, tem um horário. A gente não pode
estar dispensando os alunos, né, a gente tira de manhã das sete e trinta as dez,
tem um dia, né, de quinze em quinze, na sexta-feira, à tarde de uma as três. A
gente termina aquele planejamento, não dá pra fazer, fica a desejar muito,
muito mesmo.
Como foi visto no Capítulo 1, o RCNEI considera a brincadeira como uma
atividade que responde às necessidades básicas de cuidados, aprendizagem e de prazer
para a criança e desta forma sugere que seja empregada permanentemente na rotina da
educação infantil. A maioria das educadoras ouviu falar do RCNEI, mas reconhece que
não tem contato com o material.
119
No contexto geral das creches encontramos algumas contradições com o que é
proposto legalmente, como exemplo, encontramos uma educadora que não tem a
formação mínima exigida para o exercício do magistério na educação infantil, a saber, a
oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Apenas uma educadora possui ensino
superior. Outra contradição que chama a atenção é o fato de nenhuma creche observada
receber crianças que tenham idade inferior a dois anos.
A escolha do título deste trabalho, “FAZ-DE-CONTA QUE EU BRINCO”,
traduz as nossas impressões sobre a participação e implicação das educadoras no
comparecimento da brincadeira nas instituições observadas: existe um discurso sobre a
brincadeira, a atividade comparece no cotidiano das creches, mas a participação da
educadora não se concretiza.
Esperamos, através da compreensão deste lugar ocupado pela brincadeira na
educação infantil, contribuir para a efetivação das políticas públicas, sobretudo no
âmbito educacional, para a criança de zero a seis anos, fomentando a discussão sobre a
prática do educador, suas limitações e possibilidades.
120
APÊNDICES
121
Apêndice A - Roteiro de entrevista semi-estruturada com equipe pedagógica
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM EQUIPE
PEDAGÓGICA
Local:
Entrevistados:
1. Data de implantação das creches públicas. Número de creches implantadas.
2. Houve um programa de implantação?
3. Qual a natureza de vínculo entre creches e a PMVC?
4. Qual o número atual de creches públicas? Apontar crescimento.
5. Qual a faixa etária atendida nas creches?
6. Qual a demanda para as creches?
7. Há alguma perspectiva de expansão das creches públicas?
8. Como é feita a seleção das crianças?
9. Qual a população atual atendida nas creches?
10. Existe uma proposta pedagógica? Se existe, é unificada ou por instituição?
11. Existe algum tipo de parceria entre as creches e outros serviços da PMVC?
Quais? Como é viabilizada esta parceria?
12. Existe disponibilidade de materiais pedagógicos para as creches? Quais?
13. Qual a composição do quadro de funcionários das creches?
14. Existe uma política de formação para os professores? Como é feita?
15. Há recursos financeiros específicos para a educação infantil?
122
Apêndice B - Termo de consentimento livre e esclarecido do diretor
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Departamento de Psicologia
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA INSTITUIÇÃO
Ilmo Sr(a) Diretor(a) do(a)________________________________________________
Sr(a) Diretor(a),
Solicitamos de V. Sª permissão para realizar observações e administrar
entrevistas em professores desta instituição referentes ao projeto intitulado “FAZ-DE-
CONTA QUE EU BRINCO – o comparecimento da brincadeira na educação da rede
pública de Vitória da Conquista - Bahia”, financiado pela Capes e desenvolvido pelo
Núcleo de Estudos Sócio-Culturais da Infância e Adolescência do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da
professora Rosângela Francischini. O referido projeto encontra-se em anexo.
Os dados da pesquisa serão obtidos através de observação e entrevistas em
visitas sistemáticas e agendadas, realizadas junto aos professores desta instituição. Não
haverá nenhum tipo de despesas para os participantes, em decorrência da pesquisa. Em
relação aos dados que serão obtidos, informamos que não há interesse em informações
pessoais, mas nos resultados globais dos sujeitos. O interesse desse trabalho é
puramente científico, tendo por finalidade fomentar o avanço na área de psicologia.
Assim, nenhuma informação pessoal colhida através desta pesquisa será levada a
público. Os resultados serão analisados de forma global em fóruns científicos.Os
resultados deste estudo poderão ser apresentados a V. Sª caso seja do seu interesse.
Caso V. Sª autorize a realização da pesquisa em sua instituição, por favor, queira
devolver-nos este documento devidamente assinado. A desistência em participar da
pesquisa, em qualquer momento, será acatada e não acarretará em prejuízo algum para a
instituição dirigida por V. Sª, sendo responsabilidade dos pesquisadores.
Certas de contar com a colaboração de V. Sª, agradecemos antecipadamente a
colaboração.
Vitória da Conquista, _____/_____/_____
____________________________________________
Carmem Virgínia Moraes da Silva
(Responsável pela pesquisa)
________________________________________
Responsável
123
Apêndice C - Termo de consentimento livre e esclarecido do educador
Vitória da Conquista, _____/_____/_____
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO PROFESSOR
Prezado (a) Sr (a),
Tendo o estabelecimento em que V. Sª trabalha autorizado a realização de uma
pesquisa sobre a concepção e prática dos professores a respeito da atividade da
brincadeira, viemos, muito respeitosamente, solicitar de V.Sª consentimento para
participar deste estudo.
Informamos que o interesse por essa pesquisa é puramente científico e que ela
está sendo realizada por mim, que trabalho no Núcleo de Estudos Sócio-Culturais da
Infância e Adolescente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, sob a orientação da professora Rosângela Francischini.
Os dados da pesquisa serão obtidos através de observação e entrevistas em
visitas sistemáticas e agendadas. Não haverá nenhum tipo de despesas para os
participantes, em decorrência da pesquisa. Informamos que não há interesse em
informações pessoais, mas nos resultados globais dos sujeitos. Assim, nenhuma
informação pessoal colhida através desta pesquisa será levada a público. Os resultados
serão analisados de forma global em fóruns científicos.
Caso V. Sª aceite participar dessa pesquisa, por favor, queira devolver-nos esse
documento devidamente assinado. A desistência em participar da pesquisa, em qualquer
momento, será aceita e não acarretará em prejuízo algum para V Sª, sendo
responsabilidade dos pesquisadores.
Agradecemos imensamente a colaboração,
______________________________________
Carmem Virgínia Moraes da Silva
(Responsável pela pesquisa)
_________________________________________
Participante da pesquisa
124
Apêndice D - Roteiro de entrevista semi-estruturada com educadora
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM EDUCADORA
1. Dados de identificação
a) Nome
b) Idade
c) Estado civil
d) Tem filhos? Quantos? Idade dos filhos.
2. Qual a sua formação?
3. Qual a forma de ingresso na creche?
4. Qual a faixa etária das crianças que trabalha atualmente?
5. Quantas crianças têm na sua turma?
6. Quantos profissionais têm na sala?
7. Qual o horário de trabalho?
8. Qual a carga horária na creche?
9. Qual o tempo de experiência na instituição? E fora da instituição?
10. Qual o tempo de experiência como educador?
11. Qual o tempo de experiência como educador na educação infantil? Sempre
trabalhou com essa faixa etária?
12. Qual o material utilizado no cotidiano com as crianças? Livros, brinquedos, outros
materiais?
13. Utiliza algum material didático/pedagógico específico? Qual?
14. Trabalha com algum recurso audiovisual? Televisão, dvd, vídeo, aparelho de som?
15. Como é definida a rotina de trabalho?
16. Como é definido o conteúdo que é trabalhado com as crianças?
17. A creche trabalha com datas comemorativas? Como é realizado este trabalho?
18. Existe a participação dos pais em atividades da creche?
19. Existe participação da comunidade local em atividades da creche?
20. Qual a relação dos educadores com a direção da creche?
21. Qual a relação dos educadores com a equipe de coordenação da secretaria de
desenvolvimento social?
22. Você já teve algum contato com o RCNEI?
125
23. Quais as características das crianças da idade que você trabalha?
24. Quais as atividades que eles mais gostam?
25. Quais as brincadeiras que eles gostam?
26. Como você utiliza a brincadeira no seu dia-a-dia na creche?
27. Para você, o que é a brincadeira?
28. Quando as crianças estão brincando, o que você faz?
29. Para você, existe alguma relação entre a brincadeira e a aprendizagem das crianças?
30. Em quais locais da creche vocês realizam atividades?
31. Em quais locais da creche vocês não brincam?
32. Você se lembra de quando era criança?
33. Você se lembra de que brincava quando era criança?
34. Quais os seus sentimentos quando se lembra disto?
35. Qual a lembrança mais antiga de quando era criança?
36. As brincadeiras eram iguais ou diferentes das brincadeiras de hoje?
37. Você brincava em quais locais?
38. E hoje, você brinca?
126
REFERÊNCIAS
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