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Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de Geografia
Geraldo Agostinho de Jesus
AGRICULTURA CAMPONESA/FAMILIAR E AÇÃO DO
ESTADO (PRONAF) NO VALE DO JEQUITINHONHA-MG:
O CASO DE MINAS NOVAS.
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2
Minas Gerais - Brasil
Junho - 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - IGC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
AGRICULTURA CAMPONESA/FAMILIAR E AÇÃO DO ESTADO
(PRONAF) NO VALE DO JEQUITINHONHA-MG:
O CASO DE MINAS NOVAS.
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GERALDO AGOSTINHO DE JESUS
- 2007 -
Geraldo Agostinho de Jesus
AGRICULTURA CAMPONESA/FAMILIAR E AÇÃO DO
ESTADO (PRONAF) NO VALE DO JEQUITINHONHA-
MG: O CASO DE MINAS NOVAS.
4
Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa
de Pós Graduação em Geografia do Instituto de
Geociências IGC, da Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Geografia.
Área de Concentração: Organização do Espaço
Linha de Pesquisa:
Agricultura Familiar/Sustentabilidade
Orientadora:
Prof. ª. Dra. Maria Aparecida dos Santos Tubaldini
Belo Horizonte
Minas Gerais – Brasil
- 2007 -
5
“Comece fazendo o que é necessário.
Depois, o que é possível e, de repente,
você estará fazendo o impossível.”
(São Francisco de Assis)
Agradecimentos
À Deus . . . pela vida e por tudo . . .
6
À minha mãe (in memorian) . . . por permitir que eu estivesse aqui . . .
Aos meus filhos Álvaro, Álbano e Eric . . . pelo amor contido nos seus olhares . . .
À Cida, minha companheira de todas as horas, por ter aceitado caminhar comigo . . .
Á EMATER, nas pessoas dos colegas Cayle Martins, José Eduardo, Elton e
Paulinho da Cartografia . . . pelo importante apoio e incentivo . . .
À Professora Dra. Maria Aparecida Tubaldini, minha orientadora . . .
pelos conselhos e amizade, orientação e encaminhamentos, força e confiança . . .
Por todos meus familiares e amigos que sempre me incentivaram . . .
Aos agricultores, homens e mulheres, camponeses e familiares de Minas Novas . . .
por terem aberto porteiras, portas e o coração . . .
SUMÁRIO Página
Índice de Siglas e Abreviaturas i
Lista de Quadros e Figuras ii
Lista de Tabelas iii
Lista de Mapas e Fotos iv
Lista de Gráficos v
7
RESUMO 01
ABSTRACT 02
INTRODUÇÃO
03
CAPÍTULO 1 – UMA ABORDAGEM GEO-HISTÓRICA DA ÁREA DE ESTUDO
07
1.1
Formação Geo-histórica: Vale do Jequitinhonha e Minas Novas
09
1.2 A Ocupação Camponesa na Perspectiva Geo-Histórica 14
1.3 Ações do Estado no Vale do Jequitinhonha e Intervenções na Estrutura Agrária 21
CAPÍTULO 2 – ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 36
2.1
Agricultura Camponesa e Familiar: Bases Teóricas e Marco Conceitual 36
2.1.1 Conceitos de Camponês e Agricultor Familiar 36
2.1.2 Chayanov e a Teoria dos Sistemas não Capitalistas 39
2.2 Visões Teóricas Clássicas Sobre o Campesinato e Agricultura Familiar 41
2.3 A Base de Lamarche 46
2.3.1
As Lógicas de Lamarche para a Produção da Unidade familiar: Quatro Modelos teóricos 49
2.4 Debates Recentes sobre Camponeses e Agricultores Familiares 54
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 64
3.1 Etapas Metodológicas 64
3.2 A Amostragem 66
CAPÍTULO 4 – CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO 72
4.1 Aspectos Naturais e Sociais 72
4.2 Estrutura Agrária do Município de Minas Novas 79
4.2.1 Estrutura Fundiária e Produção Agrícola 82
4.3 Aspectos Socioeconómicos do Município de Minas Novas 84
4.4 Pessoas, Lugares e Processos: Espaço Vivido e o Lócus da Pesquisa 86
4.5 Patrimônio Cultural Urbano 91
CAPÍTULO 5 – POLÍTICAS PÚBLICAS E PRONAF: HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO 94
5.1 Modernização Conservadora e Antecedentes Históricos ao PRONAF 95
5.2 O Pronaf como Estratégia de Desenvolvimento Rural 97
5.2.1 Concepção e Operacionalização do Programa 100
5.2.2 Linhas de Ação do Pronaf 103
5.2.2.1 O Pronaf Infra-estrutura e Serviços 103
5.2.2.2 Pronaf Crédito Rural 106
5.3 Identidade do Agricultor Familiar para o Pronaf: A DAP
112
5.4 Desenvolvimento Territorial: A
Nova Vertente de Ação e Implementação do Pronaf
113
CAPÍTULO 6 – OS AGRICULTORES FAMILIARES E O PRONAF EM MINAS NOVAS-MG 117
6.1
O Pronaf Infra-estrutura e Serviços para os Agricultores Estudados de Minas Novas
119
6.2
Os Conselho Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável Como uma
Experiência de Descentralização de Poder para os Agricultores no Pronaf
127
6.3 O Pronaf Linha de Crédito e os Agricultores de Minas Novas 134
6.4 Estratégias Técnicas de Organização e Mercados Para as Unidades
de Produção Familiar Estudadas 146
6.4.1 A Produção Agrícola e Pecuária nas Unidades Familiares 147
6.4.2 As Indústrias de Transformação Artesanais nas Unidades de Produção 155
6.5 O Trabalho nas Unidades de Produção Familiares 161
6.5.1 As Moradias nas Unidades de Produção Familiares 175
CONSIDERAÇÕES FINAIS 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 190
ANEXOS: Questionário Aplicado na Pesquisa 193
8
Dados do IBGE: Produção Agropecuária de Minas Novas 1920 a 1985 200
9
Lista de Siglas e Abreviaturas
- ADENE - Agência de Desenvolvimento do Nordeste
- APA - Área de Proteção Ambiental
- ASA - Projetos de Articulação do Semi-Árido
- BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
- CAMPO VALE - Centro de Assessoria aos Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha
- CEB's - Comunidades Eclesiais de Base
- CEDRS - Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural
- CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
- CNDR - Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
- CODEVALE - Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha
- CONFASCOM - Confederação das Associações Comunitárias do Município de Minas Novas
- CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar
- DAP - Declaração de Aptidão ao PRONAF
- FAT - Fundo de Apoio ao Trabalhador
- FJP - Fundação João Pinheiro
- IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- ICV - Índice de Condições de Vida da FJP
- IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
- INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
- IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
- MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
- MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
- ONGS – Organizações Não Governamentais
- PDRI - Programas de Desenvolvimento Regionais Integrados
- PMDES - Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e Social
- PMDR - Plano Municipal de Desenvolvimento Rural
- PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
- PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
- PROCERA - Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária
- PRONAF - Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
- PRONAT - Programa Nacional de Desenvolvimento de Territórios Rurais
- SAF - Secretaria da Agricultura Familiar
- SDR - Secretaria de Desenvolvimento Rural
- SDT - Secretaria de Desenvolvimento Territorial
- SEAPA - Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
- SEPLAN - Secretaria do Planejamento e Coordenação Geral
- SETAS - Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social
- STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Minas Novas
10
Lista de Quadros
Quadro : Pág.
- Quadro 1: Características dos Modelos Patronal e Familiar 57
- Quadro 2: Características da Agricultura Patronal e Familiar 57
- Quadro 3: Tipos de Propriedade da Terra no Brasil Segundo o Estatuto da Terra 60
- Quadro 4: Programas Sociais de Transferências de Renda – Minas Novas – 2005 78
- Quadro 5: Distribuição dos Estabelecimentos de Minas Novas em %, Nº e
Área e Uso da Terra – 2004 82
- Quadro 6: Cultivos e Produção em Minas Novas – 2004 83
- Quadro 7: Cultivos Segundo a Área e a Produção em Minas Novas – 2004 84
- Quadro 8: Evolução do Pronaf, Segundo as modalidades e número de contratos
em Minas Gerais - 1995-2000 108
- Quadro 9: Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste para Minas Novas,
2000-05 143
- Quadro 10: Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste para Minas Novas,
nov/2004 até 31/12/2006 143
- Quadro 11: Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste
para Minas Novas, nov/2004 até 31/12/2006 144
- Quadro 12: Recursos (R$) liberados pelo Banco do Brasil - Minas Novas, 2004-2006 144
Lista de Figuras
Figuras
: Pág.
- Figura 1: Representação gráfica dos modelos produtivos de LAMARCHE 53
- Figura 2 – Territórios homologados pelo MDA em Minas Gerais 116
11
- Figura 3: Configuração espacial característica das Comunidades
Quilombolas no Brasil 168
Lista de Tabelas
Tabelas
: Pág.
- Tabela 1: Distribuição dos Estabelecimentos Agropecuários em Nº, Área
Minas Novas-MG – 2004 – em % 33
- Tabela 2: Total dos Estabelecimentos e Área por Categorias Familiar e Patronal,
no Brasil, 2000 58
- Tabela 3: População segundo a Situação de Domicílio de Minas Novas
- 1991 e 2000 74
- Tabela 4: Estrutura Etária da População de Minas Novas - 1991 e 2000 75
- Tabela 5: Indicadores de Longevidade, Mortalidade e Fecundidade
de Minas Novas - 1991 e 2000 75
- Tabela 6: Nível Educacional da População Jovem (Menos de 25 anos)
– Minas Novas - 1991 e 2000 75
- Tabela 7:
Nível Educacional da População Adulta (25 anos ou mais)
– MINAS Novas – 1991 e 2000 76
- Tabela 8: Indicadores de Pobreza, Desigualdade e Renda da População
– Minas Novas - 1991 e 2000 76
- Tabela 9:
População com Acesso a Serviços Básicos e Bens de consumo
- Minas Novas – 1991 e 2000 - em % 77
- Tabela 10: Indicadores de Vulnerabilidade Familiar e Índice de Desenvolvimento
Humano – Minas Novas – 1991-2000 77
- Tabela 11: Grandes Usos da Terra em Minas Novas – 1996 80
- Tabela 12: Número e Percentual de DAPs Emitidas por Modalidades de
enquadramento no PRONAF 134
- Tabela 13: Agricultores Pesquisados Segundo a Modalidade de
Pronaf – Minas Novas – 2006 135
- Tabela 14: Identificação dos Antecessores nas Unidades de Produção
– Minas Novas 137
- Tabela 15: Rendimentos das Famílias nas Unidades de Produção Estudadas 137
12
- Tabela 16: Finalidade dos Rendimentos Obtidos com o Trabalho
Sazonal nas Unidades 138
- Tabela 17: Número de Unidades de Produção com Financiamento
PRONAF por Atividades 140
- Tabela 18: Tratamento da Agua Consumida nas Unidades de Produção 176
- Tabela 19: População com acesso a bens e serviços básicos
– Minas Novas – em % 177
- Tabela 20: Energia Elétrica nas Unidades de Produção – em % 177
Lista de Mapas
Mapas : Pág.
- Mapa 1 – Base cartográfica para o estudo da agricultura familiar e
do PRONAF no Município de Minas Novas – MG – BR 6
- Mapa 2 – Distribuição das Bacias Hidrográficas do Município
de Minas Novas – MG – BR 69
- Mapa 3 – Distribuição das Comunidades rurais estudadas
– Minas Novas – MG – BR 70
- Mapa 4 – Distribuição das Unidades de produção familiares amostradas
– Minas Novas – MG – BR 71
- Mapa 5 – Distribuição das comunidades atendidas pelos projetos
do PRONAF Infra-estrutura – Minas Novas – MG - BR 124
- Mapa 6 – Distribuição das produções agropecuárias
da agricultura familiar por grupos de comunidades – Minas Novas – MG – BR 165
- Mapa 7 – Fluxo dos produtos da agricultura familiar de Minas Novas – MG – BR 174
Lista de Fotos
Fotos
: Pág.
- Foto 1: Casarão de Minas Novas 21
- Foto 2: Comunidade de Carvalhaes (área do Médio Capivari), onde se vê
na encosta a formação de “peladores” 81
- Foto 3: Comunidade de Capivari Contendas-área do Médio Capivari
13
(preparo de solo com enxada para plantio de batata doce) 146
- Foto 4: preparo de solo com enxada para cultivo de milho na comunidade Macuco 146
- Foto 5: Amostras de sementes “crioulas” resgatadas pelo Escritório da
EMATER de Minas Nova. 148
- Foto 6: Horta em unidade familiar na comunidade do Bentinho, área do Fanado 150
- Foto 7: Utensílio de cerâmica para guardar água, “talha” utilizada
por famílias camponesas da comunidade de Pinheiro 156
- Fotos 8 e 9: Alambique e cultivo de cana-de-açúcar, em unidade familiar
da localidade de Buriti Boa Vista (área do Fanado) 158
- Foto 10: Rapadura comercializada na feira livre do mercado
Municipal de Minas Novas 158
- Foto 11: Engenho de ferro e “tocado à boi”, em unidade familiar na
comunidade de Adrião, na área das nascentes do Capivari 158
- Foto 12: Doces comercializados no Mercado Municipal, oriundos de
agricultores da comunidade de Buriti Paraíso (área do Fanado) 160
- Foto 13: Feira Livre do produtor rural de Minas Novas 171
- Fotos 14 e 15: Barraginhas e Sistemas de captação de água da Chuva na
comunidade de Macuco (região do Fanado) 176
Lista de Gráficos
Gráficos
:
- Gráfico 1: Avaliação do PRONAF pelos agricultores beneficiados,
Minas Novas – 2006 141
- Gráfico 2: Finalidade da Produção de Milho e Feijão nas Unidades Familiares
Minas Novas-MG - 2006 – em % 148
- Gráfico 3: Finalidade da Produção de Frutas e Verduras nas Unidades
Familiares Minas Novas-MG – 2006 – em % 150
- Gráfico 4: Finalidade da Produção de Mandioca e Cana-de-açúcar nas
Unidades Familiares - Minas Novas-MG - 2006 – em % 152
- Gráfico 5: Finalidade da Produção de Suínos nas Unidades Familiares
- Minas Novas-MG/2006 – em % 153
- Gráfico 6: Finalidade da Produção de Aves nas Unidades Familiares
- Minas Novas-MG/2006 – em % 154
- Gráfico 7: Finalidade da Produção Bovina de Leite e Carne nas
Unidades Familiares Minas Novas-MG/2006 – em % 155
14
- Gráfico 8: Finalidade da Produção de Rapadura, Açúcar Mascavo
e Cachaça nas Unidades Familiares Minas Novas-MG - 2006 – em % 157
- Gráfico 9: Finalidade da Produção de Farinha de Mandioca e Polvilho
nas Unidades Familiares Minas Novas-MG – 2006 – em % 159
- Gráfico 10: Finalidade da Produção de Doces nas Unidades Familiares
Minas Novas-MG – 2006 – em % 160
- Gráfico 11: Mão-de-obra Familiar Empregada nas Unidades de Produção
por Regiões das Bacias Hidrográficas – Minas Novas – 2006 – em % 161
15
RESUMO
Este estudo trata da análise da agricultura familiar e camponesa no município de Minas
Novas, no Vale do Jequitinhonha MG, e sua relação com o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF e como este programa tem promovido o
desenvolvimento rural sustentável dos agricultores familiares nas unidades estudadas. Foi
realizada a análise de uma amostragem aleatória, utilizando aplicação de entrevistas em campo,
dados da Declaração de Aptidão ao PRONAF DAP, no período de 2000 a 2006, um
questionário com perguntas semi-estruturadas e diretas, e dados do Banco do Nordeste e Banco
do Brasil, com valores de financiamentos do PRONAF relacionados às famílias amostradas.
A bibliografia, dividida em três grupos, tratou do Vale do Jequitinhonha e Minas Novas,
formação geo-histórica e sócio-econômica; outra do conceitual e teórico-metodológico e estudos
teóricos; e, discussões sobre políticas públicas e PRONAF. O embasamento teórico sustentou-se
nos trabalhos de Chayanov e Lamarche, que explicitam a organização interna das unidades
familiares e sua reprodução, bem como aspectos de relação com o mercado; tais referenciais
teóricos responderam satisfatoriamente ao perfil do agricultor familiar pesquisado.
Os dados levantados abrangeram aspectos que ressaltam as práticas agrícolas, cio-
ambientais e econômicas desenvolvidas pelos agricultores; também utilizou-se os critérios de
enquadramento no PRONAF, baseados em questões tais como a organização da estrutura
fundiária do município, o uso da terra e estratégias produtivas, organização do trabalho,
condições sócio-econômicas das famílias e da infra-estrutura das propriedades, o nível de
participação na formação do capital humano e social, a organização dos grupos produtivos
aspectos da migração sazonal.
Ressalta-se o importante papel da mulher não apenas por uma questão de gênero, mas
pela valiosa contribuição na auto-suficiência alimentar e no desenvolvimento da manutenção da
estrutura e modo de exploração família, bem como na reprodução dos valores camponeses.
Outro aspecto da pesquisa refere-se à migração sazonal como endemia social,
alternativas futuras e estratégias das unidades de produção familiar camponesa, num esforço
para encontrar indicativos capazes de responder às demandas necessárias para se construir um
projeto de desenvolvimento rural sustentável.
Como resultados da pesquisa, destacam-se a identificação do perfil do agricultor familiar
do espaço estudado, a organização e as estratégias de manutenção e reprodução camponesa,
as expectativas futuras da família, uma avaliação do Pronaf pelos agricultores e alguns
indicativos que respondem à questão da migração sazonal e outros elementos para se construir
um projeto de desenvolvimento rural sustentável e participativo.
16
ABSTRACT
This study treats of the analysis of the agriculture family farmer in the municipal district
of Minas Novas-MG and your relationship with the Program of Invigoration National of the
Family Agriculture - PRONAF and as this program it has been promoting the family farmers'
maintainable rural development.
The bibliography treated of historical and geographical and socioeconomic aspects, of
the theoretical of the farmers and of the family agriculture and discussions on public politics
and PRONAF. The theoretical it was based on Chayanov and Lamarche, about the
organization of the productive units and your reproduction, the relationship with the market
and other referring ones to the researched family farmer's profile.
The analysis of a sampling
was accomplished, using application of questionnaires and interviews in field and of public
institutions that act in the region.
The data lifted aspects of the agricultural practices, socioambientais and economical
developed, based on the structure agrarian, the use of the soil and productive strategies,
organization of the work, socioeconomic conditions of the families and of the infrastructure of
the productive units.
The woman's important paper, your contribution in the alimentary self-sufficiency is
pointed out and in the development of the maintenance of the structure and way of
exploration family, and in the values farmers' reproduction. Still, he/she refers to the seasonal
migration, the future alternatives and strategies relative farmer, in an effort to find indicative
capable to answer ace necessary demands to build a project of maintainable rural
development.
As results obtained by the research, they stand out the identification of the family
farmer's profile in your several peculiarities, your organization and the maintenance strategies
and reproduction farmer, the future expectations of the family, in the vision father and
children, an evaluation of Pronaf for the farmers and some indicative that answer to the
subject of the seasonal migration and other elements to build a project of maintainable rural
development and participial.
17
INTRODUÇÃO
Os estudos dos camponeses do Vale do Jequitinhonha consideram sua inserção
atual no mercado como uma continuidade do passado, identificado como uma história de
isolamento e estagnação desde o século XIX. Não discutindo a questão como um processo,
que se altera ao longo do curso histórico em períodos de expansão e declínio econômico.
Em Minas Novas-MG a produção camponesa está voltada principalmente para o
auto-consumo. Esta característica é tão importante para os camponeses, quanto o acesso a
terra, a organização em unidades familiares de produção e consumo, a cultura tradicional
associada ao modo de vida das comunidades rurais e a sua sujeição a poderes exteriores.
A evolução dos processos e consolidação de um modelo de agricultor familiar
conduziu o estudo a analisar estes atores sociais que apresentam características de
camponês e de agricultor familiar periférico a consolidado e de transição, fase de passagem
para um estágio de inserção em um sistema mercantil simples a outros níveis mais
abrangentes. Tal perfil atende às condições para enquadramento no Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, conforme as normas do programa.
Os conceitos de CHAYANOV (1974), em sua Teoria da Organização da Unidade
Econômica Camponesa e os estudos de LAMARCHE (1993), tendo como referência a
unidade de produção familiar, centraram-se na visão de um agricultor familiar camponês, que
procura a manutenção através da satisfação das necessidades da família, evoluindo para um
modelo de agricultor familiar, mesmo que ainda periférico, mas que busca sua inserção a
diferentes mercados (mesmo que sem submeter a este), a possibilidade de melhoria nas
condições da exploração do estabelecimento, da renda e qualidade de vida.
Nesta pesquisa buscou-se estudar a produção familiar, estabelecendo um elo entre
as abordagens teóricas e a realidade local, através da identificação e caracterização das
relações de trabalho, produção, consumo e necessidades da família, da reprodução dos
valores camponeses, bem como as suas inserções em diferentes níveis socioeconômicos.
Para a pesquisa, o município de Minas Novas foi dividido em três regiões: Fanado,
Capivari e Setúbal. Por se tratar de regiões com combinações agrícolas voltadas para a
agricultura de subsistência e multifuncionais, como o artesanato e outros estabelecimentos
em transição para o acesso a mercados abrangentes, estas se caracterizam por diferentes
condições espaciais, naturais e sociais; quanto aos aspectos naturais, observou-se: região
do Fanado, caracterizada por vegetação de campo, campo cerrado, de tensão ecológica e
de transição para semi-árido, e pela inexistência de cursos de água perenes; regiões do
18
Setúbal e Médio Capivari, caracterizada por vegetação de cerrado com cursos de água
intermitente e, região do Capivari (região das nascentes), caracterizada por vegetação de
cerrado/resquícios de remanescente de mata atlântica e com corpos d'água com maior
regularidade, conforme o Mapa 1 Base para o Estudo da Agricultura Familiar e do
PRONAF no Município de Minas Novas – MG - BR.
Por décadas diversos projetos assistiram os municípios do Vale do Jequitinhonha,
sendo propostos diversos modelos de regionalizações para execução de políticas de
governos, sendo que Minas Novas sempre esteve presente nestes arranjos territoriais
propostos para a região. Com a maioria absoluta da população no meio rural, a relação rural-
urbano mantém-se, independente dos fenômenos sociais e migratórios ou do agravamento
das questões climáticas, além de ser tradicionalmente agrícola, com história e experiência de
agricultura camponesa e familiar de subsistência.
A escolha do tema e da área se justificou pela importância da agricultura familiar
camponesa, a ausência de avaliação do PRONAF em regiões deprimidas, a necessidade de
uma avaliação criteriosa dos resultados do PRONAF enquanto proposta de política pública
destinada aos agricultores familiares. Ressalta-se também, como razão das escolhas, o fato
de que por alguns anos o autor ter vivido e trabalhado nesta região, com conhecimento dos
processos locais e vivência com agricultores familiares camponeses.
Além destes aspectos, Minas Novas foi um dos municípios de Minas Gerais a receber
o PRONAF Infra-estrutura e Serviços em 1997; nos dias atuais aplica todas as linhas e
modalidades de crédito e participa do Projeto de Desenvolvimento Territorial, com recursos
do PRONAF. A área é representativa como amostragem para outras regiões, aqui
considerada como “lócus” de um modelo de agricultor familiar camponês e apresenta uma
história de dez anos de PRONAF, o que provocou o início de um novo processo político;
possuindo elementos, experiência e indicativos para uma avaliação da atuação deste
programa que foi criado para o fortalecimento da agricultura familiar, dando-a um tratamento
diferenciado das demais categorias produtivas, considerando as suas especificidades.
A
pesquisa estudou a Ação do Estado, através do PRONAF, enquanto política
pública e analisou se tem identificado melhoria nas condições de vida e renda dos
agricultores familiares de Minas Novas-MG; levantou alguns aspectos geo-históricos da
formação camponesa, identificando o perfil de agricultor da atualidade; promoveram-se
estudos e compreensões sobre o PRONAF, identificando possíveis alterações ocorridas
como produtos da intervenção do Estado e influências na redução das desigualdades
socioeconômicas; investigou grupos de agricultores familiares, considerando sua situação
19
anterior e posterior ao PRONAF, com ênfase na inserção no mercado e o ambiente criado
para oportunizar a implantação de outros projetos de desenvolvimento da agricultura familiar
como modelo possível para regiões diferenciadas; e, identificou as possíveis modificações
ambientais surgidas durante o processo de intervenção do PRONAF na área estudada.
As perguntas norteadoras levantadas para desenvolver a pesquisa e considerando os
objetivos propostos foram as seguintes:
Após inúmeros projetos desenvolvidos no Vale do Jequitinhonha e especificamente,
no município de Minas Novas, como tem sido a atuação do PRONAF diante das reais
demandas e necessidades do agricultor familiar ou é apenas uma demanda de crédito?
As modificações decorrentes do Projeto PRONAF foram pontuais e localizadas ou
contribuíram para um desenvolvimento rural sustentável na área estudada?
As hipóteses selecionadas como norteadoras do trabalho da pesquisa foram:
As intervenções dos Governos no Vale do Jequitinhonha, não foram capazes de se
constituírem como políticas de Estado, voltadas para o desenvolvimento da região;
Espacialmente, o perfil do agricultor familiar camponês da área de estudo formou-se
em decorrência da história da ocupação do espaço, da intervenção do Estado e de uma
reordenação decorrente da introdução das culturas econômicas do eucalipto e café;
Socioeconomicamente, o perfil do agricultor familiar camponês da área de estudo
difere-se entre si de acordo com as condições ambientais em que se encontram, sendo o
maior ou menor acesso a água o diferencial;
Politicamente, o perfil do agricultor familiar camponês da área de estudo está em
processo de inserção como público-alvo de várias políticas públicas, cujo êxito depende do
grau de organização do capital social;
A escolha de estratégias e sistemas produtivos adotadas pelo agricultor familiar,
oportunizadas pela ação do Estado e de Organizações não governamentais levam a
melhoria de qualidade de vida do agricultor familiar na área estudada;
A migração sazonal, fenômeno endêmico na área de estudo e que afeta diretamente
as unidades familiares, apresenta a tendência de “colapso” com o retorno dos migrantes às
áreas de origem; considerando as condições fundiárias e climáticas existentes, prevê-se um
choque inevitável quando no retorno do contingente de desocupados das regiões de destino;
O PRONAF, enquanto política pública tem sido exclusivamente política de crédito
voltado para atividades produtivas, desconsiderando o seu objetivo principal que é o
fortalecimento da agricultura familiar e a melhoria de qualidade de vida, renda, produção e
novas oportunidades.
20
Mapa 1
21
CAPÍTULO 1 - UMA ABORDAGEM GEO-HISTÓRICA DA ÁREA DE ESTUDO
A história de formação do Brasil rural apresenta diferenças em relação a de outros
países, ao mesmo tempo em que se assemelha com a dos países em desenvolvimento da
América Latina. De acordo com Wanderley (1998), vale lembrar as funções específicas
assumidas historicamente pelas cidades, a vinculação da agricultura de origem colonial e a
possibilidade de disseminação da população pelos territórios, para compreender a
especificidade brasileira no que se refere à composição das sociedades locais, às relações
campo/cidade e naquilo que se diz respeito ao que é agricultura” e o que é rural”. No caso
do Brasil, o rural foi historicamente percebido como um:
espaço diferenciado”, que corresponde a formas sociais distintas: as grandes
propriedades rurais, os pequenos aglomerados e povoados e padrões
culturais específicos. Esses espaços, juntamente com as pequenas cidades
do interior, tiveram um importante papel na história do povoamento brasileiro,
como “pontos de apoio da civilização” (WANDERLEY, 1999:18).
A região do atual estado de Minas Gerais se inseriu na economia colonial mais
tardiamente, o que se deu em fins do século XVII e início do século XVIII, principalmente em
decorrência da mineração do ouro e do diamante. Destaca-se que antes das atividades
mineradoras, na bacia do São Francisco, surgiram os primeiros currais e roças, como um
prolongamento da pecuária nordestina, e também nos caminhos do sul, abertos pelos
bandeirantes paulistas (MULS, 1990:95).
Conforme Furtado (1986) até a descoberta do ouro, no final do século XVII a base
econômica da colônia era ligada a um número pequeno de grandes empresas, engenhos de
açúcar, atraindo alguns poucos migrantes de poucas posses. A partir da emergência da
economia mineira, este quadro mudou, e um novo ciclo migratório europeu totalmente novo
surgiu. Devido às características da economia mineira, pessoas menos abastadas passaram
a ter novas possibilidades, pois não se exploravam grandes minas, mas sim o ouro de
aluvião, acumulado no fundo de rios.
A notícia da descoberta do ouro provocou um intenso fluxo migratório para o Brasil no
correr do século XVIII. Aproximadamente quarenta por cento da população portuguesa
vieram para o Brasil, fazendo Portugal criar mecanismos para dificultar o fluxo migratório.
Acredita-se que a população colonial de origem européia multiplicou dez vezes no século da
22
mineração. Estima-se que a população no Brasil era de 100.000 habitantes em 1600,
300.000 em 1700 e 3.250.000 em 1800 (MIRANDA, 1988:31).
Salienta-se que embora o esgotamento das minas de ouro e diamantes tenha levado
à estagnação e desorganização em algumas regiões, em outras a estagnação durou pouco.
No Sul de Minas, o crescimento dos mercados de São Paulo e do Rio de Janeiro estimulou a
agropecuária local. Enquanto ao Norte predominavam grandes latifúndios.
“Num primeiro momento, dá-se a ocupação do dio Paraopeba, dos sertões do rio
Pará e do Alto São Francisco. Com as ordens de abertura da Picada de Goiás (1737),
alcança-se o Sul da Comarca de Paracatu. Nessas regiões as atividades criatórias
(gado bovino e cavalar) se tornaram predominantes, embora as roças também
estejam presentes. (...) Num segundo momento, o deslocamento toma a direção do
Vale do Jequitinhonha. Ao longo do Rio Jequitinhonha, de Vila do Príncipe a Minas
Novas, na vastíssima Comarca do Serro Frio planta-se também o milho, a mandioca,
o feijão, o fumo, a cana-de-açúcar de açúcar e o algodão (sendo este um de seus
principais produtos), cria-se gado, fabricam-se queijos, rapadura, tecidos e cachaça”.
(MULS, 1990:98).
no século XIX, descendentes de escravos e comerciantes fixaram-se então nas
áreas de caminho das minas ou em suas áreas marginais, ocupando terrenos férteis à beira
de rios e córregos, dando origem a uma estrutura fundiária parecida com a atual. Observou-
se neste momento a passagem pela configuração de um campesinato com características
próprias, matriz do perfil de agricultor camponês familiar dos dias atuais. Nesse momento a
“brecha camponesa” se fortalece nas áreas marginais das regiões mineradoras, grandes
latifúndios e outras mais longínquas, ocupadas por homens livres ou “forros”, assumindo a
condição primitiva de unidade familiar de subsistência.
Tal fenômeno foi observado nos estudos históricos de ocupação do Vale do
Jequitinhonha, principalmente na porção intermediária entre o Alto e Médio, onde se localiza
o atual município de Minas Novas, objeto do presente estudo, observado pelo importante
contingente de famílias negras no meio rural e de comunidades remanescentesde quilombo.
23
1.1 - Formação Geo-histórica: Vale do Jequitinhonha e Minas Novas
Segundo estudos do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva CEDEFES
(
1987:17), antes da chegada dos primeiros “homens brancos” ao Vale do Jequitinhonha a
região era ocupada por vários agrupamentos indígenas, pertencentes majoritariamente a
grupos étnicos, com várias divisões e subdivisões, integrantes de famílias etnolingüísticas
incluídas no tronco macro-jê, como os botocudos e maxacalis. Outros grupos indígenas
pertencentes ao tronco tupi família tupi-guarani, como os tupiniquins provavelmente
fizeram incursões em algumas áreas do Vale do Jequitinhonha, ao longo dos grandes rios, a
partir de seus domínios territoriais.
Os registros dão conta de que no século XVI as primeiras expedições portuguesas
a se embrenharem em território mineiro, partindo da Bahia, entraram o interior pelo
Jequitinhonha, a procura de riquezas minerais, podendo citar a de Espinosa Navarro de
1553-54, a de Fernandes Tourinho de 1573 e, mais tarde, a de Antônio Dias Adorno. Estes
primeiros colonizadores enfrentaram muitas condições adversas como doenças, a
hostilidade dos indígenas, as dificuldades naturais, etc. Embora pareçam não ter conseguido
grandes sucessos em seus intentos, essas expedições deixaram alguns conhecimentos
preliminares da região e a lenda de grandes riquezas a serem exploradas (VIANA, 1935:89).
Segundo Ribeiro (1993), nos séculos seguintes, a região foi ocupada a partir de três
frentes distintas: a baiana”, que dirigiu para o sertão do Vale; “paulista” que penetrou a
região das minas; e, “militar”, responsável pela colonização do médio Jequitinhonha. A
primeira iniciada no final do século XVII, a partir dos sertões da Bahia, através do rio São
Francisco, vai se dar pela expansão das fazendas de gado, na parte noroeste da região do
Jequitinhonha, primeiro atingindo o vale do Rio Pardo.
Ainda, de acordo com Ribeiro (1993), a citação sugere uma ocupação anterior dessa
região por membros das classes populares, produzindo o clássico processo de colonização
no interior, em que a apropriação da terra pelas classes dominantes era em geral, precedida
pelo desbravamento promovido por posseiros de várias origens sociais.
Para povoar o território os detentores “mandavam escravos seus e colonos lusitanos
a estabelecer fazendas de lavoira e de criação em logares apropriados, por ventura,
acompanhados de padres encarregados da catechese do gentio. (VASCONCELOS, apud
VIANA, 1935:72).
Muitas pessoas vieram
habitar aquelles sertões, tornando-se de simples
aggregados ou foreiros que eram, em proprietários e fundadores de fazendas, núcleos
24
originários de povoados, arraiaes e villas, chefes de família, cujos nomes muitos, ainda hoje,
se conservam
(VIANA, 1935:79).
Os viajantes estrangeiros que passaram pela região no início do século XIX,
chamaram-na de Sertão ou Deserto, porque as fazendas são raras e miseráveis, mas em
compensação, pelo tamanho dos currais, supunham serem numerosos os rebanhos, embora
não possam ser considerados sinais de riquezas, devido às dificuldades de comunicação” (D'
ORBIGNY, 1976:102). “Os proprietários dessas fazendolas ocupam-se quase
exclusivamente da criação de gado”, embora também se “dedicassem ao garimpo, contavam
com a mão-de-obra da família para o trabalho nas lavouras de subsistência e na criação,
sendo raros os escravos negros” (SPIX, 1981:79). De acordo com SAINT-HILAIRE:
colonos existem que, possuindo dois escravos, tem, no entanto, várias
milhares de cabeça de gado. Em geral, não se gosta de confiar funções de
vaqueiro a escravos, porque os que as exercem vivem ordinariamente longe
das vistas do senhor. Os vaqueiros são muito comumente os próprios filhos do
proprietário, ou então homens livres a quem se dá o terço do produto do
rebanho. Queixam-se da pouca fidelidade dos que são encarregados de tratar
do gado”. (SAINT-HILAIRE apud MACHADO, 2000:31).
Saint-Hilaire chama atenção para o fato de que além de pobres, os habitantes do
sertão eram vistos como homens de costumes simples, porém hospitaleiros, embora
indolentes e passionais, especialmente nos crimes. A população era composta de mulatos,
na quarta ou quinta geração de mestiços de negros com índios ou com europeus.
A segunda frente de colonização do Jequitinhonha veio do sentido sul, dentro do
processo de ocupação promovido pelas bandeiras dos paulistas, que penetraram o território
mineiro em busca de metais e pedras preciosas. no final do século XVII, foram
descobertas as minas de ouro do Serro Frio, marcando o início da mineração na região do
Jequitinhonha e dando origem logo a seguir, às diversas povoações.
Em 1727, partindo do Arraial de Rio Manso, atual município de Couto de Magalhães
de Minas-MG, a bandeira de Sebastião Leme do Prado, encontrou ouro no ribeirão Bom
Sucesso, próximo à sua foz com o rio Fanado, onde surgiu um núcleo minerador, com a
descoberta de grandes quantidades de ouro “à flor da terra”, que em 1730, se tornava a
Vila de Nossa Senhora do Bonsucesso das Minas Novas do Arassuai e Sede do Termo que
abrangia toda a região norte-nordeste da província de Minas. Em 1840, o município passou e
ser denominado com o nome de Minas Novas, dominando um amplo território.
25
A Sede do município de Minas Novas se assenta às margens do rio Fanado
1
, daí,
desde os tempos coloniais, a importância desse rio na vida das populações, como fonte de
água e de riquezas, de tradições, de religiosidade, a ponto de seus habitantes serem
denominados de fanadeiros”. Em meados do século XIX, a economia sofreu um
“esfriamento”, em conseqüência da crise da atividade mineradora, acrescida posteriormente,
pelos impactos da Abolição da escravatura e Proclamação da República.
Ressalta-se que Leme do Prado organizou sua bandeira às custas do Governador da
Capitania de Minas, com todas as formalidades legais, tendo inclusive o Governador D.
Lourenço de Almeida lhe concedido provisão de Guarda-mor das terras minerais que viesse
a descobrir; assim, as terras circunvizinhas ao córrego Bonsucesso foram repartidas entre a
gente que compunha a bandeira e outras pessoas que, de imediato, acorreram ao novo
descoberto.
Partindo da gênese da história do Jequitinhonha, ainda no Século XVIII, o
Governador da Capitania de Minas Gerais estimulou o empreendimento de novos
descobertos auríferos, seja porque assim determinavam os ambiciosos ministros de
Portugal, seja porque o esgotamento das minas já era previsto dada a avalanche de
mineradores que as exploravam e assim surgiram, dentre outros, as lavras de Minas Novas.
Ressalta-se é que na época os irmãos Domingos e Francisco Dias do Prado, primos
de Sebastião Leme do Prado e liderados por Brás Esteves, mineravam na região de
Itacambira e sul da Bahia. Consta que aí cometeram crimes e se tornaram temidos; avisados
da viagem de Sebastião Leme a Itacambira, “saíram-lhe ao encontro, duas léguas antes do
arraial de Santo Antônio, acompanhados de grande multidão, em ar de cortesia, mas na
realidade a efeito de o impressionarem com tamanho aparato(MACHADO, 2000:34).
Nessa ocasião, estava em Itacambira o Padre Honorato, em nome do Arcebispado da
Bahia. Com grande poder de persuasão sugeriu a Leme do Prado a manifestar os
descobertos à Bahia. O Guarda-mor mostrou-se convencido pelos argumentos dos primeiros
padres e informou ao vice-rei não as minas de Itacambira, mas também as do Bom
Sucesso e Araçuaí, as mesmas que já repartira em nome do Governo de Minas.
D. Lourenço reclamou ao governo da Coroa sua reintegração na posse das Minas
Novas, mas Sua Majestade houve por bem, em 21 de maio de 1.729, anexar toda a região
ao Governo da Bahia, tendo ficado subordinada à Ouvidoria de Serro do Frio apenas no
tocante ao judicial. Esta circunstância, somada ao fato de terem todas as paróquias do
1
O nome Fanado, originalmente significa murcho ou falhado, pois neste curso o ouro era em menor quantidade e em aluviões
não contínuos, ao contrário do Bonsucesso que se referia a uma área de maior concentração aurífera.
26
nordeste mineiro ficado sujeitas ao Arcebispado da Bahia até 1.864, quando se criou o
Bispado de Diamantina (MACHADO, 2000:39).
A mineração em Minas Novas prosperava e o ouro produzido era crescente. O arraial
crescia e vinha gente de várias partes, principalmente da Bahia. Logo se ergueu uma capela,
dedicada a São Pedro, o padroeiro do lugar. Menos de dois anos após o descobrimento,
se estimava 40000 habitantes, entre brancos e negros (PEREIRA, 1969:34).
O Conde de Sabugosa, criou em oito de dezembro de 1729 a 3.ª Companhia de
Dragões, para atuar na repressão ao contrabando de ouro de Minas Novas. Essa companhia
teria sido instalada em Alto dos Bois (atual Angelândia). Todavia, era quase impossível uma
tropa de oitenta soldados policiar toda extensão do território de Minas Novas, que abrangia o
nordeste e parte do norte de Minas Gerais, chegando a medir cerca de 900 quilômetros de
comprimento por 540 quilômetros de largura (MACHADO, 2000:41).
De acordo com alguns estudiosos (MACHADO, 2000; PEREIRA, 1969; RIBEIRO,
1993), abrangeria hoje mais de 100 municípios, em pontos extremos que iam do município
de Senador Modestino Gonçalves e Espinosa, de Água Boa a Salto da Divisa e de Ubaí a
Serra dos Aimorés. Se delimitado num mapa esta área, tem-se uma porção correspondente
a 140.692 Km², um quarto do território mineiro, o que corresponde ao tamanho do estado do
Ceará. Minas Novas formava uma província à parte e não oficializada Termo Especial”.
Os viajantes do início do século XIX, SAINT-HILAIRE e SPIX e MARTIUS, referiam-se à Vila
de Minas Novas como sendo a provável capital de toda essa porção do território mineiro.
Já em 1854, cogitou-se a criação de uma nova província, que compreenderia a
comarca de São Mateus, no Espírito Santo, as de Caravelas e Porto Seguro na Bahia, a de
Jequitinhonha e parte das de Serro e São Francisco, em Minas Gerais. A província chamaria
Santa Cruz, Mucuri ou Porto Seguro. Teófilo Otoni, político mineiro da época, imaginava
Filadélfia, atual Teófilo Otoni, como capital. A idéia haveria de ter prosperado, se a
Companhia do Mucuri também tivesse alcançado o êxito projetado pelo seu idealizador
(MACHADO, 2000:43).
Para facilitar a “quintagem” do ouro extraído em Minas Novas, criou-se em 1729 a
Casa de Fundição, que começou a funcionar em 1730. Vários funcionários bem
remunerados passaram a residir no arraial, conferindo-lhe rapidamente um caráter urbano.
Em 02 de outubro de 1730, foi instalada solenemente pelo Ouvidor de Serro do Frio a Vila de
Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas do Araçuaí, tendo sido eleitos os
primeiros vereadores, Presidente da Câmara e Juízes Ordinários. Através do Decreto Régio
de 13 de maio de 1757, a Vila de Minas Novas retornou-se à jurisdição de Serro do Frio. O
27
Ouvidor de Jacobina ainda insistiu em manter jurisdição sobre as Minas Novas, mas foi
duramente repreendido pelo Rei (PEREIRA, 1969:38).
VIANA (1935) defende a tese de terem sido bandeirantes baianos os descobridores
de grande parte de Minas Gerais; de fato, as primeiras incursões do grande território de
Minas Novas foram feitas por sertanistas baianos, haja vista que, por exemplo,
“se Leolino Mariz agia em nome do vice-rei, radicado na Bahia, se as Minas
Novas e os caminhos do São Francisco foram desbravados pelos baianos,
procede a tese de quantos afirmam terem sido aqueles os descobridores de
grande parte do território mineiro e suas riquezas (VIANNA, 1935:78).
Salvo o caso da dependência de Minas Novas ao Serro, o fato é que esse “Termo” se
consolidou a célula “mater” dos principais povoamentos do Jequitinhonha, cujos
desdobramentos deram origens à maioria das cidades do Vale. Data também do início do
século XVIII a descoberta de diamantes no Arraial do Tejuco, atual município de Diamantina.
A importância dos descobertos fez a coroa portuguesa criar a Intendência dos Diamantes em
1734, que delimitava o distrito e criava uma administração própria, com um rígido controle e
uma lei específica para o Distrito: O Livro da Capa Verde.
Para se ter idéia da importância da mineração na região, é citado em dois exemplos:
entre meados de 1730-31, fundiram-se nas Minas Novas do Arassuai 216 arrobas de ouro,
que somado ao contrabando poderiam atingir mil arroubas (PEREIRA, 1969:37). JARDIM
(1974:57)
,
afirma que no período de 1728-1801, foram extraídos cerca de três milhões de
quilates de diamantes, em terras brasileiras, sendo a quase totalidade no Jequitinhonha.
28
1.2 – A Ocupação Camponesa na perspectiva Geo-Histórica
Na região das Minas Novas, boa parte da população se dividia entre o trabalho na
lavoura durante o período chuvoso e o garimpo no período da seca, quando esta atividade é
facilitada pelo menor volume dos rios e córregos. Essa combinação lavoura-garimpo aparece
em relatos dos viajantes estrangeiros como Saint-Hilaire, Spix e Martius, que percorreram a
região no século XIX; tal combinação ocorreu até recentemente, embora com muito menos
freqüência, devido à escassez do ouro. Com a diminuição das áreas de mais fácil extração,
devido as dificuldade de acesso á água para lavagem dos cascalhos, a produção mineradora
caiu e a agricultura absorveu a população que concentrava na área. Costa Filho que estudou
a produção de cana-de-açúcar em Minas Gerais afirma que a maioria dos estabelecimentos:
“possuía conjuntamente roças e lavras; eram essas fazendas,
simultaneamente, de agricultura e mineração.A essas fazendas que possuíam
minas e lavouras ou criações chamamos fazendas mistas. (...) Digna de
citação entre outras, era a fazenda de Bonifácio Pereira Veloso,sita no
Ribeirão do Itanguá, na Comarca de Serro Frio, Termo de Minas Novas. (...)
Havia na fazenda lavras e gados, o que mostra que era uma típica fazenda
mista, isto é, era ao mesmo tempo agrícola e mineral ou agropecuário-
industrial” (COSTA FILHO, 1963:162)
De acordo com Ribeiro (1993), a partir do final do século XVIII, além do cultivo de
milho, feijão e cana-de-açúcar, se expande a lavoura do algodão na região de Minas Novas-
MG que, favorecido pelas condições do solo e clima, ganhou fama pela qualidade. Além da
comercialização em rama, o algodão era também utilizado para fabricação local de tecidos,
cobertas, toalhas, etc., que podiam ser consumidos ou exportados para outras regiões. A
Coroa Portuguesa impôs no final do século XVIII, medidas voltadas para restringir as
manufaturas de algodão em toda a Colônia, limitando-as apenas aos tecidos grossos usados
para o vestuário de escravos e enfardamento, visando direcionar a atividade da província
para a mineração, bem como proteger suas próprias exportações de manufatura.
Além das proximidades de Minas Novas, o algodão era cultivado no médio
Jequitinhonha. Nesta área, que constitui a terceira frente de ocupação do Vale, realizada a
partir da instalação de postos militares no início do século XIX, que deram origem a várias
cidades da região: São Miguel, Vigia, Água Branca e Salto Grande, atuais municípios de
Jequitinhonha, Almenara, Joaíma e Salto da Divisa (PEREIRA, 1969:44).
A instalação dos quartéis visava domesticar os temidos botocudos, impedir o
garimpo e os contrabandos de ouro e diamantes. Após a ocupação militar sucedeu a
29
concessão de terras na margem do rio a colonos vindos das povoações próximas do Termo
de Minas Novas, que recebiam áreas de meia légua quadrada (aproximadamente 900
hectares), isentas de impostos por dez anos. Assim, a área produtora de algodão estendia-
se desde as proximidades de Minas Novas até em torno do quartel de São Miguel, tendo o
centro comercial São Domingos, atual município de Virgem da Lapa (PEREIRA, 1968:46).
De acordo com SPIX e MARTIUS (1981), próximo à cidade de Araçuaí as povoações
eram habitadas por lavradores em sua maioria mulatos, que se dirigiam para o núcleo
somente aos domingos e dias santos. “Além do algodão, criavam algumas poucas cabeças
de gado e porcos em maior quantidade, plantavam roças de subsistência, cuja venda
eventual de algumas sobras permitia o abastecimento das vizinhanças, que ficava
prejudicado em períodos de seca, elevando os preços dos produtos” (SPIX e MARTIUS,
1981:69 apud PEREIRA, 1969:49).
Em geral, conforme PEREIRA (1969), apenas algumas fazendas, associadas aos
engenhos, empregavam um número mais significativo de escravos, mas a grande maioria
dos lavradores contava apenas com um ou outro e mais certamente com a mão-de-obra
familiar, ou ainda, na região ocupada mais recentemente, com o trabalho de alguns índios,
inclusive botocudos, que se ofereciam em troca de víveres ou pequenos presentes.
Essa população que habitava extensas terras, que podiam chegar até oito léguas
quadradas (aproximadamente 230.000 hectares), dimensões consideradas necessárias à
agricultura itinerante e predatória, segundo SAINT-HILAIRE, não pode ser definida nem pela
riqueza, nem pela miséria. Pelos seus hábitos simples, foram considerados por SPIX
(1981:62) como mais assemelhados aos sertanejos do que aos dos habitantes cultos de
São João d El-rei, Vila Rica e Tejuco” e SAINT-HILAIRE (1975 apud PEREIRA, 1969:46)
também os comparou, pelo acanhamento, aos camponeses franceses.
As narrativas históricas sobre o Jequitinhonha em geral se interrompem no final do
período da mineração ou fazem breves menções a alguns aspectos isolados de períodos
seguintes, para retomar seu curso apenas nos anos 1960-70, quando o isolamento do Vale é
interrompido pela invasão das reflorestadoras e da cafeicultura. É preciso ter cuidado para
não se cair na simplificação histórica, ao considerar que o Vale permaneceu isolado e
adormecido por mais de um século, de modo análogia à obra literária Cem anos de solidão”,
de Gabriel Garcia Marques, quando descreve a lendária região do Macondo”. No entanto,
outros registros trazem à tona uma dinâmica de ocupação territorial, de fundamental
importância para compreensão do movimento e configuração camponesa no espaço
estudado, principalmente as novas relações e fluxos comerciais que foram se constituindo.
30
Em meados do século XIX, além do tradicional trânsito comercial com Diamantina,
uma rota mais significativa foi se abrindo na medida em que se desenvolvia a navegação do
Jequitinhonha, possibilitada pela consolidação do processo colonizador de sua porção
oriental. Os antigos quartéis de beira do Jequitinhonha e outras povoações cresceram como
entrepostos comerciais que ligavam o norte de Minas e o sul da Bahia.
“A cidade de Araçuai era um grande entreposto de comércio. De todos os
municípios vizinhos, num raio de mais de 50 léguas, convergiam para ali as
tropas. A mata do Peçanha mandava-lhe o toucinho, a carne de porco e o
café; Minas Novas, o açúcar; Serro e Ferros, os seus cereais e o café; S. João
Batista, o ferro; e todo o norte de Minas, suas variadas produções: os
Municípios de Aracuai e Salinas forneciam o gado e a carne-sêca (PEREIRA,
1969:82).
De acordo com COSTA FILHO (1963), em 1874, parte do açúcar e doces
consumidos na Colônia Filadélfia, atual município de Teófilo Otoni, era:
procedentes da cidade de Minas Novas, arraial da Chapada e Sucuriú. Desde
o final do século anterior e durante todo o século XIX, a região de Minas
Novas parece ter tido grande destaque na produção e comercialização de
rapadura, úcar e aguardente. Em 1808, os vários tipos de engenho de cana
de Minas Novas e Paracatú alcançavam mais de 156, enquanto em
levantamento de 1854, o município de Minas Novas possuía 246 engenhos
que correspondiam a cerca de 7% do total pesquisado na província”
(COSTA FILHO, 1963:70).
De acordo com Ribeiro (1993), no caso de Minas Novas, engenhos eram pequenas
engenhocas”, não se comparando aos da Bahia, que se formavam como grandes
estabelecimentos voltados para a exportação. Mas, por outro lado, não na região de
Minas Novas, muitas são as referências à comercialização de subprodutos da cana-de-
açúcar com outras partes da província, durante o século XIX
(COSTA FILHO, 1963:71).
Estas informações revelam que algumas áreas do Jequitinhonha, no final do século
XIX se caracterizavam por um lado, pela presença de uma economia familiar camponesa,
evidenciada pelo grande número de lavradores e por uma pequena mão-de-obra cativa.
Mas por outro lado, indícios de algumas fazendas, onde se concentrava mão-de-obra
escrava; tais fazendas indicam que além das trocas comerciais dessas áreas do
Jequitinhonha com as regiões vizinhas, a economia regional tinha certo dinamismo, ou caso
contrário, aquela mão-de-obra teria sido vendida para outras regiões, tendo-se em vista
que a importação de escravos já se encontrava proibida desde 1850.
31
Conforme Ribeiro (1993) a economia do Vale apresentou momentos de expansão e
crises, ligados em grande parte ao comércio com as regiões vizinhas. Em 1910, com o
declínio da navegação do Jequitinhonha, como a rota comercial estava em processo
avançado, determinando um novo rearranjo da economia regional, a pecuária de corte ia
substituindo a lavoura de cereais, principalmente na região dos antigos quartéis (região do
médio Jequitinhonha), iam sendo abertas fazendas de gado.
Ao tempo, ainda havia muita facilidade em se formar fazenda. As terras eram
quase de graça, sobretudo as mais afastadas do rio grande ou dos córregos
principais. Em 1920, para melhor precisar quase tudo ainda era mata. [Alguns
fazendeiros] compreenderam que aquelas terras, então sem valor, no futuro,
teriam preço e despertaria interesse. Previdentes e confiantes reservaram
para si e para os seus, áreas maiores, quando ninguém as queria ou por elas
se interessavam” (SOL, apud RIBEIRO, 1993:106).
As fazendas também se formavam à custa das áreas de posse aberta para criação
de gado nos antigos sistemas “de meio” ou “de sorte” (uma cria por quatro), onde, como
explica Frei Tetteroo OFM, vigário de São João da Vigia (atual município de Almenara):
“sem garantia alguma por parte do Governo, pelas benfeitorias do logar que
abriu, cedo ou tarde verá o pobre seu terreno occupado por outro mais
favorecido da fortuna, sem compensação alguma ou recebendo o que o
outro lhe quizer dar. Porque o Governo, para inhibir a destruição das mattas,
mui justamente considera intrusos os que se apoderam dos terrenos
devolutos, sem terem satisfeito as formalidades prescriptas pela Secretaria de
Agricultura
(TETTEROO, apud RIBEIRO, 1993:109-110).
A pecuária não prosperou na parte oriental do Jequitinhonha, mas em torno de
Araçuaí e Salinas, que diante da deficiência das estradas, viam no gado a única mercadoria
que se auto-transportava e conseguia alcançar mercados mais distantes. Nas décadas
seguintes, começaram a ser abertas algumas das estradas pioneiras do Vale do
Jequitinhonha, que até então, praticamente possuía caminhos de gado e tropas por onde
escoava sua produção.
Na primeira metade do século XX, as fazendas do Vale, não se dedicavam
exclusivamente à pecuária, em geral se combinava com a produção agrícola, havendo
áreas, como a de Minas Novas, em que ambas as atividades possuíam igual importância.
Assim, as áreas de lavoura que cultivavam, visavam não garantir o abastecimento da
família do seu proprietário e dos trabalhadores, mas também à comercialização.
32
No Jequitinhonha, se constituiu um campesinato que girava em torno das fazendas e
que em grande parte era o responsável pela produção agrícola. Este campesinato
estabelecia com as fazendas um conjunto de diferentes relações de produção e de acesso a
terra. Ribeiro (1993) chama atenção o fato de muitos migrantes baianos fugindo da seca e
ex-escravos, libertos a partir da segunda metade do século XIX e depois da Abolição, em
1888. MOURA (1980) faz uma observação sobre a questão:
“há indícios técnicos bastante interessantes que permitem diferenciar os
pequenos produtores dos agregados: são muito comuns os brancos e pardos
claros entre os primeiros, muito comuns os negros entre os segundos. Até
que ponto essa mostra impressionista ainda pode estar referida a homens
livres que, a partir da decadência do ciclo do ouro, conseguiram ter acesso ao
controle autônomo de uma pequena parcela de terra e escravos,
posteriormente ex-escravos que permaneceram no interior das fazendas
(MOURA, 1980:52).
Antigos posseiros, expulsos de suas terras por fazendeiros ao “abraçar novas áreas,
como descreve Frei Tetteroo (citado por RIBEIRO, 1993) e índios e seus descendentes,
expulsos de suas terras, formaram um contingente de trabalhadores “despossuídos”, que
encontravam na agregação nas fazendas o único jeito de acesso á terra.
“O agregado, trabalhador permanente que se define pelo direito de moradia na
propriedade, tradicionalmente constituiu a principal mão-de-obra para os
serviços da fazenda, não na lavoura, mas ainda os relacionados com os
pastos, com o beneficiamento e o reparo das instalações (currais, cercas,
etc.). Remunerado quase exclusivamente pelo seu próprio trabalho – cujo
produto amiúde é obrigado a partilhar com o fazendeiro, na base da 'meia' ou
da 'terça' tudo o que recebe sob forma monetária é um pagamento irrisório,
constituído por sua roça de subsistência. Tais diárias, porém, normalmente
equivalem à metade do que ganha o 'camarada' contratado fora da fazenda”
(TETTEROO, apud RIBEIRO, 1993:71).
Embora possuíssem algumas características em comum, o agregado distinguia-se do
parceiro pela localização da moradia, que no caso deste último não ficava dentro da área da
fazenda. A posse de um pequeno pedaço de terra, às vezes um simples lote, onde está
situada sua casa e um quintal, que embora fosse insuficiente para garantir a sua “despesa”
2
,
assegura ao parceiro uma autonomia maior em relação ao fazendeiro que a do agregado,
que se encontra na condição de estar sempre à disposição do patrão.
2
O termo despesa designa fundamentalmente os gêneros de primeira necessidade componentes da alimentação da população
rural pobre, e que provém, em parte, da roça e do quintal do pequeno produtor, e em parte da compra no comércio: feijão, milho
ou fubá, arroz, farinha de mandioca, açúcar, sal e querosene (MOURA, 1980:51).
33
Além de “tocar roças” nas fazendas, os parceiros e posseiros vizinhos, que possuíam
lavouras apenas em suas terras, costumavam trabalharem como “camaradas” nas fazendas,
recebendo pela diária ou por empreitada”. Esse recurso era uma forma de complementar a
renda familiar, que não era suprida apenas pela produção agropecuária desenvolvida na
unidade, seja para consumo imediato ou para a venda.
Uma outra estratégia adotada por alguns membros das famílias era a busca de
trabalho fora da região, utilizada principalmente por camponeses com pouca terra, ou pelos
mais jovens, quando precisavam adquirir dinheiro para os difíceis períodos de seca, para a
compra de terra, para o pagamento de uma dívida ou para o casamento. Através da
migração “os camponeses mais pobres, buscavam uma via de emancipação frente ao poder
dos fazendeiros do Vale do Jequitinhonha, a quem tinham que se submeter para conseguir
trabalho que assegurasse a sua sobrevivência” (AMARAL, 1988:81).
A migração temporária é um fenômeno antigo no Jequitinhonha, sendo detectada a
ocorrência de fluxos migratórios de trabalhadores do Jequitinhonha já no final do século XIX,
rumo a São Paulo, Zona da Mata Mineira, Espírito Santo e até para o Paraguai. Essas
migrações recebiam protesto dos fazendeiros, que viam nelas uma perda de braços da
região e até de políticos mineiros que reclamavam que “Minas perdia substância” ao não
conter o esvaziamento da mão-de-obra em direção a outras regiões do país.
Os “chapadeiros”, trabalhadores de Minas Novas, que se dirigiam tanto para os
cafezais de São Paulo, cuja finalidade era a de empreitadas para as roças e trabalhos da
lavoura, provavelmente são os precursores da migração temporária no Jequitinhonha. Tal
fenômeno é observado também em outras áreas do Vale, onde os migrantes recebiam a
denominação de “são-pauleiros”. (AMARAL, 1988:82).
No entanto, se havia uma parte importante do campesinato, que mantinha com as
fazendas relações de dependência e submissão, um outro contingente de camponeses do
Vale possuía em relação àquelas grandes propriedades uma autonomia bastante
significativa. Esses agricultores foram chamados de independentes
3
por
MOURA (1980),
que destacou que essa categoria de agricultor aparece como grande ausente, havendo uma
vinculação tanto do agregado e do parceiro, como de posseiro e do pequeno proprietário às
fazendas da região. Talvez essa sua posição possa ser explicada pelo fato de considerar
que excepcionalmente se encontram agricultores familiares com estabelecimentos que
3
Produtores independentes foi um termo utilizado por MOURA (1980) para alguns agricultores que “não dependiam do trabalho
fora de seus sítios para complementarem o consumo doméstico” AMARAL (1988:74), utilizando basicamente a mão-de-obra
familiar e dispondo de terras e recursos suficientes para assegurar uma produção que lhes permitisse abastecer sua “despensa”
e uma sobra, a ser vendida. Por essa condição, que lhes davam prestígio social, os camponeses do Vale, especialmente,
aqueles mais vinculados à fazenda, tinham no agricultor independente um modelo desejado.
34
excedem aquele limite inferior a dez hectares, o que certamente exclui boa parte dos
agricultores “independentes”, que em geral se situam na faixa de cinqüenta e cem hectares.
Percebeu-se que entre os produtores mais abastados alguns se tornavam
comerciantes e possuidores de tropas, que se constituíam no principal meio de transporte da
produção de toda região, tanto para camponeses, como fazendeiros. De acordo com Ribeiro
(1993), as tropas de Minas Novas se dirigiam para os principais centros de comércio das
regiões vizinhas, principalmente Montes Claros, Diamantina e Teófilo Otoni e para cidades
baianas próximas. Outro fluxo das tropas, com rotas mais curtas, era para Araçuaí e as
estações da Ferrovia Bahia e Minas, sendo que para todos os destinos se levava “açúcar
sujo”
4
, aguardente, rapadura e doces, toucinho, farinha, algodão e feijão e traziam sal,
querosene, farinha de trigo, bebidas cerveja, tecidos, ferragens e armarinhos.
Os comerciantes “tropeiros”, por possuírem o único meio de alcançar as regiões
distantes ou o transporte para as cidades próximas, monopolizavam a comercialização da
produção agrícola e um conjunto de relações sociais entre as comunidades locais;
estabelecendo com os camponeses, relações que iam além do aspecto mercantil,
estendendo a outras de ordem sociais, de compadrios e políticas. Aqueles comerciantes se
constituíram muitas vezes, em lideranças locais importantes. A essa realidade do
Jequitinhonha, observa-se o que Abramovay
refere-se sobre as sociedades camponesas:
“uma das características centrais das sociedades camponesas é a formação
localizada de monopólios na compra e venda de produtos. Isso significa que a
integração dos camponeses ao mercado realiza-se em condições tais que,
permanentemente, existe a influência individual de certos agentes econômicos
sobre a formação dos preços. (...). Aqui muito mais importante que a
capacidade competitiva típica em uma estrutura concorrencial de mercado, é a
formação da cadeia de patronagem, clientelismo e dependência em que a
reprodução camponesa se apóia” (ABRAMOVAY, 1992:117-118).
Percebe-se até aqui, que o camponês foi sendo moldado ao longo da história das
Minas Gerais e do Jequitinhonha, o que permitiu sua ocupação espacial, mesmo diante de
estruturas que desfavorecia a ocupação da terra por indivíduos de pouca condição e posse
.
4
No Vale do Jequitinhonha, chama-se de açúcar “sujo” o produto artesanal fabricado de forma rudimentar com o uso de
“barrileiro” (utensílio de bambu, semelhante a um balaio trançado), de cor mais amarelada, diferente do açúcar industrial cuja
coloração é cristalina
. R
ecentemente esse açúcar vem sendo substituído pelo açúcar mascavo, onde os agricultores utilizam as
mesmas instalações e estruturas de fabricação da rapadura.
35
1.3 - Ações do Estado no Vale do Jequitinhonha e Intervenções na Estrutura Agrária
De acordo com Ribeiro (2000), nos séculos XIX e XX a história do Nordeste de Minas
Gerais é prejudicada pela sua posição geográfica, cujas características possibilitaram que
fosse confundido como Norte, Nordeste e Leste mineiros. Viveu, como outras zonas do
estado, um processo lento de expansão econômica, constituindo um “crescimento
inadequado”. No cenário de Minas Gerais da passagem dos séculos XIX para XX, quando
associado ao Leste, o Nordeste era concebido como uma vasta fronteira; quando associado
ao Norte era tido como uma zona de pecuária atrasada e pouca expressão econômica, mas
na maioria das vezes, como uma região estagnada ou desqualificada, do ponto de vista
tecnológico e outros aspectos da modernidade da época.
A ação governamental no Vale estabeleceu, a partir da década de 1950, para efeito
de planejamento, os limites da Macro-Região Jequitinhonha, desconsiderando as formas
instituídas de organização regional, contribuindo para o isolamento e estagnação’ da região.
Diante da distância e ausência do Estado, em alguns momentos até ocorreram idéias
separatistas da região em relação a Minas. De acordo John Wirth, viajante inglês da década
de 1890, em sua obra “O fiel da balança”, diversas cidades entraram em auto proclamada
contenda, inclusive Minas Novas, que construiu um Palácio do Governo
5
.
Foto 1: Casarão de Minas Novas
Fonte: Pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
5
O “casarão” ou “sobradão”, um dos acervos de Minas Novas é um edifício barroco, com 8 portas e 56 janelas. Construído em
1821, é um exemplo da arquitetura colonial de Minas Gerais. Já foi utilizado como o Fórum da comarca. Quando se cogitou a
criação da Província de Minas Novas, pelo projeto de lei apresentado à Assembléia Geral do Império em 22 de agosto de 1856,
foi indicado para ser a sede do governo. O projeto de lei previa que a província deveria ser formada pelas comarcas de Porto
Seguro e Caravelas, na Província da Bahia, e de Jequitinhonha, em Minas Gerais, além da Vila do Fanado, que seria a capital.
36
No início do século XX, embora os governos estivessem ausentes do campo, isso
não impedia que regiões encontrassem seu próprio caminho, e inventassem seu destino com
iniciativas locais. Muitas iniciativas ao “largo do Estado” e conduzido por cidadãos que
explicaram boa parte dos negócios públicos e privados, permitindo a concretização de
propósitos comunitários e deram à região parte de sua história. Na ausência de contatos
com centros políticos ou econômicos de vulto, a região guiava-se e criava pequenos
mercados que se bastavam em quase tudo, alguns locais progrediram muito, outros menos,
mas, sempre longe da ação de governos e sob a batuta do poder local (RIBEIRO, 2000).
A visão governamental sempre trabalhou a idéia que o Jequitinhonha sempre foi uma
região estagnada e isolada; argumentando que tal imagem foi construída pela própria política
pública, onde a ação do Estado desde então, baseava-se na idéia de que a estagnação da
região precisaria ser rompida pela sua integração ao desenvolvimento nacional, com amplo
apoio de políticas públicas (CODEVALE, 1991; Fundação João Pinheiro, 2000).
Algumas cidades desenvolveram forte sentimento de localidade e pertencimento,
manifestado em costumes, modos de vestir, falar, arrear, festejar e comer. Observa-se este
localismo nas anotações de viajantes comerciais e memórias de começos do século XX: os
viajantes zelavam pelos tratos particulares dos lugares e enfatizaram as suas peculiaridades
e convívios. “Nas cartas o viajante Martelli comentava características: doces de Minas
Novas, arreios de São Domingos, prostitutas do Araçuaí, as palestras em Teófilo Otoni, o
lustro social de São Miguel” (RIBEIRO, 2000).
A partir dos anos 1950, o Vale passou por transformações significativas, associadas
ao processo de desenvolvimento capitalista. A integração do Jequitinhonha a um mercado
que se ampliava continuamente se favoreceu pelo processo de industrialização ocorrido em
outras regiões e pela abertura e melhoria das condições de transporte. Esse processo
facilitou o acesso de produtos regionais, especialmente o gado, a mercados mais distantes,
e possibilitou a entrada nos mercados do Jequitinhonha, de produtos agrícolas, que
concorriam com a produção local. O Diagnóstico da CODEVALE já assinalava que:
“a BR-116 veio facilitar grandemente a importação de gêneros alimentícios da zona
da Mata, onde pequenos e médios atacadistas (por sinal em pequeno número) se
abastecem de gêneros alimentícios importados em grande escala de grandes
atacadistas de Muriaé ou mesmo de Teófilo Otoni, na zona do Urucuia. Também o
Estado da Bahia (Vitória da Conquista, Salvador) abastece aos mercados do Vale
do Jequitinhonha. Belo Horizonte caracteriza-se como importante centro abastecedor
do Alto Jequitinhonha, via Diamantina
(CODEVALE, 1967:55)
.
37
A observação nos dados do IBGE, para o período de 1920 a 1985, em relação à
produção agropecuária, percebe-se que o Vale apresentava em geral produtividades
inferiores ao resto do estado, para vários produtos agrícolas como o algodão, arroz, feijão,
mandioca e milho, nas décadas de 1950-60. Diante do processo de modernização agrícola,
que se iniciava em outras regiões, a produtividade menor do Jequitinhonha também indicava
dificuldades da sua agricultura, em grande parte baseada na produção camponesa, em
competir nos mercados vizinhos com os produtos de outras regiões; mesmo com a baixa
produtividade a produção gerava excedente pelo fato de se cultivar áreas maiores nas
unidades familiares.
Minas Novas teve um relativo acréscimo da produção algodoeira entre 1940-50 e
mesmo entre 1950-60, garantido não por grandes lavouras, mas pela soma da produção de
diversos estabelecimentos, que pode ser em parte associada à tecelagem doméstica e em
parte ao fornecimento para indústrias de tecidos das regiões de Diamantina e Teófilo Otoni.
No período 1970-85, as taxas de crescimento da produção na região, eram
ligeiramente superiores às do estado, para alguns produtos como algodão, feijão, milho,
bovinos, farinha e aguardente. Esse crescimento sugere por um lado, uma recuperação em
relação ao período declinante anterior e por outro lado, uma adaptação da economia local a
novos padrões de mercado, facilitada pela melhoria das condições de transporte e
comercialização, possivelmente apoiada nas mudanças econômicas associadas à expansão
da pecuária, da implantação do reflorestamento e da cafeicultura.
O milho e o feijão eram culturas tradicionais das unidades familiares e a área em
estudo possui quase totalidade dos estabelecimentos envolvidos na sua produção. O feijão
sempre apresentou maior importância, inclusive como produto para comercialização. VOLL
(1985) destaca a significação do feijão para a produção camponesa do Vale: outro produto
importante é o feijão, que compõe a dieta alimentar e representa uma boa alternativa para a
comercialização” (VOLL, 1985:49).
O milho, mais sujeito às estiagens, devido ao seu ciclo
mais longo, tem sua produção mais associada ao consumo na própria unidade pela família e
principalmente, para a alimentação das criações de suínos e aves.
A criação de suínos e bovinos era importante para as unidades familiares,
representando uma espécie de reserva de valor para os momentos de maior necessidade de
recursos financeiros. Os primeiros eram criados nas unidades familiares, principalmente em
Minas Novas e Araçuai, onde a comercialização do toucinho era tradicional, inclusive para
exportação a outras cidades, como Teófilo Otoni e Diamantina. A atividade apresentava
crescimento bem menor, com decréscimo do rebanho, provavelmente fruto da concorrência
38
com a produção industrial de derivados. O rebanho bovino representava uma das atividades
que não possuía taxas de crescimento significativas, apresentando pequena oscilação em
comparação com as do estado, revelando-se com as tendências da pecuária no resto do
Estado (IBGE, 1989:255).
A cana-de-açúcar e a mandioca, além do seu uso na alimentação da família e como
ração para as criações, eram empregados também em termos de produção camponesa,
para o beneficiamento em pequenas fabriquetas, onde se retiravam vários subprodutos em
geral, destinados à comercialização. Tratava-se de uma atividade importante do período da
seca, quando devido a restrições climáticas, diminui o trabalho na lavoura. Com a diminuição
do uso do açúcar sujo, a produção de cana-de-açúcar dirige-se para a fabricação de
cachaça e rapadura, cujo consumo desta última tem sido basicamente a nível local de
mercado curto, enquanto a cachaça tem um mercado mais regionalizado e apresentou nas
últimas décadas um crescimento significativo em termos de produção e consumo.
A mandioca era usada para a fabricação da farinha, e polvilho, produzidos em
equipamentos rústicos, fabricados com matéria prima e mão-de-obra local e instalados em
construções próximas às moradias, as “chamadas tendas de farinha”
6
. Ainda hoje parte
destes equipamentos é movida pela força humana, exigindo grande esforço físico, mas vêm
sendo substituídos por motores elétricos. No entanto, o “saber fazer” ainda predomina na
produção, mantendo-se artesanal no momento em que é torrada em fornos de pedra e o
“ponto” ideal ajusta-se ao sabor diferenciado
7
. A farinha de mandioca e a de milho sempre foi
importantes produtos na alimentação das unidades camponesas.
A cana-de-açúcar, embora bastante generalizada nas unidades familiares, possui
menor número de unidades de beneficiamento em comparação com a mandioca, devido ao
custo de seus equipamentos e das construções correspondentes; por outro lado, qualquer
uma das modalidades de beneficiamento de mandioca ou da cana, exige disponibilidade de
mão-de-obra e de animais de carga.
A propriedade de engenhos para fabricação de açúcar, rapadura e cachaça se
limitavam aos agricultores mais capitalizados, principalmente quando os engenhos de pau,
foram sendo substituídos pelos de ferro e movidos a motores, que exigem maiores recursos
para a sua aquisição. Daí serem mais freqüentes para os agricultores camponeses, no caso
da cana-de-açúcar, a utilização dos engenhos e fabriquetas dos vizinhos, através do sistema
6
Chama-se de tenda os galpões de beneficiamento coletivos de mandioca e cana-de-açúcar. No caso das tendas de farinha,
ficou mais evidenciado o termo após a implantação do projeto MG II na década de 1980, onde várias destas unidades foram
construídas no município de Minas Novas.
7
O “saber fazer” do artesanato da alimentação como patrimônio foi estudado por TUBALDINI (2006), sobre a produção
artesanal da cachaça em Ouro Preto/MG e a Aguardente do medronho no Algarve-Portugal.
39
de meia, terça ou outras formas de aluguel daqueles equipamentos, ou utilização de
unidades coletivas. Dentre os subprodutos da cana-de-açúcar, o açúcar era o mais
importante no início do século passado, especialmente em Minas Novas, que possuía
tradição de comercialização com outras regiões.
Alguns autores destacam a questão da expropriação como um marco mais
importante das transformações recentes no Vale do Jequitinhonha, com resultados
significativos para o campesinato da região:
“As mudanças econômicas ora em curso no Vale do Jequitinhonha
caracterizam-se, de maneira marcante a partir da década de 60, por dois fatos
simultâneos e complementares que devem ser vistos como marcos cheios de
significação. Trata-se de impor bases diretamente capitalistas ao uso da terra,
valendo-se de relações não especificamente capitalistas, excluindo frações
camponesas da roça e da morada permanente” (MOURA, 1988:7).
“A velocidade de penetração de novas atividades econômicas atraídas para a
Região, modificaram a antiga estrutura. Além disso, as transformações no
quadro da estrutura agrária e fundiária da região nos últimos anos, gestaram
mecanismos que modificaram a dinâmica populacional” (MEDEIROS SILVA,
1986:197).
“A população vê-se incluída numa economia de mercado competitiva que
rompe com o equilíbrio econômico anterior. A 'fartura' de sua produção –
mesmo nos períodos não afetados pela seca não lhe parece mais para
manter o novo equilíbrio. Depende-se de níveis cada vez mais altos de
produção e consumo. Esta situação expressa um processo de transformação
que se apresenta na consciência do lavrador como uma necessidade
crescente de dinheiro(AMARAL, 1988:144).
Segundo Graziano (1983),
MEDEIROS SILVA (1986) e VOLL (1985) em trabalhos
acadêmicos, há uma constante associação entre aquele longo período dos séculos XIX e XX
com uma situação de estagnação e isolamento:
De meados do século XIX em diante parece haver um refluxo no domínio
territorial dos coronéis; inaugurando um segundo momento nessas relações
(entre fazendeiros e camponeses). As fazendas entram em estagnação
econômica e liberam áreas para a produção camponesa(GRAZIANO,
1983:87).
“Assim o Vale entra gradativamente na fase de estagnação e depressão
econômico-social e só nos anos 60 são tomadas as primeiras medidas
governamentais, objetivando desenvolver e integrar a Área ao resto do País
(MEDEIROS SILVA, 1986:196).
“A decadência das atividades econômicas para a exportação de ouro e
algodão principalmente, resultou na desagregação da sociedade local, com a
involução dos núcleos urbanos, isolamento dos povoados, declínio das vias de
comunicação com o mundo exterior e a criação de uma estrutura agrícola que
40
possibilitasse a auto-manutenção da região a agricultura de subsistência”
(VOLL, 1985:15).
“As condições de vida dos grupos camponeses sempre foram muito difíceis,
tanto em relação às condições sociais de vida. (...) Um viver rústico,
socialmente isolado, (...) (GRAZIANO, 1983:89).
A
expansão do mercado e da industrialização da agricultura significou a entrada de
novos itens de consumo para a família camponesa, substituindo alguns bens que antes
produziam, ou introduzindo novas necessidades, desde a aquisição de insumos agrícolas,
sementes e formicidas, até produtos industrializados como roupas e macarrão, por exemplo.
De acordo com Ribeiro (1993), o processo de expropriação dos camponeses que
ocorreu do final da década de 1960 até a de 1970, agravou o quadro de dificuldades da
produção camponesa. A implantação do reflorestamento e de projetos agrícolas a partir de
incentivos do Estado aumentou as pressões sobre a terra, como principal fator de produção
no campo, com resultados negativos para a economia camponesa.
Em meados dos anos 1960, o primeiro Diagnóstico realizado pela CODEVALE,
afirmou que “o Vale do Jequitinhonha é uma das regiões mais pobres de todo o Estado,
apesar das possibilidades em recursos naturais que apresenta”
(CODEVALE: 1967:66).
Nos anos 70, o II Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e Social - PMDES,
define um quadro ainda mais grave para o Vale no contexto Estadual, onde
a região VII
[Vale do Jequitinhonha] é caracterizada como 'área problema' em Minas Gerais, 'bolsão de
pobreza' do Estado mineiro” (CODEVALE, 1978:4)
.
Diagnósticos realizados pela Secretaria
do Planejamento e Coordenação Geral SEPLAN e pela Fundação João Pinheiro - FJP, na
década de 1980, indicam que a região ganha condição de problema nacional,
“o Vale do Jequitinhonha é considerado um dos maiores bolsões de pobreza
absoluta e relativa do país e vem sofrendo, em anos recentes, maior
penetração do capitalismo, com transformações em sua estrutura produtiva,
que se refletem no comportamento das variáveis demográficas e de emprego
(
SEPLAN, 1980:2)
‘O Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, permanece ostentando índices de
pobreza dos mais elevados do País, (...) o Vale tem sido caracterizado como
região deprimida onde prevalecem elevados índices de pobreza, miséria,
desnutrição, analfabetismo, elevados níveis de desemprego e subemprego,
infra-estrutura sócio-econômica precária na quase totalidade dos municípios,
etc. ’ (FJP, 1988:39).
41
A visão “poética” sobre a região deu espaço a uma “onda modernizadora” que
dominava o país e atingiu o Vale e as regiões vizinhas, com as quais tinha mais contato. Ao
serem criadas melhores vias de comunicação e acesso à região, se estreitaram às relações
com Belo Horizonte e outros centros, o Jequitinhonha passa a ser estudado e analisado sob
a ótica de modernização dos anos 1950-60. Mas, quanto mais avançava o progressona
região, mais se conhecia os sinais de sua pobreza, resultando assim, em maiores demandas
dos políticos locais junto ao Estado para corrigir esses desequilíbrio e desigualdades. As
visões diferentes sobre a região tinham pontos em comum (RIBEIRO, 1993):
“Em um século aquela região se povoou e se civilizou até o ponto em que se
acha, entregue aos seus próprios recursos, quase sem auxílio e proteção dos
poderes públicos” (PEREIRA, 1969:112).
“O homem do Jequitinhonha, relegado ao abandono durante décadas,
encontra-se, agora, em condições de exigir a sua própria redenção. Muita
coisa há que se fazer por ele e por sua terra (CODEVALE, 1967:2).
“Assim, dada a situação de extrema pobreza, acentuada pelo pequeno acesso
que aregião tem tido aos recursos e vantagens decorrentes do crescimento
estadual e o reduzido poder de influência sobre seu próprio futuro, é
necessária a intervenção governamental como forma de reverter o quadro de
estagnação”. (FJP, 1988:1).
A ausência da ação do Estado certamente não se atribuía à falta de representação
política, pois desde o Império a região sempre possuiu parlamentares a nível provincial ou
estadual e nacional. A partir de 1971, a região diminuiu sua representação até se tornar sub-
representada. De acordo com CÉSAR JÚNIOR (1978:39), a representação política do Vale
sempre teve predominância governista, primeiro com o PSD e com a ARENA,
respectivamente nos períodos anteriores e posteriores a 1964; portanto, o abandono do
Vale, não se explicava pela falta de parlamentares que representasse a região, ou pela sua
vinculação partidária oposicionista, que dificultaria a obtenção de benefícios, junto aos
governos estaduais ou federais.
A atuação dos governos estadual e federal na região durante este período não se
estruturou em termos de planos ou programas regionais específicos, mas sobre ações
isoladas localizadas nos municípios da região, dentro de atividades básicas do Estado, como
saúde, educação e estradas. As administrações municipais assumiam significativa parte dos
serviços públicos básicos, enquanto as entidades de caráter beneficente atuavam
especialmente nas áreas de educação, saúde e assistência social.
42
Em 1960, atendendo aos deputados do Vale, o Presidente Juscelino Kubitscheck,
criou o Grupo de Trabalho do Vale do Jequitinhonha, pelo Decreto nº. 47.788, de 10/01/60,
com a função de estudar a economia da região e propor as medidas necessárias ao seu
desenvolvimento. A criação do veio para compensar a exclusão da região na área de
atuação da SUDENE, criada um ano antes, e que havia sofrido a oposição de políticos
nordestinos (BADARÓ, apud RIBEIRO, 1993). No entanto, embora tenha iniciado suas
atividades, esse Grupo de Trabalho não alcançou maiores êxitos por várias dificuldades,
especialmente à falta de recursos financeiros (JARDIM, 1974:61).
Em 1964 a Emenda nº. 9, de 27/02/64, à Constituição Estadual, que propunha a
criação da Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha CODEVALE, que
seguia o paradigma das agências de desenvolvimento regional, surgido com a Tennessee
Vales Authority – TVA, dos Estados Unidos e se destinava:
“Elaborar e executar, pelo prazo de vinte anos, o plano de desenvolvimento
sócio-econômico do Vale do Jequitinhonha mineiro, recebendo “(...)
anualmente, quantia nunca inferior a 0,5% (meio por cento) da arrecadação
estadual, para a execução deste objetivo
(Lei Constitucional nº. 12, de 06/10/64).
Ao lado de uma nova divisão geográfica do Estado e com o processo de criação da
CODEVALE, foi promovida uma nova identidade regional, o vale do Jequitinhonha, que
substituiu regionalismos anteriores de delimitações genéricas como o Nordeste e o Norte de
Minas. Esta nova identidade foi construída sob a sombra da carência, do abandono e do
subdesenvolvimento, conforme a região foi vista a partir do final dos anos 1950, quando
outros centros do estado descobriram o Vale, até então vinculado às regiões limítrofes.
A partir de 1974 a CODEVALE passa a atuar dentro de uma linha de planejamento
global, sob a influência do Plano Nacional de Desenvolvimento – PND e do Plano Mineiro de
Desenvolvimento Econômico e Social PMDES. A definição do Jequitinhonha como uma
região de planejamento público, no início dos anos 1960 e a sua caracterização como “área
problema”, marcada pela “pobreza absoluta” e pela “estagnação secular”, constituindo como
justificativa para as ações que o Estado implantava. MOURA observa que:
A insistência com que a questão social do Vale do Jequitinhonha é
centralizada na elevação dos níveis de renda evidencia como uma aliança
entre rótulos e números quer imputar atributos negativos a uma sociedade,
tais como ausência de atividade econômica significativa, fraco dinamismo dos
atores envolvidos, tradicionalismo, de modo que a expansão de atividades
fundadas no lucro capitalista se torne o remédio par excellence para o
desenvolvimento, trazendo enfim, vida para ondeexistem apenas um povo
moribundo e uma terra agonizante
(MOURA, 1988:5)
.
43
A maioria dos planos se enquadravam na linha dos PDRIs, em voga nos anos 1970-
80 no Brasil, e se propunham a integrar as ações de diferentes organismos estatais e
privados, bem como, envolver as comunidades rurais na solução de seus problemas. Os
PDRIs implantados no Vale se destinaram aos municípios onde havia uma forte presença de
agricultores com estabelecimentos de até cem hectares, que de acordo com estes
programas, constituíam seus principais beneficiários.
Muitos dos benefícios dos programas ficaram restritos aos agricultores que possuíam
mais terra e recursos financeiros, tinham melhores condições de adotarem as propostas da
assistência técnica ou na tomada de financiamentos, ao mesmo tempo, em que eram os
únicos que possuíam alguma produção a ser comercializada, ou que usavam equipamentos
motorizados de uso comunitário para o beneficiamento dos produtos agrícolas. A maioria dos
agricultores camponeses contava apenas com algumas ações assistencialistas, como a
distribuição de cestas básicas e melhorias nos serviços de saúde, educação, estradas,
equipamentos comunitários, etc; embora não deixassem de acompanhar muitas atividades
da assistência técnica (VOLL, 1985:17).
Destaca-se que dentro do planejamento estatal, o Jequitinhonha passou a ser tratado
como uma região”, nos discursos dos representantes do Estado que antes se referiam ao
Norte de Minas para designar a porção compreendida entre as regiões Norte-Nordeste de
Minas, a calha esquecida
8
ganhou uma identidade própria. no último quartel do século
XX, um Diagnóstico do BDMG, sobre o futuro de desenvolvimento de Minas Gerais, foi um
dos primeiros a tratar o Vale como região problema e bolsão de miséria, alimentando a idéia
da necessidade da execução de “grandes projetos” para o resgate do Vale do Jequitinhonha.
Em seguida vinham orientações para cada região, as do Vale mencionadas aqui de
forma sintética. Para a Região Jequitinhonha,
eram previstos a criação de empregos e
melhoria da produtividade por pessoa seriam as principais prioridades da Região. Tais
objetivos poderiam ser atingidos, em parte, pela exploração mais racional da agricultura, da
pecuária e pelo aproveitamento dos recursos minerais existentes, como o berilo, o tântalo, a
grafite, as pedras preciosas e semi-preciosas. A região reclamava também pelo
reflorestamento, que poderia desempenhar importante papel no seu desenvolvimento. Com
tudo isso previa o primeiro Programa Mineiro de Desenvolvimento Econômico e Social - I
PMDES que a emigração continuaria, em vista às más condições de vida prevalecentes na
8
Neste trabalho denomina-se “calha esquecida” os municípios localizados na porção central da bacia do rio Jequitinhonha,
excetuando-se aqueles polarizados por Diamantina, Montes Claros e Teófilo Otoni.
44
região, traduzidas pelo desemprego, falta de saneamento, de educação, de saúde, entre
outros fatores perversos.
Coerente com os diagnósticos, a estratégia central da maioria dos programas
estavam voltada para atacar a “escassez e necessidade de água”, a partir da construção de
barragens para irrigação e energia, que ao lado, de projetos de ampliação e melhoria das
estradas, da comunicação e de geração e distribuição de energia, destinam-se a criar
condições de atratividade a investimentos privados, indispensáveis à libertação do Vale da
condição de atraso e pobreza crônicos. (FJP, 2000:23).
Em Minas Novas, implantou-se uma outra atividade econômica, o reflorestamento de
eucalipto, que destinava a atender as metas planejadas dentro do Segundo Programa
Nacional de Desenvolvimento - II PND de crescimento da siderúrgica e de papel e celulose.
Com incentivo do Estado, através do Instituto Brasileiro de Café - IBC implantou-se uma
moderna cafeicultura, liderada por fazendeiros da região e por empresários do Sul de Minas,
Paraná e São Paulo, que se beneficiaram dos baixos preços das terras e da mão-de-obra.
Esta atividade teve como pólo a cidade de Capelinha, atingindo apenas uma parte do
município de Minas Novas, nas terras altas das regiões do Capivari e Setúbal.
A introdução do reflorestamento e cafeicultura fomentou o processo de integração ao
mercado de âmbito nacional, vez que diminuiu as chances dos camponeses de garantirem
seu acesso a terra. Os conflitos fundiários surgiram não com fazendeiros e empresas,
mas também entre camponeses, como um claro sintoma da limitação crescente da oferta
desse fator de produção na região.
Com a cafeicultura e eucalipto resultaram em modificação da estrutura agrária na
região, que se deu de forma diferente. O reflorestamento implicou num grande aumento da
área total dos estabelecimentos com mais de cem hectares. Porém este crescimento
praticamente, não se processou sobre as terras das grotas
9
, onde se localizam as pequenas
propriedades, de até cinqüenta hectares, cuja área total continuou mantendo o mesmo ritmo,
em relação aos anos anteriores.
As reflorestadoras ocuparam as chapadas
10
, áreas favoráveis à mecanização; estas
terras em geral, não dispunham de documentação de propriedades e foram consideradas
9
Terras das grotas é uma denominação para as áreas localizadas no fundo dos vales.
10
As chapadas são extensos planaltos, geralmente cobertas por vegetação de cerrado, com terrenos de escassa fertilidade. As
grotas são as vertentes das chapadas, cujo fundo correm as águas de córregos e rios: a fertilidade da terra tende a ser
crescente quanto mais próxima do fundo dos vales, que quase sempre, também, são cobertas por vegetação de porte elevado,
bosques, que os moradores chamam de “capões”. Estes geralmente indicam terras muito boas para lavouras, e são preferidos
para serem derrubados com o propósito de “botar roçados” (RIBEIRO e GALIZONI, 2000).
45
como terras devolutas, concedidas pelo Estado para exploração por mais de vinte anos
pelas empresas, que também adquiriram e “grilaram
11
outras áreas.
Mesmo que a introdução do eucalipto não tenha significado a expropriação dos
camponeses de suas áreas tradicionais de cultivo, comprometeu algumas das suas
estratégias de reprodução, que estes utilizavam em comum as chapadas, para criação de
gado extensivo, para a retirada de lenha e outras formas de extrativismo, gerando, conflitos
possessórios, muitas vezes marcados pela violência (RIBEIRO, 1993:78).
A necessidade de renda monetária e a grande oferta de empregos no momento da
implantação do reflorestamento demandavam grande quantidade de mão-de-obra,
incentivando o abandono da terra por muitos agricultores e o seu deslocamento para as
cidades e povoados da região, que experimentaram um processo rápido de crescimento
populacional. A partir dos anos 1980, com o ritmo de crescimento menor das áreas de
eucalipto, diminuiu a demanda por mão-de-obra para esse setor, ao mesmo tempo em que
se agravaram as condições de exploração dos trabalhadores, marcada pelo desrespeito à
legislação trabalhista, especialmente quando as empresas substituíam a contratação direta
pelos empreiteiros; essas condições impulsionaram a organização e a luta sindical dos
assalariados das empresas de reflorestamento em algumas cidades, inclusive com o
surgimento das primeiras greves e sindicatos rurais na região.
Segundo MOURA (1988:46), os fazendeiros passaram a “impor” aos seus agregados
e parceiros no uso da terra, “obrigando-os” a abandonar as fazendas, e vezes, imprimiam
maior exploração sobre seu trabalho. Essas restrições incluíam a proibição de plantios que
não fossem anuais, que eram realizadas em áreas onde se desejava formar novas
pastagens, ou seja, o camponês roçava a área, plantava sua lavoura e em seguida formava
o pasto, sendo obrigado no próximo ano repetir a mesma operação em outra parte, caso
conseguisse nova área com algum fazendeiro. A perda das chapadas e da possibilidade de
fazer roças nas terras da fazenda, limitaram ainda mais as estratégias camponesas de
reprodução, especialmente no que se refere à produção de bens para o auto-consumo,
estreitando a dependência com o mercado para obtenção de produtos básicos e,
aumentando a necessidade de renda monetária.
Conforme Ribeiro (1993), para fazer frente a essa questão, duas alternativas
principais se apresentavam: a melhoria das condições de produção, visando uma melhor
inserção no mercado, ou a venda da força de trabalho. Na primeira alternativa, os
agricultores “independentes” tinham certamente, mais condições de sucesso, modernizando,
11
Grilar é o ato em que indivíduos ou empresas apossam-se de terras alheias mediante falsas escrituras de propriedade.
46
ainda que de forma bastante limitada, algumas esferas de sua produção, através da
introdução de algumas tecnologias e técnicas de produção diferentes dos meios tradicionais,
tais como o uso de sementes selecionadas, emprego de alguns defensivos, especialmente
formicidas, preparo da terra com implementos de tração animal, beneficiamento da
produção, individual ou comunitária, e até mesmo no uso de corretivos e fertilizantes
químicos.
Programas governamentais para os agricultores contribuíram na medida em que
facilitaram a assistência técnica e o uso de insumos, como possibilidades de modernização
agrícola. Mas se permitiam ganhos de produção, também representava um aumento da
necessidade de renda monetária para a aquisição de insumos ou pagamento de crédito,
provocando uma maior dependência dos produtores do mercado e consequentemente, dos
riscos de suas flutuações de preços. Esta questão torna-se problemática onde o mercado
ainda é marcado pelo monopólio de alguns comerciantes locais, cujas relações com os
agricultores se definem mais pelos laços pessoais do que pela lógica mercantil.
Os mecanismos de mercado, característicos da vida camponesa, alimentam-se
assim, na maior parte dos casos, da pobreza dos agricultores, tanto quanto sua
reprodução miserável conta com as estruturas imperfeitas pelas quais seus produtos
se tornam mercadorias. Isto é tanto mais verdadeiro quanto mais os mercados
imperfeitos convivem ao lado de mecanismos mercantis nacionalmente e
internacionalmente integrados(ABRAMOVAY, 1992:123).
A necessidade de renda monetária forçou alguns grupos camponeses a buscarem a
especialização em determinadas atividades com condições de competir neste mercado mais
ampliado. A expansão recente da apicultura, da produção de açúcar mascavo e do
artesanato na região parece ser um exemplo típico desta nova estratégia camponesa no
mercado, à medida que especializou algumas comunidades rurais, na produção destinada
ao consumo nos grandes centros urbanos.
Ocorreu a especialização de comunidades rurais ou até de sub-regiões, em um ou
outro produto agrícola, destinado à comercialização, cuja escolha pode seguir uma tradição
local, ou representar uma adaptação às condições do mercado, seja das cidades próximas,
seja de regiões mais distantes. Cabe frisar que essa especialização não representou o
abandono da policultura, necessária para garantir os variados itens do abastecimento
doméstico e de mercados próximos, que se mantinham como uma estratégia camponesa.
Problemas de comercialização da produção, secas que afetavam as colheitas,
levaram muitos agricultores mais abastados para condições econômicas próximas às da
grande maioria dos camponeses, que não dispondo de terra e recursos financeiros
47
suficientes, são obrigados a vender sua força de trabalho para completar partes
consideráveis de sua renda familiar.
Os baixos valores das diárias pagas na região, por médios produtores, limitavam
bastante a venda da força de trabalho do camponês, que variando de uma área para outra,
podia ser adotada apenas por aqueles com menores oportunidades de trabalho - agregados,
mulheres, crianças, os mais velhos, etc. O trabalho nas empresas de reflorestamento, que a
princípio, se apresentava como alternativa importante para a obtenção de renda monetária,
passou a ter uma oferta de emprego bastante limitada.
Percebeu-se que ao longo dos anos do século XX, de acordo com os dados do IBGE
,
um aumento no número de estabelecimentos, resultado da dinâmica ocupacional e
fracionamento da terra, de maneira lenta e gradual. No entanto, em termos percentuais,
verificou-se que o crescimento de estabelecimentos de até 100 hectares contrapõe aos com
área superior a 100 hectares, que concentra grandes áreas em poucos estabelecimentos. De
outro lado, ao analisar os dados do INCRA/2004, a mesma tendência é verificada, com
culturas econômicas como o eucalipto e o café já implantados.
Tabela 1
Distribuição dos Estabelecimentos Agropecuários em Nº, Área
Minas Novas-MG – 2004 – Em %
TAMANHO DA
PROPRIEDADE
N.º. % PROPRIEDADE ÁREA (HA) % ÁREA
ATÉ 50 HÁ
3.902 97,04 34.644 38,06
50 A 200 HÁ
99 1,21 9.201 10,11
200 A 500 HÁ
11 0,69 3.926 4,31
500 A 1000
5 0,59 1.549 1,70
ACIMA DE 1000
4 0,47 41.689 45,82
TOTAL 4.021 100,0 91.009 100
Fontes: INCRA - Cadastro de Registro de Imóveis Rurais, 2004 (Organizado pelo Autor).
Ao analisar os dados do INCRA por extrato de área na Tabela 1, constatou-se que os
imóveis rurais de até 50 ha representam 97,04% das propriedades, mas ocupando apenas
38.06% da área total das propriedades, onde se encontram as unidades de produção familiar
campoesas. Os imóveis rurais com 51 a 200 há, indicam uma agricultura familiar em
processo de inserção ao sistema mercantil simples e representam 1,21% das propriedades
48
no município, ocupando 10,11% da área total das propriedades. Enquanto, 0,69% dos
imóveis dos agricultores consolidados, ocupam 4,31% das áreas de 201 até 500 ha. De
outro lado, 0,59% dos imóveis, com área de 500 a 1000 há, ocupam 1,70% de toda área,
representado por grandes empreendimentos agrícolas, principalmente a cultura do café. E,
finalmente, 0,47% dos imóveis rurais acima de 1000 ha ocupam 45,82% de toda área do
município, provavelmente representados pela monocultura do eucalipto.
Esta estrutura fundiária, principalmente as áreas até 50 ha, referem-se às unidades
de produção familiares camponesas de que trata a análise desta pesquisa. Estas unidades
estão sendo comprimidas e reduzidas de tal forma que os espaços têm sido limitados e
incapazes de garantir o sustento de muitas famílias que são obrigadas a buscar estratégias
fora de suas comunidades e da região, através do trabalho temporário e sazonal.
A migração era uma alternativa importante para a população camponesa masculina
rural do Jequitinhonha. De um lado, a migração definitiva de alguns membros da família para
outras regiões, tem sido uma estratégia importante para garantir a permanência de outros,
pois evita subdivisão acentuada das unidades de produção familiar, que inviabilizaria a sua
reprodução como camponeses. De outro lado, a migração sazonal se tornou uma das
principais fontes de renda monetária para importante parcela de famílias camponesas.
A expansão da cultura da cana-de-açúcar em São Paulo, a partir da década de 1970
e a melhoria dos transportes, consolidou um fluxo migratório, da região de Minas Novas-
MG
12
, para a região canavieira de Ribeirão Preto-SP. Essa sazonalidade é favorecida pelo
calendário agrícola, não havendo coincidência entre o período da safra da cana-de-açúcar
na região de destino (de abril a outubro) e o do plantio das culturas anuais na região de
origem (de outubro a março), permitindo a combinação das duas atividades, uma gera renda
monetária e outra que produz alimentos para o consumo doméstico (MARTINS, 1986:49).
Paralelo a este fluxo migratório agrícola, existe outros para os grandes centros
urbanos, principalmente para a construção civil em São Paulo, Piracicaba, Campinas e São
José do Rio Preto. Várias áreas do Sudeste Brasileiro se utilizam do Jequitinhonha como
uma fonte de mão-de-obra, onde os gatos
13
agenciam a contratação de trabalhadores para
regiões distantes. A diferença de maior ou menor sucesso do trabalho migrante, muitas
vezes está na possibilidade de dispor os recursos e contatos nas regiões de destino, que
permitam a busca de emprego sem depender da intermediação dos agenciadores.
12
Região de Minas Novas é espacialmente definida neste trabalho pelos municípios de Berilo, Chapada do Norte, Francisco
Badaró, Jenipapo de Minas, José Gonçalves de Minas, Leme do Prado, Minas Novas, Turmalina e Veredinha.
13
Gatos” é uma denominação utilizada para os agenciadores de mão-de-obra para as usinas canavieiras de São Paulo.
49
Em geral, a migração envolve jovens solteiros ou chefes de família que buscam uma
oportunidade de trabalho e renda fora da região ou melhoria das suas condições de
reprodução como camponês, no momento em que passam da adolescência para a vida
adulta, quase fase obrigatória entre a vida junto dos pais e a constituição de uma nova
família, que ao camponês uma dimensão mais ampla à medida que lhe permite sair dos
limites da sua comunidade e da região, para conhecer o mundo maior que envolve o seu.
De acordo com AMARAL (1988), novos elementos contribuíram para enfraquecer o
poder das antigas elites, a oferta de trabalho nas reflorestadoras diluiu o monopólio que os
fazendeiros possuíam, abrindo brechas para o camponês buscar saída frente à dominação
tradicional. Nesse processo, criam-se outros laços de dependência e subordinação, das
próprias reflorestadoras e dos comerciantes locais e agenciadores, que através do
empréstimo de dinheiro ou da venda no fiado, asseguravam a sobrevivência de muitas
famílias em momentos mais difíceis.
Tal situação se alterou desde que o Estado, a partir da última década do século XX,
intensificou ações de intervenção com programas de política compensatória; onde muitas
famílias passaram a receber “Bolsa Família”, “Bolsa Escola” e outras transferências de
renda, o que por efeito folgou” os migrantes do envio de recursos para manutenção das
famílias que deixaram pra trás. O mesmo observa-se com o caso da previdência rural, que
tem mudado sobremaneira o perfil de inúmeras famílias camponesas que passam cada vez
mais depender do salário dos pais ou de avós aposentados que se tornam arrimo dos que
ainda não se inseriram nos processos produtivos externos. O fator previdência tem sido
decisivo, inclusive, na tomada de decisão das famílias, até mesmo na opção de migrar ou
não, considerando que esta é um indicativo de decisão do futuro da família.
50
CAPÍTULO 2
- ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
2.1 Agricultura Camponesa e Familiar: Bases Teóricas e Marco Conceitual
No Brasil, a presença de camponeses é mais comum do que se imagina, pois esta
categoria ocupa e caracteriza inúmeras unidades de produção à medida que o grupo
doméstico, compreendido no sentido amplo ao da família, como sendo todas as pessoas que
moram e trabalham no mesmo estabelecimento para o sustento do grupo.
Para realizar a pesquisa, foi necessário estabelecer do ponto de vista teórico alguns
conceitos importantes, dentre os quais compreender a definição de “agricultura familiar” e
“campesinato”, vez que são termos usados em estudos sobre a produção familiar e nos
discursos quando se trata de política pública para esta categoria; e, que devido às suas
semelhanças, apresentam características distintas, provocando interpretações equivocadas.
Muitos autores trataram da caracterização do camponês, seja na Antropologia, na
Sociologia, na Economia, sendo que cada ciência apresenta um enfoque diferenciado.
Contudo, este não foi o objetivo principal da pesquisa, mas permitir uma melhor
compreensão do que é a agricultura familiar camponesa.
O entendimento do camponês, do pequeno produtor familiar tem sido objeto de
estudos de vários autores nas ciências sociais e na geografia agrária. Objetiva-se com esta
revisão, apresentar os principais enfoques sobre a produção familiar, abordadas por autores
de linhas de pensamento distintas, que procuraram através dos estudos, prever ou interagir
o passado com o presente e futuro. Apesar da persistência de uma variedade de opiniões,
um ponto central, que é dar importância a um grupo social, por vezes esquecido
funcionalmente pela sociedade capitalista na qual se inserem.
2.1.1 Conceitos de Camponês e Agricultor Familiar
Segundo TEPICHIT (1973), o camponês constitui um modo de produção particular,
que não gera uma formação econômica e, por isso, se adapta às regras do sistema
econômico, consegue manter seus princípios, numa simbioseentre empresas agrícolas e
família. Caracteriza-se pelo caráter familiar, na necessidade e decisões da família; relação
entre fatores de produção, com a intensificação do trabalho em função da escassez da terra
51
para o sustento familiar; e, relação entre economia camponesa e mercado, sendo
parcialmente mercantil; relação entre trabalho e renda, onde o trabalho familiar atende as
necessidades da família.
Em MENDRAS (1976), o capitalismo e socialismo estendem a denominação sobre os
camponeses que nunca desaparecem. Por camponês entende a família, que conta braços
que trabalham e bocas que tem de alimentar; grupo doméstico, cuja organização econômica
e social determina uma autonomia relativa frente a sociedade que o domina, e permite suas
originalidades. As relações econômicas com esta sociedade se mantêm, garantindo uma
autarquia relativa, na qual não se distingue produção e consumo.
Segundo WANDERLEY (1996:2) “a agricultura camponesa tradicional seria uma das
formas sociais de agricultura familiar”, uma vez que ela está baseada na propriedade,
trabalho e família. Além disso, o campesinato possui particularidades que o diferencia dentro
do conjunto maior da agricultura familiar, e que estariam ligadas não apenas aos objetivos da
atividade econômica, mas também as experiências de sociabilidade e a forma de sua
inserção na sociedade global. Entretanto, as atividades dentro da propriedade não estariam
ligadas apenas ao objetivo de sobrevivência no presente, mas as relações no interior da
família camponesa buscam também o sustento das futuras gerações.
“Um dos eixos centrais da associação camponesa entre família, produção e trabalho é
a expectativa de que todo investimento em recursos materiais e de trabalho
despendido na unidade de produção, pela geração atual, possa vir a ser transmitido à
geração seguinte, garantindo a esta, as condições de sua sobrevivência. Assim, as
estratégias da família em relação à constituição do patrimônio fundiário, à alocação
dos seus diversos membros no interior do estabelecimento ou fora dele, a intensidade
do trabalho (...) são fortemente orientadas por este objetivo a médio e longo prazo, da
sucessão entre gerações”. (WANDERLEY, 1996:3)
SILVA (1999) caracteriza o camponês pela utilização do trabalho familiar. A família
equivale à unidade de produção, a posse dos instrumentos de trabalho, a produção direta de
meios necessários à subsistência, seja produzindo alimentos para auto-consumo ou para
venda e não é fundamental a posse jurídica da propriedade, mas sim posse da terra, seja
como parceiro, arrendatário ou proprietário. Já MOURA (1980), coloca que:
“O fato de o camponês controlar terra no capitalismo sem ser possuídor de capital, na
acepção marxista da palavra. O fato de o camponês ser uma espécie de ponto de
discórdia sobre a natureza de classe das revoluções que implantaram ou derrubaram
historicamente a ordem burguesa. O fato de o camponês trabalhar com a ajuda da
família, à qual não remunera segundo a ótica capitalista; isso num mundo marcado
pelo contrato individual de trabalho, pelo pagamento em salário das tarefas
52
desempenhadas. O fato de o camponês lutar por formas culturais e sociais próprias
de organização, sem ser ou poder se concretizar como outro povo ou outra cultura,
estranhando, mais do que recusando a sociedade abrangente que o contém e
circunda” (MOURA, 1980:8).
Neste sentido, de acordo com a autora, o camponês é um trabalhador que
desenvolve seu trabalho envolvendo-se diretamente com a natureza. Ressalta que o
campesinato é sempre o “lado oprimido” das sociedades de base capitalista; sua
subordinação aos donos da terra e do poder permanece ao longo do tempo e em qualquer
lugar. Os donos da terra e do poder extraem do camponês diferentes tipos de renda: renda
em produto, renda em trabalho, renda em dinheiro.
Moura faz a diferenciação entre mercado e lugar de mercado. O lugar de mercado é
vital para a existência do camponês, pois é onde ele adquire mercadorias, recebe
informações sobre a comunidade e a vida pública e ainda ocorrem vendas para os
intermediários, que repassarão os produtos para os consumidores, geralmente urbanos, a
preços mais elevados. O mercado, na concepção moderna e capitalista, transcende a
realidade física do dinheiro como mediador privilegiado das transações mercantis. A terra e o
camponês são colocados como mercadoria, revolucionando a existência do campesinato.
Existem várias definições de camponês e que o caracterizam:
Cultivador de pequenas extensões de terras, as quais controlam diretamente com a
família onde tem controle direto sobre a terra que habita e produz também chamado
de camponês parcelar. 2. Cultivador que trabalha a terra, opondo-se àquele que dirige
o empreendimento rural a família trabalha a terra e transfere os excedentes para
aqueles que não trabalham. 3. Aqueles que residem e trabalham para o sustento em
terras livres – devolutas – são denominados posseiros(MOURA, 1980:12).
O conceito de camponês é repleto de conteúdos culturais. O campesinato é
constituído de cultivadores que se definem em oposição à cidade, que os subordina.
Entretanto, nas cidades estão também, além de uma casta rica ou de dominantes, os
serviçais domésticos, os proletários, os servidores públicos e os desempregados. Assim, não
são as cidades que definem os campos e seus habitantes como seus opositores, mas sim o
Estado, que impõe leis e impostos, “garantindo o fluxo contínuo e estável das rendas
camponesas às classes rurais e urbanas com poder econômico (MOURA, 1980:14).
Moura destaca que, na teoria de Chayanov,
a idéia de sacrifício envolve todo o
trabalho de camponês e ocupa lugar central na compreensão para esse autor. Entre os
atores da área de estudo, observou-se que o trabalho na terra é tido como tarefa difícil,
tendo casos em que os pais não desejam a continuidade desse trabalho pelos filhos,
53
rompendo com a idéia, tão freqüente na literatura sobre o assunto, do apego a terra pelos
agricultores. Por outro lado, o trabalho na terra vem representando cada vez mais uma
profissão, um modo de sobrevivência, um tipo de trabalho entre outros, no meio rural.
A manutenção do camponês é viabilizada pelo próprio sistema capitalista, pelas
formas de organização das sociedades, do trabalho e da apropriação das terras. Falar em
recriação, em redefinição e em diversificação do campesinato é mais provável do que prever
sua extinção. Isso porque em toda evolução e revolução da sociedade o camponês foi capaz
de se adaptar e de ser adaptado, de transformar e de ser transformado; diferenciou-se
internamente, mas conseguiu permanecer intocável. O camponês está à disposição do
capitalismo e da reprodução do capital. A terra não é reproduzível como as máquinas, o
número de trabalhadores e os lucros, mas o camponês permanece nela, sem que a lógica do
capitalismo demande sua completa expropriação (MOURA, 1980:17).
2.1.2 Chayanov e a Teoria dos Sistemas não Capitalistas
Alexandre Von Chayanov (1888-1930), economista russo, publicou seu estudo sobre
a economia camponêsa em 1925, desconhecido até 1966, quando foi traduzido para o inglês
por Daniel Thomer sob o título “On the theory of no capitalist economic systems”. Para este
estudo, utilizou-se a tradução La organizacion de la unidade econômica campesina da
Ediciones Nueva VisIón, Buenos Aires, 1974.
A teoria da organização da unidade econômica camponesa de Chayanov, associadas
aos trabalhos de Lamarche, centra na visão de um camponês familiar que procura a
manutenção de sua família através da satisfação de suas necessidades e sua evolução para
um modelo de agricultor familiar, ainda periférico, que busca na sua inserção o mercado a
possibilidade de crescimento. Os agricultores de Minas Novas-MG apresentam situações
diferenciadas, mas mantêm algumas características do camponês chayanoviano.
A teoria de Chayanov serviu de base teórica para análises de autores como TEPICHT
(1973), MENDRAS (1976), MOURA (1980) e outros, tendo em comum à percepção de
permanência do camponês, enquanto grupo social. Este grupo de camponeses contrapõe-se
a outro que, engendrado na teoria marxista, não admite que o camponês ainda resista no
tempo e no espaço das sociedades atuais.
54
Segundo CHAYANOV (1974), algumas observações foram muito importantes para se
estabelecer a teoria camponesa:
o tradicionalismo, referindo-se a resistência a mudanças. No caso dos agricultores
de Minas Novas-MG essa característica pode ser observada nos grupos com maiores
características marcantes de camponeses, os que aqui denominamos de agricultores
familiares periféricos. De acordo com MENDRAS (1976:201), “o fato de as sociedades
camponesas serem tradicionais e de viverem sob os costumes e rotina não as impede, no
entanto, de receber e de adaptar as inovações que pouco a pouco induzem as mudanças”.
o arrendamento, para fugir de uma situação de desemprego, o camponês paga alto
preço pelo aluguel da terra, não considerando o preço de sua mão-de-obra, e da família
gerando a renda do consumidor. Em Minas Novas-MG não é comum o arrendamento da
terra, mas diversos tipos de parcerias, “meação ou terça”
14
, ocupando a família no trabalho
da exploração da terra de terceiros e muitas vezes utilizando o sistema de “troca de dia”
entre vizinhos e outros familiares, mão-de-obra como capital sem uso de moeda ou produtos
de valor de troca, como uma alternativa de ampliar a área de produção da unidade familiar.
Mais trabalho: as famílias escolhem culturas diversas, onde empregam a mão-de-
obra, ocupando toda a família. No caso de Minas Novas-MG, os agricultores familiares e
camponeses têm na policultura a alternativa de manutenção da unidade de produção. No
entanto, parte dos agricultores camponeses tem se especializado na produção de alguns
itens que tem sido o “carro chefe” do acesso destas famílias ao mercado de “caminho curto”,
quando seus produtos são comercializados além da feira livre.
Atividades artesanais e comerciais: em Minas Novas-MG são marcantes e
tradicionais as atividades artesanais, principalmente o artesanato da rapadura, da cachaça,
“açúcar sujo” e mascavo, da farinha de mandioca e goma (polvilho), farinha de milho, queijo
e doces de leite, e do artesanato de utensílios de argila e outras peças como flores,
casinhas, bonecas, sendo presente ainda o artesanato de palha de milho e de couro com a
fabricação de caixas e tambores pelas famílias de agricultores camponeses e artesãos.
Mão-de-obra temporária: Na área do estudo a saída de grande parte da mão-de-
obra masculina para trabalhos agrícolas e não agrícolas fora do estabelecimento e da região,
através de um fluxo migratório sazonal para o trabalho nas usinas canavieiras do estado de
São Paulo.
14
No sistema de parceria de “meação”, o dono da terra a área de plantio preparada e insumos e o parceiro ou “meeiro”
entra com toda mão-de-obra, recebendo ambos 50% da produção. No caso da “terça”, o dono da terra entrega o parceiro
apenas a terra, recebendo deste a terça parte da produção.
55
Força de trabalho da família camponesa: a produção agrícola do camponês tem
relação direta com o número de pessoas que trabalham. A composição mulheres, homens e
crianças e o tamanho da família são as condições que determinam sua força de trabalho e
consequentemente a produção.
Chayanov formulou sua teoria considerando a produção familiar como o centro da
economia camponesa para a satisfação das suas necessidades e a manutenção do
equilíbrio trabalho-consumo. Essa categoria de agricultores é específica e rege-se por “leis
próprias,” não se enquadrando no capitalismo, pois não exige lucro, salário ou renda, nos
moldes capitalistas. Mas os agricultores produzem os valores de uso e, quando necessitam,
vendem parte do que é produzido na unidade familiar para satisfação das necessidades.
Ao tratar a questão do modo de produção familiar, Chayanov aborda a exploração
camponesa a uma situação próxima ao de sistema econômico, voltada para a subsistência
ou não. O que era previsto por Marx como categoria em direção ao desaparecimento,
resistiu ao tempo e às diferentes ideologias, conforme a teoria de Chayanov.
Portanto, buscou-se estudar a produção familiar, estabelecendo um elo entre a
abordagem de CHAYANOV (1974), LAMARCHE (1993) e a realidade local dos agricultores
familiares e camponeses de Minas Novas-MG, através da identificação e caracterização das
relações de trabalho-produção-consumo para obtenção das necessidades da família e a
reprodução do modelo de seus valores camponeses.
2.2 Visões Teóricas Clássicas Sobre o Campesinato e Agricultura Familiar
Para Tepicht, seguidor da linha marxista, o modo de produção camponesa, não é
gerador de uma formação particular, ele se incrusta dentro de uma serie de formações, se
adapta a isso e interioriza, à sua maneira, as leis econômicas de cada uma e marca ao
mesmo tempo, mais ou menos cada uma delas; parece que é ai que reside o segredo de sua
surpreendente longevidade. Portanto, a exploração camponesa, onde ocorrem as produções
agrícolas, é capaz de se adaptar a situações e leis econômicas diferentes, sendo esse o
motivo de sua resistência ao longo do tempo.
Marx, ao contrário de Tepicht, anunciava a decomposição do campesinato. Para ele a
economia camponesa era visto como uma pequena produção mercantil, cuja única
diferenciação se dava na comercialização: a produção camponesa é comercializada
somente em parte; contudo, a economia mercantil é o embrião da produção capitalista e a
56
produção camponesa é pré-capitalista, apesar de ter tido seu apogeu de desenvolvimento
após a vitória do capitalismo sobre o feudalismo.
Tepicht caracteriza o modelo da economia camponesa em quatro pontos:
O caráter familiar da produção camponesa representa a simbiose entre a empresa
agrícola e o casal”. É uma unidade em que o sustento provém da propriedade através de
uma atividade econômica doméstica, em que a família é a única força de trabalho. Tal
característica é o ponto inicial de qualquer definição de agricultura familiar. A comunidade
em que a unidade está inserida assume, em relação à economia familiar, o papel de
protetora. Os mercados das comunidades relacionam-se com os mercados exteriores à
comunidade, podendo ser locais ou regionais, através das famílias dominantes, o que
MENDRAS (1976:202) chama de “notáveis”.
Tepicht chama atenção para duas características distintas da economia familiar. A
primeira é um forte individualismo com relação ao exterior e, a segunda, é a rigorosidade de
uma coletividade interna, que denomina de individualidade coletiva”. As observações da
pesquisa confirmam em Minas Novas, tais características de algumas comunidades rurais.
Existe uma hierarquia bem definida entre cada uma delas, vêem-se diferenciações,
apontadas pelos agricultores, entre uma comunidade e outra do município, sendo algumas
consideradas mais ricas, mais influentes politicamente ou mais bem informadas que as
outras. Mesmo assim, aquilo que é exterior ao meio rural é visto com reservas por todos.
O desenvolvimento da economia familiar e sua “modernização”, alarga seu caráter
mercantil; essa mudança estende-se à família, que passa a se nuclear. A união da família,
que antes era um dos traços mais marcantes da economia camponesa, depois das
mudanças, torna-se um dos fatores de sua inevitável dissolução.
Essa característica, apontada por Tepicht como um dos fatores para dissolução da
estrutura familiar camponesa, não se verifica entre os agricultores familiares aqui estudados.
Decorrente das limitações ao acesso à terra, essa estrutura nuclear da família se alargou,
sendo comum no campo várias famílias, do mesmo grupo familiar, residindo em uma mesma
propriedade, trabalhando juntas na terra, em parceria.
A relação entre os fatores de produção varia na agricultura que se encontra em vias
de industrialização. Tepicht apontou a crescente substituição do fator capital pelo fator
trabalho verificado pelo aumento da demanda pelos serviços mecanizados de preparo de
solos. Outra substituição apontada é do fator terra pelo fator capital, através de adubos,
corretivos de solo e todas as outras maneiras de crescimento do produto agrícola por
unidade de superfície.
57
No caso de Minas Novas-MG, não tanto por considerar o preparo do solo como uma
técnica recomendável, mas como racionalização do trabalho e da mão-de-obra. No caso da
substituição do trabalho e da terra pelo capital, na área estudada, não se registrou esta
situação na agricultura familiar e camponesa.
As relações da economia camponesa com o mercado podem ser de dois tipos: o
primeiro refere-se à compra dos meios de produção pelo camponês, e o segundo, mais
intenso, trata da venda de seus produtos. A economia camponesa mostra-se parcialmente
mercantil, quando sua produção é direcionada para o mercado.
Para Chayanov, não se pode analisar o campesinato sob o olhar capitalista, pela
ciência que se desenvolveu a partir de seu advento. Isso porque a produção camponesa é
anterior ao sistema capitalista, concordando com Marx em O Capital, pois se a exploração
camponesa tiver o fator terra escasso, o trabalho será intensificado e aumentará a renda por
unidade de trabalho para que o camponês possa arcar com as necessidades da família.
A abordagem Chayanoviana, que trata a situação demográfica como fator objetivo de
manutenção da economia camponesa, considera que a relação entre homens e superfície
alimentadora é uma determinante geral da existência da economia camponesa, que essa
última dispõe habitualmente de pouca terra por família e as oscilações aí têm um limite
restrito. Entende-se, assim, a existência de uma relação entre o número de bocas a
alimentar e de braços para trabalhar em cada unidade familiar de produção.
Essa característica pode ser ressaltada entre os agricultores da pesquisa, através de
dados que demonstram que a quantidade de trabalho realizado relaciona-se com do
tamanho das áreas plantadas e da faixa etária dos membros da família. Entretanto, uma
característica presente no espaço rural que deve ser evidenciada: os agricultores familiares
camponeses cada vez menos têm na agricultura a única fonte de renda. A renda oriunda fora
da propriedade no orçamento familiar é relevante para eles, introduzindo nos espaços rurais
novas formas de atividade: pluriatividade; e novas funções: multifuncionalidade, destacando
que as pessoas são pluriativas e o espaço rural é multifuncional. (TUBALDINI, 2006:42).
A unidade camponesa conta com as “forças marginais” ou não transferíveis”, idosos
crianças e mulheres, para os trabalhos nos quintais, galinheiros e hortas, que asseguram a
sua subsistência. Para Tepicht, nesse trabalho marginalestão culturas que necessitam de
grande quantidade de trabalho, os produtos que permitem uma longa cadeia de
“transformação” no local ou uma indústria caseira.
Chayanov apresenta a produção camponesa como um continuum, onde cada
unidade sucessiva de trabalho não se distingue qualitativamente da precedente, a não ser do
58
ponto de vista do próprio camponês; ela é sempre mais padecimento e menos útil
(TEPICHT, 1973:66). Para ele, a produção camponesa é um trabalho composto pelo menos
de duas partes qualitativamente diferentes: o caráter de seus produtos e a remuneração do
trabalho embutida nos preços desses produtos; assim, o campesinato é um modo de
produção à parte, que parece buscar todo crescimento possível do ganho,
independentemente do esforço a fornecer em contrapartida.
O autor faz ainda um paralelo entre o trabalho operário e o camponês de acordo com
a lógica do mercado. No caso do camponês, está inserido em um produto e o trabalhador
tem uma renda impessoal, conjunta com a família; o número de horas de trabalho é
recompensado por um valor mínimo e ainda adota uma atitude que se poderia traduzir em:
“tempo livre, tempo perdido”. É o caso dos dias de chuva, quando não podem executar
serviços na roça, mas fazem trabalhos dentro de casa, nos paióis e ou na “casa de despejo”.
Para Mendras, a família é uma instituição importante, sendo suas virtudes valorizadas
e defendidas, em alguns casos até com violência. A sociedade camponesa possui duas
características que inicialmente parecem antagônicas: o senso de hospitalidade e a rejeição
ao que vem de fora”. Os integrantes do grupo sempre se afirmam contra os que estão fora,
se protegendo do que é externo; isso não significa que um elemento de fora seja mal
recebido nas comunidades, ao contrário, recebem bom tratamento, mas com reservas.
Essas características, apontadas como presentes nas sociedades camponesas são
identificadas nas comunidades estudadas, elas explicam porque várias políticas elaboradas
pelo Estado, e mesmo as ações locais, tiveram pouco êxito com os agricultores
camponeses. São políticas que vêm do exterior dessas sociedades e, caso não exista
identificação com o que elas propõem, não produzem os efeitos satisfatórios e esperados.
O campesinato representa uma homogeneidade cultural que a comunidade quer
preservar, mesmo que esta tenha se tornado, para alguns membros, apenas o local de
“residência de trabalhadores”. uma ideologia igualitária que procura preservar a
comunidade como uma grande família. Os laços de parceria e solidariedade são facilmente
percebidos entre os agricultores, através dos mutirões, troca de serviço e até mesmo nos
casamentos entre membros pertencentes ao meio rural, sendo às vezes considerada
estranha à união com pessoas “forasteiras”
15
.
15
Chama-se de “forasteiros” os indivíduos alheios à comunidade, de origem fora da região. Muitas vezes esses indivíduos são
recebidos com reserva até que se saibam as verdadeiras intenções de sua chegada á comunidade.
59
O tradicionalismo das sociedades camponesas não impede a adoção de inovações
16
que melhorem sua qualidade de vida e seu trabalho. Essa característica demonstra que as
mudanças ocorrem nessas sociedades, mas de uma forma mais lenta. As mudanças não
devem alterar o equilíbrio entre os aspectos econômico e social. As experiências são feitas
com convicção, com poucas possibilidades de perder. As mudanças de crença e de valores
religiosos se fazem às vezes mais rapidamente que as mudanças técnicas mínimas.
Historicamente, as revoluções agrícolas reduzem os agricultores familiares à
condição de assalariados ou diaristas, sendo estes os primeiros a migrarem para as cidades.
À época da implantação do eucalipto e café em Minas Novas-MG, muitos agricultores
perderam ou venderam suas terras devido ao aumento dos preços e aos juros da poupança,
assumindo a condição de trabalhador de outros agricultores ou somando-se ao contingente
da periferia das cidades mais próximas, como é o caso de Capelinha que abriga muitas
famílias de ex-agricultores de Minas Novas.
A organização dos agricultores familiares e camponeses em associações e conselhos
tem se traduzido em escolhas de orientações políticas e ideológicas de seus membros, vez
que a política agrícola não é apenas técnica e econômica, mas essencialmente política. A
história agrária de Minas Novas-MG mostra que a organização dos produtores rurais em
associações rurais introduziu novas lideranças locais.
Observa-se a presença de indivíduos que se destacam dentro da comunidade na
comercialização de gêneros produzidos por seus membros, bem como na condução de
mudanças, com forte liderança que extrapola a própria comunidade. Esses elementos têm
um papel fundamental na organização dos produtores familiares em associações,
contribuindo para o acesso aos técnicos e extensionistas, sendo na maioria das vezes,
pioneiros na introdução de inovações. Muitos destes indivíduos se destacam como
lideranças importantes nas comunidades, extrapolando, em alguns casos, para uma
liderança política, como se percebeu na área de estudo.
Segundo MENDRAS (1976:244), referindo-se aos camponeses, a economia rural,
organizada em grupos domésticos, tem uma enorme capacidade de adaptação; acomoda-se
a todos os tipos de condições naturais, é capaz de assimilar novidades técnicas sociais e
reconstitui-se de calamidades com uma força de expansão demográfica e dinamismo
produtivo; foi dessa sociedade que emergiu a sociedade industrial, de onde encontrou
condições para nascer e expandir.
16
As inovações referem-se ao uso de instrumentos e técnicas modernas destinadas à melhoria das condições da produção,
sem descartar o uso de alternativas de cultivo e manejo sem o uso de tecnologias de fora da realidade da unidade familiar
.
60
2.3 A Base de Lamarche
O conceito de agricultor utilizado neste trabalho, considerando os agricultores do
município de Minas Novas-MG baseia-se também nas análises de Lamarche. Segundo ele, a
exploração familiar corresponde a uma unidade de produção agrícola, onde a propriedade e
o trabalho estão intimamente ligados à família (LAMARCHE, 1993:15). É importante a
distinção entre de exploração familiar e exploração camponesa realizada pelo autor.
Na busca de entendimento mais acertado sobre a organização familiar no campo
hoje, Lamarche procurou conciliar os conceitos de grandes estudiosos do passado a uma
realidade por ele percebida atualmente. O autor prefere tratar do assunto denominando este
tipo de organização como exploração familiar. Seu trabalho buscou seguir um esquema de
análise mais amplo amparado em exemplos que afirmassem sua hipótese principal e ao
mesmo tempo delimitassem seu objeto de estudo:
“O que determina o caráter de toda a agricultura são as condições gerais em
que está organizada a produção, e somente nos limites desta cabe falar de
grande produção agrícola ou de empresa e de pequena produção agrícola”
(LAMARCHE, 1993:15).
Segundo Lamarche, as características de um “explorador familiar” o fazem confundir-
se com o de “explorador camponês”. Porém analisando-se em termos econômicos,
estabeleceu diferenciações e parâmetros que individualizam a exploração camponesa e a
exploração familiar, portanto, toda exploração camponesa é familiar.
O camponês trabalha necessariamente com sua família, estabelecendo laços com a
terra, pois é dela que retira o sustento da família; seja como for, o camponês tem no trabalho
familiar a base da exploração do estabelecimento. Ao mesmo tempo conclui que nem todas
as explorações familiares são camponesas, ou seja, não podem estar compreendidas num
mesmo modelo, visto que explorações familiares que não agregam características
camponesas e uma dimensão sociológica que leva em consideração as relações entre a
exploração camponesa, a sociedade local e a sociedade como um todo. Portanto:
a exploração famíliar, (Aqui entendida como camponesa, que resguarda uma
dimensão sociológica.) é ao mesmo tempo uma memória, uma situação, uma
ambição e um desafio. Ao valor atribuído a cada um desses elementos
dependerão suas características, suas exigências e seu futuro (LAMARCHE,
1993:22).
61
As características do modelo de produção camponês são, segundo Chayanov, citado
por LAMARCHE (1993), definidas por: existir uma inter-relação entre a organização da
produção e o consumo; o trabalho é familiar e não segue a lógica capitalista; o seu custo
objetivo não é mensurável; e, a produção objetiva valores de uso e não de troca.
De acordo com Lamarche, características das sociedades camponesas introduzem
uma dimensão sociológica, que relaciona exploração camponesa, sociedade local e
sociedade como um todo, sendo que a sociedade camponesa possui uma autonomia relativa
em relação à sociedade como um todo; a base estrutural desta sociedade é o grupo
doméstico; o sistema econômico é de autarquia relativa; a importância dos inter-
relacionamentos; e, a importância de uma liderança local que faz a ligação desta sociedade
com a sociedade geral.
Entretanto, a ocorrência de um modelo anterior no modelo de exploração familiar é
fundamental na análise de Lamarche. A este modelo ele chamou de “Modelo Original”,
condição primitiva, em que o produtor trabalha para manter o sustento da família. O autor
utiliza a denominação de “Modelo Ideal”, estágio alcançado pelo produtor onde consegue
acumular capital, para designar a imagem que cada produtor projeta para seu futuro, para
onde ele direciona suas estratégias e toma suas decisões.
Esse “modelo ideal” não é o mesmo para cada sociedade, podendo cada agricultor
ter sua finalidade, que pode ser: o modelo de “empreendimento familiar”, que objetiva uma
produção para o mercado, mas o trabalho permanece essencialmente familiar; o “modelo
familiar”, que tem como objetivo primordial a reprodução da família e não da unidade de
produção; o “modelo subsistência”, cujo fim é apenas a sobrevivência da família; e o “modelo
empreendimento agrícola”, que é o anseio de exploradores familiares que buscam uma
exploração agrícola organizada, com trabalho assalariado e maximização de lucros.
Um outro modelo também estaria nesse eixo, “o modelo tribal” das sociedades
selvagens, que representa quase uma independência da sociedade global. Para o autor, o
modelo de subsistência se aproxima deste modelo tribal. A aproximação do explorador do
seu “Modelo Ideal” depende da complementaridade de seu projeto junto ao que a sociedade
elaborou (LAMARCHE, 1993:23).
Na sua análise, o autor considera que todas as escolhas feitas pelos agricultores são
em função de seu passado, suas histórias e dos planos que têm para o futuro. Com base no
entendimento de Lamarche sobre a exploração familiar, procurou-se estudar o agricultor
familiar de Minas Novas-MG, considerando sempre a inexistência de um modelo único que
contivesse toda a diversidade da agricultura familiar. “As explorações familiares não
62
constituem um grupo social homogêneo” (LAMARCHE, 1993:18), no sentido de classe
social. A exploração familiar engloba uma diversidade, dividindo-se em diferentes classes, de
acordo com as condições de produção, mesmo pertencendo ao mesmo modelo de
funcionamento. A capacidade de reprodução da exploração familiar deve ser analisada
considerando dois níveis: o modelo de funcionamento no qual está inserida e a classe social
a que pertence dentro deste modelo.
Na análise de Lamarche, a agricultura familiar organiza-se em função do seu grau de
inserção na economia de mercado, tanto no plano técnico-econômico quanto no plano
sociocultural. Uma determinada integração no mercado corresponde a uma determinada
relação com a sociedade de consumo, um determinado modo de vida e representação.
Apesar do eixo de análise possuir dois extremos, o autor afirma que esses não representam
um determinismo, as explorações familiares não se encontram relacionadas a uma evolução
histórica. O estabelecimento familiar não pode ser definido dentro de um modelo específico,
como a exploração camponesa e a pequena produção.
As explorações familiares são aquelas capazes de adaptação às novas situações
políticas, socioculturais, sociopolíticas e climáticas. Os produtores muito dependentes do
Modelo Original, com dificuldade de inserir novas técnicas, e os produtores que, ao contrário,
perderam sua ligação sociocultural e, se fixaram muito próximos ao Modelo Ideal têm
dificuldades de se manterem após mudanças.
Assim, o autor formula a hipótese de que, nas sociedades dominadas pela economia
de mercado, a proximidade dos estabelecimentos aos modelos extremos dificulta sua
capacidade de reprodução. Essas considerações são relevantes para localizar a posição que
a exploração familiar ocupa e determinar as possibilidades de sua manutenção e as
condições se deu desenvolvimento para cada sociedade.
“Ao buscar atingir o ‘modelo ideal’ os agricultores lançam mão de “estratégias
familiares”, que tem como principal enfoque; a estruturação familiar, a
educação e o futuro dos filhos. Estratégias familiares são respostas dadas por
cada família a fim de assegurar ao mesmo tempo a sua própria reprodução e
a de sua exploração” (LAMARCHE, 1993:25).
O
s projetos dos agricultores para seus filhos, muitas vezes refletem a percepção que
os pais têm da sociedade em que vivem e mais especificamente, da visão das perspectivas
do estabelecimento agrícola e o futuro das coletividades onde moram. Assim, se os pais
planejam que os filhos tenham uma outra profissão ou migrem para outras localidades, pode
parecer que vida no meio rural apresente algum tipo de problema. Diversos fatores em
63
conjunto contribuem para a formulação das estratégias de encaminhamento dos filhos, como
o tamanho da família, se a questão financeira impede ou se torna uma barreira para o
crescimento social dos filhos, ou ao contrario, se a saída do filho faz parte de uma estratégia
de disseminação do “capital” da família em outras terras.
Em alguns casos mesmo com todas as diversidades,
um futuro incerto no meio rural
pode ser preferido às incertezas ainda mais ameaçadoras do êxodo; a fidelidade obstinada a
uma terra e à perenidade do patrimônio pode superar qualquer consideração a respeito do
bem-estar dos filhos (LAMARCHE, 1998:120)
. Dentro das estratégias pode ocorrer sobre
diferentes graus: a patrilocalidade, onde os pais desejam que filhos, mesmo que em casas
separadas, permaneçam no estabelecimento; a exolocalidade, quando os pais desejam que
os filhos mantenham distancia do domicilio paterno; e, a exolocalidade longínqua, quando os
pais aceitam certo nível de emigração fora do município. Dentro deste contexto, Lamarche
coloca alguns modelos de estratégias dos pais a respeito ao futuro dos filhos, sendo
ruralista, patrimonial, de promoção social e tradicionalista.
“Estratégia ruralista, quando o mais importante para os pais é a fixação dos
filhos no campo, independente de suas aspirações profissionais;
Estratégia patrimonial, quando o objetivo principal é o de manter os filhos
homens no estabelecimento paterno;
Estratégia de promoção social, quando o objetivo é fazer com que os filhos
atinjam uma promoção social através da educação, principalmente superior;
Estratégia tradicionalista, quando se limita a resolver através do casamento, o
problema das filhas(LAMARCHE, 1998:120-121).
2.3.1 As lógicas de Lamarche para a Produção da Unidade familiar: Quatro Modelos
Teóricos
O conceito de lógicas produtivas, desenvolvido por
Lamarche
é também utilizado
como auxílio ao entendimento dos processos de transformação da agricultura campesina e
familiar do município de Minas Novas-MG. Conforme o autor, as lógicas produtivas podem
ser definidas de várias formas, dependendo dos critérios escolhidos. Por outro lado, ao se
estabelecerem critérios metodológicos, tem-se uma imagem incompleta e parcial da
realidade. A parcialidade na análise da produção agrícola se justifica, de acordo com
Lamarche, pelo fato de ser essa produção bastante complexa.
64
“Um estabelecimento agrícola é um objeto social que não pode ser compreendido
apenas pela economia, pela agronomia ou pela sociologia” (LAMARCHE, 1998:62). Desta
forma, os critérios de observação devem levar em conta diversas áreas que compõem a
produção, obrigando-nos a tentar uma síntese de várias realidades.
A análise de Lamarche foi organizada em torno de um eixo, o grau de integração da
unidade de produção à economia de mercado. Essa integração é concebida em sentido
absoluto, ao mesmo tempo nos planos técnico-econômico, físico-ambiental e sociocultural. A
cada grau de integração com o mercado, têm-se uma correspondente relação com a
sociedade de consumo, o modo de vida e um sistema de valores e de representação
específica. Assim, a análise das lógicas de funcionamento leva em conta, ao mesmo tempo,
o nível familiar nos comportamentos (fatores familiares) e o grau de dependência do
estabelecimento (fatores de dependência). Isso mostra que cada produtor deve evoluir:
Num contexto natural e sociopolítico particular e mais ou menos propício à
realização de seus projetos. Sua existência depende então dos meios que tem
para gerir essas três exigências: o apego a seus valores tradicionais, o projeto
que ele tem para si próprio e para sua família e as limitações ligadas a seu
ambiente imediato (meio natural, condições econômicas, sociais e políticas)”
(LAMARCHE, 1998:62).
O modo de funcionamento de um estabelecimento rural pode ser determinado,
portanto, por laços entre os fatores familiares e os fatores de dependência. O papel da
família na organização da produção não é sempre o mesmo, existindo diversas situações.
Dessa forma, admitem-se várias lógicas familiares de funcionamento.
Na pesquisa, Lamarche escolheu três temas para determinar o grau de intensidade
das lógicas familiares: a terra, o trabalho e a reprodução do estabelecimento. Para cada um
dos temas ele criou variáveis sintéticas, de forma a poder confrontar situações concretas do
estabelecimento com opiniões a respeito do tema.
A terra, para se entender a relação intrínseca do produtor com a terra. A terra
representa um patrimônio da família e um instrumento de trabalho. “A interpretação interativa
dessas três variáveis sintéticas permitiu criar um indicador pertinente da relação dos
produtores com sua terra” (LAMARCHE, 1998:64). Alguns valores e atitudes presentes nos
agricultores de Minas Novas-MG são indicadores dessa relação com a terra.
● O trabalho e a organização do trabalho como centro das análises. Para estabelecer
uma relação entre trabalho e família nas unidades de produção familiar foi levantada a
questão da opinião sobre a importância da família para o êxito do estabelecimento.
65
A reprodução do estabelecimento: “a preocupação é avaliar as funções familiares
na reprodução do estabelecimento e as estratégias implantadas para satisfazê-las
(LAMARCHE, 1998:64). Na pesquisa, a criação de uma variável relacionou-se os dados
sobre a situação profissional dos filhos, os desejos dos pais de que eles permaneçam ou não
no trabalho agrícola, os destinos que seriam dados para os investimentos (melhoria na
estrutura da produção, na qualidade de vida ou no futuro dos filhos). O peso da família em
cada uma das variáveis sintéticas foi codificado em três posições, muito familiar,
medianamente familiar e pouco familiar.
Outro conceito desenvolvido por Lamarche foi o grau de dependência. Existem vários
parâmetros para se analisar a dependência. O autor priorizou três que considerou
importantes, as dependências tecnológicas, a financeira e a de mercado. Na dependência
tecnológica: as técnicas de produção utilizadas são variadas. Um sistema de produção
intensivo utiliza as técnicas mais modernas, o que leva
“o produtor a uma maior dependência externa; dependência tecnológica, pois
estas técnicas, cada vez mais sofisticadas, precisam da assistência quase
permanente de especialistas; dependência financeira, pois estas novas
práticas levam geralmente a custos de produção adicionais; e dependência
comercial com a generalização dos contratos de produção (LAMARCHE,
1998:65).
Na dependência financeira, dependendo do grau de intensificação do sistema de
produção, as necessidades financeiras e a disponibilidade de financiamento variam,
colocando os agricultores mais ou menos dependentes. A variável leva em conta dados tais
como o recurso ao empréstimo, o grau de endividamento e a importância que os produtores
dão à utilização do crédito para permitir seu desenvolvimento” (LAMARCHE, 1998:66).
Na dependência do mercado, o indicador do grau de dependência dos agricultores
em relação ao mercado surge do resultado da combinação de duas vaiáveis sintéticas, uma
medindo a dependência alimentar e a outra a relevância da produção agrícola vendida. A
dependência dos produtores com relação ao mercado aponta para a participação destes na
sociedade de consumo.
Os indicadores foram construídos em três posições, em muito dependente,
medianamente dependente e pouco dependente. Segundo LAMARCHE, a correspondência
entre o grau de dependência e as lógicas familiares define quatro tipos de relações e quatro
modelos de funcionamento, sendo:
66
I. No modelo empresa as relações de produção são pouco familiares e muito dependentes.
- Sistema pouco familiar: a utilização do trabalho familiar com relação ao trabalho total
representa muito pouco. O apego à propriedade é menos importante que nos outros
modelos, sendo considerável a utilização do arrendamento, já que a terra é um bem como
qualquer outro.
- Sistema dependente: os produtores desse modelo utilizam sistema de produção intensivo,
o que representa dependência tanto tecnológica quanto financeira ou comercial. Utilizam
empréstimos e produzem exclusivamente para o mercado através de cooperativas ou firmas
privadas. Sua lógica de funcionamento é a venda, buscando faturamento.
“A propriedade fundiária familiar e o apego a esta propriedade são menos
importantes (...) A exploração da terra diretamente pelo proprietário não é a
única possível (...) o arrendamento ocupa um espaço não-desprezível (...)
esse grupo está pouco ligado à noção de patrimônio familiar. A terra se
compra e se vende, como qualquer outro bem (...). O trabalho familiar resume-
se ao trabalho do responsável pelo estabelecimento (...) utiliza regularmente
uma força de trabalho externa (...) o estabelecimento é pensado como uma
empresa tem como objetivos produzir para vender e realizar, senão um lucro
(...) (LAMARCH, 1998:69-70).
II. O modelo empresa familiar diferencia-se do modelo empresa pela importância da família.
O trabalho se organiza em função da mão-de-obra familiar, o patrimônio é familiar e o futuro
da unidade é pensado em termos de reprodução familiar, entretanto, é muito dependente do
exterior. O trabalho é tido em termos de salário e a produção em termos de renda agrícola.
“A organização do trabalho estrutura-se principalmente em torno de uma mão-de-obra
familiar, o patrimônio é uma noção exclusivamente familiar e o futuro da unidade de
produção é pensado em termos de reprodução familiar (LAMARCH, 1998:70).
III. No modelo de agricultura camponesa ou de subsistência, “há forte predominância das
lógicas familiares e uma fraca dependência em relação ao exterior(LAMARCHE, 1998:70).
As técnicas de produção são tradicionais; a quantidade produzida é baixa e voltada para a
satisfação das necessidades familiares. A distinção entre unidades de produção camponesa
e de subsistência deve ser entendida a partir dos sistemas de valores e de representação,
“composto por estabelecimento que produzem pouco e utilizam técnicas bastante
tradicionais, o objetivo primeiro aqui é satisfazer as necessidades familiares” (LAMARCHE,
1998:70).
67
IV. O modelo de agricultura familiar moderna caracteriza-se pela “busca de uma diminuição
constante do papel da família nas relações de produção e, de outro, na busca de maior
autonomia possível (LAMARCHE, 1998:71). Trata-se de unidades de produção cujo modo
de funcionamento libertou das limitações materiais, morais, ideológicas e das dependências
técnicas e econômicas, sendo um modelo bastante original de agricultura familiar.
“Esse modelo representa um modo de funcionamento que teria se libertado, ao
mesmo tempo, das limitações familiares materiais, mas principalmente morais e
ideológicas, e das dependências técnico-economicas (LAMARCHE, 1998:71).
Figura 1: Representação gráfica dos modelos produtivos. (LAMARCHE, 1998:68).
Os modelos não representam nenhuma realidade, são modelos puros em direção aos
quais uma tendência e
correspondem, aos modelos ideais, com os quais todo produtor
deseja ser identificado. Os modelos propostos por Lamarche, no estudo do município de
Minas Novas-MG, foram utilizados como auxílio na caracterização e processo de
transformação da agricultura campesina em familiar, buscando não enquadrá-los em
quaisquer modelos teóricos.
68
No caso de Minas Novas-MG, admite-se que a dinâmica das unidades de produção
familiares caracterizam-se por uma tendência de evolução do modelo camponês em direção
ao modelo agricultura familiar (de periférico para familiar de transição, estágio anterior ao
modelo consolidado), particularmente, no caso dos “agricultores independentes”, estes
procuram sair de sua autárcia e integrar-se mais efetivamente na economia de mercado
“mercados curtos”, com a introdução ou desenvolvimento de produções comercializadas, ao
mesmo tempo em que preservam certa independência em relação ao exterior.
Em relação ao camponês e agricultor familiar da área estudada, indicativos apontam
que o paradigma deste ator social, apresenta características marcantes do camponês, ainda
demonstrando alta capacidade de reprodução de seus valores, significações e simbologias;
sem, no entanto, comprometer a evolução e inserção nos diferentes níveis, evidenciados
pelo vislumbre e possibilidade do acesso a mercados locais e regionais, capacidade de
organização, busca constante em saber e participar dos projetos que o tem como
beneficiário principal. Nesta fase, os indivíduos estudados entendem a sua importância, que
vai além de um produtor de alimentos, mas como um ator social importante.
Tais abordagens sobre o indivíduo central da pesquisa, sua família e seus processos,
associados à sua prática na unidade de produção econômica, evidencia o que nos enunciam
Chayanov e Lamarche, oportunizou uma análise e aplicação capazes de responder às
perguntas que a pesquisa requer.
2.4 Debates Recentes sobre Camponeses e Agricultores Familiares
Desde o final do Século XX observa-se que diversas organizações sociais,
principalmente de trabalhadores rurais, já tinham nos discursos as categorias de camponês e
agricultor familiar. Para a compreensão do projeto político dos que reivindicam por um
modelo de desenvolvimento rural para o país é necessário associar alguns conceitos aos
seus discursos e projetos. O que se observa é que agricultura camponesa e familiar, mais do
que categorias sociológicas, têm uma forte conotação política e de disputas por projetos de
desenvolvimento rural e que envolvem relações de poder.
Remontam da década de 1920, as contribuições de Chayanov, que lançou as bases
teóricas neste debate. Sua tese contribuiu para a compreensão do funcionamento das
unidades de produção familiar e da unidade de produção capitalista. No desenvolvimento do
capitalismo a implantação de novas técnicas na agricultura e o desenvolvimento das
69
comunidades rurais levou à organização de dois tipos de unidades familiares dedicadas a
produção rural, tipos estes que tinham pontos similares, porém distintos.
Para ABRAMOVAY (1992:145), uma ambigüidade quando se trata da noção de
unidade familiar. O termo se confunde com pequena produção, produção de baixa renda e
agricultura camponesa, esquecendo-se que seus fundamentos estão no dinamismo
econômico, na capacidade de inovação técnica e nas formas sociais que se adaptam ao
tempo e espaço sem perder laços tradicionais. Agricultura camponesa e familiar funda-se na
relação entre propriedade e mão-de-obra familiar. Persistindo na tentativa de diferenciá-las,
se junta o fato de que é própria da agricultura familiar a integração com o mercado e com as
políticas governamentais. Tal característica torna a agricultura familiar capaz de adotar
“técnicas” da “modernização conservadora”, que se aprofundou no Brasil na década de
1960, que possibilitam o controle do poder global e mercantil sobre o lugar e o poder local.
O que vale refletir são as noções de campesinato e agricultura familiar para subsidiar
a compreensão dos projetos políticos de desenvolvimento rural em disputa no Brasil desde o
final do século XX. Pode-se afirmar que os camponeses se constituem em atores sociais e
têm um projeto para o desenvolvimento rural. Havendo projeto político baseado na
agricultura camponesa, haverá pouca diferença do projeto de desenvolvimento rural baseado
na agricultura familiar (MOREIRA, 2003:33).
A produção conceitual sobre a agricultura familiar pelo Governo Federal se deu a
partir de 1995 e foi o suporte à elaboração do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar PRONAF, e para atender a cooperações estabelecidas com o Food
Agriculture Organizacion FAO, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUD e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Foi na década de 1990 que a noção de agricultura familiar tornou-se referência
importante nos estudos da questão agrária brasileira. Neste contexto, defende-se que o
agricultor que utiliza os instrumentos técnicos e está integrado ao mercado não é camponês,
mas sim um agricultor familiar. Neste momento cria-se a expressão agricultura patronal.
FERNANDES (2001), referindo-se à noção de agricultura familiar afirma que:
De fato, essas idéias representam uma mudança, pois reconhece a inerência
do trabalho familiar no desenvolvimento do capitalismo. É um avanço em
relação à visão de que somente as relações capitalistas predominariam na
agricultura. Mas é um atraso,ao entender que esteja somente nas políticas
formuladas pelo Estado a garantia de uma integração entre o trabalho familiar
e relações capitalistas, desconsiderando a essenciabilidade da luta contra o
capital”
(FERNANDES, 2001:16)
.
70
Campesinato e
agricultura familiar são categorias que sustentam o discurso e os
projetos políticos dos atores sociais que lutam pela ocupação dos espaços. Espacialização e
o uso território é o que desafia a agricultura camponesa e a familiar, pois, para os
camponeses e suas organizações está incluída a luta contra o capital, quando representa
ameaça aos modelos de sobrevivência e sustentabilidade do próprio modelo familiar
camponês, fazendo-se necessário, para alguns, que se façam amplas mudanças na
sociedade e alteração na atual estrutura capitalista de organização da produção (MOREIRA,
2003:35). O que caracteriza a agricultura familiar são as relações sociais de produção no
interior da unidade familiar.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA (2000:14), a agricultura
familiar pode ser definida a partir de três características centrais:
a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados, são realizadas
por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento.
● a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família.
a família tem na propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da
terra), sendo esta propriedade transmitida, em caso de falecimento ou de aposentadoria dos
responsáveis pela unidade, no interior da própria família.
O Projeto BRA/98/012 Agricultura Familiar no Contexto do Desenvolvimento
Sustentável constituiu-se em um dos projetos de cooperação do PRONAF, coordenados
pela Secretaria de Desenvolvimento Rural SDR. O INCRA por sua vez estabeleceu
convênio para a cooperação técnica com a FAO entre 1996 e 1999. Este Projeto de
Cooperação Técnica FAO/INCRA realizou estudos baseados na metodologia de sistemas
agrários desenvolvidos pela escola francesa de estudos agrários. Para o Convênio
FAO/INCRA estes estudos “(...) vem permitindo uma melhor compreensão da lógica e
dinâmica das unidades familiares e dos assentamentos, assim como dos sistemas de
produção por ele adotados nas diversas regiões do país” (FAO/INCRA, 2001:21).
Segundo o MDA (2000:13), o debate sobre os conceitos e a importância relativa da
“agricultura familiar” tem sido intenso, gerando inúmeras concepções, interpretações,
discussões e propostas, originadas de diferentes entidades representativas dos pequenos
agricultores”, dos intelectuais que estudam a área rural e dos técnicos governamentais
encarregados de elaborar as políticas para o setor rural brasileiro.
No Documento Referencial do PRONAF, Pode-se intervir objetivamente na estrutura
da a Agricultura brasileira considerando dois modelos gerais: o modelo patronal e o modelo
71
da agricultura familiar (PRONAF, 1996:4). As características que comporta cada um são
marcantes e permitem uma distinção estrutural e do funcionamento, a saber:
Quadro 1
Características dos Modelos Patronal e Familiar
MODELO PATRONAL MODELO FAMILIAR
Completa separação entre gestão e trabalho. Trabalho e gestão intimamente relacionados.
Organização centralizada. Direção do processo produtivo assegurada diretamente
pelo agricultor e sua família.
Ênfase na especialização. Ênfase na diversificação.
Ênfase em práticas agrícolas padronizáveis. Ênfase na durabilidade dos recursos e na qualidade de
vida.
Trabalho assalariado predominante. Trabalho assalariado complementar.
Tecnologias dirigidas à eliminação de decisões
“de terreno” e “de momento”.
As decisões imediatas, adequadas ao alto grau de
imprevisibilidade no processo produtivo.
Fonte: PRONAF, Documento Referencial (FAO/INCRA. 1996).
Ao identificar estes modelos, o Documento FAO/INCRA, aborda outras modalidades
a eles inerentes, sendo três para o modelo patronal e três para o modelo familiar, como
podemos observar:
Quadro 2
Características da Agricultura Patronal e Familiar
Modelo Modalidades Características
Agricultura Familiar
Consolidada.
Integração ao mercado, acesso a inovações
tecnológicas e políticas públicas, maioria
funcionando em padrões empresariais.
Agricultura Familiar de
Transição.
Acesso parcial à tecnologia e ao mercado,
sem acesso à maioria das políticas públicas e
programas governamentais, não consolidados
Agricultura
Familiar
Agricultura Familiar
Periférica.
Inadequação em termos de infra-estrutura,
dependentes de programas de reforma
agrária, crédito, pesquisa, assistência técnica
Agribusiness. Integração vertical das atividades no agro-
industrial
Agroindústria com gestão empresarial.
Agricultura patronal de base
empresarial.
Uso intensivo de tecnologias, alta
produtividade, gestão empresarial.
Agricultura
Patronal
Agricultura patronal de base
fundiária.
Latifúndio, gestão não empresarial,
agropecuária extensiva e nem sempre
produtiva, tendo a terra como capital principal.
Fonte: MDA/SAF. PRONAF. Documento Referencial, 1996.
72
Nota-se que há uma forte conotação político-econômica e vinculação ao modelo
capitalista, quando as abordagens do Estado sobre a agricultura familiar abordam aspectos
relativos às questões agro-industriais e empresariais, o uso da tecnologia e acesso ao
mercado como fatores de definição desta categoria produtiva. Não se percebe nesta visão o
reconhecimento da categoria camponesa, salvo nos casos de agricultores assentados da
reforma agrária, para as políticas públicas. Igualmente, seguindo a lógica do discurso do
Estado, faz-se necessário melhor compreender quem são os atores da Agricultura Periférica.
Conforme estas conceituações colocadas, percebe em Minas Novas-MG que o perfil do
agricultor é predominantemente camponês e familiar periférico, sendo que em algumas
comunidades, principalmente nas quilombolas e em outras mais distantes da zona urbana,
existem fortes indícios da presença de famílias em estágio de indigência rural, longe até
mesmo do acesso aos instrumentos que caracterizam os periféricos, colocando-se numa
posição marginal-periférica.
Para delimitar o sistema familiar
17
, a Secretaria da Agricultura Familiar - SAF usou
dados do Censo Agropecuário de 1995-96 do IBGE, no intuito de construir um “novo retrato
da agricultura familiar”. Por estes dados, consta-se que no Brasil existiam 4.859.864
estabelecimentos rurais, ocupando uma área de 353,6 milhões de hectares, sendo que as
unidades familiares ocupavam 30,2% desta área, mesmo representando 85,2% do total dos
estabelecimentos rurais brasileiros (MOREIRA, 2003:38).
De outro lado, a agricultura patronal ocupava 67,9% da área total e representava
apenas 11,4% dos estabelecimentos rurais. A quantidade de estabelecimentos na categoria
familiar era mais de sete vezes maior que o número da categoria patronal. A quantidade de
terras ocupadas pela categoria patronal era duas vezes das ocupadas pela familiar,
conforme se observa na Tabela abaixo:
Tabela 2
Total dos Estabelecimentos e Área por Categorias Familiar e Patronal, no Brasil (2000)
CATEGORIAS Estabelecimentos
Totais
% Estabelecimentos
sobre o total
Área Total
(mil há)
Área Total
(%)
FAMILIAR 4.139.369 85,2 107.768 30,5
PATRONAL 554.501 11,4 240.042 67,9
OUTROS (*) 165.994 3,4 5.801 1,6
TOTAL 4.859.864 100,0 353.611 100,0
Fonte: Censo Agropecuário 1995/1996 – IBGE. Documento Novo Retrato da Agricultura Familiar (MDA/SAF, 2000).
17
Sistema
familiar é caracterizado pelas unidades que atendiam simultaneamente às condições: a) a direção do
estabelecimento era exercida pelo produtor; b) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado. Adicionalmente, foi
elaborada uma área máxima regional como limite para a área total dos estabelecimentos familiares (MDA, 2000:18).
73
O Censo Agropecuário 1995-96 revelou várias condições que permitiram identificar o
perfil da agricultura familiar no Brasil. Três delas podem ser destacadas, a primeira é a
condição dos agricultores em relação ao uso da terra, a segunda: a estrutura fundiária, e a
terceira: o pessoal ocupado. A observação destes fatores permite compreender a ocupação
dos espaços por tipos de uso, conforme podemos observar a situação do Brasil e da região
Sudeste em relação às demais regiões do país.
Para a SAF, os dados do Censo Agropecuário 1995/96 demonstram que não é
apenas a propriedade da terra o único elemento a ser considerado para a chamada
“reestruturação fundiária do Brasil” (BRASIL, 2000:26). Também deve ser verificado o
tamanho das propriedades dos agricultores familiares. “... muitos possuem menos de 5 ha, o
que, na maioria dos casos, inviabiliza sua sustentabilidade econômica...”. Os dados do
Censo Agropecuário revelaram que, no Brasil, 94,55% dos Estabelecimentos no modelo de
agricultura familiar têm área menor que 100 há, e 39,8% das propriedades dos agricultores
familiares têm menos de 5,0 ha. Este índice chega a 39,12% na área da pesquisa.
Os dados revelam o fenômeno da “minifundização” da agricultura familiar, e com forte
tendência que estes números sejam da agricultura familiar periférica. Como pôde ser
constatado, tal fenômeno é marcante em Minas Novas-MG, onde o processo de
minifundização chega a um estágio de quase “quintalização”, em decorrência das
inúmeras divisões e subdivisões das unidades familiares por herança e/ou casamento dos
filhos. De acordo com o MDA, este é um modelo periférico de agricultura familiar
caracterizado como estabelecimentos inadequados em termos de infra-estrutura,
dependentes de programas de reforma agrária crédito, pesquisa, assistência técnica e
extensão rural e comercialização”. (BRASIL, 2000:28).
Segundo dados da SAF, a agricultura familiar é a principal geradora de postos de
trabalho no meio rural: “Mesmo dispondo de apenas 30% da área, é responsável por 76,9%
do pessoal ocupado. Dos 17,3 milhões de pessoas ocupadas na agricultura brasileira,
13.780.201 estão na agricultura familiar”. (BRASIL, 2000:28). Gerar trabalho e renda é um
objetivo estratégico das propostas do Governo para a agricultura familiar. O número de
pessoas ocupadas por unidade de área na agricultura familiar é superior ao que se verifica
na agricultura patronal. Nesta, são necessários em média 67,5 ha para ocupar uma pessoa,
enquanto na agricultura familiar esta média é de apenas 7,8 ha. A agricultura familiar gera
ocupação utilizando 8,6 vezes menos terra que a patronal.
Considerando a característica da agricultura familiar camponesa da área estudada,
procurou-se compreender os diferentes tipos de estabelecimentos e propriedades, para fins
74
de classificação e possível enquadramento da agricultura familiar camponesa. O Estatuto da
Terra, de 1964, classificou em tipos os diferentes modelos de ocupação do espaço agrário
rural. Tal classificação, como se pode verificar no Quadro abaixo, permite a compreensão
dos espaços possíveis e adequados aptos à ocupação camponesa, da agricultura familiar e
de outros moldes de empreendimentos rurais.
Quadro 3
Tipos de Propriedade da Terra no Brasil Segundo o Estatuto da Terra
Tipo de Propriedade Características
Minifúndio Propriedade de tamanho menor que o necessário para o sustento e
o progresso de uma família.
Módulo Rural
18
Área mínima de terra necessária para uma família sustentar-se e
progredir econômica e socialmente, e cujo tamanho é estabelecido
por critérios técnicos.
Empresa Rural Propriedade queo excede o equivalente a 600 vezes o módulo da
região e que é explorada racionalmente ocupando mais de 50% da
área total agricultável.
Latifúndio por exploração Propriedade rural que não excede o tamanho admitido como
máximo (o da empresa rural), mas é mantida inexplorável em seu
todo.
Latifúndio por extensão Propriedade que, independentemente do seu grau de utilização,
ultrapassa 600 vezes o módulo regional.
Fonte: Estatuto da Terra, 1964.
Com a promulgação da Constituição de 1988, foi sancionada a Lei 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993, que deu nova classificação ás propriedades, sendo:
● minifúndio: dimensão menor que o módulo rural fixado para o município;
● pequena propriedade: dimensão entre 1 a 4 módulos rurais;
● média propriedade: dimensão entre 5 a 15 módulos rurais; e,
● grande propriedade: dimensão superior a 15 módulos rurais.
O conhecimento da questão agrária torna-se de grande valia, pois ele, muitas vezes,
é determinante para compreensão de como tem sido a dinâmica da ocupação dos espaços e
a configuração populacional e produtiva da agricultura familiar e seus diversos movimentos
sócios econômicos e fluxos migratórios, dentre outros.
De acordo com RICCI (2004:49), de 1960 a 1980, aproximadamente 28 milhões de
brasileiros deixaram o campo, população equivalente à população da Argentina nos anos
1980. A mudança do padrão tecnológico, o aumento da competitividade, a política de crédito
18
O tamanho do módulo rural varia de acordo com a região, podendo variar no intervalo de 5 a 115 hectares.
75
rural e a diminuição da ocupação da mão-de-obra rural constituíram alguns dos possíveis
fatores que impulsionaram essa migração.
Mesmo diante desta situação, a importância da agricultura familiar é comprovada pela
sua participação na produção nacional de alimentos. O Projeto de Cooperação Técnica
INCRA/FAO revelou que o conjunto das unidades familiares é responsável por 40,0% do
Valor Bruto da Produção - VBP total da agropecuária brasileira. Das unidades familiares são
produzidos 24,0% do VBP total da pecuária de corte, 52,0% da pecuária de leite, 58,0% dos
suínos e 40,0% das aves e ovos. Em relação a culturas temporárias e permanentes, produz
33,0% do algodão, 31,0% do arroz, 72,0% da cebola, 67,0% do feijão, 97,0% do fumo,
84,0% da mandioca, 49,0% do milho, 32,0% da soja e 46,0% do trigo, 58,0% da banana,
27,0% da laranja, 47,0% da uva, 25,0% do café e 10,0% do VBP da cana-de-açúcar
(SAF/MDA, 2006).
De acordo com TUBALDINI (2006), além da expressividade econômica, a agricultura
familiar e camponesa traz valores e saberes locais, associados à preservação das tradições
e do patrimônio cultural, que conferem especificidades à categoria e contribuem para a
composição e expressão da identidade dos territórios por ela ocupados.
“No tocante às respostas que a agricultura, pelo seu caráter multifuncional,
pode dar ao interesse geral do território e dos seus habitantes, toca uma serie
de pontos essenciais para o desenvolvimento das zonas rurais: preservação
da vida rural e da qualidade da vida nas zonas rurais, preservação e
valorização dos recursos naturais e do patrimônio local, etc”.
(TUBALDINI,
2006:47).
Segundo a autora, é preciso “procurar com persistência, o ponto de equilíbrio entre
agricultura e produção, e agricultura e proteção, num quadro de ordenamento do território
que determinará a ambas os requisitos do seu funcionamento” (TUBALDINI, 2006:42).
Os avanços de algumas políticas públicas dos últimos anos, com grande tendência
de se consolidarem como participativas levaram as organizações e representações dos
agricultores familiares a intensificarem o debate sobre a importância da agricultura familiar
para a economia do país, fazendo com que mais do que políticas de governos”, estas se
convertam em “Política de Estado”, com reivindicações que esta categoria produtiva fosse
legalmente reconhecida como um “eixo estruturante” para o Estado e as políticas públicas.
Tal conjuntura fez com que a agricultura familiar assumisse uma postura mais ativa
diante das questões a ela apresentada. Ocorreu um intenso processo de organização e
mobilização dos atores sociais, no sentido de sensibilizar a sociedade e o governo em torno
76
de um conjunto de propostas de políticas públicas participativas e de uma agenda de
reivindicações que incluísse o reconhecimento da categoria como segmento produtivo,
facilitasse o acesso à terra, ao crédito rural, à assistência técnica, ou seja, uma política
diferenciada para a agricultura familiar. Era preciso reconhecer a agricultura familiar como
um instrumento fundamental do desenvolvimento rural e parte importante do
desenvolvimento econômico que o país persegue ao longo de sua história.
Após muitas manifestações, como conquistas decorrentes das mobilizações,
destacaram-se a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, como uma
instância de Estado” destinado às políticas para agricultura familiar e reforma agrária, a
criação e implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONAF e a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, para atenderem às
especificidades da agricultura familiar, com ênfase nos jovens, mulheres, indígenas e
quilombolas; e, mais recentemente, a criação da Lei da Agricultura Familiar.
Este conjunto de ações permitiu que a agricultura familiar se inserisse na proposta do
desenvolvimento rural de forma integrada, contribuindo com suas experiências
enfrentamento às adversidades e assumindo os desafios da formulação e gestão de políticas
públicas, respeitando as especificidades locais e outras peculiaridades desta categoria
produtiva e cultural.
Após dez anos do início da implantação do PRONAF, o MDA, por iniciativa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, elaborou uma proposta de projeto de lei que
dispunha sobre a política de desenvolvimento rural sustentável, onde a agricultura familiar
fosse reconhecida oficialmente como uma categoria econômica e produtiva.
A Lei N.º. 11.326, de 24 de julho de 2006, conhecida como “Lei da Agricultura
Familiar”, estabeleceu os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das
políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais,
atendendo a uma antiga reivindicação, reconhecem a Agricultura Familiar como categoria
produtiva, uma conquista dos agricultores familiares. De acordo com a nova lei, a
formulação, gestão e execução da Política Nacional da agricultura familiar serão articuladas,
em todas as fases de sua formulação e implantação, com a política agrícola e com as
políticas voltadas para a reforma agrária”.
Para as políticas públicas, esta lei considera agricultor familiar àquele que pratica
atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente às condições: não detenha, a
77
qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais
19
; que utilize predominantemente
mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento; que tenha renda familiar predominantemente originada de atividades
econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; e, que dirija seu
estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Estabelece, ainda, orientações para a Política Nacional da Agricultura Familiar, que
deverá observar os princípios da descentralização, sustentabilidade ambiental, social e
econômica, eqüidade na aplicação das políticas, respeitando os aspectos de gênero,
geração e etnia, bem como a participação dos agricultores familiares na formulação e
implantação da política nacional da agricultura familiar.
Para atingir seus objetivos, a Política Nacional da Agricultura Familiar promoverá o
planejamento e a execução das ações, de forma a compatibilizar as áreas de crédito e fundo
de aval, infra-estrutura e serviços, assistência técnica e extensão rural, pesquisa,
comercialização, seguro, habitação, legislação sanitária, previdenciária, comercial e
tributária, cooperativismo e associativismo, educação, capacitação e profissionalização;
negócios e serviços rurais não agrícolas, e, agro-industrialização.
Com este novo e importante instrumento, espera-se que o Estado e a sociedade,
além de reconhecer oficialmente a importância da agricultura familiar, também garantam a
possibilidade de constituição dos elementos necessários à participação democrática e cidadã
na construção dos processos de desenvolvimento rural, pelos agricultores familiares e
camponeses, sustentada no princípio da “subsidiariedade”
20
.
19
Não se aplicando quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal
por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.
20
De acordo com TUBALDINI (2006:55), “este princípio jurídico implica que uma autoridade superior não possa nem deva agir
a menos que um objetivo não possa ser concretizado, de modo satisfatório, a um nível mais elevado”, respeitando as decisões
acordadas por instâncias da base da organização. O principio da subsidiariedade foi um dos grandes princípios de orientação
da ação estrutural da formação da Comunidade Econômica Européia e foi uma das decisões do Tratado de Mastrischt.
78
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A proposta de embasamento teórico-metodológico utilizado nas análises baseou-se
nos trabalhos de CHAYANOV (1974) e LAMARCHE (1993), o que permitiu identificar a
organização interna das unidades produtivas familiares e sua reprodução, bem como
aspectos de relação com o mercado e demais inserções, considerando que tais referenciais
teóricos responderam satisfatoriamente ao perfil do agricultor da área de estudo.
A pesquisa teve como suporte a observação e conhecimento da área de campo,
própria do método de observação e qualitativo utilizado pela Geografia, porém, os processos
de transformações sociais dialéticos também se fazem presentes, no decorrer da
metodologia que norteou a pesquisa, quando se procurou analisar os processos de
transformação geohistórica pelos qual o espaço e os camponeses estudados perpassam.
Tais processos vão modificar o modo de produção e socioculturalmente dos agricultores
camponeses - de manejos simples e rústicos para os manejos da agricultura convencional;
com o uso de maquinas e adubos químicos, tornando-os mais próximos de agricultores
familiares consolidados segundo a FAO/INCRA (1996:23) e modernos com lógicas
dependente do trabalho, segundo Lamarche (1993:64).
A escolha de trabalhar com informações qualitativas adicionando dados quantitativos
permitiram diagnosticar a realidade estudada, extrapolando-se para a relação desses
agricultores com suas famílias e o mercado local/externo e o PRONAF.
O espaço foi a base referencial utilizado para a análise geográfica e para localizar,
caracterizar e diagnosticar socioeconômica e sociocultural os sujeitos da pesquisa, através
de suas estruturas organizacionais, seus valores de vida, suas buscas e perspectivas
futuras, enquanto agricultores familiares, de reprodução e manutenção no espaço estudado.
3.1 Etapas Metodológicas
A metodologia seguiu fases distintas, onde se procurou alcançar os resultados de
forma mais direta e concisa com os objetivos estabelecidos. A bibliografia pesquisada foi
dividida em três grupos, sendo que o primeiro tratava de estudos e diagnósticos históricos e
sócios econômicos de formação histórica da região, a ação do Estado, a dinâmica
econômica e a configuração do modelo de agricultor da região pesquisada, com ênfase na
ocupação do espaço.
79
O segundo referiu-se aos estudos teóricos que tratam da formação do campesinato e
da agricultura familiar, analisando as visões clássicas sobre a questão camponesa e as
discussões recentes sobre a agricultura familiar. Na revisão bibliográfica, procurou-se
abordar estudiosos como
CHAYANOV, MARX, MENDRAS, TEPICHIT e outros como
ABRAMOVAY, GRAZIANO e MOURA, mas optando-se por uma análise que contivessem os
elementos teóricos de
CHAYANOV e LAMARCHE, os quais foram considerados básicos para a
pesquisa, diante do conhecimento do ator social pesquisado, o primeiro por caracterizar bem
as unidades familiares e o segundo por avançar no entendimento do camponês na direção
de agricultor familiar com vistas à inserção no mercado.
O terceiro grupo de bibliografia tratou de discussões referentes às políticas públicas,
do PRONAF e a inserção da agricultura familiar no mercado e as políticas sociais
compensatórias do Estado. A participação das organizações de base
21
nos processos de
elaboração de propostas de políticas públicas tem um suporte para exercitar atingir os
princípios da “participação democrática”, necessários para se consolidar a cidadania dos
agricultores camponeses e familiares.
Para o levantamento e processamento de dados, ou seja, para a execução da
pesquisa propriamente dita, foram utilizadas as seguintes categorias de coletas de dados
pertinentes ao trabalho geográfico: coleta e análise de documentos administrativos; obtenção
de dados por entrevistas, visitas e observação direta e sistemática. Os instrumentos de
trabalho dos dados e informações qualitativas utilizados na pesquisa, foram a construção de
mapas, com bases cartográficas do IBGE, uso de fotografias, tabelas, gráficos e quadros.
De acordo com a EMATER-MG, escritório local de Minas Novas estima-se 4.500
agricultores familiares município. Esses agricultores estão agrupados em comunidades e
organizados em associações comunitárias, independente de terem sido beneficiados ou não
pelas linhas de crédito e outras ações do PRONAF. Do total de agricultores do município,
792 têm DAP homologadas junto ao MDA, no entanto são aproximadamente 1.200
cadastradas no sistema de Informações da Emater de Minas Novas até maio de 2006, para
realizar propostas de financiamentos PRONAF.
Na busca em identificar o perfil dos agricultores familiares, optou-se, no primeiro
momento, em resgatar os dados existentes nas DAPs emitidas pela EMATER-MG para o
período de 2000 a 2006, do total de 792 DAPs, localizadas no arquivo do Escritório da
EMATER de Minas Novas –MG e disponíveis no site do PRONAF
22.
21
Às organizações de base referem-se as associações, sindicatos e conselhos de desenvolvimento rural.
22
Site da Secretária de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário:
http://www.pronaf.gov.br
80
As informações utilizadas das DAP foram as seguintes:
Família
: nome, documentação, escolaridade, estado civil do titular e cônjuge e regime de
casamento, local de residência, e, número de pessoas residentes no estabelecimento;
Caracterização socioeconômica do agricultor familiar
: se pertence a alguma organização
social, condições de posse e uso da terra, atividades principais, área do estabelecimento,
composição da renda bruta familiar anual de enquadramento (renda obtida da produção
agropecuária, benefícios previdenciários, excluídos os programas sociais), percentual da
renda bruta familiar anual proveniente das atividades desenvolvidas no estabelecimento,
força de trabalho utilizada além da familiar;
Informações complementares
: se é beneficiário de algum programa de reforma agrária, a
destinação do crédito, se teve algum crédito anterior do PRONAF e se sim em qual grupo,
número de imóveis explorados, denominação do imóvel principal (localização e área total) e
nome e CPF do proprietário do imóvel (quando posseiro ou comodatário).
Num segundo momento da pesquisa, optou-se por trabalhar com dados de coleta
direta no campo, que requereu uma amostragem de unidades de produção familiares
significativas em relação ao total de agricultores e abrangendo espaço estudado.
3.2 A Amostragem
A obtenção dos dados de coleta direta em campo para a pesquisa, requereram uma
amostragem obtida entre as 792 DAPs emitidas pela EMATER de Minas Novas, para
realização de Financiamentos do PRONAF pelos agricultores familiares. Do conjunto das
792 DAPs, sorteou-se 72, significando 9,09% do total da amostra, usando para o sorteio o
método de amostragem sistemática, “na escolha aleatória da primeira unidade amostral e
seleção das unidades subseqüentes através de um intervalo uniforme, constante e pré-
estabelecido” (Gerardi e Silva, 1981:14). O resultado do sorteio demonstrou uma boa
distribuição espacial, abrangendo um número significativo de comunidades rurais do espaço
estudado. Ressalta-se que o objetivo eram 10% da amostra, mas as DAPs Mulher e Jovem
sorteadas aleatoriamente, da mesma família foram incorporadas como parte da mesma
unidade de produção familiar.
Para a coleta de dados foi organizado e aplicado um questionário, (Anexo) com
perguntas diretas e semi-estruturadas, através de entrevistas para coleta de dados nas
unidades de produção familiares. O questionário abrangeu os seguintes itens:
81
I – Identificação e Caracterização do Agricultor e da Unidade de Produção:
- Identificação do Agricultor e estado civil: casado, solteiro ou viúvo;
- Composição da família: idade;
- Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade;
II – Identificação e Caracterização da Unidade de Produção:
-Situação jurídica do estabelecimento: proprietário, arrendatário, parceiro, posseiro ou outro;
- Acesso à terra: herança, compra, troca ou ocupação;
- Tempo que reside na propriedade e quem foram os antecessores;
- Área total da propriedade, Registro/Título de propriedade;
- Uso da terra: produtos agrícolas, pecuários e beneficiamentos;
- Técnicas de produção: preparo do solo, plantio e tratos culturais e manejo de animais .
III – Estrutura e Organização do Trabalho Familiar:
- Trabalho da família na propriedade;
- Trabalho fora da propriedade ou trabalho temporário (migração);
- Comercialização dos produtos e renda familiar;
- Trabalho da família fora da propriedade.
IV – Aspectos Sociais e Estratégias Familiares:
- Moradia: conservação, tipo, energia elétrica, água consumida, eletrodomésticos;
- Membros residentes na propriedade;
- Preocupação com o futuro:
- Sociabilidade Social e participa de alguma associação.
V – Informações sobre o PRONAF.
VI – Informações sobre a migração Sazonal.
Para obter a amostragem proposta e atingir todas as unidades de produção
amostradas, entrevistando os agricultores sorteados, a pesquisa de campo contou com a
colaboração da EMATER-MG, através da equipe local, da qual este autor faz parte, do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - CMDRS e do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Minas Novas.
Dentre os agricultores entrevistados, identificou-se e agrupou aqueles que foram
conselheiros do CMDRS na ocasião da implantação do PRONAF Infra-estrutura, bem como
aqueles que atualmente são líderes comunitários e que participam tanto do CMDRS como
conselheiros e outras modalidades institucionalizadas de organização, como as associações,
confederações e demais conselhos. Este agrupamento permitiu uma compreensão política e
histórica do PRONAF na área estudada, bem do entendimento e participação dos
agricultores nos processos de transformações recentes da agricultura na área estudada.
O trabalho de campo realizou-se em três etapas, tendo como ponto de referência o
ano agrícola, de 2005/2006, iniciando no período das águas em outubro estendendo-se até o
82
início da seca em março de 2007. O período das águas é importante na coleta de dados,
pois, neste período encontram-se nas unidades de produção, os atores sociais que são
também, migrantes sazonais. As informações sobre a migração sazonal, foram importantes
para a compreensão de como se a utilização da mão-de-obra da família, dentro e fora da
unidade de produção.
Espacialmente, a amostragem distribuiu-se nas regiões Fanado, Capivari e Setúbal,
conforme o Mapa 2: Distribuição das Bacias Hidrográficas do Município de Minas Novas
MG - BR.
Na região do Fanado, os agricultores da pesquisa residem ou têm suas unidades de
produção nas localidades de Bananal, Bemposta, Bentinho, Bonsucesso, os Buritis Boa
Vista, Paraíso e Valverde, Córrego Maurício, Curralinho, Fanado Acima, Inácio Félix,
Lambari, Macuco, Manoel Luiz, Mata Dois, Pinheiro, Pinheiro e Rocinha. Na região do
Capivari, refere-se às localidades de Araújo, Capivari Contendas, Carvalhaes, Contendas,
Paudóleo, Ribeirão da Folha, Ribeirão do Meio, Ribeirão dos Santos, Santiago, São José do
Capivari, São Pedro do Alagadiço e Quilombo. No Setúbal, as localidades de Beira do
Setúbal, Cachoeira do Ribeirão da Folha, Córrego Seco, Estiva-Campos, Faz. Fabrica,
Indaiá de Baixo, Mangabeira, Mata Pequena, Mato Grande, Palmital, Pindaíba, Pedra Preta
e Serra, conforme se pode verificar no Mapa 3: Distribuição das Comunidades Rurais
Estudadas – Minas Novas – MG - BR
.
Da coleta de dados, resultou o segundo banco de dados construído através de 72
questionários, em entrevista com perguntas diretas e semi-estruturadas, conforme o Mapa 4:
Distribuição das Unidades de Produção Familiares amostradas Minas Novas MG - BR.
A divisão das comunidades por bacias hidrográficas obedeceu a critérios puramente
metodológicos, não aprofundando as questões inerentes à bacia hidrográfica, pois o foco
refere-se às questões internas das unidades de produção familiares, dentro de uma visão de
organização coletiva, em nível de comunidades
23
rurais. A utilização de bacia hidrográfica
como referência não teve a intenção de adotar o determinismo geográfico, onde as questões
naturais condicionam o comportamento dos atores sociais estudados, muito antes pelo
contrário, a observação da pesquisa identificou como fato relevante a capacidade de
adaptação dos agricultores às diferentes condições naturais postas.
23
O termo comunidade no trabalho é para referir-se às redes de famílias de agricultores localizados numa área comum, como
dentro de um vale, ao longo de um córrego ou de outra referência natural, econômica e de relações sociais. Sua organização
intensificou no início dos anos de 1980, na área estudada, quando a igreja católica criou as Comunidades Eclesiais de Base
CEBs. Estas “comunidades” congregam-se entre si em torno da religiosidade (festas, novenas e quermesses), cultura (festas
tradicionais e folclóricas) ou economia (unidades coletivas de produção), fortalecendo os laços familiares e de vizinhança.
83
Mapa 2
84
Mapa 3
85
Mapa 4
86
CAPÍTULO 4 - CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO
4.1 Aspectos Naturais e Sociais
O Município de Minas Novas, assim como o Vale do Jequitinhonha, é fruto de um
processo de ocupação onde a atividade extrativa mineral se deu de forma intensa até quase
o esgotamento. A atividade econômica remanescente foi uma agricultura sustentada
principalmente na exploração de cana-de-açúcar, milho, feijão, arroz e mandioca,
bovinocultura mista e criação de pequenos animais. Não fugindo ao modelo da agricultura
tradicional, o município testemunhou momentos de crescimento e/ou encolhimento da
atividade agrícola. Aliados às alterações históricas as condições climáticas e naturais e da
organização fundiária, todos os setores colocaram-se à frente do desafio de reverter a
situação, propondo questões que poderão vir a ser alternativas face à realidade configurada.
O município situa-se na faixa intermediária entre as regiões administrativas do alto e
médio do Vale do Jequitinhonha, à Nordeste do Estado de Minas Gerais. A sede municipal
encontra-se nas coordenadas geográficas: Latitude 122’ S e Longitude 42º 59’ W. Possui
atualmente uma área total de 1.810,772 km
2
, representadas cartograficamente nas folhas
topográficas Minas Novas (SE-23-X-D-II), Jenipapo (SE-23-X-D-III), Malacacheta (SE-23-X-
D-IV) e Capelinha (SE-23-X-D-V), na escala 1:100.000 (IBGE/1991). Faz divisa com os
municípios de Angelândia, Capelinha, Chapada do Norte, Leme do Prado, Novo Cruzeiro,
Setubinha e Turmalina. As principais vias de acesso e que ligam Minas Novas à capital do
estado e outros municípios são as rodovias BR-040, BR-135, BR-259, MG-308 e MG-114.
A sede localiza-se a 548 km de Belo Horizonte, na Mesorregião Jequitinhonha e
Microrregião Capelinha. A divisão municipal é formada por 05 distritos, 14 povoados e 122
pequenas localidades; estas comunidades situam-se ao longo de uma rede hídrica formada
pelas bacias hidrográficas dos rios Araçuaí, Fanado, Capivari e Setúbal, divisão natural
utilizada na pesquisa para fins didáticos de configuração espacial.
Na geologia do município, ocorrem unidades litoestratigráficas do neoproterozóico
constituídas por rochas das Formações Salinas, Capelinha e seqüências do Grupo
Macaúbas. Na borda leste do município ocorre um pequeno corpo de metaultramafito
Córrego do Rubinho constituído de tremolita, xisto, anatofilita-dolomita-talco – (cromita) xisto.
As coberturas detríticas, em parte colúvio-eluviais e ocorrência eventual de lateritas, ocupam
de uma forma geral as cotas mais elevadas e recobrem parte das seqüências mencionadas
(CPRM, 2005 apud Lima, 2006:17).
87
A geomorfologia do município é marcada por chapadas nas áreas de relevo mais
elevado, típicas do Alto Jequitinhonha, que se caracterizam por apresentarem topos
nivelados e pela desagregação de sedimentos detrítico-lateríticos cenozóicos. Tal
fragmentação ocorre devido à intensa dissecação que elaborou os modelados adjacentes.
Quanto às coberturas, elas são constituídas por aluviões e secundariamente coluviões,
sendo estes predominantemente arenosos, com níveis de cascalhos, seixos e fragmentos de
quartzo. A manutenção da topografia plana deve-se, principalmente, pela ocorrência de
concreções ferruginosas. As áreas de menor altimetria encontram-se nas vertentes das
chapadas, apresentando maior declividade e constituindo vales onde é possível encontrar a
presença de água geralmente em pequenos córregos, sendo em sua maioria intermitentes
(IBGE, 1997 apud Lima, 2006:19).
A sede do município se encontra a uma altitude média de 750 m, sendo o ponto
culminante 1.210 m de altitude na divisa de Minas Novas e Setubinha. Quanto aos solos,
predomina os latossolos e presença de cambissolos, sendo os Latossolos Vermelho Amarelo
o mais encontrado, facilmente erodíveis, com média fertilidade e baixos teores de cálcio,
fósforo e matéria orgânica.
No fundo dos vales encontram-se áreas de boa fertilidade com
depósitos sedimentares e alto teor de matéria orgânica. A topografia apresenta-se em 10,0%
áreas planas, 30,0% ondulado e 60,0% montanhoso (EMATER-MG, 2005)
.
O município apresenta uma vegetação bastante variada, sendo predominante o
cerrado, encontrado principalmente nas vertentes e vales, entre as grotas e as chapadas,
ocorrendo também matas de galerias ao longo dos cursos d’água. Os topos das chapadas
eram recobertos por cerrado e campo-cerrado. Nas porções ao norte do município é comum
encontrar formações de matas secas, de tensão ecológica e transição para caatinga.
Encontra-se também remanescentes de Mata Atlântica, principalmente na região das
nascentes do rio Capivari a nordeste (IBGE, 1997).
Os recursos minerais principais são cianita, feldspato, calcário, grafita, ouro, granito,
cristais, gemas (turmalina, águas marinhas) e argila utilizada para fabricação de tijolos e
telhas para construção civil e para um artesanato típico de panelas, bonecas, flores e
adereços de barro, que tem conquistado importantes mercados (EMATER-MG, 2005).
A temperatura média do município é de 23,8º, variando entre 16,3° C e 29,8° C e o
índice pluviométrico médio é de 946,6 mm anuais, média dos últimos dez anos, com chuvas
concentradas no período de novembro a março, com ciclos irregulares e concentrados. O
excedente hídrico enquadra-se na faixa de 0 a 500 mm durante 1 a 4 meses, e deficiência
88
hídrica na faixa de 0 a 600 mm durante 1 a 8 meses. O clima é do tipo mesotérmico,
caracterizado como transição para o semi-árido (EMATER, 2005; IBGE, 1997).
O município apresenta uma densidade demográfica de 16,75 hab/km², o que reflete a
ocupação rarefeita, inclusive no meio rural, onde vive a maior parte da população. De acordo
o IBGE (2000) a população total do município é de 30.646, sendo 7.730 habitantes na área
urbana e 22.916 na área rural incluído os distritos e pequenos povoados. A população rural
representa 74,77% do contingente do município, como se verifica na Tabela abaixo. Essa
ocupação rarefeita, possivelmente, se deve às características socioeconômicas e naturais,
marcadas por uma ocupação histórica do espaço e pelas condições hídricas.
Tabela 3
População segundo a Situação de Domicílio de Minas Novas - 1991 e 2000
1991 2000
População Total 29.395 30.646
Pop. Urbana 6.010 7.730
Pop. Rural 23.385 22.916
Taxa de Urbanização 20,45% 25,22%
Fonte: IBGE (2000).
No período 1991-2000, a população de Minas Novas teve uma taxa média de
crescimento anual de 0,48%, passando de 29.395 em 1991 para 30.646 em 2000. A taxa de
urbanização cresceu 23,37%, passando de 20,45% em 1991 para 25,22% em 2000. Em
2000, a população do município representava 0,17% da população do Estado, e 0,02% da
população do País (FJP, 2002).
Ressalta-se que a população é, em geral, jovem, uma vez que mais de 50% da
população tem entre 0 e 19 anos e apenas cerca 11% têm mais de 50 anos. Os outros 39%
da população dividem-se de forma relativamente equilibrada nas faixas etárias entre 20 e 49
anos de idade, conforme se pode observar na tabela 4. Minas Novas destaca-se pela
população de crianças e adolescentes; a população idosa apresenta-se distribuída também
de forma equilibrada, sendo proporcionalmente maior em relação aos municípios da região,
conforme dados do Censo do IBGE e comparações realizadas na microrregião.
89
Tabela 4
Estrutura Etária da População de Minas Novas - 1991 e 2000
1991 2000
Menos de 15 anos 13.452 12.290
15 a 64 anos 14.989 17.112
65 anos e mais 954 1.244
Razão de Dependência 96,1% 79,1%
Fonte: IBGE (2000); FJP (2002).
Em relação à longevidade, mortalidade e fecundidade, o quadro abaixo apresenta
uma comparação entre os anos de 1991 e 2000; neste período, a taxa de mortalidade infantil
do município diminuiu 1,04%, passando de 38,54 (por mil nascidos vivos) em 1991 para
38,14 em 2000, e a esperança de vida ao nascer cresceu 2,16 anos, passando de 64,95
anos em 1991 para 67,11 anos em 2000.
Tabela 5
Indicadores de Longevidade, Mortalidade e Fecundidade - Minas Novas - 1991 e 2000
1991 2000
Mortalidade até 1 ano de idade (por 1000 nascidos vivos) 38,5 38,1
Esperança de vida ao nascer 65,0 67,1
Taxa de Fecundidade Total (filhos por mulher) 4,9 4,8
Fonte: IBGE (2000); FJP (2002).
Em relação à educação, o perfil sociocultural da população encontra-se
marcado pela ocorrência de analfabetismo, sobretudo entre os chefes de família, e pelo
reduzido número médio de anos de estudo, indicadores que afetam a organização social da
região, fortemente marcado pela grande riqueza e diversidade de manifestações culturais,
religiosas e pelo vigor das suas entidades e associações comunitárias.
Tabela 6
Nível Educacional da População Jovem (abaixo de 25 anos)– Minas Novas - 1991 e 2000
Taxa de
Analfabetismo
% com menos de 4
anos de estudo
% com menos de 8
anos de estudo
% freqüentando a
escola
Faixa
Etária
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
7 a 14 49,6 15,6 NA NA NA NA 66,2 95,0
10 a 14 33,4 5,5 84,5 59,8 NA NA 72,7 95,4
15 a 17 34,5 3,4 74,4 23,1 98,5 82,3 38,5 73,1
18 a 24 39,0 11,3 69,8 37,8 89,6 77,1 - -
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano (FJP, 2002).
90
Tabela 7
Nível Educacional da População Adulta (25 anos ou mais) – MINAS Novas – 1991 e 2000
1991 2000
Taxa de analfabetismo 61,1 47,8
% com menos de 4 anos de estudo 81,6 75,0
% com menos de 8 anos de estudo 93,2 89,7
% com menos de 4 anos de estudo 1,7 2,5
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano (FJP, 2002).
Os percentuais de população jovem com menos de quatro anos de estudo,
entretanto, ainda se situam em patamares elevados para os jovens entre 18 e 24 anos. O
maior contingente de alunos concentra-se no ensino fundamental, principalmente na a
séries; contando com um total de 9.837 alunos, distribuídos em uma densa rede de escolas
municipais e estaduais, de todas as séries do ensino fundamental e médio.
Se a queda na taxa de analfabetismo observada e a conseqüente melhoria nos níveis
de educação são atribuídas, em grande parte, ao aumento do número de instituições de
ensino que atendem as comunidades, pode-se atribuir este movimento às escolas da rede
pública, estadual e municipal, pois não presença do ensino particular no município. As
tabelas 6 e 7 ilustram parcialmente essas afirmações. Observa-se um alto índice de
analfabetismo na população adulta, o que requer uma atenção especial para atendimento a
este público através de programas especiais.
Em relação à renda do município, apesar da pobreza ter diminuído a situação ainda é
grave. Segundo os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 64,0% da
população possui renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo. Se, por um lado,
nota-se uma pequena retração da pobreza, em termos absolutos, por outro, percebe-se uma
crescente situação de desigualdade social.
Tabela 8
Indicadores de Pobreza, Desigualdade e Renda da População – Minas Novas - 1991 e 2000
1991 2000
Renda per capita Média (R$) 52,7 81,8
Proporção de Pobres (%) 79,5 64,0
Índice de Gini 0,53 0,55
Fonte: IBGE, 2006 www.ibge.gov.br
91
A renda per capita média do município cresceu 55,24%, passando de R$ 52,70 em
1991 para R$ 81,80 em 2000. A pobreza, medida pela proporção de pessoas com renda
domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em
agosto de 2000, diminuiu 19,51%; passando de 79,5% em 1991 para 64,0% em 2000. A
desigualdade cresceu, considerando que o Índice de Gini passou de 0,53 em 1991 para 0,55
em 2000; aumentando a concentração em 3,77% no período. Ressalta-se que o Gini mede a
concentração e varia de 0 a 1,0; quanto mais próximo de 1,0 maior a concentração.
Quanto ao acesso a bens de consumo a outros serviços básicos pela população do
município, a tabela 9 apresenta a evolução destas alterações; o que está diretamente ligada
e dependente à questão da renda e da distribuição desta ao longo da última década do
século passado.
Tabela 9
População com Acesso a Serviços Básicos e Bens de consumo - Minas Novas – 1991 e 2000 - em %
1991 2000
Água encanada 18,3 45,8
Energia elétrica 29,7 46,4
Coleta de lixo* 36,7 86,2
Geladeira 10,7 29,1
Televisão 11,7 32,5
Telefone 0,4 3,3
Computador Não Disponível 1,1
*somente os domicílios urbanos.
Fonte: IBGE (2000); Atlas do Desenvolvimento Humano (FJP, 2002).
De outro lado, os indicadores de vulnerabilidade familiar e social e o Índice de
Desenvolvimento Humano IDH apresentam alterações ao longo do período comparativo
nesta pesquisa, como se percebe na tabela 10.
Tabela 10
Indicadores de Vulnerabilidade Familiar e Índice de Desenvolvimento Humano – Minas Novas – 1991-2000
1991 2000
% de mulheres de 10 a 14 anos com filhos Não Disponível 0,3
% de mulheres de 15 a 17 anos com filhos 34,5 2,9
% de crianças em famílias com renda inferior à 1/2 salário mínimo 86,9 74,7
% de mães chefes de família, sem cônjuge, com filhos menores 8,4 11,9
Índice de Desenvolvimento Humano 0,525 0,633
Educação 0,474 0,690
Longevidade 0,666 0,702
Renda 0,435 0,508
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano (FJP, 2002).
92
Analisando o período 1991-2000, percebe-se que o IDH de Minas Novas cresceu
20,57%, passando de 0,525 em 1991 para 0,633 em 2000. O que mais contribuiu para este
crescimento foi a educação, com 66,5%, seguida pela renda, com 22,5% e pela longevidade,
com 11,1%. Neste período, a distância entre o IDH do município e o limite máximo do IDH
que é de 1,0 foi reduzido em 22,7%.
Segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -
PNUD, o município, mesmo com o IDH de 0,633, está entre as regiões consideradas de
médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). Em relação aos outros municípios do
Brasil, Minas Novas ocupa uma posição desconfortável, estando na 4053ª posição,
significando que 73,6% dos municípios brasileiros estão em situação melhor e 26,4% dos
municípios estão em situação pior ou igual. Em relação aos municípios do Estado, Minas
Novas encontra-se em situação semelhante, pois ocupa a 784ª posição, sendo que 91,8%
municípios estão em situação melhor e 8,2% dos municípios estão em situação pior ou igual.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social - MDS, em 2005,
estimavam-se em Minas Novas 2.648 famílias pobres, cujo atendimento a estas famílias foi a
inclusão aos Programas Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás,
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Agente Jovem e Benefício de Prestação
Continuada - BPC
24
. A soma destes programas beneficiou 5.027 famílias no ano de 2005,
considerando que existe uma sobreposição de famílias que se beneficiam de mais de um
programa. No entanto o número real de beneficiários no período foi de 3.712 famílias, sendo
que existiam 4.020 cadastros, um déficit de atendimento de 8,30% de famílias ainda fora dos
programas. O quadro 4 apresenta a situação dos programas de transferências de renda do
Governo Federal no ano de 2005 para o município de Minas Novas.
Quadro 4
Programas Sociais de Transferências de Renda – Minas Novas - 2005
Bolsa Família Bolsa Escola Bolsa
Alimentação
Cartão Alimentação
Famílias Total (R$) % famílias
pobres
atendidas
Famílias Total (R$) Famílias Total
(R$)
Famílias Total (R$)
2.382 171.900,00 89,94 1.216 31.350,00 1 15,00 26 1.300,00
Auxílio Gás PETI
Programa Agente Jovem
BPC
Famílias Total (R$) Famílias Total (R$) Famílias Total (R$) Famílias Total (R$)
1.402 21.030,00 200 22.500,00
50 3.250,00 329 85.859,09
Fonte: MDS, 2006. Secretaria Municipal de Assistência Social de Minas Novas. (Organizado pelo autor).
24
Programa do Governo Federal, através do MDS, que incorporou aos beneficiários do INSS cuja renda per capita familiar seja
inferior a 25% do salário mínimo ou idoso acima de 65 anos ou um deficiente físico, incapacitados para o trabalho. O Programa
dá direito a estes membros do recebimento do benefício de um salário mínimo mensal, sem direito de recebimento do 13º ou de
repasse a outro membro da família em caso de morte do titular (Secretaria Municipal de Assistência Social de Minas Novas).
93
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social de Minas Novas, é inegável a
melhoria das condições da população mais pobre, principalmente quanto à questão da
segurança alimentar, pois raramente se encontram casos de famílias passando fome. No
entanto, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, os programas sociais de
transferência de renda do Governo Federal, somados aos aproximados 5.000 aposentados
rurais, têm promovido uma crise nas relações de trabalho e ocupação, pois a mão-de-obra
para os trabalhos rurais se tornou escassa e de custo elevado, o que vem afetando
diretamente a economia em muitos estabelecimentos rurais, excluída da análise a mão-de-
obra familiar nas unidades de produção familiar camponesa.
4.2 Estrutura Agrária do Município de Minas Novas
As terras localizadas no alto das chapadas e pouco alteradas pela ação do homem
constituíam em sua maioria em terras devolutas. Muitos agricultores as utilizavam para o
recolhimento de lenha, frutos típicos do cerrado e para a criação de gado à larga (pastagem
natural). As grotas e vales formados entre as vertentes das chapadas, sempre foram
ocupados por agricultores que passaram a praticar em sua maioria, uma agricultura de
subsistência, devido principalmente a maior disponibilidade de recursos hídricos. A mata
nativa foi retirada, sem respeitar as características dessas terras planas, recortadas por
depressões e com vegetação típica de cerrado e veredas, onde se encontram as nascentes
de inúmeros cursos d’água e lagoas. Na época, não havia legislação ambiental que
regulasse a implantação dessa atividade, o que permitiu a ocorrência de muitos danos
ambientais, principalmente pelas empresas reflorestadoras. O uso da terra estava
configurado conforme o último Censo agropecuário do IBGE (1996), da forma demonstrada
na Tabela 11.
94
Tabela 11
Grandes Usos da Terra em Minas Novas - 1996
Área
total
(ha)
Lavouras
permanentes e
temporárias
Pastagens
naturais e
Artificiais
Matas naturais e
plantadas
Lavouras em
descanso e
produtivas não
utilizadas
62.414 8.745 18.838 22.114 7.930
Uso da Terra Consolidação de usos da terra
Lavouras + Pastagens 49,6%
Matas e Florestas artificiais 1,4%
Lavouras +
Pastagens + Matas e
Florestas artificiais
51,0%
Matas naturais 34,0%
Terras produtivas não
utilizadas
7,3%
Matas naturais +
Terras
inaproveitáveis
41,7%
Terras inaproveitáveis 7,7% Terras produtivas
não utilizadas
7,3%
Fonte: IBGE Censo Agropecuário, 1995-96. Banco de dados agregados – IBGE. (Organizado pelo autor).
Com a implantação do eucalipto em Minas Novas, parte dos agricultores perdeu suas
terras ou parte delas, ou viram-se forçados a vendê-las. O gado que antes era criado nas
chapadas “à larga”, passou a competir com as áreas cultivadas, ocasionando uma
diminuição da renda e conseqüentemente uma diminuição da necessidade de mão-de-obra,
gerando desocupação e desemprego, obviamente que uma parte foi empregada pelas
reflorestadoras no processo de implantação, no entanto a demanda caiu posteriormente de
maneira sensível.
Desde o século XIX o mundo vem sofrendo com o esvaziamento do campo e o
crescimento das cidades, devido ao desenvolvimento industrial, a demanda por mão-de-obra
nos centros urbanos e a mecanização do campo. No caso do Brasil, este processo foi
acentuado após a Segunda Guerra Mundial. Minas Novas viu nos problemas gerados pelo
reflorestamento, uma importante contribuição para o êxodo rural já existente, uma vez que a
perda das terras e a falta de emprego no campo fizeram com que agricultores se
deslocassem para a cidade, muitas vezes indo morar nas periferias, em busca de
alternativas de sustento, ou contribuiu para o aumento do fluxo de trabalhadores para outras
regiões do Estado em busca do trabalho sazonal.
Além dos problemas socioeconômicos gerados, a questão ambiental também se fez
sentir, uma vez que, grandes extensões do cerrado foram desmatadas, afetando a fauna e a
questão hídrica em algumas regiões do município. Atualmente o refloretamento em Minas
Novas ocupa 23.679 hectares, ou seja, aproximadamente 14% do município.
95
O uso da terra, segundo dados do IBGE mostra como se comportam os
estabelecimentos rurais quanto ao seu uso e ocupação. Considerando que 41,7% do total
dos estabelecimentos estão ocupados por matas naturais e terras inaproveitáveis, mostra a
intervenção de políticas agropecuárias na década de 1970, bem como a necessidade de
repensá-las a fim de obter um desenvolvimento territorial sustentável no sentido de promover
a articulação entre gestão ambiental e política agrária e agrícola. O manejo inadequado do
solo pela atividade agropecuária de subsistência provocou, ao longo do tempo, erosões
Laminares e voçorocas, e os “peladores”
25
, que ocupam grandes áreas no município.
Foto 2: Comunidade de Carvalhaes (região do Capivari), onde se vê, na encosta a formação de “peladores”.
Fonte: Pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Este manejo, também gera impactos decorrentes da utilização do fogo no preparo da
terra, o que ainda é comum na região, sendo uma das principais causas dos incêndios
florestais e traz prejuízos para a terra. Os efeitos para a fauna e flora também são
devastadores: o fogo mata espécimes vegetais e animais que habitam a área queimada.
Outro dano ambiental da atividade agropecuária que ocorre com freqüência decorre do
pisoteio do gado nas áreas de nascentes, o que se agrava pelo baixo percentual de
nascentes cercadas e protegidas
.
25
Os “peladores” nome local para os áreas onde o solo perde toda o revestimento de vegetação e gramíneas; são
decorrentes de excesso de uso da terra por pastagens ou atividades agrícolas por períodos prolongados,– e em
decorrência do baixo índice pluviométrico não ocorre renovação espontânea das mesmas.
96
Somam-se à degradação ambiental decorrente das principais atividades econômicas,
os impactos de outras atividades geradas pelo uso antrópico, nas áreas urbana e rural, como
o lançamento de esgoto e lixo nos cursos d’água, assim como o uso e a ocupação do solo
inadequado, gerando erosão, e assoreamento da rede fluvial. Essa situação é agravada pela
ausência de sistemas ou estações de tratamento de esgoto, na sede do município e distritos,
bem como de local adequado de disposição final de lixo nas áreas rurais. A degradação
ambiental prejudicou a quantidade e a qualidade das águas das regiões do Fanado, Capivari
e Setúbal, que já sofre um sério déficit hídrico, sendo estimados, atualmente, em torno de
dois terços dos córregos secos no período da estiagem, sendo uma das causas prováveis
atribuídas é a expansão das culturas de café e eucalipto nas nascentes e áreas de recarga.
4.2.1 Estrutura Fundiária e Produção Agrícola
A estrutura fundiária, quando observada por dados de estabelecimentos do IBGE,
mostra o maior numero de estabelecimentos entre menos de 1 ha 10 ha ocupando 20,23 ha
da terra do município, destes estabelecimentos, têm maior participação em número e área
aqueles entre 2 a 10 ha, como se pode verificar no quadro 5. O processo de fragmentação
da terra tem se acentuado, constituindo uma estrutura fundiária peculiar com grande número
de minifúndios, quando comparada aos dados de imóveis rurais do INCRA.
Quadro 5
Distribuição dos Estabelecimentos de Minas Novas em %, Nº e Área, e Uso da Terra - 2004
Estrutura Fundiária Uso da Terra por tipo de
ocupantes
Tamanho da propriedade N.º % Área % Tipo N.º %
Menos de 1 15 0,37 10 0,01 Proprietários 3.742 93,07
1 a menos de 2 há 210 5,23 267 0,29 Arrendatários 5 0,01
2 a menos de 5 há 1.361 33,84 4.796 5,27 Parceiros 53 1,31
5 a menos de 10 há 1.234 30,69 8.788 9,66 Posseiros 221 5,51
10 a menos de 20 há 721 17,93 9.726 10,69 Outros 0 0
20 a menos de 50 há 359 8,94 11.057 12,15
Total 4.021 100
50 a menos de 100 há 72 1,79 4.988 5,48
100 a menos de 200 ha 29 0,72 4.213 4,63
200 a menos de 500 ha 11 0,27 3.926 4,31
500 a menos de 1.000 ha 5 0,59 1.549 1,70
Acima de 100 ha 4 0,47 41.689 45,81
Total 4.021 100,00 91.009 100,00
Total de Estabelecimentos 4.021
Fontes: INCRA - Cadastro de Registro de Imóveis Rurais, 2004 (organizado pelo autor).
97
A agricultura familiar é predominante no município, mas caracteriza-se pelo baixo
nível tecnológico, agravado pelas duras condições climáticas. De acordo com as
observações realizadas até o momento, existem diversas possibilidades para que a
agricultura familiar possa melhorar as condições de sustentabilidade para os agricultores. Há
uma rede densa de comunidades rurais, muitas das quais organizadas, e de entidades que
vêm desenvolvendo iniciativas relevantes e têm contribuído para transformar algumas
comunidades, introduzindo novos produtos, novas tecnologias e práticas sustentáveis.
De acordo com o IBGE, os principais produtos agrícolas no município estão dispostos
na Quadro 6, sendo que os dados são referentes ao ano de 2003, merecendo destaque a
produção de café, mandioca, milho e feijão e ausência de dados sobre produção de cana-de-
açúcar.
Quadro 6
Cultivos e Produção em Minas Novas - 2004
Produtos de destaque na produção agrícola municipal (Toneladas)
Lavouras permanentes Lavouras temporárias
Café
(sacas)
Banana
Laranja Marmelo Maracujá Mandioca Milho Feijão Tomate Abacaxi
(ud.)
1.720 45 20 14 10 3.780 720 114 10 150.000
Fonte: Produção Agrícola Municipal (IBGE, 2004)
.
Quanto aos dados da agropecuária, destacam-se os rebanhos bovinos com 13.350
cabeças, suínos com 6.680 cabeças, galináceos com 91.000 cabeças e eqüinos com 1.690
cabeças. Ainda merece destaque no município a produção de leite calculada em 1.249 mil
litros e mel de abelhas em 1.100kg (IBGE, 2003). Observam-se segundos estes dados que
poucos produzem leite, e o mel é significativo como alternativa para o produtor familiar, de
outras regiões do município onde existe mais água e vegetação com flores ou próximas dos
eucaliptos. As informações da EMATER-MG extrapolam os dados do IBGE para o município,
conforme se pode verificar no abaixo.
98
Quadro 7
Cultivos Segundo a Área e a Produção em Minas Novas - 2004
Produto Área (há) Produção Produtividade
Abacaxi 6,0 120,0 t. 20.000,0 kg/ha
Alface 34,0 37,5 t. 1.103,0 kg/ha
Banana (outras) 5,0 75,0 t. 15.000,0 kg/ha
Banana nanica 3,0 60,0 t. 20.000,0 kg/ha
Banana Prata 5,0 75,0 t. 15.000,0 kg/ha
Beterraba 28,0 1.040,0 t. 37.143,0 kg/ha
Café 750,0 18.750,0 sc* 25 sc
Cana-de-açúcar 100,0 600,0 t. 6,0 kg/ha
Cenoura 23,0 705,0 t. 30.652,0 kg/ha
Feijão 1.ª safra 320,0 128,0 t. 400,0 kg/ha
Feijão 2.ª safra 100,0 60,0 t. 600,0 kg/ha
Laranja 1,0 1,5 t. 1.500,0 kg/ha
Limão 1,0 12,0 t. 12.000 kg/ha
Mandioca 300,0 3.600 t. 12,0 t/ha
Milho 400,0 400,0 t. 1.000,0 kg/ha
Quiabo 9,0 6,0 t. 667,0 kg/ha
Tangerina 0,5 7,5 t. 15.000 kg/ha
Urucum 1,0 5,0 t. 5,0 kg/ha
Fonte: Dados da Realidade Municipal de Minas Novas (EMATER-MG, 2005). * Sacas de 60 kg beneficiada
Segundo informações do Escritório Local da EMATER em Minas Novas têm sido
revistos muitos dos dados utilizados, pois, por muitos anos estes dados vêm sendo
estimados e repetidos, sem se avaliar as alterações ocorridas, inclusão de novos produtos e
análise da produtividade para algumas culturas, assim como a variação das áreas cultivadas.
Tal situação está em fase de mudança, considerando um novo sistema de gerenciamento de
informação que vem sendo implantado pela EMATER-MG.
4.3 Aspectos Socioeconómicos do Município de Minas Novas
A economia ficou, durante décadas, restrita às atividades de subsistência, com
lavouras temporárias, pecuária e artesanato de cerâmica. A partir do final da década de
1960, com a Lei Nº. 5.106/66 que criou incentivos fiscais para aplicação em projetos
florestais, o Governo do Estado incentivou empresas a plantar florestas de eucalipto nas
extensas áreas de chapadas, alterando a configuração espacial, sem modificar
significativamente as estruturas produtivas e fundiárias predominantes.
O município elaborou em 1997 um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural -
PMDRS, que se propunha, em sua primeira fase, a minimizar os problemas estruturais mais
emergentes, que a situação é tão complexa que extrapola o prazo de planejamento nele
99
previsto. Este documento foi uma tentativa de um desenvolvimento sustentável e previa
ações integradas nas áreas de agricultura, geração de renda (implantação de culturas
perenes, pequenas barragens, pequenas agroindústrias coletivas), educação (agricultura e
meio ambiente no currículo escolar rural), saúde (sistema de agentes comunitários de
saúde), infra-estrutura (abastecimento de água e eletrificação rural) e
operacional/organizacional (assistência técnica, crédito rural, capacitação e pesquisa).
O município conta com 76 escolas de ensino fundamental, 5 escolas de ensino médio
e 9 instituições de pré-escola. A cidade não possui instituições de ensino superior regular,
mas programas de formação superior da extensão da Universidade Estadual de Minas
Gerais – UEMG
26
e uma instituição de ensino à distância; sendo que as instituições regulares
mais próximas estão em Diamantina e Teófilo Otoni. A taxa de alfabetização fica em torno de
72,0% da população, o que corresponde a 22.065 habitantes (IBGE, 2004).
Quanto ao saneamento básico, apenas 11,58% dos domicílios possuem rede de
esgoto, 46,48% possuem fossa séptica e a 41,94% não possuem instalações sanitárias. Em
relação ao lixo, apenas 24,68% são coletados pelo serviço de limpeza urbana, 75,32% é
queimado ou depositado em lotes vagos (CPRM, 2005 apud Lima, 2006:23), situação mais
grave é identificada nos povoados e comunidades rurais.
O PIB do município situa-se em torno de
R$
61.179.690,00, sendo o setor de
serviços o que possui maior participação, seguidos pelo setor de agropecuária e indústria
(IBGE, 2003). De acordo com o Documento Realidade Municipal da EMATER-MG (2005), a
população economicamente ativa é de 9.244; sendo 8.673 na agropecuária, 232 na indústria,
237 no comércio, 60 nos transportes e 42 em outros (EMATER, 2005), no entanto a
população rural flutuante para as regiões canavieiras e construção civil de grandes centros,
no trabalho sazonal, parece não incluir esta estatística.
Algumas iniciativas têm contribuído com a introdução de novas culturas e produtos,
com maior densidade de renda, principalmente a apicultura, fruticultura e olericultura, o que
tem promovido pequenas mudanças, elevando a renda familiar e, conseqüentemente, a
qualidade de vida dos grupos de produtores beneficiados. Com características qualificadas e
uso adequado do crédito rural, principalmente o PRONAF, vem sendo utilizada no sentido de
melhorar as condições das famílias rurais.
26
A UEMG é uma Universidade multi campi que só atua como universidade pública em Belo Horizonte. Na região tem como
agregada a Fundação Educacional do Vale do Jequitinhonha – FEVALE (Faculdades de Filosofia e Letras de Diamantina).
100
4.4 Pessoas, Lugares e Processos: Espaço Vivido e o Lócus da Pesquisa
Para compreender a agricultura familiar da área de estudo, além das abordagens
apresentadas, faz-se necessário a compreensão de todo o processo contemporâneo, a partir
da década de 1970, com a introdução das monoculturas do eucalipto e do café, o que
configurou sobremaneira os demais processos que tiveram a agricultura familiar o
fundamento. O nível de intervenção destas culturas ocorreu de maneira diferente no
município, em função das características e configurações apresentadas por cada região,
alterando o “modus vivendi” e o “modus operandi” dos agricultores camponeses familiares.
Neste sentido, procurou-se a ligação da localização da amostragem e das
comunidades com a área física, onde se encontram as três regiões do município, cada uma
apresentando um conjunto de peculiaridades, as quais se caracterizam: a região do Fanado,
de maneira geral, é caracterizada por vegetação de campo, campo cerrado, de tensão
ecológica e de transição para semi-árido, caracterizada por cursos de água intermitente; a
região do Médio Capivari e Setúbal caracterizam-se por vegetação de cerrado com cursos
de água semi-perenes. A região das nascentes do Capivari caracteriza-se por vegetação de
cerrado e resquícios de remanescente da mata atlântica e com cursos de água perenes.
A região do Fanado estudada engloba os córregos Batieiro, Maurício, Lagoinha,
Bemposta, Cachoeira da Lagoa, cachoeira do Fanado, Cupins, Areão, Córrego da Helena,
Brejo, Taquaral, Córrego dos Coqueiros, Palmeiras, Inácio Félix, Manoel Luiz, Mumbuca,
Fanha, Buriti, Bentinho, Bonsucesso, Magalhães, Mata Dois, Macuco, Pinheiro e Curralinho.
Esta região está assentada sobre cinco unidades geológicas, sendo Unidade MS,
também é constituída de rochas antigas do embasamento cristalino, da era proterozóica,
pertencentes ao super grupo São Francisco - Grupo Macaúbas - Formação Salinas. Esta
unidade abrange praticamente toda a região, constituindo-se no seu substrato de base em
que sobressaem as rochas, mica xistos, grafita xistos, quartzitos impuros, cálcio-cilicáticos.
As unidades correspondentes aos terrenos mais recentes da região do rio Fanado,
pertencentes a era cenozóica, período terciário e quaternário, recobrindo os terrenos do
embasamento cristalino das unidades anteriores. A quarta unidade SD é constituída de
terrenos da Formação São Domingos, composta de sedimentos silto-argilo-arenosos com
101
níveis conglomeráticos, correspondendo às superfícies de aplainamento, às chapadas
27
localizadas na microbacia do Buriti e Bom Sucesso, e nos divisores de regiões situados a
leste e a oeste, no limite do médio curso do rio Fanado. A quinta unidade geológica TQ
compõe-se de coberturas detrítico-lateríticas, detríticas e aluvionares que caracterizam as
chapadas disseminadas por todo o setor sul e sudoeste do município (PROCITTÁ, 2005).
Percebe-se que as chapadas foram dissecadas ao longo do tempo, fazendo com que
aflorassem entre elas o embasamento cristalino sobre a qual elas se formaram. A ocorrência
de concreções ferruginosas fez com que ocorressem crostas lateríticas, contribuindo para a
manutenção da topografia plana das chapadas. O relevo da região é acidentado em todo o
setor sul, com altitudes em torno de 1.200 m; as chapadas estão em altitudes em torno de
860 m a 950 m e ao longo da calha central dos rios, principalmente do Fanado, as altitudes
vão diminuindo até atingir em torno de 350 m (EMATER, 2005).
O clima é tropical, com duas estações definidas, chuvosa e seca, com média
pluviométrica anual de 1.172 mm nas áreas do Capivari (nascentes) e médias de 946,6 mm
nas demais áreas do município e 800 mm na área do baixo Fanado e Capivari, divisa com
Chapada do Norte, de acordo com a Agência de Desenvolvimento do Nordeste ADENE
caracteriza o clima semi-árido (EMATER, 2005).
Os solos encontrados na região do Fanado são predominantemente latossolos
vermelho-amarelo que se estende por toda área correspondente aos terrenos antigos da
Formação Salinas, sendo solos de fertilidade moderada, que sofrem com a retirada da
cobertura vegetal, e as restrições hídricas que ocorrem na região; e, o Latossolo vermelho
escuro, encontrado em áreas de chapadas, sobretudo, nas micro-bacias Buriti e Bom
Sucesso, sendo solos que possuem textura argilosa ou arenosa, de menor fertilidade, onde,
desenvolveram-se as extensas faixas de monocultura de eucalipto (PROCITTÁ, 2005).
A vegetação da região do Fanado está enquadrada em quatro grupos de fisionomia:
floresta estacional semidecidual, áreas de tensão ecológica, cerrado e veredas. As áreas de
tensão ecológica
28
correspondem à vegetação predominante na região e aparece em toda a
sua área central, notadamente no médio e baixo curso do rio Fanado. O cerrado aparece nas
27
As chapadas são extensos planaltos, geralmente cobertas por vegetação de cerrado, com terrenos de escassa fertilidade. As
grotas são as vertentes das chapadas, cujo fundo correm as águas de córregos e rios: a fertilidade da terra tende a ser
crescente quanto mais próxima do fundo dos vales, que quase sempre, também, são cobertas por vegetação de porte elevado,
bosques, que os moradores chamam de “capões”. Estes geralmente indicam terras muito boas para lavouras, e são preferidos
para serem derrubados com o propósito de “ botar roçados” (Pereira, 1969; Ribeiro e Galizoni, 2000).
28
As Áreas de Tensão Ecológica são áreas onde a vegetação de duas ou mais regiões fito ecológicas se misturam ou se
interpenetram. No Fanado, o contato se dá entre a vegetação de Cerrado e da Floresta Estacional.
102
áreas de chapadas disseminadas pela região, onde a fertilidade dos solos e a quantidade de
chuvas mostram-se menores. Nessa região, a vegetação nativa adaptou-se às condições
adversas, apresentando várias fisionomias de cerrado, campo limpo, campo sujo e cerrado
strictu sensu. Nas chapadas dos córregos Buritis e Bom Sucesso, aparecem “veredas”, com
um tipo de vegetação que ocorre em áreas de nascentes, tendo como destaque a presença
de solos hidromórficos e de turfa e da presença marcante da palmeira buriti nas partes mais
alagadas, além de uma densa vegetação herbácea e estratos arbustivos e subarbustivos.
Atualmente grande parte dessa região está ocupada pelo reflorestamento de eucalipto
(PROCITTÁ, 2005).
A região do Capivari apresenta diferenças marcantes quanto aos aspectos físicos,
socioeconômicos e de perfil de agricultor. Na região das nascentes, os agricultores familiares
têm na cafeicultura a principal atividade econômica, seja como mão-de-obra de grandes
fazendas, seja como cultivador de pequenas áreas, parcialmente integrados ao mercado de
café. Enquanto no Médio Capivari, a atividade principal é a produção de leite, onde muitos
agricultores estão inserindo-se gradualmente ao mercado, sem no entanto abandonar a
policultura. Na área do Baixo Capivari as condições se assemelham às do Fanado.
A região das nascentes do Capivari engloba os córregos Alagadiços, Jacu, Quilombo,
Rafael, Sumidouro, Sussuarana, Tiririca e Varão, que ao se encontrarem dão origem ao rio
Capivari. Esta porção está localizada nos terrenos antigos da era proterozóica, constituídos
das rochas gnaisses e anatexistos, que apresenta um relevo mais acidentado, onde estão as
maiores altitudes do município. O clima nessa região é mais ameno, com temperaturas mais
baixas. A vegetação predominante nesta região é o cerrado, com faixas de floresta
estacional semidecidual, com remanescentes da mata atlântica. Os solos são do grupo-
latossolo vermelho-amarelo.
O uso do solo na região é diversificado, estando situada nela as grandes fazendas de
café do município e a única Área de Proteção Ambiental - APA homologada do município;
além de variadas atividades agrícolas. As culturas de subsistência e a criação de gado estão
espalhadas pelas unidades de produção familiares; a cultura mais importante nessa região é
o café, que ocupa tanto grandes como pequenas áreas, já que a maioria dos agricultores
familiares possui alguns pés de café.
O eucalipto está cada vez mais presente, seja nas fazendas como nas unidades
familiares. A EMATER-MG, o Instituto Estadual de Florestas - IEF e o CODEMA têm atuado
para evitar danos ambientais nas áreas que devem ser preservadas, no entanto, esta ação
103
não tem sido suficiente para evitar que inúmeros abusos ambientais sejam cometidos. Nesta
porção da região encontra-se com abundância a espécie palmácea conhecida como “Catulé”
que produz um palmito de excelente qualidade.
Todas as comunidades desta região dependem intensamente dos serviços de saúde
e educação da sede do município, pois a maioria não dispõe desse tipo de serviço; a
população depende da cidade para qualquer serviço mais especializado, tanto do comércio,
quanto serviços de saúde e educação e atendimento de órgãos públicos estaduais e
federais. No entanto, considerando a proximidade com a cidade de Capelinha, o fluxo dessa
região para esta cidade se dá com maior intensidade que para a sede de Minas Novas.
Os principais problemas ambientais encontrados nesta região referem-se ao
desmatamento para produção de carvão com mata nativa, queimadas, uso de produtos
químicos na produção agrícola e florestal, insuficiência de fiscalização pelos órgãos
ambientais, a falta de local adequado para a destinação final do lixo. Além desses
problemas, ocorre também o barramento de córregos para irrigação de café, provocando a
diminuição da vazão à jusante; a construção de estradas vicinais, sem os devidos cuidados,
verificando-se que muitas vezes são destruídas no período das chuvas, provocando o
assoreamento dos córregos.
Outro problema ambiental que afeta a região é o uso de agrotóxicos nas plantações
de café, que apesar de ter diminuído com a legislação ambiental, ainda ocorre. Muitos
agricultores desconsideram os efeitos negativos advindos desse uso, o que sugere a
necessidade de novas ações orientadas para educação ambiental dos agricultores e
fazendas da região. Outro agravante é que a cultura de café vem sendo substituída pelo
eucalipto pelas grandes fazendas e por um número crescente de agricultores familiares, uma
séria ameaça a um ambiente que a experiência recente demonstrou ser frágil. Constitui
ainda como um sério problema ambiental, o grande número de nascentes não preservadas,
na única e última fronteira da água de Minas Novas.
a área do Médio Capivari abrange uma densa rede hidrográfica constituída pelos
córregos Carvalhaes, Contendas, Jacu, Ribeirão dos Santos, Chambá, Aguinhas, Ticororó,
Santana, Araújo, Tapera, Galinheiro, tamanduá, Ribeirão do Meio, Vargem Grande e
Bemposta do Imbiruçú.
Esta região está localizada nos terrenos antigos do proterozóico da formação salinas,
constituída na porção sul de gnaisses e anatexistos que originaram um relevo mais
acidentado, com solos latossolos vermelho-amarelos de maior fertilidade. Na porção norte,
104
os terrenos pertencem a duas unidades geológicas: nas áreas de menor altitude
predominam as rochas antigas do proterozóico, formação Salinas, mas constituída de rochas
mais diversificadas como mica, xistos, quartzitos impuros, cálcio- silicáticas. as chapadas
são constituídas de terrenos mais recentes da era cenozóica, com coberturas detrítico-
lateríticas e aluvionares em superfície de aplainamento, estando presentes nos alto curso
dos córregos. Os solos são o latossolo vermelho-amarelo e a vegetação revela áreas de
tensão ecológica do cerrado e mata atlântica (PMMN, 2006:85).
O uso e a ocupação do solo nesta região mostram-se diversificados, pois além da
policultura é nesta região que se situa a principal área leiteira do município de Minas Novas,
polarizada pela região de Paudolinho. A bovinocultura mista (leite e carne) e policultura estão
disseminadas por toda a área, com o cultivo das chamadas ”lavouras brancas”: feijão,
mandioca e milho. Além desses produtos merece destaque o cultivo de cana-de-açúcar,
verduras e frutas, que são vendidas na feira de Minas Novas, que acontecem todas as
sextas feiras e sábados e para a feira do município de Capelinha.
Neste trecho a vegetação ciliar é rala ou inexistente, pelo desmatamento da faixa de
preservação. Estima-se que mais de 50% das nascentes não estão preservadas, sem
cercamento ou nenhum outro tipo de proteção, e estão sujeitas ao pisoteio de animais. Além
das nascentes, os cursos d’água estão em grande número sem matas ciliares, mesmo na
faixa de preservação permanente, devido aos desmatamentos constantes e às insuficiências
da fiscalização dos órgãos ambientais competentes que atuam no município.
A região do Setúbal engloba uma rede hidrográfica constituída principalmente pelo
Ribeirão da Folha e Ribeirão Tibuna e os córregos Campos, Cedro, Emparedado, Estiva,
Mangabeira, Mata Pequena, Mato Grande, Pedra Preta, Rubim, Sutera, Indaiá, Córrego do
Ouro, Palmital, Córrego Seco e Urubu.
Esta região, assim como a das nascentes, assentada em terrenos do proterozóico,
com rochas de gnaisses e anatexistos, na porção norte. No entanto, na porção sul, as rochas
possuem uma composição diferenciada com mica xistos, grafita, quartzitos impuros, e cálcio-
silicáticas. O relevo é acidentado nas bordas, onde estão as nascentes dos córregos deste
trecho e apresentam altitudes mais baixas nos fundos de vale. Em quase toda extensão da
região, a vegetação é de transição, com faixas de tensão ecológica com o predomínio de
espécies de cerrado, com exceção do alto curso, onde a predominância das espécies de
mata atlântica, com a fisionomia vegetal de floresta estacional semidecidual. O uso do solo
105
nesta região é diversificado, com lavouras temporárias de feijão, milho e mandioca; criação
de gado; plantação de eucalipto, além do café cultivado na parte alta (PMMN, 2006:87).
Apesar do grande número de comunidades e do intenso uso do solo e da diversidade
de atividades que acontecem na região, as condições de acessibilidade são precárias,
principalmente no período de chuvas, quando as estradas vicinais ficam intransitáveis. Como
principal problema ambiental da região figura-se o desmatamento, com a retirada da mata
ciliar, visando a expansão das áreas de culturas e pastagens, que ocupam, com freqüência,
a faixa de preservação permanente ao longo dos cursos d’água; a falta de proteção nas
nascentes e a falta de fiscalização ambiental.
O conhecimento das peculiaridades e distinções destas regiões se torna de grande
valor para a pesquisa. Não se tratando de determinismos, o que se observou é que o perfil
das famílias dos agricultores destas regiões é influenciado pelas condições destes
ambientes. As condições naturais favoráveis permitem melhores explorações econômicas,
sendo configurada de tal maneira, que a região de origem da família define a modalidade de
enquadramento no critério de renda utilizado para acesso às linhas de crédito do PRONAF.
4.5 Patrimônio Cultural Urbano
Em relação aos aspectos históricos, do patrimônio e culturais, Minas Novas do teve a
sua origem no período colonial, no inicio do século XVIII; diferentemente de outras cidades
do mesmo período, como Diamantina, Serro, Ouro Preto sofreu uma intensa degradação do
seu acervo arquitetônico, seja por falta de uma legislação de proteção, pela falta de interesse
do poder público e também pela cultura “moderna” de abandono ao velho. Ainda se verificam
casas e construções do século XVIII e XIX, contudo, estas se encontram em sua maioria, de
forma dispersa, sendo poucas que mantêm sua fachada com traços originais. Alguns
casarões e igrejas se encontram em total abandono, inclusive as tombadas pelos Institutos
de Patrimônio Histórico do Estado e da União. Da mesma forma, quanto ao calçamento,
verifica-se alterações, sendo poucos os calçamento de “lapa” ou “capistranas”
29
,
remanescestes do período colonial, em decorrência das alterações arquitetônicas e
urbanísticas que a nova configuração urbana vem assumindo, com novas construções e o
aumento do fluxo de veículos.
29
Denominação dada aos tradicionais pavimentos das ruas de cidades coloniais, que eram calçadas com grandes
lajes e “lapas” de pedra.
106
Outro risco que se percebe é que em alguns casos o poder público tem tentado
disciplinar novas construções na parte velha e histórica da cidade, contudo, tem ocorrido
uma explosão de “falso histórico”, onde se verifica casos de tentativas de manutenção das
fachadas nos traços originais, mas acabam por adicionarem elementos que anteriormente
não faziam parte do padrão arquitetônico que se pretende preservar.
Mesmo diante de um quadro desfavorável para a preservação do patrimônio histórico,
Minas Novas ainda conta com igrejas e casarões típicos, tais como a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário, da segunda metade do Séc. XVIII, a Igreja São Gonçalo Séc. XVIII, a
Igreja São Francisco Séc. XVIII, e a Capela de São Pedro do Fanado, o padroeiro da cidade,
todas do século XVIII. Entre as antigas igrejas do município, a Igreja de São José, construída
na segunda metade do século XVIII, merece destaque devido a sua singularidade
arquitetônica, sendo a única de traçado octogonal do Brasil e atualmente no mundo e que foi
tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em 27 de julho
de 1967, e, trata-se da mesma planta de uma Igreja templária do mesmo estilo que existiu
em Lion, na França.
Outra construção que se destaca na paisagem da cidade é o “Casarão” ou
“Sobradão”, edifício barroco de quatro andares, com oito portas e cinqüenta e seis janelas.
Construído em 1821, é um exemplo da arquitetura colonial de Minas Gerais, sendo
considerado um dos primeiros “arranha-céus” do Brasil, possuindo quatro andares em estilo
barroco, tendo toda a sua estrutura constituída de madeiras, taipas e paredes de adobe.
Atualmente abriga a Casa da Cultura” e o “Museu do instituto Municipal do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Novas”, tendo também sido tombado pelo Instituto Nacional do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em 25 de setembro de 1959 (PMMN,
2006:11). Observa-se que grande parte do patrimônio remanescente da cidade encontra-se
em péssimo estado de conservação, como é o caso do “Solar da Tia Auta” e o “Sobrado de
Seu Dário”, da Rua São José, quase em ruínas e ameaçado a cair a qualquer momento.
A atividade do artesanato, principalmente em cerâmica, é uma das marcas do Vale
do Jequitinhonha, sendo suas peças muito famosas no Brasil e também no exterior. O
artesanato constitui uma importante fonte de renda para inúmeras famílias de agricultores
camponeses de Minas Novas. A EMATER-MG, o Banco do Brasil e o SEBRAE oferecem
apoio aos artesãos organizados em associações de artesanato em cerâmica, madeira, couro
e palha de milho nas comunidades de Coqueiro Campo, Cachoeira do Fanado, Forquilha,
Pinheiro e Gravatá, com o intuito de transformar a arte em geração de renda. Existem três
associações de artesãos que têm promovido grandes alterações na vida social e econômica
107
de muitas famílias de agricultores, descobrindo um caminho novo para a pluriatividade e
multifuncionalidade da agricultura familiar.
O município de Minas Novas também se destaca pela existência de diversos grupos
folclóricos, como o Grupo de Marujada de Santo Antônio da Bemposta, mais conhecido
como Banda de Taquara, Congado de São Benedito e Santa Efigênia e o Grupo de Folia dos
Reis do Morro Branco. No entanto, as manifestações de maior expressão de religiosidade e
folclore do município são: Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas
Novas, que acontece desde o século XVIII, nos dias 23, 24 e 25 de junho e festa do Divino
Espírito Santo que acontece no mês de junho. Outras festas religiosas importantes ainda
podem ser mencionadas, como: Festa de São Pedro Padroeiro em 29 de junho, a festa de
São Benedito, a festa de Nossa Senhora da Gruta e a Semana Santa, onde é apresentada
toda a tradição cristã em procissões e vigílias, além de cortejos com pompa do século XVIII.
Ressalta também a existência de inúmeras peças sacras em ouro e prataria, vestimentas e
alfaias, utilizadas durante as comemorações religiosas.
Os bens materiais, do acervo remanescente e os bens imateriais, representados pela
cultura e as diversas formas de manifestações folclóricas, religiosas e culturais, associadas
aos lugares em potenciais, podem servir de base para um projeto de desenvolvimento do
turismo no município, evoluindo para um tipo de turismo rural solidário, com o
aproveitamento de unidades de produção familiar com condições de receberem visitantes e
tornando uma renda alternativa para os agricultores familiares. De acordo com TUBALDINI,
“nos momentos em que a agricultura como atividade econômica entra em
declínio, os movimentos ambientalistas evoluem no sentido de procurar a
natureza, o emprego diminui face à utilização de novas tecnologias, a
população jovem não encontra motivação para se fixar em ambientes rurais, o
turismo aparece como uma atividade multifuncional no espaço rural
(TUBALDINI, 2006:70).
108
CAPÍTULO 5 – POLÍTICAS PÚBLICAS E PRONAF: HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO
O debate dobre o desenvolvimento rural no Brasil, enquanto política pública está
associado ao papel exercido pela agricultura familiar, em especial sua inserção
socioeconômica. Pode-se afirmar que existem diferentes enfoques a respeito da produção
familiar, destacando-se um recente que se originou dos estudos da FAO/INCRA da década
de 1990, que buscava inserir a agricultura familiar no mundo agrícola no contexto da reforma
agrária e dando destaque à agricultura como indutora do desenvolvimento no espaço rural.
A preocupação com o desenvolvimento rural ganhou destaque, especialmente a partir
da década de 1990 no meio acadêmico, na sociedade civil e no estado. Este seria, nos
últimos 50 anos, o segundo momento em que a noção de desenvolvimento rural ganha
singularidade histórica. “O primeiro teria sido após a Segunda Guerra Mundial, sob o ímpeto
da modernidade da agricultura como caminho natural da melhoria das condições de vida da
população rural” (NAVARRO, 2002:4). De acordo com Silva,
“define-se o novo rural como constituído de: “uma agropecuária moderna,
baseada em commodities e ligada às agroindústrias; atividades de
subsistência, que giram em torno da agricultura rudimentar e de criação de
pequenos animais, e que é parte excluída do “agribusiness”; atividades não-
agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de
prestação de serviços; e novas atividades agropecuárias, localizadas em
nichos específicos do mercado” (SILVA, 1997:11).
De acordo com SILVA (1997:12), uma avaliação dos quatro subconjuntos evidencia
que diversos fenômenos que acontecem no meio rural passam a ser identificadas como o
“novo rural”. A agricultura moderna integrada ao agronegócio emergiu já na década de 1970.
As atividades de subsistência estavam presentes nos limites da fazenda, identificada como
complexo rural ainda no período da economia agro-exportadora do final do século XIX e
início do século XX. As novas atividades agropecuárias podem ser vistas como um processo
de reconversão, visando atender novas demandas dos consumidores urbanos.
109
5.1 Modernização Conservadora e Antecedentes Históricos ao Pronaf
Na última década do século XX intensificaram-se os debates sobre o
desenvolvimento rural no Brasil. Por influência de organismos internacionais e organizações
não governamentais passou-se a difundir experiências que se concentravam na busca de
soluções a partir da comunidade, significando, inclusive, menor custo social e maior
envolvimento dos produtores. O modelo de “participação e parceria” passou a ser
incorporados e sugeridos às políticas públicas dos países em desenvolvimento como uma
das possíveis alternativas de solução para os problemas sociais. Também, questões
relativas à tomada de consciência ambiental, passaram a ocupar um lugar de destaque.
O longo período de crises que caracterizou a década de 1980 tornou imperativo o
processo de avaliação e transformação das políticas públicas relacionadas ao meio rural,
buscando principalmente recuperar os principais instrumentos de desenvolvimento rural.
Uma das conseqüências deste processo é a tendência à mudança do núcleo das atividades
para a esfera local e o fortalecimento de iniciativas locais, que favorecem o surgimento e
recriação de novas formas de interação e troca entre os diferentes segmentos espaciais e
setores de atividade. O processo concentrado e excludente de desenvolvimento da
agricultura gerou um padrão de organização política dos grandes empreendimentos
agroindustriais que passaram a influenciar sobremaneira a agenda estatal e os serviços
públicos do setor (RICCI 2004:48).
Os setores ou complexos eram consideradas como arenas de decisão” capitalista
nas quais eram “geradas” as políticas públicas. Essa abordagem permite chamar atenção
para o fato de que a grande maioria destes setores não está regulada apenas por
mecanismos de preços e trocas; ao contrário, verifica-se a existência de múltiplos
mecanismos de acordos” ou arranjos entre interesses privados e o Estado, com o propósito
de regular transações e trocas. Entre esses mecanismos destacam-se as associações de
representação de interesses, que, mediante a autonomia e autoridade dada pelos governos,
alcançaram funções de política pública, passando a participar diretamente da administração
das políticas, constituindo-se em governo de interesses privados, um tipo de governança
setorial privada sancionada e reconhecida publicamente.
“O padrão de agroindustrialização vigente foi denominado de modernização
conservadora em virtude do processo altamente excludente do ponto de vista social e
depredador da natureza” (RICCI 2004:48). O primeiro aspecto excludente e seletivo do
processo de agroindustrialização brasileira vincula-se ao papel predominante das grandes
110
empresas na apropriação da terra. As propriedades com área superior a 10 mil hectares
concentravam-se nas mãos de grandes empreendimentos, como foi o caso do Vale do
Jequitinhonha e Minas Novas-MG, na década de 1970, com a expansão do reflorestamento
de eucalipto. O segundo aspecto seletivo é a concentração dos insumos modernos em
poucos estabelecimentos agrícolas. Para se ter uma idéia, na primeira metade da década de
1980, dois terços das unidades produtivas brasileiras não utilizavam nenhum tipo de
adubação. (RICCI, 2004:49).
Ainda, segundo Ricci, entre 1972 e 1978, o índice GINI
30
cresceu de 0,837 para
0,849. Em 1970 os menores estabelecimentos rurais ocupavam 3% da área recenseada; em
1980 a área que ocupavam caiu para 2,4%. Em contrapartida, a área ocupada pelos 5%
maiores estabelecimentos subiram, no mesmo período, de 67,0% para 69,7%; Ressalta-se
que cerca de 28 milhões de brasileiros deixaram o campo entre 1960 e 1980, período da
modernização conservadora da agricultura brasileira; Indicativos apontam que os fatores
principais do êxodo foram: aumento do valor da terra (em virtude da especulação imobiliária),
aumento do padrão tecnológico e competitividade intra-setorial, escassa oferta de
financiamento para investimento para os segmentos mais pobres do meio rural, diminuição
da ocupação rural, em virtude da mecanização agrícola. A piora nas condições de trabalho
dos empregados rurais: em 1980, 31% do total de pessoas ocupadas na agricultura tinham
jornada de trabalho de 49 horas por semana, o que não significou ganhar mais; e, a renda
anual se concentrou entre 1970 e 1980, os 10% mais ricos no meio rural aumentaram sua
participação total da renda de 34,7% para 47,7% (RICCI, 2004:49).
Muitas estratégias governamentais, nos âmbitos estadual e municipal, e como
resultado da pressão da sociedade organizada, passou a incluir formas de controle social e
de participação dos atores sociais no processo de definição das atividades produtivas, tanto
no meio urbano como rural. É neste contexto de mudanças e debates sobre o
desenvolvimento rural, que se insere a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF, em 1995, um dos eixos principais deste estudo.
O Documento Referencial do PRONAF (1996) afirma que a agricultura brasileira tem
desempenhado papéis tradicionais e, num novo contexto de desenvolvimento sustentável,
ela deve desempenhar novos papéis. Sugere como novos papéis a geração de renda de
forma desconcentrada, a segurança alimentar, o uso de fatores de produção sem
degradação ambiental (BRASIL, 1996:6).
30
O índice GINI, mede o grau de concentração fundiária e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior a concentração
111
Para o MDA, vários fatores afetaram o desempenho da agricultura familiar, sendo que
três merecem atenção especial: as políticas públicas, até então não tinham alcançado a
maior parcela da agricultura familiar, eram conduzidas de forma centralizada e não
consideravam as diferentes realidades culturais, agro-ecológicas e sócio-espaciais; a terra
utilizada pelos agricultores familiares, em geral é insuficiente e situa-se em áreas marginais
para a produção. Em muitos casos, os agricultores não detêm o título-domínio; a significativa
parcela dos agricultores encontra-se isolada e pulverizada no meio rural, o que dificulta sua
organização e a sua interação social; e, os agricultores familiares não têm tido acesso à
educação formal, o que impede que compreenda a razão de muitos de seus problemas e
limita a sua participação nos processos de busca de soluções (BRASIL, 1996:7-8).
5.2 O Pronaf como Estratégia de Desenvolvimento Rural
A partir da Constituição de 1988, conhecida como Constituição cidadã”, as
reivindicações por políticas específicas para a agricultura familiar ganharam evidência,
quando o movimento sindical elaborou uma proposta de Lei Agrícola que incluía uma política
de crédito voltada para a agricultura familiar. A proposta contemplava não apenas taxas de
juros ou preços diferenciados, mas, sobretudo, a garantia de que os agricultores familiares
pudessem ter acesso ao sistema bancário, e que encontrassem meios para afirmar sua
capacidade produtiva. A Constituição criou Fundos Constitucionais que viriam a aportar
financeiramente o PRONAF e outras políticas públicas direcionadas à agricultura familiar.
Em 1993, movimentos sociais liderados pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
31
apresentaram ao governo uma proposta de
projeto de crédito subsidiado para os agricultores familiares, onde destacava a necessidade
de um programa que contemplasse a diversidade existente no interior deste segmento
32
.
Em 1994 o Governo Federal, criou o Programa de Valorização da Pequena Produção
Rural PROVAP, que consistia em uma linha de crédito cujos critérios de acesso eram
restritos aos agricultores familiares, os quais eram classificados a partir do tamanho do
estabelecimento e da mão-de-obra utilizada na produção. “O PROVAP teve alcance
reduzido, principalmente devido às exigências rigorosas impostas pelas instituições
31
A CONTAG organiza anualmente o Grito da Terra Brasil, uma manifestação anual que culmina com negociações de
propostas de políticas públicas junto aos governos federais, estaduais e municipais. Este evento pautava-se como uma
prioridade para o Governo Federal uma “política diferenciada para a agricultura familiar” (MOREIRA, 2003:58).
32
O agricultor familiar até então era considerado “mini-produtor” para efeito de enquadramento no manual de Crédito Rural.
Com isto, além de disputar o crédito com os demais produtores, o agricultor familiar era obrigado a seguir as mesmas rotinas
bancárias para obter um empréstimo que tinha o perfil voltado para o grande produtor.
112
financeiras sobre o público alvo” (CHÉVES, 2002:53). No mesmo ano, um estudo realizado
pelo Projeto de Cooperação Técnica FAO/ INCRA, propôs vários instrumentos de políticas
para a agricultura familiar, servindo de base para a elaboração do PRONAF em 1995, criado
como uma linha de crédito de custeio que destinava recursos para serem aplicados na
produção agrícola explorada em regime familiar.
As regras de financiamento foram estabelecidas em 24 de agosto de 1995, pela
Resolução nº. 22.191 do Conselho Monetário Nacional e, posteriormente, através do Decreto
Presidencial Nº. 946, de 28/06/96, criaram o PRONAF, com recursos do Fundo de Amparo
ao Trabalhador - FAT, dos Fundos Constitucionais de Desenvolvimento das Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste e das exigibilidades bancárias (MDA/SAF/2000).
O PRONAF apoiava-se em três aspectos que exprimiam as mudanças que vinham
provocando as políticas públicas no país. Primeiro ele correspondia a um novo estilo e a
novos objetivos da própria política agrícola. Segundo, os novos objetivos podiam ser
levados à frente a partir de organizações capazes de estabelecer um processo de
mobilização local e de colaboração com os poderes públicos. E o terceiro aspecto em que se
apoia o PRONAF era a mudança na própria visão que se tinha dos agricultores que ele se
propunha beneficiarem. O programa rezava que não era destinado a “pequenos produtores”
com expressão econômica praticamente nula, mas a agricultores familiares que têm, ou
podem vir a ter, participação nos mercados dinâmicos e nas oportunidades de geração de
renda (MA/SDR, 1998).
Tratava-se, de uma tentativa em contrapor-se à visão que foi predominante na
história brasileira recente, que considerava que as populações dispersas e as localidades de
pequena concentração populacional estavam condenadas à desertificação social, econômica
e cultural, enxergando, ao mesmo tempo, a unidade familiar como declinante
economicamente. Com base neste raciocínio, este segmento deveria ser objeto de
assistência e proteção e não teria condições nem potencialidades para constituir a base de
sustentação de um amplo projeto de desenvolvimento. O pressuposto básico do PRONAF,
pelo contrário, é o de que existia um potencial de geração de renda, no meio rural e nos
pequenos municípios, que não tinha “sido suficientemente valorizado” (CHÉVES, 2002).
Na concepção do Governo, para que isto acontecesse seria necessário criar um
ambiente institucional favorável à participação daqueles que sempre estiveram excluídos. As
perspectivas de sucesso para uma política agrícola descentralizada seriam tanto maiores
quanto mais forte fosse a agricultura familiar e a participação dos agricultores familiares em
seu planejamento e sua execução. Não se tratava apenas de transferir responsabilidades
113
entre esferas administrativas, mas de criar mecanismos institucionais efetivos e
transparentes que estimulassem os cidadãos em seus locais de moradia e trabalho, a
formularem projetos com repercussão imediata na própria organização de suas atividades
econômicas (MA/SDR, 1998). De acordo com informações do Conselho Estadual de
Desenvolvimento Rural CEDRS, na primeira fase de execução, os resultados alcançados
pelo PRONAF foram tímidos, com baixa aplicação, poucos produtores atendidos; devido aos
requisitos para o acesso aos créditos, ocorreu uma grande dificuldade de acesso de
obtenção dos recursos.
Em 1996, o PRONAF deixou de ser apenas uma linha de crédito e adquiriu status de
programa de governo, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ministério da
Agricultura SDR/MA. Neste ano passou a integrar o Orçamento Geral da União OGU,
com recursos que deveriam ser aplicados em infra-estrutura rural nos municípios e em
capacitação dos produtores rurais familiares. Uma nova resolução do Banco Central
provocou mudanças nos procedimentos do programa, no sentido de eliminar alguns
empecilhos identificados na primeira experiência.
Neste momento, ampliou-se o público a ser atendido, passando a incluir as
associações e cooperativas habilitadas para o repasse dos créditos; ampliando os limites de
recursos e ocorrendo uma redução nos encargos, mantendo-se os prazos para a devolução
dos empréstimos. Entretanto, a principal mudança observada na nova versão do PRONAF
passou a ser nas exigências para a tomada de empréstimos.
Em 1999, por meio da Medida Provisória 911-8 o PRONAF foi transferido para o
Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA, antigo Ministério Extraordinário de Política
Fundiária. A medida contribuiu para integrar as políticas destinadas ao setor rural e ampliou
os benefícios dos “agricultores familiares” provenientes do Programa Nacional de Reforma
Agrária, pois para o Governo Federal não fazia sentido diferenciar as famílias assentadas, do
segmento da agricultura familiar; neste sentido,
as intervenções públicas deveriam se dar sobre microrregiões, por meio do
emprego articulado de crédito, terra e infra-estrutura, visando alterar as
condições existentes em um enfoque mais amplo do que o PRONAF vem aqui
tendo nas suas ações, para promover a urbanização do espaço rural através
do desenvolvimento local” (MA/SDR, 1999 apud CHÉVES, 2003:54).
114
5.2.1 Concepção e Operacionalização do Programa
Segundo WANDERLEY (1995:18), embora seja os responsáveis pelo fornecimento
de grande parte dos alimentos e de parte significativa da força de trabalho rural e urbana, os
agricultores familiares sempre ocuparam um lugar secundário e subalterno na sociedade
brasileira. Com a criação do PRONAF, este segmento recebe pela primeira vez, por parte do
governo, um lugar de destaque nos debates, onde o agricultor familiar passa a ter um foro
privilegiado no acesso a políticas públicas.
O PRONAF propôs resgatar a importância da agricultura familiar, partindo do
reconhecimento de que este setor social sempre esteve à margem das políticas públicas. Foi
idealizado para atender aos agricultores familiares brasileiros, que respondiam e respondem
por uma significativa parte da produção de alimentos do país, mas que nem sempre eram
beneficiados pelas políticas agrícolas tradicionais.
De acordo com estudos realizados pelo INCRA/FAO (2000), a agricultura familiar era
a principal responsável pela produção de alimentos para o consumo interno, respondendo
pela produção da maior parte da cesta básica, além de ser a principal geradora de ocupação
e renda de milhões de famílias no campo.
Pela importância estrutural o PRONAF tornou-se um dos 42 projetos estabelecidos
no programa “Brasil em Ação” do Governo Federal, em 1999. A proposta de um programa de
fortalecimento da agricultura voltado para as demandas do segmento familiar e sustentado
em um modelo de gestão social em parceria com os agricultores e suas organizações,
representou grande avanço em relação às políticas anteriores. Tratava-se de um programa
de parceria entre os governos federal, estadual e municipal e a iniciativa privada e seria
executado de forma descentralizada. Previa a participação dos parceiros e beneficiários em
todas as fases, como programação, execução, recursos financeiros e mobilização de
esforços por mais recursos, incluindo o acompanhamento e avaliação da política.
Em um dos pontos principais destacava-se a adoção de formas de gerenciamento e
“gestão social”, para promover uma melhor gestão do orçamento público, democratizando o
crédito, os serviços de apoio e a infra-estrutura que a economia dos agricultores necessitava
para se consolidar e estabilizar. Para tanto, esta forma de gestão era entendida como um
instrumento gerencial para aumentar a sintonia entre as ações governamentais e os
beneficiários, no contexto específico de cada realidade e do estágio de desenvolvimento
humano em que se encontravam.
115
O que se percebe no documento final do PRONAF é que o surgimento de um
programa específico para a agricultura familiar, não representava apenas a vontade
expressa do governo de fortalecer este segmento. O enfoque da agricultura familiar estava
respaldado no papel que a agricultura deveria desempenhar no novo contexto de
desenvolvimento das pessoas, em termos de geração de renda, criação de novas ocupações
produtivas no campo, a fim de garantir suficiência, produtividade, qualidade e diversificação
voltada para a segurança alimentar, contribuindo para maior competitividade da economia, e
o uso de fatores de produção sem degradação ambiental. Destacam-se também fatores
tradicionais da contribuição da agricultura para o desenvolvimento como a redução da
migração campo-cidade, geração de divisas e contribuir para a redução das desigualdades
espaciais e sociais ainda presentes.
Os princípios gerais do programa resumiam em atuação por demanda,
descentralização, agilidade e parceria, compunham as bases do exercício da introdução de
um novo modelo de relação contratual entre Estado e sociedade civil, via políticas públicas,
cujo processo evoluiu em alguns países. Nesta nova configuração de relações observa-se a
tendência mundial à descentralização e transferência de responsabilidades das esferas
federais para as municipais (diferentes dos processos de “prefeiturização”
33
, onde são
transferidos apenas os ônus) e estimulando o apoio às demandas locais, o fomento de
iniciativas e de compromissos negociados com setores produtivos e representativos não
governamentais; e, o apoio a uma nova forma de integração de responsabilidades para o
desenvolvimento social e econômico.
Para viabilizar esta nova estratégia, definiu-se uma estrutura para gerenciamento e
acompanhamento das ações previstas, através da criação de Conselhos Municipais de
Desenvolvimento Rural - CMDR, Conselhos Estaduais, Conselho Nacional e Secretarias
Executivas do PRONAF nos âmbito dos Estados e da União. A coordenação nacional do
programa era realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, por meio da
Secretaria de Agricultura Familiar – SAF.
A idéia que sustentou a criação do PRONAF foi o reconhecer a capacidade da
agricultura familiar em absorver mão-de-obra, transformando-se em alternativa natural,
confiável e legítima para combater parte dos problemas sociais provocados pelo
desemprego rural e a migração campo-cidade. Nesta lógica, o documento de criação do
programa destaca como objetivo geral proporcionar o aumento da produção agrícola, a
33
O termo “prefeiturização” mencionado refere-se às transferências de responsabilidades por parte dos Governos federal e
estadual aos municípios, denominando de municipalização. No entanto, transferem-se responsabilidades para posteriormente
discutirem e transferirem os recursos necessários para os fins que se destinam tais responsabilidades.
116
geração de ocupações produtivas e a melhoria da renda e da qualidade de vida dos
agricultores familiares.
Os estudos da ocasião apontavam que a agricultura familiar era a principal
geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de apenas 30% da
área, era responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado - PO. Dos 17,3 milhões de postos de
trabalho na agricultura brasileira, 13,78 milhões estão empregados na agricultura familiar.
Enquanto na região Sul a agricultura familiar ocupa 84,0% da mão-de-obra utilizada na
agricultura, no Centro-Oeste ela é responsável apenas 54,0%. Os estudos FAO/INCRA,
somados aos dados do Censo Agropecuário do IBGE 1995/96 contribuíram para se fazer um
“Novo retrato da agricultura familiar no Brasil”, considerando como familiares 4.139.369
estabelecimentos rurais (85,2% do total); ocupando uma área de 107,8 milhões de hectares
e responsáveis por R$ 18,1 bilhões do valor bruto da produção total (MDA, 2000:28)
O PRONAF foi concebido para atender ao conjunto dos agricultores familiares, com
prioridade, aos segmentos em transição e os periféricos, desde que, o recurso fundiário não
representasse fator impeditivo ao seu desenvolvimento. Tal prioridade, embora não se
encontrasse explicitado em seus documentos programáticos, tem sido perseguida pelos
gestores governamentais, e foi evidenciada principalmente no PRONAF Infra-estrutura, que
concedeu prioridade, na seleção dos municípios, aqueles mais pobres de cada unidade da
federação, ou seja, àqueles pertencentes ao programa Comunidade Solidária.
A velocidade de transformações da agricultura brasileira tem provocado uma
mudança nas condições de um número considerável de agricultores familiares. Assim,
muitos dos que agora são considerados consolidados, foram muitos dos que deixaram de
ser agricultores em transição, e estes, por sua vez, de alguns periféricos, em decorrência da
inserção nas principais cadeias de commodites agrícolas, alguns inclusive, deixando de
possuir alguns requisitos de enquadramento como agricultor familiar, passando ao nível de
empreendedor rural.
Entretanto, a caracterização dos beneficiários feita pelo programa busca situar os
parâmetros sociais para a distribuição dos recursos. São considerados agricultores familiares
aqueles que exploram a terra na condição de proprietários, posseiros, arrendatários,
parceiros e mais recentemente comodatários. Podem, sem impedimento, contar com os
serviços de empregados eventuais ou ajuda de terceiros, residir em aglomerado rural ou
próximo e não deter a qualquer título, área superior a quatro módulos fiscais.
117
5.2.2 Linhas de Ação do Pronaf
5.2.2.1 O Pronaf Infra-estrutura e Serviços
O PRONAF Infra-estrutura e Serviços tinha como objetivo promover investimentos
baseados em “compromissos negociados” entre beneficiários, os poderes municipais e
estaduais e a sociedade civil organizada, possibilitando a implantação, ampliação e
modernização da infra-estrutura necessária ao fortalecimento da agricultura familiar e a
ampliação e cobertura de serviços de apoio, a exemplo da pesquisa agropecuária e da
assistência técnica e extensão rural. A novidade era um arranjo institucional que procurava
garantir a efetiva participação local na escolha e no controle da execução dos projetos.
Os municípios beneficiados com o repasse dos recursos do PRONAF Infra-estrutura
e Serviços foram selecionados em dois momentos distintos: o primeiro, em meados de 1996,
quando os critérios de seleção foram definidos no âmbito de cada estado e em conjunto com
as Federações de Trabalhadores, Secretarias Estaduais de Agricultura e outros
colaboradores nos estados. Em geral, os critérios estabelecidos levavam em conta a maior
concentração da agricultura familiar, maior nível de organização dos produtores em
entidades como sindicatos, associações e cooperativas; menor expressão de atividades
econômicas em áreas consideradas “deprimidas”; maior carência em infra-estrutura básica
de apoio à agricultura; e, maior necessidade de recuperação de solos, entre outros. Com
esses critérios foram selecionados 383 municípios distribuídos em todas as regiões do país,
sendo 33 municípios em Minas Gerais, incluindo Minas Novas-MG, área da pesquisa.
O segundo momento de seleção ocorreu em 1996, quando havia sido criado o
Conselho Nacional do PRONAF e foram definidos três critérios básicos: a maior participação
de estabelecimentos agropecuários com até 200 hectares no município comparativamente
ao estado, maior proporção da população rural comparativamente ao estado e o menor valor
da produção agrícola per capita em comparação a média estadual. Obedecendo a tais
critérios, os municípios contemplados apresentariam, simultaneamente, a distribuição
pulverizada, a menor taxa de urbanização e a mais baixa produtividade agrícola no âmbito
estadual. Neste momento, foram selecionados mais 617 municípios, somados aos 383
anteriores, contemplavam 1000 municípios até dezembro de 1997 em todo o país.
poderiam receber recursos os municípios selecionados anualmente que
elaborassem um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural PMDR, através de um
118
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural CMDR, criado por Decreto ou por Lei. O
PMDR do município deveria ajudar na obtenção dos recursos necessários à implantação de
ações orientadas para o fortalecimento da agricultura familiar e sua elaboração devia
favorecer a participação efetiva dos agricultores familiares, ao nível de suas comunidades. A
estrutura do programa estava integrada por instâncias que atuavam nos âmbitos municipal,
estadual e nacional. Assim o CMDR aprovava, em primeira instância, os projetos contidos no
PMDR, enviava à Secretaria Executiva Estadual do Conselho Estadual, que recomendava à
Secretaria Nacional para a aprovação final dos planos.
Os itens solicitados do apoio do PRONAF Infra-estrutura estavam contidos nos Plano
de Trabalho, cujo valor médio era de R$ 150.000,00. Os recursos eram previstos para quatro
anos, perfazendo um montante de R$ 600.000,00. Estes planos de trabalho serviram para a
contratação de recursos via Caixa Econômica Federal, que era o agente financeiro
encarregado do repasse aos municípios, do controle da execução dos serviços e da compra
dos equipamentos solicitados. Todas as aquisições e obras realizadas com base em
recursos desta linha tinham que ser, necessariamente, de uso coletivo. As instalações
deveriam ser capazes de aumentar o valor agregado da produção e melhorar as condições
de ligação com o mercado, supondo uma organização coletiva que repercutisse sobre o
conjunto da vida local.
Segundo o CEDRS, apesar da diversidade dos itens solicitados nos Planos de
Trabalho, foi possível identificar, dentre outros, dois padrões básicos:
Concentração da demanda em poucos itens de infra-estrutura, que se referem
fundamentalmente à implantação das condições que permitiriam ao agricultor ampliar sua
produção e ligar-se ao mercado: acesso a água e melhoria das estradas eram elementos
que apareceram com grande freqüência, sobretudo nos municípios de maior pobreza.
Grande diversificação dos planos, que incluía pequenas agroindústrias, caminhões,
máquinas e implementos de uso comum, mercados municipais, preservação de recursos
naturais, reflorestamento e cursos de formação profissional dos agricultores.
De acordo com CHÉVES (2002:76), no caso de Minas Gerais, as ões
contempladas nos PMDR dos 97 municípios, no período de 1997 e 1998 foram bastante
abrangentes; apesar de uma forte concentração em mecanização agrícola (67), outras ações
também merecem destaque: viveiro municipal/comunitário (41); eletrificação rural (34)
correção do solo (22); aquisição de insumos (21); agroindústria (18); inseminação artificial
(14); tanques de expansão e resfriamento de leite (13); transporte de insumos/escoamento
da produção (12) e captação/abastecimento de água (11).
119
Em 1996, o Governo do Estado de Minas Gerais aderiu oficialmente ao PRONAF,
criando o Conselho Estadual, quando se definiu as competências e os membros do CEDRS.
Estabeleceu que a operacionalização do programa no estado ficasse a cargo da Secretaria
Executiva do Conselho Estadual, sendo seu exercício competência da EMATER-MG.
Segundo o CEDRS, em muitos municípios, a participação dos conselheiros nos
processos de tomadas de decisões era limitada, pois, na maioria das vezes, eram os
técnicos da Prefeitura ou da EMATER que centralizavam o processo. Da mesma forma, o
interesse das representações não ligadas diretamente à agricultura familiar enfraqueceu,
pois nas reuniões tiveram espaço na pauta os assuntos relacionados com a implantação
das ações do CMDR, as quais por sua vez limitavam-se às questões da produção, do
crédito, da agricultura, deixando num segundo plano a discussão de ações e projetos mais
abrangentes que, além de constituir possíveis caminhos para o desenvolvimento integral do
município, poderiam estimular a presença e a participação efetiva dos outros representantes.
Em 1997 o Conselho Estadual do PRONAF estabeleceu critérios para a seleção dos
novos municípios. Para a nova seleção foram tomados como quesitos quatro critérios
básicos e um desempate:
● municípios com população rural superior a 45%.
● existência de escritório da EMATER.
● existência de pelo menos um sindicato, podendo ser patronal ou dos trabalhadores.
● alta concentração de agricultores familiares.
● desempate por prioridade às regiões dos Vale do Jequitinhonha e do Mucuri.
Uma vez identificados os municípios potenciais, iniciou-se o processo de elaboração
dos Planos Municipais de Desenvolvimento Rural PMDR, cujo processo foi afetado por
dificuldades como a falta de preparo das pessoas envolvidas na elaboração dos planos, as
mudanças das normas do programa durante o período de sua elaboração, o desencontro
das informações entre as entidades envolvidas e pouca preparação dos funcionários da
Caixa Econômica Federal e outras (CHÉVES, 2003:76).
De acordo com o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural, em Minas Gerais,
até meados de 2001, dos 97 municípios beneficiados, dentre eles Minas Novas, 91 ainda
não haviam formalizado o contrato e estavam utilizando os recursos correspondentes ao
terceiro ano de exercício do PRONAF Infra-estrutura. Seis municípios perderam a sua
condição de beneficiários, situação observada até o ano de 2002, quando alguns municípios,
em função da mudança de prefeitos, em decorrência das eleições de 2000 e outras
120
inadimplências
34
, perderam o controle da execução dos projetos, implicando uma série de
problemas junto à Caixa Econômica Federal, que se arrastam até os dias atuais.
Outra importante modalidade foi o PRONAF Capacitação, que visava proporcionar
aos agricultores familiares e suas organizações, conhecimentos necessários à elaboração de
Planos Municipais de Desenvolvimento Rural PMDR, conhecimentos, habilidades e
tecnologias indispensáveis ao processo de produção, beneficiamento, agro-industrialização e
comercialização e intercâmbio e difusão de experiências inovadoras em educação,
profissionalização e tecnologias coerentes com as necessidades dos agricultores familiares.
Os beneficiários desta linha eram agricultores familiares e suas organizações, bem
como os técnicos que participavam da elaboração, execução e acompanhamento dos Planos
Municipais de Desenvolvimento Rural. As ações foram desenvolvidas por intermédio do
repasse de recursos pelo MDA às Empresas Estaduais de Assistência Técnica e Extensão
Rural, no caso de Minas Gerais à EMATER-MG, que promoveu eventos e cursos de acordo
com o levantamento das demandas locais.
5.2.2.2 Pronaf Crédito Rural
Além dos recursos repassados pelo PRONAF Infra-estrutura e Serviços, os
municípios selecionados passaram, também, a contar com o financiamento da linha de
crédito, custeio e investimento. Considerando que muitos destes municípios eram focos de
atenção especial do Programa Comunidade Solidária, como foi o caso de Minas Novas-MG,
que tiveram no período de 1996 a 1998, prioridade na implantação de projetos nas áreas de
apoio ao ensino fundamental, ao desenvolvimento urbano, redução da mortalidade infantil,
geração de emprego e suplementação alimentar.
O PRONAF crédito, por sua vez, visava fornecer apoio financeiro às atividades
agropecuárias exploradas pelos agricultores familiares e suas organizações. O objetivo
central desta linha de ação era criar mecanismos que encurtassem as distâncias e
reforçasse a colaboração e a confiança entre os agricultores familiares e o sistema bancário.
O Banco do Brasil era o agente financeiro preferencial no repasse dos recursos para os
programas de crédito rural, porém, os financiamentos eram também concedidos por
34
Essa situação de inadimplências ou questões relacionadas às Prefeituras, têm sido frequentemente debatidas pelos CMDRS
e movimentos sociais, principalmente pelo fato de muitas ações de políticas públicas destinadas à agricultura familiar ficarem
vinculadas às Prefeituras Municipais, que nem sempre têm competência para operacionalizar e fazer gestão dos recursos.
121
intermédio do Banco do Nordeste do Brasil BNB
35
, bancos estaduais e privados, e eram
aplicados em investimento e custeio agropecuário.
O público do programa foi definido a partir de uma dupla restrição, de um lado,
procurava-se evitar que os recursos do PRONAF beneficiassem a proprietários de terra que
mesmo possuindo boas relações com o sistema bancário, entretanto, não eram agricultores
familiares; estavam à frente de outros negócios e não tinham na unidade produtiva a
agropecuária a sua principal fonte de renda. Por outro lado, restringia-se a participação de
agricultores que, dadas às condições de pobreza, não reuniam as condições
economicamente sustentáveis (CHÉVES, 2003:62).
No entendimento dos técnicos do programa, o crédito só podia ser destinado a
agricultores com condições de obter renda capaz de garantir a manutenção da família e o
reembolso do empréstimo. A experiência acumulada durante os anos de funcionamento
efetivo desta linha de ação, mostrou que agricultores, até então excluídos do sistema
bancário e obrigados a viver da renda obtida fora de suas unidades de produção,
conseguiram uma elevação dos ganhos agrícolas, em virtude do acesso ao crédito. Ainda
que não seja a maioria, mostram um caminho importante de integração econômica. Esta
constatação motivou o surgimento do PRONAF, conhecido como Pronafinho
36
.
No início, o PRONAF operava através de várias linhas de crédito específicas: Custeio
Normal; Rural Rápido, PRONAF Especial (Custeio e Investimento); PRONAF Investimento
Normal FCO e FNE; PRONAF Agroindústria (Agregar); Micro-crédito NE integrado coletivo
(Novo Agricultor Familiar). A evolução das modalidades de financiamento no período 1995-
1998
37
pode ser observada no Quadro 8.
35
A época da implantação do PRONAF coincide com o início de atuação do Banco do Nordeste e da SUDENE no Vale do
Jequitinhonha. Tal coincidência temporal criou um clima favorável às ações deste banco, quando muitos associavam o
PRONAF como produto do Banco do Nordestee não de um programa de fortalecimento da agricultura familiar do Governo.
36
O
Pronafinho” foi uma modalidade de micro crédito subsidiado que originaria o atual PRONAF B, voltado para agricultores
com potencial de geração de renda na unidade produtiva, mas com resultados econômicos presentes muito baixos.
37
No período 1995/98, os encargos financeiros para o crédito de custeio variaram de 5,75% a 12% ao ano. Os encargos
financeiros que incidem sobre o crédito de investimento eram definidos anualmente pela Taxa de Juros a Longo Prazo – TJLP,
e previa-se um rebate de 50% sobre os encargos financeiros, quando quitados até o vencimento.
122
Quadro 8
Evolução do Pronaf Segundo as modalidades e número de contratos em MG - 1995-2000
1995 1996 1997 1998
Modalidade de Crédito - Custeio - Investimento
- Custeio
- Especial Custeio;
- Investimento;
- Custeio.
- Agroindústria;
- Agregar;
- Especial;
- Investimento;
- Especial Custeio;
- Investimento;
- Custeio;
- Crédito Rural.
Número de Contratos 32.000 332.828 496.550 709.906
Fonte: MDA/SAF/PRONAF, 2000.
Em 1999 foi realizado um estudo que resultou na tipificação dos agricultores
familiares em quatro categorias: A, B, C e D. Como conseqüências de negociações com
órgãos setoriais foram ampliadas as modalidades destinados a essas categorias de
agricultores familiares. Passaram-se então a considerar como unidade de financiamento a
propriedade produtiva familiar, incluindo atividades não agrícolas geradoras de renda rural.
Para o ano agrícola 2006/2007, as linhas e modalidades do PRONAF Crédito são:
Grupo A; Grupo B (micro crédito produtivo rural); Grupo C; Grupo D; e Grupo E. além dos
Grupos: A/C, Mulher (A, B, A/C, D e E), Agroindústria (A, B, A/C, D e E), Semi-Árido (A, B,
A/C, D e E), Florestal (A, B, A/C, D e E), Jovem (A, B, A/C, D e E), para Recuperação de
Assentamentos (A) e Agroecologia (C e D). As regras para liberação dos créditos do
PRONAF, para custeio e investimento, são definidas anualmente. De acordo com o Plano
Safra, além dos agricultores familiares beneficiários do PRONAF, comprovado mediante
Declaração de Aptidão ao PRONAF - DAP serão beneficiados os produtores rurais, inclusive
remanescentes de quilombos e indígenas, que atendem a requisitos gerais e específicos.
No Grupo A, os créditos destinam-se aos agricultores familiares assentados pelo
Programa Nacional da Reforma Agrária; os beneficiários do Programa de Crédito Fundiário
do MDA, que ainda não receberam crédito de investimento no Programa; os agricultores que
não foram contemplados com o limite de crédito de investimento no PRONAF do Grupo A;
sendo que o segundo crédito é limitado ao valor da diferença entre o valor financiado e o
limite máximo à época da primeira operação. Poderá ter financiamento de até R$ 16.500,00;
até R$ 1.500,00 para assistência técnica, quando for o caso; Juros de 1,15% ao ano; bônus
de adimplência de até 40% sobre cada parcela do principal ou até 45% com ATER; com até
5 anos de carência; e, até 10 anos de prazo. Sua Finalidade é o Investimento em projetos de
produção, implantação e modernização das infra-estruturas produtivas; com limite de Crédito
123
de até R$ 6.000,00 por beneficiário em única operação; e, juros: 1% ao ano; com prazo até
10 anos, incluídos até 3 (três) anos de carência e assistência técnica obrigatória.
a modalidade de PRONAF B é destinada aos agricultores familiares, com renda
bruta familiar anual de até R$ 3.000,00 (excluída a aposentadoria rural); e, no mínimo 30%
dessa renda venham da exploração agropecuária e não agropecuária do estabelecimento.
Sendo as seguintes as condições: limite de até R$ 4.000,00 por família beneficiada,
independente do número de operações, sendo que cada financiamento não pode ultrapassar
o valor de R$ 1.500,00; o segundo ou demais financiamentos podem ser realizados se
quitado os anteriores; a assistência técnica corresponderá a 3% do valor do financiamento
desde que haja concordância explícita do mutuário; Os encargos financeiros são de Juros
fixos de 1% ao ano; bônus de adimplência, sendo 25% sobre cada parcela; e, prazo de até 2
anos para pagamento, podendo ser em parcela única ou não.
A modalidade do Grupo C é destinada aos agricultores familiares que explorem
parcela na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, parceiro ou concessionário do
Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA; para tanto, o proponente poderá residir na
propriedade ou em local próximo; obtenham renda bruta anual familiar acima de R$ 3.000,00
até e R$ 16.000,00, excluídos os benefícios sociais e aposentadoria rural; no mínimo 60%
dessa renda venham da exploração agropecuária; e, tenham o trabalho familiar como
predominante na exploração do estabelecimento, utilizando apenas eventualmente o
trabalho assalariado, de acordo com as exigências sazonais da atividade agropecuária.
Para o Custeio do Grupo C, as condições colocadas têm a finalidade e destinação de
financiamento para custeio das atividades agropecuárias e não agropecuárias; o Limite
mínimo de R$ 500,00 e máximo de R$ 3.000,00 por família, podendo ter acesso a mais de
uma operação em cada safra, respeitado o limite máximo financiável do grupo. Na apuração
do crédito utilizado, considera-se o somatório dos saldos de capital das operações “em ser”
de cada ano agrícola; Neste caso os encargos financeiros são: juros fixos de 4% ao ano;
bônus de adimplência de R$ 200,00 desde que as parcelas sejam pagas até o vencimento;
e, prazo agrícola de até dois anos e pecuário de até um ano.
Para os investimentos do Grupo C as regras destinam-se ao financiamento da
implantação, ampliação ou modernização da infra-estrutura de produção e serviços
agropecuários e não agropecuários; tendo o limite individual mínimo de R$ 1.500,00 e
máximo de R$ 6.000,00, até três créditos da espécie por beneficiário, consecutivos ou não;
e, bônus de adimplência de R$ 700,00 por beneficiário, distribuído de forma proporcional
124
sobre cada parcela do financiamento paga até a data do vencimento, observado que o bônus
é devido exclusivamente nas 2 (duas) primeiras operações.
Para o Grupo D, os recursos são destinados aos agricultores que utilizem
eventualmente trabalho temporário, safrista ou diarista, podendo ter no máximo, até dois
empregados fixos; obtenham renda bruta anual familiar de R$ 14.000,00 e até R$ 40.000,00;
e, tenham no mínimo 70% dessa renda venham da exploração agropecuária ou não. O
custeio para este grupo tem por finalidade o financiamento das atividades agropecuárias e
não agropecuárias. As condições postas são: limite de até R$ 6.000,00 por beneficiário, em
uma única operação por safra.
Para investimento, cuja finalidade é o financiamento da implantação, ampliação ou
modernização da infra-estrutura de produção e serviços agropecuários e não agropecuários,
o limite individual é de R$ 18.000,00, sendo que da mesma forma que o grupo C, até 35% do
valor financiado pode ser para custeio vinculado e associado; quanto aos encargos
financeiros, os juros são fixos de 3% ao ano e o prazo de até 8 anos, incluídos até 5 anos
de carência, quando a atividade requerer e o projeto técnico comprovar a necessidade.
A modalidade do Grupo E, é destinado aos agricultores familiares que utilizam
eventualmente trabalho temporário, safrista ou diarista, podendo ter no máximo até dois
empregados fixos e renda bruta anual familiar entre R$ 40.000,00 e até R$ 60.000,00. No
caso de custeio, tem como finalidade o financiamento das atividades agropecuárias e não
agropecuárias; com limite de até R$ 28.000,00 por beneficiário por safra; encargos
financeiros, com juros fixos de 7,25% ao ano; e, prazo de até 2 anos, conforme o ciclo da
atividade. Para os investimentos deste grupo, as finalidades destinam-se ao financiamento
da implantação, ampliação ou modernização da infra-estrutura de produção e serviços
agropecuários e não agropecuários; cujos limites são de R$ 36.000,00 por beneficiário; os
encargos financeiros com juros fixos de 7,25% ao ano; e, prazo de até 8 anos, incluídos
até 5 anos de carência.
A modalidade especial do PRONAF Mulher beneficia as mulheres agricultoras
integrantes de unidades familiares de produção enquadradas nos grupos A, A/C, B, C, D ou
E, independente de sua condição civil; e, tendo como finalidade o atendimento de propostas
de créditos de mulher agricultora, segundo o que o projeto técnico ou a proposta de crédito
determinar. Os encargos financeiros para esta modalidade são, nos casos, de Grupos A, A/C
ou B, 1% ao ano; Grupos C ou D, 3% ao ano; e, Grupo E, 7,25% ao ano;
Ao jovem, filho (a) de agricultores familiares enquadrados nos Grupos “A”, “A/C”, “B”,
“C”, ou “D” ou “E” do PRONAF, será concedida uma DAP acessória, vinculada a uma DAP
125
principal, desde que atenda às seguintes exigências: ter idade entre 16 e 25 anos e ter
concluído ou estar cursando o último ano em centros familiares de formação por alternância
em escola família agrícola, e que atendam à legislação em vigor para instituições de ensino;
ou, ter concluído ou estar cursando o último ano de escolas técnicas agrícolas de nível
médio que atendam à legislação em vigor para instituições de ensino; ou, ter participado de
curso ou estágio de formação profissional que preencham os requisitos definidos pela SAF.
O limite máximo para o PRONAF Jovem é de R$ 6.000,00, independente dos
definidos para outros financiamentos, observando que poderá ser concedido um
empréstimo para cada beneficiário; e, encargos financeiros com taxa efetiva de juros de 1%
ao ano. Ressalta-se que neste caso, o prazo de reembolso é de até 10 anos, incluídos até 5
anos de carência; e, a necessidade de financiamento para mais de um jovem poderá estar
contemplada em um mesmo instrumento de crédito, respeitando o limite de financiamento.
Em relação aos grupos beneficiários das ações do programa, chamam-se atenção
para o fato de serem agricultores familiares de transição e os periféricos os que representam
a maioria dos produtores familiares do país; as análises feitas supõem que este programa
pode não passar de mais uma política compensatória, a qual representa uma estratégia
política tradicional usada para compensar a ausência de políticas sociais mais efetivas.
As diretrizes e programas propostos no PRONAF, ainda que importantes para o
fortalecimento da agricultura familiar, estão sujeitos ao clientelismo uma vez que não estão
inseridos e articulados em diretrizes e programas de governo.
As principais barreiras colocadas pela burocracia bancária eram as exigências de
garantias dos potenciais tomadores dos empréstimos. Ainda se constata que alguns bancos
exigem garantias reais como a hipoteca de imóveis, avalistas e outros procedimentos que
muitas vezes excluem posseiros e outros produtores com menor capacidade financeira para
participar do projeto. Tais restrições prejudicam sobremaneira os objetivos do programa e o
agricultor familiar, principalmente os menos capitalizados, pois a maioria não tem garantis
patrimoniais exigidas pelas instituições financeiras.
Outro problema identificado é a demora na liberação dos recursos pelos bancos, que
nunca coincide com o anúncio do crédito pelo governo. Além do mais, percebe-se uma
morosidade processual dos bancos na liberação dos recursos, depois de todo procedimento
efetuado pelos elaboradores, sendo que muitas vezes, o crédito é disponível quando as
condições naturais, principalmente o período chuvoso, passaram, provocando uma sutil
exclusão de inúmeros agricultores do processo de acesso ao crédito dito como dele.
126
5.3 Identidade do Agricultor Familiar para o Pronaf: A DAP
A Declaração de Aptidão ao PRONAF DAP é um documento público, de
fornecimento gratuito, emitida por instituições credenciadas no MDA, como condição
indispensável para o acesso ao PRONAF, bem como às políticas para a agricultura familiar.
A DAP assume um papel de Carteira de Identidade do agricultor familiar e passaporte para o
alcance às diversas políticas públicas que tem no agricultor familiar como o foco.
O MDA, por meio de portaria, dispõe sobre o regulamento e as condições
estabelecidas para as operações de crédito de investimento e custeio ao amparo do
PRONAF e estabelece condições e procedimentos para emissão da DAP, que é o
instrumento que identifica os agricultores familiares aptos a realizarem operações de crédito
rural com amparo do PRONAF, em atendimento ao estabelecido no Manual de Crédito Rural
- MCR, do Banco Central do Brasil. Constitui instrumento obrigatório à formalização de
operações de crédito ao amparo do PRONAF, independente dos demais documentos
necessários e exigidos pela instituição financeira em obediência à legislação pertinente. Por
se tratar de um documento condicionador de acesso a políticas de crédito, a DAP tem um
papel jurídico e institucional, apresentando algumas características, tais como:
“unicidade”, onde cada estabelecimento familiar deve ter apenas uma única
DAP principal válida;“dupla titularidade”, a partir da comunhão estável, a DAP
deve obrigatoriamente identificar o cabeça” do casal e o respectivo cônjuge;
pode ter validade de até seis anos a contar da data de sua emissão; sua
origem está vinculada ao município utilizado para residência fixa pelo
agricultor familiar e sua família; e, a gratuidade”, pois as instituições
autorizadas a emitirem DAP não podem cobrar quaisquer custas pela sua
emissão ou condicionar seu fornecimento a qualquer exigência de
reciprocidade, vínculo ou filiação,sob pena de descredenciamento e demais
sanções legais (EMATER, 2006).
A unidade familiar, apta ao recebimento da DAP, compreende a unidade que
apresenta as mais variadas condições de posse, explorada pelo conjunto da família nuclear
(marido ou companheiro, esposa ou companheira, e filhos) e eventuais agregados sob
gestão estritamente da família, incluídos os casos em que o empreendimento é explorado
por indivíduo sem família.
A Fundação Cultural Palmares poderá emitir DAP principais e acessórias dos Grupos
“B”, “C”, “D” e “E” para quilombolas; e, ainda, as DAP especiais, desde que a pessoa jurídica
beneficiária seja constituída exclusivamente por quilombolas. No caso de Minas Novas-MG,
127
mesmo existindo comunidades quilombolas devidamente reconhecidas e certificadas, é a
EMATER que emite a DAP para os agricultores familiares quilombolas. Outras entidades
podem solicitar autorização para emissão de DAP, circunscritas, exclusivamente, nos
municípios de sua área de atuação. Somente o Secretário de Agricultura Familiar pode
autorizar novas entidades interessadas a emitirem DAP, sempre que essas atendam aos
pré-requisitos legais estabelecidos. Prefeituras Municipais, suas Secretarias e demais órgãos
e instituições vinculadas não poderão ser autorizadas a emitir a DAP.
Nos casos de descredenciamento de entidade emissora de DAP, a responsabilidade
nos procedimentos de homologação das DAP passa automaticamente às demais entidades
credenciadas no município e, na falta dessas entidades, o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural Sustentável CMDRS deverá indicar a entidade substituta, que por
sua vez deverá solicitar seu credenciamento junto à SAF.
As DAP estão sujeitas ao controle social e, para tanto, devem ser homologadas
anualmente, observados os procedimentos a serem estabelecidos pela SAF (Manual de
Crédito Rural - MCR, do Banco Central do Brasil, 2006).
5.4 Desenvolvimento Territorial: A Nova Vertente de Ação e Implementação do Pronaf
A abordagem territorial aparece como uma possibilidade que permite explicar o papel
do contexto e do espaço social como fator de desenvolvimento. Como exemplo de propostas
de intervenção em regiões rurais pode-se citar o programa Ligações entre Ações de
Desenvolvimento e Economia Rural - LEADER na União Européia, o programa de
empoderamento comunitário nos Estados Unidos, os sistemas locais de produção agrícola
no Peru e a produção agroecológica de frutas no Chile. No Brasil, o PRONAF Infra-estrutura
Serviços constituiu uma iniciativa pioneira de investimento no desenvolvimento sustentável
de territórios rurais, tendo o município como unidade de planejamento. A evolução desta
atuação foi a mudança do foco para o território, ampliando para um recorte territorial e
criando o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais -
PRONAT, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
No ano de 2003 foi criada a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, no âmbito do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, tendo como propósito a implementação de uma
estratégia de desenvolvimento sustentável, com foco na abordagem territorial e integração
128
das políticas públicas, visando a redução das desigualdades sociais e regionais e a geração
e distribuição de riquezas com eqüidade social nos territórios rurais Tal proposição de
desenvolvimento territorial deu origem ao Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais PRONAT, o qual se apóia num processo de mudança
social, política, cultural e institucional, que tem por princípio a inclusão dos atores locais
como gestores e sujeitos do desenvolvimento.
Atualmente no país existem 118 territórios rurais oficialmente apoiados pela
SDT/MDA, dos quais 11 estão localizados em Minas Gerais (Figura 3). O processo de
organização desses territórios foi implantado por diferentes arranjos institucionais e
encontra-se em estágios diferenciados de organização e gestão. Por se tratar de uma
experiência recente e inovadora, o desenvolvimento desafia os atores locais a promover a
inclusão social pelo exercício da cidadania, que envolve a articulação das instituições e das
políticas públicas, na busca da dinamização do espaço territorial.
em 2003, quando iniciou o processo de formulação das propostas de constituição
dos territórios rurais, que substituiu o PRONAF Infra-estrutura e Serviços, o Alto
Jequitinhonha foi selecionado para o projeto, do Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDA, com projetos e ações voltadas para a agricultura familiar, com recursos do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF; o mesmo ocorrendo com as
microrregiões do Médio e Baixo Jequitinhonha, em 2004 e 2006, respectivamente.
Considerando o conceito de “território”
38
, definido pela Secretaria de Desenvolvimento
Territorial – SDT, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA,
“como um espaço físico, geograficamente definido, caracterizado por critérios
multidimensionais, tais como o ambiente, a cultura, a sociedade, a política, as
instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos,
que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos,
onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e
coesão social, cultural e territorial, sendo este espaço construído histórica e
socialmente, no qual a eficiência das atividades socioeconômicas esteja
intensamente condicionada pelos laços de proximidade e pelo fato de
pertencerem a este espaço” (MDA, 2003:3).
Na proposta desta nova tentativa de linha de ação do PRONAF, cujo foco municipal
foi ampliado para a regional, pressupõem que este território” seja resultado de uma
construção do desenvolvimento, com a integração de atividades, recursos e comunidade,
38
A definição de território se assenta numa definição de um “território administrativo” para fins de políticas públicas do MDA,
não se referindo aqui território apenas como categoria geográfica ou outros aspectos ligados às territorialidades.
129
cuja construção, necessariamente deveria ser iniciada nas bases, comunidades, CMDRS,
município; e os instrumentos iniciais seriam os PMDRS e, posteriormente o Plano Territorial
de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS.
O processo de homologação dos territórios rurais é peculiar em cada estado, mas no
geral, apresenta os seguintes passos: o território, após mobilização das comunidades e
municípios, elabora uma proposta de reconhecimento e pleiteia junto ao Conselho Estadual
de Desenvolvimento Sustentável CEDRS, que analisa, homologa ou não o território e
encaminha seu posicionamento para a SDT/MDA; e, a SDT/MDA analisa os pareceres do
CEDRS e, quando deferido, oficializa o apoio ao novo território rural, fazendo gestão junto ao
PRONAF para liberação dos recursos para os projetos contidos nos Planos de Trabalho,
após assinatura de contratos de repasse das Prefeituras com a Caixa Econômica Federal.
A vivência da construção de processos de desenvolvimento territorial tem sinalizado
algumas questões relevantes que devem ser consideradas pelos atores locais: a diversidade
de percepções e de interesses dos grupos sociais; as contradições e os conflitos existentes
nos territórios; o conhecimento da realidade e das estruturas de poder existente; as
diferentes formas de manifestação e participação das organizações existentes; um território
pode conter distintos territórios (multiterritorialidade), que se organizam em torno de
interesses específicos e estabelecem estratégias próprias de ação; as relações de
complementaridade e interdependência entre o rural e o urbano; a construção coletiva do
conceito de sustentabilidade; o planejamento de ações coerentes com o modelo de
desenvolvimento proposto; a agricultura familiar enquanto protagonista do processo de
desenvolvimento, sem “exclusividade” de participação, uma vez que a totalidade do território
vai além do rural e engloba outros atores e segmentos além desta categoria; os distintos
papéis, responsabilidades e atribuições do município e do território, dos Conselhos
Municipais, das institucionalidades de gestão territorial, além das instituições regionais,
estaduais e federais; e, a relevância do planejamento participativo na orientação do
desenvolvimento territorial (TEIXEIRA et all, 2006:21).
No entanto, os primeiros movimentos deste programa têm apresentado indicativos no
sentido de se afirmar que inúmeros equívocos têm sido praticados com a proposta de
abordagem territorial. As propostas têm sido pouco participativas pelos agricultores
familiares e dos seus respectivos conselhos e representações, de maneira efetiva, sendo
visível a presença do componente técnico-institucional nas definições do projeto.
130
Figura 2
Fonte: SDT/MDA, 2006.
131
CAPÍTULO 6
– OS
AGRICULTORES FAMILIARES
e o
PRONAF
em MINAS NOVAS-MG
Os estudos dos camponeses do Vale do Jequitinhonha consideram sua inserção
atual no mercado como uma continuidade do passado, identificado como uma história de
isolamento e estagnação desde o início do século XIX. Não discutindo a questão como um
processo, que se altera ao longo do curso histórico em períodos de expansão e declínio
econômico. Em Minas Novas-MG, como em outras regiões, a produção camponesa está
voltada principalmente para o auto-consumo. Mas é preciso destacar a sua
integração parcial a mercados incompletos”, ou seja, mercados onde a
transformação dos produtos em mercadorias depende de vínculos, em geral
personalizados, onde os preços são ditados por condições locais e as
alternativas em torno da compra e venda praticamente inexistem
(ABRAMOVAY, 1992:130)
.
Esta característica é considerada por Abramovay como tão importante para um
conceito de campesinato, quanto o seu acesso a terra, a organização em unidades familiares
de produção e consumo, a cultura tradicional associada ao modo de vida das pequenas
comunidades rurais e a sua sujeição a poderes exteriores.
Ao longo dos anos, Minas Novas experimentou diversas formas de relação com o
Estado, desde o início da ocupação territorial, com a mineração e posteriormente a
agricultura. Nessas trajetórias, encontram-se entrelaçados e em disputa diversos interesses
que vão conformando o poder local. Conhecer os diferentes contextos dessa trajetória é
fundamental para analisar os dilemas da implantação do modelo inovador de gestão
municipal que tem sido recentemente proposto. A eficácia real dos processos de participação
ocorre quando uma interação entre o governo local e a sociedade, cujo resultado é uma
expressão peculiar dos interesses e prioridades municipais. O que cabe discutir, portanto,
são as formas possíveis dessa interação sob o prisma dos valores democráticos e de
cidadania, já incorporadas nas relações mais recentes entre o poder local e o capital social.
Outra característica do poder local é a forte distinção entre lideranças comunitárias,
formadas a partir da ação da Igreja, Sindicato, de ONG’s e de outros movimentos sociais da
sociedade civil, assim como lideranças comunitárias e políticas constituídas através da
intervenção de grupos políticos tradicionais existentes.
No caso de Minas Novas, existem dificuldades em ultrapassar os limites de uma
liderança comunitária para exercer o papel de liderança política partidária do município,
disputando o poder diretamente. Outro tipo de liderança reproduz práticas políticas
132
tradicionais de arregimentação de apoio e de conquista de votos para outros e para osi
mesmo, mediando à distribuição de bens e favores, tipo em extinção, mas ainda presente.
As organizações da sociedade civil em Minas Novas sinalizam a existência de uma
cultura de vontade participativa e dinâmica social indispensável ao desenvolvimento
sustentável. Contudo, a falta de sensibilidade do poder local para integrar-se ao processo de
gestão nas diferentes formas de articulação social, vem enfraquecendo os caminhos de
participação e a democratização do poder local.
As experiências de participação na gestão de políticas públicas foram se constituindo
no recente período de redemocratização política do Brasil, nas décadas de 1970 e 1980,
quando diversos setores da sociedade movidos por interesses e estratégias específicas,
adotaram o discurso democratizante e conduziram a um quase consenso em torno das
virtudes da participação e descentralização de poder.
O ano de 1988 representou um divisor de água, para o país, com a Constituição
Federal, a “Constituição Cidadã”. A luta pela redemocratização do país, sempre foi bandeira
das organizações populares para que houvesse canais permanentes, deliberativos e
paritários, que garantissem a presença de diversos segmentos da sociedade civil e do povo
nas decisões de seu interesse. Na Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a
Constituição hoje em vigor, isto apareceu na forma de conselhos de políticas públicas.
A Constituição Federal, portanto, traz a possibilidade de um novo ente, os Colegiados
ou Conselhos Municipais, como partícipe consultivo das ações públicas de educação e
saúde, principalmente, mas com extensões possíveis a outros setores. Tal construção de
paradigma, colocado para todo o país, parecia desconhecer as realidades regionais,
principalmente aquelas onde as elites tradicionais há muito impediam qualquer tipo de
manifestação de participação popular nos poderes.
Assim, a gestão de algumas ações participativas, mesmo que desafiantes e
lentamente, vem se constituindo em uma revalorização do poder público local, tendo origem
em diversas experiências e proposições de desenvolvimento, que combinam a melhoria da
qualidade de vida da população com mecanismos de democratização das esferas públicas
decisórias sobre políticas e recursos públicos em âmbito local, como alternativas de combate
às práticas tradicionais, autoritárias e centralizadoras.
No mesmo ano da promulgação da “Carta Magna” Minas Novas também
experimentou um ensaio de ruptura a um modelo secular de poder local; e, viu pela primeira
vez a oposição histórica ao tradicional poder local vencer as eleições, após 258 anos de
domínio político de um mesmo grupo, cuja história de reprodução das elites locais se
133
processava, seguindo a cartilha elaborada pelas elites do poder do país. Numa sociedade de
anseios e vontades, o processo de redemocratização do país era vivido intensamente pelos
movimentos sindicais em disputas acirradas para manter a representação dos trabalhadores
no comando político das instituições. Por outro lado, uma força vinha do campo, com um
processo de mais de uma década de organização social e comunitária através das
Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja católica e do projeto MG II, da Secretaria de
Estado do Trabalho e Ação Social SETAS, do Governo Estadual, que fortaleceram os
processos de organização comunitária e das lideranças, num sinal claro de que o Estado
endossava tal processo, mesmo que fosse apenas através da ação de seus técnicos.
Segundo uma liderança local: “a gente tava tão acostumado ao cabresto que num
sabia nem como participar das coisas. Até tinha medo de envolver, por que política era
dos grandes(Entrevista 21). Um dos primeiros membros do CMDR em entrevista disse que
Nós da roça, como dizia os pais da gente, era tratado que nem abóbora e maxixe
que num precisava cuidar direito, mas dava muito fruto. Os fruto era os voto que
sempre ia pros mesmo” (Entrevista 16).
6.1 O Pronaf Infra-estrutura para os Agricultores Estudados de Minas Novas
Os movimentos organizados dos agricultores familiares desempenharam um papel
fundamental na elaboração, implantação e controle social, na medida em que buscaram a
correção das distorções, uma aplicação mais sensata das demandas orçamentárias e a
efetiva implantação dos objetivos previstos pelo PRONAF infra-estrutura e serviços.
No PRONAF Infra-estrutura ficou explícito que seriam beneficiados com o
financiamento os municípios selecionados pelo Conselho Nacional do PRONAF e que
manifestassem a vontade para construir um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural
PMDR coletivo, com os representantes da agricultura familiar e movimentos sociais, sendo
necessariamente ter sido aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
CMDR, criado por Lei.
Do ponto de vista institucional, a proposta de gestão participativa foi apresentada
como uma complementação ou mesmo ampliação da democracia representativa, com base
em um novo tipo de relação entre Estado e sociedade, que viabiliza a participação direta da
população na disputa de interesses e no exercício de práticas de negociação e gestão de
134
políticas públicas, como foi o caso do PRONAF, principalmente o Infra-estrutura e Serviços
municipais
39
, que assumiu e tomou para si a indução deste jeito novo de construir políticas
públicas, mesmo que condicionando transferência de recursos aos poderes locais como
garantia de participação das representações dos agricultores familiares e da sociedade civil.
O PRONAF Infra-estrutura tinha como objetivos, promover investimentos baseados
em “compromissos negociados” entre beneficiários, os poderes municipais e estaduais e a
sociedade civil organizada, possibilitando a implantação, ampliação e modernização da infra-
estrutura necessária ao fortalecimento da agricultura familiar e a ampliação e cobertura de
serviços de apoio, a exemplo da pesquisa agropecuária e da assistência técnica e extensão
rural. A grande novidade estava na montagem institucional que procurava garantir a efetiva
participação local na escolha e no controle da execução dos projetos.
Todas as aquisições e obras realizadas com base em recursos do Pronaf Infra-
estrutura, tinham que ser, necessariamente, de uso coletivo. As instalações deveriam ser
capazes de aumentar o valor agregado da produção agropecuária e melhorar as condições
de ligação com o mercado, supondo uma organização coletiva que repercutisse sobre o
conjunto da vida local.
Desde a sua institucionalização, em 1996, o PRONAF requeria Planos Municipais de
Desenvolvimento Rural PMDR, que são elaborados e geridos pelos Conselhos Municipais
de Desenvolvimento Rural CMDR. Os objetivos específicos estavam orientados na
negociação de políticas públicas com órgãos setoriais, no financiamento da infra-estrutura e
serviços nos municípios, no financiamento da produção da agricultura familiar e na
capacitação e profissionalização de agricultores familiares.
Os recursos liberados para Minas Novas-MG no período de 1997 a 2000 foram
totalizados em aproximadamente R$ 600.000,00 para os quatro anos, em parcelas anuais de
aproximadamente R$ 150.000,00, sendo que os recursos referentes ao ano de 2000 tiveram
uma demora em serem liberados pela Caixa Econômica Federal - CEF, diante das
dificuldades de negociação da prefeitura com o CMDR, ocasião em que se solicitou a
intervenção do Conselho Estadual.
O PMDR de Minas Novas foi uma primeira tentativa de um desenvolvimento
sustentável e previa ações integradas nas áreas de agricultura e geração de renda, com a
implantação de culturas perenes, pequenas barragens, pequenas agroindústrias coletivas;
na educação, planejava-se introduzir temas ligados à agricultura e meio ambiente no
39
O apoio financeiro desta linha de beneficiamento do PRONAF para os municípios destinava-se a implantação, ampliação,
modernização e realocação de infra-estrutura e serviços necessários para dinamizar o setor produtivo e assegurar a
sustentação ao desenvolvimento da agricultura familiar (PRONAF, 2000:8).
135
currículo escolar rural; a saúde primava pela implantação de um sistema de agentes
comunitários de saúde; em relação à infra-estrutura, destacavam-se projetos de
abastecimento de água e eletrificação rural; e, no apoio operacional e Organizacional, o
fortalecimento da assistência técnica e extensão rural, crédito rural, capacitação, pesquisa
agrícola e desenvolvimento empresarial.
A proposta levou em conta o desenvolvimento da agricultura familiar e da
agroindústria coletiva, mas apresentava reflexos favoráveis nos demais setores econômicos.
Neste sentido, a proposta de projetos para o primeiro ano do PMDR foi constituída da
seguinte forma:
abastecimento de água para 3.800 famílias, que das 4.367 apenas 373 possuíam
água suficiente e de boa qualidade;
eletrificação de 1.900 propriedades rurais, que das 4.367 apenas 318 eram
eletrificadas;
implantação de 20 viveiros de mudas para a formação de 2.000 pomares domésticos
e outros fins, que existiam indicativos técnicos de que a região é favorável à
fruticultura e outras culturas perenes;
implantação de 30 unidades coletivas de processamento de produtos agrícolas para
o beneficiamento de cana-de-açúcar e mandioca;
construção de 210 pequenas barragens objetivando o armazenamento de água das
chuvas para fins rurais;
introdução de conhecimentos sobre agricultura e meio ambiente no currículo escolar
rural de 40 escolas rurais, para a formação escolar compatível com a realidade da
agricultura familiar;
implantação de sistema de agentes comunitários de saúde em 30 comunidades,
para promover a saúde e o bem estar das famílias rurais;
assistência técnica e extensão rural para a maioria dos agricultores familiares, já que
o sistema atingia apenas cerca de 10 % destes (PMDR, 1997:9).
O Plano destacava ainda a necessidade de considerar:
o índice de analfabetismo na zona rural;
estimular o crédito rural para um maior número de agricultores familiares, com a
finalidade de atender às necessidades individuais;
promover a capacitação de técnicos, lideranças, produtores e administradores para o
trabalho com agricultor familiar e suas formas de organização;
136
ampliar a pesquisa agrícola direcionada para o agricultor familiar, de forma a criar
modelos/sistemas sustentáveis;
estimular a gestão empresarial para aprimorar a qualidade administrativa no apoio ao
desenvolvimento rural (PMDR, 1997:11).
Embora o PMDR tenha sido ambicioso em suas metas, somente os projetos
relacionados diretamente com a questão da infra-estrutura e da produção foram aprovados
para o financiamento com recursos do PRONAF Infra-estrutura, uma vez que os recursos
eram insuficientes. Os demais seriam viabilizados com recursos próprios do município ou de
outras fontes dos governos estadual e federal.
As obras de construção e ampliação de sistemas de abastecimento de água,
implantação de viveiros comunitários, implantação de unidades coletivas de processamento
de cana-de-açúcar e mandioca e a construção de pequenas barragens de terra atendeu
parcialmente as unidades de produção de agricultores familiares camponeses de
comunidades das regiões do Fanado, Capivari e Setúbal, atendendo às unidades familiares
no ano de 1998.
Observa-se, no entanto, que a implantação de sistemas de abastecimento de água, a
construção dos viveiros e a construção de algumas barragens de terra não foram suficientes
para responder à demanda por ações de sustentabilidade ambiental, conforme fora
documentado no PMDR na dimensão ecologia, que sempre foi um dos eixos do projeto.
A Construção e ampliação de sistemas de abastecimento de água para as unidades
familiares das comunidades buscaram atender a um projeto de perfuração de poços
artesianos iniciado pela Prefeitura. Este projeto permitiu, além das comunidades previstas no
PMDR, atender a um número maior de famílias, pois em muitos casos a Prefeitura já havia
adiantado os serviços com recursos próprios. Foram beneficiadas as comunidades de Buriti
Boa Vista, Inácio Félix, Manoel Luiz, Buriti Paraíso, Contendas, Paudóleo, Sabará,
Capoeirinha, Angicus, Macaúbas, Oca, Jaboticaba da Forquilha, Pedra Preta, Debaixo da
Lapa e Tibuna.
A Implantação de viveiros de mudas destinava à formação de pomares e recuperação
de áreas degradadas, matas ciliares e espécies urbanísticas, foram locados próximos aos
poços artesianos dos sistemas simplificados de abastecimento
40
ou junto às pequenas
barragens. Os viveiros beneficiaram as comunidades de Angicus, Macuco, Paudóleo,
40
Sistemas Simplificados de Abastecimentos de água referem-se apenas à rede de adução e distribuição até um reservatório,
quando se trata de captação por poços subterrâneos ou de bombeamento de rios. No caso de captação de nascentes, por
gravidade, refere-se ao abastecimento de um reservatório e distribuição domiciliar.
137
Jaboticaba da Forquilha, Lagoa Grande, Cansanção Severina, Oca/Cruzinha, Cachoeira de
Ribeirão da Folha, Buriti Paraíso, Aguinhas e Aleixos, além de ampliar a unidade central de
produção de mudas da sede.
No caso da implantação das unidades coletivas de processamento e beneficiamento
de cana-de-açúcar e mandioca, no primeiro momento em que o município “ganhou” o
projeto, foi tido como a maior vitória após o final do Programa MG II; no entanto, bastou o
início da implantação, para explicitarem os jogos de interesse que ia desde a escolha das
localidades, os locais de instalação dos equipamentos, o mau planejamento na execução
dos serviços e a ineficácia da gestão das unidades. Este eixo beneficiou as comunidades de
Angicus e Coqueiro Campo, no processamento de mandioca para fabricação de farinha e
polvilho e as comunidades de Santana e Cantinho, com o beneficiamento de cana-de-açúcar
para fabricação de rapadura e cachaça.
A construção de pequenas barragens de terra era a oportunidade de dotar algumas
áreas de oferta de água para utilização na agricultura e para os animais, ao mesmo tempo
em que contribuiria na regularização de nascentes, o que não ocorreu, pois as barragens
foram mal situadas e com alto custo de locação dos equipamentos, consumiu todos os
recursos na construção de barramentos que não acumularam volumes de água suficiente.
Este projeto, embora tenha sido o que gerou maior expectativa atendeu unidades familiares
das comunidades de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Curralinho.
O
Mapa 5: Distribuição das Comunidades Atendidas pelos Projetos do PRONAF Infra
Estrutura Minas Novas MG - BR, apresenta
a distribuição dos projetos implantados com
os recursos do PRONAF Infra-estrutura e Serviços nas comunidades rurais de Minas Novas.
Seguindo a lógica “mecanicista”, característica dos projetos de infra-estrutura do
PRONAF, nos anos posteriores os recursos foram complementados com os da Prefeitura, os
quais foram utilizados no segundo ano para o financiamento da aquisição de um trator de
esteira, destinado exclusivamente para a construção de pequenas barragens de terra nas
unidades familiares dos agricultores, destinadas à captação de água de chuvas para
utilização em pequenas irrigações e para alimentação dos animais. Estas barraginhas eram
locadas em pontos que tinha o objetivo também de fortalecer e alimentar pequenas
nascentes. No terceiro ano foi adquirida uma retro articulada (retroescavadeira), 01 trator
agrícola e uma grade aradora. No quarto ano adquiriram-se dois tratores agrícolas com
implementos (arado reversível, sulcador, roto canteirador e carreta).
138
Mapa 5
139
A partir das ações do primeiro ano do plano, as propostas que se seguiram referiram-
se à aquisição de máquinas, trator de esteira e uma retro articulada, numa tentativa de
criar uma patrulha mecanizada capaz de atender aos agricultores familiares com infra-
estrutura drica de reserva e acúmulo de água para o consumo animal e para pequenas
irrigações. A gestão dos equipamentos era realizada pelo CMDR, que exerceu um poder
simbólico importante, o que causou conflitos entre as lideranças políticas locais que não
aceitavam essa modalidade compartilhada de decisão.
Todas as obras e serviços estavam contidos no PMDR, até então, uma peça de
planejamento do município. O PMDR é um documento oficial do município que possibilita
também a obtenção dos recursos necessários a projetos orientados para o fortalecimento da
agricultura familiar, inclusive aquelas não contempladas pelo PRONAF e “sua elaboração
deve favorecer a participação efetiva dos agricultores familiares, ao nível de suas
comunidades” (PRONAF, 1996:15).
A gestão participativa na construção do PMDR, apesar de inovadora, não foi
assumida pelas organizações, não teve o apoio necessário para fiscalizar e o efetivo controle
social, como estava previamente estabelecido nos objetivos do CMDR, levando
conseqüentemente ao quase cancelamento dos convênios do PRONAF. A “prefeiturização”
do Conselho e da gestão participativa devido às práticas políticas tradicionais fez com que os
atores locais pouco a pouco enfraquecessem seu papel de protagonistas de seus destinos,
tornando-se cada dia mais dominado e cada vez menos autônomo.
A participação de setores da sociedade civil nesses Conselhos é concebida como
fator determinante para uma eficiente implantação das ações do programa, de acordo com
as reais necessidades e interesses desse setor rural, como afirma a instrução normativa do
PRONAF: “o programa é executado de forma descentralizada e tem como protagonista os
agricultores familiares e suas organizações(Brasil, 2000:1). Este programa representava a
inclusão do segmento da agricultura familiar na política pública brasileira, até então voltada
aos interesses da agricultura patronal.
De acordo com as entrevistas com os agricultores que eram conselheiros na ocasião,
o que se observou é que houve uma mobilização, mas de lideranças mais próximas da
Prefeitura. Deste modo, a implantação de um modelo inovador de gestão encontra seus
limites quando atores políticos se apropriam do discurso da participação para buscar novas
formas de legitimação perante a população e para cumprir ritos formais exigidos para o
acesso a recursos públicos. Esses limites se referem à fragilidade dos mecanismos de
gestão participativa que, na maioria dos casos, dependem do compromisso dos governos
140
locais e do legislativo com a democratização das políticas públicas, da capacidade de
organização da sociedade civil e da existência de uma cultura política participativa.
De acordo com a opinião dos agricultores entrevistados, em relação às obras
financiadas pelo PRONAF Infra-estrutura, 54,16% (39) consideram como grande ajuda para
a família e a unidade de produção, principalmente as barragens e as unidades de
processamento de produtos agrícolas; outros 44,44% (32) não conheciam nenhum dos
projetos, e dos 39 que conheciam 26 criticaram os viveiros comunitários que se
transformaram em estruturas particulares, que não houve organização suficiente para que
pudessem funcionar, citando: muitos inclusive estão abandonados em lugar que não tem
água(Entrevista 16). Segundo alguns dos agricultores estudados e que exerciam liderança
no conselho e que participaram da construção do PMDR disseram que:
“aquele plano era uma esperança que a gente depositava. Ali tava a
esperança e muitos desejos dos trabalhadores rurais, pois era a grande
oportunidade que a gente tinha de ver projetos que viessem realmente
atender a zona rural, principalmente água e energia. Por que tendo esses dois
o resto fica mais fácil”. (Entrevista 09)
“Quando nós começamos uma correria pra juntar as lideranças, muitos não
acreditavam que as palavras deles valiam para a prefeitura, mas mesmo
assim vieram muitos pra participar. Muitos ficaram meio ressabiados com os
projeto, mas foi bom e a gente começou a aprender participar.” (Entrevista 30)
No entanto não tem como se negar que o PRONAF provocou a sociedade, as
instituições e lideranças para um novo tempo de oportunidade e participação, cujo desafio
era romper com práticas que até o momento se reproduzia, onde o agricultor era massa de
manobra das instituições públicas, no velho estilo do “sim senhor doutor”. Este paradigma
começa a assumir a mudança necessária com o fortalecimento do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural.
141
6.2 Os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável: Uma
Experiência de Descentralização de Poder para os Agricultores no Pronaf
A constituição de novos arranjos políticos de participação cidadã no Brasil possibilitou
uma abertura democrática dos poderes políticos e induziu a formação de grupos, nos quais
as pessoas se identificaram e propuseram ações comuns para o desenvolvimento. Os
conselhos são espaços de interface entre o Estado e a sociedade. São ligações entre a
população e o governo, assumindo a co-gestão das políticas públicas; o poder é partilhado
entre os representantes do governo e da sociedade, e todos assumem a tarefa de propor,
negociar, decidir, agir e fiscalizar a realização do interesse público.
A origem destas instâncias revela-se graças às pressões dos movimentos sociais,
principalmente na década de 1980, diante da insuficiência da democracia representativa
parlamentar na organização da política e do Estado como arranjos políticos e democráticos.
Desse modo, a partir da Constituição Federal de 1988 foram criados novos canais de
participação popular, entre os quais os conselhos, redefinidos como espaços de democracia
participativa, e que apareceram na forma de conselhos de políticas públicas.
Descentralizar e democratizar o poder, como parte de um projeto global de
democratização do Estado e da sociedade, é uma tarefa política, que implica na existência
de um projeto político assumido por atores sociais e uma correlação de forças favoráveis.
Diversas visões, concepções e projetos políticos estão presentes e disputam o surgimento e
a abrangência da participação e da democracia.
Na realidade, as relações de poder consolidadas no âmbito do município, tendem a
negar as condições de autonomia das organizações da sociedade civil, fragilizando os
mecanismos de participação ou levando ao funcionamento ocasional dos mesmos, para
legitimar decisões tomadas pelo governo, reproduzindo os elementos tradicionais de uma
cultura política clientelista e centralizadora, que deturpam a possibilidade de um modelo
inovador de gestão participativa, tornando como exemplo os conselhos, como armadilhas
representativas, à medida que se transformam em extensões das prefeituras e não em
possibilidades de decisão pública dos cidadãos e instituições por eles representadas.
O CMDR de Minas Novas, criado pela Lei 1.017, de 20 de março de 1997, como a
primeira experiência de reconhecimento de um Conselho Municipal, de natureza consultiva e
de orientação, se propondo ser permanente e de âmbito municipal. Para constituir esta
instância, foram nomeados pela Prefeitura Municipal os membros indicados pelos órgãos e
entidades representativas do município, convocados para compor o conselho. De acordo
142
com o artigo da referida Lei, respeitadas as competências do Legislativo Municipal,
competiria ao CMDR:
promover o entrosamento entre as atividades desenvolvidas pelo Executivo Municipal
e órgãos e entidades, públicas ou privadas, voltadas para o desenvolvimento rural;
apreciar o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, e emitir parecer conclusivo
atestando a sua viabilidade técnico-financeira, a legitimidade das ações propostas em
relação às demandas formuladas pelos agricultores, e recomendando a sua
execução;
apreciar a política de desenvolvimento rural; sugerir políticas e diretrizes às ações do
Executivo Municipal no que concerne à produção, à preservação do meio ambiente,
ao fomento agropecuário e à organização dos agricultores e à regularidade do
abastecimento alimentar do município;
acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços prestados à população, no tocante ao
desenvolvimento rural, pelos órgãos e entidades, públicos ou privados nele
envolvidos; Elaborar e aprovar o seu regimento Interno;
z
elar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo do desenvolvimento rural;
promover articulações e compatibilizações entre as políticas municipais e as políticas
estaduais e federais voltadas para o desenvolvimento rural;
convocar ordinariamente a cada dois anos, ou extraordinariamente, por maioria
absoluta de seus membros, a Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural, que
terá a atribuição de avaliar a situação do desenvolvimento rural e propor diretrizes
para o aperfeiçoamento desse sistema e;
sugerir e propor alterações na Lei (Lei 1.017/97).
As diferenças de participação se concretizam nas diferentes estruturas legais, nas
práticas e na cultura das instituições, dos governantes e dos mais diversos grupos sociais
envolvidos na construção da democracia participativa. O caráter de legitimidade do Conselho
está na sua composição e no estabelecimento de uma paridade que respeite a diversidade
de interesses, saberes e opiniões dos participantes, dando uma maior legitimidade ao
processo participativo. No caso, do CMDR da Minas Novas-MG, de acordo com o artigo 3.º.
da referida lei de criação, contava com a seguinte composição:
143
“Do Governo Municipal: um representante da Secretaria Municipal de
Assuntos Rurais e Meio Ambiente; um representante da Secretaria Municipal
de Educação; um representante da Secretaria Municipal de Saúde; um
representante da Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social; um
representante da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo; e, dois
representantes da Câmara Municipal, devendo observar a
proporcionalidade partidária. Dos usuários: Dois representantes de entidade
de classe de trabalhadores da área rural; e, três representantes da
Confederação das Associações Comunitárias do Município de Minas Novas”.
(Lei 1.017/97)
Embora a lei fosse genérica quanto às questões do desenvolvimento rural do
município de Minas Novas-MG, a representatividade dos agricultores não se concretizou,
pois o recém criado conselho embora tivesse legitimidade, não tinha a representação
necessária dos agricultores familiares do município. Um exemplo disso foi a proposta de
realização da Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural, que nunca aconteceu.
Outro ponto que se observou foi a composição do CMDR, que dos doze membros
efetivos, sete eram representantes da Prefeitura e da Câmara, respectivamente com cinco e
dois membros; ficando reservado apenas cinco cadeiras a representante de entidades
representativas e associações comunitárias rurais. Uma instância que nascia com o intuito
de ser participativa incorporava todo o conjunto da estrutura da administração municipal
representado pelas suas secretarias.
Passado um período de onze meses, essa lei foi alterada, ampliando o número de
membros, garantindo assento à EMATER-MG e instituições como o Centro de Assessoria
aos Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha CAMPO VALE e Associação
Minasnovense de Promoção ao Lavrador e à Infância da Área Rural AMPLIAR,
aumentando a representação dos agricultores familiares, através da Confederação das
Associações Comunitárias do Município de Minas Novas CONFASCOM. Ainda assim, a
paridade não estava plenamente atendida, pois na elaboração do PMDR, a participação dos
agricultores nos processos de tomadas de decisões foi limitada, pois, na maioria das vezes,
eram os técnicos locais, da Prefeitura ou da EMATER, que centralizavam o processo.
A negação da participação é fruto de uma cultura política autoritária e centralizadora.
A dependência e submissão relativas aos padrões de gestão tradicionais, tanto na
ineficiência das instituições políticas, em dar respostas satisfatórias para melhoria das
condições de vida da população, quanto nas regras democráticas manipuladas por
governantes ou por grupos no poder que desenvolvem estratégias para o controle político.
Em 2000, após a união política do principal grupo tradicional com a oposição de
144
esquerda recente, numa aliança “democrática”, as eleições foram vencidas por uma prefeita
que teve o apoio da maioria das lideranças rurais. Tão logo passaram as eleições houve
uma ruptura entre os grupos que formavam a aliança. Não obstante a discrepância histórica
de tal coligação, de acordo com os agricultores estudados, o poder público municipal se
comportou de maneira satisfatória, apoiando o CMDRS, respeitando suas propostas e
garantindo a participação da sociedade em muitas decisões.
No entanto, segundo algumas lideranças, agricultores e técnicos entrevistados, a
Prefeitura iniciou a manipulação de algumas lideranças e dos representantes do CMDR.
Existia uma pretensa participação e outras práticas que contrariavam o discurso de uma
administração popular; mesmo assim, parece que foi a melhor fase do CMDRS, em termos
de funcionamento como coloca um dos agricultores:
“Na minha época tinha muita discussão no atendimento dos pedidos e
algumas coisas foram deliberadas. Outras foram deliberadas contra o
encaminhamento do conselho e até ferindo as orientações e fiscalização do
Conselho Estadual (Entrevista 11).
Com as eleições de 2004, quando volta ao poder a tradicional elite política, o CMDRS
sente o seu maior golpe. A prefeitura desconsidera qualquer tipo de participação popular e
em função de conflitos entre os poderes legislativos e executivos do município, onde a
presença de vereadores era questionada pelo prefeito, levou a imobilização do conselho até
o final de 2006. Este conflito de representantes dos poderes executivo e legislativo foi tido
pelos agricultores como a causa principal da Prefeitura se negar a nomear os novos
membros do CMDR, justificando a falta de legitimidade dos membros, justificando que os
mesmos já não tinham mais mandato.
Ressalta-se que, embora tenha sido solicitada por diversas vezes a presença e
intervenção do Conselho Estadual, a pedido da Câmara de Vereadores, do Sindicato dos
Trabalhadores e dos próprios membros remanescentes do CMDRS, este agiu de maneira
omissa, contrariando as expectativas de socorro dos agricultores familiares e de suas
instituições. Segundo alguns membros do conselho, a causa dos conflitos estava ligada à
questão da gestão dos equipamentos adquiridos pelo PRONAF Infra-estrutura, um trator de
esteira e uma carregadeira para construir pequenas “barraginhas de terra”, segundo um
deles enquanto não existia conselho, a prefeitura usava as máquinas do jeito que queria.
Eles estavam com ciúme que o conselho mandava nas máquinas” (Entrevista 37).
Tal afirmativa demonstra o grau de conflito e a falta de interesse da prefeitura em
apoiar o funcionamento do CMDRS; uma vez o CMDR detinha o controle dos equipamentos
145
para construção das barraginhas, fazendo uma gestão coletiva junto às comunidades. Por
outro lado, enquanto o Conselho estava desmobilizado, a Prefeitura usava os equipamentos
em diversos serviços urbanos, desconsiderando a necessidade de participar o fato à
sociedade e as representações de agricultores familiares.
Não se nega que no período, serviços foram executados pelos equipamentos para os
agricultores, porém, sem o devido planejamento e um roteiro racional que beneficiasse o
maior número de comunidades. Percebe-se que existe um valor simbólico de poder no uso
das máquinas para construção de barragens e estradas, que concede ao gestor ou liderança
“poder” para realizar um dos maiores sonhos dos agricultores familiares: água e estrada.
No final de 2006, em função da necessidade de aprovação dos projetos do município
para o Programa de Combate à Pobreza Rural - PCPR
41
, do Governo do Estado, cujo critério
principal é a existência de CMDRS com dois terços de representação dos agricultores
familiares, os poderes executivo e legislativo entraram em entendimento e reformularam a
Lei do CMDRS, com as novas regras estabelecidas pelo Conselho Estadual. Diante deste
fato, a prefeitura nomeou os novos membros, para recomposição do CMDRS de Minas
Novas, aguardado desde janeiro de 2005. A ameaça de perda de recursos sensibilizou o
poder local que aceitou a tendência do novo paradigma de política pública que se configura,
com a participação da sociedade na definição de ações que melhor respondam às reais
necessidades dos atores sociais, neste caso, dos agricultores familiares.
A Resolução nº. 48, de 16/09/04, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
Sustentável CONDRAF atribuiu aos Conselhos de Desenvolvimento Rural nos diferentes
níveis de atuação, municipal, regional e estadual. Essa Resolução recomendou que o
processo de criação ou reformulação de CDRS deveria contemplar a representatividade, a
diversidade e a pluralidade dos atores envolvidos nas diferentes dimensões do
desenvolvimento rural sustentável (social, econômica, cultural, política e ambiental), e
deveria basear-se numa articulação que proporcionasse as condições indispensáveis à
legitimidade na perspectiva da gestão e controle social de políticas públicas.
Dessa forma, foi recomendado que os CMDRS fossem compostos por entidades
representativas dos agricultores familiares, de trabalhadores rurais e por entidades da
sociedade civil organizada, órgãos do poder público e organizações para-governamentais,
comprometidos com agricultura familiar e com o desenvolvimento rural sustentável. O
41
O PCPR é um programa do Governo de Minas com o Banco Mundial destinado a financiar projetos de infra-estrutura,
geração de renda e ações sociais para os municípios do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha e Mucuri. Estes projetos,
obrigatoriamente, só são aprovados após avaliação e aprovação do CMDRS.
146
CMDRS deveria também contemplar, representantes dos jovens, das mulheres, e, dos
quilombolas e dos indígenas existentes no município.
“o CMDRS deve ter, obrigatoriamente, como maioria de seus membros,
representantes dos agricultores familiares e trabalhadores assalariados rurais,
escolhidos e indicados por suas respectivas comunidades, associações,
conselhos de desenvolvimento comunitário, sindicatos e demais grupos
associativos. A Presidência do CMDRS será exercida por qualquer um dos
membros, eleito pelo Plenário (...)(MDA/Resolução 48 do CONDRAF).
Em atendimento às orientações do CEDRS, depois de intensas negociações, em 28
de novembro de 2006 a Câmara Municipal, após consenso, aprovou com a Lei 1.532/06 a
reformulação do CMDRS de Minas Novas-MG, respeitando a maioria qualificada de dois
terços de agricultores familiares e de suas representações. De acordo com a nova lei, ao
CMDRS de Minas Novas compete promover:
“o desenvolvimento rural sustentável do município, assegurando a efetiva e
legítima participação das comunidades rurais na discussão e elaboração do
Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável - PMDRS, de forma a
que este contemple ações de apoio e fomento à produção e comercialização
de produtos da agricultura familiar e da reforma agrária, à regularidade da
oferta, da distribuição e do consumo de alimentos no município, e à
organização dos agricultores familiares, buscando sua promoção social, à
geração de ocupações produtivas e à elevação da renda; a execução, a
monitoria e a avaliação das ações previstas no plano municipal de
desenvolvimento rural sustentável do município, e dos impactos dessas
ações, e propor redirecionamento; a formulação e a proposição de políticas
públicas municipais voltadas para o desenvolvimento rural sustentável; a
inclusão dos objetivos e ações do plano Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no
Orçamento Municipal” (Lei 1.532).
“a articulação com os agentes financeiros com vistas a solucionar dificuldades
identificadas e quantificadas, em nível municipal, para concessão de
financiamentos à Agricultura Familiar; ações que revitalizem a cultura local; a
diversidade e a representação dos diferentes atores sociais do município, no
Plenário do Conselho, estimulando a participação de mulheres, jovens,
indígenas e quilombolas” (op. cit).
De acordo com um agricultor e conselheiro atual entrevistado, essa Lei parece
responder satisfatoriamente àquelas intenções de fortalecer a participação dos agricultores
familiares nos processos de desenvolvimento rural. Que na prática possa garantir a
efetivação desta participação na elaboração, execução, acompanhamento e controle social
das políticas públicas destinadas à agricultura familiar, com um CMDR forte e representativo.
147
No resultado geral das entrevistas, 56,94% (41) afirmaram que o Conselho foi e é
importante como espaço participativo, para conhecer a realidade e planejar ações comuns e
para discutir, decidir e cobrar responsabilidades dos governantes e 43,05% (31) considerou
que o CMDR não é eficiente na gestão participativa do PRONAF, pois não teve capacidade
decisória e foi desvalorizado pela Prefeitura.
“Agente era participativo. Mas a pior coisa foi ter colocado na presidência do
Conselho os secretários de agricultura porque muitas vezes ele desmarcava
ou não comparecia nas reuniões, deixava a gente de mãos atadas, sem falar
que para muitos era difícil estar nas reuniões e quando chegavam, o havia
a reunião por falta de coro ou do presidente. Legalmente o Conselho
funcionou como instrumento participativo e deliberativo do PRONAF, mas se
não teve continuidade é porque faltou apoio da administração municipal”
(Entrevista 13).
“O conselho deveria ter sido mais participativo desde o início até o final. A falta
de participação levou o CMDR a ficar fraco, por causa da prefeitura, houve
uma descrença muito grande dos conselheiros e numa época ficaram só
uns três ou quatro conselheiros reunindo e correndo atrás” (Entrevista 16).
“No caso do PRONAF, o conselho foi sendo desprezado e isso fez com que
muitos conselheiros não entendessem a real importância do conselho,
achando que era perda de tempo sair da roça e ficar reunindo pra decidi umas
coisas e a prefeitura num fazia” (Entrevista 13).
O desafio posto para o CMDRS para o futuro próximo, é de se reestruturar enquanto
colegiado dos agricultores familiares do município, sendo garantida a participação,
representação e legitimidade; e de fazer em regime de urgência a revisão do Plano de
Desenvolvimento Rural, que completa uma década de vida. Na realidade a avaliação da
gestão participativa do PRONAF possibilitou o mapeamento e a reflexão acerca das
mudanças do poder local, os dilemas nos novos padrões de relacionamento entre Estado e
sociedade civil e o nível de organização e controle social dos sujeitos envolvidos no
processo de implantação de políticas públicas e do desenvolvimento rural da área de estudo.
A Constituição Federal reconhece o fundamento da cidadania, ou seja, o direito de ter
direitos, rompendo com a concepção de cidadania regulada expressada nas políticas sociais
através de relações entre Estado e população, na qual os direitos são vistos como benesse,
submetidos ao controle da burocracia que através de normas, estabelece quem tem ou não
direito. A participação da população nos processos decisórios confere uma maior
probabilidade de justiça com eqüidade, como preconiza o PRONAF como desafio para os
agricultores familiares de Minas Novas-MG e dos demais municípios brasileiros.
148
6.3 O Pronaf Linha de Crédito e os Agricultores de Minas Novas
Os agricultores familiares Minas Novas, além de terem sido beneficiados com o
PRONAF Infra-estrutura e Serviços, também contam com o financiamento da linha de
crédito, custeio e investimento. O PRONAF crédito visa fornecer apoio financeiro às
atividades agropecuárias exploradas pelos agricultores familiares e suas organizações.
Para compreender o perfil dos agricultores familiares, público alvo do Pronaf,
procurou-se analisar as DAPs emitidas e homologadas no período de 2000 a 2006 pela
EMATER de Minas Novas. Pelos dados para o período, foram emitidas 792 DAPs para
agricultores que procuraram ser beneficiados pelo Pronaf. Pela análise das DAPs, percebeu-
se que, quanto ao gênero, 470 (59,34%) foram emitidas para homens e 322 (40,65%) para
mulheres, sendo que
57,45% referem-se a homens como primeiro titular, num total de 455.
As mulheres representam 32,45%, com 257 DAP emitidas como primeira titular. Outras 80
DAP referem-se aos solteiros (as) separados (as) ou viúvos (as), sendo, respectivamente 33
e 47 as DAP de homens e mulheres como titulares únicos, representando 4,16% e 5,93% do
total. Estes dados demonstram que o Pronaf tem tido um crescente acesso por mulheres,
não sendo exclusivo dos homens “chefes de família”. A tabela 13 apresenta-se a distribuição
de DAP de acordo com as modalidades de enquadramento e acesso ao PRONAF:
Tabela 12
Número e Percentual de DAPs Emitidas por Modalidades de enquadramento no PRONAF
Total de DAP Modalidade B Modalidade C Modalidade D
792 457 270 65
100,0% 57,7% 34,09% 8,20%
Fonte: Escritório Local de EMATER-MG em Minas Novas, 2006. (Organizado pelo autor).
Em relação à escolaridade indicam que dos titulares principais, 5% são analfabetos,
50% são alfabetizados, 40% possuem o primeiro grau incompleto e apenas 5% possuem
escolaridade de médio incompleto a completo, sendo que nenhum homem ou titular principal
possui curso superior. Contudo, todos os filhos dos agricultores em idade escolar estão
matriculados em escolas do município, sendo que em sua maioria ultrapassaram seus
pais em anos de estudo. A prefeitura disponibiliza veículos próprios ou contratados para o
transporte escolar gratuito para todo o município, divididos em diferentes linhas. Vale
ressaltar que embora haja transporte, a segurança pode ser questionada, uma vez que, os
veículos normalmente andam cheios, com muitas crianças tendo que viajar em pé; mas
ainda existem situações em que crianças caminham até 2 km para poder ter acesso ao
149
transporte, o que segundo a Secretaria Municipal de Educação é difícil de resolver, pois os
ônibus só chegam até onde as estradas estão em melhores condições.
No caso dos cônjuges, onde as mulheres representam 85,0% como o segundo titular,
percebe-se um maior grau de escolaridade; sendo 2,0% de analfabetas, 23,0% de
alfabetizadas, 64,0% com o primeiro grau incompleto 11,0% com escolaridade superior ao
primeiro grau completo, identificando cinco casos de mulheres com curso superior completo.
Para a pesquisa entrevistou-se 72 famílias de agricultores que têm suas unidades
localizadas nas regiões do Capivari, Fanado e Setúbal, Ressalta-se que considerando que a
modalidade de enquadramento nos grupos do PRONAF tem o fator renda familiar como o
principal quesito, percebe-se em que regiões uma maior concentração de famílias com
menor poder aquisitivo e menor renda; destacando as famílias da região do Fanado como as
de menor renda, as do Setúbal com renda intermediária e a do Capivari com um nível maior.
Observa-se que a diferença de renda entre as regiões tem como causas prováveis a
decorrência das atividas agrícolas desenvolvidas em cada região, bem como a
disponibilidade de água, o tipo de solos e o nível de conhecimento técnico nas explorações.
Tabela 13
Agricultores Pesquisados Segundo a Modalidade de Pronaf – Minas Novas – 2006
Área N.º.
Agricultores
familiares
Modalidade
B
Modalidade
C
Modalidade
D
Recursos
não liberados
Fanado 32 16 15 1 1
Capivari 21 3 10 8 6
Setúbal 19 4 11 4 4
Total 72 23 36 13 11
Fonte: Dados consolidados da pesquisa (Organizado pelo autor).
Das DAP extraiu-se a situação jurídica quanto ao estado civil dos titulares principais,
sendo que das 792 DAP, 82,0% (650) referem-se aos casados (as) ou/e possuem união
estável, 7,0% (55) solteiros (as) ou separados (as) e 11,0% (87) viúvos (as). A média de
idade dos entrevistados é de 35 anos, sendo que a faixa etária varia de 22 a 69 anos.
Quanto ao número de filhos por família, a média nas três regiões é de 4,3; sendo 3,5
na região do Capivari; 4,2 na do Fanado e 5,2 na do Setúbal. Observa-se que grande parte
dos filhos, mesmo os casados, moram com os pais, próximos à residência paterna ou mais
distante, mas dentro do estabelecimento, sendo que a maioria no máximo mora em
150
comunidades vizinhas, na sede municipal e em municípios vizinhos Essa situação confirma
Lamarche (1998), quando aborda que dentro das estratégias pode ocorrer sobre diferentes
graus a patrilocalidade, onde os pais desejam que filhos, mesmo que em casas separadas,
permaneçam no estabelecimento; a exolocalidade, quando os pais desejam que os filhos
mantenham certa distância do domicilio paterno; e, a exolocalidade longínqua, quando os
pais aceitam certo nível de emigração fora do município (LAMARCHE, 1998:120-121).
No município, de acordo com as DAP, as áreas dos estabelecimentos variam de 4,84
a 105 há. No entanto 77,77% (56) das áreas dos entrevistados situam-se inferior a 50 ha.
Para todos os entrevistados o registro da terra é de fundamental importância para a família,
pois é a segurança de moradia e de emprego e garantia de um teto e da continuação da
tradição de familiar rural. as unidades estudadas, conforme as entrevistas, classificadas
pelo tamanho como pequena propriedade para 23,11% (17) e minifúndios para 76,38% (55),
sendo que 68,05% dos minifúndios não ultrapassam 20 ha. No entanto, a quase totalidade
dos latifúndios junto ao INCRA está registrada ou declarada como de 2,4 ou 4,8 hectares.
Com o processo de “minifundização”, percebe-se o acelerado encolhimento das áreas, em
função das divisões familiares, por partilha de herança ou decorrente de casamento dos
filhos que dão origem a uma nova unidade familiar produtiva.
Quanto à situação jurídica das propriedades, 33,0% são proprietários em situação
efetiva ou posse consolidada, com documento em cartório ou em processo de titulação. As
outras condições representam juntas 67,0%, entre arrendatários, parceiros, posseiros,
comodatário, meeiro e de uso coletivo da família. Destes últimos constatou-se pela
amostragem que 12,0% têm documentos registrados; para os outros 88,0% a situação é
comprovada apenas com a declaração anual do INCRA. Em 75,0% (54) dos casos a posse
ou ocupação se deu por herança e em apenas 25,0% (18) por compra. Analisando as
unidades, as propriedades, após a aquisição, aumentaram para 15,27% (11) dos
entrevistados e diminuiu para os 84,63% (61), resultado da divisão da terra entre membros
da família.
Em relação ao tempo de residência na propriedade ou na comunidade, para 68,06%
(49) desde que nasceram e para 19,44% (14) mudaram para o estabelecimento a mais de 10
anos e 12,5% (09) menos de 10 anos. Quando indagados a quem pertencia o
estabelecimento, a situação figurou-se conforme a tabela abaixo.
151
Tabela 14
Identificação dos Antecessores nas Unidades de Produção – Minas Novas
N.º %
Avós e Bisa 42 58,34
Pais 18 25,0
Outros parentes 6 8,33
Família atual 6 8,33
Total 72 100,00
Fonte: Banco de dados da pesquisa. Organizado pelo autor.
“que eu me lembro... foi meu avó ... o! minha bisavó morava aqui, e oia que eu
nasci e cresci aqui e já tem 60 anos. Ah, acho que as terra tá na minha famia pra mais
de 90 ano”. (Entrevista 44)
Uma das questões manifestadas e que tem afetado o sentimento dos agricultores é
abandono de algumas unidades por famílias que vão morar na cidade. Outros problemas
identificados estão: nas dificuldades e problemas com o abastecimento de água de
qualidade para consumo; ao transporte, que ainda é uma grande dificuldade já que muitos
estabelecimentos estão distantes da estrada principal e que dá acesso à sede dos povoados
ou da cidade; a dificuldade do atendimento médico, principalmente em casos de emergência.
“médico o é um problema dessa comunidade. Se alguém tem um problema de
noite, fica difícil. Ou a gente deixa em casa e sai procurando ajuda, ou bota a pessoa
no lombo do burro. Não tem telefone pra chama o médico e poucos tem carro, ai já viu
no que dá. É muito difícil”. (Entrevista 21)
Outra dificuldade apontada refere-se à renda familiar das unidades de produção.
Segundo os questionários, a fonte da renda familiar dos agricultores é muito variável,
podendo ter origem em vários lugares, de modo que se complementam.
Tabela 15
Rendimentos das Famílias nas Unidades de Produção Estudadas
% da origem da renda familiar
Atividade
agropecuária
Aposentadoria
Pensão
Salários Benefícios
assistenciais do
Governo (Bolsas)
Recurso
da
migração.
Outros
48,2% 38,5% 15,4% 38,5% 33,8% 15,4%
Fonte: Banco de dados consolidados da pesquisa. Organizados pelo autor.
152
Em relação aos benefícios assistências, o Programa “Bolsa Família” constitui-se
como uma importante fonte de renda para os agricultores com filhos de até 14 anos e que
estão na escola. O dinheiro obtido com venda dos produtos agrícolas, aposentadorias e
pensões representam a principal parte da renda das famílias, sendo que o dinheiro do
trabalho sazonal representa importante parcela para 22,22% (16) dos casos estudados.
Os recursos obtidos no trabalho sazonal, “dinheiro de São Paulo”, além de contribuir
na manutenção de algumas famílias, são utilizados “na terra”, na compra de móveis,
eletrodomésticos, na construção e reformas das casas. A aquisição de terra vem sendo
possível pelo fato de que muitas famílias se mantêm com recursos de programas sociais, o
que permite que o migrante reúna mais recursos financeiros. Observou-se que 76,9% das
famílias já empregaram dinheiro de fora, oriundo do chefe da família ou dos filhos migrantes.
Tabela 16
Finalidade dos Rendimentos Obtidos com o Trabalho Sazonal nas Unidades
Animais
Agricultura
Compra de
Móveis
Compra de
Eletrodomésticos
Sustento da
família
Construção
Reforma do
imóvel
20% 30% 40% 60% 60%
Fonte: Banco de dados consolidados da pesquisa. Organizados pelo autor.
Um outro aspecto que a pesquisa chama atenção é o que se refere à preocupação
com o futuro dos filhos e filhas, sendo que foi possível, em alguns casos, entrevistar pai, mãe
e os filhos. Para 87,50% (63) dos pais, o desejo em relação aos filhos é que eles continuem
sendo agricultores, com mais recursos para aumentar a terra e “levar pra frente” o nome da
família e para as filhas que elas estudem e se casem. para 100% das mães, a
preocupação é assegurar a segurança da família, a sustentabilidade e manutenção da
família unida, para que os filhos e filhas não precisem sair para longe. Para 76% dos filhos, o
desejo se expressa em trabalhar, migrar, ganhar dinheiro e tornar-se um produtor maior,
inclusive adquirindo mais terras e se tornando independente. Para 90,0% das filhas o desejo
é estudar e trabalhar na cidade, ser independente e ter uma vida confortável, principalmente
com condições de consumo de produtos e serviços que a roça não oferece, sendo que
casamento e filhos não são prioridades
.
Esses resultados parciais e incompletos não
permitem visualizar o futuro, mas apontam possíveis indicativos.
Dentro deste contexto, ressaltam-se os modelos de estratégias dos pais a respeito ao
futuro dos filhos, conforme Lamarche, tais como: estratégia ruralista, quando o mais
importante para os pais é a fixação dos filhos no campo, independente de suas aspirações
153
profissionais; estratégia patrimonial, quando o objetivo principal é o de manter os filhos na
unidade familiar; estratégia de promoção social, quando o objetivo é fazer com que os filhos
atinjam uma promoção social através da educação, principalmente superior; e, estratégia é
tradicionalista, quando se limita a resolver através do casamento, o problema das filhas.
Nas entrevistas, direcionadas aos agricultores familiares, a primeira questão foi sobre
a opinião em relação aos políticos da região. Na opinião de 75,0% dos entrevistados os
políticos atrapalham, mas os órgãos públicos têm um papel importante na organização.
Todos informaram que já tiveram benefícios com algum projeto do governo, tendo sido citado
o PRONAF para 50% (36), 19,44% (14) pelo Programa Minas Sem Fome, 22,22% (16) pelo
o Programa Compra Direta da Agricultura Familiar e o 34,72% (25) pelo Programa Bolsa
Família ou outro projeto social do governo.
Quanto ao fato de ter sido beneficiado com projetos de organizações não
governamentais, 23,38% (19) foram beneficiados com projetos do Fundo Cristão, 12,50% (9)
do projeto do Conselho Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA e outros 15,27% (11)
dos projetos da Articulação do Semi-Árido - ASA com a construção de caixa de captação de
água de chuva. Nestes projetos observou-se em campo que os resultados foram bons para
as famílias, como colocado pelos agricultores: “não precisar sair pra fora mais, foi o melhor”
(Entrevista 46); “melhorou muito e deu pra aumentar o serviço pros filhos” (Entrevista 16).
Quanto ao entendimento do Pronaf, pelos agricultores familiares e camponeses, a
pesquisa de campo observou que dos entrevistados de todas as áreas do município, 93,05%
(66) interpretam o PRONAF apenas como empréstimos, comparando-o com outras linhas de
crédito bancário, inclusive aqueles descontados pelo INSS, consignados em folha de
pagamentos destinados aos aposentados; em todos os casos, ouviram falar no PRONAF
e conhecem o programa apenas como oferta de empréstimo para aquisição de bens ou
como uma ajuda as famílias da roça. Em relação à compreensão da proposta do programa,
a quase totalidade compreende o PRONAF como uma ajuda do governo ao pequeno
produtor; existe o entendimento que os recursos “e o uso do dinheiro é para aumentar as
coisas da família e não para qualquer coisa(Entrevista 11).
Dos 72 agricultores pesquisados, 84,72% (61) já utilizaram algum empréstimo de
banco para a atividade, sendo 64,44% (68) apresentaram proposta para o PRONAF:
82,35% (56) para o Banco do Nordeste e 17,64% (12) para o Banco do Brasil, e todas as
propostas foram elaboradas pela EMATER-MG. Dos 68 que apresentaram proposta ao
PRONAF, 86,76% (59) se beneficiou com os recursos, tendo tido o projeto aprovado e
recebido o financiamento; dos que não foram beneficiados, três tiveram problemas de CPF
154
bloqueado em um por estar incluído no SERASA. A totalidade dos 72 conhece outros que
fizeram ou tiveram propostas aprovadas, nas diversas modalidades B, C ou D. Os valores
das propostas variam de R$ 1.000,00 para a modalidade de PRONAF B e R$ 18.000,00 para
o D, sendo que a média é mesmo a modalidade C que permeia o valor de R$ 6.000,00.
Em relação às aplicações, a bovinocultura, com aquisição de matrizes e
desintegradores, construção e reforma de cerca e manejo de pastagens e melhoria de
instalações, tem sido a atividade de maior demanda; a questão da água tem assumido o
segundo lugar dos pleitos de financiamento, principalmente para construção de reservatórios
e aquisição de tubos; em seguida, vem as atividades ligadas a suinocultura, com aquisição
de matrizes e melhoria da infra-estrutura de cria e engorda; depois vem as atividades de
produção de cachaça com propostas para plantio de cana e aquisição de alambique; seguido
do reflorestamento de eucalipto; e, finalmente a aquisição de animal de serviço. A tabela
abaixo apresenta os números e os porcentuais que cada atividade representa no total de
unidades de produção familiares estudadas.
Tabela 17
Número de Unidades de Produção com Financiamento PRONAF por Atividades
Atividades Nº Unidades com
financiamentos
% das Unidades com
financiamentos
Bovinocultura 40 55,55
Água 11 15,27
Suinocultura 8 11,11
Cachaça 7 9,72
Eucalipto 4 5,55
Animal de serviço 2 2,77
Fonte: Dados Consolidados da pesquisa de campo.
Em 95,55% dos casos foi utilizado todo o recurso na atividade proposta. Para 60,00%
dos entrevistados, quando perguntado se o recurso tinha sido suficiente ou se
complementou com outros, 75,0% destes responderam que no primeiro ano foi suficiente,
mas no segundo tiveram que gastar com recursos próprios, inclusive com dificuldade em
realizar o programado; 25,0% disseram que foi suficiente, principalmente por se tratar da
aquisição direta de bens (equipamentos ou animais).
Em relação à avaliação do PRONAF pelos agricultores beneficiados, os dados
apresentados no gráfico 10 revelam que o percentual variou entre 35,0% para Bom, 45,0%
para Muito Bom e 20,0% como ótimo. No geral, todos os agricultores familiares afirmaram
que com os recursos recebidos, foi possível atender ao pretendido, sendo que o dinheiro
ajudou na questão financeira em momentos de grandes apertos.
155
Gráfico 1
Avaliação do PRONAF pelos agricultores beneficiados, Minas Novas - 2006
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Pronaf
Bom
Muito Bom
Ótimo
Fonte: Dados Consolidados da pesquisa de campo (Organizados pelo autor).
Observou-se nas entrevistas e trabalho de campo que o que mais dificulta a obtenção
do financiamento do Pronaf tem sido a exigência de documentação jurídica da propriedade
da terra dos agricultores familiares, pois a maioria deles dependia de contratos e cartórios
para se habilitar ao crédito. A crítica mais comum ao PRONAF foi quanto a agilidade do
processo, principalmente por parte dos bancos. “Precisa ser mais rápido por parte do banco,
quando a gente procura é que precisando, se não nem precisava de banco, quase todo
mundo que conheço a reclamação é uma só: demorou demais” (Entrevista 18).
O que melhor achou de bom no PRONAF em 80,0% dos entrevistados foi o dinheiro
barato e os descontos, em forma de bônus, sendo 25,0% do principal no caso da modalidade
B e R$ 700,00 para o C, quando os contratos são pagos dentro dos prazos estabelecidos. A
totalidade faria outra vez ou recomendaria para outros “Pras famílias fracas é como um
empurrão” (Entrevista 21) “Sim, com certeza faria de novo. Hoje recebo visita na minha casa
pra ver o sucesso das atividades graças ao PRONAF” (Entrevista 17). “A gente tem medo de
apertar, mas faria de novo, o sonho de comprar nunca acaba” (Entrevista 36).
Os agricultores demonstraram dificuldade em diferenciar o crédito e a assistência
técnica para obtê-lo. No geral, não compreendem o que é extensão rural, tendo inclusive de
se desmistificar uma confusão gerada, aonde muitos agricultores vem achando que “a
EMATER é o banco que emprestava dinheiro” (Entrevista 04), uma deturpação perigosa para
a extensão rural; nenhun dos agricultores estudados não tinham conhecimento que a
156
assistência técnica gratuita aos agricultores familiares é um direito deles, expressa no Plano
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER; ainda têm nos órgãos públicos
instrumento de ajuda e favor do governo.
Outras observações e sugestões a respeito do programa referem-se à necessidade
de maior agilidade na liberação dos recursos, a menor exigência dos bancos que ainda
continuam exigindo garantias reais ou avalista e implicando a burocracia que aumenta,
enquanto a coordenação nacional do PRONAF tem procurado estabelecer formas e critérios
para maior acessibilidade do crédito pelos agricultores familiares. De acordo com alguns
agricultores, o cálculo da renda deveria ser diferente, possibilitando-os receber além do limite
em operações realizadas em anos diferentes, mesmo que o principal da vida ainda não
tenha sido pago o que facilitaria segundo estes, um fluxo de caixa constante.
O aspecto de gestão dos bancos sobre os recursos do PRONAF tem sido marcante.
Primeiro por que os bancos apresentam os recursos do PRONAF como se fosse um produto
do próprio banco, portanto, passando a fazer exigências para liberação nos mesmos moldes
de outros financiamentos; segundo por que a forma seletiva que em alguns casos o banco
atua, principalmente o Banco do Brasil, o agricultor familiar se constrange, principalmente
quando da exigência de avalistas ou de outra garantia real; já é tradição a dificuldade de se
conseguir avalistas para as operações bancárias; esta prática tem sido facilitada com a
formação de grupo para aval solidário, onde um avalia outro, num sistema triangular ou mais
abrangente, neste caso não se permitindo o aval cruzado, onde a operação de um garante a
do outro. Na opinião de um agricultor “quem manda no pronaf é o gerente dos bancos, eles
parecem ser os donos mais que os agricultores e o governo” (Entrevista 58).
Um aspecto importante que vale destacar é o fato de que a totalidade das mulheres
entrevistadas que apresentou propostas para recebimento do PRONAF B privilegiou em
primeiro lugar a segurança alimentar, a sustentabilidade do estabelecimento e a garantia das
condições para manter a família unida; além de que estas mesmas primam pelo uso dos
“pequenos valores”, tendo uma capacidade racional de controle de uso dos recursos,
“o dinheiro na mão da mulher rende mais por que s é zelosa. A gente tão
acostumada com o pouco que aprendeu a fazer ele render. Jogá fora e
esperdiçá num dá. Nós num na época de perder trabalho não, inda mais
dinheiro de banco ... e o medo de devê ?” (Entrevista 22).
De outro lado, observa-se ainda que a racionalidade do homem no uso e aplicação
dos recursos se direciona para ampliar a infra-estrutura e as condições de produção, com
vistas a aumentar as áreas de cultivo, garantindo para “os filhos homens” condições de
157
trabalho, continuação do estabelecimento e da sua reprodução como agricultor, condição
que herdou dos pais e avós. A pesquisa procurou investigar os projetos apresentados aos
Bancos do Nordeste do Brasil e Banco do Brasil, onde se percebeu a abrangência das linhas
de crédito do PRONAF para os agricultores familiares.
De acordo com os dados fornecidos pela Agência de Capelinha-MG, o Banco do
Nordeste do Brasil destinou R$ 1.729.113,65 para a área rural de Minas Novas no período
de 2000 a 2006, sendo que R$ 1.351.435,79 referem-se ao PRONAF, totalizando 78,16% do
montante. No entanto este percentual e valor podem aumentar, quando considerado o fato
de que algumas operações rurais e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Rural do
Nordeste FNE foram acessados por agricultores familiares em estágios avançados e que,
de acordo com o banco, não se enquadravam nas linhas do PRONAF. Tendo sido realizada
1.005 operações e destinação para os grupos B, C e D, sendo 829 operações no grupo B
(82,48% do total), 149 do grupo C, 24 do grupo D, 2 PRONAF mulher e 1 PRONAF Floresta.
Quadro 9
Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste para Minas Novas, 2000-05
PRONAF B PRONAF C PRONAF D
Ano Quant. Valor Quant. Valor Quant. Valor
2000 - - 54 164.225,06
5 26.797,45
2001 79 39.500,00
6 18.300,00
- -
2002 207 103.500,00
5 16.300,00
- -
2003 38 38.000,00
5 16.714,00
- -
2004 117 117.000,00
1 5.000,00
- -
2005 109 109.000,00
1 4.060,00
- -
Total 550 407.000,00
72 224.599,00
5 26.797,45
(*) 2005 refere-se ao período de janeiro a setembro
Fonte: Banco do Nordeste do Brasil, Agência Capelinha-MG, 2007.
Quadro 10
Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste para Minas Novas, 01/11/2004 até 31/12/2006
Tipo Quant. Valor
Pronaf B (FNE) 370 370.450,00
Pronaf C 78 354.380,64
Pronaf D 19 170.238,65
Pronaf b (STN) 18 8.014,29
Pronaf Mulher 2 12.638,56
Pronaf Floresta 1 6.000,00
Rural 20 250.891,08
Comercial 1 7.103,98
Total 509 1.179.717,20
Fonte: Banco do Nordeste do Brasil, Agência Capelinha-MG, 2007.
158
Quadro 11
Recursos (R$) liberados pelo Banco do Nordeste para Minas Novas, 2006
Linha Qtde. Operações Valor Total
Pronaf Floresta 1 6.000,00
Pronaf B 243 243.450
Pronaf C 60 284.238,44
Pronaf D 15 145.441,20
Pronaf Mulher 2 12.638,56
FNE Rural 7 119.682,80
Total 328 811.451,00
Fonte: Banco do Nordeste do Brasil, Agência Capelinha-MG, 2007.
Já o Banco do Brasil, no mesmo período de 2000-06, liberou para as linhas de crédito
do PRONAF recursos globais de R$ 907.206,32, beneficiando 177 famílias dos municípios
de Minas Novas, Leme do Prado e Jenipapo de Minas, área de abrangência da Agência de
Minas Novas.
De acordo com a referida Agência, destes valores, Minas Novas beneficiou-se com
80,0%, o que ao desmembrar estes valores dos globais a situação passa ser que para os
agricultores familiares de Minas Novas o valor de R$ 742.165,63, beneficiando 156 famílias.
Ressalta-se que o Banco do Brasil não trabalha com a linha de crédito do PRONAF B,
adotando as demais linhas nas mesmas condições do Banco do Nordeste do Brasil. A
EMATER tem feito diversas gestões junto ao Banco do Brasil para que atenda ao PRONAF
B, ao menos para as famílias de agricultores que trabalham com artesanato, considerando
que no município é desenvolvido o Programa DRS do Banco do Brasil com os artesãos.
Quadro 12
Recursos (R$) liberados pelo Banco do Brasil de Minas Novas, 2004-2006
Modalidade Quantidade Valor %
Pronaf Grupo C – Custeio 5 6.155,11 0,8462
Pronaf Grupo D – Custeio 1 3.787,67 0,5207
BB Rural Rápido Pronaf Grupo D 12 11.518,96 1,5836
BB Pronaf Investimento Grupo C 99 461.412,08 63,4361
BB Pronaf Investimento Grupo D 23 236.491,22 32,5134
Pronaf Florestal 2 8.000,00 1,0998
Total 142 727.365,04 100,00
Fonte: Banco do Brasil, Agência Minas Novas, 2007.
159
O montante dos dois bancos soma R$ 2.093.601,42 totalizando 1.161 operações;
estimando-se 747 famílias beneficiadas, considerando que no período apresentado uma
mesma família pode ter obtido o pronaf B por mais de uma vez. Observa-se que 71,40% das
propostas, totalizando 829, referem-se ao PRONAF B; considerando as condições deste
grupo, principalmente no quesito renda familiar, percebe-se um forte indicativo que a maioria
dos agricultores familiares ainda se encontra num patamar de camponês.
Observa-se que, embora os agentes financeiros sejam apenas operadores do
PRONAF, os bancos ainda o apresentam como mais um produto do banco, desconsiderando
que o recurso é parte de um processo de fortalecimento da agricultura familiar. Tal
comportamento tem feito que alguns bancos venham exigindo dos agricultores familiares as
mesmas condições de outras linhas de crédito convencionais, o que desde o primeiro
contato, de acordo com o perfil do agricultor, principalmente os mais descapitalizados e
necessitados do crédito, se acanham e mantenham-se distanciados do banco, perdendo a
oportunidade de usufruir de uma política pública destinada exclusivamente para ele.
Outros aspectos julgados importantes para esta pesquisa e observados a situações
não previstas nas normas do PRONAF: um caso refere-se à vinculação das operações a
aquisição de produtos do banco, como seguros; outro aspecto identificado foi a exigência de
garantia real ou avalista, embora para o PRONAF este procedimento seja dispensável.
Alguns bancos têm adotado tal medida, segundo um funcionário de um banco, ouvido para
esta pesquisa, “muito mais que uma garantia real é mais no sentido de uma garantia moral,
onde na mesma comunidade um projeto esteja vinculado a outra pessoa como uma forma de
melhor fiscalização, não avalistas, mas vigias”; segundo essa opinião, com este
procedimento permite-se um maior controle social do projeto e da responsabilidade
assumida perante o banco pelos agricultores.
Se o banco exigir dos pobres o mesmo que exige dos ricos, pronaf pra que? O jeito é
amolar o podão e continuar indo pra São Paulo. A gente cansado de discurso
de um jeito, na hora do vão ver é outra coisa. Nossa terra é péssima mãe e boa
madrasta” (Entrevista 46).
Considerando que um dos grandes problemas identificados nos diversos contatos
com técnicos e lideranças dos agricultores familiares anteriores, para realização dessa
pesquisa, foi a questão da migração, o segundo questionário procurou abordar alguns
aspectos julgados pertinentes, principalmente na visão das famílias geradoras da mão-de-
obra necessária para alimentação desse processo.
160
6.4 Estratégias Técnicas de Organização e Mercados Para as Unidades de Produção
Familiar Estudadas
As técnicas de manejos usadas pelos agricultores camponeses e familiares, no
preparo do solo, para o cultivo da terra são muito simples e rudimentares, na maioria dos
casos: 52,77% (38) dos entrevistados, ainda usam a enxada como o principal instrumento de
preparo do solo, outros 47,22% (34) disseram preparar o solo com máquinas (tratores)
cedida da prefeitura ou alugada para realizar as operações de aração e gradação do solo.
Ressalta-se que aqueles que utilizam tratores são muito mais pela racionalidade de substituir
dias homens por horas máquina do que pelas vantagens que o preparo mecânico do solo
pode oferecer. O aluguel do trator se faz pela Prefeitura de Minas Novas, tendo como custo
da hora de trabalho, o valor de R$ 25,00/h. No entanto, mesmo pagando, conforme dito
pelos agricultores, é difícil de obter um trator devido à grande demanda pela máquina. A
prática da queimada anual no preparo do solo é atualmente, um manejo quase abandonado
pelos agricultores, uma vez que, apenas dois agricultores da pesquisa de campo informaram
ter usado a referida prática em sua propriedade. A maioria dos agricultores informou que:
“aqui não usa mais queimá não, os técnicos da EMATER fala muito pros agricultor dos
riscos e problema com a queimada. Antes usava muito e a terra ficou ruim e fraca, as
vezes com o vento o fogo fica tão forte e a gente tem que correr, atravessá os aceiros,
correndo o risco até de sapecá a gente(Entrevista 03).
Foto 3: Comunidade de Capivari Contendas: preparo de solo com enxada para plantio de batata doce.
Foto 4: Comunidade de Macuco-área do Fanado (preparo de solo com enxada para cultivo de milho).
Fonte: Pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
161
Percebe-se, através das entrevistas, que os agricultores estão adquirindo maior
conscientização de preservação e estão cientes de que práticas não recomendadas têm
comprometido as pequenas áreas de produção. O procedimento de análise de solo só foi
identificado em 8,33% (6) dos estabelecimentos localizados na bacia do Capivari próximos
às áreas de cultivo de café das grandes fazendas, onde alguns agricultores são
influenciados pelas práticas agrícolas das grandes empresas de cultivo de café.
Quanto às técnicas de plantio, 68,05% (59) dos entrevistados utiliza plantadeira-
adubadeira do tipo matraca”, com manejo manual, no entanto de todos os agricultores
entrevistados 84,72% (61) ainda plantam sem técnica de curva de nível, tipo “morro a baixo”,
justificadas pela facilidade no plantar e capinar, sem levar em conta as perdas de solos
durante as chuvas. Outro ponto identificado foi o uso de fertilizantes qmicos em 40,27%
(29) das unidades, uma proporção alta, porém, apenas dois destes seguiram orientação
técnica. Um dado preocupante, conforme observado em campo, tem sido o aumento no uso
de defensivos químicos, principalmente inseticidas e fungicidas sem uso de Equipamento de
Proteção Individual EPI, e sem orientação técnica em todos os casos pesquisados, mais
notadamente na região da bacia do Capivari e por agricultores que cultivam café e os que
estão iniciando a atividade florestal, com o plantio de áreas de eucalipto.
6.4.1 A Produção Agrícola e Pecuária nas Unidades Familiares
Analisando os produtos agrícolas cultivados, identifica-se o domínio de algumas
culturas; entre os grãos, o milho é cultivado por 100,00% dos agricultores familiares
camponeses, o feijão é cultivado por 80,55% (58) deles, sejam variedades como o carioca,
caxim branco ou preto, roxinho, bico de ouro e rosinha; existindo também as sementes
crioulas locais tradicionalmente plantadas como o feijão “catador”, o feijão de corda e o feijão
andu (ou guandu). Trata-se de uma tradição local
42
dos agricultores camponeses o plantio
destas sementes e em decorrência disto, tem sido realizado um resgate das sementes
“crioulas” pela EMATER, principalmente de feijão e milho, numa tentativa de recuperar e
manter o patrimônio genético que está sendo ameaçado pela introdução de variedades
exóticas ou outras ditas “melhoradas”; as sementes estão sendo reproduzidas por diversas
famílias e comunidades rurais.
42
O plantio de sementes crioulas é comum nas comunidades de agricultores camponeses em Minas Novas. No entanto estas
sementes têm sido substituídas por sementes híbridas ou de variedades melhoradas geneticamente.
162
Foto 5: Amostras de sementes “crioulas” resgatadas pelo Escritório da EMATER de Minas Novas.
Fonte: Pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Gráfico 2
Finalidade da Produção de Milho e Feijão nas Unidades Familiares
Minas Novas-MG - 2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Milho Feijão
C
CV
V
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente venda.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
163
Como se observa nos gráficos, da totalidade de unidades de produção familiares que
cultivam milho, 76,38% utiliza exclusivamente no consumo interno, na alimentação da família
em forma de fubá e farinha de milho e quando verde na confecção de pamonhas, mingaus e
angu liso e na alimentação animal, seja diretamente para suínos e aves ou desintegrados e
adicionados para bovinos; outros 15,27% das famílias destinam o milho de forma mista para
consumo e venda; e, 8,33% produzem milho exclusivamente para venda verde em espigar
ou seco debulhado ao longo do ano, depois de armazená-lo em paióis.
Da mesma forma o feijão, das unidades de produção familiares que cultivam este
grão, que tem grande importância na família, 48,61% utilizam exclusivamente no consumo
interno da família, enquanto 51,39% das famílias destinam o feijão para consumo e venda
não registrando nenhum caso de produção exclusivamente para venda. Ressalta-se que
estes percentuais referem-se a todas as variedades de feijão cultivadas, inclusive as verdes.
Quanto às frutas, em 91,66% (66) dos estabelecimentos, destacam-se a laranja,
banana, limão, manga, tangerina, mamão, maracujá, abacate, abacaxi e outras, ocupando
principalmente os quintais, no entrono da casa de moradia. Não foi identificado nos
estabelecimentos amostrados, nenhum plantio comercial de maior importância destinada
exclusivamente para o mercado, apesar de ter sido objeto de incentivo no município, o
plantio de abacaxi se apresenta como uma das alternativas possíveis para o mercado.
As verduras e legumes estão presentes em 100,0% dos estabelecimentos
amostrados, em menor ou maior escala, as mulheres camponesas plantam nos quintais
como complemento da alimentação. A horticultura aparece em principio, como atividade da
mulher, como parte do seu trabalho no entorno da casa e, posteriormente ganha espaço
como complemento de renda para muitas famílias inserindo-se na feira local ou em
município do entrono de Minas Novas. Na opinião das famílias “até que queriam aumentar a
horta, mas água mingua quando as plantas mais precisam” (Entrevista 17).
Na “horta” está presente outra tradição de que se valem as mulheres são os
“remédios de horta”, em 51,38% (37) dos estabelecimentos visitados, constataram-se
diversas espécies de “plantas medicinais” tradicionalmente utilizadas pelas famílias, que
demonstram um bom conhecimento sobre seus usos e indicações nas doenças cotidianas.
164
Foto 6: Horta em unidade familiar na comunidade do Bentinho (região do Fanado).
Fonte: pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Tanto no caso das frutas quanto das verduras, a feira livre do produtor, através do
Mercado Municipal de Minas Novas é destino para comercialização de 79,60% (39) dos
agricultores estudados, sendo 12,24% (6) e 8,16% (4) destinados às feiras livres dos
municípios vizinhos de Capelinha e Chapada do Norte, respectivamente.
Gráfico 3
Finalidade da Produção de Frutas e Verduras nas Unidades Familiares
Minas Novas-MG – 2006 – em %
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Frutas Verduras
C
CV
V
P
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente venda; e, P = Processamento (doces).
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
165
Observa-se nos gráficos que da totalidade de unidades familiares que possuem
frutas, 30,30% as utiliza exclusivamente no consumo da família, “in natura” ou em forma de
artesanato de doces e compotas; a maioria das famílias, 49,29% destina as frutas para
consumo e venda; e, outras 20,41% destinam a venda, sendo 14,66% in natura e 5,75%
processados em forma de doces. Entre as frutas mais comercializadas in natura destacam-
se banana e laranja e as processadas destacam-se os doces de laranja, figo e mamão.
Da mesma forma, no caso das verduras e legumes, que representam parte
importante da alimentação das famílias, 48,61% cultivam hortas exclusivamente para
consumo; 33,34% destinam para consumo e venda e 18,05% que cultivam com o objetivo
prioritariamente para a venda.
A mandioca e a cana-de-açúcar representam um papel altamente relevante na
produção familiar, sendo encontradas em 87,5% (63) e 81,94% (59) respectivamente nas
unidades estudadas, por se tratar de produtos “de reserva”
43
e de uso durante todo ano. A
mandioca é utilizada como alimento de consumo direto, pelas famílias ou beneficiadas nas
“tendas de farinhas”, unidades transformadoras coletivas ou individuais para fabricação de
farinha e polvilho (goma). A cana-de-açúcar é transformada por pequenas engenhocas em
rapadura e açúcar mascavo ou na garapa para uso direto no preparo do café, conforme um
agricultor comenta, mostrando o papel da cana-de-açúcar como alimento para o agricultor
familiar: Meu pai dizia que o agricultor que segura na palha da cana não cai (Entrevista 28).
43
Produto de reserva no Vale significa uma espécie de “Caderneta de poupança”, onde são cultivados espécies com grande
capacidade de resistência à seca e com possibilidade de consumo e processamento durante todo o ano. No caso da mandioca
e da cana-de-açúcar, ambas são plantadas no período das chuvas e durante o período da seca podem ser colhidas para
alimentação direta ou processadas através de farinha e polvilho, no caso da mandioca e rapadura e cachaça no caso da cana-
de-açucar, além de suplementar a alimentação animal.
166
Gráfico 4
Finalidade da Produção de Cana-de-açúcar e Mandioca
nas Unidades Familiares - Minas Novas-MG - 2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
Cana Mandioca
C
CV
V
P
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente venda; e, P = Processamento (Derivados de cana e de mandioca).
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
A pecuária constitui importante atividade das unidades familiares. Em todos os
estabelecimentos se encontram animais, com criações de suínos e aves e a bovinocultura
destinada à produção de leite e carne, para consumo e mercado local. Em relação aos
animais de serviço, 72,22% (52) dos estabelecimentos estudados os possuem, sendo 75,0
% (39) muares e 25% (13) de eqüinos, utilizados na totalidade, para transportar pessoas e
cargas. Não se encontrou nas unidades estudadas nenhuma família com criação de cabras
ou ovelhas.
Em relação aos pequenos animais, observou-se que em 70,83% (51) das unidades
familiares se criam suínos, seja com criação de leitões para venda ou engorda para a
produção de carne. As carnes são consumidas logo após o abate dos animais ou são
processadas artesanalmente. O toucinho é enrolado em mantas para ser consumido
gradativamente, da mesma forma são armazenadas a banha derretida para a confecção de
outros alimentos e carne defumada no fogão de lenha em forma de linguiça feitas nas tripas
do próprio animal. A forma mais comum de conservação da carne de porco é misturando-a
na própria gordura, o que garante conservação por um tempo de até quatro meses e o
consumo é realizado gradativamente. Em 38,46% dos casos das unidades pesquisadas a
produção de suínos é exclusivamente para o consumo da família. Em outros 46,15% a
167
destinação é mista, para consumo e venda e em 15,39% são destinados exclusivamente
para venda. Os leitões são vendidos geralmente para vizinhos ou sob encomendas, a
carne é vendida nos ougues públicos do Mercado Municipal, sendo que a totalidade das
criações, das unidades estudadas, é do tipo caipira, criados em instalações rústicas.
Gráfico 5
Finalidade da Produção de Suínos
nas Unidades Familiares - Minas Novas-MG - 2006 – em %
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Suínos
C
CV
V
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente venda.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
Em relação à criação de aves, em todas as unidades de produção familiares
estudadas está presente. No entanto quanto à destinação, 29,42% utilizam exclusivamente
para o consumo, 44,11% usam de forma mista para consumo e venda e 26,47% destinam
majoritariamente as aves e ovos para a feira livre, sendo 90,0% para o Mercado de Minas
Novas e 10% para o mercado de Turmalina. As aves são criadas soltas na maioria dos
casos e quando presas, são criadas em galinheiros ou pequenos galpões rústicos e
constituem exclusivamente em raças caipiras, com a introdução recente de espécies de
exóticas de linhagens francesas. A carne de aves e ovos representa parte importante na
alimentação nas unidades camponesas e familiares de Minas Novas-MG.
168
Gráfico 6
Finalidade da Produção de Aves
nas Unidades Familiares - Minas Novas-MG/2006 – em %
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Aves
C
V
CV
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente venda.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
A bovinocultura característica das unidades familiares de Minas Novas-MG é
predominantemente mista, considerando que a maioria das famílias possui poucas cabeças
para exploração de leite para o consumo familiar, produção de bezerro e de carne na
ocasião dos abates. Esta atividade está presente em 76,38% (55) das famílias estudadas
que se dedicam a exploração bovina, com maior ênfase na produção de leite e derivados,
mas não de forma especializada.
Nas unidades amostradas, 42,85% da produção de leite destinam ao consumo da
família, outros 32,67% utilizam tanto para consumo como para venda, enquanto 6,12%
exploram e destinam a produção principalmente para venda e, 18,36% para o
processamento do leite para a fabricação de queijo ou doces.
Das unidades que se dedicam à exploração mista, mas com ênfase na produção de
bovino para corte e bezerros, 5,13% produzem para o consumo da atividade familiar,
enquanto e 20,52% exploram e destinam a produção para o consumo e venda e 74,35% das
unidades de produção familiares estudadas produzem para atender o mercado, através de
venda para os açougues de Minas Novas.
169
Gráfico 7
Finalidade da Produção Bovina de Leite e Carne
nas Unidades Familiares Minas Novas-MG/2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Leite Carne
C
CV
V
D
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Venda; e, P = Processamento.
No caso do leite, D significa venda em forma de derivados.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
A produção de leite e carne está voltada principalmente, para o consumo da família
dos agricultores da região do Fanado; no caso dos estabelecimentos das regiões do Capivari
e Setúbal, além da porção destinada ao consumo da família, já existe uma oferta mais
significativa para o mercado local e de municípios vizinhos, onde muitas famílias têm a
tradição de processar o leite para fabricação de queijo e requeijão moreno, além do mais um
grupo de produtores das comunidades do entorno de Paudolinho, na região do Capivari,
entregam leite para o laticínio de Turmalina, que instalou um tanque de resfriamento de
2.200 litros, para atender ao Programa Leite pela Vida, do Governo do Estado.
6.4.2 As Indústrias de Transformação Artesanais nas Unidades de Produção
As atividades voltadas à indústria artesanal de transformação de produtos agrícolas
em muitos estabelecimentos já são uma forma de agregar valor a algumas culturas e
produtos, destacando-se os derivados de cana-de-açúcar, mandioca, leite e frutas. Estes
tipos de atividade estão presentes nas três áreas; nas do Capivari e Setúbal, destacam-se os
derivados de leite e cana-de-açúcar; no Fanado a transformação mais importante está
com o processamento da cana-de-açúcar e mandioca.
170
O artesanato de cerâmica é uma atividade multifuncional encontrado na região do
Fanado, em comunidades rurais e aglomerados de casas dos distritos onde muitas mulheres
e até homens dedicam-se transformação e criação a partir da argila, em potes, jarros,
bonecas e flores. As cerâmicas definem nestes locais, a multifuncionalidade do espaço rural,
como complemento e até mesmo principal renda de famílias de agricultores-camponeses
que residem na comunidade e têm suas unidades de produção no entorno, ou trabalham em
parceria em propriedades do entorno. A atividade da mulher como ceramista é tradicional no
Vale do Jequitinhonha e o uso dos potes de cerâmica para armazenar água ainda é um
hábito nas casas dos agricultores camponese, onde o passado mistura-se com objetos
contemporâneos e modernos.
Foto 7: Utensílio de cerâmica para guardar água, “talha” utilizada por família camponesas da comunidade de Pinheiro.
Fonte: pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Os gráficos apresentados até aqui mostraram que o percentual dos agricultores
estudados, na produção de gêneros agrícolas e da indústria artesanal rural, verificou-se que
na maioria dos casos, a produção agrícola é destinada majoritariamente para o consumo
familiar. A parcela de famílias que produzem “exclusivamente” para o mercado foi
praticamente zero na quase totalidade dos casos estudados. Constata-se ainda, que parte
importante das unidades familiares, tem a sua produção voltada para o consumo e para o
mercado, sendo que nesta situação a prioridade é o consumo familiar e comercializado
apenas o excedente.
171
Na alimentação das famílias estudadas, os principais produtos adquiridos no mercado
urbano identificados foram: arroz, açúcar, café, óleo, macarrão, carne, e produtos de higiene
e de limpeza. Em alguns casos raros, das famílias da pesquisa, adquirem os produtos de
pequenos animais e derivados como ovos e aves de granjas e até verduras e frutas nos
supermercados, demonstrando a ausência da produção em seus estabelecimentos, e, em
alguns casos, as famílias vendem produtos de maior valor nutricional para comprar outros de
menor valor, como é o caso de venda de verduras e ovos para comprar macarrão e outros.
Quanto ao artesanato de transformação de produtos agrícolas, dos agricultores
pesquisados 81,94% (59) cultivam cana-de-açúcar, sendo que 50,85% produzem rapadura,
39,15% produzem cachaça e 10% açúcar mascavo.
Gráfico 8
Finalidade da Produção de Rapadura, Açúcar Mascavo e Cachaça
nas Unidades Familiares Minas Novas-MG - 2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Rapadura Açúcar
Mascavo
Cachaça
C
V
CV
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Venda;
Nos percentuais considera-se a escolha da situação como principal.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
172
Fotos 8 e 9: Alambique e cultivo de cana-de-açúcar, em unidade familiar de Buriti Boa Vista (região do Fanado).
Foto 10: Rapadura comercializada na feira livre do mercado Municipal de Minas Novas.
Fonte: pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Dos que fabricam rapadura, 40,0% a destinam ao consumo, 60,0% ao consumo e
venda e não registrou nenhum caso de produção exclusiva para a venda. Dos que fabricam
açúcar mascavo, 100% destinam a produção para o consumo e a venda, não registrando
nenhum caso onde a produção seja para o consumo ou para venda. No caso da
cachaça, 100% dos entrevistados declararam que só produzem para a venda.
Foto 11: Engenho de ferro e “tocado à boi”, em unidade familiar na comunidade de Adrião, na região do Capivari.
Fonte: pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
173
Na exploração da mandioca, seja para consumo direto ou no processamento para
obtenção de subprodutos, a cultura está presente em 87,50% (63) das unidades familiares,
sendo que 92,06% (58) fabricam farinha e 15,87% (10) também fazem polvilho (goma) para
a confecção de biscoitos e outras “quitandas” típicas da área rural de Minas Novas.
Gráfico 9
Finalidade da Produção de Farinha de Mandioca e Polvilho
nas Unidades Familiares Minas Novas-MG – 2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Farinha Polvilho
C
V
CV
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Venda;
Nos percentuais considera-se a escolha da situação como principal.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
As unidades que produzem farinha de mandioca 75,0% a destinam para o consumo,
25% consumo e venda e nenhum caso de destinação exclusiva para a venda. Da mesma
forma, o polvilho, sendo que 20% são destinados exclusivamente para o consumo da família
e 80% de utilização mista para o consumo e vendam, não se registrando nenhum caso de
destinação exclusiva para o consumo.
Outro produto artesanal importante identificado nas unidades de produção familiares
pesquisadas foram os doces. Identificou-se em 54,16% (39), das unidades pesquisadas, a
produção de doces de leite, de frutas (mamão), leite, cocadas e amendoim (de moleque).
Quanto a destinação, 61,53% (24) para o consumo, 28,22% (11) para o consumo e venda e
10,25% (4) para venda. As famílias de agricultores que têm tradição na fabricação de doces
que são vendidos na feira livre de Minas Novas pertencem às localidades de Buriti Paraíso e
Bentinho, na região do Fanado.
174
Gráfico 10
Finalidade da Produção de Doces
nas Unidades Familiares Minas Novas-MG – 2006 – em %
0
10
20
30
40
50
60
70
Doces
C
CV
V
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente Venda.
Nos percentuais considera-se a escolha da situação como principal.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
Foto 12: Doces comercializados no Mercado Municipal, da comunidade de Buriti Paraíso (região do Fanado).
Fonte: Pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
175
6.5 O Trabalho nas Unidades de Produção Familiares
Ao analisar-se o funcionamento das unidades familiares, percebe-se que o trabalho é
responsabilidade da família, sendo o chefe e a esposa os elementos chaves no trabalho
interno do estabelecimento e a mão-de-obra dominante. Quanto aos filhos, apenas 37,5%
(27) dos entrevistados revelaram poder contar com a ajuda de um ou mais filhos. Tal
característica pode ser observada no gráfico abaixo, onde espacialmente é marcante nas
regiões do Fanado e Setúbal; no caso do Capivari, parcela significativa dos filhos se
deslocou para a cidade de Capelinha, em busca de estudo e emprego.
Gráfico 11
Mão-de-obra Familiar Empregada nas Unidades de Produção Familiares
– Minas Novas – 2006 – em %
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Mães Filhos
Capivari
Fanado
Setúbal
C = Consumo; CV = Consumo e venda; V = Somente Venda.
Fonte: Banco de dados da pesquisa (Organizados pelo autor).
Das famílias estudadas, 29,17% (21) encontram-se na região do Capivari, 44,44%
(32) no Fanado e 26,39% (19) na do Setúbal. Destas unidades familiares, na região do
Capivari têm 18 mães e 35 filhos, no Fanado 22 mães e 43 filhos e na região do Setúbal 13
mães e 31 filhos. Constatou-se em campo, quanto a divisão do trabalho da família nos
estabelecimentos, que esta faz de forma heterogênea e com grande diversidade, não tendo
diferenciação de atividades a serem exercidas pelo pai, mãe ou filho, mas uma
complementaridade do uso da mão-de-obra a fim de fazer a unidade familiar funcionar.
176
A remuneração dos membros da família existe mesmo se ela não se traduz
em termos monetários, sob a forma de salários. A resposta de um pequeno
torna-se bem esclarecedora a este respeito, “a gente não paga os filhos com
salário, mas a gente dá-lhes tudo: comida, roupa, calçados, estudo, remédios,
enfim tudo que eles precisam”. (SILVA, 1978:59).
Registra-se que em momentos distintos do ano, muitas famílias têm um grande
número de tarefas e de trabalho, situação onde a mão-de-obra da família não perfaz as
demandas de serviços e necessidades imediatas do estabelecimento; momento este em que
a família insere mais um trabalhador na lida do estabelecimento, por meio de contratação “à
dia ou por empreita”, conforme Chayanov a relação entre o tamanho da família e o
montante de atividade agrícola deve entender-se como uma dependência da área de terra
disponível com o tamanho da família e não ao inverso(CHAYANOV, 1974:66).
Dentre os tipos de relações de trabalho existentes com trabalhadores externos a
família merece destaque o sistema de “troca dia”, que consiste na parceria entre vizinhos,
sem envolvimento de dinheiro, quando agricultores se revezam entre os estabelecimentos
cedendo sua mão-de-obra ou seu dia de trabalho, em momentos de maior serviço.
Quanto às contratações de trabalhadores temporários e fixos, apenas uma unidade
de produção familiar possui empregado fixo da comunidade de Santiago, nascentes do
Capivari, onde algumas famílias cultivam café. Em 70,83% dos estabelecimentos estudados,
de acordo com as necessidades da família, há contratação de trabalho temporário, por diária
ou empreita dependendo do serviço. De acordo com CHAYANOV (1974).
“A unidade econômica familiar não recorre a força de trabalho contratada, a
composição e o tamanho da família determinam integralmente o montante de
força de trabalho, sua composição e o grau de atividade
(CHAYANOV,1974:47).
Na análise dos dados obtidos nas DAPs do período de 2000 a 2006, o trabalho
temporário variou, estando presente em 100% das modalidades de PRONAF do grupo D, em
91,67% do grupo C e 45,0% do grupo B, porque neste último é mais comum a “troca de dia”.
Em 87,50% (63) dos casos estudados, os agricultores afirmaram que membros das
famílias das comunidades se revezam no trabalho de outros estabelecimentos vizinhos nas
épocas de maiores demanda por serviços como capinas, bateção de pasto ou de plantios,
com a realização de “marombas”
44
ou mutirões.
44
Maromba é uma prática nas áreas de concentração camponesa; trata-se de um movimento onde os trabalhadores se reúnem
nos estabelecimentos de vizinhos e parentes em período de maior aperto de serviço, principalmente capinas e roçado de pasto.
Cada trabalhador leva enxada ou foice, recebendo do dono da casa o café “tira jejum”, a comida reforçada e o lanche da tarde.
Em contrapartida o dono da casa também participa quando for realizado este mesmo procedimento na casa dos participantes. A
maromba é realizada com cantorias e no final do dia é servida uma cachaça para comemorar o sucesso do trabalho.
177
A organização do trabalho dentro dos estabelecimentos é fundamental para o
sustento e manutenção da família, enquanto forma de organização social camponesa. A
organização e a força de trabalho estão voltadas em primeiro plano para a manutenção e
sustento da família Num segundo plano, para os agricultores entrevistados, a renda obtida
com a venda da força de trabalho sazonal ainda constitui o complemento importante para a
manutenção e sustento da família.
Na maioria dos casos, o chefe da família, durante o período de permanência fora da
propriedade, seja no corte de cana ou em outras atividades, passa da condição de agricultor
familiar camponês à de trabalhador que vende sua força de trabalho como assalariado
simples. As particularidades das relações de trabalho vigentes na área de estudo, levam o
agricultor a perder parcialmente a condição de camponês puro, uma vez que vão vender as
suas forças de trabalho longe da sua terra. Entretanto, a organização da força de trabalho do
restante da família mantém-se com características do campesinato, mesmo no período em
que o chefe da família está fora. Isso ocorre na medida em que a mulher e filhos mantêm a
estrutura organizacional camponesa dentro das propriedades, independentemente do tempo
de duração e da renda obtida com o trabalho sazonal; ao assumir toda essa condição a
mulher e mãe agricultora familiar assumem a condição de “fiel da balança” nos processos
socioeconômicos de manutenção do sistema camponês, enquanto modelo de permanência e
garantia dos fluxos de mercado dos produtos, assumidos geralmente pelo pai ou marido.
Os aspectos colocados sobre o tipo de trabalho exercido nas unidades familiares
podem ser fixos, temporário local ou temporário sazonal, com direção para fora do município,
no estado, e para fora dele. A migração, fenômeno endêmico na área de estudo, ainda
45
é
marcante na vida das famílias dos agricultores camponeses e familiares do município de
Minas Novas. Esta sazonalidade dura cerca de oito meses, geralmente de abril a novembro,
coincidindo com o período da “seca“. A mão-de-obra ativa masculina sai dos pequenos
aglomerados rurais e das unidades de produção familiar, permanecendo somente as
mulheres como responsáveis pelas tarefas domésticas e agrícolas, os velhos e crianças.
Uma estratégia adotada pelas Unidades familiares, identificada pela pesquisa, foi a
formação de grupos informais ou através de associações comunitárias. Os grupos de
produção, formado por agricultores que têm em comum a tradição na fabricação de algum
produto, destinado ao consumo da família, processamento ou à venda aos mercados curtos
ou em outros níveis regionais. No caso das unidades coletivas de processamento e
45
A migração sazonal é um fenômeno antigo no Jequitinhonha, tendo sido marcante na década de 1970, para corte de cana
em São Paulo. Apesar de reduzida pela mecanização, ainda está presente na vida dos agricultores familiares camponeses.
178
beneficiamento de produtos agrícolas, estas têm desempenhado um importante papel como
alternativa estratégica para as unidades de produção familiares. Atualmente as ações de
desenvolvimento rural em Minas Novas-MG têm sido executadas pelo poder público e por
outras iniciativas apoiadas por organizações não governamentais.
O Governo do Estado, através da EMATER e demais instituições públicas, optou por
trabalhar com grupos de trabalho e/ou de interesse e associações, porém, apoiando também
os grupos informais de agricultores familiares em níveis diferenciados de organização, além
do fato de que cada região de grupo de comunidades se caracteriza por explorações
agropecuárias específicas, conforme se observa no Mapa 6: Distribuição das Produções
Agropecuárias da Agricultura familiar por Grupo de Comunidades – Minas Novas – MG - BR.
“Desde que os camponeses observem a lógica e as vantagens de uma
organização de seu trabalho e de sua vida, e que tenham à sua disposição os
meios de realizá-la, eles o fazem e mudam muito rapidamente seu modo de
ver e de pensar em função dessa lógica nova” (MENDRAS, 1976:198).
Foram identificados Grupos de Trabalho na pesquisa de campo, através do
questionário, permitindo que se percebesse o perfil dos entrevistados através de atividades
associativas e de produção, quando se constatou que 81,94% (59) das famílias estudadas
participam de alguma associação, independente do grupo de trabalho a qual pertence. De
acrodo com um dos agricultores entrevistados: “associação é bom participar, se a gente tiver
fora, quando vier os benefícios, não tem jeito de reclamar o leite derramado. Depois que as
associações surgiu, muitas coisas boas vieram juntas(Entrevista 42).
Segundo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, na área de estudo
existem 92 associações comunitárias de produtores e de moradores, sendo 87 rurais, dentro
de uma rede de 138 localidades, além de uma Confederação de Associações Comunitárias -
CONFASCOM, que congrega 42 dessas organizações comunitárias. Os principais grupos de
trabalho congregam produção e produtores de apicultura, produção de leite, cana-de-açúcar,
mandioca, fruticultura, café, comunidades tradicionais quilombolas, de artesanato com ações
que buscam a segurança alimentar; discussão e formação de grupos de trabalho de
mulheres, juventude rural, educação ambiental, e de convivência com a seca (água, Cerrado
e Semi-árido), todos os casos utilizando a MEXPAR
46
como referencial metodológico.
46
Refere-se à Metodologia Participativa de Extensão Rural Para o Desenvolvimento Sustentável - MEXPAR, desenvolvida pela
EMATER-MG, a partir da experiência dos profissionais de extensão rural, tendo como referência a participação dos atores e
comunidades na construção do processo de desenvolvimento. A partir da construção de diagnósticos participativos são
identificados problemas e potencialidades, uma ampla discussão sobre o futuro dos lugares é iniciada, com o estabelecimento
de metas, projetos e resultados, considerando as especificidades de cada local.
179
Mapa 6
180
O grupo de apicultura é representado pela Associação dos Apicultores de Minas
Novas - AAPIMN, com 51 associados, sendo que 45 são agricultores familiares e 17 destes
foram beneficiados pelo PRONAF, distribuídos por todas as regiões do município. Este
grupo tem sido apoiado por diversas instituições de apoio e fomento. Nos últimos anos
registram-se projetos do Conselho Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA, Fundação
Banco do Brasil - FBB e do Programa de Desenvolvimento Territorial, para a aquisição de
kits de materiais apícolas, colméias, roupas de apicultor, ferramentas, equipamentos e
construções de casas de mel para o processamento primário nas comunidades de Santiago,
Palmital e na cidade de Minas Novas, com vistas à construção de uma rede de
processamento primário que culminará com um entreposto regional de beneficiamento e
comercialização de produtos da apicultura na cidade vizinha de Turmalina.
O Grupo de Leite está organizado em quatro regiões, Paudolinho, Baixa Quente,
Ribeirão da Folha e na Sede, portanto, em comunidades das três regiões de estudo. Até o
final de 2006 apenas o grupo da região de Paudolinho, constituído por 61 agricultores
familiares, estava em situação mais avançada em termos de organização, infra-estrutura,
mercado e crédito rural, tendo sido instalado um tanque de expansão para armazenamento
de 2.200 litros de leite, efetivado um contrato de fornecimento para o laticínio de Turmalina e,
sendo que 52 dos produtores, obtiveram crédito rural do PRONAF, nas modalidades C e
D, considerando o quesito renda familiar.
O Grupo de Café, localizado na região da região do Capivari (nascentes) é formado
por 51 agricultores familiares, distribuídos pelas localidades de Santiago, Trovoadas, São
Pedro do Alagadiço e Quilombo. As unidades de produção familiares nestas regiões são
“enclaves agrícolas”
47
localizadas nas grotas e vales, pois as chapadas estão ocupadas por
nove grandes fazendas produtoras de café, eucalipto e de um estabelecimento com cana
para produção de cachaça - único do município com registro e marca, junto ao Ministério da
Agricultura e Saúde, cuja produção é destinada para redes de supermercado de São Paulo e
Rio de Janeiro. Os agricultores familiares desta região se enquadram como C ou D nas
modalidades de crédito do PRONAF, considerando a renda familiar bruta anual das famílias.
O grupo da Cana-de-Açúcar, formado por agricultores que fabricam rapadura, açúcar
mascavo e de cachaça, estão distribuídos nas três regiões, mas com maior intensidade na
região do Fanado. Os agricultores familiares que fabricam açúcar mascavo e rapadura estão
organizados em associações trabalhando nas unidades comunitárias de processamento
artesanal. As regiões do Fanado e Setúbal destacam-se como produtora de rapadura, e, no
47
Termo usado por Tubaldini. In: Relatório de Pós-Doutorado em Desenvolvimento Rural Local. Lisboa (Portugal): UNL, 2006.
181
caso do açúcar mascavo, um maior volume vem da localidade de Araújo, na do Capivari,
sendo crescente a produção deste produto em outras localidades e estabelecimentos
dispersos pelas regiões. Estes agricultores e camponeses de rapadura e/ou açúcar mascavo
são menos capitalizados que os de cachaça, geralmente na categoria C do PRONAF.
Os produtores de cachaça apresentaram grande resistência para a organização em
associações, preferindo manterem-se na clandestinidade com receio que a legalidade traga
impostos e fiscalização. Entre estes produtores, apesar de familiares, o perfil é individualista
marcado pelo capital onde a competição por preço, lucro e mercado são mais forte que a
noção de associativismo. Em 2004 houve uma tentativa de se formar uma cooperativa, que
fracassou e que de acordo com os produtores de cachaça entrevistados a causa foi a
intervenção mal sucedida da Prefeitura no processo.
Um levantamento realizado pela EMATER identificou cento e três alambiques de
produção de cachaça no município. São pequenos engenhos e alambiques artesanais nas
unidades familiares e processam, além da cana do proprietário, as dos vizinhos, no sistema
de meação; cada estrutura reúne de quatro a sete famílias, com produção total média
estimada de 8000 litros anuais de cachaça por alambique.
os agricultores que produzem rapadura e/ou açúcar mascavo são menos
capitalizados que os de cachaça, geralmente numa média C no PRONAF. As regiões do
Fanado e Setúbal destacam-se como produtora de rapadura, e, no caso do açúcar mascavo,
um maior volume vem da localidade de Araújo, na região do Capivari, sendo crescente a
produção deste produto em outras comunidades e unidades familiares dispersas pelo
município. Os produtores de cachaça têm também, instalados e em funcionamento, uma
micro unidade de engarrafamento instalada na sede do município, com recursos do MDA
através do programa de desenvolvimento territorial. Os agricultores familiares que trabalham
com esta atividade estão na sua maioria, enquadrados no grupo D do PRONAF.
Os Agricultores e produtores de Mandioca não se consolidaram como grupo, salvo os
casos de Unidades Comunitárias de Produção de Farinha e Polvilho que são importantes
embriões para o fortalecimento deste grupo; em sua maioria são enquadrados no PRONAF
B, mas com evoluções importantes para a modalidade C no quesito renda familiar.
Outro importante grupo de interesse que tem ganhado destaque é o grupo das
comunidades tradicionais quilombolas. Em Minas Novas-MG, são três as associações
reconhecidas como quilombolas, a de Cabeceiras do Ribeirão da Folha (região do Setúbal),
a de Quilombo na região de Santiago (na região das nascentes do Capivari) e a de Macuco,
que reúne as comunidades de Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravatá (região do Fanado).
182
Todas são reconhecidas pela Fundação Palmares, após estudos antropológicos realizados
nestas comunidades. São famílias com fortes traços de camponeses e representados por
dois grupos, um fortemente caracterizado como um agricultor mais periférico (Macuco e
Cabeceiras) e outro em processo de transição de periférico para consolidado (Quilombo),
sendo que a maioria público alvo do Grupo B do PRONAF.
Figura 3
Figura 3: Configuração espacial característica das Comunidades Quilombolas no Brasil.
Fonte: (ANJOS, 1999:36 apud LIMA, 2006:30).
Na região quilombola de Macuco, Mata Dois e Pinheiro predominância de
camponeses que têm na policultura a sua atividade agrícola, com destaque para a produção
de mandioca para a fabricação de farinha e polvilho que são vendidos na feira livre ou em
grupo para mercados institucionais e o programa de aquisição de alimentos da agricultura
familiar do Ministério do Desenvolvimento social. O grupo de famílias possui uma unidade de
processamento de farinha financiada pelo programa MG II na década de 1980 e ampliada
com recursos do Programa Fome Zero, através do CONSEA. Nesta região também é
marcante a presença de artesanato de palha de milho, de caixas e tambores feitos com
couro de animais e tronco de árvores. São fortes as manifestações folclóricas e artistas das
famílias desta região.
Na comunidade de Quilombo, o perfil de agricultor é de camponês. Trata-se de
famílias posseiras que ocupam uma área reclamada pela Fundação Pietro Salini, no entanto,
183
o INCRA demarcou o assentamento para regularização fundiária. As unidades familiares
são de até 30 hectares, onde praticam a policultura e em alguns estabelecimentos o cultivo
de café em pequenas áreas. Estão num estágio de periférico a consolidado e inserem-se
num sistema mercantil simples, em processo de integração com o mercado de café. Pela
proximidade com Capelinha, estas famílias têm neste município o centro dinâmico onde
procuram pela maioria dos serviços e para onde levam seus produtos para a feira livre. Na
comunidade existe uma tenda de farinha comunitária financiada pela Secretaria de Estado
do Trabalho e Ação Social SETAS, na década de 1990. Observam-se manifestações
artísticas, e folclóricas, com a existência de um grupo de marujada, mas as religiosas são
marcantes em todas as famílias.
A comunidade de Cabeceiras, pela localização vive um drama do isolamento da ação
política e pública. São agricultores camponeses com pouca terra, tendo a sobrevivência
garantida pela venda da mão-de-obra para as fazendas de café e de eucalipto da região.
Recentemente foi reconhecida como quilombola, onde se espera atrair uma maior atenção
das ações e instituições. Observou-se uma forte manifestação religiosa das famílias, mas
fortes indicativos de pobreza e da necessidade do acesso a serviços básicos. Não se
verificou cultivos e produções que ultrapasse a linha da subsistência.
O Grupo de Artesanato concentra dois pólos, um no agrupamento rural de Coqueiro
Campo e outro nas comunidades de Forquilha e Cachoeira do Fanado (na área do Fanado),
ambos têm associações de artesãos bem organizadas, com experiência na atividade e
integrada a diversos mercados. É constituído por mulheres que residem com suas famílias
em casas com quintais onde constroem uma pequena casa de artesanato, o forno para
queima das peças de cerâmica, integrado ao forno de assar biscoitos de polvilho, bolos,
broas de fubá e a pedra para torrar a farinha, é uma mini-indústria artesanal construída de
tijolos e barro, sempre caiada pela argila branca que uma sensação de limpeza. Estes
grupos receberam em 2006, o apoio de projetos da Fundação Banco do Brasil, tem
assessoria do SEBRAE e acompanhamento da EMATER.
Trata-se de agricultores familiar-camponeses pluriativos e que tem no artesanato uma
importante fonte de renda e ao longo dos anos, descobriram na argila a única riqueza que
sobrava para inúmeras famílias de agricultores excluídas de processos econômicos do Vale;
o sentimento, a arte e a criatividade são os tripés deste novo gênero de agricultor familiar,
aonde o marido e filhos vão para a lavoura e a mulher e as filhas vão para o barreiro. Os
locais de plantios, minifúndios, estão localizados, em enclaves entre as plantações de
eucalipto e as áreas de campo de cerrado. De acordo com informações da Secretaria
184
Municipal de Cultura de Minas Novas, a qualidade de vida destas famílias tem melhorado
consideravelmente em decorrência da geração de trabalho e renda, considerando que suas
cerâmicas artesanais têm alcançado valores monetários antes não imaginados, e quanto
suas ligações com os pequenos valores financiados, através do PRONAF, são famílias que
ainda se enquadram no PRONAF B a C.
Nesta mesma lógica, tem-se feito um esforço importante por parte de órgãos públicos
e organizações não governamentais no sentido de fortalecer estes grupos como estratégias
de fortalecimento e permanência dos agricultores familiares. Outro grupo que tem
demandado uma atenção especial das políticas públicas é o de agricultores familiares
feirantes, mas que até o momento não encontrou eco nas suas reivindicações.
A feira livre do produtor de Minas Novas constitui-se como o principal meio de
comercialização direto ao consumidor por aproximadamente 400 agricultores. O projeto
Feirante foi uma ação que desde o ano de 1990 vem trabalhando com os agricultores
familiar-camponeses feirantes, onde a Prefeitura participa com o transporte do produtor e
sua produção, através de caminhão ou ônibus que passam por várias comunidades para
transportar os agricultores feirantes e seus produtos até o mercado. Este transporte é
colocado aos sábados, em algumas comunidades ele acontece semanal ou quinzenalmente,
dependendo da localização das comunidades dos feirantes.
No entanto percebe-se uma precariedade na exposição dos produtos da feira, sendo
que a grande maioria dos feirantes ainda expõe seus produtos no chão da rua, sem
cobertura, o que provoca uma impressão para o consumidor, sendo que as bancas de
madeira são limitadas a poucos feirantes. Segundo informações da Secretaria de Assuntos
Rurais e meio ambiente da prefeitura Municipal, existe um projeto para ampliação do
Mercado, com mais bancas e balanças a serem implantadas até o final do ano de 2007.
185
Foto 13: Feira Livre do produtor rural de Minas Novas.
Fonte: Pesquisa de campo, Minas Novas, 2006.
Na feira comercializam-se principalmente frutas e verduras, que predominam em
55,0% dos pontos de venda. Contudo vários outros produtos são comercializados, sendo
divididos em seis categorias: produtos da agricultura, cultivados e comercializados com um
processamento nimo, como alface, feijão preto, comum, andu (ou guandu), de corda,
favas, mandioca e outros; produtos coletados na natureza e vendidos in natura, como pequi,
panã, palmito, etc; produtos da indústria doméstica rural, que recebem processamento, como
doces (de leite, mamão, amendoim), óleo de pequi, rapadura, geléia de mocotó, corante de
urucum, farinha de milho e mandioca, pamonha, cachaça, fumo, etc; além desses produtos,
são vendidos também alimentos para consumo imediato, como pamonha, bolos, biscoitos,
etc. produtos do artesanato, como peneiras, vassouras, colheres de pau, artesanato
ornamental de argila, etc; Carnes de suínos e bovinos e ovos; e, animais vivos.
A principal ação pública de apoio e fortalecimento da feira livre dos agricultores de
Minas Novas é o Projeto Feirante. De acordo com a Secretaria de Assuntos Rurais da
prefeitura, este projeto iniciou-se na década de 1990, ocasião em que foi realizado um
grande levantamento dos feirantes e de comunidades que tinham a tradição de comercializar
seus produtos no Mercado municipal. Com este levantamento foi mapeado o perfil dos
feirantes por comunidade e por produtos. A principal reivindicação foi pelo transporte dos
feirantes até a cidade, ocasião em que a Prefeitura disponibilizou caminhões e ônibus para
atender ás principais comunidades que possuíam número considerável de agricultores
186
feirantes. O projeto tinha um agricultor coordenador por comunidade e tinha
acompanhamento de um técnico da Prefeitura. Nos anos posteriores houve uma ampliação
do projeto com a inclusão de novas comunidades, agricultores e rotas. O projeto, com as
mudanças de prefeito, sofreu mudanças e perdeu o controle totalmente. Atualmente a
maioria dos feirantes paga por este transporte, as outras ões de acompanhamento foram
abolidas pelo município.
Segundo Relatório sobre a feira livre de Minas Novas (UFLA, 2004),
aproximadamente 2.000 pessoas comparecem á feira aos sábados, a contagem de presença
no mercado indicava um total de 2051 pessoas, sendo 984 homens e 1017 mulheres, foi
possível ainda identificar o número de usuários do transporte do projeto feirante, sendo 470
feirantes o mero mínimo dos que usa este serviço; afirma-se que se utilizou este mínimo
pelo fato de muitos agricultores das adjacências à sede que se deslocam para a feira a pé,
de animal e de outros veículos próprios ou particulares.
De acordo com a pesquisa, se considerar Minas Novas um município com 30.646
habitantes (IBGE, 2000), considerando cada família com uma média de cinco membros,
chega-se a afirmar que existem 6.129 famílias no município; considerando que a feira 1,5
pessoas/família conclui-se que a feira é freqüentada por membros de 1.367 famílias, rurais e
urbanas, o que corresponde a aproximadamente 23% das famílias do município
encontrando-se semanalmente no Mercado Municipal. A feira além de se constituir como
uma das principais fontes de abastecimento configura-se como um espaço não apenas de
trocas, mas também de lazer, um evento social, um dia de encontro e de festa.
Dos entrevistados para esta pesquisa, 52,77% (38) vendem seus produtos na feira,
outros 16,66% (12) enviam seus produtos através de outros feirantes, usando parte do
espaço da banca e, 30,55% (22) sempre que podem participam da feira como
freqüentadores, utilizando o transporte da Prefeitura para resolver outros assuntos na
cidade. O perfil dos feirantes, considerando o enquadramento no PRONAF, caracteriza-se
entre o B e o C.
Observa-se nos casos das regiões estudadas as famílias inseridas num “sistema
mercantil simples” concentram-se nas regiões do Capivari e do Setúbal, com a
comercialização dos produtos excedentes; trata-se de um sistema mercantil simples, onde
são obtidas pequenas somas que se destinam a adquirir outros produtos que a unidade
familiar não é capaz de produzir. Os mercados que absorvem a produção destas unidades
de produção familiares encontram-se nas feiras livres dos municípios de Capelinha,
Chapada do Norte, Turmalina e Minas Novas. Para a feira de Capelinha são levados café,
187
farinha de mandioca, polvilho, rapadura, queijo e doce de leite; para Chapada do Norte,
verduras e frutas; para Turmalina, farinha de mandioca, frutas, verduras, mel e leite para o
laticínio. para Minas Novas são encaminhados os produtos e derivados de
estabelecimentos de todas as regiões do município.
A pesquisa detectou um fluxo de mercado alternativo pouco conhecido, o envio de
gêneros para a região de Ribeirão Preto e São Paulo, onde se encontram várias famílias da
região, através da linha de ônibus diário, onde seus bagageiros saem abarrotados; tal fluxo
foi percebido também no caso das linhas de transporte alternativo através de quatro veículos
utilitários que transportam passageiros semanalmente para Ribeirão Preto e outras cidades
da região Oeste paulista. Encontrou-se ainda a venda de produtos para outros
atravessadores, outros no comércio local e, em alguns casos em mercados institucionais
como as escolas estaduais, o caso do leite e para o Programa Compra Direta da Agricultura
Familiar, do Ministério do Desenvolvimento Social, através da Prefeitura. Percebe-se num
fluxo endógeno dinâmico, onde os pequenos dinheiros circulam num raio limitado,
alimentado um sistema de mercado de “dentro pra dentro”, como fator de equilíbrio para as
unidades de produção familiares que se encontra em processo de ensaio para o alcance de
mercados de maior abrangência, conforme se verifica no Mapa 7: Fluxo dos Produtos da
Agricultura Familiar – Minas Novas – MG - BR.
Na região do Fanado, os agricultores entrevistados residem ou têm suas unidades de
produção nas comunidades de Bananal, Bemposta, Bentinho, Bonsucesso, os Buritis Boa
Vista, Paraíso e Valverde, Córrego Maurício, Curralinho, Fanado Acima, Inácio Félix,
Lambari, Macuco, Manoel Luiz, Mata Dois, Pinheiro, Pinheiro e Rocinha.
Na do rio Capivari, refere-se às localidades de Araújo, Capivari Contendas,
Carvalhaes, Contendas, Paudóleo, Ribeirão da Folha, Ribeirão do Meio, Ribeirão dos
Santos, Santiago, São José do Capivari, São Pedro do Alagadiço e Quilombo.
Na do Setúbal, as localidades de Beira do Setúbal, Cachoeira do Ribeirão da Folha,
Córrego Seco, Estiva-Campos, Faz. Fabrica, Indaiá de Baixo, Mangabeira, Mata Pequena,
Mato Grande, Palmital, Pindaíba, Pedra Preta e Serra.
As vias de acesso, que ligam estas comunidades, se encontram em precário de
conservação, principalmente os de acesso aos estabelecimentos, com alguns trechos
intransitáveis. As estradas principais, nas chapadas estão em melhores condições, graças a
parceria do município com uma empresa reflorestadora, pois esses trechos são os que estão
juntos às plantações de eucaliptos.
188
Mapa 7
189
6.5.1 As Moradias nas Unidades de Prodrução Familiares
No levantamento da pesquisa de campo observou-se que, em relação às moradias
dos agricultores familiares camponeses, a disposição das casas se de forma semelhante,
dispostas espacialmente de forma aleatória, com a distância entre uma e outra podendo
variar de 30 a 400 metros. Nas localidades da região do Fanado observa-se que a topografia
é mais acentuada, sendo que a maioria das unidades localiza-se na “alta e média vertente”.
Na região do Capivari, uma variação na ocupação, no caso da região das cabeceiras,
onde as áreas são mais planas, as unidades concentram-se na “alta vertente”, no Médio
Capivari, variam de baixa a média vertente”. no caso da região do Setúbal variam de
média abaixa vertente, considerando que a topografia é variável, com áreas de baixadas e
outras de média declividade. Em todos os casos, a localização das moradias têm como
referência os cursos d'água e em segundo lugar o acesso por estradas vicinais.
Observou-se que, no geral, as casas são simples, de cinco a nove cômodos, sendo
que o mais comum é das residências terem seis. Em todas as moradias o teto é de telhas de
cerâmica. Das setenta e duas unidades familiares estudadas 77,77% (56 casas) são de
“adobe”
48
e 22,22% (16 casas) de alvenarias, sendo que 60,0% dos entrevistados disseram
terem construído suas casas e 30,0% as reformaram para poder morar e 10,0%
receberam prontas dos pais ou avós. No geral, as casas são bem cuidadas e em bons
estados de conservação. Todas possuem banheiros, que podem estar instalados dentro ou
fora das casas, de acordo com idade das construções, sendo instalações simples na maioria
dos casos. Quanto ao esgoto doméstico, 100% é lançado em fossas comuns; e é comum
que a água da cozinha escoe no quintal para molhar as plantas.
Quanto ao abastecimento de água, todas as unidades da região do Capivari, região
das cabeceiras são por gravidade; na região do Médio Capivari, 75% dos casos são
abastecidos por água de poços artesianos e 25% por captação de nascentes, por gravidade.
Nas unidades da região do Fanado 97,22% das residências pesquisadas (70) são
abastecidas por poços artesianos e 2,77% (2) por captação direta do rio. No caso da região
do Setúbal, 84,72% (61) são abastecidas por poços artesianos e 15,27% (11) por captação
direta de nascentes ou rio.
48
Adobe é um tipo de material de construção moldado o barro em fôrmas de madeira e secado ao sol. Em alguns locais, além
da terra e água utilizam-se capim cortado e esterco bovino fresco como estabilizadores. Depois de amassado, o barro é
colocado em uma forma de madeira e colocado ao sol para secagem, para depois serem retirados da forma.
190
Ressalta-se que em algumas localidades do Fanado, em função do projeto de
captação de águas de chuvas, Programa Um milhão de Cisternas
49
, algumas famílias
possuem caixa subterrânea onde são adaptados tubos nos telhados para captação de água
de chuvas. As pequenas barragens de terra para captação das águas de chuvas,
construídas pela prefeitura, através do programa “barraginhas”, parceria da EMBRAPA e
FIAT ALLIS, somada àquelas construídas pelos próprios agricultores com trabalho manual
de enxada ou utilizando sacos plásticos, tem apresentado-se como importante instrumento
de reservação de água para o período de maior estiagem, sendo muito utilizadas para dar de
beber aos animais e para pequenas irrigações.
Fotos 14 e 15: Barraginhas e Sistemas de captação de água da Chuva na Comunidade de Macuco.
Fonte: pesquisa de Campo, Minas Novas, 2006.
Tabela 19
Tratamento da Agua Consumida nas Unidades de Produção*
Filtrada Fervida Filtrada e fervida Outros Nenhum tratamento
77,77% 2,77% 4,16% 2,77% 12,5%
* Água para consumo (beber e cozinhar)
Fonte de dados: Dados consolidados das entrevistas.
Quanto ao tratamento do lixo doméstico, considerando as entrevistas, 70,83% (51)
dos agricultores disseram queimar o lixo, 6,94% (5) o enterram; outros 22,22% (16) o jogam
em valetas ou a céu aberto.
“o negocio do lixo é sério, todo mundo joga lixo em todo canto, até as escolas
dá mau exemplo. A daqui mesmo tem um montão de sujeira nos fundos.
Como é que os meninos vão aprender ?” (Entrevista 26).
“Se desse um jeito da gente juntar o lixo e levar pro povoado nuns sacos para
depois enterrar tudo ou o caminhão pegá, que seria bom (Entrevista 09)
49
Programa destinado ao Semi-árido brasileiro, cuja gestão é da Articulação do Semi Árido – ASA. No caso de Minas Novas, o
gestor é o Centro de Assessoria aos Movimentos do Vale do Jequitinhonha – CAMPO VALE.
191
Observou-se que das 72 unidades de produção familiar estudadas, apenas 3 não
possuem energia elétrica; as demais, ou já tinham energia ou foram beneficiadas pelo
“Programa Luz Para Todos” do Governo Federal, no período de 2005-06, sendo 48 as
famílias atendidas por este programa e 21 que possuíam energia elétrica. Comparando o
acesso a infra-estrutura do município de Minas com as unidades de produção estudadas, as
tabelas 20 e 21 demonstram uma situação favorável dos agricultores familiares da pesquisa
em relação ao município como um todo.
Tabela 20
População com acesso a bens e serviços básicos – Minas Novas – em %
1991 2000
Água encanada 18,3 45,8
Energia elétrica 29,7 46,4
Coleta de lixo* 36,7 86,2
Geladeira 10,7 29,1
Televisão 11,7 32,5
Telefone 0,4 3,3
Computador Não Disponível 1,1
*
Apenas os domicílios urbanos.
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano (FJP, 2002).
Com a energia elétrica nas casas, o acesso a bens de consumo, principalmente
eletrodomésticos nos domicílios aumentou consideravelmente segundo os entrevistados,
como se pode verificar na tabela. Observou-se em campo que mesmo antes da chegada da
energia elétrica às residências, muitas famílias haviam adquirido alguns eletrodomésticos,
com a expectativa de utilização.
Tabela 21
Energia Elétrica nas Unidades de Produção – em %
Ferro Elétrico Celular TV Antena
Parabólica
Fogão/gás Geladeira Rádio Som/DVD
20,22%
(16)
29,16%
(21)
84,72%
(61)
12,5%
(9)
68,5%
(49)
76,38%
(55)
100,0%
(72)
26,38%
(19)
Fonte: Banco de dados consolidados da pesquisa. Organizados pelo autor.
Em todos os casos a energia elétrica foi associada à melhoria das condições de vida,
da “esperança” em continuar na roça com os recursos da cidade. De todos os bens, o mais
valorizado é o rádio, para os homens e a geladeira para as mulheres, seguindo a televisão
para ambos os casos. Tal importância é justificada, no caso dos homens, é que o rádio se
tem notícias das coisas do lugar, a televisão é boa, mas durante o dia num pra assisti e
as coisas é mais as de fora.” (Entrevista 38). No caso da geladeira, a conservação e
192
aproveitamento dos alimentos melhoraram significativamente, sem prejuízo do modo
tradicional de conservar, bem como na qualidade da alimentação da família.
“graças a Deus a luz veio. Agora a gente pode realizar o sonho de beber um
suco gelado, ouvir notícias e até luxar com as novelas, igual na cidade”
(Entrevista 11)
“a luz só veio este ano, tem uns poucos meses. o que mais faz falta é
geladeira e estamos juntando dinheiro pra comprá uma, mas também a
comida que nos faz não sobra, é sempre nova. A carne nós guardava na lata
de gordura. Com a luz muito melhor, agora a gente tem TV, som e luz na
casa toda, tá muito bom”. (Entrevista 48)
Todas as famílias possuem fogão a lenha, sendo este o meio principal para o preparo
de alimentos, mesmo nas casas onde o fogão a gás, que geralmente é utilizado apenas
para o preparo de pequenas coisas.
Uma importante observação dos espaços das unidades refere-se ao quintal, que
assume o meio-termo entre a casa e as “áreas largas”, representam o lugar mais dinâmico
da família, depois da cozinha; quintal como o espaço da construção dos primeiros
movimentos além lar, microcosmo da produção familiar, onde mora a diversidade, matriz da
agricultura, homeopatia, dos ritos e da oração, confirmação da fé e da fuga do vazio que os
outros espaços deixaram de ser. É um cantinho especial donde os pensamentos se fazem,
os sonhos gestam e os planos futuros se iniciam.
O quintal é a gema, que alimenta e supre as necessidades mais imediatas e as
demandas mais próximas, espaço da mulher, da criança e do ancião, enquanto o homem,
pai ou filho adulto, dedica-se a conquista de bens em outras terras, migrantes por tradição e
vocação. Os seres dos quintais reproduzem sua cultura e modo de vida, que determina seu
modo de ser e agir, árdua necessidade e desafio de valorização de permanências face às
mudanças, como se as terras do Jequitinhonha fossem veias abertas no coração das gerais.
O último ponto abordado pela pesquisa foi sobre a migração e como este fenômeno é
compreendido pelos agricultores familiares. A migração no Vale do Jequitinhonha expulsa
grande contingente da população rural economicamente ativa. Segundo estimativas do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, de Minas Novas saem anualmente de 9000 a 12000
migrantes. No entanto, ainda faltam estudos e estatísticas precisas para comprovar os
números deste fenômeno social. Para esta pesquisa o único registro oficial encontrado foi
193
um dado obtido pelo consórcio COSAM
50
, de Ribeirão Preto, que emprega anualmente 3.700
trabalhadores de Minas Novas.
Considerando que as políticas públicas, inclusive o PRONAF, se apresentam como
uma possibilidade de conter o êxodo rural e a área da pesquisa tem nessa questão quase
como uma endemia social”, julgou-se importante saber a opinião dos agricultores familiares
sobre tal fato; a pesquisa e as questões levaram em conta a opinião de migrantes e não
migrantes, vez que o processo de expulsão de mão-de-obra insere-se numa rede, que afeta
todo o conjunto e dinâmica sociopolítica e econômica do município.
Em relação aos aspectos da migração sazonal, dos entrevistados, 68% (51)
migraram. Quando adicionado no questionário se algum membro da família migrou, esta
porcentagem subiu para 91,66% (66). Do total de entrevistados 16,66% (12) ainda migra
anualmente. Na opinião global dos agricultores estudados (72), 91,66 % (66) associa a idéia
da migração a de sofrimento, distância da família e ilusão de ganhar dinheiro, acreditando
que este fenômeno está para acabar. “O serviço de São Paulo com os dias contados.
Daqui uns dias num vai puder mais queimar cana e as máquina tomando conta do serviço
da homaiada. Quem num arrumar um jeito aqui mesmo vai tá perdido” (Entrevista 13).
Na opinião dos agricultores que ainda migram anualmente, sozinhos ou com os filhos,
a renda líquida média obtida por mês é variável e depende do trabalhador, hoje a média de
renda bruta varia de R$ 850,00 a R$ 1.100,00 mensais. As despesas são grandes e
dependendo do local pode passar de 60,0% por mês, “chegando ao ponto de sobrar uns
340,00 para o peão”. Tem uns que juntam e sobra no ano, mais ou menos uns três mil, o
suficiente pra comprar uma moto e voltá pra casa” (Entrevista 06).
Para entender a questão da renda necessária para não precisar migrar, a maioria
absoluta 81,94% (59) afirmaram que dois salários mínimos livres perto da família seriam o
suficiente. Quando se questiona se as condições atuais do município são suficientes ou não,
para evitar sua saída e o que falta no geral a opinião é que as coisas estão mudando, mas
para a maioria sair ainda é uma alternativa, pois trabalhar fora é uma decisão própria que o
agricultor pode tomar; já fazer as coisas necessárias aqui está nas mãos de outros. Segundo
o ponto de vista destes agricultores, é preciso mais recursos, principalmente para água,
melhoria das estradas e mais dinheiro para projetos produtivos, indústrias e outras
melhorias(Entrevista 32).
50
A COSAN é um c
onsórcio de 16 usinas canavieira da região de Ribeirão Preto-SP, que atuam conjuntamente na
contratação de mão-de-obra para o trabalho sazonal. Os técnicos deste grupo, geralmente, vão até a origem dos trabalhadores
para realizar a seleção e exame médico, dispensando os agenciadores de mão-de-obra conhecidos como “gatos”.
194
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados da pesquisa de campo, observadas as demais informações
contidas nas DAP e as entrevistas com os agricultores de Minas Novas, camponeses e
familiares, assim como as lideranças estudadas, permitiu algumas considerações finais para
o estudo proposto e realizado.
Ficou evidente a importância que o PRONAF assume para os agricultores familiares
estudados, não apenas pelo fato de receberem os recursos, mas por permitir acesso dos
agricultores, dos mais simples aos mais abastados, numa política pública adotada
exclusivamente para o fortalecimento da agricultura familiar.
Constatou-se ainda, quanto às políticas públicas e ao PRONAF, um aumento na
participação dos agricultores familiares nas associações comunitárias, no Sindicato dos
Trabalhadores, grupos organizados e no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável, fortalecendo o capital social.
Observou-se que o papel da mulher tem sido crescente na busca e acesso ao crédito,
principalmente o PRONAF B. De 2000 a 2006 792 famílias obtiveram DAP, sendo que as
análises preliminares apontam que deste universo 322 (40,65%) foram para mulheres.
Quanto à escolaridade, tanto como primeira ou segunda titular na DAP, as mulheres
apresentam um nível superior em relação aos homens em todas as faixas etárias.
Destaca-se que a totalidade das mulheres entrevistadas, agricultoras familiares,
privilegiou em primeiro lugar a segurança alimentar, a sustentabilidade do estabelecimento e
a garantia das condições para manter a família unida; além de que estas mesmas primam
pelo uso dos “pequenos dinheiros”, tendo uma capacidade racional de controle de uso e
aplicação dos recursos,
No entanto, de acordo com os dados obtidos nas DAPs, a condição jurídica da posse,
no caso da mulher, 78,0% dos casos a proponente é posseira, considerando a não
regularização da documentação da terra; e no geral, apenas 40,0% das famílias estudadas,
entre homens e mulheres como titulares principais, possuem o registro da terra em Cartório
de Imóveis. Em relação ao perfil das famílias, observa-se que as condições naturais, acesso
à água mais que do que a disponibilidade de terra tem sido determinante no enquadramento
nas linhas de crédito. Tal enquadramento determina os valores a serem obtidos junto aos
agentes financeiros, o que se percebem as diferenças apresentadas pelas famílias e
unidades de produção localizada nas regiões do Capivari, Fanado e Setúbal, em função das
195
características de cada uma, pois quanto maior a disponibilidade de água, melhor as
condições gerais das famílias.
O trabalho sazonal ainda constitui-se como uma “solução” para muitos agricultores,
em resposta a falta de oportunidades de trabalho na região e a pouca rentabilidade de sua
produção, que em muitos casos não é suficiente nem mesmo para seu próprio consumo.
Para as esposas e filhos que permanecem na propriedade, resta o trabalho, a manutenção
da terra e a esperança de que o chefe da família volte para o seio da família com saúde e
dinheiro. Para os pais que vêem os filhos seguirem o mesmo caminho da migração resta a
esperança de que o Governo ajude a melhorar as condições de vida na roça (Entrevista
29), para que eles possam permanecer junto à família, fixar raízes e obter o sustento da sua
terra, sem haver a necessidade de sair para vender a sua força de trabalho, correndo todos
os tipos e risco.
Concluiu-se pela pesquisa, que um dos desafios colocados ao PRONAF, é o caso
dos migrantes. De acordo com técnicos e lideranças, as unidades de produção familiar que
têm no “dinheiro de São Paulo” uma parte importante da renda familiar são afetadas no
enquadramento da família no programa, que utiliza a renda bruta familiar anual como um dos
critérios de enquadramentos.
O aumento de famílias deslocando-se para as áreas marginais da cidade é percebido
anualmente, com abandono de inúmeras unidades familiares e esvaziamento de algumas
localidades. Localidades que se caracterizava pela presença de agricultores familiares
periféricas se esvaziam, presenciando o percurso de muitas famílias para uma situação de
quase indigência, onde a sobrevivência no campo é substituída por uma “subvivência”
urbana, aumentando as fileiras dos candidatos ás políticas compensatórias de governo.
“hoje os filhos num valoriza a terra. A gente vê que o jovem ta é precisando de
incentivo. Eles valoriza a migração, farta incentivo do Governo pra eles ficá na
terra. Antigamente cada um crescia querendo fazer uma rocinha, crfamilia
na terra. Hoje a juventude valoriza a mão-de-obra. Se continuá assim, daqui
um tempo vai ter velho cuidando das roça, os moço que saí pra fora prá
trabalhar e quando tão aqui, só quer saber de descansar”. (Entrevista 04)
Merece destaque para os gestores do PRONAF o fato de que 95,0% dos
entrevistados conhecem o PRONAF como crédito bancário, desconhecendo a cadeia de
fomento que o programa se propõe, incluindo a assistência técnica, apoio às organizações e
196
estímulo na conquista de mercado para os produtos da agricultura familiar, bem como outros
eixos, além da agricultura produtiva, para fortalecimento das ações de educação, saúde,
cultura, meio ambiente e participação política, como meio de fortalecer a cidadania e
inclusão.
A melhoria das condições de vida foi identificada em 83,82% dos casos; sendo
afirmado que a vida melhorou, de uma maneira geral, depois do PRONAF; tendo
influenciado a vida dos agricultores desde os de pequeno porte até os maiores. o PRONAF
deu confiança aos agricultores para ter coragem de procurar o banco sem medo de dever,
principalmente pelos descontos e os prazos de pagamento (Entrevista 48).
Observou-se ainda que com os recursos obtidos nos financiamentos melhorasse
muito a condição da família e da unidade de produção, permitindo aumentar a produção,
adquirir bens de consumo e serviços antes difíceis de ser adquiridos sem um fomento
monetário. O PRONAF permitiu ainda que se destinassem os recursos gerados pelo
aumento da produção para aquisição de outras terras, ampliando a unidade produtiva, seja
para exploração atual da família ou garantia de instalação futura dos filhos. Verificou-se
ainda que com os recursos adquiridos, agricultores que dividem a unidade familiar com a
cidade de Minas Novas ou municípios vizinhos, passaram a dedicar mais tempo na
exploração da unidade produtiva, permitindo manter os filhos mais jovens estudando na
cidade.
Outro indicativo observado, de acordo com os dados da pesquisa, mostra que os
agricultores têm conhecimento e interesse por sistemas e alternativas sustentáveis, a partir
de ações estruturadas e consistentes das experiências locais. As análises realizadas
apontam para o agricultor familiar inseridos nos grupos de trabalho por interesse e produtos
do leite, mel, café, cachaça, rapadura e açúcar mascavo, como uma estratégia favorável
para a agricultura familiar.
Observou-se também que o PRONAF, não apenas como crédito, tem sido
apreendido pelos agricultores familiares camponeses como uma possibilidade de melhoria
nas técnicas de exploração, seja na aquisição de novas ferramentas, equipamentos e
máquinas, em muitos casos na aquisição de animais para a melhoria do plantel,
principalmente matrizes bovina.
A melhoria nas técnicas de exploração, resultado da ação de instituições públicas e
de organizações não governamentais tem promovido um novo comportamento dos
agricultores no desafio de produzir, organizar-se para conquistar mercados solidários e
alternativos, com a correta aplicação do PRONAF e que os recursos monetários sejam o
197
meio e não o fim, evitando que o crédito rural contribua para o endividamento da família,
muitas vezes fazendo com que o agricultor deixe a unidade em busca de alternativas de
renda para sanar o crédito.
De outro lado, constatou-se que a melhoria de muitas técnicas de exploração da
atividade agrícola adotadas recebe influências dos filhos quando retornam da migração, do
que propriamente da assistência técnica disponível para os agricultores, que também se
queixam da carência de técnicos para atenderem à demanda dos agricultores.
Ressalta-se que muitos dos antigos produtores independentes” ou filhos dos
“notáveis” (MENDRAS, 1976:202), hoje são os agricultores familiares categorizados no
PRONAF D, seja pelo fato de ter recebido as estruturas familiares mais qualificadas, por
herança ou casamento, seja pelo fato de terem migrado e acumulado uma quantia de capital
monetário suficiente para fortalecer a exploração da unidade familiar, ou aumentado a área
do estabelecimento.
Constatou-se que ações das instituições públicas e Ongs, buscando a mudança da
mentalidade e o modo de agir do agricultor familiar camponês em relação aos problemas
ambientais, estão gerando bons resultados em muitas propriedades, melhor qualidade do
solo e aumento da produtividade agrícola e a diminuição de processos erosivos. No entanto,
observou-se na pesquisa de campo, agressões ambientais por parte de agricultores
familiares, numa pressão constante pela geração de capital monetário, principalmente o
carvão de matas nativas que mesmo proibido por lei é vendido ainda clandestinamente por
agenciadores de empreiteiras e de outros que possuem pequenas plantações de eucalipto
como forma de garantir cobertura parcial das cargas com as guias de fiscalização.
Os agricultores familiares entrevistados, com perfil de liderança nas comunidades e
organizações, colocam a necessidade de participarem dos debates de políticas públicas
destinadas a eles mesmos, citando: estamos cansados de ser incluído em projetos que
foram pensados pelos lá de cima (Entrevista 32).
Observou-se que para os agricultores camponeses, a terra não possui valor de troca
monetário, mas como valor de uso, meio de trabalho e sustento da família. A terra
representa mais do que o meio de produção representa à vida, o futuro dos filhos, a
sobrevivência. Observa-se para os agricultores familiares em processo de transição para
uma agricultura mercantil, a terra tem valor de troca e comércio, o que diretamente vem
influenciando também as demais famílias de agricultores no município de Minas Novas-MG.
Na fala do agricultor da região do Fanado, percebe-se como a relação com a terra é
198
retratada, uma relação forte e afetiva; percebe-se ás vezes, que os pais desabafam com
tristeza, quando associam os filhos, a terra e migração, com “certa melancolia”:
“A terra é uma coisa sagrada na vida do homem, falo sempre pros meus
filhos. É de onde nós tira o sustento, a terra nos tudo, casa, comida.
Sem terra o homem num consegue viver, modo tudo vem da terra, esse papel,
a caneta do senhor, a comida. A terra é a nossa mãe e temso que vivê em
harmonia com ela. Num adianta querer brigar com a terra, com a farta
d’água,a gente é que tem que viver em paz com a terra. A vida é difícil mas se
nos desanimá as coisas pioram”. (Entrevista 04).
Segundo os dados coletados, observou-se em relação à ocupação da terra, uma
tendência de “minifundização”, com a repartição das unidades de produção pelos membros
da família, por herança ou casamento, e o pouco interesse por terras “secas”
51
por parte de
outros “de fora”, está contribuindo por um modelo diferenciado de campesinato e agricultura
familiar quanto à ocupação da terra, onde cada dia cresce o cotidiano de inúmeras famílias
que divide a cidade com o estabelecimento rural; no entanto ainda é forte a reprodução de
práticas e valores da cultura camponesa, tanto no “modus vivendi quanto no modus
operandi”, mesmo que se percebe o aumento da dependência de recursos externos,
oriundos dos benefícios sociais e previdenciários somados a outras rendas marginais, como
os capitais resultantes da migração sazonal e outros.
Em relação à ocupação do espaço, constatou-se a concentração fundiária no poder
de reflorestadoras e cafeicultores, nas chapadas e nas nascentes dos cursos d'água,
enquanto nas áreas intermediárias “das grotas”, entre as chapadas, e seus vales, são
ocupadas por uma rede de comunidades compostas de agricultores familiares camponeses.
Tal ocupação afetou visivelmente o ambiente, cujos efeitos possíveis percebidos foi o
desequilíbrio hidrológico e a própria organização espacial que tomou uma nova configuração
nos aspectos de uso e troca.
Pode-se concluir através das análises neste trabalho que os agricultores das
comunidades rurais de Minas Novas, em sua maioria, se encontram em um nível de
organização de trabalho familiar camponês. A subsistência da família vem em primeiro lugar
para o agricultor e a força de trabalho dos membros da família constitui-se como condição
essencial para que isso ocorra. O resultado monetário é muito pequeno não havendo a
intenção clara e objetiva do agricultor buscar lucro (excedente de capital) com a produção.
As pequenas somas obtidas no mercado local concentram-se, sobretudo, para a aquisição
51
Terras secas é uma denominação das famílias da área estudada para os estabelecimentos sem acesso a água.
199
de produtos destinados à alimentação que não são produzidos nas propriedades como
complemento do sustento da família.
Ressalta-se ainda que os recursos oriundos dos benefícios previdenciários da
aposentadoria rural, têm influenciado a questão econômica e da produção interna das
famílias. Hoje é bom pra família ter um aposentado em casa, alivia as contas.” (Entrevista
18). Em relação à previdência, pode-se perceber que a questão da possibilidade da
aposentadoria rural tem sido fator de decisão na hora de migrar ou não.
Quando o agricultor
ou o filho não migram, continuam na condição de agricultor e aposenta como trabalhador
rural; quando migram, “suja a carteira”, perdendo a condição de se aposentar como
agricultor, já que o tempo de registro na carteira de tranalho é sempre menor que o tempo de
contribuição exigido pelo Regime Geral da Previdência Social.
Nas entrevistas ficou visível para 80,0% dos agricultores familiares estudados que os
benefícios oriundos das políticas sociais compensatórias do governo, “as bolsas”, têm
contribuído sobremaneira para a melhoria das condições de moradia e aquisição de bens,
principalmente eletrodomésticos, vestuário e material escolar para os filhos, antes impossível
apenas com o dinheiro gerado pela família no estabelecimento ou na prestação de serviços
como diaristas para outros.
Espacialmente, nas regiões do Fanado observou-se que os agricultores estão num
nível de campesinato mais acentuado, sendo muito poucos aqueles que vendem algum tipo
de produto cultivado, mesmo que seja apenas o excedente. Os agricultores da região das
nascentes do Capivari, embora muitas condições sejam semelhantes às outras regiões, o
perfil é ascendente para um modelo de explorador consolidado, pois nesta área a atividade
principal é a cultura de pequenas áreas de café e que estão integradas ao mercado regional,
contudo os traços presente são de camponeses. Por outro lado, nas comunidades das
regiões do Médio Capivari e Setúbal, os agricultores estão mais inseridos no sistema
mercantil simples, através da venda produção individual ou em grupo; nestas regiões, um
maior número de agricultores coloca produtos agrícolas excedentes no mercado local – Feira
Livre de Minas Novas, Capelinha, Chapada do Norte e Turmalina, na Compra Direta. Vale
destacar que os grupos de apicultura, leite, café, mel e artesanato têm vencido a barreira de
colocar seus produtos no mercado de outros municípios.
A coleta e análise dos dados da pesquisa de campo e observações da pesquisa nos
permitiram definir quem são os agricultores de Minas Novas. Identificaram-se cinco tipos,
sendo os seguintes:
200
- agricultores camponeses policultores, cuja produção é para o consumo e satisfação das
necessidades, sendo mão-de-obra de outros agricultores familiares;
- agricultores camponeses policultores, que exploram hortaliças, produzem farinha de
mandioca ou rapadura e doces, que têm na feira livre e no mercado institucional, importantes
alternativas de comercialização do excedente;
- agricultores camponeses policultores, com uma exploração crescente de exploração bovina
leiteira e de mel, já vislumbrando um mercado além da feira livre;
- agricultores em situação intermediária entre camponês e familiar que cultivam café em suas
unidades, combinadas com o trabalho nas fazendas de café. Aqui, a produção da unidade
familiar integra o mercado dos grandes produtores de café, não via mercado, mas de outras
relações de uso e de troca, construídas com os administradores das fazendas;
- agricultores familiares produtores de leite, com perfil do capitalista, que utilizam o crédito
rural do PRONAF e a melhoria nas técnicas de exploração como um meio de inserção nos
mercados locais e regionais.
Além destas características colocadas em relação aos atores sociais estudados e das
estruturas organizacionais e produtivas, pode-se concluir que o modelo predominante de tipo
de agricultor é o do camponês com uma estrutura familiar organizada. Portanto podemos
denominar os agricultores estudados como Agricultores Familiares Camponeses. Contudo,
algumas famílias de agricultores estão dando início a um processo de transição, do
campesinato do ponto de vista teórico “Chaynoviano”, para uma organização de produção
familiar inserida em um sistema mercantil simples, mais aproximado do modelo
“Lamarchiano”, ou seja, ele passa a se preocupar não apenas com a subsistência de sua
família, mas também em aumentar a sua produção visando o mercado e ampliar sua
pequena renda.
Historicamente, os moradores do Vale do Jequitinhonha sofrem com problemas, que
vai desde os sociais como a falta de emprego, a falta de investimentos por parte dos
governos seja na infra-estrutura, saneamento, escola, na saúde, até os problemas causados
por adversidades naturais da região. Somam-se a estas causas as ações governamentais
mal planejadas das quais muitas são apenas paliativas, sem planejamento de longo prazo,
que busquem uma maior sustentabilidade, de modo a resolver os problemas enfrentados
pelos agricultores.
Ficou evidente pela fala dos agricultores estudados que algumas ações do governo
acabaram por gerar mais problemas para a região do que benefícios, como o incentivo a
monocultura do eucalipto nas áreas de chapadas na década de 1970, que não gerou
201
empregos suficientes, acarretou na expulsão de muitos agricultores de suas terras, bem
como danos ambientais que acabou por agravar a questão da falta de água. Contudo vale
ressaltar que de todos os problemas vividos pelos moradores da região, a questão da água
ainda está direta ou indiretamente relacionada. A água configura-se como sendo o principal
problema apontado pelos agricultores familiares camponeses, porém, a ação de todos os
projetos implantados no município está melhorando a qualidade da alimentação das famílias
camponesas e a qualidade do alimento colocado por eles na feira urbana.
Alguns projetos e intervenções no Jequitinhonha geraram efeitos adversos, pois o
capital que vem para gerar desenvolvimento e inclusão promove maior desigualdade,
concentração de renda. O desenvolvimento prometido gerando pobreza e exclusão. Projetos
com propostaa ambientais altamente agressores.
Ressalta-se, novamente, que uma das principais causas das diferenças
organizacionais para a produção, está ligada ao aspecto ambiental da água, maior ou menor
disponibilidade. Percebe-se claramente que a maior disponibilidade água, influencia de
maneira importante no perfil da produção, organização e do acesso a um sistema mercantil
simples ou qualificado, influenciando até mesmo seu enquadramento no acesso de algumas
políticas públicas, como é o caso do PRONAF.
Diante das adversidades, os problemas enfrentados pelos agricultores vêm sendo
mitigados por ações de cunho socioeconômico e ambiental. Estas ações, de aplicação de
pequenos dinheiros através dos projetos como a Bolsa Família, o PRONAF, a Compra Direta
de Agricultura Familiar e o apoio à Feira Livre do Produtor, esforços de governos e atuação
de Ongs, constituem-se em ações de economia solidária no município cujos resultados já
estão proporcionando melhorias na vida dos agricultores e de suas famílias nas
comunidades. O principal entrave ambiental para a produção e diversificação de gêneros
alimentícios, como legumes, frutas e verduras estão sendo resolvidos com investimentos e
projetos que buscam melhorar a infra-estrutura hídrica, como a construção de barragens.
Isso ocorre a medida que com uma maior disponibilidade de reserva de água, o agricultor se
permite a gastar uma maior quantidade com a agricultura. Da mesma forma, a maior
disponibilidade de recursos disponível para o agricultor familiar camponês com as linhas de
crédito do PRONAF, com juros baixos e forma de pagamento facilitada, vem incentivando os
agricultores a investirem na produção e na melhoria das propriedades.
Ressalta-se a necessidade de re-elaborar os discursos do PRONAF e atuação dos
agentes financeiros. Dois riscos evidenciam-se, um quando um programa de fortalecimento
da agricultura familiar destinado e operacionalizado de forma a ser considerado clientelista e
202
dependente, nos mesmos moldes das políticas compensatórias, das “bolsas de governo”,
onde ocorre uma dialética inversa em que a situação desejável é aquela onde o cliente seja
público transitório de uma política de Estado permanente, ao invés do que se vê, onde o
cliente é permanente de ações de políticas transitórias de governo; entra governo e sai
governo, sem que as condições estruturais e não conjunturais sejam modificadas. Outro
risco e que merece cuidado refere-se ao crescente nível de endividamento de alguns
agricultores familiares; mesmo que seja um crédito subsidiado e facilitado com “bônus”, não
é uma dívida com o governo, mas com os bancos. A história recente tem alertado sobre esse
risco em regiões deprimidas, onde a natureza não tem sido capaz de responder com a
produção econômica aos estímulos financeiros nela aplicados, considerando as condições
climáticas e a presença de outras endemias sociais.
Alguns agricultores camponeses familiares de Minas Novas costumam dizer que
“agricultor familiar é igual tronco de aroeira, resiste firme e forte ao tempo”. Outros se
intitulam como agricultores arrependidos; se plantam e a chuva não vem se arrepende por
ter plantado e perdido o pouco que tinha; se não planta, ou planta pouco, e a chuva naquele
ano é boa, ele se arrepende por não ter plantado. Mas o agricultor familiar camponês “é
antes de tudo um forte”, gente humilde, trabalhadora, religiosa e que não perde a esperança,
ao contrario, a cada ano a renova ao ver o primeiro sinal de nuvens de chuva no céu pra
molhar a terra e ver brotar as sementes, de grãos e de esperança para os sonhos de dias
melhores venham.
Ao contrário do que previam alguns marxistas, a agricultura familiar não está fadada à
extinção. Primeiro que não se trata apenas de categoria produtora de alimentos, mas estão
embutidos nela outros valores imensuráveis. A agricultura familiar camponesa
sobreviverá
por que ocupa as trincheiras e os espaços desinteressados do capital do agronegócio ou
outras explorações econômicas. Esse modelo surgiu para responder a uma demanda
humana e social, capaz de adaptar-se, moldada no sol do dia a dia e construiu estratégias,
ora de sobrevivência, ora de “subvivência”, mas resiste, coexistindo com os mais variados
paradigmas a ela colocados. Quando á terra é pouca ele é capaz de dividir o pouco e
produzir o suficiente; se a água diminui, procura cavar a terra, se não encontra água acha o
barro e o transforma em artesanato e arte, mas sempre encontra um jeito.
A expropriação embutida no processo de desenvolvimento do Jequitinhonha,
representou muitas vezes, a exclusão do camponês do acesso à terra. No entanto, se
perde as chapadas para os eucaliptos, ele resiste nas grotas; se as barragens
inundam os “tabuleiros”, os atingidos procuram refazer sua vida nas terras altas. E
reside outro mito a ser relativizado: a expropriação não significa necessariamente
203
proletarização, porque o camponês encontra brechas, inventa e reinventa estratégias
para se manter como camponês (...) (RIBEIRO,
1993:93).
Percebeu-se em todos os casos, que diversos são os valores das famílias que vivem
de um modelo de subsistência rural, destacando-se “a família, a terra e o nome a ser
honrado”; tais valores se tornam a oração dos que ainda acreditam na terra, fisiocratas e
teimoso por natureza, num vai e vem da história assumem-se como agentes de sua própria
história.
Finalmente, uma pesquisa, por si só não é capaz de expressar uma realidade,
principalmente àquela construída dia a dia, num processo dinâmico de mudanças, cuja
velocidade nem sempre é determinada pelos atores que a vivem, mas que dela fazem parte,
como é o caso dos agricultores camponeses de Minas Novas.
Uma pesquisa não fecha a possibilidade de continuidade de estudos, ma aponta
indicativos, com base nas análises dos dados coletado com fidedignidade de comparações
que permitem vislumbrar situações onde as experiências socialmente construídas e o vivido
assumem-se como referências para tomadas de decisões, escolhas e desejos.
“Não é dado ao homem ler uma linha no livro do futuro, mas a lição da história, a
experiência do passado e a observação do presente nos habituam a fazer conjeturas;
Por
que as mesmas causas em idênticas circunstâncias produzem os mesmo(Pereira, 1969:
78).
Que o presente trabalho, incompleto por natureza e por circunstância, não seja
apreendido como respostas, mas como indutor de outras perguntas. Quem sabe uma destas
perguntas incitadas por este estudo seja capaz de mostrar aos gestores e agricultores
familiares que o que se almeja ainda está longe, mas pode-se vislumbrar o que pode ser se
os esforços forem de todos, numa sinergia capaz de responder aos verdadeiros anseios da
sociedade e dos agricultores familiares, uma realidade nova, onde a autonomia, a
participação na elaboração e condução das políticas públicas seja feita de maneira legítima e
representada pela voz de quem delas mais precisam. E que a utopia, necessária em todos
os processos, seja a efetiva consolidação de uma cidadania plena para todos e que o
“desenvolvimento” não seja apenas uma meta, mas caminho novo, seguro e cuidadoso, que
mesmo distante, se aproxima.
204
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(acessado em 10/01/2007).
207
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG
Instituto de Geociências - IGC
Programa de Pós-graduação em Geografia
Questionário para orientação da entrevista com agricultores familiares para a pesquisa:
AGRICULTURA CAMPONESA/FAMILIAR E AÇÃO DO ESTADO (PRONAF) NO VALE DO
JEQUITINHONHA-MG: O CASO DE MINAS NOVAS-MG
I –
CARACTERIZAÇÃO DO AGRICULTOR FAMILIAR E DA UNIDADE PRODUTIVA (Estrutura fundiária)
1) Nome do Agricultor (a) Familiar: ___________________
Comunidade: _______________________ Nº. de Ref.da Amostra: ____________
2) Estado Civil: Casado ( ) Solteiro ( ) Viúvo ( ) Outro ( )
Idade: ______ Localização (coordenadas) Lat _______ Long ______________
3) Situação jurídica do estabelecimento:
( ) proprietário ( ) arrendatário ( ) parceiro ( ) posseiro ( ) comodatário ( ) meeiro ( ) uso coletivo (família)
outro:
4) Como foi o acesso à terra:
( ) herança ha ( ) compra ( ) Indenização ha ( ) troca ha ( ) ocupação ha ( ) outro ha
5) A propriedade, após a aquisição: ( ) aumentou ___ ha ( ) diminuiu ____ ha
6) Há quanto tempo reside na propriedade ou na comunidade ? ___________ ___________
7) Quem foram o(s) proprietário(s) mais antigos? ( ) País ( ) Avós ( ) Bisavós ( ) Outros____
8) Área total da propriedade: _____ ha
9) Registro/Título de propriedade: ( ) sim ( ) não Qual: ____________
10) Qual importância o registro tem para a família?
11) Quanto de terra tem condições de ser explorada ? ______ ha
Quanto é usada ? _____ c) Por quê? ___________ Quanto de terra seria o ideal ? _____
12) Possui outra(s) propriedade(s)? ( ) Sim ( ) Não
13) Tem filhos(as) casados residindo na propriedade? Sim ( ) Não ( ) Quantos?__________
14) O que plantam e vendem é: ( ) junto ( ) individual
15) Planta em mais de uma terra? ( ) Sim ( ) Não
16) A área de sua plantação é : ( ) Coletiva ( ) Individual ( ) Mista
17) Potencialidades naturais: a) Solo: ___ b) relevo: ____ c) Água: ___ d) vegetação: ___
18) Localização tendo como referência:
- cidade/povoado: __ escola: __ estrada _ água(nascente): __ comércio local: __ outros: ___
19) A coisas mudaram ? ___ - Estão melhores para trabalhar ? ___
O lugar, ambiente, paisagem, mudou ? ____ Para melhor ou pior ? ____
208
II - UTILIZAÇÃO DA TERRA (RELAÇÕES DE USO E TROCA)
1) Produtos agrícolas:
Produto Área
cultivada
Quantidade
produzida
DCF
1
DV
2
Quantidade vendida
semana/mês
Cana-de-açúcar
Feijão
Culturas tradicionais
andu, de corda, etc
Frutas
Verduras e legumes
Mandioca
Milho
Outros
Destinada ao consumo familiar Destinada a venda
2) Produtos pecuários
Animal Produção Consumo venda Local
3) Criação de animais:
a) Gado: ( ) Sim ( ) Não Para leite ou carne ? Faz o que com o leite ?
b) Se sim, qual tipo? ( ) Leite Nº ______ ( )Corte Nº _______ ( ) Bezerros Nº_____
c) Alimentação do gado: ( ) Ração ( ) Sal ( ) Pastagem Natural ( ) Pastagem plantada ( )
Outros _______________
d) Possui eqüinos? ( ) Cavalo: Nº_______ ( ) Jegue: Nº ______ ( ) Mula: Nº _______
e) Porcos: nº _________ Consumo: ___________ Venda: __________ Local:_________
f) Galinhas: nº______ Produção de ovos: ___ Consumo: ____ Venda: __ Local: ________
4) Outros beneficiamentos dos produtos:
Produto Quantidade
produzida
Quantidade vendida
semana/mês
Produção coletiva Produção
individual
Açúcar mascavo
Cachaça*
Doces
Farinha de mandioca
Farinha de milho
Polvilho
Rapadura
*Tem engenho e alambique próprio ( ) usa dos vizinhos ( )comunitário e/ou sociedade
5) Pastagem: Nativa: ___ há; Formada: ___ há; Capineira: __ ha; Cana forrageira: ____há
Onde os produtos são vendidos? a) Feira: __ b) Mercado local: _ c) mercado institucional: _ d)
outros: _
6) Quais comida são feitas com os produtos cultivados e da indústria de transformação ? _____
7) Confecção de produtos derivados:
( ) Queijo ( ) Requeijão ( ) Doce ( ) Outros __________________________
d) Destino: ( ) Consumo próprio ( ) Venda Onde: __________________________
e) Quantidade diária: ____________ Responsável pela produção ___________________
209
8) Que produtos compram na cidade?
( ) Carne ( ) Arroz ( ) Feijão ( ) Café ( ) Açúcar
( ) Óleo ( ) Limpeza ( ) Remédios ( ) Quase tudo
( ) O que não é produzido na propriedade ( ) Outros ____________________
III – TÉCNICAS DE PRODUÇÃO
1) Assistência técnica: se recebe assistência técnica
Qual órgão? ___ Para que, qual motivo ? ___ Quando? _____
Qualidade da assistência: ( ) ótima ( ) boa ( ) média ( ) ruim Como deveria ser? ____
2) Solo: Como é feita a preparação do terreno?
( ) Manual (enxada) ( ) Tração animal (arado) ( ) Maquinário
( ) Queimada ( ) Outros________________
1.1) Utilização de trator: ( ) Sim ( ) Não
Faz análise do solo? Ou já fez ( ) sim ( ) não Quando ? _____
Faz correção do solo (calcário) ? _______ - Usa adubo químico: ( ) sim ( ) não
Por que ? ___________ qual ? ___________________ quem indicou ? _______________
quem aplica ? ______________________ quanto ? _______________
usa agrotóxico ? usa proteção para o corpo ? _______ o que faz com as embalagens ? ____
Usa adubo orgânico/esterco de curral. etc ( ) sim ( ) não por que ? ___________
3) Técnicas de plantio:
a) plantio e curva de nível: ( ) sim ( ) não
b) plantio consorciado: ( ) sim ( ) não - quais ? ___________________
c) repouso de terras:
d) sementes selecionadas: quais: ____________________
e) irrigação: ( ) sim ( ) não tipo: _____
f) Desde quando usa as técnicas modernas ? _______________
g) Como era antes ? ___________________
h) quais técnica antigas preserva ?
4) Tratos culturais:
a) aração: ___________________________
b) doenças são tratadas com química ou orgânico ? _____________________
c) insumos químicos que usa: ______________________________
5) Máquinas e Equipamentos:
Qual e de quem: ________________________________________
6) Criação de animais
Pecuária: extensiva ( ) intensiva ( ) semi-extensiva ( )
Alimentação do gado: ( ) ração ( ) sal ( ) outros
porcos: nº ______________ Consumo: ___________ venda: _____________
galinhas: nº _______ Consumo: ______ venda: ________ outros: ___________
IV – ESTRUTUTA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO FAMILIAR
a – Trabalho da família na propriedade:
Pessoa / idade Tipo de tarefa Horas/dias Remuneração
210
b – Trabalho fora da propriedade (migrante ou outro): onde ? ______________
Pessoa/idade Tempo fora Tipo de emprego Quanto ganha Ajuda na despesa
c – Trabalho Temporário:
Pessoa serviço Onde mora salário Dias / ano
d – Comercialização:
a) Quem vende ? ___________________ b) quando ? _______________
c) quem coloca os preços ? __________ d) o que pesa na hora de fazer o preço ? _________
e – Outra fonte de renda familiar: pessoa, tipo de renda, periodicidade:
Pessoa Tipo de renda Periodicidade
1) Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade
Pessoas Idade sexo escolaridade Local de moradia Religião Trabalha na propriedade
Pai
Esposa
Filho
Filha
2) Trabalho da família fora da propriedade:
N.º Membros
Atividade Temporário Fixo Tempo de
permanência
Local
Pai
Filho
Filha
Esposa
* Sazonal ** Perto da propriedade ou região
3) Contrata ajudante em período de muito trabalho? ( ) Sim ( ) Não
4) Foi empregado dinheiro obtido com trabalho sazonal? ( ) Sim ( ) Não Onde: _______
5) Participa da feira livre: ( ) Sim ( ) Não ( ) Para vender ( ) Para comprar ( ) Passeio
6) Comercialização dos produtos: agrícolas, animais, artesanato.
a) Quem faz as vendas?___ b) Quando? ___ c) Onde? ___ d) Quem coloca os preços? ___
7) A renda da família vem:
( ) Lavoura ( ) Comércio local ( ) Alternativos (produtos da industria rural)
( ) aposentadoria ( ) Artesanato ( ) Dinheiro de fora
( ) Benefícios assistenciais ____________________ ( ) Outros ________________
8) Transporte utilizado: ( ) Veículo próprio ( ) Caminhão/ ônibus feirante ( ) Outros: ___
9) Vai a cidade com que freqüência?
( ) Raramente ( ) Um dia na semana ( ) Mais dias na semana ( ) Em dia de feira ( ) Não tem dia
certo
211
V- Aspectos sociais e estratégias familiares
a – moradia
1) Sobre a moradia:
a) Estado de conservação: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
b) A casa foi: ( ) Construída ( ) Reformada ( ) Alvenaria ( ) pau-a-pique
c) Nº de cômodos: _________________ d) Quantas pessoas moram na casa?__________
e) Possui energia elétrica? ( )Sim ( ) Não
2) A água que utiliza em sua propriedade vem:
Poço artesiano: ( ) próprio ( ) público cisterna: ( ) próprio ( ) público Encanada: ( )
comunitária
( ) particular ( )Ribeirão/rio ( ) nascente ( ) barragem ( ) caixa d’água comunitária
3) A água para consumo: a) Para beber é ? Origem:__ ( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( )
outros: __
b) Fazer comida é? Origem: ____ ( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ___
c) Tomar banho: Origem:____________________ Tratamento: ____________________
d) Lavar roupa: Origem: ___________________ Tratamento: ____________________
e) Animais: Origem: __________________ Tratamento: ____________________
f) Agricultura: Origem: ___________________ Tratamento: __________________
4) Tratamento do lixo doméstico:
( ) queimado ( ) serve de alimento para criações ( ) usado como adubo
( ) enterrado ( ) jogado a céu aberto ( ) jogado em córregos/ rios
5) Na casa há os seguintes eletrodomésticos:
( ) Ferro elétrico ( ) Telefone / radio de comunicação ( ) TV
( ) Antena Parabólica ( ) Fogão a gás ( ) Geladeira Outros: _______________
6) Tem feito reformas na casa? ( ) Sim ( ) Não
( ) Ampliação da casa ( ) Reboco ( ) Pintura ( ) Troca de piso
( ) Novas instalações de banheiro Outros: ____________________________________
7) Qual a maior dificuldade da vida na roça? ( Na comunidade onde reside) ________
8) A comunidade recebe auxilio de algum projeto do Governo ? ( ) Sim ( ) Não Quais? ___
b – Membros residentes na propriedade:
Parentesco/sexo Idade ocupação escolaridade Estudante s/n
c – Preocupação com o futuro:
5) Preocupação com o futuro:
a) Filhos:___ b) Filhas: __ c) herança: quantos, quem __ d) O que seus filhos querem fazer no
futuro? _
d - Sociabilidade Social
a) Participa de alguma associação ? _______________ b) Qual ? ___________
c) Participa ativamente ? ________________ d) Quando ?
212
e) Participa de festas na comunidade, na cidade, em outro local ? ___ f) Quais festas ? ____
g) Participa de lazer na comunidade ? Qual ? _______________
h) Como mantêm informado dos acontecimentos ? ( ) rádio ( ) TV ( ) vizinho ( ) outros __
i) Tem contato com algum político ? Algum deles vem na comunidade ? m) quando ?
j) a associação tem contato com a prefeitura, Órgãos do Estado, etc...
1) Algum membro da família participa de alguma associação? ( ) Sim ( ) Não
Quem ? ____________ Ocupa cargo ? ____________
2) Qual o valor (cultural, sentimental ) da terra ? O que a terra é para a família e para os filhos ?
4) Mudanças e/ou conservação de hábitos e costumes do passado:
6) Religião que faz parte?________________________
Tem igreja na comunidade?____________ Quantas vezes se reúnem ? ____________
VII – Informações sobre o PRONAF
1 – Na sua opinião, qual tem sido a contribuição de políticos, órgãos públicos na região ?
2 – Já foi beneficiado com algum projeto do governo ? Qual ?
3 – Já foi beneficiado com algum projeto de outra organização (não governo) ? Qual ?
4 - Qual resultado esses projetos tiveram para a família ?
5 - Já utilizou de algum empréstimo de banco para a atividade ?
6 - Conhece ou já ouviu falar no PRONAF ?
7 - O que ouviu ?
8 - Entendeu a proposta do programa ?
9 - Já fez proposta para o PRONAF ?
10 - Para qual banco ?
11 - Quem fez o projeto ?
12 - Já se beneficiou com o PRONAF ? (teve o projeto aprovado/recebeu o recurso)
13 - Conhece outros que se beneficiaram ?
14 - Qual modalidade utilizou ? B, C ou D ?
15 - Quanto de recurso ? Quando ?
16 - Aplicou em que ?
17 - Utilizou todo recurso na atividade proposta ?
18 - O recurso foi suficiente ? Complementou com outros ?
19 - Como avalia o resultado ?
20 - O PRONAF ajudou em que ?
21 - Quem mais ajudou no projeto ?
22 - Quem mais dificultou no projeto ?
213
23 - Qual crítica faria ao PRONAF ?
24 - O que melhor achou de bom no PRONAF ?
25 - Faria outra vez ou recomendaria para outros ? Por que ?
26 - Qual a opinião a respeito da EMATER ?
27 - A vida melhorou (de uma maneira geral ) depois do PRONAF ?
VIII – informações sobre a migração
01 – Já migrou ou outro membro da família ?
02 - Qual sua opinião sobre a Migração ?
03 – Qual a renda líquida média obtida por mês quando migra ?
04 – Em sua opinião, qual renda seria necessária para não migrar ?
05 – As condições atuais daqui são suficientes ou não para evitar sua saída ? O que falta ?
06 – Em sua opinião qual seria alternativa para garantir a permanência dos homens na região ?
07 - Outras considerações e observações.
214
ANEXOS DO IBGE
DISTRIBUIÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS EM NÚMERO E ÁREA
SEGUNDO ESTRATOS DE ÁREA - ANOS 1920, 1940, 1950, 1960, 1970 e 1985
(MINAS NOVAS-MG)
MINAS NOVAS 1920 1940 1950 1960 1970 1985
ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA
MENOS DE 100 ha 194 10.707 3.930 64.753 5.438 68.246 9.991 85.668 8.978 99.543 13.351 179.963
ACIMA DE 100 ha 94 29.588 140 29.018 112 28.950 83 21.061 104 32.078 280 135.387
TOTAL 288 40.295 4.070 93.771 5.550 97.196 10.074 106.729 9.082 131.631 13.631 315.350
DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS EM NÚMERO E ÁREA
SEGUNDO ESTRATOS DE ÁREA - ANOS 1920, 1940, 1950, 1960, 1970 e 1985
(MINAS NOVAS-MG)
MINAS NOVAS 1920 1940 1950 1960 1970 1985
ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA ESTAB. ÁREA
MENOS DE 100 ha 67,4 26,6 96,6 69,1 98,0 70,2 99,2 80,3 98,9 75,6 97,9 57,1
ACIMA DE 100 ha 32,6 73,4 3,4 30,9 2,0 29,8 0,8 19,7 1,1 24,4 2,1 42,9
100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
PRODUÇÃO DE ALGODÃO (T) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS E MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1950, 1960, 1970 e 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1950 1960 1970 1985 1940/20 1950/40 1960/50 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 11 49 273 562 209 295 4,45 5,57 2,06 0,37 1,41
MINAS GERAIS 5.200 26.726 18.787 24.068 37.545 156.605 0,7 1,28 1,56 4,17
% DE MG 4,52 0,53 1,74 2,58 0,66 0,99
DO IBGE 4
PRODUÇÃO DE FEIJÃO (T) - QUANTIDADE E VARIÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS E MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1960, 1970 E 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1960 1970 1985 1940/20 1960/40 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 311 314 7.091 1.589 4.672 1,01 22,58 0,22 2,94
MINAS GERAIS 92.914 121.191 222.286 185.194 213.136 1,3 1,83 0,83 1,15
% DE MG 4,19 3,06 7,5 5,16 8,6
PRODÃO DE MILHO (T) - QUANTIDADE E VARIÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS E MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1960, 1970 e 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1960 1970 1985 1940/20 1960/40 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 1.480 3.206 26.387 14.468 22.544 2,17 8,23 0,55 1,56
MINAS GERAIS 762.994 1.291.668 1.395.824 1.849.899 2.405.345 1,69 1,08 1,33 1,3
% DE MG 1,58 1,11 3,39 2,17 2,38
REBANHO BOVINO (N.º Cabeças) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS e MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1950, 1960, 1970 e 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1950 1960 1970 1985 1940/20 1950/40 1960/50 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 10.200 26.313 26.738 35.236 49.125 81.864 2,58 1,02 1,32 1,39 1,67
MINAS GERAIS 6.875.958 7.768.245 9.790.100 11.963.902 15.140.297 19.983.506 1,13 1,26 1,22 1,27 1,32
% DE MG 4,44 3,19 4,04 3,02 3,11 3,65
FONTE: FIBGE - Censos Agropecuários, Minas Gerais: 1920, 1940, 1950, 1960 e 1970.
REBANHO SUÍNO (N.º Cabeças) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS e MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1950, 1960, 1970 E 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1950 1960 1970 1985 1940/20 1950/40 1960/50 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 11.672 14.409 49.084 56.083 62.904 49.846 1,23 3,41 1,14 1,12 0,79
MINAS GERAIS 4.239.731 2.563.142 3.689.964 3.300.760 3.277.631 3.008.826 0,6 1,44 0,89 0,99 0,92
% DE MG 2,97 2,18 5,4 4,8 5,23 5,06
PRODUÇÃO DE FARINHA (T) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS e MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1960, 1970 E 1985
MUNICÍPIO 1920 1940 1960 1970 1985 1940/20 1960/40 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 177 539 2.209 2.473 1.229 3,05 4,1 1,12 0,5
MINAS GERAIS 20.845 33.685 50.836 73.160 49.800 1,62 1,51 1,44 0,68
% DE MG 19,77 12,46 28,09 34,68 37,89
PRODUÇÃO DE AÇÚCAR (T) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS e MINAS GERAIS
ANOS: 1920, 1940, 1960 e 1970
MUNICÍPIO 1920 1940 1960 1970 1940/20 1960/40 1970/50
MINAS NOVAS 549 63 89 13 0,11 1,41 0,15
MINAS GERAIS 73.788 25.699 6.345 1.575 0,35 0,25 0,25
% DE MG 2,45 0,41 1,73 0,83
PRODUÇÃO DE RAPADURA (T) - QUANTIDADE E VARIAÇÃO POR PERÍODOS
MINAS NOVAS e MINAS GERAIS
ANOS: 1940, 1960, 1970 e 1985
MUNICÍPIO 1940 1960 1970 1985 1960/40 1970/60 1985/70
MINAS NOVAS 1.306 2.300 4.472 2.453 1,76 1,94 0,55
MINAS GERAIS 93.312 83.453 66.646 27.416 0,89 0,8 0,41
% DE MG 6,11 10,29 15,26 14,91
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