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Comparado a essa dinâmica, Rosas (2002, p. 25-26) traz a distinção entre o cômico
e o espirituoso, que podem ser conceitos muitas vezes intercambiáveis. Para a autora,
quando rimos de nosso interlocutor (porque ele fez ou disse algo
ridículo), nós: a) não nos identificamos com ele e b) somos
superiores a ele. Já quando rimos com nosso interlocutor (porque
ele disse algo espirituoso acerca de si mesmo, de nós ou de um
terceiro), nós: a) nos identificamos com ele e b) não podemos ser,
portanto, nem superiores nem inferiores a ele. Isso pode ocorrer
porque, enquanto na relação cômica bastam dois elementos
(observado e observador) entre os quais se exige distanciamento, na
espirituosa há de haver três: o observador comunica aquilo que
sabe do observado (que, independe de ser ele próprio ou o receptor
da mensagem, é funcionalmente o segundo elemento na relação) a
um terceiro. O observado se torna, portanto, o emissor de uma
mensagem sobre a situação ou o indivíduo cômico (o observado)
que visa a aliciar o receptor, provocando-lhe o riso através da
identificação e da cumplicidade na observação compartilhada. (...)
A relação cômica é uma relação de primeira mão, que pode abrir
mão do verbal, de modo que o riso tem um caráter de antagonista,
menosprezador e marginalizante; enquanto que a relação
espirituosa é de segunda mão, posto que o receptor tem um relato
formulado sobre o observado que lhe é comunicado.
Possenti (1998, p. 134) corrobora essa idéia ao definir que o discurso humorístico é
também uma forma de expressão do racismo e, como conseqüência, o riso não passaria,
pois, de um substituto de um desejo de agressão, um substituto característico dos
civilizados — o humor também tem, portanto, um caráter social, conforme indica Possenti
(1998) em consonância com as idéias de Almeida (1999) e Rosas (2002).
Para Almeida (1999, p. 12), “o humor desperta a consciência crítica”. Além disso,
tanto o humor quanto a ironia, para o teórico, rompem
com os valores criteriosamente estabelecidos (...) A consciência
irônica substitui o absoluto pelo relativo, pois é capaz de apagar as
fronteiras entre o certo e o errado, o positivo e o negativo, o grave e
o irrisório, o fundamental e o acessório. (...) Constitui um
movimento de recuo da consciência e traz uma nova perspectiva.