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EURICO DA SILVA FERNANDES
A "INVENÇÃO" DO PARAGUAI: HISTÓRIA, PROJETOS
E INTELECTUAIS NA CONSTRUÇÃO DA
NAÇÃO PARAGUAIA (1870-1935)
MARINGÁ
2006
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EURICO DA SILVA FERNANDES
A "INVENÇÃO" DO PARAGUAI: HISTÓRIA, PROJETOS
E INTELECTUAIS NA CONSTRUÇÃO DA
NAÇÃO PARAGUAIA (1870-1935)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em História, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito à obtenção
do título de Mestre
Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Viel Moreira
MARINGÁ
2006
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EURICO DA SILVA FERNANDES
A "INVENÇÃO" DO PARAGUAI: HISTÓRIA, PROJETOS
E INTELECTUAIS NA CONSTRUÇÃO DA
NAÇÃO PARAGUAIA (1870-1935)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em História, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito à obtenção
do título de Mestre
Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Viel Moreira
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Luiz Felipe Viel Moreira (orientador)
Universidade Estadual de Maringá
______________________________________
Prof. Dr. Evaristo Emigdio Colmán Duarte
Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Prof. Dr. João bio Bertonha
Universidade Estadual de Maringá
MARINGÁ
2006
4
FERNANDES, Eurico da Silva. A “invenção” do Paraguai: história, projetos e intelectuais na
construção da nação paraguaia (1870-1935). Maringá, 2006 (dissertação de mestrado em
história). Universidade Estadual de Maringá – UEM
Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar a lógica das ideologias e símbolos históricos que alguns
intelectuais, imersos nas vicissitudes da “era liberalparaguaia (1870-1935), mobilizaram para
a construção de diferentes idéias a respeito de uma nacionalidade que acreditaram existir desde
o período colonial ou desde a independência do país. O estudo se deu principalmente a partir
dos textos historiográficos publicados no país em alguns jornais, na principal revista científica
que circulou na passagem do século XIX para o XX, bem como em ensaios e livros
historiográficos dos mesmos. Isso permitiu analisar os parâmetros em função dos quais setores
intelectuais elaboraram visões de mundo, o arsenal analítico que manejaram e a missão social e
política que atribuíram a si e principalmente ao Estado nacional que vislumbravam. As
narrativas que fizeram sobre a guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai (1865-1870), o
regime lopizta, o povo paraguaio e suas heranças, e a educação que tiveram ou necessitavam
ter, foram todos pontos de grande disputa para estes intelectuais, pois a partir deles podiam
“inventar” a ideologia nacional da paraguaidade.
Palavras-chave: nacionalismo, história, intelectuais e Paraguai
5
FERNANDES, Eurico da Silva. La “invención” del Paraguay: historia, proyectos e
intelectuales en la construcción de la nación paraguaya (1870-1935). Maringá, 2006
(dissertação de mestrado em história). Universidade Estadual de Maringá – UEM
Resumen
Este trabajo tiene por objetivo analizar la gica de las ideologías y símbolos históricos que
algunos intelectuales, inmersos en las vicisitudes de la era liberal” paraguaya (1870-1935),
movilizaran para la construcción de diferentes ideas respeto de una nacionalidad que creyeran
existir desde el período colonial o desde la independencia del país. El estudio quedó hecho
principalmente a partir de los textos historiográficos publicados en el país en algunos
periódicos, en la principal revista científica que circuló en la pasajen del siglo XIX para el XX,
bien como en los ensayos y libros de los mismos. Eso permitió analizar los parámetros en
función de los cuales ellos elaboraran su visión de mundo, el arsenal analítico que manejaran y
la misión social y política que atribuyeran ay en particular al Estado nacional que proponían.
Las narrativas que hicieron sobre la guerra entre el Paraguay y la Triple Alianza (1865-1870),
el regime lopizta, el pueblo paraguayo y sus herencias, y la educación que tuvieron o
necesitaban tener, fueran todos puntos de gran disputa entre estos intelectuales, pues a partir de
ellos podían “inventar” la ideología nacional de la paraguaydad.
Palabras-llave: nacionalismo, historia, intelectuales y Paraguay
6
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, dona Aparecida, pela confiança e motivação.
Ao Prof. Dr. Luiz Felipe Viel Moreira, que acompanhou todas as etapas deste trabalho.
Aos amigos, pela ajuda durante esta jornada.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação desta universidade.
À Adelina e Raquel, profissionais do Museo Etnográfico Andres Barbero, e ao Prof. Ricardo
Paveti, pela concessão de informações valiosas para a realização deste estudo.
Aos profissionais da Biblioteca Nacional de Asunción e da Academia Paraguaya de Historia.
A todos os facilitadores deste trabalho.
7
ÍNDICE
Introdução...........................................................................................................................8
1 O pós-"Grande Guerra"
1.1 Reinstitucionalização e implementação de ideários liberais ............................................29
1.2 Difícil reconstrução: alienação das terras públicas e caudilhismo político....................... 43
2 Percepções da hisria. Projetos, filosofia e pedagogia:
um povo a "regenerar"
2.1 Instruir e povoar: um projeto "nacional".........................................................................56
2.2 Evolução da história e "Guerra Grande": JoSegundo Decoud,
ctor Decoud e o "Instituto Paraguayo".............................................................................70
2.3 A pedagogia "nacional" na condução do povo à guerra e à indoncia:
Manuel Dominguez, Manuel Gondra e Blás Garay...............................................................84
3 Revisionismo histórico: confronto nos diários assuncenos, debate
na "Revista del Instituto Paraguayo" e nos partidos políticos tradicionais
3.1 Fracassos e "mal-estar": de Blas Garay à Juan E. O´Leary............................................ 100
3.2 Os polemistas: Báez x O´Leary e Dominguez............................................................... 115
3.3 "Revolução" de 1904: a luta entre a história e a contra-história no âmbito
dos partidos tradicionais e seus intelectuais........................................................................ 135
4 Temáticas do nacionalismo conservador e sua consolidação
4.1 Centenário da independência........................................................................................ 146
4.2 Explosão do nacionalismo conservador........................................................................ 158
4.3 Historiografia do cinqüentenário do rmino da "Guerra Grande" e do
centenário de nascimento de Francisco Solano López......................................................... 167
4.4 Crítica a ordem liberal e movimentos nacionalistas ...................................................... 184
Conclusão ....................................................................................................................... 198
Fontes
Periódicos – “Biblioteca Nacional de Asunción”................................................................ 201
Periódicos – “Fundación Carlos Pusineri Scala................................................................. 204
Ensaios de revista e livros da época “Museo Etnográfico Andres Barbero
e “Academia Paraguaya de Historia”.................................................................................. 205
Referências Bibliográficas........................................................................................... 210
8
Introdução
Em de março de 1936, há exatos 66 anos da morte do Marechal López pelas
tropas imperiais do General Câmara, um decreto-lei do governo do Coronel Rafael Franco
governo recém instaurado em um golpe ocorrido há apenas 12 dias fazia uma série de
considerações sobre a história do Paraguai, cujo significado político e cultural era de grande
importância para a questão nacional desse país.
O primeiro dos seus artigos punha como “cancelado para sempre dos arquivos
nacionais, reputando-se como inexistentes, todos os decretos-libelos ditados contra o Marechal
Presidente da República, dom Francisco Solano López”. O segundo artigo declarou-o como
“herói nacional” e representante máximo “do idealismo paraguaio”. Já o seu terceiro e último,
impelia o governo a erigir, “em glorificação da memória do Herói Nacional [...] Francisco
Solano López, um grande monumento comemorativo sobre a mais alta colina das margens do
rio Paraguai, na entrada da cidade de Assunção
1
.
Além do significado político, com esse decreto ficou legalmente consagrada uma
árdua campanha de revisão histórica iniciada há três décadas por um pequeno grupo de
intelectuais reivindicadores do heroísmo da “raça” e das “glórias da história paraguaia e,
posteriormente, reivindicadores do próprio Marechal López. Daí terem recebido o nome de
lopiztas. Desse momento em diante, o nacionalismo lopizta tornou-se a ideologia oficial do
Estado paraguaio, contrapondo-se ao que os seus dirigentes qualificaram como o
“antiparaguaio” liberalismo da oligarquia que acabara de ser politicamente derrotada. Surgia
então o que ficou conhecido como o Estado “Nacional Revolucionário” paraguaio.
Embora forjado por forças sociais que hoje nos pareceriam confusas e
contraditórias, desde militares de extrema direita a movimentos esquerdistas, a política cultural
desse “novo” Estado foi a de se apropriar e contribuir para a reprodução generalizada do
nacionalismo lopizta, até então rejeitado nos círculos dos governos e elites liberais.
Em sua forma mais “acabada” e duradoura, os mais fortes símbolos desse
nacionalismo podem ser sintetizados nos seguintes termos: na condenação do liberalismo
“artificial” imposto pelos estrangeiros depois da Guerra Grande” (1865-1870) que havia
levado o país à miséria e à prostração; e, inversamente, na prosperidade e felicidade da “era de
1
Conf. BREZZO, Liliana M. “La guerra de la Triple Alianza en los mites de la ortodoxia: mitos y
tabúes”. Revista Universum, Talca, nº 19, v. 1, 2004, p. 7. Disponível em: <http://www.scielo-
test.conicyt.cl/scielo.php >. Acesso em 16/04/2006.
9
ouro” em que a “raça guerreira” paraguaia havia vivido durante a “república autônomados
heróis López. “Éramos felizes...”, dizia um intelectual. Portanto, à vel ideológico, o lopizmo
desse “novo” Estado deveria ser meramente atualização de um passado considerado
covardemente destruído, ou, nos termos do decreto-lei do Coronel Franco, uma atualização do
verdadeiro “idealismo paraguaio”
2
.
Para a construção dessa ideologia foram selecionados certos elementos dos
governos de Carlos Antonio López (1844-1862) e, principalmente, do governo de seu filho,
Marechal López (1862-1869/70), o “imolado”. Não deixava de ser importante também o
governo do doutor José Gaspar Rodriguez de Francia
3
(1814-1840), considerado pela mitologia
lopizta, junto dos próprios López, como prócere da Independência do país. Agregava-se ainda
aos catalisadores do nacionalismo lopizta, a imagem da preexistência da nacionalidade
paraguaia formada no período colonial em decorrência da “aliança” militar e mescla
sangüínea de duas das melhores “raças” de homens do planeta: a goda e a guarani
4
.
Diante desses símbolos, ainda que com objetivos diversos, mesmo conflitantes ou
meramente retóricos, nenhum civil ou militar com pretensões de aumento de capital político
pôde furtar-se em considerá-los. Eles forneceram legitimação à derrubada do regime político
oligárquico-liberal; legitimação ao afastamento do laissez-fairismo e ao caráter mais
“intervencionista” por parte do “novo” Estado. Este, tornou-se também um indutor do
desenvolvimento capitalista do país e um agente de modernização, além de tentar se
desvencilhar da constante intromiso externa representada por Brasil e Argentina em suas
questões político-econômicas nascidas por conta de sua derrota na guerra de 1865-1870.
Contudo, o nacionalismo lopizta também justificou o congênito caráter autoritário
do Estado Nacional Revolucionário”. Como entenderam os seus próprios governos, os pez
também tiveram que abrir o das liberdades para poderem consolidar a autonomia, a
2
Ainda hoje, segundo o historiador Adriano I. Burgos, alguns mitos políticos se fazem presente na
mentalidade política e historiografia do Paraguai. Entre eles estão “o mito do eterno retorno; o
maniqueísmo ou uma suposta luta entre o bem e o mal; e a instauração do herói máximo”. Conf.
BURGOS, Adriano Irala. “La espistemología de la historia en el Paraguay”. In: Estudios Paraguayos,
Asuncn, v. 20 e 21, nºs 1 e 2, 2003, pp. 179-187.
3
A respeito do nome correto de Francia tem-se dúvidas, pois ele assinava de várias maneiras: Dr. José
Gaspar García Rodríguez de Francia; Dr. Jo Gaspar Rodríguez de Francia; Dr. Rodríguez de
Francia; Gaspar de Francia; José Gaspar de Francia; Dr. Francia; Ditador Francia; Francia; Francia, O
Ditador. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritária. Asunción: RP. Ediciones, 1987, p. 14.
4
Ver MORENO, Fulgencio Ricardo. La ciudad de la Asunción. 2
ª
ed. Asunción: Editorial Paraguaya,
1968, [1926].
10
independência e a paz interna, coisas sempre ameaçadas no Paraguai
5
. Ainda em 1918, portanto
muito antes da instauração desse Estado, um intelectual lopizta já dizia que a “liberdade e
sabedoria” paraguaia daquele momento o havia, ainda, “salvado e afirmado a existência
nacional”, como fizeram os “heróis” López
6
.
Na década de 1920, os distintos movimentos políticos que mais tarde derrubaram
o velho regime liberal implantado no pós-1870 existiam e comungavam de diversas maneiras
com o nacionalismo conservador lopizta. Demandavam uma “Nova Ordem” em que a moral se
daria pelo sacrifício, abnegação, disciplina, heroísmo e, sobretudo, pela força “guerreira” da
“raçaparaguaia, cujo exemplo maior seria o próprio Marechal pez. Durante a guerra do
Chaco contra a Bolívia (1932-1935), esses valores foram como que postos a prova de fogo e
com a vitória dos exércitos paraguaios, mais do que nunca pareceram destinados ao futuro
político do Estado paraguaio, em contraposição ao “decadentismo da oligarquia liberal
7
.
Findada a guerra esses movimentos políticos formados desde a década de 1920,
encabeçados pelas vitoriosas Forças Amardas, em pouco tempo desfecharam o golpe de 17 de
fevereiro de 1936, dando surgimento a tal “Nova Ordem” que tornou finalmente oficial esta
outra leitura lopizta da história nacional. Era a revisão da história liberal, onde os López, de
criminosos e verdugos da pátria, passaram por decreto-lei a “heis” e exemplos nacionais a
serem seguidos, enquanto o paraguaio, de homem degenerado pela tirania com a qual
comungou, a grande “guerreiro” e raça perfeita
8
.
Conforme salientou Angela de Castro Gomes, é no momento de esforços para
implementação de “grandes projetos políticos” que a atenção dos dirigentes do Estado “volta-se
para o passado, buscando reconstruir o seu ‘lugar na história’ e, dessa forma, relendo e
5
Com o fim do Estado “Nacional Revolucionário” em 1947, o lopizmo permaneceria legitimando tão
o autoritarismo, abrindo mão do desejo de com ele legitimar um Estado de fato com interesses
autonomistas. Ver: GROW, Michael. Los Estados Unidos y el Paraguay durante la Segunda
Guerra Mundial: Politica del buen vecino y autoritarismo en Paraguay. Asunción: Editorial
Histórica, 1988.
6
Conf. DOMINGUEZ, Manuel. “Constitución de 1844”. In: El Alma de la Raza. Buenos Aires:
Editorial Ayacucho, 1969, p. 79. [1918].
7
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis del liberalismo en la preguerra
del Chaco. Asunción: Centro de Documentacion y Estudios, 1993a, p. 50.
8
É importante ressaltar que o revisionismo histórico não fora algo singular do Paraguai. Na Argentina
ele também se dera de forma muito acentuada, tendo, como no Paraguai, grande importância em sua
vida cultural e política. A principal figura restaurada foi a de Juan Manuel Rosas, sempre proscritos
pelos liberais. Ver SVAMPA, Maristella. El dilema argentino: civilización o barbarie. De Sarmiento
al revisionismo peronista. Buenos Aires: El cielo por asalto, 1994.
11
rescrevendo os fatos e as interpretações do calendário cívico de um país”
9
. Foi o que os
governos do Estado “Nacional Revolucionario” fizeram a partir do revisionismo oficial.
Não obstante, para as suas “releituras” e “reescrituras” da história do país foram
de suma importância as construções ideológico nacionais que alguns intelectuais fizeram ainda
durante a vigência do regime liberal (1870-1935), seja para incorporá-las por completo ou para
rechaçá-las totalmente. Nesse período, uma geração de intelectuais quase toda nascida logo
após a “Guerra Grande”, amadurecida por volta de 1900 e educada nas mesmas instituições
paraguaias, “Colegio Nacional”, “Universidad Nacional” e “Escuela de Derecho daí ser
conhecida como “geração de 900” passou a escrever, mais ou menos sistematicamente, a
história do Paraguai: Manuel Dominguez (1868-1935), Manuel Gondra (1871-1927), Cecilio
ez (1862-1941), Juan Emiliano O’ Leary (1879-1965), Ignácio A. Pane (1879-1920), Blas
Garay (1873-1899), Eligio Ayala (1880-1930), Fulgêncio Ricardo Moreno (1872-1933),
Arsenio pez Decoud (1868-1945) entre outros, foram os principais nomes desse grupo de
destacados intelectuais
10
.
Posteriormente, agrega-se a ele a figura de Juan Natalício González (1897-1966).
Todos eles jovens, além de intelectuais, começaram a atuar socialmente como militantes
políticos, legisladores, jornalistas, professores ou funcionários da burocracia do Estado, sendo
que ez, Gondra e Ayala no período liberal, além de Juan N. González no posterior, chegaram
até mesmo a chefia da presidência da república.
Por motivos diferentes ou até contraditórios, todos sentiam o Paraguai como um
país atrasado, portador de algumas heranças históricas que atuavam negativamente em sua
conformação como Estado nacional efetivo. Daí a ânsia que todos tinham em modernizá-lo o
mais rapidamente possível, tornando-se os primeiros dentre os representantes da cultura
paraguaia moderna. Alias, para este seleto grupo de intelectuais, houve uma espécie de conexão
entre o destino de suas vidas e o destino da “pátria” renascida em 1870.
Mas até a conformação dessa “elite” intelectual por volta de 1900, os poucos
homens de letras do período principais mentores dessa juventude estudante ou eram todos
9
Ver GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1999, p. 22.
10
O termo “geración del 900” foi cunhado por um de seus principais componentes, Juan Emiliano O’
Leary, no ano de 1950. Foi também utilizado pelo historiador Raúl Amaral, significando “a renovação
de modos de vida, de sistemas de orientação intelectual e, sobretudo, um todo distinto para enfocar
os desencontros da história, latentes ainda a trinta anos de terminada a guerra da Tríplice Aliança”.
AMARAL, Raul. El novecentismo paraguayo: línea biografica y doctrinal de una generacn.
Buenos Aires: Publicacn del Instituto Judio Argentino de Cultura e Información, s/d, p. 2.
12
estrangeiros que aportaram ao país depois da Guerra Grande”, ou então paraguaios formados
noutras partes do Rio da Prata, particularmente Argentina, que retornaram ao seu país depois
desse conflito bélico. Entre estes, figuram alguns dos principais inimigos dos López que
viveram como emigrados ou exilados em Buenos Aires até a capitulação de Assunção, sendo
que na guerra muitos se aproveitaram para aderir à campanha militar da Tríplice Aliança.
Para se ter uma idéia, dos primeiros diretores do “Colegio Nacional” fundado em
1877, dois eram estrangeiros e dois formados na Argentina: José Agustín Escudero era de
origem mexicana; José Segundo Decoud fora educado na capital portenha; Leopoldo Gómez de
Terán era austríaco; e Benjamín Aceval fora educado no velho Colégio Montserrat de Córdoba
e na Universidade de Buenos Aires. Portanto, todos expressavam bem esta situação
11
.
A explicão desse fenômeno está principalmente nas próprias conseqüências da
guerra, pois ela afetou decisivamente o processo cultural paraguaio. Após a hecatombe, além da
raridade dos homens letrados, o país o possuía arquivos históricos de qualquer natureza,
bibliotecas públicas ou privadas, instituições de ensino superior e sequer um sistema de ensino
primário minimamente estruturado
12
. Tudo começou a ser gestado a partir do nada ou do quase
nada, em meio a própria reconstrução do país.
Entretanto, nem tudo foi negativo. Uma explosão de nascimento de jornais
rapidamente inundou a capital Assunção, fenômeno que pode ser lido tanto como uma espécie
de resposta a recém conquistada “liberdade” de imprensa, por décadas estritamente controlada
pelo regime lopizta, mas, ao mesmo tempo, ao prestígio dessa atividade e à ânsia de cultura
moderna que tudo invadia, correlacionada também aos violentos debates políticos do “novo
mundo que se anunciava àquele país. Muitos desses jornais, carecendo de estrutura mínima,
tiveram vida efêmera. Outros, efêmeros ou não, foram importantíssimos a estruturão
ideológica do novo regime, como o “Lá Regeneración” compilador de um esboço
constitucional cerne da constituição aprovada em 1870 –, ainda mais que, como todos os
jornais da época, pertenciam ao explicito gênero de “doutrinadores”
13
.
11
Conf. CARDOZO, Efraim. Apuntes de historia cultural del Paraguay. 6 ª ed. Asunción: Biblioteca
de Estudios Paraguayos, 1998, p. 302.
12
Conf. BREZZO, Liliane. La historiografía paraguaya: del aislamiento a la superacn de la
mediterraneidad. Diálogos, Maringá, v. 7, 2003, p. 160.
13
Segundo Tania Regina de Luca, uma das maiores alterações que os jornais sofreram durante a história
de sua existência foi a de abandonar a explicita “doutrinação” em favor da informação:
Consagrava-se a idéia de que o jornal cumpre a nobre função de informar ao leitor o que se passou,
respeitando a verdade dos fatos’. Mudança sem volta...”. Ver LUCA, Tania Regina. “História dos,
nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanegi (org). Fontes Históricas. São Paulo:
Contexto, 2005, p. 138.
13
Portanto, a maior parte das instituões de ensino e cultura em que a “geração de
900” estudou (ou mesmo lecionou) passaram a ser literalmente implementadas a partir do zero,
concomitante aos principais projetos potico-ideológicos e sócio-econômicos do pós-guerra. À
medida que os governantes e também alguns particulares davam vida às escolas primárias e
secundárias, ao museu e biblioteca nacional, as instituições superiores, etc., ocorria o drama do
violento caudilhismo e suas “revoluções”, formas políticas que depois do fim do poder
unipessoal dos López tornaram-se comuns.
Nesse mesmo momento dava-se também a fundação dos dois partidos tradicionais
“Centro Democrático e “Asociación Nacional Republicana” (1887) onde todos os
intelectuais militaram, e o início da sistemática alienação das terras públicas que o novo regime
herdara do regime lopizta, ato promovido inicialmente pelos próprios governos dos “velhos
generais”, antigos militares dos López
14
. É desse momento e dessas instituições que sairiam a
“geração de 900, os primeiros intelectuais paraguaios a escreverem uma história
eminentemente nacionalista, embora não fossem historiadores em sentido estrito.
Mas, além da fundação dessas instituições, foi também de grande importância a
fundação do “Ateneo Paraguayoem 1883, um espaço de encontro e intercâmbio reservado a
promoção de diferentes atividades culturais para, como historiou Raúl Amaral, melhorar as
condições morais e intelectuais do Paraguai”
15
. A iniciativa de fundá-lo, inteiramente
particular, coube aos jovens Cecilio Báez e Manuel Dominguez, recém egressos do “Colegio
Nacional”, aos irmãos Adolfo Decoud e JoSegundo Decoud, e também a Benjamí Aceval,
antigos residentes de Buenos Aires
16
. O “Ateneucontou com uma revista própria denominada
“Revista del Ateneo Paraguayo”, que, não obstante, teve como a própria instituição uma vida
muito curta.
Mas, talvez, a maior importância do “Ateneo Paraguayofoi o fato de ter sido o
precursor da maior e mais bem sucedida instituição desse mesmo cater. Em 1895 o “Ateneu”,
com as suas atividades findadas a tempo (1889), foi substituído pelo “Instituto Paraguayo”,
instituição que ampliou os seus objetivos culturais com uma publicação própria mais ou menos
14
O governo dos “velhos generais” da guerra o os de Bernardino Caballero (1880-1886), Patricio
Escobar (1886-1890), Juan B. Egusquiza (1894-1898), havendo o governo civil intermediário de Juan
G. González (1890-1893) e posteriormente o de Emilio Aceval (1898-1902). Todos pertenciam a
“Asociación Nacional Republicana”.
15
Conf. AMARAL, Raúl. Escritos paraguayos. Primera parte. Introducción a la cultura nacional.
Asuncn: Editora Litocolor, 1984, p. 131.
16
Conf. BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay: historiografía y responsabilidades
nacionalistas (1897-1912)”. Anuario del Centro de Estudios Historicos, Córdoba, año 4, nº 4, 2004,
p. 58.
14
trimestral. Em outubro 1896 era criada a “Revista del Instituto Paraguayo”, revista que se
converteria – até a sua desaparição em 1909, depois de 64 números – na mais importante de seu
tempo. Seus objetivos, conforme anunciado pelos editores no seu primeiro número, foram o de
promover “o desenvolvimento da cultura intelectual e artística e [também] o espírito de
associação, tão útil ao humano progresso
17
. Adiante, aclarando ainda mais os objetivos,
fizeram a seguinte afirmação:
La fundacn de la Revista del Instituto Paraguayo de carácter esencialmente
científico, literário y histórico, es un verdadero acontecimiento, no solamiente para
la sociedad de cuyo seno surge á la vida, sinó también para nuestra querida patria,
única quizá en el mundo civilizado desposeída de una publicacn de este género.
Y sin embargo, ningun país merece y necesita mas que el Paraguay, que sus hijos y
los extranjeiros que cariñosamente acoge al amparo de sus libérrimas leyes, se
ocupem no sentido que iniciamos: la iliada y la odisea de su interesantísima
historia, sublime epopeya en que no se sabe que admirar s, si la nobleza y el
valor insuperable de este pueblo martir ó la tenacidad de su infortúnio...
18
De fato, para a vida cultural que se institucionalizava, principalmente para a
história nacional, ela se tornou uma espécie de centro gravitacional aonde os poucos
intelectuais do país, entre eles os jovens da “geração de 900”, contribuíram com as suas
publicações e debates
19
. Aparte as obras de cada um, foi ali que publicaram e debateram as
figuras de Cecilio Báez, Manuel Domínguez, Blas Garay, Fulgencio R. Moreno, Juan E.
O’Leary e Ignacio A. Pane. Pelas peculiaridades de seu país, ainda longe de recuperar-se da
guerra, estes jovens forçaram para atuar nos domínios da organização institucional, produzindo
o efeito de renovação dos quadros dirigentes do “Centro Democrático” e da “Asociacn
Nacional Republicana”, e também o de exercerem postos em todas as instâncias da vida
política local.
Assim o atual e delicado dilema que o intelectual contemporâneo vive, conforme
apontou Noberto Bobbio, o de saber se deve participar diretamente da luta política acabando
por colocar-se a serviço desta ou daquela ideologia, ou se, por outro lado, deve pôr-se acima do
17
EDITORES. “Nuestros propósitos”. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asunción, o 1, 1,
octubre de 1896, p. 1.
18
Idem.
19
Conforme a declaração do artigo Nuetros propósitos”, ela se colocou claramente como órgão da
juventude paraguaia”, embora, como disse, não signifique que “desdenhe” a contribuição dos
“velhos”. Idem, p. 3.
15
necessário combate social para o cair nas paixões da cidade, não cabe aos acima aludidos
20
.
Todos eles não estavam completamente imersos nos combates políticos, históricos e
ideológicos do Paraguai da época, como para afirmarem-se como intelectuais deveriam e
faziam questão de estar
21
. Isso levou Raul Amaral a afirmar que esta geração de intelectuais
paraguaios, quando comparada com a geração de intelectuais argentinos de 1880, se caracteriza
por, entre outras coisas:
“una más intensa inmersión en los acontecimientos, ya que su posición de
partícipes directos les impedía sustraer su propensión intelectual de los fragores de
la lucha. Sus lectores eran a la vez partidarios o adversarios, que desde luego los
leían como a tales y no con ánimo deprevenido o por fuición estética. Esa postura
semomentáneamente superada al erigirse, en 1895, el Instituto Paraguayo, y al
aparecer, en el siguiente año, su valiosa Revista, pero volverá a ahondarse a partir
de 1904”
22
.
Esta foi a chamada “geração de 900”, toda ela educada no “Colegio Nacional” de
Assunção. Uma elite intelectualque se dedicou a construção e reconstrução da memória
coletiva no campo do conhecimento de acordo com a impregnação de valores modernos pelo
qual passava a cultura da elite paraguaia. Foi ela, portanto, a precursora dos estudos históricos
que ajudaram na configuração da “consciência nacional” paraguaia a partir da elaboração de
suas ideologias nacionalistas.
Aliás, o Album Gráfico”, trabalho datado de 1911 para se comemorar o
centenário da independência do país, escrito com a contribuição de vários deles, entre os quais
figura o nome de Blas Garay, morto desde dezembro de 1899, é o reconhecimento deles
próprios como um grupo de homens, uma “elite pensante com a obrigação de dar formas a
“história pátria”. Como disse Arsenio pez Decoud, organizador da obra, o objetivo desse
trabalho, “fruto de sua intelectualidade”, era dar uma visão completa, ainda que rápida da vida
nacional durante um século”, isto é, do ano de 1811, data da independência, à 1911
23
.
Conforme assinalou Eric J. Hobsbawm em seu estudo sobre as condições
históricas para o surgimento da nacionalidade, a formação dessa “consciência” se desenvolve
20
Conf. BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na
sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 1997, 21 e 22.
21
Segundo Jean-François Sirinelli, uma possível caracterizão dos intelectuais, é de que eles “podem
ser reunidos em torno de uma [...] definição estreita e baseada na noção de engajamento na vida da
cidade”. Ver SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: RÉMOND, René (org). Por uma
história política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Fundação Getulio Vargas, 1996, p. 243.
22
Ver AMARAL, Raúl. Paraguayos del 900 y argentinos del 80. Asuncn: 1978, p. 11.
16
desigualmente através do tempo entre os “grupos e regiões sociais de um mesmo país”. A
propósito, ainda segundo este autor, a grande parte dos estudiosos concordaria que, qualquer
que seja a natureza dos primeiros grupos sociais capturados pela consciência nacional, “as
massas populares trabalhadores, empregados, camponeses são as últimas a serem por ela
afetadas”, enquanto, por outro lado, os intelectuais e políticos, talvez as elites em geral, podem
ser considerados os primeiros
24
.
Refletindo sobre a história da Europa a partir de fins do século XVIII, este mesmo
historiador disse que o nacionalismo possui ao menos três fases: a primeira seria puramente
literária e folclórica, sem implicações políticas ou mesmo sem conseqüências verdadeiramente
“nacionais”; a segunda fase contaria com a ação de pioneiros e militantes da “idéia de nação”,
uma espécie de minorité agissante que se dedica a campanhas políticas e culturais para a
expansão dessa idéia; e a terceira fase, por fim, existiria quando programas nacionalistas”
começam a adquirir alguma sustentação das massas
25
, fato que no Paraguai ocorreu, ao menos
de maneira mais acentuada, a partir da implantação do Estado “Nacional Revolucionário” no
pós-guerra do Chaco
26
.
Embora esquemático, esse quadro proposto por Hobsbawm pode ajudar. Os
intelectuais da “geração de 900”, num ambiente social quase que exclusivamente rural
camponês, exerceram no Paraguai este papel de minorité agissante, isto é, os que no campo da
literatura histórica e da atuação política estiveram entre os primeiros militantes da “idéia
nacional”, tornando-a instrumento privilegiado de suas lutas políticas e ânsias modernizadoras.
Os resultados de seus trabalhos, como eles mesmos entendiam, deveriam
contribuir, e de fato contribuíram, para que a “consciência nacional” do povo se “despertasse”.
Cecilio Báez deixou isso muito claro em um discurso dirigido aos fundadores da “Revista del
Instituto Paraguayo”, dizendo o seguinte a respeito dos enlaces entre os intelectuais, a história,
entendida como “história pátria”, e a “nacionalidade”:
23
Ver DECOUD, Arsenio López. Álbum Gráfico de la República del Paraguay. Buenos Aires:
Talleres Gráficos de la Compañia General de Fósforo, 1911, p. 8.
24
Ver HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. 3ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 21.
25
Idem.
26
Como afirmou Evaristo Duarte, o “Paraguai, no final do século XIX, era sim um Estado, mas não
tinha propriamente uma não [...]. O momento em que o Estado paraguaio enfrentou o desafio de ser
um fator de desenvolvimento capitalista foi o período ‘Nacional Revolucionário’ (1936-1947). É nesse
período que o nacionalismo lopizta funcionou como grande força organizadora” da nação. Ver
17
sois en el momento actual los representantes mas legítimos de la cultura
paraguaya, y los llamados á preparar la história patria la qual no es outra cosa
sinó el momento que cada pueblo se levanta á su propria nacionalidad, al heroismo
de sus guerreros, al rito de sus grandes hombres, a las virtudes de sus varones
ilustres, en una palabra, á las glórias de la patria [destaques meus]”
27
.
Não se tratava, contudo, de “despertar” a consciência nacional”, ou, nas próprias
palavras de Báez, de “preparar a história pátria” para a independência política do país obra
que os países da América Latina haviam alcançado por pequenos grupos de aristocratas,
soldados e elites comerciais mais ou menos afrancesadas que pela época elas mesmas não
possuíam senão o “embrião” dessa “consciência”
28
, mas sim de destacar de forma bastante
seletiva, no momento em que o Paraguai inseria-se subalternamente no capitalismo global,
certas “lembranças” de um passado comum visto como positivo e/ou negativo, e também de
traçar, implicitamente, os projetos e os rumos do destino” imante ao futuro nacional
29
.
Durante toda a “era liberal” (1870-1935) conjuntura aberta com o fim “Guerra
Grande” (1870), marcada pela constituição liberal de 1870 e pela luta dos partidos de extração
liberal acima anotados – foi de grande importância a conquista do investimento emocional e da
lealdade de uma população imersa numa cultura platina muito maior e disposta mesmo a
“abandonar” o Paraguai pós-1870 em benefício argentino, problema crônico do ponto de vista
das elites de então pela própria carência populacional do país, isto é, de mão-de-obra, e, na
década de 1920, devido a uma outra guerra que se anunciava contra a Bolívia
30
.
COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na origem do Estado
Nacional Revolucionário paraguaio: 1936 – 1947. Assis: UNESP, 2002, p. 38 (Tese de doutorado).
27
Conf. BÁEZ, Cecilio. “Discurso del doctor don Cecilio ez. Revista del Instituto Paraguayo,
Asuncn,o 1, nº 1, octubre de 1896, p.10.
28
Conf. HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848). 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000, p. 162.
29
Para Hobsbawm, a “consciência nacional” aparece com a interseção da política, da tecnologia e da
transformação social”, isto é, a existência da nação, enquanto imaginação histórica e devir imaginado
de uma comunidade qualquer, exige historicamente uma série de transformações tecnológicas que
ocorrem no momento da transição ao capitalismo, e mais especificamente à época da criação da
imprensa, da alfabetização e escolarização em massa que permitem a universalização do fenômeno e a
própria adesão às novas entidades. Portanto, segundo o entendimento do autor, a nação é um
fenômeno estritamente moderno, sendo um equívoco buscá-la noutros peodos históricos. A este
respeito diz que: a nação pertence exclusivamente a um período particular e historicamente recente.
Ela é uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno,
o Estado-nação; e não faz sentido discutir nação e nacionalismo fora desta relação”.
Ver
HOBSBAWM. Nações e nacionalismo..., 2002, p. 19.
30
Eligio Ayala, um dos intelectuais da “geração de 900” e também presidente da república (1924-1928),
publicou um estudo tentando explicar a emigração paraguaia. Ver AYALA, Eligio. Migraciones.
Assunção: Editorial El Lector, 1996, [1915].
18
Portanto, para os nossos propósitos, como disse Ernest Gellner, é o “nacionalismo
que engendra nações”. É a militância ideológica de uma “elite” política e intelectual que as
“inventa”. Esta “elite”, conforme Gellner, se aproveita de forma “seletiva”, “transformando
radicalmente a multiplicidade [...] [da] riqueza cultural preexistente, herdadas
historicamente”
31
. Nessa tarefa de “engendra[r] nações”, no Paraguai a atividade intelectual
por excelência foi o jornalismo e a historiografia, cuja forma preferencial desta última foi o
ensaio hisrico por vezes escrito nos próprios diários.
Alguns motivos podem ajudar a explicar a preferência desse tipo de linguagem. O
Paraguai carecia de um poema ou romance épico em torno do qual se poderia ter investido na
questão da identidade nacional, como foi o caso, por exemplo, da obra “Os Lusíadas” de
Caes para Portugal ou da obra “Martin Fierro” de José Hernández para a Argentina. Não
havendo esse tipo de tradição literária, o discurso histórico, imprescindível em qualquer
nacionalismo, praticamente ocupou todo o espaço e de fato foi o mais importante no processo
de constituição da identidade nacional paraguaia.
Houve, porém, outros motivos ainda mais fortes que os literários para o uso
hegemônico da linguagem histórica. Entre eles está o grande drama vivido pelo país na guerra
contra a Tríplice Aliança, guerra que permanecia uma espécie de ferida aberta, tornando-se
uma lente pela qual todos os discursos de fundo histórico passavam quase que inevitavelmente.
Tamanha foi a importância da guerra para o país que não seria errôneo afirmar que, de certo
modo, os nacionalismos paraguaios giraram em torno da história desse acontecimento e de
suas dezenas de intermináveis controvérsias. Ele tornou-se, quase necessariamente, a matriz da
nacionalidade paraguaia e também a matriz das leituras históricas no período em questão.
Quando, por exemplo, Juan E. O’ Leary ousou iniciar a campanha de revisão
histórica e refutar veementemente as teses liberais da guerra defendidas desde o início dela em
1865, de fato encontrou em certos espaços informais quem o escutasse ou mesmo o apoiasse,
mas também quem o condenasse. Agrega-se, ainda, a esses catalisadores da linguagem
histórica a necessidade de se rechaçar os argumentos também históricos que a Bolívia
levantava para apoderar-se do Chaco e, ao mesmo tempo, fundamentar os supostos direitos
seculares do Paraguai sobre este mesmo território. O Estado chegou a contratar como
31
Ver GUELLNER, Ernest. Naciones y nacionalismos. Buenos Aires: Alianza Editorial, 1997, p. 80.
Hobsbawm concorda perfeitamente com este pressuposto teórico. Para ele as “nações não formam os
Estados e os nacionalismos, mas sim o oposto”. Ver HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo
desde..., op. cit., p. 19.
19
assalariado alguns intelectuais para trabalhar regularmente na busca de documentos históricos
que comprovassem a pertença do Chaco ao Paraguai
32
.
Nessa trajetória da disciplina história, a “geração de 900”, a partir da milincia
político nacional de seus membros, isto é, dos diferentes nacionalismos que paulatinamente
foram empreendendo, sublinhou as origem da nação, os grandes problemas do passado e do
presente, os desvios, os erros e acertos, os modelos e anti-modelos nacionais, os novos
caminhos a seguir, os heróis ou anti-heróis da história do país, etc.; e, dessa forma, também os
projetos políticos defendidos implicitamente. Podemos afirmar que já a princípio do século XX
dois nacionalismo, expressos principalmente por discursos históricos, portanto também duas
filosofia da história, se enfrentaram.
Uma tinha sua matriz de pensamento herdada do humanismo iluminista e das
revoluções burguesas norte-americana (1776) e francesa (1789). Era o positivismo,
particularmente em sua versão spenceriana que privilegiava o critério evolucionista das
ciências naturais na análise das sociedades, cuja filosofia da história manifestava-se numa
suposta luta universal empreendida entre as foas da liberdade e soberania nacional, isto é,
soberania do corpo de cidadãos que compunham o Estado-nação, contra as do “despotismoe
“barbárie”. Conforme afirmou Cecilio Báez na “Revista del Instituto Paraguayo”, “A
liberdade” era “nova”, ligando-se as revoluções acima anotadas; enquanto o “despotismo era
muitíssimo antigo
33
.
Genericamente, parte desses intelectuais permaneceram com tais critérios,
comungado com uma visão liberal da história acorde com a da oligarquia que se formou após a
“Grande Guerra sob os auspícios da constituição liberal de 1870, visão sumamente
influenciada pela ideologia e cultura letrada argentina onde a dicotomia sarmientina entre
“civilização e barbárie” eram os nortes principais
34
. Traduzido ao campo do conhecimento
histórico, nesta tradição os López foram absolutamente proscritos e tidos como os “culpados” e
“verdugos” da aniquilação sofrida pelo país na guerra, além de os camponeses índios e
32
Uma lei de 1895 obrigava o poder executivo a enviar pesquisadores a estudar a questão dos limites
territoriais no “Archivo General de Indias” em Madrid. O escolhido foi Blas Garay, que na época
contava com apenas 23 anos. Conf. CARDOZO, Efraim. Historiografia Paraguaya. Paraguay
indígena, español y jesuita. México: Instituto Panamericano de Geografia e Historia, 1959, 112.
33
Ver BÁEZ, Cecilio. “Estudio sobre la historia de Espa: segunda parte” In: Revista del Instituto
Paraguayo, Asuncn,o 5, nº 43, 1903, p. 376.
34
Para observar a importância de Sarmiento e de sua produção intelectual para toda a América Latina
ver PRADO, Maria Ligia Coelho. “Para ler o Facundo de Sarmiento”. In: América Latina no século
XIX: Tramas, Telas e textos. São Paulo: Edusp e Edusc, 1999, p. 161.
20
mestiços guarani falantes serem vistos como degenerados tanto por sua herança cultural
hispano-guarani, como por supostamente terem permitido ou seguido a “tirania” lopizta.
Tal visão da história não se restringia à literatura hisrica. No Paraguai da “era
liberal, este pensamento foi mais herdado que originalmente produzido pelos intelectuais da
“geração de 900”. A origem dele provinha de leis e decretos promulgados pelo próprio Estado
liberal paraguaio do pós-1870 e, portanto, também dos discursos políticos, cujo destaque fica
para os proferidos pelos ex-emigrados de Buenos Aires, em particular pela família Decoud
35
.
Daí termos agregado o estudo dos trabalhos de José Segundo Decoud (1848-1909) e ctor
Francisco Decoud (1855-1930), este último reelaborador de um manual de hisria (já
existente) para as escolas paraguaias. Nessa tradição, além dos irmãos Decoud, podemos citar
Cecilioez como o grande nome, Manuel Gondra, Eligio Ayala, Manuel Dominguez e
também, em certo sentido, Blas Garay
36
.
A outra tinha sua matriz nos pensadores românticos franceses como Taine e
Gobineau que destacavam a nação como uma individualidade de sangue, território geográfico e
heranças históricas comuns
37
. Nesta vertente, a nacionalidade deixava de significar cidadãos
soberanos que por sua vontade própria constituíam leis e Estados legítimos para significar, em
particular, vínculos étnicos e culturais herdados involuntariamente. “Povoe “não” como
na palavra “volksgeist” de língua alemã – tornaram-se as mesmas coisas, carregados de sentido
biologizante e espiritualista
38
.
Na América Latina, aliás, a veemência com que até então toda a tradição hispâno-
indígena estava sendo rechaçada pelo pensamento liberal positivista na ânsia que ele possuía
em modernizar os países pela importação de europeus, levou, em contrapartida, ao surgimento
de uma outra corrente, que mesmo dentro do âmbito liberal, começou a fazer a defesa do
indigenismo, do negro e também da cultura hispânica em geral. Tais idéias apareceram no final
do século XIX e princípio do XX, tendo os seus principais expoentes nas figuras do cubano
José Martí e do uruguaio José Enrique Rodó.
35
Família formada por inimigos de Solano López que exilaram-se em Buenos Aires e que após a guerra
retornaram a Assunção com grande influência na vida político-ideogica do país. Juan Francisco
Decoud era o pai. Juan José, José Segundo, Adolfo e Hector Decoud eram os irmãos.
36
Embora Blas Garay tenha compartido com a proscrição de toda tradição hispâno-guarani, isto é,
proscrição dos jesuítas e índios, não condenou as figuras dos López. Foi, nesse sentido, o primeiro
revisionista da história paraguaia. Não obstante o seu revisionismo, restrito aos López, não causou
profundo impacto cultural como o que se daria adiante com o de Juan E. O’ Leary, em 1902.
37
Para se ter uma idéia do quadro geral europeu da passagem do nacionalismo racionalista para o
romântico ver KOHN, Hans. A era do nacionalismo. São Paulo: Fundo de Cultura S. A., 1962.
21
Este último, proclamado profeta de um “novo idealismo”, publicou no ano de
1900 o seu famoso ensaio “Ariel”, evocando o “espírito” e as positividades americanistas a
medida que questionava o utilitarismo e a democracia formal norte-americana. A historiadora
Cláudia Wasserman enumerou vários intelectuais latino-americanos inspirados em Rodó, os
chamados “arielistas”. Entre eles destacam-se o brasileiro Manoel Bonfim, os argentinos Paul
Grossac e Ricado Rojas, os mexicanos Antonio Caso e José Vascocelos, o dominicano Pedro
Henríquez Ureña e muitos outros
39
.
No Paraguai, quando O’ Leary fazia o grande revisionismo hisrico da guerra e
da caracterização do povo, não deixou de recorrer a Rodó, relembrando e celebrando a herança
hispânica mesmo quando o velho império espanhol deixava de existir ao perder após uma
breve guerra contra os EUA (1898) – a sua última colônia: a ilha de Cuba. Nesta tradição, além
de O’ Leary, podemos colocar, ainda, Arsenio López Decoud, Juan N. González, Fulgencio R.
Moreno, Ignacio A. Pane e também Manuel Dominguez. Este último, depois de “explicaro
porquê da superioridade paraguaia na guerra contra a Tríplice Aliança, evoluindo o seu
pensamento da primeira para a segunda matriz e contrapondo-se claramente a tese do
“cretinismo” paraguaio recentemente sustentada por Báez, afirmou o seguinte:
El paraguayo civilizado y blanco y sus vecinos también civilizados y blancos,
son hermanos étnicamente, pero el primero, por ser superior á los segundos en
fortaleza corporal [como lo demontró en la guerra] debe serlo también en
iteligencia
40
.
Esta suposta superioridade, selo distintivo do povo paraguaio em relação aos seus
vizinhos, Manuel Dominguez “explicou-a” como o resultado da soma dos “evidentes” fatores
raciais com os geofísicos e psicológicos
41
. Na década de 1920, em torno da comemoração do
centenário de nascimento do Marechal pez e da ebulição em torno da questão do Chaco, tal
evolução alcançaria mesmo os contornos antiliberais do francês Charles Maurras, com o seu
“nacionalismo integral”. Juan E. O’ Leary e principalmente o seu discípulo Juan Natalício
38
Conf. RECALDE, José Ramón. La construcción de las naciones. Madrid: Siglo Veintiuno Editores,
1982, p. 223.
39
Conf. WASSERMAN, Claudia. “Percurso Intelectual e Historiográfico da Questão Nacional e
Identitária na América Latina: as condições de produção e o processo de repercussão do conhecimento
histórico”. Anos 90, Porto Alegre, nº 18, 2003, p. 109.
40
Ver DOMINGUEZ, Manuel. “La talla humana y la inteligencia. In: Revista del Instituto
Paraguayo, Asuncn,o 4, nº 39, 1903, p. 776.
41
“Unidade étnica com fisionomia própria é a nação. Cada nação tem seu caráter gravado, mais que no
corpo, na alma, o que a constitui uma personalidade diferente das coutras. Causas que se chamam
22
González, além da superioridade do paraguaio, falaram do caráter guerreiro, antiindividualista,
coletivista, e antiliberal da “nação” paraguaia, “raça” que teria em Solano López o perfeito
ideal desses que seriam os reais valores da “paraguaidade”. Aliás, isso que chamaram de
“paraguaidade”, ideais também latentes na população prontos para “despertarem”, cedo ou
tarde, como consideraram, tornaria a dominar o Estado, expurgando a oligarquia liberal e o seu
“artificialismo” estrangeiro imposto pela Tríplice Aliança e pelos maus paraguaios, os ex-
emigrados de Buenos Aires e traidores “legionários”
42
.
Um importante impulso do revisionismo histórico foi a “revolução” de 1904 que
levou o “Centro Democráticoao poder e alijou dele a “Asociación Nacional Republicana”.
Experimentando um grande trauma político, este partido progressivamente s-se como o
representante da “nação” enquanto o adversário, recém chegado ao poder, como defensor dos
valores estrangeiros, notadamente argentinos. o obstante, o grande impulso dessa revisão da
“história pátria” deu-se no próprio âmbito intelectual. o poderia dar-se de outro modo senão
por uma violenta briga, cujo cenário principal foi o periodismo.
Dois dos mais conhecidos intelectuais do país até hoje, Cecilio Báez e Juan E. O’
Leary, sustentaram em fins de 1902 uma dura polêmica que refletiu em todo o país, definindo
parcialmente a atmosfera intelectual da época. Báez escrevia no periódico “El Cívico”,
enquanto O’ Leary, seu ex-discípulo e ainda correligionário no “Centro Democrático”, no “La
Patria”. Quase ninguém ficou alheio a esse embate, segundo afirmou o argentino Atilio Garcia
Melliad
43
.
Naquele momento, quando a temática sobre a figura do Marechal López era
apenas timidamente prenunciada, a discussão fundamental girou em torno da qualificação do
povo paraguaio. Cecilio Báez, herdeiro da tradição positivista, considerou-o como
“cretinizado” por um “secular despotismo” e pela “escravidão” dos López, fenômeno que ainda
persistia segundo o seu entendimento, de modo que ele necessitava ser submetido a um
processo de “regeneração educativa e vica, para assim “despertar-se” enfim. O’ Leary, por
seu turno, por meio de um pseudônimo, Pompeyo Gonlez, rechaçou a ez seu velho mestre
e companheiro de militância no “Centro Democrático”.
naturais, étnicas e psicogicas determinam o caráter nacional”. Ver DOMINGUEZ, Manuel. La
Nación”. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asunción, año 10, nº 61, 1908, p. 729.
42
Soldados paraguaios que lutaram contra o Paraguai.
43
Conf. MELLID, Atilio Garcia. Proceso a los falsificadores de la historia del Paraguay. Tomo II.
Buenos Aires: Ediciones Theorias, 1964, p. 424.
23
Seu interesse na restauração das “glórias” da “raça” na guerra de 1865-1870 e, em
seguida, na do próprio Marechal pez, contrapondo-se a tese do “cretinismo”, é bastante
controvertida. Esquecendo-se de considerar os novos valores românticos que começaram a
reger a “história pátria” em substituição do velho positivismo racionalista, Francisco F. M.
Doratioto afirmou que o revisionismo conservador de O’ Leary reduziu-se a princípio, a
interesses pragmáticos: dinheiro. Ele teria conhecido a Enrique Solano López – filho do
Marechal López – na campanha jurídica que este empreendia para tentar derrubar um decreto-
lei ainda de 1869 que condenava o seu pai como “fora da lei” e “assassino de sua pátria”.
Sendo tal decreto derrubado, os direitos civis do ex-presidente seriam reavivados, podendo
Enrique S. López iniciar uma outra luta nos tribunais para assim conseguir reaver os bens que
entendia como herdeiro de direito, fundamentalmente grandes extensões de terras
44
.
Com este suposto interesse imediatista, O’ Leary rechaçou o caráter do
“cretinismo” em que o paraguaio estaria imerso, enquanto Báez tentava prová-lo culpando os
ditadores do passado e a tradição despótica hispâno-paraguaia. Esta briga na imprensa teve
imensa repercussão no país: passeatas e manifestos se deram a favor e contra um e outro lado.
No âmbito dos intelectuais e da história em particular foi uma cunha indelével que produziu
marcas culturais ainda hoje remanescentes tanto na cultura historiográfica como no “mitos
políticos” paraguaios
45
. De qualquer forma, depois de décadas da proscrição do Marechal
López, nascia, embora marginalizado, o nacionalismo lopizta paraguaio. Muito tempo depois
alguns movimentos políticos serviram-se dele para criticar o regime liberal em vigor.
Levando em consideração estas formas distintas de se compreender a nação
paraguaia, a preocupação central deste trabalho é justamente verificar a lógica dos diferentes
símbolos e ideologias históricas que alguns dos intelectuais paraguaios da “era liberal” (1870-
1935), na ânsia da modernização de seu país, mobilizaram para construção da idéia de uma
nacionalidade paraguaia existente desde o período colonial ou desde a independência. A análise
das interpretações históricas permite verificar os parâmetros a partir dos quais os intelectuais
em questão elaboraram sua visão de mundo, o arsenal analítico que manejaram e a missão
social e política que atribuíam a si e ao Estado-nacional. Entendo, conforme assinala os
pressupostos de Gil Delannoi, que para a formação de qualquer “consciência nacional” o
discurso hisrico é imprescindível, pois nele está a sua ppria essência, que a nação”,
44
Conf. DORATIOTO, Francisco Fernando Mondeoliva. Maldita Guerra: nova história da Guerra do
Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 85 e 86.
24
imaginada na duração do tempo, como os próprios mitos religiosos, é também um modo de se
alcançar a “consciência histórica” e a “consciência política”, embora, deve-se dizer, não o
melhor, pois o “nacionalismo” é pura “ideológica”
46
.
Eric J. Hobsbawm dando também conotação ideológica ao nacionalismo, enfatiza
claramente as relações entre a “história” dos políticos e intelectuais e a “nação” por eles
imaginada, uma forma perigosa de se chegar a consciência histórica e política na
modernidade
47
. Como afirmou a “história é a matéria-prima mais fácil de trabalhar no processo
de fabricar as nações”
48
, entidades políticas recentes que se querem, contudo, eternas, portanto
dispostas a manipulação da hisria com maior ou menor escrúpulos. “A hisria” dizia O
Leary em uma obra de comemoração do cinqüentenário do término da “Guerra Grande (1920)”
“se converteu em uma ciência transcendental, em algo assim como um evangelho de moral
patriótica”. Ele próprio, portanto, reconhecia na história a “matéria-prima” do patriotismo
paraguaio:
En una palabra, hacemo de la historia una escuela de patriotismo, convencidos
de que lo ella de crear un ideal único, por encima de nuestras injustificas
malquerencias, capaz de establecer un punto de contacto entre todos los
paraguayos, trayendo así la fraternidad promisora, bajo cuyo influjo salvador
podremos reanudar un día la marcha ascendente, interrumpida por una rbara e
injustificada agresión de nuestros gratuitos enemigos [destaque meu]”
49
.
Já para Montserrat Guibernau, um pouco mais otimista, esta “matéria-prima”, isto
é, estes símbolos e ideologias mobilizadas, objeto do meu estudo, são justamente o que confere
o poder que o nacionalismo tem, pois eles fornecem e possibilitam o “preparo de investimentos
emocionais que habilitam os indivíduos a se reconhecerem enquanto tais”, dada a “necessidade
45
Sobre “mitos políticos” ver BONAZZI Tiziano. “Mito Político”. In: BOBBIO, Norberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (Orgs). Dicionario de Potica. México: Siglo
Veinteuno Editores, 1976.
46
Ver GIL, Delannoi. “Naciones e Ilustracn, Filosofías de la Nación antes del Nacionalismo: Voltaire
y Herder”. In: GIL, Delannoi; TAGUIEFF, Pierre-Andres (org). Teorías del nacionalismo.
Barcelona: Paidós Ibérica, 1993, p. 26.
47
Falando sobre o perigo de manipulação da história para identidades, este autor disse o seguinte: “As
frases digitadas em teclados aparentemente inócuos podem ser sentenças de mortes”. Ver
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia da Letras, 1998, p. 292.
48
Ver HOBSBAWM, Eric. Sobre História..., op. cit., p. 28. Em outro trabalho, esse historiador disse
algo parecido: “Os historiadores estão para o nacionalismo como os plantadores de papoula do
Paquistão para os viciados em heroínas: fornecemos a matéria-prima essencial ao mercado”. Ver
HOBSBAWM, Eric. Etnia e Nacionalismo na Europa de Hoje”. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org).
Um Mapa da Questão Nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 271.
49
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes. Páginas históricas de la Guerra del
Paraguay. Asuncn: Librería la Mundial, 1921, p. 229.
25
de identidade coletiva, bem como individual”, inerente ao ser humano
50
. Em outras palavras, a
mesma autora diz que o poder do nacionalismo advém da “habilidade de engendrar [...]
sentimentos em torno de pertencer a uma comunidade específica”, sendo que nisto os
“símbolos e ritos” possibilitam a “solidariedade entre os membros do grupo”
51
.
Não obstante, não se pode separar essa mobilização de “símbolos e ritos”, que
nesse caso de estudo referem-se aos mobilizados e/ou manipulados pelos intelectuais
paraguaios da “era liberal”, dos projetos políticos particulares de cada um deles e das próprias
elites paraguaias. A afirmação de Antonio Gramsci de que os intelectuais, mesmo aqueles que
se julgam “independentes”, são “os ‘comissáriosdo grupo social dominante para o exercício
das funções subalternas da hegemonia social”, adequa-se bem aos paraguaios em questão
52
.
Portanto, mobilização simbólica afim de “engendrar os sentimentos” que supram uma
“necessidade de identidade” mais acorde com a formação das novas estruturas sociais do
capitalismo periférico sim, mas também selecionamento das mesmas de acordo com a postura
político-social dos atores históricos em questão
53
.
Assim, uma crítica que se pode fazer as teses culturalistas defendidas por
Guibernau é que elas não vislumbram a dimensão política e arbitrária da questão da identidade
nacional, salvo para o caso extremo dos regimes e movimentos fascistas. Como teorizou José
Ramon Recalde, o nacionalismo é sempre “projeto políticoe está ideologicamente orientado
buscando regulamentar a vida de uma coletividade intitulada “nacional”. Nesse sentido, tal
projeto, concluiu o autor:
“Implica afirmar que no existe la conciencia de una realidad nacional, por lo
menos como funcn política, sino a través de la expresión ideogica de tal
realidade; además, que esa expresión ideogica es propiamente el
nacionalismo
54
.
50
Ver GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalismos. O estado nacional e o nacionalismo no culo XX.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 84.
51
Idem, p. 11 e 12.
52
Conf. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a organização da cultura. São Paulo: Círculo do
Livro S. A., 1984, p. 14.
53
Conforme Afonso Pérez-Agote, “em relação com as características ou elementos distintivos utilizados
pelos atores sociais para definir a nação [...], temos estabelecido o caráter arbitrário da identidade
coletiva em geral e da consciência nacional em particular”. Tais elementos particulares “não são a
soma das diferenças objetivas, senão somente aqueles que os próprios atores consideram
significativo”. Ver PERÉZ-AGOTE, Afonso. “Nación y nacionalismo: la politización de la identidade
colectiva”. In: BENEDICTO, Jorge; MORÁN, Maria Luz. (org). Sociedad y política. Madrid:
Aliança Editorial, 1995, p. 127.
54
Ver RECALDE, José Ramón. La construcción de las naciones..., op. cit., p. 4 e 5.
26
Portanto, com vistas a estas constatações, para a análise da produção dos
símbolos que culminaram nas diferentes ideologias nacionalistas da “geração de 900”, onde
lopizmo e antilopizmo foram os nortes principais, levo em conta os pressupostos teóricos do
catalão Joseph Fontana no que concerne ao comportamento da história como disciplina. Para
ele, o historiador tende a ordenar os fatos do passado de forma a conduzir sua seência até dar
conta da configuração “natural” do presente, eternizando-a quase sempre com o fim,
consciente ou não, de justificar uma dada ordem social, o que chamou de uma “economia
política”, de modo que “toda visão global da história constitui uma genealogia do presente” e,
também, um “projeto social” para o futuro
55
. Fontana, ainda que sinteticamente, teorizou isto
da seguinte maneira:
Dessa evolução do passado ao presente, mediatizada pelo filtro da economia
política’, obtém-se uma projeção até o futuro: um projeto social que se expressa
numa proposta política. O que sustento, é que as três partes deste conglomerado
história, ‘economia política’ e projeto social – encontram-se indiscutivelmente
unidas: que nenhum é plenamente compreensível separada das outras
56
”.
“Nação e “história pátria”, engendradas, entre outras coisas, por ideologias
nacionalistas, compartem, portanto, de um dos principais componentes de qualquer ideologia:
a de não possuir história real. Tanto o nacionalismo liberal quanto o conservador aqui
considerados, ideologias nacionais em conflitos, tenderam “a produzir estruturas categorias
que [...] eterniza[ra]m os parâmetros estruturais do mundo social”
57
e cancelaram a dimensão
sócio-hisrica a serviço da ordem vigente ou proposta. E isso aconteceu mesmo com discursos
pretensamente históricos, pois, procurando no passado as formas hegemônicas do presente e
futuro, tornaram-nos alijados do movimento histórico real, portanto paralisados
58
. A “nação
em construção foi, em suma, vista como entidade abstrata, extra-social e exterior ao
movimento histórico efetivo do Rio da Prata.
55
O autor justifica-se dizendo queo não se trata de uma reelaboração individual dos dados do passado
à luz das preocupações do historiador, senão de algo que se realiza coletivamente e que tem uma
função social. Ver FONTANA, Josep. Históira: análise do passado e projeto social. São Paulo: Edusc,
1998, p. 9.
56
Idem.
57
Ver MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Editora Ensaio, 1996, p. 28.
58
K. Marx e F. Engesl foram os primeiros a afirmar que ideologia não possui história real: “Toda
concepção histórica, até o momento, ou tem omitido completamente esta base real da história, ou a
tem considerado como algo secundário, sem qualquer conexão com o curso da história”. Ver MARX,
K. ENGELS, F. A ideologia Alemã. 6 ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1987, p. 57. Sobre um estudo
de como estes autores compreendem a dinâmica histórica ver FONTES, Virgínea. O Manifesto
Comunista e o pensamento histórico”. In: FILHO, Daniel Aaraão Reis. O Manifesto Comunista 150
anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998.
27
Assim, para o caso empírico em questão, as estruturas das categorias liberais
próprias de fins do século XIX foram transpostas para um passado longínquo, e,
implicitamente, projetadas ao futuro da “naçãoparaguaia, conforme teorizou Joseph Fontana.
Concomitantemente, um suposto passado idílico onde a “aliançano leito de amor e no campo
de batalha entre o espanhol e o guarani, bem como uma suposta “era de ouro” lopizta, foram,
também, transpostas e cristalizadas no presente do povo e ao futuro do país, propondo derrotar
o Estado liberal imposto no s-guerra. O uso problemático dessas categorias se
caracterizaram por em cancelar a verdadeira dinâmica da histórica colonial e independente
paraguaia, primeiro a serviço daqueles que propuseram e de fato implantaram uma nova ordem
diferente da dos López, e depois para os que queriam derrubá-la.
No primeiro capítulo desse trabalho, a partir de uma bibliografia de historiadores
contemporâneos, procuro expor os principais processos sócio-econômico e político-ideológico
implantados no pós-guerra. Refiro-me a reinstitucionalização do país a partir da implementação
dos ideários liberais, como a constituição de 1870; ao processo de estruturação do regime
fundiário com a alienação do patrimônio público herdado dos López; ao caudilhismo e
violência política com o fim do poder outrora concentrado nas mãos dos López; e ao fim, a
fundação dos partidos tradicionais, “Centro Democrático” e “Asociación Nacional
Republicana”.
No segundo capítulo é analisado o projeto nacional de se “regenerar” o povo
paraguaio. Juntamente dos processos fundamentais trabalhados no primeiro capítulo, tem-se o
projeto de instrução e regeneração” do povo para que ele não mais seguisse ou permitisse
qualquer “tirania”, e também para que pudesse, talvez, a partir do exemplo europeu, contribuir
para o “progresso” do país. Tal projeto representava uma forma da oligarquia liberal procurar
interditar certas tradições populares de um passado tido como “bárbaro”, “despótico” e
“lopizta”, procurando modernizar o país a partir de modelos europeus, norte-americano ou
mesmo argentino. Este projeto justificou tanto a criação das instituições de ensino e cultura do
pós-guerra, entre elas a criação da “Revista del Instituto Paraguayo”, bem como o imenso
desejo, nunca porém alcançado, de se importar gente européia em grande quantidade. o
deixando ele de influir decisivamente na intelectualidade paraguaia, a partir de ensaios
publicados nesta revista e de um manual de história reformulado por Héctor Decoud, analiso a
concepção de história subjacente e como a questão da guerra tornou-se um marco essencial,
investido de sentido “revolucionário” para se “produzir” a nação liberal paraguaia. Analiso
também como a questão pedagógica contemporânea, isto é, a ão “regeneradora” pretendida
28
pela elite liberal do pós-“Guerra Grande”, investiu de sentido negativo a história pedagógica
dos jesuítas e governos de Francia e López: ela, tornando o povo “degenerado, pouco afeto ao
trabalho, “indolente” e “inconsciente”, inevitavelmente tornou-o vulnerável a vontade dos
tiranos, que, por sua vez, conduziram-no a morte na guerra e a “vagabundagem do presente.
No terceiro capítulo, concomitante ao sentimento de “fracasso no projeto de
reconstrução implementado no pós-guerra, surge Juan E. O’ Leary dando uma nova
interpretação não só ao povo, mas particularmente ao próprio drama da guerra. Junto de
Manuel Dominguez, o seu revisionismo construiu uma interpretação hisrica não mais pelo
rechaço dos valores do passado e do lopizmo em nome da soberania do povo frente às
autoridades despóticas” e “bárbaras”, mas pela peculiaridade do heroísmo, da raça, e das
glórias paraguaias frente aos inimigos de outrora e aos vizinhos do presente. Neste sentido, a
construção da nação começou a dar-se pela valorização dos elementos nativistas e das tradições
históricas. A grande polêmica empreendida entre Cecilio Báez e Juan E. O’ Leary nos diários
“El Cívicoe “La Patria” em 1902, além das publicações na “Revista del Instituto Paraguayo
do próprio Báez, mas também de Manuel Dominguez, servem-me de fontes. No auxílio da
compreensão do processo hisrico do nacionalismo paraguaio, busco averiguar, ainda, como,
pouco tempo depois do embate intelectual, o nacionalismo conservador tornou-se domínio da
“Asociación Nacional Republicana, enquanto o liberal domínio do “Centro Democrático”.
No quarto e último capítulo, estão analisadas as publicações historiográficas de
três momentos de grande milincia intelectual sobre a questão nacional, o que possibilitou a
consolidação das temáticas do revisionismo histórico prenunciadas anteriormente. Em 1911
houve, oficialmente, a comemoração do centenário de independência do Paraguai; em 1920,
extra-oficialmente, a comemoração do cinentenário do término da “Guerra Grande”; e em
1926, também extra-oficialmente, a comemoração do suposto centenário de nascimento de
Francisco Solano López. Por esta última data o lopizmo, perfilando direta ou indiretamente um
sentido antiliberal, ajudou a fundamentar os movimento políticos que derrubariam o regime
liberal implantado em 1870.
29
1 O pós-“Guerra Grande”
1.1 Reinstitucionalização e implementação de ideários liberais
Em de março de 1870 a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1865-
1870) foi oficialmente findada com a “morte” do Presidente da República e chefe do exército
paraguaio, Marechal Francisco Solano López. Efetivamente, porém, em de janeiro de
1869 a capital Assunção foi dominada pelas tropas da Tríplice Aliança, fundamentalmente
imperiais, de modo que a guerra embora prosseguindo reduzia-se a uma mera “caçada” ao
Marechal López. Dom Pedro II tinha na morte do líder paraguaio uma “questão de honra”
59
.
Desde essa data concomitante ao retorno para Assunção de “farrapos” humanos
famintos ainda sobreviventes
60
–, paraguaios opositores e fugitivos do governo dos López, em
particular os emigrados em Buenos Aires, retornavam ao seu país para organizarem um novo
governo “nacional” e assim poderem “negociar” as condições do pós-guerra com os
componentes da aliança. Com esse objetivo, em 31 de março de 1869, trezentos trinta e cinco
paraguaios assinaram e entregaram aos aliados uma petição onde expressavam o desejo de
constituírem tal governo, e, ao mesmo tempo, de seguirem colaborando para a completa
destruição das forças restantes do Marechal López
61
.
Não obstante, as coisas não seriam tão simples. A intromissão externa na política
paraguaia seria, daí para frente, uma constante muito concreta por décadas a fio. Isso se daria
na concorrência entre os dois principais aliados da Tríplice Aliança, isto é, na concorrência
entre o Império do Brasil posteriormente República do Brasil e a República Argentina,
sendo que cada um dos lados buscaria cooptar facções da ppria oligarquia política paraguaia.
59
Conf. MALERBA, Jurandir. O Brasil Imperial (1808-1889). Panorama da história do Brasil no
século XIX. Maringá: Eduem, 1999, p. 91 e 92.
60
“Umas duzentas pessoas”, dizia o “La Regeneracn, “a maior parte de crianças e mulheres de 10 a 12
anos se agrupavam nas portas da ‘Proveduriado Sr. Lanús, esfarrapados e nús pedindo a gritos uma
esmola que comer”. Ver La Regeneracn”, 9 de fevereiro de 1870.
61
Vejamos um trecho dessa petição. “Assunção, 31 de março de 1869. Os cidadãos paraguaios, abaixo
assinados, animados do desejo de ver cessar o quanto antes o horrível martírio do povo paraguaio e de
organizar um Governo que seja a expreso da legítima soberania popular, considerando que é um
dever de todos cidadãos paraguaios contribuir para que seja combatido o poder que ainda resta do
general López [...]; resolvem, na falta de outros meios práticos e legítimos: Nomear uma comissão
representativa [...].Ver ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del Paraguay (1869-
1920). Asunción: Biblioteca Paraguaya. Ediciones NAPA, s/d, p. 35.
30
As velhas rusgas e desconfianças mútuas, nunca superadas nem mesmo pelo “fantasma” do
Marechal López, retornaram renovadas e revigoradas entre os aliados
62
.
Mas, naquele momento em particular, as disputas entre o Brasil e a Argentina se
deram em torno da constituição de um novo governo paraguaio. O chanceler imperial José
Maria da Silva Paranhos, futuro visconde do Rio Branco, tinha ordens de o mais rápido
possível constituir um governo paraguaio com o qual os aliados pudessem “negociar” a paz e
os limites territoriais segundo as bases estabelecidas pelo Tratado Secreto da Tríplice Aliança,
tratado celebrado em 1º de maio de 1865 entre o Império do Brasil, a República Argentina e a
República Oriental do Uruguai
63
. Paranhos defendeu esta posição frente aos outros dois aliados
através de um memorando que lhes enviou em 30 de abril de 1869
64
.
Dois fatores colaboravam para estes objetivos do Brasil. Um era o oneroso custo
da manutenção das tropas no Paraguai, estando o Império imensamente individado depois de
anos de guerra. O outro era o medo de que a grave instabilidade do país vencido desse a
impressão da inviabilidade de sua sobrevivência como Estado independente, vindo então a
anexar-se à Argentina, já que não faltavam desejosos disso. Mas, ao mesmo tempo, para que as
tropas fossem retiradas, os acordos estabelecidos e o perigo da impossibilidade do Paraguai
como país independente passasse, um mínimo de institucionalização política fazia-se
necessário. Esta, segundo Francisco Doratioto, era a própria leitura que Paranhos fazia da
situação, considerando-a nada fácil
65
.
Contudo, o governo argentino de Domingo Faustino Sarmiento (1868-1872), por
meio de seu representante em Assunção, chanceler Mariano Varela, disse não aceitar qualquer
governo e menos ainda qualquer acordo definitivo enquanto o Marechal López continuasse a
“pelear” no norte do país. Contava a seu favor o artigo do próprio Tratado Secreto que
62
A respeito destas disputas entre Brasil e Argentina antes, durante e imediatamente depois da guerra
ver DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. “La rivalidad argentino-brasileña y la
reorganizacn institucional del Paraguay (1869-1870)”. In: Historia Paraguaya, Asunción, v. 37º,
1997. Ver também DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. La participación del Brasil en el
golpe de 1894 en Paraguay: la misión Cavalcanti”. In: Historia Paraguaya, Asuncn, v. 38º, 1998.
Ver, por último, BREZZO, Liliana M. La Argentina y la organización del gobierno provisorio en el
Paraguay. La misión de Jose Roque Peres, 1869”. In: Historia Paraguaya, Asunción, v. 39º, 1999.
63
De acordo com o seu artigo 1º, Sua Majestade o Imperador do Brasil, a República Argentina e a
República Oriental do Uruguai, se unem em aliança ofensiva e defensiva na guerra promovida pelo
governo do Paraguai”. Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. Nuestra Epopeya. Asunción: Biblioteca
Tellechea/Gómez Rocha, 1985, p. 27. [1919].
64
Ver este memorando em SALUM-FECHA, Antonio. Historia diplomatica del Paraguay de 1869 a
1990. 4 ª ed. Asunción, 1990, p. 14.
65
Conf. DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. “La rivalidad argentino-brasileña..., op. cit., p.
247.
31
rezava que a guerra não acabaria senão quando estivesse “derrubada a autoridade do atual
governo do Paraguai” leia-se autoridade de Solano pez que, segundo Sarmiento, ainda
arregimentava muitos paraguaios em sua fuga –, e também a criação de uma extemponea tese
que dizia que a vitória não dava “direito aos aliados”
66
. No fundo, porém, o que o governo
argentino fazia era aguardar um melhor momento para tentar impor as negociações de paz e
limites que melhor conviesse ao seu país, como o fazia o Brasil. A resposta da chancelaria
argentina a Paranhos deu-se por um outro memorando com data de 8 de maio de 1869:
No podemos hoy exigir de aquel [gobierno] que nosotros hemos de nombrar, la
celebración de tratados que comprometen los derechos e intereses permanentes del
país y que sólo deben negociarse por los poderes constituidos por la ley
fundamental o por una soberanía del pueblo... Casi todas la naciones de la tierra
han mostrado horror a la guerra del Paraguay, por desconfianza de nuestras
intenciones. No podemos, por tanto, dar pretexto de que tales recelos se
confirmen”
67
.
Diante desse impasse, em 2 de junho de 1869, quando os aliados davam enfim
uma resposta oficial a petição de 31 de março para uma comissão de três paraguaios reunidos
na capital argentina pessoas escolhidas entre os 335 que a assinaram
68
, ficou postulado o
princípio erigido pelo artigo do Tratado Secreto acima comentado, de maneira que nenhum
acordo definitivo seria firmado por enquanto, embora ficasse permitida a constituição de um
governo paraguaio provisório. Tal acordo, famoso na história paraguaia, representou vitória e
derrota parcial à ambas chancelarias, pois, se de um lado, os acordos definitivos não se
celebrariam desatendendo o interesse do Brasil, de outro, a contragosto argentino, ficou
permitida a constituição de um governo provisório para o Paraguai
69
.
Esse desencontro de interesses dos dois representantes de seus respectivos países
era o primeiro sinal de que a aliança ra. A partir de então o Paraguai continuaria a ser um
campo de batalhas, contudo já não apenas de exércitos, mas também das chancelarias brasileira
66
Logo mais a chancelaria argentina abandonaria essa tese, pois ela ficou em oposição aos próprios
interesses argentinos sobre o território do Chaco paraguaio. Passaria então a defender irrestritamente o
cumprimento do Tratado Secreto para que esta imensa e cobiçada porção de terras passasse aos seus
domínios, conforme autorizava o seu artigo 16 º. Diante dessa possibilidade o Brasil uniu-se ao
Paraguai contra tal pretensão argentina, sendo que o resultado final dessa contenda foi resolvida
somente em 1878 mediante a arbitragem do governo norte-americano Rutherford B. Hayes. Conf.
SALUM-FECHA, Antonio. Historia diplomatica del..., 1990, pp. 19-22.
67
Memorando de Mariano Varela. Apud. SALUM-FECHA, Antonio. Historia diplomatica del..., op.
cit., p. 15.
68
Félix de Egusquiza, Bernardo Valiente e José Díaz de Bedoya.
69
Buenos Aires desde o primeiro momento olhou com desconfiança a petição paraguaia encaminhada
aos aliados. Varela, chanceler argentino, chegava a entender que um triunvirato de paraguaios, eleito
32
e argentina. Para elas, exercer a hegemonia sobre o governo paraguaio a se formar significava,
de imediato, uma melhor fração no bolo do butim de guerra, extremamente cobiçada.
Mas isso, porém, não passava de um fator meramente secundário. De fato, o que
mais importava a cada um dos lados concorrentes a médio e longo prazos era impedir a
realização dos objetivos que atribuíam ao antigo aliado e, evidentemente, isso era visto como o
meio de se realizar os próprios objetivos. Paranhos chegava a dizer que o Brasil não podia
“entregar” o Paraguai aos argentinos sem “cavar [...] um poder mais perigoso que o de López”.
Tinha medo do velho e nunca esquecido anseio portenho de reconstrução do vice-reinado do
Rio da Prata, mesmo porque, naqueles dias de falência total não só de um governo mas também
de um regime, onde mais da metade de sua população fora morta, não eram raros os que viam a
impossibilidade do Paraguai permanecer como um país independente. Por seu turno, o governo
argentino, tendo também o mesmo temor anexonista por parte do Brasil, temor explicado por
conta da presença das tropas imperiais na capital Assunção, temia ainda um governo paraguaio
pró-Império, isto é, um governo que não fosse senão mero fantoche brasileiro como de fato
aconteceria entre os anos de 1874 e 1904 –, dnão permitir a celebração imediata dos acordos
de paz e limites segundo as bases do Tratado Secreto.
Foi nesse clima de mútuas desconfianças e jogos de interesses desencontrados,
que se deu na reunião de 2 de junho o acordo em que os aliados concederam aos paraguaios
“amigos” da aliança e assinantes da petição de 31 de março a permissão de realizarem a
constituição de um governo de caráter provisório, sob a seguinte forma:
En el deseo de avivar el espíritu de unión entre los paraguayos y de asegurar el
más decidido apoyo nacional al nuevo Gobierno, conviene que éste se componga
de tres miembros, bajo la denominación de junta gobernativa u outro parecido.
Aun en el caso de que uno de ellos lleve el título de presidente y ejerza como tal
las funciones especiales, la autoridad suprema residirá en el cuerpo colectivo,
distribuyéndose las diferentes atribuciones administrativas de la junta, de una
manera racional entre cada uno de sus miembros” [destaque meu]
70
.
E, assim, o Triunvirato Provisório seria a forma de governo que os aliados
imporiam, a princípio, ao Paraguai. Ainda muito antes da permissão de 2 de junho, dois grupos
políticos rivais se formaram para governar o país. Um liderado pelo ex-emigrado em Buenos
Aires Juan Francisco Decoud e o outro pelo ex-ministro do Marechal López na Europa,
Candido Bareiro. Este segundo tornou-se polo de aglutinação dos antigos elementos
na Assunção “ocupada” por brasileiros, seria para legalizar a anexação do Paraguai ao Império. Conf.
BREZZO, Liliana M. La Argentina y la organización del gobierno provisorio en...”, op. cit., p 289.
70
Ver ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p. 40.
33
sobreviventes do regime lopizta, que, no dia 26 de junho, formalizaram-se no chamado “Club
Unión”. o primeiro, liderado por Decoud, com caracteres mais liberais, tornou-se polo de
aglutinação dos inovadores e reformistas liberais, figuras que se constituíram, por sua vez, no
chamado “Club del Pueblo”. Os dois clubes, não obstante os seus nomes, tornaram-se mais
conhecidos simplesmente como “bareirista” e “decouista” conforme a derivação do sobrenome
de cada um dos seus respectivos líderes.
Mas em que pese o grande acirramento entre estes dois grupos políticos, o
governo do Triunvirato Provisório a se formar a partir deles haveria ainda que acatar uma série
de determinações estipuladas pelos aliados neste mesmo acordo de 2 de junho. Estas
determinações são importantes, pois evidenciam a completa auncia da soberania do país e a
total liberdade dos aliados em relação a qualquer governo paraguaio a ser formar.
2º.) Este Gobierno debe constituirse en forma y con persona que den garantías de
estabilidad, paz y perfecta inteligencia con los Gobiernos aliados. El buen sentido
de los mencionados ciudadanos paragayos, sus manifestadas declaraciones de
reconocimiento para con los Aliados, y el proprio interés nacional que ahora los
reúne, aseguran que esa condición será satisfecha por la libre elección a que
aspiran y para lo cual cuentan y puden contar con las s generosas simpatías de
parte de los Gobiernos aliados;
[...]
5º.) La accn de los Gobiernos aliados quedaenteramente libre o independiente
del Gobierno provisorio, en lo que respecta al ejerciciode de su jurisdiccn militar
y las operaciones contra el enemigo común. Estos podrán ocupar los puntos que
juzgaren necsarios, yu aprovecharán de todos lo recursos del país, sobre la
propiedad particular de los neutrales o amigos, cuyo uso dará derecho a
indemnizacn;
6º.) La jurisdiccn civil y criminal del Gobierno provisorio no se extenderá a los
cuarteles, campamentos e individuos pertenecientes a los ejércitos aliados. En caso
de algún delito entre un militar o un empleado de dichos ejércitos, y persona que le
sea extraña, preferiráse la jurisdicción militar, salvo que la autoridad militar
competente entregare el delincuente a la justicia de la autoridad paraguaya
71
.
De qualquer modo, mesmo como simulacro de governo autônomo, o Triunvirato
Provirio foi empossado no dia 15 de agosto de 1869, data escolhida para coincidir com o
suposto aniversário de fundação da capital Assunção
72
. Com muita discussão e disputa política
entre ambos grupos, uma espécie de Colégio Eleitoral formado primeiro por 21 e depois por
71
Idem, p. 40 e 41. De forma mais sintética ver MELLID. Proceso a los falsificadores de la historia...,
op. cit., Tomo II, p. 412. Ver também SALUM-FECHA, Antonio. Historia diplomatica del..., 1990,
p. 16 e 17.
72
O nome original do que se tornou a capital paraguaia, forte militar fundado em 15 de agosto de 1537,
era “Nuestra Señora Santa Maria de la Asunción”.
34
apenas 5 pessoas – reunido em 5 de agosto de 1869 nomeou como triúnviros os senhores Juan
Francisco Decoud, Carlos Loizaga e José de Bedoya, todos opositores do regime lopizta.
Contudo, antes mesmo da posse, o nome de Juan Francisco Decoud foi vetado pelo chanceler
Paranhos. Um de seus filhos, Juan José Decoud, escrevia artigos anti-brasileiros na imprensa da
província argentina de Corrientes, acusando e condenando as tropas brasileiras pelos saques
que realizou na Assunção capitulada.
Mas o fator explicativo de maior peso para este ato de Paranhos dá-se, porém,
pela notoriedade das posições argentinistas dos Decoud, verdadeiro motivo para atrair a sua
antipatia. Em seu lugar Paranhos colocou Cirilo Antonio Rivarola, paraguaio que, recomendado
pelo conde D’eu, o sucessor do trono imperial, tornou-se o seu principal protegido. Cirilo A.
Rivarola era filho de Juan Bautista Rivarola e, como o seu pai, era um dos grandes liberais
inimigo dos López. Para Paranhos a vantagem dele em relação a Juan Francisco Decoud,
também um liberal antilopiztas convicto, era que ele simplesmente não possuía qualquer
vínculo com a Argentina, país com o qual Paranhos rivalizava por meio das intrigas de
chancelaria
73
.
Evidentemente o Triunvirato Provisório instalado haveria que aceitar todas as
condições estabelecidas pelos aliados para o reconhecimento de seu governo, sendo que junto
delas, a proscrição legal do Marechal López era também um ato simlico essencial.
Significava tanto a legitimação da guerra empreendida contra o Paraguai pela Tríplice Aliança,
bem como uma suposta legitimação que o povo dava ao governo provisório recém criado, já
que, para muitas das repúblicas americanas, o legítimo presidente paraguaio, Solano pez,
seguia vivo e resistindo. Neste sentido os triúnviros firmaram no dia 17 de agosto, apenas dois
dias depois de sua posse, um decreto-lei que em seu primeiro artigo reconhecia a “todos os
habitantes do território” como “soberanos” e “liberados da opressão do tirano Francisco Solano
López”, bem como condenava em seu artigo as pessoas que seguiam servido-o em sua fuga.
Vejamos:
El cidadano paraguayo que continua á servir la odiosa tirania de Francisco Solano
López, dejando por voluntad propia de acudir la defensa de la existencia de su
Patria, y de la vida de sus mujeres, ancianos y niños forzados a morir en la mas
73
Após a morte de José Gaspar Rodriguez de Francia, estando o legislativo reunido em 12 de março de
1841 para dar posse ao novo governo, o então deputado Juan Bautista Rivarola confronta-se com
Carlos Antonio López, presidente da Assembléia. Rivarola exigia que antes de se nomear um novo
governo qualquer, se desse a promulgação e o juramento de uma constituição. O seu pedido foi
ignorado, dando-se a nomeação dos governos consulares do próprio Carlos Antonio López e de
Mariano Roque Alonso.
35
espantoza miseria en los desertos, será considerado y punido con todo el rigor,
considerado traidor de la Nación e inimigo de la humanidad”
74
.
Mas, a condenação do Marechal López deu-se claramente num outro decreto
promulgado nesse mesmo dia. Nele foi considerado como “desnaturado ficando fora da lei para
sempre, expulso do solo paraguaio como assassino de sua pátria e inimigo do gênero
humano”
75
. Um anátema que na cada de 1920 os lopiztas, entre os quais alguns intelectuais,
com o desejo de revisar oficialmente a história paraguaia quiseram apagar, pois seguia valendo
mesmo depois da inexistência de Solano López. Mas isso se deu muitos anos depois. Por
décadas o tom oficial dos discursos que se referiam a López não eram nem um pouco
lisonjeiros. “Monstro”, “aniquilador da pátria”, “verdugo”, “criminoso”, bárbaro”, “traidor”,
“Átila”, entre outros, foram algumas das qualificações depreciativas atribuídas a sua figura.
No entanto, entre as principais depreciações, estavam os tulos de “tirano e
“déspota”, estes sim aglutinadores importanssimos sob os quais girou todo o nacionalismo
liberal de raiz iluminista no Paraguai. A partir deste entendimento, toda a hisria da pretensa
“nação” foi apresentada como incompleta ou desviada, pois não seria senão a história da falta
de “soberaniado povo por conta do despotismo que sofreu o com os López pai e filho,
mas também com a maioria dos governadores espanhóis e jesuítas.
Nesse ínterim, a oligarquia política paraguaia começava a sua formação. Antigos
inimigos de ambos os López, como os liberais ex-emigrados de Buenos Aires, bem como os
conservadores outrora beneficiados e membros do governo lopizta (militares, diplomatas,
estudantes enviados para Europa e burocratas), alimentavam-na em sua vida incipiente. Estes
últimos depreciados como “lopiztas” pela chancelaria argentina foram tolerados por
Paranhos apenas porque eram os que ofereciam maiores garantia para o futuro interesse
brasileiro no Paraguai. Devido as enormes desconfianças que Paranhos nutria contra os ex-
emigrados de Buenos Aires, passou a ver nos subordinados de López, prestes a se tornarem
órfãos, uma possível alternativa à manutenção desses interesses. Assim, mesmo que o
Imperador o suportasse sequer a idéia de uma negociação com o Marechal López, estava
disposto a compor com aqueles que outrora foram os seus colaboradores. Daí a sobrevivência
política de muitos deles
76
.
74
La Regeneración”, 14 de outubro de 1869.
75
Idem.
76
Conf. DORATIOTO, Francisco Fernando Mondeoliva. Maldita..., op. cit., p. 429.
36
Isso não significou, porém, que os ajustes do novo regime se dariam nesses
termos, isto é, o significou que se dariam entre inovadores “antilopiztas” de um lado e
restauradores “lopiztas” de outro. E isso devido a uma questão estrutural: a guerra. Ela s
marcas indeléveis na história do país, sendo impossível aos civis e militares dos tempos dos
López, por mais prestigiosos que pudessem ser, qualquer tentativa de verdadeira restaurão do
regime lopizta. As suas bases foram literalmente destruídas e sobre elas pesavam a absoluta
desmoralização e proscrição. Mesmo os antigos membros dos governos e burocracias lopiztas
condenavam as figuras dos López, pois era preciso sobreviver na nova realidade. Além do
mais, as próprias forças externas, isto é, os exércitos de “ocupação, absolutos naquele
momento, impediriam tentativas aventurescas de retorno do regime lopizta, tentativas que de
fato nunca ocorreram
77
.
Portanto, os los da oligarquia política em formação contavam tanto com
personalidades outrora inimigas como também com aquelas participativas do governo dos
López. Os dois clubes políticos formados ainda em 1869, logo após o anúncio do “fim” da
guerra e do Marechal López em 1 º de março de 1870, trocaram de designação
78
. O “Club
Unión” e o “Club del Pueblo” passam a chamar-se “Club del Pueblo e “Gran Club del Pueblo”
respectivamente. Tal mudança representou um reajuste e tomada de lego para as próximas
lutas “democráticas”, a convenção “nacional” constituinte e a formação de um governo
permanente, governo com quem se daria a negociações definitivas de paz e limites. O
“impecílio” representado pelo Marechal López já não mais existia.
O primeiro, o agora “Club del Pueblo”, que contava com a marcante
personalidade de Candido Bareiro, ex-ministro do Marechal pez, passou também a contar
com a do Coronel Iturburu, ex-emigrado de Buenos Aires que por toda a guerra liderou as
tropas paraguaias intituladas “Legión Paraguaya”, tropas que lutaram junto da aliança contra o
seu próprio país
79
. Iturburu agregou-se as fileiras mais conservadoras, isto é, as “menos”
liberais, porque era grande inimigo de Juan Francisco Decoud, figura que o secundou na
hierarquia da “Legión Paraguaya” até abandoná-la em 1866 quando o Tratado Secreto da
aliança tornou-se de conhecimento público.
77
Salvo em termos mitológicos com a instauração do Estado “Nacional Revolucionário” em 1936.
78
Esse anúncio ocorreu 5 dias depois. Junto dele anunciou-se, também, rias comemorações festivas
para o mesmo dia. “Hoje às 11 da manhã se cantaum solene ‘TeDeum’ em ão de graça ao Todo-
Poderoso no templo da Catedral pela morte do Tirano e término da guerra”. Um outro conclamava
todos a um baile na rua “Rivera”, número 35. Ver La Regeneracn”, 6 de mao de 1870.
79
A respeito da Legião Paraguaia ver AGUINAGA, Juan B. Gill. La Asociación Paraguaya en la
guerra..., op. cit.
37
Logo, em 1871, depois de estar “presono Rio de Janeiro recebendo um soldo
relativo ao posto de Coronel, incorporou-se também ao “Club del Pueblo” a figura de
Bernardino Caballero, General que permaneceu e lutou ao lado do Marechal López até o último
momento da guerra
80
. Não obstante, perseguido e preso, ainda no ano de 1871 viu-se obrigado
a abandoná-lo para exilar-se na Argentina, retornando a Assunção no ano seguinte com
tentativas golpistas. O “Club del Pueblo” teve como porta-voz um periódico denominado “La
Voz del Pueblo”, cujo primeiro mero saiu em 24 de março de 1870.
O segundo grupo político, o agora “Gran Club del Pueblo, além de contar com o
Coronel Juan Francisco Decoud antigo conspirador contra López , aglutinava também as
figuras de José Segundo Decoud e Juan José Decoud, seus filhos, um dos Coroneis da “Legión
Paraguaya”, Benigno Ferreira, o senhor Carlos Loizaga e outros ex-emigrados, todos ferrenhos
inimigos do Marechal López
81
. Também criaram um periódico como porta-voz, o “La
Regeneración”, com o seu primeiro número publicado ainda em 1º de outubro de 1869. Na
verdade, este foi o primeiro jornal publicado sob a égide do novo regime paraguaio, tornando-
se também porta-voz oficial do Triunvirato Provisório.
É interessante destacar que a presença de Candido Bareiro no “Club del Pueblo”
permitiu ao seu oponente, o “Gran Club del Pueblo”, caracterizá-lo como o “representante da
tirania” lopizta e a si mesmo como representante do liberalismo paraguaio
82
.
Depois da morte do Marechalpez, a grande tarefa do Triunvirato Provisório era
a de encaminhar a elaboração da nova constituição da república, constituição que
indiscutivelmente haveria que possuir o máximo de caracteres liberais possíveis conforme o
desejo dos aliados. Além do mais, para a formação de um governo permanente com quem se
daria as negociações” definitivas, exigia-se uma constituição “nacional” para que ela desse a
“legalidade necessária para sustentar os acordos de paz e fronteira [ainda] pendentes”
83
com os
aliados. Não obstante, caso houvesse muita “demora” na promulgação de uma constituição e na
formação de um governo permanente com quem negociar”, os próprios aliados se entenderiam
“entre si” para a conclusão dos “ajustes definitivos”, conforme autorizavam as salvaguardas do
80
Bernardino Caballero e José Maria da Silva Paranhos tornaram-se amigos e juntos freqüentaram a
noite carioca. Conf. DORATIOTO, Francisco Fernando Mondeoliva. Maldita..., op. cit., p. 419.
81
Para maiores informações sobre estes dois clubes políticos ver CENTURIÓN, Carlos R. Historia de
la Cultura Paguaya. Asunción: Biblioteca Ortiz Guerrero, 1961, pp. 315- 319. Tomo I.
82
Conf. MELLID. Proceso a los falsificadores de la historia..., 1964, p. 488. Tomo II.
83
Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., 2002, p. 38.
38
artigo de um acordo provisório de paz celebrado entre os aliados e o Triunvirato Provisório
em 20 de junho de 1870
84
.
Para que isso não acontecesse, apressaram-se os trabalhos. No dia 3 de julho de
1870 foram eleitos os convencionais, sendo a sua maioria pertencente ao “Gran Club del
Pueblo”, facção mais liberal da oligarquia política nascente
85
. Findava nessa mesma data o
governo do Triunvirato Provisório, ficando um novo governo provisório a cargo de Facundo
Marchaín. Entretanto, durante os trabalhos da convenção constitucional, iniciados em 15 de
agosto, ocorreram os primeiros golpes de Estado que tanto caracterizariam a história da
república paraguaia do pós-guerra. Como resultado final deles, saiu reforçado o grupo liderado
por Candido Bareiros do “Club del Puebloe mais afastado o grupo liberal do Gran Club del
Pueblo”, liderado por Juan Francisco Decoud. Marchaín, proveniente do grupo liberal, também
não se sustentou no executivo provirio; enquanto o “La Regeneración”, diário da família
Decoud, invadido, foi obrigado a encerrar suas atividades
86
.
De qualquer modo estas disputas intestinas da oligarquia política paraguaia em
fase de formação, pouco ou nada influenciaram nas diretrizes da constituição a ser promulgada.
Cada representante dos dois principais aliados da Tríplice Aliança haviam apresentado a
constituição de seus respectivos países como modelo para o Paraguai. Paranhos, por meio de
Cirilo Antonio Rivarola, apresentou a constituição brasileira de 1824, enquanto a Argentina,
por meio de Juan José Decoud filho de Juan Francisco Decoud, apresentou a sua
constituição de 1853, que havia servido de modelo a um esboço constitucional propagandeado
nas páginas do “La Regeneración” desde outubro de 1869
87
.
Após 81 seses, em 18 de novembro de 1870 a constituiçãonacionalparaguaia
foi sancionada. O juramento dela deu-se no dia 25 do mesmo mês, fincando, assim,
estabelecido o principal instrumento regulador sob o qual o novo Estado, agora muito mais
liberal, deveria instituir-se. No mesmo dia de sua sanção, findava também os governos
provisórios, iniciando o governo permanente de Cirilo Antonio Rivarola, um dos antigos
triúnviros, sustentado principalmente pelo Brasil.
84
Ver SALUM-FECHA, Antonio. Historia diplomatica del..., op. cit., p. 26; ESTEVES, Gómes
Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p 63.
85
Ver WARREN, Harris Gaylord. Paraguay and the Triple Alliance. The Postwar Decade, 1869-
1878. Texas: Institute of American Studies, 1978, p. 78.
86
Idem, p. 79. Para acompanhar com detalhes estas movimentações políticas ver SCALA, Adelina
Pusineri. “Las luchas político-democráticas através de la prensa y la Convencn Nacional
Constituynte de 1870”. Diálogos, Maringá, v. 9, nº 2, 2005, pp. 67-78.
87
La Regeneración”, 10 de outubro de 1869.
39
Dos modelos de constituição dados aos convencionais o que de fato serviu de
inspiração foi o argentino, pois o esboço defendido pelos Decoud nas páginas do La
Regeneración” tornou-se o cerne da constituição paraguaia de 1870, de maneira que ela ficou
fortemente influenciada pela constituição liberal argentina de 1853.rios de seus artigos eram
simples plágios da carta magna desse país vizinho. O vigésimo sexto, por exemplo, relativo à
proibição de privilégios de sangue e relativo a declaração da igualdade de todos os cidadãos
perante a lei, não era outra coisa senão uma cópia literal do artigo dezesseis da constituição
argentina
88
.
Em suas “declarações gerais”, o artigo 3º mantinha a religião católica como a
oficial do Estado, mas autorizava a liberdade de culto. O artigo 4º permitia a venda e locação de
terras públicas e outros bens do Estado, determinação muito importante nas décadas posteriores
para a alienação maciça destas terras. O artigo 7º falava da livre navegação dos rios para todas
as bandeiras. Na declaração dos direitos e garantias”, o artigo 1imputava a propriedade
como inviolável, não podendo nenhum habitante da república ser privado dela, como foi
costumeiro no regime dos López. O artigo 20º dizia que nenhum habitante da república podia
ser penalizado sem prévio fundamento legal, anterior processo e julgamento. O artigo 25º
eliminava definitivamente a escravidão
89
. Das “atribuições do congresso”, o 72º artigo falava
que somente ele podia impor contribuições diretas por tempo determinado. Era uma tentativa
de acabar com as “requisições” e “auxílio” de trabalhadores forçados, principalmente os que
sofreram as forças armadas no tempo dos López
90
.
Estes artigos são suficientes para exemplificar o desejo de se tentar fundar um
Estado liberal de direito, oposto às arbitrárias relações entre o regime do Estado lopizta e a sua
população. Eles expressam como a questão da soberania da nação, isto é, soberania do corpo de
cidadãos perante o governo e o Estado, selo distintivo das revoluções norte-americana (1776) e
francesa (1789), tornaram-se simbolicamente essencial. A partir de então, pelo menos a nível
teórico, esta noção passava também a fazer parte dos marcos reguladores do novo regime, de
maneira que teria grande importância na construção da ideologia nacionalista liberal a partir de
88
Conf. OTERO, Luis Mariña. Las Constituciones del Paraguay. Madrid: Ediciones cultura hispánica
del Centro Iberoamericano de Cooperación, 1978, p. 71.
89
Ironicamente o fim da escravidão no Paraguai repercutiu muito mal no Brasil, pois ele seguia um país
escravista. Citando o historiador brasileiro R. Magalhães Junior, Efraim Cardozo afirma que
“choveram crítica de todos os lados. Os escravistas, descontentes, viam naquele ato um precedente
perigoso, um passo dado imprudentemente pelo príncipe consorte [Conde D’eu], uma ajuda aos
radicais e um atentado ferindo o direito da propriedade privada...”. Ver CARDOZO, Efraim. Hace 100
años: cnicas de la guerra del 1864-1870”. Asuncn: EMASA, 1982, p. 10. Tomo XIII.
90
Ver OTERO, Luis Mariña. Las Constituciones del Paraguay..., op. cit., pp. 145-175.
40
um entendimento peculiar. Supostamente, a soberania e a cidadania paraguaia foi alcançada
somente após a guerra (1865-1870) que conseguiu pôr fim ao despotismo e implantou a
“liberdade”, constituindo-se assim num esteio seguro – arraigado na velha tradição iluminista –
que permitia a condenação de todo o passado da nação”, em particular o dos López, podendo
pô-los como um dos promotores da degeneração do povo. Inevitavelmente, esta construção
política influiu pesadamente no pensamento intelectual e político liberal “nacional”.
Completando o quadro formal da criação desse Estado de direito e soberania
popular, não poderia faltar o sufgio universal. Ele ficou assegurado aos paraguaios
masculinos maiores de 18 anos. Além do mais, diferentemente do que rezava a constituição de
1844
91
, podiam, agora, ao menos formalmente, serem eleitos e eleitores qualquer cidadão
independentemente das antigas restrições de posse e índole moral. Mas, seguindo ainda no
reiterado propósito de se criar um Estado liberal, durante as décadas de 1870, 1880 e 1890 o
Congresso paraguaio comou a adotar, a “livro fechado”, os códigos argentinos de diversas
matérias. Conforme afirmou Efraim Cardozo, estando...
promulgada la Constitución de 1870, al año siguiente el Congreso sancionó la
vigencia de los códigos argentinos en materia civil, penal y procesal, pero el Poder
Ejecutivo vela ley. No obstante, posteriores leyes fueron dando vigor a dichos
códigos. Así en 1876 se adoptó a libro cerrado el Código Civil elaborado por
Vélez Sarsfield, en 1876 el Código Rural, en 1880 el Código Penal, en 1883 el
Código de Procedimientos Civiles, el Código de Procedimientos Penales en 1890
y en 1891 el digo de Comercio. En algunos casos se agregaron modificaciones
al texto original de los Código y en otros fueron también adoptadas modificaciones
introducidas por el Parlamento Argentino [...]. No fue sino en 1910 que el
Paraguay contó con el primer Código proprio.”
92
.
Mas, o mais importante aos nossos propósito é destacar o sentido político para a
época dessas instituições e ideários liberais: o de serem totalmente antilopizta. A própria
constituição estabelecia salvaguardas contra governos fortes, centralizados e regimes não
liberais, numa explícita referência ao governo dos López
93
. Intentava, igualmente, estabelecer
um novo regime no país, regime antilopizta, cujo ordenamento judico deveria ser
eminentemente capitalista e moderno conforme os inquestionáveis auspícios dos vencedores,
91
Em 13 de março de 1844, estando reunido o Congresso Geral, aprovou-se a proposta de dom Carlos
Antonio López de se adotar uma constituição com o nome de “Lei que estabelece a administração
política da República do Paraguai”.
92
CARDOZO, Efraim. Apuntes de historia cultural del Paraguay..., op. cit., p. 293.
93
Esta hipótese fica evidenciada no artigo 13 da própria constituição que afirmava que qualquer
“ditadura é nula e inadmissível na República Paraguaia”, refencia clara aos López, ficando
condenado como infames traidores da tria” os que porventura confabulassem novamente em favor
dela. OTERO, Luis Mariña. Las Constituciones del Paraguay..., op. cit., p. 147-148.
41
mesmo que nem de longe correspondesse a efetiva materialidade de suas relações e estruturas
sociais.
Não obstante, embora todo esse novo arcabouço legal e institucional fosse uma
inegável imposição estrangeira, cópias de ideários argentinos, sua essência liberal o estava
em oposição com a frágil elite oligárquica do país que se refazia institucionalmente. Na guerra,
com o descarte de qualquer hipótese de vitória, ela o pensou noutra coisa senão em salvar a
sua própria pele, aderindo, pelo menos ideologicamente, ao antilopizmo dos inimigos dos
López, isto é, aderindo aos emigrados de Buenos Aires, que, a partir de janeiro 1869, de fato
dariam o norte ideológico ao “novo” Paraguai. Houve assim, para a maioria dela, nas palavras
de Milda Rivarola,
“una verdadera transmigración de nuestra pasada experiencia política,
poniéndonos a la altura y dignidad de un Pueblo Soberano, libre e independientes
por la cual el país entraba en su nueva era política apareciendo por primera vez en
el catálogo de los demás pueblos libres
94
.
Entretanto, seria hoje um equivoco considerar os governos dospez como
essencialmente contrários às modernas instituições e idéias liberais. Se no plano estritamente
político sempre recearam qualquer ampliação de certas liberdades, foi um regime
comprometido, igualmente ao do pós-guerra, com a formação de desapossados de terras e
meios de vida, ainda que acumulando-os majoritariamente o nas mãos de uma classe
privilegiada classe minguada devido ao aniquilamento que sofrera no governo do doutor
Francia mas nas do Estado. Portanto, era um regime que a longo prazo tendia a produzir,
inevitavelmente, uma classe de proletarizados rurais a partir do elemento étnico indígena.
Dentre várias, a mais radical medida nesse sentido deu-se quando, em 1848, o governo de
Carlos Antonio López declarou como de propriedade do Estado todos os bens e direitos dos 21
povos indígenas localizados no território da república.
Com essa medida ficaram legalmente despossuídos de seu gado e terra os nativos
e mestiços não assimilados que constituíam a grande maioria da população de vários povoados.
Todas as suas terras, comunais ou privadas, passaram a formar parte do patrimônio estatal e,
em troca, esses 21 povos ganharam o retumbante direito de serem “cidadãos” paraguaios
95
.
94
Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopías & revoluciones. Formacn de las clases trabajadoras en
el Paraguay liberal (1870-1931). Asunción: Centro de Documentacion y Estudios, 1993b, p. 23.
95
Conf. PASTORE, Carlos. Lucha por la tierra en el Paraguay. Montevideo: Editorial Antequera,
1972, p. 128 e 129. Devemos lembrar que a “cidadania” é um dos pilares do pensamento liberal.
Mesmo que esvaziada do conteúdo revolucinário, os López também defendiam-na.
42
Além do mais, embora os monopólios do Estado seguissem vigentes quando o
regime ruiu com a Guerra Grande”, segundo constatação de Evaristo Duarte, “não é menos
verdadeiro que foi” sob égide do próprio Estado lopizta “que começou a venda ou passagem de
grandes extensões de terras a particulares, o que, com o tempo, poderia vir a constituir uma
classe de latifundiários
96
” liberais, como noutras partes do Rio da Prata.
Não obstante, esse mesmo autor reconhece a peculiaridade do Estado lopizta.
Embora preocupado com a formação gradativa de relações de produção e também classes
sociais modernas, isto é, proletários e burgueses rurais – bem mais rapidamente com a primeira,
pode-se considerar , o regime dos López teve especial atenção com a formação de uma
indústria estatal realmente autônoma. Ainda que com grandes dificuldades, ele conseguiu
construir com capitais próprios uma incipiente base industrial a partir da instalação de uma
fundição de ferro em Ybycuí, uma das primeiras da América Latina.
Diversos especialistas europeus, particularmente ingleses, entre eles engenheiros,
técnicos, mecânicos, mineralogistas, e outros, foram contratados com altos salários para atender
esta finalidade. Eles deveriam o só construir e dirigir a fundição em seus primeiros anos, mas
também ensinar a técnica aos próprios paraguaios. Muitos vieram depois da viagem de
Francisco Solano López pela Europa entre os anos de 1854 e 1855, mas já em março de 1854 a
fundição dava suas primeiras provas de êxito: nos primeiro e segundo experimentos
produziram-se 75 libras de ferro; no terceiro experimento produziu-se 750 libras
97
.
Não se pode também esquecer da construção dos 72 Km de estrada de ferro
ligando Assunção à Paraguari; da construção do telégrafo e do astilheiro de Assunção, todos
com capitais próprios. Com estas características autonomizantes e peculiares quando
comparadas a outros processos latino-americanos do período, com o qual o Paraguai do s-
guerra se ajustou, parte da “geração de 900” a partir da evolução das idéias positivistas e
liberais rumo as construções de cunho românticas, isto é, a partir do revisionismo da história
liberal tiveram como selecionar os elementos para “constatarem” a grandeza e riqueza do
Estado lopizta, apresentando-o como uma potente nação” onde todos viviam “felizes” na
“igualdade” e prosperavam.
96
Conf. COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 43.
97
Para uma boa noção da construção e atividades da fundição de Ybycuí ver WHIGHAM, Tomas Lyle.
La fundicn de hierro de Ybycuí: el desarrollo industrial del Paraguay a mediados del siglo
diecinueve”. In: Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social
Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995, pp. 97-116.
43
Todavia, para evitar equívocos como os quais tanto uma literatura de esquerda
como uma de direita cometeram frente a interpretação do regime lopizta, atribuindo-lhe,
equivocadamente, semelhanças ou proximidades com o comunismo, levamos em consideração
o pressuposto de István Mészároz que diz que o capital segue existindo tanto na forma de
propriedade privada como na de propriedade estatal dos meios de produção
98
, forma esta
construída, ou ao menos aproximada pelo Paraguai lopizta. Antes que comunista ou se
encaminhando para ele, o Estado lopizta foi caracterizado por Carlos Pastore como um “Estado
mercantilista” que, detendo em suas mãos as principais fontes de riqueza do país,
exportavam-nas as outras regiões do Rio da Prata, podendo assim angariar recursos e promover
a incipiente modernização técnica da qual falamos
99
.
1.2 Difícil reconstrução: alienação das terras públicas e caudilhismo político
Toda a boa intenção desses ideários e instituições liberais, em particular o de
devolver ao povo a sua “soberania” roubada, o conseguiram fazer real as expectativas de
“felicidade humana”. Na verdade ficaram muito aquém dessa promessa. Diante da falta total de
recurso para a reconstrução do país e do novo fundamento ideológico do regime, totalmente
“laissez-ferista” e de empresa privada, os governantes recorreram a empréstimos estrangeiros,
britânicos em essência, rapidamente dilapidados por pticas corruptas
100
. Isso, não obstante,
não foi suficiente. Muito cedo a alienação dos bens do Estado foi vista como a única “salvação
do país. Juan Baustista Gill, que assumiu a presidência da República em 1874, quando então
ainda na condição de Ministro da Fazenda do governo do Triunvirato Provisório, afirmou a este
respeito que “a âncora de salvação para o governo, para o país e para o mundo com ele
relacionado, estava na desamortização de todos os bens do fisco”
101
.
Em 1870, findada oficialmente a guerra, o Estado paraguaio era proprietário de 72
quilômetros de estrada de ferro; de 148 edifícios na capital Assunção e outros 352 no interior
do país. O mais importante, porém, é que ele era proprietário de quase a totalidade das terras do
país: 100% das terras do Chaco e 97.88% das terras de sua parte oriental, regiões dividida pelo
98
Conf. MÉSZÁROS, István. Ir além do capital”. In: Globalização e Socialismo. São Paulo: Núcleo
Emancipação do Trabalho/Xamã Editora, 1997.
99
Ver PASTORE, Carlos. Lucha por la tierra en..., op. cit., p. 113.
100
Conf. CARDOZO, Efraim. Paraguay Independiente. Asuncn: Editorial El Lector, op. cit., p. 333
e 334.
101
Ver PASTORE, Carlos. Lucha por la tierra en..., op. cit., p. 178.
44
rio que lhe dá o nome. Em léguas quadradas significa que o Estado era dono de 16.239 das
16.590 léguas de todo o território “nacional”. Mas durante toda a década de 1870 esse
expediente proposto por Juan B. Gill não foi sistematizado, embora já se tenham ocorrido
importantes vendas de parcelas de terras para os membros e amigos do próprio governo,
inclusive da estrada de ferro Assunção-Paraguari para o capital britânico, cujo objetivo era o
pagamento de empréstimos internacionais dilapidados, ocorridos em 1871/1872, e o alicerce de
emissão de mais moedas.
Contudo, diante do constante déficit do Estado o governo do General Bernardino
Caballero (1880-1886), a partir das leis de vendas de terras de 1883 e 1885
102
, começou a
recorrer a alienação sistemática de praticamente quase todo o patrimônio público a
estrangeiros, isto é, a venda das principais fontes de riqueza do país: bosques, pastagens, terras
agricultáveis, ervais e prédios de Assunção e do interior, etc. O plano oficial do governo era
fazer frente a penúria do Estado e, ao mesmo tempo, promover e alavancar a colonização do
país, principalmente com o aporte do imigrante europeu. Este, teoricamente, com o seu labor
produtivo, logo ajudaria a aumentar os ingressos fiscais do Estado, amenizando a sua extrema
dificuldade material. Entretanto os resultados práticos da venda do patrimônio público foram,
segundo Carlos Pastore, o de promover rapidamente...
la formación de los grandes latifundios, al mismo tiempo que dificultaba la
existencia de los pequeños y medianos productores de ganado, al prohibir la venta
de fraciciones de campos de pastoreo menores de una legua cuadrada”
103
.
Junto dos capitalistas estrangeiros, ânglo-argentinos principalmente, para os quais
os preços das terras eram quase que irrisórios, a fração oligárquica do governo aproveitou
subalternamente para adquirir propriedades até então do Estado, enquanto a maioria da
população camponesa era expulsa dos campos de seus ancestrais ou, nas palavras do geógrafo e
jornalista francês Eliseu Reclus, citadas por Pastore, se se quisesse continuar a “cavar um
buraco em sua pátria”, via-se obrigada a pagar “rendas aos banqueiros de Nova Iorque, Londres
ou Amsterdã
104
. Inicava-se, assim, uma nova etapa na renda predial rural no Paraguai. Se antes
ela destinava-se ao acúmulo do Estado lopizta, agora destinava-se ao acúmulo de proprietários
particulares, estrangeiros em sua maioria.
102
Estas leis permitiram a estruturação do regime fundiário de latifúndio no Paraguai, portanto são de
capital importância. Idem, 1972.
103
Idem. p. 216.
104
Idem. p. 256. Muitos dos detentores de bônus paraguaios emitidos na década de 1870, desvalorizados
no mercado, também tornaram-se grandes proprietários. Eles foram os que mais pressionaram os
governos para dar início a venda desse imenso e cobiçado patrimônio público.
45
A privatização das terras gerou alguns imensos consórcios pecuário-extrativista,
outros que simplesmente esperavam a valorização da terra, ou seja, simplesmente
especulativos
105
. Eles caracterizariam, daí para frente, a modalidade do capitalismo no Paraguai
e influenciariam quase que decisivamente os rumos da política deste país.
As principais empresas e consórcios criados foram “La Industrial Paraguaya
(erva-mate e “obrajes”, fundada em 1886) que chegou a adquirir 2.647.727 hectares; a Cía.
Domingo Barthe” (erva-mate, gado e “obrajes”, fundada na década de 1880) que adquiriu
1.875.000 hectares; a “Mate Laranjeira” (erva-mate e “obrajes”, fundada na década de 1880)
que adquiriu 800.000 hectares; “Carlos Casado el Alisal (tanino, fundada em 1890) com
5.625.000 hectares; Liebigs Extract of Meat and Co.” (gado e empacotamento de carne,
fundada em 1898) que adquiriu 562.326 hectares; “Societé La Foncière” (gado, fundada em
1893) que adquiriu 502.500 hectares; “Sociedade Rural Belgo-Sudamericana” (gado, fundada
em 1896) com 300.000 hectares; e a “The Paraguay Land & Cattle Company” (gado e obraje”,
fundada na década de 1880) com 1.687.500 hectares. No período de treze anos, entre 1883 e
1896, quatorze milhões de hectares dos quarenta milhões e meio do território “nacional”
passaram nestes anos à categoria de propriedade privada de uns oitos consórcios europeus,
argentinos e brasileiros
106
.
É possível afirmar, assim, que a república paraguaia, a partir de 1870, mas
particularmente a partir das vendas do imenso patrimônio público, saia do isolamento e
começava a trilhar os mesmos caminhos das demais repúblicas latino-americanas do período.
Como elas inseria-se de forma subalterna no capitalismo global, “ganhandocom a “Guerra
Grande” um ordenamento jurídico eminentemente capitalista e moderno e, no âmbito da
divisão internacional do trabalho, adequando-se perfeitamente aos modelos e padrões dos
demais Estados-nacionais dessa região do planeta. Segundo o entendimento de Smith e
Skidmore, todos eles tomaram “um caminho comercial de desenvolvimento econômico”
fundamentado na “exportação-importação” e “dependente das decisões e da prosperidade de
outras parte do mundo
107
.
105
A especulação imobiliária chegou a um grau tão elevado que, na virada do culo XIX para o XX,
uma série de bancos que tinham terras como forma de garantia vieram a bancarrota quando se deu a
desvalorização das mesmas.
106
Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopías & revoluciones..., op. cit., p. 65. Ver também
COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 55 e 56.
107
Ver SKIDMORE, Thomas E.; SMITH, Peter H. Historia contemporánea de América Latina.
América Latina del siglo XX. Barcelona: Editorial Critica, 1999, p. 55.
46
O Paraguai não foge deste padrão geral
108
. Entretanto, do ponto de vista da
autonomia nacional, a dependência das “decisões e prosperidade” de outros lugares torna-se
nele ainda mais aguda se comparada aos países vizinhos. O liberalismo no plano político-
ideológico e a atividade pecuário-extrativista no cio-econômico não foi, neste país, produto
da imposição de um setor dominante da sociedade, isto é, produto da imposição de uma
burguesia oligárquica nacional como nos demais, mas simples imposição da Tríplice Aliança.
Por conseguinte, a elite dominante do país reduzia-se a uma mera oligarquia política, oligarquia
que, subordinada as empresas estrangeiras, mantinha uma posição social privilegiada diante do
restante da população. Tamanha era a dramaticidade dessa situação que em 1916, Eligio Ayala,
um dos intelectuais da “geração de 900”, fazia, com muita perspicácia, a seguinte afirmação: “o
Paraguai não tem indústria nenhuma queo a do politiquismo”
109
.
Mas, o início da alienação sistemática do patrimônio público lopizta se tornou
possível quando uma relativa tranqüilidade substituiu a grande violência do processo político
dos primeiros anos. É nesse mesmo momento, igualmente, que se também a formação dos
dois partidos políticos tradicionais do Paraguai, prenunciados nos Clubes do passado. Em 1887
as facções rivais da mesma oligarquia, institucionalizando sua forma de luta, criaram duas
agremiações. De um lado fundaram em 2 de julho o chamado “Centro Democrático”, partido
que, em 1894, passou a chamar-se “Partido Liberal”. Constituía-se no partido oposicionista que
congregava a fração caudilhesca alijada dos benefícios da potica de privatização e que, pelo
menos enquanto na oposição, até 1904, tinha também a pretensão de representar a classe
camponesa prejudicada pelos processos de alienação das terras, além do incipiente
“operariado” assunceno que começou a organizar-se no final do XIX nas sociedades de socorro
mútuo e resisncia
110
.
De outro lado, como resposta ao “Centro Democrático”, a fração oligárquica da
situação fundou em 25 de agosto a “Asociación Nacional Republicana”, popularmente chamada
de “Partido Colorado”, partido conservador constituído pelos caudilhos governistas que
juntamente com os capitalistas estrangeiros aproveitaram-se para adquirir as terras outrora do
108
Ver FERNANDES, Florestan. “Padrões de Dominação Externa na América Latina”. In: BARSOTTI,
Paulo; PERICÁS, Luiz Bernanrdo. América Latina: história, idéias e revoluções. 2 ª ed. São Paulo:
Núcleo Emancipação do Trabalho/Xamã Editora, 1999, p. 101.
109
Ver AYALA, Eligio. Migraciones..., op. cit., p. 15.
110
O espírito “associativoera incentivado entre as categorias trabalhadoras de Assunção. Militantes de
ambos partidos não deixaram de o fazer, porém destaca-se nisso certas figuras liberais como Cecilio
Báez e Ignácio Ibarra. Este último, bastante próximo de setores dos trabalhadores, desde o “La
Democracia” manifestava explicito apoio a mobilização destes a partir de associações mutualistas e
47
Estado lopizta
111
. Bernardino Caballero, Patricio Escobar e Pedro Duarte, por exemplo, todos
homens do círculo de poder antes e depois da guerra, tornaram-se, segundo Guido Alcalá,
grandes latifundiários
112
.
Os caudilhos desta segunda agremiação vinham dominando o poder político desde
1874, ano em que por meio de um golpe enfim exitoso, depois de outras duas frustradas
tentativas, Bernardino Caballero e Candido Bareiro conseguiram derrotar as tropas legalistas do
Coronel Benigno Ferreira antigo membro da “Legión Paraguaya” e assim destituir da
presidência da república o senhor Salvador Jovellanos. Em seu lugar assumiu o mando do país
Juan Bautista Gill, caudilho que, pelo menos naquele momento além da simpatia de Caballero e
Bareiro, contava ainda com a simpatia externa do Brasil.
Esta agremiação monopolizaria o poder político do Paraguai até agosto 1904 com
o explícito apoio da diplomacia brasileira, mesmo sendo o país dependente umbilicalmente da
economia ligada a Argentina. Em 25 de novembro de 1880, Caballero, com um “golpe interno”
fez-se designar presidente provirio por conta da morte inesperada do seu “correligionário”, o
então presidente da república Candido Bareiro. O seu governo deveria se estender somente até
1882 para completar o mandato de Bareiro, mas permaneceu governando até 1886, e, em
verdade, nos bastidores influiu decisivamente na vida política do Paraguai até os primeiros anos
do século XX, quando a revolução de 1904 deslocou o eixo de poder em favor do “Partido
Liberal”, partido francamente argentinista.
Essas duas forças políticas que se formalizaram em partidos políticos, vinham
atuando, desde a guerra, com muita violência política em torno de “grandes” personalidades
caudilhescas civis ou militares. Para as suas finalidades políticas, elas se serviam do prestígio e
da influência particular dentro dos quartéis; da influência nos círculos de amigos formados ao
redor da fração oligárquica a que pertencia, e, conforme Efraim Cardozo, também do “arrasto
popular” que faziam no campo ou mesmo na capital Assunção
113
. Portanto, embora todos os
caudilhos coincidissem com as finalidades fundamentais de um regime antilopizta e também na
de resistência. Ver GAONA, Francisco. Introducción a la historia gremial y social del Paraguay.
Asunción/Buenos Aires: Editorial “Arandu”, 1967, p. 35. Tomo I.
111
Para maiores dados sobre a fundação de ambos partidos poticos tradicionais do Paraguai ver
CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., pp. 408 a 411. Tomo I.
112
Caballero era cio da Industrial Paraguaya SA”; Escobar recebeu direito exclusivo e gratuito de
explorar erva-mate do Estado por dez anos isentos de impostos; Duarte tinha grandes fazendas de
gado na zona de Paraguary. Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. “Imágenes de la guerra y del
sistema”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Paris, n º 6, 2005, p. 6. Disponível em:
<http://www.nuevomundo.revues.org/document1639.html>. Acesso em 16/04/2006.
113
Conf. CARDOZO, Efraim. Apuntes de historia cultural del Paraguay..., op. cit., p. 296 e 297.
48
manutenção e defesa da constituição liberal de 1870, não tinham nenhum programa permanente
e agiam de modo pragmático ao azar das necessidades eleitorais – momento em que a violência
aumentava – e dos interesses pelo poder político.
Instaurou-se, por conseguinte, a instabilidade entre os membros da nova
oligarquia potica, ficando o país ainda mais assemelhado aos seus vizinhos. O fim do poder
concentrado nas os do Marechal pez causou abruptamente uma espécie de cuo de
poder, com muitos caudilhos desejando preencher e monopolizá-lo. Isso levou, desde os
primeiros dias depois da guerra, em que pese as boas intenções das instituições e ideários
liberais, a revolta armada impulsionada por caudilhos do “partido” fora do governo e, mais
freqüentemente, por facções dissidentes dentro do próprio “partido” do governo, rapidamente a
estabelecer-se como o único método eficaz de transferir o poder, pondo em marcha um ciclo de
instabilidade que produziria não menos de oito governos entre 1869 e 1884/5. Milda Rivarola
sintetiza parcialmente para os primeiros anos do pós-guerra as mudanças de governo no
executivo, da seguinte maneira:
El primer presidente, C. A. Rivarola, fuerza con el apoyo aliado la renuncia del
constitucionalmente electo [Facundo Machaín], ocupando su puesto. Tras haber
disuelto el Congreso, se ve obligado a entregar el poder a su Vicepresidente, S.
Jovellanos, quien completa su peodo formalmente, bajo el control real de J. B.
Gill. Este logra iniciar legalmente el segundo período, y es asesinado tres años más
tarde, terminando su peodo H. Uriarte, su vicepresidente. C. Bareiro, candidato
único, asume la presidencia en 1878, y muere dos años más tarde, fecha en que su
Ministro de Interior toma el poder gracias a un golpe de estado y logra ser re-
electo – sin candidatos de oposición – en 1882
114
.
A forma de se dirimir as diferenças políticas era o recurso às quarteladas, golpes,
“revoluções e mesmo os assassinatos. Segundo Evaristo Duarte, a prática comum era que
“cada caudilho arregimentava uma centena de homens armados para enfrentá-los aos de outro
caudilho, contando não poucas vezes com o apoio dos exércitos aliados de ocupação, enquanto
esta durou”
115
. O “El Independiente”, por exemplo, escrevia um artigo cujo título era Principia
la anarquia: Matanza en San Pedro”, se referindo a “injustiça” de um “chefe político” do
interior cometida contra certos “homens” e suas respectivas “famílias”:
Los hombres fueron perseguidos a balazos por un grupo de 20 hombres
mandados por un gefe político, refugiandose en los bosques. Sus familias fueron
114
Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopias & revoluciones..., op. cit., p. 34.
115
Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 47.
49
azotadas y violadas. Una comisión mandada por el gobierno nos instruyo tan
solamente un sumario, y la injusticia quedo en pié [destaque meu]
116
.
A violência e o terror político, como o acima descrito, chegou a ser tamanho na
década de 1870, que, quando Caballero assumiu a presidência por meio de mais um golpe
(1880), a oposição organizada havia sido praticamente destruída por assassinatos
117
ou
desterros, ficando relativamente fácil o seu governo, podendo o país iniciar um período de
tranqüilidade relativa e normalização institucional. Foi justamente nesse momento, entretanto,
que as leis de alienação do patrimônio público, particularmente a das terras públicas, foram
promulgadas e rapidamente executadas. Uma nova” oposição política reorganizou-se somente
com a fundação do “Centro Democrático” em 1887, logo mais, poucos dias depois, respondida
a altura, como o vimos, com a fundação da “Asociación Nacional Republicana”.
Entretanto, esse fenômeno político caudilhista não foi resolvido com a simples
criação destes dois partidos políticos. O período transcorrido entre 1899 e 1911, por exemplo, é
caracterizado novamente por grande violência e instabilidade política. Nele houve dez
presidentes, três “revoluções” cívico-militar e outros nove golpes de Estado frustrados ou
exitosos. De qualquer maneira, segundo entendimento de Milda Rivarola, toda essa violência
expressou o lento declínio dos governos colorados e a ascensão da hegemonia dos liberais ao
poder, embora sempre com o mesmo problema da luta entre as facções internas
118
.
Para entender essa prática comum da política caudilhesca, prática que tanto fez
sofrer o camponês do interior, é fundamental levarmos em conta como se estruturou o exército
“paraguaio” no período do pós-guerra, possibilitando o uso particular que fazia dele as facções
caudilhescas. A principal característica é que ele não foi um exército nacional senão pelo
menos até a guerra civil de 1922 e 1923, quando então suas formas partidarizadas foram
parcialmente destruídas e finalmente recompostas em bases verdadeiramente nacionais, mesmo
porquê o prenúncio da guerra do Chaco contra a Bovia o exigia. Contudo, até aquele período,
cada facção da oligarquia político-partidária, hegemônica em um ou outro quartel, comandava
116
El Independiente”, 25 de abril de 1889.
117
Juan B. Gill foi assassinado em 1877; nesse mesmo ano, no dia 29 de outubro foram assassinados os
encarcerados JoDolores Molas, Francisco Galeano, JoDolores Franco, o italiano Scotto e a
figura de grande capital político Dr. Marchaín. Em fins de 1878 o ex-presidente da República Cirilo
Antonio Rivarola é também assassinado. o se pode esquecer da violência no interior e mesmo na
capital no tempo das eleições. Conf. RIVAROLA, Milda. Obreros, utopias & revoluciones..., op.
cit., p. 35 e 36. Ver também ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p.
159.
118
Idem, p. 101.
50
ou arregimentava certas parcelas de soldados para atender aos seus fins políticos imediatos, d
a grande incidência das “revoluções” e quarteladas.
Segundo Gustavo Gatti Cardozo, os quadros militares paraguaios do período de
1870 à 1923 estavam sociologicamente caracterizados e estruturados por cinco elementos
principais: uma origem social popular e camponesa para os soldados rasos, sendo os oficiais
recrutados nos elementos da oligarquia terratenente; um baixo nível de profissionalização; uma
ação direta na sociedade em benefício das frações oligárquicas; uma orientação dada pela
filosofia liberal manchesteriana, segundo a qual as Forças Armadas deveriam estar
subordinadas ao poder civil; e, por último, se caracterizavam pela dominação internacional
brasileira ou argentina. Estes cinco elementos combinados davam a possibilidade ao uso
privado do exército pelas facções caudilhescas concorrentes e, portanto, o recurso freqüente da
violência contra à sua oposição política
119
.
Conflitos à parte, originalmente o que distinguia ambos agrupamentos potico-
partidário-cuadilhescos não eram as questões ideológicas. Ambos se confessavam liberais e
tinham no progresso do país segundo os cânones desta doutrina. Todos seguiam fazendo,
pelo menos verbalmente, a condenação explicita das figuras e dos regimes não liberais de
Francia e dos López. Divergências e brigas de natureza doutrinária se dariam no futuro. Por
enquanto, os conflitos davam-se tão em relação ao apoio estrangeiro que recebiam dos ex-
aliados na guerra, isto é, em relação ao apoio brasileiro ou ao apoio argentino, e, o mais
importante, em relação a simples conquista e manutenção do poder político.
Mas se não possuíam distinções ideológicas claras tendo ambos partidos
ideários francamente liberais
120
a auto-imagem que cada um fazia de si e do outro não podem
119
Conf. CARDOZO, Gustavo Gatti. El papel politico de los militares en el Paraguay (1870-1990):
Asunción: Universidad Católica Nuestra Señora de la Asuncn e Biblioteca de Estudios Paraguayos,
1990, p. 31 e 32.
120
Cecilio ez e José Segundo Decoud foram os redatores do ideário do Partido Liberal” e do
Partido Colorado” respectivamete. Mais tarde, contudo, a influência do liberalismo de Decoud
sobre o “Partido Colorado” seria amenizada em favor de um nacionalismo cada vez mais acentuado,
conforme veremos. É importante ressaltar que José Segundo Decoud aparece como militante
colorado, embora exista um “Partido Liberal”. A sua trajetória pessoal, primeiro membro da facção
liberal “Gran Club del Puebloe depois membro do partido conservador, o colorado, não se pode
estranhar, pois, de algum modo, os grandes projetos levados adiante pelos governos colorados foram
de sua inspiração, portanto de matriz liberal. Aliás, ante a eminência de Segundo Decoud tornar-se
presidente paraguaio, o Brasil organizou em 1894 um golpe destituindo o eno presidente que o
apoiava para sucede-lo, pois Decoud sempre foi identificado como argentinista e mesmo como
inimigo” do Brasil. Ver DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. “La participación del
Brasil en el golpe de 1894..., op. cit.
51
ser desconsideradas
121
. Elas, após a revolução de 1904, seriam potencializadas e d para frente
marcariam posturas ideológicas cada vez mais distintas entre ambos, e, no que particularmente
mais nos interessa, no engendramento da questão nacional na discussão historiográfica dos
intelectuais da “geração de 900”, todos militantes políticos partidarizados.
Contando o Partido Coloradodesde o início de sua vida com a participação de
homens e militares dos governos dos López, entre eles os “velhos generais” que se tornaram
presidentes Bernardino Caballero (1880-1886), Patricio Escobar (1886-1890) e Juan B.
Egusquiza (1894-1898) , o “Partido Liberal” tomou para si uma auto-imagem e um discurso
mais intelectualista e civilista, dizendo que o poder o podia ser exercido senão por civis, fato
que o “Partido Colorado, situacionista, não estaria cumprindo
122
. Am do mais, os colorados,
beneficiando-se das vendas das terras públicas e exercendo o poder com métodos bastante
assemelhados com os dos pez, principalmente na violência contra os seus opositores
políticos, desde muito cedo relativizaram, na prática, o liberalismo que professavam, embora
nunca o tenha negado.
Isso possibilitou aos caudilhos liberais a reivindicação da constituão de 1870,
acusando os colorados de fazê-la letra morta. Inclusive, a despeito de todos os interesses em
jogo, a revolução de 1904 que s os liberais no poder foi feita em nome dela, embora
desde muito antes os opositores liberais viessem acusando os caudilhos do poder de não
seguirem-na. Um dos fundadores “Centro Democrático”, José de la Cruz Ayala, no estatuto que
propôs ao seu partido recém fundado, mesmo não tendo sido ele aprovado, afirmou a grandeza
da constituição do seu país, mas lamentou que o “sistema democrático” estivesse em franca
“negação pelos que os governavam:
Tenemos una de las constituciones políticas más libres del mundo a la cual no es
dado renunciar y que asegura los derechos del hombre y del ciudadano que habita
el suelo paraguayo.
[...]
Pero la historia de nuestra era constitucional es la casi negación del sistema
democrático representativo, porque los derechos más sagrados han sido violados
generalmente, ofendidos los graves intereses nacionales, ineficaces grandes
121
o se trata aqui em estabelecer uma profunda discussão, mas apenas de apontá-la.
122
Isto não impediu ao “Partido Liberal”, no dia 18 de outubro de 1891, tentar tomar o poder por meio
de um golpe militar comandado pelo Major Eduardo Vera: O governo da Nação, não é, numa
palavra, mais do que uma sociedade comanditária que a explora e saqueia, a humilha e a envilhece”,
dizia o manifesto dos revoltosos. Nem tampouco significa que nas fileiras liberais não houvesse
militares, sendo um exemplo é o General Benigno Ferreira. Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E.
Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 192.
52
garantías, las administraciones sin respeto a las leyes generales de la República,
alernándose así en sus fundamentos nuestras libres instituciones
123
.
José de la Cruz Ayala não viveu até o seu partido tomar o poder e reproduzir as
mesmas práticas caudilhescas de que acusava os colorados. Faleceu no exílio do Paraná
capital da província argentina de Entre Ríos em 29 de janeiro de 1892. Mas, de qualquer
modo, enquanto na oposição, acusações como a sua serviram para os liberais se pôrem e se
considerarem, em oposição aos colorados, como os defensores da constituição liberal de 1870 e
os verdadeiros antilopiztas. Aliás, a agremiação liberal contava em seus foros com a presença
de Cecilio Báez, uma das expressões máximas do liberalismo paraguaio e, também, mestre da
“geração de 900.
Depois dele vencer a disputa interna que sustentou com o próprio José de la Cruz
Ayala (1887), conseguindo aprovar o estatuto que propôs ao “Partido Liberal”, imprimiria a
hegemonia intelectual na vida desta agremiação e também a nada desprezível influência na vida
cultural do seu país. Ao dizer de José G. G. Fleytas, Báez foi “a figura estelar do liberalismo
paraguaio
124
.
Em 1902, o mesmo ano da briga com O’ Leary, apresentou pessoalmente ao
“Partido Liberal” um outro projeto de estatuto, possuindo este um conteúdo liberal agora
profundamente sistematizado, que também foi aprovado. Dois anos depois este seu segundo
estatuto tornou-se base da sustentação ideológica da “revolução” de 1904. Era a consagração de
uma ideologia que com os anos foi-se refinando ainda mais no interior deste partido, enquanto
do lado dos colorados ou pelo menos para alguns que logo se aperceberam do desastre que
estava sendo a política de alienação abrupta das terras públicas falava-se em relativizá-la
mesmo no âmbito da economia, a partir das propostas de Fulgêncio Moreno, também um dos
jovens intelectuais da “geração de 900.
Após o golpe “interno” de 1902 contra o governo do colorado de Emilio
Aceval
125
, Moreno esteve a frente do cargo de Ministro de Fazenda do último governo colorado
– o do presidente Coronel Juan Escurra e do vice-presidente doutor Manuel Dominguez (1902-
123
Ver FLEYTAS, Jo Gaspar Gómes. “Ubicación histórica de los partidos tradicionales en el
Paraguay”. In: Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social
Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995, p. 467.
124
Idem, p. 465.
125
O golpe de 1902 pode ser considerado uma reafirmação do “setor caballerista” do Partido Colorado
contra o anterior predomínio do “setor egusquicista” formado em torno do General Juan Bautista
Egusquiza, presidente da República entre 1894-1898 e partidário a uma maior abertura a oposição
liberal
53
1904) , quando tentou por em prática uma política econômica de grande taxação sobre as
casas comerciais de importação e exportação, base sócio-econômica explicativa da revolução
de 1904
126
.
Por seu turno, o “Partido Colorado” fundado logo após a crião do “Partido
Liberal” configurou rapidamente uma auto-imagem de um certo nacionalismo colorado, o
“caballerismo”. Não se tratava ainda, é importante ressaltar, do futuro nacionalismo lopizta,
pois o antilopizmo liberal dos próprios colorados seguia imperativo pelo menos nos registros
oficiais e públicos. Contudo, a simples presença de Bernardino Caballero tinha a força de
imprimir uma tonalidade “épica” ao partido. O seu estatuto, embora escrito por José Segundo
Decoud, foi assinado por ele mesmo o ex-presidente da República e o ex-combatente da
guerra – na qualidade de presidente da nova instituição.
Mais tarde, Juan E. O’Leary na obra “El Centauro de Ybicuy (1929)” incorporaria
o “caballerismoao nacionalismo lopizta através de uma construção bastante curiosa: a de que
o Marechal López, nos seus dias finais em Cerro Corá, haveria passado a Caballero a tarefa e a
responsabilidade da reconstrução da “nação”, mas isto veremos ainda com maiores detalhes
127
.
Mas, em que pese o “caballerismo” dos colorados, a ideologia oficial do partido era igualmente
o liberalismo. Quem melhor traduzia tal postura era a marcante personalidade de José Segundo
Decoud, antigo dirigente da facção liberal “Gran Club del Pueblo e antigo alistado na fileiras
da “Legión Paraguaya”.
Mesmo estando nos primeiros anos do pós-guerra ao lado dos liberais – desiludido
com os seus companheiros e para não ser alijado do processo político e da influência sobre os
rumos do Paraguai –, Segundo Decoud aliou-se a Bernardino Caballero, tornando-se um dos
principais idealizadores da colonização do Paraguai por meio de europeus e da alienação
sistemática das terras públicas, cujo arcabouço legal deu-se no próprio governo de Caballero.
Em suma, tornou-se, nas palavras de Francisco Doratioto, “o intelectual dooutro lado’”,
imprimindo o seu liberalismo ao “Partido Colorado”
128
.
Não obstante, sua influência intelectual no interior da agremião colorada seria
paulatinamente relativizada. Sofreu, em 1897, quando na qualidade de Ministro das Relações
126
Conf. KRAUER, Juan Carlos Herken. La Revolución Liberal de 1904 en el Paraguay: El transfondo
socio-económico y la perspectiva británica”. In: Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y
Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995b.
127
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui. Vida heroica del General Bernardino
Caballero en la Guerra del Paraguay. Asuncn: Ministerio de Hacienda, 1970, [1929].
54
Exteriores, a gravíssima acusação ante o parlamento de ser um traidor da pátria, um
portenhista. Teria, em conchavo com outros, trabalhado em 1893 para que o Paraguai fosse
anexado à república Argentina sob a condição de mera província, um delicado tema para a
história deste país devido à real pretensão de círculos argentinos e mesmo paraguaios
concretizarem tal anexação. As ameaças Juan Manuel Rosa, por exemplo, nunca cessaram
enquanto esteve no comando da Confederação Argentina (1830-1852). Para se defender dessa
acusação contou com a brilhante atuação do então deputado, Manuel Dominguez, outro
membro da “geração de 900
129
.
Embora tenha saído ileso do processo parlamentar, sua reputação ficou
inevitavelmente manchada, mesmo porque eram conhecidas suas grandes relações com o país
vizinho, pois lá vivera e lá se educara na condição de exilado no tempo dos López. Somado a
este grande desgaste político, alguns dos destacados intelectuais da “geração de 900”, ainda na
década de 1890, adentraram na briga potica com o peso específico que lhes conferia a
especialização de estarem atuando como jornalistas e, posteriormente, como historiadores.
Referimo-nos, particularmente, aos jovens Blas Garay, Fulgencio R. Moreno e Ignacio A.
Pane. Por conseguinte, o Partido Colorado” passou a contar com um quadro intelectual mais
diversificado, que, de maneira sutil, conforme José G. G. Fleytas, rivalizou com José Segundo
Decoud, atenuando a influência do seu liberalismo na agremiação colorada e impingindo-lhe o
nacionalismo acima comentado: o colorado
130
.
Como símbolos os liberais contavam com a cor azul e os colorados com a
vermelha. Ademais, ambos partidos possuíam seus respectivos hinos: a “Polca Liberal” e a
“Polca Colorada”. Miguel de los Santos foi quem compôs, em 1887, a chamada “Polca Liberal”
que, mais tarde, em 1891, foi substituída pela denominada “18 de outubro”, cuja origem é
atribuída a Buenaventura González
131
. O nome dessa canção refere-se à data em que o Partido
Liberal”, a partir de uma sedão militar, tentou tomar o poder dos colorados e saiu derrotado.
Tal acontecimento tornou-se simbolicamente muito importante tanto para a mitologia como
para unidade partidária, sempre ameaçadas pelas brigas caudilhescas
132
. A “Polca Colorada” foi
128
Ver DORATIOTO, Francisco Moteoliva. Guerra e regeneração: três estudos sobre o Paraguai”. In:
Diálogos. Maringá, v. 9, nº 2, 2005, p. 84.
129
Conf. DOMINGUEZ, Manuel. La traición a la patria y otros ensayos. Asuncn: FF.AA., 1959,
[1899].
130
Ver FLEYTAS, José Gaspar Gómes. “Ubicacn histórica de los partidos..., op. cit., p. 471.
131
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., p. 414. Tomo I.
132
Em 18 de outubro de 1902 era possível ler o seguinte no El Cívico”, periódico de uma fração do
Partido Liberal: Em 18 de outubro de 1891 o povo paraguaio, rechaçado dos comícios, perseguido
em seus lares, sem voz nem voto, na alta direção dos destinos nacionais, teve que fazer uso da
55
obra do italiano Francesco Guerresi, maestro da “Banda de Policia” da capital Assunção,
também composta em 1887
133
.
Estes símbolos tinham alguma importância, pois, mesmo sendo as decisões
políticas tomadas em outros espaços que não nos das urnas, levando em consideração as
constantes fraudes e a prática de violência política e do “arrasto” popular, coisas que pareciam
fazer parte da regra do jogo, começou a haver, de fato, uma relativa adesão da população a um
ou outro partido, ou melhor, a um ou outro caudilho, e, segundo Evaristo Duarte,
“uma peculiar forma de ‘politização’, vigente até os dias de hoje, que faz com que
os paraguaios se dividam em dois grandes agrupamentos sem muita vinculação à
doutrinas ou programas políticos, mas justificados no apegos às cores partidárias
[...] como se fossem duas grandes torcidas
134
.
Essas medidas de reconstrução do país –, implementação de ideários e instituições
liberais, brusca alienação das terras públicas e fundação dos dois partidos tradicionais com suas
respectivas nuanças, todas das primeiras décadas do s-guerra foram processos
fundamentais que implantaram marcos sócio-econômicos e político-ideológicos de longo
alcance. Víctor Jacinto Flecha no seu estudo sobre os movimentos sócio-políticos da década de
1920, chegou a afirmar que até esta década o Paraguai possuía “estruturas econômicas e
políticas sem grandes variações desde o fim da guerra” contra a Tríplice Aliança
135
.
Contudo, para se construir uma nação liberal diferente da lopizta era também
necessário se alterar ou mesmo reconstruir a “moraldo povo, desde muito vista como
“degenerada” pelo secular “despotismo”. Esta visão, mais ou menos hegemônica na elite
oligárquica da sociedade que se refazia, era considerada um legítimo apelo de civilidade”,
particularmente forte entre os que outrora foram os principais inimigos dos López: os ex-
emigrados de Buenos Aires. Para eles, mas não só, o povo era um objeto a ser emoldurado em
novas bases liberais, ou seja, regeneradomediante a educação e instrução pública e também
mediante o exemplo do imigrante europeu, teoricamente um povo ativo, industrioso, bem
diferente do camponês paraguaio. Esta será a matéria do próximo capítulo.
suprema razão dos povos oprimidos, para voltar a sua dignidade, vertendo generosamente seu sangue
um núcleo de cidadãos nos grados do sólido gosto da democracia”. Ver “El Cívico”, 18 de outubro
de 1902.
133
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., p. 414. Tomo I.
134
Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 60.
135
Ver FLECHA, Víctor Jacinto. “Años 20: movimientos socio-politicos en el Paraguay y proyeccion
posterior. In: Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social
Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995, p. 528.
56
2 Percepções da história. Projetos, filosofia e pedagogia: um povo a
“regenerar”
2.1 Instruir e povoar: um projetonacional
Entre as ações de reconstrução do novo país, devolver ao povo “paraguaio” a sua
“soberania” outrora roubada pelos que foram considerados os ditadorese os déspotas” do
passado foi simbolicamente fundamental. Para isso foi visto como primordial inculcar-lhe o
gosto pela “liberdade” recém conquistada nos campos de batalha, e também “regenerar-lhe
para que não mais permitisse ou seguisse a tirania” e a vontade de “tirano” algum. Estes foram
os signos justificadores com os quais se deram todas as ações públicas junto das camadas
populares, particularmente as de ensino, mas também, amalgamado com interesses sócio-
econômicos, um dos signos justificadores da própria política de importação de europeus.
Logo que findada a guerra, os novos governantes se dedicaram (ou ao menos
pretenderam) à cultura e instrução popular. Por decreto de 23 de abril de 1872 foi criado o
“Consejo de Instrucción Pública, cujos membros eram Facundo Machaín, José Segundo
Decoud, Jaime Sosa e Jo C. Mazó, todos inimigos do Marechal López. Em agosto do mesmo
ano o legislativo autorizava ao governo contratar professores de ensino primário e secundário,
enquanto Machaín fundava o “Colegio Nacional” da capital, que teve vida efêmera, contudo.
Ele foi novamente refundado em 1877, no governo de Juan B. Gill, junto de outros quatros
colégios nacionais: o de Villa Rica, o de Concepción, o de Pilar e o de Encarnación
136
.
O “Colegio Nacionalda capital Assunção tornou-se desde a sua fundação a mais
importante expressão de (res)surgimento da cultura institucionalizada paraguaia, embora os
seus primeiros diretores fossem todos de educação ou origem estrangeira. Mas, a respeito disso,
não havia muito que fazer. A contratação de professores estrangeiros foi, quase
necessariamente, a única medida possível para reativar o trabalho educativo, significando, não
obstante, segundo Domingo Rivarola, uma “mecânica transfencia de modelos e objetivos
136
Conf. BÁEZ, Cecilio. “Historia de la Instruccn Pública en el Paraguay”. In: DECOUD, Arsenio
López. Album Gráfico de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres Gráficos de la
Compañia General de Fósforo, 1911, p. 274.
57
forâneos
137
. Mas foi nesse colégio, de qualquer modo, que se formaram como bacharéis todos
os intelectuais da “geração de 900”.
Em 17 de janeiro de 1875 também foi fundado o “Museo Nacional”, ficando ele
anexo a “Biblioteca Nacional”
138
. Mas, ainda antes, durante o governo do Triunvirato
Provirio, se deram as primeiras medidas em favor da instrução pública. Em 7 de março de
1870, Cirilo Antonio Rivarola promulgou um decreto onde ordenava aos políticos e autoridades
de cada departamento do interior a criar escolas primárias e públicas
139
. Quatro meses antes, o
mesmo governo provisório havia tomado a primeira iniciativa do novo regime no âmbito do
ensino: encomendou a junta do governo da municipalidade de Assunção, presidida por D. S.
Alcorta, a construção de escolas primárias para a capital, sendo de fato construída uma para
meninas e outra para meninos
140
.
o ensino superior demorou um pouco mais. Utilizando como material humano
os primeiros bacharéis egressos do “Colegio Nacional” fundou-se em 1882, por ordem do
ministro de instrução pública do governo de Caballero, senhor José Bazarás, a “Escuela de
Derecho”, estabelecida em anexo ao próprio “Colegio Nacional”. Contudo, por conta da falta
de recursos, em 1884 esta instituição fechou suas portas, tornando a reabri-las em 1888.
Dois anos depois se tem também a fundação da “Universidad Nacional”. Ela
iniciou suas primeiras atividades em 31 de março de 1890, sendo que o mérito da iniciativa de
abri-la coube a José Segundo Decoud, que, na qualidade de deputado, dispôs-se a apresentar ao
parlamento um projeto de lei sancionado em 24 de setembro do ano anterior. O seu projeto
chegou a ser vetado pelo executivo, que logo, contudo, voltou atrás. Esta instituição contou
inicialmente com três cátedras: de Medicina, de Direito e Ciências Sociais e de Matemática. A
única que de fato frutificou, entretanto, foi a de Direito e Ciências Sociais, que nas palavras de
Efraim Cardozo, “se converteu no viveiro da classe dirigente do país”
141
. Em 1893 ela formava
os primeiros advogados paraguaios, entre os quais estava Cecilio Báez.
Aqui estão listadas somente a fundação das instituições mais importantes para o
processo cultural institucionalizado do s-guerra. Delas é que os nossos intelectuais,
137
Ver RIVAROLA, Domingo M. “Estado y educación superior: su evolución histórica. In: Revista
Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asuncn, v. 1, 1995,
p, 1047.
138
Conf. CARDOZO, Efraim. Apuntes de historia cultural del Paraguay..., op. cit., pp. 297-299.
139
SILVA, Alberto Ribeiro da. “A noite das Kygua Vera”. In: Revista de História Regional, Ponta
Grossa, vol. 1, 1, 1996, s/p. Disponível em: <http://www.rhr.uepg.br/v1n1/alberto-htm>. Acesso
em 11/01/2006.
140
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., p. 319. Tomo I.
58
concluindo ou não os seus estudos superiores, conquistaram parte dos seus trunfos escolares e
culturais. Avessas aos anseios tecnicistas dos López, elas privilegiaram uma formação que
Dominguez Rivarola qualificou como “intelectual-humanista”, enfatizando modelos de
erudição enciclopédica destinadas, ao menos em seu nível secundário e superior, a formar uma
“elite intelectual, política e administrativa” para o Estado nacional
142
.
Contudo, dezenas de outras iniciativas públicas ou privadas e mais ou menos
importantes, como a do “Ateneo Paraguayo”, a da “Revista del Instituto Paraguayo(como
veremos), a da “Escuela Normal”, a da “Facultad Notoriale de outras esporádicas fundações
de escolas pelo interior da campanha paraguaia foram tomadas e legitimadas em comunhão
com o modelo de ideologia que o Paraguai “moderno” buscou alcançar depois de finalmente
adentrar, com a “Guerra Grande”, na era do “progresso” e “civilização”, como sua elite
considerou.
Era uma curiosa teoria, a da “regeneração do povo, que dava fundamento a todas
essas ações. Não se tratava de nada excessivamente elaborado, mas apenas de afirmações
políticas antilopiztas, que, ainda assim, expressavam uma noção histórica muito clara e ao
mesmo tempo serviam para dar legitimação moral as ações instrutivas” almejadas pelo novo
regime. Algo mais sistematizado ocorreria somente nas publicações de cunho efetivamente
historiográfico da “Revista del Instituto Paraguayo” e também na sustentação da tese de Báez a
respeito do “cretinismo do povo por conta de suas heranças históricas, quando se desentendeu
com O’ Leary.
A primeira manifestação oficial do novo regime a respeito da necessidade de
“regeneração do povo” foi proclamada pelo próprio Triunvirato Provisório em 10 de setembro
de 1869. Os triúnviros expressaram-na por meio de um famoso proclame denominado
“Manifiesto del Gobierno Provisorio”, uma confecção da impressa do exército brasileiro de
“ocupação” com 200 exemplares
143
.
Neste manifesto, junto da certeza da necessidade de se “empreender uma árdua
tarefa na preparação dos elementos para a organização da Nacionalidade Paraguaia”; da
extensiva condenação dos “tiranos” López e da “tirania”; da convicção de que o Paraguai foi
até aquele momento a “terra clássica da tirania”; foi, também, taxativamente expressa a
necessidade de se promover a “regeneração do povo” por meio da “instrução pública”, pois
141
Idem, p. 301.
142
Conf. RIVAROLA, Domingo M. Estado y educación superior: su evolucn histórica...”, op. cit., p.
1049 e 1050.
59
uma terrível dúvida acerca de seu caráter, dúvida herdada dos ex-emigrados, ganhou ainda mais
crédito devido ao fato de farrapos humanos terem lutado e seguido a “tirania” do Marechal
López por anos a fio. Vejamos:
La tiranía del país, ya en su agonía, escupe todavia a la faz de la civilización,
devolviéndole en la condicn más mísera y abyecta, los restos truncados del
heroico pueblo cuyo valor, virtud, abnegacn merecen el respecto universal.
¿Puede inculparse al pueblo paraguayo de todos estos crímenes? !No! El Gobierno
Provisorio, primera autoridade del país constituida en condiciones de civilización,
de derecho y de moral, levanta su voz para protestar contra tamaña injusticia. No,
nunca. La víctima jamás fue cómplice del verdugo: éste es un hecho que repugna a
la razón y la historia no presenta un ejemplo semejante. Pero, es preciso que el
pueblo paraguayo sea regenerado para que outra vez no caiga en la esclavitud. Es
preciso hacer por medio de la instrucción pública y liberales instituiciones,
imposible la creacn e elevacion de un tirano [grifos meus]
144
.
Esta curiosa teoria, expressão do questionamento acima levantado,
diplomaticamente chegou, contudo, ao menos por hora, a absolver o povo de qualquer culpa
pela existência da “tirania” que alguns ainda continuavam a seguir quando este manifesto foi
lançado. Mas, obrigava-o a ser “regenerado pela instrução pública” e pelas “instituições
liberais” para que se tornasse “impossível” um novo “tirano” no país, o que supõe claramente
que o povo foi considerado pelas elites de então como um ser degenerado. Conforme se pode
supor, se há algo a se “regenerar” é porque algo degenerado e a mudaa de tal estado de
coisa deveria ter como um dos instrumentos privilegiados a escola.
Aliás, toda a literatura especializada no estudo do fenômeno nacional concorda
que para uma elite alcançar, ou ao menos tentar alcançar um formato qualquer de nação, o
sistema de ensino projeta-se como um dos espos mais importantes. No controle dos Estados
liberais, elas dão vida as instituições de ensino incumbidas desta obrigação e buscam, ainda,
regular o mercado de acesso aos títulos profissionais úteis a esta finalidade. Assim, escolas e
professores tornam-se, respectivamente, os lugares e os agentes por excelência propulsores da
ideologia das pessoas que primeiramente são “capturadas” pela “consciência nacional”, isto é,
as próprias elites em geral e a sua parcela intelectualizada em particular. H. J. Graff, por
exemplo, citado por Montserrat Guibernau, disse o seguinte a respeito da “função da escola
moderna”:
“A maior função da escola moderna foi ensinar um novo patriotismo além dos
limites naturalmente conhecidos por seus pupilos. A escola foi, a princípio, um
agente de socialização. A mensagem [nacional] era comunicada com maior
143
Conf. MELLID, Atilio Garcia. Proceso a los falsificadores..., op. cit., p. 420. Tomo II.
144
Ver ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p. 52.
60
eficiência juntamente com a leitura e escrita. [...]. Ensinar a ler e a escrever
envolvia a constante repetição do catecismo cívico-nacional em que a criança era
impregnada de todos os deveres que dela se esperavam: defender o estado, pagar
impostos, trabalhar e obedecer às leis”
145
.
Não foi por acaso, portanto, que Domingo Faustino Sarmiento, um dos grandes
“pais” da nacionalidade argentina, tornou-se importante mentor paraguaio sobre a questão
educacional. Autor de “Facundo Quiroga, civilização e barbárie”
146
, obra fundamental para se
entender a cultura da elite argentina daquele tempo, Sarmiento produziu, segundo Lígia Prado,
uma série de idéias, imagens e símbolos que, tendo como fio condutor a dicotomia entre
civilização e barbárie, extrapolou o contexto argentino para o qual foi produzida, ajudando a
cristalizar uma vasta gama de estereótipos sobre toda a América Latina. O campo, por exemplo,
seria para Sarmiento o lugar da “barbárie”, território livre dos malditos “gaúchos” e
federalistas”, enquanto “as cidades”, por outro lado, o lugar da “civilização, protótipo da
cultura, do progresso e da riqueza”. Córdoba, não obstante, cidade colonial e hispânica”,
seria, ainda, signo do atraso, e, Buenos Aires, lugar da “civilização”
147
.
No Paraguai a influência dessa dicotomia sarmientina foi muitíssimo forte. A
atração de Buenos Aires sobre sua elite política foi quase que irresistível, embora,
contraditoriamente, frente a esta capital o Paraguai aparecia como o lugar da barbárie e atraso.
No árduo trabalho de “regeneração do povo” – forma por excelência de superação desta
barbárie e atraso –, o próprio Sarmiento daria também a sua contribuição para a normatização e
planificação da educação paraguaia em todos os seus níveis.
Depois dele não conseguir se reeleger presidente da república argentina em 1880,
foi nomeado em 1881 Inspetor Geral de Escolas deste país, cargo que seis anos depois o
habilitaria para trabalhar no Paraguai. Em 1887, atuando neste país, inspirou a Lei de
Educação Comum pela qual o Estado paraguaio pôs-se como encarregado da instrução
primária, até então sob controle das municipalidades. Deve-se a ele, também, as criações do
Conselho Superior de Educação e da Superintendência de Instrução Pública, órgãos do poder
executivo encarregados de administrar e inspecionar a educação primária.
Mas até sua morte em 11 de setembro de 1888, ocorrida em Assunção, Sarmiento
influenciou outras diversas ações educativas, como a organização de conferências pedagógicas,
145
Ver GRAFF, H. J. The Legacies of Literacy. Bloomington-Indiana, Indiana University Press, 1987.
Apud. GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalimos..., op. cit., p. 79.
146
Para uma edição em português ver SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo: civilização e
barbárie. Trad.: Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 1997.
147
Conf. PRADO, Maria Ligia Coelho. “Para ler o Facundo de...”, op. cit., p. 161.
61
a contratação e jubilação de professores, a contratação de inspetores para a educação, etc.
Tamanho foi o seu peso que chegou mesmo a ser cogitado como candidato a disputa da chefia
do Conselho Superior de Educação
148
.
Para se construir a nação civilizada e antilopizta almejada, os valores da ideologia
liberal platina da época, notadamente argentina, dariam o norte. Entre esses valores, traduzidos
em práticas cotidianas, o que mais diretamente atingiu a população sobrevivente da guerra,
particularmente as mulheres, maioria dela por um bom tempo devido ao próprio conflito, foi a
depreciação da língua guarani, língua de fato falada por todas, tida, contudo, como prova de
“atraso” e, por isso mesmo do pprio lopizmo
149
.
O decreto de 7 de março de 1870 em que Cirilo Antonio Rivarola ordenou as
autoridades do interior a construir escolas primárias continha uma expressa proibição do uso
dessa língua indígena, desqualificada como uma aberração social
150
. Não disponho de dados
que indiquem com que grau este decreto tornou-se prática, mas, se de fato o tornou ainda que
minimamente, aportaram a estas escolas crianças que talvez nunca tivessem ouvido outra
língua senão a guarani
151
. Também no programa de estudos implementado nas duas escolas
construídas na capital Assunção, a despeito das diferenças segundo o gênero das crianças,
houve, porém, uma constante: o ensino da leitura e escrita do castelhano, em depreciação do
guarani
152
. Em termos da época significava o ensino da língua da “civilização” e do
“progresso e a “natural” depreciação da língua da “barbárie” e do “atraso.
É interessante notar que após o anúncio da construção dessas duas escolas,
primeira iniciativa do novo regime, Adolfo Decoud, irmão de José Segundo Decoud, através do
“La Regeneración” manifestou sua opinião num artigo denominado “Escuela Municipal”. Nele
felicitou o governo da junta municipal pelo empreendimento “civilizatório”, “regenerador” e
anti-“despótico”, comparando-o aos dos países “democráticos” como os executados na
“República do Norte”, provavelmente Estados Unidos, e “Argentina”, países, na época,
símbolos e modelos do progresso promovido pelo liberalismo. Vejamos:
148
Ver CARDOZO, Efraim. Apuntes de historia cultural del Paraguay..., op. cit., p. 300 e 301.
149
Um artigo do “La Regeneración” intitulado “La educación de la mujer” defendia uma educação
“adiantada” tamm para elas, pois, como disse “Deus”, “Anda, anda”, daí a proibição do guarani.
Ver “La Regeneración”, 4 de setiembre de 1870.
150
Conf. SILVA, Alberto Ribeiro da. “A noite das...”, op. cit., s/p.
151
Bartolomeu Melià defende a tese de que até a guerra de 1865-1970 o Paraguai era um país onde o
guarani era a única língua como fato social e que nem mesmo os mestiços eram bilíngües. Conf.
MELIÀ, Bartolomeu. La lengua guaraní del Paraguay. Madrid: MAPFRE, 1992, p. 164 e 165.
152
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., p. 319. Tomo I.
62
La municipalidad comprendiendo las necesidades del pais, siendo interprete de
sentimentos nobles y regeneradores, hoy da este primer paso en la senda que
marca la civilización y el progreso para llegar a realizar asi el cimiento de la
democracia que es la Educacn pública.
Y ella, mirando los resultados prácticos que la educación alcanza en el seno de las
sociedades para formar hombres libres no lugar de siervos, para enseñar al
ciudadano sus derechos y aprender á ser republicanos, dá el primer grito de
iniciación para lanzarse á esa gran cruzada contra los despotismos y los déspotas,
por que estos huyen solamente a la presencia de la luz.
Hoy ya podemos decir que ha empezado la regeneración del Paraguay por que
esta significa – educacn, república y libertad.
En los paises libres y democraticos como la República del Norte y la Arjentina, es
alli donde se el primer lugar á la Educación pública, por que compreenden los
resutados benéficos que se alcanzan”
153
.
Mas se a educação tinha por objetivo tornar impossíveis os “despotismos” e os
“déspotas” dos tempos passados com a “luz” que trazia, não bastava a mera proibição da fala
guarani, supostamente um signo privilegiado de tal despotismo”. Assim, junto das proibições
formais contra esta ngua, empregaram-se, ainda, os antigos métodos de castigos físicos e
psicológicos contra as crianças que a usasse, métodos herdados do pprio sistema de ensino
lopizta
154
. As memórias de Ramón Indalecio Cardozo, um dos mais famosos pedagogos do
Paraguai, conta-nos o que acontecia com a criança que usava a língua guarani na época de sua
educação primária:
La palmeta continuaba ejerciendo su señorío. [...] hata 12, a razón de 6 a cada
mano [...].
Como instrumento de disciplina se usaban unos vales de madera, pero el vale no
era de abono sino de castigo para aquél en cuyo poder se encontrase. Era para
perseguir a los que hablaban en guaraní, lo cual estaba prohibido
terminantemente. Si uno estaba en posesión del siniestro valecito y oía a su
compañero hablar en guaraní, en el acto le pasaba el vale. De este modo, el
poseedor del indeseable adminículo se convertía en el espía de sus compañeros y
amigos del dulce idioma nativo para obsequiarle con el presente. El maestro
revisaba la clase y castigaba al portador [destaque do autor]
155
.
Não obstante, não no ambiente escolar a língua guarani foi repudiada. Talvez,
com a exceção do espaço do lar, isto se deu em quase todos os outros, embora no do ensino
tenha sido de fato mais sistematizada, que por décadas, e não só no Paraguai, foi o espo
153
La Regeneración”, 14 de outubro de 1869.
154
O açoite e a delação faziam parte do todo pedagógico da escolas implantadas por Carlos Antonio
López.
155
Ver CARDOZO, Ramón Indalecio. Mi vida de cuidadano y maestro. Asunción: El Lector, 1991, p.
9. [s/d].
63
privilegiado da “propaganda secular” nacionalista
156
. Noutras palavras, a repulsa ao guarani
não estava reduzida a uma mera manifestação esporádica. Pertencia, ao contrário, ao campo das
arraigadas convicções ideológico-culturais de matriz liberal, de maneira que pesou sobre ela
uma repressão mais ou menos institucionalizada.
Os exemplos de contenção ou desejo de contenção artificial dessa língua indígena
podem multiplicar-se
157
. Em 26 de fevereiro de 1904, às vésperas da “revolução” liberal que
levaria o “Partido Liberal” ao poder, o Coronel da polícia assuncena José C. Meza, recém
nomeado, promulgou um edito proibindo suas tropas de utilizar o “idioma guarani nas
dependências policiais” e, proibindo também, o uso do poncho ñemondé por parte dos homens
e do cigarro poguazú por parte das mulheres quando estivessem andando nas ruas da capital
Assunção
158
.
A nova nação liberal, progressista e anti-“despótica” deveria ser construída nas
minúcias da vida cotidiana, do fato de o Estado, a partir de seus modestos mas onipresentes
agentes, como professores, policiais, entre outros, alcançarem o “cidadão”, particularmente o
assunceno, no tempo de sua vida diária. Um último exemplo: em 20 de agosto de 1870, durante
a sexta reunião da Convenção Nacional Constituinte, o deputado Pedro Recalde apresentou
uma moção pedindo para que se permitisse, pelo menos para alguns dos convencionais do
interior, expressarem-se em guarani. O seu pedido foi motivo de escárnio, indignação e também
de diversão. Como um deputado poderia defender o uso da língua da “tirania” justamente na
convenção da constituinte que tinha por objetivo ajudar a varrer tal estado lastivel da história
do Paraguai?
Esta moção produziu entre os convencionais uma grande hilaridade e foi
combatida energicamente pelos deputados Decoud [...], Godoi [...], Recalde [...],
Machain [...]e Collar [...], que pediram não apenas que ela fosse rejeitada, mas
também que fosse proibido terminantemente promover o assunto em futuras
sessões. A Assembléia, por maioria das duas terceiras partes de seus membros,
aprovou a rejeão, nos termos propostos”
159
.
Mas a “regeneração” do povo dar-se-ia não pela “instrução pública”. Deveria
colaborar com esse objetivo a presença do imigrante europeu, isto é, a presença de mulheres e
156
Segundo Hobsbawm, até o triunfo da televisão não houve meio de propaganda secular que se
comparasse à sala de aula”. Ver HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 213.
157
Adiante veremos como alguns intelectuais trataram a questão.
158
Conf. MELLID, Atilio Garcia. Proceso a los falsificadores..., 1964, p. 434. Tomo II.
159
Actas de la Convención Nacional Constituyente - Sesn sexta. Asunción, 20 de agosto de 1870.
Apud SILVA, Alberto Ribeiro da. “A noite das...”, op. cit., s/p.
64
homens que no interior da lógica da ideológica liberal eram supostamente ativos e industriosos,
bem diferente do camponês paraguaio. Diante desse, o vigor do imigrante lhe serviria de
exemplo a ser seguido ou imitado. Não nos cabe aqui fazer a exposição das leis e decretos que
com o tempo foram sendo promulgados para se regulamentar a vinda do europeu
160
. Como
nota, porém, é importante destacar que na constituição de novembro de 1870, logo em seu
artigo de número seis, como no de número 125 da constituição argentina, estava disposto que
caberia ao governo central a obrigação de “fomentar a imigração americana e européia”
161
.
Mas mesmo antes da promulgação dessa constituão, num pronunciamento feito
em maio de 1870 os triúnviros Cirilo Rivarola e Carlos Loizaga deixaram claro a importância
desse outro componente da teoria da regeneração”. Nele fizeram a apologia da necessidade de
o governo incentivar a vinda de gente européia e de capitais estrangeiros para se reconstruir o
país, pois, como imaginavam, os paraguaios seriam desqualificados para tal, visão bastante
persistente na cultura da elite paraguaia
162
. Nesse pronunciamento foi dito que o Paraguai...
“necessita de paz que traga capitais e braços industriosos para explorar a imensa
riqueza desta terra, e levá-lo assim, em breve, a uma surpreendente prosperidade.
Esperamos que esses braços virão, e com eles a indústria, que é o elemento
poderoso e fecundo da paz e do progresso. [...]. O governo que compreende os
destinos a que está chamado o país, e os meios de realizá-los, faz um chamamento
a essa imigração, especialmente ao imigrante europeu, oferecendo-lhes todas as
vantagens que lhe permitem suas atribuições, enquanto chega o momento de lhes
brindar de uma maneira mais positiva e por autorização da lei, com elementos que
contribuam para sua felicidade”
163
.
Aliás, o pprio “Manifiesto del Gobierno Provisorio dos triúnviros também
falava da imigração: condenava os López por supostamente terem “fechado as portas” para ela,
“que é a civilização”, a vanguarda pacíficadas “artes” e da “grandeza” que tanto os tiranos
temem, pois significa a “liberdade” que não querem
164
. Mais tarde, em 1877, essa idéia,
constantemente reificada nos círculos da elite assuncena, foi melhor aclarada por José Segundo
Decoud. Sua figura, ao menos depois da morte de seu irmão Juan Jo Decoud em 1871,
160
Para ntese deles ver ZALAZAR, Raquel. “Regeneración de la sociedad paraguaya: aporte de los
inmigrantes (1870-1904)”. In: Diálogos, Maringá, v. 9, 2, 2005, pp. 67-76.
161
Ver OTERO, Luis Mariña. Las Constituciones del Paraguay..., op. cit., p. 146.
162
em meados do século XX, intelectuais como Justo Pastor Benitez e Justo Prieto, que se
propuseram a fazer grandes sínteses da história nacional paraguaia, não deixaram de mencionar a
pouca iniciativa do paraguaio para as atividades econômicas e para a riqueza. Além do mais, isso
seria um traço comum de toda a história do país, que, na visão destes autores, começou com o
período colonial.
163
Ver LAINO, Domingo. Paraguay: de la Independencia a la Dependencia. Historia del saqueo inglés
en el Paraguay de la posguerra. Asunción: Intercontinental Editora, 1989, p. 24 e 25. Apud.
COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 74.
65
tornou-se a de maior cabedal intelectual no Paraguai até o surgimento da “geração de 900”. Em
1887 ele seria o primeiro ideólogo doutrinador da “Asociación Nacional Republicana”, além de
um dos principais inspiradores da política de imigração européia, questão que agora nos ocupa.
Num artigo publicado no “La Reforma intitulado “Cuestiones políticas y
económicas”, evidenciou suas idéias a este respeito, defendendo, ante a carência de recursos
para os governantes promover a colonização, a imigração de europeus fomentada pela
iniciativa de conrcios particulares. Em suas considerações fez, contudo, uma afirmão
bastante sugestiva, na qual a presença do europeu é posta como a maneira de se alcançar a
“necessária” alteração da péssima moral” do paraguaio. José Segundo Decoud disse o
seguinte:
la fisonomía moral de un pueblo no es tan fácil de mudar. Era necesario que el
elemento extranjero estuviera en mayor número para que pudiera operar el
fenómeno de la transformación de nuestro pueblo, tradicionalmente indolente por
más que se diga lo contrario, donde los hombres de la campaña son muy poco
afectos al trabajo y prefieren en su mayor parte la vida haragana y
vagabunda...”
165
.
Independente da tonalidade e cores “partidários-caudilhescas”, a imprensa em
geral dava grande atenção à questão da imigração e do imigrante. O La Democracia”, por
exemplo, periódico dirigido pelo futuro militante e caudilho liberal Ignacio Ibarra, publicou em
maio de 1881 um emblemático artigo intitulado “La Inmigración”. Apócrifo, nele a imigração
maciça de gente européia é tida não apenas como um projeto de reforma que deveria ser
encaminhado pelos dirigentes de todos os Estados americanos, inclusive o paraguaio, senão
uma profiso de fé e uma espécie de “convicção universal” da modernidade:
Despiertase entre nosotros la conviccn universal de que sin el poderoso
contingente de la inmigracn europea, las tierras en Sud América permaneceran
indefinidamente incultas y desiertas, á despecho de los gobiernos fanatizados y
biles que teman el contacto del extrangero por precauciones de nacionalidad.
Mas las ideas avanzan en civilización, las épocas purificanse y el gran motor de
tan admirable transformacn del mundo no será outro, sinó la libre locomoción de
los hombres á todas partes, sobre todos cieles, formando asi el cosmopolitismo
verdadero, sin distinción de razas, de creencias, ni de linguage...
¡La inmigración es el todo!
164
Ver ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p. 51.
165
Artigo de Jose Segundo Decoud intitulado “Cuestiones políticas y económicas” publicado nas
páginas do La Reformaem 1877. Apud. PASTORE, Carlos. Lucha por la tierra en... op. cit., p.
190.
66
En vano el egoismo [...] luchara a brazo partido contra la corriente inevitable del
progreso.
No hay forza que resista a esa inmensa mole que rodea el mundo de una á outra
parte...
[...]
La inmigración es la que impulsa el progreso de las naciones por que trae capitales
y sus brazos á fomentar la riqueza y el trabajo... Asi el elemento extranjero
constituye en toda América la base de la inteligencia, del capital y del trabajo.
[...]
De la inmigración depende el porvenir de la patria. Sin este poderoso elemento no
llegaremos nunca á acrescentar nuestra pobacn diminuta, ni hacer que la riqueza
pública, las industrias y demas ramos del trabajo tomen el necesario inclemento
para ir desenvolvendose gradualmente...
166
.
Sem entrar em detalhes, é importante destacar que os argumentos que os governos
mobilizaram para promover o brusco processo de alienação das terras públicas em benefício de
capitalistas estrangeiros terras que o novo Estado liberal herdara do regime “monopolista
dos López
167
, estiveram sempre centrados em justificativas liberais de progresso” e
“civilização” e, por conseguinte, também acompanhados de um discurso desqualificador do
camponês paraguaio
168
. De forma bastante simplificada, supostamente “incultase “desertas”,
as terras o saíam da ociosidade já que o camponês não as cultivavam por o gostar ou saber
trabalhar, de forma que o precisava delas. José Segundo Decoud foi um dos principais
produtores deste tipo de afirmação, e o artigo que publicou no “La Reforma” acima
mencionado é um bom exemplar.
Assim as formulações ideológicas da nação liberal paraguaia, cujo um dos pilares
fincou-se na depreciação de uma população de matriz indígena sobrevivente à guerra, tinham
fundamentos sócio-econômicos bastante arraigados. Conforme proposição de Anita Helena
Schlesener, uma inegável “reciprocidade e organicidade entre o estrutural e o
superestrutural, [um] nculo concreto entre as forças materiais e ideológicas’, entre o
‘econômico-social e o ético-político de cada momento histórico’”
169
. E, de fato, embaladas por
166
La Democracia, 4 de maio de 1881.
167
Para se ter uma boa visão panorâmica da política agrária no Paraguai Ver CAMPOS R. D, Daniel.
Lucha por la tierra y politicas publicas: un intento de periodizacion socio-historica, 1811-1954”. In:
Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v.
1, 1995, pp. 433-458
168
Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopotías & revoluciones..., op. cit, p. 65 e 66.
169
Ver SCHLESENER, Anita Helena. Hegemonia e cultura: Gramsci. 2 ª ed. Curitiba: Editora da
UFPR, 2001, p. 17. Mészáros, na mesma linha, afirmou que para se compreender temas ideológicos
dominantes dos rios climas intelectuais”, entre outras duas considerações, o estudo dos
67
afirmações de uma suposta inferioridade “morale racial do camponês, ainda antes do século
XX quase um terço das melhores terras do país haviam passado as mãos de alguns poucos
consórcios de capitalistas internacionais, sendo que o antigo e mal visto habitante dela, quando
não expulso, ficou obrigado a pagar arrendamentos a capitalistas estrangeiros.
Embora, corretamente, se poderia argumentar que o desejo de importação de
europeus respondia a drástica carência populacional do país causada pela recente guerra, como
outras oligarquias da época, porém, as elites paraguaias ao aceitarem as teorias racistas da
época, comungavam também a respeito de uma profunda preocupação que todas elas
alimentavam acerca da suposta inferioridade racial e cultural de sua população nativa ou
mestiça, daí, conforme Smith e Skidmore, “propugnarem constantemente fortes imigrações”.
Preferiam, bem a verdade, imigrantes do norte de Europa
170
com a “esperança de que os hábitos
de confiança em si mesmo e a capacidade empreendedora selos distintivos do ideal liberal
se reforçariam em seu continente”
171
.
Devemos nos lembrar que na Argentina, país cuja oligarquia sempre foi
muitíssimo influente na vida cultural do Paraguai, houve até matança física de índios na
chamada “Campanha do Deserto” pela inserção da Patagônia ao território nacional em 1880,
enquanto os sobreviventes foram empurrados para o extremo sul dessa região. O índio
literalmente não cabia dentro da nacionalidade argentina nos moldes como ela era imaginada
pelos intelectuais e políticos liberais do período, com destaque para Domingo Faustino
Sarmiento, sendo que, do outro lado, o imigrante europeu era muito bem visto
172
.
Exceto o assassinato sistemático como política de Estado, algo bastante
semelhante também se passou no Paraguai, embora, ao contrário do que realmente se
concretizou naquele país vizinho, ele nunca conseguiu atrair imigrantes europeus em
quantidade significativa. Lyra Pidoux de Drachenberg que estudou a migração ao Paraguai
entre os longos anos de 1870 e 1970, além de análises qualitativa, como a das atividades sócio-
parâmetros socioeconômicos de uma determinada fase histórica” se fazem imprescindível. Ver
MÉSZÁROS, István, O poder da ideologia...., op. cit., p. 84.
170
Embora muito menos acentuado que na Austrália ou América do norte, na América Latina um
racismo também se estendeu aos europeus do sul. João Fabio Bertonha, por exemplo, chega a falar
de manifestações e massacres antiitalianoem São Paulo e Tandil, Argentina, respectivamente. Ver
BERTONHA, João Fábio. Os Italianos. São Paulo: Contexto, 2005, pp. 97-99.
171
Ver SKIDMORE, Thomas E.; SMITH, Peter H. Historia contemporánea de..., op. cit., p. 56.
172
Conf. PRADO, Maria Ligia Coelho. Para ler o Facundo de Sarmiento..., op. cit., p. 176. Ver
também PRADO, Maria Ligia Coelho. “Prefácio à edição brasileira”. SARMIENTO, Domingo
Faustino. Facundo: civilização e..., op. cit., p. 39.
68
econômicas dos imigrantes, deu-nos os seguintes números ao aporte de europeus a este país
entre os anos de 1881 e 1920:
“Paraguay, Inmigración Acumulada, 1881-1920”
1881-85...............................................................................................................885
1886-90............................................................................................................5.635
1891-95............................................................................................................7.448
1896-900..........................................................................................................8.695
1901-05..........................................................................................................11.015
1906-10..........................................................................................................16.088
1911-15..........................................................................................................20.732
1916-20..........................................................................................................22.305
[grifos da autora]
173
.
Isolados de um contexto maior, estes números podem parecer significativos.
Contudo, quando se lembra que a parte sul do Brasil e o Rio da Prata juntos foram, depois dos
EUA, a região que mais recebeu imigrantes europeus na grande onda de migração européia do
culo XIX e XX, observa-se que eles são na verdade extremamente baixos, ainda mais para
um país que ansiosamente contava, como afirmou o “La Democracia”, com a inteligência”,
com o “capitale com o “trabalhodos estrangeiros para erguer-se de uma recente catástrofe.
Vejamos os números que Krauer deu para Argentina, Brasil e Uruguai para assim podermos
compará-los, ainda que genericamente, com o paraguaio.
“Argentina recibió a 6.405.000 inmigrantes durante el período que va de 1856 a
1932. Brasil recibió a 4.431.000, de 1821 a 1932. Uruguay contó con 713.000
desde 1832 a 1932. En su conjunto, los países del Plata y Brasil constituyeron [...]
un total aproximado de 11.500.000
174
.
Instrução pública e imigração foram os eixos de uma pretensa política de
“regeneração do povo, política herdada particularmente dos velhos ex-emigrados de Buenos
Aires. Luciano Recalde, por exemplo, secretário da “Asociación Paraguaya” dessa capital,
falava em 22 de dezembro de 1864, quando a guerra mal estava começada, das qualidades
que haveria de possuir a pessoa que se designasse a ocupar o governo da pátria”, depois de se
conquistar a “liberdadenos campos de batalha. Para ele o novo governo paraguaio deveria,
nada mais nada menos, “que fundar a tria e até o povo, pois o povo que existia no Paraguai
173
Ver DRACHENBERG, Lyra Pidoux. “Inmigracion y colonizacion en el Paraguay 1870-1970”. In:
Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v.
1, 1995b, p. 885.
174
Ver KRAUER, Juan Carlos Herken. La Inmigracion en el Paraguay de Posguerra: el caso de los
‘Lincolnshire Farmers’ (1870-1873)”. In: Revista Paraguaya de Sociología. Pasado y Presente de
la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995b, p. 760 e 761.
69
eram “massas dóceisque obedeciam “caprichos de um malvado”
175
. Quatro dias antes, aliás,
havia sido firmada uma ata de fundação desses emigrados em Buenos Aires que, aproveitando
o momento do anúncio de guerra contra o Marechal López, se dispuseram a aliar-se nela com
uma tropa de soldados pprios, dispositivo importante para no futuro próximo constituírem a
famosa Legión Paraguaya”. Conforme se pode averiguar na declaração desta ata, desde
estava o desejo de “regeneração da pátria”
176
.
Não foi por acaso que o primeiro jornal do novo regime chamou-se justamente
“La Regeneración”. O seu nome já anunciava o desejo de se fazer e de se acelerar o tempo de
reconstrução “nacional” por meio de um projeto de interdão da cultura do passado e das
tradições populares, vistas como “retrogradas”, “lopizta” e contrárias a evolução da
“civilização”. Era a ideologia hegemônica da época, compartilhada pela elite oligárquica em
geral, sejam elas liberais ou conservadoras, elite que sequer falava o guarani sociocultural da
população que realmente lá havia e pretendiam comandar, tentando consolidar depois da
“Guerra Grande” a presença paraguaia na era da modernidade.
Mesmo estando estes dois componentes da ideologia liberal postos de modo a se
“adequarem” as peculiaridades da história paraguaia, peculiaridades estas reforçadas pela
natureza dos regimes anteriores à guerra e pela própria guerra, não se pode -los como
componentes genuínos, particulares a conturbada e difícil construção da nação paraguaia.
Segundo Maria Ligia Coelho Prado foi comum na visão de muitos pensadores e políticos
latino-americanos a idéia de que a “América Latina para incorporar-se à civilização e ao
progresso, devia apagar o seu passado colonial, propor novas formas educativas e,
particularmente, novo sangue”, tendo sempre como modelo certas nões européias e também a
norte-americana
177
.
No Paraguai, contudo, alguns olhares mais refinados, logo se aperceberam da
grande dificuldade da imigração maciça, sendo que para a necessária obra regeneradora, da
qual não abriam mão, jogaram todas as suas fichas na instrução pública. Este foi o caso de
Manuel Franco, que por abril de 1904 era diretor do Colegio Nacional” da capital. Ele disse o
seguinte a este respeito:
175
Ver MELLID. Proceso a los falsificadores de la historia..., op. cit. Tomo II, p. 412. Ver também
AGUINAGA. La Asociación Paraguaya en la guerra..., op. cit., p. 103.
176
Idem, p. 106.
177
Ver PRADO, Maria Ligia Coelho. “América Latina: tradição e crítica”. Revista brasileira de
história, São Paulo, vol. 1, n º 2, 1981, p. 169.
70
No siendo país de inmigracn, ni debiendo serlo [en] lo por-venir, por su clima,
sino en limitada escala, no puede esperar transformar su raza por la infusión de
sangre europea. Debe pues, hacer obra de auto-transformación, modernizando sus
ideas y aumentando su capacidad econômica...
Si la obra para nosotros debe ser de auto-transformacn, el medio está indicado: es
trabajo de educación, en el más amplio sentido de la palabra...” [destaques
meus]
178
.
2.2 Evolução da história e “Guerra Grande”: José Segundo Decoud, Héctor
Decoud e o “Instituto Paraguayo”
O olhar dos fundadores da “Revista del Instituto Paraguayosobre a finalidade
desse órgão impresso fundado em 1896 aparte os objetivos peculiares da revista, o de ser
local de publicação de textos científicos, literários e hisricos –, não estava alheio a todo esse
arcabouço ideológico reinante desde a guerra, segundo o qual era hora de se lançar luz” ao
Paraguai, “regenerá-lo” de modo a desfazê-lo da “ignorância” dos tempos de outrora,
principalmente do passado imediato da “tirania” lopizta.
É nesse sentido que em um de seus artigos inaugurais, artigo apócrifo intitulado
“Nuestros propósitos”, houve o chamamento dos intelectuais à sua responsabilidade,
conclamando-os a empreender um grande labor intelectual e artístico com vistas a necessária
“instrução do homem paraguaio”, prosseguindo com a seguinte afirmação:
Ya que amanecpor fin, el suspirado día en que la luz naciente de la libertad
alumbra el vacio y las ruinas dejadas por la tirania, despidamos de una vez esa
edad desventurada en que la pereza y la ignorancia nos ha costado tantas y tan
amargas lágrimas [destaque meu]”
179
.
A valoração negativa do passado, “idade desventurada”, e as grandes esperanças
do futuro foram uma das principais marcas da construção da nação liberal paraguaia. O passado
é o tempo da ignorância, barbárie e tirania; o futuro é o tempo da instrução, civilização e
liberdade
180
. Os próprios nomes de alguns dos jornais fundados no s-guerra, jornais que,
178
Ver FRANCO, Manuel. Memoria del Colegio Nacional de la Capital”. Asunción, abril de 1904, p.
218. Apud: RIVAROLA, Domingo M. Estado y educacn superior: su evolución histórica..., op.
cit., p. 1048.
179
Ver EDITORES. Nuestros propósitos”. In: Revista del Instituto Paraguayo, n º 1, año 1.
Asunción, octubre de 1896, p. 2.
180
Segundo Mészáros, o positivismo encontrou “um modo de assegurar ‘um tipo correto de avaliação’
das inegáveis mudanças, [de modo] que não prejudicasse a ideologia que insistia na naturalização e
na insuperabilidade da ordem estabelecida. Daí toda a importância de noções como a de progresso”,
por exemplo. Ver MÉSZÁROS, István, O poder da ideologia...., op. cit., p. 249.
71
como gostavam de ressaltar, ganharam a liberdade de imprensa nesse novo regime,
expressavam grande confiança e entusiasmo no porvir: “El Progresso”, “El Fénexi”, “El
Porvenir”, sem falar do mais conhecido e famoso, o “La Regeneración”.
Este último, em seu primeiro número impresso em outubro de 1869, publicou um
ensaio histórico bastante sugestivo de Adolfo Decoud, uma espécie de paradigma para a
história paraguaia na qual também havia uma clara distinção de temporalidade. Era opassado”
e o “porvir” separados pela guerra. O seu título era “Nuestro Pasado. Vejamos como se deu a
sua conclusão:
Ya se ha dicho que Nuestro Pasado es el jesuitismo, el feudalismo de la Edad
Media, el terror, el fanatismo, los dógmas de odio y el guarani: espantosa creación
de la ignorancia, del retroseso, digno aplaudido por los apóstatas que se servian de
él como enemigos de todo progreso y civilización.
El jesuitismo dejó, pués, en el Paraguay, una huella tenebrosa, - y su obra ha sido
la destruccn, el hecatombe que se ha presenciado llenará de luto las páginas de
la historia...
Tal es Nuestro Pasado Ciudadanos! ejemplo elocuente que deve servir para el
Porvenir y para todos los puebos de la tierra que indiferentes dejam entronizarse
encarnaciones monstruosas del génio del mal.
¡Que ejemplo para el Porvenir [destaques meus]”!
181
Entre os 26 anos que separam este ensaio de Adolfo Decoud publicado no “La
Regeneración” e o artigo “Nuestros propósitos” publicado na inauguração da “Revista del
Instituto Paraguayo”, não houve qualquer alteração no modo de se olhar para o passado e de se
projetar o futuro político do Estado paraguaio. Uma leitura liberal da história concebia a sua
dimensão temporal como linear, cujo ponto crucial de evolução e ruptura, a guerra, separava a
barbárie da civilização, o despotismo da liberdade e, como imaginou Adolfo Decoud, a Idade
Média da Modernidade
182
.
181
La Regeneración”, 1º de outubro de 1869.
182
Segundo Gil Delannoi, para a ideologia da ilustração, cujo um de seus maiores mestres foi Voltaire
com a sua obra “Essai sur les moeurs et l’ esprit des nations”, a Idade Média é a idade suprema da
barbárie cristã: a Idade Média e as Cruzadas são um período de tibieza. As lisonjeiras reputação de
Carlos Magno são enganosas. As invasões haviam feito a Europa extremamente barbara [...]. Ao
século XII alguns capitães bárbaros disputavam com bispos bárbaros o domínio de alguns cervos
imbecis’. Se desencadeia seguidamente o horror das Cruzadas com um dinamismo compreensível,
pois o papa propôs a uns guerreiros a remissão dos pecados mediante, como penitência, a satisfão
de suas paixões. Na tomada de Jerusalém, se fazem pregações atrás de massacres. São Luiz foi um
rei de digno de elogios, porém seu reinado malogrou por conta das cruzadas, segundo Voltaire”. Ver
GIL, Delannoi. “Naciones e Ilustración, Filosofías de la Nacn..., op. cit., p. 26.
72
O princípio geral ordenador desta evolução hisrica foi a suposta luta entre os
pólos dessas oposições. Numa palavra, a história da “pátria” paraguaia foi entendida como uma
versão local do conflito universal em que se digladiavam as forças da civilização e liberdade
contra as da barbárie e despotismo.
Embora a história paraguaia fosse vista como uma realidade única e um todo
compreensível por si mesma, como logo assim também a veria a história revisada,
diferentemente desta, porém, a universalidade também se fazia nela presente pelo menos
segundo a lógica do humanismo iluminista burguês. Todos letrados entendiam-na como
constituída por um corpo de homens iguais, livres e soberanos, e que, estando ultrajadas estas
premissas estabelecidas pela natureza, eles poderiam ou mesmo deveriam se insurgir contra o
maldito ultrajante, normalmente expresso por duas velhas autoridades teoricamente postas em
xeque pela modernidade: a do Estado absoluto controlado por déspotas e tiranos e a do legado
do passado histórico, com as suas tradições populares e religiosas e mesmo, como na América,
com o seu legado “racial”
183
. Daí a existência do conflito universal acima aludido, mesmo
quando sua realidade empírica se expressasse de maneira estritamente localizada, isto é, na
imanência da história nacional.
No Paraguai um dos que melhor sintetizou essa filosofia da hisria foi José
Segundo Decoud nos seus ensaios intitulados “La libertad
184
, de 1901, e “La Patria”
185
, de
1904, ambos publicados na “Revista del Instituto Paraguayo em meio ao próprio nascimento
do revisionismo histórico. Naquele momento Decoud estava passando pelo alijamento do
monopólio ideológico da “Asociación Nacional Republicana”, pois, além da acusação recente
de ser um “portenhista”, a partir da “revolução” de 1904, quando o “Partido Liberal” chegou ao
poder, o seu próprio partido também se alinhou com o revisionismo. Defensivamente,
reafirmando as suas posições ideológicas, no primeiro artigo Decoud se propôs a historiar o
“rico legado do século XIX” para a causa da “liberdade”, a verdadeira “aspiração universal” da
183
Lord Acton estudando o surgimento da nacionalidade, afirma que foi justamente “a idéia da
soberania do povo, não controlada pelo passado, [que] deu origem à [este sentimento] [...]. Ela
brotou da rejeição de duas autoridades: o Estado [absoluto] e o passado”. Ver ACTON, Lord.
Nacionalidade” In: BALAKRISHNAN, Gopal (org). Um Mapa da Questão Nacional. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2000, p. 28. Eric Hobsbawm observa o mesmo fenômeno ao dizer que a
“‘nação’ era o corpo de cidadãos cuja soberania coletiva os constituía como um Estado concebido
como sua expressão potica. Pois fosse o que fosse uma nação, ela sempre incluiria o elemento da
cidadania e da escolha ou participação da massa” Ver HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo
desde 1780..., op. cit., p. 31.
184
Ver DECOUD, José Segundo. La libertad”. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asuncn, año 3,
29, febrero de 1901, pp. 125-135.
73
humanidade. Dessa forma, como disse, algo sempre muito relevante para o seu pedaço de solo
americano”, pois ele, depois de ter sepultado na “Guerra Grande” secular tirania odiosa”,
também finalmente fazia crescer a “planta da futura árvore da liberdade”
186
.
No segundo, parafraseando uma definição do que é a “Patria segundo o
entendimento de Fustel de Coulanges, José S. Decoud incorporou as sensações emotivas em
relação ao solo a que se pertence, mas, ao fim, enfatizou novamente, como no ensaio La
Libertad”, a premissa da liberdade para se constituir uma nação: “Os escravos não possuem
Pátria porque esta se forma com o concurso de homens livres e iguais”
187
. A modo de
exortação trouxe alguns exemplos onde povos que abdicaram da liberdade foram cedo ou tarde
reduzidos a escravidão, como aconteceu com o “lastimoso” caso do povo bizantino. Imerso em
brigas e dogmatismo religiosos”, descuidou-se dela e foi esmagado pelas “terríveis” hordas de
“muçulmanos”. Vejamos a sua exortação conclusiva:
Sólo las naciones que han implementado en su suelo los principios de la libertad
y de la justicia; que crecem armónicamente aumentando la suma de inteligencia, de
virtude y sabeduría política; que operan su regeneración moral y mejoran las
aptitudes del pueblo para el gobierno próprio, que prosiguen con incansable
constancia la labor del progreso y la civilizacn, que difunden la educación y las
condiciones de bienestar en toda las classes sociales, no estan condenadas á la
decadencia y muerte á que estuvieran fatalmente sujetos los pueblos de la
antigüidad
188
.
Embora não tenha citado uma vez o caso da “nação” paraguaia, exortou, sem
dúvida, pensando nela e no que via como o modelo mais próximo para ela seguir, o da “não
Argentina. Numa interessante nota falou da brilhante atuação do povo deste país no que
concerne ao seu desenvolvimento material graças ao “espírito expansivo e liberal de comércio,
imigração e a suas leis de proteção à indústria”
189
. Já no ensaio “La libertad”, os modelos para
o Paraguai seriam europeus e norte-americano. Começando pela história da Inglaterra, “terra
clássica da liberdade”, Jo S. Decoud expôs uma rie de “comoções”, lutas e conquistas
históricas empreendidas em favor da “liberdade” por diferentes nações, sendo que dentre estas,
Holanda, França, Alemanha e EUA, juntas da própria Inglaterra, foram as que deram os
principais exemplos de conquistas.
185
Ver DECOUD, José Segundo. La Patria”. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asuncn, año 6,
4, febrero de 1904, pp. 165-180.
186
Ver DECOUD, José Segundo. “La libertad”..., op. cit, p. 125.
187
Ver DECOUD, José Segundo. “La Patria”..., op. cit., p. 168.
188
Idem, p. 179 e 180.
189
Idem, p. 179.
74
Não obstante, os que mais nutriram a admiração de Decoud foram os exemplos da
nação norte-americana: a velha liberdade inglesa se “aperfeiçoou” e deixou de existir sequer
uma forma de “trava”, “restrição” ou “classe privilegiada”; enquanto, ao mesmo tempo,
houve o cultivo da mais “larga base de democracia”, com “sufrágio universal”, igualdade de
direitos políticos, “liberdade religiosa”, “liberdade de imprensae aperfeiçoamento “moral” e
“intelectual” do povo a partir um “vasto sistema racional de educação”
190
. Este último exemplo
da nação norte-americana é importantíssimo para Decoud, pois, como julgava, a “tirania se
apóia [justamente] na ignorância popular”
191
, visão recorrente no Paraguai para se condenar o
seu povo, recurso, como logo mais veremos, utilizado por Cecilio Báez.
Deve-se considerar, contudo, que foi muito comum no pensamento histórico e
político da América Latina, pelo menos de modo particularmente acentuado até o período que
se abre com a Primeira Guerra Mundial, a influência e a desesperada busca em se alcançar os
modelos das nações européias e norte-americana. Conforme teorizou Claudia Wasserman:
“[elas] serviam de parâmetro ideal para a análise das realidades latino-americanas e [também
de] [...] paradigma civilizatório” a se alcançar
192
.
Peculiarmente, para a elite paraguaia incluía-se também como modelo o ideal de
“paradigma civilizatório” representado pela oligarquia liberal argentina, que ela, vizinha,
com os “pais nacionais” Bartolomé Mitre e Domingo Faustino Sarmiento principalmente
estava desde há pelo menos 1880 galgando grande desenvolvimento econômico para o seu país,
desenvolvimento que também sonhava para o Paraguai.
Mas, por outro lado, se a Argentina, os EUA e os outros países europeus citados
por José S. Decoud constituíam exemplos de civilização, outros, como China e Egito, eram
exemplos de contra-modelos, portanto países que deveriam ser suprimidos da hisria. Seriam
países que ainda sofriam com regimes “despóticos” e não formavam nações em gradação
alguma” e nem “cidadãos”, senão “adoradores” do “sol” que não possuíam qualquer
“iniciativa e “aspiração” e não passavam de verdadeiros “servos” ou “escravos”
193
. Mas
Decoud, com entusiasmo e alegria, entendia que os tempos desses odiosos regimes haviam
passado, sendo oculo XIX finalmente o século da tão esperada redenção da humanidade:
190
Ver DECOUD, José Segundo. “La libertad”..., op. cit., p. 129.
191
Idem, p. 132.
192
Conf. WASSERMAN, Claudia. Percurso Intelectual e Historiográfico..., op. cit., p. 99.
193
Ver DECOUD, José Segundo. “La libertad”..., op. cit., p. 133.
75
En momentos que todos saludan alborozados el advenimiento del nuevo siglo
[XX], no como el niño enfermizo y debil de precaria existencia, sino como
Hércules en la cuna vigorosa y fuerte; quando todos contemplan el porvenir con la
fé ardiente del creyente, con esperanzas risueñas é ilusiones sin fin, enorgullecidos
por un caudal inmenzo de conquistas y progreso, parece que nada fuera mas digno
de la humana inteligencia, como dirigir una mirada retrospectiva hacia el pasado y
examinar prolijamente el rico legado trasmitido por el siglo XIX”
194
.
Se o século XIX foi o da vitória em quase toda a humanidade ocidental, no
Paraguai havia sido recente a guerra “revolucionária” que finalmente a trouxe, fazendo a
balança pender para as forças da civilização” e “liberdade”. Mais de trinta anos antes, o irmão
mais velho de José Segundo Decoud, Juan JoDecoud, estando Assunção “ocupada” pelas
forças brasileiras, publicou um poema chamado “Canto dedicado a la libertad del Paraguay”,
onde esta idéia já está bastante nítida. Segue algumas estrofes:
I
Libertad, libertad, Paraguayos
Toda América os brinda Feliz
Y los pueblos hermanos ya libres
Os prometen igual porvenir.
Levantad vuestra frente sumisa
Al vil yugo de un ser infernal
Y arrogantes mostrada por siempre
Con valor proclamando iguadad
II
Ya sonó aquella hora esperada
Eterna hora de paz, redencn:
Que los amos y esclavos iguales
A la ley juraran sumisión.
En que fieros tiranos oscuros
No osaran ya jamás levantar
Esos tronos en sangres bañados
Sostenidos por fuerza brutal
III
En el cielo se vé colorando
Disipada la ferrea opresión
Nuevo y bello horizonte fulgente
Que despeja alquel centro de horror.
Y tras si se verá mas brillante
Ese sol de progreso es ‘igualdad
Borrará la feroz tirania
Que fatal os nego ‘libertad’.
IV
Este siglo de luces, progreso
En sus fastos jamás contará
194
Idem, p. 125.
76
Dia tan grande, tan bello y tan santo
Cual recuerda este echo inmortal.
Y en los siglos futuros, felices
Vuestros hijos tampoco verán
Declarando la guerra y la muerte
Al infame que osáre usurpar.
[...] [destaques meus].
195
Assim, a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança tornou-se para os políticos e
letrados da elite assuncena um marco essencial, investido da mesma significação e caráter que
possuíram as revoluções francesa e norte-americana. Como se tornou comum afirmar, ela foi
feita para trazer àquele pedaço da América a “cidadania” e a “soberania nacional” frente aos
“tiranos” de até então
196
. O tema da guerra, dentro dessa ótica, foi inscrito na idealização da
“guerra revolucionária”, uma “comoção” democrática em que os verdadeiros “cidadãos
paraguaios”, emigrados de Buenos Aires e inimigos dos López em geral, pegaram em armas e
fizeram valer os sacrossantos direitos naturais do gênero humano, que até o momento sofriam
os mais formidáveis abusos
197
.
Na década de 1920, quando o culto ao Marechal López era fortíssimo, ctor
Decoud repetia este entendimento, os mesmos que décadas antes os próprios paraguaios
interessados na derrubada do regime lopizta tiveram. Lembrava que a “Asociación Paraguaya”
dos exilados em Buenos Aires, fundada em 2 de agosto de 1858, tinha por nobre finalidade,
conforme o pprio manifesto dela, “redimir uma nação escravizada [...], iniciar os trabalhos da
liberdade naquela tão fértil como depreciada parte do globo e comunicá-la com o espírito
civilizador” daquela época
198
. Seguindo com este feliz propósito, ela teria conseguido, como
considerou Héctor Decoud, permissão do governo Argentino para acompanhar a Tplice
Aliança com as tropas da “Legión Paraguaya”.
Esta leitura, conforme proposta teórica de Alain Renaut, tornou a temática da
guerra apresentada como uma “guerra revolucionária”, supostamente com a finalidade de dar
uma identidade comum, isto é, nacional, a “direitos” fundamentados no reconhecimento
195
La Regeneración”, 3 de outubro de 1869.
196
A nítida comparação entre a Revolução Francesa e a “Guerra Grande” pode ser vista emLa
Regeneración”, 31 de outubro de 1869.
197
Como bem nos relembra Sartre, o pensamento burguês clássico fazia a “rejeição do princípio de
autoridade e dos entraves ao livre comércio, [rogava pela] universalidade das leis científicas,
universalidade do homem oposta ao particularismo feudal, esse conjunto de idéias [...] tem um só
nome: humanismo burguês [grifo do autor]”. Conf. SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos
intelectuais. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 21.
77
universal dessa identidade, e, igualmente, na união das vontades dos “cidadãos” paraguaios em
formar uma livre associação de adesões por meio de um contrato social de reconhecimento
público, algo impossível até então
199
. José Segundo Decoud nos seus ensaios o fazia outra
coisa senão seguir e referendar esta leitura da “Guerra Grande”, a mesma que a “Asociación
Paraguaya tivera anos atrás. Fazia, a nível teórico, o culto da liberdade; ansiava por uma
nacionalidade fundada na concordância popular e no apoio ativo e participativo do povo.
Sendo isso impossível até o momento da guerra, toda a história que se tem antes
dela foi negativamente valorada, de modo que os governos dos López, os índios, os jesuítas e o
sistema colonial como um todo, foram os alvos mais atacados, pois, como se entendia, estavam
alinhavados com as forças da barbárie”. Nesse grande período que abarca toda a era colonial e
independente até 1870, conforme declarou o primeiro presidente do “Instituto Paraguayo,
Cleto Sánchez, num dos ensaios inaugurais da revista desta mesma instituição, teria havido
uma extrema “ausência de aspiração individual na história paraguaia. Faltaram, segundo o seu
entendimento, as faculdades do espírito”; houve um povo “artificialmente indiferente para
tudo”; uma “sociedade sem vida ativa”, na qual “tudo” se “aniquilava
200
.
A iniciativa individual, selo mágico do ideal liberal, projetada e não encontrada na
remota história paraguaia induziu inexoravelmente os contemporâneos homens de letras a
repudiá-la como um todo, repudio particularmente acentuado para as autoridades políticas e
religiosas colonialistas, supostamente maiores culpadas de tal lastimável estado de auncias.
Estas “despóticas autoridades certos governadores, os reis, os vice-reis e os jesuítas ,
teoricamente teriam feito a aniquilação de qualquer germe de “atividade”, de maneira que a
“ausência de aspiração” da qual falou Sánchez, não foi senão o “produtode uma constante
“opressão
201
.
O desfecho que o presidente Sánchez deu ao seu ensaio de inauguração dos
trabalhos da revista é emblemático. Nele, a “opressãoaniquiladora das atividades humanas
que tanto fez o Paraguai perecer durante a era colonial, um período já despótico, foi o “terreno”
que preparou a horrível “tirania” do doutor Francia e dos López na era independente,
aprofundando ainda mais o “obscurantismo” paraguaio justamente quando as forças da
198
Este manifesto está integralmente em DECOUD, Hector. Sobre los escombros de la guerra. Una
década de vida nacional. 1869-1888. Asunción, 1925, p. 45.
199
Conf. RENAUT, Alain. “Lógicas de la nacn”. In: GIL, Delannoi; TAGUIEFF, Pierre-Andres (org).
Teorías del nacionalismo. Barcelona: Paidós Ibérica, 1993, p. 45.
200
Ver SÁNCHEZ, Cleto. “Discruso de Apertura”. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asunción, año
1, nº 1, 1896, pp. 4-8.
201
Idem, p. 5.
78
“democracia” já venciam noutras partes do globo, como nos Estados Unidos e na França.
Contudo, como considerou, a “tirania” não poderia ser “eterna”. Vejamos:
Esse estado fué el terreno preparado que encontró, para el ejecicio de una tiranía
poco igual, el doctor Francia horrible verdugo de su patria, que no solo llevó
mucho s adelante el predominio del oscurantismo, si también sacrificó
centenares de inocentes ctimas nada más que en satisfaccn de una ambición
maligna.
Aun fué continuada su obra por los López, pero las creaciones de la maldade no
son de eternadad; y se bien, remanentes del productos de la oprecn y las tiranías
aun tenemos, paulatinamente, al empuje irresistibles del tempos, ya han
disipándose...”
202
.
Embora a “maldade” do doutor Francia tenha sido continuada pelos pez, elas
“não são eternas” e tal estado não poderia continuar por muito tempo, da importância da
guerra. Ela foi parte do “empurro irresistível dos tempos”, portanto inscrita na própria natureza
do devir histórico. Não obstante, como continuou, impõe-se ainda aos “jovens de hoje,
“esperança da pátria”, a obrigação de iniciar uma “luta tenaz” contra os “remanescentes” dessa
“praga”, de modo a se apagar definitivamente da história paraguaia qualquer sombra de sua
recente barbárie. Somente assim, como entendia Sánchez, se chegará a alcançar a completa
“regeneração” da “sociedade” paraguaia
203
.
Resumidamente, estas foram as justificativas que Sánchez deu à criação do
“Instituto Paraguayoe sua revista
204
. Justificativas que no seu bojo, ainda que sinteticamente,
expunham o sentido da história da “nação” paraguaia segundo o entendimento oficial da época,
isto é, segundo o entendimento da elite oligárquica liberal que ansiosamente buscava por em
prática, e de fato o pora parcialmente, um projeto sócio-econômico que também projetava-se
para a superação dos malditos “remanescentesa partir da ânsia dos capitais, da tecnologia e
mão-de-obra européia. Em suma, um projeto de nação paraguaia que em suas linhas mestras
não contemplava o povo que lá existia, a não ser para tentar “regene-lo”.
Era a história, o nacionalismo de uma intelectualidade e a ideologia liberal,
fundidos, construindo uma versão da história paraguaia, cuja filosofia, a luta entre a liberdade e
o despotismo, isto é, a luta pela cidadania e soberania da nação, davam o norte principal.
202
Idem, p. 6.
203
Idem, p. 7 e 8.
204
Como disse Maria gia Coelho Prado, para se entender uma instituição qualquer é preciso buscar
as concepções filosóficas que a informam e nas quais funda sua legitimidade e, ao mesmo tempo,
cruzá-las com o mundo das vicitudes políticas, enlaçando-as com a sociedade na qual nasce e da qual
79
Portanto, a nova instituição cultural se propôs a ser uma espécie de contribuição que a nova
geração dava para se apagar as marcas de um passado odiado. Fiel a ideologia liberal do s-
“Guerra Grande”, ela deveria servir, dentro dos limites específicos de sua atuação, de meio de
instrução pública a um povo degenerado, etnicamente de matriz indígena e que, entre outras
coisas, sequer falava a língua da civilização: o espanhol. O discurso histórico-científico por ela
veiculado estava em perfeita sintonia com o político-ideológico da época e, na medida do
possível, também com as sua práticas cotidianas através da perseguição de antigos costumes
populares.
Entretanto, isso o era nenhuma novidade. Anos antes, por exemplo,
reproduzindo um artigo do “La Prensa” de Buenos Aires, o “La Regeneración” dizia algo
parecido a respeito da obrigação dos convencionais de 1870. Cabia-lhes, do mesmo modo, lutar
contra os malditos “ressábios do passado e “costumes” seculares . Vejamos:
Grande es la misión del Congreso Constituyente. Él a encontrarse en presencia
de un pueblo que no tiene el habito de la libertad ni conoce sus beneficios. Va a
tener que luchar contra los fatales resabios del pasado, con la costumbre de tantos
siglos que hacia pesar el yugo sobre la cabeza del pueblos; y mucho tino, mucha
habilidad y patriotismo van a ser necesarios”
205
.
Cecilio Báez, eminente membro da “geração de 900” e chefe intelectual do
“Partido Liberal, também fez um pronunciamento na abertura dos trabalhos da “Revista del
Instituto Paraguayo”. Embora mais breve, sua essência em nada difere do de Cleto Sánchez. Da
mesma forma expôs uma breve incursão sobre a história paraguaia, destacando o
“obscurantismo”, a “esterilidade”, as funções da “alma” reduzidas ao “terror”, a “morte
intelectual”, a “paralisação dos cérebros”, a morte dos sentimentos de fraternidade” e
“solidariedade”, entre outros valores negativos.
No desfecho de seu pronunciamento sobre a história paraguaia também ressaltou a
importância do ato de fundação que a “juventude” empreendia no sentido de se superar, por
definitivo, todas estas heranças inconvenientes que atrapalhavam a nacionalidade. O mais
interessante, contudo, é que todo esse desejo cultural e científico da revista e dos intelectuais,
ez expressamente entrelaçou-os com “os destinos” políticos “da nação” paraguaia:
depende”. Ver PRADO, Maria Lígia Coelho. “Universidade, Estado e Igreja na América Latina”. In:
América Latina no século XIX: Tramas, Telas e Textos. São Paulo: Edusc e Edusp, 1999, p. 94.
205
La Regeneración”, 5 de agosto de 1870.
80
[soys] una juventud ilustrada que se incorpora al movimiento intelectual de la
época y aspira á dirijir los detinos de la nación combinando las inspiraciones del
patriotismo con los principios de la ciencia
206
.
Como teorizou José Ramon Recalde o nacionalismo está sempre buscando
“regulamentar” ou como disse Báez na citação acima, “dirigir” a vida de uma comunidade
“intitulada nacional”
207
. Evidentemente, tal conceão e objetivos políticos da história não
eram senão a ideologia liberal olhando para o passado. Conforme a proposição feita às diversas
historiografias por Joseph Fontana, houve também aqui a clara ordenação dos fatos do passado
de modo a se conduzir sua seqüência até dar conta da configuração “natural” do presente, com
a finalidade de se justificar a ordem imposta com a “Guerra Grande”. Noutras palavras,
justificar o que Fontana genericamente chamou de uma dada “economia política” e um “projeto
social” para o futuro pós-guerra.
Fontana, com vistas a evitar equívocos, se assegurou dizendo que isso não se
refere a algo criado pelo indivíduo historiador, mas sim a catalisação de uma realização, que,
embora arbitrária, é também coletiva e tem uma “função social” pré-determinada.
De fato, para o caso em estudo, o grande projeto político e social da elite
paraguaia do s-guerra, catalizado aqui por estes intelectuais, foi o de reconstruir um novo
Paraguai segundo as bases da modernidade representadas pelo liberalismo ao molde portenho,
ideologia que criou um inimigo político inexistente, o lopizmo, e um inimigo ainda mais
abstrato no âmbito das idéias históricas: o arcaísmo e a barbárie dos tempos passados, com o
qual o homem humilde supostamente ainda estaria em comunhão. A intelectualidade paraguaia
também pretendia e ansiava, como estas elites, a interdição da cultura popular.
Para elas, o Paraguai, país com “vocação para a pecuária extensiva de
exportação
208
, portanto destinado, segundo o “irresistível empurro dos tempos”, a inserir-se no
mundo do comércio internacional, possuía dessa maneira um papel definido no concerto das
nações que buscavam se “regenerar” e progredir, estando alinhavado, diferentemente dos
bárbaros povos orientais, ao contexto de civilizão do ocidente europeu e norte-americano, por
206
Conf. BÁEZ, Cecilio. “Discurso del doctor don Cecilio Báez”...,1896, p. 10.
207
Conf. RECALDE, José Ramón. La construcción de las naciones..., loc. cit., p. 4.
208
Em consonância com a mensagem do presidente Caballero recentemente dada ao congresso e
também com os critérios econômicos da elite local, o “La Reforma reafirmava e dava crédito uma a
teoria que dizia que o Paraguai tinha que começar por ser pecuarista antes de ser agricultor [...];
como necessita ser agricultor antes de chegar a ser industrial. Assim se tem formado todos os países
e a razão indica que o Paraguai deve seguir o mesmo caminho”. Ver “La Reforma”, 3 de abril de
1884.
81
mais que isso tenha demorado a chegar. A teleologia referida por Fontana, ordenação dos fatos
passados até a configuração natural do presente, isto é, até a sua “economia política”, foi um
recurso amplamente utilizado pelos trabalhos e discursos históricos, em consonância com a
ordem do pós-guerra
209
.
Como exemplo desta assertiva, a obra assinada pelos professores do “Colegio
Nacional” de Assunção fundado em 1877 , o austríaco Leopoldo Gomez Terán e o
colombiano Próspero Pereira Gamba, denominada “Compendio de Historia del Paraguay”, é
também cabal. Ela foi escrita em 1882, e, em 1901, Héctor Francisco Decoud, irmão mais novo
da família Decoud, modificou-a, sendo que daí para frente todas as suas edões contariam com
as alterações deste intelectual
210
.
A importância desta obra advém do fato dela ter sido utilizada como manual
didático nas escolas paraguaias até o fim da “era liberal”, em fevereiro de 1936, e também a de
ser, possivelmente, a primeira síntese geral da história da “nação” paraguaia.
Fiel aos princípios do positivismo liberal
211
, a história pátria é descrita em 493
pequeninas lições. Ela inicia-se com a chegada da civilização ao Rio da Prata no culo XVI e
desenvolve-se cronologicamente, de governo a governo, até a presidência do general
Bernardino Caballero em 1886
212
. O princípio geral ordenador destes 300 anos de história é,
igualmente aos ensaios publicados na “Revista del Instituto Paraguayo, a suposta luta entre o
despotismo e a liberdade, entre o isolamento e a abertura da pátria ao concerto das nações
civilizadas a partir da guerra contra a Tríplice Aliança.
Como afirmou Milda Rivarola, como toda boa história do século XIX, este
manual trata de eventos políticos e atos de governos, de empresas bélicas, de tratados
diplomáticos e instituições jurídicas. Fala de conquistadores heróicos e de próceres ilustres;
deleita-se com as origens da República. Nada de história social, econômica ou cultural, embora
tampouco seria justo cobrar este tipo de história desse manual, pois cairíamos em completo
anacronismo. Mesmo a “escola” dos Annales foi produto do século XX.
213
.
209
Para maior esclarecimento da teleologiaver ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1998, p. 151.
210
TERÁN, Leopoldo Gómez de; GAMBA, Próspero Pereira. Compendio de historia del Paraguay.
16
ª ed. Asuncion: Tipografia Quell & Cia, 1920. (versão reformulada por Héctor Francisco Decoud).
211
Sobre os enlaces do positivismo com a história disciplina ver o que sucintamente escreveu
Hobsbawm em HOBSBAWM, Eric. Sobre História..., op. cit., pp. 155-157.
212
Existe na verdade mais uma página onde são listados os nomes dos presidentes que seguiram o
governo de Caballero. A lista desenvolve-se até o nome do presidente Benigno Ferreira.
213
Conf. RIVAROLA, Milda. “Filosofias, pedagogias y percepcion colectiva de la historia en el
Paraguay”. In: Historia Paraguaya, Asunción, v. 36º, 1996, p. 48 e 49.
82
Na renitente luta entre civilização e barbárie, o período colonial foi descrito como
uma sucessão de confrontos contra índios hostis, jesuítas e governadores tiranos expulsos pelos
membros do cabildo. Cada batalha e cada governador foram alinhavados em uma cronologia e
classificados e avaliados segundo este princípio geral. E por tratar-se de uma história da luta
pela liberdade, a “Revolução dos Comuneros” (1717-1735), onde se enfrentaram jesuítas e
autoridades vice-reinais de um lado e membros do cabildo assunceno e encomienderos do outro
foi descrita com grande riqueza de detalhes. Nela teriam morrido os “primeiros mártires da
pátria” que lutaram por sua independência. Não obstante, nesse conflito de quase 20 anos, os
defensores da barbárie e do atraso, isto é, os jesuítas e as autoridades colonialistas, saíram
vencedores enquanto os defensores dos princípios de “liberdade e justiça” foram os derrotados
e os mortos.
Embora haja alguma homenagem as últimas décadas do período colonial por
conta das reformas ilustradas dos Bourbons, ela é negativamente valorado em seu conjunto.
Faltou “instrução popular”, “imprensa”, “atividades” e sobrou “monotonia”, “fanatismo,
“crenças”, “livros místicos”, “desenfreio dos costumes”, etc. De algum modo todos eram
“escravos”, pois dependiam “no temporal de um chefe civil e militar quase absoluto, e no
religioso de um comissário do Santo Ofício e de um prelado intransigente que [...] tiranizava a
consciência”.
As reduções jesuítas, por sua vez, são particularmente desqualificadas como um
“regime monopolistas e teocrático” que teria privado a todos do progresso, pois tanto os índios
a elas submetidos como os colonos que sofreram com os monopólios da companhia,
sucumbiram por mais de um culo diante do “emrio” de poder da companhia. Em resumo, o
manual o deixa opção ao regime colonial sintetizando-o da seguinte maneira: sua política foi
“despótica”, sua religião foi “intolerante”, e em moral foi “licencioso”.
A independência do país começa a ser descrita com grande entusiasmo e riqueza
de detalhes, pois é vista como um passo a mais rumo à liberdade. Contudo, o período
independente, como o colonial, também o teria conseguido levar o Paraguai a civilização.
Desde os primeiros dias de vida independente, o governo do doutor Francia “ambicionava
que a pátria fosse sujeitada ao seu domínio” e “poder absoluto. Mas antes de expor esta
conclusão, nossos autores vinham caracterizando Francia de forma bastante negativa. Ele
possuía uma “origem questionável”, sendo possivelmente filho de um “mameluco” paulista
214
;
214
Em 1907, Fulgêncio Moreno publicou um ensaio na “Revista del Instituto Paraguayodiscutindo
precisamente a origem do doutor Francia. Nele negou que Francia fosse paulista ou que tivesse
83
era “ambicioso”, “vingativo”, sangüinário”, “taciturno”, etc.; pensava em “dominação” e
tinha um “coração rancoroso”.
O seu governo, um “reinado de terror”, é descrito como aquele que abortou os
germes de “democracia” e “regeneração” que o movimento de independência havia começado.
Ele teria apartado o Paraguai do contato com o estrangeiro, isolando e mantendo-o longe do
restante do mundo e do influxo civilizatório, de modo a torná-lo assemelhado aos regimes
despóticos orientais, como o da “China” por exemplo. Colabora para esta condenação de seu
governo o início que deu ao “monopólio mesquinho” e a montagem das “tendas” do Estado,
posteriormente levadas adiante pelos pez. Em suma, o sonho da pátria livre teria tornado-se
o pesadelo da “pátria escravizada”. Por meio de uma passagem que relembra o humanismo
burguês expressos nos ensaios de José Segundo Decoud, os autores exortam os paraguaios
insinuando-lhes uma espécie de merecido castigo por terem abdicado de “seus direitos”:
Los pueblos no abdican impunemente sus derechos, y las tristes consecuencias
del gobierno de Francia son una pruebla s de que un país, para progresar y
desarrollarse debe preferir, aún a costa de sacrificios, las agistaciones, de las
instituciones, a la quietud de las tiranias”
215
.
Por sua vez, os governos de Carlos Antonio López (1844-1862) e de Francisco
Solano López (1862-1869) foram descritos como governos que inegavelmente haviam feito o
progresso material do país. São várias as passagens onde esta idéia fica evidenciada pelos
autores. Contudo, dirigiram suas críticas ao ordenamento jurídico do regime, em particular a lei
“constitucional” de 1844 que “limitava as garantias individuais e a igualdade legal”. Assim, os
nossos autores concluem que apesar do “adianto material” promovido pelos López, houve, por
outro lado, a “falta completa daquele progresso moral que ao povo consciência de seus
direitos e deveres”. Sem este progresso o povo o pode se “regenerar”.
Em suma, o regime dos López, como o do doutor Francia, também teria posto a
vontade de um homem” no lugar da vontade do povo, de maneira que a “cega obediência
permaneceu sancionando o recorrente “despotismo”. O manual tampouco exagera em
entusiasmo sobre a questão da guerra, preferindo não expor as teses liberais dos motivos desse
conflito, onde os López seriam os únicos culpados. Suas batalhas são reconstituídas de forma
concisa e os fuzilamentos em São Fernando e Itá Ibaté (1868-1869) contra supostos traidores de
sangue negro. Ver MORENO, Fungêncio R. El origen del doctor Francia”. In: Revista del
Instituto Paraguayo, Asunción, anõ 9, nº 58, 1907, pp. 357-384.
215
TERÁN, Leopoldo Gómez de; GAMBA, Próspero Pereira. Compendio de historia... op. cit., p. 106.
84
guerra, entre eles pessoas do próprio seio familiar do presidente Marechal López, o margem a
um severo juízo a sua figura: “mereceu com justiça o título de tirano”.
O sentido geral do manual foi severo com o Paraguai. Do mesmo modo como o
período colonial, o independente também não teria conseguido trazê-lo aos trilhos da
civilização. As esperanças nascidas com a independência foram proteladas para depois de 1870,
pois se ela conseguiu eliminar o despotismo de uma autoridade absoluta externa, o da monarquia
espanhola, trouxe, porém, a dominação absoluta dos tiranos internos, de forma que a
degeneração do povo prosseguiu.
O passado colonial e independente são em bloco rechaçados pelo manual: índios
hostis, crendices, jesuítas, imoralidades, monopólios, monotonias, tiranias, língua guarani, etc.
era o que havia na história da pátria” paraguaia. Tudo estava por “regenerar”. Nela, as forças da
liberdade não venceram senão com a guerra, ficando ela justificada. Implicitamente, contudo,
es posta a seguinte questão: quem sabe agora depois dela, com a implementação das
instituições e dos idrios liberais, a pátria alcança enfim a almejada civilização
216
?
2.3 A pedagogia “nacional” na condução do povo à guerra e à indolência: Manuel
Dominguez, Manuel Gondra e Blás Garay
Toda essa forma de conceber a “história pátria”, sua evolução e ruptura na
“Guerra Grande”, expressa aqui pela “Revista del Instituto Paraguayo e pelo manual
reformulado por Héctor Decoud, intentava inculcar nos paraguaios e em particular nos
estudantes toda uma filosofia da história segundo os parâmetros ideológicos do pós-guerra,
filosofia que tinha no seu bojo a visão de que a própria instrução pública, isto é, a própria ação
pedagógica era um dos meios de se promover a “regeneração” do ignorante e ainda lopizta
paraguaio. Dada a importância dessa concepção, ela mesma tornou-se tema específico de
estudos e debates históricos, pois no julgamento negativo que tais estudos empreendiam sobre o
passado, um importante critério levado em consideração foi justamente o mundo do ensino.
Nesse sentido, Manuel Dominguez, membro da “geração de 900e que no futuro
próximo seria um dos grandes revisionistas da história paraguaia, não deixou de compartilhar
216
Segundo hipótese defendida pelo historiador Júlio J. Chiavenato, a própria guerra da Tríplice Aliança
contra o Paraguai pode ser culturalmente lida como um meio de se varrer do Rio da Prata pelo menos
parte de uma barbárie representada pelos índios: “foi uma guerra de conquista, cujo fim era a
85
tal idéia no início de sua produção historiográfica. Esteve tão imerso nela como os que nunca a
abandonaram como Cecilio Báez ou os Decoud que chegou a escrever na “Revista del
Instituto Paraguayoum emblemático ensaio contando a hisria geral do “ensino nacional”.
Datado de agosto de 1897, o título deste seu ensaio é Historia de la enseñanza nacional”
217
.
Escreveu-o em um momento que a questão da instrução pública ganhou grande notoriedade,
pois Manuel Gondra, também um dos membros da “geração de 900”, pouco havia escrito
nas páginas do jornal “La Democracia” uma série de artigos concentrados principalmente no
mês de maio de 1897 – tratando da educação na era dos governos lopiztas, série intitulada “La
Obra del Dr. Garay: impresiones de una lectura”
218
.
A motivação de Gondra para se dedicar a este tema deu-se por algo bastante
singular: rebater as teses de Blas Garay, o primeiro intelectual da geração de 900” que ao
prenunciar o revisionismo histórico resvalou justamente na temática da instrução pública.
Garay, recém graduado em Direito e Ciências Sociais, viajou oficialmente à Espanha, em
março de 1896, sob mando do governo do General Juan Bautista Egusquiza (1894-1898) na
condição de “Encarregado de Negócios en Madrid y Secretario de la Delegación en Paris y
Londres”. Pouco tempo depois, ainda na Europa, foi comissionado como secretário de uma
outra delegação, cujo objetivo desta era buscar documentos históricos no “Archivo de las
Indias” em Sevilha que comprovassem a pertença do território do Chaco ao Paraguai.
Os resultados do seu trabalho, publicados na Revista del Instituto Paraguayo”,
foram de grande importância “nacional”. Possibilitaram alicerçar toda a argumentação histórica
do Paraguai frente ao ímpeto boliviano sobre o Chaco. Mas, concomitante ao seu trabalho
oficial na Europa, publicou ainda em 1896 a obra “Compendio Elemental de Historia del
Paraguay
219
”, também utilizada como manual de história nas escolas paraguaias por vários
anos. O sentido geral desta obra não difere muito da de Héctor Decoud. Contudo, ao contrário
de toda a era colonial, também negativamente valorada segundo a gica do mesmo sistema de
pensamento, descreveu como sendo positivo e promissor o governo de Carlos Antonio López e
destruição de um povo”. CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio Americano. A guerra do Paraguai.
São Paulo: Editora Moderna, 1998, p. 77.
217
Ver DOMINGUEZ, Manuel. “Historia de la enseñanza nacional”. Revista del Instituto Paraguayo.
10, año 1. Asunción, 1897, pp. 217-247.
218
Não obstante a existência destes artigos no “La Democracia”, como, por exemplo, o de 15 de maio
de 1897, para este trabalho utilizei uma compilação dos trabalhos de Gondra, datada de 1942. Ver
GONDRA, Manuel. Hombres y letrados de América. Asuncn: El Lector, 1996.
219
Ver GARAY, Blas. Compendio Elemental de Historia del Paraguay. Madrid: Librería y Casa
Editora, s/d, [1896].
86
Francisco Solano López: entre outras coisas eles haveriam feito um bom governo no âmbito do
ensino nacional, pondo-o como obrigatório, gratuito e inspirado nos ideais liberais.
Foi justamente contra estas conclusões de Blas Garay que Manuel Gondra,
citando-o, insurgiu-se, ainda que cordialmente. Entretanto, esta rusga não deixou ser uma
pequena prévia do que mais tarde, muito mais seriamente, porém, aconteceria entre O’ Leary e
ez. Para Gondra, como também para Manuel Dominguez pelo menos por enquanto, e
também para Báez, durante toda a história paraguaia até o fim dos López na guerra, o ensino ao
invés de contribuir para regenerar” o povo, degenerou-o de vez. Tornou-o “indolente” e
passivo, possibilitando sua condução, de modo inconsciente, ao sofrimento da guerra. A
demarcação temporal que tem na “Guerra Grande” o divisor de águas também para a instrução,
compartilhada pelos três, Báez deixou-a muito clara:
Recien, depués de 1870, podese decir que el Paraguay llegó a incorporarse al
movimiento de los pueblos civilizados e posui escuelas de verdad, onde el
individuo ilustra el espírito y adquire consciencia de su personalidad, que antes no
la tenia”
220
.
Começando pelo período colonial, o próprio Garay não tinha dúvida do fracasso e
equivoco que foi pelo menos para os que, como ele, eram preocupados em promover a
sensibilidade do povo ao civismo e à liberdade o ensino deixado a cargo da Companhia de
Jesus. Na sua obra “El Comunismo de la Compañia de Jesus
221
”, livro publicado também em
1896, embora um trabalho dedicado ao estudo de todas as ações dessa ordem religiosa em seus
150 anos de estada no Paraguai, inevitavelmente não deixou de tecer comentários sobre as
obras de ensino. Sendo absolutamente severo com a companhia, entendia que os jesuítas ao
invés de levar o índio guarani, como supostamente pretendia a Coroa, a completa autonomia
por meio da inculcação de valores como os de propriedade privada”, “caudal”,
“administração, “imaginação”, entre outros, fizeram exatamente o oposto, para que deste
modo os índios sempre permanecessem sob a sua tutela:
“Mas no dió el nuevo arreglo los resultado que se esperaban; perdida, o mejor
dicho, desconocida de aquellos desgraciados toda noción administrativa, pues
nunca tuvieron caudal proprio ni imaginaron que pudiesen tenerle, no era de
esperar que acertaran a componerse de tal suerte que, arreglándose a los
rendimientos de su trabajo, no pasaran estrechez y miseria. Bien lo sabían los
misioneros, y en ello se apoyaban para resistir la innovacn: los indios eran
220
BÁEZ, Cecilio. La Tiranía en el Paraguay. Asunción: Intercontinental Editora, 1992, p. 19. [1903].
221
Ver GARAY, Blas. El Comunismo de las misiones jesuiticas. Asunción: Carlos Schauman Editor,
s/d, [1897].
87
incapaces de gobernarse por mismos; pero faltaba añadir que su incapacidad no
era nativa, sino obra deliberada y fruto de la educación, del alejamiento de todas
las ocasiones en que pudieran aprender lo que a sus doctrineros no convenía que
aprendiesen [grifo meu]
222
”.
Já o artigo de Manuel Dominguez acima aludido, “Historia de la enseñanza
nacional”, foi construído de tal forma que a Companhia de Jesus é mostrada como uma
instituição que, embora com “fama” de “pedagoga”, deixou de cumprir os acordos que
estabeleceu com a autoridade “paraguaia”, o governador dom Hernando Airas de Saavedra em
princípios do século XVII. Tais acordos Dominguez os exs numa grande citação das
exigências de Saavedra: “conversão dos índios” e promoção dos estudos” aos filhos dos
espanhóis. Assim, a companhia estaria incumbida de “criar um seminário e um colégio de
caráter civil”, e, também, promover a “conversão dos índios
223
. Não obstante, o “Colegio de la
Asunción” destinado aos paraguaios civis levou uma “vida lânguida” apesar de possuir enorme
quantidade de “bense recursos. A conclusão de Dominguez a respeito dele é brutal. Vejamos:
“Em suma, o Colégio, como sítio de ensino, valeu zero, porém era a única e forte coisa de
comércio e o que perdia em eficácia doutrinal, ganhava em dinheiro contado”
224
.
Num outro tópico desse ensaio, sendo complacente com a companhia, reconhece a
dificuldade de se dar um bom ensino ao índio, que o cérebro, órgão do pensamento, ele “o
teria pouco desenvolvido
225
”. Não obstante, condena e lamente profundamente o fato dela não
ter ensinado ao índio reduzido ao menos a língua da “civilização”. Pois, como considerou,
“salvo para a poesia, aquele que o fala outra língua senão a guarani, estará sempre a respeito
de seu estado de civilização, por debaixo do que conhece o castelhano
226
.
Manuel Dominguez, como tantos outros políticos e intelectuais de sua época,
reconhecia na língua guarani um sinal de permanência do estado de barbárie, sendo que os
primeiros incumbidos de apagá-lo, os jesuítas, não o fizeram, pois os seus verdadeiros
propósitos foram criminosos”. Desse modo, a “instrução” que deram aos índios esteve “10º
abaixo de zero” e mesmo a finalidade de convertê-los nunca foi realmente alcançada.
Aqui fica bastante explicito como o discurso “científico” e o discurso político se
confundem e por vezes estão de tal maneira imbricados, que, no dizer de Claudia Wasserman,
“pode-se aventar a hipótese da exisncia de uma certa influência de um sobre o outro” e que a
222
Idem, p. 60.
223
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Historia de la enseñanza nacional..., op. cit., p. 219.
224
Idem, p. 221.
225
Idem, p. 222.
88
respeito da questão nacional, “os trabalhos de ciências sociais (história, sociologia, ciência
política) e os discursos políticos têm traços muitos semelhantes”
227
. Há várias décadas a língua
guarani vinha sendo atacada tanto por políticos e agentes do Estado quanto por homens
letrados, sendo que na maioria das vezes, como no caso da “geração de 900”, ambos eram ou se
tornaram as mesmas pessoas.
Após a guerra, a depreciação dela contou com o peso ainda mais acentuado do
militante liberalismo, pois o “cidadão” paraguaio, isto é, o civilizado Paraguai antilopizta,
deveria ser construído sob o alicerce da língua comum espanhola. Projetada esta ideologia
nacional ao campo do conhecimento historiográfico, a condenação da Companhia de Jesus
tornou-se certa, e o Dominguez a condenou, mas também, de forma tão clara como as
dele, foram severas as plumas de Cecilio Báez. Este, na briga que empreendeu com O’ Leary
em 1902, não deixou de expressar sua angustia pela educação ofertada pelos discípulos de
Santo Inácio, bem como todo o seu desprezo à língua autóctone guarani, um mal ainda
persistente no Paraguai e que haveria preparado o “sistema de isolamento do doutor Francia”:
Los jesuitas, los fundadores de las Misiones, habían constituido una República
independiente con las reducciones de los indios. Cada reduccn tenia su escuela,
pero no concurrían a ella sino un corto número de niños o jóvenes, los destinados
as servicio del culto o a desempeñar algunos cargos concejiles. Aprendían a leer y
escribir guaraní y a contar. Leían también el latín y el castellano, pero sin
entenderlo. Les estaba prohibido en absoluto aprender la lengua española, por el
temor que abrigaban los misioneros [...] de que la raza nueva se comunicase con la
antigua. De esta suerte el guaraní ha llegado a ser la lengua generalmente hablada
en el país, y sustraía el pueblo a la comunicación de los pueblos civilizados,
preparando el sistema de aislamiento del doctor Francia”
228
.
Nove anos mais tarde, o pprio Báez, mesmo destoando do caráter da hisria
revisionista do Album Gráfico” de 1911 trabalho comemorativo do centenário de
independência do Paraguai onde contribuiu com o ensaio “Historia de la Instrucción Pública
en el Paraguay”, lamentou o fato, uma vez mais, de os jesuítas terem ensinado as crianças
guarani a ler, a escrever, a bailar, a cantar e a tocar música, porém as terem “proibido [de]
aprender o castelhano, para isolá-las pela linguagem”. Os “primeros pedagogos do mundo”,
como considerou, proibiram uma língua civilizada”
229
226
Idem.
227
WASSERMAN, Claudia. Percurso Intelectual e Historiográfico...”, op. cit., p. 99.
228
Ver BÁEZ, Cecilio. La Tiranía en el Paraguay..., op. cit., p. 17 e 18.
229
Conf. BÁEZ, Cecilio. “Historia de la Instrucción Pública en el Paraguay”..., op. cit., p. 273.
89
Considerando que estes intelectuais viam a naçãoparaguaia como algo dado
desde a independência ou mesmo desde a “descoberta” do Rio da Prata e que eles, no máximo,
buscavam tão dar uma contribuição à sua “regeneração” quando, de fato, eram os que
articulavam a matéria-prima ideológica para a sua construção –, não vislumbravam o fato de
que no Ancien gime a língua comum nunca foi, como em vosso tempo, um dado a ser
considerado no sistema político de então, isto é, no Estado nacional.
Para John Breuilly é com a expano de uma “opinião pública politizada
através de jornais, revistas e panfletos populares, estando isso ligado a crescente importância
das assembléias eleitas, algo que começava a acontecer no Paraguai, é que se torna necessária a
“escolha e a padronização da língua
230
. Assim, se a depreciação da língua guarani no presente
significava comungar com a ideologia hegemônica de então, despreciá-la na hisria
significava, além disso, uma transposição de valores para um período onde não os cabia.
Evidentemente isto não nos pode preocupar, pois este processo, bem como o da própria
“criação e/ou “invenção, faz parte de quaisquer sistemas de pensamento nacionalista,
particularmente o de forma historiográfica, independentemente de seu conteúdo ideológico.
Contudo, com a ajuda das constatações teóricas de Gellner, é necessário deixar
assinalado que até o fim do Ancien Régime as sociedades européias, modelos para os nossos
intelectuais, estavam divididas em inúmeras corporações. Eram as ordens, os feudos, as
guildas, cada qual procurando proteger-se estabelecendo para si uma cultura diferenciada do
restante social, sendo que o próprio modo de recrutamento de cada uma delas, a simples
hereditariedade, colaborava para este fenômeno.
Mas, o mais importante, é que mesmo a elite clerical e aristocrata,
monopolizadora do poder político institucionalizado, também procurava acentuar as
diferenciações culturais em relação às outras classes, e qualquer tentativa de os de “baixoem
tentarem imitá-la, correspondia a uma insolência, um sério crime passível de punição, pois,
parte considerável do poder dessas elites e sua legitimação provinha justamente da
heterogeneidade cultural. Daí o fato de muitas se comunicarem numa língua diferente da de
seus subalternos, como as línguas mortas, por exemplo. Estes, leigos na cultura “superior,
230
Conf. BREUILLY, John. “Abordagens do nacionalismo. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org). Um
Mapa da Questão Nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 161.
90
viam-na, ou pelo menos deveriam, como parte dum sistema mágico e inatingível, e que não
lhes cabia aprender
231
.
Ainda que o próprio Gellner reconheça que o seu trabalho represente apenas um
modelo teórico, certamente está, pelo menos em parte, a explicação do fato de a Companhia
de Jesus, ainda uma corporação do Ancien Régime, nunca ter se preocupado em ensinar aos
seus reduzidos sequer os rudimentos do castelhano, fato lamentado pelos nossos intelectuais: os
índios seguiam aprendendo o insuficiente para serem cidadãos, o necessário para manterem-se
na servidão”, dizia Manuel Dominguez
232
.
Mas é na modernidade que a elite paraguaia desesperadamente procurava
adentrar que há a exigência de homogeneidade cultural, e dessa forma, também da
homogeneidade lingüística. Nela o fonema de uso estrito e limitado é um problema, devendo
ser substituído por um universal, com símbolos dotados de significação padronizada que
independa de contextos limitados. Daí a construção de um sistema educacional padronizado,
normalmente estatal, que “processa todo o material humano formador da sociedade, que
transforma a matéria-prima biológica num produto cultural aceitável e útil”. No bojo desse
“produto cultural” certamente estará o ideal de nação buscado
233
.
Mas, não foi a educação jesuíta o único exemplo de fracasso, ou, como disse
ez, de inculcamento de “ignorância”. Entretanto, seguindo a linearidade da periodização da
história liberal, há alguma tolerância em relação às últimas décadas do século XVIII devido às
iniciativas ilustradas de Carlos III. Este monarca, segundo Manuel Dominguez, recomendou
“aos governantes” que “assegurassem a educação das crianças”, e, na prática, tal recomendação
haveria sido minimamente seguida pelos últimos governadores paraguaios, a exceção de
Velasco, o último
234
.
Mas estas décadas foram uma exceção, e a obra de instrução da era colonial
Manuel Dominguez a condenou em seu conjunto. Empreendida por civis ou eclesiásticos, ela
teria sido pautada por motivações “religiosas” e “fanáticas”, sendo o “ensino laico coisa de
231
Conf. GUELLNER, Ernest. O Advento do nacionalismo e sua interpretação: os mitos da nação e da
classe”. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org). Um Mapa da Questão Nacional. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2000, pp. 107-154.
232
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Historia de la enseñanza nacional..., op. cit., p. 225.
233
Conf. GUELLNER, Ernest. “O Advento do nacionalismo...”, op. cit., p. 119.
234
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Historia de la enseñanza nacional..., op. cit, p. 230.
91
outro mundo”; além do mais teria havido, ainda, severas sanções aos que introduzissem livros;
e a “instrução primária não passou da leitura, escrita, e das quatro operões aritméticas
235
.
O ensaio de Dominguez, como a obra reformulada por ctor Decoud, também
nutre grandes expetativas para o início da vida independente do Paraguai. Se o plano de
instrução pública de Pedro Juan Cabalero e Fulgêncio Yegros, os heróis da mitologia liberal,
não tivessem sido abortado pelo “tirano” Francia, o Paraguai não “cederia em instrução pública
a nenhum povo
236
”. Mas a esperança tornou-se desencanto e a noite tornou a cair rapidamente
sobre o Paraguai.
Lamentando-se, Manuel Dominguez expõe uma lista das atitudes do governo
francista a respeito de sua política para a instrução pública e, ao final, tece o seguinte
comentário: “decididamente o Ditador em maria de instrução pública fez pior que não fazer
nada [...] e o amigo da humanidade tem que lamentar com amargura o bem que deixou de fazer
e os males que causou
237
”. Entre estes “males”, estaria o “isolamento” em que jogou o
Paraguai, permitindo tão chegar livros e jornais para o seu próprio uso; a destruição dos
livros que já existiam na capital, utilizando-os na “fabricação de naipes”; além de ter sido ele,
“o ÚNICO dos governantes da República que não estabeleceu nenhuma escola [grifo do autor]
238
. A explicação dessa maldade, conclui Dominguez, é que o “Ditador” considerava a
ignorância a base de sustentação de sua “tirania.
Comparado ao governo francista, o de Carlos Antonio López, por sua vez,
dedicou-se a instrução pública. Construiu uma Academia Literária, algumas escolas e enviou
jovens bolsistas à Europa. Logo se tornou raro no país quem não sabia “escrever e contar”. No
entanto, Manuel Dominguez dirigiu suas críticas à qualidade do ensino, dizendo que ele não
acompanhava o “adianto do culo”. O uso do “açoite” era o método pedagógico privilegiado,
além de os pedagogos usarem o catecismo de San Alberto, um dos códigos do despotismo”. O
governo lopizta, de cunho “paternal”, trabalhava para anular a personalidade humana”,
mantendo-a sob a oniponcia” do Estado. Numa palavra, a educação lopizta, embora
ampliada suas bases, foi boa tão para formar “bestas de carga
239
, tese fundamental do
nacionalismo de matriz liberal.
235
Idem, p. 233.
236
Idem, p. 235.
237
Idem, p. 239.
238
Idem, p. 240.
239
Idem, pp. 245 e 247.
92
Esse ensaio de Manuel Dominguez representa, uma vez mais, a reafirmão da
grande dúvida da elite paraguaia – dúvida posta já pelo Triunvirato Provisório em 10 de
setembro de 1869 acerca de os porquês de seu povo ter “seguido” o Marechal López na
guerra, que ele expressava nada mais seo própria encarnação da “barbárie”. Dominguez,
em parte, sintetizou uma possível explicação a partir da história do “ensino nacional”. Por
culos, como entendeu, salvo para alguns lapsos temporais, os “paraguaios” foram privados de
uma educação que lhes assegurassem os naturais valores e direitos humanos de liberdade, de
modo que ao invés de se tornarem “cidadãos” não passaram de “servos” bestializados e
conduzidos com indiferença segundo a vontade dos “tiranos”. Degradados com a ajuda de um
péssimo ensino, não puderam tomar consciência do que a guerra significaria para ele mesmo,
daí terem marchado resignadamente ao lado do “tirano” até a sua morte em Cerro Corá.
Logo mais Cecilio Báez faria uso destes mesmos argumentos para explicar e
“provar” o “cretinismo do povo paraguaio e os motivos dele ter marchado com o Marechal
López. Não obstante, essa tese de Dominguez e Báez existia desde há muito, embora tenha sido
eles os que melhor a desenvolveu. O “La Regeneración”, ainda em 1869, quando López estava
em fuga pelo norte do país, publicou um artigo de Juan José Decoud intitulado “Lopez y los
Paraguayos: la guerra ó el despotismo”, anotando como os paraguaios estavam sendo
“obrigados ao combate” pelo “monstro” López. Sua concluo dizia que a “indiferença” e o
“silêncio” do povo a tudo o que ocorria na “pátria” explicaria porque 2000 homens ainda
continuavam a seguir a “tirania” mesmo diante do seu absoluto fracasso contra a Aliança
240
.
Para Juan José Decoud ficava, por conseguinte, mais do que justificada a empresa
levada adiante pelo “La Regeneración”, jornal onde escrevia. Referia-se a empresa da grande
“propaganda” da “liberdade” uma “arma” contra pez –, que o povo do Paraguai era
secularmente carente dela. Ficava justificada também a necessidade de “ensinarà criaa que
ela teria “a fortuna de criar-se já livre”
241
. Em resumo, era a guerra e a ordem com ela imposta
servindo de lente e cristalização também aos estudos da história do ensino paraguaio. Conforme
resumiu Manuel Dominguez, foi depois dela que a educação tornou-se, enfim,
“conveniente” para formar verdadeiros “cidadãos”.
Décadas depois, em 1925, quando o lopizmo era já uma realidade inconteste, Báez
seguia firme na mesma tese de Juan Jo Decoud e Manuel Dominguez, ainda que na
contramão da historiografia nacional da época. Os López com um sistema político semelhante
240
La Regeneración”, 21 de outubro de 1869.
241
Idem.
93
as das autocracia[s] asiática[s]” teriam anulado toda a “personalidade humana” e toda a “vida
cívica”, criando uma espécie de “sonambulismo coletivo”. “Asno e touro”, escravizado, pode-
se dizer, o povo teria sido incapaz de derrubar a “opressão” que o aniquilava e, por outro lado,
capaz de todo o sacrifício quando o Marechal pez obrigou-lhe a marchar para a guerra.
Portanto, como aconselhava em sua obra “Política Americana”, que a juventude “pense nisto” e
“ilustre-se verdadeiramente”, pois o...
pueblo nunca intentó derrumbar la tiranía y [...] no cuenta con héroes de la
libertad; por consiguinente, cada ciudadano de nuestros días debe aspirar a ceñirse
la corona de la gloria que procuran las arte y las letras, la educación y la ciencia, en
lugar de pretender justificar al autor principal de la ruina nacional
242
.
Estas conclusões de Báez, Juan Jo Decoud e Dominguez, todas de momentos
diferentes, foram as mesmas de Manuel Gondra quando ele se insurgiu – poucos meses antes de
Dominguez publicar o ensaio “Historia de la enseñanza nacional contra as de Blas Garay,
autor do manual “Compendio Elemental de Historia del Paraguay”. Gondra havia ingressado
no curso de Direito e Ciências Sociais em 1891, mas abandonou-o sem coroar os seus esforços
para assim poder atuar como professor de castelhano e geografia no Colegio Nacional de
Asunción”, além de jornalista em diversos drios e também como militante nas fileiras
liberais. Já Garay, socialmente melhor posicionado, após o seu retorno da Espanha continuou a
escrever, agora no La Prensa
243
, ácidos artigos jornalísticos, uma de suas marcantes
características como escritor. Anos antes, esta sua característica fizera que o próprio General
Bernardino Caballero observando a sua atuão jornalística nos tempos de estudante na
“Universid Nacional” – o convidasse para militar nas fileiras coloradas.
Não obstante, mesmo apadrinhado por Caballero, nunca deixou de escrever
artigos criticando aspectos de governos provenientes de seu próprio partido, em especial do
governo civil de Emilio Aceval (1898-1902). E se criticava os seus pprios correligionários,
escrevia ainda mais severas críticas a imprensa e ao “Partido Liberal”, sendo que numa delas,
ironicamente perguntou-lhes se ao invés ficarem atacando o governo colorado do General
Egusquiza (1894-1898), alguma vez teriam ofertado-lhe alguma boa proposta desinteressada.
Evidentemente que a resposta implícita era um grande “não”. Vejamos:
242
Ver BÁEZ, Cecilio. Politica Americana. Asunción: Imprenta Zamphirópolos & Cia, 1925, s/d.
243
Diário criado e dirigido por ele mesmo.
94
¿Por ventura han ofrecido arbitrios para aliviar las angustias del tesoro público o
para combatir a la ya crónica crisis que consume a la Nación, o han dado los
medios de persuadir a nuestros campesinos a que trabajen”
244
?
Essa investida de Garay contra os liberais anota, a contra-pelo, um dos grandes
males sociais e preocupões da elite do período: a emigração de camponeses para a capital
Assunção ou para o norte da Argentina, que as condições de vida no campo eram-lhes
aviltantes. Desde a guerra o Paraguai seguia carecendo de mão-de-obra no campo, de forma
que esta emigração colaborava para tornar ainda mais cnica uma situação que nenhum
governo nunca conseguiu resolve-la de fato, apesar das enérgicas arbitrariedades que
empregaram. Em 1º de janeiro 1871, por exemplo, Cirilo Antonio Rivarola levando em
consideração o benefício dos ervateiros ditou um decreto limitando o direito de mobilidade
interna no terrítório paraguaio à uma parcela específica de cidadãos: os peões rurais. O 2 º
artigo deste decreto estabelecia que o peão ficava obrigado a portar um “concentimento” do
patrão para separar-se do trabalho
245
. Em 1902 um outro decreto com semelhante espírito foi
editado
246
. Era o Estado liberal colaborando diretamente com as empresas pelo controle da
escaça e “fugitiva” mão-de-obra.
De qualquer forma, para os letrados e políticos da época, persuadir” o camponês
para que se fixasse no campo e nele trabalhasse” era uma das grandes tarefas atribuídas a
instrução pública e as instituições liberais, embora os reais motivos de sua fuga, perda de terras
e gados e violência caudilhesca, poucos ousavam em afirmá-las
247
. Preferiam atribuir o
244
La Prensa”, 5 de abril de 1898. Apud. GARAY, Blas. Paraguay 1899. Asuncn: 1984, p. 57.
245
Ver RIVAROLA, Milda. Vagos, Pobres y Soldados. La domesticación estatal del trabajo en el
Paraguay del siglo XIX. Asuncn: Centro de Documentacion y Estudios, 1994, p. 32.
246
Por conseguinte, a forma predominante de extração de trabalho forçado do pós-guerra foi o antigo
“enganche” colonial, termo reavivado com que se designava o meio por qual se “induzia o
camponês que não tinha necessidade ou vontade de abandonar os seus afazeres a irem trabalhar nas
pesadas tarefas exigidas pelos ervais. Segundo Evaristo Duarte o mecanismo utilizado “era o de
forçar esses infelizes a consumir produtos a que podiam ter acesso atraves da compra (panos,
ferramentas, facas, etc.), o que, pela natureza da economia de subsistência em que levavam suas
vidas lhes era impossível. Intermediários dos arrendatários (e depois propiretários) forneciam-lhes
esses produtos, endividando-os e forçando-os, dessa forma, a se empregar nos ervais para ‘pagar’
essa dívida. Uma vez engachados descobririam que a dívida assim contraída era impagável, dada as
formas de organização da produção. Pois tudo que consumiam nos bosque carregando as folhas, era
descontado do seu ‘salário’ e no final sempre acabavam devendo mais do que no começo”
246
[grifo
do autor]. Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op.
cit., p. 170.
247
A cada golpe ou tentativa de golpe, a população rural era obrigada a tomar armas em favor de um ou
outro lado em contenda. Aliás, segundo Francisco Gaona, tamanha era a representação do camponês
como sendo preguiçoso que o suíço Moises Bernoni pronunciou uma conferência no “Instituto
Paraguayo” em defesa do trabalhador do campo. Para ele o problema do campo não era o da
95
problema, entre outras coisas, à própria inadequação ou “falta de instrução pública”, e que,
sendo ela dada ao camponês de maneira correta, isto é, liberal, magicamente se corrigiria a sua
tão propalada inferioridade moral, levando-o assim a trabalhar. Até aqui tanto Gondra como
Garay concordariam, assim também como Dominguez e Báez.
Por conseguinte, dentre os motivos da “ignorância” e vagabundagem do
camponês estaria exceto para Garay a própria educação não liberal que o recém destruído
regime lopizta havia lhe dado. Por que trabalhariam se os López não lhes inculcaram qualquer
“iniciativa”, ânimo, vontade de “cabedal” ou coisas do tipo, senão a cega e passiva obediência
que os conduziram a dor, perdas e aos sofrimentos da “Guerra Grande”?
Assim, quando Garay no seu livro destacou diversas e positivas obras que o
governo de Carlos Antonio López fizera, sendo que dentre elas estaria a sua dedicação em
procurar “estender a instrução pública”, fazendo-a “obrigatória e gratuita”, e, ainda, que teria
imprimido “as teorias mais liberais dos modernos reformadores”
248
, bastou para Manuel
Gondra insurgir-se e publicar em abril e maio de 1897, no “La Democracia”, uma espécie de
réplica, rebatendo-o a partir de uma singela questão: “Que liberalismo é esse que disse o doutor
Garay”? Seria ele, continuou, proveniente dos “métodos pedagógicos? Não, pois, como
contra-argumentou, todos os textos dados aos alunos seguiam pertencendo ao gênero dos
“antigos manuais” de pergunta e resposta, e, além disto, as escolas estavam sob
responsabilidade de pedagogos ignorantes e cruéis que acabavam por embrutecer aos pobres
meninos com palmadas e açoites”, fazendo-lhes apenas com o sangue entrar a letra[grifos
do autor]. Seria ele proveniente das “idéias infundidas”? Tampouco, pois, como prosseguiu,
elas estavam muito longe de serem verdadeiramente liberais
249
.
Em que pese o “sanguinário” todo pedagógico, foi nesse segundo ponto, o das
“idéias infundidas”, que Gondra aprofundou seus escritos contra a tese de Garay. Nele,
conforme considerou, se revelaria que “os ulteriores propósitos de ambos os López foram [...]
[os de] cimentar sobre sólidas bases morais a tirania que exerceram, deprimindo o espírito do
povo, moldando-o para suportá-la sem protestos”
250
. Foi, aliás, com tais objetivos que eles
teriam buscado um manual que guiasse as crianças para estes cálculos de déspota”, a partir das
pregua do trabalhador, mas as empresas estrangeiras que se tornaram donas de suas terras. Conf.
GAONA, Francisco. Introducción a la historia gremial..., op. cit., p. 199.
248
Ver GARAY, Blas. Compendio Elemental de Historia del Paraguay..., op. cit., p. 269.
249
Ver GONDRA, Manuel. Hombres y letrados..., op. cit., p. 45 e 46.
250
Idem, p. 48.
96
sugestões dos sacerdotes que os rodeavam. Em 1863 adentrou nas escolas paraguaias o
“Catecismo de San Alberto”, o que para Gondra seria um dos símbolos da tirania lopizta.
Conforme assinalou Guido Rodriguez Alcalá, este trabalho foi originalmente
escrito em fins do século XVIII por um carmelita conhecido como San Alberto, religioso que
na época ocupou a sede episcopal de Tucumán e o arcebispado de Charcas. Reimpresso na
“Imprenta Nacional” lopizta, o catecismo continha apenas algumas ligeiras modificações
deixadas a cargo do bispo Urbieta, que adequou-o para melhor atender ao sistema de governo
dos López. Várias passagens, por exemplo, onde Urbieta escreveu “presidente da República”,
originalmente estava escrito a palavra “rei. Contudo, esse tipo de substituição não aconteceu
naquelas passagens que se remetiam aos textos sagrados, isto é, a Bíblia, onde o texto original
de San Alberto foi mantido
251
.
Para Gondra o pprio nome completo desse catecismo “Instrução onde por
lições, perguntas e respostas, se ensina aos meninos e meninas as obrigações mais essenciais
que um vassalo [grifo do autor] deve a seu rei e senhor” , seguido por seu prefácio,
demonstrariam cabalmente o desejo “despótico” tanto de seus autores como do próprio governo
e regime lopizta. Neles, o povo paraguaio ao invés de “soberano” e livre foi tratado como
“vassalo” de um governo cuja “emanaçãode sua autoridade provinha de uma “divindade”,
devendo ser, portanto, “respeitado e obedecido”.
Aliás, para maior espanto e lamento de Manuel Gondra, o prefácio seguia dizendo
que o catecismo deveria “dar à criança uma justa idéia do que é e se merece um soberano, para
depois impor nelas o amor, respeito, obediência e fidelidade que lhes devem os vassalos”. Das
várias citações que Gondra fez de suas pequenas lições, todas seguem exatamente esse mesmo
acorde anunciado no prefácio. O da origem e direitos além mundo do governo e/ou o das
obrigões dos governados. Vejamos, como exemplo, partes da lição de número IV: “P.
Quem é superior ao Rei? R. Só Deus... P. O Rei está sujeito ao povo? R. Não; isto seria
estar sujeita a cabeça aos pés
252
.
Manuel Gondra, como o fez Manuel Dominguez, também recordou as idéias
vertidas em 1812 por Yegros e Cabalero a respeito da instrução pública, comparando-a com a
lopizta. Vejamos o que disse:
251
Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritária..., op. cit., p. 35.
252
Ver GONDRA, Manuel. Hombres y letrados de América..., op. cit., p. 54.
97
... en un documento digno de las loas del historiador, [Yegros y Cabalero]
encarecían la necesidad de educar en las escuelas ciudadanos útiles a la patria, y
considérese, después, que todos los conatos de los déspotas fueron sólo
encaminados a formar en los colegios vassalos fieles a su soberano, y dígase si
debe aplaudirse sin reservas una educacn que trataba de perpetuar a la República
bajo el yugo del despotismo [destaques do autor]
253
”.
Evidentemente que, para Manuel Gondra, não se poderia aplaudi-la, pois o
criava “cidadãos úteis” senão verdadeiros “vassalos”. E foi com esse rol de argumentação que
ficou rebatida a tese de Garay segundo a qual a educação ofertada pelos pez teria sido
“liberal”, embora Gondra não o convencesse conforme se pode aferir de um artigo que
publicou no La Prensa em outubro de 1899. Neste artigo intitulado “La civilización moderna
y el Paraguay
254
, Blas Garay, cantando louros a racionalidade da civilização liberal, falou das
qualidades do regime lopizta, comparando-o, novamente na questão educacional, com o regime
de então: em 1856 haveria no Paraguai 408 escolas públicas, além das particulares, enquanto
em 1899, quando escreve, haveria apenas 224, quase 50% a menos.
Naquele tempo, prossegue, era raro o paraguaio que não sabia ler, pois Carlos
Antonio López fizera obrigatória a instrução primária. Junto de outras benéficas obrascomo a
construção dos arsenais, da linha de ferro, de caminhos, de pontes e tratados comerciais
mandou estudantes à Inglaterra e chamou numerosos germanos de ciência para servir e
trabalhar no Paraguai. Enfim, repetia a mesma tese do “Compendio Elemental de Historia del
Paraguay. Na conclusão desse artigo – trabalho publicado poucos dias antes de ser assassinado
Blas Garay sem rodeio algum afirmou que o estado de miséria econômica que seu país se
encontrava era causada, dentre outras coisas, pelo “atraso do cultivo intelectual da multidão.
Vejamos suas próprias palavras:
El lento proceso económico del Paraguay de hoy y las caprichosas perturbaciones
del crédito pecuniario tienen su origen, el primero directamente y el segundo
indirectamente, en el retraso del cultivo intelectual de la muchedumbre; además en
el mal estado de los caminos y puentes, que cohibe al comercio, y en la poca
premeditacn para escoger los elementos etnológicos para la raza paraguaya
regeneradora”
255
.
Numa palavra, o causador direto da “miséria” do Paraguai era sempre o mesmo, o
camponês que existia, embora os culpados indiretos, isto é, os governantes que o lhes
253
Idem, p. 61 e 62.
254
Ver La Prensa”, 21 de octubre de 1899. Apud. GARAY, Blas. Paraguay 1899. Op. cit., p. 306.
255
Idem.
98
davam a adequada instrução, ambos os autores, Gondra e Garay, discordaram quando os
apontaram. Mesmo com essa dissonância, isso não estava em descompasso com o discurso
ético-político da elite da época. Em 1871, por exemplo, o presidente Cirilo Antonio Rivarola
deu como justificativa ao decreto dirigido aos chefes políticos dos distritos do interior para que
se incumbissem de obrigar a todos os indivíduos ao “cultivo do tabaco”, o fato de constatar
“como causa do atraso [...] da campanha [...], a apatia e indolência de muitos de seus
habitantes, que, esquecendo-se sua dignidade e seus deveres de homem e cidadão, viv[iam] na
mais completa estéril e folgada [vida]...”
256
. Em 1877 no “Cuestiones políticas y económicas”,
José Segundo Decoud fez afirmações parecidas.
Por décadas esses discursos provenientes de idrios liberais foram comuns na
caracterização do paraguaio. Assim, se a correta instrução pública daquele momento, junto da
imigração, tinha por objetivo “regenerá-lo”, o estudo da história da “educação nacional” ajudou
a “constatar” e a “explicar” o lastivel estado de sua degeneração política, e, em particular,
àquela referente a uma suposta aversão do camponês para o trabalho. Para Manuel Gondra
podendo estender-se também para Dominguez a instrução lopizta não criou “cidadão úteisà
nação, enquanto para Garay a atual não se comparava em qualidade e extensão com a daquela
época, daí a atual “fuga” dos camponeses do trabalho e tudo mais de ruim no Paraguai.
Embora os intelectuais da “geração de 900” não estivessem ligados imediatamente
ao mundo da produção material como o estão as classes essenciais de qualquer sociedade
contemporânea, isto é, os capitalistas e trabalhadores –, eles estavam ao menos “mediatizados”
por este mundo, além de todo o contexto social, d não deixarem de se preocupar com a
extração de trabalho do ainda tido degenerado paraguaio”
257
. Todos, com maior ou menor
grau, importavam-se com a ação e a “caba” dos trabalhadores. Cecilio Báez, por exemplo,
possuiu vínculos com uma organização de artesãos chamada “Los Artesanos del Paraguay”,
fundada em 1882. Mais tarde (1897) tentou organizar uma “Central Gremial” com vistas a
afastar a influência anarquista sobre os trabalhadores, influência argentina que começava a se
despontar. Quando presidente da república (12/1905 à 11/1906), diante do anarquismo que
norteava a recém fundada “Federación Obrera Regional Paraguaya”, negou terminantemente
qualquer indício de “luta de classe” no Paraguai
258
.
256
Ver VIOLA Alfredo. “Asuncn bajo la dominación extanjera”. In: Historia Paraguaya, Asunción,
v. 25, 1988, p. 96.
257
Sobre as relações dos intelectuais com a produção e o todo social ver GRAMSCI, Antonio. Os
Intelectuais e... op. cit. p. 13.
258
Conf. GAONA, Francisco. Introducción a la historia gremial..., op. cit., p. 96. Tomo I
99
De qualquer modo, a premente refutação que Manuel Gondra dirigiu através da
rie “La Obra del Dr Garay: impresiones de una lectura”, publicada no “La Democracia” a
Blas Garay evidencia ao menos duas coisas. Primeira, o peso que tinha para a ideologia liberal
da época a questão da instrução popular e sua funcionalidade prática para se adequar uma
população “atrasada” a um ideal de nação liberal segundo os modelos europeus, norte-
americano ou mesmo argentino, nações estas tidas como modernas e civilizadas por conta do
liberalismo que implementaram, daí a importância do estudo do “ensino nacional”. Como
demonstra a citação acima, Garay estava plenamente de acordo com esta interpretação, de
forma que podemos concluir que o revisionismo que iniciou deu-se estritamente dentro dos
marcos do velho liberalismo do século XIX. Na contramão de todos, acreditava que os
governos dos López foram mais liberais que os de sua época, d a prosperidade nacional
daquele momento destruído na “Guerra Grande”.
Segunda, o antilopizmo político herdado dos ex-emigrados de Buenos Aires que
seguia imperativo, embora sofresse com Garay, pelo menos no âmbito do discurso histórico, o
seu primeiro arranhão. Era o ponta-pé inicial do revisionismo histórico, dando a ele a sua
principal matéria-prima histórica, inclusive para o revisionismo da guerra, amarga ferida que
não passaria despercebida para a construção da nação paraguaia segundo um modelo diverso de
pensamento.Mas esta polêmica foi algo notado apenas em círculos restritos, sendo que a
própria fama de intelectual conquistada por Manuel Gondra, que após a “revolução de 1904
praticamente abandonou as letras em favor da política
259
, foi proveniente de outros trabalhos,
particularmente do “En torno de Rubén Dario”, obra de caráter literário publicada
originalmente no jornal “La Democracia” em janeiro de 1898 e, posteriormente, publicada na
“Revista del Instituto Paraguayo”
260
. Com ela o nome de Gondra chegou a ressoar até na
Europa.
259
Manuel Gondra, além de diversos cargos no executivo e legislativo, foi presidente da república por
duas vezes: de 25 de dezembro de 1910 à 17 de janeiro de 1911; de 15 de agosto de 1920 à 29 de
outubro de 1921.
260
Ver GONDRA, Manuel. “En torno de Rubén Darío”. In: Revista del Instituto Paraguayo,
Asunción, año 2, nº 17, junio de 1899, pp. 167-201.
100
3 Revisionismo histórico: confronto nos diários assuncenos, debate
na “Revista del Instituto Paraguayo e nos partidos políticos
tradicionais
3.1 Fracassos e “mal-estar”: de Blas Garay à Juan E. O’ Leary
Mesmo sem impacto, a sugestão de Blas Garay de que o governo e o regime
lopizta, ao contrário do que se propalava, tinha qualidades que chegavam aa suplantar a dos
atuais governos colorados, pode ser considerada o sinal de um mal-estar que começava a tomar
conta da sociedade paraguaia, particularmente assuncena, em que pese os ensaios de seu
correligionário JoSegundo Decoud, publicados na mesma época, ainda estarem anunciando
um entusiasmado porvir antilopizta
261
.
No campo político esse mal-estar resultou na “revolução” de 1904, “revolução
que embora muitíssimo violenta, não foi senão uma mera reorganização das forças caudilhescas
em benefícios dos liberais. Já no campo historiográfico resultou no grande revisionismo de
Juan Emiliano O’ Leary em sua polêmica com Cecílio Báez. Nesse empreendimento O’ Leary
fugiu de tal forma dos padrões e modos tradicionais de se entender a história da nação
paraguaia, que chegou mesmo a motivar Milda Rivarola a afirmar que duas filosofias da
história se enfrentaram desde inícios do século XX no Paraguai: o positivismo liberal e o
nacionalismo”
262
.
Mas antes desse embate voltemos a Garay. Ainda que a sua visão otimista a
respeito do regime lopizta nunca tenha alcançado a crítica geral da ideologia imposta ou
acentuada com a guerra, ela chegou a tal ponto, porém, que ousou propor nas páginas do “La
Prensa” em julho de 1899, num artigo que intitulou Nuestros Partidos Políticos
263
”, a própria
extinção de ambos os partidos, tanto do colorado, no qual militava, quanto do liberal. Conforme
escreveu, eles não serv[iriam]” ao país e estariam “desgastados por uma série de desacertos e
de erros”. Com muita clareza acusou-os de partidos “personalistas” constituídos de “uma, de
duas, de quatro, de dez pessoas se se quer, porém personalistas sempre” e que não possuíam
outro programa senão o de “conseguir o poder”. Além do mais, acusou os governantes de
261
Refiro-me aos ensaios “La Libertade La Patria” publicados respectivamente em 1901 e 1904.
262
Ver RIVAROLA, Milda. Filosofias, pedagogias y percepcion...”, op. cit., p. 43.
263
Ver “La Prensa”, 4 de julho de 1899. Apud. GARAY, Blas. Paraguay 1899. Asunción: Araverá,
1984, pp. 77-80.
101
“enriquecimentoilícito a partir dos “despojos do tesouro fiscal”, sendo que eles, prossegue,
nunca entregariam o mando a quem fosse capaz de “converter-se em incorruptível
264
. Eram,
verdadeiramente, agudas críticas que atingiam tanto os liberais da oposição, como, ainda mais
seriamente, os seus próprios correligionários colorados, ainda situacionistas, que seguiam se
beneficiando da alienação do patrimônio público.
Aliás, particularmente entre os anos de 1903 e 1904, anos nos quais a república
foi dirigida pelo último governo colorado, o do reformista Coronel Escurra, as acusações de
corrupção foram tamanhas que segundo Harris G. Warren, um estudioso da imprensa do
período, era necessário acreditar em uma pequena parte das acusações para concluir que todo
funcionário do governo era “ladrão”; que cada oficial de justiça estava disposto a ser
“comprado”; e que o país como um todo estava imerso na corrupção
265
. Dado os extremos
com que a corrupção era percebida, Garay concluiu o seu artigo dizendo que o país deveria ser
entregue a um governo “patriota” que soubesse fazer bom uso da “imensa força” desse
sentimento, por conseguinte, entregue a uma pessoa com completa “independência” em relação
aos partidos e que se dedicasse, definitivamente, a “regenerar” os paraguaios
266
.
Esse tipo de afirmação, embora de nenhuma forma radicalizada, serviria para no
futuro os historiadores Juan E. O’ Leary e o seu discípulo Juan Natalício González
reivindicarem-se continuadores de Garay, ainda mais que este intelectual, em um outro artigo
denominado “El factor económico en nuestra política”, declarou-se inclinado ao “socialismo”,
sistema que entendia como mais condizente com os “antecedentes históricos” do Paraguai
267
.
Como ainda veremos, González no futuro também defenderia o que definiu como “o profundo
senso igualitário de seu povo”, afirmação que, não obstante, muito longe do que Garay
realmente predicou, significava uma oposição radical ao que considerava o “arbitrário
liberalismo oligárquico imposto com a Guerra Grande”
268
.
Evidentemente, isso que chamei de mal-estar, aqui expresso por Garay, não se
restringia ao campo político-ideológico. Tinha, ao contrário, uma materialidade bastante
profunda, isto é, originada na própria estrutura da sociedade paraguaia. Tal estrutura, criada em
parte pela própria oligarquia a partir das leis de terras de 1883 e 1885, a impedia de levar a
264
Idem, p. 77 e 78.
265
WARREN, Harris G. The Paraguayan Revolution of 1904. The Americas, XXXVI, January, 1980.
Apud. KRAUER, Juan Carlos Herken. “La Revolucn Liberal de 1904 en el..., op. cit., p. 510.
266
Conf. “La Prensa”, 4 de julho de 1899. Apud. GARAY, Blas. Paraguay 1899..., op. cit., p. 80.
267
Idem, pp. 80-84.
268
Conf. GONZÁLEZ, Juan Natalício. El Paraguay Eterno. Asuncn: Editorial ‘Guarania’, 1935, p.
43.
102
cabo a outra parte de sua política de “progresso” e “civilização” de acordo com o grande
entusiamo que possuía em relação ao porvir liberal antilopizta. Daí, em parte, a explicação da
insistência que tinham na tese da degeneração do povo, pois, como o vimos no capítulo
anterior, ele era tido como um dos principais culpados da “miria” nacional.
Politicamente decisiva, a oligarquia caudilhesca paraguaia, como todas as demais
elites do Rio da Prata do período, acreditava que o caráter liberal do seu Estado era uma espécie
de porto-seguro, pois isso, somado aos imensos recursos naturais do país, seria suficiente para
convencer financistas estrangeiros a emprestar grandes quantidades de recursos com os quais o
Estado financiaria a expansão da produção pecuarista. Ao mesmo tempo, ela esperava
ansiosamente que capitalistas internacionais introduzissem capitais e tecnologias para
diversificar a estrutura produtiva do país para que ele pudesse fugir, deste modo, da
dependência secular do comércio de erva-mate e do vínculo com a economia regional platina.
Por último, como foi comum da crença liberal do século XIX e de parte do século
XX, “governar é povoar”, famosa máxima do pensamento liberal compartilhado pelas elites
platinas, expressada nessa lapidaria conclusão pelo argentino Juan Bautista Alberdi
269
: da
importância que davam a imigração européia. Em suma, o Estado liberal paraguaio e a sua
“democracia”, garantidos tanto pela liberalíssima constituição de 1870 como pelo códigos
jurídicos importados da Argentina, trariam capitais privados, empréstimos ao governo,
tecnologia e homens brancos, de preferência da Europa setentrional, e fariam o progresso e a
civilização no Paraguai
270
, como o que ocorria na Argentina.
Independentemente do facciosismo e da violência política entre os membros dessa
mesma elite, todo o projeto de reconstrução nacional fundou-se, portanto, em elementos
externos, quer os humanos, quer os tecnológicos, quer os de capitais e quer mesmo o
ideológico
271
. Grande engano. O sonho de um Paraguai “grande e feliz” com um acelerado
269
Ver ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da Organização Política da Argentina. Campinas:
Unicamp, s/d, [1852].
270
Este projeto foi esboçado por KRAUER, Juan Carlos Herken. La Revolucn Liberal de 1904 en el
Paraguay: El transfondo socio-económico y la perspectiva británica”. In: Revista Paraguaya de
Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995b.
271
Embora organizado de maneira “estatizante”, isso não significa dizer que o regime lopizta tenha sido
muito diferente, como imaginou uma certa literatura de esquerda das décadas de 1950, 1960 e 1970,
exemplificada pelo poeta uruguaio Eduardo Galeano. Ver GALEANO, Eduardo. As veias abertas
da América Latina. Trad. Galeno de Freitas. 21ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. Ao
contrário do que predicou esta esquerda, o regime lopizta também paltou-se em elementos externos
de crescimento econômico, o chamado “crescimento para fora” sem a prosperidade do povo,
baseando-se “essencialmente nas exportações de produtotos primários”, mesmo que o seu governo
103
progresso sob “a sombra d[a] [...] constituição liberal” conforme o desejo dos sobreviventes e
dos ex-emigrados anunciado em 1º de outubro de 1869 no programa do jornal “La
Regeneración” – parecia esfumaçar-se
272
. O país se encontrava permanentemente assolado
numa avassaladora crise econômica, pois o esperado capital privado não chegou; os
empréstimos ao Estado não na proporção desejada; a tecnologia e os imigrantes muito menos,
sem falar no drama das “revoluções” políticas.
Por conseguinte, também o sonho de se imitar e acompanhar a prosperidade
material que se iniciava na Argentina ou mesmo no Uruguai, geograficamente tão próximos,
parecia o querer virar realidade. Isso possibilitou, ao final do século, tomar conta de alguns
paraguaios a sensação de que a guerra civilizadora” talvez não se justificasse, ainda mais que
o modelo lopizta começava a parecer-lhes, ao contrário do de então, bastante promissor.
Exatamente assim imaginou Blas Garay tanto no seu “Compendio..., como o vimos, como
também no seu “Reseña Histórica del Paraguay”. Neste pequeno ensaio, Carlos Antonio López
ainda sob o título de Cônsul e dividindo o poder com Roque Alonso, teria tomado oportunas
medidas” de governo. Com elas, segundo Garay, o Paraguai podia...
“combater la vagancia, fomentar la producción nacional y facilitar la traslacn de
un puto á outro de la república ó a entrar en ella disminuyendo el rigor en materia
de pasaporte; la erección de la Villa de Encarnación y del pueblo de Cármen; la
conversión de los diezmos á una tasa fija segun las especies; la exenciones de los
tributos concedidos á algunos pueblos en recompensa de servicios públicos; la
conceción de terras fiscales [estatais] en enfiteusis para fomentar la ganadería; la
construcción de un edifico especial para el Congresso; la creacn de una fábrica de
tercerolas; la apertura de grandes caminos públicos; la introducción de una
imprenta oficial, y muchos otros importantes trabajos...”
273
.
Mas Garay como também O’ Leary e Dominguez, este agora com uma tradição
diferente de pensamento teoricamente possuía ainda maiores motivos para olhar com bons
olhos o regime lopizta e desconfiar do de então. Este último, emergido de um país semi-
destruído, vivendo sob extremada crise econômica e da não concretização imediata do
ambicioso projeto liberal acima aludido
274
, não deu outra opção aos seus governantes pelo
buscasse modernizar tecnicamente o país. DORATIOTO, Francisco Fernando Mondeoliva.
Maldita..., op. cit., p. 29.
272
La Regeneración, 1º de outubro de 1869.
273
Ver GARAY, Blas. Reseña Histórica del Paraguay”. In: DECOUD, Arsenio López. Álbum Gráfico
de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres Gráficos de la Compañia General de
Fósforo, 1911, p. 41.
274
Deve-se dizer que enquanto durou o regime instaurado em 1869/70, ele nunca fora realmente
abandonado.
104
menos no interior da própria racionalidade desse mesmo projeto senão a alienação do rico
patrimônio público aos estrangeiros, ato que, supostamente, alavancaria ao menos a
colonização do país. E foi só o tenso clima político dos primeiros anos amenizar para os
caudilhos colorados, ávidos por tornarem-se eles próprios proprietários particulares,
começarem a vender sistematicamente as terras do Estado, apesar de possuírem grandes
vínculos com o antigo regime “estatizante” destruído na guerra.
Momentaneamente, durante a década de 1880 e parte da de 1890, essa política de
privatização teve o efeito de fazer refluir o constante déficit dos cofres públicos, problema
crônico da economia paraguaia. Não obstante, logo mais nos últimos anos da década de 1890,
este problema retornou com a mesma dimensão e intensidade dando seqüência ao velho
pesadelo. as outras conseqüências dessa política de privatização foram, todavia, muito mais
longas. A alienação colaborou para formar grandes latifúndios pecuaristas ou simplesmente
improdutivos, que além de saírem do controle dos governos, tiveram o efeito de tornar ainda
mais improvável a imigração dos tão desejados colonos europeus, pois estes migravam com o
intento de tornarem-se pequenos proprietários agrícolas, mesmo que de subsistência, enquanto
a lógica do regime de terras recém estruturado no país era a de expulsá-los dela em favor da
grande propriedade pecuarista.
Por conseguinte, junto da “fuga” dos próprios camponeses paraguaios às
províncias do norte da Argentina ou à capital Assunção – “fuga” que tomou proporções
alarmantes, 30% da população na primeira década do novo século, ainda mais que coincidia
justamente com a instalação e expansão das grandes indústrias argentinas exportadoras de
madeira, carne, mate, tanino, etc. –, muitos europeus já instalados no Paraguai abandonaram-no
em favor de outras partes do Rio da Prata, particularmente Argentina
275
.
Por décadas foram constantes nos jornais assuncenos as denúncias, as explicações
e a caça dos culpados dessa emigração de imigrantes
276
. Na década de 1920 o periódico “El
Liberal” pode exemplificar como também o poderia o “El Independientede 1889
277
– o quão
comum se tornou essa situação no Paraguai. Em um artigo apócrifo de dezembro de 1922
275
Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopías & revoluciones..., op. cit., p. 109. A motivação mais
provável dessa fuga dos próprios europeus do Paraguai deve-se ao não cumprimento por parte dos
governos das condições que lhes havia prometido; soma-se a isso a situação sócio-política do campo,
onde o respeito aos bens e a propriedade do europeu colono via-se afetada pela sua posição política.
276
É verdade que a mudança de imigrantes a outros países americanos e o retorno deles a própria
Europa ocorreu também em outros países. Contudo, talvez, as proporções no Paraguai podem Ter
sido superiores a do restante dos países da América do Sul.
277
El Independiente” de 19 de abril 1889
105
intitulado “El exodo de colonos”, denunciou o abandono de oitenta famílias da colônia alemã
de “Mubebo” ou “Independencia”, embora afirmasse que o culpado de tal abandono fosse o
próprio chefe desta colônia, um velho senhor alemão
278
.
A atitude desses, europeus que diante das dificuldades preferiam se mudar mais
uma vez, ainda que sem o querer ajudavam a dar mais crédito a famosa “Lenda Negra
paraguaia, uma espécie de caldo ideológico atualizado com um fim bastante pragmático:
impedir que imigrantes europeus seguissem subindo o Rio da Prata e ficassem instalados no
Paraguai, ao invés da Argentina. Propagandeada principalmente em Buenos Aires, esta
representação expunha o Paraguai como um país dominado por hordas de bárbaros índios
guaranis em constantes conflitos entre si, relembrando as publicações dos dias da “Guerra
Grande”.
Não obstante, para camponeses paraguaios, pessoas humilhadas pela perda de
terras e gados e também tencionadas ao extremo pela constante violência caudilhesca a partir
da conflagração dos vários golpes, quarteladas e “revoluçõesque se sucederam por toda a
primeira década do século XX 1902, 1904, 1908, 1909, eminência golpista em 1910 e uma
guerra civil nos anos de 1911 e 1912 –, o passado começou a colocar-se de forma cada vez
mais idealizada e, sobretudo, um suposto passado idílico lopizta. Um filão de reverência ao
Marechal López, sobrevivente nos meios populares mesmo em meio da completa condenação
de sua figura nas esferas oficiais e “cultas”, começou décadas depois a ganhar cada vez mais
respaldo histórico-social
279
. Conforme sintetize de Evaristo Duarte,
No imaginário popular o passado lopizta projetava-se com uma luz cada vez mais
poderosa à medida que se afastava no tempo. Isso se devia principalmente à
condição humilhante a que haviam sido jogados os camponeses e suas famílias
pela política de privatização das terras que os obrigava a pagar tributos a
proprietários cujo rosto nunca viram, ou então forçados, como párias, a deixar suas
lavouras, e migrar para a capital ou para as províncias argentinas. Era
relativamente fácil, nessas circunstâncias, que se produzisse uma idealização das
condições, supostamente idílicas, em que os camponeses viviam na época
lopizta”
280
.
Quem primeiro depois do próprio Garay, mas partindo de uma nova filosofia
com muita ousadia capitalizou tais sentimentos e começou a contar de forma pública e
sistemática uma outra história diferente da história liberal hegemônica de então foi Juan E. O’
278
Ver El Liberal”, quinta-feira, 14 de dezembro de 1922.
279
Conf. BREZZO, Liliane. “La historiografía paraguaya: del aislamiento a la ...”, op. cit., p. 166.
280
Ver COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 80.
106
Leary, desde as ginas do “La Patria”, em 1902, utilizando-se para isso o pseudônimo de
Pompeyo González. No início, porém, mesmo o seu revisionismo não se pautou pela
reivindicação do Marechal López. Mas, de qualquer forma, sua ousadia foi tamanha que
começou pela temática da própria guerra do Paraguai contra a Tríplice Aliança, a grande ferida
paraguaia. Em 2 de maio de 1902 deu início a publicação de uma série de artigos intitulados
“Recuerdos de Glória”, recontado de maneira épico-poética as batalhas da guerra, isto é, as
“glórias” que os heróicos” soldados paraguaios teriam acumulado em favor de sua pátria
281
.
Esta série de artigos chegou a alcançar o mês de fevereiro de 1903, sendo que a
partir do mês de novembro de 1902 O’ Leary publicou-a concomitantemente a uma outra série:
a que julgou como uma “peregrinação intelectual atravésda história” paraguaia para assim
refutar e atingir a Cecilio Báez, o seu antigo mestre e ainda correligionário liberal. Intitulou-a
de “El cretinismo paraguayo
282
”, alusão a recente tese de Báez a respeito do caráter “cretino
do povo paraguaio, caráter este ainda persistente em decorrência das conseqüências do
“despotismo” que ele sofreu nas mãos dos ditadores do passado
283
.
Em realidade, essa tese de ez não era outra coisa senão uma mera atualização,
ou, se preferirmos, um outro nome dada à tão propalada tese da degeneração da população
paraguaia. A diferença é que agora, pela primeira vez, em decorrência da prenunciada polêmica
com o “La Patria” e com O’ Leary, ela foi depois de mais de três décadas enfim sistematizada a
partir de argumentos históricos por uma mente de grande capacidade. A partir de 18 de outubro
de 1902, Báez publicou nas páginas do “El Cívico” os famosos artigos que supostamente
comprovariam conforme o próprio nome do primeiro artigo da rie, “La educación: las
prueblas del cretinismo” – o “cretinismo” do povo paraguaio
284
.
Logo mais, em 1903, o autor agrupou-os em um livro intitulado “La Tiranía en el
Paraguay
285
. De qualquer modo, entretanto, foram nesses dois diários assuncenos, mais do que
em qualquer outro espaço, que se deu sistematicamente o confronto da história oficial, isto é, da
história contada a maneira liberal, contra a contra-história revisionista, ainda incipiente.
Juan E. O’ Leary, talvez um pouco mais do que Cecilio Báez, desde tenra idade
vinha atuando como escritor em diversos jornais. O seu próprio seguidor, Juan Natalício
281
La Patria”, 2 de maio de 1902.
282
La Patria”, 20 de novembro de 1902.
283
La Patria”, 17 de outubro de 1902.
284
El Cívico”,18 de outubro de 1902.
285
Ver BÁEZ, Cecilio. La Tiranía en el Paraguay..., op.cit.
107
González em “Solano López y otros ensayos”
286
, narrou-nos a trajetória que O’ Leary teve
como publicista em alguns periódicos assuncenos até a conflagração da briga que sustentou
com Báez. havia escrito no “El Invisible”, um pequeno diário que corria sigilosamente no
interior do “Colégio Nacional”, espaço onde cursou os estudos secundários a partir de 1895. Na
mesma época, em companhia de outros jovens, fundou uma sociedade literária chamada “El
Porvenir”. Adiante fundou, com Ignacio A. Pane, o “La Juventude”. Não obstante, ainda
segundo Juan Natalicio Gonlez, foi no “El Estudiante” onde publicou os seus “primeiros
artigos de corte nacionalista”
287
.
Juan E. O’ Leary não conseguiu concluir os estudos superiores iniciados na
“Escuela de Derecho”: abandonou-o, como Manuel Gondra, para dedicar-se ao ensino
secundário e ao próprio jornalismo. Contudo, ainda assim, não deixou de projetar-se como um
intelectual. Em 1899 fez a leitura da poesia El Alma de la Raza” no “Teatro Nacional”, poesia
de sua própria autoria publicada em julho do mesmo ano na “Revista del Instituto
Paraguayo”
288
. Foi grande o impacto desse trabalho nos círculos da revista, obtendo também
alguma repercussão em todo o ambiente letrado de Assunção. Nele, muito longe de “bárbaro” a
“regenerar”, o índio guarani foi reverenciado como uma “nobre estirpe”, embora com o triste
lamento da “morte” de sua “raça”, da perda de sua “terra” e “pátria” em favor do “altivo
paládio ibérico”. Vejamos algumas estrofes:
[...]
Es de la raza guaraní la sombra
Que gime en la espesura,
Palpita en las tinieblas de la noche
Y duerme en las auroras.
Es de la estirpe que perdió su patria
El alma que se queja
Es ella la que lanza entre el follaje
El fundo grito de su raza muerta.
[...]
Allí recuerda la pujanza firme
De aquel cacique Lambaré famoso
Que al blanco sim igual mostrara
El férreo temple de su noble estirpe
286
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. Solano López y otros ensayos. Paris: Editorial de Indias, 1926.
287
Idem, p. 100.
288
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. “El Alma de la Raza”. In: Revista del Instituto Paraguayo,
Asunción, año 2, nº 18, 1899, pp. 305-311.
108
Allí lamenta su perdida tierra
Allí lamenta su extinguida raza,
Y de los montes los lejanos ecos
Van repitiendo sin cesar sua queja”.
[...]
289
um ano exato, em julho de 1898, O’ Leary havia lido e publicado, também na
“Revista del Instituto Paraguayo”, a poesia 24 de Mayo”, título em alusão a uma das batalhas
da guerra entre o Paraguai e a aliança
290
. Esta poesia seria no futuro próximo a principal
inspiração para a série Recuerdo de Glorias” publicada no “La Patria” em 1902 e 1903. Suas
estrofes cantam, igual que a série, com grande êxtase o “fulgor heroísmo dos “titânicos
soldados” paraguaios, homens “defensores da pátria” e “orgulho de sua “história” ante a
“torrente infernal do inimigo”, “vândalos da América”
291
.
Por conta dessas e ainda outras poesias, “Salvaje!
292
”, por exemplo, dedicada a
Manuel Dominguez, não seria incorreto afirmar que o revisionismo histórico de O’ Leary, antes
que historiográfico, iniciou-se de fato com a linguagem poética. Suas poesias, em termos de
conteúdo, ao invés de por o índio e o soldado da guerra como seres degenerados e bárbaros,
conduzidos docilmente pelo tirano, expunha-os, respectivamente, ao contrário, como valorosos
“nobres” e “heis”. Generalizando, foi esta a mesma tecla que logo O’ Leary insistiria em
defender nos seus “Recuerdos” ao rememorar as principais batalhas da guerra. Já em termos de
forma, elas marcariam por definitivo os contornos da escrita histórica, principalmente o tom
épico e dramático, selo sempre distintivo de O’ Leary.
Esse seu jeito” de escrever, somada a própria contundência e um certo respaldo
ou mesmo fama que conquistou ao refutar a história liberal de Báez, influenciou, ainda que
com temporalidades diferentes, também a escrita histórica de Manuel Dominguez e Fulgêncio
Moreno, pelo menos a partir de seus próprios revisionismos
293
. De qualquer forma, dem
diante, paulatinamente o voluntarismo, a irracionalidade e a idealização positiva do passado por
parte desses autores, bem como do próprio O’ Leary e de J. Natalicio González na gestação de
suas respectivas contra-história, chegaram a tal ordem que fizeram Liliane Brezzo afirmar a
289
Idem, p. 306 e 308.
290
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. 24 de Mayo”. Revista del Instituto Paraguayo, Asunción, año 2,
13, julho de 1898, pp. 25-28.
291
Idem, julho de 1898, p. 25 e 27.
292
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. Salvaje!”. Revista del Instituto Paraguayo, Asuncn, año 4,
36, 1902, pp. 435-438.
293
É so na década de 1920 que Fulgencio Moreno tornou-se claramente revisionista.
109
existência da oposição entre uma história “sincera”, tendo como principal representante Cecilio
ez, e uma história “patriótica”, isto é, menos “sincera”, representada principalmente por O’
Leary, onde nenhum feito da “pátriapoderia ser denunciado, pois isso se caracterizaria como
um anti-patriotismo
294
.
Mesmo Ignácio A. Pane, por exemplo, cientista social evolucionista, isto é,
positivista spenceriano e darwinista social como o próprio Báez quando escreveu trabalhos
sociológicos
295
, também passou por esse processo quando escreveu um trabalho de cunho
historiográfico. Referimo-nos ao Album Gráficoorganizado por Arsenio López Decoud e
publicado em comemoração do centenário da independência do Paraguai. Nele Pane, ainda que
com uma tímida participação, escreveu um ensaio contanto a história da “Intelectualidad
paraguaya”, onde cantou louros a sua “geração” de intelectuais, pois a ela, segundo o seu
entendimento, coube...
la gran obra de reparacn de la justicia histórica, la de descargar las colosales
figuras de los López y nuestros guerreros de 1865-1870 del monn de censuras,
befas y condenaciones que la Triple Alianza y los extranjeros y algunos
nacionaless imbuidos de su espíritu, arrojaron contra ellos y sobre ellos. Podemos
decir que hoy, gracias á la juventud, se há llegado á suprimir ó descartar la
añagaza partidista del Lopizmo y consagrar como credo del espíritu nacional...
En esta obra de justicia histórica y de natural y gica elaboracn espiritual de la
sociedad, sido el campeón, el sostenedor de la justa, Juan E. O’ Leary... [grifo
do autor]
296
.
Nessa tarefa de reparação da “justiça histórica”, Pane, embora um intelectual com
preocupações sociológicas, também se inseriu na linha de Enrique Solano López e Arsenio
López Decoud respectivamente filho e sobrinho do Marechal López e, portanto, com
particulares interesses revisionistas –, na de Manuel Dominguez e, é claro, na de Juan E. O’
Leary, o “campeãoda “justa” contra ez, como Pane o considerou. Todos, pela época do
centenário de independência do Paraguai, eram já francamente intelectuais lopiztas.
Mas voltemos um pouco ao passado. O’ Leary, devido a todos esses trabalhos
acima mencionados, quer poéticos ou jornalísticos, não era nenhum desconhecido quando em
294
Conf. BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay: historiografía...”, op. cit., p. 64.
295
Ver PANE, Ignacio A. Apuntes de sociologia. Geografia social. La mujer guarani. Asunción:
Imprenta Nacional, 1997, [s/d]. Ver também PANE, Ignacio A. Antologia. Asunción: El Lector,
1996, [s/d].
296
Ver PANE, Ignácio A. “Intelectualidad paraguaya”. In: DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico
de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres Gráficos de la Compañia General de
Fósforo, p. 267.
110
1902 duelou com Báez, embora, certamente, o seu prestígio não se comparasse com o do
mestre, 17 anos mais velho
297
. Báez, por seu turno, guardião do oficialismo histórico, ficou
horrorizado com a campanha que O’ Leary vinha empreendendo no “La Patria”, campanha esta
que segundo Raul Amaral privilegiou justamente o arsenal literário do romantismo, do qual
ez era por formação extremamente carente
298
.
Em fins de maio de 1902 Báez havia retornado do “Segundo Congresso Pan
Americano” realizado no México
299
, onde, mesmo participando de um secreto “Comité
Revolucionario” para derrubada da hegemonia colorada
300
, resolveu aceitar o convite dessa
missão oficial e representar o governo paraguaio de Juan A. Escurra para defender a questão da
“arbitragem” de países neutros quando dois outros disputassem um mesmo território.
Tratava-se de uma questão crucial e extremamente cara ao Paraguai, pois ele
perdeu numa guerra grandes porções de terras aos dois principais países da Tríplice Aliança,
além de ter chegado a beira da perda de todo o território do Chaco à Argentina não fosse a
favorável “arbitragem” dos EUA. Mas, ainda assim, seguir com o risco da perda da soberania
sobre este mesmo território, a metade ocidental do território nacional, deliberadamente
contestada pelas autoridades bolivianas
301
.
Desde o México, Báez, com alguma regularidade, enviava artigos para serem
publicados no próprio “La Patria” e outros diários, relatando desde coisas diversas, como sua
recente estada na Europa ou curiosidades do país anfitrião, bem como questões mais
importantes relativas ao próprio congresso e a sua atuação nele
302
. Aliás, esta foi muito
muitíssimo aplaudida e comemorada na imprensa local, sendo que uma acalorada recepção,
amplamente divulgada no “La Patria”, foi-lhe organizada para o dia de sua chegada em
Assunção, marcada para 21 de maio
303
.
297
Juan E. O’ Leary tinha 23 anos ao fim de 1902, enquanto Cecilio Báez tinha 40 anos.
298
Conf. AMARAL, Raul. El novecentismo paraguayo: línea biografica..., op. cit., p. 3.
299
Em 1901, um anos antes, Báez havia participado em Montevideu do Primeiro Congresso
Panamericano.
300
EsteComité Revolucionario”, formado em todo sigilo, estava composto por eminentes figuras
paraguaias: General Dr. Benigno Ferreira, Dr. Cecilio Báez, Emiliano González Navero, Emilio
Aceval, Gillermo de los Ríos, estavam entre os tesoureiros do Comitê.
301
Não podemos nos esquecer do episódio bélico ocorrido entre a Bolívia, o Peru e o Chile na década de
1880 por questões de disputas territoriais.
302
Há, entre outros, um artigo de Báez no “Lá Patria” intitulado “El Dr. Báez”, no qual ele mesmo,
ainda fora do Paraguai, relata a sua viagem realizada recentemente à Europa. La Patria”, 17 de maio
de 1902.
303
Foi organizada uma comissão para preparar o festejo do retorno de ez ao Paraguai, sendo que,
ironicamente, mesmo um futuro lopizta como Arsenio López Decoud, fez parte da direção da
mesma. “La Patria”, 19 de maio de 1902.
111
Não obstante, por volta dessa data eram já diversos os artigos revisionistas de O’
Leary publicados nesse mesmo diário, a partir do pseudônimo Pompeyo González. Em um
deles intitulado “Mitre”, falava de uma “sombra negra” que teria incidido sobre o Paraguai,
“saqueando-o” e fazendo também “livros de história, [...] discursos, [...] versos, [...] povos
livres [...] e que em três meses dominaria Assunção”. Com claro sarcasmo irônico, tal “sombra”
referia-se ao peso da mão de Bartolo Mitre, figura que além de historiador, político e
presidente da república argentina durante grande parte do desenrolar da guerra, foi
concomitantemente um dos generais em chefes das tropas da Tríplice Aliança. Demasiado
otimista, Mitre calculou ser necessário apenas 90 dias para se chegar e “liberar” a capital
paraguaia e o próprio Paraguai do “tirano” Marechalpez
304
.
Em outro artigo O’ Leary ao render homenagem a JoP. Urdapilleta, soldado
paraguaio sobrevivente da guerra que acabara de falecer, fustigou severamente os soldados
legionários, isto é, as tropas da “Legión Paraguaya comandadas pelo Coronel Iturburu que
lutaram junto da aliança. Segundo O’ Leary (isto é, Pompeyo González), Urdapilleta, um
“herói de corpo inteiro”, tinha tudo para tornar-se também mais um mero legionário “traidor”
da pátria como tantos outros paraguaios, pois tinha sua falia exilada no exterior devido a
desentendimentos com o governo lopizta.
Contudo, não a traíra: ao ver o inimigo chegar, “escutou o grito de chamada,
tomou a arma e correu ao campo de batalha” para defendê-la
305
. Este artigo, possivelmente, foi
um dos primeiros pronunciamentos onde as tropas legionárias de coadjuvantes na “libertação”
do Paraguai, tese oficial, foram explicitamente taxadas de traidoras” da pátria, representando,
assim, uma total inversão de valores, como os que logo mais Pompeyo González, seguindo a
mesma racionalidade, anunciaria permanecer estendendo não só a questão dos legionários,
senão também a toda a interpretação da guerra.
Isso se deu em agosto de 1902, quando o desentendimento historiográfico com
ez estava prestes a explodir e a tomar contornos simbólicos extremamente violentos”
306
.
304
Ver artigo denominado “Mitre”. La Patria”, 17 de abril de 1902.
305
Ver artigo intitulado “D. José Urdapilleta”. “La Patria”, 28 de abril de 1902.
306
Nos dias 29 e 30 de agosto de 1902, foram publicados respectivamente dois artigos intitulados “El
Maestro”, sendo um deles de autoria de Pompeyo González. O “maestro” referia-se a figura de
Cecilio Báez. Recentemente ele havia censurando a juventude paraguaia por ela fixar-se no passado
esquecendo-se do que realmente importava: o presente. Em realidade, era uma crítica que Báez
dirigia a Juan E. O’ Leary, também um jovem, devido a série de artigos que intitulou “Recuerdos de
Gória”. Os artigos El Maestro”, sustentando ainda um tom conciliador e cordial, foram uma
resposta a esta crítica de Báez e já beiravam a completa ruptura. Mas esta não tardaria a chegar. Ver
La Patria”, 29 e 30 de julho de 1902.
112
Nesse momento O’ Leary publicou o artigo “Oh! Los libertadores”, que, embora
provavelmente muito pouco conhecido, prenuncia aquilo que se tornou o cerne de sua vida
intelectual: a revisão da história da guerra de “seu país contra a Tríplice Aliança.
Como no artigo “Mitre”, O’ Leary fez nele explicita referência a história contada
até então. Sentindo-se ameaçado depois que começou a publicar a série “Recuerdos de Glória”,
em um tom um tanto que desafiador questionou o porquê de somente os seguidores de Mitre
terem o direito de falar”; o porquê de somente eles, os argentinos, serem considerados os
“heróis”, os “mártires e os “sacrificados”; o porquê de eles serem vistos como os que
escreveram com “sangue a epopéia da liberdade dos escravos dos López; o porquê de serem
eles os que com “lágrimas” escreveram o “poema sombrio da tiranialopizta
307
. A eloqüência
com que O’ Leary escreveu estes questionamentos é notável: Vejamos como se deu um dos
parágrafos subseqüentes:
Durante mas de trinta años [los argentinos] han dito al mundo que la Triple
Alianza habia libertado á un pueblo de miserables [...]. Durante mas de trinta años
los verdugos del Paraguay tejieron la espesa red de sus infames calumnias.
Estaban ya acostumbrados á llamarnos selvajes. Estaban ya acostumbrados á
escarnecer las glorias mas puras del Paraguay. Nadie protestó contra tanta
iniquidad” [grifos do autor]
308
.
E que, como disse, “ninguém protestou” contra imensa “injustiça”, ele mesmo
pôs-se a fazer isso com os seus “Recuerdos de Glória”. E, de fato, com a fama que conquistou
depois da batalha com Báez, o faria por toda a sua vida, mesmo que objetivamente não seja
possível acreditar que tenha posto conscientemente tal revisão histórica, desde o princípio,
como um projeto de vida conforme mais tarde no seu “Los Legionários” daria a entender
309
.
Mas, de qualquer forma, era com os seus “Recuerdos” que acreditava estar dando o início a
307
La Patria”, 5 de agosto de 1902.
308
Idem.
309
Em 1930 na obra Los Legionarios”, O’ Leary então um militante e convicto antiliberal afirmou
deliberadamente a ligação dessa sua obra escrita para a condenação das tropas legionárias na
guerra com a campanha que empreendeu no “La Patria” contra Ceclilio ez em fins de 1902.
Ambos os escritos, para ele, seguiam os mesmos critérios e possuíam os mesmos objetivos.
Vejamos: “Há 28 anos, no alvorecer da juventude, foi nosso o primeiro protesto do Paraguai que
ressuscitava contra o criador de uma escola de renunciamentos patriótico, de veneração ao vencedor
e de negação de nossas glórias. [...]. É força cumprir [hoje], uma vez mais, o dever que nos
impusemos ao iniciarmos na vida de escrever. [...]. Não importa que ctor Decoud seja o mais
depreciável dos homens”. O’ Leary, nessa obra, pôs-se a tarefa de combater a ctor Francisco
Decoud, filho do legionário Juan Francisco Decoud, da mesma forma que, como imaginou,
combateu a Báez 28 anos atrás. Hector Decoud recentemente havia escrito a obra “Los emigrados
113
uma outra forma, isto é, a justa forma de se contar e rememorar as glórias conquistadas nas
diversas batalhas da guerra, glórias que de direito pertenciam, ao contrário do que se dizia até
então, aos paraguaios e não aos discípulos de Mitre ou à Argentina. Aliás, como afirmou em 2
de maio no primeiro artigo da série, ao patriota “recordar a obra de heroísmo de nossos pais” é
uma obrigação fundamental. Portanto “que” esse “diário” no caso o “La Patria “faça
ressonar sua trombeta de ouro sobre o solo, mausoléu de heróis, anunciando em cada data e
glória [...] que a pátria nova se ajoelha ante a tumba da pátria velha
310
.
E como Pompeyo disse concluindo o “Oh! Los libertadores”, continuaria a
escrever os seus Recuerdos...”, ou seja, a “ressonar sua trombeta”, independentemente das
ameaças e “moléstias” que afirmou estar sofrendo por conta disso que considerou uma grande
obra de “reparação” de décadas de “injustiça”, pois, em que pese o real “perigo” dos “canhões”
argentinos que afirmou querer fazer-lo calar, era “hora”, disse, “de que a luz da verdade
histórica ilumine esse passado de eterna glória ao Paraguai
311
. Para o mês de agosto, a série
“Recuerdos de Glóriaestava em seu décimo primeiro artigo e, de fato, a pena de O’ Leary
gastaria cada vez mais tinta e papel em sua obra “reparadora” e “justiceira”.
Não obstante, O’ Leary não foi o primeiro membro da “geração de 900a por o
soldado e o paraguaio do tempo da guerra na condição de honrosos forjadores de “glórias” para
a pátria e “heróis” nacionais ao invés de seres degenerados e meros seguidores inconscientes da
vontade do Marechal López: “lopezguaios”, conforme foram chamados os exércitos lopiztas
particularmente pelas tropas brasileiras. Bebia, ainda que sem o afirmar, no manancial que
Blas Garay apontou seis anos antes no seu “Compendio.... Foi nesta obra, que,
verdadeiramente, o revisionismo histórico paraguaio deu, talvez, a sua primeira tacada. Nela,
junto da positiva educação ofertada pelos governos lopiztas, depois de destacar, entre outras
coisas, as escassas possibilidades materiais, licas e de quantidade de soldados quando se
comparam ambos os lados em pugna, Garay também comparou, em contrapartida a estes
obstáculos, as qualidades do soldado paraguaio e o “heroísmocom que ele empreendeu a
“resisncia” paraguaia na defesa do “solo da pátria”, “desmentindo” dessa maneira as
“predicações” de Mitre a respeito dos prazos da guerra, ou seja, de que em apenas 90 dias a
aliança alcançaria e “liberaria” Assunção. Vejamos:
paraguayos en la guerra de Triple Alianza”, defendendo a atuação de sua família. Ver O’ LEARY,
Juan Emiliano. Los Legionarios. Asunción: Editorial de Indias, 1930, p. 39.
310
La Patria”, 2 de maio de 1902.
311
La Patria”, 5 de agosto de 1902.
114
Ningún pueblo rayó s alto em el heroísmo con que defendió el suelo de la
patria; ninguno llevó á tan extrema abnegacn el sacrificio por la integridad del
territorio: vencedores ó vencidos en victorias que hacian pagar muy caras, cada
vez se debilitaban más; combatidos por las epidemias, por la desnudez, por la
falta de alimentos, por las marchas penosísimas al través de los montes,
continuaban sin desmayar su heroica lucha, y los que caían prisioneros (lo cual,
desde el punto de vista del bienestar material, era una fortuna) aprovechaban la
primera coyuntura para huir y reincorporarse á su jefe. Jamás el orgullo
nacional arrastró á más gloriosas acciones: peleaban los paraguayos con tan
terrible encarnizamiento que desde los primeros combates los aliados
adquirieron esta convicción, que ha sido consagrada en copiosos documentos
durante toda la guerra: á los paraguayos sólo se les coge prisioneros cuando no
pueden ya valerse; caídos por tierra, se defienden contra todos los que se les
acercan; y cuando, curados desde sus heridas y regalados, recobran sus fuerzas,
huyen, así que pueden hacerlo, para ir á ocupar su puesto en las siempre
honradas filas del ejército nacional.
El 1º de Marzo de 1870, López, que estaba en Cerro Corá con 470 hombres, fué
atacado por el grueso del ercito enemigo, que dio fin con la pequeña fuerza y
muerte á Lopez, al vicepresidente Sánchez, al ministro de la guerra Caminos y á
otros más, que rehusaran rendirse. Con este hecho terminó la guerra, que
desmintiendo las predicciones del general Mitre, duró seis os, durante los
cuales el Paraguay no recibió del extranjero ni un solo fusil ni un solo tiro, pues
estaba completamente encerrado por el enemigo, que sin contar las ventajas de
la posicn y del armamento, representaba una fuerza doce veces superior”
312
.
Embora uma pequena obra, o “Compendio... de Garay, ainda que sucintamente
devido o fato de ser um manual de história, possuía as principais teses futuramente
desenvolvidas pelo revisionismo, inclusive esta do “heroísmo” paraguaio na guerra, a primeira
e mais “fácil” delas. Logo mais em 29 de janeiro de 1903, o então vice-presidente da república,
Manuel Dominguez, tomando partido de O’ Leary em sua contenda contra Báez, proferiu uma
conferência na “Revista del Instituto Paraguayo dando a conhecer o seu recém escrito
intitulado “Causas del heroísmo paraguayo”, um ensaio publicado nesta mesma revista tendo
por objetivo dar uma explicação plausível para a suposta encarniçada resisncia que o
paraguaio conseguiu sustentar durante tanto tempo, seis anos segundo Garay, contra a Tríplice
Aliança. Tais explicações de Dominguez pautaram-se pela superioridade “racial” do homem
paraguaio frente aos inimigos de guerra do passado e/ou aos vizinhos do presente, dando
impulso ao seu pprio revisionismo
313
.
312
Ver GARAY, Blas. Compendio Elemental de Historia del Paraguay..., op. cit., p. 296 e 297.
115
3.2 Os polemistas: Báez x O’ Leary e Dominguez
Mas essa importante conferência de Manuel Dominguez não se a entende seo
por conta do desenrolar do conflito nos diários assuncenos entre O’ Leary e Báez. Então vamos
diretamente a ele. Cecilio Báez, em outubro de 1902, fazendo um balanço do “Banco
Territorial” e da crise sistêmica que tomava conta da economia paraguaia crise agudizada na
virada de século que nem mesmo os serviços da dívida britânica conseguiam ser pagos com
regularidade, impossibilitando novos empréstimos , fez sérias acusações a esta instituição
financeira, pondo-a como pouco rentável, mitificadora e disposta a enganar o povo por meio
das publicações que estava levando adiante no diário “La Patria”.
Segundo disse em sua lapidária conclusão, ela “engana o povo paraguaio, povo
cretinizado por saeculorum despotismo. E que em tudo crê porque o povo segue sendo
semelhante a um cretino, isto é, a um ser sem vontade nem discernimento” [grifo do autor]
314
.
ez, segundo Brezzo, referia-se particularmente ao “cretinismo” causado pelas heranças
históricas do período da Primeira República Paraguaia, período este compreendido entre os
anos de 1811 e 1865. Nele houve “54 anos de despotismo” que trouxeram ou fizeram a “nação”
permanecer com a “incomunicação com o mundo exterior, com o “terror”, com a “tibieza”,
com a “pobreza”, com a “servidão”, e tudo isso, somado a “insensatez, “orgulho” e
“vanidade” de seu último governo, acabaram por levá-la à completa “ruína”, sucumbido-a
quase que por definitivo ao fim da guerra em 1870
315
.
Antes mesmo de O’ Leary pôr-se a contestar Báez, o próprio La Patria”, por
meio de artigos apócrifos, defendeu-se fornecendo argumentos estritamente bancários; fazendo
ameaças a Báez pelo desrespeito ao povo paraguaio, povo que recentemente o acolheu no dia
do seu retorno do estrangeiro; e, interessantemente, expondo comparações entre os números de
acusados de assassinato no Paraguai e de outros diversos países europeus, sendo que os
números paraguaios seriam os mais baixo de quase todos eles, um sinal, ao contrário do que
suporia Báez, de sua civilidade
316
.
313
Ver DOMINGUEZ, Manuel. “Causas del heroismo paraguayo”. Revista del Instituto Paraguayo,
Asunción, año 4, nº 38, 1903, pp. 643-675.
314
Não achei o original publicado no diário “El Paraguayem comos de outubro de 1902. Portanto
esta citação é uma que o La Patria” fez para defender-se, publicada ainda no mesmo mês. Ver La
Patria”, 17 de outubro de 1902.
315
Conf. BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay: historiografía...”, op. cit., p. 64 e 65.
316
La Patria”, 22 de outubro de 1902.
116
De qualquer forma, para ez, os maus frutos de uma infame era destruída
insistiam, todavia, mais de trinta anos depois, em seguir contaminado os frutos do presente,
como estava acontecendo com o “Banco Territorial”, a economia paraguaia em geral, e o
próprio “La Patria”, diário que – tendo como dono a Enrique Solano López, o filho do “tirano
permitia a O’ Leary publicar a sua série “Recuerdos de Glória”, logo mais descreditada pelo
próprio Báez. É nessa crença, crença na persistência ou mesmo agudização das conseqüências
do despotismo devido aos despóticos” e maus governos colorados que se valia Báez para
expor tão drástica, contundente e polêmica visão sobre o povo e a história paraguaia, embora
não houvesse nada de novo nisso.
Diante da repercussão de sua afirmação e da cobrança de “provas do
“cretinismo”, Báez pôs-se então a “prová-lo” com a “história nacional”. Foi então que começou
a publicar a sua rie “La educación: las prueblas del cretinismo, dando com ela outro grande
impulso à velha tese de que o paraguaio deveria ser “regenerado (ou, como preferia,
“descretinizado”) por meio da correta instrução pública, argumentação defendida desde os
primeiros dias de formação do governo provisório antilopizta. Vejamos como Báez concluiu o
primeiro artigo da série, publicado em 18 de outubro de 1902: “Eduquemos ao povo pela
instrução e pelos atos de bom governo; porque um povo se desmoraliza pelos atentados dos
governantes, se corrompe pelo despotismo, e se cretiniza pela falta de instrução”
317
.
Esta conclusão vinha como resultado de uma rápida passagem pela história
paraguaia, onde, segundo Báez, desde a morte do “adelantadoDomingo Martínez de Irala,
teria fracassado “todos os planos de bom governo”, fracasso comprovada pelo eterno descuido
da instrução; pelo estado de “servo da gleba” a que foi reduzido o índio guarani através dos
regimes de encomienda
318
e de redução jesuítica; pelo isolamento com o “mundo civilizado”;
pela ignorância da língua castelhana; e pelo sistema de governo “teocrático-político”
implantado após a independência. Com a soma e secular persistência destes maus caracteres na
317
El Cívico”, 18 de outubro de 1902.
318
A encomienda foi uma instituição que teve sua origem na Península Ibérica do século XII. Na
América, em termos oficiais ela teve como objetivo a racionalização das relações entre os espanhóis
e os índios. Através dela, e em parte como prêmio por sua ação conquistadora, o espanhol recebia
durante um período limitado o direito de explorar o trabalho de um certo número de índios, com a
obrigação de alimentá-los, vesti-los e instruí-los na fé católica. No ano de 1718, decretou-se a
abolição do sistema de encomiendas, e ainda que essa medida fosse reiterada em várias
oportunidades, o regime perdurou até o início do século XIX em áreas periféricas da antiga América
espanhola, como o caso da então província do Paraguai. Para maior compreensão sobre a
encomienda ver MACLEOD, Murdo J. “A Espanha e a América: o comércio atlântico, 1492-1720”.
In: BETHELL, Leslie (org). América Latina Colonial. 2 ª ed. São Paulo, Edusp, 1998.
117
história da “nação” paraguaia, o seu povo não podia tornar-se senão “pobre”, “ignorante” e
“incapaz” para a democracia, em suma, um “embrutecido” e cretino
319
.
No segundo artigo, Báez, seguindo em sua tarefa de dar as provas” do
“cretinismo”, lança mão de um estudo específico, o dos congressos que se iniciaram com a vida
do Paraguai independente. Intitulado “La educación: los congressos paraguayos”, tal estudo
histórico intenta demonstrar que o povo paraguaio devido ao sofrimento com o “secular
despotismo” permaneceu alheio e sem qualquer “vida cívica” nos momentos políticos de
grande importância nacional, onde mais do que nunca sua presença se fazia necesria
320
.
Tais momentos foram os dos congressos paraguaios: neles o legislativo,
considerado por Báez uma mera “caricatura” de um verdadeiro legislativo, reunia-se para
deliberar sob a forma de governo, para escrever as leis, e para eleger os governantes
321
. Não
obstante, mesmo com tamanha importância, por conta da “nulidade” do povo os deputados
eram simples “chacareiros” e “analfabetos” que o “conheciam nem o espanhol”. Em outras
palavras, pseudos-legisladores escolhidos pelos pprios “ditadores” de maneira que suas
funções eram reduzidas a subscrever [...] atas que se lhes apresentavam” previamente, isto é,
subscrever a vontade dos “tiranos
322
.
Já no artigo subseente, o início dos alvos foram as tradições hispânicas. Como o
próprio título supõe, “La educación: los efectos de la tirania”, tratou de enfatizar o despotismo
da metrópole traduzido na educação espanhola e os efeitos dessa herança sobre as várias
repúblicas americanas e, particularmente, sobre o Paraguai. Começando pelos discípulos de
Santo Inácio espalhados pela América e Europa, execrou-os por considerarem a “ciência” como
um crime e a ignorância e estupidez” como virtudes. Para eles, disse Cecilio Báez, o “espirito
de investigão” e a inteligência” deveriam ser “arrancados” em favor da “credulidade e
“obediência”
323
.
O mesmo se estenderia às universidades espanholas e hispano-americanas que não
foram para Báez senão corpos de “eclesiásticos” que temiam dar a mostra “os direitos dos
povos”. Nelas as ciências estiveram “proscritas”; a “Geometria” equiparada a bruxaria”; e
319
El Cívico”, 18 de outubro de 1902.
320
El Cívico”, 21 e 22 de outubro de 1902.
321
O primeiro congresso reuniu-se em 1811 e deu formação a uma Junta de cinco pessoas Francia,
Caballero, Yegros, Bogarín e Mora –, o primeiro governo do Paraguai independente. O segundo
congresso reuniu-se em 1813, nomeando como Cônsules da Reblica ao doutor Francia e a Yegros.
O terceiro congresso reuniu-se em 1816 e nomeou Francia como “Ditador Perpétuo” do Paraguai.
322
El Cívico”, 21 e 22 de outubro de 1902.
323
El Cívico”, 24 de outubro de 1902.
118
“Newton” igualmente proibido, pois contradizia os dogmas da “religião”. Soma-se a isso a
“incomunicação” do império por três séculos com o resto da Europa e a proibição do trânsito de
livros, pois cabia somente ao clero “inquisidor” a tarefa da instrução, isto é, do “inculcamento
na consciência do povo de toda a classe de superstições, como a inviolabilidade do rei, a
obediência absoluta à igreja e à monarquia, o ódio ao estrangeiro, sobretudo aos hereges e [tudo
isso]”, como afirmou, “com a ferocidade do turco”
324
.
Todas essas formas equivocadas, “degradantese “embrutecedoras” de educação
teriam sido, segundo Báez, aprovadas por “escritores supersticiosos” que deram margem e
justificativas ao “terror praticado primeiro pelos “déspotas” espanhóis e posteriormente pelos
“tiranos” Francia e pez. Mas não nasceram por acaso: tais excrescências do ensino espanhol
herdadas pelo Paraguai foram conseqüências de todo um sistema despótico sustentado naquele
país. Portanto, para ez, nada mais justo que caracterizá-lo em seu conjunto, e assim o fez no
artigo da série intitulado “Sistema Colonial Español: Antecedentes de la Tirania Paraguaya”.
Dividido em cinco partes, neste artigo falou do negativo “personalismo dos
conquistadores, da organização do despotismo” por meio da divisão político-administrativa do
império espanhol, da organização do “odioso monopólio” pela “política colonial”, da
“servidão” a que os índios foram reduzidos pelo regime de “encomienda”, e, ao fim, da
“conquista espiritual” que retirou de todos os sentimentos de “honra”, e, entre outros, também
os de personalidade humana”
325
.
Estes dois últimos artigos de Cecilio Báez que condenavam a tradição hispânica
com vistas a explicar o atual “cretinismo paraguaio, vertiam os mesmos princípios do ensaio
“Estudios sobre la historia de España”, de autoria do próprio Báez, publicado na “Revista del
Instituto Paraguayo em outubro de 1899
326
. Nele Báez dedicou-se a condenar todos os
“cérebros” e “literatos” espanhóis, principalmente os dos séculos XVI e XVII, período áureo do
império espanhol. Todos, segundo Báez, seriam clérigos ao serviço do Santo Ofício ou de
monarcas sedentos de poder, portanto homens fanáticos” e ortodoxos” que não
acompanharam o “movimento do século XVI”, daí o “marasmo intelectual” espanhol. O
“teatro” espanhol, por exemplo, encenava figuras bíblicas dando maior respaldo ao
324
Idem.
325
Conf. BÁEZ, Cecilio. “Sistema Colonial Español: Antecedentes de la Tirania Paraguaya”. In: La
Tiranía en el Paraguay..., op. cit., pp. 67-71. Este artigo foi originalmente publicado no El Cívico”
em novembro de 1902. Contudo, todas as publicações deste mês de dito periódico não se as
encontram na Biblioteca Nacional el Paraguay”.
326
Ver BÁEZ Cecilio. Estudio sobre la historia de España”. In: Revista del Instituto Paraguayo. Año
2, nº 21. Asunción, octubre de 1899, pp. 81-110.
119
“embrutecimento” do povo, seguido ainda do odioso “gênero romanesco” que o fazia crer em
figuras místicas e “maravilhosas”; “os médicos [também] eram ignorantesde modo que os
prudentes preferiam os estrangeiros; nas universidades, por fim, não se ensinavam matemática,
física, anatomia ou botânica, mas tão só teologia, cânones e jurisprudência. Em suma existiria...
“una abundantisima literatura sobre la necesidad de perseguir á los herejes, judios,
moros y moriscos. No hay letrado ó literato que no haya escrito sobre los milagros
del catolicimo, ni santo que no haya tenido una docena de biógrafos, en quienes no
se sabe cual se ha de admirar más, si el descare con que falsean la verdad, o su
estúpida candidez. Existia también enormes in-folios y en prodigioso numero
sobre la historia de cada monasterio, convento, catedral, orden religiosa, pues cada
una de estas instituiciones tiene también su runfla de historiadores devotos.
El público español, pues, mas que devocionarios o historias maravillosas, bajo el
doble despotismo de la monarquía y de la iglesia”
327
.
Juan E. O’ Leary que trabalhava no “La Patria” e nele publicava a sua série
“Recuerdos de Glória”, não suportou toda essa condenação do passado “nacional”. s-se, a
partir de 20 de novembro, a tarefa de combater a Báez numa luta que comparou com a de
“Davi” e “Golias”, porém um combate que julgou extremamente necessário para que as futuras
“gerações [...] o sent[issem] profundo desprezo” pela sua
328
. Depois de negar que o
despotismo “cretiniza” o povo, utilizando-se para isso de vários exemplos espanhóis
329
, no 8º
artigo da rie “El cretinismo paraguayo” dirigiu-se contra a condenação daquilo que chamou
de “pátria mãe”, isto é, contra a condenação daquela bondosa “pátria” que por meio de seus
generosos esforços haveria ensinado e dado a verdadeira “religião cristã” ao Paraguai,
“incorporado-o à civilização”, e deixado-o “livre com uma pátria sobre a terra”.
Indignado, afirmou que o único “crimeque a “nobre Espanha” cometeu foi o
crime de ter sido um Nilo” que espalhou “civilização”, que derramou sobre guas e léguas o
seu “sangue azul”. Estes foram os seus “crimes”. Agora, na longa noite de seu “presente
infortúnio”; quando cai sobre ela os libertadores [grifo do autor] de Cuba
330
, sobram os
“insultos” e os “escarnecimentos” dos “espúrios filhos de seus filhos”. Todavia não há com que
327
Idem, p. 84.
328
La Patria”, 20 de novembro de 1902.
329
La Patria”, 21 de novembro de 1902.
330
Refere-se a guerra entre Estados Unidos e Espanha por Cuba fazendo alusão aos libertadoresdo
Paraguai, isto é, a Tríplice Aliança que destruiu o Paraguai com a desculpa de também o liberá-lo.
120
se importar, como considerou relembrando e fazendo uso de paráfrases da obra do uruguaio
Enrique Ro, “Ariel
331
:
España no ha caído. Ela es la patria hermosa de Ariel. Vive siempre grande en su
pasado, grande en su historia, grande en la grandeza estupenda de su espiritu. Se
derrumba su colosal imperio, se hunden sus barcos y millones de sus hijos
desaparecen barridos por la peste y por el aliento impuro de los ‘inmensos gorilas
co orado’. Pero alí esta ella, siempre grande, con los ojos fijos en las estelas de
plata de sus tres caravelas portadora de su raza e de su lengua. Esas estelas marcan
el rumbo eterno de su gloria, conducen á la glandeza sublime de su pasado que no
ha de morir, donde ella vive, la vida que no se acaba, eternamente jóven, de una
gloria sobrehumana.
Ella es siempre grande. En sus museos brillan sus armaduras y brillan sus espadas
[...]. En sus museos brillan, también, con colorido eternamente fresco, sus cuadros
inimitables, testigo mudo de su pasado. [...]. Ariel vive siempre jóven, reelinado en
los blazos de la vieja hidalga, madre de Cides e de heróis que saben cair en
Trafalgar, exclamando en la agonia: Más vale honra sin buques que buques sin
honra...
332
.
Mesmo ainda muito longe do antiliberalismo que professaria no futuro, O’ Leary
rompeu em absoluto com a ortodoxia liberal hegemônica representada pelo velho positivismo
desde os dias da guerra. Assim, antes que execradas segundo o modelo de construção nacional
facultado pelo Iluminismo desde as grandes revoluções burguesas, as tradições histórico-
culturais hispânicas, paraguaias e mesmo guaranis foram valorizadas, pois as considerou como
as verdadeiras “matérias-primas” que davam as bases para se estabelecer os caracteres e as
singularidades da nacionalidade paraguaia. Como o vimos, antes que “degenerado o paraguaio
era um “hei” e assim o provou nos combates da guerra; o índio guarani um grande “nobre”
exemplificado na figura do “altivo” Lambare. Do mesmo modo, portanto, a Espanha, antes que
exemplo de atraso a se suprimir, era a pátria e” que graciosamente deu ao Paraguai a sua
língua, a sua religião e o seu solo pátrio.
Chamemo-lo ou o de “arielista”, que a questão é controvertida
333
, O’ Leary
começou a participar, junto de Manuel Dominguez, de um movimento intelectual de longo
alcance que pelo início do século XX começou a desconfiar das estruturas ideológicas vigentes,
bem como da influência estrangeira, influência que, se noutras partes latino-americanas
331
Ver RODÓ, José Enrique. Ariel. São Paulo: Editora da Unicamp, 1991, [1900]. Para uma análise
dessa obra e principalmente de sua importância ver WASSERMAN, Claudia. Editorial”. Anos 90,
Porto Alegre, nº 18, dezembro de 2003, pp. 5-16.
332
La Patria”, 1º de dezembro de 1902.
333
Raul Amaral, mesmo reconhecendo o revisionismo histórico e a sua importância, prefere não
qualifica-lo como “arielista”, pois diz ser francesa as principais influências em OLeary. Conf.
AMARAL, Raul. El novecentismo paraguayo: línea biografica..., op. cit., p. 3.
121
significavam influências da Europa e da América do Norte
334
, no Paraguai significava, a
exceção dos campos político e diplomático até 1904, a absoluta influência da oligarquia
argentina.
É interessante o fato do intelectual cordobês Martín Goicoechea Menéndez, ao
apresentar-se em 1901 no diário “La Patria” procurou antes tranqüilizar a todos:sou argentino,
porém não se alarmem”. Logo proferiu no “Instituto Paraguayo” a conferência El pensamiento
argentino: sus relaciones con el Paraguay, dando ainda maior impulso” e “razão” às
desconfianças que alguns paraguaios estavam começando a sustentar em relação ao país
vizinho
335
. Em 11 de junho Menéndez publicou no “La Patria” o artigo “Las ruinas gloriosas.
Ante Humaitá”
336
, dedicado à Manuel Dominguez, considerando Humai uma fortaleza
“invulnerável” como a alma do doutor Francia. Ainda em 1901 publicou “Los hombres
montañas”, fazendo novas referências líricas à Francia e também ao Marechal pez, que o
considerou “o poeta da guerra”
337
.
O argentino Martín G. Menéndez, junto de Arsenio López Decoud neto de
Carlos Antonio López e de Henrique Solano López, deu grande apoio intelectual para O’
Leary na campanha que começou a sustentar contra Báez. Mas o seu escrito que mais
impressiona, e que, talvez, mais influenciou o futuro da revisão da figura do Marechal López,
foi “Noite Antes de Cerro Corá, relatando a última noite de vida do Marechal e, com a sua
morte, também o fim de “Um Ideal, [de] uma Pátria e [de] uma Raça”
338
.
A preocupação de Menéndez em tranqüilizar a todos por ser argentino é
sintomática. Aliás, a grande acusação que O’ Leary lançou contra Báez foi a de ser um escritor
convertido à maldita “raça” dos traidores “legionários”, igual que Jo Segundo Decoud,
portanto um novo pró-“espia”, isto é, um novo escritor favorável à Argentina e àqueles que
teriam ensinado na guerra o “caminho” para a Tríplice Aliança. Para se ter uma idéia dessa
acusação bem como uma noção de como o debate entre ambos intelectuais tomou alguma
proporção na sociedade paraguaia, o “La Patria” chegou mesmo a ridicularizar uma campanha
334
Segundo Wasserman, ao contrário dos positivistas, os “arielistas” consideravam negativa a influência
estrangeira, sobretudo a dos Estados Unidos. Viam-na como “um sinal de depenncia econômica,
política e cultural altamente prejudicial aos objetivos de progresso dos povos latino-americanos”.
Ver WASSERMAN, Claudia. Percurso Intelectual e Historiográfico..., op. cit., p. 110.
335
Ver MENENDEZ, Martín de Goycoechea. El pensamiento argentino: Sus relaciones con el
Paraguay. In: Revista del Instituto Paraguayo, Asunción, año 3, nº 30, agosto de 1901.
336
Ver La Patria”, 11 de junho de 1901.
337
Conf. BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay: historiografía...”, op. cit., p. 62.
122
religiosa de respeitáveis senhoras, amplamente divulgada no “El Cívico”, campanha realizada
na Catedral assuncena contra a “tirania” e em favor das “almas” dos caídos por conta dela na
guerra ou em qualquer outra situação.
Para o “La Patria” elas não passavam de meras ponta de lança para ferir a
Pompeyo González. Na conclusão dizia que Báez, novo líder espiritual do “legionarismo”, era
o chefe de uma comissão que começava a trabalhar para formar uma “sociedade” cujo nome
provável seria Le legionarios y espias[grifo do drio]
339
. Mas ainda antes desse artigo do
“La Patria”, o próprio O’ Leary acusou Báez de “ateu”; de líder “maçom”; de dono de um
coração “duro”; de sustentador de um secreto “amor” pela “Argentina”; de “Caím” que matou o
seu irmão; e o mais grave, de pretenso assassino das “sagradas” fontes de “orgulhoe “glórias”
do Paraguai, entre outras coisas
340
. Na citação abaixo a violência das imagens evocadas para
caracterizar a Báez e aos “legionários” é surpreendente:
El otrora inimigo de la Argentina [senhor ez] se arrastró servilmente á
lamberle los piés. Y para que sus disposiciones históricas quedassem lidas [...],
insula su patria e enchó de barro y esterco lo pasado y lo presente de nuestra
nacionalidad. [...].¡Oh! ¡Los legionários! ¡Quedais justificados! Vosotros fusteis os
precursores del doctor ez, los maestros del apóstol. Vosotros fusteis los
primeros civilizadores del Paraguay! [...]. Teneis razón, fuimos uns bárbaros,
peleamos por la barbarie y caimos bajo el peso de la civilización. [...]. Bebed con
él, olvidando que aun resuenan, bajo las bóvedas del palacio de la representacn
nacional, sus palabras de fuego, condenandoos, llamandoos traidores, indignos del
nombre de paraguayos, raza de víboras [...] caínes [...] perros rastreadores de la
Alianza y chacales glotones de lo podrido, hidrópicos de la sangre hermana!!! [...]
La posteridad, cuando fije su mira en el pasado, ha de ver, unidos en el fraterno
abrazo, á dos personages interesantes de nuestra vida democrática
341
.
Estes “dois personagens interessantes” eram, para Juan E. O’ Leary, José Segundo
Decoud e Cecilio Báez, os representantes do velho e do novo “argentinismo”, bem como, o que
seria a mesma coisa, do velho e do novo “legionarismo” respectivamente. No Paraguai os
motivos do que se tornou a “eterna” desconfiança em relação aos argentinos tinha na guerra
uma de suas grandes causas, pois ela foi feita e legitimada pelos pais” e oligarcas argentinos
justamente, entre outras coisas, para se destruir tradições tidas como provas da “barbárie”
338
“Noite Antes de Cerro Corá”. Apud. STEFANICH, Juan. El 23 de octubre de 1931. Primera batalla
por la defensa del Chaco y primer Grito de la Revolución de Febrero de 1936. Bueno Aires: Editorial
Febrero, s/d, p. 178.
339
La Patria”, 18 de dezembro de 1902. Ver tamm “La Patria”, 20 de dezembro de 1902.
340
Nada importa que fira o que é Sagrado e que escarneça o que é divino. Sagrado é o amor do filho a
mãe, divino a honra do povo à dignidade da pátria, orgulho nacional”. “La Patria”, 4 de dezembro de
1902.
123
cultivada pelos pez, as mesmas tradições que agora O’ Leary e Dominguez passaram a ter
como os sinais da nacionalidade paraguaia.
Justificando a criação da Tríplice Aliança, o então presidente Mitre afirmou no
seu jornal “La Naciónque derrubar a “abominável ditadura de López” era o meio de “abrir ao
comércio do mundo” uma “esplêndida e magnífica região que possui[a], talvez, os mais
variados e preciosos produtos dos trópicos e rios navegáveis para explorá-los”
342
. Contudo,
mesmo depois do fim da guerra seguia justificando-se, e para isso fez uso de incrível e fria
sinceridade, onde “matar paraguaios” e “destruir o Paraguai” foi o resultado final, consciente
ou não, dos planos aliados, mesmo com a reprovação da “filosofia”, da “humanidadee da
“moral”:
Os soldados Aliados, e muito particularmente os argentinos, não foram ao
Paraguai para derrubar uma tirania, embora por acidente esse seja um dos
fecundos resultados da sua vitória [...]; da mesma forma teríamos ido se em vez de
um governo monstruoso e tirânico como o de López, houvéramos sido insultados
por um governo mais liberal e civilizado.
[Porém], a filosofia, a humanidade e a moral desertariam de nossas fileiras se
tivéssemos ido matar paraguaios e destruir o Paraguai para redimir um montão
de ruínas e grupos de viúvas e órfãos, cobrindo com a bandeira da liberdade o
último cadáver do sustentador de sua tirania [destaque meu]”
343
.
Mais claras e diretas foram as afirmações de Domingo Faustino Sarmiento,
mesmo nunca tendo sido favorável a criação da Tríplice Aliança. De qualquer forma, foi
“providencial”, disse, “que um tirano tenha feito morrer todo esse povo guarani. Era preciso
purgar a terra de toda essa excrescência humana”
344
. Soma-se a esse motivo de desconfiança
que brotava em relação a Argentina, a secular dependência econômica paraguaia da capital
portenha, pois ela sempre foi a principal compradora dos produtos exportados pelo Paraguai,
erva-mate principalmente, e possa o monopólio do controle do acesso ao Rio da Prata,
sempre o utilizando para prejudicar o Paraguai quando julgasse necessário.
É, portanto, ilegítimo dizer que o início do revisionismo histórico de O’ Leary
seja explicado e reduzido como o resultado de meros benefícios materiais lhe dados em espécie
pelo filho do Marechal López, Enrique Solano López, como considerou Francisco F. M.
341
La Patria”, 27 de novembro de 1902.
342
Ver o diário argentino “La Nación”, 3 de fevereiro de 1865. Apud. CHIAVENATTO, Julio José.
Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. 1ª ed.o Paulo: Brasiliense, 1981. p. 51.
343
Idem, p. 77.
344
Idem, p. 51.
124
Doratioto (2002) em sua obra Maldita Guerra”
345
. A partir de influências múltiplas, européias
e americanas, Monteoliva não conseguiu perceber que se processava no Paraguai, não com
O’ Leary e nem mesmo a partir dele, mas desde Blas Garay, o início da explicação da
“nacionalidade” paraguaia e da construção de uma “consciência hisrica” a partir de novos
elementos históricos, os nativistas, portanto não mais os herdados da filosofia iluminista
346
.
Aliás, em agosto de 1901 Ignácio A. Pane publicou na “Revista del Instituto
Paraguayo” o ensaio intitulado ‘“Ariel de Enrique Rodó”, dando popularidade a dita obra
desse famoso uruguaio e, por conseguinte, embora com uma visão crítica, valorização às
temáticas americanistas e nativas em depreciação daquilo que chamou de “utilitarismo” dos
Estados Unidos, do “homem” transformado em máquina”, do modelo de democracia
puritana”, e da própria falácia da “igualdade no campo econômico, etc.
347
.
As “batalhas” nos diários assuncenos evoluíram, portanto, para interpretações
históricas díspares num duplo sentido: tanto no que se refere à filosofia que a fundamentava,
como no julgamento dos próprios fatos históricos, processos em curso na Europa pelo
menos algumas décadas. Eric J. Hobsbawm, analisando o processo da ideologia nacional desse
continente a partir de 1870, diz que “o que se revelou mais significativo [...] não foi tanto o
grau do apoio para a causa nacional, obtido nessa época entre este ou aquele povo, e sim a
transformão da definição e do programa do nacionalismo”, fato que as elites políticas e
intelectuais da América Latina começaram experimentar, ao menos de modo mais acentuado,
somente a partir do século XX
348
.
A respeito da segunda parte desse jogo de oposições, se Báez não conseguia
provar a tese do cretinismo” sem condenar particularmente o passado lopizta, O’ Leary, por
seu turno, como ele mesmo reconheceu, não conseguia provar o que considerou o equívoco, a
345
Ainda antes da publicação desta importante obra, em um artigo “on lineda Folha de o Paulo
publicado para as comemorações dos 500 anos do Brasil, Doratioto já havia defendido esta tese. Ver
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. “A construção de um mito”. In: Folha Especial.
Disponível em: www.folha.uol.com.br/fol/brasil500/histpar-5html. Acesso em 11/01/2006.
346
Milda Rivarola fala de uma Liga Patriótica” fundada em 1901, onde “vários intelectuais Juan E.
O’ Leary, Manuel Domínguez e Arsenio López Decoud através da reivindicação da figura do
Marechal López e do rol heróico do povo paraguaio na passada guerra, discutem o pensamento
liberal, que tinha em Cecilio Báez um do principais expoentes, e em 1912 um segundo intento de
criar uma “União Patriótica” é realizado em Assunção. Ver RIVAROLA, Milda. Obreros, utopias
& revoluciones..., op. cit., p. 101
347
Ver PANE, Ignácio A. ‘“Ariel’ de Enrique Rodó”. In: Revista del Institudo Paraguayo, Asunción,
año 3, 30, agosto de 1901, pp. 197-210.
348
Ver HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios..., op. cit., p. 208. Hans Kohn prefere datar a
mudança da definição nacional para a Europa partir de 1848. Ver KOHN, Hans. A era..., op. cit., p.
31.
125
e o “legionarismo” de Báez sem “levantar as acusações formuladas contra López I”.
Fazia-o, é verdade, com enormes cuidados dada a existência de um pesado legado antilopizta,
justificando-se várias vezes dizendo que não se tratava de defender “tirano” algum, pois, como
disse, “todos os condenamos”
349
, e, também, prevenindo aos seus leitores que os seus inimigos
o chamaria de “reivindicador de déspota”, como de fato aconteceu. Para Báez, como afirmou
no artigo “A los pueblos de la república”, e também aos que ficaram do seu lado, O’ Leary não
passava de mais um “tiranófilo”, figura reverenciadora do “despotismo” “lopizta” que queria
“extraviar a juventude”; que era inimiga da “liberdade” e da própria “civilização
350
; portanto
que era uma vergonha ao “Partido Liberal”.
Mas, de uma forma ou de outra, O’ Leary fazia realmente a reivindicação do
outrora execrado passado atras de uma clara inversão de valores a respeito dos governos e
períodos lopiztas. Para tal, como meio de proteger-se apelou para constantes citações, em
particular para as de não paraguaios, como as de Juan Bautista Alberdi intelectual argentino
inimigo político de BartoloMitre que sempre o fustigou pela guerra –, as do inglês Jorge
Thompson engenheiro militar do Marechalpez –, e de outros.
De Juan B. Alberdi, por exemplo, fez a seguinte citação: “López pai tem o mérito
de ser o criador de tudo o que faz respeitável o Paraguai, e o [seu] filho tem o de tê-lo
conservado”
351
. De Jorge Thomposon, por exemplo, extraiu que o povo paraguaio sob o seu
primeiro presidente “foi o mais feliz da terra” e o Paraguai um “Éden naqueles benditos
tempos”. Portanto, O’ Leary, contrariando a toda uma interpretação histórica hegemônica,
entendeu como lícito julgar o governo de Antonio Carlos López da seguinte forma:
No se puede pedir más. No veo la forma de elogiar a un gobernante. Decir de un
gobernante que fué EL QUE MÁS HIZO POR SU PAÍS, equivale a todo los
elogios que se pudiera compilar en gruessos volumes [destaque do autor]
352
.
Por conseguinte, para O’ Leary o “presidente” López havia criado tudono
Paraguai tese levantada por Blás Garay no seu “Compendio...
353
–, referência em
particular aos arsenais, linhas telegficas, caminhos de ferro, ao sistema educacional que
cobria o último dos “confins da República”, exploração de minas, fundição de ferro, academias
349
La Patria”, 23 de dezembro de 1902.
350
El Cívico”, 20 de dezembro de 1902.
351
La Patria”, 8 de dezembro de 1902.
352
Idem.
353
Conforme afirmou Blas Garay, desenvolvendo adiante vários pontos, “o Paraguay era por esta época
uma das mais fortes potências da América do sul”. GARAY, Blas. Compendio Elemental de
Historia del Paraguay..., op. cit., p. 268.
126
de estudo e outras coisas
354
. Mas mais do que isso, justificou os monopólios e o “estanco” do
comércio da erva fazendo uma lista dos seu benefícios materiais ao país e ao povo, agregando
ainda que eles se tornaram uma “necessidade” devido a ameaça existencial que pesava sobre o
Paraguai, sempre contestado por seus dois grandes vizinhos: Argentina e Brasil
355
.
Para Cecilio Báez no seu “Estudio Económico sobre el Paraguay: agricultura,
indústria e comércio
356
”, este mesmo “tirano” pez deve ser condenado por ter
“monopolizado a navegação”, portanto o próprio comércio fazendo os preços subir; por ter
monopolizado “toda a indústria”; por ter recolhido as “moedas de prata”; pela existência das
“Estancias de la Patria”; pela falta de ensino industrial e comercial; por ter condenado o país a
“pobreza primitiva”, em suma, por ter o tevado, também por meio da economia, para a
completa “barbárie”. Em 28 de janeiro de 1903 Báez publicou o artigo “La Tirania de Solano
López: su aspecto comercial”, artigo onde acusou o Marechal pez de saquear o tesouro e as
terras públicas em favor de sua família, estando a guerra já perdida
357
.
No que diz respeito à instrução, a mesma dualidade. Enquanto o sistema
educacional de pez foi para O’ Leary não o que o Paraguai necessitava”, como o
reconhecia o próprio “presidente”, mas o mais fecundo e extensivo que existiu na república até
aquele momento, principalmente se comparado com o sistema implantado depois “da guerra
pelos legionários donos do poder”
358
, para Báez, sempre minguado e mesquinho, ele não teve
outro objetivo que o de “cretinizar e “embrutecer” ao povo, e prova disso era o próprio
catecismo de San Alberto.
As formulações de Báez eram, embora mais universalistas, as mesmas que
Manuel Gondra havia levantado contra Garay anos antes. Aliás o deixou de reportar a ele
para sustentar-se melhor, daí a publicação no “El Cívico” de um artigo do pprio Gondra, em
apoio a Baéz, intitulado “Habla don Gondra”
359
. A questão da instrução pública, sempre tão
candente nas discussões hisricas e nacionais, levou Juan E. O’ Leary a dedicar a ela seis
artigos da série “El cretinismo paraguayo”.
Quando tratou de levantar as acusações sobre a “pátria mãe”, por exemplo, não se
esqueceu de fornecer uma lista de grandes filósofos, juristas, cientistas políticos, cientistas
354
La Patria”, 24 de dezembro de 1902.
355
La Patria”, 29 e 30 de dezembro de 1902.
356
El Cívico”, 2 de dezembro de 1902.
357
El Cívico”, 28 de janeiro de 1903.
358
La Patria”, 18 de dezembro de 1902.
359
El Cívico”, 15 de dezembro de 1902.
127
sociais, cientistas econômicos, historiadores, arqueólogos, botânicos, zoólogos, literatos e
outros, todos espanhóis que estariam escrevendo teorias “avançadas” na Espanha que Báez
considerou “embrutecida”. Um entre estes nomes, segundo O Leary, chegou a justificar o
“tiranicídio” a partir de uma obra que percorreu toda a Europa, causando grande escândalo
entre os diferentes monarcas
360
.
Ambos os lados em pugna receberam apoio e reprovação da sociedade assuncena.
José Segundo Decoud ficou, inevitavelmente, ao lado de Cecilio Báez. Publicou no “El
Cívico”, com outros apoiadores, um artigo chamado “Sepelio de la Tirania: manifestación al
Dr. Báez
361
”, onde se s, junto dele, na honrosa e necessária tarefa de “purgar” a “história”
paraguaia “das mistificações”, enquanto o seu outrora advogado, Manuel Dominguez, agora
vice-presidente da república, figura que o havia defendido ante o parlamento da acusação de
“portenhista”, ficou ao lado de O’ Leary. Em janeiro de 1903 publicou “Causas del heroísmo
paraguayo”, mas, ainda muito antes, havia publicado uma nota de felicitação por sua
esplendida campanha histórica, referindo-se a série Recuerdos de Glória”
362
.
Mas as manifestações de apoio não se restringiam à intelectualidade. Ambos
diários publicaram extensas listas de assinaturas em adesão aos seus respectivos escritores;
deram particular notoriedade à adesão das damas da sociedade e, da mesma maneira, à dos
jovens estudantes, pois escreviam particularmente para eles; fizeram publicações de cartas
vindas do interior do país em apoio aos seus respectivos lados; publicaram manifestações de
estrangeiros; organizaram e deram publicidade às manifestações públicas nas ruas e praças.
Nas palavras de Raúl Amaral, a polêmica desenvolveu-se “de sítio em sítio, como uma
militância”. Com ela a “história se vivi[a] nas ruas e praças em pleno sol, [...], nos cenários das
batalhas e sombras da guerra”; com ela os “esquecidos veteranos, os soldados anônimos,
tiveram voz e voltaram a vida depois de cruel ostracismo”
363
.
No dia 11 de dezembro deu-se, por exemplo, uma reunião de damas na cidade de
Villa Rica, precisamente na residência da senhora Ramona Insfrán de Codas, com objetivos
religiosos e antilopiztas, como o que havia ocorrido na capital. O “La Patria”, por seu turno,
organizou uma manifestação para 4 de janeiro de 1903 na “Plaza Uruguaya”, as quinze horas,
fazendo com antecedência grande divulgação do ato público. Este chamamento intitulado “Al
Pueblo”, dizia o seguinte:
360
La Patria”, 1º de dezembro de 1902.
361
El Cívico”, 1º de dezembro de 1902.
362
La Patria”, 8 de outubro de 1902.
363
Ver AMARAL, Raúl. Escritos paraguayos..., op. cit., p. 169.
128
“Un hijo del Paraguay lanzó a la faz del país las injurias más sangrientas dirigida á
su propia nacionalidad. Llamó al pueblo CRETINO, y no contento con ésto, ne
el heroismo del soldado paraguayo, que marchaba según él al combate como
res al matadoro. Y dijo más aun que nuestro pasado habia sido de abjección y de
infelicidad [destaque do diário]
364
.
A importância da introdução desse chamamento para a manifestação do dia 4 foi
a de sintetizar o cerne da controvérsia entre ambos os diários e intelectuais. Desde a guerra
em parte pelo fato dela ter introduzido a novidade de ser uma guerra “total
365
foi tido como
certo que o paraguaio lutou ao lado de López por pura falta de consciência do que fazia, ou
pelos menos por conta do medo dos laços e dos fuzilamentos. Em suma, ambas hipóteses
expunham-no como empurrado à guerra pela tirania lopizta, isto é, como mero “lopezguayos”.
Báez, no artigo “El desenlace de la tirania: la guerra del Paraguay” reproduziu
esta tese, pois, para ele, o despotismo militar” de López teria que dar necessariamente numa
guerra, guerra que ele a fez da mesma forma como fizeram os conquistadores bárbaros Átila,
Gengiskan e Temerlan: “estes monstros”, escreveu “arrebanhavam seus povos, levando-os
adiante, como se conduz uma manada de animais ao matadouro. Para ez, o Marechal
López, igualmente a estes “bárbaros”, também teria arrastado o povo como animais até Cerro
Corá, confins do Paraguai, daí a sua quase completa dizimação
366
. Portanto, as teses do
“heroísmo e das “glórias” do Paraguai ficam reduzidas a nada, enquanto a tese do
“cretinismo” torna-se o modo de explicar o porquê de o povo ter marchado às batalhas da
“Guerra Grande”.
Para O’ Leary, por seu lado, o problema de Báez, típico problema de um
“legionário”, é que ele via no passado e no presente de sua pátria grandes criminosos” e
“multidões de embrutecidos”; tornando tudo sombra espessa”; tudo uma grande “infâmia”; e
364
La Patria”, 30 de dezembro de 1902.
365
Uma das características da guerra entre o Paraguai e a aliança foi a de ela ter sido, pelo menos para o
primeiro lado, uma guerra “total” que mobilizou todos os recursos humanos e materiais da
sociedade. Esta característica deu margem para historiadores liberais contemporâneos, na luta que
empreendiam contra o autoritarismo que atravessou quase todo o século XX paraguaio, compararem
Solano López com Adolfo Hitler: “A semelhança [entre um e outro] está na mobilização total para a
guerra, na guerra total que ambos travaram, cada qual dentro de suas possibilidades. Creio não ser
fora de propósito considerar López um precursor do totalitarismo moderno, encarnado
exemplarmente em Hitler”. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Residentas, destinadas y traidoras.
Asunción: RP/ Critérios, 1991, p. 19.
366
Conf. BÁEZ, Cecilio. El desenlace de la Tiranía: la guerra del Paraguay. In: La Tiranía en el
Paraguay..., op. cit., pp. 67-71. Este artigo foi originalmente publicado no “El Cívico” em novembro
de 1902. Contudo, todas as publicações deste mês de dito periódico não as encontrei.
129
tudo “vergonha” a “nacionalidade”
367
. Ao não conseguir reconhecer nenhuma ação frutífera
desse povo a sua altivez, turbulência, os seu feitos e realizações, e que foi o primeiro a
morrer pela independência –, pois estava igualado à uma manada amansada pelo saeculorum
despotismo”, justificou sua destruição pelas mãos da Tríplice Aliaa
368
Contudo, como disse
no artigo do dia 4 de dezembro, contrariando o que considerava as falsas premissas de Báez:
Ningún país tiene mas derecho que el Paraguay de conmoverse al conjuro de la
historia. El pueblo turbulento del coloniaje, el que paseó su indomable arrojo hasta
el confin de la Patagonia, el que fundó ciudades como Buenos Aires y estal
revoluciones como la de los comuneros de Asunción; el que sufrió tiranias como la
de Francia y desplegó heroísmo como el que desplegó en la guerra tiene derecho
de despertar cuando alguien penetra en esse templo onde duerme su pasado, para
iluminarlo con la falsa luz de la mentira. El doctor Báez sabe esto,
perfectamente”
369
.
Assim, antes que manejados como animais, os paraguaios, povo desde sempre
muito “turbulento”, lutou para defender os seus “lares”, para defender aquilo que mais amava e
lhe era sagrado, lutou heroicamente” por suas mulheres” e “filhas”, pelos túmulos de seus
entes queridos, enfim, pelo solo pátrio sempre ameaçado pelas investidas portenhas e
imperiais. Como considerou nos artigos de 26, 27 e 29 de dezembro, o Paraguai, com a
independência constantemente ameaçada, “necessitou”, portanto, militarizar-se, pois estava
“fatalmente condenado” a uma guerra com o inimigo de sempre, com os descendentes dos
mamelucos
370
[grifos do autor], se quisesse proteger os seus sagrados “lares”
371
. Daí, como
considerou, a importância das obras de Carlos Antonio López. Elas possibilitaram proteger o
Paraguai por muito tempo, “assombrando” o mundo com a sua heróica” resistência, embora,
como resultado indireto, tiveram o efeito de precipitar o próprio conflito, pois o “rápido
progresso” inspirou a inveja e “sérios temores” nos belicosos “vizinhos”
372
.
O paraguaio foi à guerra, para O’ Leary, por um instinto de conservação, isto é,
para conservar a sua própria pátria, para não tornar-se um provinciano da Argentina ou do
Brasil, portanto não como um “degenerado” ou um “cretinoarrastado à morte no campo de
batalha como animais ao “matadouro”. E não fosse a sua “resistência” em não ser argentino ou
367
La Patria”, 21 de novembro de 1902
368
La Patria”, 23 de dezembro de 1902.
369
La Patria, 4 de dezembro de 1902.
370
Referência pejorativa aos bandeirantes do século XVII.
371
La Patria”, 26, 27 e 29 de dezembro de 1902.
372
La Patria”, 24 de dezembro de 1902.
130
brasileiro, “resistência” possibilitada pelo sistema lopizta, hoje o seria, daí, como acreditava, o
ódio de Báez ao paraguaio, chamando-o de “bárbaro.
Observa-se que a guerra é um dado essencial. Mesmo com perspectivas
diferentes, ela é a principal matriz da militância nacional de ambos intelectuais em pugna. Para
ez é o momento onde o “despotismo” é derrotado e a “nação” enfim recobra a sua soberania
roubada, podendo iniciar a sua árdua tarefa de “regeneração”. Para O’ Leary, mesmo
derrotado, o Paraguai salvou-se do antigo desejo de anexação de seus poderosos vizinhos, além
do sangue nela vertido ter dado maior conotação às singularidades paraguaia, como o
“heroísmo” e a “turbulência”, forjados desde o período colonial.
Tais critérios revisionistas de O’ Leary não deixaram de refletir na própria
“Revista del Instituto Paraguayo”. Em 1903 foi transcrito, não se sabe por quem, a conclusão
da obra de Joaquim Nabuco, “A Guerra do Paraguai”. Nela, embora Nabuco afirme que o lado
da “justiça” pertencia a Tríplice Aliança, o da “abnegação” e heroísmo” pertencia, contudo,
ao lado paraguaio, fato não explicado satisfatoriamente pela mera escravidão política” dos
López. Antes dessa seletiva reprodução pela revista, tem-se a seguinte consideração:
De la obra de Joaquín Nabuco, ‘LA GUERRA DEL PARAGUAY’, copiamos el
cap. XXX intitulado Fin de la Guerra’, en que el brillante escritor brasileño hace
entera justicia á la abnegación sin segundo que demonst nuestra patria en su
duelo á muerte con los aliados. Entiende Nabuco que el heróico sacrificio no se
explica por la esclavitud política. El heroismo de tener otras causas” [destaques
originais]
373
.
No mês de janeiro as publicações de ambos polemistas seguiam, quando então
Manuel Dominguez, vice-presidente da república, mais claramente intervém tomando partido
de O’ Leary, dando e explicando estas “outras causas” do heroísmo” paraguaio “evidenciado
na guerra. Em 29 de dito mês pronunciou no “Instituto Paraguayo a famosa conferência
“Causas del heroísmo paraguayo, publicada logo mais na “Revista del Instituto Paraguayo”.
O La Patria”, fustigando a Báez e o “El Cívico”, não deixou de dar grande publicidade a este
ensaio de Manuel Dominguez.
Nele Dominguez se propôs a fazer o que chamou de “psicologia histórica” para
assim garimpar os motivos da imensa e inegável “energia” que, supostamente, o homem
paraguaio despendeu na guerra. Buscou a primeira das causas na “raça” que conformou e
373
Ver NABUCO, Joaquim. “La Guerra del Paraguay”. Revista del Instituto Paraguayo, Asunción,
año 4, 39, 1903, pp. 796-800.
131
conforma o Paraguai, raça que, como afirmou sem rodeios, seria superior” à do portenho, à do
crioulo, às dos vizinhos em geral e à do próprio espanhol, devido a perfeita “simpatia
orgânica” da mistura de um e outro sangue, como o prova a “extraordiria multiplicação”
paraguaia.
El noble fuerte [español o bazco] mescsu sangre con la del guaraní que era
sufrido y nació el mestizo (1)
374
que no era el de otras partes. Aquel mestizo en las
cruzas sucessivas se fué haciendo blanco, á su manera, porque se aprende en
historia natural que el tipo superior reaparece en la 5ª generacn (2)
375
, blanco sui-
generis en quien hay mucho del español, bastante del indígena y algo que no se
encuentra o no se ni en uno ni en el outro. [...]. El paraguayo superior al
porteño, superior al criollo, es también superior ao español da Europa. Yo no
fantasio” [destaque do autor]
376
.
Sim, Dominguez imaginava não fantasiar. Respalda-lhe teóricos franceses como
Taine e Renan, além de constantes citações de viajantes que passaram ou viveram no Paraguai.
Reinterpretando-os a seu favor, Dominguez afirmou que o paraguaio possuía tanto “capacidade
mental” como “física superior aos seus vizinhos. Além do mais, às vésperas da guerra a
presença do negro era quase nula e ao longo da hisria, comparado ao inimigo, o sangue deste
pouco se mesclou com o do paraguaio, daí, em parte, a sua superioridade racial e a excelência
do paraguaio: este, como julgou, era um tipo “branco”, que, não bastasse isso, herdou as
positividades das guaranis
377
.
Ainda em 1903, dirigindo-se a Cecilio ez, Dominguez publicou na “Revista del
Instituto Históricoo ensaio “La talla humana y la inteligencia”, trabalho onde reenfatizou a
superioridade “intelectual” da “raça” paraguaia
378
. Soma-se a explicação da superioridade do
Paraguai na guerra a inversão que Dominguez fez dos valores liberais investidos sobre o
paraguaio: de homem dócil, amansado, folgado, sem atividade, cretino e cretinizado pelo
despotismo, tornou-se o outra coisa senão um astuto “guerreiro”, pois, rodeado de inimigos,
queria viver, tornando “obrigatório o serviço militar”:
374
(1) Para evitar confusiones : mestizo es el que desciende del español y de la India. Mulato es otra
cosa: deriva de la negra o negro cruzados” [destaques do autor]. Ver DOMINGUEZ, Manuel.
Causas del heroismo...”, op. cit., p. 646.
375
(2) Los caracteres del indio desaparece en la 3ª generacn’. Demersay. Historia del Paraguay.
‘La 5 ª generación se extingue a los 150 años’”. Idem, p. 646.
376
Idem, pp. 646-648.
377
Idem, p. 649.
378
Ver DOMINGUEZ, Manuel. La talla humana y la inteligencia...”, op. cit., pp. 774-776.
132
La colonia del Paraguay fun ejército en campaña. Ó era guerrera ó perecia; no
quiso perecer, está claro, y se hizo guerrera. [...]. En el Paraguay existe el Chaco
inconquistable, centro de indiada terrible, en que un guaicurú vale por 20
mejicanos ó peruanos [...], y al lado es el Brasil de que por séculos salen y
acosan los portugueses, los mamelucos, los tupíes (1)
379
. En esta situación,
excepcional, única, nótese bién, lo repito, se estableció el servicio militar
obligatorio, una legislación también excepcional y única, en que cada colono ha de
tener cuatro cabalos, armas y municiones, por su cuenta, y ha de estar siempre
pronto para volar al combate [...]. Sin contar los combates en regla contra los
jesuitas, contra los obispos, contra las autoridades reales, sus tres siglos de historia
fueron tres siglos de guerra [grifo do autor]
380
.
Nascia, numa tacada, o mito da excelência da “raça” paraguaia e o mito do
Paraguai “guerreiro”, nação que, pelas necessidades, vinha guerreando por “três séculos”. Nada
de antiliberalismo por hora. nas décadas de 1920 e 1930 é que estes mitos tomariam tais
contornos político-ideológicos. O próprio Dominguez, aliás, no primeiro ensaio onde
evidenciou claramente o seu revisionismo, trabalho intitulado “Estudio sobre la Atlántida’ de
Diogenes Decoud”, também publicado na “Revista del Instituto Paraguayo” (1901), afirmou ser
“liberal”, da mesma forma que Diogenes Decoud, mas nem por isso estar obrigado, como
imaginava este autor (1886), a “olhar” [o Paraguai e sua história] só com o lado mal”, acusação
que O’ Leary aproveitou para lançá-la também contra Cecilio Báez.
381
.
De qualquer forma, mesmo que longe do antiliberalismo, suas premissas
significavam, uma vez mais, uma completa inversão dos modos liberais de se caracterizar o
paraguaio: de homem “cretino” ou degeneradoconduzido ao “matadouroda guerra, tornou-
se destinado” a alcançar o “ápice” das “raças superiores”, “titãs” que suportavam a guerra e
quaisquer outros sacrifícios. Como considerou, estas “heranças” “ingênitas” do mundo colonial
transmitiram-se aos paraguaios, e, na guerra contra a Tríplice Aliança, fizeram a diferença entre
os soldados de um e outro lado.
Junto das peculiaridades racial (mescla” do godo com o guarani) e histórica
(“fez-se guerreiro”), também colaborou para a excelência paraguaia as peculiaridade do solo,
do ar, do clima, da temperatura, dos alimentos, isto é, da natureza da pátria em geral. Nela os
frutos e alimentos abundavam tornando vigoroso o corpo do sofrido guerreiro”. Era a tríade
raça, história e terra que começavam a ser o pano de fundo para se caracterizar a “magnífica”
379
(1) Se presta á la reflexn el hecho de que los dos países, Paraguay y Chile, donde por mas tiempo
se peleó con los índios, sean los mas guerreros. Ver DOMINGUEZ, Manuel. Causas del
heroismo...”, op. cit., p. 652.
380
Idem, p. 652 e 653.
381
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Estudio sobre la ‘Atlántida’ de Diogenes Decoud”. Revista del
Instituto Paraguayo, Asunción, año 4, nº 39, 1903, pp. 796-800.
133
nacionalidade paraguaia, substituindo o velho princípio liberal de “soberania popular” e
“cidadania” herdado do humanismo burguês
382
. Segundo Alain Renaut nessa evolução temos,
analiticamente, a oposição dos seguintes termos:
‘“nación-genioy no nación-contrato’ [...]. La idea de libre asociacn es sustituida
por la de totalidade inclusiva; la idea de construcción, abierta a un futuro, es
sustituida por la de tradición, enraizada en un pasado; la idea de adhesión
reflexivia, por la de vínculos naturales orgánicos, por pertenencia a una comunidad
viva de lengua y de raza”
383
.
Agrega-se ainda a peculiaridade histórica do paraguaio que se fez guerreiro”, a
do mito da “idade de ouro” lopizta. Como o próprio O’ Leary a pouco, Dominguez também
falou com grande positividade do Paraguai lopizta, um tempo perdido com a guerra. Antes
dela, até 1865, o país vivia na “idade de ouro” da agricultura e da pecuária. Relativamente,
produzia mais que qualquer outro povo americano. Sem necessidades supérfluas, o paraguaio
“era feliz em sua simplicidade”: não conhecia “miséria” e quase sequer a “pobreza”; todos
eram “proprietário”, mesmo o pobre; o existia paraguaio sem “lar”; não havia “analfabetos”.
Em suma, todos eram “felizes”. Tais características teriam feito aumentar o “orgulho
nacional”, daí o entusiasmo da própria “mulher” em defender a pátria ameaçada. Todos sabiam
muito bem, como considerou, porque deveriam defendê-la
384
.
Esta imagem positiva do Paraguai lopizta se consagrou de tal modo entre os
intelectuais revisionistas que se tornou irreversível. Anos mais tarde, por exemplo, O’ Leary
(1929) falaria o seguinte sobre o paraguaio da era lopizta e a “Guerra Grande” que
empreendeu:
Eran hombres libres, verdaderamente libres, porque vivían de lo suyo, del pingüe
producto de su trabajo, acostumbrados a todas las holguras. Todos tenían su hogar,
sus tierras sin gravamen, sus animales y útiles de labranza, su presente y su
porvenir asegurados. Iban a defender todo eso, la casita blanca, donde quedaban el
amor, el pueblo natal, sus tierras urrimas, su lote de felicidad. Pronto sobraron
voluntarios en nuestros cuarteles”
385
.
382
Para acompanhar a gênese desse processo ao menos no campo das idéias ver KOHN, Hans. A era...,
op. cit., pp. 29-35.
383
Ver RENAUT, Alain. “Lógicas de la nación”...., op. cit., p. 45.
384
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Causas del heroismo...”, op. cit., pp. 666-668.
385
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui..., op. cit., p. 54 e 55.
134
O contraste que significa este quadro idealizado com a condição social a que
havia sido jogado o povo daquele país, explica a relativa e cada vez maior audiência que com o
tempo foi conquistando tais construções nacionalistas. Aliás, dadas as condições do país, a
superioridade dele em relação aos vizinhos e inimigos de outrora podia ser “encontrada”
num passado imaginário. Conforme proposição de Eric Hobsbawm, o “passado fornece um
pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito que comemorar, e caso ele
também não seja “satisfatório, sempre é possível inventá-lo”
386
.
Cecilio Báez, mesmo com o impacto desse ensaio de Manuel Dominguez estando
favorável à O’ Leary, não se deu por vencido. Publicou ainda em 1903 na “Revista del Instituto
Paraguayo” o longo ensaio “Estudio sobre la historia de España (2ª parte)
387
”, dando
continuidade à condenação da herança hispânica que incidiu sobre o Paraguai e demais
repúblicas americanas. Nele, depois de fazer algumas considerações sobre a “novidade” da
“liberdade” na história, tendo ela como marco fundamental a Revolução Francesa, analisou
várias etapas da história espanhola, como a da dominação romana, visigoda e árabe e a etapa da
“reconquista”. Posteriormente os seus alvos foram as instituições espanholas, como o clero, a
maior “calamidade” de sua história; o regime da desigualdade” feudal; o regime monárquico,
isto é, o regime do “despotismo teocrático”; e as instituições de ensino, “fábricas de teólogos”.
Mesmo que publicado em 1903 foi um ensaio escrito sem o afobo da contenda, onde pôde
esbanjar-se na narrativa e na argumentação
388
.
Esta polêmica, travada fundamentalmente em torno da disputa pelo monopólio da
correta interpretação da guerra, da “era lopizta” e do homem paraguaio, foi importante tanto no
sentido de definir a atmosfera intelectual da época, como para dar conteúdos hisricos para o
engendramento da questão nacional em um período de alarme geral, pois, como vimos, o
“paraguaioparecia não querer o ser, mudando-se à outras regiões do Rio da Prata ou mesmo
ao Brasil, e, como se verá, no recrutamento emocional para a guerra contra a Bolívia. Estava
lançado os novos marcos fundamentais da construção ideológica da nação paraguaia. Eles se
repetirão, com a diferença de que cada vez mais se aproximarão da crítica a ordem liberal
386
Ver HOBSBAWM, J. Eric. Sobre História...., op. cit., p. 17.
387
Ver BÁEZ, Cecilio. Estudio sobre la historia de España (2ª parte)”. Revista del Instituto
Paraguayo, Asuncn, año 5, 43, 1903, pp. 376-417.
388
Ainda em 1903, ao mês de novembro, publicou um trabalho que qualificou como uma “filosofia da
história”, fornecendo fundamentos ao seu pensamento histórico sobre o Paraguai. Ver CECILIO,
Báez. Los elementos de la civilización cristiana: caracteres de la Edad Media”. In: Revista del
Instituto Paraguayo, Asunción, año 5, nº 45, novembro de 1903, pp. 113-180.
135
estabelecida e mesmo a ideologia antiliberal. Raul Amaral, definiu a importância dessa
polêmica da seguinte maneira:
Pocos habrían pensado, en aquel tan mentado noviembre de 1902, que la
llamarada encendida en alrededor de su nombre [Francisco Solano López] [...],
modificaría no sólo la interpretación de la historia paraguaya y lo lineamientos de
su ensanza , sino la orientación misa de una época”
389
.
Logo mais, em 1904, com o alijamento colorado do poder, o revisionismo
começaria a perfilar como domínio deste partido, pois frente ao discurso dos pólos civilização e
barbárie do “Partido Liberal”, preferiu considerar-se um partido nacionalista, com os seus
intelectuais, entre eles agora o próprio O’ Leary, levando ainda mais adiante a revio da
história liberal, em particular a da Guerra Grande”.
3.3 Revolução de 1904: a luta entre a história e a contra-história no âmbito dos
partidos tradicionais e seus intelectuais.
Passado o mês de janeiro a empresa de Cecilio Báez e Juan E. O’ Leary ainda
prosseguia, porém com menor entusiasmo. Foi uma batalha intelectual que não esteve, ao
menos pragmaticamente, vinculada a luta política, pois tanto um como o outro contendor
faziam parte do “Partido Liberal, sendo que O’ Leary, por ser ainda bastante jovem, militava
na facção da juventude liberal radical
390
. Logo, contudo, o conflito viu-se definitivamente
interrompido pela urgência política, pois ambos polemistas e demais intelectuais tomaram
partido no movimento “revolucionário” que se iniciara em fins de 1903.
A partir de então, ao menos entre Báez e O’ Leary, ambos com uma visão
retrospectiva, iniciou-se uma clara conotação política a encerrada polêmica. Objetivamente,
entretanto, o movimento “revolucionário” esteve ligado a uma reação a política econômica
reformista levada adiante pelo governo colorado de Juan Escurra (1902-1904). Tendo ele como
Ministro da Fazenda a figura de Fulgêncio R. Moreno, como meio de amenizar a crise
econômica e aliviar as arcas do Estado tomou uma série de medidas que afetaram os principais
interesses comerciais e pecuaristas da elite do país.
389
Conf. AMARAL, Raul. El novecentismo paraguayo: línea biografica..., op. cit., p. 5.
390
Conf. PIRIS, Silvera. Historiografia Paraguaya: época independiente. Asuncn: 2003, p. 83.
136
Para esse governo estava evidente que não se podia mais assegurar a economia
paraguaia a partir da contínua venda de terras e formação de latifúndios pecuaristas ou
improdutivos, dada a extenuação do modelo. Após uma série de vacilações poticas, resolveu
reformar as tarifas aduaneiras com o aumento generalizado sobre a importação e exportação
das casas comerciais, aumento oscilado entre 5 e 30%, sobretudo sobre o mate e o couro.
Moreno confeccionou um sofisticado plano destinado a atacar aquilo que Krauer
chamou de “centro do problema financeiro”, além de tentar conter a depreciação do peso
paraguaio que tanto beneficiava os exportadores
391
. Seguindo as idéias econômicas vertidas por
Blas Garay algum tempo antes
392
, Moreno afastou-se totalmente do velho mentor colorado,
José Segundo Decoud, ao anunciar ante o parlamento a idéia mestra de suas ações:
La intervencn del Estado en la esfera ecomica es una condicn necesaria para
el desarrollo progresivo, para la integración constante de cuerpo social. La teoría de
la amplia libertad en la esfera económica, la doctrina del LAISSEZ-FAIRE, es una
de las tantas antiguallas relegadas al museo de la ciencia [destaque do autor]”
393
.
Não obstante, não se sustentou como Ministro da Fazenda. Dissidências no
interior do próprio governo a respeito da profundidade das medidas afastaram-no do cargo. Em
seu lugar assumiu, em meados de 1903, Antonio Sosa, aumentando a radicalidade das
imposições sobre as casas comerciais de modo a agudizar ainda mais o conflito entre elas e o
governo.
A medida mais conflitiva, contudo, foi a criação do estanco de couro, produto
com algum mercado na própria Europa, livre portando da intermediação portenha. Com ele o
governo reservou ao Estado o direito de expropriar a metade das exportações de couro. Em
princípios de 1904 uma idêntica e desesperada medida permitiu-lhe a expropriação, do mesmo
modo, da metade das exportações de erva-mate. Em conjunto, todas essas medidas
representavam a vontade de o governo Escurra por freio no processo econômico implementado
na década de 1880, repassando o contínuo ônus do Estado à esfera privada.
391
Conf. KRAUER, Juan Carlos Herken. La Revolución Liberal de 1904 en el...”, op. cit.,. p. 507.
392
Somos partidários da intervenção do Estado. A requeremos, se não como absolutamente necessária,
como sumamente conveniente. O ‘LAISSEZ FAIREnão se pode por em prática em países novos
que começam a se desenvolver com tropeços e obstáculos, para os quais não bastam a ação natural e
livre dos interesses empenhados em vencê-los. É necessário que o Estado, com os poderosos meios
que dispõe, concorra para aplainar o caminho e fazer mais cil a evolução... [destaque do autor]”.
Ver FLEYTAS, José Gaspar Gómes. “Ubicación histórica de los partidos...”, op. cit., p. 477.
393
Idem, p. 478.
137
Contudo, logo se aperceberia de sua fraqueza. Setores de seu próprio partido, bem
como do alto escalão de seu governo, figuravam entre os principais beneficiários da
especulação monetária e do setor pecuário-extrativista, da resistência que passou a sofrer
entre os seus próprios correligionários. O “Partido Liberal”, por sua vez, pela iniciativa de
Cecilio Báez e de Begno Ferreira, conseguiu conciliar as suas duas correntes internas, isto é,
a dos “Cívicos” colaboracionistas e a dos “Radicais” abstencionistas, em torno de um projeto
“revolucionário” articulado pelo “Comité Revolucionario” acima aludido
394
.
Mesmo os frágeis setores assalariados urbanos agrupados em diversas
sociedades de socorro mútuo e de resistência –, ainda que numericamente minguados,
manifestaram a sua desaprovação ao governo e a longa hegemonia colorada. Não mais
suportavam a desvalorização dos salários corroídos pela avalanche inflacionária, fato que ajuda
a explicar tanto a primeira onda grevista da história paraguaia – ocorrida justamente nos
primeiros anos do novo século –, como também a formação da primeira central sindical do
país, a “Federación Obrera Regional Paraguaya” (FORP) de caracteres anarquistas
395
.
Soma-se a isso o desgaste de um partido que por décadas esteve a frente do Estado
e não conseguiu levá-lo a mesma prosperidade que ocorria nos vizinhos próximos, Uruguai e
Argentina. Além disso, havia ainda o fato dele ser continuamente acusado de corrupção nos
processos de privatização das terras blicas e de nela “beneficiar” ao seus próprios caudilhos,
em completa depreciação dos camponeses. O “La Democracia”, por exemplo, periódico liberal,
fazia diversas publicações relatando casos concretos de expropriação e sofrimento desses que
eram os paraguaios mais humilhados. Era o mal-estar geral acima aludido, isto é, o fracasso
parcial do projeto de reconstrução “nacional” do pós-guerra, influindo, não só na historiografia,
mas também nos processos políticos do país
396
.
A partir dessa desfavorável conjuntura, Juan C. H. Krauer sintetizou o que
chamou de “coalizão” anti-colorada. Nela estariam os comerciantes importadores e
exportadores sobretaxados; os pecuaristas e ervateiros expropriados da metade de seus
394
Conf. ESTEVES, Gómes Freire. História Contemporanea del..., op. cit., p. 230.
395
Conf. GAONA, Francisco. Introducción a la historia gremial..., op. cit., pp. 160-171 . Tomo I.
396
“La Democracia”, 21 de julho de 1904. O próprio vice-presidente da república, Manuel Dominguez,
em uma carta aberta dirigida a sociedade explicou o porq de sua adesão a campanha
revolucionária. Concomitante a acusação dirigida a Escurra, chamando-o de “corruptoe de aferrar-
se as práticas monopolistas”, fez uma pequena digressão histórica, onde mesmo estando o país
destruído depois da “Guerra Grande”, ele ainda, como considerou, seria rico por ter as mãos quase a
totalidade das terras do país e poder fazer com elas, em benefício dos camponeses, o que chamou de
o “sonho dos sociólogos”, o que não aconteceu. A transcrição íntegra dessa carta está em PASTORE,
Carlos. Lucha por la tierra en..., op. cit., pp. 282-284.
138
produtos; parcelas de assalariados urbanos em luta contra a corrosão de seus ganhos; e mesmo
parcelas de pequenos camponeses cujas rendas esfumaçavam o em meses, senão em
semanas”
397
. O único apoio potico sólido a Escurra e a continuidade da hegemonia colorada
parecia vir do Brasil, cuja influência diplomática havia se consolidado no setor dominante da
oligarquia paraguaia desde a década de 1870, influência que se prolongou sobre os colorados,
sempre identificados como brasilianistas, enquanto, da mesma forma, os liberais como
argentinistas
398
. Representava uma curiosa “anomalia” herdada da supremacia militar brasileira
frente a Argentina na “Guerra Grande” contra o Paraguai, pois ao nível ideológico-cultural e
mesmo econômico o peso da influência argentina sobre o Paraguai sempre foi muito maior que
o brasileiro. Os capitais ânglo-argentinos, por exemplo, foram os que mais investiram em
terras, pecuária extensiva, transporte fluvial e estradas de ferro
399
.
Construída, assim, a multiplicidade dos recém conquistados inimigos internos e
ao velho interesse argentino em romper com esta “anomalia, o foi difícil para as
proeminentes figuras liberais do país angariar fundos e armamentos vindos da elite local e de
Buenos Aires, contando elas com o próprio aval do governo argentino. O apoio diplomático do
Brasil ficou, portanto, insuficiente para debelar a “revolução” anti-colorada, na qual mesmo a
sua fração “egusquizista” – desalojados do poder em 1902 – tomou parte.
Em 12 de dezembro de 1904, depois de quatro meses de sangrenta guerra civil,
foi assinado o tratado de Pilcomayo assumindo a presidência da república o revolucionário
Juan Bautista Gaona
400
. Sua primeira medida, e não poderia deixar de ser, foi por fim aos
monopólios, taxas e confiscos estabelecidos pelo governo derrotado.
O impacto desse novo “ajustecaudilhesco consumado nesse acordo” não pode
ser minimizado. Somado ao pprio “boom” das atividades econômicas em todo o Rio da Prata
pelo início do século XX
401
, o tratado de Pilcomayo deu impulso para uma considerável
397
Conf. KRAUER, Juan Carlos Herken. La Revolución Liberal de 1904 en el..., 1995b. p. 509.
398
A influência política do Brasil sobre o Paraguai alcançou seu apogeu em 1894 com um golpe que
impôs Esguquiza no poder. Foi um movimento orquestrado desde o Rio de Janeiro que chegou a
Assunção em princípios deste ano com a ida para do Ministro Amara Cavalcante. O objetivo da
missão de Cavalcante era impedir que José Segundo Decoud chegasse ao poder, pois ante aos olhos
do Brasil ele era considerado “argentinista”, além de ser um “inimigo”. Ver DORATIOTO,
Francisco Fernando Monteoliva. “La participacn del Brasil en el golpe de 1894...”, op. cit.
399
Conf. MORA, Frank O. La política exterior del Paraguay (1811-1989). Asuncn: Ediciones y
arte, 1993, p. 69.
400
Conf. CARDOZO, Efraim. Paraguay Independiente..., op. cit., p. 357.
401
Para observar a relevância dessa expansão da economia paraguaia dependente da Argentina, ver
também as considerações do jornal “El Diario”, 28 de novembro de 1905.
139
expansão das atividades pecuário-extrativistas dos capitalistas ânglo-argentinas no Paraguai
402
.
Para eles, finalmente o mando político do país, como o era no plano ecomico, foi
monopolizado por homens afinados com a oligarquia Argentina. Entre estes, por exemplo,
estavam alguns dos próprios membros da extinta “Legión Paraguaya”, como a figura do
idoso Benígno Ferreira. Ele estaria na chefia da presidência do país entre 25 de novembro de
1906 e 2 de julho de 1908.
Grandes foram as esperanças e expectativas da “revolução” de 1904 dentro e fora
do país. Para a maioria dos observadores, exceto para perdedores e brasileiros, ela representou
uma possibilidade a mais de finalmente o Paraguai alcançar a “civilização” e o “progresso”
403
.
Uma leitura semelhante àquela da Guerra Grande”, dizia que a partir de então a
“gauchocracia” colorada com suas práticas de “violência” e “barbárie” – resquícios que teriam
herdado do regime francista e lopizta, – teriam enfim um rmino.
Para se ter uma idéia dessas imagens, Ramón Indalecio Cardozo ao explicar sua
filiação ao “Partido Liberal” qualificou o concorrente como constituído por velhos caudilhos,
herdeiros de vícios passados, de tiranias seculares, opressores da liberdade.... Considerava-se
seguidor de Cecilio Báez, pessoa que pregava “o ódio ao despotismo e a tirania, e ensinava o
santo amor a liberdade”
404
. Também Eligio Ayala intelectual membro da geração de 900
com preocupações sociológicas e militante liberal graduado em Direito e Ciências Sociais pela
“Universidad Nacional” –, em seu livro “Migraciones” considerou a “revolução” tanto o fim
de “um mundo de bárbaras tradições” como também o fim da semi-escravidão política” que
pesava sobre os paraguaios
405
.
Insistirei, ainda, um pouco mais nestas representações criadas pelos dos liberais.
Os doutrinários do partido, à medida que se contrapunham aos governos colorados de fins do
culo XIX, governos que teriam, para Efraim Cardozo, reavivado o antigo sistema de
402
Banco Paraguayo”; La Nacional de Seguros”; “La Paraguaya de Seguros”; “La Paraguaya de
Transportes”; “La Selvática”; “The River Plate Quebracho Company”; “La New York and
Paraguaya”; estabelecimento pecuarista de William Cooper y Nephen”; “Sociedad Florestal”;
Compañia Ganadera ‘Liebig’”; Sociedad Comercial Norte del Paraguay”; Establecimiento Puerto
Cantera”; “Puerto Sastre”; “La Rural Artentino Paraguaya”; “Quebrachales y estancias Puerto
Galileo”; “La Industrial Paraguaya”; Compañia industrial de maderas, argentino paraguaya” e
Dell` Aqua”. Conf. GAONA, Francisco. Introducción a la historia gremial..., op. cit., p. 153 e
154. Tomo I.
403
Conf. KRAUER, Juan Carlos Herken. La Revolución Liberal de 1904 en el...”, op. cit.,. p. 522 e
523.
404
Ver CARDOZO, Ramón Indalecio. Mi vida de cuidadano y..., op. cit., p. 28 e 29.
405
Ver AYALA, Eligio. Migraciones..., op. cit., p. 66.
140
“encomienda”, entendiam o individualismo como o motor da sociedade política
406
. Assim, o
velho “gregarismo tradicional” foi visto como anacrônico aos tempos modernos do pós-guerra,
embora os colorados, como entendiam, nada teriam feito para combatê-lo. Criticavam também
o autoritarismo caudilhista, imputado como prática exclusiva dos colorados. Para eles, somente
a autocrítica e o civismo podiam fazer possível um regime democrático.
Relembrando Claudia Wasserman quando fala das claras conecções entre
“ciência” e política, estas foram as mesmas leituras que os pprios revolucionários fizeram da
situação. Expressaram-na com nítida clareza em seu “Manifiesto” dirigido “Al Pueblo”, um
panfleto político lançado em agosto de 1904 no início da atividade bélico “revolucinária”.
Entre outras, este manifesto fazia a promessa de finalmente por em prática a constituição
liberal de 1870, até então – como considerou o militante liberal José de la Cruz Ayala ainda em
1887 – desrespeitada pelos colorados
407
.
Mas se a “barbárie” foi representada por colorados ainda lopiztas, cujo alguns de
seus caudilhos de fato tiveram ligações com o regime dos pez, a civilização dos liberais
significou, entretanto, tudo o que lembrava ou vinha da Argentina. Um verdadeiro culto a este
país e particularmente a sua capital caldo ideológico-cultural existente desde a “Guerra
Grande” tornou-se, agora, ainda mais evidente entre os caudilhos liberais, entusiasmados
pela conquista do poder. Para desespero de uns e glórias de outros, muitos chegaram a pensar
que, finalmente, o país seria anexado à Argentina sob a condição de uma província.
Somado a isso, as diversas ações “antipopulares” que tomaram, como, por
exemplo, a intensificação da repressão ao uso da língua guarani nas escolas e a demolição do
antigo “mercado guazú” local que servia tanto de refeitório popular para peões e
trabalhadores assuncenos, como também local onde suburbanos ou camponeses ofereciam à
venda seus rústicos produtos aos próprios assuncenos –, deram margem para os adversários os
caracterizarem como “portenhistas”, e também para a capitalização do nacionalismo
conservador por parte dos colorados. A este respeito Milda Rivarola citando um cônsul francês
chamado Fabre, disse o seguinte:
Las posiciones civilizadoras’ y las ‘nacionalistas’ fueron asociadas,
respectivamente, a cada uno de los partidos políticos. El cónsul francés, Fabre,
definia hacia 1908 estas diferencias en los términos siguientes: ‘Desde hace mucho
tiempo, tradicionalmente [...] la gente se divide aquí en liberales y colorados. He
406
Conf. CARDOZO, Efraim. Breve historia del Paraguay. Buenos Aires: Eudeba, 1965, p. 113.
407
Para verificar na íntegra este manifesto dos revolucionários de 1904 ver ESTEVES, Gómes Freire.
História Contemporanea del..., op. cit., pp. 246-248.
141
oído sostener con frecuencia que la división no respondería a ninguna divergencia
política efetiva. Todo estaría relacionado con intereses privados, cuestiones
personales, deseo de conquistar o mantener el poder con las ventajas materiales
que esto supone. Generalizando, puedo decirse que los colorados representan el
elemento nacionalista. Conquistados, pero no asimilados por los españoles, los
paraguayos indígenas, los Guaranís, conservaron una viva memoria de sus
orígenes. Se consideran pertencientes a una raza diferente de los otros pueblos
americanos [...]. En consecuencia, tienden a observar de mala manera a los
inmigrantes extranjeros, quienes, más trabajadores y mejor preparados para la
lucha económica, suelen adquirir aquí un lugar preponderante en detrimento de los
nativos [...]. Nacionalismo en el interior, y alianza con los brasileños en el exterior,
eso es, en dos palabras, el fondo del programa colorado [...]. Los liberales son, se
jactan de ser partidarios del crecimiento de la influencia extranjera, sobre todo de
la influencia argentina, de la que consideran que su país no puede, y no tenda
además ningún interés, en sustraerse. Sostienen [...] que el Paraguay solo pod
progresar com el apoyo de capitales e inmigrantes extranjero [...], piden que se hah
un abierto llamado a esos inmigrantes y a esos capitales, sin que parezcan
preocuparse de las consecuencias que esto acarrearía desde el punto de vista de
mantenimiento del caráter nacional’”
408
.
Não obstante, mesmo que a diferença das conotações ideológicas de cada partido
se tornasse cada vez mais claras depois de 1904, objetivamente pouco ou nada mudou com a
ascensão dos liberais ao poder. As esperanças de maior respeito as liberdades civis e a
estabilidade política duraram pouco, pois a tentativa do governo de Benigno Ferreira fundar
um exército em base verdadeiramente nacional a partir da criação de um “Estado Mayor
General”, frustrou-se completamente
409
. Logo as frações liberais, como fizeram as coloradas,
retornaram às práticas de conflitos armardos entre si, prosseguindo o uso particular que os
caudilhos faziam da parcela do exército sob a sua influência
410
.
Muito ao contrário do que a “revolução” se propôs, a instabilidade cresceu e
chegou tal ordem que uma guerra civil, depois de uma conturbada década repleta de golpes,
produziu-se entre 1911 e 1912, concomitante as publicações comemorativas do centenário da
independência nacional
411
. Seria agora, porém, a Argentina e “suas” empresas, e não mais o
Brasil, o país por detrás de cada uma das quarteladas, golpes e “revoluções” paraguaias,
buscando por no poder a fração liberal que mais lhe conviesse. Aliás, a única mudança que a
“revoluçãode 1904 trouxe foi a reordenação da política externa, saindo o país da órbita
408
Conf. RIVAROLA, Milda. Obreros, utopías & revoluciones..., op. cit., p. 102 e 103.
409
Conf. VIOLA, Aufredo. Eligio Ayala. Presidente constitucional 1924-1928. Asunción: Centro de
Publicaciones de la Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asuncn”, 2002, p. 140. Conf.
CARDOZO, Gustavo Gatti. El papel politico de los militares... op. cit., p. 32.
410
Durante os 36 anos de governos dos liberais houve 21 administrações distintas, encabeçadas por 17
diferentes presidentes; só 3 conseguiram chegar ao término de seus mandátos.
411
Para uma narrativa dos fatos políticos dessa guerra civil ver CARDOZO, Efraim. Paraguay
Independiente..., op. cit., p. 357.
142
brasileira e caindo na da argentina. Mesmo a outrora condenada alienação do patrimônio
público lopizta, terras e meios de transporte, o se alteraram. Seguiu norteando o fundamento
material do regime liberal.
De qualquer modo, mesmo com a inegável continuidade no padrão da estrutura
sócio-política, arevolução” de 1904 teve o efeito de acelerar o revisionismo da história
liberal. De início, de algo quase que totalmente circunscrito ao campo da produção intelectual
a partir de uma matriz de pensamento destoante, o revisionismo expandiu-se a outros campos
ligando-se também ao trauma político vivido pelos caudilhos colorados
412
. Como o pprio
cônsul francês constatou ainda em 1907, a valorização do “nacional” pertencia a “Asociación
Nacional Republicana”. Na década de 1920 esse movimento tornou-se, contudo, muito mais
sólido e claro. O jornal “Pátria”, órgão colorado, em um artigo intituladoEl sentido de
nuestro patriotismo” fazia a seguinte afirmação:
La historia, nuestra historia, es patriotismo sagrado de todos, sobre el que no cabe
disputas entre hermanos.
Nosotros los colorados creemos que nuestro pasado es limpio y luminoso, creemos
en nuestras glorias, veneramos a nustros héroes y nos sentimos orgullosos de lo que
fuimos. No podemos consentir, no consentiremos jamas que el Paraguay fue feudo
de tiranos, tierra de esclavitud, patria de ilotas redimidos por un Emperador de
esclavos y caudillos asesinos del Plata. No! Eso jamas”
413
.
O trágico fim de José Segundo Decoud, outrora ideólogo dessa agremiação
política, também lança luz sobre o movimento de captalização do “nacional” pelo “Partido
Colorado”. Afastado de qualquer influência política sobre o Estado e mesmo sobre o seu
derrotado partido era acusado pelos seus correligionários de ser pouco “nacionalista” ,
suicidou-se em 1909. José Segundo Decoud, ex-emigrado e combatente de López, foi o típico
homem do s-“Guerra Grande” que tentou pôr em prática um grande projeto liberal de
reconstrução e prosperidade nacional, projeto que ao menos parcialmente, em sua ambição,
não se concretizou.
412
Para uma boa teorização entre o casamento de revisionismos hisricos e traumas políticos ver os
escritos da história argentina. QUATTROCCHI-WOISSON, Diana. Los males de la memoria.
Historia y política en la Argentina. 2 ª ed. Buenos Aires: Emecé Editores, 1998, pp. 69-71.
413
Patria”, 3 de julho de 1926.
143
Não possuindo mais espaço na vida pública paraguaia preferiu a morte, conforme
uma carta de despedida que deixou a dona Benigna Decoud, sua esposa
414
. Idoso, não lhe era
mais possível “trocar de lado”, como outrora o foi.
Mas para a capitalização do nacionalismo conservador como domínio da
“Asociación Nacional Republicana” – algo já prenunciado com o “caballerismo” –, a trajetória
histórica de Bernardino Caballero foi a mais importante e ilustrativa. Ao término da
“revolução”, em dezembro de 1904, Caballero foi jogado ao ostracismo político do exílio em
Buenos Aires, onde ficou até 1907, pois permanecia com grande ascendência sobre os
colorados. Lá O’ Leary, também no exílio por sua campanha jornalista anti-liberal, o conheceu
e ambos tornaram-se grandes amigos. Além de Caballero, no exílio O’ Leary conheceu, ainda,
ao Coronel Escurra, o último presidente colorado, e também ao General Patricio Escobar.
Exilados todos eles, a derrota política recente pareceu-lhes fundida com a polêmica intelectual
e ao revisionismo histórico, pois O’ Leary, ainda que oficialmente um militante liberal,
também se sentiu derrotado em 1904.
Em sua obra “El Centauro de Ybicui” – mesmo vivendo como funcionário
público, em especial como professor e representante de alguns dos governos liberais no
exterior chegou a comparar a sua luta revisionista de 1902 como uma espécie de
prolongamento da luta bélica de Caballero nos dias da “Guerra Grande”:
El anciano ilustre [Caballero] veía, tal vez, [en mí], un camarada en el que
convirtió en acero de pluma el acero de su espada, para prolongar la heroica porfía
más allá de la derrota y hacer retoñar el verde lauredal ahogado en los pantanales
de medio siglo de imposturas”
415
.
O “açode sua “pena” era a continuação do “aço” da “espada” de Caballero.
Tendo como inimigos ideológicos a Cecilio Báez chefe virtual da “revolução”– e também
aos intelectuais Manuel Gondra e Eligio Ayala, todos mentores do “Partido Liberal” e
presidentes da república em diferentes momentos da era liberal”, O’ Leary, oficialmente nas
fileiras coloradas desde 1908
416
, publicou o “El Centauro...”, trabalho apologética de
Bernardino Caballero, principal caudilho do “Partido Colorado” até falecer em 1912
417
.
414
Ver DORATIOTO, Francisco Moteoliva. “Guerra e regeneração: três estudos...”, op. cit., p. 84.
415
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui..., op. cit., p. 24.
416
Conf. PIRIS, Silvera. Historiografia Paraguaya: época..., op. cit., p. 83.
417
Caballero retornou do exílio em 1907, sendo que manteve relação de amizade com O’ Leary até a sua
morte.
144
Nessa obra historiográfica o revisionismo depois da versão liberal impingir
também sobre Caballero e a “era colorada” os títulos de “barbárie” “restaurava” não o
período lopizta, a guerra e os López, senão também ao próprio Caballero, figura chave para a
memória e tradição colorada, inclusive para a ditadura de Stroessener (1954-1989).
Descrito como “bárbaro pelos liberais, O’ Leary, em contrapartida, descreveu-o
tanto como o valente “Centauroda “Guerra Grande”, como também como o “reconstrutor” do
Paraguai. Entre outras coisas, teria sido ele um verdadeiro “cavaleiro representante da
“nobre” “raça” “guerreira” de Francisco Solano López, pois com esta qualidade alguém
conseguiria executar a enorme tarefa que este lhe confiou. Caberia a Caballero ser uma espécie
de elo e “vínculo” entre a “pátria velha” e a pátria nova”, vínculo que não poderia ser
quebrado, pois o que estava em jogo era a própria “existência nacionaldo Paraguai. D
Caballero ter sobrevivido a guerra:
Ese era su destino. Ni el hierro ni el plomo enemigo volvemos a repetirlo
habían de tocarlo nunca. Su vida era una llama sagrada que no debía apagarse en la
tempestade de aquella guerra; lumbre votiva llamada a arder después de la
catástrofe sobre la desolación de nuestra derrota. La patria vieja y la patria nueva
iban a necesitar de un eslabón que, al vincularlas, reanudara el proceso de la
existencia nacional. Y esse eslabón único iba en él, en su pecho generoso, en su
gran corazón, en su volunta inquebrantable. ¡Tenia que viver
418
!
No “El Libro de los Héroes” (1921) – obra publicada em comemoração do
cinquentenário do término da guerra O’ Leary havia dito coisa semelhante. Caballero teria
sido o reconstrutor do Paraguai, aquele que levantou a “bandeira” pátria nos piores momentos
de sua existência.
No hace falta decir quién fué el hombre que reun todos los votos de sus
compatriotas y en aquellos dias amargos fué la única esperanza de nuestro país.
No podía ser sino el gran soldado sobreviviente, el bravo de nuestros bravos, el
hombre de Tuyutí, Curupayty, Isla Tayí, Tatayibá, Acayuazá, Ytororó, Avay,
Lomas Valentinas, Diarte, Acosta, Ñú... El general Caballero, y no outro, fue, y
tuvo que ser, el encargado de levantar nuestra bandera, para desplegar ante el
mundo estupefacto su vuelo tricolor”
419
.
Cabe perguntar, entretanto, se o próprio Caballero, no imediato pós-guerra,
pretendeu-se de fato um elo de ligação entre o passado lopizta e o porvir. Em outras palavras,
418
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui..., op. cit., p. 192.
419
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes..., op. cit., p. 506 e 507.
145
se se pretendeu o “Mesías [...], portador [...], profeta anunciador de um despertar [...] da vida
nacional”, como queria O’ Leary
420
. Para isso, vejamos o que afirmava em 1871.
“[...] el Paraguay desde la aparición de su primer tirano, José Gaspar de Francia,
desaparec del catálogo de las demás naciones, olvidado y perdido por muchos
años [...]. Posteriormente [...] el nuevo Nerón americano [López] le arrancó su
existencia, su porvenir entero, sacrificando a sus pasiones brutales tantas víctimas
ilustres”
421
.
Diferentemente, portanto, da construção discursiva que O’ Leary empregou tanto
no “El Centauro Ybycui” como no “El Libro de los Héroes”, Bernardino Caballero s-se,
também, na árdua tarefa de “regenerar” o “esquecido” paraguaio das conseqüências e tradições
do “tirano” Francia e do “Nero” Francisco Solanopez.
Embora uma personalidade marcante, Caballero também se adaptou aos novos
tempos do pós-guerra e passou a comungar das convicções hegemônicas daqueles dias de
“ocupação” militar e “nascedouro” liberalismo, contando para isso com a ajuda das idéias
vertidas por José Segundo Decoud, o outrora inimigo e membro da “Legión Paraguaya”.
Foram eles, lembremos, que juntos começaram o processo de privatização das terras públicas e
logo se tornaram os principais caudilhos na fundação da “Asociacn Nacional Republicana”
(1887).
Existem ainda outras afirmações de Caballero que serviriam para rebater as
construções do “El Centauro de Ybycui” e do “El Libro de los Héroes”, obras da década de
1920. Mesmo colhido o material e as informações necessárias nas entrevistas que Caballero
concedeu para O’ Leary confeccionar a primeira, a mais importante na incorporação do
“caballerismo” colorado ao “lopizmo”, a publicação dela viria acontecer somente em 1929,
momento em que não os governos do “Partido Liberal”, mas também toda as instituições
liberais implantas em 1870 estavam em aguda crise. Mas antes de sintetizar os movimentos
políticos que derrubariam o regime liberal, obsevemos como a historiografia lopizta
consolidou-se e hora direta e hora indiretamente, justificou ou serviu de justificativa ao término
da “era liberal” paraguaia.
420
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui..., op. cit., p. 431.
421
Ver El Pueblo”, 18 de agosto de 1871. Apud. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Imágenes de la guerra y
del...”, op. cit., p. 2.
146
4 Temáticas do nacionalismo conservador e sua
consolidação
4.1 Centenário da Independência
Dar um formato a “história pátria”, como havia predicado Cecilio Báez na
inauguração dos trabalhos da “Revista del Instituto Paraguayo”, era uma das obrigações da
intelectualidade paraguaia no final do século XIX. Em 1911, com o “Album Gráfico”, tal
objetivo dos homens que se dedicavam as letras não havia mudado. Assim, a comemoração e
rememoração da Independência ato político ocorrido cem anos tornou-se um meio a
mais para a produção da “matéria-prima” ideológica para a construção da pátria” num
momento de grande necessidade: o de apregoar a ontológica unidade do “organismo” nacional
diante de uma avalanche de conflitos caudilhescos que pareciam intermináveis.
Como dizia a própria introdução do “Album”, texto formulada por Arsenio López
Decoud, organizador do trabalho, as “revoluções provocadas pelo militarismo e suas
quarteladas” não eram senão “acidentes desgraçados”. O “caudilhismo”, prosseguiu, “não
conseguiu arraigar-se em nosso organismo” nacional
422
. López Decoud entendia que a unidade
do “organismoa que pertencia, no caso a pátria paraguaia, ainda que em sofrimento pela
intensa luta política daqueles dias, não deixaria de superar tais inconvenientes, como sempre o
fez. Aliás, o pprio tom do “Album” foi o de amistosidade e colaboração entre os intelectuais,
buscando superar as seqüelas do embate entre Cecilio ez e Juan E. O’ Leary.
Pela época, como demonstra a citação acima, a leitura biológica da história e
também a geofísica, já pertenciam ao donio de parte da intelectualidade paraguaia. O
próprio “Album” constituiu-se, genericamente, numa espécie de biografia nacional, cujo
destaque está nas 3 mil fotos que publicou, fotos das principais personalidades do país nos
diversos ramos de ofícios que teriam “composto” a “pátria” até o primeiro centenário de sua
vida independente.
É um trabalho onde a “pátria” paraguaia foi entendida como um ser único,
peculiar e destinado a assim prosseguir, pois possuía, como se pode averiguar por alguns
títulos dos ensaios que compilou, uma história particular com uma gigantesca “epopéia”, um
422
Ver DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República del..., op. cit., p. 9.
147
habitat geográfico particular, e, igualmente importante, uma raça própria, classificada agora
entre as melhores do planeta, cultivadora da “tradição” e do “doce idioma” guarani, coisas, não
obstante, rejeitadas pelas elites e governos do país
423
. Dessa forma o primeiro dos objetivos do
“Album”, assinalado por Arsenio L. Decoud, foi “dar uma visão completa [...] da vida
nacional”; dar uma impressão completa do que o Paraguai foi, do que é e pode ser”; “prestar
um serviço efetivo” para sua “propaganda fundada sobre a mais estrita verdade”. Numa
palavra, dar uma historicidade ao “organismo” pátrio, por meio de sua biografia.
Más a confecção desse trabalho comemorativoo foi prevista por López Decoud
senão pouco tempo antes do centenário. Anteriormente, desde 1910, algo parecido estava a
serviço da casa editorial de Ramón Monte Domecq y Cía, cujo título seria “Album Gráfico de
la República de Paraguay: 100 os de vida independiente, 1811-1911”. Mas o “tumulto
político do momento emperrou os trabalhos. Sucessivos decretos, ditados por efêmeros e
diferentes governos, adiaram os festejos oficiais e a ppria data do centenário. Mesmo Manuel
Dominguez, ministro da Justiça, Culto e Instrução Pública do governo de Albino Jara (01/1911
à 07/1911), propôs um decreto que estabelecia o “aniversário vel da celebração do
centenário. Outros semelhantes vieram, até que finalmente um, datado de outubro de 1913, que
estabelecia os festejos para o ano seguinte, foi finalmente cumprido
424
.
Abandonado o trabalho pela editora Domecq y Cia, Arsenio López Decoud
assumiu-o em janeiro de 1911, apenas quatro meses do centenário. Logo conseguiu reunir
o grupo dos intelectuais colaboradores, mas o público amplo só teria acesso ao resultado final
do trabalho em fins de 1912. Nesse momento, uma grande divulgação na imprensa assuncena
apresentava-o a todos. O El Nacional”, por exemplo, considerou-o “ameno, útil e instrutivo”,
indispensável à “casa particular, comercial ou industrial”
425
.
Arsenio pez Decoud era desde a muito um intelectual engajado na revisão da
história liberal. Nascido em San Fernando (1868), era filho de Benigno López, por conseguinte
sobrinho do Marechal pez e neto de Carlos Antonio López. Concluída a “Guerra Grande”
423
Segue a lista de autores e ensaios: 1) Blás Garay “contribuiu” com “Reseña histórica del Paraguay;
2) Arsenio López Decoud com Reseña Geográfica”; 3) Fulgencio Moreno com “Resumen de la
Historia económica del Paraguay”; 4) Cecilio ez com Relaciones Internacionales”; 5) Juan E. O’
Leary com La Guerra de la Triple Alianza”; 6) Enrique Solano López com “El periodismo en el
Paraguay”; 7) Ignacio A. Pane com “Intelectualidad paraguaya”; 8) Cecilio Báez com “Instrucción
pública”; 9) Fulgencio R. Moreno com” Inmigración y colonización antes y después de la guerra”;
10) por fim, Manuel Dominguez com La capital de la República”.
424
Para acompanhá-los detalhadamente ver BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay:
historiografía...”, op. cit., p. 67.
425
El Nacional”, 2 de janeiro de 1913.
148
foi levado para Buenos Aires, onde graduou-se pela “Escuela Naval Argentina” em “Guarda de
Marinha”. Retornou ao Paraguai em 1890 e quatro anos depois recebia o título de bacharel em
ciências e letras pelo “Colegio Nacional”. Ocupou distintos cargos públicos e se envolveu em
diferentes atividades intelectuais, como na fundação dos jornais “El Progreso”, “La Prensa”,
“El Nacional” e numa revista chamada “Fígaro”
426
.
Mesmo sendo filho de uma Decoud família inimiga do Marechal pez e de
Benigno López, pessoa acusada por conspiração, chicoteada e morta por traição nos dias da
“Guerra Grande” pelo próprio irmão, em 1902 na polêmica entre Cecilio Báez e O’ Leary não
hesitou em ficar ao lado de deste último, acusado pelo adversário como um “tiranófilo pró-
López. Naquele momento Arsenio López Decoud trabalhava no próprio “La Patria” ao lado de
seu primo, Enrique Solano López, e assim também ao lado de Juan E. O’ Leary.
Desse modo, a tônica que imprimiu ao “Album” foi também revisionista, mesmo
sendo ele um trabalho coletivo que contava com a presença de Báez e Fulgencio Moreno. Este
último, pelo momento, ainda permanecia um intelectual vinculado ao positivismo e mesmo que
ensejando uma perspectiva revisionista, preferia permanecer longe das discussões mais
acaloradas
427
. De qualquer modo, Arsenio López Decoud s como o segundo objetivo do
trabalho a seguinte obrigação:
“[él] dará la idea aproximada de lo que es este país tan mal tratado por los que no le
conocen.
Él dirá que no fuimos la horda de bárbaros fanatizados, el ‘millón de salvajes’ al
que deb redimirse por la sangre y por el fuego. Que hicimos patria, que intereses
poderosos nos la deshiciero y que la reconstruímos pacientemente
428
.
Essa retórica era uma tentativa a mais de dar uma resposta para a perspectiva
criada desde a “Guerra Grande” pelos vencedores, em particular aos argentinos, e pelos
próprios antilopiztas paraguaios, pessoas que tanto vincularam o paraguaio e o soldado a
suposta “barbárieda tradição e do lopizmo. Todos os ensaios, exceto o de Blás Garay,
morto, foram especialmente preparados para o Album”, de modo que se constituem num rico
legado que ajudou a estruturar o nacionalismo lopizta e suas principais temáticas.
426
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la Cultura..., op. cit., p. 460 e 461. Tomo I.
427
Fulgêncio Moreno publicou sozinho na época do centenário uma outra obra comemorativa. Ver
MORENO, Fulgencio Ricardo. Estudio sobre la Independencia del Paraguay. Asunción: Talleres
Nacionales de H. Kraus, 1911.
428
Ver DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República de..., op. cit., p. 8.
149
Na exaltação do próprio, do particular, da excelência da “nação”, o ensaio
intitulado “Resa Geográfica” cumpriu uma função essencial. Nele todos os aspectos físicos,
minerais e orgânicos da “patria” foram listados por López Decoud, contando para isso com as
colaborações do agrônomo suíço Moisés Bertoni (1857-1929) e de Manuel Dominguez
429
. Este
último publicou dois tópicos para o ensaio, um referente ao algodão, “El algodón en el
Paraguay, e outro referente ao gado, “El Ganado Vacuno en el Paraguay”. No primeiro deles
Dominguez fez apenas uma espécie de resumo de um ensaio de sua próprio autoria, ensaio
publicado na “Revista del Instituto Paraguayo” em julho de 1903. Em ambos escritos há a
seguinte consideração histórica sobre o algodão e o Paraguai:
“autores del siglo antepasado [...], del siglo pasado [...], sabios vivos [...],
experimentos hechos en vasta escala por dos gobernantes (Dr. Francia y Don
Cárlos Antonio López), análisis practicados en Europa [...], certifican que el
Paraguay produce el algodonero de la mejor clase y en mayor cantidad, durando
más y costando menos. Tenemos un país que produce s, mejor, por más tiempo
y más barato que cualquiera outra zona”
430
.
No segundo pico, sobre o gado bovino, a cegueira historiográfica de Manuel
Dominguez foi ainda mais brutal. Sua consideração final expôs o animal tanto como elemento
explicativo da sobrevivência do sofrido Paraguai, o que constituiria-se numa enorme
singularidade frente a outras nações, como também como o elemento de sua presente riqueza:
Y el resumen de todo es que el buey salvó á la conquista, sostuvo á la Colonia, fué
con el criollo á fundar ciudades, reduciones, fuertes; hizo posible la independencia,
era uno de los recursos grandes del Doctor Francia y de los López y n hoy,
desps de la guerra arrasadora, mediane esse servidor manso y robusto, el
Paraguay es todavía, en relación, uno de los países más ricos del mundo. ¡Pesad las
glorias de esse valiente mártir [destaques do autor]”
431
!
Enfim, os aspectos naturais do Paraguai eram excepcionais, inclusive a
“exuberância” do minério de ferro tão útil ao governo dos López. Tamanha era a sua riqueza
natural que, privilegiado, ainda depois da guerra podia ser um dos mais “ricos do mundo”.
429
Ver DECOUD, Arsenio López. Reseña Geográfica: Etimología Situacn Límites Extensión
territorial – Orografía Hidrografía – Clima Producciones naturales El algodão en el Paraguay
Ganado vacuno. In: DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República del Paraguay.
Buenos Aires: Talleres Gráficos de la Compañía General desforos, 1911, pp. 57-87.
430
Ver DOMINGEZ, Manuel. “El Algodón: su produccn en el Paraguay”. Revista del Instituto
Historico, Asuncn, año 5, 42, julio 1903, p. 275. Ver tamm DOMINGUEZ, Manuel. Reseña
Geográfica: Producciones naturales”. Album Gráfico de la República de..., op. cit., p. 69.
431
Ver DOMINGUEZ, Manuel. “Reseña Geográfica: Ganado vacuno”. Album Gráfico de la
República..., op. cit., p. 74.
150
Nada mais desconforme com a realidade. Considerando que o Paraguai pela época do
centenário importava gado da província argentina de Corrientes e que o algodão estava entre os
seus produtos de menor exportação, torna-se justa a afirmação de Brezzo a respeito da
“ficcionalização da história”, empreendida, aqui, por Manuel Dominguez
432
.
Mas a superioridade e exaltação da “nãoparaguaia, substituto do discurso que
a expunha e seguia expondo como degenerada”, não ficou restrita ao enaltecimento da
geografia, ambiente minuciosamente descrito no “Album”. Manuel Dominguez em um outro
trabalho lançado em 1918 e intitulado “El alma de la raza”, obra onde compilou vários de seus
ensaios publicados, entre os quais figurou o famoso “Causas del heroismo paraguayo
(1903), prosseguia na mesma linha
433
.
Nesse ensaio, lembremos, Dominguez deu uma explicação de o porquê da
superioridade de sua “nação” frente aos países vizinhos na Guerra Grande”. Além da questão
guerreira e racial como o vimos no capítulo anterior, havia a questão da ânsia que o paraguaio
sustentou desde muito sedo por sua autonomia política, pondo-se como o primeiro povo
americano que por ela lutou; havia a questão da instrução pública ofertada pelos López, que,
em relação aos vizinhos, era muito mais extensa e de melhor qualidade; havia a questão da
maior unidade nacional, pois o Paraguai não sofria com os conflitos políticos entre “unitários”
e “federalistas” ou entre “monarquistas” e “republicanos”, como sofriam os argentinos e
brasileiros respectivamente. O Paraguai seria, ainda, um país sem “fanatismo religioso, terra
onde nunca houve sequer um auto de fé. Numa palavra, a superioridade paraguaia frente aos
vizinhos, reeditada nesse livro, estava, portanto, nas mais variadas matérias, contrastando-se
brutalmente com a dura realidade do momento que Dominguez o escreveu
434
.
Voltemos, contudo, ao “Album Gráfico”. Nele o discurso da superioridade e da
exaltação da “nação” paraguaia não furtou-se da questão racista, um dos principais paradigmas
na construção ideológica dos Estados nacionais modernos; além de um “ponto de partida
válid[o]”, segundo Tania Regina de Luca, “para a descrão e a compreensão das sociedades”
daquela época
435
. Utilizando-se do caminho apontado por Dominguez, López Decoud, ainda na
introdução do trabalho, fez uma série de considerações sobre a questão, e, como o primeiro, pôs
432
BREZZO, Liliana M. “El Centenario en Paraguay: historiografía...”, op. cit., p. 70.
433
Tudo contrastava com a realidade contemporânea: autonomia no passado e dependência no presente;
Ver DOMINGUEZ, Manuel. Causas del heroísmo paraguayo”. In: El alma de la raza. Buenos
Aires: Editorial Ayacucho, 1969, [1918].
434
Idem.
435
Conf. LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N) ão. São Paulo:
Editora Unesp, 1999, p. 131.
151
a “homogeneidade étnica” e a ausência do sangue “negro” como fatores que orgulhavam e
deveriam orgulhar os seus compatriotas:
Pertencemos á una raza inteligente y sobria, fuerte y valerosa, capaz de sufrir sin
una queja las más duras privaciones y de lleva á cabo las más altas empresas en la
paz como á cabo las llevamos en la guerra.
Existe entre nosotros perfecta homogeneidad étnica: el pigmento negro no
ensombrece nuestra piel. Amamos nuestra tradicn y nos es grato conservar
nuestro dulce y poético idioma guarani, y ella y él, á pesar de todo, nos
mantendrán unidos al través del tiempo y de sus vicisitudes [destaques meus]”
436
.
Adiante numa segunda parte do ensaio “Reseña Geográfica” deu seqüência a
questão racial a partir de várias comparões da sua “raça”, considerada superior, com a de
alguns outros “inferiorizados”. Vejamos:
Creo [...] que los habitantes del Paraguay tienen más fieza, sagacidad e
inteligencia que los criollos, es decir, que los hijos de padre y madre españoles, y
yo los creo tambien mas activos [que] [...] la raza de los de Buenos Aires no
aliada a los mestizos. [Esta] [...] no tiene las ventajas de la del Paraguay y hace que
los de esta última sobrepasen á los de Buenos Aires en talla, proporciones,
actividad y sagacidad.
Me parecen tener los mestizos del Paraguay algunas superioridades sobre los
espanhõles por su talla, la elegancia de sus formas y aún por la blancura de su
piel. Estos hechos me hacen suponer que la mezcla de las razas las mejora, y que
la especie europea predomina, á la larga, sobre la indígena ó por lo menos el sexo
masculino sobre el feminino [destaques meus]”
437
.
López Decoud fazia, ainda, questão de deixar claro que a “ra” paraguaia não se
formava, como sempre teriam exposto os adversários do Paraguai, com o elemento indígena
“da selva chaquenha”. Este, definitivamente, não seria o representante da civilização paraguaia,
mas uma mera construção discursiva dos que sempre desejaram justificar a injustificável
destruição do Paraguai, impingindo-lhe para isso o título de “bárbaro”.
É interessante notar, aqui, que o estigma de Arsenio López Decoud lançado sobre
os portenhos, crioulos, espanhóis e vizinhos em geral, estende-se também ao índio, pois o ser”
paraguaio também diferiria-se dele, embora falasse do guarani com certo respeito. Da mesma
maneira que Manuel Dominguez, via como importante enfatizar que o paraguaio era o
resultado da mescla do espanhol com a índia guarani, embora, como considerou, esse fato
436
Ver DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República del..., loc. cit., p. 8.
152
digno de louvor de nada valia aos “Rosas”, aos “Quirogas”, aos “Flores” e também aos
escravocratas, isto é, aos inimigos do Paraguai. Estes...
“cuando pretenden ofrecer nuna nota gfica paraguaya, dan á la estampa un indio
de la selva chaqueña, cubierto de plumas y abalorios, con su arco y aljava, como un
expoenente del grado de civilización que hemos alcanzado. No importa que la
mejor sangre española que vino á América corra por nuestras venas mescladas con
la del guaraní altivo, valeroso y magnánimo; nada significan la blancura de nuestra
piel, la belleza de nuestras mujeres y la armonía del conjunto; nada tampoco el
haber tenido al frente nuestros gobiernos estadistas de verdad, paz, prosperidad,
independencia y riquezas... Eramos nosotros, los paraguayos, los únicos bárbaros y
esclavos de la América del Sur y fué necesario que los que no tenían entonces ni
civilización ni libertad se aliaran para dárnolas. Pero !ay! que tan generoso anhelo
resul inútil, y hoy como ayer, como hace medio siglo, refractarios á su dura
enseñanza, cristalizados en nuestra barbarie, seguimos siendo para ellos, y sólo
para ellos, las hordas de salvajes que del 65 al 70 les vendimos bien cara la
victoria, victoria de alas rotas y de cabeza cercenada, victoria de museo, como la de
Samotracia”
438
!
Essa raça paraguaia, quase que destruída na “Guerra Grande”, formada pela
mistura de duas outras, a espanhola e a guarani, teria começado a ser forjada no “leito de amor”
logo após a fundação da capital” Assunção em 1537, na verdade um forte militar espanhol
para defesa contra os índios. Em uma palavra, a fundação da “capital” confundia-se com a
fundação da própria “raça” paraguaia. Ambas foram, supostamente, forjadas na harmonia e
aliança amorosa dos nobres brancos e índias, sem quaisquer conflitos. Esta visão idealizada foi
construída por Manuel Dominguez em um pico do ensaio “La Capital de la República” o
último do “Album Gráfico” pico intitulado “El paraiso de Mahoma en los siglos XVI,
XVII, XVIII y XIX”. Nele a idealização do processo é extrema, destituindo a história real de
qualquer movimento e contradição entre os grupos em questão:
“en 1540 había ya 700 mujeres en servicio de los españoles. Y en el beso de amor,
el español iba transmitiendo al mestizo su sangre, su religión y su lengua.
[...]
Poco después, se calculaba que en el Paraíso de Mahoma había diez mujeres para
cada hombre [destaques meus]”
439
.
437
Ver DECOUD, Arsenio López. Reseña Geográfica: Descripción Política: Etnografía Población
Organización y División Política – Vías de Comunicacn – Deuda, renta, etc. In: DECOUD,
Arsenio López. Album Gráfico de la República del..., op. cit., p. 76.
438
Idem, p. 77.
153
A idílica mestiçagem do Paraíso de Maomé”, mito fundador da
“paraguaidade”
440
era, agora, interpretada como fato positivo, pois ao longo dos séculos ela
teria formado uma comunidade nacional biologicamente privilegiada e homogênea, portanto
superior quando comparada aos países vizinhos, supostamente eivados por conflitos raciais e
pelo pigmento do negro, o último da hierarquia humana. E assim em nome da pureza racial
da nação paraguaia a intelectualidade da época negava por completo a dolorosa história de
sublevações dos habitantes originais para poder criar o mito do harém americano, isto é, poder
dar uma “compensação simbólicaaos conflitos, tensões e antinomias, de modo a garantir,
ideologicamente, a continuidade temporal e a suposta perfeição da pátria” paraguaia num
momento de absoluta “guerra” política. Fosse qual fosse a realidade passada ou presente, o
sentimento de pertença moderno estava em intensa construção pela geração de 900”
441
.
Logo mais, na década de 1920, no movimento historiográfico motivado pela
comemoração do centenário do Marechal López (1926) e em uma conjuntura onde tornava-se
cada vez mais clara a iminência de uma outra guerra, agora contra a Bolívia, a suposta mescla
harmônica entre guaranis e espanhóis ligou ainda mais intimamente a questão da identidade
nacional lopizta com o mito da “raça guerreira”, algo prenunciado tanto por Manuel
Dominguez no “Causas del heroísmo paraguayo”, como também por Fulgencio Moreno no
próprio “Album Gráfico”. Para este último, o colono [paraguaio] se confund[ia] [...] com o
soldado: ao mesmo tempo que os instrumentos de lavrar impunha[va] constantemente as armas
do guerreiro”
442
. Mas isto, com o próprio Moreno, ainda veremos melhor.
Além da homogeneidade racial forjada desde os princípios da colonização, fato
que contribuiria para a superioridade da nação paraguaia, a idéia da homogeneidade social
também foi considerada. Primeiro houve a homogênea pobreza geral, peculiaridade
compartilhada por todas as classes do Paraguai colonial e parte do Paraguai independente.
439
Ver MANUEL, Dominguez. “La Capital de la República”. In: DECOUD, Arsenio López. Album
Gráfico de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres Gráficos de la Compía General de
Fósforos, 1911, p. 307.
440
Entendo mito fundador no sentido empregado por Marilena Chauí, isto é, narração de um “feito
lendário” que uma “solução imaginária” para “tensões” e “conflitos” e queo “cessam de
encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e iias, de tal modo que,
quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo”. Ver CHAUÍ, Marilena.
História do povo brasileiro. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. o Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2000, p. 9.
441
Segundo Marilena Chauí uma das funções do mito é exatamente criar esta compensação imaginária
aos conflitos, tensões e lutas reais, tidas como insolúveis, cujo resultado é “ocultar a experiência da
História ou do tempo”. Ver CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2003, p. 139.
154
Posteriormente, pelo labor construtivo dos López, houve a homogênea riqueza, um tempo de
“ouro” e “felicidadecovardemente destruído pela “Guerra Grande”. Aliás esta guerra como
se pode aferir de Juan E. O’ Leary já na polêmica que travou contra Báez e novamente no
“Album Gráfico” com o seu ensaio “La Guerra de la Triple Alianza” – foi planejada justamente
para se destruir esta “felicidade” e prosperidade” paraguaia, isto é, destruir a sua “idade de
ouro”, na expressão utilizada por Manuel Domiguez.
Em poucas palavras, o medo de um Paraguai potente e próspero teria tomado
conta dos seus invejosos vizinhos, tornando-os hostil ao Paraguai. Por conseguinte, procurando
defender-se das constantes ameaças de argentinos e brasileiro, Carlos Antonio López e o
Marechal pez viram-se na incumbência de militarizar o país, fato que, condizente com a
tradição paraguaia, colaborou ainda mais para aumentar a riqueza nacional. Vejamos o que O’
Leary afirmou a este respeito no ensaio “La Guerra de la Triple Alianza”:
Y á la sombra de nuestro poder militar aumentó nuestra prosperidad,
convirtiéndose el Paraguay en una potencia americana de primer ordem. El país
nadaba en la abundancia, pudiendo el tesoro nacional costear las más variadas
medidas de progreso; se propagó la instruccn, fundándose academias, colegios e
escuelas en toda la República; se fomentó la indústria; se creó una marina mercante
encargada de transportar nuestros productos hasta las playas de Europa; se
fundaron fábricas de armas, balas y pólvora; fundiciones de hierro, astilleros y
arsenales; se contrataron médicos, inginieros, farmacéuticos y maestros en todos
los oficios para montar nuestros establecimientos industriales y dirigir escuelas
especiales de artesanos; se intrudujo el ferrocarril y el telégrafo; se construyeron en
la capital edificios monumentales y se reedificaron los templos arruinados; se
fundaron, en fin, los primeros periódicos y se enviaron numerosos estudiantes al
viejo mundo, fometándose la cultura en toda forma.
Cuando faleció nuestro glorioso patriarca, formábamos yá un gran nación, rica y
poderosa cuya influencia pesaba en los destinos de América del Sur...
Por desgracias, nuestros creciente poderio no podia ser mirado con indiferencia por
los vecinos. El Brasil [...]. El localismo bonarense [...].
El segundo de los López, conociendo perfectamete su situación, complela obra
de su padre en lo que respecta á la militarización del país [destaques meus]
443
.
Este ensaio de Juan E. O’ Leary é o mais importante do “Album Gráfico”. Trata-
se de um trabalho que comparado aos dos outros intelectuais excedeu bastante em extensão.
442
Ver MORENO, Fulgencio Ricardo. “Resumen de la Historia Económida del Paraguay”. In:
DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres
Gráficos de la Compañía General de Fósforos, 1911, p. 90.
443
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. La Guerra de la Triple Alianza”. In: DECOUD, Arsenio López.
Album Gráfico de la República del Paraguay. Buenos Aires: Talleres Gráficos de la Compañía
General de Fósforos, 1911, p. 122.
155
Como afirmou Arsenio pez Decoud na introdução do “Album”, estava “chamado a ter
grande ressonância” nos diversos ambientes assuncenos, pois, pela primeira vez, um paraguaio
de reconhecido “talento” publicava “uma história completa [...] [da] guerra”. Dividido em cinco
capítulos, “La Guerra de la Triple Aliança” fornece tanto uma explicação para a “Guerra
Grande” medo e inveja do Brasil e da Argentina frente a contínua prosperidade e poncia do
Paraguai com o seu ideal fraternal e comunitário –, como também galvanização para o mito da
“idade de ouro” lopizta, já anteriormente postulado
444
.
Mesmo Fulgencio Ricardo Moreno, talvez o único paraguaio da época versado
nas “ciências” econômicas
445
, ainda um intelectual positivista, não escapou dessa
caracterização extremamente positiva do período lopizta. Vejamos como no seu ensaio
“Resumen de la Historia Económida del Paraguay”, também um trabalho do “Album,
estabeleceu uma nítida distinção temporal para a questão material do país, pondo a “Guerra
Grande” como um marco divisor. De um lado a imensa “prosperidade” do pré-guerra, enquanto
do outro, a imensa miséria e “desolação” do pós-guerra.
“A la terminación del gobierno de D. Carlos Antonio López, ocurrida con su
muerte, [...], el Paraguay seguía ya firme un período de franca prosperidad
económica. Al obscuro, misterioso y casi fantástico Paraguay de Francia, había
sucedido en cuatro lustro de paz y de trabajo, un centro comercial que llamaba la
atencn de Europa, y una potencia militar que inspiraba respeto á sus vecinos. Con
un ferrocarril que impulsaba la circulación interior, una marina mercante [...] que
facilitaba el tráfico internacional, una paz lida, una administracn rigorosa, el
bito del orden, de la economía y del trabajo, nuestro país ofrecía en todos los
órdenes de su vida material las vigorosas huellas de grande hombre de estado que
acabava de desaparecer.
[...]
Concuida la gran lucha sostenida por un lustro contra la triple alianza argentino-
brasileño-oriental, el Paraguay ofrecía el cuadro de una inmensa desolación. La
poblacn, dizemada y dispersa, al volver á su hogar deshecho, tenía que crearlo
todo: en las viejas heredades, donde reinó la abundancia, había desaparecido hasta
los animales domésticos: un instrumento de labranza era signo de bienestar. De
estas ruinas surgió el Paraguay presente, en medio de errores y apasionadas
discordias, que pusieron á mayor pruebla todavía su poderosa vitalidad”
446
.
444
Esta galvanização, entretanto, o restringiu-se a OLeary. Lembremos que o mito da prosperidade
do Paraguai lopizta nascera, como o vimos, com Blás Garay, tendo ganho impulso com Manuel
Dominguez e O’ Leary ainda em 1902 e 1903.
445
No momento em que foi Ministro da Fazenda do último governo colorado, publicou “La cuetión
monetaria en el Paraguay (1902). Ver AMARAL, Raúl. Escritos paraguayos..., op. cit., p. 159.
446
Ver MORENO, Fulgencio Ricardo. “Resumen de la Historia Económida del Paraguay”. In:
DECOUD, Arsenio López. Album Gráfico de la República del..., op. cit., p. 93 e 94.
156
Para uma última análise do “Album Gráfico”, voltemos ao ensaio “La Guerra de
la Triple Aliança” de O’ Leary. Como um todo esse ensaio teve por objetivo central dar uma
narração para a grande “epopéiaparaguaia, feito bélico tido por O’ Leary como um dos mais
belos e maiores de todo o planeta. Tratou-se, portanto, de um relato militar, cujo destaque ficou
para as minúcias de uma enorme quantidade de batalhas, bem como para a caracterização
precisa dos vários de seus “heróis”.
Enfim, o objetivo do trabalho – como anos antes havia sido os objetivos das séries
“El cretinismo paraguayo e, principalmente, “Recuerdos de Gloria”, ambas publicadas no
diário “La Patria” foi exaltar a nação paraguaia, dando-lhe para isso a narração de uma
imensidão de “heróise feitos dramáticos e épicos, a exemplo das “epopéias gregas”. Vejamos
o exemplo da batalha de “Corrales”, onde, depois de arrolar uma enorme lista de heróis”
militares de diversas gradações, O’ Leary fez a seguinte consideração:
“¡He aquí los único nombres que recogido la historia! ¡Guerreros
extraordinarios de gigantesca talla, sólo ellos se han destacado sobre el pelotón
heróico que realizó aquella hazaña de leyenda que parece una página arrancada á la
epopeya griega!
La victoria de Corrales llenó de enstusiasmo á todo el Paraguay, que en presencia
de ella soñó todavia con el triunfo final. El Mariscal López honró a los
sobrevivientes, concedndoles una condecoración que fué la más estimada de
todas la que otogó en el curso de la guerra”
447
.
, porém, uma novidade nesse trabalho de O’ Leary em relação as séries de 1902
e a polêmica contra Cecilio Báez: a completa “reparação” histórica da figura de Francisco
Solano López, pois se o paraguaio era uma “raça” de “heróis”, deveria haver algum
representante especial. Naquele momento da disputa intelectual há uma década atrás, O’ Leary
não havia conseguido passar por cima das acusações históricas contra o Marechal e presidente
paraguaio, chegando a fazer questão de dizer que a sua luta contra o “mestre” Báez não tratava-
se da defesa de “tiranoalgum, mas o só da defesa do povopor ele vilipendiado. De fato,
pela época, o peso contra o Marechalpez ainda era enorme, pois mesmo sua mãe, condenada
pelo tribunal de guerra por traição, foi sumariamente executada.
Manuel Dominguez, a princípio, também seguiu na mesma linha de O’ Leary. Em
2 de março de 1907, ante uma pomica travada com o militar argentino Jo Ignacio
Gamendia, publicou no jornal assunceno “Los Sucesos” o ensaio “Heroismo y Tirania”. Nesse
157
trabalho pôs-se o objetivo de separar, por definitivo, o “heroismo” do povo na “Guerra Grande”
e os “tiranos” e tiranias”, coisas bem diferentes para ele.
Assim, enquanto Garmendia, desde o “La Nación” de Buenos Aires defendeu a
velha tese de que a resistência paraguaia dera-se pelo “terror infundido por López sobre um
povo historicamente “passivo”, Dominguez, como no “Causas del heroísmo paraguayo,
entendia que a resistência nada tinha a ver com o “tirano” e “tirania” alguma, senão com as
próprias virtudes e superioridade paraguaia em relão aos seus inimigos: “energia étnicae
“capital guerreiro”, por exemplo. Parecia uma reedição de debates travados, mas o mais
importante é atentar como a figura do Marechal López seguia, ainda, proscrita por Manuel
Dominguez, que, além de impingir-lhe o título de “tirano”, negou-lhe também participação e
mérito na heróica” resistência paraguaia:
Nadie niega que el Paraguay demonstró sublime energia en la guerra...
Los lopiztas encuentran estas causas en López, y lo curioso es que los antilopiztas,
a vuelta de rugir maldiciones contra el tirano, acaban también, sin sospecharlo, por
convertir a López en el único herói de esa Iliada.
Esta opinión yo no refrendo, no quiero refrendarla. Creo que el Paraguay fué heróe
apesar de los tiranos; de nigún modo por magnética virtude de los tiranos. Creo que
lo fué por razones étnicas, físicas y morales, que nada tiene a ver con López,
tiranos ni terror”
448
.
outra, porém, foi a interpretação que Juan E. O’ Leary em 1911 empregou na
comemoração do centenário da Independência do país. Agora os “erros” e faltas” do Marechal
López, embora reconhecidos, estavam perdoados, pois, além de ter sido ele um “grande
soldado” que morreu em Aquidabám por sua “pátria”, foi também o comandante de uma
“geração valente e abnegada” que tudo deu de si, também pela amada “pátria”. Finalmente,
portanto, López estava na expressão de Ignacio A. Pane utilizada no ensaio Intelectualidad
paraguayado “Album” “descarregado” das acusações que sempre sofreu e execrou a sua
memória. Segue abaixo uma citação de “La guerra de la Triple Alianza” de O’ Leary, abrindo o
processo de instauração do herói máximo paraguaio, o condutor da “valente” e “guerreira”
“pátria” paraguaia, mito importante à tradão autoritária do país:
447
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. “La Guerra de la Triple Alianza”. In: Decoud, Arsenio López.
Album Gfico de la República del..., op. cit., p. 132.
448
Ver DOMINGEZ, Manuel. Heroismo y Tirania”. In. El alma de la raza. Buenos Aires: Editorial
Ayacucho, 1969, [1918].
158
Cualesquiera que fuesen los errores y faltas de López, no puede negarse que la
lucha que llevó á los Aliados fué valiente, audaz y resuelta. Por cada pulgade de
tierra conquistada los enemigos tuvieron que librar una batalla desesperada. La
resistencia opuesta por él ha sido en extremo porfiada. Demonstró ser un hombre
de inmensos recursos y uno de los más grandes soldados de nuestros dias.
[...]
Una generación valiente y abnegada, compuesta de hombres de todos los círculos
sociales, combatió y sucumbió en los campos de batalla, al lado del dictador; y
hasta las mismas mujeres figuraron heróicamente en aquella horrorosa lucha. El
agotamiento del Paraguay y la superioridad de las fuerzas enemigas decidieron al
fin, la suerte de las armas á favor de los aliados. López murió como un valiente en
el campos de aquidabán, en 1870 [destaques do autor]
449
.
4.2 Explosão do nacionalismo conservador
Entre as comemorações do cinqüentenário do término da “Guerra Grande”
(1920) e o suposto centenário de nascimento de Francisco Solano pez (1926), o país passou
por uma outra guerra civil (05/1922 - 07/1923), a última de sua “era liberal”. Depois dela,
novos movimentos sócio-políticos ganharam espaço contribuindo para relativizar a importância
dos partidos tradicionais e destruindo, parcialmente, as velhas lutas políticas caudilhescas e
suas formas de arregimentação popular. Não obstante ainda que de formas e em momentos
diferentes todos eles contribuíram para o refoo social do nacionalismo conservador,
ideologia produzida em particular pelos intelectuais lopiztas desde há várias décadas, que,
agora, começava a ganhar respaldo da sociedade paraguaia em geral.
Tratava-se de um período em que essa sociedade começava já não mais a se
contentar apenas em referendar a vontade do caudilho imediato, pois mesmo entre parcelas das
camadas subalternas começava a ocorrer a ascensão à cena política fato histórico
contemporâneo à “captura” delas pela “consciência nacional”. Poucas, porém combativas
organizações autônomas de estudantes, intelectuais e pequenos burgueses em geral, somado aos
trabalhadores sindicalizados urbanos e também aos camponeses e militares, pressionavam para
a participação na arena política, por direitos e não abriam mão de suas aspirações de reformas
sociais e políticas. Com uma intensa movimentação social, ao fim da década de 1920 a
“democracia” paraguaia mal se sustentava, embora a guerra contra a Bolívia tenha lhe dado
alguma sobrevida.
449
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. “La Guerra de la Triple Alianza”. In: Album Gráfico de la
Republica del..., 1911, p. 203.
159
No plano ideológico-cultural dessa sociedade liberal que adentrava em uma crise,
a irrestrita liberdade de expressão permitia a multiplicão de diários e revistas, cada uma com
critérios próprios. A arte, a literatura, a música que até o momento – a exceção dos intelectuais
e círculos lopiztas e colorados expressavam tão as gastas “cópias” parnasianas de Buenos
Aires e Paris, de pronto buscaram uma criação “nacional”. Os velhos ares folclóricos
ultrapassaram os espos restritos e, valorizados, foram recuperados e disseminados. Não era
por acaso que Juan E. O’ Leary perpassado pela inspiração do pensamento francês de Charles
Maurras conhecido como “nacionalismo integral”
450
podia vangloriar-se de ser o iniciador e
mesmo o apóstolo e “sacerdote” de uma espécie de “religião”, o lopizmo. No seu ensaio
“Apostolado Patriotico” (1930) dizia o seguinte:
‘“Pontífice máximo del lopizmo’, se me ha llamado.
Esta afirmación despectiva me da, a pesar de todo, un caráter sacerdotal que me
place. Me eleva a la suprema magistratura en un culto, que se empeñan en que sea
el de un hombre. Indirectamente reconocen que se trata de una relign y de un
sacerdocio. [...].
El patriotismo es, en efecto, una religión, y, como tal, está basado en la fe.
¡Se ama o no se ama a la patria”
451
!
Entre os letrados em geral, surgia também a literatura em guarani, língua
“revisadae “restaurada”, entre outros, por Manuel Dominguez em uma conferência ofertada
pela “Faculdad de Filosofia y Letras de Buenos Aires”, em junho de 1924
452
. Agora a cultura
paraguaia de expressão em guarani, língua valorizada no “Album”, tornava-se concebida
como um dos grandes símbolos da identidade nacional, embora não fosse percebida senão
como mera coleção de dados folclóricos. A bem da verdade, havia pouca preocupação em saber
como a população de matriz indígena formulava sua ppria concepção de paraguaidade” (se é
que formulava), ngua e literatura, pois mesmo que em guarani os referenciais socioculturais
dos escritores eram todos espanhóis.
450
Maurras vem da tradição reacionária francesa que dirigia seus ataques a Ilustração, a Revolução
Francesa, a Comuna de Paris, em suma, a toda tradição revolucionária francesa. Membro de um
movimento de direita chamado “Ação Francesa”, fundado em 1899, expunha sua ideologia na revista
intitulada “Revista da Ação Francesa”, meio no qual laçava uma propaganda de acusação aos judeus,
aos maçons e a democracia parlamentar. Esta, a seu ver, tornava o homem medíocre e antinatural.
Ver OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na primeira republica. São Paulo: Brasiliense,
1990, p. 58.
451
Ver O’ LEARY, Juna Emiliano. Apostolado Patriotico. Asunción: 1930, p. 141.
452
Conferência intitulada “La lengua, la medicina e la higiene guaraní”. Ver DOMINGUEZ, Manuel.
La traición a la patria..., op. cit., pp. 180-197.
160
Mas, de qualquer modo, somava-se a literatura de ensaios históricos revisionistas
as canções, contos e poesias épicas escritas em guarani, literatura que se publicava aos montes.
Um importante papel na fixação por escrito e na divulgação da poesia popular e das canções
nessa língua coube, por exemplo, a revista “Ocara Poty Cue-mi”, ainda hoje existente, editada a
partir de 1922 por Félix Trujillo
453
. Um ano antes Narciso Colmán havia publicado a obra
“Ocara Poty”, livro de poemas também em guarani prefaciado por Juan E. O’ Leary
454
.
Nessas publicações as temáticas racistas e guerreiras predominavam. Falavam
sobre a excelência e superioridade do paraguaio na guerra contra a Tríplice Aliança e na certeza
da superioridade paraguaia na provável guerra vindoura contra a Bolívia. “Primero de Marzo”,
“Tte Rojas Silva Rekavoe “Che la Reina de Emiliano R. Fernandez, “Salvaje” de Narciso R.
Colmán e muitíssimas outras canções embalavam uma espécie de nacionalismo lopizta popular,
onde a bravura do paraguaio era contraposta a covardia dos índios “guaikurús”, “chiquitos” e
“chiriguanos” que avançavam sobre o território chaquenho paraguaio, referência pejorativa
e/ou implícita aos bolivianos
455
.
Tais canções começaram a surgir em uma conjuntura específica de grande
efervescência nacionalista. Em fevereiro de 1927 forças bolivianas mataram o Tenente Adolfo
Rojas Silva quando ele fazia uma patrulha pelo Chaco, próximo a um forte militar chamado
“Sorpresa”. Com isso as já fortes acusações contra o governo liberal de “indefesa” do Chaco se
acirraram. Nos diários, discurso políticos e manifestações em praças e ruas a condenão do
governo liberal de Ayala, e, por vezes, do próprio regime posto como “entreguista ou
“legionário”, tornaram-se comuns
456
. O “La Nación”, por exemplo, futuro órgão do
movimento opositor “Liga Nacional Independiente fundado em 1928 – condenava o governo e
a imprensa oficial pelo “silêncio” e “indiferença” sobre a questão de limites
457
.
O “Patria”, jornal colorado, fez um chamado do povo para uma manifestação
pública anti-boliviana a modo de repúdio do assassinato de Rojas Silva, posteriormente, em
1936, elevado legalmente como o “primeiro mártir” da campanha chaquenha e também a “herói
453
Nesta revista se publicaria a maioria das canções sobre a guerra do Chaco, especialmente as de
Emiliano R. Fernández, Herminio Giménez y Leonardo R. Alarcón.
454
Conf. COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 110.
455
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 24.
456
O Patria”, por exemplo, porta-vóz colorado, publicava em março de 1927 um artigo intitulado “Ni
legionarismo, ni derrotismo”. Fazendo citação do colorado Blás Garay, morto desde 1899,
legionarismo” e “derrotismo” referia-se aos governos liberais hegemônicos desde 1904, enquanto
Garay e os colorados seriam a tradição da luta diante da presença do inimigo. “Patria”, 5 de março de
1927.
457
Ver artigo “Ante los Reclamos de la Hora”. “La Nación, 9 de agosto de 1927.
161
nacional”
458
. Marcada para um bado, dia 25 de março de 1927, nesse chamado a
belicosidade, isto é, a personalidade guerreira do “paraguaio” foi evidenciada, bem como o seu
gigantesco capital “heróico” acumulado na “Guerra Grande”: ele “está disposto a derramar a
última gota de sangue e a reviver o heróico martírio de 70 em defesa da soberania nacional”,
dizia o diário colorado
459
.
Embora longe do interesse político pragmático, Fernandez também homenageou o
Tenente Adolfo Rojas Silva com algumas canções, entre as quais está a “Primero de Marzo,
nome em aluo a data de morte de Francisco Solano López. Na tradução para o espanhol ela
perde parte do sentido original, mas ainda assim pode dar alguma idéia de como o nacionalismo
lopizta foi trabalhado pela época. Vejamos suas estrofes:
Ojalá con esta cancn despierte a nuestro lindo Paraguay
y los que están vivos que escuchen nuestros antepasados (?)
Que suena la corneta para que lo oigan los que están en nuestro país
Que digo mientras toque mi guitarra
He adorando mi rancho con la cinta tricolor
Saludando la roja aurora el 1º de Marzo
Mis amigos en mi frente, vamos a alegrar un poco a Solano López (?)
El León intachable que amaba la Patria paraguaya.
Acudieron tres naciones para destruirnos totalmente
Lanzas en las manos, con bayonetas puntiagudas
Tropezaron en Tujuti cuando salieron en busca de pelea
Entonces vieron cuánto vale la raza guaraní.
¡Viva el Paraguay! así grito al fondo del Chaco
Para hacer de la huella de López una cancn
La suelto al viento para que llegue hasta Cerro Co
donde están sobre las sepultaras nuestros héroes.
Y ha cumplido 56 años al amanecer este día
Desde la batalla de Cerro Corá en 1870
Entonces, para defender su patria, López en su blanco caballo
su espada en la mano, debajo de la bandera, salió al galope.
Cumplió su ley "Vencer y Morir" ante el Tupí
Al lado del hijo del Coronel salió también Resquín
Para segar los negros por amor a la patria en medio del humo
Solano López fue un hombre que amaba a su país verdaderamente.
458
Em 31 de março de 1936 o governo do Coronel Rafael Franco edita o decreto de número 514
reconfigurando a memória do Tenente Adolfo Rojas Silva. RESQUIN, Ruperto D. La generación
paraguaya (1928-1932). Buenos Aires: Ediciones Paraguay en America, 1978, p. 74 e 75.
459
Patria”, 23 de março de 1927.
162
Nos alegraremos si hay dos como tú sobre la tierra
He aquí un canto que guardo en mi alma para ti
1º de Marzo: quien en esta tu tierra nace en este día
No piensa que va a dar su vida, no le importa. (?)
Espero que cada 1º de Marzo
salgan de mi boca palabras lindas y escogidas
para que paguemos nuestro deber con los veteranos
nuestros padres que defendieron la Tricolor.
Tujutî, Kurupa'yty,
Estero Bellaco, Ita Yvate,
Ytororõ, Cerro Corá,
allí está el Mariscal López
460
.
Canções como esta de Fernandez que como qualquer canção popular de outro
povo também fala de amores, de gracejos, da natureza e situações pitorescas ajudaram a
acentuar a reabilitação e culto, diante do imaginário popular, da figura e do regime de
Francisco Solano López, além de ajudar a preparar” a todos para uma outra guerra
aparentemente provável: o tema guerreiro e racial sempre foram os preponderantes.
Emiliano R. Fernandez daria, ainda, muitísimas provas do seu lopizmo. Em 1931,
desde a cidade de Concepción, tomou parte de uma peregrinação à Cerro Corá, local de morte
do Marechal pez, a fim de homenageá-lo. Lá recitou a poesia e música “Mariscal Kurusúpe”,
ratificando sua campanha popular lopizta
461
. A conotação emotiva de suas canções se
intensificou e ganhou grande respaldo por um motivo muito interessante: tornou-se também um
“herói”. Na guerra contra a Bolívia (1932-1935) Emiliano R. Fernandez esteve na linha de
frente das batalhas, e, junto das armas, empunhou também o violão com o qual produziu outras
centenas de músicas populares, algumas das quais ainda hoje conhecidas e respeitadas em todo
o Paraguai. Para uma população iletrada em sua maioria, não havia, aliás, melhor veículo para
o nacionalismo lopizta que as canções oralizadas e tocadas em momentos de tristeza ou alegria,
como as do assassinato de Rojas Silva, tido como uma agressão à “pátria”.
Também foi importante para o nacionalismo lopizta, cujo um dos sustentáculos
foi o próprio processo de heroificação da figura do Marechal López, a mobilização festiva em
460
Primero de Marzo”, canção de Emiliano R. Feranandez. Tradução de Wolf Lustig. Disponível em:
<http://www.staff.uni-mainz.de/lusting/guarani/chacpura/chacpu.htm>. Acesso em 11/01/2006.
461
Um ano antes havia se formado uma Comisión pro peregrinación” encarregada de organizar a
viagem a Cerro Corá. Mil e duzentas pessoas de toda a república participaram do ato de culto ao
Marechal López. Conf. ALVAREZ, Mario Rubén. Emiliano R. Fernandez, lopizta: Mariscal
Kurusupe”. Ultima Hora, 2 e 3 de fevereiro de 2002. Disponível em:
<www.musicaparaguaya.org.py/paraguayprofundo/profundo14.htm>. Acesso em 25/09/2006.
163
torno da data do suposto centenário do seu nascimento, 24 de julho de 1926
462
. Nesse momento
houve uma intensa agitação cultural no Paraguai.
Uma “Comisión Nacional de Celebración del Centenario del Mariscal pez”
ou simplesmente “Comité Pro-Homenajes” foi criada e incumbiu-se de organizar todo um
circuito de atividades comemorativas, do qual toda a sociedade estava “convidada” a tomar
parte. Como dizia o “Patria” em um chamado dirigido a população para uma manifestação
pública em reverência a López chamado intitulado “Viva el Mariscal F. Solano López” o
“amor por nosso passado heico obriga-nos a assistir a grande citação de honra”. Que “todos
ocupem seu posto: homens, mulheres e crianças
463
.
O “Partido Colorado, mas o só, foi a agremiação política que mais tentou
capitalizar as manifestações reivindicativas de Francisco Solano López. Vários dos seus
membros, como Juan Natalicio González, por exemplo, fizeram parte do “Comité” criado para
homenageá-lo. Por meio do seu diário, o “Patria”, o partido foi o que deu a maior cobertura
para as atividades organizadas pelo “Comité”, sendo que dentre elas destacam-se os “Juegos
Florales”
464
; as apresentações de peças teatrais
465
; as conferências
466
; as manifestações públicas
pelas ruas
467
; as cartas de adesão vindas de todas as partes e setores sociais do país
468
; e, ainda,
a um “torneio literário” na língua guarani
469
.
Foi no diário desse partido, inclusive, que se publicou o próprio manifesto do
“Comité Pro-Homenajes”, um ensaio histórico que s a “Guerra Grande como fruto das
intermináveis ameaças portenho-imperiais, além do único modo da “nação” paraguaia tentar
462
Descobriu-se posteriormente que o seu centenário seria exatamente um ano depois, em 24 de julho de
1927.
463
Patria”, 14 de julho de 1926.
464
OsJuegos Florales” foram uma série de campeonatos esportivos. “Patria”, 7 de julho de 1926.
465
Duas peças de teatro, “La Epopeya del Mariscal” e outra em lingua guarani “Mboracjhú-pahjá”
foram propagandeadas no “Patria”. Ver Patria”, 5 julho de 1926.
466
Manuel Dominguez ofereceu uma conferência que chamou de La visión del pasado”. Ver Patria”,
26 de julho de 1926. Em 10 de julho no Teatro Nacional” Dominguez apresentou a conferência El
Mariscal López y la Conspiracn”. Na propaganda desta conferência o Patria” disse o seguinte:
Este ilustre intelectual exhibirá la plueblas irrebatibles de la traiccn mas ignominiosa que han
cometido los hijos espurios la patria paraguaya”. Ver Patria”, 3 de julho de 1926. Juan Natalico
González apresentou a conferência La influencia de Solano López sobre el alma nacional”,
propagandeada também no “Patria”. Ver Patria”, 12 de julho de 1926.
467
Em 16 de julho de 1926 ocorreu o que o Patria”, no dia anterior, havia chamado de La gran
concentración de mañana”. Ver “Patria”, 15 de julho de 1926. No dia 24 de julho, dia do suposto
centenário, houve outra concentração e discursos públicos. Ver “El Liberal”, 26 de julho de 1926.
468
Segue apenas dois exemplos: cartas de adeo as homenagens à López do “povo de Ipanê” e dos
“empregados da Aduana da Capital”. Ver respectivamente Patria”, 3 de julho de 1926 e Patria”, 5
de julho de 1926.
469
Patria”, 8 de julho de 1926.
164
prosseguir com a sua existência e soberania:foi a hora tremenda da prova”, dizia o manifesto,
“na qual se santificou com sangue nossa tão discutida vontade autônoma”. Francisco Solano
López teria sido a “encarnação” desta “vontade”, daí o dever de todo paraguaio em homenagiá-
lo. Vejamos:
...el Mariscal López, lejos de instrumentar nuestro pueblo para el logro de
insensatos designios [tese de ez], fue instrumentado por él y convertido en la
encarnación de su voluntad intransigente de ser libre o perecer.
Aaparece el Mariscal López en el cuadro tempestuoso de la guerra, y solo así,
desde luego, puede encontrarse una explicación satisfactoria aquella estupenda
solidariedad entre pueblo y gobierno.
[...]
El Mariscal López encarnó un ideal, el mas caro de los ideales: el de la
independencia de un pueblo que se afirma, que tiene fe en si mesmo, que cre en su
destino de pueblo libre con una firmeza mistica [destaques meus]”
470
.
Tamanha foi a movimentação cultural por conta dessas festividades que mesmo a
imprensa liberal, ainda que a contragosto, não teve como abster-se da divulgação do suposto
centenário de López. O “El Liberal”, óro do “Partido Liberal, dois dias depois dos festejos
publicou um artigo narrando os fatos do dia 24 de julho
471
. Mas ao tom imparcial desse artigo,
contrapõe-se, por exemplo, a obra “El Mariscal Francisco Solano López” publicada ainda em
1926 por uma alto-proclamada “Junta Patriótica”, com vistas a combater àquilo que chamou de
“campanha de glorificação d[e] [...] Solano López” e seus panegiristas. Nesse trabalho vários
ensaios antilopiztas da geração de 900, mas o só, foram reeditados. Nele há, por exemplo,
ensaios de Cecilio Báez, de Manuel Gondra, de JoSegundo Decoud e mesmo dos agora
lopiztas Manuel Dominguez e Juan E. O’ Leary
472
.
Mesmo no Brasil as comemoração festivas e as publicações de obras e ensaios em
torno do suposto centenário de López também não passaram despercebidas. Provocaram
tamanho incômodo e indignação em Lindolfo Collor que levaram-no a combater o lopizmo
de O’ Leary em particular com uma publicação própria, intitulada “No centenário de Solano
López”, onde resolve explicar as “verdadeiras” causas da guerra. Esperava, ainda, para o bom
470
Patria”, 26 de julho de 1926.
471
El Liberal”, 26 de julho de 1926.
472
Ver JUNTA PATRIÓTICA. El Mariscal Francisco Solano López. Asuncn: 1996, [1926].
165
relacionamento do Paraguai e do Brasil poder prosseguir, que a visão de O’ Leary não
correspondesse com a oficial do governo paraguaio
473
.
No entanto, todo esse revisionismo histórico da memória de López imiscuía-se
também, de modo bastante direto, no plano legal e político. Um grupo do “Comité Pro-
Homenajes” foi encarregado de exigir do Poder Legislativo um projeto de lei para abolição da
lei de 17 de agosto de 1869 que havia posto Francisco Solano López como “fora da lei” e
“assassino de sua pátria”. Em um artigo do “Patria” chamado “Nacionalismo del Pueblo: Frente
la Ley Infame del Gobierno Legionario”, o “Comité” instava o legislativo, controlado pelos
liberais, a eliminá-la não por honra do próprio “Herói, que esta[va] muito acima dela, senão
para do [próprio] Paraguai”. Vejamos como prosseguiu se justificando:
“Ahora, el sentir nacionalista ha despertado por completo y la hora de la
reivindicacn definitiva ha sonado. Y con ella, ha llegado el momento de que el
Poder Legislativo, levante este oprobio que la raza maldita en su afanoso empeño
de menoscabar la memoria ciclópea del Mariscal López, puso sobre ella,
excluyendo de la ley precisamente al más grande de nuestros mayores, el que en
cinco años de martirologio mantuve con fuerza indoblegable de su voluntad férrea,
de su valor espartano y de su decisión admirable, la defensa de la patria...”
474
.
Em 31 de agosto de 1926 Eligio Ayala sancionou um projeto que respondia
parcialmente aos anseios do “ComiPro-Homenajes”. Era a primeira revisão legal da história
paraguaia. Ayala tornou vigente um projeto do legislativo que punha como inexistente ou sem
valor todos os papeis oficiais da nação, iditos ou já publicados, onde houvesse o qualificativo
de traidor e “assassino com que os governos do s-“Guerra Grande” condenaram a
memória de Francisco Solanopez. Contudo, era um projeto que ordenava proceder de
idêntica maneira nos casos em que o pprio governo de López havia utilizado do mesmo
qualificativo contra os cidadãos e militares do exército nacional” que foram, também, por ele
condenados como “traidores”, principalmente nos dolorosos dias da guerra”
475
.
Mesmo que sempre rejeitado e combatido nos círculos liberais, o nacionalismo
conservador lopizta expandia-se. Nas palavras de Víctor Jacinto Flecha (1995), terminada a
guerra civil de 1922 e 1923, de “pronto a sociedade inteira se submergiu em um magma
473
Conf. COLLOR, Lindolfo. No centenário de Solano López. São Paulo: Companhia de
Melhoramentos de São Paulo, 1926.
474
Patria”, 13 de julho de 1926.
475
Conf. BREZZO, Liliane. “La historiografía paraguaya: del aislamiento a la...”, op. cit., p. 160.
166
nacionalista”
476
, do qual logo também se impregnariam os movimentos cio-políticos
sindicais, estudantis, partidários e camponeses que pressionariam os governos liberais,
particularmente o de Guggiari (1928-1932). Ainda que cada um com uma conotação diferente,
de algum modo todos eles, como veremos, se aproximaram da ideologia nacional lopizta e, por
conseguinte, da crítica a ordem liberal em vigor.
O próprio termo “liberal”, aliás, sofria nessa conjuntura uma estranha mutação,
passando de “argentinista” ou portenhista” a significar ainda “legionário”, portanto “traidor,
“espia”, “entreguista” da “pátria” na guerra passada contra a Tríplice Aliança e, agora, do
território nacional em favor da Bovia.
Em 1924, por exemplo, uma série considerável de artigos publicados no “Patria”
pelo estrangeiro Raúl del Pozo Cano – cônsul equatoriano em Assunção – contrariava o
governo liberal ao insistir no avanço boliviano pelo Chaco, pois no subsolo dele haveria um
valioso material negro cobiçado por empresas norte-americanas instaladas na Bolívia: o
petróleo
477
. Inclusive muitas das publicações e discursos comemorativos do suposto centenário
do Marechal López pautaram-se pela temática da “traição”
478
. Manuel Dominguez, por
exemplo, numa de suas conferências, exatamente a que proferiu em 24 de julho no “Teatro
Nacional”, falou do “El Mariscal López y la Conspiraciónde que foi vítima
479
.
Para se ter uma idéia da conjuntura ideológica, o próprio “Partido Colorado,
também perpassado por caudilhos como o “Partido Liberal”, pedia uma “revolução” para o
término da hegemonia liberal onze anos antes dela vir acontecer.
480
Acusava-a constantemente
de desproteção e desinteresse pela questão chaquenha desde quando galgou ao mando do país,
em 1904, portanto também de “traição
481
.
476
Ver FLECHA, Víctor Jacinto. “Años 20: movimientos socio-politicos en...”, op. cit., p. 535.
477
Um artigo desta série está, por exemplo, no “Patria”, 8 de setembro de 1924.
478
Durante quase todo o ano de 1926 o “Patria publicou uma série de artigos do Coronel Juan
Crisótomo Centurión e outras pessoas, cujo tulo era Pruebla de la traición a la Patria. Piezas de
conviccn que rebaten las leyendas urdidas por los culpables para incubrir el crimen”. Esta prova
refere-se aos “crimes” que vitimaram Francisco Solano López e a “patria” nos dias da guerra. Um
dos artigos está, por exemplo, em Patria”, 12 de julho de 1926.
479
Patria”, 3 de julho de 1926.
480
Patria”, 15 de julho de 1925. Um ano antes, o “El Ordem” pedia uma “frente única” para apagar os
resquícios e mágoas da guerra civil passada. Justificava-se dizendo que todas as nações, em favor do
“espírito de conservação “nacional”, estavam abandonando os ressentimentos e disputas
individuais”. Ver El Ordem”, 10 de julho de 1924.
481
Em um artigo intitulado “Los culpables del abandono de la cuestión de limites”, o “Patria”, diário
colorado, acusava algumas das figuras mais famosas do “Partido Liberal”, Manuel Gondra e Eligio
Ayala, de terem causado um “grande mal” ao povo no que respeita aos tratados de limites. Ver
Patria”, 21 de outubro de 1924. Noutro artigo, intitulado La representación deplomática en el
exterior” acusava o período de hegemonia liberal em curso de manter no exterior representantes
167
Ao retornar a luta política parlamentária em 1927, abandonando o abstencionismo
desde a última guerra civil, os colorados assumiram uma postura eminentemente belicista,
afirmando em uma espécie de manifesto dirigido ao povo intitulado “Invitación: el Partido
Nacional Republicano al Pueblo Paraguayo” – que o seu “programa mínimo parlamentar
reduziria-se a “organizar a defesa nacional”, cujo sustentáculo dela deveria ser a criação de
uma máquina de guerra” destinada ao “encontro dos bolivianos”
482
. Por essa época, aliás, uma
ampla frente de movimentos poticos se coligariam para a defesa do Chaco.
Mas isso foi um fenômeno lentamente construído e muito combatido pelos
liberais. Ao tom belicista opositor, inclusive de frações liberais, todo ele animado pelo mito da
“raça guerreira” paraguaia que abaixo veremos melhor, o governo de Eligio Ayala (1924-1928)
procurava desmentir o avanço boliviano, acusando o “alarmismo opositor ao passo que,
silenciosamente, começava a comprar equipamentos e armas de guerra no exterior
483
.
4.3 Historiografia do cinqüentenário do término da Guerra Grande e do
centenário de nascimento de Francisco Solano López
Foi, contudo, do âmbito pprio da produção da narrativa histórica que proveio de
forma mais sistematizada o nacionalismo lopizta e, pode-se dizer, o substrato ideológico mais
“consistente” para o antiliberalismo. Em torno da data comemorativa do cinqüentenário do
termino da “Guerra Grande” (1920) e do suposto centenário de nascimento de Francisco Solano
López (1926), o lopizmo adquiriu grande pujança entre os famosos e conhecidos intelectuais da
época
484
.
Destacam-se as publicações do “El Alma de la Raza” (1918) de Manuel
Dominguez, comentado, o “El Patriota y el Traidor” (1920) e, ainda, o “El Paraguay, sus
grandezas y sus glorias” (1920) desse mesmo autor. Enquanto isso o jovem Juan Natalicio
González editava “Cincuentenario de Cerro Corá(1920) e “Solano López y otros ensayos”
(1926). Juan E. O’ Leary publicava, por sua vez, entre os anos de 1919 e 1922, “Nuestra
Epopeya”, “El Mariscal Francisco Solano López” e o El Libro de los Héroes”. Mais tarde
publicaria “Los Legionarios” (1930) e “Apostolado Patriótico (1930)”. Fulgencio Ricardo
diplomáticos despreparados para este importante cargo, devido as questões de limites com a Bolívia.
Ver “Patria”, 17 de outubro de 1924.
482
Patria”, 25 de fevereiro de 1929.
483
Conf. VIOLA, Alfredo. Eligio Ayala..., op. cit., p. 90.
168
Moreno, distante do positivismo, publicou “La Ciudad de la Asunción” (1926). Fora desses
momentos comemorativos, porém não menos importante, Juan Natalício González publicouEl
Paraguay Eterno(1935), onde a “pátria” paraguaia é mostrada como essencialmente devotada
ao cultivo antiliberal.
É possível várias abordagens e análises dessas obras e ensaios. Mas as que nos
norteiam são sempre as da compreensão da “questão nacional”. Portanto buscamos os temas e
problemas hisricos centrais mobilizados para a construção da não paraguaia, isto é, a
“matéria-prima” hisrica sob a qual gravitou o forjamento dessa ideologia para este país.
Nessa busca a consolidação da imagem de uma suposta “raça” paraguaia
“superior”, “heróica” e “guerreira”, tornou-se fator de capital importância. Fulgencio Ricardo
Moreno, junto de Manuel Dominguez, foi importantíssimo nessa temática. No “La Ciudad de la
Asunción”, obra publicada em 1926, compilou vários artigos originalmente escritos no “La
Prensa” de Buenos Aires. Nesse ano, junto da propaganda comemorativa do centenário de
Francisco Solano López, o “Patria” de Assunção fazia também a divulgação desse seu trabalho,
pondo-o como obra “digna de ser lida”
485
.
Nele Moreno deu impulso àquilo que chamou de aliança” e cooperação
hispano-guarani nos mais variados setores da vida colonial. Como entendia referendando o
que Manuel Dominguez havia iniciado no ensaio La Capital de la República” do “Album
Gráfico e no “Causas del heroísmo paraguayo” – tal aliança” e “cooperação” teria sido
“condição indispensável” para a própria nese do Paraguai através da fundação da capital
Assunção. Mas ela teria sido importante, ainda, na sustentação dos colonos por meio da
produção agrícola das índias; nas expedões em busca de metais preciosos nunca encontrados;
e na fundação de outras cidades, como a de Buenos Aires, por exemplo.
No entanto, dentre estas “alianças”, duas outras se sobreporiam porque teriam
possibilitado não só o nascimento da grandiosa “raça” paraguaia, mas também a ppria
sobrevivência dela em um meio extremamente hostil, o que a tornou “guerreira”. Moreno
referiu-se a “aliança” amorosa no “lar”, cujo resultado foi a fundação do “ser” “racial”
“paraguaio”, e também a “aliança” nas guerras expedicionárias contra os vários inimigos do
“Paraguai”. Tem-se, assim, novamente, o mito fundador da “nãono sentido conservador do
484
Os nomes de Manuel Dominguez e Juan E. O’ Leary, por exemplo, chegaram a ressonar nos jornais
madrilenhos. Ver “La Nacn”, 9 de diciembre de 1925.
485
Patria”, 9 de julho de 1926.
169
nacionalismo paraguaio: “aliança” sangüínea e “guerreira” entre duas “raças”. No parágrafo
abaixo, Moreno sintetizou bem estas duas “alianças”:
Fruto de una alianza, para una conquista próxima, en que los españoles aportaron
la superioridad de su culura y su poder bélico, la ciudad, base y amparo de esa
suprema empresa, recibió por parte de los autóctonos, a s de la cooperación
masculina, el contingente de las mujeres indias, como compañeras en el hogar y a
la vez agentes de producción. [...]. Y mientras éstos elaboraban los toscos
elementos constitutivos de la ciudad y preparaban su expansión conquistadora,
fueron las indias, esposas y siervas de esos mismos guerreros, quienes velaban en
los rústicos albergues, rodeados de sus sembrados, por la vida económica de la
colonia. Más de setecientas mujeres, según Irala, se encontraban en esas
condiciones, a poco de fundada la Asuncn, para ‘servir en las casas y en sus
rozas’”
486
.
Era, em certo sentido, uma outra versão do “Paraíso de Maomé” do qual falou
Dominguez: o espanhol e depois o “paraguaiodispôs dos amores da índia nas “casas e dos
labores dela nas “roças”, além da “cooperação do índio na “expansão conquistadora”. E assim
Assunção e depois todo o Paraguai ganharam vida. A primeira “aliança guerreira” entre
espanhóis e guaranis teria dado-se sob o comando de Cabeça de Vaca contra os índios
Guaicurus do ocidente, abrindo o que Moreno considerou...
“uno de los período más interesantes de la historia colonial paraguaya: la
expedición que la inic[Cabeza de Vaca] fue la primera que realizaron las armas
combinadas de los españole y los guaraníes, para el sometimiento de aquellos
indios, en las tierras occidentales del río Paraguay [destaque meu]”
487
.
Não sem interesse, porém, Moreno falava dessa empresa realizada com a
colaboração dos guaranis. Por as “terras ocidentais” do Paraguai, isto é, o Chaco, como região
que desde o princípio da colônia passou a ser disputada para tornar-se domínio efetivo
paraguaio era crucial em um momento quando ela era disputada ferozmente com a Bolívia.
Fulgêncio Moreno foi um dos maiores estudiosos dos direitos hisricos” do Paraguai sobre o
território chaquenho
488
. Em nenhum momento, como o de uma guerra que se avizinhava, a
486
Ver MORENO, Fulgencio Ricardo. La ciudad de la..., op. cit., p. 112.
487
Idem, p. 70.
488
Mas não só dos direitos” sobre o Chaco. Em 1927 publicou um ensaio histórico que só pelo título
uma noção de como a “história pátria” servia a pátria paraguaia: La amplia colaboracn de los
guaranies en las jornadas de Tierra Rica y la fundación de la Nueva Asuncn en las tierras de los
Chiquitos”. Esta “colaboração”, dada ainda no período colonial, teria possibilitado ao Paraguai o
domínio de territórios ao norte fronteiriços com a Bolívia portanto territórios legitimamente
paraguaios. Ver “El Diario”, 21 de setembro de 1927.
170
importância do mito guerreiro, fundido com o de fundação, foi tão capital para a sociedade
paraguaia. Ele deveria ajudar a mobilizar os sentimentos das pessoas, conquistar a lealdade do
homem comum para um Estado que pouco lhe oferecia e podia oferecer, além de fazê-lo aceitar
de bom grado uma possível morte nas trincheiras do árido Chaco, região a sero mais
“conquistada”, porém, como acreditava, apenas garantida frente ao abuso boliviano.
Apenas garantida porque no passado colonial secular, as expedições ao Chaco”,
fruto da “aliança” hispano-guarani, já teriam feito, para Moreno, tanto a “conquista” da região,
colocando-a como domínio efetivo do governo” paraguaio, como também contribuído para a
“pacificação” dos grupos indígenas “rebeldes”, fato concatenado com a difusão da “população
e “civilização” paraguaia naquelas “terras”
489
.
Mas logo espanhóis e guaranis seguiriam lutando na “aliança” militar não mais
como tais, isto é, como espanhóis e guaranis, mas no belo resultado da fuo de ambos.
Seguiriam lutando como paraguaios”, nova “raça” formada da “aliança” sangüínea ou nas
palavras de Manuel Dominguez, formada do beijo de amor” das duas anteriores. Assim,
apesar do idílico amor no “paraíso, as épicas guerras continuaram a impedir a nova raça” de
viver em “tranqüilamente”, pois pelo “oriente e norte” vinham as “agressões dos paulistas”;
enquanto “pelo ocidente, a feroz hostilidade dos índios”
490
.
Contudo, mesmo num ambiente absolutamente adverso a nova “raça teria
demonstrado sua “superioridade” diante dos inimigos e sobreviveu. Junto da sexualidade
desregrada que a engendrava em que o autóctone impôs ao espanhol os seus valores a
confusão, os vícios, a violência, o sofrimento, a ação, a audácia, e as lutas, caracteres que
teriam passado a conformar a sua personalidade, faziam parte da vida cotidiana do “paraguaio”.
A colônia foi o “tempo fabulozo” das origens; na expressão de Moreno, ela foi uma “verdadeira
Babilônia”, que, na luta por sua conservação e sobrevivência, destacou...
la incesante lucha con los indios. Y a la par de sostenimiento económico de la
existencia, era indispensable estar vigilando siempre su seguridad. La sociedad fué
así, agrícola y militar, al mismo tiempo. Y nada expresó mejor esse doble caráter
que el papel del hierro en la vida inicial asuncena: la ‘cuña’, para ella más
importante que el oro, fué la primera medida de los valores; y, el mismo pedazo de
hierro que circulaba como moneda, servía para abatir el bosque, preparar la tierra y
someter al indio. En esas condiciones, la Asuncn, al principio, y después el
Paraguay entero, fué a modo de un campamento en constante actividad. Todos los
paraguayos estaban obliados al servicio miliar, desde los 18 años, a su propia costa
y con sus propios recursos de caballos, armas y municiones. Todos vuestros fieles
489
Ver MORENO, Fulgencio Ricardo. La ciudad de la..., op. cit., p. 177.
490
Idem, p. 172.
171
vasallos son soldados, escribía al rey el Cabildo de la asunción, y los vecinos
serven diariamente en los veinte presidios que existen en la provincia. Y un
gobernador, entre tantos otros, escribía por esse mismo tiempo: ‘No hai un hombre
en toda la Provincia que esté libre de la esclavitud militar. Todos sufren la dura ley
de estar todo el año con las armas en la mano, sirviento en los cuerpos de guardia,
en guarnecer los fuertes, en cubrir los pasos y en todas las fatigas militares
[destaque meu]’”
491
.
Essa preocupação de Moreno em mostrar uma sociedade turbulenta e guerreira,
superior aos inimigos por ter sido capaz de resistir a mais dura e constante adversidade, não foi
algo novo e nem se pode estranhar. Era parte do revisionismo histórico iniciado a décadas,
vindo na contramão da ideologia liberal que tanto representou o “paraguaio como povo
“degenerado, “indolente”, “passivo”, “vagabundo”, etc. Mas expressar o caráter turbulento e
“guerreiro” da personalidade paraguaia tinha, ainda, um outro e irresponsável objetivo.
Demonstrá-lo tanto superior aos inimigos do período colonial como também superior ao
provável inimigo boliviano, suposta “raça” herdeira daquelas hordas” de índios que outrora
atacaram ininterruptamente o Paraguai colonial.
Claramente a difícil luta diplomática do Paraguai daqueles dias pesou sobre a
produção historiográfica de Moreno, pondo-a em favor da causa nacional. Os mitos nacionais
dela expressavam valores e idéias histórica de um modo tal que, quanto mais queriam parecer
outra coisa, tanto mais eram a “repetição” do momento que escrevia, de maneira que a história
real da colonização paraguaia ficou muito aquém de suas linhas.
Moreno, aliás, ao lado de Dominguez, sempre esteve vinculado a questão dos
limites. Ambos intelectuais foram contratados em 1924 pelo governo de Ayala para integrar
uma “Comisn Asesora de Límites”. Subordinada ao “Ministerio de Relaciones Exteriores”,
ela estava encarregada de compilar e ordenar documentos históricos que provassem os direitos
paraguaios sobre o território do Chaco
492
. Dois anos depois seria publicada pela “Imprenta
Nacional” o primeiro volume de um “informe” da questão dos limites, contendo ele 200
páginas, cujo autor principal foi Dominguez
493
. Mas, ainda em 1925, este intelectual havia
proferido uma série de quatro conferências no Teatro Nacional” de Asunção para rebater
algumas conferências dadas em Buenos Aires pelo intelectual boliviano Dr. Cornelio Ríos
494
.
491
Idem, p. 210.
492
Conf. VIOLA, Alfredo. Eligio Ayala..., op. cit., p. 95.
493
A propaganda deste informe está no jornal “El Diario”, cujo tulo do artigo é “El Chaco Boreal.
Ver “El Diario”, 27 de março de 1926.
494
Conf. VIOLA, Alfredo. Eligio Ayala..., op. cit., p. 113.
172
Antes dele, entretanto, ambos paraguaios, Moreno e Dominguez, também estiveram em Buenos
Aires defendendo a causa paraguaia
495
.
Todavia não como intelectuais Dominguez e Moreno militaram a favor causa
nacional frente ao ímpeto externo. Atuaram também diretamente como “diplomatas”. Nas
primeira e segunda décadas do século XX, foram, respectivamente, os negociadores do
Paraguai com representantes do governo boliviano, embora nunca tenham conquistado acordos
definitivos
496
. Em 1927 ambos intelectuais integraram uma delegação de seis paraguaios,
formada por liberais e colorados, para buscar um novo acordo definitivo com outros seis
representantes bolivianos. Estas negociações realizadas em Buenos Aires e acompanhadas
pelo governo argentino iniciaram suas atividades em setembro deste mesmo ano e se
estenderam até meados do ano seguinte, mas não obtiveram êxito algum
497
.
A superioridade do paraguaio, cujo principal destaques estaria no fato dele ser um
povo “guerreiro”, não foi, contudo, algo criado por Fulgencio R. Moreno no “La ciudad de la
Asunción”. O próprio Manuel Dominguez – companheiro nas lutas “diplomáticas” – havia sido
o principal membro da “geração de 900 articulador dessa questão. Nas publicações do
cinqüentenário do término da “Guerra Grande”, extremamente combatidas pelos liberais
498
,
insistiu nela com a obra “El Paraguay sus grandezas y sus glorias”. Em tom categórico e direto
exaltou a raça paraguaia e em particular o Paraguai do regime dos López
499
.
Nessa exaltação o aspecto racista de sua obra merece alguma atenção. Em um
tópico do livro, intitulado “El paraguayo, flor de la raza”, Dominguez comparou a “nobreza” do
495
Moreno publicou na imprensa portenha documentos defendendo o interesse paraguaio. Ver artigo
D. Julgencio R. Moreno defiende en ‘La Prensa’ de Buenos Aires nuestros derechos sobre el Chaco.
Patria”, 13 de agosto de 1924. Manuel Dominguez, por sua vez, profere conferências. Ver artigo
Las conferencias del doctor Dominguez”. “El Ordem”, 1 de dezembro de 1924.
496
Conf. CARDOZO, Efraim. Paraguay Independiente..., op. cit., pp. 358-360.
497
Antes do início das negociações o otimismo era enorme. Houve um banquete oferecido a
delegação que viajaria para Buenos Aires, festa que mesmo o presidente da delegação boliviana
participou. Ver “El Diario”, 21 de setembro de 1927. Posteriormente uma profunda sensação de
frustração tomou conta de todos, inclusive do observador argentino. Ver “El Diario”, 3 de julho de
1928.
498
Apenas um dia depois do aniversário do cinqüentenário do término da Guerra Grande”, quando
alguns poucos porém relevantes trabalhos seguiam no processo de exaltação da “nação” paraguaia e
também a de seu “herói” máximo Marechal Francisco Solanbo López, o El Liberal”, diário
vinculado ao Partido Liberal”, condenava com veemência o que chamou de tiranófilos-lopiztas
[...], apóstolos da inquizição”. Em um artigo intitulado “López y la guerra del Paraguaynão admitia
que uma parcela da sociedade desse ouvidos a um grupo de escritores supostamente adoradores de
tiranias” passadas que, de tempos em tempos, escolhiam alguma data para comemorar feitos
execráveis. Ver El Liberal”, 2 de março de 1920.
499
Ver DOMINGUEZ, Manuel. El Paraguay sus grandezas y sus glorias. Buenos Aires: Editorial
Ayacucho, 1946, [1920].
173
colonizador europeu que aportou ao Paraguai com a inferioridade dos colonizadores do restante
da América, compostos por índios, negros e mulatos ou mulatoides”. Dominguez como
Arsenio pez Decoud no Album Gráfico” ao fazer tábua rasa da contribuição de outros
povos na constituição do Paraguai de sua época, podia, imaginariamente, criar um suposto
esplendor da “melhor gente” que o fundou, apagando os conflitos e contradições históricas e
presentes.
Essa “melhor gente”, como acreditava, desdobrava-se continuamente através do
tempo nas “fazendas dos heróis” e nas “entranhas da raça” paraguaia, pois, se a “morte
fisiológica” era certa, também o era, como disse, que “continuamos em nossos filhos”. Em
resumo, a “nobreza” do conquistador continuava no paraguaio e do mesmo modo a
inferioridade dos outros colonizadores continuavam nas nações americanas vizinhas. Vejamos:
¿Y dónde están los Cháves, Garay, Irala, Zalazar y sus huestes de hierro, la mejor
gente de mejor tiempo? ¿Donde? En la estancia de los héroes y en las entrañas de
la raza... Dueños misteriosos de nuestro destino, esos Hércules sin paralelo
empujaron con su espíritu todos los sucesos memorables de nuestra historia.
Estaban en los paraguayos que tuvieron la entereza de expulsar a los Jesuítas en
1649, en los Comuneros que rubricaron con sangre la primera revolución
americana, en todas las explosiones de energía inaudita, patentes en nuestra
historia. Y es que nos prolongamos en nuestros descendientes, vivimos en ellos y
éstos y nosotros viviremos en lo nuestros. La muerte fisiológica es cierta, pero
también lo es que continuamos en nuestros hijos. La sabia del tronco está en la
rama, en la flor, en el fruto, que será tronco a la vez y en él continúa el individuo
colosal que se llama especie. [...]. Somos lo que fuimos y seremos lo que somos,
coro patriótico de Esparta. El Paraguay puede decir sencillamente con Machado:
Yo soy como las gentes que a mi tierra vinieron, y antes mi cuna de nobles y de
héroes, sin par en su tiempo y en la especie, todas las razas americanas, compuestas
en su mayoría de indios, negros y mulatos o mulatoides, vienen obligados a
descubrirse con respeto”
500
.
Por este trecho acima citado percebe-se que Manuel Dominguez escreveu um
livro que embora pretensamente historiográfico simplesmente desprezou a história: “somos o
que fomos e seremos o que somos”. Assim, a nação paraguaia forjada com a excepcional
contribuição do “nobre” espanhol foi posta como uma entidade perene, e destinada a
eternidade. Simplesmente existia, apesar das calamidades por que passou e passava.
Em um outro pico intitulado “La cruza del godo y la raza guaraní. Predomínio
de la raza blanca”, Manuel Dominguez retomou com maior propriedade o mito de fundação da
“raça guerreira” paraguaia. No cruzamento racial acima anotado, a natureza férrea” do
174
espanhol teria adaptado-se perfeitamente com a “suavidade” da índia guarani, sendo que do
resultado desta “simpatia orgânica” consumada no “beijo amante”, “nasceu um manso leão, o
paraguaio”. Vejamos:
Y así, en una encrucijada de la historia, la corriente de la mejor raza de Europa, la
más potente de su tiempo, se confundió con la corriente de la mejor raza de
América, la más inteligente de su zona entrando en juego la afinidad electiva, el
poder estético, el del amor, que mejora a las razas en belleza, salud e inteligencia.
Ley de simpatía orgánica perpetuó en el Paraguay la suavidad de la heroína del
amor y la magnífica voluntad del godo con su naturaleza férre. !Armonía de los
contrastes! Él era ‘fuerte como la virilidad’, ella ‘graciosa como la languidez’, y de
un beso amante nasció un manso león, !el paraguayo”
501
!
Dominguez, não obstante, fez questão de deixar ainda mais clara a personalidade
“guerreira” do paraguaio. O fez em um outro tópico chamado “El Paraguay guerrero, caso
único en la historia universal”, onde comparou a guerra que o Paraguai empreendeu contra a
Tríplice Aliança com rios outros momentos bélicos da história ocidental. Nenhum desses
outros momentos, como considerou, estaria ao nível da guerra que o Paraguai enfrentou,
constituindo ele, assim, um “caso único” na história:
No queremos amenguar las glorias guerreras de la Francia, pródiga de su sangre
desde los tiempos de Roma hasta la batalla del Marne, y que enciende ideas y las
disemina por el mundo, pero la verdad sencilla es que nuestras sietes victorias
pueden sustituir a las treinta y dos victorias grabadas en el Arco de la Estrella de
París. Ytá-Yvaté vale más que esas treinta y dos hazañas. !Infinitamente mais! Ni
Alejandro ni Aníbal ni Napoleón ni San Martín ni Bolivar ni Sucre, ni después otro
capitán ni pueblo, pueden condecorarse con la gloria guerrera del Paraguay. Los
números no mienten. el pueblo de Israel, segnún Renán, realiun milagro de
santidad y el pueblos heleno un milagro de belleza, añadamos que el Paraguay
realizó un milagro de heroísmo. Este milagro de heroísmo es también belleza
suprema por ser del orden dinámico sublime, y es santidad porque se ejercitó en
defensa de Patria. El Paraguay guerrero es caso único en la Historia Universal”
502
.
A “Guerra Grande”, marca nunca superada no imaginário nacional em construção,
era a segurança de que precisava a elite letrada revisionista para evidenciar primeiro o
“heroísmo” e depois o caráter “guerreiro da personalidade paraguaia. A explosiva questão dos
limites com a Bolívia nunca resolvida até a guerra do Chaco (1932-1935) contribuía para
jogar combustível em tais idealizações e colocá-las para além dos limites da escrita da história,
consolidando um caldo ideológico que atuou diretamente tanto na produção cultural destinadas
500
Idem, pp. 145-147.
501
Idem, p. 154.
175
as camadas populares, como também nos movimentos políticos do fim da década de 1920. Mas
era da historiografia, contudo, de onde provinha a melhor sistematização desses mitos. O’
Leary, por exemplo, dizia o seguinte no “El Mariscal Solano López” (1925):
“Marchaba [López] en medio de su pueblo, que le seguia voluntariamente,
llevando consigo a la Patria, que iba a sucumbir con él, después de agotar el
sacrificio. No era aquello la retirada de un ejército en derrota, era el fúnebre desfile
de los restos de una nacionalidade hacia la muerte, era la ceremonia final de un
épico holocausto. Hambrientos, desnudos, castigados por todas las inclemencias de
una salvaje y cruel naturaleza, caminaban durante el día, abrasados por un sol de
fuego, y en las tibias noches caminaban también a la incierta luz de las estrellas. Ya
no eran sino fantasmas que andaban, sombras que se movían, muertos que tenían
voluntad. Y aquella doliente muchedumbre, que iba desgranándose en medio de los
más atroces sufrimientos, era todo lo que quedaba de un pueblo feliz, rico y
floreciente, condenado a morir, después de cinco años de martirio, porque
protestara en nombre del derecho ajeno y defendiera los fueros de la propia
independencia [destaques meus]”
503
.
A idealização da guerra, inclusive com a exaltação da morte, assumiu em O’
Leary contornos extremamente irresponsáveis, ainda mais se considerado o problema com a
Bolívia. Na citação acima o martírio do “povo contrariando os discursos políticos e
intelectuais que diziam que o terror infundido por López foi o que determinou a participação
das massas nos combates foi apresentando como algo absolutamente voluntário. Foi ele,
como um todo homogêneo, que protestando em nome do direito alheio”, uruguaio no caso, e
defendendo os “foros da própria independência”, não fez conta de qualquer sofrimento ou
sequer do próprio extermínio: marchou para a morte.
A guerra foi-lhe um “desfile nebre”, uma “cerimônia” de “mortos” que ainda
dispunham, heroicamente, de “vontade” guerreira para a defesa da pátria. Mesmo um honrado
desporto cavalheiresco, segundo O’ Leary, nunca faltou, pois apesar de toda a calamidade e
cotidiano sofrimento, “um bom humor constante” e “indeclinável mantinha firme a moral d[as]
[...] tropas”. Todos, inclusive as mulheres, “iam à morte sorrindo”
504
, quando não sem armas:
“Armas? Para que”, perguntava O’ Leary,se já eram inúteis! Se tratava de morrer, e para isto
sobravam as armas inimigas”
505
.
502
Idem, p. 156.
503
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Mariscal Solano López. Madrid: Imprenta de Félix Moliner,
1925, p. 289 e 290.
504
Conf. O’ LEARY, Juan Emiliano. El Centauro de Ybycui..., op. cit., p. 276.
505
Conf. O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes..., op. cit., p. 352
176
Noutras passagens da obra “El Mariscal Solano López(1925), até os idosos e as
crianças teriam tomado voluntariamente parte da “Guerra Grande”, seguindo a Francisco
Solano pez:
Y todos los que aun podían andar o cargar un fusil, acudieron, presurosos, desde
los últimos confines de la República, para rodear al héroe desgraciado que sostenía
nuestra bandera.
Ancianos octogenarios y criaturas de once años formaron en las mismas filas,
abrazándose así el pasado y el porvenir, frente al altar de la patria”
506
.
A certeza da morte não impedia ninguém, nem mesmo os incapazes pela tenra ou
avançada idade, de honrar a faceta “guerreira” e heica” da raça paraguaia. Todos, como
preconizaram Moreno e Dominguez, eram “guerreiros” e na “Guerra Grande” atualizaram este
histórico valor da nacionalidade. Como dizia O’ Leary em “Nuestra Epopeya” (1919),
“el heroísmo es una potecia superior de nuestro espíritu... [...] en el paraguayo
había un delirante fanatismo nacional y una resolución invariable de vencer o
morir, que venían de las lejanías del tiempo y de la historia, de nuestras luchas
seculares, internas y externas, del peligro constante en que vivimos, antes y
desps de la independencia, del desconocimiento permanente de nuestra
soberanía, de todos los factores que forjaron nuestral alma y nos obligaron a
convertirnos en guardianes, celosos y desconfiados, del patrimonio común, frente a
las ambiciones vecinales”
507
.
A “potência superior” do paraguaio contra a Tríplice Aliança teria sido resultado
de acúmulos de lutas seculares, lutas que tornaram-se “patrinio comum” da paraguaidade.
Vejamos, agora, como Juan Natalicio González, organizador da obra coletiva intitulada
“Cincuentenario de Cerro Corá” (1920), também enfatizou e repetiu o aspecto voluntário e
“expontâneo da participação do “povo” na “Guerra Grande”:
Hombres que tenían apenas un brazo o una sola pierna, viejos, criaturas de diez
años, mujeres, todos cuanto pudieron tenerse en pie, estaban en armas para
defender el último abrigo de la defensa nacional.
[...]
Las penurias de la población civil que siguió la suerte de la retirada de López, no
fué obra exclusiva de la ‘crueldad de un déspota’, sino resultado de un movimiento
506
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Mariscal Solano..., op. cit., p. 252.
507
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. Nuestra Epopeya..., op. cit. p. 76.
177
general y expontáneo de todo el Pueblo paraguayo solidarizado contra los
invasores del suelo patrio [destaque meu]”
508
.
Juan Natalicio González, discípulo de O’ Leary, não deixou de comungar,
portanto, com o mito da “raça guerreiraparaguaia. Mais tarde, como o seu mestre, ligou-o,
porém, claramente a ideologia antiliberal inspirada no pensamento francês de Charles Maurras.
Em sua obra “El Paraguay Eterno” (1935) afirmou que a hisria paraguaia e a essência mesma
do “ser” nacional paraguaio não tinham nada que ver com a ideologia imposta com a “Guerra
Grande”, isto é, com o liberalismo e o regime em vigor, cuja expressão máxima era a
constituição de 1870. Dessa forma, como acreditava, no bojo de uma série de valores
“antiliberais” também estaria contemplado no caráter do paraguaio o aspecto “guerreiro, de
maneira que ele sempre o foi e o será um “agricultor-soldado
509
. Assim era o homem
paraguaio segundo González as vésperas do golpe que deu fim ao regime implantado em 1870.
Nada mais conveniente aos inimigos do “Partido Liberal”.
Voltemos, contudo, à O’ Leary. Para glorificar os “guerreiros” e “heicos”
paraguaios da “Guerra Grande”, publicou no cinqüentenário do término da guerra uma obra
magistral: “El Libro de los Héroes” (1921). Nela também se pode encontrar,
irresponsavelmente, a idealização da guerra e mesmo da morte: tínhamos [nas batalhas] algo
de nosso lado mais poderoso que a metralha: a morte”
510
! Em outra passagem a morte chegou a
figurar como sinônimo de liberdade, algo esperado e desejado:
Yo no soy ya sino una sombra, y voy, con la capucha calada, camino de la tumba.
¡La muerte! Canme que no la temo. La espero, tranquilo, como una
liberación
511
.
“El Libro de los Héroes” (1921) foi dividido em quatro partes. Na primeira, com o
subtítulo “Desfile Heróico”, O’ Leary arrolou mais de uma dezena de grandes personagens e a
narrativa histórica dos seus combates na “Guerra Grande”. Na segunda parte, intitulada “La Via
Crucis”, narrou os episódios finais da guerra, isto é, o “trágico Calvárioculminado com a
“crucificaçãode Francisco Solano López no “altar” da pátria, Cerro Corá. Na terceira parte,
“Lampos de Gloria”, O Leary narrou alguns episódios peculiares da guerra, quase pitorescos,
508
Ver GONZALEZ, Juan Natalicio. Cincuentenario de Cerro Corá. Asunción: Talleres de La Prensa,
1920, p. 19 e 20.
509
Conf. GONZÁLEZ, Juan Natalicio. El Paraguay Eterno..., op. cit., p. 56.
510
Conf. O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes..., op. cit., p. 234.
511
Idem, p. 447.
178
que comprovariam o “heroísmo” e acumulariam ainda mais “glórias” ao Paraguai. Na quarta e
última parte, “Luces y Sombras”, narrou momentos de esperança de viria, mas, por fim, a
derrota seguida dos “saques” e “roubos” da Assunção capitulada, o que comprovaria não a
“barbárie” do Paraguai, mas a dos aliados.
Mas se o paraguaio foi exaltado como uma individualidade racial superior,
“heróica” e guerreira”, “única” na história universal, disposto e desejoso mesmo a morte” se
preciso, a nação haveria de possuir uma figura singular e destacada. Alguém que condensasse
de modo potencializado todo o ideal guerreiro” da paraguaidade e todas as virtudes desse
esplêndido povo que preferiu o extermínio a entregar de mão beijada a sua amada “pátria”. É
aqui que entra, novamente, o processo de instauração do “heróimáximo Francisco Solano
López, a personificação milagrosa da energia de nossa raça”, como o considerou Manuel
Dominguez
512
. Ele, na guerra, tornou-se a condensação de toda a “superioridade” e de toda a
glória do Paraguai “guerreiro”.
Lembremos, contudo, que foi somente a partir do “Album Gráfico” (1911) que, ao
menos diretamente, esse processo se iniciou. Antes dele o revisionismo histórico sempre
tergiversou em reivindicar a sua figura, pondo a suposta “enérgica e “heróica” resistência
paraguaia como resultado da obra do seu “povo” e não de López.
Entretanto foi na década de 1920 que a glorificão do Marechal López encontrou
sua expressão mais elaborada. Acima dissemos que sua figura foi posta pelo ensaio do
manifesto do “Comité Pro-Homenajes”, publicado no jornal “Patria”, como a “encarnação da
“vontade autônoma” do Paraguai. Na mesma data e no mesmo jornal, Juan Natalicio González
fazia afirmações idênticas em um grande ensaio intitulado “El Mariscal Solano López y su
influencia en el alma Nacional”. O próprio título desse trabalho não poderia ser mais sugestivo.
O Marechal López de “assassino” da pátria tornava-se, agora, o principal pai forjador da nação
paraguaia moderna e, na própria expressão de González, o “natural” e portanto o inquestionável
“mandatário de seu povo e “guia obrigado de sua raça
513
. No mesmo ano do suposto
centenário, Juan N. González publicou, ainda, sua famosa obra “Solano López y otros ensayos
(1926), onde, novamente o Marechal López foi posto como a “encarnação” da raça paraguaia:
La figura de Solano López desconcierta. Este raro señor de los tiempos heroicos
es el mbolo soberbio de su dilecta estirpe. Dualidad sujestiva y magnífica, su
personalidad es una extraña amalgama de Fuego y Pensamiento. Toda una Raza se
512
Conf. DOMINGUEZ, Manuel. El Paraguay sus grandezas..., op. cit., p. 45.
513
Patria”, 26 de julho de 1926.
179
encarnó en él, pero una Raza joven, artista y brava, que supo arrancar de las garras
de la muerte el secreto de la Inmortalidad”
514
.
Vemos nessa passagem que Solano López seria o só a “encarnação” de um
suposto desejo secular de “autônoma” nacional ou o “natural mandatário” do país, mas também
a ntese mais elaborada da dileta estirpe” paraguaia. O lopizmo abriu mão de uma gama
enorme de bons adjetivos raciais para qualificar o Marechal pez. Juan E. O’ Leary, por
exemplo, no “El Mariscal Solano López” (1925) obra destinada ao culto de sua figura
começou por expor sua herança familiar: nobres e limpos, sem más raças [...]”, disse, foram
[os] seu maiores”, isto é, os seus pais
515
. Procurou, ainda, comparar Solano López com a figura
argentina de BartoloMitre, pessoa considerada pelo nacionalismo lopizta o maior culpado
da guerra de “aniquilação” que pesou sobre o Paraguai. López era, nada mais nada menos, que
um “super-homem”, enquanto o seu maior inimigo, Mitre, um repugnante e medroso “pigmeu”.
No primeiro capítulo do “El Mariscal Solano López” (1925), O’ Leary enfatizou
as qualidades intelectuais e culturais de Francisco Solano López. Como acreditava, desde tenra
idade López estudou com “entusiasmo” e nunca abandonou os livros, objeto que o acompanhou
em suas “viagens”, em suas “campanhas militares”, no meio das “árduas tarefas de governo”, e
mesmo nas “vicissitudes” da “guerra. Sua vasta cultura não era, entretanto, produto do mero
esforço pessoal, mas algo congênito, próprio de sua natureza superior:
Claro está que no hay labor que transforme, en ningún tiempo, a una mediocridad
en una eminencia.
Un milagro semejante sólo es posible en un hombre milagroso, es decir, en quien
poseía, desde ya, las dotes naturales necesarias para realizar el prodigio
516
.
A extraordinária figura do Marechal López era, como todo o paraguaio, um
“guerreiro”. Essa qualidade somada as ameaças vindas de Buenos Aires feita por Rosas, levou-
o, desde muito cedo, a tornar-se merecidamente o “general em chefe do exército nacional”.
Diante de suas “apties militares”, o seu pai “não pôde menos que dar-lhe a direção técnica e
pessoal” desta “organização
517
. Aliás, a velha ameaça que pesava sobre a integridade do
território paraguaio desde o período colonial e mesmo sobre a sua independência e soberania,
Francisco Solano López a teria encarado sem medo. Na hora extrema, jurou “vencer ou morrer”
514
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. Solano López y otros..., op. cit., p. 3.
515
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Mariscal Solano..., op. cit., p. 2.
516
Idem, p. 20.
517
Idem, p. 21.
180
e, por fim, morreu com a espada nas mãos. A história não conheceria idêntico “sacrifício” e,
como disse González no ensaio El Mariscal Solano López y su influencia en el alma
Nacional” (1926), sua vida foi “tão perfeita, tão grandiosa e de sublime beleza, que por
momentos sua figura se despoja dos caracteres humanos”
518
.
Um padrão semelhante a narrativa bíblica da trajetória final de Jesus Cristo se
encontra, aliás, no “Cincuentenario de Cerro Corá” (1920) organizado pelo próprio González.
Como dizia um dos ensaios da obra, uma energia sobre-humanaempurrou o Marechal López
ao “sacrifício voluntário”, e, como Jesus Cristo, ele sabia que “ia morrer e o sabia de tempos
atrás, muito antes de Cerro Corá”. Aceitou porém, como aquele, a morte “tranqüila e
serenamente, sem o mais leve protesto”
519
. Seguiu o seu destino e marchou ao “Calvário”.
Não obstante, mesmo diante dessa fatídica realidade, jamais se entregou e nos
momentos finais, quando o existia exército algum ao seu lado, a mera presença de sua
figura “sobre-humana” foi capaz de fazer deter o avanço do inimigo. O voluntarismo e a
irracionalidade que tomam conta da narrativa histórica lopizta se aprofundou agudamente: um
“homem”, apenas um, lutava e detia todo um “exército”, disse O’ Leary. A potência guerreira
do Paraguai condensava-se, após anos de catástrofes, na figura de Francisco Solano López.
“Inútilmente el Marqués Caxias dió por terminada la guerra.
Los veinte mil soldados victoriosos, atrincherados en Asunción [en enero de 1869],
sabian muy bien que mientras se mantuviese en pie el Presidente paraguayo la
lucha no estaba terminada.
¡Un hombre frente a un ejército!
Era la renovación del mito del gigante hecatonquérico, que él sólo era capaz de
detener a enemigos infinitos con el prodioso poder de sus cien manos.
Leyendo esta página de maravilla de nuestra maravillosa historia, sentimos la
sensación extraña que nos produjeron en la niñez los libros de caballería o los
cuentos fabulosos, viendo alzarse ante nuestro ojos las figuras deslumbradoras de
aquellos héroes estupendos, vencedores de enemigos monstruosos. Al llegar aq
parece cerrarse el ciclo de la realidad para empezar el de la leyenda.
Nuestro Héroe Epónimo pierde sus contornos humanos, entrando de lleno en los
dominios de lo sobrenatural.
Su voz es un trueno que domina la voz de cien cañones.
Sus miradas son rayos que fulminan a la distancia.
Cuando camina, la Cordillera parece vacilar sobre sus firmes cimientos, y el ruido
de sus pasos repercute largo tiempo en las gargantas de la Sierra como el eco e un
huracán que se aleja.
Su frente toca la bóveda del cielo y sus manos alcanzan los límites del horizonte.
518
Patria”, 26 de julho de 1926.
519
Conf. GONZALEZ, Juan Natalicio. Cincuentenario de Cerro..., op. cit., p. 43.
181
Así se le veian los enemigos...
Y así se le ve la posteridad...”
520
.
A citação acima perde, entretanto, em eloqüência e significão se comparada
com a de abaixo: nela López é tanto a personificação do Paraguai como também de sua ppria
história. Ele é a síntese da “epopéia” paraguaia.
...Mariscal López. Esa figura es como el nudo de nuestra historia, principio y fin
de nuestra epopeya, clave de nuestro pasado, cumbre y sima, aurora y ocaso,
resplandor de luz meridiana, tristeza crepuscular, encarnación de todas nuestras
grandezas morales y símbolo vivo de todos nuestros dolores. Imposible derribarla y
mucho menos negarla. Montaña de voluntad, montaña de patriotismo, en sus
entrañas brama el fuego desmensurado a nuestra tierra y en su alta frente pensativa
parece que bullen todos los anhelos de nuestra raça. [...]. En su corazón va todo
nuestro ayer, el loco optimismo de los vencedores de Belgrano, la sombría
resolucn patriótica del Doctor Francia, el afán creador, la sabiduría y el orgullo
del Patriarca. Es un hombre y es un pueblo. Es un magistrado y es una causa. Es,
en una palabra, la personificación del Paraguay... [...]. Antes y después de la
guerra, López fue y es el Paraguay [destaque meu]
521
.
Junto da idealização da “heróica” e “guerreira” “raça” paraguaia nascida no
“Paraíso de Maomé”; da idealização da “Guerra Grande” e da “morte”; da idealização da figura
do Marechal López, agrega-se ao nacionalismo lopizta, ainda, a idealizão do sistema de
governo lopizta destruído na “Guerra Grande”. Inclusive, lembremos, a despeito de outros
interesses, foi a promessa de restauração de tal sistema, portanto do “idealismo paraguaio”, a
principal justificativa ideológica para a destruição da “era liberal” do país em meados da
década de 1930.
Mas a exaltação do regime lopizta nasceu longe da crítica a ordem liberal imposta
em 1870. Sou “liberal”, afirmou Dominguez no início do século XX. Desde a polêmica travada
entre Cecilio Báez e O’ Leary em 1902 e 1903 ou mesmo desde a obra “Compendio Elemental
de Historia del Paraguay(1896) de Blas Garay, o regime do Estado lopizta foi considerado
como extremamente positivo, superior ao do pós-guerra nos seus feitos e realizões. Nas
palavras de Manuel Dominguez no seu “Causas del heroismo paraguayo” (1903), foi a “idade
de ouro” do Paraguai.
520
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Mariscal Solano..., op. cit., p. 249.
521
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. Apostolado patriotico..., op. cit., p. 152.
182
Nas cadas de 1920 e 1930, entretanto, o regime lopizta, além da suposta
prosperidade material que supostamente trouxe ao Paraguai, teria, ainda, para nacionalismo
lopizta, o mérito de o ter dado margens as convulsões ou guerras civis que tanto
caracterizaram os países vizinhos e se tornaram também comuns no Paraguai do pós-“Guerra
Grande”. Teria o mérito, portanto, de não ter possibilitado entre os paraguaios o sistema de
“anarquias” e as lutas fratricidas, signo do descompasso entre o “liberalismo” imposto em 1870
e/ou 1904 e a essência “nacional” paraguaia.
Juan Natalicio González expôs esse entendimento, recorrente na imprensa
opositora desde muito
522
, no “El Paraguay Eterno(1935). Para ele as “tendências naturais”
do povo faziam a ntese perfeita da “unidade étnica” com o “habitat” físico, favorecendo a
homogênea “índole rural e guerreira da ra”. Por isso, quando adveio a independência,
enquanto “os países vizinhos se consumiam numa frenética anarquia, na terra guarani surgiu
um Estado forte, identificado com o destino coletivo, consciente de seus fins...
523
. Os governos
de Francia e dos López sabendo do limite e perigo das liberdades e direitos teoricamente
perfeitos”, acharam necessário que o povo “por muitos anos continu[asse]” naquela “ordem e
regime” para que se “acostum[asse] a um uso regular e moderado de direitos que ainda o
conhec[ia]”. Dessa forma o Paraguai, guiado paternalmente pelos ditadores, haveria safado-se,
como acreditava González, das “grandes calamidades” que tanto “atormentaram os Estados
vizinhos”
524
.
Era a exaltação daquilo que González felicitou como a “supremacia absoluta do
Estado”, princípio caro do nacionalismo lopizta
525
. Esta “supremacia”, além de salvaguarda das
“anarquias”, representou, ainda, a destruição das “castas aristocráticas”, a supressão do
“problema religioso” pondo a Igreja sob a tutela do Estado entre outras coisas. Tudo, como
acreditava Gonlez, condizente com o profundo “sentido igualitário do povo”. Mais de uma
década antes Manuel Dominguez, no “El Ama de la Raza” (1918), havia defendido o regime
lopizta com o mesmo tipo de argumentação. Em um ensaio da obra intitulado “Constitución de
1844” afirmava que aquele regime, erigido a partir de sua constituição, salvou o Paraguai da
“anarquia” que predominava em todo o Rio da Prata. Embora não fosse uma constituição das
522
“La obra del Partido Liberal en 20 años de gobierno: revoluciones, sublevaciones y cuarteladas”.
Este era o título de um artigo do jornal “Patria”. Ver “Patria” 21 de janeiro de 1924.
523
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. El Paraguay Eterno..., op. cit., p. 45 e 46.
524
Idem, p. 48 e 49.
525
Não só o golpe contra o último governo liberal de Eusébio Ayala (1932-1936), mas também as
truculentas e longas ditaduras de Morínigo (1940-1948) e Stroessener (1954-1989) se serviram
destas construções ideológicas.
183
mais “liberais”, como reconhece, ela estaria em perfeita consonância com a “geografia”, com a
“raça” e, principalmente, com o momento “histórico” do povo paraguaio e platino em geral
526
.
Posteriormente, contudo, adveio a debilidade” e, em meio a riqueza, a miséria e o
caos trazido pelo “infortúnio” da “Guerra Grande”. Enquanto no “Album Gráfico” (1911)
Arsenio López Decoud expôs o problema da instabilidade política como mero resultante das
“revoluções provocadas pelo militarismo”, era agora o próprio regime imposto brutalmente
com a guerra o culpado do caos político. Juan E. O’ Leary em “El Libro de los Héroes” (1921),
por exemplo, dizia que embora “ricos”, a “derrota desencadeou” a “anarquia que tanto
temeram” os “ditadores” paraguaios:
Ricos somos, como pocos. Nuestra tierra es, toda ella, una mina de oro. Y, sin
embargo, nos morimos de hambre. Es que el mal finca en otra parte, el mal está en
nuestra alma, debilitada por el infortunio, aplastada por el desastre.
No nos levantamos, no somos lo que debíamos ser, porque hasta ahora no han
vuelto a recuperar su vigor primitivo esas nuestras virtudes peculiares, que hicieron
posible nuestra prosperidad en otros tiempo.
La derrota desencadenó esa anarquía que tanto temieron nuestros dictadores,
siendo esta calamidad de las muchas que nos trajeron los invasores. Anarquia
sangrienta y trágica a ratos, pero siempre disolvente, ella dispersado nuestras
fuerzas y enconado el odio entre hermanos, haciendo imposible una acción
conjunta y anteponiendo las pasiones estrechas de un crudo sectrarismo a la que
debía ser nuestra única pasión: el amor a nuestra patria desventuradas”
527
.
Mas a exaltação do regime do Estado lopizta, cujo construtor principal teria sido
Carlos Antonio pez, teve uma obra magistral em seu favor: “El Paraguay sus grandezas y sus
glorias(1920) de Manuel Dominguez. Nessa obra, o período governado pelos López foi posto
como um “Édem” na terra, o “sonho de sociólogos, utopistas, economistas e filantropos que
[...], na escala desejada, se realizou no mundo”
528
. Esse seu trabalho foi fruto de uma polêmica
com um publicista russo chamado Rodolfo Ritter que afirmou ser “lenda” e “fábula” patriótica
a passada grandeza do Paraguai lopizta. Para rebater tal tese, que Manuel Dominguez a
condenou como “legionária e herdeira da “raça maldita” dos traidores, publicou uma série de
artigos no jornal “El Nacional” em 1919, logo compilada na referida obra para também se
comemorar o cinqüentenário de Cerro Corá.
Mas se as realizações materiais, financeiras, educativas, produtivas,
comunicativas e bélicas do Estado lopizta teriam permitido, homogeneamente, a “felicidade” e
526
Conf. DOMINGUEZ, Manuel. “Constitucn de 1844..., op. cit.
527
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes..., op. cit., p. 227 e 228.
184
o orgulho nacional dos paraguaios, mesmo do mais humilde deles, Dominguez nesse trabalho
não deixou de louvar o autoritarismo deste mesmo Estado forte. Ele, por exemplo como
deveria fazer o atual Estado –, obrigou todos ao “trabalho”, inclusive aqueles que supostamente
não o queriam. Os “jogadores”, os “folgados”, os “embriagadose os “presidiários”, afirmou,
“trabalhavam também”
529
.
Não estas pessoas, mas, como tratou Milda Rivarola em seu trabalho “Vagos,
Pobres y Soldados” (1994), diversos setores sociais de matriz indígena foram compelidos ao
trabalho forçado pelo regime lopizta, não exclusivo aos escravos negros
530
. O “Estado
Mercantilista” do qual falou Pastore, tinha ânsia por mão-de-obra gratuita. Talvez por isso
Dominguez “revisousua constituição. Em conferências proferidas em março e abril de 1922
no teatro “Granados” de Assunção, defendeu novamente o trabalho forçado compelido pelo
Estado. Para justificar suas idéias lembrou de como eram as coisas no tempo dos López: “os
governos anteriores a guerra impunham o trabalho e até a obrigação de ter lar
531
”.
Observa-se assim que tanto o pensamento liberal como o autoritário do Paraguai
da “era liberal”, comungado por Dominguez em diferentes etapas de sua vida, preocupou-se
com a extração de trabalho da população humilde. A diferença é que a legitimação de uma e
outra vertente de pensamento fundava-se em diferentes questões históricas: para o pensamento
liberal era porque o paraguaio deveria ser regenerado para assim o país alcançar,
definitivamente, a civilização”; para o autoritário porque a obrigação do trabalho condizia
com a “essência” paraguaia e com a prática do governo lopizta.
4.4 Críticas a ordem liberal e movimentos nacionalistas
A “raça guerreira” viveu, até a “Guerra Grande”, em felicidade e harmonia, pois
contava com a prosperidade do forte Estado lopizta criado e comandado pelos patriarcas López.
Assim pode ser sintetizado o nacionalismo lopizta. Com Juan Natalicio González, o lopizmo,
não obstante, transcendeu a mera ctica da ordem imposta com a guerra e chegou de vez ao
antiliberalismo inspirado em Charles Maurras. González não poupou crítica ao regime instalado
528
Conf. DOMINGUEZ, Manuel. El Paraguay sus grandezas y..., op. cit., p. 56.
529
Idem, p. 7.
530
Conf. RIVAROLA, Milda. Vagos, Pobres y Soldados. La domesticación ..., op. cit.
531
Conferências intituladas “Problemas nacionales”. Conf. DOMINGUEZ, Manuel. La traición a la
patria..., op. cit., p. 8.
185
em 1870, a sua constituição, a intelectuais liberais como Juan Bautista Alberdi e Cecilio Báez,
além de combater, no plano das idéias, a concepção “judaica da pátria, isto é, a cidadania
liberal: contra ela dizia que “a estrutura social e histórica do Paraguai” era “antiliberal e
antiindividualista por natureza”
532
.
Influenciado por Maurras, “El Paraguay Eterno (1935) caracterizou a “era
liberal como fruto da conspiração externa de argentinos e brasileiros
533
e, ainda, perpassada
por um conjunto de oposições em constante conflito. Haveria, supostamente, o conflito entre as
leis “naturais” da nação e as leis “artificiais” do Estado liberal; haveria o conflito entre uma
constituição “efetiva”, criação viva da nação, e a constituição “exógena imposta pelos
vencedores da guerra em 1870; haveria o conflito entre os valores “coletivistas da “ra
paraguaia, como os laços familiares e corporativos, e o “individualismo” imposto pelas
instituições liberais do Estado “exógeno.
Em uma palavra, teríamos de um lado os oprimidos valores “autóctones” da
nação, e, de outro, os valores “metecos” e “exógeno”, opressores da mesma. Uma permanente
luta, segundo González, “entre Nação e Estado
534
, entre um país “reale um país “legal”
535
.
Segundo J. S. Dávolas e L. L. Banks, na concepção de González haveria no Paraguai liberal
uma cruel “barbárie” anti-vital, isto é, a pretensão de desnaturalizar o “espírito do povo” e,
assim, as próprias “essências” nacionais
536
. Para superar tal pretensão...
El Paraguay busca la destruccn del Estado liberal que le oprime y desarticula y
marcha a la conquista de un Estado que sirva de instrumento a su grandeza. El
Estado liberal es un ente abstracto, que vive de la ficcn legalista: el Paraguay
quiere un Estado que sea un ente moral, animoso y creador como la vida”
537
.
Esse foi também o projeto potico de Jun N. González ao menos enquanto durou
a “era liberal”. Em consonância com a proposta teórica do catalão Josef Fontanta, os escritos
532
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. El Paraguay Eterno..., op. cit., p. 75.
533
Para este intelectual francês, a Revolução Francesa foi fruto da conspiração interna de protestantes e
maçons, e, externa, de prussianos e ingleses.
534
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. El Paraguay Eterno..., op. cit., p. 86.
535
Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritária..., op. cit., p. 98.
536
Para J. N. González os valores “metecose “exógenos” importados e impostos pelo Estado liberal
representavam uma vontade assassina e bárbara”, pois a nação não tolera nada forasteiro. Ver
DÁVALOS, J. S.; BANKS, L. L. El Problema de la Historia del Paraguay”. In: Revista Paraguaya
de Sociología. Pasado y Presente de la Realidad Social Paraguaya, Asunción, v. 1, 1995, p. 1090.
537
Ver GONZÁLEZ, Juan Natalicio. El Paraguay Eterno..., op. cit., p. 72.
186
históricos lopiztas em questão, de modo mais ou menos direto, também possuíam um programa
político e social para o futuro, sendo o de González o mais radical e claro deles
538
.
Seu contato com ideologias de extrema-direita deu-se, provavelmente, em viagens
pela América Latina e Europa nos primeiros anos da década de 1920, antes do suposto
centenário do Marechal López
539
. Mas, ainda no ano de 1920 entrou em contato com ao menos
um ensaio crítico e irredutível ao liberalismo, ensaio intitulado “López” e assinado por R.
Capace Farone. Ele foi publicado na própria obra que González organizou para o
“cinentenário, referimo-nos ao trabalho coletivo “Cincuentenário de Cerro Corá” (1920).
Ali a crítica ao liberalismo, a Revolução Francesa e Bolchevique estão já, embora
alegororicamente, colocadas.
Así le admiré entonces y a le admiro hoy [Francisco Solano López] en esta época
a través de la cual la democracia utilitaria amenaza extinguir la divina belleza de
sobre la faz de una humanidad al parecer caduca.
Porque yo admiro siempre todo gesto de belleza y más cuando irradia energía.
Todas mis simpatías han sido siempre para el magnánimo Luis XVI y para la altiva
María Antonieta, alba flor de infortunio cercenada en la guillotina por manos de los
cerdos de la demagogia.
Hoy en la época del progreso, repítense los procedimientos de antaño, y para
obtener el reparto de la propiedad concienzudamente se matan y degüellan
burgueses...
Mañana continuará la sombría experiencia, tal vez en lacarne de los mismo que hoy
despanzurran a pacíficos propietarios.
[...]
Me permitirán los satélites de la democracia que reverencie a los magníficos
tiranos, domadores de pueblos y protectores de artistas
540
.
Frente a um céptico presente de “democracia utilitária”, de “soberbos direitos do
homem” e de revoluções que “degolam burgueses”, R. Capace Farone preferiu glorificar
“magníficos tiranos”: Luís XVI, Maria Antonieta, além, é claro, do Marechal López.
Quando adveio o Estado “Nacional Revolucionário” (1936-1947) Gonlez,
organizador do trabalho acima citado, seguiria com o seu projeto autoritário e revisionista.
Participou de instituições culturais como a “Academia Paraguaya de la Lengua Española” e do
538
Conf FONTANA, Josep. Históira: análise do passado e projeto... loc. cit., p. 9.
539
Segundo o La Nación” González neste intervalo de tempo ficou vários anos viajando por países
destes continentes.La Nación”, 10 de dezembro de 1925.
540
Ver FARONE, R. Capace. López”. In: Conf. GONZALEZ, Juan Natalicio. Cincuentenario de
Cerro..., op. cit., p. 44.
187
“Instituto Paraguayo de Investigaciones Historicas”. Fez, ainda, estudos sobre o folclore
paraguaio e também publicações na revista “Turismo”. Foi o fundador e diretor de uma
conhecida e famosa revista paraguaia, “Guarania”, que abarcou quatro períodos diferentes entre
os anos de 1920 e 1948
541
. Em 1936 dedicou todo um número dela ao fascismo, onde, junto de
um artigo seu, também, segundo Guido Rodriguez Alcalá, um do próprio Mussolini
542
.
Defenderia, mesmo depois da derrota do nazi-fascismo europeu, uma reacionária tese que dizia
que o homem “nasce escravo
543
.
Ao contrário de González, o seu mestre O’ Leary mesmo comungando das
mesmas idéias antiliberais de Maurras nunca atacou diretamente o liberalismo paraguaio.
Segundo Guido R. Alcalá, o fato dele ter vivido da “república liberal como funcionário
público desde professor à diplomata de sucessivos governos limitou sua prédica
antiliberal. Esta se explicitaria mais agudamente com o próprio fim da “era liberal” em 1936.
544
Não obstante, além das temáticas racistas, belicistas, estatistas e da crença que
sustentava nos governos fortes” e providenciais coisas comuns em seus trabalhos
historiográficos da década de 1920 , não deixou de expor seu horror ao “individualismo”
liberal e ao “socialismo” marxiano quando este fundamentou a tomado do poder na Rússia pelo
bolchevismo. Contra esse tipo de ameaças do presente, disse, se imporia em todo o continente
americano uma necessária “reação nacionalista”.
Y hoy, más que nunca, se impone en todas las secciones del continente esa
reaccn nacionalista de que os hablo, reacción de la colectividad nativa contra el
individualismo nihilista y también contra los avances audaces del socialismo
maximalista, surgido, como una amenaza de las miserias y de los dolores a que
dado lugar la guerra espantosa que acaba de terminar”
545
.
Uma outra temática da história que deu margem e ampliou a discussão acerca do
liberalismo e aferrou a crítica a ele foi a que suscitou as tropas da “Legión Paraguaya”, isto é,
as tropas paraguaias que lutaram junto da Tríplice Aliança contra o Marechal pez e o
Paraguai. Antes que nada os “legionários” foram, para o lopizmo, “traidores” da pátrias,
conclusão que O’ Leary havia chegado ainda em 1902, lançando-a contra Cecílio Báez.
541
Conf. CENTURIÓN, Carlos R. Historia de la..., op. cit., p. 534 e 535. Tomo II.
542
Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritaria..., op. cit., p. 118.
543
Conf. GONZALEZ, Natalicio. La ideologia Americana. Asuncn: Editorial Cuadernos
Republicanos, 1984, p. 46. [s/d].
544
Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritaria..., op. cit., p. 97.
545
Conf. O’ LEARY, Juan Emiliano. El Libro de los Héroes..., op. cit., p. 226.
188
na comemoração do cinqüentenário de Cerro Corá foram publicados dois
ensaios que trataram do tema, ambos com o mesmo título: “El Patriota y el Traidor. Um foi de
autoria de Manuel Dominguez e outro, assinado o como sendo de George, integrou o
trabalho “Cincuentenario de Cerro Coorganizado por Natalicio González. A semelhança de
ambos é tamanha que duas possibilidades se colocam: ou um dos autores plagiou o trabalho do
outro, possibilidade menos provável; ou, então, ambos os trabalhos seriam de Manuel
Dominguez. Com interesse de dar notoriedade ao tema teria publicado-o também com o
pseudônimo “George”, possibilidade que nos parece ser a mais coerente
546
.
Os ensaios procuram fazer a caracterização do “patriota e do “traidor”, em
particular desse último. Como entendiam os autores, o “traidor” foi o “portenhista”, depois o
“legionário”. Nos tempos coloniais foi o “contrabandista” que via as coisas apenas com os
“olhos do mercador”, não importando-lhe nada o interesse da “pátria”. Era surdo a “voz da
raça”, sequer orgulho dela sentia. Em verdade odiava profundamente o Paraguai”. Achava que
ele não passava duma criação artificial dos ditadores que lhes perseguia: d chamarem os
paraguaios de “lopezguayos”. Não entendia, contudo, que foi justamete a “pátria” que,
conscientemente, dispôs dos ditadores para poder eliminá-lo. Foi o inimigo interno a ser
destruído que os criaram, mesmo quando esse inimigo, fugitivo, vivesse em Buenos Aires, a
velha rival
547
.
O nacionalismo conservador do Paraguai, do qual Dominguez tornou-se uma das
grandes figuras, sempre se deu em oposição a capital portenha. Além da velha dependência
econômica, foi dela de onde proveio a maioria dos ataques militares contra o Paraguai e suas
tentativas de “autonomia”. No século XVIII a “Revolução dos Comuneros” foi aplacada pelo
governador bonarense Bruno M. Zavala. Mesmo a “Independência” (1911) deu-se,
primeiramente, em oposição as pretenções hegemônicas portenhas, que novamente enviaram
tropas contra Assunção. Juan Manuel Rosas, governador de Buenos Aires (1830-1852),
abertamente tratava o Paraguai como mera província rebelde a ser reconquistada. Veio a
“Guerra Grande” e em decorrência dela a Argentina julgou-se dona de todo o Chaco.
Em todas estas situações, segundo os ensaios que trataram de reconstituir a
“personalidade” do “traidor”, alguns maus paraguaios “aliaram-se” aos inimigos, porque
546
Lembremos que Manuel Dominguez foi o mesmo quem defendeu Jo Segundo Decoud, então
Ministro das Relações Exteriores, da acusação de portenhismo e traição, ainda em fins do século
XIX
189
aliariam-se ao “demônio para vir contra sua pátria”, daí a necessidade de eliminá-los. Foi
exatamente isso que Francia e os pez tentaram fazer; e para isso a “pátria” deram-lhes
imenso poder. Para Dominguez e/ou George a multidão era , porém...
tinha que matar el “portenhismo”, extipar este cáncer roedor del organismo
nacional, y admás defenderse contra los vecinos y respondiendo a esta necesidad
hizo surgir a Francia y los López”
548
.
Colaborava imensamente com tais “leituras” o trauma político dos colorados
vivido na Revolução de 1904”. Nela os liberais, ainda no poder 20 anos depois, também
receberam apoio logístico e bélico de Buenos Aires contra o governo de Escurra. Além disso,
Cecilio Báez, que era o ideólogo do “Partido Liberal”, e o General Benigno Ferreira, um antigo
membro da “Legión Paraguaya”, foram os principais chefes desse movimento político, o que
tornou mais “fácila identificação entre legionarismo” e liberalismo”. Cecilio Báez era o
“San Pablo del legionarismo”, segundo expressão do título de um artigo historiográfico que
Juan E. O’ Leary publicou no “Patria”, em setembro de 1924
549
.
Mas o trabalho historiográfico de maior peso que tratou da “Legión Paraguaya” e
sua suposta “traição foi “Los Legionarios” de O’ Leary, publicado em 1930. A principal
motivação desse seu ensaio foi o execramento de um outro trabalho historiográfico. ctor
Decoud a pouco havia publicado uma obra para buscar salvar a honra da “Legión” e também de
sua família e do empreendimento jornalístico “La Regeneración”: “Los emigrados paraguayos
en la guerra de la Triple Alianza” (1930). Não obstante, para O’ Leary a obra de Héctor
Decoud não passava da manifestação de uma “casta maldita”, outrora seguidora de Bartolo
Mitre, portanto a manifestação de um “mitrista”:
“Un mitrista tiene que sentir y pensar como un legionario, ya que son
manifestaciones de un mismo fenómeno moral. Fraternizan en el odio al Paraguay
y un mismo rencor les anima contra el grande hombre [López] [...]. Están en el
mismo plano y están vinculado por la misma tradición familiar. El porteño era
legionarista, como el legionario era porteñistas. O bisabuelo de Héctor Decoud era
ya enemigo del Paraguay y pardario de Buenos Aires”
550
.
547
Ver DOMINGUEZ, Manuel. “El Patriota y el Traidor”. In: La traición a la patria..., op. cit. Ver
também GEORGE. “El Patriota y el Traidor”. In: GONZÁLEZ, Juan Natalicio. Cincuentenario de
Cerro Corá..., op. cit.
548
Idem, op. cit., p. 155; Idem, op. cit., p. 36.
549
Patria”, 1 de setembro de 1924.
190
O problema é que todas essas construções historiográficas foram capitalizadas
politicamente como crítica ao “Partido Liberale, quando não, ao próprio regime liberal. Ao
dizer de Milda Rivarola tomaram conotaçõesfortemente antiliberais”. Algumas “licenças
historiográficas”, segundo esta mesma autora, permitiam identificar de modo imediato os
“legionários” como sendo os “liberais” que outrora haviam “vendido a López e entregavam
agora o Chaco aos bolivianos”
551
.
As acusações de “indefesa do Chacopelo regime liberal, portanto de falta de
patriotismo, o que seria coisa comum dos “legionários”, foram, aliás, uma constante na década
de 1920
552
. Em setembro de 1928 – diante da crise internacional que chegou a beira da guerra
quando ocorreram respectivos ataques entre bolivianos e paraguaios no Chaco
553
a
propaganda heróico-belicista do lopizmo revelou-se extremamente eficaz na tarefa do
recrutamento militar da população civil: 20.000 paraguaios se alistaram. Contudo alimentou a
oposição ao liberalismo e ao que chamaram de “criminosa indefesa do Chaco pelo
governo
554
. Para diversos setores oposicionistas, liberalismo e legionarismo não eram senão
as mesmas e idênticas coisas.
As críticas a ordem liberal deu-se, não obstante, justamente quando a democracia
parlamentar paraguaia alçava, no governo de Eligio Ayala particularmente (1924-1928), o seu
apogeu realizador e também o seu intento mais sério e respeitável. No próprio âmbito do
regime, depois da derrota das forças políticas tradicionais na guerra civil de 1922 e 1923, um
amplo “projeto democrático” cujos mentores eram Manuel Gondra, Eligio Ayala e Eusébio
Ayala principalmente, chefes de uma ala do “Partido Liberal” estava em curso procurando
modernizar o país e substituir as formas tradicionais da política caudilhesca vigente desde os
dias da “Guerra Grande”.
555
. Tratava-se de um projeto de afirmão da democracia
institucional, acompanhado, porém, da proliferação de tendências ideológicas como o
anarquismo, o marxismo e, o que nos interessa propriamente, do nacionalismo conservador,
todos, entretanto, com tendências antiliberais.
550
Ver O’ LEARY, Juan Emiliano. Los Legionarios..., op. cit., p. 41.
551
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 24.
552
“Bolivia siegue acumulando fuerzas en el Chaco”, acusava o título de um artigo jornalístico. Ver
Patria”, 22 de janeiro de 1929.
553
Ver RESQUIN, Ruperto D. La generación paraguaya (1928-1932). Buenos Aires: Ediciones
Paraguay en America, 1978, p. 121.
554
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 30.
555
Uma das primeiras medidas do governo Ayala foi declarar a anistia geral para os participantes civis
da guerra recém concluída, afim de pacificar o país Aos participantes militares Eligio Ayala não os
anistiou de pronto, causando-lhe críticas nos jornais opositores. Ver “El Ordem”, 20 e 21 de agosto
de 1924.
191
Não tratava-se de nenhuma mudança substancial na direção do padrão geral sócio-
econômico imposto pela Tríplice Aliança. Mas, de qualquer modo, tal “projeto democrático”
modernizador incluía uma reforma racionalizadora e apolítica da máquina da burocracia do
Estado; uma reforma do exército buscando, também, torná-lo apolítico, profissional e nacional;
incluía ainda o fim da emissão de papel-moeda inorgânico, o que possibilitou a estabilidade
monetária até quase o início da guerra em 1932; contemplava o respeito efetivo às liberdades
outorgadas pela constituição de 1870; uma reforma eleitoral buscando incorporar na luta
democrática o partido de oposição, o colorado, que aferrava-se no abstencionismo
antiparlamentar, dando à minoria dos seus possíveis legisladores eleitos maior poder e
representatividade
556
; incluía, por último, o sancionamento de uma lei de “Criação, fomento e
conservação da pequena propriedade”
557
.
Contribuiu para tudo isso um surto de crescimento econômico a partir do aumento
da demanda externa da cultura algodoeira, cultura que contava com a participação de
camponeses que até então produziam-na apenas para sua própria subsistência. Quando, não
obstante, a partir desse surto, passaram a produzi-la também para um mercado minimamente
amplo e desconhecido, houve a entrada de uma parcela desses que eram os paraguaios mais
sofridos ao minúsculo mercado de consumo interno, o que levou o secular vínculo sentimental
e forma de dominação pessoal dos caudilhos locais sobre eles a sofrer sérios abalos. Começava,
finalmente, a implosão das relações caudilhistas no campo. Ao menos em tese, é nesse
momento de alterão na estrutura social que o sentimento nacional, na versão lopizta,
começou a adentrar nas camadas populares, possibilitando a explosão do nacionalismo
conservador.
Mas a lucrativa produção da cultura algodoeira por essas pessoas encontrava seus
limites no regime fundiário, levando a extrema concentração da terra a ganhar contornos ainda
mais violentos, principalmente no governo de Guggiari (1928-1932). Naquele momento apenas
5.8% da população paraguaia participava da propriedade imobiliária, enquanto cerca de 70%
trabalhava e vivia em terras alheias
558
. Foi nesse momento, também, que o auge da bonança
econômica foi se esgotando, o que, como afirmou Evaristo Duarte,
somado à economia de guerra implementada sob orientação de E. Ayala e à
deterioração salarial decorrente da desvalorização do peso paraguaio, configurou
556
Conf. FLECHA, Víctor Jacinto. Años 20: movimientos socio-politicos en...”, 1995, pp. 530-533.
557
Conf. PASTORE, Carlos. Lucha por la tierra en..., op. cit., p 301.
558
Idem, p. 299.
192
uma situação de crise social e política que pôs o governo liberal em cheque. Para
complicar ainda mais o cenário para os liberais, a crise de 1929/30 veio questionar
o modelo econômico baseado na exportação de produtos primários”
559
.
Mas a crise do regime liberal havia começado desde a anos. Na guerra civil de
1922 e 1923, por exemplo, os caudilhos do “Partido Liberal” Eduardo Schaerer chefe do
legislativo e ex-presidente da República (1912-1916) e Coronel Adolfo Chirife, enfrentaram
o governo do presidente Eusébio Ayala (1921-1923). De acordo com Milda Rivarola, tinham
como programa o governo dos “melhores cidadãos do país” e como projeto de “lei social” o
“trabalho forçado para toda a população”. Talvez por isso contassem com a adeo
entusiasmada do então deputado colorado Manuel Dominguez. Mas contavam, ainda, com a
adesão de comerciantes locais, pequenos burgueses em geral, e, ainda segundo Milda Rivarola,
de todos aqueles que desejavam um governo forte”, indispensável a um “povo pouco
maduro
560
.
Em termos políticos, essa guerra civil não foi apenas mais um golpe na
conturbada história política do Paraguai. Foi, além disso, a tentativa de se instalar no país uma
ditadura comandada por um Partido Nacional” sustentado pelo exército, suposto depositário
das glórias tradicionais [e] dos valores cívicos”, como afirmava Eduardo Schaerer
561
.
O presidente liberal Eusébio Ayala (1921-1923), dispondo apenas da fraca polícia
assuncena para defender-se, contou com a ajuda bélica homens e armamentos dos
trabalhadores da socialista “Liga de los Obreros Marítimos” (LOM) e derrotou a sedição militar
comandada Chirife depois de meses de lutas civis. Nessa viria, o grosso das forças do
exército paraguaio nas mãos de Chirife mobilizadas ao prazer dos diferentes caudilhos desde
1870 foram destruídas, o que possibilitou aos governos vindouros tanto a renovação do
exército como uma espécie de pacto social informal entre governos liberais de Eligio Ayala
(1924-1928) e José P. Guggiari (1928-1932) e os sindicalismo socialista.
Mas a renovação do exército teve um efeito inesperado. Com a proximidade da
guerra com a Bolívia, os oficiais do “novo” exército, agora nacional, passam a nutrir simpatias
ao morto Coronel Chirife, simpatias fundadas na comum antipatia a “classe” política e ao
parlamentarismo. Segundo Evaristo Duarte, contribuía para tudo isso a popularização do
nacionalismo lopizta em particular das “excelências da raça paraguaia , nacionalismo
559
Conf. COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 21.
560
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 15 e 16.
561
Conf. FLECHA, Víctor Jacinto. Años 20: movimientos socio-politicos en...”, op. cit., p. 529.
193
respaldado pelos círculos antiliberais” e sistematizado principalmente pelos intelectuais
Manuel Dominguez
562
, Fulgencio Moreno e Arsenio López Decoud.
Além do mais, houve uma grande proximidade desses militares com os regimes e
movimentos fascistas europeus. Muitos deles haviam se aperfeiçoado e estudado em mises na
Alemanha, Itália, e França, além do Chile na América Latina
563
. Seriam exatamente eles que no
futuro próximo teriam destacada participação na guerra contra a Bolívia e também no golpe
contra com regime liberal, afim buscar o “idealismo paraguaio. Mas em 1930 eram
subversivos ao governo de Guggiari.
Não da caserna, porém, provinham propostas e agitações antiliberais. Outro
grupo com tais tendências foi o “Nueva Generación”, organizado em torno de um longo (e hoje
tido como confuso) manifesto intitulado “Nuevo Ideario Nacional” (NIN), escrito por mais de
vinte pessoas. Esse grupo, embora reduzido, conseguiu uma base social bastante ampla e
respeitável. Conquistou a hegemonia sobre parcelas do radicalismo estudantil e trabalhador;
sobre intelectuais comunistas e anarquistas; ganhou em 1930 o controle da “Liga de los
Obreros Marítimos” (LOM); conseguiu alguma ascendência sobre o exército; além de aglutinar
setores liberais discidentes. Diversos líderes do futuro Partido Comunista Paraguaio, como
Oscar Creydt e Obdulio Barthe provieram dele.
É difícil definir a ideologia do NIN devido as ltiplas tendências postuladas,
como o anarquismo, o comunismo e o nacionalismo. Mas estavam mais pximas, sem dúvida,
do nacional-socialismo da Europa que de qualquer outra ideologia.
É importante destacar, contudo, que o nacionalismo defendido pelo manifesto
NIN não fazia a reivindicação das figuras dos pez, fato que agradou Cecilio Báez
564
. De
qualquer modo, o novo regime por ele proposto, ao contrário do liberal, deveria estar em
perfeita comunhão com a “ordem étnica e racial” do paraguaio e provocar “uma formidável
restauração da alma nativa ou crioula”, e, o que seria a mesma coisa, o “renascimento do
espírito legendário e ancestral da raça” paraguaia
565
. Não era nova a identificação entre ideais
“esquerdistas” com a natureza étnica e hisrica do paraguaio. O intelectual Blas Garay a
562
Conf. COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 215.
563
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 23.
564
Cecilio ez tinha relações de amizade com Oscar Creydt, principal dirigente do manifesto. Logo
decepcinou-se com ele, pois, não resistindo a maré lopizta, Creydt aderiu-se a ela conforme tentou
justificar em sua auto-biografia. Ver CREYDT, Oscar. Formación Histórica de la Nación
Paraguaya. Pensamiento y vida del autor. Asunción: Servi Libro, 2004, p. 137.
194
décadas o havia feito; Juan Natalício González, Manuel Dominguez e mesmo Fulgencio
Moreno seguiram também na mesma linha
566
.
As afirmações do manifesto sintetizam a lúcida consciência da vivência de uma
crise, constituindo o textemunho de uma conjuntura hisrica que se esgotava. Falam do fim do
“fundamento ético” de uma “ordem institucional”; da “crise do “velho edifícil social” e da
quebra do “regime d[e] democracia parlamentar”. Condena, ainda, a lenidade do Estado liberal
diante da crise com a Bolívia e justifica a “defesa contra a ditadura” desse país controlado pelo
“capitalismo imperialista”. Rompe com o anticlericalismo liberal e anarquista de décadas,
associando práticas de um suposto comunismo primitivo e os dogmas da Igreja Católica com as
melhores tradições “socialistas”. Defende, ainda, posições anti-industriais com a nostalgia da
igualdade na pobreza que caracterizou o Paraguai do doutor Francia. O Paraguai, como afirma
o NIN, deveria ser “menos urbanos e industrial” e mais camponês e agrícola”. Defende,
também, a construção de um governo de tipo comunal federativo alicerçado por “federações
nacionais de sindicatos ou corporações locais”, cuja inspiração proveria dos conselhos
soviéticos e do corporativismo italiano do regime de Mussolini. Segundo considerações de
Milda Rivarola sobre o NIN (1993a),
Nunca antes un documento había logrado, desde la izquierda, una ntesis tan
acabada de los distintos temas anti-liberales de la época. Anti-parlamentarismo,
anti-partidismo, recuperación de temas religiosos, anti-industrialismo, belicismo,
corporatismo y nacionalismo aparecen y se enlazan en un sincrestismo peculiar
567
.
Um grupo de colaboradores e dirigentes do jornal “La Naciónjornal existente
desde 1925 fundou em 14 de maio de 1928 a “Liga Nacional Independiente”, movimento
político liderando por Adriano Irala e Juan Stefanich. Era uma outra manifestação da sociedade
civil contra o regime liberal, cujas bases estendia-se particularmente sobre estudantes,
565
O manifesto NIN do “Nueva Generacn”, publicado no “La Colmena”, 1929, foi reproduzido em
sua integra por RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., pp. 53-
102.
566
Um dos mais fortes “mitos políticosdo Paraguai é o do sangue da pátria assassinada e dos que por
ela morreram seguir, ainda, correndo nas veias dos vivos e na cultura, costumes e instituições
transmitidas. Uma herança biológica e intelectual continua, mesmo na adversidade extrema, dando
dimensão, equilíbrio e sentido a vida nacional. Como vimos acima, Manuel Dominguez foi o
principal articulador desta questão: somos o que fomos e seremos o que somos”, disse. Sobre “mito
político” ver BONAZZI Tiziano. “Mito Político”... op. cit., p. 997.
567
Ver RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 37.
195
intelectuais e catedráticos do “Colegio Nacional”, da Escuela Normal de Profesores” e da
“Facultad de Derecho
568
.
A liga preconizava, genericamente, a intervenção do Estado nas empresas
agroexportadoras” e a justiça social”. Lutava, ainda, pela formação de uma “consciência social
e popular em torno dos destinos da nacionalidade”
569
. O discurso nacionalista e anti-partidário
da “Liga ganhou aderência e força mobilizadora
570
, embora a reivindicação dos “heróis”
doutor Francia, López pai e López filho, isto é, a reivindicação do nacionalismo romântico
lopizta, tenha causado alguma cisão em suas fileiras. Desde 1929 o “La Nación”, óro do
movimento, começou abertamente a publicar textos favoráveis aos regimes de Mussolini e
Stalin, enquanto Stefanich propunha nada menos senão uma “revolução
571
.
A “Liga Nacional Indepediente” foi muitíssimo importante, pois, segundo
Evaristo Duarte, tornou-se o agrupamento que mais precocemente influenciou aquele que se
tornaria o primeiro governo do Estado “Nacional Revolucionário”: o do Coronel Rafael Franco.
Juan Stefanich, aliás, seria o seu Ministro das Relações Exteriores e um dos principais
articuladores do partido político que Franco tentou formar desde 1936
572
.
Mas não as classes médias e pequeno burguesas assuncenas tiveram
representantes na ideologia nacional conservadora. Quando os movimentos sindicais rompem o
pacto com os governos liberais formado desde o curso guerra civil de 1922 e 1923, adensaram
também o nacionalismo lopizta e a onda “chauvinista” anti-boliviana. Se aperceberam que suas
reivindicações não seriam atendidas e que o governo de José P. Guggiari (1928-1932) havia
começado a reprimir as manifestações dos trabalhadores e particularmente as organizações
sindicais. Sentiram, por conseguinte, uma enorme frustração e desengano político, pois anos
antes haviam defendido, com sangue, o regime liberal numa guerra civil.
Tudo isso, somado ao contexto de crise econômica explicado em parte pela
economia de guerra, empurrou inevitavelmente o sindicalismo do final da década de 1920
contra o regime liberal, oposição formalizada quando Guggiari decretou ilegal a atividade
sindical. Para esta nova orientação ideológica do sindicalismo foi de suma importância, ainda, o
568
Manifestações estudantis e intelectuais tornaram-se mais ou menos corriqueiras. Ver, por exemplo, a
convocação que o La Nación” fazia para uma manifestação pública deles, em 1929. O tulo da
chamada era “El meeting estudantil del sabado”. “La Nación”, 20 de maio de 1929.
569
Ver artigo El Deber de la hora”. “La Nacn”, 22 de maio de 1929.
570
Desde o seu primeiro número o “La Nación” proclamou-se independência de qualquer partido
político”, além de possuir um “programa patriótico”. Ver La Nación”, 25 de novembro de 1925.
571
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 28.
572
Conf. COLMÁN DUARTE, Evaristo E. Nacionalismo e movimento operário na..., op. cit., p. 219.
196
fato dos membros do Nuevo Ideario Nacional” (NIN) terem ganhado a direção da “Liga de los
Obreros Marítimos”, de nada adiantando a campanha antiguerrera e anti-xenófoba que o
Partido Comunista Paraguaio realizou, após 1933, a partir do exterior depois de ser e
considerado ilegal.
Estava formado, assim, desde o final da década de 1920, o rol de forças sociais
que após a guerra do Chaco dariam fim ao regime liberal. Aos movimentos acima descritos,
exército, “Nueva Generación”, Liga Nacional Independiente” e trabalhadores organizados,
agrega-se ainda os mais velhos e mais tradicionais inimigos dos liberais, os colorados, além da
fração dissidente do liberalismo aglutinada em torno de Eduardo Schaerer, caudilho derrotado
na última guerra civil. A mais forte destas forças políticas era o exército, principal protagonista
do golpe de 1936 que contou com o apoio político dos movimentos listados.
O que os uniram contra o regime liberal foi, no campo ideológico, exatamente o
nacionalismo lopizta mais ou menos comungado por todos eles; a acusação do regime por não
preocupar-se em defender o Chaco; e, por isso, a acusação dele ser “legionarista”, isto é, de ser
um regime traidor da pátria” por conta de um suposto fio que ligava os liberais as tropas da
“Legión Paraguaya”. Aliás, um “novo” herói, um novo” representante máximo da
paraguaidade e também um “novo” condutor do povo, como, em tese, haveria sido o Marechal
López, era ansiado em fins da década de 1920 para a “naçãopoder resolver os problemas
externos com a Bolívia e internos com o legionarismo, pois os governos liberais, mais que
incapazes para tal, eram considerados parte deles. O La Nación”, por exemplo, clamava por
“uma voz poderosa, renovadora e salvadora da nacionalidade”. Numa palavra, o “corpo
enfermo, precisando ser “salvo”, carecia da ajuda de um “super-homem”, pois estava sendo
consumido pela anarquia”, pela “corrupção”, pela “imoralidade”, pela “mesquinhariae pelas
“baixas paixões”, como considerou o diário.
573
.
Mas por mais irracionais que fossem tais críticas a ordem liberal imposta com a
“Guerra Grande”, não deixavam de apontar e acusar, corretamente, a completa dependência do
país em relão ao exterior, particularmente a Argentina e a suas empresas, e, por conseguinte,
a sua falta de autonomia nacional, autonomia que haveria abundado no regime lopizta. Superar
essa dependência era, de fato, improvável nos marcos institucionais estabelecidos, embora a
restauração da felicidade” e “prosperidade” da suposta república “autônoma” e “guerreira”
dos “heis” López restauração que justificou o golpe de 1936 e a implantação do Estado
“Nacional Revolucionário” fosse impossível, pois ela jamais havia existido senão na
197
idealização da “história patria”. De qualquer modo o Estado “Nacional Revolucionário” do
Paraguai, com uma natureza intrinsecamente autoritária e finalmente alijado da interferência
argentino-brasileira, de fato buscou impulsionar alguns projetos intervencionistas e
desenvolvimentistas, aproveitando-se para isso da aguda disputa pela hegemonia latino-
americana entre a Alemanha nazista e os Estado Unidos
574
.
Amalgamado com tudo isso estava o lopizmo e também os elementos centrais do
pensamento fascista como a negação do positivismo e da herança racionalista do Século da
Luz, o belicismo, o racismo, os temas do darwinismo social, o organicismo, e a crença no
decadentismo – que tanto alimentaram, segundo Milda Rivarola, o discurso erudito da oposição
radical ao liberalismo
575
. o foi por acaso, aliás, que o Coronel Rafael Franco declarou o
golpe de 17 de fevereiro de 1936 como revestido “da mesma índole das transformações sociais
[e] totalitárias da Europa contemporânea”
576
. O Paraguai, como tantos outros países, também
“flertou” com o fascismo europeu, utilizando-se para tal do lopizmo.
573
Ver artigo Del seno del pueblo”. La Nación”, 20 de maio de 1929.
574
Conf. GROW, Michael. Los Estados Unidos y el Paraguay..., op. cit.
575
Conf. RIVAROLA, Milda. La contestacion al orden liberal. La crisis..., op. cit., p. 50.
576
Conf. ALCALÁ, Guido Rodriguez. Ideologia Autoritária..., op. cit., p. 85.
198
Conclusão
Não é nenhuma novidade dizer que a história, enquanto disciplina cienfica
ordenadora da memória social institucionalizada, nasceu do interesse político-nacional. No
Paraguai as coisas não foram diferentes. Como em todo ocidente, lá primeiro nasceu a função
política e só muito posteriormente o ofício do historiador menos engajado. Em sua “era
liberal, período aberto e findado por duas guerras contra vizinhos fronteiriços, o país conheceu
um pequeno número de intelectuais que militaram para que a população em geral, estudantes e
camponeses em particular, tomasse consciência da nacionalidade a que pertencia. Para isso
articularam e lançaram a sociedade todo um arsenal de símbolos e ideologias hisricas, mais
ou menos elaborados, que tiveram por finalidade caracterizar a individualidade do Paraguai
enquanto nação independente e autônoma.
Preocupado em reconstituir a lógica destes símbolos e ideologias históricas e o
impacto delas sobre os projetos político do país, o trabalho em mãos não se trata de uma
história social e política dos intelectuais, embora estas preocupações não foram de todo
desconsideradas. Tampouco privilegia as questões propriamente estéticas de seus escritos. O
que se fez, aqui, foi a análise das leituras e dos quadros referenciais que estes homens,
preocupados com o destino sócio-político da “não”, fizeram da história do Paraguai. Em uma
palavra, os nacionalismos que engendraram foram os nossos objetivos.
Estes nacionalismos, organizados por um punhado de intelectuais, demonstram
cabalmente como duas filosofias da história se enfrentaram. Era a “história” liberal, contada
desde guerra, e a história revisada” conservadora, disputando a interpretação legítima da
história da “nação” paraguaia, e, particularmente, disputando o seu ponto de inflexão mais
dramático, a “Guerra Grande”. Nesta disputa é possível observar, claramente, o poder dos
discursos de natureza histórica. Procurando cada um deles outorgar coerência ao passado
“nacional”, puderam selecionar e singularizar fatos e pessoas. Puderam, em suma, nomear e
classificar a história paraguaia e atribuir-lhe sentidos diferentes e mesmo diametralmente
opostos, sentidos que, ainda hoje, servem muito bem aos mitos políticos nacionais.
O nacionalismo liberal paraguaio, ou seja, a “história pátria” liberal teve os seus
referenciais nas revoluções burguesas, atribuindo para a “Guerra Grande” um sentido libertador
da soberania popular e da cidadania participativa frente os despotismos do passado. Mas
mesmo partindo desses referenciais revolucionários e progressistas, significou também o
desprezo pela população indígena, mestiça e mesmo espanhola, além do desprezo a todos os
199
seus valores e tradições históricas. Coadunado com um projeto de reconstrução antilopizta do
país no pós-guerra, este nacionalismo teve por objetivo restringir e inviabilizar a reprodução da
herança cultural e étnica da população de matriz guarani, população apresentada como
“bárbara”, lopizta e contrária a “civilização”, portanto a ser “regenerada”.
Imbuídas destas idéias hisricas e políticas as elites paraguaias construíram as
instituições de ensino e cultura, cuja “Revista del Instituto Paraguayofoi também importante.
Intentaram, frustradamente, importar grandes quantidades de europeus, isto é, trabalhadores,
tecnologias e capitais para fazer a prosperidade “nacional”, que o paraguaio era tido como
desqualificado para tal. Alienaram abrupta e maciçamente as terras públicas para o capital
estrangeiro, de forma que o camponês viu-se, uma vez mais, privado delas. Mas a necessária
“regeneração do povo” posta em prática não aplacou a violência e a instabilidade política
dessas mesma elites e muito menos conseguiu fazer real as grandes expectativas de progresso
material do país, como o que acontecia na Argentina, país modelo para elas.
A outra matriz de construção da nacionalidade, a conservadora, partindo da
revisão da guerra, creditava a paraguaidade, em oposição a primeira, justamente na valorização
da “história pátria”. Fazia, com a depreciação das “nações” vizinhas, a valorização da herança
cultural e biológica de sua população outrora indígena e, naquele momento, mestiça. A velha
racionalidade universal do primeiro nacionalismo, cujo motor da história era a suposta luta
entre “civilização” e “barbárie”, é substituída pela irracionalidade individualizadora, sendo que
a história pátria” passa a ser vista apenas em sua imanência peculiarizadora: terra, sangue e
história próprias explicariam a existência, ou melhor, a sobrevivência do sofrido Paraguai. A
extrema positividade desta tríade explicaria, ainda, o “heroísmo” da “raça” e a extrema
“resisncia” dela na “Guerra Grande”; além da certeza e ânsia por uma vitória contra outro
agressor externo, a Bolívia.
Mas, pelo menos na década de 1920, estas idéias representam um projeto nacional
que ansiava, também, cada vez mais, a destruão do regime liberal implantado em 1870. Aqui
o autoritarismo dos pez torna-se objeto de nostalgia e admiração entre intelectuais, militares,
estudantes e pequeno burgueses em geral. Eles teriam, supostamente, construído um Estado
próspero, militarmente potente, capaz de promover a felicidade do último dos paraguaios.
Porém um Estado que para tal, não poupou esforços para proteger-se daquilo que chamou de
anarquia política e perigo sobre a sua soberania, nem que para isso tivesse que restringir as
liberdades civis. No momento da construção desses discursos, também um novo salvador do
Paraguai, forte e temido, era esperado para acabar com as lutas civis internas, com a traição do
200
“legionarismo e também com o problema externo com a Bolívia. A nova guerra que se
aproximava com este país, contribuía para jogar combustível nestas idealizações do sistema
lopizta, tornando-a “arma” utilizada contra os governos liberais. Os novos movimentos
políticos contestatório do final desta década, defensores ardendes da soberania paraguaia sobre
o Chaco, de uma ou outra forma, serviram deles para atingir o liberalismo implantado em 1870.
Não obstante, ambas ideologias nacionais organizadas pelos intelectuais da
“geração de 900”, mas não só por eles, além dos projetos implícitos, paralisaram a história real.
Entidades modernas que se querem eternas” e naturaisas nações, construídas, entre outras
coisas pelos nacionalismos, têm uma relação ambígua com a história disciplina. Embora
dispondo dela como “matéria-prima” formadora, a “história pátria” não pode fugir de uma
equivocada e básica ferramenta ideológica: a teleologia. Organiza o passado de modo a levá-lo
a cair no presente nacional imaginado ou proposto, seja para repudiá-lo ou para glorificá-lo,
desconsiderando as forças sociais e/ou movimento reais. Numa palavra, a nãoparaguaia
em construção subtraiu o estudo efetivo da história.
Lopizmo e antilopizmo foram na “era liberal” os marcos referenciais do embate
do pensamento da elite política e intelectual paraguaia. Posteriormente, com a viria do
lopizmo, por décadas os governos da direita autoritária deste país serviram-se dele para se
justificarem e poderem perseguir os seu inimigos políticos, enquanto no restante da América
Latina, contraditoriamente, assumia caracteres esquerdistas e antiimperialistas, isto é, de crítica
à Inglaterra e, principalmente, aos Estados Unidos. Hoje, com o avanço de uma nova
democracia liberal no Paraguai, estas leituras começam finalmente a ser superadas. O país pode
prescindir do nacionalismo belicista conservador, tão criticado pela produção historiográfica
atual, tanto quanto do liberal que outrora lhe representou como “bárbaro”, e, ainda hoje, impõe-
lhe falsos modelos exteriores e esvaziados de qualquer efetiva cidadania popular. O campo
acadêmico em geral, historiográfico em particular, para o entendimento de processos
fundamentais paraguaios e platinos, como a “Guerra Grande”, por exemplo, também pode
rejeitar intervenções extra-sociais nos processo históricos.
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