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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARIN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPH
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: POLÍTICA, MOVIMENTOS POPULACIONAIS E SOCIAIS.
ALTAIR BONINI
Demandas de mulheres junto à Justiça do Trabalho: a memória do
trabalho como presente do passado (Curitiba – 1960/1975)
MARIN
2006
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ALTAIR BONINI
Demandas de mulheres junto à Justiça do Trabalho: a memória do
trabalho como presente do passado (Curitiba – 1960/1975)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História (Mestrado) da
Universidade Estadual de Maringá, Linha
de Pesquisa “Fronteiras, Populações e
Bens Culturais”, sob orientação da
Professora Dra. Hilda varo Stadniky,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em História.
MARIN
2006
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Bonini, Altair
B715d Demandas de mulheres junto à justiça do trabalho : a
memória do trabalho como presente do passado (Curitiba -
1960/1975) / Altair Bonini. -- Maringá : [s.n.], 2006.
151 f. : il.
Orientador : Profª. Drª. Hilda Pívaro Stadniky.
Dissertão (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá. Programa des-Graduação em História - Área de
Concentração : Política, Movimentos Populacionais e
Sociais, 2006.
1. Mulheres - Trabalho e história - Paraná, 1960-1975.
2. Relações de gênero. 3. Trabalho feminino. 4.
Representações. 5. Direito do trabalho. 6. Processos
trabalhistas. I. Universidade Estadual de Maringá. Programa
de Pós-Graduação em História. II. Título.
CDD 21.ed. 305.4
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ALTAIR BONINI
Demandas de mulheres junto à Justiça do Trabalho: a memória do
trabalho como presente do passado (Curitiba – 1960/1975)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História (Mestrado) da
Universidade Estadual de Maringá, Linha
de Pesquisa “Fronteiras, Populações e
Bens Culturais”, sob orientação da
Professora Dra. Hilda varo Stadniky,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em História.
.
Aprovado em 15 dezembro de 2.006.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Professora Dra. Hilda Pívaro Stadniky (UEM)
___________________________________________________________________
Professora Dra. Judite Maria BarbosaTrindade (UFPr)
___________________________________________________________________
Professora Dra. Evandir Codato (UEM)
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Corão cresce de todo lado. Coração vige
feito riacho colominhando
Por entre serras e varjas, matas e campinas.
Corão mistura amores. Tudo cabe.
(Guimaes Rosa. Grande Sero: veredas)
À minha companheira de todos os dias, que posso contar
todos os momentos e que comigo divide a certeza de um
futuro de alegria, esperança e grandes conquistas.
À minha mãe por seu exemplo de vida de luta e de
trabalho, por ter me tornado o que sou.
Às mulheres com que convivo, trabalho e compartilho
diariamente a bela tarefa de ensinar.
À Meus filhos adorados Felipe e Pedro, razão de todos os
projetos futuros e que quase não me deixam terminar esta
pesquisa por preferir ficar ao lado deles.
Em memória de meus queridos avós Luís Guerra da
Costa e Maria Fiore da Costa que nos deixaram na sua
forma corpórea, mas estão vivos em nossos corações,
pensamentos, lembranças e sentimentos, por suas
histórias de vidas honradas, honestas e cheias de lutas.
Minha homenagem.
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AGRADECIMENTOS
A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber
por que, e desde aí perde o poder de continuação
porque a vida é mutio de todos, por todos remexida e
temperada.
(Guimarães Rosa. Grande Sertão: veredas).
Em primeiro lugar à Professora Hilda Pívaro Stadniky, meus sinceros
agradecimentos, não apenas pela orientação firme e segura demonstrada, mas
tamm pelo incentivo, confiança e amizade no decorrer deste trabalho. Pela
coragem de ter encarado junto comigo trabalhar com fontes não catalogadas e que
não sabíamos o que encontrar.
Ao Laboratório de Tratamento da Informação (LATIN) do Departamento de História
da Universidade Estadual de Maringá, em especial à Coordenação sob
responsabilidade da Professora Dra. Evandir Codato e ao Leonel, por sua cordial
atenção na busca dos processos e conversas amigas.
Ao Fábio de Oliveira Cardoso, por sua amizade, ajuda e apoio na busca de dados
para o trabalho e tamm por doar seu pouco tempo em ouvir minhas angustias e
incertezas.
À Coordenação do Curso de Pós Graduação, aos Professores pela disposição
dispensada sempre que solicitados em especial ao Professor Dr. Sidnei José
Munhoz por sua atenção com os alunos de pós-graduação. À Giselle Moraes e Silva
por estar sempre disposta a nos auxiliar nas questões burocráticas e pela atenção
dispensada através de avisos, comunicados e dúvidas.
Às Professoras Dras. Judite Maria Barbosa Trindade, da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e Evandir Codato pelas leituras e sugestões de grande valia para
compreensão do objeto, do período histórico e dos documentos e que foram
incorporadas ao texto incondicionalmente.
Aos colegas de curso pelo companheirismo, em especial Ana Paula dos Santos,
Rosa Alves Ferreira Barbosa e Sandra Castanho com os quais dividi incertezas, e
7
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conquistas tricas e práticas a presteza e a lealdade que fazem parte de uma
verdadeira amizade.
À minha família, mãe e irmãos pelo carinho e estímulos de tantos anos.
À Maria Inêz, esposa, companheira e amiga de todos os momentos, cuja ajuda vai
além do necessário, me auxiliando com paciência e carinho.
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8
Foi pelo trabalho que a mulher
transpôs, em grande parte, a distância
que a separa do macho; é só trabalho
que pode lhe garantir uma liberdade
concreta.
Simone de Beauvoir
À soleira do privado, o historiador
qual um burguês vitoriano hesitou
durante muito tempo, por pudor,
incompetência e respeito pelo sistema
de valores que fazia do homem público
o herói e o ator da única história que
merece ser contada: a grande história
dos Estados, das economias e das
sociedades.
Michelle Perrot
9
9
RESUMO
O objeto desta pesquisa o as mulheres trabalhadoras da cidade de Curitiba, que
atuavam nos setores secundário e terciário, no recorte temporal compreendido entre
1960 e 1975. Buscamos fragmentos do cotidiano do trabalho de mulheres
curitibanas, as relações de gênero, de dominação e de exploração, através de ações
trabalhistas impetradas por trabalhadoras. No contexto da acentuada
industrialização e urbanizão do Paraná estão contidos novos comportamentos e
atitudes dos trabalhadores, quer diante do capital, quer diante das perspectivas de
vida que lhes eram acenadas pelas freqüentes mudanças no arcabouço do judiciário
do trabalho. Nossas fontes principais, uma massa documental constituída de
processos trabalhistas do Tribunal Regional do Trabalho de Curitiba (9ª Região),
eso depositadas no CPDP, órgão do Departamento de História (UEM), dos quais
foram selecionados aqueles em que figuravam relações de gênero e de poder e que
evidenciaram as condições cotidianas do trabalho. Abordamos o contexto histórico
do Brasil e do Paraná, entre 1960 e 1975, com objetivo de entendermos as
condições de trabalho vividas pelos integrantes das classes subalternas, em
especial as mulheres, bem como, os aspectos do trabalho vinculados ao
desenvolvimento da industrialização. Entender as questões relativas ao trabalho
urbano de mulheres em Curitiba, analisar as representações em torno das
ocupões femininas formuladas pelos empregadores, pelo judiciário e aquelas
contidas no Direito do Trabalho, bem como as transformões de normas e leis
nestas áreas a fim de proteger o trabalho feminino, são alguns dos objetivos
propostos. Assim, descortinamos as relações de gênero e as especificidades das
histórias de mulheres que recorreram contra seus ex-patrões, denunciando a
exploração por meio de artimanhas do capital para desqualificar seu trabalho e seus
direitos. Nosso foco se centrou em atores sociais e políticos, em suas confrontações
e identificações com outros atores, como possibilidade de constituir um saber
histórico das lutas, ativando saberes locais contra os efeitos de poder centralizador
10
10
ligados à instituição de um único discurso. As práticas sociais cotidianas nos revelam
as fissuras desses discursos, as numerosas insubmissões, inversões, improvisações
e conflitos por eles omitidos. A análise das ões trabalhistas revela tentativas de
enquadramento destas mulheres em um modelo de trabalhadoras dóceis e
disciplinadas, punições e alegações para a demissão por justa causa, bem como,
estratégias de confronto por elas legitimada.
Palavras-chave: Relações de gênero; Trabalho feminino; Representações, Direito
do Trabalho; Processos trabalhistas.
11
11
ABSTRACT
The object of this research are the working women in the city of Curitiba who acted in
secondary and tertiary sector in time patch comprehended between 1960 and 1975.
We tracked down fragments of these Curitiba women daily work; their gender
relations of domination and exploitation through working rights actions deflagrated by
these working women. Inside the context of Paraná´s accelerated industrialization
and urbanization, are contained new behavior and attitude patterns among working
class both about money and about the life perspectives which they were promised by
ever changing working rights contents. Our main sources, a documental mass
constituted by work rights processes of Tribunal Regional do Trabalho de Curitiba (9
th
Region), a Work Court, are deposited at CPDP, an organ of Departamento de
História (History Department) at Universidade Estadual de Maringá (UEM). From the
midst of these files, has been selected the ones in which had figurate gender and
power relations which evidenciate daily working conditions. We have approached
Brazilian and Paraná´s historical context between 1960 and 1975 aiming to
understand the working conditions faced by lower class people, especially women,
and even work aspects attached to industrialization development. Understand urban
female work related questions in Curitiba, analyze the representations pertaining to
female occupations set by employers, by judicial apparatus and those contained on
Work Rights, as well as the changes of rules and regulations to protect female work
are some of proposed objectives of the present study. We unveil the gender relations
and specificities of women stories who had taken their former employers to the
Courts of Law, denunciating their exploitation through money set ups to disqualify
their work and their rights. We were focused on social and political actors, their
confrontations and identifications between themselves, as an opportunity to build a
historical knowledge of these struggles activating local knowings against centralizing
power effects related to the institution of a sole speech. The social daily practicings
reveals us cracklings in these speeches, numerous unsubmissions, inversions,
12
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improvisations and struggles by these means obtained. The analysis of work rights
actions reveals us how these women were attempted to fit in a docile and disciplined
female working pattern, how they were punished and allegedly fired by righteous
causes, and yet shows us confrontation strategies by these women legitimated.
Key words: Gender relations; female work; representations; work rights.
13
13
LISTA DE QUADROS
Quadro nº 1
Evolução da população do Paraná, em comparação com o
Brasil: 1872-1980........................................................................
50
Quadro nº 2
Evolução da população urbana e rural: Paraná (1940-1980)......
51
Quadro nº 3 Evolução da renda interna por setores econômicos: Paraná
(1970-1980)..................................................................................
57
Quadro nº 4
Pessoal ocupado no setor industrial em Curitiba, conforme a
atividade industrial: (1949/1980)..................................................
67
Quadro 05 Demonstrativo por Estado Civil – (1960 -1975)............................
122
Quadro 06 Demonstrativo por Setor de Trabalho - (1960 -1975)...................
123
Quadro 07 Demonstrativo por Ocupação Declarada – (1960 -1975).............
125
Quadro 08 Demonstrativo por Tipo de Reclamão - (1960 -1975)..............
127
Quadro 09 Síntese Geral dos Processos trabalhistas selecionados: Justiça
do Trabalho Curitiba (1960 -1975), por ano................................
147
14
14
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico nº 1
Gráfico sobre as perdas no salário mínimo real – Brasil – 1940/
2000..............................................................................................
46
15
15
LISTA DE ABREVIATURAS
BADEP Banco de Desenvolvimento Econômico do Paraná
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNH Banco Nacional de Habitação
CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensões
CEPAL Comissão Econômica Para América Latina
CIC Cidade Industrial de Curitiba
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CODEPAR
Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná
COPEL Companhia Paranaense Energia Elétrica
DIESE Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos
FAE Fundo de Financiamento para Águas e Esgotos
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IAPs Instituto de Aposentadoria e Pensões
IBC Instituto Brasileiro do Café
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPUC Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JCJ Junta de Conciliação de Julgamento
LATIN Laboratório de Tratamento da Informação
OIT Organização Internacional do Trabalho
PAEG Plano de ão Econômica do Governo
PASEP Programa de Formação do Patrinio do Servidor Público
PEA População Economicamente Ativa
PDC Plano Diretor de Curitiba
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integração Social
PLADEP Plano de Desenvolvimento Econômico do Paraná
PNDES Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
PPU Plano Preliminar de Urbanização
PUC Plano de Urbanização de Curitiba
RMC Região Metropolitana de Curitiba
SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná
SEPL Secretaria de Estado do Planejamento
SFH Sistema Financeiro da Habitação
SFS Sistema Financeiro do Saneamento
SUPRA Superintendência de Política Agrária
TELEPAR Telecomunicações do Paraná
TST Tribunal Superior do Trabalho
16
16
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................
16
I Industrialização e trabalho no Paraná: a construção da
modernidade............................................................................................
40
1.1 Desenvolvimento e industrialização no Brasil nas décadas de 1960 e
1970...........................................................................................................
40
1.2 A industrialização paranaense: a construção da modernidade.................
49
1.3 Curitiba: a modernidade urbana................................................................
59
II A mulher trabalhadora: entre práticas e representações....................
70
2.1 Os lugares das mulheres: representações entre os espaços público e
privado.......................................................................................................
70
2.2 O trabalho da mulher: representações no Direito do Trabalho e no
Judicrio....................................................................................................
85
III Demandas de mulheres junto à Justiça do Trabalho: a meria do
trabalho como presente do passado. ...................................................
95
3.1 Relações de poder e resistências: o passado como espaço de
experiências do trabalho de mulheres.......................................................
95
3.2 Mulheres trabalhadoras na Justiça do Trabalho: passados que não
passam......................................................................................................
121
Considerações Finais..............................................................................
132
Fontes.......................................................................................................
135
Referências ..............................................................................................
139
Anexos......................................................................................................
146
17
17
INTRODUÇÃO
"Que imenso peso teve esse culo, em que
ruíram paradigmas milenares, em que as mulheres
assumiram a autoria do feminino e, desmentindo
mitos, reinventaram as relões humanas (...)”
Que sorte a minha ter nascido nessa geração que
deu um susto no mundo e, com imenso esforço, subiu
um degrau na civilização. Disto estou o convencida
que não po muito mais, certa de ter sido
aquinhoada (partilhado) com um bom pedaço de
História, de ter vivido as decias da transgressão, as
alegrias insuspeitas do risco, o entusiasmo de uma
revolução. Foi-se um século em que lutamos para
resistir, mas também rimos muito."
Rosiska Darcy de Oliveira
No Brasil, a partir dos anos 50, foi marcante a nica dos discursos poticos e
intelectuais em torno da “modernizão” e do “desenvolvimento”, vinculando estas
idéias à “industrialização”. Estes pensamentos se contrapunham com a tradição
histórica do país de grande produtor agrícola e exportador de produtos primários. A
maior parte dos esforços foi para superar este passado, negando-o e colocando-o
em segundo plano, ao mesmo tempo fazendo apologia ao “progresso”.
O Paraná, ao que parece, não fugiu a esta tendência. Buscou a todo custo
desvincular-se de sua vocação agrícola. No entanto, a industrialização ocorreu
tardiamente, em particular a partir do início da década de 1970. Período em que o
Estado vivenciou um surto de industrialização com a instalação de grandes
empresas de capital estrangeiro e de tecnologia avançada, a exemplo às de
comunicações e de química. A maior parte destas indústrias se concentrou na
capital do Estado e em sua região metropolitana.
18
18
A concentração de indústrias na capital do estado e região metropolitana não
foi algo natural, deveu-se principalmente pela ação do poder público aliado aos
representantes do capital, que organizaram Curitiba para tornar-se um pólo de
atração para empresas nacionais e internacionais. Neste sentido, em 1973, surge a
Cidade Industrial de Curitiba (CIC) que tornou-se um distrito aglutinador de indústrias
e mão-de-obra (com seus bairros periféricos).
Representada por seus governantes e pela imprensa local como próspera e
moderna, a capital do estado tornou-se uma alternativa de emprego e de
sobrevivência para um grande número de pessoas e famílias de trabalhadores,
especialmente em decorrência do êxodo rural ocorrido na região Norte do estado,
iniciada entre o final dos anos 60 e como da década de 1970. cadas em que a
cidade praticamente tem sua população duplicada
1
.
No cenário nacional estava se processando o chamado “milagre brasileiro”,
tido como período de grande crescimento econômico vivido pelo país. Situação que
favorecia o aumento da oferta de empregos em decorrência das grandes obras
públicas que foram iniciadas e pelo maior número de empresas estrangeiras que se
instalavam no Brasil. Contudo, o “milagre” favorecia as camadas das classes média
e alta do país, mais qualificadas para os novos postos de trabalho que se abriam e
novas oportunidades de investimento. Quanto aos trabalhadores menos preparados
e com menor grau de instrução seus salários foram reduzidos, e consequentemente
diminuiu em muito seu poder de compra. O que certamente, resultou na necessidade
de mais pessoas da família se encaixar no setor produtivo para garantir o sustento
de todos os seus integrantes, principalmente as mulheres.
Em Curitiba, os reflexos da conjuntura nacional revelaram um cenário local
nada diferente. Tal constatação é corroborada pelo aumento expressivo do número
de mulheres na força de trabalho, a partir dos anos de 1960. O setor no qual essa
participação mais se destacou foi o terciário com 35,65% da mão de obra feminina e
o menor foi o secundário com 5,39% de mulheres em diversas ocupações segundo
dados do IBGE organizados em 1970
2
. A pouca expressão das mulheres no
1
Cf. IPARDES, Séries Retrospectivas do Paraná: Dados Históricos da Indústria – 1940-80, volume
1. Curitiba, 1993, p. TRINDADE, Etelvina M. de Castro; ANDREAZZA, Maria Luiza. Cultura e
educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001, p. 100.
2
Fonte: FIBGE Censos Demográficos – 1960/1970, In: PARANÁ, Secretaria de Estado do Planeja-
mento. Considerações iniciais sobre o setor terciário na Economia Paranaense. Curitiba, 1977,
p. 133.
19
19
secundário neste período, se explica em função do estado incipiente do setor, pois a
industrialização só ocorre efetivamente nos primeiros anos da década de 1970.
No contexto histórico em que se inseria o Brasil, o Paraná e a cidade de
Curitiba entre os anos de 1960 e 1975 obtiveram maior desenvolvimento através da
modernização do parque industrial e de maciço investimento em infra-estrutura.
Entretanto, este objetivo foi alcançado à custa da exclusão e pauperizão de
grande parte da população. Podemos, assim, refletir acerca das características que
o trabalho das mulheres assumiu nesta conjuntura.
Desta forma, nos propomos a estudar as mulheres trabalhadoras da cidade
de Curitiba, aquelas que desempenhavam atividades produtivas, de caráter
remunerado que atuavam nos setores secundário e terciário, ou seja, em indústrias
de diversos ramos ou no comércio e outras empresas prestadoras de serviço.
Mulheres que geralmente trabalhavam em ssimas condições, recebiam baixos
sarios, uma grande parcela destas, eram jovens que estavam ingressando no
mercado de trabalho e por esta razão às vezes recebiam salários de aprendizes ou
trabalhavam além da jornada estabelecida pela lei, e para maioria os direitos
trabalhistas não eram respeitados. Neste sentido, buscamos fragmentos do cotidiano
do trabalho das mulheres curitibanas, as relões de nero estabelecidas nas
empresas e as relações de dominação e exploração, que podemos perceber através
de ações trabalhistas impetradas por trabalhadoras dos setores secundário e
terciário. Sendo assim, nos perguntamos: Quais eram suas demandas na Justiça do
Trabalho? Que relações de gênero e de poder se estabeleciam nas empresas?
O recorte temporal da pesquisa, 1960-1975, é demarcado por balizas que
compreendem, de um lado, o esgarçamento de um período democrático de grande
participação popular e o estabelecimento da ditadura militar e, de outro, a crise do
“milagre brasileiro”. No período, os governos militares acenavam com a
modernização e benefícios para determinados setores da sociedade. Contudo, tal
proposição solapava as esperanças das classes subalternas de melhorarem suas
condições de existência.
Este período de transição é marcado por profundas mudanças na sociedade,
cujas repercussões foram cristalizadas no mundo do trabalho. Este cenário que se
constituía a partir de novos componentes encerrou, igualmente, novos
comportamentos e atitudes dos trabalhadores, quer diante do capital, quer diante
20
20
das perspectivas de vida que lhes eram acenadas pelas freqüentes mudanças no
arcabouço judiciário do trabalho.
A face urbana do Brasil passava por novas configurações, ensejava novas
demandas políticas, econômicas e sociais da população, particularmente dos
trabalhadores assalariados. O mundo urbano passou a vivenciar um estranhamento
diante do potencial de elementos delineadores das mudanças. Ao lado do vigor
assumido pela atividade industrial, o aspecto mais sublinhado reside nos novos
componentes da população brasileira, que comara a acelerar-se, sobretudo a
partir da década de 1950. A taxa de crescimento populacional, entre 1940 e 1950, foi
de 26%; entre 1950 e 1960, de 35,1%; entre 1960 e 1970, de 32,7%; e, finalmente,
entre 1970 e 1980, de 27,8%. Portanto, os dados revelam que os índices mais
elevados ocorreram entre 1950 e 1970 e que, a partir desta época, a taxa de
crescimento populacional começou a declinar. Desnecessário observar que a taxa
de crescimento populacional é variável entre os estados brasileiros, porém, Minas
Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro acompanham o padrão nacional
- crescimento acelerado entre 1940 e 1970 e processo de desaceleração a partir
daí
3
.
A população urbana brasileira, por sua vez, representava 31,2% da população
total do país (41,2 milhões de pessoas) em 1940; em 1960 dos 70,9 milhões de
habitantes do país, 46,3% viviam em cidades. A população urbana supera a que
residia na área rural na década de 1970 com um total de 52.904.744 de pessoas
representando 55,9% da população total
4
. Fica evidente que a aceleração do
processo de urbanização brasileiro ocorreu a partir da cada de 1960 e que é entre
1960 e 1970 que o Brasil passa a ser predominantemente urbano.
Neste cenário de transformação novas demandas são estabelecidas em
relação ao trabalho iniciando-se a partir um novo período com medidas que
procuravam atender a nova realidade.
Os novos mundos do trabalho passaram a conviver com medidas políticas
voltadas tanto para o trabalhador do campo, quanto o da cidade. O lançamento das
reformas de base, comando pela reforma agrária, o que desagrada setores
conservadores da sociedade, representou o impulso inicial. Em 1962, foi criada a
3
LUZ, France. As migrações internas no contexto do capitalismo no Brasil: a Micro-região “Norte
Novo de Maringá” – 1950/1980. Tese (Doutorado em História), USP, São Paulo, 1988, p. 71.
4
HUGON, Paul. Demografia brasileira: ensaio de demoeconomia brasileira. São Paulo: Atlas, Ed.
Da Universidade de São Paulo, 1973, p. 230.
21
21
Superintendência de Política Agrária (Supra), que deveria executar a reforma
agrária. Proposta essencialmente diferenciadora foi a regulamentação das relações
de trabalho no campo, que aentão estiveram à margem da legislação trabalhista.
A aprovação do Estatuto da Terra, em março de 1963, e a assinatura do decreto
prevendo a desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras localizadas
numa faixa de dez quilômetros ao longo das rodovias, ferrovias e açudes
construídos pela União, em 1964, são elementos de destaque no novo cenário. As
regras aplicadas ao trabalhador rural, primeiro foram regidas pelo Estatuto da Terra
(Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964) e posteriormente pelo Estatuto do
Trabalhador Rural (Lei nº. 5.889/73).
No mundo urbano do trabalho passaram a advir novas medidas reguladoras das
relações entre trabalho e capital e que incidiam diretamente sobre a CLT. A criação do Fundo
de Garantia sobre Tempo de Serviço, através da lei 5.107/66, de 13 de setembro de 1965,
cujos recursos seriam geridos pelo Banco Nacional de Habitação. Criado em 1964, o BNH
tinha como função realizar operações de crédito e gerir Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as
companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. O BNH foi a principal
instituição federal de desenvolvimento urbano da hisria brasileira, na qualidade de gestor do
FGTS e da formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do
Sistema Financeiro do Saneamento (SFS).
Estes novos instrumentos políticos redimensionaram o horizonte dos
trabalhadores urbanos. De um lado, assediados pela nova legislão que lhes
acenava com a perspectiva de inexistência da indenização por tempo de serviço,
prevista na CLT, foram acossados a aceitar a contradição da legislação proposta. De
um lado, se eram contrários ao FGTS, por outro, indiretamente assinalaram sua
aprovação na medida em que poderiam ter acesso à casa própria através do
Sistema Financeiro da Habitação, com parcelas a perder de vista.
Estas proposições deitaram novo foco no mundo urbano e enquadraram em
moldura nova aqueles cenários onde viviam os trabalhadores que, diante das
contingências do vigor das mudanças, necessitaram redefinir seu olhar e suas
demandas. Novas atitudes frente ao trabalho, novas representações acerca do seu
valor, bem como novos posicionamentos reivindicatórios diante do capital e da
Justiça do Trabalho.
22
22
Não perdendo de vista as mudanças significativas nos plano econômico e
social; maior industrialização e urbanização de que o Paraná foi palco, torna-se
interessante o desafio de se compreender as relações de nero e as
representações estabelecidas socialmente acerca das ocupações das mulheres
trabalhadoras em indústrias e estabelecimentos comerciais de Curitiba entre as
décadas de 1960 e 1970.
Nossas fontes principais, uma massa documental constituída de processos
trabalhistas, estão depositadas no Centro Paranaense de Documentação e
Pesquisa, órgão do Departamento de Hisria, da Universidade Estadual de Maringá,
cuja guarda legal foi obtida junto ao Tribunal Regional do Trabalho - Região
Paraná. A Universidade Estadual de Maringá concorreu com outras Instituições e
entidades para a obtenção do acervo do Tribunal Regional do Trabalho e que, em
forma de doação, fez reverter para o Centro Paranaense de Documentação e
Pesquisa todo seu material passível de descarte. O acervo principal, constituído por
processos trabalhistas das cidades de Curitiba, Paranaguá, Londrina e Ponta
Grossa, abarca os documentos mais antigos datados dos anos 1930 até os mais
recentes, dos anos 1980. Totaliza cerca de 60.000 processos, em fase de
sistematização para posterior microfilmagem.
O acervo da Justiça Federal do Trabalho, estabelecida em Curitiba, comporta
um único tipo documental: o processo, cujo destino anunciado seria o descarte, com
acesso franqueado para pesquisadores e demais interessados e sob
responsabilidade do Laboratório de Tratamento da Informação LATIN - do
Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, mesmo antes de
receber tratamento arquivístico.
Os processos trabalhistas do período acima referido encontram-se em bom
estado de conservação, foram datilografados, permitindo a leitura clara e objetiva de
todas as suas partes, eso organizados em séries por Município, Junta e ano, de
forma a agilizar sua localização, facilitando o acesso do pesquisador. Comporta em
seu interior, além da autuação, termo de reclamação, notificações, as atas de
audiência, as defesas redigidas e encaminhadas pelos advogados, depoimentos da
reclamante, da reclamada, testemunhas, recursos da empresa acionada, pedidos de
desistência, sentenças e pedidos de penhora de bens. Alguns processos possuem
anexos, tais como: contratos de trabalho, fichas de trabalhadores, holerites, cartões
ponto e atestados médicos, entre outros. A única ressalva cabe às Carteiras
23
23
Profissionais constantes nos referidos processos, cuja devolução aos interessados
foi providenciada por iniciativa do Tribunal da Justiça do Trabalho, em decorrência
da necessidade de comprovação de tempo de serviço junto à Previdência Social.
De forma aleatória, foram analisados 51 processos trabalhistas, cujo critério
de seleção destes, foi a extração de ações trabalhistas realizadas por mulheres
contra indústrias, empresas prestadoras de serviços e comércio como: hotéis,
armazéns, restaurantes e lanchonetes. Os processos foram retirados de caixas do
Tribunal Regional do Trabalho de Curitiba, estabelecendo uma ordem cronológica,
dentro do recorte temporal da pesquisa. Critério que se por um lado restringiu o
número de processos que poderiam ser utilizados na composição dessa amostra,
por outro lado, permitiu que fossem selecionados apenas aqueles que figurassem,
de alguma forma, relações de gênero e de poder, que evidenciasse as condições
cotidianas do trabalho feminino em Curitiba dos anos 60 a 75. Os processos, cuja
quantidade aparenta escassa, se mostraram ricos em dados e detalhes da vida das
mulheres trabalhadoras em fábricas e em estabelecimentos comerciais, apesar de
quase não figurar as vozes das reclamantes nos autos, enclausuradas pelo rigor
técnico que norteia a elaboração de tal documentação. A condição do trabalho das
mulheres que analisamos foi na maioria das vezes percebida através dos discursos
elaborados pelos advogados, escrivões e juizes.
Os documentos do judiciário trabalhista são, em sua maioria, reclamações
contempladas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Capítulo III – Dos
Dissídios Individuais, da Seção I - Da Forma de Reclamação e da Notificação,
artigos 837 a 842. A estrutura da Justiça do Trabalho é constituída por um Tribunal
Superior (TST), por Tribunais Regionais (TRTs) e por Varas do Trabalho, que
substituíram as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento
5
.
Normalmente, um processo se inicia por intermédio de um advogado, que
peticiona junto à Vara do Trabalho as reclamões de direitos do trabalhador não
observados pelo empregador. No entanto, por conta da relevância dos interesses
em disputa, admite-se que o próprio trabalhador deduza a sua reclamão
trabalhista.
Apresentada a reclamação, instaura-se um respectivo processo, no qual
todos os atos processuais serão praticados. O empregador é citado pelo Juiz para
5
Cf. Artigo 116 da Constituição Federal do Brasil de 1988, na forma da redação dada pela Emenda
Constitucional nº 24 de 9-12-99.
24
24
comparecer a uma audiência de conciliação, oportunidade em que deverá
apresentar a sua defesa, bem como os documentos comprobatórios das suas
alegações. Na eventualidade de não haver consenso das partes acerca da solução
do conflito, o juiz determina a produção das provas necesrias ao descobrimento
da verdade dos fatos e, na seqüência, prolata a decisão.
Outras fontes também foram importantes para compreender o contexto
histórico e social do período, como publicações de trabalhos realizados pelo Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), órgão de
pesquisa do governo do Estado, vinculado à Secretaria de Estado do Planejamento
e Coordenação Geral (SEPL). Fundado em 1973, o IPARDES surge nos moldes do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que se vincula ao Ministério do
Planejamento. O Instituto tende a mostrar a economia paranaense como integrada
ao espaço econômico nacional e internacional, em contraposição à concepção de
uma economia periférica, na concepção da Comissão Ecomica Para América
Latina (CEPAL). Recorremos, ainda, aos dados dos Censos do IBGE. Não se pode
deixar de mencionar o considerável volume de produção acamica colocada à
disposição dos pesquisadores, particularmente resultantes de dissertações e teses,
bem como um vasto elenco de artigos que se hospedam em periódicos que circulam
em âmbitos nacional e regional.
O longo processo de exclusão da mulher da história revelou que a ela coube
o confinamento no espaço da vida privada. As mulheres foram tradicionalmente
mantidas afastadas da política, discriminadas no mercado de trabalho e
condicionadas ao confinamento na esfera privada, vinculadas à reprodução, ao
trabalho doméstico, ao cuidado com as crianças e na atenção com o marido.
Portanto, ocupadas demais para serem percebidas pela história, que até então se
limitava a tratar da vida pública, domínio quase que exclusivo dos homens
6
. A
historiografia brasileira é excelente expressão disso.
Todo discurso sobre temas clássicos como a abolição da
escravatura, a imigração européia para o Brasil, a
industrialização, ou o movimento operário, evocava imagens
da participação de homens robustos, brancos ou negros, e
6
Isto nos remete à discussão da subalternidade. Durante muito tempo, a opressão vivida pelas
mulheres foi tratada como um "problema das mulheres", como se fosse uma situação que envolvia
apenas as próprias mulheres. Não se consideravam os homens, que certamente obtêm privilégio com
a situação de subalternidade imposta às mulheres.
25
25
jamais de mulheres capazes de merecerem uma maior
atenção
7
.
Simone de Beauvoir, autora do renomado livro O segundo sexo, publicado em
1949, tornou-se menção necessária na historiografia por haver afirmado que as
mulheres não tinham história, não podendo, conseqüentemente, orgulharem-se de si
próprias. Ela assinalava que uma mulher não nascia mulher, mas tornava-se mulher.
A partir de então ficava posto que a construção histórica determina o papel social da
mulher e seu comportamento diante do mundo, a cujo processo ela deveria
submeter-se. Tais pressupostos indicam, não a exclusividade do masculino, mas,
sobretudo sua hegemonia na construção do discurso da hisria e revelam espaços
onde os homens exerciam o seu poder e seus conflitos, excluindo os lugares
femininos
8
.
Na perspectiva da historiadora Joan Scott, somente nas últimas décadas do
século XX é que o campo história das mulheres” se definiu. Segundo a autora, a
política feminista dos anos 60 foi o ponto de partida para os estudos sobre mulheres
e de gênero, etapa seguinte que iria inaugurar novo recurso de análise
9
. O
feminismo, além de tornar visível a produção cultural e política feminina, criou uma
série de instituições de informação e defesa dos direitos da mulher, com estudos
específicos e gerais sobre a vida, a saúde, a educação, a cultura e a justiça,
produzindo uma história das mulheres mesmo antes da academia.
Nas universidades, o campo de estudo das mulheres teve um bom
acolhimento nos Estados Unidos como na Europa. Na academia privilegiou-se
inicialmente em tornar as mulheres visíveis, em uma historiografia que considerava o
sujeito universal ou apenas o masculino e demonstrar a opressão e dominação a
que as mulheres estavam subjugadas. Novos olhares críticos nas décadas
posteriores sobre a escrita dessa história destacam que em relação aos temas mais
freqüentes nos estudos sobre as mulheres havia certa predileção pelo corpo, pela
sexualidade, pela maternidade e por profissões próximas à chamadanatureza
feminina”. Estas temáticas orientaram uma produção acadêmica a partir de múltiplas
experiências cotidianas até então silenciadas e fizeram resultar uma verdadeira
7
RAGO, Margareth. As Mulheres na Historiografia Brasileira: In: SILVA, Z. L. (Org.). Cultura
Histórica em Debate, São Paulo: Editora Unesp, 1995, p. 81.
8
PRIORE, Mary Del. História das mulheres: as vozes do silêncio. In. FREITAS, Marcos Cezar de
(Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 217.
9
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org). A escrita da história. São Paulo:
Unesp, 1992, p. 63.
26
26
história de sensibilidades. Constatou-se uma história das mulheres muito marcada
por estudos sobre os discursos normativos, reservando pouca atenção às práticas
sociais e às resistências a tais discursos.
Coube à Nova História romper as fronteiras da exclusão feminina da história e
perceber as dimensões femininas da cultura, questionando o privilégio dado ao
universo masculino. Se de um lado a historiografia valorizava fortemente o espaço
público e os fatos políticos, a História Cultural primava pela esfera da vida privada,
vasculhando os múltiplos aspectos da vida cotidiana. As demandas da epistemologia
feminista vislumbraram na Nova História terreno para narrar a história no feminino,
passo importante não apenas para a incorporação das mulheres no fazer histórico,
mas, sobretudo para desconstruir a associação feminino-natureza.
Na década de 1980 a ciência histórica passou por reformulações teóricas e
metodológicas, promovendo a proposição de novos paradigmas. A História Social foi
um dos primeiros campos da historiografia a dedicar-se a compreensão das
identidades coletivas de inúmeros grupos sociais, tais como: presidiários,
camponeses, escravos e mulheres, trazendo a tona estudos sobre as massas
populares sem um nível significativo de organização, e, também, as mulheres do
povo
10
. Expandiram-se os estudos com a temática de mulheres, convertida em
campo intelectual de estudo. Contudo, foi com o desenvolvimento da História
Cultural que se tem um avanço na abordagem do feminino, pois se evidenciaram a
inviabilidade de se entender completamente as mulheres em separado dos homens.
A distinção sexual tornou-se um instrumento analítico.
Superadas as tarefas primeiras da década de 1970, no qual se procurou dar
visibilidade à mulher na história e na vida pública, mas apesar dos esforços, nos
anos 80 se perguntavam se a história das mulheres havia conseguido renovar a
ciência histórica. Constatava-se que, mesmo tendo revelado episódios inéditos do
passado das mulheres, como as lutas femininas, a história das lésbicas ou o papel
das mulheres no trabalho e no lar, estava-se condenado a fazer uma história
paralela
11
. Considerável salto é registrado ao longo dos anos 80 e início dos anos
90, com a proliferação de estudos de gênero e a proposição de metodologias
10
SOIHET, R. História das Mulheres. In: CARDOSO, C. F. & VAINFAS R. (Org.) Domínios da
História: ensaios de metodologia e teoria. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 276.
11
PRIORE, Mary Del. História das mulheres: as vozes do silêncio. In. FREITAS, Marcos Cezar de
(Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 223.
27
27
específicas de análise dos discursos e imagens e de compreensão sociopolítica das
diferenças.
Nestas considerações, desenvolvidas até aqui, cabe dar destaque à produção
acadêmica de Michele PERROT, bem como sua contribuição à historiografia das
mulheres. Um estudo pioneiro de grande impacto para a historiografia, no qual
figuram as mulheres foi Os Excluídos da História
12
, Esta coletânea tornou-se seu
estudo inaugural no Brasil e a historiadora procurou mostrar as mulheres não como
vítimas e sim como rebeldes, pessoas ativas em suas sociedades, com formas
diversas para fugir da exploração a que elas e suas famílias estavam sujeitas e que
lutavam contra os poderes políticos e econômicos. Assim, os enfoques foram
desviados para a compreeno de sujeitos dotados de grande complexidade.
Michelle PERROT, através de vasta e densa produção acadêmica, tornou-se
conhecida como a notável mestra da História das Mulheres. Seu envolvimento e
paixão pela história das mulheres datada de 1973, quando ministrou o curso As
mulheres têm uma história? De onde resultou denso material tornado público na
França em 1984, através da coletânea Une histoire de femmes, est-elle possible? A
divulgação da tradução no Brasil tamm ocorreu em 1984.
O grande destaque, contudo, decorre da obra que organizou, juntamente com
Georges DUBY, a qual na França teve o nome de L´Histoire des femmes en
Occident de l´Antiquité à nos jours, publicada em cinco volumes e editada pela Plon,
entre 1991 e 1992. No Brasil, Os cinco volumes foram colocados no mercado entre
1993 e 1995 pela Editora Ebradil, de São Paulo, em co-edição com as Edições
Afrontamento, da cidade de Porto (Portugal) com tulo abreviado: História das
Mulheres no Ocidente. Seguiram-se publicações em alemão, inglês, coreano,
espanhol, japonês, italiano e holandês, além de outros idiomas. O conjunto tornou-
se uma referência internacional, imitado em vários países, os quais passaram,
tamm, a publicar obras de História das Mulheres, de cunho nacional.
Para esclarecer o lugar das mulheres no espaço público, Michelle PERROT,
num diálogo com Jean LEBRUN, em Mulheres Públicas mostra uma política e
poética dos lugares. Através de cinco temas - imagens, palavras, lugares, frentes de
luta e resistências, aparecem os deslocamentos das fronteiras
13
. Entre o público e o
12
PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.
13
PERROT, Michele. Mulheres públicas. Assis: Unesp, 1998.
28
28
privado, os homens e as mulheres, o político e o pessoal, as divisões se quebram e
recompõem uma paisagem. Na obra, PERROT propõe questões acerca das
conquistas das mulheres e indaga: por que, apesar de as mulheres terem adquirido
a igualdade civil, a instrução, o salariado e os esportes de alto nível, elas ainda
encontram resistência nos três bastiões masculinos - o militar, o político e, sobretudo
o religioso?
Em conjunto com Georges DUBY, PERROT divulga Imagem de Mulher
14
,
derivado de História das mulheres, uma reflexão sobre o papel da mulher como fonte
de inspiração estética ou artística nas nossas diferentes culturas. Acerca desse
papel, os autores ressaltam ser necessário ter em conta as crenças, os valores, os
discursos e os imaginários presentes em qualquer imagem. Refletindo sobre estes
dois aspectos indissociáveis da representão feminina, debruçaram-se sobre
representações significativas da mulher ao longo dos tempos, em que a bela
imagem, sob o olhar do historiador, se dá ao pensamento tanto quanto à
contemplação.
Michele PERROT encarrega-se da organização do volume A História da Vida
Privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra
15
, que aborda o século XIX,
cerio das concepções sobre a esfera privada. As atenções estão centradas no
avanço acelerado da industrializão, a mobilização dos trabalhadores, a redefinição
dos papéis sociais de mulheres e crianças, e outras transformões profundas
desencadeadas pela Revolução Francesa.
A importante contribuição historiográfica de PERROT para a História das
Mulheres possibilita um posicionamento teórico definido, corrobora para
compreensão dos papéis e representações a cerca da presença das mulheres na
esfera pública e os papéis instituídos ao sexo feminino socialmente, importante para
uma visão mais clara de nossas questões, na medida em que permitem conhecer e
descrever as trajetórias de mulheres trabalhadoras urbanas da cidade de Curitiba
entre os anos 60 a 75.
O tema mulheres trabalhadoras” ou “trabalho feminino”, já há algum tempo
vem sendo discutido, principalmente na Sociologia. Nesta área do conhecimento
destacaram-se os trabalhos realizados por Cristina BRUSCHINI, Eva BLAY, Heleieth
14
DUBY, George e PERROT, Michele. Imagem de mulher. Lisboa: Afrontamento, 1992.
15
PERROT, Michele. A História da Vida Privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
29
29
SAFFIOTI e Maria Valéria Junho PENA
16
. Na História, apesar de ter sido o enfoque
de abertura dos estudos sobre mulheres no Brasil, são poucos os estudos recentes
que privilegiaram esta temática entre as cadas de 1960 e 1970, período de
grandes transformões no cenário econômico, social, político e cultural, e tendência
militarizante do estado.
Trabalho de grande importância teórica foi o desenvolvido por Heleieth
SAFFIOTI. Utilizando-se dos conceitos de “exército de reserva” e mística feminina”,
SAFFIOTI elabora uma compreensão do papel da mulher na sociedade brasileira a
partir da relação mulher e capitalismo e em uma perspectiva histórica analisa os
múltiplos aspectos da condição feminina como na educação, na família, na política e
no trabalho
17
.
Maria Valéria Junho PENA tamm foi uma das primeiras a realizar um
estudo de grande monta sobre a questão da mulher no trabalho. Em sua pesquisa
sobre a presença da mulher na constituição do sistema fabril discutiu questões
referentes a ocupações femininas no período que o Brasil se tornava uma sociedade
urbano-industrial, o desejo de manter as mulheres ligadas a atividades domésticas
estabelecidas juridicamente através do Código Civil e da Consolidação das Leis do
Trabalho legalizando o poder dos homens sobre as mulheres.
Após o inicio dos estudos sobre mulheres na historiografia brasileira
privilegiou-se nos anos 70, entre outras questões o trabalho feminino, principalmente
o trabalho fabril. Neste momento, procurou-se tornar as mulheres visíveis
socialmente e historicamente denunciar a opressão masculina e capitalista sobre
elas. Na década seguinte, as abordagens voltaram-se para as estratégias e
resistências cotidianas, destacando sua constante presença no espaço público. A
maioria dos estudos o período colonial ou século XIX, como foi o caso de Leila
Mezan ALGRANTI, Luciano FIGUEREDO e Maria Odila da SILVA DIAS
18
. Esta
última em seu estudo, Quotidiano e poder em São Paulo século XIX, discutiu o
16
Cf. BRUSCHINI, Cristina & ROSEMBERG, Fúlvia (Org.). Trabalhadoras do Brasil. São Paulo:
Brasiliense/Fundação Carlos Chagas, 1982. BLAY, Eva A. Trabalho domesticado: a mulher na
indústria paulista. São Paulo: Ática, 1978, PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e trabalhadoras.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981 e SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Mulher na sociedade de
classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1979.
17
Ver SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Mulher na sociedade de classes: mito e realidade.
Petrópolis: Vozes, 1979.
17
Ibid., p. 18
18
Ver RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra,1985 e ESTEVES, Marta A. Meninas perdidas: os populares e o
cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
30
30
trabalho das mulheres, brancas, forras e escravas em São Paulo do século XIX
Discutiram-se afazeres femininos para conseguir sobreviver quando as mulheres
viviam sozinhas ou na ausência dos maridos. Luciano Figueiredo debruçou-se sobre
a vida Familiar em Minas Gerais do século XVIII.
Outros trabalhos voltaram-se para o inicio do século XX, dando ênfase para a
disciplinarização do operariado, a sexualidade e a prostituição, a exemplo as
pesquisas de Margareth RAGO e Martha de Abreu ESTEVES
19
. A primeira realizou
um estudo modelar sobre os discursos médicos, jurídicos e do operariado (através
de periódicos anarquistas) sobre a disciplinarização da classe trabalhadora e os
ideais das fábricas paternalistas, dedicando um capítulo às mulheres trabalhadoras
no sistema fabril em São Paulo entre o final do século XIX até 1930.
Martha de Abreu ESTEVES não se dedicou ao estudo do trabalho feminino,
mas, às questões relativas à sexualidade, tais como: atentado ao pudor, estupro e
rapto, ocorridos entre 1900 e 1913, no Rio de Janeiro. A historiadora utilizou as
fontes do judiciário para entender o universo cultural das mulheres das classes
populares, e a tentativa por parte dos juizes e outras autoridades em impor valores e
normas morais a esta parte da população.
Estudos de grande importância para a história de mulheres foram realizados
por Marisa CORRÊA. A autora tamm utilizou-se de fontes do Judiciário,
especialmente processos de homicídios entre casais em Campinas, nas décadas de
1950 e 1960, a estudiosa percebeu a participação do judiciário na manutenção de
valores que contribuem para a subordinação das mulheres.
De grande importância foi o trabalho desenvolvido por SOIHET, em seu
Condições femininas e formas de violência, relata os pensamentos dos juristas
Lombroso e Ferrero, no qual estes irão definir as características de homens e
mulheres normais. Para estes, algumas características das mulheres eram: a
fraqueza mental, a mentira, a vaidade, a frigidez, a vingança, o amor materno e a
simplicidade de crianças que gostam de chamar a atenção. Todas estas
características o estão presentes nos homens, e se alguma mulher apresentar
algum excepcional como maior inteligência ou desejo sexual estariam em um estágio
primitivo mais próximo do que seriam os homens e, portanto, sujeitos aos desvios e
19
Cf. ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. São Paulo: José Olympio,
1993, DIAS, Maria Odila da Silva. Quotidiano e poder em o Paulo século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 1984 e FIGUEIREDO, Luciano R. de A. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais
no século XVIII. Dissertação (Mestrado)- Universidade de São Paulo, São Paulo:, 1990.
31
31
à criminalidade. A autora discorre sobre o cenário social, a urbanização e seus
efeitos sobre as classes subalternas, os discursos jurídicos e a difusão de normas de
boa conduta. Utiliza como fonte processos de mulheres acusadas de homicídios,
ofensas físicas, infanticídio, aborto, prostituição, etc.
20
.
Entre os estudos regionalizados sobre o assunto tamm se destaca o
realizado por Maria Abel MACHADO, que tem por tema as mulheres trabalhadoras
urbanas da cidade de Caxias do Sul. A fonte principal de MACHADO é a história
oral, a historiadora refaz a trajetória da industrializão da cidade tendo como foco
às condições de trabalho a que estavam sujeitas as mulheres das primeirascadas
do século XX.
No Paraná os estudos realizados por Etelvina TRINDADE, Roseli
BOSCHILIA, Ana Maria GANZ e Wilma de Lara BUENO. Etelvina TRINDADE nos
remete à Curitiba do início do século e a dinâmica do trabalho feminino com
atividades mais bem aceitas para as mulheres como os de educadora, enfermeira,
florista e criada, por exemplo, em contraposição com o papel da prostituta execradas
socialmente.
As experiências de trabalho por mulheres curitibanas das décadas de 1940 e
1960 em fábricas, foram abordadas por Roseli BOSCHILIA. A historiadora buscou
verificar principalmente o porquê, após abandonarem sua condição de operárias as
mulheres demonstravam resistência em assumir tal condição. Por sua vez Ana Maria
GANZ procurou discutir as profissões exercidas pelas mulheres fora do âmbito fabril,
com seus saberes variados na Curitiba de 1925 a 1945, ressaltando as suas
vivências.
Portanto, o tema muito vem sendo debatido, vimos que teoricamente foi a
porta de entrada dos estudos sobre mulheres na academia brasileira, entre o final da
década de 1960 e início dos anos 1970. O trabalho feminino foi privilegiado nos
estudos de gênero tendo sido o primeiro a conquistar o selo de legitimidade nas
universidades brasileiras. Os movimentos de mulheres, vinculados principalmente ao
pensamento marxista, entendiam o trabalho remunerado como uma estratégia
possível de emancipão da dona-de-casa de seu papel subjugado na família
21
, ou
seja, neste momento, a subordinão feminina era entendida a partir da exclusão
20
SOIHET, R. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana
1890/1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
21
BRUSCHINI, Cristina. Trabalho Feminino: trajetória de um tema, perspectivas para o futuro.
Revista Estudos Feministas. Rio de Janeiro, v.2, n 3, 1994, pp. 17–18.
32
32
das mulheres do mundo produtivo. As discuses feministas de inspiração marxista
na década de 1970 buscavam explicar o trabalho doméstico assalariado a partir das
noções de modo de prodão doméstico, trabalho produtivo e improdutivo, e
exército industrial de reserva. Contudo, nos anos seguintes percebeu-se que o
marxismo não dava conta de responder a todos os problemas de estudo no que
dizia respeito à história de mulheres
22
. Para Elisabeth Souza LOBO o problema se
colocava nas possibilidades de visibilizão das operárias, o que para J. SCOTT
seria possível com uma modificão nas definições das categorias analíticas
utilizadas. Tanto historiadores (as) como sociólogos (as), abordavam o trabalho
feminino através do conceito de classe social, derivado de um paradigma que se
pretendia universal, mas que na realidade as práticas eram percebidas através do
viés masculino. Para LOBO o conceito foi pensado a partir de uma representação
masculina do operário, e embora tenha sido afirmado incansavelmente que “a classe
operária tem dois sexos”, na verdade era preciso reconhecer que a classe era
masculina, ou seja, que o conceito remetia a uma posição estrutural
23
.
Pelo pensamento marxista ao se resolver os problemas da luta de classes,
eliminavam-se as contradições e diferenças entre os representantes do gênero
masculino e feminino. Neste caso, as mulheres não aparecem como classe
independente, mas fazendo parte da classe operária, fazendo com que as
desigualdades de gênero não fossem colocadas em discussão. As mulheres
trabalhadoras não o vistas como classe uma vez que raramente se uniram em
torno de objetivos comuns na luta contra a opressão e por maiores direitos. No
campo teórico em questão,
Uma classe constitui-se historicamente quando seus membros não
apenas se conhecem e convivem, como também identificam, uns nos
outros, interesses comuns. Desta sorte, concretamente, uma classe
não se constitui sem uma inerente dimensão política, que consiste,
basicamente, na identificação de interesses comuns de seus
membros e da profunda distância - mais do que isto, do antagonismo
- que a separa de outras classes.
24
22
A esse respeito ver AGUIAR, Neuma (coord.). Mulheres na força de trabalho na América Latina:
análises qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984, SAFFIOTI, Heleieth I. B. Rearticulando gênero e classe
social. In: COSTA, Albertina de Oliveira & BRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de Gênero. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos, São Paulo: Fundão Carlos Chagas, 1992 e PÉROTIN-DUMON,
Anne. El gênero em historia. Instituto of Latin American Stidies, University of London.Disponível
em:<http:/www.sas.ac.uk/ilas>.
23
LOBO, Elizabeth Souza. O trabalho como linguagem: o nero do trabalho. In: COSTA, op. cit., p.
254.
24
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, op. cit., p. 200.
33
33
Por outro lado, se o conceito de classe era repensado, evidências empíricas,
com a diminuição da mão-de-obra feminina na instria têxtil, entre as décadas de
1950 e 1970, irão reforçar a hipótese da utilização da mão-de-obra feminina como
parte do exército industrial de reserva, questão importante para o pensamento
marxista
25
.
Outra idéia importante nos estudos sobre o trabalho feminino deste período,
principalmente na Sociologia e na História, foi de que as sociedades menos
desenvolvidas economicamente designavam às mulheres um papel subordinado. A
este pensamento associavam-se as idéias economicistas pensadas de forma
análogas, tais como: industrialização, desenvolvimento e modernização. Assim,
desenvolvem-se duas hipóteses de alise, sendo que a primeira acreditava que a
subordinação das mulheres se resolveria pela modernização e desenvolvimento das
forças produtivas, e a segunda, ao contrário, pensava que a modernização e o
desenvolvimento capitalista acentuavam a subordinação das mulheres na sociedade
de classes e sua exclusão do mercado de trabalho industrial
26
.
No final da década de 1970, novas questões sobre o trabalho feminino são
levantadas, como por exemplo, a ausência de referenciais ao papel reprodutivo da
mulher, da necessidade de visualizar não apenas o trabalho remunerado, mas
tamm o trabalho doméstico, parte integrante da realidade cotidiana do sexo
feminino. O próprio conceito de trabalho é repensado para que se pudesse verificar
de maneira mais completa o volume de atividades indispensáveis à produção social
que as mulheres realizam diariamente. Desta forma, o foco teórico sobre o trabalho
feminino desloca-se da perspectiva econômica que privilegia a incorporação ou
expulsão da força de trabalho feminino do mercado sobre os efeitos do capital para
fatores culturais e simbólicos que também explicam a subordinação feminina, quanto
à inserção das mulheres no espaço da reprodução familiar
27
.
Portanto, em um primeiro momento os estudos sobre o trabalho feminino
estavam vinculados exclusivamente à ótica da produção sem levar em conta o lugar
25
Ver BLAY, Eva A. Trabalho domesticado: a mulher na indústria paulista. São Paulo: Ática, 1978 e
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e trabalhadoras. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1981.
26
BRUSCHINI, Cristina. O uso de abordagens quantitativas em pesquisas sobre relações de gênero.
In: COSTA, Albertina O. & BRUSCHINI, Cristina (Org.), Uma questão de gênero. Rio de Janeiro:
Rosa dos tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992, p. 256.
27
BRUSCHINI, Cristina. Trabalho Feminino: trajetória de um tema, perspectivas para o futuro,
op. cit., pp. 20-21.
34
34
que a mulher ocupava na sociedade e seu papel familiar. O que determinou um novo
rumo às pesquisas sobre o tema foi a possibilidade de articulação entre o espaço
produtivo e a família. No entanto, Elisabeth Souza LOBO adverte para a
possibilidade de ao privilegiar o foco sobre a organização familiar e seu projeto
estratégico de sobrevivência, colocar as mulheres em segundo plano acarretaria o
seu desaparecimento como atores sociais
28
.
Na década de 1980, com o crescimento da ocupação da força de trabalho
feminino no Brasil, novas pesquisas sobre o tema passaram a conceber esta
temática com o funcionamento do mercado capitalista e da organização do processo
de produção, percebendo-se a partir de eno as relações sociais entre os sexos, ou
seja, uma divisão sexual do trabalho social
29
.
Isto significa dizer que é de suma importância a percepção da posição da
mulher na divisão social e sexual do trabalho, definida a partir de suas funções
biológicas, o que a condiciona, de um lado, à execução de uma série de afazeres
indispensáveis para a casa e a família, de outro a ocupar principalmente posições
subalternas na hierarquia produtiva
30
. Para Souza LOBO. Grande parte das
pesquisas ainda está fundamentada em uma "visão estrutural sobre a natureza do
trabalho feminino, o que impede a problematização das formas históricas e culturais
da divisão sexual do trabalho e as fixa em termos de reprodução dos papéis
sociais
31
. No entanto, a divisão sexual do trabalho não esgota a problemática das
relações entre homens e mulheres, pois estas eso revestidas de construções
culturais e históricas interdependentes e complementares.
As discussões em torno da divisão sexual do trabalho articulada entre a
esfera produtiva e a reprodutiva, inicialmente equacionando o trabalho feminino
como prolongamento das atividades domésticas da mulher no mundo do trabalho:
educação, indústrias de vestuário e indústrias alimentícias que eram os redutos
femininos do mercado formal de trabalho foi questionada com a entrada maciça das
mulheres nos ramos "modernos” como eletrônicos, siderurgia etc.
32
. Ocorreu uma
revisão desse tipo de explicação. Percebeu-se que as tarefas femininas na indústria
eram diferentes das tarefas domésticas, visto que são realizadas de forma muito
28
LOBO, op. cit., p. 257.
29
BRUSCHINI, op cit., p.21.
30
BRUSCHINI, op. cit., 294.
31
LOBO, op. cit., p. 257.
32
RODRIGUES, Arakcy Martins. Lugar e imagem da mulher na indústria. In: COSTA, op. cit., p. 273.
35
35
diferentes. Baseadas em pressupostos da organização científica do trabalho na
fábrica, de base Taylorista, também constatou-se que o trabalho feminino não era
tão desqualificado, visto que as habilidades com as quais a mulher realiza seu
trabalho graças a sua "natureza feminina" são adquiridas ao longo de toda sua vida.
No entanto, apesar do preparo e destreza na realizão de suas funções, o trabalho
das operárias era mal remunerado em relação ao trabalho masculino.
A partir da dinâmica do mercado de trabalho, muitas abordagens destacaram
a segregação ocupacional e a inclusão das mulheres nos grupos de mão-de-obra
secundária, caracterizados pela instabilidade, baixos salários e desqualificação. A
isto corrobora BRUSCHINI
33
, o trabalho feminino estava condicionado a um pequeno
número de atividades, em "guetos ocupacionais”. Em 1970, mais de 80% do
contingente feminino ativo trabalhava em mais de 10 ocupações, todas elas de baixo
prestígio e remuneração (...).
Historicamente, os estudos sobre o trabalho feminino contemplaram
determinadas conotações: mão-de-obra de reserva, pertinente à esfera doméstica,
vinculado ao cuidado com os outros (filhos, velhos, doentes, etc.), restrito a certas
atividades, em "guetos ocupacionais" - não concorrente aos operários do sexo
masculino - sem qualificação, complementar ao trabalho do homem, e por isso, mais
baixo ou mal remunerado.
É através das questões de gênero que as desigualdades históricas e culturais
entre homens e mulheres o questionadas, o gênero remete ao discurso sobre o
masculino e o feminino, naquilo que parecia ser exclusivamente uma relação
técnico-organizativa neutra, isto é, não hierarquizada em função do sexo dos
atores”
34
. Assim, as relações entre os sexos não são naturais, como estão colocadas
socialmente, os sujeitos masculinos e femininos são construídos histórica e
culturalmente e se expressam através de símbolos e representações sociais.
Estudos recentes buscam compreender a condição feminina através das
relações de nero, levando em consideração aspectos relacionais entre homens e
mulheres, a relação conjunta de ambos os sexos, visto ser impossível compreendê-
33
Ver BRUSCHINI, Cristina & ROSEMBERG, Fúlvia (Org.). Trabalhadoras do Brasil. São Paulo:
Brasiliense; Fundação Carlos Chagas, 1982, pp.15-16.
34
Ver SOUZA–LOBO. Elizabeth. O trabalho como linguagem: o gênero do trabalho. In: COSTA,
Albertina de Oliveira & BRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa
dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992, p. 262, e RAGO, M. Trabalho feminino e
sexualidade. In: PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto,
1997, p.581.
36
36
las isoladamente. Portanto, o gênero faz parte das relações sociais que definem
hierarquicamente as funções de cada sexo, estabelecendo de forma primária
relações significantes de poder
35
.
A historiadora norte-americana Joan Scott tem enfatizado a importância da
noção de nero, termo usado desde a década de 1970 para teorizar a queso da
diferença sexual. Foram inicialmente utilizadas pelas feministas americanas, sendo
inúmeras as suas contribuições. A ênfase no cater fundamentalmente social das
distinções baseadas no sexo afasta, portanto, o fantasma da naturalizão. O
grande destaque às contribuições dos estudos de nero fica por conta de sua
articulação com a classe e a raça/etnia, incorporando a dimensão das relações de
poder. SCOTT alinha-se entre as pioneiras que acentuam a necessidade de se
ultrapassar os usos descritivos do gênero, buscando a utilização de formulações
teóricas. SCOTT argumenta que, no seu uso descritivo, o gênero é apenas um
conceito associado ao estudo das coisas relativas às mulheres, mas não tem a força
de análise suficiente para interrogar e mudar os paradigmas históricos existentes.
Salienta a necessidade de utilizar-se uma “epistemologia mais radical”, encontrada
no âmbito do pós-estruturalismo, particularmente, em certas abordagens associadas
a Michel FOUCAULT e Jacques DERRIDA, capazes de fornecer ao feminismo uma
perspectiva analítica poderosa. Nesse sentido, segundo SCOTT, os estudos sobre
gênero devem apontar para a necessidade da rejeição do caráter fixo e permanente
da oposição binária "masculino versus feminino" e a importância de sua
historicizão e "desconstrução" nos termos de Jacques DERRIDA - revertendo-se e
deslocando-se a construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como óbvia ou como
estando na natureza das coisas
36
.
Ao recorrermos à contribuição de outras pesquisadoras, particularmente as
francesas, elas ressaltam o esforço de se buscar as mulheres como agente histórico,
aproximar-se dos domínios nos quais ocorrem maior evidência de participação
feminina. Daí não se aterem unicamente à esfera pública e explica-se, assim, a
35
O conceito de gênero surge no momento em que as Ciências humanas e Sociais estão repensando
seus grandes esquemas e explicações teóricas, principalmente aqueles estabelecidos entre o
estruturalismo e o pós-estruturalismo. O conceito surge de uma perspectiva multidisciplinar e da
circulação de idéias envolvendo várias disciplinas como: a Psicanálise de Lacan e Freud, da
Antropologia de Levi-Stauss e da Lingüística e Semiótica de Saussere e Derrida. A partir de então
o formulados conceitos importantes para a teorização do gênero como: igualdade e diferença,
deconstrução, dominação, poder e hierarquia, classe e etnia.
36
SCOTT, Joan, TILLY, Louise e VARIKAS, Eleni. Debate” IN: Cadernos Pagu - desacordos,
desamores e diferenças (3). Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, Campinas, 1994,
11-84.
37
37
emergência do privado e do cotidiano, nos quais emergem com toda força a
presença dos segmentos subalternos e das mulheres. Não se descarta a esfera do
político, pois se desenvolvem ltiplas relações de poder. Por outro lado,
contrapõem-se às abordagens reducionistas que buscam uma única explicação para
as relações entre os sexos, aquela da dominação e da opressão, configurada na
supremacia masculina, sem considerar a complexidade da questão ou às formas de
poder exclusivamente feminino. Além disso, o foco nos poderes femininos constituir-
se-ia numa conquista da mais elevada significação marcando, não apenas, o
enriquecimento de uma leitura da esfera privada em termos de poder, como
fornecendo uma análise da confrontação, real e simbólica, entre a vida privada e a
vida pública.
O binômio dominação/subordinação é evitado como terreno único de
confronto. Na sua concepção, apesar da dominação masculina, a atuação feminina
não deixa de se fazer sentir, através de complexos contra-poderes. Ao contrário do
enfoque privado versus público, a proposta metodológica é estudar o privado e o
público como uma unidade. Tais historiadoras acabam por ratificar existência da
dominação masculina, tida como instrumento indispensável para captar a lógica do
conjunto de todas as relações sociais, entretanto, com uma concepção diferente: a
dominação masculina como expreso de uma relação social desigual capaz de
revelar especificidades de diferentes sistemas históricos. Enquanto que, por outro
lado, SCOTT não cede espaço para a emergência de sutilezas presentes nas
relações entre os sexos.
Quanto à ênfase que se na dominação masculina, torna-se oportuno o
recurso a Roger CHARTIER pelo peso do aspecto simbólico. Em CHARTIER o
conceito de violência simbólica é um recurso para a compreensão de como a relação
de dominação (que é histórica, cultural e linguisticamente construída) é sempre
afirmada como uma diferença de ordem natural, irredutível e universal. Segundo ele,
isto não implica eliminar a possibilidade de variações e manipulações por parte dos
dominados. Ou seja, resta a possibilidade de mulheres construírem recursos que as
levem a subverter a relação de dominação. As fissuras à dominação masculina não
assumem, via de regra, a forma de rupturas espetaculares, nem se expressam
sempre num discurso de recusa ou rejeição. Definir os poderes femininos permitidos
por uma situação de sujeição e de inferioridade significa entendê-los como uma re-
apropriação e um desvio dos instrumentos simbólicos que instituem a dominação
38
38
masculina, contra o seu próprio dominador.
37
A noção de resistência evidencia-se
fundamental para a compreensão da história das mulheres. Michele PERROT,
Natalie DAVIS, A. FARGE, Rachel SOIHET são exemplos que se alinham a este
referencial.
O conceito de poder formulado por FOUCAULT demonstrou-se vantajoso
para a análise das relações de gênero, uma vez que desloca seu foco do Estado
como concentrador para a evidencia de poderes periféricos e moleculares exercidos
em níveis variados e em pontos variados da rede social, integrados ou não ao
Estado. Isto significa dizer que o poder não esta localizado em algum ponto
específico da estrutura social. Neste sentido, o poder não existe e sim as práticas e
as relações estabelecidas por ele. Ao mesmo tempo o poder esta em todo lugar e
ninguém esta isento de sua ação. Para FOUCAULT,
Não se trata de analisar as formas regulamentares e letimas do
poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e
seus efeitos constantes. Trata-se ao contrário, de captar o poder em
suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde se torna
capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais
e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras do
direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em
instituições, corporifica-se em técnicas e se une de instrumentos de
intervenção material, eventualmente violento
38
.
Neste contexto, a função do poder não é apenas de reprimir os indivíduos,
mas controlar seus corpos torná-los ceis, possuir o controle de suas ações, minar
as capacidades de resistência ao mesmo tempo aumentar suas capacidades
produtivas. Assim, parafraseando FOUCAULT: o poder é disciplinar.
Dessa forma, o conceito de poder apresentado por FOUCAULT permite a
análise de fenômenos tanto em nível micro como macro. Para este teórico, o poder,
tamm está relacionado com a instauração da palavra elaborada, ordenada em um
discurso, disperso em uma constelação de relações desiguais constituídas em
campos sociais que esquadrinhavam a sociedade, definiam identidades,
normalidades e ilegalidades. Além do poder que reside na soberania estatal e
37
CHARTIER, Roger. “Diferenças entre os sexos e dominação simbólica (nota crítica)” IN: Cadernos
Pagu- fazendo história das mulheres.(4). Campinas, Núcleo de Est. de Gênero/UNICAMP, Campinas,
1995, p. 40-42.
38
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998, p. 182.
39
39
policial, existe o poder de dizer como as coisas são, ou seja, em uma sociedade está
estabelecido micro poderes
39
.
Roger CHARTIER buscou em FOUCAULT a articulação entre discursos e
práticas sociais (não discursivas, isto é, não definidas pelo discurso). Para ele, existe
uma separação entre discursos e práticas, e é nessa lógica que seu conceito de
representação articula-se com o de poder mencionado. A representação é
ferramenta importante para entendermos as relações de gênero e os significados
que o trabalho feminino adquiriu no período inquirido.
Neste sentido, o conceito de representação apresenta elementos importantes
para que possamos analisar os processos trabalhistas como a construção da
realidade pelos grupos sociais por meio de classificações e recortes ao perceber
qual o lugar das mulheres no mundo do trabalho urbano em Curitiba das décadas de
1960 e 1970. As práticas que legitimam a identidade social, a existência de
ocupões consideradas femininas e outras masculinas e as instituições que zelam
pela continuidade da identidade social como o judiciário e o direito do trabalho que
em vários momentos corroboraram a manutenção da diferenciação entre homens e
mulheres.
Esta pesquisa es inicialmente estruturada em três unidades. Na primeira
unidade, abordaremos o contexto econômico e histórico do Brasil e o Paraná entre
1960 e 1975, com objetivo de entendermos as condições de trabalho vividas pelas
classes subalternas, em especial as mulheres. Procuraremos abordar os aspectos
do trabalho vinculados ao desenvolvimento da industrialização. O que nos
interessará neste momento, é entender melhor as questões relativas ao trabalho
urbano de mulheres em Curitiba.
Na segunda unidade, nosso objetivo é mostrar as representações em torno
das atividades femininas e o direcionamento destas para a esfera doméstica,
valorizando o papel da dona de casa em detrimento das funções no espaço público
(especialmente o da fábrica). Vasta bibliografia específica será objeto de um balanço
histórico. Buscaremos também, resgatar as representações sobre as ocupações
femininas realizadas pelo judiciário e no Direito do Trabalho e as transformações em
normas e leis nestas áreas com o objetivo de proteger o trabalho feminino.
39
FOUCAULT, apud SAFFIOTI, Heleieth I. B. Rearticulandonero e classe social. In: COSTA,
Albertina de Oliveira & BRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa
dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992, p. 185.
40
40
E, finalmente, na terceira unidade, discorreremos sobre as relações de gênero
e as especificidades das histórias de mulheres que ousavam recorrer judicialmente
contra seus ex-patrões, denunciando a exploração por meio de artimanhas do
capital para desqualificar seu trabalho e não reconhecer seus direitos. Nosso foco se
centra em atores sociais e políticos, em suas confrontações e identificações com
outros atores, como possibilidade de constituir um saber histórico das lutas, ativando
saberes locais contra os efeitos de poder centralizadores ligados a instituição de um
único discurso. As práticas sociais cotidianas nos revelam não somente as fissuras
desses discursos, como tamm numerosas insubmissões, inversões,
improvisações e conflitos por eles omitidos. Pretendemos contribuir muito mais com
a formulação de questões que possam impulsionar outras pesquisas comparativas
mais amplas, no tempo e no espaço.
41
41
UNIDADE I
INDUSTRIALIZAÇÃO, UBANIZAÇÃO E
TRABALHO NO PARANÁ: A
CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE.
Milagre brasileiro
Cadê o meu?
Cadê o meu, ó meu?
Dizem que você se defendeu
É o milagre brasileiro
Quanto mais trabalho
Menos vejo dinheiro
É o verdadeiro boom
Tu tá no bem bom
Mas eu vivo sem nenhum
Cadê o meu?
Julinho da Adelaide/1975
1.1 Desenvolvimento e industrialização no Brasil nas cadas de
1960 e 1970.
O tema da industrializão foi um dos assuntos mais importantes para os
governos do Brasil desde Getúlio Vargas (década de 1930). Entre a maioria dos
políticos, economistas e outros grupos de intelectuais a proposta de maior força para
atingir o desenvolvimento através da industrialização proferia que o país
conseguiria ingressar no rol das nações industrializadas a partir de forte e direta
intervenção do Estado. Os planos voltados para o fortalecimento da infra-estrutura e
implantação de indústrias de base evidenciam os rumos impressos pelo governo na
política econômica.
42
42
Contudo, o que marcou o estabelecimento dos planos governamentais
brasileiros voltados para o desenvolvimento foi o fato de tratarem as questões
sociais como secundárias. Ao realizar uma analise das estratégias para o
desenvolvimento social, KOWARICK
40
salientou, que os representantes dos
governos sempre viam as questões sociais como problemas separados (setoriais) do
econômico ou, em termos práticos, eram tratados como oposição ao econômico.
Segundo o autor, esta especificidade do tratamento do social apresentava sérios
problemas conceituais ao se proceder um corte analítico em um processo que é
unificado e que deveria ser compreendido como um todo. Desse modo, é possível
compreender porque os vários aspectos do desenvolvimento o puderam ser
definidos com exatidão, bem como as ações de cada área (educação, saúde,
habitação) perdiam o sentido ao serem pensadas e executadas de forma isolada ou
setorial frente a um processo de natureza global. Portando, sempre pautado pelo
econômico e não pelo caráter mais amplo que beneficiasse toda a sociedade, nos
planos o desenvolvimento social era visto como reflexo do crescimento econômico
41
.
Em uma primeira fase, iniciada no governo Vargas na década de 1930, a
política econômica tinha caráter nacionalista. Foi o período em que se iniciava uma
arrojada política, da qual se institui o Direito do Trabalho, contudo, sem
entrosamento entre as áreas sociais, nem mesmo com o sistema previdenciário. Isto
pode ser explicado pelo tipo almejado de desenvolvimento - o econômico
42
- pela
representatividade dos grupos ligados aos interesses industriais e pela nova postura
que o Estado assumia frente à criação, à distribuição e controle das riquezas
43
.
40
KOWARICK, Lúcio. Estratégias do Planejamento Social no Brasil. Cadernos Cebrap (2), São
Paulo: Brasiliense, 1976, pp. 7-9.
41
No início do século XX, o desenvolvimento passa a ser concebido pelo Estado como uma evolução
natural, comandado por forças extrínsecas, de onde advém a concepção de que todos os países se
desenvolvem do mesmo modo, sob influência das ciências naturais. As ciências econômicas pregam
a equivalência entre desenvolvimento e crescimento, de modo que a medida do desenvolvimento
passa a ser concebida em termos de montante de capital acumulado ou de Produto Interno Bruto
PIB. Esse modo de conceber o desenvolvimento passa a chamar a atenção dos governos e seus
ideólogos, ao longo do século XX, e, após a cada de 1930, insere-se definitivamente nas agendas
dos debates políticos brasileiros e internacionais. A partir daí, sob a promessa de um futuro de
progresso e bem-estar, instauram-se no país inúmeras experiências de desenvolvimento, aliadas ao
crescimento econômico. O conceito de desenvolvimento torna-se, pois, objeto de abordagens e
definições diversas, embasadas em tradições culturais e teóricas, envolvidas com as localidades e
suas histórias, bem como com os conflitos que revestem esse objeto. BERNARTT, Maria De Lourdes.
Desenvolvimento e ensino superior: um estudo do sudoeste do Paraná nos últimos cinqüenta
anos. Tese (Doutorado), UNICAMP, Campinas:, 2006, p.165.
42
A idéia de desenvolvimento emerge no contexto brasileiro a partir dos anos 1930, vinculada à iia
de modernidade, progresso e mudaa, à qual vem se somar o discurso de desenvolvimento.
43
KOWARICK, op. cit., p. 24.
43
43
Segundo KOWARICK, o atraso em inserir os setores sociais nos planejamentos é
decorrente principalmente da:
Tomada de consciência do subdesenvolvimento enquanto
expressa por indicadores sociais – que só ocorreu de forma definitiva
após a 2ª Grande Guerra, quando as organizações internacionais
trouxeram a lume o problema dos baixos índices de bem-estar que
afetavam 2/3 da população mundial, e das flagrantes deficiências em
educação, saúde, etc., que poderiam representar um entrave ao
desenvolvimento
44
.
Sobre-valorizando o desenvolvimento econômico, ainda no governo de
Getúlio Vargas, uma das primeiras medidas foi a implantação da política de
substituição de importações. Os pressupostos desta política eram simples,
procurava-se colocar obstáculos para a aquisição de produtos importados e ao
mesmo tempo encorajar a produção nacional de tais mercadorias, com isto, a
indústria nacional conseguiria expandir-se de forma rápida.
Estes objetivos foram intensificados de forma mais consistente a partir do
governo de Juscelino Kubitschek (1956 1961), época que ficou conhecida como
“desenvolvimentista”. Parar privilegiar o crescimento industrial e a instalação de
obras de infra-estrutura sólidas para o país, a agricultura foi relegada a um segundo
plano. Portanto, acreditava-se que, para atingir o desenvolvimento, dever-se-ia
superar o passado agro-exportador e modernizar a sociedade, o que dar-se-ia por
meio de intenso processo de industrializão sob o comando do Estado
45
. O
nacional-desenvolvimentismo atingiu seu auge na década de 1950, cujo principal
mecanismo de condensação foi o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
arauto do nacionalismo brasileiro
46
.
44
Ibid., p. 24.
45
O discurso do desenvolvimento adentra o século XX, marcando alguns governos, de modo que,
passa a se consolidar como pensamento hegemônico nos anos 1950 e 1960, período, em que o
progresso vem consubstanciar, de fato, a idéia de desenvolvimento como modernidade, sobretudo,
desenvolvimento econômico, enfatizando a obtenção de taxas de crescimento pautada na
industrialização, não mais como um processo endógeno coordenado pelo Estado, mas como
constituição de um parque produtivo com a efetiva participação do capital internacional. BERNARTT,
Maria De Lourdes. Desenvolvimento e ensino superior: um estudo do sudoeste do Paranos
últimos cinqüenta anos. Tese (Doutorado), UNICAMP,Campinas, 2006, p.141.
46
É, pois, nesse panorama, que se agrega ao discurso desenvolvimentista um novo elemento: o
subdesenvolvimento, ou seja, ser um país subdesenvolvido significava estar, além de subordinado e
dependente, em situação de defasagem em relação aos países primeiro mundistas, principalmente os
Estados Unidos. Muitas foram as causas atribuídas ao subdesenvolvimento, nem sempre
consensuais, bem como as soluções apresentadas. BERNARTT, op. cit., p.141.
44
44
O governo de Juscelino Kubitschek foi sustentado pelo audacioso Plano de
Metas 50 anos em 5 cujo slogan era modernizar o país em curtíssimo prazo,
favorecendo a instalação de um significativo parque industrial. Inusitado em relação
aos demais, este plano contava com o apoio institucional do BNDE (1952) e teórico
e programático dos estudos realizados pela Comissão Mista Brasil-EUA (1951 -
1953) e pelo grupo misto CEPAL BNDE (1953). O Plano de Metas se diferenciou
dos antecessores não por ter sido efetivamente colocado em prática, como pelo
controle constante dos projetos iniciados, sobretudo, por compreender os problemas
nacionais em uma relação de causalidade de fatores entre as metas programadas
47
.
Neste projeto, cinco setores da sociedade foram considerados estratégicos: Energia,
Transportes, Alimentos, Indústria de Base e Educação priorizados com 30 metas,
além da construção de Brasília. No que diz respeito ao planejamento social somente
a educação estava contida, sendo as ões para este setor restringidas à
formão de técnicos especializados para trabalhar nas indústrias que estavam
sendo instaladas no país. Portanto, tamm neste plano o progresso social é visto
de forma esponteneísta”, como conseqüência natural do desenvolvimento
econômico
48
.
O governo Kubitschek fez opção pelo desenvolvimento econômico em
detrimento da sanidade do saneamento orçamentário. Sua política para o Plano de
Metas foi baseada no aporte de capitais estrangeiros, opção política e econômica
cujas conseqüências restringiram a capacidade de investimentos, o crescimento do
PIB, além de provocar altas taxas de inflação. Tais sinais demonstram, também, o
esgotamento do modelo que encontrava na dinâmica de substituição das
importações a mola propulsora do sistema.
Ao final do período de Juscelino Kubitschek a principal oposição vinha do
próprio setor industrial, que contestava a liberdade das manifestações populares e
as reivindicações salariais dos operários. Foi uma época ímpar de crescimento com
democracia. Contudo, o Brasil cresceu sem que ocorresse uma distribuição de
renda, gerando um clima de insatisfação e de reivindicações por parte das classes
trabalhadoras nos anos subseqüentes.
47
Na visão de causalidade de fatores a ação do governo era vista de forma integrada, ou seja, que as
metas programadas para um setor se interligam a metas de outros setores em uma visão
globalizante.
48
KOWARICK, op. cit., p. 10.
45
45
Na década de 1960, as condições internas de crescimento econômico eram
limitadas, os governos populistas de Jânio Quadros e João Goulart (1961 1964)
buscavam nas classes subalternas apoio para realizar suas políticas e manterem-se
no poder. Para KOWARICK, o Plano Trienal
49
aparece como um programa de re-
inversão econômica, no qual meditas corretivas drásticas de ordem fiscal, salarial
etc. deveriam ser aplicadas para que o sistema adquirisse, com a contenção da
inflão, as condições prévias da retomada do desenvolvimento
50
. O governo de
João Goulart voltou-se para a solução de problemas sociais crônicos como a
questão da posse da terra e da desigualdade na distribuição de renda. Para a força
política que se formava neste período, o projeto de Reformas de Base significava um
conjunto de medidas necessárias para superar o atraso, sair da crise, e integrar a
população marginalizada, alcançando assim o desenvolvimento. Neste governo foi
reconhecido que a economia não pode ser entendida separada das instituições
sociais e políticas, não sendo esta privilegiada como a única saída para o
desenvolvimento. No entanto, a economia encontrava-se desorganizada e a inflação
em altos níveis. O clima era de agitação constante, o que pode ter dificultado colocar
em prática tais reformas, situão que acelerou a interrupção do processo
democrático e a instalação da ditadura militar.
Desta forma, ao iniciar-se o período da ditadura militar são colocados em
prática vários planos de desenvolvimento, a exemplo do Plano Trienal, que
restringiam-se ao controle da inflação
51
. A equipe econômica do governo de Castelo
Branco (1964 1967) elaborou o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG),
que visava sanar o problema inflacionário, reduzindo gradativamente o déficit
público, controlando o crédito ao setor privado e estabelecendo uma política de
diminuição do valor dos salários, proporcionando maiores ganhos aos capitalistas.
49
Com efeito, em relação à política educacional abordada ao nível de planejamento, dentre os planos
elaborados pelo governo antes de 1964, a saber: Plano SALTE, de 1948, no governo do General
Dutra; “Plano de Desenvolvimento”,elaborado entre 1951-53 por uma Comissão Mista Brasil/Estados
Unidos, para o governo de Vargas; “Programa de Metas”, embasado no plano anterior, elaborado em
1956 para o governo Kubistchek; e, “Plano Trienalde Celso Furtado, em 1962, para o governo
Goulart, apenas neste último aborda-se a necessidade da formão de recursos humanos para a
promoção do desenvolvimento nacional e, pela primeira vez, anuncia-se a importância do
planejamento educacional como parte integrante do planejamento global. ROMANELLI, O. O.
História da educação no Brasil (1930/1973), 29. ed. Petrópolis, RJ:Vozes, 2005, p. 99.
50
KOWARICK, op. cit., p.25.
51
Nos governos militares aprimora-se o projeto desenvolvimentista, engendrando ousados projetos
que objetivam a consecução das bases do desenvolvimento.
46
46
Por fatores de fragilidade política o Plano Trienal não saiu do papel, enquanto o
PAEG foi totalmente aplicado.
Nos primeiros anos do governo militar (1964 1967), procurou-se estabilizar
a economia através do sacrifício imposto aos trabalhadores, através do controle do
processo de participação e das reivindicações das massas populares urbanas e
rurais, com o propósito alegado de dar condições para uma fase posterior do
desenvolvimento, como aponta MANTEGA:
A gestão Campos-Bulhões constituiu a primeira fase do
desenvolvimentismo autoritário, que ampliou o terreno e preparou as
condições para uma nova etapa mais avançada da acumulação
oligopolista no Brasil. A lei salarial idealizada pelo assessor Mário
Henrique Simonsen garantia o arrocho e a contenção dos salários
em patamares compatíveis com uma nova escala de lucros. A
reforma fiscal aumentou a arrecadação, equilibrando as finanças
públicas. As novas agências de financiamento garantiam os recursos
para viabilizar grandes empreendimentos. A grande abertura ao
capital estrangeiro possibilitou equilibrar as contas externas e a atrair
novos capitais de risco. A grande ociosidade do parque produtivo
permitiu crescer rapidamente a custos decrescentes. Bastaria
apenas tirar o pé do freio e colocá-lo no acelerador, liberando crédito,
baixando a taxa de juros e demais facilidades para promover o
"milagre brasileiro", conforme faria com muita habilidade o ministro
da fazenda de Costa e Silva, Antônio Delfim Netto
52
.
A partir da militarização do aparelho estatal e da exclusão política da maior
parte da população os militares implantam um modelo de desenvolvimento
reconhecido pelos economistas como associado dependente. Associado por que
buscou estreitar os vínculos do país com o capitalismo internacional e dependente
do capital estrangeiro, sob a forma de investimentos diretos, endividamento externo
decorrente de empréstimos e financiamentos junto aos bancos internacionais,
dependência tecnológica e de mercados, dependência política e cultural
53
.
Com isto, não se abandonava totalmente a política de JK. Entretanto, optou-
se por um modelo totalmente dependente do capital estrangeiro voltado para as
camadas sociais de vel de vida médio e alto. Para tanto, tornou-se necessário
aumentar a concentração de renda para que estas parcelas da sociedade pudessem
52
MANTEGA, Guido. O pensamento econômico brasileiro de 60 a 80: os anos rebeldes. In:
LOUREIRO, Maria Rita (Org.). 50 anos de ciência econômica no Brasil (1946-1996): pensamento,
instituições, depoimentos. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 118-119.
53
BRUM, Argemiro J. Desenvolvimento econômico brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1995, pp. 174-
175.
47
47
consumir a nova pauta de produtos que o país estaria produzindo a partir de então,
automóveis e eletrodomésticos, especialmente.
Como os sindicatos estavam proibidos de se manifestar e limitados na
oposição aos governos militares, principalmente na década de 1970, período de
maior repressão e isolamento político, os salários dos trabalhadores sofreram uma
redução enorme de ganho, o que certamente favoreceu o ingresso de um mero
maior de mulheres no mercado de trabalho para reforçar a renda familiar. De janeiro
de 1960 a janeiro de 1976, o poder de compra do salário mínimo caiu pela metade.
Segundo dados do DIESE, a queda do salário real, considerando que foram
respeitados todos os reajustes estabelecidos pelo governo, cinco anos após o golpe
militar, foi de 31,5% e em São Paulo, em 1969, o salário de homem era 46% inferior
ao de 1964
54
. Para se ter noção das perdas salariais neste período, interessante
observar os dados do gráfico
55
.
Gráfico nº 1
Perdas no salário mínimo real – Brasil – 1940/ 2000
Fonte: Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos
DIESE, jun. 200/jun. 2001. In: GOMES, Ângela Maria de Castro. Cidadania e
direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002, p. 51.
54
DIEESE EM RESUMO (3), ano IV, março de 1970, p. 9, apud KOWARICK, op. cit., p. 12.
55
O Gráfico considera como salário mínimo real a média dos salários do ano deflacionado pelo Índice
de Custo de Vida do DIEESE. Para o cálculo da média foram considerados 13 salários do ano desde
a instituição da gratificação natalina, em 1962, e os abonos eventuais.
48
48
A política de planejamento social tornava-se importante, passando
primeiramente pelo controle da inflação através do achatamento dos salários e.
posteriormente, utilizada para melhorar o funcionamento do sistema econômico. Os
programas habitacionais, por exemplo, estavam vinculados não à política de
aumento do mero de postos de trabalho, mas, à expansão do setor de construção
civil; a educação a serviço da melhoria da o-de-obra; a saúde à melhoria das
condições de vida dos trabalhadores, que repercutiria em aumento de produtividade,
a Previdência Social, que englobava uma grande parcela dos serviços essenciais
para população estava vinculada à vitalidade do sistema financeiro-orçamentário do
governo
56
.
De forma direta e indireta o governo aumentou os mecanismos de
manipulação e dominação sobre a economia e a sociedade como um todo, através
de novas formas de controle social com o objetivo de fornecer ao sistema maior
previsão e rentabilidade. Em suma, o Estado tornou-se mais racional, cujas metas
eram legitimar a hegemonia do pensamento e interesses da burguesia industrial e
financeira.
Contudo, a opção política e econômica adotada pelo governo militar favorecia
não apenas a burguesia local, mas, principalmente, aquela ligada às grandes
indústrias de capital internacional, produtoras de bens de consumo duráveis, de
certa forma, inserindo o Brasil na economia mundial, mesmo que pela porta dos
fundos. Disto decorre maior complexidade, diferenciação e centralização das
unidades de produção. Nesta conjuntura temos a concentração de empresas em
áreas geográficas restritas (região Sudeste), que controlavam a produção em vel
nacional usufruindo das vantagens concedidas pelo poder central.
A economia, neste período era dirigida por um grupo de tecnocratas civis
despreocupados com a maioria da população, que optou por privilegiar a ampliação
do capital em detrimento dos ganhos dos trabalhadores. Por sua vez, como os
sindicatos e associões operárias haviam sido duramente reprimidos o poder de
troca dos trabalhadores com o governo e os industriais era quase que nulo.
Portanto, desnecessário dizer que esta fase do desenvolvimento favoreceu apenas
as classes mais privilegiadas e aumentou as desigualdades sociais.
A partir de 1968 o governo militar passou a fazer apologia sobre os frutos de
sua política de estabilização. Foram reveladas altas taxas de crescimento econômico
56
Ver KOWARICK, op. cit., p. 27.
49
49
consecutivas, anormais para a economia brasileira, principalmente até 1974, que
contribuíram para que esse período fosse batizado como "milagre econômico
brasileiro”
57
. Para se ter uma idéia do crescimento econômico alardeado neste
período basta observar as taxas de crescimento do PIB. Entre 1964 e 1967, com
médias de 3,5%, de 1968 a 1973, em torno de 11,1%, enquanto que o ano de 1973
marcou a maior taxa de crescimento do PIB nacional com 14,0%. Tais cifras
indicavam que e a economia brasileira quase dobrou de tamanho neste período. A
partir dos anos 1980 essas taxas foram muito reduzidas, chegando a ser negativas
em alguns casos
58
.
Mostramos nas páginas anteriores que deste a década de 1930 foi constante
na política brasileira a busca pelo desenvolvimento materializada em vários planos
59
.
Contudo, a ânsia pelo “progresso” se deu em aspectos meramente econômicos, sem
haver uma preocupação efetiva com o planejamento social
60
. Em tese esperava-se
que ativando a economia estar-se-ia multiplicando o montante da riqueza disponível,
consequentemente, melhorando o nível de vida das classes subalternas. Na
verdade, nunca se alcançou o equilíbrio alardeado entre os aspectos quantitativos e
qualitativos do desenvolvimento. A discussão sobre o desenvolvimento econômico
ocorreu no interior do mundo capitalista, no intuito de amenizar os conflitos
desencadeados pela concentração do capital.
Oo propalado “desenvolvimento” tem-se disfarçado como uma
das faces do capital, enfatizando, a qualquer custo, o crescimento
econômico do próprio capital. Esse processo é desencadeado pela
pressão do mundo, dito “desenvolvido”, sobre os pobres do “terceiro
mundo” para que se transformem em um exército de reserva
industrial e num imenso mercado de consumo para a mercadoria
avariada e danificada do “primeiro mundo”. (...) Nessa lógica, pode-
se dizer que a ideologia do desenvolvimento sustentou o
industrialismo e exerceu função fundamental na organização
57
BRUM, op. cit., pp. 155-160.
58
Ibidem, pp. 167-168.
59
Muitos foram os abismos entre os discursos e as práticas desenvolvimentistas, evidenciando
barreiras difíceis de serem transpostas pelo ideário oficioso do desenvolvimento, em especial, no que
tange ao proposto por organismos internacionais e os limites dos países latino-americanos em função
das políticas econômicas adotadas, considerando a sua reduzida margem de liberdade frente às
decisões do Banco Mundial, da Organizão Mundial do Comércio, do Fundo Monetário
Internacional, dentre outras agências. Ao que parece, o desenvolvimento é forjado numa percepção
de realidade, tendo os Estados Unidos da América como modelo a ser alcançado. No período pós-
Guerra, parte desse país a idéia de que a saída civilizatória para a humanidade seria construída via
desenvolvimento, e com isso, a riqueza e as benesses geradas seriam distribuídas eqüitativamente
entre os povos.BERNARTT, op. cit., p.142.
60
Apenas com o processo de redemocratização do país, a idéia de desenvolvimento econômico dos
anos de 1970 cede espaço para o desenvolvimento social dos anos 1980.
50
50
globalizada da sociedade, do capital, do trabalho no nível produtivo,
de modo que nunca houve interesse real em disseminar quaisquer
oportunidades, sejam de trabalho, de conhecimento, de educação,
de ciência e de tecnologia entre todos
61
.
de se assinalar que o montante da riqueza aumentou significativamente,
porém, sua distribuição o se deu de forma eqüitativa. O ônus do desenvolvimento
recaiu sobre a maioria da população, alijada do usufruto do propalado progresso. O
desenvolvimento teve maior êxito em regiões onde a burguesia representava a base
social de apoio à ditadura militar, desigual, portanto, nos Estados da federação.
Neste sentido, passamos a pensar como estas iias se processaram no Paraná e
como interferiram no processo de desenvolvimento econômico e social do Estado .
1.2 A industrialização paranaense: a construção da modernidade.
O Paraná, desde seus primórdios, inseriu-se no modelo agro-exportador
dependente de atividades econômicas incapazes de garantir estabilidade nas
finanças e um desenvolvimento consistente, em função das oscilações do mercado
externo. Os denominados ciclos econômicos do Paraná estiveram ligados às
vantagens naturais com a mineração, a extração da erva-mate e da madeira e a
cafeicultura, revelando uma vocação para atividades extrativistas e agrícolas, e
poucas empresas ligadas à agroindústria. rios fatores contribuíram para que suas
características econômicas assumissem outro formato a partir dos anos 1960. O
aumento da população foi um destes fatores, relacionado, sobretudo, com o
desenvolvimento da cafeicultura que, por sua vez, favoreceu o avanço da
industrialização.
61
BERNARTT, op. cit., p. 142-3.
51
51
Quadro nº 1
Evolução da população do Paraná, em comparação com o Brasil:
1872-1980
Ano
Brasil Paraná
Partic. no
População
Dens.dem.
(hab./km²)
População
Dens.dem.
(hab./km²)
total (%)
1872 9.930.478
1,2
126.722 0,6
1,3
1890 14.333.915
1,7
249.491 1,2
1,7
1900 17.438.434
2,0
327.136 1,6
1,9
1920 30.635.605
3,6
685.711 3,4
2,2
1940 41.236.315
4,8
1.236.276 6,2
3,0
1950 51.944.397
6,1
2.115.547 10,6
4,1
1960 70.191.370
8,2
4.263.721 21,4
6,1
1970 93.139.037
10,9
6.929.868 34,8
7,4
1980 119.011.052
14,0
7.629.849 38,3
6,4
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil – IBGE
62
.
A população do Estado evoluiu de forma rápida, tendo crescido cerca de seis
vezes entre 1920 e 1960. Entre as décadas de 1950 e 1960 a população dobrou de
tamanho, passando de 2.115.547 pessoas para 4.263.721 de habitantes
63
. Neste
sentido, um olhar atento sobre os dados do quadro abaixo nos possibilita avaliar a
evolução da população do Paraná, em comparação com o Brasil. Este surto
demográfico em parte foi resultado da ação de companhias colonizadoras nas
regiões Norte, Noroeste e Sudoeste do Estado, para onde se dirigiu o fluxo
migratório. Surgiu assim, uma grande quantidade de novas cidades como Londrina,
Maringá e Paranavaí, entre outras
64
.
62
LUZ, France. As migrações internas no contexto do capitalismo no Brasil: a Micro-região
“Norte Novo de Maringá 1950/1980. Tese (Doutorado em História), USP, São Paulo, 1988, p.68.
Em estudo minucioso, France Luz é referência indispensável para pesquisas sobre o crescimento
demográfico do Estado do Paraná em uma perspectiva comparada com o Brasil.
63
. LUZ, op. cit., p.68.
64
Ver IPARDES. Paraná: características demográficas e projeção da população, por microrregião, até
1990. Curitiba, 1983, p. 6. e OLIVEIRA, Dennison de. Urbanização e industrialização no Paraná.
Curitiba: SEED, 2001. (Coleção história do Paraná; textos introdutórios). A taxa de crescimento da
população do Paraná constatada em 1940, a mais elevada do Brasil, decorreu do fato de que era
ainda um Estado em processo de colonizão e com vastas áreas a povoar. Contudo, este aumento
da população não foi uniforme em todo o estado. (...) O alto índice de crescimento da população do
Paraná entre 1920 e 1940 se deveu, na maior parte, ao avanço do povoamento em direção ao Oeste
e à ocupação de novas zonas até então quase despovoadas. (...) Por três décadas ainda as grandes
reservas de terras existentes na região ocidental do Estado continuaram a atrair muitos migrantes e
os recenseamentos posteriores – 1950, 1960 e 1970 - registraram também taxas elevadas de
crescimento da população. Cf. LUZ, op. cit., p.70.
52
52
Contudo, o aumento populacional e de cidades não caracterizou um rápido
processo de urbanização, pois, a maioria das pessoas destas áreas vivia no meio
rural como demonstra o Censo Demográfico de 1960. A população urbana do
Estado era de 1.328.000 pessoas (31,24%) e a população rural de 2.950.000
habitantes (68,76%), cuja atividade mais dinâmica era a cafeicultura
65
. De modo
mais completo, os dados coletados por France LUZ evidenciam esta dinâmica
populacional entre os setores urbano e rural, conforme o quadro a seguir.
Quadro nº 2.
Evolução da população urbana e rural: Paraná
(1940-1980)
PARANÁ
Ano População urbana População rural
Freq. Cresc.% Freq. Cresc.%
1940 302.272 934.004
74,8 69,9
1950 528.288 1.587.259
148,1 86,0
1960 1.310.969 2.952.752
91,0 49,9
1970 2.504.378 4.425.490
78,6 -28,6
1980 4.472.506 3.157.343
Fonte: Censos Demográficos do Brasil e do Paraná. 1940/1980. IBGE
66
.
Através da cafeicultura, esse cenário começou a alterar-se. Esta atividade
agrícola trouxe grandes vantagens ao Estado, intensificando a ocupação de vastas
áreas na região Norte, possibilitando o surgimento de dezenas de novos municípios
e de inúmeras empresas de pequeno porte que beneficiavam o produto, além de
ocasionar um surto demográfico de grandes proporções.
O aumento da população do estado acompanhou o avanço da
“frente pioneira” que ia integrando vastas áreas à agricultura
nacional e incorporando as terras férteis do Norte e Noroeste do
Paraná na “marcha do café”. Desta forma, o crescimento da
população do Paraná esteve associado, até a década de 1960, ao
aumento da população rural. Isto ocorreu devido à expansão
cafeeira que ali se verificou, provocando uma grande demanda de
65
PADIS, op. cit., 1981, pp. 185-186.
66
LUZ, op. cit., p.74.
53
53
mão-de-obra. A população do Estado, entre 1940 e 1970, cresceu
460,5%, enquanto a população rural aumentou 374%
67
.
Todavia, a expansão da cafeicultura estava mais vinculada à economia
paulista do que à paranaense o que causava preocupações aos governantes, pois,
além do escoamento de divisas para São Paulo, havia o risco da quebra da
integração do território.
A cafeicultura, nas regiões Norte e Noroeste, se constituiu em um pólo
moderno, dinâmico e capitalista, de importância nacional. Contudo, não conseguia
desenvolver a industrialização do Estado por estar vinculada à economia paulista,
que contava com um vasto parque industrial, cujo benefício advinha da venda
seus produtos industrializados e da compra de matéria-prima. Segundo PADIS, esta
característica da economia paranaense colocava o Estado em situação de periferia
frente à economia paulista e nacional. As áreas mais antigas de ocupação não eram
capazes de desenvolver uma agricultura dinâmica, quanto menos impulsionar a
industrialização neste período. Além da fragilidade do mercado interno não
contavam com capitais suficientes para tal empreitada
68
.
Esta situação comou a se alterar a partir do inicio da década de 1960,
quando o ciclo do café dava sinais de esgotamento e novas culturas agrícolas são
iniciadas, como a soja e o trigo. Estes produtos estavam mais vinculados às
atividades agroindustriais. A expulsão de pessoas do campo toma proporções
maiores no final da década de 1960 com a implantação, pelo governo federal, de
uma política de erradicação do café, cuja conseqüência mais grave foi a
considerável desocupação de mão-de-obra que trabalhava como meeiros ou
colonos nas fazendas de café do Norte e Noroeste do Estado.
Como conseqüência do final do ciclo do ca ocorreu a transferência em
massa de milhares de pessoas do campo para as cidades, intensificando o processo
de urbanizão. As causas deste fenômeno residem na modernização da
agricultura, com a utilização em larga escala de máquinas e insumos, bem como, na
concentração da posse da terra, eliminando os pequenos proprietários. A
modernização da agricultura acarretará um aumento e homogeneizão da
67
LUZ, op. cit., p. 242-3.
68
PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo:
HUCITEC, 1981, p. 194. Indispensável consultar CANCIAN, Nadir Aparecida. Cafeicultura
paranaense 1900 – 1970. Curitiba: Grafipar, 1981.
54
54
produção, com menor utilização de mão-de-obra, vinculando a produção agrícola, de
forma mais objetiva, à agroindústria.
Muitas pessoas que viviam nas fazendas se dirigiram para as cidades
próximas e se tornaram trabalhadores volantes. A maior parte do contingente se
dirigiu para as regiões periféricas das grandes cidades paranaenses ou de outros
Estados como São Paulo, por exemplo. Também, foi comum a transferência de
muitas pessoas para regiões de novas fronteiras agrícolas no Mato Grosso,
Rondônia e outros Estados da Região Norte do país. Neste período, emigraram da
área rural paranaense cerca de 2.600.000 pessoas, tendo que se observar que
aproximadamente 1.200.000 destas deixaram o Estado
69
.
Em um curto espaço de tempo o Paraná passa de receptor de imigrantes para
expulsor de população. Na década de 1970, a população total do Estado permanece
praticamente a mesma, sendo sua taxa de crescimento populacional a mais baixa
dentre todos os Estados brasileiros (1,0% a.a.)
70
. Segundo France LUZ, a população
rural, que em 1970 representava 63,9% da população total, no ano de 1980 tinha a
sua participação reduzida para 41,48%. Esta diminuição, foi, assim, responsável
pelo esvaziamento populacional do estado. O crescimento verificado nos cleos
urbanos não foi suficiente para absorver o contingente expulso do campo. Isto é
comprovado pela migração de 1.160.839 habitantes do Paraná para outros Estados
brasileiros na década de 1970, dos quais 667.186, ou 57,5%, se dirigiram para o
Estado de São Paulo
71
.
A maior parte da população expulsa do campo que permaneceu no Parase
dirigiu para os grandes centros, buscando alternativas de trabalho. Ao analisar a
economia paranaense entre as décadas de 1960 e 1970, LEÃO afirma que,
O emprego urbano cresce rapidamente, atingindo o crescimento da
PEA 8,4% no Secundário e 6,9% no Terciário, sem evitar a
emigração. Da mesma forma, não impediu que parcela significativa
69
Sobre a emigração foram considerados os números presentes nos estudos de PADIS, Pedro Calil.
Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo: HUCITEC, 1981, LEÃO, Igor
Z. O Paraná nos anos setenta. Curitiba: IPARDES/Concitec, 1989, p. 49 e IPARDES. Paraná:
características demográficas e projeção da população, por microrregião, até 1990. Curitiba, 1983, p.
25. LUZ, France. As migrões internas no contexto do capitalismo no Brasil: a Micro-região
“Norte Novo de Maringá” – 1950/1980. Tese (Doutorado), USP, São Paulo, 1988.
70
IPARDES. Para: características demográficas e projeção da população, por microrregião, até
1990. Curitiba, 1983, pp. 25-6.
70
IPARDES. op. cit., 1983, p. 26.
71
LUZ, op. cit., p. 243.
55
55
deste emprego estivesse representada por ocupações mal
remuneradas e/ou não organizadas
72
.
Com base nos dados do Censo Industrial, organizado pelo IPARDES
73
, das
décadas de 1940 a 1980, verifica-se o aumento do pessoal ocupado neste setor,
sendo as indústrias que mais empregaram neste período as de madeira, metalurgia,
mecânica, mobiliário e produtos alimentares. Exceto o ramo de produção de
alimentos e a indústria xtil os demais eram espaços de trabalho praticamente
exclusivos para os homens. Contudo, a absorção da mão-de-obra na indústria não
foi muito elevada, pois, este setor ainda estava se constituindo visto que em 1960 o
Estado contava com 6.417 estabelecimentos industriais, passando para 10.885 em
1970 e 12.893 em 1975
74
.
Um dos fatores explicativos da pouca absorção de mão-de-obra pode ser o
caráter modernizante da indústria que se estabeleceu no Estado que, por esta
razão, utilizou mero mais reduzido de operários. Aliás, o que vinha ocorrendo
em todo país entre as décadas de 1950 e 1970 pelo tipo de expansão do parque
industrial brasileiro
75
. Realidade que dificultava principalmente o acesso das
mulheres a postos de trabalho no setor industrial, como esclarecem BRUSCHINI &
ROSEMBERG,
Calcada na inversão intensiva de capital e na utilização de tecnologia
sofisticada, esta expansão teria provocado tanto o crescimento mais
lento de novas oportunidades de emprego, quanto a necessidade de
mão-de-obra mais qualificada, requisito que a mulher raramente
pode satisfazer, pois, tem tido menos acesso do que o homem a uma
formação profissional adequada às novas exigências do mercado
76
.
Para os pesquisadores do IPARDES,
72
LEÃO, op. cit., p.49.
73
Cf. IPARDES. Séries retrospectivas do Paraná: dados históricos da indústria (1940 1980).
Curitiba, 1993, p. 251, BRASIL. Censo Industrial de 1960: Paraná - Santa Catarina – Rio Grande do
Sul (Série Regional – vol. III/ Tomo VII). Rio de Janeiro: IBGE, 1960 e BRASIL.. Censo Econômicos
de 1975: Censo Industrial do Para(Série Regional vol. 2/ Tomo 18). Rio de Janeiro: IBGE, 1979,
pp. 2-4.
74
BRASIL. Censo Industrial de 1960: Paraná - Santa Catarina – Rio Grande do Sul ( Série Regional
vol. III/ Tomo VII). Rio de Janeiro: IBGE, 1960, pp. 2-21 e BRASIL. Censo Econômicos de 1975:
Censo Industrial do Paraná (Série Regional – vol. 2/ Tomo 18). Rio de Janeiro: IBGE, 1979, pp. 2-4.
75
Interessante consultar: SILVA, Sergio. Expansão Cafeeira e origens da indústria no Brasil. São
Paulo: Alfa-Omega, 1976.
76
BRUSCHINI, Maria Cristina & ROSEMBERG, Fúlvia (Org.). Trabalhadoras do Brasil. São Paulo:
Brasiliense: Fundação Carlos Chagas, 1982, p. 14.
56
56
Se a agricultura expulsou trabalhadores, a indústria por seu turno,
apesar das altas taxas de expansão de seu emprego, incorpora
reduzido número deles. Assim, se o emprego industrial cresceu
cerca de 8,9% ao ano entre 1970 e 1975, o número de
trabalhadores na indústria cresceu de 111.973 para 171.267
77
.
Os dados que se traduzem no aumento significativo do número de
estabelecimentos industriais, contrastam com o nível de aumento de trabalhadores
ocupados no setor, também justificado pelo tipo de indústria que se instalou no
Estado.
Concomitante, entre 1950 e 1960, foram várias as tentativas para dinamizar a
industrialização no Paraná. PADIS acredita que tenha ocorrido um erro de
planejamento, ou de visão dos governantes, pois, estas iniciativas foram feitas
seguindo os passos da economia nacional, como assinala:
Portanto, pode-se dizer, à época em que o Estado do Paraná
ensaiou os primeiros passos a caminho da industrialização, e ele o
fez tentando imitar ou seguir os percorridos pelo processo de
industrialização nacional, isto é, a através da substituição de
importações. Entretanto, é de consenso geral que esse processo
praticamente se esgotou no início da década de 60. A partir de
quando a taxa de crescimento da oferta dos produtos industriais
declinou de forma permanente, pelo menos até fins de 1967 ou
começo de 1968. Porém, no caso paranaense, o fenômeno ainda foi
mais acentuado, pois a maior parte das indústrias instaladas era do
ramo alimentício, cujo mercado, como se viu, havia cerca de 15
anos era suficientemente atendido pela produção nacional
78
.
Desta forma, a década de 1960 não foi propícia ao desenvolvimento da
indústria no Paraná, apesar de investimentos em infra-estrutura (especialmente após
o desenvolvimento do Plano de Metas, no governo de Juscelino Kubitschek). Quase
toda a década foi marcada por forte crise na economia nacional, o que se refletia no
Estado, que retomou seu crescimento somente a partir dos anos de 1967 e 1968.
Em consonância com o novo modelo de economia planejada, o governo do
Estado criou, em 1962, a CODEPAR - Companhia de Desenvolvimento Econômico
do Paraná -, cujos objetivos principais eram financiar obras de infra-estrutura no
setor blico e projetos industriais do setor privado gerador de renda
79
. Esta
77
IPARDES, op. cit., p.18.
78
Ibid., p.199.
79
AGUIAR, Ricardo Werneck de. Paraná: 1961-1965, Curitiba, [s. n.], [19 - -], p. 85.
57
57
companhia foi transformada no Banco de Desenvolvimento Econômico do Paraná -
BADEP, em 1968
80
.
Durante a cada de 1970, com a ditadura militar, os poderes locais perdem
boa parte da autonomia, sendo subordinados aos interesses da União e de seus
tecnocratas que, com o “sucesso do milagre econômico”, assumem um modelo de
gerenciamento da coisa pública dita empresarial, representados pelo Plano Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (PND). Neste contexto, só recebiam verbas
do governo central os Estados que desenvolvessem iniciativas vinculadas aos
interesses nacionais.
Os governantes do Paraná assumiram integralmente o modelo de
gerenciamento estabelecido pelo governo militar, adotando estratégias de
planejamento de desenvolvimento econômico para o Estado.
Sendo assim, o setor industrial até o início dos anos 1970 era pouco
importante e pouco dinâmico, tanto em nível nacional como estadual. Sua
participação no total da indústria nacional era de apenas 3,0% e vinha decrescendo,
comparando-se com 1907, este índice era de 4,5%. No entanto, as empresas
existentes eram extremamente especializadas em poucas atividades. Em análise do
PLADEP - Plano de Desenvolvimento Econômico do Para-, em 1958, a indústria
paranaense continuava vinculada à agricultura através do beneficiamento de
produtos como a erva-mate, a madeira e o café
81
. Esses dois últimos representaram
neste ano 68,9% da produção total da indústria paranaense, e, no ano de 1970,
representaram 53,9%
82
. Como demonstra o quadro nº 3, entre as décadas de 1970 e
1980 a indústria superou a agricultura e o setor de serviços na arrecadação de
renda.
80
Em nível municipal tal postura objetivou-se pela criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba - IPPUC -, em 1965, como indutor das políticas de urbanização, transporte
coletivo e racionalização do espaço urbano (regulando o uso do solo e direcionando o crescimento
físico da cidade).
81
Interessante consultar: CANCIAN, Nadir Aparecida. Conjuntura econômica da madeira no Norte
do Paraná. Dissertação (Mestrado em História), UFPr, Curitiba, 1974. A autora desenvolve
significativo estudo sobre a madeira, destacando, de modo comparativo, a produção de café nas
micro-regiões e no Estado do Paraná.
82
IPARDES – FUNDAÇÃO ÉDISON VIEIRA. O Paraná: economia e sociedade. Curitiba, 1981, p. 42.
58
58
Quadro nº 3
Evolução da renda interna por setores econômicos:
Paraná (1970-1980).
ANOS AGRICULTURA INDÚSTRIA SERVIÇOS MÉDIA
1970 100 100 100 100
1971 175 119 118 132
1972 194 173 140 159
1973 214 230 176 195
1974 275 270 200 231
1975 285 293 228 253
1976 207 364 272 271
1977 314 418 275 309
1978 228 483 270 295
1979 235 489 293 311
1980 253 580 315 344
FONTE: IPARDES.
Na década de 1970, apesar de o beneficiamento de produtos agrícolas
persistir como o ramo forte da economia, foi perdendo importância relativa no seu
decorrer e o setor industrial inicia um processo de grande crescimento. Se, antes era
rudimentar, baseado no processamento de produtos agrícolas e utilizando-se de
tecnologias pouco elaboradas, ocorreu a diversificação no tipo de instrias com a
instalação de novos ramos como de material elétrico, de comunicações, de química,
de material, de transporte e de fumo
83
. Entretanto, as indústrias de maior
importância econômica eram de minerais o metálicos, madeira, papel e papelão,
química, têxtil e produtos alimentares. Estes ramos industriais juntos respondiam por
76,1% do valor de transformão industrial no Estado neste período.
A partir desta década, o Paraná se industrializa pautado por um modelo de
indústria diferente daquele da década de 1950. A maioria das indústrias instaladas
era de capital estrangeiro ou, oriunda de outros Estados, contava com grande
capacidade financeira e padrão tecnológico, de características oligopolísticas, o que
impunha uma longa diferença na concorrência com as pequenas empresas
existentes, ocasionando não raras vezes o seu desaparecimento
84
.
Quanto à localizão das indústrias paranaenses, no período anterior a
década de 1970, estava mais distribuída espacialmente. Porém, com o surgimento
83
CESARIO, Ana Cleide Chiarotti. Industrialização e pequenos empresários em Londrina.
Curitiba: Grafipar, 1981.
84
IPARDES, op. cit., 1981, p. 44.
59
59
de grandes empresas, elas se concentraram em poucas cidades de grande e médio
porte como Curitiba, Londrina e Maringá, sendo que as cidades do interior por
estarem mais próximas de fontes de matéria-prima continuaram a se dedicar aos
ramos tradicionais da agroindústria
85
. As indústrias não tradicionais - entendidas
aqui como novas - se concentraram principalmente na área metropolitana de Curitiba
e na Cidade Industrial de Curitiba (CIC)
86
.
Vários fatores explicam o dinamismo do setor industrial no Paraná, a partir
dos anos 1970 como: razoável rede de rodovias, ferrovias, porto marítimo, oferta de
energia elétrica, incentivo econômico e político de instituições estatais em apoio à
industrialização, como foi o caso da CODEPAR, a existência de uma agricultura
moderna que permitiu o surgimento da agroindústria e o desenvolvimento de outros
setores como, por exemplo, a indústria mecânica pesada e a química em atividades
de correção do solo, adubos e inseticidas
87
.
Naquela época, a disponibilidade de uma retaguarda física (infra-
estrutura) e financeira (BADEP) - montada na cada de 1960, com
recursos da CODEPAR, ou, mais precisamente, do Fundo de
Desenvolvimento Econômico (FDE) em condições de crescimento
acelerado da economia brasileira facilitou a ocorrência da
modernização agrícola e agro-industrial do Estado e a instalação de
um pólo cimenteiro na Região Metropolitana de Curitiba (RMC),
sobretudo entre 1970 e 1975. no segundo qüinqüênio dos anos
1970, o prosseguimento da diversificação da agroindústria e a
implantação da CIC e da Repar
88
permitiram ao Parareproduzir,
de maneira ampliada, parcela da desconcentração industrial
experimentada pelo país no intervalo 1975-1978, durante o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND), no governo Geisel
89
.
Assim, percebemos que a economia do Estado do Paraná, na maior parte de
sua história, esteve ancorada no setor primário e orientada aos interesses do Estado
de o Paulo. A industrialização é recente no Estado, tornando-se mais dinâmica
somente a partir da década de 1970, quando o atraídas várias empresas de
grande porte, de ramos mais modernos da economia que, na maioria das vezes, se
concentraram na cidade de Curitiba ou em sua região metropolitana. Entretanto,
85
Consultar FIRKOWSKI, Olga Lúcia Castreghini de Freitas. A Nova Territorialidade da Indústria e
o Aglomerado Metropolitano de Curitiba. Tese (Doutoramento) USP, São Paulo, 2001.
86
Na década de 1970, a principal ação política para a reorientação da economia municipal foi a
criação da Cidade Industrial de Curitiba.
87
IPARDES – FUNDAÇÃO ÉDISON VIEIRA. O Paraná: economia e sociedade. Curitiba, 1981, p.51.
88
Refinaria de Petróleo de Araucária.
89
LOURENÇO, Gilmar Mendes. Economia paranaense: rótulos históricos e encaixe recente na
dinâmica brasileira. Análise Conjuntural. V. 26, n. 11-12nov./dez. 2005, p.8-14, p.8.
60
60
Ao lado do desenvolvimento tecnológico por que passou a economia
paranaense, intensifica-se o empobrecimento dos estratos inferiores
da populão. Surgem aí, com maior expressividade que nas
décadas anteriores, os trabalhadores volantes (ou bóias-frias), os
favelados, os meninos de rua, os subempregados
90
.
Com a concentração do maior mero de indústrias na capital do Estado,
sendo esta a cidade economicamente mais dinâmica, o fluxo de pessoas para esta
área foi muito expressivo, a partir da segunda metade do século XX. Este fatores
forçaram sua urbanização e a necessidade de gerenciar problemas derivados de
seu crescimento. Torna-se relevante neste estudo observar a evolução do
crescimento populacional, urbano e industrial de Curitiba, para entendermos com
maior clareza o contexto em que estavam inseridos homens e mulheres
trabalhadores.
1.3 Curitiba: a modernidade urbana.
A transição do século XIX para o século XX revela um alento no
desenvolvimento populacional da cidade de Curitiba, escassamente povoada até
então. O significativo aumento do número de habitantes deve ser creditado,
principalmente, à política de imigração que fora encabeçada pelo governo imperial e
pelas oligarquias paulistas, com o objetivo de substituir a mão-de-obra escrava pelo
trabalho livre do europeu
No Paraná, a imigração de europeus ainda atendia a outros interesses. Entre
os principais, se inscreviam: Intensificar a ocupação do território do Estado,
aumentar a produção de alimentos para abastecer as cidades e outras áreas do país
onde a produção fosse dedicada exclusivamente a produtos de exportação,
diversificar as atividades econômicas,. Sobretudo, contribuir para a urbanização da
capital era o ponto fundamental, tanto é que no inicio do século XX, a presença de
90
MAGALHÃES, Marion B. de. Paraná: política e governo. Curitiba: SEED, 2001, p. 84. (Coleção
História do Paraná: textos introdutórios).
61
61
imigrantes europeus era marcante na composição da população curitibana,
principalmente alemães, poloneses e Italianos
91
.
A maior parte dos imigrantes vivia em colônias nos arrabaldes da cidade.
Além de se dedicar à agricultura, a maioria também era proprietária de pequenas
indústrias, geralmente pequenas empresas domiciliares, como charutarias,
colchoarias, curtumes, olarias, mercearias, moinhos, padarias, serrarias etc.
92
. Os
setores industriais de maior importância econômica ou de proporção, tamm, eram
compartidos entre brasileiros e imigrantes, como afirma TRINDADE:
Divididas entre as etnias presentes na cidade, as indústrias
espelham a hierarquia local; brasileiros e imigrantes disputam a área
nobre da madeira, do mate e dos cereais; os alemães predominam
nas bebidas, nas fundições, nos veis, couros, vestuário; e estão,
de resto, presentes na maioria das atividades fabris; italianos e
poloneses concorrem na área de alimentos
93
.
As mulheres imigrantes foram, no início do século, partes integrantes da mão-
de-obra dos setores mais prósperos da economia curitibana, participando ativamente
em várias atividades,
Dentre a categoria operária que então se conforma, as mulheres
representam um número significativo na força de trabalho. No interior
dos engenhos de mate, das fábricas de cerveja, de balas, de
bolachas, de vidro, porcelana e charutos, elas se alinham em
aventais de sarja incolor, toucas brancas à cabeça e simples
chinelas, sobre o olhar vigilante do contramestre. É presença
também constante no amanhecer da cidade, dirigindo-se,
apressadas, ás lojas, escritórios, hospitais ou escolas, e
confundindo-se com a atividade tradicional das colonas no comércio
das frutas e verduras. Tem lugar reservado no comércio da urbe: nos
balcões das lojas de tecidos e armarinhos de calçados e de
brinquedos; nas numerosas confeitarias e nos ateliers das modistas
94
.
No início da década de 1940, Curitiba contava com cerca de 140.000
habitantes, cifra que comportava um processo de êxodo rural para o urbano-
91
Ver MARTINS, Wilson. A invenção do Paraná: a presidência de Zacarias de Góes e Vasconcelos.
Curitiba: Imprensa Oficial, 1999, p. 36; TRINDADE, Etelvina M. de Castro. Clotildes ou Marias:
mulheres de Curitiba na Primeira República. Tese (Doutorado em História), Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1992, p. 216 e MAGALHÃES, Marion B. de. Paraná: política e governo. Curitiba:
SEED, 2001, pp. 30-32. (Coleção História do Paraná: textos introdutórios).
92
Ibidem, p. 216.
93
Trindade, Etelvina M. de Castro. Clotildes ou Marias: mulheres de Curitiba na Primeira República.
São Paulo,1992. Tese (Doutorado em História) Universidade de São Paulo, p. 216.
94
Ibidem, p. 217.
62
62
industrial. Contudo, sua economia ainda era muito vinculada à produção agrícola
das colônias de imigrantes em seus arredores. Doravante, tentava-se construir o
mito da cidade próspera e moderna, cuja maior vantagem dava-se na união entre a
agricultura e a indústria.
Apesar do crescimento populacional, BOSCHILA destaca que eram poucos
os trabalhadores da indústria, cerca de 12.000 operários, sendo somente 11,5%
deste percentual de mulheres, isto pode ser explicado pela característica da indústria
curitibana deste período, como aponta esta pesquisadora:
No entanto, a partir de um olhar mais atento na documentação sobre
as indústrias em atividade no período, conclui-se que a maior parte
delas poderia ser enquadrada no ramo de oficinas artesanais, ou
empresas domiciliares, de pequeno porte, como alfaiataria as,
carpintarias, barricarias, olarias, padarias, tinturarias, funilarias,
curtumes, engenhos de erva-mate, fábricas de banha, de sabão, de
vinho, etc.
95
.
No início dos anos 1950 a população de Curitiba era de aproximadamente
174.000 habitantes, cuja metade vivia na área central da cidade, cerca de 30%
viviam nos subúrbios e 19% na área rural. A cidade ainda contava com número
reduzido de estabelecimentos industriais, perfazendo cerca de 300
empreendimentos
96
. No entanto, se firmava como centro administrativo do Estado,
principalmente a partir da construção do Centro Cívico, em 1952, e diversas obras
públicas,
A construção dessa obra se coloca como um marco das
potencialidades locais, o da ação modernizadora do governo, que
investe sobre a construção de um "lugar de poder". Esse
empreendimento é composto por uma série de obras capazes de
dizer por si só da existência de um governo, de um centro que
administra as demais regiões. São elas: Palácio do Governo,
Residência do Governador, Palácio da Justiça, Tribunal de Júri,
Tribunal Eleitoral, Edifício das Secretarias, Plenário e Comissões da
Assembléia, Teatro Guaíra, Biblioteca Pública, Colégio Tiradentes,
avenidas de acesso ao Centro Cívico, Praça do Centenário e
Monumento do Centenário, edifícios para sediar o Legislativo
97
.
95
BOSCHILIA, Roseli T. Condições de vida e trabalho: a mulher no espaço fabril Curitiba ano
(1940-1960). Curitiba: Universidade Federal do Paraná-UFPR, 1996, (Dissertação de Mestrado), pp.
13-14.
96
Ibidem, p. 19.
97
MAGALHÃES, Marion B. de. Paraná: política e governo. Curitiba: SEED, 2001, p. 63. (Coleção
História do Paraná: textos introdutórios).
63
63
A materializão destes espaços expressava a necessidade de estabelecer
entre os habitantes da capital e os do restante do Estado que existia um centro de
poder de onde partiam todas as decisões e convergiam todos os interesses. Neste
caso, a população deveria reconhecer seus governantes e seus espaços dentro da
cidade.
Além da sede administrativa do Estado, Curitiba também era destacada pela
imprensa local e pelos representantes políticos como capital intelectual, cultural e
cidade universitária.
Os personagens que desfilam nestas páginas, são os novos moços,
que chegam em sua maioria de outros Estados, de São Paulo, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, bem como do Mato
Grosso, Paraíba, enfim do Brasil inteiro e alguns procedentes do
exterior, isto por que não vagas nas Universidades mais próximas
e mesmo porque a fama de Curitiba como cidade universitária já
alcançou todas as fronteiras do país, (...) Em Curitiba notamos todas
as características de uma cidade de estudantes. Participam
ativamente em todos os setores de sua vida animam as diversões,
o comércio depende deles em grande parte, as reuniões sociais que
eles promovem - enfim, se os estudantes deixassem Curitiba, a
cidade perderia seu colorido sua vivacidade e sua fama de uma das
capitais mais cultas do país, ou melhor, de ser a única cidade
universitária do Brasil
98
.
No início da década de 1960, Curitiba contava com 356.830 habitantes e uma
taxa de urbanizão de 98,44%, ou seja, as áreas rurais da cidade haviam se
extinguido. Assim, a paisagem urbana da cidade sofreu grandes transformações. O
significativo crescimento populacional, a escassez de novas moradias, a demanda
por investimentos públicos em infra-estrutura, passam a compor uma nova pauta
para o desenvolvimento urbano da capital. Tais circunstâncias, associadas aos
interesses econômicos de governantes e industriais são elementos explicativos e
justificadores para a proposição de um plano de desenvolvimento, ao qual se
associavam vantagens econômicas. Neste sentido,
A modernização urbana de Curitiba se fez num contexto nacional de
ascensão das forças burocrático-militares e de fortalecimento da
ideologia do planejamento racional e, especialmente, da crença no
poder da Arquitetura e do Urbanismo no ordenamento do espaço e
98
REVISTA GUAÍRA, n. 15, Curitiba, Junho de 1950, p. 45 Apud TRINDADE, Etelvina M. de Castro;
ANDREAZZA, Maria Luiza. Cultura e educação no Paraná. Curitiba: SEED, 2001, p. 100. (Coleção
História do Paraná: textos introdutórios).
64
64
na (trans)formação do comportamento das camadas mais pobres da
população
99
.
O processo de planejamento, que teve início em 1965, e a presença do
Estado, como indutor de desenvolvimento fizeram com que Curitiba se estruturasse
como cidade. Em fuão de seu perfil, a cidade fora contemplada com um plano de
desenvolvimento o Plano Agache elaborado ainda sem as premissas do
Movimento Moderno
100
.
Na década de 1960, o governador Ney Braga procurava implementar um
planejamento econômico que possibilitasse industrializar o Estado, de modo a não
depender exclusivamente de sua agricultura, na ocasião praticamente uma
monocultura do café. Curitiba, por sua vez, evidenciava as dificuldades do Plano
Agache diante do intenso crescimento que se apresentava para a cidade. A década
de 1960 se configurou como a fase de planejamento da cidade, pois, Curitiba
comava a entrar na história dos Planos Diretores e sua experiência seria modelo
para outras cidades do Brasil. Alguns fatores são marcantes: a eleição de Ivo Arzua
para a prefeitura (1962); a proposta de revisão do Plano Agache; a criação, em
1963, da Companhia de Urbanização de Curitiba (URBS); a decisão da Companhia
de Desenvolvimento do Paraná (CODEPAR), em 1964, de financiar a revisão do
Plano Agache; a contratação de um novo plano diretor para Curitiba, em 1964.
O Plano Preliminar de Urbanização (PPU), elaborado em 1965, teve como
coordenador o urbanista paulista Jorge Wilheeim. Modificado para Plano Diretor de
Curitiba (PD), em 1966, foi executado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba (IPPUC)
101
. Segundo SOUZA, a referência teórica que
99
SOUZA, Nelson Rosário de. Planejamento urbano em Curitiba: saber técnico, classificação dos
citadinos e partilha da cidade. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 16, jun. 2001, p.107-122,
p. 107.
100
O plano de Alfred Agache (1943) para Curitiba, elaborado segundo o paradigma da City Beautiful,
do século XIX, refletia suas experiências para cidades como Chicago, Camberra, Rio de Janeiro,
entre muitas outras, tendo como referência e exemplo de modernidade, o Plano para Paris (1850), O
Plano representou a primeira tentativa de ordenação da cidade vista como um conjunto. A
organização da cidade através de Centros Funcionais; o conceito de Zoning, ou zoneamento; a
adoção de um Código de Edificações, implantado em 1953, que permitia a execução de novos
edifícios com adequadas soluções sanitárias; e principalmente um novo desenho urbano a ser
conseguido através de um Plano de Avenidas - foram as principais propostas do Plano Agache.
GNOATO, Luis Salvador. Curitiba, cidade do amanhã: 40 depois. Algumas premissas teóricas do
Plano Wilheim-IPPUC. “1º Seminário de Cidade Contemponea Curitiba de Amanhã 40 anos
depois (1965-2005)”, Curitiba, 2005.
101
A síntese do planejamento urbano desenvolvida pelo IPPUC, a partir das diretrizes de Wilheim, se
baseou no tripé: uso do solo, transporte coletivo e circulação. Uma nova lei de zoneamento, aprovada
em 1975, durante a gestão do prefeito Saul Raiz, passou a ser defendida e mantida pelos urbanistas
da prefeitura. Nesta lei, o uso do solo, seus desdobramentos de coeficiente de aproveitamento e de
65
65
predominou no planejamento urbano de Curitiba foi a modernista. Suas principais
características eram: a divisão da cidade em zonas funcionais excludentes, o
alargamento das ruas transformando em avenidas, a hierarquização do sistema
viário, a construção da cidade como um todo orgânico e a classificação da
população conforme suas necessidades (classificadas por técnicos)
102
.
Neste sentido, o urbanismo modernista reforça as relações de poder, uma vez
que em sua matriz teórica já está carregado de pressupostos que visam a divisão de
certos espaços, integrando ou bloqueando outros, reforçando a hierarquia e a
segregação social, ainda, busca a normalizão dos comportamentos
103
. As
necessidades da população são pensadas a partir do olhar distante dos técnicos e
os bens comuns e equipamentos urbanos (parques, praças, bibliotecas públicas etc.)
o distribuídos conforme o jogo de forças e poder material e simbólico dos grupos
sociais.
Assim, o Plano Diretor de Curitiba visava o desenvolvimento econômico e a
valorização imobiliária de edifícios e terrenos nas áreas centrais o que, apesar do
caráter modernizante, acarretava em desapropriações e indenizações realizando um
verdadeiro “saneamento” da área central, expulsando as pessoas das camadas
subalternas economicamente
104
.
O planejamento partia da idéia de que a parte central da cidade, que foi
colonizada principalmente por imigrantes de origem européia, era “saudável, sem
problemas graves de urbanização e organizão, e, por isto esta área deveria
receber maiores investimentos, pois, estes locais tinham uma vocação natural ao
crescimento. Em contra partida, as áreas ocupadas após a década de 1950 por
migrantes nacionais, foram consideradas portadoras de inúmeros problemas, cujo
investimento seria elevado, e o retorno em aspectos lucrativos (de valorização dos
altura dos edifícios, estava atrelado às concepções dos Eixos Estruturais e do Sistema de Transporte
Coletivo. GNOATO, Luis Salvador. Curitiba, cidade do amanhã: 40 depois. Algumas premissas
teóricas do Plano Wilheim-IPPUC. “1º Seminário de Cidade Contemporânea Curitiba de
Amanhã 40 anos depois (1965-2005)”, Curitiba, 2005.
102
SOUZA, op. cit., p.108.
103
Ao eleger a racionalidade técnica urbanística como único instrumento capaz de superar as
contradições capitalistas, inclusive a divisão da sociedade em classes, o urbanismo modernista
revelou-se utópico. A utopia de gerar uma igualdade social a partir do planejamento urbano, sem a
necessidade de transformar o modo de produção, ou sequer mexer no regime da propriedade
privada, dinamizou, em muitos casos, uma engrenagem autoritária. No contexto de valorização da
racionalidade técnica o agente urbanista apareceu como autoridade acima dos conflitos e da
sociedade política, uma vez que se apresentou como portador da verdade única sobre a cidade e
seus habitantes. SOUZA, op. cit., p.109
104
Ver SILVA, Maclóvia Corrêa da. O Plano de Urbanização de Curitiba (1943 a 1963) e a
valorização imobiliária. Tese (Doutorado) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
66
66
terrenos) baixíssimo. Esta categoria de migrante era responsabilizada pela ocupação
indisciplinada destas áreas, o que tornava a ação do poder público mais difícil. A
estas últimas áreas (rego Sul da cidade) foram agregados valores negativos como:
o alto custo, o atraso, o inorgânico e o irracional.
O critério utilizado pelos cnicos do P.D. para realização de investimento nos
bairros foi a densidade demográfica. As áreas centrais, locais de maior densidade,
seriam mais bem assistidas. O planejamento colocado em prática pelo P.D.
conseguiu garantir o crescimento do centro da cidade, não isolando a população
subalterna, pois, construiu vias de acesso rápidas combinando as grandes avenidas
com a BR- 116, cumprindo um papel estratégico de proteção, expansão e
valorização dos espaços nobres. Diferente, portanto, de outras cidades que
cresceram de forma desordenada criando um cinturão de pobreza em volta do
centro organizado
105
.
Não somente a questão urbanística fazia parte do planejamento de Curitiba,
neste momento, a produção agrícola não era importante para a economia da
cidade e sim a industrial. Segundo Dennison de OLIVEIRA, a política de
desenvolvimento econômico implantada em Curitiba trás consigo duas
conseqüências: primeiro, a criação de várias agências de desenvolvimento (URBS;
CODEPAR etc.) e o comprometimento do governo estadual em ampliar o quadro de
técnicos em planejamento, que passariam posteriormente a ocupar posições de
destaque nas administrações estadual e federal. A segunda conseqüência foi a
constante interação destes técnicos (planejadores da administração pública) como o
empresariado industrial
106
. As elites dirigentes de Curitiba iniciam um processo de
organização da industrialização da cidade, cuja principal ação idealizada foi a
crião de um Distrito Industrial, que depois passou a ser conhecido como Cidade
Industrial de Curitiba (CIC).
A Cidade Industrial de Curitiba foi implantada somente em 1973, através de
uma parceria entre a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado. Ficou estabelecido
que a Prefeitura cuidaria da urbanização do terreno da CIC (terraplanagem,
pavimentação, desapropriação e venda de terrenos). O Governo do Estado se
encarregaria da implantação das demais obras de infra-estrutura, como água e
105
SOUZA, Nelson Rosário de. Planejamento urbano em Curitiba: saber técnico, classificação dos
citadinos e partilha da cidade. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 16, jun. 2001, p. 120.
106
OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: Ed. Da UFPR, 2000, p.
127.
67
67
esgoto, energia elétrica, telefone e telex utilizando-se da estrutura das empresas
estatais destes setores (SANEPAR, COPEL, TELEPAR), além, da concessão de
financiamentos para implantação ou expansão de empreendimentos industriais
através do Badep. Na venda de terrenos não foram contabilizados os custos com
urbanização, nem com desapropriações, o que significava que os poderes públicos
envolvidos na construção da CIC estavam dispostos a dinamizar a industrializão
de Curitiba através de subsídios
107
. A iniciativa da instalação da CIC teve aspectos
positivos para a economia de Curitiba e do Estado como aponta OLIVEIRA,
Depois da implantação da CIC, um número muito substancial de
indústria se deslocou para o pólo industrial, inclusive as tão
cobiçadas empresas de bens de capital. Correspondentemente,
alterou-se o perfil da economia urbana local, com significativo
aumento da sua participação no PIB industrial do Estado e com o
aumento do número de empregos gerados na indústria
108
.
O quadro abaixo nos evidencia a diversificação das atividades industriais e os
respectivos trabalhadores nelas envolvidos, ao longo de quatro décadas, e atesta os
novos rumos de seu desenvolvimento.
107
OLIVEIRA, Dennison de. Urbanização e industrialização no Paraná. Curitiba: SEED, 2001
(Coleção história do Paraná; textos introdutórios), p.39.
108
Ibidem, p. 61.
68
68
Quadro nº 4
Pessoal ocupado no setor industrial em Curitiba, conforme a atividade industrial:
(1949/1980).
PESSOAL OCUPADO
GÊNEROS DE INDÚSTRIA
1949
1
1959
1970
1980
Produtos de Minerais Não Metálicos
767
1.575
2.006
2.938
Metalúrgica 148
1.262
2.535
5.443
Mecânica 558
231
2.001
6.924
Material Elétrico e de Comunicação
439
494
3.958
Material de Transporte 80
615
855
4.045
Madeira 1.690
2.505
4.501
7.946
Mobiliário 1. 521
2.305
3.758
5 940
Papel e Papelão
35
415
1.795
Química 592
1.293
1.400
1 980
Produtos de Matérias Plásticas
23
571
1.915
Têxtil 781
1. 535
603
1.154
Vestuário, Calçados e Artef.,Tecidos
278
615
544
2.492
Produtos alimentares 1.641
2. 710
3.241
6.706
Bebidas 432
1. 060
1.080
967
Editorial e Gráfica 727
1. 418
2.398
3.040
Outras
2
1.392
2 488
2.487
4.086
FONTE: IPARDES, ries Retrospectivas do Paraná: Dados Históricos da Indústria 1940-80,
volume 1. Curitiba, 1993, p. 252.
(1) A informação se refere aos gêneros que correspondem a 80 % do valor da produção do município.
(2) Inclui os gêneros: farmacêuticos; perfumaria, sabões e velas; extração de minerais; borracha; couros e peles e produtos
similares; fumo e diversas.
Desta forma, entre as décadas de 1960 e 1970, a cidade de Curitiba tornou-
se um centro aglutinador de capitais, indústrias e população, passando a viver a
realidade dos planejamentos. O grande contingente do êxodo rural, homens e
mulheres, que se dirigiu para as grandes cidades, principalmente para a capital do
Estado, buscou alternativas de moradia e trabalho. Boa parte desta população
estava envolvida em atividades menos valorizadas e mais mal remuneradas.
Em 1970, era considerável a porcentagem de mão-de-obra empregada em
serviços domésticos em Curitiba, girando em torno de 10,2%. Neste mesmo ano,
4,8% dos trabalhadores eram pequenos vendedores de serviços, ocupações em que
a média de ganhos atingia apenas 57% do salário-mínimo, atividades onde
concentrava-se a maioria das mulheres trabalhadoras
109
. Situação que tamm se
configurava no setor industrial, onde grande parte dos trabalhadores na indústria de
109
LEÃO, op. cit., p.51.
69
69
transformação encontrava-se na situação de subemprego, sem registro em carteira e
recebendo menos que o salário mínimo
110
.
As condições de vida e de trabalho fizeram com que muitos recorressem à
Justiça do Trabalho, adensando o número de processos trabalhistas. Os números
referentes ao cenário nacional são indicativos de tais demandas. Na década de
1960, foram registrados 3.333.214 processos trabalhistas no país, e, na cada de
1970, um total de 4.827.884 processos. No Paraná, somente no ano de 1970, foram
recebidas 8.928 reclamões trabalhistas, foram solucionadas 10.228, dividindo-se
em: 2.951 conciliações, 778 reclamações totalmente procedentes, 1.211
parcialmente procedentes, 398 improcedentes, 2.619 aprovadas, nenhuma julgada e
outras 2.271
111
.
Não eram raras as histórias como a que consta na Ação Trabalhista 1058/66,
de 25 de julho de 1966, iniciada por seis mulheres que trabalhavam no Instituto
Brasileiro do Café (IBC). Elas se dirigiram à 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de
Curitiba, reclamando direitos trabalhistas como: 13º salário, férias, repouso semanal
remunerado e diferenças salariais, pois, todas tinham vencimentos inferiores ao
sario mínimo. Em seus depoimentos, foram unânimes em dizer que trabalhavam
como costureiras de sacos de café, que foram admitidas em 1963, ou seja, há três
anos, seguiam ordens de um tal Sr. Cruz, que reprimia seus atrasos e faltas; Que
ganhavam por peça produzida, a um preço de 10 Cruzeiros cada. Alegavam que
quando não tinham trabalho por causa da falta de matéria-prima para costurar ou
quando uma máquina quebrava o recebiam nada, o que ocasionava no final do
mês receber salário inferior ao mínimo estabelecido por lei
112
.
Em outra ação trabalhista foi relatado pelo advogado na petição inicial [...] que
foi admitida em 01/10/58 na função de enroladeira de balas, por tarefa, [...] que
trabalhava o expediente normal ou com horas extraordinárias, não conseguindo
perceber o salário mínimo, em face da falta de balas, da qualidade do papel, da
densidade das balas e etc. [...]
113
. Neste caso, tamm estava presente a falta de
condição de trabalho, indicando que apesar do esforço em tentar realizar o maior
110
LEÃO, Igor Z. O Paraná nos anos setenta. Curitiba: IPARDES/Concitec, 1989, p. 49.
111
BRASIL, Anuário Estatístico do Brasil 1971. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento e
Coordenação Geral: IBGE: Instituto Brasileiro de Estatística, v. 32, 1971, pp. 545 – 594.
112
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, processo
1058, 1966.
113
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba processo
698, 1960.
70
70
número possível de tarefas, ainda recebia menos que o salário mínimo. Também, na
ão número 462/63, a trabalhadora relata [...] que foi admitida em 1958 [...], nunca
recebeu férias ou fins de semana remunerados, recebia por cepos linchados [...]
depois de 5/11/63 não retornou ao trabalho por não receber o salário integral, mas
vales [...]. Parece que neste caso, o ganho era tão pouco que não valeria a pena
continuar trabalhando ou retornar à empresa para receber o dinheiro.
Em todas estas ações trabalhistas, evidenciam-se as condições de trabalho e
de ganho a que grande parte de trabalhadores curitibanos estavam sujeitos,
principalmente mulheres das classes subalternas. Mão-de-obra, constituída, em boa
parte por pessoas oriundas do campo, pouco preparadas para o trabalho urbano, em
um espaço e época de constituição do capital industrial, cujas oportunidades de um
bom emprego para os pouco qualificados eram escassas e, as de exploração
muitas.
Os dados nos possibilitam, de antemão, algumas perspectivas de abordagem
acerca do mundo do trabalho urbano no cenário da modernidade de Curitiba. Apesar
das condições de trabalho, da grande exploração a que estavam sujeitos, homens e
mulheres que constituíam a mão-de-obra urbana curitibana não estavam alheios aos
seus interesses, nem desinformados de como tentar assegurar seus direitos. Há que
se considerar as tensas relações de trabalho, em uma conjuntura ainda o tão
vigorosa da atividade industrial, bem, como, o desrespeito da legislação trabalhista
pelo patronato. Os embates de patrões e trabalhadoras, tencionados no cotidiano do
trabalho urbano/industrial e consolidados discursivamente junto a Justiça do
Trabalho do Paraná, na forma de processos trabalhistas, traduzem relações de
gênero e de poder. São, igualmente, reveladores dos pesos e das medidas na
aplicação da lei ao efetivo de mulheres trabalhadoras. Analisar tais construções
discursivas, buscar o penas as fissuras desses discursos, mas, sobretudo, as
insubmissões, inversões, improvisações e conflitos por eles omitidos é a tarefa da
próxima unidade.
71
71
UNIDADE II
A MULHER TRABALHADORA: ENTRE
PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES.
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas vêm e vão
Não em vão
As horas vão e vêm
Não em vão
Oswald de Andrade
2.1 O lugar das mulheres: representações entre os espaços blico
e privado.
Várias foram as imagens acerca das mulheres, elaboradas pelos
representantes dos mais variados seguimentos sociais, tais como: filosóficos,
científicos, religiosos, jurídicos etc. Estas imagens ganharam espaço principalmente
quando uma infinidade destas protagonistas pretenderam ingressar no espaço
público. Em alguns momentos foram estabelecidas para as mulheres, imagens de
desordeiras, selvagens, instintivas e pouco racionais. Em outras épocas foram vistas
como bruxas, loucas, a própria tentação, prostituta ou a Eva eterna.
Nas sociedades modernas e contemporâneas, as figuras da mãe e da dona-
de-casa foram outorgadas para as mulheres como sendo seus papéis ideais,
justificava-se essa afirmação dizendo que tais funções eram vocações naturais das
mulheres, que beneficiavam toda sociedade. A busca em legitimar estes papéis para
as mulheres, mãe e dona-de-casa se contradize com o papel da mulher
trabalhadora, uma vez que se evidenciava a intersecção entre o privado (casa/lar) e
72
72
o blico (fábrica/mundo do trabalho). Essas imagens percorreram um longo
caminho, principalmente no mundo ocidental, para se enraizarem no pensamento
social enquanto mbolos dotados de significações, portanto, instauradas como
representações
114
.
Segundo CHARTIER, a representação se expressa como a imagem, ou
imagens, de uma realidade empírica cuja existência material pode ser traduzida em
estratégias e práticas sociais. Desta forma, a representação é um instrumento de um
conhecimento imediato que faz ver um objeto ausente através de sua substituição
por uma "imagem" capaz de reconstituí-lo em memória ou de figurá-lo tal como ele
é
115
. Sendo assim, é representado aquilo que contém significado, que não está
presente fisicamente à nossa frente, mas constitui nossa própria maneira de ser, de
pensar e agir, dentro de contextos variados, definindo identidades não estanques.
Assim, é através deste processo de significação das representações que os
sujeitos constroem suas identidades. A representação coletiva articularia,
[...] três modalidades da relação como mundo social: primeiro, o
trabalho de classificação e de recorte que produz as configurações
intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente
construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade;
em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma
identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a
significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as
formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais
'representantes' (instâncias coletivas ou indivíduos singulares)
marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da
comunidade, da classe
116
.
Portanto, é através das representações, ou seja, os “modos de ver”, de dar
significado as coisas e discursos que as pessoas estabelecem práticas, seus “modos
de fazer”, que por sua vez determinam as identidades coletivas, que se traduzem
nas formas como os indivíduos ou grupos se posicionam no mundo. Neste sentido, a
construção das identidades pode ser entendida como resultando sempre de uma
relação de força entre as representações impostas pelos que detêm o poder de
114
PERROT, M. Mulheres públicas. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p. 8-9.
115
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p.20.
116
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia a História entre Certezas e Inquietude, Porto Alegre,
Editora da UFRGS, 2002, p. 73.
73
73
classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou de resistência, que cada
comunidade produz de si mesma
117
.
Desta forma, as representações situam-se em um nível de concorrências, em
um jogo de forças e de poder da qual resultam em apropriações. As apropriações,
por sua vez se expressam em maneiras de utilizão dos produtos produzidos
culturalmente e que são impostos aos grupos e pessoas. Para CHARTIER, a
apropriação esta inserida no campo dos usos e das interpretações, referidas a suas
determinões fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as
produzem
118
.
Nesta linha de racionio, BOURDIEU, aponta para a necessidade de compreensão
dos mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominão. As
representações fazem parte de um campo de lutas e de poder, no qual a que se considerar
as contribuições dos agentes sociais para construção de uma visão de mundo, de sua
própria posição neste mundo e de sua identidade social e sua imposição aos demais
indiduos ou grupos (por meio das representações), pois o mundo social é organizado
simbolicamente por estilos de vida diferentes. Estes mecanismos de coação e de direção dos
grupos sociais e pessoas o resultados, do que o estudioso denominou de violência
simbólica, que em suas palavras consiste na,
violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se
exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da
comunicação e do conhecimennto, ou, mais precisamente, do
desconhecimento, do reconhecimento, em última instância, do
sentimento
119
.
Mas em que momento das sociedades moderna e contemporânea o papel
das mulheres vinculadas ao espaço privado passa a ser valorizado? Como as
figuras da mãe e da dona de casa passam a ter importância no imaginário social?
Analisando a França do século XVI, no período da Reforma, Natalie Zemon
DAVIS diz que: diferente do que pensava-se, as mulheres das classes altas
participavam da vida econômica da cidade, atuando ativamente no espaço público.
Em suas palavras, DAVIS expressa que as mulheres desempenhavam desde a
117
CHARTIER, CHARTIER. À Beira da Falésia a História entre Certezas e Inquietude, Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2002, p. 73.
118
Ibid., p. 68.
119
Cf. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, passim.
Sobre a violência simbólica consultar BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, pp. 4555, BOURDIEU, op. cit., pp. 7-8.
74
74
supervisão das atividades de uma grande unidade doméstica a atividades
administrativas tais como: alugar ou vender propriedades, tomar dinheiro
emprestado junto a seu marido, disciplina de aprendizes e vendas diversas entre
outras coisas
120
.
Nas classes subalternas, a grande maioria das mulheres tinha emprego
próprio, desempenhavam elas uma infinidade de tarefas, tais como: ofícios têxteis,
de costura, de couro, venda de peixes e frutas, pinturas, partos, administração de
tavernas e pensões. Realizavam trabalhos domésticos muitíssimo mal pagos ou em
escavações e nas minas de carvão onde recebiam metade ou um terço que os
homens
121
. Constata-se então: a importância da presença feminina no espaço
público em um período de maior rigor na sociedade, predominando forte controle
religioso.
Todavia, a representação que foi construída sobre as mulheres no início da
Idade Moderna estava vinculada às transformações que a própria sociedade vinha
passando, de maior urbanização, mudanças políticas e religiosas com o advento da
Reforma Protestante e do desenvolvimento dos saberes com a medicina. Neste
contexto o sexo feminino era visto como “desregrado por natureza. Já neste período
as soluções para conter a personalidade feminina previam:
Treinamento religioso para emparelhar as rédeas da modéstia e da
humildade; educação seletiva para mostrar à mulher sua obrigação
moral sem inflamar sua imaginação indisciplinada ou soltar sua
língua em público; trabalho honesto para ocupar suas mãos – e leis e
normas que a sujeitassem a seu marido
122
.
Para DAVIS, tudo indica que essa sujeição foi gradualmente se ampliando,
pois entre os séculos XVI ao XVIII, a participação feminina no espaço público foi
ficando cada vez mais limitada, uma vez que, o papel da família patriarcal foi sendo
destacado. As mulheres casadas foram perdendo a independência que tinham antes
120
DAVIS, Natalie Z. Culturas do Povo: sociedade e cultura no início da França moderna. Rio de
Janeiro: Pa z e Terra, 1990, pp.67-68. No interessante trabalho Nas margens Três mulheres do
culo XVII, Natalie DAVIS ilumina a história de três mulheres que, vivendo nas margens da Europa
do século XVII, acabam desenhando surpreendente painel das condições da mulher e da cultura no
início dos tempos modernos. Trata-se das histórias de Glikl bas Judah Leib, Marie de L`Incarnation e
Maria Sibylla Merian, tecidas em campos religiosos distintos, e que vivendo na periferia dos centros
políticos da Europa, cujas trajetórias nos revelam muito mais sobre o nascimento do mundo moderno
que inúmeros documentos oficiais. DAVIS, Natalie Z. Nas margens Três mulheres do século XVII.
Tradução de Hildegarg Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
121
DAVIS, op. cit., p. 67.
122
Ibid, p. 108.
75
75
e menos direitos legais para tomar decisões próprias. A historiadora destaca que as
mulheres de famílias prósperas deixaram o trabalho produtivo e as mulheres pobres
cada vez mais ocupavam as atividades com as piores remunerações
123
.
Tamm em estudo sobre a França, contudo em período posterior, o século
XIX, Michelle PERROT destaca a ativa participação das mulheres e a necessidade
da sociedade burguesa patriarcal de definir os espaços de homens e mulheres na
hierarquia social, visto que a participação feminina era encarada com temor. A
historiadora ressalta que o culo XIX levou a divisão das tarefas e a segregação
sexual dos espaços ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir
estritamente o lugar de cada um
124
.
Corroborou com as representações sobre as mulheres o desenvolvimento da
ciência, uma vez que, a medicina e a biologia naturalista relacionaram o homem à
razão e a mulher à emoção. Argumentos científicos foram utilizados para justificar
que a presença da mulher deveria estar limitada ao espaço privado. Em
contrapartida, imagens como da boa mãe que educa os filhos, da administradora do
lar e da caridosa foram reforçadas. Desta forma, ocorre um movimento de
reeducação dos comportamentos femininos, como explica PERROT,
Esboça-se um triplo movimento no século XIX: relativo retraimento
das mulheres no espaço público, constituição de um espaço privado
familiar predominantemente feminino, superinvestimento do
imaginário e do simbólico masculino nas representações femininas.
Mas com algumas ressalvas preliminares. Primeiramente, nem todo
o público é masculino. A presença das mulheres tão forte na rua do
culo XVIII, persiste na cidade do século XIX, onde elas mantêm
circulões do passado, cercam espaços mistos, constituem espaços
próprios. Por outro lado, nem todo privado é feminino. Na família, o
poder principal continua a ser do pai, de direito e de fato [...] A
fronteira entre o público e privado é variável, sinuosa e atravessa a
mesmo o micro-espaço doméstico
125
.
O exposto acima indica-nos que mesmo com a presença das mulheres nos
espaços blicos, foi estabelecido, como lugar ideal para elas a casa, cujas funções
deveriam ser o cuidado com a família e os filhos. Cabe ressaltar que ambos os
casos eram lugares de reafirmão do poder masculino, tanto na rua como na casa,
cabia aos homens estabelecer as regras. Poder que era reforçado pelo
123
Ibid., p. 109.
124
PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988, p. 186.
125
PERROT, op. cit., p.180.
76
76
desenvolvimento de idéias como do "salário familiar", que pretendia garantir ao
trabalhador masculino a capacidade de sustentar toda família, evitando a
necessidade das mulheres de trabalhar fora de casa, consequentemente limitando o
acesso destas ao espaço público. Ao discutir o salário familiar estava-se propondo a
função do elemento masculino dentro da organização familiar como de “chefe da
casa”, o provedor do lar, estabelecendo a mulher e os filhos como seus
subordinados.
Assim, vemos que ao se configurar um novo tipo de sociedade, entre os
séculos XVI e XVIII, orientada por práticas capitalistas, consolidadas no século
XIX, uma nova imagem é formada sobre as mulheres e para elas. Eram imagens e
representações que, de certa forma, circulavam no mundo ocidental, guardando
semelhanças e permanências em diferentes épocas e lugares.
No Brasil, no período anterior ao advento da República (final do século XIX),
era notória a presença das mulheres nas ruas, sobretudo as escravas, libertas ou
brancas pobres. Muitas eram proprietárias de vendas - estabelecimentos comerciais
de pequeno porte - localizados nas periferias das cidades, onde comercializava
alimentos e bebidas alcoólicas. Lugar de intensa vida social, de circulação e de
reunião e que por vezes se iniciavam os levantes de escravos. As mulheres de
tabuleiro tamm eram figuras comuns que circulavam pelas cidades, geralmente
escravas de ganho, que negociavam quitutes e fazendas secas (tecidos e
ferramentas), setor de comércio praticamente dominado pelas mulheres
126
.
Mas foi a partir do final do século XIX e início do século XX, que o Brasil
passa por um processo de profundas transformões com o fim da escravidão, a
intensificação da imigração estrangeira, relativo crescimento industrial e urbano e a
Proclamão da República, que reorganizou as forças políticas. Com isto vêm à tona
novos projetos para uma nova sociedade, expressos através das idéias de
pensadores, poticos e idealizadores (entre eles os juristas), a maior parte
impregnada pelos referenciais das teorias positivistas. Estes irão utilizar diversos
meios para moldar a sociedade às novas realidades.
126
VENÂNCIO, Renato P. e FURTADO, Júnia F. Comerciantes, tratantes e mascates. In: PRIORE,
Mary.Del Revisão do paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.
103-106. Confira também: FIGUEREDO, Luciano. Mulheres nas Minas Gerais. In: História das
mulheres no Brasil. SP: Contexto/UNESP, 1997, p. 141-188, DIAS, Maria Odila da Silva.
Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. 2. ed.São Paulo: Brasiliense, 1995.
77
77
Os representantes das classes dominantes passaram a utilizar um novo
conjunto de símbolos com o objetivo de ajustar as classes subalternas às novas
realidades. Tornou-se tarefa das classes dominantes ajustarem os segmentos
populares à nova ordem, não somente na disciplinarização do trabalho, mas também
nas relações familiares e de lazer
127
. Neste sentido, que a família tornou-se um elo
importante para se chegar à normalização desejada, regenerando pais e filhos.
Temos então, que a partir da Proclamação da República um modelo único
idealizado para as mulheres foi encampado pelas elites dirigentes. Isto é, novos
hábitos, linguagem, comportamentos sociais e sexuais baseados no modo de vida
das mulheres da elite eram repassados às mulheres das classes populares,
tornando-se estes referências para o julgamento de desvios e para a aplicação de
punições por parte do poder público
128
.
Nas primeiras décadas do século XX, com o início da industrialização
brasileira, as mulheres passaram a freqüentar mais o espaço público através de seu
ingresso no mundo do trabalho das fábricas. A mulher sofre uma diversificação nos
seus papéis econômicos e sociais e sua atividade econômica fora do lar tende a se
afirmar no contexto do capitalismo. Vinculado ao processo de formação do mercado
de trabalho livre o trabalho feminino acentuou a exploração da força de trabalho,
mediante mecanismos pautados nos fatores sexo e idade. Considerado subsidiário
da atividade econômica do homem, o trabalho feminino era concebido como papel
complementar as deficiências do salário adulto masculino. Assim, o trabalho da
mulher esinserido em um contexto de desequilíbrio do orçamento doméstico, e é
de caráter subsidiário.
Esmeralda Blanco Bolsonaro de MOURA, em pesquisa sobre as condições de
trabalho da mulher e do menor na virada do século XIX para o século XX, em São
Paulo, enfatiza os fatores sexo e idade na dinâmica do capital, e analisa o discurso
que a classe dominante elabora a respeito do trabalho feminino, no qual a questão
da marginalidade social se insere e revela um projeto de dominação econômica,
social e política, bem como o modo de conceber e avaliar as camadas subalternas.
127
Cf. SOIHET, R. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana –
1890/1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
128
FONSECA, C. Ser mulher, mãe e pobre In: PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Ed. Contexto, 1997, p.518.
78
78
[...] a imagem da mulher contida nos discursos que têm como
objetivo o trabalho feminino, imagem que vincula-se à continuidade
do patriarcalismo, sem ser, portanto, específica do capitalismo,
deixa perceber o conteúdo ideológico oculto sob velhos rótulos
“rainha do lar”, “sexo frágil” na tentativa de preservar um
determinado tipo de comportamento feminino, tido como ideal.
Discurso de cunho moralista e filantrópico, tendem, via de regra, a
condenar socialmente o trabalho feminino, incorporando, em alguns
casos, posições bastante radicais com relação à atividade
econômica da mulher fora do lar. A imagem da mulher socialmente
construída, cujo verdadeiro reino deve ser o lar, tende a enfatizar, no
sexo feminino, a condição de sexo frágil e de reprodutora, num
verdadeiro processo de recondução da mulher ao desempenho,
unicamente, de seus primitivos papéis, biológicos, naturais”
129
.
O papel da "dona de casa era o mais ressaltado no imaginário e cobrado
para as mulheres pelos representantes do poder. Cláudia FONSECA, ao realizar
estudo em processos de guarda de menores em Porto Alegre, entre 1901 e 1926,
esclarece que:
A norma oficial ditava que a mulher deveria ser resguardada em
casa, enquanto os homens asseguravam o sustento da família
trabalhando no espaço da rua. Longe de retratar da realidade,
tratava-se de um estereótipo calcados nos valores da elite colonial, e
muitas vezes espelhados nos relatos de viajantes europeus, que
servia como instrumento ideológico para marcar a distinção entre as
burguesas e as pobres. Basta aproximar-se da realidade para
constatar que as mulheres pobres sempre trabalharam fora de casa.
Com a industrialização, chegaram, junto com as crianças, a compor
mais da metade da força de trabalho em certas indústrias,
notadamente nas de tecido
130
.
Como assinala a autora, a “norma oficial” apontava que as mulheres deveriam
estar resguardadas em casa, se ocupando dos afazeres domésticos para terem
direitos enquanto pessoas honradas e direitas. Aquelas que pertenciam às classes
subalternas viviam um dilema frente a moralidade oficial e sua dura realidade, pois,
para estas, mais importante era garantir a sobrevivência, conseguindo algum tipo de
trabalho fora do ambiente familiar. Entretanto, eram cobradas por isso, pois, estavam
sujeitas a suspeita de "mulher decaída" ou "desonesta". Com seu trabalho corriam o
risco de serem discriminadas como sendo mulheres da rua ou mulheres públicas
131
.
129
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Trabalho feminino e condição social do menor em São
Paulo (1890-1920). ESTUDOS CEDHAL (3), São Paulo, 1988, p.20.
130
FONSECA, C. Ser mulher, mãe e pobre In: DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no
Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1997, p. 516.
131
FONSECA, op. cit, p. 519.
79
79
A fábrica é representada enquanto meio desconhecido, cuja moralidade o
marido desconhece, cujo patrão pode ser explorador de mulheres. Em função de
uma preocupação com a autoridade de marido na relação família, associa-se o
trabalho fora do lar à imoralidade e o cerne da questão é a avaliação da moral
masculina. O papel social da mulher se consubstancia no contexto da ideologia
burguesa masculina através de sua subordinão ao homem, e nisso se explicita um
projeto de adequação do trabalhador à ordem burguesa. Neste contexto, a imagem
da mulher rainha do lar é realçada com novo valor: responsável pela manutenção da
ordem social
132
.
Margareth RAGO, destaca que estas representações sobre o trabalho
assalariado das mulheres tamm faziam parte do imaginário de outros seguimentos
sociais como médicos, jornalistas, até mesmo as feministas e os operários
acreditavam que estavam protegendo as mulheres afastando-as do espaço fabril,
como podemos ver por suas palavras,
O que mais chama atenção quando tentamos visualizar o passado
da mulher trabalhadora não é o discurso de vitimação, tão enfático e
recorrente na imprensa operária - que procurava, em geral, “formar”
o trabalhador, conscientizando-o e chamando-o para a luta
revolucionária. O que salta aos olhos é a associação freqüente entre
a mulher no trabalho e a moralidade social. No discurso de diversos
setores sociais, destaca-se a ameaça à honra feminina representada
pelo mundo do trabalho. Nas denuncias dos operários militantes, dos
médicos higienistas, dos juristas, dos jornalistas, das feministas a
fabrica é descrita como “antro de perdição”, “bordel ou “lupanar”,
enquanto a trabalhadora é vista como uma figura totalmente passiva
e indefesa. Essa visão esta associada, direta ou indiretamente, à
vontade de direcionar a mulher à esfera da vida privada “
133
.
Pelo exposto acima, pode-se perceber que quando a mulher rompe a fronteira
do espaço privado rumo ao mundo da fábrica é direcionado a elas todo um arsenal
cultural que procura restringir sua participação social, impondo-lhe representações e
valores justificados através da construção de um discurso moral sobre o sexo
feminino. Isto porque, com a instituição da sociedade burguesa o trabalho da mulher,
passou a ser visto como elemento degenerador da sociedade.
132
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Trabalho feminino e condição social do menor em São
Paulo (1890-1920). ESTUDOS CEDHAL (3), São Paulo, 1988, p.27-8.
133
RAGO, Luzia Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: DEL PRIORE, Mary. História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1997, p.585.
80
80
Para o Estado brasileiro, industriais, juristas e outros representantes do poder
a mulher, ao trabalhar, abandonaria a família e o cuidado com os filhos. Assim,
limitando o acesso feminino ao trabalho a sociedade estaria protegendo a família e a
prole, que contaria com seus cuidados. Por outro lado, a idéia que se tinha era que,
o trabalho da mulher fora de casa, demonstrava a incapacidade do homem em
garantir o sustento da família, por esta razão era descrito como uma atividade
lastimável. Quando isto não era evitado vinham à tona preconceitos patriarcalistas e
machistas, desqualificando as mulheres que trabalhavam fora do âmbito doméstico
como sem vergonhas ou prostitutas. Para garantir o status quo masculino o trabalho
feminino quase sempre era considerado como poupança para adquirir enxoval para
um futuro casamento, ou, se casadas, para complementar o salário do homem,
ainda que, na maioria das vezes, fosse a remuneração dela que garantia o sustento
da casa, principalmente, se o marido ficasse desempregado.
Tendo em vista a maior participação das mulheres no espaço público e no
mundo do trabalho fabril, nas primeiras décadas do século XX, estava em discussão
qual seria o tipo de trabalho adequado para elas. Médicos higienistas, juristas,
representantes do movimento operário, entre outros, cobravam uma legislação que
regulamentasse o trabalho feminino, fato ocorrido com a elaboração do Código
Sanitário de 1919.
Os objetivos eram justificados pelas péssimas condições de trabalho e o
elevado nível de exploração ao qual elas estavam sujeitas. Desta forma, foi através
de medidas que procuravam proteger o trabalho feminino e a maternidade que foi
colocado em prática o desejo de redirecionar a mulher trabalhadora de volta ao lar,
como demonstra RAGO:
Não é de admirar que as primeiras medidas da legislação referente
de ao trabalho feminino tenham sido tomadas tendo em vista sua
função de reprodução e de "Guardiã do lar". O Código Sanitário de
1919 proibia o trabalho de menores de 14 anos e o trabalho noturno
para as mulheres, reivindicações incluídas nas demandas da greve
de 1917. Em 1923, o Regulamento Nacional de Saúde Pública
facilitava a licença-maternidade pelo prazo de trinta dias, antes e
após o parto, e propunha a criação de lugares apropriados para a
amamentação nos locais de trabalho
134
.
134
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 69-70.
81
81
Tamm, através dos discursos médicos, foi reforçado o mito do amor
materno, o qual procurava persuadir as mulheres com a justificativa de que o amor
materno é um sentimento inato, puro e sagrado, e que a maternidade e a educação
das crianças realizavam sua vocação natural
135
. Nesse sentido, cabia à mãe
desempenhar um papel fundamental na família nuclear moderna: o cuidado com a
saúde das crianças, a higiene do lar, a preveão de doenças contagiosas, além da
formão do caráter das crianças. Vinculavam estas responsabilidades morais ao
engrandecimento da nação, pois, estava ao encargo das mulheres a formação do
caráter do novo trabalhador do país.
Munidos destes valores que os juristas elaboraram o digo Civil de 1916, no
qual ficou explicitada a institucionalizão e legitimação do patriarcalismo no Brasil.
Além da restrição dos direitos femininos quanto ao acesso ao trabalho e à
propriedade, legaliza-se o espaço do lar para as mulheres, e sua profissão como
sendo a de esposa, dona-de-casa e mãe de família. Juridicamente as mulheres só
poderiam trabalhar livremente a partir de 1943, mas, com a ressalva de que os
maridos tinham o direito impedi-las de continuar no emprego caso julgassem
suscevel de prejuízos os vínculos da família, ou se constituir perigo a suas
condições de mulher. Se solteira, o pai poderia alegar prejuízos de ordem física ou
moral. Neste sentido, o papel do Estado, através de seus representantes juristas, foi
de legitimador do poder masculino na família e de colocar empecilhos à participação
feminina na produção coletiva
136
. A emancipação da mulher somente ocorreu em
1962, com a lei n.º.121 (27/ 08/ 1962), denominada Estatuto da Mulher Casada, no
qual ficava garantido o direito de empregar-se sem autorização do marido.
Ao analisar as condições de vida e trabalho de mulheres no espaço fabril
Curitibano, entre as décadas de 1940 e 1960, Roseli BOSCHILIA, percebeu que a
maioria das mulheres apesar de ter trabalhado como operárias, após o casamento
negavam esta condição. Para estudiosa, o importante a reter era que, para a maioria
das mulheres entrevistadas, o trabalho como operárias representava um meio de
atingir rapidamente seus projetos de vida: o casamento. Sendo a maioria das
mulheres descendentes de imigrantes, culturalmente exigia-se a confecção de
enxoval razoável e a realização de uma grande festa para esta ocasião, o trabalho
135
RAGO, op. cit., p. 80.
136
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e trabalhadoras. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p.146-
150.
82
82
nas fábricas significava a oportunidade de obtê-las. BOSCHILIA esclarece que a
análise dos depoimentos mostra que todas, invariavelmente, buscavam o casamento
e a maternidade como projeto de vida, conforme demonstra através das palavras da
entrevistada Terezinha G.: não me lembro de nenhuma [mulher] continuar
trabalhando, aquele tempo não podia, porque achavam que era desmoralização,
porque já casada, já era outra vida, não podia trabalhar mais
137
.
Portanto, as representações construídas historicamente sobre o trabalho
feminino se enraizaram no imaginário com tal força, que nos anos de 1960 e meados
da década seguinte, ainda permaneciam culturalmente, para grande parte da
sociedade e das mulheres curitibanas, que seu papel na sociedade era de conseguir
o casamento. O casamento era uma forma de obtenção de status econômico e
social, estipulando o espaço privado como natural e não o mundo da brica. Ao
mesmo tempo, este tipo de pensamento encobria pressupostos ideológicos, pois
acreditavam que independente da origem social, universo cultural ou condições
materiais a maioria das mulheres procurava emprego por um período temporário,
que compreendia o intervalo entre a saída da escola e o casamento
138
.
Sendo assim, percebemos que historicamente foram criadas barreiras que
justificavam o espaço privado como o local “natural” das mulheres e elaboradas
representações sobre seu trabalho e permanência no espaço público, o que
favoreceu a constrão de uma identidade própria para a trabalhadora urbana.
Algumas pesquisadoras apontam para as características da identidade das mulheres
trabalhadoras, muito diferente da dos homens operários, pois estas raramente irão
participar das mesmas demandas sociais que os trabalhadores do sexo masculino
ou tinham representatividade junto a eles a este período. Bárbara WEINSTEIN, ao
se reportar às mulheres trabalhadoras de o Paulo indica a diferença de identidade
dentro da classe operária, pois, enquanto as imagens de uma conduta masculina
aceitável ou desejável reforçavam a identidade do operário, as da mulher faziam
exatamente o contrário
139
.
137
Apud BOSCHILIA, Roseli T. Condições de vida e trabalho: a mulher no espaço fabril Curitiba
ano (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Paraná-UFPR,
Curitiba, 1996, pp. 135-136.
138
BOSCHILIA, op. cit., p.158.
139
WEINSTEIN, Bárbara. As mulheres trabalhadoras em São Paulo: de operárias não qualificadas a
esposas profissionais. Cadernos Pagu - fazendo história das mulheres.(4). Campinas, Núcleo de Est.
de Gênero/UNICAMP, Campinas, 1995, pp. 147-171.
83
83
Considerando a fragilidade da Identidade de classe das mulheres
trabalhadoras podemos nos indagar sobre como foram elaboradas leis de proteção
do trabalho feminino no Brasil? E como as representações sobre o trabalho das
mulheres influenciaram na elaboração destas leis e normas, entendendo o campo do
Direito e da Justiça do Trabalho enquanto espaço simbólico de regulamentação e de
saber?
Na década de 1950, as mulheres representam apenas 23% da mão obra
utilizada nas fábricas, em todo o país. Contudo, a participação feminina no mercado
de trabalho cresceu, principalmente, no setor de serviços, escritórios, comércio e
atividades públicas. Os empregos apareciam em atividades com certa qualificação
como as de enfermeira, professora, vendedora, assistente social etc. BASSANEZI,
em seu estudo com base em periódicos destinados ao público feminino, percebeu
que as revistas aconselhavam as mulheres para que ao exercerem atividades fora
do lar não descuidassem da aparência ou da reputação pessoal e soubessem
manter a feminilidade. Ainda vigora um modelo de mulher pautado pelo casamento,
e vincado pelo papel da reprodão. Portanto, nos anos dourados, as distinções
entre os papéis femininos e masculinos, continuaram nítidas; a moral sexual
diferenciada permanecia forte e o trabalho da mulher, ainda que cada vez mais
comum, era cercada de preconceitos e visto como subsidiário ao trabalho do
homem, o “chefe da casa”
140
.
Neste período era comum as mulheres que trabalhavam interromper suas
atividades com o casamento ou a chegada do primeiro filho
141
. A constatação desta
situação fez surgir entre os estudiosos o conceito de ciclo vital, que compreende o
tempo das mulheres destinado ao trabalho fora do lar. Percebeu-se que as mulheres
que trabalhavam, geralmente, o faziam até os 25 anos, quando abandonavam o
emprego em razão do casamento ou da maternidade, passando a dedicarem-se
exclusivamente ao trabalho doméstico e à socialização dos filhos
142
.
Ao terminar sua dissertação com a frase “as entrevistadas não podem ser
chamadas de mulheres trabalhadoras, elas apenas foram mulheres que
trabalharam”, BOSCHILIA nos remete à força das representações que as
140
BASSANEZI, C. Mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no
Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1997, p.608.
141
BASSANEZI, op. cit., p. 624.
142
Ver AGUIAR, Neuma (Coord.). Mulheres na força de trabalho na América Latina: análises
qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984 e BARROSO. Carmen. Mulher, Sociedade e Estado no Brasil.
São Paulo: Brasiliense/UNICEF, 1982.
84
84
sociedades realizaram sobre estas, formando identidades desvinculadas do mundo
público. Identidades vinculadas à reprodução e ao trabalho doméstico,
inviabilizando, efetivamente, a construção de uma classe operária feminina, o que
mais fácil a concretizão dos interesses do patriarcalismo e do capital, ao
incorporá-las ao mercado de trabalho de forma mais abrangente nos momentos de
escassez de mão-de-obra.
Uma legislação e um campo do direito que tratam exclusivamente das
questões relacionadas ao trabalho são algo relativamente novo. Sua origem remete-
se ao início do século XIX, aos efeitos da instituição do trabalho assalariado fabril
com a industrialização européia. Nesse momento, a exploração do operário
chegava, na maior parte das vezes, ao seu extremo. A utilização do trabalho de
crianças (de 8 a 10 anos), jornada de trabalho de até 16 horas, baixos salários, falta
de proteção à saúde e à segurança do emprego, fizeram a sociedade repensar o
tratamento conferido aos trabalhadores. Do mesmo modo, resultou no processo de
reivindicação dos trabalhadores, primeiro de forma espontânea, depois de forma
organizada através de associações e sindicatos. Consolidou o avanço nos direitos
dos trabalhadores o surgimento de teorias sociais, como o socialismo, que logo
foram assimiladas pelos operários e representantes sindicais
143
.
Uma das primeiras leis que regulamentavam o trabalho surgiu em 1802, na
Inglaterra, denominada Lei de Peel, que pretendia amparar o trabalho dos
aprendizes de moinhos. Em seguida, temos na França, com o Código Napoleônico
de1804, o estabelecimento de normas para locação de pessoas que trabalhavam.
Mas, foi na segunda metade do século XIX, que surgiram as primeiras leis
declaradas com objetivo de proteger os operários, especialmente, o trabalho das
mulheres e crianças, bem como, a regulamentação do salário mínimo. Desta forma,
surgiram na França em 1840, as leis de proteção do trabalho das mulheres nas
minas, e, na Inglaterra, em 1849, leis que regulamentavam a duração da jornada de
trabalho estabelecida em 10 horas para adultos masculinos
144
.
A partir de maior organização do trabalhador e os constantes conflitos entre
industriais e operários, passa a haver um intervencionismo do Estado, objetivando
143
Sobre a reação dos trabalhadores frente à exploração no trabalho ver HOBSBAWM, E. J. Os
trabalhadores pobres. In: A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. ed. Rio de Janeiro: Paz e
terra, 1989, pp. 221-237.
144
PIMENTEL, Silvia. Evolução dos Direitos da Mulher: norma, fato, valor. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1938.
85
85
melhorar as condições do trabalho e diminuir o embate entre ambas as classes.
Desta forma, o Estado pretendia colocar sob sua tutela o trabalhador, protegendo-o
econômica e juridicamente.
No Brasil, o Direito do Trabalho também surge com a industrializão. Sendo
assim, somente nas primeiras décadas do século XX vão surgir leis e normas que
regulamentavam o trabalho urbano. Exemplo disso é a lei de rias de 1925, a
instituição do Ministério do Trabalho, em 1930
145
, a criação das Juntas de
Conciliação, em 1932, as Comissões do Salário Mínimo, em 1936, as Comises
Mistas de Conciliação, de funções ainda meramente conciliatórias, seguidas pelas
Juntas de Conciliação e Julgamento, instituídas em novembro de 1932, a
organização da Justiça do Trabalho, regulamentada em 1941
146
, a regulamentação
do salário mínimo, em 1940, e a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943
147
. A
Justiça do Trabalho é instituída com o objetivo de regulamentar as relações do
trabalho livre e remunerado, ou seja, entre empregados e empregadores. Entretanto,
já se auto-intitula como protetora do trabalhador assalariado.
Com o final da primeira Guerra Mundial, questões relacionadas aos interesses
sociais e do trabalho começaram a aparecer em Constituições. O México foi um dos
primeiros países a tratar do tema em sua constituição, em 1917. Em 1919, o assunto
tamm estava presente na constituição da República Weimar e, na Itália, aparece
em 1927, com a Carta del Lavoro, que inspirou outros paises como o Brasil, como a
Constituição de 1934
148
.
145
A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, data de 26 de novembro de 1930, pelo
Decreto 19.433. O "ministério da Revolução" como foi denominado por Lindolfo Collor - surgiu
para concretizar o projeto do novo regime de interferir sistematicamente no conflito entre capital e
trabalho. Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo
Ministério da Agricultura, sendo na realidade praticamente ignoradas pelo governo.
146
A Justiça do Trabalho, encarregada de julgar e conciliar os dissídios surgidos, individual ou
coletivamente, entre empregados e empregadores, bem como quaisquer controvérsias surgidas no
âmbito das relações de trabalho, foi prevista em 1934, instituída com a Carta Constitucional de 1937 e
regulamentada posteriormente. Veio a ser integrada ao poder Judiciário apenas com a Constituição
de 1946. Era composta pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sua instância máxima, por
Tribunais Regionais do Trabalho e por Juntas de Conciliação e Julgamento. Sua jurisdição abrange
todo o território nacional, e todos os seus órgãos possuem composição paritária, com representantes
dos empregados e dos empregadores. São precedentes importantes os Tribunais Rurais, criados em
1922 no estado de São Paulo, e o Conselho Nacional do Trabalho, criado em 1923, em âmbito
federal.
147
Instituída pelo Decreto-Lei n° 5.452, de de maio e 1943, que reuniu em um mesmo diploma as
normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho. Nesta o Art. - Considera
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário sem distinções relativas à espécie de emprego e à condição de
trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
148
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p.33-40.
86
86
2.2 O trabalho da mulher: representações no Direito do Trabalho e
no Judiciário.
As representações acerca das mulheres exerceram influência sobre os
representantes do judiciário e do direito ao tratarem das questões sobre o trabalho
feminino, ora imaginado por estes como frágeis, sensíveis, carentes de proteção.
Em outros momentos foram percebidas como despreparadas, loucas, relativamente
incapazes, carentes de proteção moral, muitas vezes associada à criança inocente,
infantil e sem capacidade para pensar e agir
149
.
Novamente, as representações sociais, cultural e historicamente elaboradas
sobre a mulher vinculadas às imagens da mãe (moralmente valorizadas) e da
prostituta (desmoralizada socialmente) foram valorizadas pelos juristas no processo
de elaboração da legislação e normas reguladoras do trabalho feminino,
especialmente, no setor industrial e comercial. Desta forma, no pensamento do
judicrio ao proteger a mãe estar-se-ia protegendo a família do trabalhador. As
ões e os discursos elaborados por este campo de conhecimento e poder são
intensificados no Brasil a partir do icio do século XX, quando as mulheres
tornaram-se mais visíveis em espaços públicos. Ao participar mais efetivamente no
mundo do trabalho fabril, colocava-se então o problema da separação do lar e do
trabalho (emprego).
Assim, a partir do desenvolvimento da industrialização brasileira, na Primeira
República, a exploração dos industriais sobre os operários e as péssimas condições
de trabalho, provocaram revoltas constantes por parte dos operários - como a greve
e de 1917 - . A falta de habilidade por parte dos empresários em lidar com a questão
operária levou o Estado a assumir como uma de suas missões regular e disciplinar
as relões de produção
150
.
No que se refere ao trabalho das mulheres o governo federal do período
demonstrava possuir um projeto vinculando-o à família e subordinado ao do homem,
como demonstra PENA,
149
RAGO, op. cit., p. 68.
150
PENA,. op. cit., p. 151.
87
87
De maneira geral, a intervenção do Estado quanto ao trabalho
feminino fazia-se na defesa da família interessante que a
Conferência de Santiago, subscrita pelo Brasil, proibia o trabalho
feminino em atividades consideradas perniciosas à moralidade), isto
é, de um tipo específico de família, dependente do salário masculino
e dos serviços domésticos femininos. Nessa família procurava-se
manter a mulher como reserva de mão-de-obra, frequentemente sem
empregos e quando este se fizesse necessário, assegurava-se que
ele se desse em condições especiais, diferentes das do homem
151
.
A intervenção do Estado no mundo do trabalho objetivava disciplinar o
trabalhador e sua família, para tanto suas iniciativas incidiram especialmente sobre o
trabalho das mulheres. A primeira norma legal que regulamentava o trabalho
feminino na indústria foi o Decreto n21.417-A, de 1932. Por este decreto, todo
trabalho de igual valor correspondia a igual salário, ficava vedado o trabalho noturno
entre 22 horas e 6 horas da manhã, com exceção em hospitais, sanatórios,
empresas de telefonia, ou, quando exercesse cargos de chefia ou em locais de
funcionamento integral em que fosse indispensável o trabalho sem interrupções,
desde que trabalhasse outra pessoa da família. Era vetado para as mulheres o
transporte de materiais químicos e inflamáveis, proibia-se o trabalho de mulher
grávida quatro semanas antes e quatro semanas após o parto, ficava determinado
pagamento de auxílio para gestantes com base nos seus últimos doze salários,
previa-se dois períodos de meia hora por dia para amamentar a criança em um
espaço de seis meses, lugar especial para guardar a criança, em fábricas com mais
de 30 trabalhadoras acima de 16 anos
152
.
Essas normas seguiam recomendações da Conferência Geral da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em Washington, em 1919.
Além das recomendações a respeito do trabalho feminino tamm foi discutido para
todos os trabalhadores (homens e mulheres) a regulamentação da jornada de
trabalho de 8 horas por dia e 48 horas semanais e a idade de admissão para
menores na indústria
153
. Com uma industrializão pouco desenvolvida, o Brasil
apresentou problemas para cumprir tais recomendações, que só foram asseguradas
de fato com a Constituição de 1934, sendo esta a primeira a se contemplar direitos
151
Ibid., p. 151.
152
PENA, op. cit., p. 154.
153
LUZ, France. O trabalho da mulher no direito brasileiro. São Paulo: editora LTr, 1984, p. 72.
88
88
sociais e econômicos. Os direitos conquistados pelos trabalhadores nesta carta,
estavam reunidos no artigo 121, cujos principais itens eram:
a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de
idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
b) salário-mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada
região, as necessidades normais do trabalhador;
c) trabalho diário não excedente de 8 horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis
nos casos previstos em leis;
d) proibição de trabalho de menores de 14 anos; de trabalho noturno a
menores de 16 anos; em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e mulheres;
e) repouso semanal, de preferência aos domingos;
f) férias anuais;
g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a
esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do sario e do emprego, e
instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e
do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes do trabalho ou de morte;
i) regulamentação do exercício de todas as profissões;
j) de reconhecimento das convenções coletivas do trabalho.
No caso específico da proteção do trabalho da mulher estavam contemplados
nas letras a, d e h, que diziam sobre a igualdade de salários entre homens e
mulheres, a proibição do trabalho em indústrias insalubres, a assistência médica e
sanitária à gestante, o descanso da gestante antes e após o parto e instituição de
previdência a favor da maternidade.
Quanto aos direitos conquistados pelos trabalhadores, esta constituição foi
tão importante que foram mantidos quase que integralmente nas constituições
seguintes, acrescidos de outros, suprimidos apenas durante o período ditatorial do
Estado Novo (1937-1945)
154
.
No período ditatorial de Vargas, os direitos políticos e civis foram
desqualificados e os direitos sociais valorizados, sendo estes materializados em leis
trabalhistas. Toda uma estrutura foi acionada para vincular a figura de Getúlio
Vargas aos avanços na Legislação Trabalhista, o que foi chamado de a “invenção do
154
Ibid., pp. 21-24.
89
89
trabalhismo”. Durante o Estado Novo foram colocadas em prática várias ões, tais
como: uma nova lei de sindicalização, em 1939, a instituição do salário-nimo, em
1940, o início do funcionamento da Justiça do Trabalho, em 1941 e a Consolidação
das Leis do Trabalho, em 1943
155
.
Considerados os avaos que representaram estas leis para a Justiça do
Trabalho e para o Direito do Trabalho, não podemos acreditar que foram colocadas
em prática como idealizadas, pois, para os trabalhadores, e principalmente para as
mulheres significaram mais limitões de acesso a empregos nas indústrias. Para os
capitalistas brasileiros, tais direitos representavam mais despesas, e a utilização da
força de trabalho feminina acarretava ônus maior aos empregadores, sendo assim,
era preferível a utilização da mão-de-obra masculina.
Um ponto importante sobre o trabalho feminino neste período foi a introdução
do salário-mínimo em 1940. Sua instituição foi regulamentada pela lei 185 de
janeiro de 1936 e pelo decreto-lei 399 de abril de 1938. O Decreto-Lei nº 2162 de
de maio de 1940 fixou os valores do salário mínimo, e foi nesse ano que ele
passou a vigorar. No entanto, calculado a partir das despesas de um único
trabalhador, e não das necessárias para o sustento de sua família, o impacto do
sario-mínimo na maioria das famílias de operários fez com que aumentasse a
necessidade de mais membros no mercado de trabalho para garantir a
sobrevivência. Além disto, o salário-mínimo passou quase uma cada sem
reajustes, em uma época em que o custo de vida subiu de forma mais acelerada.
Entretanto, no mesmo ano de sua instituição os salários das mulheres foram
reduzidos em 10%, através do Decreto lei n.º 2.548 de 31 de agosto de 1940, por
serem considerados mais onerosos ao industrial e menos qualificados. Este
dispositivo vigorou até 1943, quando foi considerado inconstitucional às vésperas da
elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho. A lei referente ao salário-mínimo
não abrangia as indústrias domiciliais, local de maior concentração de trabalhadoras,
do que se deduz que, certamente, nestes locais os salários fossem menores. Isso
trouxe como conseqüência o fortalecimento do trabalho doméstico e a prestação de
serviços pessoais para as mulheres
156
.
155
Cf. GOMES, Ângela Maria de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2002, pp. 33-43.
156
PENA, op. cit., p.163.
90
90
Em 1943, com a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi
destinado um capítulo ao trabalho feminino pertencente ao Título III - Das normas
especiais de tutela do trabalho (artigos 224 a441), Capítulo III - Proteção do trabalho
da mulher, que foi subdividido em seis sessões abrangendo os artigos 372 a 401,
intitulados como: Da duração e condições do trabalho, Do trabalho noturno, Dos
períodos de descanso, Dos métodos e locais de trabalho, Da proteção à
maternidade e Das penalidades
157
.
Na primeira seção garantem-se os mesmos direitos para homens e mulheres,
quando estes não colidem. As mulheres menores de 18 anos estão sujeitas às leis
que protegem os menores. As trabalhadoras rurais, as domésticas e o trabalho a
domicílio têm regulamentação própria e não são regidos pela CLT.
De modo genérico, podemos destacar neste capítulo da CLT seus principais
pontos como sendo: o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas, proibida a
prorrogação da jornada de trabalho quando não estabelecido em convenção ou
acordo coletivo e sem compensação de horas não trabalhadas. O estabelecimento
do trabalho noturno, com adicional de 20%, possível para as mulheres somente nas
empresas de telefonia, radiotelefonia ou radiotelegrafia, nos serviços de saúde e
bem-estar, casa de diversão, hotéis, restaurantes e bares, estabelecimento de
ensino, quando exercer postos de gerência e direção, indústria de perecíveis,
quando for por motivo de força maior, alguns setores do serviço bancário, empresa
de processamento de dados e de manufaturados de couro com contratos de
exportação. O trabalho feminino noturno só era permitido com a apresentação de
atestado de bons antecedentes e de capacidade física e mental
158
.
De qualquer maneira, no dispositivo regulador da jornada noturna para
mulheres radicavam os mesmos valores edificados pela moral burguesa, reinantes
na ordem patriarcal. O atestado de bons antecedentes era fornecido pela Delegacia
de Polícia, através de requerimento do interessado e o de capacidade sica e
mental era obtido junto a um posto da saúde Pública. O poder disciplinador do
estado se fazia presente, pois, passou a emitir um discurso autorizado, em que
reconhecia os predicados para o trabalho. Não apenas isto, mas assumiu a tarefa de
zelar da moral feminina no trabalho noturno, preservando o papel fundador da
família.
157
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho - 31 ed. - São Paulo: LTr, 2004, p. 60-62.
158
PENA, op. cit., p. 168.
91
91
Ficou estabelecido pela CLT o intervalo para descanso diário de uma a duas
horas, e de quinze minutos nos casos onde a jornada de trabalho consecutivo fosse
superior a quatro e inferior a seis horas, bem como, nos casos de prorrogação do
horário normal. O trabalho aos domingos era permitido, desde que havendo escala
de revezamento e o descanso fosse transferido para outro dia da semana. Era
garantido a todos os trabalhadores o descanso semanal remunerado de 24 horas
consecutivas, preferencialmente aos domingos.
Quanto aos métodos e locais de trabalho era assegurado às mulheres, além
das normas gerais de segurança e de medicina, que as empresas deveriam conter
bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários, vestiário e armários individuais
privativos. Mantinham-se as proibições aos trabalhos insalubres conforme instrução
de 1932 e proibia-se o trabalho em atividades incompatíveis com sua constituição
física e fisiológica.
A proteção à maternidade foi o foco das atenções dos juristas e desde o
século XIX procurava-se estabelecer normas sobre o trabalho, como por exemplo, o
Decreto n.º 1.313, de 17 de janeiro de 1891
159
, que privilegiava questões sobre o
trabalho de menores. Também, organismos internacionais como a OIT, em sua
terceira convenção, de 1919, discutiram sobre o amparo à maternidade,
recomendando a licença antes e depois do parto, a proibição de demissão neste
período, auxílio-maternidade por parte do poder público e assistência média.
Recomendações que foram incorporadas somente na CLT, nos artigos 391 a 401,
acrescentando ainda que tanto a mulher como o marido pudesse rescindir o contrato
de trabalho se a fuão fosse prejudicial à saúde da mulher, o direito de duas
semanas de descanso em caso de aborto. Além disso, o direito de amamentar o
recém-nascido uma hora por dia durante seis meses, assegurando o exercício de
sua miso de mãe, e neste caso as empresas com mais de trinta funcionárias
deveriam possuir creches na empresa ou nas proximidades, direitos, que como
vimos a maioria já constava da Constituição de 1934.
O salário-maternidade ou auxílio-maternidade previsto pela OIT desde 1919,
no Brasil assimilado pela constituição de 1934, estava inicialmente a cargo das
empresas. Neste caso, muitas empresas a fim de tentar evitar tal encargo demitiam
as trabalhadoras ao contrair matrimônio ou em caso de gravidez. Esta situação
transcorreu até meados da década de 1970, quando o Estado brasileiro, seguindo
159
PENA, op. cit., p.151.
92
92
orientações da OIT, transferiu o pagamento do benefício para responsabilidade do
INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) através da lei nº. 6.136, de 7 de
novembro de 1974, regulamentada através do Decreto nº. 75.207, de 10 de janeiro
de 1975.
Outro aspecto importante sobre o trabalho feminino era o que se referia à
capacidade da mulher para firmar contrato de trabalho. Através do Código Civil de
1916, ficou estabelecido o poder do homem (marido-chefe da casa) sobre a mulher,
uma vez que, além de outra obrigação, dependia de sua autorização para trabalhar
fora de casa (artigo 242). Mesmo que fosse considerada autorizada pelo marido
após seis meses de trabalho fora do lar ou se assumisse cargo público (artigo 247),
o marido podia impedi-la de fazê-lo, pleiteando a rescisão do contrato de trabalho,
por considerar seu trabalho suscetível de acarretar ameaça aos membros da família
ou perigo manifesto às condições peculiares da mulher
160
, expressos pelo artigo 446
parágrafo único da CLT. Neste sentido, legalmente era estabelecido para as
mulheres sua submissão perante o marido, situando seu lugar por excelência na
sociedade como sendo a família, ao mesmo tempo, obstruindo seu acesso ao
mundo do trabalho coletivo e ao espaço público.
Esta condição de incapacidade e dependência perante o marido perdurou até
o início dos anos 1960, quando foi elaborado o Estatuto da Mulher Casada, lei nº.
4.121, de 27 de agosto de 1962. Somente com este Estatuto a mulher casada
estava definitivamente emancipada, dando-lhe plena capacidade civil e trabalhista,
que significava poder contratar trabalho sem autorização do marido. Entretanto, para
alguns juristas o artigo 446 da CLT não estava revogado, pois sendo esta uma lei de
caráter geral não poderia ser submetida ao estatuto - atualmente o artigo 446 da
CLT está revogado
161
.
Por último, no que se refere aos direitos das mulheres trabalhadoras na CLT,
es a igualdade salarial. Assim, desde 1934, que a Constituição proibia a diferença
salarial para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado
civil, com algumas mudanças nas outras Constituições, como a de 1967 que
suprimiu os itens idade e nacionalidade e acrescentou o item "cor". Entretanto, com
assinalam France LUZ e PENA a expressão trabalho de igual valor não se referia ao
equivalente mesma ocupação, era entendida pelos juristas como mesma
160
LUZ, O trabalho da mulher no direito brasileiro, op. cit., p. 53.
161
Ibid., p. 54.
93
93
produtividade e perfeição cnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço
não for superior a dois anos,
162
abrindo brechas para a intensificão da exploração
da mulher e para diferenciações salariais dentro de uma mesma empresa e
categoria profissional.
PENA indica que por volta de 1950, de forma genérica,
[...] as mulheres eram consideradas cidadãs plenas e a maior parte
das leis aplicava-se igualmente a ambos os sexos quando diferenças
existiam, estas se explicavam apenas pela intenção de proteger a
mulher, sua biologia, psicologia e moralidade e específicas, contra
homens piratas. Assim foi justificada intervenção do estado nesses
dois campos: na família, as relações entre as mulheres e os homens
eram definitivamente assimétricas, seja do ponto de vista da
produção, seja da distribuição, seja do poder; no trabalho
assalariado, as oportunidades legítimas para o emprego de mulher
lhes eram menores, como eram menores suas oportunidades de
carreira
163
.
Assim, também nas Constituições de 1946 e de 1967 foram instituídas
algumas mudanças significativas quanto ao direito dos trabalhadores em geral e das
mulheres. As principais inovações introduzidas pelo texto constitucional de 1946
foram:
a) o salário-mínimo deveria atender, além das necessidades do indivíduo, as
de sua família;
b) incluía-se entre os direitos do trabalhador a participação obrigatória e direta
nos lucros da empresa;
c) o repouso semanal passou a ser remunerado;
d) a estabilidade ficou garantida aos trabalhadores das empresas urbanas;
e) acrescentou-se a assistência aos desempregados;
f) o direito de greve foi reconhecido;
g) a proibição do trabalho noturno de menores foi estendida até a idade de 18
anos;
i) o descanso da gestante antes e depois do parto foi estabelecido sem
prejuízo de salário e do emprego;
j) estabeleceu-se a obrigatoriedade do seguro contra acidentes do trabalho a
cargo do empregador.
162
LUZ, op.cit., pp. 56-57 e PENA, op. cit., p.169.
163
PENA, op. cit., p. 170.
94
94
Na constituição de 1967 foram reconhecidos outros direitos a trabalhadores,
tais como o salário-família aos seus dependentes e a aposentadoria para a mulher
aos 30 anos de trabalho, com salário integral.
Entretanto, o trabalho das mulheres ainda estava restrito a determinadas
ocupões culturalmente associadas ao feminino, o salário de igual valor não era
uma realidade, para juristas e representantes do Estado era o salário dos homens
que deveria sustentar as famílias, restando ao salário das mulheres o caráter de
complemento. As leis do judiciário estavam marcadas por este universo cultural,
amparadas por idéias da biologia e da medicina, justificando como naturais às
funções da mulher enquanto esposa-mãe-dona-de-casa, sedimentando relações de
gênero desiguais e a segregação da mulher no mercado de trabalho
164
.
Os avanços no campo do direito e na Constituição, até a década de 1970, não
significavam verdadeiramente o que ocorria na prática cotidiana das mulheres
trabalhadoras. Muitas vezes as empresas o estavam dispostas a arcar com todos
os encargos trabalhistas, desconsiderando a Constituição e as leis do trabalho,
deixavam de pagar os direitos assegurados em caso de demissão ou encerramento
do contrato de trabalho, tais como: rias, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS). Tentavam burlar a Justiça do Trabalho não registrando as
trabalhadoras, como se pode verificar nos processos de Ação Trabalhista. Em uma
das ações consta: A reclamante não possuía carteira profissional e ao questionar
com a reclamada no sentido da obtenção desse documento foi sumariamente
demitida em 31 de outubro do corrente ano, sem que seus direitos e deveres lhe
fossem pagos. Em outra, a operária disse ter pedido demissão, pois, queria sua
carteira profissional devidamente anotada. Segundo o representante da empresa a
carteira profissional se extraviou porque "a reclamante antes trabalhava para outra
firma antecessora e que os documentos todos foram colocados em uma caixa que
foi perdida e por esta razão iria providenciar uma segunda via”
165
. As empresas
abusavam de seu poder e utilizavam mecanismos diversos para não arcar com suas
responsabilidades, pagando menos pelo trabalho de suas operárias, negando-se a
pagar os encargos estabelecidos por lei, aumentando assim seus lucros.
164
GOSDAL, Tereza Cristina. Discriminação da mulher no emprego: relações de gênero do direito
do trabalho. Curitiba: Gênesis, 2003 , p. 83.
165
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1769, 1962, e CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de
Curitiba, Processo número 1744, 1962.
95
95
Fundamental é perceber que existe uma fronteira social e cultural que ora
permite e em outros momentos coloca obstáculos à circulação da mulher entre o
espaço privado e o espaço público. Espaços carregados de simbologia como os da
esposa honrada e o da prostituta. Como vimos, decifrar os significados, os
entendimentos e os sentidos que essas representações desempenham entre
homens e mulheres de uma determinada época e conjuntura histórica vem se
tornando o objetivo de muitos estudos de gênero.
Resta-nos discorrer obre as relações de gênero e as especificidades das
histórias de mulheres que ousaram recorrer judicialmente contra seus ex-patrões.
Nosso foco se centra em atores sociais e políticos, em suas confrontações e
identificações com outros atores, como possibilidade de constituir um saber histórico
das lutas, ativando saberes locais contra os efeitos de poder centralizadores ligados
a instituição de um único discurso. As práticas sociais cotidianas podem nos revelar
além das fissuras desses discursos, numerosas insubmissões, inversões,
improvisações e conflitos por eles omitidos. Demandas de mulheres junto à Justiça
do Trabalho, relações de poder e resistências, o passado como espaço de
experiências do trabalho de mulheres, a memória do trabalho como presente do
passado, passados que não passam são questões postas em discussão na próxima
unidade.
96
96
UNIDADE III
Demandas de mulheres junto à
Justiça do Trabalho: a memória do
trabalho como presente do passado.
“No momento em que os autos se
transformam em autos, os fatos em
versões, o concreto perde quase toda
sua importância e o debate se dá entre
os atores jurídicos, cada um deles
usando a parte do “real” que melhor
reforce o seu ponto de vista. Neste
sentido é o real que é processado,
moído até que se possa extrair dele um
esquema elementar sobre o qual se
construi um modelo de culpa e um
modelo de inocência”.
Marisa Corrêa
3.1 Relações de poder e resistências: o passado como espaço de
experiências do trabalho de mulheres.
No mundo do trabalho, fora do espaço familiar, a exploração sobre o laboro
feminino, apesar de escamoteada pelo discurso do estado, aparece de forma
evidente. Para muitas dessas trabalhadoras, embora a Justiça do Trabalho ainda se
apresentasse como um poder regulador, este era um espaço onde poderiam falar e
serem ouvidas, com a possibilidade de diminuir a opressão a que estavam sujeitas.
Entretanto, este poder e seus representantes integram uma rede de relações que
buscavam a normatizão da sociedade, principalmente nas questões ligadas ao
trabalho. Por esta razão, o que estava em jogo não era apenas se seus direitos
97
97
seriam reconhecidos e pagos, mas, também seus comportamentos, seus gestos e
atitudes.
Dentre o grande número de processos iniciados na Justiça do Trabalho em
Curitiba, a que tudo indica, não eram poucos aqueles promovidos por iniciativa de
mulheres trabalhadoras. Em todas as caixas de processos por s verificadas, nos
arquivos do Tribunal Regional do Trabalho de Curitiba; estão presentes inúmeras
ões de mulheres contra seus empregadores. No entanto, se diferenciam dos
processos impetrados por trabalhadores do sexo masculino, do mesmo período
(entre 1960 e 1975), pelo volume de documentação envolvida e pelos valores
pleiteados. Seus processos geralmente eram interrompidos, por entrarem em
conciliação com seus ex-patrões, por assinarem um termo de desistência ou
simplesmente por não comparecerem às audiências.
Um de nossos propósitos é encontrar algumas ferramentas para pensar e
analisar as presenças e sentidos do passado, em cujos espaços estão contidas
memórias de experiências do trabalho feminino em Curitiba. Cabe assinalar que em
qualquer momento e lugar, é impossível uma visão e uma interpretação única do
passado, compartilhada por toda uma sociedade. momentos ou períodos
históricos em que o consenso é maior, nos quais uma leitura do passado se torna
mais aceita ou mesmo hegenica.
Via de regra, esta é a leitura dos vencedores dos conflitos históricos.
Contudo, sempre haverá outras histórias, outras interpretações alternativas, na
resistência, no mundo privado ou em outros âmbitos. Trata-se de uma história das
mulheres de maior atenção às práticas sociais e às resistências a tais discursos.
As interpretações do passado não deixam de ser objeto de controrsias
sociais, independentemente do tempo transcorrido e da duração do tempo no
passado. Nosso foco se centra em atores sociais e políticos, em sua atuação nos
cerios blicos, em suas confrontações e identificações com outros atores, na
perspectiva da proposta de FOUCAULT, concebida como a possibilidade de
constituir um saber histórico das lutas, ativando saberes locais contra os efeitos de
poder centralizadores ligados a instituição de um único discurso. Na verdade, as
práticas sociais cotidianas nos revelam realidades mais ricas do que aquelas que os
discursos da norma pretendem descrever. Elas revelam não somente as fissuras
desses discursos, como tamm numerosas insubmissões, inversões,
improvisações e conflitos por eles omitidos.
98
98
Os discursos se constroem em cenários de confronto e luta entre atores com
diversas narrativas contrastantes e as diferenças discursivas podem aflorar quando
ativamos o passado no presente, no esforço de compreender o trabalho feminino
como presente do passado. Esta temporalidade complexa contempla experiências
passadas, comporta presenças e sentidos do passado do trabalho de mulheres
comuns.
Multiplicidade de tempos, de sentidos, e a constante mudaa nos atores e
nos processos históricos, são algumas das dimensões dessa complexidade, que nos
levam a perceber passados que não passam. Em outras palavras, que nos instigam
a compreender o passado como espaço de experiências, neste caso, do trabalho de
mulheres. Do mesmo modo, compreender a experiência como um passado
presente, na medida em que o presente contém e constrói a experiência passada de
homens e mulheres concretos. Nossas reflexões apontam muito mais no sentido de
desestruturar certezas que oferecer verdades.
Os processos trabalhistas iniciados por mulheres assalariadas que fazem
parte da realidade cotidiana das grandes cidades não causam o impacto dos
processos crimes. Estes últimos aparecem nos jornais e noticiários da televisão em
um cenário de espetáculo e um clima de expectativa é criado em torno deles. Todos
os sujeitos envolvidos - juízes, advogados, jurados, além da vítima e do réu - são
colocados em evidência. A sociedade é chamada a analisar o fato ocorrido, os
eventos são reconstituídos e os detalhes são exaustivamente discutidos. Os
processos trabalhistas, por sua vez, passam despercebidos e os grandes volumes
de ações iniciadas todos os dias parecem não ter importância ou indicar as precárias
situações em que os trabalhadores e trabalhadoras vivem, a que condições estão
sujeitos na luta pela sobrevivência, as longas jornadas diárias de labuta, os baixos
sarios, os locais impróprios, etc.
Guardadas as distâncias entre os processos crimes e os trabalhistas, eles se
relacionam, pois, fazem parte de um conjunto de práticas e representações que
constituem o campo do judiciário. Um espaço com discurso e ões próprias. As
práticas discursivas de advogados, promotores e juízes fazem parte de uma
complexa pedagogia do comportamento. Como indica Foucault, esta pedagogia visa
supervisionar, educar, controlar e disciplinar a forma como homens e mulheres se
comportam socialmente. Assim, o que esem jogo não é a punição ou absolvição
de um indivíduo, mas, representa também uma avaliação sócio-cultural do
99
99
comportamento humano
166
. Esta é uma questão séria também para os juizes do
Trabalho, pois, para SANTOS,
Na Justiça do Trabalho o resultado do processo não deve satisfazer
apenas os interesses dos litigantes, mas, também, os interesses
sociais. Não basta que o reclamante tenha suas pretensões
particulares atendidas. É preciso que a sociedade igualmente seja
atendida com a decisão da Justiça, no processo trabalhista
167
.
A preocupação com os interesses sociais, não estava restrita a proteção ao
trabalhador, como sujeito economicamente inferior perante o empresário, mas
tamm estava presente a questão do comportamento moral do trabalhador, uma
vez que questões como insubordinão e roubo eram e são vistas como faltas
graves do trabalhador e por esta razão deveriam ser penalizadas com demissões
por justa causa.
Para FOUCAULT, estas questões podem ter relação com o processo de
surgimento da sociedade capitalista na Europa Ocidental, período no qual ocorre a
retomada do inquérito no sistema judiciário
168
. Mas foi no final do século XVIII e
início do século XIX que se a formação da sociedade disciplinar através de uma
reorganização do sistema judiciário e penal. Neste processo as antigas formas de
penalidades, como tortura e morte em praça pública, são praticamente
abandonadas, enquanto que formas pouco utilizadas, como o aprisionamento,
passou a ser colocada em prática. Assim, o objeto da punição, que antes era dirigida
ao corpo do condenado passa a ser sua consciência, ou seja, o alvo passa a ser a
alma, a subjetividade e personalidade de homens e mulheres. É neste aspecto que a
microfísica do poder é exercida,
A punição via-se tornando, pois a parte mais velada do processo
penal provocando várias conseqüências; deixa o corpo da percepção
quase diária e entra na consciência abstrata; sua eficácia é atribuída
à sua fatalidade não a sua intimidade visível; a certeza de ser punido
é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável
teatro, a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens
169
.
166
Cf. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: ed. Vozes, 1987 e
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2005, V
conferencia, p.103-126.
167
SANTOS, João Eudes Mendanha. O processo na Justiça do Trabalho: doutrina, legislação,
jurisprudência, prática forense. São Paulo: hemus editora, 1984, p.35.
168
Cf. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: ed. Vozes, 1987.
169
Idem, p.13.
100
100
Como argumentado acima, ao se reformar o sistema judiciário, vários
métodos disciplinares discretos são colocados em prática, visto que a punição ao ser
transferida do espaço blico para o da prisão ela também saiu da perceão diária
da sociedade e passou a fazer parte da consciência abstrata, desviando a atenção
do espetáculo para a certeza da punição. É esta certeza que faz com que os
indivíduos de forma isolada cometam menos delitos. Para que este sistema tivesse
eficácia foi preciso tornar as pessoas dóceis, razão que faz a disciplina ter tanta
importância
170
.
Disciplina que passou a ser exercida em instituições como o hospital, a escola
e a fábrica, o como super-poder, mas como um “poder modesto”, contudo,
permanente. Nas palavras de Foucault, o poder disciplinador é, com efeito, um poder
que, ao invés de se apropriar e retirar, tem como função maior “adestrar”, ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor
171
.
O sucesso do poder disciplinar se deve ao uso de instrumentos simples: o
olhar hierárquico, a sano normalizadora e sua combinação, um procedimento que
lhe é específico, o exame. Aplicando esta noção ao discurso judicial elaborado pelos
agentes da Justiça do Trabalho, podemos dizer que estes três elementos estão
presentes na análise e julgamento das ões trabalhistas. Os juízes lançam o olhar
hierárquico ao observar o comportamento dos operários, julgando suas ões e
comportamento no local de trabalho, observando se as normas legais foram
cumpridas, tanto pelos capitalistas como pelos trabalhadores, e fazem o exame de
documentos e testemunhos.
Nos processos verificados, o poder disciplinar se explicita de forma evidente,
tanto em relação aos agentes do judiciário como do patronato para com as
trabalhadoras. Isto se justifica uma vez que, via de regra, eram demitidas por
pequenas faltas e sem pagamento de seus direitos, ou, eram acusadas de roubo,
obrigadas a trabalhar além do horário legal de oito horas diárias. Os empregadores
utilizavam artimanhas grosseiras para burlar a lei, ao mesmo tempo, desqualificando
a trabalhadora, ou seja, indicando qual era seu lugar na sociedade, como nos casos
relatados aos juizes do trabalho:
170
FOUCAULT, op. cit., 13.
171
Ibid., p. 143.
101
101
[...] o proprietário levou a depoente até o guarda-livros da firma e
este lhe fez assinar vários papéis em branco, que depois que assinou
os papéis em branco o guarda-livros disse que a depoente estava
despedida [...]
172
[...] que a referida firma costuma atrasar o pagamento dos salários
dos empregados [...], que os empregados que trabalham aos
bados, domingos e feriados não recebem a remuneração devida,
que quando o empregado assina o recibo dele se consta a
importância sem quaisquer outros dizeres, que a reclamante
trabalhou quatro ou cinco meses é que passou a ter uma folga por
semana, que a reclamante possui três filhos menores [...] assinava
os recibos em branco [...]
173
[...] Que saiu da firma porque tendo solicitado numerário para pagar
remédio para seu filhinho, o reclamado lhe respondeu que
devolvesse o vasilhame que havia roubado e que depois disso que
pagaria seus salários [...] que começava a trabalhar às 6:00 só
deixando o estabelecimento as 21:30 o 22:00 horas
174
.
[...] No dia. 9 as moças foram fechadas no depósito quando o
presidente da firma chegou e as levou ao escritório e ali assinaram
uma declaração de que haviam furtado objetos da fábrica e no dia
seguinte foram chamadas para a assinarem uma a quitação da
indenizão onde foi alegado que era melhor assinar por que do
contrário "daria sujeira", mas se negaram a assinar tal documento e
foram procurar o advogado trabalhista do sindicato
175
.
O poder aqui deve ser entendido o como algo próprio do Estado emanado
para sociedade, de cima para baixo, ou de uma classe rigidamente hierarquizada
sobre outras. As relações que aparecem nos processos trabalhistas, entre homens e
mulheres, empregadas e patrões, são relações inter-pessoais que se dão no dia-a-
dia do mundo do trabalho, ou seja, se desenrolam no plano das relações sociais.
Para SCOTT, relações de gênero é o primeiro campo onde o poder é articulado. Se
existe um setor em que o gênero me parece pertinente e eficaz, este setor é o do
trabalho, em todas as suas dimensões”
176
. Apesar de o capitalista objetivar máximo
lucro e para isto explorar todos os trabalhadores (homens e mulheres), podemos
172
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1421, 1972.
173
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 608, 1967.
174
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 775, 1967.
175
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 347, 1960.
176
PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução de Viviane Ribeiro.
Bauru: EDUSC, 2005., p. 151.
102
102
perceber, que na maioria das vezes a condição feminina lhe é favorável para querer
exorbitar esta exploração
177
.
Segundo FOUCAULT, para entender esse fenômeno não se pode:
[...] tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e
homogêneo de um individuo sobre os outros, de uma classe sobre as
outras [...] não é algo que se pode dividir entre aqueles que o
possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e
lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que
circular, ou melhor, como algo que funciona em cadeia. Nunca
esta localizado aqui ou ali, nunca esta nas mãos de alguns, nunca é
apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se
exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam,
mas estão sempre em posição de sofrer este poder e de sofrer sua
ão, nunca são alvos inertes e consentidos do poder, são sempre
centros de transmissão
178
.
O poder não é algo estável, estruturado em hierarquias rígidas e bem
delimitadas, mas algo que pode ser utilizado pelos vários sujeitos conforme a
situação e as correlações de forças estabelecidas por estes, ou seja, tanto
dominantes como dominados se apropriam do poder em suas múltiplas relações de
forma assimétrica. Outro aspecto assinalado pelo filósofo francês diz respeito, a
idéia do poder como algo que se produz em rede, na qual os sujeitos sofrem os
efeitos de sua ação, não como meros receptáculos de seus efeitos, mas como seus
propagadores
179
.
Pensando nas mulheres trabalhadoras de Curitiba entre 1960 e 1975,
podemos entender estas relações de trabalho como uma das formas da circulação
do poder, tanto de nero como de classe, visto que em suas atividades cotidianas,
demonstradas através dos processos trabalhistas, na maioria das vezes, estavam
sujeitas às difíceis condições de trabalho e aos baixos salários. Em outros
momentos, tentavam reverter a situação de diversas maneiras, como por exemplo:
discutindo, brigando com seus chefes ou não comparecendo mais ao trabalho.
Como nos casos relatados aos juizes, que atestam:
177
SCOTT, J. Gênero Uma Categoria útil de Análise Histórica. In: LOPES, Eliane M. T e LOURO,
Guaracira L. Educação e Realidade (número especial: Mulher e educação). Porto Alegre, jul/dez,
1990, p. 18. Ver: FOUCAULT, M. História da sexualidade: A vontade de saber. 3 ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1980, p. 88-93
178
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998, p.183.
179
Ver FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nau, 2005, V
conferência, pp.103-126.
103
103
[...] foi demitida por D. Ivone, quando estava jantando na cozinha [...]
por volta das 19,30 horas [...], que Dona Ivone lhe perguntou se a
depoente iria trabalhar no dia seguinte e esta respondeu se estivesse
boa iria trabalhar, tendo Dona Ivone com isto, digo, dito que se a
depoente não tivesse boa não fosse mais trabalhar; no que no dia
seguinte a depoente não foi mais trabalhar [...] a depoente entrava
entre cinco e meia e seis e meia, trabalhando até as 20,00 horas[...]
que as vezes a depoente ficava depois do jantar[...]
180
[...] Foi demitida, que tal fato se deu quando discutia com o
proprietário tendo em conta a exigências da assinatura por ele feita
ontem, que quando assinou os recibos se encontrava nervosa em
face da exigência e assinou os recibos para encerrar o
desentendimento e a discussão mantida com o proprietário [...] que
continuou a trabalhar, mas num clima de desinteligência com o
reclamado, que então se queimou e houve a discussão quando foi
despedida [...]
181
Nos processos trabalhistas analisados, uma estratégia utilizada com
freqüência pelos advogados dos empregadores, era alegar que a trabalhadora não
havia sido demitida, mas havia abandonado o trabalho. O que pode ser entendido
como falta de compromisso, irresponsabilidade, desinteresse pelo trabalho ou
negligência. Em suas falas registradas durante os processos podemos ler,
[...] que não despediu a reclamante, mas a mesma abandonou o
emprego por que visava a receber indenização e por isso passou a
trabalhar com má vontade
182
.
[...] que a ora reclamante não foi demitida e o emprego encontra-se a
sua disposição. Ocorreu o seguinte: a ora reclamante era desidiosa,
faltando regularmente ao serviço, sem motivo justificado, tendo até
sido suspensa por três dias [...] recusou-se a receber sua
remuneração com os descontos dessas faltas [...]
183
.
Em muitos dos processos trabalhistas, os defensores dos empregadores
tamm recorrem às estratégias desabonadoras da conduta moral das mulheres
trabalhadoras. Elas são apontadas como insubordinadas, indisciplinadas, desidiosas
ou ladras. Nestes casos, queriam fazer crer que por tais predicados não deveriam
180
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 693, 1960.
181
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
666, 1964.
182
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
666, 1964.
183
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo n.º
01714, 1973.
104
104
ser agraciadas com as indenizações reclamadas. Certamente, procuravam
estabelecer relações entre as características morais incompatíveis socialmente às
mulheres com o trabalho.
[...] Ao lhe ser apresentado o recibo de salários do s de abril/68, a
mesma recusou-se a receber, sob o pretexto de que o estava
correto o seu pagamento, pois a reclamada estava deduzindo os dias
que a empregada faltou ao trabalho de 18 a 29 de abril/68 (12 dias),
tendo a reclamante justificado suas faltas com uma simples
declaração da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, e o tal
atestado nem mencionava o nome da pessoa que firmou dita
declaração. A reclamante ao se recusar a receber seu pagamento,
insubordinou-se contra seu empregador, e, entre outras palavras
inconvenientes, disse: "que seu salário de abril poderia ficar de
esmola para a firma". [...] Logo em seguida, a reclamante ao ser
solicitada para prestar ajuda em outra sessão da confeitaria,
motivado pelo fato de ter faltado a outra empregada naquele dia,
novamente rebelou-se contra seu empregador, recusando-se a
cumprir a tarefa a ela designada, proferindo palavras pouco
recomendáveis, e, ocasião em que, foi despedida.[...] A empregada
esta negligenciando no serviço que o leva a ter faltas excessivas ao
trabalho. Do mês de fevereiro do ano em curso, até sua despedida, a
reclamada mais faltou do que trabalhou [...]
184
(Grifos no original)
A recusa em receber o salário, as discussões e as faltas consecutivas podem
ser encaradas como formas de resistência das trabalhadoras. Relões de poder e
resistência estão imbricadas, pois, não existiria poder se não existisse o outro lado
que nega, desafia a ordem estabelecida. Para Foucault, existe uma multiplicidade de
pontos de resistência que representam o papel de adversário, de alvo, de apoio, de
saliência que permite a preensão. Estes pontos de resistências eso presentes em
toda rede de poder
185
. Também acrescenta que a resistência o está em um foco
isolado, como o poder também não o está, o que permite falar em resistências, no
plural. As formas de resistência à exploração no trabalho, utilizadas pelas mulheres
trabalhadoras se davam, na maioria das vezes, com pequenas discussões com os
chefes na empresa, proferir palavrões ou promover brigas.
Todavia, os representantes do judiciário e do capital se apoiavam em aparato
legal para punir a indisciplina das trabalhadoras. O artigo número 482 da C.L.T.
justificava a demissão por justa causa, ou seja, sem o pagamento das verbas
184
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo n.º
707, 1968.
185
FOUCAULT, M. História da sexualidade I: A vontade de saber. ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1980, p. 91.
105
105
rescisórias
186
. Para isto era necessário enquadrar as trabalhadoras em uma das
categorias citadas no artigo: improbidade, incontinência de conduta ou mal
procedimento, desídia no desempenho de suas funções, ato de indisciplina e
insubordinação, abandono de emprego, ato lesivo da honra, da boa fama ou ofensas
físicas praticadas no serviço contra qualquer pessoa ou contra o patrão
187
. Ao
pronunciar: "que seu salário de abril poderia ficar de esmola para a firma" ou
simplesmente, “Vou faltar”, sem a autorização da chefia, eram motivos para
classificar a funcionária como revoltada, insubordinada. Suas condutas e
comportamentos eram observados e examinados pelos juízes e exaltados pelos
advogados da empresa, como no Processo 707/68, no qual foi perguntado à
trabalhadora e às testemunhas se ela proferia palavrões durante o horário de
trabalho:
DEPOIMENTO PESSOAL DA RECLAMANTE: [...] Que proferiu essa
frase por julgar-se injustiçada, face ao desconto dos doze dias; que
186
Justa causa é o conjunto de elementos que permite ao empregador ou empregado dar por
encerrado o contrato de trabalho. - A dispensa por justa causa é uma conseqüência do poder
disciplinar do empregador, cabendo a este quantificar a penalidade de acordo com a gravidade da
conduta do empregado. A mais severa das penas aplicáveis ao empregado é a dispensa por justa
causa. Enfocada por diversos preceitos celetistas, a penalidade conduz à extinção do contrato sob
ônus do agente faltoso. Com isso, a pena não somente autoriza o descumprimento do princípio
trabalhista geral da continuidade da relação de emprego, como extingue o pacto, negando ao
trabalhador quaisquer das verbas rescisórias previstas em outras modalidades de rompimento do
contrato. Sobretudo, lança indissimulável mácula na vida profissional do trabalhador. Assim, para que
a referida pena seja aplicada é necessário que haja provas inequívocas que comprovem de forma
cabal o acontecimento dos fatos, bem como a sua autoria. Dispensa por justa causa, modalidade de
término da relação de emprego promovida pelo patrão em razão de falta grave cometida pelo
empregado, deve ser aplicada apenas em situões de maior gravidade.
187
"Art. 482. Constituem justa causa para rescio do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de
improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta
própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa
para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do
empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia
no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de
segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato
lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas
mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra e
boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso
de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. BRASIL.
Consolidação das Leis Trabalhistas. 29ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. (Série Legislação
Brasileira), p.155. Artigo modificado em Súmula do STF em 1963, onde ficou decidido que “A simples
adesão a greve não constitui falta grave. (Aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963)” , também em
1966 foi incluído um parágrafo pelo Decreto-lei n.º 3, de 27-01-66, DOU 27-01-66, que diz: Parágrafo
único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente
comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios contra a segurança nacional. Em 1978
foi acrescido por Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (RA 69/1978, DJ 26.09.1978. Nova
redão - Res. 121/2003, DJ 19.11.2003) que estabelece “A ocorrência de justa causa, salvo a de
abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do
empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória”.
106
106
já trabalhara na sessão de confeitaria, mas nesse dia ao ser-lhe
solicitado por esse serviço, recusou-se a fazê-lo; que acredita não
tenha proferido nenhum palavrão nessa hora, que ao contrário, os
patrões e que estão habituados a proferi-las; que só faltou nos
últimos tempos quando doente [...].
DEPOIMENTO DA PRIMEIRA TESTEMUNHA DA RECLAMANTE:
[...] que nunca viu a recte. nervosa e tratava bem aos fregueses; que
não era dada ao uso de palavrões e não os admitia[...]
DEPOIMENTO DA SEGUNDA TESTEMUNHA DA RECLAMANTE:
[...] que nunca presenciou palavras de baixo calão quer da
reclamante quer do reclamado; que desconhece o motivo da
despedida.
DEPOIMENTO DA PRIMEIRA TESTEMUNHA DA RECLAMADA
[...] que nunca ouviu palavrões de quem quer que seja; que o senhor
Giovani comentou que a recte. Faltava muito [...]
DEPOIMENTO DA TERCEIRA TESTEMUNHA DA RECLAMADA
[...] que presenciou duas a três vezes a recte. Ser agressiva com o
senhor Giovani; que estava presente quando a reclamante
agressivamente disse ao reclamado que guardasse o salário de abril
de esmola [...]
188
Apesar da maioria das testemunhas afirmarem que a trabalhadora não
proferia palavrões no local de trabalho, apenas um testemunho por parte da
empresa foi suficiente para o juiz concluir a ão com prejuízo a funcionária com a
seguinte sentença:
Aduz a Reclamada que a dispensa ocorreu por justa causa,
consistente em ato de insubordinação [...] Não obstante negue a
reclamante tenha proferido no ato dessa recusa algumas palavras de
baixo calão, a testemunha da Reclamada, João Lourenço, afiança ter
ouvido referidas palavras obscenas em seu depoimento pessoal, a
reclamante mostrou-se nervosa e um tanto agressiva ao responder
às perguntas formuladas pela Presidência, o que corrobora as
afirmativas da Reclamada, no que tange ao comportamento dela,
Reclamante. Improcede, pois o pedido de verbas em epígrafe, uma
vez que houve justa causa definida no artigo 482, da C. L.T., alínea
“h”
189
.
Neste caso, fica evidente que o juiz considerou relevante o comportamento da
funcionária, buscando um modelo de mulher trabalhadora, dócil e disciplinada,
conforme disposição da C.L.T. O nervosismo e a aparente agressividade tornaram-
188
CURITIBA, Justiça do Trabalho, 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo n.º
707, 1968.
189
Idem.
107
107
se o fato mais importante do processo e não os descontos das faltas da
trabalhadora, fato irradiador da discussão.
As brigas e xingamentos sugerem ser uma das formas de mulheres
trabalhadoras de Curitiba de lutarem e demonstrarem sua insatisfação no trabalho,
contra o empregador. Estas atitudes eram ressaltadas com grande importância e
condenadas pelos advogados, tanto nas petições iniciais como na defesa por
escrito, [...] Que a ora reclamante foi demitida por haver praticado a falta grave
escrita na letra "j", do artigo 482 da Consolidação, ou seja, ter agredido, no trabalho,
uma colega de serviço, causando-lhe lesões corporais (cfr. doct. 1, anexo)
190
.
Tal comportamento está previsto na CLT, cabendo aos juízes e ao patronato
punirem a trabalhadora com a demissão por justa causa, ou seja, sem o pagamento
da indenizão, cuja finalidade era garantir suas despesas até encontrar novo
emprego
191
. Assim, a punição tem a função de ser um exemplo para as demais
trabalhadoras que ao se portarem de forma inadequada, perderiam o trabalho e a
indenização que representava um investimento que poderia ser utilizado no futuro,
em caso de grande necessidade, ou, até mesmo como pecúlio para comprar um
bem de maior valor. Neste sentido, o poder disciplinador normaliza, regulamenta
todos os comportamentos, as relações de trabalho e pune os não conformados.
Como esclarece FOUCAULT,
Na oficina, na escola, no exército funciona como uma
micropenalidade do tempo (atrasos, ausência, interrupções das
tarefas), da atividade (desatenção, negligência, faltas de zelo), da
maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice,
insolência), do corpo (atitudes “incorretas”, gestos não conformes,
sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência)... Trata-se ao mesmo
tempo de tornar penalizáveis as forças mais temeres da conduta, e
de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo
possa servir para punir a mínima coisa, que cada indivíduo se
encontre preso numa universalidade punível-punidora
192
.
190
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 563, 1961.
191
A demissão por justa causa está prevista para os casos nos quais o empregado descumpre alguma
obrigão legal ou contratual. O artigo 482 da CLT tipifica doze diferentes hipóteses que autorizam o
empregador a rescindir o contrato de trabalho sem o pagamento das verbas rescisórias.
192
FOUCAULT, Vigiar e punir: nascimento da prisão, op. cit., p. 149. Não se pode esquecer, no
entanto, do poder diretivo e disciplinar do empregador, autorizado pelo artigo da CLT. Sendo o
obreiro um trabalhador subordinado, essujeito ao poder de direção do empregador. Este poder é
que permite conduzir as atividades desenvolvidas pelo empregado sempre em benefício de uma
melhor produtividade e com o menor custo possível. Assim, tanto o poder de direção como o de
subordinação do empregado (dever de obediência) são inerentes ao contrato de trabalho. O poder
108
108
Existiam ocasiões em que mulheres realmente se revoltavam contra o poder
de chefias e patrões, chegando a agredir fisicamente seus superiores, como no
processo 475/61, no qual a trabalhadora de Hotel estava descontente porque
solicitou para não comparecer ao emprego por alguns dias, o que lhe foi negado,
além de ser transferida do setor em que estava habituada (do sexto para o décimo
oitavo andar).
[...] que no dia da briga a depoente estava trabalhando no andar
quando o Sr. Kurt chegou gritando, dizendo que ela estava
empurrando os móveis e jogando as coisas tendo ela respondido que
ele estava enganado e que ela estava trabalhando direito; que o Sr.
Kurt puxou a depoente pelo braço e quis ensiná-la a trabalhar; que a
depoente quis então agarrar o Sr. Kurt tendo este saído ela foi atrás
dele porque já estava com raiva, que tendo agarrado o Sr. Kurt e
sacudido, ele lhe deu um tapa e a depoente caiu; que em seguida a
depoente pegou um pedaço de fórmica para dar na cabeça do Sr.
Kurt, que ia mesmo bater no Sr. Kurt, ainda que o matasse porque
nessa hora não estava ligando para nada [...]
193
O jogo de poder estabelecido nas relações de trabalho toma uma forma
evidente neste caso, o abuso de autoridade contra a funcionária ao tratá-la de forma
agressiva, como se esta estivesse totalmente sob sua tutela ou domínio. Entretanto,
a reação da funcionária foi totalmente inesperada, negando completamente naquele
momento a condição de submissa. Mas nos autos passa de vítima a vilã. Nestes
casos, as mulheres são representadas como seres descontrolados que não agem
racionalmente e não tem direitos aos benefícios da lei por insubordinação.
A ladra também foi uma figura presente nos autos verificados. Como no caso
de duas irmãs que trabalhavam em uma fábrica de louças. Nos depoimentos uma
delas diz que, as serem demitidas e estarem cumprindo aviso prévio,
[...] a reclamante estranhou a gentileza de alguns de seus colegas de
trabalho, do gerente da fábrica e do encarregado dos fornos que
vinham obsequeiando-na com lembranças constantes de presentes
disciplinar decorre imediatamente do poder de direção. A sanção disciplinar pelo empregador visa
impor ordem, regularizar comportamentos e advertir os empregados que não estejam observando os
limites impostos pelo contrato de trabalho. Dizem respeito a qualquer falta ocorrida no âmbito da
empresa, relacionado com o serviço. A sanção disciplinar pode ter um efeito meramente pedagógico,
como ocorre com a advertência verbal ou escrita, ou mesmo punitiva, como suspensão sem
vencimentos e a ruptura por justa causa. A sanção disciplinar na esfera trabalhista não é obrigação
imposta ao empregador, mas mera faculdade, tanto que se admite a figura do denominado "perdão
tácito" se ausente o quesito "imediatidade".
193
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 475, 1961.
109
109
representados por duas jarras, três cinzeiros e algumas travessas
(tudo de louça), num montante e de quatrocentos e cinqüenta
cruzeiros [...]. Dias antes do término do Aviso referido, I. P. foi
chamada à delegacia de polícia especializada em furtos e roubos,
acusada, pelo presidente da atual reclamada, de haver furtado
objetos desta, [...] de imediato percebeu a subterrânea intenção do
empregador, que, procurava sob este pretexto, e evitar o pagamento
das indenizações trabalhistas de vidas a então acusada [...] mais
acimentada foi a percepção do delegado quando este cidadão
propôs, na delegacia, que daria para encerrado o caso se a acusada
e sua a irmã J.P. dessem quitação de todos os seus direitos junto e a
empresa
194
. (abreviadas do original)
Muitas mulheres entravam na Justiça do Trabalho requerendo seus direitos
frente uma demissão injusta, porque foram demitidas acusadas por furtar dinheiro ou
algum objeto. Em outros momentos a questão do furto aparecia nos depoimentos
dos empregadores e em alguns casos este era um recurso planejado desde o início,
pois, a condenação envolvia o pagamento de indenizões. Se ficasse provada a
improbidade da funcionária ela poderia ser demitida por justa causa, como citado
acima.
O pagamento da indenização era um fator importante, por inúmeras vezes
aparecem nos autos. Nestes ficam explicitas duas situações ou os capitalistas não
tinham a intenção de desembolsar o montante necessário ou as trabalhadoras
desejavam ser demitidas para recebê-los. Na reclamatória citada acima, ao que tudo
indica foi arquitetado uma estratégia com o objetivo de não ressarcir as funcionárias,
chegando a coagi-las na Delegacia de Polícia e depois na fábrica, exigindo que
assinassem uma carta reconhecendo que haviam furtado tais objetos. No entanto,
não dá para afirmar a total ingenuidade das funcionárias como vemos em seus
depoimentos,
[...] Que ganhou o jogo de tigelas de Luiz que era quem tomava
conta do forno, uma jarra amarela de Donaide, uma outra
empregada. [...] que a mesma dona Donaide deu uma jarra pequena
para a depoente levar para casa, tendo-a embrulhado num casaco
da depoente; [...] que o gerente da fábrica, Sr. Ermidio, de quem a
depoente recebeu a jarra verde grande e a promessa de muitos
outros presentes se depois de sair da fábrica lhe desse um beijo [...],
que ia passando pelo forno quando estava sendo descarregada a
louça e perguntou a Luiz se ele não lhe daria um jogo de tigelas
quando ela saísse da fábrica ele lhe disse que ela podia levar tendo
194
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 798, 1960.
110
110
ainda confirmado esta afirmação é; que então a depoente levou o
jogo de tigelas para sua casa [...]
195
.
No processo abaixo a trabalhadora impetrou uma ação reclamatória por ser
descontado todo seu salário de forma arbitrária, acusada de ter extraviado dinheiro
do caixa, como consta nos autos,
[...] Que a reclamada era quem recebia os pagamentos da roupa
lavada, e todas as segundas-feiras prestava contas, nunca tendo
havido qualquer dúvida sobre as mesmas, embora sempre pedisse a
reclamada a maior seguraa para guarda do dinheiro, que ficava em
gaveta sem a chave, no balcão, de fácil acesso para qualquer
pessoa, no que não foi atendida, e nem a reclamada que lhe dava
qualquer comprovante da prestação de contas, pois ficava com
dinheiro e todas as vias do talão [...], que nas últimas prestações de
contas, a reclamada veio com insinuações de que estava faltando
dinheiro, e chegou mesmo a descontar todo o salário da reclamante
do mês de abril, dizendo que era para cobrir a falta do dinheiro [...]
196
.
A maior parte destes processos não chegou a uma sentença do juiz, ou as
partes entraram em conciliação, recebendo valor bem menor do que os de direito;
mas pela presa em recebê-los, geralmente por estar desempregadas e necessitarem
do dinheiro ou por medo na demora em terminar a ação. No caso seguinte a
funcionária de uma empresa aérea conseguiu ganhar a causa por que nada pode
ser provado contra ela, no entanto, teve que entrar com outra reclamação na Justiça
do Trabalho devido as constantes perseguições que estava sofrendo na empresa.
[...] Que a depoente trabalha para a reclamada como comissária de
bordo exercendo suas funções aqui em Curitiba [...] que nos vôos
regulares da depoente não houve extravio algum de encomendas [...]
que há uns três meses atrás mais ou menos, o inspetor da Cia. [...],
levou ao conhecimento da depoente que se haviam extraviados duas
encomendas destinadas ao o Banco do Brasil de Curitiba S.A.; que o
aludido inspetor esclareceu a depoente que as encomendas
extraviadas eram dólares, não esclarecendo, porém, o seu valor [...]
que depois disso a depoente teve conhecimento que o mesmo havia
escrito uma carta a direção da Real dizendo que a depoente estava
envolvida no desaparecimento destinado ao Banco do Brasil e que
ela depoente era uma comissária irresponsável e negligente de suas
funções; que a depoente trabalhando a tanto tempo na Real, nunca
195
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 798, 1960.
196
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 587, 1961.
111
111
foi admoestada pela mesma, por negligência no serviço, razão
porque tendo recebido uma carta da real, sobre a ocorrência,
respondeu-a imediatamente, estranhando as imputações que lhe
eram feitas;[...]
197
Em seu depoimento, além de denunciar as perseguições que sofria, incluindo
sua transferência para outro estado da federão, a funcionária punha em evidência
a condição das mulheres que trabalhavam em setores mais dinâmicos, como
empresas reas. Estas, ao se modernizar, estavam substituindo suas funcionárias
por trabalhadores do sexo masculino, e a preocupação da empresa era reduzir
custos com o trabalho da mulher. A alegação fundamentava-se nos custos
superiores devido à gravidez e as constantes faltas causadas por doenças e a
condição física da mulher. No relato a funcionária destaca que algumas mulheres ao
se casarem, estavam preferindo continuar no emprego para reforçar o orçamento
doméstico. Como demonstra o depoimento, esta era quase que uma regra em um
passado recente ao da ão,
[...] Que a reclamante em data de 11 de abril de 1961, recebeu com o
maior dos espantos, a carta anexa à da endereçada a sua pessoa,
na qual comunicam-lhe que tinha sido transferida para São Paulo
[...], que tal fato tem seu motivo de longa perseguição que vem
sofrendo a reclamante desde dois anos para cá, perseguição essa já
agredidas quando do julgamento do processo [...] que a reclamante,
doutos julgadores, é pessoa com mais de 10 e anos de serviços
prestados a reclamada, é pontual, honesta e acima de tudo
competente, nunca tendo sido se quer advertida ou suspensa, mas
ao contrário é elogiada,[...]
[...] Que a reclamada, doutos julgadores, vem tempos tentando
acabar com a classe de comissárias casadas, pois tal fato faz com
que as mesmas quando de seu estado de gravidez, o mesmo dado
ao seu, digo a sua fraca constituição, facilmente adoecem, e fiquem
largo tempo afastadas da empresa. Por tal motivo a reclamada tenha
adotado na empresa a admissão de homens para tal serviço. Antes
tempo, eram as próprias comissárias, que com o advento do
casamento saíam do emprego - por livre e espontânea vontade, mas,
atualmente, vem-se na contingência de assegurar o rendimento
próprio que somado com o de seu njuge ameniza bastante as
dificuldades que surgem [...]
198
197
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 530, 1961.
198
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 530, 1961.
112
112
Nos processos trabalhistas, a situação das mulheres trabalhadoras que
engravidavam aparece de forma mais grave. Nas ações que compunham a amostra,
a maioria das gestantes procurava a Justiça buscando obter outros direitos como
Aviso Prévio, Férias o recebidas, Horas-extras e fins de semana e feriados em
que trabalharam e que não foram computados nas somas pagas pelas empresas. O
auxilio maternidade muitas vezes aparecia fora das contas realizadas pelos
advogados como algo menor, sem importância, esporádico. Outras vezes, não eram
mencionadas nas contas necessárias nas petições iniciais causando prejuízo às
trabalhadoras. Como evidencia a ação 1214, de 1974, em que foi alegado apenas
que a trabalhadora foi demitida no oitavo mês de gestação, sendo a sentença
desfavorável. Como alegou o juiz, [...] ao que se depreende pretendeu ainda a
reclamada pedir auxílio maternidade, todavia tal verba não consta da inicial, pelo
que não foi constada não pode ser deferida, devendo a reclamante pedi-la noutra
reclamatória, caso queira [...]
199
A Justiça do Trabalho é um dos campos mais importantes que diz respeito à
proteção da mulher trabalhadora. No entanto, a realidade revelada pelos processos
não é condizente com tal premissa. Na prática, a maioria das ações não alcançava
sequer a primeira audiência. Eram interrompidas por desistência das reclamantes ou
por realizarem acordos (conciliação) com o patronato, com valores inferiores aos que
faziam jus. Na década de 1960 ainda era comum demitir mulheres por estarem
grávidas ou por se casarem, como demonstram as ações trabalhistas,
[...] que a reclamante foi admitida aos serviços do reclamado, em 13
de junho do corrente ano, para exercer as funções de servente,
percebendo o como salário o mínimo regional [...], que em 12 de
outubro do ano em curso foi demitida injustamente, em virtude de
estar grávida sem o recebimento das parcelas a que faz jus [...]
[...] Que a reclamante encontrava-se em estado de gravidez, terceiro
mês de gestação, e, para evitar o cumprimento do art. 392 e
Parágrafos da C.L.T., por parte da reclamada este despediu a
reclamante dos serviços, sem aviso prévio e outros direitos.
[...] Foi despedida sem justa causa em 29 de janeiro de 1975,
cumprindo aviso prévio até a data de 07/02/75. Não recebeu seus
direitos inclusive o sario maternidade, pois encontra-se no quarto
mês de gestação [...]
200
199
CURITIBA, Justiça do Trabalho, 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1214, 1974.
200
CURITIBA, Justiça do Trabalho, ª Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1645, 1967, CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de
113
113
As empresas para justificarem as demissões das trabalhadoras por justa
causa e sem os seus direitos devidamente pagos, alegavam que desconheciam o
estado de gravidez de suas funcionárias, pois estas não haviam entregado nenhum
atestado médico no escritório que comprovasse tal situação. A guisa de exemplo,
vejamos o processo número 338 da 3ª Junta de Julgamento e Conciliação de
Curitiba, no ano de 1975, a funcionária solteira, trabalhadora de uma confecção de
roupas, na função de costureira, no qual nos autos constam Eis que a reclamante
não apresentou atestado algum a empresa que comprovasse seu estado de
gravidez
201
. Na ão 1214 de 1974 a trabalhadora foi demitida no oitavo mês de
gestação e a representante da empresa alegou que não sabia que a reclamante
estivesse grávida. Vê-se que era muito mais cômodo para tais indústrias
encostarem-se a mera formalidade jurídica, para não arcar com os direitos devidos e
com seus deveres.
No Processo número 01697/73, cuja trabalhadora era funcionária de uma
pensão, residindo no mesmo local e sem família em Curitiba ocorreu, como constam
nos autos, [...] que em virtude de haver perdido C$ 50,00 da reclamada foi mandada
embora, não só por este motivo como também por estar grávida de quatro meses e
a reclamada exigir que fizesse aborto [...]
202
. Ao que parece, para a dona da pensão
seria a solução mais fácil para situação, poderia manter a funcionária desde que
sem estar grávida ou com um filho no futuro, como isto não aconteceu demitiu-a
deixando-a sem meios de conseguir seu sustento, sem moradia e em uma situação
especial. Na Justiça do Trabalho só conseguiria um pequeno montante referente aos
direitos que poderia requerer tais como: horas-extras, salário atrasado, fim de
semana e feriados, aviso prévio, anotação na Carteira Profissional, indenizão e
contribuições depositadas junto ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o
que não representava muito por causa do salário baixo que recebia mensalmente.
No processo 1645 da JCJ, do ano de 1970 a situação da trabalhadora foi tratada
com descaso pela empresa, através de seu advogado. No depoimento aflora a
situação difícil da trabalhadora, grávida que perdeu seu filho.
Curitiba, Processo número 425, 1974 e CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e
Julgamento de Curitiba, Processo número 338, 1975.
201
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 338, 1975.
202
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 01697, 1973.
114
114
[...] que em 17 agosto a depoente deixou de trabalhar, por motivo de
doença e de gravidez; que recebeu os salários dos dias trabalhados
em agosto e depois voltou à Reclamada, em 17 de setembro, quando
terminava o aviso prévio, para o acerto final, mas recebeu nessa
ocasião, C$ 23,74, como consta do rec. ora apresentado; que a
depoente foi despedida porque estava grávida; que o aviso foi dado
pela depoente à chefe Zenaide, a respeito da gravidez; que poucos
dias depois recebeu a carta de aviso prévio; que o filho da depoente
nasceu morto em 23.11.70; que a depoente tem doc. que comprova
o nascimento da criança no mês de novembro; [...] deixou de
trabalhar por motivo de doença, tendo apresentado atestado médico
à Recda.
203
.
Mais uma vez a empresa alega o desconhecimento da gravidez da
funcionária, e em defesa o advogado da empresa argumentou:
[...] que não lhe assiste o invocado direito de salário-maternidade,
porque este só é devido pelo período de 6 semanas antes e depois
do parto. Ora, não tendo ocorrido a délivrance, não há como se falar
no direito de salário-maternidade. A ora reclamante nunca exibiu
qualquer prova do estado de gravidez e esta era e é desconhecida
da ora reclamada. A demissão não teve objetivo de fraudar a Lei
(CLT artigo 9º), [...] A Lei concede o Auxílio Maternidade mas não
fala em Auxílio Gravidez, como esta pretendendo a ora reclamante. A
reclamante foi demitida por ser desidiosa
204
. (Grifos no original)
Esta preocupação em demitir as mulheres grávidas, estava relacionada a
organização do salário-maternidade ou auxílio-maternidade previsto pela OIT desde
1919. No Brasil, esse direito foi assimilado pela Constituição de 1934, entretanto,
estava inicialmente a cargo das empresas, o que causava maiores despesas por
parte dos capitalistas, que teriam que desembolsar três meses de remuneração.
Neste caso, muitas empresas a fim de tentar evitar tal encargo, demitiam as
trabalhadoras ao contrair matrimônio ou em caso de gravidez. Esta situação
transcorreu até meados da década de 1970, quando o Estado brasileiro, seguindo
orientações da OIT, transferiu o pagamento do benefício para responsabilidade do
INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) através da lei nº. 6.136, de 7 de
novembro de 1974, regulamentada através do Decreto nº. 75.207, de 10 de janeiro
de 1975 data em que passou a vigorar efetivamente.
203
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1645, 1970.
204
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1645, 1970.
115
115
O movimento feminista no Brasil desenvolveu-se a partir dos anos 1970,
defrontando-se com toda sorte de problemas relacionados ao desrespeito dos
direitos das mulheres no trabalho, particularmente, aqueles relacionados com a
proteção da gestação e maternidade, do nascituro e dos cuidados à infância. Tais
questões ganhavam maior dimensão na medida em que um mero cada vez maior
de mulheres ingressava no mercado de trabalho, conjuntura agravada pela política
de arrocho salarial imposta pela ditadura militar. As bandeiras do feminismo no
Brasil, diferentemente do movimento nos países europeus e dos Estados Unidos,
passaram a abarcar reivindicações ligadas ao cotidiano de mulheres trabalhadoras,
tais como saúde, educação e creches
205
. As questões relacionadas à exploração do
trabalho feminino, às condições de trabalho das mulheres, ao desrespeito de seus
direitos trabalhistas, de certo modo, passaram ao largo das questões de cunho
político e derivadas da luta pelos direitos humanos e pela democracia. Portanto,
resultam daí certas especificidades dos primeiros momentos do movimento feminista
no Brasil.
As mulheres doentes também são personagens constantes nas reclamações
trabalhistas analisadas. As freqüentes faltas no trabalho por motivos de doença
serviam como justificativa para demissão de mulheres, tanto na indústria, como no
comércio. Isto porque às doentes estava assegurado o auxílio-doença, constante no
Artigo n 473 da CLT. Direito consagrado em lei, que muitos empresários não
estavam dispostos a pagar e por esta razão demitiam as funcionárias. Em muitas
petições iniciais constam como motivos da demissão as faltas por motivos de
doença, como no processo número 707, da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de
Curitiba, no ano de 1960, na qual o advogado da costureira alega [...] que trabalhava
para o reclamado de 27 de novembro de 1959 até o dia 12 de maio, quando ficou
doente ficando em tratamento até 31 de maio do corrente ano, quando retornou ao
serviço, não sendo mais aceita pelo seu empregador
206
. Ainda no processo 3014/60
da JCJ, do ano de 1960, em depoimento a trabalhadora diz [...]; que esteve
doente por duas vezes, sendo uma vez durante 15 dias no mês de junho [...]. Mas
na defesa, o funciorio do escritório da empresa alegou [...] Que no caso da
205
As pesquisas revelam que, depois da estabilidade à gestante, as cláusulas sobre guarda dos filhos
(creche) são as mais freqüentes no que se refere às questões de gênero, presentes nas negociações
da maioria das categorias profissionais, indicando o rumo das reivindicações de mulheres inseridas
no mercado de trabalho.
206
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 707, 1960.
116
116
reclamante ela não estava doente porque se estivesse a reclamada teria recebido
atestado de seu médico ou de médico da residência, o que não aconteceu; que além
disso a reclamante foi vista na rua em dia de chuva [...]
207
.Neste caso, além de
negar a existência de atestado médico, documento legal, utiliza-se de outros
elementos para comprovar a da trabalhadora e a legalidade da demissão.
Ainda, que na fala do funcionário está subentendido não só uma avaliação do uso do
tempo da trabalhadora dentro da empresa, mas também fora desta.
Em outro processo, a empresa utiliza distinto artifício para demitir a
trabalhadora sem ser preciso lhe pagar os direitos devidos, esclarecidos pelo
advogado da reclamante na petição inicial. Vejamos:
[...] Muito embora o motivo diverso constante da referida carta, foi a
reclamante informada, verbalmente, pelo gerente da reclamada que
a despedida prendia-se ao fato de haver ela agredido uma colega de
trabalho, afirmação essa absolutamente falsa; [...] é a realidade, eis
que foi a reclamante despedida porque, estando enferma,
necessitava de assistência médica, que lhe vinha sendo prestada
pelo I.A.P.C., e estava na iminência de carecer de licença para
tratamento de saúde, o que, ao que tudo indica, não convinha aos
interesses da reclamada [...]
208
A empresa afirmou que a funcionária havia brigado na empresa, o que
caracterizaria falta grave e a demiso por justa causa, mas segundo o advogado da
trabalhadora a razão da demissão era a necessidade de licença para tratamento de
saúde. Em diferente processo a trabalhadora diz que [...] em 15-16-17 de janeiro de
1974 a reclamante esteve sob os cuidados do INPS e a firma recusa-se a pagar o
auxílio enfermidade. Que foi suspensa por três dias, por faltar [...]
209
As faltas ao trabalho, de modo geral, não eram toleradas pelos capitalistas de
Curitiba, em fase de crescimento acelerado, e eram razões de demissão, sejam elas
para tratamento de saúde, cuidados com filhos ou para resolver assuntos
particulares. Como se observa no processo mero 01714, da JCJ, de 1973, na
petição inicial o advogado da alega [...] que foi demitida injustamente por faltas
[...], por outro lado o advogado da empresa sustenta que:
207
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 3014, 1960.
208
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 563, 1961.
209
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 170, 1975.
117
117
[...] a ora reclamante não foi demitida e o emprego encontra-se a
sua disposição. Ocorreu o seguinte: a ora reclamante era desidiosa,
faltando regularmente ao serviço, sem motivo justificado, tendo até
sido suspensa por três dias, [...] recusou-se a receber sua
remuneração o com os descontos dessas faltas [...]
210
.
Em outra ação temos na defesa do advogado da empresa o seguinte:
Admitida pela reclamada em 03/01/74, no cargo de servente,
percebendo Cr $ 153, 00 (cento e cincoenta e três cruzeiros
mensais), foi em razão de faltas consecutivas e injustificáveis, (v.
doc. N.ºs 2 a 7) rescindindo seu contrato em 10/06/74, (v. doc. De n.º
8 j) quando recebeu todos seus haveres junto a reclamada
211
. (grifos
no original)
Neste caso, podemos notar que as mulheres, apesar da situação de
exploração e vítimas do poder abusivo dos capitalistas, reagiam de formas diversas,
como no exemplo supracitado, recusando-se a receber o salário com os descontos
ou como no processo 274 da JCJ, no ano de 1975, no qual a funcionária faltou
um dia para fazer teste em outra empresa e que para isto alegou que estava doente,
mas, quando retornou ao trabalho foi-lhe apresentada uma carta de demissão, que
não assinou. Em depoimento o funcionário da empresa disse que [...] as faltas
freqüentes estavam prejudicando o serviço [...]
212
.
No período de maior industrialização em Curitiba, além do controle sobre o
tempo do trabalho das mulheres, penalizando suas faltas e atrasos, estabelecendo
horários que ultrapassavam o permitido por lei, a ação dos capitalistas também ia
além. No sentido de otimizar a reprodução do capital por meio de mecanismos que
procuravam burlar a lei do salário mínimo, era comum pagarem somente a metade
210
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 01714, 1973. Desídia no Desempenho das Funções: A desídia, em geral, exige certa
cumulatividade de condutas ou outras faltas de menor gravidade, com punições anteriores
(advertências escritas e suspensões) para que seja efetivamente caracterizada. Exemplo: Empregado
que constantemente falta sem justificativa, chega atrasado ou indolente quanto à produção. Como
mencionado, a desídia é decorrente de outras faltas anteriores, mas de menor gravidade. É também
importante que o empregador, de forma gradual, manifeste punições a essas pequenas faltas. As
mais comuns, o: Advertências por Escrito e Suspensões. É o Princípio da Gradação das Penas.
Presume-se e espera-se, que, Advertido e Suspenso, o empregado modifique seu comportamento
desidioso. Em assim não ocorrendo, estará o empregador autorizado a romper o contrato sem
qualquer ônus.
211
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1824, 1974.
212
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número. 0274, 1975.
118
118
deste. Muitas mulheres, principalmente as jovens, eram contratadas como
aprendizes, recebendo assim, salário inferior ao mínimo estabelecido por lei.
Algumas empresas procuravam, por meio de brechas da legislação, dar ares
de legitimidade a esta estratégia. Para tanto, se conveniavam com o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que autorizava a indústria a contratar
aprendizes, mediante um acompanhamento e seguindo regras próprias como, por
exemplo, horário de trabalho reduzido, carteira de aprendiz devidamente preenchida,
marcando datas e horários de trabalho. Argumento utilizado pelos advogados de
defesa das empresas, como podemos ler no processo da trabalhadora contra um
grande moinho de trigo e fábrica de macarrão em Curitiba,
Eis que trata-se de aprendiz sujeita a formação profissional metódica
no próprio local de trabalho, sendo que tal aprendizado foi a
autorizado pelo Senai, em razão da firma reclamada manter acordo
com essa entidade para que a aprendizagem seja feita na própria
fábrica. Assim com sario percebido pela metade, ou seja, com a
redução de 50% era completamente legal e prevista em lei. Quanto
ao auxílio enfermidade a reclamante ausentou-se do serviço de 14
de maio de 1960 até 2 de junho de 1960, faltando ainda de 14 a 26
de junho de 1960, sendo que em ambas as ausências deixou de
apresentar qualquer atestado médico que comprovasse a
enfermidades, razão pela qual nada lhe deve a empregadora, pois as
faltas não foram justificadas
213
.
Eis que na realidade, não se processava desta forma, uma vez que as
aprendizes não estavam sujeitas ao aprendizado metódico de uma profissão. As
falas das trabalhadoras aos juizes e advogados contradizem o que os
representantes das indústrias diziam. A maior parte das vezes realizavam tarefas
simples, que não exigiam “aprendizado metódico” como, por exemplo, serviços de
limpeza, ainda que necessitassem muitos anos para adquirirem as habilidades
exigidas para realizão do serviço em tal função, conforme consta em várias ões
trabalhistas, como a citada contra o moinho de trigo, na qual a funcionária relata:
[...] Que fazia o serviço de limpeza e o de embalagens em pacotes
de meio quilo e um quilo; que nunca trabalhou no corte de macarrão
e nem no seu fabrico [...]; que os serviços que a reclamante fazia
eram feitos também pelos demais empregados adultos [...], que
trabalhou na reclamada oito meses, sendo os primeiros 15 dias na
sessão de massas e todo o restante do tempo trabalhou no moinho;
que no moinho pesava ou então acumulava farinha de trigo no chão
213
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 3014, 1960.
119
119
e ela limpava [...], que o Sr. Sergio não ensinava a depoente, tendo
essa trabalhado conforme via as outras trabalharem e perguntando
às outras mais velhas aquilo que precisava saber, que assinou as
folhas da caderneta num mês de junho
214
.
Pelas palavras da trabalhadora, podemos perceber que as únicas atividades
que realizava na empresa eram de empacotamento de farinha de trigo e de limpeza
do local de trabalho, tanto que ao iniciar a ação contra a fábrica não se declara como
aprendiz, mas como servente”. Tamm diz realizar as mesmas tarefas que as
demais funcionárias e que estas a orientavam.
Em outra ação trabalhista, a funcionária recebia metade do salário mínimo,
justificado pela empresa por ser a trabalhadora menor de idade (15 anos). Sobre a
questão, o juiz do Trabalho se posiciona, ponderando que:
A diferença de salário é devida, pois apenas ao menor aprendiz é
legítimo o pagamento de 50% do salário mínimo, o que não ocorria
com a reclamante que, além de não ser aprendiz, fazia jornada de
trabalho normal, não tendo qualquer cabimento a pretensão da
reclamada, pois o decreto lei invocado foi revogado pelo artigo 80 da
Consolidação
215
.
Neste caso, fica evidente o que ocorria com as trabalhadoras contratadas
pretensamente como aprendizes: recebiam metade do salário mínimo apesar de
realizarem a jornada normal de trabalho
216
. O que parece se configurar é a própria
Legislação Trabalhista ser utilizada para justificar os abusos do capital, que não tem
limites para a exploração do trabalho. Tal ação, tamm pode ser percebida na fala
da trabalhadora ao advogado, que relata no processo, [...] Que o registro foi
efetuado seis anos após a depoente ter começado a trabalhar; que após ser
registrada o salário da depoente era a metade do salário mínimo, o qual recebia
mensalmente
217
. Tal manifestação pode nos levar a entender que o empregador
registrou a trabalhadora por algum motivo de força maior, realizando-o somente
após decorridos seis anos, e quando o fez, a registrou como aprendiz, com o salário
214
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 3014, 1960.
215
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 1744, 1962.
216
É nesse sentido que alguns estudos desnaturalizam o conceito de qualificação, mostrando que as
operárias são adequadamente qualificadas por meio do trabalho doméstico para as funções que
exercem na indústria, sem que esse processo informal de qualificação seja reconhecido.
217
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 10135, 1975.
120
120
50% menor. Com isto, estaria pagando também, menor indenizão à funcionária e
recolhendo menos contribuição ao Estado.
Podemos nos perguntar, por que estas mulheres (a maior parte jovens) e
seus familiares aceitavam estas condições de trabalho e exploração? Talvez, pela
condição de pobreza que se encontravam, visto que neste período cerca de 15,4%
da populão da região metropolitana de Curitiba estavam abaixo da linha de
pobreza absoluta
218
e esta situão lhes faziam sujeitar-se naquele momento. Além
da explorão de classe, os exemplos consagram a dupla exploração de gênero ao
subordinar mulheres trabalhadoras e jovens de menor idade aos interesses dos
empregadores. Sobretudo, ressaltam os conceitos de relações de gênero e de
divisão sexual do trabalho como referência, cujos enfoques colaboram para a
apreensão das desigualdades e heterogeneidades produzidas.
Como atesta a ação movida por uma lavadeira de roupas contra um hotel
curitibano, em que o empregador destaca a condição de pobreza da trabalhadora,
[...] no dia 6 de abril do corrente ano a queixosa foi convidada para
vir lavar roupas no hotel, devido à compra de uma máquina. A
reclamante alegou não poder fazer dois expedientes, devido seus
afazeres dosticos e lavar a roupa e de outras freguesas e
estudantes, cogitando-se por experiência que viesse trabalhar à
tarde [...], esta firma deu preferência à referida lavadeira por
insistência da mesma, devido à penúria, à pobreza em que se
achava, sendo que com o dinheiro das roupas ela sustentava a casa
[...]
219
.
O parco ganho era, provavelmente, melhor do que submeter-se a todo tipo de
necessidade, pois, seus rendimentos conjugavam-se aos dos demais integrantes da
família. Tamm, restava a possibilidade de impetrar ação na justiça, como as
citadas acima, e tentar recuperar um pouco os prejuízos causados pela resistência
do empregador em não reconhecer o valor do trabalho feminino, bem como os
direitos das mulheres. Neste caso, o desconto do salário representaria uma
“poupança”, que seria recebida no futuro, uma vez que o número de ações
trabalhistas iniciadas neste período indica que os trabalhadores não desconheciam
218
GONLÇALVES, Maria Flora (Org.). O novo Brasil urbano: impasses, dilemas, perspectivas. Porto
Alegre: Mercado aberto, 1995. No entanto, justificar a presença da mulher na força de trabalho por
motivos meramente econômicos significa reduzir as conquistas por elas alcançadas. Essa inserção se
deve, igualmente, ao movimento de emancipação feminina e à busca de direitos iguais na sociedade.
219
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 505, 1961.
121
121
totalmente seus direitos e buscavam serem indenizados com o apoio institucional
estatal.
As relações sociais de sexo implicam, ao mesmo tempo, uma sobrecarga no
trabalho doméstico e uma sobrecarga no trabalho remunerado, além do acirramento
de suas diferenças e de maior vulnerabilidade da mulher diante do processo que
torna precários o emprego e o trabalho
220
. Além disso, as dificuldades que as
mulheres enfrentam para se inserir no mercado de trabalho refletem-se na qualidade
dos empregos por elas obtidos. O trabalho feminino encontra-se, em maior
proporção, em postos de trabalho vulneráveis, representados em geral pelo
assalariamento sem carteira assinada, trabalho doméstico, e trabalhadores
familiares, cujo percentual é sistematicamente superior ao de homens. Os
rendimentos da mulher no mercado de trabalho são sempre inferiores aos dos
homens, mesmo quando exercem a mesma função e têm a mesma forma de
inserção.
A evidente desigualdade das mulheres no mercado de trabalho faz com que
esse tema esteja cada vez mais presente nas discussões acadêmicas, nos diversos
segmentos da sociedade, notadamente no movimento sindical. Muito se avançou
para o entendimento do problema e grande tem sido o esforço para a
conscientização dos empregadores da necessidade de aceitar o trabalho feminino
como sendo de qualidade idêntica ao masculino, e assim, minimizar as diferenças de
gênero. Um dos espaços fundamentais para a conquista de garantias ao trabalho da
mulher e a busca da eqüidade de gênero é o da negociação coletiva de trabalho, no
qual patrões e trabalhadores discutem problemas referentes às relações de trabalho
e estipulam normas para a regulamentação dos diversos aspectos dessa relação.
Como vimos, no inicio da unidade, muitas destas trabalhadoras,
provavelmente, eram procedentes das áreas rurais, principalmente da Região Norte
do Estado. Sem experiência no trabalho urbano e/ou industrial, tornava-se inerente a
necessidade de, além de garantir a reprodução do capital, disciplinar estas
trabalhadoras, tornado-as dóceis e submissas às regras impostas pelas empresas.
Corroboram para este processo de disciplinarização, a organizão da Justiça do
220
Para as mulheres, as dificuldades colocam-se desde sua forma de inserção no mercado, que
passa por baixos salários, ocupação de postos precários e discriminação na contratação e ascensão
profissional, até a necessidade de conciliar trabalho e cuidados com filhos e casa, responsabilidades
que lhes são tradicionalmente atribuídas. Além disso, as dificuldades para obtenção de emprego são
maiores para as mulheres do que para os homens, tanto que suas taxas de desemprego são
sistematicamente superiores às masculinas.
12
2
122
Trabalho, que apesar de se intitular como defensora dos empregados assalariados
regulava normas e punições para aqueles que se desviavam das condutas
instituídas pelos representantes do poder, como as mais adequadas. Constitui-se um
jogo de forças, no qual as mulheres trabalhadoras, encontrando além das forças
habituais de luta, como procurar um sindicato ou ir por conta própria reclamar seus
direitos na Justiça do Trabalho, enfrentando duas fortes formas de representantes
do poder o legal e o de seus opressores. Muitas vezes, elas se rebelavam através
de conflitos diretos, xingamentos e se recusando a aceitar as regras impostas,
outras vezes encontravam outras saídas como as faltas constantes e pequenos
furtos.
que se considerar a pouca ão dos sindicatos no Brasil, neste período,
devido ao impacto da repressão imposta pelos governos militares, a partir de 1964,
com prisões de lideranças e fechamento de sindicatos. O Estado afasta da Justiça
do Trabalho, tanto os representantes dos trabalhadores como dos empregadores, e
passou a legislar sozinho as questões do trabalho, principalmente as que se referem
aos salários, que se tornou um item da política financeira estatal. Com isto tem-se
um esvaziamento da Justiça do trabalho.
3.2 As mulheres trabalhadoras na Justiça do trabalho: passados
que não passam.
As mulheres trabalhadoras, personagens dos processos da Justiça do
Trabalho analisados, em sua maioria, eram jovens solteiras. Nas ões não era
comum constar a idade das reclamantes, registrando-se apenas seu estado civil.
Dentre os 51 processos analisados, 30 eram solteiras, 20 casadas e uma
desquitada. Como pode ser observado no quadro abaixo:
123
123
Quadro 05
Demonstrativo por Estado Civil – (1960 -1975)
Estado Civil Quantidade Porcentagem
Solteira 30 58,8%
Casadas 20 39,2%
Divorciadas 01 02,0%
Viúvas 00 00,0%
TOTAL 51 100%
Fonte: Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa (CPDP/ UEM)
Tribunal Regional do Trabalho – 9ª Região – Curitiba.
Estes dados nos levam ao encontro dos resultados obtidos por BOSCHILIA,
em seu estudo sobre as condições de vida e trabalho das mulheres no espaço fabril
curitibano, entre as cadas de 1940 e 1960. No que diz respeito às representações
das mulheres sobre seu trabalho fora do lar, a maioria das mulheres procurava
emprego por um período temporário, que compreendia o intervalo entre a saída da
escola e o casamento. Esse era um dos motivos pelos quais elas acabavam não se
constituindo enquanto classe, e permaneciam distantes dos movimentos políticos e
reivindicatórios
221
. O maior mero de mulheres solteiras pode indicar que, após o
casamento, renunciavam ao trabalho ou eram sumariamente demitidas. Por esta
razão, como mostra a trabalhadora na petição inicial do processo número 698 de
1960, [...] que no dia 12/05/1960, depois de haver cumprido o prazo de aviso prévio,
trabalhando no horário normal de 8 horas, foi demitida sem justa causa, somente
porque casou e estava grávida [...]
222
A participação mais intensa das mulheres no mercado de trabalho assalariado
é maior a a idade de 25 anos, tamm é explicada, por BRUSCHINI &
ROSEMBERG, por causa do casamento e da maternidade, passando as mulheres a
se dedicarem exclusivamente aos afazeres domésticos e à socialização dos filhos.
Corroborava para este fato a falta de equipamentos sociais, como creches, para
atender as necessidades das trabalhadoras. Para as estudiosas, era grande, o
preconceito dos empresários sobre as trabalhadoras casadas, decorrente da crença
221
BOSCHILIA, Roseli T. Condições de vida e trabalho: a mulher no espaço fabril Curitiba ano
(1940-1960). Curitiba: Universidade Federal do Paraná-UFPR, 1996, (Dissertação de Mestrado), p.
158.
222
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 698, 1960.
124
124
de que as faltas eram mais freqüentes neste grupo, além do ônus com os encargos
sociais, decorrentes da legislação que protege as trabalhadoras gestantes
223
.
A maior parte das mulheres trabalhadoras assalariadas de Curitiba
desempenhava suas funções no setor terciário, onde certamente encontravam
emprego com maior facilidade. Observando os dados do Censo Demográfico do
Paraná em 1970, temos que 11,6% dos homens se dedicavam ao trabalho industrial
e as mulheres representavam apenas 3,3% da mão-de–obra deste setor. Enquanto
que no setor Terciário estavam 52,9% das mulheres e apenas 16,7% dos homens e
no comércio temos 5,4 % da mão – de – obra pertencente ao sexo feminino e 6,2 %
de trabalhadores do sexo masculino. Estes dados refletem a década anterior (de
1960), mas ao observarmos o Censo da cada de 1980 vemos que a maior parte
das mulheres continuou no setor de serviços (64,8 % da PEA), apesar de terem
dobrado sua participação no setor industrial (7,1% da PEA) e aumentado também no
comércio (10,8 %). Entretanto, entre uma década e outra houve um crescimento de
290% domero de mulheres trabalhando no setor industrial enquanto que no setor
de serviços esse aumento foi de 122%
224
. Na amostra, o número de processos
pesquisados por setor foi praticamente a mesma, sendo 33,4% das ações de
mulheres que trabalhavam em indústrias, 35,2% oriundas do setor de serviços e
31,4% do comércio.
Quadro 06
Demonstrativo por Setor de Trabalho - (1960 -1975)
Local De Trabalho Quantidade Porcentagem
Indústria 17 33,4%
Comércio 18 35,2%
Serviços 16 31,4%
TOTAL 51 100%
Fonte: Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa (CPDP/ UEM)
Tribunal Regional do Trabalho – 9ª Região – Curitiba.
Quanto às profissões que cada trabalhadora declarou ao seu advogado e que
constava na Petição Inicial ou no Termo de Reclamão encaminhado à Junta de
Conciliação (ver quadro abaixo), constatamos: que a maior parte delas, somando um
223
BRUSCHINI, Maria Cristina; ROSEMBERG, Fúlvia (Org.). Trabalhadoras do Brasil. São Paulo:
Brasiliense: Fundação Carlos Chagas, 1982, p. 13-14.
224
IBGE. Censo Demográfico do Paraná, 1970 e Censo Demográfico: Resultados Preliminares,
1980.
125
125
total de 15 trabalhadoras, ocupava a função de servente ou zeladora, ou seja,
realizavam trabalhos de limpeza em geral. Este dado pode ser um indicativo da
hipótese de que as mulheres ocupavam os piores postos de trabalho. Entre aquelas
que trabalhavam na indústria as funções declaradas foram: 3 operárias, 6
costureiras, 2 fiandeiras e 1 auxiliar de produção, em outras palavras, teríamos
realmente 12 operárias. Entre as que trabalhavam no comércio 7 se declararam
comerciárias ou balconistas e 4 auxiliar de escririo ou cadastro. Agrupadas no
setor de prestação de serviços declararam que desempenhavam várias funções tais
como: camareira, lavadeira, garçonete, cozinheira, recepcionista, telefonista,
copeira, enfermeira e comissária de bordo. Aqui tamm, das funções declaradas, a
maioria estavam ligadas aos trabalhos tradicionais das mulheres no espaço privado
do lar. Isto indica que apesar das mulheres estarem trabalhando fora do espaço
familiar, ainda, desempenhavam funções ligadas às especificidades do trabalho
doméstico. Ocupações em que, como já foi dito, os ganhos são menores.
126
126
Quadro 07
Demonstrativo por Ocupação Declarada – (1960 -1975)
Ocupação Declarada Quantidade Porcentagem
Auxiliar de Cadastro 01 02,0%
Auxiliar de Escritório 02 03,9%
Auxiliar de Produção 01 02,0%
Balconistas 03 05,8%
Camareira 01 02,0%
Comerciária 04 07,8%
Comissária 01 02,0%
Copeiras 02 03,9%
Costureira 06 11,7%
Cozinheira 01 02,0%
Domésticas 01 02,0%
Enfermeira 02 03,9%
Fiandeiras 02 03,9%
Garçonete 02 03,9%
Encarregada/Gerente 01 02,0%
Lavadeira 01 02,0%
Operária 03 05,8%
Recepcionista 01 02,0%
Servente 13 25,5%
Telefonista 01 02,0%
Zeladora 02 03,9%
TOTAL 51 100%
Fonte: Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa (CPDP/ UEM)
Tribunal Regional do Trabalho – 9ª Região – Curitiba.
Como demonstra a ação de número 453 de 1.963, na qual a funcionária foi
contrata para trabalhar na cozinha de um restaurante e, na falta de um dos garçons
por motivo de doença, ela foi transferida para ajudar a servir as mesas. Com as
chances de elevar o salário, por causa das gorjetas, ela não aceitou voltar mais para
a cozinha e impetrou ação na justiça, alegando que havia sido demitida
injustamente, quando o empregador esclarece que:
[...] foi dito que a reclamante não foi contratada pelo proprietário do
restaurante, mas sim seu irmão, que não possuía poderes para esse
fim, que foi admitida como ajudante de cozinha, tendo apenas
trabalhado, a título prerio, por um determinado período (dois
meses mais ou menos), substituindo o garçom, e quando ele
retornou ao serviço, foi determinado à reclamante que retornasse a
127
127
sua função primitiva, com o que não concordou ela, sob alegação de
que na cozinha não recebia gorjetas [...]
225
O desejo de aumentar os ganhos, diminuindo as privações cotidianas, pode
ser traduzido pelos tipos de direitos pleiteados pelas trabalhadoras. Em contra
partida, demonstra que o patronato não estava interessado em aumentar suas
despesas com direitos trabalhistas. Muitas vezes, não pagavam sequer os salários
devidos do mês, pois 22 ações reivindicavam salários não pagos e 16 diferenças
salariais, porque recebiam menos que o mínimo estabelecido por lei. O patronato,
tamm, deixava de fora das contas de rescisão de contratos as férias, constando
esta reivindicação em 24 ões e as horas extras, demandadas em 26 processos. O
direito às férias é uma das primeiras conquistas dos trabalhadores, assegurado
desde 1925 e consagrado na CLT, em 1943. Neste grupo, tamm, pode ser
relacionado o pagamento do descanso remunerado aos domingos e feriados com
nove reclamações de pagamentos.
Entre os direitos mais sonegados pelo patronato e exigidos pelas
trabalhadoras estão o Aviso Prévio, com 32 reclamatórias de pagamento, as
indenizações e o FGTS, com 29 reclamações somados os dois, devido à supressão
das indenizações pela dispensa do trabalho e vigência do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço, em 1966. O rol das demandas trabalhistas pode ser conferido no
quadro abaixo.
225
CURITIBA, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, Processo
número 453, 1963.
128
128
Quadro 08
Demonstrativo por Tipo de Reclamação - (1960 -1975)
Tipo De Reclamação Quantidade Porcentagem
13º Salário 23 10,3%
3 dias descontado 1 0,4%
Adicional Noturno 1 0,4%
Adicionais 1 0,4%
Anotações na Carteira 9 4,0%
Auxílio Enfermidade 4 1,8%
Auxilio Maternidade 1 0,4%
Aviso Prévio 32 14,3%
Descanso Remunerado 2 0,9%
Desconto Indevido 1 0,4%
Diferença Salarial 16 7,4%
Domingo e Feriado 2 0,9%
Feriado 4 1,8%
Férias 24 10,8%
Férias Proporcionais 8 3,5%
FGTS 17 7,6%
Gratificação 1 0,4%
Guias do FGTS 2 0,9%
Hora Extra 26 11,7%
Indenização 12 5,4%
Recolhimento INPS 1 0,4%
Reintegração 1 0,4%
Remuneração 1 0,4%
Reposição Salarial 1 0,4%
Salário Atrasados 1 0,4%
Salário Família 6 2,8%
Salário Maternidade 2 0,9%
Salário Mensal 22 9,8%
Saldo Salário 1 0,4%
Suspensão por 5 dias 1 0,4%
TOTAL 224 100%
Fonte: Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa (CPDP/ UEM)
Tribunal Regional do Trabalho – 9ª Região – Curitiba.
As décadas de 1960 e 1970 são marcadas por várias inovações no Direito do
Trabalho no Brasil. Foi instituída a Gratificação Natalina, em 1962, conhecida como
13º salário, foram criados o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966. Nos primeiros anos do
governo Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), novas iniciativas completam o
cerio. Em 1970 foram criados o Programa de Integração Social (PIS) e o
129
129
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), tendo em vista
a necessidade de novas formas de capitalização através de poupança compulsória
devido à incorporação de novos seguimentos sociais na previdência social como, por
exemplo, os empregados domésticos e os trabalhadores autônomos, em 1972 e
1973, respectivamente.
O INPS unificou as antigas caixas e institutos de aposentadorias e pensões,
uniformizando os serviços previdencrios. Entretanto, expulsou os representantes
sindicais de sua organização, assegurando o domínio de uma elite tecnocrático-
administrativa, nomeada pelo executivo
226
. Atentas aos seus direitos e preocupadas
com o futuro, em muitas ações era requisitado o pagamento do décimo terceiro,
reivindicação presente em de 23 processos. Nestas ações, a exigência do correto
recolhimento das contribuições ao INPS aparece a partir dos anos 1970, o que
demonstra que o figurar deste tipo de reivindicação, aponta para a questão da
sonegação, por parte dos empresários, já neste período.
A questão das indenizações e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) era importante por estar relacionada com o fim da estabilidade do emprego,
com mais de 10 de trabalho em uma mesma empresa, prevista na CLT e colocada
em prática desde a década de 1920 com a criação das Caixas de Aposentadoria e
Pensões (CAPs).
A instituição das caixas econômicas e de assistência está relacionada com a
necessidade do sistema capitalista de controlar ao máximo o tempo dos
trabalhadores colocados no mercado e transformados em tempo de trabalho. Para
que a economia tivesse flexibilidade, era preciso desempregar os operários quando
necessário. Por outro lado, o trabalhador carecia de uma reserva econômica para
garantir sua sobrevivência e a de seus familiares até que fosse imperativa sua volta
ao posto de trabalho. FOUCAULT destaca que, nas primeiras décadas do século
XIX, fica claro para os capitalistas a necessidade de efetivar uma ação concreta de
controle sobre as economias dos trabalhadores.
Eles (os trabalhadores) não devem utilizar suas economias no
momento em que desejarem, para fazer greve ou festejar. Surge
então a necessidade de controlar as economias do operário. Daí a
criação na década de 1820 e, sobretudo, a partir dos anos 40 e 50,
226
Ver GOMES, Ângela Maria de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2002, p. 58 e ZANIRATO, Sílvia Helena. O descanso do guerreiro: um estudo sobre a
instituição da previdência social no Brasil, Maringá: Eduem, 2003, p. 168-170.
130
130
de caixas econômicas, de assisncia, etc., que permite drenar as
economias dos operários e controlara a maneira como são utilizadas.
Desta forma, o tempo do operário, mas o de sua vida inteira, poderá
efetivamente ser utilizado da melhor forma pelo aparelho de
produção. É assim que sob a forma destas instituições
aparentemente de proteção e segurança se estabelece um
mecanismo pelo qual o tempo inteiro de existência humana é posto à
disposição de um mercado de trabalho e das exigências de
trabalho
227
.
No Brasil, estas idéias são consolidadas com defasagem superior a um
século em relação à experiência inglesa. GOMES esclarece que, o fim da
estabilidade era uma demanda empresarial que se fortalece com o início do regime
militar, mas que necessitava de uma solução que o deixasse os trabalhadores
inteiramente desassistidos quando desempregados, como no passado
228
. Com isto,
aumentou a taxa de rotatividade da mão–de–obra, uma vez que retirava a garantia
da segurança e da renda, podendo o patronato dispensar o trabalhador a qualquer
momento.
Instituído a partir de 1966, o FGTS passou a ser um divisor de águas, pois
afetava diretamente a prática das indenizões trabalhistas por dispensa do
trabalho. Para garantia do tempo de serviço ficaram mantidos na CLT os Capítulos V
“Da suspensão e da interrupção” e VII “Da estabilidade”, contidos no Título IV: Do
“Contrato Individual do Trabalho”, da Consolidação das Leis do Trabalho,
assegurado, porém, aos empregados o direito de optarem pelo regime recém
instituído
229
.
Cada trabalhador passou a ser titular de uma conta no FGTS, que podia ser
utilizada só nas situações definidas em lei: demissão injustificada do emprego,
aquisição de casa própria, casamento e aposentadoria. Ao longo do tempo, as
situações em que o trabalhador pode sacar automaticamente estes recursos
variaram muito, mas, sempre, as restrições à utilização individual destes recursos
visaram constituir uma massa financeira, sob gestão blica, destinada ao
financiamento de investimentos em habitação e em saneamento básico. Até 1986,
os recursos do FGTS foram geridos pelo Banco Nacional da Habitação e, com a
227
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2005, V
conferencia, p.117.
228
GOMES, Ângela Maria de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2002, p. 58.
229
BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. 29 edição. São Paulo: Saraiva, 2002 (Série
Legislação Brasileira), p.147.
131
131
extinção do banco, passou a ser administrados pela Caixa Econômica Federal, com
planejamento do Ministério do Planejamento e sob supervisão do Conselho Curador
do FGTS.
O novo ordenamento jurídico que instituíra o FGTS comportava uma dinâmica
própria e inusitada, até então. Constituído como fundo público de poupança
compulsória, é formado pela contribuição de 8% sobre a folha salarial das empresas
e tem dupla função: de um lado, é um fundo de indenizão para o trabalhador
demitido sem motivos. De outro, é o principal instrumento financeiro da política
federal de desenvolvimento urbano, que compreende as políticas setoriais de
saneamento básico e habitação popular. Nesta função, o FGTS é a principal fonte
financeira do Sistema Nacional de Saneamento e parte importante dos recursos do
Sistema Financeiro da Habitação.
O uso e abuso da renda do trabalho urbano, cuja parte era drenada ao FGTS
de forma compulsória, revelam os mecanismos da atividade planejadora do estado,
bem como seus objetivos. Seus resultados repercutem no universo do trabalho e
remodelam o horizonte e as perspectivas de vida dos trabalhadores urbanos,
provocam um outro esquadrinhamento do espo urbano, contemplado com
recursos do BNH a juros módicos. O visual urbanístico passou a contar com a
intervenção de políticas ditadas pelo Plano Nacional de Saneamento que impunha
aos estados a criação, com base em seus recursos orçamentários, de um Fundo de
Financiamento para Águas e Esgotos (FAE) e uma companhia estadual de
saneamento.
Talvez, por causa do critério aleatório na seleção dos processos, constituídos
em sua maioria por mulheres solteiras, o auxílio maternidade quase não aparece
entre as reivindicações das mulheres na Justiça do Trabalho, contando com apenas
três ões na amostra. Ainda, que se considerar que muitas mulheres deixavam
o emprego ao engravidar ou eram demitidas. Se solteiras, contavam com a ajuda de
familiares ou conhecidos, se casadas, com os recursos do marido. Em 1975, tal qual
na cidade de São Paulo, era grande considerável o número de empresas que
demitiam as mulheres ao se casarem ou engravidarem
230
, pois a estabilidade para a
trabalhadora em estado de gestação ainda não era uma realidade.
230
BRUSCHINI, Maria Cristina; ROSEMBERG, Fúlvia (Org.). Trabalhadoras do Brasil. São Paulo:
Brasiliense: Fundação Carlos Chagas, 1982, p. 19.
132
132
As demandas trabalhistas femininas encontradas nos processos analisados
não delineiam hegemonia de questões específicas do trabalho de mulheres
assalariadas inseridas no mundo do trabalho urbano. Como demonstrado, poucos
foram os processos que exigiam direitos particulares das mulheres trabalhadoras
como, por exemplo, auxílio maternidade. Algumas pesquisadoras apontam para as
características da identidade das mulheres trabalhadoras, muito diferentes das dos
homens operários. Umas apontam para a diferença de identidade dentro da classe e
outras para a inexistência desta consciência
231
.
231
BOSCHILIA, Roseli T. Condições de vida e trabalho: a mulher no espaço fabril Curitiba ano
(1940-1960). Curitiba: Universidade Federal do Paraná-UFPR, 1996, (Dissertação de Mestrado), p.
158. e WEINSTEIN, Bárbara. As mulheres trabalhadoras em São Paulo: de operárias não
qualificadas à esposas profissionais. Cadernos Pagu - fazendo história das mulheres. (4). Campinas,
Núcleo de Est. de Gênero/UNICAMP, 1995, p. 147-171.
133
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Só quando se tem rio fundo,
ou cava de buraco,
é que a gente por riba põe ponte.
(Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas).
A construção de nosso texto orientou-se pela organizão de três unidades,
aparentemente monolíticas. A intenção foi organizar uma narrativa integradora ao
procurar explicações para as questões da pesquisa à luz dos referenciais propostos,
e, muito mais que conclusões, deixar questões que possam se reverter em
contribuição para outras pesquisas.
Ao modo de considerações finais, as constatações derivadas do exercício
empírico e teórico encontram-se debulhadas na extensão do nosso texto. A
colaboração por nós emprestada é modesta e não faz jus à luta empreendida pelas
mulheres trabalhadoras empenhadas em ingressar no mercado de trabalho
curitibano, constituídas aqui em objeto de estudo. O mérito reside apenas na
possibilidade de impulsionar pesquisas comparativas mais amplas, no tempo e no
espaço.
Nossa trajetória na pesquisa não pôde descartar as formas normativas e as
representações ideológicas de divisão social de papéis entre homens e mulheres
(para os homens o espaço público, para as mulheres o universo doméstico;) e exigiu
de s uma reflexão crítica sobre a historicidade de tais recortes. Abordagens
centradas nos discursos normativos e atentas às práticas sociais e às resistências a
tais elaborações, nos induziram à busca das práticas sociais quotidianas não
134
134
reveladas pelos discursos da norma. Tais práticas são ricas na medida em que nos
evidenciam certas dobras dos discursos, lugares reservados às insubmissões,
inversões, improvisações e conflitos. Neste sentido, podemos dizer que se trata de
um discurso das omissões. Este é o lume que nos guiou no esforço de leitura de
roteiros de vida de trabalhadoras dispostas no mercado de trabalho urbano/industrial
de Curitiba, no período de 1960 a 1975, circunscritas à legislação trabalhista e à
Justiça do Trabalho.
Nosso foco não se deslocou das relações sociais entre homens e mulheres,
dos espaços de embates discursivos, respeitando a construção constitutiva da
diferença sexual e, sobretudo, sem perder de vista a mulher enquanto categoria de
estudo. Em nosso horizonte de análise, a questão das representações, de seus
significados, da construção de identidades, foram elementos articuladores no sentido
de compreendermos a dinâmica do processo de significação das representações
construídas pelos sujeitos históricos, segundo os rumos impressos por Chartier.
Os desafios colocados, portanto, eram inúmeros. Compreender o trabalho de
classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais pelas quais se dá
a construção contraditória da realidade pelos diferentes grupos sociais. Embora
difícil, porémo impossível, deveríamos compreender as práticas voltadas ao
reconhecimento de uma identidade social, reveladoras de um modo de estar no
mundo, e a significar simbolicamente um estatuto e uma posição. Enfim, outra tarefa
disposta, plagiando o próprio Chartier, era compreender as formas
institucionalizadas, graças às quais representantes imprimem marcas à existência do
grupo, da comunidade, da classe.
Neste sentido, o conceito de representação ladrilhou os caminhos de leitura e
análise das construções discursivas dos processos trabalhistas, reveladoras da ação
de indivíduos contraditoriamente dispostos nas relações sociais e dos processos de
significação das representações por eles construídas, quer na perspectiva das
relações de gênero, quer nas relações de dominação e poder. Práticas
classificatórias, normatizadoras, voltadas a significar simbolicamente papéis
masculinos e femininos no mundo do trabalho, edificação de representações de
homens e mulheres na modernidade curitibana foram elementos plausíveis ao longo
de uma leitura, cuja maior vantagem reside no silêncio do rumor das fontes.
As questões teóricas fizeram de Chartier e Foucault interlocutores quase que
preferenciais, não fosse a tranqüilizadora companhia de historiadoras das mulheres
135
135
e do feminismo, cujas contribuições historiográficas adensam nosso segundo texto:
as notas de pé de página. Injusto seria deixar de mencionar o esforço para
compreender os rumos da modernidade impressos à História do Paraná e à vocação
urbana de Curitiba, em boa medida, idealizados pelos planejadores do
desenvolvimento.
As práticas que legitimam a identidade social, a existência de ocupações
classificadas como femininas e outras masculinas e as instituições que zelam pela
continuidade da identidade social, como o Judicrio e o Direito do Trabalho,
comprovaram a reincidência da diferenciação de gênero e de classe nas
construções discursivas e nas práticas sociais. De pertinência inquestionável,
portanto, a massa documental constituída de processos trabalhistas, cujo acervo
es depositado no Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa, da
Universidade Estadual de Maringá.
O saldo da pesquisa? Restam-nos constatações positivas. Não cultivamos a
crença de tudo haver esgotado na abordagem do objeto. Muito menos, temos
certeza de que as fontes esgotaram seu recital de respostas. O inquietante silêncio
do rumor das fontes se mantém imantado na vontade de quem deseja, por ora, um
intervalo para descanso.
A gente principia as coisas no não saber por que, mas a vida inventa e desde
aí se perde o poder de continuação! O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela
quer da gente é coragem. Afinal, vida é sorte perigosa, passada na obrigão: toda
noite é rio-abaixo, todo dia é escuridão. Não convém a gente levantar escândalo de
como, só aos poucos é que o escuro é claro. Algo mais sábio e reconfortante que
o alento do mestre Guimarães Rosa?
136
136
FONTES
1 - Processos Trabalhistas
CURITIBA. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 3014, 1960.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 693, 1960.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 698, 1960.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 707, 1960.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 798, 1960.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 475, 1961.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
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Processo número 530, 1961.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
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________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 587, 1961.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1744, 1962.
137
137
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 453, 1963.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 462, 1963.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 475, 1963.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 476, 1963.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo n.º 666, 1964.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 89, 1965.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1210, 1965.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
processo n.º 1058, 1966.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 608, 1967.
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Processo número 775, 1967.
________. Justiça do Trabalho, ª Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1645, 1967.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo n.º 77, 1968.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo n.º 707, 1968.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo n.º 2245, 1969.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1645, 1970.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 2435, 1971.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1645, 1971.
138
138
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 160, 1972.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 162, 1972.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 2451, 1972.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo n.º 01714, 1973.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 01697, 1973.
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Processo número 160, 1974.
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Processo número 410, 1974.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 425, 1974.
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Processo número 1214, 1974.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1243, 1974.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 338, 1975.
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Processo número 170, 1975.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1291, 1974.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 1745, 1974.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 10135, 1975.
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Processo número 200, 1975.
139
139
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 033, 1975.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 0274, 1975.
________. Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 338, 1975.
________, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 0170, 1975.
________, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 366, 1975.
________, Justiça do Trabalho, Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba,
Processo número 377, 1975.
2 - Outras fontes
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147
Anexos
148
Anexo A
Quadro 09
Síntese Geral dos Processos trabalhistas seleciona
dos: Justiça do Trabalho
Curitiba (1960 -1975), por ano.
(Continua)
Nº JUNTA ANO CAIXA
Nº. DO
PROCESSO
EST.
CIVIL FUNÇÃO
LOCAL DE
TRABALHO RECLAMAÇÃO
1 1960 345 698 Casada Operária Fábrica de
balas
Férias, Indenização, Dif.
Sal., Salário, Aux. Mat.
2 1960 347 3014 Solteira Servente Moinho e
Fábrica de
Macarrão
Diferença de salário, Aux.
Enfermidade.
3 1960 347 798 Solteira Operária Fábrica de
loas
Aviso prévio/ indenização
4 1960 345 693 Solteira servente Hotel Aviso Prévio, Salário,
Hora Extra, Férias, e
Indenização.
5 1960 345 707 Casada costureira Fábrica de
roupas
Horas extras/ Aviso
prévio/ aux. enfermidade
6 - 1961 23123 563 Solteira servente Hotel Aviso Prévio, Salário,
Hora Extra, Férias, e
Indenização.
7 1961 374 530 Casada Comissária de
bordo
Transportes
Aéreos
Reintegração, salários,
descontos indevidos.
8 1961 23123 564 Solteira comerciaria Construtora Aviso Prévio, Férias,
Indenização e Salários
atrasados.
9 - 1961 23123 587 Solteira comerciaria Lavanderia Diferença de salário e
Hora Extra
10 1961 374 505 Casada Lavadeira Hotel Anotação em Carteira
11 1961 374 475 Solteira Camareira Hotel Aviso Prévio, Indenização.
12 1961 374 496 Solteira Encarregada
(gerente)
Boate Indenização, Férias, Aviso
Prévio.
13 1961 374 587 Solteira Comerciaria Lavanderia Aviso Prévio, Férias,
Indenização e horas
Extras.
14 1962 23155 1744 Solteira Operária Empresa Indenização, Férias e
Diferença Salarial.
15 1963 23185 462 Solteira Servente Fábrica de
Tamancos
Diferença de Salário, Fim
de Semana remunerado,
férias, 13º, e
remuneração.
16 1963 23185 475 Solteira Cozinheira Restaurante
Diferença de Salário,
13º,.Hora Extra.
17 1963 23185 453 Casada Garçonete Restaurante Aux. Enfermidade, Hora
Extra, Domingo e feriado,
salário e Aviso Prévio.
18 1963 23185 476 Casada Fiandeira Agroindústria Descanso Remunerado,
Suspensão por 5 dias.
149
Quadro 09
Síntese Geral dos Processos trabalhistas selecionados: Justiça do Trabalho
Curitiba (1960 -1975), por ano.
(Continua)
Nº JUNTA ANO CAIXA
Nº. DO
PROCESSO
EST.
CIVIL FUNÇÃO
LOCAL DE
TRABALHO RECLAMAÇÃO
19 1964 23228 666 Casada Balconista Pizzaria Aviso Prévio, Indenização,
Hora Extra, Adicional
Noturno, Feriado e 13º.
20 1965 35 89 Solteira Fiandeira Agroindústria 3 (três) dias descontados
21 1965 35 1210 Solteira Costureira Agroindustrial Aviso Prévio
22 1966 5 1058 Solteira Costureira Armazéns 13º, Salário,rias, Rep.
Semanal e Salário
Família.
23 1967 6 1645 Casada Servente restaurante Salário, Aviso Prévio, 13º
e Férias
24 1967 6 775 Casada Servente restaurante Salário, Aviso Pvio,
Hora Extra, Salário
Família, 13º e rias.
25 1967 6 608 Casada Zeladora Boliche Salário, Aviso Prévio,
Hora Extra, Salário
Família, 13º, Indenização,
Domingos e Fer. e Férias.
26 1968 8 77 Casada Balconista /
Doceira
Padaria Salário, Aviso Prévio,
Hora Extra e Salário
Família.
27 1968 8 707 Casada Servente Hospedaria Salário, Aviso Prévio,
13º e Férias
28 1969 72 2245 Casada Enfermeira Domiciliar Salários.
29 1970 52 1645 Casada Servente Empresa de
limpeza e
conservação.
Aux. Enfermidade, Aviso
Prévio, Salário
maternidade, 13º, férias,
FGTS e Anotações na
Carteira Profissional.
30 1971 60 2435 Solteira Balconista Depósito de
roupas
Aviso Prévio, Férias,
Hora Extra, sálario e
FGTS.
31 1971 60 2451 Solteira Comerciaria Restaurante Férias, Hora Extra,
Salário, Feriados e FGTS.
32 1972 50 1421 Solteira Gaonete Restaurante Férias, Hora Extra,
Salário, Feriados, Aviso
Prévio, Dif. Sal, Anot CP e
FGTS.
33 1972 05 160 Solteira Recepcionista Banco Aviso Prévio, 13º, Férias,
Salário, Dif. Salário,
FGTS, Anotações Carteira
Profissional e
Gratificação.
34 1972 07 162 Casada Copeira Sanatório Guias do FGTS.
35 1973 70 01714 Casada Copeira Restaurante Salário, Férias, 13º, Aviso
Prévio, Hora Extra
36 1973 70 01697 Casada Domestica Pensão Hora Extra, Salário,
Feriados, Aviso P
vio,
Anot CP, Indenização e
INPS.
37 1974 15 410 Solteira Auxiliar de
Produção
Fábrica de
produtos de
plástico
Aviso Prévio, 13º e Férias
Proporcionais, Depósitos
e Guias do FGTS, Saldo
de Salário e Anotações na
Carteira Profissional.
38 1974 15 425 Casada Zeladora Fábrica de
móveis
Aviso Prévio, 13º, Férias,
Hora Extra, Auxílio
Maternidade e FGTS.
150
Quadro 09
Síntese Ge
ral dos Processos trabalhistas selecionados: Justiça do Trabalho
Curitiba (1960 -1975), por ano.
Nº JUNTA ANO CAIXA
Nº. DO
PROCESSO
EST.
CIVIL
FUNÇÃO
LOCAL DE
TRABALHO
RECLAMAÇÃO
39 1974 22 1214 Casada Servente Fábrica de
Cromagem
Salário, Férias, 13º,
Salário Família e FGTS
40 1974 22 1243 Solteira Telefonista Fábrica de
derivados de
madeira
Horas extras
41 1974 22 1291 Solteira Aux. de
Cadastro
Comércio de
tecidos
Horas extras e FGTS
42 1974 15 1745 Desquitad
a
Costureira Armarinhos Salário, Diferença
Salarial, Salário Família,
Adicionais, Férias, 13º,
FGTS, Hora Extra e
Anotações na Carteira
Profissional.
43 1974 15 1824 Solteira Servente Indústria e
comércio
Aviso Prévio, 13º, Férias ,
FGTS. Recolhimentos
INPS, Férias
Proporcionais, Diferença
de Salário e Anotações na
Carteira Profissional.
44 1975 6 0200 Solteira Servente Indústria de
Cromagem
Dif. Salarial, Aviso Prévio,
13º, Férias Prop., Horas
Extra e FGTS
45 1975 2 0033 Solteira Enfermeira Comércio Dif. Salarial, Aviso Prévio,
13º, Férias Prop., Horas
Extr e FGTS
46 1975 5 0274 Solteira Aux. de
escritório
Indústria de
eletrodoméstic
os
Dif. Salarial, Aviso Prévio,
13º, Férias Prop., Horas
Extr e FGTS
47 1975 9 338 Solteira Costureira Confecção Dif. Salarial, Aviso Prévio,
13º, Férias Prop., Horas
Extra e FGTS
48 1975 9 10135 Casada Servente Comércio de
Tecidos
Aviso Prévio, Dif. Salarial,
13º, Férias Prop., Horas
Extra e FGTS
49 1975 5 0170 Solteira Servente Comércio de
Madeira
Aviso Prévio, Hora extra,
13º, Férias proporcionais
e Salário do mês
trabalhado.
50 1975 8 366 Solteira Costureira Indústria de
Malharia
Salário, Diferença
Salarial, 13º, FGTS e
Anotação Carteira.
51 1975 8 377 Solteira Auxiliar de
Escritório
Limpar LTDA. Aviso Prévio, Salários,
Férias e FGTS.
Fonte: Centro Paranaense de Documentação e Pesquisa (CPDP/ UEM)
Tribunal Regional do Trabalho – 9ª Região – Curitiba.
151
Anexo B
Mapa da evolução da ocupação urbana de Curitiba –
1830/1997
Fonte:http://www.ippuc.org.br/informando/index_mapastematicos.htm. Disponível em 10/11/2006.
152
Anexo D
Mapa sobre a administração dos conjuntos habitacionais – Curitiba – 1967/1997
Fonte: http://www.ippuc.org.br/informando/index_mapastematicos.htm. Disponível em
10/11/2006.
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