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A Pré-Fabricação em Concreto Armado
Aplicada a Conjuntos Habitacionais no Brasil:
O caso do “Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado”
Fabiana Cerávolo
Dissertação apresentada à Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade
de São Paulo, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbansimo.
Orientador: Miguel Antônio Buzzar
São Carlos, agosto de 2007.
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP
Cerávolo, Fabiana
C411p A pré-fabricação em concreto armado aplicada á
conjuntos habitacionais no Brasil : o caso do conjunto
habitacional Zezinho Magalhães Prado/ Fabiana Cerávolo ;
orientador Miguel Antônio Buzzar, 2007.
Dissertação (Mestrado-Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo. Área de Concentração : Teoria e
História da Arquitetura e do Urbanismo) –- Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
2007.
1. Habitação. 2. Industrialização. 3. Conjunto
habitacional. 4. Zezinho Magalhães Prado. I. Título.
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i
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus pais,
que sempre acreditaram em mim.
ii
iii
AGRADECIMENTOS
À
A CNPQ, cujo financiamento, através da bolsa de mestrado de dois anos,
viabilizou a realização deste trabalho.
Ao meu orientador Professor Doutor Miguel Antonio Buzzar pela paciência e
confiança em meu trabalho.
Aos colaboradores Fábio Penteado, Fernando Gonçalves, Maria Giselda
Cardoso Visconti, Mário Savioli, Sônia Sparlatore, Solimar Mendes, pessoas que
sem dúvidas contribuíram muito para esse trabalho.
A Ana Lúcia Cerávolo e Carlos Alberto Ferreira Martins pela força desde o
início, sem vocês em São Carlos tudo ficaria mais difícil.
A Luciana, João Paulo, Gabriela, João Vitor, Guilherme e Luiza por me darem
o apoio e a descontração de família.
Aos amigos importantes neste percurso, Carolina Margarido Moreira, Maristela
Siolari, Fábio Abreu, Aline Cristina dos Santos Rios e Adele Cecília dos Santos
Rios.
Aos funcionários e professores do Departamento de Arquitetura da Escola de
Engenharia de São Carlos sempre solícitos e prestativos.
iv
v
SUMÁRIO
Lista de Figuras .................................................................... vi
RESUMO ............................................................................. 001
ABSTRACT .......................................................................... 002
INTRODUÇÃO ....................................................................... 003
CAPÍTULO 1 Industrialização, Pré-fabricação e Arquitetura Moderna.... 009
CAPÍTULO 2 Movimento Moderno e Habitação Social no Brasil............ 033
CAPÍTULO 3 A CECAP e o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães
Prado................................................................. 063
CAPÍTULO 4 Considerações Finais .............................................. 121
BIBLIOGRAFIA ...................................................................... 127
ANEXOS ............................................................................. I
vi
vii
LISTA DE FIGURAS
Capa - Croquis da parte interna da unidade habitacional, realizados
por Artigas em 1967 – cedidos por Mário Savioli.
Figura 001 - Palácio de Cristal (1851) – Joseph Paxton. 010
Figura 002 - Salão de Leitura da Biblioteca Nacional de Paris (1858-
68) - Henri Labrouste. 012
Figura 003 - La Città Nuova (1913-1914) – Antonio Sant’Elia. 015
Figura 004 - Fábrica de turbinas AEG (1908-1909) – Behrens. 015
Figura 005 - Fagus (1910) – Gropius e Alfeld na der Leine. 015
Figura 006 - Mercado de Peixe de Belém. 017
Figura 007 - Terceiro Pavilhão do Mercado de Manaus. 017
Figura 008 - Catálogo Casas Alladin. 018
Figura 009 - Catálogo Casas Sears. 018
Figura 010 - Westhausen – Plano de 1929. Ernest May 028
Figura 011 - Westhausen – Vista aérea em 1932. Ernest May 029
Figura 012 - Pedregulho - Reidy 048
Figura 013 - Crusp fachada sul c/ placas coloridas – Kneese de Mellho 054
Figura 014 - Crusp fachada sul original 054
Figura 015 - Foto aérea do Crusp incompleto 055
Figura 016 - Crusp - Pilotis 055
Figura 017 - Localização do Conj. Hab. Zez. Mag. Prado. 065
Figura 018 - Matrícula de 1.780.000m
2
. 067
Figura 019 - Implantação de todas construções no Conjunto. 070
Figura 020 - Implantação do projeto de 1967 na malha urbana. 070
Figura 021 - Edifícios da primeira fase de construção. 071
Figura 022 - Vista da montagem pré-moldada. 077
Figura 023 - Espaço Interno entre os edifícios 2007. 077
Figura 024 - Espaço Interno entre os edifícios 1972. 077
Figura 025 - Lado externo dos edifícios da freguesia FF. 078
viii
Figura 026
-
Planta da unidade habitacional 079
Figura 027 - Montagem da estrutura de madeira que sustenta o gesso 083
Figura 028 - Divisórias de gesso 083
Figura 029 - Fundação do tipo estaca, amarrada em bloco de
concreto, base dos pilares 084
Figura 030 - Canteiro entre blocos 084
Figura 031 - Detalhe da parede hidráulica entre unidades
habitacionais
085
Figura 032 - Cobertura de laje com argila expandida mantida coberta
com água 085
Figura 033 - Localização da etapa 1 086
Figura 034 - Vista do bloco com escada em U 091
Figura 035 - Detalhe do pavimento tipo do bloco com escada em U 092
Figura 036 - Detalhe da escada em U, com duto de lixo e quadro de
distribuição elétrica 093
Figura 037 - Fachada lateral, corte longitudinal e fachada frontal do
bloco
093
Figura 038 - Fachada lateral e corte transversal 094
Figura 039 - Mesas de concreto - vigas 094
Figura 040 - Mesas - garagem 094
Figura 041 - Mesas de concreto cozinha - vigas 095
Figura 042 - Blocos de concreto - fachada 095
Figura 043 - Espaço interno entre blocos com caixa de escadas 095
Figura 044 - Espaço interno entre blocos 095
Figura 045 - Duto lixo e elétrico 096
Figura 046 - Fachada fundos 096
Figura 047 - Pingadeira original 096
Figura 048 - Pingadeira vazada 096
Figura 049 - Portaria condomínio São Paulo 097
Figura 050 - Caixilhos originais 097
Figura 051 - Canteiro entre blocos 097
Figura 052 - Hall do terceiro andar 097
ix
Figura 053 - Projeto fogão 101
Figura 054 - Projeto forno 101
Figura 055 - Projeto geladeira 101
Figura 056 - Projeto máquina de lavar 101
Figura 057 - Projeto armário da área de serviço 102
Figura 058 - Projeto armário dos dormitórios 102
Figura 059 - Localização dos condomínios Santa Catarina, Paraná e
Rio Grande do Sul
103
Figura 060 - Vista do bloco com escada 105
Figura 061 - Detalhe do bloco com escada 105
Figura 062 - Portaria condomínio Rio de Janeiro 106
Figura 063 - Portaria condomínio Minas Gerais 106
Figura 064 - Caixa de escada 106
Figura 065 - Caixa de escada 106
Figura 066 - Fachada condomínio Rio de Janeiro 107
Figura 067 - Detalhe banco, lixo e caixa elétrica 107
Figura 068 - Detalhe escada 107
Figura 069 - Piso térreo sob pilotis 107
Figura 070 - Pingadeira 108
Figura 071 - Caixilhos de alumínio e marcas das formas 108
Figura 072 - Localização dos condomínios Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Bahia, Espírito Santo, Sergipe e Alagoas
109
Figura 073 - Vista lateral do bloco 110
Figura 074 - Vista do bloco com escada 111
Figura 075 - Detalhe do bloco com escada 111
Figura 076 - Vista da fase de construção 112
Figura 077 - Croquis da montagem da estrutura 112
Figura 078 - Corte do bloco com escada 112
Figura 079 - Vista entre blocos 113
Figura 079A
- Fachada com esquadria de alumínio 113
x
Figura 080 - Vista posterior entre blocos 113
Figura 080A
- Vista interna da unidade 113
Figura 081 - Garagem sob pilotis 113
Figura 082 - Detalhe da lixeira 113
Figura 083 - Centro de abastecimento do Parque CECAP 114
Figura 084 - Centro de Saúde 115
Figura 085 - Praça Mamonas Assassinas 115
Figura 086 - Campos de futebol 116
Figura 086A
- EEPSG 116
Figura 087 - Complexo de escolas 116
Figura 088 Hospital Geral 117
Figura 089 Centro Comunitário 118
Figura 090 - Implantação do conjunto habitacional 119
Figura 090A
- Implantação do conjunto habitacional 119
Figura 091 - Quadra entre blocos 120
Figura 092 - Cerca próxima aos blocos 120
1
RESUMO
A pesquisa aqui efetuada tem por objetivo o estudo do Conjunto
Habitacional Zezinho Magalhães Prado, interpretado como uma expressão dos
objetivos modernos que buscavam, através da introdução de processos
industriais na construção civil, resolver os problemas sociais,
particularmente, a carência de moradias. Tais objetivos foram formulados na
Europa após a I Guerra Mundial e aqui no Brasil conheceram uma perspectiva
própria, dentre outras questões, justamente em função do atraso industrial
do país. Os autores do projeto são os arquitetos Vilanova Artigas, Fábio
Penteado e Paulo Mendes da Rocha. O projeto é tido como paradigmático da
sua época em termos de concepções e inovações tecnológicas, algumas bem
sucedidas, outras não. Através de entrevistas de profissionais envolvidos com
o projeto e a obra do Conjunto e de material iconográfico e documental, o
trabalho buscar contribuir para remontar uma parte da história que se perdeu
com o fim do órgão que foi responsável pela sua construção, a CECAP (Caixa
Estadual de Casas para o Povo).
Palavras-chave: habitação, arquitetura moderna, conjunto habitacional, pré-
fabricação, Industrialização.
2
3
ABSTRACT
The paper here developed intends to study the housing project Zezinho
Magalhães Prado, interpretated as an expression of the modern goals,
searching to solve social problems, in particular the lack of habitation,
through the introduction of industrial processes in construction. Those goals
were formulated in Europe after the World Was I and here in Brazil a unique
perspective was known by that time, among other questions, due to the
country's industrial underdevelopment. The authors of the design project
were Vilanova Artigas, Fábio Penteado and Paulo Mendes da Rocha. The
project is known as a paradigm in terms of concept and technological
innovations, some of which well succeeded, some of which, not as
much. Over interviews with professionals involved to the design project and
the construction of the housing project, and iconographic and documental
material, this paper intends to contribute to the reconstruction of part of the
history that got lost with the end of the public organ responsible for its
construction, the CECAP (Caixa Estadual de Casas para o Povo).
Keywords: habitation, modern architecture, housing project, pre-built,
industrialization
4
5
INTRODUÇÃO
Este trabalho, denominado A Pré-Fabricação em Concreto Armado
Aplicada a Conjuntos Habitacionais no Brasil: O caso doConjunto
Habitacional Zezinho Magalhães Prado” tem como objetivo estudar, a partir
de um entendimento dos ideais modernos, como se deu a transferência desses
ideais, no quadro do desenvolvimento econômico e cultural do Brasil,
particularmente a partir da década de 1930 até o final da década de 1960,
quando é realizado o projeto do Conjunto.
Como vários autores salientam, a pesquisa historiográfica é realizada
em grande parte na busca e análise de documentações. Os fatos
documentados, em geral são fatos passados, o documento é uma chave de
leitura do passado. Entretanto, na arquitetura, o documento, por vezes, é
uma edificação que permanece, está presente. Este é o caso do Conjunto
Habitacional Zezinho Magalhães Prado. A sua presença evoca várias questões,
principalmente àquelas que confrontam ideais e objetivos e a realidade como
se dá. Mas também permite a verificação in loco de como a poética dos ideais
se materializou fisicamente, com suas marcas e rastros.
Outra fonte de documentação preciosa que o trabalho pôde
desenvolver, deu-se a partir dos relatos obtidos com vários profissionais que
participaram do projeto e da obra. Com todos os problemas que o relato oral
fornece, eles introduzem perspectivas novas que reforçam determinadas
impressões, mas também, por outro lado, apresentam versões extremamente
surpreendentes.
Há uma história pesquisada, analisada e interpretada, e há um
Conjunto presente. O trabalho procurou um caminho difícil, o da análise
técnica e o da investigação historiográfica. Há falhas e lacunas, mas
acreditamos que haja uma contribuição importante para a compreensão de
um episódio do modernismo brasileiro.
Com a pesquisa bibliográfica foi possível construir uma base para o
entendimento da questão da industrialização da construção, questão chave do
6
modernismo arquitetônico e do debate no Brasil, que depositava na indústria
esperanças sociais e culturais.
Os conceitos que informam o trabalho foram sendo desenvolvidos a
partir das precisões necessárias. Assim, a partir do título do trabalho tivemos
que recorrer às definições de Pré-fabricação. Buscamos para tanto, uma
definição objetiva retirada de Roberto Alves de Lima Montenegro Filho, para
quem a pré-fabricação na construção civil pode ser entendida como
“fabricação dos componentes antes da execução, no próprio canteiro ou fora,
e que em uma fábrica a habilidade do artesão é substituída pelo uso da
máquina”.
1
A fabricação colocava em evidência a industrialização da construção.
Desta forma a conceituação de industrialização, ainda que corrente,
necessitou ser interpretada e estabelecida. Para tanto, a formulação de Paulo
Bruna nos pareceu a mais adequada, em função das questões que o
modernismo estabeleceu (padronização de componentes, elementos, etc).
Para Bruna “A industrialização trata-se de uma fase da pré-fabricação.
Incorpora os métodos de produção em massa de elementos produzidos em
grandes séries idênticas. Busca atender a uma alta demanda de maneira
econômica. Deve ser entendida analisando-se de forma mais ampla as
relações de produção envolvidas e a mecanização dos meios de produção”
2
.
Como veremos os dois conceitos citados, através dos seus termos (pré-
fabricação e industrialização) permeiam o trabalho inteiro, mas não só eles.
Quando se fala de pré-fabricação, ou de industrialização na arquitetura, está-
se buscando uma racionalização, para não falarmos em arquitetura racional.
Sem verificarmos o conteúdo mais amplo de arquitetura racional, que na
verdade extrapola a discussão pertinente a arquitetura e atinge um conteúdo
social amplo, o de um mundo guiado e organizado pela razão, fixamos nossa
preocupação no entendimento da racionalização construtiva.
1
MONTENEGRO FILHO, R.A. de L. (2007). Pré-fabricação e a obra de Eduardo Kneese de Mello. pg.15.
2
BRUNA, P. J. V. (1976). Arquitetura, Industrialização e Desenvolvimento. pg.19 a 21.
7
Assim, localizamos na definição de Luiz Sérgio Franco, conceitos
precisos para a orientação do trabalho. Para o autor “Racionalização
construtiva é um processo composto pelo conjunto de todas as ações que
tenham por objetivo otimizar o uso de recursos materiais, humanos,
organizacionais, energéticos, tecnológicos, temporais e financeiros disponíveis
na construção em todas as suas fases”
3
.
O “conjunto de ações” e o “uso de recursos” indicam a próxima
conceituação que procuramos verificar, a de sistema. Neste caso, ao contrário
de uma definição específica buscamos uma ampla, fornecida pelo dicionário
Filosófico – Iudin e Rosental, que informa “Sistema: Conjunto de elementos,
relacionados entre si, que constituem uma determinada formação íntegra.”
A definição ampla é explicada em função da identificação, por parte de
vários autores, de uma multiplicidade de sistemas construtivos, ainda vivos na
construção e que se apresentam, mais ou menos claramente no trabalho.
Em relação ao processo construtivo, observamos a conceituação e
classificação de Ricardo Martucci (1990), sendo processo construtivo definido
pelas formas e as capacidades técnicas e econômicas de se construir, podendo
ser classificado, de acordo com seu desenvolvimento tecnológico, em
artesanal, tradicional, tradicional racionalizado, pré-fabricado e
industrializado.
Para processo artesanal de produção, pensamos como apropriada a
definição de Teodoro Rosso: “Método artesanal: pode ser definido como
aquele que resulta da estratificação histórica das técnicas, regras e padrões
que organizam a produção individual, realizada manualmente por ofícios”
4
.
Para a definição oposta, de processo industrial entendemos como
pertinente que: é aquele que se utiliza de uma estratégia de fabricação que
envolve os aspectos de interpretação do sistema, no que se refere ao desenho
3
FRANCO e outros, B. A pré-fabricação no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo CRUSP.
4
ROSSO, T. (1979). Racionalização das Construções. pg.32.
8
industrial, planejamento, programação e controle, adicionando-se engenharia
de produção, engenharia de manutenção e administração industrial, visando
sempre a facilidade na montagem final e os menores custos do produto
acabado (ABCI)
5
Para fins do trabalho, o processo convencional, ou tradicional é
caracterizado por utilizar técnicas correntes, tradicionais, com alguma
organização coletiva de trabalho. Os demais sistemas agrupam e articulam
técnicas de estágios (sistemas) distintos. Estes sistemas mistos estavam muito
presentes na realidade brasileira, na época do projeto e da obra do Conjunto.
A articulação entre técnicas e métodos desiguais na produção é uma
característica na indústria da construção local. Para muitos é um entrave,
para outros um campo a ser explorado.
Por fim, mas não menos importante, e na medida da sua citação na
última conceituação, ainda que permeiem toda a discussão, valemo-nos das
definições de Ruy Gama para técnica e tecnologia. Segundo o autor, a
primeira é o: “conjunto de regras práticas para fazer coisas determinadas,
envolvendo a habilidade do executor e transmitidas, verbalmente, pelo
exemplo, no uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das máquinas.”
6
Já tecnologia é o: “estudo e conhecimento científico das operações técnicas
ou da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, das
ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da técnica, dos
gestos e dos tempos da trabalho e dos custos, dos materiais e da energia
empregada”
7
A partir dessas definições cremos que podemos iniciar a discussão
proposta. Outros conceitos aparecem ao longo dos capítulos. Nesses casos,
mais ligados a aspectos culturais da arquitetura moderna e do
desenvolvimento nacional, o que remete a complexidade de como os
conceitos abstratos se relacionam com os acontecimentos sociais,
complexidade da qual o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado é um
grande exemplo.
5
Manual da ABCI (Associação Brasileira de Construção Industrializada.
6
GAMA, R. (1986). Tecnologia e o Trabalho na História.
7
idem.
9
CAPÍTULO 1
Industrialização, Pré-fabricação e Arquitetura Moderna.
A origem da industrialização da construção
A partir do século XIX e até meados do século XX, foram feitas muitas
inovações tecnológicas na construção civil européia e norte-americana, essas
inovações, vistas com muita reserva pela maioria dos arquitetos, findou por
ter o seu reconhecimento. Assim, realizaram-se projetos e obras
transformando os parâmetros vigentes de beleza, de composição, de estilo
arquitetônico, de técnica construtiva e de sua ligação com o espaço
construído.
Com a Revolução Industrial, a arquitetura fabril e dos novos
equipamentos, estações ferroviárias, as pontes, os galpões construídos,
começou a rivalizar com a arquitetura tradicional. Os novos materiais
empregados, particularmente o ferro combinado com o vidro para o
fechamento das edificações, possibilitaram grandes vãos nas edificações e
uma luminosidade inovadora para os interiores.
As obras funcionais que se valiam dos novos materiais e das novas
possibilidades tecno-construtivas, ganharam uma nova dimensão quando da
construção do Palácio de Cristal (figura 1) para a Exposição Mundial de 1851
em Londres: um imenso pavilhão de ferro e fechamento em vidro com 1851
pés
1
de comprimento e 490 de largura.
Afora as inovações construtivas, o Palácio foi um grande sucesso de
público, justamente em função da espacialidade que os vãos da estrutura
metálica permitia, o que colocou em cheque o estatuto da arquitetura
tradicional, fosse neo-clássica, ou outro estilo qualquer, que não fizesse uso,
1
1 pés = 30,48cm. Portanto, 564m de comprimento e 149m de largura.
10
ou se mostrasse aberta para as novas possibilidades construtivas. A evidência
dessa postura fica expressa na observação de um político alemão Y. L. Bucher:
“El edificio no encontro oposition, y la impresión de quienes lo vieron
fue de tanta romántica belleza que los grabados con reproducciones
del Palacio llegaron hasta las granjas de lejanos pueblos alemanes.
Considerando este primer edificio sin necesidad de sólida fábrica, los
observadores no tardaron en comprender que las reglas por las que se
juzgaba hasta entonces la arquitectura habían dejado de ser válidas.”
2
Figura 1 – Palácio de Cristal (1851) – Joseph Paxton;
Fonte: Giuglio Carlo Argan.
Na seqüência, outras Exposições mundiais como a de Paris em 1855, a
de Viena 1863, a de Filadélfia de 1876, novamente a de Paris em 1878, dentre
outras, reforçaram a tipologia do grande pavilhão de estrutura metálica e
2
BENÉVOLO, L. (1989). Historia de la Arquitetctura Moderna. p. 136. A autoria do projeto do Palácio de Cristal é de
Joseph Paxton, construtor de Estufas. Depois da exposição, a
edificação foi desmontada. A obra além de defensores
foi objeto de crítica profunda como as formuladas por J. Ruskin, no percurso de suas críticas sobre a perda de
significado que as mudanças técnico-sociais estavam operando na arte.
11
fechamento em vidro, popularizando ainda mais as novas possibilidades
construtivas e a espacialidade decorrente.
3
O impacto das novas possibilidades construtivas conheceu assim um
desenvolvimento na arquitetura que extrapolou os edifícios fabris e das
instalações ferroviários, sendo acompanhado de um debate que opunha
adeptos da produção industrial nas artes e aqueles que viam nisso uma perda
de qualidade inevitável, frente à produção artesanal.
Particularmente na Inglaterra, as discussões promovidas por J. Ruskin e
as iniciativas de W. Morris caracterizam esse debate. A discussão é complexa
e Ruskin por vezes é apresentado como passadista, o que talvez não seja
preciso, e Morris no seu intuito de preservar o artesanato, mas ao mesmo
tempo depurá-lo, abriu uma senda para a elaboração de uma nova concepção
dos objetos, baseada numa linguagem limpa, sem adornos, que viria a ter uma
comunicação com a arquitetura moderna, também pensada como depurada de
ornamentos.
Na arquitetura, propriamente dita, destacamos os seguintes arquitetos
que introduziram no fazer arquitetônico e, conseqüentemente, em suas obras
a utilização dos novos materiais, no período compreendido entre meados do
século XIX até o início do XX, antes da Primeira Guerra Mundial, foram eles:
Henri Labrouste autor da Biblioteca de Saint-Geneviève (1843-1850) e
da Biblioteca Nacional (figura 2) – inicialmente Imperial – (1858-1868),
ambas em Paris. Labrouste, arquiteto de formação acadêmica,
questionava as idéias convencionais de estilo, propugnando a busca de
uma racionalidade que as construções com os novos materiais
apresentavam;
4
3
Segundo Benévolo, depois de 1878 as exposições se multiplicam: Sydney (1879), Melbourne (1880), Amsterdan
(1883), Amberes e Nova Iorque (1885), Barcelona, Copenhague e Bruxelas (1888). Benévolo, L. op. cit p. 148.
4
Benévolo caracteriza Labrouste como a maior expressão do racionalismo neoclássico e creditam suas concepções as
elaborações anteriores de Durand. Ver Benévolo, L. op.cit. pp. 130-132.
12
Figura 2 – Salão de Leitura da
Biblioteca Nacional de Paris (1858-68)
- Henri Labrouste;
Fonte: Giuglio Carlo Argan.
Sem dúvida uma das maiores personalidades do debate arquitetônico e
das conseqüências para a arquitetura dos novos materiais e das novas
técnicas construtivas foi Viollet le Duc. As discussões na França e na
Inglaterra na segunda metade do século XIX entre adeptos do Neo-
gótico e adeptos do neo-clássico por vezes parecem abstratas, mas
devem ser interpretadas como a maneira pela qual era enfrentada as
inovações tecnológicas, buscando alguma referência na arquitetura e
sua história. Le Duc, que criticava a opção pelo neo-clássico por parte
da Academia Francesa e surgia como defensor do gótico por ser um
estilo mais apropriado a determinadas regiões deve ser interpretado,
como propõe Frampton, a partir de seus escritos:
13
“Em arquitetura, há dois modos necessários de ser autêntico. Pode-se
ser autêntico de acordo com o programa e autêntico de acordo com os
métodos de construção. Ser autêntico de acordo com o programa é
cumprir exata e simplesmente as condições impostas pela necessidade;
ser verdadeiro de acordo com os métodos de construção é empregar os
materiais de acordo com suas qualidades e propriedades. (...) As
questões puramente artísticas de simetria e forma aparente são
apenas condições secundárias na presença de nossos princípios
dominantes”.
5
As posições de le Duc influenciaram arquitetos como Gaudi, cujas obras
expressivas, dentre outras, a Igreja da Sagrada Família, o Parque Guel
e a Casa Milà (todas em Barcelona), evocam uma plasticidade
exuberante e um esmero técnico profundo, aliados a um sentido de
localidade que os materiais revelam; Horta, que dentre várias obras de
extração art-nouveau, destaca-se a Maison du Peuple (1897-1900),
genericamente pela singularidade de sua forma, no exterior pelo uso do
tijolo aparente e modulado em relação à pedra e no interior pela
utilização de estrutura metálica permitindo uma liberdade espacial
inovadora e Berlage que com o edifício da Bolsa de Amsterdan (1897-
1903) realizou segundo Frampton uma obra em sintonia com os
princípios do racionalismo estrutural preconizado por le Duc;
A esses arquitetos (e suas obras) somam-se outros que se colocaram a
questão de compatibilização dos preceitos arquitetônicos históricos,
com os novos materiais, as novas possibilidades construtivas e os novos
equipamentos (e seus novos programas) que a sociedade industrial e a
5
VIOLLET-LE-DUC, E., Entreténs sur l’architecture (conversações sobre a arquitetura), In: FRAMPTON, K. (1997).
História crítica da Arquitetura Moderna, p. 69. Há uma polêmica sobre o lugar e a importância de le Duc e suas idéias
entre os vários autores da arquitetura moderna. Para Banham, as idéias de le Duc sobre a potencialidade do gótico
em utilizar as máximas propriedades dos materiais são fortemente questionadas. Claro está que Banham defende
uma origem moderna a partir das propostas de Guadet em oposição a uma linhagem que iria de le Duc a Choisy,
perpassando Gaudi e o art-nouveau. Para esta discussão, além de Frampton, ver Banham, Reyner, Teoria e projeto na
Primeira Era da Máquina.
14
cidade moderna solicitavam. Mackintosh, na Escócia, Wagner, Olbrich e
Hoffmann na Viena da virada do século XIX para o XX, Sant’Elia (figura
3) e suas especulações futuristas da cidade industrial, que
prefiguravam uma ruptura com a cidade histórica, Loos, também em
Viena, questionando a aplicação de ornamentos nas edificações, Van de
Velde, discutindo a abstração formal, tão cara ao modernismo, Tony
Garnier, e a cidade industrial e Perret, projetando no sentido da
evolução do Racionalismo Clássico (numa posição distinta daquela de le
Duc), introduzindo de forma clara a estrutura de concreto em
edificações de multi-piso na cidade (como no edifício 25 bis, na rue
Franklin, Paris), todos eles, em que pesem diferenças, forjaram um
arcabouço de concepções que os arquitetos que produziram após a
primeira guerra iriam utilizar como referência;
Essa breve digressão sobre o assunto não seria completa sem duas
produções. Primeiro, a dos arquitetos norte-americanos e seus arranha-
céus. Para eles utilizamos simbolicamente como referência o edifício
Guaranty, erguido em Buffalo em 1895, de autoria de Adler e Sullivan.
Com treze andares sintetiza a linhagem de arranha-céus norte-
americanos de estrutura metálica independente e gabarito alto
possibilitado pelo uso do elevador, que revolucionou a dimensão
vertical dos edifícios. Segundo, a produção dos arquitetos alemães que
desde a Deutsche Werkbund problematizaram a continuidade da
produção artesanal, sua inviabilidade econômica frente à produção
industrial e como adequar qualidade e uma linguagem própria a esta
produção. Vários dos seus membros eram arquitetos e dentre eles
alguns como Behrens e na geração seguinte Gropius, produziram
edifícios fabris paradigmáticos da arquitetura moderna, como a fábrica
de turbinas AEG de Behrens (figura 4), em Berlin (1908-1909) e a
fábrica Fagus (figura 5) de Gropius e Meyer, em Alfeld-na-der-Leine
(1911).
15
Figura 3 – La Città Nuova (1913-1914) –
Antonio Sant’Elia;
Fonte: Estilo Internacional (Taschen).
Figura 5 – Fagus (1910) – Walter Gropius
e Alfeld na der Leine;
Fonte: Estilo Internacional (Taschen).
Figura 4 – Fábrica de turbinas AEG (1908-1909) – Peter Behrens;
Fonte: Estilo Internacional (Taschen).
16
Entretanto, até a Primeira Guerra Mundial, as discussões e propostas
renovadoras de arquitetura, com exceção daquelas que abordavam a cidade
moderna como um todo, ou seja, a cidade industrial, não colocavam na sua
pauta a questão da habitação e principalmente a questão da habitação para
atender ao grande contingente de trabalhadores que migravam do campo para
a cidade.
Além disso, ainda que a racionalidade da produção estivesse presente
na fabricação de componentes metálicos das estruturas e outros, a noção de
uma arquitetura baseada em elementos pré-fabricados, com o objetivo de
atender uma demanda massiva, e que se colocasse como possibilidade a
estandardização, não fora desenvolvida.
Esta questão conheceu um desenvolvimento específico com as
experiências norte-americanas, de certa forma, pouco conhecidas entre nós.
Elas ganham um destaque, por estabelecerem-se com base na industrialização
e na pré-fabricação de elementos, pelo volume produzido e pela forma como
se deu, a partir da iniciativa privada.
Desde 1833, desenvolveu-se em Chicago, a técnica construtiva “ballon
frame”, sendo até hoje a principal tecnologia de construção de casa dos EUA,
Norte da Europa, Austrália e Japão
6
. Esse sistema vale-se a racionalidade
construtiva através da industrialização dos componentes modulares
7
.
“Trata-se de uma estrutura em que não existe a costumeira hierarquia
de elementos principais e secundários, ligados através de encaixes,
mas onde numerosas tiras finas de dimensões uniformes são colocadas
em distâncias modulares e unidas por simples rebites; as aberturas,
portas e janelas, são necessariamente múltiplos do módulo
fundamental (...).”
8
6
DAVIES (2005) apud MONTENEGRO FILHO, R. A. de L. (2007). MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). Pré-fabricação
e a obra de Eduardo Kneese de Mello. Dissertação (Mestrado) FAU/USP. p. 17.
7
MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). Pré-fabricação e a obra de Eduardo Kneese de Mello. Dissertação (Mestrado)
FAU/USP. p.17/18.
17
A explicação de Leonardo Benévolo é preciosa, pois o sistema baseia-se
em uma autonomia própria da produção industrial, que questiona os valores
históricos na arquitetura. Podemos falar que há uma realidade produtiva que
embute uma outra arquitetura, que a bem da verdade não foi explorado
naquele momento. Seus idealizadores preferiram realizar uma arquitetura
baseada em citações históricas, ou em um pastiche histórico.
Esse sistema de vigas padronizadas logo se espalhou por todo país,
transformando os Estados Unidos como o maior centro produtor de casas pré-
fabricadas.
9
No século XIX, na Inglaterra, desenvolvia-se e difundia-se a pré-
fabricação de componentes e de edificações inteiras, produção destinada ao
mercado interno e para a exportação às colônias, tais quais, faróis, igrejas de
ferro fundido, estradas de ferro, armazéns, etc. E para o Brasil, não foi
diferente, temos muitos exemplos dessas construções, tais como o Mercado de
Peixe, em Belém (figura 06) ou o terceiro pavilhão do Mercado de Manaus
(figura 07).
Figura 6 – Mercado de Peixe de
Belém.
Fonte: Montenegro Filho.
Figura 7 – Terceiro Pavilhão do Mercado de Manaus.
Fonte: Kurl.
8
BENÉVOLO, L. (1989). Historia de la Arquitetctura Moderna. p.233.
9
MONTENEGRO FILHO, R. A. de L. (2007). Pré-fabricação e a obra de Eduardo Kneese de Mello. Dissertação
(Mestrado) FAU/USP. p.19.
18
“De um modo geral, essa pré-fabricação importada durante o século
XIX e primórdios do século XX, foi empregada para atender a uma
demanda de construções em um curto período, suprindo a carência de
tecnologias e de mão-de-obra qualificada no país – como grandes vãos
de coberturas de estações de trem e galpões de estocagem -, ou para
atender a uma europeização desejada do ambiente urbano brasileiro
teatros, mercados, chafarizes, coretos, gradis, etc.”
10
Nos Estados Unidos, com um papel significativo da sociedade norte-
americana, foi possível um maior desenvolvimento da pré-fabricação. Em
1906, a empresa americana Alladin Ready Cut foi a primeira a oferecer um kit
de uma casa com peças pré-cortadas e numeradas. A empresa teve duração
até 1981 com uma reprodução de 65.000 exemplares ready-cut
11
(figura 08). A
companhia de mais sucesso na época porém, foi a Sears Roebuck of Newark
(figura 09), com vinte e dois modelas variando entre U$650 e U$2500
12
. A
aceitação era grande, pois as casas mantinham o estilo tradicional americano,
não se diferenciando do todo. Entre 1908 e 1940 foram comercializadas
aproximandamente 100.000 unidades que tinham em média o preço da mão-
de-obra 40% a menos do que no modo tradicional.
13
Figura 8 – Catálogo Casas Alladin.
Fonte: Arieff e Burkhart.
Figura 9 – Catálogo Casas Sears.
Fonte: Arieff e Burkhart.
10
MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). Pré-fabricação e a obra de Eduardo Kneese de Mello. Dissertação
(Mestrado) FAU/USP. p.21.
11
ARIEFF E BURKHURT (2002),. apud MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). p. 22.
12
DAVIES (2005) apud MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). p. 22.
13
ARIEFF E BURKHURT (2002) apud MONTENEGRO FILHO, R. A. de L.(2007). p. 22.
19
Industrialização pós Primeira Guerra
A situação vivida na Europa iria mudar drasticamente após a Primeira
Guerra Mundial, em termos políticos, sociais e econômicos. Frente a essa
situação começou-se a delinear o posicionamento de vários arquitetos,
artistas e intelectuais em relação às possibilidades da produção industrial, a
racionalidade que ela incorpora, e que poderia ser traduzida em uma
racionalidade técnico-científica para solucionar os problemas da sociedade e
imprimir-lhe um rumo positivo.
Para Manfredo Tafuri, este momento é fundamental, pois, a partir das
iniciativas tomadas pode-se falar claramente de uma vanguarda histórica, que
altera a visão em relação à indústria e sua produção. Ela passa a ser positiva
e, portanto, é papel dos arquitetos e daqueles que participam do mundo da
construção se assenhorear da tecnologia industrial em todas as dimensões que
interferem na construção. As pesquisas se desenvolveram em torno de uma
racionalização da construção com a intenção de produzir mais rapidamente
edificações em grande quantidade e mais econômicas (que o exemplo
americano evidenciava), para atender a uma demanda crescente decorrente
do conflito mundial, sendo o combate ao déficit habitacional colocado como
objetivo principal.
Em 1919, surge a Bauhaus em Weimar, dirigida por Gropius até 1928, e
logo depois, sob sua influência, o movimento da construção habitacional nas
cidades, com sua forte tendência social. Mais tarde o movimento foi apoiado
em grande escala também por autoridades públicas.
14
No I Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM - 1928),
realizado no Castelo de Sarraz, os arquitetos afirmavam:
14
GROPIUS, W. (1972). Bauhaus: Nova Arquitetura, p.105.
20
“1. A idéia de arquitetura moderna inclui o vínculo entre o fenômeno
da arquitetura e do sistema econômico geral.
2. a idéia de “eficiência econômica” não implica a oferta por parte da
produção, de um lucro comercial máximo, mas a exigência, por parte
da produção, de um mínimo esforço funcional.
3. a necessidade de uma eficiência econômica máxima é o resultado
inevitável do empobrecimento da economia geral.
4. O método mais eficiente da produção é o que decorre da
racionalização e da padronização. A racionalização e a padronização
agem diretamente sobre os métodos de trabalho, tanto na arquitetura
moderna (concepção) quanto na indústria da construção (realização).
5. A racionalização e a padronização agem de três modos diversos:
a) exigem da arquitetura concepções que levem à simplificação
dos métodos de trabalho no lugar e na fábrica;
b) significam para as construtoras uma redução de mão de obra
especializada; levam ao uso de uma mão de obra menos
especializada que trabalhe sob a direção de técnicos da mais
alta habilitação;
c) esperam do consumidor (ou seja, do consumidor que
encomenda a casa na qual vai viver) uma revisão de suas
exigências em termos de uma readaptação às novas condições
da vida social. Essa revisão irá manifestar-se na redução de
certas necessidades individuais, doravante desprovidas de
uma verdadeira justificativa; as vantagens dessa redução irão
estimular a máxima satisfação das necessidades da maioria,
as quais se acham no momento restringidas
15
.”
Essa declaração, fundamental para o Movimento de Arquitetura
Moderna, assinada por 24 arquitetos, enfatiza a construção como atividade
elementar do homem. Ela projeta a construção com um significado amplo,
como veremos adiante.
15
Declaração de La Sarraz, CIAM, 1928; In: FRAMPTON, K. (1997). História crítica da arquitetura moderna, p. 327.
21
Nos CIAM em geral, a preferência formal pela regularidade é o pré-
requisito para aumentar a produção de casas, rumo à industrialização. Abaixo
a síntese das duas primeiras fases dos CIAM, que importam para o foco deste
trabalho:
1) 1928 -1933: compreendeu o congresso de 1929 Frankfurt e de 1930
Bruxelas; a mais doutrinária; dominados por arquitetos alemães de
tendência socialista; o primeiro voltou-se para os padrões mínimos de
vida e o segundo para as questões de altura ideal e dos espaços entre
os blocos;
2) 1933 – 1947: A cidade funcional; foi dominado por Le Corbusier que fez
predominar o planejamento urbano; surgiram artigos como a Carta de
Atenas, a bordo do S.S. Patris;
16
As formulações da Arquitetura Moderna e da modernização das cidades,
se dariam com base nos novos conceitos idealizados nos CIAM, nos quais o
conceito de moradia passa a estar relacionado com um novo tipo de homem -
emergente em função da sociedade possibilitada pelo desenvolvimento
industrial e integrada à cidade. As propostas não se limitaram à questão
construtiva, mas a ligavam a novas concepções de sociedade.
A definição de Anatole Kopp traduz claramente o espírito da época que
guiava os arquitetos modernos, o conteúdo social que animava a prática
desses profissionais:
16
Há uma terceira fase que escapa às questões desse trabalho, a saber: de 1947 – 1956: No IX Congresso em Aix-en-
Provence França, em 1953; o TEAM X, formado pelos então jovens arquitetos, tendo à frente Alison e Peter Smithson
e Aldo Van Eyck, protagonizou o rompimento total com os ideais do CIAM, ao qualificar as quatro categorias
funcionalistas da Carta de Atenas: moradia, trabalho, lazer e esporte como abstratas, dirigindo as investigações
urbanas para outras questões.
22
“A arquitetura moderna não era apenas formas depuradas e técnicas
contemporâneas, mas também e, sobretudo, a tentativa de participar,
ao nível da construção do ambiente, na transformação da
sociedade.”
17
A idéia de construção se forjou com um sentido material e social, ou
seja, a técnica que auxilia, ou que constrói um novo mundo. Nesta chave a
idéia de construção se aliou à noção de montagem, que sintetiza os processos
industriais e que foi transferida para as edificações. A forma da edificação
deveria refletir os processos industriais, ou a marca da indústria. Refletir a
pré-fabricação dos elementos era, portanto, uma qualidade arquitetônica:
“Os CIAM afirmaram, de modo explícito, que a arquitetura estava
inevitavelmente sujeita às necessidades mais amplas da política e da
economia, e que, longe de estar distante das realidades do mundo
industrializado, teria que depender, em termos de seu nível geral de
qualidade, não do trabalho artesanal, mas da adoção universal de
métodos racionais de produção
18
”.
Para Gropius:
“Cresce o entendimento de que uma viva vontade de configuração -
enraizada no conjunto da sociedade e da vida, abrangendo todos os
campos de configuração humana para um objetivo unificador - começa
e termina na construção. A conseqüência desse espírito transformado e
aprofundado, e de seus novos meios técnicos, é uma forma construtiva
transformada, que não resulta de sua própria vontade, mas que brota
da essência da construção, da função que ela deve preencher (...) Os
mestres construtores desse livro respondem afirmativamente ao
17 KOPP, A. (1990) Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa.
18
(FRAMPTON, 1997: 327);
23
mundo atual das máquinas e aviões e à sua velocidade. Eles aspiram a
meios de configuração cada vez mais ousados para, suspensos no
efeito e no fenômeno, superarem o torpor do mundo”.
19
Neste contexto, Le Corbusier propôs a Casa Dominó e a “Casa Máquina
de Morar”, relacionadas com a produção em série de casas segundo os moldes
fordistas. Em Por uma arquitetura, Le Corbusier já expunha claramente que
o problema da casa não está colocado” de forma clara, e contrapondo com
o avião que é um produto de seleção natural”, e que “a mecânica traz
consigo o fator de economia que seleciona”, portanto, assumir o universo
maquínico, seria o caminho para equacionar o problema da moradia, daí
propor “a casa é uma máquina de morar”. No caso do avião o problema estava
claro, o que certamente proporcionou uma solução mais rápida e precisa. Mas
o pensamento moderno de Le Corbusier nos mostra claramente o que é uma
concepção de alojamento para aquele momento, que deveria se pautar pelo
necessário e lógico. Desta maneira coloca o problema:
“Uma casa: um abrigo contra o calor, o frio, a chuva, os ladrões, os
indiscretos. Um receptáculo de luz e de sol. Um certo número de
compartimentos destinados à cozinha, ao trabalho e a vida íntima.
Um quarto: uma superfície para circular livremente, um leito de
repouso para se estender, uma cadeira para estar à vontade e
trabalhar, uma mesa para trabalhar, estantes para arrumar rápido
cada coisa em seu “right place”.
Quantos cômodos: um para cozinhar, um para comer, um para
trabalhar, um para se lavar e um para dormir. Tais são os padrões do
alojamento(...)
20
”.
19
Walter Gropius, A Arquitetura Internacional 1925, livro baseado na I Exposição dos Produtos da Bauhaus com
projetos de arquitetos de fora da instituição (inclusive estrangeiros).
20
LE CORBUSIER. (2004). Por uma arquitetura, tradução Ubirajara Rebouças. p.75.
24
Le Corbusier, ainda no mesmo livro, faz a comparação com o carro
(1921), mesmo ano que da concepção projetual das casas em série Citrohan,
abaixo está um trecho desenvolvido por ele:
“(...) Se o problema da habitação do apartamento fosse estudado
como um chassis, veríamos nossas casas se transformarem,
melhorarem rapidamente. Se as casas fossem construídas
industrialmente, em série, como os chassis, veríamos surgir
rapidamente formas inesperadas, porém sadias, justificáveis e a
estética se formularia com uma precisão surpreendente(...)”
21
.
Walter Gropius, em Nova Arquitetura, expõe sua visão sobre as
habitações mínimas, que complementa as idéias iniciais de Corbusier:
“O desejo de reproduzir uma boa forma Standard parece ser uma
função da sociedade humana, o já o era bem antes da Revolução
Industrial. (...) Nossas futuras casas não serão necessariamente
produtos estereotipados como conseqüência da padronização e da pré-
fabricação; a competição natural, no mercado livre, cuidará para que
as partes de construção pré-fabricadas apresentem uma
multiformidade tão individual quanto os artigos de consumo
produzidos pela máquina, que hoje dominam o mercado”.
22
Ainda autores importantes como o próprio Gropius, tentariam elaborar
uma explicação importante para a falta de desenvolvimento no setor da
construção civil.
“O processo de industrialização apenas parece desenvolver-se mais
lentamente na indústria de construção do que em outros setores da
produção, pois o processo da construção é bem mais complexo. Uma
21
Idem, p.88.
22
GROPIUS, W. (1972); Bauhaus: Nova Arquitetura. p.119.
25
após outra as partes da construção são retiradas da mão do artesão e
entregue à máquina. Basta observar os catálogos dos fabricantes de
material da construção para nos convencermos de que já existem
inúmeros elementos de construção industrializados, à nossa disposição
no mercado. Em um processo que se desenvolve continuamente, o
antigo método artesanal está se transformando em processo de
montagem de seções pré-fabricadas, produzidas industrialmente, e
que são enviadas diretamente da fábrica ao canteiro de obras”.
23
Era preciso limpar os espíritos, Le Corbusier afirmava que a grande
aquisição da arquitetura moderna era a reta, que seria a base da economia da
habitação. Através do livro Por uma Arquitetura, tem-se a evolução de
pensamento de Le Corbusier e a partir de 1924 com Pierre Jeanneret, através
de algumas obras extremamente importantes no contexto da racionalização e
industrialização, são elas: Casa Dominó (1915), Casas em série Citrohan
(1921), Pessac, bairros modernos (1924), Casa de Bourdeaux (1925), entre
outras.
Todo esse histórico foi colocado como base de entendimento para a
discussão feita nos CIAM. Os Congressos de Arquitetura que aconteceram até a
Segunda Guerra Mundial, englobando tanto as fases germânica e francesa,
colocaram a habitação e o novo urbanismo no centro de suas preocupações.
Símbolo da ligação entre estas duas fases foi, sobretudo, o artigo de Le
Corbusier e Pierre Jeanneret, no II CIAM, Frankfurt – 1929, que abordava
questões sobre a revolução no processo construtivo para que se realizasse a
“moradia mínima”, através da simplicidade e dos princípios de
estandardização, industrialização e taylorização, informando assim uma nova
arquitetura e um novo papel para as artes. Na mesma linha, Ernest May
diretamente vinculado à organização do congresso e arquiteto responsável
pela implantação do programa das Neues Frankfurt, da municipalidade desta
cidade, afirmava:
23
GROPIUS, W. (1972); Bauhaus: Nova Arquitetura. p.123.
26
“(...) necessitamos viviendas suficientes em número y em calidad, que
satisfagan las necessidades de las massas, de los que buscan viviendas
com pocos medios. Necessitamos vivienda para el minimo de vida”.
24
A racionalização da construção deveria ocorrer utilizando novos
materiais como o ferro e o concreto armado, associados ao vidro,
redimensionando a sua presença na arquitetura. Evidentemente, a conversão
de métodos industriais para a construção civil não foi imediata, o que por
vezes levava a não realização plena do barateamento dos custos através da
produção em série que se iniciava.
A produção social “Neues Frankfurt”, era parte de um programa de
intervenção urbana para o município de Frankfurt, que durante o período de
1926 a 1930 possibilitou a produção de habitação para 10% da população e,
em termos urbanos, implementou: a criação de uma zona industrial ao longo
do rio Main, servida por vias férreas, a criação de equipamentos culturais e
institucionais no centro, a manutenção de um baixo adensamento na área
central e uma urbanização da região periférica com o desenvolvimento de
siedlungs (colônias) e cidades satélites.
Os principais pontos do programa de construção de habitação social
eram:
A construção de 10.000 habitações num período de 10 anos, sendo que
em cinco anos foram construídas 12.000 habitações;
A tipologia predominante de habitações deveria ser de unidades
unifamiliares em renque com jardim, banheiro, aquecimento central e
cozinha frankfurtiana. Esta consistia em um ambiente concebido sobre
o modelo de um vagão restaurante, uma cozinha laboratório que
organizada sob a égide de uma funcionalidade extrema e uma
24
DREYSSE, D. W. (1988), Les Cites de Ernest May - Guide d'architecture des cites nouvelles de Francfort (1926-1930).
27
espacialidade mínima deveria permitir o preparo de refeições num
tempo mínimo, possibilitando a liberação da mulher para outras
atividades.
25
Somente 28% das habitações foram produzidas como
unidades unifamiliares;
A pré-fabricação de elementos, a implementação de processos de
racionalização do canteiro de obra, mesmo quando fossem utilizados
materiais convencionais como o tijolo e a normatização de elementos
da construção, incluindo-se os elementos de acabamento;
A tipificação das habitações, resultante dos processos de
racionalização, em renque, sobrepostas, ou multifamiliares,
simbolizando um ideal de produção de uma habitação com a mesma
qualidade para qualquer habitante da cidade.
Além disso, em função da sua localização na periferia ou distante do
centro, ainda que, vias de regra, fossem ligadas a um serviço de transporte
coletivo – principalmente trem urbano e metrô – as Siedlungs e
particularmente as cidades satélites eram servidas por comércio local, e
vários outros equipamentos, de igrejas a escolas e respondendo a ideais
sociais mais amplos centros comunitários, parques e lavanderias de uso
comum.
As Siedlungs constituíram-se em um modelo de produção de habitação
social moderna, no qual os preceitos modernos construtivos, claramente
visualizados nas suas tipologias, aliavam-se a ideais sociais, também,
modernos. Esta articulação de ideais era representada por novos espaços de
uso privado inseridos em espaços públicos, servidos por equipamentos
também públicos. A Siedlung “Westhausen” (figura 10 e figura 11) é
representativa da articulação citada.
25
A cozinha de Frankfurt foi concebida pelo arquiteto vienense Grete Schutte-Lihotzky.
28
Figura 10 – Westhausen,
Plano de 1929 – Ernest May;
O seu rigor construtivo e de “montagem urbana” é exemplar da
racionalização construtiva transposta para a organização espacial a indicar
uma igualdade social. Essa igualdade já estaria introduzida na questão do
espaço mínimo, ou melhor, habitação mínima. Junto a essa idéia se unem
estudos sobre os espaços coletivos, que seriam essenciais para o novo modo
de vida. Como dizia Gropius
26
, era muito difícil se pensar em algo que serviria
para pessoas e culturas tão diferentes, tipos de famílias mais diversas
possível, mas esse era um problema a ser levado em conta no resultado de um
produto tipo.
“O problema da habitação mínima é questão de um mínimo elementar
de espaço, ar, luz, calor, que o homem precisa para não sofrer, por
causa da moradia, inibição no pleno desenvolvimento de suas funções
vitais, portanto um mínimo de modus vivendi em vez de um modus non
moriendi. Este mínimo varia segundo as condições locais da cidade e
país, paisagem e clima; a mesma área de espaço livre tem função
iversa numa rua estreita do centro da cidade e num subúrbio menos
habitado.”
27
26
GROPIUS, W. (1972); Bauhaus: Nova Arquitetura. p.148.
27
idem. p.151.
29
Figura 11 – Westhausen, vista aérea de 1932 – Ernest May;
Nessa época já se trabalhava com a noção de que para suprir a
diferença entre o valor do salário do trabalhador e o valor da construção (de
sua moradia) era necessário a participação do Estado junto ao mercado da
construção. Então, para que fosse possível a construção de habitação mínima
de qualidade, teria que exigir do Estado que:
“1) Evite o desperdício de dinheiro público com casas demasiado
grandes e facilite, em contraposição, os fundos para a construção de
habitações mínimas, para a qual é preciso determinar um limite
máximo de tamanho;
2) Baixe os índices contratuais para a habitação mínima;
3) Ponha à disposição os terrenos de construção e os retire da
especulação imobiliária;
4) Facilite o mais possível às normas de zoneamento e os códigos de
obra.”
28
28
GROPIUS, W. (1972); Bauhaus: Nova Arquitetura. p.155.
30
Como é possível notar na construção da Westhausen (figura 6), existe
uma preocupação com a disposição racional das lâminas na implantação ao
terreno, para se obter uma habitação sadia através de estudos de
luminosidade feitos por vários arquitetos na época. Esse afastamento entre
lâminas é resultado de uma proporção da altura do bloco e distância entre
blocos.
Para se entender o todo é essencial se criar uma unidade mínima, ou o
mínimo para se sobreviver em uma vizinhança próxima, foi então que Gropius
propôs essa classificação para se chegar a maior unidade, ou seja, a cidade.
“- A menor das unidades administrativas independentes – e isto vale
tanto para os distritos rurais quanto para os urbanos – seria a unidade
de vizinhança, com 5.000 a 8.000 habitantes. Isto corresponde a um
número de habitantes suficientemente grande para sustentar uma
escola primária produtiva.
- A unidade administrativa subseqüente, na escala de grandeza,
abrangeria respectivamente 5 a 10 unidades de vizinhança, com 25.000
a 75.000 habitantes, com 1 ou 2 ginásios centrais.
- A última unidade de vizinhança seria a grande cidade, ou metrópole,
com uma seleção dos melhores colégios e universidades.”
29
Após a formação da cidade com todas as suas unidades administrativas,
viria uma das maiores contribuições para o local, adicionar ao núcleo dessa
cidade os centros comunitários, como já visto, na Siedlungs foram
implantadas estruturas básicas para a vizinhança ou mesmo a própria colônia
formada.
29
GROPIUS, W. (1972); Bauhaus: Nova Arquitetura. p.175.
31
“O estabelecimento de centros comunitários no núcleo das cidades e
dos conjuntos habitacionais é mais importante e necessário ainda que
a própria construção de habitações, pois estes centros servem de base
cultural em que o indivíduo poderá desdobrar plenamente a sua
estatura no seio da comunidade.”
30
Como veremos nos capítulos 2 e 3, muitos desses conceitos foram
aplicados a construções feitas no Brasil, e principalmente, no capítulo 3
veremos as ligações com o projeto do Conjunto Habitacional Zezinho
Magalhães Prado.
30
Idem, p.183.
33
CAPÍTULO 2
Movimento Moderno e Habitação Social no Brasil
Formação do contexto produtivo da indústria da construção civil no Brasil.
As primeiras grandes construções após a República foram os portos ou
ampliações dos mesmos, para o recebimento de vapores transoceânicos. O
Porto de Santos, tido como a primeira grande obra republicana (VARGAS,
1995), teve o primeiro trecho terminado em 1890, executado por uma das
primeiras empresas nacionais de construção civil, a Gafrée – Guinle e Cia.
Com essa atividade, pode-se dizer que começa no Brasil, então, a organização
industrial da construção civil.
O Porto do Rio de Janeiro, por sua vez, foi construído por uma empresa
estrangeira que conseguiu a concessão em 1890. A obra com 3 mil m
2
,
condizentes com o primeiro projeto, foi terminada em 1910. Já o Porto do
Recife que teve a concorrência aberta antes da do Rio de Janeiro, teve suas
obras concluídas apenas em 1918. Na seqüência foram executados ou
ampliados, o Porto de Salvador em 1914, no sul o de Rio Grande teve seu
término em 1919, e o de Vitória em 1940.
Apesar da obra pioneira da Gafrée – Guinle, apenas em 1919 foi
organizada a primeira empresa nacional especializada em construções
portuárias, a Civilhidro (Companhia Nacional de Construções Civis e
Hidráulicas). Até então, com exceção do Porto de Santos, todos os outros
foram financiados por meio de taxas cobradas por exportação e importação ou
por meio de empréstimos estrangeiros.
Após o inicio da construção dos vários portos, outra atividade da
engenharia civil se desenvolveu após a Proclamação da República, a
hidrologia. Assim, têm início o tratamento de esgoto, a retificação e
canalização de córregos e rios, a drenagem de áreas alagadiças e o
34
escoamento das águas pluviais em nossas cidades. Se as primeiras obras de
engenharia, o Portos, indicavam o aperfeiçoamento de estruturas para a
exportação de produtos primários, o segundo conjunto de obras já se
“internalizando” na estrutura urbana o conhecimento técnico, através da
remodelação e do reaparelhamento das cidades. Associado a esse segundo
conjunto surge a produção de energia elétrica, que indica uma reorganização,
ou pelo menos, o desenvolvimento de um novo perfil produtivo, o industrial
na cidade:
“O rápido desenvolvimento industrial que se deu no fim do século
passado (século XIX) no Rio de Janeiro e, a partir da primeira década
do século (século XX), em São Paulo, obrigou o suprimento de energia
elétrica à indústria”.
1
A primeira hidrelétrica de grande porte no Brasil foi a Usina de
Parnaíba sobre o Rio Tietê, inaugurada em 1901, que foi construída pela
empresa canadense The São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltda., que
vem a se tornar a grande investidora nessa área no país.
A industrialização requer que a cidade seja repensada. Ainda que
timidamente, a cidade industrial passa a compor a realidade do país. Exige
novas respostas, que técnicos nacionais são chamados a elaborar, o caso de
Saturnino de Brito é emblemático, ao mesmo tempo em que serviços urbanos,
via de regra, administrados por companhias estrangeiras são introduzidos nas
cidades. No mesmo período algumas estradas de rodagem são abertas exigindo
novas concepções, em função dos veículos motorizados, e mais tarde seriam
implantados os aeroportos.
Com a aceleração no crescimento do país, que articula indústria
própria, com importação de produtos manufaturados e redes de infra-
estrutura urbana e territorial, estabelece-se um contexto para a formação, ou
aprofundamento da formação técnica no país. Desta forma, começa a se dar
1
VARGAS, M. (org.) (1995). História da Técnica e da Tecnologia no Brasil. UNESP/ CEETPS. São Paulo, pág. 198.
35
valor, cada vez mais, a pesquisa tecnológica, que de todo modo, só foi
introduzida no Brasil nos anos 1920, e foi adotada como definição:
“Estudo ou tratado das aplicações de métodos, teorias, experiências e
conclusões das ciências ao conhecimento dos materiais e processos
utilizados pela técnica”.
2
Essa pesquisa tecnológica tem uma função importantíssima para o
desenvolvimento de materiais e técnicas nacionais, e as primeiras instituições
que se propuseram, no início do século, foram: o Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil, no Rio de Janeiro; o Instituto Nacional de Tecnologia
(INT), também no Rio de Janeiro em 1921, o Gabinete de Resistência de
Materiais da Escola Politécnica de São Paulo; e o Instituto Agronômico, de
Campinas.
“(...) o processo de industrialização, iniciado durante a Primeira
Guerra, necessitou da pesquisa tecnológica para resolver os problemas
técnicos correlacionados. Não se pode dizer que, com o início da
industrialização, aparece, necessariamente, a pesquisa tecnológica;
mas isso aconteceu e, como resultado, o desenvolvimento econômico-
industrial do país foi garantido”.
3
Um dos pontos importantes para o desenvolvimento da pesquisa no
Brasil, foi à organização em 1893, do Gabinete de Resistência dos Materiais
vinculado à Escola Politécnica de São Paulo. Em 1926, o Engº. Ary Frederico
Torres trouxe a proposta de transformar o gabinete no Laboratório de Ensaio
de Materiais (LEM), que teve as pesquisas subdivididas em: aglomerantes e
concreto, metais e madeira, em abril de 1934, o LEM adquiriu uma nova
2
Idem. pág. 213.
3
VARGAS, M. (org.) (1995). História da Técnica e da Tecnologia no Brasil. UNESP/ CEETPS. São Paulo, pág. 216.
36
conformação, ampliando o seu escopo de atividades, sendo transformado no
Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) – autarquia vinculada à Escola
Politécnica. A partir de então se pode afirmar que ficou definitivamente
instituída a pesquisa tecnológica na Universidade de São Paulo.
Tanto o aço como o cimento, necessitavam de fábricas nacionais para a
expansão do seu uso. Já no século XIX em 1897, surgiu a primeira fábrica de
cimento chamada Rodovalho, atual Votorantim e, (apenas) em 1921, o aço foi
produzido no Brasil em bases industriais pela Companhia Siderúrgica Belgo-
Mineira.
As Mudanças a partir de 1930
Os conhecidos desdobramentos políticos, advindos da crise do café,
como parte das transformações que incidiram sobre as economias de todos os
países com a crise de superprodução, que levou ao crack da Bolsa de Nova
Iorque em 1929, aprofundaram a industrialização e a ampliação das estruturas
urbanas já em curso, mas sobretudo, em novas condições:
“(...) a partir da crise do café na década de 1930, inicia-se uma
transformação estrutural, sugestivamente denominada industrialização
substitutiva de importações. Nessa fase, ao contrário da anterior, o
desenvolvimento industrial foi impulsionado pelas dificuldades do setor
exportador, estando o crescimento de renda mais ligado ao
desenvolvimento no mercado interno”.
4
4
Motoyama, Shozo (1994); (org) Tecnologia e Industrialização no Brasil – Uma perspectiva Histórica. ed. UNESP – São
Paulo. pg.17/18.
Emília Viotti da Costa em Da Monarquia à República, momentos decisivos, São Paulo: UNESP, 1999, expõe assim as
ligações entre o contexto político e o contexto social: “O crescimento da população, o desenvolvimento industrial, a
urbanização, a formação do proletariado e a ampliação da classe média, a crise que atingiu a economia cafeeira, a
crise internacional de 1929, as contradições entre os vários setores de produção e o aparecimento de novas
ideologias propiciaram a revolução de 1930, que inaugurou um novo período da história do Brasil”. Para a autora, em
função dos avanços e retrocessos políticos e econômicos, as mudanças e os conflitos existentes ocorrem sob a
“camuflagem da modernização” do país.
37
O trecho citado acima é a base para a teoria de industrialização no
país, que se dá articulada ao café no seu apogeu, mas que reforça com a sua
crise. Neste jogo econômico a indústria da construção é forjada e em um
segundo momento irá conhecer a participação do Estado, através do
desenvolvimento da pesquisa tecnológica e da consolidação do ensino de
engenharia, que dará novo impulso à iniciativa privada, gerando capacitação e
mercado para formação de empresas fornecedoras de máquinas,
equipamentos e materiais de construção (MOTOYAMA, 1994).
“A industrialização em São Paulo se fez por meio da poupança gerada
pelo café, sendo entretanto aplicada diretamente nas estradas de
ferro (Paulista, Ituana, Mogiana e Sorocabana, notadamente), nos
portos (de Santos e do Rio de Janeiro) necessários para o escoamento
da própria produção cafeeira, e nas companhias organizadas para
edificar os prédios públicos (Ramos de Azevedo, no final do século
passado e Roberto Simonsen, nas primeiras décadas deste). Estas áreas
absorveram os primeiros engenheiros brasileiros. Foi, entretanto, o
setor da construção dos edifícios públicos (e em seguida privados) que
direcionou a pesquisa tecnológica no Brasil, sendo os maiores e mais
conhecidos êxitos localizados na utilização do concreto armado. Entre
1920 e 1960, formou-se um conjunto de pesquisadores e projetistas,
tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro (Ary Torres, Telêmaco van
Langendonck, em São Paulo; Emílio Baumgart, Fernando Lobo Barbosa
Carneiro, Joaquim Cardoso, no Rio de Janeiro), que vieram a
caracterizar uma escola brasileira de concreto armado, tendo
contribuído para o avanço da tecnologia em nível internacional.”
5
Após a Revolução Constitucionalista de 1932, continuam crescendo os
investimentos em pesquisa, como dito anteriormente, através dos institutos
5
Motoyama, Shozo (1994); (org) Tecnologia e Industrialização no Brasil – Uma perspectiva Histórica. ed. UNESP – São
Paulo. pg.201.
38
de pesquisa. Roberto Simonsen é um dos organizadores do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (Idort), em 1933; cria também a Escola de
Sociologia e Política, em 1934. Havia participado também na formação do
Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, a futura Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Além destas organizações, foi criado
em 1942 o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que contou
com a participação de Euvaldo Lobo, presidente da Confederação Nacional da
Indústria, e de Simonsen, como representante da Fiesp.
6
A partir de 1937 os laboratórios nacionais de ensaios já se reúnem para
o controle do cálculo do concreto armado, resultando em 1940 a fundação da
Associação Brasileira de Normas Técnicas. A pesquisa e aplicação do concreto
desenvolveram-se intensamente no Brasil, com grande repercussão, a ponto
da revisão da norma de 1960 ter sido a base para a elaboração em 1963 da
Primeira Norma Internacional do Comitê Europeu do Concreto.
A partir de 1940, começa a construção da usina siderúrgica de Volta
Redonda, sendo finalizada apenas com o final da Segunda Guerra Mundial.
Com o início de ações mais efetivas de Planejamento Econômico a
industrialização conhecerá uma nova fase no país, além do que, é nessa época
que começa a nacionalização de serviços públicos (MOTOYAMA, 1994).
Industrialização de Habitação Econômica
A industrialização, desde o seu início, além de exigir uma nova
estrutura urbana, introduz novos programas e redimensiona algumas
carências:
6
Idem. Pg.16. Criado em 22 de janeiro de 1942, pelo decreto-lei 4.048 do presidente Getúlio Vargas, o SENAI surgiu
para atender a formação de mão-de-obra para a indústria de base. Na ocasião, suas premissas eram de que sem
educação profissional não haveria desenvolvimento industrial para o país.
39
“O debate sobre a construção econômica da habitação surge, no Brasil,
de duas fontes: a primeira foi o reconhecimento – pelo menos do
discurso – da necessidade de alojar de forma higiênica e econômica as
massas urbanas que marcam sua presença nas cidades brasileiras
exatamente a partir do último quartel do século XIX, período da
Segunda Revolução Industrial, momento em que se aceleram os
processos de urbanização no país”.
7
No Brasil, a partir de 1920, foram realizados alguns debates sobre
habitação no Instituto de Engenharia, mas é com a aproximação aos ideais do
Movimento Moderno, de forma heterogênea, por parte de profissionais, mas
constante, ainda que se verifique resistência à linguagem moderna, que os
interesses se voltam com mais intensidade para a produção habitacional.
Na década de 1930, o poder público passa a estimular o poder privado
para tentar suprir o déficit que aumentava com o processo acelerado de
urbanização que se iniciava.
Em 1931, ocorre em São Paulo, o primeiro Congresso de Habitação,
promovido pela Divisão de Arquitetura do Instituto de Engenharia de São Paulo
e patrocinado pela Prefeitura Municipal. Contou não só com a presença de
engenheiros e arquitetos, mas também médicos, higienistas, sociólogos e
políticos. O Congresso procurou identificar soluções para problemas urbanos e
habitacionais da cidade, e principalmente, viabilizar a construção de moradias
para a população de baixa renda.
Para GITAHY e PEREIRA (2002) é nesta época que são constituídas as
bases de um arranjo mais complexo do setor da construção, o Complexo
Industrial da Construção, que se relaciona com os ideais modernos e que
compreende o desenvolvimento da indústria de materiais de construção,
pesquisa tecnológica, de forma integrada à economia, como um setor
estruturado, distinto do fazer construtivo anterior.
7
GITAHY, M. L. C.; PEREIRA, P. C. X. (org.) (2002) O complexo industrial da habitação econômica moderna, 1930-
1964. Editora RiMa. São Carlos, São Paulo, pág.09.
40
“Entendemos que a década de 1930 foi o momento de consolidação
dessas propostas modernas do Brasil, que conseguem reconhecimento
social e continuidade política nos anos seguintes, a medida em que se
associam e significam um aprofundamento do caráter empresarial da
construção habitacional em São Paulo”.
8
É nesta época também que as industriais ligadas à construção se
multiplicam e diversificam-se em várias áreas, tais como, produção de
materiais e equipamentos, construtoras, escritórios e arquitetura e
engenharia e serviços imobiliários, decorrendo disso a denominação
“complexo da construção” (GITAHY, PEREIRA, 2002).
“Na promoção dessa modernização da construção, a ação do Estado foi
decisiva, tanto na montagem de uma infra-estrutura urbana quanto no
apoio à industrialização voltada para o mercado interno. Além de
incentivar o capital nacional, o Estado contou com a participação do
capital estrangeiro neste reforço”.
9
O esforço para a normalização técnica na indústria da construção tem
um papel importante para a industrialização, recaindo também na
qualificação do trabalho e do produto, para que se integrasse à proposta
moderna de habitação social. Na passagem dos anos 1930, tornava-se
hegemônica a noção de habitação econômica moderna e racional, que
vinculava a emergência da arquitetura moderna à industrialização da
construção.
Um mercado de massas era o alvo. A produção em série, a
estandardização e a difusão de novas tecnologias, ainda que sempre
associadas à produção convencional, ao uso de materiais convencionais, por
8
GITAHY, M. L. C.; PEREIRA, P. C. X. (org.) (2002) O complexo industrial da habitação econômica moderna, 1930-
1964. Editora RiMa. São Carlos, São Paulo, pág.16.
9
idem. pág.17.
41
vezes, apenas figurando uma industrialização, que permaneceu por demais
incompleta, e na prática repetindo processos antigos, viria atingir
diretamente um mercado de massas.
“Os conjuntos habitacionais projetados, tanto pela promoção privada
quanto pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões, criaram uma
interpretação brasileira do ideário da Arquitetura Moderna. Desejava-
se uma cidade iluminada, geométrica, desafogada e funcional”.
10
Há uma indústria que se forma, mas essa indústria compete em
desigualdade com processos arcaicos, ou artesanais de construção. Na maioria
das vezes ocorre uma associação entre o processo industrial e o processo
arcaico.
É dessa época também que se delimitou o campo do arquiteto e do
engenheiro, mais precisamente em 1933
11
. O arquiteto ficou com a concepção
do projeto e o engenheiro com a responsabilidade técnica. Com relação ao
projeto, o novo nicho encontrado seria a habitação econômica, ou seja,
higiênica, moderna e de baixo custo. Na década de 1940 o poder público irá
promover a habitação econômica por intermédio da Fundação da Casa Popular
e dos Institutos de Aposentadorias e Pensões.
A Questão Habitacional no Brasil
Historicamente o problema de habitação no Brasil configurou-se de
forma diferenciada do contexto europeu. Em um primeiro momento, no final
do século XIX, relacionava-se, principalmente, à emergência do trabalhador
10
GITAHY, M. L. C.; PEREIRA, P. C. X. (org.) (2002) O complexo industrial da habitação econômica moderna, 1930-
1964. Editora RiMa. São Carlos, São Paulo, pág.21.
11
“Em 11/12/1993, no novo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a regulamentação das profissões de
engenheiro e arquiteto foi objeto do Decreto Federal nº 23.569”. Idem. Pág.29.
42
livre com a libertação dos escravos e à chegada do volumoso contingente de
estrangeiros. Nas primeiras décadas do século XX, o problema foi
redimensionado com o processo de industrialização, mesmo que sob a forma
de uma industrialização periférica.
Este processo, associado à renovação de idéias sociais, políticas e
culturais, gerou uma rápida e crescente urbanização, ainda pressionada por
novos contingentes de imigrantes, gerando assim a valorização imobiliária
como conseqüência da distorção entre oferta e procura. Neste período, fim do
século XIX e início do século XX, a atividade de construção habitacional
vinha se organizando de forma capitalista, pelo menos em alguns setores, de
qualquer maneira prenunciando a articulação entre processos industriais e
anteriores, conforme citado anteriormente.
A moradia de aluguel foi à forma predominante de habitação da massa
trabalhadora urbana no começo do século. Estas eram oferecidas no mercado
e constituíam um atraente investimento privado, uma oportunidade sem
riscos pelos juros altos, relação entre oferta e demanda e pela ausência de
qualquer lei que intermediasse a relação proprietário e demanda.
Desta forma os trabalhadores menos favorecidos acabavam sem opções,
a não ser os em cortiços. Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro esses
tiveram o crescimento cada vez mais acentuado próximos ao centro da
cidade. Este quadro fez-se sentir já no final do século XIX, gerando
preocupações sociais por parte da elite econômica, que associava
autoritarismo social com cientificismo sanitário. Raquel Rolnik expõe a
posição do Conselho Superior de Saúde Pública de São Paulo, em publicação
de 1986:
“Em uma cidade como esta (...) com tantos cortiços que em si
recebem uma lotação superior à que prescrevem os preceitos da
ciência, é fácil prever que eles representam um vulcão pronto a
43
fazer erupção, logo que se apresentam condições favoráveis. E não
se pode duvidar que essas asquerosas residências devem ser
extintas, por isso que os fatos demonstram que elas representam
uma sala de espera da morte.”
12
Segundo BONDUKI (1998), havia cinco tipos de habitação que abrigavam
os trabalhadores: o hotel-cortiço, a casa de cômodos, os cortiços
improvisados, o cortiço-pátio e “a casinha”. Apesar das diferentes
configurações físicas destes espaços, eram genericamente classificados, pelos
higienistas, como cortiços, demonstrando o preconceito em relação à
população atendida.
Na interpretação social preconceituosa do higienismo, a população
pobre é objeto (vítima) das doenças, mas também, sujeito e veículo de toda
sorte de malefícios:
“O cortiço, na opinião do saber médico, significava o espaço da
proliferação e da contaminação dos focos infecciosos”.
13
Há uma forte presença desta visão na questão urbana brasileira entre o
final do século XIX e início do século XX, sobretudo em São Paulo e Rio de
Janeiro. No Rio de Janeiro, objeto de diversas intervenções sanitaristas, que
procuravam requalificar a cidade como capital, e da idéia de “centro limpo”,
o cortiço passou a ser proibido, de acordo com o artigo 2 do regulamento
geral de construções e consertos de prédios de 1903:
“(...) nos cortiços existentes não se permitirá obra alguma, concerto
ou reparação que possam garantir sua segurança, só se tolerando
12
ROLNIK, Raquel (s.d.). Cada um no seu lugar (São Paulo, início da industrialização: geografia do poder). pg.55.
13
CARPINTÉRO, M. V. T (1997). Os Engenheiros –arquitetos e a formulação da política Habitacional no Brasil (São
Paulo 1917-1940). pg.57.
44
pintura de caiação e não se permitindo novas edificações semelhantes
em ponto algum.”
14
Assim, cerca de 600 habitações coletivas, que abrigavam mais de
13.000 pessoas foram fechadas, sem que o prefeito Pereira Passos,
apresentasse qualquer solução alternativa de moradia.
“Com a proibição da instalação de cortiços, casas de operários e
cubículos, proibiu-se genericamente a presença de pobres no centro
da cidade, que no momento em estudo era o principal objeto de
investimentos através dos chamados “Planos de Melhoramentos da
Capital.”
15
Como em tantos outros domínios sociais a irracionalidade da produção
capitalista da moradia, do loteamento indiscriminado, da precariedade dos
serviços de água e esgoto, depositou no Estado a responsabilidade em exercer
algum tipo de controle sobre a produção do espaço urbano, ainda que
predominassem as concepções liberais. Sendo assim, para Bonduki (1998):
“o poder público atacou em três frentes: a do controle sanitário das
habitações; a da legislação e código de posturas; e a da participação
direta em obras de saneamento das baixadas, urbanização de área
central e implantação da rede de água e esgoto.”
16
Mesmo assim o papel do Estado na produção de habitação limitou-se a
incentivar sociedades particulares a investir nos programas de habitação das
Vilas Operárias. As medidas tomadas neste período, tanto no Rio de Janeiro,
quanto em São Paulo, não tratavam diretamente do problema habitacional
nas reformas urbanas. Estas eram feitas apenas com a intenção de “limpar” o
14
BACKHEUSER, apud CARPINTÉRO, M. V. T (1997). Os Engenheiros –arquitetos e a formulação da política
Habitacional no Brasil (São Paulo 1917-1940). pg.67.
15
ROLNIK, Raquel (2003). A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. Pg.37.
16
Para a influência sanitarista no pensamento e na legislação urbana no Brasil ver FELDMAN, Sarah (2001). Avanços e
limites na historiografia da legislação urbanística no Brasil. IN R. B. Estudos Urbanos e Regionais. N
o
4. Pp 33-47
45
centro das cidades, removendo os cortiços, mas sem a preocupação de
solucionar o foco do problema ou promover alternativas a estas condições de
moradia. A perspectiva de mudança solicitava outras formas de ação do
Estado:
“Ao contrário dos cortiços as vilas operárias deveriam compor um
conjunto de casas higiênicas conforme os padrões exigidos pela
Comissão de Higiene Pública, de forma a cumprir sua característica
principal de afastar toda promiscuidade existente nos cortiços.”
17
As Vilas Operárias de iniciativa privada significam, no entanto, mais
uma fonte de lucro para os empresários, que uma solução para os operários.
Segundo CARPINTÉRO (1997), os critérios de distribuição das casas implicavam
questões de caráter íntimo, conjugal, cor, vícios, número de filhos, saúde e
desempenho no trabalho.
Para verificar a mudança de rumos da questão habitacional propomos
abordar três fatos que merecem destaque na década de 1930, mesmo não
tento significados exatamente equivalentes: A política do governo de Getúlio
Vargas, o Primeiro Congresso de Habitação e a configuração do “complexo
industrial da construção”.
No quadro de renovação política e social que o forjou, no governo
Getúlio Vargas, embora as questões sanitárias ainda estivessem presentes, a
questão da moradia passa a representar papel primordial das condições de
sobrevivência na reprodução da força de trabalho, que influía no modo de
vida e na formação moral e ideológica dos trabalhadores. A moradia passa a
ser uma questão de ordem pública, de estabilidade política e econômica
(MANOEL, 2003). A partir da década de 1930, foi tomando-se consciência de
que a iniciativa privada não tinha possibilidade de prover habitações para os
17
CARPINTÉRO, M. V. T (1997). Os Engenheiros –arquitetos e a formulação da política Habitacional no Brasil (São
Paulo 1917-1940). pg.67.
46
setores de baixa renda sem o apoio do poder público, como se queria durante
a Primeira República (BONDUKI, 1998).
Foram várias as ações governamentais e propostas de intervenções no
campo da habitação social: de um período em que a meta fundamental era a
de construir casas para atrair e abrigar mão de obra estrangeira passou-se
para a proposta de propiciar moradia para o operário urbano.
O objetivo principal do Congresso de 1931, citado anteriormente, foi
buscar soluções para os problemas urbanos de São Paulo e, dentre eles,
viabilizar a construção de moradias para a população de baixa renda.
(CARPINTÉRO, 1997).
As discussões entre os técnicos abordaram conceitos relacionados à
racionalização da construção e reafirmaram a importância da construção em
série para as moradias econômicas, como comenta GITAHY e PEREIRA, quando
abordam as questões que envolveram o Congresso.
“É dentro dessa perspectiva, racional e de industrialização da
construção, que o Primeiro Congresso de Habitação defendia a
necessidade de conhecer melhor os recursos dos materiais de
construção, controlar sua utilização e calcular os gastos dos
materiais. Assim, na passagem para os anos 1930, tornava-se
hegemônica a noção de habitação econômica moderna e racional,
que vinculava a emergência da arquitetura moderna à
industrialização da construção.” (GITAHY, PEREIRA, 2002: 18)
Há algumas concepções em formação, há alguma arquitetura moderna,
como demonstra a produção de Warchavchik, há uma arquitetura
“geometrizante”, que busca uma padronização de projeto, como a produção
do Depto. de Obras Públicas em São Paulo,
18
para alguns buscando uma
18
SEGAWA, Hugo, Arquiteturas no Brasil 1900-1990, Vertentes Racionalistas: As Obras Públicas, pp. 66-72.
47
racionalidade, mas a vinculação entre arquitetura e construção, projeto e
obra, ainda é um perspectiva que alguns arquitetos e intelectuais vislumbram
e veiculam de forma exploratória.
O Primeiro Congresso de Habitação foi antecedido por vários encontros,
palestras e reuniões também promovidos pelo Instituto de Engenharia a partir
dos anos 1920, que trouxeram adeptos do urbanismo moderno em todo Brasil
(CARPINTÉRO, 1997). A habitação passa a ter importância para os arquitetos
na emergência da Arquitetura Moderna, assim os arquitetos envolvidos com a
produção habitacional adotaram parcialmente os ideais concebidos pelo
Movimento Moderno, buscando abordar aspectos formais, produtivos, sociais e
culturais.
Tendo em vista as experiências realizadas em outros países como
Inglaterra, França e Estados Unidos, a partir de um conjunto de
conhecimentos técnicos, sempre acompanhados de preceitos morais e
higiênicos. (...) estes médicos, engenheiros, arquitetos discutiam a necessidade de
uma interferência nos costumes e hábitos desta população a partir da organização do
espaço da casa.”
19
Com o governo Vargas, particularmente após 1937, a dita
“interferência” ganharia o status de projeto. Ou seja, um projeto de
formação do novo homem brasileiro e urbano, ainda que sob a égide do
populismo.
20
19
CARPINTÉRO, M. V. T (1997). Os Engenheiros –arquitetos e a formulação da política Habitacional no Brasil (São
Paulo 1917-1940). pg.108.
20
Sobre esta questão no texto “Lar e Família: o discurso assistencialista sobre habitação popular nos anos 40 e 50”,
Flávia Brito do Nascimento comenta“O Estado toma para si o papel de ingerência na sociedade civil, organizando-a
de acordo com seus preceitos de cidadania e inserção política, trazendo à tona a nossa ‘verdadeira’ alma nacional.
Era o ‘homem novo’ que daria início a uma nova era’ (p. 44) e depois localiza o papel da moradia nesse processo ‘ ...
construir casa e vias operárias (...) educar o gosto pela casa ...’ (p.55), in Revista Risco no. 3, www.risco.eesc.
usp.br acessado em 05/06/07.
48
Realizações dos pressupostos modernos no Brasil
O valor da arquitetura moderna brasileira é reconhecido nacional e
internacionalmente. Entretanto, apenas recentemente a historiografia da
arquitetura moderna relata a produção da habitação operária no período em
que esta arquitetura se fez prodigiosa, sendo as obras de Affonso Eduardo
Reidy – conjuntos Pedregulho (figura 12) e Gávea, talvez os exemplos ainda
hoje mais conhecidos.
Figura 12 –
Pedregulho
Fonte: Taschen.
A concretização dos ideais modernos pode ser verificada, sob vários
aspectos, em um conjunto significativo de projetos e obras habitacionais,
encomendados a profissionais que se destacaram na constituição da
Arquitetura Moderna como: Attílio Corrêa Lima, MMM Roberto, Eduardo
Kneese de Melo, Paulo Antunes Ribeiro, Carlos Frederico Ferreira, entre
outros. São soluções pioneiras no Brasil que tratam a questão da habitação
como projeto de cunho social, pela vontade política de solucionar o problema
e pelo conhecimento técnico adquirido.
49
Alguns destes arquitetos participaram da produção de alguns dos
conjuntos habitacionais realizados pelos Institutos de Aposentadorias e
Pensões - IAPs e pela Fundação da Casa Popular - FCP, no período entre anos
1930 e 1964, que englobam as 142 mil unidades. Esta produção foi bastante
reduzida diante da produção em massa feita mais tarde pelo Banco Nacional
de Habitação – BNH (entre 1964 e 1985), mas muito expressiva do ponto de
vista qualitativo e marca a origem da produção da habitação social no país
(BONDUKI, 2001).
Os IAPs e, particularmente o IAPI, foram os órgãos que mais se
empenharam nesta produção e na busca de sua qualificação, como é possível
observar nas diretrizes gerais de projeto para os conjuntos residenciais destes
Institutos, as quais propunham: enquadramento às características econômicas
do meio ambiente; criação de rede serviços e reforços das redes de
abastecimento de água potável e estações de tratamento de esgoto;
preferência pela moradia em edifícios coletivos como um processo de
barateamento das residências acessíveis às grandes massas de associados;
definição de projetos padronizados; uso de instalações simples, padronizadas
e duráveis e estruturas permanentes (IAPI, 1950).
Outra instituição que atuou no período, importante de ser destacada foi
o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal:
“(...) do ponto de vista da arquitetura, o mais importante, por contar
com profissionais como a Engª. Carmen Portinho, que foi sua diretora,
e dos arq. Affonso Eduardo Reidy e Francisco Bolonha, que projetaram
os conjuntos habitacionais.”
21
O Projeto Integrado de Pesquisa Habitação Econômica e Arquitetura
Moderna no Brasil (1930-1964) – desenvolvido entre 1995 e 2001 – revelou
21
BONDUKI, N. G; KOURY, A.P.; MANOEL, S. (2003). Análise tipológica da produção de habitação econômica no Brasil
(1930-1964).
50
grande variação tipológica nos primeiros conjuntos habitacionais produzidos,
conjugando vários modelos de blocos, casas e edifícios.
“Este conjunto de experiências, sem dúvida, foi um momento
importante de consolidação da experiência moderna para a
arquitetura brasileira onde os arquitetos se depararam com o
desafio das propostas dos primeiros Congressos Internacionais de
Arquitetura Moderna – CIAM, La Sarraz (1928), Frankfurt (1929) e
Bruxelas (1930), que constituíram o espaço mínimo da moradia e a
racionalidade construtiva como o centro das preocupações da
arquitetura moderna a partir do final dos anos vinte. A riqueza
tipológica e urbanística conseguida por estes conjuntos e levantada
no escopo desta pesquisa, nos permite realizar tal afirmação.”
22
Na observação geral de alguns exemplos da produção habitacional
promovida pelo Estado no período, percebe-se uma grande amplitude de
referência de idéias sobre a atuação frente à cidade industrial. Pela filiação
corbusiana de nossa arquitetura moderna, ou pelo menos a filiação que a
historiografia de arquitetura mais divulgou, era de se esperar uma
configuração dos conjuntos habitacionais baseados nas experiências do tipo
CIAM, entretanto, fica claro um repertório maior, com analogias a propostas e
projetos residenciais, como apontadas por ARÍS (1991), que remetem a cidade
jardim e a cidade concentrada, e as respectivas relações entre espaço
público, privado e coletivo.
Como exemplos de projetos e obras que se destacam por equacionar
essas relações e ainda enfrentar os grandes desafios tecnológicos da época,
destacam-se:
22
idem.
51
Conjunto Residencial Várzea do Carmo (Glicério, São Paulo): Projeto
desenvolvido por uma equipe de arquitetos coordenada por Attílio Corrêa
Lima em 1938, para o IAPI. Propunha diferentes tipologias de 4, 10 e 11
pavimentos para alcançar o número previsto de 4038 unidades. Além da
grande escala, o projeto também visava a racionalização e a
estandardização das unidades com objetivo de reduzir custos.
Conjunto Residencial Operário em Realengo (Rio de Janeiro, 1942):
Projetado por Carlos Frederico Ferreira, chefe do Serviço de Arquitetura
do IAPI. Com várias tipologias, foi o primeiro conjunto de grande porte no
país (mais de 2.000 unidades habitacionais). Nele Frederico Ferreira pode
concretizar suas idéias sobre habitação, arquitetura e urbanismo na
concepção de várias tipologias. “Mais do que um projeto de moradia, o
conjunto representou a concretização de um projeto de vida, onde o
arquiteto procurou a modernização do homem através da modernização do
espaço.” (BONDUKI, 2001). Destacam-se neste conjunto, além da escala
inédita e teste de tipologias, a pré-fabricação de componentes e a
utilização de máquina de blocos de concreto no canteiro.
Conjunto Habitacional de Pedregulho (Rio de Janeiro, 1946): Projetado
pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy e promovido pelo Departamento de
Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal para abrigar
funcionários municipais. Do ponto de vista da arquitetura Moderna este foi
o Conjunto Habitacional que mais se destacou, com repercussão também
no exterior. O projeto, que compreende quatro blocos de habitação, com
260 metros de extensão, contendo 272 apartamentos de diferentes
tipologias, destaca-se pela forma sinuosa, pelo grande porte de sua
estrutura em concreto e pelos equipamentos agregados. (figura 12)
Entre muitos outros, dos quais ainda pode-se citar: Conjunto
Residencial Passo d’Areia do arq. Marcus Kruter, em Porto Alegre (IAPI,
52
décadas de 1940/50); Conjunto Residencial Japurá, arq. Eduardo Kneese de
Melo, em São Paulo (IAPI, décadas de 1940/50); Conjunto Residencial de
Deodoro, arq. Flávio Marinho Rego, Rio de Janeiro (FCP, década de 1950); etc.
A produção de Habitação “Social“ da FCP, dos IAPs e do Departamento
de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal não pode ser
compreendida fora do quadro da introdução da arquitetura moderna no país.
Ou seja, enfrentando toda sorte de dificuldades materiais (retardo da
produção industriai) e políticas (autoritarismo que também retardou políticas
sociais), uma parcela razoável dos arquitetos modernos absorveram o
modernismo objetivando “participar ao nível da construção” das mudanças
sociais como afirmou Kopp sobre o modernismo em geral.
Entretanto, o reconhecimento tardio que obteve demonstra uma
incompreensão das qualidades e potencialidades do próprio modernismo
brasileiro, ou da leitura que a historiografia tradicional fez da arquitetura
moderna brasileira, privilegiando mais as grandes obras institucionais, sedes e
instituições governamentais e mesmo a arquitetura unifamiliar.
As experiências relatadas e os objetivos propostos possuem como pano
de fundo, a articulação entre o sistema produtivo e às novas concepções de
moradia e de cidade elaboradas e exploradas pelo Movimento Moderno
(BRUNA, 1998). A consciência da necessidade do desenvolvimento da indústria
da construção para a solução da questão habitacional, conforme proposto no I
CIAM, é um legado perene, que orientou a atividade de vários arquitetos
modernos, que deve ser reavaliado na atualidade.
A produção de alguns arquitetos e o reconhecimento de algumas dessas
obras veio à luz em função de novas pesquisas. Mas vários arquitetos, ou
trabalhos de arquitetos reconhecidos, relativos à habitação social e a
industrialização, permanecem pouco desconhecidos. Um desses casos, de
arquiteto com uma obra emblemática, e pouco reconhecida, enquanto busca
de articulação entre arquitetura moderna e industrialização e racionalização
53
da construção, é fornecido por Eduardo Kneese de Mello e o projeto do
Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo – CRUSP - (1961).
Kneese era um dos arquitetos modernos brasileiro que atuou na
produção dos IAP, como no caso do Conjunto Vertical Japurá, já citado, e que
sempre defendeu a industrialização das construções.
“Apesar da falta de coordenação e da falta de uma política industrial
para a construção brasileira, em contexto no qual a experiência de
Brasília é um episódio isolado e mal aproveitado, Kneese seguiu
lutando e defendendo a causa da pré-fabricação, utilizando-se e
experimentando processos de racionalização e de pré-fabricação que
se faziam possíveis.”
23
O CRUSP (figura 13) é uma proposta de moradia estudantil, ainda que
incorpore uma visão social da inserção do estudante no mundo acadêmico,
não pode ser definido strictu sensu como habitação social, mas as questões
que integram o seu programa, a visão de projeto e de obra que agrega,
permitem correlacioná-lo a produção de habitação social.
Na sua construção foi realizada parcialmente a pré-fabricação de
elementos, o que significa que foi a experiência pioneira no Estado de São
Paulo em termos de grande escala de associação entre modernismo e
industrialização. Os prédios apresentam térreo livre, janelas contínuas e uma
organização funcional, procurava-se uma arquitetura vinculada à industria
(MONTENEGRO FILHO, 2007). O conjunto já foi bastante descaracterizado na
sua construção, porém ainda pode ser encontrado, paradoxalmente, no
edifício da Reitoria da USP algumas propostas do projeto original, tais como,
fechamento com placas e caixilhos modulados. Os outros edifícios, porém,
sofreram mudanças (na obra e posteriormente), como nas fachadas, sendo os
23
MONTENEGRO FILHO, R.A. de L.(2007); Pré-fabricação e a obra de Eduardo Kneese de Mello. Dissertação
(mestrado) – FAU, USP, São Paulo. pg. 157.
54
seus vêdos em alvenaria. No projeto, o fechamento da face sul (figura 14), foi
proposto com placas coloridas tipo Formiplac. Elas seriam garantidas contra
descoloração, o que eliminaria pintura. Em declaração do próprio arquiteto,
fica registrada a indignação pelas modificações que ocorreram a revelia do
projeto e seus significados, como o fechamento dos térreos, eliminando a
idéia original de pilotis e de suas possibilidades espaciais:
Figura 13 – Crusp – fachada sul e placas de cores diferentes.
Fonte: Roberto A.L.Montenegro Filho.
Figura 14 – Crusp – fachada
sul original
Fonte: R. A.L.M. Filho.
“(...) Embora aquele prédio tenha sido alterado arquitetonicamente, o
que eu não concordo, e o térreo que devia ter pilotis, aberto, era a
área de sombra, de descanso dos estudantes, tenha sido fechada, mas
o espaço aberto está aqui”.
24
O projeto do CRUSP foi válido pela tentativa de se implantar algo pré-
fabricado. Para os doze edifícios pensados inicialmente, o Fundo de
Construção da Cidade Universitária, optou por dividir a concorrência em duas
partes, sendo que o primeiro lugar (Ribeiro Franco S.A. Engenharia e
Construções) logrou o direito de construção de seis blocos com estrutura pré-
24
Kneese de Mello, E. (in Arquiteto) apud MONTENEGRO FILHO, R.A. de L.(2007); Pré-fabricação e a obra de Eduardo
Kneese de Mello. Dissertação (mestrado) – FAU, USP, São Paulo. pg. 163.
55
moldada, tendo o segundo lugar (Servix Engenharia Ltda.) o direito de
construir de maneira tradicional (MONTENEGRO FILHO, 2007). Mas, mesmo a
empresa que ganhou a concorrência para construir com estrutura pré-
moldada, parece que não detinha conhecimento para fazê-lo com
propriedade, como afirma o próprio Kneese de Mello:
“Mas eu acho que foi uma experiência feita com todos os erros porque
não existia uma oficina, não existia equipamento para a pré-
fabricação, era tudo improvisado na própria obra.”
25
Figura 15 – Foto aérea do Crusp incompleto.
Fonte: Roberto A.L.Montenegro Filho.
Figura 16 – Pilotis ainda abertos.
Fonte: R. A.L.M. Filho.
De todo modo, a experiência do CRUSP não conheceu uma
continuidade, nem de forma localizada, nem de forma genérica. Como já
visto, um conjunto de programas habitacionais ocorreu no período que se
inicia por volta de 1930, e prosseguindo até 1964, são eles: o IAP (Instituto de
Aposentadorias e Pensões), a FCP (Fundação da casa Popular, em 1º de maio
de 1946) e o DHP (Departamento de Habitação Popular). Em 1964, incluindo a
mudança no sistema de aposentadoria dos trabalhadores é criado o BNH
(Banco Nacional de Habitação). As motivações que deram origem ao BNH são
de várias ordens como salienta Marta Farah:
25
25
Kneese de Mello, E. (in Arquiteto) apud MONTENEGRO FILHO, R.A. de L.(2007); Pré-fabricação e a obra de
Eduardo Kneese de Mello. Dissertação (mestrado) – FAU, USP, São Paulo. pg. 169.
56
“As iniciativas estatais na área habitacional, por sua vez, mostravam-
se insuficientes para viabilizar uma produção em massa. Os programas
governamentais implementados a partir dos anos 30, no âmbito dos
Institutos de Previdência, da Fundação da Casa Popular e de Institutos
estaduais e municipais, estavam muito aquém da escala assumida pelo
problema habitacional. Por outro lado, no final da década de 50, estes
programas haviam praticamente entrado em colapso, diante das taxas
inflacionárias, as quais acabaram por comprometer os sistemas de
financiamento existentes”.
26
Com o BNH ocorreria uma inflexão na concepção de habitação, que
refletiria nos próprios empreendimentos. Buscou-se romper com a paralisia
do setor, estimulando-se a construção em larga escala de habitações (FARAH,
1992).
Mas, como sabido, a inflexão ocorrida deu-se em outros sentidos. O
BNH patrocinou empreendimentos problemáticos, caracterizados pela
homogeneidade arquitetônica, pela baixa qualidade construtiva, por
estimular a especulação imobiliária, ao criar núcleos habitacionais distantes
das malhas urbanas e, por conseguinte, encarecer a infraestrutura urbana,
dentre outras questões, afora, talvez coerente com seu perfil de banco,
financiar habitação para faixas de renda média e média-alta.
“Entre 1964 e 1986, período marcado pela ação do Banco Nacional da
Habitação (BNH), cerca de 4.300.000 habitações foram financiadas
pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), as quais representam
aproximadamente 28% da produção habitacional no período
considerando-se inclusive, a autoconstrução e os barracos da favela”.
27
26
Farah, Marta Ferreira Santos (1992); Tecnologia, Processo de Trabalho e Construção Habitacional. Tese (doutorado)
– FFLCH/USP – São Paulo. Pg.160.
27
Melo, Marcos André B.C. Estruturação intra-urbana, regimes de acumulação e sistemas financeiros da habitação:
Brasil em perspectiva comparada. Espaço e Debates, 31, p.37-51, 1990.pg.50.
57
O banco teve um período inicial, de 1964 a 1969, de legitimidade do
novo governo. A população até 3 s.m. de renda era o alvo preferencial de um
governo militar e dos agentes promotores do BNH, “demonstrando”
preocupação social e principalmente com moradias sociais (CASTRO, 1999).
Através da grande quantidade de construção, pôde-se ter experiências
variadas sobre habitação popular, e ainda nos anos 1970, tentou-se a
incorporação de novos métodos construtivos ao canteiro de obra (FARAH,
1992).
“(...)Tal iniciativa se deu no âmbito da promoção estatal, através da
construção de grandes conjuntos habitacionais para a população de
baixos rendimentos. No início da década, registraram-se algumas
experiências neste sentido, particularmente em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Tais experiências, no entanto, constituíram iniciativas
paralelas à orientação então predominante na política brasileira, a
qual, ao privilegiar a geração de empregos pelo setor, defendia a
manutenção da base técnica tradicional na atividade de construção”.
28
Em 1971 o BNH foi transformado em banco de segunda linha e passou a
atuar na retaguarda do sistema vinculado, como empresa pública, ao
Ministério do Interior (Lei n. 5.762/71) (CASTRO, 1999). E, em 1974, com os
primeiros sinais de desaceleração da economia brasileira, Farah (1992):
“Neste momento, ganharam importância, no âmbito dos
financiamentos concedidos pelo SFH, os programas de interesse social,
promovidos pelo Estado, os quais consistem predominantemente em
conjuntos habitacionais construídos por iniciativa do poder público”.
29
28
Farah, Marta Ferreira Santos (1992); Tecnologia, Processo de Trabalho e Construção Habitacional. Tese (doutorado)
– FFLCH/USP – São Paulo. Pg.161.
29
idem. Pg.169.
58
Entretanto, mesmo após a criação do BNH houve experiências
importantes como as patrocinadas pela CACEX (Cooperação Científica e
Técnica), cujos projetos de empreendimentos habitacionais eram permeados,
tanto pelas questões de organização espacial, como pelas questões relativas a
industrialização da construção, objetivando um menor custo das unidades
habitacionais. Parte dos pressupostos dos empreendimentos foram alcançados
e parte permaneceu em projeto.
“(...) o mercado acaba invalidando esforços de economia no espaço,
como ocorreu no Conjunto da CECAP ”Zezinho Magalhães” em
Guarulhos, onde a intenção era construir habitações para uma parcela
de menor poder aquisitivo. A ocupação foi distinta e em muitas
unidades descaracterizou alguns pressupostos do projeto”.
30
No caso, objeto deste trabalho, o Conjunto “Zezinho Magalhães” foi
concebido e construído no apogeu do debate sobre as condições em que se
daria o desenvolvimento nacional, e como decorrência de que forma se
desenvolveria a industrialização e, em particular, a industrialização da
construção civil no país.
O pano de fundo deste processo, que se iniciou com o governo Vargas,
em 1930, conheceu a partir da segunda metade da década de 1950 com a
política desenvolvimentista uma forte inflexão, expressa no Plano de Metas
do governo Jucelino Kubstcheck (1956-61). O primeiro grande trabalho de
planejamento econômico seria realizado pela Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos (1951/53) e o segundo pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL (1953/55).
Estruturando-se a partir dessas experiências anteriores e tendo como lastro
conceitual as elaborações da Comissão Econômica para o Desenvolvimento da
América Latina – CEPAL – O Plano de Metas parecia que iria tornar realidade
às propostas e anseios anteriores e surgia para os intelectuais progressistas
30
GITAHY, M. L. C.; PEREIRA, P. C. X. (org.) (2002) O complexo industrial da habitação econômica moderna, 1930-
1964. Editora RiMa. São Carlos, São Paulo. Pág. 46.
59
como um meio concreto de retirar o país do atraso tecnológico, industrial e
político, dando consistência às políticas industriais e às propostas, no caso da
arquitetura, que se espelhavam na industrialização.
Segundo Guido Mantega o Plano de Metas:
confirmava as áreas prioritárias da economia brasileira a serem
contempladas com o maior volume de recursos do Estado, já indicadas
desde a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Dessa forma, energia,
transporte e insumos básicos continuavam nevrálgicos para o
prosseguimento da acumulação industrial. Porém o Plano de Metas
distinguia-se dos seus fac-símiles à medida que punha em prática um
extenso programa de incentivos ao setor privado, combinado com a
atuação das instituições e empresas estatais, resultando na
mobilização de um volume inédito de recursos.”
31
O desenvolvimentismo do governo Kubstcheck talvez teve em Brasília a
sua maior expressão. Nova cidade, novo urbanismo consubstanciando as
promessas de modernização econômica e modernismo social. Entretanto, o
Plano de Metas engatilhou uma série de problemas econômicos e sociais que
tiveram o desenlace no golpe militar de 1964, encerrando um período,
marcado pelos governos de Jânio Quadros e João Goulart.
Após o golpe de 1964, e mesmo um pouco antes, surgiram críticas
sobre a correção da concepção do desenvolvimento brasileiro em repetir o
processo histórico dos países europeus e dos Estados Unidos e mesmo críticas
ao apoio, por parte de intelectuais progressistas, ao desenvolvimentismo que
compensava as insuficiências de uma política social com o populismo político
que mantinha os traços autoritários da sociedade brasileira.
Ou seja, do ponto de vista econômico, no Brasil as estruturas
produtivas modernas eram implantadas, mas não substituíam as arcaicas na
31
. Mantega, Guido, A Economia Política Brasileira, p.73.
60
sua totalidade, combinavam-se com estas, e em muitos casos dependiam
delas. A arquitetura moderna brasileira e seus vínculos com o processo de
modernização foi criticada por alguns arquitetos, basicamente Sérgio Ferro e
Rodrigo Lefèvre, por desconhecer a realidade do país, por se basear em
propostas de industrialização irreais, propostas de laboratório segundo
Lefèvre e, do ponto de vista social, por penalizarem o trabalhador no
canteiro, que tinha que suprir as carências tecnológicas da produção.
32
Neste Contexto, em 1967, deu-se o início da construção do Conjunto
Habitacional Zezinho Magalhães Prado” (ver capítulo 3). Os seus autores eram
fiéis ao programa desenvolvimentista e não aceitavam a hipótese de que o
desenvolvimento do país era diferenciado dos modelos anteriores. O Conjunto
foi concebido como um representante da aplicação da industrialização e pré-
fabricação em conjuntos habitacionais. Fica claro na sua proposta que os
arquitetos deveriam auxiliar o desenvolvimento nacional, estimulando no seu
setor, o da construção, a modernização industrial, conforme propunha
Artigas.
Localizado em Guarulhos (grande São Paulo), o conjunto é formado por
10 (dez) condomínios totalizando 4.680 apartamentos e conforme o censo
2000, a sua população é de 15.226 habitantes.
Ele evidencia uma orientação arquitetônica moderna e demonstra uma
construção integrada ao contexto da época, privilegiando uma parte dos
ideais, ainda que não fossem mais hegemônicos como na década anterior,
enfocando a industrialização e a pré-fabricação do sistema construtivo.
“A introdução de novos materiais e componentes na produção de
edificações teve inicialmente uma difusão restrita. Mas já assinalava a
incorporação pelo canteiro de obras de componentes industrializados,
32 Para as discussões sobre as concepções econômicas e políticas dos anos 1950 e 1960 ver Mantega, Guido, A
Economia Política Brasileira. Para o debate arquitetônico ver Buzzar, M. A. Rodrigo Brotero Lefèvre e a Idéia de
Vanguarda, Ferro, Sérgio, Arquitetura Nova.
61
tendência que seria reforçada a partir da expansão das atividades de
construção no final dos anos 60”.
33
Com a industrialização a dificuldade da construção passou para o
gerenciamento do complexo da construção, controlando a formação e o fluxo
de capitais, investindo em várias áreas, tais como, indústria de materiais,
pesquisa, normatização e formação tecnológica.
O Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado faz parte das
estatísticas do BNH, que financiou o conjunto juntamente com a CECAP, de
1967 até 1981, como já visto anteriormente (citação 27), nesse período o BNH
financiou cerca de 4.300.000 habitações.
33
Farah, Marta Ferreira Santos (1992); Tecnologia, Processo de Trabalho e Construção Habitacional. Tese (doutorado)
– FFLCH/USP – São Paulo. Pg.153.
62
63
CAPÍTULO 3
A CECAP e o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado.
O Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado foi escolhido como
estudo de caso desta dissertação por ser um ícone da Arquitetura Moderna no
Brasil. Os conceitos inovadores que foram aplicados e sua forma revelam
alguns índices de industrialização na construção. Neste capítulo pretende-se
mostrar a realidade das questões que envolveram essa grande obra iniciada no
final da década de 1960 e concluída em 1981, que teve como protagonistas
expoentes da arquitetura nacional e do debate político-cultural.
Para a análise feita, nos valemos dos conceitos apresentados
inicialmente e da discussão sobre a arquitetura moderna em geral e da
arquitetura moderna brasileira e suas relações com a política e o
desenvolvimentismo apresentada nos capítulos anteriores.
Um dos nomes pelo qual o Conjunto é conhecido é Parque CECAP.
Iniciamos a nossa análise justamente pela explicitação deste órgão estadual,
essencial para a intelecção do processo, a CECAP.
A CECAP
A CECAP (Caixa Estadual de Casas para o Povo) autarquia
1
criada em
1949, por Adhemar de Barros (FICHER, 1972) para desenvolver programas de
política habitacional no Estado de São Paulo, em seus primeiros 18 anos de
existência havia construído 40 (quarenta) habitações populares (PENTEADO,
2007).
A CECAP era um órgão da administração pública com certa autonomia
financeira, cujo objetivo era construir e vender casas para os trabalhadores
sindicalizados. Os critérios de habilitação para as moradias eram: menor
1
Na administração pública brasileira, uma autarquia é uma entidade auxiliar da administração pública estatal
autônoma e descentralizada. Seu patrimônio e receita são próprios, porém, tutelados pelo Estado
. O Decreto-Lei nº
200 de 1967, no seu artigo 5º, inciso I, define autarquia como "Serviço autônomo criado por lei, com personalidade
jurídica de direito público, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública,
que requeiram para seu melhor funcionamento gestão administrativa e financeira descentralizada"
(http://pt.wikipedia.org).
64
salário, maior número de filhos menores, ser sindicalizado, tempo de
sindicalização e maior tempo na Grande São Paulo (REVISTA DESENHO 4,
1972).
Em 1966 Zezinho Magalhães Prado é empossado superintendente da
autarquia (PENTEADO, 2007)
2
e implementaria uma dinâmica inusitada, para
qual concorreu a nomeação como seu assessor o arquiteto Ruy Gama
(PUNTONI, 2007)
3
. Este teve influência na decisão de chamar os arquitetos
Vilanova Artigas e Fábio Penteado, que posteriormente chamariam Paulo
Mendes da Rocha, para coordenarem o projeto de um grande Conjunto
Habitacional em Guarulhos. Note-se que naquele momento, em plena ditadura
militar, Artigas já era uma personalidade política de esquerda reconhecida,
que não havia ainda sido cassado como professor da FAUUSP, mas que era alvo
de inquisições por parte do aparelho repressivo do Estado.
Em 18 de dezembro de 1975 a CECAP tem a sua nomenclatura alterada
para Compainha Estadual de Casas Populares e é desativada em 1980. Assim
todos os direitos foram passados para a Companhia do Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU), sendo lá encontrados os dados remanescentes
daquela época.
Guarulhos e o Bairro Parque CECAP
O Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, ou Parque CECAP,
pela sua grandiosidade, acabou dando nome ao bairro (Parque CECAP) está
localizado em Guarulhos, no nordeste da Região Metropolitana de São Paulo
(figura 17), sendo um dos 39 municípios que a integra. Situa-se no eixo
Rio/São Paulo, a 19km da capital (ISSAC, 2007).
2
Entrevista de Fabio Penteado a autora em 09/03/2007.
3
Entrevista de Vespasiano Puntoni a autora em 17/07/2007.
65
Figura 17 – Localização do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado/Parque CECAP;
Fonte: Solimar Mendes Issac.
“Estrategicamente posicionado entre o eixo Rio/SP, o município de
Guarulhos foi escolhido para a implantação de equipamentos de
impacto regional tais como: o Aeroporto Internacional de São Paulo –
Guarulhos (inaugurado em 1985 e com a terceira pista em fase de
projeto), Rodoanel, Dryport, o Parque Ecológico do Tietê e o Parque
Estadual da Cantareira”.
4
Pela figura 17, vemos que a área do terreno destacada (cor ferrugem),
faz divisa com o Rio Baquirivú, o Aeroporto Internacional de Cumbica e a Base
Aérea, além de ter a Rodovia Presidente Dutra (figura 17 – vermelho) e a
Avenida Perimetral (figura 17 – amarelo) margeando-a e um pouco mais
afastada a Rodovia Ayrton Senna da Silva (figura 17 – rosa). Cabe registrar que
à época o Aeroporto (enquanto equipamento de uso civil) era uma
possibilidade e a Avenida Perimetral e a Rodovia Ayrton Senna da Silva não
haviam sido implantadas.
4
ISSAC, S.M. (2007); Parque CECAP Guarulhos: transformação urbana. Dissertação (mestrado) – FAU, USP, São Paulo.
p.15.
66
Área do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado
O terreno era de propriedade da Caixa Econômica do Estado de São
Paulo (CEESP) (figura 18) com cerca de 1.780.000 m
2
. Em 23 de agosto de
1967 houve um processo de desapropriação amigável movido pela CECAP
contra a CEESP, originando a transcrição de nº 19.403 (ISSAC, 2007).
A área foi utilizada em sua totalidade para o projeto inicial do conjunto
habitacional, porém, como será visto a diante, este não foi construído na sua
totalidade. Na parte do terreno à direita da Rodovia Presidente Dutra não
houve qualquer tipo de construção, e na área à esquerda da rodovia foram
construídos parte dos blocos habitacionais e parte dos aparelhos coletivos.
Sylvia Ficher, em 1972, estagiária da CECAP, fez um relato muito
interessante sobre o terreno, corroborando e reforçando as bases de projeto
que sedimentavam a implantação do conjunto e a implantação das edificações
sobre pilotis:
“A área do terreno é de 180ha e sua conformação topográfica
apresenta relevo pouco acentuado, predominando a várzea do rio
Baquirivu, afluente do principal curso d’água da Região Metropolitana
que é o Tietê. A natureza do terreno particularmente das camadas
superficiais turfosas, aliada à condição do relevo, foram dados muito
importantes para elaboração do plano urbanístico e dados técnicos da
análise do solo influenciaram sobremaneira às técnicas e construtivas
dos edifícios previstos. Todos os edifícios habitacionais se apóiam em
pilotis, do que resulta melhor condição técnica em função do tipo do
solo e maiores vantagens econômicas, liberando a camada superficial
para a circulação dos pedestres e recreação infantil”.
5
5
FICHER, S. (1972); Subsídios para um Estudo do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado. Monografia de
conclusão de curso (TCC). FAU-USP.
67
Figura 18 – Matrícula de 1.780.000 m
2
– Terreno Incial CEESP;
Fonte: Solimar Mendes Issac.
Dados de Projeto
No Debate sobre o Conjunto realizado na FAUUSP em 1968, e publicado
em 1972 na Revista Desenho 4, há uma descrição sintética do projeto,
conforme a tabela 01, que se aplica apenas à primeira fase, pois foi uma obra
muito longa que passou por transformações em cada fase da obra. O
superintendente, quando do debate, havia sido mudado em função do
falecimento de Zezinho Magalhães Prado, no seu lugar entrou Juvenal
Juvêncio.
Como pode ser observado na tabela 01, além dos arquitetos citados
acima, existe a participação de muitas pessoas envolvidas no processo de
projeto e de construção.
68
Tabela 01
6
– Dados de projeto do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado.
Descrição Projeto Fase
Moradias 10.680 unidades
População prevista 55.000 habitantes
Terreno 180 ha
Descrição habitações edifícios de 3 andares sobre pilotis,
organizados em Freguesias (32 edifícios)
Serviços Coletivos 8 grupos escolares,3 ginásios,
1 escola industrial, 1 hospital geral,
Pronto-socorro ambulatório,
Centro de saúde, Posto de puericultura,
Estádio para 10.000 pessoas, 2 cinemas,
Hotel, Teatro, Comércio próprio, Igreja,
Clube, Entreposto de Abastecimento,
Caixa d’água e Gasômetro.
Coordenação do Projeto João Vilanova Artigas
Fábio Penteado
Paulo Mendes da Rocha
Arquitetos que trabalharam
no Projeto
Arnaldo Martino
Renato Nunes
Ruy Gama
Giselda Cardoso Visconti
Geraldo Vespasiano Puntoni
Estudos Sócio-econômico CEMACO (Eugênia Paesani)
Pesquisa do Sistema
educacional
Celso Lamparelli
Maiumy Souza Lima
Alice Gonzaga
Sistema de Abastecimento PROAGRI
Cálculo Estrutural José Carlos Figueiredo Ferraz
José Antônio Del Nero
José Almeida Castanho
Engenharia Hidráulica e
Sanitária
PLANIDRO
Instalações Elétricas e
Hidráulicas
Henrich Zwilling e Cia. Ltda
Orçamento e programação da
obra
L. Falcão Bauer Ltda
Geologia Stelavio Ranzini
6
Não estão nesta tabela todos os nomes das pessoas que trabalharam no projeto e sim as pessoas que foram
contratadas para o projeto, muitos colaboradores eram funcionários públicos transferidos do extinto DOP para a
CECAP, dentre eles, Ruy Gama, Giselda Visconti e Geraldo Vespasiano Puntoni.
69
A idéia inicial do conjunto foi fazer moradias agrupadas em 6 setores
denominados freguesia, sendo que cada setor teria um raio de 150m, uma
escola e pequeno comércio para o cotidiano, portanto pode ser verificada a
idéia moderna de unidade de vizinhança, ou superquadra. O serviço de
transporte proposto atravessa o conjunto de forma tal, que passa igualmente
a 150m de cada moradia.
Cada lâmina é composta por 3 andares sobre pilotis, sendo o bloco
formado por dois edifícios interligados por um jardim sombreado onde se
localizam as escadas de acesso, cada uma servindo a 12 apartamentos.
O apartamento, com 64m
2
de área, teria como característica uma
planta de uso flexível, a fim de permitir a cada morador várias hipóteses de
adaptação, segundo os hábitos ou o tamanho da família (FICHER, 1972). O
equipamento hidráulico e de serviços do apartamento está concentrado em
uma faixa do bloco que compõe a cozinha, o banheiro e a lavanderia.
Alguns dos dados acima podem ser vistos na implantação no terreno
(figura 19) mostrada a seguir, tais como os blocos de edifícios e os serviços
coletivos.
Para melhor entendimento, seguir a legenda: (1) Habitação (azul); (2)
Comércio da Freguesia (amarelo); (3) Comércio Central (magenta); (4) Centro
Educacional (rosa); (4A) Ensino Técnico (rosa); (5) Hospital (cinza); (5A)
Centro de Saúde (cinza escuro); (6) Igreja (laranja); (7) Teatro de Arena
(roxo); (8) Esporte (verde); (9) Centro de Abastecimento (verde claro); (10)
Piscina (roxo escuro); (11) Caixa d’água (vermelho).
70
Figura 19 – Implantação do todas as construções no projeto de 1967.
Fonte: Revista Desenho 4.
Figura 20 – Implantação do projeto completo de 1967 na malha urbana atual de Guarulhos.
Fonte: Solimar Mendes Isaac.
71
Na figura 20, podemos ver como seria a implantação do projeto na
malha urbana atual de Guarulhos, caso o conjunto tivesse sido implantado na
sua totalidade.
Conceitos Aplicados ao Projeto
Figura 21 – Edifícios da primeira fase de construção.
Fonte: Revista Desenho 4.
Como podemos ver na figura 21, algumas das soluções utilizadas são
bem nítidas, configurando o conjunto, tais como os pilotis, edifícios em forma
de lâminas em quatro pavimentos (térreo mais três pisos), janelas horizontais
que cortam toda a fachada, o bloco sem cobertura aparente, distância entre
edifícios respeitando a entrada de raios solares de forma adequada em todos
apartamentos. Nessas soluções transparecem conceitos claros da arquitetura
moderna, porém outros conceitos, não tão explícitos, são também
observados, como a planta das unidades, de 64 m
2
(figura 26), totalmente
racionalizada com o mínimo de espaço possível perdido para a circulação,
paredes internas na forma de divisórias com 9 centímetros de espessura, os
72
armários como caixas que avançam nas fachadas, possibilitando maior espaço
interno.
Um dos objetivos que foi mais perseguido em toda a obra, talvez o fio
direcionador de tudo, que deveria validar o paradigma da industrialização e
da racionalização da construção civil, foi à redução do custo da obra. Como
diz Ficher
7
, foi aplicado em vários pontos diferentes, como por exemplo:
redução de consumo de concreto: (-37%) e espessura da parede 9,4cm;
redução nos condutos d’água: pois foi escolhido a entrada direta da
água da rua, sem caixas d’água nos blocos;
solução racional dos pisos: sem contrapiso;
eliminação de baldrames: a amarração dos pilares foi feita direto no
primeiro pavimento;
caixilhos: grande quantidade de caixilhos da mesma especificação, e;
armários: necessário apenas a colocação de portas.
No Debate realizado na FAUUSP em 1968, os arquitetos autores
expuseram o projeto e explicaram alguns dos conceitos usados. Abaixo um
trecho da explanação de Ruy Gama, que nesse processo cumpriu um papel
intermediário entre a CECAP e os arquitetos:
“A CECAP então se propôs a elaborar um projeto para aproveitamento
de área no Município de Guarulhos, próximo ao aeroporto de Cumbica
que pudesse capitalizar toda experiência obtida no nosso trabalho
anterior, contando ainda com arquitetos de fora do serviço público e
apresentar uma solução que pudesse realmente estar de acordo com
7
FICHER, S. (1972); Subsídios para um Estudo do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado. Monografia de
conclusão de curso (TCC). FAU-USP.
73
as necessidades dos trabalhadores da região metropolitana de São
Paulo, e que pudesse expressar aquilo que fosse possível obter de
melhor em matéria de projeto e de planejamento”.
8
Nesse trabalho, um dos diferenciais foi mesmo a relação entre projeto
e planejamento. O planejamento racional informa o projeto e organiza a
relação entre o projeto (concepção) e obra (produção), tornando a prática do
arquiteto, ou do construtor em termos genéricos, uma prática racional, quase
científica, extirpando os aspectos intuitivos do projeto e da obra. Cada
detalhe foi trazido ao papel antes de ser colocado em prática, o que
assegurou um resultado superior em relação à maioria das construções de
conjuntos habitacionais.
Um dos coordenadores gerais do projeto, Fábio Penteado, que em
função das limitações que Artigas acabou sofrendo por conta de sua
militância de esquerda, acabou exercendo o papel de gerenciador por parte
dos autores, expôs no Debate o conceito urbano-paisagístico do projeto:
“O conceito básico adotado no plano, foi à abertura de áreas, as mais
generosas possíveis e nos entornos desta área a colocação, de maneira
compacta, daquilo que no nosso projeto passou a se chamar de
freguesia. Resulta num conjunto de soluções apoiadas nos 150m. Estes
150m resultam num centro de abertura da freguesia para um espaço de
comércio e outras utilizações, cada uma delas por sua vez, se comunica
com um grande espaço aberto que é a área para onde convergem todos
os movimentos”.
9
Outro trecho importante do debate é quando Paulo Mendes da Rocha
expõe a preocupação com os moldes brasileiros de habitação, mas,
sobretudo, a preocupação com a proposta construtiva e as suas motivações:
8
Revista Desenho nº 04 – Debate CEB 1968.
9
idem.
74
“Um dos aspectos mais interessantes é o problema ligado à viabilidade
do projeto em relação à sua qualidade como casa, como habitação de
uma faixa de população de determinado poder aquisitivo, limitada e
conhecido (...) o projeto foi então visto de forma a ser executado
dentro de uma técnica de concreto armado com perspectiva de
aproximação à pré-fabricação, e da pré-moldagem (...) em relação aos
edifícios em si, o projeto foi pensado de maneira que pudesse dar uma
condição de habitabilidade e que fosse ao mesmo tempo razoável em
relação aos costumes, ao que é molde do povo brasileiro.”
10
A “aproximação” com a pré-fabricação e a pré-moldagem, isto é, com
processos que implicam na industrialização da construção, reafirmando a
prática racional do fazer arquitetônico, aparecem possibilitando, em termos
técnicos, um morar mais qualificado (habitabilidade), irmanado com o morar
em termos subjetivos (costumes do povo brasileiro).
Articulando o “fio condutor” Paulo Mendes da Rocha fez uma
declaração sobre a questão da economia geral da obra, que ganha o status de
economia social:
“O problema do custo, da economia, da viabilidade de um projeto
como este, apresenta aspectos da ordem do que seria uma economia
social, no caso. Nós poderíamos dar a vocês dados, que se encontram
no corrente dos projetos racionalmente feitos, porque são fatias
dentro da exigüidade da área, o problema da casa de 70m
2
, o volume
de concreto armado, a técnica adotada, tudo enfim me parece já
bastante discutido e conhecido por nós”.
11
É importante observar como os “projetos racionalmente feitos”
articulam uma “economia social”. Ainda que o trecho não cite, mas
10
Revista Desenho nº 04 – Debate CEB 1968.
11
idem.
75
ordenando estas noções com as presentes nas outras declarações, fica claro,
que o projeto do Conjunto é apresentado como a expressão do paradigma de
um modo de ver a racionalidade produtiva, vinculada aos processos
industriais, propiciando melhorias sociais.
No trecho, especificamente, além da questão do espaço da unidade,
fica subentendida a opção em propor unidades multifamiliares, e não várias
unidades habitacionais unifamiliares, em função do ganho no espaço físico, ou
seja, economia do tamanho do terreno. Isto porque, já naquela época, os
efeitos da especulação imobiliária já se faziam sentir na Grande São Paulo. A
preocupação social vinha também por ser um projeto pré-fabricado, ou seja,
com possibilidade de ser reproduzido em grande escala.
No debate, Artigas também discorreu sobre o assunto da economia
versus a opção pela industrialização. Note-se que esta discussão é
fundamental, pois no debate entre Artigas e companheiros frente às posições
de Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, devia-se comprovar que a proposta de
execução do empreendimento a partir de pré-moldados de concreto havia de
se mostrar competitiva em relação ao uso de técnicas tradicionais. Assim
Artigas afirmou:
“Digamos que fosse colocado para nós, o problema de um
apartamento de 64m
2
, representa em área, um tamanho quase
exagerado com relação à média universal que se dá para uma família
de 5 pessoas. Nas condições brasileiras eu acredito que não deva ser
menor porque certamente haverão acumulações maiores numa boa
parte dos apartamentos. Mas atingir um preço que pudesse ser
acessível em termos de prestação, corresponderia a propor essas
estruturas de construção com tal critério de escolha de preço, o que
agrava o problema de maneira extraordinária. Foi preciso propor um
processo de construção no qual podemos fazer este edifício com
espessuras médias de 9cm de concreto armado; foi preciso também
modificar a estrutura de fornecimento de água, foi preciso ir ao
76
aspecto que nos levaram a projetar um tipo de fogão e ver como era
possível arranjar uma geladeira”.
12
Ou seja, frente às críticas à vinculação da arquitetura com o
desenvolvimentismo, a crença de que o Brasil repetiria o processo histórico
dos países avançados e de que a industrialização, extirpando os traços
arcaicos na produção, iria possibilitar um futuro social mais justo, Artigas e os
demais arquitetos do projeto radicalizaram as propostas de uma arquitetura
“industrializada”, chegando a elementos que, se em tese estavam presentes
no fazer do arquiteto, que deveria projetar do garfo à cidade, na prática
ficava restrito ao edifício, até então.
As soluções construtivas foram confrontadas com a dificuldade de se
fazer uma planta para a diversidade de tipos de famílias. Mas junto com a
diversidade, havia a qualidade. Como se fazer um espaço adequado aos
moldes brasileiros? No trecho a seguir, Mendes da Rocha apresentou a
explicação desse ponto:
“Em relação aos edifícios em si, o projeto foi pensado de maneira que
pudesse dar uma condição de habitabilidade e que fosse ao mesmo
tempo razoável em relação aos costumes, ao que é molde do povo
brasileiro. Na casa procurou-se integrar da maneira mais natural
possível o espaço, de modo que ele pudesse render ao máximo. Como
beleza do espaço interno, esses lugares foram também relacionados
aos edifícios, assim como as áreas de circulação, as áreas de acesso,
as áreas voltada para sala, pudessem estar dentro de uma atmosfera
de luz controlada e a face dos quartos com uma insolação aberta para
o exterior. Isto dá ao bloco uma dimensão mais razoável”
13
.
12
Revista Desenho nº 04 – Debate CEB 1968.
13
idem.
77
Figura 22 – Vista da montagem pré-moldada do projeto totalmente industrializado.
Fonte: Sylvia Ficher.
Figura 23 – À cima, o espaço interno entre os
edifícios em 2007.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 24 – À esquerda, o espaço interno entre
os edifícios em 1972.
Fonte: Revista Desenho 4.
78
Nas figuras 23 e 24, é possível observar esse “clima interno” que é todo
voltado para as salas, e em visita ao conjunto pôde-se observar e constatar
que esta foi uma solução interessante, diante das relações visuais que outras
opções de orientação deste cômodo poderiam promover. Na figura 25,
podemos observar que os blocos ficaram com uma dimensão razoável que,
pela quantidade, produzem uma volumetria agradável ao olhar.
Figura 25 – Lado externo dos edifícios da freguesia F em 1972.
Fonte: Revista Desenho 4.
Os pilotis foram previstos para liberar o solo e estes espaços criados,
inicialmente, foram utilizados para atividades eventuais, como a recreação e
circulação livre. O projeto agregava, assim, um elemento paradigmático do
modernismo brasileiro e internacional.
Vilanova Artigas, o arquiteto de visão global sobre o empreendimento,
explica o verde no contexto do conjunto:
79
“Urbanismo progressista, idéias que foram trazidas para o Brasil da
metrópole cultural, no caso quase sempre a França. O verde para a
solução progressista é um pano de fundo onde se distribuem
atividades humanas”.
14
Interessante notar a complementaridade entre a fala de Penteado
(anteriormente apresentada) e a de Artigas. A idéia que Penteado expressa é
de núcleos compactos, ao que parece, com certa aproximação com os
conceitos derivados da noção de “coração da cidade” (cuore), principalmente
se pensarmos nas segundas e terceiras gerações de new towns inglesas. Nelas
o verde, as áreas livres, deixam de estar entremeadas com o núcleo urbano e
as moradias, compondo, como Artigas cita, um grande pano de fundo. Assim,
há a informação tipicamente moderna das unidades de vizinhança, mas há
também a absorção de discussões mais próximas, que auxiliaram a renovação
do pensamento urbanístico na segunda metade do século XX.
Figura 26– Planta da unidade habitacional.
Fonte: Revista Desenho 4.
14
Idem. Ver BUZZAR (1996).
80
Novamente é preciso retomar o pano de fundo da discussão sobre as
possibilidades do desenvolvimento industrial no país e o papel dos arquitetos
nesse processo. As declarações dessas três principais figuras são típicas de um
esforço em tornar crível a industrialização da construção no Brasil, mas,
sobretudo, tornar o processo de industrialização, um Processo Nacional,
porque trás benefícios para o povo; tanto em termos econômicos – moradias
mais baratas, permitem uma produção maior, portanto, incidindo
positivamente em relação ao déficit habitacional, como em termos de bem
estar físico e social – habitabilidade e costumes. A tarefa que se propunham
era a de, como arquitetos, auxiliar o país a trilhar o rumo da industrialização,
desenvolvendo o seu campo específico de conhecimento, o da construção,
fazendo da arquitetura um instrumento indutor da racionalização construtiva,
articulando projeto e obra.
O projeto nacional desenvolvimentista era muito criticado por vários
grupos de esquerda, principalmente, após o golpe de 1964. A industrialização
não se efetuara como esperado, extirpando o arcaísmo na produção e social,
a dita burguesia industrial parecia não estar em desacordo com os rumos do
regime militar e os trabalhadores continuavam explorados e sem moradia
digna. Renovar os ideais do projeto nacional desenvolvimentista - libertação
nacional frente ao imperialismo, binômio democracia e desenvolvimento, por
exemplo - exigia um aprofundamento das idéias nacionalistas anteriores. As
produtivas como vimos e as ideológicas.
Estas se estendiam na noção de trazer para a conceituação do projeto
termos locais, do passado colonial na definição de um território que passava a
ser gerido, retirado da natureza. Ainda em declarações de Artigas, ele explica
o porquê de usar uma palavra como Freguesia em vez de vizinhança e até o
nome de Estados do Brasil colocados nos dos condomínios:
81
“(...) a medida que procuramos criar bases para um urbanismo que
pudesse ter raízes nossas, arranjar palavras que o caracterizassem
com menos aspectos abstratos, com algum conteúdo cultural
brasileiro.”
15
Por tudo que foi visto, o debate foi muito mais do que uma
“apresentação do projeto” foi um palanque de defesa de uma posição de
como fazer arquitetura naquele momento. Por vezes, a compreensão do
conjunto das questões que o debate revela, se dá nas suas entrelinhas. Dele
participou Cândido Malta, que em determinado momento postulou a
flexibilização dos espaços internos das unidades através de painéis móveis.
Para Rocha isso soou como uma defesa da participação dos moradores na
obra, tendendo à participação, ou delegação do fazer arquitetônico ao
trabalhador na obra, ou algo parecido, que integrava as idéias de Ferro e
Lefèvre, associada à utilização de técnicas e materiais convencionais. Sendo
assim respondeu:
“Eu não posso concordar com você: ficou claro, do que você disse,
que esta liberdade possa ser entendida como o carregar paredes, de
jeito nenhum, inclusive a própria técnica não é deste nível. As
paredes que se encontram nas obras pesam toneladas. Não se trata
disto. Não é neste nível individualista que nós temos essa liberdade.
Eu confesso que me comove saber que certas obras refletem essa
liberdade, mas eu acho que não está bem interpretado por você. Não
é uma liberdade de se confeccionar o seu espaço no sentido – por mais
que você tenha feito a ressalva – do decoro. São imutáveis as paredes
quando elas pesam mais de 400 quilos. É uma visão de desordem total
a que você coloca no arranjo do espaço da família, ainda mais que
estamos discutindo um plano que envolve aspectos de uma ligação
com uma estrutura muito maior, um grupo social de milhares de
pessoas, em que a unidade deveria ser um dado harmonioso em
15
Idem. Ver BUZZAR (1996).
82
relação ao todo, mas o importante é o resultado obtido com a
execução do todo, muito mais do que este detalhe. É uma visão
levada ao plano da satisfação individual e de configuração do espaço
individual num sentindo muito imediatista. O espaço que nós tratamos
é um espaço de consciência universal, é uma liberdade ao nível de um
projeto universal e não particular”.
16
Independente da fala de Cândido Malta, as respostas revelam a defesa
da arquitetura moderna vinculada aos processos de industrialização e o papel
do arquiteto como o articulador da racionalidade produtiva. O ganho social,
como informa a Declaração de La Sarraz, viria pela racionalidade
(projeto/planejamento). As propostas que não entendiam esta relação, ou
que dela divergiam eram imediatistas e particulares, não percebiam o
conjunto das questões, o projeto universal e histórico, de progresso social
que o desenvolvimento industrial embutia.
Construção do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado
O Conjunto foi construído basicamente em cinco fases, mas
consideraremos três grandes etapas, que são as que guardam diferenças entre
algumas características, sendo necessárias licitações diferentes das cinco
fases. A cada licitação que foi realizada eram efetuadas inovações e/ou
correções a partir de estudos da fase anterior, corrigindo o que não tivesse
êxito. Desta forma os projetos sofreram reformulações contínuas.
Porém, algumas soluções construtivas do conjunto foram
mantidas em todas as etapas de obra, como por exemplo: (1) as fundações
(figura 29) que são de estacas agrupadas em duas ou três através de um bloco
de amarração, sendo que este serve como base para os pilotis, tanto mais
esbeltos na primeira etapa, quanto mais robustos da segunda e terceira
16
Revista Desenho nº 04 – Debate CEB 1968.
83
etapa;
17
(2) as instalações hidráulicas (figura 31) e sanitárias, que são
totalmente concentradas nas paredes entre unidades, com uma ramificação
para a pia da cozinha; (3) Instalações elétricas e de gás, sendo a previsão da
tubulação de gás uma inovação para época, uma vez que naquele período não
havia gás encanado na região; (4) Cobertura (figura 32) com laje pré curada
com água e coberta com argila expandida para manter a umidade; (5)
Divisórias dos apartamentos foram feitas com estrutura de madeira e divisória
de material gesso, sendo 1 cm de gesso de cada lado (ISSAC, PENTEADO
18
,
2007), apenas na fase I se foi tentado a utilização de blocos do tipo Siporex,
sem sucesso (SAVIOLI, 2007)
19
; (6) Projeto do canteiro entre blocos (figura
30), sendo que a parte verde dos condomínios foi cuidada pelos próprios
moradores, pois unidades foram entregues sem qualquer tipo de vegetação.
Figura 27 – Montagem das estrutura de
madeira que sustentam o gesso.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 28 – Divisórias de gesso.
Fonte: Arquivo CDHU.
17
Para Fernando Gonçalves : “havia umas inovações importantes, principalmente estrutural, os prédios sem
baldrame, eles tinham uma concepção que as próprias vigas na verdade travavam os três andares”. Em entrevista do
engenheiro Fernando Gonçalves a autora em 05/04/2007.
18
Entrevista de Fábio Penteado à autora em 09/03/2007.
19
Entrevista de Mário Savioli à autora em 05/04/2007.
84
Figura 29 – Fundação do tipo estaca, amarrada com bloco de concreto, base dos pilares.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 30 – Canteiro entre blocos.
Fonte: Arquivo FAU-USP (Fundação Artigas).
85
Figura 31 – Detalhe
da parede
hidráulica entre
unidades
habitacionais.
Fonte: Arquivo
CDHU.
Figura 32 – Cobertura
de laje com argila
expandida mantida
coberta com água.
Fonte: Fabiana
Cerávolo..
86
1ª ETAPA
Figura 33 – Localização da
1
a
Etapa.
Resumo da 1ª Etapa
Condomínios São Paulo, Santa Catarina
Paraná e Rio Grande do Sul
Blocos 30
Unidades Habitacionais 1800
Fase I e II
Período 1968 a 1972
A primeira etapa foi subdividida em duas fases (I e II) de implantação:
“Em 1970 foi posta em concorrência a construção de ¼ de freguesia,
ou seja, oito edifícios para serem feitos pelos métodos construtivos
convencionais. Esses edifícios serão acabados ainda este ano, já está
pronto e será publicado na próxima semana edital de concorrência
87
para a construção do restante dessa freguesia (24 edifícios e um bloco
de comércio da freguesia)”.
20
Para a primeira fase de construção (da primeira etapa), foi apresentado
o projeto completo executivo. O BNH, porém, liberou recursos para serem
construídas apenas 480 unidades distribuídas em 8 blocos, o que equivale a ¼
de uma freguesia. Como relato importante desse processo, em 1972, o
arquiteto colaborador do projeto Alfredo Paesani, relatou a situação do
conjunto no mesmo ano, ao final da 1ª fase:
“O setor que nestes dias está sendo ocupado pelos moradores é
composto de 480 unidades, o que representa 5% do total previsto para
todo o conjunto. Já foram executados também, o sistema viário de
acesso, as redes gerais de água, esgoto, águas pluviais e energia
elétrica dos entornos do setor entregue.”
21
Mas o mais significativo presente no relato anterior de Ficher é a
afirmação de que os edifícios da primeira fase foram executados segundo
métodos construtivos convencionais. Assim, em que pese todas as idéias e a
defesa das concepções industrialistas e da utilização da pré-fabricação, a
execução divergiu da concepção original e se deu, como na maioria absoluta
das obras habitacionais naquele período, sob a égide da utilização de mão de
obra barata da forma mais extensiva, que inibia e contra-estimulava a
disseminação da pré-fabricação. Sobre esta questão o depoimento de
Penteado é significativo, tanto das expectativas, como do ocorrido. Segundo o
arquiteto, o projeto:
20
FICHER, S. (1972); Subsídios para um Estudo do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado. Monografia de
conclusão de curso (TCC). FAU-USP.
21
Revista Desenho nº 04 – Debate CEB 1968.
88
“(...) foi pensado pré-moldado inteiro, mas também por uma fantasia
ou poesia, foi feito o projeto, calculado todo para pré-moldado, custou
uma fortuna o contrato do projeto de estrutura pré-moldada. É mesma
coisa, primeiro, não fazia parte e ainda hoje não faz parte da cultura,
na época que a gente construiu. Segundo, se você faz uma usina e faz
aquela obra CECAP, aí joga fora a usina, porque não teria outra pra
fazer, o custo disso era tão grande que não foi, a única coisa pré-
moldada lá foram feitas as escadas e alguns componentes. Que hoje
você encontra em qualquer parte do Brasil, São Carlos, Campinas, todo
interior do Brasil, o cara já faz uma escada de um prédio pré-moldada,
já existe uma facilidade de mão-de-obra em tudo quanto é lugar, é só
isso. Foi feito o projeto mas não foi usado!”
22
Explicitando, Penteado citou detalhes da construção executados pelo método
tradicional ou convencional:
“Blocos de concreto. E as divisórias em gesso. O piso, por exemplo, foi
estudado. Tinha uma empresa no Rio de Janeiro, claro que havia pisos
de rolo, tipo Paviflex, permitia que você colocasse sobre o concreto o
material, mas é de baixa durabilidade.”
23
Ainda sobre a questão, mas também discutindo a contribuição maior do
projeto, no caso, o incentivo imaginado à indústria da construção, Penteado
completou:
“(...) A tentativa de transformar, quando você me perguntou, qual era
o interesse de fazer, a contribuição que esse projeto poderia dar em
tudo, na indústria da construção, por exemplo, eu
22
Entrevista de Fábio Penteado à autora em 09/03/2007.
23
Idem. Aqui há uma pequena contradição. Questionada sobre as divisórias a arqta. Maria Giselda Cardoso Visconti
afirmou: “Na primeira etapa foram utilizadas divisórias de fórmica e nas outras placas de gesso”, Entrevista de Maria
Giselda Cardoso Visconti a autora em 09/04/2007.
89
pessoalmente mantenho uma idéia, enquanto 1m
2
de construção pesar
uma tonelada, a tendência obrigatória de redistribuir peso, reduz a
carga de desgaste do meio ambiente. Mas ela acabou como uma obra
convencional, (...)”
24
Sobre o processo gerenciamento de obra, que complementa a questão do
planejamento, Penteado informou:
“(...)uma grande empreiteira assumiu, (...). E, eu convidei o Falcão
Bauer e o Alfredo Paesani, que era meu sócio, no meu pequeno
escritório, pra garantir que o gerenciamento da obra ia ser descente,
porque a tendência no Brasil é tudo ir pro buraco, então com todo
cuidado que você possa fazer, o difícil é que seja correto.”
25
Para Maria Giselda Cardoso Visconti:
“A qualidade da obra e o cumprimento dos prazos determinados,
resultou, em grande parte, foi programação da obra
.”
26
Pela entrevista realizada com Fábio Penteado, e pelo exposto pelo arquiteto
Alfredo Paesani, parece que os encaminhamentos de planejamento foram
preservados (programação), no acompanhamento da obra propriamente dito,
na instalação da infra-estrutura do Conjunto, possibilitando um ganho na
escala da execução. Dessa forma, a partir do conjunto das entrevistas, pode-
se deduzir que teria havido racionalidade na execução da obra, aproximando-
a da definição de Ricardo Martucci de obra executada através de método
24
Idem. Como veremos, segundo a arquiteta. Visconti na terceira etapa houve uma maior utilização de elementos
pré-fabricados.
25
Idem.
26
Entrevista de Maria Giselda Cardoso Visconti a autora em 09/04/2007.
90
tradicional, mas racionalizado, isso particularmente em relação as duas
primeiras etapas.
O engenheiro Fernando Gonçalves que trabalhou na obra de 1971 a
1977 explicou em entrevista o processo rígido de controle de qualidade da
obra, incorporado ao processo de execução:
“Foi extremamente controlado. O mecanismo funcionava assim, o
Bauer fazia todo material que entrava na obra passar por ensaio, então
era aprovado pelo Falcão Bauer, a qualidade do material. O Bauer
mantinha na obra o Fausto Marioni, era um tecnólogo que
acompanhava toda a execução, com uma marreta na mão, quando uma
parede estava mal executada ele já chegava e derrubava, ele era
odiado na obra pelos mestres. E a gente tinha um grupo de
profissionais que acompanhava o trabalho que era executado pelo
Bauer, porque ao acompanhar, esse pessoal era treinado para os 132
conjuntos que estavam espalhados, que era uma escola de formação
para os outros conjuntos.”
27
Infelizmente não foi possível obter junto à empresa responsável por
toda a obra, a Construtora Rossi, registros confiáveis do processo de obra,
mas novamente pela entrevista com Penteado pode-se vislumbrar os objetivos
do empreendimento, que tinham a simpatia da empresa:
“A primeira ... (construtora) ..., hoje é a ROSSI, o João Rossi, na época
era ENGEVICS. Eu comentava com ele, e a gente tava na reunião de um
projeto... tive no escritório dele, e lembrei que ele ganhou a
concorrência. Houve grande intenção de marcar essa obra como um...
não era pra ser bonitinha, seria uma linha de direcionamento para o
27
Entrevista do engenheiro Fernando Gonçalves a autora em 05/04/2007.
91
pensamento arquitetônico e de técnicas de construção pra sair da
Idade Média aqui no Brasil, mas é muito difícil e muito relativo porque
quando se entra na escala dos problemas e de necessidades, são
problemas terríveis (...)”
28
A conformação do bloco (figura 34 e 35) é idêntica em todas as fases,
porém o que diferencia é o lance de escadas. Nessa etapa o lance de escadas
é no formato de “U”, e foi construído pelo método tradicional.
Figura 34 – Vista do bloco com escada em U.
Fonte: Arquivo CDHU.
28
Entrevista de Fábio Penteado à autora em 09/03/2007.
92
Figura 35 – Detalhe do pavimento tipo do bloco com escada em U.
Fonte: Arquivo CDHU.
Na figura 36, é mostrado o detalhe do lance de escada, com paredes
laterais de blocos de concreto de 19cm e as restantes de concreto aparente
de 9cm. Reafirmando, essa etapa foi feita toda com método tradicional de
construção, com paredes de blocos de concreto (figura 42).
É nesta etapa também que as vigas de concreto (figura 39 a 40) ficaram
aparentes, observando nitidamente o formato das mesas e da montagem das
vigas, feitas “in loco”.
93
Figura 36 – Detalhe do escada em U, com duto de lixo e quadro de distribuição elétrica.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 37 – Fachada lateral, Corte longitudinal e fachada frontal do bloco.
Fonte: Arquivo FAU-USP (Fundação Artigas).
94
Figura 38 – Fachada lateral e Corte transversal.
Fonte: Arquivo FAU-USP (Fundação Artigas).
Figura 39 – Mesas de concreto – vigas..
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 40 – Mesas -garagem.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
95
Figura 41 – Mesas de concreto cozinha–
vigas.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 42 – blocos de concreto - fachada.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 43 – Espaço interno entre blocos c/
caixa de escadas.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 44 – Espaço interno entre blocos c/
caixa de escadas, vista complementar.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
96
Figura 45 – Duto de lixo e duto elétrico.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 46 – Fachada - fundos.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 47 – Pingadeira original na caixa de
escada..
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 48 – Pingadeira vazada e caixilhos
modificados.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
97
Figura 49 – Portaria Condomínio São Paulo.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 50 – Caixilhos originais, máx-ar.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 51 – Canteiro entre blocos.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 52 – Hall do 3
o
Andar.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Os 30 blocos da primeira etapa são organizados no Conjunto da seguinte
maniera: Fase 1, Condomínio São Paulo (8 blocos, 480 unidades); Fase 2
Condomínio Santa Catarina (6 blocos, 360 unidades habitacionais),
Condomínio Paraná (8 blocos, 480 unidades habitacionais) e Condomínio Rio
Grande do Sul (8 blocos, 480 unidades habitacionais). Esses blocos da primeira
etapa (fases 1 e 2) constituem a freguesia FF, a única que foi construída na
sua totalidade.
98
Projetos de Equipamentos não Executados
Esses projetos não estão ligados à uma etapa, mas fazem parte da
proposta inicial, conforme apresentado no Debate realizado na FAUUSP.
Como foram descartados na fase inicial da obra resolvemos discuti-los nesse
trecho do trabalho. A sua formulação articula os conceitos da proposta e
conveniências, como será visto, e o resultado negativo revela as dificuldades
que se apresentaram.
Os equipamentos (figura 53 a figura 58) foram propostos para
diminuição do custo final da obra. Destes projetos foram feitos dois
protótipos, um do fogão, realizado a pedido de Fábio Penteado à sua família,
dona de uma fábrica de fogões, hoje a Dako. E o outro foi o protótipo da
geladeira, que foi feito em uma indústria em São Carlos, a Clímax. Nenhum
desses protótipos foi construído. Os motivos são vários, mas, sobretudo,
combinam a relação que as pessoas estabelecem com o mercado de utensílios
em geral e a equação econômica industrial. Os equipamentos para serem
fabricados na escala industrial, deveriam ser destinados para outros
conjuntos ou para o mercado em geral. Sem esta perspectiva permaneceram
como protótipos. Há outras considerações, mas consideramos
complementares. Sobre a questão de viabilizar equipamentos e, também, o
mobiliário no Conjunto Penteado afirmou:
“(...) vou te contar algumas que não estão nos relatórios, porque eu
pessoalmente estudei uma adaptação de equipamentos domésticos,
nem sei que nome tem. Eu fiz uma coisa engraçada, uma é época o
governo do Brasil resolveu participar de um encontro em Caracas, não
é conforto doméstico. E aí lembraram que a CECAP tinha feito uma
proposta e pediu pra CECAP fazer uma tese que foi levada a Caracas,
feito com a Doutora Giselda Visconti, foi legal, porque eu aproveitei
para fazer a crítica obrigatória a todo o processo. Há 40 anos atrás era
um outro quadro, esse hábito que é muito comentado que a mulher
99
brasileira desperdiça e joga fora, poderia ser explicado muitas vezes
que uma comida em um país muito quente fora da geladeira estraga,
não guarda pra dar pra criança porque vai ficar doente. Mas uma
geladeira é um equipamento de saúde, e eu até imaginava uma
geladeira que fosse construída embutida no processo da construção, e
o fogão também assim, e chegamos a fazer, e a geladeira foi feita em
São Carlos (ainda tinha lá ....28’40), a geladeira custava R$30,00,
custava menos que os enfeites de uma geladeira americana que a loja
Mappin vendia, e o fogão custava R$10,00, R$5,00, meu pai tinha uma
fábrica de fogão, mandei fazer um. A geladeira embutia, você põe
concreto ou tijolo, isola termicamente, põe um tampa, porque a
geladeira importada não cabia, nem passava na porta. Fizemos
pesquisa de mobiliário, mas tudo em vão porque não pode existir uma
produção industrial que não tenha sido apoiada em uma pesquisa, e a
indústria não embarca nem na pesquisa quando ela tem uma garantia
de uma programação de reconhecimento, porque custa muito dinheiro
produzir um mobiliário que inclui tudo, cadeira, mesa, cama. Tinha
aqui um cidadão muito interessante, com quem eu estudei discutindo
isso, leva 8 anos pra ter uma linha de produção andando, é muito
interessante, porque você tem que fazer um estudo do pé da cadeira,
tem que ser padrão ao pé da mesa, como automóvel ou uma indústria
qualquer, mas não tinha nenhuma possibilidade de garantia, num
tinha, então tudo ficou no mundo das idéias.”
29
De forma mais explicativa,o arquiteto Geraldo Vespaziano Puntoni
comentou o problema de se desejar incorporar à obra determinados
equipamentos, que o mercado oferece e que as pessoas, em geral possuem
e/ou compram:
“se comentava em entregar o apartamento equipado de geladeira,
fogão, essas coisas todas...naquela época a família do Fábio era
29
Entrevista de Fábio Penteado à autora em 09/03/2007.
100
proprietária dos fogões Dako e a gente tinha feito alguns orçamentos e
chegamos a conclusão de que valia a pena fazer o apartamento com
esses equipamentos, mas aí surgiu uma questão, e foi contratado o
serviço da mulher do Alfredo Paesani, a Eugênia Paesani. A Eugênia
que era socióloga fez o levantamento de o que as pessoas que iriam
entrar nos apartamentos consumiam, na época ela fez várias pesquisas
nas lojas da época, tipo o que seria hoje as Casas Bahia, e ela
descobriu que quem eram os maiores compradores de fogão e
geladeira era essa classe. Então se chegou a conclusão que seria um
absurdo as pessoas pagarem por equipamentos que elas já tinham,
então a gente acabou com essa idéia de apartamento equipado.”
30
Figura 53 – Projeto Fogão
Fonte: Sylvia Ficher.
Figura 54 – Projeto Forno
Fonte: Sylvia Ficher.
30
Entrevista de Geraldo Vespaziano Puntoni a autora em 17/07/2007.
101
Figura 55 – Projeto Geladeira
Fonte: Sylvia Ficher.
Figura 56 – Projeto Máquina de Lavar
Fonte: Sylvia Ficher.
Figura 57 – Projeto Armário da área de
serviços.
Fonte: Sylvia Ficher.
Figura 58 – Projeto Armário dos Dormitórios
Fonte: Sylvia Ficher.
102
2ª ETAPA
Figura 59 – Localização dos
Condomínios Santa
Catariana, Paraná e Rio
Grande do Sul.
Resumo da 2ª Etapa
Condomínios Minas Gerais e
Rio de Janeiro
Blocos 16
Unidades Habitacionais 960
Fase III
Período 1972 a 1976
Nesta etapa, constituída pela construção de 16 blocos, distribuídos da
seguinte maneira: Condomínio Minas Gerais (8 blocos, 480 unidades
habitacionais) e Condomínio Rio de Janeiro (8 blocos, 480 unidades
habitacionais). Estes blocos fariam parte da freguesia FC.
Em relação à primeira, essa etapa tem como características principais,
a mudança na viga de fechamento do primeiro andar. A parte de blocos que se
fechavam os armários passa a ser uma viga longitudinal que percorre o
edifício todo, deixando os pilares mais alongados. Isso foi necessário devido a
103
trincas e rachaduras que a parte em balanço dos armários, causou na 1
a
etapa.
Na primeira etapa da construção, na fachada, o balanço em que se
projeta os armários, foram feitos segmentados, já nas etapas seguintes esse
balanço é contínuo (SAVIOLI, 2007)
31
.
Outra mudança, que também é bem visível, é a mudança no projeto da
caixa de escada, o que na 1
a
Etapa tinha formato de “U”, agora se faz de em
lances paralelos de escadas (figura 60), com pequena mudança nos dutos, que
ainda continuam dentro de um shaft, e com a inserção de um banco no hall
de apartamentos.
Nessa etapa foi feita a primeira tentativa de escada pré-fabricada,
podendo-se notar (figura 64 e 65) isso com as perfurações no concreto dos
guarda- corpos, marcado pelas formas de metálicas empregadas na
montagem. As formas metálicas também são desenvolvidas nessa etapa pela
construtora Rossi para facilitar o trabalho na hora da montagem da estrutura,
além do concreto aparente ficar com uma aparência muito melhor. Vestígios
das formas (figura 68) são observados ainda nos dias de hoje nas fachadas
dessa fase, no balanço dos armários.
Por fim, os caixilhos adotados foram os de alumínio por um problema
de ferrugem que apareceu nos da primeira etapa, em função de um tipo de
chuva ácida que na década de 1970 já atingia a região de Guarulhos
(GONÇALVES, 2007)
32
.
Foi então que as pesquisas se voltaram para os caixilhos. Falcão Bauer,
desenvolveu um equipamento que simulava chuvas, ventos, ruídos, e todos os
caixilhos que tinham no mercado foram testados e não obtiveram resultado
positivo. Para as etapas seguintes, foi feita uma licitação de caixilhos, ganha
pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (GONÇALVES, 2007)
33
.
31
idem.
32
Entrevista de Fernando Gonçalves à autora em 05/04/2007.
33
idem.
104
Figura 60 – Vista do bloco com escada de lance único de escada.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 61 – Detalhe do bloco com escada de lance único de escada.
Fonte: Arquivo CDHU.
105
Figura 62 – Portaria Condomínio Rio de
Janeiro.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 63 – Portaria Condomínio Minas
Gerais.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 64 – Caixa de escada Condomínio
Rio de Janeiro.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 65 – Caixa de escada Condomínio RJ,
vista inversa.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
106
Figura 66 – Fachada Condomínio Rio de
Janeiro.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 67 – Detalhe banco, lixo e caixa
elétrica.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 68 – Detalhe escada
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 69 – piso térreo sob pilotis.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
107
Figura 70 – Pingadeira.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 71 – Caixilhos de alumínio e marcas das formas.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
108
3ª ETAPA
Figura 72 – Localização dos
Condomínios Minas
Gerais, Rio de Janeiro,
Bahia, Espírito Santo,
Sergipe e Alagoas.
Resumo da 3ª Etapa
Condomínios Bahia, Espírito Santo,
Sergipe e Alagoas.
Blocos 32
Unidades Habitacionais 1920
Fase IV e V
Periodo 1978 a 1981
Nesta etapa, constituída pela construção de 32 blocos, distribuídos da
seguinte maneira: Condomínio Bahia (8 blocos, 480 unidades habitacionais),
Condomínio Espírito Santo (8 blocos, 480 unidades habitacionais), Condomínio
Sergipe (8 blocos, 480 unidades habitacionais) e Condomínio Alagoas (8
blocos, 480 unidades habitacionais). Estes blocos fariam parte da freguesia FB
e FH.
Da segunda para a terceira etapa foram alterados dois itens
importantes. O primeiro com relação ao novo sistema de formas metálicas em
109
U para a parte estrutural, chamado de Sistema Outinord, que venceu a
licitação com preço mais baixo que o sistema tradicional (VISCONTI, 2007)
34
.
Por conta, dessa mudança, a caixa de escada teve que ser recalculada
inúmeras vezes, pois o guindaste não conseguia colocar a escada entre os
blocos, além da dificuldade do encaixe da escada com o novo tipo de forma. E
a escada (figura 73, 79 e 80), nesta etapa ficou um pouco mais leve, com um
guarda-corpo vazado.
Outro item importante dessa etapa foi a entrega das unidades
habitacionais com os vãos de armários com portas (VISCONTI, 2007)
35
.
Nesta fase muito material já tinha sido estudado e pesquisado,
trazendo uma maior agilidade de construção. Não foram feitos muitos testes,
mas foram aplicados os componentes da obra do jeito mais simples para se
conseguir o menor preço, buscando minimizar os efeitos do descontrole
inflacionário do período.
Figura 73 – Vista lateral do bloco com escadas.
Fonte: Arquivo CDHU.
34
Entrevista de Maria Giselda Visconti à autora em 09/04/2007
35
idem.
110
Figura 74 – Vista do bloco com escada de lance único de escada.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 75 – Detalhe do bloco com escada de lance único de escada.
Fonte: Arquivo CDHU.
111
Figura 76 – Vista da fase de construção
do conjunto.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 77 – Croquis da montagem de estrutura
pré-fabricada.
Fonte: Arquivo CDHU.
Figura 78 – Corte do bloco com escada de lance único de escada com detalhe estrutural.
Fonte: Arquivo CDHU.
112
Figura 79 – Vista entre blocos e escada com
guarda-corpo vazado.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 80 – Vista posterior entre blocos e
escada com guarda-corpo vazado.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 79 – Fachada com esquadria de
alumínio.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 80 – Vista interna da unidade –
armários com portas.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 81 – Garagem sob pilotis com pilar
mais comprido.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 82 – Detalhe da Lixeira.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
113
Áreas e Equipamentos Coletivos
Abaixo estão apresentados as áreas e Equipamentos Coletivos que
foram realizados juntamente com as habitações.
Centro de Abastecimento Zezinho Magalhães Prado
Figura 83 – Centro de Abastecimento
do Parque CECAP.
Fonte: Solimar Mendes Isaac.
O Centro de Abastecimento é usado por uma população mais ampla que
do Parque CECAP, com funcionamento aos sábados das 6h00 às 13h00. O
espaço ainda é usado pra outras finalidades como feiras de automóveis e
shows.
114
Centro de Saúde
Figura 84 – Centro de Saúde.
Fonte: Solimar Mendes Isaac.
Praça Mamonas Assassinas
Figura 85 – Praça Mamonas
Assassinas.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Praça de grande utilização pelos moradores do bairro, com um público
de crianças e adolescentes, por estar próximas as duas escolas públicas.
115
Campo de Futebol e Quadras Poliesportivas
Figura 86 – Campos de Futebol
Fonte: Solimar Mendes Isaac.
Foram construídas essa praça de esportes com um campo de futebol e
três quadras, na gestão Paulo Egydio Martins, em 1977. O espaço é de
utilização intensa pela população local (ISSAC, 2007).
Escolas
Figura 86 – EEPSG Francisco Antunes Filho
Fonte: Solimar Mendes Isaac.
Figura 87 – Complexo de Escolas (EEPSG
Vereador Elido de Oliveira Neves, CEFAM e
EEPG Leopoldo Gentil Junior)
Fonte: Fabiana Cerávolo.
116
As escolas são utilizadas por moradores do Bairro, mas também por
moradores de bairros vizinhos, além dessas escolas estaduais, tem uma escola
privada, o Colégio Machado de Assis, de Ensino Fundamental e Médio.
Hospital Geral
Figura 88 – Hospital Geral, vista de dentro do Condomínio Espírito Santo.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
O Hospital Geral é referência em Guarulhos, contendo as mais diversas
especialidades, atendendo principalmente a população mais carente (ISAAC,
2007).
117
Centro Comunitário do Parque CECAP
Figura 89 – Centro
Comunitário
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Esse Centro Comunitário é um equipamento muito amplo, que contém
piscinas, quadras poliesportivas, quadras de bocha, churrasqueiras, ginásio
coberto, saunas e lanchonetes. Esse equipamento no bairro é chamado de
Clube, e de fato é necessário a compra de um título para o seu uso.
Situação Atual
Atualmente, conforme o censo de 2000, o Conjunto é formado por 10
condomínios totalizando 4.680 apartamentos e a população é de 15.226
habitantes (ver figura 06). Com relação à projeção inicial foram construídos
44,15% do total. Na época da construção o déficit anual de moradia na
Grande São Paulo era de 133.000 unidades, com crescimento anual de 72.000
unidades. A população das áreas situadas a menos de 10 Km do Conjunto
chegava a 2.800.000 habitantes.
118
Figura 90 – Implantação do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado/Parque CECAP
com destaque no que foi construído.
Fonte: Solimar Mendes Issac.
Figura 90 – Implantação do Conj. Hab. Z. M. Prado em foto aérea 2007..
Fonte: Solimar Mendes Issac.
119
Acho que você precisa ver isso. A frase está ruim. No bairro CECAP
residem hoje aproximadamente 81% desta população são proprietárias do
imóvel, 99,93% do lixo é coletado, os mesmo 99,93% tem esgoto ligado à rede
coletora da cidade, 98,77% das residências do bairro possuem água tratada
pela companhia local e a taxa de urbanização da área é de 100% (ISSCAC,
2007).
Dos 22 grupos de oito blocos inicialmente propostos, foram construídos
10 desses grupos, sendo que nove grupos têm oito blocos e um grupo tem seis
blocos, ou seja, menos de 50% do total previsto foi implantado.
Com quase 40 anos da sua concepção de projeto, as transformações
principalmente em relação aos conceitos que o simbolizavam na época, são
marcantes, apesar das intervenções que desconheceram as idéias originais.
Os espaços coletivos que eram integrados em sua totalidade, hoje esbarram
em cercas de condomínios fechados. Como decorrências, os equipamentos
coletivos que serviriam para todo o conjunto, em parte se encontram dentro
desses condomínios.
Figura 91 – Quadra entre blocos
Fonte: Fabiana Cerávolo.
Figura 92 – Cerca muito próxima dos blocos.
Fonte: Fabiana Cerávolo.
120
121
CAPÍTULO 4
Considerações Finais
“(...) eu comentava agora pouco aqui com o Mário, a respeito de uma
especificação de fechaduras, que nenhuma empresa brasileira
passava, então, a La Fonte na época que era a top e ainda é, não
atendia as especificações da CECAP, e o Bauer desenvolver uma
maquininha que controlava, acionava as fechaduras dos trincos, e a
especificação exigia que as fechaduras resistissem a 100.000
acionamentos, nenhuma ultrapassava 45.000/47.000 acionamentos,
inclusive a La Fonte, e nessa ocasião, abriu-se o mecanismo e
verificou-se que tinham alguns elementos, especialmente um que
acionava a lingüeta, que era em “desamaqui” , então a proposta foi
fundir no lugar do “desamaqui” em bronze e aí foi pra 140.000
acionamentos, e a La Fonte passou a incorporar na linha dela a
inovação, que foi um avanço tecnológico ditado pela obra. Então veja
que estava na frente.”
1
Este pequeno trecho da entrevista do
engenheiro Fernando Gonçalves foi
escolhido, pois é revelador dos ideais dos profissionais modernos, arquitetos
ou engenheiros e do papel deles para o desenvolvimento industrial do país. O
objeto, a fechadura, poderia ser outro mais expressivo na obra (formas
metálicas da terceira etapa, utilizadas nas fundações, os caixilhos
desenvolvidos também para a terceira etapa), mas a fechadura e sua função
possuem um simbolismo emblemático de abertura, não apenas das portas das
unidades habitacionais, mas figurado das “portas” do pensamento, para
auxiliar a esclarecer os termos do debate naquele período e a sua importância
atual.
O trecho da entrevista revela, talvez o óbvio, que há um lugar e um
papel do trabalho profissional, digamos técnico-científico, no
desenvolvimento da tecnologia da construção, nos termos apresentados na
1
Entrevista de Fernando Gonçalves cedida a autora no dia 05/04/2007.
122
Introdução do trabalho. E mais, que esse trabalho é passível de ser bem
sucedido, no caso, as fechaduras foram alteradas e a indústria incorporou a
inovação.
Esse episódio é esclarecedor da postura de Artigas, autor do projeto do
Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, ou seja, o papel dos
arquitetos (e dos engenheiros, ainda que Artigas não formulasse nestes
termos) seria o de auxiliar o desenvolvimento nacional no campo específico de
trabalho, o da construção civil. Assim, no discurso Aos Formandos da FAUUSP,
de 1955, já definia:
“(...) o caráter inovador de nossa arquitetura não pode ser apreciado
isoladamente, nos limites do fato arquitetônico. É o resultado de
todos os esforços feitos no sentido do avanço no domínio da técnica e
da ciência.”
2
O trecho também revela que para as inovações propostas pelos
profissionais serem implantadas, elas necessitam de viabilidade econômica.
Assim, a empresa, aparentemente sem ter tido gasto no desenvolvimento de
seu produto, atendeu a especificação porque introduziu a inovação na
produção do produto para o mercado em geral. Novamente parece óbvio, mas
ela o fez porque era economicamente e comercialmente viável.
A pergunta é, porque diante de tantas inovações propostas que
caminhavam no sentido da industrialização da construção, porque apenas
algumas foram introduzidas, e, mesmo assim, parte delas na terceira fase?
Se tomarmos como referência a questão central, os elementos pré-
fabricados de concreto que tiveram de ser substituídos por alvenaria
tradicional, as interpretações dos fatos é reveladora.
2
. Artigas, J. B. V., Caminho da Arquitetura, Aos Formandos da FAUUSP, de 1955 p.19.
123
Para Fábio Penteado, como visto, mas é importante retomar, o
Conjunto:
“(...) foi pensado pré-moldado inteiro, mas também por uma fantasia
ou poesia, foi feito o projeto, calculado todo para pré-moldado, custou
uma fortuna o contrato do projeto de estrutura pré-moldada. É mesma
coisa, primeiro, não fazia parte e ainda hoje não faz parte da cultura,
na época que a gente construiu. Segundo, se você faz uma usina e faz
aquela obra CECAP, aí joga fora a usina, porque não teria outra pra
fazer, o custo disso era tão grande que não foi, a única coisa pré-
moldada lá foram feitas as escadas e alguns componentes.”
3
Já para Gisela Visconti:
“O projeto foi desenvolvido para 10.560 unidades habitacionais. Tendo
em vista o número de habitações, distribuídas em edifícios todos
iguais, a estrutura foi calculada em concreto pré-moldado, o que
representaria uma economia significativa no consumo total de
concreto e também uma redução no prazo de execução da obra.
Entretanto, quando da apresentação do projeto ao Banco Nacional da
Habitação – BNH, para liberação de financiamento, foi aprovada a
construção de somente 480 unidades na primeira etapa. Esta decisão
inviabilizou a execução da estrutura de concreto pré-moldado, tendo
sido recalculada a estrutura para construção por processo
convencional.”
4
3
Texto de Fábio Penteado (200?) – anxo 6.
4
Texto Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, Maria Giselda Visconti. Ver anexos.
124
Ou seja, a duas visões, a de Penteado, que sem explicitar exatamente,
mas agregando o problema do fluxo de demanda, coloca a questão em termos
de fantasia. E a de Visconti, para quem o problema seria o BNH, que com a
sua política populista de emprego, inibia o desenvolvimento da indústria da
construção.
Acreditamos que os dois entendimentos estão corretos, entretanto, não
são suficientes para a compreensão da questão. Evidentemente, sem querer
resolver a questão de forma definitiva, diríamos que na construção civil
brasileira, o sistema construtivo é misto, caracterizado por um processo
tradicional racionalizado, pois expressa e incorpora os mecanismos sociais que
articulam elementos modernos (industriais) e arcaicos (tradicionais). Esses
elementos vão de materiais, equipamentos, produtos, técnica construtiva,
qualificação da mão-de-obra, relações de trabalho, remuneração da mão de
obra, etc. Tal sistema é estranhamente inovador e conservador ao mesmo
tempo, mas é muito arraigado nos resultados que se mostram lucrativos e com
pouco risco econômico, justamente, porque os elementos arcaicos do sistema,
que podem ser representados pela mão-de-obra, pela técnica construtiva,
enfim, por qualquer dos seus componentes, são vistos como, e de fato devem
ser, garantia de lucratividade.
Há certamente uma explicação mais abrangente para esta condição, e
ela foi fornecida por Francisco de Oliveira, para quem o capitalismo no Brasil
se desenvolveu, e ainda se desenvolve, associando os elementos arcaicos e
modernos (OLIVEIRA, 1988)
5
. Isto é fundamental, pois a solução desta
condição extrapola o quadro profissional e mesmo da construção civil. Mas
também e, sobretudo, por ser um processo em desenvolvimento, tal condição
propicia que novas “portas” sejam abertas e, para tanto, os arquitetos e os
engenheiros, devem pesquisar novas “fechaduras”, com o risco de não serem
viáveis, mas com a possibilidade de serem incorporadas e, independente, da
5
OLIVEIRA, Francisco de - ?A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista,? .
125
lucratividade privada da empresa, podem redundar em ganhos sociais, como o
conjunto permitiu para os seus moradores e mesmo para a sociedade.
Cabe, por fim, algumas considerações sobre o Conjunto do ponto de
vista de equipamento urbano e social. Ele hoje se destaca positivamente na
paisagem, apesar de sua regularidade formal. As unidades visitadas
encontram-se em bom estado de conservação. O seu sucesso, em termos de
qualidade construtiva e de habitabilidade, tornou a venda de suas unidades
atraentes e boa parte da população inicial não se encontra mais lá. As
freguesias assumiram, de fato, o status de condomínio, e na lógica urbana
atual todos foram cercados, impedindo o livre acesso e gerando áreas
residuais entre eles, que não se estruturam como locais de convívio.
Uma questão sempre citada é a dos pilotis. Na arquitetura moderna, a
idéia clássica é a de possibilitar o livre trânsito ao rés do chão, propiciando
convívio e lazer. Na prática, nesse e em outros conjuntos, o espaço foi
transformado em garagem. Há duas formas de ver a questão. A primeira é que
indica o declínio da sociabilidade e o aumento do individualismo, a segunda,
que não desconsidera a primeira, busca incorporar a “questão garagem nos
projetos”, como um item a ser resolvido. Para Penteado, havia poucas vagas
previstas de estacionamento, porque o automóvel estava fora dos itens de
projeto, “quem iria imaginar que o operário lá ia ter automóvel.”
6
Com o
aumento da possibilidade de aquisição desse bem os moradores resolveram a
situação de forma imediata.
Enfim, há “portas” ou problemas mais nobres do que outros, mas eles
sempre existirão e sempre solicitarão soluções.
6
Entrevista de Fábio Penteado cedida a autora no dia 09/03/2007.
126
127
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I
ANEXOS
Estão em anexo os seguintes documentos listados abaixo:
DESCRIÇÃO PÁGINA
ANEXO 1 - Entrevista Fábio Penteado II
ANEXO 2 - Entrevista Giselda Visconti XXV
ANEXO 3 - Entrevista Geraldo Vespasiano Puntoni XXIX
ANEXO 4 - Entrevista Fernando Gonçalves XXXIV
ANEXO 5 - Entrevista Mário Savioli XLVII
ANEXO 6 - Texto Fábio Penteado/Giselda Visconti LIII
ANEXO 7 - Documentação Fotográfica LVIII
ANEXO 8 - Plantas LXV
II
ANEXO 1
Entrevista com o arquiteto Fábio Penteado, realizada dia 09/03/2007,
no escritório do arquiteto, com início às 10h30 da manhã. Entrevista realizada
por mim, contando apenas com a presença de nós dois.
Fábio: Isso aqui é o que nunca vai aparecer na história, que é o
começo...CECAP, caixa para o povo, isso teria sido criado, não sei o nome,
não sei a época, mas quando o Zezinho Magalhães Prado entrou e assumiu essa
chamada CECAP, ela tinha feito doze ou quatorze, umas dez casas, por aí.
Então eu fiz esse texto, pra alguma coisa que não me lembro, mas muito claro
que isso aqui é verdade, na minha opinião... “em 66, no momento da posse do
governador de São Paulo Abreu Sodré, do jeito que a tradicional festa de
distribuição de cargos públicos, entre os agregados políticos e afins, quando o
novo Governador, nomeado pelo Governo Militar se deu conta que havia
esquecido entre os beneficiados seu velho amigo, Zezinho Magalhães Prado,
ex-prefeito e ex-presidente do Clube de Futebol XV de Jaú”.
1
A CECAP era
uma coisa inexistente, quando o Abreu Sodré foi nomeado governador, fez a
festa pros amigos e esqueceu do Zezinho, então ele perguntou, o que que
sobrou aí? Tinha a CECAP, essa foi à história. Eu sei que foi assim, mas nunca
ninguém vai dizer que foi assim, eu que digo. O Zezinho era um homem muito
interessante, o que que ele fez, ele se apropriou para a CECAP de um terreno
muito grande, que tinha uma história complicada, que tava na mão da Caixa
Econômica Estadual em Guarulhos, esse terreno tinha passado pelas mãos do
Josias Paes de Barros, era estrada de ferro Sorocabana, era proprietário.
Como o terreno também não valia nada, ele tava cheio d’água, deram o
terreno para o Zezinho. O Zezinho tinha um irmão, que eu não me lembro o
nome agora, que era um arquiteto, ou estudante de arquitetura, que orientou
o Zezinho com um grupo de amigos, sendo que este irmão dele tinha
1
Ver texto na íntegra no anexo 7.
III
participado de ações políticas do partido comunista, e que o Zezinho acabou
finalmente montando um projeto quase que fantástico, entre a época anterior
a CECAP, e o que aconteceu depois da CECAP em termos de habitação
popular, é quase um retrato do Brasil como um todo. Na minha opinião, é
como se tivesse mudado a escala de se ver o Brasil. De 1/100, passou a 1/10.
O Brasil não existia... as capacidades do país não eram entendidas, nem
conhecidas, nem reconhecidas. Depois um Conjunto Habitacional de 2.000
unidades era algo que ninguém imaginava ser possível, como se fosse loucura,
tanto é que eu mesmo quando fui levar o projeto para apresentar no BNH a
diretoria se recusou a vê-lo, por achar que aquilo era fantasia. E o Zezinho
continuou com o Artigas, outra ousadia muito grande. O Artigas tinha...ele
tava pendurado ainda em um processo da justiça militar, mas era muito
complicado. Ele só aceitou se eu estivesse junto com ele... eu disse vc tá
louco! Eu tinha sido eleito presidente do Instituto de Arquitetos, também de
uma forma um pouco complicada, tinha sido eleito praticamente pelos
arquitetos de todo Brasil contra os arquitetos de São Paulo e Rio de Janeiro,
porque o grupo era um grupo muito radical, esquerda. Essa foi a origem do
Zezinho Magalhães Prado, que recebeu um organismo governamental curioso,
que era a antiga CECAP, os dados corretos eu não sei, eu sei que ou em 16
anos fez 14 casas, ou em 14 anos fez 16 casas. O que acontece... um detalhe
curioso também, havia uma contestação violenta de alguns arquitetos
poderosos, em São Paulo, que insistiam de qualquer forma que eu e o Artigas,
de nos tirar do processo, inclusive com atitudes públicas. Eu me lembro, por
exemplo, evitar certas coisas, eu fiz um contrato de trabalho do Artigas e o
meu, que seja subordinado ao tribunal de contas do Estado, que era um
salário tão pequeno que equivalia a de um projetista, eu nem consultei o
Artigas, ele nem perguntava, se alguém nos tirar daqui vai ter que fazer
contrato equivalente. Eu, quando conversei com o Oscar Neimeyer ele disse,
isso é que é bonito, é o cacete, é muito ruim, mas é a coisa que nós fizemos.
Que havia uma tentativa de nos tirar de qualquer jeito pelo pessoal, o IAB
IV
tinha ainda essa questão de grupo de direita, grupo que tinha participado
quase que oficialmente do golpe militar.
Fabiana: E porque que era tão importante esse projeto? Por que era
importante ficar nesse projeto?
Fábio: Ficar, não sei se era importante ficar. Se foi assumido e houve um
convite, um trabalho que nunca tinha sido feito igual no Brasil, é lógico que
tinha interesse.
Fabiana: A oposição também tinha interesse?
Fábio: Tinha interesse primeiro em nos tirar, não nos dar a glória. Isso dava
uma força enorme em todo pensamento de arquitetura, em termos de ponto
de vista. Aí é questão de tudo junto, né. Mas isso foi assim que começou, as
pessoas que participavam inicialmente eram muitos arquitetos do serviço
público, principalmente o Geraldo Puntoni, o Ruy Gama, a Giselda Visconti,
que acabou ficando a minha diretora do escritório, e eu e o Artigas
propusemos fazermos um escritório de projetos, o escritório da CECAP e nós
como arquitetos autônomos, éramos diretores do escritório. Esse escritório foi
ampliado depois com a vinda do Paulo Mendes da Rocha e foram chamados
outros arquitetos para formar o grupo de trabalho, Arnaldo Martino, e pouco a
pouco aumentou muito o número, Renato Nunes, e foi montado o escritório.
Ao mesmo tempo, era um trabalho de um tamanho que nunca ninguém tinha
visto nesse período, que o Brasil era fechado de uma forma pequena. Nessa
época, que foi uma iniciativa minha, direta, mas com o apoio do Instituto, nós
contávamos com a posição do ministro do planejamento, que era o Roberto
Campos, uma coisa fantástica. Ele impunha ao CREA o direito de trabalho no
Brasil de todos os engenheiros e arquitetos norte-americanos, veja bem, isso
foi derrubado numa reunião... mas já tinham derrubado o ministro em um
encontro em Curitiba. Aonde eu perguntei, porque o ministro toma uma
V
atitude dessa? Trata-se de grandes recursos vindo de bancos internacionais
para obras no Brasil, e os bancos exigem participação na responsabilidade do
projeto. Aí eu perguntei, qual o valor envolvido? Era U$40.000.000. Logo
depois o Quércia roubava isso por mês em Campinas. Rouba-se isso
normalmente no Brasil em qualquer iniciativa. Esse escritório foi se formando,
mas foram sendo contratados técnicos para cada setor de atividade. Alguns
projetos como, por exemplo, o de estrutura de concreto armado, do escritório
Figueiredo Ferraz, contrato que eu assinei, eles tiveram um trabalho infernal
porque nunca ninguém tinha feito um contrato do porte daquele, pagando
oficialmente a repetição de projeto, coisa que não era muito comum. E
passava pelo tribunal de contas, cada contrato era um trabalho burocrático e
garantia que fosse efetivado. Então foram contratadas equipes de todos os
tipos. A apresentação do projeto no Rio de Janeiro, no BNH, já tinha morrido
o Zezinho Magalhães, era o irmão dele que ficou de levar o projeto lá, na
primeira reunião não houve interesse nem de ver o projeto. Com dificuldade
um diretor admitiu ouvir, quando eu comecei a exposição detalhada, ele
concordou de chamar alguns outros, começou a ver algum interesse, porque
era tido como fantasia. Por exemplo, no levantamento feito pelo governo
Roberto Campos, havia uma proposta de Lei, e esta que nós modificávamos na
reunião em Curitiba, que todo município teria que ter um plano diretor no
prazo de tantos anos, sendo que ele não receberia um benefício federal. Esse
benefício, isso deveria ser ensinado nas escolas, havia uma distribuição
eqüitativa de todos os municípios brasileiros de um fundo do imposto de renda
do país, o que dava vamos dizer na época, 100.000 reais, sei lá,
indistintamente, esse dinheiro era entregue. Até esse momento que foi o
encontro de Curitiba, que foi montado pelo IAB quando eu assumi a
presidência. Nós colocávamos em discussão, o que interessou ao ministro,
quantos municípios tinha o Brasil, o que era o plano diretor e quanto custa o
plano diretor, dentro daquela idéia assumida pelo governo, todo dinheiro que
foi não daria, ninguém sabia nem quantos municípios tinha. Um levantamento
feito através do IBGE, apareceram oitocentos e poucos municípios fantasmas,
VI
mas registrados, deputado, senador, desembargador, que com procuração
recebia essa verba que era entregue no Rio de Janeiro e gastavam nas boates
do Rio. Depois desse encontro do IAB que foram levantados quantos
municípios tinham mais de 50.000 habitantes, tinham 22. Quer dizer, isso a 40
anos atrás, em 1966. Então uma cidade de 60.000 habitantes na verdade era,
reconhecidamente eram 22, agora os recursos para o desenvolvimento tinham
pra todo mundo, tínhamos que estabelecer prioridades, que foi nessa reunião
que eu conduzi, pela primeira vez no Brasil se estabeleceu uma discussão de
prioridades de coisas que ninguém nunca tinham discutido. Prioridade para
desenvolvimento urbano de cidades com potencial de desenvolvimento, mas
esse potencial nunca tinha sido colocado dessa forma nem publicado, processo
de desenvolvimento industrial, mas também ligado a patrimônio histórico,
meio ambiente. Nunca tinha se discutido essa palavra meio ambiente, isso foi
um trabalho do IAB, aquilo que o IAB sempre aprendeu da Europa, da época,
que era a União Internacional de Arquitetos, era uma cultura de
conhecimentos que deu ao IAB essa possibilidade de atuação.
Fabiana: Como que veio a idéia de freguesia?
Fábio: Era uma bobagem, essa acho que foi do Ruy Gama, o Ruy Gama tinha
ganhado uma bolsa em Portugal, passou lá um ano, tava muito influenciado,
também acho que a família dele é de Portugal. A palavra freguesia pode ter
alguma relação, é uma coisa simpática, mas saiu da cabeça dele. Foi
facultada no projeto, ta lá a viva a cidade e não tem nenhum valor freguesia.
Não é coisa que pega. Então é dessa maneira que as coisas foram
acontecendo, e foi feito aí, de maneira muito apressada porque o prazo era
muito curto e ninguém tinha feito um projeto desse porte, ninguém! Foi
improvisado o projeto, na minha opinião, colocando claro que quando eu
assumi o trabalho na CECAP, eu fui o Coordenador Geral total de tudo que é
chato. Assumir os contratos, brigar com as oposições, ganhar o direito de
deixar as verbas disponíveis na mesa para fazer os projetos. O Artigas
VII
participou muito pouco dessa parte do projeto, eu diria quase nada. O
trabalho foi andando. Na minha opinião inicial, a proposta de uma coisa muito
nova mereceria uma discussão muito ampla, o que não houve nem tempo para
acontecer, mas eu acho que tem um ponto que deve ser muito..... a proposta
da CECAP, ela foi colocada no papel um pouco assim, um pouco etérea, como
se fosse uma cidade nova em qualquer lugar do planeta, desligada de tudo,
como se ele tivesse que ter uma auto-suficiência para ser um dia uma cidade,
que acabo nem sendo porque foram construídos 4.000, 5.000 unidades.
Enquanto na minha cabeça, porque eu não tinha experiência pra brigar por
isso, e na época nem tinha condições, era hora nada mais nada menos do que
uma extensão da extensão de Guarulhos. Teve um erro que eu cometi,
reunindo no palácio do governador, todos os secretários de estado, e cada um
podia interferir em cada setor, ensino, abastecimento, quando na verdade
aquilo era uma extensão da cidade de Guarulhos. Como está comprovado, a
cidade de Guarulhos acabava no CECAP, depois era uma área militar, não
tinha o campo de aviação de Guarulhos, não existia, era uma base militar.
Então, eu acho que isso é uma coisa pra analisar com muita atenção, o
terreno da CECAP foi ocupado em parte, e o que sobrou tem grande
dificuldade de utilizá-lo. Na minha opinião, que é uma opinião crítica, é muito
parecido com a Cidade Universitária, que eu também participei dessa
reformulação dessa Cidade Universitária, eram vários arquitetos, pouco antes
da CECAP. Também foi um projeto improvisado, numa área espetacular, uma
área verde, São Paulo tem uma ou duas iguais, foram edifícios isolados, com
problema de integração, resultando também ruas separadas dos edifícios com
calçadas muito largas, porque os jardins custam caro. Cada bloco de edifício,
cada um tem sua biblioteca, sua cozinha, seu auditório, todos pobres e falta
àquela base que seria a base de uma Universidade, e eu fiquei de mãos
atadas. O que aconteceu no Cumbica é de difícil utilização, nem mesmo para
reposição de freguesias iguais, nem pra isso, mais ainda, lamentável ainda, a
CECAP, depois CDHU, nunca se preocupou de dar a essa área de terreno
condições de legalidade, nesses últimos 20 anos eu tive pelo menos mais de
VIII
dez vezes no CDHU, tentando utilizar o meu direito autoral, porque o contrato
é Artigas e ou eu. Nunca foi atendido, a última vez que eu fui eles buscavam
um contrato comigo até pra definir as áreas que sobraram, definir, botar
numa condição de fazer parte do cadastro municipal, ou até mesmo pra
aprovar um projeto que dê destino. Claro que hoje em dia ainda é um
paradigma em projeto de habitação, foram tentadas o quanto de disponível
de técnicas aprimoradas, vou te contar algumas que não estão nos relatórios,
porque eu pessoalmente estudei uma adaptação de equipamentos domésticos,
nem sei que nome tem. Eu fiz uma coisa engraçada, uma é época o governo
do Brasil resolveu participar de um encontro em Caracas, não é conforto
doméstico. E aí lembraram que a CECAP tinha feito uma proposta e pediram
pra CECAP fazer uma tese que foi levada a Caracas, feito com a Doutora
Giselda Visconti, foi legal, porque eu aproveitei para fazer a crítica
obrigatória a todo o processo. A 40 anos atrás era um outro quadro, esse
hábito que é muito comentado que a mulher brasileira desperdiça e joga fora,
poderia ser explicado muitas vezes que uma comida em um país muito quente
fora da geladeira estraga, não guarda pra dar pra criança porque vai ficar
doente. Mas uma geladeira é um equipamento de saúde, e eu até imaginava
uma geladeira que fosse construída embutida no processo da construção, e o
fogão também assim, e chegamos a fazer, e a geladeira foi feita em São
Carlos, a geladeira custava R$30,00, custava menos que os enfeites de uma
geladeira americana que a loja Mapin vendia, e o fogão custava R$10,00,
R$5,00, meu pai tinha uma fábrica de fogão, mandei fazer um. A geladeira
embutia, você põe concreto ou tijolo, isola termicamente, põe um tampa,
porque a geladeira importada não cabia, nem passava na porta. Fizemos
pesquisa de mobiliário, mas tudo em vão porque não pode existir uma
produção industrial que não tenha sido apoiada em uma pesquisa, e a
indústria não embarca nem na pesquisa quando ela tem uma garantia de uma
programação de reconhecimento, porque custa muito dinheiro produzir um
mobiliário que inclui tudo, cadeira, mesa, cama. Tinha aqui um cidadão muito
interessante, com quem eu estudei discutindo isso,
IX
leva 8 anos pra ter uma linha de produção andando, é muito interessante,
porque você tem que fazer um estudo do pé da cadeira, tem que ser padrão
ao pé da mesa, como automóvel ou uma indústria qualquer, mas não tinha
nenhuma possibilidade de garantia, num tinha, então tudo ficou no mundo das
idéias.
Fabiana: Foram feitos os protótipos então? Só não foram colocados em
prática.
Fábio: Protótipos sim, mas tudo na base do paralelo. Um exemplo, o Brasil
queria entrar numa linha de BNH, etc. A gente pretendia ter um edifício para
pesquisa, pesquisa de pisos, de tudo, divisórias fáceis de montar e desmontar.
Nunca se conseguiu nada, como até hoje não existe, o primeiro laboratório
descente de materiais foi feito pelo Falcão Bauer, eu convidei ele pra
gerenciar a execução das obras, e a verba foi tão boa que deu pra ele fazer
um laboratório de pesquisas, não creio que tenha havido muitas mudanças,
mas o cidadão comprava uma casa popular, é uma vez na vida, é o máximo
que ele busca. E comprar uma casa, pagar em vinte anos, oito dias a
dobradiça encrenca, a fechadura não abre, é um desrespeito absoluto, em
benefício do ganho do fornecedor, da empreiteira, isso era lógico. Até que
houve alguma melhoria, mas é muito pouca. A CECAP, foi feito pra que ela
ficasse com um laboratório de pesquisa para encaminhar intenções da
construção de habitação social, mas não foi, tem muita contribuição
duramente conseguidas, mas pontuais, não tem continuidade.
Fabiana: O projeto foi pensado pré-moldado inteiro, ou depois que foi
pensado?
Fábio: Ele foi pensado pré-moldado inteiro, mas também por uma fantasia ou
poesia, foi feito o projeto, calculado todo para pré-moldado, custou uma
X
fortuna o contrato do projeto de estrutura pré-moldada. É mesma coisa,
primeiro, não fazia parte e ainda hoje não faz parte da cultura, na época que
a gente construiu. Segundo, se você faz uma usina e faz aquela obra CECAP,
aí joga fora a usina, porque não teria outra pra fazer, o custo disso era tão
grande que não foi, a única coisa pré-moldada lá foram feitas as escadas e
alguns componentes. Que hoje você encontra em qualquer parte do Brasil,
São Carlos, Campinas, todo interior do Brasil, o cara já faz uma escada de um
prédio pré-moldada, já existe uma facilidade de mão-de-obra em tudo quanto
é lugar, é só isso. Foi feito o projeto mas não foi usado! Além do mais, das
12.000 unidades pretendidas foram feitas, nem sei, 4.000 unidades.
Fabiana: Nem aqueles balcões onde seriam os armários, embaixo das
esquadrias, foram feitos?
Fábio: (olhou as plantas que eu mostrei de pré-moldados e disse) É a escada.
Fabiana: Na primeira fase a escada foi feita de um jeito e na outra fase foi
reformulada?
Fábio: É que não foi bem assim. Faz muitos anos, mas o Governador que era o
Abreu Sodré, por uma gentileza, ele aprovou 400 unidades, era o que se
conseguiu. Essas 400 ainda estavam ligadas a todo um conjunto de idéias
renovadoras, aí quando começou e partiu pra segunda, essa primeira era
quase que uma pequena amostra.
Fabiana: Era aquela parte mais perto da Dutra?
Fábio: Não me lembro. O terreno era muito maior. Tanto que algumas vezes,
eu tive um amigo que era muito bom e muito competente, que era chamado
Luis Antônio Pompéia que estudava coisas de cidade, eu trabalhei com ele
quase 20 anos, e nós fizemos propostasao CDHU, de utilizar as áreas que
XI
sobraram, e foram vários estudos, vários cenários construídos, claro que nesse
período de tempo, mudou tudo, aquele terreno que era o último terreno de
uma região deserta, alagaço, hoje aqueles prédios lá tem condomínio
fechado, tem guarda. (Fabiana: dez condomínios fechados) Essa moça
conhece tudo, se você encontrar com ela, porque ela mora lá (falando sobre a
arquiteta Solimar), ela sabe tudo. Eu to te contando a minha visão, a visão de
quem assinou tudo o que ta lá. Fiz todos os contratos levando porrada e eu
isolado, sozinho. A tentativa de transformar, quando você me perguntou, qual
era o interesse de fazer, a contribuição que esse projeto poderia dar em tudo,
na indústria da construção, por exemplo, eu pessoalmente mantenho uma
idéia, enquanto 1m2 de construção pesar uma tonelada, a tendência
obrigatória de redistribuir peso, reduz a carga de desgaste do meio ambiente.
Mas ela acabou como uma obra convencional, uma grande empreiteira
assumiu, ainda tivemos sorte quando o Falcão Bauer gerenciando, quando, por
exemplo, ainda no tempo do Zezinho, me lembro bem da conversa junto com
ele, as empreiteiras vinham apresentar propostas, Camargo Corrêa,
Odebrecht, todas essas, eu era a vítima do processo, eles tinham dez
advogados, e eu falei pro Zezinho, só aceito isso aqui, se eles tem dez eu
quero doze. Pra fazer um contrato, e eu já acompanhei contrato, o que é
complicado de um contrato é não ser prejudicial a uma parte. E, eu convidei
o Falcão Bauer e o Alfredo Paesani, que era meu sócio, no meu pequeno
escritório, pra garantir que o gerenciamento da obra ia ser descente, porque
a tendência no Brasil é tudo ir pro buraco, então com todo cuidado que você
possa fazer, o difícil é que seja correto.
Fabiana: Qual era o nome da empreiteira ou construtora que ganhou?
Fábio: A primeira... conversei com a cara ainda duas semanas atrás, hoje é a
ROSSI, o João Rossi, na época era ENGEVICS. Eu comentava com ele, e a gente
tava na reunião de um projeto... tive no escritório dele, e lembrei que ele
ganhou a concorrência. Houve grande intenção de marcar essa obra como
XII
um... não era pra ser bonitinha, seria uma linha de direcionamento para o
pensamento arquitetônico e de técnicas de construção pra sair da Idade Média
aqui no Brasil, mas é muito difícil e muito relativo porque quando se entra na
escala dos problemas e de necessidades, são problemas terríveis mas em
condições muito diferentes, não pode fazer todas as construções no Brasil com
o mesmo condicionamento técnico ou arquitetônico, você tem lugares no
Amazonas, no Ceará, até cidades grandes. Pra você ter idéia, por exemplo, eu
trabalhei dois, três meses na União Soviética, num grupo chamado Técnicas e
Materiais de Construção, era um grupo internacional, então visitamos
canteiros de obras de várias regiões da União Soviética, além de Moscou,
Armênia, Putzequistão (hoje Afeganistão), e outros lugares. Então tinha lá um
conjunto dez vezes maior que o Zezinho Magalhães Prado. Era um detalhe,
mais tinha um lá que tinha 400 mulheres, e fazia parte do grupo um amigo
meu cubano que falava muito bem russo, então começavam a fazer
provocações, então todas essas construções que eu vi a divisória era de gesso
e depois coloca papel, e diferente do Brasil, lá o gesso é o que sobrou de
gesso, ele é compactado com o que sobrou de lixo pra não ficar caro, então
tem cavaco de madeira, pedaço de papel, mas achei que a planta da casa, na
verdade, era muito feia...aí chamava as moças que trabalhavam e a gente
falava, olha nós achamos que essa planta...elas falavam, nós também
achamos, aí tanto que o vice diretor de obras, nós comentamos aqui com as
moças e elas concordaram que é muito ruim, ele ficou bravo e disse, só que é
o seguinte, nós não fazemos as plantas, todas são feitas em Leningrado, era
uma bosta de planta, com pré-moldado pesadíssimo, mas pesado como se
fosse obra de ponte. Pra você entrar num pré-moldado de habitação teria que
ter um... é claro que vai chegar no Brasil, mas tem que comprar de empresas
que eu acredito, que já a muito tempo estão pesquisando, Portugal, Espanha,
Itália e França, principalmente os Estados Unidos, e quando explodir vai ter
que chamar uma empresa dessas pra fazer milhões de obras no Brasil, porque
na Faculdade de São Carlos eu ouvi dizer que tem alguém interessado em
XIII
pesquisar e estudar, para isso teria que ter espaço, chão e dinheiro, tem nada
né, mas nós continuamos.
Fabiana: O projeto foi implantado em outras cidades do interior de São
Paulo?
Fábio: Não, eu tive com o Artigas, nós tivemos pesquisando em Americana,
que foi um desastre, era um prefeito horroroso, descordava de tudo que a
gente pensava e fazia, teve uma implantação de uma unidade pequena em
Jundiaí, eu acho que só, e depois a CECAP, não mais a CECAP, o CDHU, está
fazendo implantações em todo o Estado. (Fabiana: Mas não com o mesmo
projeto, mesma unidade?). Unidades, acho que todas as obras tem unidades
quase iguais, e quem tem na mão a incumbência de fazer alterações é o
CDHU, de resto só tem essas. (olhou a planta da unidade) Aqui tem uma
história acontecendo, essas paredes são removíveis, você tem facilidade de
manejo.
Fabiana: O como se chegou nessa unidade habitacional?
Fábio: Foi feita uma unidade, depois um conjunto de unidades, depois que se
passou a chamar de freguesia. Essa não era a planta original, a original... qual
que é o projeto do Oscar Neimeyer para Brasília do fim da década de 50,
também uma idéia interessante, mas é também dessas idéias, vamos dizer,
poéticas. Teve um projeto do Canadá, você faz como se fosse um contêiner e
monta um prédio, claro, não é fácil de fazer, principalmente o isolamento de
unidade, barulho. E a planta original era praticamente toda livre, e tinha uma
parede aqui que tinha fogão, tanque de lavar roupa, pia, e aqui tinha uma
argamassa armada, uma privada e depois um chuveiro e uma portinha, tipo
porta de marinheiro, bem bonitinha, essa eu que inventei. Essa planta eu
levei ódio mortal da equipe arquitetônica, e levei para o meu escritório, aí o
Artigas foi lá ajudar a complementar. Ele disse, uma planta como essa, para
XIV
milhares de família, que pela primeira vez sai de um mundo rural e que nunca
viram nada parecido, isso só poderia ser adotado se houvesse uma
experimentação, por isso se fez, a CECAP chegou a ter 100 atendentes sociais.
Admite-te que se faça esse espaço pra sua tia, pra você, se der errado é uma
unidade, mas pra fazer pra 12.000, tem que ser feito convencionalmente,
para grande ódio mortal do escritório, oficialmente eu não faço isso, era
muito mais bonita a planta, mas eu achei impraticável, é você brincar com a
responsabilidade, não dá pra se der errado joga fora 12.000, mas a população
que vai morar, ela vem de um outro mundo, é complicado. Faltou, vamos
dizer, no caso teve discussão, por exemplo, a geladeira que eu mandei fazer,
ela foi recusada. (Fabiana: mas é essa que tem o desenho?). Ela nunca foi
feita, a pesquisa de consultar, qual que era o problema da mulher daquela
época. Podendo ir na loja Mapin, hoje é a loja Bahia, ela poderia comprar e
pagar e vinte e quatro parcelas, porque ela vai aceitar uma que simboliza ela
ser pobre? O papa da propaganda na época era o Roberto Dualib, na época a
gente trabalhava junto, um cara de cinema, um de teatro, um de arquitetura,
pensando que ia fazer uma alguma coisa interessante, mas não aconteceu
nada. Aí eu falei, olha, a geladeira, um equipamento que a gente está
propondo, precisa de 5 vezes mais verba do que você ganha pra fazer
propaganda de uma marca estabelecida... e a pessoa consegue comprar em 20
parcelas a marca, é o consumismo. Mas imaginou se fizesse uma pesquisa,
como seria função da CECAP, função do CDHU, você passa a orientar
possibilidades, e avanço industrial, e avanço técnico-construtivo, que quem
paga pra desenvolver já viu a antevisão que a coisa é possível, todo avanço na
escala da coisa grande é complicado, ou você avança quebrando tudo, que é
errado, o fato de ter que pesquisar e que é obrigatório é muito chato, precisa
de tempo e até hoje não tem pesquisa.
XV
Fabiana: As paredes foram feitas pelo método convencional?
Fábio: Blocos de concreto. E as divisórias em gesso. O piso, por exemplo, foi
estudado. Tinha uma empresa no Rio de Janeiro, claro que havia pisos de
rolo, tipo Paviflex, permitia que você colocasse sobre o concreto colocasse o
material, mas é de baixa durabilidade. Até hoje é difícil encontrar um piso de
boa qualidade, bonito, de fácil manutenção, e que não seja muito caro. O
Brasil precisa de 8, 10.000.000 de habitações, cada habitação tem 50 m2 de
piso, se você botar na escala do número, é uma produção industrial que vai
levar uns 50 anos pra acontecer, enquanto não tem usa o tijolo, raspa terra,
tem que carregar, tem que botar num forno que é gás, gasolina ou óleo, tem
que carregar, que é um peso, tem que colocar no caminhão, que é um peso
que estraga o pavimento da rua, vai subir 2, 3 até 10 andares, é uma loucura,
as pessoas assentam de qualquer jeito, depois com a massa você corrigi. Com
essa arquitetura da moda em São Paulo, que é a mediterrânea, é muito usada
por uns tipos de pessoas, é a mais barata que existe, assenta o tijolo, depois
põe a massa de qualquer jeito, aí fica bem ondulada.
Fabiana: E a metragem do apartamento era maior do que o convencional?
Era um apartamento grande para a faixa que ele atingi.
Fábio: Eu acho que não. Esse daqui tem uns 50 m2, era o mínimo. Qualquer
casa chamada popular a 40 anos atrás, sempre foi grande, hoje em qualquer
cidade aí, a casa popular tem 40 m2, mas as casas eram grandes, com quintal,
essa daqui é pequena. Mas repetir 12.000, o objetivo era 12.000, mas não
deu. Então acho que eu dei uma visão aberta de tudo.
Fabiana: Na época tinham alguns arquitetos que eram da oposição de
vocês?
XVI
Fábio: Na época tinham poucos arquitetos no Brasil, mas havia um
posicionamento político no Brasil inteiro, a chapa que eu fui presidente era
exatamente de quem não fazia acordo com nada.
Fabiana: E com relação ao Sérgio Ferro e o Rodrigo Lefrève?
Fábio: Ah não. O Rodrigo e o Sérgio Ferro, e o Sérgio Souza Lima, é dessa
época, pouco depois, sessenta e poucos, tinha na FAU uma discussão muito
interessante com o Flávio Império também. Mas é uma coisa muito pontual,
uma discussão entre os estudantes, essa coisa de escola que ninguém sabe,
que ninguém conhece, não tinha importância nenhuma. A importância é no
mundo acadêmico. Não importou em nada no processo, na política, eram
pessoas excepcionalmente interessantes, competentes, com muita coragem,
que faziam uma pesquisa particular dentro da FAU, sobre coisas em geral.
Claro que com visão política, de espaço e de mundo, faziam técnicas
competentes e bonitas, mas não lembro de nada do...
Fabiana: Nessa época do Debate na FAU eles não tiveram nenhuma
importância? Não eram contra?
Fábio: Esse debate. Você tem uma cópia de um debate, que só quem conhece
é você que tem essa cópia e mais quarenta pessoas, essa que é a lástima. O
Joaquim Guedes levantou uma questão aí sobre habitação, foi citado nesse
debate, mas você nota que ninguém tem certeza de nada, mostra uma coisa
que você está fazendo, mas não é verdade, como se fosse uma pesquisa que
ninguém nunca irá fazer. Não é aquilo que está acontecendo, nem aquilo que
está marcando o que está acontecendo. Que nem a obra de Guarulhos, a
CECAP de Guarulhos, ta lá com portaria, etc..., claro que mudou tudo. O
próprio Aeroporto de Guarulhos, que ainda não está completado, gera ali
normalmente 40, 50.000 empregos, e o bom é o pessoal morar perto né, em
todos os sentidos, se tiver ainda em condições agradáveis. O avanço na
XVII
chamada técnica de construir, na maneira de projetar habitação social virou
comércio.
Fabiana: Depois do conjunto teve alguma diferença.....?
Fábio: Não porque não existir, a não ser como pontualmente em Cumbica,
porque pra existir tem que ter, como é que você vai usar uma técnica de
construir que é inovadora e tem um custo em cima do que o mercado permite
acontecer. (...) Por isso que ela é super rebuscada, com todo direito e toda
razão.
Fabiana: Por que não foi construído na totalidade, do que foi proposto?
Fábio: Foi feito 5.000 e era tido como um absurdo. Era tido como um sonho,
absurdo, até com ódio. Os números eram terríveis, pra você ter uma idéia, é
muito bonito você fazer um projeto, projeto típico de arquiteto, põe área
verde, tem o famoso espaço vazio ou verde, o prédio de Guarulhos, e eu estou
te contando com detalhes porque era a minha função, tinha 500.000m2 de
área verde, o que acontece, eu tinha que administrar e fazer essa área verde,
eu precisa orçar e ter o projeto, o que eu não consegui. Eu tinha um plano de
pesquisa que seria, na minha opinião, o primeiro espaço de área verde para
um conjunto de habitação ou cidade brasileira, não era brincadeira, parecia
piada, pra que serve área verde, não serve pra nada a não ser pra gastar
água, até proibido fazer manifestação, é um cenário para edifícios. Precisa de
uma pesquisa, que tipo de jardim fazer que dê para usar, que seja bonito, na
época era muito importante que não gastasse muita água. Tudo o que
consegui, dos paisagistas chamados, é que faziam o projeto, quando ia se
orçar na época, a área verde mais barata na época eram 20 dinheiros,
multiplicado por 500.000 era um número de louco. Em uma escala pequena
você fazia uma casa popular e plantar uma árvore que logo morre. Mas se
fizer 10.000 com 10 m2 cada, dá 100.000m2, nunca vai ter dinheiro pra fazer,
XVIII
não entra na mentalidade política gastar pra área verde. Então é muito
complicado, quando você fala na escala do grande, o verde é que leva pau.
Fabiana: Mas hoje tem várias praças entre os condomínios?
Fábio: Tem nada! Eu digo área verde cada um fez o seu, mas implantar uma
obra não vai ter verba nunca. Primeiro que era curioso, pois era 500.000 m2
de área verde, você passava vergonha. É fácil você dizer área verde, mas
quando você assumir que a área verde vai existir, você tem que saber o que é
a área verde, que tipo de área verde é essa, se falava até que devia se fazer
uma pesquisa no cerrado, também poderia ser uma pesquisa muito bonita. O
que é o jardim brasileiro? Nós não temos. As universidades teriam que ter
pesquisas nessa área de pessoas relacionadas ao paisagismo. Se você fizer
paisagismo de um condomínio, mas se for para as novas cidades brasileiras, se
você botar uma população daqui a trinta anos, tem que colocar tudo que
existe.
Fabiana: E as garagens foram pensadas desde o início sob os pilotis?
Fábio: Pilotis é pra colocar carro mesmo. (Fabiana: Por que tinham desenhado
umas áreas de garagem na rua.) Por isso que eu disse pra você que era tudo
um sonho. Quem iria imaginar que o operário lá ia ter automóvel. Eu conheço
uma história, quando foi aberta a avenida 9 de Julho em São Paulo, o prefeito
era Fábio da Silva Prado, nome interessante, e duas pessoas estavam com o
prefeito, um deles foi que me contou, vendo o escritório da prefeitura e tinha
um cara muito jovem lá, que era o Prestes Maia, e com uma maquetinha
muito precária, que o Fábio perguntou, o que é essa minhoquinha, aí o
Prestes Maia foi explicar que era uma maquete na avenida 9 de Julho, que ela
abriu em 40, então isso deve ter sido em 37 ou 38. Ele perguntou, quantos
metros tem? - Por que você acha que aqui vai ter tanto carro que nem Paris
(prefeito). Porque na época Paris era o auge, aí teve um comentário que
XIX
mandaram reduzir pela metade, a original era o dobro. O pilotis é charme,
poderia ter deixado o pilotis que foi uma invenção, uma discussão do
Corbusier interessantíssima (...) posso dizer que ninguém pensou em
automóvel na época, imagina o cara ganhava um salário mínimo na época,
quem ia ter carro? Hoje cada um tem dois. Hoje qualquer lugar você compra
um caro pagando R$ 80,00 por mês, porque que existe essa indústria mal
fadada que é a indústria do automóvel, porque o cara deixa de comer de ter
melhor vida pra ter um automóvel, é uma máquina de consumismo. Hoje lá
cada um tem dois, ainda deve alugar do vizinho. Hoje o aluguel lá, bom da
última vez que eu tive faz uns três anos, o nome dela á Solimar, ela sabe de
tudo e ela mora lá, é R$ 1.500,00 o aluguel lá, quando ficou pronto a
prestação era R$ 7,00, eu tinha um desenhista que tinha muito problema, eu
disse compra por esse preço por mês, e na época a mulher dele disse, imagina
se eu vou morar nesse lugar.
Fabiana: Então não houve nenhum tipo de interação de áreas verdes?
Fábio: Se tivesse área verde seria ótimo, mas era um negócio de terra. Como
eu ti falei, no CIAM feito na Grécia em 1940, ou antes, eles falavam, os
verdes, as ruas, não sei o que... balela, conversa mole pra boi dormir. Mas os
arquitetos pensam assim, então o cara vê área verde, como é que se faz o
verde? Vai chamar o Burlemarx, não tem como. Ele ia fazer o conjunto lá do
Pedregulho, imagina só que legal. O verde é um detalhe curioso, mas pra você
fazer numa pequena habitação tudo bem. Mas pra 1.000, 10.000, 100.000
precisa fazer um novo estudo pra saber o que ela é. Entre desenhar e vir aqui
fazer há um muro limitante, quando não existe essa realidade da pesquisa, o
trabalho do arquiteto perde a base. (...) Vou te contar uma história, quando
eu estava na CECAP, houve uma interrupção de todo programa a rede de
televisão e rádio no Brasil, e o presidente da república, que eu chamava de
“Mérdici” apresentou um plano fantástico de habitação, era o PLANAP,
afirmou que com ele teria 680.000 habitações com condições de
XX
financiamento especial, para São Paulo caberiam 380.000, então o governador
logo fez uma reunião pra assumir a parte de São Paulo e teve que chamar
quem? A CECAP que era a única organização oficialmente montada para isso,
aí então o que fez a CECAP, de cara comprou nove carros oficiais novos, na
CECAP só se fazia política para se eleger deputado amigo, etc. Aí montaram a
diretoria, etc. E aí houve uma reunião com os novos diretores e eu estava
presente. Eu vinha da construção, não tinha um perfil popular, mas aí eu
disse, antes de começar a reunião gostaria que cada um pegasse um lápis e
um papel, e antes de começar eu quero contar uma história que é uma piada,
mas é muito importante: no tempo do Vargas, quando ele não sabia se ficava
do lado da Alemanha ou do lado dos americanos, todo mundo aguardando, ele
quase ficou no lado dos alemães mesmo, tinha muito mais a ver o Brasil fazer
acordo com Hitler do que com os americanos, e a Europa tava perdendo a
guerra, aí resolveu ficar do lado dos americanos, então o navio dos
americanos no porto esperando para fazer festa, o navio entrou no porto e
não demos as obrigatórias salvas de canhão pra saldar um navio amigo que
entra, e logo prenderam o tenente da marinha, então perguntaram a ele, o
senhor tem alguma justificativa que explica seu ato, tenho 17 motivos,
primeiro que não tinha pólvora. Então, 380.000 habitações que o Estado foi
conferir, vamos admitir que cada uma delas seja menor terreno que existe,
seja 5 metros de frente por 10 de fundos, 50m2, bota um pouco de calçada,
de rua, um hospital um dia, praça, vamos multiplicar esse número por
380.000, tem terreno, tem razão de fazer, tem quem possa pagar, tem
desenvolvimento? Senão tem terreno como é que vai fazer casa? Acabou
reunião e nunca mais se falou no assunto. Então quando se constrói aqui,
alguma coisa, tem um terreno aqui e outro lá, um terreno ta ligado à rede de
transporte importante, porque o terreno é muito caro né. Sem ter um projeto
é muito difícil fazer uma obra competente, pra ser bem feito só pode ter
conhecimento adquirido por pesquisa, não adianta ser genialmente brilhante
pra escrever área verde, como é o caso de Corbusier na Índia, porque eu era
uma das poucas pessoas que já tinham ido lá. O Corbusier era um arquiteto
XXI
suíço, na verdade não era arquiteto, nem se formou, personagem colonialista,
e foi fazer uma cidade no sertão da Índia, que é Koudjabi e Mariana, eu vi lá
no projeto na parede que tinha escrito área verde, e não tinha uma árvore lá,
e a Índia é um lugar que tem mais árvore no mundo, tem mais arvore que
gente, lá num tem porque ninguém gostou, não foi feito, mas está escrito
área verde, faça-se.
Fabiana: E com relação à cobertura do conjunto habitacional? A argila
expandida?
Fábio: A argila expandida é uma solução que também deveria ser muito
estudada, a idéia era do Balcão Bauer, eu aprendi que era possível... por
exemplo na casa do Teru Temaki, mau grande amigo, meu sócio de 40 anos,
ainda ontem estive na casa dele, é uma laje pré comum, vão de 7 metros,
mais simples do mundo, tem trinta e poucos anos a casa, deixa o ambiente
agradável, uma camada e tijolo, outra de concreto, deixa curar, endurecer o
concreto, não é nem concreto, em cima do tijolo não é concreto não tem
ferro nada, deixa embaixo d’água, a uma tendência de o material se contrair,
se você deixar água o que acontece, pelo vapor evapora tanto a água que dá
problema, então as bolinhas de argila expandida mantém sempre uma
umidade em volta, deu perfeitamente. Eu tinha feito uma solução dessa,
experimental, eu fiz no projeto do Clube Harmonia em São Paulo, que tem 40
metros por 40 metros, com vão livre, com Falcão Bauer meu amigo. O motivo
principal era que ia colocar o que em cima de uma obra muito pretensiosa, e
tinha contra-flexa, então dividimos em setores, e fundido o concreto, cobre
d’água, fica curando o concreto dez dias embaixo d’água e assim
foi...vazamento não deve ter. Mas é possível fazer, mas ninguém queria, uma
vez, por exemplo, eu discuti isso na Bulgária, com uns amigos meus, eles não
queriam acreditar porque achavam que eu era “porra-louca”, queria provar,
mas não acreditavam.
XXII
Fabiana: Na época foi uma solução inovadora ou já estava sendo feito esse
tipo de cobertura?
Fábio: Devem ter feito, deve ter lugar no mundo que deve ter feito, não tem
nada novo. Inovador...é como uma coisa que eu li ontem, o cavalo perguntou
se Deus existe? Uma coisa pra pensar depois. Você pode ter uma laje sem
nada, a proteção, o calor mexe na laje claro, ali foi por um charme! Só que
era um pouco arriscado, uma coisa de obra pública você não pode arriscar pra
ter um erro, ainda que bote telha de barro, o que for, desde que aceitem,
mas não pode ter erro. O atual diretor da FAU Chico Savaia, colocou telha de
fibrocimento em cima da FAU do Artigas, quando ta frio ninguém agüenta
embaixo, quando ta calor também ninguém agüenta, aquele domus precisa de
um espaço para ventilar, entra pó, fica um pó que ninguém pode usar o
espaço, é um raciocínio.
Fabiana: Tiveram duas fases de construção do conjunto?
Fábio: Teve a generosidade do governador que admitiu fazer as 400 unidades,
que é nada para 12.000.
Fabiana: E elas foram construídas em que ano?
Fábio: Olha, sei que foi antes de 70, 69, que nós iniciamos em 1967, quer
dizer já são 40 anos, mas é por aí (...) só que não acabou, chegou a uns 40%
do previsto.
Fabiana: eram previstos hospital, escolas, creches....
Fábio: Da mesma forma como eu lhe expliquei, a maneira de encaminhar esse
projeto foi morar totalmente isolado, como se fosse alto suficiente, mas o
certo era Guarulhos.
(...)
XXIII
Fabiana: E sobre as cores da fachada, como foi o estudo?
Fábio: Isso também é muito curioso, vou te contar, a obra já tava licitada e
tinha que começar, mas pra fechar esse monte de fachada, a pintura tinha um
peso, mas tinha que escolher a cor, quem que escolhe a cor. Um dia no
escuro, isso é uma história antológica, tava o diretor, o Paulo Seixas Queiroz,
de obra, tava um office boy nosso, o Chiquinho, a doutora Giselda e eu, e o
chato do vendedor de tintas de uma empresa holandesa, aguardando. Aí eu
pedi pra Giselda pegar a fachada do prédio, fazer uma, duas, três.....linhas
que são os armários, desenhar e me passar, tiras de papel, e contei uma
história que só essas pessoas ouviram, tem que resolver a cor do prédio, eu
falei, a mocinha do interior chegou na loja de armarinho e pediu pro menino
preciso de uma escova de dente, então ele perguntou “que co qué” e ela
respondeu “caqué co”, essa foi a história. Aí eu falei, vamos usar as cores
básicas. A Giselda fez aquela tira, eu peguei a tira solta e embaralhei
aleatoriamente, e depois peguei a tira e montei em cima da fachada, então
ficou com um modo assim, assim, assim (mostrou no papel), cada uma das
cores com suas tonalidades tinha T1, T2 .....até T8. Aí pegamos uma cor,
vamos dizer, o vermelho, e o holandês da tinta dizia quais eram e assim foi
feito. Se você fizesse como projeto, chamaria uma pessoa que faria um monte
de cálculos, eu fiz em 5 minutos no momento que tinha que fazer. A Giselda
conta muito bem essa história. O Artigas me dizia que eu nunca seria
professor, porque quando chegava uma coisa dessa eu fazia e não dava
explicação, eu resolvo. Depois que ficou pronto teve muita gente que foi tirar
fotografia e tal, um jornalista escreveu que o Artigas devia ter pensado nas
cores de Mário de Andrade, ele nem viu nada! Foi uma história engraçada. Mas
as cores mudaram, precisava de algo com durabilidade melhor, geralmente
são tons muito pálidos que duram mais, lá as cores eram fortes, o azul não
dura três períodos de sol e chuva.
XXIV
Fabiana: O senhor sabe quando virou loteamento fechado?
Fábio: Foi acontecendo, os moradores assim que vão tendo uma identidade
vão se isolando e vão se fechando.
XXV
ANEXO 2
Entrevista com a arquiteta Maria Giselda Cardoso Visconti, realizada dia
09/04/2007, no apartamento da arquiteta, com início às 14h30 da tarde.
Entrevista realizada por mim, contando apenas com a presença de nós duas.
Giselda: Terminei a faculdade em 1958. Assim que me formei, prestei
concurso e comecei a trabalhar no Departamento de Obras Públicas. Depois de
três anos, fui para a França, como bolsista do Governo francês fazer um curso
de”Industrialização da Construção”. Quando voltei, estava indicada para
participar do projeto do Conjunto Habitacional, na CECAP. Nos 12 anos que lá
fiquei aprendi muito. Trabalhei no CONDEPHAAT, convidada pelo Ruy Othake,
então Presidente do Conselho, onde permaneci por 4 anos. Depois voltei para
o DOP. Comecei a dar aulas no Curso de arquitetura da FAAP há 14 anos. Fui
chefe do Departamento de Projetos e Coordenadora do Curso.
Fabiana: Com relação a obra do conjunto, a senhora era diretora de
projetos de arquitetura da CECAP, e na obra era responsável pelo que?
Giselda: Era responsável pela coordenação dos projetos e preparação das
concorrências. A cada etapa de obra o projeto era revisto. Na primeira e
segunda etapa a estrutura foi executada pelo sistema tradicional, na terceira
etapa a estrutura foi reformulada, usando fôrmas metálicas.
Fabiana: Não foram feitos protótipos?
Giselda: Dos equipamentos domésticos, somente o protótipo da geladeira foi
feito pela Industria Clímax, em São Carlos. Para a terceira etapa da
construção, estudamos caixilho de alumínio em conjunto com o Liceu de Artes
e Ofício do qual foi feito protótipo.
XXVI
Fabiana: Então o maior grau de industrialização foi na terceira etapa?
Giselda: Sim. Execução da estrutura e paredes com fôrmas metálicas, escada,
pré-fabricada, caixilhos de alumínio, modulados. Daí fizemos uma terceira
concorrência, aí com sistema estrutural com forma metálica, mas com o
Governo sempre é difícil,mas todos devem trabalhar porque a experiência é
que vale a pena, a gente tem oportunidades que não tem em outros. Como a
concorrência foi por melhor preço, os dois tipos de estrutura ficaram em
concorrência, a tradicional e a outinord, e ganhou a outinord que era metálica
e formava um U, era bem rápido e muito interessante.
Fabiana: Por que na época foram escolhidos esses arquitetos de renome,
Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha?
Giselda: O Artigas foi convidado a elaborar o projeto do Conjunto
Habitacional pelo então Superintendente da CECAP, Zezinho Magalhães Prado.
O Artigas convidou o Fábio Penteado que convidou o Paulo Mendes da Rocha.
Fabiana: Em que época eles convidaram o Paulo Mendes da Rocha?
Giselda: Foi no início dos trabalhos, no final de 1967.
Fabiana: Quais foram às dificuldades para a realização do conjunto? Parte
política? Industrialização?
Giselda: A dificuldade, na minha opinião, foi obter o financiamento do Banco
Nacional da Habitação.
Fabiana: A obra era bem racionalizada?
Giselda: A qualidade da obra e o cumprimento dos prazos determinados,
resultou, em grande parte, foi programação da obra.
XXVII
Fabiana: E sobre as cores da fachada? O Fábio disse que estava junto a
você na hora da escolha das cores.
Giselda: Para cada edifício, dos oito que compõe um setor da freguesia, foi
escolhida uma cor predominante sobre as quais foram estudadas cinco
tonalidades. Todas essas cores compõem as fachadas.
Fabiana: O que eram exatamente as freguesias?
Giselda: Foi a denominação que o professor Artigas achou mais apropriada.
Fabiana: A administração já era condominial, apenas não era cercado como
hoje?
Giselda: Cada setor da freguesia foi registrado como um condomínio, antes do
inicio das vendas.
Fabiana: Tem alguma coisa no conjunto, olhando hoje em dia, que não deu
certo? Que a teoria era boa, mas na prática não se realizou?
Giselda: As freguesias não eram cercadas, mas com os problemas de
segurança, cada setor, hoje é gradeado e possui portaria.
Fabiana: Hoje lá virou moradia pra classe média, quais os fatores que
influenciaram?
Giselda: A valorização da região foi muito grande, especialmente com a
implantação do aeroporto. Na primeira fase da obra, o valor do metro
quadrado de construção correspondia a um salário mínimo da época, era
possível a população que tivesse renda familiar entre 3 e 6 salários mínimos,
adquirir um apartamento, Atualmente a população que mora no conjunto é da
classe média.
XXVIII
Fabiana: As divisórias sempre foram de gesso?
Giselda: Na primeira etapa foram utilizadas divisórias de fórmica e nas outras
placas de gesso.
Fabiana: E os armários eram pra ser feitos? Ou era só proposição?
Giselda: Os armários, na terceira etapa, foram completados com divisórias,
prateleiras e portas.
Fabiana: Esse projeto, com o mesmo desenho de unidade foi implantado
em outra cidade do interior?
Giselda: O projeto representou importante contribuição para outros projetos
de conjuntos habitacionais da CECAP.
XXIX
ANEXO 3
Entrevista com o arquiteto Geraldo Vespasiano Puntoni, realizada dia
17/07/2007, na residência do arquiteto, com início às 15h15 da tarde.
Entrevista realizada por mim, contando apenas com a presença de nós dois.
Geraldo: Eu, a Giselda e o Ruy Gama éramos funcionários do Departamento
de Obra Públicas (DOP), e o Ruy Gama já estava assessorando e era
comissionado pela CECAP, ela pertencia a Secretário dos Negócios do
Trabalho, na ocasião, e ela financiava obras para operários, trabalhadores.
Então, surgiu esse projeto e o Ruy Gama sentiu que precisava aumentar o
número de membros da equipe, aí ele foi no DOP convidar arquitetos pra
participar da obra, aí eu e a Giselda aceitamos o convite pra trabalhar lá.
Fizemos parte da equipe e ajudamos a fazer os projetos fisicamente.
Fabiana: Porque era interessante sair do DOP para participar desse projeto
na CECAP?
Geraldo: Era interessante porque, nós éramos arquitetos no DOP e a gente
fazia projetos lá, e quando surgiu essa oportunidade de fazer um grande
projeto de edificações, porque no DOP a gente fazia projeto de escola, posto
de saúde, reformas de prédios tipo fóruns. (...) Foi no plano do Carvalho Pinto
que se incentivou a construção de escolas e criou o fundo estadual de
construção escolar, ligado a Secretaria da Educação, e eu fui trabalhar lá,
depois voltei para o DOP, aí eu achei interessante como objeto de trabalho,
trabalhar em programas de habitação, aí aceitei o convite para ir pra lá. No
fundo estadual eu era comissionado, e lá eu fui trabalhar como funcionário do
Departamento de Obras Públicas, então tinha até uma diferença de honorários
e salários, eu era funcionário público, mas a equipe que era contratada era
diferente, os desenhistas que trabalhavam para a CECAP ganhavam mais do
XXX
que nós arquitetos. Mas de qualquer maneira foi muito interessante. O Ruy
Gama andou filmando o Super 8, que é todo o processo do projeto, talvez
exista esse documentário na FAU – USP. O Ruy Gama foi um cara muito
importante, porque ele no Departamento de Obras Públicas, era um cara que
tentou organizar as normas técnicas de quando o departamento começou a
produzir, inclusive o caderno de encargos, o Ruy Gama foi o cara que
começou a sistematizar esse tipo de apropriação, então ele era um casa muito
interessado em pesquisa, tanto é que depois ele foi professor da FAU, fez um
livro sobre tecnologia, infelizmente já morreu, mas foi um cara muito
sistemático, na produção de conhecimento e técnicas construtivas e essas
coisas todas. Aí nós fomos trabalhar lá, eu já tinha trabalhado, quando
estudante, no escritório do Artigas, aí que eu conheci o Artigas, o Fábio
Penteado, como a comunidade de arquitetos era muito pequena, a gente
conhecia todo mundo. Saia da escola, estudei na FAU USP, na Rua Maranhão e
ia pro IAB. Então todos esses arquitetos, quando não eram nossos professores,
eram membros do IAB. Então o Artigas foi meu professor, o Paulo Mendes eu
conhecia do IAB, a gente tinha um convívio muito grande, nossa classe era
bem comunicativa, via sempre eles falarem e conversarem, o que era muito
interessante. Agora o projeto em si, foi projetado visando um tipo de classe,
e acabou desviando o foco, no final foi ocupado por outro tipo de classe. Até
que o andar dos pilotis foi transformado em estacionamento.
Fabiana: No começo não era pra ser estacionamento sob os pilotis?
Geraldo: Não. No começo eram só pilotis, ninguém previu estacionar carros,
inclusive o projeto tinha um plano mais ambicioso, inclusive eu fiquei
encarregado de projetar, o arquiteto era o Artigas, mas eu era uma espécie
de assistente dele na elaboração dos projetos das escolas, então se fez
projeto de escola, de um centro comunitário, estádio de futebol, centro
comercial, e nada disso foi executado. E se cogitava na ocasião, o Fábio
Penteado deve ter comentado isso com você, que se comentava em entregar o
apartamento equipado de geladeira, fogão, essas coisas todas...naquela época
XXXI
a família do Fábio era proprietária dos fogões Dako e a gente tinha feito
alguns orçamentos e chegamos a conclusão de que valia a pena fazer o
apartamento com esses equipamentos, mas aí surgiu uma questão, e foi
contratado o serviço da mulher do Alfredo Paesani, a Eugênia Paesani. A
Eugênia que era socióloga fez o levantamento de o que as pessoas que iriam
entrar nos apartamentos consumiam, na época ela fez várias pesquisas nas
lojas da época, tipo o que seria hoje as Casas Bahia, e ela descobriu que quem
eram os maiores compradores de fogão e geladeira era essa classe. Então se
chegou a conclusão que seria um absurdo as pessoas pagarem por
equipamentos que elas já tinham, então a gente acabou com essa idéia de
apartamento equipado. E desse ínterim se desenvolvia um projeto de pré-
fabricação, nisso participou muito o Paulo Mendes da Rocha e o Arnaldo
Martino, aí começou a fazer um projeto paralelo em transformar os edifícios
em pré-fabricado, e tem todo o executivo disso, e tentou se regimentar pela
Camargo Correa, uma firma que se propunha a construir porque era forte,
conversou-se muito com a Camargo Correa e ela tava interessada em fazer a
pré-fabricação, mas a gente sabe que o pré-fabricado absorve mão-de-obra na
indústria, na fábrica, e pela política do BNH exigia que a obra fosse de modo
tradicional, pois tinha dinheiro da CECAP e do BNH na obra. (...) O grande
feito da CECAP foi a própria administração do Zezinho, o discernimento, o Ruy
Gama que tinha a sensibilidade. O Ruy Gama é o pai ideológico, ele que fez
com que o Zezinho contratasse o Artigas, ele foi uma pessoa chave, ele era a
pessoa certa, no lugar certo. O Ruy Gama era como se fosse o cliente da obra,
e ele influenciou o Zezinho, porque o Zezinho poderia até pedir projetos para
o DOP, mas o Ruy salientou a importância do projeto ser significativo,
expressivo, um ponto de pensamento, então foi muito importante a presença
do Ruy, tem que enfatizar sempre isso.
XXXII
Fabiana: O Ruy Gama era responsável pelo que dentro do projeto?
Geraldo: Ele era o coordenador das atividades dos arquitetos junto a CECAP,
ele não desenhava, ele era o assessor do Zezinho, então ele que era a
comunicação, e possibilitou até a contratação, tanto é que foi ele que
documentou.
Fabiana: Até quando o senhor participou da CECAP?
Geraldo: Até começar a licitação, antes das obras. Eu recebi um convite
irrecusável e fui trabalhar na CESP, depois fui pra EMURB.
Fabiana: Eu gostaria de saber se tinham arquitetos contra a posição de
vocês no trabalho da CECAP?
Geraldo: Com certeza. Um cara que era muito contra era o Joaquim Guedes,
ele achava que os prédios tinham que ser todos de papelão, paredes pré-
fabricadas leves, porque o Guedes sempre foi contra o Paulo Mendes da Rocha
e o Artigas.
Fabiana: E sobre o Rodrigo Lefèvre e o Sérgio Ferro?
Geraldo: Esses não se manifestavam. Eles eram “cavaleiros da távola
redonda”, eles estavam em outro tipo de experiência, até porque o Artigas
eram comunistas e eles eram trotskistas, sei lá o que eles eram, eles tinham
divergências políticas, mas eles respeitavam o Artigas, tanto é que na reforma
da USP eles não foram contra. Eles eram omissos com relação a CECAP, não
que eles não tivessem idéias, mas nunca escreveram nada contra.
Fabiana: Foi importante participar da CECAP, principalmente com esses
arquitetos?
XXXIII
Geraldo: Foi significativo, importante, porque lá a gente recebia a
incumbência e projetava realmente, não é que era “pau mandado”,
evidentemente que os projetos de escola o Artigas que tinha as idéias
preliminares, mas eu que fiquei encarregado de grande parte dos projetos das
escolas, isso porque eu já tinha trabalhado no Fundo Estadual de Construções
Escolares, já tinha um gabarito muito grande nessa área. Eu participei da
primeira equipe do Fundo Estadual de Construções Escolares. (...)
Fabiana: O que deu certo na construção do conjunto?
Geraldo: Na parte construtiva, foi se conseguir fazer um projeto em que se
introduziu pilotis, já tinha isso, mas a sistemática de o térreo ser todo livre,
esses princípios, eram quatro andares, a interdependência, preocupação com
orientação e ventilação, essas normas todas construtivas, ser colocado em
licitação um projeto executivo e não um projeto básico, tendo todos os
detalhes. Foi a primeira vez que eu vi ensaios de materiais, pela assessoria
técnica do Falcão Bauer, acabou refletindo no mercado. O estudo das cores, a
Giselda participou disso, o cuidado. Na época tinha se pensado um
abastecimento de água direto, sem caixa d’água. O sistema de cobertura,
muito interessante. Uma série de coisas que foram ensaiadas. Na época pilotis
tinham em dois conjuntos, um em Santo André e o Pedregulho, era muito rara
a idéia de não usar o primeiro andar.
Fabiana: A idéia de se fazer um conjunto com tantos conceitos novos, não
seria interessante ter reproduzido mais esses conceitos?
Geraldo: É complicada essa questão. A CECAP fez um projeto em Jundiaí com
o Artigas, e a CECAP tinha uns projetos de casas que ela contratava arquitetos
só pra fazer locação, o óbvio dela era isso, mas o Zezinho não conseguiu
impedir os prefeitos do interior que pediam pequenos conjuntos de serem
realizados.
XXXIV
ANEXO 4
Entrevista com o engenheiro Fernando Gonçalves, realizada dia
05/04/2007, no escritório do arquiteto Mário Savioli, com início às 9h00 da
manhã. Entrevista realizada por mim, contando com a presença de Mário
Savioli.
Fernando: Bom, eu sou o engenheiro Fernando Antônio Ramos Gonçalves, o
pessoal me conhece por Fernando Gonçalves, sou engenheiro civil, formado
pela Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, em 1967, e eu tenho minha
vida metade no setor público, metade no setor privado, e uma passagem que
me orgulha muito é o período que eu estive lá na CECAP, que é hoje o CDHU,
eu fui pra lá em junho de 1971 e fiquei até fevereiro de 1977, e foram 6 anos
de um trabalho muito interessante. A história lá começa em junho de 1971,
quando eu fui encarregado de coordenar a parte de implantação das primeiras
unidades, que é hoje o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, e era
o chamado Condomínio São Paulo. Eram 480 unidades e em fevereiro de 1977
quando nós saímos, estavam construídas 3.720 unidades, então a gente se
orgulha muito desse fato. As primeiras 480 unidades, era um trabalho
interessante porque a gente aprendeu muito, até em questão das técnicas
construtivas, dificuldade na implantação, havia umas inovações importantes,
principalmente estrutural, os prédios sem baldrame, eles tinham uma
concepção que as próprias vigas na verdade travavam os três andares e o
conceito de shaft, tão em voga hoje, já tinha sido proposto naquela ocasião,
portanto a 40 anos atrás, e também as divisórias em gesso, que hoje chama
dry-wall. E eu queria contar um detalhe interessante, a uns três anos atrás,
eu fui visitar lá o conjunto com o meu genro, e ele trabalhava na INPAR, e
hoje ele ta na GAFISA, ele tava todo entusiasmado com dry-wall, e nas
conversas familiares ele falava que eu deveria conhecer, aí falei pra ele, esse
negócio eu conheço há 40 anos atrás, ele disse que não era possível e era
XXXV
coisa recente, aí levei ele lá. Foi uma visita muito interessante, porque eu
não me identifiquei inicialmente, só cheguei lá e disse que eu gostaria de
conhecer e tal, até porque eu tinha receio, de repente aparece um cara aqui
e diz que ta cheio de problema, 40 anos depois e de repente eu sou
apedrejado aqui, mas o porteiro disse o seguinte, quem é o senhor, aí eu me
identifiquei e a surpresa foi muito agradável, que eu fui recebido
fidalgamente, tava lá o síndico, depois eu fui ver o apartamento, e no
apartamento me receberam muito bem, cafezinho e tal, e meu genro ficou
abismado com o que ele viu, ele disse, é isso que a gente ta fazendo agora!
Pois é, estou ti dizendo, coisas que vocês estão dizendo pra mim que são
novas, recentes, que são o up to date da construção, no Zezinho Magalhães
Prado foi introduzido há 40 anos atrás. É o avanço, fruto de uma equipe de
projetos de melhor nível, e como a equipe acompanhava a evolução mundial,
e procurava alavancar e trazer pro Brasil o que existia de mais moderno. A par
disso, nós tivemos lá um fato que eu julgo da maior importância, que depois
de 40 anos está todo mundo lá, com manutenção adequada e perfeitamente
habitável, que foi a fiscalização da obra e o gerenciamento da obra, e eu acho
que também foi uma inovação na ocasião, trazer um laboratório de controle
de qualidade do nível do Falcão Bauer para gerenciar um conjunto tido como
popular. E com um detalhe, a baixíssimo custo, hoje quando eu ouço falar em
gerenciamento de obra, escuto falar em 5 ou 6 % do valor da obra, no Zezinho
Magalhães Prado o gerenciamento da obra foi feito um contrato com o Bauer
por 1% do valor da obra, isso envolvendo controle de todos os materiais e o
gerenciamento da execução, com detalhes muito interessantes, eu comentava
agora pouco aqui com o Mário, a respeito de uma especificação de
fechaduras, que nenhuma empresa brasileira passava, então, La Fonte na
época que ra a top e ainda é, não atendia as especificações da CECAP, e o
Bauer desenvolver uma maquininha que controlava, acionava as fechaduras
dos trincos, e a especificação exigia que a fechaduras resistissem a 100.000
acionamentos, nenhuma ultrapassava 45.000/47.000 acionamentos, inclusive
a La Fonte, e nessa ocasião, abriu-se o mecanismo e verificou-se que tinham
XXXVI
alguns elementos, especialmente um que acionava a lingüeta, que era em
desamaqui, então a proposta foi fundir no lugar do desamaqui em bronze e aí
foi pra 140.000 acionamentos, e a La Fonte passou a incorporar na linha dela
a inovação, que foi um avanço tecnológico ditado pela obra. Então veja que
estava na frente. Outra que foi interessante também foi caixilhos, e essa eu
tive uma participação importante, inclusive levei um mandato de segurança
que nós vencemos. Foi na segunda fase, nós já tínhamos desenvolvido com o
Bauer, desculpe, o Bauer tinha desenvolvido um equipamento para testar
caixilhos, onde simulava chuva, vento e ação simultânea de chuva com vento,
onde o caixilho começa a tremer, isso em termos de ruído e vedação, então
uma das condicionantes para atender a especificação era passar pela máquina
do Bauer, e era um desastre porque ninguém passava. (Mário: Era menos
máquina e mais tecnologia, os testes eram mais de tecnologia do que de
máquina) Isso, exatamente, e o que aconteceu, o fato de ter que passar pela
máquina do Bauer mudou todo conceito de caixilho, todo mundo teve que se
ajustar, e passou a ser exigido das obras, inclusive comerciais de
incorporações, passar pela máquina do Bauer, e aí aconteceu um fato muito
interessante, que é essa passagem, já na segunda fase, não eram mais os 480
apartamentos, era uma quantidade maior, foi feita a maior concorrência que
se tem conhecimento no Brasil, de fornecimento de caixilhos. Era um
pouquinho mais de 7 quilômetros de caixilhos, concorrência nacional e eu me
recordo disso, porque eu presidia a comissão de licitação, e componente da
comissão, nunca me esqueço disso, Maria Giselda Visconti que era chefe de
projetos (foi diretora da faap), e o Dr. Bento Vidalgo, que era um advogado
de excelente nível, já falecido. E foi muito interessante, porque no momento
da licitação eu tinha uma empresa de Brasília (Tabatinga), uma empresa de
São Paulo importante que era a Ficher, que inclusive forneceu toda a
estrutura do Anhembi, e tinha o Liceu de Artes e Ofícios, e na abertura dos
envelopes houve um problema porque a Ficher impugnou o Liceu de Artes e
Ofícios, alegando que ela não pagava os impostos totalmente porque era uma
escola, e como escola tinha algumas isenções, e portanto não havia isonomia
XXXVII
no processo licitatório, só que as certidões, os atestados de todas elas
estavam perfeitas, e eu como presidente da comissão, meu interesse era ter
maior número de licitantes e eu homologuei o resultado homologando os três,
contra a impugnação da Ficher, e a Ficher entrou com mandato de segurança,
um professor da Universidade de São Paulo foi o patrono, nós nos defendemos
e ganhamos o mérito. Na licitação, o concorrente atendeu, portanto não tinha
motivo para ser desclassificada. A questão de isonomia tributava extrapolava
o nível da comissão, vai discutir isso no Supremo Tribunal Federal, em outra
esfera, aqui está editado. E acabou o Liceu ganhando realmente e foi um
fornecimento de muito sucesso, de bons resultados, passou na máquina do
Bauer e está lá até hoje. Nesse momento aconteceu outro fato que também
muito importante, nós mudamos as especificações dos caixilhos, que eram de
ferro para alumínio, isso foi no começo da década de 70, e um fenômeno que
até então não se constatava em São Paulo, começou a aparecer, algo muito
parecido com chuva ácida, principalmente lá em Guarulhos, onde o ferro
sofria uma ação muito próxima da maresia, a ponto dos portões daquele
centro comunitário, da escola que foi feita, dos gradis, em meses aparecer
corrosões enormes, e aí vem o mérito talvez da CETESB, dos órgãos de
controle ambiental que conseguiram reverter de certa forma isso em São
Paulo, mas naquele momento isso detectado inclusive lá, nós decidimos então
mudar a especificação e introduzir o alumínio, que é mais leve e tem um
custo um pouco maior. E o terceiro detalhe que me parece chamar a atenção,
foi no momento que fomos entregar as primeiras 480 unidades, o conjunto foi
construído num padrão tão popular, ele atendia, veja só que interessante,
aquele padrão que hoje é praticamente de classe média, as primeiras
unidades atendiam favelados, a ponto que foram contratadas oito assistentes
sociais pra preparar os futuros moradores para viverem no apartamento,
porque o conceito dele, era um conceito dos mais rudimentares, a ponto de
quando falava de vaso sanitário, eles pensavam que era um lugar para por
flor. Então, para se tirar alguém de um barraco de favela e trazer para um
apartamento, precisava quase que doutrinar a família, e esse trabalho foi
XXXVIII
feito por oito heróicas assistentes sociais...teve um caso de um apartamento
de 65m2 uma família com 11 foi morar lá, precisava de triliches e
quadriliches, e conseguiram colocar 11 pessoas dentro. O que se lamenta
depois disso, é que me parece que o sucesso foi tão grande, que grande parte
ou a maioria desses primeiros moradores acabaram vendendo, saindo de lá,
vendendo com ágio, e saindo de lá não sei se voltaram para os barracos, e por
outro lado deu um up grade no conjunto habitacional, cuja origem era ser
destinadas as pessoas de baixa renda mesmo. E depois do meio para diante,
aconteceu um fato interessante, que foi a definição de Cumbica, e a própria
execução do aeroporto, que aconteceu depois do Zezinho Magalhães Prado,
promoveu uma grande mudança nos moradores do conjunto, o fato de ter um
aeroporto ali, o conjunto passou a ser procurado por aeroviários, que não
eram os aeronautas, aeronauta é a comissário de bordo, comandante, tal...o
aeroviário é aquele que trabalha no solo do aeroporto, check-in, e houve uma
demanda imensa, e hoje o conjunto é, segundo me informaram, que é um
local muito procurado pelos aeroviários, para residir pois fica próximo ao
aeroporto. E houve um detalhe também que eu preciso contar, porque é uma
historinha muito interessante, nessa ocasião de construção do conjunto nós
tivemos notícia de que aquela ponte, tem uma ponte ali ao lado do Zezinho
Magalhães Prado na Via Dutra, e que houve uma licitação em que a
construtora Alvi Círio tinha ganho pra fazer a nova ponte, sobre o rio
Baquirivu, e eu fiquei sabendo daquilo, e eu conheço um pouco do
planejamento da grande São Paulo, e eu me lembrei que o rio Baquirivu o
que é hoje a Hélio Schmidt, que é um acesso, é uma das marginais,
provavelmente você não saiba disso, no conceito original do plano estratégico
para São Paulo, ela é um pedaço do Rodoanel, do grande anel rodoviário no
conceito que veio da época do Figueiredo Ferraz e o ....de Freitas, São Paulo
teria dois anéis, o pequeno anel e o grande anel rodoviário, o rodoanel atual
não fica nem no grande nem no pequeno anel, ficando intermediário, o
grande anel circundaria São Paulo, a Grande São Paulo na altura de 40 km da
praça da Sé, um trecho dele é a interligação Anchieta/Imigrantes, do alto de
XXXIX
serra, outro trecho dele seriam as marginais do Rio Baquirivu. Ao perceber
que iriam fazer uma ponte, e essa ponte ia ser construída no mesmo nível da
antiga, se o aeroporto fosse ali mesmo, o acesso estaria comprometido porque
o gabarito não seria suficiente, peguei um avião e fui ao Rio e por uma
circunstância favorável, sorte, o diretor do DNER, chamava-se Olegário
Nogueira de Sá, meu parente lá de Minas e eu não sabia que era parente,
porque a minha avó tinha o sobrenome Nogueira de Sá, aí perguntei o senhor
é de Baipendi, minha família é de Baipendi, então nós somos parentes porque
minha avó de Baipendi, é Nogueira de Sá...aí ficou tudo mais familiar. E eu
desenvolvi meus argumentos e disse para o Olegário que ele estava
cometendo um grave erro, São Paulo tem previsto ali um anel rodoviário, se o
senhor vai fazer a ponte nova, construa já prevendo a possibilidade de lá
passar o anel rodoviário. Ele aceitou a tese e mudou o projeto, elevando o
gabarito a 5,50 m, que é o gabarito rodoviário, isso explica porque que
naquele local a Dutra faz uma corcova, da Ayrton Senna, do lado do Zezinho
Magalhães vai ver que ela sobe depois cai do outro lado.
Fabiana: Lendo eu não consegui saber exatamente o que era a CECAP? O
que ela já tinha feito até o conjunto?
Fernando: A CECAP foi constituída como uma autarquia, chamava-se Caixa
Estadual de Casas para o Povo, no governo Abreu Sodré, por iniciativa de um
Deputado Estadual chamado Zezinho Magalhães Prado, natural de Jaú,
representante da região de Jaú, e o Zezinho Magalhães Prado foi o primeiro
presidente da CECAP, e o conceito dele era criar casas que atendessem as
necessidades da baixa renda, naquela época havia no Governo Federal uma
instituição chamada Fundação da Casa Popular, o grande problema era que
como não havia correção monetária, e havia uma inflação galopante, as casas
financiadas pela Fundação da Casa Popular ou pela própria Caixa econômica
do Estado, na verdade não eram financiadas, eram dadas, porque era juro de
tabela pratice, sem correção, então foi financiado em 20 anos, com uma
XL
inflação maluca, no final a prestação ficava de 20 centavos, da moeda da
época. Na verdade a Fundação da Casa Popular, ela não se auto sustentava
porque ele não tinha reposição adequada, em 1964, no governo militar foi
incidido o mecanismo da correção monetária e foi criado o BNH, então a
partir daí passou a se criar um financiamento que tinha condição de se auto
sustentar, que é o que perdura até hoje. Quando o BNH foi extinto no
Governo Collor, a carteira foi transferida para a Caixa Econômica Federal,
então os recursos vinham do tesouro do Estado inicialmente, através da Caixa
Econômica do Estado de São Paulo, e era uma autarquia, ela trabalhava com
recursos públicos.
Fabiana: E que obras foram feitas antes do conjunto?
Fernando: O grande sonho do Zezinho foi esse de Guarulhos, começou tudo
ali, depois se expandiu para o interior, e nós fizemos nesse período de seis
anos, conjuntos habitacionais em 132 municípios, isso na minha gestão, eu era
o diretor responsável por projetos e obras. Eu comecei na autarquia, depois a
autarquia se transformou em empresa, no lugar da Caixa Estadual de Casas
para o Povo, ela se transformou em Companhia Estadual de Casas Populares,
que em seguida passou a ser a Companhia de Desenvolvimento e Habitação
Urbana (CDHU), entendeu-se que além de construir as casas havia outro
problema que era a urbanização do bairro, e inclusive para suprir água,
esgoto, infra-estrutura viária, etc. Então se decidiu que os financiamentos
eles não só atenderiam a casa, mas também atenderiam a urbanização, além
do que deram outras funções que eram substituindo parte do DOP, e que
agora fez segmento com a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOESP).
Fabiana: E porque deu esse nome ao conjunto?
Fernando: Porque o Zezinho Magalhães Prado morreu e a obra dele ficou
interrompida, e ele morreu entre 69 e 70, mas eu não estava na CECAP ainda,
XLI
porque eu fui pra CECAP na transição do Governo do Sodré para o Laudo
Natel, quando o Governador Laudo Natel assumiu foi indicado o
superintendente da autarquia, depois o presidente o Dr. Juvenal Juvêncio,
que hoje é o presidente do São Paulo Futebol Clube, e o doutor Juvenal me
convidou então, eu tava na DERSA, eu era o gerente da Anchieta/Imigrantes,
o primeiro gerente da Anchieta/Imigrantes, e eu fui convidado pra ir
coordenar a implantação do Zezinho Magalhães Prado, e pra mim foi uma
grande honra porque essa época, 1971, eu tinha 28 anos, então uma
responsabilidade importante num momento que eu tinha todo o pique. Então,
o Juvenal deu segmento ao trabalho iniciado pelo Zezinho Magalhães Prado, o
Zezinho Magalhães Prado morreu de enfarto, ali na Brigadeiro, ele jantou ali
na pizzaria Urca, foi pra casa e teve o enfarto.
Fabiana: Como foram escolhidos os arquitetos para a obra, o Artigas, o
Fábio Penteado e depois o Paulo Mendes da Rocha?
Fernando: É uma boa questão, eu não sei ti dizer. Naquele momento, isso foi
logo depois da revolução de 64, havia um tumulto na área acadêmica, alguns
professores afastados, e o Zezinho Magalhães Prado, ele foi eleito pela UDN,
que era um partido de direita, mas um partido de direita com uma visão
nacionalista, tanto que o conceito da UDN, o slogan era “eterna vigilância”,
ou seja, era uma fiscalizadora dos atos públicos. Mas ele tinha uma grande
preocupação social, e ele foi buscar no meio acadêmico expoentes, em
termos de arquitetura, e que tivessem também essa visão social, ou seja,
naquela época se dizia que visão social se confundia com uma visão de
esquerda, apesar de ser um homem de partido de direita, e era muito comum
isso, e tem uma coisa que eu preciso ti falar, que me deixa indignado, eu
escuto muito esquerdinha de hoje, ocupando cargos importantes do Governo,
e eu diria pra você o seguinte, hoje eu vejo, em determinadas situações, mais
perseguições do que houve lá, proporcionalmente, eu perdi três colegas nessa
ocasião, isso também me revoltava, mas eles eram elementos ativos, sem
XLII
dúvida nenhuma. Então, há uma situação aí, que historicamente ela precisa
ser revista, principalmente pra vocês jovens. A história contada, eu tenho
lido, não corresponde a história que eu vivi, agora pode ser que eu até esteja
enganado. O que eu via, como é caso do professor Artigas, um homem que foi
caçado na função acadêmica nessa época, da mesma forma que foi Fernando
Henrique Cardoso, só que o FHC foi embora e o professor Artigas ficou, e o
professor Artigas o Zezinho Magalhães Prado o abrigou para ele construir o
conjunto, com mais um detalhe, dos últimos meses do CECAP, eu me lembro
que nós fazíamos muitas brincadeiras com o professor Artigas porque ele
passou a projetar pro exército, ele projetou um quartel em Macapá, porque
ele caiu nas graças, e tinha um coronel lá gostou do trabalho dele e
resolveu... A gente brincava muito com ele, dizia, pois é o senhor que é amigo
dos milicos aí. Não sei se o Artigas trouxe o Fábio, mas o Paulo Mendes da
Rocha com certeza. O Artigas e o Fábio tinham escritório no mesmo prédio, no
IAB, na Bento Freitas, e o Fábio foi presidente do IAB, inclusive durante o
processo revolucionário. Inclusive nessa passagem, agora uma piadinha, fala
com o Fábio que ele confirma, o Fábio era presidente do IAB Nacional, e o
secretário do IAB Nacional era irmão do Ministro de Relações Exteriores, que
era Silveira, do governo militar, e o irmão do ministro era o Silveirinha, que
não se afinava com milicos, apesar de o irmão ser...E como tinha
interceptação telefônica, os grampos né (isso vale como piada), o Silveirinha,
quando o Fábio pedia pra ele fazer uma ligação, Silveirinha liga lá pra mim
pro fulano, a hora que ele ia passar a ligação ele falava no telefone: -
Atenção, atenção, vai falar o presidente do IAB, gravando!!!!! Detalhe, um dia
o FMI chama perguntando porque estava fazendo esse tipo de ironia?
Fabiana: Quais as dificuldades na realização da obra?
Fernando: A dificuldade de sempre eram recursos, mas depois que o BNH foi
implantado, e a própria Caixa Econômica Estadual fluía os recursos, não era
fácil aprovar os projetos, mas os recursos vinham. (Mário: com relação às
XLIII
fundações, era um brejo lá, era alagada a região). Mas a maior dificuldade
que tivemos foi implantar água, esgoto e pavimentação, que era
responsabilidade da prefeitura de Guarulhos, e aí tinha um jogo político que
tinha que ser feito, como Guarulhos tinha base aérea, o prefeito de Guarulhos
era escolhido pelo Governo Central, era o interventor, e o Juvenal habilmente
vivia telefonando pro interventor dizendo o seguinte, olha nós vamos
inaugurar agora a próxima fase e o Presidente da República vem inaugurar, eu
não posso inaugurar aquilo lá sem água, sem esgoto, sem pavimentação, vocês
precisam fazer alguma coisa lá, aí ele falava, se o Presidente da República
vem eu faço, e fazia, assim a gente conseguia que fosse implantado. Detalhe
é que o presidente nunca foi lá.
Fabiana: Quanto tempo durou a obra e em quantas etapas foram feitas?
Fernando: Essas 3.720 unidades elas começaram...., quando eu cheguei em
junho de 71, elas estavam nas fundações das primeiras 480 unidades, quando
eu saí em fevereiro de 77, estavam em acabamento, estavam sendo entregues
as últimas das 3.720 unidades. Depois disso, que eu saiba não foi construído
mais nada, só o Hotel De Ville.
Fabiana: Quais as empreiteiras e construtoras responsáveis pela obra?
Fernando: Por toda a obra foi a Rossi. A Rossi existe (plano Cem), o dono da
Rossi era e ainda é a família Cupoloni, João Rossi Cupoloni e o Edmundo
Cupoloni, e o diretor técnico era o Roberto Ari. Quem tocava a obra era um
engenheiro chamado Manoel Carvalheiro.
XLIV
Fabiana: Por que houve mudança no projeto? Escadas?
Fernando: Dessa fase eu não participei. Eu, quando cheguei, o conceito já era
de apartamentos de três andares sob pilotis, e as fundações já estavam em
execução. (Mário: mas essa parte eu respondo depois, porque eu saí em 79).
Fabiana: Com relação à cobertura com argila expandida?
Fernando: Aquilo lá é uma questão técnica, qualquer concreto, desde que ele
não sofra dilatação durante o processo de cura, ele não tem porque trincar.
(Fabiana: Mas já era usada essa cobertura, ou a idéia veio de fora?). Não, ela
foi um avanço, mas foi uma idéia até do Bauer, do pessoal que tava
acompanhando a obra, e foi um risco assumido e que deu certo, o problema
era manter o nível d’água. Durante a fase de cura do concreto é fundamental,
mas o conceito depois era o seguinte, se não for mantido com insolação,
propaga dilatação, retração e começa a parecer fissura e começa a entrar
água, então o grande receio era não deixar secar a água, depois que foi
entregue a responsabilidade ia ser do condomínio e que pagava pela água,
porque a água era fornecida pelo serviço de água de Guarulhos, e aí então,
começou a se desenvolver umas bóias, que a água mantivesse o nível, mas não
tinha altura, então você precisava, mas a bóia batia no fundo, então precisou
ser desenvolvida bóia plana, para que ela pudesse ter sensibilidade, e a bóia
travava, se a bóia não ficar mexendo sempre o eixo trava, então precisava ir
lá ver a bóia, ver se a laje secou ou não secou, isso era um problema. Outra
coisa que aconteceu foi o seguinte, no projeto houve uma proposta muito
interessante, foi de estufar o apartamento, os armários eram projetados pra
fora, embaixo dos caixilhos, uma forma de aproveitar o espaço interno, e
então criava um pequeno balanço e a alvenaria de bloco de fechamento
trincava, e pela movimentação, pela trinca, entrava água, aí nos apanhamos
bastante. (Mário: mas foi substituído isso depois) Mas os primeiros nós
apanhamos. E o material era bloco com argamassa de cimento e areia, e
XLV
pintura externa e acrílico, que era uma resina, que tinha por finalidade
impermeabilizar, como ela era rígida, trincava.
Fabiana: Qual era o grau de industrialização da obra? Tinha muita coisa
pré-moldada ou pré-fabricada?
Fernando: Não. (Mário: o projeto inicial eu descobri acidentalmente lá
dentro, era todo pré-moldado e tinha uma perspectiva explodida, mas o BNH
não consentia que isso acontecesse). Bem lembrado, nessa ocasião, nós
recebemos inclusive uma visita de uma construtora francesa que tinha feitos
conjuntos habitacionais enormes na União Soviética, em Moscou, eles se
propunham...a Camargo Correia se propunha a trazer essa tecnologia
outinord, e o BNH vetou porque ia tirar emprego da construção civil, numa
faixa de renda que precisava de emprego, na medida que se industrializasse ia
substituir de não formação profissional, por mão-de-obra com formação, mão-
de-obra industrial, e isso ia gerar desemprego, então a preocupação foi de
manter o emprego na construção civil (...).
Mário: O segundo calculista chamava Zé Luís, ele substituiu as alvenarias dos
armários por vigas, daí a gente estava em uma reunião e o pessoal falou, olha
não dá pra fazer isso, e o Artigas falou, dá sim, e calculou na hora e falou, eu
quero essa viga aqui, o Artigas tinha isso (...).
Fernando: Depois a Rossi criou uma estrutura tubular, onde ela fundia uma
laje em três dias. Montava, fundia com cura a vapor, fazia os testes e ensaios,
e desformava em três dias, e tinha nervuras.
XLVI
Fabiana: Gostaria de saber se tinham relatórios mensais da obra e se tinha
algum tipo de fiscalização?
Fernando: Foi extremamente controlado. O mecanismo funcionava assim, o
Bauer fazia todo material que entrava na obra passar por ensaio, então era
aprovado pelo Falcão Bauer, a qualidade do material. O Bauer mantinha na
obra o Fausto Marioni, era um tecnólogo que acompanhava toda a execução,
com uma marreta na mão, quando uma parede estava mal executada ele já
chegava e derrubava, ele era odiado na obra pelos mestres. E a gente tinha
um grupo de profissionais que acompanhava o trabalho que era executado
pelo Bauer, porque ao acompanhar, esse pessoal era treinado para os 132
conjuntos que estavam espalhados, que era uma escola de formação para os
outros conjuntos.
XLVII
ANEXO 5
Entrevista com o arquiteto Mário Savioli, realizada dia 05/04/2007, em
seu escritório, com início às 10h30 da manhã. Entrevista realizada por mim,
contando apenas com a presença de nós dois.
Fabiana: Para uma apresentação, qual foi a sua participação na CECAP?
Mário: Meu nome é Mário Savioli, eu sou arquiteto, formado pelo Mackenzie
em 75, eu entrei na CECAP em 1973 como estagiário e eu estava no 3º ano da
faculdade. A estrutura da CECAP era muito pequena, era um prédio de 4
andares da Oscar Freire com a Avenida Rebouças, quem desce a Rebouças, a
primeira esquina á direita, era um prédio acanhado com um elevador só, no
quarto andar ficava a diretoria, no terceiro andar ficava o departamento
técnico, no segundo andar ficava a área ilustrativa, ficava os psicólogos, os
sociólogos, e essa equipe toda. Quem me levou para a CECAP foi o Fernando e
me apresentou a Giselda e me colocou já na sala de desenho, com uma pessoa
que tecnicamente era excelente, que era um iugoslavo chamado Stirpan
Dragutini, você encontrou o Stirpan? Ele morou no condomínio São Paulo, acho
que no primeiro apartamento do condomínio São Paulo. Naquela época eu
tinha uns 23 anos, o Stirpan devia ter uns 70 anos, a formação dele era
engenheiro civil, era arquiteto, e dizia que era engenheiro naval, e o Stirpan
que desenvolvia toda a parte de escritório, a parte técnica, desenhava todo o
sistema viário, fazia todas as previsões de cotas, de locações de estacas, e
fiscalizava a gente no processo de desenho. Ele e a Giselda com a assessoria
do Paesani é que acabaram montando toda a parte técnica do projeto no
escritório, eu nessa época era desenhista e ajudava esse pessoal todo a
preparar as licitações, quando eu entrei só havia o condomínio São Paulo, esse
já tava executado, pronto e não havia mais problemas, eu comecei a pegar da
segunda implantação em diante. O Fernando já ti contou isso, mas ele não
XLVIII
contou sobre o abastecimento de água do conjunto, que é uma caixa central,
toda a água vem da rede, vai para os apartamentos, porque os prédios não
têm caixa d’água. A água vai para a caixa central, quando ela acaba na rua,
há uma válvula de retenção, e da caixa d’água a água desce e abastece os
apartamentos. (...) O Fernando não lembra desse detalhe, mas a mudança das
escadas aconteceu da seguinte maneira: eles quiseram industrializar o
conjunto (isso é pós Fernando), então eles montaram um sistema de formas
de aço, fundiam uma laje, colocavam a forma de aço, fundiam outra laje...,
isso eles conseguiram resolver, o que eles não conseguiam resolver era como
colocar a escada, porque se eles fundissem a escada, a lança do guindaste não
conseguia colocar a escada entre os dois prédios, então o projeto da escada
foi refeito várias vezes e durante muito tempo ficou da maneira artesanal, e
quando o projeto foi refeito, isso em 78, para que as outras fases fosse
prontas, porque mudou muito da estrutura do projeto, aí não havia mais BNH
pra trazer problema com mão-de-obra, aliás a mão-de-obra já era mais
escassa, nessa época já havia o controle maior da tecnologia do concreto,
então as peças que estavam dando problemas, trincas, foram substituídas por
vigas de concreto. Se você olhar hoje esses últimos prédios, o que naquele
tempo era alvenaria e fazia os fechamentos dos armários externos daquelas
faces coloridas, passou a ser uma viga de concreto que fazia parte da
estrutura do prédio, então os armários foram de tal maneira assimilados pelo
apartamento, o fechamento dele, foi à própria viga de concreto que passou a
sustentar o prédio, isso já nessa última fase, tanto que alguns detalhes
deixaram de existir, esses armários eram segmentados, eles passaram a serem
contínuos, e essa foi à montagem dessa última fase. Eu estou contando tudo
isso, porque quando o Fernando saiu quem praticamente gerenciou o processo
fui eu, na medida em que a Giselda passou a ser a Superintendente de toda a
área de projeto da CECAP, e a CECAP se expandiu e foi para todo interior, a
partir do conjunto. Quando a CECAP deixou de ser autarquia e virou
companhia, ela se expandiu atendendo os planos do governo. Se você olhar as
obras da CECAP na verdade tem conjuntos de 20 casas, de 50 casas...depois a
XLIX
CECAP foram anexando outros parques, então a Giselda não tinha mais tempo
de cuidar de tudo, os últimos projetos, as últimas licitações fui eu que cuidei
de tudo, daí entrou o Paulo Maluf e mandou embora o Alfredo Paesani,
Giselda e outras pessoas e eu acabei pedindo demissão, eu ia ficar fazendo o
que lá? Esses conjuntos habitacionais que tinham as casinhas não
interessavam, neste momento eu já estava formado a quatro anos, então em
79 eu acabei saindo da CECAP junto com eles.
Fabiana: Você ficou até o final da terceira etapa da construção do
conjunto?
Mário: A terceira etapa eu não vi sendo construída, mas eu preparei todo o
projeto para que eles fossem construídos. Mas a CECAP na verdade a partir
daqueles pequenos conjuntos e desse conjunto se tornou uma grande fábrica
de conhecimentos, porque os arquitetos que estavam lá e era uma equipe
grande, os arquitetos foram se tornando extremamente competentes no
projeto, no desenvolvimento, na metodologia de habitação popular, de tal
maneira que não só a implantação passou a ser interessante, mas como a
unidade, as pequenas unidades começaram a ser estudadas. Se estudou
formas metálicas, se estudou toda tecnologia possível, no limite, quando a
gente tentou baratear, o processo inflacionário era terrível. Então nós fomos
barateando todas as unidades eliminando o que havia de mais caro até que um
dia a gente apareceu com um desenho que era um fio, um soquete com um
paninho amarrado num arame, e o pessoal perguntou, porque o paninho
amarrado no arame? Você pega o paninho e vira a lâmpada, o paninho é pra
não queimar a mão. Era uma forma de ironia do o projeto, aí nesse momento
eu saí da CECAP e não sei mais... A Denise entrou um ou dois anos depois de
mim, está na CDHU até hoje, mais a melhor pessoa que tem informações lá
dentro é a Irene Borges Rizzo, que inclusive fez Mackenzie comigo, e ela
inclusive é diretoras lá dentro.
L
Fabiana: No começo foram feitos desenhos de protótipos, porque não
deram certo?
Mário: Embora a nossa industrialização tenha sido implantada no começo do
século XX, a industrialização da época não era grande coisa, e os arquitetos
mais velhos, além de projetarem as casas eles projetaram o mobiliário
também, se você pegar esse projeto do Artigas você vai perceber isso, agora a
grande finalidade era diminuir, viabilizar e reorganizar os espaços dos
apartamentos, esse era o grande objetivo, mas acabou não dando certo, a
indústria acabou resolvendo isso de uma maneira muito mais eficaz que os
desenhos dos arquitetos. Então o projeto teve que se adaptar ao projeto
industrial, eram muito mais baratos esses equipamentos. Quando você olha os
croquis dos apartamentos, você percebe fogão, geladeira, todo o mobiliário
(ver croquis), isso daqui era um armário de separação da cozinha, e esta daqui
era a estrutura em nervura, isso que eu perguntei pro Fernando e ele não
lembrava, eu acho que nas últimas partes não há mais nervuras. Pelo processo
de fundição de lajes, as nervuras foram eliminadas, então é um detalhe que
você tem que ver. Então você vai ver três fases de apartamento: o São Paulo
com 1320 que fechavam a primeira quadra, porque o São Paulo era um prédio
só, os outros três acabaram fechando a quadra, a segunda eram 1920
apartamentos que fechavam aquela quadra, então cada um deles tem uma
alteração no processo construtivo, ou seja, de incrementação tecnológica, no
processo descobriu o que dava certo e o que não dava.
Fabiana: Qual era a importância de participar na época desse projeto?
Mário: Olha, quando eu fui fazer estágio, tive algumas opções, mas primeiro
trabalhar com Artigas, com Fábio, com a Giselda, trabalhar nessa equipe eu
achava fantástico, imaginei o que eu ia aprender, e de fato eu aprendi muito
com esse pessoal todo. E o Paulo Mendes da Rocha, toda vez que falam dele,
eu só lembro do Paulo no rodapé dos autores do projeto, mas o Paulo pouco
freqüentava a CECAP, o Fábio Penteado era constante.
LI
Fabiana: O que o Paulo Mendes da Rocha contribuiu?
Mário: Ele trabalhou na equipe que montou o projeto, tinha o Paulo Mendes
da Rocha e tinha o Arnaldo Martino também, que é um arquiteto excepcional
também. Mas o que importava pra mim na época era trabalhar com a equipe
porque o projeto não era tão divulgado, nem tão pouco conhecido.
Vagarosamente, os arquitetos foram se apropriando do que estava sendo feito
em Guarulhos, um projeto modernista, pioneiro, projeto inclusive que fez o
Artigas ser premiado no exterior. Você acredita que vinha gente de tudo
quanto é lugar do mundo visitar o conjunto, vinha gente do Senegal, daqueles
países mais pobres da África.
Fabiana: Eu vi uma foto do começo do conjunto que tinham marcas de
garagem na rua, eu não entendi se era pra ser na rua ou sempre foi
pensado embaixo dos pilotis?
Mário: Inicialmente era embaixo dos pilotis. Agora o pessoal foi mudando pra
lá foi adaptando o prédio, foi personalizando o prédio. O Fernando foi, achou
interessante, mas eu não gostei do que vi, dessa figura final que está o
conjunto, o Governo da época deveria ter investido em antenas coletivas,
devia ter se preocupado com as telecomunicações, você olha lá, a imagem do
conjunto é fria, é cheio de antenas com pontinhas de alumínio, são díspares
da imagem do conjunto, que é um projeto limpo, um projeto moderníssimo,
cheio de detalhes mais com grande eficiência, hoje eu acho que na verdade
esse conjunto deveria ser tombado, deveria ter um investimento do Governo
para que algumas coisas fossem arrumadas, arranjadas, reorganizadas, aquele
conjunto não está com a mesma beleza plástica que tinha no começo.
Fabiana: Essa divisão em condomínios fechados perdeu o sentido?
Mário: Perdeu. Tinha a história das freguesias, e as freguesias tinham
comércio. A única coisa que eu desenhei e que eu não gostei foi da cadeia,
LII
mas o conjunto tinha uma concepção muito bonita, e eu acho que se houvesse
uma cerca deveria ser em todo o conjunto e não separando as freguesias. Eu
acho que nesse caso, o conjunto de Guarulhos deveria ser preservado. Um dos
motivos que a gente fez mudanças, é que os armários trincavam muito e
foram substituídos por vigas de concreto exatamente por causa disso, quando
fez essa mudança mudou também muita coisa da concepção estrutural do
projeto, mas continuava sem baldrame. A viga do primeiro andar fazia as
vezes do baldrame. Mas a lógica do Artigas tinha razão de ser, ele alegava o
seguinte, para que serve os baldrames? Para sustentar as paredes que vão em
cima, então vai ser sem baldrame. O prédio tem que ser o mais leve possível,
por isso que não tinha caixa d’água, por isso que não tinha telhado, as
paredes eram inicialmente de Pumex
2
e depois de dry-wall.
Fabiana: E de onde veio essa tecnologia das divisórias?
Mário: Olha eu não soube ti dizer, na verdade a CECAP era um grande centro
de pesquisa, as pessoas estavam envolvidas nesse projeto, a própria indústria
trazia materiais. Eu tinha lá um monte de tijolos da Pumex, e não foi a CECAP
que se propôs a Pumex, mas sim a Pumex que se propôs a CECAP. Então
algumas coisas, como o empreendimento era muito grande, a indústria da
construção civil começou a propor as coisas, o caminho se inverteu, daí os
materiais eram levados, e o Falcão Bauer fazia análise dos materiais,e aí
falava isso serve e isso não serve. Ficou um leva e traz, a indústria trazendo
para a CECAP e a CECAP propondo a indústria, num momento isso ficou tão
fluente que a gente não sabia mais quem tava propondo o que pra quem.
2
Pumex, hoje conhecido de Siporex, é um concreto celular autoclavado (CCA), fabricado no Brasil desde 1957. O
produto é obtido por processo industrial, com a mistura de cimento, cal, areia e outros materiais silicosos, aos quais
se adiciona alumínio em pó. A Autoclavagem - cura a vapor sob pressão de 10 atmosferas e temperatura de 180º - é a
fase mais importante do processo.
LIII
ANEXO 6
Texto doado pelo arquiteto Fábio Penteado no dia da entrevista com
ele, porém não se sabe a data que foi feito (200?) e nunca foi publicado, mas
foi escrito por ele e pela arquiteta Giselda Visconti. Esse texto abaixo apenas
reproduz o original.
Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado
Texto: arquiteto Fábio Penteado
O projeto CECAP – Guarulhos começou em 1966 no momento da posse
do Governador de São Paulo, Abreu Sodré, durante a tradicional festa de
distribuição de cargos públicos, entre os agregados políticos e afins, quando o
novo Governador, nomeado pelo Governo militar se deu conta que havia
esquecido entre os beneficiados seu velho amigo, Zezinho Magalhães Prado,
ex-prefeito e ex-presidente do Clube de Futebol XV de Jaú.
Para remediar, Sodré ofereceu ao amigo uma pequena e quase
esquecida autarquia, a CECAP – Caixa Estadual de Casas para o Povo – criada
em 1949 para desenvolver programas de política habitacional no Estado de
São Paulo, que em seus 18 anos de existência havia construído 40 (quarenta)
habitações populares, as primeiras no município de Paulo de Faria.
Já como novo presidente da CECAP, Zezinho, como gostava de ser
chamado tomou medidas surpreendentes, começando por incorporar à sua
“nova CECAP” uma grande área de terreno (2 milhões de m2), antiga
propriedade da Caixa Econômica Estadual, localizada no município de
Guarulhos – grande São Paulo, nas proximidades do local onde mais tarde seria
construído o Aeroporto Internacional da Cumbica, agora André Franco
Montoro.
LIV
Impacto maior ele causou ao apresentar proposta para construir
naquele terreno, um Conjunto Habitacional, integrando 10 mil unidades de
moradia, destinadas à abrigar trabalhadores sindicalizados com renda entre 2
e 6 salários mínimos.
Nas áreas do Governo do Estado a idéia parecia um delírio e a própria
Direção do banco Nacional de Habitação – BNH, recém criado, quando
procurada, ameaçou não analisar o projeto, duvidando de sua viabilidade.
Zezinho ainda teve o mérito, de convidar o arquiteto Vilanova Artigas
para desenvolver os projetos de urbanismo e arquitetura e eu tive a sorte de
ser convidado pelo Artigas para ser o seu parceiro e de convidar o Paulo
Mendes da Rocha para também assumir conosco a direção dos trabalhos. Foi
montado um Escritório Técnico junto à antiga Sede da CECAP na Avenida
Brigadeiro Luis Antônio, que começou contando com os arquitetos Giselda
Cardoso, Geraldo Vespasiano Puntoni e Ruy Gama, funcionários do extinto
Departamentos de Obras Públicas – DOP, e a Giselda aceitou assumir a
coordenação do novo escritório.
Com o início das atividades a equipe foi se ampliando com a chegada
dos arquitetos Arnaldo Martino e Renato Nunes e os trabalhos eram
acompanhados por profissionais ou empresas técnicas especializadas para
cada setor de seu desenvolvimento, selecionadas entre as de mais notória
capacitação, e contratadas com total liberdade de escolha pelos arquitetos,
sem qualquer interferência da Direção da CECAP.
Estes contatos cobriam desde pesquisas sócio-econômicas (Empresa
CEMACO – Eugênia Paesani), Pesquisas para Sistemas Educacionais (Mayimi
Souza Lima e Celso Lamparelli), Cálculos Estruturais (Escritório Figueiredo
Ferraz), Engenharia Hidráulica e Sanitária (PLANIDRO – Engenheiros Azevedo
Neto e Álvaro Cunha), Geologia (Eng. Stélvio Ranzini), Orçamentos e
Programação de Obra (Escritório L. A. Falcão Bauer e arquiteto Alfredo
Paesani), pesquisas de novos equipamentos domiciliares e até estudos de
viabilização econômica para implantação de “áreas verdes”, que em todo o
LV
conjunto atingiam mais de 600 mil m2, e custos para sua implantação
atingiam valores nunca vistos para projetos de interesse habitacional,
chegando a ser considerados inviáveis.
Para os trabalhos de implantação, a serem desenvolvidos em uma só
etapa, do projeto completo de urbanismo e serviços complementares, da
CECAP – Guarulhos, contamos com o talento e experiência de um velho amigo,
o saudoso colega iugoslavo Stipan Dragutin Milicic, parceiro em meus projetos
de arquitetura e um dos responsáveis pelas obras de urbanização e
implantação de Zagreb, a nova capital da antiga Iugoslávia.
Estes trabalhos e pesquisas permanecem como elementos de referência
e quase 40 anos depois ainda são temas de estudos em muitas das nossas
universidades e obras na mesma escala da CECAP – Guarulhos, se repetem
naturalmente em todo O país, como documentos afirmadores do pioneirismo e
importância de Zezinho Magalhães Prado na história do Urbanismo e da
Arquitetura na Política Habitacional no Brasil.
Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado
Texto: arquiteta Maria Giselda Visconti
Trata-se da implantação de um Plano Habitacional na grande São Paulo,
no qual se procurou integrar todos os aspectos da habitação ligados a vida
humana, típicas das grandes concentrações urbanas.
O terreno onde está localizado o conjunto, com 180 hectares de área,
situado em Guarulhos, tem uma conformação topográfica de relevo pouco
acentuado, predominando a várzea do rio Baquirivu, afluente do rio Tietê.
LVI
A natureza do terreno, particularmente das camadas superficiais
turfosas, foram dados importantes para a solução urbanística. Todos os
edifícios habitacionais estão sobre pilotis, o que resulta melhor condição
técnica em função do tipo de solo e maiores vantagens econômicas, liberando
a área para circulação de pedestres e jardins.
O projeto foi desenvolvido para 10.560 unidades habitacionais. Tendo
em vista o número de habitações, distribuídas em edifícios todos iguais, a
estrutura foi calculada em concreto pré-moldado, o que representaria uma
economia significativa no consumo total de concreto e também uma redução
no prazo de execução da obra.
Entretanto, quando da apresentação do projeto ao Banco nacional da
Habitação – BNH, para liberação de financiamento, foi aprovada a construção
de somente 480 unidades na primeira etapa. Esta decisão inviabilizou a
execução da estrutura de concreto pré-moldado, tendo sido recalculada a
estrutura para construção por processo convencional.
Grandes avanços tecnológicos foram atingidos durante a implantação
das várias etapas de construção tanto no sistema construtivo como no
desenvolvimento de materiais.
Na terceira etapa da construção foi possível introduzir formas metálicas
para a execução da estrutura, permitindo uma economia substancial além do
que o concreto aparente apresentava melhor qualidade.
O piso, desenvolvido especialmente para o projeto, é constituído de
mantas vinílicas, tipo de piso não existente no Brasil naquela época, anos 70
do século passado. As mantas estendidas no apartamento como um todo,
permitiam flexibilidade de adaptações segundo os hábitos e tamanho da
família, com simples remoção ou recolocação das divisórias, que são de gesso.
Na terceira e quarta etapa de obras foram instalados os caixilhos de
alumínio, em substituição aos de ferro das duas primeiras fases. Sendo os
caixilhos modulados e em grande quantidade, uma industria nacional
LVII
viabilizou, juntamente com o Escritório Técnico da CECAP, um projeto para os
novos caixilhos economicamente viáveis.
Outro ponto marcante do projeto foi à introdução “da cor” nas
fachadas dos edifícios habitacionais.
Fábio já havia proposto, no início da década de 60, composições
cromática em dois de seus projetos de conjuntos habitacionais, “Bairro do
Limão” em São Paulo, e a “Cidade dos Doqueiros” em Santos / S.P., projetos
que não se concretizaram, mas representaram importante referência para a
CECAP – Guarulhos, quando foram estudadas cores básicas para cada prédio,
solução que valorizou sobremaneira, a paisagem do conjunto.
Nas várias etapas de construção, aproximadamente 50% do projeto foi
implantado. Além das habitações foram construídos Centro Comercial, duas
escolas, Centro de Saúde e Centro Comunitário.
INFRA-ESTRUTUTRA
Para abastecimento de água, foi implantado um único reservatório na
parte mais alta do terreno e uma rede de distribuição dimensionada para
alimentação direta aos pontos de consumo. Há sensível economia na
instalação predial, pois a rede correspondente é de menor custo e os
reservatórios em cada edifício não existem.
Quando a energia calorífica, foi instalada uma central de
abastecimento de gás e rede de distribuição, solução que eliminou a
utilização de botijões individuais e seu transporte pelas escadas, além da
presença de um “objeto estranho” e as vezes perigoso na área de trabalho da
casa.
LVIII
ANEXO 7
Desde o inicia da pesquisa de mestrado em março de 2004 foram
feitas várias visitas ao Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, abaixo
estarão listados quatro acervos fotográficos, sendo usados ou não no corpo da
dissertação. Em algumas visitas não listadas tivemos problemas de mau tempo
ou outros tipos de imprevistos.
1ª Visita:
Data: 06/09/2004 – segunda-feira.
Objetivo: Fotos gerais do Conjunto habitacional Zezinho Magalhães Prado.
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2ª Visita:
Data: 11/03/2005 – sexta-feira.
Objetivo: Fotos internas do Condomínio Espírito Santo, inclusive de uma
unidade, pertencente à terceira etapa de construção do Conjunto
habitacional Zezinho Magalhães Prado.
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3ª Visita:
Data: 02/12/2006 – sábado.
Objetivo: Fotos dos equipamentos coletivos do Conjunto Habitacional Zezinho
Magalhães Prado, rotatórias, avenidas e rodovias próximas e vista geral com
imagem do aeroporto.
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4ª Visita:
Data: 24/06/2007 – domingo.
Objetivo: Fotos das diferentes fases da construção do Conjunto Habitacional
Zezinho Magalhães Prado, acompanhada pela arquiteta Solimar Isaac Mendes,
moradora do Condomínio São Paulo.
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ANEXO 8
Abaixo estão anexadas plantas do Conjunto habitacional Zezinho
Magalhães Prado, adquiridas junto ao arquivo da CDHU (plantas 1 a 19) e
biblioteca da FAU (plantas 20 a 25), que está digitalizando o acervo do
arquiteto Vilanova Artigas, que se encontrava na Fundação Artigas.
As plantas serão mostradas em tamanho reduzido para simples
apresentação do material pesquisado e adquirido, para melhor resolução
estará anexado ao final do trabalho um cd com todas as plantas digitalizadas.
DESCRIÇÃO PÁGINA
PLANTA 1 - Projeto Arquitetura-6M-25/09/1970. LXVII
PLANTA 2 - Projeto Arquitetura-4M-20/07/1970 e 18/02/1972. LXVIII
PLANTA 3 - Projeto Arquitetura-5M-07/1975 e 15/09/1975. LXIX
PLANTA 4 - Projeto Arquitetura-3-23/11/1976. LXX
PLANTA 5 - Projeto Arquitetura-9-18/03/1972. LXXI
PLANTA 6 - Projeto Edificação – ARQ.01 – 09/10/1978. LXXII
PLANTA 7 - Projeto Edificação – ARQ.02 – 11/10/1978. LXXIII
PLANTA 8 - Projeto Edificação – ARQ.03 – 11/10/1978. LXXIV
PLANTA 9 - Projeto Edificação – ARQ.04 – 11/10/1978. LXXV
PLANTA 10 - Projeto Edificação – ARQ.05 – 11/10/1978. LXXVI
PLANTA 11 - Projeto Edificação – ARQ.06 – 11/10/1978. LXXVII
PLANTA 12 - Projeto Edificação – ARQ.07 – 11/10/1978. LXXVIII
PLANTA 13 - Projeto Edificação – ARQ.08 – 11/10/1978. LXXIX
LXVI
DESCRIÇÃO PÁGINA
PLANTA 14 - Projeto Concreto – 20 – 08/02/1971. LXXX
PLANTA 15 - Projeto Edificação – EST.01 – 19/10/1978. LXXXI
PLANTA 16 - Projeto Edificação – EST.08 – 19/10/1978. LXXXII
PLANTA 17 - Projeto Edificação – EST.16 – 19/10/1978. LXXXIII
PLANTA 18 - Projeto Edificação – HID/GAS.09 – 19/10/1978. LXXXIV
PLANTA 19 - Projeto Edificação – HID.10 – 19/10/1978. LXXXV
PLANTA 20 - Projeto Arquitetura-2-21/02/1972. LXXXVI
PLANTA 21 - Projeto Arquitetura-7M-25/09/1970 e 21/02/1972. LXXXVII
PLANTA 22 - Projeto Arquitetura-8A-s/data. LXXXVIII
PLANTA 23 - Iº Estudo Comércio Freguesia – 12/72. LXXXIX
PLANTA 24 - Projeto Clube-s/data. XC
PLANTA 25 - Projeto Ginásio de Esportes-s/data. XCI
PLANTA 26 - Projeto Urbanismo-URB1-julho/1990. XCII
PLANTA 27 - Projeto Urbanismo-URB1-julho/1995. XCIII
LXVII
PLANTA 1
LXVIII
PLANTA 2
LXIX
PLANTA 3
LXX
PLANTA 4
LXXI
PLANTA 5
LXXII
PLANTA 6
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PLANTA 7
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PLANTA 8
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PLANTA 9
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PLANTA 10
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PLANTA 11
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PLANTA 12
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LXXX
PLANTA 14
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PLANTA 21
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PLANTA 22
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PLANTA 23
XC
PLANTA 24
XCI
PLANTA 25
XCII
PLANTA 26
XCIII
PLANTA 27
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