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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO – PPGEdu
A ESCOLA DO CHICO BENTO:
REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO ESCOLAR EM HISTÓRIAS
EM QUADRINHOS DE MAURICIO DE SOUSA
Adriana Lemes
Canoas
2005
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1
Adriana Lemes
A ESCOLA DO CHICO BENTO:
REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO ESCOLAR EM HISTÓRIAS
EM QUADRINHOS DE MAURICIO DE SOUSA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Luterana do Brasil, como
requisito parcial, para obtenção do título
de Mestre em Educação.
Orientadora:
Profª. Drª. Rosa Maria Hessel Silveira
Canoas
2005
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2
Agradecimentos
A Deus, raramente peço; agradeço, apenas.
Durante o mestrado, pelas preciosas bênçãos, Mariah e Matheus, que
ressignificaram o conceito da palavra vida.
Também pela oportunidade de partilhar um pouco de tudo com um ser humano
sem igual, Drª. Rosa Maria Hessel Silveira.
Àqueles que operacionalmente se articularam a fim de garantir a elaboração
desta, minha sincera devoção.
Dedico, ainda, o prazer de produção e de realização proporcionados por este
trabalho aos que comigo convivem e experimentam bons e maus momentos: pais,
irmãos, familiares, amigos, colegas...
3
Sumário
Lista de Figuras.............................................................................................................4
Resumo............................................................................................................................15
Abstract........................................................................................................................16
Capítulo I – Arrumando o cenário............................................................................17
Esquadrinhando o caminho da pesquisa.......................................................17
Capítulo II – “Enxergando” através das lentes dos Estudos Culturais..........22
Os Estudos Culturais......................................................................................22
Estudos Culturais e Educação......................................................................30
Artefatos Culturais.......................................................................................35
Capítulo III – Imergindo no mundo dos quadrinhos...........................................40
A Nona Arte.....................................................................................................40
HQs e Leitura.................................................................................................83
Mauricio de Sousa..........................................................................................86
Chico Bento......................................................................................................91
Capítulo IV – Representando o mundo escolar das Hqs.....................................95
A professora...................................................................................................95
Os alunos.........................................................................................................151
O universo escolar........................................................................................201
A escola...........................................................................................................226
Considerações Finais................................................................................................242
Referências Bibliográficas.....................................................................................248
Anexos........................................................................................................................253
4
Lista de figuras
Fig. 1: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.44
Fig. 2: Chico Bento 445, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/05. p.16
Fig. 3: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.48
Fig. 4: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p.5
Fig. 5: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p.20
Fig. 6: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.30
Fig. 7: Chico Bento 227, por Mauricio de Sousa. Outubro/95. p.3
Fig. 8: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.18
Fig. 9: Chico Bento 64, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p.8
Fig. 10: Chico Bento 83, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p.13
Fig. 11: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p.9
Fig. 12: Chico Bento 83, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p.13
Fig. 13: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p.17
Fig. 14: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p.4
Fig. 15: Chico Bento 64, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p.59
Fig. 16: Chico Bento 441, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p.17
Fig. 17: Chico Bento 64, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p.59
Fig. 18: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p.23
Fig. 19: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p.17
Fig. 20: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p.13
Fig. 21: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.5
Fig. 22: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.26
Fig. 23: Chico Bento , por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.44
Fig. 24: Chico Bento , por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.44
Fig. 25: Chico Bento , por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.44
Fig. 26: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.20
Fig. 27: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.18
Fig. 28: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p.58
Fig. 29: Chico Bento 82, por Mauricio de Sousa. Agosto/04. p.4
Fig. 30: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.63
Fig. 31: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p.29
5
Fig. 32: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p.44
Fig. 33: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 77
Fig. 34: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 67
Fig. 35: Chico Bento 97a , por Mauricio de Sousa. 1997. p. 24
Fig. 36: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 20
Fig. 37: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 32
Fig. 38: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 20
Fig. 39: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p. 131
Fig. 40: Procurando a casa, por J. Carlos. 1905. p.155
Fig. 41: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p. 5
Fig. 42: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/2001. p. 5
Fig. 43: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p.4
Fig. 44: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa.Outubro/2004. p. 14
Fig. 45: Chico Bento 64, por Mauricio de Sousa. Agosto/2001. p.32
Fig. 46: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.36
Fig. 47: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.31
Fig. 48: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p.4
Fig. 49: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p.17
Fig. 50: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01.p.147
Fig. 51: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p. 37
Fig. 52: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/ 01. p. 23
Fig. 53: Chico Bento 376, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p.6
Fig. 54: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 23
Fig. 55: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.60
Fig. 56: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.22
Fig. 57: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.3
Fig. 58: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p.3
Fig. 59: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 35
Fig. 60: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p. 28
Fig. 61: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 64
Fig. 62: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 20
Fig. 63: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p.38
Fig. 64: Chico Bento 341, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p. 16
Fig. 65: Chico Bento 341, por Mauricio de Sousa. Novembro/01. p.15
6
Fig. 66: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.12
Fig. 67: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 15
Fig. 68: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 15
Fig. 69: Chico Bento 412, por Mauricio de Sousa. Novembro/02. p. 34
Fig. 70: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 64
Fig. 71: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 64
Fig. 72: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 24
Fig. 73: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.21
Fig. 74: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 15
Fig. 75: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 75
Fig. 76: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01 p.20
Fig. 77: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.20
Fig. 78: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.18
Fig. 79: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 26
Fig. 80: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 74
Fig. 81: Chico Bento 441, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 39
Fig. 82: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 27
Fig. 83: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 58
Fig. 84: Chico Bento 97a , por Mauricio de Sousa. 1997. p. 27
Fig. 85: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/01. p. 73
Fig. 86: Chico Bento 64, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 46
Fig. 87: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 17
Fig. 88: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 14
Fig. 89: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 44
Fig. 90: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 4
Fig. 91: Chico Bento 34, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 160
Fig. 92: Chico Bento. www.monica.com.br
Fig. 93: Rosinha. www.monica.com.br
Fig. 94: Zé Lelé. www.monica.com.br
Fig. 95: Hiro. www.monica.com.br
Fig. 96: Zé da Roça. www.monica.com.br
Fig. 97: Nhô Lau. www.monica.com.br
Fig. 98: Vó Zita. www.monica.com.br
Fig. 99: Padre Lino. Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.7
7
Fig. 100: Pais do Chico. Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 65
Fig. 101: Dona Marocas. Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 54
Fig. 102: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 22
Fig. 103: Chico Bento 227, por Mauricio de Sousa. Outubro/95. p. 22
Fig. 104: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 34
Fig. 105: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 14
Fig. 106: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p.9
Fig. 107: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 66
Fig. 108: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 60
Fig. 109: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 63
Fig. 110: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 20
Fig. 111: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 57
Fig. 112: Chico Bento 445, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/2005. capa.
Fig. 113: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 58
Fig. 114: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 19
Fig. 115: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 58
Fig. 116: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig. 117: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig. 118: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 57
Fig. 119: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 20
Fig. 120: Chico Bento Tira 300. www.monica.com.br
Fig. 121: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 22
Fig. 122: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 32
Fig. 123: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 13
Fig. 124: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 53
Fig. 125: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 56
Fig. 126: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 56
Fig. 127: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Julho/01. p. 4
Fig. 128: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 3
Fig. 129: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 3
Fig. 130: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 19
Fig. 131: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 54
Fig. 132: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto /01. p.
Fig. 133: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 17
8
Fig. 134: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 28
Fig. 135: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 4
Fig. 136: Chico Bento224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 20
Fig. 137: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 29
Fig. 138: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 3
Fig. 139: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 34
Fig. 140: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 141: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 142: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 57
Fig. 143: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 57
Fig. 144: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 7
Fig. 145: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 6
Fig. 146: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 4
Fig. 147: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 224
Fig. 148: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p.3-4
Fig. 149: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p 5
Fig. 150: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/ 04. p. 49
Fig. 151: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 14
Fig. 152: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 4
Fig. 153: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 9
Fig. 154: Chico Bento 445, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/05. Capa.
Fig. 155: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p.71
Fig. 156: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig. 157: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 17
Fig. 158: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 56
Fig. 159: Chico Bento 441, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 66
Fig. 160: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 29
Fig. 161: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 3-4
Fig. 162: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 163: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig. 164: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig. 165: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 65
Fig. 166: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 20-1
Fig. 167: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 25
9
Fig. 168: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 25
Fig. 169: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 14-5
Fig. 170: Chico Bento 381 , por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 8
Fig. 171: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 9-10
Fig. 172: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 28
Fig. 173: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 19
Fig. 174: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig. 175: Chico Bento 62 , por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig. 176: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 70
Fig. 177: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 20
Fig. 178: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 29
Fig. 179: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 5-6
Fig. 180: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 21
Fig. 181: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 21
Fig. 182: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 8
Fig. 183: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 68
Fig. 184: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 185: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p.21-2
Fig. 186: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 10
Fig. 187: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 21
Fig. 188: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig. 189: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 3
Fig. 190: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 22
Fig. 191; Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 22
Fig. 192: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 26
Fig. 193: Chico Bento 97a , por Mauricio de Sousa. 1997. p. 17
Fig. 194: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 10
Fig. 195: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 32
Fig. 196: Chico Bento 432, por Mauricio de Sousa. Janeiro/04. p. 31-2
Fig. 197: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p.9
Fig. 198: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 6
Fig. 199: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 8
Fig. 200: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p.3
Fig. 201: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 28
10
11
Fig.237: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 17
Fig.238: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 34
Fig. 239: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 68-9
Fig. 240: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig.241: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig.242: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 79
Fig.243: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 29
Fig.244: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig.245: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 34
Fig. 246: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 28
Fig. 247: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 6
Fig.248: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 66
Fig.249: Chico Bento 83, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 73
Fig.250: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 6
Fig.251: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 3
Fig.252: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 28
Fig. 253: Chico Bento 227, por Mauricio de Sousa. Outubro/95. p. 34
Fig. 254: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 48-9
Fig.255: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 15
Fig.256: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 3
Fig.257: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 3
Fig.258: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 3
Fig.259: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 4,5
Fig. 260: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 4
Fig. 261: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 5
Fig.262: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 5,6
Fig.263: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 15
Fig.264: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 18-9
Fig.265: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 71
Fig.266: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 17
Fig. 267: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 71
Fig. 268: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 8
Fig.269: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 3
Fig.270: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 3
12
Fig.271: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 4
Fig.272: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 10
Fig.273: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 57
Fig. 274: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 6
Fig. 275: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 30, 33
Fig.276: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 7
Fig.277: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 4
Fig.278: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 49
Fig.279: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 76
Fig.280: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 4
Fig. 281: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 5
Fig. 282: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 14-5
Fig. 283: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 59,61
Fig.284: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 62
Fig.285: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 65
Fig.286: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 25
Fig. 287: Chico Bento 441, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 66
Fig. 288: Chico Bento 383, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 19
Fig.289: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 23
Fig.290: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 11
Fig.291: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 15
Fig.292: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 14
Fig.293: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 26
Fig. 294: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 31
Fig.295 : Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 28
Fig.296: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 32
Fig.297: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 12-4
Fig.298: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 34
Fig.299: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 14
Fig.300: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 71
Fig. 301: Chico Bento 438, por Mauricio de Sousa. Julho/04. p. 56
Fig. 302: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 34
Fig.303: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 16
Fig.304: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 14
13
Fig.305: Chico Bento 227, por Mauricio de Sousa. Outubro/95. p. 22
Fig.306: Chico Bento 227, por Mauricio de Sousa. Outubro/95. p. 34
Fig.307: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 308: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 76
Fig. 309: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 7
Fig.310: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 19
Fig.311: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 3
Fig.312: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 34
Fig.313: Chico Bento 367, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/01. p. 34
Fig.314: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 69
Fig. 315: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig. 316: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 3
Fig.317: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 3
Fig.318: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 3
Fig.319: Chico Bento 442, por Mauricio de Sousa. Outubro/04. p. 4
Fig.320: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04 p. 57
Fig.321: Chico Bento 445, por Mauricio de Sousa. Fevereiro/05. p. 54
Fig. 322: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 68
Fig. 323: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 3
Fig.324: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 70-1
Fig.325: Chico Bento 389, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 27
Fig.326: Chico Bento 389, por Mauricio de Sousa. 2001. p. 3-11
Fig.327: Chico Bento 82, por Mauricio de Sousa. Agosto/04. p. 4, 10
Fig.328: Chico Bento 82, por Mauricio de Sousa. Agosto/04. p. 9
Fig. 329: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 13
Fig. 330: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 76
Fig.331: Chico Bento 385, por Mauricio de Sousa. Outubro/01. p. 12
Fig.332: Chico Bento 85, por Mauricio de Sousa. Dezembro/04. p. 56
Fig.333: Chico Bento 82, por Mauricio de Sousa. Agosto/04. p. 9, 10
Fig.334: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 4
Fig.335: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 68
Fig. 336: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 58
Fig. 337: Chico Bento 97a, por Mauricio de Sousa. 1997. p. 17
Fig.338: Chico Bento 63, por Mauricio de Sousa. Junho/01. p. 76
14
Fig.339: Chico Bento 366, por Mauricio de Sousa. Janeiro/01. p. 10
Fig.340: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 68
Fig.341: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/04. p. 32
Fig.342: Chico Bento 62, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 75
Fig. 343: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 22
Fig. 344: Chico Bento 381, por Mauricio de Sousa. Agosto/01. p. 3
Fig. 345: Chico Bento 371, por Mauricio de Sousa. Abril/01. p. 5
Fig.346: Chico Bento 374, por Mauricio de Sousa. Maio/01. p. 25
Fig.347: Chico Bento 440, por Mauricio de Sousa. Setembro/04. p. 3
Fig.348: Chico Bento 224, por Mauricio de Sousa. Setembro/95. p. 22
Fig. 349: Chico Bento 370, por Mauricio de Sousa. Março/01. p. 34
15
Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a representação do universo escolar presente
nas histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa, em específico, nas revistas do Chico
Bento. Trata-se de identificar, através da recorrência, que visão sobre Escola e temas a
ela relacionados chega às mãos (e mentes) de crianças (e adultos), legitimando
significados postos em circulação nesses artefatos culturais.
Pela incursão no campo dos Estudos Culturais Pós-modernistas, autores como
Stuart Hall, Marisa Vorraber Costa, Rosa Hessel Silveira, Tomaz Tadeu da Silva, entre
outros/as, orientam teoricamente as análises das representações circulantes nas
historinhas do Chico.
O universo escolar foi desmembrado, para fim de análise textual, em temas
específicos, e não menos abrangentes, dividindo-se em quatro focos: a professora, os
alunos, o universo escolar e a escola, em si.
A figura da professora é destacada de seu contexto a fim de permitir a análise da
composição da personagem que carrega consigo o estereótipo da professora tradicional
e conservadora, enfatizando o perfil físico, psicológico e profissional que, em
composição, produzem os significados correntes; da mesma forma, são analisadas as
vivências escolares dos alunos, promovendo a identificação dos leitores com os
episódios apresentados; elencam-se os mais diversos temas escolares a fim de sugerir
em que medida essas práticas (ainda) podem ser usuais e verdadeiras e, por fim, a
descrição da escola (rural) que se estabelece como cenário aos acontecimentos
experimentados pelos personagens, instituindo o espaço escolar como regulador das
ações dos envolvidos.
Palavras-chave: Estudos Culturais; Histórias em Quadrinhos; Representação;
Identidade Docente; Educação.
16
Abstract
The objective of this work is to analyse the scholastic universe present in the
comics of Mauricio de Sousa, specifically in the ones of Chico Bento. It identifies,
through the recorrency, what kind of vision about school and the subjects related to it
comes to the hands (and minds) of children (and adults), legitimating significations put
in circulation in these cultural artifacts.
Through the incursion in the field of Post-Modernist Cultural Studies, authors
like Stuart Hall, Marisa Vorraber Costa, Rosa Hessel Silveira, Tomaz Tadeu da Silva,
among others, orientate theorically the analyses of the circulant representations in the
Chico’s comics.
The scholastic universe was dismembered, for the textual analysis, in specific
subjects, and not less embracing, splitting in four focuses: the teacher, the pupils, the
scholastic universe and the school, in itself.
The figure of the teacher is detached from its context in order to allow the
analysis of the composition of the character that carries with it the stereotype of the
traditional and conservative teacher, emphasizing the physical, psychological and
professional profiles that, in composition, produce the current meanings; in the same
way, the scholastic experiences of the pupils are analysed, promoting the identification
of the readers with the episodes presented; the most diversified scholastic subjects are
casted in order to suggest in which size these practices (still) can be usual and truthful
and, at last, the description of school (rural) that is established as a scenery to the events
experimented by the characters, instituting the scholastic space as a regulator of the
actions of the involveds.
Key-words: Cultural Studies; Comics; Representation; Docent Identity;
Education.
17
Capítulo I – Arrumando o cenário
Esquadrinhando o caminho da pesquisa
Como professora de Português, e adepta da leitura prazerosa, sempre fui atraída
pelas histórias em quadrinhos; a partir do curso de mestrado, comecei a entendê-las
como artefatos culturais, que atribuem (re)significados a elementos da cultura, no caso
presente, às práticas escolares.
Baseada em trabalhos produzidos e publicados pelo NECCSO
1
e, em especial,
na leitura de Professoras que as histórias nos contam
2
, foi elaborada e ampliada a
temática central da presente pesquisa, que foi assim delineada: como são representadas
não as professoras, mas os alunos, as práticas escolares e a escola, em si, em um tipo
específico de produto cultural: as histórias em quadrinhos?
A escolha por esse gênero fundamenta-se por ele ter uma penetração bastante
grande no campo educacional; por ser usado como material de apoio ao trabalho de
professores e professoras nas escolas, além de andar pelas mãos e mentes de nossos
jovens leitores, construindo significados.
Em relação à questão da representação da docência, relembro Silveira (2002,
p.8):
As representações de professora e de professor oscilam em nossas culturas
ocidentais urbanas entre a conveniência de se preservar o valor e a dignidade da
1
Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2
Ver SILVEIRA (2002).
18
profissão de professora, seu alegado caráter de sacrifício e dedicação, dentro de
uma imagem mais geral de seriedade da instituição escolar, e a visão burlesca, na
qual a instituição é vista como abrigo de professoras “histéricas”, irritadiças, com
alunos impertinentes(...)
Dessa forma, analisar as representações de uma específica professora (a
professora do Chico Bento) em seu contexto escolar, implicaria, também, da mesma
forma, analisar os alunos, as práticas escolares e a escola, “mostradas” e recriadas
através do produto cultural em questão.
A escolha pelas histórias do Chico Bento, personagem criado por Mauricio de
Sousa, se deu pelo fato de o personagem ser tido como um “representante” da cultura
rural brasileira, como um típico ‘brasileirinho”, além de ser o único, do rol de
personagens (famosos e consagrados) desse autor, sensível às causas educativas, a
freqüentar uma escola no mundo dos quadrinhos.
As mudanças nas concepções de educação, a utilização de novas tecnologias no
campo pedagógico, o incremento da incorporação das práticas educativas pautadas pelo
discurso da construção do conhecimento e outras modificações dos discursos
pedagógicos, sugerem-nos a busca pela representação de professora, alunos e situações
escolares nas histórias em quadrinhos do Chico Bento, do quadrinista Mauricio de
Sousa. Que discursos da tradição e/ou da inovação pedagógica se cruzam nessas
representações, situadas num cenário rural em que cada dia menos brasileirinhos/as
vivem?
As análises textuais, provenientes da minha leitura “leiga” da linguagem dos
quadrinhos, tomam como objeto um conjunto de 29 revistas em quadrinhos, publicadas
entre 1997 e 2005 (embora não em sua totalidade), escolhidas intencionalmente por
19
apresentarem elementos para tal análise. Essas obras foram editadas pela editora Globo
e foram produzidas por Mauricio de Sousa e sua equipe. Apoiando-se no terreno teórico
dos Estudos Culturais, que se interessam pelas questões de representação, identidade e
poder, num ponto de vista pós-moderno, busca-se focalizar dimensões específicas da
identidade da professora, da escola, dos alunos, enfim, dos elementos constitutivos
desse universo.
Dentro desse enfoque teórico, interessa destacar, nas imagens encontradas, as
recorrências, as continuidades, os traços mais marcantes, articulando-os com
representações circulantes em nossa cultura. Como as ilustrações podem acrescentar
significado ao caráter constitutivo da figura da professora e demais elementos
analisados ao apresentarem descrições o-verbais, peculiares do artefato selecionado,
optou-se por mostrar, no próprio texto da dissertação, as imagens analisadas,
demonstrando o quanto elas podem contribuir para tais identidades.
As representações presentes nas obras são tomadas como constituidoras de
significados sobre os elementos analisados, sendo o conceito de representação um dos
pilares teóricos dos Estudos Culturais. Para Hall (apud Silveira 2002) representação é a
produção de sentido através da linguagem (...) e [nela] não uma simples relação de
reflexo, imitação ou correspondência um-a-um entre a linguagem e o mundo real.
No trânsito das Hqs entre os leitores pode ocorrer um processo de naturalização
dessas representações, que, deixando de ser questionadas, ganham estatuto de verdade.
20
Nessas histórias, dirigidas a leitores jovens (mas que atingem a uma variedade de
público ilimitada), é o conjunto de signos que marca e identifica como tal(is), a
professora, os alunos, o universo escolar e a escola.
Seguindo essa linha de pensamento é que a estrutura do trabalho foi dividida em
capítulos, seguindo uma classificação temática, embora os elementos apresentem
intersecções entre si.
No capítulo 1 estamos explicitando as motivações para a pesquisa, justificando
escolhas, descrevendo o objeto e a metodologia. No capítulo 2 serão abordados alguns
aspectos históricos e teóricos dos Estudos Culturais que embasam o estudo, passando
pela abrangência que o termo cultura expressa; esse capítulo inclui, ainda, a relação
desses estudos com a Educação e uma breve explanação sobre artefatos culturais.
O capítulo 3 consiste na exposição, através de exemplos, dos elementos
constitutivos das Hqs, que lhes conferem o status de arte, e seu poder de transmissão de
mensagens de forma rápida, fácil e sutil e a relação entre leitura e esse gênero.
O capítulo 4 é constituído pelos resultados da análise realizada, que focalizam a
representação de professora, alunos, universo escolar e escola, destacadas das Hqs do
personagem de Mauricio de Sousa, Chico Bento.
É necessário ressaltar que não houve a pretensão de avaliar a postura docente ou
sua prática pedagógica, assim como não é intuito julgar as ações discentes ou demais
elementos analisados, mas evidenciar as representações, provocando a problematização,
21
para que, com a reflexão, as redes de significados que vierem a ser levantados possam
auxiliar para que as relações entre esses elementos possam ser melhor entendidas a
partir desse e em diversos outros artefatos culturais.
22
Capítulo II – “Enxergando” através das lentes dos Estudos Culturais
Os Estudos Culturais
O cenário é o pós-guerra na Inglaterra, no início do século XX,
aproximadamente na cada de 60. Entendendo que entre as diferentes culturas existem
relações de poder e dominação que devem ser questionadas, estudantes de classe
operária, com acesso às instituições de elite da educação universitária britânica, são
figuras fundadoras de um movimento que vem a promover uma grande reviravolta na
teoria cultural do mundo inteiro. Richard Hoggart e Raymond Williams fundam, em
1958, em Birmingham, o Center for Contemporary Cultural Studies
3
. A queda dos
impérios coloniais e os novos contornos da cultura no capitalismo teriam favorecido o
surgimento do movimento que disseminaria os Estudos Culturais. Hoggart, com The
uses of literacy (1957) e Williams, com Culture and society (1958) e The long
revolution (1961), inauguram uma nova geração intelectual, com novos
posicionamentos, idéias e críticas.
Segundo Costa (2003 p.23),
os trabalhos precursores dos EC, apesar de não serem unívocos em suas
perspectivas de problematização, estão unidos por uma abordagem cuja ênfase recai
sobre a importância de se analisar o conjunto da produção cultural de uma sociedade
– seus diferentes textos e suas práticas – para entender os padrões de comportamento
e a constelação de idéias compartilhadas por homens e mulheres que nela vivem. Em
seus desdobramentos, os EC investem intensamente nas discussões sobre a cultura,
colocando a ênfase no seu significado político.
3
Com sede na Universidade de Birmingham, Inglaterra, o centro formalizou o termo Estudos Culturais.
Hoggart foi seu primeiro diretor, sendo sucedido por Stuart Hall (1969-79).
23
Assim, entendemos que os EC
4
chegam para problematizar a cultura, no seu
aspecto mais amplo e abrangente, e constituem-se, como apregoa Stuart Hall
5
, como um
projeto político de oposição, preocupando-se com a transformação social através de uma
nova prática intelectual institucionalizada.
Como novo ramo do conhecimento, uma nova área de estudos, os EC ocupam-se
desse objeto tão vasto e o impreciso, a cultura, buscando alicerçar sua legitimidade e
sua identidade num conjunto díspar de paradigmas e de metodologias de trabalho que
procuram responder a uma questão tão básica como é a da(s) identidade(s) cultural(is) e
a(s) sua(s) representação(ões).
De acordo com Costa (2003), o projeto inicial dos Estudos Culturais teria sido
“uma tentativa de reordenar as concepções de classe e cultura, focalizando-as no
simbólico e no vivido e tentando associar as culturas vivas ao poder”, e a questão do
poder foi remetida para o centro das discussões: se não estava nas estruturas do capital,
como preconizava a teoria marxista, precisava ser problematizado na linguagem, no
simbólico, no inconsciente.
Os Estudos Culturais estudam a diversidade dentro de cada cultura e as
diferentes culturas, sua multiplicidade e complexidade. São estudos que enfocam as
relações de poder entre culturas, nações, povos, etnias, raças, orientações sexuais e
gêneros, e como, de tais relações assimétricas, nascem processos de tradução,
resistência e de mestiçagem ou hibridação cultural que levam à formação de múltiplas
identidades.
4
Usaremos a sigla EC para Estudos Culturais.
5
Uma das figuras mais proeminentes e um dos mais conhecidos analistas contemporâneos dos EC.
24
É preciso, de antemão, refletir sobre o significado de cultura para este trabalho.
Estamos trabalhando com um conceito que não se encerra em si, mas incorpora uma
diversidade, isto é, consideramos como cultura a cultura popular, a cultura erudita, a
cultura de massa, não diferenciando a cultura das instituições oficiais da integrante do
cotidiano das pessoas.
Até o surgimento dos EC, em determinados cenários, o conceito de cultura
assumia apenas seu aspecto elitista, o das artes e do conhecimento científico. A cultura,
então, era sinônimo de arquitetura, escultura, pintura, fotografia, música, literatura,
cinema, conceitos e abstrações, conhecimentos sistematizados, mediados pela razão e
pela procura de uma verdade objetiva. Outra é a concepção dos EC. Para Hall (1997),
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A
ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a
observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de
significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e
para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes
sistemas ou códigos de significado o sentido às nossas ões. Eles nos permitem
interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles
constituem nossas culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é
“cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e,
neste sentido, são práticas de significação.
Com os EC, consolida-se, então, uma outra dimensão de cultura: a do âmbito da
vida cotidiana. São, dessa forma, consideradas, as ações cotidianas, que compõem a
vida social: as formas de cozinhar, o jeito de arrumar a casa, o modo de caminhar na
rua, as maneiras de ler, de ver televisão, de escutar dio; divertimentos como ir ao
parque, ao Zoológico, ao futebol, ao cinema, ao teatro ou a um bar... uma série
interminável de ações miúdas, que retratam toda uma sociedade. A produção cultural de
todas as camadas sociais é considerada; os excluídos ganham vozes; mulheres, negros,
25
homossexuais, enfim, a minoria é reconhecida, configurando o movimento das margens
para o centro.
O foco é na cultura popular ou do povo, enfocada especialmente sob suas formas
políticas, isto é, como envolvida em questões de poder. Essa determinada noção de
cultura é a mola propulsora do projeto dos Estudos Culturais: uma concepção ampla de
cultura que inclui formas e práticas culturais que organizam a vida cotidiana. A
incorporação dessa idéia tem pelo menos duas repercussões: a cultura deixa de ser
abordada como exclusivamente composta por textos literários e artísticos, para
incorporar a experiência, os modos de vida e, de outro lado, sinaliza um questionamento
da hierarquização entre formas culturais ou, em outros termos, problematiza a existência
de um padrão estético universal que exclui, principalmente, as culturas ditas inferiores.
É, sobretudo, a inclusão de práticas que, aaquele momento, tinham sido vistas
fora da esfera da cultura, que inspira a geração que formatou os Estudos Culturais.
Quando esses prestam atenção a tais formas e práticas culturais, um descentramento
do cânone e isso é um ato político que desafia a ordem dominante.
Engana-se quem possa pensar que EC seja uma disciplina unificada; pelo
contrário, são, por muitos, considerados antidisciplinares e não têm, como enfatizava
Richard Hoggart, nenhuma base disciplinar estável, não seguem uma bibliografia rígida,
não tratam de assuntos limitados e específicos, não atuam num território determinado;
pelo contrário, segundo Nelson, Treichler & Grossberg (2002), “aproveitam-se de
quaisquer campos que forem necessários para produzir o conhecimento exigido por um
projeto particular”. E
26
o que distingüe os Estudos Culturais de disciplinas acadêmicas tradicionais é seu
envolvimento explicitamente político. As análises feitas nos Estudos Culturais não
pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na crítica que fazem das relações de
poder numa situação cultural ou social determinada, os Estudos Culturais tomam
claramente o partido dos grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos
Culturais pretendem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida
política e social. (Silva, 2002)
Como não podia ser diferente, para esse novo campo de pesquisa não existe uma
metodologia sua; o que podemos chamar de bricolage
6
, dependendo dos objetivos,
da escolha e da reflexão do pesquisador, e as categorias de pesquisa podem tratar de
gênero e sexualidade, nacionalidade e identidade nacional, colonialismo e pós-
colonialismo, raça e etnia, cultura popular e seus públicos, ecologia, políticas de
identidade, da estética, pedagogia, instituições culturais, discurso e textualidade,
história, etc. Os EC têm se apropriado, para ilustração, de teorias e metodologias dos
mais variados campos, como o da antropologia, da psicologia, da lingüística, da
musicologia, da ciência política, da crítica literária, filosofia, sociologia...., valendo-se
da etnografia, da análise textual e do discurso, da psicanálise e de qualquer caminho que
venha a atender os propósitos de seus investigadores.
Então qualquer coisa
7
pode ser EC? Embora consistam num projeto “aberto ao
desconhecido” (COSTA, 2003), não se pode reduzi-los a uma caracterização simplista.
Baseada em Sardar e Van Loon, Costa enumera cinco pontos distintivos dos EC: seu
objetivo é mostrar as relações entre poder e práticas culturais, expondo como o poder
atua para modelar as práticas; o desenvolvimento dos estudos da cultura como forma
de compreender a complexidade no interior dos contextos sociais e políticos; nesses
contextos a cultura tem sempre uma dupla função: é o objeto de estudo e o local da ação
6
Termo tomado emprestado do artigo de NELSON (2002) para indicar a amplitude de opções.
7
Expressão utilizada por COSTA (2003), referindo-se à conceituação que os autores Sardar e Van Loon
fazem dos EC.
27
e da crítica política; os EC tentam reconciliar a divisão do conhecimento entre quem
conhece e o que é conhecido e, finalmente, eles têm o compromisso com uma avaliação
moral da sociedade moderna e com uma linha radical de ação política.
A codificação de métodos ou de conhecimentos (instituindo-os, por exemplo,
nos currículos formais) vai contra algumas das principais características dos EC: sua
abertura e versatilidade teórica, seu espírito reflexivo.
Na história dos EC, os primeiros encontros foram com a crítica literária.
Raymond Williams e Richard Hoggart, de modos diferentes, desenvolveram a ênfase
levisiana na avaliação lítero-social, mas deslocaram-na da literatura para a vida
cotidiana. Hoggart (The uses of Literacy) retoma o estudo da cultura de massa e começa
a encarar a subjetividade como modo de investigar a cultura. Williams, rompendo com a
Sociologia Positivista (Culture and Society), estuda os modos de vida individuais e
prega o engajamento político. Com fortes influências das teorias materialistas, do
estruturalismo e pós-estruturalismo, das idéias de Gramsci sobre a cultura “degradada” e
da Escola de Frankfurt sobre a tensão entre indústria cultural e “alta” cultura, ambos os
autores pretenderam “ler” outras formas culturais além da literatura e analisar os modos
nos quais tais formas e práticas reproduziam a sociedade. Foi assim inaugurado o
campo dos EC britânicos, que lançou mão, inicialmente, das ferramentas teóricas do
marxismo, da sociologia clássica, da psicanálise, do estruturalismo e da semiótica.
Os EC não começaram sozinhos; abrindo novos campos de reflexão surgiram
relacionados a outros movimentos da época, como as políticas de cultura, o feminismo,
28
os estudos multiculturais, sobretudo aos estudos pós-coloniais, enfim, a uma enorme
gama de novos trabalhos críticos nas ciências humanas.
Segundo autores
8
elencados por Costa (2000), inaugurando a nova tendência nos
estudos sobre cultura, as obras começam a questionar, nos anos 50, as concepções ainda
vigentes inspiradas na tradição arnoldiana, corrente que dominava as análises culturais,
posteriormente retomada pelos levisistas. Mathew Arnold e Frank Raymond Leavis
9
tratavam a cultura dentro da hierarquização da arte, da ciência. Segundo o próprio
Arnold, cultura seria “o melhor que se tenha pensado e dito no mundo”
10
.
Paradoxalmente, situando a cultura popular nos debates sobre a cultura, esses autores
acabaram por configurarem-na, legitimando-a. É aí que se destacam Hoggart e
Williams. O movimento feminista e as lutas contra o racismo
11
também delinearam o
trajeto inicial dos EC e foram ampliando-se com as políticas de cultura.
Os Estudos Culturais constituíram-se, gradativamente, assim, um fenômeno de
abrangência internacional, alastrando-se pelos Estados Unidos, Canadá e Austrália,
inicialmente, sem, contudo estabelecer uma demarcação histórica ou geográfica, mesmo
porque cursos, publicações, encontros, pesquisas, têm surgido em diferentes fontes e
lugares, abordando a cultura sob uma nova perspectiva.
Nos Estados Unidos, a partir dos anos 60, os EC passam a conceber a cultura
como inserida num sistema político maior, a hegemonia burguesa, e se ligar aos
movimentos civis e ao movimento feminista. Esse período é caracterizado também pelo
8
Cary Nelson, Colin Sparks, Graeme Turner, Ien Ang, John Frow, Lawrence Grossberg, Meaghan
Morris, Stuart Hall, Tony Bennet, entre outros.
9
Com distância de quase um século entre uma produção e outra: Arnold (1860) e Leavis (1930).
10
Citado por Costa (2000, p.5).
11
Ver a respeito em Costa (2003, p. 40-43).
29
auge das teorias estruturalistas, pelas primeiras abordagens pós-estruturalistas e pela
ênfase nos estudos de cinema, produzindo estudos semióticos da polissemia dos signos
da cultura, estudos sobre hibridismo, globalização e homogeneização cultural, pós-
colonialismo e centralidade da imagem.
Na América Latina
12
, destacam-se trabalhos de intelectuais como Néstor García
Canclini, estudando as estratégias de comunicação das culturas híbridas, além dos
impasses da pós-modernidade na América Latina; Jesús Martín-Barbero, com os
estudos da mediação e sua recusa acerca do mediacentrismo; Renato Ortiz e sua
reflexão sobre a modernidade; Eliseo Verón, com sua reflexão sobre os discursos
sociais; Jorge Alejandro Gonzalez Sanches e seu enfoque da cultura como objeto de
luta; Beatriz Sarlo, com seus estudos literários e sua crítica cultural, entre outros. Esses
nomes são relacionados aos EC e a expansão dos Estudos pela América Latina tem
pouco mais de dez anos, caracterizando a ebulição desse novo e fértil campo de estudo.
De qualquer forma, cabe aos EC o importante papel de intervir nas concepções
de cultura, que ao longo da história têm sido formuladas pelas classes privilegiadas, e
fazer com que a cultura seja concebida como espaço de resistência e de convivência das
diversidades, e que ela possa ser entendida como o locus de produção, circulação e
consumo de significações. Nesse sentido, costumam priorizar os estudos sobre cultura
popular, colocando face a face as concepções de mundo “oficiais” e as marginalizadas.
Como já foi dito, o conceito de representação é um dos pilares teóricos dos EC.
Hall (apud Wortmann, 2002, p. 26), nessa linha, considera que
12
Ver a respeito em COSTA (2003, p. 43-46) e ESCOSTEGUY (2001).
30
A representação é uma prática, um tipo de “trabalho”, que usa os objetos
materiais e efeitos. Mas o significado depende, não da qualidade material do signo,
mas de sua função simbólica. É porque um particular som, ou palavra significam,
simbolizam, ou representam um conceito, que ele funciona, na linguagem, como
um signo e carrega significado – ou, como os construcionistas dizem, significa.
Dessa forma, as representações presentes nos mais variados artefatos culturais
são constituidoras de significados e, ao mesmo tempo, são constituídas pelos discursos
que circulam. É preciso ressaltar que não representam uma “realidade”, mas contribuem
para a criação do que assumimos como “verdadeiro”. As análises culturais retratam o
domínio simbólico das representações em nossas vidas, em nossa maneira de pensar e
conceber o mundo.
Estudos Culturais e Educação
Os EC podem fundamentar processos educativos comprometidos com a
construção de uma escola democrática, fundada na convivência entre identidades
culturais e sociais múltiplas. Mas, para que isso ocorra, é necessário que sejam
questionadas as relações de poder que se manifestam nas atitudes preconceituosas e
excludentes em relação às mulheres, aos sem-terras, a pessoas com necessidades
especiais, a diferentes formas de orientação sexual, a etnias e raças de origens não-
européias, aos “diferentes”, enfim.
Um ponto de partida desse processo de democratização da escola pode ser o
questionamento das reivindicações de universalidade das manifestações culturais
européias para que, em seguida, sejam contestadas as narrativas eurocêntricas ainda
dominantes na educação escolar brasileira, como bem demonstram os recursos didáticos
e a formação de professores/as nas faculdades e universidades.
31
Segundo Silva (2002), rias questões postuladas pelos EC tendem a desafiar
os/as educadores/as no Brasil atual. Entre outras, apontamos algumas que privilegiam
temáticas da etnia e da ênfase no modelo europeu:
Em que medida a educação escolar e os currículos o estão
comprometidos com a herança colonial e por isso possibilitam a
manutenção do preconceito e da discriminação étnica e racial contra os
afro-descendentes e índios?
Em que medida a noção de raça, forjada no século XIX pelo pensamento
europeu, continua influindo a formação das identidades de alunos e
educadores?
Como os materiais didáticos, as narrativas literárias e os textos
científicos continuam celebrando a soberania do sujeito imperial
europeu?
Como as subjetividades de alunos/alunas e educadores/as de diferentes
grupos étnicos e raciais são influenciadas pelos padrões culturais
europeus?
Como tornar a escola um espaço de convivência democrática entre os
diferentes segmentos étnicos e raciais da sociedade brasileira?
No processo educativo é comum a restrição de juízos às maneiras de pensar
permitidas pelas oposições como corpo ou mente, teórico ou empírico, clareza ou
inacessibilidade, consistente ou inconsistente, certo ou errado, bonito ou feio, aluno
bom ou aluno ruim, decente ou indecente, etc. É comum professores/as raciocinarem de
32
maneira dicotômica e, com isso, perderem a capacidade de entender a diversidade do
real nas representações que são elaboradas sobre eles mesmos (os/as próprios/as
professores/as), e sobre os/as alunos/a, os seus pais, mães e responsáveis e a
comunidade externa à escola, transformados em “outros”.
Como superar tal dicotomia nessa forma de raciocinar e admitir o diverso,
diferente, múltiplo, complexo, heterogêneo? Na representação colonialista do outro, a
diferença em relação ao europeu é reprimida e marginalizada. Como escreveu Giroux “o
outro é subjugado ou eliminado na violência das oposições binárias”. (Giroux, 1999,
p.23).
Um dos pressupostos do pensamento europeu moderno é, justamente, o
pensamento através das oposições binárias, que legitimam as relações de opressão,
dominação e exclusão do outro. O pensamento bipolar estabelece uma hierarquia entre
os dois pólos, ou seja, não concebe a diferença sem hierarquização.
Uma escola democrática poderá ser constituída a partir: a) do desenvolvimento
de consciências críticas quanto aos processos de imposição de culturas e visões de
mundo; e b) da convivência entre identidades culturais e sociais múltiplas. Para tanto,
como ensina o educador Henry Giroux, é necessário que sejam questionadas as relações
de poder assimétricas e que seja realizada a
33
desconstrução não apenas daquelas formas de privilégio que beneficiam os
homens, os brancos, a heterossexualidade e os donos de propriedades, mas também
daquelas condições que têm impedido outras pessoas de falar em locais onde
aqueles que o privilegiados em virtude do legado do poder colonial assumem a
autoridade e as condições para a ação humana (Giroux, 1999, p.39).
Como o desenvolvimento do pensamento crítico e o processo de ensino-
aprendizagem baseado em problematizações têm sido a ordem em programas e
currículos escolares, é inevitável a aproximação dos EC à educação. Não se trata apenas
de valer-se das “lentes” dos EC para enxergar” práticas legítimas ou equívocas na
escola; podemos dizer que
os Estudos Culturais em Educação constituem uma ressignificação e/ou uma forma
de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade,
discurso e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da
cena pedagógica.(COSTA, 2003)
Nesse sentido, é recente a existência de textos acadêmicos
13
que analisam
discursos e artefatos tradicionalmente tidos como pedagógicos, ressignificando-os.
Livros didáticos, cartilhas, legislações escolares, revistas pedagógicas, enfim, materiais
voltados a professores/as e alunos/as e diversas práticas escolares que tendem a
legitimar determinadas representações tornam-se objeto de estudo sob uma ótica
cultural. Por outro lado, os “ensinamentos” difundidos na TV, nos jornais, revistas,
gibis, peças publicitárias, filmes, desenhos animados
14
, também investigados, revelam o
que vem sendo naturalizado num panorama marcado pelas questões culturais.
13
Em especial eles começaram a ser produzidos, no Brasil, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ver COSTA, 2003).
14
Ver a respeito em COSTA, 2003, p.56-7.
34
A partir disso, nesse panorama de análises acadêmicas, estigmas tendem a ser
desfeitos e conceitos reavaliados. Como exemplo, vemos os alunos surdos, que não são
mais tratados como sujeitos deficientes”, mas com uma cultura própria. A questão das
identidades
15
(de como são culturais as formas de ser homem, mulher ou criança, índio,
homossexual, idoso, jovem...), discutindo a heterogeneidade, contribui para diminuir o
preconceito e a exclusão, a começar, e principalmente, na escola.
Mas no mundo contemporâneo, a escola é apenas um dos lugares onde somos
educados; a educação se em diferentes espaços, explícita ou subliminarmente:
imagens, textos verbais ou não-verbais, propagandas, charges, enfim, os mais variados
artefatos culturais veiculam particulares visões de mundo, de gênero, de sexualidade, de
cidadania, que entram em nossas vidas diariamente. Costa (2003) explica que a isso
chamamos currículo cultural e pedagogia da mídia. Esclarece:
Currículo cultural diz respeito às representações de mundo, de sociedade, do
eu, que a mídia e outras maquinarias produzem e colocam em circulação, o conjunto
de saberes, valores, formas de ver e de conhecer que está sendo ensinado por elas.
Pedagogia da mídia refere-se à prática cultural que vem sendo problematizada para
ressaltar essa dimensão formativa dos artefatos de comunicação e informação na
vida contemporânea, com efeitos na política cultural que ultrapassam e/ou produzem
as barreiras de classe, gênero sexual, modo de vida, etnia e tantas outras.
(Costa,2003. grifo da autora)
Como vimos, no mundo contemporâneo, marcado pela diversidade cultural, a
escola não pode ficar presa a antigas concepções de educação. Se questões como
racismo, etnocentrismo, machismo, preconceito, multiculturalismo, sexualidade , entre
outras, puderem ser problematizadas e analisadas a partir da perspectiva dos EC, a
escola poderá ser o local onde a educação fará a diferença.
15
Segundo Costa (2003), um conceito tomado como um dos pilares dos EC.
35
Artefatos Culturais
A partir da 2ª metade do século XX vivemos um tardio estágio do capitalismo. A
lógica desse período, segundo Jameson
16
(apud Costa, 2003), é, sobretudo, “cultural”.
Os artefatos culturais transformam a cultura em mercadoria, que, a partir daí, vai
moldando nossas maneiras de ser e de viver. Jornais, revistas, gibis, filmes, novelas,
anúncios publicitários, outdoors, músicas, entre uma enorme gama de artefatos, são
exemplos de cultura transformada em mercadorias, que tendem a dirigir nossas vontades
e desejos, nossos gostos e opções, nossas formas de agir, de falar, de pensar,
“modelando nossas subjetividades e fabricando as identidades destes tempos”. (Costa,
2003).
Segundo Hall (apud Costa 2003), “a cultura não é um componente subordinado,
é constitutiva das nossas formas de ser, de viver, de compreender e de explicar o
mundo”. Assim, ninguém está imune a essas formas de subjetivação. Bebês alimentam-
se em mamadeiras de personagens de filmes e desenhos infantis; crianças que sequer
vão à escola ostentam suas vestimentas e seus brinquedos de acordo com os anúncios;
adolescentes vestem-se, falam e agem segundo atores de seriados televisivos; mulheres
seguem a tendência da moda exposta no último desfile, no shopping; homens lêem a
última Playboy; idosos participam de bailes da terceira idade...vamos sendo, assim,
produzidos e marcados pela cultura, vamos nos subordinando, temos governada a nossa
16
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa
Cevasco, Iná Camargo Costa. São Paulo: Ática, 1996.
36
vontade, temos fabricadas as nossas identidades e somos aprisionados em significados e
representações (idem).
Num artigo que trata sobre cultura informacional, Regina Marteleto (1995)
expõe o sentido antropológico de cultura:
o modo de relacionamento humano com seu real, ou ainda, como o conjunto de
artefatos construídos pelos sujeitos em sociedade (palavras, conceitos, técnicas,
regras,linguagens) pelos quais dão sentido, produzem e reproduzem sua vida
material e simbólica.
Para a autora, informação diz respeito não apenas ao modo de relação dos
sujeitos com a realidade, mas também aos artefatos criados pelas relações e práticas
sociais. Assim, cultura e informação são conceitos/fenômenos intimamente interligados.
A primeira, funcionando como uma memória, transmitida de geração em geração, na
qual se encontram conservados e reproduzíveis todos os artefatos simbólicos e materiais
que mantêm a complexidade e a originalidade da sociedade humana. Vista assim, como
uma totalidade, um conceito nucleador, a cultura é o primeiro momento de construção
conceitual da informação, como artefato ou como processo que alimenta as maneiras
próprias de ser, representar e estar em sociedade.
Acrescenta a autora que a cultura possui um modo especial de funcionamento
o social-histórico. Aquilo que permite a produção e reprodução dos artefatos culturais é
a sua institucionalização na sociedade. Informa, ainda, que os artefatos
institucionalizados impõem-se na sociedade, primeiro e, de modo superficial, mediante
a coerção e as sanções. Segundo, menos superficialmente e de forma mais ampla,
mediante a adesão, o apoio, o consenso, a legitimidade, a crença.
37
Dessa forma, os artefatos e os próprios indivíduos são criações culturais e
históricas que, uma vez instituídas, dão coesão e unidade interna à instituição interna da
sociedade, funcionando como um tecido imenso e complexo de significações.
A autora defende que a produção e reprodução dos artefatos culturais se realiza
pela prática informacional expressão essa que se refere aos mecanismos mediante os
quais os significados, símbolos e signos culturais são transmitidos, assimilados ou
rejeitados pelas ações e representações dos sujeitos sociais em seus espaços instituídos e
concretos de realização; para ampliar o processo de construção do objeto informacional,
considerando seus processos de produção, distribuição e consumo, a autora apóia-se nos
conceitos de campo e habitus, formulados por Bourdieu
17
.
Esses conceitos e outros que integram a produção dos artefatos no domínio da
sociologia da cultura e das relações de força simbólica que regeriam a dinâmica cultural
moderna têm base no pressuposto histórico de que, nas sociedades ocidentais, teria
ocorrido um processo de autonomização do sistema de relações de produção, circulação
e consumo dos bens culturais em relação a um modo prevalecente de conhecimento que
tinha como fundamento unitário os referenciais simbólicos e de poder da aristocracia e
da igreja. O processo crescente de autonomização das esferas de produção dos bens
simbólicos fez com que, em primeiro lugar, fossem constituídos e fortalecidos campos
relativamente autônomos de produção e reprodução cultural, como o artístico, o
17
BOURDIEU, Pierre. Le sens pratique. Paris: Les Editions de Minuit, 1980. Apesar das concepções
teóricas desse autor não se harmonizarem com os EC pós-modernos, suas reflexões sobre campo e
habitus, nesse momento, podem ilustrar bem a relação de produção e consumo do artefato cultural em
questão.
38
filosófico, o científico, o educacional, além dos campos de distribuição e consumo,
como as editoras, bibliotecas, arquivos, museus e a própria indústria cultural. Em
segundo lugar, criou-se, a partir daí, uma situação de mercado de oferta e consumo dos
bens culturais, de maneira semelhante ao circuito de distribuição dos bens materiais.
A noção de campo está, assim, associada às subdivisões do contexto cultural
mais amplo:
os diferentes campos existentes em uma dada formação cultural gozam de relativa
autonomia na sua maneira de existir. Elas o uma situação institucionalizada em
que os agentes desenvolvem suas ações como atividades regidas por regras válidas
para cada campo, especificamente.(Bourdieu apud Marteleto, 1995)
A participação ou não dos sujeitos em determinados campos depende dos seus
habitus, já que os campos exigem investimentos que implicam a posse e utilização de
um capital cultural adquirido na família e reforçado pela experiência escolar e prática
social.
Para relacionar os conceitos de campo e habitus, é importante reconhecer que os
agentes ocupam no espaço social uma posição influenciada, entre ouros aspectos, por
sua origem de classe ou grupo social. É a partir da sua posição nesse espaço que os
agentes elaboram suas representações e executam suas ações, pelo prisma do seu lugar
no sistema de posições sociais. Uma visão de cunho pós-moderno sobre a concepção de
Bourdieu relativizaria a importância da posição de classe dos sujeitos nas questões de
poder e representações. Por outro lado, os conceitos de campo e habitus, assim
39
associados, auxiliam a entender o modo de estruturação dos sentidos produzidos
socialmente, agenciados e gerenciados por produtores e reprodutores das informações e
do seu fluxo na sociedade.
Marteleto (1995) sugere, ainda, a delimitação da estrutura do universo cultural
através de dois traços básicos, comuns aos diferentes campos sociais: a geração da
cultura como matéria de trabalho ou de uma prática colocada sob a esfera da produção;
e sua organização em campos sociais que classificam os sujeitos como produtores e
receptores dos bens culturais. Essa subdivisão cria um mercado simbólico no qual o
valor de uma produção cultural é largamente determinado por instituições sociais de
domínio público, como as escolas e as universidades, os museus, as bibliotecas e outros
organismos culturais, as editoras.
Passemos, então, a especificar o artefato cultural que importa mais nessa
pesquisa: histórias em quadrinhos.
40
Capítulo III – Imergindo no mundo dos quadrinhos
A Nona Arte
É comum ouvirmos informações sobre as sete artes, que seriam a Música, a
Pintura/Desenho, a Escultura, a Dança, a Literatura, o Teatro e o Cinema, este último,
conhecido como a sétima arte. Pesquisando sobre histórias em quadrinhos, encontra-se a
denominação Nona Arte (NAZARIO, 2001) (a oitava, embora haja controvérsias, seria a
fotografia). E quem arrisque ordenar as demais como desenhos animados,
videojogos, computação gráfica em terceira dimensão, entre outras.
Além dessa nova designação, podemos ainda encontrar: arte seqüencial, banda
desenhada, tiras, tirinhas, tiras em quadrinhos, simplesmente quadrinhos, Hq, Hqs
18
, etc.
Cada país parece ter seu próprio nome para essa forma de arte. No Brasil, além
dos termos citados acima, as Hqs são popularmente chamadas gibis
19
. Em Portugal,
também é designada popularmente por livros aos quadradinhos. Na Espanha, T.B.O. ou
18
Usaremos a sigla Hqs para histórias em quadrinhos.
19
Gibi foi o título de uma revista brasileira de quadrinhos cujo lançamento ocorreu em 1939. Graças a
ela, no Brasil, o termo gibi tornou-se sinônimo de "revista em quadrinhos". Em outubro de 1993, a
Editora Globo lançou outra revista em quadrinhos com um título homônimo, como uma espécie de
homenagem.
41
tubeos. Na Itália, o nome é fumetti. Na França, bandes dessinées ou bandes. Nos
Estados Unidos, comics, funnies, comic strip. No Japão, são chamados Mangás.
As Histórias em Quadrinhos, embora tenham surgido muito antes do Cinema, até
hoje não são devidamente reconhecidas como forma artística. Para efeitos de
significação, neste trabalho vale a premissa de a história em quadrinhos ser uma forma
cultural de expressão. Para muitos teóricos da Arte, isso seria o bastante para defini-la
como arte, de fato. Para se expressar (e se comunicar), o homem utiliza diversos
recursos. Poderíamos afirmar, então, que toda forma de expressão/comunicação
utilizada pelo ser humano é também uma forma de Arte. Além disso, elas são muito
mais que simples desenhos; para alguns autores, são uma fusão entre Literatura e
Desenho, porém com modos próprios de se expressar.
É quase unanimidade os estudiosos do assunto afirmarem que os quadrinhos
têm suas origens nas pinturas rupestres. O homem das cavernas, numa tentativa de se
comunicar, pintava figuras de homens e animais em seqüência tentando passar uma
idéia. Deve-se observar que o ser humano, antes de se comunicar através da escrita,
procurou fazê-lo através de imagens. Nesse caso, o homem das cavernas não procurava
fazer Arte, ele desejava simplesmente se comunicar, daí a polêmica da ambivalência
comunicação/arte.
Para entender de que se constitui uma história em quadrinhos, é válido observar
que o ser humano pinta e escreve. Os quadrinhos incorporam, no mínimo, duas formas
que o homem utiliza para se expressar: a pintura e a escrita. Considerando a imersão das
42
Hqs em um universo cultural, vê-se que, para se fazer uma Hq, também é necessário que
o autor tenha conhecimento de vestuário, arquitetura, história, fotografia e cinema,
mencionando apenas algumas outras formas de expressão do ser humano.
A sofisticação de algumas formas de quadrinhos, como podemos observar em obras
como a de McCloud (2005), justifica a sua inclusão como arte. O autor lembra, ainda,
que “dos vitrais, mostrando cenas bíblicas em ordem, à pintura em série de Monet, até
os manuais de instrução, as histórias em quadrinhos surgem em todo lugar quando se
usa a definição arte seqüencial”(grifo do autor).
A história em quadrinhos é uma forma de arte seqüencial
20
que conjuga texto e
imagens seqüencialmente organizadas com o objetivo de contar histórias dos mais
variados gêneros e estilos. São, em geral, publicadas no formato de revistas, livros ou de
pequenos trechos editados em jornais e revistas.
Depois da invenção da imprensa, surgiram os jornais e com eles a necessidade de
se comunicar (leia-se "vender") com mais pessoas. Nos Estados Unidos essa
necessidade era maior, principalmente para se atingir os imigrantes europeus que
vinham tentar a sorte no país e não tinham o total domínio da língua inglesa.
20
Arte seqüencial é um termo utilizado para definir a história em quadrinhos, cunhado pelo aclamado
artista de quadrinhos norte-americano Will Eisner (03/03/1917-03/01/2005), considerado um dos mais
importantes do meio; criador de "The Spirit".
43
As primeiras Histórias em Quadrinhos no Brasil eram muito dependentes do
texto, como podemos ver em qualquer exemplar antigo. Cada quadrinho, em geral em
formas bem padronizadas, era precedido de um breve enunciado verbal.
Atualmente podemos identificar conceitos totalmente diferentes, principalmente
em certas "Novelas Gráficas", mais requintadas. Algumas chegam a quase prescindir do
texto. Os quadrinhos assumiram formas inusitadas e a arte utilizada nos desenhos é cada
vez mais arrojada, usando as mais diversas técnicas plásticas.
As Hqs assumiram uma linguagem própria, um modo único de representar seu
objetivo. Elas não são simples textos desenhados ou quadros de um filme capturados.
São muito eficazes na transmissão de mensagens porque lidam com a linguagem
icônica, acessível a todos num mundo onde ainda existem analfabetos, afirma Scott
McCloud (2005, p.49).
Através das atuais Hqs é possível remontar aos tipos de registro pictórico
utilizados pelo homem pré-histórico para representar, por meio de desenhos, suas
crenças e o mundo ao seu redor. Ao longo da História da Humanidade esse tipo de
registro se desenvolveu de várias formas, desde os hieróglifos egípcios até a própria
escrita alfabética.
Apesar do nascimento exato ser tema de controvérsia, a maioria dos teóricos
parece concordar que, a despeito de qualquer trabalho precursor isolado, a paternidade
44
dessa forma de arte cabe aos Estados Unidos. Foi que os cânones das atuais Hqs
primeiro se fixaram para, só então, ganharem o mundo.
Com a popularização das mídias impressas, a partir da virada do século XIX
para o XX, a história em quadrinhos tornou-se imensamente popular em todo o mundo.
Sua linguagem foi se tornando cada vez mais apurada e, apesar de ser muitas vezes
tratada como uma forma de expressão menor, seu respeito nos meios acadêmicos vem
crescendo a cada dia.
Dessa forma, os quadrinhos o lidos pelas mais diversas faixas etárias, desde
crianças antes da alfabetização a idosos. Atualmente podemos observar mais
aprofundamento na construção de personagens e opção por propor temas relevantes,
instigantes e até polêmicos.
Em sua história mais recente, os quadrinhos encontram seus precedentes nas
sátiras políticas publicadas por jornais ingleses e norte-americanos, que traziam
caricaturas acompanhadas de comentários ou pequenos diálogos humorísticos entre os
personagens retratados. Mais tarde esse recurso daria origem aos "balões"
21
, um dos
recursos gráficos utilizados nos quadrinhos que, como outros elementos específicos,
assume característica de um código específico de linguagem.
21
Do termo italiano "fumetti" - os balões lembram fumaça saindo da boca dos interlocutores.
45
Duas obras se destacam ao tratar dessa forma de expressão: Quadrinhos e arte
seqüencial
22
e Desvendando os quadrinhos
23
. O livro de Eisner, que serve, inclusive, de
referência para o de McCloud, examina a singular estética da arte seqüencial como
veículo de expressão criativa, “uma disciplina distinta, uma forma artística e literária
que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história”,
diz o autor. O de McCloud, em forma de quadrinhos, examina “a forma artística dos
quadrinhos... suas possibilidades, como funciona”, segundo o autor. Com base nessas
obras
24
passamos a apresentar, então, brevemente, os elementos mais importantes que
compõem os quadrinhos e como eles podem ser “lidos”, juntamente com o texto (ou
mesmo na ausência dele), contribuindo para a criação da atmosfera das ações, bem
como acrescentando significados à narrativa
25
.
Na tentativa de definir o que são, afinal, histórias em quadrinhos, McCloud
(2005, p. 9) formula o conceito de que são “imagens pictóricas e outras justapostas em
seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta
no espectador”. Já Eisner (2001, p.7) é abrangente ao dizer que “quando se examina
uma obra em quadrinhos como um todo, a disposição de seus elementos específicos
assume a característica de linguagem”. Importa é que ambas as obras abordam, de
forma cuidadosa esse tema ainda tão menosprezado: as histórias em quadrinhos.
22
EISNER, Will, Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
23
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. SP: M. Books , 2005.
24
Para a elaboração deste capítulo, foram utilizadas as obras de Eisner e McCloud referidas
anteriormente, considerando-se desnecessário, a cada referência, repetir-se o ano de publicação.
25
A fim de ilustrar a apresentação, foram retirados exemplos das revistas em quadrinhos analisadas.
46
a) O Vocabulário das Hqs
Palavras, imagens e outros ícones
26
constituem o vocabulário da linguagem
chamada história em quadrinhos. As imagens funcionam para transmitir informações as
quais ninguém precisa de educação formal para entender; a mensagem é quase
instantânea. A maior parte da arte nos quadrinhos equivale à abstração icônica, onde
qualquer linha, qualquer traço tem um significado.
Para Eisner, a tarefa do artista seqüencial é dispor a seqüência de eventos (ou
figuras) de tal modo que as lacunas sejam preenchidas pelo leitor. Conhecida a
seqüência, o leitor fornece os eventos intermediários, a partir de sua vivência”. O
sucesso desse processo depende da habilidade do artista (mais laboral que intelectual)
para aferir o que é comum à experiência do leitor.
A exemplo das obras produzidas por Eisner e McCloud, que fornecem as
informações necessárias para a composição deste capítulo, pretendemos ilustrá-las com
quadrinhos retirados das revistas em quadrinhos do Chico Bento.
26
Por “ícone” entendemos qualquer imagem que represente uma pessoa, um local, um objeto, etc. São
imagens que representam conceitos e idéias e exigem a participação mental do leitor, caso contrário,
esvaziam-se de sentido.
47
b) A conclusão
Observar as partes, mas perceber o todo é um fenômeno que nas histórias em
quadrinhos chama-se conclusão (McCloud, p.63). Realizamos conclusões, completando
mentalmente o que está incompleto, baseados em experiências prévias. Algumas formas
de conclusão são invenções estrategicamente criadas para provocar, no leitor, alguma
forma de sensação ou envolvimento.
Fig. 1 Revista 432 p. 44
Ainda que o vejamos nem o corpo nem a ação do personagem, através de elementos fornecidos pelo
autor, podemos compreender perfeitamente essa ação.
Os quadrinhos usam a conclusão como nenhum outro meio de comunicação o
faz. Nesse meio, “o público é um colaborador consciente e voluntário e a conclusão é
agente de mudança, de tempo e de movimento”, esclarece McCloud (2005, p. 65).
Outro recurso próprio dessa arte é a chamada sarjeta. Trata-se do espaço entre
os quadros. Ela é responsável por grande parte da magia e do mistério que existe na
48
essência dos quadrinhos. McCloud (p.66) afirma que “no limbo da sarjeta, a imaginação
humana capta duas imagens distintas e as transforma em uma única idéia”. Nada é visto
entre os dois quadros, mas a experiência indica a existência de cenário ou a
continuidade da ação.
Dessa forma, o leitor passa a ser cúmplice imparcial das ações, pois sua
conclusão deliberada e voluntária é o método básico para o quadrinho simular tempo e
movimento.
Fig. 2 Revista 445 p.16
O leitor , envolvido na ação, percebe, com antecedência, a sucessão dos fatos e vai além; mentalmente
cabe a ele escolher onde haverá o choque que se anuncia e como se dará esse episódio.
49
Aprendemos com McCloud (p. 67) que os quadros das histórias
fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo recortado de movimentos
dissociados, mas a conclusão nos permite conectar esses movimentos e concluir
mentalmente uma realidade contínua e unificada.
Passemos, então, aos quadros
27
.
c) Os requadros
O ato de colocar a ação em quadrinhos separa as cenas e os atos como uma
pontuação. Explica Eisner (2001, p. 38) que “uma vez estabelecido e disposto na
seqüência, o quadrinho torna-se o critério por meio do qual se julga a ilusão de tempo”.
Mais adiante acrescenta que “o requadro pode ser usado como parte da linguagem não
verbal da arte seqüencial”.
Podemos perceber essa função do requadro, em especial, através do traçado do
requadro. Retângulos retos, de forma tradicional, indicam o presente. Outros tipos de
traçados podem indicar som, sugerir o clima emocional, a atmosfera da ação, entre
outros efeitos de sentido.
27
Eisner (2005,p.44) trata por requadro a moldura dentro da qual se desenrola a história; o traçado do
quadrinho, propriamente dito. O requadro do quadrinho pode contribuir para ressaltar determinados
efeitos, contribuindo como parte da linguagem não-verbal das Hqs.
50
Fig. 3 Revista 432 p. 48
Requadro em linhas sinuosas pode sugerir sonho, lembrança, emoção, pensamento, deslocamento
cronológico, imaginação, flashback...
Fig.4 Revista 374 p.5 Fig.5 Revista 371 p.20 Fig .6 Revista 34 p.30
Requadro destaca personagem. Contribui para compor o
“clima”da cena. O requadro-
objeto constitui a estrutura
do cenário da história.
Serve de apoio à personagem,
funcionando como parte do cenário.
Fig.7 Revista 227 p.3 Fig.8 Revista 34 p. 18
Requadro em forma de poeira, sugerindo a
dimensão da briga.
Ausência de requadro. Uso de efeitos gráficos,
combinados à onomatopéia para simbolizar som.
51
Fig. 9 Revista 64 p.8
Requadro nada convencional, sugerindo corte transversal de colméia, a fim de permitir que o leitor
acompanhe os acontecimentos dentro da mesma, de forma realista. Os requadros convencionais tendem a
distanciar o leitor da narrativa; os não-convencionais permitem que a ação irrompa na direção dele,
lidando com outras dimensões sensoriais.
Fig.10 Revista 83 p.13 Fig.11 Revista 85 p.9 Fig.12 Revista 83 p. 13
Ausência de requadro,
indicando liberdade de
movimento na amplitude
do espaço.
Requadro em forma de
vidro para contribuir
com a composição da
cena do ônibus.
Requadro em forma de caverna, acentuando a
sensação da necessidade de se esconder e as
emoções inerentes a essa ação.
52
Fig. 13 Revista 97a p.17
Seqüência de ações com requadros, indicando a duração da cena (ênfase ao tempo).
Fig.14 Revista 383 p. 4
Seqüência de ações sem requadro, indicando a liberdade de movimentos (ênfase ao espaço).
Em relação às transições entre um quadro e outro, McCloud (2005, p.50) sugere
seis tipos:
a) quadro-a-quadro (com pouca conclusão). Exemplo da seqüência de ações
com requadro, demonstrando a progressão da situação (Fig. 13).
b) ação-para-ação (um tema em progressão). Exemplo da seqüência sem
requadro (Fig.14)
c) tema-para-tema (exige maior grau de envolvimento do leitor): o leitor tem
que relacionar os fatos para compor a cena.
53
Fig .15 Revista 64 p.59
d) cena-a-cena (distâncias significativas de tempo e espaço).
Fig.16 Revista 441 p. 17
54
e) aspecto-para-aspecto (diferentes aspectos de um mesmo lugar, idéia ou
atmosfera).
Fig. 17 Revista 64 p. 59
f) non-sequitur (nenhuma seqüência lógica). São raras as ocorrências.
d) O tempo
Os requadros têm íntima relação com o tempo, nos quadrinhos. McCloud
adverte que cada quadro representa um único momento no tempo e entre esses
momentos existem os momentos interpostos, criando a ilusão de tempo e movimento. A
relação entre tempo e espaço também é estreita: percebemos o tempo a partir da
55
seqüência representativa do espaço. “Movendo-se pelo espaço, movemo-nos no tempo”.
(p. 100).
Fig. 18 Revista 224 p.23
Ações simples, com poucos quadros, resultado imediato.
Fig.19 Revista 63 p.17
Ações simples, com muitos quadros, criam a sensação de prolongamento do tempo para realçar
a emoção.
56
Fig.20 Revista 374 p. 13
Fig. 21 Revista 370 p. 5
O quadro longo pode provocar a sensação de maior duração de tempo.
57
Fig.22 Revista 34 p.26
O quadro sem contorno tem qualidade atemporal. A ausência do requadro abrange o que o está visível;
o leitor completa o que não está vendo.
Fig. 23 Revista 97a p.19 Fig. 24 Revista 85 p.14 Fig. 25 Revista 62 p. 4
Tempo expresso por referências temporais ativam a experiência social do leitor. Trata-se de
ícones comumente reconhecidos, extraídos da experiência corrente.
Fig.26 Revista 370 p.20
58
Fig. 27 Revista 62 p.18
Tempo decorrido indicado pela seqüência expressa por fenômenos da natureza.
Fig. 28 Revista 63 p.58
Tempo evocado por imagens para representar o deslocamento entre presente, passado e futuro.
59
e) O movimento
Arte suprema dos quadrinhos é conseguir mostrar movimento num meio
estático. Assim como tempo e espaço estão intimamente ligados, tempo e movimento
também. As transições entre os quadrinhos, mostrando imagens múltiplas em seqüência,
dão idéia de movimento. Além disso, outros recursos também são utilizados,
dependendo da habilidade do desenhista e sua criatividade para sugerir ação real dos
movimentos. A participação do leitor também é fundamental à elaboração desse
processo.
As linhas de movimento, recurso cada vez mais estilizado e diagramático, são as
mais freqüentes formas de representação da trajetória de objetos em movimento no
espaço, tornando-se, para Eisner (2001), “recursos narrativos”.
Fig. 29 Revista 82 p.4 Fig. 30 Revista 432 p. 63 Fig. 31 Revista 97a p. 29
Linhas sinuosas ou retas indicam movimento, tornando-se parte da linguagem visual.
60
Fig. 32 Revista 383 p.4
As linhas indicam, nesse caso, além de movimento, a velocidade da ação. Vale notar que o uso
combinado entre linhas de movimento e velocidade, onomatopéias e a conclusão do leitor, conseguem
conferir realidade à cena e podem envolver o leitor mais profundamente na ação.
Fig. 33 Revista 62 p. 77
O efeito das imagens múltiplas é mais um dos recursos de que o desenhista se vale para imprimir
movimento aos desenhos.
61
Fig. 34 Revista 62 p. 67
A simulação do vôo, através das linhas de movimento, é reforçada pelo uso da perspectiva.
Fig. 35 Revista 97a p.24
As linhas sinuosas, a onomatopéia, o cenário, o
ângulo com que o desenhista enquadrou o
personagem dão a nítida percepção de queda ao
leitor, que conta com sua experiência anterior para
identificar a ação.
Fig. 36 Revista 371 p. 20
O close valoriza o movimento do bilhete,
ressaltado pelas linhas que indicam o trajeto
do objeto.
Fig. 37 Revista 97a p. 32
Sensação de movimento inferida pela conclusão do leitor, que lança mão da percepção dos outros efeitos
gráficos que compõem a cena.
62
Fig. 38 Revista 370 p. 20
A linha pontilhada indica o movimento das mãos da personagem sugerido pelo desenhista.
Fig . 39 Revista 34 p. 131
A forma com que as colunas foram desenhadas também dão a sensação de movimento, de queda, à cena.
63
f) Os balões
Os balões constituem recurso gráfico utilizado para enquadrar a fala. Com o
desenvolvimento da técnica, foram se aprimorando, adquirindo diferentes significados,
passando a contribuir para a narração, para dirigir nossa compreensão subliminar da
duração da fala, contribuindo, também, para mediação do tempo, nos quadrinhos. Para
MacCloud (2005, p.134), os balões constituem “o ícone cinestésico mais usado, mais
complexo e versátil dos quadrinhos”.
Segundo Eisner (2001, p.27), a primeira versão do balão era simplesmente uma
fita que emergia da boca do emissor. Em 1905, na Revista O Malho, temos publicado
um conto para crianças, cuja fala dos personagens sequer é encapsulada
28
; os diálogos
são marcados por travessões.
28
Termo referido por Eisner (2001).
64
Fig.40 “Procurando a casa”, J. Carlos. O Malho, Rio de Janeiro. p.155, 1905.
29
Como podemos perceber, o contorno dos diálogos deixou de ser “simples
cercado para a fala (Eisner, 2001); sua forma traduz-se em diferentes significados.
29
In: Rosa, Zita de Paula. O Tico-Tico: meio século de ação recreativa e pedagógica. Bragança Paulista:
EDUSF, 2002.
65
Fig. 41 Revista 34 p.5
Linhas sinuosas para acentuar o riso, a indignação, a alteração da voz.
Fig. 42 Revista 34, p. 5
Balão em forma de seta, para sinalizar, ao leitor, o foco de interesse do autor, sob a forma de inscrição.
66
Fig.43 Revista 97a p. 4
Fig. 44 Revista 442 p. 14
Formato freqüente para a representação de imaginação ou lembrança.
Fig. 45 Revista 64 p. 32
Fig. 46 Revista 34 p.36
Em formato específico, contribuindo para intensificar a emoção da cena.
67
Fig. 47 Revista 34, p.31 Fig. 48 Revista 97 a p. 4
Em formato sinuoso, ressaltando a ambigüidade da palavra e representando a animação do diálogo.
Fig. 49 Revista 440 p.17
Em forma sinuosa, ressaltando a intensidade do “grito”, contribuindo para a conclusão.
Fig. 50 Revista 34 p.147 Fig.51 Revista 432 p. 37 Fig. 52 Revista 385 p. 23
Balões demonstrando o esforço de capturar características dos sons. Vale ressaltar as formas diferentes
apresentadas para representar as onomatopéias utilizadas para representar o sono e o quanto essas
escolhas interferem no efeito de sentido percebido pelo leitor.
68
O conteúdo icônico dos desenhos
30
é um recurso que afeta a conclusão. Dentro
dos balões, os símbolos são adequados ou inventados para compensar o não-verbal,
exigindo a participação do leitor para funcionar.
Fig.53 Revista 376 p.6 Fig.54 Revista 385 p.23 Fig. 55 Revista 62 p.60
Balões enlaçando ícones.
30
MacCloud, no capítulo destinado ao vocabulário dos quadrinhos (p. 24 a 59), trata de esclarecer a
palavra ícone, tomada como uma imagem que possa representar uma pessoa, um local, uma coisa ou uma
idéia. Fala de conteúdo icônico, ícones pictóricos, ícones abstratos, ícone cartum, forma icônica, variação
icônica, personagens e ambientes icônicos, e explica que devem expressar as idéias de cada artista, como
formas de expressão e que essa iconografia visual pode contribuir para uma comunicação universal.
69
Fig. 56 Revista 370 p.22
As figuras enlaçadas pelos balões passam a ser metáforas visuais.
g) O som
Normalmente representado através de palavras e onomatopéias, o som é
sugerido através da combinação de fatores gráficos que representam, entre outras, as
sensações de ação e reação.
70
Fig.57 Revista 432 p.3 Fig. 58 Revista 432 p.3 Fig.59 Revista 381 p.31
As onomatopéias podem aparecer dentro ou fora dos balões e servem, por vezes, para acentuar, também o
movimento.
Fig. 60 Revista 34 p. 28
Fig. 61 Revista 438 p.64
A representação do som é um importante recurso auxiliar para a conclusão.
71
Fig.62 Revista 371 p.20
A música pode ser representada pelo ícone específico (notas musicais) e contribui para a atmosfera da
cena.
Fig. 63 Revista 438 p. 38
O efeito produzido, em combinação com outros fatores, é o ilimitado que pode ser utilizado, como no
caso da situação acima, para representar um tipo de iluminação especial (flash de máquina fotográfica),
reconhecida pelo leitor por sua experiência anterior.
Fig. 64 Revista 34, p. 16
Fig. 65 Revista 34, p. 15
Onomatopéias também podem contribuir para a percepção de sensações e emoções: preguiça e
tristeza.
72
h) Linhas, traços, figuras, ícones: as emoções
As emoções podem ser sugeridas nos quadrinhos, pois existem recursos capazes
de evocar uma resposta emocional no leitor. O potencial expressivo de determinados
recursos é capaz de representar, segundo McCloud (p.121), “o mundo invisível das
emoções”. Para ele o quadrinho é um “meio monossensorial que depende de um
sentido (a visão) para transmitir um mundo de experiências”.
Fig.66 Revista 370 p. 12
O tamanho maior do quadro dá a dimensão da cena, estabelecendo o clima necessário para, em
combinação com o som, gerar a sensação de suspense. O leitor consegue perceber a respiração quente do
animal, representada pelas linhas e símbolos de fumaça. O movimento causado pelo som emitido pelo
animal é conseguido pela fusão de linhas, onomatopéias e figuras. A sensação de espanto e medo é dada
pela forma com que o desenhista compôs o personagem.
73
Fig. 67 Revista 62 p.15
Fig. 68 Revista 62 p.15
Fig. 69 Revista 412 p. 34
O conhecimento das
características naturais (peixe
não consegue respirar fora da
água) permite que o leitor sinta a
angústia provocada pela cena.
As linhas, nesse caso, representam
fenômenos visíveis: as
conseqüências da falta de água e o
calor excessivo.
Fumaça é a forma
convencional de indicar o
preparo do cozimento, na alta
temperatura, podendo evocar,
inclusive o cheiro da carne
assada.
Fig.70 Revista 438 p. 64 Fig. 71 Revista 438 p. 64 Fig. 72 Revista 62 p.24
Fig.73 Revista 62 p.21 Fig. 74 Revista 442 p.15
Sensações de dor, impacto, movimento, frio, ser tocado pelo vento e pela chuva, percepções físicas ou
emocionais, o conseguidas através do uso habilidoso de linhas em combinação com outros recursos. As
linhas não são propriamente figuras, mas símbolos que evocam a conclusão, no leitor, mediante sua
experiência anterior.
74
Fig. 75 Revista 85 p. 75
O fundo pode ser uma ferramenta valiosa para indicar idéias invisíveis no plano da emoção, como acima,
em que retrata o estado emocional (desorientado) do personagem.
Fig. 76 Revista 62 p. 20
Sensações como cheiro e temperatura também podem ser evocadas por linhas.
A composição do cenário, nas histórias em quadrinhos, é mais do que
uma simples decoração. Faz parte da narração, auxiliando na sugestão de sensações e
emoções.
75
Fig. 77 Revista 370 p.20
Fig.78 Revista 62 p.18
Fig. 79 Revista 85 p.26
76
Fig. 80 Revista 85 p. 74
Fig.81 Revista 441 p.39
A “leitura” do cenário exige certo refinamento prévio do leitor. A experiência comum e o histórico de
observação são necessários para interpretar os sentimentos do autor
31
, expressos na linguagem específica
dos quadrinhos.
31
Eisner, 2001, p. 24
77
Fig. 82 Revista 385 p.27
As emoções são facilmente identificadas mesmo na linguagem não-verbal. A combinação de símbolos
icônicos com diversos recursos oferecem pistas que podem provocar uma infinidade de sensações no
leitor.
A perspectiva, como a sugestão de iluminação, são recursos que podem ser
manipulados para produzir vários estados emocionais.
78
Fig. 83 Revista 63 p. 58
79
Fig. 84 Revista 97 a p.27
Fig.85 Revista 85 p. 73
Paz, perigo, medo, suspense... causados por efeitos gráficos.
80
Dentre as revistas em quadrinhos analisadas, a repetição de um recurso chama a
atenção por criar, estabelecer um clima anterior à narração, pois aparece antes mesmo
do título. Funcionando como uma espécie de introdução, acaba servindo de trampolim
para a narrativa. Prende a atenção do leitor e prepara sua atitude para com os eventos
que se seguem.
Fig. 86 Revista 64 p.46
81
i) As palavras
As palavras, mais que qualquer outro símbolo visual, têm o poder de descrever
(ou procurar descrever) o reino invisível dos sentidos e das emoções. Para McCloud,
(p.156) palavras e imagens são como parceiros de dança: cada um assume sua vez
conduzindo.
Para esse autor, a relação estabelecida entre imagens e palavras é de
interdependência, quando elas se unem para transmitir uma idéia que nenhuma das duas
poderia exprimir sozinha:
Fig. 87 Revista 63 p. 17
82
A linguagem escrita, nos quadrinhos, é um elemento tão visual quanto as
imagens. Para Eisner (p.13), é necessário que haja uma interação entre o autor e o leitor:
o artista evoca imagens armazenadas na mente do leitor que permitem a compreensão
da mensagem.
Fig. 88 Revista 440 p.14
O tratamento visual das palavras como forma de arte gráfica é parte do
vocabulário. Para Eisner, o texto escrito pode ser lido como uma imagem. A letra,
tratada graficamente, funciona como uma extensão da imagem, delineando o clima
emocional. O texto, apresentado em combinação com a arte, pode mostrar como a
“leitura” pode ser influenciada: ele evoca uma emoção específica e modifica o sentido.
Fig.89 Revista 85 p.44
83
Fig. 90 Revista 85 p.4
HQs e Leitura
Ao contrário do que muitos pedagogos apregoam, os quadrinhos
exercitam a criatividade e a imaginação da criança, quando bem utilizados. Podem
servir de reforço à leitura, e constituem uma linguagem altamente dinâmica. É uma
forma de arte adequada a nossa era: fluida, embora intensa e transitória, a fim de
dar espaço permanente às formas de renovação. (BIBE-LUYTEN, Sonia M., 1984)
É importante mencionar que os quadrinhos têm, no Brasil, ainda que
controvertida, uma longa história junto à educação; a primeira revista brasileira de
quadrinhos para crianças, O Tico-Tico
32
, publicada a partir do ano de 1905, apresentava,
além das Hqs, contos, concursos, brinquedos para montar e seções instrutivas, tendo
sido um grande sucesso editorial, em sua época. Hoje se entende que as Hqs podem
servir como instrumento de incentivo à leitura e de formação educacional.
O conceito de leitura, a partir das atuais correntes de ensino, está longe do
concebido pelo ensino tradicional, como de decodificação pura e simples do código
escrito. Na perspectiva do letramento, “leitura” assume um caráter mais geral,
abrangendo diversas “leituras” possíveis, e considerando os mais diversos materiais que
servem à mesma. Considera-se a importância, por exemplo, da leitura de mapas, de
32
Ver a respeito em ROSA, 2002.
84
partituras musicais, de placas, de diagramas, de gráficos, de propagandas publicitárias,
de sinais, enfim, de toda a gama de mensagens verbais ou não-verbais. Para isso,
desenvolvem-se, no leitor, habilidades de percepção ignoradas anteriormente.
Segundo Eisner (2001, p.8), durante o processo de criação, os artistas dos
quadrinhos conseguem uma hibridação bem sucedida de ilustração e prosa. Assim,
habilidades interpretativas visuais e verbais vão sendo exigidas do leitor. “As regências
da arte (perspectiva, simetria, pincelada...)” e as regências da literatura (gramática,
enredo, sintaxe...)” superpõem-se mutuamente. Dessa forma, o processo de leitura de
uma história em quadrinhos torna-se um exercício bem mais complexo do que se pode
imaginar. A leitura da revista em quadrinhos passa a ser um ato de percepção estética
e de esforço intelectual”. (Idem). O leitor faz uso implícito de uma diversidade de
conhecimentos para ler as imagens dos quadrinhos.
Essa forma popular de leitura encontrou um público amplo e, em particular,
como destaca Eisner, “passou a fazer parte da dieta inicial da maioria dos jovens”.
No artigo Leitura de histórias em quadrinhos: uma prática discursiva entre
crianças não alfabetizadas (OLIVEIRA, 2003), a proposta de utilizar quadrinhos
entre crianças de 05 e 06 anos se deve ao fato de que é
possível a criança não alfabetizada construir significados para as histórias em
quadrinhos, desde que a escolha desse gênero discursivo leve em conta os objetivos
de leitura da criança e o conhecimento que ela construiu até o momento enquanto
membro de um mundo letrado; que a classificação dos elementos constitutivos
desse gênero parta do princípio de que a criança não precisa estar alfabetizada; que
o contato da criança com as histórias em quadrinhos seja constante e dinâmico; que
a interação da criança com esse gênero permita que ela construa hipóteses de
sentido e que o conhecimento, portanto, seja fruto dela, mais que um simples
recebimento e acúmulo de informação, e que a intervenção do professor tenha a
85
intenção de promover a autonomia e a autoconfiança da criança em vez de servir de
instrumento de correção.
A opinião dos autores em relação aos quadrinhos é baseada, principalmente, em
uma contraposição às leituras mais literárias, eventualmente impostas no âmbito escolar.
As histórias em quadrinhos, por sua vez, configuram-se por muitos aspectos lúdicos,
como as cores, os desenhos, as histórias engraçadas, etc, que prenderiam a atenção da
criança e fá-la-iam sonhar, ajudando-a a construir um mundo de fantasia e diversão.
Despertar o prazer pela leitura, tornando-o uma prática cotidiana, é um desafio
que a educação contemporânea tem se colocado e os quadrinhos podem ser uma
ferramenta de auxílio nessa empreitada.
A qualidade do trabalho desenvolvido por ilustradores e quadrinistas
contemporâneos tem, com certeza, o poder de seduzir e conquistar os mais diversos
leitores para o mundo fantástico da Nona Arte e até, quem sabe, influenciar o gosto pelo
desenho a uns tantos futuros autores de histórias em quadrinhos.
De maneira geral, muitos exemplos de como as Hqs podem auxiliar a gerar
interesse pela leitura e a contribuir para diversos objetivos da educação quanto à
expansão de competências de leitura. Afinal, os quadrinhos possuem ilimitadas
possibilidades a serem exploradas. Atualmente, as figuras em seqüência estão sendo
reconhecidas como importante ferramenta de comunicação, haja vista os manuais de
instrução de equipamentos eletro-eletrônicos, as orientações das mais diversas ações
como “como sair do ônibus em caso de emergência”, “como utilizar o cinto de
86
segurança, “como agir em caso de incêndio”, “como agir em caso de despressurização
da cabine do avião” e inúmeros outros exemplos. Essa prática cotidiana afeta
diretamente a prática escolar.
Mauricio de Sousa
Falar sobre os quadrinhos no Brasil e, sobretudo, sobre a cultura e a educação
nos quadrinhos, é ter que destacar a vida e a obra do quadrinista Mauricio de Sousa, um
dos mais famosos cartunistas do Brasil, criador da "Turma da Mônica". Para ilustrar
esse tópico, foram retirados do site www.monica.com.br o histórico de sua vida e
crônicas assinadas por ele (Anexos I - VI). A seguir, informações que podem servir para
contextualizar sua obra.
Mauricio começou a desenhar histórias em quadrinhos em 1959, quando entra
no mercado nacional através da editora Continental, que decidira trabalhar
exclusivamente com artistas nacionais. Até então era repórter policial em um jornal. A
partir de 1970, ele passa para a Editora Abril, onde ganha popularidade. Sua notoriedade
foi facilitada pela montagem de uma equipe de trabalho, que se transformou na
Mauricio de Sousa Produções e possibilitou, na década de 70, que suas produções
chegassem a 2.500 tiras, 800 tablóides, e o lançamento de revistas no exterior a partir de
1974. A produção de Mauricio de Sousa caracteriza-se por possuir desenhos simples,
sem rebuscamentos, com personagens próximos do dia-a-dia das pessoas e, segundo o
próprio autor, com caráter educativo.
87
Seu primeiro personagem foi o cão Bidu, lançado em tiras de jornal em 1959.
Embora esse período (década de 50) tenha sido difícil para os quadrinhos, no que diz
respeito às críticas, ao impedimento de sua entrada nos Parques e Bibliotecas, com as
dificuldades de produção nacional, principalmente pelo sufocamento da produção
estrangeira que entrava no Brasil, Mauricio de Sousa consegue se sobressair.
O quadrinista montou, então, uma grande equipe de desenhistas e roteiristas e,
depois de algum tempo, passou a desenhar somente as histórias de Horácio, o
dinossauro.
Além de criar personagens baseados em seus amigos de infância, Mauricio
atribui a seus filhos a criação de determinados personagens: Mônica, Magali, Marina,
Nimbus e Do Contra.
Como os de Walt Disney, os quadrinhos de Mauricio de Sousa têm fama
internacional, tendo sido adaptados para o cinema, para a TV, para os vídeo-games...,
além de terem sido licenciados para comércio em uma rie de produtos com a marca
dos personagens. inclusive parques temáticos da turma da Mônica, o Parque da
Mônica, no Rio de Janeiro e em São Paulo. existiu também o Parque da Mônica de
Curitiba, aberto em 1998 e fechado em 2000.
Também como Disney, Mauricio é criticado nesse aspecto. Vejamos como a
professora Sonia M. Bibe-Luyten (1987) se posiciona sobre Walt Disney:
Esse lindo e poderoso império de revistas em quadrinhos, desenho animado e
parques de diversão tremeu nas bases quando dois sociólogos no Chile, Dorfman e
Mattelart, atacaram o mito mais badalado dos últimos tempos. A acusação principal
88
toma as inocentes historinhas como difusoras do capitalismo americano, que
funcionam, há anos, como lavagem cerebral de populações infanto juvenis do
mundo inteiro. (p.29)
Apesar de considerar as posições dos sociólogos bastante radicais, a autora
concorda com os mesmos, principalmente porque o modelo Disney é exportado para
inúmeros países e as crianças “vão assimilando, em quadrinhos, lições sobre como obter
lucro cil sem produzir, aproveitar-se dos mais fracos e a desprezar as sociedades
primitivas”.(Idem)
Witte (2004) em seu artigo Arte ou indústria complementa a crítica:
Existem duas maneiras de se fazer quadrinhos.
O o estou falando de estilos, que são inúmeros, nem de técnicas, ainda
maiores. Estou falando de uma postura frente à criação de HQ´s. Uma é a da
Indústria do Entretenimento, cuja visão visa à produção de grandes tiragens, em
vários títulos para grandes massas, para baixar custo e dentro de uma fórmula,
molde ou clic pré-estabelecido. É o caso dos quadrinhos de super-heróis, dos
mangás japoneses e dos quadrinhos Disney. A outra é a Nona Arte.
Em relação ao Mauricio de Sousa, não ameniza:
No governo de Jânio Quadros surgiu uma lei que exigia uma cota de
produção nacional na produção de tiras, que propiciou o espaço para o Mauricio
de Sousa e o Ziraldo venderem suas histórias para os jornais, mas tiveram que se
adaptar a um público já acostumado com o estilo americano vigente.
O Para fazer isso, tiveram que criar estúdios para atender a demanda de material
que precisavam. Com relação ao Mauricio, ele pegou muito bem a idéia de estúdio
e da produção em série de quadrinhos, para massificar a produção, garantindo com
isso qualidade, bom preço e um constância no mercado, que é o que o público
precisa. Admiro muito mais o Mauricio como o brilhante empresário que é do que
como criador.
E como eu disse, ele escolheu um caminho e fez bem feito. Escolheu a
indústria do entretenimento.
De 1970 a 1986 as revistas de Mauricio foram publicadas na editora Abril,
porém a partir de 1986 passam a ser publicadas pela editora Globo, em conjunto com os
estúdios Mauricio de Sousa. Suas tiras são publicadas desde 1959 em diversos jornais.
89
Foi nos inícios dos anos 70 que Mauricio de Sousa conseguiu penetrar no mercado
editorial com seus personagens Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e Pelezinho.
As discussões sobre as histórias em quadrinhos, sobre sua validade,
importância, utilidade, sempre vêm à tona. As histórias de Mauricio de Sousa já
passaram por gerações de leitores e foram questionadas por pais e professores,
principalmente em relação aos personagens Cebolinha e Chico Bento. Chegou-se a
cogitar que o Cebolinha parasse de trocar o “r” pelo “l”e que o Chico Bento deixasse de
lado o seu linguajar caipira e passasse a se expressar no mais correto português, pois os
personagens poderiam “ensinar as crianças a falar e a escrever errado”.
A idéia foi esquecida e Cebolinha e Chico Bento continuam mantendo as
características que os transformaram em grandes sucessos junto aos pequenos leitores.
(Nem por isso a criançada cresceu “falando errado”!). A personagem Mônica também
foi discriminada em alguns países, pela sua agressividade e por aparentemente não
“freqüentar a escola”.
Na verdade, nas historinhas, um dos personagens que causa mais polêmica por
seu linguajar, é um dos únicos que vai à escola, o que, como podemos observar, até
virou argumento:
90
Fig. 91 Revista 34, p.160
Se o Chico Bento é o único personagem a freqüentar a escola, importa-nos
observar que escola é essa, acompanhando, minuciosamente, as aventuras do
personagem e sua turma no universo da escola da zona rural.
Conheçamos, então, a turma do Chico Bento
33
:
33
Com exceção das figuras que apresentam a discriminação de fonte, as demais foram retiradas do site
www.monica.com.br.
91
Chico Bento é o personagem principal de um dos
universos criados por Mauricio de Sousa. Esse
personagem representa um típico “caipira”
brasileiro, andando descalço, com chapéu de
palha e vivendo na roça. Chegou a provocar
polêmica nos anos 80 porque seus diálogos
tentam representar o falar de um caipira
brasileiro, com expressões típicas e os “erros de
português”.
Rosinha é uma “menina da roça”, bonita,
decidida, aluna aplicada; é a companheira
constante de Chico Bento, com quem mantém
um namoro ingênuo, aparentemente com o
consentimento dos adultos com quem se
relaciona: pais, professora, entre outros.
Lelé, primo do Chico, é companheiro
constante de aventuras. Sua dificuldade de
compreensão confere humor às narrativas,
costumando levar a mensagem sempre ao da
letra. Na escola, representa os alunos com
dificuldade de aprendizagem, tendo em vista seu
comportamento frente às atividades propostas e
suas notas baixas.
92
Hiro é filho de imigrantes japoneses e um dos
colegas de escola de Chico Bento. Apesar de
morar no interior, Hiro e sua família são bem
tradicionais em relação aos costumes e à cultura
japonesa. Na escola apresenta um rendimento
superior aos demais colegas.
Zé da Roça é outro colega de Chico. Como
diferencial dos demais personagens, não fala
“caipirês”. É companheiro constante de aventuras.
Nhô Lau é o dono da mais atraente plantação de
goiaba nas terras próximas da casa do Chico
Bento. Como não podia deixar de acontecer, o
pomar fica sempre no caminho do menino, para
onde quer que ele vá. Assim, este é flagrado
sempre em uma das duas circunstâncias: ou se
fartando com goiabas deliciosas ou fugindo dos
tiros de sal que Nhô Lau dispara contra ele.
Dita é sempre representada aconselhando,
com sabedoria, a todas as crianças da roça.
Freqüentemente remonta ao passado a fim de
passar algum conhecimento. É uma fabulosa
contadora de histórias.
93
Fig. 99 Revista 62 p. 7
Padre Lino é uma das autoridades (a eclesiástica)
do povoado. Participa de eventos importantes do
povoado, com a devida consideração que a função
lhe confere. Mantém relacionamento estreito com
os moradores da região, inclusive com as
crianças.
Fig. 100 Revista 438 p. 65
Pais do Chico: a mãe dona-de-casa e o pai
trabalhador rural. Apesar de exigentes em relação
ao desempenho escolar e à realização dos deveres
domésticos do menino, são apresentados como
muito amorosos com seu filho único.
Fig.101 Revista 85 p. 54
Dona Marocas, a professora da escola do
povoado. Respeitada por todos, considerada uma
das autoridades locais.
Chico Bento sempre foi caracterizado com idade escolar e freqüentar a escola faz
parte de sua rotina diária; seu rendimento escolar o é considerado satisfatório, como
adiante veremos e a escola é cenário de muitas de suas aventuras.
94
O personagem tem sua própria revista em quadrinhos e também aparece em
desenhos animados lançados em VHS e DVD, onde também é dublado com sotaque de
caipira e usando expressões tradicionais do interior do Brasil. Mauricio fala sobre a
criação desse personagem no anexo VII.
95
Capítulo IV – Representando o mundo escolar das Hqs
A professora
A função docente, nas histórias do Chico Bento, é desempenhada pelo
estereótipo
34
consagrado de mestra. Trata-se da representação da professora tradicional
circulante nos produtos culturais de nosso cotidiano. Como não podia deixar de ser, a
docência é atribuída a uma personagem feminina, reforçando a feminização do trabalho
docente
35
: Dona Marocas, a professora da escola de Chico Bento, em todas as histórias,
apresenta-se compondo o mesmo visual - cabelo amarrado em coque, óculos, sapato
baixo, brincos discretos, roupas que alternam entre conjunto saia/ blusa e vestido, mas
ambos na altura dos joelhos; é representada, também, por uma composição carregada
de “emblemas” da profissão, como livros, réguas, e materiais afins.
Quando Louro (2002, p.466) descreve as antigas professoras, reconstituídas
através de imagens fotográficas, parece estar descrevendo Dona Marocas:
figura severa, de poucos sorrisos, cuja afetividade estava de algum modo
escondida.(...)Roupas(...) abotoadas,(...)cabelo em coque, costas retas (...), munida
de uma vara para apontar o que está escrito no quadro-negro; quase sempre de
óculos.(...)Disciplinadora de seus alunos e alunas.
34
Estereótipo é empregado, aqui, de acordo com Stuart Hall, como uma prática de significação que reduz,
essencializa, naturaliza e fixa a ‘diferença’, fazendo parte da manutenção da ordem social e simbólica,
delimitando uma fronteira simbólica entre o ‘normal’ e o ‘desviante’, o ‘normal’ e o ‘patológico’, o
‘aceitável’ e o ‘inaceitável’, (...) entre Nós e Eles.(HALL apud RIPOLL, 2002, p.71)
35
Ver a respeito em COSTA, M.V. e SILVEIRA, R.M.H. A revista Nova Escola e a constituição de
identidades femininas. In: BRUSCHINI, C e HOLANDA, H.B. (orgs.) Horizontes plurais: novos estudos
de gênero no Brasil. São Paulo: FCC/Ed.34, 1998.
96
Fig. 102 Revista 224 p. 22
A própria deferência no tratamento, remonta, segundo Louro, às primeiras
escolas, onde a professora era tratada por Dona”, como comprova um relato datado de
1877, no qual uma jovem brasileira justifica seu ingresso no Magistério, por orientação
da professora, Dona Maria das Dores da Silva Cardoso (p. 463).
1 O visual e o sensual
É interessante observar como Eisner (2001, p.100) refere-se ao trabalho do
artista seqüencial ao elaborar a forma humana, nos quadrinhos. Diz ele que o corpo
humano, a estilização da sua forma, a codificação dos seus gestos de origem emocional
e das suas posturas expressivas são acumulados e armazenados na memória, formando
um vocabulário não-verbal de gestos”. Daí a importância de se analisar os detalhes com
que Mauricio de Sousa compõe a personagem da professora, apontando elementos que
podem ser significativos na representação docente nos quadrinhos e seu alcance,
percebido pelo leitor.
97
Citada por Daniela Ripoll (2002), Guacira Louro aponta para a necessidade de se
demonstrar que
não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas
características são representadas ou valorizadas, (...) que vai constituir,
efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um
dado momento histórico.
Ou seja, a questão do vestuário e a expressão corporal, propriamente dita, podem
levantar questões interessantes sobre a regulação dos corpos e das sexualidades e sobre
a demarcação do que é feminino e do que é masculino.
Ainda que mantenha características básicas de um modelo mais “clássico” de
docência difundido entre nós
36
, Dona Marocas subverte a imagem assexuada com que é
retratada, freqüentemente, nos mais diversos artefatos culturais, a professora, ao ser
representada com uma dose de sensualidade que poderíamos entender como incomum à
professora tradicional da zona rural. Ela aparece de batom vermelho, suas roupas,
embora nos comprimentos usuais, são bastante coladas ao corpo, delineando suas
formas bem marcadas de acordo com o padrão de beleza da mulher brasileira: os seios
fartos e empinados, as degas volumosas em proporção à cintura fina. A pele das
partes visíveis do corpo é clara, sem marcas, demonstrando uma certa preocupação da
professora com seu corpo. Em nenhum momento das histórias analisadas faz-se
referência à sua idade, mas a ausência de rugas, a estrutura do corpo e o modo de vestir
podem sugerir uma mulher entre 25 e 30 anos.
36
Ver mais a respeito em RIPOLL (2002).
98
É interessante ressaltar que, na história História
37
, a personagem Rosinha produz
uma história em quadrinhos e a leva para apreciação do autor Mauricio de Sousa, ali
tratado como personagem. Nela, a menina imprime a sua versão de alguns
acontecimentos sempre tratados nas histórias. Na história elaborada por Rosinha, Chico
se levanta prontamente, sem preguiça, pela manhã, para ir à aula; tira nota máxima na
prova e, no final, casa-se com ela. Nessa história, a garota revela como a professora,
pois a desenha sem o apelo sensual dos traços do Mauricio e de forma mais
simplificada, sem óculos e sem sapatos.
Fig. 103 Revista 227, p. 22
A professora chega a aparecer de biquíni na história em que flagra Chico
nadando ao invés de estudar. Ainda assim, não se desfaz dos óculos e de alguns recursos
como o quadro-negro e a batuta
38
, e o que se percebe é que o garoto não demonstra
nenhum estranhamento ao ver a professora de biquíni, tampouco registra-se
constrangimento entre os dois, desinstaurando qualquer relação de apelo erótico entre
professora e aluno, ao contrário do que é analisado por Daniela Ripoll (2002)
39
, quando
37
Revista 227, p.22.
38
Utensílio utilizado como material de uso de professores no ensino tradicional, usado para reforçar a
imagem tradicional da professora (“ultrapassada”, em métodos e técnicas)
39
RIPOLL, Daniela. “Formosura parelhada na inteligência”: a beleza que ensina nos livros infanto-
juvenis. In: SILVEIRA, R.M.H.(Org.) Professoras que as histórias nos contam.Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
99
remete à questão do amor e da paixão não-filial do aluno pela professora como fator de
influência no desempenho escolar do mesmo.
Fig. 104 Revista 367 p. 34
Nenhum sentimento dessa ordem se registra, também, quando a professora
flagra o Chico, nu, no rio, ressaltando, assim, a naturalidade do ato de banhar-se sem
traje de banho, no interior e, sobretudo, destacando a idade escolar do aluno, bem como
sua falta de malícia, de criança e de morador da zona rural, na imagem corrente.
100
Fig. 105 Revista 366 p.14
Fora da sala de aula, a professora mantém o mesmo visual profissional, sempre
carregando seus livros, reforçando a imagem da professora que vive dedicada à
profissão, leva trabalho para casa, sempre está envolvida com livros e cumpre, em
tempo global, sua missão, reforçando, segundo Louro (2002, p.466), “a representação
de professora ideal a grande mestra dedicada integralmente aos alunos e
completamente afastada de outras relações afetivas”.
Fig. 106 Revista 374, p. 9
Na história Obrigado, Senhor!
40
, a professora marca sua única aparição de saltos
altos, sem um motivo evidente para tal, não alterando, também, sua maneira da dar aula
nem de se dirigir aos alunos.
40
Revista 63, p.65-8.
101
Fig. 107 Revista 63 p. 66
Em Ah, Dona Marocas, fica, vai!
41
, a professora, desestimulada pelas respostas
absurdas que Chico Bento dá, resolve abandonar a profissão e, através de um teste
vocacional a ser realizado na capital, ao qual vai se submeter, pretende exercer outra
onde seja mais útil (p.60). Nessa história, a professora é substituída por uma outra que
não informa o porquê da substituição, fazendo com que os envolvidos resolvam pedir,
pessoalmente, à Dona Marocas que reveja sua posição. Nesse encontro, os alunos se
vêem diante da professora de roupão, retratando o estado de desânimo em que se
encontrava:
Fig. 108 Revista 440 p. 60
41
Revista 440, p. 57-65.
102
Para ir à capital, tratar, então, de assuntos pessoais, mas relativos à opção por
profissão, a professora segue o estilo de vestir habitual, só, então, sem seus livros, que
pareciam ser inerentes ao seu visual.
Fig. 109 Revista 440 p.63
Nas revistas examinadas, de 1995 a 2005, sempre encontramos a professora
representada da mesma forma, demonstrando a intenção marcada do autor em manter na
figura da professora seu perfil atemporal, da professora tradicional da zona rural,
recatada, mas sutilmente sensual; assim como o segue as tendências ditadas pela
moda, também resiste às inovações pedagógicas, como se pode ver nos quadrinhos que
seguem e, em especial, na seção Práticas Docentes.
Fig. 110 Revista 224 p.20/97 Fig.111 Revista 440 p.57/04
Fig. 112 Revista 224 (capa)/05
103
Nesse sentido, reafirmamos a postura do autor quando, ao propor uma substituta,
apresenta uma professora com o mesmo estilo:
Fig. 113 Revista 440 p. 58
Dona Benairdes, jovem, bonita, recatada, mas sensual.
É importante frisar, nessa seção, o destaque que o desenhista aos seios das
professoras, através das linhas arredondas e sinuosas, imprimindo movimento e volume
e exibindo a professora em meio perfil, privilegiando o ângulo de visão do leitor:
Fig. 114 Revista 224 p.19 Fig. 115 Revista 440 p. 58 Fig. 116 Revista 62 p.75
Um detalhe na composição do figurino e o modo como a professora se posiciona
também demonstram a sensualidade: o cinto, acessório que afina a cintura e a posição
da professora, de costas, destacando as nádegas, ou ainda, apoiada na mesa,
valorizando, também as nádegas:
104
Fig.117 Revista 62 p.75 Fig. 118 Revista 440 p.57 Fig. 119 Revista 224 p.20
A título de ilustração, no site do autor
42
, na seção quadrinhos, o autor expõe
tirinhas (em preto e branco) que podem ser lidas diretamente pela Internet. Na tira 300,
destaque ao ângulo que revela a posição da professora, sentada, privilegiando os
aspectos ressaltados anteriormente, em diferente artefato cultural. Atente-se para um
recorrente tema das revistas em quadrinhos: o medo, constante, do personagem, de levar
castigo.
Fig.120, tira 300
42
www.monica.com.br
105
A figura da professora vem, freqüentemente, nos quadrinhos de Mauricio de
Sousa, acompanhada pela figura da maçã. De acordo com um dicionário de símbolos
43
,
a maçã é o símbolo figurado do conhecimento, do saber, de ciência, da revelação. De
outra forma, Bettelheim (1999), lembra que “em muitos mitos e contos de fadas, a maçã
representa o amor e o sexo, nos seus aspectos benevolentes e perigosos e ressalta,
ainda, que “o vermelho da maçã evoca associações sexuais, referindo-se à parte
vermelha da fruta como erótica. De forma ingênua, podemos considerá-la, também,
apenas um clichê a mais, a reforçar a figura estereotipada da professora e o hábito de os
alunos oferecê-la, carinhosamente à professora, especialmente à das séries iniciais.
Ainda no dicionário de símbolos consta a informação de que, na mitologia escandinava,
a maçã é fruto que mantém a juventude, é “símbolo de renovação e de frescor
perpétuo, o que justificaria a juventude, marcada, da professora.
Fig. 116 Revista 62 p.75
Fig. 121 Revista 370 p.22
Fig. 122 Revista 374 p.32
43
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores,
números. Tradução de Vera da Costa e Silva et al. 17 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p.572-3
106
Parece que a professora do Chico cumpre um regulamento escolar que nos é
lembrado por Louro (2002, p.460), “de se trajar de modo discreto e severo” (ainda que,
nesse ponto, subverta, a seu modo, a regra), manter maneiras recatadas e silenciar
sobre sua vida pessoal”, pois nada é dito sobre sua família, seu estado civil, se mora
com os pais, se tem namorado, se quer ter filhos, qual sua formação profissional, sua
religião, seu salário, etc. Essa representação de professora é muito adequada para
fabricar e justificar a completa entrega das mulheres à atividade docente, serve para
reforçar o caráter de doação e para desprofissionalizar a atividade. A boa
professora estaria muito pouco preocupada com seu salário, que toda sua energia
seria colocada na formação de seus alunos e alunas. Esses constituiriam sua
família; a escola seria o seu lar e (...) de certa forma, essa mulher deixa de viver sua
própria vida e vive através de seus alunos e alunas; ela esquece de si. (idem)
Além da professora, parece ser característica marcante da empresa de Mauricio
de Sousa retratar as personagens femininas adultas do mesmo estilo. Ao compor uma
personagem enfermeira, por exemplo, mantém-se o visual sensual, tanto quanto o das
mães das crianças: donas-de-casa, trabalhadoras rurais, com vestimentas justas, mas em
comprimentos recatados; cabelos bem alinhados, independentemente da ação que
estejam realizando, pés calçados, bem arrumadas, bonitas.
Fig.123Revista224 p13 Fig.124 Revista 438 p.53 Fig.125 Revista 438 p.56 Fig.126 Revista 438
p.56
Fig.127 Revista 63
p.4
107
Para Eisner (2001, p.100), “quando uma imagem é habilidosamente retratada, ao
ser apresentada ela consegue deflagrar uma lembrança que evoca o reconhecimento e os
efeitos colaterais sobre a emoção. Trata-se aqui,(...) da memória comum da
experiência”. O aspecto universalizante que Mauricio de Sousa cria, a partir de sua
personagem, para a função docente, pode contribuir para que a representação da mesma
aproxime-se ou afaste-se do estereótipo mostrado, dependendo da experiência
individual. A “leitura” da postura ou da “linguagem corporal” da professora pode
desenvolver a habilidade de reconhecimento de diversos indicadores externos de
sensações internas. Para o precursor da Hq moderna, nas histórias em quadrinhos, a
postura do corpo e o gesto têm primazia sobre o texto. A maneira como são empregadas
essas imagens modifica e define o significado que se pretende dar às palavras”.(Idem,
2001, p.103).
2 Práticas docentes
Freqüentemente posicionada em frente ao quadro-negro, a postura da professora
reflete a metodologia que tradicionalmente é associada à docência: olhos fechados,
indicando a propriedade e seriedade com que expõe seu saber, recorrendo, muitas vezes,
à batuta para indicar o conteúdo, no quadro-negro, seguindo roteiro pré-estabelecido
registrado em livro ou em folha de papel.
108
Fig. 128 Revista440 p.3 Fig. 129 Revista 440 p.3 Fig. 130 Revista 224 p.19
É relevante ressaltar, nessa seção, a recorrência da imagem da professora dando
aula sentada à sua mesa. Em diferentes momentos e situações, inabalavelmente,
permanece sentada, ereta, frente aos alunos.
Fig. 131 Revista 85 p.54 Fig. 132 Revista 381 p.3
Fig. 133 Revista 97a p.17 Fig.134 Revista 367 p.28 Fig.135 Revista 366 p.4
109
a) A dona da verdade
De olhos fechados e dedo em riste, a professora expõe seu conteúdo, sem
intervenções dos alunos, atribuindo, com seu tom magistral, maior veracidade à sua
exposição.
Fig.136 Revista 224 p.20 Fig.136 Revista 224 p.20 Fig. 137 Revista 224 p.19
De seu discurso, podemos depreender o tratamento tradicional que aos
conteúdos, entre outros, quando afirma, com propriedade, terem aprendido tudo sobre o
corpo humano. O contexto marca tão intensamente que o sujeito da ação é a própria
professora, que nem mesmo a escolha pela conjugação do verbo na pessoa do plural,
convence de que tenha havido alguma coletividade no ato. Para Silveira (1996), a
utilização de tais formas professorais [nós] simula uma relação de aproximação concreta
de posse entre conteúdo e aluno/professor”.
110
Fig.138 Revista 381 p.3
b) Diz aí...
Predominantemente a professora é retratada dirigindo-se oralmente aos alunos, seja
através da técnica de perguntas, seja induzindo a respostas “prontas”, ressaltando a
memorização dos conteúdos, sem evidências da incorporação de novas estratégias que
levem a uma maior problematização sobre as informações. A propósito, Silveira (1996)
observa que a “verificação do conhecimento” é uma das funções do uso da “estrutura
lingüística de pergunta”, indicando que o uso da pergunta pedagógica “é um dos
instrumentos mais freqüentemente utilizados para o exercício do controle sobre o
processo pedagógico, por parte do(a) professor(a)”. (Grifos da autora). Vale ressaltar a
perplexidade da professora frente às respostas não esperadas/desejadas.
Fig. 139 Revista 366 p.34 Fig.140 Revista 62 p.69 Fig. 141 Revista 62 p.69
111
Fig. 142 Revista 440 p.57
Professora: valor à “decoreba”.
Fig. 143 Revista 440 p.57 Fig. 143 Revista 366 p.7
Fig. 144 Revista 366 p.6 Fig. 145 Revista 366 p.4
Professora: perplexa com a resposta do aluno.
112
Em duas ocorrências, contrariando a constatação anterior, a professora é
mostrada valorizando a participação dos alunos: interagindo com a turma, durante a
explicação e aproveitando o parecer dos mesmos para reforçar o exposto.
Fig. 146 Revista 366 p. 4
Fig.147 Revista 224 p.20
Professora interagindo com a turma na hora da explicação.
c) Professora inovadora(?)
A professora parece não convencer quando faz tentativas frustradas de aliar o
lúdico ao tradicional na sistematização de conteúdos. Os alunos, por exemplo,
demonstram estranhar essa metodologia não usual da professora, pois as ações da
mestra mantêm a formatação tradicional e conservadora, implicando incongruências,
113
por exemplo, entre “brincadeira” e dedo em riste, com tom de superioridade, bem
como entre o convite à brincadeira, por um lado, e a atribuição de “nota” à mesma,
por outro. Para os alunos, é evidente, através da pronta reação ao convite, a
desvinculação de “aula” com o “brincar”, vistos como dois acontecimentos
completamente dissociados no tempo e no lugar.
Fig. 148 Revista 381 p.3-4
Ainda assim, talvez tomada pela boa intenção da proposta, a professora assume
uma postura o comumente descontraída e até sorri, sentando-se sobre a mesa e
cruzando as pernas.
114
Fig. 149 Revista 381 p.5
d) Controladora
A professora surpreende por deslocar-se para fora do ambiente escolar, até um
ambiente agradável ao aluno, com o objetivo de variar a metodologia de ensino a
fim de despertar o interesse do aluno, embora o recurso utilizado possa ser
considerado um rudimentar e incipiente meio de comunicação. Em outra ocasião,
demonstra regular a ação do aluno quando, mesmo em um local mais prazeroso,
impõe a aula, desautorizando o prazer de brincar.
115
Fig. 150 Revista 438 p.49
Professora considerando-se criativa.
Na Figura 151, Chico encontra-se nadando, e a professora vai até ele para
lecionar.
Justifica-se a desconexão que os alunos fazem entre aula e brincadeira, quando a
professora é recorrente na atitude de sobrepor a obrigação do estudo, em sua forma
“conteudista”, ao lazer:
116
Fig. 151 Revista 366 p.14
Ver fig. 150, Chico divertindo-se, e a professora impondo a ele, estudo.
e) Desperdício
Ainda que lecione em uma localidade rural, causa estranhamento a falta de saída
a campo em companhia dos alunos com intuito de, no mínimo, realizar observação
do meio ambiente e componentes isolados (ou não) do mesmo. Na figura abaixo,
por exemplo, a professora vale-se de desenhos de animais, ao invés de aproveitar o
que certamente estaria à sua disposição nos respectivos habitats naturais. Nesse
sentido, confirma-se a predominância, nas representações de Mauricio de Sousa, de
uma imagem de escola tradicional, que privilegia a sala de aula e o conhecimento
letrado.
Fig.152 Revista 440 p.4
117
f) Responsabilidade, acima de tudo
O episódio abaixo aponta para um aspecto bastante recorrente da profissão
docente, qual seja a elevada carga horária da professora, sendo que, pela manhã, ela
trabalha com a turma (de alfabetização) de Chico e, durante a tarde, atende outra
turma não especificada. Além disso, o compromisso que tem com as turmas é
bastante observado, visto que o Chico estranha o fato da professora alegar estar
doente, como se isso fosse algo incomum.
Fig. 153 Revista 374 p.9
g) Durante a aula...
a) Monotonia:
Além de reforçar a idéia de que Chico esteja na classe de alfabetização (pois a
professora o faz escrever o alfabeto no quadro), a atividade é tão enfadonha que o aluno
118
chega a dormir, o que, com um tom de ironia, é recorrência freqüente desse
personagem.
O sono durante as aulas, situação freqüentemente retratada em relatos humorísticos
sobre escola, constitui o sinal visível do aborrecimento e do tédio do(s) aluno(s) em
situação escolar.
A representação do aluno chateado em aula está presente em variados artefatos
culturais que tratam da escola e temas escolares. No Conto de Escola
44
, de Machado de
Assis, por exemplo, o aluno, tal qual Chico Bento, de primeiras letras, prefere outras
atividades a participar da aula:
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agra que ficava preso, ardia por
andar fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos
vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro
e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da
escola, no claro azul do céu, (...) um papagaio de papel (...). E eu na escola,
sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.
Note-se que os contextos dos alunos são diferentes, mas a sensação é a mesma.
Contrapõem-se zona urbana e zona rural, em épocas distintas, porém a aula, a escola
provocam, nos alunos, sentimentos afins.
44
ASSIS, Machado.1994.
119
Fig. 154 revista 445 capa
b) Vigiar...
As observações a seguir sugerem inspiração do olhar foucaultiano que
estabelece relações entre disciplina, controle e vigilância; o cuidado que a professora
dispensa aos alunos envolve “a distribuição dos mesmos nas dimensões do tempo,
espaço e agência”. (Silveira, 2002). Foucault examina o uso de instrumentos
simples, como o olhar hierárquico; “sem dúvida, o olhar vigilante da professora
onipresent”. (Idem)
Até fora do horário escolar a professora aparece cobrando que o Chico Bento
esteja envolvido, de alguma forma, com as atividades escolares, sobrepondo essa
obrigação ao lazer.
120
O cuidado e a vigilância também se estendem às questões de distribuição dos
alunos no espaço. A entrada e a saída dos alunos, por exemplo, é marcada pela
presença da professora, revelando seu papel de controle.
Fig. 155 Revista 62 p.71
Fig. 156 Revista 62 p.49 Fig. 157 Revista 383 p.17
Professora: Espera os alunos na entrada, na porta da sala/escola.
Fig. 158 Revista 85 p.56
Professora: Despede-se dos alunos, na porta.
121
Ao importar-se com a ausência de aluno, a professora parece desempenhar,
também, seu papel controlador.
Fig. 159 Revista 441 p.66
Como nos afirma Silveira (idem), “o cuidado e a vigilância da professora podem
ser exercidos na dimensão tempo, do horário das ações (...) .De certa forma tem-se
uma espécie de professora-relógio, sempre atribuindo nota à pontualidade dos
alunos, disciplinando e estabelecendo seus limites. Vejam-se as passagens:
Fig. 160 Revista 367 p.29
122
Fig. 161 Revista 385 p.3-4
e) E punir...
Vejamos como Dona Marocas se apresenta nas situações a seguir, infligindo
penas a ações inadequadas de seus alunos, em especial, do Chico Bento.
123
Fig. 162 Revista 62 p. 69
O fato de o aluno roncar na aula está diretamente ligado à monotonia das
atividades realizadas. A turma respondendo, em coro, às perguntas da professora,
induzia o aluno, sonolento e disperso, a um estado de relaxamento tão profundo,
que o fazia roncar. Essa ação espontânea e incontrolável de seu estado físico,
propiciado justamente pela forma com que a professora conduzia a aula, fez com
que o aluno fosse punido. O objetivo desse ato punitivo seria o de expor o aluno
infrator, à frente da turma, cerceando-lhe as ações; privando a criança em idade
escolar (ativa, dinâmica, inquieta) de seus movimentos. no castigo, insistindo na
124
falta, para total irritação da professora, o aluno recebe a segunda punição: escrever
cem vezes a mesma frase (ditada pela professora) a fim de apropriar-se da autoria da
afirmação, demonstrando arrependimento pelo mau comportamento, implicitamente
comprometendo-se a não incidir no erro. É importante observar que, na escrita do
Chico, geralmente marcada pela oralidade, predomina uma transcrição da fala
correta (como o r final de dormir) da professora. Para o aluno, a professora
verbalizara cem vezes, a fim de que, com a repetição, ele não se esquecesse de que
havia errado e como não deveria fazer mais. Essa forma de castigo, tão tradicional
quanto os estereótipos de escola, veiculados nos mais diversos artefatos culturais,
predominou por muito tempo nas práticas escolares.
Na mesma revista, de modo a ressaltar a face punitiva da professora, a mestra é
flagrada induzindo o aluno ao recorrente banquinho, destacando como esse objeto
mantém seu lugar e função específicos e demarcados na sala de aula, o
naturalmente disposto, quanto as classes, o quadro-negro, a lixeira, as janelas, etc.
Vale apontar o vocabulário coloquial, produzido pelo nível de irritação da
professora, para dirigir-se ao aluno, e a atitude submissa (com ombros baixos, olhos
tristonhos, balançando a cabeça sem nada dizer) do mesmo ao, resignado, cumprir
sua pena.
Fig. 163 Revista 62 p. 75
125
Observe-se a reação dos alguns alunos que presenciavam o fato: um menino
ri da desventura do colega e uma menina (pivô da ação) demonstra sentimento de
vingança ou, no mínimo, apoio à atitude da professora. O desenhista o retrata
outros colegas, eventualmente solidários com o aluno punido e exposto, como se as
reações registradas e anteriormente citadas fossem adequadas ao momento.
2 Relação Professora-aluno
a) Tocando no aluno:
Normalmente retratada sentada em sua mesa ou expondo sua aula em frente ao
quadro, a professora é mostrada apenas três vezes em contato direto com seus
alunos, contrariando a visão maternal da professora-alfabetizadora circulante no
meio educativo.
Fig. 164 Revista 62 p. 49
Após revistar o material do aluno em busca de cola, a professora conduz, gentilmente, o mesmo até
sua mesa. Pela expressão do aluno, esse gesto não teria sido suficiente para demonstrar alguma forma
de carinho; pelo contrário, pelo contexto, pode-se atribuir sarcasmo à atitude da professora, uma vez
que não se vê onde e como a mão da professora toca no corpo do aluno.
126
Em outra passagem, experimentando um período de questionamentos sobre sua
“vocação” para o magistério, a professora, fragilizada, abraça Chico, externando a
felicidade que o mesmo lhe causara demonstrando ter decorado (e aceitado)
determinado ponto de uma exposição feita em aula. O episódio enquadra o fato de o
aluno, ao acatar a verdade da professora, deixá-la feliz a ponto de merecer um
afago.
Fig. 165 Revista 440 p. 65
3 Externando sensações
a) Positivas
Na mesma história
45
a professora ainda virá a demonstrar seu descontrole;
entretanto, durante exposição de conteúdo ela demonstra paciência, sorrindo, terna, para
os alunos.
45
Problemas com a Matemática.
127
Fig.166 Revista 224 p. 20-1
No dia dos professores, a professora demonstra estar satisfeita pela demonstração de
carinho dos alunos, cada um ter lhe trazido uma goiaba (“roubada” da goiabeira do Nhô
Lau, com a devida permissão do proprietário), o que reflete a alegria dos alunos, a
contar pelo sorriso expresso por cada um, Ainda assim, permanece sentada, à sua mesa.
Fig. 167 Revista 374 p. 25
128
Fig. 168 Revista 374 p. 25
O fato de Nhô Lau permitir, como exceção, que a turma “roubasse” as goiabas
para presentear a professora, nesse específico dia, demonstra a consideração que a
comunidade expressa pela professora, valorizando o trabalho docente e exaltando a
profissão.
No dia de seu aniversário, a professora despede-se, sorridente, dos alunos, após
ter recebido muitas manifestações de carinho, mas é quando fica a sós com o Chico
(que sempre fica por último para entregar a prova, em especial neste dia, em que
esqueceu de trazer o presente da professora) que a professora demonstra ser sensível
aos sentimentos do aluno e cuidadosa por não criar (ou aumentar) algum dano
psicológico ao mesmo; ela reverte a situação de forma positiva, ainda que tivesse
que manipular alguns dados, como nos sugere a “piscada de olho” do último quadro,
atendendo à premissa de que os fins justificam os meios.
129
Fig. 169 Revista 442 p. 14-5
É comum a professora irritar-se com as respostas (por vezes inadequadas) dadas
pelos alunos; no entanto, disposta a propor uma dinâmica diferente para fixação de
um conteúdo (partes do corpo), a professora demonstra paciência ao explicar a
dinâmica da atividade, bem como conceder ao aluno a oportunidade de escolher a
letra de que irá valer-se para nomear as partes do corpo. Detectando erros na
resposta dada, ligados ao linguajar caipira, carinhosamente expõe a resposta certa.
Como no caso da Problemas com a Matemática, a professora também virá a
apresentar um comportamento de descontrole ou, no mínimo, incredulidade ou
frustração, no desenrolar da história.
130
Fig. 170 Revista 381 p.8
Fig. 171 Revista 381 p.9-10
Na história A solução do problema, deparamo-nos com uma professora
atenciosa, que dispõe-se a atender o aluno com dificuldade após o término da aula,
aconselhando e propondo um ensino individualizado.
Fig. 172 Revista 383 p.28
131
b) Negativas
A relação que se estabelece entre a figura da professora descontrolada e a cultura
escolar, remete-nos, pela incidência, à construção de uma identidade fortemente
marcada por essa característica, estendendo-se essa generalização ao corpo docente.
Análises dessa ocorrência podem ser aprofundadas em obras como as de Silveira
46
, que
analisa o discurso escrito de obras de literatura infantil, a partir das representações
dominantes, apresentando seções como Quanto mau humor! que analisa a faceta
repressiva e destemperada das personagens professoras. Nessa linha, destacamos o
perfil descontrolado de Dona Marocas.
O primeiro sinal demonstrativo de irritabilidade, constituindo a figura de uma
professora braba, se pelas mãos na cintura e as sobrancelhas franzidas, como
podemos observar em:
Fig. 173 Revista 224 p.19
Brava, mãos na cintura.
46
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. “Ela ensina com amor e carinho, mas toda enfezada, danada da vida” :
representações da professora na literatura infantil. Educação e realidade. V.22, n.2, jul/dez 1997.
_________________________(org.) Gritos, palavras difíceis e verborragia: como a professora fala na
literatura infantil. In: Professoras que as histórias nos contam. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
132
Fig. 174 Revista Fig. 175 Revista 62 p.49
Sentindo-se desrespeitada.
Fig. 176 Revista 62 p.70
Professora advertindo aluno para não dormir em “sua” aula.
Fig. 177 Revista 224 p.20
Braba com a resposta “errada” do Chico.
133
Fig. 178 Revista 383 p. 29
Braba por Chico não levar a aula a sério.
Fig. 179 Revista 381 p.5-6
Brava, irritada, mesmo durante a brincadeira.
Outras atitudes reforçam o caráter carnavalesco
47
imprimido pelo
autor/desenhista para fazer com que o ridículo e o grotesco constituam “fonte de
humor constante” (Silveira, 2002). Assim caracteriza-se a professora como
descontrolada emocionalmente, “com direitos a chiliques(idem), ridicularizando a
função docente.
Fig. 180 Revista 224 p. 21
“Arrancando” os cabelos.
47
Termo empregado por Silveira, 2002.
134
Fig.181 Revista 224 p.21 Fig.182 Revista 366 p.8 Fig.183 Revista 62 p.68
Gritando... Observe-se o balão da fala, os quais, com linhas sinuosas, intensificam o tom de voz da
professora.
Fig. 184 Revista 62 p.69
Além de gritar, conduz aluno a contragosto. As linhas acentuam os movimentos da professora e do
aluno, contribuindo para o “clima” da cena.
Fig. 185 Revista 224 p. 21-2
Sem ação frente a atitude da turma.
135
Fig. 186 Revista 366 p.10
Sem ação frente a resposta de aluno. O requadro em linhas sinuosas destaca o aspecto reflexivo da
professora.
Fig. 187 Revista 440 p.21
Desanimada, pois, mal acaba de resolver uma situação, inicia-se outra, do mesmo estilo.
Fig. 188 Revista 62 p.49
Espantada com o número de colas.
136
Fig. 189 Revista 381 p.3
Quase não consegue controlar a saída intempestiva dos alunos.
Fig. 190 Revista 224 p.22
Desiste da aula, abandona a sala, correndo. As linhas de movimento imprimem movimento à cena.
Fig. 191 Revista 224 p.22
Descontrole total. As formas dos balões intensificam o estado emocional da professora.
4 A produção textual
A forma com que a professora propõe essa atividade está longe de ser
comparada à abordagem contemporânea de produção textual, prescrita, por exemplo,
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, principalmente no que tange à proposta, em
137
si. A recorrência ao tema livre, sem estímulo visual ou de referência (ação realizada
ou debate sobre tema, por exemplo) reforça a perspectiva de fracasso escolar, causado
pela desmotivação para a escrita, pela visão de escrita como um castigo, espaço de
incompetência lingüística, de vazio, de branco, podendo fazer com que os leitores
tenham as mesmas sensações, identificando-se, prontamente, com as personagens.
Fig. 192 Revista 374 p. 26
Dever de casa: redação tema livre – falta de motivação e de propostas temáticas.
Um contra-exemplo pode ser levantado, em outras histórias, dado o incentivo
que a professora dá ao produtor do texto, com intuito de estimular-lhe essa competência.
Fig.193 Revista 97a p.17 Fig.194 Revista 366 p.10 Fig.195 Revista 374 p.32
Elogio à redação. Traçado do balão sugere o tema da redação.
138
Fig. 196 Revista 432 p.31-32
Fora do horário de aula, professora elogia poesia que Chico escreveu.
5 Postura frente às respostas dos alunos:
Mantendo o tom burlesco
48
relativo à expectativa frustrada da professora em
ouvir as respostas ideais e as efetivas respostas, várias passagens são significativas:
48
Ver a esse respeito em Silveira (2002).
139
Fig. 197 Revista 366 p.9
O leitor, através da conclusão, percebe que a professora literalmente “cai de costas” com a correção e
profundidade dos dados expostos pelo aluno.
Desarmonia entre a expectativa de rendimento dos alunos e o que eles, de fato,
rendem:
Fig. 198 Revista 381 p.6
Aluno quer participar, mas professora o faz
esperar.
Fig. 199 Revista 381 p.8
Aluno traz conhecimento além do esperado e a
professora sugere que ele seja “mais simples”.
6 A avaliação
Reforçando o caráter tradicional da representação pedagógica, a professora
avalia, quantitativamente, todos os aspectos de desenvolvimento dos alunos:
140
Fig. 200 Revista 366 p.3
Durante exposição oral de aluno, avalia, fazendo anotações.
Fig. 201 revista 367 p.28
Professora atribui nota à pontualidade.
Relação com as notas
Exercendo soberanamente o poder de avaliar (quantificar), a professora
demonstra tristeza ao atribuir notas altas e satisfação em atribuir notas baixas.
141
Fig. 202 Revista 381 p. 5
Professora fica arrasada ao ter de atribuir nota máxima ao Chico.
Fig. 203 Revista 63 p.66
Com tranqüilidade, como se fosse corriqueiro, informa (em público) média zero do Chico, expondo,
publicamente, o baixo rendimento do aluno.. Não se levanta para entregar as provas nem ao menos
demonstra alguma expressão/sentimento referente à nota tão ínfima.
7 A cola
O tratamento dispensado pela professora à prática da cola, beira o doentio, como
veremos.
Em dia de prova, a “revista” nos alunos, em busca de cola, é prática corrente.
Vale ressaltar que, em todas as buscas, a professora consegue apreender as colas.
142
Fig. 204 Revista 383 p.19
Fig. 205 Revista 62 p.48 Fig. 206 Revista 371 p.14
Seja através de revista, seja acidentalmente, professora regozija-se ao encontrar a cola.
Fig. 207 Revista 62 p.49
Após ter certeza de que não há mais colas, permite que o aluno faça a prova.
Após revista, professora não dispensa um “sermão”:
Fig. 208 Revista 383 p.19
143
Professora considera “castigo” o aluno ter colado de colega com baixo rendimento:
Fig. 209 Revista 227 p.34
Fig. 210 Revista 371 p.15
Apesar de rígida, professora aceita a versão do aluno de que não estava colando.
8 Para os alunos, as super-professoras ; no fundo, pessoas frágeis
Independentemente da imagem culturalmente circulante de professora destemida
e confiante, nas histórias de Chico Bento, é comum que o autor/desenhista mostre a
personagem com mais fidelidade à vida real: um ser passível de falhas e temores.
144
Fig. 211 Revista 381 p.9
Quando tem dúvida, vai estudar e é categórica e segura ao afirmar que não existe.
Fig. 213 Revista 381 p.9
Desapontada, no final da brincadeira, por não ter atingido o ensino desejado.
145
Fig. 214 Revista 85 p.54-6
Na história, os alunos conseguem provocar medo na professora. Após os alunos terem desenhado e
falado sobre figuras do folclore, vão embora, deixando a professora sozinha. Ao perceber que é
noite e que vai sozinha para casa, sente medo, volta para a escola e fecha a porta, sinalizando
considerar a escola um lugar seguro.
146
9 Os alunos “vêem” a professora
a) Simpática
Ainda que a professora seja retratada basicamente de forma tradicional,
autoritária e rígida, nas historinhas analisadas, no imaginário dos alunos essa
formatação se afasta desse modelo, revelando que, para os alunos, predomina o
aspecto intelectual e até afetivo da mesma.
Fig. 215 Revista 371 p.5
Na lembrança de Chico, professora, descontraída, encostada na classe, aconselha simpaticamente que
estudem para a prova. Ele fica pensativo, pois havia planejado colar na prova.
b) A professora-enciclopédia
Para os alunos, em especial os da fase de alfabetização, o conhecimento
enciclopédico da professora é muito valorizado. Normalmente unidocente, a professora
demonstra transitar por diversas áreas do conhecimento: Matemática, Português,
Matemática, História, Ciências, entre outras. Nas historinhas analisadas a professora
vincula a postura intelectual a uma postura sica que complementa o retrato de uma
professora que vive a estudar, decorar conceitos, denominações, etc.
147
148
Fig. 216 Revista 440 p.16, 19
Fora do horário de aula a professora é chamada para reconhecer um animal. Observe-se a
professora ajeitando os óculos para examiná-lo, com atenção, no primeiro quadrinho. Dedo em
riste e olhos fechados, a professora expõe seus conhecimentos; além disso toma a iniciativa,
demonstrando sua autoridade, de encaminhar animal a órgão competente.
10 Linguagem correta
A professora não compartilha com seu grupo a fala regional. Seu nível de
linguagem, mesmo oral, é o padrão, o que a distancia, de certa forma, dos alunos. É
interessante notar que a professora não manifesta preconceito lingüístico, pois não
foi observada correção à fala dos alunos ou qualquer espécie de repressão
expressiva.
149
11 Interação com pais e comunidade
Para a comunidade escolar, a professora (ainda) é uma autoridade, ocupando o
mesmo espaço de figuras ilustres, com prestígio social ou do poder.
Fig.217 Revista 64 p.67-8
Nessa passagem, a professora é posta em igualdade às autoridades municipais: a eclesiástica, a
civil... Em termos de autoridade, para o menino, é igualada até ao pai.
Em uma passagem, a professora atende mãe de aluno, no final da aula, para
tratar de notas, como se os encontros fossem necessários quando houvesse
problemas a serem resolvidos, estabelecendo que a presença dos Pais na escola dar-
se-ia por necessidade ou obrigação.
Fig. 218 Revista 365 p.34
150
12 Dona Marocas, uma professora reflexiva
É interessante a recorrência com que a professora é constituída fazendo reflexões
sobre seu fazer pedagógico, demonstrando a preocupação da mestra com a qualidade
do ensino, o que é, em troca, valorizado pelo aluno.
Fig. 219 Revista 440 p.60
Nessa história
49
, a professora, desapontada por o obter dos alunos a resposta correta em um
exercício oral, considera-se fracassada, decidindo realizar um teste vocacional para trocar de
profissão. Note-se a exaltação que os alunos fazem ao Magistério, no quadrinho 4.
49
Ah, Dona Marocas, fica, vai!
151
Os alunos
1 Caracterização
A turma presente nos quadrinhos de Chico Bento é mista, com predominância do
sexo masculino, composta por crianças aparentemente da mesma idade (em torno de
sete anos), filhos de agricultores, moradores de uma mesma comunidade de zona rural,
com características diversas, marcando-se nas imagens os traços mais comuns à maioria
dos estudantes dessa fase. Podemos dizer que heterogeneidade na homogeneidade.
Fora da escola, as crianças são representadas se encontrando e vivenciando as mais
diversas experiências, com a peculiaridade de poderem desfrutar das atividades das
quais as crianças da zona urbana, leitoras dessas histórias, estão privadas, como o
contato direto com a natureza, com os animais, banhos de rio, pescaria, descanso na
rede, à sombra das árvores, a fruta colhida diretamente da árvore, etc.
152
Fig. 220 Revista 97a p.15-6
A ingenuidade também é característica marcante entre aquelas atribuídas aos
personagens. É freqüente a aparição do Chico Bento e, por vezes, de outros
personagens, nus, tomando banho de rio ou passando por alguma situação imprevista.
Fig. 221 Revista 366 p.14
153
Fig. 222 Revista 34 p. 21
A esse respeito, Spigel (apud Bujes, 2002, p. 71) explica que “a idade adulta traz
consigo a autoridade e, mais do que isto, o dever cívico de controlar a disseminação da
informação sobre o mundo. “A infância como um momento de pureza e inocência
existe apenas enquanto os jovens são protegidos de certos tipos de conhecimento”. Essa
preocupação, adulta, parece ser adiada, no cenário rural, onde as ações são apresentadas
como mais espontâneas, mais distantes da interferência da urbanidade, com suas
supostas interdições e preconceitos. Entretanto podemos atribuir a esse cuidado a atitude
(rígida) da professora representada nas histórias do Chico Bento em relação a seus
alunos, pois, como observa Varela (apud Bujes, 2002, p.70), “as estratégias pedagógicas
destinadas a um desenvolvimento sem coações desta suposta “criança natural e
universal” implicavam uma constante programação e vigilância do que se considerava o
desenvolvimento correto. (Grifos da autora).
154
As habitações dos moradores dessa comunidade são simples, sem a maioria dos
confortos conhecidos pelas crianças urbanas, como luz e chuveiros elétricos, telefone,
TV, celular, eletrodomésticos em geral.
As crianças são caracteristicamente desenhadas para representarem o visual das
pessoas da zona rural, da roça, como se autodenominam: chapéus de palha, calças
curtas, pés descalços, macacões em jeans, camisas xadrez, trancinhas no cabelo...,
denotando a representação estereotipada do caipira.
Há, por outro lado, freqüentes contatos com moradores da cidade, oportunidade
que a equipe Mauricio de Sousa encontra para confrontar realidades diversas, na
maioria das vezes exaltando o modo de vida rural. Esses contatos se dão,
principalmente, quando Chico visita seu primo, na cidade, ou recebe a visita do mesmo,
na roça. Acontece, também, de, por alguma razão, personagens urbanos depararem-se
com as especificidades da vida rural.
155
Fig. 223 Revista 367 p. 32
Fig. 224 Revista 370 p. 32
156
A fala regional predomina na maioria das crianças e demais personagens; além
disso, quando algum episódio de escrita é retratado pelos autores das histórias, é
freqüente o registro escrito de traços dessa oralidade.
Fig. 225 Revista 385 p. 23
Com exceção do amigo de Chico Bento, da Roça, e da professora, Dona
Marocas, que não falam caipirês, todos os demais personagens apresentam o mesmo
linguajar. Não está explícita nas historinhas a razão pela qual esses dois personagens
diferem na fala. Deduz-se que não sejam nativos da região, mas oriundos da cidade
50
.
Reforça-se essa idéia quando, na casa de da Roça, aparece uma televisão, aparelho
ao qual os demais personagens não têm acesso, demonstrando que o personagem vive
na zona rural, mas com hábitos da zona urbana.
50
Em relação à professora, até se justifica tal situação, frente à imagem corrente de que ela ‘deva’ ensinar
uma língua padrão.
157
Fig. 226 Revista 374 p.3,4.
Para deslocarem-se de casa para a escola e vice-versa, têm de percorrer, a pé, um
longo trajeto, que fazem sós ou em pequenos grupos, sem a companhia dos pais. Pelo
caminho todos se conhecem e freqüentemente os roteiristas se valem desse caminho
para utilizá-lo como cenário de muitas aventuras.
Em sala de aula os alunos sentam-se em fileiras, fazendo alusão à disposição dos
alunos do ensino tradicional. Como personagem principal, Chico aparece, na maioria
das vezes, sentado na primeira classe. Os alunos não alcançam os s no chão,
reforçando a idéia de que sejam pequenos, de que estejam na classe de alfabetização e
dentro da faixa etária estimada para esse nível de ensino. Não registro da realização
de trabalhos em duplas, trios, grupos ou qualquer outro arranjo menos tradicional; na
maioria das vezes os alunos são representados sentados, pacientes, algumas vezes até de
braços cruzados. Também o registro de conflitos na classe ou episódios de
desrespeito à professora, pelo contrário, a professora, além de valorizada pela função
que desempenha, é muito respeitada.
158
2 O que sentem em relação a determinadas disciplinas, atividades ou
situações escolares
O cotidiano escolar dos personagens é representado como o de qualquer criança
dessa faixa etária, parecendo corriqueira a familiaridade que demonstram frente a
determinados fatos ou situações, comuns em qualquer escola.
a) O pânico da Matemática
Comecemos pelo mais comum deles. A maioria das crianças (e adultos)
imediatamente identificar-se-á com o sentimento de nico expresso por Chico Bento,
quando a professora anuncia matéria nova de Matemática. A professora até tenta, em
vão, desmistificar a idéia expressa pelo aluno sobre o nível de dificuldade apresentado
na disciplina, o que pode estar relacionado à história de fracasso vivenciada. Engraçada
e, ao mesmo tempo verossímil, soa a crítica que o aluno faz à abstração com que, no
caso, em Matemática, são nomeados os conteúdos, impossibilitando a predição ou
levantamento de hipóteses.
159
Fig. 227 Revista 224 p.19
Nesse sentido, Silveira (2002), ao examinar em cartuns, quadrinhos e charges os
significados produzidos sobre Matemática, mostra um jeito de compreender e
representar a Matemática que repercute na Educação: “Matemática é um campo difícil,
complexo, abstrato, caracterizado predominantemente por qualidades que aprendemos a
identificar como masculinas e que é uma disciplina assustadora, raladora, responsável
pelo fracasso de muitos estudantes” (grifos da autora) (p. 75).
160
b) A folha em branco... a falta de inspiração: redação!
Da mesma forma, a maioria dos leitores lembrará de uma situação similar à,
dramática, vivida por Chico Bento: a folha em branco, o branco na hora de escrever, a
expressão desmotivada do aluno, movida pela obrigação de escrever a fim de atingir a
nota estipulada pela professora, em contraposição à liberdade de aproveitar o dia sem a
privação imposta pela redação. Ressalte-se o tratamento tradicional dado às práticas
escolares para desenvolvimento da escrita, ao denominar-se redação em vez de
produção textual. A falta de estímulo para a escrita também imprime o caráter de
sofrimento, de mero exercício para fins escolares, em contraponto aos novos discursos
pedagógicos, do desenvolvimento da criatividade e do restabelecimento de condições
mais efetivas de comunicação para a produção de textos.
Fig.228 Revista 374 p.26
161
Episódios envolvendo a redação predominam dentre as atividades escolares
propostas nas historinhas, mas nem todas ressaltam a carga negativa que pode ser
atribuída ao ato de escrever. Muitas vezes é abordado como o aluno pode, a partir de
suas vivências pessoais, escrever com prazer e, ainda assim, garantir uma boa nota. É
preciso destacar que essa possibilidade não é retratada como tendo sido aberta pela
professora, que limita-se em solicitar a tarefa, geralmente de tema livre, para desespero
do aluno-escritor, e corrigi-la, em seguida; o aluno descobre, sozinho, a chave para o
sucesso de seus textos, podendo, inclusive, prender a atenção dos colegas,
conquistando-lhes a simpatia.
Fig. 229 Revista 374 p.32
3 Os “bons” e os “maus” momentos dos alunos
Na turma de Chico Bento são apresentados estereótipos de alunos, tais como
correm nos discursos escolares. Existe:
O aluno que expressa hipercorreção vocabular, apresenta um nível de
conhecimento superior ao de seus colegas, ultrapassando, inclusive, os limites
162
pré-estabelecidos pela professora, demonstrando interesse, facilidade em
aprender, acesso ao saber
51
: Hiro;
A menina dedicada aos estudos, delicada, educada, bem vestida, bem penteada,
com relativa facilidade em aprender, correspondendo à imagem da aluna
modelo: Rosinha;
O aluno com desempenho dentro de um padrão estabelecido pela cultura escolar,
que povoa a sala sem se destacar no grupo: Zé da Roça;
O aluno com certa resistência à rotina escolar, que questiona a utilidade dos
conteúdos ensinados na escola; que prefere o lazer à obrigação de estar em aula
ou à realização de tarefas escolares na escola ou em casa; que tem preguiça de
levantar para ir à escola, fazendo do atraso uma constante; que se atrapalha com
a distribuição do tempo para a realização das atividades (escolares ou não),
permanecendo com sono em aula; que prefere passar despercebido, mas que é,
sempre, interpelado pela professora; que é punido por suas ações com castigos,
atingindo notas baixas e altas: Chico Bento;
E o aluno que está totalmente dissonante do contexto escolar, aquele que não
entende os conteúdos e que tem um histórico de fracassos sucessivos: Zé Lelé.
51
Freqüentemente chamado de cê-dê-efe.
163
Fig. 230 Revista 440 p.4
Pode-se deduzir, aí, uma sutil crítica à aula de biologia, sobre o aprendizado de obviedades como
“peixe é peixe”.
164
Fig. 231 Revista 383 p.28, 32
Para resolver o problema, Chico utiliza-se de uma situação concreta e acerta a resposta. Pode-se
deduzir a crítica de que nem o aluno entende a formulação elaborada pelo professor, nem o professor
entende a formulação do aluno.
Parece estar demonstrada, nessa situação, a dissonância entre o conteúdo
escolarizado e a vivência extra-escolar.
165
Fig. 232 Revista 63 p.74-5
Às 9h da manhã, atrasado para a escola, Chico revolta-se com a rotina, expressando, a um
duende
52
que se propõe a realizar seu pedido, o desejo de não precisar ir à aula.
a) O sucesso
Como é sempre uma surpresa o que vai acontecer com Chico, suas histórias de
sucesso escolar normalmente são festejadas pelos colegas e pelo próprio Chico. Em
especial, a aluna Rosinha vibra com as vitórias do namorado de infância, atribuindo,
aos pequenos sucessos obtidos, o significado de um futuro promissor junto ao chefe de
sua futura família, consagrando a tradição de gênero, em que a menina é criada para ser
dona-de-casa e mãe, cujas expectativas de sucesso se cifram mais no parceiro do que em
si própria.
52
Vale observar que o autor, nos quadrinhos de Chico Bento, valoriza a cultura brasileira em vários
aspectos, entretanto vale-se de uma figura típica do folclore europeu para atuar na história.
166
Fig. 233 Revista 227 p. 23
Fig. 234 Revista 381 p.5
Chico tira 10 e agradece, deixando a professora arrasada por ter de atribuir nota máxima a um aluno que
não costuma atingir essa nota.
167
Fig. 235 Revista 82 capa
Pela expressão dos rostos, colegas satisfeitos com êxito de Chico, na prova. Atente-se para a atenção de
Rosinha. As linhas destacam a nota atribuída à prova.
Fig. 236 Revista 366 p.3, 10
Chico sendo admirado por Rosinha e ovacionado pelos colegas após ler sua redação; as onomatopéias
sugerem a aprovação dos colegas.
A redação sobre os planetas, pela qual Chico Bento teve reconhecido seu
desempenho, revela a face criativa do aluno, habitualmente representado como tendo
diversas dificuldades de aprendizagem. Essa situação se repete em diversas histórias,
podendo ser entendida como correspondendo à concepção de que, se um aluno com
baixo rendimento escolar souber usar a criatividade, te garantido sucesso em suas
realizações.
168
Fig. 237 Revista 97a p.17
b) O insucesso
Com certeza, os fracassos vivenciados por Chico Bento imprimem comicidade
às situações; porém o leitor atento e envolvido com a trama pode considerar cruéis as
dificuldades do personagem, sobretudo se já vivenciou alguma delas.
169
Fig. 238 Revista 366 p.34
Dessa tira, na qual Chico não sabe, de imediato e por memorização, a resposta para a pergunta da
professora, podemos depreender outra crítica ao ensino tradicional. A memorização do conteúdo visa a
um aspecto pontual (208 ossos). Há, também, de certa forma, um indicativo de exclusão, na tira, pois
supõe que o aluno, até o quadro 2, vai envelhecer e ainda estará tentando responder à questão, através da
contagem dos ossos. É engraçado ele estar contando, no futuro, os ossos do próprio esqueleto da
professora.
Fig. 239 Revista 62 p.68-9
Chico dorme no início da aula e durante o castigo, sendo advertido rispidamente pela professora.
170
4 Chico e castigo
O sistema tradicional de educação, representado pela figura da professora
tradicional, reserva função de destaque ao castigo, à punição explícita. Incorporado ao
processo educativo, o castigo é retratado como conseqüência natural” do
comportamento desviante do padrão imposto. Vítima das próprias ações, Chico é
recorrente como vítima de castigo, podendo ser considerado um subversivo à frente de
seu tempo.
O caráter de exposição pública de algumas formas de castigo confere o efeito de
exemplaridade. O castigo público humilha e mostra para todos as conseqüências de
transgressões.
Fig. 240 Revista 62 p. 69
Ao ser flagrado dormindo em aula, Chico é mandado para o castigo. Sua atitude é de resignação: não
tenta se defender, justificando seu estado sonolento, não argumenta, não resiste. Segue calado para o
castigo; destaque para a expressão amedrontada do garoto, que caminha, tenso, os braços colados ao
corpo.
171
Fig. 241 Revista 62 p. 75
Ao ser flagrado pela professora, puxando cabelo da colega, Chico, da mesma forma, parte para o castigo
e não responde nem ao tom ofensivo com que a professora a ele se dirige, à frente da turma. Destaque
para o colega que ri por Chico receber castigo da professora e para a expressão da colega, demonstrando
sentir-se vingada.
É válido ressaltar a atitude egocêntrica (e comum) da aluna sentindo-se vingada
ao presenciar Chico ser castigado, bem como o fato do colega parecer divertir-se com a
condenação de Chico sem que a professora se valesse da oportunidade para questionar a
situação, tentando gerar um clima de solidariedade, talvez.
172
Fig. 242 Revista 62 p. 79
Representando a força com que as palavras da professora atuam no imaginário ou na estima da criança, os
roteiristas conduzem Chico ao vigário, outra autoridade tradicional na zona rural, a fim de buscar auxílio
na resolução do problema; Chico sai aliviado ao reconhecer a impropriedade do prognóstico da mestra.
Fig. 243 Revista 383 p. 29
Chico faz piada com a professora, mas quando percebe sua reação, tenta reverter a situação, visivelmente
amedrontado. Longe dela, critica sua atitude, além de reclamar da sanção recebida.
5 Molecagem
Como toda criança, Chico não perde a oportunidade de divertir-se com o proibido,
de praticar as molecagens comuns, em aula, correndo o risco de ser punido pela
professora.
173
Fig. 244 Revista 62 p.75
A expressão de Chico Bento pode demonstrar a astúcia que imprime à ação. Note-se o aluno de trás,
que tanto parece divertir-se, cumplicemente, com a ação ilícita de Chico, como também acontece
quando o mesmo é flagrado e punido.
6 Do zero ao dez
A relação entre Chico e a escala numérica das notas é apresentada de forma
semelhante aos insucessos. A quantificação do desempenho discente e a subordinação
do aluno avaliado a seu avaliador o professor revela os conflitos gerados por esse
exercício de poder. Social e culturalmente instaurada como verificadora de
conhecimento, de intelectualidade, de sucesso e superioridade, a nota tradicionalmente
sobrepõe-se a outras dimensões do ensino; baixa ou alta, ela determina a seqüência de
acontecimentos positivos ou negativos que se seguirão.
A primeira instância atingida pela carga da nota é a esfera familiar. Dependendo dos
valores, tem-se urgência em mostrá-las aos pais ou necessidade de escondê-la o
máximo possível.
174
Fig. 245 Revista 366 p. 34
A postura normalmente adotada por Chico frente às notas é de contentamento com o
mínimo estabelecido, já que é comum atingir abaixo da média.
Fig. 246 Revista 367 p. 28
Chico não se preocupa com notas altas, contenta-se com a média.
Como a cola é recurso freqüente devido ao temor do fracasso, uma lição ética
Chico demonstra dar através do episódio relatado a seguir.
175
Fig. 247 Revista 371 p. 6
Prefere tirar zero, agindo honestamente, a colar. Figura icônica do balão, como metáfora visual,
destaca o estado emocional do personagem.
Na situação a seguir, relaciona-se o fracasso da nota a um episódio negativo do
cotidiano.
Fig. 248 Revista 63 p.66
Chico fica surpreso ao receber resultado zero na dia. A colega esboça expressão similar. Ao sair
da aula, arrasado, continuidade a uma série de acontecimentos negativos, representados,
graficamente pela mudança no tempo, sugerindo, através da onomatopéia, a iminência de um
temporal, para o qual estaria desprevenido.
Fig. 249 Revista 83 p. 73
176
Nessa história (Sonhos p. 72-81), Chico se conta de que está sonhando e os acontecimentos
inusitados que se sucedem, justificam-se por serem, justamente, sonhos. O fato de, juntamente com
Zé Lelé, tirar dez na prova de Português, configura-se, assim, irreal.
Ainda preocupado em atingir o mínimo estabelecido, é comum flagrarmos Chico
desenvolvendo hábitos específicos e emergenciais de estudo:
Fig. 250 Revista 371 p. 6 Fig. 251 Revista 442 p. 3
Chico utilizando o caminho da escola para “decorar”conteúdo, para estudar para prova.
Como é atribuída nota à pontualidade, em várias passagens Chico demonstra
preocupação excessiva em manter o horário.
Fig. 252 Revista 367 p.28
Chico preocupa-se em chegar no horário da aula, saindo sem café e apressado; justifica o atraso
com detalhes à professora.
177
7A cola na escola
Tentando todos os recursos possíveis para garantir uma nota razoável, Chico (e sua
turma) recorre à cola.
Ainda que seja uma escolha, uma opção, o ato de colar, que é considerado falta
grave, passível de punição, no ambiente escolar, causa diferentes sensações, a maioria
delas negativas; na maioria das vezes, trata-se de uma tentativa frustrada, seja por
inconsistência de método, seja por intervenção da professora. Enfim, a reiteração
veiculada nas historinhas é de que os alunos tentam, mas não são bem sucedidos em
suas empreitadas.
Seguem-se algumas recorrências:
Fig. 253 Revista 227 p. 34
Zé Lelé, envergonhado, admite que colou.
178
Segurança e confiança, garantia de boa nota... Note-se o desencadeamento de
diferentes sensações geradas pela cola:
Fig. 254 Revista 62 p. 48-9
Chico chega à escola, em dia de prova, com expressão confiante: está munido de cola. Fica constrangido
quando a professora encontra as primeiras e aborrecido quando é desmascarado, desfazendo-se das
demais. O título pode sugerir que estar bem preparado é poder “contar” com a cola, ao invés de ter
estudado.
Percebe-se que a professora sobrepõe hierarquicamente, em relação à importância, a
busca da cola, à realização da prova.
Na história A cola (Revista 371 p. 3-15), o autor conseguiu habilmente abordar as
mais diversas faces dessa prática, os mais diferentes sentimentos que podem surgir a
partir dela, bem como a sucessão de mal-entendidos, que, conjuntamente, constituem
uma pedagogia poderosa para que os leitores optem por não colar.
179
Fig. 255 Revista 371 p. 15
Assim como pode servir de segurança ao portador, a cola pode provocar, por outro
lado, o sentimento da perseguição. Observe-se que, como está ciente de que está
fazendo algo errado, o aluno sobressalta-se ao ser chamado.
Fig. 256 Revista 371 p. 3
Uma outra face da cola é retratada: a cola não deixa de ser uma forma de estudo,
pois faz com que o aluno reveja os conteúdos trabalhados, faça a seleção dos mais
importantes e esquematize-os de forma criativa e funcional, numa espécie de
sistematização.
180
Fig. 257 Revista 371 p. 3
Observe-se a expressão facial de da Roça ao perceber que Chico está elaborando
sua cola: espanto por crer que Chico está fazendo algo errado. Para Chico, ao usar um
eufemismo para designar a cola, a ação toma uma conotação mais leve, permitindo-lhe
até achar graça da situação.
Fig. 258 Revista 371 p. 3
O colega o incentiva a elaboração de cola; pelo contrário, desaconselha,
lembrando dos riscos que pode correr caso seja descoberto pela professora. Trata-se de
uma moral pragmática, que não condena a cola pela desonestidade que implica, mas
pelas conseqüências indesejáveis do fato de ser descoberto.
181
Fig. 259 Revista 371 p. 4,5
O interesse despertado por esse tipo de criação faz com que Chico requinte sua
técnica, o que faz com que nos lancemos ao questionamento sobre o porquê da
professora não despertar esse tipo de interesse nas atividades que realiza.
Fig. 260 Revista 371 p. 4
Chico justifica a elaboração da cola pela dificuldade apresentada pela memorização
de nomes, ressaltando a permanência dessa tradição no processo pedagógico.
182
Fig. 261 Revista 371 p. 5
O conselho dado pela professora em aula anterior desperta sentimento de culpa,
atormentando Chico por fazer a cola e, eticamente, ele desiste dela.
Fig. 262 Revista 371 p. 5,6
Na continuação dos quadrinhos e da história anterior, o desfecho inesperado da
história consiste do flagrante, injusto, do personagem com a cola, obrigando-o a
justificar-se veementemente junto à professora, fazendo-o sentir-se aliviado em
convencê-la da verdade. A professora ter aceitado sua justificativa estimula-o a não
colar mais.
Fig. 263 Revista 371 p. 15
183
Na história Revista anticola é destacada a esperteza da professora e sua habilidade
em encontrar colas, sugerindo que todos os alunos, dos mais inteligentes aos de maiores
dificuldades, colam indiscriminadamente, pois foram flagrados com suas.
Fig. 264 Revista 383 p.18-9
8 O sono
É recorrente encontrar Chico dormindo em aula. Como estuda pela manhã,
costumamos acompanhar seu despertar cheio de preguiça. Esse fator acaba
atrapalhando seu rendimento escolar e tem várias causas, algumas nobres. Como
pode-se supor que o/a leitor/a sempre saiba por que ele está sonolento, pode acabar
solidarizando-se com ele na hora de ser repreendido. Muitas vezes as causas desse
184
sono estão relacionadas a atividades ligadas à própria escola, sejam leituras
interessantes, pesquisas, enfim, atividades espontâneas, realizadas fora do horário
escolar, que não são valorizadas pela professora. Na passagem que segue, por
exemplo, Chico dorme na aula por ter ficado lendo à noite e não se justifica à
professora. É válido observar a solidariedade demonstrada por uma colega que
conduz Chico à sala, quando percebe que ele tedificuldade de chegar por estar
com sono.
Fig. 265 Revista 62 p. 71
185
9 A realização das tarefas escolares
a) Dificuldades
O autor expõe o personagem, morador da zona rural, enfrentando as mesmas
dificuldades das crianças que vivem essa realidade, quando se trata de localidade
sem eletricidade. Como têm que realizar as atividades à noite, sem luz elétrica, o
fazem à luz do lampião.
Fig. 266 Revista 97a p. 17 Fig. 267 Revista 62 p. 71
Leitura e escrita, em casa, à luz de lampião.
b) A leitura
Em aula, a professora enfatiza a leitura oral. Freqüentemente Chico é retratado,
lendo e em voz alta. O recorte abaixo aponta um episódio em que, fora da aula, Chico
dispõe-se a ler e apresenta uma leitura em nível inicial, fragmentada, o que é reforçado
quando afirma estar na primeira série.
Fig. 268 Revista 85 p.8
186
Entretanto, em aula, não demonstra estar nesse nível. sua própria redação, mas
com desenvoltura (para encanto de Rosinha, como de costume).
Fig. 269 Revista 366 p. 3
Conforme podemos observar, o parece haver maior preocupação de coerência
na construção do personagem, no que diz respeito ao adiantamento escolar.
10 A participação em aula e interação com colegas
a) A exposição
A aula de biologia parece ser uma das preferidas do personagem Chico, talvez
pela condição de, ao viver na zona rural, ter uma relação mais íntima com a
natureza. Nessa aula, em especial, ele fica ansioso por participar. Responde errado,
mas de acordo com sua hipótese. Fala de olhos fechados, indicando segurança.
187
Fig. 270 Revista 440 p.3
Ao ser interpelado pela professora, faz referência a ser sempre o primeiro a ser
chamado, como se reclamasse de uma provável exposição ou “perseguição”.
Fig. 271 Revista 381 p. 4
188
Com a exposição, são comuns determinadas reações dos colegas. O riso, por exemplo.
Fig. 272 Revista 381 p. 10
Fig. 273 Revista 440 p. 57
Colegas caem na gargalhada” à resposta do Lelé. Também riem da resposta do Chico, em outra
situação. As onomatopéias reforçam a intensidade do riso.
Para espanto de todos, Lelé, que nunca quer participar da aula, se propõe a
responder, mas é contido pela professora.
Fig. 274 Revista 63 p.5-6
Os alunos se divertem com a exposição dos colegas, mas também são solidário sem
certas situações. Na história O que é pior: o sabe-nada ou o sabe-tudo? Chico e
Rosinha querem ajudar Lelé, criança com dificuldade de entender as coisas, que
demonstra ter ritmo de aprendizagem e compreensão mais lentos em relação aos demais
colegas. Nessa história, ele bate com a cabeça, exige ser chamado pelo nome, em vez do
189
apelido, e começa a demonstrar uma sabedoria insólita e usar um vocabulário
sofisticado. Os amigos estranham a transformação e o preferem como era, mostrando a
aceitação das diferenças.
Fig. 275 Revista 442 p.30, 33
b) O amor está no ar...
A escola é um dos cenários onde se desenrola o namoro inocente entre os colegas
Chico Bento e Rosinha. Na sala de aula, em plena aula de biologia, por exemplo,
estímulo para a demonstração de carinho e o fato de demonstrarem afeto mútuo em
190
nenhuma passagem foi motivo de repreensão pela professora nem motivo de chacota
entre os colegas.
Figura 276 Revista 381 p.7
11 O bom da aula é que ela acaba...
O personagem Chico, de acordo com a imagem de que toda criança saudável
quer movimento e agitação, espera o final da aula, que representa retomada da
liberdade de ação, do divertimento, da brincadeira. Essa expressão é demonstrada.
Fig. 277 Revista 440 p.4
O final da aula também representa o final das situações difíceis pelas quais têm
de passar, como provas, repreensões, etc.
191
Fig. 278 Revista 62 p. 49
Chico feliz com o final da aula, pois livrou-se da prova.
Fig. 279 Revista 62 p. 76
Feliz com o final da aula, que passa a ser, também, o final do castigo.
Após a aula é momento, também, de comentar o que se passou, emitindo juízo de
valor, como a sutil crítica que os alunos fazem sobre a utilidade dos conteúdos
aprendidos:
Fig. 280 Revista 440 p. 4
192
12 O papel da professora na formação das crianças
Dentro de uma tradição pedagógica, a professora exerce papel fundamental na
formação das crianças, tanto no plano afetivo, quanto no desenvolvimento do intelecto.
Dona Marocas, por exemplo, mesmo não sendo carinhosa, característica acentuada
numa das representações correntes de alfabetizadora, é muito valorizada não pelos
alunos, como também pela comunidade.
Ao lembrar da professora, Chico refaz mentalmente a imagem dela aconselhando,
simpática, e dele, como os demais colegas, prestando atenção, satisfeitos, em aula.
Fig. 281 Revista 371 p. 5
Preocupado com a prova, na história O presente da professora, Chico Bento
esqueceu o aniversário da mestra, o que abala seu estado emocional. Como não
comprou presente, tentou improvisar, não conseguiu; arrasado, olha para os presentes
trazidos pelos colegas e pede desculpas à professora, emocionado. A professora mostra-
se sensível ao estado do aluno e consegue reverter a situação.
193
Fig. 282 Revista 442 p. 14-5
194
Como em todas as turmas de ries iniciais, a presença da professora titular é
retratada como fundamental. A falta dela ou sua substituição pode transtornar o
estado emocional das crianças. Na história Ah, Dona Marocas, fica, vai! a turma
passa por essa negativa, mas construtiva, experiência.
Mas a professora também é mostrada como uma pessoa que tem dúvidas, que
pode passar por conflitos. Assim, transtornada por pensar ser incapaz de “fazer as
coisas entrarem na cabeça das crianças, ela resolve fazer um teste vocacional e
ingressar em outra profissão, o que implica a sua substituição por outra professora.
Essa situação despertou diferentes emoções e provocou uma mudança de
comportamento, resultando em uma tomada de atitude dos alunos.
Fig. 283 Revista 440 p. 59, 61
Chico sente-se culpado pela desistência da professora, resolve convencê-la a voltar, indo à sua casa e
chora por não conseguir.
195
Fig.284 Revista 440 p. 62
Dispostos a reverterem a situação, reúnem-se, resolvem estudar em grupo no fim de semana e,
unidos, impedem a professora de sair de casa, argumentando para que ela voltasse para a escola,
fazendo promessas, lamentando-se; enfim, usando dos recursos que tinham para atingir seu objetivo.
Fig.285 Revista 440 p.65
Satisfeitos por terem conseguido, ficam motivados a manterem a postura de “bons alunos”.
É importante destacar a ênfase que o narrador dá à situação voltar a ser como antes.
196
Na história Motivo especial, faz-se referência ao dia da professora. Nhô Lau, que
não permite que as crianças apanhem suas goiabas, abre exceção a essa regra,
permitindo que os alunos presenteiem a professora em seu dia, valorizando, dessa
forma, o trabalho da professora.
Fig. 286 Revista 374 p.25
197
Exemplo de como Chico “respeita” a professora, temos na tirinha abaixo, na
qual ele não se permite falar abertamente sobre determinadas partes do corpo, como
se fosse um desrespeito à professora (“mulher”).
Fig. 287 Revista 441 p.66
13 A vez dos alunos...
Acostumados a ver os alunos serem repreendidos pela professora, os leitores podem
ser surpreendidos ao identificar uma situação constrangedora vivida pela professora. Os
alunos, no entanto, mantiveram uma postura discreta, em respeito à mestra.
198
Fig. 288 Revista 383 p.19
Durante demorada revista à procura de cola, a professora apreende, de todos, algum material,
deixando os alunos constrangidos. A situação fica constrangedora ao perceber, na frente dos alunos, que
esquecera as provas. As expressões dos alunos podem revelar que, a partir daquele momento, o discurso
da mestra perdera o efeito e o leitor pode atribuir um significado contrário à censura da professora: de que
nesse caso, uma “cola” de onde estariam as provas, seria útil.
No caso da substituição da professora, os alunos demonstram que são capazes de
reverter a situação, agindo em grupo, não se importando com a situação da substituta ou
com o destino que a história reservaria à mesma. Dessa forma, após conseguirem
convencer a professora titular a permanecer no cargo, não referência à professora
substituta, tampouco a que ela tenha se sentido rejeitada; ela não expressa qualquer
sentimento frente à reação dos alunos.
199
Fig. 289 Revista 440 p. 23
14 Aplicação dos conteúdos trabalhados em aula
Ainda que haja ênfase à memorização de conteúdos e pouca preocupação com a
sua contextualização, a professora consegue promover alguma mudança na vida dos
alunos. Na situação em questão, Chico consegue relacionar a explicação dada em
aula pela professora à situação real.
Fig. 290 Revista 440 p. 11
200
Na dúvida, chamam a professora para identificar o animal, demonstrando a
confiança que depositam em seus conhecimentos.
Fig. 291 Revista 440 p.15
201
O universo escolar
Além de analisar a professora e os alunos das historinhas do Chico Bento,
pensamos ser interessante destinar um capítulo especial a outros elementos que
compõem o universo escolar. Dividimos, então, este capítulo em tópicos que,
agrupados, representam a recorrência de tais elementos nas histórias analisadas.
1 A redação
“Escrever” tem sido uma atribuição da escola moderna desde sua instituição, que
sempre privilegiou a cultura letrada. A função, os formatos e as práticas da escrita
escolar, entretanto, têm mudado historicamente devido a várias condições e à
emergência de vários campos disciplinares. Atualmente, por exemplo, verifica-se,
através de instrumentos aplicados por órgãos oficiais de educação, a suposta falta de
competência comunicativa na escrita de alunos de diferentes níveis escolares.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, instituídos pelo Ministério da Educação em
meados dos anos 90, tratam como Prática de Produção de Textos as orientações para o
desenvolvimento da escrita dos alunos em aula, sintetizando o discurso atual sobre
atividades de escrita na escola, a partir da convergência de vários campos teóricos,
como o da Lingüística Textual.
Voltando à análise das histórias do Chico Bento, vejamos o sentimento expresso
pelo aluno em relação à escrita:
202
Fig. 292 Revista 97a p.14
O tratamento dado a esse tipo de atividade, na escola do Chico Bento, é o de
redação. Normalmente proposta como tema livre, inicialmente desencadeia a
primeira e “clássica” dificuldade: sobre o que escrever? Vê-se, assim, que o enfoque da
redação nos quadrinhos analisados não incorpora dimensões da atual abordagem de
produção textual, pois não parece ser motivada pelo acesso à diversidade de textos, não
indicação sobre as circunstâncias em que a escrita possa ser realizada e não
orientações específicas que auxiliem os alunos na elaboração dos textos; em muitas
vezes, inclusive, ganha forma de tarefa de casa. Os critérios de avaliação tampouco são
expostos ou comentados; registra-se, apenas, a atribuição de notas ao produto final.
Note-se que quando a mãe pergunta se argum pobrema, o aluno o entende como
problema matemático e classifica a redação como pió em termos de dificuldade,
203
pressupondo, nesse caso, o sentimento negativo do aluno, também em relação à
Matemática.
Na situação a seguir, o aluno passa pelo mesmo drama, agravado pela
constatação de que outras atividades poderiam estar sendo realizadas, contrapondo o
prazer ao martírio/sofrimento de escrever.
Fig.293 Revista 374 p.26
Realizando outra proposta de redação, Chico consegue atingir a nota máxima,
com os cumprimentos da professora, o que o faz sentir-se muito bem e motivado para
continuar sua pesquisa.
204
Fig. 294 Revista 385 p.31
A história começa, sem balões, com a fala do narrador sugerindo a leitura da
redação (que, feita pela professora, não apresenta influência da linguagem oral na
escrita, como é comum nas escritas de Chico).
Fig. 295 Revista 385 p.28
O tópico frasal anuncia o conteúdo da redação: a cultura indígena. A descrição
assume o caráter de exaltação e isto é comum, nas histórias do Chico: a temática
utilizada valoriza os diferentes tipos de cultura, envolve valores, traz posicionamentos
contrários à discriminação e atitudes do gênero, aponta diferenças entre o modo de vida
205
na zona rural e na urbana, destacando a zona rural, enfim, apresenta um aspecto
pedagogizante inserido, de forma sutil, ou nem tanto, na história.
Fig. 296 Revista 385 p.32
Em se tratando de espaço de liberdade, em outra situação a professora gera um certo
desconforto nos alunos, também, por apenas lançar o tema: O boto e deixar que eles
escolham o que fazer sobre: desenho, escrita, colagem, escultura... Nessa situação, são
aflorados talentos que não são aproveitados/desenvolvidos na escola, além de ser
mostrada uma situação pedagógica mais “atual”, que favoreceria a escolha da forma de
expressão em que o aluno se sentisse mais à vontade.
206
Fig.297 Revista 385 p.12-4
207
2 A participação dos pais
Podemos observar a presença constante dos pais em relação ao desenvolvimento
escolar do Chico, como se fosse comum, na zona rural, esse comportamento. Os deveres
de casa, por exemplo, são acompanhados pela mãe, como podemos observar na história
Um tema pra redação, fig. 302 .
Muitos leitores podem se identificar com a situação vivenciada por Chico, usando
de diversos subterfúgios para adiar o momento de mostrar as notas (baixas) para os pais;
no caso, quem se mostra responsável por essa função também é a mãe.
Fig. 298 Revista 367 p.34
208
Note-se que a mãe tem por hábito acompanhar as notas do filho, pois está
acostumada a seus estratagemas. É válido observar, também, que a mãe é
apresentada como mais esperta: não se deixa enganar; do jeito que está em casa (de
avental) vai imediatamente à escola, para saber, diretamente da professora, sobre o
rendimento de seu filho.
O pai, nas histórias, já aparece cobrando do filho compromisso, responsabilidade
e provendo (financeiramente) os estudos. É visível a importância que o pai aos
estudos como forma de ascensão social.
Fig. 299 Revista 366 p.14
209
Fig. 300 Revista 62 p.71
Chico contando sobre a bronca que levou da professora, ao pai que, mesmo na roça, preocupa-se em
comprar livros para melhorar o desempenho escolar do filho.
Trata-se da reedição em termos coloquiais do discurso da modernidade, que
no conhecimento o caminho para o progresso e a libertação do ser humano, e na
escola a instituição ‘privilegiada’ para a transmissão de tal conhecimento. Assim,
também na história de herói, que a Dita conta às crianças, os pais “dão duro”
para os filhos se formarem, e isso, para ela, é ser super-herói.
210
Fig. 301 Revista 438 p.56
Além do conhecimento escolar, também as questões da civilidade, dos bons
modos, são incorporadas às preocupações da mãe. Ela demonstra preocupação com
a boa educação, ensinando, cobrando e incentivando o filho a ter bons modos à
mesa.
Fig. 302 Revista 97a p.34
Ensinando etiqueta, bons modos à mesa.
211
3 A
famigerada
prova
Nas histórias do Chico Bento, os alunos ficam muito apreensivos em dia de prova,
tanto que estudar para a prova torna-se uma penosa obrigação, e o medo do fracasso, de
tirar nota baixa, de ser reprovado, entre outros motivos, faz com que a prova conceda à
professora uma espécie de poder sobre os alunos, desvelando-se em seu caráter
decisório, como um único instrumento “medidor” da capacidade dos alunos. Essa é uma
tradição pedagógica bastante substituída, atualmente, por outros procedimentos, como
sugerem os PCNs (Vol.2 p.95), ao observarem que “uma mesma ação pode, para um
aluno, indicar avanço em relação a um critério estabelecido, e, para outro, não”. Por isso
a necessidade de os critérios de avaliação serem tomados em seu conjunto, considerados
de forma contextual. Concentrar em uma prova a carga da avaliação pode provocar um
sentimento que impulsione os alunos, por exemplo, à cola, de que falaremos a seguir.
Fig. 303 Revista 367 p. 16
212
Indecisão entre afazeres domésticos ou estudar para a prova/ Aproveitar o dia ou estudar para a
prova/comer goiaba
Fig. 304 Revista 371 p.14
Prova de História, aparentemente questionário, pois refere-se à última pergunta, justamente a que o
Chico tinha dúvida em memorizar; fumacinha demonstra o esforço mental em responder a questão.
Lembrando da resposta correta, sorriso de satisfação.
Como o normal é flagrar o Chico tirando notas baixas nas provas, o fato de
atingir uma nota melhor surpreende a todos, causando as mais diversas reações. Na
história elaborada pela personagem Rosinha, História (Rev. 227, p. 21), referida
anteriormente, todos os fatos acontecem de acordo com os interesses da menina. O
enredo traz o Chico levantando-se, espontaneamente, sem precisar ser desperto, bem
disposto, sendo o primeiro a chegar à aula, recebendo elogios da professora e
tirando deiz na prova, o que lhe confere a aprovação para o ano seguinte.
Nessa história percebemos a importância que a aluna atribui a uma boa nota,
tanto que o próximo episódio (na sua história) é o casamento entre os dois,
equivalendo-se as duas situações.
213
Fig. 305 Revista 227 p.22
4 A cola
Para tentar garantir o sucesso escolar, os alunos recorrem à cola. Entretanto, nas
histórias analisadas não houve nenhum caso bem-sucedido de cola. Em todos eles ou a
professora recolhe a cola antes da prova, através de uma revista, ou algum imprevisto
ocorre, impedindo o aluno de colar, e, em todos, fica a mensagem de que colar é
transgredir as regras da escola, com merecida punição. Em todos os casos, também, os
alunos responsabilizam-se por seus atos, mesmo cientes dos riscos da punição; admitem
seus erros e falam a verdade.
No caso a seguir, por exemplo, o aluno admite ter colado e a comicidade da tira es
no fato do aluno ter escolhido justamente um colega com baixo rendimento para dele
copiar, reforçando a característica de “atrapalhado” do aluno-personagem.
214
Fig. 306 Revista 227 p.34
Aluno teme castigo por colar.
5 O castigo
O castigo, como forma de punição, é muito recorrente na escola freqüentada pela
turma de Chico Bento. Entre os mais comuns estão a exposição do aluno advertido
frente à turma, fazendo-o sentar em um banquinho, posicionado à frente das classes, sob
o olhar (repreensivo) dos demais alunos. Além desse, a professora recorre, também, ao
de repetir, por escrito, a frase punitiva, como uma voz interior alertando para não incidir
novamente na falta, castigo também de bastante tradição na instituição escolar.
215
Amuchástegui (2000)
53
ao se referir ao castigo, conclui que “o poder do superior
(professor) sobre o subordinado (aluno) se legitima neste ritual (...) que afirma as
hierarquias e estabelece as diferenças políticas dos sujeitos”.
Fig. 307 Revista 62 p. 69
Sentar na frente, num banquinho; escrever frase
punitiva 100 vezes no quadro.
Fig. 308 Revista 62 p. 76
Sentar na frente, num banquinho.
6 O uso de novas tecnologias
A escola freqüentada pela turma é municipal, rural, como veremos adiante e, como a
maioria delas, é apresentada como desprovida de recursos. A professora é representada
desenvolvendo aulas expositivas, sem qualquer tipo de recurso pedagógico especial.
53
Tradução do espanhol, por responsabilidade da autora.
216
Seus instrumentos de trabalho constituem-se em quadro-negro, giz, batuta e livros. Não
foram identificados, por exemplo, mapas, material concreto ou qualquer tipo de
tecnologia, como rádio, CD, vídeo, TV, etc.
Numa única história, a Internet é citada, quando Chico, ao elaborar uma redação
(estilo realismo fantástico) sobre os planetas, fala de Netuno, como se o segmento Net,
nessa palavra, fosse um prefixo originado do sufixo net de Internet, caracterizando seus
habitantes como seres permanentemente conectados ao cosmo. O aluno ainda esclarece
que a relação entre Netuno e o rei mitológico dos mares, é coisa do passado,
imprimindo atualidade a essa tecnologia.
Fig. 309 Revista 366 p.7
217
7 Os conteúdos
O próprio Mauricio de Sousa afirma que Chico está na idade escolar (7 anos),
freqüentando turma de alfabetização, como podemos observar, por exemplo, na
crônica Véio Chico (anexo VII). É interessante observar, então, o levantamento dos
conteúdos desenvolvidos, em aula, pela professora primária:
Fig. 310 Revista 224 p.19
Incógnitas Matemáticas
Fig.269 Revista 366 p.3
Os planetas do sistema solar
Fig. 311 Revista 366 p.34
Quantidade de ossos do corpo humano
218
Fig. 312 Revista 367 p.34
Matemática: soma simples
Fig. 313 Revista 62 p.69
Tabuada do 5
Fig. 314 Revista 62 p.75
História: D. Pedro I
Fig.315 Revista 371 p.3
História: Tiradentes
Fig. 316 Revista 381 p.3
Ciências/Alfabetização: Corpo Humano
Fig. 317 Revista 442 p.3
Português: Classes Gramaticais e Sintaxe
219
Fig. 318 Revista 442 p.4
Biologia: Classes dos animais
Fig. 319 Revista 440 p.57
Geografia: Distância entre Terra e Lua
Fig. 320 Revista 445 p. 54
Artes: Desenho livre
A escolha desses conteúdos mostra representação (bastante anacrônica, em
alguns casos) dos conteúdos das diferentes áreas (História, por exemplo), além de
uma diversidade de níveis de dificuldade não condizente com a classe de
alfabetização (somas com apenas um algarismo VERSUS família de roedores;
incógnitas VERSUS tabuada, etc). Essa diferença pode ser justificada pelo fato da
220
turma funcionar como multisseriada, atendendo a diferentes faixas etárias, interesses
e séries.
8 Chamada
O hábito de fazer a chamada, no início da aula, é bastante recorrente. Muitos
leitores poderão relacioná-lo ao sinal implícito de que a aula estava começando, de
acordo com o ensino tradicional que vivenciaram. A professora, sentada, mantém a
postura ereta e, todos os dias, a rotina se repete, da mesma forma. Para o criador dos
quadrinhos, isso foi motivo para inspirar uma história que começasse com algum
aluno subvertendo o curso normal dessa ação, como consta na passagem abaixo.
Fig. 321 Revista 62 p. 68 Fig. 322 Revista 385 p.3
Professora, sentada, faz a chamada.
9 A entrada e a saída dos alunos
É interessante observar que, ao contrário da chamada, o ato de acionar a entrada
ou a saída dos alunos não segue uma rotina. Algumas vezes o sinal é dado pela
professora, outras, por alguém alheio à turma. Por vezes soa uma campainha, em outras,
é usado um sino. Para o recreio, nunca é dado um sinal: a professora apenas dispensa a
turma para o recreio. Para entrar, não há fila; ao sinal, os alunos entram.
221
Fig. 323 Revista 62 p.49, 76
Sinal de saída é dado por alguém de fora da classe e tem som de campainha.
Fig. 324 Revista 62 p. 70-1
Sinal de saída e de entrada é dado pela professora, através de um sino
Na entrada, não há formação de “filas”; ao sinal, os alunos entram.
Tanto a chamada quanto a organização da entrada e da saída dos alunos, podem
ser enquadrados no que Amuchástegui (2000) chama de rituais. Ela ressalta que
A análise deste conjunto de rituais (...) permite reconstruir os sentidos
representados nessas práticas que expressavam formas de comportamento, normas,
vinculados a uma ordem política e social ensinada na escola. As prescrições sobre
os comportamentos corretos, dos corpos e das mentes, de acordo com o lugar que
se ocupe nessa ordem escolar, fazem referência ao lugar dos sujeitos (aluno-
professor-saber). Permitem atuar, representar o lugar de cada um e o vínculo que os
relaciona, assim como sua situação no cenário social e político, no marco de
significações de ordem simbólica.
Outro detalhe que merece ser observado é que a aula do Chico Bento ocorre,
sempre, pela manhã, tanto que é comum acompanharmos seu despertar, atrasado, sua
preguiça de ir para a escola e sua corrida para não chegar atrasado. Na história
istudando, uai? (Revista 389, p.23-7), o Chico passa o dia inteiro realizando atividades
222
prazerosas: nadando, andando a cavalo, comendo goiabas, namorando, pescando,
brincando e, à medida em que vai passando pelos pais, pelo Nhô Lau, entre outros
personagens, vai sendo cobrado de que deveria estar estudando, ao que responde que
está. Baseando-se pelo sol, percebe que está na hora de ir para a escola, para onde vai,
tranqüilo por parecer estar preparado para executar a tarefa proposta pela professora:
redação sobre o seu dia.
Fig. 325 Revista 389 p.27
223
10 Sistema “padronização”
A história Bons de laço (Revista 389, p.3-11), apesar de não apresentar texto, faz
uma crítica interessante ao sistema escolar: os colegas se encontram (Chico Bento,
Lelé e da Roça), a caminho da escola e, cada um com um laço imaginário, solta a
fantasia, realizando as façanhas mais incríveis, a que chega a professora, com seu
laço, enlaçando os três – na “realidade” - e levando-os para a escola, como se devessem
parar de fantasiar para ir para a escola; como se, na escola, não se pudesse imaginar.
Fig. 326 Revista 389 p. 3-11
Alunos usam criatividade; professora “enquadra” alunos.
224
11 Com chuva, sem aula
A história Dia chuvoso (Revista 82 p. 4-17) traz aos leitores uma peculiaridade de
estudar na zona rural: quando chove, por diversos motivos, as mães permitem que os
filhos faltem à aula. Como a escola é distante, os alunos vão a e as condições da
estrada são precárias, a ida à escola torna-se bastante difícil. Nessa história, é mostrado
como é bom ficar em casa, recebendo os mimos da mãe. Observe-se que o personagem
está sendo retratado sentado confortavelmente e lendo, o que pode sugerir o prazer da
leitura, além de induzir que essa é uma atividade ideal para um dia de chuva.
Dependendo da intensidade da chuva, a própria escola dispensa os alunos. É
interessante observar que, mesmo os alunos sendo dispensados, a professora permanece
na escola.
Fig. 327 Revista 82 p.4,10
225
Mesmo com tanta dificuldade, o aluno que sobrepõe a aula importante ao
conforto de ficar em casa, numa atitude “exemplar”.
Fig. 328 Revista 82 p.9
226
A escola
Pensamos ser relevante destacar as evidências que se referem à escola, enquanto
espaço físico, encontradas nos quadrinhos a fim de retratar a imagem que esse artefato
cultural pode construir dessa instituição. Partimos, então, do pressuposto de que a
tradição pedagógica considera o espaço comoo lugar em que acontecem a prática
de ensinar e de aprender na instituição escolar e o cenário onde atuam professores,
alunos, especialistas e administradores
54
, como nos informa Veiga-Neto (2000)
quando discute as relações entre o espaço e a educação escolarizada, no artigo Espacios
que producen. A intenção desse capítulo é, sobretudo, levantar algumas questões que
podem arriscar algumas reflexões sobre as conexões entre o espaço e a prática educativa
expostas nos quadrinhos de Mauricio de Sousa.
Começamos indicando que a equipe que elabora os desenhos para as histórias do
Chico Bento retrata a escola, em especial sua representação externa, despreocupada com
uma eventual continuidade. A cada episódio, a estrutura do prédio, que aparece como
um detalhe na estruturação do cenário no qual são desenvolvidas as histórias, é
representada de forma diferente.
A escola freqüentada pela turma representa uma escola da zona rural, mantida
pela Prefeitura Municipal, com funcionamento em local estratégico, dado que os alunos
atravessam propriedades particulares para chegarem lá. Podemos pensar na precariedade
em termos de recursos didático-pedagógicos, dada a falta deles nas ilustrações.
54
Tradução livre do espanhol de responsabilidade da autora.
227
Essa turma também pode ser pensada como uma classe multisseriada, devido à
complexa diversidade de conteúdos abordados; todavia muitos indícios sugerem uma
turma de alfabetização.
A clientela é composta por crianças oriundas de famílias de pequenos
agricultores, de trabalhadores rurais.
Observa-se um contra-senso na composição dessa escola: a escola rural, por sua
peculiaridade, poderia não visar apenas à capacidade intelectual do educando e
educanda, mas voltar-se, também, para o desenvolvimento de habilidades manuais,
artesanais e artísticas, valorizando o conhecimento e as tradições locais, a convivência
construtiva com a natureza, a relação cooperativa entre os integrantes da comunidade.
Isso não é observado em aula ou no interior da escola representada nas revistas.
Observa-se, sim, Chico Bento valorizando a cultura local, exaltando a preservação da
natureza, desenvolvendo valores e tratando da criação divina, mas isso fora da aula, fora
da escola, de acordo com sua vivência, no seu dia-a-dia. A escola retratada parece
aplicar o ensino “tradicional”, que privilegia a avaliação quantitativa, aplica castigo nos
alunos e desenvolve aulas expositivas. Ou seja, parece haver uma mera transposição de
uma imagem tradicional de escola, para o ambiente rural.
Para a maioria das famílias que matricula seus filhos na Escola, a expectativa é
de que a passagem pela mesma assegure ascensão social (e econômica), como no ideal
da modernidade, já comentado.
Vejamos como é mostrada/apresentada a pequena escola da zona rural:
228
a) A estrutura física
As telhas são de cerâmica; vista de frente, nota-se a ausência de muros ou cercas,
não impedindo a entrada de animais no pátio; o caminho de chão batido conduz à
entrada. A porta é fechada quando começa a aula; um sino fixado na parede. A
sugestão é de que ali estude uma turma grande, pois os alunos estão sentados em duplas,
a fim de otimizar o espaço. Presume-se extensão considerável da escola, pois o plano,
cortado, sugere continuação.
Fig. 329 Revista 371 p.13
Vista de fora, a Escola lembra uma Escola maior, pelas grandes janelas
envidraçadas.
Fig. 330 Revista 63 p.76
Nessa tomada, a Escola, vista de fora, está inserida no meio da vegetação.
muitas árvores, arbustos, etc.
229
Fig. 331 Revista 385 p. 12
nesta passagem, a escola se assemelha a uma casa e fica bem próxima a
outra(s) casa(s).
Fig. 332 Revista 85 p.56
As condições climáticas interferem diretamente no funcionamento da Escola: em
dia de chuva intensa, por exemplo, a Escola permanece fechada e os alunos são
dispensados. A professora permanece na escola e a considera um local seguro.
Fig. 333 Revista 82 p.9, 10
230
Percebemos, na figura abaixo, a referência à municipalidade do ensino, nessa
escola, aparentemente com a construção de um anexo.
Fig. 333 Revista 442 p.13
Nesta tomada, através da vista externa da escola, as telhas parecem
diferentes das imagens anteriores e a escola parece maior. A presença de outros
alunos parece denotar a existência de mais turmas na escola.
Fig. 334 Revista 440 p.4
231
Nesta imagem, interna, o desenhista detalha a porta, de madeira.
Fig. 335 Revista 62 p.68
Por fim, a costumeira placa que identifica a construção como escola, aparece em
branco. Aparecem, também, degraus na (ampla) porta de acesso à escola, que não
apareciam antes.
Fig. 336 Revista 440 p.58
232
De modo geral, parece não haver uma preocupação especial com a manutenção de
uma imagem fixa da escola.
b) A sala de aula
A estrutura da sala de aula, bem como seu mobiliário e a disposição do mesmo no
espaço, também sofre alterações de revista para revista, mas em menores proporções. A
sala de aula pode se apresentar de diferentes formas.
Com dois quadros-negros, a professora sentada à frente, em destaque, em mesa
maior, e alunos e alunas sentados/as em fileiras. As classes são feitas, tradicionalmente
de madeira. Detalhe para os pés das crianças, que não tocam no chão, reforçando a idéia
de que são muito pequenos e talvez estejam na primeira série. A utilização de dois
quadros-negros pode sugerir, com base em observações diretas em escolas da zona
rural, que a turma seja multisseriada, destinando-se, assim, um quadro com
determinadas atividades para uma parte da turma e outro, com atividades mais
complexas para a parte mais avançada da turma, embora não haja registro dessa prática
nas histórias.
Fig. 337 Revista 97a p.17
233
A próxima figura recorre, também, à sala com dois quadros-negros. A professora
permanece sentada e os alunos em fileiras. As classes, de madeira, são antigas, comuns
às da zona rural, sem adaptação aos alunos menores.
Fig. 338 Revista 63 p. 66
Na história O dia da preguiça (Revista 63 p.74-80) Chico Bento encontra um
duende que lhe realiza um desejo: cria o dia da preguiça de modo que não precise ir à
aula. Desejo atendido, Chico encontra, como vemos, a seguir, a turma dormindo, mas a
disposição permanece inalterada: a professora, sentada, à frente ; alunos enfileirados.
Fig. 339 Revista 63 p.76
Da mesma forma, em outra situação, a professora aparece sentada. Os alunos e
alunas sentados/as em classes, não alcançando os pés no chão.
234
Professora, sentada, quadro atrás; é a única vez em que aparece a cesta de lixo,
cheia, de papel, deduz-se, ao lado da mesa da professora.
Fig. 340 Revista 366 p.10
Nesse quadro, vê-se a professora, sentada, fazendo a chamada. Aparecem livros
e folhas sobre a mesa.
Fig. 341 Revista 62 p. 68
235
Professora sentada, quadro-negro atrás, livros e maçã sobre a mesa; alunos
atentos (de braços cruzados), ouvindo e gostando da redação do Chico.
Fig. 342 Revista 374 p.32
Nesta imagem aparecem janelas amplas, com cortinas; os alunos, contrariando a
regra, aparentam estar sentados em duplas, embora as classes não estejam totalmente
encostadas e a professora de pé, dedo em riste, inicia a aula. Aparece uma maçã sobre a
mesa. Note-se que o lugar do castigo, à frente da sala, sinalizado por um banquinho, faz
parte da disposição da sala e está tão naturalizado quanto o resto.
Fig. 343 Revista 62 p.75
É interessante a representação da sala de aula exposta a seguir, na qual a janela,
ampla, com cortina, privilegia apenas o campo de visão da professora, costumeiramente
sentada à frente. Os alunos podem não ter acesso à janela com o objetivo de focalizar a
atenção dos mesmos à aula e não em episódios que possam estar acontecendo na rua. As
236
classes, de madeira, aparecem construídas em bloco único, impedindo o deslocamento
das mesmas para outra disposição que não seja em fileiras. Ao lado da maçã, sobre a
mesa da professora, há uma espécie de crachá de identificação, que pode ter sido
concebido pelo desenhista como um detalhe na composição do cenário, mas que não
mantém coerência com o contexto, pois os alunos já conhecem a professora, não
necessitando de identificação. Podemos entendê-lo, também, como um elemento a mais
de deferência à professora, uma vez que não há crachá para os alunos.
Fig. 344 Revista 370 p.22
Desta vez aparece uma janela pequena, próxima dos alunos, mas mantém-se
fechada. As classes onde sentam os alunos são diferentes das anteriores, mas, também,
de madeira; ainda assim os alunos continuam com os pés suspensos; exposição de
mapas na parede, aparentemente o da América Latina e o mapa mundi (pode-se, mais
atentamente, relacionar esse mapa ao das coordenadas geográficas, distanciando ainda
mais esse recurso do nível de aprendizagem dos alunos). A professora, sentada, está à
frente dos alunos, que permanecem dispostos em fileiras individuais. Chico Bento,
como personagem principal, senta na primeira classe, como tem sido, recorrentemente.
237
Fig. 345 Revista 381 p. 3
Na imagem que representa a lembrança da aula, aparece um painel que sugere expor
produções dos alunos e estes aparecem, como de costume, em fileiras, sem encostar os
pés no chão e a professora, de pé, à frente.
Fig. 358 Revista 371 p.5
Nesta imagem a sala parece um tanto modernizada em comparação às descrições
anteriores; muitas janelas, mas posicionam-se acima do nível de visão das crianças.
Aparece um móvel diferente, um armário sobre o qual repousa um globo terrestre; nesse
armário podemos imaginar mais recursos didáticos, guardados. As crianças, aqui,
alcançam o chão com os pés, embora as classes, de madeira, tenham aparecido em
outras imagens; chama atenção, aqui, a forma de aproveitamento do móvel: as classes
238
são interligadas, o assento parte da classe de trás, sendo que, embora não seja um bloco
único, os movimentos dos alunos também são regulados, pois cada movimento pode
afetar o colega, controlando-se, então, os movimentos. Contrariando o clichê de que
professor/a ganha maçã, a professora (que costumeiramente as recebe) recebeu de
presente, no dia dos professores, goiabas, frutas em abundância na região, (conforme
outras histórias do personagem) ao contrário da maçã.
Fig. 346 Revista 374 p.25
Na imagem a seguir, aparecem dois cartazes na parede, provavelmente simbolizando
produções dos alunos, o que parece ser uma novidade em relação à escola tradicional;
há maçã sobre a mesa da professora.
Fig. 347 Revista 440 p. 3
239
c) A sala do diretor e a figura
No conjunto das histórias analisadas, esta é a primeira e única vez em que aparece o
diretor (e não uma diretora) da escola. Nesse caso, reproduz-se e reforça-se, então, a
hierarquia doméstica, como nos lembra Louro (2002, p.460):
as mulheres ficavam nas salas de aulas, executando as funções mais imediatas do
ensino, enquanto os homens dirigiam e controlavam todo o sistema. A eles se
recorria como instância superior, referência de poder; sua presença era vista como
necessária exatamente por se creditar à mulher menos firmeza nas decisões,
excesso de sentimento, tolerância, etc. Aos homens eram encaminhados os alunos-
problema ou qualquer outra questão que exigisse a tomada de decisão de problemas
mais graves.
Sua figura definitivamente não condiz com a estrutura de uma escola rural, pois está
trajado como um executivo, talvez caracterizado como diretor de escola privada, assim
como sua sala, ampla, parecendo um escritório.
A porta, vazada com um vidro, não se assemelha à porta, rústica, de madeira, da sala
de aula descrita na imagem 347.
Fig. 348 Revista 224 p.22
240
d) Denominação
“Mata-burro” é o nome que se a pequenas pontes, de ripas de madeira ou metal,
espaçadas, com a finalidade de evitar a passagem de animais como o gado, o cavalo, o
burro e seu uso é freqüente nas regiões rurais brasileiras. É interessante a placa de
indicação “mata-burro” apontar para a escola. Nessa linha, podemos considerar a escola
como uma “ponte” para o conhecimento. Os alunos sendo mostrados entrando na
escola, um após o outro, podem lembrar os animais “enfrentando” o mata-burro, e a
escola pode, assim, ser vista como um “obstáculo” a ser transposto, um espaço-tempo
de difícil progressão. Chama a atenção, também, que, a contar pela expressão, natural,
que estampam nos rostos, os alunos “enfrentam” com tranqüilidade o “mata-burro”
(escola), podendo refletir a naturalização dessa representação de escola para os mesmos.
Fig. 349 Revista 370 p.34
241
Como podemos observar, parece haver mais cuidado da equipe de desenhistas de
Mauricio de Sousa em manter-se um padrão na representação da sala de aula, que do
prédio da escola, talvez em função de uma maior estabilidade cultural dos elementos
que nela aparecem: as classes, o quadro-negro e a mesa da professora.
242
Considerações finais
Ao finalizar este texto, retomamos um de seus pressupostos, que é o de que
qualquer investigação sob a ótica dos estudos Culturais não se presta à emissão de
julgamentos ou, na área da Educação, como foi o caso desse estudo, para o
estabelecimento de prescrições de práticas educativas. A proposta consiste, sim, em
destacar, nos mais diversos artefatos culturais, aspectos impregnados de significados
diversos que, contextualizados, inseridos em nosso cotidiano, passam-nos
despercebidamente.
A análise dos gibis do Chico Bento, do quadrinista Mauricio de Sousa, enquanto
texto cultural, mostrou-nos um jeito de “ver” a professora, os alunos, as práticas
escolares e a escola, e a problematização desses temas traz à tona representações que
têm sido difundidas, naturalizadas e cunhadas, atuando na construção da identidade do/a
professor/a dos pequenos alunos leitores, e na elaboração da idéia do que é/pode ser
escola e seu universo; além disso, esse gênero (Hq) tem tido uma penetração bastante
grande dentro e fora do campo educacional, disseminando “verdades”, dentro do
formato de um produto de entretenimento.
Para Wortmann (2002), “trabalhar com representações implica descobrir e
interpretar entendimentos dos sujeitos sobre “o mundo real”, buscando aproximá-los de
“modelos e padrões” definidos”. A autora esclarece que, na perspectiva pós-
estruturalista, segundo Tomaz Tadeu da Silva, a representação é entendida como
inscrição, marca e traço. Para esse autor (apud Wortmann, 2002), o significado, aquilo
243
que é supostamente representado, nunca está plenamente presente no significante; a
representação como processo e como produto nunca é fixa, estável, determinada, é
um sistema de significação e os processos e as práticas de significação são
fundamentalmente sociais. Ainda segundo esse autor (idem), é em sua inserção em um
sistema de significação que a representação adquire sentido. Citando Hall, Wortmann
(idem) acrescenta que a importância dos sons, palavras, notas musicais, gestos,
expressões e roupas para a linguagem não vem do que esses elementos são, mas do que
eles fazem, de sua função; eles constroem significados e os transmitem – eles significam
e a produção e a circulação de significados dá-se na linguagem e na cultura. Nessa
vertente, tomamos as representações de escola e seu universo, presentes nas histórias em
quadrinhos do Chico Bento, como constituidoras de significados sobre tal instituição e
de sujeitos envolvidos com a mesma, ressaltando que esse exame é apenas uma das
muitas opções possíveis para discuti-las.
No exame que realizamos, as ilustrações assumiram um papel importante para a
constituição dos personagens e para a elaboração do cenário (escola) por onde eles se
movimentam, pois, além de reforçar a presença feminina na função docente, marcar a
maioria masculina na função discente e registrar as peculiaridades da escola rural,
evocou “marcas” que falam por si, como a representação figurativa, ou esquemática, da
professora, facilmente identificada como “tradicional”, vestida com roupas discretas,
cabelos presos, óculos, bem como suas atitudes e o ambiente escolar, que consegue
descrever o sistema de ensino ao qual o autor se refere, através, entre outros, da
disposição das classes dos alunos, os recursos utilizados pela professora, as expressões
faciais dos personagens frente às atitudes da professora etc.
244
A professora é representada como protagonista de um ensino tradicional”,
percebendo-se, nas histórias, a referência a métodos de ensino considerados
“ultrapassados” de acordo com as novas “tendências” pedagógicas. A solicitação de
redações (e não produções textuais), bem como o tratamento a ela dispensado (de rígida
cobrança, de valoração quantitativa e falta de contexto), além da ênfase à memorização
de conteúdos, a utilização de um único instrumento de avaliação (prova), a intensa
investida contra as “colas” e a aplicação do castigo são exemplos de prática docente
muito discutida.
Com o vestuário atribuído historicamente às professoras (de recato, pudor,
decência, virgindade..), pode-se pensar na relação que as histórias estabelecem entre as
questões de gênero e sexualidade e a imagem “clássica” da docência: a professora
jovem, bonita, recatada, mas sensual; aparentemente solteira, por não haver referência a
nenhuma ligação afetiva ou de qualquer espécie e que, nesse nível de ensino, não
desperta qualquer espécie de atração física nos alunos. Ao inventar sua professora,
Mauricio de Sousa institui e veicula sua representação “ideal” de mulher docente.
O posicionamento corporal frente ao quadro ou frente à turma e a utilização que
faz dos recursos didáticos e das técnicas de ensino é um traço característico da
concepção mais tradicional de professora. As ameaças, os gritos, o descontrole, podem
revelar o imperativo na cultura escolar relativo à manutenção da disciplina ou da
autoridade do/a mestre/a.
Por outro lado, apesar de o considerar o ritmo de aprendizagem diferente de
aluno para aluno, a professora surpreende por aceitar, dada a ausência de repreensão, a
245
diversidade lingüística de seus alunos, não demonstrando tomar a gramática-padrão
como a única forma (e “correta”) de expressão oral e escrita. Surpreende, também, pelo
relacionamento (longe de ser afetivo) com seus alunos, tidos como da fase de
alfabetização, subvertendo a relação entre maternidade e docência das séries iniciais,
que está presente em outros artefatos culturais e que integra também um discurso
corrente sobre afeto e educação.
Dentro da maioria masculina dos alunos, a personagem Rosinha destaca-se em
papéis visivelmente coadjuvantes: ela é a namorada do personagem principal e uma boa
aluna a quem o autor não se refere com muita ênfase. Os personagens revelam
características que podem identificar específicos tipos” de alunos: aparece o mais
aplicado, que “sabe a matéria na ponta da língua”; o aluno mediano, que não se destaca,
no grupo; os alunos com dificuldades de aprendizagem e o quanto isso se torna uma
dificuldade no trabalho docente.
As obras analisadas não apresentam histórias sem compromisso ou isentas de
posições pessoais de seu autor. É notório o caráter acentuadamente pedagógico que
valoriza o bom mocismo” através das ões dos personagens; os “erros” e deslizes de
todos, além de leves”, são retomados e revertidos em ações positivas, como
reconhecimento por erro cometido ou retribuição por fruta “roubada”. A própria relação
de Chico Bento com a natureza, com a cultura indígena, a sua relação com os mais
velhos, sempre “politicamente corretas”, por exemplo, denotam a intenção educativa.
Nessa linha inscreve-se a abordagem dicotômica da vida rural-urbana. Tendo
Mauricio de Sousa, a partir de depoimentos próprios, revelados nas crônicas em anexo,
246
uma experiência positiva de criança urbana em contato com o meio rural, pode-se dizer
que o personagem Chico Bento e suas aventuras carregam consigo a tarefa de
“recuperação do tipicamente brasileiro”. Como na obra de Monteiro Lobato, além de
outros autores mais recentes, personagens urbanos em contato com o meio rural (através
de férias em sítios ou fazendas) tendem a colocar em choque duas culturas distintas,
tendendo, principalmente em qualidade de vida, a valorizar o rural. Esse rural
(identificado como “atrasado” pelo senso comum) deve ser objeto de um esforço de
“civilização”, onde entra em ação a função da escola (rural, formatada na imagem de
“tradicional”, defasada, atrasada). De acordo com as mais diversas representações da
vida rural, prevalecem ressaltados valores e hábitos e o que fica são apenas vantagens
em relação ao modo de vida urbano e suas modernidades.
A escola “da roça” é representada como primitivamente tradicional, com seu
“banquinho” para o castigo, a repetição da frase punitiva, a disposição dos móveis
destinados aos alunos e o destaque à mesa da professora etc.
Através das histórias em quadrinhos, todas essas representações são difundidas
mesclando prazer e entretenimento com a fascinante demonstração da arte e criatividade
do autor, o que justificaria a ascensão desse gênero a um patamar mais atual tanto na
literatura quanto na arte.
A reflexão que se propôs sobre como os gibis representam a escola e sua relação
com as posturas pedagógicas, reflete justamente a preocupação dos Estudos Culturais
247
em mostrar o quanto os artefatos culturais contêm pedagogias culturais, ligadas a
determinadas representações e “conceitos” veiculados. As histórias em quadrinhos do
Chico Bento, ao enfatizar características marcantes dos personagens e determinadas
práticas educativas para significar claramente um ensino tradicional, “conservador”,
conseguem particularizar as ações e transmitir conceitos de modo bastante eficiente,
como igualmente acontece com as charges, as piadas, os livros de literatura infantil, a
TV e diversas produções culturais onde também se criam e recriam significados sociais
para as mais diversas questões e “produzem-se e reproduzem-se valores culturais sobre
as mesmas, articulando e rearticulando identidades” (Wortmann, 2002).
Para além das considerações feitas nesse trabalho, muitas outras questões nas
Hqs do Chico Bento merecem o olhar atento dos Estudos Culturais, como as ações
comuns a crianças (como fazer xixi na cama) e o tratamento de questões afins por parte
dos responsáveis; a dissolução de representações estereotipadas de gênero (como o de
que o homem não chora, por exemplo); a consciência das vantagens de se manter
criança sem a pressa de se tornar adulto; demonstrações de sentimentos como machismo
e o ciúme, na infância; o contraste entre a sensualidade e a sexualidade; a preocupação
constante com o politicamente correto” emões do tipo incentivo ao desarmamento e
apoio ao resgate de brincadeiras genuinamente infantis, aspectos pujantes nas histórias.
Resta a sugestão de se investir em análises dos diferentes artefatos, buscando
dimensões para aprofundar o estudo das representações da docência (ou de outros
papéis social/culturalmente desempenhados), de suas contradições, inconsistências,
associações esdrúxulas e práticas escolares (entre outras)”. (Silveira, 2004)
248
Referências Bibliográficas
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253
Anexos
254
Anexo I – Histórico Mauricio de Sousa
55
Mauricio de Sousa nasceu no Brasil, numa pequena cidade do
estado de São Paulo, chamada Santa Isabel. Foi em outubro de
1935.
Seu pai era o poeta e barbeiro Antônio Mauricio de Sousa. A
mãe, Petronilha Araújo de Sousa, poetisa.
Com poucos meses, Mauricio foi levado pela família para a vizinha cidade de Mogi das
Cruzes, onde passou parte da infância. Outra parte foi vivida em São Paulo, onde seu
pai trabalhou em estações de rádio algumas vezes.
Suas primeiras aulas foram no externato São Francisco, ao lado da Faculdade, no centro
de São Paulo. Mas depois continuou estudos no primário e no ginásio, dividindo-se
entre as duas cidades.
Enquanto estudava, trabalhou em rádio, no interior, onde também ensaiou números de
canto e dança.
E, para ajudar no orçamento doméstico, desenhava cartazes e pôsteres.
Mas seu sonho era se dedicar ao desenho profissionalmente.
Chegou a fazer ilustrações para os jornais de Mogi. Mas queria
desenvolver técnica e arte. Para isso, precisava procurar os
grandes centros, onde editoras e jornais pudessem se interessar
pelo seu trabalho.
Pegou amostras do que tinha feito e publicado e dirigiu-se para
São Paulo em busca de emprego. Não conseguiu. Mas havia uma
vaga de repórter policial no jornal Folha da Manhã. E Mauricio
fez um teste para ocupar a vaga. E passou.
55
Extraído do site www.monica.com.br
255
Ficou 5 anos escrevendo reportagens policiais. Mas chegou
um tempo em que tinha que decidir entre a polícia e a arte.
Ficou com a velha paixão.
Criou uma série de tiras em quadrinhos com um cãozinho e seu
dono Bidu e Franjinha
e ofereceu o material para os redatores
da Folha. As historietas foram aceitas, o jornalismo perdeu um
repórter policial e ganhou um desenhista.
Essa passagem deu-se em 1959.
Nos anos seguintes, Mauricio criaria outras tiras de jornal
Cebolinha, Piteco, Chico
Bento, Penadinho e páginas tipo tablóide para publicação semanal -
Horácio, Raposão,
Astronauta - que invadiram dezenas de publicações durante 10 anos.
Para a d
istribuição desse material, Mauricio criou um serviço de redistribuição que
atingiu mais de 200 jornais ao fim de uma década.
Daí chegou o tempo das revistas de banca. Foi em 1970, quando Mônica foi lançada
com tiragem de 200 mil exemplares. Foi seguida, dois anos depois, pela revista
Cebolinha e nos anos seguintes pelas publicações do Chico Bento, Cascão, Magali,
Pelezinho e outras.
Durante esses anos todos, Mauricio desenvolveu um sistema de trabalho em equipe que
possibilitou, também, sua entrada no licenciamento de produtos.
Seus trabalhos começaram a ser conhecidos no exterior e em diversos países surgiram
revistas com a Turma da Mônica.
Mas chegou a década de 80 e a invasão dos desenhos animados japoneses.
Mauricio ainda não tinha desenhos para televisão. E perdeu mercados.
Resolveu enfrentar o desafio e abriu um estúdio de animação a Black & White com
mais de 70 artistas realizando 8 longas-metragens. Estava se preparando para a volta aos
mercados perdidos, mas não contava com as dificuldades políticas e econômicas do
país. A inflação impedia projetos a longo prazo (como têm que ser as produções de
filmes sofisticados como as animações), a bilheteria sem controle dos cinemas que fazia
256
evaporar quase 100% da receita, e o pior: a lei de reserva de mercado da informática,
que nos impedia o acesso à tecnologia de ponta necessária para a animação moderna.
Mauricio, então, parou com o desenho animado e concentrou-se somente nas histórias
em quadrinhos e seu merchandising, até que a situação se normalizasse. O que está
ocorrendo agora.
Conseqüentemente, voltam os planos de animação e outros projetos.
E dentre esses projetos, após a criação do primeiro parque temático (o Parque da
Mônica, no Shopping Eldorado, em São Paulo, seguido do Parque da Mônica do Rio de
Janeiro) Mauricio prevê a construção de outros, inclusive no exterior.
As revistas vendem-se aos milhões, o licenciamento é o mais poderoso do país e os
estúdios se preparam para trabalhar com a televisão.
A par de um projeto educacional ambicioso, onde
pretende-se levar a alfabetização para mais de 10
milhões de crianças.
A Turma da Mônica e todos os demais
personagens criados por Mauricio de Sousa estão
aí, mais fortes do que nunca, com um tipo de
mensagem carinhosa, alegre, descontraída, dirigida
às crianças e aos adultos de todo o mundo que
tenham alguns minutos para sorrir, felizes.
257
Anexo II – Turma da Mônica: O começo do começo I
56
muitos anos eu convivo com o universo da Turma da Mônica. Mais precisamente,
desde que criei o personagem, pelo início dos anos 60, num pequeno estúdio que eu
mantinha em Mogi.
Pouco antes da Mônica, vieram Bidus e Franjinhas. E depois, Chico Bento, Pelezinho,
Horácio e muitos outros, que foram brotando no papel à medida que o mercado de
histórias em quadrinhos ia se abrindo.
Mas não foi fácil.
A palavra “abrindo”, escrita acima, talvez nem seja a mais adequada. O termo correto
poderia ser “rompendo”. Porque nos primeiros tempos eu enfrentava, entre outros
desafios, dois que eram assustadores. E poderiam ter destruído nosso projeto no início:
o descrédito num personagem de histórias em quadrinhos nacional e a dúvida sobre a
manutenção de sua produção.
Afinal, nenhum personagem brasileiro de histórias em quadrinhos havia conseguido se
manter durante muito tempo na mídia. E quando havia uma tentativa válida, seu autor,
depois de algum tempo, descobria que não poderia viver daquilo. As HQs estrangeiras
chegavam até nossos jornais tão baratinhas que as HQs nativas não tinham como
concorrer.
Mesmo custando só o correspondente a um salário mínimo para o jornal.
Assim, a opção de realizar histórias em quadrinhos e viver disso o era das mais
atraentes, se se pensasse em profundidade nos problemas todos que envolviam sua
escolha.
Felizmente, naqueles idos de 59, 60, o artista Mauricio, jovem e otimista, desconhecia a
profundidade desses obstáculos.
56
As crônicas que compõem os anexos II a VII foram retiradas do site www.monica.com.br
258
Sabia ou sentia que seria uma barra. Mas estava tão entusiasmado que resolveu tocar o
projeto pra frente.
E varou alguns dias e noites criando as primeiras historinhas com os personagens que
depois fariam parte do universo da Turma da Mônica.
Criados os personagens, vinha a parte difícil da administração disso tudo.
Um jornal o pagaria o suficiente para o artista jovem, casado de pouco, se manter.
A criançada já vinha vindo, com sua demanda natural de leite, conforto e brinquedos.
Foi, então, que eu (quando mais novo) decidi pela montagem de uma redistribuição das
tiras de HQ.
Pelo sistema, copiado do modo como as tiras americanas são distribuídas via
“syndicate”, a mesma historinha sairia em vários jornais, num rateio de custos.
E comecei a montar essa adaptação de “syndicate” à realidade dos jornais brasileiros.
Como eu ainda tinha pouco material para esse “rodízio”, tinha que ter cuidado para o
vender mais do que poderia entregar. E essa entrega também era diferente do
fornecimento de hoje.
Os jornais ainda não contavam com os sistemas “off-set”. Eu tinha que mandar as HQs
em clichês calçados em madeira. Que depois de publicados, teriam que ser devolvidos.
Para os mais novos, esclareço que clichês eram uma espécie de carimbo de zinco, em
negativo, que para atingir a altura correta para a impressão, tinham que estar pregados
em pedaços de madeira. Um trabalhão. Mas era o que havia.
E lá ia eu, depois de desenhar, levar e buscar os clichês para o meu sistema principiante
de “syndicate”.
Como eu tinha clichês? Como eu escolhia os jornais que poderiam publicar?
Fica para a próxima vez .
Até!
259
Anexo III – Turma da Mônica: O começo do começo II
Como já adiantei no texto anterior, iniciar um negócio novo é sempre uma barra.
Principalmente se a atividade é nova, inusitada, com algumas histórias de fracassos
conhecidas pelos eventuais consumidores. Fracassos que o eram meus, mas que
soavam como alguma coisa aparentada para os tais consumidores. Que eram os editores
de jornais. Como convencê-los de que minhas histórias em quadrinhos eram
publicáveis, agradariam ao público, e, principalmente, como fazê-los aceitar aquele
precinho mínimo que pelo menos ajudaria a me manter trabalhando até o mês seguinte?
Naquele tempo, início dos anos 60, a situação política do país permitia radicalismos
tanto de esquerda quanto de direita. E os veículos de comunicação se dividiam entre os
pólos.
Assim, era muito importante que eu conhecesse a tendência do jornal, antes de chegar
apresentando minhas histórias. Para jornais nacionalistas, eu tinha que apresentar meu
material como genuinamente nacional, totalmente verde-amarelo, tão bom ou melhor do
que material estrangeiro. Para os jornais com tendências mais conservadoras ou de
direita, eu tinha que me apresentar como autor de histórias o boas e nos moldes das
histórias norte-americanas. E assim ia conseguindo, aos poucos, quebrar as barreiras e
penetrar nos preciosos espaços dos jornais que eram publicados ao redor de São Paulo.
Por que ao redor de São Paulo?
Porque a venda tinha que ser direta e eu não tinha dinheiro para pagar um ônibus que
seguisse a mais de 100 quilômetros de Mogi.
Para que eu não fosse pego de surpresa por uma despesa acima das minhas posses,
quando fiz o "plano de ataque", tomei o mapa do Estado de São Paulo, peguei um
compasso e pus sua ponta seca em cima de Mogi. Que era minha base. Daí risquei um
círculo que marcava uma circunferência de 100 quilômetros. E ali estavam marcadas,
dentro do círculo, as cidades que eu teria de (e podia) visitar. Com meu material de
amostra e com alguns clichês que poderia deixar, se o editor topasse um negócio na
hora.
260
E ia eu para Santos, Jundiaí, São José, Taubaté, procurar meu espaço. Com alguns
trocados que eu tinha, mais algum reforço de empréstimos da minha avó, da madrinha e
do meu pai. Afinal, alguém tinha que acreditar no futuro das histórias em quadrinhos
brasileiras, além de mim e de alguns editores condescendentes.
E durante algum tempo fiquei trabalhando duro nesse círculo de ferro feito pelo meu
próprio compasso. Era o que eu podia. Mas queria mais. E sentia que era apenas uma
questão de tempo eu poder voar mais para longe.
Enquanto ia desenhando e aprimorando a técnica das minhas histórias em quadrinhos.
261
Anexo IV – Turma da Mônica: O começo do começo III
Vamos continuar lembrando os anos 60?
Quando eu dava as mãos para criar e amparar a Turma da Mônica nos primeiros passos?
Então, vamos.
Porque o tempo não existe.
Antes de mim, milhares de artistas sonhadores criaram e popularizaram suas criações. E
depois, e muito depois de mim, outros artistas sonhadores continuarão povoando o
mundo com suas criaturas de sonho, poesia e beleza.
Mas este é o nosso tempo. E quero poder contar mais algumas coisas. Que podem servir
para conhecimento e semente aos que vêm vindo.
Como relatei nos textos anteriores, o começo não foi fácil. Mas foi um aprendizado
lindo. Que me atirava um novo desafio assim que eu resolvia o anterior.
E assim ia eu, conseguindo aos poucos colocar minhas primeiras tiras de histórias em
quadrinhos nos jornais das cidades mais próximas de Mogi. Minhas posses não davam
para eu ir mais longe.
Mas o correio ia.
E eu resolvi pular por cima do rculo de 100 quilômetros que me segurava
economicamente.
Tomei como exemplo o sistema usado pela revista Seleções, que vinha carregada de
cupons oferecendo assinaturas, discos, coleções de livros com descontos, formas
facilitadas de pagamento, "compre um e leve dois", essas coisas.
Bolei um prospecto com capa de cartão e miolo de papel fino. Tudo muito barato. Com
amostras das três séries que eu tinha na ocasião: Bidu, Cebolinha e Piteco. Na capa, um
262
clichê que eu consegui "na faixa" na oficina do Última Hora, de São Paulo. Na
ilustração do clichê, o jovem desenhista Mauricio aparecia falando ao telefone. O texto,
num balão de HQ, ao lado da foto, anunciava:
"Alô! É o diretor do jornal? Tenho ótimas notícias pra você!". Faixas vermelhas
completavam a capa.
O miolo do prospecto eu consegui rodar na velha tipografia do Liberal, em Mogi, com
um amigo do meu pai.
E no final do prospecto, a grande "jogada". Um cupom oferecia as tiras "para o mundo".
Leve o Bidu e ganhe o Piteco. Ou leve o Cebolinha e o Bidu e ganhe mais o Piteco. E o
preço? De ocasião. Mas só por tempo limitado. Preencham os quadrinhos com um "X" e
mandem para nossos estúdios em Mogi, na rua Braz Cubas, (onde eu tinha o primeiro
escritório).
Eu havia selecionado os principais jornais brasileiros de um velho anuário de imprensa.
Envelopei tudo aquilo e mandei pelo correio. Torci os dedos. E esperei os resultados.
Até a próxima crônica.
263
Anexo V – Turma da Mônica: O começo do começo IV e último
No "capítulo" anterior das minhas crônicas semanais, falei do início da apresentação das
minhas histórias em quadrinhos através do correio, via prospecto, com amostras do
material e cupons.
Mandei para algumas dezenas de jornais e fiquei aguardando.
E para minha surpresa e satisfação, começaram a voltar cupons preenchidos. Sim!
Queriam minhas histórias em Santos, Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto e, surpresa
maior: no Rio de Janeiro, a Tribuna da Imprensa, do polêmico Carlos Lacerda.
não havia a polarização esquerda-direita para aceitarem minhas tiras de HQ. Jornais
de todas as tendências propunham abrir espaço para a Turma da Mônica (naquele
tempo, do Cebolinha), para o Bidu e para o Piteco.
Passei a não ter problema de mercado. Nascia outro problema mais sério: a produção
das histórias.
Eu tinha que continuar a produzir, sem parar, três tiras por dia. Não sabia até quando
agüentaria sozinho.
Foi quando resolvi procurar auxiliares e treiná-los para fazer os balões, pintar espaços
negros, as letras, apagar o traço de lápis.
Foi o início da equipe que, durante os dez anos seguintes, me ajudou a chegar a todos os
cantos do país, tornando os personagens conhecidos. E abrindo caminho para as
264
revistas, que viriam na década de 70, os desenhos animados, que estreariam nos anos 80
e os parques, que implantamos recentemente, com uma unidade em São Paulo.
Há muitas e muitas histórias, ainda, para serem contadas sobre a trajetória bonita e bem-
sucedida dos nossos personagens.
Mas é melhor deixar isso para um futuro livro. E utilizar este espaço para crônicas do
dia-a-dia, sem continuação.
265
Anexo VI – Revivendo Chico Bento
Não faz tanto tempo assim.
As águas do Tietê eram limpas e cheias de peixes.
Eu adorava passar umas temporadas na casa da minha madrinha Anália, bem pertinho
do rio. Principalmente quando era época de enchente. Daí era uma beleza: eu acordava,
tomava café e já mergulhava nas águas que vinham até a soleira da porta da cozinha.
Depois, quando cansava de nadar, era hora de pescar. Pegava a grande bacia de banho
da família, levava até uma certa distância e a fazia de barco, com muito cuidado para
não virar. Para pescar, levava um cabo de vassoura com um fiozinho amarrado, mais o
anzol e isca. Remava com as os mesmo, até chegar na parte mais funda, geralmente
no meio de grandes eucaliptos que tinham sido envolvidos pela cheia. Dali a pouco,
vários lambaris já pulavam no fundo da bacia, eu quase sentado em cima deles.
Os peixinhos davam boas fritadas.
Mas quando o era tempo de enchentes, havia outros tipos de pescaria e caçadas. As
mais emocionantes eram após o anoitecer. Um vizinho - o Dema - e eu, pegávamos
nossos arpões para fisgar rãs e peixes, acendíamos nossas lanternas de carbureto e íamos
para as margens do rio, procurar braços de água rasa, onde rãs e grandes traíras
descansavam quietinhas. As rãs não davam trabalho. Era mirar, atirar a fisga e puxar.
Com as traíras era mais complicado. Tínhamos que fisgá-las, enterrá-las no lodo com
força e ir buscá-las com a mão, roçando a vara do arpão até chegar no seu corpo que se
debatia, furioso. Não podíamos errar. Os dentes da traíra não perdoariam.
No final de uma "caçada" tínhamos mistura para uma boa refeição. O Dema e eu
dividíamos o resultado, e cada um de nós ia para sua casa preparar os peixes e rãs. Mas
daí eram as rãs que davam trabalho. Minha madrinha não queria saber de limpar "sapos"
na sua cozinha. Então eu tinha que preparar tudo, ajudado somente pela minha prima
Ditinha, a única que tinha coragem de chegar perto das "caças".
266
Às vezes eu resolvia pegar rãs durante o dia, num ribeirão que passava nos fundos da
casa da madrinha. Mas havia muito capim nas margens: as rãs ficavam fora d’água, mas
invisíveis. Então eu pegava uma vara de pescar, fisgava no anzol uma minhoca inteira,
viva, bem no meio do corpo e ficava roçando a mata ribeirinha com aquela isca
apetitosa.
Dali a pouco uma não resistia à dança insinuante da minhoca e saltava sobre ela. Era
só puxar o anzol, retirar a rã pescada e partir para outra. Que já vinha em seguida.
Pescarias, banhos no rio, caçadas a s e traíras... parecem "aventuras" do meu
personagem Chico Bento.
O que eu sinto, quando passo através das histórias em quadrinhos algumas dessas
gostosas lembranças vividas, é que este mundo está cheio de "Chicos Bento" lendo e
revivendo experiências parecidas com as minhas. Que bom. Porque foi tão bom.
267
Anexo VII – O Véio Chico
Tira do Hiroshi e Zezinho, onde o Chico Bento aparecia pela primeira vez,
no ano de l963. Note o lacinho segurando a calça, que depois sumiu, e o remendo
na calça, que resolvi tirar. O galho de arruda atrás da orelha (para espantar
mau olhado) e o escapulário (ou bentinho),
pendurado no pescoço, para trazer a proteção
divina.
Em uma das primeiras aparições, o Chico
vivenciava um assunto que atravessou todos estes
anos e que se mantém atual: a reforma agrária.
Uma leitora chamada Gêisa nos enviou por e-
mail diversas perguntas sobre o Chico
Bento, nosso personagem caipira.
Eis os pontos que ela colocou:
"O que eu gostaria de saber é se o Chico sempre teve essa feição infantil de hoje, ou
se foi criado como um adulto e posteriormente foi se "infantilizando". Ou seja: o
desenho do Chico Bento foi mudando conforme o tempo, ou desde 1961 el
e sempre
teve essa carinha de hoje? E, se ele era retratado como adulto e depois virou criança,
desde quando e por que isso aconteceu?"
"Alguns autores, dentre eles o crítico Álvaro de Moya, perceberam no personagem
Chico Bento traços do Jeca Tatu, de Mon
teiro Lobato. Lendo e relendo as crônicas do
Sr. de Sousa, nada pude encontrar a respeito e por isso gostaria de saber qual é a
opinião dele sobre tal afirmativa."
E como muitos leitores podem ter a mesma curiosidade sobre o Chico Bento nas suas
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origens, expliquei para a Gêisa e aqui explico pra vocês, também
algumas das
coisas que lembro sobre os primeiros tempos do personagem:
O Chico Bento nasceu com seus quase sete anos. Meio feinho, diga-
se de
passagem, mais magro do que é agora, mas sempre com as características que você
vê nas historinhas de hoje.
Surgiu como personagem secundário, nas tiras que eu batizara de "Hiroshi e
Zezinho", publicadas no Diário da Noite, que circulava em São Paulo, na década de
60. O jornal pertencia ao grupo dos Diários Associados, propriedade do lendário
Assis Chateaubriand.
Hiroshi, um nissei, e Zezinho (o Zé da Roça, de hoje) no começo das publicações não
tinham outros companheiros. Até que o Chico apareceu, foi se infiltrando e ganhou
seu lugar de destaque.
Afinal, era mais interessante do que os dois primeiros, muito "certinhos".
Na mesma época, Hiro e também apareciam em páginas tipo tablóide, numa
revista chamada Coopercotia, da Cooperativa Agrícola de Cotia.
A publicação era mensal. E serviu para eu amadurecer traço e características dos
personagens. O Chico ta
mbém passou a aparecer por lá, no meio das histórias dos
dois titulares, depois de algum tempo.
Em seguida o Chico afinal ganhou seu espaço com direito a nome de história e tudo.
Foi nas páginas de um suplemento semanal, de quadrinhos, que eu fazia para o
Diário
de São Paulo, jornal do mesmo grupo associado. Ali, o Chico estreava como
personagem principal, em cores. O Hiro e o Zé passavam a ser coadjuvantes.
E o ano das primeiras aparições do Chico Bento foi 1963, entre as primeiras tiras
do Hiroshi e Zezinho, como coadjuvante.
Quanto às conclusões dos pesquisadores sobre semelhanças do Chico com o Jeca
Tatu, fica por conta desses mesmos pesquisadores. Eu, mesmo, nunca pensei em
aproximar as duas imagens.
Mas essas conclusões talvez sejam provocadas p
ela origem dos dois personagens:
Chico é uma montagem de características que vi e vivi na minha infância, nas cidades
de Mogi das Cruzes e Santa Isabel. Bem na área do Vale do Paraíba. E o Jeca Tatu é
um personagem criado pelo Lobato, a partir de observaçõ
es que ele fazia de roceiros
do mesmo Vale do Paraíba. Uma ou outra coisa em termos de hábitos, costumes, uma
ou outra coisa em termos de moldura, devem ser semelhante.
Mas definitivamente Chico Bento é mais um tio-
avô meu, roceiro da região do
Taboão (en
tre Mogi e Santa Isabel), que nem cheguei a conhecer pessoalmente, mas
de quem conheci inúmeras histórias hilariantes, contadas pela minha avó. Era uma
espécie de Pedro Malazartes, tanto que aprontava.
E tinha um irmão gêmeo, Zé Bento, que no início ignor
ei, para as histórias em
269
quadrinhos.
Posteriormente, quando senti que o Chico Bento precisava de um outro personagem
para a geração de situações mais cômicas, fui buscar o tal gêmeo. Que batizei de
Lelé.
Nas historinhas, ele é apenas um amigo do Chico.
Afinal o Zé Bento, segundo as histórias da vó Dita, era tanto ou mais gozador do que
o mano Chico Bento.
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