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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós
-
Graduação
Strictu Sensu
em Psicologia
AS NARRATIVAS DO JOVEM E SUA FAMÍLIA:
TECENDO
REDES ENTRE A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E A
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
Carolina Ferreira Nog
ueira Diniz
Belo Horizonte
2007
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Carolina Ferreira Nogueira Diniz
AS NARRATIVAS DO JOVEM E SUA FAMÍLIA
: TECENDO
REDES ENTRE A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E A
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Gradua
ção em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Psicologia.
Área de concentração: Processos de
Subjetivação.
Orientadora: Professora Doutora Roberta
Carvalho Romagnoli.
B
elo Horizonte
2007
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Folha de aprovação.
Carolina Ferreira Nogueira Diniz
Título da Dissertação: As narrativas do jovem e sua família: tecendo redes entre a terapia
familiar sistêmica e a orientação profissional.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Belo Horizonte, 2007.
______________________________________________________
Profa Dra Rober
ta Carvalho Romagnoli
-
Orientadora PUC Minas
____________________________________________
Profa Dra Delba Teixeira Rodrigues Barros
-
UFMG
_________________________________________________
Profa Dra Stella Maria Poletti Simionato Tozo -
PUC Minas
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Sérgio Henrique e Elenita, que, com amor, me ensinaram valores humanos
essenciais à minha vida e à minha profissão escolhida e que, de alguma forma, são co-
autores
deste trabalho.
À avó Solange, pelo carinho.
Ao
Gustavo, meu companheiro, pelo amor, incentivo e por sempre frisar minhas habilidades
para a área acadêmica.
À
Profa Dra Roberta Romagnoli, minha orientadora, pela orientação sempre cuidadosa, por
acompanhar meu ritmo de produção e permitir que meu
lado o
usado
pudesse aflorar.
À
psicóloga
Beatriz Coutinho, minha mestra, que me introduziu na área da terapia familiar
sistêmica.
À
psicóloga
Clarisdina
Elias, por me ouvir e contribuir para a minha construção de narrativas
mais leves e mais divertidas em minha
vida.
À Profa
Mestre
Cláudia Lins, inspiração como professora.
Ao psicólogo Carlos Molina, pelo exemplo no atendimento a famílias.
À Profa Mariza Tavares e à Profa Dra Delba
Barros
, importantes referências na área da
orientação profissional.
À Profa Mestre Paula Bedran e à Profa Dra Stella Tozo pelas valiosas contribuições para a
dissertação durante o processo de qualificação.
À Irmã Maria, à Imaculada, à Suzana e aos professores e funcionários da escola em que a
pesquisa foi realizada
.
À Anna Cláudia, amig
a que me incentivou a desbravar a área acadêmica.
À Marina, Laura, Heloísa, Érika, Dani, Lilian, Virgínia, Ana Paula e Lu, irmãs e amigas que,
cotidianamente,
me ajudam a dar tempero às narrativas de minha vida.
Aos meus clientes, por me permitirem partilhar histórias tão significativas e com elas
aprender
.
A Deus e a meus amparadores, pela vida e pelas aprendizagens.
“Trabalho é a forma humana de fazer jus à vida, de
produzir, não no sentido exato de criar objetos reificados,
simplesm
ente, mas no sentido de criar significações [...] Quanto mais
conseguir me colocar no mundo e conseguir estabelecer, nessa
colocação, uma linha que permita um encontro, uma confraternização
com outros homens, seja através de meu imaginário pregresso, da
minha memória, da memória do meu povo, ou através das obras que
faço ou das coisas que transmito, seja de que maneira for que cada
homem faça este trabalho de significação, ele está criando. Está
criando fora dele e, quanto mais cria fora dele, mais constrói dentro de
si próprio.”
Sônia Viegas
RESUMO
Essa pesquisa tem como tema o estudo das construções de narrativas que são efetuadas
pelos jovens e atravessadas pela família acerca da sua escolha profissional. O objetivo do
estudo foi examinar como se a contribuição da família no processo de escolha profissional
do jovem de classe média brasileira e, mais especificamente, como este jovem recebe e
elabora as narrativas familiares no momento citado. Esta pesquisa qualitativa investiga as
histórias de três jovens de classe média, tendo dois deles participado de processos de
orientação profissional em grupo e um deles de orientação profissional individual. A ênfase
foi dada no diálogo e na conversação como práticas sociais transformadoras e a concepção
dos sistemas humanos como sistemas lingüísticos e geradores de significados por meio da
rede de relações construída na linguagem. A teoria sistêmica é a perspectiva teórica usada
para a análise dos dados coletados. Como resultados,
percebemos
que grande parte do
conteúdo explorado nos casos clínicos se referiam não às narrativas das próprias famílias, mas
às narrativas dos jovens construídas a partir do que herdaram da família e de sua próprias
elaborações. Assim, cada encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de
orientação profissional teve suas características próprias, mesmo que eles tenham seguido um
rumo específico e tenham também características em comum. Neste sentido, em todas as
histórias
concluímos
que a família tem um papel fundamental, ora oferecendo narrativas que
ensejam a construção de outras também saudáveis, ora trazendo narrativas rigidificadas e
paralisantes. Nas duas situações, a participação do jovem se deu no sentido de receber tais
contribuições e avaliar sua participação própria em sua reconstrução, seja para si ou até
mesmo para o grupo familiar. Também se considerou que o trabalho de orientação
profissional permitiu descrições mais abrangentes, menos paralisantes do problema
compartilhado, promovendo um canal de expressão, co-construindo histórias potencialmente
úteis a estes jovens naquele momento.
Palavras
-
chave
-
orientação profissional
, família,
adolescência,
terapia familiar sistêmica
.
ABSTRACT
This research aims to study the narrative constructions made by young people and
traversed by their family concerning their professional choice. The study's objective was to
examine how the family contributes to the professional choice process of Brazilian middle
class youngsters, and, more specifically, how these youngsters receive and elaborate the
family narratives at this moment. This qualitative research investigates the stories of three
middle class young people, two of which attended to group professional orientation process,
the third one had individual professional orientation. We emphasized dialogue and
conversation as transforming social practices and human systems conception as linguistics
systems and meaning generators through language built relations net. Systemic theory is the
theoreti
cal perspective used to analyze the collected data. The results show us that a
considerable part of the clinical cases explored content didn't refer to the families' narratives,
but to the youngsters' narratives which were constructed according to what they've inherited
from their families and to their own elaborations. Thus, each meeting with the youngsters,
with their family and each professional orientation process had their own characteristics, even
though they followed a specific path and also shared common characteristics. In this sense,
we realized that family plays a fundamental part in all cases, either by offering narratives that
lead to other healthy ones, or by bringing up rigidifying and paralyzing narratives. In both
situations, the youngster's participation consisted in receiving those contributions and
evaluating their own participation in their reconstruction, either for themselves of for their
family group. We also considered that the professional orientation work has allowed more
conglobati
ng descriptions, less paralyzing as to the shared problem, promoting an expression
channel, co
-
building stories which were potentially useful to those youngsters at that moment.
Key words-
professional orientation, family, adolescence, systemic family th
erapy.
LISTA DE ABREVIATURAS
1 ABOP
-
Associação Brasileira de Orientação Profissional
2 OP
-
Orientação Profissional
3 O.V.O.
-
Orientação Vocacional Ocupacional
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................
09
2 O CAMINHO ESCOLHIDO.............................................................................
13
2.1
Buscando um norteamento
me
todo
lógico.....................................................
13
2
.2 A
história da orientação profissional, suas abor
dagens e a nossa escolha..
17
2
.3 Construindo o nosso trabalho de orientação profissional............................
24
3
TECENDO AS NARRATIVAS DA O
RIENTAÇÃO
PROFISSIONAL
.................................
..................................................................
.........................................................
27
3
.1 As narrativas de
B
reno...................................................................................
27
3
.2 A orien
tação profissional diante do trabalho na contemporaneidade e
dos processos de
su
bjetivação..............................................................................
31
3.3 Adolescência e contemporaneidade...............................................................
40
3.4 A família, o adolescente e o trabalho: as novas demandas
43
4
AS NARRATIVAS FAMILIARES E SUAS REDES.....................................
51
4.1 História e mudanças epistemológicas no campo da
terapia familiar
sistêmica..................................................................................................................
.
51
4
.2 A família como um sistema.............................................................................
58
4.3 O contexto contemporâneo da terapia familiar
sistêmica...........................
65
4.4 Construtivismo e construcionismo social......................................................
66
4.5 A posição narrativa ........................................................................................
71
5 MARIA E SUAS NARRATIVAS.....................................................................
77
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................
92
REFERÊNCIAS ....................................................................................................
97
APÊNDICE.............................................................................................................
104
9
1
INTRODUÇÃO
Est
a pesquisa tem como tema o estudo das construções de narrativas que são efetuadas
pelos jovens e atravessadas pela família acerca da sua escolha profissional. O objetivo geral
de nosso estudo é examinar como se a contribuição da família no processo de escolha
profissional do jovem de classe média brasileira e, mais especificamente, analisar como este
jovem recebe e elabora as narrativas familiares no momento já citado.
Em nossa experiência profissional, tanto com orientação de alunos em processo de
escolha profissional (em uma escola particular de Belo Horizonte), quanto com a prática com
grupos de orientação profissional e com o atendimento clínico (individual), vimos nos
deparando com várias perguntas, entre elas: como a família par
ticipa de escolhas tão decisivas
na vida de seus membros? Como as narrativas são construídas na família e como ecoam na
construção desse projeto específico (profissional)? Qual a repercussão desse momento de
conflitos, construções e elaborações no sistema familiar como um todo? Quais as narrativas
possíveis de serem construídas pelo jovem, buscando maior autenticidade em sua escolha
profissional?
Tais perguntas foram sendo formuladas à medida que observávamos, a partir de nossa
prática, o quanto o momento da escolha desses jovens era carregado de expectativas, seja da
própria família ou da construção que o jovem fazia a respeito da expectativa de sua família.
Ao montar o genoprofissiograma (técnica utilizada para explicitar a história profissional da
família
) e no encontro com os pais, muitos dos dilemas expostos pelo jovem eram mais bem
compreendidos, trazendo luz ao processo. Entretanto, es
s
e tema passou a nos instigar, levando
à necessidade de construção de um projeto de pesquisa que nos ajudasse a aprofundar o
assunto e trazer contribuições para a área.
Acompanhando a importância desse tema, consideramos que a preparação para o
trabalho é uma dimensão fundamental da existência humana, que empenhamos nele grande
parte de nossas vidas. O trabalho permite subjetivação, criação de novas significações,
vivências ao mesmo tempo de sentimentos de prazer e de alienação. Nesse sentido, de acordo
com Viegas (1989), podemos afirmar que o mesmo tem conseqüências tanto em nossa saúde
mental e psicológica quanto na f
orma como atuamos na sociedade.
Vivemos, hoje, em uma realidade em que grande parte da população não tem acesso à
possibilidade de escolha profissional e nem mesmo tem condições de refletir acerca da relação
com seu próprio trabalho. No entanto, há uma par
cela menor da população, em que o ingresso
10
no mundo do trabalho se dá, inicialmente, pela escolha profissional. Para Soares (2002),
embora essa escolha seja responsabilidade de cada um, as conseqüências dessa decisão têm
inúmeras implicações sociais. “Uma pessoa que exerce sua profissão com motivação está não
só se realizando como também prestando um serviço de melhor qualidade à sociedade”
(S
OARES
, 2002, p. 15). Ainda segundo esta autora, escolher o que se quer ser no futuro
implica reconhecer o que fomos, as influências sofridas na infância, os fatos mais marcantes
em nossa vida até o momento e a definição de um estilo de vida, pois o trabalho escolhido vai
possibilitar ou não realizar essas expectativas. E esse processo
acarreta
, sem dúvida, em um
reconhe
cimento e um delineamento da subjetividade.
É preciso ressaltar que essa escolha geralmente se em um momento da vida
permeado de abalos, afetando não os envolvidos, mas também os familiares e o meio
social. Conforme Golin (2000, p.113
):
[...] a escolha profissional é, entre outras, uma das grandes geradoras de
conflitos no jovem, implicando numa das decisões mais importantes de sua
vida. Ela transcende a própria pessoa, pois repercute e sofre diversas
influências, inclusive da família e da socied
ade.
Atualmente, a escolha da maioria dos jovens tem se dado num clima de urgência,
principalmente pela imposição do vestibular. Somada a isso, a forma atual de organização do
trabalho, cada vez mais competitiva e em rápida transformação, tem propiciado o surgimento
de novas profissões e, de acordo com a demanda do mercado, tem gerado ainda um aumento
do desemprego e, conseqüentemente, adaptações de antigas profissões às necessidades atuais
da sociedade. Tais fatos têm exigido uma definição profissional cada vez mais precoce nos
indivíduos em formação para ingressarem nesse mercado de trabalho. Assim, ao movimento
natural de mudanças, questionamentos e descobertas pelo qual passa o adolescente,
acrescenta
-se essa pressão advinda de uma sociedade globalizada sobre a questão da escolha
profissional.
Diante desse panorama, conforme Oliveira (2004), os jovens de hoje têm apresentado
grande dificuldade em escolher um caminho para entrar no mundo do trabalho, movidos pelo
imediatismo e pela dificuldade de pensar em si mesmos. Mas, para essa autora, uma outra
questão vem chamando a atenção dos orientadores profissionais: os pais mostram-se cada vez
mais ansiosos e inseguros face ao momento de escolha profissional dos filhos, e tal ansiedade
parece repercutir na de
cisão dos jovens.
11
O momento da escolha profissional representa um estágio de intensas transformações
para o jovem e a possibilidade de dar prosseguimento ao seu processo de autonomia em
relação à família. Estar atento à participação da família nesse momento é de extrema
importância, pois a família é base do desenvolvimento psicossocial do ser humano. Promover
es
sa reflexão permite um maior autoconhecimento ao jovem, a descoberta do projeto da
família e a construção do próprio projeto. Além disso, pode permi
tir um novo posicionamento
em sua família e um desenvolvimento do processo de escolha e de autonomia de forma mais
consciente e satisfatória. Para Dias (1995), a orientação profissional, ao focalizar a vida
ocupacional de um indivíduo, estará se inserindo no universo de representações do orientando
e de seu grupo familiar sobre o mundo do trabalho. Faz-se necessário, então, conceder um
espaço na orientação profissional para se pensar a relação do jovem com a família, a
qualidade dos vínculos estabelecidos e
as expectativas parentais.
E em relação à nossa escolha teórica, percebemos uma carência de trabalhos em
orientação profissional com embasamento sistêmico. Sendo essa a perspectiva que nos
fornece a leitura para nossos trabalhos tanto clínicos quanto na escola, surgiu, então, o desejo
de buscar essa articulação. Algumas pesquisas vieram nos comprovar tal carência.
Vasconcelos e Oliveira (2004) citam um levantamento realizado por Melo-Silva e Jacquemin
em 13 instituições brasileiras a respeito da prática em orientação profissional no Brasil, em
que ficou evidenciada a presença do referencial psicodinâmico como sendo o mais utilizado,
tendo como referência Rodolfo Bohoslavsky. As demais linhas teóricas citadas foram a sócio
-
histórica em duas instituições, uma no referencial psicopedagógico, uma no psicodramático e
uma no evolutivo
-
cognistivista. Esperamos, assim, trazer alguma contribuição neste sentido.
Então, para abordar a temática proposta, o trabalho foi dividido
em seis partes
:
No capítulo 2, após uma breve introdução, apresentamos o caminho escolhido,
compondo
-se do norteamento metodológico, a história da orientação profissional e a
construção do nosso trabalho de orientação profissional
.
Abordamos as narrativas da orientação profissional, articulando a família, o
adolescente e o trabalho na contemporaneidade
no capítulo 3.
No capítulo 4, trazemos a história e mudanças epistemológicas no campo da terapia
familiar sistêmica para chegarmos ao contexto contemporâneo dentro desta área.
A história de Maria, fazendo articulações entre o caso clínico e a proposta de pesquisa
compõe o capítulo 5.
12
As considerações finais sobre este trabalho o apresentadas no capítulo 6. As referências
e um apêndice completam esta dissertação.
13
2
O CAMINHO ESCOLHIDO
2
.1 Buscando um norteamento metodológico
“Não escrevo de uma torre que me separa da vida, mas de
um redemoinho que me joga em minha vida e na vida”.
Edgar Morin
Para investigação de nosso tema “as narrativas do jovem e sua família: tecendo red
es
entre a terapia familiar sistêmica e a orientação profissional”, acompanhamos as histórias de
três jovens de classe média, com uma proposta de trabalho de pesquisar as construções
narrativas que são efetuadas na família acerca da escolha profissional do jovem, levantando e
analisando como esse jovem recebe e elabora tais narrativas no momento da escolha
profissional.
Nes
se acompanhamento, por se tratar de uma produção de conhecimento científico, a
metodologia é essencial. Nesse sentido, podemos afirmar q
ue
[...] da forma como tratamos
neste trabalho, a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de
técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do
investigador (MINAYO, 1994, p. 16)
.
Ess
a
escolha da metodologia nos exige uma coerência com a proposta teórica descrita
durante o texto. Quando selecionamos a terapia familiar sistêmica de segunda ordem, em suas
teorias construtivista e construcionista social, marcamos algumas mudanças epistemoló
gicas
na ciência e, em especial, na terapia familiar sistêmica
1
. Passamos a pensar em um mundo da
linguagem, em que o ser humano vive
em meio a
realidades narrativas cambiantes construídas
socialmente, que dão sentido à sua experiência e a organizam. Sendo assim, o significado e a
compreensão são construídos pelas pessoas na conversação e no diálogo por meio da
construção de narrativas.
E ainda entre as mudanças, falamos sobre a discussão em torno da in
distinção
de um
observador e de um observado e sobre a possibilidade de uma troca e uma produção conjunta
de um diálogo no encontro terapêutico. Dessa forma, a pesquisadora do presente trabalho
também faz parte dessa rede de narrativas, ao intervir no processo e ao relatar os casos aqui, a
1
Essas
mudanças estão explicitadas no capítulo 4.
14
partir da sua interpretação. Hoffman (1996) fala de uma ética da participação, ao invés da
busca da verdade, sendo a troca reflexiva entre ambos a geradora de transformações. O
observador, então, passa a estudar sistemas do qual ele mesmo faz parte. Assim, toda
realidade passa a ser vista como dependente do seu observador, como experiência singular
daquele momento. Então, o terapeuta não é mais um implementador de técnicas, mas busca
compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família ou pelo sujeito para co-
con
struir realidades alternativas. Cada sistema passa a ter uma lógica de interação que não é
correta ou incorreta, boa ou em si. Dessa forma, ao tomarmos a fala de Minayo (1994)
acima, chamamos a atenção para a flexibilidade no uso desse conjunto de técni
cas,
salientando o potencial criativo do investigador e incluindo o potencial criativo e de
transformação do cliente.
E, nesse sentido, buscamos um norteamento metodológico que nos permita flexibilizar
e dar conta de uma construção proporcionada por ess
es
encontros dialógicos. Embora exista
uma postura tradicional
de
que nos processos de construção de conhecimento uma
separação entre sujeito e objeto, optamos por outro viés percorrido também por muitos
pesquisadores, como
,
por exemplo, Grandesso (2000
). Em nossa perspectiva, um dos aspectos
epistemológicos centrais é a crença na impossibilidade de acesso a um conhecimento objetivo
no qual o objeto de estudo pudesse ser configurado independentemente das subjetividades
tanto do pesquisador quanto do pesquisado (GERGEN e GERGEN; MOON et al.; JACOB
apud GRANDESSO, 2000). Essa postura é essencial, pois diz não somente da implicação da
pesquisadora, mas também do campo da intersubjetividade, em que as narrativas se localizam,
em que os significados são compartilhados e que sustentam os resultados encontrados nesse
estudo.
Para Chizzotti (2003), a abordagem qualitativa parte do fundamento de que uma
relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o
objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do pesq
uisador.
Dessa maneira, o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e
interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. Nessa interação, o objeto está
possuíd
o de significados que os sujeitos criam em suas ações e, acreditamos, a partir do nosso
referencial teórico, que a subjetividade do pesquisador deve ser compreendida e incluída no
sistema a partir do qual toda interação com os informantes necessita ser con
siderada.
Nesse contexto, cabe ressaltar que esse tipo de pesquisa responde a questões
particulares, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, por trabalhar com o
universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
15
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994).
O pesquisador é parte fundamental desse tipo de pesquisa, assumindo uma postura
aberta diante de todas as
manifestações que observa. Para atingir uma compreensão global dos
fenômenos, adota uma conduta participante que partilha da cultura, das práticas, das
percepções e experiências dos sujeitos da pesquisa. Cria-se uma relação dinâmica entre
pesquisador e pesquisado, em que “[...] o resultado final da pesquisa não será fruto de um
trabalho meramente individual, mas uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões,
que a transformam em uma obra coletiva” (CHIZZOTTI, 2003, p.84).
Assim, a escolha da pesquisa qualitativa inclui reconhecer a importância de adequar a
metodologia ao tema de investigação e aos sujeitos escolhidos, valorizando a cientificidade da
pesquisa, mas também pressupõe sensibilidade e criatividade do pesquisador ao saber
flexibilizar
-se e permitir que a pesquisa se desenrolando, trazendo inovações ou resultados
talvez inesperados.
Para a construção de nosso trabalho, selecionamos três casos clínicos de jovens de
classe média, todos com dezessete anos de idade e cursando o terceiro ano do ensino médio
em escolas particulares de Belo Horizonte. Todos eles tinham, a princípio, a meta de fazerem
vestibular no final do ano e buscaram ajuda para a decisão sobre a escolha do curso
universitário. Dois deles participaram do trabalho de orientação profissional desenvolvido em
grupo na escola onde a pesquisadora trabalha, e um dos jovens foi atendido individualmente
em consultório particular. No momento da construção desta pesquisa, estes jovens haviam
sido atendidos há uma média de dois a três a
nos atrás
2
.
Quanto aos sujeitos, serão descritos como
[...]
convidados a participar”
(GRANDESSO, 2000, p. 308). Eles não fizeram parte de uma amostra e nem foram
escolhidos ao acaso. E aqui, a pesquisadora já se inclui desde a seleção des
s
es convidados
por
trazerem histórias que a tocaram, proporcionando co-construções e que foram consideradas
importantes na ilustração e construção de nosso tema de pesquisa.
Quanto ao procedimento, chamaremos de
[...]
proposta de diálogo” (GRANDESSO,
2000, p. 308), por ter sido sugerida como uma direção possível
de
ser seguida. Assim, cada
encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de orientação profissional teve suas
características próprias, mesmo que eles tenham seguido um rumo específico e tenham
também
características em comum.
2
Esta pesquisa foi aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa
-
CEP
-
e os jovens aqui citados assinaram um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
referente à participação neste estudo.
16
Em relação à análise dos dados que compreenderiam os resultados, será caracterizada
como
[...]
reflexões” (GRANDESSO, 2000, p. 308), pois o que apresentamos é uma
compreensão, a partir de nossa escolha teórica, das conversações
que tivemos com os jovens e
famílias a propósito de sua compreensão e elaboração do momento da escolha profissional do
jovem.
Quanto às conclusões
,
[...] só poderia concordar com esse rótulo se compreendesse seu conteúdo como uma
síntese em aberto para novas teses, novas antíteses e novas sínteses em um contínuo
processo dialético. Portanto, estou entendendo conclusão como um contexto
heurístico de tensões abertas, portanto para novas indagações (GRANDESSO, 2000,
p.3
08)
.
As lentes pelas quais buscamos nossa compreensão desta prática se basearam no
modelo de pensamento da
pós
-
modernidade
, situando todo conhecimento, “[...] seja ele
teórico ou prático, como histórico, social e culturalmente contingente, trazendo a marca do
sujeito cognoscente que, de forma
auto
-
referencial, co
-
constrói nas suas relações, seus objetos
de estudo” (GRANDESSO, 2000, p.241)
3
. Isso elimina qualquer expectativa de busca de
certezas como no pensamento moderno. As bases epistemológicas são
construtivista/construcionista social, considerando a pessoa como um agente intencional que
se constrói e vive imerso numa
linguagem,
“[...]
juntando na singularidade da sua condição
individual, o eco das vozes de múltiplos contextos por onde espalha sua existência”
(GRANDESSO, 2000, p. 241). Assim, acompanha-se a compreensão das
narrativas
pelas
quais o sujeito constrói a história de sua existência, como co-autoriadas nos contextos dos
quais faz parte, tendo como ecos as vozes da cultura. A ênfase no
diálogo
e na
conversação
como práticas sociais transformadoras e a concepção dos sistemas humanos como
sistemas
lingüísticos
e geradores de significados
por meio
da rede de relações construída na linguagem.
(GRANDESSO, 2000). O modo como trabalhamos em orientação profissional e como
buscamos nossa comp
reensão do processo de escolha será descrito a seguir.
A forma eleita para expor nosso estudo foi entremear os casos clínicos ao corpo
teórico, gerando conexões entre a teoria e a prática e o surgimento de compreensões e
significados. Então, trabalhamos com três histórias de processos de orientação profissional.
Duas delas foram exploradas da seguinte forma: foram sendo resgatadas em momentos
diferentes do texto, fazendo articulações com o corpo teórico, não expostas cada uma
3
Pensamento da
pós
-
mo
dernidade:
assim chamado por GRANDESSO (2000) e explicado no capítulo 4, a partir
da página 54.
17
separadamente e de forma encerrada. E uma das histórias foi selecionada para ser analisada
separadamente, após toda a construção teórica, marcando a tentativa de uma articulação mais
ampla e mais aprofundada entre a terapia familiar sistêmica e a orientação profissional.
É importante frisar aqui a nossa opção em não apresentar capítulos somente teóricos
ou de contextualização e a análise dos dados em separado. Essa opção se fundamentou em
nossa preocupação de construir durante o texto uma relação dinâmica e de diálogo entre
pesquisador
e pesquisado, estabelecendo conexões entre a construção teórica que foi surgindo
e os casos clínicos. A tentativa era perseguir o que de fato acontece em um atendimento dess
e
tipo, em que se tem a teoria, mas também uma série de outros significados surgindo a partir
das intersubjetividades terapeuta-cliente. Isso acompanha o viés teórico escolhido, a saber, o
construtivismo e o construcionismo social, em que as narrativas e o diálogo tecidos entre
teoria e prática permitem a construção de realidades, gerando significados e se mostrando
como práticas transformadoras. Cabe ressaltar ainda que, no decorrer do processo de escrita,
surgiu a necessidade de aprofundar um dos casos para que houvesse uma correspondência
com a complexidade do trabalho clínico. Isso ju
stifica a utilização de dois casos clínicos como
mais ilustrativos, ao serem misturados ao corpo teórico
,
e um deles escolhido para ser descrito
separadamente, contendo um aprofundamento e um viés mais clínico.
Assim, a montagem dos casos sob essa perspectiva não se deu ao acaso, como
dissemos, mas inclui também o envolvimento da pesquisadora com cada um deles e será
compreendido durante os próximos capítulos. A seguir, apresentamos um pouco da história da
orientação profissional, seus desenvolvimentos e mudanças paradigmáticas para, então,
posicionarmo
-
nos quanto à nossa forma de trabalhar dentro des
s
a área.
2.2 A história da orientação profissional, suas abordagens e a nossa escolha.
O campo da orientação profissional vem fazendo um movimento de transformações
desde seu nascimento, acompanhando mudanças sociais e mudanças paradigmáticas na
própria
p
sicologia.
Gemelli
, citado por Carvalho (1995), nos informa que o primeiro centro de o
rientação
profissional foi criado em 1902, em Munique, com o propósito de identificar pessoas que
eram desprovidas de vocação e de capacidade para determinadas tarefas. O objetivo, ness
e
contexto, era evitar acidentes de trabalho. A partir desse momento, novos centros surgiram,
18
como na Itália,
na
França,
na
Holanda,
nos
Est
ados Unidos entre outros. Na América Latina, o
Brasil e a Argentina se destacaram como os pioneiros (CARVALHO, 1995).
Segundo Levenfus et al. (1997), a literatura registra que foi a partir de Frank Parsons
que os esforços dos psicólogos, educadores e profissionais da área do mundo todo se
solidificaram ao redor da tarefa de conhecer os indivíduos e as exigências que as profissões
apresentavam ao homem. Esse autor sugeriu um processo
racional
de aconselhamento
profissional, considerando que a escolha ocupacional implica um ajuste entre características
individuais e exigências ocupacionais. Para ele, havia um determinismo vocacional, sendo as
aptidões inatas e, assim, bastando apenas instrumentos para identificá-las. Com o advento da
revolução industrial e das proposições de
Frank
Parsons, associadas à abertura de um novo
mercado de trabalho com oportunidades ocupacionais diversas, os escritórios de orientação
profissional espalharam
-
se pelo mundo.
A primeira fase da orientação profissional é marcada pela medi
ção e pela utilização de
testes, o que veio a se chamar de modalidade estatística. O momento vivido pela p
sicologia
trazia uma valorização de instrumentos de medição ou da chamada psicotécnica. Para
Bohoslavsky (1983), a psicologia, condicionada pela demanda do sistema e, munida de
aparelhos, tabelas, perfis e questionários, criou instrumentos para avaliar a inserção dos
sujeitos indecisos entre opções de estudo ou trabalho na estrutura educacional e produtiva.
Assim, os testes de interesses e aptidões eram
a garantia de eficácia.
Ainda segundo esse autor, nessa época, aplaca-se o conflito da encruzilhada
vocacional entregando o destino das pessoas nas mãos dos técnicos, os quais garantiriam que
the right man fosse colocado em the right place. Dessa forma, Argentina e Brasil parecem ter
herdado es
s
as concepções
.
O taylorismo fora superado nos EUA: suas idéias não tinham, pois, na metrópole,
a vigência de antes. Nas colônias, em contrapartida, não se comprava material
bélico obsoleto ou inúteis porta-
av
iões, como também se importavam concepções,
“modelos teóricos, artefatos, tecnologia também do tipo psicológico”
(BOHOSLAVSKY, 1983, p. 9).
Levenfus
et al. (1997) marca um segundo momento para a psicologia vocacional a
partir da Segunda Grande Guerra Mundial, quando os EUA passam a selecionar e classificar
homens para as forças armadas. A psicologia vocacional passou, então, a dirigir seu interesse
para as características individuais, embora a preocupação maior fosse para a seleção do
indivíduo para o lugar onde seria mais produtivo e, não, como uma ciência voltada ao
interesse do indivíduo. Es
s
a é a época d
e crescimento
da
Teoria dos Traços e Fatores.
19
Refletindo sobre esse contexto, Bohoslavsky (1983) relaciona as demandas políticas e
sociais do momento com uma correspondência no desenvolvimento da psicologia, ao dizer
que a proposta era desenvolvimentista no plano político-ideológico, sendo a formação
eficiente de técnicos e cientistas por parte da universidade a garantia do desenvolvimento
econômico. Assim, [...] a educação deveria garantir um
optimum
de cientificidade frente
aos problemas do subdesenvolvimento” (BOHOSLAVSKY, 1983, p. 10).
E a orientação v
ocacional
4
segue esse caminho da
cientificidade
e da medição. Mas o
que foi sendo percebido no trabalho principalmente com o adolescente é que a devolução dos
resultados havia se tornado um oráculo que trazia respostas que o sujeito questionava, muitas
vezes
, não compreendia e protestava. E assim, “[...] ele não aceita a resposta, o número não o
satis
faz, seu problema não é resolvido.” (BOHOSLAVSKY, 1983, p.10).
Outro marco de mudanças para a
orientação v
ocacional foi a saída da universidade dos
primeiros psicólogos argentinos, fortemente influenciados pela psicanálise. E
[...]
isso
estimula um interesse maior pela
pessoa
que escolhe, e o
modo
como escolhe substitui o
quanto
essa pessoa mede (seja qual for o atributo considerado) ou o que ela escolhe; trata-
se,
portanto, de
quem
e
como
e não de
quanto
e
o quê
.” (BOHOSLAVSKY, 1983, p. 10).
Dessa forma, podemos dividir a história da psicologia vocacional em dois momentos,
sendo de 1900 a 1950 o período da psicometria e, de 1950 até a atualidade, a chegada de
novas teorias. Elas têm sido divididas em quatro categorias: traço-e-fator, psicodinâmicas,
dese
nvolvimentistas e decisionais. A primeira delas ainda corresponde ao momento da
psicometria, falando-se em determinismo vocacional e não em decisão vocacional. Seu
representante é Frank Parsons. Nesse momento, então, não se considerava a capacidade do
suje
ito de fazer escolhas, tomar decisões ou mesmo de se tornar ativo nesse processo.
Aspectos subjetivos, intrapsíquicos, sociais e familiares entre outros não eram considerados.
Podemos
dizer de um processo passivo, em que
o sujeito só precisava se submeter
a testes que
lhe
trariam respostas.
Mas novas propostas foram surgindo, dentre elas, o enfoque psicodinâmico,
englobando a psicanálise e a satisfação de necessidades básicas. A fundamentação comum
procede das idéias analíticas da personalidade e da incidência do desenvolvimento qualitativo
a partir das primeiras experiências infantis, mas diferem na forma de pensar a questão
vocacional individual. Nessas teorias, os impulsos desempenham um papel considerável no
comportamento vocacional, havendo uma continuidade entre as atividades instintivas da
4
Termo usado por Bohoslavsky (1983). Mais adiante explicitaremos as diferenças entre orientação profissional,
vocacional e vocacional ocupacional.
20
criança que produzem gratificações e as que o indivíduo buscará posteriormente, por meio
das
ocupações que vier a exercer. Entre os autores citados, estão Bordin, Nachmann e Segall,
Meadow e Anne Roe citados por Lev
enfus (1997).
Entre os teóricos desenvolvimentistas estão Ginzberg, Super e Tiedman e O’Hara,
citados por Ferretti (1997). A escolha profissional é considerada um processo de
desenvolvimento que se inicia na infância, passa por vários estágios e se estende por um
longo período da vida. Para Ginzberg citado por Ferretti (1997), o processo termina numa
compatibilização entre interesses, capacidades, valores e oportunidades ocupacionais. Para
Super citado por Ferretti, existe um desenvolvimento vocacional individual, em fases, em que
se vai optando entre alternativas ocupacionais, a partir de escolhas anteriores e sucessivas,
c
hegando
-
se a uma escolha final via
autoconceito. Para Tiedman e O’Hara
citados por Ferretti
(1997)
, o desenvolvimento vocacional é um processo durante o qual se desenvolve uma
identidade vocacional pela diferenciação e integração da personalidade à medida que o
indivíduo desenvolve percepções a respeito do mundo do trabalho.
Nas teorias decisionais, também chamadas de enfoque sociocognitivo, um foco na
explicação da tomada de decisão. Para Levenfus et al. (1997), tal enfoque resulta de
orientações psicológicas modernas e destacam como chaves do processo o autoconhecimento,
a análise da situação problemática e a busca de informações pert
inentes.
Procura perceber o
sujeito como alguém que organiza seu problema e age conforme seus interesses e
condicionantes sociais. Entre os autores estão Gellat, Thomas Hilton e Hershenson e Roth,
todos
citados por Levenfus
et al.
(1997).
Para vários países
da América Latina
e também para o Brasil, Rodolfo Bohoslavsky se
tornou uma importante referência nessa área ao introduzir a estratégia clínica, criticando a
orientação profissional baseada na psicometria e trazendo a proposta de resgatar a
singularidade
do sujeito que escolhe e a investigação dos multifatores que influenciam o
momento da escolha.
Sabemos hoje da inviabilidade de propostas de orientação profissional que ainda
mantém o sujeito num lugar de passividade e que desconsideram sua capacidade de c
onstruir
projetos, no caso, o profissional. Além disso, essas propostas não trabalham com a noção de
processo, mas apenas consideram que existem características prontas nos
indivíduos, bastando
serem medidas ou descobertas. Acreditamos em um trabalho clínico em que o sujeito
reconhecendo, descobrindo e construindo sua escolha.
Assim, ao definir sua proposta, Bohoslavsky (1998) salienta o que denomina
modalidade clínica
.
21
1)
O adolescente pode chegar a uma decisão se conseguir elaborar os conflitos e
ansied
ades que experimenta em relação ao seu futuro.
2)
As carreiras e profissões requerem potencialidades, que não são específicas.
Portanto, elas não podem ser definidas a priori, nem muito menos ser medidas.
Estas potencialidades não são estáticas, mas modificam-se no transcurso da vida,
incluindo, por certo, o tempo de estudante e de profissional.
3)
O prazer no estudo e na profissão depende do tipo de vínculo que se
estabelece com eles. O vínculo depende da personalidade, que não é um a priori
,
mas se define na ação (incluindo, certamente, a ação de estudar e trabalhar em
determinada disciplina. O interesse não é desconhecido pelo sujeito, mesmo que o
sejam os motivos que determinaram esse interesse específico.
4)
A realidade sociocultural muda incessantemente. Surgem novas carreiras,
especializações e campos de trabalho, continuamente. Conhecer a situação atual é
importante. Mais importante é antecipar a situação futura. Ninguém pode predizer o
sucesso, a menos que seja entendido como a possibilidade de superar obstác
ulos
com a maturidade.
5)
O adolescente deve desempenhar um papel ativo. A tarefa do psicólogo é
esclarecer e informar. A ansiedade não deve ser amenizada, mas resolvida; e isto
somente se o adolescente elabora os conflitos que lhe deram origem
(BOHOSLAVSKY,
1998, p. 4)
.
No Brasil, vários estudiosos acompanharam as obras do citado autor e m
se
destacando através de releituras, discussões teóricas, pesquisas e produção técnico-
prática,
como Soares, Levenfus, Bock, Melo-
Silva
e Lassance, todos citados por Lassance, Melo-
Silva e Soares (2004). Entre eles, um consenso de que a orientação profissional deve
trabalhar com alguns pilares, como autoconhecimento (a busca de um maior conhecimento de
seus interesses, habilidades, dificuldades, de sua história de vida), a
procura
de informações
sobre as profissões e o mundo do trabalho, uma explicitação da história familiar (
almejando
um reconhecimento das expectativas desse grupo e uma conciliação com as próprias
expectativas) e também uma reflexão sobre os demais fatores determinantes, como demandas
sociais e influências da mídia entre outros.
Alguns autores brasileiros concordam que, por muito tempo,
se
trabalhou com
modelos estrangeiros de orientação profissional por falta de uma construção teórica nacional
capaz de responder a tal campo. Para Soares (2002), tais modelos não traziam respostas
satisfatórias por se basearem em momentos socioculturais e históricos diferentes, como
também em aspectos geográficos e de desenvolvimento tecnológico diferenciados. A
Associaçã
o Brasileira de Orientação Profissional-
ABOP
- abriu um importante espaço de
discussão
técnico
-
prática
capaz de responder às características de nosso país.
Soares (2002) acredita que a forma mais viável de trabalhar em orientação profissional
é tornando possível a consciência dos multifatores que nos determinam e, a partir disso,
escolher e ser capaz de construir nosso projeto pessoal. Assim, podemos falar em diferentes
fatores
: políticos (referem-se especialmente à política governamental e seu posicioname
nto
22
perante a educação, desde o início dos estudos até a universidade); fatores econômicos
(re
lativos
ao mercado de trabalho, à globalização, ao desemprego e a todas as conseqüências
do sistema capitalista neoliberal no qual vivemos)
;
fatores sociais (dize
m respeito à divisão da
sociedade em classes sociais, à busca de ascensão social por meio do estudo, à influência da
sociedade na família e aos efeitos da globalização na cultura e na família); fatores
educacionais (compreendem o sistema de ensino brasileiro, a falta de investimento do poder
público na educação, a necessidade e os prejuízos do vestibular entre outros); fatores
familiares (a ideologia vigente gerando busca da realização das expectativas familiares em
detrimento dos interesses pessoais, o que influencia na decisão e na fabricação dos diferentes
papéis profissionais); fatores psicológicos (atinentes aos interesses, a motivações, às
competências pessoais e conscientização dos fatores determinantes
versus
a desinformação à
qual o indivíduo está s
ubmetido
).
Tais fatores interferem de uma forma dinâmica e diferenciada. Assim, é função da
orientação profissional ajudar o jovem a encontrar os fatores pessoais que estão dificultando
sua escolha de forma especial, que cada sujeito
apresenta
uma estrutura pessoal e familiar
diferenciada e recebe as influências do meio também de forma singular. A autora também
trabalha com a idéia de escolha profissional possível, pois acredita que não existe uma
escolha profissional única e definitiva e sim uma escolha possível, dentro de determinadas
possibilidades e contingências.
Soares (2002) criou a denominação modalidade sociogrupal para o seu trabalho, por
acreditar na possibilidade de os grupos fazerem uma profunda mudança individual e social. E
traz como pressupostos a
lgumas
questões
.
1) O adolescente pode chegar a uma escolha mais esclarecida se conhecer as
influências que sofre, sejam elas sociais, educacionais, econômicas, familiares ou
psicológicas.
2) As carreiras requerem potencialidades diversas que pod
em ser desenvolvidas pelo
sujeito, se este tiver um profundo interesse em realizar aquele tipo de atividade.
3) O prazer no trabalho está ligado a um contexto familiar mais amplo, em que o
jovem, ocupando um lugar na sua família, responde a desejos e expec
tativas
familiares. Os interesses também estão ligados a vivências infantis e familiares mais
ou menos prazerosas. O importante é conhecer essas vivências para poder relacioná-
las com o presente.
4) A realidade socioeconômica tem mudado numa velocidade tão grande, sendo
praticamente impossível prevermos como estará o desenvolvimento tecnológico e
profissional daqui a cinco anos. Por isso, a realidade ocupacional também é
imprevisível. O adolescente é responsável por sua escolha, sendo ela a melhor
escolha p
ossível para este momento.
5) O papel do psicólogo é de FACILITADOR do processo, devendo oferecer a qu
e
m
o procura condições de conhecer melhor a si mesmo, assim como o mundo
ocupacional, para enfim decidir
-
se com maior esclarecimento.
(SOARES, 2002, p.
139).
23
Os novos estudos nessa área trouxeram discussões sobre conceitos que, também por
serem importados, traziam confusões ao serem traduzidos. Alguns deles puderam ser
esclarecidos, e os estudiosos puderam optar por aquele que mais condizia com sua pers
pectiva
teórica. Foi o que aconteceu com orientação vocacional, orientação profissional e
orientação
vocacional ocupacional
.
Levenfus (1997) nos informa que o termo
vocação
vem de
vocatio
(chamado interior)
e que para Veinstein (citado pela autora), se vocação é algo inato, poderíamos pensar que se
nasce com destino para alguma tarefa determinada. Nesse caso, a tarefa da orientação seria
descobri
-la e dizer ao indivíduo. Assim, o vocacional sem o ocupacional seria fantasia,
sonhos, esperanças. “O ocupacional sem o vocacional é alienação, fazer sem sentido”
(LEVENFUS, 1997, p.229). Para a autora, o termo orientação profissional estaria reservado
aos trabalhos que se limitam a informar e orientar a respeito das profissões e mercado de
trabalho, sem enfatizar as questões intrapsíquicas do sujeito. Ela, então, opta por O
rientação
V
ocacional
O
cupacional
- O.V.O.-, significando um processo mais abrangente, que diz
respeito não somente às informações sobre profissões, mas a uma busca de conhecimento a
respeito de si mesmo, influências sociais, familiares e promovendo o encontro das afinidades
do mesmo com aquilo que pode realizar em forma de trabalho.
Soares (2002) concorda que a expressão orientação vocacional está carregada de
estereótipos, incluindo, muitas vezes, a expectativa de aplicação de testes e a indicação final
de uma profissão-vocação. Mas considera que orientação ocupacional ainda é um termo
muito desconhecido do público, sendo usada em referência aos trabalhos dos argentinos
Bohoslavsky, Veinstein e Muller . Sua opção é pela expressão orientação profissional que
inclui em seu trabalho as dimensões do vocacional (
vocare
) e do ocupacional (profissão) e
também por ser a expressão
orientação profissional
mais conhecida no Brasil.
Diante dessas definições, Levenfus (1997) classifica seu trabalho de O.V.O. como um
atendimento clínico breve, e assim o define:
- adoto o referencial psicanalítico, analisando as motivações inconscientes
implicadas na escolha profissional.
-
observo as relações inconscient
es presentes nas associações de idéias manifestadas
pelo orientando seja na forma verbal, na forma de testes e em manifestações não-
verbais.
- valorizo a observação dos fenômenos transferenciais e contratransferenciais que
emergem no vinculo orientador
-
or
ientando, abordando
-
os quando necessário.
- considero sempre a história do sujeito, suas motivações conscientes e
inconscientes, diagnosticando o nível de orientabilidade
e aplicando as mais diversas
técnicas (entrevistas individuais, grupais, técnicas de informação profissional,
24
dinâmicas de grupo, testes que ofereçam levantamento de interesses profissionais)
dependendo do contexto da orientação (na clínica, na escola, no curso pré-
vestibular)
5
.
(LEVENFUS, 1997, p.232)
Optamos por salientar o trabalho d
es
sas autoras pelo seu reconhecimento nacional e
pela produção acadêmica na área, trazendo grandes contribuições para a orientação
profissional em nosso País. Nossa escolha se faz pela estratégia clínica descrita por
Bohoslavsky (1998) e pela abordagem de Soares (2002), em especial a
modalidade
sociogrupal
, já descrita anteriormente. Cabe salientar que es
s
es são autores que nos embasam,
fazendo parte de nossas narrativas, mesmo que estejamos tentando construir novas interseções
entre orientação profissional
e terapia familiar sistêmica.
Como já citado na introdução deste trabalho, em relação à prática da orientação
profissional no Brasil, Vasconcelos e Oliveira (2004) citam um levantamento realizado por
Melo
-Silva e Jacquemin em 13 instituições brasileiras, em que ficou evidenciada a presença
do referencial psicodinâmico como sendo o mais utilizado, tendo como referência Rodolfo
Bohoslavsky. As demais linhas teóricas citadas foram a sócio-histórica em duas instituições,
uma no referencial psicopedagógico, uma no psicodramático e uma no evolutivo-
cognistivista. Vemos, então, uma carência de trabalhos nessa área com embasamento
sistêmico e esperamos trazer alguma contribuição nes
s
e sentido.
Assim, reconhecemos que a escolha profissional certamente é atravessada por vários
fatores de ordem subjetiva, social, econômica e política entre outras. Nesse contexto e diante
de nossa prática, vamos evidenciar os fatores familiares que influenciam essa escolha e sua
importância para um trabalho de orientação profissional.
2
.3. Construindo o nosso trabalho de orientação profissional
O trabalho que realizamos em orientação profissional segue duas vertentes, de acordo
com os dois ambientes - a escola privada e o consultório particular - onde o
desenvolvemos.
No consultório, os atendimentos são individuais e, na escola, em grupo. Cada um tem suas
características e singularidades. O trabalho individual permite uma escuta clínica única
5
A autora
utiliza o termo
orientabilidade
, já referido por Bohoslavsky (1982), com a mesma finalidade que a
psicanálise refere o termo
analisabilidade
, ou seja, a título de identificar diagnosticamente a possibilidade (em
termos egóicos e estruturais) que o paciente
apresenta de submeter
-
se à determinada técnica
-
no caso, à O.V.O..
25
daquele sujeito, sendo que alguns jovens se beneficiam mais desse tipo de encontro, por
con
seguirem se expor mais. Na escola, privilegia-se o trabalho em grupo, pois, além de
permitir atender um número maior de alunos, as sessões coletivas se configuram como um
espaço peculiar que proporciona ao jovem a oportunidade de trazer para o grupo questões que
são cruciais para ele. Ali, ele encontra semelhanças entre suas histórias e a dos colegas, vive a
experiência de pertencimento a um grupo com o qual se identifica, compartilha possibilidades
e aprende com as diferenças. No trabalho grupal, o jovem expõe os conhecimentos que
detém
sobre as profissões, reflete sobre suas expectativas e possibilidades reais, confronta fantasias e
realidade, manifesta insatisfações e reflete sobre seu próprio projeto de vida. Além disso,
pode compartilhar sentimentos como angústia, ansiedade e os vários conflitos que podem
fazer parte dessa fase da vida.
Nos dois tipos de trabalho, a proposta é que os encontros se desenvolvam em torno de
um número de dez a doze sessões, sendo que um dos encontros é feito com o jovem e se
us
pais. Esse número de encontros tem se mostrado suficiente, na maioria dos casos, para que
exploremos temas de relevância para o processo (autoconhecimento, busca de informações
sobre as profissões e reflexões sobre as influências sofridas e determinantes no momento) e
possamos finalizá-
lo
6
. Além disso, várias publicações na área sugerem um trabalho com ess
a
duração, como
Soares
-Lucchiari (1993), Birk e Silva (2002), Valore (2002). O número
impreciso de encontros se justifica pela singularidade dos jovens que nos procuram. Cada um
deles chega para o trabalho em uma fase e com um posicionamento diferente em relação ao
processo de escolha. Algumas frases des
s
es jovens exemplificam isso: “Não pensei em nada e
não sei o que quero” ou “Falei a vida toda que seria dentista, mas agora, estou confusa” ou
“Estou entre dois cursos e preciso tirar esta dúvida” ou “Acho que sei o que quero e vim
pra me certificar”. Essas frases iniciais nos contam sobre jovens com posicionamentos
diferentes diante de sua escolha. Com alguns, o processo se encerrará mais cedo e, com
outros, talvez seja necessário um número maior de encontros. Ainda aqueles que
demonstrarão a impossibilidade de escolher nesse momento, por trazerem questões mais
relevantes e urgentes de serem elaboradas. Com esses, será feita a avaliação de um novo
direcionamento para o trabalho e um possível encaminhamento para uma psicoterapia.
Assim, existe um conjunto de técnicas (ou dinâmicas, no caso do grupo), previamente
selecionadas que nos embasam durante o processo. Cada uma delas permite que sejam
explorados temas específicos e importantes para tal proposta. Quando dizemos que somos
6
Temas já explicados e mais detalhados no item “A história da orientação profissional e suas abordagens”, p.17.
26
embasados por essas técnicas, estamos nos referindo a uma flexibilidade quanto ao processo e
à abertura para que haja mudanças ou propostas de novas atividades. Em alguns momentos,
conversamos com o jovem desvinculados de qualquer técnica. Além disso, cada processo,
como dito anteriormente, tem seu ritmo e desenvolvimento, o que significa que algumas
atividades são utilizadas para um jovem e não para outro. A mesma atividade pode
proporcionar grandes elaborações para um e não para outro. E
,
quando estamos falando de um
processo grupal, a disponibilidade do coordenador para acompanhar a produção do grupo é
essencial.
Por meio
dos casos clínicos que veremos a seguir, perceberemos que algumas
atividades vão sendo propostas pelo grupo ou sendo criadas no campo da intersubjetividade
coordenador/participantes do grupo.
As atividades selecionadas para comporem nosso trabalho de OP estão descritas e
explicadas no apêndice. Durante a exposição dos casos clínicos, não fazemos referência a
todas as atividades e, sim, àquelas que se mostraram mais importantes para a compreensão
dos temas que estavam sendo explorados.
Essas técnicas foram retiradas de cursos feitos pela pesquisadora, de participação em
congressos e de leituras sobre o tema. Nessas interações, nossas narrativas profissionais foram
sendo construídas, atribuindo significados a nossa prática e a nossos clientes. Elas refle
tem
uma diversidade teórica, por virem de áreas distintas da psicologia e trazem a possibilidade de
diálogo entre esses vários campos. Além de representarem a
nossa
simpatia com cada uma
delas, foram experimentadas em situações diferentes, mostrando-se lidas por explorarem
temas concernentes ao nosso objetivo e por trazerem importantes elaborações aos sujeitos em
processo de orientação profissional. Enquanto um conjunto e pela forma como foram
dispostas, tais
atividades representam uma criação
nossa
. E ap
esar de dizerem da flexibilidade
da pesquisadora em beber de várias fontes, não podemos deixar de salientar que a leitura e
compreensão das mesmas e do processo como um todo segue um norteamento teórico
citado anteriormente e mais explicitado nos capítulos seguintes. Em todas as atividades
propostas, busca-se com o jovem uma compreensão sistêmica do que ele nos apresenta,
enfatizando sua articulação com a família.
27
3
TECENDO AS NARRATIVAS DA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
3
.1 As narrativas de Breno
7
“[
...] um homem se humilha
se castram seus sonhos
seu sonho é sua vida
sua vida é o trabalho
e sem o seu trabalho
um homem não tem honra
e sem a sua honra
se morre, se mata
não dá pra se
r
feliz
não dá pra ser feliz.”
Gonzaga Jr.
Na ocasião do trabalho de orientação profissional, Breno tinha 17 anos, estava
cursando o terceiro ano do ensino médio na escola particular onde a pesquisadora trabalha.
Ele morava com o pai, de 59 anos, a mãe, de 46 anos e com uma irmã, de 22 anos. Seu pai
era aposentado, tendo trabalhado muito tempo como corretor de imóveis, e sua mãe
trabalhava com confecção de roupas e tinha dois cursos superiores (administração de
empresas e
design
de moda) e um curso técnico em eletrônica.
Breno participou do trabalho de orientação profissional desenvolvido em grupo. Estar
em grupo lhe causou alguns recuos no processo, por se comparar muito em relação ao ritmo
de desenvolvimento dos colegas, mas também lhe proporcionou grandes aprendizagens.
Ao contar um pouco de sua história, disse ser muito ligado à mãe, mostrando-
se
próximo da família e falando dos pais com afeto. Contou de sua admiração por um tio “muito
inteligente, estudioso e genial”, além de sua identificação com uma madrinha que trabalha em
um pronto-socorro e que não se abate fácil”. Durante o processo, ele não dizia claramente,
mas mostrava cada vez mais sua admiração por pessoas inteligentes, questionadoras, que
gostavam de “descobrir e inventar coisas”.
Relatou seu interesse pelas coisas que podem ser transformadas, por exe
mplo,
“desmontar um objeto e criar outro”. Ele falava várias vezes de sua vontade de compreender a
vida, as pessoas, a origem da vida... “Eu penso muito; dizem que sou reflexivo. Faço rias
7
Todos os nomes citados nos casos clínicos são fictícios.
28
interrogações sobre a vida. Isso às vezes é bom, e às vezes é ruim. Na escola, os colegas
pensam que sou meio louco, por causa das perguntas que faço. Mas tento observar o que cada
situação me traz, mesmo que seja ruim; avaliar e ver o que aprendi.” Segundo ele, as únicas
pessoas que o haviam compreendido era um psicanalista (com quem não estava mais em
análise) e o professor de história da escola. Sobre este, parece ser uma grande referência para
ele e, assim, ele o caracteriza: “passamos horas divagando sobre coisas da vida; ele é um cara
bacana, diferente e já est
udou muita filosofia”.
Breno
nos
instigava, pois mostrava um grande potencial a ser desenvolvido, mas a
cada encontro mudava sua direção e fazia com que
nós
também tivé
sse
mos
que construir
novas hipóteses, impressões e caminhos em relação ao seu processo. Ele também suscitava
uma angústia no grupo. Nos colegas, era como se tocasse, quase a todo o momento, nas
pequenas
certezas
que cada um estava tentando construir.
Nossas
primeiras impressões o
caracterizavam como um jovem interessante, cheio de idéias, criativo, questionador, mas, ao
mesmo tempo, assustado em enfrentar o mundo com suas idéias. Mas que mundo seria esse?
Pens
amos
que não se tratava apenas do mundo da escola, da família, do mercado de trabalho,
mas de seu “mundo interno”.
Nas falas dos coleg
as, Breno sempre encontrava um gancho para dizer de seu interesse
por áreas muito diversas. E
,
no meio do processo, começou a se queixar de que quase todos os
colegas estavam fazendo suas escolhas e ele, não, porque “tinha muitos interesses.” Ele
começava
a mostrar sua dificuldade diante da tarefa de escolher e, talvez como fuga, chegava
a cada dia com uma história sobre profissões que havia pesquisado.
Nes
se momento, pedi
mos
aos integrantes que escrevessem sobre como estavam se
sentindo em relação à escolha profissional para que pudéssemos perceber o movimento do
grupo e as necessidades individuais. E Breno assim se colocou:
“Eu, particularmente, detesto dizer, mas é fato que os próximos trinta anos da minha
vida serão bem difíceis, pois o meu desejo profissional é inviável ou pelo menos
insignificante para os outros. O fato é que eu gostaria muito de direcionar meus campos
intelectuais para a filosofia, ou resumidamente, pensar. Quero pensar para os outros, como
fizeram os grandes filósofos e quero ficar para a história. Acredito muito em meu potencial,
mas
, infelizmente, o mundo que me espera é outro, ele não valor ao racionalismo e muito
menos a quem se aventura pela filosofia.
Por isso, resolvi traçar algumas metas para que, quando aposentar, eu possa realizar
meu sonho. Uma dessas metas, e a primeira delas, é estudar biologia para entender a origem e
29
outros mecanismos da vida. Assim, ao invés de buscar a verdade na filosofia, buscarei na
biologia. O segundo plano é estudar direito/psicologia e história para aumentar meu nível de
sabedoria e maior embasamento para depois pensar em filosofia. Por último, quero estudar
física para compreender melhor o curso natural das coisas”.
Breno faz um movimento em que marca posições extremas entre seu projeto pe
ssoal
(insignificante) e seu desejo (querer ficar para a história). E tamanha distância parecia
contribuir para seu desânimo. Mas também era como se tivesse se colado à filosofia e ambos
tivessem se tornado insignificantes. Parecia que buscava nosso reconh
ecimento dele como um
grande sujeito ou de sua insignificância para então desistir de seus projetos. Mas, no grupo,
ninguém se aproximou des
s
a atitude.
Sua necessidade de reconhecimento se mostra forte ao querer ficar para a história.
Mas esse projeto parece tão longo e quase inatingível que, antes disso, ele se propõe a fazer
muito
s outros cursos. E, no grupo, ninguém havia falado em filosofia. Será que por isso
buscava identificações com os interesses mostrados pelos colegas? Algo que nos levava a es
s
a
compreensão era que quanto mais animado um colega se mostrava com uma determinada
profissão, mais ele queria saber sobre ela.
E que idéia é esta de querer pensar para os outros? Ele
nos
responde que os grandes
filósofos fizeram isso pelos homens, pela humanidade. E question
amos
: “será que para isso
não seria importante começar a pensar para você, sobre você e depois poder pensar para os
outros?”. Porque
nossa
hipótese era de que a grande dificuldade estava em se olhar e, de
repente, poder propor para os colegas, a família ou até a humanidade o que ele realmente
tinha para oferecer, mesmo que isso não fosse tão grandioso e bonito como ele esperava.
E, quando fala do último curso que deseja fazer, física, sua justificativa se mostra
significativa
diante de suas dificuldades apresentadas: “quero estudar física para compreender
o curso natural das coisas”. Parece que realmente essa compreensão seria algo importante
para
ele, que estava insistindo em grandes projetos como se, para isso, não houvesse um
processo
ou um
curso natural das coisas.
Entretanto, vamos pensar que o que Breno traz, a princípio, é uma imensa angústia
diante da necessidade de escolher e da multiplicidade de caminhos profissionais
8
. Mas, na
história da humanidade, tais
questões nem sempre f
oram assim...
Escolher uma profissão passou a ser possibilidade para o ser humano a partir da
8
Outros quest
ionamentos e interpretações da história de Breno serão vistas mais adiante.
30
modernidade. A multiplicidade de opções, algumas em desuso, outras muitas se gestando, faz
parte da vida do homem moderno. Até então, ter um determinado trabalho não se constituía
algo que passava pela reflexão ou pelo questionamento. Havia um número pequeno de tipos
profissionais e trabalhava-se com o que era possível e necessário para uma determinada
comunidade ou
,
simplesmente
,
seguiam
-
se os ofícios da família.
Quando falamos em Idade Média, estamos nos referindo a um tempo em que
predominava o esquema cosmológico, sendo Deus o centro do universo e os fenômenos
naturais e sociais tendo explicações divinas. O homem se colocava à mercê da natureza, numa
postura de passividade e de submissão da razão à fé. À medida que a sociedade foi se
transformando, novas descobertas trouxeram mudanças no posicionamento do homem diante
do mundo. Na Idade Moderna e Contemporânea, o homem passou, então, a ocupar o lugar de
centro do universo, e a ciência ganhou força por meio do movimento voltado para a razão.
Nes
se sentido, os fenômenos naturais e sociais passaram a ter explicações científicas, e o
homem assumiu uma atividade transformativa sobre a natureza. Várias revoluções marca
ram
es
sa passagem, como a científica, a cultural e a que muito nos interessa, a revolução
industrial, tendo a máquina o lugar de centro da produção e, como decorrência, a divisão
racional do trabalho industrial (ROMAGNOLI, 2006).
Em conseqüência de tais mudanças, novas profissões foram surgindo para responder
às demandas desse homem que, então, passou a atuar mais e a querer transformar a natureza.
No Brasil, segundo Romagnoli (2006), com a urbanização, a abolição da escravatura e com a
divisão do trabalho, as famílias também passaram por grandes mudanças e os indivíduos
experimentaram mais opções profissionais, muitas delas desvinculadas das atividades
familiares.
Como um bom exemplo sobre a
história
das relações sociais de trabalho, temos o
Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, que ilustra de forma bela e poética os poucos
ofícios existentes no Brasil na era pré-
industrial
9
. A coleção mostra a riqueza da produção
popular na época: os fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões contemporâ
neas.
Quem entra no museu passa a conviver concomitantemente com o rudimentar e o moderno.
Os ofícios são retratados em sua originalidade, mas fazendo-se uso dos ricos recursos da
tecnologia. Ao conviver com esses dois tempos ou dois modos de vida, compreendemos as
mudanças e a evolução a que chegamos.
A história da
Orientação P
rofissional
-
OP
nos conta um pouco sobre isso:
como dito
9
Para mais informações: www.mao.org.br
31
anteriormente,
a OP nasceu vinculada aos processos de seleção e treinamento de pessoal e
veio sofrendo modificações a par
tir
de então (FILOMENO, 2003). Como exemplo, v
ivemos
em um momento em que vem crescendo a demanda pelo trabalho de orientadores
profissionais. E qual é o motivo de tal demanda? O movimento de profissões que surgem ou
desaparecem acompanham o movimento histórico de nossa sociedade e os novos modos de
subjetivação. Então, também nos cabe perguntar que momento é esse em que as pessoas
precisam de ajuda para construírem seus projetos profissionais.
3.2 A orientação profissional diante do trabalho na contemporaneidade e dos
p
rocessos de subjetivação.
O homem é capaz de imprimir significados diferentes à sua história dependendo de
sua vivência do tempo e do espaço. Para Araújo (2006), do mesmo modo que o homem se
percebe senhor da natureza, com chances múltiplas de reinventar o mundo natural e social, o
homem se sabe perecível. Mas, diferentemente dos demais seres vivos, estamos
condenados
a
sobrepor um sentido existencial ou um projeto ao sentido natural do passar. “[...] somos
sujeitos porque somos ou fazemos histórias que se desenrolam no tempo, um tempo histórico
cuja experiência é mediada pelo outro, pela morte e, em especial, pelo trabalho” (ARAÚJO,
2006, p. 12).
E como temos vivenciado ess
e
fazer história num mundo cada vez mais perecível,
rápido e volátil? Parece-nos que as noções de tempo, de trabalho e de subjetividade precisam
ser revistas, acompanhando todas as mudanças que temos vivido. Para Sennett (2005),
alguns anos, podíamos falar de uma geração que vivenciava o tempo como linear, ano após
ano, trabalhando em empregos que raras vezes variavam de um dia para o outro. Hoje, um
jovem receia estar a ponto de perder o controle de sua vida, devido a um medo embutido em
suas histórias de trabalho. Não mais longo prazo nesse setor e a carreira tradicional, que
avançava passo a passo pelos corredores de uma ou duas instituições, está fenecendo. Quanto
às qualificações no decorrer de uma vida de trabalho, também se faz necessário trocá-
las
algumas vezes durante anos de trabalho. Como exemplo, o setor de força de trabalho
americana que mais rápido cresce é o das pessoas que trabalham para agências de emprego
temporário.
E para termos uma visão um pouco mais ampla, retrocedemos na história para
32
alcançarmos as mudanças a que chegamos na contemporaneidade. Ao pensarmos na questão
do tempo, presenciamos uma sociedade que vem brigando com a rotina, como se algo pudesse
paralisar o trabalho, o governo ou outras instituições (SENNETT, 2005). O autor faz uma
comparação, ao dizer que, em meados do século XVIII, na aurora do capitalismo industrial,
parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas direções distintas: uma positiva e outra
negativa. O lado positivo foi descrito na grande enciclopédia de Diderot e o lado negativo do
tempo de trabalho
regular foi retratado em
A riqueza das nações
, de Adam Smith. E completa:
[...]
Diderot acreditava que a rotina no trabalho podia ser igual a qualquer outra
forma de aprendizagem por repetição, um professor necessário; Smith enfatizava
que a rotina embo
tava o espírito. Hoje, a sociedade fica com Smith. Diderot sugere o
que poderíamos perder tomando o lado de seu oponente (SENNETT, 2005, p. 35).
Ainda
, segundo esse autor,
Adam
Smith acreditava que a livre circulação de moeda,
bens e trabalho exigiria que as pessoas fizessem atividades cada vez mais especializadas. E o
surgimento de livres mercados vem acompanhado da divisão do trabalho na sociedade. Mas
Adam
Smith se preocupava com o fato de que a rotina se tornaria autodestrutiva, porque os
seres humanos perderiam o controle sobre seus próprios esforços. “O trabalhador industrial,
assim, nada conhece do autodomínio e da expressividade do ator que memorizou mil falas
[...]” (SENNETT, 2005, p.41).
Todas essas preocupações passaram para o nosso século com o nome de fordismo.
Quando Ford industrializou seu processo de produção, favoreceu o emprego dos chamados
trabalhadores especialistas em relação aos artesãos qualificados. Sennett (2005) relata que
Taylor, psicólogo industrial, começou a dizer que não havia necessidade de os trabalhadores
compreenderem a complexidade da fábrica para não se distraírem com a compreensão do todo
e poderem cumprir mais eficientemente seus serviços. Posteriormente, ao observarem
processos depressivos de alguns trabalhadores, psicólogos industriais, como Elton Mayo,
perceberam que a produtividade caía. Então, começaram a adaptar práticas psiquiátricas aos
locais de trabalho.
Assim, encontramos na Terceira Revolução Industrial o que hoje se constitui um
momento de relevância enquanto inquietação para os trabalhadores e para a sociedade. “Esta
se caracteriza pela ruptura do paradigma industrial e tecnológico, pelo advento da
microeletrônica, pelo avanço das telecomunicações e pelo incremento da automação,
acirrando
-se a partir das últimas décadas do século XX(LISBOA, 2002, p. 35). A idéia de
qualidade total surge como uma nova forma de apropriação do saber fazer intelectual do
trabalho pelo capital.
33
Para Antunes (2001), o operário deverá pensar e fazer pelo e para o capital,
aprofundando seu estado de subordinação, bem como seu trabalho ao capital. Dessa forma,
criou
-se uma contradição, representada, de um lado por uma escala minoritária de
trabalhadores
polivalentes
ou
multifuncionais
, que acumulam funções que anteriormente
ficavam sob a responsabilidade de outros pares e, por outro, por um grande contingente de
trabalhadores exercendo seu trabalho precariamente ou no desemprego. Para Sennett (2005),
estamos hoje numa linha divisória na questão da rotina. A nova linguagem de flexibili
dade
sugere que a rotina está morrendo nos setores dinâmicos da economia
. C
ontudo, a maior parte
da mão
-
de
-
obra permanece inscrita no círculo do fordismo.
Alguns dados explicitam essa realidade. Segundo Mattoso citado por Lisboa (2002),
na década de 90, n
o Brasil, ocorreu uma redução dos postos de trabalho formal de 3,3 milhões
de empregos. Dois terços da população economicamente produtiva estava alocada no trabalho
formal, enquanto um terço pertencia ao trabalho informal. Na região metropolitana, a cad
a
cinco trabalhadores, um está desempregado, dois estão na informalidade e dois no emprego
formal. Paralelamente, segundo estatísticas, 1,5 milhões de jovens potencialmente ingressam
no mercado de trabalho anualmente, o que, em uma década, implica 15 milhões de novos
postos de trabalho que deveriam estar disponíveis. Havendo uma redução dos postos de
trabalho, onde se colocarão ess
es jovens?
A história de Breno, relatada anteriormente e a de Patrícia,
contada
alguns parágrafos
adiante, ilustra essa preocupação dos jovens e das famílias. Duas grandes questões: dar conta
de fazer uma escolha, a primeira grande escolha na vida de um jovem e sintonizar-se com o
mercado de trabalho. No caso de Breno, ele escreve algumas frases muito fortes, como “os
próximos trinta anos de minha vida serão bem difíceis, pois o meu desejo profissional é
inviável ou pelo menos insignificante para os outros.” Ou “resolvi traçar algumas metas para
que, quando aposentar, eu possa realizar meu sonho”. E, então, lista uma série de cursos que
gostaria de fazer. Breno mostrou um interesse muito forte pela filosofia, mas não conseguia
assumi
-lo por sua preocupação em relação ao mercado de trabalho e por considerar que não
seria valorizado.
Muito foi conversado com ele sobre isso e questionou-se: quer dizer que você
considera que vai passar a maior parte da sua vida tendo que fazer algo que os outros
consideram importante e depois de aposentar, você buscará realizar seus sonhos? Refletimos
sobre uma possível conciliação entre seus desejos e as exigências do mercado. E, em suas
narrativas, fomos percebendo que seus medos advinham de uma real preocupação com o
mercado de trabalho, com a inconstância (ou insatisfação) dos pais em termos profissionais e
34
por acreditar pouco em seu próprio potencia
l
10
.
As dificuldades de Breno nos levam a pensar em questões como qualificação e
competição. Quais são os requisitos necessários para que um trabalhador consiga sua inclusão
no mercado de trabalho? Vivemos um momento ideológico que agencia o sujeito traba
lhador
em torno de exigências como qualificação, multifuncionalidade e flexibilidade entre outros
termos contemporâneos. As organizações e instituições também vão se modificando. Alguns
sociólogos, como Sennett (2005), falam em estruturas frouxas, em que brechas e desvios
que apresentam, como possibilidade, trocas de lugar e a facilidade de movimentação dos
indivíduos. A partir disso, também se exige que o sujeito saiba correr riscos, vivendo
,
assim, a
incerteza e a ambigüidade.
Tal
mobilidade ocupacional das sociedades contemporâneas nos leva a pensar em
alguns aspectos positivos e negativos de tais mudanças. Presenciamos profissionais se
qualificando em áreas diversas de sua formação inicial e podendo opinar e transitar por
especialidades diferentes e ainda desenvolver trabalhos multidisciplinares. São profissionais
que podem oferecer um serviço de maior qualidade à sociedade e ainda se satisfazem por
terem oportunidade de desenvolver suas habilidades diversas. Macedo (1999) fez uma
pesquisa em que descobriu que grande parte dos profissionais não trabalham nas
especializações conhecidas ou descritas em manuais sobre as profissões. Muitos deles
partiram para o que ele chama de
ocupações.
Quer dizer, se você falasse em um trabalho de orientação: "você vai ser advogado",
a pessoa acharia que iria defender um réu no tribunal ou ganhar dinheiro com
processos na área fiscal ou trabalhista. Ás vezes não encontra nada disso e vai
trabalhar em outra área e isso não quer dizer que se sai mal. Depende das
oportu
nidades que procura e das que achou (MACEDO, 1999, p.50).
Mas não esqueçamos que essa possibilidade de trabalhar com habilidades diversas e
de forma multidisciplinar representa uma parcela ínfima da população. E atentemo-
nos
também à realidade das práticas organizacionais. Segundo Lisboa (2002), temos observado
práticas de flexibilidade concentradas mais para dobrar as pessoas, no sentido de vergá-
las.
“Temos, isto sim, uma busca de flexibilidade que produz novas formas de controle,
diferentemente do que seria a criação de condições libertadoras.” (LISBOA, 2002, p. 41).
Assim, o caráter compatível com a nova ordem do trabalho inclui a falta de apego a longo
prazo e a tolerância com a fragmentação.
Nes
se sentido, Oliveira (2001) sugere que o maior desafio para o iniciante no mercado
10
A história familiar de Breno será mais explorada no capítulo 4.
35
de trabalho é se desligar de conceitos herdados como a de que um bom trabalho é aquele que
oferece estabilidade e remuneração elevada. A tendência das relações aponta para o desapego
ao conceito de emprego. E quem deseja um bom trabalho deve ser flexível a ponto de abrir
mão da formação inicial para desempenhar outras atividades que o mercado exija. Assim, para
Engelman, Fonseca e Giacomel (2003) além de exigências objetivas, como formação escolar,
aparência física, domínio de informática e idiomas, o mercado de trabalho aponta
competências
que passam pelo plano da subjetivação: flexibilidade para reagir a mudanças e
habilidade nos relacionamentos pessoais, como as principais. Ainda para as autoras
,
[...] a
contemporaneidade
propõe, portanto, uma flexibilização em relação ao próprio
conceito de trabalho, não fixando apenas o emprego, mas considerando também
outras formas de contratos, como o serviço de terceirização, o trabalho autônomo,
informal, voluntário, as cooperativas e os estágios. Da mesma forma, a importância
de operar como o conceito de qualidade” em todas as funções- não apenas na
produção de trabalho, mas nas relações entre colegas e clientes- mostra-se como
outra condição insistentemente marcada. A demanda é que tais conceitos sejam
encarnados na maneira de ser e agir dos trabalhadores (ENGELMAN, FONSECA e
GIACOMEL, 2003, p.
2)
.
Assim, um modo de subjetivação que vem sendo capturado por tais formas de
controle. Engelman, Fonseca e Giacomel (2003) afirmam que o que é valorizado pela
sociedade num trabalhador de sucesso é justamente o perfil do trabalhador que tem sua alma
posta disciplinarmente a trabalhar. E, nesse sentido, completa Marc Ferro citado por
Engelman, Fonseca e Giacomel (2003), ao esclarecer que as faltas no trabalho por greves e as
antigas reivindicações do direito ao trabalho e à saúde do trabalhador vêm sendo substituídas
por um aumento dos dias de falta por doença
.
Traçado o contexto do mercado de trabalho atual, passamos a compreender um pouco
mais por que tantas pessoas têm precisado de ajuda para construírem seus projetos
profissionais. A rapidez das mudanças, a necessidade de rever as qualificações, tornar-
se
multifuncional, entre outras exigências, faz-nos pensar, inclusive, que esses próprios projetos
precisam ser revistos com muita freqüência. É necessário desapegar-se de um projeto inicial e
ir em busca de um novo. A linearidade deixa de existir e, diante da fragmentação, muitas
pessoas se perdem. Novos modos de subjetivação vêm surgindo, provocando estranhamento,
mas também possibilidades de criação. Assim, apesar de todas as questões levantadas, o
trabalho tem uma dimensão fundamental na vida do homem atual.
Então, qual é o mundo do trabalho que os jovens que hoje escolhem uma profissão
irão enfrentar? Um mundo com muitas diferenças em relação ao que apresentamos aqui,
devido à velocidade com que vivemos as transformações neste momento, em função,
36
principalmente da globalização, dos avanços da tecnologia e da possibilidade de trocas d
e
informações em alta velocidade.
Isso justifica de alguma forma o motivo de tanta evasão nos cursos universitários.
Presenciamos
de jovens que fazem uma escolha conhecendo uma meia dúzia de profissões
tradicionais e idealizando um projeto de carreira que não mais condiz com o momento atual.
Lassance (1997), ao relatar sua experiência junto ao Serviço de Orientação Profissional da
UFRGS, dez anos atrás, percebia isso e
admitia
que os projetos mais complicados eram
aqueles de jovens que faziam uma escolha vocacional para o ingresso em um curso superior
que desse acesso ao mercado de trabalho por meio de um emprego estável, bem remunerado,
em que o sujeito pudesse aposentar-se e retirar-se para uma velhice tranqüila. Ou seja, uma
idealização que foge de nossa realidade. Como dissemos anteriormente, estabilidade é uma
das palavras menos usadas para o mercado de trabalho atual.
Então, será que podemos continuar orientando jovens sem considerar es
s
as realidades?
Serviços de OP que se pautam
pela
utilização de testes psicológicos,
pela
descoberta de
aptidões e
pela
oferta de informações sobre cursos tradicionais orientam para um mercado que
não mais existe. Macedo (1999) também traz sua preocupação em relação ao sistema
educacional no Brasil, que se mostra rígido diante de um mercado de trabalho cada vez mais
flexível. Segundo ele, os cursos de graduação vêm criando especialistas com pouca amplitude
para um mercado que pede e valoriza o especialista generalizante. "Por definição é o
seguinte: uma pessoa com sólida formação em alguma área, mas com capacidade para
aprender coisas novas nessa área e fora dela, por interesse ou por necessidade" (MACEDO,
1999, p. 53). Ele ainda diferencia esse profissional do generalista, que é um sujeito que sai
fazendo cursos por aí, esperando ver que utilidade poderá ter, perdendo tempo e não
arrumando trabalho algum. "Agora, quando você generaliza, tem que ter um foco, senão você
vira generalista. Você tem que ser generalizante, mas dentro de um determinado objetivo"
(MACEDO,
1999, p.
53).
Percebemos também uma outra tendência diante das possibilidades profissionais, que
é a ocupação de cargos que não constam nos manuais de informação profissional. Ness
e
sentido, Macedo (1999) traz o que para ele é um dos grandes equívocos da
orientação
vocacional no Brasil: um trabalho orientado por profissões tradicionais como medicina,
direito, engenharia e administração, entre outras, enquanto o mercado vem se regendo por
ocupações que podem ou não coincidir com o nome das profissões. Em uma pesquisa feita
pelo referido autor com vários profissionais, ele encontrou pessoas trabalhando em áreas
37
diversas que não constam nos manuais de informação profissional
11
. Por exemplo, advogados
trabalhando como analista de recursos humanos e como comprad
or, jornalista como diretor de
riscos pessoais e de
marketing
e psicólogos como assistente de vendas e supervisor
administrativo.
E qual é o papel do orientador profissional diante de tantas mudanças? Precisamos
pensar em um profissional cada vez mais ins
erido nes
s
e contexto, ou seja, alguém capaz de se
informar e levar tais elementos e reflexões ao orientando. E
,
se falamos de um sujeito inserido
neste contexto, falamos de alguém que também vive as conseqüências enquanto profissional:
precisa ampliar seu conhecimento, navegar por outras áreas, conhecer outras profissões, ter
um conhecimento profundo dos processos mundiais nos âmbitos econômico, político e social,
entender o mercado de trabalho, questões intrapsíquicas, influências familiares e flexibilizar-
se...
Vamos ilustrar essas discussões acompanhando a história de Patrícia.
Patrícia tem 17 anos e participou de um processo de orientação profissional individual
feito em consultório. Ela cursava o terceiro ano do ensino médio numa escola particular de
Belo Horizonte, que atende alunos de classes média e alta. Ela chegou para a primeira sessão
junto com a mãe, que quis participar, justificando sua presença pela preocupação com a filha
“muito sonhadora, indecisa e falando em algumas profissões
de
que não tem conhecimento
direito”.
Desde o início, a presença vigilante
da mãe
nos
chamou a atenção.
Os pais são separados, havendo dois filhos desse casamento, sendo Patrícia a mais
velha. Os filhos moram com a mãe. O pai casou-se novamente, tendo mais um filho d
es
se
novo
casamento.
Patrícia começa contando de seu interesse por fisioterapia e terapia ocupacional. Ao
longo de nossa conversa, ressalta que “psicologia também deve ser interessante”. A mãe
retruca em relação às opções de Patrícia, dizendo que é amiga da filha, mas que não tem feito
milagres mais. Quando pergunt
amos
o que ela quer dizer com isso, ela explica que a filha não
tem ouvido mais seus conselhos. Entend
emos
isso como um desabafo da mãe diante do
crescimento da filha que está, aos poucos, aprendendo a fazer suas escolhas e não
precisando tanto de seus conselhos.
A mãe (Rita) fala um pouco sobre seu trabalho e aproveit
amos
o gancho para
pensarmos na noção de trabalho para essa família. Os pais de Patrícia são analistas de
sistemas
e a mãe é professora na área. Pergunt
amos
a Rita se ela gosta de seu trabalho.
11
Esta pesquisa é citada em Macedo (1999, p. 51).
38
Patrícia se adianta e responde para ela: “Não gosta”. E Rita se justifica: “Gosto sim. É porque
estou dando aulas e me passaram matérias para as quais não estava preparada... Estou tendo
que
estudar muito.” E a filha completa: “Ela reclama muito. Não quero ser assim; quero
gostar do meu trabalho”.
E continua dizendo que detesta a área de exatas e que quer mexer com pessoas, com
ajuda e com o cuidar. Diz que adora estudar filosofia na escola, o que a ajuda a “ampliar o
pensamento, questionar, não ter uma resposta pronta e única”.
Ela fala um pouco sobre seu colégio, criticando as pessoas que estudam. “São
pessoas ricas, que valorizam o
ter
, julgam muito as pessoas e fofocam demais.” E, em
outro momento, comentava que “preciso fazer algo que me dê lucro. Gosto de comprar
minhas coisas, ter meus programas. Tenho jeito para trabalhos comunitários, gosto de ajudar
as pessoas, mas sei que isso não dá dinheiro”.
Essas frases foram trazidas, porque Patrícia falou de seu incômodo em relação aos
seus colegas em quase todas as sessões e também de seu interesse por trabalhos comunitários,
por questões sociais, marcando o que fomos compreender como um grande conflito para ela:
ser
e
ter
pareciam ser sempre coisas separadas, que não podiam se encontrar. E sua mãe
marcou no primeiro encontro que ela realmente teria grandes dificuldades (talvez financeiras)
escolhendo algumas dess
as áreas (citadas por ela no início).
Ela contrastava o que chamava de s
eu
lado zen, de gostar da natureza, ser
questionadora, debater sobre política, com o seu desejo de ganhar bem e poder comprar
muitas coisas.
Patrícia, ao fazer pesquisas sobre as profissões e conversar com profissionais de várias
áreas
, viu crescer seu interesse pela psicologia, mas voltava atrás ao dizer que tinha que fazer
um curso que lhe desse dinheiro, talvez medicina ou direito. Incentiv
amos
que buscasse
informações sobre essas duas outras áreas também para descobrirmos que interesses
surgiriam. Mas volta
va de suas buscas sem demonstrar muito entusiasmo.
Conversamos muito sobre o mundo do trabalho, sobre mudanças atuais e de como,
hoje, fazer um curso tradicional, não é mais garantia de empregabilidade. Na juventude de
seus pais, cursar engenharia, medicina ou direito, por exemplo, eram garantias de emprego,
trabalhos fixos e por uma vida toda. Hoje, o mercado tem novas exigências. Ressaltamos a
possibilidade de se trabalhar com algo que realmente se deseje e poder, a partir disso, crescer,
inovar, ser bom
profissional e, assim,
cavar
seu espaço no mercado de trabalho. Um pouco do
que está descrito anteriormente neste texto (sobre mudanças no mundo do trabalho) foi
conversado com ela.
39
No encontro com os pais, esse assunto veio à tona,
pela
fala da mãe, que não se
conformava com a escolha da filha. E um exemplo importante pôde vir à tona na fala de
Patrícia. Ao contar sobre histórias profissionais dentro de sua família, referiu-se a um tio
formado em ciências sociais que “ninguém dava nada para ele e que foi
devagarzinho
crescendo e que trabalha, hoje, em Brasília, num cargo muito bom, sendo o parente que está
melhor na família”. Em contraponto, lembrou-se que a mãe havia se formado como analista
de sistemas, profissão em alta, por causa da era da informática, mas não havia se
desenvolvido na área, por não ter escolhido bem e por não gostar tanto de seu trabalho.
Rita, nesse último encontro, parece ter ficado muito mobilizada e trouxe falas que
mostravam como o processo de escolha da filha estava despertando nela um repensar de suas
escolhas. O pai de Patrícia colocou
-
se quase todo o tempo em posição de escuta da filha, para,
posteriormente, emocioná-la, dizendo que a filha era uma “menina profunda, inteligente,
responsável e estudiosa e que se daria bem na escolha que fizesse, desde que estivesse
realmente refletindo sobre isso”. Ainda acrescentou que sabia da dificuldade de se escolher
uma profissão e que se ela precisasse repensar, mesmo estando na faculdade, que ele a
apoiaria.
Vários outros temas foram debatidos com Patrícia para que ela pudesse, ao final do
processo, construir um projeto seu
em que
ser
e
ter
poderiam caminhar juntos.
Nes
se sentido, Lisboa (2000) comenta que, hoje, o orientador profissional está
orientando para a desorientação, ou seja,
os caminhos profissionais mostram
-
se cada vez mais
indefinidos em termos de papéis profissionais circunscritos numa realidade futura
desconhecida. Assim, diante desse quadro, pensamos em um orientador profissional que não
apenas conheça o mercado e as mudanças em processo e os informe a seus orientandos, mas
alguém que o faça criticamente. Se considerarmos que estamos contribuindo para a formação
de profissionais, temos um imenso compromisso social. Para a autora, significa exercitar a
crítica da sociedade para nela intervir. E Patrícia mostrava seu grande interesse em intervir na
sociedade; seus olhos brilhavam ao falar sobre trabalhos comunitários, política, ajuda,
comportamento do ser humano. Não propiciar a ela o questionamento do caminho
alienante
que
estaria traçando, buscando apenas o
ter
seria desconsiderar a importância deste papel do
orientador citado anteriormente. Que o
ter
pudesse vir junto ou em conseqüência do
ser
. E
esta foi sua escolha após ter oportunidade de se questionar.
Lisboa (2000) ainda nos sugere que aproveitemos a oportunidade para que o sujeito se
reconheça como criativo em outras circunstâncias o mais amplamente possível. Assim, não é
cabível no mundo de hoje trabalharmos em orientação profissional sem que haja uma
40
mobilização crítica do que ocorre em nossa sociedade em suas várias dimensões: econômica,
social, política, educacional e assim por diante. “De alienação, temos o suficiente, por
conta do próprio sistema capitalista que coisifica o ser humano, tornando-o uma mercadoria a
serviço de quem detém os meios de produção e o domínio social” (LISBOA, 2000, p.
19).
Nesse sentido, a orientação profissional não cumpre apenas o papel de ajudar o jovem
a fazer uma escolha saudável, mas exerce um compromisso social transformador. Ap
ontando
também para um posicionamento das subjetividades envolvidas, nesses cenários.
3.3 A
dolescência e Contemporaneidade
A escolha profissional estudada aqui se em uma fase específica, a adolescência,
estando tanto o sujeito envolvido com uma série de atividades, desenvolvimentos e
características específicos dessa fase, como a família passando por uma mudança de ciclo de
vida: a família na fase adolescente
12
.
Vários autores vêm procurando definir adolescência, partindo de critérios diversos.
Cerveny
e Berthoud (1997) apontam a definição de Muss de adolescência como “[...] o
período que se estende desde a puberdade (aproximadamente aos 12-13 anos) até atingir o
estado adulto pleno” (CERVENY e BERTHOUD, 1997, p.27). Osório (1989) define a
adoles
cência, diferenciando-a da puberdade, esta última marcada por processos biológicos de
mudança corporal. adolescência é um processo biopsicossocial compreendido por
mudanças de papéis, exigências, interesses e relações dentro e fora da família, em que o
referencial social é mais amplo, incluindo, como grupo de referência, os companheiros. Ess
e
autor inclui o término desse período como o momento em que o jovem é auto-
suficiente
economicamente, podendo assumir seu próprio sustento
por meio
do trabalho.
Por
outro lado, Fishman, citado por Ceverny e Berthoud (1997), parece discordar das
definições da maioria dos autores. Ele defende que a adolescência não deveria ser tratada
como uma entidade especial. Para ele, a adolescência surgiu como entidade psicossocial para
satisfazer uma necessidade e é uma criação das forças sociais que operam em nossa sociedade
contemporânea. Entretanto, mesmo tendo surgido de forças sociais, acreditamos que essa fase
de vida tem suas particularidades, sustentando a necessidade de aprofundarmos em pesquisas
e compreensões sobre o tema.
12
Mudança de ciclo de vi
da: termo a ser explicado no item seguinte, p. 43.
41
Levenfus
(2002) se pergunta quando termina a adolescência e sugere que não sabemos
responder mais, que muito tempo as fronteiras que marcavam a passagem da infância
para a adolescência e desta para a vida adulta estão ficando difíceis de precisar. Pensando na
atualidade e em nossa realidade socioeconômica, podemos dizer que a adolescência tem se
estendido, já que muitos jovens hoje se formam e ficam desempregados. A possibilidade de se
auto
-susten
tar e sair da casa dos pais tem sido, então, retardada por es
s
a realidade do mercado
de trabalho.
Para Cerveny e Berthoud (1997), a adolescência é o período de ajustamento sexual,
social, ideológico e vocacional e de luta pela emancipação dos pais. Entreta
nto,
psicologicamente, o critério de término da adolescência não é tanto uma idade cronológica
determinada, mas o nível de maturidade atingido.
Para Preto (1995), juntamente com a maturação sexual, são acelerados os movimentos
que buscam solidificar uma id
entidade e estabelecer a autonomia em relação à família.
Sua capacidade de diferenciar-se dos outros dependerá de quão bem eles manejam
os comportamentos sociais esperados, para expressar as intensas emoções
precipitadas pela puberdade. Para estabelecer autonomia, eles precisam tornar-
se
cada vez mais responsáveis por suas próprias decisões e ao mesmo tempo sentir a
segurança da orientação dos pais (PRETO, 1995, p.
225).
Assim, a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos será essencial nesse
processo de autonomia.
Mas
, para pensarmos em autonomia na adolescência, é importante buscarmos
compreender o contexto contemporâneo desses jovens, os hábitos e demandas atuais. Alguns
autores têm chamado essa geração de
geração
zapping
. É a geração que nasceu conhecendo o
computador, os jogos eletrônicos e
plugada
no mundo globalizado, de informações rápidas e
muita tecnologia.
Zapear
se refere ao comportamento de mudar de um canal para o outro na
televisão sem deter
-
se praticamente em nenhum. Nes
s
e senti
do, sobrepõe
-
se o uso da internet,
do vídeo, dos CDs musicais e dos telefones com a maior naturalidade (LEVENFUS, 2002;
FERREIRA e LEMOS, 2004).
A internet e os meios de comunicação, hoje, fornecem a esses jovens qualquer tipo de
informação e em rápida velocidade. Uma pergunta a se fazer é: com que profundidade eles
compreendem ou utilizam as informações obtidas? Para Ferreira e Lemos (2004), é admirável
para nós que somos de uma geração diferente, a facilidade com que eles aprendem e
trabalham com os avanços tecnológicos. Por outro lado, principalmente nos momentos de
escolha de vida, podemos dizer que eles sofrem de fragilidade de conhecimento no que diz
42
respeito a si mesmos e à realidade.
Assim
,
[...] e
sse jeito
zapping
de lidar com a informação é superf
icial, pois
,
ao se depararem
com dificuldades ou com algo que não os agrada, desencantam-se e simplesmente
zappeiam
em busca de outra informação mais interessante, na fantasia onipotente de
tudo poder ter ou descartar (o controle remoto incrementa bem essa fantasia). Esse é
também um jeito muito característico de lidar com as angústias na adolescência:
narcisismo, onipotência, idealização... (FERREIRA e LEMOS, 2004, p.
52)
.
É importante ressaltar que essas mesmas atitudes podem ser levadas em consideração
no processo de escolha da profissão. Encontrar informações sobre as diversas profissões é
fácil para o jovem, porém o que fazer com elas e como relacioná-las às suas próprias
vivências passa a ser um problema. E todo processo de escolha envolve uma avaliaç
ão
cuidadosa de possibilidades boas e ruins, além de saber lidar com as frustrações, com
ambigüidades, reconhecer dificuldades e facilidades próprias, desejos, anseios... (no caso da
escolha profissional). “É preciso tolerar as frustrações abrindo mão da fantasia onipotente de
que se têm todas as possibilidades, de que se pode tudo” (FERREIRA e LEMOS, 2004, p.52).
Breno nos mostrou esse comportamento de
zappear
quando, a cada momento, citava
seu interesse em buscar um curso universitário diferente. E, juntamente com isso, não parecia
haver uma avaliação crítica de si em relação a cada uma das profissões, de possibilidades,
dificuldades. No seu texto, ele nos diz que irá, durante sua vida, ser profissional de muitas
áreas, trazendo a fantasia onipotente citada pela autora e tentando evitar o processo inerente a
qualquer escolha: ganha
-
se uma oportunidade e perde
-
se outra.
E nossa sociedade consumista também vem estimulando esse comportamento de
pouco vínculo: muda-se de sapato, de parceiro, de
ficante,
encurta-se a escrita (com o
internetês
) e assim por diante. Para Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006), temos
sido confrontados com uma gama de identidades diferentes que atraem e se mostram possíveis
como escolha, sendo a difusão do consumismo um fator que contribui para esse efeito de
supermercado cultural.
E as profissões, seguindo essa lógica, também vêm sendo consumidas pelos
adolescentes, acompanhando o movimento da descartabilidade e pouco contato com as
questões mais íntimas e necessárias nesse momento de escolha. O resultado disso aparece nas
universidades, com uma grande porcentagem de alunos abandonando o curso ainda no
primeiro ano. E isso justifica também o número significativo de pesquisas procurando
encontrar as causas da evasão universitária. Segundo Levenfus (2002), depois de arrebatar a
vaga, 40% dos universitários a abandonam ainda no primeiro ano de curso (RODRIGUES e
43
RAMOS; LEVENFUS; PACHECO, SILVA, MACEDO e PINTO; HOTZA e SOARES-
LUCCHIARI; AVANCINI apud
LEVENFUS, 2002
).
Percebemos essas questões em nossa experiência profissional, tanto na clínica quanto
na escola. Na clínica, costumamos ouvir que algumas atividades propostas são difíceis de se
realizar e, durante o processo de orientação profissional, percebemos que são exatamente as
atividades que exigem um movimento de introspecção e de reflexão sobre si próprios, sobre
sua vida, seus desejos, dificuldades, facilidades e objetivos. Sendo, porém, o trabalho
individual, permite que orientador e orientando possam fazer esse movimento com mais
facilidade do que quando esses jovens se encontram em grupo. Nesse último caso, quando
questões que exigem esse esforço psíquico são lançadas, costuma acontecer a partir deles
primeiramente um movimento para evitar a angústia grupal. É como se deseja
ssem
permanecer na idealização das profissões e não quisessem sair dess
e
mundo paradisíaco em
direção ao mundo do trabalho e ao cotidiano real das profissões, envolvendo prazer e
desprazer.
Mas
, apesar de problematizarmos a questão, apresentando algo que é realmente uma
realidade contemporânea, que esses jovens desejam ou tendem a
zappear
, com um trabalho
maior dentro do processo de orientação profissional, percebemos que são capazes de conciliar
o movimento de busca exterior e interior (no sentido reflexivo) e descobrir que podem fazer
escolhas próprias mais pensadas.
E esse processo envolve também um trabalho com o grupo familiar, que se às
voltas com questões ainda não vividas e pensadas anteriormente. São situações que ensejarão
a elaboração de novas estratégias da família com o adolescente, um resgate da própria
adolescência desses pais e uma avaliação das escolhas atuais também desses adultos. É o que
veremos adiante.
3
.4 A
família
,
o adolescente e o trabalho
:
as novas demandas
Como pensar todas essas questões vividas pelo adolescente, considerando que ele vive
em família e que suas mudanças têm repercussão no grupo como um todo?
Da sociologia, a teoria sistêmica tomou emprestado o conceito de ciclo de vida da
família, para se falar da divisão do desenvolvimento da família em estágios discretos com
tarefas a serem realizadas em cada estágio. Betty Carter e Mônica Mc Goldrick estudaram
44
intensamente esses estágios e enriqueceram essa estrutura acrescentando um ponto de vista
multigeracional (NICHO
LS e SCHWARTZ , 1998).
Dessa forma
,
[...] a
perspectiva de ciclo de vida familiar vê os sintomas e as disfunções em relação
ao funcionamento normal ao longo do tempo, e vê a terapia como ajudando a
restabelecer o momento desenvolvimental da família. Ela formula problemas acerca
do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando
dominar e do futuro para o qual está se dirigindo. Nossa opinião é a de que a família
é mais que a soma de suas partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do
ciclo de vida familiar, o que é o contexto primário do desenvolvimento humano.
Consideramos crucial esta perspectiva para o entendimento dos problemas
emocionais que as pessoas desenvolvem na medida em que se movimentam juntas
através da vid
a (CARTER
/MC GOLDRICK
e
cols.
, 1995, p.
8)
.
Assim, a família passa por ciclos de desenvolvimento, havendo em cada um deles
temas mais presentes, capazes de mobilizar a família como um todo. A importância de
inserirmos o ciclo vital da família se deve ao fato de que a escolha profissional aqui estudada
acontece em um momento específico do desenvolvimento familiar: a família em sua fase
adolescente. Nessa fase, modificações e ajustes no sistema para que esse momento seja
vivenciado e resolvido da melhor
maneira possível por seus membros.
Segundo Carter/Mc Goldrick e
cols.
(1995), o estresse familiar é mais intenso nos
pontos de transição de um estágio para outro no processo desenvolvimental familiar, e os
sintomas tendem a aparecer mais quando uma interrupção ou deslocamento no ciclo de
vida familiar em desdobramento. O esforço terapêutico, nesses casos, é para ajudar os
membros da família a se reorganizarem para prosseguir em seu desenvolvimento.
Durante a fase chamada adolescência, toda a família pas
sa por transformações. Os pais
começam
a rever sua própria adolescência e os aspectos que podem ser resgatados de uma
juventude ainda presente diante de si. Para Cerveny e Berthoud (1997), esses pais ficam
divididos entre o cuidado da geração mais velha (pais, sogros) que começa a requerer atenção
diferenciada em sua fase tardia da vida e as tarefas e funções específicas de educar
adolescentes com suficiente flexibilidade.
As demandas dos adolescentes costumam fazer aflorar conflitos não-resolvidos entre
os
pais e os avós ou entre os próprios pais, que
eles
reativam questões de sua própria
adolescência. “Uma exigência de maior autonomia e independência freqüentemente desperta
nos pais o medo da perda e da rejeição, especialmente se eles se sentiram rejeit
ados pelos pais
durante a adolescência” (PRETO, 1995, p. 224).
Cabe ressaltar ainda que todas essas mudanças acontecem em um sistema social mais
45
complexo.
Enquanto no passado a família era capaz de oferecer treinamento prático para os
filhos na forma de trabalho, ela agora precisa proporcionar-lhes capacidades
psicológicas que os ajudarão a diferenciar-se e a sobreviver num mundo que muda
cada vez mais rapidamente. Em resultado, a maior função da família foi
transformada, da função de unidade econômica em um sistema de apoio emocional
(PRETO, 1995, p. 223)
.
Segundo essa autora, para muitas mulheres, essa pode ser a primeira oportunidade de
trabalhar sem as restrições que enfrentavam quando os filhos eram novos. Muitos homens
estão envolvidos com a maximização de suas carreiras. Os estresses vividos pelo adolescente
são exacerbados quando os pais sentem uma profunda insatisfação e são compelidos a fazer
mudanças em si mesmos. Ou seja, toda a família se sente impelida de alguma forma a olhar
para suas escol
has e talvez refazê
-
las.
E os pais tornam-se geralmente ansiosos para que esse filho adolescente se torne
adulto logo e confira aos pais o certificado de missão cumprida na tarefa de educar. Essa
ansiedade dos pais, muitas vezes, faz com que os filhos pulem etapas e não tenham tempo de
elaborar algumas questões. Podemos citar aqui o momento da escolha profissional,
geralmente carregado dessas ansiedades e de muita pressa. Para dar um exemplo, no trabalho
clínico em orientação profissional, freqüentemente, na primeira sessão, recebemos o jovem e
seus pais ou um dos pais, sendo que estes últimos costumam vir por seu próprio desejo e
desespero para nos dizerem de sua angústia diante do filho que “não tem nem idéia do que
quer fazer”. O recado que nos passam é como se ter dúvidas diante dessa escolha não fosse
permitido ou que talvez pudesse ser reflexo de alguma falha na educação dos pais que não
permitiu que este jovem fosse mais
maduro
ou mais
certo em suas escolhas.
Preto (1995), pensando nas mudanças vividas pela família na fase adolescente, sugere
que é preciso nesse momento flexibilizar-se, ser capaz de rever normas, limites, repensar
papéis e reorganizar-se para permitir ao adolescente maior autonomia e independência.
Entretanto, algumas famílias não conseguem cumprir
tal
função, resultando em disfunções
familiares e desenvolvimento de sintomas no adolescente. A escolha profissional pode se
tornar um dos objetos de manifestação des
s
es sintomas.
Foi o que pudemos perceber na família de Patrícia. Sua mãe, e
m especial, demonstrou
,
desde o primeiro encontro, uma imensa angústia pelo fato d
e
a filha estar crescendo, buscando
suas próprias escolhas e fazendo com que Rita repensasse sua adolescência, seu
posicionamento e suas escolhas.
46
E, ainda pensando nas falas surgidas na história de Patrícia, chamamos a atenção para
a forma como a família recebe, interfere, elabora questões e mudanças sociais e as transfere a
seus membros. É a partir des
s
e convívio que a família irá construir suas narrativas e transmiti
-
las, g
erando repetições ou construções de novas histórias.
Estudamos aqui a família em uma camada social específica, a camada média, que traz
características próprias e diferenciadas em relação, por exemplo, a famílias de camadas baixas
ou altas. Velho (1981), apesar de trazer um trabalho com alguns anos de distância em relação
a nós, referencia-nos por ter feito importantes pesquisas com as camadas médias
(principalmente cariocas). A noção de
projeto
, a partir desse autor, vem nos trazer reflexões,
que estamos pensando em um jovem em busca de construção de seu projeto profissional e
atravessado por muitos outros projetos, entre eles, o da família em relação a ele. Para o autor,
o projeto não é um fenômeno puramente interno e subjetivo, mas é elaborado dentro de um
campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, envolvendo prioridades e
paradigmas culturais existentes. Ele é construído por meio de uma biografia e de uma história
de vida. Além disso, essa noção de projeto procura “[...] dar conta da margem relativa de
escolha
que indivíduos e grupos têm em determinado momento histórico de uma sociedade”
(VELHO, 1981, p.107)
(grifos do autor)
.
Assim, ao pesquisar este tema em famílias cariocas de classe média, Velho (1981)
notou que ficava nítido que os pais tinham expectativas e um projeto claro que estendiam a
seus filhos. Basicamente, esperavam que a família continuasse ascendendo socialmente,
prosperando e aumentando seu
status
. Ele relata que esse processo foi reforçado após o
chamado
milagre
brasileiro
, com uma conjuntura histórica que reforçava o projeto
individualizante de família nuclear, enfatizando o consumo e o sucesso material. Incentivava-
se, nesse momento, o modelo de família que compra, investe, viaja dentre outros. Então,
existia um forte vínculo entre essa ideologia modernizante capitalista e a visão de mundo das
famílias estudadas.
Nes
se estudo do autor, os pais eram profissionais liberais de sucesso, o estilo de vida
implicava despesas elevadas com os filhos. Um fato significativo para o nosso tema é que
Velho (1981) percebeu que o desinteresse pelos estudos sempre aparecia como um dos
primeiros elementos a serem detectados como sinal de que algo não vai bem. Em relação à
valorização e ênfase no sucesso individual, o pesquisador encontrou pessoas que se
incorporavam vigorosamente ao mercado de trabalho, internalizando uma exigência de
produtividade, enquanto outros procuravam um estilo hedonista. Entre os mais jovens, havia
uma noção muito tênue de biografia se comparada com os mais velhos de sua família.
47
Nardi e Yates (2005) comprovam esses últimos dados em pesquisa mais recente, em
que entrevistaram jovens empregados no setor da nova economia (informática,
telecomunicação e internet), jovens empregados no setor bancário e outros ligados a um
projeto de economia solidária. Eles encontraram, principalmente entre os jovens da nova
economia, uma ruptura com os valores morais associados ao trabalho, característicos da
geração dos pais desses jovens. Assim, muito pouco do que esses pais aprenderam em relação
a trabalho é válido para o cotidiano, diferentemente do que foi pontuado por Velho (1981) na
década de oitenta. O mundo mudou muito e vários desses jovens trabalham em áreas não
imaginadas pelos pais. É um mundo cheio de possibilidades para algumas áreas, mas, ao
mesmo tempo, muito incerto e injusto. Assim, para esses jovens, a solução para a busca da
felicidade está ligada à
procura
individual de sucesso.
Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006) também encontraram essas questões
em seus estudos, observando que as diferenças de percepção do mundo do trabalho entre
jovens e adultos, na classe média urbana, estava produzindo ambigüidades e um terreno de
desconforto entre pais e filhos. A geração dos pais, em relação à dimensão do público, é
fortemente marcada por valores como compromisso e lealdade, noções de durabilidade e
política de longo prazo. Dessa forma, pensa-se em carreira e realização por meio do trabalho.
na geração dos filhos, uma perspectiva de curto prazo e provisoriedade das experiências
sociais. E, ao lidar com essas questões, com o imediatismo e a velocidade de informações e
mudanças, cada vez mais presentes em nossa sociedade, uma das saídas tem sido o
empreendedorismo.
Acrescentando ao que falávamos sobre a ge
ração
zapping,
Kurz
,
citado por Henriques,
Féres
-Carneiro e Magalhães (2006), reconhece o surgimento de uma nova classe social, a
global, construída a reboque dos avanços da tecnologia. Essa classe, por suas características
flexíveis e desenraizadas, vem sendo cultuada pelos jovens como modelo identificatório
calcado na mobilidade, domínio de informação e construção de um universo virtual de
diversão. E
,
então, diante das possíveis oposições encontradas no mercado de trabalho, muitos
jovens têm decidido que a melhor maneira de lutar é sair atrás do seu próprio negócio,
empreendendo. E esse passa a ser um ideal. Cabe lembrar que estamos falando de jovens de
classe média. Se nos referíssemos a jovens de classe baixa, levantaríamos outras alternativas
buscadas
diante das limitações do mercado de trabalho, como, por exemplo, o
cooperativismo.
Mas, como em qualquer momento de mudanças paradigmáticas, temos a convivência
com o velho, o incerto e com novas saídas e, diante desse universo do trabalho, bastante
48
de
sconhecido para a maioria dos pais, muitos deles se tornam mais ansiosos ainda em relação
às expectativas depositadas nos filhos no campo profissional.
A família de Patrícia nos mostrou um pouco sobre isso. As mudanças no mercado de
trabalho pareciam atem
orizar Rita, a mãe, que
,
sem soluções ou respostas prontas para a filha,
sugeria a busca de cursos tradicionais como alternativa. Rita ainda nos relatou sobre um
período (a sua juventude) em que não se escolhia muito. Ela não sabia dizer bem se havia
escol
hido sua profissão. Dizia que os pais sugeriam e não havia tantas opções assim. “Poucas
pessoas mudavam de curso ou optavam por coisas muito diferentes.” Dessa forma, Rita nos
conta de sua angústia em ter uma filha se lançando em uma busca profissional em um mundo
não tão conhecido por ela. Patrícia vive num momento que traz novos modos de subjetivação
em relação à juventude de sua mãe. A ela, é exigido que se escolha o tempo todo, mesmo que
a sociedade ou a mídia, em muitos momentos, escolha por ela. Na juventude de Rita, as
mulheres estavam começando a buscar o direito de escolher, seja o projeto de vida, o marido,
o tipo de lazer, a profissão dentre outros.
Ainda trazendo mudanças contemporâneas na família e no trabalho, um outro
fenômeno que vem sendo observado é a permanência dos filhos adultos na casa dos pais.
Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006) fizeram um estudo para compreender o
fenômeno, percebendo que fatores particulares ao universo da classe média urbana podem ter
tido como conseqüência esse prolongamento da coabitação. E muitas das questões se
relacionam às mudanças no mundo do trabalho.
A esfera do trabalho e as mudanças paradigmáticas que a vêm compondo na
atualidade, associadas à incerteza, à insegurança, às vivências de fragmentação e ao
individualismo repercut
em
na vida em família e nos relacionamentos sociais. Para as autoras,
tem havido uma oscilação do investimento no mundo privado e um descomprometimento no
mundo público. O último vem se revestindo de impessoalidade e, o primeiro, de intimidade.
Dessa forma, tem-se acentuado a construção do espaço privado da família, por meio de uma
grande separação do domínio público (HENRIQUES, FÉRES
-
CARNEIRO e MAGALHÃES,
2006).
As instituições contemporâneas tendem a diminuir a possibilidade de experiências de
pertencimento especial, devido à excessiva rapidez das mudanças e fragmentação dos laços
que as unem aos indivíduos. Assim, pertencer passa a ser uma experiência desejada. Diante
disso
,
[...] pode-se dizer que o prolongamento da convivência familiar - a permanência dos
49
filhos adultos na casa dos pais - afirmar-
se
-ia como uma atitude de não-
enfrentamento da sensação de insegurança que afeta os que vivem no mundo de
hoje, visto como imprevisível e incerto. A família entendida como lugar de
confiança e da conciliação pode representar um ideal de convivência
contemporâneo, um valor seguro a que ninguém quer renunciar, um lugar de
resistência face a uma sociedade globalizada, sem fronteiras e caracterizada pela
ausência, ou pela morte lenta das referências tradicionais estáveis (HENRIQUES,
FÉRES
-
CARNEIRO e MAGALHÃES, 2006, p. 333
).
Ribeiro (2005) também nos traz dados importantes a respeito da importância do
projeto dos pais para os filhos. Ao pesquisar os motivos da evasão universitária, o aut
or
encontrou, entre vários fatores (como dificuldades financeiras, falta de ajustamento ao curso,
escolha precoce, entre outros), o projeto profissional sociofamiliar como um dos
determinantes. Assim
,
[...] existe um discurso social de que o curso universitário é condição sine qua non
para a possibilidade de ascensão social, via carreira, e as famílias têm como meta
que seus filhos atinjam esse patamar em sua escolaridade, mas que aparece muito
mais como um desejo do que como uma possibilidade concreta. Essa contradição se
mostrou o tempo todo no discurso dos sujeitos que, por um lado, diziam achar
fundamental cursar uma universidade, mas pelo outro apontavam seguidamente as
impossibilidades de que isso acontecesse, inclusive naqueles que tinham condição
de
pagar e acabavam desistindo do curso superior escolhido por algum outro motivo,
geralmente associado a idéia de que “a universidade não é feita para nós”
(RIBEIRO, 2005, p. 66)
(grifos do autor)
.
Temos que ressaltar que o autor pesquisou famílias em que a maior parte dos pais não
havia feito curso superior e algumas delas apresentavam dificuldades financeiras. Assim, o
referencial da família de origem precisa ser considerado como um elemento importante na
formulação do projeto dos filhos. Para Bordieu
,
ci
tado por Ribeiro (2005), o indivíduo tende a
reproduzir simbolicamente a estrutura de relações sociais próprias à classe social a que a
família pertence e, ainda, os deslocamentos no espaço social que constituem sua trajetória
social.
Em nossa experiência prática, trabalhamos com jovens de classe média em uma escola
particular de Belo Horizonte e no consultório particular. Nos dois ambientes, presenciamos
realidades diferentes pelo tipo de família que nos procura e pelas características peculiares de
dois bairros geograficamente afastados na cidade. Na escola, na zona oeste da cidade,
convivemos com jovens de famílias que hoje têm condições de pagar uma escola particular
para os filhos, mas que têm uma história de vida de dificuldades financeiras e de ascens
ão
por
meio
do próprio trabalho. Grande parte desses pais não pôde estudar e se desenvolveu
trabalhando com comércio na região. Para alguns alunos, pensar em um curso universitário é
algo muito novo em seu meio familiar. Muitos deles apresentam dificuldades de escolha por
50
não
ter modelos de referência em suas famílias. Em conversas com as famílias no próprio
processo de orientação profissional, algumas manifestam apenas o desejo de que o filho curse
uma universidade, mas não sabem dizer bem que tipo de curso. Muitos dos jovens sentem
carregar uma grande expectativa da família, no sentido de cumprir essa tarefa tão desejada e
trilhada por poucos em seu meio. Ao mesmo tempo, costumam
passear
mais pelas opções
profissionais, escolhendo também cursos não tão con
hecidos e com menor
status
social.
no consultório, recebemos alunos de escolas particulares da região centro- sul. São
jovens com a maioria dos pais com curso superior, sendo que questionar o ingresso numa
universidade nem mesmo passa a ser uma opção. Os pais geralmente conhecem e convivem
mais com a realidade do mercado de trabalho e costumam fazer mais exigências a ess
es filhos
em relação às escolhas profissionais. Esses jovens, geralmente, escolhem cursos mais
tradicionais ou chegam para iniciar o processo com uma opção tradicional e precisam de um
trabalho maior na orientação para se permitirem e pedirem permissão aos pais para escolher
algo que não esteja em seus projetos.
Dessa forma, percebemos, então, a importância de considerar os multifatores q
ue
envolvem a escolha do jovem, em especial, o projeto familiar profissional construído
conjuntamente pelos membros da mesma. Para isso, abordaremos adiante o eixo familiar,
buscando a fundamentação teórica da teoria sistêmica, que nos permita um aprofundamento e
uma leitura das construções e reconstruções narrativas possíveis ao jovem nessa circunstância
de escolha.
51
4 AS NARRATIVAS FAMILIARES E SUAS REDES
4
.1 História e mudanças epistemológicas no campo da terapia familiar sistêmica
“Considerei o caso, e entendi que, se uma cousa pode
existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na
realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das
duas existências paralelas a única necessária é a da
opinião, não a realidade, que é ap
enas conveniente”.
Machado de Assis
No presente trabalho, temos como marco teórico a terapia familiar sistêmica, cujos
conceitos e bases são utilizados para uma compreensão de família, especificamente da
vivência da família no momento da escolha p
rofissional do jovem.
Para isso, salientamos a importância da base epistemológica da terapia familiar
sistêmica, considerando que toda ciência passa por mudanças em seus conceitos à medida que
eles vão sendo questionados, mais bem compreendidos ou colocados em cheque por
mudanças paradigmáticas. Esteves de Vasconcelos (1995), estudando Khun e Keeney,
considera que o sentido dos termos evolui à medida que o campo atinge graus de
complexidade superior ou quando acontece uma mudança de paradigma
13
.
A terapia sistêmica caracterizou-se desde sua origem por uma interdisciplinaridade,
uma troca e uma busca de conceitos, compreensões e discussões com outros campos da
ciência. Dessa forma, as mudanças e questionamentos advindos dessas outras áreas foram se
estendendo
ao pensamento sistêmico, o que justifica a importância de explicitarmos a
evolução da ciência dita tradicional para a contemporânea (ou
novo
-
paradigmática
), como é
chamada por Esteves de Vasconcelos (1995)
14
. Outros autores, como Grandesso (2000),
referem
-
se a es
s
as mudanças como uma
epistemologia da pós
-
modernidade
.
Para Esteves de Vasconcelos (1995), esta mudança se deu [...] ao longo de três eixos
ou pressupostos da atividade científica: da simplicidade à complexidade do objeto; da
13
Para Capra (1982), o termo paradigma significa a totalidade de pensamentos, percepções e valores que
formam uma determinada visão de realidade, uma visão que é a base do modo como uma sociedade se organi
za;
no caso, como faz a comunidade científica.
14
Como podemos perceber, não há uma unanimidade no uso dos termos no que se refere às mudanças dentro da
terapia familiar sistêmica. O uso de termos tais como: epistemologia da pós-
modernidade
ou ciência novo-
paradigmática
refere
-
se a esse processo.
52
estabilidade à instabilidade do mundo; da objetividade à ‘objetividade entre parênteses’ ou
intersubjetividade.” (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p.
xiv).
A ciência tradicional, segundo Morin (1997), é a ciência clássica; aquela que,
fundando suas explicações na ordem e na simplificação, reinou até o início do culo XX,
encontrando
-se, hoje, em crise. Seguindo essa tradição, o objetivo básico é a busca do
conhecimento fundamental, certo e seguro, de um mundo objetivo existente
independentemente de um sujeito cognoscente. “Por se tratar de um conhecimento
cumulativo, observável, verificável e universal, o discurso filosófico da modernidade é do tipo
unívoco, apoiado em um valor de verdade e estabilidade” (GRANDESSO, 2000, p. 55). a
ciência contemporânea traz em seu discurso o
s aspectos da desordem e imprevisibilidade.
Então, ao se deparar com a complexidade, a função do cientista era reduzi-la a leis
simples que terminavam por fragmentar a natureza. Para simplificar o mundo, partia-se para
uma universalidade das idealizações. As mudanças começaram a se dar a partir do momento
em que se percebeu a insuficiência da observação e se partiu, então, para uma prática
experimental.
A realidade, porém, passou a ser mutilada para que fosse possível a
experimentação, a avaliação de hipóte
ses, de verificação e de controle. Assim
,
[...] este foi um legado cartesiano que perpetuou uma dicotomia radical entre um
mundo interno das entidades mentais e um mundo externo dos objetos físicos.
Independentemente do que está sendo observado, descrito ou explicado, o sujeito
cognoscente está sempre separado do seu objeto de conhecimento. Essa tradição de
pensamento, portanto, apóia-se no dualismo sujeito e objeto, tendo o sujeito uma
posição privilegiada de acesso a uma realidade independente, mas tendo a realidade
como contexto de validação de todo conhecimento, a partir de uma espécie de
“tribunal dos fatos”, fora de esfera do “simplesmente humano”. (IBAÑEZ, apud
GRANDESSO, 2000, p. 56).
Entretanto, os limites desta ciência foram sendo verificados, dando espaço à visão
contemporânea emergente, que é a visão sistêmica da complexidade organizada (ESTEVES
DE VASCONCELOS, 1995). No final do século XVIII, Kant propôs que a experiência é
mediada por categorias, não sendo, portanto, uma representação transpa
rente da realidade. Em
Crítica à razão pura, Kant considerou a mente não como um receptáculo das impressões da
natureza, mas criadora de significado. Portanto, a mente estrutura ativamente a experiência,
interferindo sobre ela. (GRANDESSO, 2000).
A partir disso, alguns pressupostos da ciência tradicional vêm sendo revistos, como,
por exemplo, o da simplicidade. Percebeu-se que descrições de sistemas simples não davam
conta de descrever o comportamento de sistemas muito grandes ou muito pequenos
(PRIGOGINE
E STENGERS, 1997). Também, no que se refere à estabilidade do mundo,
53
descobriu
-se que átomos e astros não eram tão estáveis como se supunha. Então, deixa-se o
modelo de determinismo estrito e passa-se a um modelo de determinismo probabilístico.
Assim, “[..
.]
noções como as de instabilidade, flutuação, perturbação, ruído, acaso, bifurcação,
auto
-organização, inovação, criatividade, escolha, ordem e desordem têm tido uso corrente na
literatura científica dos dias atuais.” (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p.57).
Mas um dos pontos principais para o abandono do pensamento moderno tem sido a
idéia de que a compreensão humana é uma construção negociada entre as redes conceituais
das pessoas e suas transações no mundo, abandonando, dessa forma, a dualidade indivíduo-
m
undo (GRANDESSO, 2000).
Então, a participação do observador também passou a ser incluída. Para Esteves de
Vasconcelos (1995), a Teoria da Relatividade veio nos trazer a idéia de que a descrição
científica deve levar em conta os meios acessíveis a um observador que pertença ao mundo
que descreve e não pressupor um ser totalmente independente das coações físicas, que
contemplasse o mundo a partir do seu exterior. Assim, não é possível descrever a natureza
como simples espectador. Nesse sentido, é preciso ressaltar que os casos apresentados nest
e
trabalho também dizem respeito à subjetividade da pesquisadora/terapeuta.
A idéia de uma descrição completa e única de algum evento também foi questionada.
Sendo a realidade demasiado rica e cheia de complexidade, nenhum ponto de vista poderia
esgotar a totalidade do sistema, tratando-se, então, da mesma realidade com visões diferentes
e complementares. Além disso, só se conhece parte da realidade, sendo que esta pode
surgir a partir da pergunta do observador sobre ela. Isso nos leva a falar de uma postura
epistemológica construtivista, em que a realidade científica será uma co-construção dos
diversos cientistas da área (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).
Nes
se sentido, também reflet
em
Maturana
e Varella
(1995
, p. 18
),
[...] refiro-me ao fato de que o universo de conhecimentos, de experiências e
percepções do ser humano não é passível de explicação a partir de uma perspectiva
independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano
(experiências, perc
epções) a partir dele mesmo.
O observador, então, passa a estudar sistemas do qual ele mesmo faz parte. fazia,
mas não se incluía, tentando objetivar sua pesquisa. Assim, toda realidade passa a ser vista
como dependente do seu observador, como experiência singular daquele momento. Dá-
se
ênfase ao contexto, ao global e, ao mesmo tempo, ao único dentro da experiência humana. E
es
se salto traz implicações importantes também para a psicoterapia, o que veremos mais à
frente.
54
Também
, nesse sentido, Grandesso (2000) considera que o pensamento pós-
moderno
ressalta o conhecimento como resultante do intercâmbio social, numa abertura para a
diferença, sendo a ênfase colocada sobre a multiplicidade de significados e na descrença de
verdades a
-
históricas.
E fazendo uma articulação, podemos retornar à história de Breno
15
. A angústia do
jovem diante da multiplicidade de opções e de sua impossibilidade, naquele momento, de se
posicionar e de fazer escolhas repercutiu nos colegas e na própria coordenadora do grupo.
Est
ávamos ali fazendo parte de um mesmo sistema, co
-
construindo projetos profissionais para
es
ses jovens, compartilhando possibilidades, dificuldades, angústias e caminhos viáveis. Para
a orientadora do processo, ainda havia um dado importante: tratava-
se
do primeiro ano de
trabalho nesta escola e do primeiro grupo de orientação profissional sob sua coordenação. A
nós
, coordenadora, coube a função de acolher a mensagem de Breno de que, naquele
momento, outras questões se sobrepunham e o impediam de escolher. Vários autores, entre
eles, Bohoslavsky (1998) e Levenfus e Nunes (2002) teorizaram a respeito de critérios
importantes para que o sujeito conta da tarefa de fazer escolhas e, inclusive, fizeram
pesquisas revelando as dificuldades de jovens diante da não-
escolha
16
. Mas, curiosa em
conhecer um pouco sobre as narrativas familiares na história de Breno e ir além das questões
individuais, passamos a ess
a etapa
,
e o que surgiu trouxe importantes esclarecimentos.
As tarefas propostas para o grupo eram trazidas por Breno sempre pela metade,
faltando algo ou em atraso. E isso chamava a atenção. Era como se quisesse participar, mas
algo o impedia de estar por inteiro, se é que podemos dizer assim. Talvez quisesse nos pedir
para respeitarmos seu ritmo de elaboração do que estávamos trabalhando. Ao propormos a
atividade do genoprofissiograma, Breno foi explicando que observou que, em sua família, as
pessoas são meio autodidatas e muito criativas
17
. Contou que sua avó paterna é meio médica
e seu avô paterno, meio filó
sofo
. Pedindo que explicasse melhor, disse que a avó costumava
receitar coisas para todo mundo que adoecia. Fazia uns chás, entendia de plantas e conhecia
várias doenças. o avô contava umas coisas fantásticas e tinha umas idéias diferentes de
todo mundo. Parecido com a forma como Breno se descreveu no início do grupo? Sim. Mas
outro dado importante era que nem o avô nem a avó tinham uma formação nes
s
as áreas.
Continuando, referiu-se aos familiares como pessoas meio soltas e que haviam
trabalhado com um monte de coisas. No lado materno, caracterizou-os como pessoas muito
15
História apresentada no capítulo 3, p. 28.
16
Levenfus e Nunes (2002) escreveram sobre a não
-
escolha profissional diante de jovens simbiotizados.
17
Genoprofissiograma: técnica explicada no capítulo 2 e mais detalha
da no apêndice, p. 106.
55
humanas, carinhosas e falou de seu forte vínculo com elas. Ainda disse ser o único neto
homem, reconhecendo um aprendizado por conviver com tantas mulheres: a sensibilidade.
Tent
amos
le
-lo a se questionar sobre as semelhanças no que estava
nos
contando
sobre sua família e sobre a forma como se mostrava. E que pudesse salientar valores herdados
que gostaria de levar adiante e outros que não gostaria, talvez por causarem sofrimento. Nes
s
e
momento, ele se fixou muito no que o incomodava e deixou de falar do que gostava, como se
não existisse nada de positivo. Pergunt
amos
se havia percebido quantas vezes usou a palavra
meio
(meio médica, meio filósofo, meio solto...). E ele completou: “É, eu sou assim mesmo.
Eu também sou meio algumas coisas”.
Quando colocado frente a suas questões, Breno parecia
se render, como se quisesse encerrar o assunto, caracterizando-o como insignificante e cheio
de defeitos. Mas o grupo (colegas e coordenadora) sempre tentava reverter essa posição,
fazendo com que se implicasse e buscasse também pontos positivos ou que, pelo menos,
pudesse transformar sua fala inicial e sair das narrativas rígidas.
Convers
amos
com ele tentando co-construir uma narrativa que conotass
e
positivamente muito do que ele estava trazendo e buscando encorajá-lo a escolher, mesmo
que fosse a decisão de postergar sua escolha profissional. Refletimos sobre o mercado de
trabalho, no sentido de que um profissional que tem tantos interesses e que b
usca
conhecimento em várias áreas é desejado em várias empresas. E que ele mostrava isso. Mas
que o problema podia estar também em querer fazer várias coisas ao mesmo tempo, talvez de
forma incompleta, meio mais ou menos, e relat
amos
para ele o que Macedo (1999), chama do
especialista generalizante e do
generalista
. Disse
mos
que o primeiro fazia escolha por uma
área, aprofundando nela, mas buscando conhecimento em outras e que o segundo não fazia
uma escolha, vagando por várias sem um rumo certo
18
.
Um encontro com seus pais já era algo programado dentro de
nosso
projeto de
orientação profissional, mas tornou-se mais significativo quando Breno trouxe um pouco de
sua história familiar.
O pai não pôde vir, mas a mãe, Vanda, veio e contribuiu muito para o nosso trabalho.
Ela disse do posicionamento dela e do marido de tentarem não influenciar Breno ness
e
momento para que ele pudesse se decidir sozinho. E contou sobre a trajetória profissional dos
dois. Vanda havia trabalhado em áreas muito diferentes. Primeiramente, como técnica em
eletrônica, depois como vendedora e, no momento, trabalhando com confecção de roupas.
Questionada se gostava de seu trabalho, respondeu sim sem muito entusiasmo. Não é bem o
18
Macedo (1999): citado no capítulo anterior, p. 36.
56
que eu queria”. Perguntei se conseguia unir em seu trabalho atual os dois cursos superiores
(de administração de empresas e de
design
de modas) e respondeu positivamente. Sobre o
marido, ela contou que chegou a fazer o curso de Direito até o oitavo período, mas acabou
desistindo. “Não sabia se era realmente o que queria. Acabou trabalhando como corretor de
imóveis”. Conversamos mais sobre sua família de origem, tentando trazer mais compreensões
para o processo de Breno.
Percebemos que, como Breno havia relatado, tratava-se de pessoas muito sensíveis,
humanas, mas sem um direcionamento em termos profissionais. Questionada sobre isso,
Vanda concordou e disse que não havia modelos prontos para Breno. Observamos na fala de
Vanda como ela relatou o movimento dela e do marido diante das escolhas e da vida
profission
al. Sobre ela: Não é bem o que eu queria. E sobre o marido: Não sabia se era
realmente o que ele queria. Percebemos que são pessoas que se lançam na vida profissional,
m muitos interesses, mas sem um direcionamento e sem uma real tomada de decisão.
Em seu texto, ao passear pelas profissões, Breno dizia que “primeiro queria buscar a
verdade
na biologia, depois na física, na psicologia ... para então buscar na filosofia”
19
. De
que verdade falava? Parecia estar se referindo a certezas que não estava encontrando em sua
vida e, principalmente
,
nes
s
e momento de escolha profissional. E
,
então, por isso, preferia não
escolher.
Com isso, podemos supor que o modelo que estava sendo
copiado
por Breno era o da
não
-escolha. Ele parecia estar repetindo esse padrão aprendido em sua família. Seu pai e sua
mãe demonstraram viver dessa forma no setor profissional. E isso o angustiava por viver entre
colegas que estavam escolhendo e numa sociedade que demanda isso de um profissional.
A própria mãe de Breno nos relatou que “não modelos prontos para ele” vindos da
família e isso parecia o angustiar muito. Seu interesse pela filosofia se mostrava de forma
nítida, mas dois lados dessa história permaneciam para ele: a filosofia se mostrava como algo
instigante e ao mesmo tempo, assustador. Em um encontro, ele relatou seu medo de
enlouquecer ao estudar filosofia. E
nos
question
amos
: será que é um medo de entrar em
contato com ele, com suas questões, reflexões, com seu interior e com
sua filosofia
?
No texto que escreveu, ele diz que quer “buscar a verdade” em outras áreas do
conhecimento e, durante as sessões, vai ampliando suas buscas por áreas diversas. Havia uma
necessidade de se cercar de muitas áreas do conhecimento? Será que ele estava
nos
falando de
19
Descrito no capítulo 1, p.28.
57
sua angústia diante de sua fragilidade, de suas dúvidas, do não-saber e dos limites do ser
humano?
Em um dos encontros, uma das colegas de Breno lembra ao grupo de que o vestibular
seria da
li
a algumas semanas e ele se expressa, dizendo que odeia números, horas, ver os
ponteiros
do relógio se movendo... De novo, a questão da angústia parece surgir; dificuldade
com nossos limites, seja de tempo, de escolhas, de profissões... E o que pudemos perceber é
que suas falas realmente angustiavam o grupo.
E a
nós
, como orientadora profissional, cabia também desejar ou exigir que ele fizesse
uma escolha profissional naquele momento? Certamente não, apesar da cobrança que
nos
faz
íamos
de ajudá-lo a chegar a uma resposta, talvez por estar iniciando um trabalho ness
a
área. Além disso, havia questões institucionais, ou seja, estar dentro de uma escola que
esperava resultados vindos de
nosso
trabalho. Mas
nha
mos
noção de que não quería
mos
reproduzir um modelo de orientação profissional; este das respostas prontas, que não se atenta
tanto às singularidades do jovem, ao seu ritmo e às suas possibilidades no momento. Como
citado no capítulo anterior,
nosso
objetivo era trabalhar com a escolha possível para o
momento
. Mas
nha
mos
como função auxiliá-lo a perceber as repetições em relação ao seu
grupo familiar, o que o impedia de caminhar bem para que ele pudesse, então, dizer o que
desejava.
E sua decisão foi não fazer vestibular n
aquele
ano, entrar num curso pré-vestibular e
se
dar esse tempo para que pudesse amadurecer e tentar se posicionar mais uma vez diante
des
sa tarefa da escolha profissional. Ele se posicionou, pelo menos em relação à filosofia:
“não quero encarar de frente a filosofia por enquanto. Gosto, mas não me sinto pronto para
mergulhar neste mundo”. E fiz
emos
a seguinte leitura: “Preciso mergulhar primeiro em
minhas questões, em minhas dificuldades, fortalecer
-
me para então dar conta da postura quase
sempre inacabada que a filosofia nos apresenta, uma pergunta que gera outra, uma resposta
que exige mais uma e assim por diante. Aturar a angústia de não poder fechar as questões,
como dois mais dois é igual a quatro”.
Era como se pedisse ao grupo, a
nós
e à sua família que não o obrigássemos a escolher
num momento em que não conseguiria. E o caminho que pôde construir foi fazer pré-
ve
stibular, pensar mais, talvez ir para uma área ligada à ajuda, ao contato humano e continuar
lendo, estudando filosofia até que pudesse se sentir maduro para
encarar
tal área.
Fazer o genoprofissiograma de Breno e conversar com sua mãe
nos
instigou e,
somando
-se aos posteriores encontros que tive
mos
com outras famílias dos alunos, f
omos
compreendendo a importância do conhecimento da história familiar nesse processo. Foram
58
es
ses encontros que
nos
despertaram para a construção do projeto que deu origem a esta
dissertação.
Então, o que vínhamos trazendo anteriormente em relação à terapia sistêmica se soma
ao caso clínico para nos dizer que o campo também foi se complexizando, passando por
transformações em seus conceitos e atingindo uma visão mais holística das relações humanas.
Essa transição trouxe repercussões tanto no âmbito da explicação do funcionamento e da
dinâmica familiar, como na prática dos terapeutas de família. (RAPIZO, 1996).
Como foi observado, não buscamos um entendimento isolado da história de Breno e
nem uma explicação única e patologizante diante de sua história familiar. A procura foi por
uma leitura sistêmica que redistribuísse no grupo familiar as questões que Breno nos trazia,
ampliando a compreensão, sugerindo hipóteses e proporcionando a construção de novas
narrativas. Vamos trazer a compreensão deste tipo de leitura sistêmica a seguir.
4.2 A família como um sistema.
Optamos neste trabalho pela concepção da família enquanto sistema, ou seja, trazemos
uma compreensão de família
sob o viés da teoria sistêmica, como um grupo dinâmico e plural,
em constante movimento. Para isso, consideramos importante acompanhar o início dess
es
estudos de família e os conceitos formulados desde então.
A partir da década de 50, vários pesquisadores começaram a se interessar pelo estudo
dos esquizofrênicos e suas famílias. Bateson, Lidz, Wynne, Watzlavick, Jackson, e Beavin
entre outros, citados por Cerveny (1994), começaram a ver o grupo familiar sob uma nova
ótica de forma interacional: não só como
um conjunto de indivíduos, mas como uma entidade,
uma totalidade que tinha uma estrutura específica. A idéia de sintoma como pertencente a um
indivíduo começa a ser questionada.
Vários conceitos foram emprestados de outras ciências, ampliando uma versão d
e
família que começava a ser estudada pela psicologia. Gregory Bateson, um antropólogo, foi o
principal por trazer as idéias dos sistemas à terapia familiar. Daqui veio a idéia de que a
função adaptativa de qualquer atividade pode ser encontrada se o comportamento for
examinado no contexto de seu ambiente.
A biologia também trouxe suas contribuições, por meio de Ludwig von Bertalanffy,
59
que segundo Nichols e Schwartz (1998), foi um biólogo que começou a ponderar se as leis
que se aplicavam aos organismos biológicos podiam também ser aplicadas a outras áreas,
desde à mente humana à ecosfera global. Ele desenvolveu a Teoria Geral dos Sistemas
-
TGS.
Bertalanffy foi o pioneiro na idéia de que um sistema era mais do que a soma de suas
partes. Para Nichols e Schwartz (1998), não nada de misterioso nessa afirmação, “[...]
apenas a idéia de que
,
quando as coisas são organizadas dentro de um sistema, algo emerge do
padrão e do relacionamento das partes dentro dele que é maior ou diferente, do mesmo modo
que a água emerge da interação de hidrogênio com o oxigênio.” (NICHOLS E SCHWARTZ,
1998, p. 90).
Para Bertalanffy (1973), sistema é um complexo de elementos em interação, um todo
organizado ou ainda, partes que interagem formando esse todo unitário e complexo. Katz
e
Kahn
, citados por Cerveny
(1994
), definem qualquer sistema como uma entidade conceitual
ou física, integrada por partes relacionadas interatuantes e interdependentes. Estendendo o
conceito
,
[...] pensando nas relações do grupo familiar, segundo a teoria de sistemas, podemos
dizer que neste o comportamento de cada um dos membros é interdependente do
comportamento dos outros. O grupo familiar pode, então, ser visto como um
conjunto que funciona como uma totalidade e no qual as particularidades dos
membros
não bastam para explicar o comportamento de todos os outros membros.
Assim, a análise de uma família não é a soma das análises de seus membros
individuais. Os sistemas interpessoais como a família podem ser encarados como
circuitos de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é
afetado pelo comportamento de cada uma das outras partes (CERVENY, 1994, p.
24)
.
A família, dentro dessa concepção, opera com certos princípios como homeostase,
morfogênese,
feedback,
causalidade circular e
não
-
somatividade. Cerveny (1994) descreve, de
forma sintética e didática, os principais conceitos da família enquanto sistema.
Para a autora, a homeostase é um processo auto-regulador que mantém a estabilidade
do sistema e protege-o de desvios e mudanças. Na família, refere-se à tendência a manter
padrões de relacionamento e mecanismos que impedem que haja mudanças em padrões de
relacionamento já estabelecidos.
A morfogênese refere-se à possibilidade de adaptação e flexibilidade dos sistemas que
permite que se autotransformem de forma criativa. Na família, essas mudanças ocorrem
dentro da ordem estrutural e funcional do sistema, adquirindo uma configuração
qualitativamente diferente da anterior. a morfostase designa a capacidade d
e
o sistema
manter sua es
trutura em um ambiente mutante por meios de circuitos de retroalimentação.
60
Sobre o feedback,
Nos sistemas humanos, o mecanismo de feedback tem duas funções primordiais: a
primeira é fornecer informações e a segunda é definir o relacionamento entre os
memb
ros do sistema. O feedback positivo aumenta a atividade do sistema enquanto
os negativos revertem
-
no ou pedem correção (CERVENY, 1994,p.26).
Um outro princípio, a causalidade circular, sugere que mudanças em um elemento do
sistema provocam mudanças em todos os outros e no sistema como um todo. Assim,
diferente
mente
do pensamento linear, em que uma causa e um efeito, a circularidade
refere
-
se a um padrão de relacionamento envolvendo uma espiral de
feedbacks
recursivos.
O princípio da não-somatividade, segundo essa autora, evidencia ser impossível ver
partes do todo como entidades isoladas ou somar características das partes para entender o
todo. Na família, isso significa que os indivíduos podem ser compreendidos dentro dos
contextos interacionais nos quais funcionam e, que para compreender o sistema familiar,
devemos vê
-
lo como um todo.
A família vai se sustentando por meio de padrões interacionais que permitem ao
mesmo tempo a conservação de alguns padrões para as futuras gerações e por uma
flexibili
dade que permite rearranjos e mudanças para responder a situações novas. Assim, os
eventos e comportamentos em uma família formam, aos poucos, padrões constantes e
repetitivos que equilibram a família e permitem que ela evolua ao longo do tempo.
Pudemos p
erceber isso na família de Breno e veremos também no caso de Maria, mais
adiante, no capítulo seguinte. De fato, as questões teóricas, não raro se articulam com a
prática e vice-versa. Na história de Breno, a família apresentava um padrão de diversificar e
m
termos profissionais, mas não escolher ou assumir uma direção. Por muito tempo, foi um
padrão repetitivo que trouxe equilíbrio à família. F
alamos
, porém, aqui em um equilíbrio
disfuncional, aquele que mantém um padrão, mas às custas de sofrimento para os
membros do
sistema. Breno foi quem pôde realçar a repetição e trazê
-
la como algo que muito o angustiava.
Ele não pôde, a princípio, sugerir algo novo à família, mas provavelmente, mobilizou-os na
busca de novas narrativas e de evoluções para es
s
e sistema.
Para Papp (1992), os membros da família não são vistos como
tendo
certas
características inatas, mas reagindo ou manifestando comportamento em relação ao
comportamento de outros. “Antes de tentar entender a causa do comportamento, o terapeuta
tenta enten
der a flutuação do padrão do qual ele tira seu significado” (PAPP, 1992, p. 23).
Assim, o sistema está o tempo todo se retroalimentando e tentando fazer modificações
para manter sua homeostase. Esse conceito de organização circular, em oposição à descrição
61
individual e ao pensamento linear, é que se tornou a base sobre a qual a terapia familiar se
apóia. Assim, nenhuma pessoa é considerada
detentora
de um controle unilateral sobre
qualquer pessoa; o controle está na maneira pelo qual o circuito é organizado e continua a
operar (PAPP, 1952).
Dessa forma, apesar de algumas diferenças de aplicação dos conceitos cibernéticos ao
desenvolvimento da teoria e da técnica do atendimento familiar, foi um avanço a noção da
família como sistema, cujos membros interagem circularmente, atingem um padrão de
funcionamento estável, obedecendo a regras relacionais e entendendo o sintoma como
produto de inter-relações. Cada indivíduo está imerso nesse rede
e
é dela
indissociável
(RAPIZO, 1996).
Passemos então a compreender a cibernética, ciência que embasou construções
teóricas da terapia familiar sistêmica e que também sofreu mudanças juntamente com a
evolução da ciência.
Esteves de Vasconcelos (1995) cita várias disciplinas que se incluem entre as
ciências
dos sistema
s, estando
a teoria geral dos sistemas, a cibernética e a informática entre elas.
A cibernética surgiu como uma disciplina científica no final da década de 40, fundada
pelo alemão Norbert Wiener, em um momento em que o interesse científico se voltava para a
energia
e a matéria,
via
conceitos como a informação e a organização. Ela surge no seio de
um questionamento profundo sobre os pilares da tradição científica, como o mecanicismo e o
objetivismo (RAPIZO, 1996).
Trata
-se de uma ciência do controle e a comunicação em sistemas complexos
(computadores e seres vivos) e sua versão moderna passou a se referir a ela como o estudo das
relações que os componentes de um sistema devem ter para existir como uma entidade
autônoma. Ocupa-se basicamente da circularidade no estudo dos mecanismos de causação
circular, retroalimentação e auto-referência em sistemas artificiais, biológicos ou sociais
(RAPIZO, 1996) .
A cibernética pode ser vista como uma filosofia das ciências e como uma metodologia.
Mais recentemente tem sido comum re
ferir
-se a ela como uma epistemologia. Ela também é
considerada uma teoria das máquinas e investiga as relações entre os elementos, a forma
como se organizam os componentes para fazer o que fazem, os meios que usam para chegar à
meta, a despeito das perturbações e dificuldades, interessando-se não pelos elementos que a
constituem, mas, sim, por suas características organizacionais (ESTEVES DE
VASCONCELOS, 1995).
Além do estudo das máquinas, seus conceitos se estenderam a sistemas humanos, mas
62
alguns problemas e limites foram sendo observados na cibernetização de sistemas vivos. Nas
máquinas vivas e antropossociais, há espontaneidade no agrupamento, na regulação e na
organização; possibilidade de existência e funcionamento na desordem, preconcepção, ordem
e
desordem, cópia e criação. E a cibernética não podia responder a muitas dessas questões.
(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).
Para a autora, a cibernética quer, portanto, objetivar, calcular, tecnicizar, estando
restrita à simplificação, redução e manipulação e nessas condições, não preencheria os
requisitos para se localizar no
paradigma
da ciência contemporânea.
Com o conceito de máquina, ultrapassou o reducionismo que decompunha o todo
nos seus elementos, mas instalou um outro reducionismo que aborda todos os seres-
máquina naturais pelo modelo da máquina artificial: o autômato artificial constitui-
se como modelo universal. Ao estabelecer as analogias entre os organismos vivos e
máquinas, a cibernética dá ao ser vivo um “esqueleto de organização”, mas retira
-l
he
a vida (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 84).
A partir destas limitações, a cibernética passou por mudanças, sendo dividida em dois
momentos, denominados diferentemente por variados autores. Num primeiro momento, desde
seu aparecimento na engenharia da comunicação e nas ciências da automação e computação e
chamada de cibernética de primeira ordem (RAPIZO, 1996; GRANDESSO, 2000) e
simplesmente de
cibernética
(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995). No segundo
momento, a partir da década de 70, em que a cibernética tomou a si mesma como objeto de
estudo, chamada de cibernética de segunda ordem (RAPIZO, 1996; GRANDESSO, 2000) e
de
si
-
cibernética
(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).
Um dos primeiros autores a introduzir a idéia de que a família podia ser análoga a um
sist
ema cibernético foi Gregory Bateson, como mencionado acima. A família passou a ser
considerada análoga a um sistema homeostático. Os comportamentos sintomáticos foram
vistos como recursos do sistema para se reequilibrar, como parte da resistência do sistema à
mudança. “O sistema era, pois, análogo a uma máquina cibernética que buscava estabilidade e
que podia fazê-lo por dispor de ‘circuitos de retroalimentação’ ativados pelos erros”
(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 101).
A homeostase familiar é uma das pedras fundamentais desse primeiro movimento da
terapia sistêmica de família.
Dentro deste modelo, o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da
família que mantinham ou alimentavam o sintoma numa homeostase disfuncional.
Observavam seqüências comportamentais recorrentes que deviam ser interrompidas
e alteradas. As técnicas destinavam-se a “burlar” a homeostase e induzir uma crise
63
na família que reorganizava-se mais funcionalmente sem a necessidade do sintoma.
Essas seqüências comportamenta
is eram entendidas circularmente e o que importava
sobre o sintoma era sua função, geralmente estabilizadora, e não o comportamento
em si (RAPIZO, 1996, p.
47
).
Para Esteves de Vasconcelos (1995), na terapia familiar sistêmico-
cibernética
, a
família é concebida como um sistema aberto, mantendo estrita dependência com o meio,
sendo susceptível de ser influenciada pelas informações externas (inputs), que são concebidas
como instrutivas. E o sintoma atua como um mecanismo homeostático que estabiliza a
família.
A família é concebida como uma
caixa
-
negra
, o que supõe que o terapeuta se situe
fora dela. A atividade terapêutica é nitidamente interventiva, assumindo uma posição de
neutralidade e objetividade. Assim
,
[...] a tarefa da terapia é reparar o defeito (disfunção) do sistema familiar e o
terapeuta está preparado para essa tarefa, sabendo o que é uma estrutura familiar
funcional. Encontra-se, então, em condições de avaliar como o sistema está
(diagnóstico) e que perspectivas de mudança apresenta (prognóstico), assim como
de selecionar as técnicas adequadas (programa) e de verificar se, de fato, a
intervenção levou o sistema na direção pretendida (avaliação) (ESTEVES DE
VASCONCELOS, 1995, p. 122).
Num segundo momento, começou-se a pensar nos sistemas vivos, biológicos e sociais
funcionando distanciados do equilíbrio. Assim, eles são auto-organizadores, não-lineares e
não
-determinísticos. Dependem do meio para trocas fundamentais, mas adquirem autonomia
na medida em que funcionam segundo leis singulares de sua constituição e sua história de
mudanças descontínuas. A evolução de um sistema se dá numa combinação de acaso e
história,
em que a cada patamar surgem novas instabilidades que amplificadas geram novas
ordens e assim por diante. Ilya Prigogine denominou este processo
retroalimentação
evolutiva
. Então, entraram palavras como indeterminação, instabilidade, complexidade e crise
(RAPIZO, 1996).
Vários nomes foram surgindo para definir o paradigma emergente, como
cibernética
,
cibernética da linguagem,
visão
de ordem,
construtivismo
, entre outros.
Esteves de Vasconcelos (1995) sugere que adotemos o termo terapia familiar sistêmica si-
cibernética por comportar um aspecto multidimensional, permitindo que se considere não só a
complexidade (causalidade circular, recursividade), mas também a instabilidade do sistema
(desordem, aleatoriedade), como ainda a participação do observador na construção da
realidade (intersubjetividade, significação da experiência na conversação).
Na
terapia familiar sistêmico si-
cibern
ética
, desafia-se a noção de que a família se
64
assemelha a uma máquina que se auto-estabiliza, como a de que o sintoma atue
homeostaticamente para conservar o equilíbrio familiar. Também foram questionadas as
idéias de causalidade linear e de estrutura familiar disfuncional (que retifica a patologia) e a
objetividade e neutralidade. A família é concebida, então, como um sistema autônomo, capaz
de auto-
organização
, e a informação é vista em seus aspectos construtivos e, deixando de
servir de controle, entra num contexto de comunicação. Além disso, a subjetividade do
observador passa a ser compreendida e incluída no contexto do sistema, devendo o terapeuta
ao mesmo tempo ser parte do sistema e tomar distância para refletir.
Das escolas em terapia de família que
surgiram nes
s
e primeiro momento, a abordagem
estratégica foi uma das que mais se destacou, usando conceitos da cibernética de primeira
ordem e da teoria da comunicação. Entre seus expoentes estão Jay Haley e
Paul
Watzlawick.
A terapia estratégica caracter
izou
-
se por se
r
mais diretiva e voltada para a ação. Neste sentido,
o terapeuta assume a responsabilidade de planejar ações (estratégias) a fim de resolver o
problema de seu cliente. Busca-se uma definição clara do problema com o qual se vai
trabalhar, estabelecendo objetivos claros a alcançar, ligados ao problema apresentado. A
função do terapeuta é utilizar sua influência e poder atribuídos pela família para, como
expert
,
influenciar diretamente no comportamento das pessoas. A mudança passa a ser focalizada no
comportamento e na situação social do cliente. Busca-se um fim, a eliminação do sintoma,
sendo a compreensão sobre o problema
não tão significativa
(RAPIZO, 1996).
Contrapondo
-se a essas escolas, a partir do final da década de 70, surgiram as
chama
das escolas estéticas e construtivistas. Utilizam-se de conceitos da cibernética de
segunda ordem e de sua aplicação aos sistemas sociais feitas por pensadores como Bateson e
von Foerster, da biologia do conhecimento de Humberto Maturana e de conceitos der
ivados
do estudo da linguagem, da construção social da realidade e do sujeito (RAPIZO, 1996).
O conhecimento passa a ser visto como uma construção social, lingüística, biológica,
feita no seio de uma comunidade de observadores em convivência. E a cibernéti
ca de segunda
ordem abre portas para o construtivismo na terapia de família. Assim, passa-se a indagar
sobre como emerge uma dada realidade e que processo gerou determinada definição
.
É uma perspectiva interessada no processo, na gênese... Os problemas não estão nas
famílias, mas em sua construção da realidade, estão em sua relação e na forma pela
qual esta permite a emergência de realidades, sujeitos, crenças e sintomas (RAPIZO,
1996, p. 71).
Na literatura, surgem temas como subjetividade, sentimentos, relação terapeuta-
cliente, ética, cultura. Torna-se fundamental o estudo da linguagem, sendo a atividade
65
terapêutica concebida como lingüística e dialógica. O terapeuta não é mais um implementador
de técnicas, mas busca compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família para
co
-construir realidades alternativas. Cada sistema passa a ter uma lógica de interação que não
é correta ou incorreta, boa ou má em si.
4
.3 O contexto contemporâneo da terapia familiar sistêmica
Como vimos, num primeiro momento, os terapeutas familiares consideravam-
se
especialistas que iriam superar as tendências homeostáticas da família e reorganizar sua
estrutura, encontrando um modo melhor de encarar seus problemas. A partir de uma proposta
pós
-moderna (de que não h
á
uma única realidade, apenas possíveis realidades), surge um
interesse pelas narrativas que organizam a vida das pessoas.
As psicologias pós
-
modernas passam a se preocupar com o modo como as pessoas dão
significados às suas vidas e como constroem a realidade. “Uma dessas psicologias, chamada
construtivismo, assumiu a terapia familiar na década de 1980 e exerceu um impacto poderoso
no campo” (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998, p. 115)
.
Vários teóricos construtivistas adotaram a posição kantiana de que a imagem do
mundo que carregamos em nossa mente não é réplica direta do mundo fora. E isso injetou
humildade no campo clínico. A abordagem teórica preferida do terapeuta passou a não mais
refletir a realidade, mas apenas uma entre as muitas histórias potencialmente úteis sobre as
pessoas (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998).
Para Rapizo (1996), não se trata mais de solucionar problemas, mas de solucionar
impasses na resolução de problemas, por meio da mudança de perspectivas que permita um
melhor agenciamento da família para
tomada de decisões e mobilização de um potencial auto
-
organizativo. Portanto, a tarefa terapêutica é facilitar o diálogo entre as diferentes vozes,
gerando descrições mais abrangentes, menos antagônicas e paralisantes do problema
compartilhado, promovendo
um canal de expressão.
Nes
se sentido, tornou-se fundamental o estudo da linguagem, sendo a atividade
terapêutica concebida como lingüística e dialógica. O terapeuta passa a buscar “[...]
compartilhar, acompanhar a visão de mundo trazida pela família, para
co
-construir realidades
alternativas” (RAPIZO, 1996, p.73).
Os novos desenvolvimentos clínicos trouxeram renovações e reconstruções em escolas
66
tradicionais de terapia de família e penetração de outros modelos, que tiveram grande
desenvolvimento e destaque
. Entre estes últimos, o construtivismo e o construcionismo social,
nossa escolha teórica. Dessa forma, explicitaremos neste momento, de forma sucinta, os
principais desenvolvimentos clínicos, para nos atermos adiante em nossa escolha
propriamente dita.
En
tre os terapeutas estratégicos, o Grupo de Milão, formado por Palazzoli, Cecchin,
Boscolo e Prata, ainda que desenvolvendo um trabalho com fortes elementos estratégicos,
trouxe à tona a atenção ao contexto de significados na família e ao sentido do comport
amento.
Suas intervenções passaram a envolver todo o padrão de comportamento à volta do sintoma e
não a seqüência de comportamentos do qual o sintoma fazia parte. Passaram a utilizar, do
questionamento circular, perguntas que obedeciam a uma lógica circular, favorecendo a
expressão de diferentes versões de um problema e investigando conexões, padrões e relações.
Então, esta passou a ser uma posição construtivista inspirada na obra de Gregory Bateson
(RAPIZO, 1996)
.
O trabalho do Novo Grupo de Milão influ
enciou e trouxe
à
tona
, n
o final da década de
80, um florescimento de modelos clínicos derivados ou não deste passo inicial
20
. Todos
passaram a enfatizar a multiplicidade, as diferenças, a linguagem e a conversação,
condenando a excessiva instrumentalizaçã
o e diretividade dos modelos tradicionais.
A partir de então, assistiu-se ao aparecimento de uma geração de terapeutas dispersos
pelo mundo, como Karl Tomm, do Canadá; Michael White, da Austrália; Mony Elkaim, da
Bélgica; Tom Andersen, da Noruega. Simultaneamente, alguns veteranos na terapia de família
ganham renome por inovarem teoricamente e contribuírem significativamente para a
modificação do panorama da terapia sistêmica de família.
4
.4 Construtivismo e construcionismo social
Nossa intenção dentro da terapia familiar sistêmica é trabalhar pelo viés dos enfoques
pós
-modernos e, hoje, a manifestação do casamento dessas áreas tem convergido nas
propostas construtivista e construcionista social. Os diversos autores que tratam destes temas
têm apontado diferentes distinções entre elas e questões em comum. Mas o que observamos é
que elas têm sido estudadas e comparadas exaustivamente a ponto de pensarmos na
20
Novo Grupo de Milão: assim chamado por Rapizo (1996).
67
importância de cada uma delas e da complementaridade entre ambas.
Uma autora brasileira que se dedicou a esse trabalho de conhecer as diferentes
propostas dentro do construtivismo e do construcionismo social e sugerir uma interlocução
entre elas é Marilene Grandesso (2000). Grande parte de nossa exposição adiante se refere a
trabalhos des
s
a autora.
O construtivismo, como uma posição epistemológica, emergiu como uma alternativa
para os problemas e as dificuldades derivados das explicações empiristas e racionalistas do
conhecimento que postulavam a separação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido.
Po
r
meio
dele, procura-se eliminar a presunção do saber na busca de verdades, propondo uma
teoria do conhecimento ativo, de acordo com o qual, sujeito conhecedor e objeto conhecido
são intimamente inseparáveis. Dessa forma, o significado é produto da atividade humana e
não característica inata da mente ou propriedade inerente dos eventos do mundo. Então, “[...]
pode
-se dizer que o conhecimento, descartando a possibilidade de descobrir uma realidade
ontológica objetiva, tem como função organizar o mundo experencial do sujeito”
(GRANDESSO, 2000, p. 63).
Fala
-se hoje em construtivismo no plural, que a literatura da área traz versões
alternativas e diversos rótulos, mas não nos ateremos em citá-las nem trazer diferenciações,
tentando, como sugere a autora, ofer
ecer um eixo organizador das diferentes vertentes.
Para von Glasersfeld, citado por Grandesso (2000), o primeiro construtivista foi
Giambatista Vico, filósofo que viveu nos séculos XVII e XVIII. Ele propôs uma doutrina
contrária ao racionalismo cartesiano, dizendo que o homem só pode entender o que ele
mesmo faz e ainda que o conhecimento e o mundo da experiência racional são produtos
simultâneos da construção cognitiva.
Desenvolvendo essas idéias, nesse enfoque, o homem é um indivíduo autônomo,
governado pela sua organização estrutural, seu sistema nervoso, seus constructos e sistema de
crenças, seus significados constituídos no convívio com os outros. Assim organizado, esse
homem
,
ao descrever seu mundo, o constrói. Várias interpretações da realidade são p
ossíveis.
Assim, enquanto para os construtivistas a validade do conhecimento é dada pela sua
coerência e consistência com a experiência compartilhada pela comunidade de
observadores, os objetivistas buscam a correspondência entre a representação e a
reali
dade. Para o objetivista, um único significado é válido, enquanto os
construtivistas convivem com a diversidade de um mundo polissêmico
(GRANDESSO, 2000, p.79)
.
O construcionismo social também tem suas raízes em debates de longa data entre as
68
escolas de pensamento empirista e racionalista. Mas sua proposta vai além desta discussão,
entendendo o conhecimento como construído no processo de intercâmbio social. Ela também
postula a relatividade de perspectivas, a vinculação das perspectivas individuais a proc
essos
sociais, a consideração da possibilidade de múltiplas interpretações, a natureza social do
conhecimento e a reificação por meio da linguagem.
Nos dizeres de Ibañez
,
citado por Grandesso (2000)
,
[...] o construcionismo social apresenta-se como uma postura fortemente des-
reificante, des-naturalizante e des-essencialista, que radicaliza ao máximo tanto a
natureza social de nosso mundo, como a historicidade de nossas práticas e de nossa
existência (GRANDESSO, 2000, p.86).
Grandesso (2000) cita vários autores que
têm
uma postura de aproximação entre estas
duas abordagens, outros que tentam fazer distinções e alguns que preferem transitar pelos dois
campos. Como exemplo, Ibañez, também citado por Grandesso (2000) refere-se ao
construtivismo e ao construcionismo social como equiparáveis. Gergen, citado por Grandesso
(2000) tem uma preocupação explícita em diferenciar as duas posições. Lynn Hoffmann
defendia primeiramente uma posição construtivista, passando depois a assumir uma
identificação com o construcionismo social. Em nossas pesquisas, encontramos Nichols e
Schwartz (1998) que citam o construcionismo social como
[...]
uma variante do
construtivismo” (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998, p. 115).
Dessa forma, diante do quadro controvertido, a proposta da autora é que possamos
observar que as duas abordagens
apresentam
uma base paradigmática comum, pós
-
moderna, e
que existe uma interface entre elas que justifica seu uso confundido ou indiferenciado.
Vejamos
.
“Ambas as posições confrontam a pressuposta existência de um ‘mundo real’
passível de ser conhecido com ‘certeza’ objetiva.” (GRANDESSO, 2000,
p.102). O conhecimento é uma construção.
compatibilidade metodológica entre elas ao dizerem que o mundo não é,
mas
parece ser por meio de nossa experimentação e construção do
conhecimento.
Em ambas, é o observador que cria as distinções do que chamamos de
realidade
, não havendo algo criado dentro da mente por meio de observação
imparcial.
69
“Ambas desafiam a visão tradicional da mente individual como um dispositivo
para refletir a natureza de um mundo independente” (GRANDESSO, 2000,
p.103)
“Ambas descartam a visão correspondista da linguagem como uma
representação icônica do mundo, assumindo uma postura pragmática”
(RORTY
,
apud
GRANDESSO, 2000).
Ambas questionam princípios e métodos da ciência clássica e sugerem que não
se pode conceber uma distância entre sujeito cognoscente e objeto conhecido.
Conforme Pakman, citado por Grandesso (2000), as duas abordagens
compartilham um território comum porque ambas promovem a reflexão. O
construtivismo permitiu que nos víssemos (os observadores) como partes das
observações que fazemos. o construcionismo social ressalta a necessidade
de revisão de nossos próprios vieses, nossas pré-concepções e pressupostos.
Elas ainda compartilham a idéia de que a reflexão se em um contexto social
de aprendizagem e observação mútuas (GRANDESSO, 2000).
Mas também é importante salientar as divergências fundamentais entre construtivismo
e construcionismo social. Vejamos como analisa Grandesso (2000).
1.
Enquanto o construcionismo enfatiza as práticas sociais de intercâmbio entre as
pessoas, o construtivismo coloca sua ênfase no indivíduo, em como esse
indivíduo biológico e psicológico opera para construir sua experiência.
2.
As formas mais radicais de construtivismo, ao reduzirem o mundo à construção
mental, não são compatíveis com a construção eminentemente social de mundo
por meio de práticas discursivas, propostas pelo construcionismo social.
3.
Para os construcionistas, termos referentes a mundo e mente são constituintes
das práticas discursivas e, como integrantes da linguagem, estão sujeitos à
contestação e negociação; para os construtivistas, no entanto, a cognição e suas
operações funcionam ativamente mediante a reflexão e abstração, cumprindo
uma funç
ão adaptativa, servindo para organizar a experiência.
4.
Enquanto os construcionistas sociais entendem que as idéias, as lembranças e os
conceitos surgem no intercâmbio social, os construtivistas vêem-nos como
produções do indivíduo, decorrentes de seu operar
sobre o mundo.
5.
Alguns oponentes, como, por exemplo, Gergen (1994), vinculam o
construtivismo à tradição do individualismo ocidental na medida em que
relaciona o conhecimento a processos intrínsecos do indivíduo, que só pode
operar a partir de dentro; o construcionismo social vincula as fontes da ação
humana aos relacionamentos e a compreensão do funcionamento individual ao
intercâmbio comum.
6.
Embora o construcionismo social mantenha uma relação intertextual com
teorias que postulam uma base social para a vida mental como o construtivismo
social, pode
-se apontar diferenças entre ambos na medida em que os teóricos do
construtivismo social, apoiados por Vygotsky, objetivaram um mundo
especificamente mental, enquanto o foco do construcionismo social, conforme
70
mencionei anteriormente, é o processo microssocial, compreendendo a ação
humana a partir da esfera social.
7.
O construtivismo e o construcionismo social divergem também à medida que o
construcionismo desconsidera os processos psicológicos como possessões do
indivíduo, passando a vê-los como construções histórica e culturalmente
contingentes. Enquanto o construtivismo tende a considerar a experiência
privada, o construcionismo refere-se ao discurso sobre a experiência privada,
enfatizando, principalmente, as
conseqüências sociais, em termos de supressão e
sustentação de diferentes formas de vida, a partir desse discurso
(GRANDESSO, 2000, p. 105
).
Percebemos, então, que a discussão entre as duas posições se essencialmente entre
uma visão de construção do conhecimento centrada no indivíduo, no caso do construtivismo,
e uma centrada na construção social, que é o caso do construcionismo. Para Neimeyer, citado
por Grandesso (2000), essa discussão coloca os diferentes autores em extremos que vão de
uma psicolog
ia
self
- centrada a uma dissolução de qualquer concepção de individualidade
como uma entidade soberana.
Mas
,
se permanecemos concordando com es
s
es extremos, podemos cair na disjunção e
no esquema dualístico sujeito/objeto, que pode ser evitado quando nos orientamos para uma
visão do
[...]
conhecimento como processo” (GRANDESSO, 2000, p.112). Para a autora,
não parece possível estabelecer territórios distintos entre o sujeito que constrói seu
conhecimento na linguagem dentro da sociedade e a dimensão social construída por ele.
“Insistir no social ou na circunstância significa, no meu entender, desconsiderar a
legitimidade do indivíduo, e insistir no indivíduo implica desconsiderar a legitimidade do
social” (GRANDESSO, 2000, p.112). Assim
,
[...]
a ênfase no intercâmbio social conformado pelos jogos de linguagem nos
espaços interpessoais, conforme propõe o construcionismo social, não pode
prescindir de um indivíduo que, na sua idiossincrasia, ao construir-se segundo as
convenções de sua comunidade lingüística, também as transforma... Aceitar um
self
imerso em um multiverso social (parafraseando Maturana) não implica, segundo o
compreendo, anular um
self
idiossincrático. As pessoas são únicas e fazem
diferença, muito embora se constituam nas comunidades em que
vivem
(GRANDESSO, 2000, p.113).
Para a autora,
tais
considerações têm extrema importância para a prática da psicologia,
em especial, para a psicoterapia e, ousamos dizer, para a prática da orientação profissional.
Trabalhamos com pessoas singulares que constroem as narrativas que definem sua
subjetividade em contextos particulares de sua existência. Mas em seus relatos, apresentam
não a si mesmas, mas parte de seus universos de vida, de seus momentos da existência, de
suas inserções sociais e familiares dentre outras. Como terapeutas, buscamos com nossos
71
clientes uma compreensão o de suas próprias construções de dramas e triunfos, mas um
entendimento das “
[...]
vozes canônicas que permeiam suas narrativas” (GRANDESSO, 2000,
p.115).
No caso da orientação profissional, seguindo esse viés, cabem os questionamentos: o
estilo de escolha mostrado pelo jovem reproduz as vozes de sua família ou propõe algo novo?
Ao trazer as narrativas familiares, estas contribuem para sua escolha ou o limitam e o
angustiam? Na história de Breno, pudemos perceber que o processo de OP trouxe à tona um
estilo de repetição desse grupo familiar, apesar d
e
a mãe dizer que não havia um modelo
pronto para ele. Mas havia o modelo da não-escolha. E diante da proposta de construir suas
próprias narrativas, Breno apontou seu medo de não conseguir escrevê-las. Como
exemplificado nesse caso, podemos afirmar que, a partir dessa leitura teórica, cada um de
nossos clientes produz e é produto das narrativas que afloram nas histórias produzidas
socialmente,
por meio
do compartilhamento de contextos e significados.
4
.5 A posição narrativa
Como vimos, a era modernista nas ciências estava preocupada em construir uma
sociedade sobre os cimentos do conhecimento empírico. As narrações terapêuticas, ness
e
contexto, traziam a linguagem como transmissora de um conhecimento objetivo. Na
psicologia, usava-se o modelo médico, numa relação em que existia um paciente e um
expert
que iria diagnosticar e dizer o que ele tinha. Havia também uma imobilidade das formulações
narrativas; buscava
-
se
a narrativa de base científica
(GERGEN e KAYE, 1996).
Num contexto pós-moderno, questiona-se a relação entre a representação e seu objeto,
acreditando que todos os tipos de relatos obedecem a convenções culturais, histo
ricamente
situadas, que determinam, em grande medida, o caráter de realidade que tentam descrever. A
narração do
científico
passa a se apresentar como uma possibilidade e o que tomamos por
conhecimento é, em realidade, um produto social. Nessa perspectiva, as narrações
modernistas de patologia e cura são trocadas por relatos de mitologia cultural, sendo a
narrativa terapêutica uma das possibilidades entre milhares de outras dentro da cultura
(GERGEN e KAYE, 1996).
Para Fruggeri (1996), os comportamentos passam a ser vistos em função dos
significados que os indivíduos atribuem a seu comportamento e aos demais. Entram em crise
72
várias certezas em psicoterapia, e o conhecimento passa a ser compreendido como uma
construção social. O terapeuta sai do lugar de
expe
rt
, ficando sua observação limitada pelo
ponto
-
de
-vista do cliente e vice-versa. Questiona-se a separação entre observador e observado
e fala-se em uma troca, uma produção conjunta de diálogo. Hoffman (1996) fala de uma ética
da participação, ao invés da busca da causa ou da verdade. Assim, a troca reflexiva entre
ambos é que gerará transformações. Em relação à idéia de patologia, o marco construcionista
traz reconstruções, sendo que o centro da questão deixa de ser a etiologia dos sintomas e passa
a ser o
s processos sociais e interpessoais e a dinâmica que mantém os sintomas.
Sobre a idéia de
eu
, passa-se a falar em construção social do eu (GERGEN,
apud
HOFFMAN, 1996). Q
uestiona
-
se
a estrutura mesma e concebe-
se
o eu como uma “
[...]
extensão da história em movimento, como o rio numa corrente” (HOFFMAN, 1996, p.28).
Grandesso (2000) considera que, em nossa tradição ocidental, estivemos apoiados durante
dois mil anos em um discurso sobre o
self
que o considera como uma unidade independente e
autocontida. E sugere que, em um enfoque pós-moderno, passemos a questionar essa visão
tradicional, compreendendo o
self
como um processo em aberto, construído dentro de espaços
relacionais. Segundo Rorty, citado pela autora,
[...]
os seres humanos, ao invés de poderem
ser precisamente descritos de um modo fixo, apresentam-se como contínuos geradores de
novas descrições e novas narrativas” (GRANDESSO, 2000, p.220).
Nes
se sentido, a psicoterapia ganha o significado de uma co-construção de um
contexto em que seja possível uma mudança dentro de um conjunto de alternativas dentre as
que se elegem. E a intervenção que introduz diferenças é aquela que o cliente reconhece
como tal.
O movimento que as teorias em terapia sistêmica v
ão
fazendo segue numa direção
mais hermenêutica e interpretativa. Essa concepção destaca os significados que criam e
experimentam os indivíduos que conversam. Então, a realidade de compreensão que se cria é
a da ação humana compreendida por meio da construção social e do diálogo. Assim,
[...]
segundo
esta perspectiva, a gente vive e entende a vida através de realidades narrativas
construídas socialmente, que dão sentido à sua experiência e a organizam. Trata-se de um
mundo da linguagem e discurso humanos” (ANDERSON e GOOLISHIAN, 1996, p.
46).
Estes autores definem o que chamam de posição narrativa e trazem algumas
premissas
.
1. Os sistemas humanos são ao mesmo tempo geradores de linguagem e
geradores de significado. O sistema terapêutico é um desses sistemas
lingüísticos.
73
2. O significado e a compreensão se constroem socialmente. Um sistema
terapêutico é um sistema dentro do qual a comunicação tem uma relevância
específica para seu intercâmbio de diálogo.
3.
Em terapia, todo sistema se consolida no diálogo ao redor de certo problema. O
sistema terapêutico é um sistema de organização do problema e de dissolução
do mesmo.
4. A terapia é uma ação lingüística que tem lugar dentro do que é chamado de
conversação terapêutica
.
5. O papel do terapeuta é o de um artista da conversação, sendo um
participante
-
observador
e um
parti
cipante
-
facilitador
da conversação terapêutica.
6. O terapeuta exercita a arte terapêutica por meio de perguntas conversacionais
ou terapêuticas.
7. Os problemas relatados em terapia são ações que expressam nossas narrações
humanas de tal modo que diminuem nosso sentido de mediação possível.
Assim, os problemas existem na linguagem e são próprios do contexto
narrativo do qual derivam seus significados.
8. O desenvolvimento em terapia é uma criação dialogal da uma nova narração e,
portanto, a abertura de oportunidad
e de uma nova mediação.
(ANDERSON e GOOLISHIAN, 1996).
E o que viemos chamando de narrativas durante todo esse tempo? Grandesso (2000)
relata que o papel da narrativa em psicoterapia pode ser buscado desde a tradição psicanalítica
iniciada por Freud. Anderson citado por Grandesso (2000) ressalta que Freud se referia ao
poder de cura
via
construção narrativa do analista por meio das memórias edipianas da
infância. Posteriormente, questionou
-
se a recuperação
por intermédio
da verdade arqueológica
da história do paciente, sugerindo-se a verdade narrativa decorrente do trabalho do analista.
Então, o que importava não era a verdadeira história do paciente, mas se a nova narrativa
apresentava uma coerência interna e externa e que se encaixasse com as circunstânci
as
correntes do paciente. Assim, a mudança do cliente decorria do contar histórias sobre sua
vida.
A teoria sistêmica vem resgatando esse conceito de terapia narrativa, adequando-a a
sua abordagem própria, dentro de uma epistemologia da pós-modernidade. O
sentido
narrativo vem trazendo para o campo a idéia de fluidez do
self
, de construção, e processo, em
74
oposição ao universo essencialista e contido no conceito de identidade. Assim, nesse sentido,
Grandesso (2000) traz algumas reflexões.
Um terapeuta narrativo trabalha como um criador de contextos exploratórios para as
histórias vividas pelos clientes, procurando por narrativas de experiência,
referendadas pelos clientes, revelando recursos, competências e habilidades veladas
pelos recortes feitos na experiência por meio de narrativas dominantes, edificadas
em torno dos problemas. Referindo
-
se a essa prática, Monk (1997) considera que um
terapeuta dessa abordagem necessita da paciência de um arqueologista que, com
uma capacidade aguçada de observação, persistência, delicadeza e deliberação,
favoreça a construção do começo de uma história localizada em uma cultura
particular, a partir de algumas poucas peças de informação (GRANDESSO, 2000, p.
249)
.
Então, fala-se em um processo em duas mãos, em que o cliente participa ativamente e,
ao terapeuta, cabe atuar a partir de uma perspectiva otimista, organizando conjuntamente os
relatos de experiência, buscando competências, novas narrativas e tirando o sujeito do lugar
de
vítima patologizada
(GRANDESSO, 2000).
A autora relata que grande parte de seus clientes a procuraram com relatos de
narrativas fixas de fracasso e uma perda do sentido de autoria
21
. Ao propor a possibilidade de
reconstrução das narrativas, a autora explica que as narrativas que construímos na autoria de
nós mesmos ligam um mero indefinido de episódios recortados como recordações de nossa
história, a luz de nossos significados presentes, a uma orientação para projetos futuros. Assim,
[...]
a narrativa do
self
assegura o futuro relacional, não sendo simplesmente um derivativo
de encontros passados, reunidos nos relatos presentes” (GRANDESSO, 2000, p.226). Então,
falar sobre as narrativas é de alguma forma se posicionar (por exemplo, assumindo
competências ou vitimizações), e buscar novos significados e projetos. E é por meio do
caráter dialógico do
self
que as narrativas vão tomando sentido e fornecendo identidade,
mesmo que pensemos no
self
como processo e movimento.
Dentro dessa perspectiva, cliente e terapeuta se influenciam mutuamente e o
sig
nificado se converte em um subproduto da cooperação (ANDERSON e GOOLISHIAN,
1996). Então, “a compreensão não surge de uma análise da estrutura profunda, do material
latente do inconsciente, mas da interação entre os indivíduos” (LAX, 1996, p. 98, tradução
nossa)
22
. Ou seja, há um processo de co-construção da compreensão dos significados
atribuídos e partilhados.
21
Gonçalves, citado por Grandesso (2000) substitui a noção de identidade pela de autoria,
entendendo a pessoa
humana como envolvida em múltiplos projetos e alegando uma fixidez da noção de identidade.
22
La compreensión no surge de un análisis de la estructura profunda, el material latente o inconsciente, sino
de la interacción entre los indivi
duos
.”
75
Retornando à nossa experiência profissional, percebemos que
,
na história de Patrícia, o
conflito entre
ser e ter
não era percebido por ela e trazia
narrativas dos pais, principalmente da
mãe. A mãe fez um curso que não desejava muito (segundo ela, “naquela época, não se
escolhia muito”) e parece não ter conseguido refazer sua escolha, não avançando em sua
carreira e não adquirindo a capacidade de poder ter as coisas que desejava. Desde o início do
trabalho de orientação profissional, a mãe aparece como um
anti
-
modelo
para Patrícia. A
jovem salienta na frente da mãe que esta não gosta de seu trabalho e ainda relata em várias
sessões que a última coisa que desejaria ser é professora (profissão da mãe). Ao pensar na
possibilidade de cursar ciências sociais e filosofia, repete este incômodo: “não dá, porque eu
cairia na história de ser professora”.
Percebemos, assim, que a narrativa familiar que foi sendo
construída e partilhada por elas era a da dificuldade ou até da impossibilidade de se realizar
profissionalmente.
Ao fazer o genoprofissiograma, ampliamos essa compreensão, que Patrícia emprega
o termo
realizado profissionalmente
para alguns dos seus t
ios, mas não
o faz
para nenhum dos
pais. Parece que os pais não a inspiram enquanto profissionais. E sua mãe, talvez com medo
de que ela também busque algo que não lhe proporcione
ter
as coisas que deseja, adota uma
postura de vigilância diante da escolha da filha. Comparece à primeira sessão sem ter sido
convidada, faz perguntas à filha após cada sessão (segundo relata Patrícia, mostrando seu
incômodo) e resolve acompanhar a filha em todas as visitas agendadas por
nós
com alguns
profissionais. Estes encontros foram sugeridos por
nós
para que Patrícia pudesse conhecer
mais de perto algumas profissões pelas quais estava se interessando.
Após esses encontros, dialogamos com Patrícia sobre suas impressões e sobre o
impacto de conversar com profissionais de áreas diferentes. Ela novamente traz o conflito
inicial, dizendo de como foi instigante e interessante conversar com uma psicóloga e com uma
terapeuta ocupacional, mas que não pretende ralar como elas e ganhar muito pouco. Ao
questionar a presença da mãe e das suas reflexões juntamente com ela, Patrícia diz que ela
sugeriu que não escolh
esse
nenhum desses cursos e passasse a pensar em direito como uma
possibilidade
.
Vemos aqui o oposto de algumas das narrativas de Breno. A família deste não sugere
profissões, o
que o deixa muito solto e, no outro extremo, a família de Patrícia dita profissões,
o que a
torna
muito presa. Nas duas histórias, há narrativas dominantes, criando significados e
impedindo a construção de escolhas por es
s
es sujeitos e até mesmo
,
por es
sa
s famílias.
E quando falamos em desconstrução e reconstrução narrativa referimo-nos à
possibilidade de abrir novos cursos de ação para o cliente que sejam mais satisfatórios e se
76
adeqüem melhor às suas experiências. Assim, ele pode modificar ou descartar n
arrações
anteriores, não porque sejam inexatas, mas porque não são funcionais dentro das
circunstâncias (GERGEN e KAYE, 1996).
Para Breno e Patrícia, foi necessário desconstruir alguns elementos de suas narrativas
para que houvesse espaços para o surgimento de novas e mais funcionais. Para Breno, a
possibilidade de parar, dar-se um tempo, reconhecer suas dificuldades e desejos para depois
escolher uma profissão e para Patrícia, reconhecer que a busca da mãe de que ela não
repetisse sua história de seguir uma profissão indesejada estava paralisando-a e talvez a
impedindo de construir suas próprias narrativas e de, então,
ser
para poder
te
r. Em ambas as
histórias, terapeuta e clientes co-construíram palavras, imagens, possibilidades, compreensões
e narrativas.
E, seguindo esse caminho, damos prosseguimento ao tema no capítulo seguinte,
acompanhando as narrativas de Maria.
77
5
MARIA E SUAS NARRATIVAS
“Pais suficientemente narradores [...] são capazes de
tecer uma teia de sentido em torno das crianças, e ao
mesmo tempo deixá-la incompleta para que elas
continuem a tarefa de produzir o romance familiar
apropriado a suas pequenas vidas”.
Maria Rita Kehl
Em uma tentativa de refletir de forma mais aprofundada acerca da nossa experiência
profissional a partir das questões teóricas apresentadas no capítulo anterior, examinamos a
história de Maria, visando articular a orientação profissional com as novas epistemologias em
terapia familiar sistêmica.
A história de Maria foi escolhida para ser analisada separadamente tanto pela
quantidade significativa de material registrado durante os encontros, quanto pela mobilização
da jovem diante do trabalho de orientação profissional e pela forma como
nos
instigou e
permitiu
nossa
co-participação em suas narrativas e
nos
so
desenvolvimento profissional
durante o processo. Nesse sentido, acreditamos, como Chizzotti (2003), que a utilização e o
aprofundamento de um caso permite organizar o material da experiência com grande utilidade
para a pesquisa, e nesse caso, pode contribuir para a prática da orientação profissional
revelando a multiplicidade de aspectos presentes nessas situações.
Para esse autor, pode-se dizer ainda que o caso é tomado como unidade significativa
do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor
uma intervenção. É considerado também como um marco de referência de complexas
condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto revela uma realidade quanto
retrata a multiplicidade de aspectos globais presentes em uma dada situação (CHIZZOTTI,
2003).
E
, como nos posicionamos no início deste trabalho, acreditamos que o pesquisador é
parte fundamental desse tipo de pesquisa, assumindo uma postura aberta diante de todas as
manifestações que observa. E buscando uma compreensão global dos fenômenos, adota uma
conduta participante que partilhe da cultura, das práticas, das percepções e experiências dos
sujeitos da pesquisa. Cria-se uma relação dinâmica entre pesquisador e pesquisado, em que
“[...] o resultado final da pesquisa não será fruto de um trabalho meramente individual, mas
uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões, que a transformam em uma obra
78
coletiva” (CHIZZOTTI, 2003, p.84). É nessa perspectiva que utilizamos o caso de Maria
nesta pesquisa.
Mar
ia participou do trabalho de orientação profissional desenvolvido em grupo na
escola particular onde trabalha
mos
. Ela tinha 17 anos e cursava o terceiro ano do ensino
médio. Morava com os pais, de 47 anos (o pai) e 45 anos (a mãe) e com duas irmãs mais
nov
as que ela (15 e 13 anos).
Sua participação marcou-se pelo envolvimento, seriedade com as atividades propostas
e pelo carisma e respeito conquistados em relação aos colegas do grupo. Ela chegou com
alguns interesses predefinidos, mas relatando uma dúvida que circulava principalmente entre
sua satisfação, possibilidades no mercado de trabalho e uma correspondência ao desejo dos
pais. Ela posicionou sua escolha, desde o início, pela área de
biológicas
, citando três
possibilidades:
c
iências
b
iológicas,
m
edi
cina ou
b
iotecnologia.
Maria tinha um bom desempenho escolar, sendo querida pelos professores e colegas
também por sua educação e delicadeza.
Qualidades
e funções que, em alguns momentos,
tornavam
-se um peso para ela e apareciam, no grupo, em forma de desabafo, angústia e
preocupação em corresponder às pessoas de quem gostava e em assumir suas escolhas para
uma vida adulta. Maria parece ter vivido uma infância muito intensa em termos de
brincadeiras, sensações, aprendizagens e carinho recebido dos pais, algo relatado por ela com
emoção e riqueza de detalhes. Os lutos dessa infância e adolescência foram levados com
freqüência ao grupo, parecendo marcar uma importante passagem para que pudesse elaborar
os conflitos d
o momento e apoderar-
se de sua escolha prof
issional
23
.
Várias atividades foram propostas ao grupo, mas citaremos algumas mais importantes
para nossa compreensão neste momento
24
.
Maria foi embalada por histórias desde seu nascimento. A família a recebeu com
muitas narrativas sobre seu nome, sua missão e sobre as expectativas do grupo.
Um
aprendizado que fez de Maria uma pessoa bastante narradora. Como dito anteriormente, suas
atividades desenvolvidas no grupo apresentavam longas e detalhadas narrações.
Aqui é importante relembrar nossa concepção de destaque aos significados que os
indivíduos constroem e a percepção que dão à realidade a partir da conversação. Como na
história de Maria, a realidade de compreensão que se cria é a da sua ação compreendida por
meio da construção social, do diálogo, das relações familiares. E, retomando Anderson e
Goolishian (1996), falamos de uma compreensão da vida por meio de narrativas cambiantes
23
Os conflitos e elaborações vividos na adolescência foram teorizados no item 3.3, a partir da p. 40.
24
As atividades propostas ao grupo em completo estão descritas no apêndice, p.104.
79
que organizam a experiência, fornecem sentido e contribuem para a construção da
subjetividade.
Então, em um dos encontros, pedi
mos
aos integrantes que escrevessem um pouco
sobre sua história de vida (uma autobiografia). Ao contar sua própria história de vida, o
sujeito tem a possibilidade de resgatar experiências passadas, trazendo narrativas também
antigas ou renomeando-
as;
ele pode ainda se localizar no presente e tentar se projetar no
futuro. E o processo de escolha profissional exige que o jovem consiga fazer esse movimento
para se posicionar em relação a essa tarefa da escolha. A narração traz, então, uma atribuição
de sentidos e um senso de continuidade em direção ao futuro. E os interlocutores (aqui, o
grupo e a terapeuta) funcionam como ouvintes
e co
-
estruturadores des
se conteúdo.
E Maria assim nos contou
sua história.
Narrativa sobre o “Filme da minha vida”
“Quando nasci, creio que fui recebida com muita alegria por meus pais, pelo fato de
ser a primeira filha. Minha mãe cuidava de mim com cuidados excessivos no que diz respeito
à minha saúde, e qualquer dor de barriga era motivo para que ela chorasse. Às vezes, qua
ndo
chorava, a única coisa que me fazia dormir e acalmava a minha mãe era me deitar sobre a
barriga do meu pai... No dia do meu batizado, creio que toda a família estava presente, além
dos meus pais e padrinhos.
Quando criança, antes da minha primeira irmã nascer (até os
três
anos), morava em
outra casa e costumava brincar muito sozinha. Lembro-me de brincar e correr de um cachorro
dálmata que ganhei e do dia em que ganhei uma boneca (Meu Bebê) no Natal com a qual
brincava muito quando minha mãe ganhou minha irmã, imitando-a nos cuidados, colocando
fralda, dando injeções e mamadeira. Minha família (pai e mãe) sempre teve o costume de
viajar pra praia, por isso, sempre gostei de brincar na areia e de nadar no mar.
Após o nascimento das minhas irmãs (que sempre imitavam o que eu fazia), sempre
tive com quem brincar de casinha,
Barbie
, escolinha, dentista, cabeleireira, bicicleta e
cabaninha. Adorava cantar, nadar, desenhar e que minha mãe lesse par mim revistinhas da
Turma da Mônica. Tinha mania de mandar nas minhas irmãs e era bem egoísta. Nas festas de
aniversário de primos e tios, não parava de correr e aprontar. Juntava ao bando de primos e
primas bagunceiros para brincar de esconde
-
esconde, pega
-pega e fruta.
Nas minhas primeiras aulas no jardim de infância, além de brincar muito, minha
professora costumava perguntar a cada um o que havia comido no almoço. Muitas vezes, não
queria ir à escola por não me sentir feliz no lugar. Lembro
-
me de quando um colega me jogou
80
no chão e penso que fiquei um pouco assustada. Quando comecei a estudar aqui no colégio,
estava no pré. Chorei muito no primeiro dia de aula enquanto os alunos cantavam o hino
nacional. Morria de medo de ter que ler histórias para a supervisora e adorava minha
professora e as brincadeiras no parquinho.
por volta dos 10 anos, era uma boa aluna, pois minha mãe havia me ensinado que o
compromisso nos estudos e o capricho é que iriam me garantir um bom futuro e me
possibilitariam ganhar muito dinheiro. Todos os anos costumava escrever um livrinho, e
o que
mais me marcou foi que escrevi quando estava na quarta série e dediquei ao meu pai.
Assim como quando era menor, tinha uma casa no interior onde meus pais nasceram
para onde ia todos os fins
-
de
-
semana. Chegava lá toda sexta
-
feira à noite naquele frio
, tomava
uma vitamina e me deitava. Adorava levantar com o sol no rosto e tomar café debaixo de um
pé de laranja da terra. Depois, sempre nadava e o final de semana passava entre idas à casa de
minha avó e à venda para comprar chicletes e picolé, brincadeiras com meus primos no
quintal da casa de minha bisavó e sopas que minha mãe fazia nas noites de frio enquanto
minha madrinha jogava baralho comigo ou jogava conversa fora com minha mãe.
Na adolescência, continuei a mesma, sempre estudiosa. Comecei a valorizar mais os
amigos
-colegas que tinha a partir do momento em que começaram a sair do colégio, no final
da oitava série. Adorava fazer trabalhos em grupo repletos de idéias malucas e as reuniões em
que ficava batendo papo com minhas colegas eram ainda melhores. As excursões como a do
Caraça, a dispensa e as festinhas no final do ano sempre eram motivo de alegria. Acho que me
tornei uma pessoa mais tímida.
Um dos melhores momentos dessa época foi a comemoração dos meus quinze anos.
Tanto os preparativos quanto a festa foram superlegais. A partir desse dia, percebi que estava
crescendo e que novas responsabilidades e desafios viriam a cada dia.
O meu melhor ano na escola foi o primeiro ano do ensino médio,
quando
comecei a
fazer verdadeiros amigos e pude conhecer pessoas novas no Encontro de Jovens do qual
participei em outra cidade.
Hoje, não sou muito diferente daquela Maria que era poucos anos atrás. Continuo
estudando muito, sempre preocupada com a escola e com a minha família. Creio, porém, que
cresci muito espiritualmente, no caráter e adquiri mais responsabilidades. Consegui me
aproximar mais das pessoas, deixando um pouco a timidez de lado, bem como fortalecer as
minhas amizades do colégio e fazer novas, principalmente no Crisma, do qual estou
participan
do.
81
Valorizo muito cada pessoa que está ao meu lado. Tenho, porém, como referencial
principal os meus pais. Admiro muito também a profissão do professor e sua capacidade de
ensinar, educar e participar da vida do aluno, assim como a profissão do médico, sua força,
coragem e empenho.
Sei que minha vida ainda tem um longo caminho a seguir e que tenho muitas decisões
a tomar. Quando era pequena, pensava em ser professora. Contudo, hoje penso em ser médica
ou bióloga. E decidir meu futuro é um dos maiores objetivos, além de passar no vestibular da
Federal.
Gosto de estudar biologia, viajar, dormir até tarde, comer, ficar à toa com minha
família, assistir filmes, pintar e desenhar, ir para o sítio, ver fotos antigas e relembrar
momentos da minha vida, ficar de papo pro ar admirando o céu, os pássaros, as plantas e me
sinto bem quando converso com Deus e fico em adoração do Santíssimo. Tenho facilidade
para me expressar em matemática e biologia e, muitas vezes, sou colocada como líder de
grupos por tomar mais inici
ativas.
Não gosto muito de ficar ou andar sozinha, receber ordens, ver meus pais tristes, ver
outras pessoas discutindo e de perceber que muitas coisas que vivi não irão voltar mais.
Talvez por isso tenha dificuldades para me adaptar ao que é novo e de fazer novos amigos.
Penso que
,
às vezes, a mania (herdada de meu pai) de fazer as coisas muito bem feitas seja um
defeito.
Por tudo isso, penso que sou muito privilegiada por estar viva e por ter pessoas tão
importantes na minha vida e pretendo ser sempre fel
iz...”
Nesse sentido, retomando o aspecto teórico, podemos pensar na subjetividade de
Maria sendo definida como uma autobiografia em constante desenvolvimento, apresentando-
se na expressão de suas narrativas, trazendo repetições e mudanças. Para Grandesso (2000), o
self
, definido como narrador, resulta do processo humano de produção de significados por
meio da ação e da linguagem, expressos nas histórias narradas das quais cada um de nós é
apenas um co
-autor
25
. Assim, a produção narrativa não resulta de
uma mente individual, mas
de sua natureza interpessoal e de negociação nas comunidades de pessoas e contextos das
instituições e estruturas sociais.
A narrativa de Maria traz dados importantes para pensarmos em sua história e a
respectiva construção d
o seu
self
. Ao relacionarmos os temas mais presentes, podemos citar:
25
Self
é um termo usado pela autora. Quando o citarmos, estaremo
s nos referindo à construção da subjetividade.
82
a
s vivências da infância, com ricos detalhes das brincadeiras e das experiências
sensoriais;
a
família como base de seu desenvolvimento, estando os pais como modelos de
regras, de carinho, de amor, de transmissão de valores e de responsabilidades e
fontes de expectativas em relação a ela;
a escola como marco de socialização e de construção de seu percurso como
boa aluna
;
os lutos pelas mudanças de ciclo de vida, sempre muito bem descritos e
expondo as dificuldades em abandonar experiências passadas prazerosas para
vivenciar novas delas;
a natureza como uma
companheira
, capaz de lhe proporcionar beleza e
experiências sensoriais variadas;
a religião que também lhe proporcionou socialização, construção de valores e
sensação de paz;
s
ua posição de liderança nos meios de convivência;
a
s profissões voltadas para a educação e para o cuidado com o ser humano.
E antes de entrarmos em uma análise desses pontos, consideramos a importância de
chamar a atenção para a ressonância
que
tais
temas tiveram em relação a um momento da
nossa história de vida; semelhanças em muitos dos valores, das dificuldades, facilidades e
conflitos
26
. Ao falarmos sobre a terapia familiar sistêmico si-cibernética, marcamos uma
mudança na percepção do observador, entendida, a partir de então, como um participante na
construção da realidade (intersubjetividade) no processo com as famílias. Assim, a
subjetividade do
observador
passa a ser compreendida e incluída no contexto do sis
tema,
devendo o terapeuta ao mesmo tempo ser parte do sistema e tomar distância para refletir. Para
Grandesso (2000), nossas perguntas e intervenções respondem às ressonâncias das histórias
narradas pelos nossos clientes, dentro dos marcos de sentido em que estruturamos nossa
compreensão. E essas ressonâncias vividas por nós, terapeuta, no processo de Maria
permitiram a criação de um vínculo, de conexões e co
-
construções de significados.
Vamos
, então, analisar algumas de suas falas: “Quando nasci, creio que fui recebida
com muita alegria por meus pais, pelo fato de ser a primeira filha”. A recepção dos pais e a
expectativa em relação a ela é marcada em vários momentos. Ela foi uma criança que brincou
muito, divertiu-se, teve um intenso contato com a família, com a natureza, mas assimilou,
26
Para Elkaïm (1990), a ressonância manifesta
-
se em uma situação em que a mesma regra se aplica ao mesmo
tempo à família do paciente, à família de origem do terapeuta, à instituição onde é recebido o pacient
e etc.
83
desde cedo, valores que traz consigo até hoje. “Já por volta dos dez anos, eu era uma boa
aluna, pois minha mãe havia me ensinado que o compromisso nos estudos e o capricho é que
iriam garantir um bom futuro... Na adolescência, continuei a mesma, sempre estudiosa”.
Durante sua descrição, percebemos que este ensinamento da mãe passa a ser incorporado
como uma regra. Ela passou a partilhar com a mãe a idéia de que, para enfrentar a vida, seria
necessário vigiar e guardar esta conduta voltada aos estudos e ao capricho. O pai também
partilhava des
s
a idéia, pois Maria cita no texto que dele herdou o
perfeccionismo.
Maria traz lembranças muito nítidas das mudanças de fases em sua vida, as separações
e tarefas novas advindas de cada etapa. Parecem ter sido momentos vivenciados com
intensidade e trazidos por ela como dificuldade em lidar com o novo. Tais mudanças de ciclo
vital pareciam anunciar a necessidade de talvez adaptar comportamentos e pensamentos,
sendo um deles a rigidez e
m ser
sempre estudiosa e caprichosa
. Parecia mesmo uma forma de
se defender da vida, dos imprevistos, do novo e das experiências da adolescência. Uma forma
de controle dela e da família. Em uma de suas falas, revelou que seu pai havia dito às filhas
que,
e
m primeiro lugar, os estudos; namorados, só depois que terminassem os estudos.
A primeira das mudanças, a entrada na escola, marca também a primeira separação em
relação à mãe, uma mãe bastante cuidadora e presente. Então, ela se lembra de que não queria
i
r à escola e resgata a lembrança do colega que a jogou no chão. São as primeiras experiências
de desamparo.
Ela também salienta a adolescência como um período de intensas mudanças (apesar de
sempre estudiosa), deixa a criança sapeca um pouco de lado e começa a se achar mais tímida.
Conta que passou a valorizar mais os colegas da oitava série quando viu que eles estavam
indo embora, saindo da escola. E a comemoração dos 15 anos como mais um marco: “A partir
desse dia, percebi que estava crescendo e que novas responsabilidades e desafios viriam a
cada dia”. Vamos retomar a lembrança de que o crescimento das filhas parecia amedrontar o
pai que enfatizava os estudos na vida delas e tentava frear algumas experiências da
adolescência, como o namoro.
Ao falarmos sobre os ciclos de desenvolvimento da família, salientamos a existência
de temas mais presentes em cada uma dessas fases, capazes de mobilizar a família como um
todo. Nessa fase específica, a adolescência, toda a família
sofre
transformações e isso parecia
estar sendo vivenciado na família de Maria. Os pais passam a rever sua própria adolescência e
os aspectos que podem ser resgatados de uma juventude ainda presente diante de si. Além
disso, precisam desenvolver as tarefas e funções específicas de educar adolescentes com
suficiente flexibilidade. E isso parecia estar sendo difícil para essa família, que buscava com
84
muita freqüência formas de controle, mesmo que algumas delas fossem sutis, embutidas em
alguns valores muito fortes para eles
27
.
E os estudos aparecem como foco em todos os momentos: “Continuo estudando
muito, sempre preocupada com a escola e com minha família”. Podemos dizer que o estudo e
a família são os grandes temas da história de Maria. Mas ela se refere também à sua
espiritualidade, sua facilidade em se expressar, em coordenar grupos e sua imensa sintonia
com a natureza, descrita com naturalidade no meio de seu texto. “Adorava levantar com o sol
no rosto e tomar café debaixo de um de laranja da terra... Gosto de ficar de papo pro ar
admira
ndo o céu, os pássaros, água e plantas...”.
A religiosidade é presente na história dela antes mesmo de seu nascimento, quando os
pais fizeram a escolha de seu nome. Em um dos encontros, ela nos relatou que seus pais
decidiram por ele após assistirem a um filme que contava a vida de um dos personagens
bíblicos. E ela, de certa forma, continuidade a esse tema, estando próxima da igreja, das
comemorações religiosas e de valores cristãos. E a religiosidade expressa na fala de Maria
parecia trazer uma sensação de bem-estar, mas novamente, uma forma de controle. Na sua
autobiografia, ela escolhe frisar, em relação ao tema, os encontros de jovens,
quando
conhecia
pessoas novas e dividia experiências com pessoas que, como ela, estavam passando pelas
vivências da adolescência. Na igreja, ela podia encontrar-
se
com os amigos, mas ir a festas,
não.
Outra referência para ela ligada a esse tema era a madrinha, solteira, professora de
religião e que, segundo Maria, “cuidava da mãe com muito carinho e consideração”.
Questionada se ela admirava a madrinha, ela disse que sim, mas não foi muito adiante.
Pass
amos
a
nos
perguntar aqui se havia um desejo da família de que Maria se inspirasse em
seguir algum caminho próximo a este.
Por outro lado, sua posição de liderança aparece desde suas brincadeiras de infância,
em que conta que mandava nas irmãs. Depois, na escola, assume esse papel na condução de
grupos de trabalho e de eventos na instituição.
Hoje, ela não se considera muito diferente da Maria de alguns anos atrás. Apesar
de
nos apresentar todas as mudanças sofridas, ela parece querer marcar características que
sempre a acompanharam e que talvez até tenham tomado uma dimensão que a leve ao
sofrimento: “Continuo estudando muito, sempre preocupada com a escola e com minha
fam
ília”.
27
As mudanças de ciclo de vida estão mais detalhadas no capítulo 3, p. 44.
85
Ao se aproximar das profissões, traz sua admiração pelo professor, pelo médico e pelo
biólogo. É necessário pontuar que seus interesses realmente se voltam para áreas das quais
Maria foi se aproximando e para habilidades que ela desenvolveu durante toda a sua vida:
cuidar e educar. E estes são os dois eixos tecidos na narrativa familiar de Maria. Ainda
podemos agregar a eles a posição de liderança também como uma forma de cuidado. Maria
como líder era preocupada com os colegas, zelosa e cuidava do desenvolvimento de cada um.
Algo aprendido em sua família, que sempre cuidou muito dela e
lhe
ensinou a expressar amor
por meio
do cuidado.
Mas
, ao tocar no assunto das profissões em seu texto, ela parece entrar em contato
com todas as mudanças que tem vivido e com as que se aproximam diante da
responsabilidade de crescer. Nesse sentido, finaliza seu texto saudosista pelas coisas que não
mais voltarão (provavelmente sua infância, com tudo que foi relatado) e se queixa pela mania
(herdada do meu pai) de faze
r as coisas sempre muito bem feitas.
E parece que ter tido pais tão presentes e significativos gera em Maria uma culpa e
uma necessidade exagerada em retribuir-lhes, acertando em suas tarefas durante a vida. E um
des
ses momentos que tem sido foco para o surgimento destas questões é
quando
da escolha
profissional e do vestibular. Isso a faz retroceder em algu
mas
etapas e dizer de sua saudade
pela sua infância. Nesse sentido, retomamos nosso estudo sobre a adolescência, salientando
que a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos será essencial no processo de
autonomia, na responsabilidade pela tomada de decisões e, aqui, pelo posicionamento diante
da escolha profissional. Para Preto (1995), a capacidade do adolescente de diferenciar-se dos
outros
e abandonar comportamentos infantis dependerá de quão bem ele maneja os
comportamentos sociais esperados para expressar as intensas emoções precipitadas pela
adolescência.
Mas
, apesar do peso de ter se posicionado como perfeccionista, ela termina o texto
dizendo: “penso que sou privilegiada por estar viva e por ter pessoas tão importantes na minha
vida e pretendo ser sempre feliz...”. Vemos de novo aqui traços da dinâmica familiar que
preza a vida e incentiva a valorização das pessoas.
Outra atividade que nos trouxe possibilidade de muito conversar e refletir foi o
genoprofissiograma (história profissional da família
via
três gerações). O objetivo era
conhecer as profissões e interesses de membros significativos e buscar semelhanças,
diferenças, valores transmitidos, repetições e perceber como a escolha de uma profissão pode
dar ao jovem a possibilidade de se projetar no futuro e construir projetos.
86
É importante dizer que, mesmo o processo tendo sido desenvolvido em grupo, a
conversa sobre o genoprofissiograma foi feita separadamente com cada um dos integrantes, o
que permitiu um aprofundamento maior.
Maria construiu o genoprofissiograma mais completo e detalhado
com
que já pude
mos
ter contato. Criou uma legenda própria e trouxe características importantes de cada um dos
membros. Pudemos explicitar que ela não
tem
nenhum parente trabalhando nas áreas
buscadas por ela: m
edicina,
c
iências
biológicas e biotecnologia. Mas
tem
várias tias
trabalhando como educadoras, professoras ou em áreas afins (magistério, pedagogia, letras),
sendo esse um dos seus desejos em termos profissionais. Ao pedir para caracterizá-
las
profissionalmente, ela usou para essas tias palavras como doação, amor, capricho e
criatividade. Mesmo em relação a outros familiares (distantes em termos das profissões
pretendidas), Maria reconheceu que o que recebe deles são valores importantes que quer levar
para si, independente
mente
da profissão escolhida. Foram essas as palavras mais citadas:
responsabilidade, dedicação, comunicação, doação, sociabilidade, seriedade, inteligência,
praticidade, capricho, confiabilidade, disponibilidade, bom humor. Na família materna, a
palavra que mais apareceu foi doação e
,
na paterna, inteligência
.
E, assim, percebemos novamente as narrativas familiares construindo significados na
história de Maria e influenciando sua forma de estar no mundo. Para Grandesso (2000), os
significados vão se desenvolvendo nas trocas dialógicas. Assim, os dilemas humanos passam
a ser entendidos como significados estruturados em narrativas m
ediante as quais a experiência
é organizada, restringindo ou ampliando as possibilidades existenciais. Com Maria, partimos
para um trabalho de compreensão exatamente das narrativas e palavras (como as
características que foram trazidas por ela no genoprofissiograma) que ampliavam e as que
restringiam suas construções naquele momento.
O pai de Maria é técnico em metalurgia e trabalha em uma empresa. Ela o considera
realizado profissionalmente e o caracterizou como perfeccionista, caprichoso, responsável,
so
ciável, inteligente e criativo. Sua mãe é formada em ciências contábeis, trabalha como
gerente de um banco e também considerada realizada profissionalmente e caracterizada como
extremamente profissional
, prática, experiente, responsável e dinâmica.
Podemos
perceber que Maria representa uma mescla das características que usou para
descrever o pai e a mãe. Também é importante observar que o peso dos pais como excelentes
profissionais e tão bem caracterizados é sentido por Maria como uma necessidade de
continu
ação dessa narrativa. Ela diz: “Eu também quero ser muito boa no que fizer. Mas
tenho muito medo de não dar conta. A começar pela minha escolha.” Ela sempre pensa ness
a
87
possibilidade de ir além da sua história familiar, algo que a instiga, mas, ao mesmo te
mpo,
assusta
-a e a trava emocionalmente, impedindo de se concentrar no presente, em iniciar ess
e
processo e, em primeiro lugar, escolher um curso.
Ao seguirmos para a parte de informações sobre as profissões, Maria vai revelando um
imenso interesse pelas c
iências
biológicas, o que vem mesclado a um questionamento sobre
uma maior remuneração na área da medicina e um maior reconhecimento por sua família se
fizer a escolha por es
s
a última.
Em um dos encontros do grupo, o assunto circulou em torno do que cada um desejava
e do que chamaram de o que os outros me fazem desejar. Então, a atividade proposta foi que
escrevessem sobre: 1)
o
que EU desejo para o meu futuro em termos profissionais; 2)
o
que os
OUTROS me fazem desejar para o meu futuro em termos profiss
ionais.
Maria assim escreveu
.
1)
“Na verdade, as minhas vontades dependem em grande parte dos conceitos
que tenho tanto do mercado de trabalho, quanto dos cursos e profissões
desejados, e o que podem estar certos ou não. Assim como todos, espero
construir e ter no futuro uma profissão que me traga primeiramente
realização, bem como sucesso, conhecimentos, experiências, felicidade e
boa rentabilidade. Tendo até o momento determinada a área na qual quero
atuar, gostaria muito de poder ensinar algo relacionado à b
iologia.
Juntamente a isso, gostaria de ter contato com aquilo que se destina ao
estudo da natureza e da vida, mais especificamente, ao estudo do corpo
humano, que muito me fascina. Penso que a medicina também me
possibilitaria estar próxima des
s
a áre
a.
2)
Preocupando
-me com a questão financeira, acredito que as áreas da
medicina e da biotecnologia me trariam mais oportunidades de crescimento,
uma vez que, aos olhos do povo e de suas necessidades, medicina ainda é
uma profissão de renome e importância. E, com base na atualização e
modificação do mercado de trabalho (atualmente mais voltado para a
tecnologia), a biotecnologia apresenta um crescimento importante e oferece
excelentes oportunidades e rentabilidade àqueles que se dedicam a ela com
profissiona
lismo e competência.
Percebemos, nesse momento, que Maria começa a se dar conta de seus interesses e
desejos, mas ainda em conflito com as expectativas sociais, familiares e com a representação
88
que as profissões
apresentam
socialmente. A
m
edicina ainda
lhe parece como a grande chance
de corresponder a todas es
s
as expectativas.
Em outro encontro, foi pedido ao grupo que cada um tentasse resgatar na memória
frases ditas a eles e que os tivessem marcado em relação à escolha profissional que agora
estavam tentando fazer. Nesse sentido, observaremos a importância também das narrativas
construídas nos contextos sociais (não familiares) e a importância dos professores e do
grupo de colegas nes
s
e momento. E assim resgatou Maria
.
“Tomara que da biologia, você pule para a m
edicina
geriátrica pra cuidar da
gente” (professor de
h
istória)
.
“Eu não sei o que você vai ser no futuro, mas sei que
,
em qualquer escolha que
fizer
, você terá sucesso e mais; será uma pessoa extremamente importante e
influente e que com cert
eza irá interferir de maneira significativa na sociedade”
(professor de
h
istória)
.
“Você tem uma facilidade enorme para explicar as coisas e o faz muito bem!
Acho que você deveria ser professora” (professora de
b
iologia)
.
“O mundo é dos espertos!” (mãe)
.
“Peça pra que Deus coloque no seu coração aquilo que for da vontade Dele.
Faça a sua parte (que é estudar) e Deus fará a Dele” (mãe e pai).
“Espero que você faça medicina pra cuidar bem do padrinho que velho”
(padrinho
-
tio avô)
.
“Só você pode escolhe
r aquilo que for melhor pra você” (pai)
.
A Maria tem um jeito meio mãe, amiga. Sempre tem argumento pra convencer
a gente e toma a frente das coisas. Ela tem uma missão especial” (colegas do
grupo de orientação profissional).
Percebemos que as grandes referências de Maria são principalmente os pais,
professores, mas também os colegas e amigos. Maria se faz presente e significativa ness
es
grupos de convivência, em que consegue revelar muitas de suas habilidades. São frisados sua
dedicação,
seu empenho, sua função de cuidadora, seu interesse pela área
biológicas
e sua
missão
em ser significativa e marcante na profissão que for exercer. Os pais aparecem como
incentivadores dos estudos, de suas escolhas e não necessariamente, de áreas profissionais
específicas.
Mas, mesmo não sendo uma influência explícita, Maria se sente cobrada em
escolher algo realmente muito significativo socialmente e talvez para os pais.
89
Ao final do processo, Maria assumiu sua escolha pelo curso de c
iências
b
iológicas,
relatando ao grupo sua satisfação. Mas, ao fazer a inscrição para o vestibular, algo de muito
profundo a tocou, gerando um retrocesso no que ela havia construído, justificado por ela
como uma dificuldade em dizer aos pais sobre sua escolha. No último encontro, foi pedido
aos
participantes que falassem sobre o seu processo diante da escolha, relatando o que havia
sido possível e o que ainda estava difícil. Maria quis escrever
.
“Creio que escolhi a área na qual quero trabalhar. Contudo, mesmo fazendo a
inscrição na UFMG, es
tou indecisa entre dois cursos que são a
m
edicina e
c
iências
b
iológicas,
sobre os quais pensei por muito tempo e não consegui escolher. Na verdade, parte de mim
enfrenta a medicina como um desafio, uma maravilhosa área (profissão) que, apesar de
inúmeras dificuldades, também proporciona maior rentabilidade.
Outra parte de mim, pensa que a biologia me permitirá exercer uma profissão que
muitos dizem ser
a minha cara
.
Na fila para pagar a inscrição, escolhi c
iências
biológicas com a intenção de apenas
tentar
passar no vestibular e ter mais tempo para pensar na minha escolha e em uma
possibilidade de mudança no ano que vem. Não sei se quero ou devo prestar vestibular em
outra faculdade, mesmo depois das orientações que recebi da minha família.
Minhas idéias ainda estão um pouco confusas, pois ao mesmo tempo em que sei da
enorme necessidade de estudar, sinto um
grande
desânimo e tenho vontade de deixar tudo de
lado, talvez por discordar de muitas coisas, tais como esse sistema de seleção e a minha
intensa autocob
rança”.
Maria marca, nes
s
e momento, uma intensa angústia quanto ao que podemos chamar de
uma mudança de ciclo de vida que implica assumir suas escolhas, suas características
desejadas e indesejadas, posicionar-se diante da família e dos amigos e enfrentar o grande
ritual desse momento, que é o vestibular. Ela, que sempre se saiu bem na escola, teme
fracassar. E esse medo a impede de estudar e também de poder discernir entre os cursos
buscados. Sua autocobrança (assim chamada por ela) passa a ser questionada pelo sofrimento
que vem causando.
Ao receber sua família, pedi
mos
primeiramente aos pais que
nos
contassem sobre a
Maria que eles conheciam, relatando também características que percebiam nela relacionadas
às profissões. Os pais a caracterizaram principalmente como ótima filha, estudiosa e
90
responsável. Disseram de seu interesse pela natureza desde pequena, do interesse pela
biologia, pelo corpo humano e sua forma de explicar e cuidar das pessoas.
Maria, a moça falante no grupo, mostrou-se tímida, com certa dificuldade em
responder ao que os pais diziam. Pedi
mos
que contássemos juntas sobre o seu processo de
orientação profissional e, então, ela começou a chorar, dizendo de seu medo em decepcionar
os pais. Com
nosso
auxílio, fomos contando (com sua permissão) sobre algumas atividades
desenvolvidas e algumas conversas que tivemos. O seu choro e a frase dita em seguida foram
significativos para que conversássemos com a família sobre as expectativas que Maria tentava
corresponder e que, em muitos momentos, superavam seus limites e a angustiavam muito.
Maria aproveitou para desabafar e dizer das muitas vezes em que a família deixou de se
divertir e fazer programas de lazer, porque ela tinha que estudar. Isso nos mostra o quanto a
família se organizava para permitir que Maria sempre colocasse seus estudos em primeiro
plano. Nesse momento, falamos sobre a importância dos valores que os pais puderam
transmitir à Maria, do quanto era querida na escola, mas de como esses valores eram tomados
em muitos momentos com rigidez, impedindo que ela pudesse também descobrir outros jeitos
seus e construir suas próprias narrativas.
Tudo isso foi dito para que Maria pudesse, ao final, expressar sua escolha. A palavra
leveza
foi frisada, no sentido de que pudesse lidar com sua escolha com mais liberdade,
sabendo que os pais gostariam de vê-la feliz, independente
mente
do caminho profissional
escolhido por ela. Eles puderam dizer a ela que sabiam que a família, no geral, tinha uma
certa expectativa de que ela fizesse medicina,
porque
as pessoas pensam que não há profissão
melhor para uma moça inteligente, mas que realmente sabiam que ela seria empenhada na
área que escolhesse. E parece que is
s
o pôde ser sentido de alguma forma ao final da conversa.
Maria, hoje, é aluna do curso de c
iên
cias
biológicas de uma universidade reconhecida
e está de volta à escola que estudou durante sua infância e adolescência, fazendo estágio no
laboratório de biologia do referido colégio e acompanhando o professor de biologia em
algumas de suas aulas.
A forma como Maria se empenhou durante o trabalho de orientação profissional foi
permitindo suas elaborações e construções. Seus avanços eram vividos concomitantemente
com alegria e com culpa, pela preocupação se iria ou não agradar aos pais. Mas, seu
fortalecim
ento conquistado e o encontro com a família permitiram que algumas narrativas
rigidificadas pudessem ser abertas e desconstruídas, dando espaço a novas delas.
Seguindo este viés de trabalho, Grandesso (2000) chama a atenção
para tal fato.
91
Portanto, além
de fazer sentido, além de configurar novos marcos de significados, as
narrativas que emergem do contexto terapêutico, para que possam ampliar as
possibilidades existenciais dos clientes, devem também cumprir um sentido nas
narrativas sociais dos contextos de vida que lhe são significativos (GRANDESSO,
2000, p. 396).
Assim, percebemos que Maria pôde, durante o processo, reconhecer as narrativas
familiares que estavam fazendo parte do momento de escolha profissional, avaliar os valores e
palavras que gostaria de herdar dessas histórias para poder, ao final, tecer uma narrativa
própria, entremeando ecos familiares e sociais a palavras e cores suas.
E, nesse sentido, após o acompanhamento do caso clínico Maria, pudemos observar a
importância de tê-lo construído separadamente, permitindo um aprofundamento, um
reconhecimento maior da participação das narrativas familiares e uma avaliação clínica desse
processo.
92
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Há nós, realidades, problemas, que não pedem para
serem desfeitos e sim... trocados, reinterpretados.”
Carlos Arturo Molina
-L
oza.
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa reflexiva como assim define Grandesso
(2000), neste momento do trabalho
,
ocup
amo
-
nos
em perceber o caminho percorrido e as
narrativas tecidas a partir de vários encontros: com cada um dos jovens e suas famílias, com a
teoria que foi sendo descoberta e foi permitindo novas compreensões, de
nosso
encontro
posterior com
nossos
relatos e narrações de cada uma das histórias dos jovens escolhidos e
com o texto que se desenhou a partir de então.
Esse movimento permitiu não reconhecer construções que haviam sido feitas com
es
ses jovens, mas
também
avançar, mergulhar em novos contextos lingüísticos, permitindo
deslocamentos em relaçã
o às idéias iniciais e impressões sobre cada uma das histórias.
Sobre
essas mudanças que foram surgindo, é importante relatar aqui o processo de
construção do título desta dissertação. A princípio: “As narrativas familiares e suas
influências
na escolha profissional do jovem: uma articulação entre a terapia familiar
sistêmica e a orientação profissional”. Ao longo do processo de escrita, a palavra
influência
adquiriu um peso não esperado e uma conotação negativa, como se a família apenas
depositasse expectativas difíceis de serem carregadas pelos jovens. A construção da frase
também passou a corresponder a um pensamento linear, de causa e efeito, em que a família
lança as narrativas, e o jovem recebe, lida com as conseqüências e avalia o que pode fazer a
pa
rtir disso. Talvez isso fosse fruto de
nossas
narrativas e
nossas
lente
s construídas por meio
de
nossa
história pessoal e
nossa
história enquanto psicóloga e orientadora profissional. Mas
isso foi tomando um novo formato e novos significados foram encontrados a partir de
nossa
escrita.
Então, partimos para a busca de outras palavras que trouxessem uma conotação mais
leve e pudessem representar a circularidade da questão trabalhada, ou seja, a percepção de que
as narrativas da família afetavam o jovem trazendo apoio, desconforto, retrocessos e avanços,
da mesma forma que as narrativas do jovem também provocavam mudanças na família e que,
a partir disso, esta também gerava uma nova relação com o jovem e assim por diante. Esse
pensamento sistêmico foi se construindo e se desvelando em cada um dos casos clínicos.
93
Então, substitu
ímos
a palavra influências por
contribuições
, no sentido de que as narrativas
familiares podem ser positivas, negativas ou de conotações diferentes dependendo da forma
como o jovem as recebe, as elabora e as reconstrói. E isso se mostrou nas histórias dos três
jovens
examinadas ao longo dest
e estudo.
Resgatando nosso problema de pesquisa que norteou este trabalho, tínhamos uma
proposta de pesquisar as construções narrativas que são efetuad
as na família acerca da escolha
profissional do jovem, levantando e analisando como esse jovem recebe e elabora tais
narrativas no momento da escolha profissional. Durante o trabalho, essa frase ganhou um
movimento, no sentido explicado no parágrafo anterior: as narrativas da família e sua relação
com o jovem e as narrativas do jovem e sua relação com a família. Também se percebeu que
grande parte do conteúdo explorado nos casos clínicos se referiam não às narrativas das
próprias famílias (já que com elas estivemos em apenas um ou dois encontros, no caso de
cada jovem), mas às narrativas dos jovens construídas a partir do que herdaram da família e
de sua próprias elaborações. Ou seja, o modo como os jovens deram significados às suas
questões e como estavam construindo a realidade, acompanhando aqui um pensamento
construtivista e
construcionista social.
E, nesse sentido, no momento final deste trabalho, um novo e último título surgiu,
correspondendo de forma mais ampla aos nossos objetivos e descobertas durante a escrita do
texto. Optamos por “As narrativas do jovem e sua família: tecendo redes entre a terapia
familiar sistêmica e a orientação profissional”. A participação do jovem no processo foi se
mostrando forte, no sentido de que tínhamos em maior volume como dados as narrativas do
jovem sobre sua família ou sua percepção em relação à opinião da família sobre ele mais do
que a percepção da família sobre o próprio jovem. Então, o jovem precisava aparecer no
título.
Assim
, com a proposta da pesquisa qualitat
iva
, não levantamos uma resposta que
abrangesse todos os casos clínicos, num sentido universalizante ou, até mesmo, comparativo,
mas, como dissemos no início, respondemos a questões particulares, com um nível de
realidade que não pôde ser quantificado, por trabalhar com o universo de significados,
motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis (MINAYO, 1994).
Assim,
cada encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de orientação
profissional teve suas características próprias, mesmo que eles tenham seguido um rumo
específico e tenham também características em comum.
Nes
se sentido, em todas as histórias,
94
per
cebemos que a família tem um papel fundamental, ora oferecendo modelos identificatórios
positivos,
narrativas que ensejam a construção de outras também saudáveis, que permitem
avanços, perspectivas, ora trazendo narrativas rigidificadas e paralisantes. Nas duas situações,
a participação do jovem se deu no sentido de receber tais contribuições e avaliar sua
participação própria na reconstrução das mesmas, seja para si ou até mesmo para o grupo
familiar.
Na história de Breno, a narrativa que foi mostrada em vários momentos trazia o
discurso do
meio
, ou seja, em sua família todos eram meio algumas coisas: meio autodidatas,
meio soltos, meio filósofo, meio médica. E ele também se colocava dessa forma no grupo de
orientação profissional
:
trazia as atividades pela metade, demonstrava interesse a cada
momento por uma área diferente e se esquivava quando o movimento do grupo pedia um
posicionamento dele. Será que havia uma construção dele de que, como a maioria em sua
família não havia seguido uma determinada área, nenhuma podia ser tão boa ou tão
interessante assim? O que busc
amos
com ele foi uma desconstrução dessa narrativa de
impossibilidade de escolha quando se tem muitos interesses e a reconstrução no sentido da
possibilidade do uso desses vários interesses a seu favor e não como impedimento. Também
busc
amos
uma desestabilização quando ele disse que também era meio algumas coisas para
que se responsabilizasse, saísse de uma posição vitimizante e fizesse emergir novos
significados. E o tempo que ele conseguiu pedir ao grupo, à sua família e a
nós
parece ter
vindo no sentido do reconhecimento da necessidade de um encontro com ele por inteiro e,
então, a possibilidade de construir novas narrativas. E, nesse sentido, ele pôde assumir a
autoria
de sua escolha, principalmente porque conseguiu dizer a todos o que planejava para
ele durante o próximo ano.
Na história de Patrícia, h
avia
uma narrativa dominante de que
ser
e
ter
são extremos
que nunca podem caminhar juntos. E essa foi a forma como ela compreendeu o percurso dos
pais, principalmente o da mãe. Esta havia feito um curso que não desejava muito (segundo a
mãe, “naquela época, não se escolhia muito”) e parece não ter conseguido refazer sua escolha,
não avançando em sua carreira e não adquirindo a capacidade de poder ter as coisas que
desejava. Então, Patrícia assumiu uma narrativa disjuntiva: "o meu lado
ze
n, de gostar da
natureza, de ser questionadora, debater sobre política é incompatível e nunca vai se encontrar
com
ganhar bem e poder comprar minhas coisas”. Então, sua construção foi a de que era
melhor dar um jeito de simpatizar com algum curso que ela achava que podia dar dinheiro e
partir para isso. Mas se ela estava ali pedindo ajuda em um processo de orientação
profissional, certamente acreditava que outras saídas haveriam de existir. Lembrar do tio que
95
havia feito ciências sociais e que “ninguém dava nada para ele”, mas que “adora a profissão e
que hoje é o que está melhor financeiramente na família” parece ter desestabilizado o caráte
r
de verdade de suas primeiras afirmações. Além disso, a necessidade de construir sua própria
narrativa, independente
mente
das opiniões da mãe, foi se fortalecendo ao longo do processo
para que pudesse
revelar
sua escolha
a
os pais e poder buscar uma articu
lação entre
ser
e
ter
.
Nas duas histórias, há narrativas dominantes, criando significados e impedindo a
construção de escolhas por esses sujeitos e, a mesmo, por essas famílias. Para Breno e
Patrícia, foi necessário desconstruir alguns elementos de suas narrativas para que houvesse
espaços para o surgimento de novas delas e mais funcionais. Para Breno, a possibilidade de
parar, dar-se um tempo, reconhecer suas dificuldades e desejos para depois escolher uma
profissão e, para Patrícia, reconhecer que a busca da mãe de que ela o repetisse sua história
de seguir uma profissão indesejada estava paralisando-a e talvez a impedindo de construir
suas próprias narrativas e de, então,
ser
para poder
ter.
as narrativas de Maria traziam a necessidade de uma correspondência exagerada a
papéis e funções que lhe foram oferecidos em seu meio familiar e social e por ela aceitos: boa
aluna, boa filha, amiga, estudiosa, responsável, significativa, tem uma missão especial... A
frase da mãe era carregada sem questionamentos: “o seu compromisso nos estudos e o
capricho é que irão garantir um bom futuro e te possibilitarão ganhar muito dinheiro”. E os
ensinamentos e caracterizações das pessoas a seu respeito passaram a ser seguidos como
narrativas fechadas e que levaram a um sofrimento e, inclusive, à dificuldade em assumir sua
escolha profissional.
Os valores transmitidos pelos pais de Maria foram de grande importância
e permitiram a formação de uma importante base sobre a qual ela se estruturou. Entretanto, as
dificuldades
passaram a surgir pela forma como ela considerou e recebeu tais valores.
Entretanto
, ao longo do processo, algumas verdades passaram a ser questionadas pelo
grupo e pela orientadora, abrindo espaço para que Maria nos mostrasse outras características
suas e deixasse de ser prisioneira dessa história construída pelas pessoas com seu
consentimento: a de Maria como quase perfeita. E então, seu fortalecimento conquistado e o
encontro com a família permitiram que algumas narrativas rigidificadas pudessem ser aber
tas
e desconstruídas, dando espaço a novas delas.
E o que buscamos, então, foi facilitar o diálogo entre as diferentes vozes
(principalmente da família, do jovem, do jovem sobre a família e da orientadora profissional),
gerando, como nos sugeriu Rapizo (1996), descrições mais abrangentes, menos antagônicas e
paralisantes do problema compartilhado, promovendo um canal de expressão, co-
construindo
realidades alternativas e buscando histórias potencialmente úteis a esses jovens naquele
96
momento.
Com certeza, e
st
e estudo não esgota a problemática proposta para ser pesquisada, mas
,
com ele, esperamos ter trazido contribuições para as duas áreas: a orientação profissional e a
terapia familiar sistêmica. Buscamos aqui tecer narrativas que entrelaçassem esses dois f
ios
(representando outros que também estavam embutidos), trazendo uma compreensão menos
individualizante e pragmática (no sentido de um processo de OP que valoriza
demasiadamente a aplicação de testes) do processo de escolha profissional e o considerando
como imerso numa rede de relações e narrativas. Narrativas estas que levem em consideração
a complexa trama que existe na relação entre a teoria e a prática
.
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104
APÊNDICE A
Técnicas utilizadas no processo de orientação profissional.
Estas são as atividades propostas
28
:
1o encontro: Entrevista inicial
2o encontro: Facilidades, dificuldades e objetivos
3o encontro: Círculo da
v
ida/ Gosto e
f
aço
4o encontro: Fras
es
i
ncompletas
5o encontro: Pesquisa sobre as profissões
6o encontro: Ficha de interesses, aptidões e traços de personalidade
7o encontro:
Genoprofissiograma
8o encontro: LIP
29
9o encontro: Psicodrama das
profissões
10o encontro: Colagem de
f
inalização
11
o encontro: Sessão de
f
amília.
1º Encontro-
Entrevista inicial
.
Entrevista livre, em que o jovem é convidado a falar sobre o motivo de sua procura
pela orientação profissional.
2
o
Encontro-
Facilidades,
d
ificuldades e
o
bjetivos
30
Consigna: distribuem-se revistas e tesouras ao orientando, pedindo que recorte figuras
que representem facilidades, dificuldades e objetivos na sua vida como um todo.
Objetivos: a técnica permite uma projeção e explicitação de dificuldades do
orientando, facilidades (interesses, aptidões), e um vislumbramento de desejos e projetos,
via
objetivos. Assim, permite um
a
primeira leitura e compreensão ao orientador e
autoconhecimento ao orientando.
3
o
Encontro: Círculo da
v
ida
31
e Gosto e
f
aço
32
28
Sendo substituídas por outras de acordo com a necessidade
e a singularidade de cada caso.
29
LIP-
Levantamento de Interesses Profissionais
-
Carlos del Nero
-
ed. Vetor.
30
Re
curso utilizado no módulo
Recursos e técnica
s
do
Curso de F
ormação em Terapia Familiar Sistêmica,
coordenado por Beatriz Coutinho
(2002)
.
105
Consigna para círculo da vida: entregar folhas brancas e lápis de cor e pedir que o
orientando pense em tudo que é importante na sua vida. Procurar lembrar-se de tudo que
valoriza e fazer uma lista. Em seguida, deverá desenhar um círculo e reparti-lo em quantas
partes forem as áreas em que pe
nsou. Depois
,
deve colorir cada parte, nomeando
-a.
Objetivos: permite que o orientando fale de si, das prioridades em sua vida,
impulsionando o autoconhecimento. O desenho se mostra como possibilidade de expressão do
psiquismo e as cores como expressão/representação da emoção. Também funciona como
instrumento de
compreensão
ao orientador.
Consigna para Gosto e faço: entregar uma folha em branco e pedir que a divida em
quatro
partes, representando um quadro das atividades que realizam em seu cotidiano. As
qu
atro
partes são: gosto e faço, gosto e não faço, não gosto e faço, não gosto e não faço.
Objetivos: levantar as atividades que gosta de executar. Discutir sobre os sentimentos
relacionados com essas atividades e auxiliar a discriminar os vínculos que estabelece com as
diferentes atividades.
4º Encontro-
Frases
i
ncompletas
33
Consigna:
há uma seqüência de frases já iniciadas e a tarefa do orientando é completá-
las da forma mais espontânea possível, com a primeira idéia que vier à mente (por exemplo:
Não consigo me ver fazendo... Meus pais gostariam que eu ...) . Finalizado, é feito um
inquérito de cada frase, explorando melhor os conteúdos das respostas emitidas.
Objetivo:
permitir maior compreensão da problemática vocacional, que cada frase
incompleta elicia a manifestação de conteúdos relacionados a diferentes aspectos desta
problemática.
5º Encontro-
Descoberta das
p
rofissões
34
A descrição da autora é para trabalho em grupo. No presente processo, foi feita uma
adaptação para trabalho individual.
Cons
igna: Antes deste encontro, pedir que, em casa, faça uma lista de profissões
universitárias, técnicas e sem requisito. Solicita-se que o orientando escolha, entre as
profissões listadas, aquelas que gostaria de indicar numa folha. As seguintes questões de
vem
ser comentadas a respeito de cada profissão: o que é? O que faz? Quais as características
31
( Lima, in Levenfus, 2002)
32
(
Soares
-
Lucchiari, 1993)
33
Baseado no “Teste de Frases Incompletas de Bohoslavsky” (19
93), com descrição de Neiva (2002)
.
34
(
Soares
-
Lucchiari, 1993)
106
pessoais do profissional? Adaptação minha: (entregam-se guias do estudante e outros
materiais de informação profissional para que possa fazer uma pesquisa sobre a
s profissões.)
Pede
-
se, então, que as profissões sejam reunidas por semelhança em categorias.
Ao final, pede-se que identifique um grupo de profissões que despertou maior
interesse.
Se o trabalho é feito em grupo, uma discussão sobre o que cada um encontrou e
informações são trocadas entre os integrantes.
Objetivos: permitir um contato com o maior número possível de profissões; ter uma
visão global das profissões; esclarecer semelhanças e diferenças entre as profissões quanto a
fatores como clientela, local de trabalho, horário de trabalho etc. e despertar interesse e
identificações com algumas profissões.
6º Encontro-
Interesses,
a
ptidões e
t
raços de
p
ersonalidade
35
Consigna: entrega-se a cada integrante uma folha contendo uma lista de interesses
(ca
da um relacionado a uma atividade profissional diferente) e pede-se que assinalem se tem
interesse fraco, médio ou forte em cada um dos itens (por exemplo: decoração de ambientes
de forma criativa, participação em visitas a parques florestais e passeios ecológicos etc.). Em
seguida, entrega-se uma segunda folha, contendo uma lista de aptidões também referentes a
atividades profissionais variadas (por exemplo: capacidade de argumentar e convencer,
capacidade de organizar grupos de viagens e excursões etc.). E a última folha contendo traços
de personalidade (por exemplo: sociabilidade/ desembaraço/ desinibição; capacidade de
perceber e criticar injustiças sociais etc.). Ao terminarem, pede-se que cada participante faça
uma lista do que assinalou como forte e uma lista do que aparece como fraco. Incentiva-se o
orientando a falar sobre cada atividade assinalada e a relacionar as características assinaladas
com determinadas profissões.
Objetivos:
explicitar interesses, aptidões e traços de personalidade, auxiliando no
autoconhecimento e na aproximação entre características apresentadas e algumas profissões.
7º Encontro: Genoprofissiograma
36
Pedir que o orientando construa uma árvore genealógica com uma ênfase particular
sobre as profissões das três últimas gerações. Trabalha-se principalmente a dimensão vertical
35
T
écnica ministrada por Mariza Tavares
Lima
na pós
-
graduação em orientação profissional e de carreira, na
Faculdade Estácio de Sá
(2005)
36
( SOARES
-
LUCHIARI, 1997)
107
(pais, avós e bisavós) e a dimensão horizontal (irmãos, primos e tios). Procura
-
se discutir com
o orientando e responder
a
s seguintes questões
.
Conhecendo as profissões familiares das três últimas gerações, podemos
compreender melhor a escolha do jovem?
Como as profissões (e interesses) dos avós e pais influenciam a escolha do jovem?
Qual lugar na filiação a escolha de uma profissão definida vai permitir ao jovem
ocupar?
Como a escolha de uma profissão pode dar ao jovem a possibilidade de se projetar
no presente e no futuro e de se dar um lugar?
Objetivos: investigar a genealogia das profissões familiares a fim de conhecer sua
influência sobre a escolha do jovem e encontrar um sentido para a profissão escolhida ou
auxiliar na escolha do jovem.
8º Encontro: LIP
37
O teste é utilizado de forma psicodinâmica e, não, como uma resposta pronta ao
orientando. Promovem-se um diálogo e uma reflexão entre o jovem e os caminhos sugeridos
pelo teste.
9º Encontro- Psicodrama das p
rofissões
38
Consigna:
após um aquecimento (em que o jovem caminha pela sala, entrando em
contato com seu corpo, sua respiração, seus pensamentos), pede-se que pense
em
um número
de
duas
a
quatro
profissões desejadas (de interesse). Pensará, então, em cada uma
separadamente: como é o curso universitário (ou tecnológico), as disciplinas, as áreas de
atuação desse profissional e o mercado de trabalho para esta profissão. Em seguida, passará à
dramatização. Com almofadas, ele deverá encontrar um lugar na sala para cada profissão,
considerando também a distância que sente em relação a cada uma delas. Então, aproximar-
se
de cada uma delas e atuará como um profissional daquela área. Ao terapeuta cabe ir
questionando: "que tipo de profissional você é? Como é o seu trabalho? Com quais
profissionais trabalha? Qual é o lado prazeroso de seu trabalho? E o lado desprazeroso?”
Entre outras perguntas.
Quando tiver dramatizado todas as profissões escolhidas, passa-se ao
37
Levantamento de Interess
es Profissionais
-
Carlos del Nero
-
ed. Vetor.
38
Técnica ministrada por Maria Inês Tavares
Pinto Coelho
, no curso de Introdução ao Psicodrama
(2001).
108
compartilhamento, em que o orientando descreverá sentimentos em relação a cada uma das
profissões (ou de sua atuação como profissional), expressando inclusive onde se sentiu
melhor e se identificou mais.
10º Finalização
.
Consigna:
p
ede
-se que exponha todo o material produzido, observando e rel
embrando
tudo que foi trabalhado em cada um. Depois disso, procurar recortes de imagens de revista
que representem o conjunto das atividades desenvolvidas, explicitando descobertas,
sentimentos, reflexões e dúvidas e fazendo um balanço sobre os encontros e
o processo de OP
como um todo. As imagens são coladas em uma cartolina.
Objetivo: permitir uma visão ampla e fazer conexão entre as atividades desenvolvidas,
gerando uma síntese e um balanço sobre o desenvolvimento do orientando.
11
o
Encontro-
Encontro c
om a família
Promove
-se um encontro do orientador com o orientando e seus pais, solicitando que
os pais contem um pouco sobre o filho, como o percebem neste momento e relacionem
características pessoais com possibilidades de escolha profissional levanta
das
pelo
orientando.
Pede-se que os pais contem sobre sua formação profissional e sua relação com o
trabalho. O orientando é incentivado para que conte aos pais sobre o processo desenvolvido e
sobre as reflexões que gostaria de compartilhar com eles. O orientador ainda completa com
informações sobre processo e sobre a evolução do orientando.
É importante dizer que em cada
encontro (com famílias diferentes) um desenrolar, que estamos falando da singularidade
de sistemas diferentes e da construção que passa a acontecer do encontro da singularidade do
terapeuta com as singularidades dos componentes da família.
Objetivo: incluir os pais na orientação profissional, compreender a dinâmica familiar e
trazer mais dados sobre a escolha do orientando.
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