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João Paulo de Resende
Crime Social, Castigo Social:
O Efeito da Desigualdade de Renda sobre as
Taxas de Criminalidade nos Grandes
Municípios Brasileiros
Belo Horizonte, MG
UFMG/Cedeplar
2007
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ii
João Paulo de Resende
Crime Social, Castigo Social:
O Efeito da Desigualdade de Renda sobre as Taxas de
Criminalidade nos Grandes Municípios Brasileiros
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Economia
do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do Título
de Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Dr. Mônica Viegas Andrade
Belo Horizonte, MG
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
Faculdade de Ciências Econômicas - UFMG
2007
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iii
Folha de Aprovação
A Ademar, Régina e Celina Pereira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que me ouviram dizer “hoje não dá, tenho que trabalhar na
dissertação”. Aos contribuintes brasileiros, que financiaram meu mestrado. E àqueles
que colaboraram diretamente para a confecção desta obra, em especial:
Marcelo Durante, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, pelo acesso à base de
dados de boletins de ocorrência.
Os colegas Vitor Delgado, Rodrigo Lara e Marco Antônio Natalino, pelas idéias,
conscientes ou não.
Daniel da Mata, do Ipea, e Vitor Miranda, do Cedeplar, pelo auxílio na manipulação dos
dados do Censo 2000 do IBGE.
Professora Mônica Viegas Andrade, pela orientação, compreensão, e por tantas outras
qualidades.
Minha amada mãe Alba, pelas velas.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 1
2 REVISÃO DA LITERATURA ECONÔMICA..................................................... 5
2.1 A decisão pelo crime como uma escolha racional e as primeiras
evidências empíricas na literatura brasileira
....................................................... 5
2.2 Variáveis sócio-econômicas nos modelos de produção criminal............. 7
2.3 Desigualdade de renda e criminalidade................................................... 9
2.4 As evidências na literatura brasileira..................................................... 12
2.5 A contribuição do presente trabalho...................................................... 15
3 MODELOS TEÓRICOS.................................................................................. 17
3.1 Modelo estritamente econômico (de Ehrlich)......................................... 20
3.2 Modelo estritamente sociológico (de controle social) ............................ 21
3.3 Modelo econômico/sociológico ( Merton/Mendonça) ............................ 24
4 BASE DE DADOS DE BOLETINS DE OCORRÊNCIA.................................. 27
4.1 Descrição da base................................................................................. 27
4.2 Testes da base SENASP-2004 ............................................................. 32
4.3 Construção dos regressandos............................................................... 35
5 METODOLOGIA............................................................................................. 40
5.1 Especificação econométrica.................................................................. 40
5.2 Dados.................................................................................................... 41
5.3 Distinção entre modelos........................................................................ 47
5.4 Testes de Especificação........................................................................ 51
ii
5.5 Resultados............................................................................................. 55
6 CONCLUSÕES............................................................................................... 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 69
ANEXOS.............................................................................................................. 72
iii
LISTA DE FIGURAS
TABELA 2.1 – Evidências internacionais para o efeito da desigualdade de renda sobre
as taxas de criminalidade .......................................................................................11
TABELA 2.2 – Evidências nacionais para o efeito da desigualdade de renda sobre as
taxas de criminalidade............................................................................................15
TABELA 4.1 – Categorias de delitos da base de criminalidade da senasp – 2004.........28
TABELA 4.2 – Entradas nulas para categorias de delitos da base senasp 2004.............30
TABELA 4.3 – Estatísticas descritivas dos municípios com alta e baixa divergência de
valores inter-bases..................................................................................................33
QUADRO 4.1 – Variáveis dependentes..........................................................................36
FIGURA 4.1 – Vesagregação das categorias de crimes .................................................39
TABELA 5.1 – Variáveis de controle (componentes do vetor x)...................................46
FIGURA 5.1 – Exemplos de FDP com diversos valores para a medida de curtose.......49
FIGURA 5.2 – Fluxograma dos testes para os diferentes modelos ...............................50
TABELA 5.2 – Matriz de correlação entre os regressores ............................................51
TABELA 5.3 – FIV para modelo com renda per capita ................................................52
TABELA 5.5 – FIV do modelo sem renda per capita....................................................54
TABELA 5.6 – Resultados regressões para crimes contra a pessoa...............................56
TABELA 5.7 – Resultados regressões para crimes econômicos....................................58
TABELA 5.8 – Resultados regressões para demais delitos............................................60
TABELA 5.9 – Resultados teste de robustez para o coeficiente do gini........................63
TABELA 5.9 – Resultados dos testes de hipóteses para a medida de curtose................65
TABELA A1 – Modelo com distinção entre municípios com forte discrepância SIM x
Senasp....................................................................................................................73
TABELA A2 – Modelo com distinção entre municípios de BA, MG e PA...................74
iv
RESUMO
Este trabalho explora a relação entre desigualdade de renda e criminalidade, prevista em
diversos modelos teóricos, tanto de origem econômica como sociológica. O acesso à
base de dados de boletins de ocorrência da Secretaria Nacional de Segurança Pública
permitiu transcender a abordagem tradicionalmente adotada em trabalhos nacionais –
limitada ao estudo do comportamento das taxas de homicídio – para uma análise
ampliada de 16 modalidades de crimes em 225 municípios com população superior a
cem mil habitantes. Além de evidenciar o papel central da desigualdade de renda na
determinação da criminalidade nos grandes centros urbanos brasileiros, os resultados
permitiram detectar indícios a favor de um modelo econômico de escolha racional para
a explicação do nexo causal entre os dois fenômenos.
Palavras-chave: desigualdade de renda, criminalidade, escolha de modelos.
v
ABSTRACT
This paper explores the connection between income inequality and crime, foreseen in a
number of theoretical models for crime production, both of economic and sociological
inspiration. Access to the criminal report database from the Brazilian National
Department for Crime Prevention (Secretaria Nacional de Segurança Pública) afforded
the possibility of going beyond traditional approaches – limited to the study of homicide
rates – to an expanded analysis of 16 different types of crime, in 225 Brazilian cities
with population over 100,000 inhabitants. In addition to attributing a central role to
income inequality in determining crime rates in large urban areas of Brazil, the
simultaneous analysis of different types of crime helped to shed light on the matter of
determining which model best explains such relationship, with evidence being brought
forward in favor of an economic based rational choice type of model.
Keywords: income inequality, crime, theory appraisal.
1
1 INTRODUÇÃO
Em geral, a posição do Brasil nos rankings dos principais indicadores sócio-
econômicos (PIB, renda per capita, IDH, escolaridade etc) é condizente com seu perfil
de economia em desenvolvimento, próximo a grupos de países com características
semelhantes. No entanto, em se tratando de indicadores para concentração de renda, sua
colocação é nitidamente destoante das de seus pares, competindo, ano após ano, com
nações retardatárias pelo famigerado título de sociedade mais desigual do planeta. Por
esta razão, pesquisadores brasileiros recomeçam a voltar seus olhos para o tema,
focando esforços na tentativa de desvendar o fenômeno da desigualdade de renda, suas
causas, efeitos e possíveis soluções. Alguns autores têm buscado demonstrar, por
exemplo, que a desigualdade de renda é o principal fator responsável pelo contingente
de pessoas abaixo da linha de pobreza no Brasil, visto que a renda média brasileira é
seis vezes superior a este limite de sobrevivência. É possível mostrar, ainda, que
reduções do índice de Gini retirariam da extrema pobreza um número de indigentes
cerca de três vezes maior que aumentos percentualmente equivalentes da renda média
nacional
2
. Ou seja, estes autores oferecem uma justificativa moralmente contundente
para o combate à desigualdade de renda brasileira: o combate simultâneo à pobreza.
Há ainda outras justificativas para se combater a desigualdade que, ao contrário
da pobreza, afetam mais diretamente a vida daqueles que normalmente exercem maior
influência nas decisões políticas, ou seja, os não-pobres. Uma delas é que a
desigualdade vem sendo associada negativamente ao crescimento econômico
3
. A outra
se refere à relação entre desigualdade de renda e criminalidade, para a qual já existe
forte evidência empírica em vários estudos internacionais e em alguns poucos trabalhos
nacionais, como se verá mais à frente. Esta associação ofereceria uma justificativa
“objetiva” e moralmente isenta para se intensificar os esforços no combate à
desigualdade, dado que a violência é um mal social repudiado universalmente.
2
Barros (2001).
3
Para uma breve leitura, ver Alesina e Rodrik (1994) e Alesina e Perotti (1996).
2
Ocorre, no entanto, que provar essa relação não é uma tarefa simples. Dados
para criminalidade – normalmente computados com metodologias distintas no tempo e
no espaço – apresentam grande heterogeneidade e erros de medida, problemas
comumente reconhecidos pela literatura nacional e internacional. Essa dificuldade é
agravada em países menos desenvolvidos, em que a baixa confiabilidade dos números
divulgados por instituições de segurança pública leva pesquisadores a recorrerem a
dados de registros de óbito para homicídios ao estudar a criminalidade. No Brasil, a
maioria dos estudos utiliza os dados de homicídios do Sistema de Informações de
Mortalidade do Datasus. Trata-se de um trade-off, no entanto. Como ressaltam
Cerqueira e Lobão (2003b), “qualquer modelo empírico que procure explicar a variável
dependente “homicídios” encontrará dificuldades em atestar qualquer hipótese teórica,
uma vez que inúmeras dinâmicas, completamente distintas, podem estar relacionadas ao
mesmo fato, o homicídio”.
Os dados oficiais – quando existentes – são normalmente obtidos através de
registros de ocorrências policiais sintetizados pelas secretarias de segurança públicas
estaduais, e padecem dos tradicionais problemas de sub-registro, falta de padronização e
precariedade do preenchimento das informações por policiais, fazendo com que se
tornem pouco cobiçados em estudos empíricos. Esforços recentes da Secretaria
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça vêm buscado sintetizar e
padronizar estes dados nacionalmente. Entre 2001 e 2003, os dados fornecidos pelos
Estados eram apenas sistematizados e divulgados conjuntamente.
Para o ano de 2004 a Senasp adotou nova metodologia de monitoramento de 48
delitos em mais de 200 municípios brasileiros com população acima de 100 mil
habitantes. A Secretaria desenvolveu um formulário padrão que é preenchido por
técnicos estatísticos nas unidades centrais da polícia militar de cada UF a partir dos
dados produzidos pelas unidades operacionais da polícia militar (delegacias, por
exemplo). Os dados são agregados com periodicidade mensal e repassados à Secretaria
Nacional através da rede INFOSEG, utilizando software disponibilizado pela Secretaria.
A Secretaria exige que a unidade operacional responsável pela produção dos dados seja
identificada nas planilhas e isto lhe permite produzir relatórios mensais analisando a
consistência das informações enviadas.
3
São várias as vantagens dessa nova base de dados. Primeiro, por estar
desagregada em municípios – unidades geográficas mais condizentes com a real
dinâmica do crime
4
. Segundo, por ser composta exclusivamente de entradas para
municípios de alta população, o que, de certa forma, já controla para a variável “grau de
urbanização” e reduz as possíveis distorções provocadas pela presença de
heterocedasticidade nos dados
5
. Terceiro, a desagregação em 48 diferentes tipos de
delitos permite que a criminalidade seja exaustivamente estudada, comparando o efeito
de cada variável explicativa em crimes de diferentes motivações (econômicos e não-
econômicos). Quarto, o número de observações aumenta significativamente o grau de
liberdade das regressões, em contraposição a trabalhos em cross-section com dados para
Estados.
Como os dados produzidos por esta nova metodologia só estão disponíveis para
o ano de 2004, a principal limitação é a exigência de análise em cross-section, o que
impossibilita a percepção do efeito inercial das variáveis ao longo do tempo
6
. No
entanto, vale registrar que, normalmente, a variação dos índices de criminalidade entre
regiões é diversas vezes maior que a variação intertemporal em uma mesma região
7
, e
que os resultados mais robustos da literatura têm sido verificados usando metodologia
cross-section.
O presente trabalho explora esta nova base de dados de criminalidade em busca
de mais evidências sobre a relação entre crime e desigualdade de renda, contribuindo
para o incipiente debate na literatura brasileira sobre o tema. Como se verá no Capítulo
1, são poucos os estudos nacionais que tratam desta relação, e quase todos eles
trabalham exclusivamente com dados de homicídio. O coeficiente de Gini é de fato
responsável por maiores níveis de criminalidade, como alguns destes estudos sugerem?
Seu efeito sobre os homicídios e outros crimes contra a vida é análogo a seu efeito sobre
crimes contra o patrimônio? Qual dentre vários modelos teóricos que preconizam a
4
Puech (2005) cita passagem de documento do Banco Mundial afirmando que “o nível municipal é o
ponto de entrada mais efetivo para o combate à criminalidade e à violência”.
5
Supondo que a variação dos erros dependa do tamanho das cidades.
6
À época do término deste trabalho já se encontravam disponíveis os dados para 2005, mas como a
maioria das variáveis explicativas do modelo são retiradas do Censo 2000, não fazia sentido montar um
painel com os novos dados.
7
Soares (1999).
4
relação entre desigualdade de renda e criminalidade melhor se aplica à realidade da
dinâmica do crime no Brasil?
A disponibilidade de dados para diferentes tipos de crimes permitiu monitorar o
comportamento de diversas categorias de delitos entre municípios e levantar pistas que
ajudem a responder as perguntas acima, corroborando ou não resultados de trabalhos
anteriores.
O Capítulo 2 contém uma breve revisão dos principais avanços e resultados
obtidos na literatura econômica sobre a relação entre variáveis econômicas e
criminalidade, com ênfase nas evidências para o impacto da variável desigualdade de
renda. O objetivo aqui é retratar como a ciência econômica vem lidando com o tema da
criminalidade e os principais resultados obtidos. O Capítulo 3 reproduz formalmente os
três principais modelos teóricos que estabelecem relação entre desigualdade de renda e
criminalidade e que serão posteriormente submetidos ao teste empírico. O Capítulo 4
descreve a base de dados da Senasp, suas vantagens e limitações. Os métodos de
estimação adotados e os principais resultados encontrados são o tema do Capítulo 5, e
as conclusões são tecidas no último capítulo.
5
2 REVISÃO DA LITERATURA ECONÔMICA
Esta seção apresenta os principais trabalhos e avanços na discussão sobre
determinantes sócio-econômicos da criminalidade, em âmbito nacional e internacional,
com atenção especial para as investigações acerca do impacto da desigualdade de renda
na criminalidade.
2.1 A decisão pelo crime como uma escolha racional e as primeiras evidências
empíricas evidências na literatura brasileira
Tendo em mente exclusivamente a literatura econômica sobre o tema, é
consenso destacar como marco inicial o trabalho seminal de Gary Becker (1968), que se
empenha em investigar a produção criminal e os efeitos de variáveis como
probabilidade de condenação e severidade da pena sobre a oferta de atividade criminosa.
O autor constrói um modelo teórico que permite derivar condições ótimas de escolha
das variáveis sob controle do poder público para minimizar as perdas sociais com a
criminalidade. Ou seja, faz uso de uma estratégia eminentemente econômica (mais
especificamente da economia do bem-estar) para abordar um problema até então alvo
exclusivo de investigações sociológicas. Subjacente a esta abordagem resta talvez sua
maior contribuição: utilizar a teoria dos incentivos para analisar o fenômeno da
criminalidade. O comportamento criminal responderia principalmente a variações na
probabilidade de sucesso, no grau de intensidade das penas e na expectativa de retorno
do crime, sendo os dois primeiros fatores repressores da ação criminal e o terceiro
estimulador
8
.
Isaac Ehrlich (1973) propõe uma extensão do modelo do Becker dando ênfase
especial para a escolha de alocação de tempo. Ao invés da escolha individual se
restringir à inserção no mercado criminal ou legal, Erlich permite que o indivíduo faça
uma escolha de alocação de tempo entre as duas atividades. Na sua versão
econométrica, o modelo apresentado por Ehrlich prevê, além dos incentivos de custos e
benefícios preconizados por Becker, o efeito das variáveis desigualdade de renda e
8
Importante destacar que a formalização de Becker não se refere à ação do indivíduo, mas à decisão do
planejador central em maximizar os esforços para detenção do crime.
6
renda média sobre o crime, por entender que estas variáveis poderiam captar as
variações nas oportunidades obtidas com a atividade criminosa. Partindo do
pressuposto de que o potencial criminoso para crimes de natureza econômica pertença a
classes de menor renda, a desigualdade representaria a distância entre sua expectativa de
renda no mercado de trabalho (seu custo de oportunidade) e a renda de suas vítimas (sua
renda em potencial com o crime)
9
.
Tentativas de estimar os valores dos coeficientes de regressão para as variáveis de
dissuasão contidas nos modelos inspirados em Becker/Ehrlich não tardaram a surgir,
embora o número de trabalhos seja relativamente escassos devido à indisponibilidade de
dados sobre taxas de aprisionamento, esclarecimento, condenação judicial e duração das
penas. Estimativas do próprio Ehrlich (1973) revelaram elasticidades de -0,51 e -0,62
para crimes contra o patrimônio em relação à intensidade da pena e ao tempo médio de
aprisionamento, respectivamente, para o ano de 1960
10
. Grande parte dos coeficientes
nas regressões rodadas por Ehrlich foi negativa e estatisticamente significativa, mas os
resultados de outros autores indicam que a relação não é desprovida de certo grau de
ambigüidade. Usando dados em painel para a Alemanha entre 1975 e 1996, Entorf e
Spengler (2000) chegaram a conclusões semelhantes às apresentadas acima para crimes
contra o patrimônio, ao encontrarem relação negativa e estatisticamente significativa
para a taxa de esclarecimento dos crimes no valor de –0,28, mas não obtiveram sucesso
em relação a crimes contra a pessoa física. Já Wolpin (1978), fazendo uso de uma rica
fonte de dados para seis tipos de crimes ocorridos na Inglaterra e no País de Gales entre
1894 e 1967, e contando ainda com proxies para as taxas de esclarecimento do crime,
confissão, condenação, encarceramento, multa e tempo médio da sentença, não obteve
resultados significativos para a variável “intensidade da pena” em nenhuma das
regressões rodadas. Na realidade, apenas as variáveis “porcentagem de esclarecimento”
e “porcentagem de aprisionamento” se mostraram significativas (a 5%) para mais de
50% das regressões.
9
O modelo de Ehrlich é apresentado formalmente no Capítulo 2, em que se encontram formalizados os
principais modelos existentes para explicar a relação desigualdade de renda/criminalidade. No entanto, se
o recurso à formalização auxiliar o entendimento, o leitor pode se remeter deste já à página 20.
10
Mathieson e Passell (1976) estimaram em -0,3 este último coeficiente
7
2.2 Variáveis sócio-econômicas nos modelos de produção criminal
Já na década de setenta alguns estudos trataram de incluir variáveis econômicas
e sócio-demográficas em suas análises econométricas
11
, como é o caso dos já citados
trabalhos de Ehrlich(1973) e Wolpin (1978), que utilizaram variáveis como renda média
das famílias, taxas de desemprego, escolaridade e índices de desigualdade de renda.
Esta estratégia começa a ser reproduzida com maior freqüência na década de oitenta,
quando há uma proliferação de estudos voltados para a investigação da relação entre
indicadores de “insalubridade social” e a produção criminal
12
. Freeman (1994) chama
atenção para o fato de que, enquanto as taxas de aprisionamento nos EUA durante os
anos oitenta alcançavam recordes históricos, o nível de criminalidade se recusava a
ceder. Paralelamente, indicadores sócio-econômicos norte-americanos – principalmente
distribuição de renda e desemprego entre os menos escolarizados – se deterioravam
13
,
dando a entender que a criminalidade poderia ser o resultado de piores condições
econômicas. Ou seja, além de analisar o efeito de medidas punitivas sobre o
comportamento do potencial criminoso (os chamados deterrence factors), estudos
econômicos do crime também se preocupavam em explorar a conexão entre condições
econômicas adversas e criminalidade. Neste contexto, as oportunidades oferecidas pelo
mercado de trabalho, medidas pelo nível de emprego, e a renda per capita se revelam
fortes candidatos para explicar variações na produção criminal.
Os resultados reportados para o impacto da variável desemprego nos índices de
criminalidade são, no entanto, ambíguos. Freeman (1983) realiza uma resenha da
literatura sobre a taxa de desemprego e criminalidade. Dos 15 trabalhados analisados,
apenas quatro encontraram coeficientes significativos para o desemprego. Em iniciativa
similar, Chiricos (1987) analisou 42 estudos sobre a relação crime/desemprego (a
maioria para EUA, mas também Canadá e Reino Unido), dos quais a porcentagem de
11
Ehrlich obteve coeficientes significativos e positivos para os efeitos da renda média e da distribuição
de renda tanto para crimes contra a propriedade quanto para crimes contra a pessoa. O autor não
encontrou, no entanto, significância para a variável desemprego em nenhum dos tipos de crimes, ao
contrário de Wolpin, que encontrou, como era esperado à época, taxas de desemprego positivamente
relacionadas às taxas de criminalidade, principalmente àquelas referentes a crimes não-violentos contra a
propriedade.
12
Soares (1999) apresenta tabela com os resultados de estudos voltados para o efeito da renda e
desigualdade de renda sobre a criminalidade, donde se constata um aumento do número de estudos
durante a década de oitenta.
13
Freeman (1994).
8
coeficientes positivos e significativos varia entre 14% e 48%
14
. Além disso, na linha do
argumento de Block e Heinecke (1978), constatou-se, em geral, que os resultados para o
impacto do desemprego são mais sólidos quando se trabalha com crimes contra o
patrimônio. Ainda assim, seu impacto seria insuficiente para dar conta da intensidade
com que cresceram as taxas de criminalidade a partir da década de oitenta
16
.
A renda média é outra variável que normalmente aparece em modelos teóricos e
econométricos que buscam explicar a criminalidade, mas que, assim como o
desemprego, também apresenta resultados amguos. Para esta variável, no entanto, o
problema se deve a uma dificuldade peculiar. Modelos teóricos desenvolvidos a partir
da tradição de Becker / Ehrlich não determinam exatamente qual o sinal do efeito da
renda média sobre a criminalidade, e em estimações empíricas esta variável pode acabar
assumindo qualquer sinal, mesmo que de forma significativa, como de fato ocorre.
Soares (1999) sugere que a definição do sinal possa depender do grau de aversão ao
risco do criminoso, mas afirma que ainda é cedo para se generalizar a esse respeito. A
meu ver, o problema se deve mais ao fato de que a renda média é um indicador para
dois fenômenos que causam efeitos contrários nos índices de criminalidade. Em alguns
trabalhos, a renda média é usada como proxy para o custo de oportunidade do potencial
criminoso (pois esta seria sua oportunidade de renda no mercado de trabalho), caso em
que a expectativa do sinal é negativa. Em outros, um maior nível de renda é utilizado
para indicar um maior “lucro” esperado da ação criminosa para um indivíduo cuja renda
seja inferior à média, com expectativa de sinal positivo. Cerqueira e Lobão (2003b) e
Mendonça et al (2003a) são exemplos de dois trabalhos que, separadamente, utilizam a
renda per capita como proxy para estes dois fenômenos, cada qual com uma expectativa
de sinal distinta (negativo e positivo, respectivamente). Além disso, a variável renda
per capita é freqüentemente usada como proxy para o desenvolvimento econômico, que
geralmente é associado positivamente com o crime. Teorias de natureza sociológica,
por exemplo, relacionam o desenvolvimento industrial à ruptura da malha social, fator
de aumento da criminalidade.
14
A variação dos percentuais se deve ao fato que o autor separou os estudos realizados com dados
anteriores e posteriores a 1970.
16
Freeman (1983).
18
Razão entre a diferença entre o 9º e 10º decentís das rendas familiares e a média para os EUA.
9
Alguns autores contestam esta associação. Soares (1999), por exemplo, alega
que dados oficiais podem gerar distorções sobre inferências estatísticas. Utilizando
microdados em cross-section da Pesquisa Internacional de Vitimização das Nações
Unidas para investigar diretamente o efeito do desenvolvimento econômico sobre a
criminalidade, conclui que a relação positiva entre essas duas variáveis, normalmente
sugerida em estudos de criminologia, se deve, na realidade, à correlação entre os erros
das estatísticas oficiais e o desenvolvimento econômico. Ou seja, países menos
desenvolvidos produzem piores dados sobre criminalidade. Além de encontrar
evidências a indicar um efeito negativo do desenvolvimento, o autor obteve resultados
que confirmam o impacto positivo da desigualdade de renda na criminalidade. Em
trabalho semelhante, usando a mesma fonte de dados, Andrienko (2002) testa várias
hipóteses sobre a probabilidade de se tornar vítima de crimes contra a propriedade e
crimes violentos e confirma os achados de Soares (1999).
2.3 Desigualdade de renda e criminalidade
A insuficiência das variáveis apresentadas acima (tanto de dissuasão como de
condições econômicas) em explicar satisfatoriamente a forte tendência de crescimento
da violência levou a investigações sobre o possível impacto de outras variáveis sócio-
econômicas que poderiam influenciar a produção criminal, como escolaridade, pobreza,
grau de urbanização etc. Freeman (1994) sugere que o crescimento de 12% do índice de
desigualdade na década de oitenta
18
poderia responder por até 10% dos aumentos na
criminalidade. Lee (1993), no entanto, em trabalho com dados em painel para 58
grandes cidades americanas entre 1973 e 1989, não detecta essa relação. Além disso, o
autor encontra indícios de que o crime varia mais com variações da renda na cauda
superior da distribuição que na inferior, o que vai de encontro à dinâmica da
desigualdade na década de oitenta, marcada pela redução da renda dos mais pobres.
Vários outros estudos buscaram correlacionar a desigualdade de renda ao crime
e não há necessariamente convergência entre os resultados obtidos. Bourguignon et al
(2003) relatam que a evidência em favor da relação positiva entre desigualdade e crimes
contra a propriedade em análises internacionais ainda é inconclusiva. Os resultados são
10
mais robustos quando obtidos por meio de regressões em cross-section, enquanto
trabalhos com séries de tempo e painel geram maior ambigüidade. Freeman (1996)
20
,
por exemplo, não encontrou relação significativa entre as duas variáveis para regiões
metropolitanas norte-americanas. Já Fajnzylber et al (2001) conseguiram coeficientes
positivos e significantes trabalhando com dados para diferentes países, que normalmente
sofrem de grave problema na padronização. Neumayer (2005) contesta os resultados de
Fajnzylber et al (2001) alegando que estes são sensíveis a restrições artificiais impostas
aos países que compõem a base de dados, e encontram um Gini não-significativo
mesmo para crimes contra o patrimônio. Em geral, trabalhos que buscam investigar esta
relação em nível internacional são pouco conclusivos, mas estudos para unidades
geográficas menores costumam fornecer resultados mais robustos. A Tabela 2.1 resume
os principais resultados encontrados na literatura internacional para o efeito da
desigualdade de renda em diversos tipos de crimes, indicando ainda o tipo de dado
utilizado. Como se pode ver, apenas um estudo encontrou efeito negativo da
desigualdade sobre os crimes, enquanto os demais resultados se dividem quase que
meio a meio entre “efeito positivo” e “não significativo”.
20
Em Bourguignon (2003)
11
TABELA 2.1 – Evidências Internacionais para o Efeito da Desigualdade de Renda
sobre as Taxas de Criminalidade
Estudo Dados Tipo de Crime Conclusão
Eberts e Schwirian (1968)* SMSA’s / Cross-section Todos os crimes (dados oficiais) Efeito positivo
Ehrlich (1973) Estados EUA Assassinato Não significativo
Estupro Não significativo
Agressão Não significativo
Crimes contra pessoa Não significativo
Assalto Efeito Positivo
Roubo a residências Efeito Positivo
Roubo Efeito Positivo
Furto de veículo Efeito Positivo
Crimes contra a propriedade Efeito Positivo
Danzinger e Wheeler (1975)* Dados nacionais EUA / ST Roubo a residências (dados of.) Não significativo
Agressão Não significativo
Roubo Efeito positivo
Danzinger e Wheeler (1975)* SMSA’s / Cross-section Roubo a residências (dados of.) Efeito positivo
Agressão Efeito positivo
Roubo Efeito positivo
Jacobs (1981)* SMSA’s / Cross-section Roubo a residências (dados of.) Efeito positivo
Furto Efeito positivo
Roubo Efeito positivo
Blau e Blau (1982)* SMSA’s / Cross-section Assassinato (dados oficiais) Efeito positivo
Estupro Não significativo
Roubo Não significativo
Agressão Efeito positivo
Messner (1982)* SMSA’s / Cross-section Assassinato (dados oficiais) Não significativo
Carrol e Jackson (1983)* Cidades EUA / Cross-section Roubo a residências (dados of.) Efeito positivo
Roubo Efeito positivo
Crimes contra a pessoa Efeito positivo
Williams (1984)* SMSA’s / Cross-section Homicídios (dados oficiais) Não significativo
Bailey (1984)* Cidades EUA / Cross-section Assassinato (dados oficiais) Não significativo
Stack (1984)* Países / Cross-section Crimes propriedade (dados of.) Efeito negativo
Patterson (1991)* Vizinhanças EUA / CS Roubo a residências Não significativo
Crimes violentos Não significativo
Fowles e Merva (1996)* SMSA’s / Painel Agressão grave (dados oficiais) Efeito positivo
Assassinato Efeito positivo
Roubo de carro Não significativo
Furto Efeito positivo
Roubo Não significativo
Roubo a residências Não significativo
Estupro Efeito negativo
Allen (1996)** Dados nacionais EUA / ST Roubo (dados oficiais) Não significativo
Roubo a residências Não significativo
Roubo de carro Não significativo
Freeman (1996)** Metrópoles EUA / Painel Todos os crimes Não significativo
Fajnzylber et al. (1998)* Países / Painel Homicídios (dados oficiais) Efeito positivo
Roubo Efeito positivo
Kelly (1999)* Condados EUA / Cross-section Crimes violentos (dados oficiais) Efeito positivo
Crimes contra a propriedade Não significativo
Agressão Efeito positivo
Roubo Efeito positivo
Assassinato Não significativo
Estupro Efeito negativo
Roubo a residências Efeito positivo
Furto Não significativo
Roubo de carro Não significativo
Bourguignon (2002) Cidades colombianas / Painel Crimes contra a propriedade Não significativo
Erienko (2002) Países (ICVS) / Painel Roubo de carro Efeito positivo
Crimes contra a propriedade Efeito positivo
Crimes violentos Efeito positivo
Demombynes e Ozner (2002) África do Sul (bairros) / CS Roubo a residências Efeito positivo
Roubo de carro Não significativo
Agressão grave Efeito positivo
Estupro Efeito positivo
Dahlberg e Gustavsson (2005) Condados suecos / Painel Roubo a residências Não significativo
Furto em lojas Efeito positivo
Roubo de carro Não significativo
Neumayer (2005) Países / Painel Roubo Não significativo
Crimes contra a pessoa Efeito positivo
Fonte: *Soares (1999, tabela 2, p. ); ** Em Bourguignon (2002, p.1).
Obs: CS para crossection e ST para séries temporais
12
Dahlberg e Gustavsson (2005) oferecem uma possível explicação para tais
resultados ambíguos. Argumentam que é a porção permanente e não a transitória da
renda que de fato importa para explicar a criminalidade, e como as medidas tradicionais
de desigualdade não fazem esta distinção, captam efeitos de ambos os componentes da
renda. Os autores conseguem separar estes dois componentes e usam as estimativas
como regressores para três tipos de crimes na Suécia, com dados em painel, obtendo
coeficientes positivos e significativos para o efeito de medidas de desigualdade que
levam em consideração o componente permanente da renda, e não-significativos para o
componente transitório ou para as medidas tradicionais de desigualdade.
Alguns autores se preocuparam ainda em identificar a parte da distribuição da
renda para a qual a criminalidade é mais sensível. A intuição por trás deste raciocínio é
que a desigualdade na parte superior da distribuição não afetaria tão intensamente a
criminalidade quanto distorções na cauda inferior, o que é equivalente a exigir uma
combinação de pobreza e desigualdade como condição para a existência de um grande
número de potenciais criminosos. Assim, diferentes medidas de desigualdade
produziriam resultados empíricos distintos. Bourguignon et al. (2003) apresentam um
modelo estrutural empírico em que as variáveis independentes afetam a taxa de
criminalidade proporcionalmente ao número de indivíduos com renda baixa o bastante
para torná-los potenciais criminosos. Trabalhando com dados em painel para as sete
maiores cidades colombianas entre 1986 e 1998, concluem que a parte da distribuição
que mais importa para explicar o crime na Colômbia é aquela da população com renda
menor que 80% do valor da renda média da população ou menos. Ou seja, variações na
distribuição acima deste limite mínimo não afetam significativamente a criminalidade.
2.4 As evidências na literatura brasileira
A literatura nacional sobre o tema é ainda bastante restrita, muito em função da
limitação dos dados disponíveis no país. Segundo Cerqueira e Lobão (2003a), ao
chamarem a atenção para o papel de fatores econômicos na determinação da
13
criminalidade, os trabalhos de Coelho (1988) e Paixão (1988) incitaram o surgimento de
alguns importantes estudos sobre o tema. Pezzin (1986), trabalhando com dados de
1983, apresenta um dos primeiros esforços empíricos. Em análise cross-section,
encontra correlação positiva e significativa entre as variáveis urbanização, pobreza e
desemprego e os registros de crimes contra o patrimônio.
Em consonância com a maioria dos trabalhos internacionais, os resultados
brasileiros para o desemprego não apontam uma direção clara. Beato e Reis (2000) e
Sapori e Wanderley (2001), ambos trabalhando com dados para grandes cidades
brasileiras, não obtêm resultados significativos para a correlação entre desemprego e
criminalidade, seja para crimes contra a propriedade ou para homicídios. Andrade e
Lisboa (2001), utilizando dados de homicídio do SIM/Datasus para os Estados de SP,
MG e RJ, chegam a encontrar até mesmo uma relação negativa e significativa entre
desemprego e crime. O mesmo estudo é ainda um dos primeiros a lançar luz sobre os
efeitos da desigualdade de renda na probabilidade de vitimização por homicídio nestas
regiões: tanto o salário real quanto o índice de Gini apresentam coeficientes
significativos para faixas etárias inferiores a 20 anos, o primeiro com impacto negativo
e o segundo, positivo.
Quatro outros estudos fazem uso da mesma fonte de dados, embora com
metodologias diferentes. Trabalhando com painel para os Estados brasileiros entre 1985
e 1995, Mendonça et al (2003a) estimam em 0,96 o valor da elasticidade do crime em
relação ao Gini no modelo de efeito fixo, resultado inferior apenas ao impacto da
variável urbanização. Oliveira (2005) obtém resultado semelhante, com um Gini
positivo, elevado e significante, em painel para 5507 municípios brasileiros entre os
anos de 1991 e 2000, mas não deixa claro tratar-se da elasticidade ou dos valores em
nível. Cerqueira e Lobão (2003b) aplicam metodologia de vetores auto-regressivos e de
correção de erro (VAR-VEC) às séries de tempo em logaritmos para os estados do Rio
de Janeiro e São Paulo e estimam em 3,43 e 1,20, respectivamente, as elasticidades de
curto prazo dos homicídios em relação ao Gini
. O resultado de Cano e Santos (2001) é
o único a contestar esta a associação entre as duas variáveis. Em análise cross-section
para o ano de 1991, os autores não corroboraram a hipótese de que desigualdade de
renda – desta vez medida pelo L de Theil – produz efeitos sobre os homicídios nos
Estados.
14
Praticamente inexistem estudos brasileiros que investigam a relação
desigualdade/criminalidade trabalhando com dados específicos para crimes contra o
patrimônio. Duas recentes exceções (talvez as únicas) merecem destaque. Puech (05)
utiliza dados da FJP para crimes violentos contra a propriedade (assalto, assalto a mão
armada e roubo de carro) para 723 municípios do Estado de Minas Gerais no ano de
2000. Embora sua preocupação inicial estivesse direcionada para os efeitos do nível
educacional nos indicadores oficiais da criminalidade, o autor obteve coeficientes
altamente significativos e robustos para o impacto da desigualdade de renda. Segundo o
autor, esta variável é a principal determinante da criminalidade naquele Estado, tanto
para crimes contra a pessoa como contra a propriedade. Em outro trabalho recente,
Lemos et al (2005) coletam dados primários para os diferentes bairros do município de
Aracaju a fim de identificar os determinantes da criminalidade na capital sergipana. Os
crimes contra o patrimônio incluem furto, roubo, dano, estelionato, apropriação indébita
e latrocínio. Novamente, o Gini construído para os bairros recebe coeficiente de
regressão positivo e estatisticamente significativo para o índice sintético que combina
todos esses crimes. Embora ambos os autores tenham obtido coeficientes significativos,
nenhum deles informa se seus resultados se referem às variáveis em nível ou em
logaritmos.
A Tabela 2.2 resume todos os resultados descritos acima para a literatura
nacional. Apesar do número limitado de estudos, quase todos os trabalhos encontram
relação positiva e significativa entre a desigualdade de renda e o crime no Brasil. Ainda
assim, carecemos de estimativas consistentes para a elasticidade deste efeito,
principalmente no que se refere a crimes contra o patrimônio. Soares (1999) argumenta
que este tipo de crime responde pela maior parte da variação dos índices de
criminalidade entre países e que é o tipo de crime sobre o qual o poder público tem
maior capacidade de intervenção. Além disso, é de se esperar que as teorias econômicas
desenvolvidas para estudar a criminalidade, tanto a de Becker (1968) quanto as que a
seguiram, expliquem melhor a produção de crimes de “transferência de renda”. Nas
palavras de Stigler (1970, p.530) “(este tipo de criminoso) busca renda, e para ele as
regras tradicionais de escolha ocupacional devem se aplicar”
25
.
15
TABELA 2.2 – Evidências Nacionais para o Efeito da Desigualdade de Renda
sobre as Taxas de Criminalidade
Estudo Dados Tipo de Crime Conclusão
Andrade e Lisboa (2001) SIM Datasus / Homicídios Efeito positivo
Cano e Santos (2001) SIM Datasus / Cross-section Homicídios Não significativo
Mendonça et al (2003a) Estados Brasileiros / Painel Homicídios Efeito positivo
Cerqueira e Lobão (2003b) Rio e SP / VAR-VEC Homicídio (dados oficiais) Efeito positivo
Lemos et al (2005) Bairros Aracaju / Cross-Section Crimes contra a propriedade Efeito positivo
Oliveira (2005) Cidades Brasil / Painel Homicídios Efeito positivo
Puech (2005) Municípios MG / Cross-section Crimes contra a propriedade Efeito positivo
Crimes contra a pessoa Efeito positivo
Obs: todos trabalhando com Gini, com exceção de Cano e Santos, que utilizaram o índice de Theil para
medir a desigualdade
Esforço empírico recente de Mendonça et al. (2003b) dá sustentação a esta
hipótese. Os autores fazem uso do procedimento de Heckman (1979) em dados
oriundos de entrevistas com infratores encarcerados para verificar se a motivação do
criminoso é a mesma para diferentes tipos de crimes. Concluem que a regra ótima de
decisão para o preso condenado por crimes violentos difere daquela para os demais
crimes (como furto e roubo). Afirmam que “existe evidência de que questões de cunho
econômico são os principais fatores que impulsionam a prática de crimes não-
violentos”. Sendo assim, é razoável supor que dados para crimes contra a propriedade
sejam mais apropriados para se fazer inferências baseados nos modelos econômicos
para o crime.
2.5 A contribuição do presente trabalho
Enquanto os resultados obtidos em trabalhos internacionais divergem quanto à
significância da distribuição da renda para explicar a criminalidade, os estudos
brasileiros revelam com bastante consistência um impacto positivo da desigualdade
sobre os homicídios medidos pelos registros de óbito. A recém divulgada base de dados
da Senasp ofereceu uma oportunidade ímpar de aprofundar a investigação sobre os
determinantes da criminalidade no Brasil e, principalmente, o papel da desigualdade de
renda neste contexto. Com a desagregação em diferentes tipos de delitos, é possível
25
Em Soares (99) p. 3
16
monitorar o comportamento de crimes contra a pessoa e crimes contra o patrimônio,
permitindo-nos entender melhor a dinâmica de cada uma destas categorias e pensar as
políticas de prevenção mais adequadas. A disponibilidade, por exemplo, de
informações sobre roubos e furtos de veículos automotores permitiu construir uma
proxy bastante razoável para crimes de natureza econômica, visto que estes tipos de
infração têm fortes incentivos para serem reportados (sinistros de seguros). A análise
destes dados permitiu, primeiramente, construir um melhor retrato de como cada
variável sócio-econômica afeta cada tipo de infração nos grandes municípios brasileiros.
Além disso, a discriminação de delitos permite tecer inferências sobre qual
modelo teórico, dentre aqueles que oferecem alguma explicação para a ligação entre
desigualdade de renda e criminalidade, melhor se aplica à realidade dos dados. Como
se verá no próximo capítulo, além do modelo de Ehrlich no qual se baseiam os estudos
no âmbito da ciência econômica, existem modelos concorrentes – tanto de inspiração
sociológica como dentro da própria tradição econômica – que buscam explicar esta
relação. Tentativas de promover esta distinção praticamente inexistem na literatura
econômica sobre o crime, inclusive em âmbito internacional. Raríssima exceção, o
trabalho de Demombynes e Ozler (2002) usa dados cross-section locais (jurisdições
policiais) para toda a África do Sul a fim de indagar sobre a natureza específica da
relação entre criminalidade e desigualdade de renda. A estratégia é criativa e
relativamente simples: como os modelos de tradição econômica usam a distribuição da
renda como proxy para as oportunidades do crime, seria razoável supor que a
desigualdade estivesse associada apenas aos crimes que buscam transferir renda, ou
crimes contra o patrimônio. Caso também esteja fortemente correlacionada com crimes
violentos contra a pessoa, a evidência daria sustentação a uma teoria sociológica que
associa maior desigualdade a menor controle social. O trabalho empírico dos autores
encontra coeficientes significantes para a desigualdade em ambos os tipos de crimes,
após controlar para variáveis como gasto médio das famílias, desemprego e densidade
populacional. Esforço semelhante de distinção de modelos é empregado no presente
trabalho, porém estendendo a abordagem para três modelos encontrados na literatura.
Para isso, o próximo capítulo apresenta formalmente e busca esclarecer a distinção entre
os três principais modelos teóricos que prevêem explicações diferenciadas para a
relação entre desigualdade de renda e criminalidade.
17
3 MODELOS TEÓRICOS
A relação entre desigualdade de renda e criminalidade recorrentemente testada
em estudos empíricos possui contrapartida teórica em múltiplos modelos – tanto de
origem econômica quanto sociológica – que buscam atribuir nexos causais distintos à
relação. No presente capítulo são apresentados formalmente os três principais modelos
teóricos utilizados nos trabalhos encontrados sobre o tema. Conforme dito
anteriormente, um dos principais objetivos deste trabalho e buscar evidências a favor de
um destes modelos em detrimento dos demais.
Os resultados apresentados no capítulo anterior têm quase sempre inspiração em
alguma versão do modelo teórico de Ehrlich
28
. Trata-se de um modelo estritamente
econômico, calcado na tradição da escolha racional, em que o agente aloca seu tempo de
forma ótima entre atividades legais e ilegais, tendo como parâmetro o valor esperado da
renda que a atividade criminosa pode lhe gerar. Embora neste modelo a distribuição da
renda não entre explicitamente como uma variável a afetar a decisão do indivíduo na
alocação de seu tempo, acredita-se com freqüência ser ela uma proxy razoável para o
diferencial de renda que afeta a expectativa de ganhos do agente no mercado criminal
29
.
A desigualdade se relaciona indiretamente com o nível de criminalidade através das
oportunidades de ganhos que o contato com indivíduos extremamente mais ricos pode
gerar para o potencial criminoso, provavelmente oriundo de uma classe cuja renda
média é inferior à renda média da população. Para efeitos didáticos, podemos dizer que
esta é a explicação estritamente “econômica” para a relação ora investigada.
Teorias sociológicas, no entanto, também oferecem argumentos plausíveis para
essa relação. Duas delas – as mais freqüentemente utilizadas – são resumidas em Kelly
(2000)
30
. A primeira é a teoria da desorganização social, calcada na tradição
durkheimiana e no conceito de controle social. O conceito original de controle social se
28
O que é natural por se tratar de uma revisão da literatura econômica sobre criminalidade.
29
Cerqueira e Lobão (2003b) recentemente apresentaram um modelo de produção de crimes em que o
agente busca maximizar seu lucro tendo em vista as variáveis que afetam sua função de produção
criminal. O coeficiente de Gini entra nesta equação diretamente ao se demonstrar estar relacionado à
expectativa de ganho com a ação criminosa, uma vez que um aumento da desigualdade é equivalente a
um aumento na renda média das camadas mais ricas da população, potenciais vítimas do crime
30
Para um resumo mais detalhado e sociologicamente fiel, ver Chamlin e Cochran (2005).
18
refere ao controle que a sociedade exerce sobre seus membros sem que eles se dêem
conta disso
31
. Em sociedades suficientemente coesas, este controle dificulta, por
exemplo, a decisão do indivíduo de infringir leis e normas sociais, mesmo quando ele
observa um alto valor esperado para o ganho material com o crime. Sociedades menos
coesas são sociedades que apresentam alto grau de heterogeneidade entre seus membros
– como diversidades étnicas, raciais e desigualdade econômica – e são, portanto, menos
eficazes em exercer sobre seus membros controles sociais informais. Os indivíduos
nestas comunidades não se sentem tão compelidos em obedecer a regras e normas em
geral.
Este paradigma é diametralmente oposto ao paradigma clássico da teoria
econômica, pois se refere, de certa forma, ao comportamento do indivíduo quando este é
irracional. Em contraposição ao modelo estritamente econômico para a relação
desigualdade de renda / criminalidade, chamaremos estes de modelo “estritamente
sociológico”. Naturalmente, é um modelo sem qualquer desenvolvimento formal.
Apesar disso, ainda assim é possível incorporá-lo em uma estrutura de maximização de
utilidade. Para tanto, utilizamos um modelo apresentado por Block and Heineckle
(1975), em que o tempo empregado com atividades criminosas gera uma desutilidade ao
agente devido a questões de natureza moral. Para modelar o efeito da teoria do controle
social, supomos que a utilidade é uma função decrescente no grau de desigualdade
observado na sociedade da qual o indivíduo faz parte. Assim, o quanto um indivíduo
considera imoral determinada infração de uma norma dependerá de quão coesa é a sua
sociedade. Trata-se, obviamente, de uma adaptação que tem como propósito formalizar
um modelo de inspiração sociológica. O principal objetivo deste exercício é destacar a
forma alternativa com que a tradição sociológica concebe o efeito da desigualdade de
renda sobre a criminalidade, e não adentrar na discussão se a resposta do indivíduo à
influência da desigualdade de renda é racional ou não.
Por fim, temos ainda um outro modelo de inspiração eminentemente sociológica,
baseado na strain theory de Merton (1938). O autor postula que o indivíduo em uma
sociedade está constantemente submetido a pressões para que atenda determinado
31
Em contraposição ao conceito recorrentemente usado hoje em dia para controle social, relacionado à
accountability, ou seja, o controle que os cidadão exercem sobre aqueles que os governam.
19
padrão de sucesso estipulado por aqueles ao seu redor. Em uma economia de mercado,
este padrão de sucesso não poderia ser mais bem representado que por um determinado
nível de renda que permitisse ao indivíduo consumir a cesta de consumo socialmente
exigida. Entende-se aqui que esta cesta socialmente exigida é aquela consumida pela
maior parte da população próxima ao indivíduo. Um indivíduo que não consegue
atender esta referência de sucesso perante seus pares acaba por se alienar, recorrendo ao
crime para se livrar da frustração. Na linguagem econômica, essa teoria significa dizer
que os indivíduos não consideram apenas a utilidade gerada pela cesta de bens que sua
renda lhes permite consumir, mas igualmente pela distância entre seu consumo e o
consumo daqueles que o rodeiam, daqueles que fazem parte de seu ciclo social. Em
2003(a), Mendonça et al apresentaram um modelo no Texto para Discussão do Nº 967
do IPEA que introduz na clássica estrutura de escolha racional a variável “renda de
referência”, que condiciona as expectativas de consumo do agente. A impossibilidade
de atingir esta renda no mercado de trabalho lhe gera incentivos para recorrer ao crime
em busca de renda adicional. Assim, este modelo capta, de alguma forma, o conceito de
frustração ou privação relativa do agente, que seria proporcional à diferença entra a
renda de referência e a renda para ele disponível no mercado de trabalho. Uma maior
desigualdade faz com essa diferença aumente, aumentando a frustração.
Há que se destacar uma sutil diferença, no entanto. Enquanto a teoria de Merton
fala em recorrer ao crime por alienação, está implícito em Mendonça et al (2003a) que o
objetivo do agente é reforçar sua renda com a atividade criminosa – ou mesmo
abandonar o mercado de trabalho para se inserir completamente no crime – de modo a
reduzir sua frustração advinda do diferencial de consumo entre si e seus pares. Esta
sutileza pode ser importante para alguns, mas não será explorada aqui. Vale ressaltar
também que a relação entre a teoria mertoniana e o modelo econômico é de inspiração
do autor desta dissertação e não está registrada em qualquer um dos trabalhos
previamente analisados. Logo, esta associação não necessariamente reflete os objetivos
ou pensamento de Mendonça et al (2003a) ao apresentarem o modelo, inclusive por não
haver referência a Merton no trabalho dos pesquisadores do IPEA. Por transitar entre as
duas tradições, este modelo será referido como modelo econômico/sociológico.
20
3.1 Modelo estritamente econômico (de Ehrlich)
Presume-se que o indivíduo se comporte como se buscasse maximizar a sua
utilidade esperada no período corrente. Por conveniência analítica, sua utilidade em
cada estado é dada por
),(
css
tXUU
=
(1.1)
em que X denota uma cesta de consumo aplicável ao estado da natureza s e
c
t é o
tempo gasto em atividades de lazer ou consumo. Transformando toda a renda do
período em termos de consumo real, permitem-se dois estados d
a natureza:
)()(
0
lliib
tWtWWX ++=
(1.2)
cuja probabilidade de ocorrência é
i
p
1 , ou
)()()(
0
lliiiia
tWtFtWWX ++=
(1.3)
com probabilidade , em que denota o nível de riqueza inicial e a
renda obtida com atividades legais e ilegais, respectivamente. A utilidade esperada
deste indivíduo passa a ser dada, portanto, por
i
p
0
W
)(),(
llii
tWtW
),(),()1(),(
caicbics
tXUptXUptXEU
+
= (1.4)
cuja maximização depende da escolha das variáveis
, e dadas as restrições na
renda – conforme as equações (1.2) e (1.3) – e nas variáveis de tempo, que devem ser
maiores ou iguais a zero e
c
t
i
t
l
t
lic
tttt
+
+
=
0
(1.5)
A condição de primeira ordem para a solução do problema de maximização é dada por
)()1(
)(
'
'
bi
ai
lii
li
XUp
XUp
wfw
ww
=
(1.6)
sendo que
,
)/(
iii
dtdWw = )/(
iii
dtdFf
=
e )/(
lll
dtdWw
=
. O termo do lado
esquerdo representa a inclinação da curva de oportunidades do indivíduo entre os dois
estados da natureza, e o lado direito sua taxa marginal de substituição. Em equilíbrio, as
duas taxas devem ser iguais, e isto requer que
seja menor que a diferença .
i
f
li
ww
21
Exercícios simples de estática comparativa demonstrariam que aumentos de e
, tudo o mais constante, reduzem o incentivo para exercer atividades ilegais, pois
aumentam o custo marginal esperado da punição. Diametralmente, um aumento no
retorno marginal esperado da atividade ilegal,
, aumentaria o incentivo de se entrar
para ou alocar mais tempo para este tipo de atividade.
i
f
i
p
i
w
Embora a variável distribuição de renda não entre diretamente nas equações
deste modelo, o próprio Ehrlich pressupõe – ao estimar o modelo tendo a distribuição da
renda como uma das variáveis de controle – que o ganho potencial com a atividade
criminosa aumenta à medida que aumenta o diferencial de renda entre os indivíduos. O
autor entende que aqueles com renda significativamente inferior à média da população
têm um maior diferencial de retorno entre a atividade de cometer crimes contra a
propriedade e a de seu trabalho assalariado. Assim, teriam mais incentivo para alocar
uma porção maior de seu tempo no crime
33
. Isto é o equivalente a dizer que se um
individuo reside em uma área com maior concentração de renda, o retorno marginal do
crime,
, será maior que o caso vivesse em uma região com menor concentração.
i
w
3.2 Modelo estritamente sociológico (de controle social)
Um modelo econômico para a produção criminal que captura de alguma forma a
influência de valores morais nas decisões dos agentes foi apresentado por Block e
Heineke em 1975. No modelo, a utilidade esperada do agente é dada por
),,( WTLUU
=
(2.1)
em que L e T representam o tempo empregado em atividades legais e em atividades de
crime, respectivamente, e W a renda total do indivíduo. Como se pode perceber, L e T
entram no modelo explicitamente, de modo que a utilidade do indivíduo é uma função
direta não só da renda, mas também do tempo gasto na atividade de obtenção da renda,
como se o agente não sentisse prazer em trabalhar. Assim, enquanto a utilidade
marginal da renda é positiva,
, as derivadas da função de utilidade em relação ao
tempo gasto obtendo renda são negativas ,
0>
W
U
0
<
L
U
e
0
<
T
U
. Mas para fazer com que
22
considerações morais tenham um peso na decisão do agente, os proponentes do modelo
propõem que , ou seja, que o tempo empregado em atividades criminosas
lhe custa mais (em termos morais) que o tempo empregado trabalhando. Pode-se dizer
que o indivíduo teria preferência pela honestidade, ou que ele não é indiferente entre
cometer ou não um crime dado retornos esperados semelhantes.
0>
TL
UU
Embora os autores se refiram especificamente a “roubo”, para fazermos com que
o modelo se aplique a “crimes em geral” bastaria supor que a função U é capaz de
converter o ganho psicológico com crimes não-econômicos para valores monetários
equivalentes. De modo análogo, basta pensar que W representa não apenas a renda
monetária do indivíduo, mas um valor teórico para todo tipo de bem que lhe gere
alguma utilidade. O trade-off permanece, pois o tempo de trabalho assalariado
sacrificado será empregado em um crime que lhe traga ou renda propriamente dita ou
ganhos psicológicos de outra natureza. Opta-se por adotar esta estratégia porque a idéia
aqui é construir um modelo que pretende explicar crimes em geral
34
. De qualquer
modo, vale ressaltar que a intenção dos autores ao apresentar o modelo era mostrar que
é possível modelar uma ação em que considerações morais afetam as decisões de
agentes racionais, e que normalmente isto ocorre com crimes contra a propriedade, e
não crimes de natureza passional. Aproveito aqui este modelo para formalizar a teoria
sociológica de que a moral afeta a produção criminal.
Voltando ao modelo, nas condições apresentadas o problema do agente passa a
ser
daafaFVrLWTLU )(])(,,[
0
θ
++
(2.2)
em que
é a renda inicial do indivíduo, r é a taxa de retorno da atividade legal, (V –
aF) o ganho esperado (monetário ou psicológico) com a atividade criminosa,
0
W
o
número de ofensas cometidas, que será função de T, sendo
0)(' >T
θ
, e f(a) a
distribuição que o agente atribui à probabilidade de ser preso dada a taxa de condenação
observada. Assumindo restrição de tempo análoga à do modelo anterior e fixando o
34
Esta estratégia encontra respaldo no argumento desenvolvido em Becker (1968).
23
tempo gasto com lazer (de modo que L + T = constante), a condição de primeira ordem
para o ponto ótimo requer que
0)]')(([
+
raFVUUUE
WLT
θ
(2.3)
em que
dTd /'
=
. Esta expressão é a utilidade marginal líquida de se cometer um
crime. A utilidade decorrente da renda esperada com um crime a mais
]')(([
θ
aFVUE
W
deve compensar os custos morais de cometê-lo, , e a renda
do trabalho legal abdicada, r (seu custo de oportunidade).
LT
UU
Uma forma de inserir neste modelo a variável desigualdade como determinante
do nível de coerção moral é fazer da desutilidade marginal proveniente da atividade
criminosa,
, uma função da concentração da renda. Como argumentado
anteriormente, teorias inspiradas na idéia de controle social prevêem que sociedades
desiguais serão menos capazes de exercer tal controle sobre seus membros. Para todo
efeito prático, isto significa dizer que o indivíduo se sente mais ou menos compelido a
ignorar normas e valores sociais quando inserido em um ambiente de maior
desigualdade. Assim, a sensibilidade da função
passa a ser dada pela seguinte
expressão
T
U
T
U
),( GfU
T
µ
=
(2.4)
com
0/ >dGdU
T
35
, em que G é o indicador representativo do grau de desigualdade e
µ
é um parâmetro pessoal que reflete a sensibilidade do caráter do indivíduo ao controle
social (ou, inversamente, quanto a moral do indivíduo independe do controle que a
sociedade exerce sobre ele). Temos, assim, que em regiões marcadas por maior
desigualdade de renda a desutilidade que o indivíduo sofre ao cometer um crime é
menor que em regiões não tão desiguais
36
. De acordo com a equação (2.3), o equilíbrio
ocorrerá quando
35
É importante ter em mente que a utilidade marginal do trabalho, UT, é, a priori, negativa, de modo que
um aumento de G aumentaria esta variável para valores menos negativos, ou, inversamente, reduziria a
desutilidade do indivíduo ao cometer um crime. No limite, em ambientes muito desiguais, o indivíduo
chegaria a não sentir qualquer constrangimento moral ao cometer um crime, com U
T = 0.
36
A alteração por mim proposta é a que se estende do início do presente parágrafo até este ponto, sendo
esta parte do modelo de minha responsabilidade. A partir daqui o modelo volta a ser fiel ao apresentado
por seus percussores. Como se vê adiante, tal adaptação não altera os resultados teóricos obtidos por
Block e Heinecke ( ) para o comportamento do indivíduo, apenas insere a variável desigualdade de renda
no modelo.
24
TLW
UUraFVEU
=
)')((
θ
(2.5)
Como admitiu-se que, em geral, a desutilidade marginal do trabalho é menor que a do
crime, temos que o lado direito de (2.5) é maior que zero. Supondo agora que uma
variação positiva na desigualdade de renda aumente , e mantendo tudo o mais
constante, o valor desta diferença entre as duas desutilidades marginais diminuirá,
exigindo que, de alguma forma, o ganho marginal com a atividade criminal dado pelo
lado esquerdo da equação se reduza. Caso isso não ocorra, o agente aumentará sua
oferta de crimes, até obter novo equilíbrio.
T
U
3.3 Modelo econômico/sociológico ( Merton/Mendonça)
37
O modelo apresentado por Mendonça et al(2003a) incorpora o conceito de
frustração ou privação relativa de Merton em uma estrutura de escolha racional ao
incluir na função de utilidade que o agente busca maximizar um argumento que diz
respeito à sua insatisfação caso não usufrua do consumo de referência c*. Ou seja, a
utilidade do agente é dada por
)*,( cccU
(3.1)
onde c é seu consumo no período em questão, e que que pode ser reescrito como
)*()( wwawwU
=
(3.2)
se aceitarmos as hipóteses de que toda a renda w é gasta no consumo e que a utilidade é
linear em relação à renda (ou seja, neutralidade diante do risco). Neste modelo, a indica
o grau de frustração deste agente em relação à diferença entre sua renda e uma renda
tida como de referência para a sociedade em que está inserido. Para simplificar o
modelo, podemos supor ainda que o agente é míope, de modo que ele só considera seu
consumo imediato, frente ao consumo imediato dos demais membros da sociedade.
Este agente enfrenta, portanto, o dilema de se incorporar ao mercado de trabalho e
auferir renda w ou participar de uma atividade ilícita, caso em que se depara com uma
37
O modelo apresentado por Mendonça et al (2003b) é um pouco mais complexo que o reproduzido aqui
pois considera agentes não-míopes e inclui uma distribuição de probabilidade para a renda auferida com a
atividade criminosa. Ainda assim, a lógica, a intuição e os resultados são análogos, e preferiu-se manter a
simplicidade didática nesta apresentação.
25
loteria com probabilidade de sucesso e p de fracasso. Existe um custo k, sendo k
< 0, para participar desta loteria e caso seja pego uma punição que lhe gera desutilidade
h(0). Assim, a utilidade esperada pelo agente com esta loteria é dada por
p1
)0()'()1( phwUpkEU
+
+=
(3.3)
sendo w’ a renda que o agente acredita que irá obter com o crime. Assim, sua decisão
de entrar ou não para o crime pode ser modelada pela seguinte equação
)}0()'()1(),*(max{)( phwUpkwwawwU
+
+
=
(3.4)
Uma forma de resolver o problema é encontrar uma renda de equilíbrio w que o torne
indiferente entre o trabalho assalariado e a criminalidade. Esta renda é dada por
)0()'()1()*()( phwUpkwwawwU
+
+==
se
ww
(3.5)
)*()( wwawwU =
se
ww
(3.6)
A intuição é de que quanto maior
w
, maior deverá ser o salário w pago ao agente no
mercado legal de trabalho para que ele permaneça fora da criminalidade. É possível
mostrar que existe um único
w
como solução de equilíbrio se resolvermos (3.5)
explicitamente para
w , de modo que
a
phwUpkaw
w
+
+
++
=
1
)0()'()1(*
(3.7)
Exercícios simples de estática comparativa demonstram que
w
cresce com o aumento
da renda de referência e com o aumento da renda obtida no crime, conforme mostram as
seguintes equações
0
1*
>
+
=
a
a
w
w
(3.8)
e
0
1
)'(')1(
'
>
+
=
a
wUp
w
w
(3.9)
Para que fique mais claro o efeito da diferença entre a renda salarial e a renda de
referência na exigência do agente para não participar do mercado do crime, podemos
pensar na variável d = w* - w, onde d é a insatisfação e w é fixo. Desta forma, pode-se
afirmar que a insatisfação eleva a renda de equilíbrio para que o agente permaneça fora
do crime, já que Dd = Dw*. Ou seja, para dois indivíduos que obtêm renda salarial
26
idêntica mas inserido em ambientes com distintos graus de desigualdade de renda,
aquele inserido no ambiente em que ele percebe que muitos de seus pares possuem um
padrão de consumo significativamente superior ao seu será mais propenso que o outro a
cometer crimes contra a propriedade. Seu objetivo com o crime seria, portanto, elevar a
sua renda de modo a lhe permitir obter o referido padrão de consumo.
Conforme explicam Mendonça et al (2003a), este modelo capta o efeito da
desigualdade, mas não acena para os possíveis efeitos da pobreza na criminalidade. Os
autores alegam que o modelo permite explicar algumas situações evidenciadas na
prática, como baixos índices de criminalidade em regiões menos ricas e mas com menor
padrão de consumo, ou a presença de índices elevados em regiões relativamente bem
desenvolvidas mas com alto grau de desigualdade de renda, fazendo com que a
incapacidade de parte dos agentes em atingir o padrão de consumo disseminado pelos
meios de comunicação lhes gere uma insatisfação que é levada em conta no momento
de decidir entre participar ou não do mercado criminal.
27
4 BASE DE DADOS DE BOLETINS DE OCORRÊNCIA
4.1 Descrição da base
Os dados para criminalidade foram obtidos da base fornecida pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça. A Senasp vem promovendo
um esforço de padronização dos dados produzidos pelas secretarias estaduais de
segurança pública. A principal iniciativa da Secretaria foi disponibilizar para as
delegacias de polícia de cidades com população superior a cem mil habitantes cópias de
um software padrão que permite à delegacia registrar ocorrências policiais. Os registros
são armazenados e enviados para o servidor da Senasp em Brasília. O software e o
manual explicativo podem ser encontrados no sítio da Secretaria na internet:
http://www.mj.gov.br/Senasp/pesquisas_aplicadas/sist_estatistica.htm.
A base original disponibilizada pela Secretaria para o ano de 2004 conta com
entradas para 246 municípios brasileiros e dez diferentes cidades do Distrito Federal,
somando um total de 256 observações. Para cada cidade são registrados 49 tipos
distintos de delitos individuais, agregados em sete grandes categorias segundo a sua
modalidade (denominado “campo totalizado”), conforme listado na primeira coluna da
Tabela 4.1. Além destes grandes campos totalizados, a Senasp agrega os crimes
individuais em outras oito categorias, apresentadas no final da tabela (lesão corporal,
roubos, furtos, crimes violentos letais intencionais, crimes violentos não-letais contra a
pessoa, crimes violentos contra o patrimônio, delitos de trânsito e delitos envolvendo
drogas). Algumas agregações coincidem. É o caso de “roubos” e “crimes violentos
contra o patrimônio”
38
. Cada delito e “categoria geral” de delitos na base contém
valores totais e taxas de ocorrência por cem mil habitantes. Os dados para população
utilizados para o cálculo das taxas são os estimados pelo IBGE para o ano de 2004 com
base nos dados do Censo 2000.
38
A partir daqui, este último será desconsiderado.
28
TABELA 4.1 – Categorias de Delitos da Base de Criminalidade da Senasp - 2004
Crimes com morte (campo totalizado)
Homicídio doloso
Homicídio culposo de trânsito
Outros homicídios culposos
Lesão corporal seguida de morte
Roubo seguido de morte (latrocínio)
Outros crimes resultantes em morte
Outras ocorrências com morte (campo totalizado)
Mortes acidentais no trânsito (exceto homicídio culposo)
Outras mortes acidentais (exceto homicídio culposo)
Suicídio
Mortes a esclarecer
Crimes contra a pessoa sem morte (campo totalizado)
Tentativa de homicídio
Lesão corporal dolosa
Lesão corporal culposa de trânsito
Outras lesões corporais culposas
Outros crimes resultantes em lesão corporal
Ameaça
Outras ocorrências sem morte (campo totalizado)
Lesão acidental no trânsito (exceto lesão corporal culposa)
Outras lesões acidentais (exceto lesão corporal culposa)
Crimes contra a liberdade sexual (campo totalizado)
Estupro
Tentativa de estupro
Atentado violento ao pudor
Tentativa de atentado violento ao pudor
Crimes contra o patrimônio (campo totalizado)
Roubo de veículo
Roubo de carga
Roubo a ou de veículo de transporte de valores (carro-forte)
Roubo a instituição financeira
Roubo a transeunte
Roubo em transporte coletivo
Roubo em estabelecimento comercial ou de serviços
Roubo em residência
Roubo com restrição de liberdade da vítima
Outros roubos
Furto de veículo
Furto de carga
Furto a transeunte
Furto em residência
Outros furtos
Extorsão mediante seqüestro
Estelionato
Legislação especial (campo totalizado)
Racismo, preconceito e discriminação
Tortura
Entorpecentes (posse e uso)
Entorpecentes (tráfico)
Porte ilegal de armas de fogo
29
Atos infracionais (criança e adolescente)
Crimes contra o meio ambiente
Crimes contra o consumidor
Violação de direito autoral, marca ou patente
Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes de crime
Lesão corporal
Roubos
Furtos
Crimes Violentos Letais Intencionais
Crimes Violentos Não-Letais Contra Pessoa
Delitos de Transito
Delitos Envolvendo Drogas
Fonte: autor com base nos dados da Senasp.
Problemas com algumas observações
Como esta é uma base de dados nova, seu uso exige um tratamento cuidadoso
das informações e alguns ajustes são inevitáveis. Dos 246 municípios, 18 apresentaram
entradas ausentes para todos os tipos de delitos, a saber: Várzea Paulista, Tatuí, Simões
Filhos, Sertãozinho, São José do Ribamar, São João do Meriti, Salto, Paulo Afonso,
Parintins, Passos, Ourinhos, Itabira, Coronel Fabriciano, Campo Largo, Birigui,
Araucária, Araraquara e Almirante Tamandaré. Além destes, a SENASP alertou para as
inconsistências dos dados de Poços de Caldas, visto que a cidade não registrou em 2004
nenhum homicídio, o que é bastante suspeito, se comparado à trajetória de homicídios
da mesma cidade em anos anteriores pelos dados do SIM/Datasus. Por segurança,
optou-se por retirar da base também esta entrada. Dois municípios – Ananindeua e
Mesquita – foram retirados da base por não se ter conseguido dados para os regressores
junto ao IPEADATA ou Atlas-PNUD
39
.
Duas peculiaridades exigiram que as cidades pertencentes ao Distrito Federal
fossem igualmente excluídas da base. Em primeiro lugar, por se tratar de um único ente
federativo, todos os demais dados para o Distrito Federal (com exceção dos boletins de
ocorrência fornecidos pela nova base) são divulgados de forma agregada, ou seja, sem
distinguir as suas diferentes cidades. Em segundo lugar, conforme salientou a própria
SENASP, a polícia do Distrito Federal possui o hábito peculiar de registrar boletins de
ocorrência segundo o número de infrações em um mesmo incidente. Por exemplo, são
produzidos três boletins de furto distintos para uma ocorrência na qual houve o roubo de
39
Provavelmente, trata-se de municípios criados após o Censo 2000.
30
um automóvel em que dentro se encontravam um computador notebook e um aparelho
celular, distorcendo ainda mais os dados.
Com todas as exclusões listadas acima, restou um total de 225 observações da
base original da SENASP. Ocorre, no entanto, que nenhum dos municípios apresenta
entradas válidas para todas as categorias de delitos. Alguns, inclusive, possuem dados
apenas para uma parte reduzida dos crimes. Há várias alternativas para solucionar este
problema, como excluir mais municípios ou imputar os possíveis valores para cada
variável segundo algum critério estatístico. Mas como o número de entradas ausentes é
alto, tais alternativas se mostram inadequadas, seja pela drástica redução do grau de
liberdade ou por distorcer a qualidade da base. A saída foi trabalhar apenas com as
categorias e sub-categorias de delitos que apresentassem um número razoável de
observações válidas (por exemplo, não mais que 5% de entradas nulas). A Tabela 4.2
abaixo lista o número de entradas nulas para cada tipo de delito, após as extrações que
resultaram no total de 225 observações. Como se pode ver, utilizando um critério de
eliminação que exija um mínimo de 95% de observações válidas, restaram ao todo 13
delitos individuais e 12 categorias gerais com pelo menos 215 entradas não-nulas dentre
as 225 entradas da base reduzida (sem os municípios excluídos), conforme estão
destacadas na tabela.
TABELA 4.2 – Entradas Nulas para Categorias de Delitos da Base Senasp 2004
Crime
ausentes
(A)
zeros
(B) A + B %
Crimes com morte (campo totalizado)
0 0
0 0,00
Homicídio doloso 0 0 0 0,00
Homicídio culposo de trânsito 6 4
10 0,04
Outros homicídios culposos 36 58 94 0,42
Lesão corporal seguida de morte 91 51 142 0,63
Roubo seguido de morte (latrocínio) 12 54 66 0,29
Outros crimes resultantes em morte 74 79 153 0,68
Outras ocorrências com morte (campo totalizado)
65 4 69 0,31
Mortes acidentais no trânsito (exceto homicídio culposo) 94 73 167 0,74
Outras mortes acidentais (exceto homicídio culposo) 85 38 123 0,55
Suicídio 68 7 75 0,33
Mortes a esclarecer 97 12 109 0,48
Crimes contra a pessoa sem morte (campo totalizado)
0 0
0 0,00
Tentativa de homicídio 0 2 2 0,01
Lesão corporal dolosa 0 0
0 0,00
Lesão corporal culposa de trânsito 2 1
3 0,01
Outras lesões corporais culposas 22 25 47 0,21
Outros crimes resultantes em lesão corporal 86 59 145 0,64
31
Ameaça 64 0 64 0,28
Outras ocorrências sem morte (campo totalizado)
95 64 159 0,71
Lesão acidental no trânsito (exceto lesão corporal culposa) 96 65 161 0,72
Outras lesões acidentais (exceto lesão corporal culposa) 112 86 198 0,88
Crimes contra a liberdade sexual (campo totalizado)
2 2
4 0,02
Estupro 2 4 6 0,03
Tentativa de estupro 90 26 116 0,52
Atentado violento ao pudor 67 6 73 0,32
Tentativa de atentado violento ao pudor 95 65 160 0,71
Crimes contra o patrimônio (campo totalizado)
0 0
0 0,00
Roubo de veículo 0 10 10 0,04
Roubo de carga 9 53 62 0,28
Roubo a ou de veículo de transporte de valores (carro-forte) 84 123 207 0,92
Roubo a instituição financeira 23 117 140 0,62
Roubo a transeunte 66 5 71 0,32
Roubo em transporte coletivo 70 21 91 0,4
Roubo em estabelecimento comercial ou de serviços 86 6 92 0,41
Roubo em residência 86 7 93 0,41
Roubo com restrição de liberdade da vítima 83 68 151 0,67
Outros roubos 0 1
1 0,00
Furto de veículo 0 8
8 0,04
Furto de carga 14 98 112 0,5
Furto a transeunte 66 7 73 0,32
Furto em residência 84 5 89 0,4
Outros furtos 0 0
0 0,00
Extorsão mediante seqüestro 81 81 162 0,72
Estelionato 65 1 66 0,29
Legislação especial (campo totalizado)
1 1
2 0,01
Racismo, preconceito e discriminação 91 51 142 0,63
Tortura 106 67 173 0,77
Entorpecentes (posse e uso) 2 5
7 0,03
Entorpecentes (tráfico) 2 5
7 0,03
Porte ilegal de armas de fogo 1 1
2 0,01
Atos infracionais (criança e adolescente) 1 32 33 0,15
Crimes contra o meio ambiente 66 41 107 0,48
Crimes contra o consumidor 79 48 127 0,56
Violação de direito autoral, marca ou patente 92 82 174 0,77
Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes
de crime
94 121 215 0,96
Lesão corporal
0 0
0 0,00
Roubos
0 0
0 0,00
Furtos
0 0
0 0,00
Crimes Violentos Letais Intencionais
0 0
0 0,00
Crimes Violentos Não-Letais Contra Pessoa
0 0
0 0,00
Delitos de Transito
1 1
2 0,01
Delitos Envolvendo Drogas
1 3
4 0,02
Fonte: autor com base nos dados da Senasp.
32
4.2 Testes da base SENASP-2004
Para testar a nova base de dados, foram comparados os valores de algumas das
variáveis da nova base com variáveis semelhantes obtidas de outras bases mais
confiáveis e comumente utilizadas. O primeiro teste foi comparar os números para
homicídio registrados nos boletins de ocorrência e aqueles registrados em certificados
de óbitos que ajudam a compor a base do SIM/Datasus. Para esta última base,
considerou-se homicídio todas as entradas para a coluna “circunstância do óbito” com
valor igual a “3”, que representa a circunstância “homicídio”, conforme o dicionário de
variáveis da base do SIM. Este número “3” está associado às causas básicas de morte
classificadas entre X86 e Y09, segundo a Classificação Internacional de Doenças,
versão 10, ou CID-10. Para os homicídios oriundos dos boletins de ocorrência, foi
utilizada a coluna de homicídio doloso
40
.
O coeficiente de correlação para as duas variáveis (0,98) revelou uma forte
correlação linear entre elas, significando que ambas variam juntas. O coeficiente de
regressão dos dados de B.O. sobre os dados SIM é de 0,83, com valor t de student
superior a 68 para o teste de nulidade do coeficiente, e R² igual a 0,96. Ou seja, os
dados de registro de ocorrência para homicídio são, no mínimo, excelentes proxies para
os dados de certificados de óbito, muito embora o teste para a unidade do coeficiente de
regressão (beta =1) seja fortemente rejeitada.
Buscou-se analisar também as diferenças entre os valores para cada entrada nas
duas bases, vez que a correlação significa apenas que elas variam juntas. A
porcentagem absoluta com que os dados da SENASP diferem dos dados do SIM
permitiu detectar alguns problemas. Em 18,7% dos municípios da base o número de
homicídios segundo a base da Senasp difere em mais de 50% – para cima ou para baixo
– do valor dos dados do SIM. Se formos mais rigorosos, exigindo uma diferença de no
máximo 10%, 180 municípios não passariam no teste, ou seja, exatos 80% das
observações. Uma possível explicação é que, a despeito dos esforços da Senasp em
padronizar os dados, é inevitável que estatísticas produzidas a partir de registros
policiais sub-retratem a realidade. É o caso em 135 das citadas 180 observações. Nos
45 restantes são os dados de óbito que podem estar enviesados para baixo, pois para se
33
produzir um certificado de óbito é preciso que haja um corpo, algo que, como bem
reconhece a literatura que trabalha com os dados do SIM, nem sempre ocorre.
É possível que haja explicações para tamanha divergência, e uma forma de
detectá-las é investigando a existência de algum padrão de comportamento similar entre
os municípios que apresentam grande divergência de valores entre as duas bases de
dados. Para isso, a amostra foi divida em dois grupos, um com baixa divergência,
denominado G0, e outro com divergência superior a 50% para mais ou para menos,
denominado G1. As estatísticas descritivas para os dois grupos foram computadas e são
apresentadas na Tabela 4.3
41
.
TABELA 4.3 - Estatísticas Descritivas dos Municípios com Alta e Baixa Divergência de
Valores Inter-Bases
pop (mil) homens dens fec91 tv escol sempai rpc pobre gini
gastos SP
(mil)
G0
média 432,9 9,93 1409 2,63 94,01 6,53 5,38 337,9 21,84 0,56 3264,00
desvio 967,0 0,63 2112 0,51 4,45 0,95 1,13 129,9 12,16 0,05 11436,00
máx 10753,7 12,10 9999 4,91 99,35 9,65 8,50 834,0 66,88 0,69 137510,00
mín 102,1 8,49 9 1,76 69,28 3,67 2,35 104,0 2,89 0,45 0,20
G1
média 254,3 10,34 742 3,10 88,72 5,73 5,89 247,6 33,77 0,57 787,00
desvio 184,1 0,74 1811 0,95 10,97 1,17 1,11 113,6 18,30 0,06 1323,00
máx 940,4 11,80 11608 6,84 97,77 7,72 8,60 470,0 78,24 0,66 7398,00
mín 102,7 8,93 11 2,02 41,85 2,82 3,60 71,0 5,87 0,45 7,40
divergência
na média
0,59 1,04 0,53 1,18 0,94 0,88 1,09 0,73 1,55 1,01 0,24
Fonte: Censo IBGE 2000; Boletim de Finanças Públicas 2004, STN.
A última linha da tabela ressalta a diferença entre as médias dos valores de
algumas variáveis explicativas dos dois grupos (divisão da média do grupo 1 pela média
do grupo 0). Como se observa, os municípios que apresentam maior divergência entre
as duas bases de dados são aqueles que possuem, em média: menor população, menor
40
A inclusão dos homicídios culposos não altera os resultados dos testes de correlação
41
pop para população; homens para porcentagem de homens entre 15 e 25 anos, 2000; dens para
densidade populacional em 2000; fec91 para fecundidade, 1991; tv para percentual de pessoas que viviam
em domicílios com energia elétrica e TV, 2000; escol para percentual de adolescentes de 15 a 17 anos na
escola, 2000; sempai para percentual de mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos menores de
15 anos, 2000; rpc para renda per capita em 2000; pobre para percentual de pessoas com renda per capita
inferior a R$ 75,50 reais, 2000; gini para coeficiente de gini, 2000; e gastos SP para gastos do Estado com
segurança pública em 2004 proporcional ao número de habitantes do município.
34
densidade, menor renda, maior pobreza e menores gastos com segurança pública
42
. Ou
seja, são municípios mais pobres e menos urbanizados (ainda que estejamos trabalhando
apenas com municípios com mais de cem mil habitantes), onde provavelmente a polícia
não é tão eficaz no esclarecimento de homicídios e produção de cadáveres.
A ordenação dos dados por unidades da federação permitiu identificar os estados
que apresentam maiores problemas no quesito da divergência dos dados entre as duas
bases. São eles Pará, Bahia e Minas Gerais. Nos dois primeiros, mais da metade dos
municípios apresenta valor de homicídios segundo B.O. pelo menos 50% maior que o
número presente na base do SIM. Na Bahia, todos os municípios exceto Lauro de
Freitas e Vitória da Conquista apresentam valores 50% maiores para o certificado de
óbito. Três cidades (Barreiras, Jequié e Teixeira de Freitas) não registraram homicídios
em 2004 segundo o sistema de informação do Datasus. A literatura nacional sobre
criminalidade recorrentemente adverte para a prática de eliminação de cadáveres em
casos de homicídio no estado da Bahia, e o Pará possivelmente segue a mesma tradição.
Em contrapartida, em Minas Gerais a metade dos municípios apresenta dados
Senasp 50% menores que os dados SIM, o que pode ser evidência de sub-registro da
polícia do Estado para esse tipo de crime. Para se ter uma idéia, dentre as 13 cidades
com menor número de homicídios por 100,000 habitantes encontramos nada menos que
10 municípios do Estado de Minas Gerais, na seguinte ordem crescente de mortes:
Ribeirão das Neves, Juiz de Fora, Patos de Minas, Ibirité, Barbacena, Ipatinga, Sete
Lagoas, Montes Claros, Conselheiro Lafaiete e Uberaba, esta última com 5,5 homicídios
por cem mil em 2004. Outra possibilidade é a apontada pela própria Senasp: é possível
que nem todas as delegacias de polícia dos municípios mineiros enviem seus dados para
a base, de modo que os números sejam menores que os reais. Essa hipótese é reforçada
pela peculiaridade dos nomes dados aos municípios mineiros na base, muitos deles
seguidos da sigla DRSP e um número ordinal, ou seja, provavelmente referente a uma
sub-região dentro do município.
Devido a estas dificuldades encontradas, e os riscos decorrentes de sua
utilização, entendeu-se por bem registrar os resultados das regressões tanto para os
valores dos homicídios extraídos da base Senasp como para os registrados no sistema
SIM/Datasus. Mesmo admitindo que o valor específico dos estimadores sejam
42
Este último segundo dados do Boletim de Finanças Públicas publicado pela STN/MF.
35
enviesados (provavelmente para baixo), o alto valor obtido para a correlação nos
assegura que a base pode ser aproveitada para realizar testes de hipóteses sobre a
significância das variáveis, principal objetivo deste trabalho. Importante destacar ainda
que, como não sabemos os reais motivos para o super ou sub-registro dos dados para
homicídios, é possível que as discrepâncias para este tipo de crime não se reproduza
para os demais, ou melhor, que não haja tantos erros de medição para delitos menos
graves que para delitos envolvendo mortes.
Ainda assim, considerando a possibilidade de que os municípios
“problemáticos” destacados acima estejam contaminando a base com excessivo erro de
medida, seria prudente apresentar também resultados alternativos obtidos com ajustes
nas bases para as observações menos confiáveis. Assim, as Tabelas A1 e A2 do
Apêndice reportam os resultados dos mesmos testes apresentados mais à frente no
capítulo 4 com as seguintes alterações: Tabela A1) inclusão de uma dummy que assume
valor 1 quando a observação apresenta variação superior a 50% entre os dados de
homicídio das duas bases; Tabela A2) inclusão de dummy que assume valor 1 para os
Estados PA, BA e MG.
4.3 Construção dos regressandos
Com base nos delitos destacados em cinza na Tabela 4.2 foi possível selecionar e
construir indicadores de criminalidade que atendam aos objetivos desta pesquisa. Esses
indicadores serão posteriormente utilizados como variáveis dependentes no modelo a
ser rodado. A Tabela 4.3 lista 16 variáveis distintas construídas a partir das categorias
de delitos mais confiáveis da base Senasp (com maior número de observações válidas) e
classificadas segundo sua composição (se é um crime individual ou um agregado de
crimes) e segundo o tipo de crime: crimes intencionais em geral, crimes intencionais
contra a pessoa, crimes intencionais contra o patrimônio e outros crimes. As categorias
agregadas têm discriminados os crimes individuais que as compõem. Estão destacados
em negrito aqueles crimes individuais com mais de 215 observações válidas, conforme
extraído da Tabela 4.2.
36
QUADRO 4.1 – Variáveis Dependentes
# Crime Composição Tipo Descrição Cód. Senasp
1 homic SIM
Ind pessoa
homicídios SIM/DATASUS
-
2 homic
Ind pessoa
homicídio doloso txoc11
3 tent hom
Ind pessoa
tentativa de homicídio txoc31
4 les corp
Ind pessoa
lesão corporal dolosa txoc32
5 roubo car
Ind patrimônio
roubo de veículo txoc61
6 fur car
Ind patrimônio
furto de veículo txoc611
7 estupro
Ind pessoa
estupro txoc51
8 total
Ag geral
homicídio doloso txoc11
lesão corporal seguida de morte txoc14
outros crimes resultantes em morte txoc16
tentativa de homicídio txoc31
lesão corporal dolosa txoc32
outros crimes resultantes em lesão
corporal txoc35
Ameaça txoc36
crimes contra a liberdade sexual
(campo totalizado) txoc5
crimes contra o patrimônio (campo
totalizado)
txoc6
entorpecentes (posse e uso) txoc73
entorpecentes (tráfico) txoc74
porte ilegal de armas de fogo txoc75
atos infracionais (criança e adolescente) txoc76
9 total pessoa
Ag pessoa
homicídio doloso txoc11
tentativa de homicídio txoc31
lesão corporal dolosa txoc32
10 cvli
Ag - Senasp pessoa
homicídio doloso txoc11
lesão corporal seguida de morte txoc14
roubo seguido de morte (latrocínio) txoc15
outros crimes resultantes em morte txoc16
mortes a esclarecer txoc24
11 lc
Ag - Senasp pessoa
lesão corporal dolosa txoc32
outras lesões corporais culposas txoc34
outros crimes resultantes em lesão
corporal txoc35
12 carros
Ag patrimônio
roubo de veículo txoc61
furto de veículo txoc611
13 carro e carga
Ag patrimônio
roubo de veículo txoc61
furto de veículo txoc611
roubo de carga txoc62
furto de carga txoc612
14 total prop
Ag patrimônio
crimes contra o patrimônio (campo
totalizado)
txoc6
roubo seguido de morte (latrocínio) txoc15
15 trânsito
Ag - Senasp outros
Delitos de Transito txdt
16 drogas
Ag - Senasp outros
Delitos Envolvendo Drogas txded
37
Podemos separar os as variáveis dependentes em dois grupos. O primeiro reúne
sete delitos individuais: homicídios segundo o Sistema de Informações de Mortalidade
do Datasus, homicídio doloso, tentativa de homicídio, lesão corporal dolosa, roubo de
veículo, furto de veículo e estupro
43
. As poucas entradas nulas remanescentes para os
seis crimes da base Senasp foram preenchidas com as médias do total de observações
válidas, para completar as 225 observações desejadas. A média de imputação foi de
cinco entradas. Dentre os crimes individuais, três merecem atenção especial: homicídio
doloso, roubo de carro e furto de carro. O primeiro por ser o crime que recebe maior
atenção da sociedade e por possuir uma segunda fonte de dados com a qual seus valores
podem ser comparados (os dados do SIM/Datasus). Roubo e furto de carro por se
tratarem, provavelmente, dos dados menos susceptíveis ao sub-registro, posto que o
boletim de ocorrência é documento fundamental para o acionamento de seguros de
automóveis e há, portanto, um forte incentivo para que o crime seja registrado
44
.
O segundo grupo de variáveis dependentes envolve nove categorias agregadas de
crimes que também serão utilizadas como regressandos: quatro selecionadas dentre as
concebidas pela Senasp (crimes violentos letais intencionais, lesões corporais, delitos de
trânsito e delitos envolvendo drogas) e cinco outras construídas neste trabalho (total de
crimes intencionais, total de crimes contra a pessoa, total de crimes contra o patrimônio,
furto e roubo de veículo, e furto e roubo de cargas e veículos). Agregar delitos em
categorias mais gerais permite, de certa forma, contornar problemas de padronização,
especialmente quando a base é incompleta para vários delitos, tal qual é o caso.
Tenhamos como exemplo os crimes definidos pela Senasp como “contra o patrimônio”.
Há, para estes, nada mais que 17 classificações distintas. Embora a desagregação neste
nível de detalhe seja indubitavelmente desejável – e não se faz aqui qualquer crítica ao
sistema de classificação da Senasp – é razoável supor que um policial, ao preencher os
dados, insira um “roubo em transporte coletivo” como “roubo com restrição da
liberdade da vítima”, “latrocínio” como “homicídio”, e assim por diante. As
possibilidades são várias de se cometer este tipo de falha, até porque a classificação
43
Os outros sete delitos foram desconsiderados para análise individual por não representarem,
individualmente, tipos de crimes que interessam diretamente aos objetivos deste trabalho. São eles: porte
e uso de entorpecentes, tráfico de entorpecentes, porte ilegal de arma de fogo, lesão corporal de trânsito,
homicídio culposo de trânsito, outros roubos e outros furtos. Todos eles, no entanto, participam de pelo
menos uma categoria agregada de crimes.
44
Lesão corporal de trânsito e homicídio de trânsito seguem a mesma lógica, mas, por ser tratarem de
crimes não intencionais, fogem um pouco do objetivo deste trabalho. Ainda assim, eles compõem o
indicador agregado “acidentes”.
38
dependerá da forma como cada delegacia entende um crime ou os resultados da
investigação. Estes pontos podem, inclusive, explicar o motivo da ausência de tantas
entradas para alguns delitos. Mas se combinarmos estes crimes em categorias mais
amplas, o problema é minimizado. Assim, o regressando de número 13, por exemplo, é
um agregado de quatro crimes contra a propriedade, dois deles com pelo menos 215
observações válidas (roubo de veículo e furto de veículo) e dois outros com número
reduzido de observações (roubo e furto de cargas).
A Figura 4.1 abaixo ilustra a relação entre as categorias mais genéricas e as mais
específicas de crimes, todos usados como variáveis dependentes e contemplados na
Tabela 4.4. Ao lado dos nomes, consta o número que os remeta à tabela.
39
FIGURA 4.1 – Desagregação das Categorias de Crimes
total de crimes
intencionais (8)
total contra
pessoa (9)
total contra o
patrimônio (14)
crimes letais
(10)
lesões
corporais
(11)
estupro (7)
lesões corporais
dolosas (4)
tentativas de
homicídio (3)
homicídios
Senasp (2)
homicídios
SIM (1)
roubo/furto de carros
e cargas (13)
roubo e furto de
carros (12)
roubos
(5)
furtos
(6)
delitos de
trânsito (15)
drogas (16)
40
5 METODOLOGIA
5.1 Especificação econométrica
O modelo econométrico a ser utilizado nas regressões seguirá a lógica daquele
apresentado em Kelly (2000). Neste modelo, cada indivíduo cruza um outro indivíduo
desconhecido e potencialmente passível de ser vítima (ou sua propriedade) a uma taxa
exponencial δ que é função positiva da densidade populacional do local. Vários autores
oferecem explicações para a já consagrada correlação entre densidade populacional e
criminalidade. Dentre as mais comuns, temos que a densidade reduz as chances do
indivíduo ser pego, oferece um maior número de potenciais vítimas, e diminui os custos
de se obter informações sobre oportunidades de crimes
45
.
A fração da população disposta a cometer um crime, X, é uma função de
diversos fatores, dentre eles a desigualdade na distribuição de renda I. Como vimos, há
pelo menos três explicações para que a desigualdade afete o número de potenciais
criminosos: um aumento das oportunidades com o crime em relação às oportunidades
oferecidas no mercado de trabalho, uma maior frustração em não atender determinados
padrões de consumo impostos pelos mais “privilegiados”, e um menor controle social
no cumprimento de regras e normas. Os demais fatores sócio-econômicos que poderiam
multiplicar o número de indivíduos propensos ao crime – como pobreza, desemprego e
instabilidade familiar – são representados pelo vetor de variáveis x. Assim, o número de
situações em que um potencial criminoso se encontra com um desconhecido e/ou sua
propriedade é dado por X.δ.N, em que N é o tamanho da população.
Ocorre, no entanto, que nem todas as situações propícias à realização de um
crime são aproveitadas por potenciais criminosos, pois existe um risco envolvido. Este
risco é representado por π, e será tão maior quanto a probabilidade de ser preso e as
possíveis punições caso isto ocorra. Depende positivamente, portanto, da ação do
sistema de segurança pública em cada localidade, p. Assim, o número de ocorrências
criminais em determinado período – digamos um ano – e em determinada localidade
seguiria um processo Poisson com valor esperado dado por
45
Argumento proposto por Mendonça et al (2003b) para o efeito positivo da urbanização no crime.
41
(
)
NδXπλ
=
1
Se dividirmos ambos os lados da equação acima pela população local N, teremos
uma função definida para a taxa de criminalidade de cada localidade, ou seja:
()
δXπ
N
λ
γ = 1
Para estimar o modelo empírico supor-se-á a existência de uma relação log-
linear entre as variáveis π, X e δ e seus determinantes, de modo que o modelo
econométrico assumirá a forma
)log()log()log()log()log(
3210
xpginidensγ
+
+
+
=
com o coeficiente de regressão de p com expectativa de valor negativo.
5.2 Dados
Esta seção apresenta os dados para as variáveis explicativas a serem utilizados
na estimação do modelo econométrico acima. Os regressandos foram construídos no
Capítulo 3, que trata da base de dados.
Desigualdade (gini)
O coeficiente de Gini é o indicador mais comumente utilizado em regressões
envolvendo criminalidade, muito possivelmente em virtude de sua disponibilidade. O
Gini foi construído a partir dos dados do Censo Demográfico de 2000, do IBGE.
Através do Atlas de Desenvolvimento Humano elaborado pelo PNUD com os dados do
Censo 2000 também foi possível obter o indicador de desigualdade de Theil e a razão
entre a renda dos 10% mais ricos sobre a renda dos 40% mais pobres. Mas, como as
três medidas estão intimamente relacionadas e como o Gini é o mais comum dos
42
indicadores nos trabalhos com desigualdade de renda, estes dois últimos não foram
utilizados diretamente no modelo empírico
46
.
Ação da Polícia
(p)
Introduzir uma variável proxy para a eficácia da ação policial é talvez um dos
maiores obstáculos nos trabalhos que buscam investigar os determinantes da
criminalidade. Normalmente os autores optam por utilizar dados de gastos do governo
local com a segurança pública. Infelizmente, esta variável apresenta diversos
problemas. Em primeiro lugar, temos que um elevado gasto não significa
necessariamente maior eficácia na resolução de crimes e prisão de seus autores. Tem-se
ainda, como mencionado acima, o problema da provável correlação entre os erros de
medição da variável dependente (taxas criminais) com os gastos com força policial para
cada localidade. No caso específico deste trabalho – que lidará com dados municipais –
a referida variável apresenta ainda uma dificuldade adicional. Como a segurança
pública é competência dos Estados, os números relativos aos gastos nesta área
47
estão
disponíveis apenas de forma agregada para os mesmos, sem distinguir quanto do efetivo
e dos equipamentos é direcionado para cada município.
A todas essas dificuldades soma-se talvez o principal problema em se trabalhar
com dados de gastos em segurança pública: é bem provável que o valor dos gastos com
segurança pública em uma determinada localidade seja, ao mesmo tempo, causa e efeito
da criminalidade. Em outras palavras, a ação policial pode ser endógena. Autores que
enfrentam este problema metodológico costumam recorrer a técnicas econométricas
sofisticadas para fortalecer a validade dos resultados obtidos. É o caso de Kelly (2000),
que faz uso de estimadores GMM para testar a validade de resultados obtidos com
variáveis possivelmente endógenas.
Uma outra sugestão encontrada na literatura econométrica é substituir a variável
problemática por uma variável instrumental, a qual se acredite, no caso de
46
Regressão preliminar para crimes de furto ou roubo de carro revelou que os três se comportam de forma
bem semelhante, com coeficientes significativos e positivos, e a utilização de um ou de outro não afeta a
qualidade do ajuste da regressão.
47
Obtidos através do Boletim de Finanças Públicas do Brasil, elaborado pela Secretaria do Tesouro
Nacional (STN).
43
endogeneidade, não ser afetada pela variável a ser explicada embora possua forte
correlação com o fenômeno que se quer representado numericamente. A existência de
uma proxy suficientemente boa para a tarefa constitui o principal empecilho ao recurso a
esta solução. Levitt (1997), por exemplo, utiliza o efeito de ciclos eleitorais no
recrutamento de policiais como instrumento para a atividade policial. No presente caso,
contato posterior com a mesma Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJ
revelou a existência de uma base de dados auxiliar, construída a partir de questionários
densos e extremamente completos enviados à direção das organizações policiais para
preenchimento.
O objetivo da pesquisa da SENASP é traçar um perfil das unidades de segurança
pública estaduais e, quando existentes, das guardas municipais. O questionário é
preenchido por membros das próprias forças policiais e busca detectar informações
referentes a quantidade de efetivo, nível salarial e educacional dos profissionais de
segurança pública, condições de trabalho, estrutura organizacional, verbas disponíveis
etc. A base contendo as respostas destes questionários das polícias civil, militar e das
guardas municipais para o ano de 2004 foi construída e disponibilizada pela SENASP
em meados de 2006.
A despeito de sua grande utilidade, a base também apresenta problemas de
entradas vazias ou ausência de resposta para várias organizações policiais. Não há na
base informações para qualquer uma das polícias (civil e militar) dos estados de São
Paulo, Paraíba e Piauí. Além destes, as polícias militares de Amazonas, Espírito Santo,
Distrito Federal e Pará e as polícias civis de Bahia, Rondônia e Santa Catarina também
não enviaram o questionário preenchido. Em relação às guardas municipais, a SENASP
conseguiu obter 192 questionários preenchidos de 345 enviados a municípios os quais
acreditavam existir guarda municipal. Sessenta municípios reenviaram alegando não
possuírem tal organização e 93 não se manifestaram. Das 192 guardas municipais que
preencheram o questionário, 86 pertencem à base de 225 municípios com população
superior a cem mil habitantes que possui informações sobre criminalidade. Ou seja, dos
225 municípios da base com que se vem trabalhando nesta dissertação, apenas 86
possuem guarda municipal com informações organizadas pela SENASP.
Além dos valores ausentes, é desnecessário registrar a probabilidade de haver
erros ou falhas no preenchimento por parte das organizações policiais tanto de estados
44
como de municípios. A título de exemplo, uma breve análise revela haver discrepância
entre o quantitativo de policiais/guardas declarados em três partes distintas do
questionário (por três responsáveis distintos): efetivo total, escolaridade dos
funcionários e salário dos funcionários
48
. Raríssimas são as instâncias em que os
números batem nas três categorias.
Não obstante tais inconsistências, entendi por bem aproveitar as informações
sobre o perfil das organizações policiais obtidas com os questionários para construir um
indicador de qualidade da ação policial e usá-lo como variável instrumental no modelo
econométrico descrito na seção 2 deste capítulo, de forma a contornar o problema da
endogeneidade inerente aos gastos com segurança pública. O indicador foi construído
para as polícias militares dos estados para os quais havia informações e para os
municípios com guardas municipais
49
. Uma vez construído o indicador, rodou-se uma
regressão de primeiro grau para produzir os valores dos seis estados que não
responderam o questionário, utilizando como regressores as variáveis renda per capita,
população e número de municípios
50
(todas variáveis que não voltam a ser utilizadas no
modelo principal, para reduzir problemas de multicolinearidade). Para as guardas
municipais, uma variável dummy – que assume valores “1” quando a guarda existe e “0”
no caso contrário – também foi introduzida no modelo.
O indicador para a qualidade da segurança pública (tanto PM quanto GM) foi
construído recorrendo a metodologia semelhante à utilizada para a construção do índice
de desenvolvimento humano, IDH. Três dimensões foram medidas, cada qual com um
indicador cuidadosamente selecionado de modo a minimizar sua endogeneidade em
relação à criminalidade:
capacidade dos funcionários - % do efetivo com escolaridade superior a ensino
médio completo
51
.
48
Para a escolha dentre qual dos três valores seria o mais próximo da realidade, aplicou-se o seguinte
critério: quando dois deles eram muito próximos, optava-se por um dos dois; quando os três eram muito
distintos, optava-se pelo valor intermediário.
49
Não foi incluído indicador para a polícia civil devida à forte inconsistência das respostas observadas na
maioria dos questionários respondidos
50
Para esta regressão adotou-se um modelo com especificação logarítmica, e o grau de ajuste foi de 0,55.
51
Para a guarda municipal restringiu-se ao número de guardas apenas, por se acreditar serem as
informações mais confiáveis.
45
motivação dos funcionários – razão entre o piso salarial dos soldados/guardas e a
renda per capita do município em 2004, esta última baseada no Censo 2000 e
corrigida pelo IPCA.
condições de trabalho – razão entre o número de viaturas (soma das entradas para
viaturas pequenas, grandes, para transporte de presos e motocicletas, caracterizadas
ou não) e o número de soldados/guardas.
Cada um dos sub-indicadores acima foi normalizado usando o procedimento (x –
min)/(max – min), em que x é o valor da observação, max a maior observação do grupo e
min a menor. Da média simples dos três sub-indicadores obteve-se o indicador para a
segurança pública, ISP, a ser utilizado como variável instrumental no modelo
52
.
Densidade Populacional (dens)
A densidade populacional pode ser obtida dividindo-se a população pela área do
município – em quilômetros quadrados –, dados estes imediatamente disponíveis no
sítio do IBGE – Cidades@ na Internet.
Demais variáveis (x)
O Censo Demográfico de 2000, também do IBGE, forneceu os dados para as
demais variáveis previstas no modelo econométrico. Das variáveis que compõem o
vetor x – ou seja, aquelas que ampliam a fração de indivíduos dispostos a cometer um
crime e que serviriam de variáveis de controle – temos a seguinte lista:
52
A correlação entre indicador final para a PM e os gastos em segurança pública segundo o Tesouro
Nacional é de -0,21.
46
TABELA 5.1 - Variáveis de Controle (Componentes do Vetor x)
nome código descrição
Renda per capita rpc Renda per capita, 2000
Pobreza pobre Percentual de pessoas com renda per capita
abaixo de R$75,50, 2000
Escolaridade escol Percentual de adolescentes de 15 a 17 anos na
escola, 2000
fecundidade em 1991 fec91 Taxa de fecundidade total, 1991
acesso a TV tv Percentual de pessoas que viviam em domicílios
com energia elétrica e TV , 2000
famílias lideradas por
mulheres
sempai Percentual mulheres chefes de família sem cônjuge
e com filhos menores de 15 anos, 2000
Homens entre 15 e 25 anos homem Porcentagem de homens entre 15 e 25 anos, 2000
Fonte: Censo IBGE 2000.
A renda per capita, conforme discutido anteriormente, costuma gerar resultados
ambíguos, mas foi adotada inicialmente para testar sua correlação com as demais
variáveis. O nível de pobreza de uma região pode atuar em vias contrárias dependendo
do tipo de crime. A expectativa natural é que esteja correlacionada positivamente a
crimes contra a pessoa e negativamente a crimes contra o patrimônio. Devido ao fato da
maioria das pessoas que se encontram nesta condição serem crianças, mães-solteiras e
idosos, Kelly (2000) sugere que se subtraia do total de pobres as mães-solteiras e os
indivíduos abaixo de 15 anos e acima de 65 anos de idade. Para contornar parcialmente
esta debilidade, optou-se por incluir a porcentagem de homens entre 15 e 25 anos.
Entende-se que esta variável capta o seguimento da população mais predisposto a
cometer infrações
53
. A porcentagem de famílias lideradas por mulheres serve como
medida da instabilidade familiar, e vem se mostrando estar fortemente correlacionada ao
crime em diversos estudos. O percentual de adolescentes freqüentando a escola parece
ser um indicador acertado para representar tanto a insuficiência escolar da região como
o volume de jovens sem oportunidades empregatícias. Importante lembrar que, em
2004, estes adolescentes teriam entre 19 e 21 anos. Por fim, tem-se ainda a fecundidade
13 anos antes da ocorrência dos crimes, que coloca maior pressão sobre a capacidade de
53
Cohen & Land, 1987.
47
produção e absorção de mão-de-obra da economia local, e uma proxy para o acesso a
aparelhos de televisão, para dar conta da relação entre a programação e a violência e/ou
o fomento de expectativas de consumo maiores
54
.
5.3 Distinção entre modelos
Como visto anteriormente, existem pelo menos três modelos teóricos distintos
que buscam explicar a relação empírica recorrentemente encontrada entre desigualdade
de renda e criminalidade. Um dos objetivos do presente trabalho é tentar encontrar
evidências que suportem um ou outro modelo em detrimento dos outros dois.
A estratégia pensada consiste de duas etapas. Inicialmente, pretende-se testar a
hipótese de a desigualdade de renda afetar um tipo de crime de forma mais incisiva que
outros tipos de crime. Mais especificamente, detectar através das regressões se o
coeficiente para a desigualdade de renda é maior e mais significativo para crimes contra
a propriedade que crimes contra a pessoa (ou crimes em geral). Conforme destacado
anteriormente, esta estratégia já foi idealizada e aplicada por Demombynes e Ozler
(2002). Os autores entenderam que, caso valham os modelos tradicionalmente
econômicos, o indicador de desigualdade deveria explicar melhor os crimes contra o
patrimônio que crimes contra a pessoa. Posto de outra maneira, se a desigualdade
representa um fator de falta de coesão social em determinado agrupamento de pessoas,
de modo a produzir menor coerção moral para a observância de regras e valores – como
quer o modelo “estritamente sociológico” descrito anteriormente – então esta variável
deveria afetar igualmente todos os tipos de crimes, incluindo, por exemplo, estupro
55
.
Não sendo este o caso – ou seja, na hipótese da desigualdade estar mais
fortemente correlacionada a crimes contra o patrimônio que com os demais – caberia
então tentar distinguir entre o modelo estritamente econômico de Ehrlich (1973) e o
modelo econômico/sociológico de Merton recentemente formalizado por Mendonça et
al (2003a). Como visto anteriormente, estes dois modelos atribuem razões distintas para
a influência da desigualdade de renda sobre a criminalidade. Enquanto no primeiro a
54
A variável desemprego não entrou no modelo porque a Pnad não possui representatividade municipal e
calcular pelo Censo 2000 seria pouco razoável, uma vez que o desemprego é uma variável cíclica e não
estrutural como o gini, por exemplo.
48
desigualdade amplia as oportunidades de ganhos com o crime, no segundo a
desigualdade provoca no indivíduo com menor renda uma desutilidade, pois sua renda
no mercado de trabalho não lhe permite alcançar a “cesta ideal” de consumo, fazendo
com ele busque renda adicional no crime.
Separar estas duas motivações não é uma tarefa fácil, principalmente por se estar
trabalhando com dados agregados para responder a uma pergunta intimamente
relacionada aos desígnios dos agentes. A estratégia pensada aqui é incluir no modelo
econométrico alguma medida que capte alterações na curtose da distribuição da renda
em cada localidade. A intuição é que, se o modelo baseado na teoria da tensão social
(econômico/sociológico) estiver “mais correto”, deveríamos ser capazes de captar um
padrão de consumo ideal, o que equivale a uma renda de referência, conforme a
especificação do próprio modelo. Embora a renda média seja uma primeira idéia para
esta variável, sabemos da complexidade e ambigüidade desta proxy tanto em modelos
teóricos como empíricos. Além do mais, é mais razoável crer que a renda de referência
para o indivíduo seja aquela próxima à da maioria das pessoas a seu redor – o que
estatisticamente equivale à medida da moda da distribuição – e não necessariamente a
uma média que, em ambientes muito desiguais, pode não significar muita coisa. O
ponto que se faz aqui é que a existência da renda de referência (fenômeno que queremos
captar) está condicionada à existência de uma moda bem definida e elevada na
distribuição de renda. E uma moda bem definida e elevada equivale a dizer que a
medida de curtose da distribuição da renda é alta. Inversamente, uma distribuição de
baixa curtose implica a existência de várias “quase” modas, ou seja, vários níveis de
renda auferida por um número significativo de indivíduos, inclusive no nível de renda
do potencial criminoso, reduzindo sua frustração e sensação de alienação.
A figura abaixo (cujos valores dos eixos não possuem significado no presente
contexto e devem ser ignorados) ilustra a intuição por traz desta idéia. A distribuição
em vermelho possui um alto valor para a curtose, e podemos ver uma renda de
referência claramente definida. Já a azul, de menor curtose, apresenta vários níveis de
renda com uma parcela significativa da população
56
.
55
Vale destacar que Demombynes e Ozler (2002) encontraram coeficientes significativos para ambos os
tipos de crimes – propriedade e pessoas – e concluíram a favor do modelo sociológico.
56
A figura é meramente ilustrativa. É importante destacar que, no caso da distribuição real da renda em
um município, o padrão se assemelharia mais à da curva rosa, com assimetria à esquerda.
49
FIGURA 5.1 – Exemplos de FDP com Diversos Valores para a Medida de Curtose
fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Laplace_distribution
A segunda etapa consiste, portanto, em tentar captar, de alguma forma, a
influência de uma renda de referência sobre o nível de criminalidade em cada localidade
através do valor da curtose da distribuição da renda naquela localidade. Há duas formas
de se fazer isso. A primeira seria recorrer a um indicador de desigualdade de renda que
fosse sensível não somente à dispersão da renda, mas também à medida de curtose da
distribuição. Se este indicador produzisse um melhor ajuste que o que outro insensível
a variações na curtose, teríamos uma evidência inicial a favor da explicação que leva em
conta a existência de uma renda de referência que o indivíduo deve possuir.
Infelizmente, este tipo de indicador para a desigualdade de renda não foi encontrado. A
outra forma é incluir diretamente a medida de curtose como variável explicativa no
modelo econométrico a ser rodado. Naturalmente, coeficientes significativos para essa
variável proxy indicariam efeito análogo ao captado por um indicador mais sensível a
variações na curtose
57
. A Figura 5.2 a seguir ilustra na forma de fluxograma os passos a
serem seguidos para distinguir os três modelos, sendo A o modelo estritamente
econômico, B o estritamente sociológico e C o modelo econômico/sociológico:
57
A curtose foi obtida utilizando o comando kurt da versão 8 do software Stata para a distribuição dos
rendimentos domiciliares. Adianta-se que não há correlação entre esta variável e o coeficiente de Gini é
de -0,06, ou seja, quase nula.
50
FIGURA 5.2 – Fluxograma dos Testes para os Diferentes Modelos
Gini é
significativo para
explicar a
criminalidade?
SIM
A, B e C
NÃO
Efeito do Gi m crimes
contra a pessoa é o
mesmo que em crimes
contra a propriedade?
ni e
NÃO
A e C
SIM
B
A medida de urtose (e
logo a renda de referência)
é significativa para explicar
a criminalidade?
c
SIM
C
NÃO
A
51
5.4 Testes de Especificação
Multicolinearidade
Análise preliminar da base de variáveis explicativas revelaram a presença de
colinearidade entre parte dos regressores. Este é um tipo de problema comum em bases
de todas (ou grande parte) as variáveis encontradas na
literatura para explicar um determinado fenômeno. Como não existe uma teoria única
por trás da decisão de incluir ou não determinada variável no modelo econométrico –
principalmente por não ser o objetivo testar apenas uma ou outra teoria isoladamente – é
razoável esperar que parte das variáveis utilizadas esteja fortemente correlacionada
umas com as outras, prejudicando a q res e testes obtidos através
das regressões.
No presente caso, a construção de coeficientes de correlação e a aplicação de
testes adicionais revelaram que a variável renda per capita apresenta forte relação com
pelo menos três outras variáveis presentes no modelo, conforme ser visto na
Tabela 5.2 abaixo.
TABEL elação entre os Regressores
dens gi rpc escol fec91 tv sempai hom
construídas através da inclusão
ualidade dos estimado
pode
A 5.2 – Matriz de Corr
ni gm pm pobre
dens
1,00
gini
-0,35 1,00
gm
-0,10 -0,17 1,00
pm
-0 0,23 0,03 1,00
,22
rpc
0, 02 -0,21 -0,18 1,00
26 0,
pobre
-0,29 0,40 0,12 0,24 -0,87 1,00
escol
0,38 0,00 -0,17 -0,16 0,45 -0,37 1,00
fec91
-0,40 0,13 0,21 0,27 -0,80 0,72 -0,45 1,00
tv
0,44 -0,28 -0,08 -0,18 0,64 -0,60 0,32 -0,75 1,00
sempai
-0,06 0,38 0,06 0,22 -0,57 0,77 -0,14 0,49 -0,32 1,00
homens
-0,22 0,25 0,08 0,29 -0,58 0,62 -0,06 0,61 -0,55 0,51 1,00
Fonte: Censo IBGE 2000 e base de perfil de organizações de segurança pública Senasp.
.
52
Marcados em cinza os coeficientes de correlação superiores a 0,8 que, segundo
ujarati (2006; p.289), constituem condição suficiente para se diagnosticar problema
sério de multicolinearidade.. Como se pode perceber, a variável renda per capita está
ada à pobreza e à fecundidade em 1991. Não obstante, calculou-
se o FI
G
fortemente correlacion
V (fator inflacionário da variância) para o modelo que inclui todas as variáveis
acima como regressores, confirmando-se a impressão inicial de que a renda per capita
estaria inflando as variâncias dos demais regressores:
TABELA 5.3 – FIV para Modelo com Renda per Capita
Var rpc pobre gini fec91 tv sempai homens dens escol pm gm
FIV
24,42 23,22 6,09 4,47 3,33 3,10 2,17 1,71 1,63 1,2 1,12
Media
6,59
Fonte: Resultados Stata. Censo IBGE 2000 e base de perfil de organizações de segurança pública
Senasp.
vezes maiores que as reais, interferindo de forma expressiva nos
posteriores testes de significância de coeficientes. A literatura oferece algumas
alternativas para lidar com a multicolinearidade, dentre as quais a exclusão de uma ou
mais variáv ma variável
bitrariam o e p , ra a a ás in e
r vié e eci caçã um al muitas vezes pior que a pr ria
icoline o , c nforme dito anteri rmente, a p te regressão se
cteriza i a teoria específica e exclusiva que fundame
o de d r realidade, o modelo empírico apresentado na
ira se e a a u tor oss eis v riáveis xplica vas
i con o o o r re a a vel a liter ura so e o
cri i r n ve m t o en ados ara
nta c ( u de v l.
Além da consideração anterior, de natureza empírica, vale ressaltar ainda duas
outras dificuldades de caráter mais “teóricas” em relação à variável renda per capita.
O FIV médio de 6,59 implica que as variâncias para os estimadores estariam, em
média, cerca de 2,6
eis do modelo é, em geral, a menos indicada. Excluir u
ar ente d mod lo em írico cont riando teori por tr da vestigação, pod
causa s d esp fi o, m óp
mult aridade. T davia o o resen
cara pela nexis ncia de um nte a
inclusã cada uma as va iáveis. Na
prime ção d ste c pítulo cont com m ve de p ív a e ti
que fo struíd tend com crité io a p senç de cad variá n at br
tema da minal dade. Natu alme te, di rsos odelos eóric s são contr p
fundame r a in lusão ou não incl são) cada ariáve
53
Em primeiro lugar, como foi sucintamente tratado na revisão sobre determinantes da
criminalidade no Capítulo 2, a renda per capita não é uma variável derivada
diretam
, dependendo do modelo
órico, pode-se esperar qualquer resultado para a variável renda per capita. No modelo
teórico desenvolvido em Cerqueira et al o um
c cio e p o es c er r enq o
q a iz o a, es paper, a renda
d i r capita passa a serv de proxy para as oportunidades oferecidas pelo
VEC.
O segundo problema decorre da relação teórica entre os fenômenos da pobreza,
da rend
s variáveis superiores a 20.
ente dos modelos teóricos, mas normalmente utilizada como proxy para
variáveis de difícil mensuração nas investigações empíricas ou, até mesmo, incorporada
nas regressões por intuição. O que é pior, os autores atribuem papéis distintos a essa
variável como proxy, que pode representar a expectativa de ganho com o crime – caso
em que se espera sinal positivo para o coeficiente – como a expectativa de renda que o
indivíduo obteria no mercado de trabalho, ou seja, o custo de oportunidade do crime –
em que o coeficiente deveria ser negativo. De modo que
te
(2003b) a renda média entra com
ondi nant ositivo das portunidad do indivíduo ao omet um c ime, uant
ue n estimação empírica real ada l go em seguid no m mo
omicil ar pe ir
mercado de trabalho, obtendo coeficiente negativo nos resultados do modelo VAR-
a (per capita) e da desigualdade. Embora o coeficiente de Gini seja construído
de tal forma a captar a desigualdade independentemente do nível de renda, a associação
entre pobreza e renda per capita é, em si, uma medida de desigualdade. Normalmente
não podemos fixar três valores muito “independentes” para essas três variáveis, pois o
Gini é uma variável que capta justamente (embora de forma indireta) a distância entre o
grau de pobreza de uma região e sua renda per capita. Intuitivamente, se temos uma
região em que a renda média é muito alta mas há simultaneamente um expressivo
número de pessoas abaixo da linha de pobreza, a desigualdade nesta região terá de ser
alta. Para detectarmos esta relação estatisticamente, podemos calcular a correlação
entre a desigualdade de renda medida pelo coeficiente de Gini e o produto das variáveis
renda per capita e porcentagem de pessoas com renda inferior a R$75,50/dia (ambos
para o ano de 2000). Esta correlação é de 0,84, ou seja, bastante elevada. De forma
análoga, podemos regredir o Gini sobre a renda per capita e o nível de pobreza, obtendo
um R² de 0,71 e valores-t para a significância de ambas a
Desnecessário informar, ainda, que ambos os coeficientes aparecem com sinal positivo.
54
Por estes diversos motivos, tanto de ordem teórica quanto empírica, achou-se por
bem contrariar a recomendação usual e retirar do modelo empírico a variável renda per
capita. O efeito de tal recurso é, de fato, animador. Nova regressão experimental sem a
variável em questão produz a seguinte relação para o FIV do modelo:
TABELA 5.5 – FIV do Modelo sem Renda per Capita
Var pobre fec91 sempai tv homens gini dens escol pm gm
FIV
4,76 4,24 2,99 2,89 2,17 1,77 1,66 1,62 1,19 1,11
Media
2,44
Fonte: Resultados Stata. Censo IBGE 2000 e base de perfil de organizações de segurança pública
Senasp.
Heterocedasticidade e Erros de Especificação
O exame dos resíduos de uma regressão inicial permite detectar diversos tipos de
problemas com o modelo empírico, principalmente erros de especificação e
heterocedas
zero. Neste cenário, ou seja, admitindo erros de medição nos Y, um regressor
ticidade em dados cross-section. “Se houver erros de especificação, os
resíduos exibirão padrões marcantes” (Gujarati, p.419). Um teste simples de
especificação é o RESET de Ramsey. Aplicando o teste a uma regressão simples,
incluindo todos os regressores exceto renda per capita, detecta-se erro de especificação
em relação às potências das variáveis explanatórias, mas não em relação aos valores
ajustados para a variável dependente. A dificuldade com tal diagnóstico é que o modelo
está logaritmizado, e a inclusão da potência de qualquer das variáveis geraria
colinearidade perfeita entre elas, visto que a logaritmização lineariza a relação. Não
faria sentido, assim, incluir potências de regressores nos modelos em logaritmos.
Uma possível explicação para a detecção de erro de especificação é a existência
de correlação entre o erro e os regressores devido a erros de medição. Problemas com
erros de medição podem ocorrer tanto com as variáveis explicativas como com a
dependente. Pela natureza dos dados com que se trabalha aqui, e por motivos abordados
anteriormente, é bastante razoável esperar que haja erros de medição nos dados de
criminalidade. Erro de medição na variável dependente implica maiores variâncias dos
estimadores, resultando em um viés a favor da hipótese nula de coeficientes iguais a
55
signific
É razoável supor também que as variáveis explicativas não estejam precisamente
edidas. Ao contrário de erros com o regressando, imprecisões na medição dos
regressores e inconsistentes.
Infelizm u o tric r t õ efinitivas para
este mal. A saída mais comum co a va i rum s almente
a ut izadas em regressões de modelos para possíveis determinantes da
diretamente. Desta forma, não há muito que se fazer senão confiar na hipótese de que a
ribuída aos erros de medição das variáveis
não distorcer muito os resultados.
5.5 Resultados
ativo é um bom sinal, visto que as chances de ser verdadeiramente significativo
são ainda maiores. Assim, mesmo na ausência de melhores dados, não há motivo para
grande preocupação.
m
tornam as estimativas dos coeficientes tendenciosas
ente, a literat ra econ a não ap esen a muitas soluç es d
é re rrer riáve s inst entai , mas norm
s variáveis il
criminalidade já são proxies elas mesmas para fenômenos que não conseguimos medir
parte da variância dos erros da regressão at
explicativas seja suficientemente pequena para
Quanto à heterocedasticidade, a rejeição da hipótese nula de variância constante
pelo teste de Breusch-Pagan disponibilizado pelo Stata8 indica que os desvios-padrão
dos estimadores poderão diferir dos verdadeiros desvios-padrões obtidos na ausência do
problema, o que prejudicaria os testes de significância. Como não conhecemos a
verdadeira variância dos erros – impossibilitando o recurso ao método dos Mínimos
Quadrados Ponderados – e como os testes visuais não permitem a detecção de relação
entre os erros e qualquer dos regressores, a saída adotada aqui foi a utilização dos
desvios-padrão robustos de White, que são melhores aproximações dos verdadeiros
desvios-padrão.
Resultados Crimes Intencionais contra a Pessoa
A Tabela 5.6 apresenta os resultados das regressões para as oito categorias de
crimes intencionais contra a pessoa, com o coeficiente de regressão para cada variável
explicativa em cima do valor-p para o grau de significância. O grau de ajuste de cada
regressão, medido pelo R², está listado após a constante.
56
TABELA 5.6 - Resultados Regressões para Crimes Contra a Pessoa
dens gini pm gm (d)
gm
(index)
escol pobre fec91 tv sempai homens const
homic SIM
0,12 0,17 -0,30 -0,20 -0,12 -2,41 0,40 -0,54 3,31 0,22 2,80 3,26 0,27
0,00
0,76
0,00
0,12
0,05 0,01 0,03
0,14
0,00
0,58
0,00
0,64
homic
0,16 1,59 -0,40 -0,35 -0,19 -2,00 0,45 -0,04 1,25 0,20 1,24 6,86 0,28
0,00
0,08
0,00 0,02 0,01 0,04 0,01
0,93 0,08 0,59 0,30 0,28
letais (cvli)
0,14 1,43 -0,28 -0,41 -0,25 -2,82 0,39 0,27 1,78 0,51 -1,56 1,43 0,27
0,00
0,13
0,00 0,01 0,00 0,00 0,03
0,53
0,01
0,17 0,23 0,83
tent hom
-0,14 -0,30 -0,33 -0,02 -0,07 1,69 -0,33 0,10 1,34 1,31 1,22 -8,76 0,13
0,00
0,68
0,00
0,91 0,34 0,13 0,08 0,86 0,22
0,00
0,34 0,33
les corp
-0,14 0,75 -0,23 0,08 0,01 1,61 -0,75 0,36 0,72 0,99 -2,12 -8,14 0,31
total
0,00
0,35
0,00
0,57 0,82 0,07
0,00
0,45 0,35
0,01 0,04
0,21
les corp
-0,14 0,61 -0,25 0,13 0,04 1,78 -0,73 0,23 0,39 0,99 -2,28 -7,83 0,31
dolosa
0,00
0,44
0,00
0,34 0,57
0,04 0,00
0,62 0,60
0,01 0,03
0,23
estupro
-0,03 0,37 -0,21 0,07 0,05 -0,90 -0,91 1,50 1,63 1,25 1,47 2,06 0,16
0,47 0,56
0,01
0,60 0,54 0,30
0,00 0,00 0,02 0,00
0,15 0,75
total pessoa
-0,11 0,57 -0,21 0,06 0,00 1,07 -0,59 0,22 0,68 0,95 -1,77 -5,10 0,30
0,00
0,39
0,00
0,61 0,96 0,16
0,00
0,54 0,27
0,00 0,05
0,34
Fonte: Resultados Stata. Censo IBGE 2000, base de boletins de ocorrência Senasp e base de perfil de
organizações de segurança pública Senasp.
O primeiro ponto a chamar atenção é a semelhança no grau de ajuste e no valor
dos coeficientes para os dois modelos para homicídio, o primeiro com os dados de
registro de óbito do sistema SIM/Datasus (homic SIM) e o segundo com os homicídios
dolosos extraído da base de dados da Senasp (homic). Dentre as onze variáveis
odelo, apenas a distribuição de renda e a porcentagem de homens
entre 15 e 25 anos não assumem comportamento semelhante para os dois
a a 10% apenas para os homicídios
registra
pela ação efetiva da polícia
explicativas do m
regressandos
58
, sendo a primeira variável significativ
dos pela Senasp, e a segunda significativa apenas para os homicídios captados
pelo sistema Datasus. Ambos os resultados indicam que o homicídio nas grandes
cidades brasileiras é agravado pela densidade populacional, pelo nível de pobreza e pela
porcentagem de domicílios com acesso à TV, e contido
57
militar e guarda municipal e pelo número de adolescentes entre 15 e 17 anos na escola.
Estes re ionais,
segundo agregação da Senasp. Ou seja, o modelo produz resultados muito semelhantes
ara crim d
O co d ri c s d s d s contra a
nos e n co ia
sultados p a e u a ar atu d l ia
ntém sólida signif ia s a ss
dicador d d rda n l i m
ci . a d m s r
e na direção con ária ume tando odos s delitos contra a pessoa que não terminam
te. s e d es
ntra a vida enq ant a p rcenta em de homens jovens assume comport e to
o, o it o ã n d de do
ime ou agregado de crimes.
A fe 1 e e a , c ex e
u se art
plicativo e r e o r e e e ílias sem pai e da
escolaridade, a porcentagem de indivíduos pobres e, naturalmente, a ação da PM. Ainda
assim,
sultados praticamente se repetem para os crimes violentos letais intenc
p os es que terminam em morte, independente do in icador utilizado.
mportamento as va áveis expli ativa para os emai elito
pessoa revela um retrato lev mente distinto, mas que ma tém erênc entre os
re ara s diferent s var veis. Enq anto proxy p a a ação a po íc
militar ma icânc entre todo os delitos contr a pe oa, a dummy e o
in e quali ad e da g au um ic pai , ssa m com a escolaridade, perdeo
significân a para todos os crimes A porcent gem e fa ília chefiadas po mulheres
ag tr , a n t o
em mor Em contrapartida, den idade e pobreza t ndem a re uzir te tipo de crime
co , u o o g am n
ambígu ra significativo e pos ivos, ra n o sig ificativo, epen ndo tipo de
cr
cundidade em 991 o af ta os crim s contra vida om ceção d
estupros, q e merece análi pà e A. fecundidade 13 anos antes é o principal fator
ex dos stup os, s guid de pe to da porc ntag m d fam
porcentagem de domicílios com acesso a televisão. Reduzem o número de estupros a
o grau de ajuste para este tipo de infração é o mais baixo dos registrados na
tabela, indicando maior complexidade para a sua dinâmica.
Constata-se claramente que o coeficiente de Gini não é um fator decisivo na
explicação dos crimes contra a vida. Ao lado do efeito detentor da atividade da polícia
militar, a não-significância da desigualdade para todas as proxies construídas para os
crimes contra a vida é o resultado mais robusto do presente teste
59
. Em outras palavras,
se há duas conclusões seguras sobre os crimes ora analisados é que eles são contidos
pela ação policial, mas não sofrem influência da distribuição da renda. Embora na
contramão dos resultados de pesquisadores brasileiros até o presente momento, esta
58
As diferenças, como destacado anteriormente, provavelmente decorrem de erros de medição das
diferentes fontes (SIM e SENASP), tanto para um quanto para o outro. Ainda assim, o fato de ambos
produzirem resultados razoavelmente similares confere maior credibilidade aos resultados obtidos.
59
A única exceção para o gini são os homicídios medidos pela Senasp, com valor-p a 9%.
58
constatação converge com a de pesquisadores norte-americanos. Dos sete trabalhos
listados na Tabela 1.1 que registram resultados para o efeito do Gini sobre
homicídios/assassinatos, apenas dois encontram coeficientes significativos, um deles
sendo o controverso trabalho de Fajnzylber et al. (1998), que trabalha com cross-section
entre diferentes países
60
.
)
gm
(index) escol pobre fec91 tv sempai homens cons
Resultados Crimes Intencionais contra o Patrimônio
Resultados indubitavelmente mais sólidos são obtidos para os crimes contra o
patrimônio (ou propriedade), e revelam um comportamento distinto do observado para
crimes contra a pessoa, conforme pode ser visualizado na Tabela 5.7.
TABELA 5.7 - Resultados Regressões para Crimes Econômicos
dens gini pm gm (d
total prop
-0,03 1,83 0,20 -0,01 -0,02 1,14 -0,83 0,33 -0,08 0,79 -1,34 2,03 0,34
0,23
0,00 0,00
0,96 0,69 0,12
0,00
0,34 0,90
0,02
0,12 0,70
carro e
carga
0,13 3,84 -0,59 0,36 0,26 2,18 -1,45 1,88 2,11 0,20 -1,87 -15,7
0,44
0,02 0,00 0,00
0,07
0,02
0,21
0,00 0,00 0,02
0,71 0,20 0,19
carro
geral
0,17 3,32 -0,53 0,30 0,25 0,58 -1,52 1,48 1,52 0,28 -0,85 -3,60
0,44
0,00 0,00 0,00
0,12
0,03
0,67
0,00 0,01
0,08 0,61 0,54 0,70
furto car
0,11 4,10 -0,35 0,33 0,30 1,11 -1,59 1,59 1,28 -0,30 -2,13 -6,17
0,45
0,04 0,00 0,01
0,13
0,04
0,41
0,00 0,01
0,14 0,59 0,17 0,51
roubo car
0,40 2,41 -0,71 0,43 0,28 -0,60 -0,87 1,31 2,51 0,58 0,65 -5,32 0,32
0,00 0,04 0,00
0,12
0,05
0,76
0,02
0,14 0,09 0,49 0,74 0,70
drogas
-0,23 1,39 -0,42 0,10 0,04 1,06 -1,48 0,44 0,15 0,93 -1,50 -1,01
0,46
0,00
0,08
0,00
0,66 0,78 0,46
0,00
0,51 0,90 0,06 0,21 0,92
Fonte: Resultados Stata. Censo IBGE 2000, base de boletins de ocorrência Senasp e base de perfil de
organizações de segurança pública Senasp.
60
Contestado por Neumayer (2005) por haver viés de seleção.
59
Antes de tudo, merece destaque o significante aumento no grau de ajuste do
modelo para estes tipos de crimes em relação ao tipo anterior, o que nos permite
concluir que infrações envolvendo a “transferência” de propriedade seguem dinâmicas
relativamente mais simples que homicídios e tentativas contra a vida ou a pessoa. O
grau de ajuste médio observado na presente tabela é de 0,41, enquanto na tabela anterior
era de 0,25.
Impossível deixar de notar também a reviravolta no comportamento do
odelo é um crime econômico, a
da proxy utilizada
para medir a intensidade dos crimes contra o patrimônio. Trabalhando apenas com
rtos e roubos de carros – que permitem conclusões mais confiáveis devido ao interesse
em registr trimônio
resentes a da a a a es
mpre o mais alto dentre as variáveis expl ativa
. Mesmo em delitos envolvendo
i u t a ri e e
opriedad e b lm p i l ôm , a u e e
junt mente com a pobreza – exerce forte impacto, e o grau de ajuste do modelo
ante . o la a a ita ec r
renda pa a jo ens m pouca perspectiva no mercado de trabalho, o consumo da
exig t n do e s e p d la
plica o t para a variável r c inação aparente te co
que ambientes de maior desigualdade sejam mais propícios para o desenvolvimento
o o
Os demais resultados são igualmente importantes por revelarem alguns aspectos
teressan e po in o e u íc ilitar
im l im o s a ur e
guarda l ida m a m (d) – em un o ga a
está provavelmente na endogeneidade da referida variável, pois é bastante razoável crer
coeficiente de Gini. Quando a variável dependente no m
desigualdade se torna a principal variável explicativa, tanto em termos de significância
quanto na magnitude da elasticidade. Os resultados são robustos no sentido de que há
pouquíssima variação no grau de significância da variável em função
fu
ar a ocorrência – ou o agregado de todos os crimes contra o pa
p na b se Sen sp, a significânci do Gini é
61
m ma, e seu coeficiente é
se ic s
drogas (porte e tráf co), q e não se tra a ex tamente de um c me d transf rência de
pr e, mas qu indu itave ente ossu uma ógica econ ica desig aldad d
renda –
é bast
a
animador Se p r um do a produção d drog ilíc ofer e o op t aunid d s e
de r v co
droga e uma ou ra po ta, a s qu pos uem r nda ara a quiri- (o que também
ex resul ado pob eza). Essa omb men faz m
deste tip de mercad .
in tes sobre sse ti de fraçã . Em prim iro l gar, a ação da pol ia m
exerce pacto aná ogo ao de cr es c ntra a pes oa, m s, c iosam nte, a existência
de municipa na c de – edid pela dum y gm alg s cas s che
estar positivamente correlacionada à criminalidade. A explicação para este fenômeno
61
Com exceção dos crimes envolvendo drogas, que possuem uma dinâmica levemente distinta da dos
demais crimes.
60
que a decisão de um município em formar uma nova força policial seja afetada pela
intensidade da criminalidade na região
62
. Esta explicação ganha força ao considerarmos
que a justificativa e missão de muitas destas guardas municipais é proteger a
propriedade. A pobreza é, naturalmente, o outro resultado bastante confiável do
modelo, gerando coeficientes negativos e significativos para todos os crimes
econômicos nos municípios com mais de cem mil habitantes.
Densidade e fecundidade em 1991 em geral aumentam
63
as taxas de delitos
contra o patrimônio. Se por um lado uma alta densidade aumenta as probabilidades de
contato e, conseqüentemente, do cometimento de um crime, vale ressaltar que a variável
densidade pode estar captando a presença de favelas nos grandes municípios, pois neste
tipo de assentamento a concentração de pessoas por metro quadrado é menor. Assim, é
possível que a densidade negativa para os crimes contra a droga decorra da dinâmica
própria deste tipo de crime, acentuada pela presença de favelas que facilitam o tráfico.
Por fim, a escolaridade, a porcentagem de homens jovens na população e a porcentagem
de famílias chefiadas por mulheres aparentemente não afetam os crimes contra o
patrimônio.
Resultados para os demais tipos de crimes
TABELA 5.8 - Resultados Regressões para Demais Delitos
dens gini pm gm (d)
gm
(index) escol pobre fec91 tv sempai homens const
-0,22 1,51 -0,62 0,42 0,17 3,82 -1,21 0,50 1,48 0,45 0,70 -13,04
0,36
acidentes de
carro
0,00
0,19
0,00 0,02
0,07
0,01 0,00
0,46 0,18 0,45 0,66 0,19
-0,08 1,34 0,15 -0,01 -0,02 1,13 -0,72 0,08 -0,06 0,98 -1,72 1,05
0,36
to
intencional
0,00 0,02 0,01
0,92 0,68 0,09
0,00
0,78 0,92
0,00 0,03
0,82
tal
Fonte: Resultados Stata. Censo IBGE 2000, base de boletins de ocorrência Senasp e base de perfil de
organizações de segurança pública Senasp.
62
A significância do indicador de qualidade das guardas municipais com coeficiente positivo para alguns
delitos contra o patrimônio também pode ser explicado seguindo a mesma lógica, qual seja, a de que
e.
de crimes envolvendo drogas.
municípios com maior criminalidade não só criam a guarda mas também investem mais na sua qualidad
63
Com exceção
61
Os dois delitos reportados na Tabela 5.8 revelam informações adicionais sobre
crimes e infrações nos grandes municípios brasileiros. Os acidentes de carro são crimes
não intencionais e, portanto, apenas uma proxy para infrações cometidas no trânsito,
uma vez que os homicídios culposos e lesões provocadas por acidente provavelmente
revelam a imprudência de motoristas e o desrespeito às leis de trânsito. Pelos resultados
obtidos, este tipo de infração se reduz em ambientes com menor pobreza e mais
qualidade na ação policial, mas é agravado pela porcentagem de adolescentes entre 15 e
17 anos m
o sobre a taxa de criminalidade total. Este regressando produz ainda
outros resultados inconsistentes, como o coeficiente positivo para a qualidade da polícia
ilitar e negativo para a densidade. A pobreza, novamente, faz reduzir o número de
Teste de Robu
Sem
e ec
pecificam p te v c g et (das
is vari a m i t o e h
s do o de diferentes variáveis que, de
ador para o coeficiente da variável chave que está
endo estudada (no caso a desigualdade de renda) é sensível às diferentes combinações
atriculados na escola. Além disso, a detecção de um efeito contrário da
concentração populacional (densidade) nos acidentes indica que as infrações de trânsito
em regiões mais populosas tendem a gerar danos menos expressivos, como morte e
lesão corporal, um resultado aparentemente contra-intuitivo.
Por fim, a última linha da tabela apresenta os resultados para a categoria mais
geral de crimes, que agrupa todos os delitos intencionais. Novamente, a desigualdade
de renda apresenta forte influência, sempre com efeito positivo e elasticidade absoluta
inferior apenas à porcentagem de homens jovens na população, que curiosamente exerce
efeito negativ
m
crimes.
stez para os Resultados do Gini
elhante ao que ocorre comumente em estimações empíricas para
determinantes de crescim nto onômico em que modelos do tipo AK não
es com precisão os com onen s da variá el te noló ica A o v or x
dema
r sido con
áveis explicativ s) no odelo econométr co u ilizad nest trabal o poderia
te truí rec rrendo-se a diversas combinações
uma forma ou de outra, acredita-se estarem relacionadas às taxas de criminalidade. O
problema é que quase sempre o estim
s
possíveis para o referido vetor, podendo se revelar significativo ou não, ou até mesmo
alternar de sinal, dependendo das variáveis escolhidas para x.
62
Uma maneira de conferir robustez às estimações de modelos que padecem deste
mal é aplicar o Teste dos Limites Extremos, que consiste basicamente em computar o
intervalo de confiança para o coeficiente da variável em foco utilizando como limites
inferior e superior a menor e a maior estimação obtidas nas diversas regressões,
respectivamente. Por diversas regressões entende-se to total de regressões possíveis do
modelo
εx
xj
βz
zj
βf
fj
β
j
αy
j
+
+
+
+
=
em que f é um vetor de variáveis fixas que sempre aparecem na regressão (normalmente
variáveis mais consagradas como pertencentes ao verdadeiro modelo), z é a variável em
foco e
é um vetor de, por exemplo, até 3 variáveis extraídas do conjunto X de N
Xx
j
variáveis disponíveis. Ou seja, é preciso estimar o modelo acima para todas as M
combinações possíveis de
Xx
j
. Para cada modelo registra-se o estimador
zj
β e seu
respectivo desvio padrão,
zj
σ
. O limite inferior é dado pelo menor valor de
zj
β
subtraído de 2
zj
σ
, e o limite superior o maior valor de
zj
β somado a 2
zj
σ
. Se, neste
intervalo, o estimador variar de sinal, ou seja, se o limite inferior for negativo e o
superior positivo, o teste o rejeita como significante.
A crítica a este teste é que sua rigidez normalmente leva à conclusão de que a
maioria – se não todas – as variáveis escolhidas como z são não-significativas. Em face
õe que, ao invés de taxar a variável de
forma
de essa dificuldade Sala-i-Martin (1997) prop
discreta como “robusta” ou “não-robusta”, se construísse a função acumulada da
distribuição dos valores obtidos para os
zj
β de forma a estabelecer a probabilidade de
que a média destes betas seja distinta de zero. Mas como cada regressão produz um
grau de ajuste diferente, o ideal é calcular a média de forma ponderada, atribuindo a
cada valor estimado um peso proporcional à qualidade do grau de ajuste da regressão.
No presente trabalho, o peso foi construído usando os R² de cada regressão, através da
fórmula
64
:
64
Sala-i-Martin (1997) estima os coeficientes através de máxima verossimi
verossimilhança como indicador do grau de ajuste de cada modelo para pon
lhança e usa a razão de
derar os resultados. Como
aqui utiliza-se o MQO, o R² substitui a RV.
63
=
=
M
i
zi
R
zj
R
zj
1
2
2
ω
De posse da média e da variância e pressupondo distribuição normal, podemos
calcular a FDA(0) usando as tradicionais tabelas da distribuição normal. Por FDA(0)
entende-se a maior dentre duas áreas: aquela à esquerda de zero e aquela à direita de
zero. Isso porque o teste se trata de um exame de robustez, ente do
sinal do coeficiente. Assim, o número calculado estará sempre entre 0,5 e 1, e indica a
Este te
explicativas – variou nas 64 combinações aleatórias possíveis, gerando, portanto, 64
ios-
Os regressandos foram ordenados de acordo com o valor decrescente da terceira coluna,
ses
66
.
e não necessariam
probabilidade do coeficiente ser robusto (maior ou menor que zero)
65
.
ste foi aplicado ao coeficiente de Gini no modelo em que as três proxies
para a qualidade da ação policial e a densidade populacional foram mantidas fixas
(presentes em todas as regressões) enquanto o vetor x – composto de seis variáveis
regressões. Na Tabela 4.6.4 estão registrados os betas médios ponderados, os desv
padrão médio ponderados e a área superior a zero sob a distribuição dos betas (CDF(0)).
e a linha abaixo da variável letais separa os resultados em que a área é superior a 0,95,
ou seja, o rigor usualmente adotado em testes de hipóte
65
Para conduzir este procedimento é preciso saber a forma da distribuição dos
β
para se poder calcular
a distribu ão
zj
acumulada. Sala-i-Martin trabalha com dois casos distintos, o primeiro pressupondo
distribuição normal e o segundo distribuição não-normal. Os resultados obtidos em ambos foram bastante
similares, permitindo ao autor concluir que se tratava de fato de uma distribuição normal. No presente
rtirei já do pressuposto de que a distribuição dos
β
segue distribuição normal.
m
trabalho, pa
zj
66
O teste foi conduzido utilizando os desvios-padrão robustos de White, conforme fórmula encontrada e
Gujarati, 2006.
64
TABELA 5.9 - Resultados Teste de Robustez para o Coeficiente do Gini
Variável Dependente Beta Médio Desvio P ão Médio CDF (0) Dist. Normal adr
1
total prop
1,6543 0,5657 0,9983
2
carro e carga
2,8126 1,0226 0,9970
3
furto car
2,9797 1,1686 0,9946
4
to
5
ca
tal
1,2988 0,5498 0,9909
rro geral
2,2935 0,9990 0,9892
6 homic 1,7281 0,8179 0,9827
7 letais (cvli) 1,4736 0,8538 0,9578
8
roubo car
1,6432 1,1611 0,9215
9
drogas
0,8814 0,7656 0,8752
10 acidentes 1,0590 1,1116 0,8296
11 lc total 0,6083 0,7537 0,7902
12 total pessoa 0,4956 0,6214
13 les corp 0,5244 0,7496
0,7874
0,7579
14 homic SIM 0,2941 0,5248 0,7124
15 estupro -0,0527 0,6279 0,6332
16 tent hom -0,1534 0,6744 0,5764
Fonte: Resultados Stata. Base de boletins de ocorrência Senasp, gini do Censo IBGE 2000.
Como se pode observar, as variações na especificação do modelo fizeram com
que o efeito do coeficiente de Gini sobre dois crimes de motivação econômica (drogas e
roubo de carros) perdesse a significância a 5% e que dois crimes contra a pessoa
passassem a ser influenciados pelo Gini (homicídios segundo a base da Senasp e crimes
letais). Apesar destas alterações, é inegavelmente claro o padrão de segregação que se
observa na tabela, sendo que os crimes contra o patrimônio dominam os resultados
“acima da linha” e os crimes contra a pessoa se mostram, em geral, não afetados pelo
coeficiente de Gini. Além disso, as médias dos valores dos betas para os dois tipos de
crimes (contra o patrimônio e contra a pessoa) são, respectivamente, 1,93 e 0,66,
revelando um impacto três vezes superior da desigualdade de renda sobre um tipo de
crime que sobre o outro.
Ainda se tratando da robustez dos resultados, as tabelas A1 e A2 do Anexo
trazem os resultados com as dummies para os municípios com muita discrepância entre
os dados SIM e dados Senasp para homicídios, a primeira para os municípios mais
divergentes e a segunda para os Estados mais divergentes (BA, PA e MG). Nestes
novos exercícios, o grau de ajuste do m
ta
odelo para os indicadores de homicídios
naturalmente aumenta, e o coeficiente de Gini perde a significância para explicar o
número de homicídios medidos pelos boletins de ocorrência (homic). Fora es
65
alteração, os resultados ali apresentados praticamente não diferem dos apresentados nas
T be
R u a curtose da d ção da rend
o modelo adotado acima foi amp ara incluir a medida de curtose
da distribuição da renda domi er capita d cípio, na tentativa de captar a
existência ou relevância de um o de consumo de referência para a satisfação do
indivíduo. Conforme discutido acima, este padrão dependeria da concentração da
distribuição em uma região concisa, o que significa um alto valor para a moda ou, ainda,
u r para a curtose. A 4.6.6 infor esultados dos coeficientes para
correlaciona com nenhum dos crimes analisados neste estudo, o que nos permite
a las 4.6, 4.7 e 4.8.
es ltados para istribui a
O mesm liado p
ciliar p o muni
padrã
m alto valo Tabela ma os r
esta variável. Como se pode perceber, a curtose da distribuição da renda não se
concluir, seguindo a lógica da estratégia metodológica adotada, que não há indícios de
uma renda de referência a atuar como alvo para o consumo dos indivíduos.
TABELA 5.9 - Resultados dos Testes de Hipóteses para a Medida de Curtose
variável dependente coeficiente desvio padrão t P > t
total 0,008 0,020 0,370 0,714
total prop 0,005 0,023 0,230 0,819
carro e carga 0,004 0,049 0,090 0,929
furto car -0,012 0,048 -0,240 0,808
carro geral 0,025 0,046 0,550 0,584
roubo car 0,085 0,063 1,350 0,179
total pessoa
homic
0,001 0,024 0,020 0,981
0,003 0,030 0,090 0,932
homic SIM -0,014 0,032 -0,430 0,665
c totall 0,008 0,029 0,290 0,774
letais (cvli) -0,013 0,030 -0,430 0,667
les corp 0,003 0,030 0,100 0,920
tent hom 0,024 0,035 0,690 0,493
estupro 0,020 0,031 0,650 0,514
drogas -0,027 0,040 -0,670 0,503
acidentes 0,017 0,051 0,340 0,734
Fonte: Resultados Stata. Base de boletins de ocorrência Senasp, curtose a partir do Censo IBGE 2000.
66
CONCLUSÕES
A riqueza da base de boletins de ocorrência da Senasp nos permitiria realizar
trair múltiplas conclusões sobre a
criminalidade e seus determinantes nas grandes cidades brasileiras. Detenho-me, no
ajuste dos
modelos), provavelmente envolvendo atitudes passionais e motivações pessoais
ariadas. Aparentemente, este tipo de crime não responde a variações no perfil da
dis os
resu tramã ria d cionais, ue norm
atribuem à desigualdade um a det ção dos h ios. D as
possíveis explicações, devemos reconhecer que estes trabalhos no ente f so
de dados agregados em unidades federativas – em distribuiçã nda p tar
a por exemplo, a crim disputas de – ou expl a evol os
h no tempo para um conjunto muito re de municíp Além disso, os
resultados nos permitem detectar dinâmicas distin smo entre os diferentes tipos de
delito contra a vida: em geral, os crimes letais respondem a um conjunto de fatores
distinto do conjunto de fatores que explica os dem mes contra a pessoa
67
.
or outro lado, a pesqu elou que os es de natureza econôm tão
f e condicionados à maneira como a renda stribui na l ade em são
a
fetiva atuação das entidades policiais e o número de pessoas pobres (este
ainda tantos outros testes, dos quais poderíamos ex
entanto, a traçar apenas as considerações diretamente relacionadas aos objetivos deste
trabalho, aqueles que envolvem a relação entre criminalidade e desigualdade de renda.
Embora seja pouco recomendável fazer afirmações categóricas em estudos
empíricos no âmbito das ciências sociais, os resultados aqui apresentados nos compelem
a arriscar alguns palpites com reforçada segurança. Os dados da base de boletins de
ocorrência nos revelam com clareza um padrão consideravelmente distinto entre o
comportamento dos crimes contra a pessoa (ou contra a vida) e dos crimes motivados
por razões econômicas no que tange o efeito da desigualdade de renda. O primeiro tipo
apresenta uma dinâmica mais complexa (conforme atesta o reduzido grau de
v
tribuição da renda da região de incidência, constatação que não é trivial:
ltados vêm na con o da maio os estudos na q almente
papel central n ermina omicíd entre
rmalm azem u
que a o da re ode es
ssociada, es por terra oram ução d
omicídios strito ios.
tas me
ais cri
P isa rev crim ica es
ortement se di ocalid que
cometidos. Embora outros fatores também venham a afetar este tipo de crime – como
e
67
Crimes letais, ao contrário dos demais, são significativamente contidos por aumento no nível de
escolaridade e redução da pobreza.
67
inversamente) – é a desigualdade de renda o seu principal motor. Baseados nos valores
btidos para as elasticidades, poderíamos estimar uma queda de até 4,1 por cento nos
crimes contra o patrimônio para cada redução de um ponto percentual na desigualdade
edida
demais delitos – nos fornece pistas sobre o nexo causal que permeia a relação entre
imina
s (em
os de oportunidade da renda abdicada
Os dados revelam ainda que os crimes contra o patrimônio representam, pelo
rações cometidas nas grandes cidades do país, o que torna
o
m pelo coeficiente de Gini, efeito superior ao de qualquer outra variável no
modelo.
A constatação de que a desigualdade da renda afeta de forma particularmente
intensa os crimes econômicos – em contraposição a seu efeito imperceptível sobre os
cr lidade e desigualdade. Ao contrário do que prevêem teorias sociológicas de
ruptura da malha social, a desigualdade da renda não aparenta levar a um aumento
generalizado dos índices de criminalidade, mas apenas daqueles crimes que buscam, de
forma ilícita e violenta, transferir renda. Mas a constatação da existência de uma
motivação econômica por trás da relação entre as duas variáveis não encerra a
discussão, havendo ainda espaço para explicações divergentes. Indivíduos
transgressores poderiam, por um lado, aproveitar das maiores oportunidades de ganho
com a ação criminosa que a concentração da renda provoca ou, por outro, buscar no
crime econômico uma fonte suplementar de renda para atenuar a frustração por não
atender a um padrão de consumo a ele imposto pela sociedade, mas inacessível via
rendimentos auferidos no mercado de trabalho. Este padrão de consumo corresponde a
uma renda de referência e, para comprovar esta última hipótese, deveríamos ser capazes
de detectar algum efeito desta suposta renda de referência sobre os índices de
criminalidade. Mas a solução aqui adotada – usar a curtose da distribuição da renda
como proxy para a renda de referência – foi incapaz de encontrar tal relação. Assim, se
obrigados a escolher um dentre os três modelos apresentados para justificar o efeito da
desigualdade da renda nos crimes (econômicos urbanos), teríamos razões, ainda que
incipientes, para não refutar o modelo que atribui à desigualdade de renda o papel de
potencializar os benefícios (em termos de ganhos esperados) e reduzir os custo
term no mercado de trabalho) para um indivíduo
cometer roubos, furtos, seqüestros, tráfico de drogas e tantos outros crimes contra o
patrimônio. Em outras palavras, a maior desigualdade faria com que o crime se tornasse
uma opção viável de obtenção de renda para um maior número de agentes.
menos, uma em cada cinco inf
68
difícil negar que a crescente onda de violência urbana é, também, mais um efeito
perverso deste crime social secular brasileiro chamado desigualdade de renda
68
.
Reconhecer tal fato não implica descartar como inócuas a efetiva atuação policial, a
reforma do sistema prisional, a solução das demais fragilidades sociais ou ainda tantas
outras medidas de prevenção e combate ao crime. Afinal, problemas sociais são
causados por uma multiplicidade de fatores, e seu enfrentamento exige uma atuação à
altura. Saber que a desigualdade de renda afeta de forma peculiar a violência urbana
tampouco oferece instrumentos concretos de combate imediato à criminalidade,
principalmente para formuladores de políticas de segurança. Os resultados aqui
apresentados apenas reforçam a tese de que a desigualdade não é, enfim, apenas um
problema moral, gerando repercussões reais e concretas. E mesmo reconhecendo que a
distribuição da renda depende fortemente das condições e políticas macroeconômicas de
longo prazo, ou ainda de características sócio-econômicas estruturais, é imprescindível
que continuemos a pensar, debater e implementar estratégias focadas de políticas
públicas para reduzir a distância que nos divide e que, através do crime, nos assola.
68
Um indício favorável a esta tese é o resultado significativo da desigualdade de renda para o agregado de
crimes intencionais, enquanto que para as desagregões de crimes contra a pessoa o Gini é não-
gnificasi tivo. Ou seja, ao agregar todos os crimes, os econômicos estão pesando mais que os contra a
vida. Além disso, a razão entre os crimes econômicos e os não-econômicos na base da Senasp é de 4,44,
ou seja, na média, os crimes econômicos representam 82% dos boletins de ocorrência.
69
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72
ANEXOS
TABELA A1 – Modelo com Distinção entre Municípios com Forte Discrepância
SIM x SENASP
dens gini pm gm (d)
gm
(index)
escol pobre fec91 tv sempai homen d cons
0,12 -0,18 -0,22 -0,12 -0,06 -2,76 0,47 -0,79 2,51 0,27 2,95 -0,56 8,74 0,34
homic
SIM
0,00
0,75
0,01
0,33 0,25
0,00 0,01 0,02 0,01
0,50
0,00 0,00
0,18
homic
0,15 1,11 -0,28 -0,24 -0,12 -2,47 0,54 -0,37 0,16 0,25 1,44 -0,77 14,38
0,39
0,00
0,16
0,00
0,09 0,07
0,00 0,00
0,34 0,83 0,45 0,17
0,00 0,02
letais (cvli)
0,13 1,02 -0,18 -0,32 -0,19 -3,23 0,47 -0,01 0,84 0,55 -1,39 -0,66 7,87
0,35
0,00
0,21
0,03 0,03 0,01 0,00 0,01
0,97 0,23 0,11 0,23
0,00
0,20
tent hom
-0,15 -0,50 -0,28 0,03 -0,04 1,48 -0,29 -0,04 0,87 1,33 1,30 -0,33 -5,57 0,15
0,00
0,50
0,01
0,86 0,61 0,19 0,12 0,95 0,43
0,00
0,30
0,03
0,55
lc (total)
-0,14 0,57 -0,19 0,12 0,04 1,43 -0,72 0,23 0,30 1,02 -2,05 -0,30 -5,26 0,33
0,00
0,45
0,01
0,40 0,54 0,10
0,00
0,62 0,70
0,01 0,04 0,04
0,44
les corp
-0,14 0,43 -0,20 0,17 0,06 1,59 -0,69 0,10 -0,04 1,01 -2,20 -0,30 -4,88 0,33
0,00
0,56
0,01
0,23 0,35 0,07
0,00
0,83 0,95
0,01 0,03 0,04
0,47
estupro
-0,03 0,33 -0,20 0,08 0,05 -0,94 -0,91 1,48 1,54 1,26 1,49 -0,06 2,63 0,16
0,46 0,59
0,01
0,57 0,51 0,28
0,00 0,00 0,03 0,00
0,15 0,66 0,69
-0,11 0,38 -0,17 0,10 0,03 0,87 -0,55 0,08 0,23 0,97 -1,69 -0,32 -2,01 0,33
total
essoa
0,00
0,54
0,01
0,39 0,57 0,24
0,00
0,81 0,71
0,00 0,04 0,01
0,71
p
total prop
-0,03 1,68 0,23 0,03 0,01 0,99 -0,80 0,22 -0,43 0,81 -1,28 -0,24 4,42 0,35
0,20
0,00 0,00
0,78 0,90 0,16
0,00
0,52 0,55
0,01
0,13
0,04
0,41
0,13 3,62 -0,53 0,41 0,29 1,96 -1,41 1,72 1,60 0,23 -1,78 -0,36 -12,20
0,44
carro e
arga
0,03 0,00 0,00 0,04 0,01
0,28
0,00 0,01
0,12 0,67 0,22 0,08 0,34
c
0,16 3,00 -0,45 0,38 0,30 0,26 -1,46 1,26 0,80 0,32 -0,72 -0,51 1,36
0,45
carros
0,00 0,00 0,00
0,07
0,01
0,84
0,00 0,03
0,39 0,56 0,60
0,01
0,88
furto car
0,11 3,68 -0,24 0,43 0,36 0,68 -1,51 1,30 0,31 -0,25 -1,95 -0,69 0,53 0,48
0,05 0,00 0,04
0,07
0,02
0,61
0,00 0,03
0,75 0,64 0,20
0,00
0,95
roubo car
0,39 2,14 -0,65 0,49 0,32 -0,87 -0,81 1,12 1,89 0,61 0,76 -0,43 -1,08 0,32
0,00
0,06
0,00
0,09
0,03
0,65
0,03
0,20 0,22 0,47 0,69 0,11 0,94
drogas
-0,23 1,21 -0,38 0,15 0,06 0,88 -1,44 0,31 -0,26 0,96 -1,43 -0,29 1,85
0,47
0,00
0,10
0,00
0,53 0,63 0,54
0,00
0,63 0,84 0,06 0,22 0,08 0,86
-0,22 1,36 -0,58 0,46 0,19 3,67 -1,18 0,39 1,13 0,46 0,77 -0,25 -10,61
0,36
acidentes
0,00
0,23
0,00 0,02 0,05 0,01 0,00
0,56 0,34 0,44 0,63 0,30 0,31
-0,08 1,19 0,19 0,03 0,01 0,98 -0,69 -0,02 -0,41 1,00 -1,66 -0,25 3,47
0,38
total
0,00 0,03 0,00
0,77 0,88 0,13
0,00
0,93 0,49
0,00 0,03 0,02
0,46
TABELA A2 – Modelo com Distinção entre Municípios de BA, MG e PA
dens gini pm gm (d) (inde tv sempai homen d cons
gm
x) escol pobre fec91
0,09 -0,17 -0,26 -0,18 - -1,86 0,46 -1,07 2,37 0,41 3,59 -0,52 7,10 0,320,09
homic
SIM
0 0 0,00
0,77
0,00
0,13 0,12
0,02 0,01 0,01 ,05
0,31
0,00 ,01
0,31
homic
1
0,13 1,23 -0,35 -0,33 -0,17 -1,41 0,50 -0,60 0,26 0,39 2,07 -0,55 0,91 0,32
0,00
0,12
0,00 0,03 0,03
0,14
0,00
0,15 0,76 0,25
0,05 0,01
0,10
letais (cvli)
0,10 0,98 -0,23 -0,40 -0,22 -2,10 0,46 -0,42 0,55 0,74 -0,53 -0,68 6,44 0,34
0,00
0,23
0,01 0,02 0,01 0,03 0,01
0,31 0,54
0,03
0,65
0,00
0,36
tent hom
-0,15 -0,42 -0,31 -0,01 -0,06 1,88 -0,31 -0,08 1,01 1,37 1,49 -0,18 -7,41 0,14
0,00
0,57
0,01
0,94 0,41 0,10 0,10 0,89 0,38
0,00
0,26 0,24 0,43
lc (total)
-0,15 0,58 -0,21 0,08 0,03 1,88 -0,73 0,10 0,26 1,08 -1,74 -0,26 -6,25 0,32
0,00
0,45
0,00
0,52 0,67
0,03 0,00
0,84 0,77
0,00
0,10 0,15 0,36
les corp
-0,15 0,44 -0,23 0,14 0,05 2,05 -0,70 -0,03 -0,08 1,08 -1,89 -0,26 -5,92 0,32
0,00
0,55
0,00
0,30 0,43
0,02 0,00
0,95 0,92
0,01
0,08 0,14 0,38
estupro
-0,02 0,43 -0,22 0,07 0,04 -1,00 -0,92 1,60 1,80 1,22 1,33 0,10 1,35 0,16
0,56 0,49
0,01
0, 1 6 0, 8 5 0,27
0,00 0,00 0,02 0,00
0, 2 2 0, 4 5 0,84
-0,13 0,38 -0,19 0,06 0,02 1,38 -0,56 -0,07 0,16 1,05 -1,34 -0,29 -2,98 0,32
total
pessoa
0,00
0,53
0,00
0,55 0,75 0,06
0,00
0,84 0,82
0,00
0,13
0,05
0,59
total prop 0,
-0,04 1,70 0,21 0,00 -0,01 1,35 -0,81 0,13 -0,44 0,86 -1,04 -0,20 3,48
35
0,13
0,00 0,00
1,00 0,87 0,08
0,00
0,75 0,59
0,01
0,22 0,26 0,53
0,14 3,92 -0,60 0,36 0,26 2,06 -1,46 2,00 2,33 0,16 -2,05 0,12 - 16,64
0,43
carro e
carga
0,02 0,00 0,00
0,07
0,02
0,24
0,00 0,01 0,02
0,77 0,19 0,57 0,17
0,17 3,34 -0,53 0,30 0,25 0,54 -1,52 1,51 1,58 0,27 -0,90 0,03 -3,86
0,43
carros
0,00 0,00 0,00
0,13
0,03
0,69
0,00 0,02
0,09 0,62 0,53 0,87 0,68
furto car
0,10 3,95 -0,33 0,34 0,31 1,35 -1,56 1,36 0,87 -0,22 -1,78 -0,23 -4,49
0, 54
0,07
0,00 0,01
0,13
0,03
0,32
0,00 0,04
0,36 0,68 0,27 0,35 0,64
roubo car
0,38 2,17 -0,68 0,44 0,30 -0,22 -0,83 0,94 1,86 0,70 1,19 -0,36 -2,67 0,32
0,00
0,07
0,00
0,12
0,04
0,91
0,03
0,31 0,23 0,41 0,56 0,27 0,85
drogas
-0,21 1,58 -0,45 0,10 0,02 0,74 -1,51 0,74 0,70 0,83 -1,96 0,30 -3,23
0,47
0,00 0,04 0,00 0,00
0,68 0,86 0,60 0,26 0,57 0,09 0,14 0,12 0,75
-0,20 1,77 -0,65 0,41 0,15 3,40 -1,25 0,90 2,21 0,31 0,10 0,40 -
0,
15,99
36
acidentes
0,00 0,00 0,03 0,02 0,00
0,11 0,14 0,20 0,08 0,61 0,95 0,15 0,12
-0,08 1,29 0,16 -0,01 -0,01 1,22 -0,71 0,00 -0,20 1,01 -1,60 -0,08 1,66
0,36
total
0,00 0,02 0,00
0,94 0,77 0,07
0,00
1,00 0,75
0,00 0,04
0,55 0,73
Fonte: Res E r
ganizaçõe n b en
ultados Stata. Censo IBG 2000, base de boletins de ocorrência Senasp e base de pe fil de
or s de segura ça pú lica S asp.
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