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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E SOCIEDADE
NALÚ PEREIRA DA COSTA KERBER
A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA E DIREITO À SAÚDE:
ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE NO
BRASIL
2007
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NALÚ PEREIRA DA COSTA KERBER
A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA E DIREITO À SAÚDE:
ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE NO
BRASIL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito final para obtenção do título
de Doutor em Enfermagem - Área de Concentração:
Filosofia, Saúde e Sociedade.
Linha de Pesquisa: Processo de Trabalho em Saúde
Orientadora: Dra. Ana Lúcia Cardoso Kirchhof
Co-orientadora: Dra. Marta Regina Cezar Vaz
2007
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© Copyright 2007 – Nalú Pereira da Costa Kerber.
Ficha Catalográfica
K39a Kerber, Nalú Pereira da Costa
A atenção domiciliária e direito à saúde: análise de uma experiência na rede
pública de saúde no Brasil, 2007 [tese] / Nalú Pereira da Costa Kerber —
Florianópolis (SC): UFSC/PEN, 2007.
335p. il.
Inclui bibliografia.
Possui Tabela e Figura.
Contém Cartilha.
1. Atenção Primária à Saúde. 2. Enfermagem Cuidado. 3. Sistema Único
de Saúde SUS. 4. Enfermagem Atenção Domiciliária. I. Autor.
CDD 22ª ed. – 362.140 981
Catalogado na fonte por Lidyani Mangrich dos Passos – CRB14/697 – ACB439.
Dedico esta tese a:
Meu marido e meus filhos, que me apoiaram SEMPRE
e entenderam as ausências necessárias. Sem eles nada teria sentido.
Eles são o SOL DA MINHA VIDA.
Meu pai (in memoriam),
que sempre quis que eu fosse DOUTORA.
Minha mãe e meus irmãos, por acreditarem tanto em minha
capacidade. Família é TUDO o que importa na vida..
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
A minha orientadora, Ana, que foi um verdadeiro exemplo de
profissional. Esteve presente desde o início do processo de
doutoramento, me guiando no caminho, mesmo tendo motivos
suficientes para se afastar e cuidar de si mesma. Com absoluta certeza,
ela facilitou em muito a minha chegada a este momento.
A minha co-orientadora Marta, que apesar da distância que
ficou entre nós em vista do seu pós-doutorado, sua capacidade
intelectual fez com que os momentos de encontro sempre fossem
extremamente produtivos.
Aos membros do Departamento de Enfermagem da FURG por
concordarem com meu afastamento, propiciando a busca pelo
conhecimento.
Ao CNPq, pela bolsa de estudos concedida, viabilizando a
concretização dos estudos.
Às amigas da CONFRARIA e do HU, que estando sempre
presentes, tornaram essa etapa de nossas vidas muito mais agradável
e prazerosa.
À UFSC pela possibilidade de integração propiciada entre as
universidades.
Á Claudia e Seu Jorge, que foram pessoas muito especiais, indo
sempre além de suas funções, agindo como exemplos de SERES
HUMANOS.
KERBER, Nalú Pereira da Costa. A atenção domiciliária e direito à saúde: análise
de uma experiência na rede pública de saúde no Brasil, 2007. Tese (Doutorado em
Enfermagem) – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis. 335 p.
Área de Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade
Linha de Pesquisa: Processo de Trabalho em Saúde
Orientador: Dra. Ana Lúcia Cardoso Kirchhof
Co-orientador: Dra. Marta Regina Cezar Vaz
RESUMO
A atenção domiciliária está se mostrando como uma promissora perspectiva
na área da saúde, compondo uma estratégia reorganizacional de atenção, que valoriza
o ambiente do cliente e o potencializa como espaço de cuidado. Entendendo a
importância desse tema, o objeto do presente estudo foi a análise de uma iniciativa
bem sucedida de atenção domiciliária, desenvolvida na rede pública de serviços de
saúde, com o objetivo de refletir de que forma esta tem contribuído na saúde da
população. A tese que deu sustentação a todo o processo investigativo foi que a
atenção domiciliária, como uma dimensão do trabalho em saúde, contribui para a
saúde da população, na medida em que os trabalhadores desenvolvem seu processo de
trabalho segundo as diretrizes da Atenção Primária de Saúde (APS); trabalhadores e
gestores seguem os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS); os usuários são
percebidos e se percebem como cidadãos plenos de direitos e deveres; e a população
desenvolve vínculo com o serviço oferecido. Para chegar à apreensão dessa tese
sinalizada transitou-se por alguns caminhos que a guiaram, como a produção
acadêmica sobre a atenção domiciliária, a visualização desta como um trabalho em
saúde e, a atenção domiciliária inserida no sistema de saúde, particularmente, no nível
de APS. Foi realizado um estudo de caso, na forma de uma pesquisa qualitativa, com a
coleta de dados desenvolvida com usuários trabalhadores e gestores de um serviço de
atenção domiciliária, por meio da observação, de entrevistas individuais e de pesquisa
documental, no período entre março e julho de 2006, em uma unidade de atenção
primária à saúde do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição,
em Porto Alegre. Os resultados foram sistematizados a partir dos indicadores
formulados e mostraram que os trabalhadores e gestores têm compreensão da atenção
domiciliária como extremamente relevante para a saúde da comunidade, porém, não
objetivam essa compreensão na sua prática de trabalho. Isso tem possibilitado uma
integração insuficiente entre os sujeitos nele envolvidos e um trabalho desconectado
da sua filosofia, inicialmente traçada e referida nos discursos. Foi identificado que a
prática da atenção domiciliária tem sido realizada com foco na doença, tem como
objeto de trabalho um sujeito individual, enfatiza o cuidado curativo e não desenvolve
ações intersetoriais da forma desejada. Porém, busca resolutividade no primeiro
contato, apresenta baixos custos, presta atenção contínua e longitudinal, tem território
7
definido, promove as relações interpessoais (trabalhadores e usuários) e atua visando
um cuidado humanizado. O maior limitador apresentou-se como a grande demanda na
unidade de saúde, que faz com que os trabalhadores não possam estender essa prática
de trabalho a um maior número de usuários e, também, colabora com a falta de tempo
para uma maior atenção aos usuários em atenção domiciliária. A realização deste
estudo, no momento em que abrigou uma reflexão geral sobre o sistema de saúde e sua
operacionalidade, oportunizou melhor conhecer a inserção da prática de atenção
domiciliária nesse contexto e as possibilidades e limites de desenvolvimento da
mesma.
Palavras-chave: Atenção Domiciliária, Processo de Trabalho em saúde, Sistema
Único de Saúde, Atenção Primária à Saúde.
KERBER, Nalú Pereira da Costa. A atención domiciliaria y derecho a la salud:
análisis de una experiencia en la red publica del salud en Brasil, 2007. Tese
(Doutorado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em Enfermagem,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 335 p.
Orientador: Dra. Ana Lúcia Cardoso Kirchhof
Co-orientador: Dra. Marta Regina Cezar Vaz
RESUMEN
La atención domiciliaria se viene confirmando como una promisora
perspectiva en el área de la salud, y compone una estrategia reorganizacional de
atención, que valoriza el ambiente del cliente y lo potencia como espacio de cuidado.
Entendiendo la importancia del tema, el objeto del presente estudio ha sido el análisis
de una iniciativa bien sucedida de atención domiciliaria, que fue desarrollada en la red
pública de servicios de salud, con el fin de reflexionar de que forma dicha atención
está contribuyendo en la salud de la población. La tesis que ha sostenido todo el
proceso investigativo es que la atención domiciliaria, como una dimensión del trabajo
en salud, contribuye para la salud de la población, en la medida en que los trabajadores
desarrollan su proceso de trabajo según las directrices de la Atención Primaria de
Salud (APS); trabajadores y gestores siguen los principios del Sistema Único de Salud
(SUS); los usuarios son percibidos y se perciben como ciudadanos plenos de derechos
y deberes; y la población desenvuelve un vínculo con el servicio ofrecido. Para llegar a
aprehender esa tesis señalada se han recorrido algunos caminos que la han guiado ,
tales como la producción académica sobre la atención domiciliaria, el hecho de verla
como un trabajo en salud y la atención domiciliaria inserida en el sistema de salud,
particularmente, en el nivel de APS. Fue realizado un estudio de caso, en forma de
investigación cualitativa, con la recogida de datos desarrollada con usuarios
trabajadores y gestores de un servicio de atención domiciliaria, por medio de la
observación; de entrevistas individuales y de investigación documental, entre marzo y
julio de 2006, en una unidad de atención primaria para la salud del Servicio de Salud
Comunitaria del Grupo Hospitalar Conceição, en Porto Alegre. Los resultados fueron
sistematizados a partir de los indicadores formulados y mostraron que los trabajadores
y gestores tienen una comprensión de la atención domiciliaria como siendo
extremadamente relevante para la salud de la comunidad, pero, no objetivan esa
comprensión en su práctica de trabajo. Ello genera una integración insuficiente entre
los sujetos que en él están involucrados y un trabajo desconectado de la filosofía, que
inicialmente estaba delineada y referida en los discursos. Se ha identificado que la
práctica de la atención domiciliaria se ha estado realizando más bien focada en la
enfermedad, en que tiene como objeto de trabajo un sujeto individual, enfatiza el
cuidado curativo y no desarrolla acciones intersectoriales de la forma deseada. Sin
embargo, busca resolutividad en el primer contacto, presenta bajos costos, presta
atención continua y longitudinal, tiene un territorio definido, promueve las relaciones
interpersonales (trabajadores y usuarios) y actúa buscando un cuidado humanizado. El
mayor limitador presentado en las conclusiones de la investigación ha sido la gran
9
demanda en la unidad de salud, que hace con que los trabajadores no puedan ampliar
esa práctica de trabajo a un número mayor de usuarios, y que, también, colabora con
la falta de tiempo para ofrecer una atención mayor a los usuarios en cuidado
domiciliario. La realización de este estudio, en el momento en que ha albergado una
reflexión general sobre el sistema de salud y su operacionalidad, ha ofrecido la
oportunidad de conocer mejor la inserción de la práctica de la atención domiciliaria en
ese contexto y las posibilidades y límites para un desarrollo de la misma.
Palabras-clave: Atención Domiciliaria, Proceso de Trabajo en salud, Sistema Único
de Salud, Atención Primaria a la Salud.
KERBER, Nalú Pereira da Costa. The domiciliary attention and health right:
analysis of the experience in a service of the public health network in Brasil, 2007.
Tese (Doutorado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em Enfermagem,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 335 p.
Orientador: Dra. Ana Lúcia Cardoso Kirchhof
Co-orientador: Dra. Marta Regina Cezar Vaz
ABSTRACT
The domiciliary attention has proved to be a promising perspective in the area
of health, composing a reorganizational strategy of attention, which values the
environment of the customer and enhances as a care environment. Understanding the
importance of this subject, the object of the present study was the analysis of a
successful initiative of domiciliary attention, developed in the public network of health
services, with the objective of reflecting how it has contributed towards the health of
the population. The thesis supporting all the investigative process was that the
domiciliary attention, as a dimension of the work in health, contributes for the health
of the population, as the health workers develop their working process in line with the
guidelines of the Primary Attention of Health (APS-in Portuguese); workers and
managers follow the principles of the universal medical care program through the
Sistema Unico de Saude (SUS); the users are perceived and perceive themselves as
full citizens of rights and duties; moreover, the population increasingly ties to the
service. In order to reach the apprehension of this signaled thesis we went though
some ways that guided it, such as the academic production on the domiciliary
attention, its visualization as a work in health and, the domiciliary attention inserted in
the health system, particularly, leveled with the APS. A case study was carried out, in
the form of a qualitative research, with the collection of data developed with health
workers, managers and users of a service of domiciliary attention, by means of
commentaries, of individual interviews and documentary research, from March
throughout July of 2006, in a unit of primary health attention of the Service of
Communitarian Health at the Grupo Hospitalar Conceição, in Porto Alegre. The
results were sorted out from the formulated indicators and they proved that the
workers and managers have clearly understood that the domiciliary attention is
extremely relevant for the health of the community; however, they do not pursue this
understanding in their practical work. This has brought about an insufficient
integration among the subjects involved in it as well as works with disconnected
results from its philosophy, initially traced and referred on their speeches. It was
identified that the practice of domiciliary attention has occurred with focus on the
illness, has as object of work an individual citizen, emphasizes the healing care and it
does not develop intersectorial actions as desired. On the other hand, it aims at
resolution in the first contact, it presents low costs, it gives continuous and
longitudinal attention, it has a well-defined territory, and it promotes the interpersonal
relationships (workers and users) and struggles to reach a more humanizing care. The
11
most serious hindrance is the high demand in health units, which unables the workers
to extend this practice to a larger number of users and, also, collaborates with the lack
of time for closer attention to the domiciliary attention users. The accomplishment of
this study, at the moment where it gathered a general reflection on the system of health
and its conduct brought us a deeper knowledge of know to insert the practice of
domiciliary attention in the present context as well as the possibilities and limits of the
development of domiciliary attention.
Key-words: Domiciliary attention, Working process in health, SUS, Primary Health
Attention.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Diferenças entre Atenção convencional e Atenção Primária à Saúde...............22
Tabela 2: C
omposição e qualificação da Força de trabalho da Unidade de Saúde
Conceição, do Serviço de Saúde Comunitária, do Grupo Hospitalar Conceição em
2006 ............................................................................................................................86
Tabela 3: P
roporção de óbitos por faixa etária em Porto Alegre.....................................106
LISTA DE FIGURA
Figura 1: Os m
últiplos papéis das pessoas no sistema de saúde. ......................................67
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS .................................................................................................... 12
LISTA DE FIGURA ....................................................................................................... 13
APRESENTAÇÃO...........................................................................................................15
CAPÍTULO 1....................................................................................................................21
1 UMA DISCUSSÃO DA ATENÇÃO DOMICILI
ÁRIA NA ATENÇÃO À SAÚDE:
APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO...............................................................21
CAPÍTULO 2....................................................................................................................35
2 A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A ATENÇÃO DOMI
CILIÁRIA.............35
2.1 Antecedentes históricos.............................................................................................35
2.2 A produção acadêmica sobre a atenção domiciliária..............................................42
CAPÍTULO 3....................................................................................................................57
3 A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA E SUAS AP
ROXIMAÇÕES COM O MUNDO
DO TRABALHO NA SAÚDE.........................................................................................57
CAPÍTULO 4....................................................................................................................76
4 DELINEAMENTO METODOLÓGICO...................................................................76
4.1 Tipo de estudo............................................................................................................76
4.2 Local de escolha.........................................................................................................78
4.3 Sujeitos do estudo ......................................................................................................83
4.4 Coleta de dados..........................................................................................................87
4.5 Aspectos éticos.............................................................................................................95
4.6 Análise dos dados........................................................................................................96
CAPÍTULO 5..................................................................................................................104
5 RESULTADOS............................................................................................................104
5.1 Contextualização.......................................................................................................104
5.1.1 Aspectos conjunturais..............................................................................................104
5.1.2 Aspectos estruturais.................................................................................................106
5.1.3 Aspectos organizacionais ........................................................................................112
5.2 Indicadores................................................................................................................125
5.2.1 Os trabalhadores da atenção domiciliária desenvolvem seu processo de trabalho
segundo as diretrizes da APS
............................................................................................125
5.2.2 Os trabalhadores e gestores seguem os princípios do SUS que fundament
am a
atenção básica...................................................................................................................160
5.2.3 Percepção da saúde como um direito do cidadão....................................................201
5.2.4 Vínculo e satisfação da população com a atenção domiciliária
..............................217
CAPÍTULO 6..................................................................................................................239
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................239
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................254
APÊNDICES...................................................................................................................271
ANEXOS..........................................................................................................................284
APRESENTAÇÃO
A atenção domiciliária (AD), como uma das atividades do trabalho em saúde,
tem se apresentado como uma possível “tábua de salvação” para gestores e
trabalhadores de saúde, ao ser percebida como uma forma de contribuir com os
serviços de saúde e sua clientela no seu potencial resolutivo para o problema da
superlotação que vem atingindo a grande maioria dos hospitais públicos brasileiros.
Esse problema necessita de uma solução emergencial, na tentativa de preservar a
qualidade da atenção recebida nesses serviços de saúde. No entanto, essa percepção
pode ser ampliada ao se compreender esse tipo de atenção à saúde para além das
dificuldades hospitalares, vendo nela uma estratégia de cuidado à saúde que valoriza o
ambiente do cliente e o potencializa como espaço de cuidado.
Talvez por isso, a AD tem assumido, em todos os países, uma grande
importância, seja como forma de redução de custos com internações hospitalares, seja
para proporcionar segurança, bem estar e conforto para o paciente em seu próprio
ambiente, assim como para sua proteção contra possíveis infecções hospitalares
(HIRSCHFELD, OGUISSO, 2002).
Duarte e Diogo (2000) consideram que são muitos os fatores que têm
contribuído para o desenvolvimento deste setor de assistência à saúde. Talvez pela
“mudança de paradigma pela qual vem passando o sistema de saúde local, no qual a
ênfase do cuidado volta-se aos pacientes crônicos como sendo a base de seu sistema
primário de cuidado à saúde anteriormente direcionado aos cuidados agudos” (p.3).
Essas mudanças baseiam-se em questões de redução dos custos do sistema de saúde e
no incremento do conforto e da privacidade oferecidos no domicílio.
Mais recentemente é que a AD está em franco desenvolvimento, aproximando-
se mais do conceito de Home Care, adotado nos países considerados de primeiro
mundo, o qual tem por objetivo “promover, manter ou restaurar a saúde; maximizar o
nível de independência, minimizando os efeitos das incapacidades ou doenças,
16
incluindo as sem perspectiva terapêutica de cura” (MARRELLI apud DUARTE,
DIOGO, 2000, p.6).
Como parte de um modelo primário de atenção à saúde a AD é uma estratégia
de articulação do sistema de serviços, em seus diferentes níveis, podendo também ser
realizada a partir da clientela internada no hospital, com continuidade de assistência no
domicílio e posterior encaminhamento ao trabalhador atuante na rede básica de
serviços de saúde.
Nesse sentido, ela vem surgindo como um campo concreto de trabalho, nesse
cenário mundial de mudanças que vêm acontecendo no campo da saúde. É preciso
acompanhar esse processo de transformações, que nem sequer encontram-se ainda
regulamentadas concretamente pelas instituições prestadoras de serviços de saúde.
Segundo Cruz, Barros e Alves (2002), a atenção à saúde da clientela está passando, do
espaço público tradicional (hospital, posto de saúde) para o espaço privado (domicílio,
lar), de uma forma tão rápida que as instituições ainda não foram capazes de
compreender esse processo.
A atenção domiciliária está regulamentada, no setor público, pela Lei
Complementar nº. 10.424 de 15 de abril de 2002, que veio acrescentar o Capítulo VI e
o art. 19-I à Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990; a Portaria n
0
2.607, de 10 de
dezembro de 2004, que aprova o Plano Nacional de Saúde e neste é assumido como
meta a implantação de modalidades alternativas à atenção hospitalar, como a
internação domiciliar; a Resolução da Diretoria Colegiada, RDC n 11, de 26 de janeiro
de 2006, que dispõe sobre a regulamentação técnica dos serviços que prestam atenção
domiciliária e; a Portaria n 2.529, de 19 de outubro de 2006 que institui a internação
domiciliar no âmbito do SUS.
No setor privado, a atenção domiciliária está regulamentada pela Agência
Nacional de Saúde – para os planos de saúde, no Projeto de Lei 7.417/2002, o qual
modifica a Lei nº. 9.656/98 que trata dos planos de seguro privado de saúde
(ALBIERO, 2003).
No entanto, embora esteja protegida e organizada oficialmente, a AD, na forma
como é compreendida neste estudo, ainda não foi totalmente incorporada pelos
serviços. Mesmo assim, as mudanças demográficas, com o envelhecimento
17
populacional cada vez mais acentuado; o desenvolvimento tecnológico, permitindo ao
paciente continuar ou manter seu tratamento em domicílio; o interesse e a aceitação
dos profissionais; e o aumento da demanda levam a pensar em um incremento do
atendimento domiciliar (DIOGO, DUARTE, 2000).
Uma prioridade para as futuras décadas será o desenvolvimento de métodos
inovadores, de custos efetivos, de prestação de cuidado de saúde. As grandes
organizações estão desenvolvendo redes de fornecimento de atendimento clinicamente
integradas. Com a integração dos serviços, o enfoque poderá mudar da doença para a
saúde, do indivíduo para a população e do atendimento proporcionado em um
ambiente complexo e restrito para a sua continuidade em ambiente contextualizado
com o cliente.
Considerando todos os aspectos relativos à atenção domiciliária, há que se
concordar com as vantagens desse tipo de serviço. Lowdermilk (2002) diz que a
principal diferença entre o atendimento prestado em um hospital e o domiciliar está na
não necessária presença contínua de profissionais da saúde na casa do paciente. Nesse
caso, os trabalhadores podem estar ocupando outros espaços de ações, ao mesmo
tempo em que têm a responsabilidade pelo cuidado dos pacientes assistidos em
domicílio. Algumas outras vantagens foram referidas por Lacerda (1996): a
proximidade do ambiente familiar acelera o processo de recuperação do paciente; a
comodidade da internação domiciliar evita o deslocamento de familiares até o hospital;
há a possibilidade de manutenção e/ou reforço de laços afetivos e/ou efetivos; o
médico pode dar maior atenção aos pacientes que realmente necessitam de internação
hospitalar; há redução de infecção hospitalar; há aumento da oferta de vagas nos
hospitais devido a maior rotatividade dos leitos; entre outros.
A necessidade de assistência à saúde aliada às vantagens visualizadas e
possibilitadas por essa modalidade assistencial, possivelmente torna esse serviço muito
atrativo tanto para pacientes, quanto para familiares, trabalhadores e gestores do
sistema de saúde. São relatadas como suas vantagens: alteração mínima no modo de
vida do paciente; atenção mais individual; atenção mais integral; diminui a ansiedade
do paciente; reduz custos tanto para a família como para o estado; menor risco de
infecção hospitalar; controle sobre o paciente; permite a realização de um diagnóstico
18
relacional; permite a utilização da terapia familiar como instrumento; utilização mais
racional das camas e recursos hospitalares; promove a participação da família,
comunidade e sociedade na atenção e recuperação do doente; estimula uma relação
médico-paciente em termos horizontais; contribui para reivindicar a profissionalidade
médica; estimula o desenvolvimento profissional e a enfermeira a tornar-se mais
independente; pode constituir-se como uma experiência insubstituível para a docência
e pós-graduação (SAURA DE LA TORRE, VERGEL, BRITO, 1998).
Acredita-se que a atenção domiciliária está se mostrando como uma promissora
perspectiva na área da saúde para este e o próximo milênio. Porém, faz-se necessário
destacar que, apesar das vantagens realçadas, “pode ocorrer sobrecarga familiar e até
mesmo ônus financeiro, o que exige atenção especial para sua implantação”
(MARTINS, 2006, p.6). Na conjuntura atual, os trabalhadores da saúde precisam
aprofundar-se nesse tema e aperfeiçoar-se para acompanhar o ritmo das
transformações mundiais e ainda poder contribuir para consolidar uma sistematização
dessa assistência, no sentido de torná-la, além de econômica, eficaz e humanizada.
Neste momento, compartilha-se com as idéias de Pires (1998, p.243), de que:
Os serviços de saúde devem estar voltados para o atendimento das
necessidades da população, devem ser de qualidade e acessíveis a todos,
envolver todos os níveis de complexidade, respeitar o homem na sua
individualidade e integralidade e como ser social, não apenas como corpo
biológico.
E, por isso, a AD precisa ser alicerçada com base nesses aspectos, extrapolando
o modelo biomédico e prestando um atendimento integral aos seres humanos, não os
fragmentando nos componentes biológico/social/psicológico.
A possibilidade de aprofundar os estudos a esse respeito e de buscar a
fundamentação teórica e metodológica para a assistência almejada foi primeiramente
oportunizada na realização do Mestrado em Assistência de Enfermagem, pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nessa vivência, trocando
informações com os enfermeiros, sujeitos do estudo proposto, esse tipo de ação da
enfermagem surgiu como uma possibilidade concreta de integração dos enfermeiros
19
trabalhadores em serviço hospitalar e dos trabalhadores na rede básica de serviços de
saúde.
Essa integração seria proporcionada no espaço do domicílio, no momento da
assistência à família, quando o enfermeiro do hospital, elemento que daria início à
atenção domiciliária, encontra-se com o enfermeiro da rede básica, e juntos, planejam
a continuidade da assistência, a qual passa a ser assumida pelo último trabalhador. Foi
visualizado esse tipo de atividade contendo essa perspectiva de integração da
enfermagem, o que traria inúmeros benefícios tanto para a clientela, quanto para a
enfermagem (KERBER, 1999).
Após a realização do trabalho de dissertação foi mantido o interesse por esse
tema tendo sido realizada esta forma de cuidado em duas direções: primeiramente,
estruturando o Serviço de Assistência de Enfermagem Domiciliária do Hospital
Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Júnior (HU), da Fundação Universidade Federal
do Rio Grande (FURG), no qual são disponibilizados acadêmicos de enfermagem, por
meio de um projeto de extensão que se desenvolve em caráter permanente; e, por outro
lado, na disciplina de Enfermagem em Saúde da Mulher, com a visita domiciliária às
puérperas oriundas da Unidade de Internação Obstétrica do HU, como campo de
prática para os acadêmicos do 6º semestre do Curso. Paralelamente a isto têm sido
orientados trabalhos monográficos de conclusão de curso sobre o tema da atenção
domiciliária, em uma proposta de aprofundar o conhecimento sobre este tema.
Realizar este estudo representa uma conquista pessoal, podendo exercer um
papel motivador para a real e concreta organização de um serviço de atenção
domiciliária no município do Rio Grande. Pretende-se, com este estudo, aprofundar o
conhecimento que vem sendo construído, por meio da imersão em um serviço de AD e
dele extrair, nos dados levantados, um contexto de produção do cuidado de saúde, o
processo de trabalho desenvolvido, os meios a que os sujeitos envolvidos lançam mão
para concretizar a proposta e uma aproximação com o produto desse trabalho.
Na perspectiva de mostrar de forma organizada a concretização deste estudo,
houve a opção pelo seguinte formato de apresentação: no primeiro capítulo há a
definição do objeto de investigação com as diversas denominações assumidas, fazendo
parte desse contexto assistencial e demonstrado a necessidade de realização do estudo.
20
O segundo capítulo é uma aproximação com a literatura que aborda a temática da AD,
pensando em obter mais subsídios para os trabalhadores que tenham interesse em
aprofundar-se nas questões relativas a essa prática assistencial. No terceiro capítulo, a
AD é diretamente ligada ao mundo do trabalho na saúde, visando discutir sua inserção
como um processo de trabalho. No quarto capítulo é evidenciado o caminho
metodológico utilizado, estabelecendo o tipo de estudo, local de pesquisa, os sujeitos
envolvidos, instrumentos de coleta e análise de dados. No quinto capítulo há a
apresentação dos resultados da investigação, em que se destacam a contextualização da
unidade de estudo e os quatro indicadores de análise elaborados. E, finalizando,
algumas considerações acerca do estudo realizado, tanto as dificuldades quanto as
facilidades de se desenvolver um estudo desta natureza e as recomendações para
futuros processos investigativos.
CAPÍTULO 1
1 UMA DISCUSSÃO DA ATENÇÃO DOMI
CILIÁRIA NA ATENÇÃO À
SAÚDE: APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
A Atenção Primária à Saúde vem sendo adotada, na história recente de diversos
países, a fim de organizar e ordenar os recursos do sistema de saúde para que
respondam de maneira apropriada às necessidades de suas populações (SOARES,
2002).
Neste espaço têm se consolidado os serviços de atenção domiciliária,
aproveitando um momento em que a comunidade está carente de atenção e não está
conseguindo efetividade de cuidados nos serviços institucionalizados com o modelo de
atenção vigente.
A moderna concepção de atenção primária à saúde surgiu no Reino Unido, em
1920, no Relatório Dawson, que preconizou a organização do sistema de serviços de
saúde em três níveis: os centros primários de atenção à saúde, os centros secundários
de atenção à saúde e os hospitais de ensino. O documento descreve as funções de cada
nível de atenção e as relações que deveriam existir entre eles. Essa proposta constituiu
a base da regionalização dos serviços de saúde e dos sistemas de serviços de saúde
organizados em bases populacionais, tendo influenciado a organização desses sistemas
em vários países do mundo (MENDES, 2002b).
Segundo Mendes (2002b), a catalogação da atenção primária à saúde como
doutrina universal deu-se na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de
Saúde, realizada em Alma-Ata, em 1978, sob os auspícios da Organização Mundial da
Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância. No relato desse autor, essa
conferência definiu como elementos essenciais da atenção primária à saúde:
A educação sanitária; o saneamento básico; o programa materno-infantil, in-
cluindo imunização e planejamento familiar; a prevenção de endemias; o trata-
mento apropriado das doenças e dos danos mais comuns; a provisão de medi-
camentos essenciais; a promoção de alimentação saudável e de micronu-
trientes; e a valorização da medicina tradicional (MENDES, 2002b, p.9).
22
Através da definição elaborada em Alma-Ata, há uma diferenciação entre a
atenção à saúde convencional e a atenção primária. Estas diferenças podem ser
visualizadas na tabela a seguir:
Tabela 1: Diferenças entre Atenção convencional e Atenção Primária à Saúde
Atenção Convencional Atenção Primária
Enfoque
Doença Saúde
Cura Prevenção, atenção e cura
Conteúdo
Tratamento Promoção da saúde
Atenção por episódio Atenção continuada
Problemas específicos Atenção abrangente
Organização
Especialistas Clínicos gerais
Médicos Grupos de outros profissionais
Consultório individual Equipe
Responsabilidade
Apenas setor de saúde Colaboração inter-setorial
Domínio pelo profissional Participação da comunidade
Recepção passiva Auto-responsabilidade
Fonte: Starfield (2002) adaptado de Vuori (1985).
Até o ano de 2005 haviam três interpretações principais da atenção primária à
saúde: como atenção primária seletiva, como o nível primário do sistema de serviços
de saúde e como estratégia de organização do sistema de serviços de saúde. Segundo
Mendes (1999), essas três decodificações são encontradas em vários países e, até
mesmo, convivem dentro de um mesmo país (MENDES, 1999). Em 2005, a
Organização Panamericana de Saúde (OPAS), ao revisar e atualizar as dimensões da
Atenção Primária à Saúde, reconhece uma quarta interpretação: enfoque de saúde e
direitos humanos.
A interpretação da atenção primária à saúde como atenção primária seletiva é
entendida como um programa específico destinado a populações e regiões pobres, às
quais é oferecido, exclusivamente, um conjunto de tecnologias simples e de baixo
custo, providas por pessoal de baixa qualificação profissional e sem a possibilidade de
23
referência em nível de atenção de maior densidade tecnológica. Como nível primário
do sistema de serviços de saúde, a concepção é direcionada para o modo de organizar e
fazer funcionar a porta de entrada do sistema, enfatizando a função resolutiva desses
serviços sobre os problemas mais comuns de saúde, orientando-os de forma a
minimizar os custos econômicos e a satisfazer as demandas da população, restritas,
porém, às ações de atenção de primeiro nível. A interpretação da atenção primária à
saúde como estratégia de organização do sistema de serviços de saúde é compreendida
como forma singular de apropriar, recombinar, reorganizar e reordenar todos os
recursos do sistema para satisfazer as necessidades, demandas e representações da
população, o que implica a articulação da atenção primária à saúde dentro de um
sistema integrado de serviços de saúde (MENDES, 2001).
Na quarta interpretação, de enfoque e direitos humanos, a OPAS a concebe
como um direito humano e destaca a necessidade de responder aos determinantes
sociais e políticos mais amplos com ênfase em políticas de inclusão e busca da
eqüidade (OPAS, 2005).
A decodificação da atenção primária à saúde como estratégia de organização do
sistema de serviços de saúde, segundo Mendes (2002b), é a interpretação mais técnica,
ética e política mais coerente com os preceitos do SUS; a mais ampla, podendo conter,
dentro de sua significação estratégica, as duas primeiras concepções mais restritas; e é
perfeitamente factível e viável no estágio de desenvolvimento do Brasil e com o
volume de gasto público em serviços de saúde que, aqui, se despende.
Uma das mais conhecidas e abrangentes conceituações de atenção primária à
saúde é a formulada pela Organização Mundial da Saúde:
A atenção essencial à saúde, baseada em métodos práticos, cientificamente
evidentes e socialmente aceitos e em tecnologias tornadas acessíveis a
indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis e a custo que as
comunidades e os países possam suportar, independentemente de seu estágio
de desenvolvimento, num espírito de autoconfiança e autodeterminação. Ela
forma parte integral do sistema de serviços de saúde do qual representa sua
função central e o principal foco de desenvolvimento econômico e social da
comunidade. Constitui o primeiro contato de indivíduos, família e
comunidades com o sistema nacional de saúde, trazendo os serviços de saúde
o mais próximo possível aos lugares de vida e trabalho das pessoas e constitui
o primeiro elemento de um processo contínuo de atenção (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 1978, p.13).
24
A atenção primária é aquele nível de atenção de um sistema de serviço de saúde
que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e novos problemas;
fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do
tempo; fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras; e
coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros
(STARFIELD, 2002).
É importante que sejam ressaltados os elementos estruturais relevantes à
atenção primária. Segundo Starfield (2002), são eles: acessibilidade, variedade de
serviços, definição da população eletiva e continuidade. A acessibilidade envolve a
localização do estabelecimento próximo da população a qual atende, os horários e dias
em que está aberto para atender, o grau de tolerância para consultas não-agendadas e o
quanto a população percebe a conveniência destes aspectos da acessibilidade.
A variedade de serviços significa o pacote de serviços disponíveis para a
população, bem como aqueles serviços que a população acredita que estejam
disponíveis. Para definição da população eletiva, é preciso identificar a população pela
qual o serviço assume responsabilidade e saber o quanto os indiduos da população
atendida sabem que são considerados parte dela.
Na questão de continuidade, Starfield (2002) refere que esta consiste nos
arranjos pelos quais a atenção é oferecida numa sucessão ininterrupta de eventos. Pode
ser alcançada por intermédio de diversos mecanismos: um profissional que atende ao
paciente, ou um prontuário médico que registra o atendimento prestado, um registro
computadorizado, ou mesmo um prontuário trazido pelo paciente. O quanto o
estabelecimento oferece tais arranjos e a percepção de sua obtenção pelos indivíduos
na população indicam a extensão da continuidade da atenção.
Através da visualização dessas concepções apresentadas, já é possível perceber
o quão diferenciado é esse modelo de atenção à saúde do modelo biomédico, que não
tem a mesma amplitude de abrangência. O primeiro aspecto que chama a atenção é o
direcionamento para o ser humano em si, sem se ater à doença que ele apresenta. O
que não quer dizer que a enfermidade seja deixada de lado e, sim, que há uma
preocupação em avaliar, também, os demais aspectos do ser humano, não se centrando
unicamente em um corpo biológico. A atenção primária aborda os problemas mais
25
comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para
maximizar a saúde e o bem-estar. Ela favorece a integração da atenção quando há mais
de um problema de saúde, a análise do contexto no qual a doença existe e influencia a
resposta das pessoas a seus problemas de saúde.
Especificando um pouco mais essas funções da atenção primária, Starfield
(2002) refere-se a ela como uma proposta que: oferece atendimento acessível e
aceitável para os pacientes; assegura a distribuição eqüitativa de recursos de saúde;
integra e coordena serviços curativos, paliativos, preventivos e promotores de saúde;
controla, de forma racional, a tecnologia da atenção secundária e os medicamentos; e
aumenta a relação custo-efetividade dos serviços. Segundo Starfield (2002, p.52), um
grupo de trabalho da região européia da Organização Mundial de Saúde (1994)
reconheceu que a atenção primária à saúde consegue configurar-se com essas funções,
realçadas por meio de 12 características:
1
. Geral: não é restrita a faixas etárias ou tipos de problemas ou condições.
2. Acessível: em relação ao tempo, lugar, financiamento e cultura.
3. Integrada: curativa, reabilitadora, promotora de saúde e preventiva de
enfermidades.
4. Continuada: longitudinalidade ao longo de períodos substanciais de vida.
5. Equipe: o médico é parte de um grupo multidisciplinar.
6. Holística: perspectivas físicas, psicológicas e sociais dos indivíduos, das
famílias e das comunidades.
7. Pessoal: atenção centrada na pessoa e não na enfermidade.
8. Orientada para a família: problemas compreendidos no contexto da família
e da rede social.
9. Orientada para a comunidade: contexto de vida na comunidade local;
consciência de necessidades de saúde na comunidade; colaboração com outros
setores para desencadear mudanças positivas de saúde.
10. Coordenada: coordenação de toda a orientação e apoio que a pessoa
recebe.
11. Confidencial.
12. Defensora: defensora do paciente em questões de saúde sempre e em
relação a todos os outros provedores de atenção à saúde.
As diferenças essenciais entre a atenção primária e a atenção especializada
estão bem detalhadas em Starfield (2002, p.65-66), podendo ser visualizadas a seguir:
1. Acessibilidade: Na atenção primária o acesso deve ser universal e não
necessariamente relacionado ao grau de necessidade, já que não se pode
esperar que os indivíduos conheçam a gravidade ou urgência de muitos de
seus problemas antes de buscarem atendimento.
26
2. Prontuários médicos: Todos os profissionais de saúde devem manter
registros completos e precisos e serem responsáveis pelo conteúdo por eles
gerado. A atenção primária é especial apenas pela responsabilidade de
conhecer os elementos essenciais dos registros gerados em outros níveis de
atenção.
3. Utilização dos serviços pelas populações: O uso da atenção primária é
desencadeado basicamente pelos indivíduos, enquanto na atenção secundária e
terciária o uso é mais freqüentemente desencadeado pelo profissional de
atenção à saúde.
4. Reconhecimento do problema: Tanto a atenção primária quanto a não
primária devem reconhecer os problemas que são trazidos a elas. Na atenção
primária, estes problemas e necessidades são muito pouco definidos e
diferenciados, enquanto em outros níveis de atenção eles são mais bem
definidos, porque já passaram por um “filtro” de definição.
5. Variedade de serviços: Na atenção primária, a variedade de serviços deve
ser mais ampla, pois ela deve abranger todos os problemas de saúde que são
comuns na população, em vez de um subconjunto deles.
6. O processo de diagnóstico na atenção primária difere daquele de outros
níveis de atenção, já que a probabilidade de doenças sérias, a freqüência de
testes para diagnóstico e a prescrição de terapias definitivas são menores na
atenção primária. A atenção primária está mais sujeita a erros de omissão,
enquanto a atenção especializada é mais propensa a erros por realização.
Um rigoroso trabalho de comparação internacional entre sistemas de serviços de
saúde, realizado por Starfield, em onze países desenvolvidos, demonstrou que os
sistemas orientados pela atenção primária à saúde estão associados com menores
custos, maior satisfação da população, melhores níveis e menor uso de medicamentos.
Esse estudo não apenas mostra que os sistemas de serviços de saúde organizados pela
atenção primária à saúde são superiores àqueles que não dão grande importância aos
serviços básicos, como aponta no sentido de que os modelos de saúde da família são
superiores aos modelos do tipo convencional (MENDES, 2002b).
A atenção primária é o ponto de entrada para a atenção à saúde individual, o
lugar em que deve existir uma responsabilidade continuada pelos pacientes e
populações e é o nível de atenção na melhor posição para interpretar os problemas
apresentados no contexto histórico e meio social do paciente.
De acordo com Starfield (2002), a atenção primária é apenas um componente
(embora seja o componente fundamental) dos sistemas de saúde. Seu papel é prestar,
diretamente, todos os serviços para as necessidades comuns e agir como um agente
para a prestação de serviços para as necessidades que devem ser atendidas em outros
27
lugares.
Para possibilitar um melhor atendimento dessas necessidades dos seres
humanos na comunidade, autores como Cruz, Barros e Ferreira (2001) vêm
demonstrando que a implantação de serviços de atenção domiciliária pode ser a
estratégia que forneça contribuições para que esse objetivo seja atingido.
Entende-se que foi uma tentativa de implantar a atenção domiciliária que os
gestores dos serviços de saúde em geral começaram a pensar em extrapolar o cuidado
para além dos muros dos hospitais tendo diferentes intencionalidades, desde visualizar
novas formas de atenção, principalmente em uma modalidade em que as ações
curativas e preventivas possam ser processadas simultaneamente, e mesmo como uma
estratégia de redução de custos hospitalares. Acredita-se que houve um repensar sobre
o trabalho que vem sendo desenvolvido como tendo brechas que precisariam ser
transpostas.
Mas é importante estar-se atento à forma como a atenção domiciliária vem
sendo concebida e desenvolvida, já que ainda tem-se o modelo biomédico como guia
hegemônico nos serviços de saúde. Segundo Pereira (2001, p.61), as ações produzidas
nesse modelo “são compartimentalizadas e desarticuladas, e se reproduzem na atenção
domiciliária, pois essa prática é constitutiva e constituinte do modelo assistencial”.
Uma melhor compreensão dos rumos que a atenção domiciliária tomou nos
últimos anos foi buscada na literatura que aborda essa temática, pensando em obter
mais subsídios para os trabalhadores que tenham interesse em aprofundar-se nas
questões relativas a essa prática assistencial.
Foram estabelecidos como universo de análise os textos publicados em revistas
nacionais e internacionais, entre os anos 1994 e 2004, sendo esse período de maior
visibilidade para a atenção domiciliária no meio acadêmico e profissional.
O termo atenção domiciliária envolve algumas concepções que precisam ser
elucidadas neste momento, para que se possa compreender como se processa esse tipo
de estratégia nas realidades onde é implementada.
Em termos de denominações e descritores, na literatura encontrada, despontam:
visita domiciliária programada, home care, internação domiciliária, assistência
domiciliária, atenção domiciliária. Todos significam o cuidado desenvolvido no
28
espaço domiciliar. O que os diferencia é a complexidade desse cuidado, o que não
significa, necessariamente, a utilização de equipamentos de tecnologia avançada,
podendo estar atrelada a uma maior periodicidade no acompanhamento do paciente,
como no caso da internação domiciliária que, segundo López-Benito (1999, p.678), é
“o conjunto de tratamentos e cuidados sanitários proporcionados no domicílio de uma
complexidade, intensidade e duração comparáveis às que receberia esse mesmo
paciente no hospital convencional”.
De forma semelhante, Sherpperd e Iliffe(1996) referem-se a essa modalidade
assistencial, chamando de hospital em casa, como sendo a provisão de um serviço que
previne a admissão hospitalar ou facilita a alta do hospital. Outros autores, que
também se referem à provisão de serviços e atenção especializada no domicílio,
quando o hospital já cumpriu sua missão, são Trujillo et al(1999); porém, estes dão um
enfoque preventivo, além do curativo e de reabilitação. Isso significa que eles
ressaltam o papel da educação na redução dos fatores de risco para doenças crônico-
degenerativas e a detecção oportuna de patologias, o que não é sinalizado pelos
primeiros autores citados, que se referem a uma assistência com enfoque clínico-
individual.
Na regulamentação técnica dos serviços que prestam atenção domiciliária, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define, na Resolução n.11, a
internação domiciliar como sendo o conjunto de atividades prestadas no domicílio,
caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais
complexo e com necessidade de tecnologia especializada (RESOLUÇÃO..., 2006).
O sentido expresso por meio da denominação home care é o de uma alternativa
assistencial do setor saúde, que consiste em uma estratégia capaz de dispensar um
conjunto de cuidados médicos e de enfermagem de âmbito hospitalar, tanto em
quantidade como em qualidade, a pacientes em seu domicílio, quando estes já não
necessitam de infra-estrutura hospitalar, mas precisam de vigilância ativa e de
assistência de maior densidade tecnológica que da atenção primária (COTTA et al,
2001).
Em relação ao termo atenção domiciliária, Ramallo, Martinez e Garcia (2002,
p.659) manifestam-se como sendo “o conjunto de atividades assistenciais, sanitárias e
29
sociais que se desenvolvem no domicílio”. Carletti e Rejani (1997) exploram um
pouco mais esse termo, definindo-o como um serviço em que são desenvolvidas ações
de saúde no domicílio do cliente por uma equipe interprofissional, a partir da realidade
em que o mesmo está inserido, visando promoção, manutenção e/ou restauração da
saúde, e desenvolvimento e adaptação de suas funções de maneira a favorecer o
restabelecimento de sua autonomia. Na Resolução da ANVISA referida anteriormente
desponta a definição de atenção domiciliar como um termo genérico que envolve
ações de promoção à saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação
desenvolvidas em domicílio (RESOLUÇÃO..., 2006).
A mesma resolução refere- se à assistência domiciliar como o conjunto de
atividades de caráter ambulatorial, programadas e continuadas, desenvolvidas em
domicílio. O município de São Paulo tem um programa denominado Assistência
Domiciliar, com a concepção de que “é uma forma de atendimento ao paciente no
domicílio, que procura conciliar os meios disponíveis nos diversos equipamentos de
saúde, com os recursos e necessidades da comunidade a ser atendida” (SÃO PAULO,
s.d., p.5). Já para Pereira et al (2004), a assistência domiciliária caracteriza-se
explicitamente por desenvolver ações de promoção, prevenção e reabilitação à saúde
do indivíduo e da família.
Como se pode observar, as concepções do termo parecem entender essa
assistência como contextualizada, humanizada e resolutiva. Uma das conceituações
mais abrangentes encontradas na literatura foi na leitura das Normas de Organização e
Funcionamento de Serviços de Internação Domiciliária para a República Argentina,
que trazem a concepção da Internação Domiciliária como uma área, e esta área
como:
Uma modalidade de atenção à saúde mediante a qual se presta assistência ao
paciente-família em seu domicílio, realizada por uma equipe multiprofissional
e interdisciplinar cuja missão é: promover, prevenir, recuperar, reabilitar e/ou
acompanhar aos pacientes de acordo com seu diagnóstico e evolução nos
aspectos físico, psíquico, social, espiritual, mantendo a qualidade, o respeito e
a dignidade humana (MAIDANA, 2001, p. 26).
No Brasil, hoje, a denominação visita domiciliária remete imediatamente ao
30
Programa de Saúde da Família (PSF), por ser essa uma atividade bem difundida e
apregoada neste modelo de atenção à saúde. Fracolli e Bertolozzi (2004), que se
detiveram no estudo acerca do PSF, fazem referência à visita domiciliária como um
instrumento de intervenção que possibilita uma aproximação com os determinantes do
processo saúde-doença no âmbito familiar. Pereira et al (2004) expressam a
conceituação de visita domiciliar como “um importante instrumento, entre outros, para
operacionalizar parte de um programa de saúde ou parte de uma política de assistência
à saúde presente em uma sociedade num dado momento histórico” (PEREIRA et al,
2004, p. 72).
É importante que seja ressaltado, neste momento, que as visitas domiciliares
não são novidade e nem exclusividade do PSF, por serem um recurso que pode ser
utilizado por qualquer estabelecimento de saúde. De acordo com Franco e Merhy
(1999), a visita domiciliar é própria da missão das Unidades de Saúde e deve ser
considerada um expediente rotineiro em serviços assistenciais.
Qualquer que seja a denominação assumida e as atividades desenvolvidas, cada
uma dessas designações encerra uma prática de saúde voltada para um objeto, que
tanto pode ser o sujeito individual, quanto se estender para além do indivíduo,
abrangendo suas diferentes dimensões. É percebida essa aproximação conceitual no
texto de Maidana (2001), ao salientar a importância do elemento familiar no processo
de trabalho em saúde no contexto domiciliar. A atenção à saúde não pode perder de
vista o contexto familiar e social, tornando essas dimensões parte constante do nosso
foco da atenção no trabalho.
Lacerda (1996) ressalta a necessidade de estender o cuidado às necessidades
dos familiares, proporcionando efetivo funcionamento do contexto domiciliar. Esta
autora refere que os profissionais de saúde têm um importante compromisso social, ao
desempenhar o seu papel neste tipo de trabalho, pois levam ações ao indivíduo, à
família e à comunidade, devolvendo, assim, à sociedade, a razão da existência de suas
profissões.
A concepção de atenção domiciliária, que se pressupõe para este estudo, é a de
uma prática do trabalho em saúde, que visa assistir ao indivíduo e à família no espaço
domiciliar, de forma integral e contextualizada, nos aspectos de promoção, prevenção,
31
recuperação e reabilitação, promovendo uma integração dos diversos trabalhadores
atuantes no Sistema de Saúde para oferecer cuidado de saúde de acordo com as
possibilidades do serviço e as necessidades do cliente.
Considera-se que são muitos os fatores que têm contribuído para o
desenvolvimento de propostas de atenção domiciliária no país. Um deles é a mudança
de direção pela qual vem passando o sistema de saúde, com ênfase no cuidado aos
pacientes crônicos, como base do sistema primário de cuidado à saúde, anteriormente
direcionado aos cuidados agudos (DUARTE, DIOGO, 2000). A idéia é que ao hospital
sejam orientados apenas os pacientes com necessidades de cuidados agudos,
permanecendo os doentes crônicos com a assistência prestada no domicílio. No
entendimento dos autores citados, essas mudanças, muito provavelmente, estão
pautadas na intenção de redução dos custos do sistema de saúde e de incremento do
conforto e da privacidade oferecidos no domicílio.
Um outro exemplo desses fatores é a inadequação do sistema de saúde atual no
atendimento das demandas da população e pode ser percebido ao se contemplar a
situação vivenciada nos serviços hospitalares públicos. Esses hospitais não têm dado
conta de assistir à clientela que os procura, ansiosa por internação. Ao visitar as
emergências, pode-se vislumbrar um infindável número de sujeitos enfermos
espalhados em macas pelos corredores e aguardando uma vaga em unidades de
internação. Esta é uma realidade em todo o país, corroborada no estudo de Santos et al
(2003).
A superlotação das salas de espera e dos corredores das salas de urgência,
associada às elevadas taxas de ocupação dos leitos de observação, nos
diferentes componentes assistenciais do Sistema Único de Saúde (SUS), traz,
como conseqüência, a flexibilização nos padrões de cuidado e da ética dos
profissionais de saúde, que atuam na urgência (SANTOS et al, 2003, p.501).
Ë sabido que o modelo assistencial hegemônico em saúde na nossa prática de
trabalho, e que tem uma construção histórica e social, privilegia intensamente as ações
curativas, individuais, hospitalocêntricas, com intervenções medicalizantes. Este
aspecto foi trazido, neste momento, para reforçar a necessidade de medidas
32
alternativas que auxiliem os hospitais a desenvolverem suas atividades de forma mais
adequada a uma necessária mudança de modelo assistencial. Segundo Cecílio (1997,
p.12):
(...) é possível e necessário explorar estratégias de desconcentração do
atendimento hospitalar. Os programas de internação domiciliar, de visita
domiciliar ou do médico de família, com suas abordagens diferenciadas,
reforçam este necessário movimento desconcentrador.
Somente sair do hospital para o domicílio, porém, sem mudar o processo de
trabalho que caracteriza e conforma esse modelo hegemônico, não resolverá essa
situação. Apenas mudará o local de atendimento. Pereira (2001) defende que o
domicílio proporciona potência para os trabalhadores fazerem uma reflexão sobre a
concepção do processo saúde-doença, sobre a concepção de ser humano, enfim, refere
que o domicílio possibilita reconhecer o paciente em suas múltiplas relações.
Parece que uma vantagem da atenção domiciliária está posta na possibilidade de
oferecer uma assistência de qualidade com custos razoáveis, fazendo com que ela se
apresente, em algumas ocasiões, como uma parte da solução aos problemas financeiros
dos sistemas de saúde, reduzindo a hospitalização e o tempo prolongado de internação,
ao mesmo tempo em que pretende melhorar a qualidade de vida da população a que se
dirige (GALLEGO, 2002).
Em primeira instância, é possível compreender a atenção domiciliária como
uma possível estratégia contraposta a essa situação em que se encontram os hospitais.
Seria uma tentativa de amenizar a relação “sujeitos necessitados de
assistência/trabalhadores/serviços de saúde”, que se encontra bastante comprometida
pelo fato de a demanda ser muito maior do que a oferta. Os trabalhadores da saúde
angustiam-se com esta situação, questionando a qualidade deste trabalho, já que
precisam assistir a uma grande quantidade de enfermos em condições precárias. Isto é
muito sério, pois, por mais que a clientela atendida pelos hospitais assoberbados de
trabalho demonstre gratidão por estar com um mínimo de assistência, os trabalhadores
da saúde têm a compreensão da qualidade de atenção prestada desta forma. Por este
prisma, a atenção domiciliária é uma alternativa que está sendo bem aceita e mais
33
humanizadora.
1
Muito mais do que amenizar a relação entre clientes/trabalhadores/instituição de
saúde, a atenção domiciliária encerra uma possibilidade para além disso, compondo
uma estratégia reorganizacional da atenção à saúde.
Olhar para o Sistema de Saúde e perceber que, na maioria das vezes, não há
condições de atendimento das necessidades, faz com que haja uma mobilização por
parte dos trabalhadores e gestores, no sentido de realizar transformações no trabalho,
visando conseguir uma maior resolutividade das ações de saúde. Entende-se ser esta
uma outra das razões da atenção domiciliária estar, na contemporaneidade, merecendo
maior atenção por parte de todos os envolvidos no sistema de saúde.
A atenção domiciliária pode vir a ser uma estratégia viável e que pode ajudar,
tanto na resolução da problemática enfrentada pela população carente de atenção à sua
saúde, quanto colaborar com o sistema de serviços públicos de saúde. Este sistema tem
a possibilidade, através da atenção domiciliária, de expandir seus serviços e obter um
maior alcance de suas ações. A atenção domiciliária pode ser considerada uma
proposta de grande relevância nesse sentido e, ainda, auxiliar o trabalhador da saúde
na tentativa de romper com uma prática clínico-individualista, a qual não percebe o
sujeito/objeto de trabalho de uma forma integral, tanto em nível hospitalar quanto na
rede básica de serviços de saúde.
É importante que os trabalhadores tenham uma exata compreensão do espaço
singular, diferenciado em que estão desenvolvendo o seu trabalho. Nesse sentido, é
preciso que, aliado às concepções necessárias ao desenvolvimento do cuidado, seja
entendido a especificidade do contexto domiciliar, o qual abrange:
os aspectos econômicos, sociais e afetivos da família; os recursos que
dispõem, tanto materiais quanto humanos; a rede social de apoio; as relações
que estabelecem dentro e fora do domicílio; o espaço físico; as condições de
higiene e segurança da casa; tudo o que envolve o cliente e sua família
(LACERDA , OLINISKI, 2004, p.240).
1
Esta constatação é feita a partir do resultado de uma investigação realizada com a clientela internada
em uma Unidade de Internação de Clínica Médica, quando houve uma manifestação bastante positiva
por parte dos sujeitos enfermos e seus familiares a respeito de um serviço de cuidado domiciliar, onde
foram salientadas vantagens como: a possibilidade de o paciente estar junto à família; de o familiar
que efetua o cuidado não precisar abandonar seus outros afazeres para permanecer no hospital; e a
segurança que teriam com um profissional prestando-lhes assistência no domicílio (KERBER et al,
2002).
34
Isso requer uma visão integralizada, com foco assistencial na família e não
somente no indivíduo doente, auxiliando essa família de maneira mais contextualizada
e compreendida dentro das relações familiares, tanto em situação de doença como em
situação de saúde.
É primordial visualizar a atenção domiciliária como uma atividade que se
constitui com o intuito de subsidiar a intervenção no processo saúde-doença de
indivíduos e famílias, e como o planejamento de ações visando à promoção de saúde
destes e da coletividade.
Como se acredita firmemente na viabilidade desta proposta, e se deseja
construir um conhecimento sobre as possibilidades da sua eficácia, foi elaborada a
seguinte questão: De que modo a atenção domiciliária, desenvolvida na rede
pública de saúde, tem contribuído com a saúde da população?
Neste sentido é que surgiu o desejo de adentrar neste campo de estudo,
buscando entender um pouco mais este processo de trabalho, e pensar na contribuição
que pode estar sendo feita para os trabalhadores atuais e futuros. Portanto, foi
sintetizado o objeto do estudo na análise de uma iniciativa bem sucedida de atenção
domiciliária, que vem sendo desenvolvida na rede pública de serviços de saúde,
com o objetivo de refletir de que forma esta tem sido uma estratégia de
reorganização do sistema de serviços de saúde.
Com base no exposto, aliando a experiência profissional do autor com a
literatura encontrada até o momento, é explicitada a tese: A atenção domiciliária,
compreendida como uma dimensão do trabalho em saúde, contribui para a saúde
da população, na medida em que os trabalhadores desenvolvem seu processo de
trabalho segundo as diretrizes da Atenção Primária de Saúde; trabalhadores e
gestores seguem os princípios do SUS; os usuários são percebidos e se percebem
como cidadãos plenos de direitos e deveres; a população desenvolve vínculo com o
serviço oferecido.
CAPÍTULO 2
2 A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA
2.1 Antecedentes históricos
Sabe-se que o cuidado no domicílio não é uma prática nova. Nossa civilização
ocidental tem
por costume tratar os doentes em casa e, prioritariamente, quem faz isso
é uma mulher. Na era primitiva, baseava-se na manutenção da espécie e, com a
evolução das sociedades, passou a incorporar valores religiosos ligados à salvação do
cuidador e do ser cuidado (SENA et al, 2000, p.544). Porém, é novo no sentido de que
estava esquecido e vem sendo retomado aos poucos.
No Brasil, a visita domiciliária institucionalizada, de acordo com Mazza
(1994), tem seu marco inicial em artigo publicado em 15 de outubro de 1919 pelo “O
Jornal”, onde o Dr. J. P. Fontelle aborda a educação sanitária e a necessidade de
formação de enfermeiras visitadoras, sugerindo a criação desse serviço.
Nessa época, segundo Cunha (1991), o país era assolado por várias epidemias,
como febre amarela e peste, que traziam riscos à integração do país ao mercado e ao
desenvolvimento econômico, impedindo a imigração e comprometendo a exportação
de produtos e, conseqüentemente, forçando as autoridades a tomarem medidas
adequadas. Diante disso, Carlos Chagas trouxe ao Brasil enfermeiras visitadoras com o
objetivo principal de preparar profissionais no país para atuarem no combate às
epidemias, o que culminou com a criação do primeiro curso de formação de
enfermeiras visitadoras, posteriormente transformado na Escola de Enfermagem Ana
Néri. Este tipo de atenção domiciliária foi utilizado pelo Serviço Especial de Saúde
Pública, como estratégia para atingir os indivíduos e suas famílias na comunidade em
que viviam.
Em São Paulo foi estabelecido o curso de educadores sanitários, no Instituto de
Higiene, que é atualmente a Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São
36
Paulo (USP). De acordo com Pereira (2001), esse curso tinha conteúdo teórico-prático
de higiene e destinava- se a professores diplomados por Escola Normal do Estado, que
teriam a possibilidade de disseminar as noções de higiene para a população pobre e
trabalhadora.
Nessa época, foi implantado no país uma estrutura organizacional verticalizada
de serviços de saúde, composta pelos Dispensários, com finalidade de tratamento da
tuberculose, hanseníase e tracoma; e os Centros de Saúde, com finalidade de
assistência à criança, tentando diminuir a mortalidade infantil (PEREIRA, 2001).
Assim, observa-se que os serviços de atendimento domiciliário estiveram sempre
ligados à área de saúde pública, utilizados como estratégia de operacionalização das
políticas vigentes.
No que se refere a Estados Unidos e países europeus, Santos et al (1999)
relatam que esta modalidade de atendimento vem sendo desenvolvida há vários anos e
é o segmento da área da saúde que mais tem crescido. Nos países da América Latina,
as experiências com atenção domiciliária são muito recentes. Datam da década de 80 e
vêm sendo desenvolvidas, organizadas e controladas por organismos sem fins
lucrativos, incorporando-se como uma política de saúde, no âmbito das políticas
públicas, visando beneficiar principalmente idosos, doentes ou pessoas abandonadas.
Até o início da década de 90, este atendimento foi prestado de forma incipiente.
Atualmente, a atenção domiciliária
2
está em pauta, em decorrência, principalmente, de
necessidades sociais. A situação sócio-econômica da população é muito precária,
acarretando internações prolongadas por problemas de ordem social mais do que pela
necessidade terapêutica. A situação social das camadas média e baixa da população faz
com que convivam com muitas dificuldades: desemprego, subemprego, violência
desde as suas formas mais explícitas às mais sutis, problemas geográfico-estruturais
(envolvendo dificuldades do indivíduo no seu lar, na rua, no trabalho) e que vêm
contribuindo para o adoecimento físico e psíquico dos seres humanos, elevando a
procura pelos serviços de saúde e diminuindo as possibilidades de oferecer a
resolutividade esperada pelo usuário.
2
Os diversos momentos históricos que conformaram e conformam a atenção domiciliária podem ser
visualizados através da leitura de Pereira (2001).
37
Como já foi salientado, os hospitais não têm dado conta de assistir de forma
adequada à clientela que os procura. Neles, um grande número de seres humanos
permanece internado em condições precárias nos seus corredores e salas. Analisando a
questão relativa ao número de internações hospitalares, há a colocação de que:
O número total de internações hospitalares do SUS permaneceu relativamente
fixo entre 1997 e 2001, mas a participação das regiões norte, nordeste e
centro-oeste cresceu, e a do sudeste, sobretudo, decresceu. O Norte passou de
6,7% para 7,4% das internações; o Nordeste de 29,0% para 29,6%; o Centro-
Oeste de 6,8% para 7,8%; e o Sudeste apresentou variação de 40,9% para
38,7% (BRASIL, 2002, p.43).
Souza (2002, p.17), ao analisar os dados do Ministério da Saúde, constata que o
número de internações do ano de 1995, em relação ao ano de 2001, foi reduzido: “Em
1995, o SUS realizou 13,2 milhões de internações hospitalares e, em 2001, 12,2
milhões, uma redução de 7,9%”.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/2003 – Saúde), do
IBGE, que é a mais importante pesquisa sobre o acesso e a utilização dos serviços
públicos e privados de saúde no Brasil, com uma amostra de 384.834 pessoas,
encontrou os seguintes dados: “Foram referidas cerca de sete internações por 100
habitantes em 2003: um total de 12 milhões e 300 mil, 20% das quais reinternações”
(BRASIL, 2006a, p.11).
No entanto, vale ressaltar que, para qualquer trabalhador atuante em um serviço
público hospitalar, esta assertiva de redução de número de internações não condiz com
a realidade vivenciada. Reflete-se que o número de internações não expressa,
necessariamente, a necessidade da população, uma vez que pode estar ocorrendo uma
política de redução de Autorização de Internações Hospitalares (AIH) e, então, diante
disso, um decréscimo nas internações. Ou o significado dessa contradição entre a
redução de internações apresentada e a realidade de permanente superlotação dos
hospitais e unidades de atendimento emergenciais possa ser o aumento do tempo de
permanência nos hospitais e, em decorrência disso, uma diminuição na oferta de leitos.
Mas, ao pensar que isso está se processando, deve-se refletir que tipo de pacientes
estão sendo assistidos nas emergências dos hospitais? Certamente, muitos desses
38
pacientes poderiam estar sendo atendidos, com resolutividade, nas unidades básicas de
saúde. Segundo Santos et al (2003), dentre os fatores determinantes da superlotação
das portas hospitalares de atenção às urgências, está a baixa resolutividade da atenção
primária e das unidades não hospitalares de atendimento às urgências e a falta de
ordenação do acesso dos usuários aos serviços da rede assistencial e, em particular,
àqueles que atendem às urgências.
Segundo Finkelmann (1999), a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe
um desafio para os líderes dos países, no sentido de melhoria da efetividade dos
sistemas de saúde, resultando na ampliação do acesso e da qualidade dos bens e
serviços oferecidos a toda população. E o autor refere que isto exigirá profundas
transformações na organização e no funcionamento, não apenas dos sistemas de saúde
em sentido mais estrito, mas dos serviços de interesse público em sentido amplo, que
incluem tanto as organizações estatais em seu conjunto como as entidades não
governamentais ou instituições privadas e da sociedade civil.
Toda a problemática enfrentada pelos serviços de saúde mostra a necessidade
de se investir mais em atenção básica (ou atenção primária)
3
, o que, de certa forma,
vem sendo colocado no cenário das políticas públicas de saúde, através do Ministério
da Saúde, com suas novas regulamentações. As discussões que levaram à
concretização do Plano Nacional de Atenção Básica, de 2006, fundamentaram- se nos
eixos transversais da universalidade, integralidade e eqüidade, em um contexto de
descentralização e controle social da gestão, princípios assistenciais e organizativos do
SUS, consignados na legislação.
Na apresentação deste Plano, o Secretário de Atenção à Saúde refere que:
Nesse processo histórico, a Atenção Básica foi gradualmente se fortalecendo e
deve se constituir como porta de entrada preferencial do Sistema Único de
Saúde (SUS), sendo o ponto de partida para a estruturação dos sistemas locais
de saúde (BRASIL, 2006c, p.3).
Nesse processo de estruturação da atenção básica, existe a possibilidade de
3
De acordo com Mendes (2002b), o conceito de atenção básica à saúde é mais encontrado, na
literatura internacional, como atenção primária à saúde.
39
inserção de programas de atenção domiciliária como forma de ser mais um
componente para o alcance dos princípios norteadores para uma efetiva consolidação
do SUS.
Santos et al (1998) acredita que vários fatores valorizam a implementação de
programas de atenção domiciliária no Brasil e cita: o novo padrão demográfico
brasileiro, que aponta para o envelhecimento da população; as mudanças no perfil
epidemiológico, caracterizado pelo aumento das doenças crônico-degenerativas e
infecciosas e, conseqüente, o aumento do risco de complicações e do nível de
dependência; a inadequação do sistema atual de saúde para atender às demandas da
população; a adoção pelo governo de programas de extensão de cobertura com atenção
à família; a mudança da família contemporânea, passando de uma organização extensa
para outra nuclear, muitas vezes incompleta; a busca por alternativas de aumento de
renda familiar que transferem as funções de cuidado para outras instituições.
Destaca-se, neste momento, a necessidade de se ter claros os critérios para se
decidir a adoção da atenção domiciliária, evitando-se a transferência de
responsabilidades do Estado para a família. Assim como a situação inversa também
ocorre, quando a família, por questões sociais ou econômicas, acaba deixando seu
familiar aos cuidados dos serviços de saúde indefinidamente. É importante que ambas
as perspectivas sejam analisadas, para que não se obtenha uma visão unilateral do
processo de atenção domiciliária.
Dessa forma, é fundamental refletir que o basta somente reeleger o local de
atuação – o domicílio – para prestar os cuidados de saúde, mas que é necessário que
estejam presentes outras transformações simultâneas, como a concepção do processo
saúde/doença e as relações entre trabalhadores da saúde e usuários (PEREIRA, 2001).
O fato de transferir a atenção à saúde para o domicílio não garante uma mudança na
forma de atendimento, uma vez que se pode continuar agindo da mesma maneira que
agimos no interior dos serviços de saúde. Ao invés de ser realizado um trabalho que
tenha como eixo o cuidado integral dos seres humanos, continua-se agindo de forma
fragmentada, preocupados com a realização de procedimentos em si, sem reconhecer
outras necessidades presentes no dia-a-dia dos usuários. Esse tipo de achado foi
encontrado por França et al (2003), em estudo realizado com enfermeiros na região
40
noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
No relato de Santana (2001), a saúde não é isolada e materializa-se mediante
uma série de fatores sociais e econômicos, e que, se existem problemas com o
processo de trabalho em saúde, eles são decorrentes do estado de abandono em que se
encontra a área social. A avaliação do quadro atual da saúde, feita na 11ª Conferência
Nacional de Saúde, é bastante realista e pouco animadora:
A saúde, como preceitua a Constituição Federal, depende de fatores
econômicos e sociais como a garantia de emprego, salário, casa, comida,
educação, lazer e transporte, entre outros. Nesse momento o desemprego, a
péssima distribuição de renda, a fome e desnutrição e outros agravos
interferem nas condições de vida e de saúde da população, ressurgem antigas e
surgem novas formas de adoecer e morrer, caracterizando um quadro
epidemiológico da maior perversidade, agravado pelas condições de gênero,
raça e idade. Enquanto isso, o governo investe em saúde no setor público
apenas R$300,00 reais per capita ano (SANTANA, 2001, p.140).
O investimento em saúde permanece relativamente constante, visto que a última
informação disponibilizada pelo governo no site do DATASUS, que é a relativa ao ano
de 2003, aparece que o gasto federal total per capita foi R$ 296,02 (IDB, 2005).
Em relação aos gastos com políticas sociais e de saúde, um outro importante
componente entra em jogo, direcionando o governo para políticas de ajuste estruturais,
através de um poder supranacional, vinculado ao capital internacional. A
institucionalidade deste poder supranacional materializa-se, fundamentalmente, em
organismos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)
(RIZZOTTO, 2000).
O governo brasileiro, apesar das contestações e da pressão que sofre, parece que
segue definindo suas políticas a partir de propostas que não emergem do debate
interno da sociedade, mas advêm de um poder supranacional, vinculado ao capital
internacional (RIZZOTTO, 2000, p.43).
As políticas sociais propostas ao Brasil pelo Banco Mundial e pelo Fundo
Monetário Internacional transformam-se numa condicionalidade. Segundo Santos
(2002), os diferentes países do mundo, que estejam hoje nos continentes americano,
asiático, africano ou no Leste Europeu, têm que seguir os modelos propostos por esses
41
organismos, se quiserem ter acesso a linhas de crédito internacionais.
Autores como Homedes e Ugalde (2005) discutem amplamente essa questão
através de dois estudos de caso, relativos às experiências de Colômbia e México, com
a reforma neoliberal. Argumentam que:
Para superar la crisis económica que comenzó alrededor de 1980, el Fondo
Monetario Internacional (FMI) exigió a los gobiernos que recortaran los gastos
en los sectores sociales, entre ellos el sector salud (los llamados ajustes
estructurales). La reducción de los presupuestos de salud provocó un deterioro
aun mayor de los servicios y el aumento de la insatisfacción de los
proveedores y de los usuarios. El Banco Mundial aprovechó la crisis del sector
para fortalecer su programa de préstamos al sector de la salud y a finales de la
década de 1990 se había convertido en la agencia internacional que más
fondos prestaba a los países en vías de desarrollo para ese sector (HOMEDES,
UGALDE, 2005, p.210).
Apesar disso, a problemática gerada pela política econômica não se caracteriza
como única responsável pela conformação atual dos problemas de saúde. A política
econômica é um determinante fundamental, mas há uma rede de complexidade
envolvida como, por exemplo, no processo de trabalho em saúde, com a formação dos
trabalhadores focalizada fortemente no paradigma biológico. A concepção do processo
saúde/doença gerada através dessa formação tem delineado o modelo assistencial que
permanece hegemônico nos dias de hoje. Outro aspecto diz respeito à organização dos
serviços de saúde, que é marcada histórica e socialmente por uma fragmentação dos
serviços, separando as ações curativas das preventivas. Também há falta de uma
política de governo que agregue e potencialize ações intersetoriais, pois, apesar de a
intersetorialidade ser uma das diretrizes do SUS, na prática esta não vem se
concretizando, talvez até por não se ter claro a forma de fazê-la concretamente.
Ao longo dos anos de implantação do Sistema Único de Saúde, os trabalhadores
deste setor convivem diariamente com essas problemáticas, as quais refletem
diretamente na saúde como um todo e, no conjunto desses trabalhadores em saúde,
encontram-se aqueles que, na ânsia de exercitar o seu trabalho organizado de forma a
garantir um atendimento integral, com eqüidade e boa qualidade, empenham-se em
buscar modos alternativos do “fazer”.
42
A atenção domiciliária pode ser considerada uma nova proposta neste sentido.
Ela pode ajudar os trabalhadores da saúde nesta tarefa, como pode auxiliá-los a romper
com uma prática individual, além da possibilidade de integrar os trabalhadores de
ambos os espaços de serviço, como hospitais e rede básica.
Hemos de reconocer, sin embargo, el papel primordial que tiene la atención
domiciliaria en la potenciación de la coordinación e integración de los
servicios sanitarios y sociales, ya que permite compartir responsabilidades
clínicas, organizativas y financieras, y superar la tradicional provisión
dicotómica de la asistencia, con lo que puede constituirse en un elemento
facilitador e impulsor de una progresiva conexión entre el hospital y la
atención primaria (COTTA et al, 2002, p. 258).
Pode-se perceber como a atenção domiciliária foi acompanhando
historicamente os rumos da saúde no país, ao mesmo tempo em que foi se mostrando,
por razões sociais, econômicas e políticas, como uma alternativa de atenção em um
sistema de saúde que prima pela qualidade de seus serviços, mas que não a tem
alcançado em sua plenitude.
2.2 A produção acadêmica sobre a atenção domiciliária
Com
o forma de subsidiar este estudo, foi realizada uma busca nas bases de
dados de acesso individual livre e direto Lilacs e Medline, no período compreendido
entre 1994 e 2004.
Foi efetuada uma análise de todos os resumos disponibilizados pelas bases de
dados, buscando identificar os textos que seriam relacionados como objetos do estudo,
e estes, então, foram solicitados através do Serviço Cooperativo de Acesso a
Documentos (SCAD), instrumento de busca e acesso ao material bibliográfico
disponibilizado pelo Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências
da Saúde (BIREME). A partir dos textos selecionados, na medida em que iam sendo
enviados, era procedida, também, a análise e a busca das referências utilizadas pelos
autores dos artigos selecionados e, assim, procedendo a novas solicitações, por
43
entender que eram textos que contemplavam os critérios desejados.
O critério de seleção adotado foi incluir todos os textos em que os autores
claramente procuraram identificar o texto com o tema, utilizando os seguintes termos
para busca: “serviços de assistência hospitalar no domicilio”, “auxiliares de cuidado
domiciliar”, “serviços de assistência domiciliar”, “cuidados domiciliares de saúde” e
“serviços hospitalares de assistência domiciliar”. No que se refere aos tipos de textos
publicados, procurou-se trabalhar com a maior diversidade possível, incluindo as
diversas modalidades de assistência no domicilio, desde que tivessem em comum o
fato de realmente estarem estabelecendo uma discussão acerca da atenção domiciliária,
sem que se detivessem somente em aspectos isolados da assistência. Foram incluídos
artigos de pesquisa e de opinião.
Para cada texto selecionado foi preenchida uma ficha contendo cinco itens para
análise: (1) autores e instituição; (2) tipo de proposta; (3) problema abordado; (4)
noção de atenção domiciliária; (5) grupos populacionais incluídos no estudo.
Foram identificados 291 textos no período, sendo 47 publicados na Medline e
244 na Lilacs. Dos textos da Medline, 41 foram encontrados utilizando o descritor
“serviços de assistência hospitalar no domicilio” e 06, com o descritor “auxiliares de
cuidado domiciliar”. No que se refere aos textos da base Lilacs, dos 244, 54 foram
encontrados utilizando o descritor “serviços de assistência domiciliar”, 139, com o
descritor “cuidados domiciliares de saúde” e 51, com o descritor “serviços hospitalares
de assistência domiciliar”. Após efetuada uma garimpagem através da análise dos
resumos, foram selecionados 84 textos, dos quais 17,85% da Lilacs; 55,95 % da
Medline; e 26,19% provenientes das referências utilizadas por outros autores.
No que tange ao tipo de proposta desenvolvida pelos serviços de atenção
domiciliária, o sentido expresso na grande maioria dos textos é de uma assistência
realizada nos moldes de uma internação domiciliária, na qual há um envolvimento
intenso dos trabalhadores na prestação do cuidado, desenvolvendo ações voltadas para
o indivíduo doente, com a preocupação de retorno ao estado anterior à doença em
período limitado de tempo.
Foram identificadas 10 instituições nacionais (12,19%) e 72 internacionais
(87,80%). Das 72 instituições internacionais, o número mais expressivo concentrou-se
44
entre Inglaterra, Espanha e Estados Unidos, com 22, 15 e 14, respectivamente. As
demais estavam presentes de forma dispersa, sendo quatro da Holanda, três do Chile,
três de Cuba, duas do México, duas da Argentina, duas da Itália, duas de Israel, uma
da Austrália, uma do Canadá e uma da Noruega.
Em relação à noção de atenção domiciliária, constatou-se uma predominância
baseada no modelo biológico, o que inclui em sua grande maioria, as abordagens
centradas no indivíduo doente, necessitado de cuidados curativos e de reabilitação. O
sentido presente, na maioria dos estudos, é de providenciar um cuidado substitutivo ao
cuidado realizado no hospital. A intencionalidade que está por trás das propostas vem
no sentido de otimização de leitos hospitalares, de redução do tempo de permanência
no hospital, de possibilidade de alta precoce, de redução nas readmissões hospitalares,
de alternativa à internação hospitalar, de promoção da continuidade do cuidado.
Entre os grupos populacionais, os que mereceram maior número de estudos
específicos foram os idosos (25) e o grupo dos pacientes em geral (22). Aqui havia
uma diversidade na clientela, como pacientes agudos, crônicos, idosos, mulheres,
crianças, cirúrgicos, oncológicos, deixando entender que era destinado a qualquer tipo
de paciente. Crianças não se constituíram como grupo alvo em nenhum dos estudos,
sendo que em três textos constituíram subgrupos de estudo, ou seja, foram citados
como fazendo parte do grupo dos pacientes em geral. Os demais estudos encontraram-
se abordando os seguintes sub-grupos de pacientes: agudos; ortopédicos; com Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica; crônicos; cirúrgicos; com HIV; cardíacos; puérperas e
RNs; com doença terminal e família.
Em relação aos problemas que se tornaram objeto de investigação, houve uma
concentração maior de artigos enfocando a internação domiciliária, seja a realizada
pós-alta hospitalar, seja a realizada sem a obrigatoriedade do paciente ter sido
encaminhado do hospital, seguido pela comparação entre internação domiciliária e
internação hospitalar. Os focos se diversificaram entre relação custo-beneficio,
satisfação do paciente e dos familiares com esse tipo de atenção, possibilidade de
agilizar alta precoce e cooperação entre níveis assistenciais. Outros temas foram
abordados de forma pouco expressiva, dos quais: descrição detalhada do programa de
assistência domiciliária; enfermagem domiciliar; ética na assistência domiciliária;
45
ligação com o sistema de saúde; relações interpessoais na atenção domiciliária;
cuidado paliativo; assistência domiciliária em urgências; e visita domiciliária no PSF.
A questão econômica é um aspecto importante a ser avaliado em qualquer
modalidade assistencial. No caso do hospital, sabe-se que, quanto maior for o tempo
de um paciente internado no hospital, maior o ônus que recai sobre essa instituição. No
caso da atenção domiciliária, acredita-se que existem maneiras de dividir os encargos
financeiros entre hospital, secretarias municipais de saúde, família e governo, para que
não ocorra apenas um repasse de tais encargos para a família.
De forma a realçar a questão econômica e mostrar a viabilidade de propostas de
internação domiciliária, muitos estudos internacionais têm sido desenvolvidos,
destacando a relação dos custos comparativos entre as propostas de internação
domiciliária e aquelas de cuidado tradicional ao paciente internado (SHEPPERD et al,
1998b; HENSHER et al, 1996; COAST et al, 1998; STESSMAN et al, 1996; JONES
et al, 1999; GLADMAN, WHYNES, LINCOLN, 1994; RUIPÉREZ CANTERA,
2000).
Na apreciação do conteúdo desses estudos, percebe-se que, em geral, os custos
com internação domiciliária são mais baixos do que com hospitalização convencional,
o que faz com que esse tipo de proposta possa se tornar atraente para os gestores dos
serviços de saúde. Em um dos estudos há a afirmação de que essa modalidade
assistencial pode prover cuidado comparável com custos significativamente menores
do que os do hospital (LEFF, BURTON, 1998).
Por intermédio da internação domiciliar pode-se conseguir fazer o cuidado a
custos similares ou menores do que uma equivalente admissão hospitalar (JONES et
al, 1999). Um dos estudos refere existir bastante consenso em considerar a internação
domiciliária mais barata que a hospitalização convencional (RUIPÉREZ CANTERA,
2000), referindo que, no Reino Unido, estima-se que, a cada 10.000 libras gastas,
pode-se atender quatro pacientes em domicílio e três em hospital.
Em pesquisa efetuada com o objetivo de determinar o efeito da redução do
tempo de permanência após cirurgia de câncer de mama na proporção de custo e
consumo do cuidado, há o destaque que o deslocamento do cuidado para o domicílio
resultou em uma economia não tão alta quanto esperada (BONEMA, 1998).
46
Em outra pesquisa, não há diferença no total de custos na comparação entre os
dois sistemas de cuidado, sendo, inclusive, mais alto o custo da internação domiciliária
para pacientes pós-histerectomia e para aqueles com Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (SHEPPERD et al, 1998b). Assim como um dos estudos trouxe a não
possibilidade de afirmar que as visitas domiciliares de enfermagem aos idosos sejam a
alternativa que apresenta melhor relação custo-benefício (GARCIA-PEÑA et al,
2002).
Em uma análise de mercado comparando os custos entre o hospital e o home
care de um protocolo de AVC, com uma amostra pequena, a autora confirma redução
de 40 a 70% no custo para pacientes com respiração mecânica. E gasto maior em 58%
para as firmas de home care para os pacientes sem ventilação mecânica (SKODA,
2003). Neste estudo, a autora apurou que a causa provável desse diferencial é que, em
caso de pacientes que não necessitam de um tratamento intensivo, os desmames
acabam se prolongando além do previsto, pelo cuidador adiar a responsabilidade de
cuidar do paciente em procedimentos simples como curativos, higiene pessoal,
alimento, medicação e atividades físicas.
A atenção domiciliária para pacientes com fraturas é mais onerosa. Os
resultados da reabilitação são semelhantes, mas os custos para o serviço de saúde são
maiores para atender no domicílio (GLADMAN, WHYNES, LINCOLN, 1994). Os
autores manifestam que, em vista disso, a atenção domiciliária precisa ser utilizada
muito criteriosamente. O que não inviabiliza a proposta, em razão de que em outros
estudos não houve essa comprovação de aumento de gastos e, ainda aliado ao fato de
que para uma organização prestadora desse tipo de serviço, muitas vezes, um custo
maior em um setor é equilibrado pelo gasto menor em outro. É necessário que o
serviço de saúde avalie o conjunto de vantagens e desvantagens e não unicamente o
dispêndio econômico.
O processo de crescimento da atenção domiciliária, baseado na adequação do
atual Sistema de Saúde, deverá estar engajado na busca de alternativas que visem a
uma redução de custos aliada à manutenção da qualidade da assistência (SILVA,
2000).
Outro foco dos estudos acerca da atenção domiciliária está posto na questão da
47
cooperação entre níveis assistenciais. Foi vislumbrada, em alguns estudos
desenvolvidos na Espanha, a necessidade de estabelecer uma integração entre serviços
e níveis assistenciais. Neles, há um tipo de abordagem diferenciado das demais
publicações internacionais, que é a questão de discutir a internação domiciliária como
forma de atenção compartilhada entre as instituições existentes nos sistemas sanitário e
social, salientando o seu papel como um mecanismo de integração e coordenação entre
níveis assistenciais (ARANAZ, BUIL, 1996; CRIADO-MONTILLA, IBAÑEZ-
BERMUDEZ, 1996; QUERA, 1997; GENÉ BADIA, 1998; SUBERVIOLA, 1999;
CONTEL SEGURA, 2000; BAZTÁN, 2000; MITRE COTTA et al, 2002).
Apesar de discutir que ambos os tipos de assistência, a internação domiciliária e
a atenção primária, desenvolvem seu trabalho em um mesmo local, o domicílio do
paciente, o que deveria favorecer a cooperação entre elas, Fernándes-Miera (1997)
acha bastante utópica a possibilidade de, em uma continuidade de cuidados ao
paciente, estabelecer-se uma futura relação de cooperação entre níveis assistenciais.
Destaca que muitas pessoas dentro do sistema sanitário vêem a internação domiciliária
com receio, considerada como uma intromissão do hospital no âmbito da atenção
primária.
Entende-se que o direcionamento da maioria dos autores espanhóis aproxima-
se, em muito, da situação brasileira, no que concerne às necessidades do SUS, em que
não vemos como possível a efetividade e resolutividade das ações que não forem
desenvolvidas de modo conjunto entre os diversos segmentos da saúde. Esta
integração despontou como necessária no trabalho de Kerber (1999), no qual a atenção
domiciliária mostrava-se como possibilidade de funcionar como elemento integrador
entre o trabalho curativo e preventivo no trabalho da enfermagem.
Uma proposta foi idealizada, nesse sentido de trabalho conjunto e integração de
serviços e trabalhadores, em nível local, na cidade de Rio Grande, RS (KERBER et al,
2003). Os autores defendem, nesta proposta, a necessidade de existir um elemento
agregador do processo de trabalho da enfermagem desenvolvido no hospital e no
domicilio do cliente, no caso, a atenção domiciliária, de modo a propiciar uma
integração de serviços e trabalhadores.
A atenção domiciliária, pensada como uma estratégia de efetivação e
48
resolutividade do Sistema Único de Saúde, necessariamente, obriga a pensar em
formas de integrar serviços e trabalhadores. Ao se conseguir atingir esse patamar de
organização da atenção à saúde, pensa-se que há maior possibilidade de satisfação por
parte dos usuários do sistema de saúde. Esse é um aspecto que não é fácil de medir e
quantificar, mas, ao mesmo tempo, faz-se necessário avaliá-lo para decidir sobre quais
transformações devem ser efetuadas para assegurar um mínimo de satisfação à
clientela.
Ao buscar os estudos desenvolvidos sobre atenção domiciliária, não foram
muitos os encontrados acerca da satisfação da clientela, seja em caráter individual do
paciente, seja em relação à família, ficando esses estudos mais concentrados nos
Estados Unidos (BURTON et al, 1998; HUGHES et al, 2000; DANA, WAMBACH,
2003) e no Reino Unido (GUNNELL et al, 2000).
Os trabalhadores que defendem a proposta da atenção domiciliária têm uma
crença de que, através de seu trabalho, é possível gerar um impacto da assistência no
status funcional e na qualidade de vida dos pacientes. Esse aspecto foi trazido por
Hughes et al (2000), que discutem o crescimento dos serviços de atenção domiciliária
na última década.
Nos estudos referenciados, há a manifestação da satisfação da clientela em
relação a algumas características desse tipo de serviço, como o cuidado
individualizado, a preocupação e a amabilidade demonstrada pelos profissionais
atuantes e a habilidade técnica na condução das ações realizadas no domicílio. Em
casos mais específicos, como no cuidado de pacientes com doenças terminais, há o
relato de melhorar a qualidade de vida desse tipo de paciente e diminuir o número de
reinternações hospitalares, por existir uma continuidade do cuidado.
Embora a internação domiciliar tenha demonstrado efetividade em reduzir a
utilização do hospital e os gastos do sistema de saúde, a principal vantagem ou o
principal motivo de seu sucesso é a satisfação dos envolvidos com o nível do cuidado
e a compaixão que receberam, no lugar mais humano e natural possível, seu próprio lar
(STESSMAN, 1996). Os benefícios obtidos, tanto em matéria de saúde como de
satisfação de pacientes e familiares, são elevados (MORALES, CANGAS, DÍAZ,
1998).
49
Um estudo realizado em Rio Grande/RS por Kerber et al (2002) traz o destaque
no relato da satisfação dos pacientes com este tipo de serviço, e os achados vão na
mesma direção dos estudos desenvolvidos em nível internacional, em que se pode
constatar que a clientela considera uma proposta mais humanizadora do que a
assistência hospitalar, com menor risco de infecções hospitalares, que facilita a
organização da família para o cuidado do paciente, além de ressaltar a valorização
dada à família pela equipe assistencial.
Há unanimidade na aceitação dos serviços desenvolvidos em domicílio,
segundo o paciente e sua família, ressaltando somente vantagens envolvendo o
cuidado, os cuidadores, o paciente, o sistema de saúde, entre outros. A clientela prefere
ser assistida nos seus domínios, sentindo-se mais segura com o respaldo de uma equipe
multiprofissional. Através de experiência própria no desenvolvimento desse tipo de
atenção à saúde, percebe-se que a população tende a aceitar e estimular que sejam
estruturados serviços dessa natureza. E não se acredita que a interferência que se
processa no interior dos domicílios devido ao fato de ter um elemento estranho à rotina
familiar, em um período do dia ou semana, funcione como um impeditivo para sua
concretização.
Porém, é importante que qualquer alternativa ao cuidado hospitalar proposta
seja bem organizada, pois se não dispor de recursos adequados e não for bem
coordenada, os pacientes perceberão somente “cortes”, deslocando a carga do cuidado
a eles e a seus familiares (EDWARDS, HENSHER, 1998). Ou seja, eles podem se
sentir cerceados em seu direito, enquanto cidadãos, de usufruir um serviço de
internação hospitalar. Além de que os perigos encontrados no hospital podem ser
reproduzidos no domicílio. E esse é o maior perigo no desenvolvimento da internação
domiciliar (LEFF, BURTON, 1998), ou seja, a perda da individualidade do cuidado de
cada paciente, não sendo vistos como seres singulares, únicos. A contextualização do
cuidado, que normalmente não consegue ser realizada em nível hospitalar, é um dos
primordiais objetivos da atenção domiciliária. Um serviço que não se organize para tal,
que não tenha muito claros seus objetivos e não capacite sua equipe para o
desenvolvimento desse tipo de cuidado, acaba reproduzindo a forma de assistência
tipicamente hospitalar, em vista de que essa tem sido o modelo histórico e hegemônico
50
de assistência em saúde.
Em um estudo desenvolvido com pacientes com pneumonia, Coley et al (1996)
mensuraram as preferências daqueles para iniciar o tratamento fora ou dentro do
hospital, já que evidências crescentes têm mostrado que o cuidado a pacientes com
pneumonia em nível hospitalar é desnecessário. Alguns pacientes, mesmo de baixo
risco, se não têm um suporte suficiente em casa, não aceitam o cuidado domiciliar. Por
isso é importante avaliar a preferência do paciente acerca do local do cuidado. Esse é
um aspecto que merece mais estudo: saber onde o paciente quer estar, que tipo de
cuidado quer receber e por quem (RUIZ-GARCIA, PEIRO, 2001).
Diversos estudos detêm-se na comparação entre internação domiciliar e
hospitalar. Pensar que a atenção domiciliária proporciona melhores resultados do que a
atenção hospitalar, não se caracteriza, necessariamente, como uma verdade. É
importante que sejam efetuados estudos que comparem as duas modalidades de
atenção em relação a um mesmo tipo de clientela. Encontrados alguns que fazem essa
relação, como do Reino Unido, que comparam a efetividade do cuidado recebido em
atenção domiciliária com o recebido em instituição hospitalar (MARTIN, OYEWOLE,
MOLONEY, 1994; SHEPPERD et al, 1998a; RICHARDS et al, 1998; COAST et al,
1998; SHEPPERD, ILIFFE, 1998; WILSON et al, 1999; DAVIES et al, 2000; RAM et
al, 2004). Um estudo da Noruega também realizou esse mesmo tipo de estudo
comparativo (JORDHOY et al, 2000).
Estes autores relatam que não houve diferenças significativas entre o cuidado
realizado em ambiente hospitalar e o cuidado desenvolvido no domicílio, em termos
de mortalidade e readmissões hospitalares. Por outro lado, identificam que houve
maior segurança e efetividade na realização dessa prática quando no domicílio, o que,
por si só, já sugere que se tenha uma continuidade da atenção domiciliária.
Nessa mesma linha de raciocínio, refletindo sobre o tipo de pacientes que
podem ser assistidos no domicílio, evitando, assim, uma internação hospitalar,
despontou o estudo de Ruiz de Suazu et al (2003), cujo objetivo foi demonstrar a
experiência com a internação a domicilio de pacientes com insuficiência cardíaca. Os
dados confirmam a validade da internação domiciliar como alternativa ao ingresso
hospitalar de pacientes com Insuficiência Cardíaca Descompensada. Os autores
51
referem- se à atenção no domicílio como uma ferramenta eficaz de tratamento,
evitando ingressos no hospital, diminuindo tempo de permanência no mesmo e
diminuindo a freqüência de idas às emergências. Ressaltam que essa é uma alternativa
real e eficaz à hospitalização convencional. Também foram encontrados em outros
estudos considerações semelhantes a essas (SMEENK et al, 1998; BECHICH et al,
2000). Reduzindo o tempo de hospitalização do paciente, há menos chance de infecção
hospitalar, de angústia pela visualização de outros enfermos, de falta do ambiente
familiar e social, não ocasionando tantos transtornos para os familiares e propiciando
uma rotatividade maior dos leitos hospitalares, o que faz com que outros indivíduos
carentes de cuidados possam, também, estar sendo assistidos pela equipe atuante no
hospital.
Evitar a internação hospitalar é uma meta perseguida por todos. Essas questões
são bem fortes, principalmente em estudos que tratam do cuidado específico a
pacientes com doenças terminais, em que há o pensamento de que o melhor local para
o paciente se encontrar, num momento como esse, é o seu próprio lar, junto de seus
familiares. Porém, em uma pesquisa de avaliação realizada por Grande et al (1999),
sobre o impacto do lugar de morte de serviços de atenção domiciliária para cuidado
paliativo, os dados não mostraram que tenha aumentado o número de pacientes que
morrem em casa com o uso da internação domiciliar.
A efetividade desse tipo de cuidado ainda não está clara (SMEENK et al, 1998).
Os autores referem que, dada a enormidade de problemas (entre eles o alto custo do
tratamento desse tipo de paciente) tidos pela sociedade no cuidado aos pacientes
terminais, mais pesquisas são necessárias. Seriam necessários mais recursos para o
cuidado em casa (treinamento da equipe para o cuidado paliativo) e um aumento no
foco do uso de enfermagem domiciliar para aumentar o tempo em casa e reduzir
readmissões (JORDHOY et al, 2000). Os autores estão se referindo a uma realidade
pouco presente em nosso país, que é a assistência prestada através de casas de cuidado
de enfermagem, as nursing homes. Acreditam que muitas readmissões hospitalares
poderiam ser evitadas com o uso desse tipo de serviço.
Já o estudo de Miccinesi et al (2003) considera que o cuidado paliativo em casa
foi efetivo na redução do tempo gasto no hospital durante os últimos três meses de
52
vida.
Em termos de comparação entre uma proposta de alta precoce para o serviço de
internação domiciliária e a rotina de alta do hospital convencional, foram encontrados
estudos que ressaltam a efetividade e a aceitabilidade da alta precoce (DONALD,
BALDWIN, BANNERJEE, 1995; RICHARDS et al, 1998; GUNNELL et al, 2000).
Esses estudos demonstram não haver diferença nos resultados do tratamento efetuado
em nível domiciliário após alta precoce do ambiente hospitalar e o realizado no
próprio hospital, alegando que ambos são efetivos e ressaltam que, também, no
aspecto dos cuidadores, não há alteração no seu modo e qualidade de vida.
Quando se fala em alta precoce, as pessoas menos acostumadas com essa
proposta podem pensar que sua implementação nos hospitais não trará benefícios, uma
vez que os pacientes estarão recebendo alta antes de estarem aptos para tal. Porém, um
tipo de proposta dessas está alicerçada em uma continuidade do cuidado, em nível
domiciliário, com todo o suporte assistencial e técnico, não se caracterizando como um
abandono do tratamento e, sim, com a possibilidade de retorno para seu espaço
familiar e social mais precocemente.
Há que se convir que, do modo como está se apresentando a saúde no País, com
a carência generalizada de atendimentos, com pacientes sendo assistidos nos
corredores dos hospitais por falta de leitos, se for conseguido efetivar uma proposta de
atenção domiciliária em que haja um suporte tanto da atenção básica quanto da
atenção especializada, inúmeros benefícios podem advir, para todos os envolvidos no
processo.
Um estudo foi realizado com o objetivo de avaliar os efeitos médicos e
psicológicos da alta precoce do hospital após cirurgia de câncer de mama em
proporção de complicações, satisfação dos pacientes e resultados psicológicos
(BONEMA, 1998). Comparando dois grupos, um com longa permanência hospitalar e
outro com curta, os autores não encontraram diferenças significativas nos seguintes
aspectos: complicações, duração do tempo de dreno, satisfação dos pacientes ou
resultados psicológicos. O estudo comprovou que o encurtamento do tempo de
permanência não traz efeitos adversos, considerando, então, que a alta precoce para
esse tipo de pacientes é segura e bem recebida pelos pacientes.
53
Há estudos que trazem uma reflexão, também, sobre o aspecto da possibilidade
de alta precoce, com a complementação da atenção domiciliária, sem a comparação
entre serviços (BUNDRED et al, 1998; DANA, WAMBACH, 2003).
E, como forma
de mostrar a relação entre tempo de permanência em ambiente hospitalar e pacientes
assistidos por uma equipe de atenção domiciliária, podem-se ver os estudos de Hughes
et al (1997) e Miccinesi et al (2003), em que há a demonstração de que a proporção do
tempo gasto no hospital foi diminuindo à medida que os pacientes começaram a serem
assistidos em nível domiciliário e que, através desse, há a possibilidade de uma
melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Alertam, também, para a questão da
morte com dignidade propiciada no ambiente de vida familiar. Este tipo de estudo
serve para demonstrar que pacientes que têm assegurado a continuidade de sua
assistência através da atenção domiciliária podem receber alta hospitalar precocemente
sem prejuízo de sua saúde e estimular instituições a implantarem serviços de atenção
domiciliária.
Outras questões também foram abordadas nos textos, porém, com menor
expressividade. No rumo de uma avaliação de resultados, foi encontrado um estudo
argentino (ROUBICEK et al, 1999), relatando os resultados das atividades do serviço
de internação domiciliária de agudos. Esses autores argumentam que o cuidado de
pacientes agudos no domicílio não é um fenômeno casual. Há uma tendência cada vez
maior de a medicina ampliar sua missão terapêutica para além do cuidado curativo e se
ocupar igualmente em cuidar da qualidade de vida, em oferecer cuidados paliativos e
em adotar metas de acordo com as condições de saúde da população. Na avaliação de
serviço dessa natureza, os autores perceberam que essa modalidade de cuidado
mostrou-se apropriada, com efetividade comparada a do hospital.
No estudo dos efeitos advindos com a implantação da atenção domiciliária nos
serviços de saúde, Floriani e Schramm (2004) acreditam que se deva questionar o
objetivo de adentrar no domicílio de alguém, voltando o olhar para as reais
necessidades do cliente e da família. Argumentam a necessidade de se ter um olhar
crítico sobre a atenção domiciliária, ponderando seus aspectos positivos e negativos do
ponto de vista da efetiva proteção dos usuários. Acredita-se que qualquer serviço deva
ser continuamente avaliado quanto a sua real necessidade, não sendo essa uma
54
prerrogativa somente da atenção domiciliária.
Alguns estudos como o efetuado por Lacerda (2000)
detiveram-se na relação
profissional e interpessoal desenvolvida através da internação domiciliária,
considerando que a enfermeira, ao “estar exercitando o relacionamento interpessoal e
manifestando o relacionamento interpessoal estará interagindo profissionalmente”,
momento em que assume o lugar do outro. Refere que há diversas dimensões de
relação, entre a enfermeira e o cliente, o cliente e a família, a enfermeira e a família, a
família e o contexto domiciliar, o cliente e o contexto da casa, e também a equipe de
saúde, e que essas dimensões são muito importantes de serem consideradas no cuidado
domiciliar. Esse tipo de assistência apresenta um grande benefício: a interação, a
participação, a troca entre enfermeiro e ser humano (SOARES, SANTANA, 2000).
No
processo de cuidar nessa modalidade, são estabelecidas relações interpessoais e
interprofissionais, em que os diferentes atores encontram-se em interação constante,
permitindo reconhecer a articulação dos saberes de cada um e suas distintas
intervenções (SILVA et al, 2004).
A formação é uma questão que merece muita atenção, pressupondo que, aos
trabalhadores em geral, não foram oportunizadas vivências detalhadas com esse tipo
de modalidade assistencial. Alguns estudos como os de Freitas, Bittencourt e Tavares
(2000) e Angerami e Steagall-Gomes (1996) abordam essa temática, analisando as
necessidades de formação para a realização do cuidado domiciliar. O primeiro ressalta
a internação domiciliar como de extrema importância para a formação do enfermeiro,
por apresentar-se como ampliação do mercado de trabalho; e o segundo conclui que a
formação do enfermeiro tradicionalmente não contemplou o preparo para assistência
no domicílio, o que se constitui em uma necessidade frente à realidade e à expansão do
mercado de trabalho.
A internação domiciliária coloca o enfermeiro em uma posição de destaque
profissional e, por esse motivo, ele deve ter uma formação generalista e sólida, tendo
em vista que a maior parte das decisões sobre os cuidados a serem desenvolvidos serão
tomadas por sua iniciativa e de forma individualizada, com autonomia e sob sua
responsabilidade técnica e legal (SIMSEN, 2000).
Como é possível perceber, há poucos autores explorando essas questões
55
referentes à avaliação de resultados, relações no trabalho, formação e ética na atenção
domiciliária. Tal fato, apesar de não proporcionar uma abrangência capaz de fornecer
respostas, sanar dúvidas e estimular a implementação de propostas de serviço dessa
natureza, tem a capacidade de incitar ao desenvolvimento cada vez maior de estudos,
pois apresenta um caráter provocativo, que conduz a uma análise crítica e reflexiva da
forma como o trabalho vem sendo realizado.
Foi encontrada a alusão à visita domiciliária como um instrumento de
intervenção fundamental do PSF, por Takahashi e Oliveira (2004), as quais discutem a
visita domiciliária como uma atividade utilizada no intuito de subsidiar a intervenção
no processo saúde-doença de indivíduos ou o planejamento de ações visando a
promoção de saúde da coletividade. França et al (2003) detiveram-se na caracterização
das atividades de atenção domiciliária desenvolvidas por enfermeiros em serviços da
rede pública de saúde. Evidenciaram uma prática fragmentada, refletindo basicamente
uma atenção voltada para a execução de técnicas e procedimentos de enfermagem.
Vários autores têm discutido a atenção domiciliária como uma importante
estratégia assistencial para os idosos, como Gené Badia e Contel Segura (1999), os
quais consideram, como causa fundamental de a população idosa buscar assistência
fora de seu espaço domiciliário, a falta de ajuda formal; Brazil et al (1998)
encontraram a internação domiciliária impedindo as admissões hospitalares; Caplan et
al (1999) referiram-se à internação domiciliária como uma importante alternativa para
o cuidado de idosos, efetiva, segura e mais satisfatória, tanto para o paciente quanto
para seus familiares.
Já no estudo efetuado através da revisão sistemática da literatura publicada
entre os anos 1990-2000 sobre Visita Domiciliária Programada de Enfermagem
(VDPE) a maiores de 65 anos, Gallego (2002) recomenda que sejam realizados
estudos avaliando o efeito desse serviço na qualidade de vida e na satisfação da
clientela. A autora refere não existirem evidências suficientes para proporcionar
recomendações sólidas e aplicáveis à prática clínica da VDPE, mas, ao mesmo tempo,
argumenta que isso não significa que não devam ser apoiados esses tipos de projeto de
trabalho.
Sabe-se que as pessoas idosas são mais suscetíveis às doenças e apresentam
56
maior debilidade física e funcional do que as mais jovens. Tem sido visualizada nas
instituições hospitalares uma grande parcela de idosos, que incorrem em riscos de
iatrogenias, evento muito comum nessa clientela, como é ressaltado por Caplan et al
(1999). Nesse sentido, parece que a atenção domiciliária seria útil a essa camada da
população, a qual poderia estar sendo cuidada em seu próprio ambiente e sem expor-se
aos riscos presentes nos hospitais, não só referentes à infecção hospitalar, às
iatrogenias, mas também àqueles riscos advindos do tempo de permanência nessa
instituição, como depressão, angústia e mal-estar.
Diante do quadro situacional dos estudos que vêm sendo desenvolvidos acerca
da atenção domiciliária, pode-se perceber a necessidade de serem efetuados muitos
outros estudos, baseado no fato de que é um campo vastíssimo e que comporta
pesquisas das mais diversas, inclusive na expectativa de dar maior visibilidade a esse
trabalho e aos benefícios advindos através dele. A literatura internacional tem
explorado aspectos que ainda são incipientes no nosso meio acadêmico, como custos,
efetividade, comparação entre serviços, entre outros.
A revisão efetuada serviu para proporcionar um maior conhecimento sobre o
que está sendo realizado em termos de atenção domiciliária e para fortalecer o desejo
de continuar explorando essa temática. Assim como forneceu condições de
entendimento da situação desse tipo de atenção à saúde, nacional e internacionalmente,
facilitando, desse modo, a inserção dessa prática no sistema de saúde.
CAPÍTULO 3
3 A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA E SUAS APROXIM
AÇÕES COM O
MUNDO DO TRABALHO NA SAÚDE
O trabalho, como atividade humana, “é, por natureza, relação entre sujeito e
objeto, cuja conseqüência não é uma modificação unilateral, mas uma mútua
transformação que se torna imediatamente movimento, de complexidade crescente”
(LEOPARDI, 1999, p.9). Complementando esse conceito, Santos (1998, p.97) traz que
“é o conjunto de processos ontológicos através dos quais o homem modifica o
ambiente sociocultural que assim modificado remodifica o sujeito modificador”.
O trabalho tem passado por muitas transformações, decorrentes da
reorganização da economia mundial (OFFE, 1989; POSSAS, 1996; PIRES, 1998;
MASI, 2000; PIRES, 2000). Com a ampliação do setor de serviços, a saúde tem
apresentado uma crescente complexificação tecnológica da assistência, bem como a
precarização do trabalho tem sido mais marcante, configurando uma maior
necessidade de qualificação dos trabalhadores. Isso tem provocado mudanças
qualitativas no processo de trabalho, que apresentam aspectos positivos e negativos,
pois se, por um lado, vêm no sentido de facilitar o trabalho, melhorar a assistência e
qualificar a mão-de-obra, por outro lado, criam a necessidade de elaboração de um
projeto social que reorganize essas transformações no cenário dos serviços. Da mesma
forma, trazem um componente de aumento de competitividade por parte dos
trabalhadores que precisam esforçar-se cada vez mais por uma vaga no mercado de
trabalho. Ou seja, o mundo do trabalho está continuamente sofrendo transformações,
pois “se o homem aceitasse sempre o mundo como ele é, e se, por outro lado, aceitasse
sempre a si mesmo em seu estado atual, não sentiria a necessidade de transformar o
mundo nem de transformar-se” (VÁZQUEZ, 1987, p.192).
O trabalho em saúde, ao ser “essencial para a vida humana” (PIRES, 2000,
p.85), apresenta um significado de essencialidade para a sobrevivência humana,
58
abarcando muito mais cuidados, não apenas concernentes aos cuidados biológicos,
mas incluindo outras dimensões das interações entre a vida humana e o ambiente.
A saúde é considerada pelo Ministério da Saúde (2002) como
Um conceito em construção, em movimento, dependendo de valores sociais,
culturais, subjetivos e históricos. Podemos dizer que é a busca de uma relação
harmoniosa que nos permita viver com qualidade, que depende de um melhor
conhecimento e aceitação de nós mesmos, de relações mais solidárias,
tolerantes com os outros, relações cidadãs com o Estado e relação de extremo
respeito a natureza, em uma atitude de responsabilidade ecológica com a vida
sobre a terra e com o futuro. Estas relações significam construir saúde em seu
sentido mais amplo, radicalizar na luta contra as desigualdades e participar na
construção de cidadania e da constituição de sujeitos. Sujeitos que amam,
sofrem, adoecem, buscam suas curas, necessitam de cuidados, lutam por seus
direitos e desejos (BRASIL, 2002, p.12).
Pode-se antecipar o comprometimento no desempenho dos diferentes papéis
dos seres humanos no mundo, no caso de um dos fatores envolvidos nessa concepção
não estar sendo contemplado. Nesse sentido as políticas públicas de saúde
colaboram na determinação de questões elementares no processo de trabalho em
saúde: a distribuição, o quantitativo e a remuneração dos recursos humanos, as
condições de trabalho; os recursos materiais e, inclusive, o tipo de atendimento
prestado aos usuários nos diferentes níveis de complexidade.
Para Testa (1992), política é uma atividade realizada por grupos que compõem
a sociedade em torno da relação social que constitui o poder; ou seja, política é uma
proposta sobre a distribuição do poder nas sociedades. As políticas sociais podem ser
vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, conquista dos
trabalhadores, doação das elites dominantes, instrumento de garantia do aumento da
riqueza ou dos direitos do cidadão.
A política social proporciona eqüidade ou redução dos desequilíbrios, dividindo
o bem-estar social em vários componentes a partir de carências em áreas de saúde,
educação, habitação, trabalho, previdência, nutrição, assistência e recreação. A função
dessas políticas seria a redistribuição de renda e de benefícios sociais. A política social
está ligada à política econômica de um governo e compõe-se de estratégias, projetos e
planos. Ambas deveriam ser elaboradas conjuntamente, porém tem-se assistido ao
59
predomínio da política econômica em detrimento da política social.
Através da política de saúde de um país há uma conformação na direção de um
modelo assistencial a ser desenvolvido pelos serviços componentes do sistema de
saúde. Porém, a política de saúde é somente um dos elementos envolvidos na estrutura
assistencial, pois, de acordo com Pires (1998), ela resulta de múltiplas determinações
a) a cultura, o paradigma de ciência das diversas sociedades que, em cada
momento histórico, influenciam o modo de entender o processo de saúde-
doença, a organização dos serviços e como as doenças são prevenidas e
tratadas; b) a história da organização das profissões do campo da saúde; c) os
conhecimentos científicos já acumulados e os recursos tecnológicos
disponíveis; d) as teorias de organização do trabalho e as características do
modo de produção hegemônico; e) o grau de organização político-sindical dos
trabalhadores de saúde; f) o arcabouço legislativo relativo ao papel do Estado
no setor e as relações de trabalho; g) as demandas das classes sociais e de
grupos em relação à saúde, sua capacidade de influenciar nas decisões e de
obter conquistas (PIRES, 1998, p.19).
Esses elementos ressaltados por Pires (1998) têm importante papel na atenção à
saúde, que vai estruturando os seus serviços historicamente, proporcionando uma
conformação do sistema de saúde
4
. Segundo o The World Health Report 2000 (p.5), o
sistema de saúde apresenta três objetivos fundamentais: melhorar a saúde da
população a que serve; responder às expectativas da população; e prover proteção
financeira contra os custos de saúde-doença.
Como forma de alcançar esses objetivos, o sistema de saúde pode fornecer os
elementos teóricos e conceituais necessários para que os serviços sejam guiados na
concretização de um modelo assistencial. Ou, em um movimento contrário, a
população, por meio de sua força de participação pode fornecer ao sistema de saúde, as
bases de análise para construção de um novo modelo, através da demonstração da sua
não satisfação com o atual modelo de atenção à saúde. O modelo assistencial em saúde
direciona todas as ações desenvolvidas nesse campo, o que faz com que haja um eixo
norteador para o trabalho a ser realizado. Segundo Paim (2003a, p.568), modelo
assistencial “é uma dada forma de combinar técnicas e tecnologias para resolver
4
Um Sistema de saúde inclui todas as atividades que têm como proposta primeira promover, restaurar
ou manter a saúde (THE WORLD HEALTH REPORT, 2000, p.5).
60
problemas e atender necessidades de saúde individuais e coletivas. É uma razão de ser,
uma racionalidade, uma espécie de ‘lógica’ que orienta a ação”.
Os serviços, ao comporem um sistema de saúde, deveriam ter um mesmo eixo
norteador, ou seja, seguir um mesmo modelo de atenção, no intuito de conseguir uma
homogeneidade na assistência à população, compartilhando as necessidades postas, os
saberes e a tecnologia disponível, e proporcionando satisfação à clientela ao sentir-se
assistida e amparada pelo sistema de saúde.
Ao se falar de modelo assistencial estamos falando tanto de organização da
produção de serviços a partir de um determinado arranjo de saberes da área,
bem como de projetos de construção de ações sociais específicas, como
estratégia política de determinados agrupamentos sociais. (...) Entendendo
deste modo, que os modelos assistenciais estão sempre se apoiando em uma
dimensão assistencial e em uma tecnológica para expressar-se como projeto de
política, articulado a determinadas forças e disputas sociais, damos preferência
a uma denominação de modelos tecnoassistenciais, pois achamos que deste
modo estamos expondo as dimensões chaves que o compõem como projeto
político (MEHRY, CECÍLIO, NOGUEIRA, 1991, p.84).
Na realidade, há uma tentativa de nortear as ações em saúde através da política
de saúde, das leis e determinações expostas pelo governo federal. Porém, os serviços
estabelecem a sua interpretação e direcionam suas atividades de acordo com o projeto
ético político que defendem. E, por isso, é que se pode encontrar ainda a
predominância, por exemplo, do modelo biomédico alicerçando os processos de
trabalho na maioria dos serviços de saúde.
O modelo biomédico nos serviços de saúde vem acompanhando os vários
momentos históricos pelos quais a saúde vem caminhando, mantendo-se hegemônico
ao longo do tempo. Esse modelo também é chamado de modelo flexneriano, pois
surgiu das recomendações apontadas por Abraham Flexner em relatório encomendado
pela Fundação Carnegie dos Estados Unidos, em 1910, cujas conclusões tiveram
amplo impacto na formação médica em quase todo continente americano. O modelo,
baseado num paradigma fundamentalmente biológico e mecanicista para a
interpretação dos fenômenos vitais, gerou, entre outras coisas, o culto à doença e não à
saúde, e a devoção à tecnologia. “Sob o impacto do Relatório Flexner, a medicina
61
científica voltou-se cada vez mais para a biologia, tornando-se mais especializada e
concentrada nos hospitais” (CAPRA, 1982, p.152).
A prática da atenção médica, referida pelo paradigma flexneriano, estruturou
um sistema de saúde composto por alguns componentes:
tem foco na doença; seu sujeito é individual; estrutura-se pela livre demanda,
sem território definido para a atenção primária; presta atenção ocasional e
passiva; enfatiza, relativamente, o cuidado curativo e reabilitador; apresenta
baixa resolubilidade no primeiro contato; apresenta altos custos diretos e
indiretos, sejam econômicos, sejam sociais; nega a possibilidade de relações
interpessoais constantes, desumanizando o cuidado da saúde e restringe-se a
ações unisetoriais (MENDES, 1999, p.275)
A partir das discussões encetadas durante a VIII Conferência Nacional de Saúde
(CNS)
5
, foram relacionados os principais problemas de saúde identificados quanto ao
modelo assistencial vigente: “desigualdade no acesso ao sistema de saúde,
inadequação dos serviços às necessidades, qualidade insatisfatória dos serviços e
ausência de integralidade das ações” (PAIM, 2003a, p.567).
Ocorre que o modelo assistencial não é dado a priori, mas constrói-se no
cotidiano das relações políticas entre os diversos atores sociais com poderes
diferenciados no que se refere à incorporação de suas demandas pela agenda estatal,
como referem Senna e Cohen (2002). Assim, mesmo um governo progressista que
adote um modelo de assistência mais integrador, poderá não colher efetivamente ações
coerentes com essa política. Da mesma forma, um governo mais conservador
encontrará resistência a essa política em segmentos mais progressistas.
As discussões realizadas na VIII CNS foram regulamentadas na Constituição de
1988, que prescreveu um novo modelo a ser adotado, denominado Sistema Único de
Saúde (SUS), deixando de lado o modelo clínico/biológico/flexneriano que era
adotado oficialmente como paradigma da saúde. A Constituição incorporou um
5
A VIII
Conferência Nacional de Saúde caracterizou-se como um marco na história da saúde.
Realizada em março de 1986, foi o evento político-sanitário mais importante da década. “Foi
convocada para subsidiar a Assembléia Nacional Constituinte na nova Constituição e leis
subseqüentes. Nessa conferência foram expressas as propostas construídas ao longo de quase duas
décadas pelo chamado “movimento sanitário” e que serviram de base para a nova Constituição Federal
brasileira” (PINHEIRO, WESTPHAL, AKERMAN, 2005, p. 450).
62
conjunto de conceitos, princípios e diretivas extraídos da prática corrente e
hegemônica, mas reorganizando-os na nova lógica referida pelos princípios da reforma
sanitária.
A saúde, na Constituição Federal do Brasil, é definida como resultante de
políticas sociais e econômicas, como direito de cidadania e dever do Estado, como
parte da seguridade social e cujas ações e serviços devem ser providos por um Sistema
Único de Saúde (MENDES, 1999).
Segundo Pinheiro, Westphal e Akerman (2005), esse documento forneceu um
ordenamento jurídico para a concretização desse direito. Além desse princípio
incorporado na Constituição, destacam também: participação da população na
administração pública e descentralização por meio do fortalecimento do papel do
município.
A criação do SUS, em 1988, através da Constituição, regulamentado posterior-
mente pelas Leis Orgânicas de Saúde (LOS) n.º 8080 e 8142, de 1990, explicitou o
reconhecimento da saúde como um direito fundamental do ser humano. Por meio
dessas leis foram consagrados os princípios fundamentais já incluídos na Constituição:
a saúde como direito civil, ou seja, direito do cidadão e dever do Estado; o conceito
ampliado de saúde, considerando a sua determinação social; a construção do SUS,
assegurando os princípios da universalidade, da igualdade e da integralidade; o direito
à informação sobre saúde; a participação popular; a descentralização político-
administrativa, com direção única em cada esfera do governo, com ênfase na
descentralização dos serviços para os municípios.
Essa descentralização dos serviços para o município traduz-se na
municipalização dos serviços de saúde, em que cada município tem autonomia para
desenvolver sua política de saúde, de acordo com seus problemas.
A descentralização político-administrativa para os municípios, apregoada pelo
Sistema Único de Saúde, enfatizada na Lei Orgânica de Saúde, deveria ser alcançada
através da organização dos serviços existentes de forma hierarquizada e regionalizada,
com capacidade de resolução
6
em todos os níveis de assistência, devendo ser evitada a
6
Em sua organização interna, o SUS, em seus princípios, traduz resolutibilidade como capacidade de a
unidade básica resolver, no seu nível, a maioria dos problemas de saúde trazidos pelos usuários.
63
duplicidade de ações para fins idênticos.
Ao longo desses 18 anos de implantação do SUS, obtiveram-se alguns avanços,
como, por exemplo, a melhoria do acesso e a legislação referente à estruturação desse
sistema de saúde. No entanto, nesse movimento histórico-social desfavorável às
políticas sociais, evidencia-se o descaso, por parte de muitos gestores, para com os
serviços públicos de saúde. Ao mesmo tempo em que se presencia intenso
comprometimento e responsabilidade por parte de gestores de alguns outros serviços
públicos de saúde, como no caso de Itapiúna, Quixadá e Iguatu, no Ceará; Campina
Grande, na Paraíba; Camarajibe e Olinda, em Pernambuco; Niterói, no Rio de Janeiro;
Curitiba, no Paraná; Joinville, em Santa Catarina; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul;
e muitos outros municípios que vêm apresentando uma situação de melhorias na saúde
pública (MENDES, 1999).
Vivencia-se uma precariedade no atendimento à saúde da coletividade, apesar
de a saúde, enquanto direito de todo cidadão, esteja prevista através dessas políticas
sociais e econômicas. Acredita-se que essa problemática da precariedade de
atendimento à saúde possa ser fruto das condições sociais da população, o que faz com
que exista uma demanda maior que a oferta nos serviços públicos de saúde; porém,
com uma melhor estruturação do sistema de saúde como um todo, é possível assegurar
que os preceitos do SUS sejam seguidos. O SUS deveria garantir o acesso universal,
com atendimento integral e gratuito, como é possível perceber na leitura da
Constituição Federal, art.196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação”.
Apesar de avançado em seus princípios orientadores, segundo o Ministério da
Saúde, o Sistema Único de Saúde ainda guarda, em seu modelo de atenção, uma
perspectiva fortemente pautada nos fundamentos da biomedicina, o que causará
dificuldades a longo prazo para sua sustentabilidade, tanto do ponto de vista
financeiro, quanto do potencial de reverter as tendências epidemiológicas dos graves
problemas de saúde do país (BRASIL, 2000, p.9).
Na análise de Pereira (2001), a tarefa de construir um novo modelo assistencial,
64
continua sendo o grande desafio do SUS, sendo que este deveria desenvolver ações
visando a melhoria da qualidade de vida da população e não se restringindo a tomar a
lógica estrita do financiamento e do atendimento às demandas específicas de doenças.
O modelo biomédico tem seus princípios básicos tão enraizados em nossa
cultura que se tornou até o modelo popular dominante. Segundo Capra (1982, p.154),
essa “atitude pública torna muito difícil para os médicos progressistas mudarem os
modelos atuais de assistência à saúde”.
Esses fundamentos teóricos e metodológicos que ainda acompanham o sistema
de saúde hoje em dia, com ênfase na tecnologia de equipamentos, com o uso excessivo
de medicamentos e com uma prática da assistência médica altamente especializada, já
foram comentados por Capra (1982), há muito tempo atrás, como tendo sua origem
nas escolas de medicina e nos centros médicos acadêmicos. O autor já se referia ao
fato de que qualquer tentativa de mudança do sistema de assistência à saúde teria que
começar, portanto, pela mudança no ensino da medicina.
A compreensão que se pode abstrair desse pressuposto é de que só será possível
transcender o modelo biomédico se estivermos dispostos a mudar também outras
coisas, a realizar uma completa transformação social e cultural. E, com isso, deve-se
entender que a mudança no ensino, por exemplo, deve abranger todas as áreas da
saúde, não se atendo unicamente ao ensino nas escolas médicas. Esse argumento é
realizado com base no entendimento de que a referência encontrada de autores em
relação à medicina é uma questão cultural que, na verdade, é a forma como se
manifestam em relação à saúde como um todo.
As idéias e os valores oriundos do modelo médico-hegemônico são
predominantes na sociedade. São eles que orientam a formação dos profissionais de
saúde e estão presentes na cabeça dos trabalhadores. “Essas idéias e os interesses que
elas representam interferem, a todo o momento, na possibilidade de consolidação do
SUS” (FEUERWERKER, 2005, p.491).
O sistema de saúde de um país e, no caso brasileiro, o SUS, é uma tentativa de
assegurar a saúde para toda a população nos moldes ditados pela Constituição Federal.
O sistema de saúde assume grande responsabilidade perante seus cidadãos.
Refletir sobre as atividades inerentes ao sistema de saúde conduz à
65
consideração de que uma das propostas que envolvem essas atividades, a de
manutenção da saúde, é almejada, prioritariamente, por qualquer membro da
comunidade e, para isso, são desenvolvidas ações de diferentes ordens para promovê-
la, não somente pelo próprio sujeito envolvido, quanto pelos integrantes do sistema de
saúde, como gestores e trabalhadores. Porém, quando há uma alteração, por menor que
seja, em qualquer dos elementos componentes da saúde, já se pode considerar o ser
humano em um estado de não saúde, o que exige esforços no sentido de restaurá-lo e
devolvê-lo ao seu estado normal. Para isso, é necessária a ação organizada do sistema
de saúde, desenvolvida conforme a necessidade dos seres humanos, em seus diferentes
momentos da vida. A atenção à saúde deve ser direcionada para a realização de
processos de trabalho em que haja a utilização de toda a sua força e seus instrumentos
de trabalho, com seu aparato humano e tecnológico, em termos de equipe,
conhecimentos, equipamentos clínicos, diagnóstico, etc.
A atenção à saúde, segundo Paim (2004), pode ser examinada basicamente
mediante um enfoque de resposta social aos problemas e necessidades de saúde e de
um serviço compreendido no interior de processos de produção, distribuição e
consumo. Como resposta social, insere-se no campo disciplinar da Política de Saúde,
sobretudo quando são analisadas as ações e omissões do Estado no que tange à saúde
dos indivíduos e da coletividade. Como um serviço, situa-se no setor terciário da
economia e depende de processos que perpassam os espaços do Estado e do mercado
(PAIM, 2004).
O campo da atenção à saúde parece estar mais acostumado a ser compreendido
na ótica da resposta social às necessidades e carecimentos de saúde, sendo considerado
dessa forma por grande parte da comunidade e até mesmo, dos trabalhadores em
saúde. Tal concepção faz com que a atenção à saúde seja visualizada alheia às relações
de mercado. Relacionando esse campo como um serviço que se submete, como
qualquer outro serviço, às leis do mercado, entende-se que no interior deste, são
desenvolvidas ações de produção, distribuição e consumo, o que faz com que cada
cidadão possa perceber seu papel de produtor ou consumidor, ou ambos e, então, possa
exercer seus direitos enquanto portador de uma dessas condições.
Concorda-se com Campos (2000) ao reconhecer
66
que a saúde é um valor de uso. Valor de uso com o sentido que originalmente
Marx (1985) atribuiu ao conceito, no volume primeiro de O capital. Valor de
uso entendido como a utilidade que bens ou serviços têm para pessoas
concretas vivendo em situações específicas. Ninguém conseguiria fazer
circular uma mercadoria sem valor de uso. A saúde, mesmo quando entendida
como um bem público, ou seja, quando lhe é socialmente retirada o caráter de
mercadoria, como acontece no Sistema Único de Saúde, já que é produzida
como um direito universal e não em função de seu valor de troca, mesmo
nestes casos, ela conserva o caráter de valor de uso (CAMPOS, 2000, p.228).
Ao analisar o Relatório de Saúde Mundial, publicado em 2000, percebe-se que
nesse relatório há a argumentação de que no sistema de saúde, as pessoas são
consumidores, porque elas se conduzem em caminhos que influenciam sua saúde,
incluindo suas escolhas sobre a procura e a utilização dos cuidados de saúde. Ou
simplesmente, no momento em que uma pessoa faz uma escolha sobre sua dieta, estilo
de vida e outros fatores que afetam sua saúde (THE WORLD HEALTH REPORT,
2000).
Algumas vezes, por momentos, os papéis de consumidores e produtores estão
combinados em uma pessoa, como exemplificado no relatório citado, quando uma
mulher tem seu parto com pouca ou nenhuma assistência. A mulher precisa participar
ativamente nesse momento. É preciso lembrar, também, que as pessoas participam do
financiamento do sistema. Elas se encontram no sistema de saúde como contribuintes
que pagam por ele, de forma consciente, pagando o cuidado de seu próprio bolso ou
efetuando o pagamento de seguros de saúde ou contribuições da seguridade social, e
de forma inconsciente, quando pagam taxas que são usadas, em parte, no
financiamento da saúde (THE WORLD HEALTH REPORT, 2000). Os múltiplos
papéis das pessoas perante o sistema de saúde pode ser visualizado por intermédio da
figura abaixo:
67
Figura 1: Os múltiplos papéis das pessoas no sistema de saúde (THE WORLD HEALTH
REPORT, 2000).
Refletindo sob esse aspecto, do sistema de saúde envolver várias pessoas,
nenhuma delas desempenhando unicamente um papel de expectador, que todos têm
parte no processo de alguma forma, o processo de planejamento, no contexto da saúde,
deve considerar que a decisão de um gestor sobre as ações a desenvolver é fruto da
interação entre sua percepção de quais interesses deve seguir e os interesses da
sociedade, que não são necessariamente os mesmos.
Dessa interação - motivada pela busca de soluções para os problemas de uma
população - resulta a implementação de um plano de saúde capaz de modificar o
quadro atual, de modo a alcançar-se uma nova situação em que haja melhor qualidade
de vida, maiores níveis de saúde e bem-estar, e apoio ao desenvolvimento social dessa
mesma população. Nesse sentido, o planejamento das ações de saúde necessárias a
uma comunidade, que deve ser efetuado através da realização de um Plano Nacional
de Saúde, concretiza a responsabilização dos gestores pela saúde da população
68
(BRASIL, 2004a). No Plano Nacional de Saúde, elaborado para a gestão 2004-2007,
é explicitada essa preocupação de responsabilidade do governo para com a saúde de
sua população. Há a argumentação clara a respeito do modelo assistencial em saúde,
destacando que o modelo biomédico, vigente ainda, apesar das mudanças
paradigmáticas que vêm ocorrendo no campo da saúde, revelou-se caro e pouco eficaz
para resolver os problemas sanitários da população brasileira.
Muitos autores, que acompanham de perto as questões ligadas à saúde pública,
vêm manifestando que o sistema de saúde, no qual o referencial
clínico/biomédico/flexneriano é o alicerce assistencial e tecnológico, é um sistema da
doença. Mendes (1999) refere:
Este é um sistema que não valoriza a organização da atenção primária; que
exalta o saber e o fazer especializados; que responde passiva, impessoal e
ocasionalmente a demandas derivadas da auto-percepção, pela população, da
doença; que está aberto à demanda direta em qualquer um de seus níveis; que
atua permanentemente a jusante quando já se perdeu a saúde e que é
pressionado pela concentração da demanda em hospitais e unidades
especializadas. Nele, a atenção primária, ou não está organizada, ou é ofertada
por meio de balcões de doenças, receptores passivos de demandas por
cuidados médicos, em que podem estar mesclados alguns programas dirigidos
a grupos de risco que, entretanto, acabam por se subordinarem à lógica
organizacional hegemônica (MENDES, 1999, p. 275).
De acordo com Mendes (2002b), há várias formas para a organização dos
sistemas de serviços de saúde no âmbito microeconômico, mas, contemporaneamente,
elas agregam-se em duas opções alternativas: os sistemas fragmentados ou os sistemas
integrados de serviços de saúde. O autor relata que os sistemas fragmentados de
serviços de saúde são aqueles que se (des)organizam através de um conjunto de pontos
de atenção à saúde isolados e incomunicáveis entre si, com débil atenção primária à
saúde e, por conseqüência, incapazes de prestar uma atenção contínua às pessoas e de
se responsabilizar por uma população determinada. Contrariamente, os sistemas
integrados de serviços de atenção à saúde, organizada pela atenção primária à saúde,
prestam uma assistência contínua a uma população definida – no lugar certo, no tempo
certo, na qualidade certa e com o custo certo – e se responsabiliza pelos resultados
econômicos e sanitários relativos a essa população.
69
No Brasil, historicamente, tem havido a predominância de um sistema
fragmentado de serviços de saúde, com o modelo biomédico de atenção como o guia
norteador das ações. O desenvolvimento de um modelo de atenção à saúde centrado no
hospital, nas especialidades médicas e na utilização de alta tecnologia tem sido, em
geral, a tônica dos serviços. A atenção básica ocupou um segundo plano e, por isso, “a
consolidação do SUS exige não apenas a ampliação do acesso aos serviços de saúde,
mas uma reestruturação da prática assistencial focada na organização de serviços
básicos de qualidade e eficientes, capazes de solucionar cerca de 80% dos problemas
de saúde” (BRASIL, 2004a, p.10).
Nessa perspectiva, o fortalecimento da atenção básica vem ocorrendo por
intermédio da estratégia de saúde da família que busca assegurar atenção integral e
qualificada, com investimentos nos vários níveis assistenciais.
Essa estratégia tem o enfoque na atenção primária à saúde, tendo como objetivo
“contribuir para a re-orientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em
conformidade com os princípios do SUS, imprimindo uma nova dinâmica de atuação
nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de
saúde e a população” (BRASIL, 1997, p.10).
A expansão e a qualificação da atenção básica, organizadas pela estratégia
Saúde da Família, compõem parte do conjunto de prioridades políticas apresentadas
pelo Ministério da Saúde e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde. Esta
concepção supera a antiga proposição de caráter exclusivamente centrado na doença,
desenvolvendo-se por meio de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e
participativas, sob a forma de trabalho em equipes, dirigidas às populações de
territórios delimitados (BRASIL, 2007).
O Sistema Único de Saúde, a despeito da complexidade dos problemas de
ordenamento e acesso, apresenta elementos propulsores à implementação de alterações
na estratégia de intervenção governamental nas três esferas de governo, para superar
os obstáculos para o efetivo controle da oferta de serviços visando melhorar o acesso
dos usuários, especialmente os de mais baixa renda. Entre outros cabe lembrar:
· o perfil do processo de descentralização, em curso, é favorável em grande
parte de seus aspectos;
· existem recursos para investimento, que se utilizados como vetores de
70
reorientação da oferta via REFORSUS, auxiliaram na obtenção de maior
eficácia da rede de serviços;
· formas de organização da Administração Pública brasileira, principalmente
pós Plano Diretor da Reforma Administrativa e no âmbito de um novo
governo com perfil desenvolvimentista, podem garantir a flexibilidade e
autonomia necessárias para o funcionamento das redes prestadoras de serviço,
permitindo maior controle da oferta;
· o formato dos mecanismos de financiamento setorial pode tornar-se pró-
ativo, por exemplo, através da adoção de vinculações institucionais associadas
ao estabelecimento de pisos básicos em todos os níveis de atendimento,
auxiliando uma contratualização que efetivamente seja aderente às
necessidades e prioridades diferenciadas de atendimento hierarquizadas via
ações de planejamento, avaliação e controle;
· reestruturação, em curso, da Atenção Primária abre boas possibilidades para
o estabelecimento de uma porta de entrada mais resolutiva e eficaz;
· já existem várias inovações organizacionais e gerenciais em andamento e
coerentes com uma mecânica de contratualização que vise aumentar os níveis
de acesso, cobertura e ordenamento das ações e serviços, além de alternativas
de planejamento da oferta baseados em novos e mais efetivos critérios de
microregionalização (SILVA, 2005).
A atuação tradicional do setor saúde conduz à compreensão do indivíduo como
isolado de seu contexto familiar e de valores sócio-culturais. Essa tendência
generalizante fragmenta e massifica o indivíduo no sistema. O indivíduo é visto como
manifestação da doença que ocorre em partes de seu corpo, sem que sejam observadas
suas diferentes dimensões, e acaba submetendo-se a vários serviços de saúde que o
atendem de forma impessoal, diminuindo a possibilidade de estabelecimento de
vínculo entre usuário, serviço e terapêutica. Como conseqüência, os resultados de uma
relação assim tendem a ser muito deficitários, pouco resolutivos e implicam em
sobretrabalho, ao remeter esse indivíduo para uma outra porta de entrada no sistema.
De fato, diante dessa forma de atenção à saúde, acredita-se que há pouca
resolutividade dos serviços de saúde e, neste aspecto, são visualizadas deficiências,
como a descontextualização da assistência, o que proporciona pouca segurança e
tranqüilidade para a clientela.
A partir dessa compreensão acerca da conformação das práticas de saúde
fortemente ligadas às questões sociais, políticas e econômicas, pode-se entender o
rumo tomado pelas diversas apresentações que tem o trabalho atualmente. Uma dessas
práticas, que vem se consolidando pouco a pouco nas realidades de trabalho, é a
71
atenção domiciliária.
O domicílio foi considerado por Furtado (2001) como um ambiente que
proporciona maior viabilidade e ressonância para o agir além das questões estritamente
médicas e técnicas, possibilitando agregar as dimensões emocionais e afetivas. E, com
uma grande vantagem, que é a possibilidade de integrar os trabalhadores de ambos os
espaços de serviços, como hospitais e rede básica, já que há a probabilidade de que um
trabalho conjunto possa ser efetuado, e não somente em nível de referência e contra-
referência, mas no compartilhar de responsabilidades.
Esse papel de compartilhamento de responsabilidades também foi destacado por
Cotta et al (2002):
Hemos de reconocer, sin embargo, el papel primordial que tiene la atención
domiciliaria en la potenciación de la coordinación e integración de los
servicios sanitarios y sociales, ya que permite compartir responsabilidades
clínicas, organizativas e financieras, y superar la tradicional provisión
dicotómica de la asistencia, con lo que puede constituirse en un elemento
facilitador e impulsor de una progresiva conexión entre el hospital y la
atención primaria (COTTA et al, 2002, p.258).
Essa é uma necessidade manifesta no cotidiano do trabalho em saúde, já que há
uma dicotomia que permeia as diversas práticas de trabalho existentes, como no caso
do trabalho realizado em instituições hospitalares e nas unidades básicas de saúde.
Cada trabalhador desenvolve o seu trabalho isolado, no interior da sua instituição, sem
estabelecer relações fora desse espaço, restringindo o seu campo de ação.
A partir dessas reflexões, se reconhece a atenção domiciliária como uma
possibilidade de integração dos trabalhadores atuantes em instituições hospitalares
com os trabalhadores atuantes na rede básica de serviços de saúde. Esta assertiva
visualiza a atenção domiciliária como uma prática que pode se desenvolver em vários
momentos, com diversos trabalhadores, não sendo do domínio nem da equipe de
atenção primária, nem da equipe de atenção hospitalar, uma vez que há um espaço de
assistência que pode ser orientado para cada uma dessas equipes ou para ambas. Nesse
espaço de trabalho dessas equipes, há a possibilidade de integração dos trabalhadores,
que podem conjuntamente compartilhar momentos da assistência e estabelecer o plano
72
da continuidade de atendimento. Ele é entendido aqui como o momento em que a
atenção domiciliária começa a ser repassada de uma instituição de saúde a outra. Por
exemplo, um usuário que recebe alta hospitalar para continuidade do tratamento em
nível domiciliar e que este cuidado é realizado inicialmente pela equipe de atenção
domiciliária do hospital; após estabilização do quadro clínico, a equipe de atenção
domiciliária da rede básica de saúde pode assumir o cuidado. Há um
compartilhamento no planejamento do cuidado pelas duas equipes e a equipe
hospitalar pode ser novamente acionada, caso necessário.
O papel primordial que pode ter a atenção domiciliária na capacidade de
coordenação e integração dos serviços pode ser defendido, já que permite compartilhar
responsabilidades, facilitar e impulsionar a conexão entre hospital e outros níveis de
atenção, como já ressaltado por Cotta et al (2002).
A atenção domiciliária seria um instrumento com potência para produzir uma
assistência comprometida com o estabelecimento de uma relação de vínculo
trabalhador/usuário, de promoção do acolhimento e desenvolvimento de co-
responsabilidade, direcionando assim para os propósitos do SUS. O PSF, através dela,
poderia articular-se aos demais estabelecimentos de saúde, para desenvolverem de
forma integrada esse tipo de atividade, visando a prestação de um cuidado mais
completo, ou seja, integral e resolutivo.
A atenção domiciliária, como instrumento de intervenção no PSF, na proposta
de atenção à família, já é amplamente apregoada pelo sistema. Porém, essa prática,
como um trabalho que pode ser desenvolvido por qualquer instituição prestadora de
serviços de saúde, ainda é incipiente, estando na fase embrionária como política
pública no Brasil, existindo apenas algumas experiências isoladas que servem como
modelo de atuação, como em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em Londrina, no
Paraná e em Santos, em São Paulo.
Assim, a atenção domiciliária pode ser uma prática permanente do trabalho em
saúde, realizada não só no interior dos Programas de Saúde da Família, mas, também,
como uma expansão da assistência hospitalar, compondo uma alternativa para o
enfrentamento da crise no setor da saúde, o que pode ser efetuado por meio de
programas de atendimento domiciliário, desenvolvido tanto nos âmbitos público
73
quanto privado. Por isso, é uma estratégia de cuidado que valoriza e potencializa o
domicílio como um espaço de cuidado.
Sob este prisma, esse trabalho pode colaborar tanto com as instituições públicas
de saúde, na expansão de seus serviços e obtenção de um alcance maior de suas ações,
quanto ajudar na resolução da problemática enfrentada pela população carente de
atenção à saúde, ao reconhecer o domicílio como um espaço de cuidado, valorizando
os recursos físicos e ambientais e o apoio familiar como importantes no cuidado ao
cliente dos serviços de saúde. Ou seja, ao reconhecer este ambiente também como
próprio ao cuidado, o setor saúde abre mão de alguns pressupostos que restringiam
apenas os serviços de saúde como apropriados ao ambiente de cuidado por
profissionais de saúde. Muito embora o domicílio já tenha sido reconhecido como um
ambiente de cuidado, isso não o incluía como espaço de cuidado profissional, como
vem ocorrendo nas experiências referidas anteriormente.
A principal vantagem desta modalidade de trabalho é o fato de estar e de cuidar
na família e no domicílio, que passam a ser vistos como influenciadores na melhoria
da qualidade de vida do paciente e dos envolvidos no processo, evitando que o doente
perca o vínculo familiar e seu meio social e cultural (ALBIERO, 2003).
O encontro entre família e trabalhadores, como um espaço ético – abarcando os
princípios de autonomia, confiança e co-responsabilização no processo de cuidados à
saúde da família (ALONSO, 2003) significa compartilhamento de responsabilidades.
Então se faz necessário esclarecer que não é objetivo repassar para a família o cuidado,
já que o sistema de saúde não está tendo condições de fornecê-lo, mas, sim, construir
uma assistência em que as respostas se situem o mais próximo possível do nível em
que se encontram as necessidades e as possibilidades de atendê-las. Nesse sentido,
autores como Pereira (2001) e Furtado (2001) alertam sobre as potências que o
domicílio possibilita para a mudança de concepções e, portanto, do processo de
trabalho. Esta prática poderá contribuir com possibilidades de operar os serviços de
saúde de forma a estabelecer uma relação acolhedora, marcada pelo compromisso e
responsabilização pela saúde dos usuários; e pela preocupação com o desenvolvimento
da autonomia do usuário, visando a que este vá se apropriando das diversas
tecnologias, possibilitando-lhe cada vez mais ir resolvendo ou minimizando parte
74
daquilo que lhe tem causado sofrimento (PEREIRA, 2001).
O atributo de articular as ações curativas, preventivas, promocionais,
assistenciais e educativas não é exclusivo da assistência domiciliária, pode e deve
ocorrer em todos os espaços de assistência à saúde. No entanto, as produções
científicas têm ressaltado o domicílio com maior potência para promover essa
operacionalização (TRUJILLO et al, 1999; PEREIRA, 2001; FURTADO (2001).
É importante que os trabalhadores da saúde entendam que têm um papel a
cumprir nessa história e que nada se apresenta repentinamente, sem uma determinação
social e histórica. Diante disto, de se repensar a forma como o trabalho em saúde
é desenvolvido e em finalidades diferenciadas do atual modelo de atenção à saúde
vigente nas instituições de serviços de saúde.
A atenção domiciliária foi configurada, neste momento, como uma estratégia
capaz de se apresentar ao mundo do trabalho como uma alternativa de reorganização
do sistema de saúde, exeqüível, humanizadora e com potencial de resolutividade.
Refletindo sobre essa prática do trabalho, pode-se constatar que não há um
único e restrito objeto de trabalho, pois ora este é composto por um sujeito carente de
cuidados, ora pela sua família. Ao aprofundar as reflexões, embasada no estudo de
diferentes autores, percebe-se que a finalidade da atenção domiciliária que, a princípio,
poderia se configurar superficialmente como uma ação imediatista, pontual, engloba
no seu interior elementos orientadores para o alcance de necessidades mediatas. Essa
prática de trabalho, intitulada atenção domiciliária, integra ações de visita e, também,
de internação domiciliária, conforme a necessidade manifesta pela clientela, objeto da
ação. Seu desenvolvimento pode ser dado em duas direções: do hospital, em direção
ao domicílio; e deste, em direção ao ambiente hospitalar. O que significa dizer que o
sistema de saúde local de cada município pode ser organizado de tal forma que tenha a
atenção domiciliária como parte de suas ações de saúde e, em que, neste sistema,
estejam congregadas diferentes atividades, seja na forma de visita domiciliária com
propósitos preventivos e de promoção da saúde, seja na forma de cuidados contínuos
no domicílio (internação domiciliária), como o exemplo da Argentina.
É preciso reconhecer, no entanto, que há uma série de aspectos que funcionam
como um entrave para sua concretização prática, apesar de seu ideal teórico, dos quais
75
pode-se destacar a formação dos trabalhadores, a cultura institucional e social, e a
dificuldade de extrapolar os limites de sua abrangência territorial, quando necessária
uma referência a outros serviços.
Neste sentido, os aspectos ressaltados precisam ser trabalhados e entendidos, ao
mesmo tempo, como processuais, pois somente com o transcorrer do tempo vão sendo
assimilados e transformados para atingir a finalidade desejada. É importante refletir
que, para a implantação do PSF ou qualquer outra estratégia semelhante, faz-se
necessária a compreensão do processo de trabalho e do projeto de saúde com o qual
este está comprometido no cenário político-social, pois, sem isto, corre-se o risco de
mudar somente o local ou o nome do serviço de assistência, sem alterar a lógica que o
sustenta.
Uma integração das diversas práticas de trabalhos pode funcionar como
elemento potencializador na mudança de modelo. A atenção domiciliária realizada no
PSF pode ser uma das formas de cuidar e educar no domicílio, se agregada ao serviço
hospitalar como forma de obter a integralização da atenção e à compreensão do
processo de trabalho, refletindo no como, para que e por que se faz.
Acredita-se no impacto que esse tipo de atividade possa gerar na qualidade de
vida e saúde da população e, ao mesmo tempo, possibilitar a realização de um trabalho
interdisciplinar e integrador, motivador da satisfação pessoal e profissional a todos os
envolvidos no processo.
Ao finalizar esta reflexão, considera-se importante ressaltar que a atenção
domiciliária, percebida como capaz de potencializar a reorganização do atual sistema
de saúde, precisa ser repensada no seu aspecto conceitual e operacional. O trabalho
desenvolvido na atenção domiciliária, no nosso entendimento, tem uma atuação mais
ampliada do que a realização de inquéritos, cadastramentos, controle de faltosos, o que
resulta em um serviço com ações pontuais e focalizadas. Propõe-se que a atenção
domiciliária seja desenvolvida de forma a proporcionar ações mais integrais ao
indivíduo e à família e, ainda, proporcionar uma integração entre os diversos serviços
de saúde.
CAPÍTULO 4
4 DELINEAMENTO METODOLÓGICO
4.1 Tipo de estudo
Neste estudo, trabal
hou-se com uma abordagem qualitativa, que apresenta a
função de nos localizar, como observadores, no mundo. Segundo Denzin e Lincoln
(2006, p.17): “A pesquisa qualitativa consiste em um conjunto de práticas materiais e
interpretativas que dão visibilidade ao mundo”. Os autores referem que essas práticas
transformam o mundo em uma série de representações, como as notas de campo, as
entrevistas, as fotografias, as gravações, entre outros. “Envolve uma abordagem
naturalista, interpretativa para mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam
as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos
em termos dos significados que as pessoas a eles conferem” (DENZIN, LINCOLN,
2006, p.17).
Para esse tipo de pesquisa pode ser utilizada uma variedade de materiais
empíricos. Para este estudo utilizou-se o estudo de caso, o qual é “uma investigação
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida
real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos” (YIN, 2005, p. 32). O pesquisador não tem controle sobre os
eventos e variáveis, e busca apreender a totalidade da situação, descrevendo,
compreendendo e interpretando a complexidade do caso concreto. Há uma tentativa de
“compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja, parte
de sua vida diária, sua satisfação, desapontamentos, surpresas e outras emoções,
sentimentos e desejos, assim como na perspectiva do próprio pesquisador”
(LEOPARDI, 2002, p.117).
A finalidade de realizar este estudo é refletir, em profundidade, sobre o
interesse próprio e singular de uma instituição pública de saúde desenvolver uma
77
prática de trabalho em atenção domiciliária. De acordo com Lüdke e André (1986),
algumas características dos estudos de caso são:
visam a descoberta;
enfatizam a ‘interpretação do contexto’;
buscam retratar a realidade de forma completa e profunda;
usam uma variedade de fontes de informação;
revelam experiência vicária e permitem generalização naturalística;
procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista
presentes numa situação social;
utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros
relatórios de pesquisa.
As respostas podem ser buscadas na relação determinada pela história, pela
política e pela sociedade. Concordo com Almeida e Rocha (1997), quando,
discursando a esse respeito, dizem que é preciso um tipo de abordagem metodológica
que vá além dos indivíduos, analisando as relações sociais, numa visão da totalidade
do objeto e de suas transformações. Neste sentido, acredito que a teoria dialética
encerre esta possibilidade.
O método dialético localiza contradições na organização social, as quais são
confrontos entre modos opostos ou incompatíveis de dispor a vida social. A tarefa
analítica é identificar as conjunturas sociais, que tornam a mudança possível ou
provável. Há um comprometimento para com a práxis, o qual acarreta um diálogo
continuado entre teoria e prática, e entre líderes e massas (BENSON,1984). Segundo o
autor, a análise dialética preocupa-se com o surgimento, dentro de uma formação
social, de componentes novos, incompatíveis; e que o processo de produção social
gera novas formas de organização social, que contradizem os limites de uma ordem
particular. Nessa visão, como a produção social é sempre moldada por contextos
sociais, a análise dialética deve sempre incluir um movimento totalizante, localizando
observações dentro de formações sociais totais.
78
4.2 Local de escolha
O critério inicial de escolha do local deste estudo foi um serviço público de
saúde que se apresentasse, como uma experiência bem sucedida de atenção
domiciliária. O Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, de
Porto Alegre/RS, pelas características elencadas a seguir nos pareceu uma escolha
apropriada.
O Grupo Hospitalar Conceição (GHC), vinculado ao Ministério da Saúde, é um
dos maiores complexos hospitalares da América Latina, responsável por 32% das
internações de Porto Alegre e 7% das internações do Estado do Rio Grande do Sul. É
composto por quatro hospitais:
Hospital Nossa Senhora da Conceição (geral);
Hospital Cristo Redentor (trauma, oftalmologia e pronto-socorro);
Hospital da Criança Conceição (pediatria); e
Hospital Fêmina (materno-infantil).
O Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) é uma sociedade anônima,
onde o maior acionista é o Ministério da Saúde. Atualmente conta com 828 leitos, e
um quadro funcional com cerca de 4.000 funcionários. Além dos cuidados
hospitalares, o HNSC também desenvolve ações na área de Atenção Primária à Saúde
(APS), através do Serviço de Saúde Comunitária, vinculado à Gerência de Saúde
Comunitária.
O Serviço de Saúde Comunitária (SSC) constitui uma rede de doze unidades de
saúde, localizadas na Zona Norte de Porto Alegre, abrangendo mais de 100.000
pessoas. Tem sua origem em 1980 com a implantação do Programa de Residência
Médica em Medicina Geral. O Serviço foi criado em 1982, através da instalação da sua
primeira unidade - Unidade de Medicina de Família, do Hospital Nossa Senhora da
Conceição - com o objetivo de aperfeiçoar a formação de recursos humanos na área de
Medicina de Família e prestar cuidados à população vizinha ao Hospital (GRUPO,
2006).
A abertura das demais unidades caracterizou-se pela solicitação das
comunidades próximas em disponibilizarem no seu bairro serviços conforme o modelo
79
original baseado na Saúde Comunitária
7
. A estrutura física e de pessoal foi adequada
às necessidades das comunidades, desenvolvendo atividades conjuntas na organização
e implantação das unidades. As Unidades foram abertas na seguinte ordem
cronológica:
- 1982 - Unidade de Medicina de Família do HNSC (Unidade Conceição);
- 1985 - Unidade da Vila Floresta;
- 1986 - Unidade Divina Providência (Valão);
- 1990 - Unidade da Vila SESC;
- 1991 - Unidade Barão de Bagé;
- 1992 - Unidade Santíssima Trindade (Vila Dique);
- Unidade Jardim Leopoldina;
- Unidade Parque dos Maias;
- Unidade Jardim Itu;
- 1993 - Unidade N.Sra. Aparecida;
- 1994 - Unidade COINMA;
- 1995 - Unidade Costa e Silva.
O SSC presta mais de 50.000 atendimentos por mês, com uma resolutividade
ambulatorial em torno de 92% das consultas. Aproximadamente 5% destas são
atendimentos domiciliares e o índice de internações hospitalares é de cerca de 0,8%
das mesmas (média de 200 internações por mês). O planejamento e a avaliação das
ações contam com as assessorias do Núcleo de Epidemiologia e do Grupo de
Educação em Saúde (GE&S).
A execução e o desenvolvimento das ações e atividades de apoio e manutenção
de todos os setores do SSC é responsabilidade de área específica, denominada Setor
Administrativo/GSC.
Desde sua implantação em 1980, o programa de Residência em Medicina de
Família e Comunidade é parte fundamental como estímulo constante ao aperfeiçoa-
7
Cabe referir que a saúde comunitária teve, nesse serviço, suas origens na Medicina Comunitária, a
qual “retém fundamentalmente a idéia da possibilidade de extensão da medicina às populações
carentes através do desencadeamento de mecanismos integradores, de racionalização dos recursos da
medicina institucionalizada e dos recursos mobilizáveis ao nível dos grupos sociais objeto dessa
prática (DONNANGELO, PEREIRA, 1979, p.13).
80
mento dos profissionais, contando atualmente com um total de 75 residentes de
medicina, enfermagem e psicologia, de 1º ano e 2º ano. O SSC também atua como
local de estágios curriculares em convênio com Universidades, estágios não-curricu-
lares, e presta treinamento e assessoria a municípios nas áreas de planejamento, orga-
nização de serviços e capacitação de recursos humanos (PSF). O Serviço possui ainda
uma área de internação dentro do HNSC, para referência dos pacientes atendidos nas
suas Unidades. Essa enfermaria de 32 leitos possui equipe própria de médicos, a qual é
responsável pela preceptoria dos médicos residentes no estágio de Medicina Interna.
Os parâmetros de tempo de existência do serviço, a forma de sua implantação, o
tipo de proposta e, ainda, a área de abrangência a ser incluída pelo serviço, além de
toda a estrutura física e operacional que se encontra amparando as unidades de saúde,
caracterizam-no como um serviço bem sucedido de atenção domiciliária. Todos esses
são indícios de que é um serviço bem consolidado, que tem mostrado capacidade de se
manter ao longo da história como uma proposta com alto grau de envolvimento na
comunidade. Alia-se a isto, também, o fato de ser um serviço reconhecido
nacionalmente.
Para efeitos deste estudo foi necessário delimitar o espaço da pesquisa,
escolhendo uma das doze unidades de saúde, o que foi realizado a partir da apreciação
do tipo de atividades desenvolvidas em cada uma dessas unidades. Na descrição do
SSC, fornecida pela Coordenadora do Serviço de Saúde Comunitária do GHC, pode-se
observar que somente uma unidade é referida como prestadora de assistência
domiciliar, enquanto uma outra é referida como prestadora de visita domiciliar.
Portanto, a escolha foi direcionada para a unidade que relata ter a assistência
domiciliar como uma de suas atividades, que é a Unidade de Medicina de Família
Conceição. E, pensando na questão da historicidade, que é extremamente importante
neste estudo, tem o aspecto de ser a primeira unidade que compôs o Serviço de Saúde
Comunitária.
A Unidade Conceição apresenta uma sistematização da atenção domiciliária, de
forma a viabilizar sua operacionalização, em quatro modalidades (BRASIL, 2003b,
p.11):
atendimento domiciliar: é o cuidado prestado no domicílio, para pessoas
81
com problemas agudos e que, em função disso, estejam temporariamente
impossibilitadas de comparecer à Unidade Básica de Saúde;
internação domiciliar: é o cuidado no domicílio, para pacientes com
problemas agudos ou egressos de hospitalização, que exijam uma atenção
mais intensa, mas que possam ser mantidos em casa, desde que disponham
de equipamentos, medicamentos e acompanhamento diário pela equipe da
Unidade Básica de Saúde e a família assuma uma parcela dos cuidados;
acompanhamento domiciliar: é o cuidado no domicílio para pessoas que
necessitem contatos freqüentes e programáveis com os profissionais da
equipe;
vigilância domiciliar: é decorrente do comparecimento de um integrante da
equipe até o domicílio para realizar ações de promoção, prevenção,
educação e busca ativa da população de sua área de responsabilidade,
geralmente vinculadas à vigilância da saúde que a Unidade desenvolve.
Essa unidade tem importância histórica por ter sido a primeira que deu origem
ao que se denomina hoje Serviço de Saúde Comunitária. Tem uma população
cadastrada de 24.000 pessoas, com uma grande demanda em patologias crônico-
degenerativas e emocionais. Sua área de abrangência está delimitada pelas avenidas
João Wallig, do Forte Cipó, e Assis Brasil, com a sede na Rua Álvares Cabral, 429.
Na descrição das atividades desenvolvidas, além da assistência domiciliar,
constam as de atendimentos ambulatoriais, pequenas cirurgias, grupos de obesos,
mulheres, crianças, hipertensos e idosos, além de possuir sala para observação e pronto
atendimento.
82
Fonte: www.ghc.com.br
Fonte: www.ghc.com.br
83
4.3 Sujeitos do estudo
Na uni
dade de saúde escolhida como local de desenvolvimento da pesquisa, há
uma equipe interdisciplinar de atuação na assistência, composta de duas enfermeiras,
duas auxiliares de enfermagem, cinco técnicos de enfermagem, sete médicos, uma
psicóloga, uma cirurgiã dentista e três agentes comunitários de saúde. Conta também
com quatro médicos residentes, duas enfermeiras residentes, uma residente de
psicologia, estagiários e pessoal auxiliar administrativo e de serviços gerais. O
coordenador do serviço é eleito anualmente pela própria equipe e, atualmente, é a
psicóloga.
Como forma de realizar uma análise da atenção domiciliária prestada no serviço
estudado, foi feita uma triangulação de sujeitos na coleta de dados para a pesquisa,
utilizando trabalhadores, gestores e usuários. O objetivo foi obter uma visão de todos
os envolvidos no processo, tanto trabalhadores quanto usuários, aliando ainda o gestor,
pela sua característica específica de domínio sobre os aspectos de estrutura e
funcionamento do serviço, podendo ser a fonte que pudesse fornecer dados acerca das
facilidades e dificuldades de concretização de um serviço dessa natureza.
Como o foco da pesquisa é no que esse tipo de assistência à saúde, isto é, o
trabalho em atenção domiciliária, contribui para melhorar a saúde da população
assistida, é que se justifica a inclusão dos usuários. É importante analisar todos os
atores envolvidos nesse processo, para obter uma visão mais real da percepção de
todas as partes.
Na triangulação dos sujeitos, o primeiro grupo foi constituído de praticamente
toda a equipe da assistência, com duas exceções: a psicóloga porque foi incluída no
grupo dos gestores devido a sua atual função de coordenadora da unidade de saúde; e
um residente de medicina, que estava em período de trabalho no interior do Hospital
Conceição, perfazendo um total de vinte e dois trabalhadores. Com isso, pode- se
visualizar as particularidades dos sujeitos, aproximando-nos das características do
trabalho coletivo, do todo do trabalho realizado. Neste número também estão incluídos
os residentes de medicina, enfermagem e psicologia, por se caracterizarem como força
84
de trabalho componente do serviço de atenção domiciliária. A cirurgiã dentista não se
constituiu como sujeito pelo motivo de a atenção domiciliária não estar incluída na
rotina de seu trabalho.
O segundo grupo foi composto pelos gestores, tanto do Serviço de Saúde
Comunitária, quanto da Unidade de Saúde Conceição e representantes da comunidade
que têm participação ativa no Conselho Local de Saúde da comunidade adstrita pela
unidade local da pesquisa, em um total de cinco participantes. A gestão do SSC é
realizada por um Colegiado de Gestão, do qual fazem parte: a coordenadora do SSC,
as chefias das doze unidades de saúde, o representante do grupo de pesquisa e ensino,
o representante do núcleo de educação e saúde, o representante de núcleo de
epidemiologia e o representante do grupo de trabalho de participação popular. Porém,
foi considerado como participante da pesquisa apenas a coordenadora do SSC. A partir
da entrevista com a Coordenadora do SSC, foi avaliada a não necessidade da inclusão
dos demais componentes do colegiado de gestão como sujeitos da pesquisa, baseado
no fato de que poderiam não ter condições de responder às questões levantadas, já que
o tema da atenção domiciliária era um tópico que não era discutido nas reuniões.
O Conselho Local de Saúde compõe-se de um grupo pré-determinado, fazendo
parte dele três representantes da unidade de saúde, os quais já se conformaram como
sujeitos da pesquisa como trabalhadores e três representantes da comunidade. No
momento de conhecimento do local da pesquisa, em que a pesquisadora compareceu à
unidade e teve um primeiro contato com uma das enfermeiras residentes e uma das
enfermeiras atuantes na Unidade Conceição, foi obtida a informação de que somente
duas pessoas da comunidade compareciam regularmente às reuniões do conselho. Com
base nisso, esses dois membros compuseram a amostra como representantes do
Conselho Local de Saúde. Com o desenrolar da pesquisa, descobriu-se que um terceiro
elemento era participante ativo desse conselho e, então, ele foi inserido como
participante do estudo.
Do terceiro grupo fizeram parte os usuários e nele estão incluídos tanto o
paciente como a família. Como não há um número pré-determinado da atenção
domiciliária desenvolvida pela equipe da unidade local de pesquisa, esse grupo foi
composto a partir do momento da coleta de dados através de observação da assistência
85
prestada pela equipe. A equipe atuante na unidade Conceição realiza atenção
domiciliária de acordo com um protocolo, no qual há uma subdivisão entre as diversas
modalidades de atendimento realizadas: atendimento domiciliar, internação domiciliar,
acompanhamento domiciliar e vigilância domiciliar. A pesquisadora acompanhou o
desenvolvimento de cada uma dessas modalidades que compõem o serviço de atenção
domiciliária, com exceção da vigilância domiciliar, já que não foi possível caracterizar
nenhuma das ações dentro dessa especificidade, no período de coleta de dados. A
finalização das entrevistas com usuários deu- se a partir da saturação dos dados
coletados, perfazendo um total de sete usuários. Todos os usuários que compuseram a
amostra são idosos, portadores de doenças crônicas, a maioria do sexo masculino e que
já se encontram há vários anos inseridos no programa de atenção domiciliária. A
cuidadora é a esposa, com exceção das duas usuárias do sexo feminino, que são
cuidadas pelas respectivas filhas.
Os sujeitos apresentam, em sua natureza de conjunto, a representação do todo,
ou parte de todo o sistema social, no qual se constituem em seus representantes sociais.
Portanto, é possível assumir, a partir do princípio fundamental do pensamento
dialético, que “o próprio pensamento é apenas um aspecto parcial de uma realidade
menos abstrata: o ser humano vivo e inteiro (...) e este ser humano é apenas um
elemento do conjunto que é o grupo social. Uma idéia só recebe sua verdadeira
significação quando é integrada ao conjunto de uma vida e de um comportamento”
(GOLDMANN, 1979, p. 8). Representa dizer que os sujeitos da pesquisa, sejam eles
quem forem, trazem em suas particularidades características de sua natureza genérica –
social e histórica - e, portanto, representam um conjunto maior que pode estar
orientado por necessidades sociais mais ou menos gerais e mais ou menos próximas
das carências da maioria da população desprovida ou mais provida da assistência à
saúde.
Dentre os trabalhadores, há pessoas com maior tempo de trabalho na unidade,
com formação específica na área de saúde comunitária, e outros com menos
experiência de trabalho em unidades de atenção primária e sem formação direcionada
para essa área. Todos são trabalhadores vinculados ao GHC, trabalhando regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e concursados, com exceção daqueles
86
trabalhadores mais antigos, em cuja época de início de suas atividades no Grupo ainda
não existia o sistema de contratação por concurso público. Segue uma apresentação
dessa força de trabalho, no intuito de conhecê-los um pouco melhor e entender seu
grau de envolvimento no trabalho desenvolvido.
Tabela 2: Composição e qualificação da Força de trabalho da Unidade de Saúde
Conceição, do Serviço de Saúde Comunitária, do Grupo Hospitalar Conceição em
2006
Profissão Horas diárias
trabalhadas
Tempo de
trabalho
Formação complementar
Auxiliar de Enfermagem 06 4 anos Técnico em Enfermagem
Técnico de Enfermagem 06 18 anos -
Técnico de Enfermagem 06 17 anos -
Técnico de Enfermagem 06 19 anos -
Técnico de Enfermagem 06 1 ano Graduação em História e Especialização
em Sistemas de Saúde
Enfermeira 06 3 anos -
Auxiliar de Enfermagem 06 2 anos Técnico em Enfermagem
Enfermeira 06 17 anos Preceptor de enfermagem.
Especialização em Saúde Pública
Médico 06 7 meses Especialização em Medicina de Família
e Comunidade
Médico 06 21 anos Especialização em Medicina de Família
e Comunidade
Médico 06 23 anos Especialização em Medicina de Família
e Comunidade
Médico 06 19 anos Preceptor de medicina. Especialização
em Medicina de Família e Comunidade
Médico 06 22 anos Mestrado em Educação
Especialização em Medicina de Família
e Comunidade.
Preceptor de Medicina
Médico 06 23 anos Especialização em Medicina de Família
e Comunidade e Mestrado em Educação
Médico 06 1 ano Especialização em Medicina de Família
e Comunidade
Psicóloga 06 13 anos Preceptor de Psicologia
Residente de Medicina 06 3 meses Primeiro ano de Residência
Residente de Medicina 08 1 ano e 6
meses
Segundo ano de Residência
Residente de Medicina 08 3 meses Segundo ano de Residência
Residente de Medicina 08 1 ano e 6
meses
Segundo ano de Residência
Residente de
Enfermagem
08 3 meses Primeiro ano de Residência
Residente de
Enfermagem
08 1 ano e 6
meses
Segundo ano de Residência
Residente de Psicologia 08 3 meses Primeiro ano de Residência
87
4.4 Coleta de dados
Com a proposta de fazer um estudo de caso envolvendo a atenção domiciliária
desenvolvida em um serviço da rede pública de saúde, foi necessário seguir alguns
princípios predominantes no trabalho de coleta de dados. São eles:
a) várias formas de evidências (evidências de duas ou mais fontes, mas que
convergem em relação ao mesmo conjunto de fatos ou descobertas);
b) um banco de dados para o estudo de caso (uma reunião formal de
evidências distintas a partir do relatório final do estudo de caso);
c) um encadeamento de evidências (ligações explícitas entre as questões feitas,
os dados coletados e as conclusões a que se chegou) (YIN, 2005, p.109).
Uma das fontes utilizada justifica-se em razão da necessidade de buscar a
política orientadora desse tipo específico de atividade em saúde. O que foi feito através
de levantamento documental, inicialmente, a partir das diretrizes do atual Sistema de
Saúde, tentando uma elucidação através dos documentos oficiais, os quais são guias
para o desenvolvimento de toda e qualquer atividade em saúde. O olhar foi no sentido
de visualizar como foi estruturada essa forma de assistência, no aspecto da
superestrutura, ou seja, como política de saúde, a qual expressa a própria política mais
geral do contexto social, que está sendo decodificada ao nível da ação dos
trabalhadores e tornando-se diretriz operativa, ou seja, infra-estrutura desenvolvida no
e pela ação dos trabalhadores. Importante também foi a análise da documentação
relativa a normas e regras do serviço, visando conseguir estabelecer as semelhanças e
contradições entre o que diz a macro-política, referentes às leis e determinações
oficiais e a micro-política da instituição estudada. O uso mais importante desse tipo de
evidência foi corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes.
A busca desse arsenal de documentos foi iniciada anteriormente às demais
etapas da coleta de dados, no segundo semestre de 2005, utilizando-se os registros
existentes na coordenação do Serviço de Saúde Comunitária, como o Plano Estratégico
de Gestão; no setor de epidemiologia do Grupo Hospitalar Conceição, para os dados
de morbi-mortalidade do município de Porto Alegre e; por meio de buscas na internet,
já que alguns dados estão disponibilizados dessa forma, como o Boletim Saúde para
88
todos da Secretaria Estadual de Saúde e o BIS – Boletim informativo do SSC. Esse
processo de buscas teve continuidade durante o período todo da coleta de dados.
No SSC, como não há uma sistematização do serviço de atenção domiciliária
que funcione como uma política mestre para o trabalho desenvolvido nas unidades,
não foram encontrados documentos determinantes da política de trabalho. Há o
Manual de Assistência Domiciliar (Anexo 1), que foi elaborado por alguns dos
trabalhadores da Unidade Conceição, mas que não apresenta o significado, ainda, de
política orientadora para as demais unidades. E, outro importante documento utilizado
foi a dissertação de mestrado de Lopes (2005), que ofereceu vários elementos
históricos do SSC e da unidade de desenvolvimento do estudo.
Índices específicos de morbidade e mortalidade do serviço de atenção
domiciliária não foram encontrados, pois não existem programas computadorizados
que dêem suporte para a realização desse tipo de levantamento. O setor de
epidemiologia do SSC informou que somente tem condições de repassar dados brutos
das unidades de saúde como um todo, não sendo possível realizar um olhar mais
amiúde desses índices por falta de softwares desenvolvidos para tal especificidade.
Foi importante poder acompanhar o desenvolvimento da assistência e o
processo de trabalho como um todo, pois pode- se afirmar que “... nunca se pode
chegar a uma totalidade que não seja ela mesma elemento ou parte; o problema do
método nas ciências humanas é o do corte do dado empírico em totalidades relativas
autônomas para servir de quadro a um trabalho científico” (GOLDMANN, 1979, p.
13-4). E, para isto, foi utilizada a observação direta, na qual, de acordo com Leopardi
(2002, p.168) “o pesquisador entra em contato com a realidade que deseja conhecer,
“olha” para ela e anota tudo o que considerar pertinente à sua pesquisa”. Yin (2005,
p.113) reconhece a importância da observação direta nos estudos de caso, referindo
que os pontos fortes desse tipo de fonte de evidência é que “tratam de acontecimentos
em tempo real” e “tratam do contexto do evento”. Para isso, foi construído um roteiro
(Apêndice A) para concentrar a atenção no objetivo e foco da pesquisa.
A observação do processo de trabalho em atenção domiciliária desenvolvida
pela equipe da unidade foi realizada como primeiro passo no processo de coleta dos
dados. A opção justifica-se, pela necessidade de interagir com os sujeitos componentes
89
do estudo, propiciando, com isto, que nos demais momentos da coleta de dados, já
pudesse estar estabelecida uma relação de maior confiança com a pesquisadora, pelo
fato de esta já não ser uma pessoa totalmente desconhecida. Assim também foi
preservado o momento da observação da atenção domiciliária, de modo a uma maior
garantia de transcurso da rotina desenvolvida pelos trabalhadores, embora se
reconheça no pesquisador uma pessoa estranha àquele ambiente. Apesar de se
reconhecer a possibilidade dessas influências, na maioria das vezes, não foi percebido
nenhum constrangimento por parte do trabalhador, em face dessa presença em sua
rotina.
Em verdade, muitas vezes, a pesquisadora sentia que os trabalhadores e, nesse
caso, especificamente, os componentes da equipe de enfermagem não agiam tão
espontaneamente assim, pois procuravam trazer a pesquisadora para participação, seja
através de questionamentos, solicitação de opiniões, ou somente para inserção no
diálogo com os usuários. São questões que fazem parte do cotidiano de um
pesquisador que opta por esse instrumento de coleta de dados, já que por mais que ele
interaja com o grupo de sujeitos do estudo, ele não é um deles. Por sua vez, os
residentes de medicina e os médicos também não excluíam a pesquisadora da situação
vivenciada, o que faziam através da apresentação desta à família, e davam
continuidade ao seu processo de trabalho sem interferência da figura dela.
A partir do primeiro dia das observações, a pesquisadora dirigia-se até a
unidade e permanecia nesta aguardando o momento em que um dos membros da
equipe da assistência saísse para realizar uma visita domiciliária. É bom esclarecer que
esses trabalhadores se referem sempre ao termo VD (relativo à visita domiciliar), para
qualquer ida ao domicílio, seja de caráter pontual para realização de procedimentos,
seja para avaliação de caso ou possibilidade de inserção de um paciente no programa
de atenção domiciliária, ou seja, para acompanhamento de paciente que já faz parte do
programa. Chegava a passar o dia inteiro sentada na unidade, sem que houvesse a
saída de qualquer um dos trabalhadores. O espaço mais utilizado para isso era o posto
de enfermagem, por sua localização central na unidade, de onde eu poderia visualizar
o movimento de todos os trabalhadores. Ao mesmo tempo, procurava não permanecer
por espaços de tempo muito longos nesse local, alternando com o refeitório e a sala de
90
espera no pátio. Esse ato baseou-se na necessidade de não interferência no trabalho da
equipe de enfermagem na unidade e pela aparência à comunidade, que ainda não
conhecia a pesquisadora, de que houvesse um descaso em seu atendimento, já que uma
pessoa encontrava-se no posto de enfermagem sem fazer nada. Foi um tipo de situação
que poderia gerar erros de julgamento acerca do trabalho da equipe de enfermagem e
reclamações desnecessárias.
Procurava, também, sempre estar lembrando a cada um dos trabalhadores, de
que gostaria de ser chamada em caso de saída de qualquer um deles para realização de
VD, pois como não estavam acostumados com minha presença, poderiam esquecer e
dirigir-se aos domicílios sem me avisar. Ao chegar à unidade, sempre questionava aos
trabalhadores que encontrava se não tinham previsão de alguma VD para aquele dia.
No posto de enfermagem, a equipe de enfermagem sempre procurava inserir a
pesquisadora nas conversas, explicava o funcionamento de tudo, as rotinas das ações,
o preenchimento da papelada, etc. O entrosamento com a equipe de enfermagem foi
bastante rápido. Os demais, como os médicos, passavam muito tempo nas salas de
consulta, o que fez com que não pudesse haver a mesma relação de entrosamento.
Um dos momentos em que havia maior convivência com esses integrantes da
equipe, assim como com a psicóloga, eram as reuniões de equipe, tanto administrativas
quanto as específicas da atenção domiciliária.
Foram utilizados, também, esses espaços de tempo passados na unidade para
levantamento das normas e rotinas escritas, manuseio dos documentos utilizados na
atenção domiciliária, análise dos registros propriamente ditos da atenção realizada no
domicílio.
Em muitas ocasiões, a pesquisadora auxiliou a equipe no trabalho, preenchendo
as fichas de atendimento no computador, até mesmo verificando pressão arterial em
momentos em que havia muitas pessoas aguardando atendimento. Outra ação realizada
por diversas vezes foi a distribuição de medicamentos na farmácia, que fica ao lado do
posto de enfermagem.
Acredita-se que o fato de a pesquisadora ter se disponibilizado a desenvolver
essas pequenas ações serviu para aproximá-la da equipe, quebrando “o gelo” inicial
motivado pelo desconhecimento um do outro e fazendo com que os trabalhadores se
91
sentissem mais à vontade com a sua presença.
Quando surgia uma VD, o trabalhador que iria desenvolvê-la era acompanhado
desde o momento do preparo do material a ser levado, observando instrumentos de
trabalho utilizados, questionando a finalidade da VD.
Os momentos em que mantinha contato com os trabalhadores na unidade,
aproveitava para observar as interações interpessoais e intra-grupais estabelecidas, os
sentimentos aflorados nessas relações e que pudessem estar interferindo tanto positiva
quanto negativamente no processo de trabalho. As reuniões também se caracterizavam
como espaços de observação dessas interações.
O deslocamento para a realização das VD era efetuado a pé, pois não há uma
viatura disponibilizada para tal e em vista de que toda a região abrangida pela unidade
é calçada e passível de chegar sem percorrer grandes distâncias. Durante o percurso, os
trabalhadores são cumprimentados por muitos moradores da região, que os
reconhecem, alguns até os parando para conversar.
O acompanhamento dos trabalhadores no desenvolvimento das ações era
realizado para todas as VD que se efetuaram durante o período de março a junho de
2006, com exceção de algumas em que a pesquisadora ainda encontrava-se fazendo o
percurso de deslocamento de ônibus até a unidade, quando a necessidade de realização
da VD exigia seu desenvolvimento imediato. Com o passar do tempo, outras VD
consideradas como muito pontuais, por exemplo, para coleta de material para exames
de laboratório e controle de pressão arterial, também deixaram de ser acompanhadas.
Houve ocasiões em que coincidia a saída para VD por parte de dois trabalhadores ao
mesmo tempo, fazendo com que precisasse ter uma opção que direcionasse o
acompanhamento. Nesse caso, a pesquisadora optava por acompanhar o trabalhador
que ainda não tivesse sido observado em seu processo de trabalho na atenção
domiciliária. No total, 29 VDs foram acompanhadas pela pesquisadora.
Foi utilizado um diário de campo para registrar as atividades desenvolvidas,
para diminuir as possibilidades de serem deixados de lado aspectos que pudessem ser
considerados importantes no momento da análise. Nele foram incluídos conteúdos
referentes ao que e como estava sendo feito, e por quem e para quem estava sendo
realizado. Porém, não era feita nenhuma anotação enquanto estava no domicílio,
92
deixando para fazê-lo no retorno à unidade, para evitar constrangimentos por parte dos
trabalhadores e dos usuários, evitando reduzir um pouco a sensação de estarem sendo
analisados.
O registro era efetuado procurando fornecer todos os detalhes da interação
pessoal entre trabalhador e usuário, além das ações desenvolvidas. O diálogo, também,
foi reproduzido, já que nesse espaço de tempo imediatamente posterior à VD, as
lembranças do momento vivido eram muito fortes e claras. A digitação dos dados
coletados no diário de campo era efetuada ao final de cada dia de observação.
Nesse diário também eram realizados registros das reuniões de equipe,
buscando dados para complementação da compreensão acerca do processo de trabalho.
Nem todos os trabalhadores foram observados no processo de trabalho em
atenção domiciliária, pois durante o tempo em que a pesquisadora permaneceu na
unidade, dois médicos, um residente de medicina e a psicóloga não efetuaram
nenhuma visita domiciliária. Como não se podia permanecer indefinidamente nesse
processo de observação aguardando que esses trabalhadores desenvolvessem esse tipo
de atenção, e os dados que emergiam da observação estavam tornando-se repetitivos,
optou-se por manter aqueles trabalhadores fora dessa etapa de coleta de dados, mas
sendo utilizados na etapa de entrevista.
A terceira fonte de evidências foram as entrevistas individuais com
trabalhadores, gestores e usuários do programa de atenção domiciliária. Yin (2005)
refere-se à mesma como sendo uma das mais importantes fontes de informações para
um estudo de caso, apresentando como ponto forte a possibilidade de enfocar
diretamente o tópico do estudo de caso. Entre os trabalhadores, o objetivo foi elucidar:
a concepção de assistência domiciliária; a influência das políticas públicas no seu
processo de trabalho; a percepção que têm acerca das contribuições reais na situação
de saúde da população; e as dificuldades e facilidades de desenvolvimento desse tipo
de trabalho na rede pública de saúde, em um direcionamento para o processo de
trabalho desses sujeitos. Para orientação nesse momento, a pesquisadora utilizou um
roteiro de entrevista conforme pode ser observado no Apêndice B.
Em relação aos gestores, foi realizada uma entrevista com a Coordenadora do
Serviço de Saúde Comunitária, com a Chefe da Unidade de Saúde Conceição e com os
93
três representantes do Conselho Local de Saúde, utilizando um outro roteiro, com
questões formuladas de forma a investigar a estrutura, o funcionamento e a efetividade
desse tipo de trabalho (Apêndice C). Estes sujeitos foram sendo entrevistados de forma
intercalada com os trabalhadores, para que se pudesse ir refletindo com o conjunto de
dados obtidos, com todos os envolvidos no processo de atenção domiciliária.
E, entrevistas também foram realizadas com os usuários do sistema de saúde
envolvidos (Apêndice D), visando identificar concepções sobre esse serviço,
compreender o que os clientes assistidos pensam em relação ao cuidado prestado e
como visualizam os benefícios dele para consigo e sua família.
Após transcorrido um mês de observações, esse processo de entrevistas foi
iniciado. Primeiramente foram contemplados os usuários do programa de atenção
domiciliária, a partir do julgamento de que a realização destas entrevistas não
interferiria na continuidade da observação direta. Para a concretização desse momento,
era aproveitado o espaço de tempo após o acompanhamento de uma VD, quando o
trabalhador encerrava seu processo de trabalho no domicílio e retornava para a unidade
de saúde. A pesquisadora, então, solicitava permissão da família para permanecer no
domicílio e estabelecer um diálogo com a mesma.
Com o esclarecimento do objetivo do estudo que estava sendo realizado, da
justificativa para sua inserção como participantes da pesquisa e assegurando questões
como livre participação e anonimato sem prejuízo na continuidade de sua assistência
pelos trabalhadores da unidade de saúde, não houve problemas para o desenrolar das
entrevistas. Não pareceu haver constrangimento nem pelo uso do gravador. A
dificuldade encontrada foi a necessidade de explicar detalhadamente cada pergunta do
instrumento, tendo, muitas vezes, que repeti-las, pois as pessoas não têm entendimento
acerca das questões levantadas. Isso fazia com que a pesquisadora precisasse esmiuçar
bem cada questão e utilizar cada resposta fornecida para explorar um pouco mais o
tema. Esse processo levava duas horas em média. As entrevistas eram transcritas ao
final de cada dia.
Chegou-se ao número de usuários componentes do estudo através da saturação
dos dados, ao se perceber que havia um mesmo tipo de entendimento do processo de
trabalho em atenção domiciliária. Além disso, prolongar essa etapa não traria
94
benefícios à pesquisa. Não são temas com que a população esteja acostumada a
discutir.
Após três meses de observação, as demais entrevistas tiveram continuidade,
sendo realizadas conforme a disponibilidade dos trabalhadores e alternando com os
gestores. Optou-se por marcar a data de realização destas com os trabalhadores que já
tivessem sido observados um maior número de vezes, pois mesmo depois de
transcorrido esse período de tempo, ainda havia um número de trabalhadores que não
tinham realizado VD sob observação da pesquisadora. Esse espaço de tempo sem VD
por parte desses trabalhadores era justificado por não ter sido necessária a participação
deles em nenhuma VD ou por terem realizado alguma no final do expediente de
trabalho, quando a pesquisadora já não se encontrava na unidade. O trabalho
desenvolvido no interior da unidade consome bastante tempo dos trabalhadores e, por
isso, alguns médicos e, principalmente, os residentes de medicina, optavam em
desenvolver suas VDs após o dia normal de trabalho.
Com isso, os primeiros entrevistados do grupo de trabalhadores foram os
integrantes da equipe de enfermagem, que se programavam para desenvolver VD
durante os turnos de trabalho. A carga horária desses trabalhadores é maior que a dos
demais, sendo considerada como suficiente para a distribuição de todas as tarefas
inerentes a eles no transcorrer da jornada de trabalho.
As entrevistas eram realizadas durante o horário de trabalho, em dias que não
havia nenhum trabalhador de folga e em espaços de tempo considerados por eles como
mais calmos. A pesquisadora ficava a sós com o participante do estudo em uma sala de
consulta e o restante da equipe assumia todo o trabalho da unidade. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas no mesmo dia, após a pesquisadora deixar a
unidade. Foram raras as vezes em que o processo de entrevista teve que ser
interrompido para utilização da sala ou para o trabalhador retornar às suas funções na
unidade. Nesse caso, a entrevista era retomada assim que possível, não causando
problemas.
Os trabalhadores, em geral, não tiveram dificuldade em responder às questões
levantadas. Algumas respostas precisavam ser desdobradas, no intuito de serem mais
bem esclarecidas. Foi um momento em que aparentaram tranqüilidade e pareciam já
95
acostumados com a presença da pesquisadora.
Dois dos trabalhadores, que foram acompanhados durante a realização da
atenção domiciliária, não foram sujeitos da entrevista. Um é uma das residentes de
enfermagem, que acabou sendo chamada para trabalhar em outro Estado e abandonou
a residência, sem que houvesse tido o tempo para ser entrevistada. E o outro é um dos
médicos que, por única e exclusiva questão de horário disponível, acabou não
participando desta etapa. Não se considerou necessário estender o tempo de pesquisa
para tal, uma vez que os dados emergidos das demais entrevistas encontravam-se em
um mesmo patamar geral, já saturados.
Em relação aos gestores, como já relatado anteriormente, participaram a chefe
da unidade de saúde, a coordenadora do Serviço de Saúde Comunitária (SSC) e os três
membros do Conselho Local de Saúde (CLS) da unidade, que eram os representantes
da comunidade nesse conselho.
Os gestores que participaram do estudo, por serem representantes da
comunidade no CLS, apresentaram muita dificuldade em discutir a totalidade das
questões, mesmo as referentes às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), como
universalidade, eqüidade e intersetorialidade. Os demais gestores demonstraram
facilidade na exploração dos temas.
Com a coordenadora do SSC foi agendado um horário e a entrevista foi
realizada na sala dela no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC). Com os
demais, através de horário também agendado previamente por telefone ou no momento
de uma das reuniões do conselho, foi realizada na própria unidade de saúde.
Houve a participação da pesquisadora em duas reuniões do CLS, objetivando
acompanhar a sua dinâmica, o tipo de discussão realizada e, também, avaliar a
necessidade de inserção de algum outro membro do conselho como participante do
estudo, o que não foi necessário.
4.5 Aspectos éticos
Respeitando os aspectos éticos c
oncernentes a toda e qualquer pesquisa, antes
96
de ser iniciada a coleta de dados, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP), do Grupo Hospitalar Conceição, após obter a autorização da
Coordenadora do Serviço de Saúde Comunitária (Apêndice E). Como o estudo
envolve seres humanos, foi guiado pelas determinações da Resolução 196/96, do
Ministério da Saúde, obtendo o Parecer nº. 105/05, do CEP (Anexo 2).
Anteriormente à realização das entrevistas com os gestores do Serviço de Saúde
Comunitária do GHC, trabalhadores e usuários da Unidade Conceição, foram
apresentados a eles, enquanto sujeitos da pesquisa, os propósitos do estudo, solicitando
sua participação voluntária através da anuência em um consentimento (Apêndice F
para trabalhadores e gestores e Apêndice G para usuários), em duas vias,
permanecendo uma dessas com o entrevistado.
Os relatórios parciais da entrevista e da observação realizada foram submetidos
aos sujeitos, visando garantir a validação dos achados. Foi assegurado o anonimato no
momento de divulgação da pesquisa e garantido o retorno dos dados para ciência do
conteúdo dos mesmos.
A identificação dos sujeitos entrevistados foi realizada com a primeira letra da
categoria profissional a que pertencem (E para os membros da enfermagem; M para
médicos; R para residentes, sendo seguido da letra correspondente à especificidade da
residência, se é de enfermagem, medicina ou psicologia; G para os gestores; e F para
familiares/usuários) acrescida do número de ordem de realização da entrevista.
4.6 Análise dos dados
Compreendendo a atenção domiciliária como um trabalho em saúde, foram
realizadas as reflexões embasadas nesse pano de fundo, pressupondo-a enquanto um
substrato histórico e dialético do trabalho em saúde.
Desta forma, a base estruturante da análise foi calcada a partir de seus
“elementos componentes do processo de trabalho que são: a atividade adequada a um
fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de
trabalho; os meios de trabalho, o instrumental” (MARX, 1985, p. 202) e o produto de
97
trabalho.
O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do
pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto
é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que
definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade (PIRES,
1997).
De acordo com essa mesma autora:
O princípio da contradição, presente nesta lógica, indica que para pensar a
realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o que
dela é essencial. Neste caminho lógico, movimentar o pensamento significa
refletir sobre a realidade partindo do empírico (a realidade dada, o real
aparente, o objeto assim como ele se apresenta à primeira vista) e, por meio de
abstrações (elaborações do pensamento, reflexões, teoria), chegar ao concreto:
compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto síntese
de múltiplas determinações, concreto pensado. Assim, a diferença entre o
empírico (real aparente) e o concreto (real pensado) são as abstrações
(reflexões) do pensamento que tornam mais completa a realidade observada.
Aqui, percebe-se que a lógica dialética do Método não descarta a lógica
formal, mas lança mão dela como instrumento de construção e reflexão para a
elaboração do pensamento pleno, concreto. Desta forma, a lógica formal é um
momento da lógica dialética; o importante é usá-la sem esgotar nela e por ela
a interpretação da realidade (PIRES, 1997, p.87).
Na teoria marxista, o materialismo histórico pretende a explicação da história
das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais,
essencialmente econômicos e técnicos. A sociedade é comparada a um edifício no qual
as fundações, a infra-estrutura, seriam representadas pelas forças econômicas,
enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as idéias, os costumes, as
instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc).
Ao propor desenvolver o estudo na abordagem dialética, o objeto do estudo que
é a análise do trabalho desenvolvido por uma equipe de atenção domiciliária de um
serviço público de saúde, passa a ser decodificado nos seus conceitos estruturantes,
pois “os conceitos do pensamento dialético se referem às transições, às passagens...,
que tendem a ser excluídas da inteligibilidade definida pela instabilidade...”
(LEFEBVRE, 1983, p.36).
Desta forma, o pensar sobre o objeto corresponde a assumi-lo como fenômeno
98
político, o qual implica a historicidade, ou seja, “revela as condições e situações
concretas” (LEFEBVRE, 1983, p.37), para as quais o estudo terá se aproximado ao
investigar esta realidade particular em suas relações e contradições com o contexto
social mais geral, no qual esse fenômeno particular é a própria manifestação daquela
realidade em conjunto (LEFEBVRE, 1983).
Portanto, o método permite estudar o objeto em seu movimento interno,
desenvolvido pelo próprio trabalho em conjunto com suas características estruturais
interdependentes, ou seja, autônomas em seu conjunto interno e, ao mesmo tempo,
pertencentes ao movimento externo do contexto das políticas de saúde, como já
referido, representantes do contexto social mais geral no qual foram criadas. São
políticas que expressam suas relações (continuidade, descontinuidade, qualidade e
quantidade) e contradições com o próprio contexto que as criou nos espaços
particulares concretos - o movimento real do trabalho em estudo.
Para esta apreensão de seu movimento, no foco da abordagem dialética,
manteve-se atenção às características do objeto, considerando as regras práticas do
método:
promover uma análise objetiva do objeto de estudo - o processo de trabalho;
apreender o conjunto das conexões internas do e no processo de trabalho, ou
seja, os seus desenvolvimento e movimento interno;
apreender os aspectos e os momentos contraditórios do e no processo de
trabalho e suas conexões com a totalidade, aqui expressa pelas políticas de
saúde;
analisar a luta, o conflito interno das contradições no e do processo de
trabalho e sua tendência (em vir a ser ou cair no nada);
atentar para o tudo que está ligado a tudo e que uma interação insignificante,
em determinado momento, pode tornar-se essencial num outro momento ou
sob outro aspecto;
penetrar cada vez mais fundo do que ficar na simples coexistência
observada, por meio da busca pela riqueza do conteúdo e da forma do e no
processo de trabalho; e
por último/primeiro, o processo de aprofundamento do conhecimento vai do
99
fenômeno à essência e da essência menos profunda à mais profunda - é
infinito (LEFEBVRE, 1983).
Desta forma, o estudo do processo de trabalho em atenção domiciliária, por
meio do método dialético, torna-se rigoroso e fecundo, dado que o método permite
ligar o fenômeno particular aos princípios universais do seu desenvolvimento e
permite detectar os possíveis aspectos do fenômeno em particular e sua
vulnerabilidade à ação (LEFEBVRE, 1983), mais claramente suas potencialidades de
mudanças na organização do trabalho interno e externo ao processo particular
estudado.
Ao ser efetuada uma análise de um serviço, programa, projeto ou processo de
trabalho, há uma dimensão avaliativa concernente a esse processo. Buscando a
coerência com tal afirmação foram elaboradas categorias de análise do processo de
trabalho desenvolvido em atenção domiciliária, no caso específico da unidade
estudada, ajudando a explicitar os parâmetros, a partir dos quais será apreciado o
trabalho que vem sendo desenvolvido nessa unidade de atenção à saúde, com relação a
sua contribuição.
A construção de categorias nos ajuda na avaliação desse processo, ou seja,
ajudam na
elaboração, negociação e aplicação de critérios explícitos de análise, em um
exercício metodológico cuidadoso e preciso, com vistas a conhecer, medir,
determinar ou julgar o contexto, mérito, valor ou estado de um determinado
objeto, a fim de estimular e facilitar processos de aprendizagem e de
desenvolvimento de pessoas e organizações (SILVA, BRANDÃO, 2003, p. 3).
Assim, a pergunta de pesquisa a ser respondida neste estudo, o será mediante
categorias; para Silva e Brandão, (2003) indicadores, construídos e descritos, como
forma de demonstrar o alcance das respostas á pergunta de pesquisa. De acordo com
os autores citados, uma pergunta com propósito avaliativo só pode ser respondida se
for efetuado um recorte sobre o que deve ser analisado e esse recorte é definido pelos
indicadores. Esses indicadores, por sua vez, informam a respeito de determinado
sujeito ou objeto e tão importante quanto definir o indicador é formular sua descrição,
100
que explicita seu significado. “Os indicadores devem ser plenos de sentido
especialmente para aqueles que atuam frente a uma dinâmica social específica”
(SILVA, BRANDÃO, 2003, p.8). Para isto, deve ser reconhecido e explicitado o
contexto em que é desenvolvido o trabalho.
Em vista da pergunta de pesquisa - De que modo a atenção domiciliária,
desenvolvida na rede pública de saúde tem contribuído com a saúde da população? –
foram analisadas as possíveis respostas a essa pergunta. Levando em conta o
referencial teórico adotado neste estudo foram construídos indicadores com base nos
pressupostos de um serviço de saúde pertencente ao SUS e apregoado como de APS.
Assim foi compreendido que um serviço de atenção domiciliaria deve ter seu processo
de trabalho guiado pelos princípios norteadores desse sistema; que a saúde é um
direito de todo cidadão e está garantida na Constituição da República Brasileira e que
trabalhadores, gestores e usuários são partícipes no processo de construção da saúde.
Estes foram considerados estados observáveis do processo de trabalho e do
comportamento dos atores envolvidos na atenção domiciliária, oferecendo subsídios
para responder à pergunta de pesquisa e portanto, constituíram-se como os indicadores
avaliativos para este estudo:
- os trabalhadores da atenção domiciliária desenvolvem seu processo de
trabalho segundo as diretrizes da APS, demonstrando conhecimento da atenção
primária à saúde como seu eixo norteador do trabalho e o aplicando na sua prática. O
processo de trabalho desenvolvido na unidade de estudo é discutido visando entender
como os princípios ordenadores da APS, como o primeiro contato, a longitudinalidade,
a coordenação, a focalização na família e a orientação comunitária (Starfield, 2002)
são concretizados no cotidiano de trabalho.
- os trabalhadores e gestores seguem os princípios do SUS que fundamentam a
atenção básica: os trabalhadores e gestores operacionalizam os princípios do SUS na
atenção domiciliária prestada, de modo a suscitar uma práxis integradora entre os
serviços disponibilizados à comunidade adstrita ao serviço de saúde. A reflexão
efetuada toma a direção de alguns dos princípios que fundamentam a atenção básica
no SUS como integralidade da assistência, universalidade, eqüidade, resolutividade e
participação comunitária.
101
- percepção da saúde como direito: os usuários reconhecem que a atenção
domiciliária é uma forma de alcançar a saúde a que têm direito; os trabalhadores e
gestores reconhecem que a saúde é um direito do cidadão. A discussão realizada
embasa-se na premissa de que a saúde como direito significa o acesso universal e
equânime aos serviços de saúde e apresenta um foco principalmente na questão da
avaliação dos trabalhadores e serviço como forma de assegurar que a saúde dos
usuários esteja sendo garantida.
- vínculo e satisfação da população com a atenção domiciliária: usuários,
trabalhadores e gestores são capazes de agir em conjunto na resolução de problemas;
os trabalhadores e gestores reconhecem que a atenção domiciliária é um espaço útil e
importante para os usuários. A análise se processa no sentido de entender o processo
de formação do vínculo entre trabalhadores e usuários do serviço de atenção
domiciliária por meio das relações entre estes e, também, refletindo acerca da
concepção da humanização da assistência que perpassa o trabalho desenvolvido. Um
ponto importante abordado neste tema refere-se à questão da satisfação da clientela
com o serviço, que é considerada como característica de um trabalho que valoriza o
usuário no sistema de saúde.
Como forma de sistematizar todo o processo da pesquisa e auxiliar
outros pesquisadores na construção de estudos semelhantes é apresentado um
protocolo de todo o processo metodológico desenvolvido, na forma de um quadro-
resumo.
PROTOCOLO DO ESTUDO DE CASO “A ATENÇÃO DOMICILIÁRIA E DIREITO À SAUDE: ANÁLISE DE UMA
EXPERIÊNCIA NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE NO BRASIL”
TESE: A atenção domiciliária, compreendida como uma dimensão do trabalho em saúde, contribui para a saúde da população, na medida em que os
trabalhadores desenvolvem seu processo de trabalho segundo as diretrizes da Atenção Primária de Saúde; trabalhadores e gestores seguem os princípios do
SUS; os usuários são percebidos e se percebem como cidadãos plenos de direitos e deveres; a população desenvolve vínculo com o serviço oferecido.
OBJETO DO ESTUDO E OBJETIVO: Análise de uma iniciativa bem sucedida de atenção domiciliária, que vem sendo desenvolvida na rede pública de
serviços de saúde, com o objetivo de refletir de que forma esta tem sido uma estratégia de reorganização do sistema de serviços de saúde.
PLANEJAMENTO DA COLETA DE DADOS
Visita ao Serviço de
Saúde Comunitária
do Grupo
Hospitalar
Conceição –
conversar com a
Coordenadora do
SSC; buscar
políticas
norteadoras do
trabalho
desenvolvido;
buscar produção
acadêmica de
pesquisas realizadas
no serviço; buscar
acesso aos boletins
informativos do
SSC e ao plano
gestor; obter o
manual de atenção
domiciliária do
SSC
Visita à Unidade de
Saúde Conceição –
conversar com
enfermeira e
médico
responsáveis pela
implantação do
serviço de atenção
domiciliária;
conhecer o serviço;
conhecer os
trabalhadores; obter
relatórios do
trabalho
desenvolvido;
participar de
reuniões da
unidade; acessar
documentação
utilizada para o
desenvolvimento da
atenção
domiciliária.
Visita ao Setor de
Epidemiologia do
GHC - busca de
dados
sistematizados;
índices de morbi-
mortalidade da
população assistida
pela Unidade de
Saúde Conceição.
Acesso à internet –
busca da legislação
e políticas
norteadoras do
trabalho em saúde
na especificidade
do sistema público,
da atenção básica e
da atenção
domiciliária.
Observação do
processo de
trabalho
desenvolvido em
atenção
domiciliária – três
meses de
acompanhamento
dos trabalhadores
durante a realização
da atenção
domiciliária.
Entrevista
individual com
trabalhadores,
gestores e usuários
do serviço de
atenção
domiciliária – após
encerrada a etapa
de observação do
processo de
trabalho.
Participação em
reuniões do
Conselho Local de
Saúde – observar
tema das discussões
e participação da
comunidade.
102
103
INDICADOR O QUE BUSCAR ONDE BUSCAR
Desenvolvimento do processo de trabalho
segundo as diretrizes da APS
As diretrizes: primeiro contato, longitudinalidade,
coordenação, focalização na família e orientação
comunitária no trabalho em AD.
Na observação do processo de trabalho (o que,
por quem, como e para que é feito)
desenvolvido em atenção domiciliária; no
Manual de Assistência Domiciliar do GHC; no
Plano Gestor do SSC; na produção acadêmica;
nos relatórios da unidade.
Desenvolvimento do trabalho seguindo os
princípios do SUS que fundamentam a atenção
básica
Os princípios: integralidade da assistência,
universalidade, eqüidade, resolutividade e
participação no trabalho em AD.
Entrevista com trabalhadores, gestores e
usuários; observação do processo de trabalho
desenvolvido em atenção domiciliária; Manual
de Assistência Domiciliar do GHC; Plano
Gestor do SSC; relatórios da unidade de saúde;
boletins informativos do SSC e Secretaria
Estadual de Saúde.
Percepção da saúde como direito Informação e acesso dos usuários ao serviço;
avaliação do trabalho desenvolvido em AD.
Entrevista com trabalhadores, gestores e
usuário; observação do processo de trabalho
desenvolvido em AD; relatórios da unidade.
Relação de satisfação e vínculo da população
com o serviço
Sentido de vínculo; satisfação do usuário;
humanização da assistência.
Entrevista com trabalhadores, gestores e
usuário; observação do processo de trabalho
desenvolvido em AD; relatórios da unidade.
RELATÓRIO DO ESTUDO DE CASO
Contextualização do local de estudos – nuanças
históricas, políticas e de trabalho.
Discussão e análise dos achados em relação a cada um
dos indicadores elencados como forma de
apresentação dos resultados:
- Trabalhadores da atenção domiciliária
desenvolvem seu processo de trabalho segundo as
diretrizes da APS;
- Trabalhadores e gestores seguem os princípios
do SUS que fundamentam a atenção básica;
- Percepção da saúde como direito;
- Vínculo e satisfação da população com a atenção
domiciliária.
Síntese dos resultados, sugestões para futuras
pesquisas e dificuldades na realização do
estudo.
103
CAPÍTULO 5
5 RESULTADOS
Esta etapa compõe-se de duas bases estruturais, em uma tentativa de clarificar o
processo de apresentação dos achados do estudo efetuado. Inicialmente, há uma
contextualização do local de estudo, com suas nuances históricas, políticas e de
trabalho; e, logo a seguir, os dados mostram-se dispersos no fluir dos indicadores
elencados para análise.
5.1 Contextualização
5.1.1 Aspectos conjunturais
Port
o Alegre é a capital do Rio Grande do Sul, estado localizado no extremo sul
do País, que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. Nos dois séculos de existência,
sempre ocupou lugar de destaque no cenário nacional. Com uma população de mais
de 1 milhão e 360 mil habitantes, de 25 etnias, Porto Alegre ganhou reconheci-
mento internacional por ter sediado o Fórum Social Mundial (RIO GRANDE DO
SUL, 2005).
Considerada a metrópole da qualidade de vida do Brasil pela Organização das
Nações Unidas (ONU), possui mais de um milhão de árvores em suas ruas e acumula
mais de 80 prêmios e títulos que a qualificam como uma das melhores cidades
brasileiras para morar, trabalhar, fazer negócios, estudar e se divertir. Seus indicadores
de qualidade de vida são favoráveis nos principais índices de desenvolvimento
humano: saúde, saneamento básico, educação, meio ambiente e economia.
A expectativa de vida média é de 71,4 anos, sendo de 66,2 para os homens e de
76,2 para as mulheres. Em relação à densidade apresenta o índice de 29
habitantes/hectare e apresenta um crescimento populacional na ordem de 1,35% ao
105
ano. Apresenta a 1ª posição no Estado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) - R$
14 bilhões, 655 milhões, 093 mil e o PIB per capita de R$ 10.437,00 (RIO GRANDE
DO SUL, 2005).
Na website da prefeitura de Porto Alegre, já citado, encontra-se a relação dos
indicadores de qualidade de vida abaixo discriminados:
Índice de alfabetização: 96,7% (IBGE 2000)
Índice de mortalidade infantil: 13,93 óbitos por 1.000 nascidos vivos
(SMS2002)
Abastecimento de água: 99,5% da população (Dmae)
Fornecimento de energia elétrica: 98% domicílios
Coleta de esgoto: 84% da população (Dmae)
Esgoto tratado: 27% da população (Dmae)
Recolhimento de lixo: 100% dos bairros (DMLU)
Coleta seletiva do lixo: 100% dos bairros (DMLU)
Em relação à saúde, Porto Alegre é reconhecida como referência científica. A
competência técnica de seus profissionais, a qualificação dos seus hospitais e demais
serviços de saúde, assim como suas universidades têm reconhecimento público. A
cidade tem 35 hospitais, 883 clínicas, 204 consultórios, 19 laboratórios de análises
patológicas, 41 laboratórios de análises clínicas, num total de 1.182 estabelecimentos
voltados aos serviços de saúde. O total de leitos hospitalares é 7.906, sendo 5.816
ocupados pelo SUS. O Hospital de Pronto Socorro é referência pela excelência no
atendimento das urgências e emergências traumatológicas.
Considerada o segundo centro de assistência à saúde no Brasil, Porto Alegre é
referência internacional para transplantes, cirurgias cardíacas e plásticas. Pela sua
localização no Mercosul, a estrutura em saúde da capital gaúcha tem efeito
multiplicador na economia, interagindo com atividades como educação, pesquisa,
turismo, transporte, indústria e comércio. É atração para eventos, cursos e congressos
capazes de expandir conhecimentos e ações em saúde e setores afins (RIO GRANDE
DO SUL, 2005).
Como forma de contextualizar um pouco a situação da saúde no município de
Porto Alegre, são apresentadas as principais causas de óbitos no ano de 2003, de
106
acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade - SIM:
Doenças do aparelho circulatório: 3.200
Doenças do aparelho respiratório: 1.038
Doenças do aparelho digestivo: 479
Doenças do sistema nervoso: 270
Algumas doenças infecciosas e parasitárias: 737
Neoplasias (tumores): 2.297
Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas: 547
Doenças do sangue, órgãos hematopoiéticos e transtornos imunitários: 24
Transtornos mentais e comportamentais: 82
Doenças do ouvido e da apófise mastóide: 2
Na tabela abaixo é apresentada uma série histórica da proporção de óbitos por
faixa etária, em Porto Alegre, nos anos de 1980, 1990, 1995, 1999, 2000, 2001, 2002 e
2003.
Tabela 3: Proporção de óbitos por faixa etária em Porto Alegre
Faixa Etária 1980 1990 1995 1999 2000 2001 2002 2003
Menor de 1 ano 12,4 5,7 4,7 2,9 3,5 2,9 2,7 2,5
1 a 4 anos 1,6 0,8 0,8 0,5 0,6 0,6 0,5 0,3
5 a 19 anos 2,8 2,4 2,4 2,1 2,1 1,7 2,1 0,6
20 a 49 anos 18,8 18,8 20,3 19,2 19,0 17,8 18,5 18,2
50 ou + anos 63,5 71,9 71,7 75,3 74,8 76,9 76,2 77,2
Fonte: SIM - Sistema de Informação sobre Mortalidade – 2000/2003 – PORTO ALEGRE
5.1.2 Aspectos estruturais
A Secretaria Municipa
l de Saúde é o órgão gestor do Sistema Único de Saúde
em Porto Alegre, e tem como atribuições coordenar os serviços, as ações e políticas de
saúde na cidade. Tem a gestão plena do sistema municipal de saúde desde o dia 13 de
fevereiro de 1998 (informação verbal)
8
. Estabelece ações integradas e intersetoriais
com outros setores públicos e privados das esferas municipal, estadual e federal.
8
Informação fornecida pela Coordenadora da Rede de Atenção Básica de Porto Alegre.
107
Ter a gestão plena do sistema municipal significa que o gestor municipal
assume a responsabilidade pelo conjunto de ações e serviços de saúde em seu
território, o que implica a gestão da totalidade de recursos correspondentes a essas
ações, que devem estar previstos no teto financeiro destes municípios e serem
repassados diretamente do fundo nacional para o fundo municipal de saúde
(LEVCOVTIZ, LIMA, MACHADO, 2001, p.285).
O município de Porto Alegre não tem uma real gestão do sistema de saúde
como um todo, pois não tem gerência sobre o Grupo Hospitalar Conceição, por
exemplo, que recebe sua parcela da verba destinada ao município, direto na sua conta
bancária, sem entrar na divisão geral de todos os serviços de saúde (informação
verbal)
9
.
Sob a jurisdição do município de Porto Alegre existem 125 unidades que
prestam atenção à saúde, sendo 117 unidades básicas de saúde, oito centros de saúde e
dois hospitais. Conta ainda com 84 equipes do Programa de Saúde da Família. As
unidades básicas são as estruturas que respondem pelas ações de atenção básica à
população. É a principal porta de acesso das pessoas ao sistema de saúde. Os centros
de saúde são organizados para oferecer à população assistência especializada ou de
urgência e emergência de média complexidade. O Programa de Saúde da Família foi
lançado pelo Ministério da Saúde em 1994, com objetivo de redirecionar o modelo de
saúde no país, fortalecendo a atenção básica à saúde. Esta estratégia prioriza ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das famílias, do recém-
nascido ao idoso, sadios ou doentes, de forma integral, contínua e de qualidade,
estimulando a organização da comunidade e efetiva participação popular (RIO
GRANDE DO SUL, 2005).
A Unidade de Saúde Conceição caracteriza-se como um local de atendimento
em Atenção Primária à Saúde (APS), vinculada a um grupo hospitalar de grande porte
- O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) - 100% público, que proporciona respaldo
estrutural para muitas ações de assistência, como exames laboratoriais e de rádio-
diagnóstico, internação hospitalar, consultas com especialidades, assessorias diversas,
9
Informação fornecida por um dos membros do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, em
maio de 2007.
108
preparo e esterilização de material, manutenção de equipamentos, enfim,
proporcionando o apoio necessário para que a unidade possa ter continuidade na
atenção.
Apesar de, historicamente, aos hospitais ser destinado o desenvolvimento de
processos de trabalho relacionados a cuidados secundários e terciários, é possível
perceber vantagens na realização de ações voltadas à atenção primária. E isso não
somente pelas facilidades que apresenta esse tipo de serviço, o hospital, de oferecer
uma referência para o trabalho nas unidades de APS, como pela possibilidade de o
mesmo estar deslocando um pouco o foco do seu cuidado para um objeto além do
corpo doente. Esse é um tipo de entendimento que já vem sendo observado por parte
de alguns gestores, que percebem que os hospitais têm uma lógica de produtividade
baseada na doença, o que não estimula ações diferenciadas, direcionadas à manutenção
e à promoção da saúde e à prevenção de doenças. Enquanto há uma mobilização da
sociedade para evitar o adoecimento, o hospital só produz se as pessoas continuarem
adoecendo.
E, por haver esse tipo de lógica de financiamento dos hospitais, em que os seus
custos são cobertos, praticamente, pelo número de Autorização de Internações
Hospitalares (AIHs), acaba prevalecendo a Lei de Roemer, que diz que “se há leitos
hospitalares, eles tendem a ser usados”, independemente da necessidade da população
(MENDES, 2002b, p.47).
Os hospitais que têm tentado extrapolar suas ações para além dessa lógica
instalada, promovendo a realização de processos de trabalho voltados a outras espécies
de objetos, que não o indivíduo doente, têm enfrentado dificuldades quanto à sua
manutenção e a seu ressarcimento de ações, pois os órgãos macro-estruturais não
apresentam, ainda, esse posicionamento.
De acordo com Mendes (2002b), há dois caminhos que podem ser trilhados
imediata e concomitantemente, como forma de contrapor-se à ineficiência sistemática
do SUS, provocada pelo grande número de pequenos hospitais, que são os que
apresentam esse tipo de problemática de necessidade de utilização dos leitos
hospitalares como forma de garantir a sua eficácia financeira. O primeiro deles refere-
se ao término do pagamento dos pequenos hospitais por procedimentos, para não
109
incentivar a utilização dos leitos, o que poderia ser feito através de “um orçamento
global por hospital ou avançar para uma captação que cobrisse, também, os gastos com
esses hospitais”; e o segundo, trata-se da “conversão desses hospitais em unidades de
apoio à saúde da família nos pequenos municípios” (p.49).
No Rio Grande do Sul (RS), houve uma preocupação com essa questão
enfrentada pelos hospitais, fazendo com que a Secretaria Estadual da Saúde elaborasse
um programa que foi inserido como um dos programas prioritários dessa Secretaria,
com destinação de recursos previstos para início no ano de 2003. O programa
denomina-se Parceria Resolve e é uma política pública que procura inserir no ambiente
hospitalar a cultura de prevenção e promoção da saúde, para não permanecer somente
a cultura curativa e o tratamento da doença. Muda a forma de financiamento dos
serviços hospitalares no RS, utilizando recursos do Estado. No pensamento dos
gestores envolvidos, enquanto todo sistema público luta para melhorar os índices de
saúde e diminuir o número de pessoas doentes, os hospitais só ganham se as pessoas
adoecem. E a lógica do novo programa muda essa relação, garantindo o
funcionamento dos hospitais mesmo quando o número de doentes diminuírem (RIO
GRANDE DO SUL, 2006).
O significado desse tipo de preocupação por parte dos gestores é a possibilidade
do desenvolvimento de uma atenção integral à saúde, em que todos assumam esse
compromisso e tenham responsabilidade com essa questão. Então, há a priorização de
atendimento ambulatorial e extra-hospitalar, e os indicadores são ações para:
diminuição da mortalidade infantil; atendimentos ambulatoriais a dependentes
químicos e portadores de sofrimento psíquico; abertura de leitos de saúde mental em
hospitais gerais; campanhas; hospital-dia; atendimentos domiciliares; apoio ao
Programa Saúde da Família, entre outros.
O GHC, em consonância com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)
de Descentralização, Integralidade da Atenção e Participação da Comunidade,
apresenta um conjunto de diretrizes que permeiam os processos de trabalho no interior
de seus serviços, tanto da rede hospitalar, quanto do Serviço de Saúde Comunitária
(SSC). O perfil do trabalho a ser desenvolvido, em quaisquer que sejam os seus
espaços, apresenta o sentido de atenção a objetos de trabalho que não sejam
110
unicamente caracterizados como um corpo doente. A mentalidade presente na gestão
atual é demonstrada na indissociabilidade entre a Gestão, a Atenção à Saúde e a
Formação de Pessoas, nos processos de inovações e ampliações assistenciais. São estas
diretrizes: integralidade da atenção; democratização da gestão; operação sistêmica
interna e externa; e transformação em pólo de educação e pesquisa (GRUPO
HOSPITALAR CONCEIÇÃO, 2006).
Em relação à integralidade da atenção, pressupõem que todos os recursos e
tecnologias necessários e existentes nas unidades e demais serviços do SUS estejam
disponibilizados ao cuidado. E é salientado que o eixo da atenção deve ser a pessoa e
suas necessidades, superando o foco nas doenças e nos procedimentos.
No caso da democratização da gestão, há a argumentação de que é essencial o
protagonismo, tanto dos trabalhadores do GHC quanto da sociedade civil, na condução
dos destinos da instituição. Isso porque acreditam na participação como eixo da gestão.
Para tanto, existem espaços como: conselho de administração; conselho de
acompanhamento da gestão do GHC; fórum de representantes; e mesa de negociação
dos trabalhadores do GHC.
A terceira diretriz refere-se ao SUS como eixo da organização de cada unidade
do GHC entre si e com os demais serviços. Sendo que, do ponto de vista interno, deve
explorar ao máximo suas potencialidades, com colaboração mútua e utilização de
sistemas comuns entre suas unidades. Do ponto de vista externo, trata do papel
propositivo que o GHC deve assumir na agenda de organização do SUS, direcionando
seus serviços às necessidades da população.
E, por último, a questão de transformação em pólo de educação e pesquisa, com
eixo na formação dos trabalhadores em Gestão e Assistência, capacitação e
desenvolvimento de pessoas e educação à saúde da população, com a pesquisa voltada
para as necessidades do SUS.
A partir dessas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, e orientado
pelos eixos norteadores da Reforma da Atenção Hospitalar no Brasil promovida pelo
Ministério da Saúde (MS), conforme o Seminário Nacional da Atenção Hospitalar
realizado em dezembro de 2004, foi constituído o Plano Estratégico de Gestão (PEG)
do GHC (GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO, 2006).
111
O Plano Estratégico de Gestão é composto de 13 programas, sendo cada
programa desdobrado em vários projetos a serem desenvolvidos nas Unidades
Hospitalares (Hospital Cristo Redentor; Hospital Criança Conceição; Hospital Nossa
Senhora da Conceição e Hospital Fêmina) e de Saúde Comunitária do GHC,
observando as suas vocações e a integração entre estas Unidades e delas com a rede
SUS. Os programas são os seguintes:
1 - qualificação das portas de urgência/emergência;
2 - atendimento às metas da contratualização;
3 - consolidação como pólo de formação e pesquisa do SUS;
4 - capacitação da infra-estrutura;
5 - implantação de linhas de cuidado;
6 - implementação de políticas afirmativas da cidadania;
7 - incentivo às políticas de atenção básica;
8 - melhoria das condições de trabalho;
9 - melhoria da gestão de estoque;
10 - mudança do modelo de gestão técnico-administrativa;
11 - qualificação do processo de gestão participativa;
12 - qualificação da gestão de pessoas;
13 - zelo pelo patrimônio público e segurança física.
O SSC, como uma unidade pertencente a esse grupo hospitalar, segue as
diretrizes postas pela atual gestão e cumpre seu papel junto ao SUS, a partir do
momento que desenvolve ações em todas as direções sinalizadas pela proposta de
trabalho do GHC. Através das doze unidades de saúde, que desenvolvem atenção
primária à saúde, percebe-se uma tentativa de realização de ações voltadas para as
necessidades da população adstrita a cada uma delas, buscando a satisfação dessas
necessidades. Além disso desenvolvem o trabalho através da integração
multiprofissional e intersetorial, com as demais unidades do GHC, para a
concretização de ações que estão aquém do limite de cada trabalhador ou de cada
unidade de trabalho.
Especificamente no caso da democratização da gestão, há o estímulo por parte
de cada uma das doze unidades, em relação à participação da comunidade. Isso se
112
processa através da criação do Conselho Local de Saúde (CLS), em que participam
membros da comunidade e trabalhadores da unidade de saúde, em número paritário, e
que têm o intuito de discutirem questões ligadas à saúde da população, tanto no
sentido de busca por formas de satisfação das necessidades descortinadas, quanto de
contínua avaliação do processo de trabalho. Ainda, esses representantes do CLS atuam
em Conselhos Intercomunitários, buscando discussão conjunta de problemáticas
vivenciadas pela maioria e levando os problemas levantados para o Conselho
Municipal de Saúde. E o trabalhador que ocupa a posição de coordenador da unidade
de saúde participa do Conselho Gestor do SSC, estabelecendo um nível de discussão
amplo acerca da situação da saúde como um todo e do trabalho que vem sendo
desenvolvido em todas as unidades pertencentes ao serviço.
No tocante à operação sistêmica interna e externa, os trabalhadores das
unidades de saúde procuram agir dentro dos princípios norteadores do SUS, propondo
ações, sem esperar por determinações da gestão, atuando diretamente nos focos em
que detectam os problemas. Assumem seu papel de compromisso com a população
carente de cuidados de saúde, tomando para si a responsabilidade pela sua assistência
integral. Internamente ao serviço, estimulam trocas de conhecimento e propostas de
trabalho conjunto.
Na perspectiva de tornar-se pólo de educação e pesquisa, há o investimento na
formação, que é concretizada através das residências médicas e multiprofissionais, de
servir como campo de estágio para alunos dos cursos ligados à área da saúde de
diferentes universidades, assim como também para alunos de cursos técnicos. Outro
fator que contribui com essa diretriz é que os trabalhadores recebem incentivos
financeiros para participação em eventos que mostrem o trabalho desenvolvido no
SSC.
5.1.3 Aspectos organizacionais
Em relação ao processo de trabalho realizado pelas equipes das unidades de
saúde, cada um
a delas tem sua especificidade e desenvolve ações de forma a
contemplar a satisfação das necessidades da comunidade a ela adstrita, e que se
113
dividem em atividades preventivas, de educação em saúde, de assistência, de formação
de recursos humanos, entre outras.
A Unidade de Saúde Conceição, já tendo sido apresentada mais amiúde em
momento anterior, passa agora a ser caracterizada em relação à sua organização de
serviço, em que pese o processo de trabalho realizado, a força de trabalho que a
constitui e os instrumentos disponíveis, tanto no que se refere aos recursos materiais,
quanto às normas e diretrizes de funcionamento.
É uma unidade que é denominada como uma unidade de medicina de família e
comunidade. Lopes (2005, p.96) refere que:
Medicina de Família e Comunidade é a especialidade médica que presta
assistência à saúde de forma continuada, integral e abrangente para indivíduos,
suas famílias e comunidade; integra ciências biológicas, clínicas e
comportamentais; abrange todas as idades, ambos os sexos, cada sistema
orgânico e cada doença
.
Na unidade existe um direcionamento das atividades para diversos processos de
trabalho, como realização de: consultas médicas, de enfermagem e de psicologia;
procedimentos em geral; vacinação; grupos de apoio; atenção domiciliária. Com
referência aos grupos de apoio, estes variam conforme a necessidade descortinada
pelos trabalhadores no decorrer do seu cotidiano de trabalho. Por exemplo, o grupo de
cuidadores, destinado a familiares ou cuidadores de pacientes, que fazem parte do
programa de atenção domiciliária, aconteceu durante uns dois anos, porém, foi extinto
devido ao fato de já estar há muito tempo mantendo os mesmos integrantes. Essa
constância levou a equipe a considerar a sua não necessidade de continuidade.
Fazendo parte do rol dos grupos que se mantêm de forma constante, estão os grupos:
das Arteiras (trabalhos de artes manuais), de crianças, da terceira idade, Viva Leve
(reeducação alimentar) e de hipertensos.
Com exceção dos grupos, as demais atividades são desenvolvidas
individualmente pelos trabalhadores, cada um na sua especificidade, como nos casos
das consultas e procedimentos. Nos grupos há a participação de membros diferentes da
equipe, como, por exemplo, psicóloga, enfermeira, auxiliar ou técnico de enfermagem,
114
residentes e médicos. Na realização das visitas para assistência no domicílio,
normalmente, cada trabalhador se desloca sozinho até o local de moradia do cliente.
Não faz parte da rotina, a realização em conjunto da visita domiciliária, por membros
diferentes da equipe de saúde. Cada trabalhador se organiza individualmente para a
concretização das visitas que lhe são pertinentes. Salvo no caso de alguns médicos
que, algumas vezes, solicitam o acompanhamento de um membro da enfermagem para
a realização de procedimentos.
Em relação às consultas, existem duas formas de agendamento: ao longo do dia,
para a realização das consultas no decorrer do mês; e outra é a consulta que é realizada
no dia da marcação, sendo necessário o comparecimento no início da manhã, quando
se iniciam as atividades na unidade.
A unidade iniciou sua existência no interior do Hospital N. Sra. da Conceição
(HNSC), estabelecendo seus limites de alcance da assistência pelas áreas adjacentes a
esse hospital, como já explanado anteriormente. No momento, está estruturada
fisicamente fora do ambiente hospitalar, em espaço geográfico próximo, de modo a
continuar com a mesma população adstrita.
A mudança do espaço deu-se por pressão política por parte dos gestores que,
segundo Lopes (2005), desde o início ofereceram resistências a que essa unidade fosse
implantada dentro do hospital. Ao mesmo tempo, esse autor refere que o fato de a
unidade ter essa localização teve importância geopolítica na instituição, possibilitando
o início e a manutenção do SSC. As pressões e tentativas de fechar a unidade
persistiram.
Inicialmente ainda proporcionadas por remanescentes do Corpo Clínico que
tentou impedir sua criação, e depois por convicções de técnicos e gestores das
diversas instâncias da saúde, principalmente a nível federal. A questão sempre
colocada era a de que um grupo hospitalar com a complexidade do GHC não
deveria envolver-se com atenção primária à saúde (LOPES, 2005, p.21).
Esse tipo de entendimento parece ainda persistir por parte de muitos, o que
certamente repercute na organização do SSC. Essa constatação pode-se extrair através
da leitura da obra citada, em que se percebe essa dificuldade até mesmo na alocação de
115
equipe multiprofissional com número de profissionais suficiente e adequado, e na
capacidade de instalações físicas adequadas para as diversas unidades de saúde.
A Unidade Conceição, enquanto se localizava no HNSC (dezembro de 1982 a
dezembro de 2004), tinha espaços bem definidos e considerados mais adequados pela
equipe de trabalho da unidade, do que o espaço disponibilizado a partir da mudança.
Mesmo assim, as condições estruturais não se apresentam como de má qualidade,
porém, faltam espaços para o desenvolvimento das ações, chegando ao ponto de, em
determinados dias, haver falta de salas para consultas.
A dificuldade de assistência à população, evidenciada por meio da problemática
da falta de salas, é compreendida pelo fato de o processo de trabalho na saúde ser
ainda fundamentado na ação médica tradicional, centrada na doença. É demonstrada a
existência de inadequação na organização do processo de trabalho, que apresenta uma
predominância em atividades de consultas clínicas. Como é salientado por Merhy
(1995), apesar de se ter ciência da importância da consulta dentro do processo de
trabalho em saúde, este não deve ser limitado a ela, envolvendo toda a equipe e
recursos externos.
No relato de Lopes (2005, p.96):
A medicina de família e comunidade tem se desenvolvido em todo mundo
como a opção eficaz para promover a mudança na abordagem aos problemas
de saúde das pessoas (individual), famílias, grupos e comunidade (coletivo),
pois é campo do conhecimento médico comprometido e orientado por
princípios de atuação que rompem com a prática biomédica tradicional,
enfrentando efetivamente as dificuldades na prestação do cuidado à saúde
dispensado hoje.
Porém, a concretização desse tipo de processo de trabalho não é tarefa simples,
pois envolve questões relativas a preparo e formação dos trabalhadores e real
compreensão desse tipo de trabalho por parte dos trabalhadores e gestores. Quer dizer
que não basta definir que esse é o modelo de assistência à saúde que deve direcionar as
ações a serem desenvolvidas em uma unidade de saúde, se não houver uma focalização
nessas questões anunciadas.
Pensar na melhoria da qualidade de atenção à saúde não é fácil porque, segundo
116
Mendes (2002b), o ambiente externo, contaminado pela ideologia flexneriana, cria
uma série de obstáculos que necessitam ser identificados e superados. O autor está
fazendo uma alusão ao trabalho no PSF, porém, como este é considerado um modelo
de APS, pode ser feita a transposição da reflexão para a questão assinalada neste
momento. Há a argumentação de que os obstáculos que se fazem presentes para a
implantação e concretização do PSF, e as estratégias de superação deles movem-se nos
espaços político, ideológico e cognitivo-tecnológico. Explica que a dimensão política
advém do fato de que a introdução desse modelo pode contrariar interesses
consolidados de determinadas especialidades médicas; a dimensão ideológica surge
em função da mudança cultural que precisa introduzir, rompendo com o paradigma
flexneriano; e a dimensão cognitivo-tecnológica decorre da necessidade de novos
conhecimentos e novas tecnologias.
Há uma queixa geral por parte da comunidade em relação à mudança física da
unidade, tendo sido feito, inclusive, um abaixo-assinado na época da mudança,
objetivando conseguir a permanência da unidade no interior do hospital. Referem que
essa mudança afetou a qualidade da assistência recebida, dificultando o acesso aos
serviços. Parece que as necessidades de utilização dos demais serviços hospitalares
eram mais bem atendidas naquele contexto, talvez pela facilidade de deslocamento. Ou
não, já que a unidade encontra-se em um prédio localizado a uma distância de meia
quadra, o que não estaria trazendo grandes deslocamentos. Então, a explicação poderia
estar baseada na relação entre pares que é estabelecida no interior das organizações.
Significa que uma unidade localizada no interior da instituição a qual tem quase todos
os outros serviços necessários para a concretização da assistência, como setor de raios-
x, laboratório, marcação de consultas, entre outros, é considerada como parte do corpo
de serviços dessa instituição, o que faz com que tenha um tratamento diferenciado de
uma unidade externa ao ambiente.
(...) Ficou ruim aquele cantinho, não sei por que tiraram de dentro do
hospital. Onde é que se viu, nós não somos gente para ter lugar no
Conceição? Botaram nós lá naquela casinha, agora até já estou me
acostumando, mas no começo, não dava vontade nem de ir (F2).
117
Como uma unidade que tem a característica de ter sido criada seguindo o
modelo da APS, desenvolve suas ações conformando-as de acordo com os preceitos
desse modelo. Segundo Mendes (2002b), a atenção primária à saúde deve
desempenhar um papel de centro de comunicação da rede horizontal de um sistema
integrado de serviços de saúde. E, para isso,
deve cumprir três funções essenciais: o papel resolutivo, intrínseco a sua
instrumentalidade como ponto de atenção à saúde – o de resolver a grande
maioria dos problemas de saúde da população; o papel organizador,
relacionado com sua natureza de centro de comunicação, o de organizar os
fluxos e contrafluxos das pessoas pelos diversos pontos de atenção à saúde; e o
de responsabilização – o de co-responsabilizar-se pela saúde dos cidadãos em
quaisquer pontos de atenção à saúde em que estejam (p.17).
O desenvolvimento desses diferentes papéis tem sido foco de atenção dos
trabalhadores da Unidade de Saúde Conceição, ao longo dos anos de existência da
unidade, em uma tentativa de superação do tradicional modelo biomédico que tem sido
priorizado nos serviços de saúde em geral, mesmo nas unidades básicas.
O exercício de uma atenção primária à saúde de qualidade deve ser o norte das
unidades básicas de saúde e deve ser incentivada pelos gestores. Isso é justificável
porque:
as deficiências qualitativas da atenção primária à saúde vão implicar
internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial e, até mesmo, na
alimentação de uma parte significativa de procedimentos de alto custo que
podem ser evitados por uma atenção primária à saúde eficaz, como parte das
diálises renais e dos transplantes (MENDES, 2002b, p.76).
Nesse sentido, é possível visualizar ações sendo realizadas na Unidade
Conceição, no intuito de aproximação com esse conceito de APS de qualidade, e um
dos processos de trabalho que se direciona para o alcance do objetivo desse modelo de
atenção à saúde é a atenção domiciliária. Isto porque o trabalho é desenvolvido
imbuído do espírito de manter as pessoas em suas casas, mesmo quando apresentam
algum problema de saúde, tentando, ao máximo, evitar a internação hospitalar.
118
Ao desenvolver atenção domiciliária, estão cumprindo as três funções
essenciais da APS: de resolutividade, por tentarem solucionar os problemas e
necessidades das pessoas sob sua responsabilidade; de organização, por direcionar os
fluxos de atendimento, referindo para outros serviços se a necessidade disso se fizer
mostrar; e, de co-responsabilização pela saúde da população adstrita, já que se
comprometem com a busca de soluções para situações que fujam de sua alçada,
buscando dar uma resposta à comunidade.
A atenção domiciliária começou a ser desenvolvida desde o inicio das
atividades da unidade, porque o modelo de atenção à saúde que norteou as ações foi
baseado no modelo inglês, que tinha essa atividade como parte do mesmo e, também,
por haver o entendimento de que essa é uma ação específica de serviços de APS. Tal
assertiva é revelada através dos depoimentos a seguir:
Esse serviço, desde a origem dele, ele se espelhava muito no modelo britânico
de médico de família. Está incluso nesse modelo a assistência domiciliar. Na
origem do serviço inclusive tinham muitos profissionais que foram para a
Inglaterra fazer sua formação lá, então isso sempre foi um lugar forte no
sentido de achar que é da conta da atenção primária dar o atendimento
integral e continuado, mesmo quando a pessoa por algum motivo não pode ir
ao posto (G1).
(...) isso é uma coisa que é inerente àquilo que a gente chama de atenção
primária em saúde, ou um cuidado que a gente dispensa a uma população
definida, ou saúde comunitária, seja lá o nome que se der, como uma das
formas de cuidar das pessoas e cuidá-las em casa, seja porque elas não
possam vir ou porque elas requeiram esses cuidados domiciliares (M5).
(...) desde aquela época (concepção do serviço) a gente fazia isso, como uma
parte do nosso processo de trabalho. Assim como era atender consulta, fazer
grupo, ir às escolas, enfim, diversas atividades, a assistência domiciliar, ou
seja, atender as pessoas em casa fazia parte. Sempre foi assim, era um
princípio de atuação (M6).
Segundo Lopes (2005), o sistema público inglês passou a ser sucesso e
referência no mundo, seguido pelo modelo socializado Canadense. Já nos EUA
consolida- se o modelo baseado no médico de família privado sem adstrição da
clientela, embora como parte de um sistema de saúde que exclui grande parte da
população a qual não pode pagar a assistência.
119
O Brasil também se espelha nesses modelos e, então, surgem:
programas de especialização médica inspirados na figura do “general
practitioner”(inglês), no “family physician” (americano) modificados a partir
da realidade local. Três dos principais núcleos localizam-se no Rio Grande do
Sul e sobrevivem até hoje: Unidade Sanitária São José do Murialdo e Hospital
N.S. da Conceição em Porto Alegre, e Universidade Federal de Pelotas
(LOPES, 2005, p.77).
As atividades que devem ser desenvolvidas em unidades de APS são atividades
relativas a diversos aspectos da assistência, como promoção da saúde, prevenção de
doenças, reabilitação de estados de doença e até mesmo a cura depois das patologias
estarem corporificadas nos indivíduos. De acordo com Starfield (2002, p.28), a APS “é
a atenção que organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto básicos como
especializados, direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde”.
Segundo a autora citada, o diferencial do trabalho de outros níveis de atenção está
posto justamente no fato de que ela forma a base e determina o trabalho desses outros
níveis.
A intencionalidade manifesta através da leitura do Manual de Assistência
Domiciliar da Unidade Conceição, o qual direciona as atividades desenvolvidas nesse
tipo de processo de trabalho, é a de contemplar todas as ações relativas à APS. Ao
estabelecerem diversos níveis de atendimento, tais como atendimento domiciliar,
internação domiciliar, acompanhamento domiciliar e vigilância domiciliar, estão
demonstrando essa preocupação de alcançar todos os aspectos da assistência. Pode-se
utilizar a visita domiciliar como forma de colher dados acerca do estado de saúde da
comunidade, de realizar adstrição da clientela, de efetuar busca de faltosos a
programas existentes na unidade, de promover divulgação dos programas e serviços
disponibilizados na unidade, de realizar ações de educação para a saúde, entre outros.
O atendimento domiciliar já pode ser considerado uma atividade mais direcionada a
grupos populacionais que necessitam de um acompanhamento por parte da equipe de
saúde, em que são agregados a ele, também, ações de promoção da saúde e prevenção
de doenças, mas existe o componente de reabilitação de estados de adoecimento. E,
através da internação domiciliar, há a possibilidade de acompanhamento mais
120
constante e amiúde de pacientes acometidos de condições patológicas agudas. Neste
caso, o objetivo primeiro é o de cura do processo patológico.
O Manual estabelece a forma como deve estar organizada a atenção
domiciliária em Atenção Primária à Saúde (APS), referindo que esta deve ter o
trabalho conjunto da equipe e da família como estrutura fundamental e prever
instrumentos que sistematizem os serviços prestados na lógica da hierarquização,
resolutividade e continuidade da atenção. E ainda como parte do processo de trabalho
das equipes do cotidiano, deve primar pela multiprofissionalidade e
interdisciplinaridade.
Nesse instrumento também se encontra discriminado o processo de inclusão de
pacientes ao processo de atenção domiciliária, que se pode dar por iniciativa ou
necessidade da pessoa enferma, de familiares, vizinhos, profissionais da equipe,
hospitais, outros profissionais ou serviços do sistema de saúde. A seguir é apresentado
o fluxograma desse serviço, a partir da solicitação do atendimento:
SOLICITADO ATENDIMENTO DOMICILIAR
FAMÍLIA/HOSPITAL/ESPECIALISTAS
AVALIA
Ç
ÃO
N
ÃO INDICADO INDICADO
ATENDIMENTO DOMICILIAR
ORIENTAÇÃO
À FAMÍLIA
REALIZADO AGENDADO
ENCERRADO
ATENDIMENTO
AVALIAÇÃO PRELIMINAR
PARA INCLUSÃO NO PROGRAMA
PLANO DE ASSISTÊNCIA
DISCUSSÃO DO CASO PELA EQUIPE
121
Como uma das características da atenção primária é uma maior familiaridade
dos trabalhadores com o paciente, por meio da atenção domiciliária há o reforço desse
aspecto, uma vez que os trabalhadores estão desenvolvendo seu processo de trabalho
no ambiente e contexto do cliente e da família. Essa atividade, inclusive, é uma forma
de alcançar uma atenção continuada, a qual deveria ser um objetivo das unidades
pertencentes a esse nível de atenção. Starfield (2002) considera que as unidades de
atenção primária deveriam envolver uma proporção maior de pacientes que recebem
atenção continuada do que aqueles que chegam pela primeira vez no serviço.
Nesse sentido, a Unidade Conceição propõe- se a isso, no momento em que no
rol das ações do seu processo de trabalho há um direcionamento para esse tipo de
atenção. O processo de trabalho em atenção domiciliária foi pensado de forma a
contemplar os aspectos inerentes a um serviço de APS.
A força de trabalho que compõe a unidade está composta por diversos
elementos, objetivando conseguir uma interação interpessoal e intragrupal no processo
de trabalho desenvolvido. Em vista disso, a composição da equipe encontra-se assim:
uma enfermeira, três ou quatro auxiliares ou técnicos de enfermagem e três ou quatro
médicos em cada turno; uma residente de enfermagem, uma residente de psicologia e
duas residentes de medicina de primeiro ano; uma residente de enfermagem e dois
residentes de medicina de segundo ano; uma psicóloga; duas auxiliares de serviços
gerais; e quatro assistentes administrativos.
Os componentes que perfazem a força de trabalho da unidade atuam
distribuindo-se nas diversas atividades desenvolvidas, de forma que em todas as ações
haja a presença de mais do que um membro da equipe de saúde, a não ser nas
consultas e na realização de procedimentos, em que há o atendimento individual dos
trabalhadores. E, também, no caso da visita domiciliária, que como já foi exposto, nem
sempre é desenvolvida em parceria.
Há uma tentativa, por parte da coordenação da unidade, de que o trabalho seja
desenvolvido de modo participativo e integrado, o que se percebe através da existência
de reuniões semanais para discussão acerca do andamento da unidade e para discussão
de casos clínicos e de pacientes assistidos na atenção domiciliária. Os depoimentos a
seguir demonstram essa tentativa de integração da equipe através das reuniões:
122
Se tu leva um problema para lá, é bem recebido, tenta ser discutido. Todos os
membros da equipe são acolhidos, são resolvidos (E2).
A gente tem sempre nas segundas-feiras, tem aquela reunião que a gente tem
notícia dos acamados e que a gente tenta resolver em equipe, a discussão do
caso, quando o caso é difícil, envolve problemas outros da família, dos
cuidadores, de intrigas entre eles, a gente discute na equipe (M2).
Em tais momentos, toda a força de trabalho é convocada a participar e todos
podem se expressar livremente, trocando idéias, dando opiniões, sugerindo mudanças,
em uma tentativa de constante aprimoramento do processo de trabalho. É claro que,
como em todos os espaços, sempre há aqueles trabalhadores que, mesmo tendo
liberdade para opinarem, permanecem em uma posição de escuta e aceitação do que é
argumentado pelo restante da equipe.
No desenvolvimento de qualquer que seja o processo de trabalho, há elementos
que se destacam em relação a sua motivação para e no trabalho, seu empenho e
iniciativa na resolução de problemas e sua co-responsabilização pelo desenvolvimento
das ações. Em parte, sem levar em conta a subjetividade de cada trabalhador no
tocante a sua forma de expressão e temperamento, a justificativa de tais tipos de
conduta pode estar atrelada à divisão do trabalho. Isso porque os trabalhadores que, em
sua maioria, têm uma maior participação nas decisões e que se manifestam de uma
forma mais direta e segura, são os trabalhadores que se encontram em nível
hierarquicamente superior na divisão do trabalho, como médicos, enfermeiras,
psicóloga e residentes. O que se pode pensar diante disso é que, mesmo em tentativas
de existir uma gestão compartilhada, historicamente foi construída uma relação de
subalternidade dos trabalhadores com menor nível de escolaridade, o que faz com que
esses trabalhadores assumam uma posição de expectadores no trabalho.
Nessa conformação da força de trabalho, é possível perceber um grande poder
de influência por parte dos médicos na política de gestão do serviço. Segundo Pires
(1998), os médicos têm ocupado, majoritariamente, os altos cargos de direção das
instituições. Os demais membros da equipe apresentam uma atitude de respeito pela
experiência e pelo conhecimento adquiridos na formação deste trabalhador. Passam
123
uma impressão de exaltação à figura do médico, mesmo que não seja no sentido
positivo, de reconhecimento do e pelo trabalho, e sim pela posição de destaque
assumida.
Há a percepção da interação estabelecida entre os diversos componentes da
equipe de trabalho através da observação do trabalho realizado. A relação interpessoal
mostra sinais de pequenos conflitos entre os níveis hierárquicos e, também, entre os
pares dos turnos de trabalho diferentes. Os sujeitos do trabalho têm uma tendência de
apresentar uma maior afinidade com os colegas que atuam de forma mais próxima a
eles, talvez pelo estabelecimento de uma forma similar de desenvolvimento do
processo de trabalho. Como o desenrolar do trabalho em outro turno é diferenciado,
certa dificuldade de aceitação desse modo de ação, fazendo com que os trabalhadores
hesitem em estabelecer parcerias para a realização de um trabalho conjunto, integrado.
É comum que as relações hierárquicas se manifestem na maioria das relações de
trabalho, o que não significa uma postura de exacerbação de poder. Certo grau de
hierarquia se faz necessário para que haja um elemento responsável pelo trabalho
como um todo, mas essa responsabilização de um trabalhador não exclui o
compartilhamento de decisões e a discussão conjunta das problemáticas enfrentadas no
cotidiano de trabalho. No SSC e na Unidade Conceição, há esse movimento no sentido
da realização de um trabalho ditado e gerenciado pela totalidade da força de trabalho.
Os resultados, porém, encontram-se ainda incipientes, devido em parte a um modo de
fazer que foi construído ao longo do tempo e encontra-se arraigado em cada
trabalhador.
O MS, em seu Plano Nacional de Saúde, prevê o fortalecimento da gestão
democrática, com a participação dos trabalhadores de saúde na gestão dos serviços,
assegurando a valorização profissional, bem como fortalecendo as relações de trabalho
e promovendo a regulação das profissões, com vistas a se efetivar a atuação solidária,
humanizada e de qualidade. Nesse sentido, uma das estratégias para o alcance deste
objetivo pode ser a realização do planejamento estratégico participativo (GELBCKE et
al, 2006). Esse tipo de gestão, em que há a intenção de conclamar todos os envolvidos
no sistema de saúde - trabalhadores, gestores e usuários - a participarem do processo
de planejamento das ações tem sido a tônica da atual gestão do SSC.
124
Existe uma questão relacionada à gestão do trabalho, que foi considerada pelo
gestor do SSC e por um dos trabalhadores da unidade como tendo sido causadora de
grande interferência no processo de trabalho da unidade de saúde, principalmente em
relação à continuidade da atenção domiciliária desenvolvida. Refere-se ao processo de
pactuação feito com o Município no ano de 2002 e que foi responsável pelo aumento
da área de abrangência das unidades de saúde do SSC. Esse processo deu-se em
função da necessidade de terminar com os vazios assistenciais no município. Com
isso, houve a promessa de ampliação dos recursos humanos e do auxílio financeiro
para aumentar a área física.
A gestão passada do município, concomitante também com o Conselho
Municipal, fizeram uma pactuação na cidade para acabar com os vazios
demográficos. Só que o município não tinha como se expandir no todo e o
GHC fez um contrato de metas, que são as contratualizações. O Conceição
ampliava a área para não ter mais vazio nas áreas de assistência. Só que
nisso tinham uma capacidade de equipe para três e foi para oito, dez,
explodiu. A proposta era, via um contrato de metas, ampliar as unidades na
área física e contratar pessoal. Só que acho que foi um erro isso, porque tu
perde o vínculo em áreas muito grandes. Mas Porto Alegre ficou sem vazio
assistencial. Mas, com isso, todas as questões da atenção foram modificadas,
porque a demanda do ambulatório sufoca. Dentro disso diminui essa atenção
à família que é essa atenção de ir no espaço domiciliar (G1).
Como é possível perceber por intermédio do depoimento acima, o pacto não foi
cumprido pelo gestor municipal, fazendo com que as unidades ficassem
sobrecarregadas de trabalho, já que permaneceram com o mesmo quantitativo de
recursos humanos e a mesma área física. Essa foi uma problemática que influenciou
em muito o processo de trabalho na atenção domiciliária, visto que o aumento da
demanda à unidade fez com que o tempo disponibilizado para ações externas à
unidade ficasse comprometido.
Com a implantação do PSF pelo município, piorou muito o serviço da
unidade, pois solicitaram que aumentasse a área, que o município daria mais
funcionários e medicação, o que não aconteceu. Na Unidade Conceição, a
assistência domiciliar perdeu muito nos últimos anos por causa do aumento
da área (E8).
125
O local do estudo não é uma unidade de PSF, porém, essa pactuação com o
município ocorreu em função de ser uma unidade que já vem, historicamente,
trabalhando nos moldes almejados pelo Ministério da Saúde para o trabalho das
equipes de saúde da família. Segundo Lopes (2005), o Serviço de Saúde Comunitária
do Grupo Hospitalar Conceição precede e constitui-se num dos marcos contribuintes
ao processo de mudança do Sistema Único de Saúde brasileiro e serviu de base para a
criação e a implantação da Estratégia Saúde da Família do Ministério da Saúde,
continuando a ser referência na construção do novo modelo assistencial.
Diante disso, não teria lógica o município implantar uma unidade de PSF em
áreas já assistidas pelo SSC e, então, apenas solicitou a ampliação de cobertura
populacional. O SSC é reconhecido nacionalmente, e isso foi entendido pelos gestores,
mas não houve a contrapartida esperada, o que ocasionou, pelo que foi possível
apreender dos depoimentos dos participantes do estudo, perdas na qualidade do
processo de trabalho desenvolvido nas unidades de saúde.
5.2 Indicadores
5.2.1 Os trabalhadores da atenção domiciliária desenvolvem seu processo de trabalho
segundo as diretrizes da APS
Esse tem
a apresenta como pano de fundo as questões relacionadas aos
elementos do processo de trabalho como objeto, finalidades, instrumentos e produto.
Esses elementos foram visualizados no transcorrer do desenvolvimento do processo de
trabalho em atenção domiciliária pelos trabalhadores por meio de seus depoimentos e
são comparados com as diretrizes da APS. Ou melhor, é realizada uma discussão
envolvendo os princípios ordenadores da APS relacionados por Starfield (2002) como
sendo imprescindíveis para concretização desse tipo de atenção à saúde, dos quais: o
primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade, a coordenação, a focalização na
família e a orientação comunitária.
O processo de trabalho em saúde é norteado por diretrizes, normas e conceitos
126
que advêm de uma superestrutura relacionada a leis, decretos, pareceres que
conformam o sistema de saúde como um todo. O sistema de saúde direciona o
desenvolvimento de processos de trabalho, por meio de um modelo de atenção à saúde
a ser seguido, enquanto uma estratégia para alcançar as metas governamentais, que
deveria ser, por princípio, a saúde para todos os cidadãos.
Nesse sentido, os serviços de saúde, sejam hospitalares ou de unidades básicas,
tendem a desenvolver seu processo de trabalho segundo o modelo apregoado pelo
sistema nacional de saúde. É necessário que se relativize, pois sempre existem forças
heterogêneas e contrárias às políticas traçadas nos ambientes onde se operacionalizam
essas políticas. Se assim não fosse, não precisaríamos de estudos analíticos, como esse.
Para as unidades básicas que compõem o sistema de serviços de saúde existe uma
determinação exposta através da Política Nacional da Atenção Básica, a concepção e a
forma de como essa atenção deve ser desenvolvida. A atenção básica, de acordo com o
Ministério da Saúde, caracteriza-se:
por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que
abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o
diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É
desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias
democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a
populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a
responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território
em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade
e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior
freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários
com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da
acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da
integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da
participação social (BRASIL, 2006c, p.10).
Como já discutido anteriormente, a atenção básica, também designada como
atenção primária à saúde, tem um histórico antigo na busca da saúde para todos. Surge
da reflexão de membros de vários países, que enfrentam a problemática da dificuldade
da população com o acesso à saúde e acabam por elaborar um conjunto de guias e
conceitos extraídos da discussão conjunta e de seu entendimento de como o sistema de
saúde deveria se mobilizar para atingir o patamar esperado de saúde para todos no ano
127
2000. Esse processo de discussão deu-se na Conferência de Alma-Ata, em 1978, e as
recomendações foram apresentadas no Relatório dessa Conferência.
Pode-se perceber como os serviços são influenciados por essas diretivas, a partir
dos depoimentos de vários trabalhadores atuantes na unidade de saúde que foi foco do
presente estudo de caso, ao dissertarem acerca do motivo da realização da atenção
domiciliária na sua unidade de trabalho:
É um dos princípios da medicina de família, você atender toda a comunidade.
Quem não consegue vir ao posto, a gente tem que ir em casa, faz parte do
papel do médico de família. Acredito, não só do médico, mas todo funcionário
que está na atenção primária (RM2).
Eu acho que isso é uma parte importante da atenção primária, a assistência
domiciliar, pelo vínculo com o paciente e por conhecer as condições de
moradia, as condições familiares dele e ver ele mais integralmente (RE1).
Desde que a gente concebeu o serviço, fez o projeto em 82, a gente tinha como
um dos princípios ou uma das atividades fundamentais atender as pessoas em
casa. Antes nem se falava em assistência domiciliar, não se falava em
programas de assistência domiciliar, mas a gente sempre considerou que isso
era importante e devia fazer parte da nossa atuação como médico de família
(M6).
Os trabalhadores demonstram que os princípios e fundamentos da atenção
primária à saúde encontram-se inseridos no dia-a-dia de quem atua nesse tipo de
serviço. Encaram a atenção domiciliária como parte intrínseca do trabalho
desenvolvido nesse modelo de assistência, o que demonstra uma compreensão dos
objetivos que podem ser alcançados através dela.
Quer parecer que o trabalho desenvolvido é tão enraizado historicamente que
não se realiza, atualmente, somente em vista de uma necessidade da população a qual
atende. O que não quer dizer que a necessidade não exista, ao contrário, há ampla
manifestação desta, tanto pelos trabalhadores e gestores, quanto pelos usuários. O que
se percebe é que a necessidade é histórica e tornada inerente a esse tipo de trabalho, a
APS, através do tempo.
Pode-se visualizar tal constatação por meio dos relatos e da própria história da
APS, que foi, aos poucos, sendo incorporada por esse serviço de atenção básica.
Em diversos locais do mundo já a partir da década de 70 (século XIX), e no
128
Brasil mais intensamente a partir de 1984, a prestação de cuidados à saúde
sofre alterações significativas. Iniciam-se movimentos que alteram os modos
de “fazer” e propõe novos modelos de “agir” em saúde. É neste contexto que
surge como especialidade a medicina de família e comunidade e o Serviço de
Saúde Comunitária do GHC. Esta mudança decorre, da diversidade dos
problemas que interferem no processo saúde-doença, na dificuldade dos
serviços de saúde darem conta às diferentes demandas de cuidado das pessoas
– individuais e coletivas – e das realidades dos diferentes locais do sistema de
saúde (LOPES, 2005, 101-102).
Outros autores que ressaltam essa questão são Matumoto, Mishima e Pinto
(2001, p.237), quando relatam que “as práticas de saúde atuais lidam com a
identificação de necessidades constituídas da mesma forma em processos sócio-
históricos.” Como se pode perceber, as necessidades não são atuais, porque a
necessidade de saúde não é atual, ela sempre existiu como forma de proporcionar aos
seres humanos condições de vida e trabalho e, conseqüentemente, de subsistência. Ao
mesmo tempo, as necessidades de saúde, que são históricas, mudam de acordo com os
valores de uso/troca, fazendo com que as práticas de saúde acompanhem essas
mudanças, organizando-se de forma a atender aos carecimentos sociais.
A saúde é uma das necessidades dos seres humanos, que se mobilizam em sua
busca contínua. Uma das formas de ter meios para promover e manter a saúde é o
trabalho. Reflete-se que a condição de saúde dos seres humanos é composta a partir da
sua realidade de vida e das condições econômicas e sociais em que eles têm de viver.
Fromm (1983), um estudioso das idéias marxistas, coloca a importância, sempre
ressaltada por Marx, de se estudar o homem e sua história partindo do homem real e de
suas condições, e não se atendo somente às idéias dele.
Visualiza-se esse tipo de questão ao se refletir acerca da forma como teve
origem a APS no Brasil e no mundo. A partir da observação da realidade das
populações, que não estavam tendo acesso à saúde, é que essa necessidade se mostrou
clara aos olhos do mundo inteiro e exigiu a mobilização de todos.
Hoje em dia, passados mais de vinte anos de tentativa de implantação dessa
modalidade assistencial pelos países do mundo todo, a saúde ainda apresenta-se como
carente de atenção, e a comunidade permanece com necessidades de cuidado oriundas,
129
em parte, das suas condições econômicas e sociais. Pode-se acompanhar essa linha de
pensamento através dos depoimentos de alguns usuários do serviço público de saúde:
Eu não tenho como pagar um médico particular, então eu tenho auxílio do
Hospital Conceição. Toda a parte de enfermagem, médico (F1).
Não tem convênio nenhum, nós estamos os dois aposentados. Hoje em dia não
há nada que chega (F2).
São pessoas idosas, aposentadas, que moram sozinhas e não podem contar com
auxílio de filhos ou outros parentes que também não têm condições de ajudar. O
serviço público está oportunizando a concretização do direito à saúde a essas pessoas,
por meio do acesso ao sistema de saúde e, no caso, principalmente, da assistência
domiciliária, ao acesso facilitado através da não necessidade de deslocamento até uma
unidade de saúde.
Quando se reflete sobre o processo de trabalho em saúde, percebe-se que não se
tem como separar finalidade do serviço e necessidade de saúde. São conceitos que se
entrelaçam, já que a finalidade do trabalho deve estar aliada à necessidade de o mesmo
ser desenvolvido. No caso da Unidade de Saúde Conceição, a maioria dos sujeitos
participantes da pesquisa, sejam trabalhadores ou usuários, relaciona a finalidade do
serviço na atenção domiciliária com a necessidade da população adstrita a ela. Essa
necessidade é embasada no deslocamento dos usuários até a unidade de saúde, que é
evitado através da atenção realizada no domicílio. Vejamos:
Eu fui lá, conversei, porque eu não tenho como levar ele todas as vezes daqui
lá, é difícil, mesmo que eu leve de táxi, aí chega lá, tem que tirar ele no colo,
botar na cadeira ...fica mais difícil (F3).
A finalidade dela, desse desenvolvimento, é para as pessoas que estão
acamadas, não podem se deslocar para a unidade (G3).
Eu vejo que a finalidade é com relação à dificuldade que esses pacientes têm
de chegar até o posto. Como eles têm essa dificuldade, então, a equipe vai até
esse paciente para tentar dar uma atenção melhor para ele (E5).
Eu acho que é proporcionar uma assistência a pessoas que não podem vir ao
posto, seja temporária ou definitivamente (M1).
A finalidade do serviço de assistência domiciliar, eu acho que é prestar um
serviço ao acamado, não só da parte clínica médica, mas também
130
enfermagem, psicologia, uma abordagem multidisciplinar para a pessoa que
está acamada, não tem condições de ir até a unidade de saúde (RM3).
Essa é uma necessidade descortinada no real do cotidiano do serviço, que
desponta como necessidade posta pela clientela assistida. Porém, é uma necessidade
posterior à necessidade de criação do serviço de atenção domiciliária que, este sim,
advém historicamente de necessidades mais gerais, como discutido anteriormente.
Poder-se-ia dizer que existem necessidades mediatas, que tiveram todo um antecedente
histórico de criação e necessidades imediatas, que são aquelas advindas de
especificidades locais.
As necessidades imediatas podem apresentar-se de diferentes formas como, por
exemplo, solicitação por consultas, controle de sinais vitais, curativos, imunização,
exames laboratoriais, ou outro tipo qualquer de atenção que exija a presença do
trabalhador de saúde no domicílio. No caso específico da atenção domiciliária
desenvolvida na Unidade Conceição, as ações concretizam-se na figura, geralmente do
idoso que, por sua própria condição de vida, apresenta maior dificuldade de
locomoção, tem mobilidade diminuída e exige então uma atenção direcionada a ele.
E, trazendo mais para a questão micro do processo de trabalho, o trabalhador,
ao realizar a atenção domiciliária, dá início a esse processo objetivando atender a uma
finalidade mais imediata, o motivo gerador da assistência, como no caso dos exemplos
citados acima, que são bem pontuais e exigem sua resolução. No entanto, o processo
de trabalho também tem necessidades mediatas, que são aquelas descortinadas no
decorrer da assistência, quando o trabalhador encontra-se no domicílio e, ao
desenvolver as ações para satisfação da necessidade imediata, observa a realidade de
vida e saúde do paciente e do grupo familiar. A partir desta observação, há a
possibilidade de expandir o olhar para as demais questões que envolvem a saúde como
um todo.
Nessa relação de reconhecimento de necessidades, fazem-se presentes a
concepção do processo saúde-doença e o projeto que se defende, considerando-se as
necessidades a partir de um recorte biológico ou considerando-se as relações da vida
131
em sociedade, transformando-as nesse filtro, objeto das ações de saúde
(MATUMOTO, MISHIMA, PINTO, 2001). Isso significa que as necessidades podem
ser vistas e trabalhadas rumo à sua satisfação, de diferentes formas, conforme o
modelo de saúde que alicerça o serviço em que é prestada a ação.
Se a visão que se tem do processo como um todo é ampla, o trabalhador não
permanece em um cuidado centrado unicamente no indivíduo, mesmo que este tenha
sido o motivador do início da assistência. Ele inicia pela tentativa de atingir aquela
finalidade imediata, que pode ser a realização de um curativo, o controle de sinais
vitais, o alívio de dores, etc., mas amplia o seu olhar para o contexto familiar e social e
estabelece as relações com esse meio, expandindo o cuidado para além de um corpo
individual.
De acordo com Kirchhof (1995, p.61), as atividades em saúde “representam
processos de trabalho das profissões de saúde que, por princípio, estariam direcionadas
ao alcance de uma finalidade mais geral, ampliada”. A autora alude à questão de que o
processo de trabalho em saúde é concretizado por meio de atividades que apresentam
finalidades imediatas que se destinam a, juntas, alcançarem uma finalidade mediata,
que é mais ampla. Em vista desse entendimento, é que se faz esse tipo de assertiva, de
que o trabalhador da saúde na atenção domiciliária pode iniciar seu processo de
trabalho visando finalidades imediatas, como as exemplificadas acima, mas, deve
apresentar uma intencionalidade de alcançar uma finalidade mais ampla, considerada
como a finalidade mediata de seu processo de trabalho, visando a atenção do ser
humano como um todo, não permanecendo restrito à uma ação pontual, que se encerra
em si mesma.
Por isso é que se pensa, também, na existência de serviços em que não há a
atenção domiciliária sendo desenvolvida porque os trabalhadores e gestores
apresentam uma concepção do processo de saúde e de adoecimento que os leva em
direção a uma conformação assistencial diferenciada como forma de atender à
necessidade que está sendo visualizada. Para os trabalhadores que atuam em uma
lógica de APS, essa mesma necessidade se direciona para a atenção no domicílio,
porque esse tipo de atenção faz parte da sua concepção de saúde e, logo, assistencial.
Ao se discutir a finalidade posta através dos depoimentos de trabalhadores,
132
gestores e usuários, em que esta despontou como a assistência a pacientes sem
condições de se deslocarem até a unidade de saúde, reflete-se que esta é uma
finalidade imediata, mas que contém finalidades mediatas no interior do seu processo
de desenvolvimento, pois pensar em prestar atenção à saúde de um indivíduo significa
visualizá-lo como um ser singular, mas um ser que se encontra inserido em um
contexto de vida, de relações, o que o torna carente de necessidades outras compondo
o seu processo de ser saudável.
Esta visão parece ser a que estaria embasando a atenção domiciliária na unidade
estudada ao analisarmos o manual que o grupo desenvolveu e que deveria servir como
guia para todo trabalhador ao realizar esse tipo de atividade. Entretanto, através da
observação do trabalho propriamente dito, essa questão parece não estar sendo
contemplada pela grande maioria dos trabalhadores. Percebe-se um atendimento
individualizado, direcionado para uma pessoa em sua particularidade, e realizado no
modelo clínico de atenção, com enfoque em problemas ou queixas apresentadas.
Se nos reportarmos à diferenciação estabelecida por Starfield (2002) em
momento anterior deste estudo, perceberemos que o enfoque da atenção realizada é um
dos marcadores que distinguem o tipo de modelo que está guiando o serviço. A autora
traz que, em um modelo convencional, o enfoque da assistência é na doença e na cura,
enquanto o enfoque da atenção primária é na saúde, com prevenção, atenção e cura. E
que o conteúdo do trabalho deve ser uma atenção abrangente e não somente um foco
em problemas específicos.
Agora, para que o trabalho em APS realmente se processe nos moldes ditados
pelas concepções que a norteiam, segundo Starfield (2002), é preciso que haja o
conhecimento e a operacionalização de seus princípios ordenadores: o primeiro
contato, a longitudinalidade, a integralidade, a coordenação, a focalização na família e
a orientação comunitária. A autora afirma que só haverá uma atenção primária à saúde
de qualidade, quando esses seis princípios estiverem sendo obedecidos, em sua
totalidade.
Em relação ao princípio do primeiro contato que, segundo a definição de
Starfield (2002), implica a acessibilidade e o uso de serviços para cada novo problema
ou novo episódio de um problema para os quais procura- se atenção à saúde, acredita-
133
se que a realização da atenção domiciliária, por si só, já pode ser considerada como um
passo nessa direção. O desenvolvimento deste processo de trabalho tem significado,
para os trabalhadores, uma forma de proporcionar acessibilidade a pessoas que não
têm condições de obter cuidados de saúde nos espaços formais, como as unidades de
saúde. E no decorrer da assistência, essa questão também é atendida na medida em que
novos problemas são solucionados ou encaminhados para resolução por outros setores,
sempre que se apresentam.
Esse é um aspecto importante vinculado à atenção domiciliária, pois envolve
uma atenção constante por parte dos trabalhadores aos usuários, sem que haja a
necessidade de solicitação por parte dos últimos. Como coloca Starfield (2002), uma
das diferenças essenciais entre a APS e a atenção oferecida por outras especialidades
está posta justamente no acesso universal e que não deve ser necessariamente
relacionado ao grau de necessidade, pensando que não se pode esperar que os usuários
conheçam a gravidade ou urgência de seus problemas a ponto de buscarem
atendimento para eles. E a atenção domiciliária, em sua organização interna, deve
apresentar uma rotina de visitas aos domicílios, como forma de acompanhar o estado
de saúde de seus usuários.
Na realidade, essa é uma questão que pareceu não estar muito organizada
atualmente. Essa reflexão está embasada na observação do processo de trabalho
desenvolvido durante o período da coleta de dados e, também, nos depoimentos dos
usuários, que relatam não existir, no momento, uma rotina no comparecimento dos
trabalhadores às suas residências:
Às vezes eles vêm. Não é uma rotina, que vêm de tanto em tanto tempo. Era
antes, agora não é mais. Não sei por que mudou (F2).
O serviço da medicina de família mudou muito, não é mais o mesmo e não sei
por quê. Há anos atrás vinham na casa de quinze em quinze dias, e agora não
é mais assim, vêm somente quando chamam. Gostaria se fosse uma coisa
assim de uma vez por mês, dar uma passada ao menos para ver como tá (F4).
A (...) (nome do trabalhador) me falou que vai vir um médico que faz tempo
que não vem. Na enfermagem tudo bem, elas vêm, nem que seja só para
visitar, medir pressão, essas coisas (F5).
134
Através da observação do trabalho realizado e das problemáticas evidenciadas
durante este momento, foi possível perceber um déficit no planejamento interno, na
medida em que foram observadas situações características disso. Um exemplo foi na
análise da pasta na qual ficam arquivadas as fichas de atendimento, tipo check-in-list,
(Anexo 3) dos pacientes que fazem parte do programa de atenção domiciliária. Foi
constatada a presença de grandes e variados espaços de tempo entre uma visita
domiciliária e outra, o que levou a consideração da existência de uma falta de
regularidade nelas.
Ao mesmo tempo em que há uma preocupação em assistir a uma clientela
necessitada de atenção à saúde, o que é feito através da atenção domiciliária,
configurando-se em uma tentativa de proporcionar acesso à saúde por parte desta
população, não existe uma sistematicidade, que pode estar justificada, em parte, pela
demanda excessiva existente na unidade de saúde, fazendo com que essa atividade de
assistência no domicílio seja suplantada pelo envolvimento com outras ações oriundas
dessa demanda espontânea à unidade.
O motivo talvez possa estar em que a concepção existente sobre a atenção
domiciliária, desde o início da estruturação da unidade de saúde, não tenha sido
difundido entre os novos integrantes que foram se inserindo na equipe com o decorrer
do tempo. A equipe inicial, que concebeu o serviço, tinha suas idéias permeadas pelos
ideais da medicina comunitária e o organizaram com base nestes ideais. Percebe-se a
importância de ter uma pessoa ou um grupo de trabalho constantemente direcionado
pela filosofia do serviço. É uma tarefa que compete ao gestor, ou a alguém que o
represente perante o serviço, no sentido de uma retomada dessa filosofia
esporadicamente, como forma de mantê-la dentro do espírito inicial, evitando deixar
cair a qualidade da atenção prestada.
Esse tipo de preocupação está se fazendo presente na atual gestão do Serviço de
Saúde Comunitária, que vem tentando trazer a questão da atenção domiciliária à
discussão entre os diversos trabalhadores atuantes nas doze unidades de saúde que
compõem o SSC.
Espero que esse grupo tenha esse alcance de desencadear um processo de
construção de uma política do serviço. Hoje quem determina a forma de
trabalho é cada equipe. Tem aquele manual de orientação, mas não foi
135
sistematizado como política. Então, ela fica se organizando no micro (G1).
A gestão que vem tentando ser exercida por este trabalhador visa a realização
de um trabalho conjunto entre os membros de cada equipe atuante em uma unidade de
saúde, assim como entre estes e as demais unidades e o próprio colegiado de gestão.
Para desempenhar com êxito essa função tem adotado uma atitude profissional de
compartilhamento de decisões e de convite aos trabalhadores a uma maior
aproximação das problemáticas evidenciadas no seu cotidiano de trabalho com a busca
de soluções para estas. A intenção de sistematizar a atenção domiciliária desenvolvida
em cada uma das doze unidades de saúde que compõem o SSC é um dos exemplos
desse desejo de compartilhamento de responsabilidades, assim como é um
compromisso com a atenção à saúde da população. Essa última assertiva baseia-se no
entendimento de que esse gestor visualiza a atenção domiciliária como uma das ações
inerentes à atenção primária em saúde que precisa ser assumida concretamente pelo
SSC.
Percebe-se esse gestor reconhecendo que sua função deve ser entendida como:
“La asunción de una nueva función que, en un entorno de medicina gestionada y de
trabajo en equipo, es decisiva para los resultados finales sobre la salud de los
ciudadanos que produce el equipo de atención primaria” (BADIA, CONTEL
SEGURA, ORTI, 2001, p. 1).
Para uma efetiva realização da atenção domiciliária, há necessidade de que
outras ações sejam desenvolvidas, para que esta ocorra a contento. Significa dizer que
existe uma organização de trabalho voltada não somente à composição de infra-
estrutura e recursos humanos, mas também à capacitação dos trabalhadores e a
organização acerca da forma como o trabalho irá se desenvolver. O aspecto da
qualificação tem extrema importância, justamente pelo fato de que a equipe não é
sempre a mesma. Ela sofre alterações com o decorrer do tempo, seja pelo motivo que
for. Isto exige que as pessoas que estão se inserindo na proposta de trabalho sejam
inseridas no modelo, de forma que possam apresentar comprometimento com ele.
136
A observância desse aspecto no processo de trabalho é papel fundamental do
dirigente, coordenador de serviço ou representante do gestor. Seja o nome que for que
tiver esse elemento com função de direção de uma equipe de atenção primária, o
importante é que não seja, como abordado por Badia, Contel Segura e Orti (2001),
apenas um porta voz das decisões do grupo e sim um líder profissional que consegue o
melhor serviço para a população a que atende, prestando atenção especial ao
desenvolvimento dos profissionais que dirige e sendo fiel a missão que tem
estabelecida sua organização de trabalho.
A filosofia que está por trás de cada ação e do serviço como um todo precisa ser
discutida permanentemente e apreendida aos novos trabalhadores, evitando, assim, que
cada um faça do jeito que imagina deva ser feito. Quando há um modelo de assistência
à saúde que esteja orientando para a realização das atividades dentro de um serviço, o
processo de trabalho não pode ficar à mercê da individualidade de cada trabalhador. É
interessante refletir como a teoria e a prática são conceitos que se compõem e se
contrapõem ao mesmo tempo, pois um precisa do outro; eles não podem ser vistos
isoladamente. Não é tarefa simples o direcionamento da questão prática de acordo com
a teórica, já que para isso são necessários elementos que nem sempre temos a nosso
dispor, como as distorções entre o modelo APS e o modelo inculcado na grande
maioria dos cursos de formação dos profissionais de saúde, ou mesmo as precárias
condições de oferecer um serviço de educação permanente aos trabalhadores. No
decorrer do desenvolvimento do processo de trabalho estão envolvidos aspectos que se
fazem presentes em algum momento e que funcionam como impeditivo dessa
conjunção teórico-prática, dando margem a que outra conjunção se concretize.
Para exemplificar, pode-se trazer a questão da demanda à unidade de saúde que,
por vezes, pode acabar ocupando todos os espaços e fazer com que os trabalhadores se
vejam mergulhados nela, sem perceber que estão sendo estrangulados por ela e que,
em vista disso, não conseguem mais desenvolver seu trabalho da forma como o
conceberam. Não efetuando paradas estratégicas para reflexão, estão sob o risco de
deixarem diversas ações serem subsumidas por essa demanda.
Entendemos que, além da importância de se trabalhar com os novos integrantes
das equipes acerca das finalidades do trabalho a ser produzido na assistência
137
domiciliária, somente esse processo não é suficiente, em vista da realidade ser
extremamente dinâmica, na qual existem não só diferentes sujeitos, mas, também,
diferentes projetos circulando. Essa questão precisa ser problematizada nas reuniões de
equipe, ou seja, provocar uma discussão e reflexão acerca do processo de trabalho que
vem sendo desenvolvido, questionando o que está sendo realizado, por que e para
quem, além de pensar em que contexto a assistência domiciliária está sendo realizada.
Um dos gestores trouxe a questão da problemática gerada pela ampliação da
área adstrita, o que ocorreu com todas as unidades do Serviço de Saúde Comunitária.
Ela relata que essa ampliação foi realizada em vista de uma pactuação feita com o
município, conforme já abordado anteriormente.
Com isso todas as questões da atenção foram modificadas, porque a demanda
do ambulatório sufoca. Só que a demanda, se tu não a invertes ou pensa de
forma diferente, ela sempre amplia. Vai mudando o perfil de atenção. Fica
estimulando uma coisa mais individual, menos coletiva. Mas dentro disso
diminui essa atenção à família que é essa atenção de ir ao espaço domiciliar
(G1).
No momento, a reflexão a ser realizada não é a da demanda não estar
permitindo a realização da atenção domiciliária. Essa demanda é que não está
permitindo espaços que possam estar sendo utilizados para uma avaliação da atenção
domiciliária, e para um processo educativo junto aos trabalhadores que a desenvolvem.
No início do período de coleta de dados, houve a informação de que todo
trabalhador que fosse inserido na equipe de trabalho, antes de ter um paciente de
atenção domiciliária sob seus cuidados, seria convidado a fazer uma leitura
compreensiva do “Manual de Assistência Domiciliar”, e receberia orientações acerca
desse processo de trabalho. Além de que a primeira visita domiciliária seria realizada
em conjunto com algum colega que já estivesse imbuído do espírito e do objetivo
desse tipo de atividade. Porém, essa não foi uma questão que tenha ficado
demonstrada na prática. Durante o período de observação da pesquisa, acompanhou-se
um trabalhador que, pela primeira vez, estava na assistência a um paciente inserido no
programa de acompanhamento domiciliar. Percebeu-se que o trabalhador não passou
por nenhum tipo de treinamento, não recebeu orientações do tipo: o que fazer; como
138
fazer; por que fazer. Assim como não lhe foi fornecido um plano assistencial, o que,
teoricamente, deveria ter sido feito.
Parece que nenhum suporte foi fornecido a este trabalhador, a não ser a
presença de uma colega que o acompanhou, pois foi necessária sua orientação quanto
aos materiais a serem reunidos antes de deslocar-se ao domicílio. No momento da
realização da atenção domiciliária, o trabalhador mostrou-se inseguro, questionando ao
pesquisador como preencher o check-in-list de avaliação do paciente e o que colocar
no prontuário do paciente.
A organização desse processo de trabalho está sofrendo interveniências,
prejudicando-o. E se tem a tendência explicativa de relacionar essa deficiência à alta
demanda da clientela à unidade de saúde, o que faz com que haja o completo
envolvimento dos trabalhadores com ela e acabem “deixando correr o barco” no que se
refere à atenção domiciliária, por exemplo. Essa é uma lógica invertida dentro do
modelo que os trabalhadores apregoam seguir. A realização de outras atividades como
a atenção domiciliária pode contribuir para conseguir inverter, um pouco, essa
demanda.
O que tem transparecido é que o modelo clínico é o que está predominando nas
ações dos diversos trabalhadores atuantes na unidade. Isso foi constatado, tanto nos
depoimentos, quanto e, muito mais claramente, na observação do processo de trabalho
realizado.
Têm um modelo muito na clínica, sabe. Têm horas longas de ambulatório.
Fazem clínica. Quero dizer que estão centrados naquilo, não no coletivo e
isso dá uma diferença na assistência (G1).
Essa foi uma questão geral que se mostrou durante as visitas domiciliares
acompanhadas. Não parece existir diferença entre um atendimento prestado no
domicílio e um atendimento realizado em uma das salas de consulta da unidade de
saúde. O molde das ações é o mesmo: uma consulta clínica com todos os passos desta,
como exame físico, perguntas acerca de medicações utilizadas, funcionamento dos
órgãos do corpo e prescrição médica no caso de a visita ser realizada por um dos
139
médicos. Na maioria das vezes, não foram visualizadas ações de promoção da saúde,
prevenção de doenças ou ações educativas sendo desenvolvidas. Assim como - e aí se
adentra na questão do objeto de trabalho - a família, em geral, não é considerada como
o objeto de trabalho nessa atividade, e não há demonstração de valorização do
contexto domiciliar.
O direcionamento das ações dos trabalhadores é para o indivíduo doente,
acamado, sem possibilidade de deslocamento até a unidade de saúde. Isto não seria
problema, se a família estivesse incluída no cuidado. O processo de trabalho pode ser
iníciado orientando-se o cuidado para um indivíduo especificamente, mas quando a
ação é guiada pelo modelo de APS, temos a obrigatoriedade de estender esse objeto
para além do indivíduo doente, aproveitando esse momento ímpar de contato com o
ambiente de vida da família para avaliar o todo, e avaliar todos os membros desta
família e, assim, cuidar dela. Acerca dessa questão, na NOB-SUS 1996 está redigido:
O modelo vigente, que concentra sua atenção no caso clínico, na relação
individualizada entre o profissional e o paciente, na intervenção terapêutica
armada (cirúrgica ou medicamentosa) específica, deve ser associado,
enriquecido, transformado em um modelo de atenção centrado na qualidade de
vida das pessoas e do seu meio ambiente, bem como na relação da equipe de
saúde com a comunidade, especialmente, com os seus núcleos sociais
primários – as famílias (SUS, 2004, p.87).
Algumas falas retratam o objeto de trabalho na atenção domiciliária:
Para o paciente, o serviço é para o indivíduo que estiver precisando,
acamado. O objeto direto é o paciente. Mas a gente ajuda a família também,
orientando eles no cuidado do paciente. Às vezes a família está tão
atrapalhada que a gente acaba ajudando a família, a família precisa de ajuda
para cuidar o paciente (E2).
Aqui no posto é principalmente para pacientes acamados, idosos que por
algum motivo, alguma doença, não conseguem mais caminhar ou para
pacientes acamados de qualquer faixa etária (RM2).
Eu acho que o nosso cliente é a pessoa, o acamado, principalmente. A pessoa
que teve um evento que o deixou acamado, ou uma pessoa que fica
temporariamente incapacitada, tipo sofreu um acidente de trânsito. Mas
basicamente é o idoso acamado por alguma seqüela neurológica, um
problema ósteo-muscular, alguma artrose, acho que é basicamente isso (M1).
O objeto são as pessoas que precisam desse cuidado, sejam pessoas que
estejam acamadas, não conseguem sair da cama, nem das casas, ou das
140
pessoas que podem não estar acamadas, mas tem uma limitação importante,
seja por falta de um membro ou por problema respiratório. Enfim, qualquer
uma limitação que esta pessoa possa ter, para mim essa é a definição e este é
o objeto de trabalho (M5).
Esses depoimentos encontram eco na maior parte dos trabalhadores,
principalmente, quando são observados no desenvolvimento de seu processo de
trabalho. Na prática de trabalho, os esforços estão concentrados na realização do
cuidado a um indivíduo doente, acamado ou debilitado por algum motivo. Mesmo com
a convivência familiar gerada por meio desse atendimento individualizado no
domicílio, os demais membros da família não são contemplados com um cuidado
dirigido à sua saúde, mesmo que sejam também pessoas idosas como o próprio
paciente objeto do cuidado. Não transparece que haja um projeto de trabalho voltado
para a saúde do cuidador como sujeito que necessita de atenção, não só pelo aspecto de
se manter em condições de permanecer executando seu papel de cuidador, mas,
também, como um ser humano que carece de cuidados de saúde.
Em estudo desenvolvido por Rodrigues, Watanabe e Derntl (2006), os autores
consideraram que, muitas vezes, “os programas de assistência domiciliária preocupam-
se com o cuidador apenas quanto ao desempenho desta função, esquecendo que ele
tem outros papéis a desempenhar e necessidades a eles relacionadas, além das próprias
demandas de saúde”(RODRIGUES, WATANABE, DERNTL, 2006, p.499) .
Um aspecto que se salienta, principalmente, no depoimento do trabalhador E2 e
no depoimento que virá logo a seguir, passa uma primeira impressão de que a família
encontra-se compondo um objeto de trabalho. Porém, na continuidade da fala e, ao se
buscar enxergar o que está além dessa aparência, fica claro que a atenção realizada à
família é unicamente no sentido de manter o cuidador atuante em seu papel.
Tu tens que ver, porque às vezes a falia está cansada, e tu tem as vezes até
que sentar com a família, com quem cuida. A gente faz muito. Ou a gente
chega de volta da visita domiciliar e diz para a equipe, que foi visitado tal
paciente e que tu achas que a família também precisa ser ajudada, ou quem
cuida. Ou a esposa, um filho, uma filha, ou até uma empregada, o cuidador.
Eles nos auxiliam muito porque aí tu não tens que ir todos os dias ver o
paciente (E4).
141
Observem-se as sentenças que foram grifadas nos depoimentos. Elas dão a
noção exata de qual importância é dada à família. Essa relação com a família não pode
ficar no nível de transformá-la em um aliado no cuidado do seu familiar,
instrumentalizando-a para esse cuidado e, sim, considerá-la como um agrupamento de
seres humanos que necessitam, também, serem cuidados.
Nesse sentido, Rodrigues, Watanabe e Derntl (2006) sugerem algumas ações
que comportam a possibilidade de implementação do cuidado aos cuidadores, tais
como:
A identificação de cuidadores secundários ou de pessoas que pudessem ajudar
em outras atividades que não sejam as de cuidado, de forma a possibilitar ao
cuidador um tempo para cuidar de si ou para descansar; a criação de grupos de
cuidadores onde estes teriam a oportunidade de discutir entre si as suas
dificuldades e as estratégias de cuidado com a própria saúde e trocar
experiências sobre as ações de cuidado com o outro; assistência domiciliar ao
cuidador para atendê-lo do ponto de vista médico, psicológico, social e
funcional, procurando manter e restaurar sua autonomia e o seu conforto
(RODRIGUES, WATANABE, DERNTL, 2006, p.499).
Em algumas falas também pode-se perceber que há uma visão diferenciada por
parte de alguns poucos, como por exemplo:
Parte da pessoa que está doente. Eventualmente pode se estender para a
família e coisa e tal, mas o foco é a pessoa que está doente. Se tu perceber que
a família tem problema que mereça uma intervenção, a gente pode fazer isso
no domicílio também (M6).
Deveria ser para o paciente e para a família. Eu acho que é o paciente (G1).
Normalmente quando a pessoa vai atender em casa é porque foi chamado ou
foi consultar para alguma coisa. A pessoa vai atender aquele paciente,
termina às vezes sendo o problema dos familiares. Então, nesse caso, além do
paciente, os familiares se tornam o conjunto (G2).
Eu acho que é a pessoa e a família. Porque às vezes a família está um trapo,
porque é uma coisa muito desgastante, o cuidador (RP).
Já se teve oportunidade de ver que um dos princípios ordenadores da atenção
primária à saúde, que precisa ser conhecido e operacionalizado é a focalização na fa-
142
mília. “A focalização na família torna indispensável considerar a família como sujeito
da atenção o que exige uma interação da equipe de saúde com essa unidade social e o
conhecimento integral de seus problemas de saúde” (STARFIELD, 2002, p.14).
O reconhecimento desse princípio é crucial para uma atenção de qualidade nos
moldes da APS. Ele pode estar se perdendo com o passar do tempo. Os trabalhadores
mantêm a realização de reuniões semanais para discussão da atenção domiciliária e
esse espaço precisa ser utilizado para esse fim, em uma tentativa de resgatar a essência
de um processo de trabalho em atenção primária.
A perda desse espaço de reflexão e discussão foi um dos aspectos observado
durante o período de coleta de dados. As reuniões são utilizadas para discussão de
casos clínicos, apresentação de relatórios de trabalho e discussão de temas em geral
com convidados de outros setores. Essa perda de espaço foi constatada durante o
período de observação. Também despontou no relato de um dos trabalhadores
entrevistados:
Às vezes a coisa sai do prumo. Tanto que assim, as reuniões de segunda-feira,
quando eu cheguei, eram bem para discussão de casos. Os casos da
assistência domiciliar. Pelo menos duas segundas-feiras por mês a gente
discutia os casos da assistência domiciliar. Agora eu acho que já faz horrores
de segunda-feira que não se fala do programa de assistência domiciliar, não
se dá notícia de paciente (E6).
Por que a atenção domiciliária não está sendo privilegiada nessas discussões? O
que a faz ficar em segundo plano? Não existem assuntos relativos a esta que precisam
ser discutidos, relembrados, avaliados? E, ainda, por que o programa de
acompanhamento ao cuidador se extinguiu?
Houve um momento em que um dos trabalhadores chamou a atenção para o fato
de estarem perdendo as prioridades que, no caso, são a apresentação dos casos de
atenção domiciliária nas reuniões programadas inicialmente para tal. Tal
posicionamento foi ocasionado porque um dos pacientes que seria apresentado ao
grupo para avaliação de inclusão ou não no programa, não mais o seria por falta de
tempo. Tinham sido colocados em pauta vários assuntos que ainda precisavam ser
discutidos, o que levou a residente que estava de responsável pela apresentação do
143
caso decidir, em conjunto com um dos preceptores, adiar o relato para a próxima
reunião. Foi uma decisão não realizada em conjunto, e quando um dos outros
preceptores apercebeu-se do que estava ocorrendo, fez a colocação em relação a essa
problemática. E complementou:
Essa reunião foi criada para inclusão e discussão dos planos dos acamados.
Os outros assuntos ficam para quando sobrar um tempo, e não o contrário
(M5).
É interessante como as coisas vão acontecendo de forma rotineira e os
trabalhadores não se dão conta de que algo está se perdendo no meio do caminho. Por
exemplo, esse caso da utilização das reuniões da atenção domiciliária para discussão
de outros temas da assistência na unidade. Começa como um item a mais na pauta, no
sentido de melhor aproveitamento do tempo, e vai tomando uma proporção tal que faz
com que se invertam as prioridades. Mais uma vez, reitera-se a importância de ser
mantido o foco no objeto do trabalho. O que pode fazer os trabalhadores despertarem
para a realidade do que está acontecendo? Pode-se cogitar que, nesse momento, o
“despertador” pode ter sido o elemento externo, na figura do pesquisador, cujo foco da
atenção estava voltado justamente para as questões envolvendo a atenção domiciliária.
A hipótese levantada não é impossível, porque, querendo ou não, a presença do
pesquisador acaba interferindo no processo de trabalho, por ser um elemento estranho
ao grupo, com função de observação do trabalho. Porém, isso não é o mais importante
nesse momento. O principal é perceber que há que se manter o trabalho em seu eixo
original. Até porque esse tipo de ocorrência continuou ao longo do tempo desta
pesquisa. Não houve a problematização da situação evidenciada, já que as reuniões
permaneceram sendo utilizadas para apresentação de relatórios e discussão de outros
assuntos não pertinentes à atenção domiciliária.
Em muitos lugares, o enfermeiro tem assumido o papel de gerenciador do
processo de trabalho, por sua formação geral, suas noções de administração, seu
suporte ético e humanizado no relacionamento com a equipe de trabalho, entre outros
aspectos. Cruz, Barros e Ferreira (2001), ao trazerem a experiência da Escola de
144
Enfermagem da Universidade Federal Fluminense com Home Care, relatam que uma
das atribuições da enfermeira é a liderança da equipe de enfermagem e da equipe de
saúde.
Lacerda (2000) refere que a enfermeira tem um papel de destaque na equipe de
saúde, sendo ela quem coordena as ações da equipe, e quem é sempre acionada para a
solução dos problemas. “Ela é o esteio da situação, talvez porque tenha a visão do todo
da situação” (p.177).
Nos Estados Unidos, a coordenação do cuidado no processo de trabalho nos
serviços de atenção domiciliária é realizado por uma enfermeira, que geralmente
transmite informações de um especialista a outro e estabelece uma relação entre os
médicos que tratam do paciente. No Canadá, a enfermeira coordena o cuidado, provê a
maior parte dele e monitora o paciente, enquanto o médico é quem determina o
programa de cuidado. Já, em Israel, os médicos têm um papel mais central na atenção
domiciliária do que em outros países. A maior parte do cuidado é realizado pelo
conjunto médico-enfermeira, sendo que em algumas unidades o médico também
coordena o cuidado (BENTUR, 2001).
Segundo Shepperd et al (1998a), no Reino Unido, o Sistema Nacional de Saúde
provê atenção domiciliária como uma alternativa ao cuidado de pacientes que estão
clinicamente estáveis e não requerem acesso a diagnósticos e especialistas médicos. A
responsabilidade por esses tipos de serviços é assumida pela enfermeira.
Em um trabalho desenvolvido com espírito de coletividade, de inter-relações,
qualquer um dos trabalhadores componentes da força de trabalho pode desempenhar
um papel ativo, chamando a atenção para as questões que evidencia estarem escapando
ao restante do grupo. Porém, é necessário que exista um elemento que assuma o papel
de coordenador do processo como um todo, em uma tentativa de manter o trabalho
sendo realizado dentro do modelo assistencial proposto. E, concorda-se que essa
posição seja assumida pela enfermeira, justamente pela sua formação, o que a leva a
demonstrar mais aptidão para lidar com problemas, realizar gerenciamento de serviços,
exercer controle do processo de trabalho, entre outras habilidades específicas desse
trabalhador.
Como foi mencionada a coordenação no sentido de organização e controle do
145
processo de trabalho, em que há uma estrutura física e humana que permite a
concretização e o acompanhamento do trabalho, há necessidade de ser explicitada a
outra noção de coordenação envolvida, sempre que se reporta à atenção primária em
saúde, que é a esta como um dos princípios ordenadores da APS. A coordenação
implica a capacidade de garantir a continuidade da atenção, através da equipe de
saúde, com o reconhecimento dos problemas que requerem seguimento constante,
assegurando a oferta de uma combinação de serviços e informações de saúde que
atendem as necessidades dos pacientes e que também envolva a ligação entre esses
serviços.
De acordo com Starfield (2002, p.195), a coordenação:
pode ser facilitada por meio de vínculos mais formais entre os níveis de
atenção e melhores linhas de comunicação e ser aprimorada por mecanismos
eletrônicos de fluxo de informações, para melhor integrar a atenção em
diferentes níveis e tipos de profissionais.
Seguindo essa linha de pensamento, pode-se pensar na questão dos prontuários
dos pacientes e, no caso específico da unidade estudada, no prontuário da família. Este
é um instrumento de grande importância para o alcance desse princípio ordenador,
visto que nele estão congregadas informações e impressões levantadas por vários
membros da força de trabalho. É a forma mais lógica e metodologicamente organizada
de manter uma comunicação efetiva entre os diversos trabalhadores e, até mesmo,
entre serviços.
No momento de apresentação do serviço de atenção domiciliária à
pesquisadora, houve o repasse de informações relativas ao prontuário da família. O
destaque foi de que este é um instrumento de trabalho utilizado por toda a equipe de
forma duplicada, na unidade de saúde e no domicílio, como forma de
compartilhamento de informações e facilitador das decisões por parte de qualquer dos
trabalhadores que esteja realizando o cuidado. Foi relatado que é utilizado não
somente pelos trabalhadores da unidade, mas, também, por trabalhadores de outros
serviços e que sejam solicitados a prestar assistência no domicílio, como os serviços de
atendimento de urgência.
146
Abre prontuário de família e deixa no domicílio até que tenha alta. Todos
escrevem nesse prontuário, inclusive equipes de pré, como SAMU (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência) se forem chamados (E8).
No acompanhamento do trabalho foi percebido que, embora haja uma intenção
de compartilhamento de informações do prontuário, isso não se processa na realidade,
nem entre os próprios trabalhadores da unidade, e nem com os demais serviços que
tenham prestado assistência ao paciente da atenção domiciliária em algum momento.
Teve-se oportunidade de acompanhar a assistência de uma paciente que, por ter
apresentado uma piora no seu quadro geral durante a noite, o familiar chamou um
serviço de atendimento de urgência existente no município, o ECOSALVA, com o
qual a família tem um convênio. Foi observado que não foi efetuado nenhum registro
no prontuário domiciliar por parte do profissional que assistiu à paciente.
Mas será que os trabalhadores atuantes nesse serviço de atendimento têm
ciência da existência do prontuário domiciliar? E, não o tendo, os familiares estão
informados acerca da importância desse instrumento de trabalho?
Essa questão alerta para o fato de que está se perdendo uma excelente forma de
desenvolver uma integração entre serviços. Podem-se visualizar duas formas de
concretização dessa integração entre serviços, uma através da ampla informação aos
usuários do serviço de atenção domiciliária sobre a utilização adequada do prontuário
domiciliar, fazendo com que eles mesmos sejam os transmissores da necessidade de
registro; e outra por intermédio da busca pelos serviços com os quais os usuários
mantêm convênios, visando divulgar o trabalho realizado e solicitar a colaboração em
relação ao preenchimento do prontuário. Essa é uma tarefa inerente ao gestor que,
devido à sua função de dirigente do serviço, é o responsável pelo estabelecimento de
relações entre os setores e serviços, de forma a facilitar o processo de trabalho e
garantir a qualidade da assistência prestada pelos trabalhadores que atuam sob sua
coordenação.
Como referido por Badia, Contel Segura e Orti (2001, p.1): “La singularidad del
ámbito de atención primaria obliga a considerar aspectos de gestión estratégica,
147
prestando especial atención al entorno y a las alianzas estratégicas con otros
proveedores de servicios sociales y sanitarios.”
Percebe-se que o prontuário é referido por muitos dos trabalhadores como um
dos instrumentos de trabalho, mas, contraditoriamente, não parece ser visto na prática
com a importância de que é revestido. A começar pelo preenchimento tanto do
prontuário existente na unidade, como do prontuário domiciliar, em que parece existir
uma opção pessoal por um deles. Os próprios trabalhadores referem que normalmente
não efetuam o registro em ambos os prontuários, apesar de saber que isso seria o
correto, como ressaltado pelos entrevistados RE1 e RM3.
Durante a observação do processo de trabalho desenvolvido em atenção
domiciliária, ficou clara a diferença de conduta dos trabalhadores em relação ao
registro no prontuário. Todos os médicos e residentes de medicina observados levam o
prontuário da unidade até o domicílio, para consulta deste naquele ambiente, mesmo
não efetuando nenhum registro no local. E não questionam ao familiar acerca da
existência do prontuário domiciliar. Ao retornarem à unidade, mesmo que não seja no
momento imediato do retorno, realizam o registro da assistência prestada. Ao
ignorarem o prontuário domiciliar, não estarão posicionando-se em uma atitude de
desinteresse pelo trabalho dos demais integrantes do serviço de atenção domiciliária?
Essa postura profissional não estará imbuída de um sentimento de que há um interesse
somente nos dados que estão em seu poder, no caso, registrados no prontuário da
unidade? Ou, então, por estarem assumindo que há um descaso geral em relação ao
prontuário domiciliar, confirmam esse fato através da utilização em mãos do
prontuário da unidade, em que estão registrados todos os dados necessários para
re/conhecimento do histórico do paciente assistido.
Já, os trabalhadores de enfermagem, incluindo as residentes, não retiram o
prontuário da unidade para realizarem atenção domiciliária. Ao chegar ao domicílio, a
grande maioria solicita ao familiar o prontuário domiciliar e efetua registros nesse
instrumento. Porém, nem todos preenchem o prontuário da unidade. Que significado
apresentam posturas tão distintas entre trabalhadores de um mesmo serviço? Ao
mesmo tempo em que integrantes desse serviço valorizam o prontuário domiciliar, o
que o fazem por meio da utilização deste, não se incomodam por não estar havendo a
148
mesma utilização por parte dos demais trabalhadores. Isso é o que é demonstrado
através da atitude de manutenção dessa forma de trabalho, em que não houve a
observação por parte da pesquisadora de que tal fato os estivesse incomodando ou de
ter presenciado alguma tentativa de chamar a atenção para essa questão em reuniões
ou mesmo no dia-a-dia de trabalho.
A forma de registro também não é padronizada, a não ser entre os trabalhadores
médicos, que mantêm o mesmo sistema utilizado nos ambulatórios e unidades de
internação hospitalar. Este sistema consiste de histórico, lista de problemas, lista de
medicações utilizadas e evolução. O método de realização da evolução médica é
conhecido como SOAP, em que o trabalhador organiza os dados da atenção prestada
no domicílio, seguindo uma ordem em que primeiramente são descritas as informações
relatadas pelo paciente e pelo familiar em relação ao estado de saúde do primeiro (S);
em seguida, há a descrição dos sinais e sintomas observados durante a realização da
assistência (O); logo após é discriminada a avaliação estabelecida pelo trabalhador em
relação ao paciente objeto da atenção (A) e; por último, é registrado o plano de
tratamento orientado, exames que tenham sido solicitados, enfim, a conduta tomada
pelo trabalhador (P).
Os trabalhadores da enfermagem não mantêm a sistematização da assistência
realizada em nível hospitalar. A sua participação em relação ao prontuário manifesta-
se na forma de realização de evoluções de enfermagem, a qual é desenvolvida em
formato contínuo, sem separação dos dados na forma ordenada como SOAP. Todos os
dados que precisam ser avaliados no momento da atenção domiciliária estão
discriminados em um check-in-list, que fica armazenado em uma pasta própria, no
posto de enfermagem. Este instrumento, normalmente, acompanha o trabalhador no
domicílio, e é preenchido nesse local.
Se houver uma atenção particularizada ao item evolução, é possível confirmar a
pouca importância atribuída ao prontuário como instrumento de trabalho.
Primeiramente, pelos trabalhadores de enfermagem, que registram poucos dados,
parecendo como se nada tivessem a dizer a respeito do paciente e da família assistidos,
o que parece que perpetua a posição de subordinação em relação aos trabalhadores
médicos.
149
Pode-se perceber que, mesmo nesse tipo de serviço, em que há uma
verbalização de que o trabalho é desenvolvido em equipe, de forma conjunta, com
participação de todos os trabalhadores de forma homogênea, na prática, tal relação não
se apresenta dessa forma. E por que se tem essa impressão? Porque, a partir do
momento em que os próprios trabalhadores de enfermagem (principalmente auxiliares
e técnicos) não valorizam o seu próprio trabalho, na forma de estarem mostrando a sua
capacidade de observação, avaliação e conduta através de um registro completo no
prontuário, não se pode esperar que os demais trabalhadores o façam. Entende-se que a
evolução curta e praticamente sem conteúdo é justificada pelos trabalhadores pelo fato
de existir a metodologia de registro no check-in-list. Porém, esse instrumento não
compõe o prontuário, o que faz com que os outros trabalhadores tenham a necessidade
de recorrer à pasta, onde permanecem armazenados esses instrumentos, a fim de tomar
ciência da avaliação realizada pela enfermagem. E será que o fazem? No espaço de
tempo de desenvolvimento desta pesquisa, não foi constatada essa busca em nenhum
momento.
A partir destas observações, pode ser depreendido que os trabalhadores não
valorizam o prontuário domiciliar, no momento em que os médicos não o utilizam; a
enfermagem faz a evolução, mas não cobra do restante dos trabalhadores que o façam;
e o prontuário domiciliar é incompleto, contando, na maioria das vezes, apenas com as
folhas de evolução. Essa problemática evidenciada em relação ao uso do prontuário
domiciliar não garante a continuidade da atenção já que “para que os prontuários
sirvam como um mecanismo de continuidade, eles devem conter informações
importantes a respeito dos pacientes” (STARFIELD, 2002, p.394).
O prontuário é um importante instrumento de trabalho. Através dele é
visualizado o trabalho desenvolvido, compondo um precioso instrumento de
informação e de avaliação de condutas. Segundo Starfield (2002), os prontuários e os
sistemas de informações servem a quatro funções:
Em primeiro lugar, são importantes como um auxílio à memória dos
profissionais na atenção aos pacientes e como uma ferramenta epidemiológica
no planejamento da atenção às populações. Em segundo, os prontuários
médicos são documentos legais importantes: é considerado que o que aparece
num prontuário reflete os processos da atenção e, portanto, fornece evidências
quando estes processos são colocados à prova. Em terceiro, os prontuários
médicos influenciam os processos de atenção. Em quarto lugar, os prontuários
150
médicos servem como uma fonte de informações a respeito da qualidade da
atenção e indica como melhorá-las (STARFIELD, 2002, p.598).
Retomando as palavras iniciais de um dos entrevistados, de que esse
instrumento seria utilizado por todos, inclusive trabalhadores de outros serviços, para
compartilhamento de informações, há a obrigação de refletir na contraditoriedade entre
teoria e prática. Mais uma vez ressalta-se que o processo de trabalho se transforma no
decorrer do tempo, com a cotidianidade das ações, quando a rotina vai tornando as
ações irrefletidas. Mesmo com a intencionalidade teoricamente manifesta, o conteúdo
da prática permite perceber a utilização do prontuário de forma que não parece haver
assimilação dos reais benefícios que advêm do seu correto uso como instrumento de
trabalho.
Ao se refletir sobre essa questão, entende-se que o princípio da coordenação
não vem recebendo a necessária atenção. Em parte, pela problemática abordada em
relação à utilização do prontuário como fonte de informações e integração de
trabalhadores e serviços. Como esse princípio da APS significa a coordenação de toda
a orientação e apoio que a pessoa recebe, através desse aspecto é demonstrado como
essa coordenação não vem sendo inserida no dia-a-dia de trabalho.
E outro aspecto, do qual se pode dizer que é parte desse mesmo princípio, é a
questão da intersetorialidade. Para concretização do princípio da coordenação, os
trabalhadores que compõem a força de trabalho da unidade, precisam assegurar o
atendimento das necessidades dos pacientes através da oferta de uma combinação de
serviços e informações de saúde. Para isso é necessário que estabeleçam uma ligação
entre os setores e serviços que podem estar proporcionando a satisfação dessas
necessidades.
Essa é uma questão que se encontra relativamente pouco explorada nessa
unidade de saúde, havendo certo desconhecimento de seu significado entre os
trabalhadores:
Eu não tenho experiência quanto a isso, não saberia te responder. Em função
do paciente que eu tenho, mas, quase não ouço as pessoas falarem que há isso
(E5).
151
Acho que sim, se precisar eles fazem. Acho que a forma é um passando para o
outro o que a pessoa está precisando (G4).
Eu não sei te dizer muito bem, eu nunca precisei acionar nenhum serviço e
não fiquei sabendo (RM3).
Essa pergunta eu não sei bem. Se eu não tenho como resolver, eu ligo, eu
comunico a... (enfermeira) (E9).
Entre os trabalhadores que apresentam esse posicionamento, estão aqueles que
compõem a força de trabalho da unidade há pouco tempo (menos de dois anos), mas
também um dos gestores do Conselho Local de Saúde que já ocupa essa função há dez
anos e um trabalhador que atua na unidade há mais de cinco anos. O que significa que
esse desconhecimento não está atrelado unicamente à pouca experiência de alguns
trabalhadores, que faz com que ainda não tenham tido a oportunidade de vivenciar
situações que lhe dêem condições de argumentar sobre o assunto.
Talvez esse seja um tema que deva ser pauta de discussões nas reuniões da
equipe e dos conselhos locais, no intuito de proporcionar um melhor entendimento e
assimilação do conteúdo que reveste esse conceito.
A intersetorialidade pode ser entendida como:
O desenvolvimento de ações integradas entre os serviços de saúde e outros
órgãos públicos, com a finalidade de articular políticas e programas de
interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no
âmbito do Sistema Único de Saúde, potencializando, assim, os recursos
financeiros, tecnológicos, materiais e humanos disponíveis e evitando
duplicidade de meios para fins idênticos (SUS, 2004, p.196).
Os demais trabalhadores entrevistados, apesar de apresentarem um
posicionamento diferenciado dos já descritos, o fazem com base no modelo clínico de
assistência, exemplificando esse conceito sempre com ações voltadas ao mesmo, sem
estabelecer uma relação da saúde com outros elementos que possam estar interferindo
na situação de saúde dos pacientes e da família. Ao serem questionados acerca do
desenvolvimento da intersetorialidade, manifestam-se na forma dos depoimentos a
152
seguir:
O que acontece muitas vezes, quando a coisa fica difícil de ser contornada em
casa, a gente encaminha para a emergência (M1).
Por exemplo, um especialista que vá lá dar uma avaliada, é difícil, é
complicado. Mas se consegue, no contato assim, da gente, no papo (M2).
Eu acho que a gente tenta e muitas vezes a gente consegue. Por exemplo, a
gente consegue algumas referências e contra-referências. Usar outros
profissionais (E8).
Acontece a solicitação de exames, já é uso de outros setores. Até um simples
raio-x, uma ecografia, às vezes não tem no hospital, eles buscam fazer
particular, em outros lugares. Tem n exames, tomografia, e outros
especialistas, como neurocirurgião, que isso aí a gente tem uma central para
ligar, para fazer a solicitação (E1).
Quer parecer que a noção de uma atuação intersetorial não está sendo
assimilada concretamente por diversos membros da força de trabalho, tanto da área da
medicina quanto da enfermagem. Esta atuação vem no sentido do estabelecimento de
parcerias com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em
situações que transcendem a especificidade do setor e que têm efeitos determinantes
sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos. Um dos entrevistados expressa essa
relação da saúde com outros determinantes:
O conjunto tem que ser ligado, se você morar numa casa que não tem esgoto,
a doença prolifera, se não tem luz, você tem que estar com a velinha acesa e
quando vê pegou fogo na casa. Então eu creio que esse conjunto tem que ser
ligado. Saúde é tudo, é moradia, é alimentação, são as condições que a
pessoa tem (G2).
Porém, mesmo para aqueles que têm uma compreensão mais abrangente acerca
das necessidades de saúde da população, ressaltam a inexistência de um caminho
formal que funcione como orientador das ações dos trabalhadores.
Não tem um caminho formal, mas tem pelo conhecimento de cada um (RM1).
Eu acho que não está muito bem organizado isso (E5).
A gente vai buscar e para tudo isso precisa tempo, disposição, não tem onde
tu vás buscar uma assessoria. Tu vai ter que criar, a gente está sempre
153
criando alternativas. Tem uma rede que na verdade somos nós próprios,
nossos conhecidos, os próprios pacientes usuários (G5).
Eu acho que a gente, as questões nossas, das relações com outros serviços,
outros setores, é uma dificuldade, isso eu tenho clareza. Também porque o
serviço de saúde não está organizado pensando nisso (M5).
A gente não consegue, acho que o sistema de saúde público não facilita isso.
A gente consegue eventualmente por algum conhecimento, alguma coisa,
algum caso especial lá que precise, de alguma coisa. Mas não como regra e
como uma coisa fácil (M6).
O trabalho que é desenvolvido acaba na dependência da individualidade de cada
trabalhador na busca por tentar resolver questões que escapam de sua ação imediata
enquanto um trabalhador da área da saúde. É necessário que haja uma organização do
sistema como um todo e de cada um dos serviços na sua particularidade, para que os
trabalhadores sejam orientados quanto à forma de agir diante de situações que
envolvam a utilização de outros setores. Então, os trabalhadores não podem ser
culpabilizados se a intersetorialidade, como um conceito inserido no interior do
princípio da coordenação em atenção primária à saúde, não está sendo contemplada no
cotidiano dos serviços de saúde. Pois:
Se, por um lado, multiplicam-se iniciativas criativas nos espaços locais, a
potência política que o trabalho intersetorial exige – tanto no controle de
recursos como no estabelecimento de prioridades de ação – escapa da
governabilidade das equipes e está ausente da agenda da maior parte dos
gestores da saúde e dos prefeitos (FEUERWERKER, 2005, p.495)
Ao mesmo tempo, será que não há uma operacionalização desse conceito
apenas por não haver uma direcionalidade na organização do trabalho? Será que o
modelo clínico não vem sendo priorizado nas ações dos mais diversos trabalhadores?
Durante o período de acompanhamento do processo de trabalho em atenção
domiciliária na unidade de saúde escolhida, não se teve oportunidade de visualizar
nenhuma ação intersetorial sendo desenvolvida. Assim, além da necessidade de
articulação política, por parte dos gestores, para dar efetividade a ações intersetoriais,
154
que articulem serviços municipais e estaduais, ainda delineamos outras duas
possibilidades explicativas para essa situação: uma, levando em conta a clientela
atendida, que é diferenciada, não se caracterizando como indivíduos que apresentem
necessidades de interveniência dos trabalhadores da saúde em outras áreas que não a
estritamente ligada às questões curativas do processo de saúde-doença; e a outra
concernente aos trabalhadores que desenvolvem suas atividades pautadas em um
processo de trabalho eminentemente centrado na clínica, não visualizando a
interferência de outros fatores como contributivos no processo de saúde e de
adoecimento da população assistida.
Um dos gestores explicitou o tipo de problemática ressaltado na segunda
hipótese como sendo uma evidência em algumas unidades de saúde:
Em algumas unidades é desenvolvida a intersetorialidade, em outras não.
Como que tu vai pensar nisso se tu tiver um enfoque de olhar lá o vivente, ver
se está respirando, quantas batidas tem? (G1).
Em relação à primeira hipótese, a população adstrita à unidade de saúde
apresenta condições de vida em que não há a interferência de problemáticas como falta
de higiene e saneamento, inadequadas condições de moradia, deficiência na provisão
de alimentos, entre outros. Como já abordado em momento anterior deste estudo, o
bairro onde está situada a unidade de saúde tem uma adequada infra-estrutura. No
entanto, também estão sob a jurisdição desta unidade duas microáreas consideradas de
risco, em vista das precárias condições de habitação, higiene, saneamento e renda. São
moradores que, como usuários do sistema público de saúde, precisam ser assistidos
nos aspectos concernentes à potencialização de sua saúde.
Ao se analisar os indicadores de saúde do município de Porto Alegre e os
índices de mortalidade, percebe-se como são necessárias ações complementares entre
os diversos setores. Exemplificando: na questão do saneamento, há a constatação de
que apenas 27% do esgoto é tratado, sendo encontrado uma mortalidade de 737
habitantes no ano de 2003 por doença infecciosa e parasitária (RIO GRANDE DO
SUL, 2005). São questões que interferem nas condições de saúde da população e,
155
portanto, necessárias de serem contempladas pelos serviços.
O mesmo gestor que apresentou o posicionamento anterior nos alerta para o fato
de que na unidade de saúde foco do presente estudo há certa resistência quanto ao
trabalho nas microáreas de risco, sinalizando que a atenção domiciliária desenvolvida
nesse local direciona-se praticamente só para a parte de acamados que, no caso, é o
acompanhamento domiciliar. Pode-se acompanhar:
Eu acho que a Unidade Conceição se apresenta muito como atenção
domiciliar só a parte do acamado. Essa outra coisa da vigilância, ela até pode
por no manual, mas ela não faz o exercício no sentido de crença. Agora é que
eles estão mapeando a segunda área de risco (G1).
Essa também foi uma questão abordada por um dos trabalhadores:
A equipe não queria trabalhar áreas de risco. A equipe acha que com uma
população de trinta mil habitantes, com dez mil prontuários, eles já têm
trabalho suficiente, não precisa sair para a rua (E6).
É claro que a resistência explicitada tem uma justificativa na alta demanda. Mas
não se pode perder de vista os objetivos que norteiam o trabalho em atenção primária e
acabar deixando- os de lado em vista de uma realidade que sufoca o outro sentido do
trabalho. A cultura de consulta é histórica e ela precisa ser invertida através de ações
que transformem essa lógica.
Retornando ao aspecto da primeira hipótese explicativa para a pouca atuação
intersetorial, pode-se perceber como ela tem somente uma parte de verdade, já que a
área de abrangência da unidade não é composta somente desse tipo de clientela. E,
considerando o último depoimento, do trabalhador E6, reflete-se na direção de que a
segunda hipótese apresenta um maior conteúdo de verdade do que a primeira.
O modelo clínico é tão forte, está tão enraizado no interior dos serviços e na
própria formação dos trabalhadores, que trabalhar outras conformações assistenciais
aliadas a esse modelo é uma tarefa difícil para o conjunto dos trabalhadores. O mesmo
se dá para aqueles que já se encontram mais instrumentalizados nesse sentido, uma vez
156
que parecem estar permanentemente desenvolvendo um trabalho que percorre um
caminho contrário aos demais. A necessidade de estarem constantemente em situação
de embate na luta pelos ideais da atenção primária pode tornar o processo de trabalho
exaustivo e desanimador.
Essas questões devem funcionar como motivadoras para que os gestores
alimentem focos de discussão no interior dos serviços, como forma de estimular a
reflexão da necessidade de ampliar o enfoque do modelo atual. Essa ampliação é
representada pela incorporação do modelo epidemiológico, ao modelo clínico
dominante, centrado na doença, o qual requer o estabelecimento de vínculos e
processos mais abrangentes. Uma das ações exigidas para sua concretização está posta
na intervenção ambiental, para que sejam modificados fatores determinantes da
situação de saúde (SUS, 2004). E, para isso, mais uma vez reitera-se que deve ser
assumida uma postura de articulação com outros setores, visando à construção de
condições indispensáveis à promoção, proteção e recuperação da saúde.
Esse modelo, que se encontra vigente historicamente no dia-a-dia dos serviços
de saúde e que concentra sua atenção no caso clínico, deve ser enriquecido e
transformado em um modelo de atenção centrado na qualidade de vida das pessoas e
de seu ambiente, como já foi realçado anteriormente.
A atenção domiciliária assume uma conotação de continuidade do cuidado que
foi iniciado através de um contato anterior a ela, que se desenvolveu na forma de
consulta na unidade de saúde, participação em grupos terapêuticos, atendimento nas
salas de vacinação ou mesmo através de uma visita domiciliar realizada para
levantamento de dados pelo agente comunitário de saúde.
No entendimento de Lacerda (2001, p.15), é importante que o cuidado
domiciliar seja percebido como continuidade “pois atende as questões de humanização
das pessoas envolvidas e realmente individualiza os cuidados e respeita a diversidade
cultural das famílias”.
Uma das formas demonstrada pelos trabalhadores de estarem de acordo com
esse princípio é percebida no depoimento abaixo:
Algumas vezes, a gente faz visita domiciliar para buscar faltosos, para ir atrás
de pacientes que deixaram de acompanhar ou que tem alguma doença
contagiosa, precisa tomar direitinho o medicamento e não vem (RM2).
157
O processo de trabalho desenvolvido na atenção domiciliária comporta esse tipo
de ação, de acompanhamento dos usuários para o seguimento de orientações
repassadas, de busca por aqueles que se comprometeram a retornar à unidade e não o
fizeram, de avaliação na continuidade do uso de medicações ou da realização de
vacinas e até mesmo providenciando coleta de material para exames daqueles usuários
em que o deslocamento até a unidade de saúde para consulta foi um esforço que pode
ser amenizado.
A continuidade consiste nos arranjos pelos quais a atenção é oferecida numa
sucessão ininterrupta de eventos. Segundo Starfield (2002, p.60):
A continuidade pode ser alcançada por intermédio de diversos mecanismos:
um profissional que atende ao paciente ou um prontuário médico que registra
o atendimento prestado, um registro computadorizado ou mesmo um
prontuário trazido pelo paciente. O quanto o estabelecimento oferece tais
arranjos e a percepção de sua obtenção pelos indivíduos na população indica a
extensão da continuidade da atenção.
As questões discutidas até o momento demonstram, em parte, essa relação de
continuidade estabelecida pelo serviço de atenção domiciliária. E a clientela do serviço
tem a percepção dessa situação, como se pode observar nos depoimentos a seguir:
O resultado (da atenção domiciliária) é uma atenção maior para ela, com
resultado de que ela está assim sempre monitorada, vamos assim dizer (F5).
Se precisar, eles me encaminham, mas com ela ainda não aconteceu nada que
eu precise procurar fora, só quando eles me encaminharam para fisioterapia
(F6).
A discussão suscitada leva na direção de um dos outros princípios ordenadores
da atenção primária à saúde, no entendimento de Starfield (2002), que é o da
integralidade. A autora concebe que a integralidade exige a prestação, pela equipe de
saúde, de um conjunto de serviços que atendam as necessidades mais comuns da
população adstrita, a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de
atenção à saúde e o reconhecimento adequado dos problemas biológicos, psicológicos
158
e sociais que causam as doenças.
Em vista disso é que se entende que esse princípio encontra-se interligado ao
princípio da coordenação, um exigindo e sendo exigido pelo outro, um
complementando e sendo complementado pelo outro.
O conceito de integralidade remete, portanto, obrigatoriamente, ao de
integração de serviços por meio de redes assistenciais, reconhecendo a
interdependência dos atores e organizações, em face da constatação de que
nenhuma delas dispõe da totalidade dos recursos e competências necessários
para a solução dos problemas de saúde de uma população em seus diversos
ciclos de vida. Torna-se, portanto, indispensável desenvolver mecanismos de
cooperação e coordenação próprios de uma gestão eficiente e responsável dos
recursos coletivos, a qual responda às necessidades de saúde individuais em
âmbitos local e regional. A concretização dessa imagem ideal de um “sistema
sem muros”, eliminando as barreiras de acesso entre os diversos níveis de
atenção – do domicílio ao hospital, especialistas e generalistas, setores público
e privado –, ligados por corredores virtuais que ultrapassem de fato as
fronteiras municipais com vistas à otimização de recursos e ampliação das
oportunidades de cuidados adequados, embora consensual em seus princípios,
tem se mostrado de difícil realização, demandando estudos de avaliação que
contribuam para a sua efetiva implantação (HARTZ,
CONTANDRIOPOULUS, 2004, p.1).
Em razão de a integralidade ser um dos princípios do SUS, optou-se por deixar
a discussão em relação aos achados encontrados durante o processo de pesquisa para o
momento imediatamente posterior a este, quando, então, todos os princípios do SUS
serão abordados e refletidos.
E se passa à abordagem de um dos outros princípios ordenadores da atenção
primária, em uma tentativa de visualizar como se processa a aproximação dos
trabalhadores com esse princípio: a longitudinalidade.
Longitudinalidade não é uma palavra que aparece em qualquer dicionário. Ela
é derivada de longitudinal, que é definido como “lidar com o crescimento e as
mudanças de indivíduos ou grupos no decorrer de um período de anos”.
Longitudinalidade, no contexto da atenção primária, é uma relação pessoal de
longa duração entre os profissionais de saúde e os pacientes em suas unidades
de saúde. A continuidade não é necessária para que esta relação exista; as
interrupções na continuidade da atenção, por qualquer motivo,
necessariamente não interrompem esta relação (STARFIELD, 2002, p.247).
159
Entende-se que o processo de trabalho desenvolvido na unidade de saúde
estudada já parte desse princípio como norteador de suas ações, visto que desde o
começo da estruturação da unidade houve a preocupação em delimitar uma área de
abrangência, como forma de direcionar o trabalho a ser executado. Essa delimitação
serve como restrição do foco da atenção para uma atuação factível.
E o tipo de atenção desencadeado através da atenção domiciliária conforma-se
como atendendo a essa questão da longitudinalidade, pois, por intermédio desta é
estabelecida uma estreita relação entre trabalhadores e paciente/família, fazendo com
que mesmo que a atenção no domicílio seja finalizada e tenha outros
encaminhamentos, esteja garantido o vínculo entre eles. O vínculo criado apresenta um
significado muito importante nessa relação, posto que em caso de qualquer dúvida ou
preocupação por parte da família, a procura pela solução tem sempre o mesmo
caminho, ou seja, a busca pelo trabalhador que se tornou sua referência na unidade de
saúde.
O acompanhamento regular, ao longo do tempo, dos usuários que pertencem à
área de abrangência da unidade de saúde, seja através de ações realizadas na unidade
ou por intermédio da atenção domiciliária, significa o seguimento do princípio da
longitudinalidade. Assim, é que é referido por Starfield (2002) que a unidade de
atenção primária deve ser capaz de identificar a população eletiva, bem como os
indivíduos dessa população que deveriam receber atendimento da unidade.
Nesse sentido, os trabalhadores de saúde servem como fonte de atenção por um
determinado período de tempo, independente da presença ou ausência de problemas
relacionados à saúde de seus usuários. Proporcionar uma atenção longitudinal significa
que:
Aqueles indivíduos na população identificam uma fonte de atenção como
“sua”; que os prestadores ou grupos de prestadores reconhecem, pelo menos
implicitamente, a existência de um contrato formal ou informal para ser a
fonte habitual de atenção orientada para a pessoa (não para a doença); e que
esta relação existe, por um período de tempo definido ou indefinido, até que
seja explicitamente alterada (STARFIELD, 2002, p.248).
O estabelecimento desse tipo de relação entre trabalhadores e usuários pode ser
160
associado a diversos benefícios, incluindo menor utilização de serviços, melhor
atenção preventiva, atenção mais oportuna e adequada, menos doenças preveníveis,
melhor reconhecimento dos problemas dos pacientes, menos hospitalizações e custo
total mais baixo. Isso tudo porque no âmago da questão há uma preocupação em
manter uma relação pessoal ao longo do tempo, orientada para a pessoa e não para um
problema. Quando é estabelecido esse tipo de relação, o trabalhador está ciente de que
mesmo que decorra um tempo em que não há uma continuidade de atenção, o vínculo
está mantido e o serviço será novamente acionado para utilização na eminência de uma
necessidade despertada.
5.2.2 Os trabalhadores e gestores seguem
os princípios do SUS que fundamentam a
atenção básica
A atual conformação do sistema público de saúde, universal, que prioriza o
atendimento integral e a gratuidade, começou a ser construído com o processo de
redemocratização do país e antes de sua criação pela Constituição de 1988 (BRASIL,
2002, p.7). Como já foi abordado em momento anterior, o evento mais marcante dessa
construção foi a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada de 17 a 21 de
março de 1986. As orientações advindas dessa Conferência se concretizaram
legalmente através da Constituição Federal, então definindo o que se chama hoje de
Sistema Único de Saúde.
Construí-lo a partir do papel, fazê-lo avançar, aperfeiçoá-lo, moldando-o às
necessidades particulares das diversas regiões deste nosso país continental, exige a
conjunção dos esforços de todos os brasileiros (AMARAL, 2004, p.9).
Segundo Elias (2004), o SUS é um conjunto de princípios e diretrizes. O SUS
fundamenta-se em três princípios: universalidade, igualdade e eqüidade. As diretrizes
também são em número de três: descentralização, participação da comunidade e
atendimento integral. Esses princípios e diretrizes, que estão editados na Lei Orgânica
de Saúde - Lei 8.080/90, para fazer cumprir o mandamento constitucional de
disciplinar legalmente a proteção e a defesa da saúde, serviram de base para a
organização da atenção básica. A atenção básica tem como fundamentos os seguintes
princípios: saúde como direito; integralidade da assistência; universalidade; eqüidade;
161
resolutividade; intersetorialidade; humanização do atendimento; e participação (SUS,
2004).
A direção deste texto segue uma análise desses princípios, visando entender
como são percebidos pelos trabalhadores da unidade de saúde focalizada, aliando,
também, a forma como concretamente os desenvolvem no seu cotidiano de trabalho. A
discussão sobre saúde como direito e humanização do atendimento, por seu caráter
intrinsecamente ligado à percepção da população assistida, está inserida nas próximas
temáticas de análise; e a intersetorialidade, por sua vez, está discutida no tema de
análise anterior.
A integralidade
De acordo com Hortale (2004), o termo tem sido empregado sob diversos
matizes: como articulação entre níveis de prestação de serviços de saúde, como
integração entre os setores público e privado, como uma importante diretriz na gestão
dos serviços e como proposta de modelo de atenção. Na Lei 8.080, a integralidade da
assistência é entendida como “conjunto articulado e contínuo de ações e serviços,
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os
níveis de complexidade do sistema” (SUS, 2004, p. 195).
Há maior explicitação desse conceito por Paim (2004), que relata a
contemplação de quatro perspectivas na composição da integralidade:
a) como integração de ações de promoção, recuperação e reabilitação da saúde
compondo níveis de prevenção primária, secundária e terciária; b) como forma
de atuação profissional abrangendo as dimensões biológicas, psicológicas e
sociais; c) como garantia da continuidade da atenção nos distintos níveis de
complexidade do sistema de serviços de saúde; d) como articulação de um
conjunto de políticas públicas vinculadas a uma totalidade de projetos de
mudanças (Reforma Urbana, Reforma Agrária etc.) que incidissem sobre as
condições de vida, determinantes da saúde e dos riscos de adoecimento,
mediante ação intersetorial (PAIM, 2004, p.18).
Essa amplitude conceitual não se encontra exposta diretamente nos
depoimentos dos trabalhadores e gestores entrevistados. A conotação da integralidade
apresentada toma o sentido de um trabalho desenvolvido de forma multiprofissional
162
pela maioria dos sujeitos da pesquisa, como se pode observar nas falas abaixo:
É mais de um profissional que lida com a assistência. Se necessário, tem a
psicologia, enfermeiros, técnicos, médicos, a nossa equipe dispõe disso aí,
além do dentista, mas o dentista não vai ao domicílio. Então, dentro da
necessidade daquele indivíduo, todos esses componentes da equipe se
mobilizam para aquele paciente. Então, a integralidade dele é abrangida
(E1).
Eu acho que tu consegue estar mais atento porque tu também estás vendo da
perspectiva de outras profissões, como o médico está percebendo isso, como o
enfermeiro, de alguma forma tu aprende um pouco com isso (RP).
Que tenha essa comunicação, que todos possam ver junto, discutir junto
(RM1).
Eu acho que esse é o maior desafio, porque tu tens que ter uma equipe coesa,
que consiga trabalhar integrada, que se conheça. Não adianta tu colocares
vários profissionais cada um com a sua especificidade se a equipe não puder
trabalhar integrada (G5).
Vai ser utilizada uma equipe de saúde. Não vai ser utilizado só um
profissional. Vão ter várias pessoas, desde o administrativo que recebe o
telefonema, recebe a visita, o pessoal de enfermagem, então, também tem um
envolvimento de mais pessoas da equipe (M4).
Esse tipo de colocação é visualizada por parte dos trabalhadores em geral, seja
qual for a sua especificidade profissional. A direção dos depoimentos toma sempre o
sentido de integração da equipe, de trabalho conjunto, como se isso garantisse a
concretização da integralidade. Entende-se que, se existem vários olhares sobre um
mesmo objeto de trabalho, há uma tendência de aumentar a abrangência do cuidado, já
que cada trabalhador apresenta uma formação diferenciada. Claro que o conceito
contido nas normas do SUS contempla o componente de integração entre
trabalhadores e serviços, de forma a alcançar a totalidade da assistência almejada.
Entende-se que esse componente é imprescindível para a concretização desse
princípio, como é assinalado por Hartz e Contandriopoulus (2004), ao referirem que o
conceito de integralidade remete, obrigatoriamente, ao conceito de:
Integração de serviços por meio de redes assistenciais, reconhecendo a
interdependência dos atores e organizações, em face da constatação de que
nenhuma delas dispõe da totalidade dos recursos e competências necessários
para a solução dos problemas de saúde de uma população em seus diversos
ciclos de vida. Torna-se, portanto, indispensável desenvolver mecanismos de
163
cooperação e coordenação próprios de uma gestão eficiente e responsável dos
recursos coletivos, a qual responda às necessidades de saúde individuais em
âmbitos local e regional (HARTZ, CONTANDRIOPOULUS, 2004, p.S331).
Essa necessária relação de cooperação e coordenação entre os serviços de saúde
ainda apresenta-se muito deficitária, o que funciona como impeditivo para que se
alcance uma atenção integral. Um dos gestores apresenta essa questão:
Tinha que funcionar a referência e contra-referência, que até hoje não está
funcionando. Geralmente, eles até tentam fazer uma referência, que é
obrigação dele que está no serviço. Se isso não é minha competência, eu vou
passar para aquele que cuida dessa parte. Mas, geralmente, quando chega
naquela ponta, encontra barreira, tem que marcar, tem que ficar na fila, tem
que ficar esperando para atender, é para daqui há um mês, daqui há dois
meses ou três (G2).
É nesse ponto que se mesclam os princípios da integralidade e da
intersetorialidade, este último já tendo sido comentado em momento anterior. Há
necessidade de uma efetiva intersetorialidade para viabilização da atenção integral
preconizada. Por isso se entende que a multiprofissionalidade não significa,
necessariamente, a garantia de integralidade das ações, pois, apesar da possível
integração entre os trabalhadores poder ser considerada um instrumento na efetivação
da integralidade, pela troca de saberes e complementação no cuidado, ainda há que se
considerar que pode existir uma gama de profissionais apenas coexistindo em um
serviço, sem contribuição para um cuidado integral.
Um dos trabalhadores estabelece uma diferenciação:
Eu acho que a integralidade é muito pequena, eu acho que a gente tem é uma
multiprofissionalidade. Acho que a gente está engatinhando nessa questão da
integralidade que é muito complicado, é muito difícil. Acho que a gente
avançou muito no aspecto multiprofissional (M6).
Mesmo o relato desse trabalhador parece enfocar a integralidade como ligada à
164
integração interprofissional e não ao conjunto de ações necessários a sua efetivação.
Há uma conotação intrínseca de trabalho realizado com a presença de vários tipos de
profissionais, porém, sem uma concreta integração entre eles.
O trabalho de várias categorias profissionais dentro de um mesmo serviço de
saúde não é novidade. Todos os grandes serviços hospitalares possuem
médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e outros
profissionais de saúde que surgiram, em última instância, do próprio
desenvolvimento e da incorporação de tecnologias pelo modelo
tecnoassistencial biomédico. Entretanto, como o conhecimento científico
racionalista trabalha com o indivíduo e sua compartimentalização, nos espaços
acima referidos, as várias categorias profissionais trabalham paralelamente,
havendo pouca ou nenhuma discussão e elaboração entre as várias categorias
entre si, resultando em uma atenção fragmentada aos pacientes. Cada categoria
desenvolve seu campo de conhecimento e sua prática isoladamente das outras
(ANDRADE et al, 2004, p.158).
As várias categorias profissionais, necessariamente, devem trabalhar em
conjunto, havendo espaço para aplicação do campo de conhecimento exclusivo de
cada uma em muitas situações. Como o indivíduo é um todo que faz parte de uma
família, de uma comunidade, em um determinado tempo histórico, torna-se necessário
um tipo de abordagem totalizante para que se alcance o objetivo de promover saúde e
qualidade de vida (ANDRADE et al, 2004).
Por outro lado, no conjunto do diálogo travado com os trabalhadores, é possível
perceber a extrapolação no entendimento dessa questão, adquirindo uma outra face,
apesar da predominância da noção de multiprofissionalidade. Apesar de haver uma
atenção focada na clínica, os trabalhadores apresentam uma visão de contextualização
do cuidado e ressaltam a importância de avaliar a clientela em relação a outros
aspectos que não puramente os de caráter biológico:
Você consegue ver o paciente como um todo melhor do que quando você está
no consultório, porque sempre você vai estar em contato com o cuidador
também, você consegue ver o que o paciente está comendo, os perigos que ele
tem, consegue dar maior orientação para dentro de casa (RM2).
Tem que ver primeiro as questões mais urgentes de doença, depois tu vê uma
outra esfera mais ampla de prevenção de outras doenças e manutenção da
saúde, e acho que numa esfera mais ampla, estudar um pouco as próprias
relações familiares, os obstáculos físicos (M1).
Aquela coisa de tu trabalhares ele no meio dele, na realidade. Trabalhar a
165
família, trabalhar o paciente, notar que ele não é um pulmão (E6).
Tu está indo no ambiente do paciente, então, tu consegue ter uma visão mais
integral do todo, da família, e se acaba entrando mais nessas intimidades da
vida (M4).
Tu vê a pessoa de uma forma mais abrangente, mas também a família. E,
obviamente, que extrapolando isso, a questão da rede, a rede social. Se a
família não dá conta, tem a rede social, seja ela igreja, o próprio condomínio,
que os vizinhos se mobilizam (M5).
Eu acho que a gente os vê como um todo, vê tudo o que ele está precisando.
Não só na parte física, mas também, às vezes, a gente pede que uma psicóloga
o acompanhe, a gente vê o ambiente que ele está, dá uma olhada para ver se
dá para melhorar alguma coisa (E2).
Tem essa possibilidade na assistência domiciliar, de ver a casa, de ver como é
a relação da família. Uma visita que eu fiz, eu vi como me fez diferença ter ido
à casa da pessoa, ter visto as condições de vida, ter visto as outras pessoas da
casa, como é que estavam agindo. Eu vi como foi importante ter conhecido a
casa. Porque uma coisa é o paciente vir aqui e nos contar e outra coisa é a
gente poder ver (RM1).
A contextualização adquire importante papel em relação à possibilidade de
realização da integralidade, visto que envolve a articulação de ações preventivas e
assistenciais. E essa articulação:
Envolve um duplo movimento por parte dos profissionais. De um lado,
apreender de modo ampliado as necessidades de saúde. De outro, analisar o
significado para o outro das demandas manifestas e das ofertas que podem ser
feitas para responder as necessidades apreendidas, tendo em vista tanto o
contexto imediato do encontro como o contexto da própria vida do outro, de
modo a selecionar aquilo que deve ser feito de imediato e gerar estratégias de
produzir novos encontros em contextos mais adequados àquelas ofertas
impertinentes no contexto específico daquele encontro (MATTOS, 2004, p.
1414).
Entretanto, apesar desse elemento estar presente nos depoimentos extraídos das
entrevistas realizadas, na observação do processo de trabalho na atenção domiciliária,
foram oportunizados poucos momentos em que esse tipo de ação foi contemplado. Ou,
pelo menos, se há esse tipo de avaliação, ela permanece pouco explicitada pelo
trabalhador, subjetivada, sem transparecer, sem que haja a divulgação da análise
166
efetuada, sem registros e sem orientações aos usuários que estivessem embasadas
nesse tipo de avaliação.
O indivíduo deve ser considerado parte da família, da comunidade, do sistema
social, do ambiente. Qualquer ação de saúde que se pretenda realizar deverá incidir
sobre este conjunto, porque o ser humano não existe sozinho, isolado, sendo resultado
das relações que estabelece. É preciso compreender que melhorar a qualidade de vida,
promover a saúde de um ser humano implica agir no contexto em que ele se insere, no
espaço em que ele vive (CAMPOS, 2003).
A avaliação do paciente como um todo, extrapolando o aspecto de um corpo em
processo de adoecimento, foi observada ao acompanhar a trabalhadora RE1 a um
domicílio para realização de um curativo, e ao visualizá-la fazendo uma abordagem
para além desse ato, investigando hábitos de vida e saúde. A trabalhadora RM2
também investigou esses aspectos, não se detendo somente no exame físico. O
trabalhador M1 avaliou o aspecto psicológico de um usuário da atenção domiciliária,
temporariamente inapto a locomover-se e o esforço empreendido por seu cuidador ao
assumir a responsabilidade do cuidado por um tempo longo.
Na forma como apresentado pelos trabalhadores descritos acima, os seres
humanos são encarados como sujeitos e, por isso, compostos por diversas dimensões, a
biológica, a psicológica e a social. Entendendo o sujeito desse modo faz-se necessária
uma atenção totalizadora, levando em conta todas essas dimensões, pois são seres
indivisíveis, que não podem ser explicados por meio de seus componentes
separadamente (CAMPOS, 2003).
No geral, há um processo de trabalho desenvolvido com foco nas ações clínicas,
em detrimento de atividades de promoção da saúde e prevenção de processos de
adoecimento. Concretamente, não parece haver preocupação, da maioria dos
trabalhadores em desenvolver esse tipo de atividade. Pode-se perceber essa intenção
quando, por exemplo, a trabalhadora RM2 orienta um usuário da atenção domiciliária
quanto à realização de exercícios de memorização e a trabalhadora E1 orienta o
familiar a participar do grupo de cuidadores. São ações que estão claramente
vinculadas à necessidade de prevenção de problemas. A maioria dos trabalhadores,
porém, não demonstra o entendimento desse tipo de necessidade, uma vez que se
167
detêm em avaliação clínica dos pacientes e na orientação de atividades curativas para
solução de problemas já existentes. E, segundo Mattos (2004, p.1414), “o princípio da
integralidade é exercido por meio de um olhar atento, capaz de apreender as
necessidades de ações de saúde no próprio contexto de cada encontro”.
Ao refletir sobre essa questão preventiva do processo de trabalho em saúde, e de
como ela parece ainda não fazer parte do cotidiano dos trabalhadores, parece
contraditório com a história vivida nos diversos períodos do sistema de saúde, uma vez
que a história do movimento preventivo na saúde não é recente. A integralidade
assumida como uma diretriz na organização do SUS deriva, originariamente, de uma
noção proposta pela chamada medicina integral, que gerou a proposta da medicina
preventiva nas escolas médicas americanas (PAIM, 2004; MATTOS, 2006).
Em linhas gerais, a medicina integral criticava o fato de os médicos adotarem
diante de seus pacientes uma atitude cada vez mais fragmentária. Inseridos
num sistema que privilegiava as especialidades médicas, construídas em torno
de diversos aparelhos ou sistemas anátomo-fisiológicos, os médicos tendiam a
recortar analiticamente seus pacientes, atentando tão-somente para os aspectos
ligados ao funcionamento do sistema ou aparelho no qual se especializaram.
Isso significava ao mesmo tempo a impossibilidade de apreender as
necessidades mais abrangentes de seus pacientes. Além de fragmentária,
aquela atitude freqüentemente adotada por médicos era vista como
reducionista, pois o conhecimento médico nas diversas especialidades
ressaltava as dimensões exclusivamente biológicas, em detrimento das
considerações psicológicas e sociais (MATTOS, 2006, p.4).
A idéia de medicina integral encontrava-se ligada à medicina preventiva,
justamente por entender que a atenção à saúde estava sendo muito concentrada nos
aspectos biológicos e curativos, o que exigia uma mudança de mentalidade no
trabalho. E isso, não parece ter sido incorporado nem nos discursos dos trabalhadores
em saúde da atenção básica, nem realmente assimilado no processo de trabalho.
O problema está no movimento pendular que perpassa a organização dos
serviços de saúde, ora preventivo, ora curativo. O desafio está posto no
desenvolvimento de uma prática que permita incorporar essas duas vertentes
simultaneamente e ainda, aliar a estas outras dimensões como a promoção, a
reabilitação, a subjetividade, etc.
168
A integralidade, em sua ampla concepção, precisa ser assumida em sua
totalidade. Não o sendo perde-se parcelas importantes do cuidado, mesmo que haja a
compreensão de seu significado e importância, visto que a defesa de um conceito não
tem a mesma facilidade em relação à sua execução.
Considerando a abrangência do conceito de integralidade, Campos (2003) alerta
para o que pode parecer uma contradição à definição transcrita na Constituição:
“Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais” (BRASIL, 1990). Segundo o autor citado:
A prioridade atribuída à prevenção tem, nesse particular, uma forte conotação
política, e leva em consideração a trajetória da atenção à saúde no Brasil. O
texto constitucional busca resgatar a enorme dívida do sistema de saúde diante
da prevenção das doenças da população brasileira. Assim o fez para dar um
sentido de mudança à forma como, historicamente, se desenvolveu a
assistência à saúde no Brasil. As organizações do setor sempre dividiram suas
ações em médico-assistenciais e preventivas e, por sua vez, tiveram pesos
distintos no sistema, e foram oferecidas de maneira desigual. Hoje busca-se
oferecer assistência integral através de uma maior articulação das práticas e
tecnologias relativas ao conhecimento clínico e epidemiológico (CAMPOS,
2003, p.573-574).
Além de todos esses aspectos já ressaltados até o momento como determinantes
e condicionantes na questão da integralidade, assinala-se um outro aspecto
considerado como interferindo na concretização da assistência. Nos depoimentos a
seguir há a alusão a eles:
Em vários pontos da AD a gente tem um problema que desestimula muito o
olhar mais integral da equipe e a vontade da equipe de se envolver mais, que
é o desabastecimento nas medicações básicas. Por mais que a assistência
farmacêutica não seja o todo da integralidade, é uma parte que perpassa
vários momentos. Então, a questão da integralidade ela fica assim, se
quebrando, porque se eu também não tenho remédio, eu não oriento muito.
Quando a engrenagem do sistema seja numa atenção micro ou macro vai
falhando, a integralidade vai furando (G1).
Olha, eu acho que a gente tenta, acho que ainda falta alguma coisa. Por
exemplo, algumas medicações tu não consegue, tu entende (E8).
Esse tipo de problemática evidenciada afeta a forma de trabalho e desestimula
169
outras ações que possam estar sendo desenvolvidas no conjunto do trabalho. Isso
porque a clínica não é a única base sustentadora da atenção à saúde, mas é importante
ser conjugada com as demais questões da assistência. E, quando já está presente um
processo de adoecimento no ser humano, objeto do cuidado, há dificuldade de prestar
uma assistência integral sem a presença de um dos itens considerados imprescindíveis
para a amenização ou controle do problema instalado.
Autores como Franco, Bastos e Alves (2005)
também ressaltaram, em seu
estudo envolvendo a relação médico-paciente em um Programa de Saúde da Família,
que na singularidade do momento clínico, elementos macrocontextuais, como a
assistência farmacêutica, repercutem na relação médico-paciente ao comprometer a
continuidade da assistência.
É possível perceber como a “simples” existência desse princípio formalizado no
texto constitucional não garante sua materialidade. Como é apresentado no texto da
VIII CNS, há, simultaneamente, necessidade de o Estado assumir explicitamente uma
política de saúde conseqüente e integrada às demais políticas econômicas e sociais,
assegurando os meios que permitam efetivá-las. Entende-se que cabe aos gestores de
cada instância, mesmo no nível micro, buscar formas de desenvolvimento desse
princípio, assegurando as condições para que os trabalhadores realizem seu processo
de trabalho em conformidade com a proposta do sistema de saúde.
Ao se tomar o processo de trabalho realizado na unidade de saúde focalizada,
no sentido da análise dele como um todo, como uma unidade de atenção
básica/atenção primária à saúde, é possível perceber ações sendo desenvolvidas no
intuito de atingir o princípio da integralidade em sua ampla acepção. A realização da
atenção domiciliária pode ser considerada um exemplo de tentativa de alcance desse
princípio, já que oportuniza: o contato com o ambiente da população adstrita; o
conhecimento da realidade de vida e saúde da comunidade; a visualização das relações
familiares, sociais e comunitárias; a vivência de uma relação multiprofissional; entre
outros. Entretanto, ao se extrair a atenção domiciliária do processo de trabalho em
geral e analisá-la como um serviço separadamente, encontra-se dificuldade de
visualização da noção de integralidade sendo produzida no interior desse processo de
trabalho.
170
Ressalta-se, ainda, a necessidade da atenção domiciliária estar fundamentada
em um processo de trabalho que esteja comprometido com a produção do cuidado.
Portanto, esta precisa pautar-se em uma visão ampliada do processo saúde doença e
em uma concepção de homem como um ser de necessidades que se desenvolvem e
resolvem socialmente, necessidades estas que extrapolam as necessidades de natureza
biológica.
A integralidade não é fácil de ser produzida ou alcançada no interior dos
diversos processos de trabalho em saúde, porque sempre irão existir fatores
interferentes que extrapolam a ação dos trabalhadores e dos gestores do nível micro.
Mas entende-se que cada trabalhador tem um papel para sua consolidação, mesmo que
seja pequeno diante da magnitude das ações necessárias na gestão macro do sistema de
saúde. Seu papel é de fundamental importância para os usuários e para os próprios
gestores que, para realizar sua função de forma efetiva, precisam ter por base o
conhecimento dos trabalhadores, já que estes detêm a noção das necessidades de saúde
por vivenciá-las cotidianamente.
A universalidade e a equidade
Outro dos princípios da atenção básica em saúde que passa a ser discutido agora
é a universalidade. Uma das formas do poder público assegurar a saúde como um
direito de todos e dever do Estado é garantindo o acesso universal e igualitário às
ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis. Essa questão encontra-se legitimada
no artigo 196, seção II, da Constituição da República de 1988 (SUS, 2004).
Ao se analisar o conteúdo dos depoimentos quando os trabalhadores discorrem
sobre a questão da universalidade da assistência, percebe-se que o posicionamento de
todos é exatamente na direção do acesso aos serviços como o aspecto primordial de
garantia desse princípio:
O acesso, a facilidade. Disponibilizar essas coisas que a rede tem para
oferecer, um medicamento que o SUS disponibilize. Fitas de HGT para
pacientes diabéticos, essas coisas que se tem (E6).
É um dos princípios do SUS, acho que todo mundo tem que ser visto, e os
acamados fazem parte da população do posto (RM3).
Eu acho que a assistência domiciliar vem também para tentar fazer cumprir
esse princípio, até para que todas as pessoas tenham acesso a todo o serviço
171
de saúde, de complexidade maior a menor. Para que as pessoas tenham
direito como cidadãos à saúde, à assistência. E para que não fiquem fora
disso em função de alguma dificuldade, então, eu acho que vem a cumprir
esse princípio, de todos terem acesso, direito à saúde, já que não se pode ir ao
local, então que uma pessoa vá lá (RM1).
É difícil para os trabalhadores pensar separadamente sobre o trabalho
desenvolvido na atenção domiciliária e o trabalho desenvolvido na unidade como um
todo. O que chama a atenção é o fato de destacarem a atenção domiciliária em si como
uma tentativa de garantia da universalidade, como se pode observar nos depoimentos
de RM1 e RM3. Se a universalidade significa garantir o direito à saúde por parte de
toda a população, proporcionando seu acesso aos serviços, a prática da atenção
domiciliária está tentando garantir esse direito àquelas pessoas que não têm condições
de se locomoverem até a unidade de saúde.
E, ao ser pensado na proporção de pacientes idosos que fazem parte da
população adstrita à unidade de saúde em questão, os quais apresentam uma série de
deficiências e problemas de mobilidade ocasionados pelo seu envelhecimento, fica
clara a necessidade dos trabalhadores atuarem com base em alternativas de cuidado
que não somente as centralizadas na unidade. Essa é uma porção da comunidade que é
altamente merecedora de atenção domiciliária, e que se beneficia muito com sua
inclusão no serviço. Diversos estudos têm demonstrado esse caráter benéfico.
A assistência à saúde do idoso tornou-se prioridade, tendo em vista o aumento
progressivo da expectativa de vida observado nas últimas décadas.
A população mundial com idade igual ou superior a 60 anos compreende cerca
de 11% da população geral, com expectativa de aumento nas próximas
décadas. No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, a população de idosos passou de 6,1% em 1980 para 7,3%
em 1991, devendo chegar por volta de 10% em 2010. Estimativas do IBGE
indicam que em 2003 a população de idosos em Porto Alegre respondia 11,8%
do total (RIO GRANDE DO SUL, 2005).
O Ministério da Saúde, visualizando o grande contingente de pessoas idosas
172
presentes na sociedade atual, entende que há necessidade de proporcionar assistência
integral a esse grupo populacional. Uma das formas de tentar garantir essa assistência
expressa-se na Portaria nº 2.529, de 19 de outubro de 2006, que institui a Internação
Domiciliar no âmbito do SUS (BRASIL, 2006).
As ações do Município voltadas ao idoso, além do atendimento de suas
doenças, visam ao desenvolvimento de ações preventivas e educativas buscando
melhorar a qualidade de vida. Nesse contexto, o mais importante não é a doença, mas a
repercussão dela na vida do idoso.
Sabe-se que as pessoas idosas são mais suscetíveis às doenças e apresentam
maior debilidade física e funcional do que as mais jovens. Tem-se visualizado nas
instituições hospitalares uma grande parcela de idosos, o que incorre em riscos de
iatrogenias, evento muito comum nessa clientela, como é ressaltado por Caplan et al
(1999). Nesse sentido, parece que a atenção domiciliária é útil a essa camada da
população, a qual pode estar sendo cuidada em seu próprio ambiente e sem que se
exponha aos riscos presentes nos hospitais, não só referentes à infecção hospitalar, às
iatrogenias, mas, também, àqueles riscos advindos do tempo de permanência nessa
instituição, como depressão, angústia e mal estar.
No estudo de Stessman et al (1996) há a referência de que com a inserção a um
programa de atenção domiciliária, a porção de idosos internando em hospitais gerais
ou geriátricos tem caído. Assim como Elkan et al (2001) relatam que as visitas
domiciliares para pessoas idosas podem reduzir a mortalidade e admissão a
instituições de longa permanência.
A atenção domiciliária, vista na perspectiva de proporcionar acesso ao serviço
de saúde por meio de seus trabalhadores àqueles seres humanos que se encontram
temporária ou definitivamente sem condições de comparecer à unidade, pode ser
pensada como uma estratégia de cumprir o princípio da universalidade. No entanto, há
um outro aspecto na relação universalidade/atenção domiciliária que merece destaque,
pois foi realçado pela grande maioria dos trabalhadores. Eles fazem referência ao fato
de existir uma delimitação geográfica e critérios de inclusão no programa,
argumentando que isso faz com que não haja uma universalidade real:
É mais um princípio que tem e que às vezes a gente pensa: se é universal não
pode ter delimitação de área. Todos têm direito ao acesso ao serviço. Aí nós
173
vamos ver que é diferente, pode ser que tu perguntes para a população e ela
diga que não. Eu fui pedir uma visita domiciliar, pois minha mãe passou mal e
eles não foram. Ela não recebeu a assistência universal que ela gostaria de
ter. Se tu conversar com o profissional, ele vai dizer que tem critérios (G1).
O critério que tem sido utilizado, pelo que eu conheço do programa, é de não
poder se locomover. É sempre uma coisa complicada, porque tu ficas
pensando, tá e daí, o fulaninho coitado estuporado, mas ele consegue se
locomover. É complicado, é bem complicado (RP).
Tu vê algumas coisas no sentido que têm pacientes que tu achas que precisam
receber esse atendimento domiciliar, mas através de critérios que existem,
esse paciente não é colocado no programa. Então, eu não sei se ele é tão
universal assim, até que ponto essa universalidade é colocada na assistência
domiciliar (E5).
Eu não vejo assim uma universalidade, porque desde a maneira dos pacientes
chegarem aqui para pegarem medicação. Eu acho assim, é um direito único, o
SUS, é um dever do Estado e um direito das pessoas. Eu acho que é para
todos, toda a rede nacional. Agora, tu chega numa unidade, tu não pode ser
atendida porque tu não pertence àquela unidade (E7).
Se já está dizendo que é universal, é para todos. A única restrição que tem
aqui é a restrição demográfica, da área geográfica. Mas a universalidade do
acesso, todos têm direito ao atendimento. É claro, dependendo da avaliação,
se ele preenche os critérios para estar numa assistência domiciliar (M4).
Na verdade, nenhum sistema de saúde irá conseguir a universalidade no sentido
de prestar assistência a todos e, em vista disso, é que o desenvolvimento dos processos
de trabalho nos serviços prestadores de cuidados à saúde são regulados através de
padrões estabelecidos na Lei Orgânica de Saúde. Entender os princípios que regulam o
sistema de saúde é uma necessidade para todos os trabalhadores da saúde e precisam
ser discutidos e repensados no interior das equipes de trabalho.
A reflexão da universalidade inserida no contexto da atenção domiciliária é
discutível ao se analisar seu conceito isoladamente de outros princípios, pois, neste
caso, tem-se a tendência de julgar o processo de trabalho muito duramente, como se
fosse algo tão simples e fácil. É como se as coisas pudessem se encaixar em rótulos:
ou é ou não é. E, nada pode ser assim considerado, de forma tão absoluta.
Principalmente em relação à saúde de seres humanos, que é tema tão singular e que
precisa de diversos olhares, sob vários prismas. A saúde é um direito universal e cabe
174
aos gestores, aos trabalhadores e aos próprios usuários buscarem formas de garantir
esse direito. É preciso assegurar que toda a população tenha condições de acesso aos
serviços de saúde.
No centro dessa reflexão é que se faz importante a relativização do conceito e a
junção com outros aspectos da atenção à saúde, como os aspectos estruturais e
gerenciais do processo de trabalho, em uma linha de pensamento que envolve a forma
e as condições de realização do trabalho. Significa dizer que se as condições de
trabalho proporcionadas não oferecem a possibilidade de atendimento universal, no
sentido de totalidade da população, faz-se necessário que haja uma mobilização dos
trabalhadores para que a assistência seja prestada àqueles seres humanos mais carentes
de atenção e que não apresentam a mesma facilidade de acesso de outros. Merecem
destaque os depoimentos abaixo:
Eu acho que a universalidade não há, não são todos os pacientes que a gente
vai aceitar para fazer visita domiciliar, a gente tem alguns critérios para
aceitar. Você acaba sendo universal por atender a todos, inclusive aqueles
que não podem vir no posto. Então, por esse lado, você tem a universalidade,
aqueles que não teriam atendimento e às vezes precisam até mais, mas por
outro lado, se todos quiserem assistência domiciliar, a gente não vai dar. Ele
acaba sendo universal porque você faz com que todos tenham acesso à saúde,
mas se você pensar na assistência domiciliar, não é universal (RM2).
A universalidade é para prestar cuidado a todos. Isso não é feito, porque não
tem como prestar cuidado a todos os pacientes que a gente tem. A nossa
demanda aqui não tem como dar assistência domiciliar para todo mundo com
o número de funcionários que a gente tem. Daí, vem o outro princípio que é o
da eqüidade, dar mais aos que precisam. E justamente por isso é que tem os
critérios de seleção de quem é que a gente vai fazer visita domiciliar ou não.
Então, a partir daí, justamente por não conseguir a universalidade, que a
gente precisa da eqüidade para definir quem serão as pessoas visitadas ou
não (RE1).
Não tem universalidade para toda a comunidade porque já ponho critérios.
Isso é objetivo de organização para que pelo menos algumas pessoas eu
consiga ver, porque todas, eu não vou conseguir. Um dos motivos de ter
criado esses critérios é para conseguir fazer, senão a gente não conseguiria
fazer (E8).
Essa aparente contradição exposta quanto à atenção domiciliária ser ou não
instrumento para a universalidade manifesta-se amplamente nos depoimentos dos
diversos trabalhadores. É um movimento interessante, em que cada momento do
175
processo de trabalho em saúde está sujeito a uma análise diferenciada, pois adequada
às necessidades do próprio trabalho e da população a que atende. Se a atenção
domiciliária pode ser visualizada como compondo por si mesma a universalidade, ao
ser pensada como um processo de trabalho isolado dos demais distancia-se desse
conceito.
A totalidade da assistência à saúde significa proporcionar atenção a todos, nos
diversos níveis de necessidades, com ações de promoção, prevenção, cura e
reabilitação, estabelecendo as diferenciações necessárias de atendimento e
contextualizando os diversos momentos do processo de trabalho. Na saúde é
complicado e impossível estabelecer análises de conceitos ou situações isoladamente
uns dos outros, porque eles se complementam para, juntos, obterem o alcance da
atenção adequada ou, pelo menos, para chegarem o mais próximo possível da atenção
desejada.
Quando os trabalhadores se questionam acerca da concretização do princípio da
universalidade, estão verbalizando o que está se apresentando a eles como uma
contradição, uma vez que, ao mesmo tempo, argumentam que a forma do trabalho
realizado obedece às necessidades postas. E aí é que desponta a questão da
organização do serviço por meio de critérios de inclusão, como uma maneira de
garantir que não existam vazios assistenciais, ou seja, parte da população sem
assistência. Então, o que está sendo desenvolvido é uma forma de regulação
necessária, o que não significa uma forma de trabalho contrária aos princípios do SUS.
A gente tem os critérios de inclusão. Então, esses critérios norteiam a
universalidade. Tem casos que seriam bons, as pessoas gostariam de ser
vistas em casa, mas de certa maneira elas podem vir ao posto, então, eu acho
que tu consegue ter uma universalidade de acesso e tornar isso factível na
medida em que tu aponta critérios claros de inclusão (M1).
Essa proposta de ser universal pelo SUS é um projeto extremamente
ambicioso porque isso implica a que todas as pessoas tenham acesso a esse
tipo de tratamento. Eu acho que isso é uma situação ideal, mas entendo que
nós estamos muito longe disso. Apesar de ser um procedimento que exija
muito pouco em termos materiais, ele exige muito em termos de
disponibilidade e preparo das pessoas (M3).
De que forma se fazer isso se não se tem os recursos todos? Teria que ter uma
equipe muito maior ou realmente a regionalização ser respeitada, a gente
poder ter um posto de acordo com aquela população. Tu não dá conta de
quem está ali na porta, como é que tu ainda vai buscar quem está lá, quem
não tem o acesso? (G5).
176
O tamanho da nossa população, hoje eu diria que é inviável estender a
assistência domiciliar para toda a população. Porque nós teríamos um
número de casos tão grande que provavelmente a gente não trabalharia mais
dentro da unidade e sim só fora, ou pelo menos um período grande. Mesmo
sendo um preceito do SUS, na questão do tamanho das nossas pernas, é
impossível. Nós temos critérios muito bem estabelecidos para assistência
domiciliar (M5).
Falta funcionários em geral, enfermeiro, médico, técnico. Como é que a gente
vai dar conta de atender as pessoas que vêm no posto, se é dentro do horário
que a gente tem que abre um espaço para a assistência domiciliar? (E1).
As necessidades são atendidas de acordo com as condições estruturais,
organizacionais e humanas disponíveis. Como já foi discutido em momentos
anteriores, a demanda da população à unidade é alta, o que faz com que haja um
direcionamento de ações para assistir às necessidades descortinadas diante dessa
clientela que busca o serviço. Aliada a isto, há a questão do dimensionamento de
pessoal frente à ampliação da área de abrangência da unidade, que não acompanhou
essa mudança, gerando acréscimo das atividades cotidianas no local de trabalho.
Durante o período de observação para a pesquisa, em momento de conversa informal
com uma das enfermeiras, esta manifestou que a atenção domiciliária perdeu muito
nos últimos anos por causa do aumento da área. Essa situação faz com que os
trabalhadores, mesmo percebendo a necessidade de desenvolvimento de ações
diferenciadas, que estejam mais de acordo com o modelo assistencial preconizado na
atenção primária à saúde brasileira, não o façam por deficiência nas condições para tal,
como é o caso da atenção domiciliária.
Há o entendimento por parte dos trabalhadores de que o acesso deva ser
garantido aos serviços de saúde, e a forma encontrada para isso se mostra por
intermédio da assimilação de um outro princípio orientador do SUS, o princípio da
eqüidade. Como está posto na Política Nacional de Atenção Básica, deve haver uma
preocupação em:
Possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e
resolutivos, caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de
saúde, com território adstrito de forma a permitir o planejamento e a
programação descentralizada, e em consonância com o princípio da eqüidade
(BRASIL, 2006c, p.11).
177
São princípios que caminham juntos na tentativa de assegurar a atenção à saúde.
Em vista disso, é preciso refletir que os serviços têm um papel na melhora da saúde,
mesmo em face das notáveis iniqüidades na distribuição de riquezas. Como o nível
global de gastos em serviços de saúde não está uniformemente associado a melhores
níveis de saúde, qualquer efeito dos serviços de saúde deve ser uma conseqüência de
características específicas destes serviços.
Eqüidade é um dos princípios da ética. Qualquer sistema de saúde – ou política
de saúde – que queira ser ético, deve considerar a eqüidade (STARFIELD, 2002).
Quando Starfield (2002) defende que a atenção primária à saúde deve ser
orientada para a comunidade, ela alerta para o fato de que os recursos devem fluir para
áreas em que são mais necessários, diminuindo, assim, as iniqüidades entre as
populações. “A atenção primária, através de sua orientação comunitária, tem
responsabilidade de maximizar a extensão na qual os serviços de saúde podem superar
as desvantagens sociais e seus efeitos adversos sobre a saúde” (STARFIELD, 2002, p.
534). Mas, é importante que haja o entendimento do verdadeiro sentido da atenção
primária, como já foi realçado em espaço anterior, e não o entendimento de que essa é
uma prática de saúde voltada para os pobres.
Pensando nessa questão, tentou-se apreender como os trabalhadores entendem a
concretização do princípio da eqüidade no seu dia-a-dia de trabalho. Nesse aspecto há
uma diferença de percepção por parte dos diversos membros da equipe de saúde.
Alguns apresentam um entendimento da eqüidade em estreita ligação com o conceito
de igualdade de atenção, em que há uma preocupação em assistir a todos da mesma
forma:
Qualquer indivíduo tem o mesmo acesso, tem o mesmo atendimento, não se
prioriza ah aquele é mais carente, não. Qualquer um tem os mesmos acessos,
tem os mesmos direitos (E1).
A gente atende gente que mora em loteamento, com isso ou aquilo, cheio de
coisas luxuosas e atende a [...] (paciente residente em uma das áreas de risco)
também, atende os dois lados da moeda (E3).
Acho que é conforme a necessidade, independente se está melhor
financeiramente ou menos, o atendimento é igual para nós, não tem diferença
de cor, raça, condições sócio-econômicas, todos são tratados igual. E com a
mesma assistência (E4).
Não tem diferencial em nada, tudo é igual, o atendimento é unificado para
178
todos, o mesmo tipo de atendimento para todos, pelo menos na nossa unidade
(G3).
Eu acho que todo mundo é tratado da mesma forma. Não te digo por todas as
pessoas e por todos os profissionais da equipe, porque algumas pessoas têm
uma restrição um pouco maior de ir nesses locais mais pobres, preferem ir à
casa do rico, mas isso é uma coisa de cada um.(...) Gostando ou não, tem que
ir (E6).
A palavra eqüidade no aspecto semântico está bastante próxima à palavra
igualdade, podendo até constar como seu sinônimo. A etimologia de ambas revela o
mesmo elemento formador, “equ-”, antepositivo do latim “aequus” que pode
significar unido, justo, imparcial ou favorável (PINHEIRO, WESTPHAL,
AKERMAN, 2005). No dicionário Aurélio encontra-se a definição de eqüidade como
sendo a disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um (AURÉLIO, 2004).
Na concepção de Starfield (2002), os termos igualdade e eqüidade não são
sinônimos.
O alcance da “igualdade” na saúde requer que as iniqüidades sistemáticas nos
determinantes da saúde (incluindo, entre outros, o acesso a prestação de
serviços de saúde adequados) sejam reduzidas. Os meios para fazê-lo podem
exigir diferentes abordagens em diferentes grupos sociais de acordo com suas
diferentes necessidades. A eqüidade na oferta de recursos leva em
consideração as necessidades subjacentes na decisão a respeito dos níveis
apropriados de recursos a serem disponibilizados para cada subgrupo da
população para reduzir as desigualdades sistemáticas no estado de saúde entre
os grupos da população distinguidos pelas diferenças nas vantagens sociais
(STARFIELD, 2002, p.667).
A categoria dos médicos posiciona-se na linha de pensamento de proporcionar
atenção àqueles seres humanos mais necessitados, mais carentes de atenção e que, por
isso mesmo, exigem um tratamento diferenciado:
Talvez seja no sentido de ver as pessoas que mais precisam, nos chamam e a
gente vai lá cobrir essa necessidade. Acho que seria mais ou menos nessa
linha de pensamento, de conseguir ver essas pessoas em casa, que têm muita
dificuldade, que não conseguem vir até aqui, com o objetivo final de que todos
tenham acesso. Mais da maior dificuldade (RM1).
Tudo é programado conforme a necessidade. Se é uma pessoa da área de
179
risco, tu vai ter mais controle. Agora, se a pessoa tem todo o suporte, tem
condições, exames feitos particulares ou convênio é igual, a assistência é
igual (M2).
Dependendo das limitações econômicas, de saúde das pessoas, se tenta
oferecer mais de acordo com as necessidades para se tentar chegar mais
perto dessa eqüidade. Claro que têm pessoas que têm condições de comprar
um colchão piramidal, de ter uma cama hospitalar. Bom, se a pessoa não tem
essas condições a gente tenta conseguir através do próprio hospital. A mesma
coisa com cadeira de rodas, se tenta oferecer isso para quem não tem
condições (M4).
Eu te diria o seguinte, segue as mesmas limitações da universalidade. Eu não
vejo muito diferente disso. Teoricamente, as pessoas que precisam mais,
deveriam ter mais. Este é o princípio. E acho que a gente tenta na medida do
possível, com algumas pessoas que estão nas chamadas micro-áreas de risco.
Essas têm uma preferência ou um olhar diferente da equipe para essas
pessoas. Eu te diria que a gente consegue fazer isso de uma forma muito
natural. Acho que na questão de pensar medicação, pensar recurso, pensar
todas as coisas que estão envolvidas. Algumas a gente só receita e a família
tem que se virar. Outras a gente pensa duas vezes, bom, se é por pouco tempo,
tem um recurso no serviço que pode ser utilizado, então, se utiliza, Bom, se
nenhum desses recursos está disponível, interna por algum tempo (M5).
Em relação à eqüidade, eu acho que também se busca ter uma preocupação
com isso, tanto como o caso de uma pessoa que só precisava do cuidado com
a escara, então só cuidava da escara, mas aí a gente vê lá a [...] (nome de
uma paciente), que mora lá no curtiço. Bom, ela tem uma dedicação muito
mais intensa, as pessoas vão mais seguido lá, enfim, há um investimento
maior, porque precisa mais. Isso a gente tem (M6).
No entendimento de Duarte (2000), no campo sanitário os significados mais
comuns atribuídos à eqüidade são variantes das expressões “igualdade de acesso” e
“tratamentos iguais para mesmas necessidades”. O autor refere que, em geral, esses
princípios ocupam lugar de destaque nos propósitos das políticas de saúde. “A
concepção que decorre a partir desta leitura é a de que a cobertura universal dos
serviços e a não discriminação de acesso aos recursos de diagnóstico e tratamento
caracterizam um sistema de saúde eqüitativo” (DUARTE, 2000, p.447).
Almeida (2000) destaca duas importantes dimensões que devem ser
consideradas na abordagem da eqüidade em saúde: as desigualdades nas condições de
vida e saúde e as desigualdades no acesso e consumo de serviços de saúde.
Em um estudo desenvolvido com o objetivo de
realizar uma análise crítica dos
180
relatórios das Conferências Nacionais de Saúde, para verificar como foi sendo
apropriado o conceito de eqüidade em saúde, pelas 9ª, 10ª e 11ª Conferências
Nacionais de Saúde, Pinheiro, Westphal e Akerman (2005) relatam que o termo
eqüidade é utilizado inicialmente poucas vezes e até de modo indevido.
O tratamento do tema é incompleto, não destacando grupos sociais
desfavorecidos e suas necessidades em saúde, o que indica uma resistência
inicial à incorporação do conceito, como um critério para a elaboração das
diretrizes de políticas públicas. O discurso a respeito da eqüidade permanece
geral e amplo, apresentando avaliações e proposições vagas e inespecíficas
(PINHEIRO, WESTPHAL, AKERMAN, 2005, p.457).
Diante desse achado, pode-se perceber quão difícil e complicado é consolidar
uma diretriz política na prática profissional. A começar pela interpretação de seu
conceito, que pode gerar variadas formas de entendimento. Os trabalhadores têm como
guia norteador de suas ações as diretrizes políticas, que dão a conformação de seu
trabalho. E, se documentos oficiais, como os Relatórios das Conferências Nacionais de
Saúde, apresentam pouca especificidade conceitual, dando margem a múltiplas
interpretações, como esperar dos trabalhadores a assimilação do que realmente é
esperado deles na posição de um dos responsáveis diretos pela concretização desse
princípio?
Compete ao setor público de saúde a tarefa de incorporar os princípios da
eqüidade às políticas sociais desenvolvidas,
que precisam cumprir o duplo papel de atenuar as iniqüidades sociais, atuando
sobre os fatores que determinam os diferenciais injustos e evitáveis em saúde,
e prover toda a população de atenção e serviços que atendam às necessidades
de saúde, respeitando as particularidades de cada grupo social, com o mesmo
nível de qualidade. Apenas desta forma estará sendo desenhado um sistema de
saúde equânime (DUARTE, 2000, p. 462).
A concepção de eqüidade, abordada por Duarte (2000), faz a referência à
obrigação dos serviços em adequar suas ações conforme a característica da população
adstrita a eles, proporcionando, assim, atenção à saúde de acordo não só com a sua
181
necessidade, mas, também, com as condições de acesso a esses serviços. Mais uma vez
é possível perceber a estreita ligação dos conceitos de eqüidade e universalidade de
acesso, pois assistir equanimamente significa oportunizar acesso àqueles que têm mais
dificuldade na obtenção do mesmo. Então, a noção desse conceito não se atém a
assistir a todos de forma igual, no sentido de não se ter preconceitos ou discriminação
no cuidado, mas, assistir diferentemente aqueles que mais precisam, justamente por
serem mais carentes de atenção ou terem menos condições de obtenção desta atenção.
No momento em que os trabalhadores se voltam para a realização de ações para
os moradores das áreas de risco, desenvolvendo atenção domiciliária para essa
população, estão procurando compensar os efeitos das desigualdades de condições
sociais. Estão operando em favor de um grupo menos privilegiado, contribuindo,
assim, para aumentar a oportunidade de alcance de condições mais saudáveis de vida
para essa população.
A concepção de eqüidade, que embasa o Serviço de Saúde Comunitária como
um todo, está exposto na direção desse tipo de entendimento, como se pode visualizar
em uma das publicações mensais desse serviço, o BIS, que é um boletim informativo:
Quando se discute a idéia de eqüidade em saúde pública, busca-se refletir,
sobre as ações para diminuir desigualdades e para a distribuição eqüitativa de
recursos de saúde. Não se trata de conceber os diferentes grupos atendidos
como iguais. Não se trata de querer diminuir suas diferenças culturais, ou
biológicas, mas se trata de diminuir desigualdades no acesso aos serviços de
saúde. Portanto, o que se deseja através da busca da eqüidade em saúde não é a
“igualdade” entre moradores da cidade, usuários dos serviços, e nada
semelhante a tal idéia. Procura-se, pelo contrário, compreender as
desigualdades entre os grupos, peculiaridades culturais e sócioeconômicas,
reconhecendo diferenças injustas no sentido de condições de vida. Assim,
reconhecendo a desigualdade injusta é possível promover a diminuição desta
“distância entre extremos”, buscando um ponto médio, mais justo. O trabalho
voltado para o mapeamento das microáreas de risco, nas quais as chances de
vida são menores e os riscos de morte são maiores, tem esta preocupação, a de
diminuir as desigualdades injustas e indesejáveis (O BIS, 1998).
Uma forma de tentativa de alcance desse princípio norteador pode ser
observado por meio do depoimento de G1:
Isso a gente teve um processo bem legal. Em 1995 a gente começou a
trabalhar com conceito de eqüidade de uma forma mais aprofundada. A gente
começou a trabalhar com micro áreas e com uma metodologia de
182
georeferenciamento - Sistema de Informação Georeferenciada (SIG). E isso
deu uma qualificada no olhar. (...) e se encontrou todos os pontos de
vulnerabilidade. Aqui (se referiu à unidade do estudo) não aderiu ao trabalho,
de vigilância, de eqüidade. Agora é que estão fazendo um novo movimento,
tímido, com as três agentes, cadastrando a segunda área (G1).
Para chegar à delimitação das problemáticas vivenciadas na área adstrita à
unidade de saúde, foi necessário um mapeamento dessa área e um levantamento desses
problemas, podendo, então, estabelecer as prioridades de ação direcionadas às
necessidades descortinadas. Essa é uma atividade que faz parte da atenção primária à
saúde na tentativa de alcançar o princípio da eqüidade. Porém, como foi realçado no
depoimento acima, o desenvolvimento de um trabalho voltado aos grupos mais
vulneráveis custou a acontecer na unidade de saúde estudada, que apesar de existir há
mais de vinte anos, somente há mais ou menos dois iniciou a focalizar suas ações para
essa população. O que parece estar ligado à vinda dos agentes comunitários de saúde
para compor a equipe de trabalho, que precisou planejar o trabalho desses profissionais
e então, viu a possibilidade de direcioná-los para essa necessidade que, por falta de
recursos humanos, não vinha sendo contemplada.
Ao mesmo tempo, a problemática da falta de recursos humanos permanece, pois
a área de abrangência da unidade aumentou sem que o quantitativo de recursos
humanos acompanhasse essa mudança, como já foi comentado. A enfermeira
responsável pelos agentes comunitários de saúde apresenta uma disposição de dirigir
sua atenção para a população mais necessitada e tem envidado esforços nesse sentido,
porém, esse é um trabalho bem exigente e que demanda tempo além do que é
disponibilizado para tal. O tempo de trabalho é consumido pela demanda espontânea à
unidade de saúde e há uma supervalorização de atividades clínicas em detrimento de
ações preventivas e no ambiente externo à unidade.
Além desse aspecto de acúmulo de atividades clínicas na unidade de saúde
ocasionadas pela grande demanda, alia-se a isso também o fato de que a maioria dos
trabalhadores não apresenta disposição para o desenvolvimento de atividades voltadas
para grupos menos privilegiados da comunidade. Essa sensação foi repassada durante
183
o período de observação do processo de trabalho e até mesmo por meio da colocação
por parte de alguns trabalhadores.
É um trabalho que não tem condições de ser realizado por apenas um
trabalhador, como a enfermeira responsável pelos agentes comunitários de saúde. Há
necessidade de mobilização da equipe como um todo. Teve-se a oportunidade de
acompanhar a enfermeira, juntamente com as agentes de saúde, em visitas domiciliares
a moradores das duas áreas de risco, em que foi possível observar a preocupação com
a saúde dessa clientela, com ações de promoção da saúde como orientação nos hábitos
de vida e higiene, cuidados com o corpo e a mente, busca de soluções para problemas
de saneamento, limpeza e riscos ambientais. É um tipo de atenção domiciliária que se
encaixa na modalidade de vigilância à saúde. Quando desenvolvem atenção
domiciliária a pacientes acamados, com problemas de adoecimento, pode-se
considerar que é uma modalidade de acompanhamento domiciliar, e este é sempre
realizado dentro do modelo clínico.
Entende-se que tanto a compreensão de eqüidade quanto a de universalidade
(incluindo aqui uma avaliação da validade dos critérios para inclusão de famílias em
VD) são importantes pontos de pauta a serem discutidos nas reuniões da equipe,
visando disseminar os conceitos entre os trabalhadores, realçar a importância da sua
efetivação e estabelecer formas de alcançá-lo. Essa proposta propicia um
compartilhamento de conhecimentos e de entendimento do processo de trabalho
realizado. Um dos exemplos de que há concepções diversas entre os trabalhadores é
demonstrado por intermédio do depoimento a seguir:
Não é muito eqüânime as coisas. Eu acho que às vezes tem pacientes que têm
toda uma estrutura para não precisar de atendimento em casa e recebe. E tem
pacientes que tem toda uma dificuldade por trás econômica, de repente vive
numa área de risco e que não recebe o atendimento tão pontual como o outro
que não é. Acho que não é muito equânime isso (E5).
Mesmo a grande maioria dos trabalhadores se manifestando quanto à realização
de um trabalho baseado na eqüidade, no momento em que um tem um entendimento
diferenciado, há necessidade de reflexão, pois isso faz parecer que o tema não está
184
compreendido na sua totalidade.
A resolutividade
Na continuidade da análise sobre a capacidade dos gestores e trabalhadores
seguirem os princípios do SUS em seu processo de trabalho, um outro princípio ligado
à atenção básica passa a ser discutido: o princípio da resolutividade. Ao serem
questionados acerca desse item, o posicionamento é quase sempre no sentido positivo,
de vislumbrarem a atenção domiciliária sendo resolutiva, dentro dos objetivos a que se
propõe.
A gente consegue resolver praticamente tudo. Só se ele estiver muito grave
para a gente não resolver o problema, encaminhar para o hospital (E3).
É menos custo para o município, Estado essa assistência a domicílio. Ele não
ocupa uma vaga no hospital, nem numa emergência (E4).
É muito importante isso porque resolve. O paciente logo, logo, se não for uma
doença gravíssima que tiver que ser hospitalizado, ele logo, logo está de pé
(G3).
Facilita o acesso, os familiares vêm aqui e dizem que o fulano está precisando
de uma visita, está com problema. Aí vai alguém lá (RP).
Eu acho que essas pessoas se sentem bem amparadas (RM1).
Acho que no momento que tu deixa as pessoas bem orientadas, tu deixa um
telefone à disposição... Têm pacientes que há muito tempo não vão para uma
emergência, já tiveram febre, já tiveram infecções respiratórias, já tiveram
infecções urinárias, e a gente consegue manejar em casa (M1).
O que a gente não resolve, não é porque nós não podemos resolver, é porque
não tem solução (M3).
Diminuiu bastante o número de hospitalização. É raro o paciente que
necessite hospitalizações. Só uma grande complicação (M4).
O resultado é bom, a gente consegue, muitas vezes, organizar a família,
mobilizar a família, Evita muitas vezes a pessoa de internar, tu já conhece, tu
vai lá, tu medica, para não ir para emergência, para o hospital, fica em casa
(M6).
Parece que a resolutividade está associada à resolução de problemas clínicos
apresentados pelos pacientes, confirmando mais uma vez o alicerce teórico e
185
conceitual que move essa atenção. Entende-se que em vista desse modelo ser tão
presente e preponderante nas atividades diárias, os trabalhadores fazem sempre a
relação da atenção domiciliária com a atenção dirigida aos pacientes acamados. Na
verdade, segundo o manual de assistência domiciliar elaborado pelos próprios
trabalhadores, essa atividade compõe a modalidade de acompanhamento domiciliar.
Outras ações seriam encaixadas nas modalidades de atendimento domiciliar,
internação domiciliar e vigilância domiciliar. Porém, a alusão é sempre à modalidade
específica de acompanhamento, visto que os trabalhadores sempre se referem aos
pacientes acamados que fazem parte do programa.
Na verdade, esse tipo de paciente é bastante beneficiado com esse tipo de
atenção, uma vez que a equipe garante a assistência no próprio ambiente de vida, junto
de seus familiares e sem os riscos de estar sendo cuidado no interior de um ambiente
hospitalar. Diversos estudos têm demonstrado as vantagens desse tipo de atenção
domiciliária, como Lacerda (1996), Duarte e Diogo (2000), Shepperd et al (1998a),
Richards et al (1998), Wilson et al (1999), Davies et al (2000), Jordhoy et al (2000),
Ram et al (2004), entre outros.
Uma outra questão que chama a atenção é a afirmação de que a atenção
domiciliária tem sido resolutiva no sentido de evitar internações hospitalares, como se
pode visualizar nos depoimentos dos trabalhadores M1, M4 e M6. Porém, ao mesmo
tempo em que há essa manifestação, outros trabalhadores afirmam que isso não é
mensurável. Então, são colocações embasadas no desenvolvimento do processo de
trabalho, quando refletem que muitos pacientes que são assistidos pela equipe de
atenção domiciliária, se assim não o fossem, teriam que ser hospitalizados como forma
de garantir a assistência. Não há dados estatísticos sobre isso, o que faz com que as
reflexões sobre o tema sejam totalmente empíricas. Os depoimentos abaixo expressam
essa questão:
Falta a gente trabalhar a questão da informação, da circulação da
informação. Da importância da gente ter esse objeto, a epidemiologia como
uma ferramenta. (...) Para tu ter resolutividade tu tem que ter informações.
(...) Minha paciente está bem, ela melhorou, ela saiu, ela teve alta. Eu vi a
resolutividade, ela teve alta, mas eu não qualifiquei a resolutividade. E ela
tem que ser qualificada (G1).
Não sei te dizer em números, em estatística (...) A gente teria que fazer mais
pesquisa que a gente não faz, para poder dizer realmente, com dados mais
186
especifico (G5).
Eu ainda não tenho como fazer uma avaliação total, por exemplo, dos meus
pacientes que estão no programa, agora que a gente começou a fazer
direitinho, porque não tenho a coisa no computador, tem que fazer muito
manual, se foi feito a visita, se não foi feito a visita, quem foi lá, como é que
está sendo esse atendimento do profissional, se o paciente não está
internando, ou se está internando, se está melhorando, se não está
melhorando. Mas isso tem que ser medido e eu não tenho isso (E8).
É importante trabalhar com dados reais, que confirmem o que está sendo
percebido na prática de trabalho. Muitas vezes, ao ser efetuado um estudo formal, o
que parece estar se desenrolando na prática não corresponde à realidade. E no caso de
confirmação desta, no momento em que existem dados comprobatórios, pode-se tentar
conquistar os gestores a contribuir com o serviço, a efetuar melhoramentos, a fornecer
recursos humanos e materiais, visto que a necessidade está sendo apresentada e os
benefícios evidenciados.
A possibilidade de dar visibilidade aos trabalhadores e serviços dá-se por
intermédio da realização de pesquisas. E, para a concretização dessas pesquisas há a
necessidade da disponibilização de dados.
A pesquisa em atenção primária e a tradução dos achados da pesquisa em
política e prática clínica são ingredientes essenciais para alcançar as duas
principais metas de qualquer sistema de serviços de saúde: otimizar a saúde da
população por meio do emprego do conhecimento mais avançado sobre causa
de enfermidade, o manejo de doença, além da maximização da saúde e
minimização das disparidades sistemáticas nos estados de saúde associados ao
acesso diferenciado aos benefícios do conhecimento (STARFIELD, 2002, p.
660).
Ainda em relação a este tema, existem algumas problemáticas ressaltadas, que
interferem na obtenção da resolutividade esperada, como a falta de recursos humanos,
a necessidade de exames diagnósticos e de avaliação de especialistas e a organização
do serviço.
Tinha que ter mais equipes, mais condições (G2).
187
Algumas vezes eu tenho dificuldade com a resolutividade, quando se precisa
de algum exame, quando a gente precisa fazer diagnóstico, seguir um pouco
além da investigação. Às vezes você tem que acabar internando o paciente
porque ele não consegue (RM2).
O que falta, às vezes, é a supervisão ou o parecer de algum especialista, que é
difícil, porque as especialidades não vão em casa e isso está meio complicado
(M2).
A gente não tem estudos recentes, mas alguns de nossos estudos mais antigos
mostram que a gente tinha uma resolutividade. A gente não pode ter algumas
coisas que aumentariam a resolutividade, como fisioterapia (M5).
Essas pessoas que estão sendo acompanhadas, acredito eu que eles tenham
um suporte entre aspas, mas não é aquilo também. Tu viste aquela mulher que
a gente foi, que já tinha morrido. E aquele outro paciente que ficou dois meses
sem ser visto? Para que ele foi incluído se não tem porque de ir lá? Eu
acredito que tem que mudar. Para funcionar tem que ter mais organização. E
comunicação também (E7).
Eu acho que talvez por esse problema, a problemática de estar meio perdendo
espaço, não está sendo tão bem resolvida como já foi (RM3).
Dois dos depoimentos acima podem ser relacionados com a organização do
serviço. O depoimento do trabalhador E7 vai na direção de que a resolutividade
poderia estar sendo melhor alcançada caso houvesse mais comunicação entre os
membros da equipe, nas próprias reuniões ou repassando informações uns aos outros.
O questionamento que esse trabalhador se faz expressa a preocupação no tocante à
correta avaliação dos pacientes inseridos no programa de atenção domiciliária, pois se
há uma real necessidade deste paciente ser assistido em nível domiciliar, como é
“esquecido” quando os trabalhadores responsáveis por sua assistência estão de férias
ou afastados do trabalho por alguma razão? Como fica a questão da resolutividade na
assistência a este paciente?
Já o trabalhador RM3 faz referência à utilização dos espaços destinados à
realização das reuniões da atenção domiciliária com discussões diversas, fazendo com
que aquela passe a ser secundária ou, até mesmo, deixada de lado. Isso já foi discutido
em momento anterior do estudo, sendo realçado neste momento por ter sido
mencionado como um aspecto do trabalho que está prejudicando a atenção
domiciliária, que poderia estar sendo mais discutida e refletida e obtendo, então, mais
188
resolutividade nas ações.
Os trabalhadores RM2, M2 e M5 abordam a necessidade que o serviço sente de
aliar outros trabalhadores à atenção domiciliária. Essa é uma questão que poderia estar
sendo mais bem desenvolvida, se houvesse um bom sistema de referência e contra-
referência, ou mesmo uma integração dentro da própria instituição, pois certamente há
especialistas no GHC que poderiam fazer esse trabalho em parceria com a unidade de
saúde da família.
Essa dificuldade, encontrada em muitos serviços, dificulta a resolutividade da
assistência, pois impede a continuidade da atenção.
A obediência ao princípio da continuidade da atenção, que viabiliza a função
organizativa da atenção primária à saúde, surge como um dos principais problemas, tal
como Mendes (2002b) depreende das falas de um gestor e de um coordenador de um
Programa de Saúde da Família (PSF). Os sujeitos do estudo referem que, em
municípios habilitados apenas na gestão plena da atenção básica, há dificuldade na
organização de um sistema de referência e contra-referência, (MENDES, 2002b).
Porém, este não é o caso do município de Porto Alegre, que tem a gestão plena do
sistema.
Havendo uma continuidade do cuidado à comunidade a quem se dirige a
atenção, está-se assegurando a concretização de parte do princípio da integralidade da
assistência, pois aquelas ações consideradas necessárias para assistir ao paciente como
um todo e que estão fora do alcance do nível de atenção em que o serviço se encontra
precisam ser redirecionadas para os serviços que possuam as condições de prestá-las.
A questão da integralidade já foi discutida anteriormente, mas como há uma
inter-relação de todos os princípios e diretrizes do SUS, em uma mescla constante, na
intenção de alcançar a totalidade da assistência, ela foi retomada para clarear essa
questão que vem sendo discutida em relação à resolutividade. O trabalho nas unidades
de atenção primária implica:
Fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de serviços de atenção
à saúde, mesmo que alguns possam não ser oferecidos eficientemente dentro
dela. Isto inclui o encaminhamento para serviços secundários para consultas,
serviços terciários para manejo definitivo de problemas específicos e para
serviços de suporte fundamentais, tais como internação domiciliar e outros
serviços comunitários (STARFIELD, 2002, p.62).
189
Há necessidade da existência de um vínculo bem estabelecido entre a atenção
primária, a secundária e a terciária, em que os serviços sejam organizados conforme as
necessidades da população. A gestão, não somente do trabalho em si, mas da
estruturação e organização dos serviços precisa ser projetada para que existam
profissionais e unidades suficientes a cuidar das necessidades naquele nível, bem como
uma integração entre esses níveis a ser desenvolvida, pois essa não é uma obrigação do
trabalhador, que se encontra face a face com os usuários.
Segundo Mendes (2002b), para cumprir seu papel em um sistema integrado de
serviços de saúde, a atenção primária deve cumprir três funções essenciais:
O papel resolutivo, intrínseco à sua instrumentalidade como ponto de atenção
à saúde – o de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da
população; o papel organizador, relacionado com sua natureza de centro de
comunicação, o de organizar os fluxos e contrafluxos das pessoas pelos
diversos pontos de atenção à saúde; e o de responsabilização – o de co-
responsabilizar-se pela saúde dos cidadãos em quaisquer pontos de atenção à
saúde em que estejam (MENDES, 2002b, p.17).
Em estudo desenvolvido com o objetivo de analisar o funcionamento dos
Programas de Internação Domiciliar implantados em três municípios, dois de São
Paulo e um do Paraná, identificando elementos que sinalizassem a inserção desses
programas na mudança da atenção à saúde, foi percebida a necessidade de sistematizar
a referência e a contra-referência entre esses programas e a rede de cuidados
progressivos dos municípios (SILVA et al, 2005). Os autores referem que essas
articulações permitirão novas relações técnicas e sociais e a organização dos processos
de trabalho na lógica da vigilância à saúde.
Para que o sistema de referência e contra-referência seja efetivo e eficaz,
torna-se necessária a construção de parcerias entre instituições públicas e
privadas. A parceria pode ser entendida como trabalho articulado e
participativo, mantendo-se uma relação horizontal entre as instituições,
respeitando e preservando a identidade de cada uma, e estabelecendo-se uma
rede progressiva de cuidados, rompendo com a concepção da hierarquia e
níveis de atenção
(SILVA et al, 2005, p. 395-396).
190
No tocante à falta de recursos humanos, sobre a qual um dos participantes
chamou a atenção, é uma problemática que interfere na consolidação de praticamente
todos os princípios, visto que não há como desenvolver um trabalho da forma almejada
sem uma equipe estruturada para tal. A gama de atividades que precisam ser
desenvolvidas no processo de trabalho em saúde assume uma proporção gigantesca se
não houver um quantitativo humano adequado. E, sem uma consonância do numérico
de trabalhadores com a necessidade de ações, não há condições de alcance de
resolutividade em nenhum tipo de serviço.
Um dos trabalhadores apresenta uma visão diferenciada em relação à
resolutividade do trabalho desenvolvido com a atenção domiciliária. Essa diferença
está posta na relação modelo assistencial/resolutividade. Como é possível perceber por
meio do depoimento que virá logo a seguir, esse trabalhador faz uma análise de que o
processo de trabalho não é desenvolvido da forma esperada para o tipo de serviço
considerado:
Tu trata os sintomas dele, o paciente tem a dor, ele precisa receber
alimentação via sonda nasogástrica. Mas tu vais a um ponto, é isso que ele
precisa. Acho que a gente não o trabalha como um todo. Acho que tu és
resolutivo no momento que tu trata a dor, vendo por essa visão. Ele tem uma
queixa, por exemplo, pressão alta, tu vai lá, dá medicação tal e está resolvido
o problema (E5).
Entende-se que o trabalhador referido tem ciência do modelo de atenção que
vem sendo desenvolvido, centrado na clínica, e faz uma avaliação positiva da
resolutividade diante da realização desse modelo. No entanto, fica claro que não vai
além. Então, a avaliação da resolutividade está na dependência do prisma através do
qual se está olhando. Parece que foi essa a intenção da explanação realizada, ou seja,
se a análise é do processo de trabalho que está sendo desenvolvido, no interior do
modelo que o está guiando, a resposta é uma; se a análise é no sentido do modelo que
deveria estar sendo efetivado, a resposta pode ser outra.
O modelo assistencial é um ponto de reflexão que apresenta um movimento de
idas e vindas, pois é o alicerce que guia qualquer trabalho em saúde. No âmago do
trabalho desenvolvido em atenção básica/atenção primária, existe ainda um princípio
191
norteador para a concretização desse modelo, que ainda não foi explorado. Trata-se da
participação da comunidade, que foi regulamentada pela Lei n
o
8.142, de 28 de
dezembro de 1990.
A participação da comunidade
Para uma operacionalização da participação comunitária nas várias esferas
(local, municipal, estadual e federal) de governo, foram criadas duas instâncias
colegiadas: as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde (SUS, 2004).
As Conferências de Saúde possibilitam a inserção da participação social no
âmbito do poder executivo, tendo como objetivo avaliar a situação de saúde e propor
as diretrizes da política de saúde em cada nível de governo e os Conselhos de Saúde:
Buscam participar da discussão das políticas tendo uma atuação independente
do governo, embora façam parte de sua estrutura e, onde se manifestam, com
maior ou menor representatividade, os interesses dos diferentes segmentos
sociais, possibilitando a negociação de propostas que pretendem direcionar os
recursos para prioridades diferentes (SUS, 2004, p.121).
Os Conselhos existem e funcionam e, apesar de todas as suas limitações,
constituem um dos mecanismos mais democráticos de controle das atividades públicas
existentes no país. Suas limitações têm a ver com o grau de organização da sociedade
civil, os problemas intrínsecos dos mecanismos representativos de participação e as
práticas políticas dominantes no país, entre outros elementos (FEUERWERKER,
2005).
Na questão investigada junto aos participantes da pesquisa sobre a participação
comunitária, transpareceu o quanto este é um tópico que não se mantém ao lado dos
demais princípios, quanto à importância de efetivação. Existe uma diversidade de
conotações relativas à participação comunitária, centrando a participação das pessoas
da comunidade no Conselho Local de Saúde; atendo esse quesito ao estabelecimento
de inter-relações de ajuda entre os membros da comunidade; atrelando a participação à
necessidades individuais, entre outros.
O Serviço de Saúde Comunitária, com sua característica essencial de direcionar
192
os processos de trabalho nas unidades de saúde sob sua jurisdição, apresenta um
posicionamento de estimulação à participação comunitária.
Nós tivemos sempre, o forte deveria ser, tanto pelo nome, saúde comunitária,
um serviço que primasse pela participação da população na gestão do
serviço. Eu acho que a gente faz muita coisa, a gente tem todo um grupo de
trabalho de participação popular que desencadeia oficinas, discussão nos
conselhos locais. (...) Pelo menos a gente tem um roteiro, tem uma assembléia
que é anual, com todos os representantes dos conselhos locais, na qual se
tiram prioridades para desencadear no trabalho um movimento para o ano
seguinte (G1).
O depoimento desse gestor traduz a vontade de que esse princípio seja efetivado
no cotidiano de trabalho dos serviços, no sentido de participação real e
responsabilidade nas decisões. Considera que o envolvimento de todos os segmentos
com interesse na saúde, como gestores, trabalhadores e usuários apresentam extrema
importância para a consolidação do SUS.
Entende-se que a participação almejada para gestores e trabalhadores extrapola
os limites de comparecimento em reuniões dos conselhos, para a realização de
trabalhos de mobilização da população com vistas a conhecerem e interferirem no
sistema de saúde, já que o olhar sobre o sistema se estende até os seres humanos que
vivenciam as necessidades de saúde.
A participação envolve, também, processos de avaliação do impacto dos
serviços na saúde. É uma forma de compatibilizar o trabalho às necessidades de saúde,
e de reformular planos e estratégias que não estão obtendo o sucesso esperado, e traçar
novos mais coerentes com cada população adstrita. Segundo Wright, Parry e Mathers
(2005), a participação é um valor central nesse processo avaliativo, empoderando a
todos os envolvidos nos processos decisórios e corrigindo o déficit democrático entre o
governo e a sociedade. Os autores relatam que a participação transmite a sensação de
que a saúde e a tomada de decisões pertencem à comunidade, e as experiências
pessoais dos cidadãos se convertem em um fator essencial de formulações mais
adequadas de políticas públicas.
Os trabalhadores, ao se referirem à participação da comunidade no Conselho
Local de Saúde, apresentam um manifesto de inconformismo com a atual situação
193
encontrada:
Parece que estava diminuída, a gente está conseguindo retomar. Dois anos
está meio afastado o conselho gestor local. Tinha uma associação chamada
Asumef faz cinco anos, com sócios e tudo. Só que essa associação se
desvinculou da medicina comunitária e se associou numa ONG. Então, as
pessoas da comunidade começaram a se dividir, começaram não, se dividiram
(E4).
Pouquíssima. Até está sendo discutido agora, vai entrar num esquema de
trabalho, de um projeto que está sendo feito até 2007. Agora está sendo feito
uma busca, tentando traçar metas, tinha só quatro que participavam de uma
população de 40 mil, aí tu vês que participação é essa. Agora na última
reunião parece que vieram 20 ou 25. Parece que a [...] (gestora da unidade)
deu uma tarefa para essas 20 pessoas, de cada uma trazer mais uma, para
ver. As pessoas cansaram, não querem mais participar, desanimaram.
Ninguém quer participar, eles só querem ser atendidos (E7).
Está bem lento. Pela nossa população em geral, tinha que ter bem mais, mais
grupo, bem mais tudo. E a gente decaiu, a gente tinha isso, a gente tinha
bastante rede de apoio, tipo a comunidade era bem engajada conosco, e de
repente... Nós tínhamos dois órgãos, o conselho gestor e a Asumef, não sei se
tu ouviste falar? Então se desfez um e ficou outro. Outro trabalhava melhor e
por isso ficou meio perdido (E9).
Falta um pouco de entrosamento com a própria comunidade. A comunidade
não comparece às reuniões para ficar sabendo, para que possa explanar,
explicar a finalidade. Nós temos discutido mais com os agentes mesmo (G2).
Sabe como é, a comunidade se retrai, se inibe de ir às reuniões. Nós
convocamos para ir às reuniões, pedimos a participação de todas e vem muito
pouca, um plenário assim de 20, 30 pessoas. Não são participativos, isso é em
todo lugar, não é só aqui (G3).
Pode-se extrair das falas de E4 e E9 a questão da participação diluída em dois
foruns locais, o Conselho Local de Saúde e a ASUMEF. Esta última é uma associação
dos usuários da unidade de medicina de família, que, pelos depoimentos, depreende-se
que apresenta objetivos relacionados à integração da comunidade entre si e com os
trabalhadores, e incentiva a ajuda mútua, sem propósitos de controle social e
participação no acompanhamento dos processos de trabalho desenvolvidos pela equipe
de saúde. Os entrevistados ressaltaram a realização de festas de aniversário e eventos
para angariarem fundos objetivando adquirir recursos para membros mais carentes da
comunidade.
Visualiza-se o sentido de participação desse tipo de associação, em uma das
194
dimensões relatadas por Crevelim (2005), como sendo a participação assistencialista.
O autor refere que essa modalidade de participação pouco pode contribuir para a
emancipação e a autonomia dos sujeitos envolvidos no processo, mas revela-se, ao
mesmo tempo, necessária e complementar em áreas de maior exclusão social. Talvez
essa associação servisse como uma forma de unir as pessoas em torno de objetivos
comuns e como um canal que pudesse ser utilizado para alcançar a comunidade.
Pela exposição dos sujeitos entrevistados, infere-se que, a partir do momento
em que a associação afastou-se da unidade de saúde, alguns membros da comunidade
acompanharam esse distanciamento e o Conselho de Saúde ficou relativamente
“mutilado”. Talvez os representantes da comunidade neste conselho tenham se sentido
desmotivados, sem colaboradores e, por isso, suas funções tenham passado
despercebidas. Ou, quem sabe, as suas ações também não apresentam uma lógica de
controle social e estariam sendo realizadas no mesmo sentido da associação? Um dos
gestores do CLS refere- se à função principal nesse fórum:
Nós vamos à reunião do conselho gestor também, mas nós queremos mais é
reivindicar, nossa pressão mais é em reivindicar (G2).
Quer parecer que, mesmo os representantes do CLS, cidadãos que ocupam esse
espaço há vários anos, apresentam um comportamento não correspondente com o que
se espera de um conselho comunitário, ou seja, avaliar as ações de saúde que estão
sendo realizadas e opinar quanto às questões nesse nível, não se atendo unicamente aos
aspectos assistenciais, mas também de prioridades a serem assumidas pela gestão da
unidade. Nas reuniões em que se teve oportunidade de participar durante a realização
da pesquisa, por exemplo, o assunto girou sempre em torno da necessidade de
ampliarem a área física da unidade de saúde. Essa é uma necessidade real, devido ao
tamanho da população adstrita, porém, enquanto esse tema não for resolvido, nada
mais é discutido?
Outra questão que faz refletir acerca do papel que o CLS vem desempenhando
refere-se ao completo desconhecimento do funcionamento do serviço de atenção
domiciliária. Foi possível perceber, pelos contatos feitos com os membros do
195
conselho, que lhes faltam condições de dissertarem a respeito desse serviço. Pode ser
percebido, pelas falas e depoimentos, que eles não têm nenhuma noção do processo de
trabalho realizado. Atuam somente com base em queixas, não tendo a iniciativa de
conhecerem o trabalho e avaliarem o que vem sendo realizado.
Parece que não há assimilação do conceito de participação como:
“democratização do conhecimento do processo saúde/doença e dos serviços,
estimulando a organização da comunidade para o efetivo controle social na gestão do
sistema” (SUS, 2004, p.196).
A queixa da pouca participação da comunidade encontra eco no estudo
desenvolvido por Oliveira e Gusmão (2004), em Vitória da Conquista - Bahia, onde os
autores também encontraram queixas dos membros dos conselhos em relação à pouca
participação da comunidade nas reuniões.
Essa falta de participação, e até de conhecimento acerca do trabalho
desenvolvido pelos conselhos de saúde, pode ser percebido na análise dos depoimentos
dos usuários/famílias. Eles relatam não apresentar nenhuma participação na unidade de
saúde e no conselho local:
Não, eu nunca fui chamada, nunca participei da nada (F2).
Não, por enquanto a gente não está participando, eu já tive convites, mas por
falta de tempo mesmo, eu nunca participei de nada (F3).
Não sei do que se trata. Não tenho participação nenhuma no trabalho (F4).
Não participo de nada. Eu sei que existe um grupo de cuidadores, mas eu não
participo, até para não deixar ela sozinha (F5).
Já ouvi falar, mas nunca entrei em maiores detalhes. Eu só vim uma vez numa
reunião dessas (F6).
Esse tipo de comportamento não é de estranhar. Se os próprios membros do
conselho não têm ciência exata do seu papel, muito menos a terá o restante da
população que, a princípio, não possui o preparo para exercer a função como se espera
que esses representantes tenham. É importante, nesse momento, ser considerado que a
participação é uma decorrência de uma sociedade que tem como princípio a cidadania,
196
sendo essa uma construção que ocorre socialmente e vinculada a valores sociais,
antropológicos e, sobretudo, morais.
Deve-se ressaltar que há uma falta de tradição do nosso povo em movimentos
sociais e no exercício da cidadania (TEIXEIRA, 2004).
No estudo de Noronha, Lima e Machado (2004), há a referência a uma
produção de Labra (2002) sobre a temática de conselhos de saúde, onde são destacados
vários problemas relacionados à dinâmica do seu funcionamento, entre os quais:
a) a baixa adesão popular aos conselhos, devido a desconhecimento,
desinteresse das associações comunitárias e falta de maturidade para uma
participação ativa; b) a utilização dos conselhos como espaços para
reivindicações específicas ou denúncias e a ausência de discussões
substantivas; c) a falta de apoio político, ou mesmo o boicote por parte das
autoridades e a interferência do gestor no sentido de neutralizar as discussões,
tornando-as meramente informativas e alheias aos interesses da comunidade;
d) a atuação nociva ou desrespeitosa do gestor, na qualidade de presidente do
conselho; e) as dificuldades para a manutenção da paridade frente à
representação de grupos específicos e dos prestadores privados e f) as
dificuldades de relacionamento existentes entre os representantes dos usuários
e a associação que os escolheu (LABRA Apud NORONHA, LIMA,
MACHADO, 2004, p.74).
Uma outra concepção acerca da participação está posta na relação de ajuda
mútua e solidariedade entre os diversos membros da comunidade:
Se tu pedir ajuda, eles ajudam. Por exemplo, aquela velhinha está sozinha lá.
As pessoas mais próximas vão lá visitar, conversam (E2).
Eu consigo ver participação social só em relação aos vizinhos, uma vizinha
cuidar da outra vizinha. De resto, da comunidade em geral, não tem (RM2).
Acho que zero, muito fraca. A participação social é muito fraca. Não sei se é
gente que estimula pouco ou se realmente não existe uma iniciativa. Por
exemplo, a gente poderia ter um banco de cuidadores, de pessoas que estão
disponíveis para ser cuidadores, por exemplo, isso a gente não tem. Falta de
participação social não é um problema só da assistência domiciliar, tu já
deve ter visto (M1).
Tem, no geral tem. Principalmente assim, vizinhos, eles meio que se unem até
para tentar ajudar, de vim dar notícias, de vim solicitar que tu vás (M2).
Eu percebo de uma maneira muito assim, vamos supor, eu vou lá atender uma
velhinha no apartamento tal essa pessoa tem muito pouco recurso em casa, eu
praticamente não estou tendo com quem me aliar, e o que eu percebo, os
vizinhos, eles abrem a porta para ti, eles te dão informação da pessoa, eles te
ligam dizendo que está isso e isso acontecendo. O momento da história da
197
participação social e daí não acho só na questão da internação domiciliar,
porque isso é uma parte do nosso trabalho, mas o que eu vejo é assim, há
muito pouca participação dos técnicos em atividades, ou em coisas com a
comunidade. Se faz muito pouco isso, apesar de ser um serviço que uma parte
nossa é a parte comunitária, o serviço com a comunidade. No meu
entendimento, no meu ver, a equipe de saúde participa muito pouco(M3).
A gente consegue muitas coisas com os vizinhos, muitos vizinhos abraçam
aquele paciente que está ali (E8).
No sentido exposto nos depoimentos, os trabalhadores dão uma conotação de
solidariedade ao princípio da participação. Talvez porque todas as questões
investigadas deviam ser respondidas em relação à atenção domiciliária, o que poderia
ter trazido alguma dificuldade de inserir dentro desse serviço o conceito de
participação social. Parece que os participantes se limitavam a refletir na participação
da comunidade no trabalho desenvolvido na atenção domiciliária e, diante disso, não
conseguiam estabelecer a relação com o conceito como um princípio do SUS.
A participação da comunidade no trabalho é um elemento importante que está
contido no conceito do SUS, porém visto na forma de colaboração com o serviço,
opinando, avaliando o serviço e acompanhando seu desenvolvimento.
Observa-se que, no espaço não institucionalizado da participação da população
no interior da equipe, ou seja, na relação direta e cotidiana do usuário e serviço
e do usuário e trabalhador, o usuário está ausente do planejamento e da tomada
de decisão. Ou seja, no plano assistencial e da construção do projeto
assistencial comum, o trabalho em equipe está “para dentro” da equipe. Nesse
sentido, reproduz-se o modelo de “pensar por”, “planejar por”, “decidir por”,
ao invés de “pensar com”, “planejar com”, “decidir com” o usuário e a
população (CREVELIM, 2005, p.330).
O maior desafio das equipes está justamente na construção de possibilidades
efetivas de um processo de trabalho em que o usuário seja partícipe, integrando-se a
um projeto assistencial comum com a equipe de saúde. Nesse sentido percebe-se um
movimento nessa direção pela equipe de saúde da unidade pesquisada, que ainda não
tinha acontecido até o momento da coleta de dados, mas que estava sendo planejado.
198
Os trabalhadores estavam reunindo-se com o objetivo de elaborar o planejamento
anual, no qual iriam constar ações de mobilização dos próprios trabalhadores e da
comunidade para maior participação conjunta, inclusive com a presença de familiares
nas reuniões da atenção domiciliária. Esta é uma forma de dar visibilidade ao trabalho
realizado e contar com a colaboração dos usuários no serviço.
Um dos trabalhadores manifestou que há dificuldade dos trabalhadores em
desenvolver trabalhos integrados com a comunidade:
Deixa bastante a desejar. A gente tem uma dificuldade muito grande de
trabalhar com conselho gestor (...) eu acho que tu podes colocar isso como
uma falha grave porque como que tu vai trabalhar saúde da população sem
saber trabalhar com a população? Mas eu acho que é difícil. Essa equipe é
uma equipe que tem muita dificuldade de trabalhar com a população (E6).
Apesar da importância de realizar trabalhos envolvendo a comunidade e de
trazer a população para dentro das unidades de saúde, como forma de garantir que ela
tenha acesso às informações em saúde e que compartilhe o processo de trabalho com a
equipe, como principal interessada, responsabilizando-se pela concretização da
assistência esperada, essa não é uma tarefa fácil. Primeiro, pela própria questão do
espaço de tempo que precisa ser destinado a esse tipo de atividades e que, no caso da
unidade em estudo, encontra-se bastante comprometido. Em segundo lugar, pela
necessidade de adaptação dos trabalhadores às situações em que o processo de trabalho
já não estará mais sendo discutido dentro dos limites da equipe. Isso exige capacidade
de aceitação de críticas, opiniões contrárias e acima de tudo tolerância, pois, muitas
vezes, as questões discutidas precisarão ser explicadas detalhadamente aos usuários,
que não apresentam o mesmo entendimento dos trabalhadores. Teixeira (2004) destaca
a dificuldade que algumas equipes têm de reconhecer na comunidade uma parceira no
trabalho para a viabilização da saúde.
Uma vertente explicativa para o pouco desenvolvimento de uma participação
conjunta entre comunidade e trabalhadores pode ser pensada no sentido do modelo
assistencial realizado. Em estudo desenvolvido sobre o Programa de Saúde da Família,
Oliveira e Gusmão (2004) referem que:
199
A visita domiciliar passa a ser exercida quase exclusivamente no atendimento
em casos de doença. Esses aspectos comprometem a relação da equipe com a
comunidade, tendo como conseqüência a baixa participação popular no CLS e
nos grupos de educação. A baixa participação popular, por sua vez,
compromete o próprio PSF, a construção social da saúde, a reversão do
modelo hegemônico e as dimensões da sustentabilidade (OLIVEIRA;
GUSMÃO, 2004, p. 95).
Apesar da unidade de estudo não ser uma unidade de PSF, os dois tipos de
unidades têm objetivos semelhantes, uma vez que a estratégia pensada pelo governo
teve como parâmetro, para sua implantação, o processo de trabalho desenvolvido nas
unidades do Serviço de Saúde Comunitária do GHC (LENZ, 1999; LOPES, 2005). E,
como já discutido em momentos anteriores, na unidade estudada tem sido realizada a
atenção voltada para os processos de adoecimento.
É importante ressaltar que o processo de redemocratização no Brasil é recente, e
a população ainda encontra-se presa às raízes da não participação, pois são fruto de um
período histórico em que esse direito foi negado com fortes mecanismos de controle
sobre as liberdades/responsabilidades individuais e coletivas. Portanto, ainda é preciso
construir a cultura da participação da comunidade.
No estudo desenvolvido por Crevelim (2005), o autor refere-se à necessidade de
capacitação da comunidade para a participação, o que pode ser efetuado por meio de
cursos e repasse de informações visando ao envolvimento de um maior número de
pessoas.
E não só a comunidade em geral, mas os próprios membros dos conselhos de
saúde, uma vez que nem estes apresentam participação efetiva, apesar de que o
Ministério da Saúde já tenha feito um grande movimento em prol da capacitação
desses representantes da comunidade. O Ministério da Saúde até o ano de 2004 tinha
qualificado:
31 mil conselheiros de saúde em todo o Brasil. Os recursos para fortalecer o
controle social no Sistema Único de Saúde (SUS), superiores a R$ 4 milhões,
vieram do Programa de Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde
(Reforsus). A meta do projeto era clara: fornecer aos conselheiros de saúde
informações para o desenvolvimento de habilidades e competências para o
exercício de suas funções. Com isso, o ministério reforçou a ação dos
conselhos de Saúde, que são elementos fundamentais na implementação do
SUS. Em 2003, quando o SUS completou 15 anos, o Ministério da Saúde
promoveu amplo debate social para fazer um balanço do sistema e apontar
novos rumos para o futuro da saúde pública no Brasil. Em dezembro do
mesmo ano, a gestão participativa e o controle social da saúde estiveram entre
200
os temas discutidos durante a 12ª Conferência Nacional de Saúde, realizada
em Brasília (BRASIL, 2004d, p.20).
Os cidadãos que representam a comunidade no Conselho Local de Saúde da
unidade em estudo já estão ocupando essa posição há mais de dez anos. Isso serve para
demonstrar que a educação é um processo permanente e que não pode deixar de ser
realizada e retomada sempre.
Alguns trabalhadores refletem acerca do aspecto de pouca participação da
comunidade, como sendo acomodação, por não se sentirem comprometidos e nem
atingidos individualmente em função das problemáticas da saúde e da unidade.
Não temos uma participação ainda efetiva. Acho que isso é uma meta.(...) Eu
não sei se as pessoas ainda se sentem querendo usufruir do serviço e não dar
(G5).
Acho que assim como em outras coisas, não tem muito envolvimento da
comunidade, acho que nisso também não. Acho que as pessoas parecem que
só vão se envolver quando, como a gente é no dia-a-dia, quanto a gente perde
um negócio. Aí todo mundo vai vir porque não tem mais. É difícil as pessoas
terem essa consciência (RP).
Eu vejo como uma coisa com limitações próprias de uma população de classe
média baixa, que para algumas coisas acha que não precisa muito, não
acostumada a ter este, vamos dizer, esta dimensão comunitária, não tem
coisas em comum, nem de origem, enfim, então, as pessoas ainda não estão
acostumados a isso. O que a gente vê é que na medida em que elas começam a
ter alguma participação, seja no atendimento, seja como o conselho gestor,
elas começam a ter um outro entendimento, isso facilita (M5).
O último depoimento demonstra a importância que a participação apresenta,
apesar de saber que ainda é incipiente. Quer parecer que a comunidade não participa
por ainda não ter sentido a necessidade disto. Não se pode deixar de considerar essa
relação da necessidade na vida dos seres humanos. Marx e Engels (1978) já referiam
que os seres humanos precisam estar em condições de viver para fazer história. Nesse
processo de busca pela sobrevivência, buscam as formas de satisfazer suas
necessidades e, a partir do momento que as satisfazem, são conduzidos a novas
201
necessidades. Talvez não tenha chegado o momento ainda de a participação social ser
considerada uma necessidade para essa população.
Pode-se considerar que os trabalhadores e gestores têm um papel a cumprir
junto à população que assistem, no rumo de que esses cidadãos tenham a compreensão
de que a participação deve ser visualizada como uma necessidade, pelo menos
mediata, senão imediata. É primordial que a população se aperceba de que pode
interferir na gestão da saúde, colocando as ações e os serviços na direção dos
interesses da comunidade, em uma relação entre Estado e sociedade “na qual o
conhecimento da realidade de saúde das comunidades é o fator determinante na
tomada de decisão por parte do gestor” (SUS, 2004, p.121).
5.2.3 Percepção da saúde como um direito do cidadão
A primeira premissa de toda a existência humana e, portanto, de toda a história,
é a dos seres humanos estarem em condições de viver para poderem “fazer história”.
A vida, contudo, implica antes de mais nada comer e beber, uma habitação,
vestuário e muitas outras coisas. O primeiro ato histórico, pois, é a produção
dos meios de atender a essas necessidades, à produção da própria vida
material. E esse é, deveras, um ato histórico, uma condição fundamental de
toda a história, que hoje, como há milhares de anos, tem de ser executado
todos os dias e todas as horas simplesmente a fim de sustentar a vida humana
(FROMM, 1983, p.173).
Nesse processo de construção e permanência do ser humano histórico no
mundo, a saúde é um aspecto fundamental que lhe dá condições de ser e viver e que,
como já foi discutido em momento anterior, é uma conjugação de diversos fatores
como habitação, alimentação, lazer, trabalho, entre outros. O direito de todo e qualquer
cidadão às formas de alcançar essas condições encontra-se legitimado na Constituição
da República do Brasil de 1988.
Entre os direitos universais dos seres humanos está o direito à saúde, que
significa que:
Cada um e todos os brasileiros devem construir e usufruir de políticas públicas
– econômicas e sociais – que reduzam riscos e agravos à saúde. Esse direito
202
significa, igualmente, o acesso universal (para todos) e equânime (com justa
igualdade) a serviços e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde
(atendimento integral) (SUS, 2004, p. 71).
O direito à saúde e os direitos sociais, segundo Soares e Lunardi (2002),
começaram a ser reconhecidos universalmente a partir da Segunda Guerra Mundial,
com o surgimento de vários movimentos e códigos em defesa dos direitos humanos e
de códigos questionando o poder do Estado, em relação aos seus cidadãos,
destacadamente, a luta pelos direitos à saúde.
O direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida,
e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e
recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território
nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.
Todo o cidadão brasileiro tem esse direito.
Como resultado do processo de descentralização e de aperfeiçoamento de
gerência, o SUS conseguiu aumentar sua consistência, ampliando o acesso da
população aos serviços de saúde. “A estratégia básica foi levar a saúde às populações e
deixar de esperar que os doentes procurem os hospitais. A palavra que pode resumir os
resultados da década é "inclusão"” (BRASIL, 2002, p.29).
A saúde, como direito dos cidadãos, deve ter serviços e ações providos de
forma descentralizada e submetidos ao controle social. Dessa forma, a proposta do
SUS encontra-se como a melhor doutrina da construção da cidadania. O Sistema
Único de Saúde (SUS) representa, com todas as suas dificuldades, a maior
reorganização institucional da história brasileira. Em nenhuma outra época houve,
dentro de um setor da vida pública, um movimento tão abrangente de descentralização
das decisões, uma forma tão democrática de controle social e uma garantia tão ampla
de direitos aos cidadãos brasileiros.
A cidadania pressupõe igualdade de direitos, implica uma relação recíproca de
respeito aos direitos e deveres entre os cidadãos e o Estado, visando à
materialização dos desejos do sujeito, através de discussões sócio-políticas; a
participação dos envolvidos nesse espaço pode significar a redistribuição dos
direitos a todos (...) (SOARES; LUNARDI, 2002, p. 65).
203
Na prática social, o exercício de cidadania tem sido realizado por meio da
instituição dos Conselhos de Saúde, em que a sociedade vive a relação
Estado/População e constrói seu conceito de direito à saúde. O SUS tem estimulado o
controle social dos serviços de saúde mediante a criação e o desenvolvimento de
Conselhos Estaduais, Municipais, Distritais e Locais de Saúde.
Dessa forma, têm surgido, em inúmeros municípios brasileiros, esses
conselhos que, de modo mais ou menos consciente, começam a controlar o
sistema de saúde. Há quem estime que, hoje, há mais conselheiros municipais
de saúde que vereadores em nosso país. Ainda que, em muitos lugares, esses
conselhos sejam motivo de distorções partidárias, clientelistas ou corporativas,
o resultado global é positivo e aponta para um movimento democratizador na
saúde, sem precedentes em nenhum outro espaço social da vida nacional
(MENDES, 1999, p.55).
Esse tema de controle social já foi discutido na temática anterior, porém, como
é uma forma de os cidadãos estarem exercendo essa sua condição de cidadania, é que
foi novamente abordado neste momento.
Outra questão importante em relação às formas de garantia desse direito está
posta na Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 – o Código de Defesa do Consumidor –
que inclui, entre outros, o direito à proteção da vida e da saúde, a escolha de produtos e
serviços, o direito à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais e coletivos, a informação correta, a facilidade de defesa de seus direitos e a
qualidade dos serviços públicos. De acordo com o art. 22 do Código de Defesa do
Consumidor, os órgãos públicos, por si ou suas empresas, estão obrigados ao
fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros e, também, de serviços
essenciais e contínuos (BRASIL, 1990).
Assim como já comentado em momento anterior a respeito da pouca
participação comunitária nos serviços de saúde, chama a atenção a questão de como as
pessoas não têm conhecimento acerca dos serviços em si e o quanto são
desinformadas. A postura que se observa durante o desenvolvimento do processo de
trabalho na atenção domiciliária é a de passividade, de espera pela conduta dos
trabalhadores. E, ao serem questionados sobre se todos os membros da comunidade
têm o direito à saúde que está assegurado Constitucionalmente, a resposta é vaga,
204
apresentando-se no sentido de “acho que sim”. Parece que a população sabe somente
de si, o que vem a conotar uma relação de descaso com as questões da saúde em geral,
já que somente passam a participar do processo no momento em que sentem a
particular necessidade em seu ambiente familiar.
Na verdade, os próprios familiares salientam a desinformação dos membros da
comunidade:
Eu acho que sim, e se tu fores procurar, tu achas várias coisas que as pessoas
têm direito e não sabem (F5).
Muita gente é desinformada, eu acredito (F3).
Fui eu que o levei lá. Ela estava ali com aquela pessoa doente, sem condições
de caminhar direito, e eu disse: vai lá à medicina de família, é a coisa mais
boa aquilo ali, ou eles vêm aqui, te atendem, fazem exames, tira sangue, faz
tudo(F7).
O próprio serviço de atenção domiciliária é um trabalho que, de acordo com o
último dos depoimentos acima, não é de conhecimento de muitas pessoas da
comunidade. Porém, ao mesmo tempo em que parece não estar havendo uma
divulgação do serviço - o que seria uma obrigação legal - se esta for realizada pode ser
que não haja condições de atendimento de todas as solicitações de assistência que
possam vir a ser feitas. Isto porque já foi evidenciado que a demanda à unidade de
saúde é extremamente alta, e que o quantitativo de trabalhadores não corresponde à
realidade da necessidade da população. Um dos trabalhadores, inclusive, salientou
bem esse aspecto:
A gente vai vendo, enquanto a gente tiver perna, a gente vai fazer, mas isso
não é uma coisa que seja difundida, propagada, porque imagina que para o
tamanho da nossa população, se a gente tivesse que atender todo mundo em
casa, pelo menos as pessoas que precisam, inviabilizaria o atendimento
dentro da unidade (M5).
Então, contraditoriamente à necessidade de divulgação dos serviços como
garantia de cidadania, existe a necessidade da não divulgação para garantir a
205
realização do processo de trabalho considerado mais necessário e/ou prioritário.
Mesmo entendendo a importância da atenção domiciliária como significado de acesso
àqueles seres humanos mais dependentes de cuidado, atualmente, os trabalhadores não
têm condições humanas de desenvolvimento desse tipo de processo de trabalho a
todos. E, por isso, salientam sempre, a importância dos critérios estabelecidos para
inserção de novos pacientes no programa. Para que, pelo menos estejam seguindo o
princípio da eqüidade, dando mais atenção aos mais necessitados desta.
E justamente, um dos maiores objetivos do atendimento domiciliário, de acordo
com Diogo, Paschoal e Cintra (2000), é o de garantir que os indivíduos muito
dependentes consigam ter acesso ao sistema de saúde, como qualquer outro cidadão.
Assim, indivíduos que não conseguem chegar às unidades de saúde, devido ao seu alto
grau de dependência, conseguem que a eles seja dispensada a atenção necessária,
acabando, então, com a “iniqüidade da exclusão” (DIOGO, PASCHOAL, CINTRA,
2000, p. 147).
Pode-se visualizar, no conjunto dos dados, tanto extraídos das entrevistas
quanto da observação do processo de trabalho desenvolvido na atenção domiciliária, a
preocupação dos trabalhadores com o acesso desses usuários comprometidos em sua
condição física, o que traz um significado implícito de entendimento do direito de
todos de conseguirem ter o acesso aos serviços de saúde.
A vantagem existe assim, um paciente precisa de exames de laboratório, o
pessoal da enfermagem vai até a casa, colhe os exames, depois entrega para o
médico dele, e ele não precisa nem sair de casa. Então, essa é uma vantagem,
paciente às vezes de 80-90 anos, mora dois velhinhos, se viram dentro de
casa. Um paciente hipertenso tem aquela dificuldade, ou está com
osteoporose, está com alguma dificuldade de descer, anda com andador ou
anda com bengala, não consegue descer. Daí, o médico diz assim: uma vez
por mês o auxiliar ou técnico deve ir lá verificar a pressão, se está bem ou
não. Ele praticamente não está integrado ao programa dos acamados e sim
um atendimento mensal ou de dois em dois meses, de ver só a pressão, e aí a
gente evolui no prontuário e dá para o médico responsável (E4).
Em relação ao contraponto realçado acerca da informação, reflete-se, também,
sobre a relevância de que seja cada vez mais estimulada a participação da comunidade
nas questões de saúde, fazendo com que se sintam envolvidos e compromissados com
206
esta. Argumenta-se essa assertiva baseado no fato de que, ao tempo que estiver
havendo conhecimento acerca dos serviços, estará se tendo, também, entendimento das
problemáticas evidenciadas no cotidiano, o que pode auxiliar na luta da comunidade,
junto com os trabalhadores, por melhores condições de desenvolvimento do trabalho.
A saúde é um direito de todos, mas, ao mesmo tempo que isso é dito e ouvido
tão facilmente por todos, quais os cidadãos que estão exercendo esse direito? Ter
direitos implica em ter deveres, também. E, no caso da saúde, reflete-se que se tem o
dever de conhecer os serviços, de participar no planejamento e na avaliação das ações,
como forma de garantir que o direito à saúde esteja sendo cumprido. São dois lados da
mesma moeda.
Apesar de existirem representantes da comunidade que estão nos conselhos
locais, municipais e estaduais no intuito de legitimar a participação comunitária nos
serviços de saúde, há necessidade de o restante da população estar presente nas
discussões realizadas em nível micro, nas unidades de saúde e comunidade, para aliar-
se na busca pelo nível de assistência à saúde desejada. Um dos gestores salientou que
têm um papel na luta pelos direitos da população:
Falta de atendimento que eu vejo que tem condição de ser atendido, eu vou
procurar saber por que, e vou ao local saber por quê. Se não tem condições,
nós vamos para a diretoria saber, porque nós temos que ter (G2).
Porém, se a comunidade não compartilhar as suas dúvidas, os seus anseios com
seus representantes, o gestor irá lutar ou reivindicar por aquilo que entende como
necessário, que conhece e percebe através de suas próprias experiências, o que pode
não ir ao encontro das necessidades reais da população.
Qualquer mudança na saúde está permanentemente interagindo na disputa de
valores gerais na sociedade. A finalidade desejada com o desenvolvimento do processo
de trabalho em saúde só pode ser afirmada democraticamente com:
(...) a incorporação do cidadão na definição de projetos, na afirmação do tipo
de sociedade que se deseja, na ação política como materialização das
possibilidades de gestação de projetos de interesse geral (PUCCINI;
CECÍLIO, 2004, p.1350).
207
Como forma de materialização de projetos de interesse em geral, um aspecto
premente que envolve o processo de trabalho é sua avaliação. Como saber se as
necessidades de saúde estão sendo satisfeitas? Como garantir que está se
desenvolvendo o tipo de trabalho necessário para a população adstrita? Através da
avaliação contínua dos serviços prestados, de modo que se possam ter parâmetros para
manutenção ou transformação do trabalho. Entende-se esse aspecto avaliativo dos
serviços como sendo um importante componente de validação dos direitos da clientela,
por ser a forma de assegurar que os níveis de saúde dessa clientela sejam atingidos.
Esse aspecto foi um dos elementos investigados junto aos sujeitos participantes
do estudo, para tentar entender se e como eram desenvolvidos processos de avaliação,
tanto o do trabalho, quanto o dos trabalhadores. Houve unanimidade, por parte dos
usuários, de entender que nunca participaram de nenhum processo avaliativo e que
sequer foram questionados acerca do trabalho que vem sendo desenvolvido pela
equipe de atenção domiciliária. Uma das famílias manifesta-se positivamente em
relação a isso, inferindo que talvez tal processo não se dê por não haver necessidade, já
que para eles parece clara a importância e relevância da realização desse tipo de
prática de trabalho:
É que a gente está sempre tão contente. Mas com esse objetivo de fazer uma
avaliação se estamos satisfeitos, se temos alguma queixa, não. E não temos
queixa mesmo, teria só a enaltecer (F3).
Esse é um aspecto bem visível na observação do desenvolvimento do processo
de trabalho na atenção domiciliária: a satisfação de estarem sendo assistidos em seu
domicílio. Porém, isso não garante a qualidade da assistência, pois os usuários
apresentam um limite de entendimento, que é ditado por aquilo que percebem que é a
sua necessidade. E, já se consideram muito agraciados somente pela existência de tal
serviço ao seu alcance.
Em relação aos trabalhadores, quanto à avaliação do serviço, esta se apresenta
com o sentido enfocado na realização das reuniões semanais para discussão dos casos
de atenção domiciliária:
208
Nós temos reuniões semanais para pacientes da assistência domiciliar. Nas
reuniões se faz avaliação, se vê quando entra alguém novo no programa, se vê
quem tem paciente, quem não tem paciente, quem vai entrar, como é que estão
sendo as visitas, as dificuldades, se precisa de alguma mudança, é feito nessas
reuniões (E1).
Existe um dia, segunda-feira, a equipe se reúne e tem meia hora disponível
para trazer esses casos para quem atendeu ou para quem não atendeu. Por
exemplo, eu atendi e numa outra ocasião, outro atendeu. Aí ele traz, e como
proceder, se o paciente agravou, se não agravou, se está melhor, se deve
continuar no programa dos acamados ou não, se ele já pode ganhar alta,
mesmo tendo ainda a continuidade do serviço, para dois meses ou mais em
casa, e sai do programa. Isso é avaliado, cada paciente é avaliado (E4).
Avaliação rigorosa não tem, a gente tem a reunião de acamados, que eram
feitas todas as segundas, mas que está meio bagunçado, vão ser menos dias,
mas vão ser mais organizados. Quando vai colocar um paciente que não
estava em assistência domiciliar, vai colocar, ele é passado na reunião de
equipe e se traça um plano, o auxiliar de enfermagem vai uma vez por mês, a
enfermeira vai a cada dois meses, o médico também. Eu acho que essa é a
maior avaliação que tem, avaliação quando entra no programa. Depois que
se tem o programa, eu acho que tem menos avaliação (RM2).
A gente tem sempre nas segundas-feiras, tem aquela reunião que a gente tem
notícia dos acamados e que a gente tenta resolver em equipe, faz discussão do
caso. Quando o caso é difícil, envolve problemas da família, dos cuidadores,
de intrigas entre eles, a gente discute na equipe (M2).
O termo avaliação envolve diversas conotações que podem estar relacionadas
ao processo de trabalho em si, à evolução clínica do usuário do serviço, ao produto
alcançado por meio do trabalho, à qualidade da assistência, entre outros. O sentido
apresentado nos depoimentos mostra-se como incluindo apenas as questões diretas de
cada paciente assistido por meio da atenção domiciliária. Há a manifestação da
avaliação na acepção de controle e evolução de casos. Quando RM2 refere que eles
não têm uma “avaliação rigorosa”, percebe-se haver o entendimento da palavra
avaliação apresentando uma nuance muito mais profunda do que acompanhamento de
casos, mas que no momento não vem sendo desenvolvida.
Diversos participantes apresentaram esse entendimento e manifestaram que, no
trabalho realizado na atenção domiciliária, não é desenvolvido um processo avaliativo:
A gente não tem ainda um momento para avaliar como está. Pelo menos até
hoje, eu não sei se existe esse método avaliativo em relação aos pacientes
acamados, aos pacientes em internação domiciliar, e dos profissionais eu
desconheço (E5).
209
Tem quando, por exemplo, o paciente veio aqui e pediu por que mudou o
médico, ninguém mais está indo, e aí acaba tendo que ter uma avaliação. Não
tem uma coisa sistematizada, nem para ver se está sendo resolutiva. Nem dos
trabalhadores (RM2).
Não tem assim um instrumento para avaliar especificamente. Tem uma ficha
que a gente já mudou vinte vezes, e que nunca conseguiu tirar nem um dado.
Tem lá quantas visitas, quem faz as visitas, tempo médio das visitas, quantas
vezes cada profissional vai. Seria uma maneira de fazer uma avaliação dos
profissionais, da equipe e do próprio programa. Para não dizer que nunca
conseguiu, em 1998 a gente conseguiu, tirou os dados lá de um ano, onde se
pode ver, antes da gente fazer a discussão de casos em equipe com
estabelecimento de um plano de ação, como é que funcionava, número de
visitas médias, média de visitas, depois de fazer essa discussão de casos. A
gente viu que teve uma mudança, antes as visitas eram concentradas no
médico e especialmente no médico residente. As enfermeiras faziam poucas
visitas, a enfermagem muito poucas e depois que a gente passou a discutir o
caso e dividir as tarefas e tal, houve um reequilíbrio, as visitas médicas
caíram, as visitas da enfermeira aumentaram, dos auxiliares também e houve
uma diminuição do número de chamados (M6).
Nós estamos sem avaliação. Agora a gente está começando o básico de saber
quantas visitas a gente está fazendo, porque antes nem isso eu podia ver. Por
mais que tivesse boletim, tu puxar um programa lá, nós fizemos ´n`
treinamentos, ´n` coisas, já fizemos manual, nunca dá certo. Na verdade, o
programa avaliado como tem que ser nunca foi. Além de que a gente tem que
fazer manualmente, eu só posso saber se foi feita a visita, quem foi. Posso até
dizer, essa está bem, ou estão indo ver, mas o máximo que eu posso fazer é
como eu fiz hoje, olhar e ver que esse não foi esse mês, para cobrar, mas isso
não é uma avaliação, não sei qual é o vínculo que ele tem lá (E8).
Não existe nenhum indicador, por exemplo, de que a assistência domiciliar
diminui internações, ou de que diminui mortalidade, isso é uma coisa que está
por construir ainda (M1).
Como é possível apreender dos depoimentos, há uma compreensão da
necessidade da existência da avaliação no serviço, porém, um dos entraves técnicos
que se apresenta como impeditivo para a concretização deste processo é a falta de um
programa computadorizado, que auxilie, que facilite o trabalho de armazenamento e
controle dos dados. Um dos gestores já tinha chamado a atenção para essa questão ao
discutir, em momento anterior deste estudo, o resultado, o produto do trabalho
desenvolvido com a atenção domiciliária, afirmando que eles não têm como
quantificar o trabalho realizado, por não existir uma sistematização, não existirem
indicadores epidemiológicos construídos. Tanto esse gestor quanto os trabalhadores
210
que foram citados acima demonstram ter ciência da importância do processo
avaliatório agregado e articulado à dinâmica específica dos processos de trabalho.
“Avaliar e monitorar o desempenho desses serviços é hoje uma importante
necessidade para as proposições que buscam aprimorar a qualidade da atenção”
(SALA, NEMES, COHEN, 1998, p.742).
No entanto, não é fácil para os trabalhadores que se encontram envolvidos com
as problemáticas do cotidiano dos serviços, como a alta demanda da população,
conseguir estabelecer períodos de tempo durante o espaço de trabalho para
estruturarem uma lógica de avaliação. Essa é uma tarefa para os gestores, que devem
se responsabilizar por esse processo, mobilizando os trabalhadores a refletirem e
participarem disso, mas a partir de instrumentos concretos e facilitadores para o
alcance dos objetivos das avaliações que serão realizadas.
Entende-se que a avaliação é um processo que deva ser estruturado e realizado
em nível micro, pelos serviços; mas que deva ser um processo institucionalizado em
nível macro, na organização do serviço como um todo. Ao se investir na
institucionalização da avaliação está-se contribuindo decisivamente com o objetivo de
qualificar a atenção à saúde, promovendo-se a construção de processos estruturados e
sistemáticos, coerentes com os princípios do Sistema Único de Saúde, além do que se
estará auxiliando os serviços na construção de uma cultura avaliativa. Estará se
reforçando junto a gestores, trabalhadores e usuários que sempre há o que melhorar.
Por isso precisamos criar um programa periódico de avaliação. Um dos gestores alerta
para que esse processo, que está iniciando no Serviço de Saúde Comunitária, vá então,
facilitar o engajamento das unidades de saúde, que terão um guia norteador e poderão
se sentir mais motivados a efetivarem avaliações do processo de trabalho e estarem,
assim, de posse de dados que auxiliem a melhorar a qualidade da assistência:
Não vejo pontos avaliativos. Acho que as pessoas fazem alguns ensaios.
Quando vão discutir um caso de assistência, tu estás avaliando a tua atenção.
Quando tu avalias as ações de vigilância, as mais comuns, tipo vacinação
também está qualificando. Mas aquela avaliação mais fina não tem, porque a
gente não sistematiza direito, a gente não produz tanto conhecimento na
assistência domiciliar. Acho que agora várias coisas vão melhorar, porque
como a instituição está pensando numa política de avaliação, pode ser que
influencie. Tu ter uma política institucional de avaliação e desempenho
profissional, essa que está saindo, não é só uma proposta de avaliação
individual, mas assim como tu é avaliado, tu avalia teu coordenador. Tem
avaliação de equipe e avaliação individual que influencia a avaliação de
211
equipe. Se tu começas a ter esse tipo de avaliação na assistência domiciliar...
(G1).
O SSC do GHC está iniciando a refletir sobre a consolidação da avaliação no
serviço, acompanhando uma política governamental que vem tentando se inserir no
sistema de saúde. Por reconhecer que os processos de avaliação no Brasil ainda são
incipientes, pouco incorporados às práticas e possuindo caráter mais prescritivo,
burocrático e punitivo que subsidiário do planejamento e da gestão, o Ministério da
Saúde (MS), alinhando-se, no plano internacional, ao movimento da
institucionalização da avaliação que vem sendo implantado em diversos países como
Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e França, lançou o documento Avaliação na
Atenção Básica em Saúde (BRASIL, 2005).
O MS apresenta como um dos pressupostos nesse documento:
A avaliação em saúde é um processo crítico-reflexivo sobre práticas e
processos desenvolvidos no âmbito dos serviços de saúde. É um processo
contínuo e sistemático cuja temporalidade é definida em função do âmbito em
que ela se estabelece. A avaliação não é exclusivamente um procedimento de
natureza técnica, embora essa dimensão esteja presente, devendo ser entendida
como processo de negociação entre atores sociais. Deve constituir-se,
portanto, em um processo de negociação e pactuação entre sujeitos que
partilham co-responsabilidades (BRASIL, 2005, p.18).
Quando há esse tipo de determinação em nível das superestruturas, a avaliação
fica mais facilitada, o que não significa que seja fácil, sua realização nos espaços
microestruturais. Porque é no nível macro que são elaboradas as políticas, as diretrizes
norteadoras do trabalho, e no nível micro é que elas são desenvolvidas de forma
adaptada às suas próprias necessidades e realidade. Facilita porque funcionam como
exemplo e como guia das ações. De qualquer forma, sabe-se que a sistematização da
avaliação no cotidiano dos serviços é complicada, em virtude da organização do
trabalho atual, com os trabalhadores sentindo-se sobrecarregados por uma demanda
que extrapola os limites de seu trabalho.
Anteriormente à proposta de avaliação da atenção básica pelo MS, o SSC fez
212
alguns ensaios nessa direção. Em 2001 houve a implantação de dois indicadores de
avaliação sistemática da qualidade e dos resultados das ações do Serviço de Saúde
Comunitária do GHC. Os dois indicadores implantados, a Cobertura Vacinal Para o
Esquema Básico no Primeiro Ano de Vida e o Índice de Kessner são acompanhados
mensalmente pela coordenação, e o sistema de informações permite que a qualquer
momento a equipe de saúde verifique seus resultados, inclusive de forma gráfica, no
computador de sua Unidade (O BIS, 1998).
E com a continuidade dessa preocupação demonstrada, percebe-se o
direcionamento de uma ação para a questão dos direitos dos usuários que, como
cidadãos, têm que poder visualizar como o processo de atenção à sua saúde está se
desenvolvendo. A institucionalização da avaliação possibilita que se preste contas à
sociedade das opções dos gestores a partir da análise de seus processos e resultados.
Conhecer e participar desse processo é um direito de todo e qualquer cidadão, mesmo
que ele não o exercite e aja como se nem soubesse da existência do mesmo, como
parece ser o caso dos usuários da unidade estudada.
Avaliar o desenvolvimento dos serviços de saúde não é somente necessário,
mas imprescindível para o alcance da qualidade da assistência desejada. A
avaliação,
deve subsidiar a identificação de problemas e a reorientação de ações e
serviços desenvolvidos, avaliar a incorporação de novas práticas sanitárias na
rotina dos profissionais e mensurar o impacto das ações implementadas pelos
serviços e programas sobre o estado de saúde da população (BRASIL, 2005,
p.7).
Trata-se de saber em que medida os serviços são adequados para atingir os
resultados esperados. A apreciação do processo de trabalho desenvolvido na atenção
domiciliária fornece condições de se chegar ao conhecimento acerca da forma como se
está oferecendo esse serviço de saúde à população e ter subsídios para sua
transformação, se necessário for. Segundo Camargo Junior et al (2006), realizando
uma apreciação da dimensão técnica dos serviços de saúde, é possível focalizar a
adequação destes às necessidades dos clientes e a qualidade dos serviços.
Nesse sentido, os autores ressaltam que, para alcançar a efetiva consecução dos
213
objetivos do SUS em sua plenitude, há a dependência da incorporação dos processos
de avaliação à sua dinâmica de funcionamento. “Só com a reflexão embasada e
cuidadosa sobre o que se faz e como se faz é possível de fato alcançar cobertura,
resolutividade e acesso, e, mais importante, com efetivo controle social” (CAMARGO
JUNIOR et al, 2006, p.240).
Os gestores do sistema de saúde e dos serviços de saúde em particular
demonstram sua responsabilidade com os serviços no momento em que se preocupam
com sua avaliação sistemática. Essa preocupação faz transparecer o interesse pela
qualidade desses serviços e pela qualidade da atenção dispensada neles, já que a
qualidade da atenção à saúde significa que
as necessidades de saúde, existentes ou potenciais, estão sendo atendidas de
forma otimizada pelos serviços de saúde, dado o conhecimento atual a respeito
da distribuição, reconhecimento, diagnóstico e manejo dos problemas e
preocupações referentes à saúde (STARFIELD, 2002, p. 419).
Para atingir a qualidade desejada, é preciso elaborar critérios de avaliação que
funcionem como indicadores dessa qualidade. No sentido de normatizar os processos
avaliativos nos serviços de atenção domiciliária, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), do MS, estabeleceu indicadores que devem ser levados em conta
para sua concretização como: taxa de mortalidade para a modalidade internação
domiciliar; taxa de internação após atenção domiciliar; taxa de infecção para a
modalidade internação domiciliar
; taxa de alta da modalidade assistência domiciliar; e
taxa de alta da modalidade internação domiciliar (RESOLUÇÃO..., 2006
).
É preciso que os gestores expressem concretamente a preocupação com essas
questões, na forma de protocolos, programas de avaliação, instrumentos
epidemiológicos e metodológicos que facilitem a realização desse processo pelos
trabalhadores. A gestão do SSC iniciou uma mobilização nesse sentido, esperando
regulamentar um pouco o processo de avaliação da atenção à saúde desenvolvida nos
serviços sob sua jurisdição, mas ainda não conseguiu desenvolvê-la no serviço de
atenção domiciliária. Espera-se que, a partir do momento em que a avaliação for uma
prática sistematizada e regulada institucionalmente, haja coesão das unidades de saúde
214
no seu desenvolvimento.
A questão de avaliar o processo de trabalho realizado demonstra preocupação e
responsabilidade com a garantia dos direitos dos cidadãos usuários do sistema de
saúde. Garantir o direito à saúde não é só garantir acesso aos serviços, mas, também,
garantir que a qualidade da atenção dispensada no interior desses serviços seja a
melhor possível e a mais adequada às necessidades da população. Na unidade de saúde
estudada, não há uma preocupação latente com essa questão, tanto que não existem
processos avaliativos. Porém, existe preocupação quanto à resolução de quaisquer
problemáticas que tenham sido evidenciadas no decorrer da assistência, ou que sejam
trazidas pelos usuários. Segundo os participantes da pesquisa, há sempre uma tentativa
de solução para os problemas elencados:
Quando nós recebemos a reclamação da própria pessoa. Nós colocamos uma
caixinha de sugestões lá na frente, eu tenho a chave para abrir ela, para ler e
depois levar para a chefia (G2).
Traz na grande equipe que alguma coisa não está funcionando bem, essa
avaliação é feita (E4).
Essa avaliação é feita por nós, os gestores. Nós vemos onde a coisa está
desenvolvendo, onde está deficiente. E a gente faz uma avaliação do serviço e
leva ao conhecimento da diretoria (G3).
Isso é trazido para nós de volta em forma de se queixar do doutor ou se
queixar que a enfermeira não foi ou se queixar que estão tentando fazer ficar
em casa uma pessoa que não pode ficar em casa (M3).
Há uma mobilização em face de queixas, de problemas manifestados, mas não
se pode dizer que haja um olhar direcionado para a organização do trabalho, no sentido
de ver e perceber a forma como vem sendo desenvolvido e analisar se essa forma
contempla as necessidades da clientela. E isso dá- se tanto em relação à avaliação do
processo de trabalho em si quanto dos trabalhadores individualmente, que não se
sentem avaliados:
Ainda não ocorre, ainda não existe uma avaliação dos trabalhadores (E3).
Eu acho que não tem essa sistemática assim, acaba não havendo isso (M1).
É passado aqui na equipe, por exemplo, foi cobrado que estava meio
215
desleixado, meio de lado, ninguém sabia de ninguém, quem era paciente de
quem, o que o fulano tinha, o que o cicrano tinha. Mas ninguém te avalia,
nunca ouvi ninguém dizer: olha, tu estás desenvolvendo muito bem. Ate hoje
ninguém veio fazer isso, ninguém me avaliou (E7).
Já as enfermeiras tomam para si a responsabilidade de desenvolvimento da
avaliação da atenção domiciliária no sentido da continuidade na rotina de realização do
serviço. Na apreensão do conteúdo expresso nas falas e no transcorrer do processo de
trabalho, realmente há um acordo tácito de que a enfermeira é a figura responsável
pela manutenção e pelo controle dessa prática.
Quem faz isso, na realidade, somos nós, as enfermeiras. Por isso que
enfermeira é chata mesmo. Todos os auxiliares de enfermagem têm que visitar
uma ou duas vezes por mês. Tinha um auxiliar de enfermagem que não estava
preenchendo aquela ficha de avaliação (check-in-list) (E6).
E há um controle, até quem controla isso sou eu, a quantidade de visitas, se as
pessoas estão sendo visitadas mesmo, com que freqüência elas estão sendo
visitadas. E eu faço esse controle, de cobrar as pessoas que não visitaram e
também de repassar ao profissional de referência dessas pessoas na unidade
quando é solicitada alguma visita. Mensalmente eu falo para cada pessoa se
tem algum problema (RE1).
As enfermeiras têm o controle dos pacientes em acompanhamento e há quanto
tempo aqueles pacientes não são vistos (M1).
Pode-se perceber que, mesmo despontando um elemento como responsável pelo
serviço, não há um significado de avaliação na real acepção da palavra, ou seja, no
sentido de realizar um trabalho de identificação de problemas e reorientação de ações
desenvolvidas, avaliando as práticas e mensurando o impacto das ações
implementadas pelos serviços e programas sobre o estado de saúde da população.
Na compreensão de Silva e Brandão (2003, p.3), a avaliação oferece aos atores
“a possibilidade de criar espaços de reflexão sobre a prática, desconstruir idéias
vigentes ou construir sensos comuns em relação a conceitos e discursos”. Há essa
conotação em vista de que a avaliação pode apoiar os trabalhadores e gestores a fazer
escolhas mais consistentes em relação aos rumos de suas iniciativas.
Reflete-se acerca dessa questão, chamando mais uma vez a atenção para o
216
aspecto da sobrecarga de trabalho. Os trabalhadores precisam ter espaços de tempo
destinados a pensar e a refletir sobre o trabalho que vêm desenvolvendo, sob a pena de
distanciarem-se da proposta de trabalho do SUS, e acabarem por permanecer na
realização de ações que não contemplam os princípios do sistema de saúde como um
todo. Em qualquer serviço de saúde é importante que existam períodos destinados à
avaliação de como e por que as atividades são desenvolvidas e que resultado está se
conseguindo alcançar por intermédio delas. E no SUS, que pode ser considerado um
sistema de saúde jovem, mais necessários ainda são os processos avaliatórios, como
forma de demonstrar a viabilidade e efetividade do sistema.
Nos serviços de atenção básica/primária à saúde, a avaliação conforma-se como
um elemento de alcance de um dos princípios ordenadores de sua efetivação. Segundo
Starfield (2002, p.538), no princípio da abordagem orientada para a comunidade, a
avaliação é utilizada para “definir e caracterizar a comunidade; identificar os
problemas de saúde da comunidade; modificar programas para abordar estes
problemas; monitorar a efetividade das modificações no programa”.
Por isso, não se pode perder de vista essa necessidade no intuito de otimizar a
saúde da população por meio de ações direcionadas e adequadas às suas características
peculiares. E deve ser uma avaliação realizada por todos os integrantes do sistema de
saúde, gestores, trabalhadores e usuários. Havendo essa totalidade de intenções
integradas com o mesmo propósito, há maior possibilidade de se chegar ao nível de
saúde desejado por todos. Nisso reside a importância da participação do usuário que
passa a enxergar-se como responsável, também, pela garantia de seu direito à saúde.
Teixeira (2004) refere que, além de constituir uma oportunidade de se verificar,
na prática, a resposta da comunidade à oferta do serviço de saúde e de melhor
adequação do serviço às expectativas da sua comunidade alvo,
a abertura para a avaliação do sistema de saúde pelo usuário favorece a
humanização do serviço, exercita a aceitação da visão e percepção do outro e
favorece, ainda, a realização de análises socioantropológicas necessárias para
uma melhor contextualização do serviço de saúde oferecido (TEIXEIRA,
2004, p. 81).
217
Destaca-se que o contexto da atenção domiciliária é um palco ideal para a
realização de processos avaliativos e de inserção dos usuários nesse processo. Sem o
desenvolvimento desses processos está se deixando de incluir o usuário como cidadão.
É claro que não se deve restringir o conceito de cidadania ao quesito da avaliação
apenas. Entende-se como parte importante, mas não se pode deixar de considerar o
avanço na conquista já alcançada na direção do reconhecimento da saúde como um
direito, no mínimo “quando se amplia o acesso, reduzem-se filas de espera e aumenta-
se o respeito pela dor e dificuldade dos usuários dos serviços”
(TAKEMOTO, SILVA,
2007, p.339).
5.2.4 Vínculo e satisfação da população com a atenção domiciliária
As relações interpessoais e intergrupais per
fazem componentes importantes na
organização dos serviços de saúde. Dada sua importância, é por meio dela que se
adentra no mundo do trabalho desenvolvido na atenção domiciliária como forma de
analisar o sentido de vínculo entre trabalhadores e usuários existente no serviço de
saúde estudado, assim como o nível de satisfação dos usuários em relação à prestação
de assistência às suas necessidades.
Só através de relações entre si,
Os homens-indivíduos-trabalhadores “entram” nos processos de trabalho;
essas relações não são apenas “subjetivas”, mas se objetivam em relações com
os objetos e instrumentos de trabalho, e quando o processo termina deve haver
como resultado, ao mesmo tempo: produtos, re-produção ampliada das forças
naturais dominadas, reprodução das relões sociais referidas aos objetos e aos
instrumentos e, dentro e através disso tudo, re-produção dos próprios
indivíduos-trabalhadores (MENDES GONÇALVES, s.d., p.14).
O ser humano, como um ser social, não existe, não vive, não trabalha, não se
reproduz, senão organizado em grupos com outros seres humanos. As necessidades
que, transformados em finalidades, guiam todos os processos de trabalho, não são os
dele, trabalhador individual, mas os do grupo, da comunidade, que inclui sempre
homens e mulheres de diversas idades (MENDES GONÇALVES, s.d.).
218
E, pensando nessas relações entre os seres humanos, discute-se aqui uma das
questões elencadas para estudo e que foi investigada junto à clientela do serviço de
atenção domiciliária da unidade de saúde estudada, a humanização da assistência.
É um dos fundamentos da atenção básica e apresenta estreita ligação com outros
princípios já debatidos, como a participação social, por exemplo. Como afirmam os
autores logo a seguir, a participação
Deve assegurar a mais ampla permeabilidade da atenção e da formação em
saúde às necessidades dos usuários. As necessidades dos usuários das ações e
serviços de saúde passam à condição de direito, seja porque como pessoas,
todos temos o direito de sermos atendidos conforme nossas necessidades, seja
porque este é o objeto da saúde: assegurar plena atenção às necessidades das
pessoas. Toda a regulação relativa à saúde deveria ser usuário-centrada, em
última instância, único motivo para ordenar serviços de atenção e instituições
de formação de profissionais (CECCIM, FEUERWERKER, 2004, p. 1401).
A partir do momento em que as ações são voltadas para a satisfação das
necessidades dos usuários, já carregam consigo um significado de humanização da
assistência, visto que não é um trabalho desenvolvido de forma descolada da realidade
e sim estruturado para ser desenvolvido de acordo com a potencial clientela dos
serviços de saúde. Humanizar significa reconhecer que as pessoas buscam os serviços
para a resolução de suas necessidades de saúde, e reconhecê-las como sujeitos de
direitos. “Humanizar é observar cada pessoa em sua individualidade, em suas
necessidades específicas, ampliando as possibilidades para que possa exercem sua
autonomia” (FORTES, MARTINS, 2000, p.31).
Reconhecendo a necessidade de investir em estratégias para melhorar a
qualidade de atendimento e aumentar o acesso da população a serviços, profissionais e
medicamentos, o Ministério da Saúde lançou, em 2003, em toda a rede do SUS, a
política intitulada HumanizaSUS, que busca tratar o cidadão como usuário único e não
como mais um. O Ministério estabeleceu como prioridades, para as ações de
humanização: a redução das filas e do tempo de espera para exames, consultas e
cirurgias; a garantia do direito de o paciente e de seus familiares terem acesso à
informação sobre a saúde e sobre o profissional que presta o atendimento; e a garantia
da gestão participativa dos trabalhadores e usuários do SUS (BRASIL, 2004d).
219
Uma das premissas da nova política é proporcionar atendimento integral ao
usuário. É uma política transversal, cuja filosofia é deixar o usuário mais próximo do
sistema de saúde. Um dos fundamentos da HumanizaSUS diz respeito à atuação da
sociedade civil. A política diz que
Usuários e trabalhadores têm o direito de participar da gestão dos serviços de
saúde. Esse instrumento já existe por meio dos conselhos nacional, estaduais e
municipais de saúde e deve ser reforçado ainda mais. A participação dos
trabalhadores e dos usuários é fundamental, pois a atuação da sociedade evita
que o SUS seja apenas um serviço com a visão do gestor (BRASIL, 2004d,
p.6).
Os usuários do serviço de atenção domiciliária desenvolvido na unidade foco da
pesquisa não apresentam essa noção de participação nem como direito nem como
dever, simplesmente porque não participam. Entretanto, quando questionados acerca
de como entendem que está o trabalho da atenção domiciliária em relação ao aspecto
de humanização, há o manifesto:
É ótima, muito boa, a turma é maravilhosa, porque elas são interessadas (F3).
É como se apresentassem um significado de atenção e carinho no momento da
assistência:
Ela é muito querida, está sempre conversando com a mãe, tem um carinho
assim, não sei se pelo idoso ou pela pessoa (F6).
É bom, atenciosos, atendem as pessoas direito (F7).
E, também enfocam a relação estabelecida com o trabalhador, que faz com que
se sintam privilegiados no momento em que possam precisar do serviço:
O médico diz: a senhora não precisa nem vir de madrugada marcar. Talvez
até porque eu tenho 60 anos e estou cuidando dele há dezoito anos. Dr. ..........
(nome do médico) disse: a senhora vem aqui, espera, se não for um caso
muito grave, a senhora fala rapidinho comigo, que eu vou lhe atender. Se não,
espera até o final que eu vou lhe atender, a senhora não vai deixar de ser
220
atendida (F1).
Se eu sair daqui e for lá e ficar na porta do Dr. ............ (nome do médico) e
ele me ver, ele me manda entrar. Mas eu penso que tem gente que foi para lá
as seis da manhã, porque eu vou chegar aqui e passar na frente de todo
mundo (F4).
Puccini e Cecílio (2004, p.1346), com base nas idéias de Vazquez (1990),
apresentam uma conceituação de humanização que compreende “a essência humana
não como algo abstrato e imanente a cada indivíduo ou como algo universal que se
manifestaria nos indivíduos, mas como o conjunto das relações sociais”. Os autores
relatam que não é no indivíduo que podemos encontrar a essência humana, mas sim
nas relações sociais, das quais ele mesmo é um produto. Assim, a essência humana
passa a ser compreendida como algo que só pode ser desvendado no conjunto das
relações sociais, que produzem tanto a natureza do homem social como a de
indivíduos, pois o indivíduo à margem dessas relações é uma abstração e a essência
humana, concebida como atributo individual, é tão abstrata quanto ele (PUCCINI,
CECÍLIO, 2004).
O estabelecimento de relações de respeito, de atenção, de interesse pelo ser
humano, faz com que o processo de trabalho flua de forma natural. Os usuários
sentem-se respeitados e valorizados diante desse tipo de atitude e isso faz com que
colaborem mais facilmente com a equipe. Essa essência reflete-se no dia-a-dia dos
trabalhadores e no desenvolvimento de suas ações na atenção domiciliária. Mesmo
quando os entrevistados manifestam a humanização como natural do trabalho
realizado em saúde comunitária, pode-se refletir que essa é uma conotação embasada
no processo de relações que se dá entre trabalhadores e comunidade.
Sempre teve isso como natural, intrínseco do trabalho que se faz. Dificilmente
tu vai ouvir um de nós não tratando pelo nome, dificilmente alguém vai dizer:
a pessoa do 8022. Médico a gente não tem esse problema, porque para
trabalhar neste serviço, tem que ser médico de família. Médicos de família
fazem uma formação de residência medica em que isto é a tônica (M5).
E, pensar em um tipo de atitude natural e esperada por parte de todos os
trabalhadores remete à questão do próprio serviço de atenção domiciliária, que é
221
considerado pelos sujeitos entrevistados como sendo uma forma de humanização do
cuidado:
É uma forma mais humanizada, mais individualizada, de ver a pessoa (RM1).
Indo na casa, de se colocar disponível, de estar próximo da família (M2).
Já no trabalho de assistência domiciliar tu cria um vínculo maior e que acaba
tendo essa humanização do atendimento. Isso aí até está dentro do trabalho,
já não tem nem como explicar se tem que ter a humanização ou não nesse tipo
de atendimento. Acho que isso está implícito que tem (M4).
Se tu te dispões a ir até a casa de uma pessoa é porque tu já estás preocupado
com essa pessoa, tu já estás preocupado em cuidar dela direito (RE1).
No simples fato de eu ir até a residência, chegar, cumprimentar o paciente,
perguntar como ele está, eu acho que isso aí faz parte, o primeiro contato, de
tu ir até a residência do paciente ver como ele está, se interessar, ele vai ver
que tu estás te interessando por ele (E7).
A atenção domiciliária tem sido considerada por diversos estudiosos da área
como sendo uma forma mais humanizada de prestar o cuidado, principalmente se for
comparada com o cuidado prestado no interior dos hospitais, por ser realizada no
próprio ambiente de vida dos usuários (LACERDA, 2000; KERBER et al, 2002;
ALBIERO, 2003, entre outros).
Ao adentrar no domicílio, os trabalhadores lidam com a dimensão subjetiva
presente nas relações estabelecidas entre os seres humanos, principalmente com seres
humanos “em seus espaços de poder, de privacidade, de maior autonomia de viver
suas vidas, ou seja, ao sair do espaço conhecido e vivido dos serviços de saúde, há a
chance de horizontalizar mais as relações entre trabalhadores e usuários dos serviços
de saúde” (PEREIRA et al, 2004, p.78).
A convivência dos trabalhadores com os usuários no espaço domiciliar faz com
que as relações entre ambos se estreitem, criando um vínculo maior e, com isso,
proporcionando maior segurança à clientela do serviço. A questão do vínculo é outra
das características do serviço que os participantes encaram como relacionada à
humanização da assistência:
Cria-se um vínculo e um profissional referência, ou os profissionais referência
(E1).
222
A gente vê o paciente como pessoa humana, em primeiro lugar, não é como
um objeto ou coisa assim. Cria um vínculo muito grande (E4).
Tu precisa criar é o vínculo com a família. Dessa forma tu vai humanizar, tu
vai conseguir fazer com que, tanto a ........... (usuária que mora com o filho e
companheiro em um cortiço) quanto a ........ (paciente do programa de
acamados, que reside em uma das áreas de risco) se sintam importantes.
Criar um vínculo através do laço de confiança. A partir do laço de confiança
que tu cria, a partir do teu trabalho, de tu mostrar que tu realmente sabe
(E6).
Conhecemos as pessoas desde pequenas, os pequeninhos hoje já estão
adolescentes, os adolescentes já estão adultos. Então, tu conheces os
pacientes há vinte anos, eu já estou aqui há 13 anos. Então, tu acaba
conhecendo as famílias, conhecendo as histórias, é isso que acaba criando,
acho que vai humanizando (G5).
Porque tu já conheces as pessoas. O fato da gente ver outras situações na
casa, já temos esse preparo para observar o todo, então, isso é uma situação
que nos auxilia muito. E tu conhecendo a realidade da pessoa, tu tendo um
procedimento de acordo com aquela realidade, fazendo aliados dentro da
rede ali da família, eu acho que tudo isso é humanização (M3).
O vínculo criado por meio da qualidade da relação estabelecida com os
trabalhadores de saúde através da atenção domiciliária é uma das vantagens relatadas
pelos pacientes e familiares quando lhes solicitado a comentar acerca das facilidades
da realização dessa atividade.
Eu tenho aquela segurança de que se eu preciso recorro a eles, sei que ali
alguém vai me orientar, dizer o que é para fazer (F4).
Eu tenho muita segurança. Porque hoje em dia, se tem um problema, se tem
que baixar, coisa e tal, eu corro ali, eles arrumam tudo para mim. Eu digo que
estou precisando de alguma coisa e elas já dizem que pode deixar que elas
vão dar um jeito (F1).
Essa relação existente entre a família e os trabalhadores tem um significado de
confiança e segurança e esse aspecto hoje em dia, cada vez mais, reveste-se de um
caráter primordial para os usuários do sistema público de saúde, pela necessidade que
têm de sentirem-se inseridos no sistema, e conseqüentemente, tranqüilizados para o
223
caso de precisarem de cuidados de saúde. Não são todas as pessoas que conseguem
efetuar o pagamento de planos de seguros de saúde ou arcar com despesas extras por
utilização de serviços de autônomos ou de empresas de assistência médica.
A realidade, em geral, das famílias moradoras na área de abrangência da
unidade de saúde estudada, é condizente com a situação financeira abordada, apesar de
possuírem uma infra-estrutura adequada de moradia e não estarem ao ponto da não
satisfação das necessidades mais básicas, como alimentação, moradia e educação. E se
o nosso olhar se dirigir à outra parcela da comunidade adstrita, que é a residente nas
consideradas áreas de risco, então, a sensação de segurança obtida através do
relacionamento com os trabalhadores da saúde é ainda mais imprescindível e
necessária, pois são seres humanos que apresentam um maior número de necessidades
a serem satisfeitas.
A vinculação estabelecida com os usuários por meio da atenção domiciliária é
conseguida com uma forma de tratamento adequado da pessoa, com respeito à sua
individualidade, às diferenças de linguagem, de cultura, de valores, e assumindo uma
posição de escuta atenciosa, direcionando todo o foco de atenção para aquele
indivíduo/família naquele momento ímpar da relação.
As relações entre trabalhadores
e usuários “são otimizadas pelos vínculos que se estabelecem no cotidiano da ação
cuidadora no domicílio, centradas nas demandas e necessidades da pessoa cuidada, e
são vistas como positivas para garantir a qualidade do cuidado” (SILVA et al, 2004,
p.34).
Vínculo, para Merhy (1997, p.138) significa:
O profissional de saúde ter relações claras e próximas com o usuário,
integrando-se com a comunidade em seu território, no serviço, no consultório,
nos grupos e se tornar referência para o paciente, individual ou coletivo, que
possa servir à construção de autonomia do usuário.
Segundo Camargo Junior et al (2006), pode-se pensar no vínculo em três
dimensões: como afetividade, como relação terapêutica e como continuidade.
Na primeira dimensão, o profissional de saúde deve ter um investimento
afetivo positivo tanto na sua atuação profissional quanto no paciente,
construindo, assim, um vínculo firme e estável entre ambas as partes, o que se
224
torna um valioso instrumento de trabalho. A idéia de vínculo como uma
relação terapêutica põe em relevo a palavra terapêutica, tomada em um
sentido específico, relacionado com o ato de dar atenção. A continuidade é
fator importante de fortalecimento do vínculo e do mútuo
conhecimento/confiança entre profissional e paciente. Vínculo também
implica responsabilização, que é o profissional assumir a responsabilidade
pela condução da proposta terapêutica, dentro de uma dada possibilidade de
intervenção, nem burocratizada nem impessoal (CAMARGO JUNIOR et al,
2006, p.228).
Foi possível observar no cotidiano do processo de trabalho na atenção
domiciliária a atitude dos trabalhadores compondo essas dimensões. Todos apresentam
uma postura cordial, amigável, respeitosa no trato com os seres humanos no espaço
domiciliar. Um aspecto importante é que não há um sentido impresso ou expresso da
pressa; os trabalhadores utilizam-se do espaço de tempo destinado à atenção
domiciliária com muita paciência e dedicação. Quando há essa primazia pelo bom
atendimento, são grandes as chances de ser realizada uma assistência adequada e com
bons resultados.
A questão da continuidade que compõe a terceira dimensão exposta por
Camargo Junior et al (2006) já foi abordada em espaço anterior de discussão, na
concretização dos princípios ordenadores do trabalho na atenção primária à saúde.
Significa uma atenção continuada à clientela, o que faz com que se estabeleça uma
relação de profundo vínculo entre trabalhador e usuário, e proporciona que o
trabalhador seja reconhecido por seu trabalho e considerado um indivíduo de
referência por parte do usuário, para as questões relacionadas à sua saúde. A busca
pelo trabalhador-referência em caso de surgir uma necessidade como falta de uma
medicação, alterações na situação de saúde do usuário, dúvidas relacionadas ao
processo de vida e saúde, entre muitas outras, foi um aspecto considerado tanto por
trabalhadores quanto pelos usuários como uma vantagem da atenção domiciliária. Isso
se manifesta por meio de um forte laço estabelecido entre os seres humanos em relação
na atenção domiciliária, que se perpetua pela continuidade da assistência ao longo do
tempo.
Eles são muito receptivos à nossa equipe na visita, a família se vincula mais,
cria um vínculo mais íntimo com a unidade. Depois mesmo que não exista
225
mais, por óbito ou depois que não precisam mais da assistência, eles criam
vínculo com aqueles determinados profissionais, e eles ficam com uma
referência, aquelas pessoas ali são as referências, a Dra. Fulana, a fulana da
enfermagem... Então, eles criam esse vínculo (E1).
Na assistência domiciliar tu tens mais condições, tu observas mais, pelo
número de vezes que vais acabar indo, porque crias um vínculo maior, pela
freqüência das consultas, tu estás indo no ambiente do paciente, então, tu
consegues ter uma visão mais integral de todo, da família, e se acaba
entrando mais nessas intimidades da vida. Porque tu vais estreitar mais
vínculos (M4).
A formação desse tipo de laço afetivo e efetivo se proporciona por ser a atenção
realizada no ambiente de vida da clientela, que é considerado como propício para a
efetivação de uma relação de proximidade:
Isso é fácil, eu acho que é mais fácil do que no ambiente do posto. Porque tu
estás lá com a pessoa, tu estás conversando, tu estás vendo, tu vais vendo o
que dificulta aquele cuidado. Tu trocas com ela. Vendo que é diferente num
consultório, que tem uma mesa no meio, que ela já vai ter dificuldade para te
dizer e pode ser que tu não entendas, porque as linguagens são diferentes. Ela
também não vai entender tua orientação. Se tu fazes um bom atendimento
domiciliar, seja ele como for, o resultado é no ato (G1).
Em estudo efetuado em uma unidade pertencente ao SSC-GHC, por Paskulin e
Dias (2002), os autores concluíram que os usuários da unidade por eles pesquisada
percebem a qualidade do atendimento que recebem no domicílio e salientam a relação
existente entre essa qualidade e a valorização do vínculo e da continuidade do
atendimento. Esse é um dos fatores que torna a atenção domiciliária tão vantajosa. “O
estabelecimento de vínculo, de uma relação mais personalizada e mais humanizada é
visto como um dos atributos proporcionados pela assistência no domicílio” (PEREIRA
et al, 2004, p.78).
A valorização desse espaço de cuidado significa reconhecer os usuários como
sujeitos únicos, singulares e integrais. Integrais no sentido de perceber que eles não
são somente corpos, mas que apresentam emoções, sentimentos e valores que têm
estreita relação com o seu corpo físico e biológico. O que faz com que se perceba essa
226
relação entre trabalhador/usuário é a posição assumida no contexto da atenção
domiciliária, de envolvimento e de atenção com os seres humanos sob seu cuidado.
O
cuidado humanizado prima pela essência do ser humano enquanto um ser único,
indivisível, autônomo, na compreensão do ser humano enquanto um ser integral
(BACKES, KOERICH, ERDMANN, 2007).
Você acaba participando mais da vida do paciente. Eu acho que fica mais
humano, você acaba se envolvendo mais com aquele paciente. Agora você
conhece, sabe onde mora, tem mais dados (RM2).
Tu tentar saber como é a rotina daquela casa, saber um pouco mais da
intimidade, do que a pessoa gosta, fazer comentários sobre as coisas que tu
vê, tipo, ah, tu gosta de pintura, tu gosta de ver TV deitado, conhecer os
outros familiares também. Identificar os principais acontecimentos familiares,
as coisas boas da família. Acho que é mais ou menos nesse sentido (M1).
O envolvimento demonstrado tanto por meio das falas quanto da observação do
trabalho em si faz com que se acredite em um processo de trabalho humanizado por
parte da equipe da unidade estudada. Essa atitude de respeito pelo outro traduz uma
relação de empatia dos trabalhadores com os usuários, pois há um conhecimento da
realidade de vida e saúde dos seres humanos sob seu cuidado e há uma compreensão
dos significados que apresentam para cada um deles o fato de estar necessitado de
cuidados de saúde. Manifesta-se uma responsabilização pelo cuidado do outro, que faz
com que sejam atores e produtores da saúde, tomando a saúde como valor de uso.
“Tomar a saúde como valor de uso é ter como padrão na atenção o vínculo com os
usuários, é garantir os direitos dos usuários e seus familiares” (BRASIL, 2004c, p.7).
Acredita-se que se as pessoas compreenderem e forem partícipes do seu
processo de cuidado, este terá maior eficiência e eficácia. O usuário não deve ser e não
é um ser passivo diante de tudo o que acontece na unidade de saúde e em especial com
ele mesmo, na unidade ou no domicílio. De acordo com Camargo Junior et al (2006), o
cliente reage aos atos assistenciais e, se houver uma relação acolhedora e uma forma
de agir sobre o seu problema de saúde que seja satisfatória, ele poderá se motivar para
ser sujeito do seu próprio processo assistencial, assumindo certo protagonismo no
cuidado à sua saúde.
227
No relato de Diogo, Paschoal e Cintra (2000), os trabalhadores precisam saber
dosar a maior racionalidade e conhecimentos com uma afetividade espontânea, e
estabelecer laços de empatia, que vão facilitar a adesão do paciente e do cuidador às
recomendações e condutas propostas.
Uma relação de vínculo entre trabalhadores e usuários foi evidenciada por meio
do diálogo travado com os pacientes/familiares durante a realização das entrevistas e
durante a observação do processo de trabalho na atenção domiciliária. Porém, um dos
usuários chamou a atenção para uma probletica que dificulta esse processo. Alerta
para a questão da troca dos responsáveis pelo acompanhamento do paciente,
ocasionada em virtude da mudança no quadro dos residentes de medicina e
enfermagem da unidade de saúde:
Eu só notei uma coisa, mas isso é normal, eles trocam muito. Quer dizer,
quando o pessoal aqui, da enfermagem, da área médica, está conhecendo a
gente, troca. Porque o médico, a enfermeira, o próprio técnico, ele acostuma e
ele vê os problemas do dia-a-dia. Aí troca, vem outro e tem que se adaptar a
tudo aquilo (F3).
Essa constatação ressalta a importância da continuidade da atenção ao longo do
tempo, pelos aspectos de: aproximação proporcionada entre trabalhadores e usuários;
relação afetiva possibilitada; confiança na figura do profissional de saúde; facilidade
na tomada de decisões e na condução do processo assistencial; entre outros. O
trabalhador que assume a responsabilidade pelo paciente/família passa a conhecer
profundamente aqueles usuários, o que facilita, sem dúvidas, o seu trabalho. E, perante
sua retirada do processo assistencial e da inserção de um novo trabalhador, a
impressão é a de que a assistência foi reiniciada, em vista de que há necessidade de
estabelecer entrosamento com o novo integrante e, muitas vezes, repetir informações
com o intuito de situar esse novo ser à dinâmica daquela família assistida.
Esse aspecto de troca de integrantes na equipe é considerado um problema pelos
próprios trabalhadores, que precisam imbuir o novo trabalhador do espírito de trabalho
desenvolvido na unidade. Salientam que, na época em que ocorrem essas trocas,
sempre há certa desorganização no trabalho, precisando haver um direcionamento de
228
esforços no sentido de retomada do processo de trabalho. No entanto, essa é uma
questão que faz parte do cotidiano de trabalho de um serviço que funciona como
campo de ensino e da qual não se pode fugir. A possibilidade que existe é a de que
paralelo aos residentes haja a figura de trabalhadores efetivos da unidade
permanecendo como elo entre a família e o serviço de saúde, e fazendo com que o
desligamento de um residente e a inserção de outro seja efetuada de forma progressiva,
sem que haja a impressão de um corte na assistência. Sabe-se que este trabalhador
existe na figura do auxiliar ou técnico de enfermagem, porém, parece que este é um
papel a ser assumido pelo enfermeiro e médico.
É a ligação existente entre trabalhador e usuário que faz com que a questão da
mudança de profissionais na assistência assuma tanta importância. O vínculo criado
entre eles torna a relação mais humanizada e permite sentirem-se mais à vontade.
Nesse processo assistencial merece suma importância a escuta, tendo sido muito
ressaltada pelos trabalhadores:
Acho que no simples fato de poder ouvir esse paciente. Para mim tem todo um
processo de humanização, mas acho que no momento que tu para, senta e
ouve aquela criatura colocar os seus anseios, suas necessidades, suas
angústias, acho que tu já estás fazendo o teu papel, estás sendo humano, em
parar e ouvir (E5).
Todo esse processo que a gente estabeleceu de acolher a pessoa. Por exemplo,
tem um problema, acha que precisa, ou tem indicação de alguém de cuidado
domiciliar, a pessoa vem aqui, é escutada, é visto com ela se tem ou não
indicação, é feito uma visita de avaliação. Sempre vai ter alguém que vai
escutar, vai ver, vai avaliar e vai adequando o cuidado à medida que ela
precisa, mais ou menos (M6).
Quando tu estás atendendo um paciente e aí tu começa a conversar, as
pessoas desabafam, falam coisas que morrem ali, tu só escuta e fica ali, tu não
traz para a equipe. Tu escutas, principalmente, os cuidadores que eles não
têm muito com quem falar, são pessoas muito solitárias, às vezes até querem
consultar e só de tu ires lá e escutar, indiretamente tu dá uma assistência
para o cuidador (E1).
Saber ouvir é um aspecto extremamente importante no cuidado dos seres
humanos. E saber ouvir vai além do ato de escutar o que o outro fala, procurando
compreender o que está sendo dito e compartilhar do sentimento que está sendo
colocado naquele momento especial de relação. Saber ouvir:
229
Com os ouvidos e, também, com os olhos, os sentimentos e a razão. O dito e
não dito. Não só as frases, mas a entonação, a velocidade, a ironia. Prestar
atenção na mímica, nos gestos, no olhar. No silêncio. O não-verbal pode
traduzir melhor a realidade do que o verbal. É indisfarçável, geralmente
(DIOGO, PASCHOAL, CINTRA, 2000, p. 147).
O processo de escuta apresenta uma relação de respeito ao ser humano, na
tentativa não somente de acolhida aos anseios, às angústias, mas às necessidades
descortinadas no momento da atenção domiciliária. “Se o trabalhador passa a ouvir e
está colocado numa posição de responsável por desencadear algum tipo de resposta, de
solução para o problema identificado, cria-se, então, uma situação de maior
envolvimento” (TAKEMOTO, SILVA, 2007, p.336).
Escutar os usuários, ainda, significa, segundo Leitão (1995, p.49), “oferecer
possibilidades para o surgimento de maneiras novas de convivência, entendimento e
trabalho dentro dos Serviços de Saúde”. O que leva à reflexão sinalizada por meio do
último depoimento, na porção grifada, cujo conteúdo demonstra a importância da
realização do grupo de cuidadores, visto que estes seres humanos precisam de um
suporte não só técnico, mas, também, psicológico para a manutenção de seu papel
como cuidador.
Como se sabe que muitos cuidadores não têm como se afastar do domicílio pelo
fato de não terem com quem dividir esse papel, cabe aos trabalhadores pensarem em
formas de solucionar essa questão, em vista da importância que assume a oferta desse
apoio aos familiares ou cuidadores. Uma possibilidade pode ser a busca, na
comunidade, por voluntários que possam estar substituindo os cuidadores durante o
espaço de tempo utilizado para sua participação no grupo. A preocupação com esse
tipo de questão é uma forma de humanização, já que se preocupa com as necessidades
dos cuidadores, que também são usuários do sistema de saúde.
O entendimento dessa assertiva apresenta-se bem explanado por Takemoto e
Silva (2007), quando referem que:
"Humanizar" as relações entre usuários e trabalhadores, conseqüentemente
"humanizando" o processo de produção de serviços de saúde, significa
reconhecer os sujeitos como dotados de desejos, necessidades e direitos. A
finalidade última do processo de trabalho em saúde é justamente a produção
de algo – a ação de saúde – que responda a necessidades de saúde dos
usuários. Reconhecê-los como sujeitos significa comprometer-se com a
230
satisfação de necessidades, entendendo a saúde como um direito, pela
construção de relações de acolhimento, vínculo e responsabilização
(TAKEMOTO, SILVA, 2007, p.337).
Duas situações observadas durante o acompanhamento do processo de trabalho
na unidade e nos domicílios foram consideradas como características de uma equipe
que está tentando desenvolver um trabalho humanizador. Uma refere-se à realização
de um grupo, o grupo das arteiras, com encontros semanais, com o propósito de
proporcionar momentos de lazer e bem-estar para a população e, com isso, garantir um
vínculo dessa comunidade com a unidade de saúde, em que participam vários
membros da equipe e todos se voltam para a realização de atividades manuais diversas,
como, por exemplo, tricô, crochê, bordado e pintura. Puccini e Cecílio (2004) relatam
que dentre as diferentes proposições encontradas nos serviços de saúde que traduzem a
intenção humanizadora está a organização de atividades de convívio, amenizadas e
lúdicas como as brinquedotecas e outras ligadas às artes plásticas, à música e ao teatro.
Uma questão bem burocrática, mas cuja realização é extremamente facilitadora
para as famílias assistidas pelo serviço de atenção domiciliária, é o preenchimento do
atestado de óbito. Todo o paciente que está sendo assistido pelo serviço, em caso de
óbito, mesmo em horários nos quais a equipe não tenha condições de comparecer até o
domicílio, como no caso de ser a noite, tem garantido que o médico responsável pelo
paciente assinará o atestado de óbito. Sem dúvidas, esse é um aspecto que auxilia
muito a família que passa por um momento tão difícil como a morte de um ente
querido.
Além de ter sido oportunizada a vivência desses momentos, um dos
trabalhadores expressou muito bem uma relação direta com o cuidado humanizado:
Por exemplo, o paciente com câncer, chega um determinado momento, o
serviço de oncologia diz: nós não temos mais nada para fazer. Tem que ir
para casa. Mas ali é talvez o momento que a família e a pessoa mais precisem
de ajuda, não medicamentos ou procedimentos, mas de cuidado. E aí a pessoa
é mandada para casa. E do ponto de vista biológico lá não tem o que fazer,
mas do ponto de vista humano, é quando as pessoas mais precisam de apoio.
E aí é onde a gente entra. Acaba ajudando, na história de preparar para a
morte, atestado de óbito, e até de organizar a família que não sabe o que vai
fazer. Como é que vai organizar esse momento? (M6).
231
Mas, também, como característico de um serviço em que atuam trabalhadores
com diferentes formas de pensamento e formação, houve o posicionamento de alguns
membros da enfermagem que visualizaram posturas um tanto quanto descoladas desse
caráter humanizador da assistência:
Eu assisti uma visita num caso terminal de uma paciente. Eu achei uma coisa
muito rápida (E7).
Eu não sei, porque hoje mesmo eu estava repassando as informações para a
pessoa responsável pelo programa com relação ao paciente que foi visitado
ontem, e eu coloquei que o paciente precisa do atendimento médico, do
acompanhamento psicológico, ser avaliado para ver se há necessidade de
tomar uma medicação, que para mim estava gritante aquilo. A pessoa disse:
ah, o médico e o pessoal da psicologia tem que se reunir, aquela coisa toda,
então, eu não achei uma coisa muito humana isso, porque tu nota que o
paciente precisa naquele momento, e ah, ainda vão se reunir para ver se há
uma possibilidade (E5).
Essas posições assumidas pelos trabalhadores servem para demonstrar como a
equipe precisa utilizar melhor os espaços das reuniões da atenção domiciliária para
discutir os assuntos que envolvem a realização do serviço, visto que reflexões como
essas deveriam estar sendo analisadas e discutidas por todos em busca de um
denominador comum. Sabe-se que há coisas que não se consegue transformar devido à
interferência de fatores externos ao serviço, mas todos os trabalhadores precisam estar
cientes disso e entenderem os motivos para tal. Sabe-se também que existem tantas
outras coisas que podem ser transformadas e não o são, por não haver o espaço de
reflexão e avaliação necessárias, que conduzam a essa mudança.
Ao serem analisados os princípios que o Ministério da Saúde apresenta como
norteadores da política de humanização, percebe-se o sentido expresso de
humanização extrapolando a relação microcontextual dos trabalhadores com os
usuários no momento do cuidado. A forma como esse cuidado é prestado na prática
assume grande importância, porém existem outros fatores comprometidos no processo
de trabalho como um todo e que interferem na consolidação desse princípio, como se
pode visualizar logo a seguir:
1. Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção
e gestão, fortalecendo/estimulando processos integradores e promotores de
232
compromissos/responsabilização.
2. Estímulo a processos comprometidos com a produção de saúde e com a
produção de sujeitos.
3. Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, estimulando a
transdisciplinaridade e a grupalidade.
4. Atuação em rede com alta conectividade, de modo cooperativo e solidário,
em conformidade com as diretrizes do SUS.
5. Utilização da informação, da comunicação, da educação permanente e dos
espaços da gestão na construção de autonomia e protagonismo de sujeitos e
coletivos (BRASIL, 2004c, p. 9-10).
Em vista disso, reflete-se que o processo de humanização ainda está por ser
alcançado em sua totalidade, uma vez que em momentos anteriores desse espaço de
discussão foi demonstrado que elementos cruciais para a realização de uma assistência
integral como trabalho interdisciplinar e intersetorialidade ainda não atingiram o grau
de desenvolvimento que se espera de um serviço do SUS.
Na reflexão de Puccini e Cecílio (2004), os autores aliam a concretização da
humanização à integralidade do cuidado:
Assim, sugere-se que, sob a influência do movimento de humanização, a
integralidade assistencial pode ser desenvolvida não, apenas, como superação
de dicotomias técnicas entre preventivo e curativo, entre ações individuais e
coletivas, mas como valorização e priorização da responsabilidade pela
pessoa, do zelo e da dedicação profissional por alguém, como outra forma de
superar os lados dessas dicotomias. A integralidade do cuidado deixa de ser,
portanto, uma simples junção técnica das atividades preventivas e curativas,
individuais e coletivas. Os diferentes saberes e práticas, o cuidado e a atenção
dispensados a uma pessoa pelos profissionais de saúde são necessários para a
sua realização. A integralidade, para concretizar-se, depende do
reconhecimento e da valorização do encontro singular entre os indivíduos, que
se processa no necessário convívio do ato cuidador (PUCCINI, CECÍLIO,
2004, p.1351).
Como um dos aspectos da valorização do usuário no sistema de saúde, ressalta-
se a relevância de levá-los em conta na opinião do mesmo sobre os serviços que lhe
são ofertados e a avaliação de seu nível de satisfação diante dos mesmos. Na unidade
de saúde em estudo, não há um processo de avaliação do nível de satisfação dos
usuários assistidos pelo serviço de atenção domiciliária, como é demonstrado por meio
233
dos depoimentos a seguir:
Não existe um processo de acompanhamento da satisfação dos usuários. Eu
acho que algumas unidades já fizeram avaliações de período. Tipo, agora
vamos saber o que o povo está pensando, a senhora gostou do atendimento?
Mas não uma coisa sistematizada, que tenha uma periodicidade respeitada,
que seja re-olhada a avaliação passada com a avaliação feita agora (G1).
Olha, eu não sei te dizer se a gente tem, porque eu não tenho conhecimento de
que a gente tenha alguma coisa, formalmente assim não (E1).
Sabe que eu acho até que não tem um acompanhamento formal mesmo
(RM1).
Acho que não existe um indicador que trate dessa coisa da satisfação. A gente
sabe que os pacientes gostam muito do atendimento, mas não existe uma coisa
avaliativa com relação a isso, eu desconheço (E5).
Eu não sei se existe um instrumento formal, eu acho que essa pergunta nós
não fazemos (M3).
Não tem nenhum questionário, não tem nenhuma avaliação (M4).
Esse tipo de investigação acerca do grau de satisfação da clientela dos serviços
de saúde não é uma prática comum na maioria dos serviços públicos brasileiros. É uma
questão mais merecedora de atenção por parte das organizações privadas, por
visualizarem a população como um conjunto de consumidores e, por isso,
demonstrarem preocupação em avaliar a opinião daqueles que se utilizam de seus
serviços.
Os serviços públicos de saúde ainda não adquiriram o hábito de perceber o
usuário como um consumidor, que tem um papel atuante como regulador das ações
dos produtores que lhe prestam serviços e, ainda como alguém que decide sobre o seu
tratamento, aderindo ou não às recomendações do serviço. Nem a população está
acostumada a se ver nesse papel, a enxergar a saúde em uma relação de mercado.
Como já foi refletido em momento anterior deste estudo, Paim (2004) aborda que esta
é uma das formas de encarar a atenção à saúde, situando-a no setor terciário da
economia, compreendendo os serviços de saúde situados no interior de processos de
produção, distribuição e consumo. E, nessa lógica de pensamento, destaca-se a
importância do conhecimento e do entendimento que a população, como consumidora
234
dos serviços de saúde, tem acerca dos próprios serviços que consome.
Ao mesmo tempo em que há a constatação de que não existem momentos
formais de avaliação do nível de satisfação dos usuários, percebe-se que a mesma não
carrega um significado de descaso com a clientela do serviço. Parece que há uma
percepção positiva da atenção dispensada pelos trabalhadores aos usuários, que é
relacionada à forma de tratamento estabelecida entre pacientes/familiares e
trabalhadores e à forma com que os trabalhadores são recebidos no ambiente
domiciliar. Consideram que a população mostra-se satisfeita com a assistência, a partir
do momento que expressam essa satisfação por meio de gestos de carinho, de atenção,
de sorrisos, de uma recepção cordial e alegre no espaço familiar e doméstico. Julgam
que a relação interpessoal é tão forte que, no momento em que surgirem dúvidas,
problemas e não satisfação com alguma situação, haverá a procura espontânea pela
figura de um dos trabalhadores no intuito de evidenciá-la e solicitar sua resolução.
Eles dizem para a gente: Olha, eu não estou contente. Ou porque a gente vai
pouco ou porque o médico não está acertando, porque o paciente está
piorando. Eles dizem. Mas isso a gente observa como tu é recebido, como tu é
tratado, ou como eles te procuram no teu setor, isso a gente observa bem,
muito bem (E4).
Eu acho que a gente infere subjetivamente, eu ganho muito presente, eu ganho
muita louvação, me agradecem muito. Eu vou caminhando pelos corredores
do edifício onde mora a pessoa, as pessoas me conhecem falam comigo e os
comentários são ótimos (M3).
Na verdade fica sendo pessoa a pessoa, o profissional que vai a casa e o
paciente. Normalmente, quando ele não está satisfeito, ele vem buscar, ele tem
acesso, vem falar com a chefia, tem ouvidoria, ele vai dizer que não está
satisfeito (G5).
Olha, a gente pode dizer que faz uma pesquisa qualitativa, que é através do
retorno que as pessoas dão, ou pelo menos de não haver reclamações. Pelo
que me lembre, não tem nenhuma reclamação sobre alguém ter sido mal
atendido, terem deixado de atender alguém, o máximo que acontece é se não
foi alguém no dia que estava marcado, no dia seguinte vai alguém. Então, não
tem reclamações. Eu acho que a gente tem essa percepção de que está
funcionando, está bem (M6).
Acho que nunca foi necessário isso porque justamente as pessoas sempre
demonstram que é boa a qualidade, sempre agradecem. Parecem estar
satisfeitas com a assistência, então, acho que por isso nunca foi feito um
material que precisasse ver a satisfação dessas pessoas, porque parece que
todos estão satisfeitos (RE1)
Acho que o único grau de satisfação que você tem é se eles reclamam muito
na porta, ou se eles falarem que está bem. Não tem nada sistematizado
(RM2).
235
A atenção domiciliária caracteriza-se como um meio de aproximação entre o
serviço - por intermédio dos trabalhadores - e os usuários do sistema de saúde. Esse
tipo de atividade contribui para uma efetiva integração entre esses elementos, uma vez
que, segundo Jesus e Carvalho (2002, p.54), isto favorece “o encurtamento da
distância entre o que é normatizado como sendo o melhor para as famílias, em termos
de saúde, e a realidade vivida por elas”. Entende-se que essa relação estabelecida e a
contextualização do cuidado proporcionam um vínculo real entre a comunidade e os
trabalhadores, que se sentem valorizados e amparados nas suas necessidades. As
relações interpessoais caracterizam-se como importante instrumento de trabalho na
prática de atenção domiciliária e são fruto de um trabalho social e histórico, imanente
nesse tipo de prática.
No movimento das relações sociais estabelecidas, os trabalhadores encontram-
se em um processo de busca por novas formas de contemplar a satisfação de
necessidades da comunidade sob sua chancela. Estão nesse rumo, por meio de um
amplo processo de discussões entre si mesmos, e tentando trazer a população, isto é, os
usuários como aliados nessa luta. Um exemplo é a inserção dos familiares de pacientes
assistidos pelo serviço de atenção domiciliária nas reuniões semanais do grupo; no
momento da pesquisa, estavam tentando viabilizá-la para o próximo ano. Essa é uma
forma encontrada pelos trabalhadores de conseguir a participação comunitária no
serviço. E que pode ser considerada, também, um meio de procederem continuamente
a uma avaliação do serviço, uma vez que o elemento familiar apresenta as condições
ideais de auxiliar nesse processo avaliativo.
Por enquanto, porém, tal situação ainda não se proporciona. Uma forma de
realizar avaliação da satisfação dos usuários, fora da impressão pessoal de cada
membro do grupo, foi elencada por apenas um dos gestores e um dos trabalhadores da
enfermagem:
Lá na recepção tem uma caixa de sugestões onde as pessoas fazem as
reclamações e colocam naquela caixa. Uma vez por mês ocorre a reunião do
conselho gestor local e é aberto aquela caixa e aí a gente vê as reclamações
das pessoas (E3).
Nós colocamos uma caixinha de sugestões lá na frente. Eu tenho a chave para
abrir ela, para ler e depois levar para a chefia. Uma vez por mês, eu e mais
dois membros do conselho gestor lemos tudo o que está ali e entregamos para
a chefia (G2).
236
Esse modo de conseguir obter informações a respeito da percepção dos usuários
é útil quando bem utilizado, pois pode fornecer valiosas contribuições que venham a
subsidiar o trabalho desenvolvido. Porém, este não parece ser o caso, uma vez que
diante do número de trabalhadores atuantes na unidade de saúde, apenas um fez alusão
à existência dessa caixa de sugestões. O que pode apresentar dois significados:
primeiro, que os demais trabalhadores não tenham conhecimento de sua existência; e
segundo, apesar de os trabalhadores terem conhecimento da caixa de sugestões, não a
consideram como de relevante função. Mais uma vez, fica comprovada a necessidade
de que as reuniões da atenção domiciliária sejam mais bem utilizadas, no intuito de
provocar discussões sobre a organização do trabalho e fazer com que todos os
trabalhadores tenham o mesmo tipo de conhecimento e compreensão do trabalho que
vêm desenvolvendo.
A utilização desse tipo de instrumento exige uma total apreensão de seu valor
no processo de trabalho. A partir do momento em que há essa compreensão, as ações
são voltadas em sua direção e há o compartilhamento com a comunidade, que tem a
possibilidade de partilhar dessa importância e então utilizar-se melhor desse
instrumento. Mas, como conseguir o intento de trazer a comunidade à participação, se
aquela caixa está na unidade apenas como um objeto da sala de espera, que não é
utilizado e valorizado?
Historicamente, na saúde, a participação ativa nos processos decisórios veio
somente a ser incorporada, como política, com o SUS. Essa prática, de atenção à
comunidade como portadora de direitos de cidadania, está sendo apreendida, tanto por
trabalhadores, como por gestores e usuários. As transformações são alcançadas
paulatinamente, por meio de uma junção de mudanças menores que vão se agregando,
em vista de que o próprio SUS ainda é tão jovem e cada um de seus serviços demanda
um tempo específico para se adequar e conseguir produzir as transformações
necessárias.
Acredita-se que, se houvesse um instrumento de avaliação da satisfação dos
usuários do serviço de atenção domiciliária, este poderia se desenvolver de forma mais
bem organizada e mais direcionada para o atendimento das necessidades.
Provavelmente, o resultado que seria encontrado, em relação ao nível de satisfação
237
desses usuários, não seria diferente da impressão que têm os trabalhadores a respeito
disso, encontrando pacientes e familiares extremamente satisfeitos e valorizados diante
dessa prática realizada. Porém, esse levantamento forneceria parâmetros organizativos
que alicerçariam o serviço, como a sistematização das visitas realizadas, o papel dos
trabalhadores atuantes, a forma de inserção do usuário como participante ativo no
serviço, entre outros.
Ao se buscar estudos envolvendo o grau de satisfação da clientela assistida em
serviços de atenção domiciliária, foi encontrado um grande percentual de usuários
satisfeitos, com uma avaliação positiva da assistência prestada (Von STERNBERG,
1997; MORALES, CANGAS, DÍAZ, 1998; HUGHES et al, 2000; JESUS,
CARVALHO, 2002; KERBER et al, 2002; GOMES, TORRES, 2003). Stessman et al
(1996) chegam a afirmar que o principal motivo do sucesso desse tipo de atividade
assistencial é a satisfação dos envolvidos com o nível do cuidado e a compaixão que
receberam, no lugar mais humano e natural possível, seu próprio lar. No estudo de
Roubicek et al (1999), a grande satisfação encontrada é relacionada com o grau de
confiança estabelecido com o trabalhador.
Os estudos que avaliam esse aspecto da assistência, de satisfação ou não da
clientela sobre o serviço prestado, somente encontram resultados positivos, que
corroboram a continuidade desse tipo de atenção desenvolvida. Isto, porém, não
significa que não deva ser dada atenção a essa questão, pois é necessário que cada
serviço legitime seu trabalho por meio de avaliações permanentes e adaptações
constantes às novas necessidades que surgem com o passar do tempo.
Encerrando esse último item de análise, percebe-se que os usuários, gestores e
trabalhadores não estão sendo capazes de agir conjuntamente na resolução de
problemas, uma vez que não há praticamente nenhuma participação dos usuários no
serviço, o que determina a falta de integração no e pelo trabalho. Entende-se que há
um vínculo interpessoal bem importante, um relacionamento de confiança no trabalho
do grupo da atenção domiciliária, mas sem utilização desse espaço de atenção como
alicerce para o desenvolvimento de resolução conjunta das problemáticas
evidenciadas.
Faz-se esta argumentação também quanto a não avaliação do nível de satisfação
238
da comunidade, o que significaria dar valor ao elemento que compõe a tríade de um
serviço público de saúde: o usuário. Então, percebe-se que a atenção domiciliária não
vem sendo considerada como um espaço verdadeiramente útil e importante para os
usuários, apesar do relato em contrário, uma vez que não tem sido destinado a ela
espaços de tempo suficientes e não tem sido discutida e avaliada.
CAPÍTULO 6
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chega um momento em que é preciso considerar os aspectos importantes que
permearam a análise do que foi considerada, inicialmente, uma iniciativa bem
sucedida de atenção domiciliária. Assim, a análise do processo de trabalho em atenção
domiciliária da unidade de saúde estudada, envolve estabelecer os limites e
dificuldades para a realização desse tipo de trabalho, assim como as contribuições
visualizadas por meio dele. Então, neste momento, serão expostos os aspectos que
foram oportunizados pela metodologia escolhida.
A existência de um serviço de atenção domiciliária tem um significado comum
a todos os sujeitos deste estudo: o de facilitar o acesso dos usuários que têm algum
comprometimento na capacidade de locomoção para dirigir-se ao serviço de saúde. O
fato desses usuários não terem condições físicas de deslocamento até a unidade de
saúde, ou essa locomoção ser algo extremamente dificultosa, faz com que a atenção
domiciliária assuma uma conotação de facilitador para a família, servindo,
concretamente, como uma forma efetiva de acesso ao sistema de saúde.
O melhor acesso se reverte em humanização da assistência, no entendimento de
relações efetuadas com mais atenção pelo tempo disponibilizado para a assistência
fora do espaço da unidade de saúde, sem a pressa que caracteriza as consultas em
ambulatórios e consultórios, em que há a presença de outros clientes aguardando a
atenção do trabalhador. Da mesma forma, a questão do desenvolvimento da assistência
no próprio ambiente do paciente/família em seu espaço de vida faz com que os
usuários sintam-se mais à vontade.
Além disso, na concepção dos usuários, as facilidades proporcionadas pela
existência de um serviço de atenção domiciliária estão diretamente relacionadas à
garantia de solução para seus problemas de saúde e à segurança propiciada a eles pelos
trabalhadores. As pessoas sentem-se seguras e confortáveis com a atenção recebida.
240
Já os gestores e os trabalhadores manifestam outras contribuições do serviço
percebidas pela sua inserção no processo de trabalho, seja por meio do trabalho
realizado junto aos usuários, seja por meio da gestão do mesmo. Os aspectos realçados
por ambos os grupos de participantes foram: a contextualização do cuidado; a
possibilidade de evitar internações hospitalares; e a criação de fortes vínculos com os
usuários.
Já a redução da demanda à unidade de saúde, o reconhecimento por parte da
comunidade em relação ao trabalho desenvolvido e a rapidez dos resultados
alcançados por intermédio da atenção domiciliária, são aspectos que foram ressaltados
somente pelos gestores.
Os trabalhadores extrapolam em muito a visualização dos benefícios obtidos
com a atenção domiciliária à qual atribuem caráter de: agilidade do trabalho, por não
estarem na dependência de outros para a concretização do serviço; alcance da
universalidade, da longitudinalidade e da eqüidade; possibilidade de inclusão da
família no cuidado; facilidade na comunicação entre trabalhadores e usuários;
delimitação do trabalho em uma área; boas condições de moradia, na maior parte da
área adstrita à unidade; necessidade mínima de instrumentos materiais de trabalho;
sentirem-se úteis com a realização desse tipo de prática de trabalho; funcionarem como
referência para os usuários da área adstrita; e haver o suporte do Hospital Conceição.
Esse último aspecto funciona como facilitador do trabalho, por se caracterizar como o
apoio necessário à concretização das ações desenvolvidas.
Mas existem também limites que dificultam a realização da atenção domiciliária
ou impedem que a mesma seja expandida. O mais comentado por todos os
participantes é a força de trabalho. Fica evidenciado que, se o quantitativo fosse maior,
poderia levar a maior disponibilidade de tempo para a realização dessa prática de
trabalho. Outro grande limitador é o desabastecimento de medicações, o qual julgam
prejudicar a qualidade da assistência, desmotivando sua continuidade, naqueles casos
em que a medicação é considerada imprescindível para a integralidade.
Uma dificuldade ressaltada pelos usuários refere-se à não sistematização na
rotina das visitas domiciliares. Isso faz com que procurem a unidade de saúde para
questões que poderiam aguardar pela visita de algum dos trabalhadores, se soubessem
241
quando o mesmo estaria procedendo à visita.
Um limite é realçado por trabalhadores e gestores: a falta de um meio de
locomoção para a realização das visitas domiciliares. Destacam esse aspecto mesmo
considerando que o limite da área de abrangência da unidade tem uma extensão
compatível com o deslocamento por meio da caminhada. De fato, consideram que um
veículo de transporte facilitaria o trabalho, agilizando o tempo disponível para a
realização de um maior número de visitas domiciliares a cada afastamento da unidade
de saúde.
A falta de um programa de computação de dados é outro dos problemas
elencados pela gestão, que visualiza a dificuldade que isso acarreta para o
desenvolvimento e a avaliação do serviço. Por meio desse tipo de instrumento, o
trabalhador de saúde pode estar avaliando e revendo continuamente o seu modo de
fazer o trabalho e, desta forma, pode estar respondendo e atendendo às inúmeras e
crescentes demandas que vão se apresentando no decorrer do desempenho do seu
trabalho.
Na visão dos trabalhadores, atualmente existe uma série de entraves que
funcionam como limitadores do trabalho desenvolvido na atenção domiciliária, os
quais são da ordem de: recursos materiais e também humanos como a falta de
assistente social, de odontólogo, de fisioterapeuta e de terapeuta ocupacional atuando
em conjunto com os demais trabalhadores; participação comunitária; divulgação do
serviço; recursos financeiros que poderiam advir da emissão de Autorização de
Internação Hospitalar (AIH), já que efetuam internação domiciliar; problemas de
ineficácia da intersetorialidade; demanda aumentada na unidade de saúde; espaços
reais de discussão na equipe de trabalho; e suporte psicológico ao trabalhador.
São problemas que se encontram entrelaçados uns aos outros e que, em vista da
grande abrangência da área sob sua atenção são considerados muito determinantes e
condicionantes da demanda à unidade de saúde, o que compromete o todo do trabalho.
Uma proposta que foi moldada para uma área restrita, em um tempo histórico que
apresentava diferentes condições de vida e saúde, se vê, pela necessidade de garantir
acesso à saúde, na concepção de saúde como um direito de todo o cidadão brasileiro, a
ser ampliada pelos gestores municipais de Porto Alegre, para proporcionar cobertura a
242
toda a população, com o objetivo de terminar com os vazios assistenciais, sem,
contudo, estar estruturada para isso.
São questões macroestruturais interferindo no microprocesso de trabalho. A
política de saúde rege as ações desenvolvidas nos serviços de saúde, e os trabalhadores
precisam adaptar, transformar o seu modo de fazer as macrodeterminações. No caso da
unidade de saúde pesquisada, a política de saúde municipal teve um grande impacto na
prática, ocasionando mudanças no processo de trabalho pelo aumento da área de
abrangência e a conseqüente problemática na relação tempo de trabalho interno versus
tempo de trabalho externo à unidade.
Estar subordinado às políticas de saúde municipais, estaduais ou federais não
significa, necessariamente, manter-se em atitude passiva, visto que existem outros
determinantes das práticas de saúde como a união dos trabalhadores, os quais podem
se fortalecer ao atuarem em conjunto, concretamente integrados. Especificamente para
essa questão ressaltada, percebe-se que não houve uma mobilização do grupo de
trabalhadores no sentido de transformação da necessidade posta para a realidade dos
seus recursos e das suas condições de trabalho, a não ser a reivindicação de aumento
do quantitativo de trabalhadores.
Não basta, entretanto, apenas um maior número de profissionais formados no
modelo biomédico clássico. A perspectiva do cuidado integral aos indivíduos e a suas
famílias em suas demandas e formas singulares de adoecer e sofrer são questões que
precisam ser mais aprofundadas no cotidiano dos serviços em geral, e deste em
particular, provocando reflexões contínuas a esse respeito e capacitando os
trabalhadores a atuarem com base nessa filosofia de trabalho. Não resolve ter um
maior número de trabalhadores atuando somente na lógica do modelo clínico, sem
expandir sua visão e atenção para ações que contemplem a integralidade da atenção.
Porque o modelo de saúde que é sinalizado com o SUS precisa enfrentar a
problemática histórica de superação de um outro modelo inculcado na grande maioria
dos cursos de formação dos trabalhadores em saúde, que ainda não acompanhou a
concepção vigente de saúde do sistema de saúde atual e que também não encontra nos
serviços uma prática diferenciada desse modo tradicional de compreender o processo
de saúde e doença na população. Como pode ainda o paradigma flexneriano se manter
243
predominante diante da concepção de saúde assinalada na Constituição Federal do
Brasil, que diz que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado garantido
mediante medidas políticas e econômicas que visem à redução do risco de doenças e
de outros agravos? O trânsito do paradigma dominante para um outro que acompanhe
essa nova concepção - há que se admitir - encontra-se em processo. Contudo, há vários
interesses em jogo, e nem todos eles reforçam essa forma “tecnologicamente
específica de atenção, que envolve síntese de saberes e complexa integração de ações
individuais e coletivas, curativas e preventivas, assistenciais e educativas” (SALA;
NEMES; COHEN, 1998).
A adoção de um modelo de APS torna obrigatório esse aprofundamento da
discussão sobre a dicotomia, historicamente construída, entre intervenções individuais
e coletivas, entre a assistência clínica e as práticas de saúde comunitária. Faz-se
necessário repensar, nesse serviço, o papel dos saberes clínico e epidemiológico nas
intervenções em saúde e as mediações possíveis entre esses, de modo que a integração
desses dois corpus de conhecimento possibilite o planejamento de serviços e ações que
melhor respondam às necessidades de saúde da população.
Enquanto isso ocorre, as atividades que extrapolam o trabalho desenvolvido na
unidade de saúde, como a atenção domiciliária, encontram-se em possibilidade real e
crescente de perda de poder de efetividade.
Ao mesmo tempo em que uma política nacional interferiu de forma veemente
no trabalho, ao focalizar o processo de trabalho na atenção domiciliária, não se
percebeu uma micropolítica que garantisse ao trabalho lá executado uma articulação
das diversas finalidades, tais como a atenção à demanda espontânea e às condições
epidemiologicamente importantes, ou ainda, à boa qualidade do cuidado técnico e à
cobertura adequada da população adstrita (Starfield, 2002). Não foi identificada uma
política institucional que guiasse as unidades de saúde no tocante à atenção
domiciliária, tendo sido iniciado recentemente um movimento nesse sentido pelo
gestor do SSC, que relatou não ser esse um trabalho que possa ser realizado sozinho e
como uma política que venha de cima para baixo e, sim, deve ser uma ação coletiva,
elaborada a partir das práticas realizadas.
O fato de não se ter identificado uma política de trabalho em relação à atenção
244
domiciliária ressalta a possibilidade de que a mesma sequer esteja implícita na
operacionalização das ações cotidianamente desenvolvidas e, portanto, não tem
influenciado uma organização do trabalho que direcione as atividades, levando a ações
movidas pela capacidade de cada trabalhador a influenciar/operacionalizar os
pressupostos advindos da APS. Em vista disso observa-se os trabalhadores
desenvolvendo a prática da atenção domiciliária de forma diferenciada, como foi o
caso de uma das enfermeiras e uma das residentes de medicina que desenvolviam
processo educativo com os pacientes/familiares, enquanto os demais trabalhadores
observados não o faziam. Porque esse tipo de ação só faz quem acredita no resultado
do trabalho que pode advir desse tipo de ação, sendo o oposto também verdadeiro, ou
seja o trabalhador que não tem essa crença ou essa concepção da saúde desenvolve seu
trabalho menos articulado à uma ação integral de cuidado. Revela-se uma tensão
existente entre um trabalho centrado na atenção clínica individualizada e outro no seu
efeito sobre o conjunto de usuários.
Por isso entende-se que o modelo assistencial que originou a atenção
domiciliária na unidade de saúde em estudo deve ser resgatado, visando reduzir a
predominância do modelo clínico. O modelo de atenção clínico tem sido a tônica do
trabalho desenvolvido na atenção domiciliária, com ações direcionadas à corpos
doentes, e sem ações voltadas para promão da saúde e prevenção de doenças. O
trabalho realizado no domicílio, em geral, apresenta a mesma direção do trabalho
desenvolvido na unidade de saúde, apenas mudando o local de atendimento. Mesmo
constando no “Manual de Assistência Domiciliar” da unidade, uma divisão da
assistência domiciliária em quatro modalidades – visita domiciliar; assistência
domiciliar; internação domiciliar; e vigilância domiciliar – o trabalho restringe-se a
visitas domiciliares para: coleta de material para exames laboratoriais, administração
de medicação, imunização, avaliações emergenciais, controle de pressão arterial, etc.;
e assistência domiciliária direcionada aos pacientes acamados.
A concepção que rege o conjunto do trabalho da atenção domiciliária é a
assistência à saúde de usuários comprometidos em seu processo de vida e saúde por
acometimento de patologias e que precisam ser “curados” ou, pelo menos, mantidos
em seu estado atual de saúde. O pensamento dos trabalhadores, ao discutir atenção
245
domiciliária, é sempre este, o de uma atividade voltada a pacientes doentes ou
acamados, esquecendo-se de que a AD envolve outras formas de atenção, que não
necessariamente voltadas a um corpo, muito menos a um corpo doente. Pela
observação das atividades dos trabalhadores, não houve a assimilação da atenção
domiciliária na acepção considerada para este estudo, ou seja, de uma prática do
trabalho em saúde, que visa assistir ao indivíduo e à família no espaço domiciliar, de
forma integral e contextualizada, nos aspectos de promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação, promovendo uma integração dos diversos trabalhadores atuantes no
Sistema de Saúde para oferecer cuidado de saúde de acordo com as possibilidades do
serviço e as necessidades do cliente.
Cabe fazer ainda um resgate do quadro diferencial, em relação ao tipo de
atenção que vem desenvolvendo o serviço de atenção domiciliária da unidade de saúde
pesquisada junto aos seus usuários, dentro dos critérios estabelecidos por Starfield
(2002) como diferenciais, no tocante a enfoque, conteúdo, organização e
responsabilidade.
Em relação ao tópico enfoque, que, na atenção convencional volta-se para a
doença e a cura e na APS deve ser voltado para a saúde, com ações de prevenção,
atenção e cura, reflete-se que a atenção domiciliária vem distanciando-se da atenção
primária, uma vez que o foco tem sido para a doença e a cura.
Quanto ao conteúdo, também está mais direcionada para o tipo de atenção
convencional, pois, apesar de ser uma forma de atenção continuada, não tem sido
abrangente nem tem se preocupado com promoção da saúde, detendo-se mais amiúde
no tratamento e em problemas específicos.
No que se refere à organização, assume características de atenção primária, por
desenvolver-se não somente com médicos e, sim, com grupos de outros profissionais e
ter a figura de especialistas, mas em medicina de família e comunidade. Porém, não
desenvolvem o trabalho de atenção domiciliária em equipe, nem demonstram
efetivamente que dêem importância à questão da integração entre os trabalhadores,
realizando um trabalho bastante individualizado, com registros isolados e exíguos
espaços de discussão conjunta das abordagens realizadas. O trabalho tem sido de
equipe e não em equipe.
246
Pensando no aspecto de responsabilidade, em que a APS exige colaboração
intersetorial, participação da comunidade e auto-responsabilidade, percebe-se o
trabalho também muito direcionado para a atenção convencional, uma vez que a
intersetorialidade não vem acontecendo e a participação da comunidade é praticamente
nula. Apenas a questão da auto-responsabilização vem sendo atendida, não
apresentando uma recepção passiva, uma vez que a própria iniciativa de realizar
atenção domiciliária pode configurar-se como a tentativa de responsabilizarem-se pela
saúde de uma parcela da comunidade sem condições de buscar assistência na unidade
de saúde.
Quando a concepção de atenção primária à saúde foi abordada, neste estudo,
resgatando os conceitos que permeiam esse tema, foi verificado que o conceito mais
adequado à construção do SUS é aquele que a vê como estratégia de organização do
sistema de serviços de saúde. Essa interpretação da atenção primária à saúde como
estratégia implica articular a atenção primária à saúde dentro de um sistema integrado
de serviços de saúde, o que ainda não é uma realidade no nosso sistema de saúde
brasileiro. Esse nível de concepção também não é alcançado na unidade de saúde do
estudo, em que o trabalho está se apresentando no sentido de satisfazer as demandas da
população, restritas, porém, às ações de atenção de primeiro nível e sem haver uma
integração de serviços.
Na discussão dos indicadores, apresentados como resultados deste estudo, foi
promovida uma análise objetiva do processo de trabalho desenvolvido na atenção
domiciliária no que se refere à concretização dos princípios da APS e do SUS,
separadamente. Entende-se que o SUS foi e vem sendo operacionalizado no Brasil no
intuito de assegurar e garantir a realização efetiva da atenção à saúde em todos os
níveis assistenciais, com qualidade, e de uma atenção primária à saúde em
conformidade com a ampla concepção apresentada por Mendes (1999). Nesse sentido
serão feitas análises no intuito de apresentar a atenção domiciliária inserida nesse
contexto assistencial.
O SUS é um sistema de saúde universal, que rege e direciona as atividades de
todos os serviços públicos de saúde e, também, dos privados que prestam serviços ao
sistema de saúde nas questões não abrangidas pelos serviços públicos. Isso quer dizer
247
que ele é uma política nacional de serviços de saúde. E assim deve sê-lo em todos os
níveis assistenciais, incluindo a atenção primária à saúde. É possível apreender os
princípios do SUS em todos os princípios ordenadores da APS e por isso há essa
possibilidade de estabelecer uma conexão entre eles, de forma a tornar mais dinâmica
a apreensão dos resultados deste estudo.
O SSC do GHC, na sua operacionalidade, passa pela contradição de, ao exercer
uma política pública de saúde – portanto representar uma totalidade que tem como
finalidade garantir a realização efetiva da atenção à saúde no seu nível específico - não
concretizar, nesse serviço, os princípios da APS.
Na retomada dos princípios do SUS e da APS, foi efetuada uma ligação do tema
saúde como direito, universalidade e acesso aos serviços de saúde. A atenção
domiciliária desponta como uma tentativa de garantia de universalidade, ao mesmo
tempo em que se manifesta como uma contradição por delimitar a região de sua
abrangência. Se o princípio da universalidade, de uma forma de garantia de acesso e
do direito à saúde por parte de toda a comunidade está posto na própria existência do
serviço de atenção domiciliária, essa forma de atenção, ao ser pensada como um
processo de trabalho isolado dos demais princípios como a eqüidade, distancia-se
desse conceito. Por essa razão, não se pode pensar em princípios sendo efetivados
isoladamente. Todos são interligados e complementares.
A eqüidade é um princípio que se encontra em sintonia com a universalidade e
o acesso. A grande maioria dos participantes a conceituou no sentido de igualdade.
Referiram-se à eqüidade também na concepção de proporcionar acesso a quem mais
precisa, por meio da realização de atenção domiciliária nas áreas de risco. Nessa visão,
a prática da atenção domiciliária, por si só, apresenta um significado de contemplação
de um princípio do SUS.
Assim como a eqüidade, outros princípios acabam por serem considerados
como concretizados apenas pelo fato de existir um serviço de atenção domiciliária,
uma vez que o mesmo proporciona acesso a quem não tem condições de ir até uma
unidade de saúde, continuidade de atenção e o estabelecimento de uma relação pessoal
de longa duração. Mas, ao problematizá-los, surgem diferentes nuances que fazem
com que se perceba que tais princípios não são efetivamente realizados.
248
Por exemplo, perceber a saúde como direito não é somente garantir o acesso aos
serviços, mas, também, exercer e favorecer o controle social, os cidadãos se
considerarem e serem considerados como consumidores, bem como, favorecer
processos de avaliação dos serviços e dos trabalhadores. A participação comunitária
ainda não está consolidada na questão específica da atenção domiciliária. A população,
que conhece esse tipo de prática de trabalho, relaciona-se aos próprios usuários desta,
mas apresentam uma participação passiva no sentido de serem pacientes ou familiares
inseridos nesse serviço. A forma mais concreta de expressão da participação
comunitária é o controle social, que existe na unidade de saúde por meio do Conselho
Local de Saúde, mas que não tem se preocupado em discutir esse tipo de questão, isto
é, seus membros nem têm ciência do que é ou não desenvolvido e dos benefícios
buscados ou problemáticas enfrentadas para a realização da atenção domiciliária..
Também, apesar de terem ciência da importância do processo avaliativo
agregado e articulado à dinâmica específica dos processos de trabalho, não o fazem.
Garantir que a qualidade da atenção dispensada no interior dos serviços seja a melhor
possível e a mais adequada às necessidades da população é uma clara manifestação de
respeito aos direitos dos cidadãos à sua saúde e a de seus familiares.
A integralidade da assistência, que se mostra como um trabalho
multiprofissional, na verdade não é um trabalho desenvolvido por meio de relações
interpessoais e interprofissionais, no sentido de um trabalho realmente conjunto. Ela é
visualizada, também, na direção de uma contextualização do cuidado, pela assistência
estar sendo desenvolvida no espaço onde a vida dos usuários ocorre e nem tanto em
como ela ocorre.
A resolutividade desponta na direção do produto esperado no interior dos
processos de trabalho desenvolvidos, embasados no modelo clínico, ou seja, a cura de
corpos doentes ou, pelo menos, a reabilitação desses corpos. A intenção, na maioria
das vezes, ou melhor, da maioria dos trabalhadores, reside na solução de problemas
clínicos evidenciados, e com uma afirmativa da resolutividade alcançada, evitando
internação hospitalar dos pacientes assistidos em atenção domiciliária. Portanto há
uma visão distorcida por parte de usuários e trabalhadores do que seja, realmente,
resolutividade.
249
E, com esse tipo de abordagem, outro princípio torna-se distante do que é
preconizado: a focalização na família. Na prática de trabalho, os esforços estão
concentrados na realização do cuidado a um indivíduo doente ou acamado. Mesmo
com a convivência familiar gerada por meio desse atendimento individualizado no
domicílio, os demais membros da família não são contemplados com um cuidado
dirigido à sua saúde. Percebe-se um atendimento individualizado, direcionado para
uma pessoa em sua particularidade, e realizado no modelo clínico de atenção, com
enfoque em problemas ou queixas apresentadas, e não estendendo o cuidado aos
familiares. Se tivessem uma visão ampla do processo, de que a assistência não deve
permanecer naquele cuidado individualizado, mesmo que a finalidade imediata tenha
sido avaliar um paciente acometido por uma doença, ao dar início ao atendimento,
poderiam estar extrapolando a visão inicial e estendendo a atenção para os demais
componentes do agrupamento familiar.
A intersetorialidade, que faz parte tanto dos princípios do SUS quanto dos
princípios da APS, ainda é muito incipiente, faltando certa organização do sistema de
saúde como um todo, o qual não direciona a forma como esta deve ser consolidada e
acaba por deixar na responsabilidade dos trabalhadores individualmente a busca da sua
efetivação concreta. Isto se caracteriza como um problema para estes trabalhadores,
uma vez que a atenção à demanda de atendimento individual (sob forma de consultas,
visitas...) da comunidade já é algo que consome o seu tempo de trabalho.
Em relação à humanização da assistência, esta se manifesta por meio de atitudes
de respeito, de atenção, da escuta, do diálogo, da realização de grupos de lazer, do
fornecimento de atestado de óbito, enfim, da forma de tratamento com os usuários. Ao
mesmo tempo, não investigam o nível de satisfação da clientela assistida e não avaliam
a qualidade do cuidado prestado. Não deixam, porém, de buscar a solução para
qualquer problemática evidenciada pelos usuários e trazida a qualquer um dos
trabalhadores.
A coordenação também é um dos princípios que não se concretiza na sua
totalidade. É alcançada pela continuidade propiciada por meio da atenção domiciliária,
mas não o é em relação à desconsideração visualizada com a utilização do prontuário
familiar. A equipe de saúde trabalha, efetivamente, com dois prontuários: um, no
250
domicílio, utilizado pelo pessoal de enfermagem; e outro, no serviço, utilizado pelos
médicos. E nenhum desses profissionais conhece as anotações feitas pelo outro.
No âmbito da atenção primária à saúde, entende-se que a atenção domiciliária
contém uma perspectiva muito grande e concreta de integralidade da atenção aos
usuários do sistema de saúde. Porém, acredita-se que os demais níveis de atenção à
saúde também devam contemplar essa atividade, pois os benefícios desta à população
foram visualizados e percebe-se que a integralidade do cuidado poderia estar sendo
proporcionada por meio desta prática de trabalho, integrando os diversos níveis
assistenciais. Por intermédio de uma cooperação entre os diversos níveis assistenciais,
pode-se conseguir alcançar uma melhor qualidade assistencial e um nível de saúde
mais adequado à população.
Entende-se que, independente da complexidade da atenção que precisa ser feita,
a atenção domiciliária pode substituir a atenção hospitalar, no sentido de alta precoce
do hospital, ou pode ser desenvolvida a partir da rede básica para as questões de
acompanhamento e vigilância à saúde da comunidade. O interessante é que haja uma
complementaridade na atenção, abrangendo os processos de trabalho direcionados do
hospital para a rede básica e da rede para o hospital, não no sentido de uma referência
para atendimento, mas no sentido de um trabalho conjunto, complementar e integral.
A crença que se tem, já declarada no início deste estudo, é da atenção
domiciliária funcionando como instrumento de articulação entre as equipes de saúde,
como uma interface entre a atenção primária e o hospital, como uma integração entre
as diversas instâncias, os diferentes níveis assistenciais. Esse tipo de realidade não foi
encontrado na unidade de saúde estudada, porém, acredita-se que, se um princípio,
tanto do SUS quanto da APS, é a integralidade da assistência, a atenção não pode
ocorrer de forma isolada nos serviços e não pode parar quando o paciente sai do
hospital. A unidade de saúde pesquisada pertence ao SUS, e esse sistema de saúde
mantém-se em um processo de construção permanente, objetivando alcançar uma
mudança do paradigma de atenção à saúde. Nessa busca para que o sistema de saúde
torne-se eficaz, eficiente e de qualidade, considera-se imprescindível a cooperação
entre níveis assistenciais.
Efetuando um resgate da pergunta motivadora da presente pesquisa, relativa à
251
forma como a atenção domiciliária tem contribuído com a saúde da população, podem-
se fazer algumas considerações. Apesar de a prática da atenção domiciliária ainda
realizar seu processo de trabalho com foco na doença, ter como objeto de trabalho um
sujeito individual, enfatizar o cuidado curativo e não desenvolver ações intersetoriais
da forma desejada, ela tem se voltado para a prática de um trabalho de atenção
primária que busca resolutividade no primeiro contato, apresenta baixos custos, presta
atenção contínua e longitudinal, tem território definido, promove as relações
interpessoais (trabalhadores e usuários) e atua visando um cuidado humanizado.
A realização deste estudo, no momento em que abrigou uma reflexão geral
sobre o sistema de saúde e sua operacionalidade, oportunizou melhor conhecer a
inserção da prática de atenção domiciliária nesse contexto, como também as
possibilidades e limites de desenvolvimento da mesma. Certamente tal
aprofundamento operacional e conceitual servirá para facilitar o desenvolvimento, pela
pesquisadora, de trabalhos dessa natureza.
Ao se desvendar como se davam as conformações do trabalho na atenção
domiciliária, foram explicitadas algumas possibilidades de que este seja mais bem
desenvolvido, já que este momento, em que a forma e o conteúdo do trabalho tornam-
se mais objetivados, é visualizado como um potencial espaço de direcionamento para
uma avaliação e, conseqüentemente, uma possibilidade de transformação.
A análise efetuada serviu para demonstrar que trabalhadores, gestores e
usuários têm compreensão da atenção domiciliária como extremamente relevante para
a saúde da comunidade a que atende, porém não objetivam essa compreensão na sua
prática de trabalho. Essa forma de gestão do serviço tem possibilitado uma integração
insuficiente entre os sujeitos nele envolvidos e um trabalho desconectado da sua
filosofia, inicialmente traçada e referida nos discursos.
Para finalizar, são feitas sugestões, algumas das quais referidas em uma
publicação do Ministério da Saúde (BRASIL, 2002b), como objeto de investimento no
sentido de uma conversão do modelo assistencial, as quais são identificadas como
necessárias de atenção no serviço investigado, para que o trabalho possa servir como
estratégia de reorganização do Sistema de Saúde. São elas:
- articular as ações de prevenção, promoção e cuidado à saúde, no contexto da
252
atenção domiciliária;
- promover a incorporação da comunidade ao processo de planejamento,
controle e avaliação dos serviços;
- estabelecer as instâncias formais de coordenação intra e intersetoriais;
- desenvolver e/ou utilizar sistemas informatizados capazes de gerenciar as
informações referentes à produção de serviços, acompanhar o perfil de
morbimortalidade da clientela assistida e avaliar o impacto das ações sobre os
indicadores de saúde e de qualidade assistencial;
- desenvolver mecanismos de avaliação qualitativos do desempenho e da
qualidade da atenção prestada na perspectiva de uma atenção integral, com
intervenções preventivas, curativas e de promoção da saúde nas comunidades;
- instituir programas de readaptação, capacitação e revalorização dos
trabalhadores de saúde;
- promover educação permanente dos trabalhadores da saúde;
- promover formas de proporcionar suporte psicológico aos trabalhadores;
- promover estudos de efetividade relacionados aos resultados das intervenções
de saúde e impacto no estado de saúde de grupos populacionais;
- avaliar o grau de envolvimento de grupos comunitários, a participação social e
a satisfação dos usuários com o modelo adotado;
Em termos de futuras pesquisas, o campo da saúde comporta a possibilidade de
inúmeros estudos, principalmente envolvendo a temática da atenção domiciliária no
sistema público de saúde. Foi possível perceber que, no desempenho de atividades
comunitárias e de saúde pública, há uma deficiência grande na avaliação das práticas e
dos resultados dessas práticas.
Visualizam-se lacunas de conhecimento nos aspectos de avaliação da relação
custo/benefícios, dos índices de morbimortalidade, dos níveis de saúde alcançados,
entre outros. Em vista disso, sugere-se que estudos sejam desenvolvidos, comparando
grupos de seres humanos assistidos por meio da atenção domiciliária, com grupos que
não apresentam esse tipo de atenção à saúde; comparando pacientes assistidos em
nível hospitalar, com pacientes assistidos em nível domiciliar; analisando espaço de
tempo sem internação hospitalar de pacientes assistidos em atenção domiciliária; entre
253
outros.
Por fim, os indicadores de avaliação construídos para o estudo, os quais
serviram como importantes demarcadores no processo de “olhar” o trabalho
desenvolvido permitiram a consideração desse trabalho sob um determinado olhar:
aquele que diz respeito à filosofia trazida pelos pressupostos da Atenção Primária de
Saúde. Uma outra lógica encontraria, assim, por pressuposto, outros resultados. Essa
escolha, no entanto, foi embasada em uma certa opção política, da qual compartilha-se,
desde a concretização dos valores mais preciosos do movimento da Reforma Sanitária,
na VIII Conferência Nacional de Saúde. Sendo assim, esse indicadores são,
certamente, importantes marcos avaliativos para um serviço de saúde. Mas é sempre
bom lembrar que há sempre uma incompletude no que se produz hoje, tendo em vista
as possibilidades do amanhã....
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APÊNDICES
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
FORMULÁRIO PADRÃO - OBSERVAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SSC/HNSC
Unidade de Saúde: ___________________________________________________________
Data: ______________________________________________________________________
Horário de Início: ____________________________________________________________
Horário de Término: __________________________________________________________
Responsável: ________________________________________________________________
Local da Atividade: ___________________________________________________________
Profissional envolvido: ________________________________________________________
Tipo de atividade observada: ___________________________________________________
Observar detalhadamente as atividades desenvolvidas, incluindo o que é feito, como é
feito, quem faz, com quem é realizado, para que é realizado. Não esquecendo que a produção
tecnológica do trabalho em saúde é realizada na interação interpessoal e intragrupal. Desta
forma, o registro dos diálogos produzidos e suas intenções expressas nos atos e nas falas são
de extrema importância.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
ROTEIRO DE ENTREVISTA DOS TRABALHADORES
Data: ______________________________________________________________________
Identificação do sujeito entrevistado: _____________________________________________
Especificidade profissional: ____________________________________________________
(as questões referentes às diretrizes do Sistema Único de Saúde devem ser respondidas tanto
no nível micro quanto no macro, portanto, deve-se estar atento no momento da entrevista para
o caso da necessidade de solicitar a exploração dos conteúdos relativos a esses aspectos).
1. Por quê tu desenvolves o trabalho de assistência domiciliária (necessidades,
finalidade)?
2. Para quem desenvolves o trabalho de assistência domiciliária (objeto)?
3. O que tu precisas (meios) para desenvolver o trabalho de assistência domiciliária
(instrumentos)?
4. Qual o resultado final que consegues com a realização do trabalho de assistência
domiciliária (produto)?
5. Como percebes a questão da integralidade da assistência no interior do trabalho
desenvolvido em assistência domiciliária?
6. Como é desenvolvido o critério da universalidade no que diz respeito à assistência
domiciliária?
7. Como é desenvolvido o princípio da eqüidade no teu trabalho em assistência
domiciliária?
8. Como visualizas o desenvolvimento da resolutividade no teu trabalho em assistência
domiciliária?
9. A intersetorialidade é desenvolvida no trabalho que realizas em assistência
domiciliária? De que forma?
274
10. Como é desenvolvida a humanização do atendimento no teu trabalho na assistência
domiciliária?
11. Como percebes a participação social no trabalho que desenvolves na assistência
domiciliária?
12. Quais são os limites que você identifica no trabalho que desenvolves em assistência
domiciliária, para contribuição na saúde da população?
13. Quais as facilidades que você identifica no trabalho que desenvolves em assistência
domiciliária na contribuição da saúde da população?
14. Dentro das atividades desenvolvidas no serviço de assistência domiciliária, apresente
aquelas relativas a avaliação do serviço e dos trabalhadores. Fale um pouco sobre como é
desenvolvido o processo de avaliação: (investigar se os trabalhadores são incluídos no
processo de avaliação, se os resultados das avaliações são divulgados, se há uma
sistematicidade nas avaliações)
15. Discorra como é realizado o acompanhamento da satisfação dos usuários com o
serviço de assistência domiciliária?
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O GESTOR
Data: ______________________________________________________________________
Identificação do sujeito entrevistado: _____________________________________________
Especificidade profissional: ____________________________________________________
(as questões referentes às diretrizes do Sistema Único de Saúde devem ser respondidas tanto
no nível micro quanto no macro, portanto, deve-se estar atento no momento da entrevista para
o caso da necessidade de solicitar a exploração dos conteúdos relativos a esses aspectos).
1. Por quê é desenvolvido o trabalho de assistência domiciliária (necessidades,
finalidade)?
2. Para quem é desenvolvido o trabalho de assistência domiciliária (objeto)?
3. O que é preciso (meios) para ser desenvolvido o trabalho de assistência domiciliária
(instrumentos)?
4. Qual o resultado final que é conseguido com a realização do trabalho de assistência
domiciliária (produto)?
5. Como percebes a questão da integralidade da assistência no interior do trabalho
desenvolvido em assistência domiciliária?
6. Como é desenvolvido o critério da universalidade na assistência domiciliária?
7. Como é desenvolvido o princípio da eqüidade no teu trabalho em assistência
domiciliária?
8 .Como visualizas o desenvolvimento da resolutividade no trabalho desenvolvido em
assistência domiciliária?
9. A intersetorialidade é desenvolvida no trabalho desenvolvido em assistência
domiciliária? De que forma?
276
10. Como é desenvolvida a humanização do atendimento no trabalho na assistência
domiciliária?
11. Como percebes a participação social no trabalho desenvolvido na assistência
domiciliária?
12. Quais são os limites que você identifica no serviço de assistência domiciliária, para a
contribuição na saúde da população?
13. Quais as facilidades que você identifica no serviço de assistência domiciliária na
contribuição da saúde da população?
14. Dentro das atividades desenvolvidas no serviço de assistência domiciliária, apresente
aquelas relativas a avaliação do serviço e dos trabalhadores. Fale um pouco sobre como é
desenvolvido o processo de avaliação:
15. Discorra como é realizado o acompanhamento da satisfação dos usuários com o
serviço de assistência domiciliária?
16. O serviço possui alguma política explicitada em algum documento? Qual? (se resposta
negativa, investigar como trabalham, quem determina a forma de trabalho, quem
determina prioridades, se existe autonomia da unidade na definição do trabalho, se precisa
levar ao conselho gestor qualquer transformação)
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CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE D
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O USUÁRIO
Data: ______________________________________________________________________
Identificação do sujeito entrevistado: _____________________________________________
1. Por quê você e sua família recebem assistência domiciliária (necessidades, finalidade)?
2. Qual o resultado final que é conseguido com a realização do trabalho de assistência
domiciliária (produto)?
3. Como você percebe o seu atendimento em relação a satisfação de todas as suas
necessidades?
4. Como é desenvolvido o atendimento integral seu e de sua família na assistência
domiciliária?(explicar o sentido de integralidade)
5. Como você percebe o trabalho que é desenvolvido em relação à igualdade/eqüidade de
atendimento para todos os usuários do SUS na assistência domiciliária?
6. Como visualizas o desenvolvimento da resolutividade na assistência domiciliária
prestada a você?
7. Você utiliza outros serviços de saúde ou é encaminhado a outros setores para resolver
suas necessidades? De que forma?
8. Como você percebe a humanização do seu atendimento na assistência domiciliária?
9. Como percebes a tua participação, da tua família e da comunidade no trabalho que é
desenvolvido pela equipe de assistência domiciliária?
10. Quais são as dificuldades que você identifica no serviço de assistência domiciliária,
para contribuição na sua saúde e da sua família?
278
11. Quais as facilidades que você identifica no serviço de assistência domiciliária na
contribuição da sua saúde e da sua família?
12. Você sabe se o serviço de assistência domiciliária faz algum tipo de avaliação?
(investigar se ele participa desse processo)
13. Alguma vez já lhe perguntaram sobre sua satisfação com o serviço realizado pela
equipe de assistência domiciliária? (freqüência)
APÊNDICE E
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
AUTORIZAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA
Rio Grande, 24 de outubro de 2005.
Eu, Valéria Lerch Lunardi, Chefe do Departamento de Enfermagem da FURG,
apresento a Enfermeira Nalú Pereira da Costa Kerber, professora deste Departamento e aluna
do Curso de Doutorado em Enfermagem, área de concentração “Filosofia, Saúde e
Sociedade”, da UFSC, que está desenvolvendo a tese: “A Assistência Domiciliária
desenvolvida na rede pública de serviços de saúde: uma análise de suas implicações na
saúde da população”. O objetivo desta pesquisa é: analisar uma iniciativa bem sucedida de
assistência domiciliária do sistema público de saúde, visando refletir de que forma esta tem
contribuído na situação de saúde da população. O projeto passará no Comitê de ética em
Pesquisa da UFSC, sendo efetuada sua operacionalização somente após a aprovação deste
comitê. A pesquisadora seguirá todas as determinações da Lei 196/96, do CNS, a qual orienta
sobre as pesquisas envolvendo seres humanos. Solicito autorização para que a doutoranda
possa coletar os dados para a pesquisa proposta na sua Instituição.
Atenciosamente.
_________________________________________
Valéria Lerch Lunardi
Chefe do Departamento de Enfermagem da FURG
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE F
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
TRABALHADORES E GESTORES
A aluna do Curso de Doutorado em Enfermagem, na área de “Filosofia, Saúde e
Sociedade” do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, Nalú Pereira da Costa Kerber, estará desenvolvendo a
pesquisa “A ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA DESENVOLVIDA NA REDE PÚBLICA
DE SERVIÇOS DE SAÚDE: uma análise de suas implicações na saúde da população”.
O objetivo deste estudo é:
- Analisar uma iniciativa bem sucedida de assistência domiciliária que vem sendo
desenvolvida no sistema público de saúde, visando refletir de que forma esta tem
contribuído na situação de saúde da população assistida.
Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa que será desenvolvida no
período de 10 de abril de 2006 a 30 de julho de 2006, após a aprovação dos Comitês de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos do Grupo Hospitalar Conceição e da UFSC. Embora não
haja benefícios diretos para a sua participação nesta pesquisa, ela oferecerá a você a
oportunidade de refletir sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido na assistência
domiciliária. Dada a carência de estudo nesta área, a sua participação é inestimável, por nos
auxiliar a melhor compreender o processo de trabalho em assistência domiciliária.
No caso de você ser um trabalhador vinculado diretamente à assistência, sua participação
nesta pesquisa implicará em duas etapas: observação do trabalho desenvolvido e entrevista.
Em caso de ser um gestor do serviço realizado, sua participação restringir-se-á à entrevista. A
primeira etapa se dará através da
observação de um dia seu de trabalho na assistência domiciliária, na qual estaremos
buscando a visualização dos elementos do processo de trabalho presentes no seu dia-a-dia e a
forma como se apresentam as diretrizes do Sistema Único de Saúde. O dia da observação será
decidido por você, respeitando o prazo estipulado para a realização da pesquisa.
A segunda etapa será a sua participação em uma entrevista que durará mais ou menos uma
hora e será gravada com o seu consentimento. Esta entrevista poderá ocorrer em uma sala no
seu local de trabalho ou outro lugar de sua escolha. Durante a entrevista lhe serão feitas
281
quinze perguntas relacionadas à sua prática na assistência domiciliária e as relações desta com
as diretrizes do Sistema Único de Saúde.
A entrevista e relato da observação realizada, que serão anotadas pela pesquisadora, serão
entregues a você para a devida validação dos dados. O resultado final desta pesquisa será
também disponibilizado a todos os participantes.
Todas as informações obtidas permanecerão confidenciais, sendo utilizado um nome
código para manter o seu anonimato nas informações e no relatório da pesquisa e serão usadas
somente para este estudo. Durante o estudo e após o seu término, todas as informações serão
guardadas com a pesquisadora, com o acesso somente pela pesquisadora e suas orientadora e
co-orientadora.
Sua participação nesta pesquisa é completamente voluntária. Sua decisão de não participar
ou se retirar em qualquer momento não terá qualquer implicação para você. Todos os
procedimentos da pesquisa não trarão qualquer risco à sua vida e a sua saúde, mas esperamos
que tragam benefícios em função das discussões que serão realizadas. Caso você tiver ainda
alguma outra dúvida em relação à pesquisa, ou quiser desistir em qualquer momento, poderá
comunicar-se pelos telefones abaixo.
Pesquisador: NALÚ PEREIRA DA COSTA KERBER. Fone: (53) 3232-6108 ou (53) 9975
9449.
Orientador: Dra. ANA LÚCIA CARDOSO KIRCHHOF. Fone: (48) 334 5164
Co-Orientador: Dra. MARTA REGINA CEZAR VAZ. Fone: (53) 3232 2329.
Assinatura:______________________________________________________
Eu, ____________________________________________________, fui esclarecido(a)
sobre a pesquisa: “A ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA DESENVOLVIDA NA REDE
PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE: uma análise de suas implicações na saúde da
população” e concordo em participar dela e que os meus dados sejam utilizados na realização
da mesma.
Porto Alegre, ______de ______________ de 2006.
Assinatura: _________________________________ RG: __________________
Nota: O presente Termo terá duas vias, uma ficará à guarda da pesquisadora e a outra via é
da posse do(a) próprio(a) participante da pesquisa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
APÊNDICE G
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM – CURSO DE DOUTORADO
EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
USUÁRIOS
A aluna do Curso de Doutorado em Enfermagem, na área de “Filosofia, Saúde e
Sociedade” do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, Nalú Pereira da Costa Kerber, estará desenvolvendo a
pesquisa “A ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA DESENVOLVIDA NA REDE PÚBLICA
DE SERVIÇOS DE SAÚDE: uma análise de suas implicações na saúde da população”.
O objetivo deste estudo é:
- Analisar uma iniciativa bem sucedida de assistência domiciliária que vem sendo
desenvolvida no sistema público de saúde, visando refletir de que forma esta tem
contribuído na situação de saúde da população assistida.
Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa que será desenvolvida no
período de 10 de abril a 30 de julho de 2006, após a aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos do Grupo Hospitalar Conceição. Embora não haja benefícios
diretos para a sua participação nesta pesquisa, ela oferecerá a você a oportunidade de refletir
sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido na assistência domiciliária. Dada a carência de
estudo nesta área, a sua participação é inestimável, por nos auxiliar a melhor compreender o
processo de trabalho em assistência domiciliária.
Sua participação nesta pesquisa implicará em duas etapas: observação do trabalho
desenvolvido com você pela equipe de assistência domiciliária e entrevista. A primeira etapa
se dará através da
observação do cuidado prestado a você e sua família pela equipe de assistência
domiciliária, na qual estaremos buscando a visualização dos elementos do processo de
trabalho presentes no seu dia-a-dia e a forma como se apresentam as diretrizes do Sistema
Único de Saúde. A observação será realizada em um dia de assistência domiciliária agendada
pela equipe.
A segunda etapa será a sua participação em uma entrevista que durará mais ou menos uma
hora e será gravada com o seu consentimento. Esta entrevista poderá ocorrer em sua casa ou
na unidade de saúde, se você preferir. Durante a entrevista lhe serão feitas treze perguntas
relacionadas à assistência domiciliária prestada a você e sua família e os benefícios e limites
dessa assistência.
283
Todas as informações obtidas permanecerão confidenciais, sendo utilizado um nome
código para manter o seu anonimato nas informações e no relatório da pesquisa e serão usadas
somente para este estudo. Durante o estudo e após o seu término, todas as informações serão
guardadas com a pesquisadora, com o acesso somente pela pesquisadora e suas orientadora e
co-orientadora.
Sua participação nesta pesquisa é completamente voluntária. Sua decisão de não participar
ou se retirar em qualquer momento não terá qualquer implicação para você. Todos os
procedimentos da pesquisa não trarão qualquer risco à sua vida e a sua saúde, mas esperamos
que tragam benefícios em função das discussões que serão realizadas. Caso você tiver ainda
alguma outra dúvida em relação à pesquisa, ou quiser desistir em qualquer momento, poderá
comunicar-se pelos telefones abaixo.
Pesquisador: NALÚ PEREIRA DA COSTA KERBER. Fone: (53) 3232-6108 ou (53) 9975
9449.
Orientador: Dra. ANA LÚCIA CARDOSO KIRCHHOF. Fone: (48) 334 5164
Co-Orientador: Dra. MARTA REGINA CEZAR VAZ. Fone: (53) 3232 2329.
Assinatura:__________________________________________________
Eu, ____________________________________________________, fui esclarecido(a)
sobre a pesquisa: “A ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA DESENVOLVIDA NA REDE
PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE: uma análise de suas implicações na saúde da
população” e concordo em participar dela e que os meus dados sejam utilizados na realização
da mesma.
Porto Alegre, ______de ______________ de 2006.
Assinatura: _________________________________ RG: __________________
Nota: O presente Termo terá duas vias, uma ficará à guarda da pesquisadora e a outra via é
da posse do(a) próprio(a) participante da pesquisa.
ANEXOS
ANEXO 1
ANEXO 2
Parecer do Conselho de Ética do GHC
ANEXO 3
Modelo de check-in-list utilizado no SSC-GHC
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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