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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E SOCIEDADE
EVELY MARLENE PEREIRA KOLLER
DA VULNERABILIDADE AO PROTAGONISMO:
PROFISSIONAIS DO SEXO E CAMINHONEIROS FRENTE À AIDS
2007
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EVELY MARLENE PEREIRA KOLLER
DA VULNERABILIDADE AO PROTAGONISMO:
PROFISSIONAIS DO SEXO E CAMINHONEIROS FRENTE À AIDS
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito final para obtenção do
título de Doutora em Enfermagem – Área de
Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade.
Linha de Pesquisa: Filosofia e Ética em Saúde e
Enfermagem
Orientadora: Dra. Flávia Regina Souza Ramos
2007
© Copyright 2007 – Evely Marlene Pereira Koller.
Ficha Catalográfica
K81v Koller, Evely Marlene Pereira
Da Vulnerabilidade ao Protagonismo: profissionais do sexo e
caminhoneiros frente à AIDS / Evely Marlene Pereira Koller — Florianópolis
(SC): UFSC/PEN, 2007.
202 p. il.
Inclui bibliografia.
Possui Quadros e Mapas.
1. Saúde Epidemiologia. 2. AIDS HIV. 3. Pesquisa - Etnografia. I.
Autor.
CDD 21ª ed. – 362.109 81
Catalogado na fonte por Lidyani Mangrich dos Passos – CRB14/697 – ACB439.
Homenagem
Á Paulo Junqueira de Aguiar (in memoriam) Coordenador
do Programa de Prevenção à Aids do Ministério da
Saúde, quem me despertou a necessidade do trabalho com
populações vulneráveis.
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
Em primeiro lugar, a Deus – Aquele que torna tudo possível.
Ao Meu pai Salvador (in memoriam) e a minha mãe Maud da Cunha Pereira, pela formação que me deram.
Ao meu companheiro Osvino Leonardo, pelo amor, compreensão e, sobretudo paciência em todas as horas.
Aos meus filhos Alexandre Augusto, pelas traduções; Felipe Leonardo, pelo suporte técnico em computação;
e a Larissa Helena, por ter me proporcionado, durante a trajetória do curso, a alegria de ser avó de Maria
Luísa.
Á minha irmã Eleide, colega de profissão e de trabalho, pela disponibilidade, incentivo, e tempo para me
ouvir.
À Dra Flávia Regina Souza Ramos, orientadora e amiga, pela acolhida em todos os momentos e por guiar-
me com firmeza nesta jornada.
Aos colegas da Turma de Doutorado 2003, em especial a Gladys Brodersen, com quem compartilhei
momentos de estudo, as viagens de ida e volta a Florianópolis, a amizade.
Aos s colegas do Grupo PRÁXIS – Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Saúde,Trabalho e Cidadania, pelo
maravilhoso espaço de debate e crescimento profissional,além das contribuições feitas a este estudo.
Às amigas Maria Hipólita Portilho Soares, Márcia Dalago Cunha, Andréa Wolf, pela colaboração no
trabalho de campo.
À minha amiga Nalba Lima de Souza, pela correção ortográfica e aprimoramento do texto.
Á amiga Rosangela Borba, pelo constante intercâmbio de idéias.
Á Universidade do Vale do Itajaí, nas pessoas de Arlete Terezinha Besen Soprano, Heloisa Beatriz
Machado, Águeda Lenita Wendhausen, o que oportunizou o desenvolvimento deste trabalho.
À APROSVI- Associação de Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí, por possibilitar a minha participação
com pesquisadora, no processo de emancipação política na trajetória da Associação.
Ao SEST/SENAT e Porto de Itajaí, pela oportunidade da realização dos trabalhos de campo.
Ás secretarias de saúde de Balneário Camboriú, nas pessoas do Secretário de Saúde Celso Golim, Leila
Gaebler e, em Itajaí secretária de Saúde Nausicaa Morastoni, Marisa da Rocha, pela abertura para circular
pelos serviços.
Ao Programa Municipal de Aids de Itajaí, nas pessoas de Rosalie Kupka Knoll e equipe Bem Me Quer pela
colaboração nos trabalhos de campo.
Aos membros da Banca de Qualificação, pelas valiosas contribuições, na construção do trabalho.
Aos membros da Banca de Defesa pela disponibilidade que demonstraram ao meu convite para análise do
relatório final da pesquisa e pelas contribuições ao seu aprimoramento.
Aos caminhoneiros e profissionais do sexo, minha sincera gratidão.
Ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, pela
oportunidade de aprendizado.
KOLLER, Evely Marlene Pereira. Da vulnerabilidade ao protagonismo: pro-
fissionais do sexo e caminhoneiros frente à aids, 2007. Tese (Doutorado em
Enfermagem) Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis. 202 p.
Área de Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade
Linha de Pesquisa:
Filosofia e Ética em Saúde e Enfermagem
Orientadora: Dra. Flávia Regina Souza Ramos
RESUMO
Analisar a relação entre vulnerabilidade e protagonismo a partir da experiência
de profissionais do sexo e caminhoneiros frente à aids foi o objetivo deste estudo. O
desenho desta pesquisa caracteriza-se pela metodologia RARE (Rapid Assessment,
Response and Evaluation), a qual utiliza Epidemiologia, Etnografia e dados já
disponíveis num determinado contexto, para obtenção de informações importantes
acerca de populações vulneráveis e de difícil acesso. Vem sendo empregada para a
obtenção de informações rápidas, onde não existam dados suficientes para que
programas, intervenções ou políticas de prevenção sejam mais eficazes para
determinada população. O total de sujeitos acessados diretamente foi de 69 indivíduos,
através de diferentes técnicas. Os temas focados foram local/condição de trabalho,
acesso a serviços de saúde, gênero e saúde. Os resultados após a triangulação de dados
apontam para a existência de deficiências no acesso dessas populações a serviços de
saúde, colaborando com a manutenção da vulnerabilidade social. A preferência de
grande quantidade de caminhoneiros por relacionamentos com travestis expõe a
bissexualidade e a necessidade de maior poder de barganha no sexo protegido da
parceria fixa, bem como necessidade para os serviços de prevenção incluírem essa
opção sexual como meta de prevenção, utilizando a abordagem de gênero. O número
de caminhoneiros que pretende/realiza relações sexuais com profissionais do sexo sem
proteção continua motivo de preocupação na disseminação da epidemia HIV/AIDS; o
uso de camisinha, embora relatado como freqüente e consistente, na prática ainda se
configuram como elemento distante da prática sexual cotidiana. O consumo de álcool,
rebites é freqüente entre caminhoneiros e estes se percebem sem liderança que
promova seu empoderamento. O uso do Rebites é admitido pelos caminhoneiros e
empresários do setor de transportes com uma “certa naturalidade”. Os tomadores de
decisão em políticas públicas têm consciência da problemática, todavia não promovem
encontros entre os diversos serviços que prestam assistência a essas populações, para o
planejamento de políticas públicas adequadas, que acolham, promovam saúde,
atendam às próprias populações móveis em suas reivindicações e diminuam os índices
de contaminação ao HIV/aids, demais doenças infecciosas e agravos à saúde. Os
profissionais do sexo na região estão organizados através da APROSVI
*
, que luta pelo
próprio reconhecimento e afirmação envolvendo grande número de atores sociais além
*
Associação dos profissionais do sexo do Vale do Itajaí.
8
dos próprios profissionais do sexo. Apesar de inúmeras dificuldades, o acesso a
serviços de saúde pelos profissionais do sexo está melhor do que para os
caminhoneiros. O estudo recomenda que sejam realizadas campanhas de
conscientização para os profissionais do sexo, enfatizando-se o uso correto do
preservativo, a necessidade de uso incondicional e a possibilidade de empoderamento
– para que consigam negociar o uso com os clientes sem sofrerem as conseqüências da
violência. A divulgação sobre locais de distribuição gratuita de preservativos carece de
maior divulgação, ao longo das principais rodovias e nos postos de combustíveis de
paradas mais freqüentados. A “quota” de preservativos distribuída necessita ser
revista. Parcerias entre serviços públicos de saúde, centros formadores de profissionais
de saúde, ONGs e demais segmentos da sociedade civil são desejadas a fim de
promover o protagonismo entre as populações vulneráveis.
Descritores: vulnerabilidade, protagonismo/advocacy, caminhoneiros e profissionais
do sexo, aids.
KOLLER, Evely Marlene Pereira. From vulnerability to protagonism, sex
professionals and truck drivers against aids, 2007. Thesis – Pos-Graduation
Program on Nursery at Federal University of Santa Catarina, Florianópolis. 202p.
ABSTRACT
Analyzing the relationship between vulnerability and protagonism on sex
professionals and truck drivers experience with aids was the objective of this study.
The design of this project was based on the RARE (Rapid Assessment Response and
Evaluation) methodology, which uses Epidemiology, Ethnography and available data
in a given context to obtain important information about vulnerable and hard reachable
populations. It has been used to obtain quick information when there are not enough
data so that prevention programs, interventions or politics could be more effective to a
determined population. The number of individuals directly accessed was 69, through
different techniques. The focused themes were place/condition of working, access to
health services, gender and health. The results, after data triangulation, indicate the
existence of deficiencies on the access of these populations to health services,
collaborating to the maintenance of their social vulnerability. The preference of a great
number of truck drivers on having relationships with travesties exposes bisexuality and
the need of a higher bargain power on safe sex with the regular partner, as well as the
need of prevention services considerate this sexual option as a prevention objective,
using gender approach. The number of truck drivers which intends/have sexual
relations with sex professionals without protection is still a reason to worry about on
epidemic dissemination of HIV/AIDS; the use of condoms, although related as
frequent and regular, is actually steel a distant element on daily sexual practice. The
use of alcohol and stimulants is recurrent among truck drivers and they find
themselves without a leadership which promotes their empowerment. The use of
stimulants is acceptable among truck drivers and transport entrepreneurs as a “kind of
natural”. The decision makers in public politics are conscious of this problematic,
however do not organize meetings with the many care services which attend those
populations, to plan adequate public politics to take care, promote health and attend
even the claims of the mobile populations and reduce the incidence of contamination
of HIV/AIDS, other infectious diseases and health injuries. Local sex professionals are
organized on ASPROVI
, which fights for their recognition and affirmations,
involving a great number of social actors including sex professionals themselves.
Despite uncountable difficulties, the access to public health service by sex
professionals is easier than to truck drivers. This study recommends that campaigns be
organized to aware sex professionals to the correct use of preservatives, the need of its
unconditional use and the possibility of empowerment – so that they could negotiate
its use in relations with their clients without having consequences of violence. The
announcing of places of free distribution of preservatives need more publicity, along
Sex Professionals’ Association of Itajaí Valley.
10
the main roads and gas stations of the most frequented stops. The share of distributed
preservatives must be reviewed. Join ventures among public health services, health
professionals training centers, NGOs and other civil society segments are desirable as
a way to promote protagonism among vulnerable populations.
Key-words: vulnerability, protagonism/advocacy, truck drivers and sex professionals,
aids.
KOLLER, Evely Marlene Pereira. De la vulnerabilidad al protagonismo,
profesionales del sexo y camioneros frente al Sida, 2007. Tesis.- Programa de pos-
grado en Enfermería de la Universidad Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 202p.
RESUMEN
Analizar la relación entre vulnerabilidad y protagonismo a partir de la
experiencia de profesionales del sexo y camioneros frente al Sida, fue el objetivo de
ese estudio. El diseño de de esta investigación se caracteriza por la metodología RARE
(Rapid Assessment, Response and Evaluation), la cual utiliza la Epidemiología,
Etnografía y datos ya disponibles en un determinado contexto, para la obtención de
informaciones importantes referentes a poblaciones vulnerables y de difícil acceso. Se
está empleando para la obtención de informaciones rápidas, donde no existen datos
suficientes para que programas, intervenciones o políticas de prevención, sean más
eficaces para determinada población. El total de sujetos tratados fue de 69 individuos,
a través de diferentes técnicas. Los temas enfocados fueron local/condición de trabajo,
acceso a servicios de salud género y salud. Los resultados después de la triangulación
de datos, apuntan a la existencia de deficiencias en el acceso de esas poblaciones a
servicios de salud, colaborando con la manutención de la vulnerabilidad social. La
preferencia de gran cantidad de camioneros de relacionarse con travestis, expone la
bisexualidad y la necesidad de mayor cuidado para el sexo protegido con la compañía
fija, como así también la necesidad para los servicios de prevención, incluyan esa
opción sexual como meta de prevención, utilizando el abordaje de género. El número
de camioneros que pretende/realiza relaciones sexuales con profesionales del sexo sin
protección continúa siendo un problema de preocupación en la diseminación de la
epidemia del HIV/Sida, el uso de profilácticos, si bien es relatado como frecuente y
consistente, en la práctica son elementos bien distantes de la práctica sexual cotidiana.
El consumo de alcohol y energéticos, es frecuente entre los camioneros y estos se
perciben sin liderazgo si no los consumen. El uso de la anfetamina es admitido por los
camioneros y empresarios del sector del transporte con una “cierta naturalidad”.
Quienes toman las decisiones en políticas públicas, tienen conciencia de la
problemática, no obstante, no promueven encuentros entre los diversos servicios que
prestan asistencia a esas poblaciones, para el planeamiento de políticas públicas
adecuadas, que acojan y promuevan salud, atiendan a las propias poblaciones móviles
y sus reivindicaciones y disminuyan los índices de contaminación del HIV/Sida,
demás enfermedades infecciosas y atentados en contra de la salud. Los profesionales
del sexo de la región están organizando a través de la APROSVI
, que lucha para su
reconocimiento, envolviendo gran número de actores sociales, además de los propios
profesionales del sexo. No obstante las innúmeras dificultades, el acceso a servicios de
salud por los profesionales del sexo está mejorando respecto al de los camioneros. El
estudio recomienda que sean utilizadas campañas de concientización para los
profesionales del sexo, destacando el uso correcto de preservativos, la necesidad de
Asociación de los Profesionales del Sexo del Valle de Itajaí.
12
uso incondicional y la posibilidad de empoderamiento, para que consigan negociar el
uso sin sufrir violencia, como consecuencia. La divulgación sobre locales de
distribución gratuita de preservativos, carece de mayor divulgación en las carreteras y
gasolinerías de detención más frecuentes. La “cuota” de preservativos distribuidos
debería ser revista. Convenios entre servicios públicos de salud, centros formadores de
profesionales de la salud, ONG y demás segmentos de la sociedad civil, son deseados
a fin de promover el protagonismo entre las poblaciones vulnerables.
Descriptores: vulnerabilidad, protagonismo/advocacy, camioneros y profesionales del
sexo, Sida.
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
ASICAL - Associação para Saúde e Cidadania Integral na América Latina e Caribe.
AMFRI - Associação dos Municípios da Foz do Itajaí-Açú.
APROSVI - Associação de Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí.
DST - Doença Sexualmente Transmissível.
CDC - Centro de Controle e Prevenção de Doenças (EUA).
CNDST/AIDS - Coordenação Nacional/DST/AIDS.
CNT - Confederação Nacional de Transportes.
CODIM - Centro de Diagnose Municipal.
DVE - Departamento de vigilância epidemiológica.
GLTB - Ga
ys, lésbicas, transexuais e bissexuais.
HIV- Vírus da Imunodeficiência Adquirida.
HSH - Homens que fazem sexo com homens.
IST- Infecção sexualmente transmissível.
INST - Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador.
IPPF - International Planned Parenthood Federation.
NPRF/SC - Núcleo de Comunicação Social da Polícia Rodoviária Federal de Santa
Catarina.
NAFTA - North American Freee Trade Agreement- Acordo de Livre Comércio da
América do Norte.
MONITORaids - Sistema Nacional de Monitoramento em Aids.
OIT - Organização Internacional do Trabalho.
ONG - Organização Não Governamental.
PACT - Organização Internacional sem fins lucrativos. Trabalha para o
empoderamento de grupos em vulnerabilidade,gênero e microcrédito.
PN-DST/Aids - Programa Nacional de DST/Aids do Ministério de Saúde do Brasil.
PRF SC - Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina.
SEST – Serviço Social do Transporte.
14
SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem.
SUS- Sistema - Único de Saúde.
SVS - Secretaria de Vigilância em Saúde.
UNAIDS - Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS.
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí.
UNESCO - Programa Conjunto das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
WHO/OMS - Word Health Organisation / Organização Mundial de Saúde.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Operacionalização Metodológica ....................................................................72
Quadro 2: Demonstrativo dos dados coletados na Pesquisa “Da Vulnerabilidade ao
Protagonis
mo: Profissionais do Sexo e Caminhoneiros frente à aids”.......................74
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS ................................................................................................... 15
I O OBJETO DE ESTUDO ............................................................................................18
1.1 Exploração inicial.......................................................................................................18
1.2 Políticas em HIV/Aids................................................................................................23
1.3 Profissionais do Sexo e Caminhoneiros Frente à Aids............................................32
II REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: UMA POSSIBILIDADE DE
ABORDAGEM DO OBJETO
.........................................................................................46
2.1 Os significados de Vulnerabilidade na perspectiva dos participantes...................46
2.2 Evolução e implicações éticas do concei
to de vulnerabilidade em saúde..............50
2.2.1 Vulnerabilidade Individual........................................................................................ 52
2.2.2 Vulnerabilidade Social ..............................................................................................53
2.2.3 Vulnerabilidade Programática ...................................................................................53
2.3 Conceitos e práticas no enfrentamento da vulnerabil
idade à aids – Protagonismo
e Advocacy.........................................................................................................................55
2.4 Gênero e saúde...........................................................................................................60
III ASPECTOS OPERACIONAIS DO ESTUDO........................................................67
3.1 Desenho Metodológico...............................................................................................67
3.2 Descrição do Campo e Sujeitos da Pesquisa ...........................................................73
3.3 Detalhamento da coleta de dados.............................................................................76
3.3.1 Dados pré-existentes..................................................................................................77
3.3.2 Mapeamento ..............................................................................................................78
3.3.3 Observações de campo ..............................................................................................78
3.3.4 Grupos focais............................................................................................................. 79
3.3.5 Entrevistas em profundidade .....................................................................................80
3.4 Análise e Interpretação dos Dados............................................................................81
3.5 Aspectos éticos do estudo..........................................................................................84
IV OS SIGNIFICADOS DA VULNERABILIDADE NA PERSPECTIVA DOS
PARTI
CIPANTES............................................................................................................86
4.1 Interface entre profissionais do sexo e caminhonei
ros na produção da
vulnerabilidade a aids ......................................................................................................88
4.1.1 Práticas sexuais e segurança frente a AIDS ..............................................................92
4.1.2 Sexo desprotegido com profisionais do sexo ............................................................94
4.1.3 Influência do uso de álcool e drogas, i
nclusive “rebites”, sobre a
vulnerabilidade .................................................................................................................106
4.2 Acesso aos serviços de saúde - atendi
mento dos serviços públicos .....................111
4.2.1 Acesso à saúde em unidades privadas de saúde
.....................................................117
V PROTAGONISMO E ADVOCACY EM CONSTRUÇÃO - O DESAFIO DO
CONTRO
LE SOCIAL DAS POLÍTICAS DE SAÚDE..............................................126
5.1 Aproximações conceituais........................................................................................126
5.2 A APROSVI - um começo de conversa sobre advocacy/protagonismo...............133
5.3 Desvelando o advocacy............................................................................................138
5.4 Protagonismo/Advocacy como ferrramentas
para a construção da cidadania.142
17
5.5 Considerações acerca dos serviços de saúde ..........................................................158
VI UMA SÍNTESE FINAL – REAFIRMAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
..........164
REFERÊNCIAS..............................................................................................................170
APÊNDICES...................................................................................................................182
ANEXOS..........................................................................................................................197
I O OBJETO DE ESTUDO
1.1 Exploração inicial
As tecnologias de com
unicação promoveram uma sociedade em rede, onde
grupos e indivíduos estão em constante interação, o que permite a difusão tanto das
ações quanto dos problemas locais, funcionando como um instrumento de formação de
opinião pública. O crescente protagonismo dos cidadãos e de suas organizações é um
fenômeno global e contemporâneo, o qual não podemos ignorar.
A saúde por sua vez, é complexa e exige a participação ativa de todos os
sujeitos envolvidos em sua produção – usuários, movimentos sociais, trabalhadores da
saúde, gestores do setor sanitário e de outros setores – na análise e na formulação de
ações que visem à melhoria da qualidade de vida. O paradigma promocional vem
colocar a necessidade de que o processo de produção do conhecimento e das práticas
no campo da saúde e, mais ainda, no campo das políticas públicas faça-se através da
construção e da gestão compartilhadas (BRASIL, 2005).
Procurando me envolver nessa realidade, enquanto profissional dessa área, no
ano de 1987 ocorreu meu contato inicial com a temática sobre as DST/Aids, quando a
Unidade Sanitária de Itajaí recebeu três notificações compulsórias de clientes
positivos. A partir de abril de 1988, devido à grande pressão da população, iniciou-se a
coleta de sangue para a realização do teste anti-HIV. Na época, comecei a trabalhar no
atendimento ambulatorial a clientes com suspeita de contaminação pelo vírus HIV,
como atividade de extensão, enquanto docente da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI). O trabalho estava apenas começando e existiam poucas pessoas dispostas
a desenvolvê-lo. A partir da coleta regular de sangue para o teste de Elisa, o número de
casos diagnosticados aumentou assustadoramente.
Em maio de 1989, chegava a 76 o número de pessoas infectadas pelo vírus HIV.
Dois anos depois, a quantidade de portadores subiu para 309 e as mortes se elevaram
19
para 49 e não pararam mais de se repetir. Diante de tão dura realidade, ingressei no
curso de Mestrado com a convicção de que deveria realizar minha dissertação com um
estudo feito nessa área. Em 1992, defendi a dissertação “Cuidando de Famílias sob o
impacto do Vírus HIV em seu Espaço Sócio Cultural” (KOLLER, 2002). Minha
trajetória nessa área foi um processo contínuo; passei a elaborar projetos e a obter
financiamentos para trabalhos de pesquisa e extensão com populações de maior
vulnerabilidade ao vírus HIV, publicações que serão citadas oportunamente ao longo
do texto.
No início da epidemia, falava-se em “grupos de risco” – sendo as profissionais
do sexo e os caminhoneiros considerados desses grupos. Atualmente, essas populações
são denominadas de “maior vulnerabilidade”. Em Itajaí, o fluxo de caminhoneiros ao
porto e a quantidade de casas de prostituição na orla marítima levavam a supor ser a
cidade, com base nessa concepção, importante foco de disseminação do vírus HIV.
Preocupada com a situação, e ao mesmo tempo sem noção sobre a
complexidade do tema, elaborei um projeto intitulado: Intervenção comportamental
em grupos sociais distintos na área portuária de Itajaí-SC, incluindo no estudo
estivadores, caminhoneiros e profissionais do sexo. Não imaginava, então, a dimensão
do trabalho, nem que cada grupo merecia um estudo próprio (KOLLER, 1997).
No ano de 2000, um de meus projetos foi sítio de pesquisa realizada pela
Universidade de Brasília (UNB) que, financiada pela Coordenação Nacional de DST e
Aids (CN DST/aids), avaliou a efetividade das ações educativas sobre as DST e Aids
voltadas para mulheres profissionais do sexo, em três regiões brasileiras (BRASIL,
2003).
O projeto intitulado “A vulnerabilidade às DST/AIDS de caminhoneiros que
transitam no Vale do Itajaí” (KOLLER, CUNHA e MALTA, 2003)
1
, realizado na
metodologia RARE, confirmou dados preocupantes sobre a vulnerabilidade a toda
sorte de agravos à saúde, principalmente às DST/AIDS, o uso de drogas, a dificuldade
de acesso a serviços de saúde e a importante interface com profissionais do sexo. Este
1
A metodologia RARE foi por mim utilizada em pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde/ Centro de Controle
e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta, em 2003/2004 com a mesma população do estudo atual e, que forneceu
subsídios para o presente estudo. Os detalhes do processo (no que se refere a dados anteriores, estão explicitados na
metodologia).
20
foi outro motivo que me levou a continuar trabalhando no sentido de contribuir com as
populações de maior vulnerabilidade, incentivando-as através de suas próprias
organizações e parcerias possíveis, para que lutassem por melhorias nas condições de
acesso aos serviços de saúde, qualidade de vida e a auto-organização (KOLLER,
CUNHA e MALTA, 2004).
Vivemos em uma época de degradação de valores éticos e humanistas, de
fragmentação, de descrença e individualismo. Este fato se agrava por termos, no
Brasil, uma história marcada por profundas desigualdades e diferenciações em relação
à renda, ao acesso à saúde, aos benefícios do desenvolvimento, enfim à cidadania
plena, embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha preconizado, para o
início desse século, a eqüidade, não somente para a saúde, mas como aprimoramento
dos direitos humanos e cidadania (GARRAFA et al, 2000).
Para que os modelos de assistência possam romper com a desigualdade, devem
se referenciar em pressupostos de garantia de acesso e acolhimento aos usuários,
integralidade na assistência, democratização, gestão pública e adequação à realidade
local.
A integralidade, como princípio doutrinário do Sistema Único de Saúde (SUS),
deve der entendido como relativo à prática da saúde dentro do modelo assistencial
proposto pelo Ministério da Saúde (SANTOS, 2007, p. 431).
Para Santos (2007) o reconhecimento na prática dos serviços de que cada
pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade; as ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde formam também um todo indivisível e não podem ser
compartimentalizadas; e as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus
de complexidade, formam também um todo indivisível configurando, um sistema
capaz de prestar assistência integral.
O princípio da integralidade funda-se na idéia de que “o homem é um ser
integral, bio-psico-social, e deverá ser atendido com esta visão integral por um sistema
de saúde também integral, voltado a promover, proteger e recuperar sua saúde”
(ibidem, 2007, p. 432).
Desse modo, a idéia de integralidade pressupõe uma nova prática de saúde que
21
supere a lógica flexneriana
2
imbuída no ato médico e na organização dos serviços. A
integralidade também necessita de uma articulação entre a área da saúde e de outras
políticas sociais de modo a assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes
áreas que tenham repercussão na saúde e na qualidade de vida dos indivíduos
(CUNHA, CUNHA, 1998).
Nesse sentido, Goulart (1999) aponta alguns aspectos que um modelo
assistencial deveria conter: a) garantir a universalidade, a integralidade e a equidade;
b) a atenção a grupos populacionais específicos; c) atenção a doenças crônicas, tendo
em vista os custos crescentes com inovações tecnológicas; d) metodologias e
tecnologias de educação e promoção de hábitos e comportamentos saudáveis, entre
outros.
Ao relacionarmos protagonismo/advocacy
3
aos princípios da cidadania,
democracia, justiça, liberdade e eqüidade, queremos mostrar que estes valores não
fazem parte da realidade da grande maioria da população em nossa sociedade. Dentre
estes, há ainda os segmentos mais atingidos: profissionais do sexo, caminhoneiros,
homossexuais, idosos, mulheres, negros, portadores de deficiências, presidiários,
índios, entre outros. Populações que são discriminadas por suas características
específicas, aumentando, ainda mais, sua vulnerabilidade às violações dos direitos
humanos.
O processo de construção da cidadania brasileira nunca foi linear em sua
história e se mantém em um frágil equilíbrio, particularmente se o analisarmos pela
ótica dos direitos que balizam o conceito de cidadania, seja individual ou coletiva. Os
direitos civis dizem respeito ao conjunto de direitos fundamentais à vida, como
liberdade, equidade e justiça.
A problemática vivenciada por profissionais do sexo e caminhoneiros nos
impulsiona a estudar melhor essa temática para que possamos articular a sociedade
2
Para Mendes, o paradigma flexneriano surgiu a partir do Relatório Flexner, de 1910, o qual se tornou
hegemônico no ensino e na prática médicas desde então. Seus elementos estruturais são o mecanicismo, o
biologicismo, o individualismo, a especialização, a exclusão de práticas alternativas, a tecnificação do ato
médico, a ênfase na medicina curativa e a concentração de recursos (MENDES, 1998).
3
Os conceitos de protagonismo e advocay serão tratados mais detidamente no próximo capítulo e embora na
literatura sejam utilizados em contextos e com sentidos um pouco diferentes, guardam relações e semelhanças que
fazem com que sejam tomados, em alguns locais deste estudo, em conjunto. Apesar do termo protagonismo ter sido
o eleito, não se perde de vista proposições teóricas e metodológicas que guardam estreita relação e similaridade,
como “advocay” ou mesmo “empoderamento”.
22
civil organizada para uma atuação mais efetiva frente a gestores e/ou legisladores.
Enquanto a eqüidade social não existir, é de suma importância conhecermos esse
segmento populacional, participando do processo de instrumentalização destes atores
para o exercício do advocacy ou empoderamento, em prol dos direitos sociais e, no
futuro, a ampliação de direitos civis e políticos (KOLLER e JOHN 2002).
Itajaí-SC, situada no litoral norte de Santa Catarina (sul do Brasil), tem em
torno de 150.000 habitantes. É sede do porto com maior movimentação de cargas
frigorificadas no sul do país. Seu porto recebe de 400 a 500 caminhões por dia,
número que aumenta em períodos de safra. Limita-se ao sul com Balneário de
Camboriú, importante pólo turístico da região, que igualmente nos meses de verão e
nas festas de outubro chega a quadruplicar sua população, atraindo para a região um
grande contingente de populações móveis.
O Departamento de Vigilância Epidemiológica do município de Itajai registrou,
no período de 01/09/2002 a 24/11/2003, um total de 2.929 testes para HIV, tendo
como resultados 215 casos de HIV positivos, sendo 115 masculinos e 100 femininos.
Atribui-se à alta prevalência nessa população por terem sido todos os sujeitos testados
no Centro de Testagem Anônima, o que por si só identifica uma população de maior
vulnerabilidade (DVE, 2003).
Quanto à distribuição dos casos de aids no município de Itajaí, por ano e sexo,
tem-se observado que acompanha a tendência da epidemia no Brasil. Até o ano de
1999, a população masculina vinha crescendo. A partir deste período, mantém-se
estável com ligeira queda. A feminização da epidemia teve um aumento expressivo e
preocupante no ano de 2002, merecendo uma análise minuciosa e reflexão no sentido
de se desenvolver trabalhos de prevenção direcionados a esta população, com ênfase
na autonomia e capacidade de negociação do uso de preservativos com as parcerias
sexuais (DVE, 2003).
Nessa perspectiva, esta tese se propôs a analisar a relação entre vulnerabilidade
e protagonismo a partir da experiência de profissionais do sexo e caminhoneiros frente
à aids, principais agentes e sujeitos das ações de prevenção e não meramente seu
objeto ou alvo, como segmentos profissionais que podem ser protagonistas em
intervenções para a diminuição da vulnerabilidade frente à aids. Para isso, o caminho
23
metodológico utilizado foi a metodologia de diagnóstico Rápido e Pronta Resposta -
RARE, por ser um meio para descrição da extensão e da natureza dos problemas
sociais e de saúde e para sugerir maneiras de melhorá-los (OMS UNAIDS, 1998).
Pretendemos dar maior visibilidade a essa temática também no meio
acadêmico, conscientizando os jovens da necessidade de intervir em populações de
maior vulnerabilidade, na perspectiva da redução das desigualdades sociais e para que
o direito à vida tenha o mesmo significado para todos.
Conforme trataremos a seguir, a experiência brasileira tornou evidente a
importância da organização comunitária no enfrentamento da epidemia de HIV/Aids,
não só em termos de operacionalização de ações, mas de delineamento de políticas
específicas e de seus impactos e resultados. Apesar de inúmeras dificuldades, o
Programa Nacional de DST e Aids tem obtido avaliações positivas, o que pode ser
atribuído, em grande parte, a estratégias de compartilhamento de ações por diversos
segmentos da sociedade civil.
Apesar desses princípios, ainda nos perguntamos: caminhoneiros e profissionais
do sexo podem/devem ser os principais agentes e sujeitos das ações de prevenção para
esses segmentos populacionais e não meramente seu objeto ou alvo? Pode-se despertar
e fomentar o protagonismo desses segmentos profissionais, no enfrentamento de sua
própria vulnerabilidade frente a aids? Esta foi uma pergunta fundamental no
delineamento desta pesquisa. A partir desta questão inicial, proponho a seguinte tese:
Caminhoneiros e profissionais do sexo possuem uma importante interface na produção
da vulnerabilidade a aids; e esta vulnerabilidade “interage” com potenciais de
protagonismo/advocacy desenvolvidos em experiências concretas por estas
populações.
1.2 Políticas em HIV/Aids
A presença do Estado na regulação das relações sociais apresenta-se carregada
de uma ambigüidade latente que se produz em função de uma evidência no
contexto social. De um lado, permanência e agravamento das diferenças
sociais - os mecanismos cruéis da distribuição do produto social desmascaram
24
o mito da igualdade. De outro lado, preocupada em regular tensões latentes, a
sociedade produz por meio do Estado ações compensatórias para atender à
demanda por bens e serviços coletivos necessários à vida em sociedade
(NUNES, 2003, p.96).
O movimento sanitário na década de 1980 criticava o modelo vigente e
propunha a reforma sanitária brasileira, que tinha como princípios básicos a
universalidade, a equidade e a integralidade da atenção. Esses princípios orientadores
do processo de reforma sanitária brasileira reafirmam que a organização de serviços de
saúde não poderá mais ser concebida em termos da dicotomia que opõe medidas de
caráter coletivo ao serviço de atenção médica individual, devendo referir-se ao
conjunto de medidas do setor saúde, entendido de maneira integrada, e não
fragmentada como um somatório de programas e ações pulverizadas em inúmeras
instituições impermeáveis entre si (COHN, 1996).
No final dos anos 1980, os anseios pela eqüidade em saúde levaram àquilo que
pode ser considerado a culminância do movimento sanitário, por meio de sua
materialização na Constituição Federal. O direito ao acesso universal e atenção
integral à saúde foi conquistado pela sociedade brasileira na Constituição de 1988,
com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A Constituição, além de reafirmar
saúde como direito de todos e dever do Estado, assegura a sua universalidade e
integralidade com o financiamento tripartite (União, Estados e Municípios). Estes
preceitos constitucionais encontram-se reafirmados na Lei Orgânica da Saúde de 1990
(BRASIL, 1990).
O financiamento do SUS tem sido um dos grandes desafios, desde a sua criação
e durante o processo de sua implantação, pois é contraditório em relação ao modelo
econômico dominante no país, acentuadamente a partir da década de noventa,
caracterizado pelo estabelecimento do “estado mínimo” e pela insuficiência de
políticas públicas voltadas para a atenção integralizada à população. Além disso,
existem grandes distorções na forma de financiamento, relacionadas com a oferta e a
produção de serviços de saúde, herança do modelo centralizado até então existente na
política de saúde brasileira.
25
No que diz respeito á aids, entretanto, reconhecemos que o Sistema de Saúde
tem evoluído, credenciando hospitais-referência para tratamentos, serviços de hospital-
dia e inúmeros projetos que vêm se transformando em programas para promoção e
prevenção à saúde. Algumas críticas são feitas, porém já temos um modelo em franco
processo de implementação.
As desigualdades econômicas, sociais e culturais são, em todos os lugares do
mundo, fatores decisivos para vulnerabilidade de populações específicas à transmissão
do HIV/AIDS.
Uma das mais importantes características do enfrentamento da epidemia de
HIV/AIDS no Brasil é a intensidade das respostas comunitárias desencadeadas. Aqui,
como em todo o mundo, as organizações não governamentais também foram as
primeiras a enfrentar o problema, a denunciar seu impacto social e fatores culturais
que contribuem para sua expansão e gravidade.
No início dos anos 80, quando as respostas oficiais inexistiam, foram as ONGs
que lutaram contra a epidemia tendo, por isso, uma fundamental influência no desenho
das políticas públicas de prevenção e assistência hoje implementados pelo Brasil
(SZWARCWALD, 1997). O resultado disso foi que, mesmo diante da caótica situação
da saúde brasileira, o Programa Nacional de DST/AIDS consolidou-se e é reconhecido
como um dos setores mais eficientes do país. Isso é resultado de um trabalho de
parceria estabelecido há anos entre o governo e diversos segmentos da sociedade civil,
formando uma resposta nacional concreta no enfrentamento da aids.
O período que vai de 1986 até 1990 foi caracterizado pela organização de uma
estratégia global, coordenada pelo Programa Global de Aids da Organização Mundial
de Saúde (OMS) e envolvendo várias agências de financiamento (ROCHA, 1999). De
fato, esta foi a primeira vez na história da OMS, em que foi proposta uma estratégia
com esta amplitude, abarcando todas as áreas do planeta.
Esta estratégia definia que "o componente mais importante dos Programas
Nacionais de Aids era a informação e educação... (com) os indivíduos, governos, a
imprensa e todos os setores tendo um papel primordial na prevenção da infecção do
HIV" (MANN,1992b, p. 24). Qualquer medida de discriminação e isolamento do
portador do HIV/Aids foi completamente rechaçada.
26
Data deste período a formação de Programas Nacionais em quase todos os
países. As Organizações Não-Governamentais também se tornam mais atuantes e
numerosas. Em 1989, o Programa Global de Aids se transforma na maior e na mais
dinâmica instância da OMS, implementando atividades de assessoria técnica a cerca de
155 países e colaborando efetivamente na criação de diversos Programas, baseados em
suas diretrizes e modelos específicos de prevenção e assistência.
Na década de noventa, Fee e Fox (1992) defendem que a aids passa a assumir a
característica de uma doença crônica, semelhante em algum medida ao câncer e às
doenças cardíacas, implicando longos períodos de tratamento e a necessidade de
suporte social e institucional. A imagem de doença emergencial não se adequa mais a
esta situação.
Outras características que marcam este período são: intervenções cada vez mais
institucionalizadas a partir de um viés cientificista, dificultando as interlocuções com
os movimentos sociais; maior preocupação com o investimento em tratamentos,
embora os ativistas ainda tenham que lutar por uma maior rapidez nos protocolos de
pesquisa e pelo acesso aos tratamentos disponíveis; ênfase maior nos argumentos em
favor da realização de testes sorológicos.
É oportuno mencionar que o jogo de pressões em torno da busca de tratamento
foi o elemento norteador das relações entre os diferentes atores sociais envolvidos no
cenário da política de controle da epidemia. O esforço coletivo para o
desenvolvimento da pesquisa médica criou uma dinâmica específica no campo da
política de aids, gerando mudanças no andamento das pesquisas médicas, que ganham
um ritmo mais ágil para acompanhar a demanda do campo (SILVA, 1998; EPSTEIN,
1996).
No decorrer dessa trajetória foi caracterizada uma postura de "excepcio-
nalidade" na área da política de saúde pública (JONSEN e STRYKER, 1993; KIRP e
BAYER,1992), fazendo do respeito à diferença a matéria prima de suas intervenções,
buscando transformar as cercas de discriminação em redes de solidariedade e
cidadania.
Nesse contexto, a educação era compreendida, sem dúvida, como a melhor
defesa contra a epidemia da aids, ancorando suas ações através do trabalho de
27
lideranças comunitárias, mais identificadas com os códigos de linguagem das
populações vulneráveis ao vírus da aids.
Certamente, sabemos que este quadro não foi homogêneo, observando-se
situações de estigmatização, tais como: a proibição de crianças infectadas pelo
HIV/AIDS de freqüentarem as escolas na Espanha, Estados Unidos e Brasil,
fechamento de boates e saunas gays nos Estados Unidos, obrigatoriedade da
apresentação do resultado do teste sorológico para os imigrantes (ressuscitando os
antigos "certificados de isenção de doenças venéreas"), rejeição de atendimento de
pacientes com HIV/Aids nos serviços de saúde, demissão de funcionários após o
conhecimento da resposta sorológica positiva (KIRP e BAYER, 1992; MANN et al.,
1993). Note-se que em alguns lugares, a resposta discriminatória partiu em grande
parte da área da saúde, ao recusar-se atender a pacientes com HIV/AIDS ou exigindo a
adoção de testes compulsórios (MANN et al., 1993).
De qualquer forma, criou-se a possibilidade de mudanças na postura dos
profissionais no atendimento aos clientes e de reversão de um discurso normatizador,
presente no campo tradicional da saúde e da educação em saúde, para outro discurso
vinculado à contextualização da história do paciente. Outras características foram: a
associação numa mesma doença de temas considerados tabus (morte, sexualidade e
drogas); a entrada no cenário de pessoas consideradas marginalizadas (travestis,
homossexuais, prostitutas, usuários de drogas), historicamente ignoradas na
formulação de políticas públicas. Mudanças ainda foram sentidas na organização dos
serviços de saúde, implicando a construção de propostas de trabalho em equipes
multidisciplinares, apontando para a quebra da onipotência do poder soberano da
categoria médica. A linguagem médica também é retraduzida pelas ONG, tentando
tornar as informações técnicas mais democráticas e acessíveis. Enfim, foram criadas
possibilidades de se produzir novos entendimentos sobre a dinâmica sócio-cultural da
epidemia, como também a produção de novos sentidos da própria vida e da morte.
Nesse sentido, o cenário atual traz elementos novos, a começar pela liderança
que o Programa de DST e Aids do Brasil adquiriu nos últimos anos no plano
internacional. Foi o primeiro país em desenvolvimento a garantir o acesso universal e
gratuito à terapia anti-retroviral, expressa em Lei desde 1996. É importante ressaltar
28
que esta decisão política foi fruto da convergência de dois fatores fundamentais:
vontade política e participação ativa da sociedade civil. Esta convergência trouxe à
tona uma inovação no campo da saúde pública, que até hoje faz do Programa
Brasileiro de DST e Aids uma referencia para outros países em desenvolvimento, qual
seja, a articulação e integração das ações de prevenção e assistência, em um
movimento único guiado pelos princípios que norteiam o sistema de saúde: equidade,
integralidade e universalidade. A vantagem comparativa deste modelo é mensurável. A
política de acesso universal as anti-retrovirais propiciou aos cerca de 163 mil pacientes
em tratamento ARV uma melhoria na qualidade de vida, redução das taxas de
mortalidade e das infecções oportunistas (BRASIL, 2005).
Assim, a discussão sobre Justiça Social, a noção de direitos e deveres do
homem/cidadão e do Estado, relacionada às noções de igualdade e liberdade, que vêm
sendo estabelecidas ao longo da história, principalmente desde os séculos XVIII e
XIX, culminando na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e na
Convenção Européia dos direitos do Homem em 1950, envolve, na sua discussão a
questão de juízo de valor, freqüentemente relacionado com a distribuição de renda, de
riquezas e de outros benefícios, assim como as opções políticas associadas à alocação
de recursos pelo Estado para promover a Justiça Social (ALMEIDA, 2002).
A estratégia de prevenção que tem sua ação marcada pela ampliação da
cobertura, pela inovação no campo da intervenção comportamental dirigida as
populações mais vulneráveis, no acesso gratuito ao diagnóstico e aos insumos de
prevenção, vem evitando que novas infecções aconteçam e isto também se traduz em
números. No período de 2002 a 2005, foram capacitadas cerca de 60% das equipes de
saúde da atenção básica. Pesquisa realizada em 2004 indica que 57,3% dos jovens na
faixa etária entre 15 e 24 anos reportaram uso do preservativo na última relação sexual
e 74,1% dos jovens na mesma faixa etária reportaram uso do preservativo em relações
eventuais (BRASIL, 2005).
O trabalho desenvolvido pelos movimentos sociais que se aglutinam em torno a
luta contra a epidemia HIV/Aids também devem pensar a política pública de luta
contra as DST e Aids, como um campo de prática em permanente movimento, como
um setor que dispõe de uma capacidade de articular a esfera pública do SUS e ao
29
mesmo tempo torná-la espaço de atuação e exercício de cidadania, de participação
cidadã e de controle social.
A discussão de Justiça Social nos remete á noção de direitos e deveres do
homem/cidadão e do Estado, relacionada às noções de igualdade e liberdade, que vêm
sendo estabelecidas ao longo da história, principalmente desde os séculos XVIII e
XIX, culminando na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e na
Convenção Européia dos Direitos do Homem em 1950 (ALMEIDA, 2002, p. 26).
Envolve na sua discussão à questão de juízo de valor, freqüentemente relacionado com
a distribuição de renda, de riquezas e de outros benefícios, assim como as opções
políticas associadas à alocação de recursos pelo Estado para promover a Justiça Social.
O financiamento de políticas públicas e, especificamente, das políticas de
saúde, torna-se foco de interesse e pesquisa em todo o mundo, quando o provimento
dos cuidados e serviços de saúde torna-se atribuição de Estado em muitos países e a
saúde passa a ser entendida como um direito universal, isto é, estendida a todos,
enquanto tributo da cidadania (MÉDICI, 2002, p. 23). Na atenção em saúde, justiça
geralmente se refere ao que os filósofos chamam de “justiça distributiva”, ou seja,
distribuição eqüitativa dos bens escassos em uma comunidade.
Para o entendimento do direito à atenção em saúde é necessária a compreensão
das principais teorias de justiça até hoje desenvolvidas no pensamento liberal que,
conforme Porto, podem ser descritas em três correntes distintas: o igualitarismo, o
utilitarismo e a Teoria de Justiça de Rawls (PORTO, 2002 p. 124).
Os igualitaristas, que concebem o conceito de justiça social baseado na idéia de
igualdade em relação à questão da distribuição da riqueza na sociedade, propõem: “a
cada um conforme seu próprio trabalho”, mas não levam em consideração a existência
de necessidades diferentes. Consideram haver duas espécies de desigualdades: natural
ou física (estabelecida pela natureza: idade, força corporal), e desigualdade moral ou
política (que depende de uma convenção pré-estabelecida e consiste nos privilégios
desfrutados por alguns em detrimento de outros). Porto (2002) ressalta ainda que o
aprofundamento das desigualdades é promovido pelas desigualdades sociais, e que
somente o trabalho pode dar direito à propriedade e propõe o Contrato Social,
afirmando a necessidade de um pacto social para corrigir as desigualdades produzidas
30
pela instauração do estado civil.
O Utilitarismo adotado por Locke, Sidgwick e, posteriormente, por Adam
Smith, considera que uma sociedade é corretamente ordenada e, portanto, justa,
quando obtém a maior soma de satisfação, independente da distribuição entre os
indivíduos pertencentes a essa sociedade. Esta teoria se traduz em quantificação de
custo e benefício e com a eleição de obter o menor do primeiro e o maior do segundo.
Entendem ser justo, em saúde, a utilização de critérios como o de melhor resposta, ou
seja, gastar mais com quem tenha melhor condição de produzir (PORTO, 2002).
Em 1971, conforme aponta Rouanet (2002), com o lançamento do livro A
theory of justice, por Rawls, renova-se o campo da filosofia política e obriga-se a
repensar os problemas sociais, o papel do Estado e o conceito de cidadania: - cada
pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais amplo possível de liberdades básicas;
todos os societários têm direito a mais extensa liberdade compatível com as liberdades
dos demais.
O princípio de igualdade tem por base o conceito de cidadania, segundo o qual
todos os indivíduos são iguais, portanto, tendo os mesmos direitos; já a eqüidade
incorpora em seu conceito um valor de justiça. Desta forma, o debate sobre a justiça
alocativa gira predominantemente sobre dois paradigmas de justiça: o princípio da
igualdade e o princípio da eqüidade. Sendo que a eqüidade em saúde, conforme
salienta Almeida (2000, p.15) refere-se à forma de como diminuir ou eliminar as
diferenças que são desnecessárias e evitáveis, além de consideradas injustas.
Segundo Rawls apud Porto (2002) as desigualdades econômicas e sociais
devem ser enfrentadas de tal modo que as ações: (a) sirvam ao maior benefício dos
mais desfavorecidos, dentro dos limites de um justo princípio de repartição; (b) devem
estar relacionadas a funções e posições abertas a todos, em acordo com o princípio de
justa igualdade de oportunidades. Desta forma, novamente, desafia-se o debate sobre a
questão de justiça. O autor desenvolve um critério para a justiça na desigualdade, que é
assumido pela eqüidade: o tratamento desigual é justo quando é benéfico ao indivíduo
mais carentes (MEDEIROS, 1999). Desta forma, a justiça é feita quando se aumenta o
nível de utilidade do indivíduo em piores condições. Este tem sido o desafio das
políticas públicas.
31
O debate sobre a justiça, no âmbito da saúde pública, vem experimentando um
decisivo aprofundamento nas duas últimas décadas, mormente nas sociedades latino-
americanas abordados numa perspectiva individualizante e fragmentária, que coloca os
sujeitos e as comunidades como os responsáveis únicos pelas várias mudanças/arranjos
ocorridos no processo saúde/adoecimento ao longo da vida (CORDEIRO, 2001;
VIANA et al., 2003).
Contudo, na perspectiva ampliada de saúde, como definida no âmbito do
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, do SUS e da Promoção da Saúde, os
modos de viver não se referem apenas ao exercício da vontade e/ou liberdade
individual e comunitária. Ao contrário, os modos como sujeitos e coletividades
elegem determinadas opções de viver como desejáveis, organizam suas escolhas e
criam novas possibilidades para satisfazer suas necessidades, desejos e interesses
pertencem à ordem coletiva, uma vez que seu processo de construção dá-se no
contexto da própria vida, envolvendo forças políticas, econômicas, afetivas, culturais e
sociais existentes num território (local, regional, nacional e/ou global) (CAMPOS et
al., 2004).
A expressão desigualdade em saúde se refere às disparidades sanitárias de um
país. Para a Organização Panamericana de Saúde (2001) e (2002) a expressão
equidade social em matéria de saúde, se refere à ausência de disparidades sanitárias
injustas entre grupos sociais. Ainda referendando a OPAS (2002), promover a
equidade, em saúde, significa diminuir os privilégios, pois a busca da igualdade social
no âmbito da saúde induz à redução da prestação de maus serviços de saúde em
detrimento de serviços de qualidade, melhorando os níveis de saúde em geral.
Garrafa (2000) refere que a distância existente hoje entre os excluídos e os
incluídos na sociedade mundial – tanto qualitativamente, quanto quantitativamente – é
paradoxalmente maior do que há vinte anos.
A complexidade destes problemas de saúde influenciados por múltiplos
processos, nos impõe revisar as vinculações existentes entre gênero e políticas de
saúde. O desafio para saúde é a equidade. Equidade não só de atenção à saúde (direito,
acesso, qualidade) como a equidade de gênero da própria saúde. Trata-se de uma
política dirigida à diminuição das iniqüidades nas condições de vida da população,
32
com o objetivo de reduzir os fatores que atuam diminuindo as possibilidades e
oportunidades de vida, limitando os direitos e o bem estar.
Igualdade é o “principio pelo qual todos os cidadãos podem invocar os mesmos
direitos. Igualitário, portanto, é o “sistema que preconiza a igualdade de condições
para todos os membros da sociedade”, onde igualdade corresponde à “justiça,
eqüidade, relação entre indivíduos em virtude da qual todos eles são portadores dos
mesmos direitos fundamentais que provêm da humanidade e definem a dignidade
humana” (KOOGAN/HOUAISS, 1997). Ao revés, desigualdade é considerada como
sinônimo de injustiça, iniqüidade, relações onde os direitos fundamentais são
desrespeitados e a dignidade ferida (FERREIRA, 1986). A Constituição brasileira
adota esse conceito de igualdade. Seja por reconhecer que “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza”(C. F., art. 5º,capítulo3), seja porque “erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, bem
como “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” constituem objetivos nacionais (C. F., art.
3º, III e IV).
Neste sentido, diminuir desigualdades - diante da impossibilidade de eliminá-las
- deve ser o objetivo central de toda política pública. Buscar essa redução é, também,
requisito para que uma política pública possa ser considerada como social, já que nem
toda ação governamental tem essa virtude apenas por que se situa em setores sociais
como saúde, educação, previdência, habitação.
1.3 Profissionais do Sexo e Caminhoneiros Frente à Aids
A prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo. As sacerdotisas do
templo, que eram ao mesmo tempo mulheres sagradas e prostitutas, foram as primeiras
prostitutas da história (ROBERTS, 1998).
Abarcando todas as atividades essenciais que deram lugar ao mundo humano, as
mulheres eram vistas como incorporação viva de uma geradora universal, que os
humanos da Idade da Pedra conceituam sob a forma de uma deusa. Talvez o mais
33
milagroso de tudo é que as mulheres eram capazes de reproduzir crianças de seus
próprios corpos: um ato de pura mágica criativa aos olhos dos homens que ignoravam
a sua própria parte na reprodução (ROBERTS, 1998).
A sexualidade em certo ponto da história é encerrada, ou seja, muda-se para
dentro de casa. A família conjugal a confisca e absorve-a inteiramente, na seriedade da
função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O caso legítimo e procriador dita a
lei, impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de
falar, reservando-se o princípio do segredo. Romper as leis do casamento e procurar
formas de prazer fora de casa e com estranhos, de qualquer modo, merece a
condenação (FOUCAULT, 1997).
Com o decorrer dos anos, a relação monogâmica foi ganhando espaço nas
famílias, contudo a prostituição não deixou de existir. A prostituição moderna aparece
como um fenômeno essencialmente urbano, inscrevendo-se numa economia específica
do desejo, caracterizada pela troca, na qual todo o sistema de codificações morais, que
valoriza a união sexual monogâmica, a família nuclear e a fidelidade feminina, destina
um lugar específico ao que considera sexualidade insubmissiva (RAGO, 1991).
Conhecida como a profissão mais antiga do mundo, a prostituição se apresenta
como uma atividade provocadora e desconcertante para a sociedade. É curioso
observar que, mesmo identificada como “a mais antiga das profissões”, é negado o
status profissional à atividade da prostituta (BRASIL, 2002).
A expressão profissional do sexo, segundo Moraes (1996), derivou dos
Encontros Nacionais das Prostitutas. O primeiro deles foi realizado em 1987, na cidade
do Rio de Janeiro. Esta expressão designa uma pessoa que faz sexo, de forma
impessoal, por uma determinada quantia de dinheiro ou troca-o por qualquer outro
bem (GASPAR, 1988).
Para compreender como se dá a divisão entre o mundo profissional e o mundo
privado é necessário compreender a unidade da atividade sexual profissional, a saber,
o que as profissionais chamam de programa. O “programa” é a unidade elementar da
atividade da prostituta. Sua execução requer acordos prévios sobre três itens: as
práticas, ou o conteúdo do serviço que será prestado, o preço e o tempo disponível pela
prostituta. (FREITAS, 1985, p. 30). O programa refere-se tanto ao ato sexual, em troca
34
de uma quantia em dinheiro, quanto ao fato de o cliente apenas ocupar um
determinado tempo com a profissional do sexo para conversar. Mas, basicamente, ele
consiste em “pagamento pelo serviço prestado, conforme o combinado, utilização de
preservativo masculino, restrição do contato boca a boca (beijo) e ausência de feridas
ou assaduras nos órgão sexuais” (SILVA, SALMITO, VENDRAMINI, e PATRICIO,
1998, p. 328).
O campo que se constitui em torno da prostituição está ligado ao crescimento
econômico e a explosão demográfica, surgindo os restaurantes, cafés e centros
noturnos de diversões, expandindo-se, a partir daí, as formas de consumo de amor,
estimulando o crescimento da prostituição profissionalizada e tornando as casas de
encontro o ideal de toda uma nova geração. Constituindo um mercado de oferta e
consumo em torno do prazer, a prostituição transforma-se numa atividade lucrativa,
que exige cada vez mais investimentos. As prostitutas profissionalizam-se à medida
que o crescimento urbano-industrial aumenta, constituindo-se um mercado de trabalho
disputado (RAGO, 1991).
Tanto no campo simbólico quanto no imaginário social, a prostituta
desempenha papéis que seriam inconcebíveis para a mulher “de família”, podendo ser
sexualmente livre, despudorada, sem dono, sedutora e ativa na arte da conquista, além
de “boa de cama”, devido à experiência que a profissão provê. São esses atributos que
atiçam os desejos dos homens e atemorizam as esposas (SECRETARIA DE SAÚDE
DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2001).
De um modo geral, as profissionais do sexo são muito vulneráveis aos
relacionamentos amorosos e quando um cliente comprometido com outra mulher, ou
não, lhe dispensa maior atenção pode rapidamente tornar-se seu “namorado”. Com
esta pessoa com quem, além das relações sexuais prazerosas, existe maior
envolvimento afetivo, acaba acontecendo maior falta de poder de barganha para o sexo
mais seguro (GALVÃO, 1999). No imaginário da profissional, seu namorado é limpo,
saudável, só dela, pelo menos enquanto ambos estão envolvidos. Logo, para que se
proteger?
As profissionais do sexo foram particularmente associadas à epidemia de aids
desde o seu início, em razão de uma conjunção de fatores que decorre tanto de sua
35
atividade profissional como de seu gênero, do estigma e da conseqüente discriminação
(BRASIL, 2002).
Para Paiva et al (1998), o peso das condições de gênero sobre as mulheres tem
sido descrito nas últimas duas décadas de intensa produção feminista. Vários outros
estudos têm demonstrado que a cultura sexual, na qual mulheres e homens são
socializados é um dos fatores que dificultam conter a epidemia da aids. No caso da
transmissão sexual, os “roteiros sexuais de gênero” são constituintes essenciais daquilo
que se define como sendo “próprio do homem” e “próprio da mulher”, deixando
ambos mais vulneráveis. A cultura machista e latina fragiliza também os homens, que
são pressionados a serem impulsivos sexualmente para se provar homens, a declamar
que o uso do preservativo “atrapalha o prazer” ou dificulta o controle necessário ao
senso de invencibilidade e competição associado à potência do sexo masculino. Essas
mesmas condicionantes do gênero masculino contribuem para que os homens deixem
de assumir responsabilidades pela contracepção, ou reprodução compartilhada com a
mulher.
Como demonstra a literatura de aids dos últimos anos, as normas de gênero
também estimulam a perseguição dos homens que têm desejo homoeróticos e são obri-
gados à clandestinidade, criando o contexto psicossocial que dificulta a adesão ao sexo
seguro ou a proteção das mulheres com quem têm relações sexuais (PAIVA et al
1998).
No cotidiano das relações, é comum se afirmar que as diferenças biológicas
entre os sexos em vista aspectos que apontavam para a existência de limitações destas
frente determinam as características que tornam os homens “masculinos” e as
mulheres “femininas”. Nesse caso, por serem “naturalizadas”, tais características são
consideradas fixas e imutáveis. Assim, as mulheres nascem, vivem e morrem em
situação de desigualdade em relação aos homens. Partindo dessa reflexão, torna-se
fundamental criar ações de advocacy entre as categorias profissionais ora estudadas,
que se constitui em uma estratégia chave para garantir os direitos humanos de
mulheres e homens e ampliar a sua cidadania; e também, para aumentar seu poder de
influenciar o processo de tomada de decisões, a implementação de políticas publicas e
leis igualitárias e o cumprimento dos acordos internacionais (LIBARDONI, 2002).
36
Logo, pensar cidadania segundo Costa et al (2002) exige reflexão sobre os papéis
desempenhados nas relações sociais entre homens e mulheres, as chamadas relações de
gênero.
Para compreender melhor essa questão reportamo-nos ao princípio de igualdade
entre homens e mulheres, inscrito na Carta de 1945 da ONU, que ganhou novas
dimensões por meio das Conferências Internacionais, realizadas na década de 90. Com
a Conferência sobre Direitos Humanos, em Viena (1993), as mulheres passaram a ser
consideradas “sujeitos de direitos”, ou seja, tiveram seus direitos humanos reconhe-
cidos como inalienáveis - como parte integral e indivisível dos direitos humanos uni-
versais (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE, 2002).
As Conferências de População, Cairo/1994, e sobre a Mulher, Beijing/1995,
definiram Planos de Ação contendo propostas abrangentes de políticas em prol da
igualdade dos gêneros. A Conferência do Cairo reconheceu o papel central da
sexualidade e das relações entre homens e mulheres no tocante à saúde e aos direitos
da mulher. Estabeleceu, também, que os homens devem assumir a responsabilidade
por suas práticas sexuais, pelo risco de sua companheira engravidar e pelas práticas de
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, devem se
responsabilizar pelo bem estar de suas companheiras, dos filhos e filhas que
procriarem (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE, 2002).
No pós-Cairo, quase todos os governos tornaram-se defensores intransigentes
do “empoderamento” das mulheres. Em Beijing (1995), foram asseguradas as
conquistas da ONU dos anos 1990. Vários governos tornaram-se signatários da
Plataforma de Ação de Beijing, dentre eles o Brasil, que, inegavelmente, contém
avanços que, se concretizados na vida das mulheres, mudariam exponencialmente o
cenário da feminização da pobreza, e a qualidade de vida feminina chegaria a níveis
jamais alcançados na história da humanidade. Feghali (2000) alerta que os
compromissos assumidos no âmbito internacional, sobretudo os Planos de Ação das
Conferências Mundiais da ONU, não foram suficientes para que os governantes
assumissem que a perspectiva de gênero é absolutamente indispensável em toda e
qualquer política pública voltada para o bem estar social.
O advento da aids trouxe uma série de desafios, tanto para o campo jurídico, da
37
vida cotidiana e emocional, como para a saúde pública. Durante boa parte da primeira
década da epidemia, nosso pensamento se via dominado pela noção de risco individual
– no sentido de que o comportamento específico (ligado a atitudes e crenças) por parte
de indivíduos poderia abrir caminho para a transmissão do HIV (PARKER 2000).
Indivíduos que não se protegiam, relacionando-se com outros indivíduos que
também não se protegiam, formavam, então, o que se chamava de “grupos de risco”.
Contudo, a evolução da epidemia contrariou a concepção de risco, rapidamente
espalhou-se mundo afora, não respeitando credo, raças, etnias, nem fronteiras,
retirando, assim, o enfoque inicial de categorias epidemiológicas, para transformar-se
na epidemia de todos, uma vez que qualquer cidadão pode a qualquer momento tornar-
se um soropositivo para o HIV - tudo vai depender do grau de vulnerabilidade a que
está exposto.
Precisamente porque culturas e comunidades sexuais diferentes organizam o
risco potencial da infecção pelo HIV de maneiras específicas, o entendimento da
diferença cultural é imprescindível para o desenvolvimento de atividades eficientes de
educação e prevenção da aids. As estratégias voltadas para as mulheres em situação
particularmente difíceis de opressão sexual ou violência não podem ser as mesmas
usadas com mulheres cujo meio social ou cultural lhes oferece formas mais eficazes de
negociação de práticas sexuais reprodutivas, (GUPTA e WEISS 1995; HEISE, 1995
apud PARKER 2000). Os homens opressores também precisam ser
instrumentalizados, pois muitas vezes estão apenas repetindo comportamentos
culturalmente assimilados.
Em minha vivência no trabalho com profissionais do sexo pude constatar várias
vezes, que a profissional pratica sexo “mais” seguro com os clientes, mas prescinde do
uso do preservativo se o parceiro sexual for seu “namorado”, mesmo que o romance
tenha iniciado há uma semana, por exemplo. Também é visível a questão da
subserviência feminina ao homem tanto emocionalmente como culturalmente. E para
que isso ocorra, não é necessário que a mulher seja uma profissional do sexo para não
negociar o uso do preservativo com o parceiro sexual, mesmo que ela tenha dúvidas
sobre sua fidelidade na relação, haja vista o aumento de incidência de casos de aids em
mulheres, na nossa região, no Brasil e no mundo inteiro.
38
Com o avanço da epidemia de aids entre as mulheres, no início da década de 90,
as relações de poder existentes entre homens e mulheres tornaram-se o foco de
atenção, principalmente no que se refere às desigualdades produzidas a partir dessas
relações.
Essas reflexões, sem sombra de dúvida, transformaram-se em prioridade para o
trabalho com mulheres em geral, tendo aos homens, neste caso, no que diz respeito às
possibilidades de negociação de práticas sexuais mais seguras nas interações sexuais
(BRASIL, 2002).
Por outro lado, considerada uma população móvel, os caminhoneiros possuem
especificidades quanto ao seu perfil profissional e às necessidades de acesso aos
serviços de saúde. Com sua enorme extensão territorial e extrema diversidade de
condições econômicas, o Brasil apresenta, ainda hoje, um sistema de transporte
desequilibrado, em que a evolução dos diferentes meios de transporte não se
harmoniza com o crescimento e a natureza das cargas transportadas. De acordo com as
atuais políticas públicas sobre transportes, o transporte rodoviário está fazendo hoje
um papel que não lhe compete, isto é, o transporte de produtos de baixo valor
agregado a longas distâncias, que seria papel das ferrovias e hidrovias (RIEVERS,
2003). O impacto econômico negativo provocado por esta situação é transferido para
toda a sociedade, afetando os consumidores e a competitividade dos produtos
brasileiros no mercado externo.
Historicamente ligado aos fluxos de desenvolvimento, o transporte compõe um
segmento sensível em nível extremo, pois atua com as duas pontas do processo de
circulação de bens e mercadorias: junto a quem produz (indústrias) e a quem consome
(clientes). Com seus processos de trabalho definidos pela política neoliberal
internacional, os caminhoneiros enfrentam muitas dificuldades - a insegurança em
relação ao vínculo empregatício, é uma delas. As grandes empresas transportadoras
estão sofrendo o impacto dessas transformações.
Durante o Fórum Social de Saúde de janeiro de 2007, realizado em Nairóbi no
Quênia, o representante da Organização Mundial do Trabalho (OMT) Assane Diop,
declarou: “a maioria dos trabalhadores não tem proteção alguma, sejamos ativistas na
economia”. Ele estava se referindo a responsabilidade ética e moral das autoridades
39
instituídas a lutarem pelos direitos das maiorias sem representatividade política. O
imperativo moral é um imperativo de cuidar do outro e uma responsabilidade ética
pelo outro.
Características relacionadas à própria atividade profissional podem influenciar
na adoção de determinados comportamentos. O trajeto percorrido, o tipo de carga
transportada (se perecível ou não perecível), o tempo gasto para que a mercadoria
transportada chegue ao destino, farão com que os caminhoneiros determinem graus
diferentes de empenho para desenvolverem as atividades com margem de tempo
variada (ARREGUY et al, 1999).
Apesar de muitos problemas referentes à saúde, o segmento social dos
caminhoneiros costuma ter maior dificuldade em acessar os serviços de assistência e
educação em saúde, constituindo-se num grupo à margem das intervenções de saúde.
Essa dificuldade de acesso é acentuada pela grande mobilidade dessa população.
Além das péssimas condições da grande maioria das estradas brasileiras, “os
caminhoneiros” enfrentam também toda a sorte de adversidades: pirataria das
quadrilhas de roubo de cargas, más condições de alimentação, infra-estruturas
deficientes para higiene, assédio de profissionais do sexo e dificuldades de acesso a
serviços de saúde, entre outros.
Um dado preocupante se dá em relação ao número de horas trabalhadas por dia.
As pesquisas realizadas pela CNT (2002) mostram que a esmagadora maioria (90,9%)
dos caminhoneiros autônomos trabalha mais de oito horas diárias, a jornada máxima
que um motorista deveria cumprir sem comprometer sua saúde física e mental. A
jornada de trabalho média dos caminhoneiros é de aproximadamente 15 horas diárias.
Os dados informam ainda que 51,5% dos caminhoneiros trabalham de 13 a 19 horas
por dia, 29%, trabalham de 9 a 12 horas e 10,4% trabalham mais de 20 horas diárias,
dados corroborados por (KOLLER, SCUSSEL, 2003.).
Por outro lado, dados colhidos pelo Núcleo de Comunicação Social da Polícia
Rodoviária Federal de Santa Catarina - NPRF/SC informam que no período de janeiro
a junho de 2003 foram registrados, do Km 0 até o Km 216,9, da BR 101, um total de
465 acidentes envolvendo caminhões, em um universo de 2.807 veículos envolvidos
em colisões, perfazendo um percentual de 16,56% de caminhões entre os veículos
40
acidentados (PRF-SC, 2003).
No ano de 2006, foram registrados 894 mortes no trânsito, em acidentes
ocorridos nas estradas que cortam Santa Catarina. O número é exatamente igual ao de
2005. A única diferença é que em 2006 o número total de ocorrências foi menor do
que no ano anterior, tanto nas rodovias estaduais quanto federais. Isso significa que os
acidentes estão mais violentos e com maior numero de vítimas por acidente.
Espera-se quando a duplicação da BR-101 estiver concluída, que o Estado de
Santa Catarina deixe de ser o segundo Estado do país onde mais acontecem mortes nas
estradas federais. Estes números são resultado de uma fiscalização mais eficiente e da
maior conscientização dos motoristas (DIÁRIO CATARINENSE, 2007).
A escolaridade dos caminhoneiros varia em torno de primeiro grau e segundo
grau incompleto (Brasil, 2001; CNT, 2002), situação que os leva a enfrentar
dificuldades em aprender as inovações do ofício, como por exemplo o uso de
computadores nos modernos caminhões (KOLLER, SCUSSEL, 2003).
Os caminhoneiros trabalham de duas formas: como assalariados em empresas
transportadoras, ou como autônomos, transportando mercadorias (serviço terceirizado)
para particulares e ou empresas. Boa parte dos caminhoneiros cozinha no próprio
caminhão, quando dispõem de uma pequena cozinha situada em uma das laterais da
carroceria, a popular “caixa”, com a intenção de fazer economia. São poucos os que
possuem geladeira, logo, necessitam transportar alimentos não perecíveis. Utilizam-se
muito de carne seca e embutidos que contêm sal em excesso. Também consomem
pouca verdura e frutas e, quando se alimentam em restaurantes à beira das rodovias,
geralmente fazem refeições do tipo “espeto corrido”, comem carne em excesso, com
muito sal e gorduras, ou ainda, acompanhada de cerveja ou, precedida por aperitivos
servidos gratuitamente na maioria dos restaurantes de beira de estrada.
Estudos ainda têm demonstrado que, para se manterem acordados,
caminhoneiros passam a fazer uso de anfetaminas, que entre eles são chamadas de
“rebites” (MEDEIROS, BARBOSA Jr.; AGUIAR, 2001; VILLARINHO et al, 2002,
NASCIMENTO, 2003). O uso mais comum é de comprimidos para emagrecer de
nome comercial Desobesi®, seguido de maconha, cocaína e bebidas alcoólicas em
geral, ou ainda associado a conhaque, guaraná, coca-cola e energéticos (KOLLER,
41
SCUSSEL, 2003). Dependendo da distância a percorrer e da data e hora aprazados
para a entrega da mercadoria, passam vários dias sem dormir, transportando a carga, e
outros dias na espera para descarregar ou carregar o caminhão.
A rota que o caminhoneiro pode utilizar para trafegar nas cidades também é
pré-determinada, impedindo, muitas vezes, o acesso a serviços públicos de saúde, que
dificilmente situam-se às margens de rodovias. A vida desregrada em termos de
horários a cumprir e distâncias a percorrer, longas permanências longe da cidade de
origem e da família fazem com que o caminhoneiro não tenha o hábito de realizar
exames de saúde preventivos, nem sequer quando adoecem.
As longas horas de ociosidade, à espera de cargas ou na fila para descarga, os
colocam em situações de vulnerabilidade constante. Continuam sem poder dormir,
porque podem perder o número da chamada para carregar ou descarregar as
mercadorias, descansam e/ou dormem na cabine do próprio caminhão. Tudo isso gera
o cansaço, o estresse e a falta de conforto, fatores predisponentes a várias doenças.
Como permanecem sentados por longas horas, queixam-se de dores lombares,
nas pernas e de dores no estômago. Além disso, são comuns as queixas dos sintomas
de hipertensão arterial e diabetes. Costumam consumir muito analgésicos e antiácidos,
antimicrobianos e antibióticos, além das anfetaminas, comprados em restaurantes,
farmácias e lojas de conveniência ao longo das rodovias (MEDEIROS, BARBOSA
JR. e AGUIAR, 2001; VILLARINHO et al, 2002, KOLLER, SCUSSEL, 2003).
O assédio de profissionais do sexo ao longo das rodovias e nos locais de parada
dos caminhoneiros é outra realidade nacional, também fator de vulnerabilidade às
DST/AIDS e facilitadora de assaltos, se os locais de parada não forem protegidos.
Os caminhoneiros aguardam sua entrada na cidade em terminais de cargas de
empresas privadas, como a Rebesquini, que libera as cargas frigorificadas para o porto
privado da empresa Seara Alimentos, e/ou em pátios de postos de combustíveis como
o Santa Rosa, que abriga uma unidade de triagem do Porto de Itajaí. Exemplificando,
os caminhoneiros que trazem e levam mercadorias que passam pelo Porto de Itajaí-SC,
quando chegam ao pátio de triagem, às margens da BR 101, recebem uma senha
numerada. Só quando forem chamados podem entrar na cidade para carregar ou
descarregar o caminhão. Essa sobrecarga de trabalho nas 24 horas de um mesmo dia
42
pode se repetir por dois, três até cinco dias consecutivos, em uma mesma semana,
dependendo da carga que transportam, como as perecíveis e perigosas (peixe, carnes,
frios, hortifrutigranjeiros, animais vivos, inflamáveis, tóxicas).
A espera, dependendo do movimento no porto, ou nos depósitos da cidade pode
demorar de poucas horas até dois ou três dias, quando não sofrem intercorrências,
como greve dos estivadores, greve dos funcionários da receita federal, demora na
liberação de documentos de cargas, entre outros contratempos que os fazem perder
muito tempo e dinheiro.
Em relação à saúde, a falta de acesso do caminhoneiro nem sempre acontece
por motivos sócio-econômicos, mas pela dificuldade em estacionar seu caminhão
frente a uma unidade de saúde e pela indisponibilidade de tempo para enfrentar filas,
agendamentos prévios que não coincidem com sua permanência nas cidades. Em
Itajaí, os trajetos de acesso ao Porto, nesse estudo denominados de rota I e rota II, não
contemplam os caminhoneiros com serviços públicos de saúde. As unidades sanitárias
situadas em ruas adjacentes às rotas, além de trabalharem com demanda reprimida,
têm horários restritos de atendimento do profissional médico, dificultando ainda mais
o acesso da classe a serviços públicos de saúde, fazendo-os procurarem atendimentos
em Pronto Atendimento e se automedicarem em farmácias ao longo dos trajetos ou em
postos de combustíveis.
Antes de iniciar o estudo RARE, havía realizado, em 2001/2, uma pesquisa com
397 caminhoneiros que transitaram em Itajaí-SC, com o intuito de estudar a
vulnerabilidade das DST/AIDS nessa população. Entre os resultados obtidos na
pesquisa constatou-se que 86,9% dos caminhoneiros têm oito anos de estudo ou
menos; que o tempo de permanência fora de casa varia de 8 a 30 dias em 50,2% e mais
que 30 dias em 15,1%. O predomínio do uso de drogas estava relacionado ao das
chamadas drogas lícitas, como o álcool e o cigarro. Entre as drogas ilícitas as mais
utilizadas foram à maconha, a cocaína e as anfetaminas, conhecidas como “rebites”,
para mantê-los acordados (KOLLER e SCUSSEL, 2003).
A atual política brasileira de saúde dispensada à maioria da população através
do SUS, utilizando a estratégia de promoção da saúde é uma possibilidade de enfocar
os aspectos que determinam o processo saúde-adoecimento. Este estudo propõe,
43
portanto, que intervenções em saúde para caminhoneiros e profissionais do sexo
tenham um olhar mais abrangente, tomando como objeto os problemas e necessidades
de saúde seus determinantes e condicionantes de modo que, a organização da atenção e
do cuidado envolva, ao mesmo tempo, as ações e serviços que operem sobre os efeitos
do adoecer e aqueles que visem o espaço para além dos muros das unidades de saúde e
do sistema de saúde, incidindo sobre as condições de vida e favorecendo a ampliação
de escolhas saudáveis por parte dos sujeitos na área geográfica onde vivem e
trabalham.
No caso dos caminhoneiros e profissionais do sexo, populações de elevada
mobilidade territorial, o exercício da cidadania, vai além dos modos
institucionalizados de controle social, implicando, por meio da criatividade e do
espírito inovador, a criação de mecanismos de mobilização e participação com os
vários movimentos e grupos sociais, organizando-se em rede. O trabalho em rede, com
a sociedade civil organizada favorece que o planejamento das ações em saúde esteja
mais vinculado às necessidades percebidas e vivenciadas pela população nos diferentes
territórios e, concomitantemente, garante a sustentabilidade dos processos de
intervenção nos determinantes e condicionantes de saúde.
Nessa perspectiva, esta tese norteou-se pelos seguintes objetivos:
Objetivo Geral
* Analisar a relação entre vulnerabilidade e protagonismo a partir da
experiência de profissionais do sexo e caminhoneiros frente a aids.
Objetivos Específicos
* Discutir a vulnerabilidade a aids em populações móveis (caminhoneiros e
profissionais do sexo) na região do Vale do Itajaí.
* Analisar a interface entre profissionais do sexo e caminhoneiros na produção
da vulnerabilidade a aids.
* Identificar e descrever experiências de protagonismo/advocacy em construção
por profissionais do sexo e caminhoneiros em relação a aids.
Além deste capítulo I, em que é feita uma breve exposição inicial, uma simples
44
introdução ao leitor, esta tese apresentará mais cinco momentos: O Capítulo II, que
contém o referencial teórico metodológico baseado em autores que apreendem os
conceitos epistemológicos de vulnerabilidade, protagonismo/advocacy e analisam as
dimensões explicativas dos conceitos; o capítulo III, que destaca os aspectos
operacionais do estudo e onde descrevo, minuciosamente, os passos da metodologia
RARE que tem como principal característica envolver os sujeitos de pesquisa para
obtenção de informações importantes acerca das populações vulneráveis e, com eles,
procurar respostas aos problemas encontrados; o capítulo IV, que apresenta a
apreensão dos conceitos de vulnerabilidade pelos caminhoneiros e profissionais do
sexo. Analisa a percepção dos caminhoneiros e profissionais do sexo quanto a
característica dos serviços utilizados no sistema local de saúde, a prática do sexo
desprotegido com profissionais do sexo, a influência do álcool, drogas- inclusive
rebites, durante a jornada de trabalho dos caminhoneiros; o capítulo V, Protagonismo e
Advocacy em construção – o desafio do controle social das políticas de saúde, que
procura mostrar que o processo de mobilização social não se faz sem luta, pois
profissionais do sexo engajadas na APROSVI, Associação de profissionais do sexo do
Vale do Itajaí, já apresentam uma postura crítica e reflexiva sobre suas dificuldades e
são exemplos de agentes de mudança. Entretanto, os caminhoneiros, ainda necessitam
fortalecer lideranças que venham a lutar pela classe; e, por fim, o capítulo VI onde
apresento as considerações finais e propostas de trabalho a serem apresentadas em
devolutivas à secretaria Municipal de Saúde de Itajaí, Balneário Camboriú, APROSVI
E SEST/SENAT, conforme preconizado na metodologia RARE e explicitado na
conclusão do estudo. É preciso salientar, ainda, que a pedido da diretoria da
Coordenação do Programa Nacional de DST e Aids, utilizei as normas relacionadas à
grafia e sigla daquela instituição, que são assim descritas: Programa Nacional de
DST e Aids (sem barra)- Esta é a grafia correta do setor que trabalha no Ministério da
Saúde.PN-DST/AIDS esta é a sigla correta do Programa Nacional de DST e Aids.
AIDS (toda em caixa alta)- quando for escrito dentro da sigla do PN-DST/AIDS ou for
escrito em expressões de outros idiomas, como por exemplo UNGASS- United Nation
General Assembly on HIV and AIDS. Aids(com a primeira letra maiúscula)- só
quando vier em títulos escritos em Caixa Alta e baixa (A História das Pessoas Vivendo
45
com HIV e Aids) ou quando apresentado o nome do Programa Nacional de DST e
Aids. aids (todas as letras minúsculas)- sempre escrito em caixa baixa, pois trata-se de
substantivo comum, já dicionarizado em nossa língua. Isso serve também para a escrita
das demais doenças: sífilis, gonorréia, hepatite, etc (BRASIL, 2007).
II REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: UMA
POSSIBILIDADE DE ABORDAGEM DO OBJETO
2.1 Os significados de Vulnerabilidade na perspectiva dos participantes
A cada ano, mais líderes políticos de todo o m
undo percebem que suas
populações não estão imunes aos efeitos do HIV. Cada vez mais, o tema da aids ocupa
um lugar de relevância na agenda de debate público, obrigando políticos de todas as
esferas governamentais a tratar de questões delicadas como o sexo seguro, a redução
de danos a usuários de drogas injetáveis, entre outros. A epidemia da aids é, na verda-
de, o resultado de dezenas de epidemias ocorrendo em paralelo, acometendo seg-
mentos diversos da sociedade com disseminação e velocidades diferentes. Uma res-
posta ampla ao HIV/Aids aborda mais que comportamento individual a correr riscos.
A interação complexa de diversos fatores pode criar ou reforçar a
vulnerabilidade individual e, portanto, coletiva, pessoal, como por exemplo: o
histórico sexual; a qualidade e abrangência isto é, a acessibilidade, adequação e custo
dos serviços e programas que têm como objetivo a prevenção, o cuidado, o apoio
social e o alívio do impacto; e na sociedade, normas culturais, leis, crenças e práticas
sociais que venham a superestimar a simplicidade do paradigma da vulnerabilidade
(UNAIDS,1998).
A obra clássica de BEAUCHAMP e CHILDRESS (2001), inspirada nas
conclusões do Relatório Belmont (1978), elaborado por uma comissão designada pelo
Senado Americano para avaliar questões éticas relacionadas às pesquisas envolvendo
seres humanos, introduziu a corrente teórica denominada Principialismo e seus quatro
princípios básicos: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. O termo
autonomia tem sido usado com vários significados técnicos em diferentes escolas de
ética (HOLM, 1998). O respeito pelas pessoas (autonomia), na visão do Relatório
Belmont (1978), incorpora pelo menos duas convicções éticas: 1) as pessoas devem
47
ser tratadas com autonomia e; 2) as pessoas cuja autonomia está diminuída
(vulneráveis) devem ser protegidas. O ser vulnerável é alguém que possui cidadania
frágil e que ignora a relevância do direito à integridade física e psicológica como
condição de acesso a seus direitos. Apesar de existir uma correlação entre autonomia e
vulnerabilidade, existe uma diferença notável entre elas. Enquanto em muitos casos, a
condição da autonomia reduzida pode ser passageira, a eliminação da vulnerabilidade
necessita que as condições de privação de uma pessoa nos âmbitos social, cultural,
psicológico e físico sejam ultrapassadas. A vulnerabilidade está presente em todos os
indivíduos e, conseqüentemente, nas diversas fases de sua vida, porém ela ganha uma
representação diferente e patológica, quando se manifesta em indivíduos que não
possuem base ou ideais de vida pela falta de modelos a seguir (famílias estruturadas,
crenças, amizades saudáveis). Para Oliveira (2001) a vulnerabilidade faz com que a
pessoa esteja susceptível ou sujeita a diversas influências sobre suas idéias ou
pensamentos, assim como os grupos vulneráveis se caracterizam pela
restrição/diminuição da sua autonomia. Portanto a vulnerabilidade é inversamente
proporcional à autonomia (DINIZ e GUILHEM, 1999). Para Diniz e Guilhem (2004),
sem sombra de dúvida, não é de uma bioética como esta que os grupos e as pessoas
socialmente vulneráveis necessitam para a defesa de seus direitos e interesses, mas de
uma bioética capaz de, por um lado, romper com as amarras da transcendência
etnocêntrica das teorias principialistas e, por outro, contestar as estruturas de privilégio
que a perseguem. Para isso, é fundamental a consideração de perspectivas teóricas
bioéticas compromissadas com a opressão social e a desigualdade de poder, pois, caso
contrário, a bioética se converterá em um recurso argumentativo sedutor para a
legitimação dos interesses hegemônicos de cada sociedade. Ignorar as experiências, os
interesses e mesmo a vida moral dos tradicionalmente postos à parte das reflexões
bioéticas, sejam eles os vulneráveis, os oprimidos, os desiguais ou meramente os
imorais, fará com que o fantasma do elitismo, do absolutismo e do imperialismo
rondem cada vez mais intensamente a bioética
7
. Estima-se que 38,6 milhões de
7
Alguns autores já apontaram a imprecisão conceitual da bioética em denominar a teoria dos quatro princípios
de autoria de Tom Beauchamp e James Childress como teoria principialista. Na verdade, todas as teorias éticas
baseadas em princípios são principialistas. A despeito do reducionismo conceitual, optamos pela nomenclatura
corrente da bioética e usaremos teoria principialista como sinônimo das idéias contidas no livro Principles of
biomedical ethics. 1
st
ed. New York: Oxford University Press, 1979.
48
pessoas no mundo vivem com o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) ou com
aids (UNAIDS, 2006), sendo que destas, 370.333 são brasileiras (BRASIL, 2005).
Diante dessas cifras, muitos(as) pesquisadores(as) se dedicam a conhecer as diversas
dimensões que norteiam a vulnerabilidade de indivíduos à contaminação pelo HIV.
Durante a primeira década da epidemia de aids (1980 – 1990), a probabilidade de um
indivíduo ou grupo se contaminar pelo HIV foi analisada sob uma perspectiva
epidemiológica, na qual o risco de contaminação estava associado aos
comportamentos individuais, resultantes de escolhas ou decisões autônomas,
guardando íntima relação com a idéia de grupos de risco (PAIVA, 2004).
Na segunda década (1990-2000), a epidemia passou a apresentar outro padrão
epidemiológico em muitos países, inclusive no Brasil. Avançou entre os
heterossexuais, intensificou a feminização e a transmissão vertical, e a atual tendência
aponta para um crescimento acentuado na população jovem e entre as pessoas com
mais de 50 anos (PAIVA, 2004).
A partir da formulação mais clara do conceito de vulnerabilidade, fatores
sociais e culturais intervenientes no processo de exposição ao risco passam a ser
priorizados, reconhecendo-se o limitado poder de intervenção do sujeito frente a
questões que aí estão. A autonomia e conquista da liberdade são conceitos e princípios
de teorias críticas que se misturam na busca pela igualdade social, ou mesmo na
proteção de pessoas ou comunidades socialmente vulneráveis (DINIZ e GUILHEM,
2004). Entretanto, para além do princípio da autonomia, muitas vezes mecanicamente
referenciado pela teoria principialista de Beauchamp e Childress (1979), as
perspectivas críticas apontam a necessidade de se demarcar a fronteira de situações em
que a autonomia pode ser mascarada pela coerção da vontade, explicitando um dos
aspectos fundamentais da perspectiva política do conceito de vulnerabilidade.
A autonomia e conquista da liberdade são conceitos e princípios de teorias
críticas que se misturam na busca pela igualdade social, na crítica a todas as formas de
opressão social ou mesmo na proteção de pessoas e/ou comunidades socialmente
vulneráveis (DINIZ e GUILHEM, 2004). Entretanto, para além do princípio da
autonomia, muitas vezes mecanicamente referenciado pela teoria principialista de
Beauchamp e Childress (1979), as perspectivas críticas apontam a necessidade de se
49
demarcar a fronteira de situações em que a autonomia pode ser mascarada pela
coerção da vontade, explicitando um dos aspectos fundamentais da perspectiva política
do conceito de vulnerabilidade. Nesse estudo, quando me refiro às profissionais do
sexo, estou falando de mulheres que sofrem as conseqüências de vários sistemas de
opressão/dominação: gênero; raça; nacionalidade; prática sexual. Já em relação aos
caminhoneiros, a cultura machista e latina contribuem negativamente na vul-
nerabilidade dos homens, principalmente por dois motivos: (1) reforça o caráter impul-
sivo e necessário que o sexo deve apresentar para que os homens possam provar sua
masculinidade e virilidade e (2) concorda com a não utilização do preservativo para
não “atrapalhar o prazer” e não pôr em risco sua reputação sexual (PAIVA et al,
1998). Além disso, eles têm dificuldade de verbalizar suas necessidades de saúde, pois
- em seu imaginário - pode significar demonstração de fraqueza e feminilidade
(FIGUEIREDO, 2005).
O reconhecimento da fragilidade da vida humana e da responsabilidade social
compartilhada de todos para com todos remete para uma nova visão de proteção ativa
e dinâmica social. Devem ser continuamente avaliadas as circunstâncias que podem
afetar negativamente a liberdade necessária ao processo de tomada decisão,
construindo, desta forma, riscos adicionais.
É neste sentido que a bioética crítica, e mais especificamente a bioética crítica
de inspiração feminista, propõe: 1) não uma epistemologia "essencial" da certeza, mas
sim uma epistemologia compensatória da desigualdade; não um ser humano abstrato,
genérico e universal, mas sim uma atenção às condições de vulnerabilidade; 2) não
uma visão superficial do conflito moral compromissada com a hegemonia do poder,
mas sim uma análise crítica das estruturas de poder presentes na sociedade e sua
influência lesiva na escolha das pessoas, especialmente daquelas em situação de
vulnerabilidade, fundadas historicamente no espaço do coletivo como, por exemplo, as
relacionadas a gênero e às relações de poder, seja esse social, cultural, econômico ou
político.
O discurso sobre vulnerabilidade em saúde e no acesso à qualidade de bens e
serviços em saúde não tem contemplado suficientemente as discussões sobre o direito
a acesso a serviços de qualidade por grupos sociais da população brasileira. As
50
condições de saúde de homens e mulheres em nosso país apresentam diferenças
importantes, associadas a características biológicas e à diferença de papéis, assim
como ao conjunto de condições econômicas, sociais, políticas e culturais em que se
desenvolvem suas vidas (URBANEJA, 2000).
O tema exclusão social também precisa ser considerado no contexto da
epidemia da aids. Um grupo social está excluído segundo determinada limitação
geográfica ou em relação à estrutura e conjuntura econômica e social do país a que
pertence (RIBEIRO, 2004).
Entende-se, portanto, que para a inclusão/acesso à saúde tornam-se necessárias
estratégias de articulação transversal nas quais se confere visibilidade aos fatores que
colocam a saúde da população em risco e às diferenças entre necessidades, territórios e
culturas presentes no nosso país, visando à criação de mecanismos que reduzam as
situações de vulnerabilidade, defendam radicalmente a equidade e incorporem a
participação e o controle sociais na gestão das políticas públicas, princípios da
Constituição Federal de 1988, que o Estado brasileiro assume como seus objetivos
precípuos a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de
todos e a construção de uma sociedade solidária sem quaisquer formas de
discriminação. Tais objetivos marcam o modo de conceber os direitos de cidadania e
os deveres do Estado no país, dentre os quais a saúde (BRASIL, 1988). Neste
contexto, a garantia da saúde implica assegurar o acesso universal e igualitário dos
cidadãos aos serviços de saúde, mas também a formulação de políticas sociais e
econômicas que operem na redução dos riscos de adoecer.
2.2 Evolução e implicações éticas do conceito de vulnerabilidade em saúde
O conceito de vulnerabilidade foi desenvolvido por Mann e Cols, em 1992, ao
estabelecerem padrões de referência para avaliar a vulnerabilidade à infecção pelo
HIV. Foram definidos três planos interdependentes para mensurar a vulnerabilidade:
vulnerabilidade individual (cognitiva e comportamento pessoal), vulnerabilidade social
(contexto social) e vulnerabilidade programática - anteriormente designada como
51
“Programa Nacional de Combate à Aids ” (AYRES, 2003).
Inicialmente, esses três planos eram avaliados por meio de escores e modelos
quantitativos que reafirmavam que a possibilidade de um indivíduo ou grupo se
contaminar pelo HIV, estaria vinculada a índices de baixa, média e alta
vulnerabilidade (SOUZA, 2001). Contudo, alguns anos depois - 1996 - Mann e Cols.
retomam de modo mais amplo a questão da vulnerabilidade ao HIV/Aids, substituindo
o extenso espaço ocupado pelos indicadores sócio-econômicos por uma ênfase nos
direitos humanos. Fundamentados nos ideais de Mann, Ayres (1999) proporciona uma
visibilidade subjetiva e condensada à vulnerabilidade individual, social e
programática. Com este enfoque, “os comportamentos individuais de maior ou menor
exposição ao risco são considerados em relação a um conjunto mais amplo de
determinantes, que devem ser contemplados no planejamento das intervenções
preventivas” (SANCHES, 1999, p.110).
O plano social ou contextual geral avalia aspectos como: acesso à informação,
recursos destinados à saúde, qualidade dos serviços de saúde prestados,
comportamento de indicadores epidemiológicos, aspectos sócio- políticos e culturais,
legislações de proteção específica, exposição à violência, restrições à cidadania, grau
de liberdade de pensamento, grau de prioridade política, entre outros. O plano
programático diz respeito à abrangência e amplitude de objetivos dos programas
nacionais direcionados à prevenção, controle e assistência em HIV/Aids. Já o plano
individual, profundamente implicado nos outros dois eixos, refere-se ao acesso a
recursos que possibilitam a adoção de comportamentos seguros ou, ao contrário, que
possibilitem a infecção pelo HIV, ultrapassando a visão de comportamento seguro
como dependente apenas de ações e vontades individuais (AYRES, 1999;
TAKAHASSHI e OLIVEIRA, 2004).
O fato do Sistema de Transporte brasileiro ser elemento estratégico para a
integração dos mercados, fundamental em tempos de globalização, não impede que
falta de acesso a ações e serviços de saúde e educação seja considerada um fator
“programático” de ampliação da vulnerabilidade da população de caminhoneiros.
Como já referido, com base em Mann et all (1993) a vulnerabilidade pode agregar
diversas dimensões: a individual, que se relaciona aos comportamentos adotados pelo
52
indivíduo e que pode favorecer oportunidade de se infectar, como, por exemplo, o não
uso do preservativo; a social, que implica questões econômicas e sociais que
influenciam o aumento da violência sexual, prostituição e tráfico de drogas; a
institucional, que se relaciona à ausência de políticas públicas que tenham por objetivo
o controle da epidemia em populações e/ou localidades.
A noção de vulnerabilidade busca estabelecer uma “síntese conceitual e prática
das dimensões sociais, políticas, institucionais e comportamentais associadas às
diferentes suscetibilidades de indivíduos, grupos, grupos populacionais e até mesmo
nações, à infecção pelo HIV e às suas conseqüências indesejáveis (doença, morte)”.
(AYRES, 1996, p. 5-6). A experiência brasileira de programas destinados ao controle
da aids tem sido avaliada positivamente, inclusive quando são consideradas as
recomendações aos países membros da ONU, quanto à abrangência deste tipo de
programa, de forma a englobar a prevenção ao HIV e Assistência (incluindo o
desenvolvimento de microbicidas), maior acesso à assistência e tratamento (incluindo
medicamentos, melhor infra-estrutura da saúde ao nível nacional) e desenvolvimento
de pesquisa científica e vacinas.
2.2.1 Vulnerabilidade Individual
A vulnerabilidade individual envolve tanto a dimensão cognitiva quanto a
comportamental, estando dessa forma, associada às informações sobre a doença,
percepção de risco, valores e crenças que determinarão as formas de prevenir a
contaminação e a possibilidade de execução de práticas seguras (AYRES et al, 2003;
SANCHES, 1999).
Entretanto, para além de uma análise subjetiva, a vulnerabilidade individual
também se estende às características biológicas. Dessa forma, as mulheres se mostram
mais suscetíveis à contaminação pelo HIV do que os homens, pois além do sêmen
apresentar maior concentração de HIV, a superfície vaginal é relativamente extensa
(SILVEIRA et al, 2002). Um dos motivos que aumentam a vulnerabilidade dos
indivíduos é o modelo ideológico relacionado à aids que a representa como sendo uma
“doença do outro”, que possivelmente, está vinculado a um “grupo de risco”
53
(SANCHES, 1999; PAULILO e JEOLÁS, 2005). Este modo de pensar faz com que
muitas pessoas se sintam invulneráveis à contaminação pelo HIV não aderindo a
práticas de sexo seguro. Guerriero, Ayres e Hearst (2002, p. 09) enfatizam: “o fato de
ser entendida como uma doença ‘dos outros’ serve como justificativa para não se
sentir vulnerável, nem ter interesse em receber informações”. Silveira et al (2002, p.
03) acrescentam que: “indivíduos que não se sentem vulneráveis a uma doença não
costumam aceitar as medidas preventivas recomendadas”.
2.2.2 Vulnerabilidade Social
A vulnerabilidade social tem uma forte influência tanto na vulnerabilidade
individual quanto na programática, pois valoriza o impacto socioeconômico provocado
pela aids e as construções sociais que interferem na vulnerabilidade dos indivíduos.
Dessa forma, são relevantes a situação sócio-econômica, as relações de gênero e
geracionais, os valores culturais, e outros que possibilitem o acesso do indivíduo às
condições capazes de reduzir sua vulnerabilidade (SANCHES, 1999).
Contudo, a vulnerabilidade social não se restringe apenas ao aspecto negativo
dos indicadores sócio-econômicos; as relações de gênero também são relevantes nesta
temática por serem consideradas construções sociais e por repercutirem na saúde. Para
Joan Scott (1989, p. 14) a definição de gênero baseia-se na conexão integral entre duas
proposições: “[1] gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas
diferenças percebidas entre os sexos, e [2] o gênero é uma forma primeira de significar
as relações de poder”.
Estudos têm demonstrado que a cultura sexual que rege o comportamento de
homens e mulheres é um dos fatores que dificultam conter a epidemia de aids, afinal,
no momento em que são definidos os roteiros “próprio do homem” e “próprio da
mulher”, ambos se tornam mais vulneráveis (PAIVA et al, 1998).
2.2.3 Vulnerabilidade Programática
A vulnerabilidade programática diz respeito às contribuições dos programas de
HIV/Aids na redução da vulnerabilidade pessoal e social, como: proporcionar
54
informações e educação de forma abrangente, sustentada e coerente; implementar
ações preventivas; fomentar pesquisas e colaborar na aderência ao tratamento.
Para Ayres (2005) ela se estende ao acesso aos serviços de saúde, qualidade da
atenção, e implantação e implementação de programas de combate à aids e outros
desta natureza, que propiciam a existência de contextos sociais favorecedores à adoção
de medidas de proteção.
Ayres (1999), analisando estes três eixos ou planos, ressalta que o plano
individual refere-se ao acesso a recursos que possibilitam a adoção de comportamentos
seguros ou, ao contrário, que possibilitem a infecção pelo HIV. Este último eixo está
intrinsecamente relacionado com os eixos social e programático. Para o autor,
adotando esta perspectiva foi possível ultrapassar a visão de que o comportamento
seguro em relação à aids dependia, apenas, de ações individuais. Tais ações também
sofrem influência do ambiente no qual se desenvolvem; pelo acesso a políticas
públicas de lazer, educação, projetos sócio-educativos, valores religiosos e familiares
socializados; pela condição econômica e pelo contexto social que permite ao indivíduo
uma maior ou menor suscetibilidade aos riscos (AYRES,1999).
Na vulnerabilidade individual, Takahasshi e Oliveira (2004) consideram o
conhecimento acerca do agravo e a existência de comportamentos que oportunizam a
ocorrência da infecção. Deve-se compreender que os comportamentos não são
determinados apenas pela ação voluntária da pessoa, mas especialmente pela sua
capacidade de incorporar, ou melhor, de aplicar o conhecimento que possui,
transformando o comportamento que a torna suscetível ao agravo. As autoras
esclarecem, ainda, que os seguintes pressupostos orientam o grau de vulnerabilidade:
qualquer pessoa é vulnerável ao HIV; os meios que a pessoa dispõe para se proteger
determinam sua vulnerabilidade; quanto maior o amparo social e a assistência à saúde,
menor será sua vulnerabilidade; a vulnerabilidade é determinada por condições
cognitivas (acesso à informação, reconhecimento da susceptibilidade e da eficácia das
formas de prevenção), comportamentais (desejo e capacidade de modificar comporta-
mentos que definem a susceptibilidade) e sociais (acesso a recursos e capacidade de
adotar comportamentos de proteção). Nesse sentido, a vulnerabilidade se associa às
diferenças individuais e às formas de lidar com elas associadas às dificuldades
55
ambientais. Dessa forma, reconheceu-se a complexa interação entre a predisposição
individual, a vulnerabilidade, o ambiente vivenciado e a presença/ausência de estrutura
social.
2.3 Conceitos e práticas no enfrentamento da vulnerabilidade à aids –
Protagonismo e Advocacy
Protagonismo enquanto modalidade de ação educativa é a criação de espaços e
condições capazes de possibilitar às pessoas envolver-se em atividades direcionadas à
solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e
compromisso LIMA (2005).
Costa (2004) define protagonismo das instituições sociais comunitárias e dos
indivíduos, como a maneira que as comunidades têm se tornar autoras dos seus
próprios destinos. Isso implica em permitir e facilitar a participação destes indivíduos
e instituições em processos decisórios, principalmente quando tratam de questões que
envolvam suas comunidades. O fortalecimento acontece quando se dá voz - e, mais
importante, quando se dá ouvidos - às pessoas que geralmente têm um canal de
expressão ou participação em processos decisórios. Ao criarem-se condições para que
os integrantes das comunidades exercitem seu poder de decisão e participação,
também se torna possível o desenvolvimento de talentos e potencialidades destes
indivíduos para gerar soluções e superar os desafios que se impõem no seu cotidiano.
Uma ação é dita protagônica quando, na sua execução, o sujeito é o ator
principal no processo de seu desenvolvimento. Por meio desse tipo de ação, a
profissional do sexo, caminhoneiro, adquirem e ampliam seu repertório interativo,
aumentando, assim, sua capacidade de interferir de forma ativa e construtiva em seu
contexto. No olhar de Costa, (2004), nessa perspectiva, o sujeito, além de ser
beneficiado, também contribui para a transformação social. Por outro lado, a
participação ativa e autônoma dos sujeitos no planejamento, execução e avaliação das
ações influencia positivamente a eficácia, a resolutividade e o impacto social das
mesmas. Esta estratégia também favorece a mudança do olhar “de população
56
vulnerável” para “população solução”.
O protagonismo segundo Costa (2004) se constitui numa estratégia eficaz de
promoção da saúde de populações excluídas, uma vez que aumenta sua auto-estima e
fomenta a construção de um projeto de vida além de desenvolver uma série de outras
habilidades como manejo de emoções, negociação, comunicação, assertividade e
tomada de decisão.
Transportando esses conceitos para o sistema vigente de saúde, o SUS foi
concebido no contexto histórico de democratização do país, no qual o desafio da
construção de viabilidade de controle da sociedade sobre o Estado é vigente. Controle
que exige pessoas capazes de protagonismo, de exercício de cidadania e autonomia,
capacidades a serem desejadas e conquistadas por parcelas significativas da sociedade.
Para tanto, há necessidade de propostas de distribuição de poder (políticas) geradoras
de empoderamento, de valor, de multiplicidade de processos de subjetivação de
pessoas até então descriminadas por questões de gênero, de etnia, de patologias, de
classe social, como os sujeitos deste estudo. Propostas que necessitam de organizações
e métodos democratizantes, participativos, includentes, inovadores para terem suporte
e consistência. Neste estudo, o termo protagonismo designa a atuação dos caminho-
neiros e profissionais do sexo como personagens principais, com iniciativas voltadas
para a solução de problemas reais. O cerne do protagonismo, portanto, é a participação
ativa e construtiva de pessoas/grupos da comunidade ou da sociedade mais ampla.
Advocacy é um conceito ainda em construção, que vem sendo reformulado com
base nos diferentes contextos políticos e nas diferentes maneiras como são
compreendidos a política e o poder. Ainda sem uma tradução para o espanhol ou para
o português, o conceito que a palavra advocacy expressa vem adquirindo, no seu
trajeto para o sul das Américas, novos conteúdos e significados e maior relevância
social (AGENDE, 2000).
Advocacy tem um amplo significado, (LIBARDONI, 2002) denotando
iniciativas de incidência ou pressão política, de promoção e defesa de uma causa e/ou
interesse e de articulações mobilizadas por organizações da sociedade civil com o
objetivo de dar maior visibilidade a determinadas temáticas ou questões no debate
público e influenciar políticas visando à transformação da sociedade.
57
Com origem na palavra advocare, em latim, Advocacy significa ajudar alguém
que está em necessidade. Em inglês, provém do verbo to advocare. Mas como
advocacia e advogar, em português, referem-se, fundamentalmente, a atividades de
natureza legal e jurídica, preferimos traduzir advocacy “como defender e argumentar
em favor de uma causa, demanda ou posição” (LIBARDONI,1999 p.68).
No significado amplo da palavra, advocacy trata-se de um processo que visa
trazer mudanças nas atitudes, práticas, políticas e leis de pessoas, grupos e instituições
influentes, denotando iniciativas de incidência ou pressão política, de promoção e
defesa de uma causa e/ou interesse e de dar visibilidade a determinadas temáticas ou
questões no debate público e influenciar políticas visando à transformação da
sociedade.
Quando falamos em advocacy, falamos de política e processos de
transformação, sobre valores e crenças, consciência e conhecimento. Falamos sobre
influenciar o poder em questões e problemas que concernem aos cidadãos, sobretudo
àqueles marginalizados e excluídos dos processos políticos.
O trabalho de Advocacy em saúde sexual reprodutiva já é feito no Brasil desde
a década de 80. Embora estes conceitos tenham sido explicitados oficialmente na
Conferência Internacional de População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 (USP,
1996), setores do movimento de mulheres já identificavam a importância de promover
mudanças culturais a favor do direito da população feminina de ter informações e
acesso a ações de contracepção, acompanhadas de outras ações de saúde. O pressu-
posto era de que uma mulher – tenha ela a idade que tiver – necessitava ser compreen-
dida em toda a sua complexidade, rompendo-se a visão de que suas necessidades de
saúde são determinadas por sua função reprodutiva e seu papel de mãe.
Para que as mulheres pudessem “quebrar” esse paradigma, ao longo do tempo
foram se formando redes e alianças com organizações e grupos que lutam pela mesma
causa. Um exemplo disso é a Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, que
aglutina hoje cerca de 100 organizações que operam no campo dos direitos sexuais e
reprodutivos. Nos últimos anos, este caminho tem sido seguido por várias
organizações no mundo todo. Para que efetivamente o advocacy ocorra, é necessário
recorrer à mídia para transmitir mensagens a um número maior de pessoas. É
58
necessário lobbys políticos e pressões políticas organizadas, informação, educação,
enfim, um leque de ações.
Em todas as situações acima mencionadas, vale a pena ressaltar que o trabalho
de advocacy no Brasil está apenas começando, a exemplo da metodologia RARE, que
exige uma articulação política muito grande com vários segmentos da sociedade.
O trabalho com políticas se refere ao desenvolvimento do pensamento e da
posição de uma organização em questões específicas e fornece uma estrutura em torno
da qual as decisões são tomadas. Embora o trabalho com políticas em questões que
estão fora de sua área programática possa ser útil, geralmente é mais eficaz que esteja
ligado diretamente às atividades principais da organização. O trabalho com políticas é
uma ferramenta importante para advocacy, uma vez que contribui e influencia as
políticas de outras pessoas e organizações (AIDSALLIANCE, 2004).
Ações de advocacy podem ser reativas ou proativas. Muitas Organizações Não
Governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil Organizada (OSCs)
realizam, principalmente, trabalhos de defesa reativos, reagindo a questões ou
problemas à proporção que eles aparecem. À medida que ficam mais experientes, suas
ações de advocacy se tornam mais proativas, identificando práticas menos óbvias ou
abstratas que prejudiquem seu trabalho.
Dependendo do contexto político e do grau de abertura dos sistemas políticos,
as ações das organizações da sociedade civil podem influenciar mais ou menos as
elites institucionais, isto é, as ações de advocacy podem ser conduzidas desde
perspectivas que se centram no lobby junto aos tomadores de decisão, ou que
enfatizam participação institucional (em conselhos, comissões, foros de consulta, foros
públicos, campanhas cívicas), ou que enfocam a educação ou a persuasão, ou ainda
que são abertamente de contestação e confrontação com o poder (manifestações, pro-
testos, greves) (MILLER E COVEY, 1997, p. 13).
No mundo globalizado de hoje, principalmente em países em desenvolvimento
como o Brasil, a economia está sendo regulamentada de fora para dentro. Esse fato
obriga a que órgãos internos estejam atentos, pois a área trabalha, cada vez mais, entre
a pressão econômica externa e a demanda interna por produtos e serviços que não
causem riscos à população. Para Sophia (2002) isso pode ser visto com clareza em
59
relação à saúde, onde muitas vezes os instrumentos de proteção viram procedimentos
cartoriais, burocráticos e moeda de troca política.“Os cargos são barganhados, e nem
sempre a competência, o compromisso e a responsabilização são levados em
consideração” (LUCHCHESE, 2002, p.24).
O ponto de encontro para o fim da incompetência seria a reunião do poder
público com os usuários dos serviços de saúde. Quando juntos passarem a
problematizar as questões de acesso a serviços, necessidades prioritárias para
determinadas camadas populacionais, o sistema se tornará mais eficiente. O somatório
de forças do setor regu-lado, da sociedade e do Estado se dá nas práticas do dia a dia.
Os problemas só serão resolvidos, quando todos trabalharem em conjunto na
fiscalização (AIDSALLIANCE, 2004).
Uma das grandes dificuldades para que isso aconteça, é a falta de conhecimento
sobre como estimular a participação da sociedade civil na interlocução com o Estado.
Mesmo porque, o poder das organizações da sociedade civil de influenciar o processo
de tomada de decisões e implementações de políticas públicas, é bastante limitado.
Para LIBARDONI (1999) a promoção e defesa é uma ação estratégica para fortalecer
e aumentar o poder de ação da sociedade civil e a participação da cidadania organizada
no processo de tomada de decisões políticas e programas; promover uma nova cultura
política mais transparente, participativa e democrática; consolidar a democracia. É, ao
mesmo tempo, importante para resolver problemas específicos através de mudanças
concretas em políticas e programas.
Existem diferentes abordagens organizacionais para a advocay. Uma
organização pode trabalhar em parceria com públicos-alvo da advocacy a fim de
influenciar em mudanças ou se colocar em oposição a eles e desafiá-los a mudar. Isso,
muitas vezes, é chamado de ativismo. Quanto a esse aspecto, os programas de apoio
freqüentemente mantêm uma posição mais neutra e imparcial do que suas
organizações parceiras, que estão na linha de frente da implementação e podem, por
essa razão, refletir e apresentar pontos de vista contrários (LIBARDONI, 1999).
Várias ações de advocacy vêm sendo desenvolvidas, especialmente por grupos
feministas, junto aos governos e agências internacionais, meios de comunicação que
contribuíram para os resultados alcançados em conferências, no final do século XX,
60
dentre elas Viena, Cairo e Beijing. Nessas conferências foram discutidos e firmados
compromissos que poderão aumentar a influência e participação política das mulheres.
Citamos como exemplo as organizações feministas, que estão à frente nesse
processo, mas defendo as ações de advocacy para a sociedade em geral, almejando
atingirmos a igualdade de direitos para homens e mulheres. O objetivo mais amplo é a
implementação de políticas públicas de igualdade e o cumprimento dos compromissos
firmados nos acordos internacionais. As atividades devem ser desenvolvidas em
parceria com outras organizações e núcleos universitários, núcleos de estudos, sempre
mantendo diálogo constante com diversos atores sociais e agentes governamentais.
2.4 Gênero e saúde
Gênero é a construção social, cultural e econômica dos papéis feminino e
masculino na sociedade. A palavra gênero é uma tradução do inglês, gender e
diferencia-se de sexo (diferenças biológicas entre homens e mulheres). Esta construção
e as formas como eles (homens e mulheres) se relacionam na sociedade. É um
construto específico em cada cultura – há diferenças significativas nas quais os
homens e as mulheres podem e não podem ser comparados aos outros. Mas o que há
de consistente entre as culturas é que há diferenças entre os papéis de homens e
mulheres, no acesso aos recursos produtivos e na autoridade para tomar decisões. Este
poder diferenciado entre os gêneros está articulado de forma complexa na vivência da
sexualidade (ALVES, 2005). O autor pondera ainda que gênero é uma construção
sociológica relativamente recente, respondendo à necessidade de diferenciar o sexo
biológico de sua tradução social em papéis sociais e expectativas de comportamentos
femininos e masculinos; tradução esta demarcada pelas relações de poder entre
homens e mulheres vigentes na sociedade (ALVES, 2005).
Já Scott (1990, p.14), afirma que o gênero deve ser entendido como “um
elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre
os sexos, (...) um primeiro modo de dar significado às relações de poder...”. Ou seja,
abordar as questões de gênero significa refletir de forma ampliada sob uma ótica que
61
ultrapasse a concepção de papéis sexuais (GUILHEM, 2007).
Em uma análise mais detalhada sobre o tema, Scott (1990) considera quatro
elementos: os símbolos culturalmente disponíveis que evocam as representações
simbólicas; os conceitos normativos que delimitam a interpretação e dão significado
aos símbolos; a explosão da noção de fixidez relativa à bipolaridade primordial; e a
identidade subjetiva, quando homens e mulheres participam de um processo histórico
de construção de sua identidade sexuada.
Para Guilhem (2007 p.105) “de fato, gênero, como construção histórica, origina
questionamentos em diferentes esferas do domínio social, ocasionando implicações
analíticas e políticas, já que provoca a desnaturalização das experiências humanas e a
conseqüente dissociação entre o biológico e o social”. Logo, o gênero é um construto
social e cultural que estabelece valores diferenciados para homens e mulheres, e as
formas como eles (homens e mulheres) se relacionam na sociedade. É um construto
específico em cada cultura – há diferenças significativas nas quais os homens e as
mulheres podem e não podem ser comparados aos outros. Mas o que há de consistente
entre as culturas é que há diferenças entre os papéis de homens e mulheres, no acesso
aos recursos produtivos e na autoridade para tomar decisões. Este poder diferenciado
entre os gêneros está articulado de forma complexa na vivência da sexualidade
(ALVES, 2005).
O poder diferenciado na esfera sexual amplia a vulnerabilidade tanto das
mulheres quanto de homens por várias razões, muito presentes, mesmo nos dias de
hoje. No caso das mulheres, isso se dá pela expectativa de que as mulheres “direitas”
devam ser ignorantes e passivas sexualmente; pelo valor dado à virgindade vaginal;
pela cultura do silêncio sobre as doenças de transmissão sexual; pela relação da
sexualidade com a dependência econômica das mulheres (mesmo dentro do casamento
e fora do sexo comercial); e ainda pela violência de gênero contra mulheres adultas,
crianças e adolescentes de ambos os sexos, que está fortemente associada à
vulnerabilidade, a infecções sexualmente transmissíveis (RAO GUPTA, 2000;
UNAIDS, 2000).
Devido à complexidade dos problemas de saúde, influenciados por múltiplos
processos, é pertinente revisar as vinculações entre gênero e políticas de saúde.
62
Embora esse estudo não intencione fazer uma revisão dos aspectos históricos de tais
políticas, cabe relembrar que a política pública de saúde no Brasil, com suas origens
no final do século XIX e início do século XX, teve como forte característica o fato de
privilegiar a atenção ao segmento materno infantil. Políticas de base higienista e
centradas nas ações de pré-natal e puericultura, enfatizaram o papel da mulher como
mãe responsável pelo cuidado dos filhos (BOARETTO, 2000). Esse foco das políticas
públicas tem obscurecido a situação de mulheres em geral, principalmente em relação
ao ciclo gravídico-puerperal
Se nos reportarmos ao número médio de filhos por mulher na população
brasileira, estudos demográficos demonstram que as famílias estão tendo cada vez
menos filhos: em 1960, a média era de seis filhos por mulher; caiu para 2,89 em 1991
e, em 2000, para 2,39. A projeção para 2004 era de 2,31 e, em 2023, a média deverá
ser de 2,01 filhos por mulher – ou seja, a mera reposição das gerações (IBGE, 2004).
Essa importância dada ao ciclo gravídico puerperal privilegia quase que tão
somente a prevenção da transmissão vertical, deixando de assistir preventivamente
importantes parcelas da população feminina: as adolescentes, todas as mulheres que se
utilizam de outros métodos contraceptivos e não usem também preservativos, além da
faixa etária acima de 60 anos cuja contaminação pelo vírus HIV, vem aumentando
consideravelmente.
Em nível macro-social a vulnerabilidade da mulher relaciona-se com diferenças
em relação ao gênero, nomeadamente no acesso às oportunidades de educação,
emprego e estruturas da modernidade (UNAIDS, 2002). Num contexto de pobreza,
muitas mulheres encontram nas relações com parceiros (casuais ou formalizadas
através do casamento) uma forma de sobrevivência econômica, de segurança social ou
de satisfação de aspirações materiais (WHO, 2000). Numa conjuntura de dependência
econômica, verifica-se uma maior probabilidade de sexo coercivo, violência diária,
exploração, falta de poder de negociação nas decisões para uma vida sexual saudável,
sendo que a falta de recursos impõem uma lógica de sobrevivência na qual o HIV é um
risco secundário (EPELE, 2002).
Vários autores têm sugerido cada vez mais uma forte ligação entre violência
doméstica, comportamentos sexuais e a existência de risco para o HIV/AIDS (El-
63
Bassel, Gilbert, Rajah et al, 2000; Verma e Collumbien, 2003). Por outro lado, uma
possível detecção de infecção pelo HIV ou DST é retardada pelos enormes riscos que
isso pode comportar, como por exemplo, aborto, abandono, violência do parceiro e
estigmatização social (WHO, 2003).
Estas desigualdades de gênero se apresentam de formas diferenciadas e muitas
vezes pouco visíveis. As informações com as quais se elaboram as estatísticas
nacionais apresentam dados discriminados por sexo, e não por gênero, apesar de que,
freqüentemente estão, de fato, espelhando relações de gênero, razão pela qual a análise
de séries históricas de dados estatísticos permite uma leitura sobre mudanças nos
padrões sociais e no relacionamento entre mulheres e homens na sociedade brasileira
(PITANGUY, 2003).
O processo de socialização dos comportamentos sexuais também pode resultar
num fator de risco. É necessário ter em conta o valor que o fato de ser sexualmente
ativo assume socialmente, as diferentes formas de conceitualizar a atividade sexual
consoante ao gênero, a pressão exercida pelos parceiros e as diferenças de poder nas
relações heterossexuais (WHO, 2000; UNAIDS, 2002).
As estratégias preventivas não podem ter apenas como grupo alvo as mulheres,
mas é necessário desenvolver esforços para envolver os homens neste processo de
mudança, dado que, em muitos contextos, é o comportamento sexual do homem que
afeta diretamente a mulher, colocando-a mais vulnerável às DST/Aids (MANN, 1992;
UNAIDS, 2002).
A saúde do homem, por sua vez, é pouco citada em programas de saúde. Mas,
poderia vir ao encontro de uma política que preconiza a superação do modelo de
mulher e saúde, para o de gênero e saúde. A proposta de programas de saúde voltados
para gênero busca sair de um enfoque do risco e do dano da saúde da mulher para o da
saúde como satisfação das necessidades humanas (RIOS, 1993).
Na proposta de Rios (1993) está presente a idéia de que, para se chegar a um
programa de saúde, a mulher, como sujeito de direitos, deve ser fortalecida. Destacar
os direitos das mulheres não contraria a dimensão relacional entre os gêneros porque
para que se chegue à eqüidade deve-se, antes, combater as assimetrias. Fortalecendo
um gênero em desvantagem, poderia se promover uma melhor distribuição de poder
64
entre os gêneros. Nesse sentido, assim como a ênfase dos direitos das mulheres numa
proposta de saúde com o enfoque de gênero é pertinente, uma proposta de se focalizar
a saúde do homem também pode ser válida.
Reflexos da discussão da sexualidade masculina na saúde do homem,
relacionados à percepção ou não da crise da masculinidade, em específico, e aos
sentidos atribuídos à sexualidade masculina, em geral, produzem reflexos no campo da
saúde, revelando dificuldades, principalmente, no que se refere à promoção de
medidas preventivas.
Poderia citar vários exemplos para problematizar a dificuldade de promovermos
medidas preventivas que demandem a discussão da representação da sexualidade
masculina, entre eles, a prevenção do câncer de próstata e das DST/Aids. No Brasil, o
câncer de próstata é, sabidamente, um grave problema de saúde pública. Para que se
aumentem as possibilidades de cura, entre as medidas preventivas ressalta-se o toque
retal realizado por profissionais de medicina; medida de baixo custo, no entanto, é um
procedimento que mexe com o imaginário masculino, a ponto de afastar inúmeros
homens da prevenção do câncer de próstata. Essa recusa não ocorre, necessariamente,
por conta da falta de informações acerca da efetividade dessa medida preventiva.
Quando arrebatados pelo senso comum, homens bem informados, no mínimo, resistem
a se prevenirem dessa forma (DAMATTA 1997).
Nolasco (1997), tomando como base uma sociedade patriarcal, refere que
meninos e meninas crescem sob a crença de que mulher e homem são o que são “por
natureza”. No modelo de masculinidade a ser seguido ressaltam-se as idéias de que o
homem de verdade é solitário e reservado no que se refere às suas experiências
pessoais, ou, quando muito superficial e prático, direcionado para agir e realizar
atividades. Por outro lado, espera-se que o homem compreenda demandas emocionais
de suas parceiras e de seus filhos.
No final do século 20, ainda eram percebidas tensões na construção da
identidade sexual masculina. Estudos como o de Goldenberg (1991), realizados com
homens das camadas médias urbanas e intelectualizados, apontam para tensões
masculinas diante de padrões tradicionalmente construídos. Os homens estudados
expressaram a existência de alguns marcos vigentes para a afirmação da identidade
65
masculina: a iniciação sexual com prostitutas; a negação do homossexualismo; a
referência constante a certo padrão de comportamento sexual masculino (mesmo
quando para rejeitá-lo); o desejo de corresponder às expectativas sociais (em especial
dos amigos e das mulheres). Esses homens expressavam medo de serem questionados
na sua masculinidade por se afastarem dos padrões tradicionais, por eles rejeitados.
As tensões que surgem entre a manutenção do poder do macho nas relações
íntimas entre os gêneros e a possibilidade de se viver novos modelos de
masculinidade, em que se contemplam a associação entre sexo e afetividade e um
relacionamento igualitário com a parceira amorosa, têm sido um dos motivos para se
falar de uma crise masculina (Ciência e Saúde Coletiva, 2003).
Ramos (2000) considera, baseado em Foucault, que falar atualmente de um
novo homem e de uma nova mulher significa ordenar o que parece confuso. Quando
não se pode mais falar de um único modelo hegemônico de ser homem e de ser
mulher, do qual uma simples classificação binária (masculino versus feminino) dava
conta, essa parece ser uma boa “técnica” para “restaurar” a classificação de gênero,
mesmo que às avessas. Para ele, frente a esse cenário, abrem-se possibilidades
relacionadas à transformação da intimidade - terreno tenso e confuso para o homem,
devido ao fato de homens comumente pouco conhecerem as dimensões do contato, da
proximidade, da troca, da solidariedade e da cumplicidade.
A discussão sobre as relações de gênero e a vulnerabilidade dos homens é um
dos temas centrais a ser incorporado aos programas de prevenção, trazendo desafios
adicionais. É importante aqui partir da evidência de que existem diferentes
masculinidades, referidas às diferenças de classe social, raça e etnia, orientação sexual,
entre outras variáveis, que tornam os homens consideravelmente diferentes e desiguais
entre si e, portanto, enfrentando diferentes situações de vulnerabilidade.
Em termos gerais, a vulnerabilidade masculina às DST/AIDS se constrói a
partir da socialização dos homens para um estilo de vida auto-destrutivo, em que o
risco não é visto como algo a ser evitado e prevenido, mas enfrentado e superado; e em
que o sexo deve ser buscado à revelia do risco e jamais recusado. Some-se a isso, a
crença de que o cuidado consigo mesmo e com o outro são valores, em nossa
sociedade, associados ao feminino: homem que é homem nem adoece. Esses
66
repertórios parecem fazer parte e orientar, em maior ou menor grau, o cotidiano dos
homens em geral, a despeito de raça, cor, credo e orientação sexual (WHO, 2000;
UNAIDS, 2002).
Por isso, para concluir, é necessário enfatizar que gênero e saúde, controle
social, empoderamento (protagonimso/advocacy) e promoção à saúde são conceitos
que devem ser apreendidos por homens e mulheres para que se possa, realmente,
superar a concepção tradicional de saúde/doença.
III ASPECTOS OPERACIONAIS DO ESTUDO
3.1 Desenho Metodológico
O desenho desta pesquisa segue a m
etodologia RARE (Rapid Assessment,
Response and Evaluation), conforme descrito pela Organização Mundial da Saúde
(Stimson et al., 2003; Stimson et al., 2001; Stimson et al., 1998; Stimson et al. 1998a;
Howard et al., 1998) e por Needle e colaboradores (2003). Essa metodologia, possui
aderência à proposta deste estudo uma vez que utiliza Epidemiologia, Etnografia e
dados já disponíveis num determinado contexto, para obtenção de informações
importantes acerca de populações vulneráveis e de difícil acesso. Ela tem como idéia
central que o comportamento individual é
8
também definido por questões relativas ao
ambiente no qual se insere o indivíduo, incluindo, aí, facilidades e dificuldades que
têm o meio como origem. Finalmente, sua base comunitária influi na movimentação
dos pesquisadores no campo e, sobretudo, na implementação da resposta que as
informações geradas propõem.
A metodologia de diagnóstico Rápido e Pronta Resposta é um meio para
descrição da extensão e da natureza dos problemas sociais e de saúde e para
sugerir maneiras de melhorá-los (OMS/UNAIDS, 1998).
8
KOLLER, E.M.P.;FOLTRAN,NERILDA . Mitos,Preconceitos e Violência na Vivência de profissionais do
Sexo Frente ao Risco das DST/AIDS. In: Texto e Contexto- Enfermagem/Universidade federal de Santa
Catarina. Programa de Pós Graduação em Enfermagem, v.8,n.2,Florianópolis:UFSC,1999.
KOLLER,E.M.P.; JOHN,V.M. Projeto Bem Me Quer: Formação e Participação de Profissionais do Sexo na
Busca de Seus Direitos Sexuais e Reprodutivos. In: Experiências em Advocacy em saúde e direitos sexuais e
reprodutivos.Brasília,Distrito Federal ,Agende,2002.p.110.
KOLLER.E.M.P.; SCUSSEL, M. Vulnerabilidade às DST/AIDS de Caminhoneiros que transitam em
Itajai-SC. In: Seminário de Iniciação Científica, 2003, Itajaí, ANAIS.
KOLLER,E.M.P.; CUNHA, M.D.; MALTA,M. Caminhoneiros, Vulnerabilidades, Justiça e Desigualdades
Sociais. In: III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, ABRASCO/UFSC, 2005,
Florianópolis. ANAIS
KOLLER, E.M.P. ; CUNHA, M.D.; MALTA,M. Relatório RARE – Itajaí-SC. UNESCO/MINISTÉRIO DA
SAÙDE/CDC/UNIVALI- 2004. OBS: Os dados obtidos na pesquisa RARE, sítio de Itajaí foram cedidos a
pesquisadora coordenadora da pesquisa em Itajaí, desde que citando os órgãos financiadores.
KOLLER, E. M. P ; RAMOS, F. R. S. El acceso a los servicios de salud como un componente de la
vulnerabilidad frente al sida y las dst: el caso de los camioneros de la región portuaria en el sur del Brasil. In:
IV Congreso Mundial de Bioética, 2005, Gijon. Resumen de Ponencias e Comunicaciones IV Congreso Mundial
de Bioética - IV World Conference on Bioethics. Gijón : SIBI - Sociedade Internacional de Bioética. v. IV. p.
616-63.
68
Para Lima (2004) o RARE é uma metodologia em que o movimento de
repensar é constante, favorecendo a melhor avaliação do contexto, para
aperfeiçoamentos do processo de pesquisa e das intervenções concomitantes. A autora
alerta que o reconhecimento da especificidade do setor saúde não retira sua
cumplicidade com a problemática social mais ampla, seja no campo da realidade
empírica, seja no âmbito conceitual, onde o específico está atravessado por distintas
posições face às possibilidades da organização da vida social.
Para Paiva, Pupo e Barbosa (2006) no Brasil existem várias iniciativas no plano
da vulnerabilidade social e intervenções (leis, portarias e decretos) para legitimar as
decisões programáticas. Por outro lado, mesmo que os programas adotem o referencial
da vulnerabilidade e dos direitos humanos, alguns grupos continuam sistematicamente
mais desassistidos, dentre eles os caminhoneiros e profissionais do sexo. Em projetos
com populações compostas por pessoas excluídas socialmente, com alta vulnera-
bilidade individual, social e programática (AYRES, 2000), o acesso às mesmas é
elemento imprescindível, quando se pretende agregar conhecimentos específicos e
propor ações eficazes.
A metodologia RARE vem sendo empregada para a obtenção de informações
rápidas onde ainda não há dados suficientes para que programas, intervenções ou
políticas de prevenção sejam mais eficazes para determinada população. Os resultados
são utilizados tanto para planejar como para desenvolver tais políticas e intervenções
em saúde, assim como permite a melhora de serviços pré-existentes. Além disso, esta
metodologia é inovadora e já foi implementada com sucesso em diversos países,
especialmente naqueles que vêm experimentando uma epidemia de HIV explosiva
entre usuários de drogas injetáveis e pauperização da epidemia, a exemplo do nosso
país. Os achados fornecem base para recomendações específicas para estruturação de
novas políticas públicas em saúde e intervenções voltadas ao controle da epidemia de
HIV/Aids entre as populações vulneráveis e de difícil acesso. No Brasil, além da
pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde/UNESCO, LIMA (2006) realizou a tese
intitulada “Adesão ao tratamento de HIV/AIDS por pacientes com aids, tuberculose e
usuários de drogas de São Paulo”, utilizando a metodologia RARE.
O método RARE tem possibilitado um link entre avaliação e intervenção
69
relacionadas ao HIV/AIDS, considerando a necessidade de que tais ações sejam social,
cultural, religiosa, política e economicamente apropriadas para uma determinada
comunidade.
Por ser uma pesquisa interventiva, ao mesmo tempo em que identifica lacunas,
procura novos informantes chave, lideranças em políticas públicas, porque essa
metodologia, ao mesmo tempo em que identifica problemas, tenta resolvê-los.
Finalmente, o RARE tem auxiliado o desenvolvimento de capacidades locais para
avaliar e responder a problemas críticos e pontuais em saúde.
Para melhor situar a Metodologia RARE, apresentamos, a seguir, uma
classificação de pesquisa proposta por Bulmer apud Minayo (2004)
9
, classificada em
cinco modalidades ou “tipos”:
1. Pesquisa básica: preocupa-se com o avanço do conhecimento através da
construção de teorias, o teste das mesmas, ou para satisfação da curiosidade científica.
Ela não tem uma finalidade prática, embora as descobertas da pesquisa básica possam
influenciar e subsidiar tanto políticas públicas, decisões de homens de negócio e o
avanço do movimento social;
2. Pesquisa estratégica: baseia-se nas teorias das ciências sociais, mas orienta-
se para problemas que surgem na sociedade, ainda que não preveja soluções práticas
para esses problemas. Ela tem a finalidade de lançar a luz sobre determinados aspectos
da realidade. Seus instrumentos são os da pesquisa básica tanto em termos teóricos
como metodológicos, mas sua finalidade é a ação. Essa modalidade seria a mais
apropriada para o conhecimento e avaliação de Políticas, e segundo nosso ponto de
vista, particularmente adequado para as investigações sobre saúde.
3. Pesquisa orientada para um problema específico: é em geral aquela
realizada dentro das instituições governamentais ou para elas. Os resultados da
investigação são previstos para ajudar a lidar com problemas práticos e operacionais
4. Pesquisa-ação: consiste numa investigação pari passu ao desenvolvimento
de programas governamentais, para medir seu impacto. Essa acepção de Bulmer difere
do conceito de pesquisa-ação apresentado por Thiollent (1986, apud Minayo). Para
9
Apud Minayo, 2004 – O Desafio do Conhecimento - Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec, 2004
(8
a
. edição).
70
esse autor a pesquisa tem estreita associação com uma ação ou resolução de um
problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. No
primeiro caso, a investigação acompanha a ação dos programas, mas é externa a elas;
no segundo, o envolvimento do pesquisador na ação é parte integrante da pesquisa.
5. Pesquisa de Inteligência: são os grandes levantamentos de dados
demográficos, econômicos, estatísticos, realizados por especialistas ou instituições, a
fim de ajudar a formulação de políticas.
Considerando tal tipologia, o RARE agrega elementos da pesquisa-ação, da
pesquisa estratégica e aprimora a metodologia RAR (Stimson) por introduzir a
avaliação – ou seja, elementos de monitoramento específicos (planilhas, relatórios e
formulação de recomendações a partir de achados científicos), o que permite uma
participação politizada e cientificamente orientada das equipes, bem como a
articulação com gestores e parceiros institucionais que podem interferir na redução da
vulnerabilidade das populações de modo singular e apropriado.
Como a população de caminhoneiros já foi objeto de estudo RARE anterior, o
objetivo atual ampliou o potencial de análise, por seu foco de aprofundamento nas
ações de protagonismo realizadas pelas categorias, assim como em relação à
população de profissionais do sexo, que há mais de seis anos vem desenvolvendo um
processo de empoderamento por meio de sua Associação.
A coleta e a análise dos dados são praticamente concomitantes e permitem que
a pesquisa seja remanejada e adaptada às condições e contextos específicos da
população estudada. Tanto a alteração dos roteiros da pesquisa, como da amostragem,
por exemplo, são comuns e necessárias para que os dados obtidos possam fundamentar
propostas e recomendações específicos. Os gestores e demais pessoas envolvidas no
contexto de risco para HIV/Aids são mobilizados desde o início, participando ora
como entrevistados, ora como recrutadores.
A metodologia RARE utiliza um modelo de pesquisa simplificado (se
comparado ao modelo de pesquisa tradicional) para identificar os diferentes níveis de
comportamentos vulneráveis de uma determinada população, em um determinado
espaço social, cultural e geográfico. Esta avaliação tem um caráter fundamental no
71
sentido de identificar os aspectos que determinam uma maior vulnerabilidade da
população alvo da pesquisa - profissionais do sexo e caminhoneiros - frente ao
HIV/AIDS e demais DSTs, assim como permite à identificação de intervenções
adequadas, factíveis e direcionadas às necessidades da população estudada. No RARE,
são enfatizados os fatores de proteção: quais as crenças, comportamentos e idéias que
aquela população tem acerca de seus riscos, como avaliam, se os comportamentos têm
base científica correta ou são fatores de agravamento de risco.
Algumas características específicas da metodologia RARE determinaram a sua
viabilidade e adequação para o objetivo da presente pesquisa, a saber (NEEDLE, R.H.,
et al 2000): rapidez: o tempo é um fator vital ao abordar problemas sociais e/ou
relacionados à saúde, permitindo uma avaliação mais rápida do que vigilância
epidemiológica ou pesquisas convencionais; relação custo benefício: utiliza técnicas
que possibilitam uma grande e factível quantidade de informação mediante um esforço
relativamente pequeno; relevância prática para intervenções; fortalecimento de
respostas locais: identifica e envolve informantes-chave locais, incluindo aqueles
responsáveis pelo desenvolvimento e sustentabilidade de intervenções; encoraja a
participação comunitária, visando a alcançar uma maior relevância e aplicabilidade
prática da avaliação; utilização de informações pré-existentes: utiliza informações pré-
existentes para descrever e compreender melhor a situação local e utiliza estes dados
iniciais para identificar lacunas no conhecimento disponível, otimizando tempo,
esforço e recursos; utilização de diversos métodos e diversas fontes de dados: um
único método de coleta de dados não é suficiente para abordar todos os aspectos de
problemas sociais e de saúde complexos, principalmente comportamentos que são
muito particulares e tendem a ser "escondidos", como é o caso do sexo comercial.
A adequação dos achados às necessidades da população-alvo e à viabilidade das
recomendações elaboradas visa a fornecer informação que permita a tomada efetiva de
ações factíveis, sustentáveis ao longo do tempo e culturalmente adequadas, obtendo o
apoio de formuladores de políticas, financiadores e representantes da população alvo.
No caso do abandono do trabalho com os caminhoneiros no Posto de
combustíveis Santa Rosa, os trabalhos de prevenção, foram retomados pela Secretaria
de Saúde de Itajaí, ainda durante o desenvolvimento da pesquisa. A falta de
72
financiamento para a manutenção do espaço físico da APROSVI foi custeado pela
AMFRI, Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí-Açú. O aumento de
preservativos para distribuição aos profissionais do sexo, foi negociado e resolvido
com a secretaria de saúde de Bal. Camboriú.
Um aspecto comum da metodologia RARE é o uso de diversas técnicas
qualitativas, como observação direta, mapeamento, entrevistas em profundidade com
experts e grupos focais, sendo a análise dos dados feita através de triangulação: dados
coletados com uma técnica são comparados com dados obtidos por outras técnicas. Os
consensos e contradições, comparados à literatura, são base para formulação de
recomendações e proposição de novos estudos.
Na presente pesquisa, o componente da triangulação de dados foi essencial e os
objetivos específicos foram norteadores do processo de escolha de estratégias e fontes
de dados, do tratamento dado aos mesmos, bem como do suporte teórico que subsidiou
os encaminhamentos analíticos. De forma esquemática, a operacionalização metodoló-
gica pode ser apresentada no quadro abaixo:
Quadro 1: Operacionalização Metodológica
Objetivo Geral: Analisar a relação entre vulnerabilidade e protagonismo a partir da experiência de
profissionais do sexo e caminhoneiros frente a aids
OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
CONCEITOS/CATEGORIAS
FONTE DE DADOS/
ESTRATÉGIAS
1. Discutir o conceito de
vulnerabilidade em relação
a aids em populações
móveis (caminhoneiros e
Profissionais do sexo) na
região do Vale do Itajaí
* Pesquisa bibliográfica (geral e
específica à aids)
* Dados pré-existentes:
- Pesquisa RARE na região;
- Pesquisa multicêntrica com
profissionais do sexo.
2. Analisar a interface entre
profissionais do sexo e
caminhoneiros na produção
da vulnerabilidade a aids
* VULNERABILIDADE
* Populações móveis
(caminhoneiros e prof. do sexo)
* Gênero e saúde
* Aprofundamento das fontes e
dados levantados, para ênfase no
objetivo citado.
* Atualização dos dados pré-
existentes, de acordo com a
necessidade.
3. Identificar e descrever
experiências de protago-
nismo/advocacy em cons-
trução por profissionais do
sexo e caminhoneiros em
relação a aids
* PROTAGONISMO E
ADVOCACY
* Grupo Focal com profissionais do
sexo e caminhoneiros
* Entrevistas em profundidade
c/sujeitos chaves identificados nas
experiências de
protagonismo/advocacy
73
3.2 Descrição do Campo e Sujeitos da Pesquisa
Esse estudo foi realizado com duas populações distintas: profissionais do sexo e
caminhoneiros. Os profissionais do sexo foram contatados através de uma Associação
de Profissionais do Sexo de Santa Catarina (APROSVI), enquanto os caminhoneiros
foram contatados no Porto de Itajaí através da enfermeira do programa Porto Saudável
e no Posto de combustíveis Santa Rosa, através do coordenador do SEST/SENAT. O
contato anterior com as entidades que agregam estes sujeitos e a manifestação do
interesse em participar do estudo foi um elemento facilitador do acesso aos sujeitos do
estudo. Os três locais já foram projetos de extensão da UNIVALI (Universidade do
Vale do Itajaí) e tiveram como coordenadora a pesquisadora deste estudo.
O desenho da pesquisa, conforme apresentado anteriormente no Quadro 1,
demonstra a importância do mapeamento antes do início da coleta de dados para que a
amostra seja direcionada. Os sujeitos desse estudo foram escolhidos pela pesquisadora
e sua equipe, norteados pelos objetivos do estudo, em locais previamente mapeados,
considerados estratégicos para obtenção de êxito na pesquisa (Anexos 3 e 4). O quadro
1 mostra as técnicas, locais e sujeitos que participaram da coleta de dados deste estudo,
segundo metodologia RARE, mas que não representam a totalidade dos dados, uma
vez que a estes foram acrescidos os dados pré-existentes (como será melhor relatado a
seguir).
74
Quadro 2: Demonstrativo dos dados coletados na Pesquisa “Da Vulnerabilidade ao
Protagonismo: Profissionais do Sexo e Caminhoneiros frente à aids”
TÉCNICA DE COLETA Nº IDAS A
CAMPO
NºDE
SUJEITOS
LOCAIS DE COLETA DE DADOS
Observações e
Mapeamentos
08 20 (01) Cidade de Itajaí; rota I
(02) Cidade de Itajaí; rota II
(03) Posto Santa Rosa;(Itajaí)
(04) Porto de Itajaí;
(05) Casas de Prostituição;BC e
Itajaí
(06) Balneário Camboriú) Avenida
Marginal
(07) (Inauguração nova sede
APROSVI-BCamboriú
(08) Inauguração Centro de Direitos
Humanos para HSH-B.Camboriú
Entrevistas Informante-
chave (IC)
06 09 (01) Posto Santa Rosa;
(02) Unidade de Saúde São Vicente
(03) Associação Profissionais do
Sexo
Entrevistas Profissionais do
sexo (EPS)
06 06 (1 ) Casas e pontos de Prostituição,
(2 ) Sede da APROSVI
Entrevistas Caminhoneiros
(ECAM)
05 05 (1 ) Posto Santa Rosa
(2 ) SEST/SENAT
(3 ) Porto De Itajaí
Grupos Focais GFP.SEXO 01 08 (1 ) Sede da APROSVI-B.Camboriú
Grupos Focais GF-
CAMINHONEIROS
02 12
09
(1 ) Posto Santa Rosa/Itajaí
(1 ) Porto de Itajaí
TOTAL DE SUJEITOS 69
TOTAL DE
ENTREVISTAS
19
TOTAL DE GRUPOS
FOCAIS
03
O lócus de pesquisa foram os municípios de Itajaí e Balneário Camboriú. Para
escolha dos sujeitos não houve limites pré-fixados quanto ao número de informantes,
mas como previsão inicial, indicou-se um mínimo de quinze (15 por segmento
populacional profissional do sexo e caminhoneiro), sendo 5 entrevistas em
profundidade e 10 participantes em grupo focal). O critério de escolha para entrevistar
profissionais do sexo, foi que trabalhassem na Avenida Marginal em Balneário
Camboriú ou na Avenida Reinaldo Scmithausen, em Itajaí (ambas são rota de
caminhoneiros) e que tivessem caminhoneiros como clientes. As profissionais do sexo
poderiam ser mulheres ou travestis, já que o foco do estudo recai sobre a interface
75
caminhoneiros/profissionais do sexo. Observando o que preconiza a metodologia
RARE, a coleta de dados é direcionada ao foco da pesquisa, e a nossa primeira
entrevistada passou a ser parceira, como recrutadora dos sujeitos a serem
entrevistados.
Iniciamos, realizando uma entrevista em profundidade com a presidente da
APROSVI, Associação de Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí, que a seguir
agendou um grupo com as profissionais do sexo. Trabalhar com esse segmento
populacional promete surpresas; foram agendadas 13 profissionais do sexo e
compareceram apenas 8 (oito) para a realização do trabalho, que também iniciou com
uma hora e meia de atraso. Após a análise da primeira entrevista e do grupo focal,
gradativamente foram sendo agendadas outras profissionais do sexo que quisessem
participar do estudo.
Concomitantemente, fizemos observações dos locais de prostituição que
atendem a clientela caminhoneiros, para triangular com o estudo anterior realizado em
Itajaí e refazer os mapas geográficos da prostituição de Balneário Camboriú e Itajaí,
que eram muito antigos e desatualizados.
Para os sujeitos caminhoneiros, primeiramente, entrevistamos a enfermeira do
programa Porto Saudável, que foi quem providenciou o primeiro grupo focal
(recrutadora) com estes participantes. O convite foi realizado, pessoalmente, com
auxílio do estagiário do Programa Porto Saudável. O encontro aconteceu no
“Container da Prevenção”, um container transformado em sala, equipado com mesa,
cadeiras tv e vídeo, ar condicionado, localizado dentro da área alfandegada, na rota
obrigatória dos caminhões dentro do porto, o que exigiu permissão especial para nossa
entrada e permanência no local. A partir da análise desse grupo focal, a enfermeira
convidou e realizou três entrevistas com caminhoneiros na área portuária. Os dados
indicavam a necessidade de entrevistar o Diretor do Programa Porto Saudável, o que
fizemos a seguir. Depois de conhecermos a realidade do caminhoneiro dentro do Porto
de Itajaí, partimos para o segundo grupo focal com caminhoneiros, dessa vez realizado
no SEST/SENAT, bem como duas entrevistas com caminhoneiros no mesmo local.
Devido à troca do ocupante do cargo de coordenador do SES/SENAT, durante a
execução de nosso trabalho, houve contato formal para exposição da pesquisa e
76
solicitação da disponibilização do espaço físico para a realização do grupo focal nas
dependências do SEST/SENAT.
Os formuladores de políticas e profissionais de saúde puderam ser consultados e
entrevistados, seja como informantes chave, ou em entrevistas de profundidade,
quando de nossas observações e mapeamentos, ou em encontros agendados
especificamente para esse fim. Foram entrevistados a fim de evidenciar a atualização
dos dados pré-existentes, ou para esclarecer lacunas dos dados, conforme é esperado
na metodologia RARE.
Durante a pesquisa, os roteiros de entrevistas foram revisados no sentido de
abordar novas descobertas e novas questões de pesquisa que fossem surgindo ao longo
da coleta de dados. As definições quanto ao número de informantes e estratégias de
coleta foram tomadas e revistas, conforme os resultados eram obtidos e sofriam uma
pré-análise. Em todos os passos do estudo, seguimos as determinações da Resolução
196/96. (CNS, 1996) e só foram colhidos e utilizados dados de informantes que
manifestaram seu aceite de participação mediante assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 1).
3.3 Detalhamento da coleta de dados
A metodologia RARE foi considerada perfeitamente adequada às necessidades
do estudo, se não na abrangência de todos os seus objetivos, especialmente aos dois
primeiros (conforme quadro anterior). Isto se deu pelo foco sobre aids, como uma
epidemia em expansão, e sobre populações extremamente vulneráveis, que indicam a
necessidade de desenvolver respostas rápidas e eficazes a esta questão.
Existem cinco métodos principais de coleta de dados utilizados pela equipe de
campo RARE, acrescidos de diversos métodos complementares e opcionais, como:
grupos focais; entrevistas com informantes chaves, surveys de avaliação rápida; geo
mapeamento; observação direta. Nesse estudo, não realizamos Surveys. Orientados
pela metodologia RARE, utilizamos os seguintes métodos de coleta de dados:
1. Atualização do Geo-Mapeamento
77
2. Observações de campo
3. Entrevistas com informantes-chave e Entrevistas em profundidade
4. Grupos focais;
As etapas da pesquisa foram didaticamente separadas, para fins de esclarecer o
leitor dos vários métodos de que lançamos mão ao longo da coleta. Entretanto, estas
etapas em alguns momentos foram concomitantes, não obedecendo necessariamente à
cronologia estabelecida, na dependência das avaliações dos dados feitas pela
pesquisadora. Enquanto eram desenvolvidas todas as técnicas de coleta de dados
(acima referidas e abaixo descritas) procedemos um estudo dos arquivos da
Associação das Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí (APROSVI) para
acompanharmos as ações desencadeadas em prol da categoria, ou de desenvolvimento
do protagonismo, através de ações de advocacy, subsidiando o aprofundamento
previsto no objetivo
O trabalho de campo foi realizado no período novembro de 2006 até fevereiro
de 2007, sendo coordenado pela pesquisadora. A equipe de campo foi composta por
uma enfermeira, uma psicóloga e duas acadêmicas de enfermagem, que tiveram a
tarefa de coletar as informações necessárias para guiar o desenvolvimento do Plano de
Ação do RARE.
3.3.1 Dados pré-existentes
Em um primeiro momento da pesquisa, foram coletados e re-ordenados dados
pré-existentes e disponíveis sobre a população alvo da pesquisa - profissionais do
sexo, caminhoneiros. As fontes utilizadas para coletas desses dados foram: Boletins
epidemiológicos do Programa Nacional de DST/AIDS, dados disponibilizados pela
Secretaria Municipal de Saúde dos municípios incluídos no estudo, dados publicados
por outras pesquisas nacionais envolvendo profissionais do sexo, caminhoneiros
(referências) e dados previamente coletados e publicados pela pesquisadora
(KOLLER, E. M. P, 1997; BRASIL, 1995; BRASIL, 2001; BRASIL, 2002; KOLLER,
E. M. P, JOHN, V. M., 2002; KOLLER E SCUSSEL, 2003) KOLLER et al (2004) A,
KOLLER ET AL 2004 B., KOLLER, RAMOS E CUNHA, 2005).
78
Os dados iniciais permitiram uma primeira descrição e compreensão sobre a
epidemia de HIV/AIDS no Vale do Itajaí, assim como disponibilizou dados iniciais
sobre aspectos relativos à vulnerabilidade acrescida de populações móveis frente ao
HIV/AIDS e demais DSTs. Estas informações também auxiliaram a detectar lacunas
no conhecimento atualmente disponível sobre as profissionais do sexo nessa região.
3.3.2 Mapeamento
Os dados do mapeamento são considerados pré-existentes (obtidos na Pesquisa
RARE de 2004), mas sofreram atualização no atual estudo. Foram realizadas
anotações nos mapas plotados das cidades, a fim de que pudessem ser modificados na
medida em que os dados de campo fossem checados e atualizados. Ao término do
mapeamento, foi elaborada uma completa e atual descrição gráfica do ambiente do
estudo, incluindo as seguintes informações: locais importantes, áreas de atividade
(rotas de entrada e saída da cidade, locais de parada de profissionais do sexo,
localização de serviços de saúde);localização das populações vulneráveis identificadas
(caminhoneiros, profissionais do sexo);comportamentos mais vulneráveis e condições
associadas à adoção destes comportamentos (onde as profissionais do sexo consomem
drogas e álcool, locais de comércio sexual) (Anexos 3 e 4).
3.3.3 Observações de campo
Ao longo da pesquisa, e de acordo com a necessidade de atualização dos dados
pré-existentes, foram realizadas observações de campo nos seguintes locais: pontos de
parada de caminhoneiros, postos de combustíveis, restaurantes, zonas de prostituição e
rodovias de acesso e saída da cidade, sede da APROSVI. Estes dados, segundo o
Manual RARE (2002), foram coletados em três momentos diferentes da pesquisa, a
saber:
No início do estudo, as observações foram utilizadas para: identificar áreas de
pesquisa, mapear áreas chave, estabelecer maneiras de acesso a estas áreas e identificar
informantes chave; identificar comportamentos mais vulneráveis; obter uma melhor
compreensão sobre comportamentos locais, costumes e vocabulários próprios da
79
população acessada.
No decorrer do estudo, as observações de campo serviram para: Validar e
checar achados de outros métodos, de outras fontes de dados e hipóteses de pesquisa;
Identificar novos achados (a serem validados ou não através de outros métodos de
coleta de dados);
Na etapa final do estudo, as observações serviram para: validar e checar
achados de outros métodos, de outras fontes de dados e hipóteses de pesquisa; avaliar
a representatividade de achados emergentes (através da repetição de observações com
diferentes grupos e em diferentes áreas); identificar problemas em potencial e
possíveis soluções e/ou sugestões para intervenções futuras;
As observações foram realizadas nos diversos segmentos da sociedade que tem
interface com profissionais do sexo como: caminhoneiros, frentistas, profissionais de
saúde, formuladores de políticas.
A equipe de campo já era treinada em RARE por ter participado da pesquisa
anterior financiada pelo Ministério da Saúde e pelo Centro de Controle e Prevenção de
Doenças (CDC) dos Estados Unidos, com exceção das acadêmicas que foram treinadas
para esse trabalho. Os planos de atividades da equipe de campo foram sempre
pautados nos achados sobre a relação entre vulnerabilidade e protagonismo a partir da
experiência de profissionais do sexo e caminhoneiros frente à aids coletados,
anteriormente.
3.3.4 Grupos focais
O grupo focal é uma técnica de entrevista na qual os membros do grupo narram
e discutem visões e valores sobre eles próprios e o mundo que os rodeia, sendo
frequentemente usado nas Ciências Sociais, para buscar as respostas dos “porquês” e
“como” dos comportamentos (ABROMOWAY, RUA 2001).Os grupos focais são
formados por 8 a 12 pessoas representativas da audiência selecionada (nesse estudo,
caminhoneiros e profissionais do sexo). Utilizando um esboço previamente elaborado,
um moderador mantém a discussão centrada no tema em causa e conduz de forma a
obter respostas para as questões propostas, propiciando livre expressão de todos os
80
participantes. À medida que as respostas são obtidas, o moderador poderá acrescentar
questões adicionais, a fim de obter análises em profundidade (BRASIL, 1998).
O grupo focal vem-se mostrando uma estratégia privilegiada para o entendimento de
atitudes, crenças, valores de um grupo ou de uma comunidade. Também tem se revelado um
dos principais instrumentos dos métodos de “investigação rápida” desenvolvida para obter
uma informação ágil, pouco onerosa, em profundidade e com volume significativo de
informação qualitativa fornecida por membros de um grupo específico (WORD BANK,
1993).
Ao longo do estudo, realizamos três grupos focais, sendo 01 com profissionais do sexo
(oito participantes) e 2 com caminhoneiros (nove e doze participantes) com quem as
profissionais do sexo têm importante interface. Para a realização dos grupos focais, utilizamos
um roteiro de temas com objetivo de fomentar a troca de informações entre os participantes.
Os temas abordados foram: cotidiano, vida emocional, acesso a serviços de saúde,
conhecimento sobre HIV/AIDS e demais DST, comportamento sexual e participação na
associação para reinvidicação de direitos. A facilitadora foi a própria pesquisadora, com ajuda
de uma componente da APROSVI, para as profissionais do sexo, e da enfermeira do Porto
para os caminhoneiros, devidamente treinados a conduzir os grupos focais, além de um
assistente para apoio aos diversos procedimentos do grupo focal (gravação, anotações,
insumos para participantes, etc).
Para definir o número de grupos necessários, utilizou-se a técnica de saturação dos
conteúdos. No caso dos profissionais do sexo, complementamos as informações com
entrevistas em profundidade, devido à dificuldade de reunir profissionais do sexo em número
suficiente para a formação de um grupo focal em Itajaí.
3.3.5 Entrevistas em profundidade
As entrevistas em profundidade foram planejadas como individuais e semi-
estruturadas, uma vez que se utilizou de um roteiro de entrevista amplo, cobrindo
vários aspectos do fenômeno estudado. Partiu-se do princípio que em suas respostas os
informantes revelam seu “pensamento” sobre a realidade, suas experiências e
percepções básicas e, assim, as entrevistas possibilitam “compreender o mundo a partir
do ponto de vista dos sujeitos, a fim de revelar o significado de suas experiências e
desvendar o mundo em que vivem, antes de explicações científicas” (ABRAMOWAY,
81
RUA, 2001).
Esse formato de entrevista permite alterar a ordem das questões de acordo com
o andamento da entrevista e também permite ao entrevistado esclarecer os assuntos
segundo sua percepção e usando formas de expressão próprias, flexibilizando
perguntas, respostas e categorias que poderiam ser tomadas como fechadas ou
distantes do entendimento dos sujeitos.
Foram realizadas entrevistas com 6 profissionais do sexo e 5 caminhoneiros,
além de 4 profissionais de saúde, nos municípios de Balneário Camboriú e Itajaí. Estas
duas cidades possuem grande número de profissionais do sexo, contingente que chega
a duplicar na temporada de verão e festas de outubro. O roteiro, previamente
elaborado, incluiu temas sobre as barreiras para um melhor acesso aos serviços de
saúde, as vulnerabilidades a que estão expostos os sujeitos da pesquisa, bem como
ações de advocacy/protagonismo desenvolvidas pelos dois segmentos populacionais
acessados. Durante a pesquisa, os roteiros de entrevistas foram revisados no sentido de
abordar novas descobertas e novas questões de pesquisa que surgiram ao longo da
coleta de dados. Também ouvimos as sugestões e recomendações destes profissionais
em relação à problemática vivenciada.
Em relação aos formadores de políticas, investigamos sobre viabilidade e
possibilidades de sustentabilidade das recomendações coletadas, quais as sugestões
factíveis e viáveis que eles próprios têm sobre o problema e quais as barreiras e
dificuldades enfrentadas no manejo desta questão, inclusive em termos de “vontade
política” para propiciar meios para mudar a realidade.
3.4 Análise e Interpretação dos Dados
A análise dos da
dos obtidos foi desenvolvida de forma coerente aos objetivos
do estudo, ou seja, de modo a apresentar: a realidade das profissionais do sexo quanto
á vulnerabilidade ás DST/AIDS, incluindo a questão da equidade de acesso a serviços
de saúde e interação com os profissionais de saúde; as interfaces entre caminhoneiros e
profissionais do sexo na produção desta vulnerabilidade: as experiências de
82
Empoderamento, Protagonismo ou Advocay, uma vez que a interpretação dos achados
se valeu não apenas do entendimento mais geral sobre tais conceitos, mas da própria
metodologia já proposta e denominada “Advocacy” disponível na literatura. Além
disso, a revisão da produção científica sobre o fenômeno em estudo e, ainda, as
experiências pessoal e profissional da pesquisadora foram subsídios importantes para
tal análise.
Na análise de dados qualitativos, convém lembrar o que Minayo (op. cit, p. 197)
que aponta como os três grandes obstáculos da análise dos dados obtidos no campo: a
“ilusão da transparência” ou o perigo da compreensão espontânea, como se o real se
mostrasse nitidamente ao observador. Essa “ilusão” é tão mais perigosa, quanto mais o
pesquisador tenha a impressão de familiaridade com o objeto. É uma luta contra a
sociologia ingênua e o empirismo; a magia dos métodos e técnicas tomadas como
preponderantes em relação ao essencial, que é a fidedignidade às significações
presentes no material e que dizem respeito a relações sociais dinâmicas; dificuldade
em se juntar teorias e conceitos muito abstratos com os dados recolhidos.
No caso desta pesquisa RARE, foi utilizada a Análise de Conteúdo, como
descreve Bardin (1979, p.103) particularmente na etapa de análise temática, que
"consiste em descobrir os 'núcleos de sentido' que compõem a comunicação e cuja
presença ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo
analítico escolhido". Além de se buscar respostas para questões previamente
colocadas, com esta técnica pode-se caminhar na direção da "descoberta do que está
por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo
analisado" (GOMES, 1994).
As técnicas de Análise de Conteúdo visam a atingir os significados manifestos e
latentes nos material qualitativo e são: Análise de Expressão, Análise de Relações,
Análise Temática e Análise do Discurso – sendo as duas últimas as mais apropriadas
para investigação de material sobre Saúde, e mais utilizadas na pesquisa RARE.
Análise Temática: a noção de Tema está ligada a uma afirmação a respeito de
um determinado assunto. Ela comporta um feixe de relações e pode ser graficamente
representada através de uma palavra, frase, resumo. O tema é a unidade de significação
que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria
83
que serve de guia à leitura (BARDIN, 1979, p.105).
Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que
compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa
para o objetivo analítico visado. Esta análise, Op Cit., reúne três etapas, efetivamente
desenvolvidas neste estudo, conforme descrito a seguir:
Pré-análise: escolha dos materiais a serem analisados, retomada de hipóteses e
objetivos iniciais da pesquisa, elaboração de indicadores que orientem a interpretação
final. Técnicas: leitura flutuante, organização do corpus e formulação de hipóteses. Na
constituição do corpus, o material é organizado de modo a responder a algumas
normas de validade: exaustividade: que contempla todos os aspectos levantados no
roteiro; representatividade: que contenha a representação do universo pretendido;
homogeneidade: que obedeça a critérios precisos em termos de temas, técnicas e
interlocutores; pertinência: os documentos analisados devem ser adequados aos
objetivos do trabalho.
Nessa fase pré-analítica determinam-se a Unidade de Registro (palavra-chave
ou frase), a unidade de contexto (delimitação do contexto de compreensão da unidade
de registro), os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os
conceitos teóricos que orientarão a análise.
Exploração do material: operação e codificação: Compreende regras de
contagem, construção de índices e parâmetros e classificação e agregação dos dados.
Foram realizadas análises cuidadosas de todo material, criando códigos para os temas
investigados e obtendo resultados muito precisos.
Tratamento dos resultados obtidos
Os resultados brutos foram submetidos a operações estatísticas simples
(porcentagens/ freqüências), que permitiram colocar em relevo as informações obtidas.
Os dados relevantes foram comparados com respostas dadas nos grupos focais,
resultados de outras pesquisas com as mesmas populações, observações e
mapeamentos, realizando a triangulação. Com este processo, os consensos e
contradições passaram a ser comparados com os dados já existentes na literatura e as
formulações para políticas foram articuladas.
84
O princípio da triangulação dos dados foi aplicado a partir do entendimento
como uma combinação de diferentes fontes de dados: caminhoneiros, profissionais de
saúde, formuladores de políticas - diferentes técnicas de investigação (geo-
mapeamento, entrevistas em profundidade, grupos focais). Ou seja, embora o foco da
pesquisa inclua caminhoneiros e profissionais do sexo, outros sujeitos que compõem o
contexto social dos sujeitos de pesquisa contribuem para a triangulação dos dados.
Fontanella, Campos e Turato (2006) explicam que nessa forma de pesquisar, o
investigador, ao confrontar seus achados com os dados de literatura, tem, então, uma
função complementar, uma estratégia de triangulação teórica. Todavia, os autores
recomendam que nunca deve servir como ponto inicial da discussão, na qual a
apresentação das citações, extraída do material das entrevistas, somente ajudaria a
confirmar teorias já estabelecidas. Para esses autores, uma verdadeira pesquisa de
campo deveria ir além do histórico papel passivo de confirmar ou de refutar hipóteses.
As entrevistas qualitativas têm que produzir dados, a fim de realizar, pelo menos,
quatro importantes funções que deveriam desenvolver os modelos teóricos,
nomeadamente: os resultados iniciam, reformulam, redirecionam e clareiam teorias.
3.5 Aspectos éticos do estudo
O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em
Pesquisa da UNIVALI (Parecer nº 415 de 22/09/2006). Todo o desenvolvimento do
estudo foi pautado por normas éticas, conforme Resolução CNS 196/96. Alguns
aspectos éticos mais específicos, relacionados à perspectiva teórico-metodológica e a
postura dos pesquisadores, merecem ser destacado.
Quanto à avaliação crítica e riscos em relação aos objetivos do projeto: Embora
sendo uma pesquisa de risco mínimo, como foram abordadas questões íntimas como
comportamento sexual, uso de drogas, presença de alguma DST, entre outros aspectos,
existe sempre um risco inerente de que o participante sinta-se emocionalmente abalado
após a coleta de dados. Buscando minimizar ao máximo tal risco, a equipe tomou
todos os cuidados para que nenhuma norma ou princípio ético fosse desrespeitado: que
85
o participante fosse sempre autônomo em sua participação, com plena liberdade para
recusar responder a qualquer pergunta ou para abandonar a pesquisa em qualquer
momento da coleta de dados, sendo-lhe assegurado a ausência que qualquer forma de
prejuízo, dano ou represália, presente ou futura.
Quanto ao impacto previsto, o objetivo de conhece questões envolvidas na
Vulnerabilidade de Profissionais do Sexo e Caminhoneiros frente a Aids e as ações de
protagonismo e advocacy desenvolvidas por esses dois segmentos populacionais, há
uma clara pretensão de subsidiar ou contribuir para reformulações ou propostas de
intervenções visando a abordar as lacunas identificados em informações ou serviços.
Tais intervenções objetivarão sempre melhorar a qualidade de vida dos caminhoneiros
e profissionais do sexo, seja através da criação de novos serviços ou na reestruturação
dos serviços existentes. O objetivo maior, a longo prazo, é diminuir a altíssima
incidência de HIV/AIDS na região e, em qualquer desdobramento futuro, tais
propostas ou ações manterão o respeito aos sujeitos do estudo e buscarão a maior
participação destas populações.
Quanto ao plano de divulgação e disseminação dos resultados, prevê- se que
estes serão apresentados em devolutivas no Porto de Itajaí, no SEST SENAT e nas
Secretarias de Saúde de Itajaí e Balneário Camboriú e APROSVI, conforme
preconizado pela Metodologia RARE.
Apresentações em eventos acadêmicos, bem como elaboração e submissão de
artigos à periódicos científicos da saúde coletiva e áreas afins, obedecerão cuidados
éticos de proteção e preservação dos sujeitos e de seus interesses. Enfim, os dados
obtidos serão utilizados apenas para os fins acadêmico-científicos a que se destinam. A
fim de identificar corretamente quem prestou que tipo de informação, criamos a
seguinte codificação para os sujeitos de pesquisa:
ECAM-2007 Entrevista Caminhoneiro
GFCAM-2007 Grupo Focal Caminhoneiro
GFPS -2007 Grupo Focal Profissional do Sexo
EPS -2007 Entrevista Profissional do Sexo
EIC-2007 Entrevista Informante Chave
OM-2007 Observação e Mapeamento
IV OS SIGNIFICADOS DA VULNERABILIDADE NA PERSPECTIVA
DOS PARTICIPANTES
Através do presente texto pretende-se discorrer acerca de como a rede de apoio
social é caracterizada e percebida por caminhoneiros e profissionais do sexo. Discute-
se a vulnerabilidade a AIDS em populações móveis (caminhoneiros e profissionais do
sexo na região do Vale do Itajaí. É feita uma analise da interface entre profissionais do
sexo e caminhoneiros na produção da vulnerabilidade a aids, bem como identifica-se e
descreve-se experiências de protagonismo/advocacy em construção por profissionais
do sexo e caminhoneiros em relação a aids). Propõe-se que essas lógicas se tocam em
alguns pontos e se afastam consideravelmente em outros, sobretudo os relativos às
interpretações sobre o corpo, o "cuidar-se", ao "risco", sexualidade e saúde. Defende-
se que há por parte das técnicas e dos formuladores de políticas públicas uma forte
dicotomização espacial entre "posto" (unidades de saúde) e "as ruas” (áreas de
prostituição) impedindo uma visão integral da realidade do grupo almejado pelos
Projetos de Prevenção.
A pesquisa atual, transitando por outras já realizadas com a mesma população
na mesma área geográfica, além da revisão bibliográfica em geral, permitiu a
construção de cartografias existenciais que evidenciaram elementos que recontam as
histórias coletivas do movimento organizado das profissionais do sexo, suas
reivindicações, desafios e conquistas. Também solicitou novas possibilidades de
diálogos entre os órgãos governamentais e demais setores da sociedade civil, de modo
a favorecer o surgimento de novas políticas públicas, assim como, maior
empoderamento e respeito para com as diferenças e a defesa do direito a ter direitos
como estratégia de emancipação psicossocial e política dessa população, permitindo
observar que as reivindicações, desafios e conquistas, do segmento caminhoneiros
pede novas possibilidades de diálogos entre os órgãos governamentais e demais
87
setores da sociedade civil.
Neste estudo, através da metodologia RARE, focamos a produção da
vulnerabilidade à aids nas populações acessadas através de experiências relatadas em
entrevistas e grupos focais sobre os temas: local/condição de trabalho, acesso a
serviços de saúde, gênero e saúde, a partir dos três eixos da vulnerabilidade propostos
por Mann et al (1993), social, programático e individual.
A formulação do conceito de vulnerabilidade está associada ao reconhecimento
dos limites de intervenção do sujeito em face de condições historicamente fundadas no
espaço da vida social coletiva. O discurso sobre vulnerabilidade em saúde trouxe à
pauta questões de acesso e qualidade de bens e serviços em saúde, bem como de um
conjunto de condições biológicas, econômicas, sociais, políticas e culturais
(URBANEJA, 2000, BRASIL, 2002) que marcam as diferenças no processo de viver
de indivíduos e populações.
Na perspectiva bioética, segundo Anjos (2000), podemos dizer que a
vulnerabilidade é um conceito–chave a ser evocado constantemente, quando se pensa
em autonomia, embora a autonomia em Bioética seja um referencial teórico e não um
campo de análise sociológica. Em minha concepção de profissional de saúde, entender
esse usuário como agente autônomo significa aceitar o direito que ele tem de ter
opiniões próprias, de fazer escolhas de acordo com seu valores e crenças, mesmo que
essas opiniões sejam diferentes das prescrições técnico-científicas. Logo, no sentido
moral dos desafios do nosso tempo, o conceito de vulnerabilidade torna-se uma
ferramenta interessante na análise e definição de políticas de intervenção no campo da
saúde (KOTTOW, 2003; MACKLIN, 2003).
No que se refere a populações específicas, indicadas nestas recomendações
internacionais e consideradas por sua maior vulnerabilidade, o Brasil busca contemplar
em suas políticas as especificidades de Usuários de Drogas injetáveis; Populações de
Risco Acrescido (migrantes, móveis, trabalhadoras e trabalhadores sexuais,
instituições fechadas); Homens que Fazem Sexo com Homens (HSH) e População
Jovem. Além dessas, contempla população confinada adulta; população em situação de
pobreza; caminhoneiros; populações cujo local/condição de trabalho predispõem a
situações de maior vulnerabilidade. Obviamente, que o fato de serem tomadas algumas
88
medidas de precaução não significa terem acesso a essas medidas, e que as ações
sejam suficientes e adequadas às suas necessidades,uma vez que a quantidade e
qualidade das respostas governamentais, em muito,dependem de lutas políticas, poder
e visibilidade social conquistada, além de permanentes negociações entre atores
diversos em posição, condições e propostas. Nesse aspecto, a resposta brasileira à
epidemia de aids tem se caracterizado pelo amplo envolvimento de diversos setores
sociais, entre os quais se destacam as organizações da sociedade civil, o setor privado,
os sindicatos e associações trabalhistas, os organismos sociais e, especialmente, as
pessoas vivendo com HIV e aids.
Doneda, Brito e Gandolfi (2002) consideram que a aliança entre o governo,
sociedade civil e setores privados, que puderam fazer da experiência brasileira uma
das melhores do mundo, trouxe a necessária visibilidade dos direitos humanos, da
cidadania e do direito ao acesso à saúde de populações extremamente vulneráveis sob
a perspectiva das políticas públicas. Nesse cenário, ainda é necessário equacionar os
processos em jogo no plano econômico, onde cada vez mais prevalecem regras
injustas e restritivas no plano do comércio internacional, para ressaltarmos os valores
universais que fundamentam a saúde pública e a defesa dos direitos das pessoas à vida.
A análise apresentada a seguir está embasada tanto em dados colhidos
especificamente para este estudo como, como em dados pré-existentes (2004 e 2003,
conforme explicitado na metodologia), além do aporte de diferentes pesquisas sobre
objetos afins.
4.1 Interface entre profissionais do sexo e caminhoneiros na produção da
vulnerabilidade a aids
Para justificar a dificuldade dos caminhoneiros/profissionais do sexo em acessar
as oportunidades de prevenção, proteção e assistência à saúde, apresenta-se um
conjunto de dados secundários sobre a educação, saúde, cultura, lazer, processo de
trabalho, insumos fundamentais para o desenvolvimento dos recursos materiais e
simbólicos. Esses dados, novamente checados através de grupos focais, entrevistas e
89
observações apontam para a existência de deficiências no acesso dessas populações a
esses bens e serviços, o que colabora com a manutenção da vulnerabilidade social.
Em determinadas profissões, os trabalhadores têm mais chances de se expor a
comportamentos de risco, principalmente quando são obrigados a deixar a sua casa e a
sua família durante longos períodos - a exemplo dos caminhoneiros, os marinheiros,
trabalhadores nas plataformas petrolíferas. As conseqüências das esperas e a estrutura
deficiente para os motoristas em fronteiras internacionais, onde acomodações seguras,
limpas e acessíveis nos locais de parada de caminhões podem ser caras, quando
existem, tornam mais barato passar a noite com uma profissional do sexo que pagar
por um quarto (ILO, 2006). Para caminhoneiros em transito, opções de entretenimento
são limitadas e com poucas atividades recreacionais. Além de bares e restaurantes, o
álcool e a prostituição preenchem esta lacuna. Além disso, motoristas internacionais
têm que atingir complicadas exigências de trabalho sob condições difíceis, e isso pode
gerar estresse. Eles também são estigmatizados e marginalizados por conta dos
assédios pela polícia, aduanas e oficiais de imigração (ILO, 2006). A mesma situação
referenciada em nível internacional, é referenciada em estudos brasileiros (KOLLER E
SCUSSELL, 2003; RELATÓRIO RARE, 2004).
Conforme o relatório anual do Programa Conjuntos das Nações Unidas sobre
HIV/AIDS, existe no mundo aproximadamente 40 milhões de pessoas vivendo com
HIV/AIDS. Esse número inclui os 4,9 milhões estimados de pessoas que adquiriram o
HIV em 2004. O número de pessoas que vivem com aids aumentou globalmente em
comparação com os dos anos anteriores e os aumentos mais marcados foram em
regiões da Ásia Oriental e da Europa Oriental e da Ásia Central. O crescimento foi de
50% e 40%, respectivamente (principalmente China). A Áfria Sub-saariana é a região
mais afetada, com aproximadamente dois terços do total mundial (25,4 milhões de
pessoas com HIV). Desse número, três quartos são do sexo feminino.
No Brasil, já foram identificados cerca de 433 mil casos de aids. Este número
refere-se a identificação do primeiro caso de aids, em 1980, até junho de 2006. A taxa
de incidência foi crescente até metade da década de 90, alcançando, em 1998, cerca de
19 casos de aids por 100 mil habitantes. Cerca de 80% concentram-se nas Regiões
Sudeste Sul. O Sudeste é a região mais atingida desde o início da epidemia e, apesar da
90
alta taxa de incidência, mantém-se num processo de estabilização. Na região Sul,
observa-se aumento das taxas de incidência de casos até 2003, porém com uma
provável desaceleração de crescimento nos anos mais recentes.
Observa-se tendência de crescimento da epidemia nas pessoas com 50 anos ou
mais, entre 1996 e 2005. Na faixa etária de 50-59 anos, a taxa de incidência entre
homens passou de 18,2 para 29,8, entre as mulheres, cresceu de 6,0 para 17,3. No
mesmo período, há um aumento da taxa de incidência entre indivíduos com mais de 60
anos. Nos homens, o índice passou de 5,9 para 8,8. Nas mulheres, cresceu de 1,7 para
4,6. (BRASIL, 2007).
Apesar dos avanços alcançados com a terapia dos anti-retrovirais e seu impacto
nas taxas de mortalidade, assim como as experiências bem sucedidas no campo da
prevenção, cujos resultados têm sido observados nas regiões mais remotas do mundo
globalizado, ainda nos defrontamos com desafios e obstáculos, que exigem de todos os
países membros uma posição sustentável de garantia dos direitos, de acesso aos
medicamentos e insumos de prevenção e da melhoria da qualidade dos serviços
assistenciais. É imperativo que os países membros e o sistema das Nações Unidas
encontrem soluções para as principais situações que vulnerabilizam as comunidades
para a infecção do HIV/Aids, como a pobreza e outras desigualdades sociais, tais
como a baixa escolaridade, a precariedade dos sistemas de saúde, a falta de poder da
mulher nas relações de gênero e o abandono e violência com relação às crianças. Atuar
dentro desta perspectiva, não deve ser uma tarefa isolada, mas sim uma iniciativa
global capaz de oferecer respostas tanto aos problemas gerados pela epidemia, como
àqueles que criam condições de vulnerabilidade a infecção pelo HIV. (ONU, 2001, p.
1).
O direito universal e integral à saúde foi conquistado pela sociedade brasileira
na Constituição de 1988 e com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), num
processo histórico de lutas, avanços e recuos. No que diz respeito ao HIV/Aids, o
Sistema de Saúde tem evoluído em inúmeros projetos que tem demonstrado impacto
relevante. O gasto anual total do governo com aids foi de 274 milhões de reais (2002):
em 2003 foram gastos 183 milhões com aquisição de medicamentos e em (2004):
147.500 milhões gastos com antiretrovirais.
91
Há cerca de 154 mil pacientes em terapia ARV, com uma estimativa de 58
meses de sobrevida mediana para adultos e 67 meses para crianças. A incidência anual
(1999) em indivíduos adultos é 24.144 (9.158 mulheres e 15.956 homens) e por
categoria de exposição sobressai a transmissão heterossexual (12.615). A taxa de
mortalidade por aids no país é de 6,33/100000 habitantes (2002). Quanto ao tamanho
das populações vulneráveis (em relação à população total, 2004) sobressai a de
Homens que fazem sexo com Homens (HSH), com 3,2%; profissionais do sexo (1%);
clientes de profissionais do sexo (4,6%); e usuário de drogas injetáveis (0,2%)
(BRASIL, 2005).
O HIV tem um impacto considerável no mundo do trabalho. Segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o HIV ameaça os meios de existência
de trabalhadores e empregadores, bem como os direitos ao trabalho, diminui a mão de
obra e as competências disponíveis, aumenta os custos com o pessoal, além de reduzir
a produtividade. Muitas vezes, o ambiente e as condições de trabalho aumentam o
risco para os trabalhadores, homens e mulheres, contraírem o HIV, o vírus responsável
pela aids; muitos trabalhadores estão expostos ao risco no próprio local de trabalho,
em especial nos serviços de saúde (OIT, 2006).
A nova ordem mundial tem como principal característica o fenômeno da
globalização da economia. É um processo unificador, em pleno desenvolvimento, que
tem na política capitalista neoliberal o seu carro-chefe. Com o avanço dos setores de
transportes e de comunicações, o mundo ficou "menor", impondo ao mercado
agilidade e novas estratégias na transferência de bens e informações (DONEDA,
BRITO, GADOLFI, 2002).
Nesse complexo processo econômico em movimento, com muitas peças
diferentes deslocando-se em velocidades desiguais e afetando cada país de maneira
própria, de forma geral, a globalização está destruindo milhões de empregos, tanto nos
países do Primeiro Mundo quanto nos demais, concentrando os lucros, reorganizando
o capital mundial nas mãos de poucos e fomentando a miséria em escala global
(GRECO, 1999). É importante destacar que, em um contexto de grandes desigualdades
sociais, as conseqüências da globalização sobre as populações de maior
vulnerabilidade assumem dimensões mais graves como resultante da combinação de
92
determinantes de classe e gênero.
A hegemonia do pensamento capitalista tem trazido sérios problemas para as
classes trabalhadoras, em especial nos países periféricos. A eficiência a todo custo, a
concentração da riqueza, o enfraquecimento das políticas públicas sociais, têm
contribuído para transformar a nação em um grande mercado global, no qual as
políticas e as ações são decididas pelos países centrais. Greco (1999) alerta para a
necessidade de combater esta nova cultura neoliberal mediante a luta por um novo
paradigma, centrado na capacidade do ser humano e não na sua capacidade monetário-
financeira.
Esse fenômeno é descrito por Motta (1999) como irreversível e no qual o Brasil
tem uma inserção lenta e gradual, desde 1990. A "integração" ocorre inicialmente
entre os blocos e não entre países, portanto, para as empresas com sede no Brasil o
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) já desempenha um papel importante. Assim
também se observa com a integração da Europa pela Comunidade Econômica
Européia, os Estados Unidos, Canadá e México com o acordo de livre comércio da
América do Norte (NAFTA) e a integração do Japão com os Tigres Asiáticos.
Alguns grupos de trabalhadores parecem estar particularmente vulneráveis ao
HIV/AIDS por conta das condições particulares do seu trabalho. Trabalhadores
móveis, em geral, encontram com freqüência fatores individuais e sociais que
aumentam sua vulnerabilidade a doenças sexualmente transmissíveis, inclusive HIV.
Muitos trabalhadores de transporte são extremamente móveis e passam bastante tempo
longe de casa. Alguns também trabalham isolados, tendo em vista a variedade dos
lugares onde passam as noites, duração das viagens e freqüência da ausência de casa
(ILO, 2006). Nos itens subseqüentes serão descritas a expressão concreta dos sujeitos a
partir de tópicos específicos que configuram a vulnerabilidade em análise.
4.1.1 Práticas sexuais e segurança frente a AIDS
Um primeiro dado válido aponta as/os profissionais do sexo como negociadores
para o sexo mais seguro.
Existe um consenso entre as/os profissionais do sexo abordados, com relação ao
93
papel ativo das/dos profissionais na negociação do sexo mais seguro. Segundo a
maioria dos participantes, a iniciativa de usar o preservativo e a negociação pelo sexo
mais seguro é papel das/dos profissionais do sexo. Segundo o grupo acessado, sem
este papel ativo em busca do uso de preservativos, muitos caminhoneiros prefeririam
não usar o preservativo. Além deste papel persuasivo em busca do sexo mais seguro,
as/os profissionais do sexo referem que muitos caminhoneiros não possuem
preservativos, o que dificulta a adoção do sexo mais seguro, caso a/o profissional do
sexo também não possua preservativos:
(...) eu já chego e já falo, tem camisinha? Tem ou não tem, os que não têm, eu
falo que eu tenho (EPS 01 Sexo F: Idade: 25 Anos- 2004).
(...) eles não querem usar (EPS-02 Sexo M Idade 22 Anos – 2007).
A negociação do uso do preservativo com o cliente é um momento importante
a/o Profissional do Sexo, pois se relaciona diretamente com sua prevenção de
DST/HIV/Aids. Uma grande porcentagem de Profissionais do Sexo entrevistados disse
que não aceita fazer o programa, preferindo perder o cliente, caso ele não concorde
com o uso do preservativo. Entretanto, na prática, muitas questões estão envolvidas,
como a necessidade financeira dos entrevistados:
Caminhoneiro não pensa em prevenção, todos, ninguém quer preservativo, e o
pescador é igual. È a profissional do sexo que exige camisinha. Muitas de nós
deixamos de fazer programa por causa disso, a gente sabe que tem as que
fazem sem, por isso eles não aprendem (OM 05- Sexo F Idade 57 Anos-
2007).
De acordo com os participantes, é bastante freqüente a prática de sexo
desprotegido com profissionais do sexo, principalmente sexo oral desprotegido:
(...) eu já deixei de transar porque não tinha preservativo, mas o sexo oral
com camisinha não tem graça nenhuma, é melhor nem fazer. (ITA CAM EP
15 Idade: 27 Sexo: M 2004)
(...) Sexo oral eles preferem que seja sem camisinha? Sim, a grande maioria
prefere que seja sem camisinha. (EPS 01- Sexo F Idade 30 Anos -2007)
94
Pesquisa brasileira mostra que quase 91% da população brasileira de 15 a 54
anos citou a relação sexual como forma de transmissão do HIV e 94% citou o uso de
preservativo como forma de prevenção da infecção. O conhecimento é maior entre as
pessoas de 25 a 39 anos, entre os mais escolarizados e entre as pessoas residentes nas
regiões Sul e Sudeste. Os indicadores relacionados ao uso de preservativos mostram
que aproximadamente 38% da população sexualmente ativa usou preservativo na
última relação sexual, independentemente da parceria. Este número chega a 57%
quando se consideram apenas os jovens de 15 a 24 anos. O uso de preservativos na
última relação sexual com parceiro eventual foi de 67%.
A proporção comparável em 1998 foi de 63,7%. O país acumulou cerca de 183
mil óbitos por aids até dezembro de 2005. Até 1995, a curva de mortalidade
acompanhava a de incidência de aids, quando atingiu a taxa de 9,7 óbitos por 100 mil
habitantes. Após a introdução da política de acesso universal ao tratamento anti-
retroviral, observou-se queda na mortalidade. A partir de 2000, evidencia-se
estabilização em cerca de 6,3 óbitos por 100 mil, embora essa tendência seja bem mais
evidente na Região Sudeste e entre os homens. Além disso, entre 1993 e 2003,
observou-se um aumento de cerca de cinco anos na idade mediana dos óbitos por aids,
em ambos os sexos, refletindo um aumento na sobrevida dos pacientes (BRASIL,
2007).
4.1.2 Sexo desprotegido com profisionais do sexo
Em decorrência de condições variadas, tais como as exigências do trabalho,
tensões familiares, preocupações financeiras - indo além da capacidade do
caminhoneiro em lidar com estes desafios - podem levar a instabilidade emocional,
depressão, falta de concentração, que interferem na capacidade de trabalho dos
motoristas. O complexo de agravos à saúde mostra a abrangência infindável das
conseqüências a que esses trabalhadores estão submetidos (INST, 2000).
Devido aos papéis sociais que lhe foram designados, a mulher, muitas vezes, se
percebe obrigada a servir aos outros em detrimento de sua própria saúde.
Em se tratando de profissionais do sexo, além da própria saúde ela poderá
95
comprometer a saúde de parceiros sexuais e das parcerias fixas desses parceiros
eventuais. A percepção dos riscos, as relações perigosas e os modos de transmissão
são também determinados diretamente pela participação desvantajosa da mulher nos
processos decisórios que envolvem a sexualidade. Por exemplo, o baixo status das
mulheres restringe suas opções para tomar o controle de sua vida em relação ao
HIV/AIDS. Isto está comprovado pelas estatísticas que mostram a tendência de
feminização da pandemia. Fatores biológicos, aliados a situações freqüentemente
vivenciadas pelas mulheres, como o sexo não-consensual, as relações sexuais
desprotegidas por falta de poder de negociação do preservativo e os comportamentos
de risco adotados por seus parceiros, contribuem para aumentar a vulnerabilidade das
mulheres ao HIV.VILLELA (2003, p. 9 ):
(...) Eu tive dois só esse mês que eu (...) não usei camisinha..(...) Ah, porque é
bonitinho. Na hora tava no bem bom, sabe. Às vezes nem penso em camisinha.
Ta tão bom que a gente nem lembra (EPS 04 Sexo: F Idade: 24Anos - 2004 ).
A percepção de risco, relatada por Monteiro (2002), está relacionada a como o
indivíduo encara a possibilidade de contaminação pelo HIV, isto é, se considera tal
risco baixo ou alto e em que medida essa percepção influencia suas atitudes, levando a
práticas sexuais mais ou menos seguras. A autora assinala que as situações de risco
devem ser entendidas em função de um contexto político e moral, de atitudes
compartilhadas socialmente e não de forma isolada e/ou limitada à probabilidade de
um acontecimento. Destaca, ainda, que práticas sexuais não-seguras não decorrem
necessariamente da falta de informação sobre os meios de prevenção, mas de visões de
mundo resultantes das experiências sociais em que o risco é minimizado ou super-
reconhecido.
A resistência por parte dessa população em utilizar o preservativo também tem
contribuído para o aumento nos índices de contaminação pelo HIV (BRASIL, 2001).
São vários os obstáculos ao uso da camisinha, pois muitos homens temem perder a
ereção e/ou não possuem habilidades para colocar o preservativo, e acreditam que o
cuidado só é necessário nas relações extraconjugais ou com profissionais do sexo
96
(CÔRTES, 2001).
De modo geral, os sujeitos reconheceram o risco do “sexo desprotegido” na
vulnerabilidade ao HIV/aids e afirmaram que é preciso ter “cuidado”. No entanto,
segundo Silva e Paiva, 2005, os discursos demonstraram que esta população não
costuma usar o preservativo. Dentre os entraves para o seu uso estão o incômodo
provocado no homem e na mulher, o amor, a paixão, a crença de que a relação sexual
com a esposa não é tida como perigosa e que quando se tem parceiro (a) fixo (a), a
responsabilidade de se proteger é do “outro”.
Uma minoria dos participantes ainda refere que a adoção do sexo desprotegido
é também influenciada pela percepção de que determinados clientes sexuais “parecem”
estar saudáveis, são bonitos e não aparentam ter nenhuma infecção sexualmente
transmissível:
Sim, a grande maioria prefere que seja sem camisinha. Casados que dizem
que não têm doença, que são casados há muito tempo.“Ah, só saio com a
minha mulher, sou casado há muito tempo, sou sadio”.É muito comum e
principalmente eles querem que...(sexo oral) eles querem sem camisinha,
dizem (...) não dá nada (EPS 01- Sexo F- Idade 30 Anos – 2007).
A vulnerabilidade biológica das mulheres só se torna importante, de fato, em
função da sua vulnerabilidade social, e diversas ações sociais podem influir para a
mudança dos comportamentos masculinos de risco, dentre eles, a participação do
homem nos programas de prevenção/intervenções educativas, que é vital para se
alcançar um impacto mais equilibrado. Da mesma forma, o gênero pode influir na
vulnerabilidade do indivíduo à infecção pelo HIV de diferentes maneiras: as práticas
sexuais que aumentam as causas elevam também esta vulnerabilidade. Em muitas
culturas, a exemplo da brasileira, espera-se que os homens sejam sexualmente
aventureiros e as mulheres submissas (IEVM, 2004). Estas expectativas desmotivam o
homem a agir responsavelmente e as mulheres a se protegerem adequadamente. Esse
comportamento acontece com o sexo dentro do casamento e, mais ainda, em relação
ao sexo comercial. Mas, também já colhemos frutos da transformação social:
Nunca tive nenhuma DST, nem mesmo herpes labial. No caso de ter qualquer
sintoma, eu vou ao médico. Se vejo em um cliente oriento para que procure
97
um médico também (EPS-02 Sexo M Idade 22 Anos – 2007).
Sobre a idade do parceiro, muitas são as causas atribuídas ao aumento nos
índices de contaminação pelo HIV em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos.
As mudanças sócio-culturais, sobretudo na sexualidade, representam papel de destaque
para justificar tal assertiva. Lemos (2003, p. 69) assinala que: “transitamos numa
época de mudanças, sendo que a visão de sexualidade tem-se alterado rapidamente nas
últimas décadas”. Para a autora, os meios de comunicação, sobretudo a televisão, têm
contribuído para acelerar a transformação de valores que antigamente mudavam
devagar. Os condicionantes de gênero, também estão incutidos nos discursos dos
homens, quando afirmam que o homem é mais vulnerável do que a mulher, em
decorrência do próprio comportamento. Sabe-se que a construção simbólica da
masculinidade determina certas características que propiciam ao homem liberdade
sexual, seja na escolha de suas parceiras, na opção em utilizar o preservativo, na
adoção de práticas sexuais, ou mesmo, na sua relação com o mundo:
É muito importante, faz parte da vida, sem sexo ninguém vive. Faz parte
(ECAM 03 Sexo M Idade 42 A nos- 2007 ).
Tem as garota de programa, elas sempre aparecem no posto né, elas precisam
ganhar alguma coisa, aí a gente... um ajuda o outro. Aqui no estado de Santa
Catarina tem uma boate que é tipo um restaurante, que é onde vai elas, que
nós chamamos de Grampolas. De vez enquando vai tomar uma cerveja lá, aí
fica com alguém, se não der volta embora, o que acontece, acontece (GF 01
CAM 08 Sexo M Idade 44 Anos - 2007).
Esse restaurante “Granpola” é citado nas duas pesquisas RARE 2004 e o estudo
atual, situado às margens da Br 101 nas imediações de Piçarras, funciona como ponto
de encontros sexuais para caminhoneiros.
Outro fator de vulnerabilidade é o prolongamento da vida sexual ativa, com o
advento de medicamentos que favorecem à ereção, mas temos observado que a
prescrição médica dos mesmos não vem acompanhada de educação para a prevenção
98
às DST/Aids. Embora o Ministério da Saúde reconheça, desde 2001, a necessidade de
incluir as pessoas com mais de 50 anos nas campanhas de prevenção à aids (BRASIL,
2001), o que se observa atualmente é que os trabalhos educativos – em sua maioria –
continuam sendo direcionados ao público jovem, à gestante, ao usuário de droga, aos
homossexuais e às profissionais do sexo. Dessa forma, esta população que viveu uma
juventude sem o apelo à utilização de preservativos, não incorpora a necessidade de
fazer seu uso. A resistência por parte dessa população em utilizar o preservativo
também tem contribuído para o aumento nos índices de contaminação pelo HIV
(BRASIL, 2001):
Aqui na cidade (Itajaí) homem com mais de 35, 40 anos principalmente de 60
não querem usar preservativo, não precisa ser caminhoneiro, é qualquer
homem (OM 05-Sexo F Idade 28 Anos 2007).
(...) ela disse que cuida da pele, dos seios, mas que não quer operar (referiu-
se as genitais) porque senão perde a clientela, os caminhoneiros e os velhões
de dinheiro, que vêm pra BR com carrão bonito; eles querem penetrar e
também ser penetrados pela travesti (OM 05 - Sexo M Idade 24 Anos 2007).
Para Silva e Paiva (2005), por outro lado, a cultura machista enaltece o homem
por ter a capacidade de gerar filhos em qualquer idade, assim sendo, o uso do condom
os priva dessa possibilidade.
Em várias pesquisas observa-se um percentual expressivo de profissionais do
sexo que referem usar o preservativo de forma consistente (BRASIL, 2000;
TRINDADE, 2001; RARE, 2004; FERRAZ, 2005). Entretanto, esse número baixa,
consideravelmente, quando o parceiro sexual é o companheiro ou namorado, ou seja
quando existe o componente afetivo. As profissionais do sexo externaram as mesmas
dificuldades que, em geral, a população feminina possui de se perceber também
exposta ao HIV em seus relacionamentos estáveis (BRASIL, 2000). Uma
particularidade no estudo RARE (2004) foi verificar a existência de muitos
caminhoneiros bissexuais em Itajaí, referida tanto por profissionais do sexo feminino
quanto do sexo masculino:
(...) Ah! eles procuram geral, mas é travestis, (...) geralmente os homens que
99
saem com travesti também gostam de dar,(...) Ter relação com sexual anal.. a
maioria, entendesse, (...) como diz, assim, eles querem a beleza feminina, mas
com um pênis no meio das pernas; bem isso, bem brasileiro, né. E é isso (EPS
09. Sexo M Idade: 29 anos.- 2004).
Na pesquisa atual aprofundamos esse tema com os sujeitos da população
acessada, bem como pesquisamos em outros estudos realizados com a mesma
população. Ao abordar o comportamento dos clientes que usam a condição de casados
como argumento – chegando até a propor mais dinheiro às profissionais do sexo – para
que o preservativo não seja usado no programa, as entrevistadas tratam de uma questão
muito importante. Nos últimos 20 anos, os dados epidemiológicos do HIV/Aids no
Brasil vêm passando por uma grande mudança. Se antes existia 28 casos entre homens
para cada caso em mulheres, hoje a proporção é de dois casos masculinos para cada
um feminino (BUCHALLA, PAIVA; 2002).O cotidiano vivido pelas entrevistadas faz
com que elas tenham consciência não só da vulnerabilidade das mulheres inseridas em
relações estáveis, monogâmicas, como também do risco, que elas próprias correm, de
abrir mão do uso do preservativo com os clientes, seja ele quem for:
Não só caminhoneiros. Mas gente que trabalha com outras coisas, conhecidos
e vizinhos e companheiros de trabalho. (...) elas (travestis) ficam nas
proximidades do trevo Santa Rosa, na Reinaldo Schimitausen e na rua Silva,
após a ponte da Sadia, sentido BR a rua inteirinha (CAM Sexo M Idade 36
Anos -2007).
Você chega nos postos e tem vários motoristas que trocam mulheres por
travestis; em qualquer lugar que você for tem, estão tomando conta, em
Pernanbuco são 10 mulheres e 5 viado (GFCAM-O2 Sexo M Idade 43 Anos-
2007).
Ferraz (2005), em seu relatório sobre o estudo de profissionais do sexo na
região de Uberlândia/MG, relata que entre as que trabalham na rua – em pontos como
postos de combustíveis e bares ao longo da rodovia – os caminhoneiros constituem sua
clientela principal. Nesse relato apontam a existência de uma forte disputa de clientes
com as travestis profissionais do sexo, que atualmente teriam a preferência dos
100
caminhoneiros.
Em estudo realizado pela PROMUNDO (2007) os pesquisadores chamam
atenção para o grande número de campanhas trabalhadas com grupos historicamente
“vulneráveis” em relação à aids no Brasil, como no caso de homens que fazem sexo
com outros homens (HSH), mulheres, adolescentes e profissionais do sexo. Mas
referem haver poucas discussões acerca dos homens heterossexuais e daqueles homens
que se identificam como heterossexuais, mas que também tem parceiros masculinos:
As duas travestis,(...) recém chegadas de São Paulo falaram que os
caminhoneiros que as procuram a maioria são bissexuais. E sempre que
possível tentam não usar preservativos, para nada, qualquer tipo de
relacionamento tentam fazer sem o preservativo (OM 05- Sexo M Idade 27
Anos – 2007).
Com a feminilização e heterossexualização da aids, os maiores grupos
“vulneráveis” à transmissão do HIV são majoritariamente os adultos e adolescentes
com vida sexual ativa. A aids não se encontra mais restrita a grupos de risco ou
populações vulneráveis. Encontra-se presente em casais e indivíduos de todos os tipos,
idades e orientação sexual. Não podemos nos esquecer de que susceptíveis a adquirir o
vírus HIV somos todos nós; a vulnerabilidade é que aumenta ou diminui dependendo
de fatores individuais ou coletivos, muitas vezes fora do controle individual.
Outrossim, a relação heterossexual é a forma de transmissão que mais tem
contribuído para a feminização da aids no Brasil. A maioria dessas infecções deve-se
às relações sexuais com parceiros heterossexuais que tiveram ou mantêm múltiplas
parcerias desprotegidas, parceiros usuários de drogas injetáveis e, ainda, parceiros que
são bissexuais. Assim, a relação sexual se configura como a principal forma de
transmissão do HIV entre as mulheres (FERRAZ, 2005).
Nessa temática, observa-se claramente que existem diferentes posições,
algumas que podem ser consideradas mais conservadoras, no sentido de mais
conformadas às normas de gênero, segundo as quais ser o parceiro sexual da esposa é
algo muito diverso do que ter relações com mulheres “na rua”, e outras que já não
fazem esse tipo de distinção tão rigidamente. Para alguns dos participantes da
101
pesquisa, o sexo doméstico tem o objetivo de procriação, sendo, por isso, relacionado
ao sexo vaginal. Outros consideraram possível a inclusão de um espectro mais amplo
de práticas sexuais dentro do casamento.Além disso, um homem nunca deve recusar
uma mulher que se coloque disponível para relacionamento sexual, pois, se assim agir,
poderá ser considerado menos viril por ela e pela comunidade a qual ele imagina, e ela
divulgará a informação (GUERREIRO et al, 2002).
Repensar a relação entre homens e HIV/Aids também requer discussão sobre os
homens que fazem sexo com outros homens (HSH), um tema que, com freqüência,
tem sido escondido e está sujeito a preconceito. Discussões sobre a atividade sexual
entre homens é freqüentemente distorcida por uma idéia simplista que somente
homens de comportamento “efeminado” ou homens que se definem como gays ou
bissexuais têm sexo com outros homens. Mas, o comportamento sexual raramente
corresponde rigorosamente a identidades estanques - heterossexual, homossexual ou
bissexual. Paiva et al (1998, p. 02) consideram que as normas de gênero também
geram a repressão dos homens que têm desejos homoeróticos, obrigando-os a
vivenciarem suas experiências na clandestinidade, dificultando, dessa forma, a adesão
ao sexo seguro ou a proteção das mulheres com quem têm relações sexuais.Durante
um grupo focal, houve uma longa discussão sobre a inadequação de praticar sexo anal
com uma mulher, em especial com a esposa, e sobre homens que procuram travestis
para manter relação sexual. Houve a consideração de que um homem que procura
travestis gosta das duas coisas: de penetrar e de ser penetrado.
Estudos no Brasil mostram que entre 5 a 13% dos homens relatam que tiveram
ambas experiências, hetero e homossexual (MONTEIRO, 2002). Preconceito,
hostilidade e concepção equivocada em relação a HSH e a homens que se definem
como homossexuais é diretamente responsável por medidas inadequadas à prevenção
do HIV.
O advento dos antiretrovirais, que passaram a oferecer melhor qualidade e a
prolongar a vida de indivíduos com aids, pode ter contribuído para essa banalização.
Engajar os homens na prevenção do HIV e responder de forma adequada às mudanças
que o HIV requer, confronta-se com exemplos de homofobia ou preconceito em
relação aos HSH.
102
A homofobia serve não só para manter o comportamento homossexual ou
bissexual escondido, prejudicando a prevenção, mas também para reforçar uma visão
rígida de virilidade por parte de homens heterossexuais. Em muitos contextos, rapazes
que têm um percurso não tradicional – participam de tarefas domésticas ou têm relação
de amizade com garotas – podem ser vistos como “gays”. Usar a homofobia como
uma forma de educação dos rapazes, reforça tanto a visão rígida de como os homens
devem ser e o caminho que devem seguir, como reforça o preconceito contra os HSH
(PROMUNDO, 2007).
Os fatos acima relacionados nos levam a recomendar aos serviços de saúde -
não somente aos dedicados a Programa de DST e Aids, mas aos de planejamento
familiar, às equipes de PSF, à clínica médica em geral, enfim a todos os serviços de
saúde - que a vulnerabilidade existente dentro dos relacionamentos fixos seja abordada
no cotidiano das práticas de saúde. Agindo dessa forma, estaremos promovendo a
integralidade das ações de saúde, além de contribuirmos para a qualidade de vida da
população. Nas recomendações do manual sobre HIV/Aids da OIT, cada
setor/atividade, no sentido de categoria profissional, merece uma abordagem
diferenciada para a redução de riscos (ILO, 2005). Da mesma forma, os profissionais
de saúde devem estar atentos à desigualdades de gênero que também envolvem o tema
da vulnerabilidade.
Na opinião dos profissionais de saúde, o uso do preservativo está aumentando,
principalmente entre os profissionais do sexo. Dados do Sistema Nacional de
Monitoramento em Aids (Monitoraids), serviço do Centro de Informação Científica e
Tecnológica (Cict) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), indicam que enquanto 96%
dos indivíduos sexualmente ativos entre 15 e 54 anos citam o preservativo como
principal meio de prevenção contra aids e as doenças sexualmente transmissíveis,
apenas 25% reconhecem o uso em todas as relações com parceiros estáveis ou
eventuais. Ainda considerando os indivíduos com idades entre 15 e 54 anos, 67%
disseram ter usado preservativo com parceiros eventuais na última relação sexual
(Szwarcwald, 2007). O Monitoraids indica ainda que 75% da população sexualmente
ativa entre 15 e 54 anos não usa preservativos de maneira regular, quando tem
parceiros fixos, comportamento que pode se refletir no aumento da incidência de Aids
103
entre homens e mulheres com parceiros fixos.
Em relação ao uso do preservativo com clientes, em termos gerais, há um
percentual expressivo de profissionais do sexo que referem usá-lo de forma
consistente. Este fato foi observado na pesquisa RARE 2004, no presente estudo e no
relatório de avaliação de efetividade das ações de prevenção, dirigida a profissionais
do sexo em três regiões brasileiras (2003). Nessa última, as mulheres, de ambos os
grupos (de intervenção e sem intervenção) participantes dos grupos focais
demonstraram ter um alto grau de compreensão da necessidade do uso do preservativo:
O uso do preservativo está aumentando, pelo menos entre as profissionais do
sexo; não vejo o mesmo com casados. Nessas profissionais aumentou o nível
de conhecimento sobre transmissão de doenças, (...) elas usam com o cliente,
mas quando envolve o sentimento, que é o caso dos casados, acabam sempre
vacilando (EIC- O4 Sexo F - Idade 28 anos -2007).
No tocante à prevenção nas parcerias estáveis, muitos estudos – inclusive o de
Monteiro (2002) - apontam para a necessidade de ações preventivas e educacionais
voltadas para a população feminina em geral, abordando a vulnerabilidade que existe
dentro de relacionamentos fixos. Heilborn (2006) corrobora com a idéia e alerta que as
políticas voltadas à prevenção das DST/AIDS no Brasil não incorporam em seu bojo a
contracepção. Tal separação resulta da ausência de uma concepção mais abrangente
sobre a esfera da sexualidade, e acaba por preconizar ações educativas e de saúde
fundadas na mudança do comportamento individual. Essa postura desconsidera que os
comportamentos são socialmente apreendidos e que importantes diferenças de gênero
orientam a conduta dos sujeitos. Para a autora, é imperativo ampliar o foco das
políticas públicas direcionadas à juventude. Abordar juventude, sexualidade e
reprodução sob uma ótica pluridisciplinar amplia a compreensão dos processos de
aprendizado da sexualidade, das formas de interação afetivas e sexuais entre os
parceiros, das prescrições dos papéis de gênero e, por fim, do desenrolar das trajetórias
juvenis, em face dos eventos relativos à saúde, reprodução, sexualidade e exposição às
doenças sexualmente transmissíveis.
Em Brasil (2003), verificamos que as condições de vida e as pressões sofridas
104
no ambiente de trabalho, tais como a concorrência entre profissionais do sexo pela
realização de programas, afetam diretamente a negociação do programa. De maneira
geral, a decisão por usar ou não camisinha (preservativo masculino) é feita pelo
homem; a mulher só pode solicitá-la para evitar gravidez. Guerreiro e Ayres (2002)
atribuem a não-utilização da camisinha à estética, ao alto custo, ao medo de perder a
ereção, a perda de sensibilidade no homem e na mulher.
O número de mulheres que adota o preservativo feminino regularmente, em
todas as suas relações sexuais, é bem pequeno. O uso correto do preservativo feminino
pode reduzir em mais de 90% o risco de contrair o HIV (VILLELA, 2003). Existe no
Brasil um programa de distribuição de preservativo feminino para mulheres com risco
maior de contrair ou transmitir o HIV, como profissionais do sexo, usuárias de drogas
injetáveis ou parceiras de usuários, mulheres com HIV ou parceiras de homens com
HIV, além de mulheres com DSTs. Para (VILLELA, 2003, p.10), a avaliação desse
programa mostrou uma aceitação de 54% a 70% do preservativo feminino que,
segundo as usuárias, é considerado “instrumento importante para a autonomia da
mulher na prevenção das DST/AIDS e também da gravidez”.
Quanto aos homens, diferentes aspectos podem se destacados como fatores
culturais que incidem sobre a maior vulnerabilidade: sentir-se forte, imune a doenças;
ser impetuoso, correr riscos; ser incapaz de recusar uma mulher; considerar que o
homem tem mais necessidade de sexo do que a mulher e de que esse desejo é
incontrolável. A infidelidade masculina é considerada natural; a feminina é atribuída a
deficiências do parceiro (GUERREIRO, AYRES 2002). Um caminhoneiro
participante em um de nossos grupos focais assim se manifestou:
Nas escapadas, quando acontece de dá umas escapadas, como aquela coisa,
eu não mato pra comer, mas se de repente aparecer morto vai. Ai nesses casos
tens obrigatoriedade de fazer isso ai. (usar preservativo) Todo tipo de relação
eu usaria, só não usaria com a minha mulher (GFCAM-O3 -01-Idade 36
Anos -2007).
Buchalla (2002), avaliando vários estudos com profissionais distintos, como
caminhoneiros de rota curta, motoristas de ônibus ou funcionários de empresa de
105
transporte coletivo e moradores de uma comunidade empobrecida, dentre outros,
confirma a urgência de trabalhar na sensibilização conjunta de homens e mulheres em
suas comunidades. Emerge desses estudos o impacto da socialização dos rapazes
brasileiros que ainda estimulam noções de virilidade associadas à "impetuosidade", ao
desejo sexual masculino "incontrolável", à idéia de que é natural do homem "correr
riscos" e que o controle das conseqüências, desejadas ou indesejadas do sexo é tarefa
feminina. Neste estudo apreendemos essa fala:
Minha mulher é legal, a gente se dá bem, mas eu não falo pra ela que saio
com as outras, ela também não pergunta e a gente não fala dessas coisas
(ECAM 04- Sexo M Idade 38 Anos- 2007).
A discussão sobre os modelos de assistência à saúde necessita ser melhor
trabalhada pelas equipes multidisciplinares de saúde. As questões trazidas por grupos
sociais, como caminhoneiros e profissionais do sexo, homossexuais masculinos e
femininos, ganham cada vez mais amplitude na sociedade com a epidemia da aids. Na
medida que os grupos se organizam passam a exigir maior qualidade de atenção,
exigindo dos serviços que incorporem em sua prática a noção de direitos.Isto significa
que as estratégias de prevenção devem incidir principalmente sobre os contextos de
encontro sexual entre homens e mulheres, tendo em conta que na maior parte das
vezes este é constituído tanto pela assimetria de poder quanto pelas expectativas
românticas que caracterizam as relações de gênero (WILLELA, 2003).
A vulnerabilidade manifesta uma relação assimétrica entre o fraco e o forte,
demandando um engajamento eticamente adequado de proteção do mais frágil.
Rendtorff (2002) enfatiza que o direito é basicamente institucionalizado de forma a
proteger os seres humanos vulneráveis, porque a condição humana é marcada por um
extremo grau de fragilidade devido à característica temporal e finita de toda a vida
humana.
Pensando dessa forma, quando nos reportamos a expressão gênero em saúde,
não estamos nos referindo à construção histórica, política e cultural, econômica e
subjetiva, realizada a partir da diferença anatômica entre homens e mulheres, mas
106
como descreve BOARETTO (2000):
Ao falar de gênero na atenção à saúde, estaremos falando de uma relação com
o outro sujeito construído social e historicamente. Falaremos da necessidade
dos serviços aguçarem a percepção da opressão, da ausência de direitos e da
negação da palavra, em decorrência das desigualdades experimentadas nas
suas relações sociais.
4.1.3 Influência do uso de álcool e drogas, inclusive “ rebites”, sobre a vulnerabilidade
De acordo com uma parcela dos profissionais do sexo acessada, o uso de álcool
e/ou drogas é um importante fator para a adoção de sexo desprotegido com clientes
sexuais. Este uso de álcool e/ou drogas refere-se tanto ao uso por parte dos clientes
quanto por parte das/dos profissionais do sexo. Uma parcela dos profissionais do sexo
participantes refere a dificuldade em utilizar preservativos com parceiros estáveis e/ou
com clientes “estáveis” – aqueles que costumam sempre buscar sexo comercial com
a/o mesma/o profissional do sexo. Tais parceiros sexuais são identificados como
conhecidos e “confiáveis” e, nestes relacionamentos, é freqüente a prática de sexo
desprotegido:
Quando eles estão bêbados. Alguns ficam agressivos (...) (EPS 06 Sexo F
Idade: 34 -2004).
(...) uma amiga nossa foi daqui a Curitiba (acompanhante de caminhoneiro),
dois dias usando drogas, dirigindo, levando a carga e usando,(...) eles sempre
levam uma companheira junto. Eles já fazem isso para manter-se acordados,
“ligados” na estrada (GFPS Sexo F Idade 28Anos-2007).
O uso de drogas, em pequena quantidade é consenso na pesquisa atual e no
estudo RARE, porém o uso do rebite é feito em grande quantidade, uma vez que os
caminhoneiros geralmente, desconhecem o destino da carga, antes de ter o caminhão
carregado, e se utilizam da droga para manterem-se acordados:
Durante o horário de trabalho eu bebo ás vezes, no tempo que a gente fica
esperando. Fumo direto, uma carteira por dia, fumo em casa. Já experimentei
maconha, mas não gostei, e só experimentei por curiosidade, não foi pra
107
deixar maluco, ou deixar legal, ou vez que eu tava depressivo, só curiosidade
mesmo, dei uma bola e deu (ECAM-02 Sex. M Idade 36 Anos – 2007).
Um problema grande é em relação ao crak, temos dois casos de soropositivos,
associado ao crak. Todos os programas devem trabalhar junto à redução de
danos. Nas avenidas é grande o consumo do crack. Elas pra comprar drogas,
deixam de usar preservativos, porque o programa é mais caro sem
preservativo, normalmente o crack induz a não se protegerem (EIC- O4 Sexo
F Idade 28 Anos -2007).
Elas consomem muito álcool. Elas ganham em cima do consumo de bebida.
Alguns donos misturam com refrigerante, mas a maioria põe puro. Temos
uma alcoólatra que temos dificuldade de levar ao CAPS. (EIC- O4 Sexo F
Idade 28 Anos -2007).
Tem umas que usam mais do que vendem, tem umas que trabalham só para
isso, aquelas que usam fazem programa até por R$ 10,00 por causa do vício,
pensando na droga para manter o vício (GFPS 03 Sexo F Idade 37 Anos –
2007).
Embora já tratado anteriormente, o tema da vulnerabiliadde diferencial que
afeta mulheres, também tem relação com o uso de álcool e as drogas.
Estudos realizados com população de mulheres (TRINDADE, 2001) também
apontam que o envolvimento emocional, o amor e a paixão são apresentados como
fortes aliados para a não-prevenção. As mulheres abrem mão do uso do preservativo
assim que se envolvem emocionalmente com o parceiro, mesmo que isso aconteça
com pouco tempo de relacionamento.
Lima (2003) também sinaliza que a dificuldade em perceber-se vulnerável à
infecção pelo HIV geralmente advém da confiança no (a) parceiro (a), na paixão e no
amor. Tomados por estes sentimentos, muitos indivíduos, ainda que informados sobre
os meios de transmissão e prevenção da aids, dispensam o uso do preservativo e se
expõem ao risco de contrair o HIV. A experiência no trabalho de campo levado a cabo
com mulheres profissionais do sexo em seus próprios locais de trabalho nos remete a
questionamentos acerca dos motivos que as levam a vacilar quando a prerrogativa é o
“auto cuidado e modo geral e” ações de prevenção” especificamente, em relação às
DST/HIV/AIDS.
Nas intervenções educativas realizadas com profissionais do sexo, pelos
108
programas de Itajaí e Balneário Camboriú, foram abordados os temas vulnerabilidade
e consciência de riscos, no que concerne à contaminação feminina pelo HIV e também
por outros agentes patógenos causadores de doenças que são transmissíveis por via da
relação sexual desprotegida (a maior causa de infecção por HIV feminina), uma vez
que, reconhecidamente, a presença de alguma Doença Sexualmente Transmissível
(DST) é fator facilitador para ingresso do HIV no organismo, por fornecer portas de
entrada (lesões nas mucosas, por exemplo) e também por fragilizar o sistema
imunológico e, obviamente, por caracterizar a não utilização de quaisquer proteções
nas relações sexuais. A feminização da aids se relaciona à vulnerabilidade proveniente
das desigualdades de gênero, social, econômica, cultural e histórica. Essas
desigualdades têm implicações no poder de negociação das mulheres em relação ao
uso de preservativo dentro de suas parcerias. As profissionais do sexo em suas relações
afetivas tornam-se tão vulneráveis quanto qualquer outra mulher.Dificuldades de
negociação do preservativo, baixa percepção de risco, dependência econômica e
emocional do parceiro, usar ou ter parceiro usuário de drogas injetáveis,
comercialização do sexo e violência, dentre outros, são fatores que facilitam a
exposição das mulheres ao HIV (VILLELA, 2003).
Parker, Camargo Jr. e Rochel (2000) abordam a chamada vulnerabilidade
iferencial que afeta mulheres diferentes de modo diverso, dependendo de outros
fatores estruturais, ou seja, que “mulheres pobres são mais vulneráveis que as que não
o são, que as mulheres pobres jovens são mais vulneráveis que as mais velhas
pertencentes ao mesmo estrato, que as mulheres pobres jovens sem alternativas
econômicas viáveis além do trabalho com sexo são mais vulneráveis do que aquelas
que dispõem de outras opções econômicas e assim por diante”. Essa vulnerabilidade
de fato é mais observada em profissionais do sexo que trabalham nas ruas e,
principalmente as envolvidas com drogas, que têm dificuldades em negociar o sexo
seguro devido à necessidade de trocar os serviços sexuais por drogas, cuja necessidade
é urgente e premente:
Eu acho a pessoa que não usa camisinha é quando ela usa drogas ou quando
ela bebe. (...) É porque a pessoa às vezes se altera né, não pensa, não está em
si às vezes, acho que é por (ECAM 03 Sexo M Idade: 23 Anos-2004 ).
(...) quando tiver tem que usar [camisinha], às vezes quanto o cara está meio
109
alto, de cara cheia, ele esquece, sabe aquela coisa de deixar rolar (ITA CAM
EP 15 Idade: 27 Sexo: M -2004).
Outro fator bastante referido pelos caminhoneiros como propiciador da adoção
de comportamentos de risco é a distância de casa e assédio de profissionais do sexo. A
maioria dos caminhoneiros acessados refere ter relações sexuais tanto com parceiras
estáveis quanto com profissionais do sexo, referindo que os longos períodos fora de
casa são o fator que mais influencia a busca por profissionais do sexo/parceiras
ocasionais:
O problema é ficar muito tempo no mesmo lugar pois fica mais chegado
pegando confiança e não usa mais camisinha (GF-02-CAM-O4-Sexo M Idade
39 Anos-2007).
Qual é o posto que não tem ? (profissional do sexo). Tem posto que elas ficam
dentro, que elas batem na tua porta, e tem posto que elas ficam nas
proximidades (GF02 CAM 05 Sexo M Idade 36 Anos -2007).
Sobre o consumo de bebidas alcoólicas entre os caminhoneiros foi encontrado
um contraste entre os participantes: Segundo uma parcela dos entrevistados e
participantes de grupos focais, o consumo de álcool ocorre apenas em momentos de
‘parada’, ou seja, quando não irão viajar após o consumo de álcool, sempre referindo
que tal consumo é feito de forma ‘moderada’. Segundo outra parcela dos entrevistados,
o consumo de álcool entre caminhoneiros é constante e alto, ocorrendo tanto em
momentos de parada, quanto durante a viagem. Este alto consumo de álcool entre
caminhoneiros é confirmado pela grande maioria dos participantes de grupos focais:
Eu só tomo nas paradas mesmo, cachaça, cerveja, isso que tem em qualquer
lugar onde os caminhoneiros param. Cerveja posso dizer que metade dos
motoristas tomam cerveja sempre que podem, todo dia tem gente que bebe no
almoço e continua a viagem. Eu não faço isso sempre, mas vejo quem faz
sempre (ECAM 05 Sexo M Idade 30 Anos -2007).
Eu às vezes abuso. Eu sei que é com vinte e quatro horas que corta o efeito.
Mas, a gente... pra quem bebe que nem (...), não chega a dizer que o cara fica
bêbado, saiu balançando (...) o cara toma ali uma cerveja. Principalmente
naquele famoso ‘encontro amigo’. Sempre tem uma cervejinha, uma
110
caipirinha, uma coisa ou outra. Não é coisa que vá te abalar né. Diz os
especialistas que abala igual. Diminui o reflexo isso e aquilo. Mas, às vezes
eu tomo uma... (ECAM GF 04 Sexo M Idade: 39 anos-2004).
Vejo os caminhoneiros beberem, principalmente à noite (...) Muitos bebem e
vão dirigir, bebem bastante cerveja, vinho, dois ou três conhaques e seguem
viagem e saem contando ‘vantagem’” (ECAM 15 Sexo: M Idade: 27 anos
2004).
Já usei muito rebite, hoje eu evito até porque já nem faz mais efeito, preciso
tomar quatro ou cinco comprimidos misturado com coca cola. Ponho tudo na
garrafa e vou tomando que nem água, mas evito. Evito e é por isso que tenho
tanto sono, como já falei (ECAM 05 Sexo M Idade 30 Anos – 2007).
Especificamente sobre o uso do tipo de droga conhecido como rebite, os
participantes se referem ao mesmo como um medicamento amplamente utilizado por
caminhoneiros, para manterem-se acordados e dirigirem por mais tempo. Porém, uma
grande parte dos entrevistados e participantes de grupos focais relata não fazer uso
deste medicamento, embora todos conheçam outros caminhoneiros que utilizam
freqüentemente o rebite como estimulante.
O caminhoneiro só sabe o destino da carga depois que carregou, aí.. se
precisar tomar rebites para entregar no dia e no horário, ele vai tomar (OM
04- Sexo M.Idade 23 Anos – 2007).
Depende da transportadora, tem transportadora que você trabalha dia e
noite(...) Ai tem que tomar rebite, muitas vezes é escondido, infelizmente
chega um ponto que nos obrigamos a tomar, por que é super -produção, ás
vezes, fica 2 a 3 dias sem ganhar nada,(...) você aproveita a hora que sai a
carga pra fazer horário,a carga tem hora pra chegar (GFCAM 01- Sexo M
Idade 33 Anos 2007).
A alta freqüência da fadiga entre os motoristas é inegável. A fadiga é
caracterizada por sensações de cansaço físico e mental e passa a ser considerada fadiga
patológica ou crônica quando o cansaço não é recuperado com os períodos de sono e
descanso. Começam a aparecer distúrbios de sono, insônia, irritabilidade, sensação de
desânimo, dificuldade para realizar qualquer atividade, de trabalho ou não, perda de
apetite. A fadiga não é um problema apenas físico – o corpo cansado – pela atividade
111
física intensa, há também uma série de situações nas quais aparentemente não há
esforço do corpo:
Eles esperam ganhar mais dinheiro, mas acabam com uma parada cardíaca
ou um problema cerebral como já aconteceu com alguns de nossos amigos.
Depois eles vêem que não vale a pena (ITA CAM EP 13 Idade: 42 anos Sexo:
F 2004).
O trabalho de caminhoneiros não demanda apenas esforço físico; eles têm que
estar atentos para cumprir metas, para não cometer erros; sofrem pressão por fazerem
parte de um processo de trabalho que nem sempre lhes dá condições adequadas de
trabalho:
Olha...que bastante usa é o tal do rebite (...) quando eles precisam virar a
noite né, para chegar no destino né... nóis os caminhoneiros temos muito esse
negócio de cumprir horário. Se não cumprir horário já não serve para eles lá
(...) Olha, sei que faz mal para a saúde por isso que eu não uso né, já vi
muitos caminhoneiros que deu infarto, deu..infarto, perde a potência sexual,
coisa assim né (ITA CAM EP 10 Idade: 29 anos Sexo: 2004).
4.2 Acesso aos serviços de saúde - atendimento dos serviços públicos
Apesar dos problemas de saúde dos caminhoneiros, muitos relacionados à suas
condições laborais, não raro estes têm maior dificuldade em acessar os serviços de
assistência e educação em saúde, constituindo-se num grupo à margem de
intervenções. A triangulação de dados demonstra que a maioria dos entrevistados e
participantes de grupos focais concordam com a inacessibilidade aos serviços de saúde
que atendam às necessidades dos caminhoneiros, ora pela falta do serviço
(vulnerabilidade programática), ora pelo desconhecimento sobre a
existência/funcionamento dos mesmos:
Não tenho muita Idéia. O Sistema Público de Saúde tem muita dificuldade de
acesso, se precisar de remédio, precisa ter comprovante de residência. Se não
reside na cidade dele deveria ter um tratamento diferenciado para essa
112
população de caminhoneiros aqui em Itajaí (EIC- O4 Sexo F Idade 28 Anos –
2007).
Não, porque as cidades se preocupam com a situação dos moradores, não
com quem vem de fora. Ele (o caminhoneiro) procura os atendimentos de
urgência.Então ele não resolve nunca o problema, ele trata os sintomas (EIC-
O5 Sexo M Idade 45 Anos- 2007).
(...) o Posto de Saúde identifica o município, aí o caminhoneiro não tem vez
(EIC-03 Sexo F Idade 31 Anos -2007).
Nos serviços públicos, o depoimento de profissionais de saúde é contraditório.
Funcionários do Programa de Prevenção às DST/Aids para profissionais do sexo,
desconhecem como o caminhoneiro é atendido, embora exista uma importante
interface entre essas duas populações. Na unidade de saúde e Policlínica, referência
para caminhoneiros, a informação é de que:
(...) a média de atendimentos é de 3 a 4 caminhoneiros/dia, geralmente são de
fora, querem consultar no dia, praticamente na hora que chegam, e têm como
queixas: dores de cabeça, pressão alta, braço dormente, vômito, dores no
peito.Os funcionários procuram encaixá-los o mais rápido possível, muitas
vezes são eles que ocupam as vagas de emergência do serviço. Após a
consulta médica, o paciente é medicado e muitas vezes faz eletro-
cardiograma; exames laboratoriais não fazem, eles tem pressa e dificilmente
retornam para saber o resultado (OM-05 Sexo M Idade 45 Anos -2007).
Eu tenho sorte, ainda não fiquei doente, porque se ficar nem sei onde ir
quando saio por aí nas viagens (ECAM 04 Sexo M Idade 38 Anos 2007).
Segundo os entrevistados, os serviços públicos geralmente não suprem as
necessidades do grupo – principalmente por estarem freqüentemente muito cheios e
não funcionarem nos fins de semana. As opiniões dos caminhoneiros nas duas
pesquisas são convergentes (dados anteriores e atuais): o Serviço público de Itajaí não
trabalha integrado a outros serviços de prevenção e, na opinião de dois informantes
chave (ambos profissionais de saúde), compete ao município de origem o atendimento
ao caminhoneiro. Ora... se o caminhoneiro não tem parada fixa e, quando retorna a
cidade de origem é para passar um final de semana com a família ou
113
carregar/descarregar o caminhão, como pode cuidar da saúde somente no município de
origem? Essa situação necessita ser discutida com os responsáveis por políticas
públicas. Trata-se de vulnerabilidade programática a dificuldade de acesso a serviços
de saúde vivenciada pelos caminhoneiros.
A partir do posicionamento de Luz (2001) saúde nos dias atuais não é mais vista
como “ausência de doença,ou capacidade/incapacidade de trabalhar e desempenhar
atividades“, ela é tão importante na cultura atual, a ponto de nos referirmos a ela como
a nova utopia. Para a mesma autora, “para muitos ter saúde é poder trabalhar”, não no
sentido de ter força física ou disposição para o trabalho, mas no sentido de estar
empregado. Neste contexto, fala que a medicina vem se transformando numa atividade
de “produção de bens” (enquanto ofertante de serviços médicos) e em instância social
de “ consumo de bens” (pelo lado da demanda de serviços pelo paciente, reduzido a
cliente). Deste ponto de vista, ter saúde significa, muitas vezes, não mais poder
adoecer, não ter mais esse direito. Na verdade, adoecer significa, para muitos
indivíduos e famílias atualmente, seja na América do Norte ou na Europa, na América
Latina ou na Ásia, perder o emprego, abrir falência, cair abaixo da linha da pobreza e,
de lá, provavelmente não sair. Cuidar da saúde, ou “manter a saúde em forma” implica
nesse momento cuidar também do emprego, portanto da própria sobrevivência (LUZ,
2001).
É importante observar, nas falas abaixo, que a procura por serviços de saúde
ocorre no horário noturno, mas, se necessário, os trabalhadores seguem viagem sem
receberem cuidado ou se restabelecerem:
(...) no período noturno aparecem caminhoneiros, geralmente de outros
municípios que referem quase sempre as mesmas queixas: hipertensão
arterial, dores de estômago. O médico receita para os sintomas, não costuma
pedir exames porque é pronto atendimento, portanto o paciente deve procurar
resolver o problema em ambulatório. (...) o biótipo dos pacientes (...)
geralmente são: obesos, quarenta anos ou mais, referem sedentarismo e má
alimentação, nervosos (OM-05 Sexo M Idade 45 Anos -2007).
A funcionária frisou ainda, mesmo estando com dores, se aparecer uma carga,
ele vai priorizar o serviço em detrimento da própria saúde. E como são atendidos em
114
serviços de emergência, não existe comprometimento com a pessoa, o caminhoneiro
doente.Tudo não passa de estatística, foi apenas mais um atendimento realizado:
Esse caminhoneiro tem 43 anos é hipertenso, estava com pés e pernas
edemaciados, mas com um container pronto para levar à Mato Grosso.(...)
conversando com ele após o grupo focal admitiu se auto medicar e só ir ao
médico no Pronto Socorro, porque é atendido na hora. (GFCAM-O2 Nota do
Pesquisador -2007).
Em relação aos serviços de saúde, observamos avanços, a exemplo do Porto de
Itajaí, mas também retrocessos, como no SEST/SENAT, quando o trabalho de
prevenção ás DST/Aids deixou de ser contínuo para ser pontual em dias pré-
determinados a campanhas educativas. Os preservativos também não têm mais
distribuição gratuita. Já em relação ao atendimento de saúde em serviços públicos às
profissionais do sexo em Balneário Camboriú, os sujeitos acessados nas pesquisas
estão satisfeitos, considerando que o atendimento dos profissionais de saúde tem
melhorado. Em Itajaí o zelo da equipe BEM ME QUER, pelos profissionais do sexo é
evidente e já é referido por “criar dependência” ao programa:
Já quando preciso de ginecologista, sempre marco com a Dra. X, essa que
atende as pacientes do Bem Me Quer, ela é legal atende a gente direitinho e
não humilha as pessoas (OM 05-2007).
Reforcei com as multiplicadoras do programa, e elas confirmaram: As
profissionais do sexo têm uma médica específica e sempre que precisam; é o pessoal
do programa quem agenda as consultas, porque conseguem agilizar conforme a
gravidade do caso. Se caírem na rede pública sem interferência do programa Bem Me
Quer, a triagem não acontece. Essa dependência do programa Bem Me Quer de Itajaí,
gradativamente necessita ser absorvido pela rede de serviços de saúde. Profissionais do
sexo são cidadãos e a porta de entrada na rede de serviços deveria ser feita sem
intermediários. Ficando com isso explicitado que a discriminação e o preconceito a
esses segmento populacional continua existindo entre os profissionais de saúde, mas
que o Programa Bem Me Quer de Itajaí é muito bem visto pelos profissionais do sexo:
115
Eu vi que o tratamento dos profissionais de saúde já mudou (em relação as
profissionais do sexo), já existe mais humanização com elas, mas ainda tem
que mudar, mas já vi melhoras. O programa Bem Me Quer influenciou nesse
comportamento dos profissionais de saúde (EIC- O4 Sexo F Idade 28 anos -
2007).
Os vínculos com os serviços de saúde construídos pelos grupos de intervenção,
já referenciados na avaliação da efetividade de Prevenção dirigida às Profissionais do
sexo (BRASIL, 2004) continuam existindo, tanto em Itajaí, como em Balneário
Camboriú. No último município o trabalho de campo com o segmento populacional
profissional do sexo está sendo feito pela ONG APROSVI através de multiplicadores
pares, no caso, profissionais do sexo, senão vejamos a fala delas:
As minhas amigas elas têm carteirinha lá na 1500 (Unid. Saúde Central de
Balneário Camboriú ), (...) uma me pediu ajuda porque é de....... (...) peguei o
endereço da minha rua para fazer carteirinha para ela na 1.500.(mentem o
endereço para terem o acesso), ou pedem ajuda na APROSVI (a carteirinha
da associação também dá acesso nos serviços de saúde) (EPS 01- Sexo F
Idade 30 Anos- 2007).
A gente além de fazer intervenção, a gente conversa; pára, ouve o que ela
tem pra falar. É um trabalho que julgo bonito e, te faz tornar uma pessoa
muito humana (IC- O4 Sexo Fem, Idade 28 anos -2007).
Em Itajaí, apesar dessa dedicação, sentimos que o programa necessita melhor se
integrar aos demais serviços de saúde e afins, oferecidos pelo município, como ao
SEST/SENAT, que desconhecem; ao serviço oferecido pelo Porto, à educação e ao
próprio Programa de Saúde da Família (PSF).
Aliás, essa é uma velha crítica que ainda faz sentido: “ existe, no Brasil, um
abismo, entre o direito vigente e o direito vivido” (SCHEFFER, 2007, p.18). Se nos
reportarmos ao início do Movimento da Reforma Sanitária e pensarmos na
universalização da assistência, percebemos que ela ainda não está, de fato, efetivada. E
as populações de maior vulnerabilidade vivenciam esse abismo. Se não tiverem
alguém que faça o papel intermediário, dependendo do município/local de atendimento
são discriminadas.
116
A Constituição de 88,tornou-se conhecida como a Constituição Cidadã, tendo
como uma de suas marcas o reconhecimento de muitos direitos de cidadania, enfatiza
(MATTOS, 2001):
A saúde, (...) é reconhecida como direito de todos, e como um dever do
Estado. De acordo com o texto constitucional, deveria caber ao Estado a tarefa
de garantir a saúde para todos, através de políticas sociais e econômicas
voltadas para a “ redução do risco de doença e de outros agravos”, quanto ao “
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação
É nessa perspectiva que a constituição reconhece a relevância pública das ações
dos serviços de saúde e delineia um Sistema Único de saúde, o SUS. Comprometida
como profissional de saúde com a prática, vejo que a realidade enfrentada diariamente
é difícil, mas tenho a convicção de que somos nós, cidadãos brasileiros, enfermeiros,
médicos, assistentes sociais, profissionais de saúde em geral, que pensamos e
executamos as ações do SUS, que poderemos, e muito, contribuir para a melhoria da
saúde da comunidade, se como atores sociais tomarmos consciência das causas
profundas dos problemas de saúde e das relações sociais, que os permeiam.
Os serviços de saúde oferecidos em postos/pedágios, no Porto de Itajaí são
percebidos como mais acessíveis e com melhor qualidade do que os serviços públicos
de saúde, mesmo assim as opiniões são controversas. Para a enfermeira responsável
pela Policlínica de Referência à caminhoneiros em Itajaí:
(...) os caminhoneiros não têm acesso à serviços de saúde por
indisponibilidade deles.
Porque os serviços teriam como absorvê-los. Existe
uma divergência na disponibilidade dos profissionais de saúde e os
caminhoneiros em relação aos horários de ambos, segundo ela (OM-05 Sexo
M Idade 45 Anos -2007).
A vulnerabilidade programática diz respeito às contribuições dos programas de
HIV/aids na redução da vulnerabilidade pessoal e social. Para Ayres (2005) ela se
estende ao acesso aos serviços de saúde, qualidade da atenção, e implantação e
implementação de programas de combate à aids e outros desta natureza, que propiciam
117
a existência de contextos sociais favorecedores à adoção de medidas de proteção. Uma
enfermeira da policlínica de referência para caminhoneiros em Itajaí assim se
expressa:
(...) trabalho realizado no Porto não tem conhecimento, tão pouco ouviu falar
do SEST/SENAT no Posto Santa Rosa (OM-04-2007).
A situação acima descrita caracteriza a vulnerabilidade programática à qual esse
segmento populacional está submetido. Em trabalho desenvolvido pela equipe técnica
da Vigilância Epidemiológica do Estado de Santa Catarina são apontadas dificuldades
para desenvolver um trabalho integrado e interdisciplinar, em função principalmente
da falta de profissionais com dedicação exclusiva, ou com formação diversificada. A
epidemia de aids com suas complexas interfaces biopsicossociais demanda ações de
caráter abrangente; o trabalho individual leva a uma visão compartimentalizada da
realidade e das respostas a serem implementadas, o que diminui drasticamente o
impacto das intervenções frente à epidemia. O mesmo documento aponta para a
necessidade de uma discussão aprofundada desta questão pelas secretarias municipais
e respectivas Regionais de Saúde, na medida em que o desenvolvimento de um
trabalho interdisciplinar, integrado e contínuo de coordenação é um critério mínimo
para que as ações executadas atendam à realidade local e sejam eficazes (SANTA
CATARINA, 2000).
4.2.1 Acesso à saúde em unidades privadas de saúde
Na pesquisa RARE (2004 ) existia um consenso entre os participantes sobre a
importância e a qualidade dos serviços de saúde oferecidos pela iniciativa privada e/ou
em projetos de intervenção/pesquisa, mas passados três anos, o estudo atual apreendeu
outras falas:
(...) apresenta muitas falhas, começa já a infra estrutura que o programa do
SEST/SENAT, ele é um programa só para caminhoneiros, (...) deveria ser
mais divulgado(...) a maioria não sabe que existe, ou acaba desconhecendo
pela falta de divulgação (GF-CAM 02 Sexo M Idade 28 Anos- 2007).
(...) o Sest Senat não funciona, mas na época da (...) ela fazia tudo, até o
118
curativo, mas daí até o curativo cortaram, disse que dava despesa. Os
moradores vêm aí e daí, se aproveita do que nós estamos pagando então não
da né? (GF-CAM 04 Sexo M Idade 38 Anos -2007).
Os caminhoneiros se referiam à época em que funcionava o “Projeto Carreteiro
Prevenido”, parceria Ministério da Saúde/UNIVALI/SEST/SENAT. Havia cobertura
com bolsistas da universidade nos períodos, manhã, tarde e noite até às 21 horas, com
intervenções educativas em DST/Aids, distribuição de preservativos/folders
informativos sobre saúde em geral. Os acadêmicos circulavam no pátio de
estacionamento dos caminhões, agendavam consultas para médico e dentista,
intermediavam com a recepcionista a prioridade nos atendimentos, favorecendo acesso
ao motorista com exigüidade de tempo apresentando problemas de saúde. Dessa
forma, se promovia uma maior interação cliente/equipe multidisciplinar de saúde:
Aqui no Santa Rosa tinha um tempo que tinha, eles vinham no caminhão,
davam o preservativo, revistinha, convidavam a gente para assistir filme de
educação. Agora a gente tem esse telão aí, essa TV grande e só escuta música
o dia todo (ECAM-04 Sexo M Idade 38 Anos 2007).
O atendimento médico no SEST/SENAT é de segunda a sexta feira das 12 às
16Horas. Não existe divulgação sobre o trabalho e nem sobre os horários de
atendimentos em local nenhum, os próprios clientes é quem transmitem uns
para os outros (OM- 03 Sexo M Idade 23 Anos -2007).
Aqui no SEST/SENAT tem medico, mas você chega aqui na hora ai não tem
hora marcada, (...) não funciona por que o medico já esta com os horários
cheios com os clientes da cidade, então (...) isso não é pros motoristas por que
não tem mais vaga. (GFCAM-02 C 01 Sexo M Idade 22 Anos – 2007)
O horário de trabalho do profissional médico é de quatro horas por dia de
segunda a sexta feira e quando os caminhoneiros chegam não conseguem agendar
consultas porque os horários da agenda, geralmente, encontram-se preenchidos. Os
depoimentos dos caminhoneiros nos levam a inferir que o SEST/SENAT no município
de Itajaí atualmente não consegue atender às necessidades dessa população, porque
mediante o pagamento de uma pequena taxa qualquer pessoa da população que
119
procurar o serviço pode ser atendido lá:
Eles fizeram isso para os moradores e não para os motoristas. E ainda temo
que paga, por que tudo que você carrega tem que pagar uma taxa pro
SEST/SENAT aí chega na hora quando você precisa é os moradores daqui
que usam e você não pode usar (GFCAM 02 CAM 07 Sexo M Idade 50 Anos
– 2007).
(...) aqui no Santa Rosa (sede do SEST/SENAT) tinha que ter médico, agora
por exemplo, hoje não tem (GFCAM -02 CAM-10- Sexo M Idade 59 Anos
2007).
Se você vem aqui pra um dentista, você nunca tem dentista por que ta sempre
com os horários cheios, se você chega aqui com dor de dente, vai embora com
dor de dente.. um cara aqui do lado que deixou a carga aí e foi com o cavalo
lá na cidade, lá no hospital, ele tava com dor muito forte no estômago
(ECAM-04 Sexo M Idade 38 Anos - 2007)
No quadro acima relatado, ganha força a perspectiva de que mais do que a
insuficiência de recursos, o que caracteriza os serviços de saúde no Brasil é a má
distribuição dos recursos existentes. O SEST/SENAT com a infra-estrutura
física/organizacional e abrangência nacional de que dispõe, ao nosso ver, teria
condições de oferecer serviços com resolutividade aos caminhoneiros. Por serem
organizações com personalidade jurídica e direito privado, o SEST e o SENAT têm
sua receita formada por contribuição compulsória das empresas de transporte
rodoviário e do transportador autônomo. Podem, também, contar com receita
operacional decorrente da prestação direta de serviços e da celebração de convênios
com entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais (SEST/SENAT,
2007).
O coordenador do Programa Porto Saudável de Itajaí refere-se como
problemática a situação dos caminhoneiros avulsos:
(...) caminhoneiros avulsos. As grandes transportadoras estão acabando. Ele
fica a mercê da própria sorte nas estradas.
Os caminhoneiros convivem com
problemas como: hepatite, problemas digestivos, alcoolismo, depressão,
colesterol, alimentação não saudável,hipertensão Embora o autônomo e as
empresas descontem para o SEST/SENAT direto na fatura do transporte. Eles
têm dificuldade para assistência à saúde, não sei como funciona lá no SEST.
Aqui no Porto temos o ambulatório o dia inteiro, qualquer caminhoneiro pode
ir lá. (IC-05- Sexo M Idade 45 Anos – 2007)
Devido à falta de fiscalização, a assistência medica periódica não é feita, e ao
120
mesmo tempo falta de conscientização das próprias empresas não fazem. O
trabalhador precisa trabalhar e fica quieto, e trabalha assim mesmo (EIC-05-
Sexo M Idade 45 Anos – 2007).
(...) tem alguma coisa a respeito pra quem é associado, alguma coisa
associado ao SEST/SENAT, ou então do Sindicato, mais a gente não sabe se o
processo é rápido.... (ECAM- 01 Sexo M Idade 22 Anos – 2007).
Há que se pensar em estudos específicos em nível nacional para o melhor
atendimento à saúde dos caminhoneiros via SEST/SENAT. Se os recursos financeiros
são insuficientes nos parece que a parceria com universidades, ONGs e outros
segmentos da sociedade civil, provavelmente traria resultados positivos, a exemplo do
que já é feito na rodovia Anhanguera/Bandeirantes em São Paulo, pela concessionária
AutoBan. O programa implantado em junho de 2001, segundo relato do médico
responsável pelo programa VidaBan, Sergio Ferreira, oferece rotineiramente aos
caminhoneiros que param no posto de pedágio os seguintes serviços: testes de glicose,
colesterol, tipagem sanguínea, percentual de gordura, acuidade visual, além de cortes
de cabelo e cuidados com podólogo. A concessionária que administra a auto-estrada
tem parcerias com a UNIP, através do curso de fisioterapia, o Colégio Tableau através
do curso técnico de enfermagem e de uma escola de cabeleireiros e podólogos
(AUTOBAN, 2007).
Estudo realizado por Koller (2005) aponta como uma resolução barata e ao
alcance da grande maioria dos caminhoneiros o uso do radio PX, tão utilizado entre
eles para comunicação. Enquanto não chegam ao destino/local de possibilidade de
assistência à saúde, os caminhoneiros poderiam se utilizar do Radio PX sem sequer
interromper a viagem para agendar consultas de saúde. Para essa modalidade de
comunicação torna-se necessário uma parceria entre os radioamadores (onzemetristas)
de cada cidade (em Itajaí já foram abordados através desse estudo e mostraram-se
receptivos). Os onzemetristas já prestam relevantes serviços à comunidade, mas ainda
não fazem parte da rede oficial de cuidados à saúde. Esse assunto também fez parte da
devolutiva da pesquisa RARE 2004, realizada para os gestores de saúde em Itajaí.
Os testes oferecidos em São Paulo, vêm ao encontro das necessidades de
121
prevenção e controle das doenças que mais acometem os caminhoneiros, independente
da unidade federativa do país em que estejam trabalhando, conforme relatos já
apresentados neste estudo.
Nos discursos sobre o trabalho desenvolvido no Porto de Itajaí a percepção
sobre a atenção à saúde é contraditória, tanto se ouviram elogios como críticas aos
trabalhos desenvolvidos:
(...) o porto não dá,[ assistência] é muito precária a ajuda que eles dão, a
orientação, é precária, é quase que nenhuma, é só ouvir desaforo e engolir;
gente que não tem o mínimo de paciência pra trabalhar (ECAM-05 Sexo M
Idade 30 ANOS- 2007).
No porto, no ambulatório ele é atendido para diabetes, hipertensão, e é
atendido na hora, ele sabe disso, é divulgado pela equipe de prevenção, o
pessoal que atende no container. O nosso trabalho Ambulatorial faz
verificação de pressão, glicemia,um trabalho de prevenção as DST/Aids, com
distribuição de preservativos, folders educativos e oficinas (
EIC- O5 Sexo M.
Idade 45 Anos-2007).
Embora o Porto de Itajaí, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde,
através do programa DST/Aids ofereça atendimento ambulatorial de prevenção e
assistência, os serviços preventivos e ambulatoriais são desenvolvidos em espaços
físicos separados.
(...) o caminhoneiro é muito relaxado, ele não procura muito, ele não corre
atrás, então se vir à mão como veio, como é divulgado pelo Porto aqui, o
programa de saúde, aí é fácil (GFCAM -04 Sexo M Idade 39 Anos-2007).
Eu não costumo i no médico só fui duas vezes e fizeram aqui, no container
(ECAM 03 Sexo M Idade 42 Anos -2007).
(...) existe, existe uma ambulância,(Pôrto de Itajaí) tem uma UTI móvel e tem
o pessoal do corpo de bombeiro que é vinculado junto a eles. Tem um pessoal
da DST/Aids que dá informação e encaminhamento e o pessoal do
ambulatório que trabalha vinculado com o pessoal da DST/Aids (ECAM-03
Sexo M. Idade 42 Anos-2007).
Com a modernização, a área física para o desenvolvimento do trabalho tornar-
se-á adequada e terá maior visibilidade. No grupo focal com caminhoneiros realizado
122
nas dependências do Porto, caminhoneiros se referiram à má qualidade de conservação
e ao tamanho demasiado pequeno do espaço físico destinado ao trabalho de prevenção
(container da prevenção):
Eu acho que pontos negativos (no Porto de Itajaí) é só a estrutura que tá
precária, que vocês estão dentro do container, que se entra 2 ou 3 ou 4 já vai
ficando apertado, vocês tem um monte de material, e está faltando espaço, pra
desenvolver a maioria das atividades, e no demais não posso reclamar,
porque as duvidas que eu tenho eu tiro, nunca ninguém faltou informação pra
mim. Só falta um local mais adequado, onde não ficasse exposto,há uma curva
aqui no posto que tem muita poeira, muita sujeira. A sorte que o pessoal ainda
limpa por dentro porque por fora não tem como manter limpo (GF1 CAM 02
Sexo M Idade 36 Anos- 2007).
Não sabia, não conhecia, o trabalho do porto não pode ficar só lá, tem que
ser adaptado para todas as unidades[saúde] do município, pelos menos
algumas, e o CODIM enxerga essa necessidade (EIC- O4 Prof. Saúde- Sexo F
Idade 28 Anos-2007).
Não tenho muita idéia. O sistema público de saúde tem muita dificuldade de
acesso, se precisar de remédio, precisa ter comprovante de residência. Se não
reside na cidade dele deveria ter um tratamento diferenciado para essa
população (EIC- O4 Prof. Saúde- Sexo F Idade 28 Anos-2007).
A grande maioria dos caminhoneiros participantes da pesquisa refere-se à falta
de qualidade nos serviços de saúde, os quais são difíceis de serem acessados e não
atendem às necessidades específicas desses trabalhadores como, por exemplo,
funcionar aos sábados e domingos.
No serviço de triagem e testes para HIV Centro de Diagnose Municipal
(CODIM), o atendimento é considerado rápido:
(...) o caminhoneiro ou marinheiro, ele agenda para o momento da chegada, é
orientado e faz o atendimento na hora, espera muito pouco. Se não puder
pegar o resultado, pode fazer uma declaração e autorizar outra pessoa pegar
o resultado. Nas outras especialidades isso não acontece, não enxergam essa
realidade (EIC- O4 Sexo F Idade 28 ANOS -2007).
A busca por um serviço público de saúde, muitas vezes, termina na constatação
de um ambiente pouco acolhedor. Unidades lotadas, funcionários atarefados e não
comprometidos com a individualidade e especificidades apresentadas pelos clientes. O
123
acolhimento marca o primeiro contato cliente/profissional de saúde e é o primeiro
passo para resolução de problemas. Geralmente, o funcionário que atende no balcão
não está preparado para ouvir a queixa do paciente, e consequentemente não faz o
devido encaminhamento, chegando inclusive “afugentar” o cliente, daí a busca pela
auto-medicação e pelos serviços de urgência e emergência (Hospital), quando muitas
vezes o problema de saúde é crônico e deveria ser acompanhado nestes serviços.
Geralmente, são queixas de dores lombares, problemas gástricos (úlceras) hipertensão
arterial e diabetes:
A hipertensão e diabetes são as doenças mais comuns nos caminhoneiros, não
tenho medo de errar, digo e assino, inclusive tenho dados de hipertensão
(EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 ANOS -2007)
Fatores de risco tais como pressão social, crenças culturais e outras prioridades
imediatas, aumentam a vulnerabilidade do caminhoneiro em relação à saúde sexual.
Outros fatores sociais, como a pobreza, a falta de poder, a falta de respeito pelos
direitos humanos, a discriminação para quem é forasteiro, conduzem à marginalização,
à discriminação e à exploração, criando situações de risco nas quais as pessoas têm
poucas escolhas individuais. Políticas públicas mal adaptadas à realidade vivenciada
por determinados segmentos populacionais aumentam a vulnerabilidade e riscos
sexuais e de ordem reprodutiva, pois essas políticas (de exclusão) afetam, também,
parceiras sexuais fixas.
Para Knippe (2003) medidas necessárias para reduzir os riscos de populações
móveis são as mesmas como as de qualquer outro grupo. Elas incluem a provisão de
educação e informação sobre a saúde, aconselhamento e testagem voluntária,
planejamento familiar e cuidados pré-natais, e tratamento das Doenças Sexualmente
Transmissíveis. A educação dos pares também é uma abordagem particularmente
importante para as tais populações, assim como a forma ativa de extensão que
asseguram que a informação e serviços oferecidos não são, apenas, apropriados em
termos de linguagem e cultura, mas também de "fácil utilização" (que podem ser
entendidos, acessíveis, acolhedores e fácil para usar). O planejamento de ações
124
educativas para prevenção da transmissão do HIV deve considerar especificidades
culturais e laborais conhecidas a partir de estudos como o presente. Assim, por
exemplo, teria que enfrentar temas menos valorizados ou negligenciados, talvez por
sua própria complexidade, como aqueles relativos aos papéis sexuais, relações
conjugais e extra-conjugais, modelos de representações sobre família e matrimônio,
sexualidade, entre outros. Atitudes antes impensáveis por parte das pessoas que vivem
os conflitos inerentes às relações afetivas com ‘quem vive na estrada’, mostram que
comportamentos tradicionais estão em cheque e não cabe ao profissional pensar
apenas sob a ótica dos antigos modelos.
De um modo geral, quem vive ao volante de um caminhão mantém relações
sexuais com mais de uma pessoa. Os próprios caminhoneiros atribuem esse
comportamento às condições de trabalho e a cultura da própria profissão
(ZORZETTO, 2007). As intermináveis horas de espera e o assédio constante de
profissionais do sexo predispõem a relações sexuais com múltiplos parceiros. Os
trechos abaixo demonstram algumas destas características:
È muito bom, (casamento), ela aceita a minha profissão, sobre isso nunca
brigamos. Às vezes fico uma semana sem ir em casa e ela não pergunta nada
(ECAM 03 Sexo M Idade 42 Anos-2007).
A minha mulher não só suspeitava como tinha certeza, ela dizia eu sei que
você vai aprontar não adianta dizer que não então pega essas camisinhas, ela
colocava na minha mala. AIHH....
(GFCAM –O1 CAM 09- Idade 57 Anos- 2007).
Em minha trajetória de trabalho foi o primeiro depoimento que coletei
informando sobre a atitude positiva da parceira fixa do caminhoneiro, provavelmente
por meio do acesso à informação qualificada sobre os meios de transmissão e
prevenção e para a percepção de risco da parceira fixa além das eventuais. Após a
coleta de dados confirmatórios triangulados e posterior análise confirmatória, podemos
concluir que:
O número de caminhoneiros que pretende/realiza relações sexuais com
profissionais do sexo sem proteção continua motivo de preocupação na disseminação
da epidemia HIV/aids.
125
O consumo de álcool, rebites é freqüente entre caminhoneiros;
A preferência de muitos caminhoneiros por relacionamentos com travestis
expõe a bissexualidade e a necessidade de maior poder de barganha no sexo protegido
da parceria fixa.
O acesso a serviços de saúde, tanto os públicos como os privados não atendem
as necessidades de saúde dos caminhoneiros e deixam a desejar também em relação
aos profissionais do sexo.
Durante a realização dos grupos focais, os caminhoneiros e profissionais do
sexo foram unânimes em concordar com as interpretações acima descritas. A interação
entre os pares durante a realização dos grupos focais permitiu, além da coleta dos
pontos de vista, a busca de um consenso entre o grupo.
A maioria dos participantes de grupos focais concorda com um aspecto chave:
caminhoneiros consumem com freqüência bebidas alcoólicas, independente de estarem
dirigindo, esperando cargas ou pernoitando em algum local. Têm encontros com
profissionais do sexo, com freqüência, sem proteção, e não têm assistência a saúde
adequada.
V PROTAGONISMO E ADVOCACY EM CONSTRUÇÃO - O DESAFIO
DO CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
O objetivo deste capítulo é apresentar, partindo do diagnóstico e das
experiências de âmbito local, um panorama de algumas possibilidades de
caminhoneiros e profissionais do sexo estabelecerem mecanismos de participação nas
agendas políticas, serviços e práticas sociais que envolvem ou que tomam como foco a
vida sexual e reprodutiva e o acesso à serviços de saúde. Em outras palavras, este
capítulo se refere a potencialidades de novas práxis de inovação democrática,
construídas a partir de demandas desses segmentos populacionais.
5.1 Aproximações conceituais
Promoção da Saúde é definida como a capacitação das pessoas e comunidades
para modificarem os determinantes da saúde em benefício da própria qualidade de
vida, segundo a Carta de Ottawa (1986), documento que se tornou referência para as
demais Conferências Internacionais de Promoção da Saúde, promovidas pela OMS
(Adelaide, 1988; Sundswall, 1991; Bogotá, 1992; Jacarta, 1997; México, 2000,
Bangkok, 2005) assim como para as Conferências Mundiais realizadas pela UIPES
(1991, 1995, 1998, 2001, 2004) e para a III Conferência Regional Latino-Americana
de Promoção da Saúde (São Paulo, 2002). A definição acima chama atenção para o
almejado protagonismo das pessoas e a necessidade de que sejam “empoderadas”, isto
é, desenvolvam a habilidade e o poder de atuar em benefício da própria qualidade de
vida, enquanto sujeitos e/ou comunidades ativas (UIPES/ORLA, 2003). Nesta visão,
são estratégias da Promoção da Saúde, entre outras: intersetorialidade, mobilização
social e de parcerias na implementação das ações, sustentabilidade, defesa pública da
saúde (advocacia). Sua meta é qualidade de vida e seus princípios norteadores são a
eqüidade, a paz e a justiça social.
127
As condições sociais que produzem as exclusões também variam no tempo. São
os movimentos sociais e políticos, através de suas lutas, que visibilizam as formas de
exclusão e denunciam suas causas. O processo político altera a representação social
sobre essas causas, que estavam absolutamente naturalizadas no senso comum,
tornando-se, portanto, formas evidentes da existência social:
(...) No contexto atual, as exclusões são de diferentes bases e atingem milhões
de pessoas. Exclusão social, na perspectiva de quem defende a possibilidade
de transformação social, não deve ser entendida como estar fora da sociedade,
como se imagina comumente. Na sociedade em que vivemos, as relações
sociais são formadas pela tensão entre inclusão e exclusão. Estar excluídos/as
não é estar fora da sociedade, é muito mais grave do que isso: é estar dentro
dela destituído da participação nos bens sociais, sem acesso à riqueza e à
proteção comuns aos cidadãos/ãs (AVILA, 1999 p.41).
É cada vez maior a preocupação em relação a grupos socialmente vulneráveis, o
que representa a necessidade de singularizar os sujeitos sociais com os quais as
ciências e, sobretudo, a ética, tendem a tratar de forma universal e abstrata. Jonathan
Mann, um dos principais pensadores na epidemiologia da aids, já argumentava que o
grau de vulnerabilidade das comunidades à infecção pelo HIV poderia e deveria ser
mensurado a partir de indicadores relativos, ressaltando, dentre outros aspectos, o
respeito aos Direitos Humanos dos grupos mais intensamente afetados pela epidemia
(MANN apud PASSARELLI, 2002). Resumidamente, quanto maior for o desrespeito
aos valores e condições vitais assegurados, inclusive, pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, maiores serão também as chances de um sujeito, um grupo, ou
comunidade, assim destituídos de sua cidadania, contrair o HIV.
Na verdade, não podemos pensar em iniciativas que possam tornar mais efetivas
as políticas sociais sem fazer um diagnóstico de como está funcionando, hoje, à
cobertura (extensão e qualidade) e o impacto redistributivo destas políticas na
sociedade brasileira.
Quando nos referimos ao empoderamento, estamos falando das relações de
poder dentro da sociedade; poderes que se entrecruzam com o gênero, a classe social, a
raça, a cultura e a história. Poder que está identificado com a eqüidade e a igualdade da
mulher e do homem, no que se refere ao acesso aos recursos e vantagens. Para
128
Hamann e Costa (2000) refletir o processo saúde-doença através do olhar de gênero
faz com que nos afastemos do enfoque restrito ao risco epidemiológico para que
possamos enxergar os fenômenos na perspectiva de condições e situações de
vulnerabilidade, que confere um maior alcance, integralidade e contextualização. Se
por um lado, busca-se a inclusão de todos os indivíduos, a partir de um discurso
universalizante, por outro, esvazia-se o conteúdo dessa inclusão, na medida em que
não é possível identificar as especificidades (biológicas, psicológicas, sociais,
políticas, religiosas, culturais dentre outras ) e as reais necessidades desses sujeitos.
Teoricamente, do ponto de vista dos direitos e das garantias legais, da gestão
das políticas sociais, da atenção aos grupos vulneráveis, temos assegurado avanços
significativos em relação ao passado, seja do ponto de vista do reconhecimento de que
as políticas sociais são direitos e, portanto, devem ser universais; seja do ponto de vista
de uma nova institucionalidade democrática, que constrói novos espaços públicos e
mecanismos de gestão que contemplam a participação de representantes da sociedade
civil (BAVA, 1999). Porém, como brasileiros, somos sabedores que não basta a
existência de leis, aliás, o que não falta nesse país são leis, todavia, o mecanismo de
controle social para que se cumpram as leis é o nosso verdadeiro problema.
Exemplificando, todo brasileiro tem direito à saúde, proporcioná-la é um dever do
Estado, então o que procuramos é a configuração dos direitos de usufruir o que nos
está assegurado por lei.
Embora haja avanços da perspectiva jurídica, conquistas fruto da mobilização
social, no sentido de se afirmar direitos universais, o fato é que as políticas sociais
estão cada vez mais em crise. Passarelli, (2002), reforça nosso pensamento dizendo ser
preciso que a sociedade civil participe na defesa e garantia dos direitos humanos, a fim
de que possamos implementar o que está escrito na constituição, mas que ainda não
está escrito na sociedade e que ainda geram formas de preconceito.
No caso dos caminhoneiros e profissionais do sexo, esse empoderamento
consiste na importância de desenvolver o pensamento crítico e reflexivo, enquanto
sujeito histórico e social capaz de desvelar a realidade, propor ações transformadoras e
participar nas decisões de saúde para cuidar de si, de sua família e da coletividade.
Obter o controle é um elemento essencial do empoderamento, o que inclui a
129
capacidade de dirigir ou de exercer influência sobre os acontecimentos, com a
finalidade de proteger os próprios interesses. O controle permite que os indivíduos
tenham a certeza de que os recursos e benefícios serão distribuídos de forma a que
homens e a mulheres tenham acesso a eles em partes iguais.
Segundo o Projeto Transnacional de Prevenção de aids e DST entre Prostitutas
Migrantes na Europa (TAMPEP, 2001), a prostituição é hoje em dia um fenômeno de
dimensões internacionais. Ela é composta por grupos multiculturais assim como
dirigida por organizações multinacionais. Mas o trabalho sexual não é somente uma
ocupação para mulheres, muito menos só para mulheres que vivem um processo
migratório.
A migração é uma clara conseqüência da estrutura política e econômica
mundial. Homens e mulheres migram das regiões mais pobres para as mais regiões
mais ricas, em busca de oportunidades de trabalho, de melhores condições de vida.
Neste contexto, migram cada vez mais mulheres do que homens, a partir do momento
que as mulheres têm cada vez mais que responder pelo sustento familiar. Por isso fala-
se de uma “feminização” da pobreza. Nesta situação de dificuldade, há uma primeira
decisão, a de migrar na esperança de encontrar trabalho. Por isso, fala-se atualmente de
um movimento migratório feminino por trabalho (TAMPEP, 2001).
No momento em que a mulher se decide pela migração, não importa se ela o faz
sozinha ou através de terceiros, se ela irá trabalhar como doméstica, numa fábrica ou
na prostituição. O importante para ela é encontrar trabalho com o qual sustentará filhos
e família. Prostituição é um meio de vida, uma atividade econômica para muitas
mulheres no próprio país de origem. O relatório da organização acima referida
(TAMPEP, 2001) cita exemplos: - segundo a revista alemã Der Spiegel, (dezembro de
1999), 70 mil mulheres vivem em Bombaim, na Índia, da prostituição; - segundo a
revista brasileira Veja, (abril de 2000), trabalham no Brasil um milhão e meio de
mulheres na prostituição; - segundo a Organização Internacional para Migração (Le
Monde, março de 2000), são cerca de 300 mil mulheres do centro e do leste europeu
trabalhando na União Européia na prostituição; - na rica Alemanha fala-se de 400 mil
pessoas trabalhando na prostituição num período de um ano, entre aquelas que a
exercem como atividade principal e aquelas que a exercem esporadicamente; - a
130
maioria das mulheres que exercem o trabalho sexual na União Européia são migrantes.
A exemplo da situação internacional, a região do Vale do Itajaí atrai para essa
região um contingente de populações móveis de turistas, estudantes, trabalhadores da
construção civil, marinheiros, caminhoneiros a profissionais do sexo dentre outros. A
isto se relaciona o fato de Itajaí possuir uma elevada densidade demográfica, ser um
pólo turístico e universitário, abrigar o maior Porto do Estado de Santa Catarina
10
em
movimentação de cargas além de ter em seu território várias cidades litorôneas
famosas, dentre elas Balneário Camboriú, que é rota internacional do turismo sexual.
A proximidade da BR 101, que corta o Brasil de norte a sul, e dos aeroportos de
Blumenau, Joinville, Navegantes e Florianópolis, conferem à região o status de rota
internacional do narcotráfico. Nesse contexto, inserem-se as questões das populações
de maior vulnerabilidade ao HIV, ora estudadas.
Os aspectos supra citados têm influências em várias esferas sociais. Assim
como o corpo, a sexualidade, a vida e a morte, por exemplo, sempre foram assuntos
controlados por religiosos, médicos ou juízes; na modernidade passaram a ser alvo de
controle por parte dos próprios indivíduos. É o que se pode chamar de autogestão,
decorrente de um processo que estimulou a ampliação dos direitos e das liberdades
individuais e, conseqüentemente, acarretou uma maior autonomia do indivíduo sobre a
sua intimidade, o seu corpo e o seu sistema de valores (ANJOS, 2000).
No entanto, entendemos que outros elementos se incorporam à discussão do
conceito de autonomia, especialmente com vistas à promoção da saúde, através da par-
ticipação social. Além de pensar o indivíduo como um todo, é preciso pensá-lo inse-
rido na comunidade, no próprio município/cidade e no país. Anjos (2000), explicita
que no princípio da autonomia, além dos enfoques principalmente filosóficos do tema:
a reflexão realça também as bases sociológicas com que as autonomias se
sustentam ou são ameaçadas e às vezes até anuladas. Não lança apenas as
bases de uma ética do dever, mas enfatiza a dignidade da pessoa humana.
Pensa não somente em termos de indivíduos, mas também de grupos e
comunidades. Ajuda a Bioética a colocar-se diante da identidade de seus
diversos sujeitos sociais e das desigualdades que por vezes os subordinam
(ANJOS, 2000, p.59).
10
O Porto de Itajaí é apenas um dos quatro portos desse Estado, além dos Portos de São Francisco do Sul,
Criciúma e Imbituba, quando outros Estados como São Paulo, Rio de Janeiro dispõem de apenas um Porto.
131
Pensando dessa forma, Albuquerque e Stotz (2004) observaram que as ações de
saúde não podem estar voltadas apenas para a assistência ou mesmo para o setor
saúde, sendo necessário articular políticas sociais e econômicas para a promoção da
saúde. No que se refere à participação social, uma ação integral de saúde também deve
incorporar a idéia de cidadania, de forma que nenhum cidadão possa ser considerado
saudável sem que tenha seus direitos garantidos. Diante dessa discussão, poderíamos
conceituar integralidade como um princípio pelo qual as ações relativas à saúde devem
ser efetivadas, no nível do indivíduo e da coletividade, buscando atuar nos fatores
determinantes e condicionantes da saúde, garantindo que as atividades de promoção,
prevenção e recuperação da saúde sejam integradas, numa visão interdisciplinar que
incorpore na prática o conceito ampliado de saúde (ALBUQUERQUE, STOTZ, 2004).
A Lei Orgânica da Saúde estabelece como um dos princípios do SUS a
integralidade da assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de
ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso e em todos os níveis de complexidade do sistema (Brasil, 1990, inciso II do artigo
7o). A vinculação do termo integralidade à assistência aparece em outros artigos da
Lei Orgânica (art. 5o., inciso III e art.6o., inciso I, alínea d). É clara também a
necessidade de formulação de políticas para promoção da saúde envolvendo os setores
econômicos e sociais, como conseqüência do entendimento da amplitude de fatores
determinantes e condicionantes da saúde, o que também vai refletir numa posterior
ampliação da abrangência do conceito de integralidade para além do indivíduo e da
assistência (CARVALHO; SANTOS, 1995, p.71).
Nas últimas décadas, homens e mulheres das mais variadas classes sociais,
culturas e raízes étnicas organizaram-se das mais diversas maneiras para, juntos,
promover em causas como a defesa dos direitos humanos e a preservação do meio
ambiente, ou, de modo ainda mais simples e direto, para oferecer ajuda aos mais
frágeis e vulneráveis, onde quer que eles se encontrem, na rua próxima, na cidade em
que se vive ou em países distantes e desconhecidos. A multiplicação destas
organizações de cidadãos e a crescente visibilidade de sua atuação dão origem a uma
nova sigla que vai ganhar reconhecimento público no âmbito das Nações Unidas:
ONGs - organizações não-governamentais. Nos termos do parágrafo 7 da resolução
132
1296 (XLIV) do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), de 23 de maio de 1968, as
ONGs são definidas como organizações internacionais que não foram criadas pela via
de acordos inter-governamentais (FERNANDES, 1988). No caso brasileiro, segundo
Fernandes (1988), já na primeira metade dos anos 80 as organizações não-governa-
mentais, ou ONGs, ou “ongues”, haviam se tornado “uma realidade sociológica”.
Ao longo do tempo, as ONGs foram se destacando entre as experiências
organizativas e participativas da sociedade civil. Hoje, três décadas após seu
surgimento na América Latina, suas atividades cobrem os mais diversos campos da
experiência social: do desenvolvimento rural ao controle cidadão de políticas públicas
e convenções internacionais (HADDAD, 2002).
No contexto, em oposição às práticas típicas da caridade e do assistencialismo,
as ONGs valorizam a competência técnica. Em outras palavras, elas criam uma
categoria de “ativistas profissionais”, distantes da militância religiosa, universitária ou
partidária, mas guardando conexões com elas. Em resumo, para analisarmos os casos
referentes ao setor saúde, é preciso termos em mente as características fundadoras das
ONGs brasileiras e latino-americanas, que são: 1) a valorização da competência
técnica, a profissionalização da militância e a especialização; 2) a tendência à
multiplicação e à diversificação; 3) a perspectiva internacional; 4) a autonomia em
relação ao Estado (RAMOS, 2004).
A caracterização das ONGs como "aquilo que não é governo" revela a
dificuldade dos Estados em apreender a verdadeira natureza de um fenômeno que tem
suas raízes em "outro lugar" que a esfera estatal, com uma história, valores e modos de
atuação originais. A ninguém ocorreria definir o cidadão como aquele que não é
governo. Do mesmo modo, ninguém diria que o fundamento da cidadania é não ser
Estado (LICEIA, 2005).
Em contraponto a estas duas definições por oposição - não-governamental e
sem fins lucrativos - tem-se afirmado, nos últimos anos, a busca de uma definição
positiva, valorizadora do que há de novo e significativo no fenômeno da participação
dos cidadãos. Hoje, se fala menos de ONGs e mais de "organizações da sociedade
civil" ou "organizações do Terceiro Setor". A multiplicação de organizações baseadas
nesses três grandes tipos: (de apoio e de advocacy; de pressão política e de pesquisa
133
aplicada; e de pessoas vivendo com aids, ocorreu, nos anos seguintes, em escala
extraordinária. Constituiu-se um campo político e institucional que passou a ser
nomeado de ONG/Aids (RAMOS, 2004).
5.2 A APROSVI - um começo de conversa sobre advoc
acy/protagonismo
A APROSVI – Associação dos Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí é uma
organização da sociedade civil que tem como princípio e finalidade fundamental
agregar os profissionais do sexo em uma entidade para que possam unidos reivindicar,
buscar e defender seus direitos individuais e coletivos.
Os primórdios da associação datam do ano de 1996, tendo em vista um
treinamento para formação de multiplicadores entre os profissionais do sexo de
Balneário Camboriú e Itajaí, que faziam parte do projeto 010/96, financiado pelo
Ministério da Saúde, através da Coordenação Nacional de DST/AIDS, que atendia a
distintos grupos sociais na área portuária da cidade de Itajaí. Além de repassar
conhecimentos específicos sobre as DST/HIV/AIDS e proporcionar oficinas de sexo
seguro, um dos objetivos do mesmo era que estes profissionais pudessem exercer sua
cidadania e a conquista de direitos. Foi convidada em julho de 1997, a presidente da
APROCE - Associação das Prostitutas do Ceará, para que trouxesse sua contribuição,
falando da experiência vivenciada no Nordeste. O resultado imediato foi relatado
como muito positivo, pois os profissionais do sexo da região sentiram que era possível
tornar seu desejo uma realidade (KOLLER, JOHN; 2002).
O trabalho voltado para os profissionais do sexo passou por um percurso de
desenvolvimento e complexidade e, no decorrer destas propostas de educação e
prevenção nasceu o projeto 017/98 – Bem-Me-Quer, que visava a atingir de forma
diretiva os profissionais do sexo de Itajaí e Balneário Camboriú, treinando-os como
multiplicadores de prevenção às DST/AIDS. O trabalho nunca parou; o Bem me Quer
se expandiu para Balneário Camboriú, que após ser assumido pela secretaria de saúde,
trocou seu nome para Beija Flor e a partir de janeiro de 2006, o trabalho passou a ser
executado somente pela APROSVI. Em Itajaí, o nome Bem me Quer permanece:
134
(...) quando eu entregava camisinha eu sempre explicava que não é só para
distribuir camisinha, que a gente tá lutando para todo mundo começar a
respeitar a gente, e o pessoal de fora que não é do meio, acha que aqui é uma
agência de programa, daí eu tenho que explicar (EPS-01- Sexo F- Idade 30
Anos- 2007).
O Bem Me Quer está fazendo um trabalho, “Bem Me Quer na escola”, vamos
lá mostrar o uso do preservativo, falar sobre gestação precoce as
conseqüências de meninas engravidarem e a dificuldade de estudar, enfim a
vida do adolescente. E as prostitutas, vão mostrar o trabalho delas que não é
fácil, para desestimular as garotas a entrarem na prostituição (EIC- O4 Prof.
Saúde- Sexo F Idade 28 Anos- 2007 )
Este projeto foi desenvolvido através do CETRHU - Centro de Treinamentos
em Recursos Humanos em DST/HIV/AIDS, na UNIVALI, Universidade do Vale de
Itajaí. A partir do mês de março do ano de 2000, foram surgindo as primeiras reuniões
com profissionais do sexo para a formação da associação e, no mês de outubro do
mesmo ano, foi eleita a primeira diretoria desta associação, que a princípio seria de
Santa Catarina, mas, considerando a experiência de outras ONGS, a opção da maioria
foi por ampliá-la para o Vale do Itajaí, já que os seus representantes eram
majoritariamente da região do Vale do Itajaí.
A APROSVI vem inserindo-se nos mais diversos espaços em busca de
visibilidade e respeito. Considera que é de fundamental importância estabelecer
parcerias com a iniciativa pública e privada, bem como com outras entidades do
terceiro setor para o fortalecimento mútuo e o dinamismo de suas ações e projetos.
Gradativamente, vem conquistando adeptos a seus objetivos e finalidades, ampliando o
rol de voluntários e colaboradores. Existe, juridicamente, há seis anos e meio e tornou-
se referência na Região do Vale do Itajaí por ser a única que desenvolve um trabalho
específico para a população de profissionais do sexo. Os membros da APROSVI, são
atuantes em vários segmentos sociais, sempre lutando pelo reconhecimento da
entidade de classe e consequentemente pelos direitos do segmento populacional
profissionais do sexo:
A secretária do conselho de saúde convidou-me para na próxima semana
passar na secretaria de saúde sem falta, para juntas prepararmos um projeto
a ser enviado à câmara dos vereadores para garantirmos um subsídio mínimo
mensal de R$ 2.000.00 reais o que vai garantir o aluguel da Associação, luz e
135
água para mais um ano (OM-04 Sexo F 30 Anos- 2007).
(...) vejo que elas, que lutam por elas mesmo, elas querem e lutam pelo
reconhecimento da profissão. Já estive em congresso onde 11querem carteira
assinada, enfim direitos de outros trabalhadores, lutam por espaço, respeito
(EIC- O4 Prof. Saúde- Sexo F Idade 28 Anos- 2007 ).
A APROSVI fez reuniões com os policiais, explicaram para eles que as
pessoas estão trabalhando, não teria porque expulsar das ruas, mesmo assim
diminuiu o número de travestis nas ruas. (EPS-02 Sexo M 22 Anos- 2007).
Romano e Antunes (2002), referem um número crescente de instituições da
Sociedade Civil introduzindo em sua estratégia a abordagem baseada em direitos, a
qual tem sua origem na luta pelo reconhecimento e promoção do conjunto de direitos
humanos (civis, políticos, econômicos, culturais, etc.). As próprias agências de
cooperação e organizações financeiras multilaterais vêm progressivamente adotando
esta nova conceituação na formulação de suas políticas e estratégias. Como os
profissionais do sexo pertencentes a APROSVI, em sua grande maioria, têm baixo
poder aquisitivo ou dificuldades para comprovar renda, pouca escolaridade e, alguns
deles, baixa estima, têm sido desenvolvidos projetos voltados ao reconhecimento e
promoção de direitos humanos.
Os fundamentos da abordagem baseada em direitos estão muito mais presentes
nos debates sobre desenvolvimento e combate à pobreza, tanto no espaço
governamental de políticas públicas, como entre os movimentos sociais, ONGs e o
mundo acadêmico, devido à importância que têm assumido as análises de luta pela
cidadania e de construção de direitos sociais.
A APROSVI iniciou seus trabalhos através do Projeto Respeitando a Diferença,
desenvolvido com a população HSH (gays, transgêneros e garotos de programa) no
período de janeiro de 2001 até julho de 2005. O objetivo era de determinar a
prevalência de DST e Aids, as práticas sexuais relacionadas com a sua transmissão e
as medidas de prevenção da infecção por HIV em homens que fazem sexo com
homens, travestis e transexuais. Além disso, foi investigada a necessidade de
aprofundar os programas de prevenção com este coletivo, assim como continuar a
136
vigilância epidemiológica desta população. Foram proporcionados momentos de
reflexão e intercâmbio de conhecimentos, sob a ótica do respeito às construções
subjetivas da sexualidade e da diversidade humana.
Em seguida, foi elaborado e desenvolvido o Projeto Educando nas Ruas,
voltado para profissionais do sexo: mulheres, homens e transgêneros, desenvolvido de
julho de 2002 até julho de 2005. O objetivo era ampliar as ações de prevenção às
DST/HIV/AIDS e ações de auto-organização de profissionais do sexo, travestis,
homens e mulheres, com vistas a redução do HIV e outras DSTs no município de
Balneário Camboriú. Vale lembrar que ambos foram financiados pelo Ministério da
Saúde em convênios com a Coordenação Nacional de DST/AIDS, UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNDCP
(Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas), em parcerias
com as Secretaria Estadual e Secretarias Municipais de Saúde.
De outubro de 2004 a maio de 2006, executamos o Projeto Laços da Prevenção
– “Ampliando Ações de Prevenção na Região Sul”, através de um consórcio realizado
entre as três ONGs especializadas em Profissionais do Sexo no Sul do país: APROSVI
(SC), NEP – Núcleo de estudos da Prostituição (RS) e LIBERDADE (PR), financiado
pela PACT
11
Brasil, organização que trabalha desde 1997 com o objetivo de contribuir
para o desenvolvimento social e para redução das vulnerabilidades da população
brasileira, por meio de interação e parceria com as organizações locais e governos. O
projeto foi desenvolvido com recursos dos EUA, para profissionais do sexo, mulheres
e transgêneros e tinha como principal objetivo contribuir para a redução da prevalência
do HIV e Aids entre profissionais do sexo, mulheres e transgêneros. O Projeto Laços
da Prevenção tinha como objetivos específicos ampliar trabalhos educativos/in-
formativos em prevenção às DST, HIV e aids, através da formação de grupos de
profissionais do sexo como multiplicadores de informações em prevenção para
atuarem em suas comunidades, incentivando práticas sexuais mais seguras com
parceiros eventuais, contribuindo para redução de infecção pelo HIV e aids entre essa
população na Região Sul; incentivar e fortalecer ações estratégicas de prevenção às
11
ONG com sede em Washington EUA que atua em 60 países por meio de 15 escritórios regionais. Suas principais
áreas de atuação são: governo e democracia, HIV/aids, gestão de recursos naturais, fomento à paz, inclusão social,
equidade, empoderamento de grupos em vulnerabilidade, gênero e microcrédito (PACT, 2006).
137
DST, HIV e Aids desenvolvidas junto a profissionais do sexo na Região Sul, visando a
ampliar trabalhos em prevenção já existentes, junto a 12 ONGs, incluindo as 03
consorciadas, para a redução da infecção pelo HIV e aids entre profissionais do sexo
nos três Estados da Região Sul.
Destacamos que a APROSVI, desde sua fundação e independentemente de
financiamentos para seus projetos, pautou-se por uma atuação ética e realmente
comprometida, mantendo suas portas abertas e realizando ações e projetos contínuos.
Os campos de intervenção sempre foram cobertos, os insumos distribuídos, os
atendimentos e encaminhamentos realizados voluntariamente, para todas as
populações vulneráveis acessadas. Além disso, a APROSVI vem continuamente
ampliando e fortalecendo os vínculos com instituições públicas, através das Secretarias
Municipais de Saúde, da AMFRI - Associação dos Municípios da Região da Foz do
Rio Itajaí, diversos municípios do Vale do Itajaí e Norte Catarinense. No setor privado
pretende, neste ano de 2007, aproximar relações para prestar serviços e estabelecer
convênios, no sentido de conquistar novas modalidades de bens e recursos para a
sustentabilidade econômica. Ainda neste viés, é interesse da instituição fortalecer
também a sustentabilidade política e de recursos humanos. Pretende alcançá-las
através de um planejamento estratégico, reformulação e complementação do quadro
interno de recursos humanos, criação de um setor de comunicação e de captação de
recursos.
Em diversos momentos, a instituição passou por dificuldades devido ao atraso
em editais, mudanças de governo ou de coordenações, bem como no caso de alguns
dos projetos aprovados que não cumpriram os cronogramas de desembolso financeiro,
o que impossibilitou sua execução ou fez com que fossem alterados os planos de
trabalho. Com isso, a APROSVI, que comunga da realidade da maioria das ONGs
brasileiras, atravessou um momento difícil, pois apesar de ter projetos aprovados os
recursos não chegavam e ficou inviável acessar vários municípios sem dispor de
recursos para deslocamento da equipe. A Associação, depois de bater nas portas de
diversas instituições públicas e privadas, foi encaminhada a uma reunião da AMFRI,
onde foi oportunizado expor o trabalho e a necessidade de apoio para as despesas de
infra-estrutura (manutenção de espaço físico e logística da sede). No presente
138
momento, a APROSVI recebe mensalmente um recurso da AMFRI que se destina a
estes fins, mas como esse incentivo é provisório, a instituição busca cada vez mais
demonstrar, não somente à AMFRI, o quanto é fundamental que os municípios e
também outras organizações privadas colaborem com a mesma, no suprimento de suas
demandas básicas de sustentabilidade.
Em 2006 um processo eleitoral renovou a equipe da diretoria da Associação -
um processo importante neste momento - com a entrada de novos membros na
diretoria, novas idéias surgiram e oxigenou-se toda a dinâmica da mesma, viabilizando
novas energias e muitos ganhos para todos, desde os associados, os colaboradores, os
novos multiplicadores e monitores e todos os recursos humanos que se envolvem
direta ou indiretamente com a instituição. Nessa nova fase institucional evidenciou-se
novo impulso para a entidade firmar-se como uma importante instituição do terceiro
setor, primordial para as populações mais vulneráveis e também por ser o elo entre os
setores públicos e privados, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, do
acesso à saúde e aos direitos humanos desse segmento populacional.
Foi uma grande vitória para a APROSVI e para todo o movimento de GLTB de
SC aprovar um projeto, financiado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos,
ligada diretamente ao Ministério da Justiça e a Presidência da República do Brasil,
intitulado “Centro de Referência em Direitos Humanos para HSH”, em funcionamento
desde março deste ano, com equipe composta por psicólogo, assistente social e
advogado, além da disponibilização de um telefone gratuito. Em março do corrente
ano, a equipe recebeu treinamento no Ministério da Saúde em Brasília, de modo a
qualificar uma atuação competente.
5.3 Desvelando o advocacy
Dentre as aproximações conceituais ao termo Advocacy em relação
à
problemática do HIV/aids, membros da Associação para Saúde e Cidadania Integral na
América Latina e Caribe (ASICAL) e outras organizações que trabalham com
HIV/aids, reunidos em oito (8) de junho de 2001, construíram coletivamente a
139
definição: É uma estratégia que nos aponta caminhos e metodologias para, a partir da
sociedade civil,- incidir nas decisões dos tomadores de decisões em diferentes níveis,
visando a obter mudanças e/ou o cumprimento das conquistas alcançadas e das
políticas e programas existentes que contribuem para o bem-estar coletivo
(ASICAL,2005, p.22 )
Mas, como advocacia e advogar em português referem-se fundamentalmente a
atividades de natureza legal e jurídica, preferimos traduzir advocacy como defender e
argumentar em favor de uma causa, demanda ou posição (LIBARDONI, 1999 p.68).
Quando falamos em advocacy, falamos de política e processos de
transformação, sobre valores e crenças, consciência e conhecimento. Falamos sobre
influenciar o poder em questões e problemas que concernem aos cidadãos, sobretudo
aqueles marginalizados e excluídos dos processos políticos. Segundo Barber-Madden
(1992), a advocacia em saúde envolve esforços individuais e de grupos organizados
que tratam de influir sobre as autoridades para que sejam mais sensíveis às
necessidades dos eleitores, dos consumidores e daqueles que intervêm no processo
político, assim como dos grupos pobres e desprivilegiados. As ações básicas da
advocacia são relacionadas à “alteração das leis, ao monitoramento do legislativo, à
elaboração e implementação do orçamento, aos processos administrativos e, às vezes,
a profissionais ou conjunto de profissionais, não com a mudança de indivíduos”.
Trata-se de um processo de incidir sistematicamente, que utiliza diferentes
ferramentas para promover, defender, administrar, modificar, negociar, fazer lobby,
agendar e influir em assuntos de nosso interesse, sem excluir a possibilidade de
recorrer à mobilização social quando assim for necessário ou conveniente. Através de
um conjunto de ações planejadas, devemos abrir canais de interlocução com as
instâncias de poder. Isso exige que fortaleçamos nossas próprias oganizações,
procuremos acordos e construamos alianças em torno de objetivos claros e causas
sociais dentro da missão que almejamos, fundamentada nos avanços obtidos no âmbito
dos direitos humanos e na necessidade de articular esforços para diminuir o impacto
negativo causado pelo HIV. As ações de advocacy orientadas para a transformação das
políticas públicas implicam na aproximação ou mesmo no trabalho no interior das
instituições, sistemas ou outras entidades com as quais a organização tem
140
inconformidades ou mesmo se recusam a trabalhar. Foi estudando os fundamentos e
elementos críticos da advocacy, que a APROSVI, através de sua diretoria e de um
pequeno grupo de profissionais do sexo passou a agir na comunidade seguindo os
princípios propostos por ASICAL (2005):
Identificação de problemas e as alternativas para sua solução;
Conhecer em profundidade o problema e o processo de tomada de
decisão em torno do mesmo;
Compreender o conjunto de atores envolvidos no processo de tomada de
decisões e as relações entre os mesmos;
Realizar ações de defesa e promoção visando a influenciar no processo
de tomada de decisões, exercendo uma liderança reconhecida em torno
de uma causa;
Elaborar estratégias de comunicação que conquistem os tomadores de
decisão em relação à nossa causa e nos permitam nos relacionar com
nossos aliados, enfraquecer nossos adversários e influir na opinião
pública geral;
Gerar apoios e lideranças;
Contestar as ações e o discurso articulado pela oposição;
Mobilizar recursos e forças necessárias para apoiar determinada causa.
Libardoni (2000) e ASICAL (2005) alertam para a necessidade de distinguir
entre o que são ações de advocacy e o que são estratégias. As ações são atividades que
realizamos no decorrer dos fatos em que estamos envolvidos, em resposta às
oportunidades que nos oferece a própria conjuntura histórica, social, política,
econômica ou cultural. Para cada pergunta, uma resposta. Não é sensato perder uma
oportunidade. As estratégias, por outro lado, remetem-se ao planejamento cuidadoso
de atividades que procuram a consecução de objetivos concretos, realistas e viáveis,
que são como passos graduais de curto prazo visando a alcançar progressivamente uma
mudança essencial no longo prazo. O desenvolvimento de uma estratégia exige que
atuemos seguindo uma seqüência lógica e com um alto grau de maturidade quanto à
sistematicidade de nossas intervenções e ao seguimento do processo escolhido. Requer
tempo, dedicação, conhecimento e representatividade; precisa de continuidade,
141
seguimento e alguma ou muita paixão para obter objetivos imediatos no caminho de
soluções de amplo alcance. Ao pensar em advocacy, devemos sempre lembrar que o
consenso é uma das peças fundamentais do advocacy; que as outras pessoas com quem
temos que lidar não são inimigas, mas pessoas que atuam a partir de uma opinião
diferente e, negociar, implica em sermos reconhecidos pela outra parte. É prudente
inclusive, saber de antemão o que é possível ou não negociar, lembrando que é
preferível às vezes reduzir a demanda ao invés correr o risco de perder todas as
oportunidades de obter uma vantagem política.
Desde a sua fundação, a Associação de Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí
(APROSVI) vem desenvolvendo um trabalho de protagonismo entre o próprio
segmento social, como no estabelecimento de políticas públicas na área da saúde, e do
direito (advocacy). Isso tem acontecido através de representatividade no Conselho
Municipal de Saúde de Balneário Camboriú, Projeto de Hortas Municipais,
CONSEAN(conselho de segurança alimentar e nutricional), Conselho de Bolsa
Família, CEDAIDS (Comissão estadual de Aids), ANTRA(Articulação Nacional das
Transgêneros e da Associação Brasileira de Prostitutas. A APROSVI vêm cumprindo
um papel importante para o reconhecimento e implementação dos direitos dos
profissionais do sexo. Reconhecemos, porém, que existe muito a fazer, os profissionais
do sexo que participam ativamente das atividades da associação depois de capacitados
tornam-se multiplicadores de saúde. Os multiplicadores da APROSVI intensificam o
trabalho na cidade na região, formam novos multiplicadores, aumentam as ações de
prevenção e, conseqüentemente, melhoram o acesso a serviços de saúde. Contudo o
forte estigma moral que envolve a profissão dificulta conseguir simpatizantes pela
causa dos profissionais do sexo. Conforme Oliveira, Ferreira e Souza (2003) faz-se
necessário que as profissionais do sexo coloquem na agenda deste município suas
especificidades e necessidades, num modelo ético e de humanização, onde o trabalho
sexual seja reconhecido como escolha, as mulheres profissionais do sexo como seres
humanos, e os seus direitos universais não sejam violados:
Ah, a gente tem que chegar lá e não só porque é profissional do sexo; eles
ficarem olhando torto, porque eles têm pré-conceito, muito pré-conceito. (EPS
-01 Sexo F- Idade 30 anos -2007).
Olha, já tive problemas de me chamarem pelo meu nome de nascença, que
142
odeio. Já me fizeram esperar de propósito, tipo não me chamaram só pra me
sacanear, já vi um médico que foi bem estúpido e me julgou só por ser
profissional do sexo, nossa já me aconteceu de um tudo, mas teve gente boa
que me tratou numa boa. Depende do treinamento deles são mais sensíveis, ou
mais capacitados. Todos deveriam ser capacitados pra aprender a respeitar
nós travestis e os profissionais do sexo (EPS- 04 Sexo M- Idade 25 Anos –
2007).
5.4 Protagonismo/Advocacy como ferrramentas para a construção da cidadania
Os meios à disposição das classes trabalhadoras devem ser buscados no plano
das relações entre a sociedade civil e a sociedade política, ou seja, dos direitos e
liberdades civis e políticas, expressando-se em organização (sindical, associativa,
política) e mobilização capaz de reorientar a política do Estado (VALLA, STOTZ;
1996). Sabemos, entretanto, que a desigualdade nas condições das quais parte a luta
social, expressam-se em diferentes graus de autonomia e/ou dependência que o
movimento popular tem ao relacionar-se com o Estado. Tais diferenças são
perceptíveis também no nível da consciência social.
Acompanhando esses dois segmentos sociais há quase vinte anos, observo que
através da APROSVI, as profissionais do sexo deram um salto quali/quantitativo na
extensão dos direitos sociais adquiridos, que estão se estendendo pela região do Vale
do Itajaí, contrastando com os caminhoneiros, que sofrem limitações até mesmo no
que se refere à atuação dos sindicatos em prol da categoria; ou seja, trata-se de
conseguir a extensão dos direitos sociais a toda a coletividade, de modo que a
reprodução da força de trabalho seja realizada em nível visto como adequado pelo
conjunto da sociedade.
Esse objetivo de chegar ao Estado de bem-estar social (“Welfare State”)
contrasta, porém, com a dura realidade do estado de “mal-estar social” em que vivem
amplas camadas do proletariado urbano (VALLA, STOTZ; 1996). Os dados da
pesquisa atual demonstram existir um padrão de consenso entre a grande maioria dos
entrevistados: caminhoneiros participantes de grupos focais, e entrevistas individuais,
143
informantes chave, bem como das observações/mapeamentos, em relação à
reivindicação da categoria para melhorias das condições de acesso aos serviços de
saúde e mesmo sobre o processo de trabalho, situações que os induzem a apresentarem
problemas de saúde. Tal crise manifesta-se na apatia política e no abstencionismo em
participar - decorrentes de diversos fatores sociais e culturais - concorrendo para perda
de interesses políticos e, porque não dizer, decepções e frustrações em virtude de
corrupções praticadas pelos supostos representantes da categoria:
O sindicato só come o nosso dinheiro, ele não faz nada. O sindicato é
comprado pela empresa, nos vamos reivindicar lá e eles nos entregam para as
empresas (GFCAM-O2 –CAM 01-Sexo M Idade 22 Anos -2007).
O sindicato nosso não vale nada, é o mais miserável que tem. O sindicato é
parceiro do patrão (GFCAM –O1 CAM 09- Idade 57 anos- 2007).
Todo sindicato é assim, só favorece o patrão (GFCAM –O1 CAM 08 Idade 52
anos- 2007).
Os depoimentos se baseiam na premissa de que o processo de trabalho dos
caminhoneiros interfere na qualidade de vida dessa população e que, segundo o
pensamento destes trabalhadores, as organizações sindicais da categoria têm
trabalhado a favor de interesses patronais. Através das falas inferimos que a iniciativa
dos representantes da categoria caminhoneiro, “sindicatos”, deixa a desejar na
representatividade dos interesses do segmento populacional, senão vejamos:
Na minha região nós, motoristas, começamos a construir um sindicato e
agora que está pronto eles transformaram em um sindicato dos
transportadores, ou seja, dos patrões, porque não existe um sindicado dos
empregados motorista (GFCAM-O2 CAM-07-Idade -44 Anos -2007).
Não tem o que explicar, não tem sindicato, pelo que a gente sabe, eles
trabalham pro patrão (ECAM-03 Sexo M Idade 42 Anos- 2007).
A maioria não paga, acho que é falta de incentivo deles (GFCAM –O1 CAM
04 Sexo M Idade 43 Anos- 2007).
Qualquer coisa que falamos para eles, eles vão lá e contam para o nosso
patrão. Eles só favorecem o patrão, se você pede qualquer coisa (GFCAM –
O1 CAM 03 Sexo M Idade 42 anos- 2007).
144
A situação dos caminhoneiros ora estudados configura um diagnóstico, por
assim dizer, de crise de confiança cidadã no funcionamento tradicional das instituições
da democracia representativa, os sindicatos. A classe está decepcionada com seus
representantes e, ao mesmo tempo, desmobilizada, sem reação:
Até hoje eu não achei nada, o sindicato não existe pra nós. A gente vai fazer
alguma coisa eles sempre puxam pro lado da firma, não puxa pro lado do
motorista. Se vai pará os caminhão pra inventar de fazer uma greve, eles são
os primeiros a chegar e tirar nós dali, eles puxam pro lado do porto, então
estamos sem sindicato dos motoristas (ECAM-01 Sexo M Idade 51 Anos-
2007).
Com o avanço da globalização, o conceito de sociedade civil tem sido fonte de
interpretações dúbias e confusas, denunciando tanto um déficit de análise e reflexão
teórica como a própria fragilidade de nossa democracia (PLASTINO, 2005). Por
sociedade civil, deve-se tomar o conjunto de práticas sociais, com suas relações,
processos, normas, valores, percepções e atitudes, instituições, organizações, formas e
movimentos.
Trata-se, pois, de um recorte analítico na complexa realidade social, vista como
uma unidade síntese de múltiplas determinações. Sociedades civis se constroem pela
análise histórica e teórica de cada situação, se fazem em sua diversidade de
identidades, interesses, propostas e autonomias, nas oposições e diferenças, por meio
de movimentos, lutas e organizações (GRZYBOWSKI, 2003).
Nesse estudo nos direcionamos para ações de Advocacy, instrumentais para a
organização, o planejamento e o emprego de estratégias de ações dos movimentos
sociais, processo que, como pudemos observar, ainda não construídos pelos
caminhoneiros. A realidade encontrada aponta para a necessidade de uma melhor
organização dos caminhoneiros, entendendo que negociar com a outra parte significa
ser reconhecido como interlocutores válidos:
Não eles não fazem nada sozinhos. Os programas foram criados por
profissionais de saúde, UNIVALI, Secretária de Saúde, ONGs. Eles não fazem
nada por si. Não vejo. O caminhoneiro é muito envolvido com o próprio
trabalho. E o sindicato aqui dentro do porto pouco se vê (EIC- O1 Sexo F
Idade 57 ANOS -2007).
145
Não vejo nenhum movimento sindical no porto. Eles só são organizados para a
festa de São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas. Organizam passeata,
comilança, mas em termos de saúde, direitos humanos e qualidade de vida, a
categoria não faz nada (EIC- O1 Prof.Saúde-Sexo F -Idade 57 Anos- 2007).
Implica em terem visibilidade, solidez e poder. Afinal, exemplificando a
situação do Porto de Itajaí, tudo entra e sai do porto de caminhão, logo a dependência
dos patrões é incontestável. Em relação aos caminhoneiros, sentimos que para que
uma iniciativa de incidência política seja bem conduzida existem questões internas no
grupo que necessitam ser resolvidas, a começar por eleger uma liderança. Isso posto, é
necessário realizar um diagnóstico da capacidade organizacional para advocacy,
identificando as competências organizacionais bem como as fortalezas e debilidade
institucionais para essa ação, e como essas podem contribuir ou dificultar o trabalho de
incidência política (LIBARDONI, 1999). Perguntando aos caminhoneiros sobre a
organização da categoria:
(...) Ele não consegue barganhar com o patrão. Mesmo se ele for o dono do
caminhão, ele trabalha para alguma empresa (EIC 06 Prof.Saúde Sexo
F.Idade 50 Anos- 2007).
Já o trabalho com profissionais do sexo, tem nos ensinado que as outras pessoas
com as quais temos que lidar neste tipo de processo, não são inimigas, são apenas
pessoas que estão em outro lugar, que atuam a partir de uma posição diferente.
Negociar, pois, implica em sermos reconhecidos pela outra parte como interlocutores
válidos, implica em visibilidade, solidez e poder. Os grupos sem poder não podem
relacionar-se diretamente com a elite política. A fonte de poder está na quantidade de
pessoas envolvidas no processo, na capacidade de mobilização para a ação, na
quantidade e qualidade de documentação sobre o tema e a capacidade de fazer bom
uso dessa informação; os recursos financeiros são desejáveis, além de possibilidade de
manter-se ao longo do tempo persistindo. Nesses termos, estamos construindo a
chance de um diálogo real, com uma lógica de diálogo pautada na autonomia.
146
Temos consciência que, seguindo diferentes estratégias de advocacy na prática
política da organização, estamos gradualmente obtendo bons resultados. Os registros
da Observação e Mapeamento 02 oferecem uma visão da mobilização e ação com a
respectiva avaliação do impacto obtido. Como também se pode observar, a presença da
mídia é fator preponderante em termos de fortalecimento do grupo, como podemos
constatar nos depoimentos seguintes:
Estiveram presentes na inauguração da nova sede da APROSVI em 24-11-
2006: O Sr.Secretário da Saúde, Vice Prefeito e quatro membros do Conselho
de Saúde de Balneário Camboriú, a Coordenadora Estadual de aids mais uma
representante do programa, no ato representando a Secretária Nacional de
Justiça (Órgão Financiador do Projeto “ Centro de Referências em Direitos
Humanos”, Presidente do Grupo GLS de Bal. Camboriú, representante do
Deputado em cujo gabinete ventilou-se a possibilidade do projeto do Centro
de Referência, todo o grupo da ONG Centro de Direitos Humanos de Itajaí-
CDHI, nossos parceiros no desenvolvimento do projeto Atelier da Cidadania,
Equipe de acadêmicos da UNIVALI, nossos parceiros em Marketing e
Divulgação (fizeram toda a divulgação do evento, e no momento nos auxiliam
na produção de um vídeo Institucional para a promoção da APROSVI), vários
profissionais do sexo liderado por sua presidente, além da equipe de apoio da
APROSVI totalizando 75 pessoas. A ausência da coordenadora municipal de
aids, sem justificativa ou envio de representante, tornou notória a oposição ao
trabalho da Associação (OM-02 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 Anos).
As pessoas presentes no dia da inauguração da nova sede são praticamente os
responsáveis pelas políticas públicas de saúde de uma região, a Associação dos
Municípios do Vale do Itajaí (AMFRI):
(....) o “clima” durante a inauguração da nova sede) foi o mais agradável
possível. Percebia-se a perplexidade dos membros do Conselho de saúde (a
quem tanto reivindicamos) sobre como a nossa persistência tinha surtido
resultados positivos. Perguntavam se os equipamentos eram nossos, se
tínhamos dívidas, elogiavam o espaço físico e sua localização geográfica. O
presidente do conselho prontificou-se a nos ensinar como pedir isenção do
IPTU. O secretário de Saúde disse que “precisamos sim auxiliar a APROSVI,
pelo importante trabalho que realiza pela saúde pública do município e
região” (OM-02 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 Anos)
A perplexidade demonstrada por membros do Conselho de Saúde frente á
inserção da associação em nivel Estadual e Regional nos leva a refletir sobre a
147
necessidade de divulgar mais as ações da associação, bem como promover troca de
informações entre outras organizações, é o velho ditado: quem não é visto não é
lembrado:
A parceria com a secretaria Estadual de saúde também foi reforçada, falamos
da programação para a aids em 2007, onde a APROSVI trabalha como
parceira da secretaria Estadual no planejamento das ações para o Estado de
SC, inclusive na programação de eventos/treinamentos. Durante o a
inauguração da nova sede, o pano de fundo foi o vídeo gravado na TV Justiça
que divulga os trabalhos da APROSVI. As protagonistas desse vídeo são sua
presidente e dois membros da equipe de apoio (EIC- O1 Prof. Saúde Sexo F -
Idade 57 Anos- 2007).
Ao contrário do observado entre as profissionais do sexo, os caminhoneiros são,
provavelmente pela pressão do tempo (metas a cumprir em curto espaço de tempo),
mais acomodados em relação ás más condições de trabalho. Apontam os problemas,
reclamam, porém não exercem os direitos de cidadania que, nos dizeres de Sánchez
(2004), como todos os direitos pessoais ou subjetivos, só existem realmente quando
são exercidos. Quando perguntados sobre a organização da categoria e a garantia dos
próprios direitos:
Eles não se preocupam com nada. Esperam ficar bem doentes para procurar
serviços de saúde. Eles só se preocupam em ganhar dinheiro, o caminhão,
ganhar dinheiro para a família. Qualidade de vida nenhuma (EIC- O1 Prof.
Saúde Sexo F -Idade 57 Anos- 2007)
Toda classe de caminhoneiros esta preparada para reivindicar salário, é com
isso que eles se preocupam, ganhar mais, mais, comprar outro caminhão,
sustentar a família, mas nunca se preocupam com a saúde, com a classe, isso
é genérico. E aqui em Itajaí, no Porto, não é diferente, é o que eu vejo (EIC-
O5 Sexo M. Idade 45 Anos-2007)
Para Portella(2001), o trabalho, é concebido como veículo da libertação. A
essência dessa concepção é a de que só o trabalho redime. O resultado tem sido o
agravamento da crise social e o surgimento de grupos marginalizados gradualmente
apartados do restante da sociedade.Diante disso, o que se obtém são tensões sociais,
degradação social e o empobrecimento da população, expressos, sobretudo, pela
148
exclusão social - privação de voz reconhecida na esfera pública, acarretando a erosão
da Cidadania “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos”
(ONU, 1948 –DIREITOS HUMANOS, artigo 1º).
Os caminhoneiros daqui (...) são escravos da receita federal que libera a
carga para sair ou entrar no porto. Esse é o problema que não foi resolvido
ainda. Não tem ninguém acima da receita federal que continua soberana na
vida deles (EIC- O1 Prof. Saúde Sexo F -Idade 57 Anos- 2007).
O resultado tem sido o agravamento da crise social e o surgimento de grupos
marginalizados gradualmente apartados do restante da sociedade:
Infelizmente, os caminhoneiros não têm conscientização,(...) eles não sabem
que têm direitos assegurados, a briga é ferrenha entre o avulso e a
transportadora. É uma concorrência desleal entre o cooperativado e o avulso.
A transportadora tem mercadoria assegurada. O avulso não tem, corre todos
os riscos sozinho (EIC- O5 Sexo M. Idade 45 Anos-2007)
Há uma nova felicidade que precisa ser construída, e isso acontecerá quando se
desencantar o conceito de trabalho e tomar-se uma decisão muito séria, que é nessa
virada de século, mudar o mundo. E só se muda o mundo, se houver a mudança na
compreensão que se tem a respeito do significado do trabalho para o homem, enquanto
ser humano. Ao falar-se em mudança de mundo, sugere-se na realidade, a mudança em
torno das relações sociais entre os homens, sobretudo no processo trabalho/pro-
dução/consumo, alertando para uma redistribuição mais igualitária do lucro
(PORTELLA, 2001). As lideranças necessitam ser preparadas para ajudar o
caminhoneiro a entender seu processo de trabalho, a buscar soluções, para a categoria
profissional, melhoria na qualidade de vida, acesso igualitário a serviços de saúde,
acesso a serviços de educação em saúde (prevenção), oportunidades para freqüentar
escolas, mais lazer, senão vejamos:
Ele foi muito enfático no seu posicionamento,(...) Não adianta....,“O
motorista não altera o caráter”. Eu sou filho de um caminhoneiro, vivo isso
em casa. Por mais que a mídia tenha divulgação, eles não querem adquirir
conhecimento, fazer mudanças (...) (OM-04 Sexo M Idade 23 Anos – 2007).
149
Quando a vulnerabilidade aumenta conforme à chance de exposição das
pessoas, como resultante de um conjunto de aspectos que ainda que se refiram
imediatamente ao indivíduo, o recoloca na perspectiva da dupla-face, ou seja, o
indivíduo e sua relação com o coletivo:
Isso, esse trabalho não vai diminuir a contaminação do caminhoneiro. Não
tem explicação porque ele não usa camisinha, não tem explicação, (...) nós
agora só fazemos trabalhos pontuais (SEST/SENAT). Dia 1º de dezembro, em
parceria com a UNIVALI e Secretaria Municipal de Saúde, eles dão os
preservativos. Em 23 de setembro, dia do caminhoneiros, - Transporte e
Cidadania outro dia de campanhas. (...) OM-04 Sexo M Idade 23 Anos –
2007).
No caso dos caminhoneiros, o contexto do trabalho é também um lócus de
vulnerabilidade, o que pode acarretar maior suscetibilidade à infecção e ao
adoecimento e, desse modo, os trabalhos de prevenção necessitam ser contínuos, e o
acesso aos preservativos deveria ser facilitado:
(...) em Sta Catarina o SEST tem atendimentos em Florianópolis, Itajaí,
Concórdia, Criciúma e Lages e estão sendo abertas agencias em Criciúma e
Chapecó. - O s caminhoneiros têm baixa escolaridade, adoram se fazer de
vítimas, a própria sociedade fechou a porta pra eles. Eles acreditam em
chavões: caminhão parado é prejuízo. Até me admiro que no dia 23 de
setembro nós fizemos 209 atendimentos, entre todas as especialidades:
médico, dentista, serviço de nutrição, teste pra diabetes, de visão. Não
sabemos como conscientizar os caminhoneiros. (...) Pode olhar ali embaixo,
se convidar aquele pessoal que olha TV e convida pra fazer um curso, eles
não querem nada, caminhoneiro é acomodado (OM-04 Sexo M Idade 23
Anos – 2007).
A participação aqui tem o sentido de tomar parte na gestão do coletivo, pois
quando uma pessoa, uma associação cidadã realiza atividades para o desenvolvimento
do seu próprio projeto, ela está participando da gestão pública, está intervindo
indiretamente na vida de sua cidade. Verificamos, também, na situação específica do
SEST/SENAT, que parceria existe para realização apenas de campanhas pontuais não
vão ajudar a mudar a realidade dos caminhoneiros. Em relação à Unidade do
SEST/SENAT de Itajaí, a alta rotatividade de seus gerentes, nem todos comprometidos
150
com a causa dos caminhoneiros,tem prejudicado o avanço do trabalho. Uma infra-
estrutura desse porte, na área geográfica mais privilegiada para o acesso dos
caminhões, próximo ao trevo de acesso à Itajaí, (posto de combustível, borracheiro,
amplo estacionamento, hotel, loja de auto-peças para caminhões, loja de conveniência,
boutique masculina, banheiros confortáveis, restaurante, salão de jogos, telefones
públicos). É preciso uma retomada da parceria para o desenvolvimento de trabalho
contínuo, envolvendo também os coletivos de borracheiros, frentistas, lanchonetes,
lojas de conveniências, farmácias e demais profissões correlacionadas ao
caminhoneiro.
Se os sindicatos, por meio de seus representantes, reivindicassem número de
horas trabalhadas por cada 24 horas, acesso a serviços públicos de saúde, que
deveriam ser disponibilizados em locais de fácil acesso por que não ao longo das
rodovias, a exemplo das unidades do SEST/SENAT ?. E que essas unidades de saúde,
por sua vez, fossem disponibilizadas em todo o país a distâncias que pudessem ser
percorridas com no máximo oito horas de viagem de caminhão, ou a distâncias
estabelecidas. A saúde desse segmento populacional poderia, assim, estar assegurada
e, como conseqüência, também suas parcerias sexuais, pensando aqui na prevenção
DST e ISTs. Poderiam ser desenvolvidos programas para controle de doenças crônico
degenerativas que acometem grande parcela dessa população, como também propostas
dirigidas ao alcoolismo, à redução de danos, à violência, ao tráfico de menores, dentre
outras a serem implantados, conforme necessidades regionais. Em Itajaí, ficou
estabelecido uma unidade sanitária próxima a rota de acesso à cidade para atendimento
de caminhoneiros:
O local para atendimento aos caminhoneiros - essa policlínica foi escolhida
pela facilidade de acesso do caminhão. Os problemas mais simples são
resolvidos no ambulatório do porto. Hipertensão, mas a prevenção da
hipertensão teria que ser melhor trabalhada para ver ser realmente tratam.
Tem gente que toma baldes de água e come montanhas de comida (EIC- O1
Prof. de Saúde - Sexo F Idade 57 ANOS -2007)
Compromissos com a busca por padrões mais elevados de justiça social nos
levam à busca de soluções adequadas a cada contexto, combinando, por um lado,
151
políticas privadas e públicas que promovam o crescimento econômico sustentado, pois
são elas que podem impedir que a massa de excluídos aumente e, com ela cresça
também a pressão para que uma proporção cada vez maior dos orçamentos públicos
tenha de ser destinados para evitar que segmentos expressivos da população vivam em
condições precárias de existência; e por outro, políticas sociais universais combinadas
com intervenções públicas de garantia de direitos básicos de proteção a setores
vulneráveis, ou excluídos:
Se toda empresa trabalhasse educação em saúde, nossos dados
epidemiológicos seriam outros (EIC- O1 Prof. Saúde Sexo F Idade 57 ANOS -
2007)
Tem um caminhoneiro que cada vez que vem ao porto vem fazer o teste de
HIV, ele está sempre em janela. Daí a importância do trabalho continuo.
Água mole em pedra dura tanto bate ate que fura (EIC- O1 Prof. Saúde Sexo
F Idade 57 ANOS -2007).
(...) a propósito, toda e qualquer campanha eles nos ajudam, são os
caminhoneiros que montam barracas, fazem bandeirinhas, escrevem
mensagens. Até contra o fumo, de cigarro na boca eles escrevem que o fumo
faz mal a saúde, que o fumo dá câncer, Fazer o quê ? quando eu passo por
eles, jogam o cigarro fora....risos....... (EIC- O1 Prof. Saúde Sexo F Idade 57
ANOS -2007).
Os dilemas e desafios aumentam em uma escala diretamente proporcional ao
número dos que dependem direta e imediatamente da atenção da administração pública
e da disponibilidade de recursos financeiros, humanos e político-institucionais:
Acho que fazemos a nossa parte (no Porto de Itajaí), mas não o suficiente. As
empresas e sindicatos deveriam fazer a sua parte, isso é lei trabalhista como a
norma nº 7, norma trabalhista, portaria 3.214/78, por exemplo (EIC- O5 Sexo
M. Idade 45 Anos-2007)
Devido à falta de fiscalização, assistência medica periódica não é feita, e ao
mesmo tempo falta de conscientização das próprias empresas (...) não fazem e
o caminhoneiro precisa trabalhar e fica quieto, trabalha (EIC- O5 Sexo M.
Idade 45 Anos-2007).
A vulnerabilidade é vivenciada pelos caminhoneiros, tanto pelos autônomos que
correm contra o tempo porque (“tempo é dinheiro”) e custeiam tudo - desde o
152
caminhão muitas vezes comprado em intermináveis prestações, à manutenção do
veículo, da família além da própria permanência fora de casa – como os caminhoneiros
com vínculo empregatício, que “deveriam ter assegurada sua seguridade” mas que
correm contra o tempo para propiciarem maior lucratividade à empresa:
No porto, no ambulatório ele é atendido para diabetes, hipertensão, e é
atendido na hora, ele sabe disso é divulgado pela equipe de prevenção, o
pessoal que atende no container (EIC-O5 Sexo M. Idade 45 Anos-2007).
Sim diariamente, trabalha de segunda a sábado. E domingo tem corporação
de bombeiros que também faz atendimento de urgências. Aí não têm o
ambulatório, só urgências a partir de sábado à tarde (EIC- O5 Sexo M. Idade
45 Anos-2007).
A atual administração municipal tem contribuído sobremaneira para o trabalho
de prevenção e assistência da população portuária. O container da prevenção como é
chamado o local de parada da equipe móvel de saúde, fica no trajeto obrigatório dos
caminhões para carga e descarga. Apesar do ambiente ser apertado (é um container
transformado em sala) é aconchegante, tem ar condicionado, e os caminhoneiros
sentem-se valorizados junto a equipe de saúde. Esse trabalho trata-se de um
investimento na produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos
caminhoneiros e os sujeitos profissionais de saúde, que constituem os sistemas de
saúde e dele usufruem:
Em media 30 caminhoneiros passam pelo container dia.No porto tem 600 a
700 caminhões dia, inclusive mais, dependendo do movimento dos navios.Mas
no corpo a corpo, fora do container, atendemos muitos mais, vamos
distribuindo preservativos, conversando tirando dúvidas, encaminhando
quando necessário. A demanda para atendimento dentro do container é
espontânea eu acho um bom número/dia (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade
57 ANOS -2007).
Aqui no Porto é feita toda a parte educativa, orientação, distribuímos
material, podem pegar até 9 (nove) preservativos dia, e tem quem pegue. A
secretaria de saúde de Itajaí fornece todos os insumos. O porto e a secretaria
é quem pagam esse trabalho (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 ANOS -
2007).
Aqui no Porto também temos um trabalho chamado de escola aberta. Vamos
as escolas aos sábados fazer oficinas sobre vários assuntos de saúde.
Inclusive DST/aids. É maravilhoso, chama-se Porto Saudável o projeto, tanto
os alunos como os nossos multiplicadores reconhecem a importância do
153
trabalho. E estamos trabalhando também filhos de caminhoneiros e de
portuários, que fazem parte dessa população atendida nas escolas. A
prefeitura de Itajaí está sim fazendo um bom trabalho de prevenção com os
portuários e caminhoneiros (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 ANOS -
2007).
Brevemente, essa equipe receberá um local novo que está sendo construído
especificamente para esse fim. Percebi orgulho da equipe em prestar esse tipo de
serviço - todos sem exceção, do diretor do Programa de Saúde Ambiental- Porto
Saudável, da equipe do container da prevenção, liderados pela enfermeira, aos
enfermeiros e demais técnicos do ambulatório:
Os funcionários são acadêmicos da UNIVALI, de vários cursos; são pagos
pelo porto, a quantia de 450.00 reais. São contratados, além disso recebem a
metade da mensalidade do curso que estão fazendo, pago pela prefeitura. Eu
tenho os melhores funcionários. Com esse salário posso escolher bem, graças
a Deus. Aqui também fizemos o teste para HIV com pré e pós aconselhamento.
Esse paciente aí na sala ao lado está “em janela”. Cada vez que vem a Itajaí
faz o teste de HIV. Não adianta dizer que só fazer o teste não adianta, ele vive
em janela (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade 57 ANOS -2007).
O nosso trabalho Ambulatorial, faz verificação de pressão arterial, glicemia,
um trabalho de prevenção as dst/aids, com distribuição de preservativos,
folders educativos e oficinas. Tem um trabalho contínuo de educação
continuada em saúde; por exemplo essa semana estamos vacinando contra
sarampo. Aqui é área alfandegada. Precisamos cuidar da saúde de quem
anda por aqui. Caminhoneiros, funcionários, estivadores até a população em
geral que passe por aqui. Isso é a lei e temos que cumprir. Observação:
aproveitei para me vacinar contra sarampo nesse dia (EIC- O5 Sexo M. Idade
45 Anos-2007).
Nós gastamos 3.300 Preservativos mês e até mais, se acontecer no período
alguma campanha que atenda a população em geral. Aqui dispomos dos três
tamanhos existentes, não temos problema de quantidade. Pediu recebe,
sempre acompanhado de ação educativa (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade
57 ANOS -2007).
A distribuição orientada de preservativos, na quantidade desejada pelo usuário,
a exemplo do que é feito no porto de Itajaí, é uma medida acertada na política de
prevenção a esse segmento populacional, e deveria ser implantada por outros serviços.
Para Veiga e Carneiro (2005), no âmbito das iniciativas políticas de proteção
154
social, o Brasil, teve mudanças importantes a partir de meados da década de 90.
Todavia a partir de 2004, ocorre à implantação da política mais ambiciosa, a legislação
decorrente da Constituição de 1988. Pressionado por movimentos sociais, são
introduzidas inovações importantes na gestão (criação de regras de pactuação e de
distribuição de recursos e de competências entre os entes federados); no aumento da
porosidade e da responsabilização da administração pública através da
institucionalização de mecanismos de participação e de controle societal
(envolvimento de representantes da sociedade civil organizada e dos prestadores de
serviços nos conselhos gestores de políticas sociais); na ampliação das possibilidades
de parcerias para oferta de serviços públicos e na descentralização de recursos e de
competências, ampliando a importância da atuação das administrações públicas
municipais. No entanto, como estudos sobre políticas específicas têm demonstrado,
não se trata de um movimento linear, regular e homogêneo. O processo é conflitivo,
pois afeta interesses estabelecidos e a viabilização dos avanços depende fortemente da
capacidade de negociação dos atores envolvidos (governo central, administrações
subnacionais, partidos políticos, movimentos sociais, corporações profissionais,
movimentos sociais, prestadores de serviços, dentre outros). E é aqui que notamos uma
diferença gritante entre os dois segmentos populacionais, caminhoneiros e
profissionais do sexo. Enquanto os caminhoneiros se submetem ao sistema, elas
fundam sua associação e lutam por respeito, direitos e acesso a serviços de saúde:
Os prof. do sexo são organizados, a APROSVI de Balneário Camboriú, ela
teve um momento de desorganização pegaram muito trabalho e não
conseguiram dar continuidade. Mas agora mudou tudo, ela se reorganizou
para funcionar. Ela cuida do Vale do Itajaí, como problemas de ponto de rua,
a APROSVI resolveu, em Itajaí também resolveu. Agora esta funcionando de
novo (EIC- O4 Prof. Saúde- Sexo F Idade 28 Anos-2007).
De caminhoneiro eu não tenho nem idéia. As profissionais a gente trabalha,
mas elas mesmas não correm muito atrás. Mas ficam contentes quando a
gente vai até elas. Mas agora já procuram as consultas sozinhas. Antes era
a gente que fazia isso (EIC- O3 Prof.Saúde-Sexo Fem. Idade 31 Anos -2007).
Eu só noto preocupação em trabalhar mais e ganhar mais. Eles hoje são
máquinas, são preparados só para trabalhar (EIC- O5 Sexo M. Idade 45
Anos-2007).
155
A luta da associação, que mais do que nunca trabalha para construir uma rede
social articulada, permite pensar a própria APROSVI como uma rede de humanização
permanente de laços de cidadania. Trata-se de olhar cada sujeito em sua
especificidade, sua história de vida, mas também olhá-lo como sujeito de um coletivo
da história de muitas vidas. Através de um conjunto de ações planejadas, a Associação
procura abrir canais de interlocução com instâncias de poder, e, para que isso aconteça
é necessário que a própria organização seja forte, tenha objetivos claros dentro da
missão que almeja alcançar. É nesse ponto indissociável que a Associação se define
aumentando o grau de co-responsabilidade dos diferentes atores que constituem a
APROSVI:
Eu conheço desde que ela foi fundada, mas não participava (GFPS-PSexo 04
Sexo F Idade 28 Anos- 2007)
Eu desde o início, quando começou o Projeto Bem Me Quer (GFPS-PSexo 06
Sexo F Idade 28 anos-2007)
Claro que sei, ajudei desde a fundação, eu sempre participo e venho nos
eventos, assembléias, até já fui em outros Estados pra representar a
associação. (...) é muito bom... olha, acho que é muito bom e com essas
conquistas a nosso favor a profissão ganha, eu ganho, toda profissional do
sexo ganha né! Ai agente ia ser uma verdadeira profissão, hoje a gente só tem
deveres, nada de direitos como trabalhadores, né! Ia poder colocar bem
grande na minha carteira: profissional do sexo, Oh glória! (EPS-05 Sexo M-
Idade 30 Anos- 2007).
No que tange a busca pelos direitos, faz-se necessário destacar o papel essencial
da APROSVI, tanto de sua coordenação como das parcerias realizadas e trabalhos
desenvolvidos em outros municípios da região; de real protagonismo no
estabelecimento de políticas públicas, notadamente no campo da saúde e da prevenção
de aids:
Um grande avanço, principalmente eu que sou gaúcha, no meu estado eu
nunca ouvi falar que existisse uma associação que defendesse a mulher, só
ouvi falar que defendiam travestis, mas não as mulheres. Fiquei muito feliz
porque assim a gente não se sente sozinha, tu podes trocar idéias, uma
aprende com a outra, cada uma tem sua experiência pessoal, tem seu modo de
ver as coisas e juntas acho que podemos aprender e fazer muita coisa.
(GFPS01-PS02- Sexo F- Idade 37 Anos – 2007)
Eu acho que isso é importante. Na Europa isso é uma profissão registrada,
156
com aposentadoria, tem vários direitos que nós não temos. Eu acho que seria
muito bom para gente ter direitos iguais as outras pessoa (GFPS-PSexo 02 –
Sexo F- Idade 37 Anos- 2007).
Comigo particularmente ela (PS 01) me explicou sobre a carteirinha, sobre os
benefícios que a carteirinha poderia me trazer, como quando formos
abordadas pelos policiais, os preservativos que eu teria nos dias que ela
distribui e que nunca deixa faltar, sobre o gel lubrificante que eu achei uma
ótima idéia e que é necessário, e ainda todas as informações sobre saúde.
(GFPS-PS05- Sexo F Idade 34 Anos -2007)
É notório também o reconhecimento e engajamento dos profissionais do sexo
em sua associação.A multiplicidade de iniciativas que vêm sendo empreendidas pelos
profissionais do sexo e sua organização demonstra que pessoas comuns, em sua
interação quotidiana com outros na comunidade e na sociedade, são capazes de
desenvolver modelos de conduta ditados, não pelo interesse ou mero sentido de
obediência a regras externas, mas sim decorrentes de suas convicções pessoais:
Acabei de me associar, e vou contribuir na melhoria da Associação, porque é
uma grande realização termos esse centro aqui em Balneário Camboriú, e
direcionada às Profissionais do Sexo. (...) Fazer mais eventos e realização de
seminários e capacitações seria uma boa (EPS-06 Sexo M Idade 28 anos-
2007).
É uma grande realização... eu achei o máximo saber que tem um lugar onde
você possa recorrer e ser bem atendida, saber que é da nossa classe, então, é
muito bom. Estou maravilhada com isso (EPS 03 Sexo F Idade-18 Anos-
2007).
A perspectiva de transitoriedade da profissão também é um fator importante a
ser considerado quando se trabalha com profissionais do sexo. É necessário destacar
que, nos município da região vemos a ausência total de políticas públicas voltadas para
este segmento populacional e falhas importantes no atendimento aos direitos das
trabalhadoras noturnas em geral por exemplo, creches noturnas, salas de supletivo no
período da tarde, entre outros. Sendo migrante, situação em que se encontra a maioria
dos profissionais do sexo que têm participado da APROSVI, há dificuldades adicionais
de acesso a informações vitais e à serviços. Um pré-requisito para a inclusão social é o
157
reconhecimento e implementação dos direitos de migrantes e trabalhadores do sexo.
Para tanto, faz-se necessário que os profissionais do sexo coloquem na agenda dos
municípios suas especificidades e necessidades, num modelo ético e de humanização,
onde o trabalho sexual seja reconhecido como escolha, os profissionais do sexo como
seres humanos, e os seus direitos, universais, não sejam violados:
(...) será extremamente positivo, pois no momento pago INSS como autônoma,
mas seria ótimo poder ter todos os meus direitos e ser reconhecida como uma
profissional do sexo. (EPS- Sexo M-02 Idade 22 Anos 2007)
(...) assim estamos vencendo uma grande luta que já vem de muitos e muitos
anos, e que só assim a gente coloca na cabeça do povo que somos todos iguais
(EPS-06. Sexo M Idade-28 Anos-2007).
Meu futuro, eu to pensando. Tanto, que eu to guardando dinheiro para
comprar a minha casinha e daqui um ano e meio eu já vou fazer minha
faculdade e pretendo sair dessa vida, fazer um cursinho para trabalhar em
alguma coisa. Não sei que curso, sei lá, designer, história, não sei ainda, tem
que ver o que dá dinheiro e não só o que eu goste (EPS 01- Sexo F Idade 30
Anos – 2007).
Após essas falas queremos resgatar a análise da Pesquisa “Avaliação da
efetividade das ações de prevenção dirigidas às profissionais do sexo, em três regiões
brasileiras” (Brasil, 2003 p.66-67). Comparando os trabalhos de prevenção nas três
regiões estudadas, Itajaí (Bem Me Quer) é citado como já apresentando avanços na
questão de auto-organização, mas que na época não apresentou nas falas dos sujeitos
de pesquisa posicionamentos que as diferenciassem das mulheres de outros sítios, no
tocante a questões como identidade, associatividade, cidadania e direitos.
Inferimos que os avanços ora encontrados são frutos de um trabalho
ininterrupto e que entre um estudo e outro transcorreram quatro anos, tempo que vem
ajudando a fazer a diferença nos resultados ora obtidos. A APROSVI, através de sua
diretoria e membros mais atuantes, vem desenvolvendo a capacidade de mobilizar os
integrantes do grupo, dos aliados, bem como o público em geral, em ações de
promoção e defesa. Dentre as muitas atividades de mobilização estão os trabalhos de
incidência política como: reuniões com os tomadores de decisão e pessoas que têm
influência sobre os mesmos, entrevistas e conferências à imprensa e outros eventos de
158
mídia, audiências públicas nas casas legislativas, pesquisas de opinião, pesquisa-ação,
atividades de conscientização, sessões de accoutability com agentes institucionais,
registro eleitoral e educação dos eleitores, lobbyng, ações de litígio, informes políticos
e, acima de tudo, registrando sempre que possível suas ações através da mídia,
seguindo rigorosamente a cartilha do Advocacy, de Libardoni (1999) e ASICAL
(2005).
5.5 Considerações acerca dos serviços de saúde
Se quisermos avançar em termos de democracia participativa, devemos
reconhecer que muitas organizações sociais, dentre elas os serviços de saúde, são
pouco democráticas em seu funcionamento e em suas práticas. Nesse sentido, “a
participação da cidadania consistiria, por meio da ação coletiva, em se tornar
protagonista, para intervir ativamente e ter a capacidade de exercer influência no
desenvolvimento das políticas públicas, assim como nos processos sociais e políticos
nos quais está presente” (SÁNCHES 2004, p.32). Para este autor a participação cidadã
não tem progredido muito na definição, elaboração e execução das políticas públicas,
bem como nos processos sociais e políticos nos quais está presente. Quando falamos
da democratização do acesso aos serviços básicos, estamos pressupondo desigualdade
entre os participantes. Nesse sentido queremos destacar algumas falas e considerações
sobre
elas:
Os caminhoneiros não têm acesso a serviços de saúde por indisponibilidade
deles. Porque os serviços teriam como absorvê-los. Existe uma divergência na
disponibilidade dos profissionais de saúde (OM 03 Prof. de Saúde Sexo F-
Idade 46 Anos -2007).
Não, porque as cidades se preocupam com a situação dos moradores, não
com quem vem de fora. Ele procura os, atendimentos de urgência. Então ele
não resolve nunca o problema, ele trata os sintomas (
EIC- O5 Sexo M Idade-45
anos-2007).
Valla e Stotz (1996, p. 120) denominam essa postura de “dominação
159
ideológica”, - achar natural que os populares “corram atrás” dos seus direitos, pois
uma coisa é saber objetivamente que a organização e a mobilização dos trabalhadores
são necessárias numa sociedade como a brasileira, e outra coisa é achar que tal
procedimento é “natural”. O processo de construção dessa imagem de classe
trabalhadora, que certamente é um processo inconsciente para a maioria dos técnicos
que desenvolvem suas atividades profissionais nos serviços públicos, resulta numa
colaboração com uma política do governo que faz com que a força de trabalho seja
reproduzida a baixíssimo custo. Some-se a estes problemas a alta rotatividade dos
funcionários e a falta de comprometimento com a resolutividade dos problemas e
levanta-se outro fator predisponente de cronicidade dos agravos à saúde e diagnósticos
tardios em casos de DST/Aids e outras doenças infecciosas.
A crescente compreensão das interligações entre a questão da saúde do
trabalhador e a relacionada ao meio ambiente, recoloca o debate clássico sobre a
determinação do processo saúde e doença. O que observamos ainda, é o despreparo
dos profissionais de saúde para avaliarem as necessidades da clientela atendida nos
locais onde prestam assistência:
Temos a Policlínica do (...) que é a nossa referência, resultado da pesquisa de
2004, porém a contra referência não está funcionando, nunca sabemos se
foram atendidos, como foi o atendimento (EIC- O1 Prof.Saúde Sexo F Idade
57 ANOS -2007).
Na minha cidade eu vou no posto de saúde, mas se eu tiver pressa em outra
cidade, sei que vou pagar particular (ECAM-05 Sexo M Idade -30 Anos-
2007).
(...) a média de atendimentos é de três a quatro caminhoneiros/dia,
geralmente são de fora, querem consultar no dia, praticamente na hora que
chegam, e têm como queixas: Dores de cabeça, pressão alta, braço dormente,
vômito, dores no peito. Os funcionários procuram encaixá-los o mais rápido
possível, muitas vezes são eles que ocupam as vagas de emergência do serviço
(OM PSexo 01 Sexo F Idade 40 Anos – 2007).
Preocupados em atender a demanda dos serviços, os profissionais de saúde não
estão treinados para o acolhimento, e, a resolutividade de clientelas específicas:
Os serviços não estão preparados. Precisa ter mais abertura para esses
pobres homens. Eu aqui faço educação. Mas se ficam mal, tenho que mandar
para o hospital. Um paciente grave, outro dia, medicamos no ambulatório,
160
estava com a pressão altíssima mesmo assim, depois de medicado seguiu
viagem, fazer o que ? Ele não podia esperar até ser atendido por ele. (EIC-
O1 Prof. de Saúde - Sexo F Idade 57 ANOS -2007).
Não,os trabalhos não são suficientes(...)enquanto existirem portadores de
HIV, precisa ser trabalhado. A meu ver deveriam existir mais parcerias, mais
lugares desenvolvendo esse trabalho. Não são suficientes, enquanto tiver HIV
positivo temos que fazer mais e mais, agora por exemplo em Balneário
Camboriú estamos trabalhando com a terceira idade. (EIC- O1 Prof. de
Saúde - Sexo F Idade 57 ANOS -2007).
A grande maioria dos participantes refere-se à falta de qualidade e à
inacessibilidade nos serviços de saúde públicos; e na nossa região referem-se também
aos serviços oferecidos pelo SEST/SENAT que não atendem às necessidades
específicas dos caminhoneiros como, por exemplo, funcionar aos sábados e domingos
e mais tempo de atendimento em horário de descanso do caminhoneiro. No cotidiano
dos serviços de saúde, observa-se confronto entre os profissionais que atuam ou
deveriam atuar com o mesmo objetivo.
Na pesquisa de 2004, o SEST/SENAT prestava um serviço de saúde
considerado bom pela maioria dos entrevistados, assunto já explorado no capítulo da
vulnerabilidade. O que analisamos agora são as opiniões de profissionais de saúde
acerca das necessidades para melhoria da qualidade desses serviços, melhor dizendo
para atingirmos a integralidade da assistência à saúde das populações móveis:
Quanto ao Porto, é a melhor equipe, eles é que estão preparados para
trabalhar em parceria com o SEST/SENAT, mas não dá. Teria que aumentar a
equipe. Enxergo que as equipes devem se mesclar, todas as equipes precisam
dominar tudo. Os profissionais de saúde não têm visão global. A gente não
sentou para discutir como estamos fazendo agora (EIC-06-Prof.Saúde-Sexo F
Idade 50 Anos -2007).
Acho que não, muita coisa tem que ser revista e organizada. Eu vejo que pra
começar os profissionais de saúde precisariam de uma humanização. Eles
barram gente do município, que dirá quem vem de fora; o profissional não
está preparado para estar atendendo essa clientela flutuante. (EIC 04- Sexo
F 28 Anos-2007).
Eu acho que o caminhoneiro precisaria ser atingido fora do porto. Nos não
temos pernas. O estado, o município, precisa ter parcerias para enfrentar esse
problema. Alguém precisa financiar, ou investir nessa prevenção tão
necessária. Não adianta ir uma vez por ano na Br 101. Precisa distribuir
preservativos de forma fácil em postos de gasolina, bares, Lojas de
161
conveniências (EIC- O1 Prof. de Saúde - Sexo F Idade 57 ANOS -2007).
Comparando as duas populações quanto à dificuldade de acesso a serviços de
saúde, se para o caminhoneiro é difícil estacionar em frente às unidades de saúde ou os
serviços de saúde são distantes de suas rotas, os profissionais do sexo lutam com outra
dificuldade, o preconceito:
Acho que os profissionais de saúde têm dificuldade em atender pessoas de
comportamento não aceitos socialmente (EIC-06- Prof. de Saúde- Sexo
F.Idade 50 Anos).
Como eu já disse, tem muito profissional de saúde que devia voltar pra
faculdade ou fazer pelo menos um curso de aperfeiçoamento em direitos
humanos, pra ver se aprendem a tratar a nós travestis e aos profissionais do
sexo com respeito, mas respeito mesmo, não só por obrigação. Você sente
quando alguém é legal ou é falso. Seria muito bom que nos respeitassem
mesmo. Somos iguais a todo mundo, queremos só respeito. (EPS- 04 Sexo M
Idade- 25 Anos- 2007).
O estigma, a populações de maior vulnerabilidade embora velado ainda é uma
barreira nos serviços de saúde. Líderes comunitários e profissionais de saúde podem
ajudar a diminuir o estigma da homofobia, evitando práticas discriminatórias. A
mobilização da comunidade e o envolvimento de grupos mais estigmatizados como
profissionais do sexo podem também ser importantes:amos
nos reunir ainda para discutirmos sobre, entre outros, este
assunto.
Para mim foi bom, mas às vezes tem umas recepcionistas no balcão que ás
vezes estão de mau humor, deveriam ser mais educadas né! (EPS-05 Sexo M
Idade 30 Anos- 2007).
Olha, as travestis tem reclamação. Tem uma que foi no CIS e ela não foi
atendida porque ela não tinha doença “ah, você só vai ser atendida se você
tiver gonorréia”, daí ela voltou no outro dia e falou que tinha gonorréia.
Então você vai ser atendida agora. Ela já foi discriminada ali no CIS (EPS
01-3 Sexo F Idade 30 Anos -2007).
Saúde pública (SUS), normal como outra pessoa qualquer, óbvio que existe o
preconceito das pessoas que estão de fora, e não de quem trabalha na rede
publica (EPS-06 Sexo M Idade 28 Anos – 2007).
162
É preciso registrar o fato de que o grupo que se está denominando de
profissionais do sexo não é homogêneo, mas
inclui um conjunto de segmentos com
características, culturas, necessidades e linguagens diferentes, que as ações de saúde
deverão reconhecer e contemplar. Mesmo o grupo de mulheres profissionais do sexo
possui cultura, linguagem e necessidades diferentes, segundo suas diferentes origens
regionais e sociais. Além disso, o estigma e a discriminação conferem uma certa
invisibilidade à essa população, para os serviços de saúde e as estatísticas (BRASIL,
2002).
De qualquer forma, ela precisa ser
melhor identificada e quantificada, tanto para
permitir dimensionar o esforço de intervenção necessário como para avaliar seus
resultados Embora em nossa região esses anos de militância política, de árduo trabalho
de campo, já tenham atenuado o problema, as opiniões sobre os serviços não mentem:
Olha, já foi pior, agora está melhor, mas ainda poderia melhorar. Ah, a gente
tem que chegar lá e não só porque é profissional do sexo eles ficarem
olhando torto, porque eles tem pré-conceito, muito pré-conceito. (EPS 01
Sexo F Idade 30 Anos- 2007)
Sempre vai existir o desdém e o preconceito, já fui varias vezes humilhada por
causa disso, tipo não me deixar entrar e fazer consulta e não me dar à vez,
essas coisas que ainda existe em nosso país e também fora, mas acho que
agora já deu uma melhorada, assim eu espero. (EPS 03 Sexo F Idade18 Anos-
2007)
Elas nos olham como se fossemos um lixo, um monstro e não sabem que
somos todos filhos de DEUS, independente do que fizemos ou somos. (EPS-06
Sexo M Idade 28 Anos – 2007)
Então, como não tenho plano particular, eu recorro ao SUS, acordo cedo
pra poder marcar consulta e espero o tempo que for pra ser atendida, não
posso querer mais do que isso, é o que meu orçamento e condições pessoais
me dão. (EPS-03 Sexo F Idade 18 Anos 2007)
De certa forma, este estado de coisas nos ajuda a entender a relação da
população com os serviços públicos, em especial os da saúde. “Esta relação é
marcadamente caracterizada pela solicitação e concessão de favores, esvaziando esse
espaço de todo e qualquer sentido de direito conquistado pelo pagamento de impostos
e tributos diversos” (BRASIL 2002 p. 76). Tanto por parte do usuário quanto do
163
servidor impera a noção de gratuidade dos serviços prestados, produzindo uma eterna
dívida social a ser paga pela sujeição do indivíduo. No final das contas, agradecemos,
servilmente, quando nossas demandas são atendidas; e calmos, humilhados quando
estas nos são negadas. As falas acima, nada mais são do que a confirmação dos
autores.
VI UMA SÍNTESE FINAL – REAFIRMAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
Essa pesquisa objetivou analisar a relação entre vulnerabilidade e protagonismo
a partir da experiência de profissionais do sexo e caminhoneiros frente a aids. O estudo
preocupou-se também em mostrar a interface existente entre profissionais do sexo e
caminhoneiros na produção da vulnerabilidade à aids.
De modo geral, os sujeitos reconheceram o risco do “sexo desprotegido” na
vulnerabilidade ao HIV/aids e afirmaram que é preciso ter “cuidado”. No entanto, os
discursos demonstraram que esta população não costuma usar o preservativo.
Configura-se um alto fator de vulnerabilidade entre as profissionais do sexo e
caminhoneiros a relação com os parceiros, uma vez que a ampla maioria não utiliza
preservativo com os parceiros fixos. Dentre os entraves para o seu uso estão o
incômodo provocado no homem e na mulher, o amor, a paixão, a crença de que a
relação sexual não é tida como perigosa quando se tem parceiro(a) fixo(a), cuja
responsabilidade de se proteger é sempre do “outro”. No caso dos caminhoneiros, a
responsabilidade por “ter” o preservativo é dos profissionais do sexo. Uma minoria
dos participantes ainda refere que a adoção do sexo desprotegido é também
influenciada pela percepção de que determinados clientes sexuais “parecem” estar
saudáveis, são bonitos e não aparentam ter nenhuma infecção sexualmente
transmissível. É um aspecto fundamental e deve continuar a ser tratado
ininterruptamente nas estratégias preventivas já implementadas e/ou a serem
implantadas com essa população.
Em função desses resultados, é necessário em termos
de estratégia de prevenção para HIV/DST/aids que se amplie os locais de acesso e
disponibilização dos preservativos, a divulgação dos locais que já distribuem, os locais
onde os preservativos podem ser retirados gratuitamente, horários, ao longo das
principais rodovias e nos postos de paradas e rodoviários mais freqüentados, para num
segundo momento se estender a todos os postos e casas de prostituição no entorno, e
facilitar ao máximo para que os preservativos estejam acessíveis para essa população.
165
Também precisa ser revista a “quota” de preservativos a ser distribuída gratuitamente,
afinal se estamos falando de prevenção, temos que prevenir sempre e, em estratégia
epidemiológica, essa economia (de preservativos) acaba saindo muito cara em termos
de antiretrovirais e demais medicamentos para doenças oportunistas, sem falar no caos
social causado por ocorrências de transmissão vertical, da perda prematura de vidas
humanas e dos órfãos da AIDS.
Fatores como uso de álcool e uso de outras drogas aparecem como importantes
no não-uso da camisinha, assim como o fato de não estar à mão, custar caro – e a ainda
pequena divulgação local dos serviços que disponibilizam gratuitamente os
preservativos.
O estudo também identificou e descreveu experiências de protagonis-
mo/advocacy em construção por profissionais do sexo e caminhoneiros em relação à
aids.
Acompanhando esses dois segmentos sociais há quase vinte anos, observo que
através da APROSVI, as profissionais do sexo deram um salto quali/quantitativo na
extensão dos direitos sociais adquiridos, que estão se estendendo pela região do Vale
do Itajaí, contrastando com os caminhoneiros, que sofrem limitações até mesmo no
que se refere à atuação dos sindicatos em prol da categoria; ou seja, trata-se de
conseguir a extensão dos direitos sociais a toda a coletividade, de modo que a
reprodução da força de trabalho seja realizada em nível visto como adequado pelo
conjunto da sociedade.
Os dados da pesquisa atual demonstram existir um padrão de consenso entre a
grande maioria dos entrevistados: caminhoneiros participantes de grupos focais, e
entrevistas individuais, informantes chave, bem como das observações/mapeamentos,
em relação à reivindicação da categoria para melhorias das condições de acesso aos
serviços de saúde e mesmo sobre o processo de trabalho, situações que os induzem a
apresentarem problemas de saúde.
A epidemia de HIV e Aids é a maior epidemia de toda a história da humanidade
e, frente a este imenso desafio, não há lugar para a inércia ou a indiferença. A
constatação de que muito já foi conseguido deve sim servir de estímulo a que muito
mais seja feito, na direção de um mundo em que o sofrimento possa ser minorado e os
166
hiatos entre os que dispõem de recursos e os que nada têm possam ser superados, em
prol do direito de todos a uma vida digna. Os resultados obtidos abrem espaço a novas
reflexões, discussões e futuras avaliações do processo de elaboração das políticas de
saúde dos municípios da região do Vale do Itajaí, que possibilitem sua real
implementação e consolidação, enquanto instrumento de gestão. Como os assuntos
focados nesse estudo foram primordialmente local/condição de trabalho, acesso a
serviços de saúde, gênero e saúde, procuramos averiguar se houve avanços/retrocessos
em relação as recomendações de estudos anteriores, principalmente estudo RARE
(2004) e, verificamos a necessidade de insistir em recomendações já reconhecidas,
uma vez que nosso intuito é diminuir as vulnerabilidades a que continuam expostas
essas duas populações.
Finalizamos este estudo com um convite à diversidade de atores e sujeitos
comprometidos com a saúde de populações excluídas, para que compartilhem dessa
experiência e, juntos estabeleçamos alianças e propostas estratégicas para enfrentar o
desafio de proporcionar melhorias no acesso a serviços de saúde e diminuição das
vulnerabilidades das populações ora estudadas. O estudo atual reforçou a evidência de
que os caminhoneiros, em seus principais locais de parada em Itajaí, não são
contemplados adequadamente em número de horas/atendimento à saúde e que os
profissionais de saúde não avaliam a dimensão das dificuldades encontradas para o
acesso aos serviços ou para a resolutividade dos problemas de saúde. Além disso,
ficou claro que os serviços de saúde existentes trabalham de forma dissociada e que
isto, por si só, já é um elemento que não favorece a ampliação do potencial de
respostas destes serviços.
Os profissionais de saúde do porto encaminham caminhoneiros para a unidade
de referência, mas não recebem a contra referência. Os tomadores de decisão em
políticas públicas têm consciência do problema, todavia, por múltiplos afazeres, não
promovem encontros entre os diversos serviços que prestam assistência a essas
populações, a fim de que, em conjunto, planejem políticas públicas adequadas; que
acolham e promovam saúde. Enfim, políticas que respondam às reivindicações e
necessidades manifestas pelas próprias populações móveis, de modo a,
gradativamente, diminuir os índices de contaminação ao HIV/Aids, demais doenças
167
infecciosas e agravos à saúde em geral.
Os caminhoneiros estão sem liderança que seja reconhecida como tal, uma vez
que, seus sindicatos são vistos como fiéis à classe patronal. Os profissionais do sexo na
região estão organizados através da APROSVI, que luta pelo próprio reconhecimento e
afirmação, envolvendo um bom número de atores sociais além dos próprios
profissionais do sexo. Já existe um grupo de profissionais do sexo integrado e atuante
em ações de protagonismo/advocacy na região do Vale do Itajaí e, porque não dizer,
no Estado de Santa Catarina. O empoderamento pressupõe, como condição inicial, a
quebra do isolamento social e, para esse fim, nada mais eficaz que a participação de
populações vulneráveis nos movimentos organizados ou até mesmo nas organizações
mais pragmáticas, que buscam o bem-estar (tais como promoção da saúde, saneamento
e educação). Foi isso que vi acontecer com a APROSVI.
É notório o estigma/discriminação ainda sofrido pelo segmento social
profissionais do sexo, manifestado tanto pela população em geral, como entre os
profissionais de saúde. Porém, o acesso a serviços de saúde pelos profissionais do sexo
está melhor do que para os caminhoneiros.
Os dados obtidos, a exemplo da pesquisa RARE (2004) confirmam que o uso de
camisinha, embora relatado como freqüente e consistente, na prática ainda se
configura como elemento distante da prática sexual cotidiana. Recomenda-se que
sejam realizadas campanhas de conscientização para os profissionais do sexo,
enfantizando-se o uso correto, a necessidade de uso incondicional e a possibilidade de
empoderamento – para que consigam negociar o uso com os clientes, sem sofrerem as
conseqüências da violência, muitas vezes percebida como inerente. Recomenda-se que
este trabalho seja continuado, com articulações com os serviços de aconselhamento
dos postos de saúde e programas de DST/Aids, tanto de serviços públicos como
particulares. O uso do rebites, continua e é admitido pelos caminhoneiros e
empresários do setor de transportes com uma “certa naturalidade”, pois caminhoneiros
precisam cumprir entregas em determinado espaço de tempo. Recomenda-se deflagrar
uma campanha massiva de esclarecimento incluindo: - o uso de rebite, isolado ou com
outras drogas, e suas possíveis seqüelas - envolvendo parceria entre Saúde Mental,
Secretaria Nacional Anti_Drogas (SENAD), Polícia Rodoviária e o SEST/SENAT; -
168
fiscalização das Transportadoras e suas práticas de incentivo ao uso do rebite, ou
indiretamente por não cumprirem as jornadas de trabalho com o máximo de horas
dia/caminhoneiro; - fiscalização nas estradas (barreiras em locais incertos, em dias
alternados) visando a impedir motoristas dirigirem alcoolizados/drogados, utilizando o
teste anti-dopping, além do teste com bafômetro; - o incentivo ao cuidado integral com
a saúde por parte do caminhoneiro: alimentação lazer, férias, equilíbrio entre horas
trabalhadas e horas de descanso precisa ser trabalhado pelas próprias transportadoras e,
em serviços de prevenção ao longo das rodovias e locais de paradas de caminhoneiros.
Quanto aos serviços e profissionais de saúde recomenda-se aprimorar, nos
postos de saúde, a articulação com os serviços de DST/AIDS para aconselhamento e
assistência, nos casos necessários. Trabalhar as questões da imunização para hepatites
e febre amarela, para todos e, em especial, para os soropositivos para HIV. Ainda é
importante insistir nas estratégias de incentivo ao uso constante de preservativos, nas
relações conjugais e extraconjugais, e também especificar o importante papel dos
preservativos na prevenção às DST/AIDS, e não apenas como anticoncepcional.
Parcerias entre serviços públicos de saúde, centros formadores de profissionais
de saúde, ONGs e demais segmentos da sociedade civil precisam ser estimuladas a
acontecer. Essas participações cidadãs, por meio de ações coletivas que promovam o
protagonismo entre as populações vulneráveis, podem exercer influência no
desenvolvimento das políticas públicas de saúde. Como enfermeira atuante na
educação e em serviços públicos de saúde é com pesar que vejo a falta de
envolvimento das pessoas em suas comunidades de pertencimento. Vejo também que
se desejamos que os sujeitos de pesquisa sejam protagonistas/atores sociais,
precisamos exercitar a responsabilidade na construção de identidade e autonomia, com
comprometimento nos processos de discussão, decisão, projeto e execução de
estratégias e práticas para dar soluções concretas a problemas concretos, como nos
incita SÁNCHEZ (2004). E concluimos com a tese inicial dizendo que: há uma relação
entre a vulnerabilidade e a Aids e problemas de empoderamento, sendo que
populações de caminhoneiros e profissionais do sexo possuem uma importante
interface na produção da vulnerabilidade à aids, e esta vulnerabilidade “interage” a
potenciais de protagonismo/advocacy desenvolvidos em experiências concretas por
169
estas populações.
DATAS DAS DEVOLUTIVAS DA PESQUISA:
APROSVI - 17/05/2007
Secretaria de Saúde de Itajaí- setembro de 2007(data a confirmar)
Secretaria de Saúde de Balneário Camboriú- 24/05/2007
Porto de Itajaí- setembro (data a confirmar)
SEST/SENAT – 09/08/2007
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APÊNDICES
APÊNDICE 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIENCIAS DA SAUDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
CAMPUS UNIVERSITARIO- TRINDADE—FLORIANÓPOLIS s/n
CEP: 88.040.970- Florianópolis –SC- Brasil
Telefones: (048) 33194 80- 3319399
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O projeto de pesquisa intitulado: Da vulnerabilidade ao protagonismo:
Profissionais do Sexo e Caminhoneiros frente a AIDS, será realizado pela Pesquisadora
Evely Marlene Pereira Koller com o apoio da Faculdade de Enfermagem da Universidade
do Vale do Itajaí- UNIVALI, e sob orientação da Prof
a
.Dr
a
. Flávia Regina Souza Ramos da
Universidade Federal de Santa Catarina / UFSC.
O projeto de pesquisa tem como objetivo principal: Analisar a relação entre
vulnerabilidade e protagonismo a partir da experiência de profissionais do sexo e
caminhoneiros frente a AIDS
Os procedimentos que serão usados serão:
1. Atualização do Geo-Mapeamento
2. Observações de campo
3. Entrevistas com informantes-chave e Entrevistas em profundidade
4. Grupos Focais
A pesquisa não oferecerá risco à saúde da/o trabalhadora/r, pois implica somente
em observação de práticas, discursos e narrativas. Esta observação durante o processo de
trabalho ou nos intervalos do trabalho de ambas as categorias estudadas será feita com a
máxima discrição possível e será respeitada a vontade da/o trabalhadora/or em participar
da pesquisa através da narrativa de suas experiências.
Os resultados da pesquisa terão benefícios indiretos aos sujeitos da pesquisa e são
previstos:
. Discutir o conceito de vulnerabilidade em relação a AIDS em populações móveis
(caminhoneiros e Profissionais do sexo) na região do Vale do Itajaí
Analisar a interface entre profissionais do sexo e caminhoneiros na produção da
vulnerabilidade a AIDS
Identificar e descrever experiências de protagonismo/advocacy em construção por
profissionais do sexo e caminhoneiros em relação a AIDS
Eu.................................................................................................................................................,
fui informado dos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios desta pesquisa, conforme
descritos acima. Entendo que terei garantia de confidencialidade, ou seja, que apenas dados
consolidados serão divulgados e ninguém além dos pesquisadores terá acesso aos nomes dos
participantes desta pesquisa e instituições envolvidas. Entendo também, que tenho direito a
receber informações adicionais sobre o estudo a qualquer momento, mantendo contato com o
pesquisador principal. Fui informado ainda, que a minha participação é voluntária e que, se eu
184
preferir não participar ou deixar de participar deste estudo em qualquer momento, isso NÃO
me acarretará qualquer tipo de penalidade.
Compreendendo tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento,
concordo em participar do mesmo.
__________________________________ ______________________________
Assinatura da/o participante Assinatura da pesquisadora principal
Data (Cidade/dia mês e ano) __________________ de ______________ de 20___
Em caso de necessidade, contate com: Evely Marlene Pereira Koller
Rua Uruguai, 1330 Telefone (47) 344.19.83
88.302.202 Itajai-SC
APÊNDICE 2
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
GRUPO FOCAL – Profissionais do sexo- GFPS Sexo -Idade -2007
Parte 1. Questionário – Antes do Grupo Focal
1. Data da entrevista:
2. Cidade da Entrevista:
3. Local onde está sendo realizada a entrevista:
4. Entrevistador (a):
5. Formação dos profissionais:
6. Número de profissionais participantes:
2. Dados sócio-econômicos (anotar) de todos(as) participantes:
Idade:
Sexo:
Tempo de profissão ;
Escolaridade ;
Religião:
Quanto ganha ( aproximadamente por programa/mês)
Cidade e estado onde nasceu
Cidade e estado onde mora e trabalha
Estado civil :
Onde mora e com quem ?
Número de Filhos:
Parte 3: Roteiro de Entrevista em Profundidade ( gravada)
cotidiano, vida emocional, acesso a serviços de saúde, conhecimento sobre HIV/AIDS e
demais ISTs, comportamento sexual, interface com caminhoneiros, e, participação na
associação para lutar pelos próprios direitos.
1. Você é saudável ?Como faz para manter-se assim ( cuidados diários com alimentação,
sono, repouso, fumo, drogas, bebidas aolcoolicas.)
2. Quando adoece, a que serviço de saúde recorre? (plano, saúde pública ou outros)
3. Como você se previne de doenças sexualmente transmissíveis?
4.Você tem ou já teve alguma doença sexualmente transmissível? O que fez para tratá-la?
(farmácia, posto de saúde, amigas, etc.)
5.Você tem caminhoneiros como clientes? Fale desses relacionamentos...
ACESSO (QUALIDADE) A SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE
1. Para ser atendida na rede básica de saúde você utiliza algum artifício( via associação) ou
procede como qualquer cidadão ?
2. Como é, na sua opinião, o atendimento de saúde prestado ao profissional do sexo ?
3.Onde as PS pedem ajuda quando têm problemas de saúde?
4.Quando declara ser profissional do sexo, como é tratada pelos profissionais de saúde ?
5. Fale um pouco sobre o atendimento recebido em unidades públicas de saúde.
186
PARTICIPAÇÃO NA APROSVI / REIVINDICAÇÃO DE DIREITOS
1.Você sabia que o Ministério da Saúde já considera a prostituição como uma, das seiscentas
profissões reconhecidas hoje em nosso país? E que neste momento ,no congresso brasileiro
tramitam projetos de leis que visam , a legalização de direitos e deveres para o profissional
do sexo, como para qualquer outro cidadão profissional trabalhador deste país?
2.O que você acha de conquistas como estas? E o que elas podem mudar na sua vida?
3.Você conhece a APROSVI ? Sabe o que significa essa sigla?
4.O que representa para a categoria profissional uma associação representante da classe?
5.Que tipos de trabalho a Associação poderia realizar para melhorar o reconhecimento da
categoria profissional ?
6.Você é sócia/o? Há quanto tempo? Se não é, gostaria de associar-se?
7.Como pretende contribuir em prol da categoria ?
8.Quando precisa comprovar renda ou declarar profissão por algum motivo ( em lojas,
supermercados , escolas do filho) , como faz?
- Declara ser profissional do sexo?
- Declara ser profissional autônomo?
9.Sente-se ameaçada/o em algum momento de sua vida profissional ou pessoal, por ser
profisssional do sexo? Pelo quê ou por quem?
10.Como qualquer outro profissional deve planejar parar de trabalhar ( aposentar-se ) . Como
são seus planos?
11. Há qualquer outra coisa que você gostaria de falar comigo em relação ao que foi
perguntado aqui?
Obrigada pelo tempo e participação!
Parte 3. Diário de Campo:
Data:
Co
mo transcorreu O GRUPO FOCAL ?
Dificuldades encontradas:
Observações e fatos relevantes:
APÊNDICE 3
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
Entrevista em Profundidade – Profissionais do Sexo
EPS Sexo- Idade –Data-2007
Questionário antes da Entrevista em Profundidade
1. Data da entrevista___________________________________
2. Cidade da entrevista:_________________________________
3. Local /entrevista___________________________________________________________
Entrevistador_______________________________________________________________
Parte 1
- Dados sócio-econômicos
4. Idade _______________________
5. Tempo de profissão como caminhoneiro _______________________
6. Escolaridade ____________________________
7. Religião_________________________________
8. Quanto ganha ___________________________
9. É autônomo/empregado______________________________
10. Cidade e estado onde nasceu _____________________________
11. Cidade e estado onde mora ______________________________
12. Estado civil
( ) Vive maritalmente ou é casado
( ) Solteiro
( ) Separado
( ) Viúva/o
( ) Outros: _______________________
13. Com quem mora? ____________________________________
14. Número de Filhos ____________________________________
Parte 2 Parte Gravada
1. Cotidiano: O que é ser profissional do sexo para você?
Fale do seu dia a dia, tanto na sua casa como na vida profissional
Por que escolheu ser profissional do sexo? Sua família sabe dessa opção?, o
que acham? Além dessa atividade exerce alguma outra ?
2. Trabalha só ? se não com quem ?
3. Quem são seus clientes habituais? E os caminhoneiros fazem parte de sua clientela? È
fácil praticar sexo seguro com eles? Inclusive no sexo oral ?
4. Já foi agredido(a) no seu trabalho ou em algum outro lugar, ppor ser profissional do
sexo? Como era o agressor( quem era?) Alguém lhe socorreu?
Parte 2. Comportamentos relacionados à saúde
1. Você é saudável?
2. Como faz para manter-se assim?( cuidados diários com alimentação, sono, repouso,
fumo, drogas, bebidas alcoólicas)?
188
3. Quando adoece, recorre a serviços de saúde ?( plano de saúde, saúde pública outros?)
4. Como se previne de doenças sexualmente transmissível?
5. Você já teve alguma DST? O que fez para tratá-la?( farmácia, posto de saúde,
conselho de amigas/os)?
Parte 3. Acesso ( Qualidade) a Serviços de Saúde
1. Para ser atendido(a) na rede básica de saúde precisa usar algum artifício?( via
associação, ) ou procede como qualquer cidadão? Especificar bem no caso das travestis, para
detectar possíveis discriminações, ver se é fácil conseguir urologista na rede pública.
2. Como é , na sua opinião, o atendimento de saúde prestado aos profissionais do sexo?
3. Quando declara ser profissional do sexo, muda alguma coisa no tratamento dispensado
pelos profissionais de saúde?
4. Relate episódios acontecidos, e a cidade onde aconteceu.
PARTICIPAÇÃO NA APROSVI/REIVINDICAÇÃO DE DIREITOS
1. Você sabia que o Ministério da Saúde já considera a prostituição como uma das
seiscentas profissões reconhecidas hoje em nosso país? E, que nesse momento, no congresso
brasileiro, tramitam projetos de leis que visam , a legalização de direitos e deveres para o
profissional do sexo, como para qualquer outro cidadão profissional deste país ?
2. O que você acha de conquistas como essa?E o que elas podem mudar sua vida ?
3. Já ouviu falar na APROSVI? Sabe o que significa a sigla? ( nessa pergunta e nas três
seguintes procuro ver se entendem a necessidade de trabalhar protagonismo/advocacy)
4. O que representa para as /os profissionais do sexo uma associação que represente a
classe?
5. Você já se associou a APROSVI?Há quanto tempo? Se não gostaria de associar-se?
6. Como acha que pode contribuir em prol da categoria?
7. Quando precisa comprovar renda ou declarar a profissão por algum motivo ( lojas,
bancos, escolas) como faz?
8. Declara ser profissional do sexo ?
9. Declara ser autônomo?
10. Sente-se ameaçado(a) em algum momento da sua vida profissional ou pessoal, por ser
profissional do sexo? Pelo que ou por quem ?
11. Como qualquer outro profissional deve planejar parar de trabalhar algum dia(
aposentar-se). Como são seus planos?
12. Há alguma coisa que gostaria de falar , que não foi oportunizado através das perguntas
?
Obrigada pela sua Participação
Parte 4 Diário de Campo:
Data:
Grupo estudado:
Como transcorreu a entrevista:
Dificuldades encontradas:
Obvservações e achados relevantes: Anotar se surgiram dados novos, ou dados foram
confirmados e o que direcionar melhor na próxima entrevista.
APÊNDICE 4
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
Grupos Focais – Caminhoneiros – GFCAM- Sexo Idade- 2007
Parte 1. Dados sobre o grupo focal ( anotar antes do início do funcionamento do grupo )
Cidade: Horário: Início Término
Local:
Data:
Número de Integrantes:
Nome do/a moderadora do grupo:
Nome do/a observador/a do grupo:
Nome do/a recrutador/a:
2. Dados sócio-econômicos (anotar)
Idade dos caminhoneiros; Especificar quantos e as respectivas idades de cada um .
Sexo dos caminhoneiros
Tempo de profissão como caminhoneiro:
Escolaridade :
Religião:
Salário: :
Cidade e estado onde nasceu
Cidade e estado onde mora : Estado civil :
Com quem mora
Número de filhos :
Parte 3. Entrevista Qualitativa ( gravar e anotar)
1. História da vida Profissional:
1. Fale das vantagens e desvantagens de sua profissão? Por que escolheu a
profissão, facilidades ou dificuldades para exerce-la. É automo/empregado?Que tipo de carga
transporta?
2. Em média quanto tempo demora suas viagens?
3. Costuma tirar algum tempo de férias?
4. Poderiam falar sobre o que fazem além de transportar, enquanto estão fora de casa
(quando estão nas paradas)?
5. E a carga? Quanto tempo leva para ser liberada carregar/descarregar?
6. E o descanso como é? Tem gente que fica esperando a liberação ou vai dormir no
caminhão, procura dormir, descansar? Ou pratica alguma outra atividade?
7. Quem avisa vocês que está na hora de sair?
8. Todo mundo aqui é empregado ou , tem proprietário de caminhão ?Qual o tempo médio
entre o carregamento do caminhão e a entrega da carga?Qual o tempo médio de descanso
(sono) que você tem durante este período?
190
9. Quantas horas você costuma dirigir por dia?Você já teve algum acidente de trânsito?Viaja
em geral sozinho ou acompanhado? Como você faz quando está com sono e tem que
continuar dirigindo? (Costuma usar algo para manter-se acordado/uso de rebite).
10. Que tipos de diversão costumam ter fora de casa? Fale um pouco sobre o uso de bebidas
alcoólicas (cerveja, cachaça, quantidade, uso nas paradas, etc).
2. Saúde/Vulnerabilidades
1. Qual a maior preocupação do caminhoneiro em relação à saúde?
2. Quem tem alguma doença crônica , que precisa de controle ? ( pressão alta?, diabetes?)
Têm um médico que lhe trata? Onde costuma consultar? Em que horários? Marca consulta
com quem? E fora de sua cidade como os serviços funcionam ? Como os conhecimentos
adquiridos através destes serviços são incorporados no seu dia-a-dia?
3. Você tem ou já teve alguma DST? Quantas vezes no último ano, o que faz para trata-la –
farmácia, posto de saúde, amigo, etc.). Fale-nos sobre o teste para HIV/AIDS. (Alguém já foi
testado? Quer falar sobre esta experiência?).
4. Ao fazer o teste alguém lhe deu alguma orientação antes e depois de fazer o teste?Se não
se testou. Quais as razões para não ter feito o teste? Por que? Dê sugestões como melhorar os
serviços prestados aos caminhoneiros? (saúde/prevenção).Vivências em relação ao programa
de saúde. Pode falar do que vocês conhecem .
5. Conte-nos o que sabem sobre testes para HIV/AIDS?Algum de vocês já fez o teste? Fale o
que sabe sobre DST/HIV/AIDS? (o que você já ouviu falar delas, como se pega, como se
previne, como se trata).
6. Fale sobre os riscos que os caminhoneiros têm de pegar doenças sexualmente
transmissíveis (DST) e HIV/AIDS?Quando o senhor teve a sua doença o senhor tratou
onde?Que tipo de dificuldade e constrangimento você sente ao procurar o serviço de saúde
para tratar DST?
SAÚDE/ SEXUALIDADE/ VULNERABILIDADES:
9 1. Como é na sua opinião o serviço de saúde (ou de atendimento) prestado aos
caminhoneiros? Aqui em Itajaí principalmente. Fale como você utiliza estes serviços.
9 2. Fale um pouco sobre o uso de bebidas alcoólicas (cerveja, cachaça, quantidade, uso nas
paradas, etc).
9 3.Vocês acham que o uso de rebite interfere no desempenho sexual?
9 4.Como é a relação dos caminhoneiros com as profissionais do sexo?
9 5. Em geral o caminhoneiro costuma transar com muitos parceiros ? Quais os motivos que
levam o caminhoneiro a procurar parceiros sexuais durante suas paradas?
9 6.Elas se protegem? E o caminhoneiro?Como e onde acontecem estes encontros?
9 7. Nessas saídas também costumam acontecer encontros com travestis?
9 Em que situações você acha que o caminhoneiro corre algum risco de pegar alguma
doença sexualmente transmissível?
9 8.Como acontecem as transas durante uma viagem?( Nas paradas, em casas de
prostituição?) Qual a opinião de vocês sobre o uso de preservativo (masculino e feminino)?
9 9.Em que situações fica mais difícil usá-los?
9 Onde vocês obtêm os preservativos?Vocês sabem onde obtê-los gratuitamente? Fora aqui
do Porto ??( Do Santa Rosa ?)
191
Protagonismo/Advovacy
1. O QUE O CAMINHONEIRO, O Sindicato dos caminhoneiros faz pela categoria? Em
termos de horários, descanso, férias, usar ou não rebites??
2. Alguém aqui pertence a algum sindicato ? Porque sim/não?
3. Alguém deseja falar livremente sobre esses assuntos ??
9 Há qualquer outra coisa que vocês queiram falar conosco, até sobre assuntos que não
aboredamos aqui ???
9 Diário de Campo:
Data: Cidade :
Grupo Estudado : Como transcorreu a entrevista ? Dificuldades encontradas ? Observações e
fatos relevantes?
APÊNDICE 5
FRENTE A AIDS
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
OBSERVAÇÃO E MAPEAMENTO
OM- 2007
Data da Observação: Cidade:
Horário:
Feita Por:
1. Croquis do local Observado com legenda
2. Observações Principais
- HORÁRIOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS PARA OBSERVAÇÃO E COLETA
DE DADOS
3. Descrição do que foi observado com o máximo de detalhamento possível
4. Principais dados confirmados
5. Dados Novos
6. Implicações para o desenvolvimento da Pesquisa
APÊNDICE 6
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
Entrevista em Profundidade – Caminhoneiros ECAM Sexo Idade - 2007
Parte 1. Questionário – Antes da entrevista
Data da entrevista:
Cidade da Entrevista:
Local onde está sendo realizada a entrevista:
Entrevistador (a):
Formação do profissional:
2. Dados sócio-econômicos (anotar):
Idade:
Sexo:
Tempo de profissão ;
Escolaridade ;
Religião:
Quanto ganha ( aproximadamente /mês)
Cidade e estado onde nasceu
Cidade e estado onde mora e trabalha
Estado civil :
Onde mora e com quem ?
Número de Filhos ?
De quanto em quanto tempo vê sua família?
Que tipo de carga transporta?
Quantas horas costuma dirigir por dia?
Em média quanto tempo demora em suas viagens?
Já teve algum acidente de transito?
De quanto em quanto tempo vem a esse Porto?
Viaja em geral sozinho ou acompanhado ?
Parte 2. Parte Qualitativa:
Mobilidade da População/Vulnerabilidade
1. Fale das vantagens e desvantagens da profissão
2. O que você costuma fazer nas paradas ? O que fazem, como ocupa o tempo de espera
ocioso, locais de diversão próximos.
3. Como faz caso precise solucionar um problema de saúde durante a viagem?
4. Fale sobre o uso de bebidas alcoólicas, uso nas paradas, quantidade.
5. Como você faz quando tem que continuar dirigindo?
6. Costuma usar algo para manter-se acordado – uso do rebite
194
Parte 3. Acesso a serviços de saúde
1. Que cuidados tem com a saúde. Tem alguma dificuldade ao procurar serviços de saúde?
2. Costuma fazer exames regularmente? Tem alguma doença crônica, como se trata, na sua
opinião como me o serviço prestado ao caminhoneiro?
3. Onde e com quem adquire mkedicamentos?
4. Como se recupera do cansaço das viagens e do stress?
5. Como costuma alimentar-se
6. 6. Como é a relação com profissionais do sexo? Fale sobre os riscos que caminhoneiros
tem de pegar doenças sexualmente transmissíveis HIV e Aids?
7. Em geral, no período de um mês com quantas parceira sexuais você transa?( se forem
poucas perguntar nos últimos 6 meses,ou no último ano
8. Fale sobre suas preferências sexuais
9. Que fatores estão ligados a procura de parceiros sexuais? Tempo de viagem, assedio das
prof. Do sexo?
10. Para você como é usar preservativo ? Sabe onde obtê-los gratuitamente?
11. Em que situação fica difícil usar preservativo?Uso de bebidas alcoólicas? Outras drogas,
tipo de parceria, sexo oral, disponibilidade de preservativos.
12. Onde obtêm os preservativos ?
3. Experiências em Advocacy
1. E a categoria profissional está organizada?Preocupa-se em garantir os próprios direitos?
2. Identifica experiências de protagonismo/advocacy ( lutas da classe pela própria classe) em
construção por caminhoneiros em relação a profissão e demais direitos de cidadão?
Parte 4. Diário de Campo :
Data: Município
Como transcorreu a entrevista:
Dificuldades encontradas
Observações e fatos relevantes:
APÊNDICE 7
Instrumento de Coleta de Dados – SIGILOSO
Entrevista em Profundidade –Informantes Chave EIC Sexo Idade 2007
1.Discutir o conceito de vulnerabilidade em relação a aids em populações móveis(
caminhoneiros e profissionais do sexo)na região do Vale do |Itajaí.
2. Analisar a interface entre profissionais do sexo e caminhoneiros na produção da
vulnerabilidade a aids.
3.Identificar e descrever experiências de protagonismo/advocacy em construção por
profissionais do sexo e caminhoneiros em relação a aids.
Parte 1. Questionário – Antes da entrevista
Data da entrevista:
Cidade da Entrevista:
Local onde está sendo realizada a entrevista:
Entrevistador (a):
Formação do profissional:
2. Dados sócio-econômicos (anotar):
Idade:
Sexo:
Tempo de profissão ;
Escolaridade ;
Religião:
Quanto ganha ( aproximadamente /mês)
Estado civil :
Número de Filhos ?
Parte 3. Roteiro da entrevista em profundidade
1. Mobilidade da população
1. Poderia falar sobre populações móveis ( flutuantes) e de que forma deveriam ser atendidas
pessoas que não residem na cidade, por exemplo os caminhoneiros. Você acha que eles são
mais vulneráveis à aids e outras DST, comparando-se com a população em geral ?
2. Você tem idéia do volume dessas populações no município?
Parte 4. Experiências em Protagonismo/advocacy
1. E a categoria profissional está organizada ? Preocupam-se em garantir os próprios
direitos?
196
( adequar para caminhoneiros e profissionais do sexo conforme o caso, ou para os dois
segmentos)
2. Identifica experiências de protagonismo/advocacy em construção por caminhoneiros e
profissionais do sexo ( lutas da classe reivindicando direitos de cidadania em relação à saúde
em geral e prevenção a aids?
Parte 5. Acesso a serviços de saúde/prevenção as DST/aids
1. Na sua maneira de pensar, quais as necessidades de saúde de populações intinerantes que
se afastam de casa de 01 a 30 dias em média?
2. Na sua opinião os serviços de saúde estão preparados para atender esta população?
Unidades abertas no período noturno, finais de semana , funcionários treinados para acolher
populações móveis.
3.Na sua unidade/serviço/cidade costumam atender caminhoneiros/profissionais do sexo?
4Que tipo de doenças são mais comuns entre esta população?
6. As políticas de saúde de seu município estão preparadas para intervir nestas populações
flutuantes?
7. Conhece programs de intervenção às DST/aids para populações de maior vulnerabilidade,
aqui na região?
8. Poderia especificar quais, e onde funcionam?
9. Na sua opinião esses trabalhos são suficientes para a demanda da região?
10. O que observa ou conhece sobre a interface existente entre profissionais do sexo e
caminhoneiros?
11. Qual a sua percepção em relação ao uso de preservativos na prevenção das DST /aids ?
Parte 6. Diário de Campo
Data:
Município:
Serviço:
Como transcorreu a entrevista?
Dificuldades encontradas:
Observações e fatos relevantes:
ANEXOS
ANEXO 1
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVALI
ANEXO 2
Aprovação da APROSVI para utilização das dependêncais da Associação
para realização das entrevistas
ANEXO 3
Geomapeamento de Itajaí
ANEXO 4
Geomapeamento de Balneário Camboriú
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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