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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA
ANA CRISTINA DE CASTRO
CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
GESTÃO PÚBLICA E A REDE DE DIREITOS EM CURITIBA
CURITIBA
2007
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ANA CRISTINA DE CASTRO
CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
GESTÃO PÚBLICA E A REDE DE DIREITOS EM CURITIBA
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre, ao Curso de
Pós-Gradução em Gestão Urbana, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
Orientadora: Prof.
a
Dr.
a
Samira Kauchakje
Co-orientador: Prof. Dr. Denis Alcides Rezende
CURITIBA
2007
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C355c
2007
Castro, Ana Cristina de
Criança e adolescente em situação de violência doméstica: gestão pública
e a rede de direitos em Curitiba / Ana Cristina de Castro ; orientadora, Samira
Kauchakje ; co-orientador, Denis Alcides Rezende. – 2007.
171 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2007
Bibliografia: f. 148-164
1. Crianças - Maus-tratos. 2. Violência familiar. 3. Assistência a menores.
4. Estrutura social. I. Kauchakje, Samira. II. Rezende, Denis Alcides.
III. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação
em Gestão Urbana. IV. Título.
CDD 20. ed. - 362.76
362.732
ANA CRISTINA DE CASTRO
CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
GESTÃO PÚBLICA E A REDE DE DIREITOS EM CURITIBA
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre, ao Curso de
Pós-Gradução em Gestão Urbana, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Denis Alcides Rezende
Diretor do Programa – PUCPR
Prof.
a
Dr.
a
Samira Kauchakje
Orientadora PUCPR
Prof.
a
Dr.
a
Ilse Scherer-Warren
Membro Externo - UFSC
Prof.
a
Dr.
a
Maria Luíza Milani
Membro Externo – UFPR
Curitiba, 29 de agosto de 2007.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Klaus Frey, um agradecimento especial pelo incentivo ao ingresso no
Mestrado em Gestão Urbana.
Ao Prof. Dr. Denis Alcides Rezende, pela orientação, paciência nas discussões e
preciosas contribuições, apoio e ajuda nos momentos mais difíceis que travamos nessa
empreitada.
À Prof.
a
Dr.
a
Samira Kauchakje, pela orientação incansável, pela sua paciência
nas discussões, preciosas contribuições, pelo incentivo e apoio nos momentos mais
delicados, e pela confiança dispensada durante todo o caminho percorrido.
Aos professores Dr. Carlos Garcias e Dr. Fabio Duarte, pelo incentivo e apoio.
A todos os professores e alunos do Mestrado em Gestão Urbana (
PPGTU) da
Pontifica Universidade Católica do Paraná, pela troca de experiências e conhecimento. E a
secretária do Mestrado Tahise Negro Marques, pela atenção dispensada.
À minha mãe e irmãos, em especial à Claudia, companheira do Mestrado, sobrinhos;
Lucas, Matias, Guilherme e familiares, pelo incentivo e apoio.
Ao Nando, pelo carinho, amor e pelo incondicional apoio e incentivo.
Aos colegas Mario Procopiuck e Paulo Roberto Araújo Cruz Filho, pelo apoio e
pelas suas contribuições.
Em especial às amigas Maria Tereza Gonçalves e Elisamara Ribas Godoy, pelas
preciosas contribuições, Vera Lídia Alves de Oliveira, pelos apontamentos, Silvia Sganzerla,
Lucianna Kalluf e tantos outros, pelo incentivo e apoio nos momentos mais difíceis.
A todos os colegas do
IMAP – Instituto Municipal de Administração Pública, em
especial aos profissionais Dr. Homero Giacomini, Maria do Carmo Oliveira, Jucirê Matte
Scremin, Márcia Schlichting, Antônio Mello e Rosana Kanufre.
E à Coordenação Municipal da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em
Situação de Risco para Violência, na pessoa da Dr.
a
Hedi Muraro e sua equipe, Simone
Andrade e todas as Coordenadoras Regionais que, num gesto solidário, possibilitaram esta
pesquisa.
RESUMO
A violência doméstica talvez seja um dos fenômenos sociais mais complexos enfrentados
atualmente. Por ocorrer geralmente em espaços privados, pode ficar encoberto por
meses ou anos, até ser denunciado. No intuito de alterar essa circunstância é que
no Brasil o poder público e a sociedade civil têm viabilizado ações integradas para o
enfrentamento da violência doméstica. Em tese, crianças e adolescentes têm maior
contato com os setores e serviços públicos de saúde, educação e assistência social,
os quais podem ser concebidos como lugares de proteção, independente de sua
especificidade. Nesse contexto, a questão de pesquisa que se evidencia é: qual a
percepção que os atores-gestores da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente
em Situação de Risco para a Violência tem sobre redes sociais e gestão em rede?
Para responder a essa questão, delineou-se como objetivo geral analisar a Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência em
Curitiba sob a perspectiva da modalidade de Gestão em Rede, para identificar as
características e potencialidades dessa ação pública. Como estratégia metodológica
foram utilizadas as sugestões e contribuições do Método de Análise de Conteúdo de
Bardin para a sistematização e análise dos dados coletados na pesquisa. A análise
possibilitou observar que existe uma forte consciência de rede social dos atores-
gestores da Rede de Proteção, em virtude da característica "parceria entre atores"
que, tanto nos documentos pesquisados como nas entrevistas, apresentam-se como
a característica com a maior freqüência. E conforme as respostas do questionário,
100% dos atores-gestores consideram a Rede de Proteção uma rede social e já a
consideram consolidada. E na pesquisa de gestão em rede, em relação aos documentos,
constatou-se a importância dessa forma de modalidade de gestão, em decorrência
do tipo de demanda – violência doméstica contra crianças e adolescentes – sendo
necessária uma ação rápida com autonomia, cooperação e comunicação ampla e
eficiente. Isso evidencia a importância desse tipo de modalidade de gestão para tratar
de um fenômeno tão complexo.
Palavras-chave: Rede Social, Gestão em Rede, Violência Doméstica.
ABSTRACT
Domestic violence is perhaps one of the most complex social phenomena facing
nowadays. It usually occurs in private areas, can be hidden for months or years to be
denounced. In order to change this circumstance is that in Brazil the public power
and civil society has made possible actions integrated for the confrontation of
domestic violence. In thesis, children and adolescents have greater contact with the
sectors and public services of health, education and social assistance, which can be
designed as places of protection, regardless of its specification. In this context, the
issues of research show that is : what the perception that the actors-managers of the
Network Protection to the Child and the Adolescent in Situation of Risk for the
Violence has on social networks and network management? To answer this question
outlined as a general objective review the Network of the Child Protection and the
Adolescent in Situation of Risk for Violence in Curitiba under the perspective of the
modality of Network Management, with sights to identify the characteristics and
potential of this public action. As methodological strategy was used the suggestions
and contributions of the Method of Analysis of Content of Bardin for systematization
and analysis of data collected in the research.The analysis has observed that there is
a strong awareness of social network of actors-managers of the Network of
Protection, because of the characteristic 'partnership between actors' that both the
documents searched and in interviews, present as a feature with greater frequency.
And according to the responses of the questionnaire, 100% of actor-managers
consider the Network Protection one social network and already consolidated. And in
the search of managing a network, in relation to documents, noted the importance of
this kind of method of management, as a result of the kind of demand-domestic
violence against children and adolescents - it is necessary for rapid action with
autonomy, cooperation, wide communication and efficient. This highlights the
importance of this kind of modality of management to deal with such complex
phenomenon.
Key-words: Social Network, Network Management and Domestic Violence.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Mortalidade por Causas Externas de Crianças e Adolescentes
por Faixa Etária - 2002...................................................................... 56
Tabela 2 Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos
Documentos Pesquisados................................................................. 114
Tabela 3 Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos
Questionários .................................................................................... 123
Tabela 4 Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nas
Respostas da Coordenação Municipal e Coordenação Regional ..... 128
Tabela 5 Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência
nos Documentos Pesquisados.......................................................... 130
Tabela 6 Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência nos
Questionários..................................................................................... 137
Tabela 7 Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência
dos Questionários, perguntas 5 e 6, da Coordenação Municipal e
Coordenação Regional...................................................................... 141
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Síntese de Violência Sexual Doméstica Notificada ........................... 66
Quadro 2 Síntese de Violência Doméstica Notificada....................................... 71
Quadro 3 Dimensões da Prevenção da Violência............................................. 96
Quadro 4 Protocolo de Análise da Pesquisa – Rede Social.............................. 104
Quadro 5 Protocolo de Análise da Pesquisa – Gestão em Rede...................... 105
Quadro 6 Protocolo de Análise da Pesquisa – Violência Doméstica ................ 105
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Desenho da Pesquisa ....................................................................... 102
Gráfico 1 Notificações de VCCA segundo Serviço Notificador - Curitiba -
2004 .................................................................................................. 91
Gráfico 2 Percentual de Notificações de VCCA, segundo Serviço Notificador -
Curitiba - 2003-2005.......................................................................... 92
Gráfico 3 Notificações de VCCA segundo Serviço Notificador e Tipo de
Violência - Curitiba - 2004 ................................................................. 93
Gráfico 4 Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos
Documentos ...................................................................................... 114
Gráfico 5 Rede Social – Questionários/Pesquisados........................................ 124
Gráfico 6 Rede Social – Questionários Pesquisados – 9 Regionais e
Coordenação Municipal..................................................................... 129
Gráfico 7 Gestão em Rede – Documentos ....................................................... 131
Gráfico 8 Gestão em Rede – Questionários/Pesquisados................................ 137
Gráfico 9 Gestão em Rede – Questionário Pesquisados – Coordenação
Municipal e Coordenação Regional................................................... 142
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 11
1.1 PROBLEMA................................................................................................. 13
1.2 OBJETIVOS................................................................................................. 15
1.2.1 Objetivo geral......................................................................................... 15
1.2.2 Objetivos específicos............................................................................ 15
1.3 JUSTIFICATIVA........................................................................................... 15
1.4 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS................................................................. 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................... 18
2.1 GESTÃO DAS AÇÕES PÚBLICAS ............................................................. 18
2.1.1 Gestão pública e gestão urbana........................................................... 20
2.1.1.1 Modalidades de gestão pública ............................................................. 25
2.1.2 Gestão em rede...................................................................................... 29
2.1.2.1 Gestão em redes sociais ....................................................................... 39
2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RISCO PARA
VIOLÊNCIA.................................................................................................. 46
2.2.1 Violência contra a criança e o adolescente......................................... 48
2.2.1.1 Conceitos............................................................................................... 49
2.2.1.2 Tipos de violência.................................................................................. 52
2.2.1.3 Estatísticas ............................................................................................ 54
2.2.2 Violência familiar ................................................................................... 58
2.2.2.1 A família................................................................................................. 58
2.2.3 Violência doméstica .............................................................................. 60
2.2.3.1 Tipos de violência doméstica................................................................. 64
2.2.3.1.1 Violência sexual ................................................................................ 64
2.2.3.1.2 Violência física .................................................................................. 66
2.2.3.1.3 Violência psicológica......................................................................... 68
2.2.3.1.4 Negligência e abandono.................................................................... 68
2.2.4 Estatísticas............................................................................................. 70
2.3 REDE DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – NOVOS
SUJEITOS DE DIREITO.............................................................................. 71
2.3.1 A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para Violência.............................................................................. 81
2.3.2 Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para Violência em Curitiba......................................................... 87
3 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 99
3.1 MÉTODOS DA PESQUISA ......................................................................... 99
3.1.1 Justificativa do método......................................................................... 100
3.1.2 Abordagem do problema da pesquisa................................................. 100
3.2 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA...................................... 101
3.2.1 Desenho da pesquisa............................................................................ 101
3.2.2 Procedimentos da pesquisa ................................................................. 102
3.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS ............................................................ 107
3.3.1 Território da pesquisa e população do estudo ................................... 107
3.3.2 Levantamento de documentos............................................................. 108
3.3.3 Questionário .......................................................................................... 110
3.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE DE DADOS.................. 111
4 RESULTADOS E ANÁLISE .......................................................................... 113
4.1 REDE SOCIAL: DOCUMENTOS E QUESTIONÁRIOS............................... 113
4.1.1 Concepção sobre rede social apreendida nos documentos ............. 114
4.1.1.1 Manual de gestão em rede – documento 1 – rede social ...................... 117
4.1.1.2 Notificação Obrigatória da Violência ou Suspeita de Violência Contra
Crianças e Adolescentes: Construindo uma Rede de Proteção –
documento 2 – rede social..................................................................... 119
4.1.1.3 O que é a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em
Situação de Risco para a Violência – documento 3 – rede social ......... 120
4.1.1.4 Redes de Proteção: Novo Paradigma de Atuação – Experiência de
Curitiba – documento 4 – rede social .................................................... 121
4.1.2 Concepção sobre rede social apreendida nos questionários ........... 122
4.1.2.1 Concepção sobre rede social apreendida na Coordenação Municipal
e Coordenação Regional - questionários .............................................. 126
4.2 GESTÃO EM REDE: DOCUMENTOS E QUESTIONÁRIOS....................... 129
4.2.1 Concepção sobre gestão em rede apreendida nos documentos...... 130
4.2.1.1 Manual de Gestão em Rede - documento 1 - gestão em rede.............. 132
4.2.1.2 Notificação Obrigatória da Violência ou Suspeita de Violência Contra
Crianças e Adolescentes: Construindo uma Rede de Proteção –
documento 2 – gestão em rede............................................................. 133
4.2.1.3 O que é a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação
de Risco para a Violência documento 3 gestão em rede.................... 134
4.2.1.4 Redes de Proteção: Novo Paradigma de Atuação – Experiência de
Curitiba - documento 4 - gestão em rede............................................... 135
4.2.2 Concepção sobre gestão em rede apreendida nos questionários
(perguntas 5 e 6).................................................................................... 135
4.2.3 Concepção sobre gestão em rede apreendida na Coordenação
Municipal e Coordenação Regional (perguntas 5 e 6) ........................ 140
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 143
5.1 CONTRIBUIÇÕES....................................................................................... 146
5.1.1 Contribuições para a gestão urbana.................................................... 146
5.1.2 Contribuições para a prefeitura............................................................ 147
5.1.3 Limitações.............................................................................................. 147
5.1.4 Trabalhos futuros .................................................................................. 148
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 149
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO ........................................................................ 166
ANEXO A - FLUXO DA ATENÇÃO..................................................................... 169
ANEXO B - ESTRUTURA DA REDE................................................................... 170
ANEXO C - FICHA DE NOTIFICAÇÃO ............................................................... 171
11
1 INTRODUÇÃO
Em decorrência das mudanças recentes que se tem vivenciado quanto ao
papel do Estado e suas relações com a sociedade, novos modelos de gestão têm
sido propostos, com estruturas descentralizadas e parcerias com organizações
governamentais e não-governamentais. Um desses novos modelos de gestão urbana,
que vem despontando em decorrência da vulnerabilização dos mecanismos institucionais
tradicionais do mercado e do Estado, é a gestão em rede, centrada na sociedade
civil e nas redes sociais, sendo uma possibilidade para tratar dos problemas sociais
contemporâneos. Para Kauchakje (2002, p.159-160), "[...] as novas configurações da
participação social se apresentam como alternativas para (re) construção de identidades
e laços sociais". Segundo Fleury (2002, p.1), isso conforma "[...] uma nova realidade
administrativa. A globalização econômica alterou os processos produtivos e adminis-
trativos em direção à maior flexibilização, integração e interdependência [...]", propiciando
"[...] a proliferação de redes de gestão [...] explicada por uma multiplicidade de
fatores que incidem simultaneamente".
Tendo em vista essa perspectiva para a gestão das cidades, uma vez que a
gestão urbana vai além da infra-estrutura básica, torna-se necessário viabilizar o
cotidiano do cidadão por meio das redes sociais, atuando mais efetivamente no
próprio resultado da intensificação da urbanização, ou seja, a degradação do urbano.
Segundo Rezende e Frey (2005, p.51), "[...] no passado a gestão urbana
contemplava basicamente o planejamento dos aspectos físicos e territoriais da
cidade, com a disponibilização de infra-estrutura básica e serviços sociais". Entende-se
que a concentração nessas atividades tem sido considerada indispensável para uma
boa qualidade de vida urbana. Contudo, essas mesmas atividades não têm sido
suficientes na busca da qualidade de vida dos cidadãos urbanos. Verifica-se, atualmente,
que a maior relevância da gestão urbana consiste em atuar no tecido social,
envolvendo todas as formas de intervenção que impliquem proteção e prevenção
para grupos menos favorecidos, como é o caso de crianças e adolescentes em
situação de risco para violência doméstica, foco desta dissertação.
O fenômeno da violência no Brasil passou a ser tratado como um problema de
saúde pública, principalmente a partir de 1990, dada a sua complexidade, ampliando o
12
espaço para a discussão da questão da violência doméstica. Por ser recente a
tomada de consciência deste problema e por um possível descaso das autoridades
é que ainda se desconhece a freqüência exata dos casos de abuso contra crianças
e adolescentes. São poucos os registros dos serviços existentes no Brasil para a
identificação e o atendimento das famílias que praticam a violência.
Não se pode negar que houve avanços significativos em relação à política
para a infância e a adolescência, como a promulgação da Constituição de 1988 e
posterior aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –
reconhecido internacionalmente como uma legislação avançada – que passou a
reger os parâmetros de atenção e garantia dos direitos da infância e adolescência no
Brasil. Nesse período ocorreu uma intensa mobilização do governo e da sociedade
civil para "fazer valer" tais legislações. Contudo, já se passaram dezessete anos da
aprovação do ECA e a violência se faz cada vez mais presente, atingindo crianças e
adolescentes, variando nos seus graus de opressão e submissão do outro, diluída
no contexto das violências estruturais da sociedade.
A violência doméstica talvez seja um dos fenômenos sociais mais complexos
enfrentados atualmente. Por ocorrer geralmente em espaços privados, pode ficar
encoberta por meses ou anos, até ser denunciada. Um dos fatores que permite que
a violência não seja notificada é a crença, difundida entre alguns adultos responsáveis
por cuidados com a criança, de que tapas, castigos e outras violências físicas fazem
parte da maneira de educar. Além disso, a criança pequena não tem como denunciar a
violência sofrida, e mesmo reconhecendo os avanços com relação à sua cidadania,
normalmente a sua palavra é considerada fruto da imaginação.
No Brasil o poder público e a sociedade civil têm viabilizado ações integradas
para o enfrentamento da violência doméstica. Em tese, crianças e adolescentes têm
maior contato com os setores e serviços públicos de saúde, educação e assistência
social, os quais podem ser concebidos como lugares de proteção, independente de
sua especificidade.
Nesse contexto, a questão que se evidencia é a necessidade de o gestor urbano
estar envolvido em ações voltadas à proteção e à garantia dos direitos humanos das
crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica nas cidades.
13
1.1 PROBLEMA
O estudo está relacionado à análise da Rede de Proteção à Criança e ao
Adolescente em Situação de Risco para Violência sob a perspectiva da modalidade
de Gestão em Rede, focando a questão da violência doméstica contra crianças e
adolescentes na cidade de Curitiba.
Tendo em vista que é preciso dar outra perspectiva para a gestão das cidades,
possibilitando criar estratégias para que os gestores urbanos possam atender às
demandas da sociedade globalizada que exige respostas rápidas e eficientes, como
o fenômeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes, faz-se necessário
encontrar meios de tratar do referido problema.
A gestão em rede é uma alternativa inovadora que, por meio das redes sociais
atreladas às instituições da organização social da sociedade e órgãos públicos, tem
possibilitado trazer a público questões como a violência doméstica contra crianças e
adolescentes, com uma maior visibilidade e sendo possível tratá-la como um fenômeno
social, em contraposição a posturas vigentes, que tendem pensar essa questão
como restrita ao âmbito privado. Mioto (2001) relata que a intervenção em rede é uma
alternativa viável para romper com modelos assistencialistas, que tutelam a população
e negam seus direitos, ao invés de propiciarem o fortalecimento da identidade e da
autonomia. É também um caminho para superar atuações fragmentadas e que se
sobrepõem, em especial, quando se trata de atenção às famílias com doença mental,
problemas afetivos, isolamento e solidão, dependência química, violência doméstica,
abuso e maltrato de crianças e adolescentes em situações de exclusão.
Apesar de existirem várias iniciativas no Brasil de atuação em rede como
estratégia ao enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes,
ainda pode-se dizer que sua adoção é incipiente. Lebessis e Paterson (1997)
destacam que há uma tendência em se discutir mudanças que fazem com que o
Estado atue mais próximo aos cidadãos, de modo que esteja mais atento aos problemas
e anseios das comunidades pelas quais é responsável. Essa aproximação favorece
a transparência e a legitimidade das ações públicas, por meio de descentralização,
delegação de responsabilidades e parcerias que superam o comando centralizado e
hierárquico nocivo. Mecanismos de integração entre atores, tanto sociais quanto
14
públicos e privados, representam respostas pragmáticas aos problemas sociais e,
assim, por meio da representatividade democrática, novas formas de coordenação
de interesses emergem.
A violência doméstica contra crianças e adolescentes passou a ser mais
discutida no meio científico a partir dos anos 1980 (SANTOS, 1987; AZEVEDO,
GUERRA, 1988, 1989, 1995; MARQUES, 1986; MINAYO, 1993; SAFFIOTI, 1997) e tem
possibilitado chamar cada vez mais a atenção de profissionais, de grupos e da
sociedade civil para o referido tema. Estudos evidenciam a magnitude do problema
com estatísticas alarmantes, mesmo sabendo que é apenas "a ponta do iceberg".
De acordo com Pinheiro (2006), estima-se que entre 133 e 275 milhões de
crianças assistam por ano, no mundo todo, a cenas de violência.
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), das 200 mil
crianças e adolescentes brasileiros que declararam ter sofrido agressão física, em
80% dos casos os agressores eram parentes e conhecidos.
Em Curitiba, Paraná, local da pesquisa, a violência doméstica, de acordo com
o Banco de Dados da Rede de Proteção (CE/SMS, 2006), apresentou o seguinte
panorama em 2006: foram notificados 3.390 casos de violência, destas, 56,1%
negligência; 20,3% violência física; 14,3% apontam para violência sexual; 5,8% indicam
violência psicológica; 3,2% foram notificações de abandono. Do total de 3.390 casos
de violência, em 3.052, ou seja, 90%, foi constatada a violência doméstica, 333
(9,82%), violência extrafamiliar e 5 (0,18%), ignorada.
Nesse contexto, a questão que se evidencia é: qual a concepção que os
atores-gestores da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para a Violência em Curitiba têm sobre redes sociais e gestão em rede?
15
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Analisar a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para Violência em Curitiba sob a perspectiva da modalidade de Gestão em Rede.
1.2.2 Objetivos específicos
a) Identificar a noção de rede social entre os atores-gestores da Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência
em Curitiba;
b) Conhecer a concepção desses atores-gestores sobre Gestão em Rede;
c) Apontar as principais características da gestão em rede presentes na Rede
de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para
Violência em Curitiba.
1.3 JUSTIFICATIVA
As situações de violência doméstica contra crianças e adolescentes representam
atualmente uma parcela significativa da violência urbana. Trata-se de um fenômeno
que exige muitos cuidados no diagnóstico e nas formas de intervenção, que requer a
cooperação de diferentes instituições e profissionais. Dessa forma, trabalhar com a
violência doméstica demanda que as instituições criem uma rede de atendimento
que considere todos os aspectos implicados nesta problemática, como foi feito em
Curitiba, no Estado do Paraná. Nesse aspecto, é importante este estudo, no sentido
de proporcionar aos interessados no tema mais um referencial teórico e prático,
16
mostrando a efetividade das ações e políticas públicas relativas à violência doméstica
contra crianças e adolescentes.
Em segundo lugar, a pesquisa e o estudo sobre a violência doméstica contra
crianças e adolescentes podem contribuir para que sejam melhor desenvolvidas tais
ações e políticas públicas de atendimento deste público, apontando as deficiências e
construindo soluções de governança amparadas pelas redes sociais.
Por meio das redes há construção de capital social e empoderamento da
população para participar da tomada de decisões dos processos políticos para
o fortalecimento da democracia e melhoria de qualidade de vida da comunidade.
As políticas públicas que contemplam essa democracia participativa possibilitam a
abertura de espaço para os atores, inserindo a população local e suas redes no
processo de tomada de decisão política. Goldsmith e Eggers (2004) relatam que
para fazer frente aos novos desafios do poder público local é exigida a atuação por
meio de redes que lhe permitam organizar-se ou reorganizar-se, expandir-se ou
contrair-se, em função das peculiaridades das demandas sociais e políticas emergentes.
Entende-se premente a necessidade de voltar o foco para o desenvolvimento
local e para a participação da sociedade civil, por meio de atores engajados numa
ação coletiva para promover na comunidade a governança local. E as redes sociais
de proteção e sua inserção progressiva nos processos políticos administrativos
locais são uma alternativa para esse desenvolvimento.
No intuito de mostrar como as redes sociais – mais especificamente a Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência de Curitiba
– atuam é que se optou por trabalhar na linha de pesquisa Governança e Redes
Urbanas, entendendo que a violência doméstica é um problema de governança.
1.4 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS
Esta dissertação está dividida em sete capítulos, sendo que o primeiro tem o
objetivo de introduzir o estudo, apontando o problema de pesquisa, os objetivos
geral e específicos e apresentar a justificativa.
17
O segundo capítulo – fundamentação teórica – discorre sobre a gestão
pública e a gestão urbana, as modalidades de gestão pública, a gestão em rede e a
gestão em redes sociais.
O terceiro capítulo intitula-se Criança e Adolescente em Situação de Risco
para Violência e aborda temas como a vitimação, vitimização e resiliência, violência
doméstica e seus tipos: física, psicológica, negligência e abandono, e estatísticas.
O quarto capítulo trata da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente e
sobre os direitos dessa parte da população, e mais especificamente sobre a Rede
de Proteção do município de Curitiba.
O quinto capítulo apresenta a metodologia de pesquisa, destacando-se o
método estudo de caso, o desenho da pesquisa e os protocolos de análise.
O sexto capítulo mostra os resultados da pesquisa de campo e suas análises,
ressaltando a sistematização dos dados extraídos dos documentos e dos questionários.
O sétimo capítulo traz as considerações finais obtidas por meio desse estudo
e apresenta as contribuições, recomendações e sugestões.
18
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo aborda conceitos e características ligados à gestão das
ações públicas, incluindo a gestão pública e a gestão urbana, destacando a gestão
em rede.
2.1 GESTÃO DAS AÇÕES PÚBLICAS
Os atuais processos de transformação econômica e social exigem novos
instrumentos e modelos de gestão pública, que sejam capazes de propiciar
condições favoráveis aos gestores urbanos para lidarem com demandas inéditas na
sociedade globalizada.
Para a teoria e a prática neoliberal, o Estado utiliza seus instrumentos e insti-
tuições para fazer respeitar as regras da concorrência, garantir a estabilidade monetária
e o equilíbrio orçamentário, proteger a propriedade privada, garantir harmonia social,
salvaguardar o interesse público e a soberania nacional. Há um afastamento das
obrigações sociais do Estado, pois o mercado mundial globalizado exige maior eficiência
e eficácia do Estado para cumprir, principalmente, novas premissas políticas e
econômicas. Obrigatoriamente, surgem os movimentos sociais, ambientais e ecológicos
com um novo conceito de desenvolvimento, em que o Estado, por meio da gestão
pública, passa a ser, nessa visão de transformação social, "parceiro" da sociedade
civil (REBOUÇAS, 1999, p.5).
A discussão sobre a redefinição do papel do Estado perante a sociedade,
como dinamizador das ações públicas de cunho social, tem modificado a forma de
agir tanto do Estado quanto da sociedade, tantas vezes excluída das discussões e
implementações político-sociais (SILVA, 2003, p.33). O grau crescente de complexidade
dos problemas sociais tem possibilitado a articulação entre diferentes níveis de
participação da sociedade nas ações estatais, correlacionando representação e
19
participação nos processos decisórios e ampliando essa atuação para além do mero
processo eleitoral (LÜCHMANN, 2005).
Essas mudanças vem ocorrendo de modo mais intenso a partir dos últimos
anos do século XX, num processo de descentralização que representa uma nova
forma de atuação do Estado, que passa a utilizar instrumentos político-sociais mais
flexíveis para minimizar ou solucionar problemas como a pobreza, a exclusão social
e a violência.
Por causa da centralização das ações que sempre norteou o poder estatal
brasileiro, a descentralização da gestão pública é um desafio tanto para o Estado
quanto para a sociedade civil, uma vez que ela "[...] vai sendo fixada conforme as
necessidades de interdependência dos diferentes grupos sociais que compõem uma
sociedade" (GONZAGA, 1994, p.7). Para modificar essa situação, é necessário
desencadear profundas mudanças, por exemplo, permitir que a atuação extrapole o
campo governamental e alcance outros níveis, como o mercado e a sociedade,
possibilitando que os indivíduos tenham o poder de controlar suas vidas e o ambiente
em que vivem, em parceria com o Estado.
Uma definição mais apurada do papel do Estado perante a sociedade propicia
que a população tenha participação mais diretiva nas ações públicas, substituindo a
noção de "cidadão consumidor" pela de "cidadão gestor e executor das ações".
No Brasil, com a Reforma do Estado, as transformações ocorreram logo
depois da Constituição de 1988, com a crise do Estado de Bem-Estar Social e as
políticas de descentralização e parcerias com Organizações Não-Governamentais
ONGs), sendo reconhecidas como interlocutores e agentes paraestatais em atividades
que antes estavam sob a égide do governo federal, sendo: a prevenção da violência,
a promoção de direitos humanos, alimentação solidária, ajuda humanitária, entre
outras. Santos (2001, p.173 apud COSTA, 2000) entende que se, por um lado esse
crescimento tem servido para reforçar e justificar o abandono da responsabilidade
social do Estado, por outro, é um espaço de grande sensibilidade social e de
agentes de transformação, fortalecendo a autonomia das organizações da
sociedade civil em todo o mundo.
20
Kauchakje (2007, p.54) afirma que
[...] depois dos anos 1980, revelam-se duas tendências na gestão de
políticas, programas e serviços de proteção social: uma é o retrocesso na
ampliação dessas políticas por parte do Estado e do incentivo à respon-
sabilidade social da sociedade civil, especialmente do chamado terceiro
setor; a outra tendência apregoa o fortalecimento da responsabilidade do
Estado (comprometido como poder normativo e regulador da vida social)
com a participação da sociedade civil para o planejamento, implementação,
a fiscalização e a democratização das políticas e acesso aos serviços sociais.
Em suma, diante dos novos desafios em virtude da ampliação da complexidade
da gestão das ações públicas locais, exige-se dos atores envolvidos a utilização de
mecanismos inovadores, sendo as redes sociais uma alternativa para que se possa
tratar da questão social.
2.1.1 Gestão pública e gestão urbana
Bizelli (2006) afirma que a administração pública é permeada por canais que
possibilitam o controle da sociedade sobre o Estado e deste sobre os interesses
privados. A gestão pública pensada dessa forma requer um perfil mais abrangente.
Pressler e Mathis (2003) ressaltam que a gestão pública necessita estar calçada em
um esforço ordenado, desenvolvido para produzir decisões e ações fundamentais
que dêem forma e orientem os objetivos, seja de uma empresa pública, instituição,
cidade, região ou país. O papel da gestão pública é o de pôr em ação, de forma
integrada e articulada, todos os elementos do processo organizacional – planejamento,
organização, avaliação – envolvendo atividades de mobilização, liderança,
motivação, comunicação e coordenação (articulação e convergência do esforço de
cada ator, visando atingir os objetivos propostos). E discorrem sobre a inovação da
gestão pública, que pode ocorrer se forem considerados cinco aspectos:
a) Gestão democrática: é uma gestão participativa, comunitária, combatendo
tanto o patrimonialismo como o clientelismo;
b) Descentralização e desburocratização dos serviços públicos: também
objetiva aprofundar a gestão democrática e aperfeiçoar a cidadania;
21
c) Incorporação dos excluídos e minorias: é um objetivo central a ser
buscado;
d) Valores para trás (tradicionais): recuperação de valores que já estiveram
presentes em várias sociedades (médico de família, aleitamento materno,
zelo com o patrimônio público, etc.);
e) Valores para frente: introdução de valores compatíveis com a sociedade
contemporânea: consciência ecológica, controle biológico, pragas, coleta
seletiva, prevenção de drogas, terceira idade, hábitos de leitura, prevenção
da violência etc.
Gerir uma cidade inclui a ampliação na gestão pública dos atores sociais, a
condução e a forma de tratar as políticas públicas, o planejamento dessas políticas,
programas e projetos pelos órgãos do Estado. Frey (2004, p.6), ao tratar da gestão
pública, enfatiza o termo "governança" (governance), reconhecendo as novas
potencialidades relacionadas à ampliação dos atores sociais envolvidos na gestão
da coisa pública. Rezende e Castor (2005, p.26-27) conceituam:
A governança pública está relacionada com a capacidade dos governos na
gestão das funções federais, estaduais e municipais, bem como com a
competência na implementação de respectivas políticas públicas para facilitar
as ações necessárias na condução do país, dos estados e das cidades,
contextualizando a participação dos cidadãos nesses desafios. A cidade é um
organismo dinâmico e complexo que se caracteriza por grandes diversidades,
múltiplos contrastes e interesses divergentes, gerando inúmeras dificuldades
aos gestores locais, aos munícipes e aos demais interessados na cidade
(stakeholders ou atores sociais).
Frey (2004) salienta ainda novas tendências de gestão pública, particularmente
as ligadas à necessidade de mobilizar todo conhecimento disponível na sociedade
em benefício da melhoria da performance gerencial e da democratização dos
processos decisórios locais.
A melhoria da qualidade de vida nas cidades não é negócio exclusivo do
Estado, mas são tarefa e responsabilidade compartilhada entre todas as organizações
e cidadãos que constituem o tecido institucional e social da cidade. É tarefa da
gestão urbana.
A gestão urbana é definida pelo envolvimento dos cidadãos, como forma de
participação no quadro político-social de um país, colaborando para a aquisição de
22
conhecimento de novas formas ou modelos de gestão da cidade (REZENDE; FREY;
BETINI, 2003). Para Faggetti (2002, p.9),
[...] a noção de gestão urbana remete a três elementos: um referido à
autonomia, isto é a um nível de decisão política e independência financeira
maior, diferentemente do clássico papel controlador das mudanças físicas e
dos serviços. O segundo elemento está ligado à realização de obras e ao
fornecimento de serviços. A avaliação no contexto da gestão refere-se não
apenas às metas atingidas mas também ao fortalecimento dos mecanismos
de participação na tomada de decisões, ao planejamento participativo e à
coordenação como elemento central. A gestão é percebida como um processo,
que vai além de seus produtos. O terceiro elemento trata da necessidade de
que o governo local seja, além de eficiente, um fator dinamizador do
desenvolvimento da cidade, que seja inovador no que refere à apresentação
e à avaliação de projetos, seus esforços especiais de investimento, mediati-
zação e informação.
Frey (2002) relata que no passado a gestão urbana
[...] contemplava basicamente o planejamento dos aspectos físicos e
territoriais da cidade, com a disponibilizarão de infra-estrutura básica e com
os serviços sociais. A concentração nessas atividades tem sido considerada
indispensável para uma boa qualidade de vida urbana. Entretanto, e
particularmente em países em desenvolvimento, o êxodo rural e as imensas
taxas de crescimento populacional obstruíram os esforços para efetivamente
atender as crescentes demandas sociais dos cidadãos urbanos e pobres.
Atualmente, os esforços da gestão urbana estão justamente voltados para a
adequação dessa gestão às demandas sociais urbanas citadas por Frey (2002).
Segundo esse autor, a gestão urbana contempla um conjunto de variáveis e de atores
difícil de ser quantificado, em virtude da amplitude desse conjunto, "[...] experimentando
transformações fundamentais que exigem um debate controvertido em torno de
possíveis caminhos da gestão pública das cidades na sociedade da informação que
crescentemente vem se consolidando".
Acioly e Davidson (1998, p.75) definem gestão urbana como "[...] um conjunto
de instrumentos, atividades, tarefas e funções que visam a assegurar o bom
funcionamento de uma cidade". No entender desses autores, a gestão urbana tem
como princípios a eficiência, a eficácia e a eqüidade na distribuição dos recursos
e investimentos públicos, gerados a partir da cidade e revertidos em prol de seu
desenvolvimento. Para trabalhar com tais princípios, a gestão urbana local precisa
dispor de instrumentos
23
[...] que lhe permita intervir de forma a resolver ou amenizar os conflitos,
mobilizar esforços e capitalizar as capacidades e potencialidades existentes.
O governo poderá então assumir o papel de agente catalisador durante o
processo de planejamento e consolidação do ambiente urbano, dando-lhe
condições para estabelecer parcerias estratégicas necessárias para realizar
as funções e tarefas para as quais não detém todos os meios e recursos
(ACIOLY; DAVIDSON, 1998, p.75).
A gestão urbana depende de uma série de fatores, citados por Acioly e
Davidson (1998):
- do modo como está estruturado o governo local, já que este é o responsável
primário pela gestão da cidade;
- da estrutura organizativa da administração municipal e do papel, responsa-
bilidades e funções das diversas agências e departamentos que a compõem;
- da capacidade e quantidade dos recursos humanos, materiais, financeiros e
legais, sem os quais a autoridade municipal não é capaz de exercer a
governança sobre a cidade;
- da forma como se relaciona com o poder federal, estadual e organizações
comunitárias;
- da forma como os interesses locais estão representados na organização e
implementação das políticas públicas.
Esses fatores afetam positiva ou negativamente a prática de gestão urbana;
eles são "[...] os pré-requisitos básicos da governança urbana" (
ACIOLY; DAVIDSON,
1998, p.76).
Uma gestão urbana sustentável consiste, de acordo com Pagnoncelli e
Aumond (2004, p.6), "[...] em basear as soluções nas melhores práticas globais, mas
deixando às instâncias decisórias locais a escolha dos objetivos e das melhores
iniciativas para resolver cada problema". Esse tipo de estratégia de ação considera, ao
mesmo tempo, o ambiente urbano e as questões econômicas e sociais. Nesse
contexto, a gestão urbana busca
[...] uma visão de futuro, a partir da realidade atual que nos permita evoluir
dentro de condões preestabelecidas que capacitem a sociedade urbana
para enfrentar desafios e obstáculos, dentro de seus próprios termos,
minorando aqueles impostos de fora (LOPES, 1998, p.87).
Para Pagnoncelli e Aumond (2004), é premente que a gestão urbana considere
a relevância de instaurar uma nova dinâmica que se apóie nas seguintes premissas:
24
"[...] promoção da organização comunitária [...] descentralização, participão,
conscientização no exercício da cidadania, continuidade administrativa das ações
estratégicas e desenvolvimento sustentável” (PAGNONCELLI; AUMOND, 2004, p.6).
Essas premissas são os motores da participação popular na gestão urbana,
para que o Estado e a sociedade civil alcancem os objetivos estabelecidos, com as
decisões coletivas construindo uma visão de futuro e um novo rumo para a cidade.
Para alcançar esse patamar de decisão é preciso, segundo Junqueira (2004,
p.28), "[...] tratar os cidadãos, situados num mesmo território, e seus problemas,
de maneira integrada". E isso exige, no entender desse autor, um planejamento
articulado das ações e serviços.
Mas isso só não basta. Esse novo fazer envolve mudanças de valores, de
cultura, que são percebidas: nas normas sociais e regras que pautam o agir
de grupos e organizações sociais [...] Nesse processo, a população passa a
ser considerada como sujeito e não como objeto de intervenção. Com isso
ela passa a assumir um papel ativo, colaborando na identificação dos
problemas e na sua solução. Com isso, muda-se a lógica da política social,
que sai da visão da carência, da solução de necessidades, para aquela dos
direitos dos cidadãos a uma vida digna e com qualidade (JUNQUEIRA,
2004, p.28).
Souza e Rodrigues (2004, p.35) concluem:
[...] o desejável é que os cidadãos tenham a oportunidade de decidir, eles
próprios, sobre os destinos de seus espaços e de suas cidades, situação
em que os técnicos e estudiosos terão o papel, a um só tempo, relevante e
modesto: o papel de consultores do conjunto dos cidadãos organizados, e
não o de conselheiros e funcionários a serviço da estruturas de poder
nebulosas e autoritárias.
Rolnik (1996, p.3) é da mesma opinião: "[...] as definições de parceria e de
descentralização e autonomia local sobre as quais tem se sustentado o modelo de gestão
urbana brasileira carecem urgentemente de revisão [...]", e se quiser minimizar – ou,
melhor ainda, solucionar – problemas urbanos como o da violência doméstica.
25
2.1.1.1 Modalidades de gestão pública
A gestão pública tem se traduzido em cinco modalidades: patrimonial, tecno-
burocrática, gerencial, democrático-participativa e em rede.
A gestão patrimonial se caracteriza pela privatização do Estado, que se traduz
em "[...] privilegiamento de alguns grupos na direção da política e na alocação de
recursos (financeiros, humanos, materiais e de informação), de acordo com
interesses particulares" (KAUCHAKJE, 2007, p.88).
A gestão tecno-burocrática é formada por critérios técnicos utilizados na gestão,
o que "[...] afasta das decisões os interesses pessoais e a atribuição arbitrária de
mérito para a distribuição de recursos e de projetos entre pessoas, grupos sociais,
municípios e estados" (KAUCHAKJE, 2007, p.88). Por outro lado, a gestão tecno-
burocrática promove
[...] uma aparente despolitização do processo decisório no que se refere às
prioridades de serviços a serem desenvolvidos, aos recursos disponibilizados,
aos locais privilegiados e à população destinatária, sob a justificativa de que
esses itens passaram pelo crivo tecnocrático.
Com relação à gestão gerencial, Pereira (1998, p.28) relata que esse modelo de
gestão pública surgiu na segunda metade do século
XX como resposta à crise do
Estado. Seus principais objetivos eram enfrentar a crise fiscal, reduzir os custos,
tornar mais eficiente a administração pública e proteger o patrimônio público "[...]
contra os interesses do rent-seeking ou da corrupção aberta". Para Pereira e Spink
(1998, p.7), a reforma do Estado configurou-se como "[...] um marco teórico e uma
nova prática para a administração pública – a abordagem 'gerencial', que substitui a
perspectiva 'burocrática' anterior".
A gestão gerencial também é conhecida como "nova administração pública" e
parte do reconhecimento de que os Estados democráticos contemporâneos não são
simples instrumentos para garantir a propriedade e os contratos, "[...] mas formulam
e implementam políticas públicas estratégicas para suas respectivas sociedades
tanto na área social quanto na científica e tecnológica" (
PEREIRA; SPINK, 1998, p.7).
Kauchakje (2007, p.89) afirma que a gestão gerencial é a modalidade que introduz
na gestão pública os princípios da gestão empresarial, que transfigura cidadãos em
26
clientes e incentiva a concorrência entre os entes federados (estados e municípios).
Essa autora ressalta ainda que a gestão gerencial traz inovações como prestação de
contas e participação de atores sociais significativos em forma de parceria entre
Estado e sociedade civil.
Segundo Rezende (2005) e Rezende e Oliveira (2004), a nova gestão pública
ou new public management (NPM), em comparação com outras abordagens, é mais
orientada na direção de resultados e de eficiência da gerência do orçamento público.
Pode ser encarada como um modelo de gestão, baseado no princípio da
competitividade, considerando os cidadãos primordialmente como clientes ou como
consumidores de serviços públicos.
Frey (2004) resume as características do modelo gerencial:
- inspira-se na prática do gerenciamento de empresas privadas, buscando
transferir instrumentos de gerência empresarial para o setor público;
- as diretrizes baseiam-se na nova administração pública, ou New Public
Management, orientando-se para a obtenção de resultados, a utilização do
contrato de gestão como instrumento de controle de gestores públicos, a
descentralização administrativa, os incentivos à criatividade e à inovação
como estratégias principais e para a transferência de ampla autonomia e
responsabilidade aos gerentes públicos;
- visa isolar e proteger o gestor público das pressões oriundas da sociedade;
- o gestor público é avaliado conforme sua capacidade de alcançar as metas
estabelecidas pelo sistema de decisão política.
Quanto à gestão democrático-participativa, Kauchakje (2007, p.89) afirma que
essa modalidade de gestão foi
[...] reinventada por movimentos sociais dos anos de 1970 e 1980, e tem
suas bases assentadas na Constituição de 1988. Essa modalidade prioriza
as demandas das classes populares quanto aos serviços a serem desenvolvidos,
aos recursos disponibilizados, aos locais privilegiados e à população
destinatária, r ealizando, assim, uma inversão de prioridades de gestão de
políticas públicas no Brasil [...] a ênfase na participação social não tem o
sentido do questionamento da capacidade e da responsabilidade social do
Estado, mas visa fortalecer os processos decisórios e fiscais, desde que
levem à democratização da política e do acesso da população aos serviços
e aos recursos socioeconômicos e culturais.
27
A partir da Constituição de 1988 iniciou-se a descentralização do poder e
enfatizou-se a participação organizada dos vários segmentos da sociedade brasileira.
Os municípios, por exemplo, passaram a ter maior autonomia política e administrativa.
De acordo com Vergara e Corrêa (2004, p.11), ao se expandir a autonomia política e
administrativa dos municípios, evidenciou-se o entendimento de que "[...] as
iniciativas locais, por estarem mais próximas dos cidadãos e do controle social, são
mais realistas, econômicas, eficientes e voltadas aos resultados esperados pela
sociedade local". A autonomia local tem como sustentação as novas experiências de
governança urbana, a exemplo da Rede de Proteção a Criança e ao Adolescente em
Situação de Risco para Violência – foco deste estudo.
A descentralização característica da gestão democrático-participativa
[...] tem como objetivos gerais obter mais democracia, mais eficácia e mais
justiça social. Mais especificamente, a descentralização deve visar ao aprimo-
ramento das relações intergovernamentais, capacitar governos subnacionais
para as funções que lhes são atribuídas e possibilitar o controle social do
poder público pela população organizada (JACOBI, 2000a, p.36).
Outras características são apontadas por Jacobi (2000b, p.35): desconcentração,
delegação e devolução.
Desconcentração é a redistribuição do poder decisório entre os diversos
níveis do governo central; delegação é a transferência de responsabilidades
e de poder do governo central para organizações semi-autônomas (órgãos
públicos) que não são totalmente controladas pelo governo central, mas que
em última instância dele dependem; e devolução é a transferência de
poderes do governo central para unidades sub-nacionais independentes.
Outros autores discorrem sobre a descentralização da gestão democrático-
participativa. Melo (1996, p.13) explica que a descentralização pode ser entendida
"[...] enquanto transferência de poder decisório a municípios ou entidades e órgãos
locais [...]" e expressa "[...] tendências democratizantes, participativas e de respon-
sabilização [...]" e "[...] processos de modernização gerencial da gestão pública".
E Cohn (1998, p.145) associa a descentralização à democratização política e social,
"[...] de modo quase imediato e mecânico, uma vez que em princípio ela favorece a
ampliação do espaço público". Ao ampliar esse espaço público, essa forma de
gestão cria capital social que, segundo Baquero (2004, p.167), viabiliza uma
participação mais qualificada e coletiva por parte das pessoas. As chamadas novas
28
formas de organização cidadã (LAVILLE, 1994), nas quais figura o capital social,
surgem em virtude da vulnerabilização dos mecanismos institucionais de mercado e
Estado, que têm fracassado em responder a reivindicações crescentes, deslocando
a dimensão reivindicatória para grupos não-convencionais, levando à criação de
uma capacidade societária em gerar redes sociais que não só empoderam o
indivíduo, mas agem no sentido de promover a ação coletiva. Baquero (2004, p.170)
sintetiza que se trata de um processo de empoderamento dos atores individuais,
capacitando-os a empreender ações coletivas sob a bandeira de objetivos comuns.
Frey (2004) aponta as características do modelo de gestão democrático-
participativa:
- inspira-se na teoria da democracia participativa e passa pelo aumento do
controle social, pela democratização das relações Estado-sociedade e pela
ampliação da participação da sociedade civil e da população na gestão da
coisa pública;
- as diretrizes baseiam-se na promoção das condições de accountability
1
mediante de estímulos ao envolvimento e à partição da sociedade civil
organizada e dos cidadãos, tanto na formulação como na implementação
de políticas e projetos públicos;
- visa novas habilidades do gestor público, sobretudo em relação à articulação
e à cooperação com os mais variados atores políticos e sociais;
- ganha relevância o próprio processo de gestão pública, particularmente no
que diz respeito ao seu caráter democrático, ao apoio popular alcançado e
ao engajamento cívico almejado.
A última modalidade de gestão pública a ser abordada é a gestão em rede.
Por ser o foco desta dissertação é estudada mais profundamente no item a seguir.
1
Accountability: transparência, prestação de contas e cobrança, que visam mostrar que as
atividades e resultados correspondem aos objetivos propostos (ANDION, C. Os desafios na
gestão de redes para produção do interesse geral. Seminário Gestão e Estruturação em Rede.
Curitiba, 2003. p.4).
29
2.1.2 Gestão em rede
Um novo instrumento de gestão tem se destacado em detrimento da vulne-
rabilização dos mecanismos institucionais tradicionais do mercado e do Estado, centrado
na sociedade civil e nas redes sociais: a gestão em rede. Ela é uma ferramenta que
serve para tratar os problemas sociais da sociedade contemporânea, como o enfren-
tamento da violência doméstica, envolvendo os atores do Estado, da sociedade civil
e ONGs, entre outros, caminhando coletivamente na direção de uma democracia
participativa e inclusiva, propiciando eqüidade e justiça social.
Laville (1994, p.172) descreve esse novo modelo:
[...] uma nova forma de organização suscetível de formar um espaço de
poder que permitiria às forças vivas das comunidades locais, aos
assalariados e consumidores serem partes presentes nas decisões relativas
não somente ao planejamento da cidade, mas também tudo que afete a
vida cotidiana e o trabalho.
Esses espaços de poder são conhecidos como redes. Musso (2004, p.17)
define a noção de rede como "onipresente" e "onipotente", destacando que essa
noção é utilizada em todas as áreas do conhecimento.
Nas ciências sociais, ela define sistemas de relações (redes sociais, de
poder) ou modos de organização (empresa-rede, por exemplo); na física,
ela se identifica com a análise dos cristais e dos sistemas desordenados
(percolação); em matemática, informática e inteligência artificial, ela define
modelos de conexão (teoria dos grafos, cálculos sobre rede, conexionismo);
nas tecnologias a rede é a estrutura elementar das telecomunicações, dos
transportes ou da energia; em economia, ela permite pensar as novas
relações entre atores na escala internacional (redes financeiras, comerciais)
ou elaborar modelos teóricos (economia de rede, intermediação); a biologia
é apreciada dessa noção de rede que, tradicionalmente, se identifica com a
análise do corpo humano (redes sangüíneas, nervosas, imunológicas).
Capra (2004, p.7) relata que, nos últimos anos, "[...] as redes se tornaram um
dos principais focos de atenção em ciências, negócios e na sociedade em geral [...]"
por causa, principalmente, da cultura global emergente que se tem vivido. De acordo
com Loiola e Moura (1997, p.63),
30
[...] o crescente recurso à interação em rede surge como uma estratégia
para enfrentar as turbulências e incertezas que caracterizam o ambiente
contemporâneo, decorrentes do crescimento da competitividade, crises e
movimentos de reestruturação, tanto na esfera pública como na dos
negócios (LOYOLA; MOURA, 1997, p.56).
Capra (2004, p.13) complementa dizendo que, na atualidade,
[...] a maioria das grandes empresas está organizada em redes
descentralizadas de pequenas unidades, conectadas a redes de pequenos
e médios negócios que servem como subcontratados ou fornecedores, e
redes similares existem entre organizações sem fins lucrativos e
organizações não organizacionais. De fato, por muito tempo 'construir redes'
tem sido uma das principais atividades de organizações políticas de base. O
movimento ambientalista, o movimento pela paz, e vários outros
movimentos políticos e culturais de base têm se organizado como redes que
ultrapassam fronteiras nacionais.
Quer dizer, as redes estão presentes tanto no público quanto no privado,
embasando estratégias e servindo de ferramenta para a busca da competitividade,
seja entre empresas, seja entre entes federados, seja em organizações políticas ou
em ONGs.
"Redes são uma forma de organização que implica um conteúdo de natureza
emancipatória" (MARTINHO, 2006, p.3). Elas são, segundo esse autor, "[...] a
tradução, na forma de desenho organizacional, de uma política de emancipação.
Não pode haver distinção entre os fins dessa política e os meios de empreendê-la".
Para Junqueira (apud
MINHOTO; MARTINS, 2001, p.90), "[...] o termo rede, em
sua multiplicidade, nos remete tanto a uma dimensão conceitual como a uma
vertente instrumental". Rede é, na explicação desse autor, uma proposta de ação,
"[...] um modo espontâneo de organização em oposição a uma dimensão formal e
instituída". A rede proporciona uma forma de organização espontânea a partir das
inter-relações sociais e dos vínculos criados com essas inter-relações, e a rede pode
ser conhecida na esfera do Estado, da sociedade, das empresas e das instituições
que representam a comunidade.
Rovere (1998, apud
FLEURY, 2002, p.9) propõe cinco etapas para o aprimo-
ramento dos vínculos criados entre os atores da rede:
1. Reconhecimento: reconhecer a existência do outro e sua posição na rede;
2. Conhecimento: conhecer o outro, o que faz e suas preferências;
3. Colaboração: prestar ajuda esporádica;
31
4. Cooperação: compartilhar tarefas e recursos;
5. Associação: compartilhar objetivos e projetos.
Para Börzel (1998, p.253), redes são
[...] um conjunto de relações relativamente estáveis, de natureza não-
hierárquica e interdependente, que vinculam uma variedade de atores que
compartilham interesses comuns com relação a uma política, e que trocam
recursos para satisfazer a estes interesses compartilhados, reconhecendo
que a cooperação é a melhor maneira de atingir objetivos comuns.
Faleiros (1999, p.25) explica que a rede é "[...] uma articulação de atores em
torno [...] de uma questão disputada, de uma questão ao mesmo tempo política,
social, profundamente complexa e processualmente dialética". Para Inojosa (apud
MINHOTO; MARTINS, 2001, p.90),
[...] rede é parceria voluntária para a realização de um propósito comum.
Implica, nesse sentido, a existência de entes autônomos que, movidos por
uma idéia abraçada coletivamente, livremente e mantendo sua própria
identidade, articulam-se para realizar objetivos comuns. As redes se tecem
através do compartilhamento de interpretações e sentidos e da realização
de ações articuladas pelos parceiros.
De acordo com Börzel (1998, p.255), as redes podem ser vistas como "[...] uma
forma específica de governança, como um mecanismo de mobilização de recursos
sociais em situações em que tais recursos estão amplamente dispersos entre atores
públicos e privados". Nesse contexto Kliksberg (2001, p.142) alerta:
[...] é preciso construir redes intersetoriais orientadas para a solução de
problemas sociais concretos de envergadura. Nelas a política pública deve
desempenhar um forte papel de convocadora da rede, seu contínuo
elemento propulsor e ator relevante. Mas deve buscar ativamente aglutinar
na rede os diversos atores possíveis. A sociedade civil pode dar
contribuições de grande valor para a solução dos problemas sociais.
Schlithler (2004, p.22) destaca que uma característica importante é que "as
redes rompem o isolamento das pessoas e das organizações, evitam a duplicação
de ações e viabilizam a realização de atividades integradas, porque atuam de
maneira sistêmica e sinérgica". E relata ainda que
32
o processo das redes pode ser avaliado por meio da análise da concretização
dos seus princípios norteadores: horizontalidade, diversidade, autonomia,
processo decisório democrático-participativo, participação ativa de todos os
integrantes, intercomunicação ampla e transparente (SCHLITHLER, 2004, p.79).
A partir da conscientização de uma comunidade as redes sociais são
iniciadas e a população, por meio de sua integração nessas redes, cria laços entre
os membros, trocando experiências e fortalecendo-se para o enfrentamento, por
exemplo, da violência.
Um sistema de nós e elos; uma estrutura sem fronteiras; uma comunidade
não geográfica; um sistema de apoio ou um sistema físico que se pareça
com uma árvore ou uma rede. Nos espaços informais, as redes são
iniciadas a partir da tomada de consciência de uma comunidade de
interesse e/ou de valores entre seus participantes. De forma diferente das
instituições, as redes não supõem necessariamente um centro hierárquico e
uma organização vertical, sendo definidas pela multiplicidade quantitativa e
qualitativa dos elos entre os seus diferentes membros, orientada por uma
lógica associativa (MARTELETO, 2001, p.72-73).
É fundamental a cooperação e a confiança entre os atores, que são partícipes de
um coletivo, para que possam compartilhar experiências, tomar decisões sem hierarquia
para o desenvolvimento das ações e atividades. Frey (2004, p.215) explica que as
redes sociais
[...] podem ser compreendidas como formas independentes de coordenação
de interações. Sua marca central é a cooperação, baseada em confiança
entre atores autônomos e interdependentes, os quais trabalham em
conjunto por um período limitado de tempo, levando em consideração os
interesses dos parceiros e estando conscientes de que esta forma de
coordenação é o melhor caminho para alcançar objetivos particulares.
Marteleto (2001, p.72) argumenta que
[...] nas redes sociais existe a valorização dos elos informais e das relações,
em detrimento das estruturas hierárquicas, sendo hoje o trabalho informal em
rede uma forma de organização humana presente em nossa vida cotidiana
e nos mais diferentes níveis de estrutura das instituições modernas. Mesmo
nascendo em uma esfera informal de relações sociais, os efeitos das redes
podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com o Estado, a
sociedade ou outras instituições representativas.
33
No entender de Castells (2002, p.36),
[...] as redes sociais são o novo formato de organização social, surgindo a
sociedade em rede, baseada no paradigma econômico-tecnológico da
informação. Traduz-se não apenas em novas práticas sociais, mas em
alterações da própria vivência do espaço e do tempo como parâmetros da
experiência social.
Capra (2004, p.6) explica que redes sociais são, antes de tudo, "[...] redes de
comunicação, que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais, relações de
poder, etc". Esse autor esclarece que, para entender a estrutura das redes sociais, é
preciso "[...] subsídios de teoria social, filosofia, ciência cognitiva, antropologia e
outras disciplinas".
Delzari, Penna e Kauchkaje (2005, p.3) defendem um tipo especial de rede
social: aquele que
[...] visa o asseguramento de direitos, como os de assistência social. Esta
rede está no âmbito do chamado sistema de proteção social de uma
sociedade, podendo ser formada pela articulação: que tece uma malha de
redes; de políticas públicas estatais ou privadas; de instituições governamentais
e não governamentais (de caráter religioso, filantrópico, empresarial, ou
movimentalista); de solidariedade comunitária e de atores e sujeitos sociais.
Esses autores destacam cinco modalidades da rede social, com vistas a
assegurar direitos como os de assistência social, saúde, educação e habitação:
a) rede de pertencimento: sua dinâmica é relacional. É uma rede de relações
estabelecidas pelos sujeitos individuais e coletivos no cotidiano do trabalho,
das relações de vizinhança, familiares e em organizações como igrejas,
grupos e clubes, por exemplo;
b) rede de equipamentos e serviços coletivos: o substrato são os direitos sociais
como habitação, saneamento, transporte, educação, saúde, assistência
social, lazer, entre outros. Esta rede tem o sentido de operacionalização
das políticas públicas e forma uma malha institucional que são base da
tessitura de relações sociais e, ao mesmo tempo, solo dos trajetos da
população pela busca de direitos;
c) rede movimentalista: formada pelos movimentos sociais, fóruns, conselhos
(de políticas, de direitos e comunitários), organizações não-governamentais e
outras formas da ação coletiva, configuradas como participação sociopolítica;
34
d) rede de políticas públicas: formada especialmente por atores sociais que
atuam no interior do Estado e da sociedade civil (movimentos sociais,
Conselhos, ONGs, Conferências, Fóruns, instituições e entidades sociais,
assim como, secretarias e órgãos públicos estatais e paraestatais) e pelos
programas, projetos e ações implementados; e
e) rede de atores e sujeitos sociais e políticos: que estão presentes em
interação nessas diversas modalidades e suas interfaces.
Loiola e Moura (1997) destacam quatro tipologias de rede: do campo interpessoal,
do Estado/políticas públicas, dos negócios e dos movimentos sociais. As redes do
campo das relações interpessoais estão focadas no indivíduo e surgem em função de
interesses compartilhados. São praticamente relações afetivas, de vínculos
familiares, de amizade e profissionais, entre outros, em que a comunicação ocorre
entre os atores, de modo informal. As redes do campo do Estado formam-se para
enfrentar problemas sociais, e formular e implantar políticas públicas. A articulação
ocorre entre agências governamentais e(ou) "[...] destas com redes sociais,
organizações privadas ou grupos [...]" (LOIOLA; MOURA, 1997, p.57), tratando-se
exclusivamente das políticas públicas desenvolvidas no âmbito local. Ainda segundo
esses autores, "[...] o trabalho em rede [...] significa uma profunda redefinição das
políticas sociais, uma recomposição do papel do Estado e das coletividades". A rede
dos negócios forma-se entre a empresa e o mercado, "[...] rompendo os princípios
da hierarquia inflexível [...]" nos processos da atividade econômica.
As redes do campo dos movimentos sociais são formadas por
ONGs,
associações, sindicatos, etc., e, entre outros objetivos, apontam para a formulação
de projetos e políticas. Fundam-se em identidades e valores coletivos.
As redes sociais, principalmente nas últimas décadas, têm se constituído em
diferentes arranjos, entendidos como estratégia da gestão de políticas públicas para
tratar de questões complexas como o enfrentamento da violência, especialmente da
violência doméstica. A estruturação dessas redes tem como intuito promover ações
de parcerias e alianças e, por meio dos atores sociais, buscar a promoção de
práticas voltadas à proteção social.
35
Scherer-Warren (2002), ao tratar de redes sociais no contexto do mundo
globalizado, considera três dimensões analíticas:
1. redes de solidariedade: no mundo atual a solidariedade é um recurso
legítimo para as mobilizações sociais, ou seja, no "[...] mundo multicultural,
onde os atores políticos tendem a desenvolver diversas identidades, será
no apelo à solidariedade entre os povos e culturas diferentes que inter-
subjetividades podem se formar" (SCHERER-WARREN, 2002, p.3). Mas
essa autora destaca que identidade social, diálogo e solidariedade nem
sempre andam juntos: "[...] as identidades ameaçadas podem refugiar-se
em fundamentalismo étnicos, religiosos, dentre outros". Então, é
necessário que a solidariedade venha acompanhada por um pensamento
crítico e auto-reflexivo;
2. redes estratégicas: podem ser usadas para fins de emancipação ou
totalitários, sendo que a rede em si não é virtual: "[...] as estratégias da
rede também devem ser examinadas por um pensamento crítico que
contemple as diversidades de um mundo multicultural" (SCHERER-
WARREN
, 2002, p.4);
3. pensamento crítico: essa dimensão apresenta novos desafios:
- desfundamentalização: as redes construídas nas interfaces de projetos
alternativos, tais como as feministas, ecológicas, de direitos humanos,
tendências pós-coloniais e outros, podem operar como pontes de comu-
nicação, opondo-se aos códigos históricos fundamentalistas: religiosos,
nacionais, territoriais e étnicos. Como nas palavras de Castells (2000,
p.22-3), elas 'constroem pontes de comunicação entre outras redes na
sociedade, em oposição aos códigos da rede atualmente dominante', e
quando os códigos vão além da auto-definição específica desse movimento
particular, então essas redes farão a diferença entre o comunitarismo
fragmentado e uma nova construção da história, que contemple relações
interculturais".;
- descentramento das identidades: com o pensamento desconstrutivista
dos novos movimentos sociais, se admitiu a existência de sujeitos com
identidades múltiplas (gênero, étnica, nação, etc.) e a transformação
social passou a ser concebida a partir de um enfoque que levava em
consideração a articulação discursiva de diversos atores coletivos;
- do essencialismo ao interculturalismo: [...] necessita-se de uma teoria
que permita uma compreensão comum das diversas lutas sociais, o
reconhecimento do outro e a elevação de sua condição de objeto a uma
condição de sujeito político ativo. Isto implica na junção entre conhecimento
e reconhecimento do outro e conduz-nos ao último desafio;
36
- da separação entre a teoria e prática ao engajamento dialógico na rede:
como construir uma teoria da tradução que leve em conta: a produção
intelectual; discursos de mediação; e as vozes dos militantes das bases
dos movimentos (SCHERER-WARREN, 2002, p.4-7).
Scherer-Warren (2002, p.7-8) cita Goldfarb (1998, p.205) quando diz que "[...]
os intelectuais podem e devem ajudar seus compatriotas a falar, [mas] o discurso
deve ser aberto à deliberação pública e à contestação democrática, evitando as
fórmulas da ideologia". E adiciona: "Subvertendo o senso comum, o intelectual ajuda
a empoderar o marginal. Civilizando as diferenças, o intelectual estabelece o campo
comum para a vida pública". Ainda na recomendação de Goldfarb (1998, p.215, apud
SCHERER-WARREN, 2002, p.8),
[...] uma tarefa intelectual e política maior é articular os problemas de
identidade e interesses às experiências de grupos específicos e mostrar
como experiências, identidades e interesses estão relacionadas com outras
experiências, identidades e interesses... [permitindo alcançar as vozes do
subalterno] para além da política identitária, seja ela baseada no gênero ou
na sexualidade, na raça ou na etnicidade, na classe ou na nacionalidade.
Scherer-Warren (2002) traz alguns exemplos de redes sociais de organizações
civis e ações coletivas, para mostrar como estão sendo tecidas as redes solidárias e
estratégicas. O voluntariado expressa coletivamente sua solidariedade por meio da
filantropia, na esperança de uma diminuição da exclusão social e dentro da perspectiva
de restabelecer a dignidade aos pobres. Na economia solidária grupos visam desenvolver
o espírito de cooperação mediante intercâmbio entre produtores e consumidores
baseados na crítica das "trocas" desiguais no sistema econômico moderno, e formando
uma rede de solidariedade, com o uso de uma moeda alternativa própria. O Terceiro
Setor emprega o princípio de solidariedade aos carentes mediante parcerias entre
voluntários da sociedade civil e o empresariado, visando ao empoderamento social e
tecnológico daquelas populações, como nas muito divulgadas iniciativas sociais do
empresariado. As ações humanitárias implicam ajudas emergenciais para vítimas de
desastres (naturais ou humanos, como nas zonas de guerras ou conflitos), enquanto
compromisso moral humanitário. As redes identitárias buscam o reconhecimento
social de seus pares identitários, almejando a inclusão social e participação na
esfera pública, levando em consideração a necessidade de afirmação do direito à
diferença, como nos casos dos movimentos feminista, gay, étnicos e outros. A ação
37
educativa trabalha pela via da pedagogia social para formação de uma conscncia
social em relação à qualidade de vida, ecologia, oposição à discriminação, entre
outros problemas sociais, na perspectiva da emancipação. A democracia participativa
segue um tipo de negociação solidária que ocorre mediante a participão da
sociedade civil na esfera da governança local, resultando no empoderamento da
sociedade civil. E a cidadania planetária seria a solidariedade intercultural construída
por um intercâmbio dialógico dos grupos e movimentos sociais diversificados,
defendendo princípios de justiça e democracia.
Inojosa (apud SCHLITHLER, 2004, p.20) fala em rede de compromisso social,
uma rede em que
[...] parcerias são mobilizadas a partir da percepção compartilhada de situações
ou problemas que rompem ou colocam em risco o equilíbrio da sociedade
ou as perspectivas de seu desenvolvimento e para cujo equacionamento
não é suficiente a ação isolada de organizações públicas e/ou privadas.
A rede de compromisso social procura mobilizar pessoas e instituições.
E mobilizar é "[...] convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum,
sob uma interpretação e um sentido também compartilhados" (TORO; WERNECK,
2004, p.13). É a partir da mobilização social que a participação popular vai ficar
fortalecida e alcançar os objetivos estabelecidos, e as decisões coletivas vão construir
uma visão de futuro e um novo rumo para a cidade. E o capital social é essencial
para buscar a transformação do cenário das desigualdades sociais, buscando a
justiça social e eqüidade social.
Fleury (2002, p.13) discorre sobre redes de políticas que "[...] a proliferação
de redes de políticas nos leva a refletir sobre suas características, fortalezas e
debilidades, assim como sobre os problemas específicos envolvidos na sua gestão".
Essa autora destaca as características vantajosas das redes de políticas:
- dada a pluralidade de atores envolvidos nas redes, é possível a maior mobi-
lização de recursos e garante-se a diversidade de opiniões sobre o problema;
- devido à capilaridade apresentada pelas redes, a definição de prioridades é
feita de forma mais democrática, envolvendo organizações de pequeno porte
e mais próximas dos da origem dos problemas (SALOMAN, 1995 apud
FLEURY, 2002, p.4);
38
- por envolver, conjuntamente, governo e organizações não-governamentais,
pode-se criar uma presença pública sem criar uma estrutura burocrática
(SALOMAN, 1995 apud FLEURY, 2002, p.14);
- devido à flexibilidade inerente à dinâmica das redes, estas estariam mais aptas
a desenvolver uma gestão adaptativa que está conectada a uma realidade
social volátil, tendo que articular as ações de planejamento, execução,
retro-alimentação e redesenho, adotando o monitoramento como instrumento
de gestão, e não de controle;
- por serem estruturas horizontalizadas em que os participantes preservam
sua autonomia, os objetivos e as estratégias estabelecidos pela rede são
fruto dos consensos obtidos mediante processos de negociação entre seus
participantes, o que geraria maior compromisso e responsabilidade destes
com as metas compartilhadas, além de maior sustentabilidade.
Fleury (2002, p.12) aponta que algumas características das redes são também
apontadas como limitadoras de sua eficácia ou geradoras de problemas e
dificuldades para sua gestão, tais como:
- as redes de políticas apresentariam novos desafios para garantir a rendição
de contas (accountability) em relação ao uso dos recursos públicos, pelo
fato de envolverem numerosos participantes governamentais e privados;
- o processo de geração de consensos e negociação pode ser demasiadamente
lento, criando dificuldades para enfrentar questões que requerem uma
ação imediata;
- as metas compartilhadas não garantem a eficácia no cumprimento dos
objetivos, já que as responsabilidades são muito diluídas;
- a dinâmica flexível pode terminar afastando os participantes dos objetivos
iniciais ou comprometer a ação da rede pela deserção de alguns atores em
momentos cruciais;
- os critérios para participação na rede não são explícitos e universais e
podem provocar marginalização de grupos, instituições, pessoas e mesmo
regiões, podendo deixar a política apenas nas mãos de uma elite;
- as dificuldades de controle e coordenação das interdependências tendem a
gerar problemas na gestão das redes.
39
2.1.2.1 Gestão em redes sociais
Kauchakje (2007, p.91) discorre que a gestão em rede é inovadora, pois
permite ultrapassar o traço histórico brasileiro de ações sociais fragmentadas e
sobrepostas, que não articulam os recursos e os sujeitos locais, regionais e globais.
Isso é relevante porque, não raro, usuários são atendidos em serviços e projetos
sociais desconexos e descontínuos, que não se potencializam mutuamente. Para a
superação do trabalho setorializado e paralelo, a gestão em rede aborda as políticas
(habitação, saúde, cultura, assistência, economia, etc.) de forma interfacetada e
busca a articulação dos atores sociais do Estado e da sociedade civil.
Para Castells (2000, p.12), o Estado-rede
[...] se caracteriza pelo compartilhamento da autoridade (a capacidade
institucional de impor uma decisão) no âmbito de uma rede de instituições.
Uma rede, por definição, não possui centro, senão nós, de diferentes
dimensões e com relações inter-nodais que são freqüentemente assimétricas.
Mas, em termos finais, todos os nós são necessários para a existência da
rede. Assim, o estado-nação se articula cotidianamente na tomada de decisões
com instituições supra-nacionais de distintos tipos e em distintos âmbitos
[...]. Mas, também funcionam nessa mesma rede instituições regionais e
locais e [...], cada vez mais, organizações não governamentais (ou neo-
governamentais, porque fundamentalmente trabalham com e a partir dos
governos) se conectam com esta rede inter-institucional, feita tanto de
negociação como de decisão, de compromisso quanto de autoridade, de
informação quanto de estratégia. Este tipo de estado parece ser o mais
adequado para processar a complexidade crescente de relações entre o
global, o nacional e o local, a economia, a sociedade e a política, na era
da informação.
A proliferação de redes de gestão é explicada, no entender de Fleury (2002, p.1),
"[...] por uma multiplicidade de fatores que incidem simultaneamente, conformando
uma nova realidade administrativa". Segundo essa autora, a globalização econômica
"[...] alterou os processos produtivos e administrativos em direção à maior flexibilização,
integração e interdependência". Por isso, as mudanças recentes quanto ao papel do
Estado e as relações com a sociedade faz com que novos modelos de gestão sejam
propostos com estruturas descentralizadas e parcerias junto as organizações gover-
namentais e não-governamentais.
Essa nova forma de gestão em rede se caracteriza justamente por um maior
grau de cooperação e interdependência entre o Estado e os atores não-estatais no
40
interior das redes (MARCUSSEN; TORFING, 2003), operando em espaços públicos de
articulação social e política.
É importante ressaltar que a gestão em rede, ao gerar espaços de interseções
nas esferas de atuação de atores públicos e privados para intercâmbio de recursos
e(ou) confiança, parece ser capaz de evitar tanto a hierarquia quanto o mercado ao
combinar a espontaneidade e a autonomia individual dos representantes do mercado
com a capacidade das hierarquias, controlando as ações por meio da antecipação
de efeitos decorrentes da implementação de políticas (MAYNTZ, 1993).
Nesses espaços está havendo
[...] a criação de sistemas de governabilidade descentralizados. A parti-
cipação crescente de organizações não-governamentais em conferências
mundiais inicialmente dedicadas a órgãos oficiais do Estado são um exemplo
disso (DUARTE, 2002, p.226).
A gestão em rede deve ser pautada pela necessidade de identificação e ativação
de parceiros nas redes, pelo alinhamento e pela integração de objetivos, e pela
supervisão e coordenação dos esforços de múltiplos e diferenciados parceiros,
viabilizando sistemas que permitam comunicação clara e objetiva, gerindo tensões
nas relações colaborativas e competitivas e buscando o suprimento de deficiências
de recursos e comunicações (GOLDSMITH; EGGERS, 2004).
Migueletto (2001, p.49) explica que na gestão em rede, diferentemente da gestão
administrativa, "[...] cujo administrador é um supervisor que possui a responsabilidade
de planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar [...]", o gestor "[...] assume o
papel de mediador, que deve propiciar as condições para a interação bem sucedida
dos atores e a efetividade de seus projetos". Segundo Junqueira (2000, p.26), esse
mediador "[...] deixa de ser um fazedor e cumpridor de planos para ser um
negociador, aberto ao diálogo, capaz de incentivar e apreender as múltiplas leituras
da realidade e as alternativas de ação".
A gestão em rede é bem-sucedida "[...] se promove a cooperação entre os
atores e previne, evita ou elimina os obstáculos que impedem a cooperação" (KLIJN;
KOPPENJAN; TERMEER, 1996, p.451). Nessa perspectiva, a gestão em rede não
garante o melhor desenvolvimento dos resultados, mas amplia as possibilidades
para que isso ocorra.
41
Migueletto (2001) aponta os elementos estratégicos que compõem a estrutura
organizacional da gestão em rede: atores, percepções, relações, recursos e regras.
Os atores são os nódulos da rede, os sujeitos ativos que interagem,
decidem, se expressam, assumem compromissos e atuam diretamente nos
projetos. As percepções são definições ou imagens da realidade, com base
nas quais os atores interpretam e avaliam suas ações e as de outros atores
[...] As relações expressam a trama de vínculos que se forma na rede, num
continuum de possibilidades que vai desde a estranheza à confiança [...]
Os recursos que os atores disponibilizam na rede podem ser financeiros,
materiais, humanos, tecnológicos, informacionais, entre outros, cuja alocação
demanda um planejamento perspicaz, para aproveitar a contribuição de
cada organização e a sinergia gerada no seu conjunto. As regras expressam os
padrões de comportamento, que são criados, reproduzidos ou transformados
durante as interações (MIGUELETTO, 2001, p.51-52).
Agrannoff e Lindsay (1983, apud FLEURY, 2002, p.14) apontam elementos
condicionantes do êxito da gestão de redes:
- despender grande esforço para chegar a entendimentos comuns;
- alcançar situações em que todos ganham;
- envolver os reais decisores políticos e administrativos;
- focalizar questões específicas;
- avaliar permanentemente e negociar as soluções;
- criar um marco para a ação cotidiana.
Para Klijn et al. (1996 apud FLEURY, 2002, p.15), a gerência exitosa de redes
deve basear-se nas seguintes condições:
- ativar seletivamente atores e recursos;
- limitar os custos da interação;
- buscar compromisso dos participantes;
- oportuna atenção a aspectos políticos e administrativos;
- qualidade e abertura da interação.
Scherer-Warren (2006) relatou em seminário
2
que a alta governança tem na
gestão em rede uma grande possibilidade, porque tal gestão apresenta mecanismos de
auto-regulação, controle horizontalizado e compartilhamento de objetivos estratégicos,
além da construção coletiva de uma cultura política. Portanto, da capacidade das
redes civis se articularem com os órgãos estatais para a realização de uma gestão
2
Seminário Nacional de Experiências na Atenção a Violência Doméstica e Sexual. Curitiba, 24 a 26
de maio de 2006. Texto-síntese. Curitiba, 2006.
42
em redes, na direção de uma governança democrática e inclusiva, depende uma
gestão cidadã. Como já foi exposta anteriormente, a governança é atitude típica
de um Estado regulador, mas cooperativo, em que os atores governamentais,
juntamente com os do setor privado e da sociedade civil, participam em variadas
redes público/privadas, para responder às demandas da sociedade ou para criar
novas oportunidades sociais (KOOIMAN, 1999, p.73).
Frey (2003, p.4) explica que a condução de políticas públicas que pretendam
alcançar seus propósitos requer capacidade de mobilização de todo conhecimento
disponível na sociedade, buscando a melhoria da performance administrativa e a
democratização dos processos decisórios locais. Isso requer "[...] responsabilidade
compartilhada entre todas as organizações e cidadãos que constituem o tecido
institucional social da cidade [...]", isto é, as redes sociais.
Além dessa responsabilidade, Frances et al. (apud RHODES, 1995, p.659)
afirmam que a confiança e a cooperação "[...] são os elementos centrais de articulação
das redes". No entender de Rovere (1998, apud FLEURY, 2002), o desenvolvimento
das redes depende de uma sucessão de ações de gestão que busquem fortalecer
justamente a confiança e a cooperação apontadas por Frances et al.
A gestão em rede demanda ainda a construção de padrões sustentáveis de
interações entre atores que possuam interesses e participem de processos políticos
que tratem de problemas e de questões de interesse público (KICKERT; KOPPENJAN,
1999, p.35), mais especificamente em âmbito local, descentralizado.
A descentralização é vista por Araújo (2002, p.1) como
processo de transferência da autoridade e do poder decisório de instâncias
mais elevadas para instâncias de unidades espacialmente menores, entre
as quais o município e as comunidades, conferindo capacidade de decisão
e autonomia de gestão para as unidades territoriais de menor amplitude e
escala. Representa uma efetiva mudança da escala de poder, conferindo às
unidades comunitárias e municipais capacidade de escolha e definição
sobre suas prioridades e diretrizes de ação e sobre a gestão de programas
e projetos.
Quer dizer, a descentralização está relacionada a um caráter democratizante da
gestão, estimulando a participação da sociedade nos processos decisórios, fortalecendo,
perante o poder público, o poder local, cuja principal missão é ajudar a gerir o sistema,
contribuindo, por meio da ação dos atores locais, para a transformação da sociedade.
43
Um fator diretamente ligado à gestão em rede descentralizada é o capital
social, capaz de dar suporte à democracia e à governança local.
James Coleman e Robert Putnam destacam-se como os teóricos de maior
referência sobre o tema capital social, apesar dele datar, conforme Ferrarezi (2003),
de 1916 – foi descrito em um ensaio de Hanifan, que buscava realçar a importância
das relações sociais para a democracia e o desenvolvimento (FERRAREZI, 2003, p.8).
Alguns autores discorrem sobre o capital social como "[...] a coerência cultural
e social interna de uma sociedade, as normas e valores que governam as interações
entre as pessoas e as instituições nas quais elas estão envolvidas". Ressaltam a
importância do papel das instituições que funcionam como mediadoras da interação
social, tais como as escolas, empresas, clubes, igrejas e famílias. E que compreender o
papel destas instituições e suas influências numa comunidade faz parte do processo
de avaliação do capital social (COSTA, 2003, p.155).
Para Putnam (apud MILANI, 1999, p.104), o capital social se refere "[...] a
aspectos da organização social, tais como redes, normas e laços de confiança que
facilitam a coordenação e cooperação para benefícios mútuos". Para esse autor, o
capital social é importante justamente porque "[...] aumenta os benefícios de investimento
em capital físico e humano". Refere-se ao conjunto de normas de confiança mútua,
às redes de cooperação, aos mecanismos de sanção e às regras de comportamento
que podem melhorar a eficácia da sociedade na solução de problemas que exigem
ação coletiva. O capital social seria, pois, um bem público – um verdadeiro subproduto
de outras atividades sociais, fundado em redes horizontais e na transitividade das
relações de confiança (PUTNAM; 1994 apud MILANI, 1999, p.104).
Fernandes (apud COLEMAN, 1990, p.302) explica que
[...] o capital social é definido pela sua função. Não é uma entidade simples,
mas uma variedade de diferentes entidades, tendo duas características em
comum: elas todas consistem em alguns aspectos de estrutura social e elas
facilitam certas ações de atores – sejam pessoas, sejam atores corporativos –
dentro da estrutura. Como outras formas de capital, capital social é produtivo,
tornando possível a realização de certos fins que, na sua ausência, não
seriam possíveis.
Como o capital físico e o capital humano, o capital social não é fungível, mas
pode ser encontrado em certas atividades. Além disso, uma dada forma de capital
social que é valiosa por facilitar certas ações pode ser prejudicial para outras. Fernandes
44
(apud COLEMAN, 1990, p.302) afirma que, "[...] diferente de outras formas de capital,
capital social é próprio da estrutura de relações entre atores e no meio de atores".
Segundo Bourdieu (2003, p.67),
[...] o volume do capital social que um ator possui depende da extensão da
rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do
capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um
daqueles a quem está ligado.
Há, no entender de Ferrarezi (2003, p.16),
[...] uma rede potencial de capital social que pode ser incentivada ou mesmo
criada por políticas públicas, visando o empoderamento das populações
excluídas para que possam interferir nas decisões públicas, melhorar a
qualidade de vida e otimizar os efeitos das políticas públicas.
Segundo esse autor, o resgate do empoderamento depende fundamentalmente
da promoção da cooperação, da distribuição de bens, da auto-organização e da
dignidade. Exige, portanto, esforço de promoção do associativismo político para
gerar novas práticas que provoquem mudança na cultura política local, aumentando
o espaço democrático nas decisões públicas, por meio da ampliação da participação
social, colaboração e mobilização dos atores locais para promover o desenvolvimento.
Ferrarezi (2003, p.16) entende que
[...] uma das críticas a esta esfera pública ampliada aponta as dificuldades
de superar os marcos do clientelismo, patrimonialismo e corporativismo, que
ainda se encontram presentes nas políticas públicas. Por outro lado,
considero o oposto: é justamente ampliando os espaços para discussão e
definição do interesse público e empoderando os cidadãos que será
possível mudar práticas políticas conservadoras.
O empoderamento se traduz em uma forma de distribuição de capital social. É
um novo elemento na equação que, ao menos, procura a igualdade. O que implica
propor uma sociedade assentada na base da cooperação.
45
A respeito do empoderamento, Gohn (2004, p.23) alerta:
Cumpre destacar que o significado da categoria empowerment ou
empoderamento, como tem sido traduzida no Brasil, não tem um caráter
universal. Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e
práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no
sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de
suas vidas (material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da
realidade social), como poderá referir-se a ações destinadas a promover
simplesmente a pura integração dos excluídos, carentes e demandatários
de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal,
etc., em sistemas precários que não contribuem para organizá-los – porque
os atendem individualmente, numa ciranda interminável de projetos de
ações sociais assistenciais.
Com o capital social a comunidade interage para facilitar a identificação dos
problemas de desestruturação familiar e aplicar o diagnóstico para adaptação na
comunidade local das políticas públicas no âmbito das mudanças sociais, culturais,
ambientais e tecnológicas. Para isso também é preciso capacitar os agentes e os
líderes do empoderamento dentro da comunidade, conscientizando-os da importância
da participação política da população na tomada de decisões. O capital social e o
empoderamento da população servem como embasamento para a construção e o
fortalecimento de propostas de proteção social, como a de Rede de Proteção Social
que visa ao combate à violência contra crianças e adolescentes. Porém, é necessário
fortalecer o capital social para buscar a democracia, tendo em vista o desenvol-
vimento social.
Investir no desenvolvimento social envolve, dentre outros aspectos, combater
todos os tipos de violência. E isso pode ser feito com novos modelos de gestão urbana,
por exemplo, o modelo de gestão em rede, numa parceria entre o Estado e a socie-
dade civil, com maior ênfase nas redes sociais, traduzindo-se em uma possibilidade
para tratar dos problemas sociais contemporâneos, como a violência doméstica.
Para melhor desenvolver este trabalho é necessário compreender o que é
violência e de que modo ela se apresenta na vida de crianças e adolescentes.
46
2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RISCO PARA VIOLÊNCIA
A violência contra criança e adolescente é uma das modalidades da violência.
Para entendê-la, este capítulo discorre sobre a violência doméstica, seus conceitos,
tipologia e características, bem como sobre a relação entre violência e direitos de
cidadania.
A Organização Mundial da Saúde define violência como
[...] o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra
si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade,
que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (OMS, 2002, p.5).
Sousa et al. (2005, p.6) explicam que
[...] a violência é considerada um fenômeno multicausal, que vem atingindo,
indistintamente, todos os grupos sociais, instituições e faixas etárias, na
qual os indivíduos ora se apresentam como vítimas, ora como agressores.
Possui diversas formas de expressões determinadas pela cultura, conceitos
e valores utilizados por um povo. Consubstancializa-se em atos com
intenção de prejudicar, subestimar e subjugar, envolvendo sempre um
conteúdo de poder, quer seja intelectual, quer seja físico, econômico,
político ou social. Atinge da forma mais hostil os seres mais indefesos da
sociedade, como as crianças e adolescentes, sem, contudo poupar os
demais. A violência pode ocorrer nas escolas, instituições, locais de
trabalho, nas ruas, mas acontece principalmente nos lares (podendo esta
ser considerada violência doméstica).
Para Velho (1996), a consideração apenas da pobreza de forma segregada
não é suficientemente forte para justificar a deterioração dos referenciais éticos que
mantêm as interações entre pessoas e grupos. A evidência da pobreza torna-se
maior nos grandes centros urbanos, em virtude da aceleração das injustiças sociais
ocasionadas pela grande diferença dos modos de relações sociais.
A questão da violência tem sido discutida como se esta fosse derivada
diretamente da população pobre como "classe perigosa", na qual a miséria e a
ausência das garantias de cidadania são evidentes, somando-se a negação de padrões
próprios culturais e das estratégias de sobrevivência desenvolvidas. Essa é uma
leitura distorcida da questão e revela um desconhecimento do problema. Basta
observar que as pessoas socialmente mais favorecidas, que dispõem de recursos
47
materiais e intelectuais mais aprimorados, apenas utilizam esses recursos para
"camuflar" o problema, usando o acesso particular e sigiloso a profissionais de saúde,
histórias e justificativas mais convincentes quanto, por exemplo, aos "acidentes"
ocorridos com suas crianças e adolescentes, e o poder aquisitivo para burlar a lei,
entre outros. Muito diferente daquelas pessoas com menor poder aquisitivo, que são
denunciadas com maior freqüência, e não dispondo de recursos financeiros para
utilizarem serviços profissionais particulares, acabam recorrendo aos serviços públicos
de saúde para o atendimento no socorro de suas vítimas. Para Azevedo e Guerra
(1989), a violência é democrática: atinge todas as raças, todos os países e todas as
classes sociais.
O fenômeno da violência na sociedade brasileira contemporânea, em suas
inúmeras formas e expressões, vem se tornando um dos problemas mais dramáticos
da sociedade, facilmente verificado na divulgação dos fatos no cotidiano, nas
estatísticas e também na sensação de insegurança, medo e desconfiança que se
propaga. Chesnais (1999) afirma que "[...] a violência gera o medo, mas este gera
igualmente a violência", num círculo vicioso, numa escala que pode chegar ao grau
de "psicose coletiva".
Minayo (1999) assevera que a violência, como fenômeno complexo, polissêmico
e controverso, é perpetrada por indivíduos contra outros indivíduos e manifesta-se
de várias maneiras, assumindo formas de relações pessoais, interpessoais, sociais,
políticas ou culturais. Para que se possa compreender esse fenômeno, na esfera
nacional, é necessário retomar a história brasileira, pois, segundo Chesnais (1981,
apud MINAYO; SOUZA; 1999) e Burke (1995 apud MINAYO; SOUZA; 1999), não se
pode estudar a violência fora da sociedade que a produziu porque ela se nutre de
fatos políticos, econômicos e culturais traduzidos nas relações cotidianas que, por
serem construídos por determinada sociedade, sob determinadas circunstâncias,
podem ser por ela desconstruídos e superados.
A sociedade brasileira foi construída pela égide da violência, que, por um
lado, está permeada por relações de poder e, por outro, se afirma como ação
legítima, e de acordo com quem a pratica é vista como natural, uma ação necessária
para o restabelecimento da "ordem social vigente" (BALANDIER, 1997).
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1990, em virtude do
crescente número de mortes e traumas, a violência no Brasil passou a ser tratada
48
como um tema de Saúde Pública (OPAS
3
, 1994), em função de tamanha complexidade
e multiplicidade que apresentava. Por causa dessas características, a violência
passou a ser analisada como violências que se entrelaçam, mas que mantêm
singularidades e especificidades que as diferenciam e caracterizam. Assim também
é com a violência contra a criança e o adolescente.
2.2.1 Violência contra a criança e o adolescente
Estudos do Ministério da Saúde (2005) apontam que os sistemas de notificação
existentes na Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria Geral da Presidência
da República - Sistema de Informações para a Infância e Adolescência (SIPIA) e
Disque-Denúncia - confirmam que o espaço doméstico ou das relações familiares é
o principal local de ocorrência de violência doméstica, independente da forma como
é registrada. Estudos demonstram que "[...] ainda que a violência com visibilidade
seja a que ocorre fora de casa, o lar continua sendo a maior fonte de violência
(KRISTENSEN; OLIVEIRA; FLORES, 1998, p.115).
Para Del Priore (2000), a violência contra crianças e adolescentes têm revelado
tratar-se de uma prática enraizada na história do Brasil, desde a colonização e a
chegada dos jesuítas. Na história brasileira os castigos físicos, como método
disciplinador, eram comuns, sendo usados no controle das ações. "A disciplina é um
conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado
os indivíduos em sua singularidade, e ela exerce seu controle não sobre o resultado,
mas sobre o desenvolvimento" (FOUCAULT, 2003). Esses castigos, ainda nos dias
de hoje, têm suas conseqüências e, conforme Foucault (2003), isto é transmitido de
"geração em geração".
3
Em 1994, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) reconheceu como prioridade a
violência social e doméstica para elaboração de seu plano de ação regional. Desde então, solicita
que os governos efetivem ações preventivas em relação às violências (1993).
49
Para melhor analisar a violência contra a criança e o adolescente é preciso
conhecer os conceitos ligados ao tema, como vitimação e vitimização, resiliência e
vulnerabilidade.
2.2.1.1 Conceitos
No entender de Azevedo e Guerra (1989, p.26), dois são os processos
fundamentais de produção de crianças-vítimas em uma sociedade como a brasileira:
o processo de vitimação cuja resultante são o que se denomina "crianças de alto
risco"; e o processo de vitimização, cuja resultante são o que se denomina "crianças
em estado de sítio". Essas autoras conceituam a vitimação como a violação dos
direitos humanos mais elementares da criança: direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, à segurança, ao lazer, etc., chamando essas crianças de "crianças de
alto risco". Essa situação é característica das desigualdades sociais e da pobreza, e
é considerada uma violência social, justamente por estar associada diretamente às
questões sociais, implicando a responsabilidade da sociedade em geral, bem como
do Estado.
Já a vitimização é formada por relações hierárquicas, adultocêntricas, assentadas
no pressuposto do poder do adulto (maior de idade) sobre a criança (menor de
idade). A vitimização – como violência interpessoal – constitui uma exacerbação
desse padrão, possibilitando criar uma forma de aprisionar a vontade e o desejo da
criança, de submetê-la, portanto, ao poder do adulto, a fim de coagi-la a satisfazer
os interesses, as expectativas ou as paixões deste (AZEVEDO; GUERRA, 1989, p.35).
Como a vitimização não é um fenômeno isolado, mas sim um processo que se
prolonga às vezes por anos, a vítima passa a viver uma situação típica de "estado
de sítio", perdendo sua liberdade, podendo resgatá-la, via de regra, recuperando o
poder da própria palavra, isto é, tornando pública a violência privada que foi vítima.
Segundo Oliveira (1989, p.103), o fenômeno da vitimização, corretamente
associado à expressão abuso, tem suas raízes no ciclo da violência perpassada
pelas características falocêntricas e adoltocêntricas da sociedade, e a família, local
privilegiado para o seu surgimento, justifica-a em nome da pedagogia disciplinadora.
50
Sendo assim, o processo de vitimização é observado pela sua concretude, podendo
ocorrer entre membros da família; ou seja, as relações vinculadas com a criança no
contexto doméstico.
Saffioti (1988) aborda sobre o pacto do silêncio diante da vitimização de
crianças e adolescentes e se refere a este comportamento como sendo decorrente
da preservação que os adultos têm com relação ao possível comprometimento da
imagem do adulto que a criança vitimizada virá a ter. Denunciar os maus tratos e(ou)
abusos na família podem, segundo a autora, condicionar negativamente as chances
de essa criança ou esse adolescente formar uma nova "sagrada" família. Ressalta
que, ainda hoje, o único local definido como legítimo para o exercício da sexualidade
legítima, com o fim de concepção da prole legítima, é a família.
Na compreensão dos fenômenos da violência, essa autora ressalta que se
deve atentar para a síndrome do pequeno poder. Para ela, a vitimização constitui
fenômeno extremamente disseminado, exatamente porque o agressor detém pequenas
parcelas de poder sem deixar de aspirar ao grande poder. Não se contentando com
a sua pequena fatia de poder, sente necessidade de treinar para o exercício do
grande poder, que continua a almejar. Esta síndrome ocorre nas situações em que
as crianças e adolescentes são humilhados, feridos e espezinhados principalmente
em algo que é especialmente importante na fase de desenvolvimento em questão: a
auto-estima. Essa atitude é, na maioria das vezes, intentada por pais, parentes e
cuidadores, os quais estão mais próximos das crianças e adolescentes e participam da
convivência diária. Em muitos casos a expressão desse tipo de violência é decorrente
de dificuldades de resolução de problemas de ordem pessoal, estrutural, profissional,
familiar, intelectual ou afetiva. Segundo Saffioti (1988), é maior a freqüência da
manifestação dessa síndrome em lares nos quais os casais têm dificuldades nas
resoluções dos seus problemas. Ocorre quando o pai ou o homem da casa, e mesmo a
mãe ou mulher da casa, descarrega nos menores e(ou) mais fracos a violência em
forma escancarada ou sutil, infligindo humilhações, domínio físico ou sexual,
mantendo a rede de persuasão e poder. Para a autora, tal síndrome pode ocorrer
entre crianças de diferentes idades, servindo para determinar a delimitação de
território, assim como a detenção do micropoder.
Essa autora ressalta que tem observado que alguns agressores atuais tiveram
como aprendizado anterior que a violência é capaz de funcionar como estabelecimento
51
de força, domínio ou mesmo conquista de poder, e continuam perpetuando e
cultuando tais sistemas de crenças e valores. Muitos acreditam, de acordo com seus
próprios depoimentos, que estão realizando a estratégia correta na educação de
seus filhos, subordinados ou dependentes.
Outros dois conceitos relevantes para o entendimento da violência contra
crianças e adolescentes são a resiliência e a vulnerabilidade. Para Yunes e Szymanski
(2001), a resiliência e a vulnerabilidade são processos que operam na presença de
risco. Os fatores de risco relacionam-se com toda a sorte de eventos negativos de
vida que, quando presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar
problemas físicos, sociais e emocionais.
Antoni (2000) diferencia risco de vulnerabilidade definindo o segundo termo
como a suscetibilidade individual ou familiar para desenvolver um distúrbio ou não
ao se adaptar diante de um ou mais indicadores de risco. A vulnerabilidade
aumenta, portanto, a probabilidade de um resultado negativo na presença de risco.
A vulnerabilidade, no contexto dos estudos sobre resiliência, pode ser
entendida como "[...] uma intensificação da reação frente a estímulos que, em
circunstâncias normais, conduzem a uma desadaptação" (KOOTLIARENCO, 1997
apud PESCE; ASSIS, 2003, p.151).
De acordo com Rutter (1987), o termo resiliência é usado para descrever o
aspecto positivo das diferenças individuais em resposta ao estresse e à adversidade.
O autor destaca que a resiliência não deve ser entendida como um atributo fixo do
indivíduo, mas sim como uma característica que sofre variações ao longo do desen-
volvimento, conforme as diferentes circunstâncias de vida.
A resiliência é muito freqüente em situações principalmente de violência
doméstica, por ser complexa e de caráter múltiplo. Não significa que em todos os
casos haja a resiliência, pois nem todos reagem da mesma forma.
Desenvolver a resiliência não indica que a pessoa 'superou' todas as vivências
traumáticas, isto é, não se é resiliente para toda e qualquer situação nem a
todo o momento. Nesse sentido, não podemos falar de indivíduos resilientes,
mas de uma capacidade do sujeito de, em determinados momentos e de
acordo com as circunstâncias, lidar com a adversidade, não sucumbindo a
ela (JUNQUEIRA; DESLANDES, 2003).
52
Ressalta-se que nem todos os vitimizados pela violência doméstica constroem o
processo de resiliência. A capacidade de resistir depende de vários fatores, como os
contextuais, os constitutivos e os variáveis.
O termo resiliência começou a ser empregado na psicologia no final da década
de 1960 para designar a capacidade de o ser humano resistir às adversidades e
uma força necessária para a saúde mental durante a vida (TROMBETA; GUSSO,
2002, p.121). Porém, somente há alguns anos este conceito foi admitido pela saúde
pública, ganhando uma conotação voltada para a prevenção, promoção de saúde,
bem-estar e qualidade de vida da sociedade.
Para a facilitação do processo de resiliência alguns fatores de proteção são
considerados: a estruturação familiar, a consistência de redes sociais de apoio e de
solidariedade ativa, as intervenções e ações estatais, além das características pessoais.
2.2.1.2 Tipos de violência
Minayo (1994) classifica a violência contra a criança e o adolescente em
quatro níveis: estrutural, cultural, de resistência e de delinqüência.
Para Minayo (2002, p.99), a violência estrutural se refere
[...] àquela que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes, a
partir de decisões histórico-econômicas e sociais, tornando vulnerável o seu
crescimento e desenvolvimento. Por ter um caráter de perenidade e se
apresentar sem a intenção imediata dos indivíduos, essa forma de violência
aparece "naturalizada", como se não houvesse nela a ação dos sujeitos.
Cruz Neto e Moreira (1999, p.36) complementam esta referência, apontando que
[...] o locus da violência estrutural é exatamente uma sociedade de
democracia aparente que, apesar de conjugar participação e
institucionalização e advogar a liberdade e igualdade dos cidadãos, não
garante a todos o pleno acesso a seus direitos, pois o Estado volta sua
atenção para atender aos interesses das classes privilegiadas.
53
No entender de Minayo (2002, p.100), a violência estrutural aparece de
múltiplas maneiras:
[...] há a violência dissimulada na obrigação dos 'bons' hábitos, de sempre
obedecer às ordens sem questioná-las, impostas sob quaisquer formas, tão
comum em determinados regimes políticos e que deixa seu caldo de cultura
em grupos e formas de poder posteriores; há a violência anônima, feita
através de textos legais para beneficiar pessoas determinadas, os fortes,
incidindo sobre os fracos; há a violência dos condicionamentos; há uma
violência que se diz cega ou irracional, vizinha da violência racionalizada; há
uma violência fixa, aceita e tão contundente que põe em crise todas as
estruturas, desde os valores éticos e morais até os preceitos legais.
Para Azevedo e Guerra (1989, p.35), a violência estrutural, inerente ao modo
de produção das sociedades desiguais em geral e da sociedade capitalista em
particular, não é a única forma de "[...] fabricar crianças-vítimas". A seu lado – e, por
vezes, não necessariamente em intersecção com ela – coexiste a violência inerente
às relações interpessoais adulto- criança.
Já a violência cultural é aquela que transcende as relações étnicas, grupos
etários ou familiares. Ela se expressa entre pares, a exemplo das violências geradas
no espaço doméstico, nas agressões entre cônjuges e entre os membros da família,
sendo as mulheres, as crianças e os adolescentes os mais atingidos. Segundo
Minayo e Souza (2002, p.59), a Organização Mundial da Saúde entende que
[...] qualquer abordagem global ou abuso infantil deve levar em consi-
deração os diferentes padrões e expectativas em relação ao comportamento
parental em uma variedade de culturas em todo o mundo. A cultura é o
fundo comum de crenças e comportamentos de uma sociedade e seus
conceitos de como as pessoas devem se conduzir. Incluídas nestes
conceitos estão as idéias sobre que atos de omissão ou acometimento
podem constituir abuso e negligência. Em outras palavras, a cultura ajuda a
definir os princípios normalmente aceitos de criação das crianças e
cuidados com as mesmas.
A violência de resistência é marcada pela reação dos sujeitos e grupos
socialmente dominados por outros. Refere-se às reações à violência estrutural. Riffiotis
(1999) destaca que nem toda a violência expressa o sentido da negatividade, podendo
manifestar uma contestação às situações vividas e estruturadas como padrões
estabelecidos do comportamento, cumprindo funções sociais "[...] que resultem,
afinal, positivas" (COSER, 1970, p.74). Porém, ações aparentemente pacíficas podem
estar carregadas de sentidos mais violentos. De acordo com Riffiotis (1999, p.15), a
54
violência pode ser configurada como "[...] uma objetivação, uma espécie de signifi-
cante sempre aberto para receber significados, e não uma invariante, um objeto
natural", compreendidos dentro do marco referencial da violência estrutural, dentro
das especificidades históricas e que se manifesta como forma de produção de
sentido, e como possibilidade de rupturas em situações opressivas em determinados
períodos históricos.
E a violência da delinqüência se manifesta no que a sociedade considera
crime (MINAYO; SOUZA, 2002). Crimes contra a pessoa física e o patrimônio,
incluindo disputas violentas entre os criminosos e determinadas ações ilegais do
próprio aparato policial, são violências da delinqüência. Para Musumeci (2000, p.12),
A distribuição assimétrica da insegurança é um dos aspectos centrais do
problema, obscurecido nas discussões e propostas políticas que se referem
genericamente à 'violência' como fenômeno único que atingiria da mesma
forma a todos os cidadãos. Nesse sentido, dá-se destaque também a
algumas facetas menos visíveis, mas não menos dramáticas, da violência
cotidiana, freqüentemente negligenciadas ou excluídas do debate sobre
segurança pública, como a violência doméstica e a seletividade racial
perpetrada pela polícia.
Como se vê, a violência não diz respeito somente à criminalidade, como
também não é formada por processos exclusivos de cada tipo de violência e
excludentes entre si. Os vários tipos de violência que foram apresentados ainda
podem estar relacionados a outras configurações e um único ato violento pode
acarretar outros tipos de danos.
2.2.1.3 Estatísticas
A criança e o adolescente passaram a ser considerados sujeitos de direito,
obtendo proteção especial conforme seu estado de desenvolvimento, a partir da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), que consagrou tal
doutrina e forçou os países-membros da ONU a formularem políticas próprias de
defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente. No Brasil foi elaborado e
aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.
o
8.069/90.
55
Uma das principais metas brasileiras é a redução da mortalidade infantil.
É primordial a atenção no primeiro ano de vida de uma criança, faixa em que ocorrem
os maiores percentuais de óbitos. A taxa de mortalidade infantil, usada como
indicador básico de desenvolvimento humano (IDH), traduz o número de crianças
que morrem antes de completar um ano de vida para cada mil nascidos vivos e a
taxa de mortalidade de menores de cinco anos, também chamada de taxa de
mortalidade na infância. Essas taxas revelam muito sobre as condições de vida e
assistência de saúde em um país.
De acordo com a classificação internacional da Organização Mundial da
Saúde (OMS), o Brasil apresenta taxa de mortalidade infantil considerada média
(entre 20 e 49 por mil). A OMS estabelece que a partir de 50 por mil as taxas são
altas e abaixo de 20 por mil são baixas. Índices de mortalidade infantil baixos são
encontrados não só no mundo desenvolvido, mas também em países vizinhos ao
Brasil como Venezuela (18), Argentina (17), Uruguai (12) e Chile (8).
Segundo o Ministério da Saúde (2003), dos grupos de causas de mortalidade
infantil, as afecções pré-natais eram responsáveis por 55% dos óbitos, seguidas
pelas más-formações congênitas, com 14%, doenças infecciosas e parasitárias, 8%,
causas mal definidas, 8%, doenças do aparelho respiratório, 7%, doenças endócrinas,
nutricionais e metabólicas, 2%, outras causas, 4%, e causas externas, 2%.
De acordo com os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)
do Ministério da Saúde, de 1996 a 2003, os acidentes e as violências, classificados
internacionalmente como causas externas, foram as principais causas por óbitos,
com 21,11% das mortes de meninos e meninas de 1 a 6 anos. Dentre essas causas, os
acidentes de transporte figuram em primeiro lugar com 27,3% das mortes por causas
externas de crianças de 1 a 4 anos em 2002. A estatística mostra que nessas mortes
de crianças no trânsito a maioria era pedestre, vítima de atropelamento (tabela 1).
56
Tabela 1 - Mortalidade por Causas Externas de Crianças e Adolescentes por Faixa Etária - 2002
FAIXA ETÁRIA
CAUSAS EXTERNAS
Menor que 1
ano (%)
De 1 a 4
anos (%)
De 5 a 9
anos (%)
De 10 a 14
anos (%)
De 15 a 19
anos (%)
Acidentes de transporte 9,04 27,3 46,25 33,65 20,89
Quedas 4,08 4,42 3,75 2,92 1,05
Afogamento e submersões acidentais 3,19 26,48 22,52 20,92 7,13
Exposição à fumaça, ao fogo e às chamas 3,81 6,12 3,0 0,49 0,21
Envenenamento, intoxicação por
exposição a substâncias nocivas 0,62 1,34 0,4 0,14 0,11
Lesões autoprovocadas voluntariamente 0 0,05 0,1 3,72 4,48
Agressões 7,98 5,14 5,76 20,61 54,9
Eventos cuja intenção é indeterminada 13,03 9,51 6,36 6,85 7,0
Intervenções legais e operações de guerra 0 0 0 0 0,29
Todas as outras causas externas 58,24 19,64 11,86 10,71 3,94
TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: UNICEF – Situação da Infância Brasileira (2005, p.23)
A porcentagem do número de mortes de crianças com menos de sete anos de
idade, por causas não-especificadas entre todas as causas externas, é de 32,5%.
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID 10), intoxicação, seqüelas
de queimadura, operações de guerra, entre outros, compõem esse percentual.
O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) da
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) aponta que 25% dos casos de intoxicação
registrados em 2001 – fatais ou não – aconteceram com crianças com menos de 5
anos de idade. Os principais agentes causadores são medicamentos e produtos de
limpeza. Já as quedas e afogamentos estão diretamente ligados à falta de cuidados
dos pais e(ou) responsáveis.
Com relação aos adolescentes, a situação no Brasil é extremamente grave.
De acordo com Soares (2004, p.104), cerca de 45 mil brasileiros são assassinados
por ano no Brasil, violência que atinge sobretudo os adolescentes pobres e negros,
a ponto de já existir um déficit de jovens do sexo masculino na estrutura demográfica
brasileira, similar apenas aos de sociedade de guerra.
Camarano et al. (2004, p.6) denunciam uma "crise dos jovens", sendo confirmada
pelos dados obtidos junto aos indicadores sociais. Os dados apontam que o
segmento jovem representava, em 2002, 19,5% da população, representando ainda
47,7% do total de desempregados, 19,6% dos pobres do país e 40% do total de
óbitos por homicídios. Sendo assim, aproximadamente 4% dos jovens brasileiros do
sexo masculino não completaram 25 anos de idade. Destaca-se, ainda, que o Brasil
57
ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de assassinatos de jovens, atrás apenas
da Colômbia e de Porto Rico (WAISELFISZ, 2004).
De acordo com o Relatório da Sociedade Civil sobre Execuções Sumárias no
Brasil (2001), feito com base em dados noticiados pelos jornais, é possível verificar
que São Paulo tem o maior índice de extermínio de jovens, seguido do Rio de Janeiro,
Pernambuco, Espírito Santo e Bahia. Dos 9.460 casos de homicídios praticados,
1.187 vitimaram crianças e adolescentes, representando um universo de 12,5% do
total. Destes, 15,9% das vítimas são do sexo feminino e 83,4% do sexo masculino.
Nessa pesquisa constatou-se que, quando se considera o homicídio decorrente da
ação das polícias e dos grupos de extermínio, o primeiro lugar é ocupado pelo Rio
de Janeiro e o segundo pela Bahia.
Conforme pesquisa da ANCED
4
(2004, p.88), os dados analisados sobre os
homicídios dolosos contra crianças e adolescentes brasileiros, levantados por uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Federal, no período de 1988 a
1990 foram mortos 4.661 adolescentes com até 17 anos. Conforme esses estudos,
os adolescentes não tinham envolvimento com a criminalidade nem com o tráfico de
drogas. Os índices representam cerca de quatro assassinatos por dia, sendo 52%
praticados por policiais ou vigilantes da segurança privada. Dos mortos, 82% eram
negros, 67% do sexo masculino, tendo ficado a maior faixa de risco entre os
adolescentes com 15 a 17 anos.
Minayo e Souza (1999) alertam que houve uma impressionante evolução da
mortalidade por causas violentas desde o início da década de 1980, quando essas
ocupavam o quarto lugar no perfil geral de óbitos, passando ao segundo lugar, a
partir de 1989. Hoje elas só perdem para as doenças do aparelho respiratório. Entre as
mortes violentas, o percentual que se refere a crianças e adolescentes é assombroso,
tanto que levou o escritório brasileiro da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO, 2004) a criar o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ) do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para possibilitar a avaliação e a
fundamentação de ações e políticas de proteção social. Com a criação deste
indicador, o Brasil tornou-se o primeiro país a ter um
IDJ que reúne os seguintes
4
ANCED - Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente. Relatório
alternativo da sociedade civil sobre situação dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.
58
dados: educação, renda e saúde, sendo que esta engloba a taxa de mortalidade por
causas violentas e de mortalidade por causas externas (tabela 1). Ressalte-se que,
dos 27 estados brasileiros, o Paraná ocupa a quinta posição no IDJ (UNESCO, 2004).
2.2.2 Violência familiar
2.2.2.1 A família
A Constituição Federal de 1988 dispõe, no artigo 227, que "[...] o Estado, a
sociedade e a família têm o dever de assegurar os direitos das crianças e dos
adolescentes, e colocá-los a salvo de todas as formas de negligência, discriminação,
exploração, crueldade e opressão". Porém, nem sempre esse dever é cumprido,
principalmente considerando a família, primeiro mundo da criança.
Matta (1978, p.124-125) explica que a família no Brasil adquiriu valor institucional,
tal a importância que ocupa no cotidiano.
Uma reflexão mais crítica sobre a família permite descobrir que, entre nós,
ela não é apenas uma instituição social capaz de ser individualizada, mas
constitui também e principalmente um valor. Há uma "escolha" por parte da
sociedade brasileira, que valoriza e institucionaliza a família como uma
instituição fundamental à própria vida social. Assim, a família é um grupo
social, bem como uma rede de relações [...] É um dado de fato da existência
social (sem família, como dizem os velhos manuais de sociologia, não há
sociedade) e também constitui um valor, um ponto do sistema para o qual
tudo deve tender. Assim, o termo "família" refere-se não só a família nuclear
(mulher/marido e filhos), mas toda a parentela.
A família é o primeiro núcleo de socialização dos indivíduos; quem primeiro
transmite os valores, usos e costumes que irão formar as personalidades e a bagagem
emocional das pessoas. A dinâmica e a organização das famílias baseiam-se na
distribuição dos afetos, criando, no espaço doméstico, um complexo dinamismo de
competições. Essas disputas são orientadas pelas diferenças de poder entre os
sexos e, no contexto afetivo, motivadas pela conquista de espaços que garantam o
59
amor, o reconhecimento e a proteção, necessidades básicas da condição humana
(MS, 2001, p.13).
O direito à convivência familiar é, antes de tudo, um direito que integra a
condição humana. Arend (1999, p.17) discorre:
A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a
vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo
com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição
de sua existência.
A família desempenha um papel essencial na vida, na formação e no desenvol-
vimento da criança, justificando a sua inclusão entre os seus direitos fundamentais,
na medida em que constitui instrumento essencial na formação do "ego maduro",
capaz de
[...] discriminar a realidade, pensar sobre ela e, a partir de sua capacidade
de antecipação, analisar os possíveis caminhos a serem escolhidos, até
assumir, por opção e com responsabilidade, a ação a ser realizada, a qual
anteriormente passou por um processo de reflexão, decisão e planejamento,
para culminar na sua execução (VASCONCELLOS, 1997, p.60).
A criança, sujeito de direitos, necessita de proteção e cuidados dos pais ou
substitutos para que possam vencer as etapas iniciais do seu desenvolvimento.
Embora existam várias formas de família na sociedade brasileira, distintas dos
moldes tradicionais, independente de sua estrutura a família é o primeiro grupo, a
primeira escola, a primeira comunidade e a primeira experiência de exercício de
cidadania que todo o indivíduo vivencia, sendo essa experiência profundamente
marcante e, muitas vezes, determinante da trajetória de vida. Porém, segundo
Saffioti (1989), laços de consangüinidade não asseguram o amor.
Não basta que os casais tenham seus filhos. É preciso criá-los, ensinando-
os a desempenhar papéis sociais específicos de cada idade, de cada
gênero (masculino e feminino), de cada raça/etnia, de cada classe social
(SAFFIOTI, 1997, p.44).
Gonçalves (2003, p.179) afirma que "[...] na mentalidade brasileira, as regras
domésticas invadem e orientam o público, e tudo o que diz respeito ao público, ao
coletivo e ao social, deve deter-se à porta do doméstico".
60
A preocupação nacional com políticas de atendimento à família surgiu
tardiamente, sendo que, no atendimento à infância as famílias foram, inclusive, desti-
tuídas de suas responsabilidades, pois havia um crédito de que as famílias empobrecidas
não tinham condições não só financeiras, mas de valores, para educar seus filhos.
O Estado e as instituições religiosas se mostravam, dentro de seus valores, mais
capazes de educá-los e civilizá-los.
No entanto, com o passar dos anos constatou-se que era muito mais dispendioso
manter uma criança ou adolescente num abrigo do que no seio familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio a restituir o poder familiar; o
papel do Estado e da comunidade passa a ser o de fortalecimento das famílias para
que essas possam exercer essa ação fundamental de educação e culturação.
2.2.3 Violência doméstica
A violência doméstica contra crianças e adolescentes passou a ser mais
discutida no meio científico a partir dos anos 1980 (SANTOS, 1987; AZEVEDO;
GUERRA, 1988, 1989, 1995; MARQUES, 1986; MINAYO, 1993; SAFFIOTI, 1997) e tem
saído da obscuridade, chamando cada vez mais a atenção de profissionais, de
grupos e da sociedade civil, tornando-se assunto a ser tratado em termos de
políticas sociais. Atualmente faz-se presente no debate público, ampliando a
consciência crítica e a mudança de comportamento e estreitando as barreiras entre
o público e o privado. Com as redes sociais de proteção à criança e ao adolescente,
atreladas às instituições da organização social, da sociedade e órgãos públicos, tem-
se possibilitado trazer a público essas questões, permitindo tratar a violência
doméstica como fenômeno social.
De acordo com Pinheiro (2006), calcula-se que entre 133 e 275 milhões de
crianças em todo o mundo são vítimas da violência doméstica a cada ano. No Brasil,
segundo estatísticas, a cada minuto doze crianças ou adolescentes sofrem algum
tipo de violência doméstica, sendo que a maioria dos agressores são pais, cerca de
70% biológicos (DIÁRIO DO NORDESTE, 2006).
61
Segundo Guerra (1998, p.32-33), a violência doméstica contra a criança e
o adolescente
[...] representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou
responsáveis contra crianças e adolescentes que – sendo capaz de causar
dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, uma
transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma
coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e
adolescentes têm de ser tratados como sujeitos.
Para o Ministério da Saúde (1997), a violência doméstica é uma violência
interpessoal e subjetiva, é um abuso do poder disciplinar e coercitivo dos pais e
responsáveis, é uma forma de violação dos direitos essenciais de crianças e
adolescentes e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a
vida, a liberdade e a segurança. A violência doméstica é tida como o emprego da
força física contra a criança e o adolescente, não acidental e sim intencional,
causando-lhe diversos tipos de ferimentos, sendo realizada no ambiente familiar pelo
pai ou padrasto, mãe ou madrasta ou outro familiar.
No entender de Soares (1999), o termo "violência doméstica" abrange um conjunto
de ações violentas, ocorridas no mundo privado. Abrange um vasto conjunto de
idéias, posições e análises multifatoriais.
Para Grossi (1998, p.297), a violência doméstica pode ser caracterizada por
agressões sofridas no âmbito do casamento ou nas relações afetivas, com a mesma
carga emocional e(ou) social. Este autor diferencia as categorias "violência" e
"agressão". A agressão implica um ato de revide da vítima à violência sofrida. Já a
violência é uma agressão que imobiliza a pessoa que a sofre, impedindo uma
reação; seria o aniquilamento do outro como sujeito social.
A Organização Mundial da Saúde (2002) divide a violência em três grandes
categorias: "[...] conforme as características de quem comete o ato de violência:
violência dirigida a si mesmo (auto-infligida); violência interpessoal e a violência
coletiva" (OMS, 2002, p.6). A violência intrafamiliar está inserida na tipologia de
violência interpessoal, que é dividida em duas subcategorias:
62
[...] violência da família e de parceiro(a) íntimo(a), ou seja, violência que
ocorre em grande parte entre os membros da família e parceiros íntimos,
normalmente, mas não exclusivamente, dentro de casa, e a violência
comunitária que ocorre entre pessoas sem laços de parentesco (consangüíneos
ou não) e que podem conhecer-se (conhecidos ou não (estranhos),
geralmente fora de casa (OMS, 2006, p.6).
A violência intrafamiliar está relacionada a pessoas ligadas por parentesco
consangüíneo ou por afinidade que, em determinado contexto, sofrem ou cometem
algum tipo de violência. Ao conceituar a violência intrafamiliar e a violência doméstica
considera-se a questão relacional implicada na primeira e as relações espaciais que
se tornam mais explícitas na segunda categoria; porém, ambas as classificações
referem-se a conceituações voltadas ao estudo da violência contra crianças e
adolescentes no contexto familiar.
A violência familiar envolvendo crianças e adolescentes pode ser compreendida
como "[...] qualquer ação ou omissão que provoque danos, lesões ou transtornos ao
desenvolvimento [...]" dessas pessoas e "[...] pressupõe uma relação de poder
desigual e assimétrica entre o adulto e a criança" (UNICEF, 2005, p.21). Ou seja, o
adulto aproveita de seu "poder" sobre a criança e o adolescente para impingir-lhe
castigos, maus-tratos, situações de risco, entre outros.
Guerra (1998, p.31) afirma que a violência doméstica contra crianças e
adolescentes "[...] apresenta uma relação com a violência estrutural [...] que permeia
todas as classes sociais, como violência de natureza interpessoal". Essa autora
sintetiza que essa violência:
- é uma violência interpessoal;
- é um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis;
- é um processo de vitimização que às vezes se prolonga por vários meses e
até anos;
- é um processo de imposição de maus-tratos à vítima, de sua completa
sujeição;
- é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente
como pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais
como a vida, a liberdade, a segurança;
- tem na família sua ecologia privilegiada e, como esta pertence à esfera do
privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica
de sigilo.
63
Para Roque e Ferriani (2002), a violência doméstica é
[...] uma das várias modalidades de expressão de violência que a
humanidade pratica contra suas crianças e adolescentes, sendo que as
raízes desse fenômeno também estão associados ao contexto histórico-
social, cultural e político em que se insere e não pode ser compreendido
somente como uma questão decorrente de conflitos interpessoais entre pais
e filhos. Mesmo este relacionamento interpessoal, o qual configura um
padrão abusivo de interação pai-mãe-filho, foi construído historicamente por
pessoas que, ao fazê-lo, relevam as marcas de sua história pessoal no
contexto da história socioeconômica, política, cultural da sociedade.
A violência doméstica pode ser perpetrada individualmente ou em conjunto
por pai, mãe, companheiro, responsável, padrasto, madrasta, pessoas com algum
tipo de vínculo ou conhecido. E as principais causas para a violência são o uso de
drogas e álcool, baixa auto-estima, auto-imagem vulnerável, desemprego, a falta
de comunicação e a comunicação truncada, e a aceitação da violência por parte
da sociedade.
Segundo Saffioti (1997), as mulheres são grandes espancadoras de crianças,
embora raramente pratiquem violência sexual contra elas – as estatísticas
internacionais estimam em torno de 1 a 3% a proporção desse tipo de agressão.
Porém, ainda que a mulher perpetre violência contra seus filhos, o homem é o maior
agressor físico, pois suas vítimas não são somente os filhos, mas também a mulher.
Saffioti e Almeida (1995, p.159) apontam ainda um outro conceito de violência
familiar: a violência de gênero, que "[...] visa à preservação da organização social de
gênero, fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuados que
subalternizam o gênero feminino [...]" e "[...] amplia-se e reatualiza-se na proporção
direta em que o poder masculino é ameaçado". De acordo com essas autoras, a
violência de gênero tem duas faces: é produzida no interior das relações de poder,
objetivando o controle de quem detém a menor parcela de poder, e releva a
impotência de quem a perpetra para exercer a exploração-dominação, pelo não-
consentimento de quem sofre a violência.
A questão de gênero é um fator preponderantemente na produção da violência
social, interpessoal e familiar. Saffioti (1999) destaca que é importante lembrar que a
predominância de categoria de gênero não existe de forma abstrata, ao contrário,
articula-se com as categorias de classe e raça/etnia. Na escala social do exercício
da dominação-exploração por legitimação do poder ou imposição por meio da violência,
64
o homem adulto, branco e rico tem predominância sobre mulheres, crianças, pobres
e negros.
No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar
a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou,
pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta
como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas
potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a
execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens
exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. Com
efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das
vítimas potenciais diante dos ditames do patriarca, tendo este necessidade
de fazer uso da violência. Nada impede, embora seja inusitado, que uma
mulher pratique violência contra seu marido/companheiro/namorado. As
mulheres como categoria social não têm, contudo, um projeto de
dominação-exploração dos homens. Isso faz uma gigantesca diferença
(SAFFIOTI, 2001 p.115).
2.2.3.1 Tipos de violência doméstica
A violência contra criança e adolescente é uma construção histórica, social e
cultural e pode manifestar-se de vários tipos: violência física, sexual, psicológica,
abandono e negligência, podendo atingir indistintamente qualquer classe social,
faixa etária e ambos os sexos (AZEVEDO, 1999).
2.2.3.1.1 Violência sexual
A violência doméstica sexual deve ser compreendida não só em seus
aspectos individuais, mas também sociais, políticos e culturais, construídos por um
processo histórico, de forma plural. No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde
(2001), a violência sexual é definida como
[...] qualquer ato sexual ou tentativa de ato sexual não desejada, ou atos
para traficar a sexualidade de uma pessoa, utilizando coerção, ameaças ou
força física, praticados por qualquer pessoa, independentemente de suas
relações com a vítima, em qualquer cenário, incluindo, mas não limitado ao
do lar ou do trabalho.
65
Para Azevedo e Guerra (apud GUERRA, 1989, p.33),
[...] a violência sexual se configura como ato ou jogo sexual, relação hetero
ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente,
tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente
ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou
outra pessoa.
Nos estudos que relatam este tipo de violência todos os autores indicam a
existência de abuso sexual no âmbito familiar (GOMES, 1994, apud WESPHAL, 2002,
p.104), tendo como agressor o pai, o padrasto, ou ainda pessoas conhecidas do
relacionamento da vítima, e ocorrer com maior freqüência com crianças e adolescentes
do sexo feminino. É comum que, no espaço doméstico, por meio do domínio e do
poder estabelecido pelas regras sociais, agressores com laços consangüíneos ou de
parentesco por afinidade perpetuem a violência sexual (SAFIOTTI, 1999). Araújo
(2002) concorda que o abuso sexual no âmbito familiar seja um tipo de violência
que envolve poder e coação a partir de duas desigualdades básicas: de gênero e
de geração.
É freqüentemente praticado sem o uso da força física e não deixa marcas
visíveis, o que dificulta a sua comprovação, [podendo] variar de atos que
envolvem contato sexual com ou sem penetração a atos em que não há
contato sexual, como o voyeurismo e o exibicionismo (ARAÚJO, 2002).
Para Saffioti (1989, p.13) não é difícil compreender a conspiração do silêncio
que se estabelece em torno do abuso sexual de crianças: "[...] para o senso comum,
a publicização do fato comprometeria a imagem do adulto que a criança vitimizada
virá a ser, condicionada negativamente suas possibilidades de formar uma nova
sagrada família". Ressalta ainda que
a família constitui o único locus legítimo para o exercício da sexualidade
legítima, com a finalidade de gerar a prole legítima. A sexualidade exercida
com vistas à obtenção de prazer é, via de regra, considerada sexo ilegítimo,
e tende a ocorrer do lado de fora da família, isto é, num locus ilegítimo,
podendo gerar uma prole ilegítima (SAFFIOTI, 1989, p.13).
Assim, fica evidente a razão do silêncio em torno da vitimização sexual de
crianças.
66
De acordo com o quadro 1, verifica-se que o percentual de meninas (75,4%)
que sofrem violência doméstica sexual é muito maior que o percentual de meninos
(20,7%) e pode-se notar que essa "preferência" é histórica. Outro dado muito
interessante é que até 1998 eram pouquíssimos os casos notificados desse tipo de
violência, e a partir de 1999 os números cresceram assustadoramente. Pode-se
supor dois motivos: ou realmente houve um grande aumento da violência sexual
doméstica contra crianças e adolescentes ou as pessoas passaram a denunciar os
casos, pois, conforme a sistematização do LACRI, a violência sexual é um dos tipos
de violência doméstica contra crianças e adolescentes menos notificada e que pode
ser justificada pelo tabu que ela representa.
Quadro 1 - Síntese de Violência Sexual Doméstica Notificada
VIOLÊNCIA SEXUAL
Masculina Feminina Sem Info TotalANO
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
1996 8 8,4 68 71,6 19 20,0 95 100,0
1997 7 2,2 80 25,4 228 72,4 315 100,0
1998 18 3,1 174 30,1 386 66,8 578 100,0
1999 113 17,4 536 82,6 0 0,0 649 100,0
2000 192 19,6 786 80,4 0 0,0 978 100,0
2001 350 20,3 1.373 79,7 0 0,0 1.723 100,0
2002 326 18,9 1.402 81,1 0 0,0 1.728 100,0
2003 522 20,1 2.077 79,9 0 0,0 2.599 100,0
2004 589 22,9 1.984 77,1 0 0,0 2.573 100,0
2005 602 22,0 2.129 78,0 0 0,0 2.731 100,0
2006 677 27,6 1.779 72,4 0 0,0 2.456 100,0
TOTAL 3.404 20,7 12.388 75,4 633 3,9 16.425 100,0
Fonte: A Ponta do Iceberg (LACRI/USP, 2007)
2.2.3.1.2 Violência física
Normalmente, a violência doméstica física acontece no próprio espaço familiar,
com uso intencional de força física principalmente contra a criança e o adolescente
por pais, responsáveis e pessoas que mantêm vínculo com eles, deixando ou não
marcas evidentes.
Para Azevedo e Guerra (1995), a violência física é toda a ação que causa dor
física numa criança, desde um simples tapa até o espancamento fatal. E a OMS
67
define violência física intrafamiliar contra criança e adolescentes como formada por
"[...] atos de acontecimento, por parte da pessoa responsável pelos cuidados com a
criança, que causam real dano físico ou apresentam a possibilidade de um dano"
(OMS, 2002, p.61). Destaca como extensão desses atos os abusos fatais e não
fatais e apresenta as lesões que podem ocorrer, discutindo as chamadas "síndrome
da criança sacudida e da criança espancada". Guerra (1998, p.34) afirma que o
conceito de violência física tem passado por algumas transformações especialmente
ao longo dos 30 últimos anos.
Em 1962, nos Estados Unidos, os doutores Kempe e Silverman estudaram e
batizaram um tipo de violência física: a Síndrome da Criança Espancada.
Esta síndrome se refere usualmente a crianças de baixa idade que sofrem
ferimentos inusitados, fraturas ósseas, queimaduras, etc., ocorridos em
épocas diversas, bem como em diferentes etapas, e sempre inadequada ou
inconsistentemente explicadas pelos pais. O diagnóstico tem que se basear
em evidências radiológicas dos repetidos ferimentos (AZEVEDO; GUERRA,
1993, apud GUERRA, 1998, p.34).
E a Síndrome da Criança Sacudida é causada por sacudidas aplicadas de
forma violenta na criança, que podem gerar hemorragias e até a morte. Segundo o
relatório da OMS (2002), há evidências de que um terço das crianças sacudidas
fortemente morre e a maioria dos demais sobrevive com retardamento mental,
paralisia cerebral e cegueira.
Segundo a OMS (2002), vê-se com mais freqüência lesões na cabeça ou nos
órgãos internos, ou morte de crianças vítimas de abuso (a causa mais comum de
morte entre crianças pequenas é o traumatismo craniano como resultado de abuso,
sendo que crianças de até dois anos são as mais vulneráveis). As lesões de pele
podem fornecer sinais claro de abuso; no esqueleto, a violência manifesta-se "[...]
em fraturas múltiplas em diferentes estágios de cicatrização, fraturas de ossos que
muito raramente se quebram sob circunstância normais e fraturas características de
costelas e ossos longos" (OMS, 2002, p.60).
De acordo com o LACRI/USP (2007) no quadro 2, verifica-se que a violência
física corresponde a 31,4% dos casos confirmados em 1996 a 2006, perfazendo um
total de 46.541 registros.
68
2.2.3.1.3 Violência psicológica
Para Guerra (1998, p.33), a violência psicológica,
[...] também designada como tortura psicológica, ocorre quando um adulto
constantemente deprecia a criança, bloqueia seus esforços de auto-
aceitação, causando-lhe grande sofrimento mental. Ameaças de abandono
também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa, representando
formas de sofrimento psicológico.
Esse tipo de violência doméstica pode ocorrer por meio de intimidações, nas
formas de comunicação verbal e não-verbal, isto é, de diferentes tipos de jogos de
palavras que ferem e ameaçam, por meio de manipulações, de chantagens de ordem
emocional e mesmo material que, segundo Soihet (1997), é uma forma de "violência
simbólica", que pode se transformar em agressão física. Pode desenvolver-se de
forma muito sutil, porém, constata-se, constitui uma forma de aniquilar o outro como
sujeito social, tratando-o "[...] como uma coisa, buscando-se impedir a sua fala e a
sua atividade" (SOIHET, 1997, p.10).
De acordo com o LACRI/USP (2007) no quadro 2, verifica-se que a violência
psicológica corresponde a 16,4% dos casos confirmados em 1996 a 2006, perfa-
zendo um total de 24.305 registros.
2.2.3.1.4 Negligência e abandono
Para Guerra (1998, p.33), a negligência "[...] representa uma omissão em
termos de prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou
adolescente". Pode ser percebida por meio de falhas em termos alimentar, de vestir
adequadamente seus filhos, faltas constantes às aulas, falta de higiene, entre outros
sinais, e quando tal falha não é resultado das condições de vida além do seu
controle. De forma discriminatória, a negligência é tida como característica comum
da classe pobre da sociedade, que na maioria dos casos vive na miséria, sem
condições de cuidar dos filhos. Essas famílias são vítimas da política econômica,
69
das políticas sociais em geral (que garantem ou não o acesso aos serviços urbanos
básicos) e dos políticos (que defendem uma determinada concepção de ética, um
certo projeto de sociedade não condizente com a realidade).
Mas não é somente nessa camada da população que esse tipo de violência
doméstica ocorre. Também constituem formas mais sutis, muito utilizadas, de negli-
gência, as práticas intencionais de negar alimentação e cuidados, o não-atendimento
à fala e a reclames, o não escutar, o ignorar, o descrédito e a omissão.
A negligência é caracterizada pelo desinteresse dos pais no cuidado dos seus
filhos. Uma vez que é um tipo de violência na qual predomina a atitude passiva e
não a ativa – como nos casos de violência física –, e é freqüente passar despercebida
perante os olhos dos outros.
Guerra (1998) ressalta que a violência se dilui no cotidiano da criança e
assume uma proporção tal que, por mais que se atente para o fato, tem-se a
impressão de que nada está em desacordo com o básico necessário à criança,
camuflando situações de vulnerabilidade e dificuldade de sustentação no equilíbrio
diário. Para essa autora, a negligência pode se constituir, com o decorrer do tempo,
em abandono, podendo contribuir por instalar marcas definitivas no desenvolvimento
das crianças e adolescentes.
O abandono é considerado o mais grave tipo de negligência familiar e constitui
uma prática antiga da sociedade; pode ser definido como uma forma grave de
negligência, que por sua vez evidencia a ausência de um vínculo adequado dos
responsáveis com seu filho (
MARMO; DAVOLI; OGIDO, 1995).
De acordo com um estudo realizado em 2003 pelo Instituto de Pesquisa
Aplicada (
IPEA) em 589 abrigos para crianças e adolescentes no Brasil, os motivos
de ingresso a abrigos, relacionados à pobreza, foram: carência de recursos materiais
da família/responsável (24,1%); abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%);
violência doméstica (11,6%); pais ou responsáveis/dependentes químicos/alcoólicos
(11,3%); vivência de rua (7,0%); órfão (5,2%); pais ou responsáveis detidos (3,5%);
abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%); submetido a exploração,
tráfico ou mendicância (1,8%); e outros (13,4%).
70
Essa pesquisa mostra que 87% das crianças e dos adolescentes abandonados
têm uma família e o mais importante é que 58,2% mantêm vínculo com essas
famílias. Ou seja, a grande maioria tem uma família, que na prática não tem condições
de criá-la.
De acordo com o LACRI (2007), a negligência é a violência doméstica mais
notificada, correspondendo a 40,7% dos casos registrados em 1996 a 2006, perfazendo
um total de 60.247 registros (quadro 2).
2.2.4 Estatísticas
As duas formas de violência mais notificadas no Brasil, no período considerado
no quadro 2, foram a negligência e a violência física, seguidas da violência psicológica
e da violência sexual. Os casos fatais representaram 0,4% do total. Outro dado
interessante é que a violência física tem diminuído nos últimos anos (ao menos a
notificada) e a violência sexual tem aumentado, o que pode significar que as pessoas
têm denunciado mais esse tipo de violência.
A pesquisa do LACRI (2007) foi realizada em dezesseis estados brasileiros e
no Distrito Federal, denunciando que esses números são apenas "a ponta do
iceberg" de violências domésticas cometidas contra crianças e adolescentes. A cifra
negra, como são chamados os casos não notificados, é muito maior, por causa do
"complô de silêncio" de que muitas vezes participam os profissionais, os vizinhos, os
parentes, os familiares e até a própria vítima.
De modo abrangente, o quadro da síntese de violência doméstica notificada
contra crianças e adolescentes assim se apresenta:
71
Quadro 2 - Síntese de Violência Doméstica Notificada
MODALIDADE DE VDCA - INCIDÊNCIA PESQUISADA
Violência Física
Violência
Sexual
Violência
Psicológica
Negligência Violência Fatal
Total de casos
notificados
ANO
Qtd % Qtd % Qtd % Qtd % Qtd % Qtd %
1996 525 44,0 95 8,0 0 0,0 572 48,0 0 0,0 1.192 100,0
1997 1.240 60,1 315 15,3 53 2,6 456 22,1 0 0,0 2.064 100,0
1998 2.804 22,2 578 4,6 2.105 16,7 7.148 56,6 0 0,0 12.635 100,0
1999 2.620 39,3 649 9,7 893 13,4 2.512 37,6 0 0,0 6.674 100,0
2000 4.330 38,9 978 8,8 1.493 13,4 4.205 37,7 135 1,2 11.141 100,0
2001 6.675 32,9 1.723 8,5 3.893 19,2 7.713 38,1 257 1,3 20.261 100,0
2002 5.721 35,8 1.728 10,8 2.685 16,8 5.798 36,3 42 0,3 15.974 100,0
2003 6.497 31,3 2.599 12,5 2.952 14,2 8.687 41,9 22 0,1 20.757 100,0
2004 6.066 31,0 2.573 13,2 3.097 15,8 7.799 39,9 17 0,1 19.552 100,0
2005 5.109 26,5 2.731 14,2 3.633 18,9 7.740 40,2 32 0,2 19.245 100,0
2006 4.954 26,7 2.456 13,2 3.501 18,9 7.617 41,1 17 0,1 18.545 100,0
TOTAL 46.541 31,4 16.425 11,1 24.305 16,4 60.247 40,7 522 0,4 148.040 100,0
Fonte: A Ponta do Iceberg (LACRI/USP, 2007)
2.3 REDE DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – NOVOS
SUJEITOS DE DIREITO
Estudos demonstram que a violência doméstica contra criança e adolescente
é uma prática muito antiga em todas as classes sociais e nas mais diferentes culturas.
Day et al. (2003) levantam exemplos históricos em relação à falta de proteção
jurídica à criança:
- no Oriente Antigo, o Código de Hamurábi (1728/1686 a.C.) previa o corte
da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram
seus pais, assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse
voltar à casa dos pais biológicos (art. 193). Caso um filho batesse no pai,
sua mão era decepada (art. 195). Em contrapartida, se um homem livre
tivesse relações sexuais com a filha, a pena aplicada ao pai limitava-se a
sua expulsão da cidade (art. 154);
- em Roma, entre os anos 303 e 304 d.C, a Tábua Quarta da Lei das
XII
Tábuas permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme, mediante
julgamento de cinco vizinhos;
72
- no século XVII surgiram os castigos, a punição física, os espancamentos
com chicotes, ferros e paus, a pretexto de afastar as crianças de más
influências e moldá-las de acordo com os desejos dos adultos. "Entre 1730
e 1779, metade das pessoas que morreram em Londres tinha menos de
cinco anos de idade" (DAY, 2003).
No Brasil, apesar de ter sido "descoberto" oficialmente em 1500, as terras só
começaram a ser povoadas a partir de 1530, inclusive com crianças que vieram como
grumetes ou pajens, na epopéia marítima portuguesa (RAMOS, 2000). As crianças –
em sua maioria órfãs do rei – eram embarcadas em Lisboa e enviadas ao Brasil.
Eram obrigadas a aceitar abusos sexuais dos marujos rudes e violentos e, mesmo
aquelas acompanhadas dos seus pais, eram violadas por pedófilos.
Poucas crianças, quer embarcadas como tripulantes ou passageiros, conseguiam
resistir à insalubridade das embarcações portuguesas, à inanição e às
doenças; e um número ainda menor sobrevivia em caso de naufrágio. Se
eram poucas as crianças embarcadas, o número de pequenos que chegavam
vivos ao Brasil, ou mesmo à Índia era ainda menor, e com certeza nenhum
conseguia chegar ileso ao seu destino. [...] Outras crianças, menos afor-
tunadas, quando não pereciam durante a viagem, enfrentavam a fome, a
sede, a fadiga, os abusos sexuais, as humilhações e o sentimento de
impotência diante de um mundo que não sendo o seu tinha que ser
assimilado independentemente de sua vontade. Combater o universo adulto
desde o início seria tentar vencer uma batalha que já estava perdida
(RAMOS, 2000, p.49).
Outro caso era o das crianças escravas que, quando sobreviviam à viagem
náutica, ao chegarem eram separadas de seu grupo de pertencimento e distribuídas
a outras tribos, para não haver nenhum tipo de comunicação. Elas conviviam com a
violência e a humilhação: diariamente sofriam diversas formas de punição, mais
leves que as impingidas aos adultos, pois ainda estavam sendo 'adestradas'. Porém,
com 12 anos de idade já eram consideradas adultas: "[...] a partir de 7 anos entrava
a criança para o mundo do trabalho na condição de 'aprendiz' ou 'moleque' e, aos 12
anos, ou mesmo antes, já se constituía plenamente como força de trabalho escrava"
(ARANTES, 1995, p.189).
O cotidiano dessas crianças era repleto de humilhações e pancadaria, ocorrendo
precocemente a perda da inocência.
73
As crianças cativas, contudo, não ficavam entregues apenas à comiseração
de Deus. Forças mui humanas (ou desumanas, a bem da verdade)
conduziam seus destinos. [...] Estes também haviam de ser batidos,
torcidos, arrastados, espremidos e fervidos. Era assim que se criava uma
criança escrava (GÓES; FLORENTINO, 2000, p.184).
Segundo Nunes e Silva (2003), os jesuítas foram os primeiros a criar um
espaço institucional definido e rigidamente delimitado para as crianças brasileiras, na
maioria filhos dos índios que vieram catequizá-las ou ensinar o "bem" mediante
castigos físicos ou proibições morais.
A partir do século XVI até o século XVII as crianças foram catequizadas pelos
jesuítas, fazendo reuniões para ensiná-las a ler, escrever e aprender bons costumes
nas denominadas "Casas dos Muchachos", cuja didática era composta de perguntas
e respostas decoradas pelos indiozinhos. "Por intermédio da catequese e da
colonização, [...] sair do estágio primitivo e alcançar a civilização. Esses princípios
formavam uma espécie de filtro cultural que distorcia a lógica própria dos ritos e mitos
indígenas" (RAMINELLI, 1997, p.12). Os meninos também aprendiam as obrigações
religiosas. E logo estavam se confessando toda semana, cantando e rezando em latim,
mesmo sem entender o que diziam. Muitos se autoflagelavam para se livrar da
preguiça, da luxúria e do ódio ou de outras tantas supostas paixões más e pecaminosas.
Os jesuítas aplicavam a "pedagogia do medo" na educação das crianças, com
ensinamentos repressivos, fazendo com que a criança negasse sua cultura, assumindo
formas tão diferentes e agressivas à cultura indígena. Atribuíam aos pecados as causas
das epidemias (trazido pelo próprio homem branco aos índios) e os fenômenos
naturais como muita seca ou muita chuva.
O castigo físico não era nenhuma novidade no cotidiano colonial. Introduzido
no século XVI pelos padres jesuítas, para horror dos indígenas que
desconheciam o ato de bater em crianças, a correção era vista como uma
forma de amor. O 'muito mimo' devia ser repudiado. Fazia mal aos filhos.
'A muita fartura e abastança de riquezas e boa vida que tem com ele é
causa de se perder', admoesta em sermão José de Anchieta. O amor de pai
devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensinava que amar 'é castigar
e dar trabalhos nesta vida'. Vícios e pecados, mesmo cometidos por
pequeninos, deveriam ser combatidos com 'açoites e castigos'. A partir das
Aulas Régias, a palmatória era o instrumento de correção por excelência
(DEL PRIORE, 2000, p.97).
Com a proclamação da República, dadas as circunstâncias históricas, advindas
da abolição da escravatura e da imigração de mão-de-obra, dentre outras, a questão
74
da criança passou a ser considerada como um problema social. Com isso, "[...]
surgiu uma nova ordem de prioridades no atendimento social que ultrapassou o nível
da filantropia privada e seus orfanatos, para elevá-la às dimensões de problema de
Estado com políticas sociais e legislação específicas" (PASSETTI et al., 2000, p.347).
Dessa forma, a integração de crianças e adolescentes na sociedade passou a
ser tarefa do Estado por meio de políticas sociais para atendimento das famílias
desestruturadas, com o intuito de reduzir a criminalidade e a delinqüência.
Uma das iniciativas sociais foi a criação, por volta de 1870, no Rio de Janeiro,
de instituições voltadas ao atendimento de abandonados.
As instituições de acolhimento surgiram para dar conta dos numerosos
casos de abandono de crianças pelos pais. As irmandades católicas, sob a
égide da caridade cristã, encarregavam-se desses cuidados" (BITTENCOURT,
1991, p.70).
Algumas dessas instituições seguiam os modelos francês e norte-americano de
associar o trabalho com o abandono de crianças. Iniciativa esta que os transformou
em classe trabalhadora, valorizando a educação direcionada ao trabalho agrícola e
artesanal, e assim intentando afastá-los da prostituição e da vadiagem.
Outra criação foi a da Roda dos Expostos, ocorrida por causa do grande
índice de abandono e mortalidade infantil, principalmente nas camadas mais pobres
da população. Esta roda era
[...] um aparelho mecânico formado por um cilindro, fechado por um dos lados,
que girava em torno de um eixo e ficava incrustado nos muros dos conventos,
por onde frades e freiras recebiam cartas, alimentos e remédios, sendo ado-
tados nas cidades para abrigar crianças abandonadas (MESGRAVIS, 1975).
Passetti et al. (2000, p.348) relatam o que o imperador Pedro I falou à Assem-
bléia Constituinte, em 3 de maio de 1823:
A primeira vez que fui à Roda dos Expostos achei, parece incrível, sete
crianças com duas amas, sem berço, sem vestuário. Pedi o mapa e vi que
em 13 anos tinham entrado perto de 12 mil e apenas tinham vingado mil,
não sabendo a Misericórdia verdadeiramente onde elas se achavam.
A Roda dos Expostos acolhia crianças de qualquer segmento social e racial, e
procurava rapidamente encaminhá-las às famílias, que recebiam ajuda financeira
75
para criá-las. A Roda mantinha o anonimato de quem abandonava as crianças.
A Roda dos Expostos existiu no Brasil por quase 300 anos, mas nos cem anos finais
encontrou resistências cada vez maiores, em virtude da alarmante taxa de mortalidade
das crianças e as condições de higiene.
As ações assistenciais de proteção social, até o século XIX limitaram-se
basicamente à caridade, principalmente religiosa. Iniciativas filantrópicas começaram
a ganhar amplitude principalmente no campo da educação e da medicina. Pode-se
citar a iniciativa do médico higienista Moncorvo Filho, que em 1880 fundou o Instituto
de Proteção e Assistência à Infância no Rio de Janeiro e implantou uma série de
atividades para proteção dos menores.
A estrutura institucional de Moncorvo Filho reforçava as hierarquias sociais
e de gêneros e, ao mesmo tempo, oferecia ao governo um modelo
organizacional e institucional para a assistência à infância. Para entender
este modelo é necessário analisar os seus alicerces ideológicos, que podem
ser vistos claramente em três eventos importantes, todos eles produtos da
energia e da imaginação de Moncorvo Filho: os Concursos de Robustez, o
Primeiro Congresso Brasileiro da Proteção à Infância e o Museu da Infância.
[...] Os participantes apelaram para os governantes, instando-os a
estabelecer o dia 12 de outubro como Dia da Criança; prescreveram a
regulamentação da produção e do consumo de alimentos infantis enlatados
e a criação, em homenagem ao Centenário da Independência brasileira, de
um instituto internacional para a proteção das crianças no Rio de Janeiro
que deveria centralizar o recolhimento e a classificação de dados referentes
à infância. Sugeriu-se, ainda, a regulamentação dos institutos de assistência
à infância, a abolição das rodas dos expostos, o estabelecimento, nos locais
de trabalho, de espaços reservados para que as mães, sem prejuízo do
salário, pudessem amamentar os filhos e a supervisão constante do poder
público em relação a todos os aspectos relativos à assistência à infância.
O Congresso também propugnou a criação de leis que reconhecessem os
direitos das crianças à vida e à saúde, alertando para a necessidade da
notificação obrigatória do nascimento e da instituição de atestados médicos
que comprovassem a aptidão dos nubentes para o casamento. Recomendou a
presença de enfermeiras nos programas de educação sanitária e a organização
de serviços odontológicos e de proteção especial para as crianças cegas.
Algumas das recomendações do Congresso acabaram sendo incorporadas
no Código de Menores de 1927 (WADSWORTH, 1999).
As recomendações incorporadas ao Código de Menores traziam a idéia de
proteção à criança e ao adolescente, propiciando o início da implantação, no Brasil,
do primeiro sistema público de atenção a essa população.
Surgem, a partir de 1930, diversas entidades federais de atenção à criança e
ao adolescente. Entre elas pode-se citar a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a
Fundação Darcy Vargas, a Casa do Pequeno Jornaleiro, a Casa do Pequeno Lavrador,
a Casa do Pequeno Trabalhador, a Casa das Meninas, entre outras. Estes programas
76
tinham como propósito oferecer assistência e educação básica, bem como dar
condições de trabalho e geração de renda (PILATTI; RIZZINI, 1995, p.137).
Durante o regime militar de 1964 foi criado o Serviço de Assistência Médica
Domiciliar de Urgência (SAMDU).
De 1964 a 1980, no campo de atendimento aos direitos das crianças e dos
adolescentes em circunstâncias difíceis, a atuação do Estado neste período foi
precedida por dois diplomas legais da maior importância: o primeiro deles foi a Lei
n.
o
6.697/79 (também chamada de Código de Menores), que tratava da proteção e
vigilância aos menores em situação irregular. Segundo Pilatti e Rizzini (1995, p.138),
o governo deveria "[...] incentivar a educação popular, proteger a maternidade e a
infância, contribuir para a melhoria da saúde do povo brasileiro, atendendo parti-
cularmente ao problema alimentar e da habitação, fornecer o reajustamento das pessoas
moral e economicamente desajustadas". E o segundo foi a Política Nacional do
Bem-Estar do Menor, que estabelecia para todo o país uma política centralizadora,
baseada em padrões uniformes de atenção direta. O órgão nacional dessa política
chamava-se FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor – e os órgãos
executores estaduais eram as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor – FEBEMs.
Porém, o enfoque assistencialista acabou sendo substituído pelo repressivo.
No final da década de 1980 houve uma maior atenção ao tema e em 1988,
com a Constituição Brasileira, consagraram-se os direitos da criança e do adolescente,
que deixam de ser vistos como propriedade dos pais (BRASIL, 1988). O art. 226
estabelece que "[...] a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado".
O § 8.
o
deste artigo complementa: "O Estado assegurará a assistência à família na
pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações" (grifo nosso). E o art. 227 sustenta que
[...] é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. [grifo nosso]
O § 4.
o
do artigo 227 é taxativo: "A lei punirá severamente o abuso, a violência
e a exploração sexual da criança e do adolescente".
77
Em 1990 o Código de Menores foi revogado e entrou em ação a Lei
n.
o
8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A partir
desse Estatuto a cidadania passou a ser o principal norteador das leis nesta área.
Passou-se a ter a proteção integral, e as crianças e adolescentes passaram a ser
vistos como sujeitos de direitos: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à proteção especial. Diz o artigo 4.
o
e 5.
o
do Estatuto:
Artigo 4.
o
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetividade dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária.
Artigo 5.
o
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus
direitos fundamentais.
Na conceituação da doutrina da proteção integral, estão inseridas as políticas
sociais básicas, as políticas assistenciais e as políticas de proteção especial.
Conforme discorre o Estatuto, "[...] as políticas de proteção especial objetivam
garantir o respeito aos direitos humanos, tais como: a integridade física, psicológica e
moral, a liberdade e a dignidade do cidadão" (SOBRINHO, 1994, p.142). Desta forma,
essas políticas têm a função de atender as crianças que se encontrem em situação
de ameaça ou violação dos direitos, resultante da ação ou omissão dos adultos.
O Estatuto propõe, além de regulamentar os direitos gerais e específicos das
crianças e adolescentes, uma nova gestão desses direitos, por meio da explicitação
de um Sistema de Garantia de Direitos, o qual se constitui em três grandes linhas de
ação: promoção, defesa e controle social.
A defesa tem como objetivo específico a responsabilização do Estado, da
sociedade e da família pelo não-atendimento, ou violação dos direitos individuais e
coletivos das crianças e dos adolescentes. Integra basicamente os órgãos do poder
público: Juizado da Infância e da Juventude, Ministério Público, Secretarias de Justiça
(órgãos de defesa da cidadania), Secretaria de Segurança Pública, Conselhos de
Direitos e Tutelares, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Centros
de Defesa e outras associações legalmente constituídas, na forma do Estatuto.
O art. 13 prevê: "Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar
78
da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais". E o art. 130
complementa: "[...] verificada a hipótese de maus tratos, opressão ou abuso sexual
impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, com
medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum".
O art. 245 é incisivo quanto à notificação de maus tratos, afirmando que
[...] o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à
saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche deve comunicar à
autoridade competente, sob pena de multa, os casos de que tenha conheci-
mento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus tratos contra crianças
ou adolescentes.
Desta forma, o Conselho Tutelar, como órgão permanente e autônomo,
encarregado de zelar pelos direitos da infância e juventude, é responsável por dar
maior amplitude aos casos de violação dos direitos e identificação de situações de
vulnerabilidade. Ao Conselho cabe aplicar as medidas de proteção (art. 136, I, ECA),
assim como atender e aconselhar os pais ou responsáveis, aplicando medidas
previstas no art. 129, I a VIII. Nesse sentido, "[...] sempre que uma criança ou um
adolescente for vítima de violência, em qualquer de suas modalidades (física,
sexual, psicológica e negligência), nas hipóteses do art. 98 do ECA, ela deve ser
encaminhada ao Conselho Tutelar" (AZAMBUJA, 2000, p.121).
Ao Conselho Tutelar cabe, quando das ocorrências notificadas, sendo confirmada
a prática de um crime contra a criança ou adolescente, informar a autoridade policial,
ou seja, a Delegacia de Polícia, para que sejam tomadas as providências cabíveis
previstas na lei.
Cabe ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar encaminhar os casos de
necessidade de ajuizamento de suspensão e(ou) destituição do pátrio poder e os casos
de infração administrativa ou penal contra os direitos da criança. Na constatação dos
fatos, o Promotor de Justiça ajuiza a ação junto ao Juizado da Infância e Juventude,
podendo solicitar à autoridade judiciária a aplicação do art. 130 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
79
Outro mecanismo legislativo que concorre para a proteção de crianças e
adolescentes é a Lei n.
o
8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que
regulamentou os artigos 203 e 204
5
da Constituição Federal.
A LOAS estabelece, dentre suas diretrizes, que as ações de assistência social
sejam organizadas em sistema descentralizado e participativo. Este sistema oportuniza
a efetiva partilha de poder, a definição de competência das três esferas de governo,
a prática da cidadania participativa por meio dos Conselhos de Assistência Social, a
transferência de responsabilidade pela coordenação, a execução dos benefícios, os
programas e projetos para os estados, o Distrito Federal e os municípios e o co-
financiamento de ações de assistência social. O artigo 2.
o
dessa lei afirma que a
assistência social tem por objetivos: "I - a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice".
5
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
I - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
II - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
V - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos
do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas
com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal,
bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à
inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a
aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações
apoiados.
80
Constatada a prática de violência contra crianças e(ou) adolescentes, medidas
de proteção especial, devem ser tomadas pelos Conselhos Tutelares em conjunto
com os organismos que compõem a linha da defesa, representado pelo Poder Judi-
ciário, Defensoria Pública, Ministério Público e Secretaria de Segurança, diretamente
responsáveis por zelar pela efetiva garantia dos direitos da população infanto-juvenil.
De acordo com o enfoque jurídico, os atos, as ações e omissões praticados
por pais e(ou) responsáveis são considerados violações de direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana. Por isso, são necessárias ações de proteção especial
para cessar a violação e para que sejam responsabilizados os culpados.
Em 1998 o Ministério da Saúde criou o Comitê Técnico Científico para elaborar
proposta de "Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
Violência". Participaram deste Comitê representantes da sociedade civil, entre eles a
Sociedade Brasileira de Pediatria, e foram formuladas ações articuladas em políticas
sobre o tema de violência e acidentes. Foi elaborado um plano específico, relacionado à
violência contra crianças e adolescentes, para a atuação de profissionais que atendem
esta população em todas as instituições de saúde pública e(ou) conveniadas ao
Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1998).
O Conselho Nacional de Saúde aprovou e publicou, em 16 de maio de 2001,
a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência e de
Redução da Violência e dos Acidentes na Infância e Adolescência. Foram definidas
as estratégias e políticas para as três instâncias governamentais (federal, estadual e
municipal) e a Portaria n.
o
1.968/01, do Ministério da Saúde, estabeleceu
obrigatoriedade da notificação compulsória dos casos suspeitos ou confirmados de
maus-tratos contra criança e adolescente pelos profissionais dos estabelecimentos
de saúde que atendem pelo
SUS (BRASIL, 2001). Mesmo com a obrigatoriedade da
notificação, a subnotificação é uma realidade no Brasil: estima-se que, para cada
caso notificado, outros dez a vinte casos o deixam de ser (PASCOLAT et al., 2001).
O que pode ser observado é que um dos maiores problemas da subnotificação é a
dificuldade de os profissionais da saúde identificarem os casos, por falta de
informações básicas que permitem o diagnóstico.
81
A trajetória dos direitos da infância e da adolescência no cenário mundial
tem no Estatuto da Criança e do Adolescente um ponto de chegada e um
ponto de partida, tendo se transformado em referência internacional de
legislação. É uma lei que incorporou de forma ampla e completa os
diferentes direitos da criança e do adolescente, promovendo-os à condição
de cidadãos (PILATTI; RIZZINI, 1995, p.139).
A política de proteção social relativa à criança e ao adolescente ainda exige
atenção, apesar de várias ações realizadas e da conquista na consolidação do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Os direitos dessa parcela da população são constan-
temente violados, compondo um cenário de desigualdade socioeconômica que
caracteriza as questões sociais e a proteção social no contexto societário. Fazem-se
necessárias ações conjuntas entre o poder público nas suas três esferas, juntamente
com a sociedade civil, para efetivar a proteção social das crianças e dos adolescentes.
2.3.1 A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para Violência
A violência – mais especificamente a violência doméstica – é indissociável de
estudos sobre os direitos humanos e a cidadania, uma vez que as diferentes confi-
gurações de violência são formas agudas de uma grave questão social.
O fenômeno da violência doméstica é um dos problemas mais graves a serem
enfrentados pela sociedade contemporânea. É um tipo de violência que não obedece a
fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente, mesmo dispondo-se de inúmeros
mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos.
Na história, como já foi citado, as violências são um fenômeno muito antigo,
resultado de desigualdades sociais e que se materializam contra sujeitos sociais em
desvantagem física, emocional e social, de acordo com os parâmetros estabelecidos,
comprometendo a o exercício da cidadania e dos direitos humanos.
A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão foi promulgada na França,
inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Assegura a dignidade
que todas as pessoas possuem, inerente a sua condição humana.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz recomendações
acerca dos direitos básicos de cidadania, tais como os civis, políticos, econômicos,
82
sociais e culturais. Em seu artigo 7.
o
, a Declaração prevê que todos são iguais perante
a lei e têm direito, sem distinção, a igual proteção da lei. Bobbio (1992) relata que
após essa declaração passou-se a viver a era dos direitos.
Chauí (1984 apud BENEVIDES, 1994, p.9) entende que
[...] a cidadania se define pelos princípios da democracia, significando
necessariamente conquista e consolidação social e política. A cidadania
exige instituições, mediações e comportamentos próprios, constituindo-se
na criação de espaços sociais de lutas (movimentos sociais, sindicais e
populares) e na definição de instituições permanentes para a expressão
política, como partidos, legislação e órgãos do poder público. Distingue-se,
portanto, a cidadania passiva – aquela que é outorgada pelo Estado, com a
idéia moral do favor e da tutela – da cidadania ativa, aquela que institui o
cidadão como portador de direitos e deveres, mas essencialmente criador
de direitos para abrir novos espaços de participação política.
A cidadania pressupõe a inclusão ativa dos indivíduos em uma comunidade
política que compartilha um sistema de crenças em relação aos poderes públicos, à
própria sociedade e ao conjunto de direitos e deveres que estão envolvidos na
natureza da cidadania. A esta dimensão pública dos indivíduos costuma-se chamar
de cultura cívica, que é fruto dos mecanismos de socialização (escola, família,
comunidade) e dos mecanismos de repressão (comunidade, polícia). Cidadania, na
expressão de Francisco de Oliveira, é o estado pleno de autonomia dos indivíduos
como cidadãos ativos e conscientes que, atuando no espaço público, forjam seus
direitos e as instituições sociais democráticas (
FREURY apud BAVA, 2000, p.97).
Benevides (1994, p.6) explica que no Brasil a noção de cidadania mantém
certa dose de ambigüidade, tanto na vertente progressista da "esquerda" quanto na
vertente conservadora da "direita". Para a esquerda, muitas vezes cidadania é apenas
aparência de democracia, pois discrimina cidadãos de primeira, segunda, terceira ou
nenhuma classe, acabando por reforçar a desigualdade. Dallari (1998, p.14), por
exemplo, não fala em direitos dos cidadãos, mas sim em direitos da pessoa humana:
[...] a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da
tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo
social (DALARI, 1998, p.14).
83
Para os setores da "direita", Benevides (1994, p.6) afirma que
[...] a cidadania – por implicar a idéia de igualdade, mesmo que apenas
igualdade jurídica – torna-se indesejável e até ameaçadora. As elites
dependem, para a manutenção de seus privilégios (lex privata, o oposto do
conteúdo público na noção de cidadania), do reconhecimento explícito da
hierarquia entre superiores e inferiores. Consideram a desigualdade legítima
e "os de baixo" são as classes perigos.
Segundo Chauí (apud VIEIRA; BREDARIOL, 1998, p.35-36), na chamada cidadania
ativa o cidadão, portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos
para abrir novos espaços de participação social e política. E todas as pessoas que
ocupam um espaço urbano nas cidades têm direito à cidade e a exercer sua
cidadania. A Carta do Direito à Cidade "[...] considera como cidadãos (ãs) todas
as pessoas que habitam de forma permanente ou transitória as cidades" (SAULE
JÚNIOR
, 2005).
Segundo Putnam (1994), as práticas sociais que constroem cidadania representam
a possibilidade de constituir-se num espaço privilegiado para cultivar a responsabilidade
pessoal, a obrigação mútua e a cooperação voluntária. As práticas sociais que lhe
são inerentes se baseiam na solidariedade e no encontro entre direitos e deveres.
A ampliação da esfera pública pressiona a sociedade no sentido de obter maior
influência sobre o Estado, bem como a limitação deste, considerando que a autonomia
social pressupõe não só transcender as assimetrias na representação social, mas
também modificar as relações sociais em favor de maior auto-organização social
(CUNILL; GRAU, 1998 apud JACOBI, 1982, p.16-17).
Para Vieira e Bredariol (1998, p.30), a cidadania exige uma nova sociedade,
[...] onde é necessária uma maior igualdade nas relações sociais, novas
regras de convivência social e um novo sentido de responsabilidade pública,
onde os cidadãos são reconhecidos como sujeitos de interesses válidos, de
aspirações pertinentes e direitos legítimos. Esse conceito de cidadania
enterra o autoritarismo social e organiza um projeto democrático de
transformação social, que afirma um nexo constitutivo entre as dimensões
da cultura e da política.
Vieira e Bredariol (1998, p.31) enfatizam também que a cidadania busca um
novo paradigma "[...] que deverá superar as limitações do estado tecnocrático e do
estado neoliberal [...]" e dizem que é mais adequado utilizar as categorias
governabilidade e governance:
84
Governabilidade se refere, em princípio, às condições sistêmicas mais
gerais sob as quais se dá o exercício do poder numa sociedade, tais como
as características do regime político (democrático ou autoritário), a forma de
governo (parlamentarismo ou presidencialismo), as relações entre os
poderes, os sistemas partidários (pluripartidarismo ou bipartidarismo), o
sistema de intermediação de interesses (corporativista ou pluralista), etc.
Governance, por outro lado, diz respeito à capacidade governativa em
sentido amplo, isto é, capacidade de ação estatal na implementação de
políticas e na consecução das metas coletivas. Refere-se ao conjunto de
mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e
plural da sociedade. Sem abrir mão dos instrumentos de controle e
supervisão, o Estado torna-se mais flexível, capaz de descentralizar
funções, transferir responsabilidades e alargar o universo de atores
participantes (DINIZ, 1996, apud VIEIRA; BREDARIOL, 1998, p.31-32).
A partir da flexibilidade encontrada no Estado guiado pela governança podem
surgir as rede de proteção social, alternativas para promover o desenvolvimento
sustentável local. É uma ação articulada entre parcerias, é uma coordenação de
interações, integrada e intersetorial, pois envolve todas as instituições que desenvolvem
algum tipo de trabalho, nesse caso específico, com as crianças e os adolescentes e
suas famílias, suas escolas, unidades de saúde, creches, hospitais, entre outros.
A rede permite que novas parcerias ampliem a participação de outras instituições
governamentais e não-governamentais.
No Brasil alguns modelos de redes de proteção servem de exemplo: Manaus,
Goiânia, Niterói e Curitiba.
Em Manaus foi criado, em junho de 2001, no Hospital Universitário Getúlio
Vargas (HUGV), o Serviço de Atendimento à Vítima de Agressão Sexual (SAVAS).
É o único do Estado do Amazonas a prestar atendimento às vítimas de violência
sexual. Um de seus objetivos é capacitar médicos residentes da área de ginecologia
para essa atuação.
Durante o primeiro ano de funcionamento do SAVAS verificou-se a necessidade
de algumas modificações no atendimento, voltado apenas a mulheres, ampliando-o
para ambos os sexos e qualquer faixa etária das vítimas, em virtude de uma demanda
também do sexo masculino.
Aproveitando a estrutura do Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), o
SAVAS passou a disponibilizar também testes de HIV e hepatite B e C, transformando-se
não apenas em um serviço de emergência, mas também de acompanhamento
das vítimas.
85
O atendimento a vítima é primeiramente realizado por uma equipe multidisciplinar
composta de ginecologista, enfermeiro, psicólogo e assistente social, previamente
capacitada. E para que a vítima tenha um atendimento humanizado, também são
capacitadas as diversas equipes do SAVAS, desde as que atuam na recepção até os
administradores do hospital. Essas equipes são compostas de vinte médicos, oito
residentes de obstetrícia e ginecologia, quatro psicólogos, três assistentes sociais,
profissionais de enfermagem (ambulatório e enfermaria), profissionais do laboratório
e da farmácia.
O SAVAS mantém parceria com a Delegacia da Mulher, o Instituto Médico Legal
(IML), o Conselho Tutelar, o Ministério Público e o Juizado da Infância e Adolescência,
instituições que passaram a encaminhar os casos ocorridos, e também com a imprensa,
que tem divulgado os serviços, permitindo o aumento das denúncias.
Esse serviço fornece às vítimas os anti-retrovirais (para o período de uma
semana). Com isso, as vítimas têm de retornar semanalmente para receber a
medicação até completar o tratamento, estabelecendo um vínculo com o serviço e
permitindo o acompanhamento de reincidência da violência.
Em agosto de 2003, o SAVAS e o Serviço de Obstetrícia e Ginecologia foram
transferidos para o Hospital Universitário Francisca Mendes, onde as instalações são
maiores, com mais consultórios e enfermarias, e situam-se ao lado do Instituto
Médico Legal e da Maternidade Nazira Daou. Esse hospital está localizado em uma
área estratégica, pois fica na área de maior densidade demográfica do município
de Manaus.
Em Goiânia foi criada, em 2000, a Rede de Atenção a Mulheres, Crianças e
Adolescentes em Situação de Violência, como resultado de uma articulação do
Fórum Goiano pelo Fim da Violência Sexual Infanto-Juvenil e do Fórum Goiano de
Mulheres com as instituições, órgãos e entidades ligadas às áreas de saúde,
assistência social, educação e jurídica.
A composição da Rede ocorreu em virtude da sua articulação com traba-
lhadores sociais que integram as frentes de defesa e proteção, tanto de mulheres
quanto de crianças e adolescentes, para garantir os direitos desses grupos sociais.
Essa Rede de Atenção está atualmente muito bem consolidada e é composta por
mais de 30 organizações governamentais e não-governamentais de Goiânia e do
Estado de Goiás. Seus objetivos são: promover a articulação dos atores sociais,
86
governamentais e não-governamentais, envolvidos na elaboração de estratégias de
enfrentamento do fenômeno; capacitar profissionais para o atendimento especializado
das pessoas em situação de violência física, psicológica e sexual; ampliar e implantar
serviços nessa área; otimizar recursos humanos e materiais na construção de um
modelo de atendimento para outras cidades do Estado de Goiás e do resto do país.
A Rede atende a violência física, psicológica e sexual. As ações desenvolvidas
pela Rede são definidas de acordo com seis eixos, dividindo-se as responsabilidades
entre o governo e a sociedade civil, conforme o Plano Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil, quais sejam: notificação, diagnóstico, intervenção,
formação, pesquisa e prevenção.
A Rede de Atenção é formada pelas seguintes instituições: unidades de
saúde, instituições de educação, órgãos de assistência social e atendimento
especializado, órgãos competentes do sistema de garantias (exigibilidade de direitos
ou responsabilização criminal), Ministério Público, delegacia da infância, delegacia
da mulher, Justiça da Infância, conselhos tutelares e polícia. E ainda participam
entidades de direitos humanos, movimentos sociais, organizações de estudos, de
pesquisa e de capacitação.
O fluxo de atendimento da Rede vai desde as "portas de entrada" das vítimas,
isto é, os conselhos tutelares, até o atendimento especializado. De acordo com essa
trajetória, definem-se os componentes e seus níveis de atuação por onze regiões de
Goiânia, que correspondem a distritos sanitários da Secretaria Municipal de Saúde.
Em Niterói foi criada, em 1998, pelos órgãos de defesa dos direitos de
crianças e adolescentes de Niterói, a Rede Municipal de Atenção Integral à Criança
e ao Adolescente de Niterói, denominada inicialmente como Rede Municipal de
Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente Vítimas de Maus-Tratos. O Conselho
Tutelar, o Juizado da Infância e Juventude e o Ministério Público motivaram a criação
da Rede para evitar duplicidade de procedimentos, agilizar os casos e possibilitar um
melhor atendimento às vítimas.
A Rede é composta por um Núcleo Gestor da Rede, que inclui Conselho
Tutelar, Juizado da Infância e Juventude (Divisão Técnica), Ministério Público (Central
de Inquéritos), Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública (Delegacias -
Disque Denúncia), Secretaria Municipal de Assistência Social (Projeto Sentinela e
Volta Pra Casa), Secretaria Municipal de Saúde (Unidades de Saúde, Núcleo de
87
Atenção à Saúde, Hospital Getúlio Vargas Filho, Médico da Família) e Secretarias
Estadual e Municipal da Educação (Unidades Escolares). Os gestores foram capaci-
tados e sensibilizaram as autoridades para a criação da Campanha Municipal de
Enfrentamento à Violência Contra Criança e o Adolescente. A intensa atividade da
Rede teve como um dos resultados a Lei Municipal n.
o
1.883/01, que definiu o dia 04
de outubro como o Dia Municipal de Enfrentamento à Violência Contra Criança e o
Adolescente. O dia foi escolhido em homenagem a um adolescente de 12 anos que
morreu vítima da violência do narcotráfico, após uma série de abusos de que vinha
sendo acometido.
2.3.2 Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para Violência em Curitiba
A Prefeitura Municipal de Curitiba, em conjunto com o Instituto Médico Legal,
a Secretaria Municipal da Saúde e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
de Curitiba, realizaram em 1998 um estudo sobre a violência em todas as faixas
etárias. Desse estudo escolheu-se como foco a violência contra a criança e o
adolescente, uma vez que não se tinha dados precisos e era montar um banco de
dados unificado.
A partir desse estudo foi constituído um grupo de trabalho, integrado e
interdisciplinar, com o intuito de envolver todas as instituições que desenvolviam
atividades com crianças e adolescentes e suas famílias, destacando-se entre outros,
os seguintes órgãos: Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal da
Criança – SOS-Criança, Conselho Tutelar, Delegacia da Mulher e Hospital de
Clínicas (Anexo A).
Com a formação desse grupo foi possível o desenvolvimento e a padronização
do documento de notificação obrigatória – instrumento de denúncia e monitoramento
dos casos de maus-tratos.
Uma vez que o trabalho consistia em muito mais do que uma notificação
obrigatória, pois envolvia a criança e o adolescente, o agressor e o atendimento,
era necessário criar uma estrutura integrada de atendimento na qual um fosse
88
responsável por uma parcela da assistência, conforme a área de atuação. A essa
estrutura deu-se o nome de Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em
Situação de Risco para a Violência (Anexo B).
No período 1998-99 as ações da Rede de Proteção foram sendo estruturadas
e os conceitos foram sendo elaborados por intermédio de levantamento de dados e
elaboração do projeto.
A formação da Rede de Proteção veio ao encontro da necessidade de integração
entre as diversas secretarias, institutos, fundações e organizações governamentais
e não-governamentais
6
que estão relacionadas ao atendimento às crianças e aos
adolescentes vítimas de violência, principalmente doméstica.
A Rede de Proteção não é um novo serviço ou uma nova obra, mas sim uma
concepção de trabalho que dá ênfase à atuação integrada e intersetorial, envolvendo
todas as instituições que desenvolvem suas atividades com crianças e adolescentes
e suas famílias (OLIVEIRA; RIBEIRO; ALBUQUERQUE, 2003, p.68). E uma das
diretrizes que norteiam a Rede de Proteção é propiciar a ampliação de parcerias,
possibilitando o envolvimento de instituições governamentais, não-governamentais e
da comunidade.
A partir do ano 2000 iniciou-se o processo de implantação da Rede de Proteção
nas oito
7
Administrações Regionais, sendo que o projeto piloto foi implantado na
Regional do Portão, estendendo-se posteriormente para as outras regionais.
O projeto foi apresentado às chefias regionais de cada secretaria e às instituições
participantes desse processo, e implantado pela Coordenação Regional da Rede de
Proteção, inclusive com ação conjunta para capacitação dos profissionais. Todo o
processo de trabalho foi disponibilizado por meio de um Protocolo de Atendimento e de
um Manual para Preenchimento da Ficha de Notificação (Anexo C).
6
Citam-se: ONG CECOVI (Centro de Combate à Violência Infantil), Sociedade Paranaense de
Pediatria, Conselhos Tutelares, Primeira Vara da Infância e Juventude, Vara de Crimes Contra
Criança e Adolescente, Ministério Público, NUCRIA – Núcleo de Atendimento de Crianças e
Adolescentes Vítimas de Crime, e OAB – Comissão da Criança e Adolescente.
7
Em 2005 foi inaugurada a nona Administração Regional, a da Cidade Industrial de Curitiba (CIC).
Administração Regional é uma estrutura montada para descentralizar a gerência e as ações
municipais, e os equipamentos são regionalizados.
89
Foram capacitados, por intermédio do Instituto Municipal de Administração
Pública (IMAP), inicialmente dois profissionais, com função de direção e supervisão
técnica em cada regional e em cada unidade que atende às crianças e adolescentes.
Dessa forma, a atuação foi ampliada para as creches, escolas e unidades de saúde,
entre outros. Foram capacitados também técnicos dos núcleos administrativos de
cada regional.
Os seguintes temas foram discutidos nas reuniões de capacitação dos profis-
sionais: reconhecimento de sinais de alerta para a violência; técnica de abordagem
da criança, do adolescente e da família; identificação da gravidade do caso; atendimento
da criança; notificação; encaminhamentos; orientações; acompanhamentos necessários;
e estimulação do desenvolvimento de ações de proteção à criança e ao adolescente,
principalmente ajuda para a família com intuito de criar condições para cumprir o seu
papel de criar, educar e proteger seus filhos. Na última fase de capacitação foi
trabalhada, por meio de um estudo de caso real de maus-tratos, a sensibilização dos
profissionais para a importância do trabalho em rede na estruturação das redes
locais de proteção.
Com referência à implantação em hospitais e maternidades, a ação tem sido
mais localizada nos setores como serviço social, ginecologia, pediatria, pronto
atendimento, setor de queimados e ortopedia. Os hospitais
8
estão engajados nessa
proposta como notificadores e como referência para atendimento de casos de maior
gravidade e de violência sexual. Dessa forma, as situações de violência identificadas
são notificadas pelos médicos, enfermeiras, educadores, assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos ou outros profissionais, por meio da Ficha de Notificação Obrigatória
9
8
Hospital Cajuru, de Clínicas, Evangélico, Pequeno Príncipe e do Trabalhador, e Maternidade
Victor Ferreira do Amaral.
9
A Ficha de Notificação Obrigatória ou Suspeita de Violência na Infância e Adolescência é um
instrumento normativo e padronizado de notificação de violência,ao mesmo tempo em que cumpre
o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente,no que diz respeito à obrigatoriedade da
comunicação de maus-tratos observados e tem como objetivo desencadear ações de proteção.
Com caráter de obrigatoriedade da ocorrência de maus-tratos, também é um instrumento de
proteção e de informação, auxiliando a manutenção do banco de dados e o acompanhamento
integral dos casos de violência às crianças e adolescentes. As informações têm uma fundamental
importância para a construção de indicadores, propostas e projetos voltados para a prevenção da
violência na comunidade local.
90
(Anexo C). Portanto, à área da saúde cabe realizar o diagnóstico, o tratamento e o
encaminhamento aos serviços de saúde mental, e o tratamento dos fatores poten-
cializadores da violência como o alcoolismo e as drogas. Na área de educação, as
crianças e os adolescentes vítimas da violência têm acompanhamento e apoio
psicológico e pedagógico, com o intuito de tratar os distúrbios de aprendizagem que
ocorrerem devido à situação de violência. O serviço social é acionado em casos de
falta de condições dignas e necessidade de suporte familiar. Ocorre a mobilização de
diferentes profissionais para obtenção de melhores resultados. Os agentes comunitários
de saúde também realizam visitas domiciliares para verificar os casos de suspeita.
Todos os casos são atendidos, acompanhados e monitorados pelas unidades de
serviço, que atuam de forma integrada e que atendem àquelas crianças, adolescentes e
suas respectivas famílias, organizadas como rede de proteção local. Essa rede tem
responsabilidade com a população que tem seus domicílios em um determinado espaço
geográfico, correspondente com a área de abrangência da unidade de saúde com as
escolas, creches, além das Unidades de Saúde que integram a rede local e outros
serviços localizados naquela área. Ocorrem reuniões para discussão, acompanhamento
e encaminhamento dos casos identificados na área. São reuniões mensais ou
agendadas quando necessário, e é respeitado o sigilo profissional das informações.
Existem cinco conselhos tutelares, cujos representantes acompanham os casos
ocorridos nas redes locais, previamente definidos com a equipe, participando das reuniões
mensais e discutindo os casos com os profissionais responsáveis pelas crianças.
Segundo o Manual de Atendimento de Crianças e Adolescentes do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (2005), a média mensal de ocorrências
notificadas variou de 128 em 2003 para 185 em 2004, 227 em 2005 e 282 em 2006.
O número de notificações sofre uma diminuição nos meses de dezembro,
janeiro, fevereiro e julho, coincidindo com os períodos de férias escolares. Nas férias
escolares essa população passa a maior parte do tempo em suas casas, longe do
olhar dos serviços de educação, o que justificaria a redução do número de
notificações. Pode-se constatar essa realidade em Curitiba no ano de 2004:
91
Gráfico 1 - Notificações de VCCA segundo Serviço Notificador - Curitiba - 2004
Fonte: Banco de dados da Rede de Proteção
Por esses dados pode-se constatar a importância dos estabelecimentos escolares
como locus de observação dos abusos sofridos por crianças e adolescentes. E é
esse o significado de uma Rede de Proteção.
O serviço notificador é o elemento que torna pública a violência contra a criança
e o adolescente e pode ser considerado um ator importante na Rede de Proteção.
Dentre os serviços que integram a Rede, o SOS Criança
10
configura-se como
o que realiza o maior número de registros, efetuando 27,1% das notificações do ano de
2005, percentual inferior somente ao assumido pelos hospitais, que se responsabilizaram
por 22,4% dos registros nesse ano. Os demais serviços apresentaram trocas de
posição. Em 2003, as Unidades de Saúde foram as que mais notificaram, seguidas
dos hospitais e das escolas municipais. Em 2004 e em 2005, excluindo o
SAV, os
hospitais realizaram o maior número de notificações, seguidos das escolas
municipais e das Unidades de Saúde. Os Centros de Educação Infantil mantiveram-
se como o quinto serviço notificador, nos três anos em estudo (gráfico 2).
10
Atualmente denominado Serviço de Atendimento a Vitimizados (SAV).
92
Gráfico 2 - Percentual de Notificações de VCCA, segundo Serviço Notificador - Curitiba - 2003-2005
Fonte: Banco de dados da Rede de Proteção
A maioria dos serviços apresentou um incremento no número de notificações
dos três anos analisados. Esse incremento foi mais expressivo entre os hospitais e
as escolas municipais. Nos hospitais, o número de notificações passou de 315 em
2003 para 612 em 2005, representando um incremento de 94,3%.
Chama a atenção a redução da participação proporcional das notificações
emitidas pelas Unidades de Saúde e pelos Centros de Educação Infantil no conjunto
das notificações. Fato que merece destaque na medida em que houve o aumento do
número de unidades notificadoras durante o período em análise (gráfico 3).
Observa-se, ainda, o reduzido número de notificações emitidas pelas escolas
estaduais, estabelecimentos responsáveis pela oferta do ensino médio no município
e, por conseqüência, espaço propício para a observação e notificação das situações
de violência envolvendo adolescentes. Tal fato aponta a baixa integração desse
serviço na proposta da Rede do município, articulação que necessita ser retomada,
visando a maior cobertura na observação desse grupo etário.
Destaca-se também o pequeno número de notificações emitidas pelos Conselhos
Tutelares, apontando a necessidade de maior integração com os conselheiros. Por
tratar-se de uma das principais portas de entrada da demanda em questão, a notificação
possibilitaria o atendimento integral das crianças e dos adolescentes e suas famílias,
oferecido pelos serviços da Rede de Proteção, além de garantir a unificação das
informações relativas à vitimização de crianças e adolescentes no município.
93
Em 2005 houve a tentativa de inclusão do IML do município como serviço
notificador. O pequeno número e a descontinuidade das notificações emitidas
mostram que a demanda atendida por essa instituição, que se caracteriza pela
gravidade da violência sofrida, não vem sendo incluída na Rede de Proteção.
Quanto aos tipos de maus-tratos informados, eles refletem as características do
serviço notificador e(ou) o grupo etário atendido pelo serviço. Os serviços de educação
infantil, que atendem à população pré-escolar, notificaram primeiramente a negligência,
seguida de perto da violência física. As escolas municipais, responsáveis por
escolares de 6 e 15 anos, notificaram predominantemente a negligência. Entre as
notificações feitas pelos hospitais, a violência sexual foi a de maior freqüência, com
244 casos notificados, o que corresponde a mais de 60% do total deste tipo de
maus-tratos. Vale observar a existência de três hospitais de referência para vítima
de violência sexual entre os hospitais notificadores. As unidades de saúde foram as
que apresentaram o segundo maior número de notificação de violência sexual,
correspondente a 81 notificações (gráfico 4).
Gráfico 3 - Notificações de VCCA segundo Serviço Notificador e Tipo de Violência - Curitiba - 2004
Fonte: Banco de dados da Rede de Proteção
Entre as notificações realizadas pelo SOS Criança, lembrando que estas se
referem aos casos de procura direta a esse serviço, observa-se o reduzido número
de casos de violência sexual (12 notificações ou 1,6% do total) em 2005, número
inferior até mesmo aos informados pelas escolas municipais (30 notificações ou
5,1% do total). Esse fato chama a atenção principalmente por ser o serviço que
94
realizou o maior número de notificações (740) no ano de 2005. Quanto a esse tipo
de violência, foram os hospitais que fizeram o maior número de notificações, com
283 ou 46,2% do total. E sabe-se que esses números representam uma pequena
parcela da realidade. Há que se lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) prevê, nos artigos 13 e 245, a obrigatoriedade da denúncia de violação de
direitos da criança e do adolescente.
Em 2006 os dados divulgados pela Prefeitura Municipal de Curitiba foram os
seguintes: 3.390 casos notificados e a violência contra crianças e adolescentes ocorreu
dentro das casas das vítimas em 90% dos casos. Em relação ao grau de violência,
45% dos casos foram classificados como graves. A maior parte das vítimas foi do
sexo feminino (57,3%). Os dados da Secretaria Municipal da Saúde mostram que,
em 2006, 33,3% dos casos de violência aconteceram com crianças entre 5 e 9 anos
de idade. A segunda faixa com maior incidência foi de 10 a 14 anos de idade
(27,6%) e a terceira, de 1 a 4 anos de idade, com 19,3%. Em 2006 a negligência foi
responsável pelo maior número de casos de violência contra a criança em Curitiba,
com 56,2% dos casos. A agressão física teve 20,4% dos casos e a vioncia sexual,
14,3%. A violência psicológica apresentou 5,8% e o abandono, 3,2%.
Foram identificados os seguintes resultados com a atuação da Rede de
Proteção: avanços realizados no processo de integração institucional; aumento do
percentual de notificações realizadas referente à violência sexual praticada contra
crianças e adolescentes; o anonimato dos abusos diminui, possibilitando que os
mecanismos de proteção sejam acionados; criação do Serviço de Saúde Mental
dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), serviço especializado voltado para o
atendimento das vítimas e dos agressores.
Foram identificados também os seguintes desafios: melhorar as ações em
casos mais graves e cronificados, que têm apresentado alcance limitado; melhorar
as relações entre os Conselhos Tutelares e os profissionais responsáveis pelo
atendimento às crianças e aos adolescentes; construir indicadores e instrumentos
mais precisos de avaliação de resultados; manter a equipe capacitada; ampliar as
parcerias; humanizar o processo de realização de exames médico-legais; mudar a
legislação penal; entre outros.
O objetivo maior da Rede de Proteção é intervir na prevenção das situações
de risco de violência, propiciar a proteção da população em risco para a violência e
95
criar um protocolo para direcionar as tomadas de decisão dos gestores urbanos para
solucionar as questões pertinentes ao combate da violência doméstica.
Prevenção da violência significa antecipar a decisão no âmbito da situação de
risco. A prevenção é muito utilizada na área de saúde e está relacionada com os
fatores que desencadeiam os agravos a saúde e compõem os atos terapêuticos.
Na década de 1970 um cientista chamado Lalonde criou o "modelo Lalonde"
de prevenção, que enfatiza a situação de saúde de uma população, com foco no
estilo de vida, na biologia humana, no ambiente e nos serviços de saúde. O conceito
de prevenção de Lalonde possibilitou integrar o tema violência no contexto da
política. Já o conceito de Leavell e Clarck está focado para os profissionais do
serviço de saúde, abrangendo a assistência com foco nos agravos e lesões,
[...] ótica emancipatória centrada muito mais na prevenção que no tratamento,
buscando atender ao compromisso de chegar sempre antes que uma criança
ou adolescente seja vítima de violência doméstica, tornando-se um prontuário
médico, um boletim policial, um processo judicial, um dossiê psicossocial,
uma notícia de jornal ou um corpo no necrotério. Esse compromisso representa
um grande não à ótica patologizante/defectológica segunda a qual a (re)produção
da VDCA seria devida a déficits individuais e/ou sociais (AZEVEDO, 1998, p.11).
Castro e Cardoso (2005, p.1) afirmam que
[...] a prevenção consiste em garantir às crianças e aos adolescentes o
exercício pleno de seus direito, preservando-os de qualquer situação de
risco social e pessoal. Consiste, além disso, em reduzir o número de vítimas
potenciais, mediante informação sobre a realidade da exploração sexual,
pelo conhecimento de técnicas e meios de auto-proteção, oferecendo
oportunidades e alternativas para diminuir os riscos.
Segundo Castro e Cardoso (2005, p.1), "[...] prevenção significa antecipar,
precaver ou prever situações com potencial de riscos".
Para Flitcraft (apud ASSIS, 2007, p.8),
[...] referindo-se à violência doméstica, especificamente no que tange aos
profissionais de saúde, recomenda como prevenção primária uma mudança
na prática médica, de forma tal que estes se sensibilizem e reconheçam as
possibilidades de auxílio que os profissionais de saúde podem prestar; no
nível secundário de prevenção, a autora sugere rotinas de identificação de
casos e estratégias de intervenção precoces; por fim, para a prevenção
terciária sugere a organização adequada dos serviços de saúde,já que o
gasto é elevado e necessita ser bem distribuído desde os níveis de trabalhos
comunitários até o dos serviços de emergência.
96
Segundo Assis (1994, p.9),
a questão da interdisplinariedade, no enfrentamento do problema, é a aquisição
recente mais importante, em conjunto com a "descoberta" da importância da
participação de toda a sociedade, indiscriminadamente, para se alcançar
medidas preventivas eficazes. A luta pela prevenção dos mais diversos tipos
de violência, em todos os níveis, assim como pela reabilitação dos casos já
ocorridos, deve ocupar posição privilegiada na enorme tarefa que se apresenta.
Castro e Cardoso apresentam um quadro das dimensões da prevenção da
violência:
Quadro 3 - Dimensões da Prevenção da Violência
PREVENÇÃO PRIMÁRIA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA PREVENÇÃO TERCIÁRIA
Eliminação ou redução dos fatores:
sociais, culturais e ambientais, que
favorecem os maus-tratos.
Unidades Básicas de Saúde
(Centros e Postos de Saúde,
Programa Família Saudável)
espaço propício para identificação
de famílias com potencial de risco
(gravidez precoce, gravidez
indesejada, mulher com rede social
depauperada, família com fronteiras
rígidas, inversão de papéis nas
relações familiares, dependentes
químicos no espaço doméstico,
isolamento social, recursos
financeiros escassos, idosos com
pouco cuidado) captadas a partir de
diversos programas de saúde: Pré-
Natal, Crescimento e
Desenvolvimento, Planejamento
familiar, Atenção ao adolescente.
"Extra-Muro", a interface dos
profissionais de saúde com outras
entidades, ampliar estratégias
protetivas: reuniões nas escolas,
campanhas nas mídias, abordagem
nos currículos escolares, reuniões
com organismos sociais (pastorais
e outras entidades religiosas,
movimentos sociais, grupos de
terceira idade), capacitação de
profissionais vinculados a
instituições de cuidado – creche,
pré-escolar públicos e privados,
abrigos, entidades de internação,
dentre outros.
Atua em situações já existentes de
caráter leve até moderado,
viabilizando suporte e
encaminhamento dos casos,
impedindo a sua repetição e(ou)
agravamento.
Destaca casos de negligência,
sintoma de distorção no
entendimento da proteção integral.
Monitoramento da família. Entende
ser de competência da Atenção
Básica de Saúde este
acompanhamento.
Acompanhamento integral e
tratamento das situações severas
realizados por profissionais
especializados, em serviços
específicos, com objetivo de evitar
as seqüelas mais graves.
Fonte: Castro e Cardoso (2005, p.55-56)
97
De acordo com Castro e Cardoso (2005, p.56), existem alguns pontos impor-
tantes para realizar a prevenção:
- Capacitar: envolve a busca de ferramentas que subsidiem na construção
do conhecimento necessário para atuar nas situações de violência. Os
Programas de Prevenção de Acidentes e Violências, grupos de estudo e
eventos técnicos possibilitam a atualização permanente;
- Identificar: estar atento aos sinais que, mesmo parecendo insignificantes,
devem ser qualificados e investigados. Tal atuação possibilita a ruptura
com o pacto de silêncio e com o processo de dominação do agressor;
- Acolher: oferecer escuta e técnicas de apoio. Evitar aprofundar para não
revitimizar. O profissional deverá ter proteção integral como prioridade em
toda sua atenção;
- Conhecer: as instituições de atendimento, defesa e responsabilização para
informar ou acompanhar os usuários o fluxograma a ser percorrido;
- Apoiar: o denunciante com ações concretas (transporte, alojamento, auxílio
econômico e outros) do próprio serviço ou de parceiros da Rede;
- Garantir a notificação: nos casos de violência acompanhamento para o
registro de ocorrência na delegacia e exame corpo delito;
- Monitorar: os casos da área de abrangência da Unidade de Saúde. Os demais
deverão ser referenciados, estabelecendo-se contatos entre os profissionais
que acompanham a situação identificada.
As medidas de prevenção devem ser aplicadas para propiciar a mudança de
longo prazo. Portanto, por meio da articulação das áreas da educação, saúde e
justiça a intervenção de ações sociais pode modificar significativamente os indicadores
da violência doméstica.
Nesta visão, a violência intrafamiliar não seria uma anomalia, mas uma
possibilidade constantemente colocada, um risco sobre a qual deveríamos
agir previamente. A ação social, nesta perspectiva, passa a ser a de identi-
ficação de situações potencialmente de risco, visando à previsão desses
cenários e as correspondentes medidas de proteção (RIFIOTIS, 1999, p.155).
Quanto à proteção, pode-se dizer que ela é um avanço cultural da sociedade,
pois reconhece a criança e o adolescente como parte integrante da família, com
direito ao respeito, à dignidade, à liberdade, à opinião, à alimentação, entre outros
98
(ECA, 1990). O Estatuto resgata o sentido de cidadania da criança, através da doutrina
da proteção integral, principalmente por tornar obrigatória a notificação de casos
suspeitos ou confirmados de maus-tratos contra criança ou adolescente. Sendo
assim, os profissionais de saúde devem proceder à notificação: o dever previsto em lei.
A constatação de maus-tratos contra crianças evidenciou a necessidade de protegê-las,
e a protão tem início oficialmente, respaldada na lei, a partir do preenchimento da
notificação da violência e envio à autoridade competente. É por meio da notificão
que existe o elo entre a área da saúde e o sistema legal; portanto, tem início a
formação da rede multiprofissional e interinstitucional.
Outra forma de proteção é tirar a criança e o adolescente do ambiente
violento onde se encontra. Diz o art. 101, inciso VIII, do Estatuto, que a colocação
em família substituta, na condição de medida de proteção, oportuniza à criança a
convivência em família, em atenção ao art. 227 da Constituição Federal e ao artigo
4.
o
do Estatuto da Criança e do Adolescente. Três são as formas de colocação em
família substituta previstas no Estatuto: a guarda, a tutela e a adoção.
O sistema de proteção social é composto pelo aparato do Estado e demais
instituições que são responsáveis pelas políticas sociais e também pela garantia dos
direitos de cidadania das crianças e adolescentes. O processo de proteção social está
voltado à atenção a vida em nível primário e secundário. A proteção social primária é
exercida por familiares, vizinhos e pela esfera privada. A proteção social secundária
é exercida por instituições públicas e privadas.
99
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
Esse capítulo relata os procedimentos metodológicos para a realização dos
objetivos propostos.
3.1 MÉTODOS DA PESQUISA
Dentro do contexto de pesquisa os métodos podem ser entendidos como a
forma por meio da qual é possível realizá-la e atingir os objetivos esperados (GIL,
1999), envolvendo uma série de técnicas e métodos que conduzem a pesquisa.
Para esta dissertação o método que se adotou é o estudo de caso, que
permite a exploração de situações da vida real cujos limites não estão claramente
definidos, principalmente em situações muito complexas (GIL, 1999). Para Babbie
(1999, p.73) "[...] o estudo de caso é uma descrição e explicação abrangente dos
muitos componentes de uma determinada situação social". Gil (2002) descreve os
seguintes propósitos para a crescente utilização do estudo de caso: explorar a
situação da vida real cujos limites não estão claramente definidos; preservar o
caráter unitário do objeto estudado; e descrever a situação do contexto em que está
sendo feita determinada investigação. Segundo Yin (2001, p.23), o estudo de caso
"[...] é um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto
de realidade, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são
claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de evidência [...]", como
na Rede de Proteção, em que é investigado um fenômeno contemporâneo dentro de
um contexto.
Para atender aos objetivos deste estudo, a pesquisa que se propõe é do tipo
exploratório-descritiva e tem embasamento nas características que compõem o
fenômeno estudado. As pesquisas exploratórias têm como preocupação central identificar
os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos
(GIL, 1999). Dessa forma, inicialmente é realizado um levantamento bibliográfico que
100
ampara teoricamente o estudo, seguindo-se de um levantamento documental caracte-
rizado principalmente pela coleta de dados e informações em documentos oficiais.
Neste estudo a pesquisa utiliza um questionário aberto que, segundo
Richardson (1999, p.189), "[...] é realmente uma entrevista estruturada", aplicado à
Coordenação Municipal e aos coordenadores regionais das nove administrações
regionais responsáveis pela Rede de Proteção.
A pesquisa em questão se inicia com um aprofundamento teórico sobre violência
doméstica, redes sociais e gestão em rede, que dá subsídios ao levantamento
prático realizado posteriormente.
3.1.1 Justificativa do método
A pesquisa foca a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação
de Risco para Violência. Por ser uma questão social complexa optou-se por um
estudo de caso da Rede de Proteção, permitindo ao pesquisador melhor interpretação
da realidade.
Da mesma forma, o uso de diferentes abordagens técnicas, no caso o
questionário aberto e o levantamento de documentos oficiais, permite a coleta de
dados sob diferentes óticas, possibilitando uma interpretação mais fiel da realidade.
A triangulação ou combinação de várias metodologias consiste no estudo de um
mesmo fenômeno, por meio de uso de múltiplas técnicas para coletar e permitir uma
maior consistência, aprofundamento e confiabilidade (JICK, 1979, apud FLEURY
1997; SACKMANN, 1992; KOHN, 1997).
3.1.2 Abordagem do problema da pesquisa
A abordagem utilizada no problema é a quanti-qualitativa, pois a construção
da contextualização foi realizada a partir da fundamentação teórica e o levantamento
e a análise do estado da arte do tema.
101
Utilizou-se o instrumento de pesquisa questionário e documentos selecionados.
Para Richardson (1999), a natureza do fenômeno investigado determina a escolha
do método a ser empregado. A abordagem qualitativa de um problema, além de ser
uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada
para entender a natureza de um fenômeno social (RICHARDSON, 1999).
Foram realizadas análises qualitativa e quantitativa para a análise sobre as
opiniões dos indivíduos que responderam as perguntas do questionário, e também
para os documentos. As análises qualitativa e quantitativa foram feitas com base nas
respostas das seis perguntas do questionário, bem como da análise documental.
Devido à complexidade do tema pesquisado foram utilizadas as duas abordagens
supracitadas, com o intuito de atingir os objetivos desse estudo. De acordo com
Richardson (1999, p.89),
[...] cabe destacar que a pesquisa social deve estar orientada à melhoria
das condições de vida da grande maioria da população. Portanto é
necessário, na medida do possível, integrar pontos de vista, métodos e
técnicas para enfrentar este desafio.
3.2 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
3.2.1 Desenho da pesquisa
O desenho da pesquisa reflete a demonstrão de pontos principais ou mesmo
marcos do estudo e de suas conectividades, que também podem ser observadas por
meio de uma análise visual nos seus componentes (YIN, 2001). O desenho da
estrutura da pesquisa apresenta uma forma visual para enfatizar os construtos,
variáveis, objetivo geral e objetivos específicos desta pesquisa.
102
Figura 1 - Desenho da Pesquisa
Fonte: Elaborado para a pesquisa em 2007
Os procedimentos do foco de pesquisa centraram-se primordialmente nas
concepções sobre rede social, mais do que nas próprias características de gestão
em rede, isso por dois motivos: primeiro era preciso entender antes de tudo a Rede
de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência na
percepção dos entrevistados, uma vez que eles fazem parte da Rede de Proteção;
segundo, porque os documentos apontam que a gestão em rede está em construção
e a Rede de Proteção para os atores já está consolidada.
3.2.2 Procedimentos da pesquisa
O trabalho foi desenvolvido em quatro momentos, que permitiram o andamento
estruturado da pesquisa. Cada uma das fases foi dividida em passos.
Primeiro momento – estruturação da pesquisa: permitiu a estruturação da
pesquisa, sendo seu objetivo o aprofundamento teórico do tema a ser pesquisado;
foi dividida em dois passos.
103
O primeiro passo – revisão de bibliografia e documental – consistiu no levan-
tamento de conceitos e teorias a respeito de violência doméstica, redes sociais, gestão
em redes, violência doméstica e ações políticas de corte social, e levantamento de
documentos oficiais referentes ao tema estudado. O objetivo principal é a busca do
referencial teórico que embasa a pesquisa, bem como a leitura e sua compreensão.
Com base no levantamento bibliográfico é possível entender melhor o problema
destacado, bem como ter um posicionamento consciente diante do objeto estudado.
A pesquisa documental e bibliográfica está caracterizada principalmente pelo levan-
tamento de dados e informações em meio eletrônico, livros, periódicos, teses e
dissertações disponíveis nos mais diversos tipos de arquivos públicos e particulares e
em bibliotecas físicas e virtuais. As fontes sempre eram anotadas e a documentação
arquivada, segundo critérios de organização das informações. Foram consultados
diversos tipos de publicações que tratavam da Rede de Proteção e com ênfase nos
temas rede social e gestão em rede, e efetuado o levantamento quantitativo e
qualitativo de termos e assuntos relevantes para a construção das características
básicas de rede social e gestão em rede e construção das tabelas e figuras.
O segundo passo foi coletar os conhecimentos adquiridos na pesquisa
documental e bibliográfica. Após a leitura do referencial teórico parte-se para a
redação da fundamentação teórica do trabalho com a finalidade de identificar as
variáveis de redes sociais, gestão em rede e do fenômeno da violência doméstica,
apontadas na literatura como um desafio a ser enfrentado na gestão urbana. O objetivo
é preparar o pesquisador em questão para a pesquisa, bem como direcionar os
trabalhos futuros. O referencial teórico foi elaborado com base na literatura específica
estudada durante os módulos do Mestrado em Gestão Urbana.
Segundo momento – definição da pesquisa: teve como base o resultado da
primeira. O objetivo desse momento foi a aplicação da teoria levantada em uma
realidade específica. Esse momento foi dividido em dois passos.
O primeiro passo foi a elaboração do protocolo de análise, de acordo com o
levantamento teórico realizado na fase anterior. Essa etapa teve como objetivo
identificar as variáveis que efetivamente seriam pesquisadas. Desse modo foi possível
definir um escopo para a pesquisa a ser realizada. O protocolo de análise serviu
para a definição da estratégia de validação das variáveis e das formas de sua medição.
104
Esses dados, dessa forma agrupados, permitiram a elaboração de perguntas-chave
para a pesquisa.
O protocolo de pesquisa consiste em uma ferramenta tática que aumenta a
credibilidade de uma pesquisa de estudo de caso. Sua intenção máxima é guiar o
investigador na realização do estudo de caso, garantindo que ele mantenha o foco
da pesquisa (YIN, 2001). Normalmente, o protocolo apresenta uma visão geral do
projeto do estudo de caso (questões relevantes ao estudo); os procedimentos de
campo; as questões do estudo de caso (questões específicas que o investigador
deve ter em mente na coleta dos dados, fontes especiais de informações para
responder a cada questão); e o guia para o registro do estudo de caso (alguma
informação bibliográfica e outras documentações) (YIN, 2001).
No protocolo de pesquisa estão relacionados os construtos e suas variáveis,
bem como os autores que estão no referencial teórico da pesquisa e seus conteúdos
trabalhados na fundamentação teórica.
Para estudar os termos centrais que envolvem a discussão bibliográfica foram
consideradas as seguintes variáveis: Rede Social, Gestão em Rede e Violência
Doméstica, conforme o protocolo de pesquisa. Isso se justifica pela necessidade de
apreender o debate teórico, bem como subsidiar a pesquisa que se centra na
concepção de Rede Social e na modalidade de Gestão em Rede.
Quadro 4 - Protocolo de Análise da Pesquisa – Rede Social
VARIÁVEIS
AUTORES
(FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA)
UNIDADE DE MEDIDA
- articulação
- autonomia
- coletivo
- compartilhamento/
cooperação
- comunicação
- confiança
- democracia
- descentralização
- flexibilidade
- horizontalidade/não-
hierarquia
- integração
- interdependência
- interface
- parceria entre atores
- participação
- sinergia
LOIOLA; MOURA(1997); BÖRZEL (1998); FALEIROS
(1999); MARTELETO (2001); MINHOTO; MARTINS
(2001); KLIKSBERG (2001); CASTELLS (2002);
SCHERER-WARREN (2002); FLEURY (2002);
SCHERER-WARREN (2002); FREY (2004); CAPRA
(2004); TORO, WERNECK (2004); SOUZA,
RODRIGUES (2004); MUSSO (2004);SCHLITHLER
(2004); DELZARI, PENNA e KAUCHAKJE (2005);
SCHERER-WARREN (2006);MARTINHO (2006)
Freqüência
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
105
Quadro 5 - Protocolo de Análise da Pesquisa – Gestão em Rede
VARIÁVEIS
AUTORES
(FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA)
UNIDADE DE MEDIDA
- compartilhamento
- democracia
- descentralização
- horizontalidade/não-
hierarquia
- integração
- interface
- participação
COLEMAN (1990); AGRANNOFF; LINDSAY (1983,
apud FLEURY, 2002)); MAYNTZ (1993); FRANCES et
al. (apud RHODES, 1995); KLIJN et al. (1995, apud
FLEURY, 2002); KLIJN; KOPPENJAN;TERMEER
(1996); CASTELLS (2000); KOOIMAN (1999);
KICKERT; KOPPENJAN (1999); PUTNAM (apud
MILANI, 1999); JUNQUEIRA (2000); MIGUELETTO
(2001); MIGUELETTO (2001); FLEURY (2002);
SCHERER-WARREN (2002); DUARTE (2002);
ARAÚJO (2002); FLEURY (2002); MARCUSSEN;
TORFING (2003)); COSTA (2003); MARCUSSEN;
TORFING (2003); FREY (2003); FERRAREZI (2003);
GOLDSMITH; EGGERS (2004); GOHN (2004);
GOLDSMITH; EGGERS (2004); SCHERER-WARREN
(2006); KAUCHAKJE (2007)
freqüência
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
Quadro 6 - Protocolo de Análise da Pesquisa – Violência Doméstica
VARIÁVEIS
AUTORES
(FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA)
UNIDADE DE MEDIDA
Família AZEVEDO; GUERRA (1997); UNICEF (1994); ARENDT
(1999); CHAUI (1999)
- número total de
crianças agredidas
Faixa Etária
Criança/Adolescente
AZEVEDO; GUERRA (1998); UNICEF (2005/2006);
AZEVEDO; GUERRA (1993); ARANTES (1995);
AZEVEDO; GUERRA (2001); AZEVEDO; GUERRA (1989);
AZEVEDO; GUERRA (1997); DEL PRIORE (2000); GÓES;
FLORENTINO (2000); GONÇALVES (2003); JUNQUEIRA;
DESLANDES (1997); MOTTA; GONÇALVES (2003);
MINAYO (1999)
- Índice por idade
Maus-Tratos AZEVEDO; GUERRA (1997) Tipo
Agressor LACRI-USP (2002) - Sexo
- Inserção no mercado de
trabalho
Notificação SOUSA (2005); OLIVEIRA; RIBEIRO; ALBUQUERQUE
(2003); BRASIL (2002); CURITIBA/SMS (2004, 2005)
- Índice por
instituição/categoria
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
O segundo passo foi a elaboração das ferramentas de coleta de dados para
se conseguir os dados quantitativos com base no protocolo de análise. O objetivo desse
passo foi estruturar a ferramenta de pesquisa, aprimorando assim seu resultado. Foi
realizado o levantamento dos documentos oficiais quanto ao fenômeno da violência
doméstica contra crianças e adolescentes em Curitiba, das redes sociais e gestão em
rede no campo das ações públicas com corte social (educação, saúde, assistência
social) e elaboração de um questionário aberto (Apêndice A) aplicado ao Coordenador
106
Municipal e aos nove coordenadores regionais das administrações regionais do
município de Curitiba.
Terceiro momento – aplicação do questionário: constituído da aplicação da
pesquisa na Coordenação Municipal e na Coordenação Regional (composta por
nove administrações regionais) por meio de uma análise prática. Ela é composta por
dois passos paralelos.
O primeiro passo é a aplicação do questionário à Coordenação Municipal e à
Coordenação Regional da Rede de Proteção. Composto de seis perguntas com foco
na Rede de Proteção, o intuito era identificar as variáveis quanto à noção de rede
social e concepção e principais características de gestão em rede, na percepção dos
atores-gestores da Rede de Proteção.
O segundo passo é a observação assistemática, que consiste na observação
natural do dia-a-dia das administrações regionais como mero mensageiro. Esse
passo aconteceu durante toda a pesquisa, em especial na coleta de dados.
Quarto momento – realização final: são feitas as comparações e análises com
base nos resultados obtidos nas fases anteriores. É constituído de três passos.
O primeiro passo é a tabulação dos resultados obtidos na pesquisa de estudo
de caso. Foram organizados os dados em tabelas, de maneira a permitir a verificação
das relações que eles guardam entre si. É a base para a análise quantitativa e
qualitativa da pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 1990). O objetivo dessa fase é
consolidar os dados coletados de forma a permitir a sua interpretação. A tabulação
foi realizada com o auxílio de ferramentas de informática, facilitando o cruzamento
dos dados.
O segundo passo é a interpretação dos dados com base no referencial teórico,
que fundamenta as conclusões da pesquisa. O objetivo consiste em interpretar os
dados à luz da teoria.
O terceiro passo é o relatório da pesquisa e elaboração da dissertação. Essa
etapa consiste na efetiva estruturação do documento da dissertação, de forma a
permitir a compreensão da pesquisa.
107
3.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
Para uma melhor análise foram utilizados instrumentos de coleta de dados,
especificados a seguir.
3.3.1 Território da pesquisa e população do estudo
O presente estudo foi desenvolvido em setores e órgãos onde estão os
representantes da Coordenação Municipal, e nas nove administrações regionais
onde estão os representantes da Coordenação Regional da Prefeitura Municipal de
Curitiba, que coordenam as ações da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente
em Situação de Risco para Violência.
Na sua prática cotidiana a Rede de Proteção segue a mesma lógica da admi-
nistração da cidade. Essa é dividida em nove administrações regionais, propiciando
a descentralização dos serviços, com o objetivo de estarem mais próximos da
população. E ainda há, na Rede de Proteção, uma abrangência maior, com a
organização das redes locais, com mais de cem unidades distribuídas nos diversos
territórios da cidade.
As regionais estão localizadas nos seguintes bairros de Curitiba: Matriz
(Centro), Boa Vista, Santa Felicidade, Pinheirinho, Boqueirão, Portão, Cajuru, Bairro
Novo e Cidade Industrial de Curitiba (CIC) (Anexo B).
Quanto à população, esta constitui-se de 31 gestores públicos, entrevistados
por meio do questionário, na Coordenação Municipal e nas nove administrações
regionais. Os gestores entrevistados são os envolvidos diretamente na gestão da rede e
cabe a esses profissionais o gerenciamento da Rede de Proteção e a execução das
metodologias de trabalho propostos pela Coordenação Municipal. Responde pela Rede
de Proteção uma equipe multidisciplinar composta pelos seguintes profissionais: médicos,
enfermeiros, assistentes sociais, professores e psicólogos. A Rede de Proteção é
principalmente voltada para a prevenção da violência na cidade de Curitiba, PR.
108
Dos dez representantes da Coordenação Municipal nove participaram da
pesquisa. Das administrações regionais do Cajuru, Boqueirão, Bairro Novo, Portão e
CIC, um representante de cada área – saúde, educação e assistência social –
participaram da pesquisa, totalizando três entrevistados de cada administração regional.
Das administrações regionais do Pinheirinho, Matriz e Boa Vista, apenas dois repre-
sentantes participaram da pesquisa; e de Santa Felicidade, apenas um representante.
3.3.2 Levantamento de documentos
Na primeira fase foram selecionados para levantamento os documentos da
Rede de Proteção, apresentados abaixo:
- Documento 1 - Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação
de Risco para Violência - Manual de Gestão em Rede. Prefeitura Municipal
de Curitiba – Coordenação Municipal da Rede de Proteção. Organização:
Maria Tereza Gonçalves e Clara Satiko Kano (2006);
- Documento 2 - Notificação obrigatória da violência ou suspeita de violência
contra crianças e adolescentes: construindo uma rede de proteção. Artigo
escrito por Vera Lídia Alves de Oliveira, Carmem Regina Ribeiro e Maria
Celi de Albuquerque, e divulgado na revista Saúde para Debate, Rio de
Janeiro, n.26, p.66-72, abr. 2003;
- Documento 3 - O que é a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente
em Situação de Risco para Violência. Documento de circulação interna
escrito pela Dra. Hedi Martha Muraro - Coordenadora Municipal da Rede
de Proteção, 2007;
- Documento 4 - Redes de Proteção: Novo Paradigma de Atuação – Expe-
riência de Curitiba. Artigo escrito por Vera Lídia Alves de Oliveira, Luci Pfeiffer,
Carmem Regina Ribeiro, Maria Tereza Gonçalves e Iracema Aparecida
Espigiorin Ruy, e divulgado no livro Violência Faz Mal à Saúde, Cláudia
Araújo de Lima (coord.). cap. XIII. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
109
Segundo Silva e Grigolo (apud BEUREN, 2003, p.89), a pesquisa documental
[...] vale-se de materiais que ainda não receberam nenhuma análise
aprofundada. Esse tipo de pesquisa visa, assim, selecionar, tratar e
interpretar as informações brutas, buscando extrair dela algum sentido e
introduzir-lhe algum valor, podendo, desse modo, contribuir com a
comunidade científica a fim de que os outros possam voltar a desempenhar
futuramente o mesmo papel.
Segue apresentação do processo de pesquisa documental dessa pesquisa,
contendo os quatro documentos com informações relevantes para a investigação
científica e para a compreensão da metodologia empregada.
Na segunda fase foi muito importante a seleção das leituras e fichamentos dos
documentos. Para cada documento foi criada uma ficha de leitura contendo resumo
e referência bibliográfica da publicação. Também foram efetuadas transcrições de
trechos para melhor compreender o contexto e evitar distorções na análise dos
resultados e definir os quatro documentos selecionados.
Na terceira fase foi efetuada a classificação de todo o material disponível, de
acordo com a cronologia das publicações.
Na quarta fase foi criado um banco de dados de informações contendo a
contextualização de todos os quatro documentos. A organização do material foi a
partir do critério de assunto, focando os aspectos temáticos e conceituais referente rede
social e gestão em rede. Dessa forma os documentos que tratavam do mesmo assunto
foram arquivados na mesma seqüência, independentemente de sua data cronológica.
Na quinta fase foram criadas as tabelas e figuras das características básicas
de rede social e gestão em rede com suas freqüências, em que os termos-chave
tiveram o propósito de analisar os conceitos fundamentais contidos nos documentos.
Nessa etapa foram identificados os núcleos conceituais que atendiam à caracterização
básica da Rede de Proteção, em relação aos temas rede social e gestão em rede.
Também no processo de releitura dos quatro documentos foram efetuados os
levantamentos quantitativos e da freqüência das características básicas de rede social e
gestão em rede. Qualitativamente, foi possível identificar características básicas dos
temas rede social e gestão em rede.
Finalmente, foi essencial a análise dos textos para identificar os eixos teóricos
dos quatro documentos, e sua correlação para possibilitar a verificação da freqüência
110
das características básicas de rede social e gestão em rede, e confecção das
respectivas tabelas e figuras.
3.3.3 Questionário
O questionário é utilizado para o conhecimento de opiniões, crenças,
sentimentos e interesses, e tem a possibilidade de ser aplicável a um grande número
de pessoas, podendo ser respondido com ou sem a presença do pesquisador (GIL,
1999; MARCONI; LAKATOS, 1990).
Segundo Rudio (2001, p.114), o questionário e a entrevista são instrumentos
de pesquisa utilizados para coleta de dados. Esses dois instrumentos têm em comum
o fato de "[...] serem constituídos por uma lista de indagações que, respondidas, dão
ao pesquisador as informações que ele pretende atingir". Conforme Gil (2002), o
questionário é um conjunto de questões que são respondidas por escrito e pelo
pesquisado. "Questionário é um instrumento de coleta de dados constituído por uma
série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença
do entrevistador" (MARCONI; LAKATOS, 2002, p.98).
Existem diversos instrumentos de coleta de dados que podem ser utilizados para
obter informações acerca de grupos sociais. O mais comum entre esses instrumentos
talvez seja o questionário (
RICHARDSON, 1999, p.188):
Os questionários de perguntas abertas caracterizam-se por perguntas ou
afirmações que levam o entrevistado a responder com frases ou orações. O
pesquisador não está interessado em antecipar as respostas, deseja uma
maior elaboração das opiniões do entrevistado (RICHARDSON, 1999,
p.192-193).
O questionário foi elaborado com base no referencial teórico estudado, concen-
trando-se nas variáveis destacadas desse referencial (Apêndice A). O questionário
foi analisado pelo orientador com o intuito de validar e verificar a sua confiabilidade e
foi elaborado com perguntas abertas com espaço adequado para as respostas.
A validade se apresenta quando mede realmente o que se propõe a medir, pela
confirmação da opinião ou de atitudes de um grupo (GIL, 1999). A confiabilidade serve
111
para minimizar os erros e as visões tendenciosas de um estudo (YIN, 2001, p.60).
A abordagem foi em relação às variáveis conforme o protocolo de pesquisa elaborado.
O questionário aplicado foi constituído de seis questões estruturadas em
perguntas abertas, referentes à concepção de rede social e gestão em rede, sendo as
questões do instrumento de coleta de dados formuladas com base nos objetivos dessa
pesquisa. Foi aplicado diretamente ao Coordenador Municipal e aos coordenadores
regionais das nove administrações regionais do município de Curitiba. Foram coletados
dados de acordo com o protocolo de pesquisa das variáveis rede social, gestão em
rede e violência doméstica.
O questionário foi numerado da seguinte forma: de 1 a 9 referem-se aos
integrantes da Coordenação Municipal e da Coordenação Regional (composta de
nove administrações regionais); de 10 a 12, Regional Cajuru; 13 e 14, Regional
Pinheirinho; 15 a 17, Regional Boqueirão; 18 a 20, Regional Bairro Novo; 21 a 23,
Regional Portão; 24 e 25, Regional Matriz; 26 e 27, Regional Boa Vista; 28 a 30,
Regional CIC; e 31, Regional de Santa Felicidade.
O questionário foi essencial para análise dos resultados em relação à noção
de rede social e a concepção desses atores-gestores sobre gestão em rede, e as
principais características de gestão em rede presentes na Rede de Proteção.
3.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE DE DADOS
Para a sistematização e análise dos dados coletados na pesquisa foram
utilizadas como estratégia metodológica as sugestões e contribuições do Método de
Análise de Conteúdo (BARDIN, 1997). Segundo Bardin (1997, p.42), a análise de
conteúdo é:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por meio
de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, obter indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção.
Nesse sentido não foram realizados os procedimentos exigidos pelo método,
mas sim foram extraídas informações da análise documental e das seis questões
112
abertas do questionário da pesquisa e orientações para realizar a interpretação e
análise que se segue:
1. elencou as características básicas de rede social e gestão em rede, segundo
autores selecionados, em documentos de pesquisa e confecção das tabelas
2 e 5 e gráficos 4 e 7 de análise, apontando a freqüência daquelas caracte-
rísticas básicas que comparecem nos documentos analisados;
2. elencou as características básicas de rede social e gestão em rede, segundo
autores selecionados, e sua freqüência, do questionário de pesquisa
(perguntas 3 e 4) referente à rede social e confecção da tabela 3 e gráfico 5 e
de gestão em rede (perguntas 5 e 6) e confecção da tabela 6 e gráfico 8;
3. elencou as características básicas de rede social e gestão em rede, segundo
autores selecionados, e sua freqüência, do questionário de pesquisa
(perguntas 3 e 4) referente a rede social, conforme tabela 4 e gráfico 6, da
Coordenação Municipal e Coordenação Regional (nove regionais) e de
gestão em rede (perguntas 5 e 6), tabela 7 e gráfico 9.
4. As perguntas 1 e 2 sobre o modelo de gestão pública presente na Rede
de Proteção.
O processo proposto por Bardin (1977, p.95) para a utilização da análise de
conteúdo desenvolvem-se em três pólos cronológicos: a pré-análise; a exploração
do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A pré-análise, que corresponde à organização da análise, possui três missões: a
escolha dos documentos; a formulação das hipóteses e dos objetivos; e a elaboração
de indicadores com intuito de fundamentar a interpretação final.
A estratégica metodológica foi utilizada para decifrar nos textos as caracte-
rísticas básicas referentes à rede social e a gestão em rede. O objetivo do processo
foi a interpretação das inferências sobre as informações contidas a partir da análise
documental e análise das respostas do questionário, com objetivo de levantar o seu
conteúdo manifesto.
A partir das tabelas e figuras das características básicas, segundo autores
selecionados, foi efetuada uma síntese com objetivo de identificar os núcleos de
significados para elaboração.
113
4 RESULTADOS E ANÁLISE
Os resultados foram analisados com base nos autores abordados e foram
divididos em subitens, apresentados em tabelas e gráficos referentes a:
a) Pesquisa dos documentos e questionários com a freqüência das caracterís-
ticas de rede social e concepção sobre rede social apreendida na Coordenação
Municipal e Coordenação Regional nos questionários, perguntas 3 e 4;
b) Pesquisa dos documentos e questionários com a freqüência das caracte-
rísticas de gestão em rede; sendo nas perguntas 1 e 2 referentes ao modelo
de gestão presente na Rede de Proteção e 5 e 6 sobre a concepção de gestão
em rede apreendida na Coordenação Municipal e Coordenação Regional.
4.1 REDE SOCIAL: DOCUMENTOS E QUESTIONÁRIOS
Para a sistematização dos dados extraídos dos documentos e das entrevistas
foram consideradas as seguintes características básicas sobre rede social: articulação,
autonomia, coletivo, compartilhamento/cooperação, comunicação, confiança, democracia,
descentralização, flexibilidade, horizontalidade/não-hierarquia, integração, interde-
pendência, interface, parceria entre atores, participação e sinergia.
Os autores abordados na fundamentação teórica também apresentaram essas
características para a rede social: Faleiros (1999), Castells (2000, 2002), Frey (2002,
2003, 2004), Scherer-Warren (2002), Loiola e Moura (1997), Delzari, Penna e Kauchakje
(2005), Schlithler (2004), Capra (2004), Marteleto (2001), Minhoto e Martins (2001) e
Fleury (2002).
114
4.1.1 Concepção sobre rede social apreendida nos documentos
A pesquisa dos documentos – rede social está representada na tabela 2 e no
gráfico 4, abaixo.
Tabela 2 - Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos Documentos Pesquisados
DOC 1 DOC 2 DOC 3 DOC 4 TOTAL
AUTORES
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
Articulação 25 96,15 - - - - 1 3,85 26 100,00
Autonomia 5 71,43 - - - - 2 28,57 7 100,00
Coletivo 5 100 - - - - - - 5 100,00
Compartilhamento/Cooperão 7 100 - - - - - - 7 100,00
Comunicação 10 71,43 - - - - 4 28,57 14 100,00
Confiança - - - - - - - - - -
Democracia - - 1 50 - - 1 50 2 100,00
Descentralizão 2 50 - - - - 2 50 4 100,00
Flexibilidade - - - - - - 1 100 1 100,00
Horizontalidade/Não-hierarquia 6 85,71 - - - - 1 14,29 7 100,00
Integrão 12 41,40 4 13,79 7 24,14 6 20,69 29 100,00
Interdependência 4 57,14 - - 3 42,86 - - 7 100,00
Interface ----------
Parceria entre Atores 107 58,79 29 15,93 13 7,14 33 18,13 182 100,00
Participão 17 56,67 5 16,67 - - 8 26,66 30 100,00
Sinergia ----------
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
Gráfico 4 - Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos Documentos
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
115
A característica que apresentou maior freqüência foi a "parceria entre atores",
com um total de 182 citações, sendo que o documento 1 – Manual de Gestão em
Rede – foi o que apresentou a maior freqüência (107 citações). Essa característica é
fundamental para o desenvolvimento de uma rede social, pois proporciona o maior
compartilhamento de informações, o envolvimento mais próximo entre os atores e a
articulação entre ações e saberes. Para Inojosa (apud MINHOTO; MARTINS, 2001, p.90)
[...] rede é parceria voluntária para a realização de um propósito comum.
Implica [...] a existência de entes autônomos que movidos por uma idéia
abraçada coletivamente, livremente e mantendo sua própria identidade,
articulam-se para realizar objetivos comuns.
As características subseqüentes à "parceria entre atores" são: "participação",
com 30 citações; "integração", com 29 citações; e "articulação", com 26 citações.
Inojosa (1998) relata que todas essas características precisam existir em uma rede
social. É fundamental destacar que a parceria entre atores não vive sem essas
características, de onde se pode concluir que todas as características se inter-
relacionam. Essa forma de ação cria uma ética própria de relação entre os atores.
Schlithler (2004) discorre que o processo da rede pode ser avaliado pelos seus
princípios norteadores: horizontalidade, diversidade, autonomia, processo decisório
democrático-participativo, participação ativa de todos os integrantes, intercomunicação
ampla e transparente.
Um dado quantitativo que se revela na tabela 2 é que há uma disparidade
entre a primeira característica – "parceria entre atores", com 182 (freqüência) – das
demais, que ficam próximas de 30 (freqüência). Essa diferença sugere algumas
hipóteses: o processo da Rede de Proteção é muito recente e foi fundado pela
necessidade e crença na atuação de vários atores para dar conta da complexidade
de seu objeto de trabalho, que é a violência doméstica, uma vez que o referido tema
apresenta a necessidade da ação conjunta entre os setores, num trabalho multidisciplinar
e intersetorial; há consciência dos atores-gestores envolvidos na elaboração dos
documentos da necessidade prática de identificação, agregação e envolvimento dos
atores, e de mantê-los como parceiros em ações concretas da Rede de Proteção.
A característica "participação", que apresenta um total 30 de freqüência,
demonstra que a Rede de Proteção comunga seus objetivos num processo de "inte-
116
gração" (com 29 de freqüência total) e "articulação" (26 de freqüência total), que
mantém a construção da rede.
A "comunicação" aparece com uma freqüência total de 14 e está presente
apenas no documento 1. Segundo Capra (2004), a comunicação é um instrumento
que gera novos significados, pois pressupõe a interação, e ela se retro-alimenta,
criando mais comunicação, que é um elo não-material que está presente nas linhas
de conexão entre os atores.
As características "autonomia", "compartilhamento/cooperação", "horizontalidade/
não-hierarquia" e "interdependência" aparecem com freqüência 7. E as características
"coletivo", "descentralização", "democracia" e "flexibilidade" aparecem, respectivamente,
com freqüência 5, 4, 2 e 1.
As características "compartilhamento/cooperação" e "coletivo" mostram que a
troca de saberes e práticas entre os atores da rede fortalece a ação em rede e
funcionam como aprendizagem de práticas democráticas. As diferenças enriquecem o
processo e permite uma ação potencializada que conta com diversos olhares e diversas
abordagens que propiciam maior precisão nos diagnósticos e, conseqüentemente,
encaminhamentos práticos mais ajustados a determinada realidade. Essas ações
remetem tanto ao atendimento na comunidade como aos processos de planejamento,
capacitação e eventos com temas pertinentes à área de atuação da Rede de Proteção.
Os olhares multidisciplinares e multissetoriais, com profissionais de diversas áreas,
potencializam as ações e os saberes que circulam nessa "rede de conhecimento".
Cada um detém um tipo específico de conhecimento, advindo da sua formação,
experiência de trabalho e setor que representa dentro da rede. Os saberes são
colocados à disposição de todos os integrantes que experimentam os ganhos de
uma ação conjunta, fortalecendo o trabalho em rede.
As características de "descentralização" e "democracia", que aparecem com
freqüências menores, estão ligadas a processos de administração da cidade que já
possui uma certa infra-estrutura, como as Ruas da Cidadania que abrigam as admi-
nistrações regionais e as unidades de atendimento distribuídas em cada território.
Com relação à característica "flexibilidade", que aparece com freqüência 1, ela
foi citada somente no documento 4, ligada aos termos "descentralização", "democracia"
e "horizontalidade". Portanto, refere-se a uma forma organizacional que provavelmente
117
está vinculada à necessidade de rapidez das ações, não podendo ser impedida por
processos burocráticos.
Na prática, a Rede de Proteção segue a mesma lógica da administração da
cidade. Esta é dividida em nove administrações regionais, propiciando a descentralização
dos serviços, com o objetivo desses estarem mais próximos da população. E ainda
há, na Rede de Proteção, uma abrangência maior, com a organização das redes
locais nos diversos territórios da cidade.
Observa-se que a característica "democracia" comparece nos documentos 2 e 4,
com apenas uma freqüência. Esse dado será analisado particularmente.
As características "sinergia", "interface" e "confiança" não são pontuadas em
nenhum documento. Isso sugere algumas hipóteses: tais características podem
constituir-se como nuances que irão aparecer na construção de uma rede, em seu
processo de desenvolvimento ou sua etapa de solidificação; tais características são
mais sutis à percepção dos atores-gestores e podem ou não integrar conscientemente
o processo; não há consciência de que tais elementos constituem-se em caracte-
rísticas de rede – daí a importância da produção científica como fundamento de
construções sociais práticas.
4.1.1.1 Manual de gestão em rede – documento 1 – rede social
O documento 1 - Manual de Gestão em Rede, concebido para capacitar os
atores-gestores, utilizando a experiência desenvolvida em cada local da Rede de
Proteção.
As citações tiradas do documento 1 ilustram o modo como os atores-gestores
da Rede de Proteção vêm aplicando o conceito de rede com as características
apresentadas na tabela 2: "Além de aumentar a efetividade das ações, o trabalho
articulado em rede propicia a troca de experiências e conhecimentos, socializando-
os entre os profissionais e as várias instituições particulares" (documento 1);
118
O termo rede é um conceito que permite compartilhar objetivos e procedi-
mentos que visam à obtenção das interações necessárias com outras instâncias
institucionais e a construção de vínculos horizontais de interdependência e
complementaridade. Isso muda a percepção das instituições como órgãos
centrais e hierárquicos e, dessa forma, possibilita o compartilhamento de
responsabilidades e reivindicações por meio de objetivos e compromissos
comuns (documento 1).
As características "parceira entre atores", "interdependência", "cooperação" e
"confiança" são salientadas por Frey (2004, p.215):
[...] redes sociais podem ser compreendidas como formas independentes de
coordenação de interações. Sua marca central é a cooperação, baseada em
confiança entre atores autônomos e interdependentes, os quais trabalham
em conjunto por um período limitado de tempo, levando em consideração os
interesses dos parceiros e estando conscientes de que esta forma de
coordenação é o melhor caminho para alcançar objetivos particulares.
As citações abaixo ilustram a concepção de rede dos gestores da Rede
de Proteção:
Pensar em rede significa conceber a idéia de articulação conexão, vínculos,
ações complementares, relações entre parceiros, interdependência de
serviços para garantir a integridade da atenção aos segmentos sociais
vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal (documento 1).
[...] a rede tem uma autonomia que lhe é própria, que não está acima das
instituições, mas inter ou transinstituições, não se restringe a ser uma mera
composição, mas se propõe à construção de uma nova ação baseada ou
fundamentada em diversas especificidades (documento 1).
Outro atributo da rede é a descentralização, que Capra (2004) relata:
Atualmente, a maioria das grandes empresas está organizada em redes
descentralizadas de pequenas unidades, conectadas a rede de pequenos e
médios negócios que servem como sub-contratados ou fornecedores, e
redes similares existem entre organizações sem fins lucrativos e
organizações não organizacionais. De fato, por muito tempo 'construir redes'
tem sido uma das principais atividades de organizações políticas de base. O
movimento ambientalista, o movimento pela paz e vários outros movimentos
políticos e culturais de base têm se organizado como redes que ultrapassam
fronteiras nacionais (CAPRA, 2004, p.13).
119
Hoffmann et al. (2000, p.6) definem rede como um
[...] conjunto integrado de instituições governamentais, não governamentais
e informais, ações, informações, profissionais, serviços e programas que
priorizem o atendimento integral aos grupos de risco na realidade local de
forma descentralizada e participativa.
O documento 1 também conclama a descentralização:
Uma gestão social intersetorial, integrada, multidisciplinar, necessita de um
modelo organizacional flexível, nos quais os processos de descentralização
e participação social sejam efetivos e favoreçam as parcerias com a
sociedade civil organizada, tanto para o atendimento emergencial como
especialmente para o trabalho preventivo.
A comunicação, uma das características da rede, é assim definida por Capra
(2004, p.6): "[...] redes sociais são, antes de tudo, redes de comunicação que envolvem
linguagem simbólica, restrições culturais, relações de poder, etc". O documento 1
evidencia essa característica: "[...] afinar a comunicação e interação entre os atores
envolvidos (na regional e entre as redes locais), minimizando as dissonâncias".
Observa-se na tabela 2 que o documento 1 é o que apresenta o maior
número de características de uma rede social. A hipótese levantada é que, por ser
um manual focado na metodologia de gestão em rede, seus autores procuraram um
mínimo de fundamentação teórica, propiciando um maior número de características.
4.1.1.2 Notificação Obrigatória da Violência ou Suspeita de Violência Contra Crianças
e Adolescentes: Construindo uma Rede de Proteção – documento 2 – rede
social
O documento 2 trata da concepção e do funcionamento da Rede de Proteção
e da notificação obrigatória da violência ou suspeita de violência contra crianças e
adolescentes.
A característica com maior freqüência é a "parceria entre atores", seguida da
"participação", "integração" e "democracia". Isso se evidencia uma vez que o documento
sistematiza a ação de implantação da Rede de Proteção na cidade de Curitiba, o
120
que ocorreu paulatinamente nas oito administrações regionais existentes na época
da elaboração do documento. Esta implantação iniciou em agosto de 2000 com um
projeto piloto na Regional do Portão, e se estendeu até setembro de 2002, quando
totalizou as oito regionais. Com a implantação da Administração Regional CIC em
2005 também foi implantada a Coordenação Regional da Rede de Proteção.
As citações abaixo, retiradas do documento 2, ilustram as características
apontadas:
A concepção de rede permite que novos parceiros se agreguem, ampliando
o espectro inicial de instituições e, portanto, de alternativas de intervenção.
Os casos de menor gravidade, considerados de risco leve, desencadeiam
procedimentos de rotina - preenchimento e encaminhamento da Ficha de
Notificação Obrigatória, orientação aos pais ou responsáveis, visita
domiciliar, atenção constante sobre a criança, consulta de retorno,
encaminhamento da criança e da família para outros serviços de acordo
com a especificidade do caso, estímulo à participação dos pais em
atividades de orientação familiar entre outros.
A Rede de Proteção não é um novo serviço, ou uma nova obra, sim uma
concepção de trabalho que dá ênfase à atuação integrada e intersetorial,
envolvendo todas as instituições que desenvolvem sua atividades com
crianças e adolescentes e suas famílias.
[...] o banco de dados existe e tem como objetivo avaliar as reincidências, a
construção do banco de dados e a democratização das informações.
Esse é um documento que cita a característica "democracia", mas refere-se à
democratização das informações, destacando uma particularidade sem focar no
sentido mais amplo de democracia.
4.1.1.3 O que é a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para a Violência – documento 3 – rede social
O documento 3 traz o histórico da Rede de Proteção, incluindo a estrutura, o
fluxo e os objetivos, além de abordar o tema da Rede de Proteção, que é a violência
contra crianças e adolescentes, mais especificamente a violência doméstica.
A característica de maior freqüência apresentada por esse documento, de acordo
com a tabela 2, é a "parceria entre atores" (13). De forma concreta o documento 3
121
nomeia os atores e faz referências ao setor governamental e não-governamental que
integram a Rede de Proteção: "[...] dá ênfase à atuação integrada e intersetorial,
congregando ações de diferentes setores da Prefeitura Municipal de Curitiba e diversas
instituições governamentais e não-governamentais".
A característica "integração", com freqüência 7, aparece em destaque, caracte-
rizando a forma de ação da Rede de Proteção. É uma citação de identificação do
projeto que articula com o tema:
Entende-se por Rede de Proteção um conjunto de ações integradas e interse-
toriais do Município de Curitiba para prevenir a violência, principalmente a
violência doméstica e sexual, e proteger a criança e o adolescente em situação
de risco para a violência (documento 3).
O objetivo proposto pelo documento 3 é realizar uma apresentação geral do
trabalho da Rede de Proteção diante do fenômeno específico da violência
doméstica. O destaque é para a base conceitual de violência doméstica.
4.1.1.4 Redes de Proteção: Novo Paradigma de Atuação – Experiência de Curitiba –
documento 4 – rede social
O documento 4 relata a realidade da violência sofrida pela infância e
adolescência e a implantação da Rede de Proteção. Porém, o destaque é para o
detalhamento das ações do programa, das experiências já vivenciadas, e de novos
detalhamentos, como a abordagem familiar, como se desenvolvem as capacitações,
a inclusão de novos parceiros fundamentais para o reconhecimento da violência,
como os hospitais e maternidades, nuances de classificação da violência e possíveis
encaminhamentos, resultados decorrentes da ação integrada e intersetorial, e os
fluxos da ficha de notificação obrigatória que se fixaram no decorrer do processo.
E as conclusões apontam para os novos desafios que se colocam no dia-a-dia
do trabalho.
A "parceria entre atores" aparece com maior freqüência (33), uma vez que o
documento destaca a permanência de alguns atores e a inclusão de outros, e ainda
cita a aproximação de instâncias que apresentam relações conflituosas, como o
122
Conselho Tutelar e os profissionais envolvidos. No mesmo sentido, as características
"participação" com freqüência 8, "integração" com 6, "comunicação" com 4 e
"articulação" com 1 fazem parte desse movimento.
As características "descentralização" e "autonomia", que apresentaram
freqüência 2, e horizontalidade/não-hierarquia com 1 de freqüência, estão ligadas
à questão da democracia (com 1 de freqüência). Essas características estão
relacionadas a uma dimensão ética e política e podem ser visualizadas nas citações
retiradas do documento 4:
Cada um dos cinco conselheiros tutelares da regional é responsável e
acompanha os casos observados em uma ou mais redes locais previamente
definidas, participando das reuniões mensais e discutindo os casos em
conjunto com representantes dos serviços dessa área. Essa aproximação
tem melhorado as relações entre os conselhos tutelares e os profissionais
responsáveis pelo atendimento às crianças e aos adolescentes como fruto
da compreensão dos papéis de cada um.
A realidade da violência sofrida pela infância e adolescência impõe ao poder
público e à sociedade civil organizada uma abordagem ampla e integrada
para o seu enfrentamento.
A rede é um padrão organizacional que prima pela descentralização na
tomada de decisão e pela democracia, pela flexibilidade e pelo dinamismo
de sua estrutura, pelo alto grau de autonomia de seus membros e pela
horizontalidade das relações entre os seus elementos.
Compete à Coordenação Municipal: viabilizar a articulação de todos os
serviços e programas envolvidos, respeitando as diferenças institucionais.
É possível observar que existe uma forte consciência de rede social dos
atores-gestores da Rede de Proteção, em virtude da "parceria entre atores" que, em
todos os documentos, apresenta-se como a característica com a maior freqüência. É
o que identifica essa Rede de Proteção
4.1.2 Concepção sobre rede social apreendida nos questionários
A tabela 3 e o gráfico 5 são referentes às questões 3 e 4 do questionário, a
respeito da rede social. A característica que apresentou maior freqüência nas
respostas dessas questões foi "parceria entre atores", com um total de 105 de
123
freqüência. É possível observar que na tabela 2, referente à pesquisa documental de
rede social, também se evidencia a característica "parceria entre atores" com a
maior freqüência. Essa característica, conforme relato anterior, é fundamental para o
desenvolvimento de uma rede. Quanto maior o número de parceiros envolvidos em
uma rede, maior é a participação, integração e articulação entre os atores, o que
proporciona a construção e o fortalecimento, no caso, da Rede de Proteção.
As características "participação" e "integração" apresentaram, cada uma,
freqüência 12, e "articulação" apresentou freqüência 8. É interessante que, na tabela
1 da pesquisa documental sobre rede social, o total dessas características está na
mesma seqüência, o que sugere que há uma proximidade entre os documentos
escritos e as respostas dos atores-gestores. Denota também que os documentos
não têm uma pretensão acadêmica; são uma tentativa de sistematização da prática
construída pela Rede de Proteção e também do que ainda se pode construir.
As características "coletivo" e "compartilhamento/cooperação" apareceram
com 2 de freqüência, e "comunicação", "descentralização" e "horizontalidade/não-
hierarquia" apresentaram 1 de freqüência.
Tabela 3 - Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nos Questionários
REDES SOCIAIS
CARACTERIZAÇÃO
QUESTÕES 3 E 4
FREQÜÊNCIA/
OCORRÊNCIA
% FQ.
Autonomia - -
Articulação
85,56
Coletivo
21,39
Compartilhamento/Cooperação
21,39
Comunicação 1 0,69
Confiança
--
Democracia - -
Descentralização 1 0,69
Flexibilidade - -
Horizontalidade/Não-hierarquia 1 0,69
Integração 12 8,33
Interdependência
--
Interface
--
Parceira entre atores
105 72,92
Participação
12 8,33
Sinergia
--
TOTAL 144 100,00
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
124
Gráfico 5 - Rede Social – Questionários/Pesquisados
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
A Rede de Proteção apresenta características de horizontalidade dentro da
sua ação para o enfrentamento da violência doméstica, porém os setores que fazem
parte da Rede de Proteção mantêm sua estrutura hierárquica verticalizada. Essa é
uma das limitações da Rede de Proteção, já que é necessário negociar as
flexibilizações de cada setor de acordo com as necessidades de encaminhamento
de casos, em especial de acordo com os níveis de gravidade.
A notificação pode ser considerada como uma forma de comunicação, tanto
no sentido do atendimento imediato quanto na formação do banco de dados para
uma informação mais geral. Estes processos abrangem a rede local, regional e
municipal. Somente quando não é possível resolver a situação em uma instância a
outra é chamada para colaborar, promovendo a descentralização de decisões e a
agilidade nos encaminhamentos para que se possa encontrar soluções adequadas
para cada situação.
Não obtiveram nenhuma freqüência as características "autonomia", "confiança",
"democracia", "flexibilidade", "interdependência", "interface" e "sinergia". Uma das
hipóteses é que os atores-gestores estão mergulhados com o fazer e muitas vezes
essas características mais sutis não aparecem na fala cotidiana; outra possibilidade
é que esses mesmos atores-gestores são responsáveis por projetos ou ações
125
específicas de suas secretarias municipais, onde nem sempre essas características
são vividas com intensidade.
As respostas abaixo ilustram a concepção que os atores-gestores da Rede de
Proteção têm sobre rede social:
Rede social é o conjunto de atores (governamentais e não-governamentais)
que trabalham em convergência a temas sociais complexos (entrevistado 1).
Uma organização de vários parceiros integrados e com um compromisso
comum, onde o trabalho coletivo realizado em prol deste compromisso não
segue um trabalho hierárquico, fragmentado descontextualizado (entrevistado 3).
São os relacionamentos entre pessoas, envolvendo afetividade, comunicação,
relações de poder, aspectos culturais, ideais, objetivos e interesses comuns
(entrevistado 4).
Uma ação integrada em prol de resultado, sem hierarquias, com pesos iguais
dentro da execução, considerando as competências de diferentes áreas
(entrevista 5).
São os parceiros que formam uma rede e produzem ações de proteção e
prevenção a criança e adolescente (entrevistado 11).
O termo rede social é uma atuação intersetorial, integrado, multidisciplinar,
compartilhado, onde os processos de descentralização de ações na
horizontalidade e co-responsabilidades visam agregar valor e legitimar as
ações de caráter público e obrigatórios (entrevistado 13).
Vários órgãos, sociedade organizada voltada para o cidadão em suas
necessidades (entrevistado 18).
Ação conjunta de várias secretarias, órgãos públicos e não-governamentais,
objetivando um fim comum, além de envolver vários setores da sociedade,
mobilizando-a para a melhoria dos diversos objetivos (entrevista 21).
Rede social é um conjunto social de ações sociais que se articulam em torno de
objetivos e focos comuns, constituídas num processo de participação
coletiva e de responsabilidades compartilhadas (entrevistado 25).
Entendo que uma rede social representa um conjunto integrado de ações e
equipamentos envolvidos na gestão de um determinado objetivo comum
(entrevistado 26).
Conjunto articulado de ações envolvendo diversas instituições do setor público
e privado, com a participação da comunidade em geral (entrevistado 29).
Grupo de pessoas da mesma instituição que trabalham com objetivos comuns
(apesar de atuações diferentes, isto é, cada um no seu campo de atuação),
visando potencializar uma ação para atenuar um problema (entrevistado 31).
Nessas respostas encontram-se as características citadas na tabela 3: "parceria
entre atores", "participação", "integração", "articulação", "coletivo", "compartilhamento/
126
cooperação", "comunicação", "descentralização" e "horizontalidade/não-hierarquia",
características importantes para uma rede social.
Existem outras respostas que se destacam das demais mas que, na sua
maioria, são compatíveis com as respostas apresentadas e os conceitos
selecionados utilizados nessa pesquisa.
Com relação à pergunta 4 – se os atores-gestores consideram a Rede de
Proteção uma rede social – foi possível observar que 100% dos atores-gestores tem
essa opinião. Algumas respostas ilustram esse posicionamento:
Sim, a Rede de Proteção é composta por atores do setor governamental,
civil e não governamental, que convergem suas ações para o enfretamento
da violência contra crianças e adolescentes (entrevistado 1).
Sim, porque trata de questões complexas e a medida que surge as demanda,
necessita de busca constante de integração, participação e serviço dos
parceiros governamentais e não governamentais (entrevistado 2).
Sim, porque há o envolvimento de várias entidades sociais e órgãos municipais,
estaduais, ong's e diversas pessoas envolvidas para um determinado fim, o
qual é de apoiar e auxiliar a sociedade, a família e crianças e adolescentes
em situação de risco (entrevistado 15).
Sim, porque é um conjunto de ações integradas e intersetoriais para prevenir
a violência, principalmente a doméstica e sexual, e proteger a criança e o
adolescente em situação de risco para a violência (entrevistado 28).
O teor das demais respostas apresentadas pelos atores-gestores são seme-
lhantes às acima citadas.
É possível constatar que a Rede de Proteção, no sentido de rede social, já
está consolidada para os atores-gestores.
4.1.2.1 Concepção sobre rede social apreendida na Coordenação Municipal e
Coordenação Regional - questionários
É importante entender a especificidade do grupo de atores entrevistados que
compõem a Rede de Proteção, por isso serão apresentados os resultados descrevendo
a concepção sobre Rede Social específica da Coordenação Municipal e para cada
Administração Regional (Coordenações Regionais) da Rede de Proteção.
127
A tabela 4 e o gráfico 6 apresentam as características e freqüências que
foram compiladas das respostas dadas pelos atores-gestores da Rede de Proteção,
separadas por Coordenação Municipal e Coordenação Regional, que compõem as
nove administrações regionais: Cajuru, Matriz, Boa Vista, Boqueirão, Bairro Novo,
Pinheirinho, CIC, Santa Felicidade e Portão.
Observa-se que as respostas do grupo da Coordenação Municipal da Rede
de Proteção apresentam o maior número de características de rede social, no
entanto é possível salientar que esta coordenação é composta pelo maior número
de representantes (dez), sendo que nove participaram da pesquisa. Em cada
Coordenação Regional participam três representantes (um da área de saúde, um da
educação e um da ação social).
Conforme a análise realizada, constatou-se que a maior compreensão sobre
rede social é mostrada pelo grupo da Coordenação Municipal da Rede de Proteção,
seguida da Coordenação Regional da Matriz e Pinheirinho, da CIC e do Portão, do
Cajuru, do Boqueirão e do Bairro Novo, da Boa Vista e de Santa Felicidade, nessa
mesma ordem.
De acordo com a tabela 4 verifica-se que a característica "parceria entre
atores" aparece com a maior freqüência na Coordenação Municipal (29) e também
na maioria das administrações regionais, destacando-se com um total de 105 de
freqüência. "Integração" e "participação" aparecem, cada uma, com 12 de freqüência.
"Articulação" registra 8 de freqüência. "Coletivo" e "compartilhamento/cooperação"
aparecem com 2 de freqüência. "Comunicação", "descentralização" e "horizontalidade/
não-hierarquia" com apenas 1 de freqüência.
Tais itens remetem à questão de relações de poder, a informação fluida, a
desconcentração de decisões – em especial quando se refere ao atendimento rápido
ou aos encaminhamentos necessários, que podem ser resolvidos nas coordenações
regionais – e ainda a horizontalidade, podem ser consideradas características que
detêm mais sutilezas e necessitam ser debatidas, negociadas e cada vez mais
vividas conscientemente pelos membros de uma rede. Tais características exigem
uma grande responsabilização, maturidade e sinergia do grupo, em especial no que
ultrapassa o atendimento dos casos e entra na forma de gestão da rede.
Tabela 4 - Características Básicas de Rede Social e sua Freqüência nas Respostas da Coordenação Municipal e Coordenação Regional
COORD.
MUNICIPAL
CAJURU MATRIZ BOA VISTA BOQUEIO
BAIRRO
NOVO
PINHEI-
RINHO
CIC
SANTA
FELICIDADE
PORTÃO TOTAL
CARACTERÍSTICAS
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
Articulação
1 12,50 - - 2 25,00 - - 2 25,00 1 12,50 - - 2 25 - - - - 8 100,00
Autonomia
--------------- -- ---
Coletivo
1 50,00 - - 1 50,00 - - - - - - - - - - - - - - 2 100,00
Compartilhamento/
Cooperação
- - - - 1 50,00 - - - - - 1 50,00 - - - - - - 2 100,00
Confiança
----------------------
Comunicação
1 100,00 - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 100,00
Democracia
----------------------
Descentralização
- - - - - - - - - - - - 1 100,00 - - - - - - 1 100,00
Flexibilidade
----- ----------------
Horizontalidade/Não-
hierarquia
- - - - - - - - - - - - 1 100,00 - - - - - - 1 100,00
Integração
5 41,67 1 8,33 - - 1 8,33 - - 1 8,33 1 8,33 2 16,68 - - 1 8,33 12 100,00
Interdependência
----------------------
Interfacetada
----------------------
Parceira entre atores
29 27,62 4 3,81 10 9,52 7 6,67 12 11,43 19 18,10 5 4,76 7 6,67 2 1,90 10 9,52 105 100,00
Participação
4 33,34 1 8,33 1 8,33 - - 3 25,00 - - - - 2 16,67 - - 1 8,33 12 100,00
Sinergia
-----------------------
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007). Questionário aplicado na Coordenação Municipal e Coordenação Regional
129
Gráfico 6 - Rede Social – Questionários Pesquisados – 9 Regionais e Coordenação Municipal
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
Constituem características que, comumente, não são vividas na setorialização
das políticas públicas, são características que, muitas vezes para se fazerem presentes
necessitam ultrapassar o modelo cotidiano, ou desconstruí-lo para poder construir
uma forma mais horizontalizada de decidir, agir, monitorar, mudar rumos e assim por
diante. Estas características não estão dadas necessitam ser construídas.
Em síntese, é preciso atentar quanto à concepção de rede social apreendida
pela Coordenação Municipal e Regional que isso não significa uma fragilidade
individual; é o próprio ordenamento no sentido da concepção da rede que deve ser
melhor discutido para que se possa chegar ao fortalecimento dessa rede.
4.2 GESTÃO EM REDE: DOCUMENTOS E QUESTIONÁRIOS
Para a sistematização dos dados extraídos dos documentos e das entrevistas
foram consideradas as seguintes características básicas sobre gestão em rede:
compartilhamento, democracia, descentralização, horizontalidade/não-hierarquia,
integração, interface e participação.
130
Os autores abordados na fundamentação teórica também apresentaram essas
características para gestão em rede: Kauchakje (2007), Castells (2000), Fleury
(2002), Marcussen, Torfing (2003), Mayntz (1993), Duarte (2002), Goldsmith, Eggers
(2004), Migueletto (2001), Klijn, Koppenjan, Termeer (1996), Agrannoff, Lindsay
(1983), Scherer-Warren (2005), Kooiman (1999), Frey (2003), Frances et al. (apud
Rhodes, 1995), Kickert, Koppenjan (1999), Araújo (2002), Ferrarezi (2003), Costa
(2003), Putnam (apud Milani, 1999), Fernandes (apud Coleman, Bourdieu, 2003) e
Gohn (2004).
4.2.1 Concepção sobre gestão em rede apreendida nos documentos
A pesquisa dos documentos – gestão em rede – pode ser visualizada na
tabela 3 e no gráfico 5 abaixo.
Tabela 5 - Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência nos Documentos Pesquisados
DOC 1 DOC 2 DOC 3 DOC 4 TOTAL
AUTORES
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
Compartilhamento/
Cooperação 7 87,50 - - - - 1 12,50 8 100,00
Democracia - - 1 50,00 - - 1 50,00 2 100,00
Descentralizão 2 50,00 - - - - 2 50,00 4 100,00
Horizontalidade/
o-hierarquia 6 85,71 - - - - 1 14,29 7 100,00
Integrão 12 41,40 4 13,79 7 24,14 6 20,69 29 100,00
Interface ----------
Participão 17 56,67 5 16,67 - 4,23 8 26,66 30 100,00
Fonte: elaborado para a pesquisa (2007)
131
Gráfico 7 - Gestão em Rede – Documentos
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
A característica que apresentou maior freqüência foi "participação", com um
total de 30. No documento 1 – Manual de Gestão em Rede – essa característica
apresentou-se com maior evidência (17) em comparação aos demais documentos, e
"integração" apresentou um total 29 de freqüência. Destaca-se que as freqüências
estão muito próximas, mostrando que é necessário haver o envolvimento e a integração
dos atores para que se possa manter a construção da Rede de Proteção.
Para Goldsmith e Eggers (2004) a noção de gestão em rede traz consigo as
características já citadas nessa análise, como: "compartilhamento", "democracia",
"descentralização", "horizontalidade/não-hierarquia", "integração", "interface" e
"participação". Esses autores relatam que a gestão em rede deve ser pautada pela
necessidade de identificação e ativação de parceiros nas redes, pelo alinhamento e
pela integração de objetivos, e pela supervisão e coordenação dos esforços de múltiplos
e diferenciados parceiros, viabilizando sistemas que permitam comunicação clara e
objetiva, gerindo tensões nas relações colaborativas e competitivas e buscando o
suprimento de deficiências de recursos e comunicações.
A característica "compartilhamento" mostra a importância de troca de práticas,
experiências e saberes entre os atores da Rede de Proteção. E "horizontalidade/
não-hierarquia" apresentou um total 7 de freqüência. De acordo com Fleury (2002),
132
nas estruturas horizontalizadas, em que os participantes preservam sua autonomia,
os objetivos estratégicos estabelecidos pela rede são fruto dos consensos obtidos
mediante processos de negociação entre seus participantes, o que geraria maior
compromisso e responsabilidade destes com as metas compartilhadas, e maior
sustentabilidade.
A característica "descentralização", que apresentou um total 4 de freqüência,
está relacionada a um caráter democratizante da gestão em rede, o que estimula a
participação da comunidade nos processos decisórios e possibilita fortalecer o poder
público e o poder local – no caso da Rede de Proteção, com a distribuição nos
territórios, ou seja, nas nove Administrações Regionais, os Coordenadores Regionais e
os Coordenadores locais somam mais de cem unidades espalhadas nesse território,
possibilitando a transformação dessa comunidade num processo de fortalecimento
da gestão em rede e governança local democrática.
Destaca-se que a característica "interface" não aparece em nenhum documento.
Talvez porque a gestão em rede encontra-se em fase de construção; ainda não tem
interface com outros programas e projetos da Prefeitura Municipal de Curitiba e de
outras organizações não-governamentais.
As características citadas acima são fundamentais para um processo de
gestão em rede.
4.2.1.1 Manual de Gestão em Rede - documento 1 - gestão em rede
Conforme mencionado anteriormente, o documento 1 – Manual de Gestão em
Rede – foi concebido para capacitar os atores-gestores, utilizando a experiência
prática desenvolvida em cada local da Rede de Proteção.
A característica que comparece com maior freqüência é a "participação", com 30,
seguida da "integração", com 29, "compartilhamento" e "horizontalidade/não-hierarquia"
com 7 cada um e "descentralização" com 4 de freqüência. "Democracia" não aparece.
As citações abaixo, retiradas desse documento, ilustram o modo como os
atores-gestores da Rede de Proteção vêm aplicando o conceito de gestão em rede
com as características apresentadas na tabela 5:
133
O movimento social dos últimos anos e a experiência de Curitiba por meio
da "Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para a Violência" (2000 até os dias de hoje) reconhece o potencial da
gestão em rede quanto ao alcance de atuação mais abrangente,
multidisciplinar e orientada por um conjunto de atores de diversas
instituições que têm o mesmo foco temático, no caso, a violência doméstica.
Uma gestão social intersetorial, integrada, multidisciplinar, compartilhada,
necessita de um modelo organizacional flexível nos quais os processos de
descentralização e participação social sejam efetivos e favoreçam as
parcerias com a sociedade civil organizada, tanto para o atendimento
emergencial como especialmente para o trabalho preventivo.
Observa-se que é no documento 1 que se verifica o maior número de caracte-
rísticas de gestão em rede. A hipótese levantada é que, por ser um manual focado
na metodologia de gestão em rede, seus autores procuraram um mínimo de
fundamentação teórica, ocorrendo um maior número de características.
4.2.1.2 Notificação Obrigatória da Violência ou Suspeita de Violência Contra Crianças
e Adolescentes: Construindo uma Rede de Proteção – documento 2 –
gestão em rede
A característica "participação" apresentou 5 de freqüência, a "integração" 4 de
freqüência e a "democracia" 1 de freqüência. As demais características não foram
identificadas em tal documento.
As citações abaixo, retiradas do documento 2, ilustram esses resultados:
Desenvolver as atividades de capacitação em quatro períodos de quatro
horas cada, com a participação conjunta de todos os profissionais, indepen-
dentemente da formação e profissão de cada um, abordando temas relacionados
ao reconhecimento de alerta para a violência, identificação da gravidade do
caso, atendimento, notificação, encaminhamentos e orientações necessárias.
Os principais resultados obtidos referem-se aos avanços realizados no processo
de integração institucional, objetivo perseguido em vários outros projetos,
mas de difícil execução dada a tradição setorizada e verticalizada que marca
a estrutura e organização do serviço público.
A primeira citação mostra que a capacitação é realizada com a participação
conjunta de diversos profissionais de várias áreas. Isso assimila a importância do
trabalho conjunto, e que é possível compartilhar experiências das mais diversas áreas
134
envolvidas. Essa participação dos atores-gestores, essa integração e esse compar-
tilhamento de experiências propiciam a construção de uma gestão em rede da Rede
de Proteção.
A segunda citação destaca os principais resultados obtidos quando da implan-
tação, em 2000, da Rede de Proteção, com a capacitação de profissionais para mais
de 600 equipamentos nas regionais do Portão, Cajuru, Boa Vista, Boqueirão,
Pinheirinho e Bairro Novo, atingindo 1.800 profissionais dirigentes, educadores,
médicos, assistentes sociais, dentistas, pedagogos, enfermeiros, psicólogos, entre
outros. E os avanços e conquistas junto ao serviço público, quanto à integração
institucional, uma vez que o Estado tem sua marca no serviço setorizado e verticalizado.
Fleury (2002) discorre que os modelos de gestão foram pensados para situações
intraorganizacionais, com fluxos hierárquicos que diferem das estruturas interorgani-
zacionais. Ressalta-se que o processo de gestão em rede numa estrutura do serviço
público há que perseguir constantemente ajustes para que se possa trabalhar em
conjunto, com uma gestão sustentável.
4.2.1.3 O que é a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para a Violência – documento 3 – gestão em rede
A única característica de gestão em rede que aparece no documento 3 é
"integração", com 7 de freqüência, destacando-se a concepção de trabalho da Rede de
Proteção, mostrando a atuação integrada e intersetorial, e seus diversos parceiros:
A Rede de Proteção não significa necessariamente a construção de uma
novo programa de prevenção e proteção à criança e ao adolescente em
situação de risco para a violência ma sim, uma nova concepção de trabalho
que dá ênfase à atuação integrada e intersetorial, congregando ações de
diferentes setores da Prefeitura Municipal de Curitiba e diversas instituições
governamentais e não governamentais que desenvolvem as suas atividades
com crianças e adolescentes e suas famílias (documento 3).
O conteúdo desse documento tem o objetivo de identificar o trabalho da Rede
de Proteção diante do fenômeno específico da violência doméstica. O destaque da
base conceitual é a violência doméstica.
135
4.2.1.4 Redes de Proteção: Novo Paradigma de Atuação – Experiência de Curitiba -
documento 4 - gestão em rede
A maior freqüência encontrada no documento 4 é da característica "partici-
pação", com 8, seguida da característica "integração", com 6 de freqüência, "descen-
tralização" com 2 de freqüência, "horizontalidade/não-hierarquia, "democracia" e
"compartilhamento/cooperação", cada uma com 1 de freqüência.
É fundamental que alguns aspectos dessa estrutura de organização sejam
explicitados para compreensão das bases que a caracterizam enquanto
rede, salientando que a opção por essa forma de gestão é uma imposição
das muitas demandas que surgem nesse tipo de atendimento e que exigem
agilidade, autonomia, comunicação ampla e cooperação (documento 4).
A citação acima discorre sobre a imposição quanto à forma de gestão em
virtude do tipo de demanda, qual seja, a violência doméstica contra crianças e
adolescentes, sendo necessária uma ação rápida com autonomia, cooperação e
comunicação ampla e eficiente. Isso mostra a importância desse tipo de modalidade
de gestão para tratar de um fenômeno tão complexo.
É possível observar que existe uma forte consciência de gestão em rede dos
atores-gestores da Rede de Proteção, por causa da presença da característica
"participação", que em todos os documentos se apresenta como a característica de
maior freqüência. Isso identifica essa Rede de Proteção.
4.2.2 Concepção sobre gestão em rede apreendida nos questionários
(perguntas 5 e 6)
Antes da percepção da modalidade de gestão em rede, foi solicitado ao
pesquisado, nas perguntas 1 e 2 do questionário, se ele identifica diferentes
modelos de gestão pública e qual deles está presente na Rede de Proteção. Assim
foi possível constatar que a maioria dos entrevistados reconheceu o modelo de
gestão em rede.
136
Algumas citações ilustram o modelo de gestão pública reconhecido na Rede
de Proteção:
Na Rede de Proteção, o modelo gestão em rede está sendo aplicado e
implementado. Este tipo de gestão é necessária para o enfrentamento de
problemas sociais complexos, como é o tema da violência. (Entr.1)
Gestão em rede – faz parte da ação 34 do Plano de Governo –promover o
fortalecimento da Rede de Proteção às pessoas em situação de risco para
violência. (Entr.4)
Gestão em rede porque existem ações compartilhadas por diferentes
Instituições públicas municipais, dentro da visão democrática e participativa,
embora o trabalho em rede esteja em construção permanente. (Entr. 6)
O modelo de gestão em rede é um modelo que aplica-se hoje no combate à
violência contra crianças e adolescentes em Curitiba. Evidencia-se esta
modalidade de gestão por ela ter características próprias que privilegiam um
trabalho, hoje, não-hierárquico,intersetorial, multidisciplinar. A Rede de
Proteção neste momento agrega diferentes órgãos, secretarias e
organizações não governamentais. (Entr. 11)
Na gestão em rede. (Entr. 25)
Algumas citações sugerem o modelo de gestão em rede:
O modelo usado na Rede de Proteção é um trabalho realizado com a
integração de vários setores e profissionais de diversas áreas. (Entr. 12)
O conjunto das Secretarias envovidas SMS,SME, FAS e parceiros com o
intuito de mobilizar programas no combate à violência da criança e do
Adolescente. (Entr. 15)
O de descentralização, porque envolve várias secretarias e parceiros com o
intuito de proteger o direito da criança e do adolescente e da família com
políticas públicas planejadas de maneira intersetorial. (Entr. 16)
A Rede bsuca uma gestão descentralizada, participativa e articulada Pois
envolve vários parceiros (secretarias, instituições) a nível local, Regional e
municipal. (Entr. 27)
Observa-se que existe uma forte consciência de gestão em rede da Rede de
Proteção, conforme citações acima, e constatada nas respostas apresentadas na
pergunta 6, em que dos 31 participantes da pesquisa, 24 identificaram o modelo de
gestão em rede na Rede de Proteção.
A tabela 6 e o gráfico 8 trazem as freqüências encontradas nas respostas
dadas pelos entrevistados às questões 5 e 6, referentes à gestão em rede.
137
Tabela 6 - Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência nos Questionários
GESTÃO EM REDE
CARACTERIZAÇÃO
QUESTÕES 5 E 6
FREQÜÊNCIA/OCORRÊ
NCIA
% FQ.
Compartilhamento 5 16,67
Democracia - -
Descentralização 2 6,67
Horizontalidade/Não-hierarquia 6 20
Integração 11 36,67
Interface - -
Participação 6 20,00
TOTAL 30 100,00
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
Gráfico 8 - Gestão em Rede – Questionários/Pesquisados
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
A característica com maior freqüência foi "integração" com 11, seguida de
"participação" com 6 de freqüência. Observa-se que na tabela 6, também referente à
gestão em rede, ocorreu uma inversão das características: a primeira característica
mais freqüente é a "participação", seguida da "integração", mas por apenas uma
freqüência de diferença.
A característica "horizontalidade/não-hierarquia" aparece com 6 de freqüência,
"compartilhamento" com 5 de freqüência e "descentralização" com 2 de freqüência.
Destaca-se que as características "democracia" e "interface" não registraram
nenhuma freqüência.
138
As citações abaixo ilustram a concepção dos atores-gestores da Rede de
Proteção sobre gestão em rede:
Na gestão em rede os objetivos são comuns às diversas áreas sendo então
articulado um conjunto de ações integradas para atingir os objetivos. A
gestão em rede pressupõe a figura de "articuladores" e também a figura de
"gestores executivos" que gerenciam os processos de trabalho em rede.
(entrevistado 1)
É a articulação entre todos os parceiros, que vai do encaminhamento,
atendimento, capacitação e entre outras demandas, articulados num
objetivo único, em que todos se conversam e trocam as suas necessidades
pertinentes as suas demandas. (entrevistado 2)
Uma organização de vários parceiros integrados e com um compromisso
comum, onde o trabalho coletivo realizado em prol desde compromisso não
segue um trabalho hierárquico, fragmentado, descontextualizado. (entrevistado 3)
O compartilhamento, a horizontalidade e a responsabilidade no atendimento
e monitoramento daquela situação. (entrevistado 10)
Gestão em rede significa conceber a idéia de articulação, conexão, vínculos,
ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência
de serviços para garantir a integralidade da atenção aos segmentos vulne-
rabilizados ou em situação de risco social e pessoal. (entrevistado 14)
Gestão em rede é aquela que envolve todos os segmentos (educação, saúde,
assistência social, e algumas vezes Conselho Tutelar). (entrevistado 19)
Gestão em rede consiste numa prática de gestão que envolve a articulação
das Secretarias responsáveis pela execução das políticas públicas, que são
consideradas chaves no atendimento de uma determinada problemática, de
uma condição que promova o risco da comunidade, ou que coloca em risco
à população. As ações promovidas são deliberadas em conjunto, levando
em conta a especificidade de cada política pública. (entrevistado 22)
É uma gestão onde ocorre a parceria entre as diversas secretarias existentes.
(entrevistado 25)
Refere-se a esta postura participativa, que envolve os diversos equi-
pamentos na discussão, no manejo e no enfrentamento da situação de
violência (no caso da Rede de Proteção) ou do tema/objeto em comum.
(entrevistado 26)
A gestão em rede se dá através da definição coletiva de diretrizes e objetivos.
As várias instâncias devem atuar de forma articulada com definição de papéis.
A comunicação é fundamental entre as diferentes instâncias. (entrevistado 27)
A gestão em rede seria uma gestão estratégica, compartilhada, descentralizada
e intersetorial. (entrevistado 28)
É uma atuação conjunta com os diversos setores de uma mesma instituição
(Prefeitura Municipal de Curitiba) que têm objetivos comuns, uma forma
organizada e sistematizada para discutir os casos de violência com ação
adequada e que possibilite a prevenção de novos casos ou as reincidências.
(entrevistado 31)
139
Nas respostas citadas as seguintes características podem ser visualizadas:
"compartilhamento", "descentralização", "horizontalidade/não-hierarquia", "integração"
e "participação".
Com relação à questão 6 – se os atores-gestores identificam o modelo de
gestão em rede na Rede de Proteção – foi possível constatar que, dos 31
participantes da pesquisa, 24 identificaram o modelo de gestão em rede na Rede de
Proteção. Três entrevistados relataram que a Rede de Proteção está em construção e
quatro que "em alguns níveis sim, de modo especial nas Regionais"; "pontualmente";
"está aprendendo a trabalhar em rede"; e "estão ainda na sensibilização das equipes
com alguns avanços".
Observem-se algumas respostas referentes à pergunta 6:
Sim. Pela magnitude do problema violência, adesão dos parceiros e das
pessoas que integram a Coordenação Municipal, Regional e as Redes
Locais. (entrevistado 2)
Sim. Pela ação intersetorial no atendimento aos casos de violência contra
crianças e adolescentes. Exemplos: as notificações podem ser realizadas
pelas escolas, unidades de saúde, hospitais, conselhos tutelares; os estudos de
caso são realizados com o envolvimento e a participação dos parceiros;
atendimento, acompanhamento à família vitimizada. (entrevistado 7)
Sim. Porque o trabalho ocorre na horizontalidade, isto é, Rede Local,
Coordenação Regional e Coordenação Municipal. (entrevistado 9)
A Rede de Proteção vem construindo este processo, estamos num aprendizado
contínuo, considerando que estamos culturalmente acostumados a trabalhar
de forma hierárquica e setorial. O exercício é diário e fortemente desafiador
e por vezes difícil. (entrevistado 5)
É ainda uma busca contínua a construção desse modelo de gestão. As
vezes avançamos, outras retrocedemos, contudo a autonomia na gestão em
rede da rede é condição primordial nesta construção e por ela aplicar-se a
uma Rede de Proteção institucionalizada pela Prefeitura, alguns entraves
estão colocados pela própria Prefeitura. (entrevistado 3)
Em alguns níveis sim, de modo especial nas Regionais, onde as relações
horizontais estão mais sedimentadas, haja visto que todos trabalham com
uma mesma comunidade. No nível central a Rede está mais hierarquizada,
ou seja, ela dialoga com a estrutura burocrático-administrativo da PMC, o
que em alguns momentos dificulta muito o nosso trabalho. Neste sentido, o
limite aqui da Gestão em Rede, está no fato de que a Prefeitura de Curitiba
não está organizada em rede, ocorrendo por diversos momentos o conflito
da relação entre dois modelos. (entrevistado 10)
É bem pontual a gestão em rede dentro da Rede de Proteção. (entrevistado 14)
140
Acho que ainda estamos aprendendo a trabalhar em rede, porque muitas
vezes temos que agir com muito "melindre" para não ferir determinadas
posturas e valores das diversas pessoas que estão frente as Secretarias.
Em determinados momentos os papéis se sobrepõem, muitas vezes falta
um pouco de paciência histórica para aguardar um adequado desfecho de
caso e esperar atuação do Conselho Tutelar. (entrevistado 31)
A idéia, os objetivos da Rede de Proteção são para atingir a Gestão em Rede.
No entanto, temos dificuldades estruturais e culturais da Administração
Municipal. Acredito que estamos evoluindo, estamos ainda na sensibilização
das equipes com alguns avanços, mas há muitos melindres ainda.
(entrevistado 18)
4.2.3 Concepção sobre gestão em rede apreendida na Coordenação Municipal e
Coordenação Regional (perguntas 5 e 6)
É importante reconhecer a especificidade dos atores-gestores da Rede de
Proteção também sobre a concepção de gestão em rede apresentada a seguir.
Conforme a análise realizada observa-se, na tabela 7, que a Coordenação
Municipal e a Administração Regional da
CIC apresentam o maior número de caracte-
rísticas de gestão em rede, com 4 cada uma, seguidas da Administração Regional
Cajuru, Pinheirinho e Portão, com 3 características cada, Matriz e Bairro Novo, com
2 características cada e Boa Vista e Santa Felicidade com uma característica.
De acordo com a tabela 7 a característica "participação" aparece com maior
freqüência na maioria das administrações regionais e destaca-se com um total de 120.
E na Coordenação Municipal com a maior freqüência (27), seguida da Administração
Regional do Portão, com 26. A característica "integração" aparece com 11 de freqüência,
a "horizontalidade/não-hierarquia" com 6, "compartilhamento" com 5 e descentralização
com 2 de freqüência. É possível visualizar melhor esses dados no gráfico 9.
Tabela 7 - Características Básicas de Gestão em Rede e sua Freqüência dos Questionários, perguntas 5 e 6, da Coordenação Municipal e Coordenação Regional
COORD.
MUNICIPAL
CAJURU MATRIZ BOA VISTA BOQUEIO
BAIRRO
NOVO
PINHEI-
RINHO
CIC
SANTA
FELICIDAD
E
PORTÃO TOTAL
CARACTERÍSTICAS
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
Compartilhamento
1 20,00 1 20,00 - - - - - - - - - - 2 40,00 - - 1 20,00 5
Democracia
---------------------
Descentralização
- - - - - - - - - - - - - - 2 100,00 - - - - 2
Horizontalidade/Não-
hierarquia
2 33,33 2 33,33 - - - - - - - - 2 33,33 - - - - - - 6
Integração
5 45,46 - - 1 9,09 - - - - 1 9,09 1 9,09 2 18,18 - - 1 9,09 11
Interface
------------ --------
Participação
27 22,50 8 6,67 11 9,17 7 5,83 15 12,50 17 14,17 3 2,50 5 4,17 1 0,83 26 21,67 120
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007). Questionário aplicado na Coordenação Municipal e Coordenação Regional
142
Gráfico 9 - Gestão em Rede – Questionário Pesquisados – Coordenação Municipal e Coordenação
Regional
Fonte: Elaborado para a pesquisa (2007)
A análise dos resultados obtidos na pesquisa de campo e nos documentos
sobre redes sociais e gestão em rede, escolhidos para esse estudo, permite à
pesquisadora resgatar o objetivo geral e responder ao problema de pesquisa,
conclusões apresentadas no capítulo a seguir.
143
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa apresentou como objetivo analisar a Rede de Proteção à
Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência em Curitiba sob a
perspectiva da modalidade de Gestão em Rede. O estudo envolveu consulta aos
atores-gestores da Rede de Proteção por intermédio de questionário e análise
documental. Os dados obtidos foram analisados à luz do referencial teórico que
integrou esse estudo, tendo permitido as conclusões apresentadas a seguir, como
resposta ao problema da pesquisa.
O problema que orientou a reflexão questionou: qual a concepção que os
atores-gestores da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para a Violência em Curitiba têm sobre redes sociais e gestão em rede?
Ao buscar a resposta, verificou-se que existe uma forte consciência de rede
social dos atores-gestores da Rede de Proteção, em virtude da característica "parceria
entre atores" que, tanto nos documentos pesquisados como nas entrevistas, apre-
sentaram-se como a característica com a maior freqüência. E, conforme as respostas
do questionário, 100% dos atores-gestores consideraram a Rede de Proteção uma
rede social e já a consideraram consolidada.
Com relação ao entendimento de rede social constatou-se que o grupo com
maior compreensão foi o da Coordenação Municipal, ou seja, o colegiado da Rede
de Proteção, seguida da Coordenação Regional Matriz e Pinheirinho. Na seqüência
CIC, Portão, Cajuru, Boqueirão, Bairro Novo, Boa Vista e Santa Felicidade.
Quanto aos documentos de gestão em rede, constatou-se a importância dessa
forma de modalidade de gestão em decorrência do tipo de demanda – violência
doméstica contra crianças e adolescentes – sendo necessária uma ação rápida com
autonomia, cooperação e comunicação ampla e eficiente. Isso evidenciou a importância
desse tipo de modalidade de gestão para tratar de um fenômeno tão complexo.
Foi possível observar nos documentos que existe uma forte consciência de
gestão em rede dos atores-gestores da Rede de Proteção, em razão da presença da
característica "participação", que se apresentou em todos os documentos como a
característica de maior freqüência. Isso identifica essa Rede de Proteção. E quanto
144
às respostas dos questionários, verificou-se que dos 31 participantes da pesquisa 24
identificaram o modelo de gestão em rede na Rede de Proteção.
Com relação à concepção de gestão em rede, a Coordenação Municipal e a
Regional da CIC apresentaram a maior compreensão. Na seqüência, Regional Cajuru,
Pinheirinho, Portão, Matriz, Bairro Novo, Boa Vista e Santa Felicidade.
Quanto às principais características da gestão em rede observadas na Rede
de Proteção, destacou-se a participação, mencionada anteriormente, que apresentou
maior freqüência. As características descentralização e democracia estão ligadas a
processos de administração da cidade, que já possui certa infra-estrutura como é
possível identificar, uma vez que o trabalho junto à Rede de Proteção é dividido em
nove administrações regionais, distribuídas em toda a cidade. A horizontalidade
compareceu dentro da sua ão para o enfrentamento da violência doméstica, porém
os setores do município que fazem parte da Rede de Proteção mantém sua estrutura
hierárquica verticalizada, o que constitui, muitas vezes, em um elo fraco, dificultando
a ação em rede. Essa é uma das limitações da Rede de Proteção, já que é
necessário negociar as flexibilizações de cada setor de acordo com as necessidades
de encaminhamento de casos, em especial de acordo com os níveis de gravidade.
O compartilhamento ocorreu, mostrando a importância da troca de práticas,
experiências e saberes entre os atores da Rede de Proteção.
A característica interface não apareceu em nenhum documento, nem nas
respostas dos questionários. Talvez porque a gestão em rede encontra-se em fase
de construção; ainda não tem interface com outros programas e projetos da
Prefeitura Municipal de Curitiba e de outras organizações não-governamentais.
A Rede de Proteção está enraizada num contexto de governança dentro da
gestão municipal de Curitiba. Desde sua implantação destaca-se pela relação dife-
renciada existente entre o Estado e a sociedade civil, por intermédio da participação
dos membros da Sociedade Paranaense de Pediatria e outras organizações não-
governamentais. A Rede de Proteção é composta pela integração de diversas
secretarias, órgãos e fundações municipais e estaduais que realizam algum tipo de
serviço às crianças e aos adolescentes vítimas de violência. Desde sua implantação
caracterizou-se pela formação baseada, em sua maioria, por órgãos estatais,
integrados em rede, e em parceria com organizações da sociedade civil.
145
Antes da criação da Rede de Proteção ocorria um trabalho desarticulado e
descontínuo com relação aos serviços prestados às crianças e adolescentes. Com
essa rede tem-se propiciado oportunidades sociais, pois ela foi concebida como
instrumento de proteção.
Um dos elos fortes observados na Rede de Proteção é quanto à equipe
multidisciplinar e multissetorial, com profissionais de diversas áreas que potencializam
as ações e os saberes que circulam nessa "rede de conhecimento". Cada um detém um
tipo específico de conhecimento, advindo da sua formação, experiência de trabalho
e setor que representa dentro da rede. Os saberes são colocados à disposição de todos
os integrantes, que experimentam os ganhos de uma ação conjunta, fortalecendo o
trabalho em rede.
Diante das questões de pesquisa e dos objetivos propostos conclui-se que
as principais características de gestão em rede estão presentes na Rede de
Proteção, e que há potencialidade de buscar o compartilhamento e a parceria de
outros projetos e ações que possam unir-se sob a égide dos direitos humanos e de
um projeto ético político de construção e de fortalecimento da gestão em rede e
governança local democrática.
As rede sociais podem ser uma alternativa para que os gestores urbanos
possam viabilizar ações para o desenvolvimento sustentável urbano com eqüidade e
justiça social.
Para finalizar, entende-se importante destacar o entendimento de Santos
(2000, p.310):
Por isso hoje também, talvez, devamos levar em conta que uma idéia que
brota aqui ou ali, e parece frágil num primeiro momento, pode ter força.
Esse é o único alento que têm os que trabalham intelectualmente: a
consciência de que podem ficar sozinhos, porque sozinhos não estão, têm a
companhia do futuro que ajudam a gestar através exatamente da produção
de idéias generosas. As idéias libertárias e igualitárias e a ambição
universalista levaram, depois da guerra, sobretudo, a que se tornassem
gêmeas, as místicas do desenvolvimento e da civilização (grifo nosso).
146
5.1 CONTRIBUIÇÕES
5.1.1 Contribuições para a gestão urbana
A pesquisa buscou consolidar uma contribuição para o campo teórico sobre
gestão urbana nas áreas pertinentes a redes sociais, gestão em rede e violência
urbana, com foco na violência doméstica na cidade.
A gestão urbana e o novo olhar voltado para ótica do sujeito de direito a partir
da discussão teórica da Rede de Proteção, com intuito de subsidiar políticas públicas
voltadas aos Direitos Humanos das crianças e dos adolescentes vítimas de violência
doméstica na cidade. Também facilitar a compreensão da gestão em rede e do papel
do gestor urbano para possibilitar ações voltadas a combater as vulnerabilidades
sociais ocasionadas pela violência doméstica que atingem a população de crianças
e adolescentes das cidades.
Dessa forma, os gestores urbanos devem conjugar ações para buscar a
compreensão sobre as demandas da Rede Social da Gestão em Rede e principalmente
dos direitos humanos das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.
O estudo da Rede de Proteção contribui para o gestor urbano definir prioridades
das ações e facilitar a correção do planejamento priorizando ações voltadas para
eficácia da gestão em rede.
Portanto, o gestor urbano a partir de um olhar estratégico deve criar condições
por meio de políticas públicas voltadas aos direitos humanos, principalmente políticas
de proteção para evitar violações e garantir a proteção contra a violência das
crianças e dos adolescentes no âmbito da cidade.
147
5.1.2 Contribuições para a prefeitura
Este estudo pode trazer contribuições para a própria gestão pública municipal
no que diz respeito à Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para Violência.
Uma contribuição para a gestão pública nacional no que diz respeito à criação
de uma Rede Nacional e Internacional de Proteção à Criança e ao Adolescente em
Situação de Violência, especialmente a violência doméstica, em que se possa ter um
banco de dados unificado de todas as capitais e cidades do interior do Brasil, bem
como, com ligação internacional para contribuições e troca de experiências. Com
essa rede nacional e internacional seria possível mapear e monitorar os locais mais
vulneráveis no Brasil e de outros países, e propor ações de prevenção para a
violência doméstica.
O responsável pela Rede Nacional seria o Ministério da Justiça - Secretaria
dos Direitos Humanos, onde ficaria centralizado o banco de dados com os parceiros
dos Ministérios da Ação Social, da Saúde, da Educação, além dos parceiros
internacionais. Nos Estados e Municípios brasileiros também essas áreas seriam
envolvidas, agregando outros parceiros que atendem crianças e adolescentes,
criando redes que iriam se juntar a essa rede nacional e internacional.
5.1.3 Limitações
A Rede de Proteção em formação: a diferença entre teoria de rede social e a
nomenclatura oficial do campo pesquisado, isto é, Rede de Proteção, que trazia
equívocos para os próprios entrevistados no sentido de que ele mesmo pode ter
dificuldade de questionar se este campo no qual trabalha se configura como uma
rede de acordo com as categorias e parâmetros técnicos presentes nos autores
relacionados que compõem o aparato teórico da dissertação.
148
Em relação à pesquisa documental, foi possível constatar o pouco material
existente para consulta. Assim, a construção teórica foi um desafio não inteiramente
superado.
Dificuldade na composição da dissertação integrando temáticas complexas e
abrangentes em termos da tradição teórica, isto é, a violência e a gestão pública,
bem como recentes desafios para a própria academia, qual seja, rede social e
gestão em rede.
E a questão do tempo, que constrange e limita as reelaborações desejáveis.
5.1.4 Trabalhos futuros
Pesquisas que contemplem a avaliação da Rede de Proteção, com destaque
para indicadores que possam medir o impacto das ações implantadas.
Promover discussão e debate mais aprofundado junto a comunidade científica
e órgãos governamentais e não-governamentais com intuito de criar "Selo Gestão da
Rede Social" para certificação das Redes de Proteção à Criança e ao Adolescente
Vítimas de Violência, possibilitando a construção de um novo processo de avaliação
da Gestão em Rede, utilizando a ferramenta de indicadores sociais para mensurar e
aprofundar os conhecimentos e dar suporte a decisões e desenvolvimento nas esferas
social, pública e privada.
149
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166
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO
Solicito preencher o questionário abaixo que faz parte de minha pesquisa de Mestrado em
Gestão Urbana – PPGTU-PUCPR. Afirmo que tenho a responsabilidade de manter em
sigilo quanto a fonte de dados junto à instituição e os resultados da pesquisa serão
apresentados após a Banca de Defesa.
Curitiba, maio de 2007.
PESQUISA: Estudo de Caso da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em
Situação de Risco para Violência
ALUNA: Ana Cristina de Castro
CURSO: Mestrado em Gestão Urbana – PPGTU – PUCPR
ORIENTADORA: Profa. Dra. Samira Kauchakje
1. Você identifica diferentes modelos de gestão pública? Onde? No geral? Ou na prática
cotidiana do entrevistado? Quais?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
2. Qual destes modelos de gestão pública você considera que está presente na Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência? Por quê ?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
3. O que você entende por Rede Social?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
167
4. A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência
é uma Rede Social? Por quê?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
5. O que você entende por Gestão em Rede?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
6. Você identifica o modelo de Gestão em Rede na gestão da Rede de Proteção à
Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para Violência? Por quê? Cite exemplos.
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
168
ANEXOS
A
A
F
F
A
A
S
S
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T
A
A
M
M
E
E
N
N
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A
A
ANEXO A
FLUXO DA ATENÇÃO
170
ANEXO B
ESTRUTURA DA REDE
171
ANEXO C
FICHA DE NOTIFICAÇÃO
Prefeitura Municipal de Curitiba
Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência
Un. Notificadora
DADOS PESSOAIS
(FAVOR PREENCHER PREFERENCIALMENTE EM LETRA DE FORMA)
1 N
OME: _______________________________________________________________________________________________________________________________________
2 Data Nascimento: _____/_____/_____ 3 Idade:_________ 4 Sexo:
Masculino
Feminino
5 Raça/Cor:
Branca
Preta
Amarela
Parda
Indígena
Ignorado
6 Gestante:
Sim
o
Ignorado
7 Escolaridade:
Nenhuma
Educação Infantil
Ensino Fundamental ___ série
Ensino Médio
Ensino Especial
Fora da Escola
8 Está na escola/creche atualmente?
Sim
Não
Ignorado
9 Nome da Mãe: ________________________________________________________________________________________________________________________________
10 Nome do Pai: ________________________________________________________________________________________________________________________________
11 Responsável: ___________________________________________________________ 12 Grau de Parentesco e afinidade: _______________________________________
13 Acompanhante: _________________________________________________________14 Grau de Parentesco e afinidade: ________________________________________
15 Endereço :________ ____________________________________________________________16 Ponto de Referência: __________________________________________
17 Bairro: _____________________________18 Regional:

19 Município: _______________________________20 Telefone da Vítima: _____________________________
DADOS DA OCORRÊNCIA
21 Descrição da ocorrência: (anexar relatório, se necessário) 22 Data Ocorrência: _____/______/______ 23 Data Avaliação: ______/______/______
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
24 Violência:
Suspeita
Confirmada
25 Freqüência:
Crônica
Primeira vez
Eventual
Ignorado
26 Grupo:
Criança/Adolescente
Violência Fetal
27 Portador de necessidade especial:
Física
Mental
Visual
Auditiva
Outras deficiências/Qual? _______________________________________________________
28 Tipo de violência:
1-
Física 2-
Sexual 3-
Psicológica 4-
Negligência 5-
Abandono 6-
Auto agressão
Se negligência, tipo:
Proteção
Saúde
E
ducação
Estrutural
Outro, qual? _____________________________________________________________________
29 Natureza da violência:
Doméstica
Extradomiciliar
Ignorado
30 Local da ocorrência:
Instituição
Outro, qual? _________________________________________________________________________________________________
31 Lesão aparente:
Sim
Não
Ignorado
32 Tipo de lesão/Parte do corpo:
Cabeça Pescoço Tórax Abdomem Dorso Reg Genital Nádegas Memb Sup Memb.Inf. Outro
Corte
Hematomas
Fraturas
Queimaduras
Outros tipos de lesão:
DADOS DO PROVÁVEL AUTOR DA AGRESSÃO
33
Relação Agressor/Vítima:
Nome: __________________________________________________________________________________________________________________Idade: ________________
Desconhecido
Pai
Mãe
Cônjuge/Companheiro
Padrasto
Madrasta
Irmão/irmã
Própria Vítima
Funcionário Instituição
Colega Instituição
Outro, qual? ________________________________________________________________________________________
Dependente Álcool/Outra Droga:
Sim
Não
Ignorado
Outro, qual?________________________________________________________________________
Nome: __________________________________________________________________________________________________________________Idade: ________________
Desconhecido
Pai
Mãe
Cônjuge/Companheiro
Padrasto
Madrasta
Irmão/irmã
Própria Vítima
Funcionário Instituição
Colega Instituição
Outro, qual? ____________________________________________________________________________________________________
Dependente Álcool/Outra Droga:
Sim
Não
Ignorado
Outro, qual?__________________________________________________________________________
GRAVIDADE DO CASO
34 Grau:
Leve
Moderado
Grave
£
Para preenchimento do campo 35, considere: A vítima+a familia+oagressor
PROCEDIMENTOS
35 Procedimentos adotados:
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________________________________________
36 SOLICITAÇÃO DE ATENDIMENTO EMERGENCIAL:
CT
SAV/SOS
37 N.
O
DA NO: _______________ 38 Telefone: ___________ 39 Data de envio: _____ / _____ / _____.
Livros Grátis
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