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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – ProPPEx
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO
A ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS NO ÂMBITO
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
MARCONDES WITT
Itajaí, 20 de dezembro de 2006
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – ProPPEx
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO
A ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS NO ÂMBITO
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
MARCONDES WITT
Dissertação submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
final à obtenção do título de Mestre em
Ciência Jurídica.
Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar
Itajaí, 20 de dezembro de 2006
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ii
AGRADECIMENTO
Agradeço ao Professor Zenildo Bodnar, pela
paciência e determinação na orientação desta
pesquisa, pelas repreensões quando se fizeram
necessárias e, especialmente pelas sugestões que
determinaram o rumo do trabalho.
Agradeço aos professores do Curso de Mestrado em
Ciência Jurídica da Univali, pela dedicação
demonstrados em suas aulas, em prol do
desenvolvimento científico dos alunos.
Agradeço a todos os funcionários do CPCJ/Univali,
pela dedicação e profissionalismo, sempre a postos
para solucionar nossas dúvidas e atender nossos
pleitos.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Egon Witt e Darci Witt, que desde a
mais tenra idade, sempre me incentivaram na leitura.
À minha noiva, Valdirene Regina dos Santos, pelo
carinho e incentivo, sempre me acompanhando
nesta pesquisa.
Aos meus amigos de Mestrado, Jarbas Glavan
Pereira e Vandir José Daronco, pelas
quilometragens que juntos percorremos, nas quais
aproveitamos para discutir as aulas do Curso, e as
palavras de apoio recíproco para que pudéssemos
chegar a bom termo nesta empreitada.
ii
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica
[CPCJ/UNIVALI], a banca examinadora e o orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca deste.
Itajaí, 20 de dezembro de 2006
Marcondes Witt
Mestrando
iii
PÁGINA DE APROVAÇÃO
Esta Dissertação foi julgada ______ para obtenção do tulo de Mestre em Ciência
Jurídica e ________, em sua forma final, pela Coordenação do Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí
[CPCJ/UNIVALI].
iv
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade
CC-MF Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda
CPC Código de Processo Civil
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988
CSRF Câmara Superior de Recursos Fiscais
CTN Código Tributário Nacional
MS Mandado de Segurança
PGFN Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
RE Recurso Extraordinário
REsp Recurso Especial [ao Superior Tribunal de Justiça]
RMS Recurso em Mandado de Segurança
SRF Secretaria da Receita Federal
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TIT/SP Tribunal de Impostos e Taxas [do Estado de São Paulo]
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Autotutela
A Administração deve zelar pela legalidade de seus atos e condutas e pela
adequação dos mesmos ao interesse público; se a Administração verificar que
contém ilegalidades, poderá anulá-los por si própria.
1
Controle concentrado
Por meio desse controle, procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da
lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso
concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei, a fim de garantir-se a
segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas
inconstitucionais.
2
Controle de constitucionalidade
Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de
uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos
formais e materiais.
3
Controle difuso
Exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência. A
decisão, “que não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão
prévia, indispensável ao julgamento do mérito”, tem o condão, apenas, de afastar a
incidência.
4
1
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 154.
2
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 606.
3
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 579.
4
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. p. 201-
202.
ii
Controle repressivo
Busca expurgar do ordenamento jurídico a norma que macule a Constituição.
5
Lei
Com o surgimento do Estado de Direito, é o ato normativo sancionado pelo Estado
em face da manifestação dos órgãos competentes, dotado de imperatividade,
devendo ser observada pelos destinatários, sob pena de sanção.
6
Processo administrativo tributário
Processo destinado à fixação do alcance das normas tributárias em casos concretos,
objetivando a determinação, exigência ou dispensa do crédito tributário, posto à
disposição do contribuinte perante a Administração Tributária.
Supremacia constitucional
Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que
confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que
ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos.
7
Tributo
Obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito,
cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito
passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos aos
desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos).
8
5
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 581.
6
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 62.
7
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 47.
8
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. p. 34.
iii
SUMÁRIO
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..................................................................V
IV
ROL DE CATEGORIAS.........................................................................................VI
I
SUMÁRIO.............................................................................................................V
III
RESUMO .................................................................................................................X
ABSTRACT...........................................................................................................X
VI
INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................................3
TRIPARTIÇÃO DO PODER DO ESTADO E O PROCESSO ADMINISTRATIVO
TRIBUTÁRIO...........................................................................................................3
1.1 TRIPARTIÇÃO DO PODER DO ESTADO ................................................3
1.2 O DIREITO TRIBUTÁRIO E O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO .....10
1.3 PROCESSO OU PROCEDIMENTO?......................................................13
1.4 PROCESSOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS...............................14
1.5 A PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL........................16
1.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS..........................................................18
1.6.1 Princípio da Legalidade................................................................................18
1.6.2 Princípio da Isonomia...................................................................................20
1.6.3 Direito a um Contencioso Administrativo....................................................21
1.6.4 Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa...............................25
1.6.5 Vedação às Provas Ilícitas ............................................................................28
1.6.6 Princípio da Autotutela.................................................................................28
CAPÍTULO 2 ..........................................................................................................................31
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS.............................31
2.1 ASPECTOS INICIAIS..............................................................................31
2.2 NORMA INCONSTITUCIONAL – ANTINOMIA HIERÁRQUICA .............32
2.3 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE..................36
2.4 DEFINIÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE PARA O CONTROLE ..........40
2.5 CONTROLE JURISDICIONAL ................................................................42
2.5.1 Controle Difuso ............................................................................................ 43
2.5.2 Controle Concentrado...................................................................................45
2.5.3 Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade...........................................48
2.6 CONTROLE PREVENTIVO NO PODER EXECUTIVO...........................52
2.7 CONTROLE NO PODER LEGISLATIVO ................................................53
2.7.1 Controle Preventivo......................................................................................53
2.7.2 Controle Repressivo .....................................................................................54
2.8 DESCUMPRIMENTO DA LEI INCONSTITUCIONAL PELO PODER
EXECUTIVO ......................................................................................................55
iv
2.8.1 Situação do Tema no Direito Português .......................................................59
2.9 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL .............................................63
2.9.1 Precedentes do STF ......................................................................................63
2.9.2 Precedentes do STJ.......................................................................................65
CAPÍTULO 3 ..........................................................................................................................67
A APRECIAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE POR ÓRGÃOS DO PODER
EXECUTIVO..........................................................................................................67
3.1 PONTOS INICIAIS ..................................................................................67
3.2 AMPLA DEFESA.....................................................................................70
3.3 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO.......................................................73
3.4 AUTORIDADE ADMINISTRATIVA JULGADORA ...................................75
3.4.1 Consciência jurídica e vanguarda dos julgadores.........................................78
3.5 DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA FISCAL....................................................80
3.6 CONTROLE REPRESSIVO – COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO
84
3.7 INAPLICABILIDADE DE NORMA INCONSTITUCIONAL .......................91
3.8 PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS NORMATIVOS
93
3.9 AFASTAMENTO DE NORMA X DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE .............................................................................97
3.10 CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE FLAGRANTE...........................99
3.11 SUCUMBÊNCIA NAS LIDES JUDICIAIS..............................................101
3.12 CONTROLE (REVISÃO) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS –
AUTOTUTELA .................................................................................................103
3.13 HIERARQUIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ...................................106
3.14 EFEITOS DA LEI PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE
ADMINISTRATIVA ...........................................................................................109
3.15 INSEGURANÇA JURÍDICA NAS ATIVIDADES DA ADMINISTRAÇÃO111
3.16 ÓRGÃO ADMINISTRATIVO – MEIOS PARA PROVOCAR O CONTROLE
ABSTRATO......................................................................................................112
3.17 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ, QUE ADMITIRAM A
INEXECUÇÃO DA LEI PELO EXECUTIVO.....................................................114
3.18 LIMITE DE ALÇADA FIXADO PELO LEGISLADOR ORDINÁRIO........116
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................119
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS...........................................................126
ANEXOS..............................................................................................................135
APÊNDICE ..........................................................................................................140
v
RESUMO
Esta dissertação é resultado de investigação científica sobre as argüições de
inconstitucionalidade de normas no âmbito do processo administrativo tributário, nos
termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Utilizando-se o
método indutivo tanto na investigação quanto no relatório, o estudo parte da
tripartição do poder do Estado, demonstrando que os Poderes executam funções
típicas e atípicas. É atribuição típica do Poder Executivo a cobrança de tributos,
observadas as leis atinentes. Em face disto, é de sua competência o julgamento de
processos administrativos tributários. Ao contencioso administrativo tributário
aplicam-se os princípios da legalidade e da isonomia, além do contraditório, da
ampla defesa e do devido processo legal, sendo também vedadas as provas obtidas
ilicitamente. O conflito de normas frente à Constituição é antinomia a ser resolvida
pelo critério hierárquico, através do controle de constitucionalidade. O controle de
constitucionalidade pode ser preventivo, no âmbito dos Poderes Legislativo e
Executivo, durante o processo legislativo; também pode ser repressivo, ocorrendo,
em regra, no Poder Judiciário, através do controle difuso e do concentrado.
Especificamente no âmbito do processo administrativo tributário, não é possível
afastar a aplicação a lei sob o argumento da inconstitucionalidade antes da
respectiva decisão definitiva, que compete ao Poder Judiciário. Admitir o contrário
transgrediria a supremacia da Constituição, não sendo a ampla defesa princípio
suficiente para fundamentá-la. Confirmam aquela afirmativa o princípio da
legalidade, a presunção de constitucionalidade, dentre outros.
ABSTRACT
This dissertation is result from scientific investigation about the
unconstitutional pleas of rules in the tax administrative process ambit, in the terms of
the Constitution of Federative Republic of Brazil of 1988. Utilizing a inductive method
in the investigation as much as in report, the study starts from the tripartition of the
State power, demonstrating that the Powers execute typical and atypical functions. Is
typical attribution of the Executive Power the tax exaction, observing the referents
laws. For this reason, it´s your competence the judgement of tax administrative
process. In the tax administrative litigation applies the legality and the isonomy
principles, besides the contradictory, the ample defense, and the illegal production of
proofs is also forbidden. The rules conflict front on Constitution is antinomy to be
solved by the hierarchic criterion, through the constitutionality control. The control of
the constitutionality can be preventive, in the ambit of the Legislative and the
Executive Powers, during the legislative process, can be repressive, occurring, as a
rule, in the Judicial Power, through the diffuse and concentrate control. Specifically in
the ambit of the tax administrative process, it´s impossible to repel the application of
the law under the argument of unconstitutionality before the respective definitive
decision, which competes to Judicial Power. Admit the contrary could transgress the
supremacy of the Constitution, and the ample defense is not a sufficient principle to
justify it. Confirms that affirmative the principle of legality, the presumption of
constitutionality, among others.
INTRODUÇÃO
O objeto do presente trabalho é a investigação acerca da
possibilidade de se conhecer as argüições de inconstitucionalidade de leis no âmbito
do processo administrativo tributário, tendo como norte a Constituição da República
de 1988, vez que nesta foi assegurado aos litigantes e acusados em geral, também
no processo administrativo, o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Este tema é bastante oportuno e atual, vez que traz grandes
controvérsias, e não apenas sob o atual ordenamento constitucional. E, nestas
controvérsias, as posições adotadas são, na maioria das vezes, antagônicas, e em
algumas delas, percebe-se paixões que, para uma pesquisa científica, devem ser
desconsideradas.
A pesquisa tem como objetivo institucional a produção de
Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica pela
Universidade do Vale do Itajaí. Como objetivo geral é aprofundar os conhecimentos
sobre os processos administrativos tributários, especialmente sob a ótica
constitucional, produzindo dissertação de Mestrado.
O tema será tratado em três capítulos, e para a pesquisa, tendo
em conta o problema das argüições de inconstitucionalidade pelos contribuintes
quando do processo administrativo tributário, sem que tenha havido ainda
manifestação definitiva a respeito pelo Poder Judiciário.
Para tanto, foram levantadas as seguintes hipóteses: a) a
Constituição da República não garante a existência de um contencioso
administrativo estruturado de forma colegiada. Entretanto, garante ao indivíduo a
existência de um processo administrativo sob a forma hierárquica, mediante o
exercício do direito de petição no qual se lhe garantirá o contraditório e a ampla
defesa; b) o controle de constitucionalidade das normas, da forma como foi
estruturado pela Constituição de 1988, pretende obter a uniformização da
interpretação das disposições legais, garantindo sua supremacia e a segurança
jurídica dos indivíduos; e c) a supremacia constitucional não está garantida se a
2
todos for dado o direito de descumprir norma legal sob o fundamento da sua
inconstitucionalidade.
Para tanto, principia-se o Capítulo 1 a partir da tripartição do
poder do Estado, adotando a fórmula estudada por Montesquieu. Entretanto,
verifica-se que a separação não é absoluta, vez que os Poderes executam funções
típicas e atípicas. Em seguida, tratar-se-á do processo administrativo tributário e os
princípios constitucionais diretamente aplicáveis.
No Capítulo 2, será tratado do controle de constitucionalidade
das normas previsto na Constituição de 1988, tanto preventivo quanto repressivo
nos três poderes do Estado Brasileiro. Em regra, o preventivo ocorre no processo
legislativo e o repressivo no processo judicial.
No Capítulo 3, serão trazidas as opiniões doutrinárias que
trataram do tema em si para que se pudesse ter um panorama geral em função dos
diversos fundamentos apresentados, tendo como parâmetro as disposições
constitucionais que podem, de um lado ou de outro, interferir no resultado.
Para que a presente pesquisa científica possa se desenvolver
e alcançar os fins propostos, pretende se utilizar o método indutivo que, conforme
Cesar Luiz Pasold, é o método que busca “pesquisar e identificar as partes de um
fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”.
9
A
técnica consistirá na pesquisa bibliográfica, mediante busca em trabalhos publicados
em livros e revistas especializadas, bem como em pesquisa jurisprudencial, tanto
judicial quanto administrativa. O relatório também será apresentado sob o mesmo
método. Importante destacar que a existência de elementos de direito estrangeiro
não tem a intenção de utilizar-se do direito comparado; buscou-se apenas ilustrar os
pontos de vista sobre os aspectos da pesquisa em que inseridos.
O presente trabalho de pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentadas, de forma sintética, as
conclusões resultantes e a confirmação, ou não, das hipóteses lançadas no projeto
de pesquisa científica.
9
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do
direito. p. 87.
CAPÍTULO 1
TRIPARTIÇÃO DO PODER DO ESTADO E O PROCESSO
ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
1.1 TRIPARTIÇÃO DO PODER DO ESTADO
Considerando que o homem é um ser social, teve ele que se
organizar em sociedade para sua sobrevivência. Vida em grupo, via de regra,
prevê a necessidade de um ente superior que possa organizar a sociedade.
Destarte, foi criado o Estado, juridicamente organizado, o qual tem, entre outras
finalidades, a direção e o atendimento das necessidades do seu povo.
Sinteticamente, como observou Antonio Carlos Wolkmer, há
uma tendência natural e espontânea do homem em associar-se a outros seres
humanos
10
. Diante disto, o indivíduo, através de sua associação com outros seres
humanos, vivendo em sociedade, no último estágio, “tende a edificar uma
superestrutura, composta por configurações culturais e ideologias, espécies e
graus de poder, bem como instituições jurídicas, sociais e políticas”.
11
O Estado, ao se estudar sua natureza e funções, pode se
aproximar das teses liberais, que encaram-no como um órgão acima dos conflitos,
responsável pela manutenção da ordem, e, em conseqüência, acentua-se o poder
do indivíduo e da sociedade, de forma que o Estado constitui-se num instrumento
para a realização dos fins do grupo social. Ou, por outro lado, o Estado seria um
aparelho repressivo, que tende a defender os interesses das classes dominantes
no bloco hegemônico de forças, colocando-se o Estado acima da sociedade e dos
indivíduos, em que este acaba um fim em si mesmo
12
.
10
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. p. 63.
11
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. p. 63.
12
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. p. 63-64.
4
O Estado brasileiro teve características liberais e
democráticas como na Constituição de 1946
13
e perfil centralizador ditatorial como
na Constituição de 1937, de pouca duração
14
, inserindo o País na luta contra os
comunistas e contra a democracia liberal.
Apesar disto, a partir da Constituição de 1934 pretendeu
buscar uma fisionomia de Estado Social
15
, isto é, “um Estado que garante a
subsistência e, portanto, é Estado de prestações, de redistribuição de riqueza”.
16
A necessária organização do Estado está consignada por
Paulo Márcio Cruz:
A organização jurídica do poder estatal implica estabelecer os
órgãos através dos quais o Estado atua. [...] Os órgãos do Estado
aparecem como os instrumentos através dos quais se expressa a
sua vontade, e é levada a cabo a ação estatal.[...] Esta concepção
obriga a que se regule quais os órgãos mediante os quais o
Estado atua, quais são suas competências, quais os
procedimentos a serem seguidos para sua atuação e como será a
seleção dos indivíduos que integrarão estes órgãos. A partir desta
perspectiva, a Constituição é o estatuto do poder”, que regula
quem, como e com que limites pode ser exercido o poder do
Estado.
17
O Estado brasileiro, se autodenominando em Estado
Democrático de Direito (CRFB, art. ), busca a tripartição do poder estatal, a teor
do artigo da Constituição da República Federativa do Brasil [CRFB] de 1988:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário”.
Esta tripartição, na sua acepção atual, tem origem em
Montesquieu, que demonstrou, à época, que em cada Estado existem três tipos
13
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 126.
14
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 119-120.
15
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 41.
16
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 41.
17
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 120
5
de poder: com o poder legislativo “cria leis por um tempo ou para sempre e
corrige ou anula aquelas que foram feitas”; com o poder executivo, “ele faz a paz
ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne
invasões”; e, com o poder de julgar, “ele castiga os crimes, ou julga as querelas
entre os particulares”.
18
Também demonstrou que suas funções deveriam ser
exercidas de forma separada. Se o poder legislativo estivesse reunido ao poder
executivo, não existiria liberdade, vez que se poderia temer que o mesmo
monarca crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não vislumbrava
liberdade se o poder de julgar não estivesse separado do poder legislativo, vez
que “o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz
seria legislador”. Da mesma forma, se o poder de julgar estivesse unido ao
executivo, vez que “o juiz poderia ter a força de um opressor”. E, por fim, “tudo
estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos
nobres, ou do povo exercesse os três poderes”.
19
Isto tinha uma razão, para ele:
A liberdade política só se encontra nos governos moderados. Mas
ela nem sempre existe nos Estados moderados; existe quando
não se abusa do poder; mas trata-se de uma experiência eterna
que todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai
até onde encontra limites. Quem diria! Até a virtude precisa de
limites. Para que não se possa abusar do poder, é preciso que,
pela disposição das coisas, o poder limite o poder. Uma
constituição pode ser tal que ninguém seja obrigado a fazer as
coisas a que a lei não obriga e a não fazer aquelas que a lei
permite.
20
Portanto, para Montesquieu, a separação dos poderes
(ainda que não tenha usado esta expressão), visava à liberdade contra o
absolutismo.
18
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. p. 171-172.
19
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. p. 172.
20
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. p. 170-171.
6
Montesquieu não foi o único a estudar a separação de
poderes. Apenas exemplificando, seu contemporâneo, Rousseau, vislumbrava
divisão em poderes legislativo e executivo, fundando-se na lógica desta sua visão.
Mas ao primeiro competia apenas a formulação de regras gerais e ao segundo a
prática de atos particulares. O poder legislativo pertence ao povo, como soberano,
tornando-se, em realidade, o único poder.
21
Mesmo séculos antes já se estudava tal separação. É o caso
de Aristóteles, para quem são três os poderes, e que cada um deve ser
acomodado da maneira mais conveniente pelo legislador. O primeiro deles é o
que delibera sobre os assuntos públicos, cabendo-lhe decidir sobre a paz e a
guerra, contrair alianças ou rompê-las, fazer leis e revogá-las, decretar penas de
morte, de banimento e de confisco; o segundo concerne às magistraturas, que
são aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de
satisfazê-las; o terceiro é a ordem judiciária, abrangendo os cargos de
jurisdição.
22
A separação de poderes foi alçada à condição de garantia
constitucional na Declaração de Direitos do Homem, de 1789, quando em seu
artigo 16 incluiu que “toda sociedade na qual a garantia de direitos não é
assegurada nem a separação de poderes determinada, não tem Constituição”.
Em conformidade com Celso Ribeiro Bastos, “o princípio da
separação de poderes está consagrado em nosso Código Político desde 1824”,
sendo um princípio não suprimível da nossa Constituição.
23
Segundo Geraldo Ataliba, a teoria da divisão do poder diz
que qualquer atividade exercida pelo Estado deve ser precedida pela atividade
legislativa, para apenas daí executar a atividade administrativa. A atividade
administrativa tem seu guia, seu fundamento e o próprio limite na atividade
legislativa
24
. Por fim, como toda norma geral pode dar lugar a incertezas,
21
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. p. 71.
22
ARISTÓTELES. A política. p. 127-143.
23
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 344.
24
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 50.
7
discussões, na sua aplicação ao caso concreto, a atividade jurisdicional do
Estado, tanto para as contendas entre as pessoas como entre estas e os órgãos
do Estado.
25
Em outras palavras:
para a teoria da divisão do poder há três grupos distintos de
órgãos: os que editam somente normas gerais, os que apenas
tomam medidas concretas nos limites traçados pelos primeiros e
os que, no caso de controvérsia, decidem da conformidade ou não
de cada ato particular em relação às normas gerais, sejam os atos
praticados por indivíduos ou por autoridades públicas.
26
Assim, compete ao Poder Legislativo a “elaboração de
normas genéricas e abstratas dotadas de força proeminente dentro do
ordenamento jurídico [...] e secundariamente administra e julga”
27
; “atualmente o
Executivo não acompanha a execução da leis, como [...] participa ainda do
processo legislativo [...]”.
28
Por fim, ao Poder Judiciário cabe “fazer valer o ordenamento
jurídico, de forma coativa, toda vez que seu cumprimento não se sem
resistência”.
29
Para Geraldo Ataliba, a função legislativa:
[...] é a mais nobre, a mais elevada e a mais expressiva de todas
as funções públicas. Quem pode fixar genérica e abstratamente,
com força obrigatória os preceitos a serem observados não
pelos cidadãos, como pelos próprios órgãos do Estado,
evidentemente enfeixa os mais altos e os mais expressivos dos
poderes.
30
25
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 51.
26
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 51.
27
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 347.
28
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 367.
29
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 377.
30
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 48.
8
E, para ele, “a mais transcendental de todas as funções do
Estado é a legislação. Tudo o mais lhe é subordinado: todas as demais funções
resolvem-se em obedecer à lei, aplicar a lei, dar cumprimento à lei”.
31
Por outro lado, destaca Celso Ribeiro Bastos que a própria
evolução acarreta ao Executivo um grande número de atribuições
32
. Em razão
disto,
[...] a atuação do Estado requer tomada de decisões com certa
celeridade, e o Executivo tem condições de atender tal
exigência. Cabe ao Executivo governar; e governar, atualmente,
não é administrar. É enfrentar problemas políticos e sociais.
Isto leva o Executivo a ocupar uma posição ímpar diante dos
demais Poderes do Estado.
33
Diante desta realidade, para Clèmerson Merlin Clève:
[...] a missão atual dos juristas é a de adaptar a idéia de
Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo. Nesse
sentido, se aceita aparelhar o Executivo, sim, para que possa,
afinal, responder às crescentes e exigentes demandas sociais.
Mas cumpre, por outro lado, aprimorar os mecanismos de controle
de sua ação, para o fim de torná-los (tais mecanismos) mais
seguros e eficazes.
34
E para aparelhar o Executivo, demonstra a atividade
legislativa que este pode exercer, observando-se os limites constitucionais a
respeito, na realização desta função atípica.
Neste sentido, destaca Paulo Márcio Cruz:
É fundamental realçar que a experiência constitucional colocou a
independência do Poder Judiciário como o fator de maior
importância diante da contemporânea proeminência do Poder
Executivo. É a garantia mais merecedora de atenção, por ser uma
31
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 49.
32
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 367.
33
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 367-368.
34
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 44.
9
das partes deste Poder Executivo a Administração Pública o
agente ordinário do poder do Estado.
35
Considerando a característica do Estado Social, Clèmerson
Merlin Clève afirma que “este tipo de Estado, com imensa dificuldade concilia-se
com o Estado de Direito, e sabe-se que a separação de poderes tem sentido
em um Estado de Direito”.
36
Como se observou acima, as funções dos “poderes do
Estado” não são executadas de forma isolada.
Luiz Fernando Mussolini Júnior menciona que “a mantença
da independência entre os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) implica a
peculiaridade constitucional da existência das funções típicas e atípicas em um
mesmo Poder Estatal (melhor seria dizer que a existência de uma função não
exclui a existência de outras)”.
37
O Poder Legislativo, ao lado de sua função legislativa, para
manter sua autonomia e independência exerce função administrativa (na
contratação de seus servidores, p.ex.) e função jurisdicional (julgamento da perda
de mandato dos parlamentares).
O Poder Executivo, ao lado de sua função administrativa,
exerce função legislativa (na edição de decretos regulamentares para execução
das leis, edição de medidas provisórias em caso de relevância e urgência) e
função jurisdicional (nos processos administrativos, que serão analisados em
tópico seguinte).
o Poder Judiciário, ao lado da sua função principal na
atividade jurisdicional, para manter sua autonomia e independência, exerce
função administrativa (na aquisição de materiais e suprimentos para suas
atividades) e função legislativa (na publicação de seus regimentos).
35
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 137.
36
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 41.
37
MUSSOLINI NIOR, Luiz Fernando. Processo administrativo tributário: das decisões
terminativas contrárias à Fazenda Pública. p. 9.
10
1.2 O DIREITO TRIBUTÁRIO E O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Os Estados em geral, e o brasileiro em particular, para a
atuação de seus órgãos, desenvolve atividades financeiras, necessitando,
evidentemente de recursos financeiros, os quais o obtidos, entre outros, dos
tributos. Assim, “pode-se dizer que, para garantir a igualdade, a segurança e a
propriedade, fixando o equilíbrio social, o Estado atua, valendo-se, dentro outros
instrumentos, da tributação”.
38
Em conseqüência, tributo é a “obrigação jurídica pecuniária,
ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma
pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa
situação posto pela vontade da lei, obedecidos aos desígnios constitucionais
(explícitos ou implícitos)”.
39
Esta atividade arrecadatória é ínsita ao Poder Executivo,
cuja função, como já visto não exclusiva, é de executar as leis.
Já a instituição de um tributo é matéria sob estrita reserva de
lei, matéria do Poder Legislativo:
Criar tributo significa descrever em lei a sua hipótese de
incidência. É descrever legislativamente os fatos que, se
acontecidos e quando acontecidos, fazem nascer as obrigações
tributárias. É estabelecer as coordenadas do tempo e do espaço
que circunstanciam esses fatos. É determinar as pessoas que irão
ser sujeitos das relações que desses fatos irão nascer. É
estabelecer a base imponível (perspectiva dimensível da
materialidade desses fatos) a que se aplicará a alíquota também
legalmente fixada.
40
Esta legalidade tem assento constitucional, conforme
Geraldo Ataliba:
38
BALERA, Wagner. Do controle de constitucionalidade pelo tribunal fiscal. p. 63.
39
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. p. 34.
40
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 132.
11
A tributação – em seus princípios básicos e fórmulas mais gerais –
é matéria constitucional. Não só porque justificou e esteve na
essência do primeiro documento constitucional moderno a
Magna Carta de 1215 mas, também, porque envolve tensão
entre o poder estatal e dois valores fundamentais para o homem:
a liberdade e o patrimônio. Estes bens jurídicos, precipuamente
protegidos pelas Constituições modernas, são, mesmo, a sua
razão de ser.
41
Portanto, para Antonio da Silva Cabral, “o Estado se vale de
seu poder de império para exigir de indivíduo determinada prestação. Isto não
quer dizer que a relação jurídica tributária seja uma relação de poder, pura e
simplesmente, porque esse poder é regulado, por sua vez, pelo direito”.
42
E, mais
adiante:
O vínculo obrigacional que une o indivíduo ao Estado não é
relação de poder, mas relação de direito. É relação de direito
porque se estabelece em virtude de lei como relação supõe direito
e deveres para ambos os pólos da obrigação. [...] Não é porque o
fisco diz que o contribuinte está obrigado a pagar determinada
quantia que fará com que ele tenha de paga-lá, mas terá de paga-
lá se essa imposição do fisco estiver de acordo com a lei.
43
Diz a sabedoria popular que o bolso é o órgão mais sensível
do corpo humano. Em razão desta sensibilidade, fica evidente o nascimento de
conflitos entre os indivíduos e o Estado, especialmente quando se trata de
matéria tributária.
Uma possível razão para esta situação é apontada por
Osvaldo Ferreira de Melo. Destaca que ao político do direito, que se “delimitar
o objeto dos estudos sobre Justiça como valor atribuído através de manifestação
social”, vez que a idéia do justo ou de injusto, no plano individual ou de classe
social, “geralmente se confunde com manifestação de interesses ideológicos e
41
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 127.
42
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal. p. 10.
43
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal. p. 13.
12
desejos particulares, desconsideradas as necessidades comuns a toda a
sociedade”.
44
Dentro deste contexto, trabalha com quatro concepções de
Justiça, todas complementares entre si e tendo em comum o fato de serem
emanadas de idéias formadas no corpo social: 1) Justiça como ideal político de
liberdade e de igualdade, 2) Justiça como relação entre as reivindicações da
sociedade e a resposta que lhes a norma; 3) Justiça como a correspondência
entre o conhecimento científico sobre o fato (conhecimento empírico da realidade)
e a norma em questão; e 4) Justiça como legitimidade ética.
45
Diante disto, exemplifica na quarta concepção, na qual a
norma do Direito que conflitar com a norma de moral poderá ser considerada
injusta:
Nas questões de legislação tributária, por exemplo, esse
fenômeno é observado com muita clareza e porque as instituições
estatais percebem os riscos de inaceitabilidade das normas não
legitimadas, há, nos Estados contemporâneos, uma preocupação
constante em justificar a origem do tributo e o destino dos
recursos, visando legitimação do tributo, pela justiça social,
melhoria da qualidade de vida, eqüidade, justiça distributiva, etc.
46
Neste ponto, o Estado brasileiro ainda não evoluiu o
suficiente para demonstrar à sociedade a importância do tributo, havendo uma
quase rejeição normal por ele, o que faz crescer os conflitos decorrentes das
inovações legislativas em matéria tributária.
Não é sem outra razão que não se vislumbra, na atualidade,
Estado sem Poder Judiciário na tripartição de suas funções para resolução destes
conflitos na seara tributária.
De qualquer forma, para Humberto Ávila, “a separação dos
poderes significa uma restrição substancial ao poder de tributar, pois o Poder
44
MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 108.
45
MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 108-109.
46
MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 114.
13
Executivo e o Poder Judiciário estão vinculados às orientações de conteúdo da lei
e do Direito”.
47
Entretanto, a resolução de conflitos não se unicamente
no âmbito do Poder Judiciário. Tal se dá, também, no âmbito dos processos
administrativos, sendo que Celso Antônio Bandeira de Mello anotou a importância
do procedimento administrativo:
Seu relevo decorre do fato de ser um meio apto a controlar o “iter”
de formação das decisões estatais, o que passou a ser um
recurso extremamente necessário a partir da multiplicação e do
aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a
Sociedade. Estas se alargaram e se intensificaram como fruto das
profundas transformações ocorridas na concepção de Estado e,
pois, das missões que lhe são próprias
48
.
Assim, para garantia do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal, além do atendimento aos princípios da legalidade e da
impessoalidade, existem no âmbito dos diversos entes da federação os assim
chamados processos administrativos tributários (ou fiscais), destinados a
solucionar as lides entre a Administração Pública Tributária e os contribuintes.
1.3 PROCESSO OU PROCEDIMENTO?
Antes de se prosseguir no presente trabalho, é importante
salientar a adoção da expressão “processo administrativo”, e não “procedimento
administrativo”, quando se está referindo ao contencioso administrativo,
executado no âmbito do Poder Executivo.
Sobre o tema, observa-se que Alexandre Barros Castro
49
debruçou-se sobre a doutrina nacional e alienígena, adotando a expressão
“procedimento administrativo tributário”:
47
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. p. 466.
48
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 439.
49
CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento administrativo tributário. p. 51.
14
Em resumo, o que queremos expressar, neste item, é que sempre
que aludirmos a “procedimento administrativo tributário”,
estaremos nos referindo à impugnação de atos administrativos,
junto à própria Administração, no que tange à matéria tributária.
No procedimento administrativo tributário, a Administração
Pública, ante uma manifestação do administrado, terá que se
pronunciar acerca do lançamento efetuado, da penalidade que lhe
impôs ou ainda da própria notificação emitida ao contribuinte.
Do mesmo modo estudou Antonio da Silva Cabral, mas
caminhou em sentido oposto, concluindo que “a palavra processo se reporta a
uma seqüência de atos para a solução de uma controvérsia e não vejo por que
não possa ser empregada no direito administrativo fiscal”.
50
Odete Medauar também adota a expressão “processo
administrativo”, que se caracteriza “pela atuação dos interessados, em
contraditório, seja ante a própria Administração, seja ante outro sujeito
(administrado em geral, licitante, contribuinte, por exemplo), todos, neste caso,
confrontando seus direitos ante a Administração”.
51
Diante da controvérsia e considerando que o inciso LV do
artigo da CRFB, o inciso III do artigo 151 e o artigo 201 do Código Tributário
Nacional [CTN], o artigo do Decreto 70.235/1972 e o artigo da Lei
9.784/1999 optaram, no âmbito do direito positivo, pela expressão “processo
administrativo”, será assim que o contencioso doravante será denominado.
1.4 PROCESSOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS
No âmbito da União, a matéria é tratada pelo Decreto
70.235/1972
52
, com diversas alterações posteriores. Este dispositivo é utilizado
50
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal. p. 8.
51
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 193.
52
Cumpre esclarecer o status no ordenamento jurídico deste dispositivo. O Tribunal Federal de
Recursos, através da Apelação em Mandado de Segurança 106.747-DF, estabeleceu que o
Decreto nº 70.235/1972 tem status de Lei. O voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, no
referido julgamento, resume a posição adotada por aquela Corte:
Cabe, aqui, portanto, a reprodução dos argumentos que foram por mim expendidos na AMS
106.307-DF, onde a questão da competência do Presidente da República para editar normas de
15
especialmente no contencioso envolvendo os tributos administrados pela
Secretaria da Receita Federal [SRF].
Não se pode olvidar a Lei 9.784/1999, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração blica Federal, e se aplica
subsidiariamente ao processo administrativo tributário conforme prevê seu artigo
69.
No âmbito das contribuições sociais administradas pelo
Instituto Nacional do Seguro Social, o Decreto 70.235/1972 se aplica
subsidiariamente, conforme prevê o artigo 304 do Decreto 3.048/1999, que
aprova o Regulamento Geral da Previdência Social.
No âmbito do Estado de Santa Catarina, dispõe sobre o
contencioso administrativo a Lei 3.938/1966, a partir de seu artigo 172, com as
processo foi assim enfocada: “O Decreto-lei 822, de 05/09/69, editado pelos Ministros
Militares, com base nos Atos Institucionais nºs 5 e 12, delegou, em seu artigo (fl. 12), ao
Poder Executivo, competência para regular o processo administrativo de determinação e
exigência de créditos tributários federais.
Achava-se o País sob o império de duas ordens jurídicas: uma constitucional e outra
institucional.
Ambas co-existiam, cada qual operando em seu setor próprio.
Entre os poderes atribuídos ao Presidente da República pelo Ato Institucional 5, de 13/12/68,
encontrava-se o de legislar em todas as suas matérias, decretado que fosse o recesso
parlamentar (art. 2º, § 1º), medida que se concretizou com o Ato Complementar 38, de
13/12/68.
No exercício dessas atribuições legislativas, editaram os Ministros Militares, 05/09/69 (quando
investidos temporariamente da função de Presidente da República, por força do Ato Institucional
12, de 31/08/69), o Decreto-lei 822 que, em seu art. 2º, delegou ao Poder Executivo a
competência para regular o processo administrativo de determinação e exigência de créditos
tributários federais.
Em 17 de outubro de 1969, as mesmas autoridades promulgaram a Emenda Constitucional
01, que entrou em vigor no dia 30 do mesmo mês.
Em seu art. 181, III, a aludida emenda aprovou e excluiu de apreciação judicial, entre outros
atos, os de natureza legislativa expedidos com base nos atos institucionais e complementares
indicados no item 1.
Vale dizer que, conquanto haja a nova Constituição vedado a delegação de atribuições (artigo
6º, parágrafo único) e reservado à lei federal toda a matéria de Direito Processual e de Direito
Financeiro (art. 18, § 1º), permaneceu, como se viu, com plena vigência o Decreto-lei 822, de
1969.
Invocando a delegação contida neste diploma legal, baixou o Presidente da República, em
06/03/72, o Decreto 70.235, (...) .” (Apud MICHELS, Gilson Wessler. Processo Administrativo
Fiscal: anotações ao Decreto nº 70.235, de 06/03/1972)
16
alterações promovidas pelas Leis nºs 11.847/2001, 12.855/2003, 12.913/2004,
13.104/2004 e 13.441/2005.
No âmbito do Estado do Paraná, dispõe sobre o contencioso
administrativo a Lei Complementar nº 1/1972, com as alterações promovidas
pelas Leis Complementares nºs 18/1983, 36/1987, 45/1989, 78/1996, 87/2000 e
112/2005. De maneira genérica, menção ao assunto no artigo 56, itens XI e
XII, da Lei nº 11.580/1996, com alteração promovida pela Lei nº 14.859/2005.
Alguns detalhes a respeito do processo administrativo fiscal
nas diversas normas acima citadas constam em Apêndice à presente dissertação.
1.5 A PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Em que pese a presunção de legitimidade dos atos
administrativos, ela não serve como meio de eliminar lacunas probatórias. E tal
afirmativa se dá com fulcro na própria lei, vez que, como se observa da parte final
do caput do artigo do Decreto 70.235/1972, os autos de infração e
notificações de lançamento “deverão estar instruídos com todos os termos,
depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação
do ilícito”. As ações fiscais, procedimento investigativo podem aser conduzidas
unilateralmente por parte da autoridade fiscal; entretanto, os resultados desta
conduta necessitam estar fundamentados por provas sob pena de comprometer o
direito do contribuinte, na fase litigiosa do procedimento, contraditar os
argumentos e meios utilizados pela autoridade fiscal para fundamentar a atividade
do lançamento. Assim, de acordo com Gilson Wessler Michels,
A presunção de legitimidade opera no sentido da atribuição de
validade aos atos administrativos, caso não restem concreta e
eficazmente invalidados pelo contribuinte (de se lembrar a
inadmissibilidade da negação geral); nesta hipótese, a presunção
atribui força tal ao ato que pode ele instrumentar as medidas
seguintes na direção de sua execução forçada.
53
53
MICHELS, Gilson Wessler. Processo Administrativo Fiscal. p. 51.
17
No âmbito do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, dispõe
o parágrafo 1º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 1.598/1977 que a escrituração
mantida com observância das disposições legais faz prova a favor do contribuinte
dos fatos nela registrados e comprovados por documentos hábeis. O parágrafo 2º,
assim, determina que cabe à autoridade administrativa a prova da inveracidade
dos fatos registrados com observância do parágrafo 1º. O parágrafo prevê que
a lei pode estabelecer a inversão do ônus da prova.
Para o Regulamento do Imposto sobre Produtos
Industrializados, Decreto 4.544/2002, o documento fiscal inidôneo faz prova
apenas em favor do fisco, não tendo valor legal para efeitos fiscais, nos termos de
seus artigos 322 e 353.
Da mesma forma que a obrigatoriedade de a autoridade
fiscal demonstrar por provas os fundamentos do lançamento, o inciso III do artigo
16 do Decreto nº 70.235/1972 também atribui ao contribuinte o ônus de
comprovar as alegações que oponha ao ato administrativo. Como se vê, estes
dispositivos apenas transferem, para o processo administrativo fiscal, o sistema
adotado pelo Código de Processo Civil [CPC], que, em seu artigo 333, ao repartir
o onus probandi, o faz não admitindo a mera alegação e a negação geral.
Nos termos do artigo 29 do Decreto nº 70.235/1972, na
apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção.
Entretanto, formação livre da convicção de provas não
significa discricionariedade da atividade administrativa, que continua vinculada.
Conforme Hugo de Brito Machado:
Atividade vinculada é aquela em cujo desempenho a autoridade
administrativa não goza de liberdade para apreciar a conveniência
nem a oportunidade de agir. A lei não estabelece apenas um fim a
ser alcançado, a forma a ser observada e a competência da
autoridade para agir. Estabelece, além disto, o momento, vale
dizer, o quando agir, e o conteúdo mesmo da atividade. Não deixa
18
margem à apreciação da autoridade, que fica inteiramente
vinculada ao comando legal.
54
E, conforme James Marins, “nenhum ato administrativo-
fiscal, seja de formalização seja de julgamento, pode ser discricionário, pois as
atividades administrativo-fiscais de fiscalização, apuração, lançamento e
julgamento são atividades plenamente vinculadas [...]”.
55
1.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Pela importância, não como deixar de tratar dos
princípios constitucionais, especialmente aqueles que tenham relação mais
próxima aos processos administrativos tributários.
Princípios, para Paulo de Barros Carvalho,
[...] aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão
de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa
e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas.
Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si
regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam
a força de sua presença.
56
A seguir, serão apresentados alguns princípios, sem os
quais o como estudar o tema, especialmente no âmbito tributário. outros
princípios aplicáveis, evidentemente, mas que, nesta pesquisa, não contribuiriam
para o deslinde da questão.
1.6.1 Princípio da Legalidade
Um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro é o
princípio da legalidade, prescrito no inciso II do artigo 5º da CRFB.
54
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 82.
55
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 173.
56
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. p. 147.
19
Conforme Paulo de Barros Carvalho, assume o papel de
absoluta preponderância, vez que “efunde sua influência por todas as províncias
do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos
subjetivos e de deveres corretos sem que a lei os estipule”.
57
Clèmerson Merlin Clève dispõe que:
[...] no campo do direito interno, excetuados o direito internacional
incorporado e os atos normativos anteriores recepcionados pela
nova ordem constitucional (decreto-lei não revogado, por
exemplo), apenas as emanações normativas em forma de lei
complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória,
decreto legislativo (de uma das Casas ou do próprio Congresso),
podem, originariamente, inovar a ordem jurídica. Esses atos
ostentam a qualidade de lei.
58
Conforme Alexandre de Moraes: “tal princípio visa combater
o poder arbitrário do Estado. por meio das espécies normativas devidamente
elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se
criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o
primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do
poder em benefício da lei”.
59
Como a CRFB repete a necessidade da lei no artigo 150,
inciso I, ainda a legalidade tributária ou estrita legalidade, a qual para Luciano
Amaro:
[...] não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança
de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos
pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo
devido em cada situação concreta que venha a espelhar a
situação hipotética descrita na lei.
60
57
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. p. 150-151.
58
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 68.
59
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 69.
60
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. p. 112.
20
1.6.2 Princípio da Isonomia
Conforme Celso Ribeiro Bastos, a igualdade, prescrito no
caput do artigo da CRFB, é “a equiparação de todos os homens no que diz
respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição de deveres”.
61
É a
igualdade substancial. Entretanto, a igualdade formal “consiste no direito de todo
cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios
albergados ou ao menos não vedados pelo ordenamento jurídico”.
62
E conforme Luiz Cézar Medeiros, “a igualdade formal deve
corresponder o máximo possível à igualdade material [ou substancial]”.
63
Contudo, destaca que “exatamente para alcançar este intento a lei por vezes
consigna prerrogativas ou ônus que à primeira vista podem parecer conflitantes
com o preceito constitucional em apreço”.
Prossegue, exemplificando o prazo regulado pelo artigo
188
64
do CPC, segundo o qual “a desigualdade dos beneficiários dessa norma em
relação ao litigante comum estaria no interesse maior que a Fazenda e o
Ministério Público representam no processo”.
65
Acerca da incessante busca pela isonomia, Geraldo Ataliba
evidencia:
Como, essencialmente, a ação do Estado reduz-se a editar a lei
ou dar-lhe aplicação, o fulcro da questão jurídica postulada pela
isonomia substancia-se na necessidade de que as leis sejam
isonômicas e que sua interpretação (pelo Executivo e pelo
Judiciário) leve tais postulados até suas últimas conseqüências no
plano concreto da aplicação.
66
61
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 179.
62
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 180.
63
MEDEIROS, Luiz Cézar. O formalismo processual e a instrumentalidade. p. 75.
64
Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando
a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
65
MEDEIROS, Luiz Cézar. O formalismo processual e a instrumentalidade. p. 76.
66
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 158.
21
Quanto à isonomia no processo administrativo tributário,
tem-se que, nas palavras de Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez
López:
Este princípio, aplicado ao campo processual, traduz-se na
garantia de que os litigantes devem receber tratamento isonômico.
Tanto as partes como os procuradores devem merecer as
mesmas oportunidades de fazerem valer em juízo suas razões.
67
Geraldo Ataliba assim “íntima e indissociável relação
entre legalidade e isonomia. Esta se assegura por meio daquela. A lei é
instrumento da isonomia”.
68
J. J. Gomes Canotilho anota a exigência de igualdade na
aplicação do direito:
A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das
dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente
garantido e ela assume particular relevância no âmbito da
aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e
pelos tribunais.
69
Na área tributária, tal princípio é novamente reforçado no
inciso II do artigo 150 da CRFB.
1.6.3 Direito a um Contencioso Administrativo
O inciso LV do artigo da CRFB prevê a existência de
processos administrativos. Também a alínea a do inciso XXXIV do mesmo artigo
assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder.
A CRFB, ao garantir o acesso ao Judiciário em face de lesão
ou ameaça de Direito (artigo 5º, inciso XXXV), impede a obrigatoriedade de
67
NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal
comentado. p. 46.
68
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. p. 159.
69
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 389.
22
esgotamento da instância administrativa como condição, afastando a “chamada
jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado”.
70
Sob a
Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional nº 7/1977, chegou-se a
autorizar tal condicionamento, mas que não foi implementado pela legislação
ordinária.
Em face disto, Sacha Calmon Navarro Coelho destaca:
Tem-se, então, que nos lançamentos diretos por declaração e
também nos de ofício o autocontrole é absolutamente necessário
(contencioso administrativo insuprimível). O devido processo legal
deve ter amplo curso com a participação do contribuinte, pois a
formação do título extrajudicial é, em princípio unilateral. Nos
títulos executivos extrajudiciais (nulla executio sine titulo), de
algum modo o devedor se obrigou, assinou o cheque (ordem de
pagamento à vista), a nota promissória, a letra de câmbio, o
contrato. No caso da certidão de dívida ativa, é ela conformada
pela Administração de maneira unilateral, daí a necessidade de se
garantir ao contribuinte participação no processo de formação do
título abstrato da dívida tributária. Ele pode até renunciar a esta
participação. Não importa. A possibilidade é que conta.
71
No mesmo sentido Ricardo Mariz de Oliveira:
Não se pode ler esse dispositivo constitucional como dizendo tão-
somente que, se houver um processo administrativo, concedido
pela benevolência de um legislado ordinário, o contribuinte terá
assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os
recursos a ela inerentes.
72
É exatamente isto que faz Plínio José Marafon, para quem
“não está a CF garantindo a existência do processo administrativo, mas
estabelecendo garantias para quando ele existir”, vez que “estamos no terreno do
70
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 103.
71
COELHO, Sacha Calmon Navarro. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 187.
72
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 193.
23
ideal, e não do compulsório. Tanto é verdade que inúmeros municípios que
não têm contencioso administrativo, possivelmente por falta de estrutura”.
73
Contudo, isto não significa que o processo administrativo se
dê, obrigatoriamente, através de órgãos especializados como o Conselho de
Contribuintes do Ministério da Fazenda [CC-MF], por exemplo.
Isto pode se dar através do direito de petição que seguirá a
via hierárquica, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa neste
procedimento simplificado.
Conforme haja previsão de um ou outro, teremos os
recursos hierárquicos impróprio ou próprio, os quais são definidos por Odete
Medauar. O recurso hierárquico próprio é dirigido à autoridade administrativa
hierarquicamente superior à responsável pela decisão, baseando-se na hierarquia
e poder atribuído ao superior hierárquico de fiscalizar os atos dos subordinados,
podendo esta os anular, revogar, alterar, total ou parcialmente. Já o recurso
hierárquico impróprio é dirigido a autoridade sem vínculo de hierarquia com o
responsável pela decisão impugnada, podendo existir ascendência da primeira
sobre a segunda.
74
Antes de se concluir, veja-se o princípio de isonomia das
pessoas constitucionais, conforme Paulo de Barros Carvalho:
A isonomia das pessoas constitucionais União, Estados e
Municípios é uma realidade viva da conjuntura normativa
brasileira, muito embora aflore de maneira implícita. Mas a
implicitude que lhe é congênita se demonstra com facilidade, uma
vez que deflui naturalmente de duas máximas constitucionais da
maior gravidade: a Federação e a autonomia dos Municípios. [...]
O princípio da Federação, tipo estrutural do Estado brasileiro,
de ser sempre lembrado, seja qual for a norma jurídica invocada e
interpretada.
75
73
MARAFON, Plínio José. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 270.
74
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 453.
75
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. p. 152.
24
E, mais adiante:
[Os Municípios] São pessoas jurídicas de direito constitucional
interno, dotadas de representatividade política própria, e que vão
haurir competências privativas na mesma fonte em que o fazem
as outras, isto é, na Lei Fundamental. [...]
76
Também para Roque Carrazza, a autonomia dos Municípios
é total no que concerne aos assuntos de interesse local, podendo governar-se e
administrar-se como bem lhe parecer, sem interferência de outros poderes
(estaduais, federais, nacionais e internacionais), contanto, naturalmente, que não
se afaste dos princípios cardeais da Constituição e, da mesma forma, os
Municípios são iguais entre si, sob o prisma jurídico, reconhecendo sua absoluta
isonomia.
77
Diante disto, vê-se que não é crível que o Constituinte tenha
dado maiores garantias no âmbito administrativo ao contribuinte do Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural do que tenha dado ao mesmo contribuinte do
Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana, quando o imóvel deixa de
ser rural e passa a ser urbano, de um pequeno Município do interior de um
longínquo Estado.
Ou ainda, maiores garantias a um contribuinte do Imposto
sobre Serviços de uma grande capital em comparação a outro contribuinte, seu
concorrente, estabelecido num pequeno município vizinho. Em função disto, não é
razoável obrigar estes Municípios à criação de órgão especializado para o
contencioso administrativo, o que atentaria ainda contra o princípio da
economicidade.
Neste caso, cabe ao Prefeito Municipal a iniciativa exclusiva
de projeto de lei em que disporá sobre a criação de órgão de contencioso ou
apenas de processo administrativo pela via hierárquica, a teor da alínea e do
76
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. p. 154.
77
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 164-165.
25
inciso II do parágrafo 1º do artigo 61 da CRFB e a respectiva Lei Orgânica, em
face do princípio da simetria.
Decorrente deste direito de petição assegurado ao indivíduo,
Luciano Amaro destaca que “a legislação dos vários entes políticos de
competência tributária regula os modos pelos quais o indivíduo pode insurgir-se
contra exigências fiscais que ele considere ilegais, disciplinando as formas
(defesas, reclamações, impugnações, recursos), as “instâncias” administrativas,
os prazos etc.”
78
1.6.4 Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa
Previstos nos incisos LIV e LV do artigo da CRFB, o
interligados, razão porque serão rapidamente analisados em conjunto.
Conforme Alexandre de Moraes:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,
atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de
liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade
total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa
(direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de
produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz
competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão
criminal).
79
Combinado com o direito de acesso à Justiça e o
contraditório e a plenitude de defesa, fecha-se o ciclo das garantias processuais,
conforme José Afonso da Silva.
80
Celso Ribeiro Bastos, ao tratar do contraditório, o como
integrante da ampla defesa:
O contraditório, por sua vez, se insere dentro da ampla defesa.
Quase que com ela se confunde integralmente na medida em que
78
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. p. 370.
79
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 123.
80
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 433.
26
uma defesa hoje em dia não pode ser senão contraditória. O
contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo ato
produzido caberá igual direito da outra parte de opor-lhe ou de
dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma
interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.
81
Especificamente na área tributária, tal princípio é explicitado
por Alexandre Barros Castro, segundo o qual, a “cada ato da Fazenda blica
caberá um por iniciativa do particular, de modo a marcharmos para o fim
ensejado, qual seja, o da edição de um ato conclusivo, para o qual se dirige todo
o procedimento”.
82
Destaque-se que o contraditório, ao lado da ampla defesa,
são manifestações do princípio do devido processo legal. Este é considerado
princípio fundamental do processo, e inseparável do Estado Democrático de
Direito.
Em razão disto, Antonio da Silva Cabral afirma que “há de se
reconhecer a qualquer um o direito de ser ouvido, o direito de se manifestar e
impugnar, bem como o sagrado direito de apresentar a mais ampla defesa, tudo
de acordo com o devido processo legal”.
83
No processo judicial, há uma tendência a fazer prevalecer a
verdade formal, que ocorre nos efeitos da revelia e das preclusões, por exemplo,
ainda que o objetivo seja a busca da verdade material.
James Marins afirma que isto não significa que a verdade
formal não possa conter a verdade material, mas apenas que a liberdade
investigativa se apresenta como instrumento mais apropriado para a aproximação
com a verdade material
84
. Sem contar que, em face da verdade material, “a
Administração pode diligenciar para obter novas provas ou para ampliar as
81
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 227.
82
CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento administrativo tributário. p. 103.
83
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal. p. 63.
84
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 176.
27
possibilidades de avaliação das provas produzida nos autos, independente da
vontade das partes”.
85
Para Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López,
tal princípio é decorrente do princípio da legalidade.
86
E, especialmente com relação ao princípio da ampla defesa,
discorreu a seu respeito Celso Ribeiro Bastos, pela qual “deve-se entender o
asseguramento que é feito ao u de condições que lhe possibilitem trazer para o
processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade”.
87
Para ele, apesar do conteúdo da defesa tem como objetivo
trazer ao réu iguais possibilidades que tem o autor, nem sempre isto é possível,
não podendo ser absoluta:
Uma mesma faculdade conferida a um e a outro poderia redundar
em extrema injustiça. A própria posição específica de cada um
lhes confere vantagens e ônus processuais. O autor pode
escolher o momento da propositura da ação. Cabe-lhe, pois, o
privilégio da iniciativa, e é óbvio que esse privilégio não pode ser
estendido ao réu, que de acatá-lo e a ele submeter-se. Daí a
necessidade de a defesa poder propiciar meios compensatórios
da perda da iniciativa. A ampla defesa visa pois a restaurar um
princípio de igualdade entre as partes que são essencialmente
diferentes.
88
Em seguida, destaca que o dispositivo procurou ser
abrangente, vez que se volta aos litigantes tanto em processo judicial quanto em
processos administrativos:
Embora saibamos que as decisões proferidas no âmbito
administrativo não se revestem do caráter de coisa julgada, sendo
passíveis portanto de uma revisão pelo Poder Judiciário, não é
menos certo, por outro lado, que dentro da instância
85
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. p. 200.
86
NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal
comentado. p. 63.
87
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 226.
88
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 227.
28
administrativa podem perpetrar-se graves lesões a direitos
individuais cuja reparação é muitas vezes de difícil
operacionalização perante o Judiciário.
89
Tendo em vista tais considerações, percebe-se com
facilidade a importância do aludido princípio no ordenamento constitucional
vigente.
1.6.5 Vedação às Provas Ilícitas
O inciso LVI do artigo da CRFB garante a
inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícito.
Por não existir direito reconhecido com caráter absoluto na
CRFB, Celso Ribeiro Bastos informa:
Da mesma forma, o direito à prova, derivado da ampla defesa,
não significa que o interessado possa valer-se a qualquer
momento de qualquer prova, mas, apenas, que pode utilizar-se
daquelas provas aptas a evidenciar os fatos cruciais a serem
apreciados, ou seja, daquelas que podem influenciar no
julgamento; o que contribui também para a celeridade da
prestação jurisdicional, elemento essencial para a efetivação da
Justiça.
90
Alexandre de Moraes informa que as provas ilícitas são as
obtidas por infringência ao direito material, diferentemente das provas ilegítimas,
que são obtidas com desrespeito ao direito processual.
91
1.6.6 Princípio da Autotutela
Através deste princípio, a Administração Pública pode anular
seus próprios atos quando contenham vícios de legalidade, consagrado pela
jurisprudência, conforme a súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal [STF]:
89
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 227-228.
90
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 228.
91
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 125.
29
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam
direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial.
Assim, para Hely Lopes Meirelles:
Controle administrativo é todo aquele que o Executivo e os órgãos
de administração dos demais Poderes exercem sobre suas
próprias atividades, visando a mantê-las dentro da lei, segundo as
necessidades do serviço e as exigências técnicas e econômicas
de sua realização, pelo quê é um controle de legalidade e de
mérito. Sob ambos esses aspectos pode e deve operar-se o
controle administrativo para que a atividade pública em geral se
realize com legitimidade e eficiência, atingindo sua finalidade
plena, que é a satisfação das necessidades coletivas e
atendimento dos direitos individuais dos administrados
92
.
para Celso Antônio Bandeira de Mello, “invalidação é a
supressão, com efeito retroativo, de um ato administrativo ou da relação jurídica
dele nascida, por haverem sido produzidos em desconformidade com a ordem
jurídica”.
93
Recentemente, este princípio foi positivado no Direito pátrio,
estando consubstanciado no artigo 53 da Lei nº 9.784/1999.
Trata-se de prerrogativa da Administração, que pode rever
seus atos de ofício. Contudo, nada impede que o contribuinte, não tendo exercido
o direito de utilizar-se do processo administrativo para contestar tempestivamente
eventual lançamento, ou, tendo-o exercido mas sem obter êxito no julgamento,
apresente petição fundamentada para que a Administração reveja este
lançamento. Contudo, trata-se de mera faculdade da Administração, e desde que
fique evidenciado erro ou ilegalidade flagrante.
Neste sentido, Marcos Juruena Villela Souto:
92
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 579-580.
93
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 410.
30
Nada impede, pois, que o administrado provoque esse reexame,
ainda que não previsto expressamente em lei. Ressalte-se, ainda,
que, esgotadas as autoridades superiores, nada impede que, à
última delas se formule pedido de “reconsideração da decisão”,
que o direito de petição tem sede constitucional, sendo uma
oportunidade de se evitar a demanda judicial.
94
Portanto, o direito de petição pode ser usado para esta
provocação da autotutela, em defesa do administrado e da própria Administração.
Depois desta análise da realização de atividade atípica de
julgamento no âmbito do próprio Poder Executivo e os princípios constitucionais
aplicáveis, considerando a tripartição do poder do Estado, será analisado no
capítulo seguinte o controle de constitucionalidade das normas, necessário
quando estas se mostrarem incompatíveis com a Constituição.
94
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. p. 198.
CAPÍTULO 2
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS
2.1 ASPECTOS INICIAIS
O ordenamento jurídico brasileiro é composto de um grande
número de normas jurídicas, tendo por ápice a Constituição da República Federativa
do Brasil, promulgada em 1988.
Evidente que na pesquisa científica, pode-se ainda perquirir a
validade destas, quando se chega à norma fundamental, que seria o fundamento de
validade da normas constitucionais. Para Hans Kelsen, a norma fundamental é
pressuposta lógico-transcedental. Não será uma norma posta por uma autoridade
jurídica, mas uma norma pressuposta, que seo fundamento de validade de uma
ordem jurídica.
95
Norberto Bobbio a tem como postulado, por ser o início de um
sistema. Se tivesse um fundamento, não seria mais a norma fundamental. Se ainda
assim se quisesse obter uma resposta, seria necessário sair do sistema, no caso,
fora do sistema jurídico.
96
Para que se possa falar em ordenamento jurídico, deve se ter
em mente sua complexidade, pelo grande número de normas que o compõem, além
do que existem normas de conduta, que regulam o comportamento das pessoas, e
normas de estrutura, que regula o modo pelo qual se devem produzir as normas. E
estas normas existem em cada grau normativo.
97
Apesar de sua complexidade, não como deixar de defender
sua unidade. Conforme Norberto Bobbio, se não se falar em unidade, não se poderia
falar em ordenamento jurídico. Num ordenamento jurídico complexo, tem-se que
normas superiores e normas inferiores, mas sua unidade decorre de que cada
95
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 215 e ss.
96
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 58 e ss.
97
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 45-47.
32
ordenamento jurídico tem sua norma fundamental. Com a presença de normas
superiores e inferiores, o ordenamento jurídico tem uma estrutura hierárquica. As
normas inferiores buscam sua validade nas normas superiores, chegando-se às
normas constitucionais.
98
2.2 NORMA INCONSTITUCIONAL – ANTINOMIA HIERÁRQUICA
Tem-se como norma inconstitucional aquela que possui uma
relação imediata de incompatibilidade vertical com normas constitucionais, conforme
as palavras de Clèmerson Merlin Clève:
[...] a inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou
de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do
ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de
elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou
princípio constitucional.
99
Assim, o controle da constitucionalidade pressupõe a
supremacia da Constituição, conforme Ronaldo Poletti:
[...] o tema do controle da constitucionalidade das leis, baseado no
princípio da supremacia da Constituição, implica colocar a Carta
Magna acima de todas as outras manifestações do Direito, as quais,
ou são com ela compatíveis ou nenhum efeito devem produzir.
100
A razão da supremacia constitucional foi bem resumida por
Mauro Cappelletti:
A norma constitucional, sendo também uma norma positiva, traz, em
si, uma reaproximação do direito à justiça. Porque norma
naturalmente mais genérica, vaga, elástica, ela contém aqueles
conceitos de valor que pedem uma atuação criativa, antes,
acentuadamente criativa, e, porque tal, suscetível de adequar-se às
mutações, inevitáveis, do próprio “valor”. Na verdade, na concepção
moderna, a norma constitucional outra coisa não é senão a tentativa
– talvez impossível, talvez “faustiana”, mas profundamente humana –
de transformar em direito escrito os supremos valores, a tentativa de
98
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 48-49.
99
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p. 36.
100
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 3.
33
recolher, de “definir”, em suma, em uma norma positiva, o que, por
sua natureza, não se pode recolher, não se pode definir – o Absoluto.
A justiça constitucional é a garantia desta “definição”; mas é também,
ao mesmo tempo, o instrumento para torná-la aceitável, adaptando-a
às concretas exigências de um destino de perene mutabilidade.
101
Portanto, “controlar a constitucionalidade significa verificar a
adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,
verificando seus requisitos formais e materiais”.
102
A inconstitucionalidade de uma norma significa uma antinomia
encontrada no ordenamento jurídico. Norberto define antinomia como sendo “aquela
situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e
a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o
mesmo comportamento”, desde que ambas “pertencentes ao mesmo ordenamento e
tendo o mesmo âmbito de validade”.
103
Ainda conforme Norberto Bobbio, tendo o mesmo âmbito de
validade, as antinomias podem ser chamadas ‘total-total’, na qual em nenhum caso
uma das duas normas pode ser aplicada sem entrar em conflito com a outra;
‘parcial-parcial’, em que cada uma das normas tem um campo de aplicação em
conflito com a outra e um campo de aplicação no qual o conflito não existe; e ‘total-
parcial’, em que a primeira norma não pode ser em nenhum caso aplicada sem
entrar em conflito com a segunda, a segunda tem uma esfera de aplicação em
que não entra em conflito com a primeira.
104
Norberto Bobbio destaca ainda que outras situações que
seriam mais bem denominadas de antinomias impróprias, mas com significado
próprio.
101
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. p.
130.
102
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 579.
103
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 86-88. Bobbio identifica quatro âmbitos de
validade: temporal, espacial, pessoal e material.
104
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 88-89.
34
Numa delas a antinomia de princípios, quando um mesmo
ordenamento jurídico se inspira em valores contrapostos, como a liberdade e a
segurança, vez que a garantia da liberdade causa dano, normalmente, à segurança,
e a garantia da segurança tende a restringir a liberdade. A antinomia de princípios
não pode ser considerada antinomia jurídica, mas pode dar lugar a normas
incompatíveis.
105
Outra situação é a antinomia de avaliação, que ocorre quando
uma norma pune um delito menor com uma pena mais grave do que a infligida a um
delito maior. Não existe neste caso uma antinomia em sentido próprio, mas que
houve uma injustiça. De qualquer forma antinomia e injustiça pedem correção, mas
por razões diferentes: a antinomia deve ser corrigida por produzir incerteza,
obedecendo ao valor da ordem; a injustiça produz desigualdade e portanto seu valor
é a igualdade.
106
Norberto Bobbio identifica os três critérios fundamentais para a
solução das antinomias: os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade.
107
O critério cronológico é aquele no qual, entre duas normas
incompatíveis, prevalece a norma posterior. Trata-se da regra geral do Direito em
que a vontade posterior revoga a precedente, imaginando-se, no caso, a lei como a
vontade do legislador.
108
O critério hierárquico “é aquele pelo qual, entre duas normas
incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior”. Assim:
Uma das conseqüências da hierarquia normativa é justamente esta:
as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores
não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em
relação a outra consiste na menor força do seu poder normativo;
essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de
105
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 90.
106
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 91.
107
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 92.
108
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 92-93.
35
estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à
regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.
109
Por fim, o terceiro critério é aquele em que, de duas normas
incompatíveis, uma geral e uma especial, prevalece a segunda. É que:
[...] lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai
de uma norma uma parte de sua matéria para submetê-la a uma
regulamentação diferente (contrária ou contraditória). [...] Verificada
ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra geral
importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a
categorias diferentes e, portanto, numa injustiça.
110
Entretanto, casos há que conflitos entre tais critérios, em
que “a aplicação de um critério dê uma solução oposta à aplicação do outro”,
tratando-se de uma incompatibilidade de segundo grau, isto é, a “incompatibilidade
entre os critérios válidos para a solução da incompatibilidade entre as normas”.
111
Assim, Norberto Bobbio dispõe: no conflito entre o critério
hierárquico e o cronológico, o primeiro prevalece sobre o segundo, “o que tem por
efeito fazer eliminar a norma inferior, mesmo que posterior”. Para ele, a solução é
bastante óbvia: “se o critério cronológico devesse prevalecer sobre o hierárquico, o
princípio mesmo da ordem hierárquica das normas seria tornado vão, porque a
norma superior perderia o poder, que lhe é próprio, de não ser ab-rogada pelas
normas inferiores”.
112
No conflito entre o critério da especialidade e o cronológico,
conforme Norberto Bobbio, deve prevalecer o primeiro, “a lei geral sucessiva não tira
do caminho a lei especial precedente”. No entanto, tal regra “deve ser tomada com
uma certa cautela”, e “para fazer afirmações mais precisas nesse campo, seria
necessário dispor de uma ampla casuística”.
113
109
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 93.
110
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 96.
111
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 106-107.
112
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 107-108.
113
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 108.
36
Por fim, no conflito entre o critério hierárquico e o da
especialidade, Norberto Bobbio assevera que uma resposta segura é impossível,
que ocorre no caso de uma norma superior-geral incompatível com uma norma-
inferior especial. Reconhece que “a gravidade do conflito deriva do fato de que estão
em jogo dois valores fundamentais de todo o ordenamento jurídico, o do respeito da
ordem, que exige o respeito da hierarquia, e, portanto, do critério da superioridade, e
o da justiça, que exige adaptação gradual do Direito às necessidades sociais e,
portanto, do critério da especialidade”. Assim:
Teoricamente, deveria prevalecer o critério hierárquico: se se
admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pode derrogar
os princípios constitucionais, que são normas generalíssimas, os
princípios fundamentais de um ordenamento jurídico seriam
destinados a se esvaziar rapidamente de qualquer conteúdo. Mas, a
exigência de adaptar os princípios gerais de uma Constituição às
sempre novas situações leva freqüentemente a fazer triunfar a lei
especial, mesmo que ordinária, sobre a constitucional.
114
Vistos os possíveis critérios para solução de antinomias em um
ordenamento jurídico, a priori a coerência deste seria uma regra. Entretanto, destaca
que a coerência não é condição de validade, mas sim condição para a justiça do
ordenamento, que, em não ocorrendo, violam duas exigências fundamentais em que
se inspiram os ordenamentos jurídicos: “a exigência da certeza (que corresponde ao
valor da paz ou da ordem), e a exigência da justiça (que corresponde ao valor da
igualdade)”. É que “onde existe duas normas antinômicas, ambas válidas, e portanto
ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza,
entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as
conseqüências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual
tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria”.
115
2.3 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A existência de sistemas de controle objetivam garantir a
supremacia da Constituição.
114
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 109.
115
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. p. 113.
37
Paulo Márcio Cruz informa a existência de dois aspectos no
princípio da supremacia constitucional:
Por um lado, significa que a norma constitucional, por sua origem e
função, não pode ser alterada ou modificada pela via ordinária de
criação das normas jurídicas, requerendo um procedimento
específico para sua alteração, que redunda em uma especial rigidez
constitucional. Trata-se, desta forma, de uma supremacia formal.
Mas, por outro lado, a supremacia constitucional traduz-se em que as
normas constitucionais não poderão ser nem formalmente alteradas
e tampouco materialmente contraditadas por normas
infraconstitucionais, nem por nenhuma forma de atuação dos
poderes públicos. A supremacia constitucional exige que todo o
ordenamento jurídico esteja submetido à Constituição. Nenhuma
norma ou ato poderá legitimamente opor-se a seus mandamentos.
116
Em seguida, a respeito, relata que o controle de adequação à
Constituição das atividades dos poderes Executivo e Judiciário não apresenta
maiores problemas. Quanto ao Executivo, sua submissão à lei e, por conseguinte, à
Constituição, encontra-se garantida em muitos ordenamentos jurídicos, trabalho
normalmente entregue às justiças estadual e federal comum. no Judiciário este
controle é obtido através do sistema de recursos para os níveis superiores da
hierarquia judicial, que podem revisar, através dos recursos pertinentes, as decisões
dos órgãos judiciais inferiores, assegurando que não firam a lei ou a Constituição.
117
Portanto, “a Constituição é que inspirará a interpretação da lei pelos poderes
Executivo e Judiciário”.
118
Difere a situação com relação ao Poder Legislativo, vez que
sua função é alterar as leis existentes e criar outras novas, e, para tanto, aparece
como o representante da vontade popular, e, em conseqüência, da soberania
nacional. Sob este aspecto, justificar-se que seus atos pudessem ser revisados por
outro poder seria muito difícil, vez que isto supõe submeter a soberania da nação a
um controle “menos legítimo”.
119
116
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 258-259.
117
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 259.
118
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 260.
119
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 260.
38
O aspecto positivo em deixar que seja a própria representação
popular que decida se seus atos estão em conformidade com a Constituição é a
manutenção do princípio democrático. Entretanto, por ser muito difícil ser juiz e parte
ao mesmo tempo, uma vez que a maioria do Parlamento, decidindo aprovar uma
norma, dificilmente renunciaria a esta posição por argumentos de
inconstitucionalidade. Em razão disto, os diversos ordenamentos foram criando
técnicas de revisão da constitucionalidade das leis por parte de um órgão diferente
do próprio Parlamento.
120
O controle de constitucionalidade das normas não é único nem
uniforme nos diversos ordenamentos jurídicos, conforme expõe Clèmerson Merlin
Clève:
O principal mecanismo de defesa ou de garantia da Constituição
consiste na fiscalização da constitucionalidade. Mas a fiscalização
somente ocorrerá se a própria Constituição atribuir, expressa ou
implicitamente, a um ou mais órgãos, competência para exercitá-la.
Esse órgão tanto pode exercer função jurisdicional, como política;
tanto pode, no primeiro caso, integrar a estrutura do Judiciário, como
residir fora dela. Importante é que promova a fiscalização da
constitucionalidade dos atos normativos do Poder Público,
censurando aqueles violadores de preceitos ou princípios
constitucionais.
121
Em relação ao momento em que o controle é realizado, pode
ser preventivo ou repressivo. Através do controle preventivo, se pretende impedir
que uma norma maculada ingresse no ordenamento jurídico. o controle
repressivo busca expurgar deste ordenamento a norma que macule a Constituição.
Com relação ao órgão controlador, tem-se o político, o jurisdicional ou judiciário e o
misto.
122
Assim, “o controle político é o que entrega a verificação da
inconstitucionalidade a órgãos de natureza política”, “o controle jurisdicional
generalizado hoje em dia, é a faculdade que as constituições outorgam ao Poder
120
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 261.
121
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
34-35.
122
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 581.
39
Judiciário de declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder
Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios
constitucionais”, e o controle misto realiza-se quando a constituição submete certas
categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional”.
123
O País que oferece os mais típicos e mais numerosos
exemplos de um controle político é, sem dúvida, a França.
124
Ali uma concepção
peculiar da separação de poderes, através do qual não caberia ao Judiciário intervir
nos atos do Executivo, cujos excessos seriam coibidos por um órgão extrajudiciário,
o Conselho de Estado. Da mesma forma, o Judiciário não tem competência para o
exercício da fiscalização da constitucionalidade, o que seria uma nítida intromissão
do Judiciário no âmbito de atuação do Parlamento.
125
Tal idéia entende como
inoportuna qualquer interferência do poder judiciário na atividade legislativa das
assembléias populares.
126
Mais tarde foi criado o Conselho Constitucional, dotado de
caráter marcadamente político, não exercendo função jurisdicional. A fiscalização de
constitucionalidade é preventiva
127
, mas que em alguns casos é obrigatória e em
outros facultativa. Mas uma vez promulgado o ato legislativo, às autoridades
públicas caberá não mais do que cumpri-lo, vez que o mecanismo posterior
para a fiscalização da constitucionalidade da lei.
128
123
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 51.
124
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. p.
27.
125
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
59.
126
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. p.
31.
127
Recentemente, contudo, previu-se uma espécie de controle repressivo, quando dispositivo da
Constituição francesa previu que matérias distintas das pertencentes ao domínio da lei terão
característica de regulamento, e que os textos que entrarem em vigor após a Constituição somente
poderão ser modificados por decreto se o Conselho Constitucional declarar que estes têm caráter
regulamentar. MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. p. 146.
128
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
62.
40
2.4 DEFINIÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE PARA O CONTROLE
Conforme o sistema constitucional vigente, cabe definir qual ou
quais órgãos seriam competentes para o controle, para a fiscalização da
constitucionalidade das normas.
Celso Ribeiro Bastos
129
demonstra a importância desta
definição:
Mas indaga-se: Qual o órgão competente para aferir a validade
constitucional da norma? A rigor poder-se-ia admitir Constituições
que atribuíssem essa relevantíssima questão a qualquer um sujeito
ao seu ordenamento, quer se tratasse de particular, quer pessoa de
direito público.
Em seguida, fundamenta-se em remissão a Hans Kelsen:
Se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência
para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que
vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo
evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir
competência para tal a um determinado órgão jurídico.
130
Assim, Celso Ribeiro Bastos afirma que este “sistema seria
inviável, por equivaler na prática à supressão quase que total da eficácia própria da
lei”. E isto teria como conseqüência não permitir ao direito cumprir a sua função
primordial de garantir a ordem, a paz, a tranqüilidade, expressada na presunção de
legitimidade de todo ato público em geral.
131
Em face disto, observa que:
Ao conferir-se a qualquer um a competência de declarar uma lei
inconstitucional, como escusa para o seu descumprimento,
chegaríamos ao absurdo de ver o Executivo deixar de cobrar tributos,
de efetuar prisões, de interditar estabelecimentos, toda vez que
reputasse a lei como contrária à Constituição. [...] Por força da
129
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 387-388.
130
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 300-301.
131
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 388.
41
necessidade de ser efetivo, o direito passa por cima do princípio que
a técnica jurídica impõe de somente acolher como norma jurídica
aquela adotada segundo o disposto na norma superior, tanto do
ponto de vista formal como sob o aspecto material ou substancial
132
.
A partir daí, Celso Ribeiro Bastos busca conclusões
considerando os dois princípios firmados, “o da validade da norma em função de sua
adequação à norma superior, e o da presunção de legitimidade de toda norma, em
nome da segurança e estabilidade das relações reguladas pelo direito”.
133
Assim, a “primeira conclusão é a de que, toda vez em que não
houver desrespeito ao segundo princípio, pode-se, em nome do princípio,
desobedecer à lei inconstitucional”. por outro lado, “em nome do segundo
princípio, nunca se pode desobedecer à lei inconstitucional, quando sua
desobediência implicar sua transgressão”.
134
E depois, busca extrair a conclusão que permita retirar
respostas para as questões colocadas pela incerteza em saber quando é possível
descumprir-se a lei, pelo seu destinatário, quando este a julgue afrontadora da
CRFB:
Assim, explica-se porque, por exemplo, o contribuinte pode, ainda
que por sua conta e risco, deixar de pagar um tributo que repute
indevido, por inconstitucional. É certo que a eficácia da norma tida
subjetivamente pelo contribuinte como inconstitucional não fica por
isso paralisada. A Administração poderá promover o competente
ajuizamento da ação executiva, colimando a satisfação de sua
pretensão contrariada. Fica, entretanto, reservada ao particular a sua
defesa, consubstanciada justamente na alegação da falta de
existência constitucional da pretensa norma jurídica autorizadora da
arrecadação do tributo questionado.
135
Em função disto, observou que foi possibilitado ao destinatário
não cumprir a obrigação que lhe foi imposta, desconhecendo a pretensão do fisco,
132
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 388.
133
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 389.
134
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 389.
135
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 389-390.
42
aguardando o “pronunciamento do órgão encarregado do exame da
constitucionalidade das leis, que entre nós, sem nenhuma novidade, é o Poder
Judiciário”.
136
2.5 CONTROLE JURISDICIONAL
O controle jurisdicional é o que prevalece atualmente nas
diversas Constituições. Tal controle possui basicamente dois critérios, cabíveis após
a promulgação do ato impugnado, conforme estabelece José Afonso da Silva:
Os sistemas constitucionais conhecem dois critérios de controle da
constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional
difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição constitucional
concentrada). Verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu
exercício a todos os componentes do Poder Judiciário, e o segundo,
se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma
corte especial
137
.
Conforme Celso Ribeiro Bastos, característica primordial do
método concentrado (ou via de ação) “é atacar o vício da lei em tese”, confirmando
que, na esfera federal, tal competência assiste a um único órgão: o Supremo
Tribunal Federal. no método difuso (ou via de exceção ou de defesa), se “ataca o
vício de validade da lei no caso concreto, ou seja, a argüição deve se dar no curso
do processo comum”. Para tanto, “qualquer órgão judicante tem competência para
conhecer e decidir da inconstitucionalidade”.
138
Diferenciando estes dois todos, Celso Ribeiro Bastos
resume:
Em síntese, a via de ação tem por condão expelir do sistema a lei ou
ato inconstitucionais. A via de defesa ou de exceção limita-se a
subtrair alguém aos efeitos de uma lei ou ato com o mesmo vício
139
.
136
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 389-390.
137
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 51.
138
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 405-406.
139
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 397.
43
Mauro Cappelletti demonstra algumas vantagens aparentes do
método concentrado sobre o difuso. Conforme ele, o método difuso:
levaria à conseqüência de que uma mesma lei ou disposição de lei
poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional, por alguns
juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada
em contraste com a Constituição, por outros. Poderiam, certamente,
formar-se verdadeiros “contrastes de tendências” entre órgãos
judiciários de tipo diverso que se manifestam, por exemplo, em
perigosos contrastes entre os órgãos da justiça ordinária e os da
justiça administrativa, ou entre órgãos judiciários de diverso grau.
[...] A conseqüência, extremamente perigosa, de tudo isto, poderia
ser uma grave situação de conflito entre órgãos e de incerteza do
direito, situação perniciosa quer para os indivíduos como para a
coletividade e para o Estado.
140
Trata-se de defesa do controle concentrado sobre o controle
difuso, mas como se verá adiante, mesmo no controle difuso previsto no
ordenamento brasileiro, busca-se a uniformização da interpretação constitucional.
2.5.1 Controle Difuso
Alexandre de Moraes anota que a possibilidade de controle
difuso de constitucionalidade existe no Brasil desde a primeira Constituição
republicana, de 1891.
141
Nas palavras de Clèmerson Merlin Clève, o controle difuso é
originário do modelo americano:
[...] Dispõe o Poder Judiciário de competência para declarar nulos e
írritos todos os atos e leis contrários à Constituição. A competência
do Judiciário, nesse campo, é difusa, porque exercitada, no curso de
uma demanda, por qualquer juiz ou tribunal. Conquanto todo órgão
jurisdicional possa exercer a fiscalização constitucional, a Suprema
Corte, órgão de cúpula do Judiciário americano, em virtude do
princípio do stare decisis, ou seja, da eficácia vinculante de suas
decisões, desempenha um papel determinante no campo
140
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. p.
77-78.
141
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 589.
44
constitucional, na medida em que pronuncia a última e definitiva
palavra a respeito das questões constitucionais.
142
Conforme Alexandre de Moraes:
A idéia de controle de constitucionalidade realizado por todos os
órgãos do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury
(1803), em que o Juiz Marshal da Suprema Corte Americana afirmou
que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao
fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a constituição, o
tribunal deve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei
ordinária do Poder Legislativo.
143
O controle difuso é aquele feito no curso de qualquer processo
judicial e, conforme Gilmar Ferreira Mendes, é questão prévia:
O controle de constitucionalidade concreto ou incidental, tal como
desenvolvido no Direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão
judicial, no curso de processo de sua competência. A decisão, “que
não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão
prévia, indispensável ao julgamento do mérito”, tem o condão,
apenas, de afastar a incidência.
144
No controle difuso emerge questão relevante na CRFB: seu
artigo 97 impõe a reserva de plenário às declarações de inconstitucionalidade pelos
tribunais, isto é, somente pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros
do tribunal ou dos membros do respectivo órgão especial poderá ser declarada a
inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público. Contudo, não se aplica o
dispositivo para a declaração de constitucionalidade por órgãos fracionários dos
tribunais.
145
Veja-se que, mesmo sendo tarefa primordial de qualquer juiz
interpretar o Direito para solução do caso concreto, se integrar um tribunal não pode
142
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
63.
143
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 587.
144
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. p. 201-
202.
145
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 591.
45
julgar o caso imediatamente, devendo submeter esta interpretação aos demais
membros do tribunal do qual faça parte.
Paulo Bonavides ressalta que “a sentença que liquida a
controvérsia constitucional não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à sua
não-aplicação ao caso particular, objeto da demanda”.
146
Conforme Ronaldo Poletti, tal dispositivo tem natureza
instrumental, e não de competência, e conseqüentemente, o juiz singular pode
deixar de aplicar uma lei por entendê-la contrária à Constituição.
147
Entretanto, a última palavra sobre a constitucionalidade de lei
sempre caberá ao STF, a quem compete julgar, mediante recurso extraordinário, as
causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar
dispositivo da CRFB, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou
julga válida lei ou ato de governo local contestado em face da CRFB, conforme
inciso III do artigo 102 da CRFB.
Depois de o STF ter declarado em decisão definitiva a
inconstitucionalidade de lei, caberá ao Senado Federal, suspender sua execução, no
todo ou em parte, a teor do inciso X do artigo 52 da CRFB.
2.5.2 Controle Concentrado
O controle abstrato, concentrado, teve como criador Hans
Kelsen, que assim o justificou:
Se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência
para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que
vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo
evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir
competência para tal a um determinado órgão jurídico.
148
Por outro lado:
146
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 272-273.
147
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 198.
148
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 300-301.
46
Se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único
tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei
reconhecida como inconstitucional” não em relação a um caso
concreto mas em relação a todos os órgãos aplicadores do Direito.
149
Assim, com a inspiração em Hans Kelsen, pela primeira vez:
A Constituição austríaca de 1920, com efeito, institui uma Corte
Constitucional competente para, de modo concentrado e unicamente
por via de ação direta, atuar a fiscalização da constitucionalidade.
150
Posteriormente, sistema adotado pelo Tribunal Constitucional
alemão, espanhol, italiano e português, conforme informa Alexandre de Moraes
151
.
No Brasil, o controle abstrato foi introduzido através da Emenda
Constitucional 16/1965 à Constituição de 1946, mediante representação do
Procurador-Geral da República. Mantido na Constituição de 1967/1969, foi alargado
pela CRFB, pela ampliação do rol de legitimados a propor ação direta de
inconstitucionalidade.
Alexandre de Moraes destaca que:
Por meio desse controle, procura-se obter a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese,
independentemente da existência de um caso concreto, visando-se à
obtenção da invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das
relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas
inconstitucionais.
152
Entretanto, Paulo Bonavides, a respeito do controle abstrato,
“caracteriza-se esse processo por seu teor sumamente enérgico, pela sua
agressividade e radicalismo, pela natureza fulminante da ação direta”.
153
E, logo em
seguida, “o controle por via de ação não parece ser aquele que melhor se presta a
149
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 303.
150
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
68.
151
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 606.
152
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 606.
153
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 277.
47
resguardar os direitos individuais, os quais encontrariam proteção bem superior, do
ponto de vista da eficácia, no remédio jurisdicional da via de exceção”.
154
Por fim, baseando-se em José Afonso da Silva, o controle de
constitucionalidade previsto na CRFB pode assim ser resumido. a
inconstitucionalidade por ação ou omissão, e seu controle é o jurisdicional,
“combinando os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo
Tribunal Federal”. o controle por via de exceção e por ação direta de
inconstitucionalidade, além da ação declaratória de constitucionalidade. No controle
por exceção, “qualquer interessado poderá suscitar a questão da
inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que
seja o juízo”. Na ação direta de inconstitucionalidade tal autor demonstra três
modalidades: 1ª) a interventiva, destinada a promover a intervenção federal em
Estado ou do Estado em Município, conforme o caso, por proposta exclusiva do
Procurador-Geral da República e de competência do Supremo Tribunal Federal
(arts. 36, III, 102, I, a, e 129, IV), ou estadual por proposta do Procurador-Geral de
Justiça do Estado (arts. 36, IV, e 129, IV); 2ª) a genérica: a) de competência do STF,
com o objetivo de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical, ação esta
que visa exclusivamente a defesa do princípio da supremacia constitucional (arts.
102, I, a, e 103, incisos e § 3º), na qual se pretende obter a decretação de
inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, federal ou estadual; b) de
competência do Tribunal de Justiça em cada Estado, visando a declaração de
inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º), dependendo da previsão nesta; 3ª)
a supridora de omissão: a) do legislador, quando não criar lei necessária à eficácia e
aplicabilidade de normas constitucionais, especialmente nos casos em que esta é
requerida pela CRFB; b) do administrador, ao deixar de adotar providências
necessárias para tornar efetiva norma constitucional (art. 103, § 2º).
155
Este controle através do Poder Judiciário apenas complementa
a Democracia e o Estado de Direito, conforme Alexandre de Moraes:
154
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 278.
155
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 53-54.
48
O controle exercido pelos Tribunais Constitucionais, longe de
configurar um desrespeito à vontade popular emanada por órgãos
eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, constitui um delicado
sistema de complementaridade entre a Democracia e o Estado de
Direito, que para manter-se balanceado, deve possuir claras e
precisas regras sobre sua composição, competências e regras.
156
No mesmo sentido aponta Mauro Cappelletti:
É, exatamente, na garantia de uma superior legalidade, que o
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis encontra sua
razão de ser: e trata-se de uma garantia que, por muitos, é
considerada como um importante, se não necessário, coroamento do
Estado de direito e que, contraposta à concepção do Estado
absoluto, representa um dos valores mais preciosos do pensamento
jurídico e político contemporâneo.
157
Portanto, ainda que à primeira vista possa parecer que os atos
do Poder Legislativo, ao serem controlados pelo Poder Judiciário que não possui
mandato popular percam a soberania popular, trata-se de garantia da própria
soberania popular constante do topo da pirâmide do ordenamento constitucional.
2.5.3 Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade
que se verificar ainda os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade.
No âmbito do controle difuso, os efeitos são ex tunc, conforme
Alexandre de Moraes, vez que atos normativos inconstitucionais são nulos,
alcançando, em conseqüência, os atos pretéritos com base neles praticados, mas
somente para as partes e no processo em que houve a citada declaração.
158
Entretanto, para os demais estes efeitos serão ex nunc se e
quando o Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato
156
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 583.
157
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. p.
129.
158
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 593.
49
normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF, conforme
competência prevista no inciso X do artigo 52 da CRFB.
159
No âmbito do controle concentrado, a decisão de
inconstitucionalidade, conforme Alexandre de Moraes
160
, terá efeito retroativo e para
todos, desfazendo, desde sua origem o ato declarado inconstitucional, juntamente
com todas as conseqüências dele derivadas, vez que os atos inconstitucionais são
nulos.
Conforme destaca José Afonso da Silva
161
, o deslinde dos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade depende da solução da grave
controvérsia sobre a natureza do ato inconstitucional: se é inexistente, nulo ou
anulável. Pelas conseqüências daí advindas, não se prosseguirá, neste momento,
os estudos a respeito, tema este que por si só mereceria estudo mais aprofundado.
Este estudo tem maior importância a partir do disposto no
artigo 27 da Lei nº 9.868/1999:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela
declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Para Alexandre de Moraes, os limites lógicos para os limites
temporais, decorrentes deste dispositivo, são os efeitos ex tunc, a partir do trânsito
em julgado da decisão ou qualquer momento entre a publicação da norma e a
publicação no diário oficial da decisão. Não pode ser momento posterior à
publicação vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento
jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos.
162
159
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 593.
160
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 624-625.
161
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 54.
162
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 626.
50
Do aludido dispositivo é possível concluir que, em
determinadas hipóteses, pode uma lei ser constitucional e inconstitucional,
dependendo apenas do momento em que aplicada, frente aos mesmos preceitos ou
princípios constitucionais. Contra aquele dispositivo foram propostas as Ações
Diretas de Inconstitucionalidade [ADIn] nºs 2.154-2 e 2.258-0. Entretanto, até o
presente momento não houve apreciação de mérito definitiva sobre estas; os autos
da segunda ação foram apensados aos da primeira.
Muito interessante observar que sob o mesmo fundamento
constitucional, o Estado Democrático de Direito, o citado artigo 27 foi questionado na
segunda ação (proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil), e defendido pelo Presidente da República, através das informações
prestadas pela Advocacia-Geral da União. Veja-se o seguinte excerto da inicial da
ADIn nº 2.258-0:
Não tendo sido incluída na Constituição a emenda do Senador
Maurício Corrêa, sendo, para o direito pátrio, nula a norma
inconstitucional, tendo em vista os preceitos da Lei Fundamental que
garantem o Estado Democrático de Direito (art. da CF) e o
princípio da legalidade (art. 5º, II), os quais não admitem que aquilo
que não é lei possa regrar condutas, o artigo 27 da Lei Federal 9.868
merece ter sua inconstitucionalidade também declarada, a fim de que
seja preservada a supremacia da Constituição Federal.
A seguir, observe-se o excerto das Informações AGU/AS-
01/2000, adotadas pelo Presidente da República mediante a Mensagem 325, de
08 de março de 2000:
igualmente uma outra disposição constitucional em que se
encontra assegurado o status constitucional do princípio da
segurança jurídica. Trata-se do macroprincípio do Estado de Direito
(art. da Constituição Federal), entre cujos subprincípios se situa o
princípio da segurança jurídica.
Despiciendo maiores comentários. Impende salientar que, na
propositura da ADIn 2.154-0/DF, verificou-se a teórica aplicabilidade do artigo 27
da Lei 9.868/1999 no âmbito tributário, conforme o seguinte trecho do voto em
separado, do Deputado Jarbas Lima, ao projeto que resultou na aludida lei:
51
Resulta daí, por via transversa, que o STF poderá declarar a eficácia
temporária de preceito inválido por inconstitucionalidade. Assim,
retomando-se o exemplo no campo do direito tributário, um tributo
declarado inconstitucional, por decisão do STF em ação direta,
poderá ser considerado devido durante o período determinado pelo
STF, ficando desde logo afastado qualquer direito à repetição do
indébito. [...] No campo tributário, esse tratamento desigual importará
em verdadeiro confisco.
Como colocado, o STF ainda não apreciou em definitivo este
preceito, que prevê a modulação temporal da inconstitucionalidade. Entre os
diversos argumentos favoráveis e contrários ao dispositivo em comento, está o do
Estado de Direito.
Contudo, é relevante trazer a lume a aparente origem desta
solução, conforme Humberto Ávila. O Tribunal Constitucional alemão desenvolveu
dois modelos decisórios no exame de leis. No primeiro, a norma jurídica é declarada
(ainda) constitucional, mas o tribunal encarrega o legislador, ao mesmo tempo, de
produzir, num determinado prazo, um Estado integralmente constitucional. Este
modelo é aplicado no âmbito tributário: a lei é declarada ainda compatível, embora o
legislador esteja obrigado a tomar providências em determinado prazo para eliminar
a inconstitucionalidade, incluindo o tribunal ainda diretivas sobre como o legislador
deve legiferar.
163
Na segunda, declaração de inconstitucionalidade da
regulação inconstitucional, mantendo-se a norma num primeiro momento, mas não
podendo mais ser aplicada. Decide o Tribunal se e por quanto tempo é possível uma
aplicação ainda ser considerada.
164
Esta solução pretende “evitar um vácuo jurídico. Nesta
hipótese, o não-atingimento do que a Constituição manda fazer seria ainda mais
suportável do que a falta completa de uma norma”. E que “a capacidade de ação
financeira do Estado é mencionada como razão, pois o princípio do Direito
Orçamentário da compensação anual de receitas e despesas seria posto em cheque
163
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. p. 461-462.
164
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. p. 462.
52
pelo ônus adviente para os orçamentos das reivindicações de restituições de
impostos”.
165
2.6 CONTROLE PREVENTIVO NO PODER EXECUTIVO
Além do controle de constitucionalidade das leis efetuado após
sua promulgação, o controle prévio no âmbito do Poder Executivo. O Poder
Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de
Estado
166
, competindo-lhe exercer, com estes, a direção superior da administração
federal
167
.
Tal controle se no momento da sanção ou do veto do
projeto de lei. O veto se dará se, a juízo do Presidente da República, o projeto for
contrário ao interesse público ou inconstitucional (CRFB, artigo 66, § 1º). É o veto
jurídico, conforme Alexandre de Moraes
168
. O veto será apreciado pelos membros do
Poder Legislativo, que o manterão ou rejeitarão segundo o procedimento dos §§ 4º a
7º do artigo 66.
Entretanto, Clèmerson Merlin Clève destaca que “a
oportunidade da sanção, positiva ou negativa (veto), não aparece em todos os
sistemas constitucionais. Por vezes, cabe ao chefe de Estado não mais do que
promulgar a lei, já aprovada”.
169
Não é pacífico que o poder de veto se insere na fiscalização de
constitucionalidade, na modalidade preventiva, conforme observa Paulo sar
Conrado:
Conquanto teoricamente possível, não reconhecemos, em nosso
sistema de controle de constitucionalidade, qualquer modalidade dita
preventiva, sendo certo que os atos normalmente classificados como
tais (veto presidencial é um exemplo) constituiriam tão apenas um
165
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. p. 462-463.
166
CRFB, artigo 76.
167
CRFB, artigo 84, inciso II.
168
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 585.
169
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 111.
53
passo do processo legislativo, e não um meio de controle de
constitucionalidade [...].
170
Clèmerson Merlin Clève o tem apenas com um certo controle
preventivo o exercido pelo Chefe do Poder Executivo.
171
Entretanto, como a própria CRFB autoriza o veto jurídico por
inconstitucionalidade nesta fase do processo legislativo, seria desprestigiá-la ao se
entender que não há controle preventivo de constitucionalidade neste momento.
2.7 CONTROLE NO PODER LEGISLATIVO
2.7.1 Controle Preventivo
Alexandre de Moraes tem o controle da constitucionalidade
praticado pelas Comissões de Constituição e Justiça das Casas Legislativas como
uma das hipóteses de controle preventivo, vez que a CRFB prevê a criação de
comissões constituídas na forma do respectivo regimento. Mas tal controle também
pode ser realizado pelo plenário da casa legislativa, quando houver rejeição do
projeto por inconstitucionalidade.
172
Também para Clèmerson Merlin Clève, aqui
existe apenas um certo controle preventivo da constitucionalidade.
173
Este controle deve ser analisado ponderadamente, levando-se
em conta a própria composição do parlamento, como visto anteriormente quando
se demonstrou a inviabilidade do controle de constitucionalidade pelo próprio Poder
Legislativo.
174
170
CONRADO, Paulo César. Controle de constitucionalidade pelos tribunais administrativos. p. 196.
171
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
74.
172
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 584.
173
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
74.
174
Conforme apontado por Paulo Márcio Cruz à p. 38.
54
2.7.2 Controle Repressivo
Alexandre de Moraes
175
cita a primeira hipótese de controle
repressivo pelo Poder Legislativo constante do inciso V do artigo 49 da CRFB,
segundo o qual compete exclusivamente ao Congresso Nacional sustar os atos
normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites
de delegação legislativa, editando decreto legislativo sustando o decreto presidencial
(CRFB, art. 84, IV) ou a lei delegada (CRFB, art. 68) por desrespeito à forma
constitucional prevista para suas edições.
Esta sustação não se confunde com o poder jurisdicional do
Judiciário.
Sobre a inclusão deste dispositivo, inédito na Constituição de
1934 e a cargo do Senado, verifica-se das palavras de Pontes de Miranda:
O poder do Senado Federal, no caso do inciso II, é total e definitivo.
Pode refugar parte ou todo o regulamento. É um intérprete da
Constituição e das leis, a respeito de regulamentos dos Poder
Executivo
176
.
Deve ser ressalvado que a falta da edição de decreto
legislativo sustando os efeitos da regulamentação pelo Poder Executivo não importa
em reconhecer a constitucionalidade desta mesma regulamentação. Alerta
importante de Gilmar Ferreira Mendes:
Deve-se registrar que, salvo melhor juízo, esse instituto não se
mostra apto a propiciar um efetivo instrumento de controle contra
abusos perpetrados pelo Executivo no exercício do Poder
Regulamentar. a dificuldade de colher maiorias nas Casas
Parlamentares lograr uma decisão clara sobre a legitimidade do ato
normativo questionado demonstra a insuficiência desse instituto
como instrumento de aferição de legitimidade do ato normativo. Por
isso, ninguém poderá, em consciência, sustentar que a falta de
uma decisão da Casa Legislativa sobre a observância ou não pelo
175
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 585-586.
176
MIRANDA, Pontes de. Apud MENDES, Gilmar Ferreira. O Poder Executivo e o Poder Legislativo
no controle de constitucionalidade. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos
de direito constitucional. p. 315.
55
Poder Executivo dos limites do Poder Regulamentar corresponderia
a uma decisão de improcedência
177
.
Outra hipótese de controle repressivo no âmbito do Poder
Legislativo, conforme anotado por Alexandre de Moraes
178
é aquele exercido quando
da aprovação ou rejeição de medida provisória editada pelo Presidente da
República. É que o Congresso Nacional pode rejeitá-la com base em
inconstitucionalidade apontada no parecer da comissão temporária mista, instituída
conforme o parágrafo 9º do artigo 62 da CRFB.
2.8 DESCUMPRIMENTO DA LEI INCONSTITUCIONAL PELO PODER
EXECUTIVO
Em face do até aqui exposto, tem-se que o controle preventivo
de constitucionalidade compete ao próprio Poder Legislativo, no trâmite dos projetos
de lei e ao Poder Executivo, através do veto jurídico. E o controle repressivo
compete em regra ao Poder Judiciário, pelos controles difuso e concentrado. Por
exceção, há ainda o controle repressivo efetuado pelo Poder Legislativo quando o
Executivo exorbite do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa ou
na edição de medidas provisórias.
Entretanto, discute-se a possibilidade da inexecução de lei pelo
Poder Executivo, depois de sancionada a lei ou, se vetada, este foi rejeitado pelo
Poder Legislativo.
Para Alexandre de Moraes, o Poder Executivo, como os
demais Poderes, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade, para o
que deve observar, primeiramente, as normas constitucionais. E assim, não há como
se exigir do chefe do Poder Executivo que cumpra uma lei que entenda
flagrantemente inconstitucional. Neste caso, pode e deve negar-se cumprimento,
sem prejuízo de posterior exame pelo Judiciário.
179
177
MENDES, Gilmar Ferreira. O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de
constitucionalidade. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. p. 315.
178
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 586.
179
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 580.
56
Para Ronaldo Poletti,
Lei inconstitucional não gera obrigação, nem cria direito. Qualquer
pessoa pode negar-se a cumprir a lei inconstitucional. Esse direito
pode ser exercido pelo Chefe do Executivo, quer pessoalmente, quer
através de seus subordinados, expedindo-lhes, para isto, ordens
através de decreto.
180
E mais adiante, conclui que “a declaração de
inconstitucionalidade, no sentido técnico-processual, é privativa do Poder Judiciário
e defesa ao Legislativo seria juiz em causa própria e ao Executivo se tornaria
superior ao Congresso”. Portanto, “o Executivo não decreta a inconstitucionalidade
de lei, simplesmente não a cumpre, nega-lhe execução”.
Depois ressalva que a declaração de inconstitucionalidade no
controle difuso também não ocorre no Judiciário, que seria reservada ao controle
concentrado. No controle difuso, o Judiciário:
Nega-lhe aplicação por incompatibilidade com a Lei Maior. O
Judiciário não anula, nem revoga a lei, nega-lhe eficácia por entendê-
la inconstitucional. Ao fazê-lo, aplica a lei hierarquicamente superior.
Na via incidental, o objeto da ação não reside na declaração de
inconstitucionalidade. De igual maneira age o Executivo, pois a
Constituição não atribui privativamente ao Poder Judiciário o dever
de zelar pela execução da Constituição, mas a distribui a todos os
Poderes do Estado. Isto é da tradição republicana. A competência é
concorrente, não privativa.
181
Também Miguel Reale afirma que o Executivo tem o “poder-
dever” de recusar aplicação às leis manifestamente inconstitucionais, sem
necessidade de anterior manifestação do Poder Judiciário. Trata-se da tutela da
legalidade, relativamente “à defesa impostergável da ordem constitucional, que deve
ser preservada contra tudo e contra todos, inclusive contra os abusos do legislador
ordinário”.
182
Traz motivos de ordem prática como fundamentos. Entende que não se
justifica que interesses particulares devam prevalecer sobre as razões trazidas pelo
180
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 144.
181
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 148.
182
REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo. p. 46.
57
governo, “constituindo-se situações irreparáveis, como tem ocorrido sobretudo em
matéria de vencimentos e vantagens abusivamente conferidos a servidores
públicos”.
183
Portanto, o normal é que os interessados que se entendam lesados por
este ato, acionem o Poder Judiciário, a fim de corrigir eventuais erros ou abusos
cometidos.
Por outro lado, a manifestação de Josaphat Marinho, em texto
escrito em 1984, comentando a alteração das Constituições pretéritas, com a
inclusão da representação por inconstitucionalidade se “delineou, em sentido lógico
e institucional, uma esfera exclusiva de decisão”. Assim, afrontaria a supremacia da
Constituição ela “instituir procedimento especial como a representação, situá-lo na
competência originária do mais alto tribunal do país, para, em seguida, permitir a
interferência do Poder Executivo no reconhecimento de inconstitucionalidade”.
Portanto, diante de possível vício de constitucionalidade, “ao Poder Executivo resta
a alegação respectiva ou o pedido de interpretação, perante o Supremo Tribunal
Federal, por intermédio do procurador-geral da República”. Não pode simplesmente,
sob a própria autoridade, opor-se à observância da lei sem que isto configure
“desrespeito à Constituição e usurpação de competência”.
184
E, mais adiante, observa que a simples não aplicação da lei
tida como inconstitucional desvaloriza a Constituição:
Cabe ver, porém, que esses argumentos não se harmonizam com a
Constituição como um todo, um sistema; não a valorizam como
instrumento normativo de aplicação imediata e geral; não a projetam
com a imagem de garantia natural dos direitos subjetivos, ou
confundem a posição e a responsabilidade do poder público,
notadamente no âmbito administrativo, com a postura do particular,
que defende direitos ou privados. Todas as faces dessa
argumentação desfiguram ou enfraquecem a idéia de Constituição
como lei superior, destinada, em princípio, à execução instantânea e
voluntária, por adesão do espírito coletivo, em que se devem integrar
os titulares do poder político organizado.
185
183
REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo. p. 48.
184
MARINHO, Josaphat. Leis inconstitucionais e o Poder Executivo. p. 80.
185
MARINHO, Josaphat. Leis inconstitucionais e o Poder Executivo. p. 84.
58
E, com a finalidade de prestigiar a Constituição, Josaphat
Marinho defende que tanto o particular quanto a autoridade entende que uma lei é
inconstitucional, devem usar o remédio nela previsto, e o se opor arbitrariamente
àquilo que é expressão do Direito Positivo. A conduta regular é o uso da ação
própria para defesa da competência do Executivo e do direito do particular,
apontados pela Constituição. Assim:
A resistência inadequada do particular não deve servir de pretexto ou
de fundamento ao agente do Poder para ação semelhante, pois a
este cabe dar exemplo de acatamento e prestígio à norma. A
suspeita de invalidade ou de inconstitucionalidade não justifica o
descumprimento da lei ou do ato normativo, quando se reconhece
que o Poder Judiciário declara formalmente a existência desse
estigma. Admitir, portanto, a recusa de obediência a lei ou a ato, sem
ser provocado o Judiciário e antes de sua decisão, importa em
confundir poder de interpretar, para esclarecer competência, com
poder de julgar a inconstitucionalidade, estranho ao Executivo.
186
José Luiz de Anhaia Mello é defensor categórico do
descumprimento da lei tida por inconstitucional, vez que “uma lei inconstitucional,
não sendo lei, justamente por isso não pode ser cumprida. Uma lei deverá ser
cumprida”.
187
Entretanto, para ele, existindo a possibilidade do controle concentrado,
o descumprimento deve se dar concomitantemente à proposta do controle abstrato
de constitucionalidade:
Na verdade, só o não cumprimento é pouco. É mister agir, acionando
o órgão controlador da constitucionalidade. Assim, deve o Executivo,
ou outro poder, ou o órgão negador da execução da lei, argüir, do
conhecimento. [...] Assim, no plano federal não mais como não
cumprir lei inconstitucional e não dar notícia ao Procurador para os
efeitos de lei. [...] Aliás, temos para nós que o problema do não
cumprimento existe por não haver órgão especializado de contrôle de
constitucionalidade. Na verdade, quando houver uma Côrte
Constitucional federal e as estaduais não haverá mais razão para
186
MARINHO, Josaphat. Leis inconstitucionais e o Poder Executivo. p. 84-85.
187
MELLO, José Luiz de Anhaia. Da separação de podêres à guarda da constituição. p. 115.
59
não cumprir, mas sim razão para argüir a inconstitucionalidade, de
imediato, e obter a palavra da Côrte.
188
Mesmo Paulo Bonavides não é favorável à recusa de aplicação
pelo Executivo para as leis que se lhe afiguravam inconstitucionais, vez que, antes
da via de ação, era remédio duvidoso.
189
2.8.1 Situação do Tema no Direito Português
No terceiro capítulo serão apresentadas as opiniões e
fundamentos da doutrina e jurisprudência nacional, especialmente no âmbito
tributário. Entretanto, o tema não é incontroverso apenas no sistema jurídico
brasileiro.
Assim, serão trazidas algumas anotações a respeito no âmbito
do ordenamento jurídico português que, no presente trabalho, têm conotação
ilustrativa.
Apesar de inicialmente ter sido contrário à tese, atualmente Rui
Medeiros é favorável a esta possibilidade, limitada, entretanto, às autoridades
superiores da Administração Pública. Assim, reponderou a questão de que apenas
os tribunais têm competência para desaplicar, no caso submetido à apreciação
judicial, normas inconstitucionais. Portanto, entende que, através do princípio da
subordinação da Administração à Constituição é possível “o reconhecimento de uma
competência administrativa de fiscalização da constitucionalidade das leis e, mais
concretamente, para a admissibilidade de um poder administrativo de rejeição das
leis inconstitucionais".
190
Mais adiante, discorre que “uma tal visão não se harmoniza
facilmente com o princípio, claramente consagrado no texto constitucional português
188
MELLO, José Luiz de Anhaia. Da separação de podêres à guarda da constituição. p. 115-118.
189
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 294.
190
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 167.
60
em vigor, da vinculação de todos os poderes públicos, incluído o poder
administrativo, à Constituição”.
191
Também defende a inexistência de um rol taxativo de
autorizados a interpretar a Constituição, vez que “a democratização do saber
constitucional tem, pelo menos, o mérito de afastar as concepções que assentam
numa aristocracia do saber e, em particular, do saber jurídico-constitucional,
representada pelo Tribunal Constitucional””.
192
E, para que não ocorra a anarquia administrativa, a decisão da
não aplicação da lei inconstitucional deve ficar adstrita aos órgãos superiores,
reservando-se a decisão da não aplicação da lei com fundamento na sua
inconstitucionalidade ao cume da Administração.
193
Aos subalternos também fica reservado o direito de
representação, “devendo expor sua opinião sobre a inconstitucionalidade da lei ao
superior hierárquico e, em última análise, ao ministro competente”. Entretanto, na
hipótese dos “órgãos superiores da Administração Pública vierem a concluir no
sentido da validade da lei, o dever de aplicação da lei surge autonomamente do
dever de obediência aos comandos hierárquicos”.
194
Rui Medeiros destaca, entretanto, que as decisões da
Administração nesta matéria sempre estarão sujeitas ao controle judicial, sujeitando-
se assim à confirmação ou rejeição nos tribunais competentes. “E, desta forma,
quem decide em última análise da constitucionalidade da lei são os tribunais e não a
Administração”.
195
191
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 168.
192
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 183.
193
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 267.
194
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 277.
195
MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 216-217.
61
Por outro lado, J. J. Gomes Canotilho caminha em sentido
contrário. Analisa a questão, assim, sob os princípios da constitucionalidade e da
legalidade. O princípio da constitucionalidade é a “eficácia directa dos preceitos
constitucionais consagradores de direitos, liberdades e garantias”, e o princípio da
legalidade é “subordinação da administração à lei”.
196
Os agentes administrativos deverão exercer o direito de
representação às instâncias superiores hierarquicamente a respeito “das
conseqüências da aplicação da lei, mas até a uma possível decisão judicial da
inconstitucionalidade permanecerão vinculados às leis e às ordens superiores de
aplicação dos órgãos colocados num grau superior da hierarquia”.
197
À cúpula caberá exercer o “poder de substituição legal”
objetivando a integração de “eventual inércia dos órgãos administrativos violadora
de direitos, liberdades e garantias” ou, sendo o caso, a revogação do ato da
administrativo que os lesione.
198
Entretanto, os agentes administrativos poderão desobedecer a
ordens concretas de aplicação de leis inexistentes, as violadoras dos direitos
fundamentais quando implicarem na prática de crime. Isto ocorreria quando a
aplicação da lei afetaria o direito à vida ou integridade pessoal, direitos estes que
nem em estado de sítio poderiam ser suspensos. Neste caso, os agentes
administrativos se deparariam com o direito de resistência dos particulares.
199
J. J. Gomes Canotilho destaca que
a inexistência de um “poder de rejeição” não significa a
impossibilidade, e, porventura, obrigatoriedade, de a administração
lançar um “olhar preventivo(apelando, por exemplo, para os órgãos
superiores ou entidades competentes) relativamente a leis cuja
inconstitucionalidade é “evidente” ou altamente provável.
200
196
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 405.
197
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 405.
198
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 405.
199
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 405-406.
200
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 406.
62
No entanto, o princípio da legalidade não se aplica de plano
aos regulamentos e preceitos administrativos, não estando de todo vedada a
desobediência, pelos agentes administrativos, quando tais atos violarem direitos,
liberdades e garantias. Do mesmo modo entende quando se trata de leis pré-
constitucionais ou quando o dispositivo “passou a ficar “enfraquecido” por decisões
do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade do acto legislativo”.
201
Também pondera sobre a possibilidade da “desaplicação do
acto ostensivamente violador da essência dos direitos fundamentais” com posterior
acesso ao Judiciário para o controle da constitucionalidade desta conduta
administrativa relativamente ao ato que, em circunstâncias normais, seria vinculante
para a administração.
202
Rui Medeiros ainda destaca outros autores, exemplificando
com Jorge Miranda, que possui uma opinião “adversa ao reconhecimento aos
órgãos da Administração de qualquer poder de fiscalização da constitucionalidade;
para Marcelo Rebelo de Souza, não reconhece a existência da possibilidade de a
Administração Pública se recusar a obedecer” uma lei considerada inconstitucional,
porque “não se afigura legítimo que um órgão da Administração Pública se substitua
aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade”.
203
Também para João Caupers,
vez que, com a promulgação pelo Presidente, em casos excepcionais e apenas
em matéria de direitos, liberdades e garantias seriam válidas as suspeitas de
inconstitucionalidade por parte da Administração.
204
201
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 406.
202
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 406-407.
203
Apud MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 160.
204
Apud MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei. p. 225.
63
2.9 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
Buscando decisões na jurisprudência, colacionam-se os
seguintes precedentes. Foi em diversos deles que alguns dos doutrinadores supra
se fundamentaram para emitir suas conclusões sobre o tema.
205
2.9.1 Precedentes do STF
Do STF, ao julgar o Mandado de Segurança [MS] 16.003-
DF, decisão de 30 de novembro de 1966, extrai-se o seguinte trecho do voto do
Ministro Eloy da Rocha:
Conforme norma constitucional expressa [...], o Presidente da
República, no ato da posse, presta o compromisso de “cumprir a
Constituição da República, observas as suas leis ...”. Ora, o
Presidente da República, que assumiu êsse compromisso, quando
na presença de conflito entre a lei e a Constituição, não tem opção:
não se pode recusar a cumprir a Constituição. Apresenta-se a
objeção de que ao Presidente da República falta o poder de escolher
entre a Constituição e a lei. Parece-me que assim não é. É verdade
que, generalizada a tese, poderia haver abuso, mormente quando
qualquer funcionário, igualmente, se julgasse com êsse mesmo
poder. Mas não lugar para a extensão. Pelo art. 78 da
Constituição, o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da
República. A êste incumbe expedir decretos e regulamentos para fiel
execução das leis. O funcionário integra as forças da ação
administrativa, mas o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da
República. Não se conclui que o Presidente da República possa
declarar inconstitucional a lei. Não o pode fazer. Essa declaração,
sabidamente, compete, nos termos da Constituição, tão-só ao
Terceiro Poder, o Poder Judiciário. Mas, entre a ausência de poder
para a declaração de inconstitucionalidade da lei e o dever de
cumprir a lei inconstitucional, existe distinção fundamental. O
Presidente da República, o Poder Executivo, não é obrigado a
cumprir a lei inconstitucional. É claro que, uma vez que não tem o
poder de declarar a inconstitucionalidade, corre o risco de, com o
propósito de cumprir a Constituição, inobservar a lei, em caso em
que ela deva ser observada.
205
E em especial os doutrinadores e a jurisprudência administrativa no âmbito tributário, os quais
serão estudados em capítulo seguinte.
64
O STF também assim se manifestou na Representação nº 980-
SP, decisão de 21 de novembro de 1979:
É constitucional decreto de Chefe de Poder Executivo Estadual que
determina aos órgãos a ele subordinados que se abstenham da
prática de atos que impliquem a execução de dispositivos legais
vetados por falta de iniciativa exclusiva do Poder Executivo.
Constitucionalidade do Decreto n. 7.864, de 30 de abril de 1976, do
Governador do Estado de São Paulo. Representação julgada
improcedente.
Nesse julgamento, o Ministro Moreira Alves em seu voto,
abalizou o voto do Ministro Eloy da Rocha no MS nº 16.003-DF, parcialmente
transcrito acima. Fez ainda menção a outros dois precedentes, com teor semelhante
ao do decidido naquele momento.
Cumpre destacar que os aludidos precedentes foram julgados
sob as constituições pretéritas, especificamente a Constituição de 1946,
considerando a modificação introduzida pela Emenda Constitucional 16/1965, e a
Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/1969.
É importante destacar que nas constituições pretéritas não
existiam as ações diretas de inconstitucionalidade nem declaratórias de
constitucionalidade. O controle abstrato de lei ou ato normativo era exercido pelo
STF mediante representação do Procurador-Geral da República, instituída pela
Emenda Constitucional 16/1965 e mantida na Constituição de 1967 e Emenda
Constitucional nº 1/1969.
Deve se ressaltar ainda a existência do Recurso em Mandado
de Segurança [RMS] 8.372/CE, julgamento em 11 de dezembro de 1961 pelo
STF, onde ficou consignado que:
Entendeu o julgado que o Tribunal de Contas não podia declarar a
inconstitucionalidade da lei. Na realidade essa declaração escapa à
competência específica dos Tribunais de Contas. Mas que
distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação
de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal
ou órgão de qualquer dos Poderes do Estado.
65
O STF aprovou, ainda, em 13 de dezembro de 1963, a Súmula
nº 347:
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode
apreciar a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público.
206
A única manifestação do STF sob o atual ordenamento
constitucional se deu no julgamento da Medida Cautelar em ADIn 221/DF, de 29
de março de 1990:
O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da
competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e
Legislativo, por sua Chefia e isso mesmo tem sido questionado
com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de
inconstitucionalidade –, podem tão-só determinar aos seus órgãos
subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou
atos com força de lei que considerem inconstitucionais.
Observa-se que a ementa, baseada no voto do Ministro Relator
Moreira Alves, deixa claro que a determinação dos Chefes dos Poderes Executivo e
Legislativo para que seus órgãos subordinados deixem de aplicar os atos tidos como
inconstitucionais deve ser analisada sob o manto da atual legitimidade ativa para
proposição de ações diretas de inconstitucionalidade.
2.9.2 Precedentes do STJ
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça [STJ], através de sua
Turma, no Recurso Especial [REsp] 23.121/GO, de 6 de outubro de 1993,
decidiu que:
LEI INCONSTITUCIONAL PODER EXECUTIVO NEGATIVA DE
EFICÁCIA. O Poder Executivo deve negar execução a ato normativo
que lhe pareça inconstitucional.
206
Recentemente, nos autos do MS 25.888, o Ministro Relator Gilmar Mendes deferiu medida
liminar enfatizando que esta súmula deveria ser reanalisada sob a CRFB, em função da mudança
radical havida no controle abstrato de constitucionalidade e a ampliação do rol de legitimados a
iniciarem-no. Para o Relator, parece intuitivo a redução da amplitude do controle difuso. No caso
específico, o TCU determinara à Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás o não uso do processo
simplificado de licitação previsto no Decreto nº 2.745/1998, cujo suporte legal é o artigo 67 da Lei
9.478/1997, por ter declarado a inconstitucionalidade deste dispositivo, obrigando-a a aplicar os
procedimentos previstos na Lei nº 8.666/1993.
66
Do voto do Ministro Relator Humberto Gomes de Barros, se
extrai o seguinte excerto:
Diante de ato legislativo em que percebe ilegalidade, a Administração
coloca-se na alternativa: a) executa a lei, desprezando a
Constituição; b) homenageia a Constituição, desconhecendo o
preceito legal. Parece-me que esta última opção é a correta.
Direto, sem meias palavras. Mais adiante, o Ministro Milton
Pereira, em voto-vista, apóia-se em julgamentos anteriores, do STF, inclusive a
Representação nº 980/SP, retro citada. Observa-se, entretanto, que todos eles
ocorreram sob o manto das constituições pretéritas e, como se ressalvou no início
deste tópico, todos os julgados se referem à capacidade do Chefe do Poder
Executivo desprezar a lei frente à Constituição.
Analisados alguns aspectos do controle de constitucionalidade
em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive a respeito do não cumprimento
de lei inconstitucional pelo Chefe do Poder Executivo, na avaliação deste e antes de
qualquer pronunciamento judicial, no terceiro capítulo será estudada a possibilidade
de que argüições de inconstitucionalidade sejam conhecidas durante o processo
administrativo tributário.
CAPÍTULO 3
A APRECIAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE POR ÓRGÃOS DO
PODER EXECUTIVO
3.1 PONTOS INICIAIS
Até este ponto, foram vistos a tripartição do poder do Estado, a
existência de funções típicas e atípicas em cada um dos poderes, e a necessidade
de existência de processos administrativos em garantia ao direito de petição, que
pode ser realizado por meio de órgãos especializados na Administração Pública ou
através do controle hierárquico. De uma forma ou de outra, garantem-se ao indivíduo
diversos princípios na sua relação com a Administração Pública em geral e a
tributária em particular.
Em seguida, fez-se estudo do controle de constitucionalidade
das normas nos ordenamentos jurídicos, e a inexecução de ato legal inconstitucional
pelo Poder Executivo, mesmo sem que tenha havido declaração definitiva de
inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário. Excluindo a doutrina voltada
especificamente à seara tributária, dentre os doutrinadores que entendem pela
possibilidade, tem-se que a maioria a defere apenas à chefia do Poder Executivo, a
qual orientará os órgãos subordinados e integrantes de sua estrutura.
precedentes jurisprudenciais em favor da tese; entretanto,
não se observou, dentre os julgados, que algum atribuísse a órgão integrante da
estrutura do Poder Executivo, subordinado a sua chefia, declarando sua
competência para a apreciação de constitucionalidade.
No presente capítulo, trar-se-ão as opiniões e os seus
fundamentos a respeito do tema, especificamente no âmbito do processo
administrativo tributário no caso de argüições de inconstitucionalidade de normas
tributárias.
68
Antes de se adentrar aos fundamentos dos diversos
doutrinadores, cumpre destacar que, no âmbito do XXIV Simpósio de Direito
Tributário, patrocinado pelo Centro de Extensão Universitária, de São Paulo, em
1999, quando, dentre outras, foi formulada a seguinte questão: “a autoridade
administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de
aplicar a lei por considerá-la inconstitucional?”.
O material ofertado por diversos autores convidados
(magistrados, professores, procuradores da Fazenda, advogados e membros do
Ministério Público) foi compilado em obra, que serviu de fonte bibliográfica
207
.
Os resultados do aludido simpósio foram, mais tarde,
publicados em relatório
208
, sendo que quatro comissões emitiram suas conclusões,
como se vê a seguir:
Comissão 1: Decisão por maioria: 52 votos – Contra: 2 votos.
Pode deixar de aplicar a lei fundamentalmente inconstitucional pelo
fato de que todo cidadão é obrigado a respeitar a Constituição, não
ficando a matéria limitada ao Poder Judiciário, a porque a
autoridade julgadora deve procurar a Justiça tributária e a verdade
material nos processos que lhes são submetidos.
Comissão 2: Decisão por maioria: 28 votos. Decisão por
minoria: 11 votos.
A autoridade administrativa, como julgadora no processo
administrativo fiscal, pode deixar, no caso concreto, de aplicar a lei,
por considerar que a interpretação dela extraída pelo agente fiscal
(por meio do ato de imposição) ofende mandamento constitucional.
Não. Só o Poder Judiciário pode deixar de aplicar a lei por considerá-
la inconstitucional.
Comissão 3: Decisão unânime: 33 votos.
207
MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo tributário.
208
RELATÓRIO DO XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO. Repertório IOB de
Jurisprudência.
69
Não. A autoridade administrativa não pode deixar de aplicar lei
acoimada de inconstitucional, salvo quando houver decisão do STF
com eficácia erga omnes” ou ato do Chefe do Poder Executivo,
suspendendo a execução da lei. Entretanto, possui a autoridade
administrativa o dever de sobrestar o processo e representar ao
Chefe do Poder Executivo para que tome as medidas pertinentes.
Comissão 4: 30 votos.
A autoridade administrativa, ao proferir decisão em processo
administrativo tributário, exercendo função administrativa judicante,
pode e deve deixar de aplicar norma por considerá-la
inconstitucional, prestigiando, assim, os princípios constitucionais.
O tema foi, ainda, debatido com bastante profundidade por
ocasião de julgamento administrativo levado a efeito pelo Tribunal de Impostos e
Taxas [TIT/SP], órgão de contencioso administrativo tributário vinculado à Secretaria
de Estado da Fazenda do Estado de São Paulo, constante do Acórdão SF 2.713/95,
quando se decidiu:
O Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas por qualquer de suas
Câmaras é competente para deixar de aplicar lei inconstitucional ou
decreto ilegal em casos concretos.
Da mesma forma, mais recentemente, a mara Superior de
Recursos Fiscais [CSRF] decidiu no mesmo sentido através do Acórdão
CSRF/01-03.620, cuja ementa dispôs:
PRETERIÇÃO DO DIREITO DE DEFESA DA PARTE MATÉRIA
CONSTITUCIONAL A jurisprudência dos Tribunais Superiores e a
Doutrina reconhecem que o Poder Executivo pode deixar de aplicar
lei que contrarie a Constituição do País. Os Conselhos de
Contribuintes, como órgãos judicantes superiores do Poder Executivo
encarregados da realização justiça administrativa (sic) nos litígios
fiscais, têm o dever de assegurar ao contribuinte o contraditório e a
ampla defesa, analisando e avaliando a aplicação de norma que
implique em violação de princípios constitucionais estabelecidos na
Lei Maior, afastando a exigência fiscal baseada em dispositivo
inconstitucional.
70
Destaque-se, entretanto, que o tema não foi objeto de debate
tão profundo quanto o ocorrido no TIT/SP no correspondente acórdão.
Contudo, mais recentemente, no âmbito do CC-MF, foi
publicada a Súmula nº 2, com o seguinte teor:
O Primeiro Conselho de Contribuintes não é competente para se
pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.
Feitos estes comentários iniciais, passa-se a trazer a lume os
diversos pontos sob os quais o tema pode ser estudado.
3.2 AMPLA DEFESA
Em razão dele uma parcela dos juristas, especificamente do
âmbito tributário, concluem pela possibilidade do julgador administrativo afastar
norma legal que repute inconstitucional. Neste contexto, James Martins observa que
não pode a autoridade administrativa negar-se a discutir matéria constitucional, vez
que tal conduta reduziria a defesa do contribuinte, que deixaria de ser “ampla”. Caso
tenha tal convicção, tem a obrigação, como servidora da lei, fazer prevalecer a
Constituição. O entendimento conveniente de não examinar questões constitucionais
desclassifica a autoridade administrativa como agente administrativo e como
julgador.
209
Neste sentido também explicita Moisés Akselrad, segundo o
qual, como as cláusulas pétreas da garantia do contraditório mesmo no processo
administrativo implicam em permitir que sejam suscitadas também no processo
administrativo questões de constitucionalidade das normas relativas à exigência
tributária sob discussão, obviamente que devem ser analisadas e julgadas, deixando
de aplicar norma flagrantemente inconstitucional. Ressalva que tal dever atende ao
dever de exame da legitimidade dos atos administrativos pela própria Administração,
não implicando em declaração de inconstitucionalidade, privativa do Judiciário
210
.
209
MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo tributário. p. 72-73.
210
AKSELRAD, Moisés. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 420.
71
Também para Dalton Luiz Dallazem a ampla defesa impõe o
encargo ao julgador administrativo de apreciar as argüições de inconstitucionalidade
que lhe são propostas:
Estando sujeitos ao regime jurídico-administrativo, devem os
tribunais administrativos dar efetividade ao princípio da ampla
defesa, apreciando a matéria constitucional articulada pelo
administrado. Essa apreciação não é decorrente de “competência”,
mas sim de ônus inerente à função administrativa, visto tratar-se de
princípio constitucional que clama observância pela Administração.
É, pois, o princípio da ampla defesa a norma que não permite,
mas impõe a apreciação de matéria constitucional pelos tribunais
administrativos.
211
no entender de Marçal Justen Filho, “ampla defesa significa
ilimitação de defesa”, sendo assim necessária a apreciação exaustiva da defesa:
o dever do Estado de manifestar-se exaustivamente acerca de
todas as defesas do particular. A imputação de inconstitucionalidade
de ato normativo apresenta enorme relevância jurídica e se relaciona
com direitos e garantias essenciais. Se a Constituição configura um
conjunto de princípios, objeto de compromisso nacional, não se
admite que os agentes públicos recusem ao particular as garantias
ali previstas. Não se pode conceber uma democracia em que a
invocação de ofensa à Constituição possa ser ignorada pelos
agentes públicos
212
.
Contudo, defesa ampla não significa defesa irrestrita, defesa
ilimitada. Veja-se que especificamente no processo judicial, diversos limitadores
ao ‘amplo direito de defesa’, mesmo no processo judicial.
Em outras palavras, defesa ilimitada não é compatível com:
a) número de testemunhas limitadas (CPC, artigo 407, § único; Código de
Processo Penal, artigos 398, 532 e 533; Lei dos Juizados Especiais
213
,
211
DALLAZEM, Dalton Luiz. O princípio da ampla defesa e a “competência” dos tribunais
administrativos para apreciarem matéria constitucional. p. 127.
212
JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla defesa e conhecimento de argüições de inconstitucionalidade e
ilegalidade no processo administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário. p. 77.
213
Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
72
artigo 34, caput; Lei das Execuções Fiscais
214
, artigo 16, § 2º; Lei de
Alimentos
215
, artigo ), especialmente por não haver limitação à prova
amparada em documentos;
b) dispensa de produção de provas requeridas pela parte cujo advogado
não compareceu à audiência (CPC, artigo 453, § 2º), vez que não
qualquer nexo entre o titular do direito e a falta que a norma pretende
sancionar;
c) preclusão por falta de alegação oportuna de nulidade de atos (CPC,
artigo 245);
d) garantia do juízo como condição para proposição de embargos à
execução, fundada em título extrajudicial (CPC, artigo 737; Lei das
Execuções Fiscais, artigo 16, § 1º);
e) litigância de -fé para quem interpuser recurso manifestamente
protelatório (CPC, art. 16, inciso VII);
f) descabimento de recursos especial e extraordinário para reapreciação
das provas em questão de fatos (Súmulas STJ nºs 5 e 7, STF 279),
vez que ocorrendo com agentes diferentes, podem os fatos ser
exatamente os mesmos;
g) prequestionamento como requisito para os recursos extraordinário
(Súmulas STF 282 e 356, Regimento Interno do STF, artigo 321) e
especial (Regimento Interno do STJ, artigo 255), em especial ao se
considerar os aforismos da mihi factum, dabo tibi jus
216
e iura novit
curia
217
ou, ainda que “passada em julgado a sentença de mérito,
reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que
214
Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.
215
Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968.
216
Exponha o fato e direi o direito.
217
O direito não precisa ser provado.
73
a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do
pedido
218
”;
h) capacidade postulatória privativa de advogado (CPC, artigo 36 e Lei
8.906/1994, artigo 1º, inciso I); exceção feita apenas aos juizados
especiais, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz
219
. O STF decidiu
que, mesmo considerando a indispensabilidade do advogado à
administração da justiça
220
, tal preceito não é absoluto em si mesmo
221
.
Estranhamente, apesar do Brasil ser signatário da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, a qual, em seu artigo 8, que trata
das Garantias Judiciais, assegura nas alíneas d e e do item 2 o direito do
acusado defender-se pessoalmente, a ampla defesa deve ser efetuada
por advogado.
É cediço que não existem direitos ilimitados no ordenamento
brasileiro. O próprio direito à vida pode ceder no cometimento de crime em caso de
guerra declarada
222
. Não há, portanto, como afirmar que ampla defesa signifique
defesa ilimitada.
Se a indispensabilidade do advogado à administração da
justiça não é absoluta em si mesma, o mesmo se pode dizer da ampla defesa. Até
porque a citada indispensabilidade é garantia do direito de ampla defesa.
3.3 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
O argumento fundamental é a supremacia da Constituição
frente a todos os atos legais e normativos que interferem na vida dos indivíduos.
Diante disto, caberia a todos efetuarem esta fiscalização de constitucionalidade.
218
CPC, artigo 474.
219
ADIn nº 1.127-8/DF.
220
CRFB, artigo 133.
221
Revisão Criminal nº 4.886-0/SP: A indispensabilidade da intervenção do Advogado traduz princípio
de índole constitucional, cujo valor político-jurídico, no entanto, não é absoluto em si mesmo. Esse
postulado inscrito no art. 133 da nova Constituição do Brasil acha-se condicionado, em seu
alcance e conteúdo, pelos limites impostos pela lei, consoante estabelecido pelo próprio
ordenamento constitucional.
222
CRFB, artigo 5º, inciso XLVII, alínea a.
74
Veja-se Paulo César Conrado, afirmando que o Poder
Judiciário não é o único titular da função controladora de constitucionalidade:
Com efeito, também a Administração (o Poder Executivo), através de
seus órgãos, tem o dever-poder de zelar pela incolumidade da
Constituição da República, quer por ato ex officio, quer por
provocação do administrado, em grau, por exemplo, de procedimento
administrativo. [...] a concepção de Estado de Direito, hoje, deve
necessariamente compreender a submissão dos poderes estatais ao
Direito, e não apenas à lei, considerada estritamente, o que quer
significar que a Administração deve, antes de tudo, guardar absoluto
respeito à Constituição, única forma de o valor da legalidade
administrativa (que melhor seria chamada de juridicidade, pois que
compreende o Direito, repise-se, e não a lei) ser preservado.
223
Para Luiz Fernando Mussolini Júnior, entretanto, esta
supremacia se aplica apenas ao julgador administrativo:
O julgador, ao contrário, tem por função apreciar a legalidade dos
atos administrativos. O princípio da legalidade exige que se cumpra a
lei, sobretudo a lei máxima que é a Constituição. Logo, se o
Conselho de Contribuintes (leia-se Tribunal de Impostos e Taxas)
depara com lei abertamente contrária à Constituição, que prestar
obediência à Lei Maior. Parodiando o que disse Ruy, o julgador
singular ou o Conselho de Contribuintes não revogam leis
inconstitucionais, desconhecem-nas. Quando os contribuintes
alegam a inconstitucionalidade de uma lei, não pedem aos tribunais
administrativos que declarem a inconstitucionalidade da lei”, mas
que façam cumprir a Constituição. Pedem, na realidade, que
determinado dispositivo de lei não seja aplicado àquele caso
concreto, por ser inconstitucional.
224
Entretanto, a supremacia da CRFB não é acatada exatamente
nesta hipótese. Ela própria aponta os remédios a serem utilizados para expelir do
ordenamento jurídico uma norma que se tenha por inconstitucional. Não utilizar tal
remédio é que a desprestigia e, portanto, sua supremacia é afetada. É neste sentido
que Hugo de Brito Machado, o qual afirma que a supremacia da CRFB tem como
223
CONRADO, Paulo César. Controle de constitucionalidade pelos tribunais administrativos. p. 196.
224
MUSSOLINI JÚNIOR, Luiz Fernando. Os tribunais administrativos e a o aplicação de lei sob a
alegação de sua incompatibilidade com a Constituição.
75
objetivo maior preservar a unidade do ordenamento jurídico
225
, e Marcello Martins
Motta Filho observa ofensa pela transferência de função tipicamente jurisdicional às
autoridades administrativas.
226
3.4 AUTORIDADE ADMINISTRATIVA JULGADORA
Conforme se verá a seguir, o julgador administrativo e o
jurisdicional teriam os mesmos poderes. Não havendo qualquer diferença entre
ambos, exceto que para o juiz as garantias constitucionais da vitaliciedade, da
inamovibilidade e da irredutibilidade salarial, não razão para se impedir que o
julgador administrativo afaste a norma inconstitucional.
Assim, de acordo com José Eduardo Soares de Melo, os
julgadores não podem “ficar vinculados e adstritos a determinados campos
legislativos, nem obedecer cegamente às orientações internas das Fazendas de que
façam parte integrante, no caso de estas se encontrarem eivadas de
inconstitucionalidades”, vez que distinção no exercício da administração ativa e
da judicante. Na ativa, o servidor deve respeitar a hierarquia funcional, cumprindo as
determinações superiores, exceto no caso de evidente ilícito criminal. na
judicante, “deve confrontar os textos legais e regulamentares com as normas e
princípios constitucionais”.
227
Do mesmo modo, Valdir de Oliveira Rocha não tem dúvidas em
“afirmar que a autoridade administrativa pode e deve deixar de aplicar a lei por
considerá-la inconstitucional”. Para ele, o seria simplesmente declarar a
inconstitucionalidade da lei, mas decidir no caso concreto. Em face disto, não
generaliza tal possibilidade a qualquer autoridade administrativa, a restringindo
apenas àquela investida na função julgadora.
228
225
MACHADO, Hugo de Brito. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 152.
226
MOTTA FILHO, Marcello Martins. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 645.
227
MELO, José Eduardo Soares de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 299
228
ROCHA, Valdir de Oliveira. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 255.
76
Neste sentido também Francisco de Assis Alves, para quem a
atividade de lançamento é vinculada e obrigatória, não podendo se eximir a
autoridade administrativa de realizá-la sob pena da responsabilidade funcional.
Entretanto, para a autoridade administrativa na função julgadora, prevalece o
princípio do livre convencimento do julgador. Portanto, ao apreciar as provas a
autoridade administrativa se convença da inconstitucionalidade da lei que
fundamento o lançamento, “mais do que a faculdade, tem o dever de não aplicá-la. A
não aplicação dessa lei implica anulação ou invalidação do referido lançamento”.
229
.
Destaquem-se, ainda, as palavras de Heloisa Guarita Souza:
[...] Ou seja, são órgãos julgadores!! [...] Ora, como é possível julgar
sem interpretar o direito?? E, mais. Como é possível julgar matéria
fiscal e tributária desconsiderando ou ignorando a Constituição
Federal, tendo em vista que o nosso direito tributário é
eminentemente constitucional
230
??
Por fim, Wagner Balera entende que a autoridade
administrativa com função judicante deve apreciar os argumentos de
inconstitucionalidade apresentados pelo contribuinte, decidindo a respeito
fundamentadamente. E, caso reconheça a existência de vício de constitucionalidade
em norma que estabeleça obrigação tributária, em função das prerrogativas
inerentes à função de controle, por ser “função de garante do direito de defesa do
administrado cujo pleito detém entre mãos” Não reconhecendo a
inconstitucionalidade, estaria “provocando a desordem no sistema jurídico que lhe
cumpre defender”. E afirma que isto ocorre em função da eminência
constitucional a que foi [...] quem não percebe a eminência constitucional a que
foi levantado o processo administrativo, “segue restringindo e discriminando o agir
de quem exercita as funções de julgamento nos Tribunais Administrativos”.
231
José Eduardo Soares de Melo, diferenciando o julgador
administrativo da administração pública, àquela não se aplicando o regime de
229
ALVES, Francisco de Assis. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 457.
230
SOUZA, Heloisa Guarita. Os Conselhos de Contribuintes e os “pseudo” limites de sua atuação.
231
BALERA, Wagner. Do controle de constitucionalidade pelo tribunal fiscal. p. 66.
77
hierarquia e subordinação a que esta se sujeita, sendo o julgador autônomo e
independente, sendo “inconcebível prévia determinação para decidir uma lide
tributária segundo uma determinada bitola jurídica, independente de encontrar-se
em dissonância com as diretrizes constitucionais”.
232
Também Ruy Barbosa Nogueira diferencia o exercício da
administração ativa da judicante. Para ele, no primeiro caso, “o funcionário não pode
negar aplicação à lei, sob mera alegação de sua inconstitucionalidade, em primeiro
lugar porque não lhe cabe a função de julgar, mas de cumprir e, em segundo,
porque a sanção presidencial afastou do funcionário da administração ativa o
exercício do “poder executivo””.
233
Entretanto, os órgãos judicantes fiscais, no
momento da interpretação, podem e têm o dever de examinar e estudar a lei em
confronto com o texto constitucional.
234
Não quer parecer, a priori, que se possa equiparar o julgador
administrativo ao integrante do Poder Judiciário. E, mesmo entre estes, o fato de
serem juízes não lhes o direito/dever de apreciarem toda e qualquer matéria
posta à sua apreciação.
Assim, se pergunta: O juiz deixa de ser juiz quando não
conhece de determinada lide, encaminhando-a ao juízo competente? Ou quando
observa, obrigatoriamente, num caso concreto a decisão definitiva de mérito exarada
no controle concentrado? Ou se não pode examinar, na condição de juiz competente
para conhecimento da ação civil ex delicto, da materialidade, autoria e ilicitude do
fato, decididos no juízo penal, mesmo verificando a seu juízo a inocência do
condenado? Ou ainda quando, para apreciar uma suposta inconstitucionalidade,
deve previamente submetê-la ao Plenário do Tribunal do qual faça parte (e respeitar
sua decisão, ainda que pessoalmente dela discorde)?
Portanto, se aos juízes no exercício de sua competência
exclusiva é possível a existência de limitadores, não há porque não se entender que
232
MELO, José Eduardo Soares de. A decisão administrativa, que não conhece de argumentos de
inconstitucionalidade da exigência, possibilita a sua inscrição válida na dívida ativa, aparelhadora
da execução fiscal? Problemas de Processo Judicial Tributário. p. 258-259.
233
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Da interpretação e aplicação das leis tributárias. p. 32.
234
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Da interpretação e aplicação das leis tributárias. p. 37.
78
eventuais limites à atuação do julgador administrativo sejam possíveis em maior
grau.
Como já citado no primeiro capítulo, nos termos do artigo 29 do
Decreto nº 70.235/1972, a autoridade julgadora tem livre convicção na apreciação da
prova.
E assim, mesmo no âmbito do processo administrativo, é
indispensável a apresentação de provas para caracterizar a existência de eventuais
infrações de um lado ou para elidi-las de outro. Além disto, é indispensável seu
adequado enquadramento legal.
Portanto, tem a autoridade julgadora um vasto campo de
atuação no âmbito do contencioso das lides postas a sua apreciação, não se
podendo falar em tolhimento de suas funções. Neste campo, se inclui a verificação
do adequado enquadramento da autuação do agente fiscal do fato tomado a efeito
pelo contribuinte, isto é, julgar se o fato que teria sido praticado pelo autuado se
subsume à norma tributária apontada pela autoridade lançadora.
E lembrando que no âmbito administrativo prevalece a busca
da verdade material, sendo a liberdade dada ao julgador administrativo maior do que
a concedida ao juiz. Como escreveu James Marins, a verdade formal pode conter a
verdade material, mas a liberdade investigativa se apresenta mais apropriada para a
aproximação com a verdade material.
235
Concluindo, “a função do julgador é a de verificar se ocorreu a
tipicidade, isto é, se o fato se aplica à norma tributária ou não. Aqui se objetiva a
salvaguarda da ordem pública”.
236
3.4.1 Consciência jurídica e vanguarda dos julgadores
James Marins entende que os julgadores administrativos
tributários devem compor a vanguarda na interpretação das normas constitucionais e
235
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 176.
236
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal, p. 21.
79
tributárias, de forma a que influenciem, inclusive, os juízes togados na apreciação da
matéria.
237
Entretanto, na atualidade não é verdade que todos os
componentes dos CC-MF tenham alta capacitação técnica.
Veja-se a seguinte afirmativa do então Presidente do CC-
MF, demonstrando ser incabível o sorteio aleatório em todo e qualquer processo
levado ao conhecimento daquele órgão julgador:
d) Por outro lado, adotar o sorteio aleatório para todo e qualquer
processo, o que se reconhece como o ideal, teria sentido se a
estrutura do Conselho fosse outra. Sabidamente os Conselheiros dos
Contribuintes não recebem remuneração, motivo porque a
rotatividade é muito grande. A conseqüência disso é a indicação, por
parte das Confederações, de Conselheiros que, em alguns casos são
recém formados em curso superior de terceiro grau e com pouca ou
nenhuma experiência na área tributária. É consabido que existem
processos de grande complexidade e de valores elevados, cuja
responsabilidade pelo relatório e voto não podem ser atribuídos a
pessoas com pouca ou nenhuma experiência, sob pena de se
eternizarem no Conselho, não atendendo à necessária celeridade
objetivada ora pela SRF, ora pelo próprio contribuinte que quer ver o
seu pleito apreciado com urgência.
238
Para a investidura nos cargos dos agentes fiscais com
competência para o lançamento tributário (e que, usualmente são indicados por
dirigente do Executivo para composição dos órgãos de contencioso administrativo
tributário), exige-se a aprovação prévia em concurso público
239
. Além disto, para que
possam ser designados, devem ter, no mínimo, cinco anos de exercício no cargo e,
de preferência, experiência no preparo e julgamento de processos fiscais
240
. Da
mesma forma, para o ingresso em carreira da Magistratura também é exigido o
237
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 314.
238
Ofício nº 038/GAB/PCC-MF, de 18 fev. 2000.
239
CRFB, artigo 37, inciso II.
240
RICCMF, artigo 2º, parágrafo 6º.
80
concurso público
241
. Para as exceções ao concurso público no âmbito do Poder
Judiciário, a própria CRFB exige, entre outros requisitos, notável saber jurídico
242
.
Assim, se não por outras razões, pelo menos pela qualidade de
alguns dos julgadores não é aconselhável que caiba aos órgãos de contencioso
administrativo a possibilidade do conhecimento de argüições de
inconstitucionalidade
243
.
Mesmo reconhecendo-se o alto trabalho técnico exercido pelos
julgadores administrativos, conforme a opinião de James Marins:
Com isso, além de se subverter a consciência jurídica dos julgadores
tributários, nulifica-se de modo desarrazoado a contribuição do único
Tribunal do país especializado em matéria tributária, impedindo que
colaborem com suas decisões e debates especializados para o
convencimento dos juízes togados de todo o Brasil [...]
244
.
E para que aqueles que efetivamente têm capacidade técnica e
eventualmente podem colaborar no convencimento dos juízes togados, não é
necessário que os julgadores administrativos apreciem a constitucionalidade das leis
no âmbito do processo administrativo. Bastará exararem suas opiniões e
contribuições por meio da literatura especializada em face da livre manifestação do
pensamento assegurada pela CRFB.
3.5 DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA FISCAL
Antes de adentrar no tópico, convém destacar que não se
pretende neste trabalho definir um conceito operacional para a categoria justiça
tributária, em razão das próprias dificuldades inerentes para tal tarefa. Entretanto,
entende-se que somente se poderia falar em justiça tributária a partir de um
comportamento ético do Estado, tanto na formulação das leis gerais tributárias como
241
CRFB, artigo 93, inciso I.
242
CRFB, artigos 94, caput, 101, caput, 104, parágrafo único, 119, inciso II, 120, § 1º, inciso III, 123,
parágrafo único, inciso I, e 235, inciso V, alínea b.
243
Observe-se, ainda, que a insuficiência de conhecimento técnico não é causa de perda de mandato
por parte do conselheiro (RICCMF, artigo 4º).
244
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 314.
81
na sua aplicação ao caso concreto, quando é imprescindível observar os princípios
constitucionais que têm aplicabilidade na matéria.
Como se pode ver a seguir, para Eliana Maria Barbieri
Bertachini o órgão de contencioso administrativo possuiria a finalidade de distribuir a
justiça fiscal, razão pela qual deve conhecer da inconstitucionalidade que lhe é
argüida:
6. Sendo assim é de se concluir, portanto, pela competência do
tribunal administrativo-fiscal para reconhecer a inconstitucionalidade
de lei ou a ilegalidade de norma tributária aplicável à espécie que lhe
é submetida, no exercício legítimo de sua finalidade determinada
“distribuição da justiça fiscal”
245
.
Entretanto, verifica-se a preocupação do conceito de justiça
tributária, emitido por James Marins:
Mais correto seria afirmar-se que a norma injusta não pode ser
questionada porque o destinatário a tem como injusta, mas sim
porque viola preceitos constitucionais que contém comandos éticos a
serem obrigatoriamente observados pelo legislador
246
.
E, em seguida descreve os seguintes os princípios elementares
para a realização da justiça tributária, sob o prisma material: princípio da legalidade,
da generalidade, da isonomia, da capacidade contributiva, da irretroatividade da lei
tributária e da anterioridade
247
.
São todos princípios muito importantes, especialmente na
seara tributária. Contudo, é lugar comum observar-se que, se o Judiciário decidiu a
favor dos contribuintes, fez uma decisão técnica e justa; ao contrário, se decidiu a
favor da Fazenda, fez uma decisão política ou então, faltou isenção ao juiz, cuja
remuneração e estrutura de trabalho é oriunda e mantida com os recursos
originários também de tributos.
248
245
BERTACHINI, Eliana Maria Barbieri. In Acórdão SF 2.713/95, p. 133.
246
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 143.
247
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 146.
248
Luiz Antonio Caldeira Miretti, In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 614, pela inaceitável tendência de preservação do ingresso de receitas para os cofres
82
Isto ocorre porque “a aspiração de cada uma das partes é a de
ter razão: a finalidade do processo é dar razão a quem efetivamente a tem”.
249
Em outras palavras, observa-se que, do ponto de vista do
indivíduo, se uma decisão judicial lhe foi favorável, fez-se justiça, foi justo; se foi
desfavorável, foi injusto.
Portanto, além dos princípios antes apresentados, não devem
ser esquecidos outros, tão importantes quanto a livre iniciativa como fundamento da
República (artigo 1º, IV, 170, caput), a livre iniciativa e justiça social como
fundamentos da ordem econômica (artigo 170, caput), o poder popular (artigo 1º,
parágrafo único), uma sociedade solidária como objetivo fundamental da República
(artigo , I), a vedação à instituição de tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente (artigo 150, III), a livre concorrência (artigo
170, IV), e o financiamento da seguridade social por toda a sociedade (artigo 195,
caput).
Estes princípios, dentre inúmeros outros, restariam
desatendidos ao lado daqueles apresentados. Explica-se. O povo, através de seus
representantes, legislou sobre a forma que cada indivíduo participaria da
arrecadação tributária em prol do bem-estar geral. Outorgou competência ao
Legislativo para elaborar as normas e ao Executivo para executá-las, fazendo-as
cumprir.
Se em alguns casos as normas não sejam cumpridas, ofende-
se a justiça social, o interesse geral perante o particular. Este particular,
individualmente, terá privilégios perante seus concorrentes, havendo situações não
equivalentes entre contribuintes na mesma situação de mercado.
250
públicos, para a manutenção até do próprio Poder Judiciário, o que caracteriza a ausência de
independência deste Poder em relação ao Poder Executivo'”
249
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal. p. 20.
250
Em Anexo, foram colacionadas algumas decisões administrativas e judiciais, sobre o mesmo tema,
em que ficou claro o privilégio para os contribuintes que obtiveram decisão favorável no âmbito
administrativo fundada na inconstitucionalidade da lei, posteriormente não confirmada perante o
Poder Judiciário, ou cujo tema ainda não foi decidido em definitivo.
83
Se para um indivíduo há justiça tributária se o ônus que lhe é
imposto for desonerado, não há, necessariamente, justiça tributária para toda a
sociedade.
A supremacia da Constituição é garantida, isto sim, pela
uniformidade de tratamento a todos os indivíduos em face da mesma norma, quer
seja ela confirmada como constitucional, quer seja confirmada como inconstitucional,
ao final, pelo STF. Como a doutrina também reconhece que a Fazenda Pública não
pode ir a juízo para obter a anulação de decisão proferida em sede de contencioso
administrativo, acabarão por ocorrer tratamentos diferentes com relação à mesma
norma
251
. Portanto, como afirmou Hugo de Brito Machado, a supremacia
constitucional é mais bem realizada com esta solução, que objetiva preservar a
unidade do sistema jurídico.
252
Osvaldo Othon de Pontes Saraiva Filho observou que, em
razão disto, “poderia gerar a prevalência de decisões divergentes sobre o mesmo
dispositivo legal com grave lesão ao princípio da isonomia”.
253
Lembrando ainda que, conforme Josaphat Marinho, a simples
não aplicação da lei tida como inconstitucional no âmbito do Poder Executivo
desvaloriza a Constituição
254
, vez que ela própria ofereceu soluções para retirar do
ordenamento jurídico a lei tida como inconstitucional.
251
Importante destacar que no mesmo XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário citado no início
deste capítulo, a grande maioria dos presentes respondeu negativamente à questão na qual se
perguntava se a Fazenda Pública poderia ir a juízo pedir a anulação de decisão administrativa a ela
contrária. O tema também foi tratado por Luiz Fernando Mussolini Júnior, em seu “Processo
administrativo tributário: das decisões terminativas contrárias à Fazenda Pública”. De qualquer
forma, o tema voltou a estar em evidência em função da recente publicação do Parecer/PGFN/CRJ
1.087, de 17/08/2004, que concluiu pela possibilidade jurídica de as decisões dos Conselhos de
Contribuintes serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário mediante ação judicial de iniciativa da
própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em conseqüência, foi publicada a Portaria PGFN
820, de 2510/2004, que disciplinou a matéria. Portanto, novas pesquisas podem ser formuladas
a respeito, em especial à luz da Constituição da República e das leis processuais, pela relevância
do tema.
252
MACHADO, Hugo de Brito. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 152.
253
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.).
Processo administrativo tributário. p. 690.
254
MARINHO, Josaphat. Leis inconstitucionais e o Poder Executivo. p. 84.
84
3.6 CONTROLE REPRESSIVO COMPETÊNCIA DO PODER
JUDICIÁRIO
Como visto no primeiro capítulo, a CRFB adota a tripartição
do poder do Estado, e que cada um dos Poderes exerce funções típicas e atípicas: o
Poder Legislativo administra e julga, o Poder Executivo legisla e julga e o Poder
Judiciário legisla e administra.
A evolução da vida social acarreta um grande número de
atribuições ao Executivo, levando-o a ocupar uma posição ímpar diante dos demais
Poderes do Estado.
255
E em face destas necessidades decorrentes da evolução e da
agilidade que é própria do Poder Executivo, uma das atribuições que lhe foram
atribuídas é a de legislar, respondendo às crescentes e exigentes demandas sociais,
cabendo aprimorar os mecanismos de controle de sua ação, tornando-os mais
seguros e eficazes.
256
Apesar desta crescente atribuição de funções ao Poder
Executivo, para James Marins este poder ficaria atrofiado se não pudesse apreciar a
constitucionalidade das normas quando a questão fosse colocada à sua frente:
A premissa teórica da existência de um Poder Executivo atrofiado,
limitado a funções de administração e execução, sem quaisquer
funções de cunho jurisdicional, em verdade, representa concepção
que discrepa de nossa própria realidade positiva uma vez que a
Constituição Federal de 1988 consagra expressamente o processo
administrativo em seu art. 5º, inciso LV, ensejando à luz do sistema a
possibilidade da existência de uma denominada jurisdição
administrativa
257
.
Se ele exerce funções de caráter jurisdicional de forma atípica,
não seria conveniente outorgar-lhe também, dentre estas, o exame da
constitucionalidade das normas. A prosseguir-se nesta crescente aumento de
255
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 367-368.
256
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. p. 44.
257
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). p. 304-305.
85
atribuições no Poder Executivo, chegará o momento em que não mais será
necessária a existência dos demais Poderes, vez que suas funções típicas estarão
sendo executadas integralmente pelo Poder Executivo.
Portanto, e conforme Paulo Márcio Cruz, com esta obtenção de
mais atribuições pelo Executivo, deve ser reforçada a independência do Poder
Judiciário, para contrabalançar este crescimento
258
, estando nesta independência a
prerrogativa exclusiva de declarar a inconstitucionalidade de norma mediante o uso
dos métodos de controle que a própria CRFB definiu.
Apesar disto, como a CRFB não trata de forma explícita sobre
a possibilidade de órgão julgador administrativo conhecer e, sendo o caso, deixar de
aplicar norma que entenda inconstitucional, Plínio José Marafon defende que:
Não nenhuma impropriedade nesse comportamento
[cancelamento da cobrança de tributo por ofensa à CF ou CTN].
Quando a CF atribui ao Judiciário, e especificamente ao STF, a
missão de declarar uma lei inconstitucional, está afirmando que essa
exclusividade se refere ao poder de suspender a vigência dessa
lei no mundo jurídico, com efeito erga omnes (e assim mesmo
situações que dependem de um referendo do Senado). Em nível de
relação jurídica tributária, pode perfeitamente o julgador
administrativo entender que certa lei ofendeu a CF ou o CTN e deixar
de aplicá-la naquele caso concreto, sem efeitos gerais. Nada na
CF o que o impeça, essa atitude não seria inconstitucional só porque
ele é funcionário público investido de função administrativa
vinculada
259
.
Entretanto, a falta de vedação explícita não significa sua
permissão, vez que o tema deve ser estudado sob a ótica da competência.
Para J. J. Gomes Canotilho:
Por competência entender-se-á o poder de acção e de actuação
atribuído aos vários órgãos e agentes constitucionais com o fim de
prosseguirem as tarefas de que são constitucional ou legalmente
incumbidos. A competência envolve, por conseguinte, a atribuição de
258
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 137.
259
MARAFON, Plínio José. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 279.
86
determinadas tarefas bem como os meios de acção (“poderes”)
necessários para a sua prossecução. Além disso, a competência
delimita o quadro jurídico de actuação de uma unidade organizatória
relativamente a outra.
260
É sob a competência que Hugo de Brito Machado aprecia a
questão. A competência para apreciar a constitucionalidade da lei resulta
expressamente indicada na Constituição, ou se inclui no desempenho de atividade
jurisdicional. Mas nas duas situações pressupõe a possibilidade processual das
decisões, evitando-se que em determinado caso a lei seja considerada
constitucional e em outros não seja aplicada, e a impossibilidade de superação de
tais diferenças são lesivas ao princípio da isonomia. Não vê razoabilidade na
possibilidade da apreciação de constitucionalidade pela autoridade administrativa
pela inexistência da instrumentos para que eventual decisão de inconstitucionalidade
seja submetida ao STF.
261
Conforme Paulo Gonçalves da Costa Júnior, no ordenamento
jurídico brasileiro, é evidente que todos os órgãos do Poder Judiciário têm
competência para apreciar alegações incidentes de inconstitucionalidade, mas nada
que autorize a extensão de tal conclusão aos tribunais administrativos,
notadamente se se estiver fundado na premissa de que jurisdição e controle de
constitucionalidade estão ligados umbilicalmente entre si, premissa para ele errônea.
Extrai suas conclusões das alíneas b e c do inciso II do artigo 102 da CRFB, que
“inegavelmente atestam a competência dos órgãos inferiores do Judiciário para
exercer, em concreto, difusamente, o controle de constitucionalidade”.
262
Fátima Fernandes Rodrigues de Souza ressalva que “a
desarmonia do ato legislativo infraconstitucional em relação ao texto supremo nem
sempre é de fácil identificação”, e que “a tarefa de interpretar a lei para aplicá-la,
pode levar a extrair da norma mais de um sentido”, sendo este o motivo de o
ordenamento brasileiro reservar apenas ao Judiciário “a função de interpretar a
260
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 488.
261
MACHADO, Hugo de Brito. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 150-152.
262
COSTA JÚNIOR, Paulo Gonçalves da. In Acórdão SF 2.713/95, p. 135
87
Constituição, precisando qual o alcance que ostentam seus dispositivos e apontando
os atos legislativos com eles incompatíveis”.
263
Também Sacha Calmon Navarro Coêlho afirma, taxativamente:
Uma coisa é ter competência para declarar a inconstitucionalidade da
lei. No Brasil, somente o Poder Judiciário a tem (métodos difuso e
concentrado). Outra coisa é introjetar na decisão administrativa as
conclusões do Poder Judiciário
264
.
Observa-se também que Edison Carlos Fernandes entende ser
a competência exclusiva do Poder Judiciário, em razão de sua imparcialidade e para
manter a unidade do ordenamento jurídico:
O poder de avaliar a norma jurídica é exclusividade do magistrado,
órgão do Estado, “imparcial e de fora do processo político partidário”,
competente para interpretar e dizer o direito válido, conforme o que
estabelece o ordenamento jurídico posto pela Constituição. [...]
Assim, a função de manter a unidade do ordenamento jurídico, como
quer Norberto Bobbio, é exercida, exclusivamente, pelo Poder
Judiciário, quer por seu ente supremo, o STF (controle concentrado),
quer por cada um de seus membros, na atividade jurisdicional
primária de aplicação da norma jurídica ao caso concreto (controle
difuso)
265
.
Marcello Martins Motta Filho destaca que a apreciação de
constitucionalidade no processo administrativo “implicaria transferir função
tipicamente jurisdicional às autoridades administrativas, o que por si acarretaria a
supressão do princípio da supremacia constitucional”.
266
o extinto Tribunal Federal de Recursos, também se
fundando na competência exclusiva do Poder Judiciário e, via de conseqüência, na
incompetência do CC-MF, decidiu:
263
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 672
264
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 190.
265
FERNANDES, Edison Carlos. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 493.
266
MOTTA FILHO, Marcello Martins. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 645.
88
Constitucional e Administrativo. 1.) No sistema constitucional
brasileiro somente ao Judiciário compete examinar a alegação de
inconstitucionalidade de determinado preceito legal cuja aplicação
teria lesionado direito individual subjetivo. 2.) Descabe mandado de
segurança para compelir o Conselho de Contribuintes a decidir sobre
a alegação de inconstitucionalidade de certo preceito regulamentar.
3.) O silêncio do colegiado administrativo, na espécie, não
caracteriza abuso de poder, nem cerceamento do direito de
defesa.
267
Ainda que não abordando expressamente sobre o contencioso
administrativo, como já citado anteriormente, há a seguinte manifestação do STF:
O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da
competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e
Legislativo, por sua Chefia e isso mesmo tem sido questionado
com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de
inconstitucionalidade –, podem tão-só determinar aos seus órgãos
subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou
atos com força de lei que considerem inconstitucionais.
268
Ressalva importante efetuada com fundamento no voto do
Ministro Relator Moreira Alves, deixando claro que a determinação dos Chefes dos
Poderes Executivo e Legislativo (para que seus órgãos subordinados deixem de
aplicar administrativamente as normas) deve ser reanalisada com a possibilidade de
estes possuírem legitimidade ativa para a proposta do controle de
constitucionalidade das normas perante o STF.
A argumentação de que não vedação constitucional à
aludida apreciação, como se vê, é incompatível com o conceito de competência.
Do contrário, qualquer lide, independente de matéria, também
poderia ser apreciada pelo órgão julgador administrativo.
impedimento expresso de que o CC-MF aprecie questões
de alimentos? Ações de despejo? Autuações no âmbito do Sistema Financeiro
Nacional? É fácil de se perceber que, se não está vedado na CRFB que no processo
267
Apelação de Mandado de Segurança nº 101.596-CE.
268
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 221-0/DF (Pedido de medida liminar).
89
administrativo se aprecie a constitucionalidade das normas, também não está
vedado que tais exemplos, propositalmente esdrúxulos, sejam conhecidos e
julgados no processo administrativo tributário.
Por outro lado, com fundamento no artigo 133 da CRFB, tem-
se entendido ser privativo de advogado a postulação em juízo. Em outras palavras,
seria sua competência exclusiva. No entanto, aquele dispositivo apenas dispõe ser o
advogado necessário à administração da justiça. Nada consta que tal necessidade
seria exclusiva.
Sob este fundamento, e utilizando a opinião de Plínio José
Marafon como parâmetro
269
, seria possível concluir que, “no caso concreto”, é
possível a qualquer interessado “postular em juízo”. A capacidade, ou competência,
do advogado, seria exclusiva apenas nas hipóteses em que a decisão judicial tenha
efeitos erga omnes. Sem considerar que, sob a ótica exclusiva do destinatário da
ampla defesa, o indivíduo, entender que o exercício de sua ampla defesa só pode se
dar através de advogado é forma de “restringir a ampla defesa”.
270
Como visto, a CRFB outorgou com exclusividade ao Poder
Judiciário a competência para fiscalizar a constitucionalidade dos atos normativos e,
portanto, mesmo a declaração incidental, controle difuso, para o caso concreto, é
prerrogativa deste. Apreciá-la apenas no caso concreto no âmbito administrativo,
como querem alguns, nada mais é que a declaração de inconstitucionalidade da
norma.
Destaque-se que o incidente de declaração de
inconstitucionalidade, no âmbito do CPC, não tem natureza de recurso. Argüida a
inconstitucionalidade no curso de um processo, esta constitui questão prejudicial ao
julgamento da causa no tribunal. Vejam-se as palavras de Nelson Nery Junior a
respeito:
Relativamente a esse incidente [de declaração de
inconstitucionalidade] não há previsão legal de molde a caracterizá-lo
269
MARAFON, Plínio José. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 279, transcrita à p. 84.
270
Lembrando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos dá este direito aos indivíduos.
90
como recurso, e sua finalidade não é decidir o mérito, mas
simplesmente questão prejudicial ao merecimento do recurso. O que
ocorre, na verdade, é unicamente um deslocamento de competência.
É como se dividíssemos a competência para o julgamento do
recurso: quanto à questão prejudicial, a competência para o seu
julgamento é do pleno do tribunal; quando ao mérito do recurso, a
competência para julgá-lo é da câmara. Evidentemente, não se está
diante de outro recurso.
271
Assim, o recurso administrativo que pretende que determinado
comando legal seja subtraído por alegada inconstitucionalidade deveria ser tratado
como um incidente.
A decisão proferida pelo pleno do Tribunal vinculará o órgão
fracionário, conforme as palavras de Gilmar Ferreira Mendes:
[...] Dá-se “a cisão funcional da competência: ao Plenário caberá
pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade,
e ao órgão fracionário, depois, à vista do que houver assentado o
plenário, decidir a espécie”. A decisão do Plenário, que é irrecorrível,
vincula o órgão fracionário, no caso concreto, incorporando-se ao
“julgamento do recurso ou da causa, como premissa inafastável”.
Publicado o acórdão, reinicia-se o julgamento da questão concreta
perante o órgão fracionário.
272
Se ao Poder Judiciário, para exercer prerrogativa expressa a
declaração de inconstitucionalidade –, é necessária a reunião do Pleno ou de seu
órgão especial do Tribunal em que esteja seja apreciado o recurso correspondente,
com muito mais razão o órgão administrativo colegiado que pretenda deixar de
aplicar norma ao caso concreto deveria se reunir com todos os julgadores (no caso
dos CC-MF, independente da especialização adotada para cada um).
Portanto, não há como uma câmara isolada, a pretexto de
interpretar a norma apenas ao caso concreto, afastá-la para o julgamento.
Entretanto, seria uma hipertrofia do Poder Executivo também exercer o controle de
constitucionalidade, em função das crescentes atribuições que vem obtendo.
271
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. p. 88-89.
272
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. p. 204-
205.
91
3.7 INAPLICABILIDADE DE NORMA INCONSTITUCIONAL
Como se viu, todas as normas devem se amoldar à CRFB
para que não incorram em vício de constitucionalidade. Assim, não devem ser
aplicadas, para que prevaleça o texto constitucional. E por esta razão devem os
julgadores administrativos conhecer e, sendo o caso, prover recursos alegando
inconstitucionalidades, nas palavras de Fernando Facury Scaff:
Observe-se que não se trata de declarar a inconstitucionalidade, mas
de deixar de aplicar a norma por infringência à Constituição.
Conseqüentemente a norma não é retirada do ordenamento jurídico,
mas simplesmente não aplicada ao caso concreto
273
.
É neste sentido que Ronaldo Poletti informa: “o Executivo não
decreta a inconstitucionalidade de lei, simplesmente não a cumpre, nega-lhe
execução”.
274
Em outras palavras, norma inconstitucional nunca foi norma.
Nunca poderia produzir efeitos.
Contudo, conforme anota Celso Ribeiro Bastos:
[...] Tal sistema é inviável, nunca tendo sido adotado em parte
alguma, por equivaler na prática à supressão quase que total da
eficácia própria da lei. [...] Tal situação não permitiria ao direito
cumprir a sua eminente função de garantidor da ordem, da paz, da
tranqüilidade, que se expressa na presunção de legitimidade de todo
ato público em geral. Ao conferir-se a qualquer um a competência de
declarar uma lei inconstitucional, como escusa para o seu
descumprimento, chegaríamos ao absurdo de ver o Executivo deixar
de cobrar tributos, de efetuar prisões, de interditar estabelecimentos,
toda vez que reputasse a lei como contrária à Constituição. [...] Por
força da necessidade de ser efetivo, o direito passa por cima do
princípio que a técnica jurídica impõe de somente acolher como
norma jurídica aquela adotada segundo o disposto na norma
273
SCAFF, Fernando Facury. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 549.
274
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 148.
92
superior, tanto do ponto de vista formal como sob o aspecto material
ou substancial
275
.
O artigo 5º, inciso XXXV, da CRFB garante o livre acesso ao
Judiciário até para afastar ameaça de lesão de direito. Por que não invocar este
preceito quando uma norma pareça inconstitucional ao indivíduo, em lugar de
simplesmente ignorá-la? Não é esta a solução que a própria CRFB concede a
todos?
É a solução adotada por Josaphat Marinho:
[...] quando o particular ou a autoridade entendem que uma lei ou um
fato ferem a Constituição, devem usar o remédio nela previsto, e não
se opor arbitrariamente ao que é expressão do Direito Positivo. Se a
Constituição aponta, como em nosso sistema, a ação própria para
defesa da competência do Executivo e do direito do particular, no
apelo ao procedimento instituído se traduz a conduta regular. A
resistência inadequada do particular não deve servir de pretexto ou
de fundamento ao agente do Poder para ação semelhante, pois a
este cabe dar exemplo de acatamento e prestígio à norma. A
suspeita de invalidade ou de inconstitucionalidade não justifica o
descumprimento da lei ou do ato normativo, quando se reconhece
que o Poder Judiciário declara formalmente a existência desse
estigma. Admitir, portanto, a recusa de obediência a lei ou a ato, sem
ser provocado o Judiciário e antes de sua decisão, importa em
confundir poder de interpretar, para esclarecer competência, com
poder de julgar a inconstitucionalidade, estranho ao Executivo. [...].
276
Pode-se alegar que se trata de um ônus ao indivíduo. Para
equilibrar tal situação, bastante oportuna a colocação de Vittorio Cassone em
situação análoga:
A rigor, tais prejuízos devem ser suportados pelo contribuinte, já que
fazem parte dos efeitos dos litígios, analogicamente ou
comparativamente iguais aos prejuízos suportados pelo Poder
Público, quando são apresentados pelo contribuinte recursos
administrativos sob a alegação de exigência descabida ou com base
275
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 388.
276
MARINHO, Josaphat. Leis inconstitucionais e o Poder Executivo. p. 84-85.
93
em lei inconstitucional, e posteriormente confirmada a
constitucionalidade
277
.
Despiciendo anotar que ônus imposto ao Poder Público
significa, na mesma proporção, ônus imposto a toda a nação.
De qualquer forma, ainda que a tese possa ser bastante
controvertida, a modulação temporal dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, de competência do STF a teor do artigo 27 da Lei
9.868/1999 estaria sendo usurpada. Como constou no início, no Direito Alemão
esta modulação é utilizada pelo Tribunal Constitucional alemão, vez que “o não-
atingimento do que a Constituição manda fazer seria ainda mais suportável do que a
falta completa de uma norma” e a capacidade de ação financeira do Estado, seria
posta em cheque em função do princípio do Direito Orçamentário com o ônus
decorrente das reivindicações de restituições de impostos.
278
Também, na hipótese do STF decidir pela constitucionalidade
da possível modulação temporal, com muito mais razão não podem órgãos de
contencioso administrativo apreciar questões de constitucionalidade das normas, em
especial tributárias, sob pena de ferir a segurança jurídica, almejada pela aludida
norma.
De qualquer forma, importante anotar que esta possibilidade da
modulação temporal em matéria tributária mereceria maiores estudos, vez que
oferece riscos nada desprezíveis, como tributar determinado fato econômico para o
qual a CRFB não outorgou competência a determinado ente da Federação, ou, se o
fez, a outorgou a ente diverso do que aquele que a teria exercido.
3.8 PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS
NORMATIVOS
José Afonso da Silva afirma que milita a presunção de
constitucionalidade dos atos normativos, presunção esta reforçada pela CRFB no
277
CASSONE, Vittorio. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 379.
278
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. p. 462-463.
94
parágrafo do artigo 103, impondo o dever de audiência do Advogado-Geral da
União, que terá a obrigação de defender o ato impugnado, estabelecendo-se um
contraditório no processo de declaração de inconstitucionalidade.
279
280
Ronaldo Poletti explana a razão da presunção de
constitucionalidade:
A presunção de constitucionalidade da lei decorre do processo
legislativo de onde emanou. Na verdade, o Congresso Nacional a
aprovou e, se assim o fez, submeteu-se ao crivo do exame das
Comissões de Constituição e Justiça das duas Casas. Depois disso,
uma vez aprovado pelo Congresso, o projeto de lei foi ao Presidente
da República para a sanção ou veto. Ora, se o mais alto magistrado
da Nação aderiu ao projeto, transformando-o em lei, foi porque,
também, não o julgou contrário à Lei Maior, pois teria o dever de
vetá-lo por inconstitucionalidade. Disso decorre a presunção da
constitucionalidade da lei. Dois Poderes, presumidamente, zelosos
estão a chancelar a sua validade. Para o outro Poder, o Judiciário,
invalidá-la, afirmá-la nula e írrita, de ter motivos fortes e certezas
indiscutíveis, não frágil razão ou dúvidas perturbadoras.
281
Em razão disto, Francisco de Assis Praxedes é patente, vez
que “antes de ser eliminada a presunção de validade constitucional em acórdão da
Corte Maior, nenhum órgão administrativo pode recusar aplicação à lei”.
282
Kiyoshi Harada, portanto, ressalta que “o agente público deve
sempre nortear a sua ação, presumindo a constitucionalidade das normas em vigor.
Todas as leis são presumivelmente constitucionais a final pronunciamento em
contrário, do Poder Judiciário”.
283
279
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 55.
280
Ronaldo Poletti (in Controle da constitucionalidade das leis. p. 232) demonstra que tal participação
não tem sentido, vez que a União não tem interesse na defesa da constitucionalidade das leis, até
porque o ato impugnado pode implicar invasão de competência em prejuízo da União. Contudo,
para Alexandre de Moraes (in Direito constitucional. p. 620), o Advogado-Geral da União “atua
como curador especial do princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos normativos,
lhe competindo uma função eminentemente defensiva”.
281
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 106.
282
PRAXEDES, Francisco de Assis. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 236.
283
HARADA, Kiyoshi. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo tributário.
p. 368.
95
Fátima Fernandes Rodrigues de Souza também ressalva que
“até ser expelida do ordenamento por meio do controle concentrado exercido pelo
STF ou por Resolução do Senado Federal, a lei goza de presunção de legitimidade,
incorrendo o intérprete, e mesmo o Judiciário, não raras vezes, em erro quanto a sua
desarmonia com o diploma supremo”.
284
Entretanto, para Ruy Barbosa Nogueira, a presunção de
constitucionalidade é uma regra de hermenêutica, segundo a qual “não se deverão
ter por inconstitucionais as leis ou atos do poder público, senão quando o sejam
clara, inequívoca, literal e manifestamente colidentes com o texto constitucional”, e
não “uma presunção para obstar aos tribunais fiscais a apreciação de
inconstitucionalidade”.
285
Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López
defendem, inclusive, a presunção absoluta da constitucionalidade no âmbito
administrativo, impossibilitando a apreciação da argüição de inconstitucionalidades:
[...] Se, por acaso, a fundamentação do ato administrativo baseou-se
em norma inconstitucional, o Poder que tem atribuição para examinar
a existência de tal vício é o Poder Judiciário. Afinal, presumem-se
constitucionais os atos emanados do Legislativo, e, portanto, a eles
vinculam-se as autoridades administrativas. Ademais, prevê a
Constituição que se o Presidente da República entender que
determinada norma a contraria deverá vetá-la (CF, art. 66, § 1º), sob
pena de crime de responsabilidade (CF, art. 85), uma vez que, ao
tomar posse, comprometeu-se a manter, defender e cumprir a
mesma (CF, caput, art. 78). Com efeito, se o Presidente da
República, que é responsável pela direção superior da administração
federal, como prescreve o art. 84, II, da CF/88 e tem o dever de zelar
pelo cumprimento de nossa Carta Política, inclusive vetando leis que
entenda inconstitucionais, decide não o fazer, a presunção
absoluta de constitucionalidade da lei que este ou seu antecessor
sancionou ou promulgou.
286
284
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 673.
285
NOGUEIRA, Rui Barbosa. Da interpretação e aplicação das leis tributárias. p. 40-41.
286
NEDER, Marcos Vinicius; PEZ, Maria Teresa Martínez. Processo administrativo fiscal federal
comentado. p. 42-43.
96
Também é neste sentido que a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional [PGFN] respondeu a consulta formulada pela SRF:
32. Não obstante, é mister que a competência julgadora dos
Conselhos de Contribuintes seja exercida como vem sendo até
aqui com cautela, pois a constitucionalidade das leis sempre deve
ser presumida. Portanto, apenas quando pacificada, acima de toda
dúvida, a jurisprudência, pelo pronunciamento final e definitivo do
STF, é que haverá ela de merecer a consideração da instância
administrativa.
287
Dirceu Antonio Pastorello, frisando também esta presunção,
evidencia a forma pela qual o Chefe do Poder Executivo pode deixar de aplicar uma
lei, qual seja, a ação direta de inconstitucionalidade, por ser princípio assente de que
o Estado não edita leis inconstitucionais, o que tem como conseqüência a presunção
da constitucionalidade. A autoridade administrativa tem competência para emitir
juízos de valor sobre um quadro tico apresentado e aplicar a lei que entenda
aplicável, mas não tem competência para formular juízos sobre a conformidade da
lei à Constituição com o objetivo de negar-lhe aplicação. Se o projeto poderia ter
sido rejeitado por inconstitucionalidade pelo Legislativo e pelo Chefe do Poder
Executivo, o cabe mais ao servidor subordinado dizer se a lei é ou o
inconstitucional. Até porque “isto implicaria em transferir poderes para o policial do
quarteirão, para o porteiro da repartição, gerando um estado de caos social”. Nesta
fase ainda não se pode falar em lei inconstitucional. A pode -lo conforme a
interpretação do administrado, mas tal entendimento, mesmo levantado no
contraditório, não vincula a autoridade administrativa judicante.
288
Por fim, importante ressalvar a afirmativa de Gilmar Ferreira
Mendes sobre quando houver dúvida na constitucionalidade da lei:
Axioma incorporado do Direito americano recomenda que, em caso
de dúvida, deve-se resolver pela legitimidade da lei, em homenagem
ao princípio da presunção da constitucionalidade. Da mesma forma,
287
Parecer PGFN/CRF nº 439/96. In Revista Dialética de direito Tributário, vol. 13, p. 103.
288
PASTORELLO, Dirceu Antonio. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 529-531.
97
no caso de dupla interpretação da lei, de se preferir aquela que
lhe assegure validade e eficácia.
289
Em razão deste princípio, depois que a lei passou pelo crivo
dos poderes Legislativo e Executivo, somente o Poder Judiciário pode afastar a
presunção, através do controle próprio, visto com alguns detalhes no segundo
capítulo.
3.9 AFASTAMENTO DE NORMA X DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE
À presunção de constitucionalidade somam-se, ainda, razões
de segurança jurídica na cláusula da reserva de plenário.
290
A exigência de maioria absoluta tem origem na jurisprudência
norte-americana, conforme observa Clèmerson Merlin Clève
291
.
Como se depreende desta cláusula, para o afastamento da
norma legal tida por inconstitucional, é exigido o quórum qualificado, que não
alcançado, terá como efeito considerá-la constitucional. Conforme Ronaldo Poletti, a
exigência do quórum objetiva “reforçar o sistema, a ordem jurídica fundada na lei,
dando-lhe maior segurança e estabilidade, evitando as maiorias ocasionais, as
flutuações decorrentes de pequenas maiorias eventuais”.
292
Ou, em outras palavras, conforme Marcelo:
A exigência de maioria qualificada para a declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo justifica-se pela
preocupação de permitir ao Poder Judiciário tal declaração
quando o vício seja manifesto e, portanto, salte aos olhos de um
grande número de julgadores experientes caso o órgão seja
colegiado. Sendo atingida a majestade da lei a qual, em princípio, se
289
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. P. 284.
290
Artigo 97 da CRFB: Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do
respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público.
291
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p.
85.
292
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. p. 196.
98
beneficia da presunção de estar de acordo com a Constituição, é
necessário que o julgamento resulte de um consenso apreciável e
não brote de qualquer escassa maioria (...). Essa exigência, por outro
lado, acautela contra uma futura variação de jurisprudência no
mesmo Tribunal
293
.
Do voto do Ministro Ilmar Galvão extraído do Recurso
Extraordinário [RE] nº 190.725-8/PR, referindo-se ainda à reserva de plenário, vê-se:
A difusão pacífica dessa rotina constitui demonstração de que a
norma sob exame não deve ser interpretada de modo literal, não se
podendo perder de vista, ao revés, que sendo ela corolário do
princípio da presunção de constitucionalidade das leis, visa
primordialmente a evitar que seja ele afetado por decisões que não
traduzam a convicção do Tribunal, formada pela maioria expressiva
de seus membros.
Assim, no âmbito do Poder Judiciário, mesmo para um caso
concreto, para afastar a norma que se reputa inconstitucional, apenas se pode
fazê-lo se for observado o rito específico, que, como visto, trata-se de um
incidente no processo.
Decidiu o STF que “reputa-se declaratório de
inconstitucionalidade o acórdão que embora sem o explicitar afasta a incidência
da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos
alegadamente extraídos da Constituição”
294
.
Em razão disto, é possível se concluir que o afastamento de
norma legal para o caso concreto, em razão de inconstitucionalidade, equivaleria a
declarar a norma inconstitucional, declaração esta que seria uma declaração
incidental de inconstitucionalidade. Mesmo Antonio da Silva Cabral, afirma que
“quando um juiz declara inconstitucional uma lei, está deixando de aplicá-la”.
295
293
CAETANO, Marcelo, Direito Constitucional, vol. II/417, item 140, 1978, Forense, apud MELO,
Celso. In Recurso Extraordinário nº 190.725.
294
RE nº 240.096-2/RJ.
295
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal, p. 26. Entretanto, mais adiante, às p. 63
e 64, conclui que os órgãos julgadores administrativos podem deixar de aplicar a lei se entendê-la
inconstitucional, mesmo sendo a declaração de inconstitucionalidade competência do Poder
Judiciário.
99
Não como se afirmar que o “simples” afastamento para o
caso concreto, como quer Fernando Facury Scaff
296
, Luiz Fernando Mussolini
Júnior
297
, Carlos Alberto Gonçalves Nunes
298
, dentre outros, seria diferente de
declaração de inconstitucionalidade. Trata-se, isto sim, de eufemismo, visto que os
efeitos, “no caso concreto”, são os mesmos.
Portanto, afirmar que afastar a norma no caso concreto não é
declaração incidental de inconstitucionalidade é um eufemismo, vez que, do
contrário, toda a tese ruiria.
3.10 CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE FLAGRANTE
Defendendo seu ponto de vista com relativo humor, Gustavo
Miguez de Mello, coloca:
Excede aos limites do presente trabalho e ao âmbito da pergunta,
antes ou depois de sua reformulação, apreciar hipótese em que a
norma constitucional é contrária ao Direito Natural, como seria o
caso, por exemplo, de uma autoridade administrativa julgar uma
questão referente à aplicação de uma lei, contrária à norma
constitucional, aberrante e monstruosa, que determinasse dez anos
de tortura e a execução física das minorias índias
299
.
Mais adiante:
O entendimento contrário ao ora sustentado seria formulado da
seguinte maneira: as instâncias administrativas aplicarão a
Constituição se não houver norma legal dispondo em contrário
300
.
Conforme observa Paulo Márcio Cruz, “na realidade, nos
sistemas constitucionais com alguma tradição, as previsões constitucionais
296
SCAFF, Fernando Facury. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 549.
297
MUSSOLINI JÚNIOR, Luiz Fernando. Os tribunais administrativos e a o aplicação de lei sob a
alegação de sua incompatibilidade com a Constituição.
298
NUNES, Carlos Alberto Gonçalves. In Acórdão nº CSRF/01-03.620. p. 22.
299
MELLO, Gustavo Miguez de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 729.
300
MELLO, Gustavo Miguez de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 730.
100
encontram-se regulamentadas por leis complementares, de forma que a aplicação
direta da Constituição não é sempre necessária ou freqüente”.
301
Se o Poder Legislativo houve por bem legislar em determinada
matéria prevista na CRFB, exerceu sua função recebida do Poder Constituinte
Originário. Cabe ao Poder Executivo respeitar esta função ou, entendendo haver
inconstitucionalidade desta norma, utilizar os remédios que a própria CRFB lhe
outorgou para fazer prevalecer seu entendimento. Entretanto, se o Poder Legislativo,
por qualquer razão, não legislou em determinada matéria, é evidente que na
aplicação ao caso concreto, o ato deve retirar sua validade diretamente da CRFB.
É importante ressaltar que exemplos de inconstitucionalidade,
como os exarados por Gustavo Miguez de Mello acima, ao tratar de tortura e a
execução indígena não têm como ser levados em consideração na análise da
matéria.
São exemplos tão flagrantes de inconstitucionalidades
(felizmente hipotéticos) que se vislumbra poderiam aflorar no ordenamento
jurídico brasileiro em caso de ruptura institucional. Entretanto, em ocorrendo tal
ruptura, a própria existência de contenciosos administrativos e judiciais deve ser
analisada quando e se ocorrerem. Na história pátria há exemplo claro neste sentido.
Nos termos do artigo 150, parágrafo 4º, da Constituição de
1967, “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de
direito individual”. A própria Emenda Constitucional nº 1/1969, promulgada pela
Junta Militar que então governava a nação, confirmou tal preceito no parágrafo 4º do
artigo 153.
Entretanto, apesar da aparente manutenção da tripartição do
Poder do Estado brasileiro naquele momento da história brasileira, no Ato
Institucional 5/1968, constou que deveriam ser excluídos de qualquer apreciação
judicial todos os atos praticados de acordo com ele e seus atos complementares,
bem como seus efeitos.
302
301
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 259-260.
302
Ato Institucional nº 5, de 1968, artigos 5º, § 2º e 11.
101
Portanto, exemplos extremos que somente caberiam em caso
de ruptura institucional devem ser apreciados sob as normas (?) então vigentes.
Não é o caso atual. Não é porque hipoteticamente possa sobrevir norma que
determine a tortura de contribuinte
303
que os órgãos de contencioso administrativo
ficam, desde logo, autorizados a conhecer de argumentos de inconstitucionalidades
menos evidentes.
3.11 SUCUMBÊNCIA NAS LIDES JUDICIAIS
É princípio assente no ordenamento jurídico e previsto no
artigo 20 do CPC que o vencido nas lides judiciais indeniza o vencedor nas custas
judiciais e honorários de advogado.
Assim, evidentemente, não deve a Administração Pública agir
em juízo contra os contribuintes quando a lide se afigurar temerária.
Defendendo o exame de constitucionalidade pelos órgãos de
contencioso administrativo, Jo Eduardo Soares de Melo, sob este enfoque da
sucumbência, afirma:
Todos esses procedimentos revelam-se imprescindíveis e salutares
para aquilatar se a União terá de deixar de promover a inscrição de
pretensos créditos tributários, carentes de indispensável amparo
constitucional, objetivando evitar os ônus de sucumbência prejudicial
aos interesses da coletividade (desfalque do patrimônio público),
implicando o natural e inútil desgaste fazendário
304
.
Também Heloisa Guarita Souza tem esta preocupação:
Se assim for, teremos um órgão colegiado que será um “pseudo-
julgador”, e que terá, certamente, suas decisões levadas à discussão
no Poder Judiciário, havendo, ainda, a probabilidade da União vir a
arcar com o ônus financeiro de uma derrota judicial, além de já ter
303
Conforme exemplo de MELLO, Gustavo Miguez de. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.).
Processo administrativo tributário. p. 729, já citado há alguns parágrafos.
304
MELO, José Eduardo Soares de. A decisão administrativa, que não conhece de argumentos de
inconstitucionalidade da exigência, possibilita a sua inscrição válida na dívida ativa, aparelhadora
da execução fiscal? Problemas de Processo Judicial Tributário. p. 264.
102
suportado com os custos econômicos próprios da manutenção da
máquina administrativa
305
.
Cumpre destacar que reduzir o risco da sucumbência tem
amparo constitucional no princípio da economicidade, ao qual se sujeita a
Administração Pública, vez que sob este fundamento, entre outros, deve o
Congresso Nacional efetuar a fiscalização mediante controle externo, com o auxílio
do Tribunal de Contas da União (CRFB, artigo 70).
Sobre tal princípio, afirma José Afonso da Silva:
[...] controle de economicidade, que envolve também questão de
mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa
pública, de modo mais econômico, atendendo, por exemplo, uma
adequada relação custo benefício; [...]
306
.
São procedentes as preocupações supra acerca do ônus da
sociedade pela sucumbência da Fazenda quando vencida em juízo.
Entretanto, se percebe que a preocupação enxerga o minus,
deixando passar o plus. Explica-se. Se a preocupação com a sucumbência é
relevante, muito mais relevante é a preocupação com o principal.
Portanto, estando a norma ainda com presunção de
constitucionalidade, não afastada em definitivo pelo Judiciário, deve a Administração
Pública buscar o principal, o crédito tributário, em juízo (e, via de conseqüência, a
sucumbência). É contraditória, assim, qualquer apreciação de constitucionalidade no
seio do Poder Executivo.
Não se pode entender como econômico a Administração deixar
de cobrar determinado tributo, tido por inconstitucional por órgão que dela faz parte,
mas que foi considerado constitucional pelo Poder Judiciário.
Também é importante observar que, exatamente em
atendimento a este princípio, houve alteração legislativa. Assim, desde a edição da
Lei 9.430/1996 e com sua regulamentação pelo Decreto 2.346/1997, as
305
SOUZA, Heloisa Guarita. Os Conselhos de Contribuintes e os “pseudo” limites de sua atuação.
306
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 715-716.
103
decisões definitivas do STF que tenham declarado determinado dispositivo
inconstitucional devem ser observadas na constituição do crédito tributário, bem
como nas inscrições em dívida ativa. A Lei 9.469/1997 estendeu tal situação a
todas as causas de interesse da União, tributárias ou não.
Contudo, ainda que introjetar no âmbito administrativo seja
desejável, em atendimento ao princípio da economicidade, tais diplomas legais
mereceriam estudo mais acurado, em especial frente à competência privativa do
Senado Federal para suspender a execução de lei ou parte dela, quando declarada
inconstitucional por decisão definitiva do STF, prevista no inciso X do artigo 52 da
CRFB. Entretanto, nesta hipótese de ter havido indevida invasão do legislador
ordinário na competência privativa constitucional, com muito mais razão não
poderiam os órgãos administrativos deixar de aplicar a lei, argüida de
inconstitucional, antes da manifestação definitiva do Poder Judiciário.
3.12 CONTROLE (REVISÃO) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
AUTOTUTELA
Os órgãos de contencioso administrativo foram criados com o
objetivo de rever os próprios atos da administração, exercitando, assim, a autotutela.
Trata-se, portanto, de controle interno da legalidade dos atos da Administração.
Especificamente no âmbito tributário, é controle dos
lançamentos tributários, apreciando as manifestações apresentadas pelos
contribuintes contrariamente à exigência fiscal.
Assim, sob o fundamento de estender ao ato administrativo
alegado vício de inconstitucionalidade da norma tributária que o embasou, Luiz
Fernando de Carvalho Accácio justificou que:
Destarte, quando um Tribunal Administrativo invalida um lançamento
por ilegalidade ou inconstitucionalidade está ele, na verdade,
aplicando a Constituição e por conseqüência revendo ato da
104
Administração, no caso um lançamento tributário, porque eivado de
vício insanável
307
.
É sob este fundamento, também, que Heloisa Guarita Souza
defende a apreciação da constitucionalidade das normas tributárias no âmbito do
contencioso administrativo:
Trata-se de órgãos que têm por finalidade, acima de tudo, o controle
da legalidade do ato administrativo (auto de infração e/ou notificação
de lançamento) e a busca da melhor interpretação e aplicação da
legislação tributária, no caso concreto
308
.
Entretanto, mesmo Antonio da Silva Cabral concorda que “a
jurisdição, no Judiciário, é plena e irrestrita, na Administração só se pode pensar em
jurisdição enquanto meio para controle da legalidade do ato administrativo”.
309
Diante disto, em sentido oposto, Hugo de Brito Machado
Segundo assevera que deixar de aplicar uma norma legal argüida de inconstitucional
pelo contribuinte implica, entretanto, um controle de um ato emanado de outro
poder, no caso, o Poder Legislativo:
Entretanto, quando a Administração, para considerar inválido o ato
administrativo impugnado (um lançamento de Cofins, por exemplo),
tiver de declarar a inconstitucionalidade de uma lei, não será mais
da autotutela que se estará cogitando, mas sim do controle sobre a
validade de um ato normativo editado por outro Poder. Nesse caso,
insista-se, a Administração não estará simplesmente revendo um ato
seu, mas julgando a validade de um ato do Poder Legislativo, o que
não tem, nem pode ter, fundamento no princípio da legalidade, nem
muito menos no exercício da autotutela administrativa que dele
decorre. Assim, se o processo administrativo existe para
instrumentalizar o exercício da autotutela, e essa autotutela não
autoriza julgamentos sobre atos praticados por outros poderes, não é
307
ACCÁCIO, Luiz Fernando de Carvalho. In Acórdão SF 2.713/95, p. 130
308
SOUZA, Heloisa Guarita. Os Conselhos de Contribuintes e os “pseudo” limites de sua atuação.
309
CABRAL, Antonio da Silva. Processo administrativo fiscal, p. 33.
105
possível à autoridade administrativa de julgamento declarar a
inconstitucionalidade de uma lei.
310
O mesmo autor destaca que, quando o ato foi praticado ao
arrepio de disposições constitucionais sobre as quais não leis que o disciplinem
nem expressamente o condenem, a autotutela pode declará-lo inconstitucional.
311
Neste sentido também a dicção de Dias:
A apreciação de matéria constitucional por tribunal administrativo
configura, pois, verdadeira subversão de sua missão institucional,
seja porque disvirtua (sic) o seu caráter de órgão revisor dos atos
praticados pela administração tributária, seja porque invade
competência atribuída por nosso ordenamento jurídico a outra esfera
de Poder.
312
Situação peculiar aconteceria se, no exercício da autotutela
também se inseriria a análise de inconstitucionalidade da lei, também poderia se
analisar a constitucionalidade da decisão judicial não definitiva, fora do modelo
processual próprio. Veja-se.
Um contribuinte pode obter uma decisão provisória em
determinada ação judicial, decisão esta que não foi atacada pelo meio processual
próprio buscando revertê-la. Mas ainda não houve decisão definitiva. Pode haver,
ainda que pendente a ação judicial, um lançamento levando em conta aquela
decisão.
Se no exercício da autotutela estaria inserida a análise de
constitucionalidade da lei, emanada do Poder Legislativo, sob o mesmo argumento
também poderia se analisar a constitucionalidade daquela decisão judicial, ainda
não definitiva.
E, concluindo-se haver algum cio de constitucionalidade,
caberia afastar os efeitos daquela decisão fora do processo judicial próprio? Parece
310
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de
lei pela autoridade administrativa de julgamento. p. 97.
311
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de
lei pela autoridade administrativa de julgamento. p. 96.
312
DIAS, Manoel Antônio Gadelha. In Acórdão nº CSRF/01-03.620. p. 10.
106
que não. Portanto, sob o mesmo fundamento, para afastar eventual cio de
constitucionalidade constante da lei, também deve ser utilizado o meio processual
adequado, que se dá exclusivamente no âmbito do Poder Judicial.
3.13 HIERARQUIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conforme Odete Medauar, “a hierarquia ocorre quando
diferença de posição dos órgãos no escalonamento estrutural, de tal modo que o
órgão superior nas relações com o subordinado exerce uma rie de poderes aos
quais o subordinado se sujeita”. Portanto, “no ordenamento brasileiro, pode-se dizer
que a hierarquia é vínculo que ocorre entre órgãos da Administração direta”.
313
Em razão disto, Hely Lopes Meirelles ressalta que “não há
hierarquia no Judiciário e no Legislativo, nas suas funções próprias, pois ela é
privativa da função executiva, como elemento típico da organização e ordenação
dos serviços administrativos”.
314
Portanto, “o poder hierárquico configura, assim, instrumento
para que as atividades de um órgão ou ente sejam realizadas de modo coordenado,
harmônico, eficiente, com observância da legalidade e do interesse público”.
315
Neste sentido também se observa das palavras de Celso
Antônio Bandeira de Mello:
[...] Os poderes do hierarca conferem-lhe uma continua e
permanente autoridade sobre toda a atividade administrativa dos
subordinados. Tais poderes consistem no [...] poder de fiscalização,
graças ao qual inspeciona as atividades dos órgãos e agentes que
lhe são subordinados; (c) poder de revisão, que lhe permite, dentro
dos limites legais, alterar ou suprimir as decisões dos inferiores,
mediante revogação, quando inconveniente ou inoportuno o ato
praticado, ou mediante anulação, quando se ressentir de vício
jurídico; [...]
316
.
313
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 61.
314
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 105.
315
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 136.
316
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 116-117.
107
Em razão do preceito da hierarquia é que Vittorio Cassone
dispõe:
A autoridade administrativa, por pertencer ao quadro dos servidores
públicos, está sujeita ao dever funcional e hierárquico estes
pautados em lei. Como tal, se o decreto regulamentar ou outra
espécie de norma infralegal não reconhecer a inconstitucionalidade,
não cabe à autoridade administrativa como tal entendido o servidor
público de hierarquia inferior ao emitente da norma infralegal emitir
juízo de inconstitucionalidade da lei
317
.
Corroborando serem os órgãos administrativos de contencioso
integrantes do Poder Executivo, sujeitando-se à supervisão ministerial, vê-se das
palavras de Hely Lopes Meirelles:
Os Tribunais Administrativos são órgãos do Poder Executivo com
competência jurisdicional específica para assuntos indicados em lei,
a serem decididos nos recursos próprios. Não integram o Poder
Judiciário, nem proferem decisões conclusivas para a Justiça
Comum (CF, art. 5º, XXXV). Atuam e decidem no âmbito restrito da
Administração ativa, vinculando-a nos seus julgamentos, comumente
sujeitos a revisão Ministro de Estado, que, em tais casos, representa
a última instância administrativa. Esses Tribunais são, pois, órgãos
auxiliares dos respectivos Ministérios, ao lado dos quais exercem
funções jurisdicionais administrativas parajudiciais ou quase-judiciais,
destinadas à solução de questões internas da Administração ou de
pendências suscitadas pelos administrados
318
.
Esta hierarquia foi reconhecida pelo STJ no MS 6.737-DF,
de cujo voto da Ministra Laurita Vaz, relatora, constou tratar-se de anulação, pelo
Ministro da Fazenda, de deliberação da 1ª Câmara do 1º CC-MF:
Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta,
está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente,
cabendo-lhe também conhecer de recursos providos de órgãos
subordinados ou de entidades vinculadas ao seu Ministério, com
base na hierarquia ou na supervisão ministerial.
317
CASSONE, Vittorio. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 379.
318
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 662-663.
108
Na declaração de voto do Ministro Luiz Fux, citando parecer da
PGFN, assentou que o aludido controle se limita às hipóteses de inequívoca
ilegalidade, excesso de exação ou de abuso de poder.
Contudo, a mesma Corte se manifestou, posteriormente, no MS
nº 8.810-DF:
I A competência ministerial para controlar os atos da administração
pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas
hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua
competência e do devido processo legal. II O controle do Ministro
da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos
conselhos de contribuintes tem como escopo e limite o reparo de
nulidades. Não é cito ao Ministro cassar tais decisões, sob o
argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei.
Renato Lopes Becho defende, assim, que não devem os
órgãos do Executivo apreciar a constitucionalidade das normas, fundando-se
também na hierarquia. Destaca que, após a entrada da lei no sistema, não é
permitido ao Presidente da República deixar de aplicá-la sob o argumento de ser
inconstitucional, concluindo que, neste caso, o caminho adequado é utilizar-se da
competência lhe outorgada pela CRFB em seu artigo 103, inciso I, para propor ação
direta de inconstitucionalidade
319
.
Assim, em função disto entende que os servidores públicos
sujeitam-se à atuação do princípio da legalidade. As pessoas confiam na certeza do
direito emanado do Poder Público, do que decorre a presunção de legitimidade e
constitucionalidade das leis. A alternativa contrária não lhe parece possível diante do
texto constitucional nem a mais razoável para a certeza do Direito. Mais adiante
conclui que, se nem ao Presidente da República competência para deixar de
aplicar uma lei sob o argumento da inconstitucionalidade, os demais servidores
públicos sujeitos ao princípio da hierarquia da função administrativa não têm
319
BECHO, Renato Lopes. A inscrição em dívida ativa quando tenha havido decisão administrativa
que não conhece de argumentos de inconstitucionalidade. Problemas de Processo Judicial
Tributário. p. 299.
109
competência superior à do Presidente, não podendo, em conseqüência, deixar de
aplicar a lei que considerar inconstitucional.
320
Não é sem outra razão que Edison Carlos Fernandes trata da
unidade do Poder Executivo:
A atividade administrativa que visa à cobrança do tributo, desde a
iniciativa da lei tributária (art. 61, § , II, b, da Constituição Federal
de 1988) até a execução fiscal, é toda ela desenvolvida pelo Poder
Executivo. O Poder Legislativo atua na aprovação da lei tributária e o
Poder Judiciário controla a sua aplicação. Podemos dizer, então, que
o desenvolvimento da pretensão impositiva é exclusivo da
Administração Pública, inclusive para reconsiderar os atos dos seus
funcionários que tenham agido em desconformidade com a lei
tributária.
321
Assim, mais adiante conclui que considerando esta unidade do
Poder Executivo, a autoridade administrativa não pode deixar de aplicar a lei por
considerá-la inconstitucional, mesmo no âmbito do processo administrativo
tributário.
322
Assim, tem-se de um lado a hierarquia administrativa, que tem
na unidade do Poder Executivo seu corolário.
3.14 EFEITOS DA LEI PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
LEGALIDADE ADMINISTRATIVA
Alexandre de Moraes afirma que o princípio geral da
legalidade, CRFB, artigo , inciso II, aplica-se normalmente na Administração
Pública:
[...] porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador
público somente pode fazer o que estiver expressamente
320
BECHO, Renato Lopes. A inscrição em dívida ativa quando tenha havido decisão administrativa
que não conhece de argumentos de inconstitucionalidade. Problemas de Processo Judicial
Tributário. 303.
321
FERNANDES, Edison Carlos. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 487.
322
FERNANDES, Edison Carlos. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 494.
110
autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois
incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública
é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera
particular, onde será permitido a realização de tudo que a lei não
proíba.
323
No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles:
Na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal.
Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não
proíbe, na Administração Pública é permitido fazer o que a lei
autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o
administrador público significa “deve fazer assim”.
324
Ao tratarem do tema, tanto Celso Antônio Bandeira de Mello
325
,
quanto José Afonso da Silva
326
transcrevem em suas obras este trecho.
poucos anos, o Ministro Marco Aurélio, então Presidente do
STF, só confirmou a aplicabilidade de tal preceito:
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio,
garantiu hoje (31/07) que o Poder Judiciário vai observar o
contingenciamento orçamentário de R$ 41,4 milhões proposto pelo
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, mas fará um
estudo sobre a possibilidade de distribuir o corte, para que não afete
apenas as obras em vários tribunais. “Mais do que nunca nós
observamos aquela máxima: o administrador pode fazer o que
está autorizado por lei. Então, se a Lei de Responsabilidade Fiscal
direciona nesse sentido ela será observada e enquanto não
declarada inconstitucional evidentemente ela tem que surtir efeitos”,
afirmou Marco Aurélio, durante encontro com presidentes dos
Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do DF.
327
Evidentemente esta afirmativa foi efetuada na qualidade de
Administrador Público, Chefe do Poder Judiciário, e não na função de juiz.
323
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 311.
324
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 82.
325
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 36.
326
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 428.
327
MELLO, Marco Aurélio. Presidente do STF diz que Judiciário cumprirá Lei de Responsabilidade
Fiscal.
111
Diante disto, é exatamente o princípio da legalidade, mesmo
nele se incluindo o respeito à Constituição, que não se pode, no contencioso
administrativo, deixar de aplicar a lei, ainda que argüida como inconstitucional pelo
contribuinte.
3.15 INSEGURANÇA JURÍDICA NAS ATIVIDADES DA ADMINISTRAÇÃO
Dirceu Antonio Pastorello, como se destacou, vislumbrou o
estado de caos social se o funcionário subordinado pudesse dizer se a lei é ou não
constitucional. Assim, pode a lei ser inconstitucional segundo a interpretação do
administrado, mas mesmo veiculado no contraditório, o pode o funcionário
conhecer desta argüição
328
.
No mesmo sentido explanou Kiyoshi Harada:
Finalmente, é impossível ao servidor público praticar atos de ofício
diariamente, sem que se presuma a constitucionalidade das normas
em vigor. Se milhares de servidores fossem aplicar ou deixar de
aplicar determinadas normas, por entender inconstitucionais, geraria
um verdadeiro caos no seio da Administração, em razão da natural
divergência de entendimento acerca da matéria. Por isso é
conveniente que o agente público deixe de aplicar a lei somente após
sua declaração de inconstitucionalidade, em definitivo, pelo
Judiciário
329
.
Também Marçal Justen Filho, ao defender a apreciação ampla
da defesa, que em seu entender deve ser ilimitada
330
, como visto anteriormente,
reconhece o problema da segurança jurídica e do Estado de Direito:
Esse enfoque deve nortear o estudo do tema da segurança jurídica.
A vinculação do Executivo à lei destina-se também a promover a
certeza e os valores jurídicos fundamentais. Reputar que o Executivo
estaria autorizado a ignorar as leis, mediante invocação do (sic)
inconstitucionalidade, traria enormes riscos. Poder-se-ia atingir
328
PASTORELLO, Dirceu Antonio. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 529-531.
329
HARADA, Kiyoshi. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo tributário.
p. 368.
330
JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla defesa e conhecimento de argüições de inconstitucionalidade e
ilegalidade no processo administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário. p. 76.
112
resultado oposto ao pretendido. Haveria risco de o Executivo
sobrepor-se ao Legislativo, ignorando a força vinculante das leis.
Poder-se-ia destruir o Estado de Direito, retornando-se a um estado
de coisas onde o aparato estatal não se sujeitava ao império da lei.
Enfim, o intento de ampliar a democracia poderia conduzir à sua
destruição
331
.
Cumpre destacar que o risco do caos social, caos na
administração, é, também, antítese à supremacia constitucional, defendida por
Marcelo Martins Motta Filho, como já constou anteriormente.
332
Paulo Gonçalves da Costa Júnior, também vislumbra diversas
desvantagens, citando como exemplo: a) a ingerência inconveniente ou indevida de
um órgão do Executivo na competência do Legislativo, ao deixar de aplicar lei
editada por este; b) a possibilidade desaconselhável de que os órgãos de
determinado componente da República Federativa União, Estado ou Município
emita julgamento sobre a legislação de outro; c) a falta de coerência nas atividades
da Administração, que por parcela dos seus órgãos aplica determinadas normas
mas por outra as declara inaplicáveis; d) a dúvida acerca da legitimidade de tribunal
paritário no exercício de função típica de instância imparcial, o que é acentuado pelo
fato de que o resultado das lides tributárias não afeta apenas a determinada parcela
de administrados ali representada os contribuintes mas também outros setores
da coletividade, que poderiam reclamar assento legitimamente pela colocação em
xeque das leis editadas pelos mandatários populares; e) inconveniência da
possibilidade de que o Estado necessite se socorrer das vias jurisdicionais para que
a eficácia de sua própria legislação seja mantida.
333
.
3.16 ÓRGÃO ADMINISTRATIVO MEIOS PARA PROVOCAR O
CONTROLE ABSTRATO
Na hipótese de argüições de inconstitucionalidade de normas
no processo administrativo tributário, têm-se opiniões que tratam da representação a
331
JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla defesa e conhecimento de argüições de inconstitucionalidade e
ilegalidade no processo administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário. p. 78.
332
MOTTA FILHO, Marcelo Martins. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 644-645.
333
COSTA JÚNIOR, Paulo Gonçalves da. In Acórdão SF 2.713/95, p. 136
113
outros órgãos para que estes, titulares de legitimidade ativa para propositura de
ações diretas de inconstitucionalidades, exerçam tal prerrogativa.
A proposta de Ricardo Mariz de Oliveira e João Francisco
Bianco é a representação formulada perante o Procurador-Geral da República, para
que este ajuíze ação declaratória de constitucionalidade ou direta de
inconstitucionalidade. Caberia ao órgão de contencioso administrativo aguardar o
julgamento da ação pelo STF, aplicando o resultado nos processos administrativos,
que ficariam sobrestados. Para que isto seja possível, entendem que haveria
necessidade de se alterar o Decreto 70.235, que não trata do sobrestamento dos
processos para esta finalidade. Entendem que esta alteração legislativa traria
segurança às decisões proferidas pelo órgão de julgamento administrativo.
334
.
Sob a mesma perspectiva, apenas alterando a representação
ao Presidente da República, trata Fátima Fernandes Rodrigues Souza, quando não
ainda pronunciamento judicial pacífico. Para ela, a solução mais adequada seria
efetuar alteração na legislação de regência do processo administrativo, alterações
estas com o seguinte teor. Primeiro, deveria se condicionar a suspensão de aplicar-
se a lei ao caso concreto pelo reconhecimento da sua inconstitucionalidade por
quórum qualificado, câmaras reunidas, do órgão julgador. Segundo, suspender-se
os efeitos desta decisão, que ficaria condicionada ao referendo do Chefe do Poder
Executivo, ao qual seria proposta a expedição de um ato que autorize a não
aplicação da lei à generalidade dos casos que sejam subordinados à Administração
Pública. Por fim, deve disciplinar a conduta do Chefe do Executivo, caso ratifique a
decisão do órgão julgador, mediante o dever jurídico de suscitar o controle
concentrado do Judiciário acerca desta lei tida por inconstitucional.
335
Enquanto não houver este disciplinamento específico, a
mesma autora entende que o órgão julgador poderia sobrestar o julgamento do
processo caso se convença da inconstitucionalidade da lei que tenha embasado o
lançamento. Nesta representação ao Chefe do Executivo seriam demonstrados os
334
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; BIANCO, João Francisco. A questão da apreciação da
constitucionalidade de leis pelos conselhos federais de contribuintes. Processo administrativo fiscal.
p. 127-128.
335
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 674.
114
fundamentos pelos quais a lei não deveria ter aplicação, já que cabe a tal autoridade
a expedição de decretos para a fiel aplicação da lei ou o suscitamento do controle
concentrado de constitucionalidade perante o Poder Judiciário.
336
A partir daí, conclui que ao Chefe do Executivo caberia,
conforme o caso: entendendo que a lei não possui o vício, deve demonstrar
fundamentadamente a sua constitucionalidade, situação na qual o órgão julgador
não poderá deixar de aplicá-la ao caso sob julgamento. Ou então, caso se convença
da inconstitucionalidade, expedirá decreto determinando que os órgãos
subordinados se abstenham de aplicá-la, permanecendo responsável por esta
decisão e/ou suscitar o controle concentrado, na qual eventual liminar suspendendo
a eficácia da lei o eximirá de responsabilidade.
337
.
Marco Aurélio Greco também entende que a representação
deve ser efetuada ao Chefe do Poder Executivo pela autoridade administrativa que
entende seja determinada lei inconstitucional, cabendo-lhe sobrestar o julgamento.
Àquele cabe analisar se, a seu juízo, ou não inconstitucionalidade. Havendo,
adotará as medidas adequadas, inclusive iniciando o processo de controle abstrato;
não concordando com a inconstitucionalidade suscitada, a autoridade administrativa
não pode deixar de aplicar a lei
338
.
3.17 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ, QUE ADMITIRAM A
INEXECUÇÃO DA LEI PELO EXECUTIVO
Como ressaltado no segundo capítulo, a grande maioria das
decisões do STF admitindo a inexecução de lei tida por inconstitucional se deu sob
constituições pretéritas. Em todas elas, entretanto, a inexecução sempre se deu pelo
Chefe do Poder Executivo.
336
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 674.
337
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo
administrativo tributário. p. 674-675.
338
GRECO, Marco Aurélio. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 706.
115
Registre-se que no caso do RMS 8.372/CE, quem deixou de
aplicar norma tida por inconstitucional foi o Tribunal de Contas da União, o que foi
chancelado pelo Relator. Mas também ficou assentado que se tratou de norma
revogada, e a suprema Corte havia declarado a constitucionalidade da norma
revogadora. Como não maiores informações sobre os problemas existentes na
norma afastada, não é o melhor precedente para embasar qualquer estudo jurídico
com profundidade. O próprio voto do Ministro Relator não apreciou a matéria, que foi
tratada em singelos três parágrafos.
Assim, a única manifestação do STF sob a atual Carta, medida
liminar na ADIn 221-0/DF, não foi conclusiva, ressalvando a competência do
Presidente da República em propor o controle concentrado de constitucionalidade e
que, sob este enfoque o tema deveria ser reanalisado.
o STJ, em sua decisão prolatada no REsp 23.121/GO,
escudou-se em precedentes do STF exarados nas constituições pretéritas.
Justificando as razões da possibilidade do Executivo negar
cumprimento a uma decisão legislativa, Gilmar Ferreira Mendes afirmou que sob a
Constituição pretérita, o entendimento firmado pelo STF acerca da
constitucionalidade de decreto do Chefe do Poder Executivo estadual determinando
a abstenção da prática de atos que implicassem execução de leis vetadas por falta
da iniciativa exclusiva do Poder Executivo, tratava de hipótese inequívoca de
inconstitucionalidade, razão pela qual não se baseava em simples inconformismo de
um Poder em relação ao outro. “Ao contrário, a Corte vislumbrou aqui uma situação
de autodefesa de prerrogativa que a Constituição conferia ao Executivo para melhor
atender ao interesse público”.
339
Portanto, não se tratou apenas de afastamento de norma por
inconstitucionalidade, mas situação de autodefesa tendo em vista, inclusive, a
harmonia e independência entre os Poderes.
Na decisão exarada pelo STJ, não se conseguiu vislumbrar
quem era a autoridade do Executivo que negou vigência à lei. No entanto, vislumbra-
339
MENDES, Gilmar Ferreira. O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de
constitucionalidade. . p. 326.
116
se que esta autoridade tenha sido o próprio Governador do Estado ou o Procurador-
Geral do Estado, vez que do relatório do REsp 23.121-1/GO constou que se
tratava de concessão de Mandado de Segurança pelo Tribunal de Justiça de Goiás,
o que indica que se tratou de decisão em competência originária, e não recursal.
Nos termos da Constituição do Estado de Goiás, “compete
privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado
de segurança contra ato do Governador e do Procurador-Geral do Estado”.
340
Além do mais, o voto-vista do Ministro Milton Pereira transcreve
trechos da manifestação recursal do Estado, de onde se extrai:
Vislumbrando uma vinculação proibida pelo art. 37, inciso XIII da
Constituição Federal, a Administração negou cumprimento ao citado
dispositivo, mesmo porque a sua inconstitucionalidade, bem como a
de outros dispositivos legais desta unidade federativa, haviam sido
argüidos pelo Sr. Governador do Estado, em Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 464-6, [...].
Portanto, tudo indica que não se tratou de, pura e
simplesmente, negativa de vigência à lei estadual sob a alegação de sua
inconstitucionalidade, tal qual ocorreu sob o manto das constituições pretéritas,
sendo exemplo a Representação nº 980/SP. Estando correta a peça recursal do
Estado de Goiás, houve a propositura de ADIn, não ficando claro se prévia,
concomitante ou posteriormente à ação judicial objeto do REsp nº 23.121-1/GO.
Impende ressaltar que esta decisão se fundou em precedentes
do STF exarados quando o Chefe do Poder Executivo o tinha legitimidade ativa
para o controle concentrado de constitucionalidade.
3.18 LIMITE DE ALÇADA FIXADO PELO LEGISLADOR ORDINÁRIO
Como visto até o presente momento neste capítulo, apenas
com as disposições constitucionais e aplicando-se os princípios observáveis para a
Administração Pública, é possível concluir que os órgãos de contencioso
340
Artigo 46, inciso VIII, alínea g.
117
administrativo não podem conhecer de argumentos de inconstitucionalidade das
normas.
Sob a ótica infraconstitucional, assim, que o artigo da Lei
8.748/1993 tratou da competência dos Conselhos de Contribuintes o julgamento de
recursos voluntário e de ofício, observada sua competência por matéria e “dentro de
limites de alçada fixados pelo Ministro da Fazenda”.
Utilizando-se da prerrogativa prevista neste dispositivo,
resolveu o Ministro da Fazenda explicitar que os CC-MF não possuem alçada para
apreciar a constitucionalidade das normas. É o que se verifica da Portaria MF
103/2002, a qual alterou o Regimento Interno dos CC-MF (possuindo o mesmo teor
para o Regimento Interno da CSRF).
341
Via de regra, relaciona-se a expressão “limite de alçada” a
limite de valor. Entretanto, a alçada também pode se referir à matéria objeto da
apreciação. Não é sem outra razão a denominação dos recém extintos Tribunais de
Alçada, existentes em alguns Estados-Membros, que tinham limites outros que não
apenas o valor da causa para apreciar os diversos recursos.
Tecnicamente, o que se fez no âmbito administrativo foi efetuar
um limite de alçada ao julgador, tal qual a CRFB o fez ao julgador jurisdicional,
através de seu artigo 97, mediante a reserva de plenário.
341
Art. 22-A. No julgamento de recurso voluntário, de ofício ou especial, fica vedado aos Conselhos
de Contribuintes afastar a aplicação, em virtude de inconstitucionalidade, de tratado, acordo
internacional, lei ou ato normativo em vigor.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei
ou ato normativo:
I que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta, após
a publicação da decisão, ou pela via incidental, após a publicação da Resolução do Senado Federal
que suspender a execução do ato;
II objeto de decisão proferida em caso concreto cuja extensão dos efeitos jurídicos tenha sido
autorizada pelo Presidente da República;
III – que embasem a exigência de crédito tributário:
a) cuja constituição tenha sido dispensada por ato do Secretário da Receita Federal; ou
b) objeto de determinação, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de desistência de ão de
execução fiscal.
118
O julgador fracionário (turma, seção, câmara) não tem alçada
para afastar a norma legal no caso concreto. Deve submetê-lo ao Plenário, como
visto anteriormente.
Na mesma linha, o julgador administrativo não tem tal alçada.
Deve aguardar a manifestação definitiva do Poder Judiciário.
Não é demais lembrar que, no âmbito do Estado de Santa
Catarina, o legislador ordinário afastou a possibilidade desta apreciação, nos termos
do artigo 175 da Lei 3.938/1966, exceto se houve manifestação definitiva do
STF a respeito. É sintomática a constatação de que este dispositivo o foi objeto,
ainda, de proposta de controle concentrado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações que se seguem têm como base o escopo
almejado no presente trabalho, buscando uma exposição objetiva obedecendo a
ordem determinada no sumário.
O Estado Brasileiro adota a fórmula que Montesquieu adotou
para a tripartição do poder do Estado, a separação dos poderes, mas adaptou-a às
necessidades locais, vez que todos os poderes exercem atividades típicas e
atípicas.
No Estado atual, a evolução tem determinado um aumento no
número de atribuições afetas ao Poder Executivo, levando-o a uma posição ímpar
perante os demais Poderes. Diante disto, os mecanismos de controle devem ser
aprimorados.
Ficou demonstrada a importância do processo administrativo
tributário, em atendimento ao preceito constitucional de garantia do contraditório e
ampla defesa ao indivíduo para solucionar a lide, no qual se busca a verdade
material.
O princípio da isonomia é assegurado através do princípio da
legalidade. A obrigação tributária nasce da lei, obedecidos aos parâmetros previstos
na CRFB, e deve ser interpretada pelos órgãos aplicadores de forma a tratar a todos
com igualdade.
A CRFB garante um contencioso administrativo, através do
qual o contribuinte pode apresentar os meios de defesa legítimos para que seu
inconformismo com a exigência tributária seja apreciada pela Administração. Este
inconformismo pode ser exercido pelo direito de petição aos Poderes blicos, que
seguirá a via hierárquica. Não há obrigação constitucional para a organização de um
órgão aos moldes de um tribunal judicial.
Neste ponto do trabalho se confirmou a primeira hipótese do
trabalho. Como tanto os Municípios quanto Estados e a própria União retiram
diretamente da CRFB as atribuições e obrigações que devem oferecer aos cidadãos
120
que se sujeitam às leis de cada um deles, e que há isonomia entre todos os
Municípios, independente do porte, não sendo razoável obrigar a todos a manter
uma estrutura de julgamento administrativo caso exerçam sua competência
tributária.
Os princípios processuais do contraditório, ao lado da ampla
defesa, são manifestações do devido processo legal, princípio fundamental do
processo e inseparável do Estado Democrático de Direito. Pela mesma razão são
inadmissíveis as provas ilícitas.
É ainda assegurado à Administração rever seus atos de ofício
quando contenham vícios. Em razão disto, ainda que o contribuinte não tenha
exercido tempestivamente seu direito a recurso administrativo, desde que fique
evidenciado erro ou ilegalidade flagrante.
Controlar a constitucionalidade das normas tem como
pressuposto a hierarquia das normas, tendo como ápice a Constituição, à qual todas
devem se amoldar, formal ou materialmente. A inconstitucionalidade é uma
antinomia entre normas, que deve ser solucionada pelo critério hierárquico, que
mesmo quando em conflito com os critérios cronológico e da especialidade, deve
prevalecer, conforme Norberto Bobbio.
Os diversos ordenamentos jurídicos prevêem controles político,
jurisdicional ou misto na fiscalização de constitucionalidade das normas. O político é
efetuado por órgãos de natureza política, que não integra o Poder Judiciário,
normalmente de forma preventiva, dos quais o exemplo mais típico é a França, onde
há uma visão muito peculiar da separação dos poderes.
O controle jurisdicional é o que prevalece, exercido pelo Poder
Judiciário. Pode se dar de forma difusa, que ataca o vício da lei no caso concreto, ou
de forma concentrada, que ataca o vício da lei de forma abstrata.
O controle difuso é efetuado por órgão judicante, de forma
incidental. O objetivo é afastar a lei no caso concreto por ser inconstitucional.
Quando realizado por um tribunal, é necessário observar a reserva de plenário, isto
é, a norma pode ser declarada inconstitucional se o for por maioria absoluta dos
121
membros do tribunal ou do órgão especial, se este existir. Do contrário, a norma será
considerada constitucional para a solução da lide no caso concreto.
Já o controle concentrado, ou abstrato, procura afastar a norma
inconstitucional mesmo não havendo um caso concreto. Ataca a lei em tese. É
exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal.
Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, no controle
difuso, o ex tunc, mas produzem efeitos para as partes e no processo em que
houve tal declaração. Para que produza efeitos perante todos, é necessária a
suspensão da execução, no todo ou em parte, pelo Senado Federal, mas nesta
situação os efeitos são ex nunc.
No controle concentrado, a regra também é o efeito ex tunc e
para todos. Entretanto, por recente inovação legislativa, haveria possibilidade de, em
determinadas situações e desde que observado quórum de dois terços dos membros
do STF.
Para o deslinde da controvérsia sobre os efeitos da declaração
de inconstitucionalidade, deve ser estudada natureza do ato inconstitucional: se é
inexistente, nulo ou anulável. Em função de sua relevância, merece estudos mais
aprofundados.
O controle preventivo de constitucionalidade é efetuado
durante o processo legislativo. No Poder Legislativo, é realizado por comissão com
este fim criada ou pelo plenário da Casa Legislativa. No Poder Executivo é realizado
no momento da sanção ou do veto.
Aqui se confirma a segunda hipótese: através do controle
jurisdicional de constitucionalidade, a CRFB pretendeu que fosse uniformizada a
interpretação constitucional, vez que através dos meios recursais próprios pelo
controle difuso, será a mesma Corte que a aprecia em definitivo no caso do
controle concentrado. No caso, o STF.
ainda controle repressivo realizado pelo Poder Legislativo.
Um deles pode ocorrer se o Poder Executivo exorbitou do poder regulamentar ou
dos limites da lei delegada. Outro ocorre quando da aprovação ou rejeição de
122
medida provisória adotada pelo Presidente da República, que pode ser rejeitada por
inconstitucionalidade.
Como a defesa da Constituição compete a todos os Poderes,
quem entenda que o Chefe do Poder Executivo pode negar cumprimento à lei
que entenda inconstitucional. Entretanto, por outro lado, há quem entenda que, se
existir a possibilidade do controle concentrado, para que o Chefe do Poder Executivo
possa descumprir a lei, deve propor a medida pertinente perante a Corte
Constitucional. Nesta hipótese se está prestigiando a Constituição, mediante uso do
remédio que ela mesma indica.
A grande maioria das manifestações judiciais a cargo do STF
sobre a inexecução de lei pelo Chefe do Poder Executivo, quando a entenda
inconstitucional, se deram sob Constituições pretéritas, quando o controle
concentrado tinha como titular da sua iniciativa apenas o Procurador-Geral da
República. Houve apenas um caso sob a Constituição de 1988, favorável à
possibilidade, mas em que ficou consignado que o assunto deveria ser mais bem
estudado em função da ampliação do rol de legitimados a iniciarem o processo de
controle concentrado.
No âmbito do STJ houve um acórdão favorável à possibilidade,
mas em seus fundamentos baseou-se em acórdãos do STF proferidos sob as
Constituições pretéritas.
Reconhece-se, evidentemente, a relevância do direito de ampla
defesa, direito individual assegurado aos litigantes, mesmo em processo
administrativo. No entanto, esta não é nem pode ser ilimitada, vez que não é
compatível com a Constituição a existência de direitos ilimitados. Seu limite deve ser
encontrado da leitura dos demais dispositivos constitucionais. Não é a ampla defesa
no processo administrativo preceito suficiente para autorizar o conhecimento de
argüições de inconstitucionalidade no curso deste.
Para que a supremacia da Constituição seja observada
efetivamente, dela devem ser extraídos os remédios para excluir do sistema a norma
que viole seus ditames. O contrário, ainda que este seja o fundamento, o garante
tal supremacia, por poder implicar em tratamento não isonômico da mesma norma
123
em situações equivalentes. Portanto, aqui se confirmou a terceira hipótese, qual
seja, não garantia da supremacia constitucional se for dada a possibilidade a
qualquer agente da Administração de negar vigência à lei quando este entendê-la
inconstitucional.
Mesmo na condição de autoridade administrativa judicante, não
tem ele as mesmas prerrogativas do juiz. Se o ordenamento jurídico traz limitações à
atividade jurisdicional do juiz, com muito mais razão é possível a limitação à
autoridade administrativa julgadora. Por outro lado, a autoridade administrativa
julgadora tem maior campo de atuação no campo probatório, vez que nesta fase se
busca a verdade material, e não apenas a formal.
Mesmo com a tripartição do poder do Estado, a evolução tem
exigido maiores atribuições do Poder Executivo, que está se hipertrofiando para
governar. Sob este aspecto, outorgar-lhe ainda a prerrogativa de apreciar a
constitucionalidade das normas sem prévio exame jurisdicional acabaria por
dispensar, de certa forma, a existência dos demais Poderes.
A distribuição de justiça fiscal ocorre se todos os contribuintes
são tratados de forma isonômica frente à mesma norma. Se determinada norma é
inconstitucional, conforme manifestação do Judiciário, todos devem ser beneficiados
desta decisão. Contudo, se ao final for considerada constitucional em decisão
definitiva do Judiciário, não justiça fiscal se alguns contribuintes a ela não
precisariam se sujeitar.
Apesar de não haver vedação explícita na CRFB a respeito da
possibilidade do conhecimento de argüições de inconstitucionalidade, isto não
significa que apenas por isto seja possível exercer o controle no âmbito
administrativo. Ainda que fosse possível exercer tal controle no âmbito
administrativo, nos órgãos de natureza colegiada também se deverá respeitar o
princípio da reserva de plenário. Não teria fundamento que ao Judiciário, no
exercício de sua função típica houvesse ônus processual maior do que o exercício
de função atípica no âmbito do Poder Executivo.
Ainda que se entenda que a norma inconstitucional é
inaplicável, tal conclusão é possível quando afastada a presunção de
124
constitucionalidade, que é inerente ao ordenamento jurídico. Esta presunção pode
ser afastada apenas pelo Poder Judiciário, a partir de quanto será, sim, inaplicável.
O simples afastamento de norma inconstitucional no caso
concreto configura, sim, declaração incidental de inconstitucionalidade. Os efeitos no
caso concreto são os mesmos, portanto, é eufemismo afirmar que são coisas
distintas.
O princípio da sucumbência não é razão suficiente para, antes
da manifestação definitiva do Poder Judiciário, possa ser apreciada alegada
inconstitucionalidade no âmbito administrativo. Nesta hipótese, além de evitar a
sucumbência, evita indevidamente o próprio tributo no caso concreto. Portanto, trata-
se de um argumento utilizado de forma incorreta. Para prestigiar este princípio,
houve inovação legislativa, aplicável depois da manifestação definitiva do Judiciário
a respeito da inconstitucionalidade da norma, em especial a tributária.
Cabe à Administração Pública o princípio da autotutela,
mediante o qual ela revisa seus próprios atos quando contenham cios. Neste caso,
tal exercício ocorre também no âmbito do processo administrativo tributário.
Entretanto, na análise de vícios havidos nos próprios atos, neles não se insere
eventual inconstitucionalidade da lei que lhe suporte, porque d de autotutela
não mais se trata. Estará se analisando vício de ato de outro poder, no caso o Poder
Legislativo.
Ainda que exerçam atividade judicante, os órgãos de
contencioso administrativo estão sujeitos ao princípio da hierarquia, ainda que em
menor grau do que acontece na administração ativa. Portanto, se o controle
hierárquico é possível, daí se conclui que devem observar os preceitos legais,
especialmente se houve a sanção do diploma legal ou se não foi iniciado o controle
concentrado de constitucionalidade no qual tenha sido concedida medida cautelar.
Até porque os órgãos de contencioso administrativo são integrantes do Poder
Executivo, que é uno. Os integrantes dos órgãos de julgamento administrativo não
são superiores ao Chefe do Poder Executivo, se este não entendeu haver
inconstitucionalidade na norma em questão.
125
O princípio da legalidade também não autoriza afastar a norma
legal que se entenda em confronto com a Constituição. Como ela goza de
presunção de constitucionalidade, não é este princípio o meio apto para descumprir
tal norma.
A legislação infraconstitucional se ressente da falta de meios
processuais adequados para que os servidores públicos em geral, e os julgadores
administrativos em particular, possam sobrestar feitos sob sua responsabilidade e
possam representar aos titulares da legitimidade para propositura do controle
concentrado. Tal representação seria dirigida ao Presidente da República ou ao
Procurador-Geral da República que, se concordassem com o suposto vício,
iniciariam o controle abstrato, mediante propositura da ação própria.
As decisões do STF que admitiram a inexecução da lei pelo
Chefe do Poder Executivo foram, na sua grande maioria exaradas sob Constituições
pretéritas. Assim, sem nova análise do tema sob a Constituição de 1988 não é
possível utilizá-los como precedentes seguros. A única decisão do STF sob a CRFB
observou que o tema deveria ser mais bem estudado sob o tema da ampliação do
rol de legitimados a iniciar o controle abstrato. Neste mesmo equívoco laborou o
STJ, ao fundamentar-se nos precedentes do STF.
Como se viu, o tema comporta maior aprofundamento, não
pela sua relevância, como também por poder alcançar outros processos
administrativos, como na legislação de trânsito, no âmbito disciplinar dos servidores
públicos, na legislação que trate do digo de posturas nos municípios, e em todas
as atividades que o indivíduo tenha necessidade da Administração blica, ou que
haja a aplicação de alguma penalidade passível de contencioso administrativo. Além
destas, ainda temas que, por si só, mereceriam maior aprofundamento, conforme
já mencionado no corpo do presente trabalho.
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em: 8 dez. 2006.
______. Lei 11.847, de 20 de julho de 2001. Altera a Lei nº 3.938, de 1966, que
dispõe sobre normas gerais da legislação tributária estadual. Disponível em:
<http://www.sef.sc.gov.br>. Acesso em: 8 dez. 2006.
______. Lei 12.855, de 22 de dezembro de 2003. Altera dispositivos da Lei
3.938, de 1966, que dispõe sobre normas de legislação tributária estadual, e da Lei
5.983, de 1981, que dispõe sobre infrações à legislação tributária. Disponível em:
<http://www.sef.sc.gov.br>. Acesso em: 8 dez. 2006.
______. Lei nº 12.913, de 22 de janeiro de 2004. Altera dispositivos da Lei 3.938,
de 1966, que dispõe sobre normas de legislação tributária estadual. Disponível em:
<http://www.sef.sc.gov.br>. Acesso em: 8 dez. 2006.
______. Lei 13.104, de 8 de setembro de 2004. Altera a Lei 3.938, de 26 de
dezembro de 1966, que dispõe sobre normas da legislação tributária estadual.
Disponível em: <http://www.sef.sc.gov.br>. Acesso em: 8 dez. 2006.
______. Lei nº 13.441, de 15 de julho de 2005. Altera dispositivos da Lei nº 3.938, de
1966, que trata de normas de direito tributário, e estabelece outras providências.
Disponível em: <http://www.sef.sc.gov.br>. Acesso em: 8 dez. 2006.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Fazenda. Tribunal de Impostos e Taxas.
Processo administrativo. Competência do TIT para deixar de aplicar lei
134
inconstitucional ou decreto ilegal. Acórdão SF 2.713/95. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, v. 2, p. 108-138, nov. 1995.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 1998. 863 p.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2002. 433 p.
SOUZA, Heloisa Guarita. Os Conselhos de Contribuintes e os “pseudo” limites de
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WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. 4. ed. rev., atual., e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 239 p.
ANEXOS
A seguir colacionam-se algumas decisões administrativas,
contrapostas a outras judiciais, em que o Conselho de Contribuintes negou vigência
à lei sob o fundamento de inconstitucionalidade, em casos que o Judiciário
posteriormente se manifestou favoravelmente à constitucionalidade, ou que ainda
não houve decisão definitiva.
1) Prazos decadencial e prescricional, de 10 anos, das
contribuições sociais – artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991:
Ementa: FINSOCIAL FATURAMENTO DECADÊNCIA: Não
obstante a Lei 8.212/91 ter estabelecido prazo decadencial de 10
(dez) anos (art. 45, caput e inciso 1), deve ser observado no
lançamento o prazo qüinqüenal previsto no artigo 150, parágrafo
do C.T.N. Lei 5.172/66, por força do disposto no artigo 146,
inciso III, letra “b” da Carta Constitucional de 1988, que prevê que
somente à lei complementar cabe estabelecer normas gerais em
matéria tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento,
crédito, prescrição e decadência tributários. [Acórdão 101-91725,
sessão de 12/12/1997, Relator Raul Pimentel – 1ª Câmara do 1º CC-
MF]
Ementa: COFINS NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO
DECADÊNCIA Não sendo a COFINS tributo, mas tendo natureza
tributária, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal, a ela
aplicam-se as regras previstas no Código Tributário Nacional (Lei
5.172/66) relativamente à decadência. Por outro lado, tratando-se de
contribuição recolhida sem prévio exame da autoridade
administrativa o prazo decadencial é o previsto no art. 150, § do
CTN (Lei 5.172/66). O prazo decadencial de 10 (dez) anos
estabelecido pelo artigo 45 da Lei 8.212/91 não prevalece em
relação à COFINS, a luz do que dispõe o artigo 146, III, letra "b" da
Constituição Federal. Por força de tal dispositivo cabe à lei
complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários. Recurso provido. [Acórdão 201-
73523, sessão de 26/01/2000, Relator Serafim Fernandes Corrêa
1ª Câmara do 2º CC-MF]
136
Ementa: DECADÊNCIA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O
LUCRO – A contribuição social sobre o lucro líquido, "ex vi" do
disposto no art. 149, c.c. art. 195, ambos da C.F., e, ainda, em face
de reiterados pronunciamentos da Suprema Corte, tem caráter
tributário. Assim, em face do disposto nos arts. 146, III, "b" , da
Carta Magna de 1988, a decadência do direito de lançar as
contribuiþ§es sociais deve ser disciplinada em lei complementar. +
falta de lei complementar específica dispondo sobre a matéria, ou de
lei anterior recebida pela Constituição, a Fazenda Pública deve
seguir as regras de caducidade previstas no Código Tributário
Nacional. [Acórdão 105-15570, sessão de 24/02/2006, Relator José
Clóvis Alves – 5ª Câmara do 1º CC-MF]
Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ART. 46, DA LEI Nº 8.212/91. CONTRIBUIÇÃO. SEGURIDADE
SOCIAL. PRESCRIÇÃO. Se os limites apontados para as
contribuições da Seguridade Social estão estampados no art. 195 e
se a própria Constituição autoriza a União a instituir contribuições
sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das
categorias profissionais ou econômicas, remetendo-se a outro título
para cuidar de outro grupo de contribuições, não se pode invocar
outros limites para essas últimas. As contribuições previdenciárias,
a cargo do empregador, submetem-se ao decênio estabelecido pelo
art. 46 da Lei 8.212, de 1991. Rejeição da Argüição de
Inconstitucionalidade. Devolução dos autos à Turma para julgamento
do recurso. [Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível
101902-RN, 10 de março de 1999, Relator p/Acórdão Juiz Castro
Meira – Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região].
2) Limitação à compensação de prejuízos fiscais e de bases de
cálculo negativas artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/1995, artigos 15 e 16 da Lei
9.065/1995:
Ementa: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO -
COMPENSAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NEGATIVA LIMITARÁ
A 30% DOS LUCROS O direito adquirido à compensação integral
nasce para o contribuinte no instante em que for apurado o prejuízo
no levantamento do balanço. A partir desse instante a aplicação de
qualquer norma limitativa da sua compensação com lucros futuros,
torna-se impossível, por força da proteção constitucional ao direito
adquirido. Prejuízo acumulado apurado quando a lei garantia a sua
compensação integral. Raciocínio válido para a Contribuição Social
137
sobre o Lucro. Recurso provido. [Acórdão 101-92411, sessão de
12/11/1998, Relator Francisco de Assis Miranda Câmara do
CC-MF]
Ementa: IMPOSTO DE RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS
COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS LEI Nº 8.981/95. A
Medida Provisória 812, convertida na Lei 8.981/95, não
contrariou o princípio constitucional da anterioridade. Na fixação da
base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido
ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo
negativa, apurada em períodos bases anteriores em, no máximo,
trinta por cento. A compensação da parcela dos prejuízos fiscais
excedentes a 30% poderá ser efetuada, integralmente, nos anos
calendários subseqüentes. A vedação do direito à compensação de
prejuízos fiscais pela Lei 8.981/95 não violou o direito adquirido,
vez que o fato gerador do imposto de renda ocorre após o
transcurso do período de apuração que coincide com o término do
exercício financeiro. Recurso improvido. [Recurso Especial
168.379/PR, 04 de junho de 1998, Relator Ministro Garcia Vieira –
Turma do Superior Tribunal de Justiça]
3) Depósito recursal de 30% do valor da exigência como
requisito do recurso voluntário Decreto 70.235/1972, artigo 33, parágrafo 2º,
com a redação dada pelo artigo 32 da Medida Provisória 1.621-30/1997 e
reedições (exigência não mantida quando da conversão na Lei nº 10.522/2002):
Ementa: PROCESSO ADMINISTRATIVO RECURSO -
INTERPOSIÇÃO CONDICIONADA A DEPÓSITO. A exigência de
depósito como condicionante do seguimento do recurso
administrativo, instituída por Medida Provisória com prerrogativa de
Lei Ordinária, não tem o condão de ultrapassar a garantia relativa à
suspensão da exigibilidade estabelecida pelo CTN, que é Lei
Complementar, além de afrontar princípios constitucionais que
equipararam o processo administrativo ao judicial. [Acórdão 104-
17113, sessão de 13/07/1999, Relator Nelson Mallmann – 4ª Câmara
do 1º CC-MF]
EMENTA: Ação direta de in constitucionalidade. Impugnação à nova
redação dada ao § do artigo 33 do Decreto Federal 70.235, de
06.03.72, pelo artigo 32 da Medida Provisória 1699-41, de 27.10.98,
e o “caput” do artigo 33 da referida Medida Provisória. Aditamentos
com relação às Medidas Provisórias posteriores. Em exame
compatível com a liminar requerida, não têm relevância suficiente
138
para a concessão dela as alegadas violações aos artigos 62 e 5º,
XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 62 da Constituição Federal quanto à
redação dada ao artigo 33 do Decreto Federal 70.235/72 recebido
como lei pela atual Carta Magna pelo artigo 32 da Medida
Provisória 1699-41, de 27 de outubro de 1998, atualmente reeditada
pela Medida Provisória 1863-53, de 24 de setembro de 1999.
[Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.922/DF, 06/10/1999, Relator Ministro Moreira Alves – Pleno do
Supremo Tribunal Federal]
4) Incidência das contribuições sociais sobre o faturamento
sobre operações com energia elétrica, comunicações, minerais e combustíveis
CRFB, artigo 155, parágrafo 3º:
Ementa: COFINS IMUNIDADE – ENERGIA ELÉTRICA. Arts. 195, I
e 155, § 3, ambos da CF/88. I) O texto do dispositivo constitucional
impõe que nenhum outro tributo poderá incidir sobre as operações
relativas à energia elétrica, salvo aqueles impostos de que tratam o
inciso II do caput deste artigo e artigo 153, I e II. O STF dispensou
tratamento constitucional tributário à contribuição (ADC 1-1-DF e
RE 138.284-8/CE). II) Por ser a COFINS um tributo da espécie
parafiscal, não tem a Fazenda Nacional competência para impor a
exigência, por delimitação do poder de tributar. III) Irrelevância da
questão de dispor o § 3, do art. 155, da CF/88, acerca de regra de
imunidade objetiva ou subjetiva. O termo “operações” congloba a
espécie “faturamento”. O fato gerador da Cofins é a operação
mercantil de compra e venda de mercadorias ou serviços, ao final, a
receita bruta ou faturamento, que representa o quantitativo apurado
pelo contribuinte. Recurso provido. [Acórdão 202-09661, sessão de
19/11/1997, Relator José Cabral Garofano Câmara do CC-
MF]
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. COFINS.
DISTRIBUIDORAS DE DERIVADOS DE PETRÓLEO,
MINERADORAS, DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA E
EXECUTORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. C.F.,
art. 155, § 3º. Lei Complementar 70, de 1991. I. Legítima a
incidência da COFINS sobre o faturamento da empresa. Inteligência
do disposto no § do art. 155, C.F., em harmonia com a disposição
do art. 195, caput, da mesma Carta. Precedente do STF: RE
144.971-DF, Velloso, T., RTJ 162/1075. II. R.E. conhecido e
provido. [Recurso Extraordinário 233.807-4/RN, 01/07/1999,
Relator Ministro Carlos Velloso, Pleno do Supremo Tribunal Federal].
139
5) Índice da correção monetária das demonstrações financeiras
no período-base de 1990 (IPC X BTNF) – Lei nº 8.200/1991, artigo 3º:
Ementa: CORREÇÃO MONETÁRIA DE BALANÇO IPC/BTNF
1990 INTERPRETAÇÃO FINALÍSTICA PRECEDENTES
Conforme remansosa jurisprudência administrativa, a pessoa jurídica
tem direito de proceder à correção monetária de suas demonstrações
financeiras, no período-base de 1990, exercício financeiro de 1991,
com base no IPC, haja vista o disposto no artigo 5º da Lei
7.777/89 e na interpretação finalística aplicável ao instituto da
correção monetária de balanço, por força do disposto no artigo da
Lei 7.799/89. Recurso provido. [Acórdão 108-05590, sessão de
24/02/1999, Relator Mário Junqueira Franco Júnior Câmara do
1º CC-MF].
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE
RENDA. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. CORREÇÃO
MONETÁRIA. LEI 8.200/91 (ART. 3º, I, COM A REDAÇÃO DADA
PELA LEI 8.682/93). CONSTITUCIONALIDADE. A Lei 8.200/91, (1)
em nenhum momento, modificou a disciplina da base de cálculo do
imposto de renda referente ao balanço de 1990, (2) nem determinou
a aplicação, ao período-base de 1990, da variação do IPC; (3) tão
somente reconheceu os efeitos econômicos decorrentes da
metodologia de cálculo da correção monetária. O art. 3º, I (L.
8.200/91), prevendo hipótese nova de dedução na determinação do
lucro real, constituiu-se como favor fiscal ditado por opção política
legislativa. Inocorrência, no caso, de empréstimo compulsório.
Recurso conhecido e provido.
APÊNDICE
A seguir resume-se a atual estrutura de julgamento e de
recursos previstos no âmbito dos tributos da União administrados pela Secretaria da
Receita Federal e pela Secretaria da Receita Previdenciária, dos tributos do Estado
de Santa Catarina e do Estado do Paraná.
1 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL DOS TRIBUTOS DE
COMPETÊNCIA DA UNIÃO
No âmbito da União, a matéria é tratada pelo Decreto
70.235/1972, com diversas alterações posteriores. Este dispositivo é utilizado
especialmente no contencioso envolvendo os tributos administrados pela Secretaria
da Receita Federal [SRF].
1.1 Tributos administrados pela SRF
Após a lavratura de auto de infração ou notificação de
lançamento (artigo do Decreto 70.235/1972) para constituição do crédito
tributário, como prevê o artigo 142 do CTN, este só pode ser alterado nas hipóteses
do artigo 145 seguinte:
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só
pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos
previstos no artigo 149.
Mais adiante, dispõe o inciso III do artigo 151 que “as
reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário
administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário”.
141
Constituído o crédito tributário, “a impugnação da exigência
instaura a fase litigiosa do procedimento” (artigo 14).
1.1.1 Órgãos administrativos julgadores
São órgãos com competência para o julgamento administrativo:
Delegacias da Receita Federal de Julgamento [DRJ]: primeira
instância do julgamento de processos fiscais de exigência de tributos ou
contribuições administrados pela SRF (artigo 25, inciso I, do Decreto nº 70.235/1972,
com a redação dada pelo artigo 64 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001).
Com a Lei 8.748/1993, foram criadas as DRJ, cujos titulares,
os Delegados, eram os agentes públicos com tal competência. Na vigência desta
estrutura, eram dezoito as DRJ, com sua competência territorialmente delimitada.
Este quadro foi alterado pela Portaria MF nº 416/2000. Por este
ato, a competência das DRJ passou a ser mista: parte territorial, parte por matéria; é
que os julgamentos referentes a algumas matérias foram deslocados para outras
DRJ, independentemente da jurisdição territorial previamente definida.
Alterações mais profundas, e atualmente vigentes, foram
trazidas pelo artigo 64 da Medida Provisória 2.113-30/2001 atual Medida
Provisória 2.158-35/2001 –, pela Portaria MF nº 258/2001, e pelo Regimento
Interno da SRF aprovado pela Portaria MF 259/2001. Por tais atos, o julgamento
administrativo de primeira instância deixou de ser singular, passando a ser efetuado
por colegiados (“Turmas”), compostos, cada um deles, por cinco julgadores.
Também por estes atos, ficou corroborada a competência mista das DRJ: territorial e
por matéria. As DRJ são órgãos de deliberação interna e natureza colegiada da
SRF.
Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda [CC-MF]:
nos termos do inciso II do artigo 25 do Decreto 70.235/1972, são os órgãos de 2ª
instância daqueles mesmos processos.
Ao longo dos anos, as competências dos CC-MF, que são e
sempre foram delimitadas apenas por matéria, têm sido alteradas por vários atos
142
legais. Os CC-MF, atualmente, são em número de três, e, de forma resumida, têm
sua competência assim distribuída:
CC-MF: aplicação da legislação referente ao imposto sobre
a renda e proventos de qualquer natureza, adicionais, empréstimos compulsórios a
ele vinculados e contribuições, (o PIS/Pasep e a Cofins, apenas quando lastreadas
nos mesmos substratos probatórios do imposto sobre a renda).
CC-MF: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
inclusive adicionais e empréstimos compulsórios a ele vinculados (exceto nos casos
de importação ou cujo lançamento decorra de classificação de mercadorias e
quando incidente sobre produtos saídos da Zona Franca de Manaus ou a ela
destinados); Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre
operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários; Contribuições para o Programa
de Integração Social e de Formação do Servidor Público (PIS/Pasep) e para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins), quando suas exigências não estejam
lastreadas, no todo ou em parte, em fatos cuja apuração serviu para determinar a
prática de infração a dispositivos legais do imposto sobre a renda; Contribuição
Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de
Direitos de Natureza Financeira (CPMF);
CC-MF: Imposto sobre a Importação (II) e a Exportação (IE);
Imposto sobre Produtos Industrializados nos casos de importação, cujo lançamento
decorra de classificação de mercadorias ou incidentes sobre produtos saídos da
Zona Franca de Manaus ou a ela destinados; Imposto sobre Propriedade Territorial
Rural (ITR); Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide);
Contribuições para o Fundo de Investimento Social (Finsocial), quando sua
exigência não esteja lastreada, no todo ou em parte, em fatos cuja apuração serviu
para determinar a prática de infração a dispositivos legais do imposto sobre a renda;
tributos e empréstimos compulsórios e matéria correlata não incluídos na
competência julgadora dos demais Conselhos.
Câmara Superior de Recursos Fiscais [CSRF]: compete-lhe
julgar os recursos especiais, nos termos do parágrafo único do artigo do Decreto
nº 83.304/1979, os quais podem ser interpostos nos casos adiante citados.
143
1.1.2 Espécies de recursos cabíveis
As diversas espécies de recursos cabíveis no âmbito do
processo administrativo tributário estão previstas no próprio Decreto nº 70.235/1972,
nos Regimentos Internos como ainda em legislação esparsa. Podem ser assim
resumidos:
i) impugnação: dirigida às DRJ e interposta pelo sujeito passivo, no prazo
de 30 dias, contra auto de infração ou notificação de lançamento (artigo
14 do Decreto nº 70.235/1972);
j) recurso voluntário (aos CC-MF): dirigido aos CC-MF e interposto pelo
sujeito passivo, no prazo de 30 dias, contra decisão das DRJ que tenha
declarado procedente, parcial ou totalmente, o lançamento formalizado
(neste caso é proposto contra o não acatamento, parcial ou total, da
impugnação) (artigo 33 do Decreto 70.235/1972 e artigos a 9º do
Regimento Interno dos CC-MF [RICCMF] Anexo II da Portaria MF
55/1998);
k) recurso de ofício: dirigido aos CC-MF e interposto pelas DRJ contra
decisões suas (prolatadas em face da apreciação de impugnação de
lançamento de ofício), total ou parcialmente favoráveis ao sujeito
passivo, que exonerarem este do pagamento de tributo e multa em valor
total (lançamento principal e decorrentes) superior a R$ 500.000,00
(inciso I do artigo 34 do Decreto 70.235/1972 e artigo da Portaria
MF nº 375/2001);
l) recurso voluntário CSRF): dirigido à CSRF e interposto pelo sujeito
passivo, no prazo de 30 dias, contra decisão dos CC-MF que tenha dado
provimento a recurso de ofício promovido pelas DRJ (artigo 34 e
parágrafo 1º do artigo 33 do Decreto 70.235/1972, artigo 36 do
RICCMF, e artigo 10 do Regimento Interno da CSRF [RICSRF] – Anexo I
da Portaria MF nº 55/1998);
m) recurso especial: dirigido à CSRF e interposto, no prazo de 15 dias,
contra decisão não unânime de Câmara de CC-MF quando for contrária
144
à lei ou à evidência da prova (recurso privativo do Procurador da
Fazenda nacional), ou contra decisão que der à lei tributária
interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara de CC-MF
ou a própria CSRF (recurso manejável tanto pelo Procurador da
Fazenda Nacional quanto pelo sujeito passivo) (artigo do Decreto
83.304/1979, artigo 32 do RICCMF e artigo 5º do RICSRF);
n) embargos de Declaração: dirigido aos CC-MF ou à CSRF, e
apresentado, no prazo de 5 dias, por Conselheiro da Câmara, pelo
Procurador da Fazenda Nacional, pelo sujeito passivo, pela autoridade
julgadora de primeira instância ou pela autoridade encarregada da
execução do acórdão, quando existir no acórdão prolatado obscuridade,
dúvida ou contradição entre decisão e fundamentos, ou ainda quando for
omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a Turma (CSRF) ou a
Câmara (CC-MF) (artigo 27 do RICCMF e artigo 27 do RICSRF);
o) agravo: dirigido aos CC-MF (Presidente da Câmara recorrida) e
interposto, no prazo de 5 dias, pelo Procurador da Fazenda Nacional ou
pelo sujeito passivo, contra despacho que negar seguimento a recurso
especial (artigo 35 do RICCMF e artigo 9º do RICSRF);
p) recurso hierárquico: dirigido ao Ministro da Fazenda e interposto pelo
Procurador da Fazenda Nacional ou outro servidor em exercício na SRF,
tem seu fundamento de validade no inciso I do parágrafo único artigo 87
da CRFB e nos artigos 19 e 20 do Decreto-Lei 200/1967, o qual é
bastante discutido no âmbito da Administração blica. Meirelles, em
nota de rodapé, confirma que “os ministros de Estado também podem
conhecer de recursos provindos de órgãos subordinados ou de
entidades vinculadas ao seu Ministério, com base na hierarquia ou na
supervisão ministerial”
342
.
Especificamente no âmbito do processo administrativo fiscal, a
polêmica relativamente ao recurso hierárquico é ainda mais acirrada.
342
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 588.
145
Assim, recentemente o STJ decidiu no MS nº 6.737-DF:
Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta,
está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente,
cabendo-lhe também conhecer de recursos providos de órgãos
subordinados ou de entidades vinculadas ao seu Ministério, com
base na hierarquia ou na supervisão ministerial.
1.2 Tributos administrados pela Secretaria da Receita Previdenciária
No âmbito das contribuições sociais administradas pela
Secretaria da Receita Previdenciária, em nome do Instituto Nacional do Seguro
Social, o Decreto nº 70.235/1972 se aplica subsidiariamente, conforme prevê o
artigo 304 do Decreto nº 3.048/1999, que aprova o Regulamento Geral da
Previdência Social.
Ainda com fulcro neste dispositivo, foi aprovado o Regimento
Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social CRPS através da Portaria
MPS nº 520/2004.
2 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL DOS TRIBUTOS DE
COMPETÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
No âmbito do Estado de Santa Catarina, dispõe sobre o
contencioso administrativo a Lei 3.938/1966, a partir de seu artigo 172, com as
alterações promovidas pelas Leis nºs 11.847/2001, 12.855/2003, 12.913/2004,
13.104/2004 e 13.441/2005.
São órgãos de julgamento a Unidade de Julgamento Singular
[UJS], em primeira instância, e o Conselho Estadual de Contribuintes [CEC], em
segunda instância (artigo 173).
Nas hipóteses do artigo 193, o julgamento ocorrerá em
instância única pelo Gerente Regional, por se tratar de procedimento sumário.
São cabíveis a Reclamação, dirigida à UJS, no prazo de 30
dias da ciência, pelo sujeito passivo, contra notificação fiscal ou auto de infração
(artigo 191).
146
Recurso Ordinário, dirigido ao CEC e interposto pelo
contribuinte, no prazo de 15 dias, contra a decisão das UJS que tenha julgado
improcedente, parcial ou totalmente, a reclamação apresentada (artigo 196, inciso I).
Recurso Ordinário: dirigido ao CEC e interposto, de ofício, pelo
Julgador de Processos fiscais, no corpo da própria decisão, sempre que o valor de
sucumbência da Fazenda Pública exceder a mil Unidades Fiscais de Referência
(artigo 196, inciso II).
Recurso Especial: dirigido às Câmaras Reunidas, no prazo de
quinze dias, quando a decisão recorrida divergir de decisões da outra câmara ou das
Câmaras Reunidas, quanto à interpretação da legislação tributária, ou resultar de
voto de desempate do presidente da câmara (artigo 198).
Pedido de Esclarecimento: dirigido ao relator do acórdão, de
decisão de câmara ou das maras Reunidas, no prazo de cinco dias, quando a
decisão recorrida for omissa, contraditória ou obscura ou deixar de apreciar matéria
de fato ou de direito alegada na petição (artigo 199).
Procedimento Administrativo de Revisão: formulado e
procedido nos termos dos artigos 200 e 201.
Cumpre anotar o artigo 175, o qual trata expressamente do
âmago do presente trabalho:
Art. 175. As autoridades julgadoras são incompetentes para declarar
a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei, decreto ou portaria de
Secretário de Estado.
Parágrafo único. O Conselho Estadual de Contribuintes, em
qualquer de suas câmaras, poderá apreciar a alegação de
ilegalidade ou inconstitucionalidade reconhecida por entendimento
manso e pacífico do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça.
343
343
Alteração da redação original do artigo 175 da Lei 3.938/1966 promovida pela Lei
11.847/2001. Entretanto, originariamente o artigo 174 da Lei 3.938/1966 dispunha no mesmo
sentido.
147
3 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL DOS TRIBUTOS DE
COMPETÊNCIA DO ESTADO DO PARANÁ
No âmbito do Estado do Paraná, dispõe sobre o contencioso
administrativo a Lei Complementar nº 1/1972, com as alterações promovidas pelas
Leis Complementares nºs 18/1983, 36/1987, 45/1989, 78/1996 e 87/2000. De
maneira genérica, menção ao assunto no artigo 56, itens XI e XII, da Lei nº
11.580/1996. A Resolução SEFA nº 72/2005 trata do Regimento Interno do
Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais [RICCRF].
São órgãos de julgamento o [DCRESF], em primeira instância,
o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais [CCRF], em segunda instância, e o
Secretário da Fazenda, como última instância (artigos 23 da Lei Complementar
1/1972, e 56, item XI e XII, da Lei nº 11.580/1996).
São cabíveis a Reclamação, dirigida ao DCRESF, no prazo de
30 dias da ciência, pelo sujeito passivo, contra auto de infração (artigo 56, itens VI e
XI, da Lei nº 11.580/1996).
Recurso Ordinário, dirigido ao CCRF e interposto pelo
contribuinte, no prazo de 30 dias, contra a decisão de instância que tenha julgado
improcedente, parcial ou totalmente, a reclamação apresentada (artigos 56, item XII
da Lei nº 11.580/1996 e 37 do RICCRF).
Recurso de Ofício: dirigido ao CCRF e interposto pelo julgador
instância, no corpo da própria decisão, sempre que o valor de sucumbência da
Fazenda Pública exceder a R$ 50.000,00 (artigos 56, item XII da Lei nº 11.580/1996
e 38 do RICCRF).
Recurso de Reconsideração: dirigido ao Pleno, no prazo de
trinta dias, quando a decisão recorrida divergir de decisões da própria câmara, de
outras câmaras ou do Pleno, ou não for unânime (artigo 39 do RICCRF).
Pedido de Esclarecimento: dirigido ao relator do acórdão, de
decisão de câmara ou das Câmaras Reunidas, no prazo de quinze dias, sobre o
alcance do acórdão (artigo 47 do RICCRF).
148
Recurso à última instância, dirigido ao Secretário da Fazenda e
interposto ao Presidente do CCRF, pelo Representante da Secretaria de Estado da
Fazenda, no prazo de 15 dias contados da publicação do acórdão no Diário Oficial
do Estado.
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