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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ‘JÚLIO DE MESQUITA FILHO’
FACULDADE DE HISTÓRIA DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
Flávia Gonçalves Canesqui
Colhendo possibilidades: uma análise do Programa de Lavoura Comunitária “AgroVida”
FRANCA/SP
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ‘JÚLIO DE MESQUITA FILHO’
FACULDADE DE HISTÓRIA DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
Flávia Gonçalves Canesqui
Colhendo possibilidades: uma análise do Programa ‘AgroVida’
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Faculdade de História, Direito e Serviço
Social da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” –
UNESP – Campus de Franca/SP, para obtenção do título de
Mestre em Serviço Social. Área de concentração: Serviço
Social: mundo do trabalho.
Orientadora: Profa. Dra. Raquel dos Santos Sant’ana
FRANCA
2006
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FLÁVIA GONÇALVES CANESQUI
COLHENDO POSSIBILIDADES: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA ‘AGROVIDA’
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Faculdade de História, Direito e Serviço
Social da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” –
UNESP – Campus de Franca/SP, para obtenção do título de
Mestre em Serviço Social. Área de concentração: Serviço
Social: mundo do trabalho.
Orientadora: Profa. Dra. Raquel dos Santos Sant’ana
Data:_______________________________
Banca examinadora:
1) Profa. Dra. Raquel dos Santos Sant’ana (Presidente)
(Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP/Franca)
2) Prof.(a) Dr.(a).____________________________________________________________
( )
3) Prof.(a) Dr.(a).____________________________________________________________
( )
Resultado final: ___________________________
4
À equipe de governo da gestão “Alterosa para todos” e a todos os
envolvidos no Programa de Lavoura Comunitária “AgroVida”.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à querida, carinhosa e acolhedora família Canesqui: Pai, Mário e Pedro,
vocês mostram-me diariamente o verdadeiro sentido da irmandade, que nos une e nos faz
fortes.
Letícia, minha irmã: muita vida ainda está por vir e é ótimo saber que podemos e
queremos compartilhá-la.
Marina: obrigada pela atenção e carinho dedicados.
Felipe: você já é bem vindo nessa família. É só aceitar!
Maria Rita, Keké e Clarinha, nossos agregados, que acompanharam a finalização deste
trabalho.
Agradeço aos meus amigos de Alterosa/MG:
Dimas, obrigada pela possibilidade ímpar de trabalhar guiada por princípios de justiça,
igualdade e responsabilidade com a coisa pública. Sua dedicação e disciplina arregimentam
nossos sonhos de construção de homens e mulheres novos.
Gisela, Pedrinho, Rosângela, D. Ivone (in memorian), Rildo, Cássio, Mara, Grisante,
Gláucia, D. Auxiliadora, Zé com Pressa, e Vantuir: obrigada pela acolhida em Alterosa/MG.
Vocês contribuíram consideravelmente para minha permanência nesta cidade.
Agradeço à equipe (de todas as etapas) da Secretaria Municipal de Assistência Social
de Alterosa/MG: Simone, Damaris, Nenê, Dinalva, Ivan, Ana Mara, Adalgiza, Giovani e
Isnard, trabalhar com vocês foi grande aprendizado.
Agradeço, especialmente, às assistentes sociais, minhas amigas e companheiras de
luta: Yuri Anaguchi, Gabriela Rossi, Laura, Evelise Cristina e Adriana Silva. Como é bom
saber que nossa identificação aconteceu, sobretudo, pela nossa insistência em ver o novo
acontecer e na disposição de zelar pelo projeto ético-político de nossa profissão.
Agradeço àquelas pessoas que fazem da minha vida uma imensa alegria ao
compartilhar sonhos e segredos - meus amigos: Valéria e Renato, Tito e Aretha, Luciana
Baptistella, Angélica e Wagner, Kamila Martins, Márcia Merisse, Andréa Rocha, Jeferson e
família Cellos, Meire, Flavinha e Michelly Elias.
6
Às integrantes do mais novo ‘movimento’: Marcela, Alessandra e Fernanda.
Às mais novas amizades, que fortalecem a luta pela educação de qualidade e
conscientizadora, professores do UNIFEG: Emerson Arruda, Alexandre Marchi, Reginaldo
Souza, Marinho, Adriano, Irse, Fábio Fonseca e Sônia. Especialmente quero agradecer uma
dupla ‘crítica’, com quem tive o privilégio de conviver e compartilhar momentos importantes
da vida: Robson e Ana Laura. Obrigada por tudo, mas principalmente pelos nossos amores e
pelos nossos vexames. Oxalá!
Agradeço a Profa. Dra. Raquel Sant’ana pelas orientações acadêmicas e por me
auxiliar na compreensão da presença da questão agrária nos meandros do Serviço Social.
Agradeço à banca de qualificação formada pelo Prof. Dr. Fernando Silva Siqueira e
pela Profa. Dra. Israild Giacometti, pelas contribuições significativas no desenvolvimento
deste trabalho.
Agradeço a CAPES por financiar parte desse estudo.
7
RESUMO
Este trabalho analisa um programa da potica de assistência social do município de
Alterosa/MG a partir da perspectiva de seus usuários – trabalhadores rurais assalariados - e
dos profissionais envolvidos em sua implementação – técnicos agrícolas e assistente social. O
conjunto dessas análises resulta em uma avaliação deste programa, que aponta para a
necessidade de aproximar a política de assistência social do mundo do trabalho de seus
usuários. Na realidade social de Alterosa/MG, esta aproximação revela os processos agrários
que compõem a questão social, facilitando o entendimento de sua produção na
contemporaneidade, que perpassa pelas transformações ocorridas no mercado de trabalho,
presentes, também, no meio rural.
Para avaliar o Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’, utilizou-se a técnica da
entrevista, composta por depoimentos dos sujeitos envolvidos em sua efetivação. A análise
dos depoimentos traduz as inovações, como também, os limites de um programa social que
tem a intencionalidade de pautar o mundo do trabalho e, por conseguinte, a questão agrária
como elementos determinantes em seu desenvolvimento.
Palavras-chave: assistência social, mundo do trabalho, questão agrária.
8
RESUMEN
Esta investigación analiza un programa de la política de asistencia social de la ciudad de
Alterosa/MG a partir de la perspectiva de sus usuarios – trabajadores rurales asalariados – y
de los profesionales relacionados con su implementación – técnicos agrícolas y asistente
social. El conjunto de los análisis resulta en una evaluación del programa, que apunta para la
necesidad de acercar la política de asistencia social al mundo del trabajo de sus usuarios. En la
realidad social de la ciudad de Alterosa, esta aproximación revela los procesos agrarios que
componen la cuestión social, facilitando el entendimiento de su producción en la
contemporaneidad, repasando por las transformaciones ocurridas en el mercado de trabajo,
presentes, también, en el medio rural.
Para evaluar el programa de Labranza Comunitaria “AgroVida”, se ha utilizado la técnica de
la entrevista, compuesta por declaraciones de los sujetos relacionados en su efectividad. El
análisis de las declaraciones, traduce las innovaciones, como también, los límites de un
programa social que tiene la intencionalidad de pautar el mundo del trabajo y, enseguida la
cuestión agraria como elementos determinantes en el desarrollo de la política de asistencia
social de la ciudad de Alterosa.
Palabras clave: asistencia social, mundo del trabajo, cuestión agraria
9
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................... 10
Capítulo I: A ofensiva neoliberal........................................................................................... 13
Capítulo II: Alterosa/MG e o Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’ .................... 42
Capítulo III: Análise e avaliação do Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’.......... 65
Considerações Finais.............................................................................................................. 90
Bibliografia ............................................................................................................................ 95
10
INTRODUÇÃO
A história humana não se desenrola apenas nos campo de batalha e
nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais
entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos,
nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.
Disso eu quis fazer minha poesia. Dessa matéria humilde e
humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode
ser uma traição à vida. (Ferreira Gullar)
Este trabalho analisa um programa da política de assistência social do município de
Alterosa/MG a partir da perspectiva de seus usuários – trabalhadores rurais assalariados - e
dos profissionais envolvidos em sua implementação – técnicos agrícolas e assistente social.
O conjunto dessas análises resulta em uma avaliação do Programa de Lavoura
Comunitária ‘AgroVida’, que aponta para a necessidade de aproximar a política de assistência
social do mundo do trabalho de seus usuários.
Na realidade social de Alterosa/MG, esta aproximação revela os processos agrários
que compõe a questão social, fornecendo elementos para compreendê-la na
contemporaneidade, os quais perpassam pelas transformações ocorridas no mercado de
trabalho, presentes, também, no meio rural.
O debate da questão agrária, historicamente polêmico, recompõe-se na atualidade, seja
pela não efetivação de uma reforma agrária que realmente altere a distribuição da propriedade
da terra no Brasil, seja pelo modelo de agricultura hegemônico, comumente conhecido por
agronegócio, que privilegia as grandes propriedades, os produtos para exportação e cada vez
menos força de trabalho.
Analisar e avaliar o Programa AgroVida é um desafio, pois apresenta-se como a
primeira proposta, ao menos em Alterosa/MG, de evidenciar, na assistência social, o mundo
do trabalho e também uma das expressões da questão agrária. Contudo, o desafio foi
assumido – e a elaboração desta dissertação é resultado disto -, seja pelo vínculo profissional
11
da autora com a implementação do Programa em sua fase inicial, seja pela necessidade de
apresentar as especificidades que a questão agrária traz às propostas de trabalho do Serviço
Social.
Para abordagem do tema em questão, este trabalho foi dividido em três capítulos.
O primeiro aborda a conjuntura econômica e política brasileira atual, caracterizada,
principalmente, pelas mudanças ocorridas no mundo do trabalho e pela direção estatal dada às
políticas sociais. O conteúdo deste capítulo fornece indicadores que possibilitam compreender
as possibilidades e os limites do Programa AgroVida, que serão debatidos nos outros dois
capítulos.
O segundo capítulo apresenta a realidade social do município de Alterosa/MG, os
elementos que impulsionaram a implementação de um programa social que acompanha o
movimento do trabalho sazonal na agricultura, e a formatação do Programa.
Este capítulo aborda também o trabalho rural assalariado temporário que – como
exposto no primeiro capítulo – encontra-se mediado pelas conseqüências do modelo
econômico brasileiro.
O terceiro capítulo traz, com base no que foi apresentado nos capítulos anteriores, uma
avaliação do Programa AgroVida, sua proposta, sua efetivação e seus resultados. A avaliação
é realizada pelos trabalhadores rurais, técnicos agrícolas e assistente social. O conteúdo deste
capítulo indica as inovações pontuadas pelo Programa AgroVida, como também seus limites.
As considerações finais expressam as razões de se vincular política de assistência
social ao mundo do trabalho de seus usuários, quais as perspectivas que este vínculo pode
trazer para a assistência social, no sentido de garantir o acesso ao direito de uma parcela
expressiva da população.
A experiência acumulada pela pesquisadora, no período da graduação em Serviço
Social, com a participação no grupo de extensão universitária ‘Núcleo Agrário Terra e Raiz’ –
12
Unesp/Franca possibilitou perceber, dentre outras coisas, o imbricamento existente entre
questão social e questão agrária, como também a ausência desta temática no Serviço Social e
na efetivação das políticas sociais.
Se a leitura minuciosa da realidade social é uma exigência colocada ao Serviço Social
quando da elaboração de propostas de trabalho, as especificidades agrárias devem ser
consideradas, haja vista a realidade dos municípios brasileiros, que são em sua maioria
pequenos, cuja estrutura ocupacional e produtiva depende fortemente do setor agrícola.
Esta dissertação sustenta a concepção de que a política de assistência social é
instrumento viabilizador de direitos e esta tarefa, às vezes, por conta dos determinantes da
conjuntura política e econômica, torna-se desalentadora, pois se analisada por um amplo
espectro, ver-se-á o pouco construído, porém, se a análise estiver calcada na história, o pouco
construído indica novas possibilidades.
13
CAPÍTULO I
A OFENSIVA NEOLIBERAL
O presente capítulo apresenta a atual conjuntura política, econômica e social
brasileira com o intuito de situar a política de assistência social e desta forma, compreender os
determinantes do objeto de estudo dessa pesquisa.
As indicações desta conjuntura não são em nada animadoras para a efetivação da
política de assistência social em sintonia com suas diretrizes legais, já que o caminho trilhado
pelo Estado brasileiro segue rumo à sua minimização enquanto um sistema de proteção
social
1
.
Esse caminho representa menos uma opção brasileira do que uma orientação, para
não dizer, imposição política e econômica dos Estados Unidos acordada no Consenso de
Washington.
2
As recomendações do Consenso de Washington para os países latino-americanos
abrangiam dez áreas: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária,
liberalização financeira, regime cambial, liberalização comercial, investimento direto
estrangeiro, privatização, desregulação e propriedade intelectual.
1
A definição de proteção social está amparada no conceito de Di Giovanni (1998, p. 10), que a considera como
as formas ‘institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros.
Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o
infortúnio, as privações. [...] Neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de
bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a
sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. Ainda, os princípios reguladores e as normas que,
com intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades.’ Este conceito é utilizado também na Política
Nacional de Assistência Social (2004, p.31).
2
Em novembro de 1989 em Washington – Estados Unidos, reuniram-se funcionários do governo norte-
americano e dos organismos financeiros internacionais: FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – para avaliar as reformas econômicas realizadas nos países
da América Latina e de acordo com Batista (1994, p.5) o resultado dessa avaliação foi um amplo consenso em
torno da proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendado como condição
para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral.
em torno da proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendado como
condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral.
14
No entanto, segundo Teixeira (1998, p.225), “as mesmas poderiam ser resumidas em
dois pontos, apenas: redução do tamanho do Estado e abertura da economia”.
Na verdade, as propostas do Consenso de Washington representavam a tentativa dos
Estados Unidos em ampliar seu programa neoliberal, iniciado em 1980 no Governo
Reagan e que estava em gestação desde o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e no
próprio Estados Unidos.
É bastante definidora a afirmação de Bóron (1995, p.158 apud SERRA, 2000, p.40) a
respeito do significado do neoliberalismo para os países latinos americanos: “Em p
aíses como
o México, a Argentina, a Venezuela, o Brasil e o Chile [...] ‘neoliberalismo’ quer dizer aplicar o que
dita a ortodoxia econômica do Banco Mundial e do FMI, aplicar o Consenso de Washington”.
A base conceitual do neoliberalismo data de 1944 com o texto ‘O caminho da
servidão’ de Friderich Hayek e sua organização política de 1947 quando este convida
adversários ferrenhos do Estado de Bem Estar Social
3
e do New Deal norte americano
4
para
pensar as bases de um outro modelo de capitalismo.
5
As idéias neoliberais quando organizadas não tiveram tanto impacto, em virtude da
fase áurea do capitalismo, compreendida entre os anos de 1950 e 1960; porém quando o
sistema capitalista entra, nos dizeres de Mandel (1990)
6
, em sua “onda longa recessiva”,
3
Conhecido como Welfare State ou Estado intervencionista, surgiu após a Segunda Guerra Mundial na Europa e
nos Estados Unidos e tem como diretriz a garantia dos mínimos sociais, como saúde, educação, habitação, etc.
(ANTUNES, 1999, p. 22).
4
Medidas políticas intervencionistas adotadas pelo governo norte-americano para enfrentar as conseqüências da
crise econômica de 1929.
5
Dessa reunião convocada por Hayek, nasceu a Sociedade de Mont Pélerin. Anderson (1995, p.10) a descreve
como uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões
internacionais a cada dois anos. Participavam dessa reunião: Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins,
Ludwing Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros.
6
Netto (1993, p. 69-70) fundado nas análises de Mandel (1990) lembra-nos que as crises são inerentes ao
sistema capitalista, segundo ele ‘esta inépcia [...] é parte de uma dinâmica em que as crises inerentes ao
movimento do capital se operavam no marco de ondas longas de crescimento; tais ondas longas expansivas [...]
de que é exemplo o padrão de crescimento das economias centrais entre o imediato segundo pós-guerra e a
década de sessenta, experimentam uma reversão neste último decênio: impõem-se ondas largas recessivas, onde
os picos de crescimento tornam-se conjunturais.
15
apresentando baixíssimas taxas de crescimento e altas taxas de inflação, o programa
neoliberal ganha corpo e densidade.
A respeito desse momento, Mandel (1990, p.113 apud NETTO, 1993, p.70) fornece-nos
uma interpretação sobre o que seria a “onda longa recessiva” ou do que, costumamente,
denominados de crise:
Na medida em que a longa fase de expansão do pós-guerra chegava ao
seu fim, em que os principais motores de expansão começaram a se
esgotar [...] as contradições da economia capitalista se mostravam
mais graves [...]. A recessão generalizada expressa, portanto, de modo
sintético, o esgotamento da ‘onda longa expansiva que começou nos
Estados Unidos em 1940, na Europa Ocidental e no Japão em 1948, e
durou até o final dos anos 60.’ A nova ‘onda longa’ caracteriza-se por
uma taxa de crescimento média a longo prazo sem dúvida inferior
àquela dos anos 50 e 60 [...] é uma crise social do conjunto da
sociedade burguesa, uma crise das relações de produção capitalistas e
de todas as relações sociais burguesas.
Nessa mesma direção, José Paulo Netto (1993) analisa outros elementos - de grande
significação histórico-universal - propulsores da crise e também, conseqüentemente, o
dinamismo e a força ideológica do neoliberalismo: a falência do Estado de bem estar e o
colapso do socialismo real, os quais de uma maneira geral, pautaram a viabilidade de
propostas e práticas alternativas à ordem do capital.
7
Segundo Netto (1993, p.77):
A programática do neoliberalismo não teria atratividade quando o
Welfare State e os experimentos alternativos ao capitalismo
registravam êxitos, reais e/ou aparentes – é apenas quando ambos, os
alvos óbvios da ofensiva neoliberal, entram em ciclo crítico que aquilo
que era mentação dos intelectuais converte-se numa espécie de
‘espírito do tempo’. [...]. Contou [...] (para seu dinamismo) muito
favoravelmente, primeiro a crise do Welfare State e, em seguida, a do
socialismo real. Esta pareceu oferecer a comprovação definitiva do
fundo último da programática neoliberal, vale dizer, a
7
Não é demais lembrar que o Estado de bem estar social visava, na ordem do capital, conciliar a dinâmica da
acumulação com a garantia de direitos políticos e sociais mínimos.
16
insustentabilidade de uma economia planejada; a crise do Welfare
State forneceu-lhe o combustível para colocar em xeque as funções
estatais como indutoras de crescimento econômico e promotoras de
bem-estar.
A proposta de um novo modelo de gestão do capital para enfrentar a crise fora
permeada por um “anticomunismo intransigente” (ANDERSON, 1995, p. 12), que visava,
principalmente, a quebra do poder sindical e do movimento operário, já que estes, segundo os
defensores do neoliberalismo, por meio de suas reivindicações por melhores salários e por
aumento dos gastos sociais estatais, minavam as bases de acumulação capitalista e diminuíam
a margem de lucro das empresas, o que desencadearia processos inflacionários.
O ataque neoliberal à organização da classe trabalhadora é compreensível na medida
em que esta se constitui um dos eixos estruturantes do Estado de bem estar social.
King (1998, p.60-61) evidencia a influência de grupos organizados da classe
trabalhadora na configuração e expansão das políticas de bem estar e sugere que sua
organização política indica uma poderosa base de apoio às políticas do estado de bem-estar,
de forma que seu declínio o debilitaria.
Em outras palavras, na medida em que sindicatos e partidos políticos
apoiados por sindicatos contribuíram para a expansão do estado de
bem-estar no período pós-anos 30, deve-se esperar que um
enfraquecimento relativo da força dos trabalhadores ou dos sindicatos
ajude tentativas conservadoras de redução do estado de bem-estar.
Além disso, governos conservadores podem tentar enfraquecer ou
desestruturar os sindicatos como parte de uma estratégia de redução
do estado de bem-estar. (KING, 1998, p.61).
Nesse sentido pode-se dizer que o programa neoliberal obteve êxito: o movimento
sindical foi profundamente alterado, por conta mesmo da essência da resposta burguesa à
crise, que objetivava, sobretudo, elevar as taxas de lucro, possivelmente retomadas pelo
processo de reestruturação produtiva, que teve o comando ideológico neoliberal e amparou-se
17
em mudanças significativas nas formas, condições e processos de produção, nos padrões de
uso e gestão da força de trabalho e na reorganização dos mercados.
A resposta burguesa contemporânea à crise do capital nada mais fez do que acentuar
sua lógica destrutiva ao evidenciar ainda mais, de acordo com Antunes (1999, p. 19), a
precarização da força humana que trabalha, a degradação do meio ambiente e o
desmoronamento dos direitos sociais, de maneira sem igual em toda era moderna.
Harvey (1992, apud ANTUNES, 1999, p. 22) sintetiza, objetivamente, a conjuntura
contemporânea:
A desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate
cerrado ao sindicalismo classista, a propagação de um subjetivismo e
de um individualismo exacerbados em que a cultura pós-moderna,
bem como uma clara animosidade contra qualquer proposta socialista
contrária aos valores e interesses do capital, são traços marcantes deste
período recente.
Com relação às mudanças no processo de produção do capital, operou-se a chamada
“acumulação flexível” (HARVEY 1992, apud ANTUNES, 1999, p. 22) que se caracteriza
pela utilização de avançada tecnologia eletrônica, pela produção voltada necessariamente à
demanda, que leva, conseqüentemente, à redução de estoques; pela adoção do “just in time”,
que é uma maneira de melhor aproveitar o tempo de produção
8
-; pela horizontalidade do
processo produtivo, pela adoção dos Círculos do Controle de Qualidade – CCQ –, onde os
trabalhadores são incentivados a debater estratégias de melhoria da produtividade da empresa,
pela terceirização dos processos produtivos, pela presença do trabalhador
polivalente/multifuncional, dentre outras características.
8
Na empresa multinacional SIAC do Brasil Ltda, responsável pela produção de cabines para implementos
agrícolas, localizada em Guaranésia/MG, o tempo gasto para a produção de uma cabine era de 45 horas. Com as
mudanças no modelo de produção, o tempo gasto foi reduzido para 15 horas. As mudanças dizem respeito à
redução do tempo de deslocamento do trabalhador durante a realização de sua tarefa, por meio da automação. A
meta da empresa é produzir uma cabine em 9 horas. (Informação verbal de visita técnica realizada na empresa no
dia 16/05/2005).
18
As conseqüências para a ‘classe-que-vive-do-trabalho’
9
são desastrosas, na medida
em que a exploração da força de trabalho é ainda mais intensificada, seja pela “objetivação de
atividades cerebrais” (LOJKINE, 1999 in ANTUNES, 1999, p. 26), onde a dimensão
qualitativa do trabalho é freqüentemente requisitada, seja pela maior intensidade da
precarização das relações de trabalho, traduzida na expansão do “novo proletário” e do
“subproletariado industrial e de serviços”. (ANTUNES, 1999 p. 26).
Teixeira (1998, p. 215) sintetiza esse processo de intensificação da exploração da
força de trabalho ao apresentar o tipo de trabalhador requisitado pela acumulação flexível:
As empresas querem um trabalhador particular que incorpore as forças
de trabalhador coletivo, antes dividido entre
diversos trabalhadores singulares. [...]. Não querem mais um
trabalhador coletivo combinado, mas um trabalhador que seja a síntese
da combinação de diversas operações parciais.
Enfim,
Tem-se, portanto, cada vez mais uma crescente capacidade de trabalho
socialmente combinada, que se converte no agente real do processo de
trabalho total, o que torna, segundo Marx, absolutamente indiferente o
fato de que a função de um ou outro trabalhador seja mais próxima ou
mais distante do trabalho manual direto (Marx, 1978). E, em vez do
fim do valor-trabalho, pode-se constatar uma inter-relação acentuada
das formas de extração de mais valia relativa e absoluta, que se realiza
em escala ampliada e mundializada. (ANTUNES, 1999, p, 26).
A título de ilustração, Bruschini (1995, p.13) nos apresenta informações a respeito do
trabalho feminino ao analisar dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e
9
Ricardo Antunes (2002) desenvolve essa expressão para dar entendimento contemporâneo à conformação da
classe trabalhadora, indo além da idéia que a restringe apenas ao trabalho industrial, ao proletariado industrial.
Para ele a ‘classe-que-vive-do-trabalho’ incorpora todos aqueles que vendem a sua força de trabalho em troca de
salário, como também os trabalhadores precarizados, terceirizados e de serviços que possuem vínculo de
trabalho temporário. Estão incluídos, ainda, nessa expressão os trabalhadores rurais das regiões agroindustriais e
os trabalhadores desempregados.
19
Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílio (PNADs), que registraram um crescimento
relativo de 54% da população economicamente ativa feminina, no período de 1981 e 1990,
enquanto que a masculina, nesse mesmo período, teve crescimento de 27,5%.
10
Assim como o trabalho feminino, o trabalho infantil apresenta características, interessantes
à reestruturação produtiva, “por ser muito mais barato, menos organizado e dócil”
(IAMAMOTO, 1998, p.38), sendo utilizado em grande medida pelo processo de
terceirização, onde a burla à legislação acontece freqüentemente.
Dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) informam que 200 milhões
de crianças trabalham em todo o mundo; no Brasil, o IBGE calcula que 7,5 milhões de
crianças e adolescentes com idade entre 10 a 17 anos trabalham, representando 11,6% da
força de trabalho do País, sendo que 3,5 milhões têm menos de 14 anos. (IAMAMOTO, 1998,
p.38).
A utilização do trabalho feminino e do trabalho infantil descrito acima mostra-nos
claramente a acentuada lógica destrutiva do processo de acumulação do capital na
contemporaneidade, agravada ainda mais pelo desemprego estrutural
11
, visualizado nos
estudos de diversas organizações, como a OIT, que aponta a existência de 1 bilhão de
desempregados ou subempregados no mundo, sendo 30 milhões localizados na Europa.
O quadro abaixo mostra os índices de desemprego em relação à população
economicamente ativa européia:
PAÍS ÍNDICE DE DESEMPREGO
(%)
Espanha 21,4
França 12,5
10
A esse respeito, ver: CHINALI, Israild Giacometti. ‘De volta ao lar? Trabalho feminino e globalização’. São
Paulo, 1997, 257p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
11
Denomina-se por estrutural, o desemprego que se projeta não mais sob a condição temporária e excepcional,
mas como desdobramento do modelo de produção vigente. (GRAVE, 2002, p.73)
20
Itália 12,5
Suécia 10,9
Alemanha 9,7
Reino
Unido
7,3
Portugal 7,2
Fonte: (SERRA, 2000, p.38)
Rose Serra (2000, p.38) amparada em informações de matéria de Nelson Franco
Jobim publicadas no Jornal do Brasil (Economia, 14.9.1997, p.32), aponta que o crescimento
dos empregos na Europa nos últimos anos são aqueles destinados aos postos temporários e
sem vínculo empregatício. Na Inglaterra, por exemplo, a força de trabalho feminina é
contratada por apenas 30 dias e renovada mensalmente, permitindo aos empregadores a
eliminação dos encargos trabalhistas.
Nos Estados Unidos a conjuntura não se difere muito da Europa: a população em
estado de pobreza aumentou significativamente - 55% no período de 1983 a 1985. (MISHRA,
1995, p.31).
Já na América Latina - onde as economias desenvolvem-se sob a tutela dos países
capitalistas avançados – 56% da população economicamente ativa sobrevive com
empregos informais e com nenhum amparo legal. Em 1987, 7,4% dos pobres do mundo
encontravam-se nesse Continente, em 1993 esse índice saltou para 8,3%. (SERRA, 2000,
p. 42).
Em 1995 a OIT apresentou dados assustadores referentes aos níveis de emprego
informal nos centros urbanos dos países latino-americanos, alcançando em alguns, mais da
metade do total de empregos.
O quadro abaixo traduz essa situação:
21
PAÍSE
S
NÍVEIS DE EMPREGO INFORMAL
(%)
Argentina 45,7%
Bolívia 58,2%
Brasil 48,2%
Chile 44,7%
Colômbia 51,5%
Equador 47,6%
México 54%
Paraguai 54,9%
Peru 49,1%
Uruguai 31,8%
Venezuela 41,7%
Fonte: (GRAVE, 2002, p.91-92)
Os números do desemprego e do emprego informal no Brasil não fogem à regra das
conseqüências da reestruturação produtiva comandada pelo neoliberalismo. O desemprego e a
precarização das condições e relações de trabalho ocorreram intensamente ao longo dos anos
de 1990, sendo que em maio de 1999 o desemprego atingia mais de 10 milhões de brasileiros
e seu tempo médio chegava a 40 semanas, contra 15 no ano de 1989. (MATOSO, 1999, p.
14).
22
No entanto, o desemprego, mesmo elevadíssimo, representa de acordo com Matoso
(1999, p.15) a ponta do iceberg, pois as precárias condições e relações de trabalho são
também preocupantes.
Dados do IBGE compilados por Matoso (1999, p.15) revelam, nas regiões
metropolitanas, esse movimento.
Dez. 1989 (%) Jun. 1999 (%)
Assalariados
com carteira
59,5
44,7
Assalariados
sem carteira
18,4
26,9
Conta própria 17,7 23,5
Empregadores 4,4 4,9
Fonte: (MATOSO,1999, p.15)
O quadro acima aponta uma queda de 5,8% no número de assalariados com carteira
assinada, no período de dezembro de 1989 a junho de 1999 e um aumento de 8,5% no número
de assalariados sem carteira, nesse mesmo período, revelando, então, o processo de
precarização das condições de trabalho.
É Matoso (1999, p. 16), ainda, quem nos aponta, com base nas pesquisas do IBGE,
DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) e SEAD
(Sistema Estadual de Analise de Dados) que três em cada cinco brasileiros ativos das grandes
cidades estão desempregados (um em cinco) ou na informalidade (dois em cinco), sendo que
23
destes últimos uma grande parcela apresenta evidente degradação das condições de trabalho e
de seguridade social.
Apenas para adicionar outros dados nessa exposição um tanto desalentadora a
respeito dos rumos da “classe-que-vive-do-trabalho” brasileira na contemporaneidade,
destaca-se que na década de 1990, aproximadamente 3,3 milhões de postos de trabalhos
formais foram extintos. (MATOSO, 1999, p.16).
Interessa-nos, ainda, atentar aos indicadores do emprego no campo, já que esse
trabalho inscreve-se em um universo marcadamente agrícola, onde a sua força-de-trabalho – e
também os sujeitos da presente pesquisa - reproduzem-se socialmente por meio do trabalho na
agricultura; além, é claro, de colocar em pauta o debate, por vezes esquecido, dos processos
rurais da sociedade brasileira ao Serviço Social.
Mauro; Pericás (2001, p.71) indicam que 65% dos assalariados rurais não possuem
carteira de trabalho assinada e que apenas 40% desses trabalhadores possuem trabalho o ano
todo, sendo que os demais vivem em um contínuo processo de trabalho temporário e
desemprego. Relatam também que no período compreendido entre 1990 e 1998 o setor
agrícola perdeu 1.043.322 postos de trabalho.
Como as informações referentes ao emprego/desemprego na contemporaneidade
foram apresentadas – mesmo que sucintamente – faz-se importante observar a atuação dos
órgãos de representação da classe trabalhadora, já que a reestruturação produtiva dilacerou
sua organização política, seja pela ocorrência do desemprego e subemprego, seja pela maneira
consensual com que propõe a atuação sindical.
De acordo com Ricardo Antunes (2000) a crise hoje vivida pelos sindicatos é a mais
aguda de toda a sua história, exatamente porque a ‘classe-que-vive-do-trabalho’ encontra-se
fragmentada, heterogeneizada e dividida e cada vez mais o fosso que separa os trabalhadores
24
estáveis – que também reduzem-se pouco a pouco - daqueles instáveis, dos quais pode-se
destacar os trabalhadores em tempo parcial, os terceirizados e os que estão no mercado
informal, aumenta; dificultando ainda mais o processo de mobilização e organização dos
trabalhadores e consequentemente a “possibilidade do desenvolvimento e consolidação de
uma consciência de classe [...] fundada em um sentimento de pertencimento de classe”
(ANTUNES, 2000, p. 72).
Antunes (2000) apresenta as tendências do contexto onde a crise sindical se instala,
para que a partir de sua análise seja possível identificar uma atuação política voltada aos
interesses do conjunto dos trabalhadores.
Essas tendências, consolidadas desde 1980 nos países de capitalismo avançado e,
dada a dimensão mundializada da crise, em 1990 nos países do Terceiro Mundo, são em
número de cinco, quais sejam:
a) Crescente individualização das relações de trabalho;
b) Esgotamento dos modelos sindicais;
c) Desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho;
d) Crescente burocratização e institucionalização das entidades sindicais ;
e) Ampliação de ações isoladoras e coibidoras dos movimentos de esquerda.
As tendências expressas nos itens (a) e (b) representam a essencialidade do modelo
sindical proposto pelo toyotismo: um sindicato participacionista e menos classista, capaz de
envolver o trabalhador no projeto da empresa, com a ressalva de que essa participação é
sempre parcial, pois alguns questionamentos e reflexões não são permitidos.
25
Antunes (2000, p. 150) ao abordar em seu livro os impasses e desafios do
sindicalismo na contemporaneidade, esclarece essa questão do participacionismo, ao dizer
que: [o trabalhador pode] “participar de tudo..., desde que não se questione o mercado, a
legitimidade do lucro, o que e para quem se produz, a lógica da produtividade, a sacra
propriedade privada, enfim os elementos básicos do complexo movente do capital”.
A tendência (c) é o que já foi apontado anteriormente como conseqüência mais
evidente da reestruturação produtiva.
Já a (d), informa a distância cada vez mais profunda existente entre o movimento
sindical e a realização de ações questionadoras da ordem capitalista. É certo que esse
questionamento na atual conjuntura parece ser cada vez mais difícil para o conjunto dos
movimentos sociais, não só o sindical. Entretanto, a luta sindical parece perder radicalidade
ao se pautar, apenas, em reivindicações imediatas e atuações defensivas.
Importa ressaltar, de forma veemente, que reconhecemos a fundamental importância
da luta por emprego, por melhores condições de trabalho e salários, mesmo porque as
entendemos como táticas para o acúmulo de forças da “classe-que-vive-do-trabalho”.
12
A tendência (e) exprime a utilização de instrumentos ideológicos e manipulatórios - e
aqui a mídia tem papel preponderante - na desqualificação e criminalização dos movimentos
sociais questionadores do status quo. É inevitável recordar a campanha levada a cabo pela
revista Veja contra as ações de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) no período de 1997/1998, quando da edição de capas e matérias que faziam alusão a
uma de suas lideranças como um ser diabólico e definia suas ações como a “tática da
12
Recorremos aqui à teoria da ação revolucionária de Rosa Luxemburgo (apud LOUREIRO, Isabel Maria. Rosa
Luxemburg: os dilemas da ação revolucionária. São Paulo: Editora da UNESP, 1995, p.42) que dentre outras
coisas diz que a “luta econômica conduz continuamente de um nó político a outro, a luta política é a fecundação
periódica do solo para a luta econômica. Causa e efeito mudam a todo momento de lugar [...] . E sua unidade é
justamente a greve de massas”.
26
baderna”
13
. Neste mesmo período, o MST colocava na pauta política do dia, novamente, a
necessidade da reforma agrária, principalmente, por meio da organização da Marcha Nacional
por Emprego, Justiça e Reforma Agrária
14
.
A análise realizada até agora a respeito das alterações ocorridas no mundo do
trabalho e suas conseqüências para a “classe-que-vive-do-trabalho’, apresentam,
sobremaneira, um caráter sombrio; no entanto a convicção da mudança faz-se presente na
medida em que a História é tomada como elemento fundamental para a leitura da realidade.
Mas, note-se bem, a História da luta de classes, como pontuado há mais de um século e meio
por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto do Partido Comunista.
15
Giovanni Alves (2000, p.305), citando Marx, nos lembra que “o capital é uma
contradição viva” e por isso mesmo possibilitador da constituição de movimentos de
resistência e luta à sua lógica. No entanto, faz o alerta:
Da resistência [...] à negação do capital, existe um longo percurso
complexo de mediações sociopolíticas (e ideológicas) que não se
reduzem à luta de classes no campo da produção. É apenas no interior
de tais contradições objetivas do processo produtivo do capital, que se
pode eregir o complexo de negações, que é posto em movimento
apenas pela prévia ideação político-ideológica da classe.
13
A mesma revista em sua publicação de 18 de junho de 2003, trazia como reportagem de capa a fotografia de
José Rainha e os seguintes dizeres: “A esquerda delirante: para salvar os miseráveis dos desconfortos do
capitalismo, o líder sem-terra José Rainha ameaça criar no interior de São Paulo um acampamento gigantesco
como o de Canudos, instalado há um século por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia...”.
Em publicação mais recente, de 14 de junho de 2006, a matéria de capa da revista Veja dizia assim: “os PT bulls:
financiados pelo governo e chefiados por um dirigente do partido, agitadores que depredaram o Congresso
Nacional são apenas um dos grupos que se comportam como o braço armado do PT”, em referência à
manifestação do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) no Congresso, em Brasília/DF.
14
A Marcha Nacional chamou a atenção da mídia nacional e internacional pela maneira como foi organizada:
cerca de 1.300 sem-terra percorreram 1.000km. A Marcha saiu de três Estados diferentes – São Paulo, Minas
Gerais e Mato Grosso – no dia 17 de fevereiro e chegou em Brasília no dia 17 de abril de 1997, exatamente no
dia em que se lembrava um ano do assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra em Eldorado dos Carajás/PA.
(CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na pedagogia do movimento sem terra. Petrópolis:
Vozes, 2000, p.97).
15
“A história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de lutas de classes”. (MARX; ENGELS,
2006, p.45).
27
Desta forma, nesse contexto, lutas e manifestações são organizadas, pois ele mesmo
as impulsionam, como por exemplo, os protestos ocorridos recentemente na França contra a
precariedade no trabalho, onde sindicalistas, imigrantes, estudantes e ecologistas foram às
ruas dizer não ao Projeto de Lei para a Igualdade das Oportunidades, que criava o Contrato de
Primeiro Emprego (CPE)
16
.
Cabe citar também a emergência do Fórum Social Mundial – grande evento
organizado desde o ano de 2001 pela esquerda mundial para celebrar a diversidade, discutir
temas relevantes e buscar alternativas para a questão social – que faz contraponto ao Fórum
Econômico Mundial onde os maiores representantes do capital mundial se reúnem.
Elaine Behring (2003, p. 54) assinala que o Fórum Social Mundial reacende as
esperanças na direção de uma ruptura da hegemonia neoliberal existente nos últimos anos, por
concentrar milhares de pessoas, de diferentes etnias, sob o lema: “um outro mundo é
possível”.
Contudo, evidenciar os desafios colocados aos movimentos sociais, mais
especificamente, ao sindical, faz-se necessário, já que o destaque dado até então na presente
análise refere-se às conseqüências provocadas pela reestruturação produtiva à “classe-que-
vive-do-trabalho”.
Tais desafios perpassam pela resistência dos movimentos sociais em manter uma
postura cravada na perspectiva de classe e assim contribuir para a construção de um modelo
econômico alternativo ao vigente ou, nas palavras de Ricardo Antunes (2000, p. 155):
[...] articular valores inspirados num projeto que olha para uma
sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas
16
O projeto previa a criação de contratos de trabalho sem tempo determinado para pessoas com menos de 26
anos e estabelecia ‘períodos de consolidação’ de dois anos, em que o empregador poderia demitir, sem
justificativas, os jovens contratados.
O projeto de lei foi proposto em janeiro do corrente ano pelo primeiro-ministro Dominique de Villepin e de
até abril, diversas manifestações foram realizadas, como a greve de 38 universidades. O resultado dessas ações
foi a suspensão do projeto, anunciada em 10 de abril pelo presidente Jacques Chirac, em rede nacional.
28
imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do
trabalho [...] superar um caminho meramente doutrinário e buscar a
difícil e imprescindível articulação entre os interesses imediatos e uma
ação estratégica, de longo prazo, de clara conformação anticapitalista
[...]. Estes são, como se pode perceber, desafios enormes.
Além das características apontadas acima, a orientação ideológica neoliberal tende a
uma intervenção estatal minimizada nos planos econômicos e sociais, e perceber as
implicações provocadas muito interessa a esta pesquisa, em razão de seu objeto de estudo: um
programa da política municipal de assistência social de Alterosa/MG.
Desta forma, importa resgatar a maneira como a redução da intervenção estatal em
nosso País ocorreu, o que será agora abordado.
Contradizendo a conjuntura internacional, onde as políticas de bem estar social
caminhavam para o declínio e substituição, a sociedade civil brasileira, por meio de ampla
mobilização popular, colocava na ordem política do dia um pacto social – traduzido na
Constituição Federal de 1988 – com vistas a reduzir, a níveis toleráveis pela burguesia, as
desigualdades sociais e apontar a possibilidade de construção de um Estado de bem-estar
social, embora juridicamente.
José Paulo Netto (1999, p.77) condensa esse momento da história brasileira, ao dizer
que:
[...] ao tempo que, no Brasil, criavam-se mecanismos político-
democráticos de regulação da dinâmica capitalista, no espaço mundial
tais mecanismos perdiam vigência e tendiam a ser substituídos, com a
legitimação oferecida pela ideologia neoliberal, pela
desregulamentação, pela flexibilização e pela privatização – elementos
inerentes à mundialização (globalização) operada sob o comando do
grande capital.
A Constituição Federal de 1988 representava, naquele momento, uma grande
possibilidade para as massas trabalhadoras, na expressão de Netto (1999), de reverter as
29
graves conseqüências econômicas e sociais vividas no período da ditadura militar; porém para
a burguesia a Constituição representava a redução de suas taxas de lucro, na medida em que
propunha mecanismos universalizantes de proteção social - e controle democrático das
políticas púbicas – ao viabilizar o processo de descentralização política.
Assim, a burguesia se rearranjou no cenário político e conseguiu fazer vitorioso
Fernando Collor de Melo, então candidato à presidência da República, que tinha como
concorrente Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que representava a
força mais próxima do conteúdo e do movimento pela promulgação da Constituição de 1988,
como também a esperança de viver tempos democráticos e menos ditatoriais.
Essa articulação da burguesia possibilitou ao rápido Governo Collor condições para
trilhar os primeiros passos rumo à implantação da política neoliberal no País. Logo depois, o
Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) aprofundou os pilares desta política e provocou
o que Lesbaupin (1999) chamou de “desmonte da nação”.
De acordo com José Paulo Netto (1999, p.80), FHC seguiu à risca o receituário
neoliberal e deixou duas feridas de difíceis cicatrizações: o cancelamento de qualquer
proposta da Constituição Federal de 1988 e a maior taxa de desemprego da República, como
já abordado anteriormente neste texto.
O Estado brasileiro caminhou, durante 8 anos de Governo FHC, cada vez mais à sua
minimização, vide a ocorrência sistemática da dilapidação do patrimônio público, provocado
pelas privatizações
17
; a precariedade dos serviços sociais públicos prestados à população e,
conseqüentemente, o crescimento vertiginoso de ações sociais patrocinadas por grandes
empresas e organizações não governamentais, que na verdade expressam a substituição da
17
O processo de privatização da Petrobrás é significativo. De acordo com Luciano Zica (1999) a Petrobrás havia
se transformado na maior empresa brasileira e em uma das maiores do mundo no setor petrolífero, chegando a
ter um quadro de cerca de 70 mil empregados diretos e gerando milhares de empregos indiretos para a indústria
nacional. No entanto, com uma emenda o Governo FHC alterou a ordem econômica da Constituição Federal e
quebrou o monopólio estatal do petróleo, desrespeitando o artigo 177 da Constituição Federal, e assim abriu
caminho para sua privatização. Luciano Zica mostrou que no dia da quebra do monopólio o litro da gasolina
custava ao consumidor cerca de R$ 0,50 e o gás de cozinha, R$ 4,00, muito abaixo dos preços atuais.
30
política pública universalizante estatal por políticas de caráter compensatório, focalistas e
privatistas.
18
Elaine Behring (2003) em valioso estudo a respeito das configurações do Estado na
contemporaneidade analisa que suas funções estão em questão, na medida em que os Estados
nacionais alinham-se às orientações neoliberais, marcadas pela busca incessante da
rentabilidade do capital, por meio dos processos de reestruturação produtiva e globalização.
As funções do Estado passam a ser então a atratividade, a adaptação, a flexibilidade
e a competitividade em prol somente do capital.
A citação a seguir possibilita o entendimento das responsabilidades Estatais em
tempos neoliberais:
No processo de enraizamento dessas novas condições, percebe-se a
dissolução da unidade constitutiva do Estado e do capital nacionais. Os
Estados nacionais têm dificuldades em desenvolver políticas industriais,
restringindo-se a tornar os territórios nacionais mais atrativos às inversões
estrangeiras. Os Estados locais convertem-se em ponto de apoio das
empresas. Para Husson (1999), uma das funções econômicas do Estado – a
qual Mandel caracteriza como sendo de assegurar as condições gerais de
produção – passou a ser a garantia dessa atratividade, a partir de novas
relações entre este e grupos mundiais, onde o primeiro tem um lugar cada
vez mais subordinado. Dentro disso, os Estados nacionais restringem-se a:
cobrir o custo de algumas infra-estruturas (sobre as quais não há interesse de
investimento privado), aplicar incentivos fiscais, garantir escoamentos
suficientes e institucionalizar processos de liberalização e
desregulamentação, em nome da competitividade. Nesse sentido último, são
decisivas as liberalizações, desregulamentações e flexibilidades no âmbito
das relações de trabalho – diminuição da parte dos salários, segmentação do
mercado de trabalho e diminuição das contribuições sociais para a
seguridade [...] (BEHRING, 2003, p.59).
De forma resumida, essa diretriz neoliberal faz com que o Estado privilegie os
interesses particulares de grandes corporações empresariais, transformando-os em gerais e
públicos, desassociando o poder econômico do poder político nacional e implementa, enfim,
18
Iamamoto (1998, p. 128) apresenta alguns exemplos de ações sociais das organizações não governamentais: a
Fundação Bradesco disponibilizou um orçamento de R$80,7 milhões no ano de 1997 para manter uma rede de
36 escolas situadas em 24 estados brasileiros, congregando 95.049 alunos. A Natura investiu, também no ano de
1997, R$ 2 milhões em programas educacionais e atendeu 120 mil alunos. Já o Boticário, investiu R$ 3,3
milhões em projetos ecológicos, por meio da Fundação Boticário de Proteção à Natureza.
31
uma singularidade de sua política, que diz respeito à democracia: o abandono da perspectiva
do Estado liberal de direito e o primado da efetiva participação da sociedade civil nos
processos políticos.
Elaine Behring (2003) pontua que a crise fiscal do Estado é muitas vezes utilizada
como justificativa para a minimização da intervenção Estatal; porém quando a crise do capital
ocorreu em meados da década 1970, o Estado nos países capitalistas centrais, foi requisitado a
intervir em virtude da forte pressão dos trabalhadores para a manutenção e ampliação da
proteção social, acordada no pacto “welfareano”, como também para conter o ciclo
depressivo; no entanto a queda nas taxas de lucro inviabilizaram tal procedimento, ou seja, o
Estado deixou de intervir para os interesses das “classes-que-vivem-do-trabalho”, mas
interveio a favor dos detentores do capital.
[...] se as demandas por proteção social por parte dos trabalhadores de fato se
ampliaram [...] a depressão dos fatores de crescimento e as tendências de
queda da taxa de lucros propiciam as resistências para o seu atendimento.
[...] a crise fiscal é induzida não apenas nem principalmente pelas pressões
dos trabalhadores por maior proteção social. Este foi, na verdade, um
argumento para a defesa neoliberal do corte dos gastos sociais,
escamoteando as intenções reais de diminuição do custo do trabalho, ao lado
da imposição de derrotas aos segmentos mais organizados dos trabalhadores.
(BEHRING, 2003, p. 62 - 63).
Apoiado ainda nas análises de Behring (2003), destaca-se que os processos
atravessados pelos Estados nacionais atualmente representam uma contra-reforma, na medida
em que as condições de vida e trabalho da maioria da população não são consideradas.
Deve ser também examinada na proposta neoliberal para os Estados nacionais uma
outra questão referente ao grau de profundidade com que é operada, a qual depende
necessariamente “das escolhas políticas dos governos em sua relação com as classes sociais
em cada espaço nacional, considerando a diretiva de classe que hegemoniza as decisões no
âmbito do Estado”. (BEHRING, 2003, p.58).
32
Esta colocação nos leva à reflexão do atual governo brasileiro eleito em 2002. Como
se sabe, pela primeira vez na história de nosso País um partido de esquerda, capitaneado por
um ex-operário e sindicalista venceu as eleições presidenciais. As expectativas de setores
historicamente marginalizados das relações políticas institucionais eram enormes, pois a
possibilidade de mudança política estava presente
19
. Foi uma vitória significativa: Lula obteve
52,79 milhões de votos, a maior votação obtida para a Presidência da República e a segunda
atribuída a um candidato em todo o mundo
20
.
No entanto, o Governo Lula operou as mudanças possíveis em meio a uma chuva de
denúncias de corrupção envolvendo também o Partido dos Trabalhadores.
José Paulo Netto (2004) fez duras críticas ao Governo Lula ao avaliar sua direção
política, a qual, segundo ele, continuou a seguir o receituário do “Consenso de Washington”,
iniciado no Governo Collor e aprofundado no Governo FHC.
De acordo com Netto (2004) essa continuidade pode ser observada na composição
da equipe ministerial, na proclamação da autonomia do Banco Central e na não reorientação
da política econômica.
Netto (2004, p.13) foi enfático ao afirmar que Lula e o PT não se valeram da
legitimidade lhes conferidas pelas urnas para projetar um processo de negociação para
reorientar a política macroeconômica: “[...] o PT abdicou de exercer um governo orientado
para mudar o Brasil numa direção democrático-popular”. E complementa: “É preciso ter
19
Após a vitória no segundo turno, em 28 de outubro de 2002, Lula se dirige ao povo brasileiro por meio da
carta “Compromisso com a mudança” composta pelos seguintes trechos: “Ontem, o Brasil votou para mudar. A
esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país.[...] . Não há dúvida de que a
maioria da sociedade votou pela adoção de outro ideal de país, em que todos tenham os seus direitos básicos
assegurados. [...]. A maioria da sociedade brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social,
capaz de assegurar a retomada do crescimento, do desenvolvimento econômico com geração de emprego e
distribuição de renda. Vivemos um momento decisivo e único para as mudanças que todos desejamos. Elas virão
sem surpresas e sobressaltos. [...] Meu coração bate forte. Sei que estou sintonizado com a esperança de milhões
e milhões de outros corações. Estou otimista. Sinto que um novo Brasil está nascendo”. Disponível em
<http://www.pt.org.br/site/assets/compromissocomamudanca.pdf
> acessado em 27/08/2006.
20
Disponível em: <http://www.pt.org.br/25anos > acessado em 27/08/2006.
33
clareza de que este governo, já agora, antes da metade de seu mandato, tornou-se
irrecuperável para qualquer perspectiva democrático-popular”. (2004, p.19).
Contudo, é interessante examinar outras avaliações do Governo Lula, como a
realizada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) publicizada no documento
“Carta ao povo brasileiro – contra a desestabilização política do governo e contra a corrupção:
por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas
políticas democráticas”.
21
João Pedro Stédile (2006) representante do MST na Coordenação dos Movimentos
Sociais, avaliou que a natureza da crise governamental residia na ausência de um modelo de
desenvolvimento econômico para o País e na falta de unidade em torno desse novo modelo,
como também no esforço das forças conservadoras em impedir qualquer tentativa do Governo
em implementar o “compromisso com as mudanças”, envolvendo-o nas mais variadas
denúncias.
No entanto, Stédile (2006) alertou que a alternativa para o Governo Lula, naquele
momento, era recuperar o debate com a sociedade brasileira sobre a necessidade daquele novo
modelo econômico e recompor a aliança política com os movimentos sociais, possíveis
somente se o Governo sinalizasse a não continuidade de implementação das políticas
neoliberais, como também se os movimentos sociais impulsionassem o governo para a
esquerda, já que, como bem sintetizou Stédile (2006, p.148): “a nossa força [dos movimentos
sociais] não está apenas na justeza das nossas idéias, está no número, no contingente que
conseguimos organizar para as mudanças”. E finalizou: “[...] infelizmente, desde a Carta ao
21
A Carta datada de 21 de junho de 2005 afirmava que a crise vivida pelo Governo Lula era muito mais política
do que ética, não deixando, obviamente, de exigir completa e rigorosa investigação das denúncias de corrupção
feitas ao Congresso Nacional e à imprensa e a punição dos responsáveis.
A avaliação da CMS ocorreu depois da realizada por Netto (2004), em meio, portanto, ao escândalo do
‘mensalão’, por isso então a referência à crise do governo. Mas mesmo antes, algumas organizações membro da
CMS já faziam críticas ao Governo Lula pela continuidade de implementação das políticas neoliberais, como é o
caso do MST.
34
Povo Brasileiro até agora não conseguimos reconstruir sinais que possam levar a um
reascenso do movimento de massas”.
Neste exato momento, setembro de 2006, assistimos a corrida eleitoral para a
presidência da República e ao que tudo indica o Presidente Lula se reelegeria no primeiro
turno.
22
Mesmo com todas as dúvidas a respeito de um segundo mandato presidencial do
Partido dos Trabalhadores voltado ainda mais para as necessidades do povo brasileiro,
apostamos na perspectiva indicada por João Pedro Stédile (2006, p.191), que diz:
Não temos elementos probatórios, até porque se trata de luta de classes, com
todo o seu dinamismo, e até pode ter muito de idealismo, mas analisando o
período histórico da luta de classes no Brasil no século XX, os períodos de
reascenso e descenso, isso nos leva a crer que no próximo mandato do Lula
haverá um processo de reascenso do movimento de massas. E que esse
reascenso vai gerar uma reacomodação de forças, novas lideranças
populares, um novo dinamismo da luta política, que vai gerar um novo
período histórico de disputa e de avanço para a classe trabalhadora.
Entretanto, cabe observar a orientação feita por Netto (2004) que diz respeito ao
desafio de romper com a postura e o discurso defensivos do Governo que se pautam na
realização de ações possíveis imediatamente, pois se for desenvolvida e ainda, coberta de
ideal, corre-se o risco de cair na prática do “militantismo conformista”.
Portanto, as críticas ao Governo Lula são necessárias para que a leitura das reais
condições em que são processadas as lutas de classes na sociedade brasileira possam indicar
as mudanças ainda possíveis.
A partir desta avaliação, José Paulo Netto (2004) assinala dois elementos que
contribuem para a alteração das relações de forças deste Governo: o investimento na
organização política autônoma da “classe-que-vive-do-trabalho” e a organização de sua
resistência, em virtude do refluxo das manifestações dos movimentos sociais, que tem
22
Pesquisa realizada pelo IBOPE entre os dias 29/08 a 01/09 mostra que Lula (PT) tem 49% das intenções de
voto contra 25% de Geraldo Alckmin (PSDB) e 9% de Heloísa Helena (PSOL). Cristóvam Buarque (PDT) e Rui
Pimenta (PCO) aparecem com 1% das intenções de voto.
35
colocado, de forma dificultosa, reivindicações pontuais e particularistas – o que já foi
comentado neste texto.
São essas possibilidades, traduzidas em desafios, que estimulam propor ações e
alternativas que demonstrem as reais necessidades do complexo conjunto da “classe-que-vive-
do-trabalho” e nesse sentido o Serviço Social ganha densidade, pois ao se colocar como
profissão que lida diretamente com as expressões da questão social, indubitavelmente temas
relacionados à maneira de ser e viver das classes subalternas serão desenvolvidos, debatidos e
trabalhados.
Cabe ressaltar, antes de iniciar a exposição a respeito da atuação profissional na
atualidade, até mesmo para reforçar, como a questão social é apreendida: como resultado da
relação capital x trabalho, como conseqüência do desenvolvimento desigual e contraditório da
sociedade de classes madura, onde a produção social é coletiva, realizada por meio do
trabalho, e sua apropriação, privatizada.
Sendo essa, então, uma diretriz que norteia o trabalho do assistente social, é
imprescindível atentar-se às mais variadas expressões da questão social, por permitir captar as
manifestações das desigualdades sociais e identificar propostas de trabalho condizentes às
necessidades da população.
Marilda Vilela Iamamoto (1998, p.28) resume essa colocação:
Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por
envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se
opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da
rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados
nesse terreno movidos por interesses sociais distintos, aos quais não é
possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade.
Exatamente por isso, decifrar as novas mediações por meio das quais
se expressa a questão social, hoje, é de fundamental importância para
o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa tanto
apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as
desigualdades sociais – sua produção e reprodução ampliada – quanto
projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. Formas de
resistência já presentes, por vezes de forma parcialmente ocultas, no
36
cotidiano dos segmentos majoritários da população que dependem do
trabalho para a sua sobrevivência. Assim, apreender a questão social é
também captar as múltiplas formas de pressão social, de invenção e
re-invenção da vida construída no cotidiano, pois é no presente que
estão sendo recriadas formas novas de viver, que apontam um futuro
que está sendo germinado.
Isto tudo se torna ainda mais desafiante na medida em que o Serviço Social é
compreendido como profissão inserida da divisão sócio-técnica do trabalho e desta forma, as
transformações ocorridas no mundo do trabalho afetam igualmente os assistentes sociais,
redimensionando a profissão na atualidade.
Aos assistentes sociais cabe a árdua tarefa de preservar e aprofundar os princípios
fundamentais expresso em seu Código de Ética e implementar diretrizes norteadoras para o
seu trabalho, que passam pelo conhecimento cuidadoso da realidade na qual se trabalha, como
também pela consolidação de um perfil profissional que contenha o que Iamamoto (1998)
chamou de “competência crítica”, ou seja, um profissional propositivo e formulador, que
consiga perceber os interesses e as necessidades, bem como as contestações e resistências da
população e, assim, ampliar as bases de legitimidade do Serviço Social.
Os assistentes sociais, historicamente, trabalham na execução das políticas sociais
23
e da forma como essas estão configuradas na atualidade - minimizadas, focalizadas e
fragmentadas -, implementar a “competência crítica” representa um exercício ainda mais
provocativo.
Apenas para dar tonalidade ao exposto acima, apresentamos dados de uma pesquisa
promovida pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e realizada pela Universidade
Federal de Alagoas – UFAL e pelos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS).
23
É importante salientar que quando o Estado brasileiro requisita o assistente social para atuar no
enfrentamento/amenização da questão social, por meio da execução de políticas sociais, o Serviço Social se
legitima socialmente, pois insere-se da divisão sócio-técnica do trabalho, profissionalizando-se e diferenciando-
se, desta forma, da caridade e da benemerência.
37
A pesquisa intitulada “Perfil profissional do assistente social no Brasil”, realizada no
mês de maio do ano de 2004 foi aplicada em todos os estados nacionais, com exceção do Acre
e contou com uma amostra de 1.049 assistentes sociais em um total de 61.051 profissionais.
Esta pesquisa, ao questionar a natureza da instituição do principal vínculo
empregatício do assistente social revelou que 40,97% dos assistentes sociais estão
empregados em instituições públicas municipais, comprovando, então, a afirmação da atuação
profissional na execução das políticas sociais, como também, uma tendência à “interiorização
da demanda” (IAMAMOTO, 1998, p.123) colocando ao Serviço Social a necessidade de
atenção à questão regional e ao poder local.
A presença significativa de assistentes sociais na esfera pública municipal deve-se
também aos processos de regulamentação da política de saúde e de assistência social
ocorridos após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Esta inserção sócio-ocupacional do assistente social justifica a breve análise que
faremos agora da política de assistência social e também porque o objeto de estudo desta
pesquisa está a ela relacionado.
É evidente que depois de toda a exposição feita a respeito da conjuntura política
nacional tenhamos clareza dos limites colocados a qualquer iniciativa que atenda as
necessidades das classes subalternas, no entanto, também temos clareza que este atendimento
constitui-se em um processo lento, a longo prazo e acumulativo.
Trabalhar sob a perspectiva do atendimento aos direitos das classes subalternas é
imperativo aos assistentes sociais; perspectiva inscrita inclusive nos princípios fundamentais
do Código de Ética do Assistente Social, a saber: “posicionamento em favor da equidade e
justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática”. (CONSELHO FEDERAL
DE SERVIÇO SOCIAL, 1993, p.17).
38
Trataremos, então, com este entendimento a política de assistência social já que sua
implementação tem imprescindível importância e essa pesquisa apresenta isso, contudo sua
insuficiência não pode obscurecida.
Se a política de assistência social é um dado real que o assistente social se depara
cotidianamente no trabalho, é então com ela que travar-se-á o desafio de efetivar a
“competência crítica”, pois como já dizia Marx (1987) não é consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência.
A assistência social carrega em si uma forte ambigüidade e contradição, típico
mesmo de qualquer política social desenvolvida sob as relações sociais capitalistas, pois pode
realizar direitos, questionar a subalternidade e exclusão social de seus usuários e fomentar seu
protagonismo; porém pode também reforçar a submissão e reiterar a exclusão social.
(YASBEK, 2004).
É desta maneira contraditória que os avanços e as dificuldades em sua
implementação como política pública de seguridade social vão sendo impressos.
Os avanços podem ser traduzidos pela promulgação da Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS (Lei Federal 8742/1993), que colocou a assistência social sob a matriz do
direito, da universalização de seu acesso e da responsabilidade estatal em sua execução. Isso
significa conceber a assistência social não mais sob o véu da caridade, da benemerência e da
filantropia, o que já é bastante significativo, já que tais atributos a perseguem, historicamente.
Vista dessa forma, a assistência social torna-se espaço privilegiado de
reconhecimento público das demandas colocadas por seus usuários, como também,
instrumento de defesa dos interesses e necessidades dos segmentos mais empobrecidos da
sociedade, possibilitando assim, desenvolver programas, projetos e ações que realcem a
potencialidade daqueles que recorrem a esta política como estratégia de sobrevivência.
39
No entanto, esses avanços encerram-se, preponderantemente, no campo da
concepção da política, pois no campo da execução, os avanços são mais moderados, já que a
superação da distância entre o texto legal e sua real efetivação requer alteração de relações de
poder fortemente arraigadas na maneira histórica de se fazer política nesse País.
Há ainda hoje uma fratura entre o anúncio do direito e a efetiva reversão dos riscos e
vulnerabilidades que permeiam a vida dos usuários da política de assistência social, mas não
podemos esquecer que a assistência social é uma estratégia fundamental no combate à
pobreza, que permite o acesso a bens, serviços e direitos e oferece, mesmo que precariamente,
respostas às necessidades de sobrevivência de grande parcela da população.
Entretanto, a ponderação de Paoli (2003 apud YASBEK, 2004, p.18) ao analisar os
dez anos de promulgação da LOAS é muito interessante, pois ela diz que:
Trata-se de uma reflexão que, sobretudo, não permite que se possa decidir
sobre se estes processos conseguiram modificar lugares de poder
demarcados tradicionalmente, e portanto oferecer abertura para construir
outros, ou se eles são apenas gestões bem-sucedidas das necessidades,
encobertas pelos signos de uma nova forma de legitimação.
Portanto, consolidar a assistência social como direito depende em larga medida das
ações dos sujeitos envolvidos na sua formulação e execução, ou seja, da direção tomada pelos
conselhos de gestão e dirigentes institucionais públicos e privados responsáveis pela
implementação da legislação.
Os rumos tomados pelos conselhos e pelos dirigentes são fundamentais para a
formatação da assistência social nos moldes do direito, mas a conjuntura política e econômica
vivida pelo País contribui consideravelmente para definir seu trajeto, pois como visto o ajuste
imposto pelo programa neoliberal não visa políticas sociais amplas, universalizantes e de
responsabilidade estatal.
40
Neste sentido a afirmação de Ferreira (1999) vai ao encontro da proposta delineada a
pouco por Stédile (2006) a respeito de um modelo econômico para o País. Diz Ferreira (1999,
p. 143):
Enquanto política setorial, ela [a assistência social] não tem (e nem deve ter)
a função de dar respostas cabais à pobreza. Seu horizonte deve ser o da sua
inserção efetiva num projeto de desenvolvimento econômico e social, tanto
local quanto nacional.
Ou seja, a política de assistência social torna-se garantidora de direitos se estiver
inserida em um projeto de sociedade com contornos claramente diferentes do neoliberal;
enquanto a orientação política e econômica for esta, dificilmente será implementada de
maneira universal com vistas a reduzir as desigualdades sociais.
Mas, como sabemos o acúmulo de forças corrobora com a luta e, a assistência social
tem muito a somar, obviamente, se implementada de maneira a permitir o acesso das classes
subalternizadas aos recursos e serviços sociais, ao criar mecanismos de interlocução entre a
sociedade civil e o poder público, promover e fortalecer o protagonismo daquelas classes,
como também incentivar ações coletivas de sujeitos políticos que lutam pela realização do
caráter público nas políticas sociais.
Neste sentido, os esforços dos gestores da política de assistência social em nosso
País, ao menos na esfera federal, orientam-se a diminuir o fosso existente entre o marco legal
e a efetivação da política pública de assistência social. Exemplo desse esforço foi a aprovação
da Política Nacional de Assistência Social em outubro de 2004, que consistiu em um amplo
processo de debate e participação dos sujeitos envolvidos com a implementação da assistência
social em todo o Brasil. A Política Nacional de Assistência Social avança por trazer em seu
conteúdo os princípios e as diretrizes da Lei Orgânica de Assistência Social e por definir as
bases de construção de um novo modelo de gestão para a assistência social, o Sistema Único
de Assistência Social – SUAS, o qual foi regulamentado pela Norma Operacional Básica –
NOB, aprovada em 2005.
41
Todo esse esforço conduz para que a pensemos a assistência social não apenas como
mera política compensatória e amenizadora de conflitos, mas como grande possibilidade de
emancipação humana, ou nos dizeres de Ouriques (2005, p. 140 apud PAIVA, 2006, p.7),
“um instrumento de transformação social que mobiliza e organiza as massas a partir de seus
interesses mais fortes”.
Concordamos com Paiva (2006, p. 7) ao dizer que
vale a pena insistir que é tempo ainda de dotar as medidas de proteção
socioassistenciais de conteúdos e estratégias que deflagrem a efetiva
participação da população, na contramarcha dos processos de
subalternização política, de exploração econômica e de exclusão
sociocultural. Está em aberto o desafio de formulação e implantação de
inovadoras e transformadoras metodologias de trabalho socioassistencial,
que possam subsidiar o atendimento das equipes multidisciplinares
integrantes dos novos espaços governamentais do SUAS, notadamente os
Centros de Referência da Assistência Social, distribuídos nos territórios
socialmente mais demandantes de todas as cidades brasileiras.
Com este entendimento, passaremos então ao próximo capítulo dessa dissertação
que mostrará um dos programas da política de assistência social de Alterosa/MG, que se
pretendeu desenvolver de acordo com as orientações críticas da assistência social, no entanto,
tem claramente demarcado seus limites, os quais poderão ser vistos no último capítulo,
quando os usuários fazem uma avaliação. Mas os limites não obscurecem as possibilidades e
inovações do Programa, ao contrário, contribuem para repensá-lo e se preciso, refazê-lo, pois
as coisas estão dadas na realidade na sua qualidade de mudança.
42
CAPÍTULO 2
ALTEROSA/MG E O PROGRAMA DE LAVOURA COMUNITÁRIA ‘AGROVIDA’
A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo,
as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são
uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em
que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital,
etc. (Marx, Karl. Para a crítica da economia política – Os
pensadores, Vol.1, Nova cultural, 1987).
Este capítulo apresentará alguns indicadores do município de Alterosa/MG para que o
Programa AgroVida seja compreendido contextualmente. Esses indicadores traduzem
concretamente as conseqüências da organização contemporânea do sistema capitalista, o qual
modela as políticas sociais desenvolvidas para amenizar essas mesmas conseqüências.
A cidade de Alterosa/MG está localizada na região sul de Minas Gerais
24
(Anexo 1).
Possui 13.674 habitantes, sendo que 12. 976 são residentes e deste total 30% , situam-se na
zona rural.
É classificada pela Política Nacional de Assistência Social (2004) como município
pequeno I e apresenta uma média de 2.280 (17,5%) pessoas vivendo com renda per capta
abaixo da linha da indigência e 4.150 (32%), abaixo da linha da pobreza.
Esses indicadores definem a medida de indigência como o recebimento de renda per
capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo e a de pobreza como renda per capita mensal
inferior a ½ salário mínimo.
A essas informações, somam-se os dados do Instituto Brasileiro de Geografia - IBGE
(2000), que apontam a renda nominal mensal da população residente.
24
A região sul de Minas Gerais é conhecida por sua produção cafeeira. Segundo estudos da Federação da
Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), esta região responde por 47,2% da produção de
café no Estado. Se a importância do café, em termos estaduais, já é bastante significativa – sendo responsável
por 3,7 milhões de pessoas direta e indiretamente beneficiadas – para a região Sul de Minas ela se caracteriza
como vital. Pois nesta região predomina a cultura do café, bem como todas as demais atividades de sua cadeia
produtiva. Dentre as microrregiões que compõem a mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais, a principal
produtora, tanto em número de produtores quanto em quantidade produzida, é a microrregião de Varginha/MG.
No Sul de Minas Gerais está localizada a Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda), a
maior cooperativa de produtores de café do Brasil. A Cooxupé possui 9 mil cooperados em 103 municípios de
Minas Gerais e no Vale do Rio Pardo em São Paulo. (COALIZÃO CAFÉ et al. Café: vida, produção e trabalho –
agricultores familiares e assalariados rurais).
43
De acordo com o IBGE, 37,8% (4.914) da população têm renda mensal de até 2
salários mínimos. A renda mensal entre 5 a 10 salários mínimos é percebida por 5,8%
(755) da população residente; 0,82% (107) recebem de 10 a 20 salários mínimos por mês, e
um pouco mais de 20 pessoas (0,15%) têm rendimento mensal de mais de 20 salários
mínimos. 30,6% (3.977) da população residente são identificadas como sem rendimento.
25
A figura 1 ilustra esta realidade.
Figura 1
37,8
30,6
0,15
0,82
5,8
24,83
37,8
Até 2sm
3 a 4sm
5 a 10sm
10 a 20sm
Acima 20sm
Sem Rendimentos
Renda mensal da população de Alterosa/MG
Percentual em Sarios Mínimos
IBGE/2000
Fonte:(IBGE 2000)
Alterosa/MG move-se na economia por meio, principalmente, de sua produção
agrícola. A principal lavoura permanente é a cafeeira, que ocupa uma área de 2.700
hectares, seguida da de laranja que ocupa 230 hectares, em um total de 31.559 hectares.
25
O valor do salário mínimo no período da pesquisa do IBGE era de R$200,00.
44
A lavoura temporária que se destaca em Alterosa/MG é a de milho, que ocupa 3.500
ha, seguida da de feijão, que ocupa 450 ha.
A utilização das terras, segundo o Censo Agropecuário (1995/1996), divide-se da
seguinte forma: do total de 31.559 hectares, 7.101 (22,5%) hectares são de lavouras
permanentes e temporárias, 20.236 hectares (64,1%) são de pastagens naturais e artificiais,
2.242 hectares (7,1%) são de matas naturais e plantadas e 705 hectares (2,3%) são de
lavouras em descanso e produtivas não utilizadas.
O Censo Agropecuário (1995/1996) registrou um total de 1.186
produtores/estabelecimentos, classificados em proprietários, arrendatários, parceiros e
ocupantes.
Os proprietários são em número de 1.088 (91,7%) e agregam 30.317 ha (96,06%) das
terras utilizadas; 20 (1,69%) são arrendatários e utilizam 404 ha (1,28%); 29 (2,45%)
produtores são classificados como parceiros e ocupam uma área de 284ha (0,90%) e 49
(4.13%), são ocupantes e utilizam 554ha (1,75%) .
A figura abaixo mostra esta informação
Figura 2
45
404
284
554
30317
Proprietário
Arrendatário
Par c eir o
Ocupante
Distribuição das propriedades rurais em Alterosa/MG por hectare
IBGE- 2000
Fonte: (IBGE-2000)
Os estabelecimentos, de acordo com a classificação do Censo Agropecuário
(1995/1996) estão estratificados da seguinte maneira: 513 (43,26%) possuem área inferior
a 10 hectares, 617 (52,02%) possuem área de 10 a 100 hectares; 41 (3,46%) possuem área
de 100 a 200 hectares e 15 estabelecimentos (1,27%) têm área de 200 a 500 hectares.
A figura 3 registra a área dos estabelecimentos em Alterosa/MG.
Figura 3
46
513
15
41
617
513
Inferior a 10ha
10ha a 99ha
100ha a 199ha
200ha a 500ha
Área em hectare das propriedades rurais em Alterosa/MG
IBGE - 2000
Fonte: (IBGE-2000)
De forma geral, esses dados revelam que Alterosa/MG é a típica cidade pequena, do
interior, com economia sustentada pela agricultura familiar e com uma parcela expressiva
da população vivendo precariamente.
Esses indicadores revelam a lógica desigual e contraditória das relações sociais desta
sociedade, que tem sido intensificada pela nova maneira do capital se organizar na
atualidade, onde a venda da força de trabalho tem se tornado cada vez mais espoliada.
Essa realidade solapa qualquer espaço: das grandes metrópoles às pequenas cidades do
interior, pois a lógica é a mesma. O que muda são as conseqüências para a ‘classe-que-
vive-do-trabalho’, que se formatam de acordo com as características de uma dada
realidade.
47
Portanto o desempregado e/ou o trabalhador da cidade de Belo Horizonte/MG não
vive as mesmas necessidades que os de Alterosa/MG; por isso a exposição de dados que
mostrem os aspectos econômicos deste município.
Esta afirmação remete-nos à reflexão a cerca da categoria ‘particularidade’, discutida
por LUKÁCS (1982 in SANT’ANA, 1999, p.13).
Quando expomos a necessidade de apropriarmos dos aspectos econômicos de
Alterosa/MG para compreendermos a realidade singular em que foi elaborado o Programa
AgroVida recorremos às particularidades da questão.
SANT’ANA (1999, p. 13) define o que seria a particularidade: “é uma mediação entre
a generacidade e singularidade e como tal, desempenha uma função; e tem uma
significação substantiva, não se limitando a ser um mero enlace entre ambas”.
26
A importância de estabelecer a categoria particularidade, e consequentemente a
universalidade e a singularidade, na análise da realidade social reside na maneira com que
concebemos essa mesma análise e a própria realidade: em sua dialeticidade e historicidade.
Neste sentido, SANTA’ANA (1999, p. 14-15) apresenta uma afirmação que congrega
esta posição:
O maior conhecimento da universalidade depende em grande medida da
investigação das particularidades. Assim também, ocorre com a
singularidade que vai ampliar-se frente à investigação e conseguir
estabelecer generalizações e particularidades. Encontrar um ponto final
entre os extremos pressupõe a mediação da particularidade.
O maior conhecimento geral aproxima o ponto final do singular, mas sem
superar, com isso, o caráter meramente aproximativo, ou seja, a
interpretação do singular nunca é totalmente precisada pelo geral.
26
Lukács (1982, p. 202 in SANT’ANA, 199 p. 13) diz que: “la particularid nos es meramente uma generalidad
relativa, ni tampoco solo un camino que lleva de la singularidad a la generalidad (y vice-versa), sino la
mediación necesaria – producida por la esencia de la realidad objetiva e impuesta por ella al pensamiento – entre
la singularidad y la generalidad”.
48
Desta forma, então, é que os aspectos econômicos de Alterosa/MG foram
evidenciados.
Interessa notar que estes relacionam-se à estrutura agrária do município e mostrá-los
indica nossa intenção em aproximar o Serviço Social da temática da questão agrária
Importa ressaltar que, se o assistente social necessita realizar a leitura da realidade
para elaborar propostas de trabalho, em Alterosa/MG este exercício passa pela percepção
da questão agrária.
Ao observarmos os dados registrados no plantão social realizado pela Secretaria
Municipal de Assistência Social de Alterosa/MG veremos o quão esta questão contribui
para a compreendermos as demandas colocadas ao Serviço Social.
Vejamos.
Os dados do plantão social do ano de 2001 mostraram que 42% das solicitações
registradas foram realizadas por famílias compostas por trabalhadores rurais assalariados.
Este dado esclarece o motivo de alguns ‘picos’ de atendimento, observados na figura
abaixo:
Figura 4
49
0
5
10
15
20
25
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Solicitação de Benefícios no Plantão Social - 2001
Fonte: (Secretaria Municipal de Assistência Social de Alterosa/MG – 2001)
A procura pelo plantão social ocorreu com maior freqüência entre os meses de agosto
a novembro - período da entressafra do café,
27
ou seja, momento em que parcela expressiva
da população de Alterosa/MG encontra-se desempregada.
A contribuição da análise da questão agrária, neste caso, está em facilitar o
entendimento da relação entressafra/desemprego/precárias condições de vida/procura pelo
plantão social.
A especificação do que foi solicitado no plantão social também contribui para a
compreensão desta relação. A figura abaixo mostra este indicador.
Figura 5
27
Geralmente a safra do café acontece entre os meses de maio a setembro, sofrendo algumas variações.
Disponível em: <http://www.cooxupé.com.br> acessado em janeiro de 2006).
50
0
10
20
30
40
50
60
70
1
Solicitões no Plantão Social
Cesta Básica Alimentar
Medicamentos
Melhoria Habitacional
B.P.C.
Outros
Moradia
Auxílio Funeral
Fonte: (Secretaria Municipal de Assistência Social – 2001)
Como pode ser visto, a maior solicitação foi por cesta básica alimentar, revelando a
precarização das condições de vida da população usuária da assistência social.
A interpretação dos dados do plantão social da Secretaria Municipal de Assistência
Social de Alterosa/MG na perspectiva que inclui a questão agrária colabora para uma
análise importante no desenvolvimento do trabalho do assistente social, qual seja:
implementar as políticas sociais, no caso aqui a de assistência social, guiada pelo mundo
do trabalho de seus usuários.
Essa nos parece ser uma maneira de reconhecer que para além das demandas
setoriais e segmentadas, o chão onde se encontram e se movimentam setores e segmentos,
faz diferença no manejo da própria política [...]” (Política Nacional de Assistência Social,
2004, p.11).
51
Assim, o chão dos usuários da política de assistência social de Alterosa/MG tem
como característica preponderante sua inserção diferenciada no mundo do trabalho, que
perpassa, necessariamente, por uma das expressões da questão agrária que é o trabalho
rural assalariado, temporário.
Sabemos que o debate em torno da questão agrária brasileira é histórico e polêmico
e fazê-lo neste espaço seria um tanto dificultoso
28
.
Neste sentido, pontuamos brevemente algumas concepções que auxiliam na
compreensão da relação que pretendemos assinalar: questão agrária/serviço social.
Bernardo Mançano Fernandes (2001, p. 23), define a questão agrária da seguinte
maneira:
A questão agrária é o movimento do conjunto de problemas relativos ao
desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos
trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório das
relações capitalistas de produção.
Os problemas referentes à questão agrária estão relacionados,
essencialmente, à propriedade da terra, conseqüentemente, à concentração
da estrutura fundiária; aos processos de expropriação, expulsão e exclusão
dos trabalhadores rurais: camponeses e assalariados; à luta pela terra, pela
reforma agrária e pela resistência na terra; à violência extrema contra os
trabalhadores, à produção, abastecimento e segurança alimentar; aos
modelos de desenvolvimento da agropecuária e seus padrões tecnológicos,
às políticas agrícolas e ao mercado, ao campo e à cidade, à qualidade de
vida e dignidade humana. Por tudo isso, a questão agrária compreende as
dimensões econômica, social e política.
Esta definição é significativa a esta pesquisa, pois vincula questão agrária ‘aos
processos de expropriação, expulsão e exclusão dos trabalhadores rurais: camponeses e
assalariados’, e desta forma, aos sujeitos desta pesquisa.
28
João Pedro Stédile (2005) no livro ‘A questão agrária no Brasil: o debate na esquerda – 1960-1980’ organiza
textos interessantes que mostram os diversos posicionamentos de intelectuais e organizações políticas a respeito
da questão agrária.
52
José Juliano de Carvalho Filho (2001, p.197) expõe também um entendimento
interessante a respeito da questão agrária e que vem somar às nossas análises realizadas até
agora.
Diz ele:
A grande maioria dos trabalhadores rurais – incluindo-se nesse conceito tanto
trabalhadores sem-terra, como aqueles que tem pouca terra e/ou acesso
precário à terra – continua a viver primordialmente da atividade agrícola,
compondo renda com outras atividades, como aliás sempre o fizeram. Ou seja,
mais do que antes, a questão agrária no Brasil de hoje se confunde com a
questão do trabalho e com a questão urbana – terra de trabalho e terra para
moradia. Como decorrência, esta questão também se confunde com a questão
da cidadania, que engloba, além dos direitos básicos da pessoa humana, a sua
inclusão nos mercados.
Esta interpretação de Carvalho Filho tem proximidade com o estudo proposto por esta
pesquisa, pois o Programa de Lavoura Comunitária AgroVida orienta-se como um
instrumento de garantia “dos direitos básicos da pessoa humana”, na medida em que
configura-se como um programa da política de assistência social.
Ao observar o movimento do plantão social e interpretá-lo sob a luz da questão
agrária, caracterizamos, genericamente, o mundo do trabalho dos usuários da política de
assistência social de Alterosa/MG e assim, passamos à reflexão acerca do trabalhador rural
assalariado.
Os trabalhos de Maria Conceição D’Incao (1975 e 1984) são referência neste
debate e apontam o assalariamento rural como resultado do processo de expropriação da
terra dos pequenos produtores - assim como o êxodo rural – os quais compuseram as
conseqüências da modernização da agricultura.
Guilherme Delgado (2005, p.12) definiu a modernização da agricultura como um
processo de intensas e profundas alterações na estrutura da produção agrícola, ocorrido no
53
período de 1960 a 1980 e marcado principalmente pelo “aprofundamento das relações
técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o setor urbano”.
Um exemplo desta combinação foi a emergência do uso preponderante nas diversas
lavouras das inovações biológicas - fertilizantes, defensivos, corretivos dos solos e sementes
melhoradas - e das tecnologias mecânicas: tratores, colhedeiras, implementos e equipamentos
de injeção. Os pacotes da “revolução verde”
29
foram intensamente utilizados.
Em linhas gerais, a modernização da agricultura alterou os indicadores técnicos da
agropecuária, aumentou e diversificou a produção; porém, conservou as bases desiguais da
estrutura fundiária.
Para Delgado (2005, p. 14) a modernização da agricultura realizou “um pacto agrário
tecnicamente modernizante e socialmente conservador”.
José Graziano da Silva (1982, p.40), na mesma linha de pensamento de Delgado
(2005, p.14), concluiu que a modernização da agricultura manteve um sistema latifundiário,
no qual a terra assumiu o principal papel na geração de renda, daí ser denominada
conservadora, pois privilegiou algumas culturas e regiões assim como alguns tipos específicos
de unidades produtivas e não prezou por uma transformação dinâmica e auto-sustentada. Ao
contrário, foi uma modernização induzida através de pesados custos sociais e amparada pelo
Estado.
Esse desenvolvimento da agricultura, onde a mudança e a manutenção caminham
juntas, constitui um traço particular do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira,
marcada pela desigualdade, que reflete a própria expressão da contradição do
desenvolvimento capitalista.
29
‘A ‘revolução verde’ teria como características o desenvolvimento de sementes híbridas ou melhoradas, com
maior resistência às doenças; utilização de adubos químicos na lavoura; aplicação de maquinaria pesada
moderna; e animais geneticamente modificados para um aumento na produção. (MAURO; PERICÁS, 2000, p.
69)
54
Iamamoto (2001, p. 102) busca em Marx (1985) a compreensão do processo de
desenvolvimento desigual:
desigualdade entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento
social, entre a expansão das forças produtivas e as relações sociais na
formação capitalista. Revela-se como reprodução ampliada da riqueza e das
desigualdades sociais, fazendo crescer a pobreza relativa à concentração e
centralização do capital [...].
José de Souza Martins (1994, p. 30 apud IAMAMOTO, 2001, p. 103) diz que a
modernização conservadora articulou o progresso no marco da ordem e atribuiu um ritmo
lento às transformações operadas, de modo que o novo surgisse como um desdobramento do
velho.
Esta exposição fornece elementos para compreendermos o surgimento do trabalhador rural
assalariado, pois foi a partir das transformações promovidas pela modernização
conservadora que este foi requisitado a empregar sua força de trabalho em algumas etapas
do processo produtivo da agricultura.
As várias pesquisas referentes ao trabalhador rural assalariado são unânimes em dizer
que não importa a maneira pela qual esses trabalhadores foram designados
30
– bóia-fria,
volante, trabalhador rural assalariado temporário, trabalhador rural assalariado permanente -
mas sim, a sua forma peculiar de inserção no processo produtivo de trabalho na agricultura,
caracterizado principalmente, pelo pagamento do salário.
O salário por empreita, produção ou tarefa foi um mecanismo adotado pelos
proprietários/empresários de terras para aumentar a produtividade da lavoura e,
conseqüentemente, intensificar a exploração da força de trabalho, uma vez que o grau de
30
Diversas denominações são apresentadas a este trabalhador, variando de região para região. A respeito,
verificar MENDES, 1999. p.73.
55
produtividade do trabalho não depende de investimentos em capital constante, mas única e
exclusivamente do esforço físico do trabalhador rural.
Este tipo de pagamento torna ainda mais invisível a divisão entre trabalho necessário e
trabalho excedente, este último apropriado pelo capitalista e aquele pago sob a forma de
salário ao trabalhador. Traz ainda um princípio ilusório de igualdade: quem trabalha mais,
recebe mais, mistificando a exploração aí existente.
31
Adicionado ao salário por produção há a propagação de valores morais formatadores
do perfil do bom trabalhador: produtivo, assíduo e respeitador das normas; características
moldadas e controladas por outros sujeitos presentes na complexa trama das relações de
trabalho assalariado na agricultura: agenciadores, empreiteiros, fiscais e escritórios.
Os assalariados rurais consolidaram-se ao longo do processo de modernização da
agricultura como grande ofertantes de força de trabalho, localizados geograficamente nas
periferias das cidades e disponíveis para qualquer tipo de trabalho: rural ou urbano. Assim,
31
Francisco Alves no artigo “Por que morrem os cortadores de cana” relaciona o pagamento por produção com
aquilo que Marx, (O capital – livro I, tomo I e II – salário por peça) no século XIX caracterizava como uma das
formas mais desumanas e perversas formas de trabalho. Porém, quando Marx denunciou este tipo de trabalho,
fazia referência a situações em que o trabalhador controlava o seu processo de trabalho e tinha, ao final do dia,
pleno conhecimento do valor gasto, pois conhecia o valor do trabalho executado. Já o pagamento por produção
no corte da cana é diferente, pois os trabalhadores têm conhecimento de quantos metros de cana cortaram em um
dia, mas não sabem, a priori, o valor do metro de cana. Este desconhecimento acontece porque o valor do metro
de cana depende do peso da cana, que varia em função da qualidade da cana e a qualidade da cana depende, por
sua vez de uma série de variáveis (variedade da cana, fertilidade do solo, sombreamento, etc.), processos estes
controlados pelas usinas. Disponível em <http://www.pastoraldomigrante.org.br/texto01.html
> acessado em
jun.2006).
O pagamento do salário dos trabalhadores da colheita de café não se diferencia dos da cana. Na colheita do café,
o ritmo em que a atividade é realizada depende de características pessoais do trabalhador, como: destreza,
velocidade em realizar as diferentes atividades e resistência física. O fiscal supervisiona a atividade do colhedor,
para não permitir que ele colha de qualquer jeito, o que pode danificar os pés, e para que ele não misture
impurezas no saco. Porém, quanto maiores os cuidados na colheita, determinados pelo fiscal, maior é o trabalho
do colhedor e menor será a quantidade de café colhida no dia de trabalho, portanto, menor o pagamento. Nestes
casos, quanto mais baixos os salários, maior o incentivo ao aumento da produtividade. E, assim como na cana, o
trabalhador não tem controle de seu processo de trabalho, uma vez que, a quantidade de café colhido – medida
em sacos de 60kg – não é por ele supervisionada. Quem controla esta atividade são os terrereiros, que verificam
se os sacos dos colhedores estão com a quantidade de frutos esperada e se não há outros componentes além do
café, como pedras, terra, folha e galhos. Embora os trabalhadores contem a quantidade de sacos colhidos, esta
quantidade é sancionada pelo terrereiro, e o pagamento é feito pela quantidade de sacos indicada por estes, e não
pela quantidade indicada pelo trabalhador.
(COALIZÃO CAFÉ et al. Café: vida, produção e trabalho – agricultores familiares e assalariados rurais).
56
reproduziam-se (e ainda reproduzem-se) socialmente nas cidades, de acordo com os custos
das cidades; mas garantindo-a, em sua maioria, por meio do trabalho no campo.
Estudos realizados por Maria Aparecida de Moraes Silva em 1986 na região de
Ribeirão Preto/SP mostram que mesmo na entressafra, uma mínima parcela de trabalhadores
rurais desempenham serviços na cidade.
A grande maioria continua trabalhando na área rural. Este dado é de suma
importância porque minimiza a tese de que na entressafra os ‘bóias-frias’
empregam-se nas cidades, no baixo terciário, havendo a tendência à unidade
de exploração da força de trabalho urbana e rural. (SILVA, 1999, p.85).
A forma de utilização dessa força de trabalho encontrou respaldo na legislação.
O Estatuto do Trabalhador Rural (1963) colocava a obrigatoriedade de pagamento dos
encargos trabalhistas dos trabalhadores rurais permanentes aos empregadores. Para os
trabalhadores rurais temporários esse custo não era computado, o que a tornou mais atraente
ao empregador.
A tática utilizada pelos empregadores foi despedir os trabalhadores permanentes e
logo em seguida, contratá-los como temporários.
Segundo Silva (1999, p.64) “este estatuto não deve ser considerado como um meio de
melhorar as condições de vida dos trabalhadores; ele representou justamente o contrário, pois
regulamentou a intensificação da exploração da força de trabalho”.
O trabalho temporário foi regulamentado posteriormente pela Lei 6.019 de 1974, que
definia-o como aquele serviço prestado pelo trabalhador rural no período de no máximo 90
dias.
32
32
De acordo com Silva (1999, p.66-67) o ‘bóia-fria’ foi duplamente negado: enquanto trabalhador permanente e
enquanto possuidor de direitos e passou a experimentar ‘a condição de volante, do excluído da lei pela lei.
Para Maniglia (2002, p.119) esses trabalhadores são sinônimos de mão-de-obra barata, descartável e sem vínculo
algum com o proprietário rural, pois formatam uma relação atípica de trabalho: o trabalhador rural eventual
57
O trabalho temporário na agricultura, como já assinalado, foi uma das conseqüências
da modernização do campo e contou com bases fortes de sustentação, principalmente:
dispositivos jurídicos e um grande contingente de força de trabalho disponível para este tipo
de atividade.
O trabalhador rural assalariado é muitas vezes conhecido pelo estigmatizante nome de
“bóia-fria”, pois muito deles levam para o trabalho marmita para alimentar-se durante o
dia, estando a comida já fria no momento da refeição, mas, como explica Maria da
Conceição D’Incao (1975, p.110), não é a comida ingerida fria a principal característica
deste trabalhador, mas “[...] a forma pela qual se realiza sua contratação. O ‘bóia-fria’ é
contratado para desempenhar determinada tarefa, num curto espaço de tempo”.
Atualmente as produções acadêmicas a respeito do trabalhador rural assalariado
sofreram um descenso, no entanto a problemática continua; um pouco diferente de quando
surgiu, pois incorporou conquistas trabalhistas e a agricultura brasileira hoje apresenta novas
características
33
.
limita-se a um contrato de trabalho previamente estipulado, que não desfruta da proteção estendida aos outros
trabalhadores.Valentim Carrion tem um entendimento interessante sobre o que seja o trabalhador rural
temporário. Diz ele: “trabalhador eventual rural: está protegido pelo direito do trabalho; isto é, pela doutrina
mais recente sobre o que se deva entender por trabalhador eventual. Não há como negar ao eventual o que lhe for
aplicável: salário mínimo, descanso remunerado proporcional, jornada de 8 horas diárias e 44 semanais, além de
adicional por horas extraordinárias ou noturnas. Sem prejuízo de que a repetida contratação venha a transformar
a prestação eventual em contrato de trabalho por tempo determinado ou indeterminado, quando serão devidos
aviso prévio, férias proporcionais e FGTS [...]”.
Desta maneira, podemos afirmar que a legislação ampliou o entendimento do que seja o trabalhador/empregado
rural, tanto é que o que a lei vedada (a extensão da proteção trabalhista), passou a ser interpretada de outra
forma, autorizando a efetivação desses direitos, como o exposto acima por Valentim Carrion.
Algumas decisões judiciais (de primeira e segunda instância), de forma progressista, estariam reconhecendo o
vínculo empregatício entre “bóias-frias” e empregador rural, apegando-se à contratação dos trabalhadores, todos
os anos, durante a safra. Para tanto, os julgadores estariam entendendo que não seria necessário a continuidade
da prestação dos serviços (trabalho diário), bastando a prova da subordinação jurídica (trabalhar sob as ordens de
outra pessoa, que detém o poder de comando, direção, fiscalização e disciplinar. (MANIGLIA, 2002, p. 122).
Assim, existe a possibilidade de se fazer uma outra leitura sobre a proteção dos trabalhadores rurais eventuais e
“bóias-frias”, desde que se adote um posicionamento crítico e diferenciado sobre o Direito. Outra coisa: a
Constituição Federal equiparou os direitos de trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º). Portanto, se partirmos do
entendimento de que os eventuais/bóias-frias têm a proteção do direito do trabalho, eles terão direito àquilo que
está previsto na constituição, inclusive FGTS.
33
Recordemos que entre as safras da cana-de-açúcar de 2004/2005 e 2005/2006, na região canavieira de São
Paulo, segundo a Pastoral do Migrante - Guariba/SP Diocese de Jabotical/SP -, 12 cortadores de cana morreram.
58
Como exposto no primeiro capítulo desta dissertação, a orientação
política/econômica adotada no Brasil a partir de 1990 alinhou-se ao receituário neoliberal,
dando, desta forma, uma nova roupagem às políticas sociais.
Com a política agrícola não foi diferente.
A agricultura, neste contexto, sofreu uma alteração em seu padrão de financiamento,
caracterizada pela diminuição da oferta monetária para o setor e pelo investimento em apenas
algumas cadeias agroindustriais, como os setores tritícolas e sucroalcooleiros. Os
investimentos em bens e serviços públicos e nas políticas convencionais de financiamento
agrícola, que teriam um universo maior de atendimento, decaíram consideravelmente.
Neste período, em especial o ano de 1998, a agricultura, por conta da crise
econômica que o País atravessava, foi chamada a gerar divisas e saldos comerciais, porém
sem a mínima estrutura para isso, já que a orientação neoliberal lapidou os instrumentos de
fomento agrícola, os investimentos em pesquisas e a infra-estrutura comercial.
Assim, a agricultura brasileira – o ‘agronegócio’ - foi orientada a gerar divisas sob
um ‘formato constrangido de ajustamento financeiro’ (DELGADO, 2005, p.22-23),
ocasionando três restrições:
a) a demanda interna de bens e serviços, incluindo os produtos da cesta básica,
deveriam manter-se relativamente estável, de sorte a não pressionar
negativamente o saldo comercial externo;
De acordo com Maria Aparecida de Moraes as mortes ocorreram em função do desgaste excessivo da força de
trabalho. Moraes descreve que a média de produtividade exigida do cortador em 1980 era de 5 a 8 toneladas cana
cortada/dia, passando para 8 a 9 em 1990, chegando a 10 em 2000 e em 2004,12 a 15 toneladas de cana
cortada/dia.
Esses casos foram denunciados pelo Ministério Público do Trabalho e pela Pastoral do Migrante e divulgados na
mídia no final do ano de 2005 e primeiro semestre de 2006. MORAES, Maria Aparecida. Quando o trabalho
mutila e... Mata. Disponível em:<http://www.pastoraldomigrante.org.br/artigo04.html
> acessado em jun.2006.
59
b) os níveis de ocupação da força de trabalho envolvida na produção de
‘commodities’ foram fortemente restringidos em face do padrão tecnológico
alcançado pelo sistema do agronegócio;
c) a área produtiva incorporada pela expansão do agronegócio ficou
desproporcionalmente pequena em comparação com o território ‘improdutivo’
Essas, em linhas gerais, são as características do ‘agronegócio’ brasileiro, as quais e
segundo Delgado (2005, p. 22), compuseram a aliança da propriedade fundiária com o
capital no campo, os quais perseguem uma estratégia de realização do lucro e da renda
fundiária.
Delgado (2005, p. 24) chama a atenção para a terceira restrição, que conforma a
típica associação da acumulação produtiva com a acumulação fundiária e que, segundo o
próprio Delgado (2005, p.24), “é peça essencial na estratégia simultânea de captura da
renda agrícola e da renda fundiária”. E conclui:
a tríplice restrição que estamos associando a estratégia do capital-
agronegócio na agricultura brasileira é simultaneamente matriz da moderna
questão agrária e obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas da
agricultura familiar e dos assentamentos da reforma agrária.
Com o apoio da reflexão de Guilherme Delgado, concluímos que a estratégia do
‘agronegócio’, assim como o da modernização da agricultura, foi a de alterar para manter. No
caso, manter as bases conservadoras da agricultura brasileira, traduzida na injusta distribuição
da propriedade da terra.
O gráfico abaixo expressa essa assertiva.
Figura 6
60
Distribuição da propriedade da terra no Brasil
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Propriedades rurais Áreas ocupadas
Menos de 10 ha. De 10 a menos de 100 ha. De 100 a 500 ha.
De 500 a menos de 1001 Mais de 1000 há
Fonte: (MORISSAWA, Mitsue, 1999)
As propriedades com menos de 10 hectares representam quase metade das
propriedades no País (49,6%), no entanto ocupam uma área 2,2%. De outro lado, as
propriedades com mais de 1.000 hectares são apenas 1% do total das propriedades, porém
ocupam quase a metade da área (45%).
Além desses alarmantes números, o Índice de Gini - que mede o grau de concentração
da propriedade da terra e sinaliza que zero indica igualdade absoluta e 1, a concentração
absoluta - está acima de 0,8, revelando mais uma vez a injusta distribuição da propriedade da
terra. (II Plano Nacional de Reforma Agrária, 2003, p.11)
Aquela segunda restrição indicada por Delgado (2005) interessa a esta pesquisa, pois
seus sujeitos a vivenciam.
Os dados apresentados por Mauro; Pericás (2001, p.71) elucidam a realidade do
trabalho no campo brasileiro:
61
[...] 65% dos assalariados rurais sequer possuem carteira de trabalho
assinada, [...] apenas 40% dos trabalhadores possuem trabalho o ano todo.
Os demais vivem num contínuo processo de trabalho temporário e
desemprego. No setor agrícola, 41,8% da mão-de-obra está ocupada acima
das 44 horas constitucionais. Para se ter uma idéia, só entre 1990 e 1998,
este setor perdeu 1.043.322 postos de trabalho. Não só isso, mas os salários
pagos no meio rural muitas vezes são mais baixos que os dos trabalhadores
urbanos [...].
Esta realidade fica ainda mais evidente nos municípios de pequeno porte
34
, cuja
estrutura ocupacional e produtiva depende fortemente do setor rural, como é o caso de
Alterosa/MG.
A realidade social de Alterosa/MG singularizada no plantão social e analisada sob a
perspectiva do mundo do trabalho e das expressões da questão agrária, as quais não se
separam das da questão social, possibilitou desenvolver, pela Secretaria Municipal de
Assistência Social, o Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’, que será agora descrito.
O Programa de Lavoura Comunitária “AgroVida” foi desenvolvido pela Secretaria
Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação em parceria com a Secretaria
Municipal de Agricultura e com a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural), órgão do governo do Estado de Minas Gerais.
A proposta de implementá-lo surgiu a partir da demanda do plantão social realizado
na Secretaria Municipal de Assistência Social, principalmente pela necessidade de se
pensar uma alternativa ao período da entressafra do café e que pudesse atender,
preferencialmente, os assalariados rurais.
Para tanto, o poder executivo municipal celebrou, com um proprietário de terras,
um contrato de arrendamento. (Anexo 2). O contrato previa o uso de uma área rural de 34
hectares, dista a 4 km da cidade, para cultivar feijão e arroz.
34
Segundo a Política Nacional de Assistência Social (2004), os municípios com até 20.000 habitantes são
denominados de pequeno porte.
62
Além disto, o contrato previa a forma de divisão da produção, que ficou
estabelecida assim: 45% do total da produção agrícola destinar-se-ia às famílias
participantes do programa, 40% à um Fundo Municipal sob gestão do poder executivo,
para angariar recursos e desenvolver o Programa a médio e longo prazo e 15%, ao
proprietário da terra.
35
A parceria com a Emater e com a Secretaria Municipal de Agricultura consistiu no
apoio técnico de seus profissionais – técnicos agrônomos – quanto aos procedimentos
necessários para o preparo da terra para o plantio e o período correto da colheita, além da
articulação com as Associações de Pequenos Produtores do Município para o empréstimo
de máquinas e tratores.
Uma das orientações dos técnicos agrícolas foi a de dividir a área arrendada em 59
lotes, para que cada família tivesse espaço minimamente suficiente para uma produção
razoável de feijão e arroz.
Foram convidadas a participar do Programa as famílias relacionadas na Secretaria
Municipal de Assistência Social, que haviam sido atendidas no plantão social no período
de janeiro de 2001 - quando a Secretaria foi implantada no Município -, a janeiro de 2002 -
quando teve início a primeira etapa do Programa.
Como o número de famílias registrado no período era superior a 59
36
, alguns
critérios de participação - estabelecidos pela Secretaria de Assistência Social - foram
adotados, tais como: menor renda, maior número de filhos e experiência com o trabalho na
agricultura.
35
O arrendamento, posteriormente, deu base para a elaboração de uma Lei Municipal, que regulamentou o
Programa: Lei Municipal N° 1.343 de 16 de outubro de 2002 – Autoriza arrendamento de imóveis rurais para
fins de alocação de famílias carentes e dá outras providências.
36
Foram registrados 131 atendimentos no período indicado.
63
As famílias participavam da lavoura nas etapas do trato e colheita, sempre de
acordo com suas possibilidades, no que diz respeito ao dia e horário de trabalho, porém
dentro de um período orientado pelos técnicos agrônomos, que estava relacionado ao
próprio ciclo de produção da cultura plantada.
Concomitante ao trabalho na lavoura, o Programa propunha a realização de reuniões
sócio-educativas com as famílias, com o intuito de debater questões relacionadas à terra e à
produção agrícola, como: a estrutura fundiária brasileira, modernização tecnológica do
campo, agricultura familiar, formação de cooperativas, trabalho coletivo, entre outros.
Esta atividade era de responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência
Social e objetivava constituir com as famílias um coletivo, tanto para fortalecer o Programa
como para iniciar conversas a respeito de seu cotidiano de trabalho.
Assim, com muito esforço - já que toda proposta que tem por eixo a coletividade
sofre enormes dificuldades para se efetivar, por conta das relações sociais vividas, que
fortalecem o individualismo - temas relacionados ao trabalho coletivo e cooperado e a
metodologia de trabalho do Programa foram alvos de discussões e debates.
As reuniões eram mensais, no período noturno e ocorriam durante todo o ciclo
produtivo da cultura plantada, cerca de 5 meses. Os trabalhadores foram divididos em 4
grupos, de aproximadamente 15 componentes.
Os técnicos agrícolas participavam das reuniões para informar às famílias a
situação da lavoura, a necessidade de algum trato – capina e aplicação de fungicidas - e o
período da colheita.
A presença dos trabalhadores nas reuniões era muito significativa, pois grande parte
deles comparecia e debatia com interesse os temas propostos, mesmo que, alguns
momentos, questões técnicas relacionadas à lavoura tomassem uma relevância maior.
64
Hoje em dia, o Programa está interrompido. A Secretaria Municipal de Assistência
Social decidiu avaliá-lo, pois a participação dos trabalhadores diminuiu e o contrato de
arrendamento não foi renovado pelo proprietário da terra, o que demandou um tempo de
negociação com outros proprietários para celebrar novos contratos.
Desta forma, neste momento, esta pesquisa ganha uma tonalidade ainda mais forte,
pois mostraremos no próximo capítulo a avaliação que os trabalhadores fazem do
Programa de Lavoura Comunitária AgroVida. Apresentaremos também como os técnicos
agrônomos da Emater vêem o Programa, assim como a assistente social da Secretaria
Municipal de Assistência Social.
65
CAPÍTULO III
ANÁLISE E AVALIAÇAO DO PROGRAMA DE LAVOURA COMUNITÁRIA
“AGROVIDA”
“A técnica, como se vê, nada mais é que a ferramenta
destinada a desencravar o dado” (PEREIRA DE
QUEIROZ, 1991, p.15)
Este capítulo apresentará uma avaliação do Programa de Lavoura Comunitária
AgroVida a partir da perspectiva dos trabalhadores rurais que dele participam, dos técnicos da
Emater e da assistente social da Secretaria Municipal de Assistência Social.
A intenção em trazer essas avaliações consistiu em indicar as possíveis inovações que
o Programa trouxe ou poderia trazer à política de assistência social do município de
Alterosa/MG, na medida em que, ao ser implementado, o mundo do trabalho de seus
participantes é considerado, o que aponta, como já indicado, para uma das expressões da
questão agrária.
Apresentar as avaliações dos envolvidos na implementação do Programa AgroVida
contribui para reforçar a perspectiva, apresentada no primeiro capítulo, a respeito da
assistência social: uma importante estratégia para tornar pública e, portanto, de direito, a
demanda colocada por aqueles que a ela recorrem, e desta forma, fortalecê-los enquanto
sujeitos propositivos.
Este momento da pesquisa mostra o desenvolvimento do trabalho de campo, onde
utilizamos a entrevista como instrumento de coleta de dados, os quais foram posteriormente
analisados.
A concepção e utilização da entrevista basearam-se nas orientações de Pereira de
Queiroz (1991) e optamos por desenvolvê-la de forma semi-orientada, por oportunizar ao
informante um certo grau de liberdade em seu depoimento, mas que, no entanto,
66
responsabilizou o pesquisador a chamá-lo ao problema questionado toda vez que uma
divagação para rumos diversos do proposto era percebida.
As entrevistas foram gravadas e depois, transcritas e analisadas.
Utilizamos também outras técnicas, a fim de potencializar as entrevistas, como a ficha
do informante e o caderno de campo.
Entrevistamos seis trabalhadores, dois técnicos agrícolas e uma assistente social.
A escolha dos trabalhadores se deu por aquilo que denominamos de amostra
intencional, ou seja, foram convidados a participar aqueles que tiveram presença significativa
no desenvolvimento do Programa, seja pela freqüência, seja pela participação nas diversas
atividades propostas.
Os dois técnicos agrícolas foram os profissionais que acompanharam todo o
procedimento técnico da lavoura, desde a compra das sementes e fertilizantes até o
acompanhamento sistemático do ciclo produtivo da cultura plantada.
A assistente social acompanha o Programa há pouco tempo – menos de um ano. Da
implementação do Programa até o momento desta pesquisa, duas assistentes sociais o
acompanharam
37
.
Apresentaremos a avaliação do Programa a partir de três pontos: sua proposta, sua
efetivação e seus resultados sob a perspectiva dos trabalhadores, dos técnicos agrônomos e da
assistente social.
37
A rotatividade deste profissional deveu-se ao fato de outras e melhores propostas de trabalho - fora do
município de Alterosa/MG – apresentarem-se, fazendo os assistentes sociais optarem por estas.
67
3.1 A PROPOSTA/EFETIVAÇÃO DO PROGRAMA
3.1.1 Divisão dos lotes
Quando o Programa AgroVida foi implementado, em 2002, participavam dele 59
famílias. Este número, indicado pelos técnicos agrícolas, foi proposto com base no tamanho
da área arrendada - 34 hectares. Para os técnicos, a área arrendada seria mais bem aproveitada
se dividida em no máximo 59 lotes, o que, segundo eles, garantiria às famílias, composta em
sua maioria por 4 a 7 membros, uma boa produção de feijão ou arroz.
Em vista da boa produção da primeira colheita
38
, o Programa despertou o interesse de
outros trabalhadores, manifestado no plantão social da Secretaria Municipal de Assistência
Social. Diante desta demanda, a resposta do Poder Executivo foi arrendar uma nova área.
Assim, uma área de 26 hectares foi arrendada e outras famílias – 61-, selecionadas.
Portanto, para a próxima lavoura, o Programa contava com 120 famílias e 60 hectares
arrendados.
O tamanho dos lotes manteve uma média, porém, alguns ficaram prejudicados por
causa da declividade do terreno, o que lhes acarretou menor produtividade.
Esta questão foi pontuada pelos trabalhadores, que passaram a não concordar com o
sorteio na definição de seus lotes.
A indicação da Secretaria Municipal de Assistência Social para resolver esta questão
foi a de coletivizar o trabalho e a produção dos lotes. Ou seja, ao invés de dividir as
porcentagens do arrendamento entre cada trabalhador, a produção de todos os lotes seria
somada e o rateio seria feito.
38
A primeira colheita, em maio de 2002, teve uma produção de 19.572kg de feijão. Às famílias coube, de acordo
com o contrato de arrendamento, 8.820kg. Cada família obteve, aproximadamente, 150kg de feijão. O técnico
agronômo da Secretaria Municipal de Agricultura fez a seguinte média: uma família, com 4 a 7 membros,
consumiria pelo menos 5kg de feijão ao mês, portanto, a produção do Programa abasteceria esta família por pelo
menos 2 anos e meio. (Fonte: Secretaria Municipal de Assistência Social de Alteorsa/MG – 2001). (Anexo 3).
No entanto, o feijão é um grão que se não consumido em um tempo relativamente pequeno, estraga. A
alternativa das famílias foi guardá-lo em garrafas PET (pois segundo elas, a garrafa conservaria por mais tempo
o grão) ou distribuí-lo a familiares e amigos. Havia também a possibilidade de venda do grão, porém, nenhuma
família fez esta opção.
68
A fala de um trabalhador revela esse momento do Programa:
Ah! Minha filha, todo o jeito que faz não tá resolvendo. Eles já mudaram
isso várias vezes , foi justo. Mas no grupo, deu esse problema.
No separado, uns garra a reclamá. Aí as pessoas fica reclamando: ‘ah! O
meu lote não deu nada, precisa repartir igual’, ‘do outro deu tanto, deu
mais’. Agora eles puseram tudo junto, para dividir tudo junto, prá capiná
tudo junto, pra repartir junto. Mas a turma não vai trabalhar. (Sebastião).
Esta proposta, exposta em reunião ampliada com os trabalhadores teve aceitação da
maioria
39
e alguns trabalhadores viram-na com interesse, já que seus lotes localizavam-se em
espaços ruins para a produção da cultura, seja pelo tipo da terra, seja pelo declive do terreno.
No entanto, outros depoimentos revelaram a não aceitação desta proposta. Dentre os
entrevistados, apenas uma trabalhadora a viu com interesse e ainda, sob um único aspecto.
Vejamos:
Eu acho que tem que voltá do jeito que era antes. Cada um capina o seu e na
hora da divisão todo mundo leva a mesma coisa (Sílvia)
Para esta trabalhadora, apenas a produção deveria ser coletivizada, já o trabalho no
lote, não.
Os depoimentos a seguir mostram a opinião dos trabalhadores depois da experiência
de coletivização.
Se fosse do jeito que era, aí era bom. Cada cá, seu lote. Porque aquilo ali
que saía, daquele lote ali já sabia repartir, sabia quanto dava seu lote, se
dava 10 sacos, 20, 30... era seu lote ali e você não quebrava a cabeça com
ninguém, aí já vinha para a sua casa e eles tirava o deles pra lá, aí é bão.
Pensa bem, hoje é dia do meu grupo, ninguém vai, aí eu vou trabalhá pros
outros... Quando foi o tempo da colheita, eu trabalhei praquele cara, meu
arroz foi praquele cara lá. (João)
Eu prefiro o lote separado, do jeito que era. Porque a turma não vai tudo. Se
nós pegá uma tarde de domingo, nós é em 10, então é 10 pessoas, então...
não sei... a gente marca de ir e não vai as pessoas todas, sabe? Então vai
ficando para trás, aquele arroz.
39
Como já esclarecido, a autora deste trabalho acompanhou o Programa AgroVida nos anos de 2002 e 2003,
portanto esteve presente neste momento de decisão.
69
O trabalho no lote dá mais, eu digo assim: mais firmeza, porque as pessoas
tendo o lote deles lá, eles sabe o que do deles vai fica para lá. Então, a gente
capinando o lote da gente, aí sabe que a gente tá capinando o da gente. Aí é
mais firmeza. Eu acho que o lote separado é muito melhor.
No grupo um fica deixando para o outro, fala ‘ah de certo ele capina o meu,
de certo vai capiná o meu’, então vai deixando, a pessoas não tem
responsabilidade, vai lá chama e fala ‘amanhã eu vou’, chega de hora não
vai. (Sebastião)
Ah... pra dá certo teria que... Tinha que ser o separado, os lotes. Cada um
no seu lote. Porque aí, esse aqui é meu, aí eu ia, eu capinava meu lote e eu
não tinha nada a ver com os outros, né? (José).
O trabalho no lote eu achava melhor, porque aí a gente capina do jeito da
gente... E a gente memo vai se virando por conta da gente, dá us pulo, né,
dá um jeito. É porque a gente faz do jeito da gente, né? (Donizete)
A gente ia, capinava o da gente e ia embora e pronto, não dependia de
ninguém mais. (Rosângela)
Os depoimentos traduzem a preferência dos trabalhadores pelo lote ‘individual’ e
apontam, de certa forma, para a possibilidade de revogação do Programa, pois, na medida em
que, os trabalhadores - justamente por não aceitar esta metodologia de divisão dos lotes - não
realizam as tarefas relacionadas ao trato da lavoura, o Programa, necessariamente, estaciona.
Esta questão torna-se relevante quando alguns trabalhadores mencionam a
possibilidade de não mais participar:
Se não mudá, eu vou cair fora... E tá todo mundo querendo sair... Saiu
muito já. [...] Se mudasse as condições de repartimento, eu achava bom,
seria mió. Mas se for do jeito que vai, esse ano eu saio. (João)
Nessa plantação tem gente falando que não quer nem o feijão mais...
Eu tava até pensando em ir lá na assistência falar que se elas não dé jeito,
vai acabá o AgroVida... Se não mudá nada... (Sílvia)
A assistente social percebe a dificuldade da realização da coletivização do trabalho e
apresenta uma justificativa, porém não apresenta alternativa a esta questão.
70
Então assim, é muito difícil dizer pros trabalhadores que aquilo não é de um
fulano, mas de um grupo. Se uma pessoa não foi cuidar da parte de,e é ele
quem tem de tomar conta. Então para eles é muito complicado fazer
compreender isso.
Eu acho que a gente tá trabalhando com uma questão que não é só dessas
famílias, é questão não só de Alterosa/MG, está imbutido na cultura da
pessoa não saber trabalhar socializando. Então eu acho que não é
impossível, mas é um trabalho muito demorado.
Os técnicos agrícolas da Emater avaliam, assim como os trabalhadores, que a divisão
individual dos lotes seria melhor, no entanto, o motivo pelo qual assumem essa postura difere
bastante dos trabalhadores.
O individual funciona melhor que esse de hoje aí. No individual tem como
você puni uma família. Não tem como você puni mais de uma, esse de hoje
é muito coletivo. Esse é mais fácil pra nós trabalhá, porque você vai lá e
divide em 10 lotes, é mais fácil do que dividi 120 lotes. Mas pra julgar o
programa, julgar as famílias, aí fica difícil.(Gil)
Os técnicos agrícolas vêem no trabalho individual uma facilidade para excluir as
famílias do Programa e também uma forma de agilizar seu trabalho.
Esta maneira de conceber o Programa, como instrumento de exclusão, é permeada por
uma concepção naturalizada e harmônica das relações sociais, onde o indivíduo que “falha” é
concebido como uma disfunção, que deve ser refuncionalizada ou, então, excluída do sistema.
O desinteresse dos trabalhadores, traduzido na falta de compromisso com o trabalho
na lavoura, não é causa, mas sim efeito. Efeito da ausência de uma proposta que responda à
suas necessidades, as quais, nas questões aqui elencadas - a maneira como os lotes foram
divididos e organização do trabalho na lavoura - não são realizadas.
A efetivação de um programa social que preza a participação popular requer,
freqüentemente, a revisão de sua metodologia. Clodovis Boff (1985, p. 10) traduz essa
necessidade ao dizer que:
71
Não existem propriamente regras fixas de trabalhar com o povo. O que
existem são apenas balizas, setas indicadoras. Cada um tem que assumir o
risco, pois o risco faz parte de todo aprendizado que se funda
principalmente na experiência. Acerta-se no trabalho popular através de
‘tentativas e erros’. É impossível dar sempre certo. Em nenhum lugar talvez
mais do que aqui vale o dito de que é fazendo que se aprende. Daí a
importância do processo como tal.
3.1.2 Reuniões sócio-educativas
A proposta inicial do Programa contava com a realização sistemática destas reuniões.
Os trabalhadores foram organizados pela Secretaria Municipal de Assistência Social,
em grupos de aproximadamente quinze componentes e uma vez por mês, durante o ciclo
produtivo da lavoura, reuniam-se no período noturno. Assim, cerca de oito reuniões, a cada
mês, eram realizadas com os diferentes grupos.
Esta atividade constituía-se em espaço privilegiado de debate do Programa e de temas
relacionados à questão agrária, como reforma agrária e trabalho rural assalariado, por
exemplo. Atualmente, as reuniões perderam o enfoque sócio-educativo
40
, sendo realizadas
apenas como instrumento informativo e com a participação de apenas algumas pessoas.
A fala da assistente social apresenta esta questão:
mas é difícil, é claro que não é impossível, mas é uma dificuldade em
manter, em fazer muitas reuniões com eles [...], porque o horário que a
gente teria para trabalhar com eles, não só o tema da coletividade, mas esse
e outros, seria a noite e são trabalhadores rurais, que chegam tarde em casa
do trabalho. Então assim, dificilmente eles tem disposição para vir, escutar
com uma certa freqüência essas reuniões, mas acho que é um trabalho
possível, porém difícil.
A assistente social relata os obstáculos para a efetivação das reuniões, traduzidos na
indisposição dos trabalhadores. Porém, o Programa AgroVida foi pensado como uma
40
Por sócio-educativo entendemos as ações profissionais que junto com a prestação de serviços sócio-
assistenciais fortalecem os projetos e lutas das classes subalternizadas. (YASBEK, 1996)
72
alternativa, para os trabalhadores rurais assalariados, ao período da entressafra do café –
marcado, principalmente, pelo desemprego
41
.
Desta forma, pensamos que esta não seja a principal justificativa. Ainda mais quando
sabemos que o exercício profissional pauta-se pela análise do movimento da realidade, e desta
forma, da apreensão das mediações através das quais as diversas singularidades ganham
expressão concreta, proporcionando, assim, a superação da imediaticidade do fenômeno e da
ilusão que a realidade é o próprio obstáculo a ser vencido.
A superação de uma visão unilateral é, portanto, condição para vislumbrar as
possibilidades de atuação profissional inovadoras e criativas.
Com relação à perda do enfoque sócio-educativo e relevância do aspecto informativo
das reuniões, vejamos o depoimento abaixo:
Toda vez que a gente vai iniciar o plantio de um produto, no caso ou o arroz
ou o feijão, a gente reúne para definir as equipes, para poder ver quantas
famílias saíram e selecionar novas famílias. Depois da colheita a gente faz
outra reunião para fazer uma avaliação de como foi o plantio, a capina e a
colheita. Isso a gente faz com os líderes, sempre com os líderes.
As reuniões são mais organizativas e dentro desse espaço a gente tenta
trabalhar os temas, mas aí é como eu te falei acaba voltando muito a
discussão para prática, para operação do programa. Porque aí eles começam
a reclamar, a fazer reclamações.
Na hora de fazer avaliação a gente faz com os líderes, depois da colheita.
Agora, antes, a gente faz com todas as famílias, antes de começar o
plantio.(Assistente Social)
A fala da assistente social, a respeito das reuniões, evidencia o aspecto administrativo,
o que também é importante e necessário, porém percebe-se que a possibilidade do Programa
tornar-se um instrumento impulsionador do protagonismo das famílias trabalhadoras,
distancia-se.
41
Realmente, há momentos – por conta da irregularidade das colheitas - que o Programa AgroVida coincide com
o de alguma colheita ou com outra atividade agrícola, mas não freqüentemente.
73
O depoimento de uma trabalhadora evidencia e critica esta maneira de realizar as
reuniões:
Agora esse negócio de líder lá, eu acho difícil porque eles chama os 12 líder
pra reunião e os outros não está escutando o que que tá falando, que jeito
que é o Programa. As família fica desintendida.(Sílvia)
A concretização do enfoque sócio-educativo das reuniões torna-se ainda mais difícil
quando analisamos a fala dos técnicos agrícolas:
O Programa, as reunião, continua o mesmo esquema: a assistência social
que escolhe a turma lá, que escolhe o pessoal, faz reunião. A gente trabalha
com a parte técnica, é a parte técnica mesmo, desde o acompanhamento do
plantio até a colheita (Gil)
O Programa AgroVida na concepção do técnico agrônomo é dividido em duas
responsabilidades: a da assistência social e da Emater, o que colabora para emperrar o
enfoque sócio-educativo proposto pelo Programa.
A formação dos técnicos agrícolas não fornece elementos para contribuir no
desenvolvimento de debates acerca da realidade dos trabalhadores rurais, como também com
questões do próprio Programa
42
.
As reuniões sócio-educativas são os instrumentos que os profissionais responsáveis
pelo Programa AgroVida dispõem para refletir com os trabalhadores questões relacionadas ao
seu cotidiano de trabalho e sobre o próprio Programa, desta forma, são atividades essenciais
no desenvolvimento deste.
42
É certo que as atividades da Emater voltam-se aos pequenos produtores rurais, porém isto não impossibilita o
desenvolvimento de outras frentes de trabalho. O envolvimento da Emater com o Programa AgroVida é um
indicador disto e revela a disponibilidade dos profissionais.
74
Maria Carmelita Yasbek (1996, p. 58) traduz a importância do sócio-educativo no
trabalho do assistente social:
As ações profissionais dos assistentes sociais apresentam duas dimensões: a
prestação de serviços assistenciais e o trabalho sócioeducativo, sendo que
há uma tendência histórica a hierarquizar a ação educativa em face do
serviço concreto. Na realidade, é pela mediação da prestação de serviços
sociais que o assistente social interfere nas relações sociais que fazem parte
do cotidiano de sua ‘clientela’. Esta interferência se dá particularmente pelo
exercício da dimensão socioeducativa (e política/ideológica) da profissão,
que tanto pode assumir um caráter de enquadramento disciplinador
destinado a moldar o ‘cliente’ em termos de sua forma de inserção
institucional e na vida social, como pode direcionar-se ao fortalecimento
dos projetos e lutas das classes subalternizadas. Neste sentido, a dimensão
socioeducativa ‘não é algo que seja exterior à prestação de serviços
materiais, mas sim algo que lhe é inerente e que lhe dá sentido e direção’
(Batistoni, 1989, p.7). A prática assistencial voltada aos interesses destas
classes ‘não se reduz à provisão imediata de ajuda, transformando-se em
instância de mediação fundamental ao avanço da consciência e apropriação
de bens e serviços pelas classes subalternizadas. A assistência é uma
instância de mediação que atua na trama das relações de confronto e
conquista’ (Sposati et alli, 1985, p.72).
Para o Programa AgroVida ir além do trabalho na lavoura, para ser uma mediação
entre a necessidade imediata do usuário e o acesso a um direito, necessariamente terá de
desenvolver a esfera sócioeducativa, para que assim, contribua com o protagonismo dos
trabalhadores que dele participam.
3.1.3 O líder
Um tema que teve destaque nos depoimentos dos trabalhadores foi a figura do líder.
O ‘líder’ – proposta encaminhada pela Secretaria de Assistência Social - surgiu como
alternativa à dificuldade de mobilização dos 120 trabalhadores para as atividades do
Programa: capina, colheita e reuniões.
43
43
Esta dificuldade é resultado do quadro reduzido de profissionais da Secretaria Municipal de Assistência Social,
que conta com apenas duas assistentes sociais para implementar e acompanhar diversos programas. Citaremos
alguns para dar dimensão do volume de trabalho: Programa Cesta Básica Alimentar, Programa AgroVida,
Programa Melhoria Habitacional, Programa Social de Habitação – PSH/Caixa Econômica Federal, Plantão
75
Funcionava assim: os trabalhadores foram organizados em equipes de 10 a 12
integrantes. Esta organização se deu pela localização das moradias, já que a maioria dos
trabalhadores residia no mesmo bairro, o Bairro do Cruzeiro. Cada equipe indicava um líder,
que se responsabilizava por contatar todos os integrantes e avisá-los das atividades do
Programa.
Os profissionais da Emater falaram sobre o líder e o colocaram como um aliado na
realização das tarefas do Programa:
O líder ajuda a avisá as famílias, ajuda a marcar, vê se o pessoal do grupo
dele foi, ajuda a oiá o serviço lá. Na verdade, é um ajudante nosso. Não
recebe mais arroz por isso [...]. Antigamente, nós andava atrás de todas as
famílias, agora não. Vai capiná o lote tal, nós avisa o líder e o líder avisa o
grupo dele. Ele é responsável pelo grupo dele. (Gil)
A gente dividiu as tarefas. Quer dizer, a gente não tá sobrecarregado hoje.
Pra uma pessoa só avisar 10 é fácil, agora prá 1 avisar 120 [...] é uma
semana para você achar esse povo. (Ismael)
Os trabalhadores também percebem a figura do líder, os depoimentos abaixo
apresentam isto:
De primeiro eles vinha atrás, os rapaz lá que trabalhava no Programa que
vinha atrás das pessoas, [...] aí ele deixou pro líder. Então fica por conta do
líder... Mas os líder num tá querendo isso também... Porque vai atrás de um
e esse um fala: ‘Ah! Amanhã não posso ir não... Porque que não avisou há
mais dias, agora vem avisa na última hora, amanhã não posso ir trabalhá
não.’
E vai esse rolo.
Ah! Isso não vai funcioná. Sabe? Não vai funcioná não! (José)
Agora esse negócio de líder lá, eu acho difícil. Porque eles (a Secretaria
Municipal de Assistência Social ou a Emater) chama os 12 líder e os outros
não está escutando o que que tá falando. Que jeito que é o Programa.
(Silvia)
Social, Programa de Atenção Integral à Família, acompanhamento e participação no conselhos municipais de
assistência social, dos direitos da criança e do adolescente e do idoso, etc.
76
Se para os técnicos agrônomos o líder é uma figura que contribui com o
desenvolvimento do Programa, para os trabalhadores, é visto com certa desconfiança.
O depoimento de José mostrou essa apreensão, como também a possibilidade de não
dar certo, já que, segundo ele, nem os próprios líderes estariam satisfeitos em continuar nesta
responsabilidade, pois não sabem como agir quando os trabalhadores combinam alguma
atividade, mas não a realizam. Para ele, a tarefa de avisar e convidar os trabalhadores para as
atividades do Programa seria da Emater ou da Secretaria de Assistência Social.
A proposta do líder, em termos organizativos, contribui com o Programa. O conflito
está na maneira como se concebe o líder: ele não pode ser apenas um ‘ajudante’ dos
profissionais responsáveis pelo Programa.
Novamente, a necessidade do enfoque sócio-educativo do Programa, pois, se
realizado, os líderes poderiam ser mais bem preparado, como também, substituídos, isto tudo
em um processo de debate com os trabalhadores, o que impulsionaria a participação, tendo em
vista que esta é um processo pedagógico que pode contribuir na ultrapassagem das questões
imediatas.
Maria Luiza de Souza (1999, p. 84) fala da importância deste processo no trabalho
com as classes subalternizadas, na medida em pode expressar a
conscientização, organização e a
capacitação contínua e crescente da população ante a realidade social concreta. A participação, de
acordo com Souza (1999, p.84) é um processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses
presentes naquela realidade e cujo objetivo é a sua ampliação enquanto processo social.
3.1.4 Divisão da produção
77
Indicada como uma das principais questões do Programa de Lavoura Comunitária
AgroVida, a divisão da produção, que na verdade diz respeito ao contrato de arrendamento
será agora abordado.
Vejamos as opiniões dos trabalhadores a esse respeito:
Dos mil saco, por exemplo, eles tira as despesa, tira a arrendação, a renda
da terra, tira a semente, tira o adubo [...] E quanto é que fica pra nós? Era
pra nós ficar com ao menos duzentos sacos, pra nós, pras famílias [...] Essa
divisão não tá boa não, não acho boa não [...].
Porque foi eu quem trabalhei, eu quem arrumei o povo [...].
Se desse mil saco tudo lá, do nosso taião era pra tocá ao menos duzento ou
ou cem saco pra nós, mas não toca.
Aí ficava todo mundo satisfeito. Era para ser partido meio a meio: se desse
mil saco, quinhentos saco era pra partir com aquele povo que trabalha. Eles
fica com quinhentos prá lá e nós que trabalha ficava com quinhentos prá nós
repartir. (João)
Ce acha? Eu trabalhá lá, 12, 15 dias lá para receber 02 sacos de arroz. Ce
não acha que tá pouco, não? (José)
Essas duas opiniões mostram o descontentamento dos trabalhadores com relação à
divisão da produção, pois avaliam que a produção da lavoura não tem respondido ao seus
dispêndios.
Talvez esta questão remeta, novamente, à divisão dos lotes. Como já foi mostrado os
trabalhadores preferem o lote individual e talvez, o lote individual mostre com mais clareza o
resultado do seu trabalho e assim, a quantidade de feijão ou arroz que lhe pertence
44
.
A fala da assistente social traduz o questionamento dos trabalhadores sobre esta
questão:
Você sabe que todo o arroz colhido não é deles, né? Fica 15% para o
proprietário, 40 % vai para a Prefeitura e 45% com eles.
44
A título de ilustração mostraremos os valores da produção de um lote de feijão da primeira lavoura em 2002. A
produção total deste lote foi de 6 sacos e meio de feijão. Destes, 3 foram para as famílias, 2 sacos e meio para a
Prefeitura e 1 saco para o proprietário. Um saco corresponde a 60kg de feijão. (Anexo 3).
78
Por mais que alguns se reconheçam como meeiro, você percebe que eles
acham que estão trabalhando para a Prefeitura. A gente tenta colocar que
não, porque toda a parte da Prefeitura é vendida, quer dizer uma parte,
porque a outra parte é doada para as entidades. O dinheiro da venda é
revertido para o programa, na compra de sementes, insumos agrícolas e tal.
Mas mesmo assim, há uma dificuldade muito grande em desmistificar tudo
isso. Você percebe isso nas falas, nas reuniões [...].
A divisão dos lotes aparece novamente, porém, agora sob o aspecto da produção.
Cabe aqui uma outra observação, que diz respeito ao contrato de arrendamento e à Lei
Municipal que regulamenta a divisão da produção.
Tanto em um quanto em outro, a definição dos repasses/rateios do resultado da
produção foram definidos em acordo do Poder Executivo com o proprietário de terras. Nesta
negociação os trabalhadores não tiveram participação, então, por isso, os questionamentos,
pois se não fazem parte do processo – na verdade, fazem, mas não deste especificamente – a
dúvida, o questionamento vem à tona.
Contudo, sabemos que uma negociação desta e, posteriormente, a aprovação de uma
Lei Municipal que define a dotação orçamentária do Programa, representam um avanço, em
virtude da história política de Alterosa/MG, marcada pelo conservadorismo e
assistencialismo
45
, como também pela secundariedade com que os programas da assistência
social são tratados no orçamento público.
45
Em entrevista a um jornal, o Prefeito de Alterosa/MG – Dimas dos Reis Ribeiro - declarou que quando
começaram as negociações com os proprietários, surgiram comentários de que o PT - partido da gestão
municipal naquele período - tomaria as terras dos fazendeiros.
Interessante registrar que Alterosa/MG foi governada durante 20 anos ininterruptos pelo Partido da Frente
Liberal - PFL.
No entanto, existe a possibilidade, respaldada na Constituição Federal (art. 5, inciso XXIV, da Constituição
Federal) da Prefeitura desapropriar uma área por questão de utilidade pública - construir uma estrada, uma ponte,
um prédio público, desenvolver projeto de interesse da cidade, que seja conveniente e vantajoso para o coletivo -
ou de interesse social - alguma obra ou projeto que propicie melhoria na qualidade de vida ou que atenue as
desigualdades sociais, tendo em vista as camadas mais pobres.
A desapropriação se dá através de um decreto do prefeito ou de uma lei municipal, pagando-se a justa
indenização em dinheiro (valor do imóvel). É um procedimento administrativo no qual um particular perde um
bem para o Poder Público, recebendo a devida indenização. A Prefeitura não precisa entrar na justiça. Se o
proprietário entender que houve inconstitucionalidade ou ilegalidade, poderá entrar com ação ou mandado de
segurança, para suspender a desapropriação até apreciação judicial.
79
Neste ponto de discussão, faz-se necessário referirmos também à questão da
contrapartida exigida das famílias pelo Programa de Lavoura Comunitária Agrovida .
Sabe-se, pela exposição feita até aqui, que a contrapartida exigida é o trabalho das
famílias na lavoura e esta exigência é própria da metodologia do Programa, ou seja, para
engrenar, depende necessariamente da força de trabalho das famílias participantes.
Desta forma, esta contrapartida não representa sobretrabalho, mesmo porque o
Programa, como já salientado, desenvolve-se no período da entressafra do café - lavoura que
emprega parcela expressiva dos trabalhadores usuários da política de assistência social de
Alterosa/MG
46
- e, portanto, como apontado anteriormente, período de desemprego.
O próximo ponto a ser discutido no item proposta/efetivação do Programa diz respeito
ao que os técnicos agrônomos da Emater denominaram de burocracia.
3.1.5 Burocracia
Os técnicos apontaram dificuldades na execução do Programa AgroVida e para eles
uma das soluções seria resolver a burocracia.
eu acredito que seria a burocracia, ainda, principalmente na compra. Esse
ano melhorô demais, mas mesmo assim tem uma burocraciinha. É a questão
maior. Até o trabalho com as família não é difícil, a gente já sabe como que
é o sistema deles. Única questão que ainda pesa, é a burocracia.(Gil)
eu também acho que é a burocracia. No começo a gente tinha muita
dificuldade com as famílias, né? Não com todas, mas com uma parte, mas
Esse procedimento é diferente da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, que depende
do processo judicial e se dá quando o proprietário não cumpre com a função social da propriedade. A
indenização, no entanto, é paga com títulos da dívida agrária, resgatáveis em 20 anos.
46
Em palestra proferida, a professora Maria Carmelita Yasbek disse que nem sempre as contrapartidas dos
programas sociais são maléficas, por exemplo, a que exige a freqüência da criança na escola. (Informação verbal
da palestra ‘Assistência Social’ proferida por Maria Carmelita Yasbek, em 16/03/2005 na FHDSS – Unesp
Franca/SP)
80
hoje, com o passar dos anos, vai acostumando. Agora a questão da
burocracia, melhorô, mas tem muito o que melhorar.(Ismael)
Para os técnicos, a demora, pela Prefeitura, na compra de sementes, insumos, adubos e
de peças para a manutenção das máquinas, constitui um problema, já que a lavoura, para ter
uma boa produção, depende do tempo certo para o plantio e preparo da terra.
Neste sentido, os técnicos da Emater têm razão, porque se o plantio for feito fora do
período propício, a produção sofrerá prejuízos. No entanto, os procedimentos administrativos
atravessam qualquer instituição e com o poder público não é diferente.
A burocracia, por mais entrave que traga ao Programa, não constitui elemento para
pensá-lo fora da esfera pública de financiamento e execução, como cogitaram os técnicos:
Se tivesse assim um jeito do Programa ser independente da política, se
tivesse alguém, uma empresa que patrocinasse o programa, que fosse [...],
que saísse da política [...] (Ismael)
Poderia montar tipo uma associação do programa. Eu acho que desligaria
um pouco da política. Tipo associação de bairro, uma associação do
programa, diminuiria a questão da burocracia.
Passaria a subvenção para a associação e ela administraria e prestava conta,
é uma coisa que daria certo.(Gil)
O Programa AgroVida visto desta maneira submete-se à lógica neoliberal, pois seu
financiamento, metodologia e gestão ficariam sob responsabilidade de ‘uma empresa que o
patrocinasse’, solapando a concepção pública das políticas sociais.
Neste sentido, quem gera os entraves burocráticos é o ‘público’, que seriam
resolvidos, ou mesmo eliminados, pela gestão privada do Programa.
O que os técnicos da Emater não se atentam é que ‘a empresa que patrocinasse’ não
pretende aquilo que está disposto na Lei Orgânica da Assistência Social, mais especificamente
81
na Seção V do Artigo 25, que diz respeito aos projetos de enfrentamento da pobreza. Diz o
artigo:
Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de
investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar,
financeira ou tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade
produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência,
elevação do padrão de qualidade de vida, a preservação do meio-ambiente e
sua organização social.
Esta ação é de responsabilidade do Estado, somente.
O Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’ por suas possibilidades, por suas
inovações e por sua intencionalidade exige o financiamento público, estatal. Se suas propostas
embaraçam-se com a presença do Estado, com a ‘empresa que o patrocinasse’ não seriam ao
menos cogitadas, pois não é de interesse da iniciativa privada, propostas de proteção social.
47
Contudo, uma outra fala dos técnicos apresenta como o Estado poderia potencializar o
Programa através de maiores investimentos de recursos financeiros.
O programa deveria ter seus equipamentos todos, desde o preparo até a
colheita, porque aí você não depende de ninguém, depende de suas forças
próprias. Aqui no nosso caso, falta pouco, porque tem dois tratores, arado,
grade, essas coisas tem, tá faltando pouca coisa, falta uma plantadeira, um
[...], esparramadeira de calcário, batedeira [...] falta poquíssimo. Os
principais nóis já tem, essa é uma questão essencial. Aí, vou te falar a
verdade, ai só Deus [...] (risos). Aí o programa rende muito mais. (Gil)
Se houvesse maior investimento público, segundo o técnico agrônomo, o Programa
aumentaria a produtividade, o que para ele, sinalizaria o sucesso. Ganhos na produtividade,
significam para as famílias, maior quantidade de grão colhido, respondendo, parcialmente, à
questão dos valores do arrendamento colocada pelos trabalhadores no item divisão da
produção, abordado a pouco.
47
Importar lembrar que o Programa AgroVida estabelece um parceria com a iniciativa privada: o arrendatário da
terra onde a lavoura se desenvolve. Talvez essa parceria se aproxime ao conteúdo do artigo 26 da LOAS, que
diz: ‘O incentivo a projetos de enfrentamento da pobreza assentar-se-á em mecanismos de articulação e de
participação de diferentes áreas governamentais e em sistemas de cooperação entre organismos governamentais,
não governamentais e da sociedade civil.’ (Lei 8743/1993)
82
Para que o Programa de Lavoura Comunitária AgroVida se fortaleça enquanto um
programa público da política de assistência social a questão do financiamento deve ser
prioritária, pois não dá para financiá-lo, apenas, com o recurso advindo da venda da produção
do arrendamento.
3.2 OS RESULTADOS DO PROGRAMA
3.2.1 Críticas ao arrendamento
Um resultado importante na efetivação do Programa apresentado pelos trabalhadores
diz respeito à diferença que percebem entre o trabalho realizado no Programa de um outro
realizado diretamente com o proprietário.
Os depoimentos abaixo traduzem isto:
Às vezes se eu for plantar numa fazenda, por exemplo, com fazendeiro, ‘as
vezes eu pego um terreno bom, que a gente acerta, então é de a meia, mas a
gente paga a metade, paga tudo.(Rosângela)
Se você for plantar o arroz por conta, que muita gente aí planta, aí tem que
pagá pra arar, paga prá adubo, no dia colheita é aquela bagunça. (Sílvia)
E outra, os fazendeiro também não tão querendo dá planta pra ninguém
mais, entendeu? Porque cê vai plantar com um, ele escolhe a terra melhor
pra eles. Então a terra boa eles não vai dá pro meeiro plantá, entendeu?
Agora, esse Programa aí tem mais chance de pegar umas terra melhor, pra
plantá.(José)
Neste sentido, o Programa contribui com os trabalhadores, na medida em que se
desenvolve a partir da realidade dos mesmos, ou seja, o trabalho como meeiro ou como
assalariado é uma constante na vida dessas pessoas e a possibilidade de trabalhar como
meeiro sem despender recursos para isto, representa um resultado positivo.
83
Isto efetiva uma exigência contemporânea colocada ao Serviço Social: acompanhar o
movimento da realidade e propor alternativas de trabalho, como bem apresentou Iamamoto
(1998, p.21):
as alternativas não saem de um a suposta ‘cartola mágica’ do Assistente
Social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são
automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos
profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos,
desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho.
O trabalho de meeiro requisitado pelo Programa AgroVida pode ser também
compreendido como uma forma de aproximar a política de assistência social ao mundo do
trabalho de seus usuários, reforçando a concepção de que o trabalho é elemento determinante
na construção da materialidade e da subjetividade do ser humano que vive nesta sociedade.
Iamamoto (1998, p. 26) traduz esse entendimento:
Ao se afirmar o primado do trabalho na constituição dos indivíduos sociais,
na vida em sociedade [...] tem-se um ponto de partida e um norte. Esta não é
a prioridade do mercado – ou da esfera da circulação-, como o faz a
perspectiva liberal. Para esta, a esfera privilegiada para a compreensão da
vida social é a da distribuição da riqueza, visto que as leis históricas que
regem a produção da riqueza na era do capital são tidas como leis ‘naturais’,
isto é, assemelhadas àquelas da natureza, de difícil possibilidade de
alteração por parte da ação humana. Em outros termos, desigualdades
sociais sempre existiram e existirão, o que se pode fazer é minimizar as
manifestações extremas da pauperização, por meio de uma melhor
distribuição dos produtos do trabalho desde que mantida intocada a
distribuição dos meios de produzir e, portanto, as bases sociais em que se
erige a sociedade de classes. Aqui se trabalha em uma outra perspectiva
[...], a atenção volta-se à produção e reprodução da vida material. Os
homens têm necessidades sociais e carecimentos a satisfazer e, por meio do
trabalho, buscam produzir objetos úteis para respondê-los; objetos estes
que, na moderna sociedade burguesa, são também mercadorias produto do
capital, e, portanto, portadoras de valor-trabalho e de mais-valia. O trabalho
é, pois, uma atividade que se inscreve na esfera da produção e reprodução
da vida material [...] Os homens necessitam trabalhar, precisam ter base
para a sobrevivência, base esta hoje ameaçada par uma enorme parcela da
população brasileira. [...]. Quando se fala em produção/reprodução da vida
social não se abrange apenas a dimensão econômica [...] mas a reprodução
das relações sociais de indivíduos, grupos e classes sociais. Relações sociais
estas que envolvem poder, sendo relações de luta e confronto entre classes e
segmentos sociais, que têm no Estado uma expressão condensada da trama
84
do poder vigente na sociedade. Mas a produção/reprodução das relações
sociais abrange, também, ‘formas de pensar, isto é, formas de consciência,
através das quais se apreende a vida social.’(MARX, K. Contribuição à
crítica da economia política. Prefácio. São Paulo, Martins Fontes, 1977, pp.
23-27) (p. 26-27)
3.2.2 A tentativa de superação marca assistencialista
A questão levantada por uma trabalhadora compara o Programa AgroVida com os
demais programais sociais desenvolvidos na Secretaria de Assistência Social. Diz ela:
Ah! Penso assim: que as pessoas acostumou a ter outro prá fazê as coisas
pra ele . Muitas pessoas pensa que o AgroVida é a mesma coisa que uma
cesta básica: você só vai e pega.(Sílvia)
Este aspecto - que está mais ligado à questão da contrapartida exigida pelo Programa -
ao ser mencionado possibilita questionar a marca assistencialista que caracteriza,
historicamente, a política de assistência social.
Essa marca reproduz a ‘cidadania invertida’, onde os usuários são colocados em uma
posição de subordinação e culpabilização, tendo que comprovar sua condição de pobreza para
ter acesso à política de assistência social. (YASBEK, 1996, p. 50).
Para Yasbek (1996, p.50) as políticas assistenciais, enquanto estratégias reguladoras
das condições de reprodução social podem reiterar a figura do necessitado e do desamparado,
como também, constituir mecanismos de acesso a recursos, serviços e reconhecimento dos
direitos.
A intencionalidade do Programa AgroVida tende a orientar-se pela segunda direção
apontada por Yasbek (1996), na medida em que evidencia um corte de classe, porque
entrelaça-se ao mundo do trabalho de seus usuários, deixando de estigmatizar aqueles que
recorrem à assistência social.
O depoimento da assistente social mostra-nos isso:
85
Eu penso que o que destaca no Programa seria isso, o valor e é o que o
diferencia da cesta básica, por exemplo. Você vê que na cesta básica tem
muita gente que tem vergonha, que vai solicitar, mas com uma dificuldade
enorme. Até para vir buscar tem pessoas que não conseguem, chama outra
pessoa para vir buscar, porque tem vergonha.
Já na questão do AgroVida não, é um orgulho, sabe? É orgulho saber que
eles vão colher o arroz e que vai ser deles.
Esta concepção sob a qual o Programa é desenvolvido traz, portanto, avanços
significativos para a política de assistência social e marca fortemente sua posição de classe.
Outro elemento que indicamos como resultado do Programa foi o início da construção
de uma identidade coletiva dos trabalhadores. Mostraremos abaixo como isto vem
acontecendo.
3.2.3 Construção do coletivo
Um fato importante ocorreu no ano de 2004 e sua repercussão mostrou o significado
do Programa para os trabalhadores.
Nesse ano, o Programa AgroVida obteve destaque na mídia, por ter recebido
premiações de diversas instituições
48
. Diante disso, alguns vereadores de oposição fizeram
questionamentos ao Programa, desde o investimento financeiro até a atuação profissional dos
técnicos agrônomos e da assistente social
49
.
48
O Programa Agrovida concorreu a diversos prêmios no período 2004/2005: Ciclo de Premiação 2004 -
Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas e Fundação Ford, ficando entre os 30
melhores projetos do Brasil. Em setembro de 2004, concorreu ao I Fórum Regional de Responsabilidade Social -
Prêmio Assis Chateaubriand, realizado pela TV Alterosa e Universidade de Alfenas – UNIFENAS, e ficou entre
os 20 melhores Projetos do Sul e Sudoeste de Minas Gerais. Em 2005, participou novamente do Fórum Regional
de Responsabilidade Social - Prêmio Assis Chateaubriand e ficou entre os três melhores Projetos. Ao participar
deste evento, a TV Alterosa (afiliada do SBT em Minas Gerais) realizou reportagem a respeito do Programa e
entrevistou algumas famílias e os profissionais envolvidos. A reportagem foi veiculada na mídia televisiva e
apresentada no dia da Premiação na UNIFENAS. A EPTV Varginha/MG, afiliada da TV Globo, esteve em
Alterosa/MG neste mesmo periodo e realizou matéria sobre o Agrovida, entrevistou famílias e as assistentes
sociais da Secretaria Municipal de Assistência Social. A reportagem foi veiculada no Jornal Regional
televisionado.
49
Recordemos que 2004 foi ano de eleições municipais.
86
A Secretária Municipal de Assistência Social no período recebeu oficialmente os
questionamentos e uma das críticas mais representativas foi a de que o Programa não gerava
lucro aos cofres públicos e que, portanto, deveria ser avaliado.
A Secretária respondeu o ofício e solicitou o uso da tribuna da Câmara de Vereadores
a fim de esclarecer publicamente o objetivo de um programa social, como também a lógica
pública da política de assistência social.
No dia da reunião da Câmara, em que a Secretária faria o uso da tribuna, os
trabalhadores do Programa compareceram em peso e para a surpresa de todos os presentes, no
final da reunião, foi informado que por falta de tempo, o uso da tribuna seria adiado para a
próxima sessão.
Indignada com a situação, a Secretária solicitou, mesmo assim, o uso da palavra, o que
lhe foi negado e nada mais restando a fazer, retirou-se do plenário e em solidariedade a ela,
todos os trabalhadores também o fizeram, esvaziando a Câmara de Vereadores.
Por mais simbólico que possa parecer, a presença em massa dos trabalhadores e a
retirada do plenário da Câmara mostraram a identificação com o Programa e com o trabalho
da Secretaria Municipal de Assistência Social e este ato pode ser compreendido como uma
iniciativa de construção de um coletivo, atividade árdua no trabalho popular e percebida pela
assistente social:
O Programa você percebe que é bom para muitas das famílias que
participam, mas ao mesmo tempo cai na dificuldade de atingir um dos
objetivos que é o trabalho coletivo. Você percebe assim que a cada colheita,
a cada plantio que a gente vai organizar, quando a gente reúne com todos, a
gente percebe que a dificuldade é essa, do trabalho coletivo.
Por isso, novamente, a necessidade do enfoque sócioeducativo, que permitirá
problematizar o fato ocorrido e transformá-lo em desdobramentos que impulsionem o
fortalecimento do grupo e, por conseguinte, a construção da identidade, não só como
participantes do Programa, mas como integrantes de uma classe social.
87
O fato narrado anteriormente provocou uma unidade em torno do Programa, pois os
mesmos técnicos agrônomos que dividiam o Programa nas tarefas da assistência social e nas
tarefas dos técnicos perceberam a intenção política dos questionamentos dos vereadores.
a questão da politicagem, tinha que acabar com isso também, não dependê
de política. A tal da Câmara é uma pedra no sapato do programa.(Gil)
Os questionamentos fazem parte do processo, ainda mais quando se trata de um
programa social que atende uma parcela expressiva da população pobre do município, porém,
questionamentos que visassem o melhoramento do Programa não estavam na pauta daqueles
vereadores. A intenção era política e politicamente foi respondida, ou quase, já que não foi
permitido à Secretária manifestar-se.
3.2.4 Novas possibilidades
Para finalizar a apresentação dos resultados do Programa mostraremos uma avaliação
final dos três sujeitos envolvidos em sua implementação.
Comecemos pela avaliação dos trabalhadores:
Agora, o programa não é ruim, não é ruim, não. O que tá acontecendo é que
o povo não é unido pra trabalhar.(José)
só que eu acho que a cesta básica que a gente pega é aquele pouquinho,
logo acaba. Agora o arroz e o feijão, não. Ele custa, só que depois dura mais
tempo, né.(Rosângela)
Ah, eu acho que o programa ajuda bastante, dá um pouquinho de trabalho,
mas ajuda bem. (Donizete)
Os trabalhadores nesses depoimentos e em todos, de uma maneira geral, percebem as
dificuldades do Programa AgroVida, porém, não apontam para a sua término, ao contrário,
indicam as falhas e propõe alternativas.
88
Já os técnicos agrônomos pensam em formas de ampliar o Programa, demonstrando a
disposição em mantê-lo e melhorá-lo. Eles levantaram as seguintes propostas:
outra coisa que daria certo, era se a Prefeitura tivesse terra própria, porque
aí você poderia montar uma horta de verdura, daria pra fazer muito trabalho
social. (Gil)
Porque você poderia comprar um equipamento de irrigação, ter mais safras
no ano, plantá frutas (Ismael)
As propostas dos técnicos ganham ainda mais sentido quando percebemos que a
possibilidade de desapropriação de uma área destinada ao Programa possa vir ocorrer,
dependendo, é claro, da relação de forças estabelecidas pela Prefeitura.
Para finalizar, apresentaremos o depoimento da assistente social, revelando os
diferenciais do Programa AgroVida que o direcionam à efetivar a política de assistência social
sob o princípio da dignidade e autonomia do cidadão.
Eu acho que no Programa você não está simplesmente entregando algo
pronto. Acho que tem toda a questão do valor embutido. Para as pessoas
que participam já um certo tempo eu vejo que é como se eles se sentissem
valorizados: ‘eu tenho o arroz que eu produzi’. Sabe, tipo ‘ eu tenho é’, não
sei se é a palavra, mas, ‘autonomia’. Você vê a satisfação quando eles
colhem aquilo que vai ser deles, que vai ficar para eles. Eles sabem que
podem vender, se quiser, ou utilizar para consumo próprio.
Eu costumo dizer que o AgroVida é a menina dos olhos do município,
porque - não desfavorencendo ou desmerecendo outros projetos, não só
aqui da Secretaria como da cidade toda -, mas é impressionante como a
gente vê que virou uma referência.
Alterosa? Ah..., é a cidade que tem o AgroVida?!
A fala da assistente social indica a possibilidade do Programa trabalhar com a
dimensão do respeito à dignidade e autonomia dos sujeitos que recorrem à assistência social,
principalmente porque são vistos como trabalhadores e não como dependentes dos serviços
prestados.
89
E ao serem vistos como trabalhadores a concepção da política muda substancialmente,
porque, como já salientado, o trabalho como fonte de produção e reprodução da vida em
sociedade, marca necessariamente a luta de classes. E a assistência social insere-se nesta
relação, seja para reproduzir, seja para alterar. Neste sentido é que a citação a seguir ganha
vitalidade:
o assistencial não altera questões estruturais; pelo contrário, muitas vezes as
oculta. Isso não significa que se deva negá-lo ou não reconhecer sua
necessidade histórica, pois as políticas de assistência, como as demais
políticas no âmbito da gestão estatal da reprodução da força de trabalho,
buscam responder a interesses contraditórios, engendrados por diferentes
instâncias da sociedade, e assim não se configuram como simples produtos
dos interesses dos ‘de cima’, mas como espaço onde também estão
presentes os interesses dos subalternizados da sociedade. (YASBEK, 1996,
p. 53)
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho apresentou um programa da política de assistência social do município
de Alterosa/MG, que teve por objetivo pautar a necessidade de aproximar a política de
assistência social do mundo do trabalho dos sujeitos que a ela recorrem como estratégia de
sobrevivência e, desta forma, indicar ao Serviço Social o imbricamento da questão agrária
com a questão social.
As considerações do primeiro capítulo subsidiaram a compreensão dos elementos
políticos e econômicos que determinam as possibilidades e os limites de efetivação de uma
política social na contemporaneidade. Os limites ficam ainda mais evidentes quando se trata
da política de assistência social, pois vinculada historicamente com a filantropia e com o
assistencialismo, preserva ainda a lógica da ‘cidadania invertida’, onde o sujeito que dela
necessita tem de ser o sem-direito.
Contrária a esta perspectiva é que a idéia de articular a assistência social ao mundo do
trabalho é lançada, pois pode ser uma maneira de dizimar a figura do necessitado e do
desamparado que se acostuma com a assistência social e apresentar a figura do autônomo e do
digno, para quem a assistência social é uma estratégia de acesso aos serviços e equipamentos
públicos.
A questão de fundo abordada quando expõe-se a necessidade de aproximação da
assistência social ao mundo do trabalho dos usuários é aquela relacionada à concepção do
trabalho como elemento fundante na conformação da materialidade e da subjetividade
humana.
91
Para que as políticas sociais atrelem, em sua efetivação, esta concepção, o
desenvolvimento da esfera sócio-educativa deve ser planejado.
A dimensão sócio-educativa das políticas sociais tem um significado especial para o
Serviço Social, primeiro porque, historicamente, é uma profissão que lida diretamente com a
população quando na efetivação dessas políticas; segundo, porque o sócio-educativo permite
apresentar o diferencial da profissão, na medida em que o debate com a população a respeito
de questões de seu cotidiano pode ser desenvolvido.
O que se apresentou nesta pesquisa foi a intenção de um programa da política de
assistência social desenvolver a dimensão sócio-educativa na perspectiva do mundo do
trabalho.
A proposta sócio-educativa do Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’ é
estabelecer o diálogo com os trabalhadores sazonais da lavoura de café a respeito do seu
cotidiano de trabalho, porque esta é a demanda colocada à política de assistência social de
Alterosa/MG.
E ao fazer isto, aparece um outro elemento que atravessa o mundo do trabalho desses
usuários, que é a questão agrária. A realidade social de Alterosa/MG apresentada à política de
assistência social exige que o sócio-educativo aborde temáticas da questão agrária, como a
modernização da agricultura, o êxodo rural, o trabalho por produção, etc.
Neste sentido, então, que se faz importante a compreensão das especificidades que a
questão agrária imprime no desenvolvimento das políticas sociais, já que, contribui na
efetivação de propostas de trabalho condizentes com a realidade social.
Estas especificidades ganham maior relevância quando o perfil dos municípios
brasileiros é analisado: grande parte deles são de pequeno porte, cuja estrutura ocupacional e
produtiva depende fortemente da agricultura.
92
Atentar para o imbricamento da questão agrária com a questão social é uma maneira
de diminuir o entendimento da realidade brasileira a partir de duas óticas: uma urbana e outra
rural, esquecendo-se que uma complementa a outra e que as duas são expressões de um
mesmo fenômeno: o mundo do capital.
O Programa de Lavoura Comunitária ‘AgroVida’ é uma proposta que pode efetivar as
questões abordadas até agora: a relação entre assistência social, mundo do trabalho e questão
agrária.
No entanto, como foi visto no terceiro capítulo, ainda há muito que fazer para que o
Programa se efetive como um instrumento de defesa dos interesses e necessidades dos
trabalhadores rurais.
Um programa que pretende recuperar a autonomia e dignidade do usuário da política
de assistência social deve prezar por sua participação, no entanto, no Programa “AgroVida”
esta tem se dado de forma esporádica, representativa e operacional.
Construir um espaço onde os trabalhadores possam expressar opiniões, críticas e
sugestões a respeito do Programa é fundamental no exercício de sua autonomia, pois, aí o
sócio-educativo ganha sentido, porque torna-se político, pontuando questões que podem
contribuir com a “organização autônoma das ‘classes-que-vivem-do-trabalho’ ”. (NETTO,
2004).
Este, como se vê, é um ponto frágil do Programa “AgroVida”, porém com condições
de ser revisto, na medida se priorize o sócio-educativo, para tanto, é imprescindível repensar o
quadro de profissionais disponibilizado para o acompanhamento do Programa.
O Serviço Social possui “competência crítica” (IAMAMOTO, 1998) para efetivar
um programa que pretende fazer do assistencial instrumento de defesa dos interesses das
classes subalternizadas; porém, quando sufocado com rotinas administrativas o sócio-
93
educativo perde vitalidade, já que para ser desenvolvido necessita de tempo, preparo e
conhecimento.
A presença dos técnicos agrícolas no desenvolvimento do Programa, por conta de
suas características, é necessária; contudo, fica limitada à lavoura e à produção, descartando o
envolvimento com questões do mundo do trabalho dos sujeitos do Programa. No entanto,
representa um avanço, pois demonstra o compromisso desses profissionais, porém, só o
compromisso não basta para um Programa com intencionalidades políticas. O compromisso
profissional tem de ser, também, político.
Esse processo se dá através do conhecimento, da formação e do debate, daí a
importância de desenvolver momentos de formação para os profissionais responsáveis pela
efetivação do Programa “AgroVida”, mas formação que paute questões do mundo do trabalho
dos assalariados rurais, conseqüentemente, da questão agrária.
Outra fragilidade do Programa está relacionada ao seu financiamento: para ser
público, as fontes de recurso dos programas sociais têm de ser definidas. O Programa
“AgroVida” tem, fixada em lei, essa fonte, o que é um avanço; porém, este avanço perde
tonalidade quando parte de seu financiamento atrela-se ao arrendamento acordado entre o
Executivo Municipal e o proprietário de terras.
A porcentagem do arrendamento destinada aos cofres públicos representa uma forma
auto-sustentação do Programa, além de ser significativa para os trabalhadores.
O arrendamento pode ser considerado como um limite institucional e político, na
medida em que o Programa “AgroVida” configura-se como uma primeira proposta, uma
primeira iniciativa de efetivar a política de assistência social vinculada ao mundo do trabalho
de seus usuários, entretanto, o limite deve ser pautado e discutido, mesmo porque os
trabalhadores o questiona.
94
A política de assistência social, na atual conjuntura, se efetiva com os avanços e com
os recuos, com os limites e com as possibilidades, pois a dinamicidade integra a realidade
social. O Programa “AgroVida” indica, com todas as suas fragilidades, algumas orientações
para as realidades onde a demanda por assistência social é pautada pelos trabalhadores rurais.
Isto é pouco? Sim, é muito pouco diante das vultosas responsabilidades que a assistência
social assume ao se colocar como instrumento de defesa dos interesses de seus usuários, no
entanto, é com o pouco que propostas inovadoras são viabilizadas e o pouco não exclui a
possibilidade de ser mais.
Como bem disse Drumond: “eu tropeço no possível, e não desisto de fazer descoberta
do que tem dentro da casca do impossível”.
95
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