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Ednaldo Gonçalves Coutinho
A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO
FÍSICA:
diretrizes e perspectiva nas políticas educacionais atuais
Uberlândia
Centro Universitário do Triângulo
2007
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Ednaldo Gonçalves Coutinho
A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO
FÍSICA:
diretrizes e perspectivas nas políticas educacionais atuais
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Educação Superior do Centro Universitário do
Triângulo (UNITRI), como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação, sob a
orientação do Prof. Dr. Luiz Roberto Gomes.
Uberlândia
Centro Universitário do Triângulo - UNITRI
2007
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Ficha Catalográfica
elaborada pelo Departamento de Catalogação da Biblioteca da UNITRI
Bibliotecária responsável: Gizele Cristine Nunes do Couto CRB6/2091
378
C 871 f Coutinho, Ednaldo Gonlçaves.
A formação do professor de educação física [manuscrito]: diretrizes e
perspectivas nas políticas educacionais atuais / Ednaldo Gonçalves
Coutinho. – 2007.
162 f. : il. ; 33 cm.
Cópia de computador (Printout(s)).
Dissertação (mestrado) – Centro Universitário do Triângulo, 2007.
“Orientação: Prof. Dr. Luiz Roberto Gomes ”.
1. Ensino superior - avaliação. 2. Professores - formação. 3. Professores
– política de formação 4. Educação física – professores. I. Título.
3
Dedico à minha família: aos meus pais,
Agnaldo
e
Edna
Márcia
, que mesmo excluídos da escola e da riqueza material
não deixaram de acreditar na possibilidade de um mundo
melhor para os filhos da terra, à minha irmã Claudia
e
parentes pelo apoio concedido, especialmente durante a
realização do curso de mestrado. De igual modo, dedico à
minha companheira Elzeni
,
pela solidariedade a causa
humana e pelo amor dedicado a mim e aos nossos filhos e aos
meus filhos Mateus, Pedro
e
Bruno Vitor pelo amor
incondicional e pela compreensão explicitada face à minha
ausência em momentos importantes de suas vidas.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte universal de energia, que comanda a tudo e a todos.
Ao Prof. Dr.
Luiz Roberto
Gomes
,
pela pessoa especial que é, meu amigo,
companheiro de luta e orientador paciente que soube compreender os
nossos limites e o tempo real que tínhamos para realizar o estudo, sem
distanciar do rigor acadêmico que lhe é tão peculiar. Pelos ensinamentos e
orientações, pela confiança depositada, oportunidades e incentivos dados
durante esse processo. Agradeço as experiências profissionais e
conhecimentos compartilhados, fundamentais, para a compreensão de
conceitos e enfoques metodológicos, indispensáveis a este trabalho.
Aos Professores Doutores Ana Maria de Oliveira Cunha e Armindo Quillici
Neto pelas importantes colaborações dadas e pela solidariedade
manifestada durante a realização deste trabalho.
Aos amigos Prof. Ms. Carlos Antônio Barbosa Firmino
,
Profa. Ms.
Valéria
Guimarães de Freitas Nehme
e Profa. Dra.
Regina Francalancci Queiroz
por incentivarem e colaborarem de forma especial na concretização de meus
estudos.
Aos
amigos
da Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia que colaboraram e
me estimularam a enfrentar este desafio.
Ao Centro Universitário do Triângulo - UNITRI, aos professores, aos
funcionários Carlos Humberto da Silva, Lílian Dias de Andrade
e a
Sandra Ferreira Ávila
,
secretária
do Programa de Mestrado em Educação
Superior, entre outros colaboradores da Biblioteca, Serviços Gerais, pelo
carinho com que fui recebido e pelas condições oferecidas para viabilizar
este trabalho.
Aos companheiros de Mestrado, Beatriz, Claudia, Clédia, Fabiana, Fabio,
Fernanda, Jenete, Luciene, Marcus Vinícius, Maria Batista, Monalisa,
Regina, Suely e Vanessa
pela disponibilidade e colaboração nas discussões
acadêmicas, o que tornou este período particularmente fecundo.
A todos, a minha gratidão.
5
RESUMO
A presente pesquisa buscou compreender a formação de professores no contexto da
reestruturação das forças produtivas capitalistas e do reordenamento do Estado, ao
imprimir novos contornos a ordem mundial. Dessa forma, visou entender de que forma
as políticas sociais implementadas pelo Estado orientam a formação de profissionais e
professores, tendo como referência, o desenvolvimento curricular, a trajetória
conceitual, as teorias e métodos, e as tendências sócio-culturais que constituem o perfil
da formação em Educação Física. A pesquisa detectou que está presente na realidade
educacional uma nova pedagogia de resultados, que introjeta, conforma e modifica
comportamentos e atitudes no meio educativo e nas relações sociais. Também situou o
atual quadro sócio-econômico em que ocorre o processo de discussão da iniciativa
governamental, com suas leis, e as tendências do tema formação de professores no
contexto mundial e brasileiro. Por fim, a pesquisa apresenta as novas tendências para a
formação pedagógica no campo acadêmico e profissional da Educação Física, além das
conseqüências dos novos pressupostos indicados para a melhoria da qualidade da
educação apontados pelas políticas públicas relacionadas ao novo perfil do educador e
do profissional docente em Educação Física. A análise foi baseada nos princípios da
pesquisa qualitativa e orientou-se por uma metodologia que contempla a análise
documental dos materiais publicados pelo governo federal, dos referenciais
bibliográficos e das produções teóricas, no sentido de situar teórica e conceitualmente as
Teorias da Educação e da Educação Física sobre a formação de professores. Ao tomar
as competências como categoria de análise, a pesquisa aponta a possibilidade de se estar
lidando com os traços embrionários de uma nova pedagogia de resultados. Como
contribuições, este trabalho sugere algumas possibilidades de intervenção crítica nesse
processo, indicando alguns elementos que possam auxiliar a elaboração dos futuros
projetos de formação de professores de Educação Física, em nível Superior.
Palavras-Chave: Educação Superior; Formação Pedagógica do Professor; Políticas de
Formação de Professores; Professor de Educação Física.
6
SUMMARY
The following research aimed to understand the teachers’ formation in the context of
reorganization of the capitalist production powers and the State rearrangement,
impressing new nuances to the world order. This way, it tried to understand how the
social politics implemented by the State oriented the professionals and teachers’
formation, considering as a reference, the curricular development, the way concepts
work, the theories and methods, and the socio-cultural tendencies that establish the
formation profile in Physical Education. The research detected that there is a new result
aim pedagogy in the educational reality, which inserts, agrees and modifies behaviors
and attitudes in the educational environment and in the social relationships. It also
pointed out the present socio-economical view in which the governmental
argumentation process happens, with its laws and tendencies concerning the teacher’
formation in the Brazilian and world context. Finally, the research presents the new
tendencies for the pedagogical formation in the Physical Education academic and
professional fields, in addition to the consequences of the new inferences for the
development of the education quality suggested in the public politics related to the new
professor’s profile and the Physical Education professional. The analysis was based on
the principles of the qualitative research and was oriented by a methodology that
privileges the documental analysis of the federal government’s published materials, the
bibliographic references and productions in theory, in the sense of placing theorically
and conceptually the Education and Physical Education Theories about the teachers’
formation. By taking the abilities as a category of analysis, the research points out the
possibility of being dealing with embryonic traces of a new result aim pedagogy. As a
contribution, this work suggests some possibilities of a critical intervention in this
process, indicating some elements that may help the development of future projects of
teachers’ formation in Physical Education, in a College level.
Keywords: College Education; Teacher’s Pedagogical Formation; Teacher’s Formation
Politics; Physical Education Professor
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 08
Objetivos ................................................................................................................. 12
Aspectos metodológicos .......................................................................................... 14
CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO BRASIL ............................................................................. 18
1 A implantação dos cursos de formação de professores no Brasil .................. 18
1.1 A criação dos cursos de formação de professores: as Licenciaturas ............. 23
2 Os novos tempos e os velhos problemas da formação de professores no
Brasil ...................................................................................................................... 33
2.1 Conteúdo específico x formação pedagógica do professor ............................ 39
2.2 A desarticulação entre a formação acadêmica e a realidade prática ............ 43
3 O ensino superior hoje ....................................................................................... 49
3.1 Conferência Mundial sobre o Ensino Superior .............................................. 50
3.2 Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional .................................... 54
CAPÍTULO II - AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA ..................... 57
1 As novas políticas educacionais para a formação de professores .................. 57
2 As diretrizes curriculares para a formação de professores ............................ 67
3 O confronto de duas concepções nas Diretrizes Curriculares da Educação
Física ....................................................................................................................... 79
CAPÍTULO III - AS REFORMAS EDUCACIONAIS E A FORMAÇÃO
PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ........................ 88
1 O neoliberalismo, as políticas educacionais e a formação de professores de
Educação Física ..................................................................................................... 88
1.1 “O projeto neoliberal” e a formação inicial dos professores de Educação
Física ....................................................................................................................... 99
1.2 As conseqüências da aplicação das competências preconizadas pelas
Diretrizes Curriculares na formação de professores de Educação Física ............. 122
2 O debate em torno da temática “Pedagogia das Competências” no cenário
educacional contemporâneo ................................................................................. 127
3 A Pedagogia das Competências e seus impactos na formação do professor
de Educação Física ................................................................................................ 133
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 162
8
INTRODUÇÃO
Há pelo menos duas décadas vimos refletindo, debatendo e avaliando os
problemas referentes à formação profissional em Educação Física no Brasil. Sob
diversos ângulos interpretativos, buscamos nos referenciais teóricos e nas práticas
cotidianas realizar uma leitura crítico-reflexiva acerca da realidade educativa e
pedagógica da Educação Física. Nesse processo interativo, identificamos, analisamos,
conhecemos, relacionamos e redirecionamos várias questões que ora emergiam e
ocultavam significados importantes para a prática educativa e social da Educação Física
e nas suas relações com o contexto social do país.
Nesse trajeto, buscamos decifrar os reais significados deste complexo
universo sócio-educativo e cultural e estivemos sempre atentos a um tipo de orientação
que se pautasse pela coerência e pelo rigor, no sentido de não confundir essência com
destacadamente importante e necessária à formação humana e social em seu sentido
pleno.
No vai-e-vem crítico-reflexivo, interrogávamos a nós mesmos se seria
possível a apropriação dos instrumentos sócio-culturais e simbólicos desse campo de
conhecimentos que pudessem oferecer contribuições objetivas para uma intervenção
profissional docente, tendo em vista a necessidade da formação do sujeito-social e das
novas perspectivas emancipatórias da sociedade. Trata-se portanto, de uma perspectiva
que enfatiza o processo permanente de transformação da realidade homem e sociedade,
baseada em novas relações pessoais e coletivas com vistas a um devir humanizado.
Com os olhares entrecruzados sobre o sujeito, cultura e sociedade focávamos
a relação existente entre a educação do corpo, nas diferentes concepções e práticas
9
pedagógicas, nos diversos espaços e tempos sociais e nas ações exercidas pelos
professores, em decorrência do perfil pedagógico e profissional forjado nos projetos
curriculares das universidades.
Para nós, a educação representava e representa hoje um campo de conflitos,
no qual estão em jogo as concepções e teorias, os valores morais, as práticas sociais
evidenciadas nas atividades dos professores, a concepção de formação acadêmica
desenvolvida pelos currículos universitários e a própria resistência ou adesão dos alunos
ao processo de conhecimento. Diante disto, torna-se necessário conhecer ou identificar
o tipo de educador corporal a ser formado que possa dinamizar a Educação Física em
suas inter-relações com a sociedade para superar o modelo social discriminatório e
excludente como tem sido historicamente determinado pelo modo de produção
capitalista.
Hoje, deparamo-nos com avançadas discussões de cunho político,
epistêmico e crítico-reflexivo, desencadeadas por estudiosos, intelectuais e
pesquisadores
1
da área de conhecimento acadêmico e profissional em Educação Física,
em busca de uma referência epistêmica, teórico-conceitual ou mesmo de prática social
capaz de oferecer à Educação Física uma adequada identidade social.
Grande parte dessas discussões visam redefinir tanto o seu objeto nuclear
(matriz) e suas fronteiras, quanto os horizontes estatutários de uma prática social e/ou
científica que justifique/represente um campo disciplinar no interior das demais ciências
da sociedade. Sem entrar no debate ou mesmo tentar solucionar a polêmica existente
hoje, admitimos que a Educação Física constitui-se de significados que representam,
reproduzem e introduzem os elementos que se integram e se relacionam à
1
Destaque para o Grupos de Trabalhos Temáticos– sobre epistemologia em Educação Física do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).
10
corporalidade
2
, resultado da ontogênese histórica do ser humano e da sociedade da qual
faz parte.
Atualmente, em todo o mundo, em face da crise do capitalismo
contemporâneo e a presença marcante do neoliberalismo, os diversos países estão
procurando modificar a educação, reformar o ensino e todo o seu sistema. Entretanto,
permanece a questão: para qual finalidade? Não há necessidade de provas para afirmar
que, nas grandes crises sociais econômicas e políticas, a educação assume um papel
importante nos campos das reformas para tentar solucionar em parte os problemas
sociais e contribuir para as mudanças da realidade.
No caso do Brasil, localizado em um contexto sócio-econômico e cultural
demarcado pelo pensamento neoliberal e pelo modo de produção capitalista em
processo de reordenamento econômico mundial, que impõe, indistintamente, uma forma
diferenciada/modificada de viver, sentir e compreender a realidade, parece óbvio que
toda a formação de professores e a própria concepção de Educação Física deve conter os
traços fundamentais desse contexto.
Com este referencial, pode-se afirmar que o modelo proposto pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) para a formação de professores de Educação Física
constitui-se em uma ferramenta para a formação, por meio das competências, em todo o
transcorrer do processo de graduação, com vistas a se adequar ao próprio contexto
social capitalista.
2
Corpolaridade ou Corporeidade, tem por entendimento o corpo que habita o espaço e a habilidade
essencial de auto-fazer-se, do auto-organizar-se humano na sua complexidade desde os primeiros dias de
vida e que esta linguagem corporal, as dinâmicas do apego (baseadas nas trocas afetivas estabelecidas
entre pais e filhos) e o princípio do alojamento conjunto, quando “vivenciados” na educação, pode abrir
perspectivas de construção e produção de equilíbrio nos processos de aprendizagem, nos quais a
discussão sobre o conhecimento abarca hoje todos os processos naturais e sociais onde se geram, e a
partir daí são levadas em conta, formas de aprendizagem. Tudo aquilo que vive cumpre processos
cognitivos ASSMANN (1995); BERTHERAT (1977) e MOREIRA (1995).
11
Trata-se de um momento em que estão em jogo, com base nas políticas
sociais do Estado, a apropriação de certos conhecimentos (símbolos, signos, conceitos,
representações, técnicas, instrumentos) e a possibilidade de serem aplicados na prática
educativa de pessoas, grupos, classes e sociedade para disseminar valores, costumes,
representações e significados, plenamente ajustados ao modelo de produção capitalista.
Em nosso estudo sobre a formação pedagógica do professor de Educação
Física, tendo como base de análise a orientação oficial explicitada nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,
enfocaremos a questão das noções de competências, investigando os objetivos e os
resultados que possam decorrer desse jogo de relações, de intencionalidades
pedagógicas e de afazeres práticos visando materializar os significados sociais e a
edificação de novas identidades simbólicas contidos nessas políticas públicas
disseminadas pelo Estado.
Entende-se que o modelo de economia capitalista bem como a situação de
mercadoria que a força de trabalho assume, condiciona a maneira pela qual a educação
será desenvolvida e, por conseguinte, a Educação Física. As políticas públicas,
atualmente de cunho neoliberal, ancoradas por um projeto histórico, estão se
materializando no mercado de trabalho e têm influenciado a formação do professor de
Educação Física.
A opção por esse enfoque - análise das políticas educacionais, diante das
Diretrizes Curriculares para a formação pedagógica do professor de Educação Física -
está em seu potencial explicativo e encontra-se no fato de que tais políticas estão sendo
divulgadas, neste momento, com um forte apelo propagandístico. O volume e o nível de
12
sofisticação da propaganda governamental em torno de iniciativas no campo
educacional induz a pensar que uma verdadeira “revolução educacional” está em curso.
É diante desse cenário das Reformas Educacionais atuais que formulamos a
problemática desse estudo, sintetizada a partir das seguintes questões: Quais os
impactos das políticas, que visam reestruturar - ou, pelo menos, redesenhar - de forma
verticalizada e definitiva o processo de formação do professor de Educação Física no
Brasil? Quais os nexos existentes entre a formação do professor de Educação Física no
Brasil e a intervenção do Estado através do ordenamento legal que sustenta essa
formação pedagógica baseada nas competências expressas nas políticas públicas atuais?
Objetivos
No campo específico do objeto de estudo desta dissertação, entendemos que
as noções de competências previstas como eixo da formação profissional, ainda que
representem vários conceitos e uma gama infinita de sentidos sociais, sua base teórico-
conceitual atual direciona-se para a eficiência das técnicas e/ou instrumentos de um
fazer prático-operacional. Em decorrência, defendemos a idéia de que as competências
preconizadas pelas diretrizes curriculares nacionais possuem, além dos vários
significados gerados ou resultantes da esfera cultural e econômica e, ainda que operem
restritamente com base no fazer ou no pragmatismo do rendimento educacional, pelo
prisma economicista, produz uma eficácia simbólica no interior das relações educativas
e sociais envolvidas no processo produtivo do fazer e nas demais relações subjetivas
presentes no contexto cultural.
13
A nossa hipótese é que está presente na realidade educacional uma nova
pedagogia de resultados, que introjeta, conforma e modifica comportamentos e atitudes
no meio educativo e nas relações sociais. As noções de competências estão funcionando
como uma experimentação técnico-instrumental, com o objetivo de resolver uma
situação-problema e assim, solucionar uma determinada tarefa-prática. Assim, ao
realizar a sua atividade (ferramenta/simbolismo), esta está gerando uma nova identidade
no plano da cultura, do processo produtivo e da sociedade. Embora isto possa ocorrer,
ao tomarmos a realidade como processo dinâmico, contraditório e complexo,
defendemos a idéia de que as competências podem se constituir em um novo princípio
educativo e servir de instrumento sob a forma de práxis e, assim, tomando a prática
como ponto de partida, pode-se construir uma nova pedagogia capaz de promover a
transformação da realidade atual.
Importa ressaltar, antes de mais nada, que qualquer análise sobre a formação
de professores de Educação Física que tenha como ponto referencial as noções de
competências, já se apresenta, a priori, contaminada de valores, significados e de
relações que se estabelecem nesse campo e nas várias dimensões do fazer humano - na
educação, cultura e sociedade gerando resultados significativos para a conformação ou a
adaptação a um certo modelo de homem e sociedade idealizada pelo sistema.
Por fim, o estudo busca apresentar as novas tendências que se apresentam
para a formação pedagógica no campo acadêmico e profissional da Educação Física e as
conseqüências dos novos pressupostos indicados para a melhoria da qualidade da
educação apontados por essas políticas públicas em relação ao novo perfil do educador
e do profissional docente em Educação Física.
14
Aspectos metodológicos
O presente estudo orientou-se por uma metodologia que contempla a análise
documental dos materiais (leis, documentos e textos oficiais) divulgados pelo governo
federal e nos referenciais bibliográficos (pensadores críticos) e produções teóricas
(teses, livros, resenhas e artigos) para situar teórica e conceitualmente as teorias críticas
da educação e as da Educação Física sobre formação de professores e profissionais para
a educação.
Além dos textos oficiais, buscamos vários estudos sobre propostas
curriculares que demarcaram historicamente as reformas educacionais no Brasil, em
particular, as questões afetadas à formação pedagógica de professores/profissionais de
Educação Física e os contextos histórico-sociais nos quais ocorreram.
Dentre as obras principais relacionadas à história da Educação Física e às
reformas educacionais, destacam-se as que estabelecem relações históricas entre a
formação acadêmica, os conteúdos curriculares e a sua aplicação do campo profissional
e social como um todo, por meio da perspectiva crítica da educação e sociedade e do
mundo do trabalho.
Tendo como base a análise da legislação e a revisão da literatura, o estudo se
caracteriza, quanto às técnicas, como pesquisa documental e bibliográfica (MARCONI;
LAKATOS; 1994). Foram realizados os seguintes procedimentos:
a) levantamento do referencial bibliográfico sobre temas que tratam das
reformas da educação e formação profissional, visando enfatizar aspectos críticos destas
áreas de estudo;
15
b) levantamento bibliográfico da documentação oficial sobre políticas,
planos e programas na área da Educação Física, com ênfase na área de formação de
recursos humanos para o Ensino Superior.
A pesquisa documental e bibliográfica propiciou o exame de um tema sob
um novo enfoque ou abordagem, podendo chegar a conclusões inovadoras, tal como
explicitado por Marconi; Lakatos. Segundo os autores, esse tipo de pesquisa
abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo,
desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,
monografias, teses, material cartográfico, etc., até meios de comunicações
orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão
(MARCONI; LAKATOS, 1994, p.66).
Acrescentam-se a estes as conferências e debates registrados através de
transcrições publicadas. A pesquisa documental, caracterizada pela fonte de coleta de
dados, “está restrita a documentos escritos ou não, constituindo o que se denomina de
fontes primárias” (MARCONI; LAKATOS, 1994, p. 57).
Nesta pesquisa, constituem a base de dados, caracterizados como fontes
primárias contemporâneas, documentos escritos e oficiais, por se constituírem em fontes
fidedignas que espelham atos da vida política, emanados dos poderes municipal,
estadual e federal. Basicamente, foram utilizadas as publicações parlamentares,
formadas pelos registros textuais das diferentes atividades da Câmara e do Senado,
expressos através de relatórios, leis, resoluções e pareceres, entre outros.
Lüdke; André (1986), com base nos estudos embasados em pesquisa
documental, argumentam sobre as vantagens quanto ao uso de documentos na pesquisa,
tais como: a estabilidade e a riqueza da fonte; o fato de surgirem em um determinado
contexto e fornecerem informações sobre o mesmo; o fato de terem baixo custo; de
permitirem a obtenção de dados quando não é possível o acesso ao sujeito, ou quando a
16
interação com o mesmo pudesse alterar o seu comportamento; e o fato ainda de
indicarem problemas que devem ser mais bem explorados através de outros métodos,
além de complementar as informações obtidas por outras técnicas de coleta.
Para orientar teoricamente a análise, parte-se do pressuposto que a
metodologia está diretamente relacionada ao modo como se olha para o contexto social,
como se percebe os seus problemas e como se busca as respostas. Nesse sentido, as
suposições, interesses e propósitos levaram a diferentes caminhos e perspectivas para a
realização de uma investigação.
Como ensina Kosik, a análise será aqui entendida como uma forma de
conhecimento de uma dada realidade, podendo isto se dar através do material (objeto)
em suas partes constitutivas, a percepção de suas inter-relações e os modos de
organização, incluindo-se aí todos os detalhes históricos disponíveis e aplicáveis. Ou
seja, focar-se-á o olhar considerando que “existe uma oculta verdade da coisa, distinta
dos fenômenos que se manifestam imediatamente” (KOSIK, 1989, p. 13).
A totalidade será aqui entendida como uma forma de “concretização que
procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e
da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições
para a totalidade” (KOSIK, 1989, p. 41).
Também foram consideradas, nas análises críticas sobre as diretrizes
curriculares, importantes teóricos que estudam o currículo e as perspectivas da
formação de professores para os países emergentes no movimento de mundialização
econômica e social. No campo das diretrizes curriculares nacionais, os referenciais,
objeto de investigação e análise, perpassam os modelos instituídos pelo Estado por
17
intermédio das políticas públicas e sociais, atentando-se para os mais importantes
momentos da historiografia brasileira nos últimos trinta anos.
Diante do exposto, no capítulo I, o nosso estudo trata da Educação Superior
enfocando a formação de professores no Brasil, a gênese da implantação dos cursos de
formação de professores, seus problemas ao longo de sua história no contexto das
políticas educacionais atuais.
No capítulo II, a pesquisa traça uma análise minuciosa das novas políticas
educacionais para a formação de professores, em especial no período pós LDB, em que
surgem as Diretrizes Curriculares para a formação de professores. Também trata a
noção de competências necessárias para esta formação.
No capitulo III, a ótica do estudo se ateve às reformas educacionais diante do
ideal neoliberal, presente no contexto educacional atual e a formação pedagógica do
professor de Educação Física, enfatizando os marcos e as fronteiras das Diretrizes
Curriculares para a sua formação por meio de uma reflexão acerca da pedagogia das
competências e seus impactos na formação do professor.
18
CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
BRASIL
A formação de professores teve, ao longo da história da educação brasileira,
uma trajetória permeada por dificuldades que evidenciam os encontros e desencontros
das políticas educacionais para esta formação. O que se segue neste capítulo é uma
breve visão deste processo que aborda os aspectos e as passagens consideradas mais
pertinentes ao trabalho realizado.
1. A implantação dos cursos de formação de professores e das licenciaturas no
Brasil
Não é possível concebermos a história da Universidade no Brasil sem, antes,
recorrermos a história da Universidade no mundo, caracterizada pelos clássicos modelos
da Alemanha, França, Inglaterra e dos Estados Unidos, que muito influenciaram na
criação das nossas primeiras instituições de ensino superior (Brito, 2006).
Diferentemente da história da educação das colônias espanholas que tiveram
Universidades no século XVI, o Brasil não as teve enquanto Colônia, Reino Unido,
Império e nem mesmo durante os primeiros trinta anos da República. No entanto, vale a
pena considerar o questionamento de Cunha (1986, p. 13) acerca da existência ou não
de cursos superiores no Brasil Colônia, ao indagar se muitas das Universidades hispano-
americanas não seriam equivalentes aos colégios jesuítas da Bahia, do Rio de Janeiro,
de São Paulo, de Olinda, do Maranhão, do Pará e dos Seminários de Mariana e Olinda
que, embora nunca chamados de Universidades, tinham currículos, porte e destinatários
equivalentes aos das Universidades da América Espanhola.
19
O mesmo autor destaca a “Fundação das Universidades ao Ensino na
Colônia”, os dois argumentos que entende válidos ou sugestivos para justificar a
inexistência de Universidades na América Portuguesa e a criação de tantas na América
Espanhola (seis no século XVI). O primeiro argumento de Cunha (1986) considera que
a Espanha encontrou em suas colônias povos indígenas com cultura complexa,
tornando-se necessário travar uma luta ideológica via Universidade para conquistar a
necessária hegemonia de colonizador. Teriam ali, as Universidades recebido a função de
preparar missionários, conhecedores dos costumes dos nativos, capazes de evangelizar
nas suas línguas. Essa prática, contra-argumenta Cunha (1986, p.13), também se dava
no Brasil, através dos jesuítas que, em seus colégios, ensinavam a “língua geral”, no
lugar do grego e do hebraico previstos na Ratio Studiorum.
O segundo argumento, mais convincente na concepção de Cunha (1986),
aponta o quadro das Universidades espanholas, que superava de longe as portuguesas.
Enquanto a Espanha no século XVI, dispunha de oito Universidades, dentre as quais a
de Salamanca, com seis mil estudantes e sessenta cátedras, Portugal tinha apenas a de
Coimbra e, mais tarde, as de Évora e Lisboa. Assim, enquanto a Espanha podia criar e
transferir recursos docentes para as Universidades das colônias, Portugal parecia correr
grande risco de empobrecer a universidade da metrópole, se criasse a Brasileira
(CUNHA, 1986, p.13).
Esses argumentos, no entanto, não podem ser vistos descolados da
organização da economia e da especificidade da formação social do país, determinantes
para a definição do ritmo e dos rumos da educação superior no Brasil. No período
compreendido entre a Colônia e a 1ª República, destaca-se o descaso dos diferentes
tipos de governo para com a educação de um modo geral e, especificamente, para com a
20
formação pedagógica do quadro do Magistério. Ao longo desse tempo, a sociedade
manteve um modelo de economia agrário-exportadora que impunha uma rígida
estratificação social, com o monopólio de poder e conseqüente mando da oligarquia
rural. A herança cultural dos jesuítas, oferecida nos cursos de artes (filosofia) e teologia
era centrada na formação do perfil de um homem com cultura literária e clerical,
correspondia aos interesses da camada dirigente por desempenhar, pela ação educativa,
um papel eminentemente conservador, com vistas a assegurar a cultura do colonizador
(CUNHA, 1986, p.13-14).
O advento da República, em 1889, manteve os padrões sócio-culturais do
fim do Império, e este, não alterou a realidade do Ensino. Azevedo avalia que, do ponto
de vista cultural e pedagógico, a República foi uma revolução que falhou, não
alcançando sucesso. Não houve a preocupação de fazer avançar o ensino superior para o
desenvolvimento de instituições de alta cultura nas quais se unisse a pesquisa teórica à
função do ensino, nem se iniciou a penetração do espírito científico por intermédio do
ensino secundário, no qual se assentava o ensino superior, aplicado ou não,
desinteressado ou profissional (AZEVEDO, 1958, p. 134).
Nos primeiros anos da República, aprofundou-se a dualidade na organização
escolar. A Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 assegurava à União a
competência para legislar sobre o ensino superior da capital e da República, cabendo-
lhe, mas não privativamente, criar instituições de ensino secundário e superior nos
Estados que poderiam organizar seus sistemas escolares (AZEVEDO, 1958, p. 119).
Assim, a União não se responsabilizou pela educação básica, deixando-a
para os Estados como uma opção. Dada a precariedade de recursos da maioria dos
Estados da Federação, os resultados não foram satisfatórios.
21
Entretanto, entre 1889 e 1910, foram criadas vinte e sete escolas de ensino
superior (CUNHA, 1986, p. 157) e, em 1918, este número chegou a cinqüenta e seis,
sendo a maioria criada pela iniciativa privada (SAMPAIO, 1991, p. 6). Não se tem
notícias de que estas escolas tenham se preocupado com a preparação de professores
para quaisquer níveis de ensino.
No estudo sobre o conservadorismo na formação de Professores, Lodi (1981,
p. 18-19) apresenta alguns dispositivos legais sobre a formação exigida aos que
pretendessem exercer o magistério. O Decreto 981, de 08 de novembro de 1890,
estabelecia que, para exercer o magistério particular, bastava ao candidato provar não
ter sofrido condenação judicial por crime infamante e não ter sido punido com
demissão. Pelo Decreto 3890, de 01 de janeiro de 1901, para o exercício do magistério
no “Gymnasio Nacional”, os candidatos não precisariam possuir o “grao scientífico”. Já
o Decreto 16.782 de 1925, estabelecia que, para a inscrição em concurso no Colégio
Pedro II, era indispensável que o candidato tivesse curso completo de humanidades ou
diploma de escola superior. Percebe-se aí, a exigência de tais cursos para a admissão do
professor, além da indicação de certa preocupação com uma melhor qualidade da
formação pedagógica de seus professores.
Foram inúmeras as tentativas de se criar Universidades no Brasil. Aquelas
criadas nas três primeiras décadas deste século não passavam de agrupamentos dos
cursos tradicionais e, mal se instituíam com a denominação de Universidade, voltavam
à condição anterior de Faculdades por força da legislação. A primeira a se estabelecer
com esta denominação foi a do Rio de Janeiro, criada em 1920, depois de trinta
tentativas. Não faltaram críticas pautadas especialmente no fato de que os cursos
22
justapostos não concretizaram uma Universidade, dado o currículo de cada faculdade
manter-se inalterado, sem qualquer troca entre elas.
O modelo da Universidade pretendida foi surgindo nos anos 1920, através
das manifestações da Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Associação
Brasileira de Ciência (ABC) que, aos debates promovidos, incluía pesquisas, aplicação
de questionários ou inquéritos a personalidades, antes de propor cursos e projetos de
leis.
Para Nagle (1974), os dados obtidos nestes estudos apontavam para uma
Universidade organizada, de forma a integrar um sistema único, mas sob direções
autônomas, as Faculdades profissionais (medicina, engenharia e direito), os institutos
técnicos e especializados (farmácia e odontologia) e as instituições de altos estudos
(faculdades de filosofia e letras, de ciências matemáticas, físicas e naturais, de ciências
econômicas e sociais, de educação, etc.) de maneira que,
mantendo o seu caráter de Universidade, pudesse se desenvolver como uma
instituição orgânica e viva, posta, pelo seu espírito científico, pelo nível dos
estudos, pela natureza e eficácia de sua ação, a serviço da formação e
desenvolvimento da cultura nacional (NAGLE, 1974, p. 129-134).
A autonomia universitária era defendida como condição imprescindível para
o êxito da implantação do que parecia ser um novo modelo de Universidade. Faz-se
necessário lembrar que, até o final da 1ª guerra, o Brasil tinha na França as referências
da educação escolar, e na Inglaterra, o respaldo econômico. Embora vitoriosa, a
Inglaterra saiu abalada financeiramente desta guerra, deixando um espaço no mundo das
relações econômicas e mercantis internacionais prontamente preenchido pelos Estados
Unidos, que passou a ser o mais forte parceiro do Brasil nestas questões. Assim, junto
com os bens de consumo americanos, começaram a chegar os modelos para educação
brasileira bem aceitos pela ABE.
23
Especificamente no Estado de São Paulo, ocorreram neste período várias
tentativas formais para a implantação de curso regular para a formação de professores
secundários e para o ensino superior, sem que conseguisse grande realizações. Só em
1934, com a criação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo é que isso
se concretizou cabendo, no entanto,
o registro de que, pouco antes de sua fundação, a formação de professores
secundários se dava no Instituto de Educação, elevado a nível universitário
em 1933, pelo Decreto Lei nº. 5.846 de 21 de fevereiro de 1933
(BERNARDO, 1986, p. 50).
Após realizarmos um levantamento histórico dos primórdios da criação das
universidades no Brasil, suas leis, seus modelos e sua organização o nosso estudo
abordará, a seguir a gênese dos cursos de formação de professores, mais
especificamente a criação das licenciaturas.
1.1. A criação dos cursos de formação de professores: as Licenciaturas
A formação de professores em instituições de nível superior foi
desencadeada nos anos 1930, em conseqüência da necessidade de regulamentar o
preparo de professores para as escolas secundárias. Entre 1931 e 1939, foram criadas
novas unidades de ensino integradas em três diferentes modelos de organização, com a
responsabilidade de preparar professores: o modelo federal, anunciado no Estatuto das
Universidades Brasileiras, em 1931; o modelo da USP, criado por decreto estadual, em
1934, e o modelo da Universidade do Distrito Federal, criado em 1935, por decreto do
prefeito Pedro Ernesto.
A existência de três diferentes modelos para formar professores, com
distintas visões dos objetivos e do papel da Universidade em relação à execução da
24
tarefa a ser realizada, expressava duas diferentes correntes de pensamento político,
determinantes de políticas educacionais igualmente distintas e até mesmo opostas: a
autoritária e a liberal (em suas diferentes matizes). A primeira corrente prevaleceu na
esfera do governo central e a segunda, em alguns governos estaduais, especialmente no
de São Paulo e Distrito Federal, tendo ambos convivido até 1935, quando a repressão
determinou o retraimento das idéias liberais, em um processo que atingiu seu ápice em
1937, com a implantação do Estado Novo (CANDAU, 1987, p.11).
Ao assumir a Pasta da Educação e Saúde Pública do governo provisório de
Getúlio Vargas, em 1930, o ministro Francisco Campos chamava a atenção para o
problema da formação de professores, afirmando que “queremos ter professores sem
cuidar de formá-los” e, no ano seguinte, ao apresentar a exposição de motivos que
acompanhou a reforma do ensino secundário, escreveu:
“O Brasil não cuidou ainda de formar o professorado secundário, deixando a
educação da sua juventude entregue ao acaso da improvisação e da
virtuosidade, sendo inacreditável que nenhum esforço haja sido tentado
naquela direção.” (CASTRO, 1974, p. 629).
Em 11 de abril de 1931, o governo provisório, apresentado o que aqui
chamamos de primeiro modelo, promulgou o Estatuto das Universidades Brasileiras, do
qual o primeiro efeito foi a reforma da Universidade do Rio de Janeiro que passava a ser
o modelo para as Universidades e Institutos equiparados. Por este decreto, a
constituição de uma Universidade deveria incluir uma Faculdade de Educação, Ciências
e Letras. A denominação adotada pelas novas instituições foi, entretanto, a de Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras. Só em 1945, uma vez que esse Decreto-lei estabeleceria
legalmente o nome que já vinha sendo utilizado há 14 anos. Essa Faculdade teria como
objetivos específicos “ampliar a cultura no domínio das ciências puras, promover e
facilitar a prática de investigações originais e especializar conhecimentos necessários ao
25
exercício do magistério” (CUNHA, 1986, p. 301). Com três seções: educação, ciências
e letras, com cursos de Licenciatura, deveriam os diplomados lecionar
preferencialmente as disciplinas de sua especialidade. O ensino normal ficaria a cargo
dos licenciados em educação, e o ensino secundário, dos licenciados em letras e
educação. Havia uma “seriação aconselhada”, mas não obrigatória para cada curso.
O segundo modelo está ligado ao primeiro Instituto de Ensino Superior que
começou a funcionar efetivamente, de modo aproximado ao modelo projetado por
Francisco Campos, que foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo. A criação da USP foi coincidente, ou melhor, decorrente de um momento
de crise das oligarquias paulistas que a fez nascer com uma nítida função: ser um centro
de renovação e formação das elites culturais e políticas, que se daria, principalmente, a
partir da Faculdade de Filosofia criada. Este objetivo atenderia à elite paulista e
justificaria o empenho criador da Universidade visto que, inconformada com a derrota
do estado na Revolução de 1932, desejava ter supremacia cultural e política. O trabalho
de Nadai (1991) resgata e analisa de maneira ímpar todo o conjunto destes
acontecimentos.
Além da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (segundo modelo), o
projeto de criação da USP incluía uma Faculdade de Educação, resultante da
incorporação da Escola de Professores do Instituto “Caetano de Campos” que já havia
sido elevada à categoria de escola superior. Essa incorporação é analisada por Bernardo
(1986) como tendo o Instituto de Educação servido aos interesses dos mentores da USP,
visto que, ao mesmo tempo que evitaram a criação de uma Faculdade de Educação para
não se comprometerem com uma formação técnica imediata, atenderam ao disposto do
Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.
26
A Faculdade de Educação, que deveria ser o centro de formação de
professores para o ensino secundário, acabou tendo como função, de fato, a oferta da
formação pedagógica para os bacharéis da Faculdade de Filosofia. Já a Faculdade de
Ciências e Letras seria o “coração da Universidade” em que se desenvolveriam “os
estudos de cultura livre e desinteressada” e na qual funcionaria uma espécie de curso
básico preparatório a todas as escolas profissionais, inclusive ela própria.
Entretanto, este papel não foi reconhecido pelas Faculdades
profissionalizantes, que não aceitaram que nela se centralizassem as matérias básicas.
Tal fato contribuiu para que, especialmente após 1938, com a extinção da Faculdade de
Educação e a conseqüente criação da Seção de Educação na Faculdade de Filosofia,
ficassem relegadas a segundo plano as suas finalidades cultural e universitária e que se
voltasse, predominantemente, ao menos, em nível dos objetivos explicitados, como
observa Candau (1987, p. 12), para a formação de professores secundários.
O terceiro modelo de Universidade, que incluía a formação de professores,
começou em 1935, com Anísio Teixeira, Diretor de Educação da Capital. Cassado pelo
Estado Novo, encontrou mesmo antes de sua criação resistências por parte do governo
Central. Argumentou-se que, da forma como foi proposta, não atendia aos padrões e à
letra dos regulamentos federais. Posteriormente foi incorporada à Universidade do
Brasil, com prédios, professores e estudantes (CUNHA, 1986, p. 313), dando-se a ela “o
destino que dificilmente num regime autoritário e centralizado como o que se implantou
definitivamente em 1937, poderia ser outro” (CANDAU, 1987, p. 13). Com a
denominação de Universidade do Distrito Federal, previa em seu projeto inicial uma
vasta gama de cursos com o fim estabelecido de “prover a formação do magistério em
todos os graus” (art. 2º, alínea e, do Título I do Decreto Municipal nº. 5513, de 04 de
27
abril de 1935, que a criava), atendendo assim ao manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova que, em 1932, já propunha entre outras coisas, a unificação do processo de
formação de professores para todos os graus de ensino, a ser viabilizado em cursos ou
escolas universitárias. Na análise de Cunha (1986, p. 314-315), a UDF, tal como
concebida, constituir-se-ia na cúpula do sistema de ensino, cumprindo importante
função técnica e política.
Ao ser incorporada à Universidade do Brasil, encontrou-a já com a divisão
da Faculdade de Educação, Ciências e Letras em Faculdade Nacional de Educação e
Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, servindo de modelo-padrão para as
demais Universidades. Em 1939, uma nova reforma veio transformar a Faculdade de
Educação em duas seções da Faculdade de Filosofia: a seção de Pedagogia, que criava o
Bacharelado nessa especialidade e a seção de Didática que, acrescentando aos diferentes
cursos de Bacharelado, o “curso ordinário”, com duração de um ano e compreendendo
as disciplinas Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional, Administração
Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da
Educação, habilitava o licenciado a lecionar no ensino secundário. A Faculdade
Nacional de Filosofia passou, assim, a ser definida como “o estabelecimento federal de
ensino destinado à preparação do magistério secundário”, tendo também o objetivo de
“aumentar e aprofundar a cultura no terreno filosófico e literário” (CANDAU, 1987, p.
13).
Ao se reportar e analisar as modificações estabelecidas pela reforma
universitária, Chauí (1980) o faz de forma a evidenciar o que foi feito para que a
Universidade rendesse o máximo com baixo custo. As cátedras se extinguiram,
substituídas por departamentos criados para reunir disciplinas afins que pudessem ser
28
oferecidas pelo mesmo número de professores a um número maior de alunos. Ampliou-
se, ainda mais o que se chamou de produtividade do professor, com a implantação da
matrícula dos alunos por disciplinas que se dividiram em obrigatórias e optativas,
possibilitando que estas fossem obrigatórias para um curso e optativas para outros, de
forma a garantir que alunos de diferentes cursos freqüentassem uma mesma disciplina,
oferecida por um mesmo professor, em um mesmo local e horário.
Criou-se também o curso básico para ocupar os professores dos cursos
considerados ociosos por receberem poucos alunos e unificou-se o vestibular por região,
com ingresso classificatório que preencheria as vagas dos cursos menos procurados.
Com isso, fragmentou-se a graduação, dispensaram-se os professores e alunos que não
formavam turmas e, sim, um conglomerado humano que se desfaz ao final de cada
semestre. Soma-se ainda a institucionalização da pós-graduação, que se propunha ser
formadora de profissionais de alto nível para a pesquisa e docência universitária, mas
que se converteu em alavanca para a carreira, envolvendo poder e salários. Propunha
também a formar mão-de-obra altamente qualificada para as burocracias empresariais e
estatais, mas retirando da graduação o prestígio frente à oferta de trabalho. Os pós-
graduados tornaram-se preferidos e mais bem remunerados, enquanto os graduados
ficaram secundarizados.
Com essas modificações, a reforma universitária conseguiu cumprir o que
Chauí chama de “segunda tarefa” ao atender as demandas de ascensão e prestígio
sociais de uma classe média que apoiara o golpe de 1964 e reclamava a sua recompensa.
A “primeira tarefa”, que era erradicar a possibilidade de contestação interna e externa a
Universidade foi cumprida pelo Ato Institucional nº. 5 e pelo Decreto 477. (CHAUÍ,
1980, p. 34-37).
29
O AI – 5 permitia, dentre outras coisas, a suspensão dos direitos políticos de
quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e das garantias constitucionais de vitalicidade,
inamovibilidade
3
e estabilidade dos funcionários públicos beneficiados por esses
direitos, enquanto o decreto-lei 477 de 1969, centrava-se na repressão às redes de
ensino, definindo as infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e
funcionários ou empregados em estabelecimentos públicos ou particulares e as medidas
a serem adotadas nos diversos casos.
O currículo de formação pedagógica do professor praticamente não foi
tocado pela reforma Universitária de 1968, mantendo as determinações do Parecer CFE
292/62, expedido após a LDB de 1961. De acordo com esse parecer, “os currículos
mínimos dos cursos de Licenciatura compreendem as matérias fixadas para o
Bacharelado, convenientemente apresentadas em sua amplitude e os estudos
profissionais que habilitem ao exercício nos estabelecimentos de ensino médio”; a
formação do licenciado deveria incluir, “além da parte de conteúdo fixada em cada
curso”, “estudos que o familiarizem com os dois aspectos imediatos da situação
docente: o aluno e o método”. Para atender a tais propostas, foram estabelecidas como
matérias pedagógicas obrigatórias a Psicologia da Educação (que inclui Adolescência e
Aprendizagem), Didática, Elementos de Administração Escolar e Prática de Ensino das
matérias que são objeto de habilitação profissional, sob forma de estágios
supervisionados, em escolas da comunidade e considerando os colégios de aplicação
como “centro de experimentação e demonstração”. Estabeleceu-se também que essas
3
Garantia constitucional concedida aos magistrados e membros do ministério público de não serem
transferidos, salvo por relevante interesse público.
30
matérias deveriam ser oferecidas ao longo de cinco semestres e não mais ao final do
curso, em um ano, de acordo com o conhecido esquema 3 + 1
4
.
Consolidam-se, assim, as expressões Licenciatura, como cursos de formação
de professores para o antigo ginásio e colégio, e Bacharelado, como cursos de formação
de cientistas. No entanto, reduz-se a parte pedagógica das Licenciaturas de um quarto
para um oitavo do período total de duração do curso e excluem-se os fundamentos
sociológicos e biológicos da educação.
Em 1969, pelo Parecer CFE nº. 627/69, a disciplina Elementos de
Administração Escolar foi substituída por Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e
2º graus, a fim de melhor expressar o conteúdo pretendido. A ocupação de um oitavo
das horas de trabalho fixadas como duração mínima para cada curso de Licenciatura foi
mantida não se considerando o número de anos, mas sim o número de horas-aula.
Nos anos 1970, a formação de professores foi atingida pela Lei 5692/71 que,
ao reformar o ensino primário e segundo graus, influenciou as estruturas do curso
superior, particularmente, dos cursos de Licenciatura. Integrando os quatro anos de
escolaridade do grupo escolar e os quatro anos do ginásio em uma escola de 1º grau de
oito séries, a lei propunha que o ensino se desenvolvesse a partir de atividades e áreas
de estudos, mais do que por disciplina, requerendo uma preparação docente condizente
com o que se estabelecia.
Foi então, que o conselheiro Valnir Chagas do Conselho Federal de
Educação -CFE, apresentou um conjunto de propostas, que deveriam suprir as
necessidades desencadeadas pela lei 5692/71, com oito indicações, das quais quatro,
4
Este esquema tradicional de formação de professores nas licenciaturas previa que primeiro, os alunos
assistiriam aulas nas chamadas disciplinas de conteúdo, com duração de três anos e depois, interrompia-se
ou não esta formação e passava-se a ministrar algumas disciplinas de natureza pedagógica com duração
de um ano.
31
que tratavam de Estudos Superiores de Educação, Formação Pedagógica das
Licenciaturas, Preparo de Especialistas em Educação e Formação de Professores para
Educação Especial, foram aprovadas pelo CFE. As duas primeiras chegaram a se tornar
pareceres aprovados. Entretanto, todo o conjunto deixou de ser homologado pelo então
ministro da Educação, Ney Braga, voltando ao CFE para a ampliação da discussão em
nível nacional. Nunca se esclareceram totalmente os motivos desta não homologação.
Sabe-se, no entanto, que donos de Faculdades particulares, preocupados com os riscos
que seus cursos corriam levantaram-se em protesto (CANDAU, 1987).
Do que se propunha, algumas coisas foram posteriormente implementadas.
Uma proposta homologada com margem para muita discussão foi a Resolução CFE
30/74, que estabelecia um currículo mínimo, dividido em duas etapas, sob a forma de
Licenciatura polivalente em Ciências, com habilitação para o ensino de 1º grau, com
1.800 horas, que poderia ser acrescida de uma habilitação específica em Física,
Química, Matemática ou Biologia, com mais um mínimo de 1.000 horas para formar o
professor de 2º grau. Era a famosa Licenciatura curta em ciências que, na década de 60,
já existia em algumas instituições, tendo caráter emergencial e transitório, diferente da
proposta nos anos 1970, que surgira como um processo regular para formar professores
polivalentes.
A implantação dessas Licenciaturas tornou-se obrigatória, mas reações
contrárias logo apareceram. Não das Universidades ou Faculdades onde os cursos foram
implantados, pois só posteriormente vieram a expressar seu desacordo. As Sociedades
Brasileiras de Física, Química e Matemática, e da SBPC, que chamavam a atenção do
MEC para a inadequação do que se propunha.
32
As evidências de estudos, mostrando que as Licenciaturas curtas
apresentaram resultados lamentáveis e as manifestações contrárias determinaram, em
1978, a suspensão da Resolução CFE 30/74 que tornava este novo currículo obrigatório
e, conseqüentemente adiava a sua implantação. Entre 1977 e 1982, as Licenciaturas
curtas foram objeto de estudos das sociedades científicas e órgãos do MEC e, entre
1981 e 1982, as instituições que ofereciam Bacharelado e/ou Licenciatura na área de
Ciências foram consultadas sobre a proposta da SBPC e a da CEEC (Comissão de
Especialistas em Ensino em Ciências criada pelo MEC, em 1978). As instituições
preferiram a primeira proposta que estabelecia a existência só de Licenciaturas plenas e
específicas para formar, distintamente, professores de Matemática, Biologia, Química e
Física. Sobre tal assunto não houve mais nenhum pronunciamento do MEC.
No que se refere às disciplinas pedagógicas, houveram as propostas de
acréscimo e desdobramento daquelas exigidas pelo Parecer CFE nº. 672/69, e o
aumento destas de um oitavo para um sexto das horas fixadas para o currículo mínimo
de cada curso, por meio do Parecer CFE nº. 4873/75. Assim sendo, a maioria dos cursos
de Licenciatura ofereceram, neste conjunto de disciplinas, apenas aquelas estabelecidas
pela legislação. Quaisquer outras de cunho pedagógico eram oferecidas quando havia
interesse das instituições em fazê-lo.
A seguir, destacaremos as discussões que fomentaram as pesquisas nesta
área no final dos anos 1970, início dos anos 1980, passando pelos anos 1990 (quando se
dá a promulgação da nova LDB) até os dias de hoje.
33
2. Os novos tempos e os velhos problemas da formação de professores no Brasil
Encontramos atualmente uma vasta literatura apontando as problemáticas
e perspectivas da formação de professores, questão que tem sido tema de inúmeros
encontros, congressos, seminários tanto em nível nacional quanto internacional. Um
conjunto de pesquisas, dissertações e teses tem mostrado a preocupação constante com
os estudos da área
5
.
Amplo debate vem sendo realizado desde o final dos anos 1970, inicialmente
coordenado pelo Comitê Nacional Pró-Formação do Educador (1980-1983), depois foi
substituído pela Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do
Educador, e prosseguiu sob a orientação da ANFOPE – Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação.
Nos últimos anos, essa discussão ampliou-se e tem sido assumida por vários
grupos. Podemos destacar os vinculados à Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Educação – ANPED com os GT – Formação de Professores, GT –
Didática (que coordena o ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de
Ensino) e GT – Currículo; professores e pesquisadores de algumas universidades que
realizam congressos; além dos cursos de pós-graduação em educação em que há uma
razoável produção de pesquisas, enfocando a temática da formação de professores.
Para Durham apud Menezes (1996) é de consenso que a universidade tem
como papel central esse processo de formação pedagógica dos professores, o que é
evidenciado por um número significativamente maior de países. Entretanto, aos olhos
de todos, ela não vem desempenhando a contento essa tarefa bastante complexa. Bem
5
Ver trabalho apresentado na 2ª Reunião Anual da ANPED, que trata do estado da arte das produções
apresentadas ao longo de 13 anos do GT Políticas Educacionais. GARRIDO, Elsa. Anais da ANPED,
2001.
34
sabemos que as universidades não valorizam os cursos de Licenciaturas, pois
concentram esforços e recursos no desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa.
Podemos observar isso pela redução de verbas para o ensino, pela política que
contempla as pesquisas de ponta. A questões relativas à escola e à melhoria da
qualidade do ensino são relegadas a segundo plano; são os professores iniciantes e
menos titulados que devem dar aulas na graduação e os mais eficientes e titulados na
pós-graduação.
“A licenciatura é considerada uma coisa secundária, não tem aquela áurea de
prestígio da bendita pesquisa. E esse ambiente “acadêmico” tem dificultado
enormemente uma dedicação da universidade ao problema da formação de
professores.” (DURHAM apud MENEZES, 1996, p. 314).
Somos conhecedores de que a área de formação de professores tem
divulgado constantemente os seus problemas, buscando equacioná-los, apresentando
alternativas na prática cotidiana dos cursos de formação
6
. O desinteresse pela formação
de professores está na base do comportamento universitário. Quem de nós já não ouviu
frases como: “a universidade seria ótima se não tivesse alunos” ou “ainda há candidatos
para a licenciatura?” Muitos dos nossos docentes relutam em dar aulas na graduação,
até porque a ordem hierárquica vigente na academia revela que, em primeiro lugar,
estão os professores que se dedicam às atividades de cunho científico e de pesquisa; em
segundo, estão aqueles que desempenham atividades de pesquisa e de ensino e, em
terceiro, os professores que se dedicam ao ensino e à formação de professores.
6
FERREIRA, N. S. C.; CASTRO, M. L. S. A questão da formação dos educadores no Brasil: integrando
estudos na busca de novas soluções. In: WITTMANN, L. C.; GRACINDO, R. V. O estado da arte em
políticas e gestão da educação (1991-1997), Brasília, ANPAE: Campinas: Autores Associados, 2001, p.
99-110.
35
Os professores Ludke, Moreira e Cunha (1999, p. 295) no artigo
“Repercussões de tendências internacionais sobre a formação de nossos professores”,
constatam que
situadas em diferentes contextos, ou mesmo em diferentes níveis, as
instituições formadoras de professores, nos vários países estudados (França,
Inglaterra e Espanha), continuam enfrentando os problemas de integrar, por
um lado, teoria e prática, e, de outro, as matérias de conteúdo específico e as
de conteúdo pedagógico na preparação do futuro docente (LUDKE,
MOREIRA E CUNHA (1999, P. 295).
Os estudos que vêm sendo realizados, como explica André; Simões;
Carvalho; Brezezinski (1999, p. 301-309) em trabalhos de pesquisa sobre a formação de
professores no Brasil, levando em consideração as teses e dissertações defendidas no
período de 1990 a 1996, nos programas de pós-graduação em educação, os artigos
publicados em 10 periódicos da área, de 1990 a 1997 e pesquisas apresentadas no GT –
Formação de Professores da ANPED, de 1992 a 1998. Esses trabalhos revelam uma
significativa preocupação com o preparo do professor para atuar nas séries iniciais do
Ensino Fundamental e permitem também observar um silêncio quase total em relação à
formação do professor para o Ensino Superior. Como conclui André (2000):
“ainda que se encontre algumas poucas pesquisas sobre a formação para o
ensino superior, é evidente que são conteúdos que merecem muito mais
atenção nas pesquisas” (ANDRÉ, 2000, p. 92-93).
Uma quantidade bastante razoável de trabalhos trata da formação inicial,
focalizando os cursos de licenciatura em que os aspectos mais investigados são as
disciplinas pedagógicas com destaque para a Prática de Ensino e Didática. Alertam as
pesquisadoras que, muito embora, existam diversos trabalhos sobre as disciplinas
pedagógicas e específicas do curso, poucos são os estudos que investigam as
articulações entre elas, assim como as relações entre o curso de licenciatura e os
Institutos de origem. As diversas fontes analisadas mostram um excesso de discurso
36
sobre a formação de professores e uma escassez de dados empíricos que possam
referenciar práticas e políticas educacionais. Vale ressaltar que no estudo dos autores já
mencionados, encontram-se trabalhos sobre licenciatura que discutem a dicotomia entre
a formação específica e a formação pedagógica, apresentam relatos de experiências
curriculares inovadoras, revelam a importância da interdisciplinaridade nos programas
de formação docente, expõem experiências de articulação entre ensino, pesquisa e
extensão, debatem as diferenças entre conhecimento científico, saber cotidiano e saber
escolar, estudam as representações e opiniões dos alunos da licenciatura.
A seguir discutiremos sobre alguns problemas que, a nosso ver, persistem
não-resolvidos nos debates dos formadores de professores.
2.1. Conteúdo específico x formação pedagógica do professor
BAGNATO (1994, p. 123-138) ao apresentar em sua pesquisa, um histórico
do desenvolvimento dos cursos de licenciatura no Brasil, nos lembra que ao “bacharel”
(em Filosofia, Matemática, Química...) que concluísse o “Curso de Didática” seria
conferido o “diploma de licenciado no grupo de disciplinas que formariam o seu curso
de bacharelado”. Separam-se aí, os diplomas de bacharel e de licenciado muito embora,
o segundo abarque o primeiro. Até a promulgação da LDB de 1961, o conceito
licenciado já era de uso restrito aos que tivessem uma formação pedagógica e que assim
tinham direito ao magistério; licenciados eram os professores da área de Filosofia, de
Ciências, de Letras e de Educação, ficando sem acesso ao título, os profissionais das
áreas técnicas ou artísticas.
37
A partir do Parecer 292/62, o termo Licenciatura foi utilizado para referir-se
à totalidade do curso que prepara o professorado para o ensino médio, reunindo,
portanto, as “matérias de conteúdo” e as “matérias pedagógicas”. A Lei 5.540 de 1968
determinou, no seu artigo 30, que a formação de professores de disciplinas gerais e/ou
técnicas do ensino de 2º grau deve ser realizada em nível superior e a Lei 5.692 de 1971
estabeleceu para a formação de professores para o ensino de 1º e 2º graus, também
conforme no seu artigo 30: “exigir-se-á, como formação para o exercício do magistério
no ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação,
correspondente à Licenciatura plena.” Bagnato (1994) verificou que na formação
pedagógica dos professores,
de maneira geral, as mudanças na legislação educacional não alteraram
substancialmente a conotação que assumiram as mudanças ao longo da
história. É importante lembrar que os cursos de Licenciatura que, pela
legislação Federal, competem à Faculdade de Educação, inserem-se na
problemática geral do ensino de graduação e que, portanto, os problemas e
alterações na legislação do ensino superior alteram a formação do licenciado
(BAGNATO, 1994, p. 136).
A Licenciatura era ofertada nas Instituições de Ensino Superior conforme o
modelo “3 + 1”, o qual previa que o aluno fizesse seu curso de bacharelado e que, ao
final do mesmo, se estivesse interessado em se formar professor, poderia cursar na
Faculdade de Educação, as disciplinas de licenciatura, ou a Instituição ofereceria só a
licenciatura desde o 1º ano. Entretanto, é uma licenciatura embutida em um curso de
bacharelado, pois as disciplinas de conteúdo específico prevalecem sobre as de
formação pedagógica. Primeiro, os licenciados devem aprender os conteúdos da área de
conhecimento a ensinar (conteúdo específico) para depois aprenderem o como fazê-lo
(disciplinas pedagógicas).
38
Esses modelos, acima citados, impossibilitam o mínimo de efetiva
integração entre as disciplinas pedagógicas entre si e com as de cunho específico. A
grade curricular se apresenta fragmentada e dicotômica e o contato do licenciado com as
disciplinas pedagógicas é muito rápido, o que dificulta o desenvolvimento de uma
vivência formativa. Como Pereira (2000, p. 59) bem define: “o licenciado é concebido
pela universidade como meio-bacharel com tinturas da pedagogia”.
A falta de integração entre as faculdades de educação e os institutos de
conteúdos específicos tem originado uma separação muito clara entre o que e como
ensinar. Concordamos que “os esforços por integrar as disciplinas de conteúdo com as
pedagógicas permanecem periféricos, por não colocarem as relações pedagógicas no
interior da formulação dos conteúdos” (PARRA apud MARQUES, 2000, p. 33).
Acreditamos que a necessária ponte só pode ser pensada de maneira articulada, tendo
como referência a melhoria da qualidade do ensino da graduação.
Segundo as pesquisas citadas, até aqui, fica evidente que o professor não
percebe a necessidade de discussão sobre as disciplinas de conteúdos pedagógicos do
curso em que atua, justamente pela ausência de identidade de formador, isto é, ele não
se vê como um professor que está formando outro professor. Mesmo não negando a
importância das disciplinas pedagógicas em seu curso, tem a idéia de que elas são
teóricas sem nenhuma aplicação prática. Na verdade, essa é a representação que tem
delas, em função da forma como foram trabalhadas em seu curso de graduação.
Para outros, essas disciplinas são tidas como complementares, pois o que
realmente importa são as disciplinas de caráter específico, ou seja, os conteúdos
“formais”. Não conseguem perceber a articulação das disciplinas de conteúdos
pedagógicos e de conteúdos específicos porque foram formados, por um modelo de
39
ensino que priorizava o “que” ensinar, isto é, centrado nos conhecimentos específicos
da área. Acreditam que para ser bom professor basta o domínio da área do
conhecimento específico que se vai ensinar. Para estes, dar um outro contorno à
educação, reconhecer outras formas de ensinar e aprender se constitui apenas uma
“tagarelice pedagógica” (GIESTA, 2000, p. 5).
O fato de os professores que trabalham com conteúdos específicos
desvalorizarem os conteúdos pedagógicos em seus cursos pode evidenciar a falta
necessária para uma transformação das disciplinas que deveriam difundir uma outra
concepção de ação docente, pautada na formação que visasse não apenas o ensinar, mas
a reflexão sobre a prática, assumindo o compromisso com a mudança. Isso é de
fundamental importância para todos os que contribuem com a formação do futuro
professor e não apenas para aqueles que ensinam a Didática ou outra disciplina de
caráter pedagógico.
Na discussão sobre o acréscimo da carga horária da disciplina de Didática,
esse professor evidencia a importância que atribui à disciplina. Mesmo com toda a
mudança de concepção, faz-se necessário que os professores que atuam com as
disciplinas de conteúdos pedagógicos não valorizem em demasia sua área de trabalho,
nem considerem que podem chamar só para essas disciplinas a responsabilidade da
formação de professores. É importante a existência de equilíbrio entre as disciplinas de
conteúdo específico e as disciplinas de conteúdo pedagógico. “É fundamental criar, nos
cursos de licenciatura, uma cultura de responsabilidade colaborativa quanto à qualidade
da formação docente” (PEREIRA, 1999, p. 117).
Ainda com relação a este assunto e os estudos aqui relacionados é bom
salientar que a produção de conhecimento em educação e ensino, na maioria das vezes,
40
é ignorada pelos institutos/departamentos/cursos específicos. Eles, via de regra,
desenvolvem os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência como atividade
profissional de seus egressos e, portanto, ignorando os conhecimentos
pedagógicos/educacionais necessários à mediação profissional dos especialistas em
atividades de ensinar.
Na verdade, os professores de conteúdos específicos têm pouca ou nenhuma
preocupação com as disciplinas de conteúdos pedagógicos, pois trabalham enfatizando
apenas os conteúdos específicos de sua área; por outro lado, os professores que atuam
com as disciplinas de conteúdos pedagógicos não fazem relações com os conteúdos
específicos dos cursos que trabalham, resultando no desinteresse dos alunos.
Alguns professores, mesmo não sabendo como as disciplinas pedagógicas
estão sendo tratadas/trabalhadas em seus cursos, percebem a necessidade de uma
discussão. Acreditamos que o espaço ideal para as discussões de caráter pedagógico seja
o colegiado dos cursos. Em muitas Instituições de Ensino Superior a ausência dos
Colegiados e da figura do Coordenador dificulta sobremaneira todo processo de
discussão sobre a formação de professores. O chefe do departamento pedagógico dos
cursos tem atribuições, essencialmente burocráticas, relativas ao funcionamento do
departamento, não podendo atender de forma eficiente as questões que dizem respeito
ao curso como um todo.
O fato de, em alguns cursos universitários, existirem as modalidades de
licenciatura e bacharelado, um priorizando a formação do professor e o outro a
formação do pesquisador, apesar de ambos serem ensino (graduação), reflete, de certa
forma, a dicotomia entre o ensino e pesquisa no meio acadêmico. Segundo Pereira
(2000, p.61), “a diferença da formação entre licenciado e bacharelado não é um item na
41
estrutura de organização de cursos de Licenciatura, mas é de ordem epistemológica,
baseada na dicotomia ensino-pesquisa, entre o saber e o produzir conhecimento”.
Pereira (2000, p.115-135) realizou uma pesquisa com professores e alunos
do curso de Ciências Biológicas da UFMG sobre a questão da licenciatura e
bacharelado. Os dados revelaram que o ensino é visto, pela maioria, como uma
atividade de transmissão de conhecimentos, ou que serve para despertar o interesse do
aluno em criar situações propícias para sua aprendizagem, ou seja, uma atividade
repetitiva. Já a pesquisa é vista como uma atividade voltada para a descoberta e/ou
produção do conhecimento. Assim sendo, a pesquisa é tida pela Universidade como
uma atividade mais criativa ou mais original que o ensino e, em razão disso, atribui-se a
ela maior importância.
Faz parte também do senso comum acadêmico que os alunos mais talentosos
estão no bacharelado e que os de “pior formação”, aqueles que não têm “jeito” para a
pesquisa, ou “aqueles que não querem nada”, estão na licenciatura.
Acreditamos ser urgente desencadear um processo de reflexão sobre os
conceitos de ensinar e pesquisar na Universidade, em especial, com professores e alunos
das licenciaturas, visto que muitos estudos têm mostrado a necessidade de uma
articulação entre pesquisa, formação inicial e formação continuada dos profissionais da
educação. Se partirmos do pressuposto que nossa tarefa como professor de instituições
que possuem cursos superiores é auxiliar na construção do conhecimento, muito se tem
a fazer no sentido de articular formação docente com pesquisa. Isto significa que “as
universidades devem assumir a formação do “professor-investigador”, um profissional
dotado de uma postura interrogativa e que se revele um pesquisador de sua própria ação
docente” (SOARES apud PEREIRA, 1999, p.118).
42
Zeichner (1993) desenvolveu trabalhos com estudantes em cursos de
formação de professores, durante o estágio; com professores em diferentes escolas com
grupos de trabalho, incentivando e promovendo a pesquisa-ação entre eles. Trabalhou
com docentes universitários que faziam parte do seu grupo de pesquisa e realizaram
pesquisa-ação em programas de pós-graduação, na África assessorando programa de
formação de professores e ainda, realizando a reflexão sobre seu próprio trabalho.
Segundo Zeicnher; Liston apud Geraldi et al (2000, p.244), “a reflexão é uma das
dimensões do trabalho pedagógico, mas para compreendê-lo, aqueles e aquelas que
refletem precisam considerar as condições de produção desse trabalho”.
A partir do conceito de ensino reflexivo e como professores formadores de
professores, segundo Zeichner (1993),
“temos a obrigação de ajudar os futuros professores a interiorizarem, durante
a formação inicial, a disposição e a capacidade de estudarem a maneira como
ensinam e a de melhorar com o tempo, responsabilizando-se pelo seu próprio
desenvolvimento profissional” (ZEICHNER, 1993, p. 17).
Imprescindível, neste contexto, é o papel dos professores formadores de
educadores em assumirem, também, uma postura investigativa com relação à sua
própria ação docente. Qualquer profissional consciente necessita estar constantemente
refletindo sobre sua prática e articulando esta reflexão para si e para os outros.
Concordamos com Hernández (apud PEREIRA, 1999, p.119) que “todo programa de
formação pedagógica de educadores deve constituir-se em objeto de pesquisa na
instituição formadora. Projetos de investigação sobre a formação docente permitem não
só refletir sobre a preparação que está sendo realizada nas instituições, mas,
fundamentalmente, reconstruir a proposta de formação dela”.
43
2.2. A desarticulação entre a formação acadêmica e a realidade prática
Outro dilema enfrentado pelos cursos de formação de professores é a falta de
integração entre a licenciatura e a realidade em que os licenciados irão atuar. Há, na
verdade, muito pouca articulação entre a Universidade e as escolas de ensino
fundamental e médio. Muitos docentes universitários, formadores de professores,
desconhecem que a realidade desses sistemas de ensino pode contribuir ainda mais para
a separação entre teoria e prática.
Segundo Schnetzler (1998, p.394-395), os futuros professores, quando
iniciam seus cursos de licenciatura trazem consigo concepções sobre ensinar; “para
ensinar basta conhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas”. Esta visão
simplista é, reforçada pelo modelo da racionalidade técnica
7
, muito usual nas
licenciaturas. Baseando-se nele, os currículos de formação profissional tendem a separar
o mundo acadêmico do mundo de atuação do professor, pois são organizados de
maneira a propiciar um sólido conhecimento teórico no início do curso e, ao final, a
prática com os estágios.
Portanto, para formar esse profissional, faz-se necessário um conjunto de
disciplinas científicas e outro de disciplinas pedagógicas que vão fornecer a base para
sua ação. No estágio supervisionado, o futuro professor aplica tais conhecimentos e
habilidades científicas e pedagógicas às situações práticas de sala de aula. Esse modelo
ainda não foi totalmente superado em nossas universidades e “o contato com a realidade
escolar continua acontecendo, com mais freqüência, apenas nos momentos finais dos
7
Esse modelo concebe e constrói o professor como técnico, pois entende a atividade profissional como
essencialmente instrumental, ao visar a solução de problemas mediante a aplicação de teorias e técnicas.
44
cursos e de maneira pouco integrada com a formação teórica prévia” (PEREIRA, 1999,
p.113).
A nosso ver, se faz urgente repensar o espaço do estágio na estrutura dos
cursos de formação docente, que atualmente privilegia a teoria em detrimento da prática
pedagógica. O ideal seria que nas disciplinas (inclusive as de conteúdo específico) o
licenciado já tivesse contato com a escola, sempre supervisionado pelos professores das
disciplinas, pois pensamos que, além da importância de vivenciar diferentes atividades
práticas pedagógicas durante sua formação inicial, esse contato poderia auxiliar na
mudança de concepções de formadores de professores, com relação à profissão docente.
É importante ressaltar que a Resolução do CNE/ CP 01, de 1º de fevereiro de 2002, que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena em seu
Artigo 12º, parágrafos 1º e 3º estabelece que:
§ 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço
isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso.
§ 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a
formação do professor.
§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os
componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas
terão sua dimensão prática.
Há que se distinguir a prática pedagógica como componente curricular da
Prática de Ensino e o Estágio obrigatório. A prática como componente curricular deve
ser planejada juntamente com os projetos pedagógicos dos cursos, a fim de acontecer
desde o início do processo formativo e se estender ao longo de todo processo. Esta
45
estratégia é fundamental, para que haja tempo e espaço para o desenvolvimento das
atividades e, também, uma supervisão da instituição formadora com vistas a uma
avaliação de qualidade. A articulação do estágio supervisionado com as atividades de
trabalho acadêmico, fornecerá subsídios para a formação do perfil e da identidade do
professor como educador. Para tanto, cada licenciatura deverá destinar 400 horas à
prática curricular do seu curso.
É preciso considerar também outro componente curricular obrigatório
integrado à proposta que é o estágio curricular supervisionado de ensino, e que
segundo a Resolução CNE/CP 09/2001, em seu Art. 13, § 3º, enfatiza que deve ser
“realizado em escola de educação básica, e respeitando o regime de colaboração entre
os sistemas de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início da segunda metade do
curso e avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio”. O
estágio curricular supervisionado deverá ser também uma atividade intrinsecamente
articulada com a prática pedagógica e com as atividades do trabalho acadêmico.
O outro grande desafio a ser superado e, principalmente, agora com a nova
concepção de prática e de estágio supervisionado que as Diretrizes Curriculares
apresentam, será a busca de uma mudança na prática pedagógica dos professores das
licenciaturas, principalmente, os que ministram algumas disciplinas consideradas muito
teóricas e desarticuladas da realidade do futuro professor.
É de consenso que a área da educação tem a responsabilidade de formar
professores. Conseqüentemente, isto faz com que os que não trabalham com as
disciplinas pedagógicas venham a atuar sem comprometimento. No entanto, as duas
áreas de ensino têm responsabilidades iguais na formação. Há, portanto, necessidade de
mudar o eixo da formação de professores, deslocando-o das disciplinas pedagógicas, a
46
ponto de envolver as disciplinas específicas na formação de professores. A dificuldade
está na marca do bacharelado que esses cursos carregam.
Normalmente, os cursos têm dificuldade de se apresentar como formadores
de professores e encontramos diversas posições entre seus docentes. Como explicita
Pagotto (1998, p.379), há:
1. entre os que trabalham com disciplinas específicas aqueles que se
esquecem (grifo nosso) que o curso, objeto de seu trabalho docente, é a
Licenciatura.
2. aqueles que desdenham qualquer proposta para que o curso priorize a
formação de professores.
3. aqueles que se manifestam de forma ambígua: são favoráveis à
formação pedagógica, mas não vêem como participar dessa formação por
outra via que não seja oferta dos conteúdos das disciplinas que atua,
eximindo-se de qualquer outro compromisso.
4. aqueles que, trabalhando nas licenciaturas, assumem que estão
formando professores e organizam seu trabalho com esse fim, mesmo
atuando também no bacharelado e na pós-graduação.
5. os professores das disciplinas pedagógicas que geralmente manifestam
cuidados especiais na formação de professores, muito embora nem sempre
suficientes para garantir ações conjuntas entre eles próprios ou com os
docentes das áreas específicas.
Mesmo com essa multiplicidade de visões, há sempre entre os professores de
conteúdos específicos, aliados para o desenvolvimento de uma prática que aumente o
envolvimento deles na formação pedagógica dos futuros professores.
As dificuldades para proposição e implantação de soluções para os
problemas das licenciaturas, no âmbito das universidades são enormes. Para Nóvoa
(2001, p.15), “existe uma certa incapacidade para colocar em prática concepções e
modelos inovadores” porque as instituições ficam fechadas em si mesmas. Um dos
caminhos apontados por este autor é a reflexão da experiência pessoal partilhada entre
os colegas, o que pode levar à produção de práticas pedagógicas educativas
diferenciadas.
É nesse cenário tão complexo, abrangente, cheio de dúvidas, insatisfações,
propostas e exigências que podemos situar os Institutos Superiores de Educação, figura
47
instituída através do Art. 62 da Nova LDB 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, e que já estão “competindo” com as universidades no que diz
respeito ao preparo da docência para a educação básica. A discussão sobre o “lócus” de
formação de professores é também um dos problemas vivenciados tanto por países
latino-americanos quanto europeus, como demonstram relatos de experiências, ressalta
VALENTE (1999, p.75). Diz a autora que as experiências realizadas fora das
universidades não ficam isentas de insatisfações e uma delas é a ausência da pesquisa
no universo da formação pedagógica docente, “aspecto esse que empobrece o processo
ensino-aprendizagem, já que pesquisa é um momento privilegiado de aprender a
aprender, de questionamento, de crítica, de busca do entendimento de uma situação
vivenciada” (VALENTE, 1999, p.76). Talvez, conforme elucida a autora, o ponto
crucial não seja o “lócus da formação, mas as características que deve a formação
pedagógica de professores contemplar.”
Formar professores é uma árdua tarefa e que cada universidade deverá
encontrar seu caminho para dar conta desta difícil missão. Um dos caminhos possíveis é
a criação, no âmbito das Universidades, dos Institutos Superiores de Educação ou
Centro de Formação do Magistério que congregaria todas as atividades pertinentes à
formação de professores. Pensar um Centro de Formação de Professores é não só pensar
o novo a partir do existente, criando um terreno de interlocução intra-universitário. É,
também, se predispor a conviver com atores sociais que hoje partilham ou não, do
cotidiano da universidade: secretarias de educação, movimentos populares, ONGS,
movimentos eclesiais de base, empresas, entre outros (VALENTE, 1999, p.77-78).
Afinal, ser professor é uma questão de aprendizado, escolha ou dom?
Acreditamos que a nossa identidade profissional se constrói pelo significado que cada
48
um de nós confere à atividade docente no dia-a-dia, a partir dos nossos valores, da
forma como nos situamos no mundo, das nossas histórias de vida, das nossas
representações, dos nossos saberes, nossos desejos e angústias, no sentido que tem em
nossas vidas o ser professor. E também, a partir das nossas relações com outros
professores, nas escolas e em outros agrupamentos. Concordamos, dessa forma, com
Fontana (2000), que ao longo do seu livro “Como nos tornamos Professoras” mostra
que
tornar-se professoras (e professores também) é um aprendizado, não um
aprendizado restrito a um processo de formação escolar, e sim um
aprendizado no sentido amplo, de apropriação da cultura, sempre mediada
pelo outro e pelo que se produz nas relações sociais. (FONTANA, 2000,
p.14).
Quando pensamos em formação pedagógica, podemos dizer que uma das
nossas preocupações como professores formadores é com a identidade e o perfil do
professor que estamos formando. Alguns estudiosos têm buscado desenvolver trabalhos
para contribuir com a formação inicial dos professores, visto que ela “não é uma fase
completa na vida do professor e sim uma primeira etapa” (Ribas, 2000, p.38). Necessita
ser bem trabalhada afim de preparar o futuro professor para que estude, busque
referências na prática pedagógica e pesquise-a, pois, dessa forma, ele poderá transpor os
obstáculos do seu cotidiano escolar e ter maior segurança em suas decisões.
É sabido que “o modelo de ensino e, conseqüentemente, o perfil de professor
que está a formar sofre influência das concepções dos professores formadores” (SILVA;
SCHNETZELER, 2001, p.1). É o que pretendemos demonstrar na seqüência de nosso
estudo.
49
3. O ensino superior hoje
A apresentação de um panorama legal atual do ensino superior, em âmbito
nacional e internacional, é o objetivo essencial desta etapa dos estudos empreendidos.
Este apanhado legal visa explicitar os parâmetros que norteiam e regem a docência
superior e, também, o que a sociedade, através de seus representantes legitimamente
constituídos, espera da educação superior na formação do perfil de profissionais
cidadãos, eticamente comprometidos com o bem-estar da sociedade.
As primeiras considerações tecidas, entretanto, são relativas à educação em
geral, que constitui uma das prioridades da humanidade. No mundo todo, é uma das
preocupações fundamentais do homem, pelos seus aspectos sócio-político-culturais.
Enquanto ser social, o indivíduo necessita de uma formação que lhe permita trabalhar,
viver em família e atuar na comunidade, enfim, ser um cidadão.
O nosso entendimento é de que, a educação é fundamental na formação do
cidadão e que, a consideramos inerente ao trabalho do professor em qualquer nível de
ensino. É inconcebível pensar na atuação docente sem que esteja estreitamente
vinculada à formação integral do homem, em todas as suas dimensões: biológicas,
psíquicas, sociais, políticas e culturais.
Focalizando apenas o ensino superior, que constitui o objetivo deste estudo,
é importante identificar claramente o que se espera de tal nível de ensino, tanto nacional
como internacionalmente.
No estudo realizado foram destacados dois aspectos importantes para a
atualidade: 1º) em nível internacional, a Conferencia Mundial sobre Ensino Superior,
promovida pela UNESCO, realizada em Paris, em outubro de 1998 e, 2º) em nível
50
nacional, a nova LDB, promulgada em 20 de dezembro de 1996 e os seus
desdobramentos com as Diretrizes Curriculares Nacionais (Resoluções nº. 04/97, nº.
1/2002 e nº. 07/2004), os seus pareceres adicionais (Pareceres nº. 776/97, nº. 16/99, nº.
53/99, nº. 115/99, nº. 09/2001, nº. 583/2001, nº. 138/2002) e os objetivos e metas
estabelecidos pelo Governo Federal no seu Plano Nacional de Educação (PNE)
8
que
serão analisados no capítulo dois.
3.1. Conferência Mundial sobre o Ensino Superior
A Conferência Mundial sobre o Ensino Superior foi um evento que contou
com a participação de mais de 4.000 pessoas, (UNESCO/CRUB, 1998) e aprovou a
Declaração Mundial sobre Ensino Superior no Século XXI: Visão e Ação”.
A UNESCO, ao convocar a Conferência Mundial, objetivou “prover
soluções para os desafios e colocar em movimento um processo de profunda reforma na
educação superior mundial”. O evento foi iniciado com a retomada da definição de
educação superior, aprovada na 27ª Reunião da Conferência Geral da UNESCO,
realizada em novembro de 1995, que compreendia “todo tipo de estudos, treinamento
ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, oferecido por universidades ou
outros estabelecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior
pelas autoridades competentes do Estado”. O objetivo da UNESCO e a revisão da
definição forneceram a sustentação e o amparo necessários para a elaboração da
Declaração Mundial.
8
Vital Didonet (2006) em seu livro Plano Nacional de Educação – pne – enumera vinte e três objetivos e
metas deste plano e afirma que para o cumprimento destes Objetivos / Metas depende da iniciativa e
colaboração da União.
51
A Declaração aprovada, dividida em três partes, é composta por 17 artigos,
que retratam as preocupações com o ensino superior e orientam para ações que devem
ser efetivadas pelas Universidades para garantir a formação profissional e, também, para
assegurar o seu compromisso com a sociedade (UNESCO/CRUB, 1998, p. 20).
A primeira parte, que aborda as missões e funções da educação superior,
compõe-se de dois artigos. O primeiro orienta para a necessidade de preservação,
reforço e expansão da missão das universidades, pautada pela educação, formação e
realização de pesquisas, e o segundo, aborda as funções das instituições de educação
superior na identificação e tratamento dos problemas da sociedade, de forma
independente, consciente de sua responsabilidade e atuando na previsão, alerta e
prevenção das questões sociais, econômicas, culturais e políticas.
Na segunda parte, a Declaração orienta para a formação de uma nova visão
de educação superior e é composta por 8 artigos, que estão direcionados à prestação de
serviços à sociedade, à revisão dos cursos, à diversificação da educação e da formação,
à igualdade de oportunidades, à participação da mulher e à adoção de professores, do
pessoal administrativo e técnico e de estudantes como agentes principais da educação.
A terceira parte, Da visão à ação, composta por 7 artigos, aponta, de
maneira resumida, para a avaliação da qualidade, o potencial e o desafio da tecnologia,
o reforço da gestão e do financiamento da educação superior – este último como serviço
público, o compartilhamento dos conhecimentos teóricos e práticos entre países e
continentes, os programas que garantam o “ganho de talentos” científicos e as parcerias
e alianças.
Na análise geral da Declaração fica evidente que a principal missão da
Universidade é promover uma educação inovadora, voltada para a formação ética não
52
só do aluno, como também do professor, para o pensamento crítico e a criatividade e
para a autonomia intelectual, cujo acesso deve ser o mérito e não o favorecimento de
elites. Enfatiza, ainda, que as decisões políticas devem ser tomadas considerando-se os
estudantes como o principal “centro de preocupações”. Isto não significa, porém, que os
outros atores da educação superior – professores e pessoal de apoio – devam ser
ignorados. Ao contrário, alerta para a promoção do trabalho da mulher, para o
aprimoramento do trabalho docente, para o retorno de pesquisadores aos países de
origem e para a preparação adequada do pessoal administrativo e técnico.
De acordo com a Declaração, a Universidade tem, ainda, por missão formar
o aluno para a plena cidadania, visando à produção e à disseminação do conhecimento,
para que ocorra a harmonização entre o trabalho educacional e o mundo do trabalho. Na
descrição dos artigos, um grande destaque é dado à necessária “reorganização dos
vínculos entre a educação superior, o mundo do trabalho e a sociedade”. O ensino
superior deve, pois, oferecer o conhecimento necessário ao mercado de trabalho, para
atender às necessidades da sociedade, devendo para isto reforçar as atividades de
prestação de serviços – extensão.
Estas considerações denotam que os artigos da Declaração Mundial sugerem
uma necessária revisão da função social da Universidade. Na discussão da identidade da
Universidade nos dias atuais, Goergen (2000, p.103) reforça este aspecto, enfatizando
ser “urgente o debate em torno do tipo de universidade que a sociedade necessita e
deseja”. Logo, tal compromisso deve ser assumido, pois a sociedade espera que a
universidade seja “um instrumento capaz de mediar suas necessidades atuais e suas
direções futuras” (PEREIRA, 2000, p.181).
53
A Declaração aponta ainda a indicação para a atuação do professor na
educação superior, com um perfil fundamentado na perspectiva do cumprimento de sua
função social, orientando para que esta atuação esteja voltada para o progresso do
conhecimento pela pesquisa, com enfoque para os potenciais e os perigos da tecnologia,
com consciência da inexistência de fronteiras para o conhecimento. Deve procurar,
portanto, desenvolver suas pesquisas de maneira a produzir os conhecimentos básicos e
os aplicados. Tal progresso trará, se realizado de maneira equilibrada e consciente,
melhores condições de ensino no nível superior e também fortalecerá as relações entre a
universidade e a sociedade.
Nos artigos da Declaração apreende-se, ainda, que o compromisso da
universidade deverá ser firmado de forma a atingir padrões internacionais de qualidade,
e que isto será possível mediante avaliação interna e externa, seleção rigorosa de
pessoal, desenvolvimento contínuo e mobilidade de pessoal. Todavia, no dia a dia,
verifica-se que estes indicadores de qualidade nem sempre são considerados no ensino
superior e que, por isso, a universidade precisa encontrar mecanismos de adequação a
esta nova realidade.
Os referenciais indicados para os padrões de qualidade mostram que, no
momento atual, a universidade precisa assumir que as mudanças são necessárias.
Parafraseando Goergen (2000), a principal questão que surge, quando se admite tal
necessidade é: como a universidade irá enfrentar a nova realidade? Pode-se ainda
acrescentar a seguinte: em que medida tais mudanças afetarão o professor, a sala de
aula, o relacionamento professor-aluno, as disciplinas com seus conteúdos e divisões, as
bibliotecas com seus livros, os processos e os temas das pesquisas e a preparação para o
emprego? (GOERGEN, 2000, p.137).
54
Trindade (1999, p.122) destaca e reforça a importância da Declaração
Mundial para as universidades ao afirmar: “Conscientes, pois, do papel construtivo da
UNESCO na elaboração de uma concepção estratégica capaz de oferecer alternativas
consistentes e viáveis para a nova reforma das instituições de ensino superior latino-
americanas na perspectiva do novo século, é que consideramos fundamental discutir o
conteúdo dos recentes documentos elaborados na Conferência Mundial de Paris”.
De forma sintética, é possível depreender das orientações emanadas da
Declaração Mundial e das preocupações expressas por diversos autores, que o
desenvolvimento da educação superior deve estar pautado em uma ampla discussão a
respeito da atuação docente, sobre as propostas atuais e os avanços esperados, como
forma de conscientização de todos os envolvidos com o ensino superior.
3.2. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional
No Brasil, um dos fatos mais marcantes da educação dos últimos anos, foi a
promulgação da nova LDB nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que traz importantes
e significativas alterações para o ensino superior, originária da Constituição de 1988 e a
importância da elaboração do Plano Nacional de Educação – PNE- (DIDONET, 2006).
As alterações indicadas têm proporcionado, desde a promulgação da LDB, vários
momentos de discussão das questões que envolvem o ensino superior, conforme
observado nos Encontros, Seminários e/ou Congressos da área educacional.
As novas determinações desta Lei estão sendo normatizadas por meio de
resoluções que têm promovido, nos últimos anos, uma profunda reflexão sobre o ensino.
Várias questões, como regime de trabalho e titulação do corpo docente, a avaliação
55
institucional interna e externa, entre outras, têm suscitado inúmeras reflexões em
relação ao compromisso da Universidade com a formação de profissionais.
A nova legislação está articulada e canalizada para a formação dos alunos,
que deve ser efetivada a partir de um projeto de ensino. Tal legislação indica, de
maneira contundente, ser necessário para o ensino superior revisar a forma como são
entendidas a estrutura organizacional e o comprometimento da universidade, o currículo
de um curso de graduação, a formação profissional dos alunos e a atuação dos docentes.
Na Lei não está expressa a indissociabilidade entre ensino – pesquisa –
extensão e, concordando com Pedro Demo (1997), tal fato pode ser considerado um
avanço, pois:
Uma noção moderna de pesquisa, como princípio científico e educativo, não
carece de extensão, porque é implícita. A importância da reconstrução
permanente do conhecimento está, mais do que tudo, em sua implicação
prática. Trata-se de um saber pensar que, de maneira alguma, basta-se com
pensar, pois sua razão de ser é a de intervir. Assim, uma universidade que
precisa da extensão extrínseca mostra nisso apenas que não sabe pesquisar ou
sobretudo que não consegue compreender o que é pesquisa no mundo
moderno (DEMO, 1997, p. 78).
A universidade, após a promulgação da Lei, viu-se obrigada a ter finalidades
– artigo 43 - nas quais estão valorizados: o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo, a formação permanente do professor, o conhecimento dos
problemas do mundo presente e o serviço à comunidade – nos níveis nacional e
regional. Estes aspectos serão alcançados na medida em que for consolidada a nova
legislação, pois a proposta visa proporcionar a formação de profissionais,
principalmente a de professores, em outros níveis de interesse e de necessidade da
sociedade.
Os artigos da Lei mostram uma nova dimensão para o ensino superior que
deve visar “vários graus de abrangência ou especialização” – artigo 45. Os cursos,
56
anteriormente, pensados somente como de graduação e de pós-graduação podem, agora,
também ser oferecidos na forma de cursos seqüenciais. Ressalta-se uma preocupação
com a qualidade do ensino, quando trata a questão da avaliação institucional,
considerando-se inclusive o grau de formação de seus professores (art. 46).
O momento vivido pela educação nacional é, portanto, privilegiado, pois
questões que anteriormente angustiavam parte do corpo docente e discente das
universidades, hoje devem, necessariamente, ser discutidas por todos os atores
envolvidos. Entenda-se que todos inclui, também, os desinteressados (incluindo alguns
servidores e, principalmente alguns professores) que devem passar a se interessar e
modificar seus procedimentos, se desejarem continuar atuando na educação superior.
O ensino superior deve buscar novos rumos de tal forma que sejam
encontradas soluções para os problemas existentes. As Universidades que se omitirem
ou simplesmente não se dispuserem a realizar uma reavaliação e/ou reestruturação em
seus projetos pedagógicos estarão fadadas ao descrendenciamento. Portanto, a hora é,
inevitavelmente, de ação na busca da renovação da formação de professores e dos
padrões estabelecidos para o ensino.
A nova lei possibilita, assim, que a Universidade, partindo de um
diagnóstico que descreva todas as questões e aspectos que envolvem o ensino superior,
compreenda a situação atual deste nível de ensino e encaminhe propostas para a
efetivação de novas ações, que visem á construção de uma nova universidade.
Daremos seqüência em nosso estudo enfatizando as políticas de formação de
professores no Brasil e, em especial, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica e a noção de competências para este
ofício docente.
57
CAPÍTULO II
AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Após alguns anos de silêncio sobre as políticas educacionais brasileira para a
formação docente, volta-se a viver um intenso debate sobre a legislação que
regulamentou a formação dos profissionais da educação no país (as Diretrizes
Curriculares Nacionais para formação de professores da Educação Básica). Apesar da
criação de novas leis para a preparação dos educadores, a formação de professores
tornou-se tema recorrente nas discussões acadêmicas dos últimos 30 anos. Com a
criação das faculdades ou centros de educação nas universidades brasileiras, em 1968, a
formação docente constitui-se objeto permanente de estudos nesses espaços. É evidente,
também, o crescimento da investigação sobre a profissão docente nas universidades e
instituições de pesquisa no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, o que tem
possibilitado um debate fundamentado em análises empíricas e teóricas e, por
conseguinte, uma discussão mais qualificada sobre o tema. Todavia, as licenciaturas,
cursos que habilitam para o exercício dessa profissão no país, permanecem, desde sua
origem na década de 1930, sem alterações significativas em seu modelo.
1. As novas políticas educacionais para a formação de professores
Como se sabe, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – lei
nº. 9.394/96) foi, sem dúvida alguma, responsável por uma nova fase de debates sobre a
formação docente no Brasil. Antes mesmo da aprovação dessa lei, o seu longo trânsito
no Congresso Nacional suscitou discussões a respeito do novo modelo educacional para
58
o Brasil e, mais especificamente, sobre os novos parâmetros para a formação de
professores. Como conseqüência, depois de acirrada oposição de interesses,
prevaleceram, no texto da LBD, os elementos centrais do substitutivo Darcy Ribeiro,
afinado com a política educacional do até então governo de Fernando Henrique
Cardoso, porém, com algumas modificações realizadas em virtude do embate
parlamentar.
Sendo assim, a versão final dessa lei foi construída mediante a participação
de diferentes sujeitos e atores sociais. Na parte mais específica sobre formação docente
(Título VI – Dos profissionais da educação), por exemplo, essa característica é bastante
evidente. Nela convivem termos e expressões que contêm idéias inconciliáveis, como,
de um lado, “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de
educação superior”, “institutos superiores de educação”, “curso normal superior”, e, de
outro, “profissionais da educação” e “base comum nacional”.
Para melhor compreender as atuais discussões a respeito da formação de
professores e as recentes políticas regulamentadoras (Parecer MEC/CNE 9/2001) dessa
atividade, é importante lembrar o contexto mais amplo em que a LDB foi aprovada. Na
época, particularmente na América Latina, havia uma atmosfera hegemônica de
políticas neoliberais, de interesse do capital financeiro, impostas por intermédio de
agências como Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), que
procuravam promover a reforma do Estado, minimizando o seu papel, e favorecer o
predomínio das regras do mercado em todos os setores da sociedade, incluindo as
atividades educacionais (DE TOMASI; WARDE; HADDAD, 1996).
É importante também não esquecer, quando se discute a questão da
formação docente, as atuais condições da educação brasileira. Isso porque são vários os
59
fatores externos ao processo pedagógico que vêm prejudicando a formação inicial e
continuada dos professores no país, destacando-se o aviltamento salarial e a
precariedade do trabalho escolar. Sabe-se que o desestímulo dos jovens à escolha do
magistério como profissão futura e a desmotivação dos professores em exercício para
buscar aprimoramento profissional são conseqüência, sobretudo, das más condições de
trabalho, dos salários pouco atraentes, da jornada de trabalho excessiva e da inexistência
de planos de carreira.
E não podendo esquecer o conjunto de leis que, há pouco tempo, vem sendo
formulado para regulamentar as diferentes áreas da formação docente no Brasil parece
interessado em romper com o atual modelo de preparação dos profissionais da
educação. Por outro lado, a urgência em qualificar um grande número de educadores
para uma população escolar crescente sem o correspondente investimento financeiro por
parte do governo poderá levar à repetição de erros cometidos em um passado próximo e,
conseqüentemente, corre-se o risco de reviver cenários de improvisação, aligeiramento e
desregulamentação na formação de professores no país.
No Brasil, como se sabe, as licenciaturas foram criadas nas antigas
faculdades de filosofia, nos anos 30, principalmente como conseqüência da preocupação
com a regulamentação do preparo de docentes para a escola secundária. Elas se
constituíram segundo a fórmula “3 + 1”, em que as disciplinas de natureza pedagógica,
cuja duração prevista era de um ano, justapunham-se às disciplinas de conteúdo, com
duração de três anos.
Essa maneira de conceber a formação docente revela-se consoante com o
que é denominado na literatura educacional, de modelo da racionalidade técnica. Nesse
modelo, o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor, na
60
sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e do
conhecimento pedagógico.
Portanto, para formar esse profissional, é necessário um conjunto de
disciplinas científicas e um outro de disciplinas pedagógicas, que vão fornecer as bases
para sua ação. No estágio supervisionado, o futuro professor aplica tais conhecimentos e
habilidades científicas e pedagógicas às situações práticas de aula.
Parece consenso que os currículos de formação de professores, baseados no
modelo da racionalidade técnica, mostram-se inadequados à realidade da prática
profissional docente. As principais críticas atribuídas a esse modelo são a separação
entre teoria e prática na preparação profissional, a prioridade dada à formação teórica
em detrimento da formação prática e a concepção da prática como mero espaço de
aplicação de conhecimentos teóricos, sem um estatuto epistemológico próprio. Um
outro equívoco desse modelo consiste em acreditar que para ser bom professor basta o
domínio da área do conhecimento específico que se vai ensinar.
Nas universidades brasileiras, esse modelo ainda não foi totalmente
superado, já que as disciplinas de conteúdo específico, de responsabilidade dos
institutos básicos, continuam precedendo as disciplinas de conteúdo pedagógico e
articulando-se pouco com elas, as quais, geralmente, ficam a cargo apenas das
faculdades ou centros de educação. Além disso, o contato com a realidade escolar
continua acontecendo, com mais freqüência, apenas nos momentos finais dos cursos e
de maneira pouco integrada com a formação teórica prévia (PEREIRA, 1998).
A racionalidade técnica
9
predomina nos programas de formação de
professores das demais Instituições de Ensino Superior (Centros Universitários, Escolas
9
O tema da racionalidade técnico-instrumental pode ser compreendido, de forma mais precisa, a partir
dos estudos desenvolvidos por Weber (1992), Horkheimer (2000), Adorno e Horkheimer (1985), Adorno
61
Técnicas, CEFET’s, etc.), em especial, nas particulares e nas faculdades isoladas, apesar
de essas instituições oferecerem, na maioria das vezes, apenas a licenciatura. Trata-se da
licenciatura inspirada em um curso de bacharelado, em que o ensino do conteúdo
específico prevalece sobre o pedagógico e a formação prática assume, por sua vez, um
papel secundário.
Um modelo alternativo de formação de professores que vem sendo estudado
e discutido é o chamado modelo da racionalidade prática. Nesse modelo, o professor é
considerado um profissional autônomo, que reflete, toma decisões e cria durante sua
ação pedagógica, a qual é entendida como um fenômeno complexo, singular, instável e
carregado de incertezas e conflitos de valores. De acordo com essa concepção, a prática
não é apenas lócus da aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas
espaço de criação e reflexão, em que novos conhecimentos são, constantemente,
gerados e modificados.
Com base na crítica ao modelo da racionalidade técnica e orientadas pelo
modelo da racionalidade prática, definem-se outras maneiras de representar a formação
docente. As atuais políticas para o preparo dos profissionais da educação, no país,
parecem consoantes com esse outro modo de conceber tal formação. As propostas das
Diretrizes Curriculares, desde então, rompem com o modelo anterior, revelando um
esquema em que a prática é entendida como eixo dessa preparação. Por essa via, o
contato com a prática docente deve se estabelecer desde os primeiros momentos do
curso de formação. Desse envolvimento com a realidade prática originam-se problemas
e questões que devem ser levados para discussão nas disciplinas teóricas. Os blocos de
(1995), Habermas (1968 e 1999). Para esses autores a racionalidade instrumental é apenas uma face da
Razão, que sempre fica eclipsada quando a reduzimos a sua função estratégica. A razão que no
Iluminismo representava a emancipação passou a ser entendida, na sua acepção instrumental, como objeto
da alienação.
62
formação não se apresentam mais separados e acoplados, como no modelo anterior, mas
concomitantes e articulados.
Contudo, em virtude da necessidade urgente de se habilitar aqueles que,
hoje, no país, estão em sala de aula, exercendo o magistério, corre-se o risco de as
recentes políticas educacionais para formação docente favorecerem a improvisação no
preparo dos profissionais da educação. Em nome dessa urgência, a prática, que deve
ocupar um espaço significativo nas grades curriculares dos cursos de licenciatura, pode
ser compreendida erroneamente como formação em serviço. As horas trabalhadas em
sala de aula, sem, necessariamente, um planejamento e uma intencionalidade formativa,
podem, assim, ser contabilizadas nos novos cursos de licenciatura pelos profissionais já
em exercício na escola. Como conseqüência, diminui-se significativamente a carga
horária dos cursos de formação inicial de professores, o que, obviamente, não é
desejável e representa um imenso retrocesso em termos da preparação desses
profissionais.
Do mesmo modo, o descuido com o embasamento teórico na formação de
professores, indispensável no preparo desses profissionais, é extremamente prejudicial
aos cursos de licenciatura. O rompimento com o modelo que prioriza a teoria em
detrimento da prática não pode significar a adoção de esquemas que supervalorizem a
prática e minimizem o papel da formação teórica. Assim como não basta o domínio de
conteúdos específicos ou pedagógicos para alguém se tornar um bom professor, também
não é suficiente estar em contato apenas com a prática para se garantir uma formação
docente de qualidade. Sabe-se que a prática pedagógica não é isenta de conhecimentos
teóricos e que estes, por sua vez, ganham novos significados diante da realidade escolar.
63
Além disso, de acordo com a lógica da improvisação, profissionais de
diferentes áreas são transformados em professores mediante uma complementação
pedagógica de, no mínimo, 540 horas (LDB/96, art. 63, inciso I; Parecer CNE nº.
04/97). Desse total, 300 horas devem ser de prática de ensino (LDB, art. 65) e podem
ser contabilizadas mediante capacitação em serviço (LDB, art. 61, inciso I). Ou seja, a
legislação atual permite que profissionais egressos de outras áreas, em exercício no
magistério, tornem-se professores valendo-se de um curso de formação docente de 240
horas! O que parece inconcebível em outros campos profissionais – como, por exemplo,
direito, medicina e engenharia – é possível para o magistério, contrariando a própria
denominação do Título VI da LDB, “Dos profissionais da educação”. Diante dessa
situação preocupante, perguntar-se-ia: A mesma urgência que justificou, na década de
1970, no Brasil, a criação dos cursos de licenciatura de curta duração está presente nas
atuais proposições sobre formação docente? São os programas de formação pedagógica
para portadores de diplomas de educação superior uma reedição atualizada dos
desastrosos cursos de licenciatura curta? Esse esquema pode ser entendido como a
legitimação da desvalorização da profissão docente, uma vez que profissionais egressos
de outras áreas, que não optaram, de início, pela carreira de magistério, provavelmente,
só estão na profissão, enquanto não conseguem algo melhor para fazer.
É inquestionável, portanto, que as atuais mudanças na estrutura jurídico-
legal da educação brasileira tornam manifesta a necessidade da criação de um projeto
pedagógico para a formação e a profissionalização de professores nas universidades e
demais instituições de Ensino Superior brasileiras. Esse novo projeto pedagógico deve
estar em consonância com as modificações pretendidas na educação básica. No entanto,
uma leitura mais crítica do contexto permite afirmar que, nas recentes políticas
64
educacionais, a formação de professores corre sérios riscos de improvisação,
aligeiramento e desregulamentação.
Antes que a LDB fosse sancionada, a lei nº. 9.131/95, que criou o Conselho
Nacional de Educação – CNE, já explicitava, entre as atribuições desse órgão, a
deliberação sobre as diretrizes curriculares para os cursos de Graduação (art. 9,
parágrafo 2, alínea c). A regulamentação dessa idéia de diretrizes aconteceu, então, com
a aprovação da LDB, que estabeleceu como um dos deveres das universidades “fixar os
currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes” (art.
53, inciso II). Além disso, a nova LDB, em seu art. 48, acabou com a vinculação entre
certificados de conclusão de curso e exercício profissional, definindo que os diplomas
se constituem apenas em prova da formação recebida por seus titulares.
Conseqüentemente, a figura do currículo mínimo, instrumento legal que determinou a
organização dos cursos superiores no Brasil a partir da lei 5.540/71 e conduziu os
concluintes desses cursos a diplomas profissionais, foi revogada com a nova lei.
Segundo interpretação dos conselheiros do CNE, expressa no parecer CES
nº. 776/97, o espírito da nova LDB está voltado para uma maior flexibilidade na
organização dos cursos na educação, em geral, e no Ensino Superior em particular.
Dessa maneira, os currículos mínimos e sua excessiva rigidez foram considerados
extemporâneos, algo que atrapalharia as instituições na busca de inovações e
diversificações em suas propostas curriculares.
10
Em 3 de dezembro de 1997, a Secretaria de Educação Superior do Ministério
da Educação – SESu/MEC publicou o edital SESu nº. 4, convidando as diferentes
10
Nos termos desse parecer, “toda a tradição que burocratiza os cursos (...) se revela incongruente com as
tendências contemporâneas de considerar a boa formação no nível de graduação como uma etapa inicial
da formação continuada” (BRASIL, CES nº. 776/97).
65
organizações, entidades e instituições a enviar propostas de diretrizes curriculares para
os cursos de graduação superior. Para análise e sistematização dessas propostas, a
SESu/MEC compôs uma comissão de especialistas por curso de graduação, com base
em indicação de nomes pelas instituições. Todavia, não foi criada uma comissão que se
responsabilizasse por diretrizes curriculares comuns a todas as licenciaturas. Como
conseqüência, as versões finais dos documentos dos cursos que, além do bacharelado,
têm a licenciatura, contemplaram distintas concepções para formação de professores.
Esses documentos usaram diferentes termos para se referir às licenciaturas –
entre outros, curso, modalidade, módulo e habilitação –, o que denota, na verdade,
divergências epistemológicas em relação à formação dos profissionais da educação. No
caso da matemática, por exemplo, foram construídas duas diretrizes curriculares: uma
para a licenciatura, outra para o bacharelado. Já para a química, apesar de os
especialistas escreverem um único documento, a licenciatura foi explicitamente
considerada um curso com características próprias. Por outro lado, a maior parte dos
documentos considerou a licenciatura uma modalidade, um módulo ou uma habilitação.
Nesse caso, a ênfase recaiu na formação do bacharel. Curiosamente, em alguns desses
mesmos documentos previa-se a preparação dos professores em determinada área do
conhecimento, porém, sem uma formação básica em educação.
Quando o processo de construção das diretrizes curriculares já estava
bastante avançado na maioria das comissões de especialistas, a SESu/MEC resolveu
nomear um “grupo-tarefa”, composto por cinco professores ligados à área de educação,
com a finalidade de elaborar um documento norteador para as diretrizes curriculares das
licenciaturas. Nessa oportunidade, as instituições não foram solicitadas a indicar nomes
para esse grupo, nem a enviar propostas para serem analisadas e sistematizadas. Na
66
estratégia montada por essa secretaria, tal documento deveria ser encaminhado a um
outro grupo de professores, de áreas específicas, que se encarregaria de coordenar a
construção das diretrizes das licenciaturas em cada uma dessas áreas,
responsabilizando-se por articular o texto produzido pelo “grupo-tarefa” e as diretrizes
das comissões de especialistas.
Espera-se que, apesar de muito tardio e de seguir um trajeto diferente
daquele realizado pelas comissões de especialistas, esse processo de construção das
diretrizes curriculares dos cursos de formação de professores tenha conseguido ou
consiga, ainda, promover mudanças significativas nas licenciaturas. E que, enfim, essas
alterações representem uma superação do atual modelo de preparação dos profissionais
da educação e um salto qualitativo para a formação docente no país.
Formar professores é uma tarefa bastante complexa. Justamente por isso não
são medidas simplistas e banalizadoras, apresentadas como uma fórmula mais eficiente
e produtiva de preparar os profissionais da educação, que irão resolver os problemas
atuais das licenciaturas. Ademais, a não-valorização do profissional da educação, os
salários aviltantes, as precárias condições de trabalho e a falta de um plano de carreira
para a profissão continuam sendo questões básicas sem solução, que afetam diretamente
a formação docente no Brasil. Os problemas centrais das licenciaturas serão resolvidos,
na verdade, com a implantação de mudanças efetivas na atual condição do profissional
da educação.
Ao mesmo tempo, fazem-se necessários estudos e pesquisas que respondam
a questões essenciais, como “O que é formar professores?” ou “Como formar
professores?”. Além disso, as universidades e demais instituições de ensino superior
precisam continuar trocando informações e buscando, em experiências mais
67
significativas, a chave para as questões que dizem respeito aos cursos de formação
docente no país.
2. As diretrizes curriculares para a formação de professores
O processo de reformulação das diretrizes curriculares para os cursos de
graduação foi intensificado no Brasil devido às pressões e demandas externas à
Universidade (reestruturação produtiva, ajustes estruturais, reforma do Estado) e
tencionamentos internos dos cursos de graduação (insatisfação com o currículo extenso,
fragmentado e ultrapassado).
O Edital nº. 04/97
11
da Secretaria de Educação Superior do Ministério da
Educação materializa a exigência de se discutir novas diretrizes curriculares para os
cursos de graduação. O objetivo, segundo o Ministério da Educação, é atender o inciso
II do artigo 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394, de 20 de dezembro de
1996), que coaduna com o disposto na Lei nº. 9.131, de 24 de novembro de 1995,
determinando como atribuição da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional
de Educação, deliberação sobre as Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação
propostas pela SESu/MEC com o auxílio das Comissões de Especialistas.
A orientação geral por parte do Ministério, no que se refere à elaboração das
diretrizes curriculares, foi de que elas deveriam permitir uma flexibilidade na
construção dos currículos plenos, privilegiar áreas de conhecimento em vez de
disciplinas e contemplar diferentes formações e habilitações para cada área do
conhecimento.
11
MEC/CNE. Edital 04/97 convoca as IES a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares
dos cursos superiores.
68
As Diretrizes Curriculares como estão sendo orientadas pelo MEC, com
perfil profissional desejado, competências e habilidades esperadas, conteúdos
obrigatórios e duração dos cursos revelam a direção e centralização do processo de
formação nos projetos de escolarização, sob os ditames do Estado.
O processo de discussão sobre a formação de professores remete,
necessariamente, à trajetória do movimento pela reformulação dos cursos de formação
dos profissionais de educação, materializado pela ANFOPE (Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação). O movimento de discussão sobre a formação
de professores tem vinte e sete anos (Comitê Nacional Pró – formação do Educador -
1980) e a ANFOPE, entidade representativa deste movimento, tem dezessete anos
(1990).
Neste período, muitas discussões e embates foram travados em relação a leis
e projetos educacionais oficiais
12
, consolidando, assim, os princípios gerais do
movimento e as questões particulares relativas à formação do educador. A ANFOPE
afirmou-se e consolidou-se como uma entidade que é modelo nacional, buscando a
construção coletiva de um referencial para as propostas de formação dos profissionais
da educação e a contínua reformulação dos cursos de formação que possam
consubstanciar-se em uma política nacional global para a formação do magistério.
Segundo o Documento Final do IX Encontro Nacional da ANFOPE
13
, pensar
uma política global de formação de professores implica tratar simultaneamente e com a
mesma seriedade, a formação inicial, as condições de trabalho, salário e carreira e a
formação continuada, na busca por uma educação pública, gratuita de qualidade, que
12
Verificar em “2000: 20 anos de movimento, 10 anos de ANFOPE”. Documento gerador para debate nos
grupos temáticos do X Encontro Nacional da ANFOPE – Brasília, 2000.
13
Documento Final do IX Encontro Nacional da ANFOPE – Campinas, 1998.
69
garanta a inclusão das classes populares. A definição desta política está vinculada à luta
histórica por uma sociedade mais justa e igualitária.
No que se refere, especificamente, á formação de professores, a ANFOPE
vem destacando o caráter sócio-histórico dessa formação e principalmente contribuindo
com a construção de propostas de superação das dicotomias presentes na formação de
professores e dos especialistas, entre bacharelados e licenciados, entre pedagogia e as
demais licenciaturas.
A explicitação da dimensão social da educação e da escola torna explícita a
estreita vinculação entre a forma de organização da escola na sociedade capitalista e a
formação do educador. Este fato coloca em oposição os projetos conservadores da
sociedade atual e o projeto histórico que busca a superação do capitalismo e anuncia a
concepção de futuro da humanidade pretendido
14
.
Uma das mais importantes sistematizações da ANFOPE que articula a
unidade dos educadores em torno de princípios norteadores da formação de professores
é a base comum nacional. A base comum nacional é um instrumento de luta e
resistência contra a degradação da profissão do magistério, permitindo a organização e
reivindicação de políticas de profissionalização que garantam a igualdade de condições
de formação. É ainda um elemento unificador da profissão, ao defender que a docência
é a base da formação de todos os profissionais da educação, pois permite assumir com
radicalidade, ainda hoje, a formulação: formar professor e o especialista educador. Nos
documentos da ANFOPE encontram-se os dois eixos principais da base comum
nacional: a) formação teórica de qualidade; b) docência como base da identidade
profissional.
14
ANFOPE. 2000: 20 anos de movimento, 10 anos de ANFOPE – Brasília, 2000 p.7.
70
A formação teórica de qualidade implica em recuperar, nas reformulações
curriculares, importância do espaço para análise da educação enquanto disciplina, seus
campos de estudo, status epistemológicos; busca ainda a compreensão da totalidade do
processo de trabalho docente e unifica a luta contra as tentativas de aligeiramento da
formação do profissional da educação, por meio de propostas neo-tecnicistas que
pretendem transformá-lo em um prático, formado apenas nas disciplinas específicas.
Analisando estes documentos, construímos uma visão de que a docência,
como base da identidade profissional, tem como fundamentos seis pontos:
1. sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educacional
e seus fundamentos históricos, políticos e sociais que permita a apropriação do
processo de trabalho pedagógico, criando condições de exercer análise crítica da
sociedade brasileira e da realidade educacional. Para alcançar esta sólida formação
teórica é necessária uma organização curricular que não separa e não fragmenta as
disciplinas de conteúdos específicos das disciplinas de conteúdo pedagógico e
educacional, teoria e prática, pesquisa e ensino, trabalho e estudo.
2. unidade teoria/prática que implica assumir uma postura em relação à
produção de conhecimento que impregna a organização curricular dos cursos, e não se
reduz a mera justaposição teoria/prática em grade curricular. Alcançar a unidade
teoria/prática implica novas formas de organização curricular; ênfase no trabalho
docente como base da formação; ênfase no desenvolvimento de metodologias para o
ensino de conteúdos das áreas específicas; ênfase no trabalho tomado como princípio
educativo na formação profissional; ênfase na pesquisa como meio de produção de
conhecimento e intervenção na prática social.
71
3. gestão democrática como instrumento de luta contra a gestão autoritária
na escola. O profissional da educação deve superar o conhecimento de administração
como técnica, na direção de apreender o significado social das relações de poder que
se reproduzem no cotidiano da escola, nas relações entre profissionais, entre estes e os
alunos, assim como na concepção e elaboração dos conteúdos curriculares.
4. compromisso social do profissional da educação contra concepções
educacionais obsoletas e com ênfase na concepção sócio-histórica do educador,
estimulando a análise política da educação e das lutas históricas destes profissionais
articuladas com os movimentos sociais.
5. trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e entre professores como
eixo norteador do trabalho docente na universidade e da redefinição da organização
curricular; a vivência e a significação dessa forma de trabalho e produção de
conhecimento permitem a apreensão dos elementos do trabalho pedagógico na escola e
das formas de construção do projeto pedagógico – curricular de responsabilidade do
coletivo escolar.
6. incorporação da concepção de formação continuada em contraposição á
idéia de currículo extensivo, sem comprometer a formação teórica de qualidade,
permitindo que o aluno/professor retorne a Universidade, por meio de cursos de
extensão/especialização a partir do contato com o mundo do trabalho (ANFOPE, 1998,
p. 12-13).
Portanto, a base comum no Brasil unifica-se, em nível nacional, a favor do
reconhecimento do valor social dos profissionais da educação no contexto brasileiro. A
luta pela materialização da base comum nacional se intensifica quando a temática das
72
diretrizes curriculares lançada pela SESu/MEC aparece no cenário educacional. A
ANFOPE no IX Encontro Nacional em 1998
15
articulou-se com as entidades da área
educacional (ANPED, ANPAE, FORUMDIR) e as IES em amplo movimento para a
construção de diretrizes curriculares para os cursos de formação dos profissionais da
educação.
Esse movimento elaborou um documento entregue a SESu/MEC, constando
quatro aspectos:
1. necessidade de pensar as diretrizes da pedagogia como parte indissolúvel
e articulada as diretrizes curriculares para todos os cursos de formação dos
profissionais da educação.
2. exigência de ampliação e democratização do debate, levando em conta a
produção do movimento dos educadores e da ANFOPE, contrária a qualquer processo
que desconhece os caminhos construídos pelo movimento do ponto de vista da forma,
quanto do conteúdo das propostas.
3. as diretrizes curriculares não devem constituir-se camisa de força para as
IES, mas explicitar áreas de formação que, nas particularidades das IES, possam
ser materializadas, levando-se em conta a base comum nacional.
4. esse processo não poderá significar o enxugamento das disciplinas
teóricas dos currículos atuais dos cursos de graduação, sob pena de desqualificar a
formação básica e enfatizar as práticas sem qualquer conteúdo de formação
qualitativamente superior (ANFOPE, 1998, p. 41).
15
Documento Final do IX Encontro Nacional da ANFOPE – Campinas, 1998.
73
Apesar de receber o documento com a posição das entidades educacionais, a
SESu/MEC deu andamento na construção das diretrizes curriculares do curso de
pedagogia, separadamente, dos demais cursos de licenciatura. Uma grande pressão por
parte das entidades educacionais e IES foi realizada e, em maio de 1999, foi constituído
por solicitação da SESu/MEC, o GT dos cursos de licenciatura. Este GT elaborou uma
minuta do documento norteador para elaboração das diretrizes curriculares dos cursos
de licenciatura, enviada para SESu/Mec em setembro de 1999.
Em continuidade a esse processo, rompendo com as práticas anteriores, o
MEC, através de suas secretarias – Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) e Secretaria
de Ensino Superior (SESu) – elaborou internamente as diretrizes curriculares para a
formação inicial de professores da educação básica, enviando-as ao CNE sem prévia
discussão com a área. Esse documento que, a primeira vista, parece incorporar as
concepções teóricas do movimento dos educadores orienta-se por outros paradigmas e
revela o que se poderia denominar uma taxonomia das competências a serem
desenvolvidas nos professores, trazendo nessa concepção, a proposta de certificação de
docentes por competência da avaliação.
A SESu/MEC com esta atitude contrariou o processo que vinha sendo
seguido, que era de elaboração das diretrizes curriculares para os demais cursos de
graduação por uma comissão de especialistas das áreas específicas, constituídas por
indicação das IES e homologadas pelo CNE a partir da indicação do próprio MEC. A
SESu/MEC ainda ignorou não só a produção teórica e prática das entidades
educacionais sobre a formação dos profissionais da educação, como também o
documento que o GT das Licenciaturas elaborou, por solicitação da própria SESu.
74
As discussões se encaminharam para o Conselho Nacional de Educação
(CNE). A ANFOPE insistiu no âmbito do CNE na necessidade da ampliação e
socialização da proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da
educação básica em cursos de nível superior.
Esta socialização deveria ser feita de forma articulada entre as diferentes
Comissões de Ensino das áreas que mantém cursos de licenciaturas e a comissão de
pedagogia, ouvidos os diferentes fóruns que tratam da formação de professores
(FREITAS, 2000). A partir desta reivindicação o CNE deliberou a realização de
audiências regionais e audiências nacionais por teleconferência presencial e a realização
de uma audiência pública final, em Brasília.
O processo de discussão da proposta do MEC para a formação de
professores foi intenso, pois além da resistência materializada pelas entidades
representativas dos educadores, alguns conselheiros do CNE tinham posição de rejeição
ao modelo proposto pelo governo. No entanto, nas comissões de especialistas das
diferentes áreas que tem licenciaturas, a discussão das diretrizes não chegou. Somente
um mês antes da aprovação pelo CNE, a SESu/MEC promoveu a discussão com todas
as comissões.
As audiências públicas regionais só aconteceram nos primeiros meses do ano
de 2001 e os pequenos grupos que participaram das audiências manifestaram rejeição da
proposta de diretrizes do MEC, sustentada pelos argumentos de que se ignora a
trajetória da formação de professores neste país e separa-se a formação dos professores
da formação dos especialistas, dando aos primeiros uma formação de caráter
conteudista (FREITAS, 2000).
75
Em 08 de maio de 2001, o CNE aprovou as diretrizes para formação de
professores, e a resolução que regulamenta o tema. Apesar da dimensão de discussão
nacional (pelas audiências), o debate não alcançou o conjunto dos interessados na
temática. A solicitação da ANFOPE de fazer um amplo debate a partir da socialização
da proposta em maio de 2000, não foi atendida. Os Conselhos Estaduais de Educação e
as Secretarias de Educação dos diferentes Estados não convocaram amplamente os
educadores. Assim, as audiências tiveram um caráter de cumprir uma determinação
formal e burocrática.
O Parecer do CNE, 9 de 08 de maio de 2001, institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível
Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena. Estas diretrizes introduzem
modificações importantes na política de formação e profissionalização e não apenas na
estrutura e organização dos Cursos (por exemplo, o Sistema Nacional de
Competências).
O debate continua, mas ganha outro caráter, de normalização que as IES
terão que resistir, se mobilizando e apresentando propostas de intervenção. As
discussões das diretrizes dos demais cursos de licenciaturas, ainda não foram aprovadas,
mas deverão ter como base o Parecer 9/2001 do MEC.
Segundo a ANFOPE, o processo encaminhado pelo MEC prevê a
contratação de consultores – muito bem pagos – para fazerem as diretrizes para cada
área das licenciaturas, alijando as entidades acadêmicas e científicas das áreas desse
processo de construção (FREITAS, 2000).
Cabe aqui uma breve discussão sobre o debate acerca das reformas
curriculares para a formação de professores e suas relações e implicações para que esta
76
formação tenha um cunho pedagógico. Ball (1998, p. 121-137) afirma que as políticas
educacionais em países periféricos sempre foram fortemente influenciadas por
movimentos e reformas de países centrais. Podemos afirmar, contudo, que esse
fenômeno vem se acentuando significativamente, na última década, como parte dos
processos de globalização da economia e de mundialização da cultura. Tais processos
produzem discursos que condicionam as políticas educacionais em nível local, aos
interesses econômicos.
O currículo por competências, a avaliação do desempenho, a promoção dos
professores por mérito, os conceitos de produtividade, eficiência e eficácia, entre outros,
disseminam-se nas reformas educacionais em curso no mundo globalizado. Ball (1998)
argumenta, entretanto, que esses processos não ocorrem exclusivamente na direção
global-local. Também são incorporadas ao discurso global questões que dizem respeito
às especificidades locais, produzindo-se, dessa forma, políticas com mesclas de
interesses e marcas tanto locais quanto globais. Neste sentido, global e local são
mutuamente constituídos (BALL, 1998, p. 99-116).
Há uma permanente tensão, nesse processo, entre a necessidade de
atendimento às particularidades locais na elaboração e execução de políticas e a
necessidade de considerar o que as localidades têm em comum. O resultado é uma
bricolagem, na qual se associam segmentos de idéias de diferentes contextos,
fragmentos de teorias e práticas já experimentados em outros locais, ressignificando-os.
Esse processo, característico da execução de políticas públicas em contextos nacionais
ou específicos, Ball (1998) denomina, com base em Bernstein (1996), de tradução e
recontextualização. No processo de recontextualização (Bernstein, 1996) são
estabelecidas regras que constituem um princípio de apropriação de outros discursos.
77
Trata-se de um processo de deslocar e relocalizar discursos, produzindo uma mescla de
posicionamentos diversos, muitas vezes ambíguos.
Entre os aspectos que garantem certa identidade na recontextualização de
discursos entre países com experiências culturais, políticas, sociais e econômicas tão
distintas, destacam-se as ações das agências multilaterais de fomento e os intercâmbios
de idéias e concepções entre os diferentes países. Esses intercâmbios se multiplicam,
seja por parte dos acordos entre governos, seja por parte da migração de concepções dos
diferentes sujeitos que lideram, a partir de posições ocupadas nos contextos oficiais e
acadêmicos, a produção de discursos educacionais apropriados pelos diversos governos.
Tais processos são fortemente acelerados na atualidade por meio de publicação de
livros, consultorias intergovernamentais e intergrupos acadêmicos de diferentes países,
congressos, ações de educação a distância e intercâmbios por Internet. Desse modo,
objetiva-se construir o consenso em relação às ações de governo com base na
legitimação da idéia de mudança e de qualidade da educação. Nesse processo de
legitimação das reformas, o currículo assume centralidade.
No caso da formação de professores no Brasil, podemos identificar o
questionamento da atuação profissional dos professores como um dos discursos que
visam estabelecer a construção dessa tentativa de consenso e legitimação da reforma.
No site do Ministério da Educação
16
em 2007, a Secretaria de Ensino Superior (SESU)
associara o fraco desempenho da aprendizagem dos alunos à formação insuficiente de
seu quadro docente, justificando as mudanças decorrentes da nova legislação em torno
de uma nova concepção para a formação de professores brasileiros.
16
Disponível em: <http://www.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diagnostico>. Acesso em: 7 de maio de
2007.
78
No discurso dos documentos, o sucesso da reforma educacional brasileira é
vinculado à existência de professores que sejam mais bem preparados para realizar o
seu trabalho pedagógico de acordo com a lei. Com isso, espera-se também um
compromisso por parte do professor na implementação da reforma, constituindo-se,
uma forma de controle da ação docente. Tal mecanismo de controle sobre os indivíduos
afina-se com modelos de reformas conservadoras, de perfil técnico e permite verificar,
principalmente, aqueles professores que não assumem os princípios da reforma. Em
contrapartida, o controle atualmente estabelecido diferencia-se das formas de controle
anteriores, na medida em que precisa ser compreendido na sua vinculação com o poder,
não obrigatoriamente ou exclusivamente coercitivo e centralizado.
Um dos mecanismos apontados pelos documentos oficiais para o controle da
formação de professores é o processo de avaliação de competências. A formação por
competências tem sido elemento fundamental em um número significativo de reformas
curriculares, nos mais variados níveis e modalidades de ensino em diversos países.
17
Por
esse mecanismo, busca-se a redefinição do processo de formação contínua dos
professores em torno de sua profissionalização, pautada na concepção de competência
profissional. A garantia do estabelecimento de um estatuto profissional da atividade
docente está entre as razões mais destacadas para a adoção das competências como
paradigma curricular. Como passaremos a analisar, tanto a relação das competências
com o controle do trabalho docente quanto sua vinculação com a profissionalização dos
professores têm suas bases em teorias curriculares instrumentais já difundidas
anteriormente no Brasil.
17
Para mais esclarecimentos ver Pacheco (2001).
79
3. O confronto de duas concepções nas Diretrizes Curriculares da Educação Física
A temática da formação profissional em Educação Física vem sendo
discutida desde a criação da primeira escola civil de formação em 1939. Nestes sessenta
e oito anos de história da Educação Física no Brasil, muitos estudos foram realizados,
no entanto, mais intensivamente a partir da década de 1980
18
.
Com a decadência do regime militar, nos anos 1980, a concepção de
Educação Física e Desporto como elemento de saúde, recreação e bem estar, já não
conseguia dar conta das reivindicações e pressões sociais que, a cada dia, aumentavam
(CARMO, 1987, p.3).
A formação do profissional de Educação Física passou, então, a ser o centro
das discussões e chegou-se a Resolução 03/87. Esta Resolução extinguiu o currículo
mínimo, orientou a organização do currículo pleno por campos de conhecimento, e
proporcionou dois tipos de titulação: licenciado e bacharel
19
.
As alterações no currículo de graduação em Educação Física, em muitas
Universidades, só foram implementadas no início da década de 1990. No entanto, dez
anos passados já foram suficientes para que, internamente, os estudantes dos cursos de
formação em Educação Física sentissem a necessidade de alterações.
Os tensionamentos que se materializaram no interior dos Cursos de
Formação em Educação Física permitiram afirmar que a criação do bacharelado foi
fundamentalmente, uma resposta aos argumentos de que a formação do licenciado não
vinha atendendo ao desenvolvimento das qualificações e das competências necessárias à
18
Medina (1983), Carmo (1987), Faria Junior (1987) e (1992), Costa (1988), Oliveira (1988), Pellegrine
(1988), Moreira (1988), Betti (1992).
19
Muitas análises sobre a formação profissional da Educação Física a partir da Resolução 03/87 foram
realizadas, para esse estudo citamos apenas duas: Carmo (1987) e Kunz et al. (1998).
80
intervenção do profissional nos diversos campos de trabalho não-escolar (KUNZ, 1998
p.38).
Em resposta a essa crescente e diversificada demanda, os cursos de
licenciatura plena em Educação Física foram incorporando a seus currículos diferentes
disciplinas de fundamentação e de intervenção. Esta incorporação acarreta a
descaracterização da especificidade de licenciatura plena, ao mesmo tempo em que não
possibilita consistente formação das competências específicas requeridas para a atuação
profissional nos diferentes campos de trabalho fora do âmbito escolar (KUNZ, 1998,
p.39).
A crítica feita à concepção curricular da licenciatura, também passou a ser
válida para a concepção curricular de bacharel. Isto porque, para o profissional da
Educação Física, o mercado de trabalho não-escolar tem se ampliado, exigindo
qualificações específicas e diferenciadas e o currículo de formação do bacharel,
especialistas, no caso específico da Educação Física, não tem dado conta desta
formação (KUNZ, 1998, p. 40-41).
Para forçar ainda mais, as discussões sobre a alteração do currículo veio o
novo ordenamento legal, implementado pela política educacional do MEC (LDB
9.394/96, Diretrizes Curriculares 04/97).
A Câmara do Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação convocou
a comunidade acadêmica profissional vinculada ao ensino superior brasileiro para
participar do processo de reformulação curricular dos respectivos cursos de graduação.
A primeira Comissão de Especialistas de Ensino
20
foi formada, através da Portaria nº.
146 de 10 de março de 1998 da SESu/MEC, com mandato por dois anos.
20
A primeira Comissão de Especialista da Educação Física foi formada por Elenor Kunz, Emerson Silani
Garcia, Helder Guerra de Resende, Iran Junqueira de Castro, Wagner Wey Moreira.
81
Diferentemente da Resolução 03/87, a proposta de diretrizes curriculares
sugeridas pela Comissão de Especialistas estabelece que a formação ao nível superior
em Educação Física será dada em curso de graduação, conferindo a titulação de
Graduado em Educação Física, retirando as duas titulações diferenciadas: licenciatura e
bacharel, com aprofundamento em campos de aplicação profissional, visando atender as
diferentes manifestações da cultura de movimento presentes na sociedade, considerando
as características regionais de mercado relacionado ao campo de atuação profissional.
A estrutura curricular é composta de duas partes:
1. Conhecimento identificador da área – conhecimento necessário para
possibilitar a identificação do curso de maneira generalizada, sendo estruturado ao nível
de formação básica (conhecimento do homem e sociedade, científico – tecnológico e
conhecimento do corpo humano e desenvolvimento) e formação específica
(conhecimento didático– pedagógico, técnico-funcional e conhecimento sobre a cultura
de movimento);
2. Conhecimento identificador do tipo de aprofundamento – conjunto de
competências específicas para o planejamento, execução, orientação e avaliação das
ações do graduado em Educação Física, de acordo com o tipo de aprofundamento em
um ou mais campos definidos de aplicação profissional. O campo de aprofundamento é
definido pela Instituição de Ensino Superior, considerando o perfil desejado e as
peculiaridades regionais.
Portanto, esta proposição de diretrizes curriculares para a Educação Física
elaborada pela primeira Comissão de Especialistas apresenta alterações consideráveis
em relação à Resolução 03/87.
82
Em 2000, se esgotou o período de dois anos da primeira Comissão de
Especialistas de Educação Física e, em 8 de maio de 2001, foram aprovadas pelo CNE
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena (Parecer
009/2001). A Educação Física como é um curso de nível superior/licenciatura está
incluída nas orientações das diretrizes aprovadas.
O Parecer 009/2001 sofre profundas críticas pelas IES, ANFOPE, ANPED,
ANPAE, FORUMDIR, Fórum Nacional em Defesa da Formação do Educador,
entidades representativas do conjunto de educadores e pesquisadores brasileiros. As
principais críticas às Diretrizes Curriculares aprovadas pelo CNE (Parecer 009/2001)
são de três ordens
21
:
1) de processo: O CNE desconsiderou as diretrizes encaminhadas pelas
universidades e demais instituições de ensino superior do país, como também ignorou
os documentos produzidos pelos movimentos dos educadores, encaminhados à
Comissão de Especialistas de Ensino das várias áreas do conhecimento da SESu/MEC.
2) de concepção: as diretrizes aprovadas têm clara intenção de fragmentar os
cursos de formação, separando curso de pedagogia dos demais cursos de licenciatura,
separando licenciatura de bacharelado. É inadequada a terminologia de bacharel para
um profissional que vai exercer o magistério, ainda que fora da escola. O esfacelamento
da profissão acarreta como conseqüência agrupamentos cooperativistas e cria
privilégios, fechando cada vez mais o mercado de trabalho. Isto levará à criação de
códigos de ética, instrumentos de poder e de defesa de monopólios. Os códigos de ética
21
ANFOPE. VI Seminário Nacional da ANFOPE e XIV Reunião Nacional do FORUMDIR. E
agora…como entender e enfrentar a legislação recém-definida para a formação de professores? UFPR,
Curitiba, PR, 5 a 8 de junho de 2001.
83
são também usados como fator de coerção profissional, exercendo a censura prévia e
impedindo a divulgação de novas idéias.
Este deve ser um momento de mudanças no interior das universidades para
que estas assumam a responsabilidade desta formação. É preciso prestar a atenção ao
avanço do debate na área e que concebe este profissional como aquele que tem a
docência na base de sua identidade profissional; aquele que precisa dominar o
conhecimento específico de uma área e articulá-lo ao conhecimento produzido pela
sociedade, tornando-se capaz de ser agente de transformação da realidade social. Por
isso, a importância do estabelecimento de uma base comum nacional para os cursos de
formação de professores que incorpore os princípios de uma formação unificada dos
profissionais da educação, dando suporte para múltiplas experiências, sem as limitações
de um currículo mínimo.
3) de conteúdo: o conteúdo das diretrizes curriculares tem como único
objetivo formar professores para que façam a reforma educacional do MEC chegar à
sala de aula. O conteúdo aparece como produto, e o conceito de pesquisa é a
apropriação do que já foi produzido. É o professor procurando conteúdos para melhorar
a prática. Há uma reiteração para garantir o conhecimento básico.
É por esta razão que, no documento das diretrizes, o MEC privilegia os
conceitos de competência e certificação. O conceito de competência aparece de maneira
simplista, reducionista, pois não se sabe se são princípios ou objetivos. O conceito de
competência vem do Toyotismo – competência serve para justificar a exclusão e manter
as relações de exploração. A noção de competência vai ser expressão do cálculo
econômico e encontra legitimação na ciência e na técnica, no processo de valorização
do capital. Reduzir a competência ao espaço escolar é reduzir a formação. A
84
certificação aparece nesta última versão das diretrizes, pois, em agosto de 2000, o CNE
discutiu a avaliação dos docentes.
A partir destas razões, as entidades educacionais reunidas em Curitiba, no
período de 5 a 8 de junho de 2001, conclamaram todos os professores e alunos a discutir
o Parecer 009/2001, e então, construir um outro documento com base no que as
entidades representativas dos educadores já tinham acumulado.
Na Educação Física assumiu a segunda Comissão de Especialistas ligada ao
Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e o Grupo de Pesquisas em
Preparação Profissional e Mercado de Trabalho em Educação Física da UNICAMP -
GEPPEF. Esta Comissão sem nenhuma resistência ao Parecer 9/2001, convocou a
comunidade acadêmica para revisar as diretrizes elaboradas pela primeira Comissão de
Especialistas.
Segundo o CONFEF, a proposta das diretrizes curriculares da Educação
Física, que estabelecia uma graduação com intervenção na área formal e não formal,
consenso entre os Diretores e apresentada pela Comissão de Especialistas da SESu,
ficou sem sentido. Doravante, ao ser homologado este Parecer, todas as áreas deveriam
ter dois cursos específicos, um para Licenciatura e outro para Bacharelado.
Ao relatar o processo de elaboração das diretrizes curriculares da Educação
Física reconhece-se que o CONFEF vem interferindo na autonomia das Universidades
Brasileiras, principalmente, na construção de diretrizes curriculares para a graduação e
para Sistema Nacional de Avaliação. O fez através de ingerências no Fórum Nacional
dos Cursos de Formação Profissional em Educação Física (Belo Horizonte 17 a 19 de
agosto de 2000) e, através de ingerências no próprio MEC e no CNE.
85
Recuperando o conteúdo histórico do que era defendido na década de 80
pelos diretores de Escolas de Educação Física pode-se reconhecer: a) o paradigma da
aptidão física para a Educação Física; b) a desqualificação profissional na formação
acadêmica pela fragmentação da formação em licenciatura e bacharelado; c) a
localização da área da Educação Física no Campo da Saúde; d) as terminalidades
orientadas pela lógica do mercado; e) o currículo extenso fragmentado em disciplinas
estanques.
Como as diretrizes da Educação Física (Resolução 07/2004) foram
orientadas pelo Parecer 009/2001 do CNE, as mesmas críticas ao Parecer se adequam
perfeitamente às diretrizes da Educação Física.
As diretrizes da Educação Física orientadas pelo CONFEF estão sendo
severamente criticadas pela comunidade científica, em dissertações e teses, por cinco
razões fundamentais:
1) A concepção de ciência manifesta em formulações que desconsideram o
rico debate acumulado durante todas as décadas anteriores.
2) A concepção de currículo na proposta do CONFEF é formulada por
diretores das escolas. Não admitem que o currículo é a relação escola, comunidade,
universidade e sociedade e não alguém (diretores) opinando regras.
3) A dimensão política explicitada no questionamento: Quais são as relações
entre as formulações do CONFEF, os interesses do Estado Capitalista e o campo de
trabalho de uma profissão que discute todos os dias as suas mudanças? O CONFEF
obedece e faz seguir cega e arbitrariamente um Parecer aprovado numa correlação de
forças desigual.
86
4) A dimensão ética se manifesta no mecanismo de manipulação do
imaginário, através do esvaziamento do debate e de mecanismos de cooptação e
persuasão, induzindo o terror da perda de emprego dos sem carteirinha.
5) A dimensão jurídica está questionada, pois o CONFEF não tem
autoridade para interferir na autonomia das universidades e das redes de ensino na
definição da perspectiva de formação dos professores.
Enfim, o que se identifica é o confronto de dois projetos distintos de
formação. Um que recupera e apresenta com novos argumentos posições já defendidas
na década de 80 e que se relaciona com a proposta do paradigma da aptidão física, ou
atividade física e saúde. Outro que explicita as bases conceituais para um novo enfoque
unitário – a licenciatura em seu sentido amplo – uma possibilidade na formação do
profissional de Educação Física, que encontra na docência a essência da sua intervenção
profissional, sintonizado com as defesas formuladas pela ANFOPE, mostrando que este
enfoque tem consistência lógica, aderência à realidade e viabilidade histórica, o que
pode ser considerado como avanço na área.
O que chama mais atenção em nosso estudo é a transposição dos conceitos
plenamente integrados à realidade do referenciado primeiro mundo para o Brasil. Está
claro que a realidade, os contextos e os significados sociais são determinantes para que
se possa configurar uma pedagogia que efetivamente gere mudanças da realidade.
Entretanto, uma coisa é propor mudanças onde o Estado não abriu mão de suas funções
sociais de bem-estar da sociedade e, outra, é propor mudanças em um Estado neoliberal,
que se desobriga de seus papéis sociais em defesa da liberdade de mercado. Neste
sentido, as noções de competência passam a ter novos significados pedagógicos e
sociais e é neste contexto que passaremos, no próximo capítulo, a discutir a influência
87
das reformas educacionais na formação do profissional de Educação Física, mais
especificamente nas discussões sobre a formação pedagógica do professor de Educação
Física.
88
CAPÍTULO III
AS REFORMAS EDUCACIONAIS E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A temática Formação Pedagógica do Professor de Educação Física tem
merecido, por parte dos pesquisadores, uma intensificação dos estudos referentes as
políticas educacionais para a formação de professores no contexto da globalização. Isto
decorre dos desafios postos atualmente no campo educacional, sujeito às conseqüências
da recomposição do capitalismo para manter taxas de lucro e dos ajustes estruturais, o
que tem implicado em proposições para a formação de professores defendidas, por um
lado, pelos formuladores e implementadores de tal política de governo e, por outro,
pelos Movimentos e Fóruns que resistem e reivindicam outras referências
emancipatórias para a formação humana.
Na seqüência, o nosso estudo se propõe a identificar se há uma preocupação
evidente para com a formação pedagógica dos professores de Educação Física, bem
como, se esta formação visa estabelecer um perfil pedagógico para os mesmos,
independentemente do projeto escolhido pela Instituição Superior de Ensino.
1. O neoliberalismo, as políticas educacionais e a formação de professores de
Educação Física
Antes de darmos seguimento ao nosso estudo é importante entender o que
significa neoliberalismo? O neoliberalismo torna-se ideologia dominante numa época
em que os EUA detêm a hegemonia exclusiva no planeta. É uma ideologia que procura
responder à crise do estado nacional ocasionada pela interligação crescente das
economias das nações industrializadas por meio do comércio e das novas tecnologias.
89
Enquanto o liberalismo clássico, da época da burguesia nascente, propôs os direitos do
homem e do cidadão, entre os quais, o direito à educação, o neoliberalismo enfatiza
mais os direitos do consumidor do que as liberdades públicas e democráticas e contesta
a participação do estado no amparo aos direitos sociais. Representa uma regressão do
campo social e político e corresponde a um mundo em que o senso social e a
solidariedade atravessam uma grande crise. E uma ideologia neoconservadora social e
politicamente. Por isso, afina-se facilmente na sociedade administrada dos chamados
países avançados, em que o cidadão foi reduzido a mero consumidor, e cresce no Brasil
e em outros países da América Latina, vinculado-se à cultura política
predominantemente conservadora. O neoliberalismo parte do pressuposto de que a
economia internacional é auto-regulável, capaz de vencer as crises e, progressivamente,
distribuir benefícios pela aldeia global, sem a necessidade de intervenção do Estado.
Enquanto o liberalismo tinha por base o Indivíduo, o neoliberalismo está na base das
atividades do FMI, do Banco Mundial, dos grandes conglomerados e das corporações
internacionais. (DE TOMASI; WARDE; HADDAD, 1996). A liberdade que postula é a
liberdade econômica das grandes organizações, desprovida do conteúdo político
democrático proposto pelo liberalismo clássico.
Liberalização do comércio, produtos internacionais, novas tecnologias de
informação e comunicação, privatização, começam a modificar o desempenho dos
mercados dos países latino-americanos, africanos e dos ex-países socialistas. Octávio
Ianni (2002) fala em "globalização da globalização" para se referir à incorporação
destas regiões anteriormente colocadas à margem do processo, agora articuladas por
meio de uma nova modernização. Ao discorrer sobre a formação e a expansão dos
mercados, da industrialização, da urbanização e da ocidentalização da economia
90
mundial, Ianni (2002) faz considerações sobre as realidades internacionais emergentes,
sem deixar de contemplar a sociedade nacional, em suas mais diversas configurações.
Desvenda as relações que transcendem o Estado-nação, diante dos desafios das
atividades, produções e transformações que ocorrem entre as nações.
Em entrevista ao jornalista italiano Antônio Polito (2000), publicada na
íntegra no livro O Novo Século , Eric Hobsbawm, afirma que na direção dessa
globalização e cooperação internacionais, os países mais desenvolvidos têm procurado
formar blocos que permitam seu fortalecimento no cenário mundial. Os países
subdesenvolvidos ou periféricos não têm peso na definição desse novo panorama
geopolítico mundial, ficando, mais uma vez, na dependência dos países líderes.
O desejo insaciável de acumular dinheiro e a grande expectativa de padrão
de vida mais alto fazem, dos países industrializados, um pólo de atração para aqueles
que não suportam as poucas condições de existência social em seus países de origem.
Essa corrida desordenada a outros países, em busca de novas perspectivas de melhora
da qualidade de vida, tem como uma das conseqüências a disputa desleal no mercado de
trabalho, levando, muito das vezes, o estrangeiro a aceitar emprego em condições de
trabalho não praticadas normalmente naquele país. A perspectiva neoliberal é, neste
contexto, apenas uma reformulação da gestão do desenvolvimento capitalista, em que a
desigualdade é aceita como norma e o desemprego
22
, como contingência necessária ao
desenvolvimento do capital
23
.
22
Hobsbawm, em entrevista Antônio Polito (2000), diz que a xenofobia resulta do fato de estarmos
vivendo em um mundo de migrações maciças, particularmente dos países pobres para os ricos, desde os
anos 60. Aponta, como uma possível solução, a migração temporária, isto é, a possibilidade das pessoas
trabalharem em outro país por seis meses ou um ano, embora continuem baseadas em seu país de origem.
Em termos, esta proposta vai ao encontro do que está acontecendo com os brasileiros que vão para o
Japão, por exemplo.
23
A respeito da perspectiva neoliberal e o papel do Estado ver SADER, Emir e GENTILI, Pablo
(orgs.)1998.
91
No decorrer da história, o Brasil passou por diversas modernizações. A
modernização em curso pretende reformar o Estado para transformá-lo em Estado-
mínimo, desenvolver a economia, fazer a reforma educacional e aumentar o poder da
Iniciativa privada transnacional, pois temos um presidente democraticamente eleito, que
tem o respeito da esquerda devido ao seu passado político e intelectual, e o respaldo da
direita devido à conciliação da social-democracia com o neoliberalismo. A conciliação é
a estratégia política conservadora que assume uma face progressista, isto é, a de estar
com a história, no caso com o processo de globalização e a inserção do Brasil na "nova
ordem mundial", e que, ao mesmo tempo, reage à atuação do Estado na política social.
Eis a sua fórmula: um máximo de liberdade econômica, combinando com o respeito
formal aos direitos políticos e um mínimo de direitos sociais. A educação está entre
estes. Como fica a sua situação?
No discurso neoliberal a educação deixa de ser parte do campo social e
político para ingressar no mercado e funcionar a sua semelhança. E este discurso apoia-
se na "tese da ameaça", isto é, num artifício retórico da reação, que enfatiza os risco de
estagnação que o Estado do Bem-Estar Social representa para a livre iniciativa: para a
produção de bens de consumo, maquinário, para o mercado, para a nova ordem
mundial". No Brasil, embora não haja Estado do Bem-Estar Social, a retórica neoliberal
é basicamente a mesma. Atribui à participação do Estado em políticas sociais a fonte de
todos os males da situação econômica e social, tais como a inflação, a corrupção, o
desperdício, a ineficiência dos serviços, os privilégios dos funcionários. Defende uma
reforma administrativa, fala em reengenharia do Estado para criar um "Estado mínimo",
firmando que sem essa reforma o país corre o risco de não ingressar na "nova ordem
mundial".
92
A retórica neoliberal atribui um papel estratégico à educação e determina-lhe
basicamente três objetivos:
1) Atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa
acadêmica ao imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. Assegura
que o mundo empresarial tem interesse na educação porque deseja uma força de
trabalho qualificada, apta para a competição no mercado nacional e internacional. Fala
em nova vocacionalização, isto é, numa profissionalização situada no interior de uma
formação geral, na qual a aquisição de técnica e linguagens de informática e
conhecimento, de matemática e ciência adquirem relevância. Valoriza as técnicas de
organização, o raciocínio de dimensão estratégica e a capacidade de trabalho
cooperativo.
Sobre a associação da pesquisa científica ao ethos empresarial, é preciso
lembrar, que na sociedade contemporânea a ciência se transforma em capital técnico-
científico. E as grandes empresas controlam a produção científica e colocam-na a seu
serviço de diversas formas: a) pelo controle de patentes, isto é, de produtos de
tecnologia científica. Assim, percebem as novidades e as utilizam, antecipando
tendências no mercado; b) por meio da pesquisa científica industrial organizada na
própria empresa; c) controlando os pré - requisitos do processo de produção científica,
isto é, a escola e, principalmente, a universidade, onde se produz conhecimentos
técnico-científicos. A integração da universidade à produção industrial baseada na
ciência e na técnica, transforma a ciência em capital técnico-científico.
2) Tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários.
O que está em questão é a adequação da escola à ideologia dominante. Esta precisa
sustentar-se também no plano das visões do mundo, por isso, a hegemonia passa pela
93
construção da realidade simbólica. Em nossa sociedade a função de construir a realidade
simbólica é, em grande parte, preenchida pelos meios de comunicação de massa, mas a
escola tem um papel importante na difusão da ideologia oficial. O problema para os
neoliberais é que nas universidades e nas escolas, durante as últimas décadas, o
pensamento dominante, ou especular, tem convivido com o pensamento crítico nas
diversas áreas do conhecimento e nas diversas práticas pedagógicas dialógicas,
alternativas. Nesse quadro, fazer da universidade e da escola veículos de transmissão do
credo neoliberal pressupõe um reforço do controle para enquadrar a escola a fim de que
cumpra mais eficazmente, sua função de reprodutora da ideologia dominante.
3) Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da
informática, o que aliás é coerente com a idéia de fazer a escola funcionar de forma
semelhante ao mercado, mas é contraditório porque, enquanto, no discurso, os
neoliberais condenam a participação direta do Estado no financiamento da educação, na
prática, não hesitam em aproveitar os subsídios estatais para divulgar seus produtos
didáticos e paradidáticos no mercado escolar.
Enquanto o liberalismo político clássico colocou a educação entre os direitos
do homem e do cidadão, o neoliberalismo promove uma regressão da esfera pública, na
medida em que aborda a escola no âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento,
esvaziando, assim, o conteúdo político da cidadania, substituindo-o pelos direitos do
consumidor. É como consumidores que o neoliberalismo vê alunos e pais de alunos. A
seguinte recomendação do Banco Mundial exprime esta visão: a redução da
contribuição direta do Estado no financiamento da educação. Parte do que atualmente é
gratuito deveria se tornar serviço pago pelos estudantes que, para tanto, receberiam
empréstimos do Estado ou bolsas. Em vez do Estado financiar diretamente a educação,
94
passou a dar bônus aos pais dos alunos, isto é, uma quantia de dinheiro suficiente para
que eles, vistos como consumidores, matriculem seus filhos numa escola de seu agrado.
Os neoliberais acreditam que assim as escolas passariam a competir no mercado,
melhorando a qualidade do ensino.
Como observamos, a novidade, se é que assim se pode chamar, do projeto
neoliberal para a educação não é só a privatização. O aspecto central é a adequação da
escola e da universidade pública e privada aos mecanismos de mercado, de modo que a
escola funcione à semelhança do mercado.
No que diz respeito à universidade pública, o discurso neoliberal condena o
populismo, o corporativismo, o ensino ineficaz e a falta de produtividade. Nesta retórica
todas essas palavras soam como atributos negativos. Mas serão negativos? Com o termo
populismo critica-se desde a relação dialógica entre professores e alunos até o
funcionamento da democracia universitária, as eleições, as campanhas eleitorais. Com a
palavra corporativismo a retórica neoliberal ataca desde os direitos trabalhistas, que
passam a ser chamados de privilégios, até as reivindicações salariais. A expressão "falta
de produtividade" tem em contrapartida a produtividade da pesquisa relevante, isto é,
utilitária, bem financiada, altamente rentável, segundo os critérios do mercado.
No contexto dessas três críticas, percebe-se que o que incomoda os
neoliberais é a liberdade acadêmica, o distanciamento da universidade pública em
relação aos mecanismos de mercado, a ausência de submissão aos critérios da produção
industrial da cultura. À universidade pública, o neoliberalismo propõe:
a) Que parte dos estudantes arque com os custos do ensino nas universidades
federais, o que obviamente ampliaria as barreiras sociais que entravam o acesso à
95
universidade e elitizaria o ensino superior, talvez para melhor distinguir as escolas de
elite das de massa;
b) Novos tipos de contrato de trabalho, que tendem a eliminar a dedicação
exclusiva e ampliar o quadro de professores de tempo parcial, o que representa
diminuição de gastos estatais e conseqüentemente achatamento do salário. Mas a
retórica neoliberal afirma que o professor de tempo parcial, por ter um outro emprego,
tem condições de levar à sala de aula ensinamentos do mercado de trabalho;
c) Que vá buscar recursos para suas pesquisas nas empresas industriais e
comerciais, associando-se a estas por meio de pesquisa, consultoria, oferta de cursos
etc., obrigando-a assim a responder às demandas de mercado, a fazer pesquisas
utilitárias de curto prazo. Isso certamente favoreceria ainda mais as áreas de
microeletrônica, biotecnologia, engenharia de produção, administração, em detrimento
da tão desvalorizada área de humanas.
A retórica neoliberal resume este modelo na palavra qualidade. Dita como se
fosse uma palavra mágica que representasse uma idéia definitiva, do tipo oitava
maravilha do universo: a excelência do ensino e da pesquisa, professores competentes,
domínio de conteúdos, científicos substantivos de alto nível e de conhecimentos
instrumentais, pesquisas de ponta capazes de gerar tecnologias competitivas na aldeia
global, alunos aptos a ingressarem no mercado internacional etc.
No Brasil, a modernização neoliberal assim como as anteriores não toca na
estrutura piramidal da sociedade. Apenas amplia sua verticalidade, que se pode notar
pelo aumento do número de desempregados, de moradores de rua, de mendigos etc, Em
outras palavras, a pirâmide social se mantém e as desigualdades sociais crescem. Para a
educação, o discurso neoliberal parece propor um tecnicismo reformado. Os problemas
96
sociais, econômicos, políticos e culturais da educação se convertem em problemas
administrativos, técnicos, de reengenharia. A escola ideal deve ter gestão eficiente para
competir no mercado. O aluno se transforma em consumidor do ensino, e o professor
em funcionário treinado e competente para preparar seus alunos para o mercado de
trabalho e para fazer pesquisas práticas e utilitárias a curto prazo.
Atualmente, diante do idealismo neoliberal descrito acima, deparamo-nos
com avançadas discussões de cunho político e crítico-reflexivo, desencadeadas por
estudiosos, intelectuais e pesquisadores da área de Educação Física, em busca de uma
referência teórico-conceitual ou mesmo de prática social capaz de oferecer à Educação
Física uma adequada identidade social. Em todo o mundo, em face ao capitalismo
contemporâneo e a presença marcante do neoliberalismo, os diversos países estão
procurando modificar a educação, reformar o ensino e todo o seu sistema. Entretanto,
permanece a questão: para qual finalidade?
Diante das grandes crises sociais econômicas e políticas, a educação assume
papel importante nos campos das reformas para tentar solucionar em parte os problemas
sociais e contribuir para as mudanças da realidade. No caso do Brasil, localizado em um
contexto social, econômico e cultural demarcado pelo pensamento neoliberal e pelo
modo de produção capitalista em processo de reordenamento econômico mundial, que
impõe, indistintamente, uma forma diferenciada/modificada de viver, sentir e
compreender a realidade, parece óbvio que toda a formação de professores e a própria
concepção de Educação Física deve conter os traços fundamentais desse contexto.
Com este “pano de fundo” macroscópico, pode-se afirmar que o modelo
proposto pelo CNE para a formação de professores de Educação Física constitui-se em
97
uma ferramenta para a formação, com vistas a se adequar ao próprio contexto social
capitalista, por meio das competências, em todo o transcorrer do processo de graduação.
Trata-se de um momento em que estão em jogo, a apropriação de certos
conhecimentos (símbolos, signos, conceitos, representações, técnicas, instrumentos) e a
possibilidade de serem aplicados na prática educativa de pessoas, grupos, classes e
sociedade para disseminar valores, costumes, representações e significados, plenamente
ajustados ao modelo de produção capitalista.
Em nosso estudo sobre a formação pedagógica do professor, baseado na
orientação oficial explicitada nas Diretrizes Curriculares Nacionais, que enfocaremos a
questão das noções de competências, investigando os objetivos e os resultados que
possam decorrer desse jogo de relações, de intencionalidades pedagógicas e de afazeres
práticos, visando materializar os significados sociais e a edificação de novas identidades
simbólicas contidos nas políticas públicas disseminadas pelo Estado.
Obviamente, o cenário para a questão dos recursos humanos demonstra uma
combinação tácita dessas orientações teóricas e as perspectivas práticas de intervenção
dos professores no cotidiano da escola, de modo a efetivar a extração de resultados
imediatos e, assim, consolidar os interesses do poder dominante em preservar os
interesses fundamentais do sistema capitalista em processo de globalização. Nesse
contexto estrutural-econômico e educativo-pedagógico, a perspectiva que se apresenta,
na legislação e nas determinações do reordenamento capitalista, é que trata de uma nova
pedagogia tecnologisada (VEIGA; SANTIAGO, 1999) a ser implementada pelo Estado
na formação dos recursos humanos, na qual se encontram os profissionais da Educação
Física brasileira.
98
Face a isto, buscamos aprofundar os estudos sobre os componentes
históricos contidos nos documentos oficiais relativos à formação de professores e as
relações com as práticas, como ferramentas sócio-culturais (conceituais e práticas) de
materialização do currículo de formação profissional.
No campo específico do objeto de estudo desta dissertação, entendemos que
as noções de competências previstas como eixo da formação profissional, ainda que
representem vários conceitos e uma gama infinita de sentidos sociais, apresenta sua base
teórico-conceitual atual direcionada para a eficiência das técnicas e/ou instrumentos de
um fazer prático-operacional. Em decorrência disso, defendemos a idéia de que as
competências descritas pelas diretrizes curriculares nacionais possuem, além dos
vários significados gerados ou resultantes da esfera cultural e econômica e, ainda que
operem restritamente com base no fazer ou no rendimento educacional, pelo prisma
economicista, produzem uma eficácia simbólica no interior das relações educativas e
sociais envolvidas no processo produtivo do fazer e nas demais relações subjetivas
presentes no contexto cultural.
O estudo tenta explicitar que está presente na realidade educacional uma
nova pedagogia de resultados que introjeta, conforma e modifica comportamentos e
atitudes no meio educativo e nas relações sociais.
As noções de competências estão funcionando como uma experimentação
técnico-instrumental, com o objetivo de resolver uma situação-problema e, assim,
solucionar uma determinada tarefa-prática. Assim, ao realizar a sua atividade
(ferramenta/simbolismo), esta está gerando uma nova identidade no plano da cultura, do
processo produtivo e da sociedade. Embora isto possa ocorrer, ao tomarmos a realidade
como processo dinâmico, contraditório e complexo, defendemos a idéia de que as
99
competências podem constituir um novo princípio educativo e servir de instrumento sob
a forma de práxis e, assim, tomando a prática como ponto de partida, pode-se construir
uma nova pedagogia capaz de promover a transformação da realidade atual
(PERRENOUD, 2002).
Importa ressaltar, antes de mais nada, que qualquer análise sobre a formação
de professores de Educação Física que tenha como ponto referencial as noções de
competências no sistema capitalista, já se apresenta, a priori, contaminada de valores,
significados e de relações que se estabelecem nesse campo e nas várias dimensões do
fazer humano - na educação, cultura e sociedade, gerando resultados significativos para
a conformação ou adaptação ao certo modelo de homem e sociedade idealizada pelo
sistema.
Por fim, o estudo passa a buscar e apresentar as novas tendências que se
apresentam para a formação pedagógica no campo acadêmico e profissional da
Educação Física e as conseqüências dos novos pressupostos indicados para a melhoria
da qualidade da educação apontados por essas políticas públicas em relação ao novo
perfil do educador e do profissional docente em Educação Física.
1.1. “O projeto neoliberal” e a formação inicial dos professores de Educação Física
De todo o trajeto percorrido até então, com a finalidade de extrair dados e
buscar informações importantes sobre a evolução do processo de formação de
professores de Educação Física no Brasil, com ênfase nos grandes momentos de
reformas, cabe atentar para o plano político neoliberal. Destacar-se-á o projeto de
formação de professores/profissionais liberais para todo o sistema universitário e, em
100
particular, para os profissionais de Educação Física delineados pela política de governo
desde a gestão Fernando Henrique Cardoso (1994/2002).
A Lei nº. 9.131, de 1995, que criou o Conselho Nacional de Educação
(CNE), estabeleceu como uma das competências do órgão, a deliberação sobre as
Diretrizes Curriculares propostas pelo então Ministério da Educação e do Desporto,
para os cursos de graduação, e este deu início à fase de implementação das políticas
sociais do governo federal voltadas para a capacitação de recursos humanos para o país.
O Parecer nº. 776/CES/CNE, de 3 de dezembro de 1997 (BRASIL,
MEC/CNE, 1997), que constitui o primeiro documento de orientação geral para a
elaboração das novas Diretrizes Curriculares Nacionais, indica várias situações para a
composição dos currículos a serem respeitadas por todas as instituições de ensino
superior, dentre elas:
- assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição
da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na
especificação das unidades de estudos a serem ministradas;
- indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-
aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdos
específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da
carga horária total dos cursos;
- evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
- incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro
graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício
profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e
habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
101
- estimular práticas de estudo independentes, visando uma progressiva
autonomia profissional e intelectual do aluno;
- encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências
adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência
profissional julgada relevante para a área de formação considerada;
- fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de
extensão;
- incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem
instrumentos variados e sirvam para informar os docentes e os discentes sobre do
desenvolvimento das atividades didáticas.
Diante dessas orientações, deparamo-nos com um cenário em que se
desenvolvem as reformas educacionais atuais, e nelas, a formação de recursos humanos
é por demais complexa e representa, como foi dito anteriormente, um dos mais
explícitos atrelamentos das políticas de Estado aos projetos internacionais
fundamentados no modelo político neoliberal e no processo de globalização da
economia mundial.
Essas orientações nos remete a supor que a reforma educacional proposta
pelo Estado, ora em curso sob o formato de Diretrizes Curriculares Nacionais, visa,
sobretudo, á implementação de projetos estratégicos no setor da economia, da educação,
da comunicação, da saúde e a manutenção do sistema capitalista com um novo contorno
produtivo. Portanto, é contrária e conflitante com os interesses e reclames dos
movimentos educacionais e sociais da sociedade civil quanto aos projetos de mudanças
102
na educação que buscam garantir a todos o direito ao acesso e permanência e o dever do
Estado quanto à qualidade e ao financiamento.
Com esse quadro, é preciso avaliar em que medida o Estado está utilizando
um discurso político dedicado às mudanças, ou se, na realidade, essas ações refletem
apenas o instrumento desmobilizador e desqualificador dos elementos potencializadores
que poderiam promover de fato as mudanças da realidade educacional e social
24
.
Com a premissa da melhoria da qualidade do ensino e da escola
compromissada com a formação da cidadania e a inclusão social, são utilizados
pressupostos jurídicos oficiais apontando uma nova qualidade da educação básica e uma
conseqüente formação de recursos humanos, como o principal fator das transformações
pretendidas no sistema educacional como um todo.
Nesse Brasil oficial, está por demais evidente a existência de vários projetos
de reformas em andamento configuradas, ora como parâmetros, ora como Diretrizes
Curriculares, que explicitam os pressupostos dos programas de governos e o
encaminhamento de ações que levem a desencadear tais intenções no cenário
educacional.
Em 1996, a aprovação da Lei nº. 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - caminhou na contramão dos princípios e dos vários pressupostos
emancipatórios defendidos pelos movimentos sociais para o estabelecimento de uma
nova política educacional para a sociedade brasileira.
25
24
Ver os movimentos do campo e o processo de reforma agrária proposta pelo Movimento dos
Trabalhadores SemTerra (MST) e a do governo, a reforma propostas pelos Educadores na LDB, Fórum
Mundial Social, movimentos de professores e sindicatos e as Diretrizes Curriculares.
25
Pena que a LDB foi construída de cima para baixo, desrespeitando os movimentos de educadores,
entidades científicas, educacionais, sociais e políticas que desejavam/construíram uma outra proposta de
diretrizes educacionais para o país, sem todavia, lograr êxito.
103
Em sintonia com a LDB, o CNE desencadeou o processo de implantação das
Diretrizes Nacionais para todos os níveis e modalidade de educação no país, dentre os
quais se destacam o Parecer nº. 9/CNE/2001 que redundou na aprovação das
Resoluções nº. 1/CNE, 2/CNE e dos Pareceres 27/CNE e 28/CNE em 2002, que tratam
da formação inicial de professores em nível superior – graduação plena.
Tais medidas foram estabelecidas com base em avaliações quanto à
eficiência e à qualidade do sistema educacional brasileiro, em particular, quanto aos
problemas existentes no que se refere à formação de recursos humanos pelas IES e as
novas necessidades de inserção do país no novo contexto mundial em processo de
globalização.
Sem base histórica e distante dos reais problemas estruturais que compõem a
realidade da educação, esse discurso oficial do governo visa convencer a todos de que a
escola e os que estão dentro dela são os principais responsáveis pela promoção do
desenvolvimento social e da qualidade de vida dos indivíduos. Em certo sentido,
propaga que a evasão dos alunos no processo educacional não se vincula às
determinações decorrentes da ordem social e/ou das condições objetivas da realidade,
mas ao interior do próprio sistema de ensino imputando, assim, cabe aos educadores a
tarefa missionária de redimir o país, por meio da educação.
Nesse contexto conflitante, faz-se necessário desmistificar as reais intenções
do projeto de reforma do governo federal, em particular naquilo que se pode considerar
como novidade, originalidade e avanço qualitativo para a superação da crise por que
passa o sistema educacional brasileiro.
104
Percebe-se na lógica desenhada pelo Parecer nº. 9/CNE/01
26
, que a
idealização da condição de superioridade é dada à educação, como uma prática social
autônoma e acima dos conflitos das classes sociais e contradições inscritas na realidade
histórica. Tal posicionamento certamente contraria profundamente o sentido de uma
prática social concreta e determinada pela realidade em que se inscreve e na qual se
realiza socialmente.
No campo de conflitos Estado versus Sociedade, de um lado, presencia-se o
governo federal aprisionado às orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e
do Banco Mundial (BM), reverenciando a globalização como forma inquestionável de
avanço e progresso social. De outro, estão as lutas sociais de educadores, entidades
sindicais e movimentos científicos, exigindo um novo projeto de universidade e de
formação de professores e profissionais para o Brasil, tendo como referência a
realidade, o domínio do saber e a emancipação social dos sujeitos para responder aos
desafios apresentados por esta mesma realidade, na busca de formar um cidadão crítico,
reflexivo, autônomo e transformador.
Por parte do Estado, as ações são desencadeadas para dar cumprimento às
determinações da LDB, e cada vez mais se descobre o quanto as políticas sociais e
públicas, por meio das diretrizes curriculares, são rapidamente implantadas para
consolidar a política neoliberal no país, desde a educação indígena até a educação
superior brasileira.
No campo da formação de recursos humanos, deparamo-nos, hoje, com dois
pressupostos básicos: a) a formação de professores (licenciatura), para atendimento aos
interesses/necessidades da educação básica e, b) a formação de profissionais
26
As evidências deste documento farão parte de uma análise que faremos posteriormente.
105
(bacharéis), para atender às demandas do mercado referentes à serviços e ao setor
produtivo. Trata-se de dois caminhos distintos para a formação de recursos humanos no
ensino superior (KUNZ, 1998).
O desenvolvimento no Brasil demarca sinais evidentes, desde o início da
Nova República, sob a força econômica e o controle jurídico do Estado, que foram
implementadas ações mais intensas vinculadas aos interesses do capital internacional,
em confronto com os interesses das diversas organizações da sociedade civil que
reclamavam por mudanças gerais na sociedade.
Nesse sentido, é possível afirmar que a própria Resolução nº. 03/CFE/87,
ainda que resulte de embates nas lutas sociais, representa uma expressão importante no
campo das políticas educacionais. Trata-se de uma concepção, um modelo de estrutura e
uma forma de organização do novo projeto de formação profissional/professores no
cenário nacional, já visivelmente sintonizada com o pensamento neoliberal.
Os dados históricos retratam/confirmam a existência permanente de políticas
educacionais brasileiras que são construídas com base em transplantes referenciais de
outros países. No caso da Resolução nº. 3/CFE/87 existem indicadores de que, além do
intenso processo de discussão ocorrido na década de 1980, o modelo apresentado pelo
CFE também se espelhava em modelos de currículos desenvolvidos no Japão,
Alemanha, Inglaterra, dentre outros, que não mais se estruturavam princípios da lógica
do currículo mínimo nacional.
Posteriormente, já no final da década 1990, as Comissões Especialistas de
Ensino (COESP), por recomendação do MEC e em atenção às exigências da nova LDB,
encaminhou ao CNE um novo projeto de formação de profissionais em Educação
Física. Depois de estabelecer uma série de críticas à Resolução nº. 3/CNE/87 e de expor
106
seus motivos para superar as contradições até então existentes, a proposta da Coesp,
apresenta uma estrutura curricular que, não altera muito a proposta da Resolução nº.
3/CFE/87. Há, entretanto, algumas diferenças significativas, relativas à nova
reformulação nos campos de conhecimentos que constituíam a anterior base curricular
de formação:
Conhecimentos Identificadores da Área - Estes conhecimentos, comuns e
necessários a qualquer campo definido de aplicação profissional serão estruturados por
dois níveis de formação: a) Formação Básica e b) Formação Específica.
a) Formação Básica: A Formação Básica será guiada pelo critério de
orientação científica, da integração teoria e prática e do conhecimento do homem, da
cultura e da sociedade. Isto possibilitará uma formação abrangente para a competência
profissional de um trabalho com seres humanos em contextos histórico-sociais
específicos, promovendo um contínuo diálogo entre as áreas de conhecimento científico
e a especificidade da Educação Física. Esta Formação Básica será constituída por três
sub-áreas de conhecimento, a saber: Conhecimento do Homem e Sociedade (filosófico,
psicológico, antropológico, cultural, social e histórico), Conhecimento Científico-
Tecnológico (técnica de estudos e de pesquisas) e o Conhecimento do Corpo Humano e
Desenvolvimento (químico, físico, biológico e antropogenético).
b) Formação Específica: Na Formação Específica preocupar-se-á com o
estudo das distintas manifestações clássicas e emergentes da cultura de movimentos,
identificadas com a tradição da Educação Física, do Esporte e da Recreação. Esta
formação Específica será constituída por três sub-áreas de conhecimento, a saber: -
Conhecimento didático-pedagógicos (intervenções didáticas) - Conhecimento Técnico-
Funcional Aplicado (bases teóricas e metodológicas aplicadas ao desempenho humano
107
identificado com as diferentes manifestações da cultura de movimentos) -
Conhecimentos sobre a Cultura de Movimentos (diferentes manifestações da cultura de
movimento nas suas formas de jogos e atividades recreativas, esportes, ginástica, dança
e lutas) (BRASIL, 1987, art. 3º, parágrafo 1º).
Analisando essa proposta entendemos que, a Comissão de Especialistas do
MEC, embora tenha modificado os campos de conhecimentos para explicitar melhor os
referenciais e as fronteiras de cada parte integrante do currículo, mantém a mesma
lógica da organização curricular contida na Resolução nº. 3/CFE/87. A única inovação é
a idéia de cultura do movimento que engloba as diversas manifestações constitutivas da
Educação Física, a qual passa a assumir certa nucleação referencial dos conteúdos
específicos e a perspectiva de formar um único profissional graduado em Educação
Física.
Quanto ao Conhecimento Identificador do Tipo de Aprofundamento
apresentado pela COESP
27
, verifica-se a tentativa de enquadrar o sentido de formação
de competências específicas na grade curricular. Este conhecimento será compreendido
como um conjunto de competências específicas para o planejamento, execução,
orientação e avaliação das ações do graduado em Educação Física, de acordo com o tipo
de aprofundamento em um ou mais campos definidos de aplicação profissional
(docência em educação básica/licenciatura; treinamento/condicionamento físico;
atividades físico-esportivas de lazer; gestão/administração de empreendimentos físico-
esportivos; aptidão física/saúde/qualidade de vida; além de outros possíveis campos
emergentes (Kunz,1998, p. 44).
27
As Comissões de Especialistas de Ensino (COESP) que têm como objetivo assessorar a Secretaria de
Educação Superior do Ministério da Educação (SESu/MEC) em ações específicas nas respectivas áreas
do conhecimento e ensino, dentre estas a de propor diretrizes e organização curricular (Portaria N°
972 de 22 de agosto de 1997).
108
Permanecem inalterados os limites temporais de quatro e sete anos para o
processo de formação acadêmica, ressaltando-se a obrigatoriedade da prática de ensino
(estágios) com maior detalhamento operacional, e do trabalho monográfico no final de
curso, e redefinindo-se as áreas referenciais de conhecimento.
Ao verificar o tratamento dado à flexibilidade de organização curricular,
percebe-se que a proposta da COESP apresenta uma maior rigidez na construção do
projeto curricular, pois passa a exigir a distribuição dos conteúdos com recortes mais
precisos de percentuais para a composição de cada momento do currículo, e define, com
maior objetividade, os campos de especializações múltiplas (competências direcionais
para a intervenção) ainda no curso de graduação, o que pode resultar em certos
problemas pela descaracterização de todo o processo de formação da graduação.
Algumas perguntas apresentam-se dentre tantas outras. Busca-se realmente uma
formação única para a graduação em Educação Física? Qual o sentido da prática de
ensino na escola e o que significa o estágio profissional proposto? Deseja-se formar um
educador generalista ou um especialista? Se Aprofundamento de Conhecimentos não
pode ser visto como uma forma de identidade na formação do bacharel, como prevê a
Resolução nº. 3/CFE/87, por quais razões são propostos diversos campos de
verticalização de estudos monográficos?
O projeto da COESP foi debatido e criticado por muitas IES e intelectuais da
área, mas foi totalmente desconsiderado pelo relator Carlos Serpa, do Conselho
Nacional de Educação, ao apresentar o Parecer nº. 138/CNE (BRASIL, MEC/CNE,
2002). Não se pode compreender a atitude do CNE, uma vez que a proposta da Coesp
constituiu a matriz referencial do MEC para a construção das diretrizes curriculares na
109
área de Educação Física. Pode-se perguntar, então se existe algum tipo de proposta para
a formação dos professores e ou profissionais em Educação Física.
Sobre as Diretrizes Curriculares Específicas, o MEC tem defendido e
recomendado que a organização dos programas de formação devam ser o mais flexíveis
possíveis, que os currículos sejam plenos e que privilegiem as áreas de conhecimentos,
em detrimento do estabelecimento de disciplinas e cargas horárias (BRASIL,
MEC/CNE, 1997, Resolução nº. 4/97). Para que haja uma melhor definição conceitual
do projeto curricular, sugerem-se as seguintes orientações: a) perfil desejado – os cursos
devem ser flexíveis e garantir a articulação da graduação com a pós-graduação; b)
competências e habilidades desejadas, com o fim do currículo mínimo e maior
autonomia para as universidades para elaborar o projeto de formação; c) conteúdos – os
conteúdos devem se dividir em conteúdos básicos e conteúdos essenciais profissionais
para o desenvolvimento de competências e habilidades requeridas para os egressos do
curso; d) duração – mínima e máxima para qualquer curso de graduação e para que cada
IES possa estabelecer em acordo com a sua autonomia didático-pedagógica (BRASIL,
MEC, 1997).
A realidade oficial da formação de professores/profissionais em Educação
Física apresenta-se sob a forma de Diretrizes Curriculares Nacionais, por isso denota
duas situações distintas, dúbias e, por que não dizer, conflitantes e complexas:
1) De um lado, a Resolução nº. 1/CNE/02 determina o tipo de profissional da
educação que deve se construir em todas as áreas de conhecimentos, para que possam
intervir formal e eficazmente na escola e no sistema educacional brasileiro.
110
2) De outro, existem as Diretrizes Curriculares Específicas aprovadas pela
Resolução nº. 138/CNE/02, que devem orientar a constituição do perfil pedagógico e
profissional para todos os cursos de graduação em Educação Física no ensino superior.
Segundo o CNE, a Resolução nº. 1/CNE/02 normatiza o processo de
formação de professores em suas linhas gerais e remete a discussão para o Parecer nº.
9/CNE/01 do qual se devem extrair, tanto os conteúdos quanto os detalhamentos de
aplicação do modelo, isto é, a filosofia, os princípios e os conceitos que darão suporte
aos projetos curriculares bem como a relação de ensino e de aprendizagem na interface
com a educação básica.
No caso específico do Parecer nº. 9/CNE/01, a sua ação é de procurar dar
unidade ao perfil do novo profissional da educação e estabelecer os procedimentos que
deverão ser adotados em geral pelas diversas áreas de saber escolar e a sua relação com
as áreas acadêmico-profisionais específicas.
Subtende-se que das diretrizes específicas devem ser extraídos os
conhecimentos a serem desenvolvidos nas licenciaturas. Em resumo, tanto a Resolução
nº. 01/CNE/02 quanto o Parecer nº. 9/CNE/01 que tratam da formação de professores,
não possuem indicações de qualquer tipo de conteúdos a serem aplicados na Educação
Básica, mas estabelecem normas que orientam os procedimentos para organizar a
formação de professores e o tipo de relação que deve ocorrer entre a prática docente e a
formação de profissionais em cada campo de conhecimento acadêmico e científico. As
diretrizes curriculares têm por objetivo servir de referência para as Instituições de
Educação Superior na organização de seus currículos de formação profissional.
Entretanto, sabe-se que em determinadas áreas de formação, esse objetivo não tem sido
111
alcançado, devido aos diversos problemas originados ou motivados pelas próprias
orientações curriculares legais.
No caso específico da formação profissional em Educação Física, há
necessidade de rever algumas das orientações que estão gerando impasses,
desentendimentos e fragmentações nas propostas curriculares que estão sendo
construídas e discutidas no âmbito das instituições formadoras. Do que foi possível
identificar até o momento, destacamos que:
1º. O fato de a licenciatura ter ganho “[...] terminalidade e integralidade
própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se em um projeto específico [...]”, o
Parecer nº. 009/2001 do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno, trouxe à
formação em Educação Física novos desafios. Até a aprovação desse Parecer, as
instituições formadoras vinham acompanhando a tradição da área e oferecendo, em
maioria, apenas a habilitação em licenciatura plena. Ao se instituírem caminhos
distintos para pensar a formação do licenciado pleno para atuar na educação básica,
precisamos refletir sobre os argumentos que justificam tal formulação. Vale lembrar,
que diferentemente das outras áreas de conhecimento, a Educação Física distinguia a
licenciatura plena da habilitação em bacharelado, somente na tentativa de diferenciar o
espaço de intervenção do professor formado. Assim, o licenciado ficava circunscrito ao
espaço escolar e o bacharel aos outros espaços não escolares como recreação, lazer,
treinamento desportivo, atividade física e saúde. Essa diferenciação dos espaços de
intervenção profissional, não deve se traduzir em uma necessidade de estabelecer a
formação dicotomizada e/ou fragmentada; pois o que caracteriza a área, em sua
essência, é a prática pedagógica, que deve orientar um processo de formação que
112
considere a prática docente e uma formação teórica, sólida e de qualidade, independente
do espaço de intervenção profissional.
2º. Há necessidade e possibilidades concretas de construção de um currículo
que integre a formação do licenciado e do bacharel. A orientação curricular legal pode
ser modificada para favorecer , em um mesmo curso, que se congregue os
conhecimentos necessários e próprios de uma formação superior, sem correr o risco de
resultar naquela formação que priorize o conhecimento específico em detrimento do
conhecimento pedagógico. A Educação Física é uma área multidisciplinar que vem
buscando, ao longo das últimas décadas, tratar seus objetos em uma perspectiva mais
integrada e interdisciplinar. Concebe-se a Educação Física como um campo de
intervenção profissional que, amparado em fundamentos e técnicas de diferentes
campos do conhecimento científico (ciências humanas, sociais e biomédicas), tem o
propósito de socializar as diferentes manifestações e expressões da cultura do
movimento humano com os propósitos específicos de educar indivíduos para a adoção
de um estilo de vida ativo e saudável, formar e, treinar indivíduos para otimizar e
maximizar o rendimento físico-esportivo, criar oportunidade para a prática de diferentes
atividades físico-esportivas na perspectiva do lazer, entre outras finalidades emergentes
a partir das necessidades e das demandas socioculturais de um mundo caracterizado por
constantes transformações. (CBCE, 2004).
O modo como as Diretrizes Curriculares Nacionais foram aprovadas
evidencia que, a partir do ano de 2002, a formação de professores deveria seguir um
caminho próprio e uma legislação específica para tratar dos currículos da licenciatura.
Por outro lado, as Diretrizes Específicas ou profissionais devem, tantas quanto forem os
cursos, constituir os conteúdos a serem transpostos para a escola.
113
As Diretrizes para a formação de professores de Educação Física podem ser
melhor entendidas segundo a concepção, desenvolvimento e abrangência:
A Resolução nº. 1/CNE/02 em seu art 1º, estabelece:
As diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, se constituem de um conjunto de princípios, fundamentos e
procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular
de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e
modalidades da educação básica (BRASIL, MEC/CNE, 2002, p. 1).
De acordo com o Parecer nº. 9/CNE/01, as diretrizes básicas para conceber e
organizar um curso de formação de professores implicam:
a) definir o conjunto de competências necessárias à atuação profissional;
b) tomá-las como norteadoras tanto da proposta pedagógica , em especial do
currículo e da avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da
escola de formação (BRASIL, MEC/CNE, 2001, p. 35-36).
Da forma como se apresentam as competências no currículo de formação de
professores, percebe-se que o papel, a função, os conteúdos perpassam nuclearmente
essa concepção de formação inicial de professores para a educação básica. Isto
pressupõe, por exemplo, que o aluno do curso de formação docente deve construir
competências ao longo da graduação para concluir o seu curso com capacidade
(eficiência e eficácia) para solucionar os problemas existentes na educação básica. Para
obter essas competências exige-se uma formação em diferentes âmbitos do
conhecimento profissional, ao mesmo tempo, capaz de promover diagnósticos da
realidade da Educação Básica.
Quanto à organização da matriz curricular pode se constatar que nas
Diretrizes Curriculares, a lógica da formação profissional caminha em sentido oposto
aos antigos projetos curriculares que construíam os seus modelos com base em uma lista
de disciplinas obrigatórias, optativas e suas respectivas cargas horárias.
114
O novo paradigma passa a exigir que se tome como referência inicial o
conjunto de competências que o professor deve desenvolver ou construir no transcorrer
do curso, e estabelece, desde então, a construção dos conteúdos, a didática específica e a
transposição dos saberes para transformar os conhecimentos selecionados em objetos de
ensino (BRASIL, MEC/CNE, 2001).
Quanto ao modelo de organização da matriz curricular prevista importa
ressaltar que os critérios, para esta organização, devem ser construídos tendo como base
eixos que articulem as dimensões da formação profissional, em que se inscrevem as
atividades de ensino, a aprendizagem, o planejamento e a ação educativa dos
formadores. Os eixos básicos são :
a) eixo articulador dos diferentes âmbitos do conhecimento profissional
b) eixo articulador da interação e comunicação e do desenvolvimento da
autonomia intelectual e profissional
c) eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;
d) eixo que articula a formação comum e a formação específica;
e) eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos
conhecimentos educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação
educativa;
f) eixo articulador das dimensões teóricas e práticas. (BRASIL, MEC/CNE,
2001, p. 51-55)
A Resolução nº. 1/CNE/02 e o Parecer nº. 9/CNE/01 evidenciam que a
composição de um currículo de formação de professores deve dar centralidade às
competências como o lugar nuclear que perpassa toda a base curricular e a capacitação
acadêmica e profissional do docente.
Quanto ao tempo determinado para concluir a formação, a Resolução nº.
2/CNE de 19 de fevereiro de 2002 determina que a graduação plena deve se efetivar no
mínimo em 2.800 horas, assim distribuídos: a) 400 horas para a prática de ensino; b)
400 horas para o estágio curricular a partir da segunda metade do curso; c) 1.800 horas
de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; d) 200 horas de outras
115
atividades acadêmico-científico-cutural e, o limite mínimo de três anos para a
integralização curricular.
Ao analisar as Diretrizes para a formação de graduados em Educação Física
quanto às concepções, desenvolvimento e abrangência pode se observar que, o Parecer
nº. 776/CNE/CES /97 e o Parecer nº. 583/CNE/CES /2001 orientam as diretrizes
curriculares dos cursos de graduação; a Câmara de Ensino Superior (CES) resolveu
adotar uma orientação comum para compor as Diretrizes Curriculares Nacionais para as
profissões específicas. Assim, cada projeto de diretriz deve contemplar o seguinte
enquadramento:
a) Perfil do formando/egresso/profissional – conforme o curso o projeto
pedagógico deverá orientar o currículo para um perfil profissional desejado.
b) Competências/Habilidades/Atitudes;
c) Habilitação e ênfases;
d) Conteúdos Curriculares;
f) Organização do Curso;
g) Estágios e Atividades Complementares;
h) Acompanhamento e Avaliação (BRASIL, MEC/CNE, 2002, p. 2-3).
Com esse modelo, o CNE/CES apresentou o Parecer nº. 138/CNE/02 de 3 de
abril de 2002, que trata da formação do profissional em Educação Física. É oportuno
apresentar alguns traços e características da proposta e alguns pontos que levantaram
polêmicas entre pesquisadores, estudiosos, movimento de diretores das IES, membros
da COESP e o próprio Confef
28
no que tange às proposições para a formação
profissional ali contidas. Inicialmente, apresentam-se as características e, após as
formulações críticas acerca da proposta.
As Diretrizes Curriculares (Parecer nº. 138/CNE/02) propõem, como área de
conhecimento e de atuação profissional, a área de saúde uma vez que o conceito de
28
Cabe lembrar que o Conselho Federal dos Profissionais de Educação Física (CONFEF) caminhou no
sentido contrário aos movimentos sociais organizados quanto aos conteúdos do Parecer 138/CNE/02.
116
saúde é o elemento fundamental a ser enfatizado nessa articulação (Brasil, MEC/CNE,
2001). Dessa forma, o CNE define o objeto e o objetivo das diretrizes curriculares:
Objetivo das Diretrizes Curriculares – permitir que os currículos propostos
possam construir perfil acadêmico e profissional com competências,
habilidades e conteúdos , dentro de perspectivas e abordagens
contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referências
nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e
resolutividade. Objetivos das Diretrizes: levar os alunos dos cursos de
graduação em saúde a aprender a aprender, que engloba, aprender a ser,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo
a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar
a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento
prestado aos indivíduos, família e comunidade. (BRASIL, MEC/CNE, 2002,
p.1)
Segundo o parecer, a área de Educação Física compreende
uma área de estudo, elemento educacional e campo profissional caracterizado
pela análise, ensino e aplicação do conjunto de conhecimentos sobre o
movimento humano intencional e consciente nas dimensões biológica,
comportamental, sociocultural e corporeidade caracteriza-se como um campo
de intervenção profissional que por meio de diferentes manifestações e
expressões da atividade física/movimento humano/motricidade humana (...)
presta serviços a sociedade caracterizando-se pela disseminação e aplicação
de conhecimentos sobre a atividade física, técnicas e habilidades buscando
viabilizar aos usuários ou beneficiários o desenvolvimento da consciência
corporal, possibilidades e potencialidades de movimento visando a realização
de objetivos educacionais, de saúde, de prática esportiva e expressão corporal
A Educação Física abrange todo o campo de ação da área, incluindo ai o
jogo, o esporte, a ginástica, a musculação, a dança, a ergonomia, as lutas, as
artes marciais, recreação, o lazer e a reabilitação. (BRASIL, MEC/CNE,
2002, p. 1-2)
Sem pretender investigar mais profundamente a polêmica, a caracterização
da área de Educação Física representa um grande equívoco, sobretudo considerando a
evolução da formação acadêmica e profissional da Educação Física brasileira. As
formulações político-pedagógicas da formação em Educação Física existentes
confirmam que o currículo sempre conteve uma quantidade razoável de disciplinas da
área de saúde e a prática profissional sempre estivera articulada e/ou atuando em
programas de saúde individual e coletiva e, além disto, ocorreram pesquisas sobre a
natureza biológica do ser humano, etc. Mesmo assim, em momento algum, essa área
117
acadêmico-profissional foi enquadrada ou definida como uma atividade determinada
organicamente pela área de saúde. Pelo contrário, ampliam-se cada vez mais os
horizontes de intervenção do profissional, suas ações nas diferentes práticas sociais e os
seus objetos de pesquisas pedagógicas e científicas em outras áreas de conhecimento
social.
Desde a sua implementação no Brasil, a Educação Física vem configurando-
se como uma área por excelência interdisciplinar, multiprofissinal, acadêmico-
científica, com uma prática social que estabelece interface com vários campos de
conhecimentos. Basta lembrar que a Educação Física lida com vários conhecimentos,
dentre os quais a atividade física para a saúde, a ginástica laboral e a estética, o esporte
em suas várias características e dimensões, as lutas, as danças e a linguagem expressiva,
o lazer, a educação, dentre outros. Cada aspecto dessas atividades fundamentam-se em
teorias, práticas e reflexões que derivam, reconstróem e geram novos campos de saberes
culturais, científicos, pedagógicos e sociais.
Ainda sobre essa questão, ressalte-se que já ocorreu um avanço no projeto de
formação de professores/profissionais por meio da Resolução nº. 3/CFE/87 a qual, além
de eliminar a obrigatoriedade de currículo mínimo nacional, estabeleceu que os
currículos fossem construídos por áreas de conhecimento biológico, científico, técnico,
pedagógico, e social do homem e da sociedade, portanto, em sintonia com a tradição da
área e atualizada com a dinâmica do desenvolvimento histórico relacionado à formação
acadêmica e profissional em Educação Física.
Sem atentar muito para o que vem a ser a área de saúde e os princípios que
devem sustentar a formação dos profissionais da saúde, o Parecer nº. 138/CNE/02,
define o perfil pedagógico e profissional:
118
O graduado em educação física, com formação generalista, humanista, crítica
e reflexiva qualificado para o exercício profissional com base no rigor
científico e intelectual e pautado no princípio ético. Deverá ser formado para
estudar, pesquisar, esclarecer e intervir profissional e academicamente no
contexto específico e histórico-cultural, a partir de conhecimentos de
natureza técnica científica e cultural de modo a atender as diferentes
manifestações e expressões da Atividade Física/Movimento Humano
(BRASIL, MEC/CNE, 2002, p.3).
A definição do perfil, além de um amontoado de palavras, evidencia a
grande confusão do que vem a ser esse profissional da saúde. Considerando o elenco de
atividades identificadoras da área, fica fácil constatar a não-existência de coerência
interna quanto ao que se quer construir e ao próprio locus (saúde) que determina a fonte
da ação acadêmica, profissional e social.
O parecer propõe, em relação ao campo de atuação profissional, que sua
atividade seja plena nas várias formas de manifestações no âmbito da cultura e do
movimento humano intencional, por meio
de atividades físicas, esportivas e similares, sejam elas formais e não formais
tais como (ginástica, esporte, jogos, danças, lutas, artes marciais, exercícios
físicos, musculação entre tantas outras). Este campo é delimitado pela
capacidade profissional de coordenar, planejar, programar, supervisionar,
dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos
e projetos, bem como, prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria,
realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares
e interdisciplinares e elaborar informes técnicos científicos e pedagógicos,
todos na área de atividades física, do desporto e similares. Deverão,
outrossim, ser consideradas as características regionais e os diferentes
interesses identificados com o campo de atuação profissional. (BRASIL,
MEC/CNE, 2002, p.3).
A definição do perfil do professor e do profissional de Educação Física e o
tipo de ocupação que pode exercer permitem inferir que o graduado em Educação Física
pode tudo. Estará apto exercer qualquer atividade, exceto desempenhar suas tarefas em
plena articulação com a saúde do ser humano, como se prevê no caput do parecer. Não
é por mero acaso que existe coincidência entre a classificação do campo ocupacional
119
ligado ao mercado, proposto pelo CONFEF
29
ao Ministério do Trabalho, definindo a
atividade profissional da Educação Física no plano de classificação das ocupações no
mercado de trabalho e o perfil delineado pelo Parecer nº. 138/CNE/02.
O documento propõe uma série de competências e habilidades a serem
construídas no processo de formação, dentre as quais: atenção à saúde; atenção à
educação; tomada de decisões; comunicação; liderança; planejamento, supervisão, e
gerenciamento; educação continuada, dentre outras (BRASIL, MEC/CNE, 2002).
O relator do CNE descuidou-se quanto ao significado de competências, tanto
no sentido gramatical quanto metodológico, confundindo atitude com comportamento,
conduta com habilidades, tema educacional com competência e valores.
Os conteúdos a serem utilizados no currículo de formação nos cursos de
Educação Física serão guiados pelo critério da orientação científica, da integração teoria
e prática e do conhecimento do homem e sua corporeidade, da cultura, da sociedade e
da natureza e as possibilidades de interação destes conceitos que permitam a
intervenção profissional. (BRASIL, MEC/CNE, 2002, p. 7).
Os conteúdos curriculares devem contemplar:
Conhecimentos Biodinâmicos da Atividade Física/Movimento Humano;
Conhecimentos Comportamentais da Atividade Física/Movimento Humano;
Conhecimentos Sócio-Antropológicos da Atividade Física/Movimento
Humano;
Conhecimentos Científico-Tecnológicos;
Conhecimentos Pedagógicos;
Conhecimentos Técnico-Funcionais Aplicados;
Conhecimentos sobre a Cultura das Atividades Físicas/Movimento Humano;
Conhecimentos sobre Equipamentos e Materiais (BRASIL, MEC/CNE,
2002).
29
O CONFEF - Conselho Federal de Educação Física foi criado pela Lei nº 9696/98, é uma instituição de
direito público, com sede e foro na cidade Rio de Janeiro, destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o
exercício das atividades próprias dos profissionais de Educação Física.
120
Por fim, o Parecer nº. 138/CNE/02 apresenta orientações quanto ao tipo de
organização que deve existir para a estruturação dos cursos de Educação Física:
o curso de Graduação de Educação Física deverá ter um projeto pedagógico,
construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e
apoiado no professor como facilitador do processo ensino-aprendizagem.
Este projeto pedagógico deverá buscar a indissociabilidade entre o ensino, a
pesquisa e a extensão (BRASIL, MEC/CNE, 2002, p. 8).
Entendemos que o texto sugerido acima representa algo que veio de fora do
contexto da saúde e/ou da atividade profissional. A sua formulação apresenta-se
desconexa do campo mercadológico e ocupacional, demonstrando ser extraído talvez de
outro projeto ou contexto.
Se fôssemos apontar as contradições sobraria muito pouco para referenciar
algum tipo de significação mais objetiva ou o que o CNE pretende com a formação em
Educação Física para o país. Por isto, voltamos às perguntas: o que poderá ter
acontecido para que o CNE desconsiderasse a Resolução nº. 3/CFE/87 como um dado
referencial de avanço no campo da formação e, com base nela, construir algo melhor?
Por que o CNE ignorou as contribuições da COESP? Por que o CNE não atentou para
as denúncias e críticas realizadas por vários fóruns de pesquisadores, diretores de
instituições formadoras e do movimento estudantil em todo o país?
30
O que será da
educação básica com esses conteúdos propostos? Em síntese, vejamos se podemos
chegar a algumas conclusões sobre as reformas educacionais e a formação de
professores em Educação Física.
A formação profissional em Educação Física evoluiu muito nas últimas
décadas. De uma posição vinculada ao higienismo, passando pelo eugenismo,
militarismo e a esportivização dos conteúdos no processo de escolaridade, existe
30
O relator Carlos SERPA deixa claro na exposição de motivos/justificativa do Parecer n.º 138/CNE/02
que o CONFEF foi o mentor do referido projeto de Diretrizes para a Formação dos Profissionais em
Educação Física
121
também o reconhecimento de uma importante prática social vislumbrada nos vários
espaços sociais e nos vários campos de investigação pedagógica, cultural e científica,
integrada aos diversos campos de conhecimento social.
A intervenção social do profissional da Educação Física, desde as suas
origens até o presente momento no Brasil, sempre esteve vinculada aos grandes
problemas educacionais e sociais, do indivíduo e do coletivo social e, de acordo ou em
sintonia com cada contexto, construiu, modificou, reformulou a sua ação sobre a
corporalidade do homem e da mulher brasileira. Nessa trajetória histórica, as ações
profissionais foram sempre demarcadas pela docência, pela função de professor, por
alguém que ensina algo a alguém (aluno) em busca de mudanças de comportamentos,
valores e atitudes.
Durante a história de construção acadêmica e profissional, os seus
significados educativos, pedagógicos, culturais, estéticos foram dinamizados em vários
campos de conhecimento científico e social e nunca vinculados a uma área científica ou
social específica. Basta observar os cursos de graduação e os novos temas em debate e o
avanço da pós-graduação com uma gama significativa de objetos de estudo e
investigação.
Sob diversos ângulos houve sempre uma qualidade pedagógica e social nos
currículos e nos programas de formação profissional, seja no sistema educacional, seja
em atividades sociais. Todavia, a idéia de competências ainda que tenha surgido na
década de 1970, para a formação de professores reconheceu esta idéia apenas a partir do
final da década de 1980, mais explicitamente por meio da Resolução nº. 3/CNE/87 e na
Proposta da COESP/SESu/MEC sempre como uma qualidade conquistada, uma
resposta a um possível sucesso, como resultado acabado, ou seja, como um
122
comportamento adquirido, um produto final. Entretanto, no atual modelo de Diretrizes
Curriculares (CNE), as competências assumem as características de serem ao mesmo
tempo, um processo, um método e o resultado da formação inicial de professores para a
educação básica. Nessa proposta, configuram-se dois tipos de formação superior em
Educação Física: o licenciado e o bacharel.
1.2 - As conseqüências da aplicação das competências preconizadas pelas Diretrizes
Curriculares na formação de professores de Educação Física
As Diretrizes Curriculares Nacionais constantes no Parecer nº. 9/CNE/01 e
na Resolução nº. 01/CNE-CP/02, como nas de outras categorias profissionais,
demonstram que a formulação curricular baseia-se nas noções de competências. A
Resolução nº. 1/CNE/02 que implementa a formação de professores para o país,
estabelece:
Art. 3º - A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e
modalidades da educação básica objetivará princípios norteadores desse
preparo para o exercício profissional específico, que considerem:
I – a competência
31
como concepção nuclear na orientação do
curso;
II – a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada
do futuro professor, tendo em vista:
a) a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer
em lugar similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que
faz na formação e o que dele se espera;
b) a aprendizagem como processo de construção de
conhecimentos, habilidades e valores em interação com a realidade e com os
demais indivíduos, no qual são colocadas em uso capacidades pessoais;
c) os conteúdos, como meio e suporte para a constituição das
competências
;
d) a avaliação como parte integrante do processo de formação,
que possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados
alcançados, consideradas as competências
a serem constituídas e a
identificação das mudanças de percurso eventualmente necessárias;
III – a pesquisa, com foco no processo de ensino e de
aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e
mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do
conhecimento. (BRASIL, MEC/CNE, 2001)
31
A partir desta citação todas as palavras (competências) serão sublinhadas para que fiquem bem
evidenciadas as reincidências, em todo o texto da Resolução n.º 1/CNE/02.
123
Logo de início, pode-se verificar que as Diretrizes Curriculares Nacionais
imprimem a noção de competência como estrutura nuclear e epistêmica e um novo
referencial de orientação geral de currículo para a formação de recursos humanos para o
Brasil . No inciso I do artigo 3º, está explícito que as competências devem ser
concebidas como centro nuclear de orientação curricular para a formação inicial. A
alínea c do inciso II do artigo 3º afirma que os conteúdos devem ser compreendidos
como meio e suporte para a constituição das competências. Na seqüência, observa-se
também na alínea d que a avaliação deve ser balizada pelas competências, como
referência de resultados e identificação das mudanças de percursos.
No caso específico do art 3º, está muito clara a idéia de que as competências,
além de representarem o eixo orientador, perpassam e interpenetram vários momentos
pedagógicos, sob a forma de distintos instrumentos funcionais. Nesse quadro, as
competências também passam a assumir a função de conteúdos, métodos e referências
para os processos avaliativos do percurso de formação dos alunos.
O artigo 4º, que trata da concepção, desenvolvimento e abrangência dos
cursos de formação reitera:
I - considerar o conjunto das competências necessárias a atuação profissional;
II – adotar essas competências
como norteadoras, tanto da proposta
pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da organização
institucional e da gestão da escola de formação. (BRASIL, MEC/CNE, 2001)
Constata-se que as competências passam a ser elemento matricial da prática
profissional, integram a proposta pedagógica da escola com destaque à organização
curricular e ao processo de avaliação do ensino e da aprendizagem, até apresentarem-se
como indicação de possibilidade de promoção de reais mudanças na organização e
funcionamento do sistema educacional superior e da própria gestão escolar.
124
O artigo 5º, que trata do projeto pedagógico de cada curso, reafirma a
necessidade de articular-se aos quesitos anteriores e destaca:
I – a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas na
educação básica;
II – o desenvolvimento das competências
exige que a formação contemple
diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor. (BRASIL.
MEC/CNE, 2001)
A coerência interna no modelo aprovado pelo CNE pode ser confirmada no
parágrafo único do art. 5º, da Resolução nº. 1/CNE/02, que indica:
A aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico geral, que
pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de
situações-problemas como uma das estratégias didáticas privilegiadas.
(BRASIL, MEC/CNE, 2002)
Torna-se evidente que as competências devem ser também construídas com
base em fontes externas ao locus conceitual, organizativo e avaliativo da formação, mas
condicionadas às situações-problemas existentes na educação básica. Na mesma
direção, as competências devem advir dos conhecimentos das práticas profissionais dos
docentes.
O artigo 6º da Resolução nº. 1/CNE/02 que trata do projeto pedagógico dos
cursos de formação dos docentes, elenca seis tipos de competências e alerta que a
formação não se esgota ou se restringe a elas:
I - as competências referentes ao comprometimento com os valores
inspiradores da sociedade democrática;
II - as competências
referentes à compreensão do papel social da escola;
III - as competências
referentes ao domínio dos conteúdos a serem
socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua articulação
interdisciplinar;
IV - as competências
referentes ao domínio do conhecimento pedagógico;
V - as competências referentes ao conhecimento de processos de investigação
que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica;VI - as
competências
referentes ao gerenciamento do próprio desenvolvimento
profissional.
§ 1º O conjunto das competências
enumeradas neste artigo não esgota tudo
que uma escola de formação possa oferecer aos seus alunos, mas pontua
demandas importantes oriundas da análise da atuação profissional e assenta-
125
se na legislação vigente e nas diretrizes curriculares nacionais para a
educação básica.
§ 2º As referidas competências
deverão ser contextualizadas e
complementadas pelas competências específicas próprias de cada etapa e
modalidade da educação básica e de cada área do conhecimento a ser
contemplada na formação.
§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de
competências
deverá, além da formação específica relacionada às diferentes
etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo
mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o
conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência
contemplada (BRASIL, MEC/CNE, 2002).
Evidencia-se que as noções de competências se transformaram em um eixo
direcional para a formação de professores. A esse respeito o art. 7º estabelece:
Art. 7º A organização institucional da formação dos professores, a serviço do
desenvolvimento de competências, levará em conta que:
I - a formação deverá ser realizada em processo autônomo, em curso de
licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria;
II - será mantida, quando couber, estreita articulação com institutos,
departamentos e cursos de áreas específicas;
III - as instituições constituirão direção e colegiados próprios, que formulem
seus próprios projetos pedagógicos, articulem as unidades acadêmicas
envolvidas e, a partir do projeto, tomem as decisões sobre organização
institucional e sobre as questões administrativas no âmbito de suas
competências
; (BRASIL, MEC/CNE, 2002)
O art.8º da Resolução nº. 1/CNE/02 reafirma:
As competências profissionais a serem constituídas pelos professores em
formação, de acordo com as presentes Diretrizes, devem ser a referência para
todas as formas de avaliação dos cursos, sendo estas:
I - periódicas e sistemáticas, com procedimentos e processos diversificados,
incluindo conteúdos trabalhados, modelo de organização, desempenho do
quadro de formadores e qualidade da vinculação com escolas de educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio, conforme o caso;
II - feitas por procedimentos internos e externos, que permitam a
identificação das diferentes dimensões daquilo que for avaliado;
III - incidentes sobre processos e resultados (BRASIL, MEC/CNE, 2002).
De forma sequencial, o artigo 9º apresenta novas afirmações sobre as
competências:
A autorização de funcionamento e o reconhecimento de cursos de formação e
o credenciamento da instituição decorrerão de avaliação externa realizada
no lócus institucional, por corpo de especialistas direta ou indiretamente
ligados à formação ou ao exercício profissional de professores para a
educação básica, tomando como referência as competências profissionais de
que trata esta Resolução e as normas aplicáveis à matéria (BRASIL,
MEC/CNE, 2002).
126
Como se observa, o termo competências assumiu a função de destaque
metodológico nas novas propostas do MEC/CNE para a educação brasileira. A
Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (Andes-
SN) assim, se posiciona no atual cenário:
O eixo central da proposta de Diretrizes propõe a formação de profissionais
“técnicos”, por meio de uma concepção utilitarista e pragmática sustentada
no retorno ao paradigma tecnicista da década de 70. Essa concepção se
apresenta, assim, com uma ”nova” roupagem cujo o foco está centrado nas
competências
. Para tanto, é enfatizado o fazer prático, ou seja os professores
devem ser formados para aprender somente aquilo que terá utilidade imediata
e tornarem-se capazes de “mobilizar conhecimentos para transformarem em
ação. (ANDES-SN, 2001, p. 5)
Como se observa, o sindicato nacional de docentes das universidades
brasileiras, mediante audiência pública no CNE, emite um parecer contestatório do
modelo de pedagogia inserido nas Diretrizes Curriculares.
Importa ressaltar que, em um contexto social como o brasileiro, determinado
pelo pensamento neoliberal, a idéia de competências, ainda que necessária e
pedagogicamente estruturada para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem
do aluno, referenciado pela prática, pelo sentido do saber fazer, não supera o sentido de
um conceito de mercado ou de resultados imediatos sobre uma determinada situação.
Para encerrar este capítulo, salientamos que o significado de competências
tanto na escola quanto no processo produtivo deixa de ser apenas uma expectativa de
resultados ou de uma aposta no resultado positivo no final de uma tarefa, para se
transformar em um processo que instrumentaliza o sujeito na ação, que capacita o aluno
para a prática e no saber sobre o fazer. Responde, também, processualmente a ação
educativa que constrói comportamentos concretos na ação pedagógica, por meio dos
procedimentos avaliativos constantes de ações sobre as novas ações. Parece-nos, até
aqui, que esse perfil de formação tem uma relação com a crítica enunciada por Adorno e
127
Horkheimer (1986), em que a razão se transformou em racionalidade instrumental, ou
seja, a razão que era um fim em si mesma, passa a ser um meio para a consolidação do
mundo administrado.
Em uma perspectiva lógica, as competências podem ser também um
importante instrumento de relação entre teoria e prática e reflexão sobre seus
desdobramentos, tanto na educação quanto na sociedade, se forem implementadas na
forma de práxis. O problema então não é a existência da contradição contida no
instrumento educacional e social, mas as determinações históricas e, ainda, de que
forma será utilizado tal instrumento.
2. O debate em torno da temática “Pedagogia das Competências” no cenário
educacional contemporâneo
Cabe, aqui, neste momento de nosso estudo, estabelecer uma relação entre as
influências das competências preconizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a formação de professores e o referencial das competências da pedagogia atual, que
muito se difere daquele discurso politizado dos anos 80, que colocava para o professor o
desafio da competência técnica e do compromisso político no enfrentamento dos
problemas educacionais, como o fracasso escolar, por exemplo. A idéia de competência
hoje, se refere aos contextos de renovação da educação tendo em vista importantes
mudanças ocorridas na sociedade relativas às novas exigências do mundo do trabalho e
aos desafios contemporâneos. Tal análise se divide entre alguns autores que defendem o
referencial das competências e outros que criticam este referencial.
Alarcão (2003) denomina a era em que vivemos como “sociedade da
informação” e “sociedade da aprendizagem”, a partir das quais os papéis da escola, do
128
professor e do aluno se modificam. Os professores são os animadores da aprendizagem,
o aluno é um ser aprendente (ao longo da vida) e a escola um sistema aberto e flexível.
Para a autora, muitas são as competências desejadas e focadas pela
pedagogia:
a curiosidade intelectual, ter pensamento próprio, desenvolver mecanismos
de auto-aprendizagem, capacidade de gerir a sua vida e de se adaptar,
habilidade para lidar com situações novas, ter horizontes geográficos
alargados, saber trabalhar em colaboração aceitando os outros e desenvolver
a capacidade de auto-conhecimento (ALARCÃO, 2003, p.24).
Na definição de Perrenoud (2000), competência significa mobilizar recursos
cognitivos para enfrentar situações pela inteligência e habilidade. Dada a natureza
educativa implícita (na noção), o professor tem de ter competências para ajudar a formá-
las nos alunos. Desse modo, as tendências de renovação na pedagogia buscam modificar
o modelo de transmissão do conhecimento para o de construção do conhecimento.
Podemos afirmar que essas idéias (ideologias e dicotomias) brotam do
mundo do trabalho, configurando a noção das competências como processos de
construção das aprendizagens em situações reais, necessárias à vivência na
contemporaneidade e, conforme Alarcão (2003), foram definidas por conceituados
industriais e acadêmicos europeus nos anos 90.
Dias e Lopes (2003), ao analisarem as recentes políticas de formação de
professores no Brasil, destacam como linhas de ação o currículo por competências, a
avaliação do desempenho, a promoção dos professores por mérito, mediadas pelos
conceitos de produtividade e eficiência.
Duarte (2003a) agrupa a pedagogia das competências, o construtivismo e a
escola nova, denominando as referidas tendências como pedagogias do “aprender a
aprender”. Transcorre dessa abordagem, a constatação de que aquilo que o indivíduo
129
aprende por si mesmo é superior àquilo que aprende por meio da transmissão por outras
pessoas; aprender sozinho contribuiria para o aumento da autonomia.
Para Duarte (2003b), os pressupostos da pedagogia das competências levam
a uma desvalorização do saber escolar, com base no argumento de que deve ocorrer um
deslocamento do papel do professor para o de formador. Assim, o professor busca nos
alunos o conhecimento, uma aprendizagem baseada na assimilação, ele é visto como
sábio e usa este conhecimento para alcançar seus objetivos. O formador busca nos
alunos as competências, uma aprendizagem baseada na ação, ele é visto como um
treinador e faz um levantamento das necessidades de seu aluno.
Segundo o autor, o lema “aprender fazendo” está sendo proposto como ideal
tanto em relação à educação de crianças quanto à formação dos professores, de modo
que os processos de mudança devam ocorrer considerando-se os seguintes aspectos:
1º- concepção de conhecimento - Valorização do Conhecimento
Escolar/Científico X Valorização do Conhecimento do Cotidiano.
2º - pedagogia - Transmissão do Saber X Construção do Conhecimento
3º - formação de professores - Saber Teórico/Acadêmico X Prática Reflexiva
na Ação
Poderíamos questionar: o ideário pedagógico dominante leva a uma
desvalorização do conhecimento teórico/científico? O autor responde que sim, pois
esses estudos negam duplamente o ato de ensinar, ou seja, a transmissão do
conhecimento escolar: negam que essa seja a tarefa do professor e negam que essa seja
a tarefa dos formadores de professores(DUARTE, 2003b, p. 620)
Outros estudos apontam que, sendo a profissionalização docente um dos
pilares das reformas educativas desde os anos 90, a educação deve formar para a
empregabilidade e o professor deve formar no aluno a capacidade de ser mutante e
tolerante nas fases de desemprego. Os problemas econômicos são atribuídos à falta de
130
preparo educacional. Professores e alunos são levados a acreditar que portar
competências assegura-os no mercado de trabalho, o que condiz à culpa individual do
fracasso pessoal. (SHIROMA e EVANGELISTA, 2003).
A tendência de desintelectualização instituída pela reforma leva a um
conhecimento útil, aplicável, obtido por treinamento rápido. O novo perfil de professor
é “competente tecnicamente e inofensivo politicamente”. Cada profissional é induzido a
financiar sua própria formação, devendo estar motivado e ser inovador de práticas, de
modo que não esteja disposto a desperdiçar tempo com teorias (SHIROMA, 2003).
A discussão sobre a pedagogia das competências reflete a ambivalência
vivida pelo professor: acatar na prática as idéias inovadoras em circulação mediadas por
um discurso de mudança ou concordar com as críticas sobre os modismos na pedagogia
e a imposição ideológica das políticas reformistas propagadoras do novo ideário. O
momento nos impele a analisar criticamente o processo de despolitização do
pensamento pedagógico, em tempos “pós-modernos” e, em conseqüência, olhar para a
realidade educacional brasileira e nela tentarmos enxergar alguma possibilidade de real
transformação.
Outro aspecto importante da Pedagogia das Competências é o
questionamento do ensino como inculcação de conteúdos de que apenas o adulto ou o
especialista conhece o valor: "No futuro você vai compreender". As novas pedagogias
acreditam que o aluno implicado, envolvido e interessado aprende com uma energia
incomparável. Por isso, é preciso tornar os saberes significativos interessantes. O aluno
precisa compreender já o real valor do que está sendo trabalhado e acreditar nisso.
Há vários caminhos para se construir a necessidade de aprendizagem no
aluno e é preciso que a cada objetivo a alcançar se dêem o tempo e as oportunidades
131
necessárias para que o aluno compreenda com total clareza a sua importância e como
aqueles conhecimentos se articulam com outros saberes e com processos da vida real.
Para que ele efetivamente aprenda, é fundamental que se crie a necessidade de
aprendizagem que será a força propulsora da mobilização das energias intelectuais e
emocionais do aluno no processo de construção do seu conhecimento.
O professor também deve estar atento para a necessidade de envolver o
aluno com as diferentes atividades educativas propostas para a sua formação, de
maneira que todos os alunos percebam com clareza o porquê de se estar realizando cada
tarefa/atividade. Com isso, buscamos romper com o que Enguita (1994) chama de
alienação do aluno com relação aos objetivos e aos processos educativos. Nas empresas,
nem sempre os trabalhadores têm a oportunidade de conhecer as razões e os
fundamentos dos procedimentos que eles devem realizar. Apesar de todo o discurso de
linha toyotista ou pós-fordista, sabemos que o mercado é muito heterogêneo e que as
empresas têm muitas formas diferentes de trabalhar. Muitas delas ainda mantêm o
trabalhador alienado dos objetivos e dos processos de produção, cumprindo ordens e
desempenhando tarefas sem uma maior compreensão de seu significado. Mesmo nas
empresas toyotistas, o trabalhador participa das decisões menores, mas as finalidades da
produção dizem respeito aos interesses imediatos do empresário, nem sempre dos
trabalhadores.
Os processos formativos devem ser o lugar da participação consciente e
crítica, da colaboração ativa, da avaliação coletiva e permanente, se realmente queremos
formar cidadãos-trabalhadores críticos, criativos e autônomos. Portanto, os educadores
devem estar atentos em suas salas de aula para o esclarecimento, de cada etapa do
132
processo educativo de forma que todos os alunos compreendam amplamente o seu
valor.
Para garantir que os conhecimentos ou conteúdos trabalhados tenham um
significado real para o aluno, um outro cuidado é necessário: lembrarmo-nos de que os
conhecimentos não existem, no mundo real, divididos em disciplinas. Ao desempenhar
qualquer atividade social ou profissional na vida, utilizamos concomitantemente saberes
diversos: a enfermeira usa a linguagem matemática para calcular a porcentagem de um
desinfetante químico que será aplicado na desinfecção de um abcesso originado por
uma mosca com determinado ciclo de vida e que se prolifera em determinadas regiões
geográficas. A história dessa patologia orienta as políticas públicas de combate à
doença, articuladas com as condições socioeconômicas da população.
Na vida, os conteúdos são todos integrados. Separá-los em disciplinas é uma
operação humana que tem facilitado a aquisição desses conhecimentos mas que tem, por
outro lado, destituído-os muitas vezes de seu significado, só apreensível no interior da
totalidade social onde eles ocorrem. Daí a noção de globalização que tem sido muito
valorizada no campo da educação e que a Pedagogia das Competências também tem
levantado.
32
A idéia de globalização remete a essa visão de que o conhecimento é
global, não segmentado e que sua fragmentação em disciplinas faz parte de um
momento de sua produção. Entretanto, é necessário alcançar uma nova etapa:
aprofundar-se nos conhecimentos, trabalhando com eles em sua especialização, mas não
parar aí: reconstruir seu caráter global a cada passo, garantindo assim seu significado
real na vida e no mundo.
32
Para uma discussão crítica acerca da noção de globalização, ver HERNÁNDEZ, F. Transgressão e
mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: ARTMED, 1998.
133
Isso impõe novos desafios ao professor: romper os limites de nossa formação
fragmentada e reconstruir as relações de nossa área específica de conhecimento com
outras áreas de saber correlatas. Mais uma vez os educadores da formação profissional
têm vantagens: no mundo do trabalho, os saberes são necessariamente integrados e a
solução dos problemas está cada vez mais evidentemente vinculada a uma visão mais
global dos processos. Por isso, a exigência dos educadores da Educação Profissional
trabalharem nesse sentido.
3. A Pedagogia das Competências e seus impactos na formação do professor de
Educação Física
Muito se tem falado sobre competências, na escola, nos ambientes de
trabalho, na mídia. O conceito de competência também tem sido questionado por alguns
autores que o relacionam com o modelo de qualificação que privilegia a especialização.
Aspectos antes desconsiderados, tais como os componentes cognitivos e os
componentes sócio-afetivos passam a ser valorizados na formação e no exercício do
trabalhador. Novos conhecimentos e habilidades são exigidos, visto que a otimização
das atividades utiliza novas formas de organização do processo produtivo e novas
tecnologias.
No entanto, a mudança do paradigma educacional baseado em um modelo
pedagógico de dependência
33
onde o currículo é visto como um fim, que tem por meta o
acúmulo de saberes, que utiliza metodologias transmissivas e tem foco centrado no
33
Este modelo pedagógico depende daquele professor que julga, avalia e pondera; acha a solução e
decide, depois de examinar e discutir determinada situação de forma conveniente e adequada. A sua
competência depende da sua exigência do saber, do saber fazer e do ser/conviver. (conhecimentos,
habilidades e atitudes). Este modelo depende de como o professor ao trabalhar enfocando as
competências vai provocar uma mudança no ensino, baseado no princípio de que, ao invés da
memorização de conteúdos, o aluno irá exercitar suas habilidades, que o levarão à aquisição de novas
competências, pois enquanto aprendentes, interiorizamos aquilo que de alguma forma está ligado ao
conteúdo por um desafio, necessidade ou motivação.
134
ensino, tem sido preocupação da escola. Assim, o desenvolvimento de competências
(conhecimentos, habilidades e atitudes) tem sido o caminho apontado por muitos, para a
mudança deste paradigma.
Convém aqui apontar alguns conceitos de competência:
“Capacidade objetiva de um indivíduo para resolver problemas, realizar
atos definidos e circunscritos.” (Dicionário Houaiss)
Na escola, “faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
(saberes, capacidades, informações, etc) para solucionar com pertinência e eficácia uma
série de situações. Estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições
sociais.” (Philippe Perrenoud, 2000)
Modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações
que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e
pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas
e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Através das ações e operações as
habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova organização das
competências. (Documento do ENEM – Competências e Habilidades)
Conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que
habilitam para a discussão, a consulta, a decisão de tudo o que concerne a um ofício,
supondo conhecimentos teóricos fundamentados, acompanhados das qualidades e da
capacidade que permitem executar as decisões sugeridas. (TANGUY, 1997)
“A pedagogia da competência assume duas dimensões: uma psicológica,
em que a noção de competência é apropriada sob a ótica das teorias psicológicas da
aprendizagem; outra sócioeconômica, pela qual essa noção adquire um significado no
âmbito das relações sociais de produção.” (RAMOS, 2001)
135
COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS, “capacidade de mobilizar,
articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o
desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. (DCN
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO)- (Parecer CNE-CEB 16/99 e
Resolução CNE-CEB nº. 04/99).
Cabe aqui, a diferenciação entre eficiência e eficácia. A eficiência está
relacionada ao processo, enquanto a eficácia está relacionada ao resultado. Exemplo:
Aulas consideradas boas são eficientes, mas só serão eficazes se produzirem
aprendizagem. Então, o que significa ser competente? Aquele que julga, avalia e
pondera; acha a solução e decide, depois de examinar e discutir determinada situação,
de forma conveniente e adequada. A competência exige o saber, o saber fazer e o
ser/conviver. (conhecimentos, habilidades e atitudes).
Enquanto aprendentes, interiorizamos aquilo que de alguma forma está
ligado ao conteúdo por um desafio, necessidade ou motivação. Exemplificando: Quando
aprendemos a andar de bicicleta, consideramos o “andar”, um desafio. Esta
aprendizagem acontece a partir da mobilização de recursos cognitivos para a resolução
do problema ou objetivo da aprendizagem.
Buscando um novo paradigma educacional, centrado na aprendizagem e não
no ensino, teremos o professor como mediador entre o conhecimento acumulado e o
interesse e a necessidade do aluno e o currículo, entendido como o conjunto integrado e
articulado de situações organizadas de modo a promover aprendizagens significativas.
Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por resolução de
problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a
136
mobilizar seus conhecimentos, habilidades e valores. Novas metodologias serão
necessárias para o desenvolvimento de competências na escola. Para Fernando
Hernandez, (1998) os projetos de trabalho aparecem como um veículo para melhorar o
ensino e como distintivo de uma escola que opta pela atualização de seus conteúdos e
pela adequação às necessidades dos alunos e dos setores da sociedade aos quais, cada
instituição se vincula.
Atualmente, as escolas têm definido como objetivo de seu projeto
pedagógico a formação do cidadão crítico, criativo, capaz de estabelecer relações e fazer
julgamentos; há de ser atuante, responsável e comprometido com o que faz; deve ser
bem informado, capaz de se perceber no grupo e atuar para o seu fortalecimento e sua
coesão.
Diante destes conceitos e definições, entendemos que as Diretrizes
Curriculares Nacionais estabelecidas pelas resoluções números 1 e 2/CNE/2002
demonstram explicitamente as intenções do governo federal na gestão de Fernando
Henrique Cardoso (período em que elas foram homologadas) em promover o
desenvolvimento de políticas educacionais objetivando garantir/assegurar a qualidade
do sistema educacional e do processo produtivo como um todo (Brasil,
MEC/CNE,2002).
Como metodologia de ação, as Diretrizes Curriculares introduzem a noção
de competências a serem adquiridas/desenvolvidas pelos trabalhadores-alunos e aos
alunos (futuros) trabalhadores
34
, na crença de que tais instrumentos poderão oferecer as
respostas necessárias aos problemas decorrentes do sistema capitalista mundializado.
Para Mclaren; Farahmandpur (2002), nem mesmo as universidades, faculdades e
34
A titulação de nível superior torna-se cada vez mais uma condição para o ingresso em uma ocupação no
processo produtivo/trabalho, todavia, não garante o emprego, conforme dados sobre o desemprego
estrutural no atual modelo capitalista.
137
escolas profissionalizantes (vocacionais) estão imunes às leis de mercado e normas
econômicas que favorecem a acumulação capitalista.
O exemplo concreto dessas normatizações pode ser verificado nas Diretrizes
Curriculares, ao introduzirem vários princípios e fundamentos que deverão fornecer os
contornos conceituais, a estrutura e os prováveis desdobramentos por ocasião de sua
aplicação prática. Destacam-se alguns princípios básicos que são apresentados a seguir.
A formação de professores precisa constituir uma identidade própria e que
esteja voltada para a educação básica - as justificativas contidas no Parecer nº.
9/CNE/01 e Resolução nº. 1/CNE/02 fundamentam-se na premissa de que a formação
de professores não consegue definir com clareza o objeto e o tipo de perfil profissional a
ser formado e as competências para lidar com os problemas da escola e da educação de
forma geral. Esta constitui uma das razões pelas quais os currículos devem ser
construídos, tomando como base os problemas da educação básica, os conteúdos devem
estar voltados para responder aos problemas decorrentes do cotidiano e estabelecer a
mediação entre a teoria e a prática por meio da construção das competências.
Se essa concepção tivesse como respaldo teórico e metodológico a questão
da práxis, provavelmente haveria concordâncias entre os vários setores da teoria
educacional progressista, mas percebe-se que não é o caso. A nosso ver, a falta de
identidade social do professor e a sua descaracterização na educação básica devem-se a
vários fatores, dentre os quais dois devem ser citados: a) a falta de prestígio social da
atividade docente e do papel que o profissional desempenha no campo educacional
deve-se às más condições de trabalho na escola, aos baixos salários e à falta de um
plano de carreira que confira dignidade e aspirações sociais aos trabalhadores da
educação; b) a existência de currículos totalmente descaracterizados quanto aos
138
conteúdos de formação de professores e à intervenção social, os quais coexistem ao
mesmo tempo, com projetos curriculares das profissões liberais que, além de
direcionados para uma determinada ocupação produtiva, recebem incentivos para a
realização de pesquisas, bolsas, dentre outros.
A formação deve estar articulada com a prática – as argumentações dos
Conselheiros baseiam-se na constatação de que os currículos estão mais preocupados
em desenvolver uma formação teórica, do que direcionada para a intervenção na
realidade concreta da educação, razão pela qual, segundo eles, os professores
desconhecem a realidade da escola e poucos atuam no sentido da transformação e,
mesmo aqueles que tentam solucionar os problemas circunscritos a sua prática
pedagógica, na escola e no sistema de ensino, não o fazem de forma adequada.
Neste ponto, concordamos plenamente com essas afirmações, porém,
acrescentamos que a teoria e a prática se integram em um processo único e
indissociável: um aspecto está sempre agregado e gerando um e outro,
consecutivamente. Uma formação articulada com a prática pressupõe-se crítica e
reflexiva (o que é sugerido no Parecer nº. 9/CNE/01) e deve ser concebida como práxis.
Portanto, não se trata de uma ação decorrente mecanicamente da outra, mas mediada
pelo professor que, conscientemente, deve intervir na transformação de uma e outra
junto ao aluno. O mundo empírico deve ser o ponto básico (ponto de partida) da
reflexão, mas não deve ser a única sobre o qual se deve basear para discutir e refletir o
conhecimento da realidade.
Para Ghedin (2001), a grande crítica que se estabelece sobre o perfil do
professor-reflexivo se baseia justamente nessa perspectiva reducionista que compreende
o conhecimento do aluno apenas restrito aos espaços da sala de aula. Uma prática
139
profissional que se quer reflexiva, jamais poderá ser uma prática abstraída do contexto
social no qual ela se insere, caso contrário, o profissional não pode revelar nenhum tipo
de conteúdo de caráter reflexivo, pois a reflexão exige que se compreendam os
condicionantes de sua própria prática na escola e na sociedade.
Deste modo, a perspectiva de uma formação articulada com a prática
estimulada pela ação-reflexão-ação, como propõem as diretrizes, se não for concebida
como práxis, fica limitada ao mero diagnóstico, ao fazer e a um novo diagnóstico
centrado em problemas situacionais. Essa parece ser as perspectivas do CNE no que se
refere ao professor pesquisador e a importância da pesquisa pedagógica na formação
profissional.
Percebe-se que a idéia de competências como instrumento metodológico
mediador da teoria e da prática – portanto, decisiva para a construção das habilidades,
domínios, conteúdos, e competências do aluno - está distante do sentido de práxis
pedagógica e educativa como a concebemos, pois se trata de uma ação operacional de
uma pedagogia que almeja resultados imediatos sobre a prática.
A formação deve estar centrada na construção de competências – no Parecer
nº. 9/CNE/01 fica explícito que as competências devem constituir o eixo nuclear do
curso de formação. Adotar esta concepção significa determinar que tais atributos devam
perpassar a proposta pedagógica, o currículo, a avaliação, a organização institucional e a
gestão da própria escola de formação. As Diretrizes Curriculares, ao estabelecerem que
as noções de competências se transformem em instrumento de mediação e em
construção de conteúdos objetivados da e na educação básica, definindo as
competências profissionais como elementos prioritários para o processo de avaliação do
140
curso de formação, ferem a Constituição do Brasil em seu art. 205, que trata da
autonomia universitária (Brasil,1988).
O referido artigo determina que cabe às instituições de ensino superior o
papel de assumir o delineamento do projeto de formação e o perfil profissional que se
deseja ter. Mesmo que não indique os conteúdos mínimos nacionais para todos os
cursos e não exija a obrigatoriedade de áreas ou campos de conhecimentos culturais e
científicos, as orientações oficiais do governo federal introjetam um modelo epistêmico
que confere forma, condições metodológicas e se torna ponto de partida para a
construção do currículo.
Ao nomear várias competências a serem construídas pelo aluno, as diretrizes
estão, na verdade, ditando o tipo de perfil de professores que se pretende para o sistema
educacional brasileiro e estabelece a tarefa imediata a ser efetivada para solucionar os
problemas da educação capitalista e prolongar o seu ciclo exploratório mundializado.
A formação deve ser direcionada para conteúdos significativos em contextos
sócioculturais - segundo o Parecer nº. 9/CNE/01, os conteúdos de formação assumem
papel central no curso de formação, em especial porque, por meio da aprendizagem dos
conteúdos, se efetuam a construção e o desenvolvimento das competências. Conclui-se
dessa afirmação que o currículo precisa oferecer conteúdos necessários para o
desenvolvimento das competências exigidas para o exercício profissional, e deve ser
tratado nas diferentes dimensões: conceitual - teorias, informações e conceitos;
procedimental - na forma do saber fazer; e atitudinal - na forma dos valores e atitudes
que estarão em jogo na atuação profissional (Brasil, 2001).
Ao defender que os conteúdos provenientes de situações-problemas
decorrentes da escola e da educação básica passem a ter sentido concreto para os alunos
141
no processo de formação de professores, como foi já dito, tal seleção provém
diretamente dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a Educação Básica.
Desta forma, fecha-se o circuito do qual se extraem os conhecimentos para a
intervenção prática na formação de professores para modificar uma determinada
situação (Brasil,2001). A prática passa a ser o ponto de partida (mundo empírico) as
competências (o método) e o referencial conceitual (os PCNs).
Ao analisar o conceito e a idéia do que seriam os tais conteúdos
significativos, verifica-se que o significado atribuído pelo CNE denota uma atitude
restrita aos problemas do cotidiano e aos problemas decorrentes da aplicação dos PCNs
fugindo, portanto, do conceito de conteúdos significativos segundo uma ótica reflexiva,
crítica e historicamente articulado com as questões sociais da vida do aluno e das
possibilidades de mudanças. Esses conteúdos, ao se restringirem ao modelo de respostas
e operações no interior da relação pedagógica constituída para atender aos resultados
imediatos da pedagogia das competências, nada mais são do que elementos
componentes de uma pedagogia do fazer pelo fazer, a ser instituída no cotidiano escolar.
Ao vincularem-se aos referenciais dos PCNs, os conteúdos resultam em orientações
extremamente frágeis e inconsistentes, que não representam o desenvolvimento
histórico da educação e menos ainda da Educação Física brasileira.
35
A formação deve basear-se em pesquisas pedagógicas – de acordo com
Parecer nº. 9/CNE/01, ensinar requer disposição e mobilização dos conhecimentos para
improvisar, intuir, atribuir valores e fazer julgamentos que fundamentam a ação mais
pertinente e eficaz possível (Brasil, 2001).
35
Existem hoje importantes obras, teses, dissertações, artigos e textos reflexivos publicados criticando a
fragilidade teórica e o viés ideológico dos PCNs, Como fonte: Revista Especial do CBCE. LDB e PCNS.
1997.141p.
142
Segundo o CNE, o professor é um profissional que lida com situações que
não se repetem e para as quais urgem soluções permanentes. O professor deve ser capaz
de fazer ajustes, estabelecer relações entre o que ocorre nas interações do professor com
os alunos, e fazer ajustes em tempo real ou intervalos relativamente curtos, no cotidiano
dos alunos, sob pena de não providenciar as devidas correções no processo de
aprendizagem (Brasil, 2001).
Fica então explicitado que o foco central da pesquisa nos cursos de formação
deve envolver apenas o próprio trabalho do professor, localizado no processo de ensino
e de aprendizagem dos conteúdos escolares da educação básica. O resultado certamente
é o caráter restritivo e reducionista do que vem a ser a pesquisa no contexto da
formação de professores e o significado dado atualmente à pesquisa no processo de
formação superior.
Para as IES e para os educadores progressistas, ao contrário da visão do
CNE, a função do professor não é apenas a de transmitir conhecimentos, mas a de
produzir conhecimentos, auxiliar no processo de organização e sistematização do saber
e, sobretudo, levar os seus alunos ao permanente questionamento crítico sobre a sua
prática, sobre as relações estabelecidas no contexto histórico-cultural e na realidade
social que o circunda.
Nesta ótica, defendemos que o par dialético que gera o movimento entre o
conhecimento e sua produção é exatamente aquele que se efetiva no ensino e na
pesquisa e, com base nessa relação crítica e reflexiva se podem construir novos
conhecimentos, novas intervenções pedagógicas, novos saberes. A pesquisa, nessa
perspectiva, nada mais é do que uma ação que estabelece a mediação e o diálogo de
143
aprendizagem entre os sujeitos (professores e alunos) dentro da escola e no contexto no
qual se insere socialmente.
Após analisar a história da Educação Superior do Brasil, as reformas
educacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais apresentadas atualmente para a
formação pedagógica de professores/profissionais, em uma conjuntura demarcada pela
nova organização do capital, o que se pode adiantar é que a tarefa a ser levada a cabo
exige de todos uma profunda revisão dos paradigmas científicos e das formulações
político-pedagógicas.
Está em jogo no campo educacional a idéia de resultado, competição,
desempenho, competências e menores custos para as operações educacionais, de acordo
com o modelo produtivo em processo de mundialização. É o que vamos discorrer nas
considerações finais de nosso estudo.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na tentativa de alinhavar e apreender os principais conteúdos que constituem
o presente estudo, destacamos, inicialmente, a existência de uma série de questões
apontadas ao longo do trabalho que não se traduzem em novidade para a área e outras
que precisam ser melhor investigadas.
Todavia, deparamos com algumas questões que se mostram genuínas, novas
e atuais no contexto da formação pedagógica do profissional de Educação Física e que
precisam, portanto, serem tratadas de forma adequadas para que se transformem em
conhecimentos necessários à reflexão, ao entendimento da realidade que se apresenta e
os instrumentos capazes de gerar novas ações no campo das práticas sociais
transformadoras.
Dentre os diferentes problemas-situações observados, destacam-se dois de
maior importância para o aprofundamento de novas pesquisas que podem servir de
referência (contribuições) aos debates dos futuros projetos pedagógicos e curriculares
para a formação de professores.
A primeira questão trata do cenário que constitui, atualmente, o
desenvolvimento das políticas sociais plenamente atreladas ao sistema produtivo de
reestruturação capitalista. Por se tratar de um contexto muito complexo, o início da
reflexão se faz por demais difícil, o que certamente ocasionará também enormes
dúvidas de como e por onde começar a intervir e impor resistências ao processo de
globalização.
A segunda questão que se refere diretamente ao enunciado acima, trata do
projeto de formação profissional em avanço, por parte do Estado, buscando instituir, de
145
forma generalizada, um novo modelo de formação superior, com sérias conseqüências
para o processo educacional, para a escola e especialmente para o processo de ensino e
aprendizagem do aluno, qual seja, o de preparar o indivíduo como se fora mero
instrumento técnico e de adaptação social para intervir na realidade da educação e dos
processo produtivos. Ao defender uma orientação pedagógica pautada nas
competências, as expectativas são de que, no final de um curso de formação, o
profissional seja considerado um ator social competente, como se esperava dele e de
suas operações procedimentais em décadas passadas por meio dos objetivos
comportamentais. O que estabelece diferenciação com aquela época é que as noções de
competências se transformaram em instrumentos, metodologias e foco de capacitação
de alunos no transcorrer de processo de formação acadêmica e profissional e não apenas
uma expectativa psicológica a ser alcançada com a mudança de comportamentos dos
alunos ao final do curso de graduação.
Avaliar a formação de professores de Educação Física em tal circunstâncias,
além da difícil compreensão, deve sustentar-se em referenciais teóricos, reflexivos e
críticos no sentido de totalidade histórica e de particularidade na ação prática. Um
currículo de formação, para adequar-se ao projeto de formação humana com o objetivo
de formar para a autonomia, para a liberdade e com criatividade dos sujeitos-históricos
precisa apoiar-se na prática educativa e social, entendendo-a como formação histórica e
concreta, que se articula, reproduz e transforma suas relações com o todo complexo e
vice-versa. Nesse sentido, um aspecto está diretamente ligado a outro. Assim, não se
pode analisar o aspecto da formação de professores sem observar também a totalidade
de relações que se estabelecem na constituição do real no seu todo.
146
Nesses termos, torna-se impossível falar de Educação Física sem mencionar
a formação de professores, a política de Estado, o pensamento neoliberal e a conjuntura
capitalista internacional no processo de globalização e do modo de pensar do homem no
atual momento histórico-social.
Ao analisar o momento, os dados presentes nas propostas oficiais do Estado
e as possibilidades disponíveis que se tem para uma ação de resistência ou de
conformismo face ao que está aí, existem pelo menos três grandes possibilidades de
ação: a) a de conformação com a atual política de formação de recursos humanos, e
nela, a formação de professores/profissionais em Educação Física em uma perspectiva
de resultados aderindo assim ao modelo do capitalismo globalizado; b) a de construção
de um movimento de ruptura e insubordinação ao modelo de Diretrizes Curriculares
aprovadas pelo CNE e de negação do poder instituído e determinado pelo processo de
produção capitalista; c) a de compreensão da contradição entre o mundo real e o mundo
oficial, explicitada no projeto do governo e nas políticas sociais por ele apresentadas,
visando adequar a formação humana no momento atual da crise capitalista mundial e,
nesse contexto, buscar construir ações (dialéticas) em seu interior, enraizando projetos e
práticas de mudanças e de superação ao modelo vigente.
Diante dessas opções e optando pela última, apostamos na crença de que é
possível construir ações concretas sobre a realidade, mas tendo como premissa que isto
exigirá de todos uma ação sedimentada em uma postura dialética sobre as contradições
inerentes ao contexto social e a referência de que a noção de complexidade e de
singularidade faz parte e decorre do mundo em que se vive hoje.
Construir projetos de formação da docência profissional, tão necessários à
educação, pressupõe a adoção de novos parâmetros - mediados pela reflexão crítica -
147
para a educação, que busque transformar a estrutura, a organização e o funcionamento
do ensino no contexto da sociedade, tendo em vista a alteração do perfil humano e
social dos professores.
Diante desse contexto, importa traçar alguns pontos importantes no processo
de formação dos professores de Educação Física, que obteve expressão ao longo da
história e que poderá subsidiar as discussões futuras.
Quanto ao perfil pedagógico e profissional da Educação Física dinamizado
no processo histórico, o que se pode observar é que esta configuração sofreu várias
nuances durante o seu desenvolvimento até os dias atuais. Embora mantendo-se
determinantemente o caráter interdisciplinar na constituição do currículo e uma
articulação de desempenho prático nas várias funções sociais que vem assumindo
consecutivamente ao longo de sua história, ora como uma prática protetora da saúde dos
alunos e da sociedade, ora como disciplinadora dos corpos para a manutenção da ordem
e da doutrina cívica de segurança nacional e, ora, como agente da eugenia social com
vistas ao estabelecimento de uma anatomia biopolítica do corpo social - está por demais
configurado em todos estes anos o perfil da docência.
Em todos os momentos curriculares anteriores ao final da década de 1980, o
perfil da Educação Física demarcava uma clara vinculação com a melhoria da saúde
(compensatória) da população, com o rendimento (competitividade) esportivo e a
melhoria da (qualidade) das práticas pedagógicas com conteúdos voltados para a
ordem/disciplina/moral social de interesses diretos do Estado. Agora, no momento atual,
a formação de professores visa atender o sistema educacional e a escola, mas subdivide
a licenciatura com a formação dos bacharéis (Resolução nº. 03/CFE/87 e Resolução nº.
1/CNE/02, Resolução nº. 138/CNE/2002 e Resolução CNE/CSE nº. 07/2004) passando
148
a atender explicitamente ao mercado produtivo e aos interesses privados. Pode-se
deduzir dessa constatação que essa área profissional saiu de um perfil eminentemente
pedagógico e público para um enquadramento fortemente determinado pelos interesses
privados e econômicos a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990.
Atualmente, existe um tipo de projeto curricular que aponta uma concepção
epistêmica, na qual a noção de competência se torna nuclear em todo o processo de
formação, na estrutura e na avaliação do currículo. Isto tanto vale para o projeto de
formação de professores licenciados, ou mesmo para formar graduados bacharéis. Neste
último modelo, fica mais explícita a divisão em dois tipos de formação superior e os
tipos de atuação que o profissional deve implementar nas políticas sociais do Estado. De
um lado, concebe-se a licenciatura como a formação do profissional para atuar em todo
sistema educacional no país, preferencialmente no ensino básico. De outro, os bacharéis
que devem construir também as suas identidades particulares na perspectiva de
interação imediata com o mercado, com o processo produtivo e de serviços.
Nesse último modelo de proposta de formação profissional para a educação
(Resolução nº. 1/CNE/02) não se discutem conteúdos, disciplinas ou áreas de
conhecimentos, o enfoque curricular está concentrado nos procedimentos, nas didáticas,
na transposição dos conteúdos, nos instrumentos e nas construções das competências
para responder aos problemas determinantes da realidade concreta, por meio dos
elementos científicos e da intervenção profissional.
Como a nossa opção política não se identifica com os reprodutivistas e nem
com os mecanicistas, reconhecemos alguns aspectos positivos instituídos pelo Parecer
n.º 9/CNE/01, dentre os quais citamos o reforço do princípio de uma formação inicial de
professores da educação básica, de nível superior, em cursos de licenciatura plena com
149
terminalidade e identidade próprias. Mesmo concordando com o princípio, apontamos
um outro sentido, entendendo, também, que a proposta de uma base comum nacional
para a formação de educadores de todas as áreas podem responder adequadamente ao
princípio da identidade própria e, certamente, receberá o respaldo dos educadores,
porque já representa os anseios do movimento (Anfope, 1998,2000) de educadores do
Brasil. Nesta base estão previstos:
a) uma sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno e seus
desdobramentos sócio-históricos;
b) a unidade teoria/prática, tanto na produção do conhecimento quanto na
organização do saber e a intervenção na prática social, ou seja, tomar o trabalho como
princípio educativo na escola;
c) uma gestão democrática da escola, tratando dos conhecimentos
provenientes das experiências democráticas e relacionais inerentes à gestão, aos
conflitos e como espaço vivencial no processo de formação curricular dos alunos ;
d) o compromisso social e político do profissional da educação, com ênfase
à-histórica e às lutas políticas dos educadores e movimentos sociais,
e) o trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e professores, como
eixo da formação docente;
f) a formação inicial articulada com a formação continuada como diálogo
permanente entre a formação inicial, o mundo do trabalho e a educação continuada.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do CNE, o projeto pedagógico de
formação deve levar em conta as diferentes perspectivas do conhecimento profissional
do professor e uma apurada seleção dos conteúdos tendo como referências os problemas
imediatos da realidade, para que o educador possa ir além daquilo que deverá ensinar
150
nas diferentes etapas da escolaridade. Embora isto seja relevante, ao fixarem os
conteúdos nos problemas do cotidiano escolar, tanto os educadores como a própria
escola podem perder de vista os problemas de fundo social e, conseqüentemente, o
próprio sentido dado ao projeto em relação a seus objetivos, finalidades e metodologias
voltadas para a formação humana. Uma formação de professores ou profissionais que se
preze pela qualidade deve ter como eixo central a produção de conhecimentos e o
desenvolvimento do aparato científico da área de conhecimento acadêmico e
profissional, caso contrário, ocorrerão apenas pequenos diagnósticos situacionais e
tabulação dos dados da realidade.
No campo específico da formação em Educação Física, ainda que as
Diretrizes Curriculares Nacionais defendam a necessidade de construir um perfil bem
delineado para a intervenção educativa e pedagógica na escola, com extensão às demais
intervenções da docência na sociedade, entendemos que a história científica, cultural e
social da área de conhecimentos exige um outro tipo de tratamento na formação
acadêmica e profissional, em particular, por tratar-se de uma área visivelmente
demarcada por uma prática pedagógica, científica e social de natureza interdisciplinar,
com intervenções profissionais ocorrendo em diversos lugares e tempos sociais
específicos.
Como área de conhecimento acadêmico, a Educação Física configura-se
como um lugar no qual se sistematizam, acumulam, refletem, reorganizam,
transformam e produzem saberes decorrentes da cultura corporal, referenciando o
conhecimento do corpo em suas várias dimensões e inter-relações com a ciência, cultura
e sociedade, como núcleo epistêmico da formação de profissionais docentes da área.
151
Como prática ou intervenção profissional, a Educação Física deve
configurar-se como docência no sentido amplo, entendendo-a como um tipo de ação
educativa que se caracteriza por procedimentos metodológicos fundados em bases
culturais, científicas, estéticas, éticas e sociais do corpo, direcionadas para a formação
social e humana, tanto na área de educação formal, como nos diversos lugares da vida
social. Distingue-se do processo educacional formal, na verdade, pelos procedimentos
teóricos/metodológicos e pelas distintas pedagogias aplicadas em um determinado lócus
social.
Ao analisar as Diretrizes Curriculares de acordo com o prisma de uma
licenciatura com identidade própria e a pesquisa (diagnóstica) educacional, pode-se
perceber claramente a concepção reducionista de formação de professores e uma restrita
compreensão do que seja a docência profissional, sobretudo, porque definem as
competências como eixo nuclear da formação com base nas situações-problemas,
enquadrando radicalmente a formação fora do campo de abrangência científica e
evidenciando que a pesquisa deve estar voltada para resolver as questões do cotidiano
escolar. Além disso, deixa nas entrelinhas a possibilidade de criação de modelos de
profissionais baseados nos mesmos indicadores de perfil próprio, nos diversos cursos
superiores no país.
Foi possível identificar ainda diversos problemas, desde a concepção de
formação pedagógica do profissional em Educação Física, passando pela idéia de
ciência, até o próprio desenvolvimento operacional da proposta de formação.
Os pressupostos de atuação profissional sugeridos pelo Parecer nº.
138/CNE/02 ao vincular a Educação Física ao campo da saúde, ainda que a relação
entre Educação Física e a saúde historicamente representem traços consolidados na
152
prática profissional, revelam restrições da formulação curricular ao campo específico da
saúde, e que impõem sérios problemas para a prática e os seus desdobramentos
científicos e sociais, como os que se seguem.
A vinculação restrita reduz o perfil profissional (graduado) à área de
conhecimento acadêmico-profissional com um direcionamento voltado unicamente para
um dos aspectos da atividade profissional da Educação Física em saúde. Isto, denota
um profundo desconhecimento da formação acadêmica, tanto para a licenciatura como
para os diversos campos de aplicabilidade e dos novos mercados em expansão
profissional dessa área de conhecimento. Dentre os mais conhecidos, podem se citar o
esporte, o lazer, a ginástica laboral, as práticas educativas de movimento e as práticas
sociais, a pedagogia diferenciada para os portadores de necessidades especiais, a
educação em todos os seus níveis e sistemas, dentre outros.
A oficialização dessa posição nos documentos oficiais do governo federal,
além de omitir explicitamente os conhecimentos e as experiências acumuladas na área
nos últimos vinte anos, em todo o país, nega as lutas dos movimentos organizados da
Educação Física em prol da formação de professores, em nível superior com uma
configuração plena ligada à docência.
O projeto do CNE mostra-se incoerente quanto ao eixo de orientação
curricular em relação aos conteúdos e objetivos constitutivos da área da saúde, pois o
balizamento teórico e conceitual dessa área volta-se para o direito do cidadão e dever do
Estado, mediante a execução de políticas públicas, sociais e econômicas, com vistas à
redução dos riscos de doenças e da garantia de serviços de promoção, proteção e
recuperação da saúde pessoal e coletiva do homem, dentre outros.
153
Por uma questão de coerência interna da proposta do CNE, da política
prevista para a saúde é que devessem ser extraídas as competências, os conteúdos, a
metodologia e o perfil profissional da Educação Física e não ao contrário como se
observa no parecer do CNE. Tal correção poderia, quem sabe, garantir que as políticas
de saúde para o país fossem satisfeitas pela intervenção dos profissionais de Educação
Física e as questões/problemas do sistema único de saúde (SUS) fossem solucionadas.
Agora perguntamos, o que tem a ver a cultura de movimentos (ou motricidade humana)
como está previsto no documento do CNE com a sua aplicação no locus da saúde?
A idéia do perfil profissional único ou de criar um tipo específico de
profissional em Educação Física, como sugere o CNE, leva a pensar (como está escrito)
que a opção terminal do curso induz a existência de várias competências/habilitações e
aprofundamentos, o que contradiz os princípios da Educação Física, como prática
docente ligada à saúde ou como prática social, ou como formação generalista
explicitado no projeto de Diretrizes Curriculares do CNE. Este tipo de orientação, em
certo sentido, torna-se ambígua e pode propiciar uma formação profissional por
habilitações (especialistas) mesmo ainda no processo de formação inicial na graduação.
Uma vez que se busca garantir uma formação profissional consistente, essa
não será obtida com o estabelecimento de fragmentações e muito menos apresentando
quatro ou mais especialidades de aprofundamentos, como o faz o projeto previsto pelo
CNE, com um currículo de formação acadêmica e profissional voltado para atender às
demandas regionais, aos interesses do mercado ou, mesmo aos estímulos da mídia
quanto ao produto/mercadoria corporal a ser comercializado. Uma formação
profissional consistente exige uma nova discussão acerca do modelo de organização
curricular que seja dinâmico, diretivo, ampliado, reflexivo e crítico.
154
As Diretrizes Curriculares sugeridas pela Comissão de Especialistas da
SeSu/MEC assinalam que a atuação profissional não se dá pela natureza do trabalho ou
da atividade, mas pelo domínio de competências no âmbito da cultura de movimento.
Contraditoriamente ao projeto da COESP, o Parecer nº. 138/CNE/02 (CONFEF) aponta
o desenvolvimento dos conteúdos de uma área social vinculada à saúde.
É preciso ressaltar que os conselheiros do CNE, mesmo restritamente nas
audiências públicas, foram incapazes de ouvir os reclames dos pesquisadores,
intelectuais, IES, teóricos, educadores, estudantes, e outros, quanto às contribuições
produzidas e acumuladas pela área nos últimos anos, demonstrando insensibilidade às
denúncias dos movimentos dos educadores e mantendo-se isolados na elaboração de
proposta sem ressonância com os problemas advindos do mundo real. Até mesmo, duas
questões bem simples nos chamam a atenção e aqui as destacamos:
a) parece que o relator do CNE, desconhece ou desconsidera que o trabalho
pedagógico e a prática social do profissional da Educação Física e os eixos referenciais
de orientação baseados na relação teoria e prática, no pensar e no fazer, na ciência e na
sua aplicação pedagógica vêm, historicamente, definindo uma matriz profissional
enraizada na docência e se expandindo além dos aspectos ligados à saúde.
b) percebe-se historicamente que, ao selecionar os conteúdos significativos
da Educação Física e as formas de organizá-los com o objetivo de ensino e de
aprendizagem, os elementos da docência sempre se apresentam estruturados tendo como
base a ginástica, a dança, o esportes, o jogos, as lutas, o que ocorre tanto nas escolas,
como nas academias de ginástica, nos clubes e nas diversas e distintas práticas sociais
que envolvem o corpo na prática social.
155
A perspectiva conceitual contida no Parecer nº. 138/CNE/02 e o nível do
discurso despolitizador sobre a inserção das competências conferem um sentido
meramente instrumental no campo da formação de recursos humanos para a atividade
profissional em Educação Física.
Precisamos pensar a formação pedagógica do profissional em Educação
Física em plena sintonia com a autonomia constitucionalmente atribuída às
universidades brasileiras. Esta pré-condição exige que a reflexão e a crítica sejam
elementos constantes para o debate e que se tenha, como ponto de partida, os reais
significados do papel que a universidade brasileira desempenhará no contexto da nova
conjuntura econômica mundial, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e do
desempenho profissional, com uma formação pedagógica pautada pelos contextos da
ciência, da cultura e da sociedade, com vistas a solucionar os problemas da realidade.
Nesse sentido, defendemos a perspectiva de que a universidade possui um
papel histórico extremamente importante para o desenvolvimento da ciência e da cultura
e uma função destacadamente necessária na intervenção social, para auxiliar o
desenvolvimento científico, político, cultural e social brasileiro.
Apresentada essa questão, entendemos que se seguem os seus
desdobramentos, com o objetivo de estabelecer princípios, concepções e as
metodologias sobre a construção do novo contexto curricular de formação pedagógica
do profissional em Educação Física.
1. Em relação à concepção, entendemos que o currículo é a representação
social de um campo de conflitos e de posicionamentos políticos e pedagógicos acerca de
um objetivo formalmente estabelecido pela universidade. Trata-se, portanto, de um
156
cenário no qual se envolvem professores, alunos, instituições conhecimentos e contexto
social.
2. Quanto à área de conhecimentos, entendemos que esta prática pedagógica
e social deve localizar a base curricular na perspectiva das Ciências Sociais e Humanas
e forjada historicamente pela docência profissional interdisciplinar. Urge que a
comunidade acadêmica e científica decida de uma vez por todas acerca do
enquadramento do campo científico na formação de professores/profissionais de
Educação Física. A resistência deve ocorrer o quanto antes para que não tenhamos que
retroceder ao início do século XIX, como nos ameaça o Parecer nº. 138/CNE/02.
3. Os conteúdos curriculares devem estar articulados entre os diversos
conhecimentos e integrados ao eixo da docência. Para nós, não basta apenas citar a
exigência de articular o ensino, a pesquisa e a extensão, conforme prevê a Constituição
brasileira de 1988. É importante criar formas operacionais para que o projeto curricular
de curso cumpra com esses pressupostos, integrando-se na construção de ações
educativas, curriculares e sociais dentro ou fora da universidade.
4. A constituição das competências do profissional docente devem ser
convertidas em práxis pedagógica e social. Na definição do perfil de cada formação
curricular os segmentos que compõem a comunidade universitária devem definir o
perfil do profissional desejado, o modelo curricular, os conteúdos, os procedimentos
metodológicos e a avaliação do curso. Como as atuais Diretrizes Curriculares defendem
o princípio das competências como eixo básico da formação, e tendo em conta as
premissas já apontadas, entendemos que as competências podem ser mantidas, todavia,
ressignificadas quanto aos seus pressupostos e quanto a sua dimensão prática. A nosso
ver, as competências profissionais devem ser compreendidas como práxis pedagógica e
157
social; portanto, não estamos falando de quaisquer competências, mas daquelas que
devem constituir a matriz epistêmica da docência em vários tempos e lugares sociais.
5. No que tange aos conteúdos de conhecimentos entendemos que sejam
resgatados os conteúdos históricos matriciais tais como a ginástica, os jogos, o esporte,
as lutas, o lazer e as linguagens corporais expressivas e culturais, mudando apenas os
diferentes significados de cada uma delas, para que possam oferecer dentro do projeto
curricular e a sua relação com o núcleo de identificação estrutural da área. Os demais
conhecimentos devem ser adicionados para dar sustentação ao desenvolvimento teórico-
conceitual e científico nos processos de intervenção na docência profissional.
6. Outro dado extremamente importante que deve ser considerado no projeto
curricular é o de localizar o ensino, a transposição dos saberes e a aprendizagem, em
elementos integrados ao campo teórico-científico e profissional e às questões de ordem
prática tanto nas soluções de problemas do ensino quanto da prática social.
Uma formação superior universitária, ao contrário da perspectiva da tradição
academicista do saber universal ou do pragmatismo de mercado, tão fortemente
induzidos pela políticas sociais neoconservadoras e neoliberais e pela reestruturação
econômica na atualidade, com destaque para a sua aplicação em universidades de países
emergentes, precisa melhor redefinir o seu papel quanto à produção do saber, a sua
relação com a cultura e a sua vinculação com o processo produtivo, e nele, a questão do
mercado. Portanto, discutir o currículo e a formação pedagógica e profissional de nível
superior implica compreender, na história, o seu papel científico, político e social.
Quanto aos projetos curriculares a serem implementados no ensino superior,
entendemos como de grande importância que esses currículos sejam debatidos de forma
democrática pela comunidade universitária, tendo como referência os vários contextos
158
de conhecimentos, o contexto social e o papel da intervenção social da universidade e
do professor de Educação Física na sociedade.
Ao refletir sobre os elementos constitutivos da instituição universitária, e
nela, a formação de recursos humanos para o tempo presente e para o futuro, importa
formular o currículo como um campo de conflitos e disputas em torno de um projeto
acadêmico–profissional, por isto, não se trata de escolher este ou aquele conhecimento,
esta ou aquela intervenção, esta ou aquela metodologia decorrentes dos reclames do
senso comum, da mídia ou das corporações profissionais ligadas ao mercado, mas
verificar, nesses elementos, o seu valor no campo científico, o tipo de reconhecimento
profissional que a sociedade está apontando e qual o caminho rigorosamente estudado,
avaliado e questionado que seja o mais adequado em razão do conhecimento, dos
objetivos apontados para a intervenção e das finalidades dessa ação no campo científico,
pessoal e coletivo humano.
Para a formação em Educação Física, após observar os vários tipos de
conhecimentos, defendemos que os conteúdos pedagógicos a serem selecionados devem
ser aqueles que historicamente se integraram para a melhor compreensão do ser-
biológico, do ser-político, do ser-cultural, do ser-econômico, do ser-estético e do ser-
social, em cuja presença epistêmica está a corporalidade relacional do sujeito–histórico.
Os conhecimentos decorrentes dessas mediações relacionais do sujeito com a sociedade
nem sempre se apresentam com as mesmas características, com a mesma estrutura
teórica, com as mesmas possibilidades de aplicação prática em uma determinada
realidade. Da mesma forma, importa compreender que a durabilidade desses
conhecimentos tem relações de validade no campo científico e na vida social. Alguns
não respondem de forma positiva aos problemas do mundo social, outros geram
159
impactos junto à sociedade. Certos conhecimentos integram-se a campos hegemônicos e
perpassam vários estatutos de verdades mais duradouras, alguns apenas denotam
atualidade, e outros, por sua vez, são efêmeros e artificiais.
Um currículo baseado na formação pedagógica pode começar a ser
estruturado levando em conta os conhecimentos matriciais da formação, com base em
saberes demarcados historicamente como estruturantes do perfil geral do que deve ser
um profissional docente de Educação Física. Neste processo, deve-se procurar o nível
de reconhecimento e as repercussões fornecidas pela prática social para a definição dos
conhecimentos matriciais, dos conhecimentos interdisciplinares e dos conhecimentos
decorrentes da intervenção profissional, plenamente articulados no interior da vida
acadêmica e profissional.
Portanto, um projeto de formação e a matriz curricular que dará os contornos
à sua execução deve ser discutido coletivamente e na perspectiva de totalidade
histórico-social. Isto implica, dentre outros aspectos, pensar a própria entrada no curso
(processo seletivo), uma nova organização acadêmica baseada na ampliação do tempo
pedagógico dos conhecimentos matriciais, instituir novos conteúdos sob a forma de
disciplinas abertas, conteúdos temáticos ou projetos de trabalho, implementar atividades
complementares e definir espaços (aprofundamentos) de conhecimentos como um
momento especial de verticalização dos conhecimentos, fortalecendo áreas emergentes
de pesquisas e a formação pessoal do graduando em ações mais próximas dos interesses
de vida pessoal dos alunos.
Pensar a Educação Física tendo como referência corpo, cultura e sociedade,
significa e representa, acima de tudo, pensar também a formação pedagógica nesse
contexto e com base em novos elementos que integram e se relacionam (teoria e prática)
160
à compreensão de totalidade. A idéia de sociedade e natureza, ciência e cultura, corpo e
representação, teoria e prática nada mais são do que partes constitutivas e articuladas da
formação pedagógica e profissional docente para intervir na modificação permanente do
mundo real.
Pensar a formação por esse ângulo significa olhar de forma original o objeto
de formação inicial, com possibilidade de construir novas oportunidades para que sejam
compreendidos os significados (processos, relações e produtos materiais) humanos em
suas várias dimensões, tendo como centralidade a expressão corpórea do homem em
seus diversos contextos sócio-culturais.
Entendemos que o corpo materializa a razão relacional entre os homens e
deles com o mundo. Isto posto, defendemos então que as ações culturais perpassam e
decorrem não somente das práticas corporais imediatas, relacionados aos
desejos/instintos, mas nas formas pelas quais se inscrevem os instintos, os desejos e
gestos comunicativos no desenvolvimento sócio-histórico do homem - permeados por
signos, símbolos, valores e significados sociais.
Após analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais apresentadas atualmente
para a formação de professores/profissionais, em uma conjuntura demarcada pela nova
organização do capital, o que se pode adiantar que a tarefa a ser levada a cabo exige de
todos uma profunda revisão dos paradigmas científicos e das formulações político-
pedagógicas, uma vez que está em jogo no campo educacional a idéia de resultado,
competição, desempenho, competências e menores custos para as operações
educacionais, de acordo com o modelo produtivo em processo de mundialização.
De tudo que se analisou até o momento, constata-se a presença de uma nova
política educacional do Estado lançando os alicerces de uma arquitetura pedagógica
161
centrada na organização e utilização de ferramentas simbólicas, procedimentos
ideológicos, metodologias pragmáticas que apontam a pedagogia de resultados,
baseando a formação pedagógica do professor de Educação Física em tempo real, na
justa conta, de baixo custo, instrumentalizadora, determinada pelo neoliberalismo e pelo
poder econômico no contexto da globalização.
162
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específica em Física, Química, Matemática ou Biologia, com mais um mínimo de 1.000
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