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ARMENES DE JESUS RAMOS JUNIOR
A FORMAÇÃO DE UM INTELECTUAL COLETIVO:
UM ESTUDO SOBRE O PERCURSO DOS MILITANTES NA
CONSTRUÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO PARANÁ
CURITIBA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
2007
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2
Catalogação na publicação
Sirlei R. Gdulla – CRB9ª/985
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR
Ramos Jr., Armenes de Jesus
R175 A formação de um intelectual coletivo: um estudo sobre
o percurso dos militantes na construção da saúde do
trabalhador no Paraná / Armenes de Jesus Ramos Jr. –
Curitiba, 2007.
233 f.
Tese (Doutorado) – Setor de Educação, Universidade
Federal do Paraná.
1. Trabalho – saúde ocupacional. 2. Trabalhadores –
sindicatos. 4. Segurança do trabalho. 5. Relações traba-
lhistas I. Título.
CDD 331.2592
CDU 331.4
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ARMENES DE JESUS RAMOS JUNIOR
A FORMAÇÃO DE UM INTELECTUAL COLETIVO:
UM ESTUDO SOBRE O PERCURSO DOS MILITANTES NA
CONSTRUÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO PARANÁ
Tese apresentada para a Banca de Defesa, como requisito parcial à
obtenção do grau de Doutor.
Curso de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação da
Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Profª Drª Lígia Regina Klein
CURITIBA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
2007
4
Banca Examinadora da Tese de Doutorado
Orientadora: Profª. Dra. Lígia Regina Klein
Membros:
1- Profª. Dra. Lígia Regina Klein______________________________________
2- Profª. Dra. Acácia Kuenzer_______________________________________
3- Prof. Dr. Claus Magno Germer______________________________________
4- Prof. Dr. Francisco Antônio de Castro Lacaz___________________________
5- Profª. Dra. Mônica Ribeiro da Silva __________________________________
Suplentes:
Profª. Dra. Noela Ivernizzi
Profª. Dra. Cláudia Barcelos de Moura Abreu
Programa de pós-graduação em Educação, curso de Doutorado em Educação, área temática Educação e
Trabalho, linha de pesquisa: Economia Política da Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do
Paraná.
Data: 26 de março de 2007
5
Aos meus companheiros
militantes da Saúde do
Trabalhador, que
possibilitaram a
construção coletiva desta
pesquisa sobre a sua
luta.
Com amor, à minha
companheira Carol e aos
meus filhos João Pedro e
Clara.
Agradeço:
À minha companheira Carol, à nossa filha Clara, cujo primeiro ano de vida
coincidiu com o último ano do doutorado, e ao meu filho João Pedro que, junto com elas,
conseguiu me suportar e amar neste período tenso e extenuante da produção da pesquisa.
6
À minha orientadora Ligia Klein, que cumpriu seu papel com rigor e dedicação próprios de uma
marxista de primeira linha e me ajudou superar muitos dos meus limites e a realizar esta empreitada até o
final.
Aos professores e mestres Claus e Lacaz, que construíram prática e teoria do mais alto nível no
marxismo e na Saúde do Trabalhador, se constituindo em referência fundamental para a minha pesquisa, além
de grandes amigos.
À professora Mônica, que conheci em situação crítica, mas que prontamente contribuiu para que meu
objeto de pesquisa ganhasse contornos mais claros e a pesquisa pudesse se desenvolver.
À minha amiga e companheira Ligia Mendonça, pelo abstract e, principalmente, pelas sugestões e
apoios que me ajudaram a discernir os horizontes da pesquisa e de outras caminhadas que vimos fazendo.
A vovó Sônia, por ter assumido prontamente o embalar da Clara que em muito contribuiu para que
eu estivesse mais tempo estudando.
Aos avós Armenes e Cida, que me ensinaram a lutar sempre e quase nem reclamaram da minha
ausência prolongada e que ainda me amam.
Aos camaradas da Luta Socialista e do Espaço Marx, que me deram um sursis na militância, e
comigo seguem aprendendo e praticando o marxismo.
Aos companheiros militantes da ST: Marcos Armando e Jaime Ferreira como representantes da
resistência e dos militantes do FOPS-ST.
Agradecimento especial à professora Milena Martinez, que me engrandece com sua amizade e
companheirismo de intelectual orgânica vários anos e ofereceu contribuição desinteressada e valorosa
quando eu precisei.
À CAPES pela Bolsa de Estudos que contribuiu para que eu pudesse dispor de mais tempo para
realizar esta pesquisa.
Resumo
Este estudo busca identificar o fio condutor que estruturou a
construção do campo da Saúde do Trabalhador (ST) no Para
(PR), procurando se pautar pelo método do materialismo
dialético, de forma a compreender o movimento do real. A
metodologia adotada procura captar as contradições e o
movimento do real, através da analise da trajetória de luta pela
construção deste campo, que vem sendo travada por um grupo
de técnicos e sindicalistas, procurando verificar se, neste
processo, estes militantes vêm se constituindo como um coletivo
orgânico,um Intelectual Coletivo, no sentido que Gramsci dá ao
7
termo. Tem como campo empírico o percurso realizado pela
militância, no período de 1992 a 2006, na construção do campo
da ST no PR. A metodologia utilizada foi qualitativa e a
pesquisa reuniu e analisou os principais documentos produzidos
pelas instâncias dos militantes e as de controle social em que
atuaram estes militantes no período estudado. Além da análise
documental, a pesquisa se pautou por entrevistas individuais e
coletivas com os militantes que permaneceram por mais tempo,
mais de 5 anos, atuando junto ao FOPS-ST. Esta pesquisa
identificou a existência de três Fases distintas pelas quais passou
a militância neste período, adotando como referência para
defini-las a estratégia militante em relação ao Estado. Sendo as
Fases 1 e 2 pautadas pela estratégia “Estado adentro” e a Fase 3
pela estratégia, em construção, “fora do Estado”. Pudemos
constatar e demonstrar que o campo da ST no PR passou a
existir graças à atuação dos militantes sindicais em aliança com
os técnicos. A militância foi elaborando, através do aprendizado
constante obtido nos enfrentamentos com o Estado, novas
formas de atuar, bem como construindo novas instâncias e
movimentos que procuravam estruturar o campo da ST: o FIST
(Fórum Interinstitucional de Saúde do Trabalhador) , depois
tornado CIST (Comissão Interinstitucional de ST), o COMITE
(Comitê de Investigação de Óbitos e Amputações Relacionados
ao Trabalho), a ADVT (Associação de Defesa das Vítimas do
Trabalho) e o FOPS-ST (Fórum Popular de Saúde – seção Saúde
do Trabalhador) e as Conferências e Encontros de Militantes em
ST. Pudemos verificar que, com o a implantação dos Serviços de
ST de Curitiba, CEMAST (Centro Metropolitano de Apoio à
ST) e Coordenação Estadual de ST e sua direção assumida por
técnicos-militantes, se efetivou de fato uma política de ST com
ampla hegemonia dos militantes e, portanto, favorável à classe
trabalhadora, na Fase 2 , de 1997 a 2000. O Capital passou,
então, a sofrer perdas concretas e reagiu através do seu comitê
central, o Estado, que foi forçado a demonstrar suas verdadeiras
feições de classe- burguesas -, afastando os técnicos-militantes e
8
desmontando os Serviços de ST. Esta derrota generalizada na
via “Estado adentro” colocou a consciência dos militantes em
outro patamar em relação ao papel do Estado, e ela se viu
premida a elaborar e atuar em uma outra estratégia de
construção do campo da ST no PR. Neste processo de
formulação estratégica o FOPS-ST vem se constituindo, de
forma incipiente, num Intelectual Coletivo da ST, tendo passado
a construir instâncias e formulações políticas próprias da classe
trabalhadora, como a ADVT, os Encontros Nacionais de
Militantes em ST e o próprio FOPS-ST. Na Fase 3, atualmente
vigente, os militantes, forçados a sair do Estado e a elaborar
nova estratégia, se encontram mais preparados para pautá-la na
“grande política”, pois alcançaram um grau mais avançado de
compreensão do papel do Estado, assim como agregaram
conhecimento prático e teórico através das várias lutas e
mecanismos de organização dos militantes. Esta pesquisa
pretende contribuir com o processo de construção deste
Intelectual Coletivo, através do objetivo prático de conhecer
melhor (para agir melhor) os limites e contradições da
militância em Saúde do Trabalhador junto ao Estado burguês, a
partir da análise da teoria e da prática do FOPS-ST dentro e
fora do Estado.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador – Capital e Trabalho – Formação técnico-política.
ABSTRACT
9
The purpose of this study is to identify the main force which organized the area of Labor
Health (LH) in Parana State, using the method of dialectic materialism. The chosen
methodology tries to perceive (capture) the contradictions and movement of reality,
analyzing the struggle process performed by a group of health technicians and union
members, in order to verify if, in this path, this group can be identified as an organic
collective , such as Gramsci defined ,a Collective Intellectual. It takes as its empirical
ground the activities of that group from 1992 to 2006 in order to establish the Labor Health
field in Parana state. The study is qualitative and the research gathered and analyzed the
main documents issued by the group and the social control levels where they performed,
besides the interviews with the group and individual members who stayed for more than 5
years acting at the FOPS-ST - the Popular Health Forum- Labor Health section .The
research identified three different phases during this period, according to the different
action strategies toward the State apparel:during phases 1 and 2 the strategy was “inside the
State”, while in the last phase the strategy is “out of the State”. We were able to see and
demonstrate that the field of Labor Health came to exist thanks to the action of this group
of technicians together with union members. Through their constant activities confronting
the State the group was always learning and producing new forms of action, and also
building new tools, in order to constitute the field of LH : the FIST - inter-institucional
forum of labor health ; the COMMITTEE - the committee to investigate labor related
fatalities and amputations ; the ADVT - an association to defend victims of labor and the
FOPS-ST,and the Conferences and reunions of activists on LH. We could confirm that in
phase 2- from 1997 to 2000 -the implantation of new labor health services in Curitiba, the
CEMAST -a Metropolitan Labor Health center -and the creation of a State Coordination
of Labor Health, with a major presence of activists of LH , the situation was of hegemony
10
clear supremacy of the working class representation. The defeats of Capital interests led to
a reaction of the owner´s class, through the State- their central committee- which was
forced to show its real face against the working class, whose leaders were compelled to
resign their positions in the state apparel ,weakening most of the LH services. This overall
defeat in the “inside State” strategy took the activists to a new level of conscience as far as
their role facing the State, and a new strategy came to dominate the field of activism in LH
of Parana. We assume that during this process of strategic formulation the FOPS-ST ,
although in their first steps, is becoming a Collective Intellectual of LH ,capable of
creating and sustaining direction instances (organs) and political formulations according to
the working class interests, such as the ADVT, national reunions of LH activists and the
FOPS-ST in Parana. In phase 3,now occurring, the activists who left the state apparel are
more prepared to elaborate a “major politics”, because of their better knowledge of the
State role and the accumulated practical and theoretical learning of the previous years.
Departing from the analysis of the theoretical and practical activities of FOPS-ST inside or
outside the State, this paper intends to be a contribution to the construction of this
Collective Intellectual , through the better knowledge (for a better action) of the limits and
contradictions of political activity in Health Labor respecting the Bourgeois State.
Key-words: Labor Health – Capital and Labor – Technical and Political Education.
11
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
14
O Método e a metodologia
17
CAPÍTULO I :
AS RELAÇÕES ENTRE A CLASSE TRABALHADORA E O ESTADO..................23
1.1 - O Trabalho em Marx.................................................................................................23
1.2 - O Estado em Lênin....................................................................................................26
1.3 - A Luta de classes ......................................................................................................32
1.4 - O Estado em Gramsci ...............................................................................................38
1.4.1 - Estado burguês e Estado proletário ....................................................................41
1.5 - As Associações de Cultura e a Luta pela Hegemonia...............................................46
1.5.1 - Educação.............................................................................................................49
1.5.2 - O Intelectual Coletivo.........................................................................................52
1.5.3 - Guerra de Posições .............................................................................................55
CAPÍTULO II
A DOENÇA DOS TRABALHADORES SOB O CAPITAL..........................................59
2.1 – O desgaste da Saúde dos Trabalhadores ..................................................................63
2.2 - Saúde do Trabalhador e Saúde Ocupacional : aspectos conceituais.........................67
2.2.1 - A Saúde Ocupacional .........................................................................................68
2.2.2 - A Saúde do Trabalhador.....................................................................................71
2.4 A Saúde do Trabalhador no Estado Brasileiro............................................................80
CAPÍTULO III
A MILITÂNCIA E A LUTA PELA POLÍTICA DE ST NO PR...................................85
3.1- O Fórum Popular de Saúde – FOPS ..........................................................................85
3.2- O Fórum Popular de Saúde – seção Saúde do Trabalhador : FOPS-ST....................88
3.3 – A centralidade da militância na Política de ST no SUS do PR................................91
12
3.4 - As Fases da Saúde do Trabalhador no PR...............................................................96
3.4.1 - Fase 1: fase de implantação da ST no PR - período de 1992 a 1996..................98
3.4.1.1 - A luta para que o Estado adotasse a Legislação vigente ...............................101
3.4.1.2 – A Construção dos primeiros Serviços de Saúde do Trabalhador..................103
3.4.2 - Fase 2: fase do amadurecimento da ST no PR - período de 1997 a 2000........109
3.4.2.1 - O movimento para dentro do Estado.............................................................110
3.4.2.2 – A luta para construir um Diagnóstico da Situação de ST no Paraná............113
3.4.2.3 – O Plano militante para a ST do Estado: o COMITÊ.....................................119
3.4.2.3.1- A capacitação do SUS para atuar em ST e o esboço do Plano....................120
3.4.2.3.2 – A criação do COMITÊ ..............................................................................125
3.4.2.4 – O máximo avanço da ST Estado adentro......................................................130
3.4.3 - Fase 3 – Fase das derrotas e das lutas de resistência - período de 2001 a 2006135
3.4.3.1- A mudança (forçada) de estratégia militante..................................................136
3.4.3.2 – Os enfrentamentos crescentes com o Estado................................................137
3.4.3.3 - A principal trincheira da militância na luta contra o Estado: CIST .............146
3.4.3.4 – O sursis aos novos Governos de “ esquerda” ...............................................150
3.4.3.5 - O desmonte completo da ST no Estado no PR..............................................155
3.4.3.6 - A construção da ST “por fora” do Estado .....................................................158
3.4.3.7 – O início da atuação do FOPS-ST na Grande Política...................................163
CAPÍTULO IV
A TEORIA E A PRÁTICA DA MILITÂNCIA EM ST NO PR..................................171
4.1 – A Luta “Estado adentro” gerando a militância em ST...........................................172
4.1.1 - A militância gerando a “pequena política” de ST no PR .................................181
4.1.2 – O aprendizado restrito da militância junto ao Estado......................................190
4.2 – Os limites do “Estado adentro” gerando o “Estado afora”.....................................199
4.2.1 – A política cindida de ST: a CIST desarticulada do COMITÊ.............................204
4.3 – A Formação Política da militância em ST no PR...................................................208
CONSIDERAÇÕES FINAIS: o FOPS-ST como um Intelectual Coletivo em
construção 215
13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 226
Lista de siglas
Sigla Significado
ADVT Associação de Defesa das Vítimas do Trabalho
APLER Associação de Portadores de LER
CAT Comunicação de Acidente do Trabalho
CEMAST Centro Metropolitano de Apoio a Saúde do Trabalhador
CF Constituição Federal
CIST Comissão Interinstitucional de ST – vinculada ao Conselho
Estadual de Saúde
Comitê Comitê de Investigação de Óbitos e Amputações Relacionados
ao Trabalho
CUT Central Única dos Trabalhadores
DRT Delegacia Regional do Trabalho / MTE
FIST Fórum Interinstitucional de Saúde do Trabalhador
FOPS Fórum Popular de Saúde
FOPS-ST Fórum Popular de Saúde – seção Saúde do Trabalhador
HT Hospital do Trabalhador
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
MSL Medicina Social Latino-Americana
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
SESA Secretaria de Estado da Saúde
SST-Ctba Serviço de Saúde do Trabalhador de Curitiba
ST Saúde do Trabalhador
SUS Sistema Único de Saúde
14
INTRODUÇÃO
Vivemos tempos de avanço gigantesco na produção do conhecimento e tecnológico
e do produto de sua apropriação privada pelo capital, o desemprego estrutural avançado e a
precarização das relações de trabalho. O capitalismo atinge a máxima produção de riqueza
e de pobreza da história da humanidade e as relações de produção não comportam mais o
imenso potencial gerado pelas Forças Produtivas.
Neste cenário, é fundamental, para aqueles que buscam contribuir para alterar tal
situação, desvendar os mecanismos de ocultamento do real contribuindo com a análise
materialista e dialética para desmascarar estes mecanismos nos diversos campos de
conhecimento.
A categoria trabalho, de acordo com a concepção marxiana, permite identificar a
totalidade das relações sociais de produção e exploração capitalistas. Por isso esta pesquisa
tem início definindo o marco referencial teórico marxista, partindo da definição da
categoria trabalho, bem como sua permanência como categoria central nos nossos dias.
Também buscamos o referencial de Marx e dos clássicos marxistas, notadamente
Engels e Lênin, para compreender como se estrutura o Estado sob o capitalismo, a serviço
de quem ele se encontra e quais são as possíveis contradições que possui. Procuramos a
seguir entender o papel da luta de classes na evolução da história da humanidade, bem
como a relação entre consciência de classe e transformação revolucionária do capitalismo.
15
Em seguida buscamos o aporte teórico de Gramsci para discutir categorias centrais
para o entendimento do Estado nos nossos dias, tais como: hegemonia, grande e pequena
política, Intelectual Orgânico, Intelectual Coletivo e Guerra de Posições.
Definidos estes aportes teóricos no capítulo I, passamos, no capítulo II, á definição
do campo onde se insere nossa pesquisa, o campo da Saúde do Trabalhador. Procuramos
inicialmente relacionar o campo com o referencial teórico, de modo a buscar compreender
as causas do desgaste da “mercadoria” Força de Trabalho sob o capitalismo e em seguida
tentamos identificar como se dá esta relação nos nossos dias.
Passamos, no capítulo III, a discutir o percurso da militância na construção da
Saúde do Trabalhador no Paraná desde o ano de 1992 até 2006. Buscamos verificar os
limites e positividades, em termos da construção da “grande política”, de superação das
lutas nos marcos reformistas, que a atuação militante pôde ter, junto ao Estado, nos nossos
dias.
Procuramos sistematizar e analisar os avanços em termos de produção de
conhecimento útil à classe trabalhadora, bem como identificar as maiores contradições e
limites na atuação dos militantes junto às instâncias principais de ST no PR, que são a CIST
(Comissão Interinstitucional de ST), atuando no Controle Social e o COMITÊ (Comitê de
Investigação de Óbitos e Amputações Relacionados ao Trabalho), atuando na articulação
interinstitucional e execução do Plano mais abrangente do campo da ST, desde 1997 e,
principalmente, a organização militante que veio se configurando tendencialmente como
um Intelectual Coletivo da ST, o FOPS-ST (Fórum Popular de Saúde Seção ST), embora
de modo bastante incipiente.
Estas análises procuram contribuir na identificação dos mecanismos atuais de
alienação dos trabalhadores, no campo da ST, com o propósito de ajudar a construir
16
instrumentos pedagógicos escolares e não escolares que contribuam para a transformação
revolucionária da realidade.
17
O Método e a metodologia
O método adotado nesta pesquisa é o do marxismo, isto é, o materialismo dialético.
Este método é constituído por uma série de leis científicas e tem validade universal.
Constitui, assim, a matriz segundo a qual se busca interpretar os fenômenos, especialmente
capturar o movimento de transformação, o devir do real.
Este método se opõe frontalmente ao método do idealismo filosófico,
especialmente representado por Hegel, em que as idéias têm procedência sobre o real. As
idéias, segundo Marx, “constituem o reflexo - não como contemplação, mas como prática
sensorial - do mundo material na mente humana, implicando que a realidade material existe
antes e independentemente da consciência.” (GERMER, 2003, p70)
Segundo as premissas do materialismo dialético, sistematizadas por Lênin, esta
pesquisa buscará dirigir-se ao fenômeno estudado e apreender o conjunto das conexões
internas que o compõem e da sua relação múltipla com os outros fenômenos, bem como
suas tendências e aspectos internamente contraditórios. Procurará identificar o fenômeno
como soma e unidade de contrários, onde deve ser descoberto como se seu
desenvolvimento, seu próprio movimento de transformação. (LÊNIN, 1973b, p21-23)
Ainda segundo Lênin, deve haver unidade entre a análise dos elementos particulares
e a síntese do conjunto destes elementos, pois as relações de cada objeto são múltiplas e
universais, todos os objetos, fenômenos e processos estão ligados uns aos outros. Importa,
portanto, na unidade dialética dos contrários que compõem uma coisa, identificar os traços,
a qualidade e as propriedades que podem definir a transformação, o movimento de vir a ser
deste objeto. (LÊNIN, 1973b, p21-23)
18
Segundo Lefebvre, o processo de aprofundamento do conhecimento vai do
fenômeno à essência e da essência menos profunda à mais profunda, é infinito, jamais deve
estar satisfeito com o resultado obtido. Deve-se penetrar, portanto, sempre mais
aprofundadamente na riqueza do conteúdo, apreender conexões de grau cada vez mais
profundo, “até atingir e captar solidamente as contradições e o movimento. Até chegar a
isso, nada foi feito”. O método dialético revela-se rigoroso, por se ligar a princípios
universais, e o mais fecundo, por permitir detectar todos os aspectos do objeto,
especialmente os aspectos segundo os quais as coisas são “vulneráveis á ação”.
(LEFEBVRE, 1979, p241)
Segundo Germer, três níveis de concreto: o real, o sensorial e o pensado. Sendo
que a realidade empírica, que é o concreto real - não é caótica, caótico é o sensorial:
[o concreto sensorial é] a representação da realidade tal como apreendida diretamente
pelos sentidos, portanto como categoria sensorial ainda não elaborada pelo pensamento. A
apreensão da realidade como totalidade coerente, que ela é, requer que a sua representação
direta, caótica, no concreto sensorial, seja convertida pelo pensamento em uma totalidade
igualmente coerente. Mas este resultado do processo, o concreto pensado, é um produto do
pensamento, inteiramente construído com material abstrato, que são as abstrações ou
conceitos teóricos. O concreto pensado, portanto, é uma categoria do pensamento, a forma
pela qual o pensamento reproduz o real, mas não é o próprio real. (GERMER,2003, p67)
Nossa pesquisa buscará se pautar por uma metodologia de investigação que consiga
apreender o movimento do real, no concreto pensado, possibilitando uma análise da
experiência vivida pelos militantes na construção da Política de ST no PR.
19
Procuraremos identificar, através das lutas que foram construindo o campo da ST,
as contradições principais que foram se acumulando, bem como quais foram as mediações
que permitiram a coexistência dos contrários que participavam dos fenômenos estudados,
os limites nos quais puderam se acumular e a partir de que momento romperam o equilíbrio
e passaram a existir sob nova forma.
Buscaremos identificar o fio condutor que estruturou a construção da ST no PR,
procurando nos pautar pelo método do materialismo dialético, de forma a identificar o
movimento do real. Procuraremos, assim compreender melhor como se desenvolveu e se
desenvolve esta história, com vistas a contribuir com os elementos da análise para a
reflexão e ação, especialmente dos militantes que atuaram e atuam em ST.
Nossa pesquisa buscará discernir entre o que é novo, no sentido de se adequar às
necessidades de organização e luta da classe trabalhadora, e o que é velho, no sentido de
conformar a classe trabalhadora à ordem vigente. Conforme KLEIN, discorrendo sobre o
pensamento de Lênin:
A questão fulcral do conhecimento revolucionário é apreender o que, na realidade
concreta, está nascendo e o que está morrendo; o que constitui conteúdo velho (sob velha
ou nova forma) e o que constitui conteúdo novo (sob forma nova ou aparentemente velha).
Para tal conhecimento é importante apreender a distinguir as dimensões de conteúdo e
forma, sob pena de estarmos tomando, como novo, um velho dado da realidade, ou, como
velho, o novo. (KLEIN, 2003, p4).
Com referencial teórico no materialismo dialético, a pesquisa será qualitativa,
focalizando o particular como instância da totalidade social, compreendendo os sujeitos e o
contexto. A compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer
20
histórico é que buscam dirigir a pesquisa e não a operacionalização das variáveis, das
partes.(FREITAS,2002)
A presente pesquisa buscará captar as contradições e o movimento do real, no caso
particular da militância no campo da ST no PR. Analisaremos especialmente a trajetória de
luta pela construção deste campo, que vem travando um grupo de técnicos e sindicalistas,
procurando verificar se, neste processo, estes militantes vêm se conformando, ainda que
tendencialmente, como um coletivo orgânico, um Intelectual Coletivo, no sentido que
Gramsci dá ao termo.
Partimos das seguintes hipóteses para realizar a presente pesquisa:
1) Dentro do FOPS (Fórum Popular de Saúde), contraditoriamente à sua orientação
geral, foi ganhando corpo um coletivo que pôde passar a funcionar, de forma
incipiente, depois de muitos anos preso á lógica da “pequena política”,
tendencialmente como um Intelectual Orgânico da classe trabalhadora no campo da
ST;
2) A luta política nos marcos do Estado burguês, feita nas instâncias de Controle
Social, preso à política setorial, pode engendrar o seu contrário, isto é, uma luta
contra o Estado, que tenha como objetivo principal construir instâncias próprias da
classe trabalhadora;
3) A construção do FOPS-ST como Intelectual Coletivo contribuiu efetivamente para a
elevação da consciência dos militantes, tendo criado situações práticas onde o
enfrentamento com o Estado burguês e com os representantes dos capitalistas
permitiu um avanço na consciência que guarda relação com o avanço das
“pequenas” para as “grandes políticas” no sentido que Gramsci dá a estes termos.
21
Formulamos ainda uma Quarta Hipótese, que não pôde se constituir como tal,
visto que seria impossível demonstrá-la nos marcos limitados desta pesquisa. Assim a
apresentamos para ser discutida como uma possibilidade, carecendo de outros estudos que
possam vir a comprová-la:
a) A atuação junto ao Estado burguês, em áreas onde esteja colocada a contradição
capital/trabalho e embasada por um referencial teórico materialista e dialético,
pode romper com os limites impostos pelas regras deste Estado e contribuir na
construção de instrumentos e organizações de luta da classe trabalhadora, isto é,
pode ajudar a construir o anti-Estado burguês, o Estado proletário;
Buscaremos verificar também, neste processo, os limites e positividades, em termos
da construção da “grande política”, de superação das lutas nos marcos reformistas, que a
atuação militante pode ter, junto ao Estado, nos nossos dias.
Por último, procuraremos sistematizar e analisar os avanços em termos de produção
de conhecimento útil à classe trabalhadora, no seu processo de constituição como classe
para si, produzido pela militância em ST no PR enquanto esta também se produzia a si
própria como FÓPS-ST.
As categorias principais utilizadas nesta pesquisa serão: Estado, Classes Sociais,
Luta de Classes, Hegemonia, Intelectual Coletivo e Militante.
Para buscar efetivar os objetivos propostos, nossa pesquisa buscará reunir e analisar
os principais documentos (citados no Anexo 1) produzidos pelas instâncias dos militantes e
as de Controle Social em que atuaram estes militantes no período estudado, de 1992 a 2006,
compreendendo Relatórios de Reuniões, Resoluções de Conferências de Saúde, Boletins e
estudos realizados pelas instâncias referidas. Além disso, buscaremos informações
22
complementares nos documentos produzidos pela SESA, como Relatórios de Gestão e
Diagnósticos da Situação de ST no PR, buscaremos também análises produzidas pelo
Fórum Popular de Saúde (FOPS) e FOPS-ST (seção Saúde do Trabalhador) sobre a ST no
PR.
Além da análise documental, nossa pesquisa se pautará por entrevistas individuais e
coletivas com os militantes que permaneceram por mais tempo, mais de 5 anos, atuando
junto ao FOPS-ST. Dos cerca de 100 militantes que atuaram no campo da ST, no período
estudado, cerca de 20 satisfazem este critério de atuar por mais tempo e, destes 20, serão
entrevistados 9, perfazendo 45% dos militantes centrais na ST do PR.
Os militantes entrevistados são de duas origens: a) técnicos-militantes, que
trabalham no Sistema Único de Saúde (SUS), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e
Ministério Público Estadual. Todos estes técnicos têm curso superior e conhecimento
amplo sobre as categorias centrais do campo da ST, além disso, quase todos têm pós-
graduação em ST e b) dirigentes sindicais, que atuam nos Sindicatos dos Bancários,
Petroleiros, Sindicato da Saúde e na Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os
sindicalistas têm formação de nível superior ou médio com grande especialização técnica
nas suas funções e um conhecimento diferenciado daquele dos técnicos acerca da ST, sem
formação acadêmica, com muito maior ênfase para as questões de Controle Social em ST.
Além dos citados acima, constituem elementos importantes na pesquisa os diálogos
permanentes que tem havido entre o pesquisador e alguns destes militantes centrais da ST,
acerca do objeto da pesquisa em tela, há cerca de dois anos.
23
CAPÍTULO I :
AS RELAÇÕES ENTRE A CLASSE TRABALHADORA E O ESTADO
“Da idéia a chama já consome a crosta bruta que a soterra” ?
(Internacional Comunista)
1.1 - O Trabalho em Marx
Os conceitos discutidos nesta pesquisa são próprios do capitalismo industrial e o
marco referencial teórico adotado é o marxismo.
Para Marx, o trabalho humano e a terra são as fontes originais de toda riqueza. Não
existindo outra forma de produzi-la que não passe por estas fontes.
Sob o capitalismo industrial, o trabalhador tem uma função central: torna-se peça
viva da grande máquina que é a indústria (MARX, 1988).
O trabalho é sempre dispêndio de força humana e tem, no capitalismo, dupla
dimensão, por um lado é o dispêndio de força humana igual, ou abstrata, no sentido
fisiológico, que cria o valor das mercadorias e, por outro lado, é dispêndio de força humana
especial, para um fim específico, ou seja, na forma de trabalho concreto, que gera valor-de-
uso.
A forma elementar da riqueza é a mercadoria, que, por conseqüência do trabalho,
que lhe dá existência, reproduz esta duplicidade: é ao mesmo tempo valor-de-uso e valor. O
valor de uma mercadoria é criado unicamente pelo acréscimo de trabalho humano. Os
objetos de trabalho transformados, assim como o custo do desgaste dos meios de trabalho,
se transferem diretamente para o novo produto, não criando valor.
24
A força de trabalho humana funciona, no capitalismo, como uma mercadoria
especial, pois é capaz de gerar valor ao ser consumida e as mercadorias só existem,
portanto, porque nelas está materializado trabalho humano abstrato. O valor da força de
trabalho é definido como se define o valor de qualquer outra mercadoria: o tempo de
trabalho social necessário à sua produção. Como ser vivo, o valor da força de trabalho é o
valor da sua reprodução, dos meios de subsistência necessários à sua reprodução.
A força de trabalho é comprada como qualquer outra mercadoria e acrescida ao
processo de trabalho como “fermento vivo” aos outros elementos, mortos, que o
constituem. O processo, do ângulo do capitalista, é entre coisas que lhe pertencem. O
processo de produzir mais-valia é simples extensão do processo de produzir valor. Além
deste tempo necessário, o trabalhador segue produzindo valor, mas agora produz mais-
valor, pois esta segunda parte da sua produção não servirá para si, mas para seu patrão, o
capitalista. (MARX, 1988)
No modo de produção capitalista, a produtividade tem que aumentar
progressivamente, pois cada capitalista é obrigado a fazê-lo, pelo mecanismo da
competição no mercado, chave no processo capitalista de concorrência pela venda das
mercadorias. O capital aumenta cada vez mais a sua parte morta (maquinaria) em relação à
sua parte viva (trabalhador) e produz cada vez mais com cada vez menos trabalho. Marx
indicou, nos primórdios do capitalismo, que este processo tenderia a um extremo, com a
automação, tornando o trabalho secundarizado em relação às máquinas e tendendo, sem
nunca alcançar o limite, a ser eliminado do processo produtivo.
Marx associa o aumento da produtividade do trabalho ao aumento da extração da
mais-valia nos setores que produzem os meios de subsistência da Força de Trabalho:
“quanto maior a produtividade do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho requerido para
25
produzir uma mercadoria, e quanto menor a quantidade de trabalho que nela se cristaliza,
tanto menor seu valor” (MARX, 1988, p. 47).
Este caminho obrigatório seguido pelo capital, movido pela elevação da
produtividade, é geradora da queda tendencial da taxa de lucro. Este movimento do capital
conduz, necessariamente a uma crise estrutural do emprego e do sistema capitalista como
um todo. Dialeticamente esta crise pode produzir, entretanto, o seu contrário, isto é, a
humanidade se aproxima de um estágio de evolução das forças produtivas que tem o poder
de libertar os homens do trabalho compulsório e servil ao capital.
O desenvolvimento do capitalismo, através do aumento da produtividade, amplia e
potencializa não a capacidade de produção do sistema como também amplia e põe à
vista suas chagas. Associado ao aumento da produtividade encontra-se o constante
enfrentamento, pelo capital, da resistência dos trabalhadores à acumulação. O desemprego é
estrutural e a precarização do trabalho é ampliada no mundo todo, embora com velocidade
diferente nas diversas regiões do globo.
o capital é uma contradição em processo: por um lado entrava a redução do tempo de
trabalho a um mínimo, e por outro instaura o tempo de trabalho como única medida de
riqueza. Portanto, diminui o tempo de trabalho na sua forma necessária para o aumentar na
sua forma de sobre-trabalho(...)[faz com que] a produção de riqueza seja independente
(relativamente) do tempo de trabalho nela utilizado.(MARX, 1980)
O capitalismo criou diversas alternativas para sair da crise: a automação, a
informatização, as maquiladoras, a flexibilização, a terceirização e a utilização de mão-de-
obra escrava e ilegal, as guerras,... A flexibilização é apenas mais um recurso do capital
para intensificar o ritmo de trabalho e aumentar o lucro dos capitalistas.
26
Os últimos trinta anos, com seus gigantescos avanços tecnológicos generalizados,
destroem a ingênua crença no avanço tecnológico como chave do bem estar. O
desenvolvimento acelerado da tecnologia nas últimas décadas não reduziu a desnutrição de
um quinto da população mundial, nem evitou, em 1994, a morte por inanição de vários
milhares de pessoas na África, nem que habitantes do nordeste brasileiro se alimentassem
de ratos nos lixões (KATZ, 1996).
Assim, a sociedade do tempo livre é uma possibilidade criada e negada pelo
capitalismo. O capitalismo constrói a própria cova ao eliminar, pelo aumento da
produtividade, que resulta na queda da taxa de lucro e na perda da centralidade do trabalho
vivo, única fonte de riqueza do capital.
A base material para a nova sociedade está construída, o desenvolvimento atual dos
meios de produção permite uma diminuição radical da jornada de trabalho para toda a
humanidade. Entretanto, as relações de produção nos mantêm atados à velha sociedade,
capitalista, que “pretende medir pela bitola do tempo de trabalho, as gigantescas forças
sociais deste modo criadas, e encerrá-las em limites estreitos, necessários à conservação,
enquanto valor, do valor já produzido” (MARX, 1980).
1.2 - O Estado em Lênin
A exploração do trabalho sobre o capital é legalizada no capitalismo na forma de
uma relação “entre iguais”: de um lado, o proprietário dos meios de produção compra, do
outro lado, o “proprietário” da força de trabalho vende seu produto, a Força de Trabalho.
Esta divisão entre os que têm a propriedade dos meios de produção e os que têm apenas sua
27
própria vida e de sua prole, os proletários, cinde a sociedade em classes contraditórias.
(MARX, 1988)
A exploração de uma classe por outra se dá, como sempre se deu qualquer
exploração ao longo da história, com o uso de violência constante e sistemática. Para
controlar as classes trabalhadoras em luta em cada organização social, se desenvolveu o
Estado. O Estado é o representante especial da classe que detém o poder em uma sociedade.
A divisão em classes está determinada não pela vontade dos homens ou pela natureza,
como fazem crer os ideólogos burgueses, refletidos no senso comum, mas pela relação
material de exploração da força de trabalho pelos detentores dos meios de produção.
O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não
é, tampouco, “a realidade da Idéia moral", “a imagem e a realidade da Razão” como
pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu
desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel
contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode
desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos
contrários, não se entre-devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril,
sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da
sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem”. Essa força, que
sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é
o Estado. (ENGELS,1978)
Seguindo o fio condutor traçado por Engels, Lênin descreve o Estado como “produto e
manifestação do antagonismo inconciliável das classes”. Acrescenta na sua análise que o
Estado “aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem
28
objetivamente ser conciliados”. Por conseqüência, a própria existência do Estado prova
que as contradições de classes são inconciliáveis.(LÊNIN, 1973a, p394)
O Estado é uma máquina que serve para manter a dominação de uma classe sobre
outra, que não existe desde sempre:
quando não existiam classes na sociedade, quando, antes da época da escravatura, os
homens trabalhavam em condições primitivas de maior igualdade, em condições em que a
produtividade do trabalho era ainda muito baixa e quando o homem primitivo quase nem
podia conseguir os meios indispensáveis para a existência mais tosca e primitiva, então
não surgiu, nem podia fazê-lo, um grupo especial de homens afastados especialmente para
governarem e dominarem o resto da sociedade.(LÊNIN, 1973c, p319)
O Estado pode surgir quando a sociedade passou a produzir excedente, e quando
este excedente permitiu a existência da classe dos proprietários dos escravos, fez-se
necessário o Estado, para que esta classe exploradora pudesse se manter explorando. Esta
sociedade que produzia mais do que necessitava para sua sobrevivência, apareceu
quando se deu a primeira forma de divisão da sociedade em classes, na escravatura, quando
uma classe, ao se concentrar nas formas mais rudimentares do trabalho agrícola, pode
produzir excedente. (LÊNIN,1973c, p320)
O Estado é um órgão especial da classe dominante, que surge em certo momento da
história da humanidade e está condenado a desaparecer no decurso da sua evolução. O
Estado nasceu da divisão da sociedade em classes e desaparecerá no momento em que
desaparecer esta divisão. Nasceu como instrumento da classe dominante, para manter o
domínio desta classe sobre a sociedade e vai desaparecer junto com o fim do domínio desta
classe. (MANDEL, 1977, p14)
29
As relações que o proletariado e suas Organizações estabelecem com o Estado têm um
duplo significado. Por um lado responde questões políticas práticas, do momento que
atravessa a luta de classes e por outro da vinculação entre a revolução socialista do
proletariado e o Estado. Esta relação fará as massas compreenderem o que devem fazer
para se libertarem do jugo capitalista em futuro próximo. (LÊNIN, 1973a, p394)
Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de
uma classe por outra; é a criação de uma “ordem” que legalize e consolide essa submissão,
amortecendo a colisão das classes. Para os políticos da pequena burguesia, ao contrário, a
ordem é precisamente a conciliação das classes e não a submissão de uma classe por outra;
atenuar a colisão significa conciliar, e não arrancar às classes oprimidas os meios e
processos de luta contra os opressores a cuja derrocada elas aspiram. (LÊNIN, 1973a, p394)
Como o Estado representa o produto da inconciliabilidade entre as classes, como uma
força superior à sociedade, "afastando-se cada vez mais da sociedade” , fica claro que a
libertação da classe oprimida pode ocorrer por meio de uma revolução que suprima o
aparelho governamental criado pela classe dominante.
Segundo a leitura dialética da história, realizada por Engels, o Estado não existiu
sempre: a divisão da sociedade em classes ocorreu em função de certo grau do
desenvolvimento das Forças Produtivas e tornou o Estado uma necessidade. Este
mesmo desenvolvimento engendra em nossos dias uma tal produtividade que a
existência dessas classes não deixou de ser uma necessidade como tem se tornado
um obstáculo à produção. Como tudo que nasce morre, Engels conclui que “as classes
desaparecerão tão inelutavelmente como apareceram. Ao mesmo tempo que as classes
desaparecerá inevitavelmente o Estado.” (ENGELS, 1978)
30
Para Lênin, os oportunistas distorcem o significado do fim do Estado, fazendo
parecer que o “definhamento” deste pode ocorrer durante o capitalismo. Como nos
esclarece o líder bolchevique, baseado nas análises de Marx e Engels, o definhamento
virá quando a democracia for plena, isto é durante a fase socialista da história da
humanidade, somente aí, na democracia plena, chegaremos ao definhamento do
Estado junto com a “morte da democracia”. Sob o capitalismo a tarefa dos
revolucionários é contribuir para destruir o Estado burguês e não aguardar que ele
definhe. “À primeira vista, parece estranho; mas, é incompreensível para quem não
reflete que a democracia é também Estado e, por conseguinte, desaparecerá quando o
Estado desaparecer. a Revolução pode “abolir” o Estado burguês. O Estado em
geral, isto é, a plena democracia, só pode “definhar””. (LÊNIN, 1973d, p322)
O problema do Estado é um dos mais candentes para os marxistas, desvendar suas
muitas variações e complexidades em cada situação concreta, compreender o seu
movimento é necessário para compreender o estágio atual da luta de classes e onde se
encontra o próximo “passo à esquerda” que deve ser dado pela classe trabalhadora, através
de suas organizações enquanto prepara o ensaio geral da revolução que porá fim ao Estado,
à democracia e à pré-história da humanidade.
O Estado, num país capitalista, numa república democrática das mais livres, tal
como a Suíça ou a América do Norte, é a expressão da vontade popular, da decisão geral
do povo, da vontade nacional, ou o Estado é uma máquina que permite aos capitalistas
desses países conservarem o seu poder sobre a classe operária? (LÊNIN, 1973c, p531)
Todo Estado em que existe a propriedade privada dos meios de produção, em que
domina o capital, por mais democrático que seja um Estado capitalista, é uma máquina que
31
serve para subjugar a classe operária e dos camponeses pobres. O sufrágio universal ou o
Parlamento são forma de governar, que não mudam a essência do assunto. Quando está nas
mãos do capital, na realidade, quanto mais democrática for, mais grosseira e cínica é a
dominação do capitalismo. Para exemplificar isto, basta ver que uma das repúblicas mais
democrática do mundo é os Estados Unidos da América. (ENGELS, 1978, LÊNIN, 1973c)
As conquistas do Estado democrático são inúmeras e muito importantes para a
classe trabalhadora, por isso constituem uma base material para milhões de pessoas e não
apenas para os hipócritas conscientes, acharem que o Estado é livre e tem por missão
defender o interesse de todos:
A república burguesa, o Parlamento, o sufrágio universal, isso tudo constitui um imenso
progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade. A humanidade
avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, mercê da cultura urbana,
permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir consciência de si própria e criar o
movimento operário mundial; os milhões de operários organizados em partidos no mundo
inteiro em partidos socialistas que dirigem conscientemente a luta das massas. Sem
parlamentarismo, sem um sistema eleitoral, teria sido impossível este desenvolvimento da
classe operária. (LÊNIN, 1973c, p533)
Enquanto existir a propriedade privada dos meios de produção, o Estado mais
democrático não será mais do que uma máquina para submeter os explorados aos interesses
dos exploradores, isto é, manter a massa do operariado na escravatura assalariada. Esta
máquina precisa ser apropriada pelos explorados e ser posta a combater de fato a
exploração e, quando toda a exploração tiver desaparecido do mundo, quando não mais
32
houver proprietários de terras nem de fábricas, então relegaremos esta máquina para o
lixo, junto com o fim da exploração. (LÊNIN, 1973c, p534)
1.3 - A Luta de classes
Ao longo de toda a pré-história os homens viveram em comunidade, sem explorar
uns aos outros, no comunismo primitivo. A comunidade neste tempo se baseava em
extrema dependência da natureza e luta diária pela vida. Com o avanço da divisão do
trabalho e a possibilidade de produção de excedente, apareceu a divisão da sociedade entre
explorados e exploradores. A exploração sempre se deu de forma violenta direta ou indireta
(coação)e, nos 10 mil anos de história de exploração de seres humanos por outros seres
humanos ocorreram inúmeras revoltas. Uma parte delas não é conhecida, pois a historia é
contada pelos vencedores. Conhecemos o suficiente para saber que cada século destes 10
mil anos viu revoltas de escravos, de servos, de artesãos e de operários. (MANDEL, 1977,
p70).
Conforme Marx e Engels, a história é a história da luta de classes, significando que
não foram lutas pontuais, mas dezenas e dezenas de rebeliões sangrentas, de revoluções,
incluindo revoluções vitoriosas. Todas as Revoluções Socialistas do passado, entretanto,
falharam porque a sociedade ainda era muito pobre e, assim, a revolução vitoriosa tinha
dois caminhos a tomar: substituir a apropriação do sobreproduto social por uma minoria por
uma apropriação por outra minoria e não se ficaria melhor do que anteriormente, ou então
destruir o sobreproduto social. (MANDEL, 1977, p70 e 71)
33
Os escravos sublevaram-se, amotinaram-se e iniciaram guerras civis, mas não
podiam chegar a criar uma maioria consciente e partidos que dirigissem a luta, não podiam
compreender com clareza quais eram os seus objetivos, e mesmo nos momentos mais
revolucionários da história foram sempre peões nas mãos das classes dominantes. (LÊNIN,
1973c, p 533)
Desde remotas épocas históricas encontramos uma divisão completa da sociedade
em classes distintas. A sociedade burguesa, nascida das ruínas da sociedade feudal, não
aboliu o antagonismo de classes, criou novas condições de opressão. A época burguesa,
entretanto, simplificou os antagonismos de classes: divide-se cada vez mais em dois
campos diametralmente opostos, a burguesia e o proletariado. (MARX & ENGELS, 1987,
p76)
O modo de produção capitalista, ao propiciar o desenvolvimento fantástico das
forças produtivas, pela primeira vez na história cria a precondição material para que o
conforto e os tempos livres possam ser distribuídos por todos os membros da sociedade e
para que nunca mais ninguém esteja condenado a fazer um trabalho mecânico e degradante
por toda a vida. (MANDEL,1977, p 71)
As relações burguesas de produção e de troca, a sociedade burguesa, liberaram
enormes forças produtivas. A história da indústria e do comércio é a história da revolta
contra as relações de produção e de propriedade da burguesia, A epidemia que afeta o modo
de produção capitalista, diferentemente de todos os modos de produção anteriores, é a da
superprodução. As forças produtivas não mais favorecem as relações de propriedade
burguesas, ao contrário, tornaram-se (em meados do século XIX) poderosas demais para as
relações de produção que começam a entravá-las. A burguesia vence as crises que forja
através da destruição de forças produtivas e conquista de novos mercados. Esta solução,
34
entretanto, aumenta a potência da próxima crise. A burguesia forjou as armas que a
destruirão e os homens que manejarão estas armas - os proletários. ((MARX & ENGELS,
1987, p82)
A Lei Geral de Acumulação do Capital, exposta por Marx em O Capital, demonstra
que a todo aumento da riqueza corresponde um aumento da pobreza. A pobreza chega a tal
ponto que os proletários não tem outra escolha, a não ser lutar com todas as forças pela
própria vida. Esta luta, entretanto, pode conduzir a uma fase superior da história da
humanidade, sem explorados nem exploradores, o socialismo e também pode conduzir para
o fim da civilização. Qual dos dois caminhos seguirá a humanidade depois de esgotado e
vencido o modo de produção capitalista vai depender, inicialmente, da capacidade da classe
explorada de se constituir em partido, dirigente de toda a humanidade, em lugar e contra a
burguesia, e conduzir a revolução socialista.
Este processo é chamado de utópico e distante da complexidade do mundo moderno,
que não comportaria tais contradições comuns ao inicio do capitalismo, pelos ideólogos
burgueses, mas, conforme Marx, os seres humanos produzem suas relações, assim como
produzem pano ou alimento, e tais relações adquirem uma objetividade tão concreta quanto
impalpável. As relações não são simplesmente entre um indivíduo e outro indivíduo, mas
relações históricas e particulares, como as que se dão entre o capitalista e o trabalhador
assalariado. “Suprimam estas relações e terá sido destruída a sociedade inteira” (MARX, &
ENGELS, 1976, p81).
As primeiras lutas da classe trabalhadora sob o capitalismo são marcadas fortemente
pelo "elemento espontâneo", que apresenta, de forma embrionária, o elemento consciente:
35
os tumultos primitivos traduziam certo despertar da consciência: os operários perdiam
sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprimia; começavam... não direi a
compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva, e rompiam
deliberadamente com a submissão servil às autoridades. Era, portanto. mais uma
manifestação de desespero e de vingança que de luta. As greves, após 1890, mostram-nos
melhor os lampejos de consciência: formulam-se reivindicações precisas, procura-se
prever o momento favorável, discutem-se certos casos e exemplos de outras localidades
etc.(LÊNIN, 1973a, p405)
Enquanto os tumultos eram simplesmente manifestações da revolta dos oprimidos, as
greves eram o embrião da luta de classe. As greves constituíam uma luta sindical, mas
não ainda social-democrata
1
; marcavam o início do antagonismo entre operários e patrões;
porém, os operários não tinham, ainda, consciência da oposição irredutível de seus
interesses com toda a ordem política e social existente, isto é, não tinham a consciência
social-democrata. Assim, as greves após 1890, apesar do imenso progresso que
representaram em relação aos "tumultos", continuavam a ser um movimento
essencialmente espontâneo, de luta econômica, nos termos de Engels, significando
“resistência aos capitalistas”. (LÊNIN, 1973a, p405 e p414)
A consciência socialista não brota espontaneamente do proletariado e, portanto,
podia chegar até eles a partir de fora. A história atesta que, pelas próprias forças, a classe
operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso
unir-se em sindicatos, lutar contra os patrões e o governo por medidas que favoreçam os
36
operários. A doutrina socialista nasceu das teorias filosóficas, históricas, econômicas
elaboradas por intelectuais, membros instruídos das classes proprietárias. Marx e Engels
eram, pela sua situação social, intelectuais burgueses. (LÊNIN, 1973a, p405)
Os socialistas representam a classe operária em suas relações não apenas com todas
as classes da sociedade, com o Estado como força política organizada e não apenas com um
determinado grupo de empregadores, como fazem os sindicalistas. Portanto, os socialistas
não podem limitar-se à luta econômica, não podem admitir que a organização das
denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida. Os socialistas devem
empreender a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua
consciência política. (LÊNIN, 1973a, p415)
Lênin entendia que os socialistas deviam elevar a atividade da massa operária e que
esta elevação seria possível se não ficassem limitados à agitação política no terreno
econômico.
Lênin identificava um papel central nas denúncias e “revelações políticas” vivas, dos
fatos recentes que estão ocorrendo com a burguesia e a classe média, para estender a
agitação política além dos limites sindicais. Entendia que somente essas revelações
poderiam formar a consciência política e suscitar a atividade revolucionária das massas. Por
isso reputava essa atividade como uma das funções mais importantes dos socialistas:
a consciência da classe operária não pode ser uma consciência política verdadeira, se os
operários não estiverem habituados a reagir contra todo abuso, toda manifestação de
arbitrariedade, de opressão e de violência, quaisquer que sejam as classes atingidas; a reagir
justamente do ponto de vista social-democrata, e não de qualquer outro ponto de vista. A
1
O termo social-democrata utilizado por Lênin não guarda correspondência com seu uso atual, corresponde
37
consciência das massas operárias não pode ser uma consciência de classe verdadeira, se os
operários não aprenderem a aproveitar os fatos e os acontecimentos políticos concretos e de
grande atualidade, para observar cada uma das outras classes sociais em todas as
manifestações de sua vida intelectual, moral e política, se não aprenderem a aplicar
praticamente a análise e o critério materialista a todas as formas da atividade e da vida de
todas as classes, categorias e grupos de população (LÊNIN, 1973a, p421)
As revelações vivas de que trata Lênin em “Que Fazer?” são revelações políticas,
que não podem ser apreendidas pelos operários na luta econômica, que não se passam no
interior da fábrica, mas no cenário mais geral da luta de classes. Ao apreender estas
revelações vivas e tratar delas com os operários, os socialistas escapam das equações
simplificadas dos terroristas (de criar “excitantes artificiais” para a luta de classes) e dos
economicistas (de operar somente no terreno das “reivindicações concretas”).
Lênin reputa como o erro capital dos "economistas", a convicção de que se pode
desenvolver a consciência política de classe dos operários a partir do interior de sua luta
econômica, isto é, partindo principalmente dessa luta, baseando-se principalmente nessa
luta. As revelações políticas são uma declaração de guerra ao governo, da mesma forma
que as revelações econômicas são uma declaração de guerra aos donos das fábricas. Essa
declaração de guerra tem um significado moral:
tanto maior quanto mais vasta e vigorosa for a campanha de denúncias, quanto mais
decidida e numerosa for a classe social que declara a guerra para começar a guerra. Por
isso, as revelações políticas constituem, por si próprias, um meio poderoso para
hoje em dia ao termo socialista. Por isto passaremos a adotar neste capítulo, para facilitar a leitura o termo
“socialista” quando nos referirmos ao debate leninista.
38
desagregar o regime contrário, separar o inimigo de seus aliados fortuitos ou temporários,
semear a hostilidade e a desconfiança entre os participantes permanentes do poder
autocrático. (LÊNIN, 1973a, p427)
1.4 - O Estado em Gramsci
A obra de Gramsci tem grande destaque na produção marxista do século XX.
Entretanto, esta obra tem permitido, pela sua incompletude, leituras diversas do seu
conteúdo, ora mais à esquerda, ora mais à direita. O próprio Gramsci apontou esta
“incompletude” da sua obra, uma vez que escreveu a maior parte dela no cárcere,
submetido a um cerco de censura constante, além de não ter acesso a muitos textos que
seriam fundamentais para dar mais consistência a suas análises. Além disso, Gramsci ficou
restrito à Itália pelo Stalinismo e pode ter sofrido as limitações de elaborar sua teoria sobre
uma sociedade em particular.
Gramsci travou um combate com o que definiu como “maximalismo”, grupo
reformista que era a extrema-esquerda do Partido Socialista Italiano, entendido como uma
concepção fatalista e mecanicista da doutrina de Marx, que supõe ser inelutável que o
proletariado vença e, portanto, seria inútil mover-se, já que as massas viriam até nós.
Contra esta concepção, Gramsci invoca Lênin, que dizia que para vencer o inimigo de
classe, devemos aproveitar qualquer rusga em seu seio e utilizar todo aliado possível,
mesmo os incertos, vacilantes, provisórios. Primeiro é preciso desagregar o inimigo para
depois enfrentá-lo em campo aberto.
39
A Sociedade Civil recebe de Gramsci vários sinônimos, que ajudam a compreender
o seu papel. Portadora material da figura social da Hegemonia, esfera de mediação entre a
infra-estrutura econômica e o Estado, constitui a “trama privada”, é a soma dos “aparelhos
privados de hegemonia”.
Segundo Coutinho, Gramsci não nega o materialismo histórico, como base da
produção/reprodução da vida material, relações sociais e como fator ontologicamente
primário na história. O Estado para Marx, Engels e Lênin é Aparelho de Repressão (detém
o monopólio da violência), em Gramsci o Estado analisado é mais complexo, sendo que
grandes sindicatos, partidos de massa, jornais proletários e sufrágio universal dão a forma a
este Estado. Para Gramsci, “Marx não poderia ter experiência histórica maior que a de
Hegel, portanto, organização política para Marx era: organização profissional, clubes
jacobinos, conspirações, pequenas organizações, organizações jornalísticas”. (COUTINHO,
1981)
Segundo Gramsci, a socialização da política é possível no capitalismo desenvolvido,
com a formação de Sujeitos Coletivos de Massa, que atuam entre dois planos
superestruturais:
o que pode ser chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto de organismos chamados
comumente de “privados” e o da “sociedade política ou Estado” e que correspondem à
função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de
“domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.
Estas funções são precisamente organizativas e coercitivas. (GRAMSCI, 1989, pp42-49)
Sociedade Civil é o conjunto das organizações para elaboração e difusão da
Ideologia: escolas, partidos, igrejas, organizações profissionais, organização material da
40
cultura (revistas, jornais, meios de comunicação de massa). A luta pelo poder no Estado
deve ser ganha na Sociedade Civil antes, ou seja, a Transição como Processo (Guerra de
Posições)
O plano da Sociedade Civil é abrangente e vasto, pois constitui o campo da
ideologia, e a ideologia pode ser classificada em diversos graus:
a) Filosofia: individual, mais elaborada, chave-mestra da Ideologia, se prolonga no
Senso Comum para dirigir a sociedade;
b) Senso Comum: traços difusos de uma época/meio, não é igual na sociedade, seu
traço fundamental é constituir uma concepção fragmentária e incoerente; é o
folclore da filosofia;
c) Religião : tem vínculo maior com o Senso Comum do que com a filosofia;
d) Folclore: concepção de mundo não elaborada e assistemática, conjunto indigesto de
fragmentos contaminados.
A verdadeira relação entre filosofia e senso comum é feita pela política para assegurar a
hegemonia. O dever de qualquer novo grupo social é definir sua própria filosofia e
combater o senso comum.
A estrutura e o material ideológico são a articulação interna da Sociedade Civil.
Organização Culturais materiais são construídas para defender e desenvolver a frente
teórica, suas frações são, por exemplo, a magistratura e os oficiais do exército.
41
1.4.1 - Estado burguês e Estado proletário
A classe dominante não tem no Estado sua única fonte de poder, este poder nasce da
posse dos meios de produção, é expressão concreta de relações sociais que se produzem e
reproduzem na sociedade. Por isso, a disputa de hegemonia é um processo de “construção”
de uma ordem de instituições próprias da classe trabalhadora para se contrapor às
instituições burguesas. Nestas instituições proletárias, organizar-se-iam as relações que se
transformariam em uma nova “cultura”, que constituiria a base para a construção de um
novo “Estado”, de um duplo poder, nos termos Leninistas. Assim, Gramsci afirma que:
o Estado socialista existe potencialmente nas instituições da vida social, características
da classe trabalhadora explorada. Coligar entre os trabalhadores estas instituições,
coordená-las e subordiná-las a uma hierarquia de competência e de poderes, centralizá-las
fortemente, embora respeitando as necessárias autonomias e articulações, significa criar
desde uma verdadeira e própria democracia operária em contraposição eficiente e ativa
com o Estado burguês, preparada desde para substituir o Estado burguês em todas as
suas funções essenciais de gestão e de domínio do patrimônio nacional. (GRAMSCI,
1976a, pp337)
Nesta passagem, Gramsci contrapõe as “instituições operárias” às burguesas, atribui
também um caráter de Estado a estas instituições uma vez que estas estejam organizadas,
centralizadas e subordinadas a uma determinada hierarquia. Em outra passagem esta
afirmação fica ainda mais clara:
O problema concreto do Partido Socialista é (...) o problema do poder, é o problema dos
modos e das formas pelos quais seja possível organizar toda a massa dos trabalhadores
42
italianos numa hierarquia que organicamente culmine no partido, é o problema da
construção de um aparelho estatal, que no seu âmbito interno funcione democraticamente,
isto é, que garanta a todas as tendências anticapitalistas a liberdade e a possibilidade de se
tornarem partidos de governo proletário e, em relação ao exterior, que seja como uma
máquina implacável que mine os organismos do poder industrial e político do capitalismo.
(GRAMSCI, 1976b, pp 81)
O Fim do Estado, para Gramsci, é o fim dos mecanismos de coerção do Estado, ou
a reabsorção da Sociedade Política na Sociedade Civil. É a supremacia da
hegemonia/consenso sobre a coerção/dominação.
Por ter esta concepção, Gramsci foi crítico a URSS de Stálin, apesar de, por escrito,
elogiar Stálin e se posicionar contra Trotski na questão da Revolução em um país. Suas
críticas se acentuaram com o fim da NEP (Nova Política Econômica) gradualista e com o
processo de coletivização forçada e de industrialização acelerada.
Gramsci propunha como meta o fim das divisões governantes/governados e
dirigentes/dirigidos, no que se assemelha a Lênin, em Estado e Revolução, que propõe a
completa socialização do poder. Mas, para Lênin (assim como para Engels) essa completa
socialização ocorre quase automaticamente, com a extinção das classes sociais. Gramsci,
supõe uma luta na política, nas instituições socialistas, faz uma crítica à “estatolatria” da
URSS. (Coutinho, 1989)
Apesar de reconhecer a importância de fortalecer o Estado em alguns países (onde a
Sociedade Civil é fraca), durante as primeiras etapas da Construção do Socialismo, Gramsci
propõe o Autogoverno dos produtores em lugar do Governo dos Funcionários. Diz que, o
Estado Socialista deve fortalecer a Sociedade Civil como condição para sua própria
43
extinção. O fim do Estado, o fim da coerção é o inicio do Governo da Sociedade Civil.
Gramsci é contra a identidade partido/Estado, ideologia do partido/ideologia do Estado.
Esta construção do conceito de Estado em Gramsci, permeada pelas
“incompletudes” da sua teoria, discutidas anteriormente, associada às limitações da escrita
no cárcere (onde ele não podia escrever, por exemplo, sobre a importância da insurreição
para a tomada do poder) permitiram que setores socialistas reformistas tomassem (até os
nossos dias) sua teoria como base para o reformismo. A utilização reformista de Gramsci
supõe uma leitura parcial de sua obra, descontextualizada do conjunto e também da
situação histórica em que vivia o pensador/militante italiano. Gramsci não deixou dúvidas
quanto ao papel que os setores reformistas dão ao Estado:
Os socialistas têm simplesmente aceito a realidade histórica produzida pela iniciativa
capitalista. Eles acreditam no caráter perpétuo e fundamental das instituições do
Estado democrático. Na visão deles, a forma dessas instituições pode ser corrigida e
retocada aqui e acolá, mas deve ser respeitada no fundamental (...) Nós, por outro
lado, permanecemos convencidos de que o Estado socialista não pode ser
incorporado nas instituições do Estado capitalista (...) O Estado socialista deve ser
uma criação fundamentalmente nova.(HARMAN, 1978)
Desta leitura de Gramsci, se depreende a formulação da necessidade de um Partido
Comunista que tenha como uma de suas tarefas fundamentais a de:
colocar ao proletariado e seus aliados o problema da insurreição contra o Estado burguês
e da luta pela ditadura do proletariado (...) a conquista violenta do poder necessita da
criação de um partido da classe operária com um tipo de organização militar,
44
amplamente difundido e enraizado em cada célula do aparato estatal burguês, e capaz de
golpear e infligir-lhe sérias baixas no momento decisivo da luta. (GRAMSCI, apud
HARMAN, 1978)
Podemos afirmar que o conceito de Estado em Gramsci estabelece vínculo direto com
a tradição de Marx, Engels e Lênin, ao tratar deste como um organismo próprio de um
grupo, que utiliza o monopólio da coerção, mas não apenas este monopólio, para manter a
hegemonia sobre a sociedade. O Estado não pode, entretanto, se apresentar como órgão de
uma classe, precisa manter a aparência de uma representação universal da sociedade.
O mantenimento desta aparência implica na incorporação, como direitos, de
reivindicações e interesses do proletariado. Esta incorporação retira das reivindicações seu
potencial questionador da ordem vigente e as enquadra numa lista de tarefas burocráticas a
serem cumpridas, em tese, pelo Estado. O cumprimento ou não destes direitos é o resultado
contraditório de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis e de arranjos de
força entre as classes. Este processo é limitado pela necessidade de reprodução do próprio
capital e se limita, portanto, ao nível das reivindicações econômicas parciais, sem atingir
jamais os pilares do capitalismo: a propriedade privada dos meios de produção e a
exploração da força de trabalho.
Gramsci não deixa dúvida sobre o que representa o Estado para os socialistas: o
Estado é a organização econômico-política da classe burguesa; é a classe burguesa na sua
concreta força atual. (GRAMSCI, 1976, pp231)
O Estado burguês funciona como trincheira avançada, protegida por casamatas e
fortalezas que o enraizavam na carne da sociedade, dando unidade ao domínio burguês. Já o
45
proletariado, segundo podemos interpretar dos textos precedentes de Gramsci, deve ir
constituindo seu próprio Estado (proletário) através do Partido.
A luta dos trabalhadores deveria ir construindo suas instituições, assim como sua
cultura, mas estas necessitariam, igualmente, de uma unidade e centralidade, de um Estado
que se contraporia ao Estado burguês. Assim, conclui Gramsci: “a fórmula ‘conquista do
Estado’ deve ser entendida nesse sentido: criação de um novo tipo de Estado, gerado pela
experiência associativa da classe proletária, em substituição do Estado democrático-
parlamentar”. (GRAMSCI, 1976c, pp 357)
A construção de um poder popular e o acúmulo de forças, segundo o conceito de
hegemonia de Gramsci, implicariam, portanto, não a disputa do Estado burguês, ainda que
em certas situações a luta possa chegar ao interior de suas trincheiras, mas
fundamentalmente a criar uma ordem institucional e política contrária à burguesa, em luta
contra ela e que se organiza para substituí-la. Nas palavras de Gramsci, o partido proletário:
pode reconhecer no Estado, conjunto da classe burguesa, o seu direto antagonista. Não
pode entrar em concorrência para a conquista do Estado, nem direta nem indiretamente, sem
se suicidar, sem se desnaturar e transformar em puro setor político, fora da atividade histórica
do proletariado, e se transformar num enxame de moscas de cavalariça em busca dos doces a
que se agarrar, morrendo ingloriamente. (GRAMSCI, 1976d, pp174)
Portanto, para Gramsci não se trata de “disputar” o Estado burguês, mas de
substituí-lo por outro. As organizações criadas pela ação do proletariado em sua luta contra
o capital devem se preparar para serem “órgãos do poder proletário que substitui o
capitalismo em todas as suas funções”.
46
Gramsci estabelece uma importante diferença entre aquilo que chama de “grande
política” e “pequena política”. A “pequena política”, ou “política menor”, seria aquela que
se identifica com a “política do dia-a-dia, parlamentar, de corredores, de intrigas”. A
“grande política” seria aquela que compreende “as questões ligadas à fundação de novos
Estados, com a luta pela destruição, a defesa, a conservação de determinadas estruturas
orgânicas econômico-sociais”. (GRAMSCI, 1976e, pp 159)
A política menor seria aquela que se prende a questões “parciais e cotidianas” que
se apresentariam no “interior de uma estrutura estabelecida”, e é por isso, conclui
Gramsci, que a classe dominante quer manter toda a luta dentro destes limites, evitando que
o choque ocorra entre a defesa da manutenção daquilo que está estabelecido contra a
necessidade de instituir novas formas de vida.
Desta maneira, a disputa de hegemonia é vista como o processo pelo qual,
simultaneamente, se luta contra o Estado burguês e se constrói um novo Estado proletário.
Para que não pairem dúvidas sobre se isso significa disputar as instituições do Estado
burguês, Gramsci conclui que: “é preciso que o próprio poder passe para os trabalhadores,
mas estes nunca o poderão ter até que se iludam de podê-lo conquistar e exercer através dos
órgãos do Estado burguês.” (GRAMSCI, 1977, pp297)
1.5 - As Associações de Cultura e a Luta pela Hegemonia
Na construção do Estado proletário ganham relevo na obra de Gramsci as Associações
de Cultura, que devem tratar da preparação do proletariado, criar condições para a disputa
da hegemonia, desinteressadamente, isto é, sem esperar o estímulo da atualidade.
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O socialismo é uma visão integral de vida, tem uma filosofia, uma mística, uma moral.
A Associação de Cultura deve discutir estes problemas, clarificar e propagar. Pode resolver
também a função dos intelectuais, que ficam sem espaço/função específica. Um golpe nos
dogmas com o espírito da solidariedade desinteressada, o amor pela livre discussão, a busca
da verdade com meios humanos (a inteligência). Junto com o Partido e a Central Sindical,
seria o 3º órgão do movimento de reivindicação da classe trabalhadora.
São organizações culturais: a igreja, a escola, a imprensa (a esta se vincula tudo que
possa refletir a opinião pública: biblioteca, clubes, círculos,...).
Gramsci, utilizando as categorias marxistas, faz a leitura aprofundada da sua realidade
concreta, buscando descobrir como construir a “grande política” no seu tempo e lugar.
Constata diferenças estruturais entre as formações econômicas do Ocidente e do Oriente. O
Ocidente tem maior numero de proletários, uma aristocracia operária, uma burocracia
sindical, grupos social-democratas, no campo das superestruturas políticas. Tem um
capitalismo mais desenvolvido e, portanto, as ações das massas devem ser mais lentas e
prudentes. O partido deve ter estratégia e tática mais complexas e de longo alcance (Guerra
de Posições, descrita a seguir). Este quadro do Ocidente é muito diferente da Rússia, com
as massas na rua e o assalto revolucionário. O proletariado, no Ocidente, deve controlar a
produção econômica e, alem disso, exercer direção política e cultural sobre o conjunto dos
não capitalistas, os trabalhadores devem, portanto, conhecer e dominar a reprodução global
da formação econômico-social que querem transformar. (GRAMSCI, 1989).
Hegemonia, em Gramsci, significa determinar os traços específicos de uma
condição histórica, tornar-se protagonista das reivindicações/soluções dos outros e unir em
torno de si estes outros/aliança contra o capitalismo, isolando-o. (GRAMSCI, 1989)
48
será classe dominante quem for classe dirigente, com o consenso da maioria
dos trabalhadores. Por substituir a coerção pelo consenso, Gramsci foi contra a expulsão de
Trotski, apesar de não concordar com as suas posições políticas.
A Hegemonia tende a construir o Bloco Histórico. Nos Cadernos somente
alusões esquemáticas ao Bloco Histórico, tratando da afirmação sumária da unidade entre a
estrutura sócio-econômica e a superestrutura-política ideológica.
Bobbio, Piotte e Portelli, sublinham a especificidade do Bloco Histórico e o põe
como conceito chave em Gramsci. Constituem o triplo aspecto do Bloco Histórico:
1- Estudo das relações entre estrutura e superestrutura, sem conceber a primazia de
uma sobre a outra (consideradas desvios economicista e idealista), o ponto essencial
nesta relação é o vínculo que realiza unidade, o vínculo orgânico, que corresponde
a uma Organização Social Concreta. Este vínculo é operado por certos grupos
sociais, cuja função é operar, não no econômico, mas no superestrutural: os
intelectuais, os funcionários da superestrutura.
2- O Bloco Histórico deve ser ponto de partida de uma análise da maneira como um
sistema de valores culturais, a ideologia, impregna, penetra, socializa e integra um
sistema social. Um sistema social é integrado quando se edifica um sistema
hegemônico, dirigido por uma classe que confia a gestão aos intelectuais.
3- Como se desagrega um Bloco Histórico, na Revolução burguesa em França e Itália
e na Revolução operária na Rússia (1917) e na Itália (1920).
49
1.5.1 - Educação
Para os proletários é um dever não serem ignorantes. O problema da educação dos
proletários é problema de liberdade. No texto “Homens ou Máquinas”, Gramsci diz que a
Cultura e a Escola são privilégios, à escola devem ter acesso todos os inteligentes, qualquer
que seja sua condição econômica. O sacrifício do coletivo deve ser em função dos que
merecem. As escolas médias e superiores não são para proletários, que delas são excluídos,
e as escolas técnicas são pobres.
Para Gramsci, a educação oferecida ao operário manual, que o torna operário
qualificado, cria uma falsa mobilidade social e não é democrática mas estratifica as
diferenças de classe; a educação democrática deveria elevar os cidadãos, mesmo que
tendencialmente, para terem condições de governar. Assim, a escola unitária significava a
democratização e o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial,
não só na escola mas também em toda a vida social. (MIGUEL, 2002)
A exigência da cultura, a necessidade de organização desta mesma cultura e também
a busca de uma relação educativa que livrasse o proletariado da dependência dos
intelectuais burgueses são os temas que, segundo Manacorda, começaram a aparecer nos
escritos de Gramsci em relação à educação. (MANACORDA, 1977, p. 23),
A Escola Unitária é definida por Gramsci como aquela capaz de, mediante um
ensino eficiente, contribuir para retirar da ignorância as camadas mais pobres da população.
Gramsci elabora uma proposta concreta de organização da cultura proletária, que envolvem
a educação e o intelectual orgânico: a necessidade da organização da cultura proletária
mediante o trabalho do intelectual orgânico.
50
A proposta de escola unitária tem o trabalho como princípio pedagógico, a formação
escolar de Gramsci se inspirou nos treinamentos dados aos operários, pelas fábricas.
Gramsci a educação colaborando na indústria e também a indústria como um elemento
educativo: a produção disciplina o trabalhador e é portanto educativa.
O trabalho sendo o princípio educativo na escola elementar ajuda a combater uma
leitura mágica do mundo, fornecendo os princípios para desenvolvimento de uma
concepção dialética do mundo, para a compreensão da soma de esforços e de sacrifícios
que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da
atualidade como síntese do passado que se projeta no futuro. Este princípio educativo
deverá ser capaz de permitir aos alunos perceberem o movimento real existente no processo
histórico. (GRAMSCI, 1982)
O trabalho como princípio educativo em Gramsci é entendido além da educação
escolar, sua pedagogia propõe a formação de intelectuais orgânicos, capazes de contribuir
para dar organicidade de classe ao proletariado, de forma que estes passem a conquistar e
consolidar a sua hegemonia, em direção à sociedade socialista.
O intelectual orgânico deste processo educativo deveria ser capaz de promover uma
centralização e um impulso da cultura nacional italiana, que fossem superiores aos dos
intelectuais tradicionais com os quais disputariam a hegemonia (da Igreja Católica).Este
intelectual servirá de elo de ligação entre a infra e a superestrutura, entre dirigentes e
dirigidos, deverá por um lado elaborar e difundir a ideologia e por outro assegurar à classe
uma certa homogeneidade e uma consciência de seu lugar na sociedade. (GRAMSCI, 1982
e MACCIOCCHI, 1980)
No texto “Escola Desinteressada”, Gramsci diz que a escola deve tratar de
princípios gerais para desenvolver o caráter. Deve ser humanista. Não deve mover a criança
51
num sentido preestabelecido. A escola deve ser de liberdade e livre iniciativa, não de
escravidão e mecânica. Os alunos não devem ser instruídos numa profissão sem Idéia
Geral, Cultura Geral, só com um golpe de vista infalível e mão firme.
Na proposta da escola unitária estão presentes os principais elementos da pedagogia de
Gramsci, ou seja, a escola estreitamente vinculada às necessidades socioeconômicas,
compreendidas as político-culturais. Estas necessidades não se situam num plano
genérico, porém são determinadas pelo contexto histórico-econômico e estão vinculadas a
uma classe específica, o proletariado. (MIGUEL, 2002)
No texto “Universidade Popular”, Gramsci diz que esta não conseguiu impor-se
em Turim e analisa as causas:
-é possível reunir um público à volta de um fogo de cultura, desde que este fogo seja vivo e
aqueça de verdade;
-o que os faz operar é um brando/pálido espírito de beneficência, não um desejo vivo e
fecundo de contribuir para a elevação espiritual das massas;
-não se buscou o modo mais eficaz como estas categorias de pessoas pode aproximar-se do
mundo do conhecimento;
-tratou com dogmas, verdades prontas;
-uma verdade é fecunda quando se faz um esforço para a conquistar, o fecundo é a
conquista do espírito e não a verdade em si. Deve-se reproduzir em cada um aquele estado
de ânsia que atravessou o estudioso antes de a alcançar. Deve-se, portanto, dar valor à
história da matéria a ensinar, mostrar os esforços, erros e acertos.
-o ensino dessa maneira torna-se ato de libertação, tem o fascínio de todas as coisas vitais.
52
1.5.2 - O Intelectual Coletivo
Gramsci avalia que o conceito de Partido como “aparelho” é um erro e propõe um
Partido de Massas, orgânico aos Movimentos Populares, diferindo e se afastando, desta
forma, da definição de partidos de quadros expressa em Que Fazer, de Lênin.
Baseado no Príncipe de Maquiavel, considerado o intelectual individual, Gramsci
define o Partido Revolucionário Moderno como o “moderno príncipe”, o Intelectual
Coletivo. Voltando, assim, a se aproximar do conceito de partido definido por Lênin, em
“Que Fazer?”, onde a tarefa básica, que equipara o Partido ao Intelectual Coletivo, é
superar na classe operária a consciência trade-unionista/sindicalista ou fornecer elementos
teóricos para a classe operária elevar-se em consciência de classe, em direção à totalidade.
O moderno príncipe deve construir um “momento catártico”, para superar os
resíduos corporativos (momentos egoístico-passionais) e formar a vontade coletiva,
nacional popular, que ascenda do particular ao geral e da necessidade à liberdade.
Segundo Gramsci, o partido político, para todos os grupos, é “precisamente o
mecanismo que cumpre na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado de
um modo mais vasto e mais sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a fusão
entre os intelectuais orgânicos de um dado grupo, o grupo dominante, e os intelectuais
tradicionais.” (GRAMSCI, 1989, pp48)
no momento “ético-político”, que Lênin chama de consciência que vem de fora
da práxis econômica, é que o proletariado pode tornar-se classe nacional, dirigente e
hegemônica. Elaborar, de modo homogêneo e sistemático esta “vontade coletiva” é
construir novo Bloco Histórico Revolucionário. Para Gramsci este é o papel do Partido.
53
Segundo Coutinho, Gramsci ainda não fala de vários partidos, Togliati o fará.
Gramsci destaca a sua diferença com Sorel, para quem a greve geral, por exemplo,
adquire força de mito, sem vínculo com a realidade objetiva. Contra a espontaneidade de
Sorel, Luxemburgo e Bordiga, propõe partir do “espontâneo” e educar, purificar e orientar
como política de massas e não aventura de grupos, nem de cima para baixo.
O partido deve lutar política, econômica, social e culturalmente pela criação de uma
Nova Cultura para a vontade coletiva Nacional-Popular. Deve proceder a uma Reforma
Intelectual e Moral.
Esta nova cultura de massa deve recolher e sintetizar os momentos mais elevados da
cultura do passado, deve unir a profundidade intelectual do Renascimento com o caráter
popular da Reforma. É preciso dar cabo da divisão proprietários/não proprietários e
intelectuais/pessoas simples; sendo esta ação decisiva na luta pelo fim do Estado.
Em um Partido, todos os membros devem ser considerados intelectuais. Não pelas
qualidades individuais, mas, “pela função, que é diretiva e organizativa, isto é educativa,
intelectual (...) no partido político os elementos de um grupo social econômico superam
este momento de seu desenvolvimento histórico e se tornam agentes de atividades gerais,
de caráter nacional e internacional” (GRAMSCI, 1989, pp49-50)
Os intelectuais são agentes de consolidação de uma vontade coletiva, de um Bloco
Histórico. São Orgânicos quando, em estreita ligação com a emergência de uma classe
social determinante no modo de produção econômico, têm a função de dar homogeneidade
e consciência a esta classe. São Tradicionais quando, no passado foram orgânicos de uma
classe, por exemplo, os padres com relação à nobreza no feudalismo; com o
desaparecimento da nobreza se tornam mais ou menos independentes/autônomos. “Pode-se
observar que os intelectuais “orgânicos” que cada nova classe cria consigo e elabora em seu
54
desenvolvimento progressivo, são, “especializações” de aspectos parciais da atividade
primitiva do tipo social novo que a nova classe deu à luz”. (GRAMSCI, 1989, pp35)
Gramsci considera intelectuais isolados, ou em grupos (revistas, jornais,...) como
partidos ou frações. Os intelectuais isolados são os:
“comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas de
hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso “espontâneo” dado pelas
grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à
vida social...2) do aparato de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos
grupos que não “consentem”. (GRAMSCI, 1989, pp42)
No partido, nem todos os intelectuais são de mesmo nível, portanto a organização se
em estratos:
1- Estrato de “homens comuns, médios”, caracterizados mais pela disciplina e
fidelidade do que pelo espírito criativo.
2- Estrato coesivo principal, que organiza e centraliza, que dirige. São os capitães, é
mais fácil formar um exército do que formar capitães.
3- Estrato intermediário, que liga os estratos 1 e 2 e tem elementos de 1 e de 2, não é
fixo.
O partido é democrático quando:
a- há circulação permanente entre 1, 2 e 3;
b- quando sua ação não é conservadora, mas progressista, para elevar ao nível
da nova legalidade as massas atrasadas;
c- quando não é mero executante, mas deliberador
55
Na luta deve-se sempre prever a derrota e a preparação dos próprios sucessores ( 2
preparando 1 e 3).
Em nosso estudo adotaremos o termo “militante” para designar o que em termos
gramsciano seria o “intelectual orgânico” e em termos leninistas seria o “militante
socialista”, que, segundo GERMER (2004), “combina as características destes dois
indivíduos - o militante operário e o intelectual socialista fundem-se em um novo
indivíduo, o militante e dirigente socialista.” Como este estudo trata de um processo de
construção da trajetória da militância e da própria militância, os militantes aparecerão
designados pelas três formas: a) sindicalistas (mais próximos da definição de militante
operário); b) técnicos-militantes (mais próximos da definição de intelectuais socialista) e c)
militantes (que se aproxima da definição de militante socialista e intelectual orgânico).
1.5.3 - Guerra de Posições
A guerra de movimento implica na movimentação rápida dos exércitos inimigos,
com repentinos avanços e recuos, em que cada um procura desbordar o flanco do
outro exército, e cercar as cidadelas dele. A guerra de posição, ao contrário, se
caracteriza por ser uma luta prolongada em que os exércitos em batalha chegam a um
impasse, cada um deles quase incapaz de avançar, como nas guerras de trincheira de
1914-18.
A conquista do poder nas sociedades avançadas/complexas deve ser precedida de
longa batalha pela Hegemonia e pelo Consenso no interior e através da Sociedade Civil. É
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uma longa marcha pelas instituições da Sociedade Civil, a transição como “processo” em
lugar da “grande noite” da tomada do palácio.
A fórmula de 1848, da Revolução Permanente/Guerra de Posições, foi elaborada e
superada pela Sociedade Civil, a inflexão foi 1870, quando as sociedades européias
passaram a se ocidentalizar:
a fórmula da revolução permanente "pertence a um período histórico no qual os
grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos econômicos ainda não
existiam, e a sociedade estava ainda, por assim dizer, num estado de fluidez em muitos
aspectos (...) No período após 1870 (...) as relações organizacionais internas e
internacionais do Estado tornaram-se mais complexas e imponentes, e a fórmula de
1848 da 'Revolução Permanente' [Marx adotou esse slogan depois da revolução de
1848] é desdobrada e ultrapassada na ciência política mediante a fórmula da 'hegemonia
civil'." (GRAMSCI, apud HARMAN, 1978)
Um grupo social precisa ser dirigente antes de ser dominante. Gramsci travou
batalha com Trotski e Rosa Luxemburgo sobre a Guerra de Movimento X Guerra de
Posições, na verdade travou a batalha contra o catastrofismo econômico da Internacional
Comunista.
Para Gramsci, a Crise no Ocidente não é pontual, é sinal de que o velho morre, mas
o novo não consegue nascer : a classe dominante perdeu o consenso, não é mais dominante,
dirigente, isto é, as grandes massas se separaram da ideologia e a crise é de hegemonia
política, é crise orgânica.
Neste caso, o critério não é a “grande noite”, mas a iniciativa dos sujeitos coletivos,
a capacidade de fazer política, envolver a massa para resolver seus próprios problemas.
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Esta classe dirigente deve tornar-se classe nacional (assumir para si os problemas efetivos
da nação / não corporativos).
Assim, Gramsci se põe a continuar Lênin, na transição da Guerra de Movimento
para a Guerra de Posições.
Depois da morte de Gramsci, seu espólio é disputado pelos reformistas, que seguem
“aprofundando” a Revolução Permanente, Togliati e Curiel definem a Democracia
Progressiva (etapismo).
Apesar dos muitos usos reformistas que foram feitos da obra de Gramsci, este
nunca negou o papel determinante da economia na vida política, dizia que: [enquanto]
"pode ser descartada a hipótese que as crises econômicas imediatas produzem, por si
mesmas, eventos históricos fundamentais (...) elas podem simplesmente criar um terreno
mais favorável para a disseminação de certos modos de pensar e certos modos de pôr e
resolver questões, envolvendo todo o desenvolvimento subseqüente da vida nacional".
(GRAMSCI, apud HARMAN, 1978)
Segundo Gramsci, os componentes ideológicos presentes na massa sempre se
atrasam em relação aos fenômenos econômicos de ação desta própria massa, avalia então
que, "em certos momentos o impulso automático devido ao fator econômico é freado,
obstruído, ou mesmo momentaneamente quebrado pelos elementos ideológicos
tradicionais". Exatamente por causa desse atraso da ideologia em relação à economia a
intervenção do partido revolucionário nas lutas econômicas dos trabalhadores é
fundamental, para arrancá-los da influência reformista. Disto se depreende que:
deve haver uma luta consciente, planejada, para assegurar que as exigências da
posição econômica das massas, que podem ser incompatíveis com as políticas das
58
direções tradicionais, sejam compreendidas. Uma iniciativa política apropriada é
sempre necessária para liberar o impulso econômico do peso morto das políticas
tradicionais. (GRAMSCI, apud HARMAN, 1978)
Sobre a conquista da hegemonia, Gramsci nunca sugere nos Cadernos do
Cárcere que esta luta possa resolver por si o problema do poder estatal. Mesmo
num período em que a guerra de posição cumpre um papel predominante, Gramsci fala de
um "elemento 'parcial' de movimento" , e diz que a guerra de movimento cumpre
"mais uma função tática do que uma função estratégica".
59
CAPÍTULO II
A DOENÇA DOS TRABALHADORES SOB O CAPITAL
Os primeiros limites legais à atuação do capitalismo são oriundos do Estado Liberal
na Inglaterra do século XIX, através da Lei Fabril de 1860, que foi incrementada com a
criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), através do Tratado de Versalhes
em 1919.
A primeira regulamentação sobre saúde dos trabalhadores, a lei Fabril Inglesa pode
ser considerada a primeira reação consciente e metódica da sociedade contra a exploração
do trabalho pelos capitalistas. Vendo a matéria desta lei, compreende-se que nada poderia
caracterizar melhor o sistema capitalista de produção do que a necessidade de o Estado
impor-lhe coativamente a adoção das mais simples precauções de limpeza e de higiene“
(MARX, 1988, p552).
Entretanto, “[no texto da Lei] além da redação que permite ao capitalista burlá-la, as
disposições sobre higiene são extremamente pobres, limitando-se a prescrever a caiação de
paredes e algumas medidas de limpeza, de ventilação e de proteção contra máquinas
perigosas “ (MARX, 1988, p 551).
Em 1865, havia 3217 minas de carvão na Grã-Bretanha, para 12 inspetores, calcula-
se que, se fizessem apenas isso, cada mina seria inspecionada só uma vez em 10 anos, o que
dá uma boa idéia acerca do investimento do Estado na aplicação das leis que interessam aos
trabalhadores (MARX, 1988).
Estes primeiros limites legais à exploração foram tratados com fraudes pelos
capitalistas e seus assessores: a Lei Fabril limitava em seis horas a jornada de trabalho de
60
menores de 13 anos - médicos falsificaram declarações de idade e quase
concomitantemente à aplicação da Lei houve uma brusca “diminuição” no número de
trabalhadores com menos de 13 anos empregados na Inglaterra. (MARX, 1988)
Desde os primórdios do capitalismo, tal como discutido por Marx e Engels, o
Capital adota medidas preventivas contra acidentes do trabalho porque é coagido a fazê-
lo pelo Estado. Entretanto, o Estado, sendo um aparelho da classe dominante em cada
época, materializa esta coação de maneira bastante limitada, por se tratar, em tempos
normais, de uma “auto-coação” do capital (representado no Estado, seu Comitê de
negócios) ao capital, que obviamente, em ST tende a não ocorrer, a menos que haja grande
pressão das organizações dos trabalhadores, isto é, que a luta de classes seja favorável
momentaneamente aos explorados.
Marx apontou, em meados do século XIX, que o simples fato de trabalharem
atormenta e encurta, por sofrimentos físicos sem fim, a vida de milhões de trabalhadores.
Estes mesmos trabalhadores são incapazes de criar para si mesmos a justiça sanitária e as
autoridades sanitárias não oferecem ajuda eficaz. (MARX, 1988, p 533).
O processo de trabalho, sob o capitalismo, tem características gerais, como processo
de valorização, que correspondem a diferentes estratégias de extração da mais-valia e à
formas diferentes de subsunção do trabalho ao capital. “As duas grandes etapas são a do
predomínio da extração da mais-valia absoluta e a do predomínio da extração da mais-valia
relativa, que, em termos do processo de trabalho, correspondem, respectivamente, à
subsunção formal e à subsunção real do trabalho ao capital” (LAURELL & NORIEGA,
1989, p.107).
Segundo Laurell e Noriega, nestas grandes etapas do processo de produção
capitalista pode-se distinguir sub-etapas, de acordo com a conformação do processo de
61
trabalho e definidas segundo as características da sua base técnica e da organização e
divisão do trabalho, que são bastante homogêneas em cada sub-etapa e possuem grandes
notáveis entre uma e outra. Na etapa com predomínio da extração da mais-valia absoluta,
tem-se a cooperação simples e a manufatura e, na etapa com predomínio da extração da
mais-valia relativa, tem-se o maquinismo simples, o taylorismo, o fordismo e a automação
(LAURELL & NORIEGA, 1989).
Como vimos antes, segundo Marx, o que move estas transformações do processo
de produção capitalista é a concorrência intercapitalista e a luta entre capital e trabalho.
Cada nova sub-etapa é sucessora histórica da anterior, no sentido de que não permite uma
volta à sub-etapa anterior.
Na sub-etapa atual do processo de produção capitalista, de aumento crescente da
automação, diminui acentuadamente a participação dos trabalhadores no processo
produtivo; suas funções passam a ser quase exclusivamente de vigilância do processo e de
manutenção das máquinas. Segundo Marx,
o processo de produção deixa de ser um processo de trabalho, no sentido em que o trabalho
constituiria sua unidade dominante. Nos numerosos pontos do sistema mecânico, o trabalho
aparece apenas como corpo consciente, sob a forma de alguns trabalhos vivos. Dispersos,
submetidos ao processo de conjunto da maquinaria, não formam mais do que um elemento do
sistema, cuja unidade não reside nos trabalhadores vivos, mas na maquinaria viva (ativa) que,
em relação à atividade isolada e insignificante do trabalho vivo, aparece como um organismo
gigantesco. Neste estágio, o trabalho objetivado aparece realmente, no processo de trabalho,
como o poder dominante face ao trabalho vivo, enquanto que, até aí, o capital era apenas o
poder formal e desse modo se apropriava do trabalho. (MARX, 1986, p248).
62
A automação causa um efeito contraditório na qualificação dos trabalhadores
denominado por Braverman como “polarização das qualificações”. Por um lado temos a
desqualificação do trabalho, reduzido a conhecimentos específicos de operações limitadas e
repetitivas e tarefas simples. Por outro lado, a superqualificação dos engenheiros e técnicos
responsáveis pela programação das máquinas (BRAVERMAN, 1977).
A evolução do capital tem um impacto, segundo KUENZER, no conhecimento do
trabalhador, que é transferido cada vez mais para o capital, através dos níveis técnicos e
administrativos e, assim, o trabalhador manual, ao ser expropriado do seu saber,
desempenha funções cada vez menos qualificadas e mais sub-remuneradas. Assim, o
trabalho capitalista se desenvolve a partir da desqualificação do trabalhador manual.
Quanto mais desenvolvida for a mecanização, em direção à automação, mais o trabalho
será fragmentado e menos domínio sobre o processo total terá cada trabalhador. O trabalho
passa a ser gerido pelo capitalista, rompendo o vínculo entre decisão e ação e passando a
ser monótono e desinteressante. (KUENZER,1985, p30 e 77)
A crise do capital piora as condições de saúde de todos os trabalhadores, entretanto,
conforme a inserção de cada grupo no processo produtivo, o agravo será diferenciado
quanto ao tipo de patologia. Por isso os padrões são diferentes entre os grupos expulsos da
produção, os envolvidos nas empresas mais precarizadas e os que trabalham nas empresas
favorecidas pela política econômica. Nos dois primeiros grupos de trabalhadores, a
patologia psíquica tem um peso maior, enquanto entre os trabalhadores da indústria
favorecida, os acidentes de trabalho e as doenças ergonômicas adquirem grande
importância (LAURELL & NORIEGA, 1989).
Os efeitos do estágio mais avançado de organização do processo de trabalho, a
flexibilização, acentuam a divisão entre os trabalhadores. Ficam no centro do processo
63
produtivo os mais qualificados, que diminuem cada vez mais de contingente, trabalham em
tempo integral na empresa e têm vantagens em relação aos outros trabalhadores: salários
mais altos, benefícios de saúde, segurança e sociais. Ficam na periferia do sistema
produtivo os trabalhadores menos qualificados, portadores de habilidades mais disponíveis
no mercado. São trabalhadores manuais, que exercem tarefas rotineiras. Entre estes dois
grupos existe um terceiro, formado por trabalhadores com maior flexibilidade, com
jornadas parciais, emprego casual, contrato por tempo determinado e sub-contratos
(HARVEY, 1992).
2.1 – O desgaste da Saúde dos Trabalhadores
Sob o capitalismo cada proletário nasce livre para vender sua força de trabalho e
deve fazê-lo sob pena de morte, se não trabalhar não vive. Se trabalhar, único caminho que
resta, produzirá mais-valia para o patrão e sua classe (burguesa) oferecendo nesta produção
o único bem que possui, sua Força de Trabalho. A Força de Trabalho se realiza ao ser
consumida, na forma de trabalho útil. O trabalhador modifica a natureza e também a si
próprio ao trabalhar, se consome junto com as outras partes componentes do processo de
trabalho.
Como vende seu tempo de vida para o capitalista, o trabalhador se sujeita às tarefas
definidas pelo seu explorador para garantir seu emprego. Estas tarefas são causadoras de
desgaste dos trabalhadores, que, ao serem obrigados a vender seu tempo, vendem a sua
64
saúde. O grau do desgaste que ocorre com os trabalhadores varia de acordo com a
correlação de forças entre as classes exploradora e explorada. Assim, o Capital explora o
trabalho e subtrai a vida do proletariado. Estas relações não são, entretanto, visíveis aos
olhos da maioria ampla da população, pois a exploração, descrita com precisão científica
por Marx, aparece como relação de troca entre iguais, o patrão e o empregado. Como vende
seu tempo de vida para o capitalista, o trabalhador se sujeita às tarefas definidas pelo seu
explorador para garantir seu emprego. Estas tarefas são causadoras de desgaste dos
trabalhadores, que, ao serem obrigados a vender seu tempo, vendem a sua saúde. O grau do
desgaste que ocorre com os trabalhadores varia de acordo com a correlação de forças entre
as classes exploradora e explorada. Assim, o Capital explora o trabalho e subtrai a vida do
proletariado. Estas relações não são, entretanto, visíveis aos olhos da maioria ampla da
população, pois a exploração, descrita com precisão científica por Marx, aparece como
relação de troca entre iguais, o patrão e o empregado. Como vende seu tempo de vida para
o capitalista, o trabalhador se sujeita às tarefas definidas pelo seu explorador para garantir
seu emprego. Estas tarefas são causadoras de desgaste dos trabalhadores, que, ao serem
obrigados a vender seu tempo, vendem a sua saúde. O grau do desgaste que ocorre com os
trabalhadores varia de acordo com a correlação de forças entre as classes exploradora e
explorada. Assim, o Capital explora o trabalho e subtrai a vida do proletariado. Estas
relações não são, entretanto, visíveis aos olhos da maioria ampla da população, pois a
exploração, descrita com precisão científica por Marx, aparece como relação de troca entre
iguais, o patrão e o empregado.
Além disso, a ideologia dominante, produzida e emanada pela classe dominante
justifica a realidade falseada em seu favor o tempo todo e bombardeia sua leitura dominante
do mundo pelos meios de comunicação e através de todos os poros do Estado e dos seus
65
Aparelhos Ideológicos. O trabalhador não passa de uma peça a mais para o capitalista, que
o utiliza para produzir mais-valia e o descarta quando não serve mais, tal qual faria com
qualquer peça descartável depois de vencida sua utilidade no processo de trabalho.
O capitalismo dos nossos dias precariza aceleradamente o trabalho, através do
rompimento dos contratos, por parte do Estado e do capital, este rompimento, conforme
Dejours: intensifica o trabalho e aumenta o sofrimento subjetivo, neutralizando a
mobilização coletiva contra a dominação/alienação; cria a “estratégia defensiva do silêncio,
da cegueira, da surdez”, isto é, força o trabalhador a negar o sofrimento alheio e calar-se
sobre o seu próprio, cultivando mais acentuadamente o individualismo (DEJOURS, 1998).
Cresce um setor difuso, informal, localizado entre o emprego formal e o
desemprego e a cada dia vem sendo gestadas novas formas híbridas entre emprego formal e
as relações de trabalho precárias.
Segundo KURZ (1999), as palavras de ordem do novo sistema de emprego, que se
caracteriza por ser um sistema disperso e confuso, são flexibilização e subemprego
múltiplo. Os trabalhadores se transformam em nômades do mercado, incapazes de criar
raízes sociais, são obrigados a alternar períodos entre empregos subordinados e formas
“autônomas”. (KURZ, 1993)
As fronteiras entre o trabalho assalariado e a livre iniciativa perdem a nitidez,
surgindo cada vez mais pseudo-autônomos, sem capital, subordinados a empresas, que
obedecem à lógica de transferir riscos e delegar a responsabilidade legal dos cuidados com
a ST aos mais fracos, os próprios trabalhadores. Os trabalhadores se tornam cada vez mais
explorados e solitários e "a nova responsabilidade pelo risco não é instigante e sim
aterradora, pois o que se arrisca é a própria vida(CORREA, 2000)”.
66
Passamos então a ter “o medo como primeiro elemento estruturante do trabalho, a
ameaça do desemprego e da precarização. Essa ameaça se combina com o temor pessoal de
não conseguir manter o desempenho, o ritmo, os objetivos, de não estar à altura da situação
e das mudanças tecnológicas” (DEJOURS, 1999, p17).
O uso do avanço tecnológico é feito pelo capitalismo para garantir a quantidade e
qualidade do produto, enquanto tarefas de menor precisão ou relacionadas com o
deslocamento do objeto de trabalho são feitas ainda com máquinas menos complexas e
utilizando mão-de-obra mais barata. O capital racionaliza ao máximo os investimentos
quando combina as vantagens tecnológicas com as da mão-de-obra barata. Este
barateamento da mão-de-obra é obtido com a intensificação do trabalho e conseqüente
diminuição dos custos de produção. Esta intensificação se inicia com cargas psíquicas, mas
também atinge todas as outras cargas de trabalho, pois significa “utilização intensiva das
máquinas num baixo nível de manutenção preventiva e no aumento de manutenção de
emergência, realizada com as máquinas em funcionamento e desrespeitando as instruções
das medidas gerais de proteção” (LAURELL & NORIEGA, 1989, p.315).
Sob o capitalismo dos nossos dias, cada trabalhador é coagido a se mover cada vez
mais individualmente em busca de melhoria da sua saúde e isto ocorre, normalmente,
quando o desgaste de sua saúde está adiantado e ele já está comprometido seriamente, com
o diagnóstico de Doença do Trabalho (DT) ou tendo sido acometido de Acidente do
Trabalho (AT) grave. Além disso, o senso comum, respaldado e produzido ideologicamente
pelo campo da Saúde Ocupacional, aponta riscos existentes no ambiente de trabalho como
causadores potenciais (e inevitáveis) dos AT e DT, naturalizando a ocorrência destes
desgastes.
67
O processo de desgaste causado pelo trabalho e que acomete todos os trabalhadores
é uma característica da coletividade, não é acidental e, portanto, a luta para revertê-lo e dar-
lhe características menos destrutivas não é uma luta individual, empreendida pelo médico e
seu paciente, mas uma luta da coletividade dos trabalhadores para reapropriarem o controle
sobre as próprias vidas (LAURELL & NORIEGA, 1989, p 337).
Uma luta teórica e prática importante dos militantes do campo da ST é fazer avançar
da visão de causalidade simples entre risco e doença, na direção do esclarecimento da
determinação complexa das cargas de trabalho em sua relação com o processo de desgaste
para fazer avançar o sentido de coletividade dos trabalhadores e de responsabilidade do
capital pela ocorrência do desgaste acentuado do trabalho. A maneira de se conseguir este
avanço é partir de uma análise da totalidade, entendendo cada faceta que ela apresenta
como uma parte do todo. Um dos prismas analíticos necessários é o que permite
compreender o processo de produção em sua dimensão política, como confrontação
concreta de classe (LAURELL & NORIEGA, 1989, p 307 a 309).
Os militantes, ao adotar a análise marxista do processo de valorização, têm poderosa
arma que revela, e mesmo expressa em termos matemáticos formalizados, como o capital
consegue realizar seu processo de valorização, como se apropria privadamente da riqueza
produzida socialmente.(LAURELL, 1989, p307-308)
2.2 - Saúde do Trabalhador e Saúde Ocupacional : aspectos conceituais
No área da saúde no trabalho o corte de classe é muito evidente entre as diversas
formas de abordagem teóricas e práticas da saúde dos trabalhadores. Conceitos como Saúde
Ocupacional, Medicina do Trabalho, Higiene do Trabalho, Engenharia de Segurança e
68
Saúde do Trabalhador se confundem na prática de muitos profissionais que atuam no
campo, mas, longe de ter diferença apenas semântica, representam interesses divergentes,
nem sempre explicitados, na forma de tratar a saúde e a segurança da força produtiva.
Estes muitos conceitos podem ser sistematizados em dois grandes campos de
conhecimento: a Saúde Ocupacional e a Saúde do Trabalhador; a primeira embasada numa
teoria positivista e a serviço do capital; a segunda com base no materialismo histórico e
dialético e a serviço da classe trabalhadora. A seguir trataremos brevemente da origem e
evolução destes conceitos, bem como procuraremos demonstrar os caminhos que seguem
cada um atualmente, vez que terão importância na delimitação de campo de atuação da
militância em foco nesta pesquisa.
2.2.1 - A Saúde Ocupacional
A Saúde Ocupacional é caracterizada principalmente por uma abordagem clínica,
biológica, individualizada, que trata a doença como um processo evolutivo natural, sobre o
qual é possível realizar intervenção a qualquer tempo ou situação. Tem origem na Higiene
Industrial, no campo da Segurança do Trabalho e na Medicina do Trabalho, (AROUCA,
1975).
A Saúde Ocupacional tem como objetivos principais:
a promoção e manutenção do mais alto grau de bem estar físico, mental e social dos
trabalhadores em todas as ocupações; a prevenção(...), de desvios da saúde causados pelas
condições de trabalho; a proteção dos trabalhadores em seus empregos, dos riscos
resultantes de fatores adversos à saúde, a colocação e manutenção do trabalhador
adaptadas às aptidões fisiológicas e psicológicas, em suma: a adaptação do trabalho ao
homem e cada homem à sua atividade (MENDES, 1980, p.18).
O risco probabilístico da relação entre o corpo que trabalha e os agentes nocivos
(físicos, químicos e biológicos), que interatuam de maneira isolada com o hospedeiro
69
(trabalhador) é o conceito central em que se baseia a Saúde Ocupacional. Considera o
trabalhador inserido num ambiente externo a ele e realiza uma abordagem médico-clínica,
a-histórica e tecnicista, com o objetivo de monitorar a saúde deste trabalhador. Esta forma
de atuação visa especialmente o controle da força de trabalho, não reconhecendo no
processo, na organização/divisão do trabalho e nas relações sociais voltadas para a
valorização os elementos determinantes do adoecer e morrer no trabalho (LACAZ, 1996).
Esta forma de abordar a saúde no trabalho não permite uma análise da essência da
relação trabalho-saúde, também não permite identificar o que determina o aparecimento, o
desenvolvimento e o desaparecimento de conceitos médicos relacionados ao trabalho
(AROUCA, 1975).
A Enfermagem do Trabalho, como parte da Saúde Ocupacional, resgata as ciências
do comportamento das décadas de 1930/40, e segue “imputando a culpa à vítima”, fala de:
...educação para a saúde, condicionamento físico dos trabalhadores e a mobilização(...)
para assumir a responsabilidade de sua saúde...prevenção de doenças cardio-vasculares,
obesidade, desnutrição e da utilização de drogas e álcool...assistência psicológica a esses
trabalhadores para a mudança de comportamento...estudo da importância do fator
humano nos acidentes (...) análise das causas da fadiga(...); estudos das causas médicas
do absenteísmo...(QUEIROZ, apud LACAZ, 1996, p.195).
O setor de Saúde Ocupacional das empresas tem, em geral, a função de selecionar
os trabalhadores mais saudáveis (melhores “mercadorias”) para serem
comprados/contratados, são, portanto, anti-éticos e despóticos. Na América Latina, os
ambulatórios de Medicina Ocupacional funcionam mais para servir aos empregadores do
que para realizar atividades de prevenção de acidentes do trabalho. Os profissionais ficam
fechados nos ambulatórios a maior parte do tempo e atividades assistenciais e de controle
de absenteísmo são as predominantes (MENDES, 1986; LACAZ, 1996).
Desde o primeiro serviço médico de empresa se identificava a expectativa do
capital quanto às finalidades desta área na empresa: ser dirigidos por pessoas de confiança
do patrão e que o defendessem; centrados no médico; prevenção de riscos como função
70
médica e responsabilidade pelos problemas de saúde referida ao médico. Isto é, estava
explicitado o interesse do capital em controlar a força de trabalho (MENDES & DIAS,
1991).
Conforme discutido antes, no capitalismo, a força de trabalho pode ser comprada,
vendida e tratada/consertada para ter melhor desempenho no trabalho. Os agravos à saúde
causados pela exploração do trabalho são naturalizados, busca-se tratar o
indivíduo/mercadoria acometido, desde que a relação custo/benefício “compense” o
investimento, caso contrário o trabalhador é considerado peça descartável e é substituído.
Esta é a lógica do capital, e a Saúde Ocupacional é o seu instrumento para “tratar” a
mercadoria força de trabalho.
A Saúde Ocupacional utiliza conceitos da Higiene Industrial e da Toxicologia, tais
como os de Limites de Tolerância e Limites Biológicos de Exposição. Estes conceitos
funcionam como instrumentos na estratégia de intervenção da Saúde Ocupacional na
realidade do trabalho, que se resume a " adaptar/adequar o ambiente e as condições de
trabalho dentro dos parâmetros preconizados para a média dos trabalhadores "normais"
em termos de suscetibilidade individual a tais agentes e fatores de risco" (LACAZ, 1996, p
22).
Baseado nesta idéia do "controle" da saúde, a Saúde Ocupacional define a sua
importância na adaptação/ajuste da força de trabalho ao processo de trabalho. Os exames
admissionais e os periódicos têm a função de selecionar os trabalhadores mais e menos
saudáveis, as melhores e piores “mercadorias”, para serem contratados, mantidos ou
demitidos. Esta seleção dos trabalhadores mais saudáveis tem obtido tanto êxito que existe,
em epidemiologia, um “Efeito do Trabalhador Sadio”, “em que se observa que, quando
comparados com a população geral, grupos de trabalhadores mostram-se “mais” saudáveis
do que ela” (LACAZ, 1996).
O corpo médico contribui para gerar mais lucro, pois, ao invés de promover
melhorias na organização do trabalho para diminuir o desgaste da saúde dos trabalhadores,
procura selecionar os “mais aptos” para resistirem ao desgaste (na seleção, demissão e
controle de absenteísmo). A função principal deste serviço das empresas é monitorar a
força de trabalho para que esta sirva melhor ao capital, como qualquer outra mercadoria.
71
2.2.2 - A Saúde do Trabalhador
A Saúde do Trabalhador é um campo em construção, na Saúde Pública, onde busca
constituir uma área do conhecimento através da aproximação de um objeto e de uma prática
(MENDES & DIAS, 1991).
Até o final dos anos 70 o sindicalismo brasileiro se caracterizou por reivindicações
economicistas quanto à saúde no trabalho. Este processo, denominado “monetização do
risco”, construía lutas para receber adicionais de insalubridade e periculosidade. A partir do
final dos anos 70, sob forte influência do Modelo Operário Italiano, o movimento sindical
mais combativo passou a lutar por melhorias das condições de trabalho e por defender a
Saúde dos Trabalhadores (MENDES, 1986).
Este processo foi potencializado pelas greves ocorridas em 1979/1980,
principalmente no setor metalúrgico (automotivo), motivadas pela luta contra a
superexploração do trabalho, que passaram a realizar as chamadas “operações tartaruga” e a
dar uma nítida dimensão política ao movimento sindical (ANTUNES, 1992).
O movimento sindical italiano conseguiu estabelecer uma lei, em 1970, como
resposta às reivindicações e lutas do período, conhecida como o “Estatuto dos
Trabalhadores”, que define: a não delegação da vigilância da saúde ao Estado, a não
monetização dos riscos, a validação do saber dos trabalhadores e o melhoramento das
condições e ambientes de trabalho(MENDES & DIAS, 1991). Este processo de lutas
construiu o que passou a ser conhecido como o Modelo Operário Italiano, que se
caracteriza por valorizar o conhecimento e a ação do operário, entender o trabalhador como
sujeito de sua saúde e não como objeto que recebe ensinamentos, tratamento, medições de
especialistas (como faz a Saúde Ocupacional). O princípio da “não delegação” (aos outros,
que não os próprios operários) é central neste Modelo (LAURELL, 1989).
A elaboração/atuação da Medicina Social Latino-Americana (MSL) incorpora uma
concepção de trabalhador que difere da tradicional (Saúde Ocupacional) passiva, de
hospedeiro e de paciente, percebendo-o como um agente de mudanças, com saberes e
vivências acumuladas sobre seu trabalho. Como agente teria a capacidade de transformar a
sua realidade de trabalho, através da reivindicação de direitos, da participação no controle
72
da nocividade do trabalho e da definição da metodologia de intervenção sobre o real
(BERLINGUER, 1978).
A MSL, como uma corrente marxista, introduz o trabalho como categoria
fundamental para o entendimento da determinação social do processo saúde-doença.
Compreende o trabalho, sob o capitalismo, como o causador do desgaste da saúde do
trabalhador. O processo de trabalho, e não somente os riscos ambientais e externos ao
trabalhador, passa a representar o lócus da intervenção com vistas a preservar e promover a
saúde. O processo de trabalho é uma categoria social e histórica e é este o cenário onde se
inscreve a saúde do trabalhador (LAURELL & NORIEGA, 1989).
O processo de democratização, assim como a formação do operariado industrial
urbano ocorridos nos países da América Latina, inclusive o Brasil, foi o “caldo de cultura”
onde cresceu e proliferou a luta pela saúde no trabalho, influenciando as políticas e
instituições estatais e marcando um novo patamar de relações Estado-Sociedade do início
dos anos 80, até o auge deste processo, a grande articulação política pela defesa de diretos
no processo da Constituinte (LACAZ, 1996).
Nascido da crítica ao campo da Saúde Ocupacional e procurando afirmar um modelo
com corte de classe,
que feixe de relações constituiria a Saúde do Trabalhador-Saúde no Trabalho? Pelo menos
algumas podem ser identificadas: relações políticas que englobariam o extra-discursivo
como a situação dos indicadores sanitários de agravos à Saúde no Trabalho; a capacidade
de organização dos trabalhadores; as políticas no campo da saúde e trabalho; o grau de
desenvolvimento sócio-econômico de uma dada sociedade e a apropriação de seus frutos;
as formas predominantes de gestão do trabalho e a própria produção de conhecimento no
campo” (LACAZ, 1996, p118).
A Saúde Ocupacional faz o discurso apaziguador sobre a exploração de classe que
determina a exploração do trabalho e, por consequência, a ocorrência de elevado número de
“acidentes” e doenças do trabalho. Faz isto ao definir o trabalho como fonte de recursos, ou
seja, rendimento que permite ao trabalhador satisfazer suas necessidades. Deste modo, o
trabalhador é considerado um assalariado, com atributos como renda e educação, definidos
73
na esfera da troca, distribuição e consumo, mais do que no mundo da produção. O trabalho
como uma atividade e uma relação social não aparece neste cenário teórico. Os cidadãos
são definidos como consumidores, mais do que como trabalhadores(...) [esta representação]
tem conseqüências sobre as estratégias de intervenção social nos países capitalistas, as
quais são principalmente dirigidas para a compensação monetária do dano causado.
(NAVARRO, Apud LACAZ, 1996).
Estabelecendo uma aliança entre técnicos-militantes, governos de esquerda e
movimento sindical, o campo da Saúde do Trabalhador nasceu com fortes componentes de
“politicidade”. A superação do assistencialismo médico, herdado da ditadura militar e do
Estado Novo, foi elemento importante para a luta sindical. Assim, foram fundamentos, com
base no Modelo Operário Italiano, do campo no Brasil:
a) o “controle” que os trabalhadores passaram a exercer sobre serviços de Saúde do
Trabalhador, incluindo gestão, controle e avaliação;
b) o “acesso” a informações sobre o atendimento;
c) ações de “vigilância” em ambientes de trabalho, conjunta entre técnicos do estado e
dirigentes/militantes sindicais;
d) “valorização” do conhecimento operário
O cenário de fundo destes avanços na atuação de técnicos e trabalhadores foi a
“compreensão de que o processo de trabalho traz danos à saúde que ultrapassam o
horizonte de visibilidade da Saúde Ocupacional,..., numa visão ambientalista de causação,
percebendo outras determinações para o sofrimento, o mal estar e a doença, relacionando-as
às relações sociais que se estabelecem no processo produtivo” (LACAZ, 1996, p.42).
A falta de teorização do Modelo Operário, que enfatiza a experiência operária e a
não delegação, acaba respaldado o conhecimento científico formal neste campo, pois este
conhecimento poderia predizer, adotando a consulta aos operários como método, as
situações de risco a que os operários estão expostos.
Uma crítica importante da MSL ao Modelo Operário é a utilização que este último
faz do conceito de “risco”, tomado do campo de Saúde Ocupacional sem a devida crítica,
conforme Breilh:
Existen efectivamente riesgos em um centro laboral, pero no cubren la totalidad de los
procesos determinantes. La organización y división del trabajo que se cumpre en una
74
fábrica automotriz con línea de montaje, por ejemplo, no es cubierta adecuadamente por el
concepto de riesgo porque constituye un proceso determinante, de caráter necesario y
permanente y no un simple peligro contingente o probable...o uso da palavra risco está
associado a uma noção restritiva e estática dos elementos nocivos do trabalho (BREILH,
apud LACAZ, 1996, p158).
A MSL criticou o que a literatura científica tradicional (Saúde Ocupacional)
considera como simples indicador do impacto sobre os trabalhadores. Para esta corrente a
análise da relação entre trabalho e saúde não foi o ponto de partida, mas o ponto de
chegada, pois colocou a necessidade de entender a saúde-doença não somente como um
processo biopsíquico, mas, sobretudo, como um processo social (LAURELL & NORIEGA,
1989). O objeto de estudo da Saúde do Trabalhador é o processo de reprodução e suas
conseqüências para a saúde da força de trabalho, o que inclui o estudo do homem desde
uma perspectiva coletiva e social (NORIEGA, 1989, apud LACAZ, 1996).
A participação dos trabalhadores nas questões de saúde tem “posto em xeque”
vários conceitos e procedimentos consagrados pela Saúde Ocupacional, como: o valor dos
exames médicos pré-admissionais e periódicos, utilizados para discriminar trabalhadores;
os “limites de tolerância”, cuja fundamentação “científica” é questionada e desmoralizada;
o conceito de “exposição segura” é abalado (MENDES & DIAS, 1991).
O campo da Saúde do Trabalhador tem se colocado, principalmente com o aporte
teórico da MSL, na busca de conhecimentos transformadores, de uma nova prática, que
responda à incapacidade da Saúde Ocupacional de analisar/modificar as causas das
doenças/acidentes do trabalho.
Na conclusão de sua tese, LACAZ define o campo da Saúde do Trabalhador como:
[sendo derivada de] componentes econômicos, sociais, tecnológicos, organizacionais e
ambientais, sendo dotada de historicidade, em que o perfil de morbi-mortalidade, de
sofrimento e mal-estar dos coletivos de trabalhadores, bem como o controle da
nocividade, das cargas e desgaste do processo de trabalho são determinados pelas relações
75
político econômicas e sócio-culturais estabelecidas entre capital e trabalho em cada
sociedade concreta (LACAZ, 1996, p411).
A Saúde do Trabalhador é um campo de “extrema politicidade”, é um campo
militante, que busca, de acordo com a tradição marxista, transformar a realidade e não
apenas estudá-la de forma pretensamente neutra, como fazem os técnicos ligados ao campo
da Saúde Ocupacional.
2.3 - A Saúde dos Trabalhadores no Brasil no período de 1970 aos nossos dias
No cenário internacional, durante as décadas de 60 e 70, ocorre um salto da classe
trabalhadora em termos de ST, no sentido de se constituir num “novo sujeito social e
político”. Seguindo este avanço prático, a elaboração e a atuação da Medicina Social
Latino-Americana (MSL) incorpora uma concepção de trabalhador que difere da tradicional
(Saúde Ocupacional) passiva, de hospedeiro e de paciente, percebendo o trabalhador como
agente de mudanças, com conhecimento e vivências acumuladas sobre seu trabalho. Como
agente teria a capacidade de transformar a sua realidade de trabalho, através da
reivindicação de direitos, da participação no controle da nocividade do trabalho, isto é, da
definição da metodologia de intervenção sobre o real (BERLINGUER, 1978).
No Brasil este processo demora mais para ter influência sobre a classe trabalhadora.
Os espaços para que a classe trabalhadora avance na conquista de direitos são criados
principalmente pelo movimento sindical, através da luta por melhores salários e condições
de trabalho, como ocorreu no final da década de 1970 e início da década de 1980 no Brasil.
Estes espaços são criados também por brechas deixadas na luta intercapitalista, como, por
exemplo, a exigência das normas para participar do mercado europeu (as ISO), que
76
obrigam as empresas brasileiras a seguir à normalização européia sobre o processo de
trabalho para poder vender seus produtos lá.
No Brasil, os principais meios organizados de enfrentamento dos determinantes da
ocorrência de DT e AT, que procuravam rasgar este véu ideológico que encobre as causas
reais destes “acidentes” que atingem os trabalhadores durante a venda de sua força de
trabalho, durante as décadas de 1980 e 1990 no Brasil, foram os Sindicatos de
Trabalhadores e, secundariamente, as Associações de Lesionados pelo Trabalho.
A ação individual do trabalhador, bem como a ação corporativa do Sindicato, agem
sobre partes do problema da ST. Todos os dias ocorrem AT e DT, segundo os
suspeitíssimos dados oficiais morrem cerca de 15 trabalhadores por AT no Brasil (por dia),
em reação a eles ocorrem ações individuais de “reparação” de danos, de busca de direitos
previdenciários (salário pago pelo Estado aos afastados do trabalho por doença e pensão
aos parentes dos mortos pelo trabalho).
A Ação dos Sindicatos se limita geralmente a ajudar na reparação individual dos
danos causados pelo trabalho e, secundariamente, de forma muito limitada, a combater as
causas dos AT/DT na sua própria categoria.
Os sindicatos no Brasil, até o final dos anos 1970, atuavam através de
reivindicações economicistas quanto à saúde no trabalho. Este processo é denominado
“monetização do risco” e centrava a luta em receber adicionais de insalubridade e
periculosidade. A partir do final dos anos 70, em grande medida pela influência do Modelo
Operário Italiano, o movimento sindical mais combativo passou a lutar por melhorias das
condições de trabalho e por defender a Saúde dos Trabalhadores (MENDES, 1986).
Esta mudança no modo de atuar dos sindicatos foi potencializada pelas greves
ocorridas em 1979/1980, motivada pela luta contra a exploração do trabalho,
77
principalmente no setor metalúrgico, onde os trabalhadores passaram a realizar as
chamadas “operações tartaruga” e a dar uma dimensão política ao movimento sindical
(ANTUNES, 1992).
No cenário nacional, é importante destacar que a década de 1980 foi um período de
grande ascenso dos movimentos sociais. Foram criados a CUT, o MST e o PT, três
importantes instrumentos da classe trabalhadora na sua luta pela melhoria das condições de
vida.
Como um dos resultados deste acúmulo e ocupação de espaços favoráveis à classe
trabalhadora, repercutindo o período, foi elaborada a Constituição Federal de 1988
2
, que
criou o SUS e definiu a atribuição legal de que este atuasse na área de ST, ambos avanços
importantes em termos legislativos, mas que ainda não têm se materializado em avanços
que lhes correspondam no mundo real, permanecem num limbo discursivo, como a maioria
da legislação dita “social” brasileira (habitação, emprego, segurança,..).
No cenário mundial, a queda do muro de Berlim contribuiu muito para a perda de
referência de variados grupos de socialistas, inclusive os atuantes no Brasil.
Paradoxalmente para os socialistas, um partido que reivindicava esta tradição vinha tendo
no Brasil sucessos eleitorais crescentes, o PT. A queda do muro e estes sucessos
empurraram a esquerda para a via eleitoral e cada vez mais para dentro do Estado.
As lutas que durante décadas vinham sendo travadas pelo movimento sindical em
enfrentamentos com o capital, em greves e manifestações de rua, ganharam um atrativo
forte do Estado e passaram a se desenrolar dentro de “instâncias” formais, dentro do Estado
capitalista brasileiro. Não havia grande problema, ao contrário, poderia ser positivo para a
2
Cabe lembrar que o PT, principal partido de esquerda do período, não assinou a Carta Magna, por considera-
la atrasada.
78
classe, enquanto a ocupação de espaços institucionais correspondia ao crescimento do
movimento real dos trabalhadores, neste caso era uma ocupação real da vanguarda da classe
(sindicatos, associações), mas que lhe representava e lhe correspondia (como classe em si ).
Esta representação, este movimento para dentro do Estado teve inicio por uma
combinação de desenvolvimento econômico, abertura política com o da ditadura e força
política crescente da classe trabalhadora.
Após a conquista legal, Constituição Federal (CF) de 1988, que “congelou” o
momento da luta de classes na carta magna, a situação econômica já estava se modificando
acentuadamente, aumentando o desemprego e com ele a “aceitação” de piores condições de
trabalho, de trabalho mais precarizado por parte dos trabalhadores. A correlação de forças
antes favorável à classe trabalhadora muda, mas a legislação reflete o momento anterior e a
vanguarda dos movimentos sociais procura fazer valer o texto legal para a tendência que
segue desde o final dos anos 1980 até os nossos dias.
A dificuldade crescente de obter conquistas pela via direta de enfrentamento do
Capital, o enfraquecimento das lutas, levou os sindicatos antes combativos a se
encastelarem em comissões, mesas de negociação e outras ações mediadas pelo Estado em
busca de “conter as perdas” e não mais de buscar avanços, melhorias na qualidade de vida
da classe trabalhadora.
Vivemos, desde lá, um período em que a classe está mais empenhada em
sobreviver, a todo custo, precisando do trabalho e temendo enormemente o desemprego.
Lutar por melhorias ficou em segundo plano, em sursis, aguardando melhorar a correlação
de forças em favor do proletariado.
Assim, por falta de força real de mobilização, muitos dirigentes do proletariado
foram travar a luta por melhoria das condições de vida dos trabalhadores junto ao Estado
79
burguês. Como faltaram os “dirigidos” do proletariado a fornecer força social capaz de
viabilizar maior peso decisório nas pautas que interessavam aos trabalhadores, muitas
destas acabaram ficando apenas no campo discursivo, sem ganhar materialidade no mundo
concreto.
Em outros termos, a queda da taxa de lucros, responsável pelo desemprego
estrutural retirou força do movimento político do proletariado.
O período anterior de ascenso da classe obreira, que correspondeu ao ascenso da
ocupação do Estado, não podia seguir, por falta de base material. Assim, um grande
problema conjuntural
3
posto para a classe trabalhadora é que no terreno político a classe
havia avançado (montanha acima), mas no plano econômico havia recuado (montanha
abaixo), como então manter, ou mesmo avançar nas conquistas sociais (políticas) sem a
força de milhões para empurrar a pedra de Sísifo?
Tentaremos a seguir discutir esta questão, a partir de um caso, o da CIST e do
Comitê. Buscaremos aprender com ele qual é o aprendizado que a classe trabalhadora pode
tirar deste episódio de busca de melhoria na sua saúde, qual é o aprendizado para melhorar
a luta pela transformação da condição de explorados. Entendemos que este caso particular
de duas instâncias de ST junto ao Estado brasileiro deve guardar correspondência ao todo
deste Estado, que, por sua vez guarda correspondência com o Estado sob o capital, vez que
este possui unidade e coerência nas estruturas e contradições que lhe definem.
3
Esta questão será melhor desenvolvida no capítulo III.
80
2.4 A Saúde do Trabalhador no Estado Brasileiro
No Estado brasileiro as atribuições atinentes à saúde e segurança dos trabalhadores
estão distribuídas pelos Ministérios do Trabalho, da Previdência e da Saúde. Com vistas a
evidenciar as semelhanças e diferenças entre estas instituições e melhor identificar o papel
do SUS e a vinculação principal da militância em ST junto a este (SUS), a seguir
descreveremos brevemente as características de cada uma delas.
A adoção das convenções Internacionais da OIT moldou o Sistema de Inspeção do
trabalho no Brasil, atribuição do Ministério do Trabalho. A inspeção é pautada pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), posteriormente detalhada pelas Normas
Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho publicadas pela Portaria 3214 de
1978 e sucessivas outras.
O Ministério do Trabalho atua no âmbito da Saúde Ocupacional realizando
inspeções/fiscalizações dos ambientes e condições de trabalhos, por um número bastante
limitado de técnicos (médicos e engenheiros). Tais fiscalizações têm se dado de forma
pontual, buscando abranger os ramos de atividade onde ocorrem com maior frequência os
acidentes graves (utiliza para definir as prioridades indicadores com base nos dados de
benefícios concedidos pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social ) e população
empregada no setor (RAIS - Relatório Anual de Informação Social) ).
As fiscalizações são orientadas pelas Normas Regulamentadoras (NR) e muitas
vezes se restringem aos aspectos formais e burocráticos das mesmas. O próprio conteúdo
das normas deixa sob a tutela das empresas a saúde dos trabalhadores, através dos SESMT
(Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho) e PCMSO (Programa de
Controle Médico e de Saúde Ocupacional) e PPRA (Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais), que são terceirizados, respaldados pelo Estado e de qualidade bastante
81
questionável. Na concepção e prática dos serviços médicos das empresas percebe-se
claramente o discurso da Saúde Ocupacional, onde o trabalhador é uma mercadoria, uma
coisa que se mede, adestra, avalia, controla. O papel do “médico/operário” é, então manter
o “trabalhador/peça viva funcionado bem"(LACAZ, 1999).
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é a seguradora responsável pela
garantia ao trabalhador e à sua família da satisfação de suas necessidades básicas durante a
incapacidade deste para o trabalho, através da concessão e manutenção de benefícios.
Porém apenas um terço da PEA (População Economicamente Ativa) brasileira está coberto
pelo Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT).
A Perícia Médica do INSS é responsável pelo estabelecimento do nexo entre a lesão
ou doença e o trabalho, para fins de concessão de benefício pela Previdência Social.
Provavelmente se encontra neste mecanismo um dos nós responsáveis pela subnotificação
dos acidentes e doenças do trabalho, pois muitos casos de doença relacionada ao trabalho
não são reconhecidos como tal pelos peritos, sendo encaminhados para o benefício
"comum". Isto é percebido freqüentemente pelos serviços de saúde do trabalhador, que
encaminha o trabalhador para a transformação do benefício.
Na avaliação dos trabalhadores acidentados, o INSS é a instituição com interface na
questão de Saúde do Trabalhador que mais é alvo de críticas principalmente relacionadas à
atuação da Perícia Médica (negação freqüente do nexo, dificuldade para concessão e
manutenção de benefícios) (ADVT, 2001).
A proposição de ação regressiva contra as empresas, nos casos de negligência
quanto às normas e padrões de segurança e higiene do trabalho indicados para proteção
individual e coletiva dos trabalhadores, prevista no artigo 120 da Lei 8213/91, como
atribuição da Previdência Social, recurso potencialmente transformador das condições de
trabalho, é ainda hoje utilizada em raríssimas situações (MENDES & DIAS, 1999; CIST-
PR, 07/2000).
A Previdência Social é também responsável pela sistematização e processamento da
base de dados, hoje mais utilizada para subsidiar os diagnósticos sobre a ST, bem como
subsidiar ações do SUS, a CAT - Comunicação de Acidentes do Trabalho.
A Previdência Social adota uma lógica de agir na reparação dos danos após sua
ocorrência, não desempenhando o papel de uma efetiva seguradora, deixando de atuar na
82
prevenção e controle de acidentes e doenças do trabalho. Não se integrou ao modelo de
Seguridade Social disposto na Constituição Federal de 1988. Vem, na verdade, atuando no
sentido de limitar a concessão de benefícios, rever e cortar benefícios concedidos (LACAZ,
1999).
A Constituição federal de 1988 institui o SUS - Sistema Único de Saúde - e atribui
a ele as ações de Saúde do Trabalhador, as quais são melhor estabelecidas na lei Orgânica
da Saúde nº8080 de 1990.
As ações de Saúde do Trabalhador compreendem um conjunto de atividades que se
destinam, através das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, à promoção e proteção
da saúde do trabalhador submetido aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.
Abrangem a assistência ao trabalhador vítima de acidente do trabalho ou portador de
doença relacionada ao trabalho, buscando a sua recuperação e reabilitação; a participação
em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde no
trabalho e na normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração,
armazenamento, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de
equipamentos, que apresentem riscos à saúde do trabalhador; a avaliação do impacto que as
tecnologias provocam na saúde; a informação ao trabalhador; participação na normatização,
fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas
públicas e privadas (REZENDE,1998) ( ALBUQUERQUE & RAMOS, 2001 ).
A atenção à saúde dos trabalhadores deve levar em conta os princípios e diretrizes
do SUS (universalidade, integralidade, equidade, hierarquização e Controle Social) e
envolver toda a rede de serviços de saúde, em todos os seus níveis, o que ainda não é uma
realidade hoje, cujo modelo hegemônico de atenção é constituído por centros de referência
em saúde do trabalhador, os quais não conseguem avançar na cobertura da clientela
trabalhadora e estabelecer referência e contra referência satisfatória com os demais níveis e
serviços da rede de saúde ( LACAZ, 1999).
As ações de vigilância em saúde do trabalhador, ainda em processo de construção,
requerem uma articulação intersetorial e uma atuação interdisciplinar, devendo ser uma
intervenção participativa, de caráter contínuo, atuando “sobre riscos, cargas de trabalho,
danos, acidentes, doenças, seqüelas de agravos " , enfoque que supere abordagens redutoras
83
e fragmentadas como a inspeção do trabalho, praticada pelo Ministério do Trabalho
(LACAZ, 1999).
Ainda é grande o despreparo dos profissionais de saúde para realizarem diagnóstico
e estabelecerem o nexo dos agravos com o trabalho, bem como a ausência de meios de
apoio diagnóstico, o que tem contribuído para a subnotificação em especial das doenças
relacionadas com o trabalho. As ações coletivas, no âmbito da vigilância, da promoção e
proteção da saúde ainda são de pequena monta, em decorrência de um modelo ainda
centrado na consulta médica, na abordagem individual do trabalhador (MENDES & DIAS,
1999).
Apesar do despreparo e da “não sensibilização” da rede básica para atuar em saúde
dos trabalhador, chama a atenção o fato de que os Programas e Centros de Referência em
Saúde do Trabalhador terem conseguido mudar o perfil e a magnitude das estatísticas de
doenças profissionais no país (LACAZ, 1997). Em 1999, cerca de 70% do volume de
doenças do trabalho identificadas pelo INSS teve seu o diagnóstico de nexo com o trabalho
estabelecido em apenas 19 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador do SUS (MS,
2000).
A falta de política institucional claramente definida, considerando que a
Constituição Federal atribui concorrentemente ao SUS e Ministério do Trabalho a
competência perante a saúde do trabalhador, tem como conseqüência uma indefinição de
atribuições e muitas vezes duplicidade na operacionalização de ações (MENDES & DIAS,
1999) (REZENDE,1998).
A atuação dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social é marcada pela
“dicotomia e a pulverização de ações concorrentes entre tais órgãos e aqueles da área do
Ministério da Saúde. Estes diferem dos outros pela maior expressão operacional das
Secretarias estaduais e municipais de saúde, através da capilaridade de sua rede de
serviços” (LACAZ, 1997, p9).
As áreas do Trabalho e da Previdência Social são caracterizadas pela centralização
administrativa e a atuação mediante delegação de atribuições, a partir do nível federal para
os regionais, contrariando o princípio da descentralização e da autonomia em nível local. O
SUS possui uma proposta estratégica correta, quanto aos princípios citados, tem como uma
das características mais importantes das ações de saúde do trabalhador no SUS a sua
84
capacidade de capilaridade - ou seja, atingir o nível local de saúde, através do processo de
municipalização- mas está marcado por uma fragilidade operacional e pela falta de vontade
política, além de encontrar resistências conservadoras e dos interesses privados à sua
concretização (LACAZ, 1997; MENDES & DIAS, 1999).
85
CAPÍTULO III
A MILITÂNCIA E A LUTA PELA POLÍTICA DE ST NO PR
3.1- O Fórum Popular de Saúde – FOPS
No Paraná, no início dos anos 90 do século passado, motivados pela nova
configuração democrática brasileira, discutida anteriormente, especialmente pela novidade
do Controle Social que tinha início no SUS, ocorreu a construção de uma Organização dos
trabalhadores para atuar no novo cenário: o FÓPS (Fórum Popular de Saúde).
O FOPS reuniu centenas de militantes políticos, que tinham ligação com o tema da
saúde, como profissionais que trabalhavam no SUS, sindicalistas vinculados ao campo da
CUT (Central Única dos Trabalhadores) e usuários do Sistema (SUS), estes últimos
organizados em movimentos de bairros (Associações de Moradores) e no Movimento
Popular de Saúde (MOPS). Estes militantes tinham, em sua maioria, filiação partidária no
PT e experiência de luta e organização sindical e popular.
A organização do FOPS visava como tarefa principal fazer com que o Estado
cumprisse a lei no que dizia respeito às questões de saúde. A ênfase principal da atuação
desta organização foi, desde o início, preparar os militantes políticos e sindicais, bem como
as lideranças populares, para intervir nos espaços institucionais dos Conselhos e
Conferências de Saúde.
Albertini assim define o FOPS:
uma articulação de entidades sindicais e populares unidas na defesa do Sistema Único de
Saúde - SUS - e do seu Controle Social. O objetivo principal do FOPS é estar organizado
86
para interferir nas Políticas Públicas de Saúde, pela articulação das entidades em torno dos
Conselhos e Conferências de Saúde e da realização de mobilizações da sociedade civil em
defesa da saúde pública e da cidadania.(ALBERTINI, 2002 pp60)
Havia uma concepção de que se poderia construir uma hegemonia do “campo” do
FOPS, nas instâncias de Controle Social em saúde, por parte dos segmentos de usuários e
trabalhadores, isto é poderia haver uma hegemonia da classe trabalhadora no Estado
burguês!
Este enfoque fundador do papel do FOPS, de atuar primordialmente junto ao Estado
burguês constituiu uma questão central, o eixo condutor da atuação militante em saúde no
Paraná, que cujos limites e positividades procuraremos verificar e demonstrar ao longo
desta pesquisa, especialmente no campo da ST.
Os militantes do FOPS, apesar de terem, em sua maioria, vinculação orgânica com o
PT, não representavam uma política deste partido, uma vez que inexistiram debates e
formulações partidárias sobre a intervenção nesta Organização. Nunca houve vinculação
orgânica entre a política partidária e a política “sindical”, setorial de saúde do FOPS. A
relação destes militantes com o PT se limitou aos períodos eleitorais, na forma da
elaboração do programa de governo deste partido e pontualmente junto aos parlamentares
na discussão de leis e fiscalização do poder executivo no que tange as questões de saúde.
O FOPS, tinha em seu interior vários segmentos da classe trabalhadora, vindos de
uma militância sindical, popular e partidária, e construiu, desde o seu início, uma política
não-corporativa (ainda que contivesse elementos sindicais, corporativos em seu meio).
Apesar de ter estes importantes elementos, que poderiam ter avançado no sentido de
87
constituir esta Organização como um Intelectual Coletivo, no sentido que Gramsci
empresta a esta categoria, o FOPS não pode fazê-lo, por quê?
A nosso ver, principalmente pela falta de uma concepção teórica sobre o papel do
Estado na sociedade capitalista. Esta falta de teoria foi ocupada pela teoria (ideologia)
dominante, de que se pode melhorar progressivamente a vida das pessoas “controlando”
via Controle Social - o governo de plantão, de modo que este cumprisse a lei. Esta
referência teórica pode ser notada claramente no uso de conceitos como “cidadania” e na
construção de políticas de saúde para “toda a sociedade” (sem fazer a distinção de classes,
identificar as contradições que mantém o atual estado de exploração dos proletários e a
necessidade de contribuir na construção de uma outra sociedade).
Por estarem referenciados implicitamente nesta teoria reformista da ação política, os
intelectuais participantes da construção do FOPS contribuíram para mantê-lo atuando
principalmente na “pequena política”, mantendo-o preso a questões “parciais e cotidianas”
que se apresentavam no interior de uma estrutura estabelecida, isto é, lutando para
reformar o Estado burguês.
Tendo partido de uma ampla base social dos bairros de Curitiba, o FOPS atingiu seu
ponto máximo de representação no Conselho Municipal de Saúde de Curitiba em meados
de 1998, período em que sua composição estava bastante diferenciada do início de sua
atuação, com presença mais marcante de setores sindicais e muito menor dos representantes
de Associações de Moradores. Segundo Albertini, esta alteração se deveu em boa medida
devido ao atendimento da demanda principal que estes militantes de bairro apresentavam.
(ALBERTINI, 2002)
Jacobi, nesta mesma direção, argumenta que:
88
A maioria dos movimentos segue um determinado ciclo de vida, configurado pela
obtenção de resultados positivos ou negativos face as demandas e pelo nível de
organização e mobilização conseguido. Geralmente a obtenção dos serviços reivindicados
representa o fim do movimento e somente em certas situações as lideranças conseguem
manter a população mobilizada visando reivindicar pela solução de outras carências.
(JACOBI, 1987, p. 20)
As reivindicações presentes no FOPS não foram, entretanto, atendidas no seu
conjunto, permanecendo um grande grupo delas, especialmente as relacionadas às questões
de saúde dos trabalhadores, bastante precarizadas e contribuindo para gerar, em oposição
crescente a esta precariedade, uma nova organização militante dentro do FOPS: o FOPS-
ST.
3.2- O Fórum Popular de Saúde – seção Saúde do Trabalhador : FOPS-ST
Diversos militantes passaram a se ocupar politicamente da questão da ST, isto é, a
se organizar e capacitar para procurar fazer com que o Estado atuasse neste campo,
cumprindo o que determinava a lei federal sobre o tema. Este coletivo dentro do FOPS foi
formado por militantes sindicais e técnicos-militantes, sendo estes últimos trabalhadores do
SUS.
Os militantes mais ativos da ST, neste período estudado, tinham vinculação com o
Sindsaúde (como dirigentes em algumas fases e como filiados muito ativos em outras), com
o Sindpetro (sempre como dirigentes) e com o Sindicato dos Bancários (sempre como
89
dirigentes). Estes três sindicatos são filiados à CUT e tem dentro desta Central um
importante peso político e econômico, este peso, entretanto, não se refletiu na implantação
da ST na CUT, como vimos. Além de militantes advindos destes sindicatos, outros
militantes muito ativos no FOPS-ST não tinham vínculo direto, como dirigentes ou
militantes sindicais e se dedicaram diretamente à militância em ST, nos fóruns de Controle
Social e/ou como técnicos-militantes do Estado, principalmente do SUS e do Ministério
Público.
Militantes do campo da ST atuavam dentro do FOPS desde o seu início, entretanto,
diversas especificidades os forçaram a construir um coletivo dentro do coletivo do FOPS,
são elas:
a) o campo da ST não existia no SUS antes do inicio da atuação militante,
que precisou, portanto, construí-lo desde o início, lançando a pedra
fundamental da ST no PR;
b) se trata de um campo extremamente conflituoso, por ensejar em cada
movimento favorável à ST um movimento diretamente anti-capitalista,
implicando necessariamente em custos adicionais às empresas;
c) o sujeito da ST é a classe trabalhadora e não “a sociedade” ou os
“usuários” do sistema, isto é, o corte de classes é nítido.
Este coletivo se reunia principalmente no FIST (Fórum Interinstitucional de Saúde
do Trabalhador), depois tornado CIST, e determinava a pauta, o movimento do campo da
ST no SUS do Paraná.
90
Após alguns anos de funcionamento, passou a influenciar também a atuação de
outras instâncias do Estado e da Sociedade Civil, além do SUS e contribuiu decisivamente
na construção de entidades como o COMITÊ (em 1997) e a ADVT (em 2001).
No ano de 1998 foi construído, a partir de uma articulação feita pelos militantes do
PR, o Encontro Nacional de ST, realizado em 1999.
A partir de 2001, o que vinha sendo quantidade de ações realizadas em ST vira nova
qualidade, o que era um coletivo que funcionava por tarefas práticas, pautadas pelo
campo da ST nacionalmente, passa a refletir mais sobre a sua própria atuação, a projetar os
próximos passos da militância em ST no PR e a influenciar a organização de militância em
ST no BR, se torna então o FOPS-ST e instala o processo que culmina na realização de dois
Encontros Nacionais de Militantes em ST.
A seguir passaremos a analisar o movimento de construção do campo da ST no
Paraná, tendo como eixo condutor da nossa leitura a militância política atuante e organizada
como coletivo de ST no FOPS e depois transformada no FOPS-ST.
Pretendemos nesta análise identificar a atuação da militância em ST, presa à
“pequena política” setorial, parcial e também os momentos de avanços mais importantes,
que Gramsci denomina de “grande política”, da construção de ações/instituições que
contribuam com a construção da hegemonia proletária e do Estado proletário.
Nossa hipótese central é de que o FOPS-ST vem se constituindo, tendencialmente,
como um Intelectual Coletivo da classe trabalhadora no campo da ST, vamos procurar
verificar a sua correção, ou não correção, ao longo da análise que seguirá os passos mais
importantes da longa batalha que a militância vem travando na construção de instituições e
de uma Política de ST no PR. Buscaremos estar pautados principalmente pela produção de
91
conhecimento e aprendizagem que esta atuação tenha produzido ou possa produzir para a
classe que procura construir sua emancipação política.
3.3 – A centralidade da militância na Política de ST no SUS do PR
As instituições do Estado que atuam em ST (ou Saúde Ocupacional), conforme
discutido antes, ofereciam principalmente espaço para atuação individual e muito raramente
para atuação de sindicatos, normalmente representando direitos de trabalhadores de uma
empresa em mesas de negociação coletiva. O espaço para “participação” mais abrangente
dos trabalhadores praticamente inexistia, geralmente estando restrita ao direito de fazer uma
reclamação ou denúncia sobre sua condição de saúde e aguardar passivamente que a
instância do Estado se movimentasse em sua defesa (MTE, Ministério Público ou INSS).
O Espaço para participação dos trabalhadores guarda notável diferença entre estes
setores do Estado e o setor Saúde. Neste, a atenção à saúde dos trabalhadores, na rede
pública dos serviços de saúde, surge nos anos 80, inserida em um amplo processo social de
reorganização política e social no país, em uma conjuntura de redemocratização,
consagrada na Constituição Federal de 1988 ( MENDES & DIAS, 1999; LACAZ, 1999).
Os avanços ocorridos neste campo desde a década de 1980 (casos de SP, BA e MG)
estavam relacionados com a forte presença do movimento sindical mais combativo da
época, da CUT, bem como com crescente mobilização social na construção do SUS.
Por estes motivos elencados acima, o SUS constitui novidade extrema em relação
aos outros setores do Estado, tendo uma história que antecede o marco legal de 1988, no
92
que toca à participação dos trabalhadores. Além de legalizar este aspecto, a CF de 1988 e a
LOS 8080 atribuem poderes aos trabalhadores na definição da política de ST, bem como na
normalização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições
e empresas públicas e privadas.
Os vários motivos elencados até aqui situam o SUS no campo conceitual e prático
(ainda que muito limitado na prática) da ST e o diferenciam das demais instituições do
Estado que atuam neste campo, com o referencial teórico conservador, definido pela Saúde
Ocupacional. Este referencial teórico materialista e dialético, associado ao embasamento
legal e a possibilidade concreta de se construir um campo dentro do Estado e da Saúde
Pública voltado para melhorar as condições de ST atraíram e seguem atraindo muitos
militantes políticos e sindicais, bem como técnicos-militantes, para atuarem neste setor.
No caso do Paraná, inexistiam conquistas importantes feitas em Saúde do
Trabalhador pelo movimento sindical e o SUS passou a ser, a partir da década de 1990, o
local onde se concentraram variados esforços dos Movimentos Sociais, principalmente de
sindicatos ligados à CUT e ao FOPS (Fórum Popular de Saúde) para fazer com que o
Estado passasse a atuar neste campo.
A primeira articulação entre militantes do movimento sindical e técnicos militantes
(principalmente do SUS), ocorreu em 1992, no FIST (Fórum Intersetorial de Saúde do
Trabalhador). O FIST reuniu representantes das diversas instituições do Estado que
atuavam (ou deveriam atuar) em ST – SUS, INSS, Ministério Público, Universidade -, bem
como militantes do movimento sindical e passou a construir ações em ST, a tentar realizar
funções que o Estado não realizava.
A década de 1990 pode ser entendida como a de criação e implantação de uma série
de instâncias e mecanismos estruturantes da Política de Saúde do Trabalhador no PR, que
93
buscavam fazer cumprir o que dizia a lei com relação à Saúde do Trabalhador, ao passo em
que a militância se organizava e capacitava quadros técnicos e políticos para atuar neste
campo:
a) A criação do FIST (em 1992): fórum formado por técnicos militantes,
principalmente do SUS e por militantes sindicais (principalmente de
trabalhadores e alguns patronais) não vinculados formalmente a nenhuma
instituição;
b) O FIST é tornado CIST (em 1996): o FIST torna-se CIST (Comissão
Interinstitucional de Saúde do Trabalhador), vinculada ao CES (Conselho
Estadual de Saúde do PR), coordenado, desde a sua criação até hoje, por
militantes ligados ao FOPS-ST e amplamente hegemonizado por estes
militantes;
c) A criação do Serviço de Saúde do Trabalhador - Curitiba em 1995: o
município de Curitiba monta sua primeira equipe na SMS (Secretaria
Municipal de Saúde), coordenado por militantes ligados ao FOPS-ST, desde
a sua criação até o ano de 2001;
d) A criação do CEMAST (Centro Metropolitano de Apoio à Saúde do
Trabalhador), em 1996: órgão do Estado, criado por parceria entre a SMS-
Ctba e a SESA (Secretaria de Estado da Saúde) e coordenado por militantes
ligados ao FOPS-ST, desde a sua criação até o ano 2000;
e) A criação da Coordenação Estadual de ST da SESA, em 1996, com a
atribuição de implantar uma Política Estadual de ST no SUS do PR,
coordenado por militantes ligados ao FOPS desde a sua criação até o ano
2000;
94
f) A criação do COMITÊ, em 1997: formado pelas diversas instituições do
Estado com atribuição legal em Saúde do Trabalhador, além de
representantes sindicais e, posteriormente, de associação de portadores de
Doença do Trabalho (ADVT), com função executiva. Entidade criada e
coordenada por militantes ligados ao FOPS-ST;
g) Portaria proibindo o jateamento de areia no PR, em 1998: após o diagnóstico
de casos fatais de pneumoconiose e o estudo de avanços restritivos neste
tema em diversos países, o CEMAST, via CIST e CES propõe proibição de
jateamento de areia no PR.
h) Criação da ADVT (Associação de Defesa das Vítimas do Trabalho), em
2000: gestada pelo FOPS-ST durante o ano 2000, foi criada com a função de
organizar os trabalhadores vitimados por AT/DT e se constituir numa
Organização militante da ST.
Este período da Saúde do Trabalhador do PR deve ser analisado pela estruturação e
implementação de ações e pela criação de instâncias (FIST, CIST, SST (Serviço de Saúde
do Trabalhador de Curitiba), CEMAST, COMITÊ e ADVT), de criação e início de
aplicação de legislações/normas (CF, LOS, Norma contra jateamento), mas também, e
principalmente, pelas intervenções concretas que o Estado amparado/empurrado pelos
Movimentos Sociais, realizou nos ambientes e processos de trabalho, bem como reparou
danos nos próprios corpos dos trabalhadores.
Podemos avaliar que estes avanços ocorridos na década de 90 do século passados no
campo da ST do PR tiveram forte participação militante em todos os aspectos, desde a
formulação da estratégia e táticas para incremento da militância e ações do Estado e, a
95
partir delas, definindo a política mais geral, coordenando a implantação dos serviços e
instâncias, bem como fiscalizando e monitorando o andamento das ações realizadas pelo
Estado em ST.
A presença militante do FOPS-ST se fez sentir em todos os passos dados dentro e
fora do Estado, construindo instâncias de trabalhadores (como o próprio FOPS-ST e a
ADVT), instâncias de Controle Social (como o FIST, depois tornado CIST), bem como
instâncias de articulação interinstitucional com Controle Social (COMITÊ) e ainda Serviços
e Coordenações de ST no SUS (CEMAST, SST-Ctba e Coordenação Estadual de ST).
Os avanços em todas as frentes onde havia instituição de ST cessaram, entretanto,
com a “queda” dos coordenadores que eram técnicos-militantes dentro dos serviços do
SUS, conforme veremos melhor adiante, que foram caindo todos, a partir de 2000
(CEMAST, Coordenação Estadual de ST, SST-Ctba). “Até chegarmos a um cenário, em
2006, em que não nenhum técnico-militante coordenando e nem mesmo presente nos
serviços do SUS como técnico. Todos foram removidos, transferidos, exonerados.
Perdemos todas as posições de confiança de dentro dos serviços.” (MAP, 15/12/06)
O movimento positivo de construção teórica e prática, com várias limitações que
vimos e veremos, do campo da ST no PR durou até o ano 2001. A partir de 2001 a ST no
PR entrou em nova fase, descendente, com a saída (retirada) progressiva de todos os
técnicos-militantes que atuavam dentro do SUS em ST e a conseqüente luta de resistência
feita pelos militantes contra a destruição dos Serviços e Políticas iniciados na fase anterior.
Esta vista panorâmica sobre o conjunto dos movimentos gerados no Estado e na
Sociedade Civil pelo FOPS-ST diretamente, ou através dos militantes que se orientavam e
articulavam politicamente no FOPS-ST, nos permite fazer uma primeira aproximação do
96
papel da militância na construção da Política de ST do no PR: um ator importante na busca
da construção da hegemonia favorável à classe trabalhadora no campo da ST.
O FOPS-ST adquiriu importância estratégica neste período por ter conseguido
determinar os traços específicos de uma situação e tornar-se protagonista das reivindicações
e das soluções pró-ST e contra os interesses dos capitalistas, articulando em torno de si
vastos setores da Sociedade Civil organizada e, assim, buscando, de forma bem incipiente,
se constituir como um Intelectual Coletivo da classe trabalhadora, como procuraremos
analisar mais aprofundadamente a seguir, buscando identificar qual aprendizado e qual
produção de conhecimento a classe trabalhadora pode obter a partir desta experiência.
3.4 - As Fases da Saúde do Trabalhador no PR
Até 1992 não existiu qualquer política de intervenção sistemática neste campo, seja
por parte do Estado ou da Sociedade Civil. O cenário era de fragmentação das ações entre
diversos atores públicos (principalmente INSS e MTE) e as ações sindicais neste campo
praticamente inexistiam, limitando-se a processos individuais de reparação de danos,
raramente exitosos mesmo nesta pequena abrangência considerada.
Conforme MSE: “antes da criação do FIST, a ST não existia no SUS do PR e as
outras instituições atuavam desordenadamente, sem ter um diagnóstico dos acidentes e
doenças do trabalho e sem um sentido de atuação conjunta nesta área. Quanto aos
97
sindicatos, estavam lutando para conhecer seus direitos e nenhum deles atuava com
consistência em ST”. (MSE, 16/12/06)
Esta “pré-história” da ST no PR pode ser caracterizada pela dispersão, fragmentação
e falta de direção dos agentes sindicais proletários e dos entes estatais responsáveis legais
pela atuação em ST.
A análise da história da ST no PR, através da análise dos documentos e das
entrevistas feitas com os militantes mais ativos atuantes neste campo teórico-prático
permite identificar os seguintes períodos mais importantes da construção da Política de ST
no PR:
1) Fase 1- período de 1992 a 1996: fase inicial, organização do FIST (que vira CIST
em 1996), implantação de Política de ST no Estado (SST-Ctba, CEMAST,
Coordenação Estadual de ST-SESA). Maior clareza das normas/leis e dos vazios da
atuação do Estado em ST;
2) Fase 2- período de 1997 a 2000: fase do amadurecimento, avanço teórico e prático
da militância em ST, criação de mecanismos proletários (FOPS-ST, ADVT) e de
controle objetivo das ações do Estado (Comitê, Resolução proibindo Jateamento de
Areia, Projeto da construção Civil em Curitiba);
98
3) Fase 3- período de 2001 a 2006
4
: fase das derrotas e lutas de resistência da
militância contra os recuos na Política de ST do SUS, “queda” de todos os técnicos-
militantes, “elevação do tom” do enfrentamento com o Estado nas instâncias do
SUS e da justiça. Construção de Encontros Nacionais de militantes de ST.
3.4.1 - Fase 1: fase de implantação da ST no PR - período de 1992 a 1996
Neste período inicial, de 1992 até 1996, as energias dos sindicalistas e técnicos-
militantes esteve mais voltada para construir os Serviços/Ações em ST no PR do que para
controlá-los. Isto se deu, pois as ações anteriores do SUS eram praticamente inexistentes e
quando ocorriam era de forma esporádica e pontual, não constituindo uma Política de ST,
vertebrada, com definições e práticas mínimas que pudessem ser visualizadas e criticadas.
Nesta fase inicial da construção da ST no PR, o FIST (Fórum Interinstitucional de
Saúde do Trabalhador) cumpriu um papel de organizador do Estado, no campo de Saúde do
Trabalhador, congregando as várias instituições do Estado com atribuição neste campo,
além de sindicatos de trabalhadores e até patronais. A presença das instituições do Estado
se deu principalmente pela atuação de técnicos-militantes, formando grupo, construindo
alianças com os militantes do meio sindical.
4
A Fase 3 está descrita como sendo de 2001 a 2006 apenas para localizar o período analisado, vez que se trata
de Fase inconclusa, como ficará esclarecido ao longo deste texto.
99
A presença de setores patronais
5
sempre foi pequena, mas não deve ser
desconsiderada, pois esta presença demonstra qual era a concepção geradora do FIST, o
tripartismo
6
(Estado, patrões e trabalhadores em “partes iguais” compondo comissões).
Este “desvio” inicial da ST no FIST demonstra que a concepção teórica que dirigia
estes primeiros movimentos práticos em ST estava embasada no campo da Saúde
Ocupacional (SO) e não no da ST, como o nome do Fórum e a intenção dos técnicos-
militantes e sindicalistas faziam crer. O FIST tinha um caráter inicial não institucional,
apesar de ter como característica principal organizar a atuação do Estado em ST, procurava
fazê-lo por fora, ao lado do Estado, funcionando como um Fórum aberto à participação de
todos os interessados em construir uma Política de atuação em ST.
Numa tentativa bastante frágil de começar uma atuação interinstitucional em ST no
Paraná, o FIST decidiu por divulgar os direitos dos trabalhadores, especialmente os
previdenciários correspondentes aos AT. Produziu, em 1993, uma Cartilha, que foi
divulgada no Estado todo, explicativa sobre a CAT (Comunicação de Acidente do
Trabalho).
Por iniciativa do FIST, nos anos de 1994 e 1995, houve tentativas de construir um
Centro de Referência Interinstitucional em Saúde do Trabalhador, onde participaram INSS,
MTE, SESA, SMS-Curitiba e Ministério Publico do PR. As tentativas foram frustradas e os
pretensos Centros de Referência acabaram virando “apêndices” da instituição onde
5
Vale destacar que a concepção do COMITÊ é diversa desta, sendo posterior ao FIST em 5 anos e
demonstrando mais maturidade política da militância, postada nos marcos teóricos e práticos da ST. Assim,
o Comitê excluiu explicitamente, desde a origem, a participação patronal (tema que discutiremos neste texto,
no item sobre o COMITE).
6
O problema do tripartismo é que duas partes dele, patrões e Estado, representam a mesma classe, restando
todas as decisões importantes decididas de antemão por duas partes contra uma.
100
estiveram vinculados (INSS), perdendo a característica interinstitucional almejada e
passando a secundar a perícia do INSS no atendimento de trabalhadores. (RAMOS, 2001,
pp 66).
Durante os anos iniciais de sua organização, o FIST formulou várias propostas para
que os gestores do SUS assumissem as atribuições que lhes legava a CF de 1988 e a LOS
8080 de 1990. Ficou patente, entretanto, que os pedidos eram bem aceitos, porém não
encaminhados, caiam no vazio que habita o espaço entre o discurso legal e a prática do
Estado no Brasil.
Sem desistir de formalizar os encaminhamentos para que as instituições praticassem
o que lhes ditava a lei, o FIST passou a contribuir na construção de fóruns mais amplos,
para juntar mais base social as suas proposituras. Assim, ainda no ano de 1993 contribuiu
para a realização da I Conferência Municipal de ST de Curitiba, que apontou para a
necessidade de construção de um setor especializado em ST na SMS, que de fato foi
viabilizado, nos anos de 1994 e 1995.
Segundo PP:
Havia uma efervescência crítica muito grande no FIST, a história estava viva e palpitante
nos embates que os militantes faziam com o governo e levei muitas vezes meus alunos [de
enfermagem] até ali para entenderem a contradição latente entre o que o povo precisa e o
governo nega cotidianamente. A ST tinha fóruns que eram “aulas ao vivo” de luta de
classes, que contaminavam com seu entusiasmo muitos alunos a procurar entender como
funciona a sociedade. (PP, 20/12/06)
101
Conforme vimos discutindo, havia uma grande dedicação de energia por parte da
militância para viabilizar a construção do campo da ST no Estado, especialmente no SUS.
Assim, mesmo após várias tentativas frustradas de construção de um Centro de Referência
Interinstitucional, da não assunção pelo SUS da tarefa de erigir uma Política de ST no PR e
na esteira do discurso amplamente hegemônico sobre a centralidade do SUS no campo da
ST, as ações do FIST e as energias dos militantes se dirigiram para duas frentes, focadas no
SUS e seu papel na Política de ST no PR, discutidas a seguir:
a) A luta para que o Estado adotasse a Legislação vigente
b) A Construção dos primeiros Serviços de Saúde do Trabalhador
3.4.1.1 - A luta para que o Estado adotasse a Legislação vigente
A legislação federal, principalmente a Constituição Federal de 1988 e a lei 8080 de
1990 (Lei Orgânica da Saúde), somadas às Normas Regulamentadoras do MTE, eram,
em 1990, abundantes para definir o traçado geral do que deveria ser feito, bem como
autorizar o SUS a atuar em Saúde do Trabalhador.
No SUS do Paraná havia também um Código Sanitário que permitia aos técnicos
das Vigilâncias Sanitárias da Secretaria Estadual de Saúde e das municipais (mediante uma
simples portaria de Secretário de Saúde) atuar em Saúde do Trabalhador.
Apesar disso, o tema “legislação” em Saúde do Trabalhador ocupou muito tempo e
energia dos técnicos-militantes e dos sindicalistas e demais ativistas em ST no Paraná.
Setores do Estado brasileiro (MTE), bem como técnicos corporativistas vinculados a ele,
resistiram muito (e ainda hoje o fazem) a “dividir” a atribuição de atuar nos ambientes de
trabalho com os técnicos do SUS. As alegações se baseiam principalmente na regra legal,
102
do período da ditadura militar, que incumbia apenas ao MTE e técnicos da área da
Segurança do Trabalho, atuar neste campo. Desconhecendo ou simulando desconhecimento
de que a CF faz decair as normas anteriores naquilo que lhe contrariem os preceitos.
Setores do Capital tem reagido desde 1990 pela via judicial e do cerceamento
político às ações de Saúde do Trabalhador realizadas pelo SUS. Neste caso o levante é bem
claro e ocorre apenas e tão somente como reação pontual às ações concretas que gerem
custos às empresas, como intervenções nos ambientes de trabalho que exijam modificações
visando a segurança dos trabalhadores (pela atuação do SUS, através da Vigilância
Sanitária), elaboração de nexo de causalidade entre doenças e trabalho (pela atuação do
CEMAST), e, a partir de 1998, pela elaboração de Relatórios de Investigação de Óbitos e
Amputações relacionados ao Trabalho (pela atuação do COMITÊ, através, principalmente,
das Vigilâncias Sanitárias do SUS).
A CIST discutiu este tema da Legislação necessária e suficiente para embasar a
atuação do SUS desde as primeiras reuniões em 1992 (como FIST ainda). No período de
1992 a 1997 este tema ocupou constantemente a pauta das reuniões da CIST e das
Conferências de Saúde do Trabalhador Estaduais e Nacionais. Resoluções de todas as
instâncias de Controle Social do SUS apontavam na mesma direção: fazer cumprir a lei,
implantar ações de ST no SUS.
O campo da Saúde do Trabalhador foi se implantando timidamente no Brasil,
inclusive neste quesito legislação, ao longo da década de 1990, seja por decisões favoráveis
em disputas realizadas no Judiciário, seja pelo avanço da definição legal/normativa no SUS
(municipal e Estadual) e também por certa pressão dos movimentos sociais organizados
para que o Estado cumprisse a lei no que tange à ST no SUS.
103
No Paraná também operou esta lógica, o Setor Saúde do Estado (SESA-PR)
elaborou um Código de Saúde que define (em consonância com as leis federais) as
atribuições do SUS em Saúde do Trabalhador, alguns municípios seguiram o mesmo
caminho.
Como vimos antes, após ter conquistado avanços em saúde, especialmente em ST,
na CF de 1988, fruto de movimento ascendente da classe trabalhadora, o proletariado
assistiu este direito ficar restrito ao campo discursivo sem se tornar aplicação prática que
modificasse as condições de trabalho visando obter avanços em ST. A resistência
encontrada em setores do Estado (MTE notadamente e INSS secundariamente), assim como
nas empresas que iam sofrendo alguma ação concreta do Estado (SUS), em fazer cumprir a
lei, está inserida neste contexto e representa a força da inércia, do atraso e do mantenimento
do grau de exploração do trabalho pelo capital tal e qual o equilíbrio anterior determinava.
Estes enfrentamentos para fazer cumprir a lei produziram alguns
aprendizados pela prática na militância, segundo MSE: “não bastava a definição na lei, a
Política de ST no SUS não seria implantada sem causar grandes enfrentamentos, cada ação
proposta em lei e reforçada pelas instâncias de Controle Social precisava ainda de força
política para ser implantada no concreto. (MSE, 16/12/06)
3.4.1.2 – A Construção dos primeiros Serviços de Saúde do Trabalhador
As equipes de Saúde do Trabalhador da SESA-PR sempre foram muito pequenas, se
comparadas com o tamanho da população trabalhadora que deveriam cobrir com sua
atuação. Esta pequenez, aliás, não é exclusividade do SUS-PR, trata-se antes da regra para
104
o Estado no Brasil: a capacidade de fiscalizar o cumprimento da lei nos ambientes de
trabalho e de identificar o nexo entre doença e trabalho é pífia, tende a zero.
Praticamente ao mesmo tempo, a SMS-Ctba e a SESA-PR construíram
coordenações de ST no SUS: na SMS foi criado o SST (Serviço de Saúde do Trabalhador),
em 1995 e na SESA foi criada a Coordenação de ST, em 1996. Ambas as coordenações
tinham equipes minúsculas comparadas com a quantidade de empresas e trabalhadores que
nas quais deveriam atuar em ST. A SMS-Ctba tinha uma equipe de 4 pessoas, para uma
população trabalhadora de mais de 500 mil pessoas e a SESA tinha uma equipe de 2
pessoas para uma população trabalhadora de mais de 4 milhões de pessoas. Além disso,
nenhuma das duas equipes tinha orçamento específico para desenvolver ações em ST.
Técnicos-militantes coordenavam as duas instâncias e tinham certa autonomia para
implantar os serviços e a Política de ST, sem ter, entretanto recursos financeiros e humanos
para levar adiante a empreitada, se limitavam a buscar mecanismos que “modificassem o
olhar” das equipes tradicionais do SUS (vigilâncias e assistência) com vistas a incorporar
ações em ST.
Após as tentativas frustradas de construção de um Centro de Referência
Interinstitucional, e seguindo fortemente a idéia de que era preciso construir um Centro
destes para dar um salto de qualidade na atuação do Estado em ST, o Estado adotou
parcialmente o objetivo construído pela militância e aprovado em diversas Resoluções de
Conferências de ST e de Saúde que ocorreram entre 1992 e 1996, ano em que finalmente
foi criado um Centro deste tipo: o CEMAST (Centro Metropolitano de Apoio à ST).
O CEMAST era o mais estruturado dos serviços criados pelo SUS, contava, na sua
origem, com 10 funcionários. Tinha a atribuição de atuar em uma região do Paraná com
cerca de 40 municípios, com cerca de 40% da população do estado (cerca de 2 milhões de
105
trabalhadores). O restante do estado (os 60%) não tinham nenhuma referência especializada
em ST e só passaram a ter em Londrina em 2004.
Junto com o CEMAST foi criado o seu Conselho Gestor. Ocorreram apenas
algumas reuniões e o Conselho Gestor foi abandonado pelos sindicalistas, que priorizaram
a participação nas instâncias mais políticas e menos executivas (CIST, CES). Tampouco os
técnicos-militantes procuraram fazer com que ele existisse e, assim, o Controle Social de
fato de um centro que executava diretamente ações junto à classe trabalhadora foi
descartado pelos militantes.
É bastante possível que isto tenha ocorrido por dois motivos:
1) A gestão do CEMAST, bem como a Coordenação ST-SESA, estavam
então, a cargo de técnicos-militantes e os sindicalistas confiavam na
gestão como se fosse deles diretamente!
2) As instâncias políticas estavam dando resultado positivo: criação dos
Serviços de Curitiba e CEMAST, além da indicação de que seriam
criados outros Centros de Referência nas regiões-pólo do Estado.
Ocorre que os cargos ocupados pelos técnicos eram passageiros, a necessidade do
Controle Social mais próximo, gestor do serviço não estava criada e, por isso, não foi
compreendida naquele momento.
As ações militantes em ST voltavam-se então para a expansão dos serviços
especializados em ST e acreditava-se que poderiam ser cumpridas as Resoluções do
CES/Conferências que apontavam com clareza que isto ocorreria. Havia uma ilusão
instalada, pela leitura das aparências, que fazia crer que a “aliança” entre sindicalistas e
106
técnicos-militantes estava garantida e prosseguiria avançando em conquistas que se
acumulariam em favor da classe trabalhadora.
7
A implantação de Centros de Referência tem sido resolução de todas as
Conferências de Saúde e de Saúde do Trabalhador no PR desde 1995. Sempre foram
aprovadas por consenso as propostas, que tratavam do óbvio: construir Centros de
Referência em ST em todas as cidades pólo, de forma a abranger as maiores concentrações
populacionais do PR com uma referência direta e uma referência indireta, porém mais
próxima, para a totalidade dos municípios. Cabe destacar que, na maioria das vezes, a
proposta, formulada e nunca cumprida, foi do gestor do SUS PR, leia-se, do Estado!
Com a criação do SST-Curitiba, em 1995, do CEMAST e da Coordenação de ST da
SESA, em 1996, estavam assentadas as bases da Política Estadual de ST. Desde então,
existem mais elementos concretos e menos discursivos para proceder à análise do que
realmente ocorreu com esta Política no SUS do PR.
3.4.1.3- A Institucionalização da ST no SUS PR
Devido à criação destas instâncias e à participação dos técnicos-militantes do SUS
no FIST durante este período inicial da ST no PR, o setor saúde foi ganhando centralidade
no campo da ST do PR e, após um longo processo de debate sobre a importância do SUS
7
Esta ilusão começaria a desmoronar em 2000 e seria eliminada totalmente em 2006, quando
não lhe resta base material para seguir crendo na aliança entre sindicalistas e técnicos-militantes atuantes em
ST no Estado, vez que estes últimos foram expurgados todos do setor ST do SUS, como veremos a seguir.
107
dentro do Estado brasileiro e a responsabilidade central deste na construção do campo de
Saúde do Trabalhador, resolveu-se, em 1996, tornar o FIST na CIST (Comissão
Interinstitucional de Saúde do Trabalhador), vinculada ao CES (Conselho Estadual de
Saúde do PR).
Após o período da ditadura militar no Brasil, os princípios de participação popular
foram assegurados na CF de 1988 e o mecanismo de Controle Social traduzia este conceito
para dentro do SUS. No campo da ST o Controle Social tem sido feito especialmente pelas
CIST (Comissões Interinstitucionais de ST), vinculadas aos Conselhos de Saúde. Este
mecanismo legal associado ao protagonismo de fato que o SUS assumiu em ST foram as
causas da transformação do FIST em CIST.
Nesta fase de implantação da ST no SUS do PR, o tema da legalidade teve grande
importância e o Ministério Público Estadual (à época denominando Promotoria de Acidente
do Trabalho) teve papel relevante, ao lado da pressão exercida pelos sindicatos e técnicos-
militantes no FIST e depois na CIST para que o SUS construísse serviços e estabelecesse
uma Política de ST no PR.
A ênfase na questão da legalidade e a aparência de positividade constatada pelos
militantes neste caminho dirigiram as energias militantes para uma via institucional de
construção da ST. A transformação do FIST em CIST ao lado da assunção dos cargos de
coordenação em ST pelos técnicos-militantes demonstra este direcionamento para dentro do
Estado. Tendo a intenção de fazer com que o Estado se movesse na direção de promover
benefícios à classe trabalhadora em ST a militância acabou concentrando seus principais
esforços numa via institucionalizada, controlada pela classe dominante, da pequena política
no sentido que Gramsci dá ao termo, por se ater exclusivamente à esfera legal, do cotidiano
autorizado pelo estágio atual da luta de classes.
108
Esta primeira fase, de implantação da Política de ST no PR, de 1992 a 1996, foi
marcada pelas lutas da militância no sentido de que fosse reconhecida a legalidade da
atuação do SUS em ST, bem como por esforços no sentido de constituir os primeiros
corpos técnicos, os Serviços de ST no SUS. Como parte do processo e conseqüência deste
movimento, os técnicos-militantes acabaram assumindo as diversas posições de comando
destes Serviços e o FIST foi tornado CIST, passando a ser um fórum institucionalizado e
sujeito às regras do Estado.
Nesta fase os campos teóricos da Saúde do Trabalhador (ST) e Saúde Ocupacional
(SO) estiveram bastante “misturados”, caracterizando uma fragilidade teórica que pode ser
constatada na participação do setor patronal no FIST/CIST, na própria institucionalização
do FIST (tornado CIST), bem como na destinação das energias militantes à construção
exclusiva da “pequena política”.
Ao conquistar os objetivos iniciais de instalar serviços e ações concretas em ST a
militância “aderiu”, ficou presa aos passos que a Política de Estado em ST começou a dar.
Conforme GCA:
O Estado parecia oferecer espaço suficiente para que construíssemos os Serviços de ST,
mas, ao mesmo tempo, não oferecia recurso humanos e financeiros suficientes para que o
fizéssemos de forma satisfatória. Mesmo assim juntamos os pouquíssimos técnicos, as
sobras de cadeiras e mesas e a muita energia que tínhamos para a empreitada, alem da
aliança com os sindicalistas e fizemos começar a funcionar algo parecido com uma
Política de ST no SUS. (GCA, 21/12/06)
Acreditando neste espaço oferecido pelo Estado, os militantes foram
convidados/convocados a assumir postos de comando em ST que, vistos de perto, ou
melhor, de dentro, faziam com que a “pequena política” parecesse “grande política”.
109
Ao proceder deste modo, em parte pela imaturidade da luta da ST no Paraná e no
Brasil, em parte por falta de Plano que guiasse a ação dos militantes, estes escolheram, ou
antes foram escolhidos, pela lógica da classe dominante, do Estado, deixando de construir
a lógica da classe dominada, instâncias e ações exclusivas dos trabalhadores que pudessem
preparar politicamente um contingente maior da classe trabalhadora para militar em ST fora
do Estado e contra ele.
3.4.2 - Fase 2: fase do amadurecimento da ST no PR - período de 1997 a 2000
Como herança da primeira Fase, no período que se inicia em 1997 existem Serviços
de ST no SUS
8
, superou-se o questionamento legal para atuação do SUS em ST e se fez um
movimento geral que criou e institucionalizou a Política de ST (bem como a militância em
ST).
A segunda Fase da ST no Paraná se distingue nitidamente da anterior, que lhe serve
de base de partida, situando, na Guerra de Posição, a militância mais para “dentro do
Estado”. Depois de um período de acentuadas e permanentes críticas feitas pela militância à
ausência e inoperância do Estado em ST
9
, este passa a responder concretamente a estas
críticas na forma de Serviços (e respectivos cargos de coordenação oferecidos e ocupados
pelos militantes destes serviços) e ações concretas. Ocorreu, portanto, um avanço real na
8
Existem, porém com as diversas fragilidades estruturais apontadas anteriormente.
9
Conforme discutido antes, críticas feitas junto às diversas instituições do Estado e da Sociedade Civil que
participavam do FIST e do FOPS, bem como junto à representação dos usuários e trabalhadores que tinham
alguma participação em fóruns de controle social no SUS.
110
oferta de serviços e ações voltados para a ST posto que, na primeira Fase, o aspecto
discursivo sobrepujou em muito o de ações concretas em ST, que neste período inicial
praticamente inexistiram.
O traço marcante da segunda Fase é exatamente o de colocar estas “ações
concretas” em primeiro plano, ou melhor, institucionalizar as ações e criar os Serviços
buscava, por parte da militância, construir a viabilidade das “ações concretas” como
veremos a seguir.
3.4.2.1 - O movimento para dentro do Estado
O FIST, que vinha funcionando “ao lado” do Estado, procurando fazer com que este
cumprisse as leis e construísse uma Política de ST, se institucionalizou, passando a atuar no
âmbito do setor saúde, agora como CIST, por dentro das instâncias de Controle Social do
SUS.
Este movimento para dentro do SUS “enquadrou” e burocratizou a atuação do
Fórum, tornado Comissão. Os movimentos iniciais do FIST buscavam diretamente (ainda
que muito pouco tenham atingido) o objetivo de fazer com que o Estado cumprisse suas
atribuições legais em ST, o fórum era mais executivo, as propostas eram construídas em
conjunto e se buscava implantá-las. Não havia ainda um peso determinante de algum setor
do Estado, inclusive pela falta de Plano deste para intervir globalmente nesta temática, de
ST.
No caso da CIST a execução ficou muito mais distante, o Controle Social era feito
de acordo com o rito do SUS: era preciso aprovar em Conferência, depois tentar fazer
111
cumprir pela Comissão, através do CES. Vencido este longo trâmite, que podia durar
alguns anos, para aprovar uma linha de ação da SESA, ou seja, para objetivar uma diretriz
genérica definida em lei, restava aguardar que o setor responsável cumprisse o
deliberado, o que raramente ocorreu, como veremos.
A CIST entrou numa armadilha do Estado para a ST, o chamado Controle Social,
onde o não cumprimento escancarado da lei pelo Estado entra numa fila de assuntos a
serem tratados pelos Conselhos e Conferências para decidir de novo se o SUS deve cumprir
o que já estava determinado repetidas vezes que deveria ter sido feito.
O que antes era pauta constante do FIST e, portanto, demanda direta às instituições
para que objetivamente atuassem em ST passou a ser mediado pelas instâncias do SUS e
teve seu status rebaixado, necessitando obter maioria na comissão (CIST), nas Conferências
e no Conselho Estadual de Saúde (CES).
Apesar dos vários obstáculos ao funcionamento da CIST, esta seguiu sua longa
empreitada de Sísifo, nesta fase de 1997 a 2000, empurrando a pedra morro acima e
conseguiu subir, consolidar várias posições mais altas no morro da melhoria das condições
de saúde dos trabalhadores do Paraná!
A CIST tem funcionado mensalmente desde 1996, reunindo em média 15
instituições, tendo chegado a reunir 30 ou mais instituições em momentos mais críticos, de
debate mais acentuado, que discutiremos a seguir. (CIST, 2000)
Entre o período inicial de atuação de CIST (1996) e o ano 2000 ocorreram diversas
tentativas do gestor de “enquadrar” a CIST, que era identificada como uma “Plenária da
112
oposição, dos sem-voto”
10
pelo Secretário de Saúde, num regimento definido pelo CES,
que colocava o critério da paridade entre os segmentos (gestor, usuário, trabalhadores) e de
limite do número de participantes que representassem os trabalhadores. Este regimento :
tirava o poder de voto das instituições que não tivessem assento no Conselho e limitava o
número de participantes da Comissão a uma proporção dos conselheiros presentes. Esta
pressão está mantida desde o inicio do ano 2000, mas o Conselho não deliberou
definitivamente sobre isto e a CIST deliberou pela não concordância com o ato da
SESA e pelo enfrentamento via Ministério Público
11
, caso a secretaria insista na medida
excludente. (RAMOS, 2001, p67)
Quando ocorreram estas tentativas, as reações foram veementes por parte dos
sindicalistas e técnicos-militantes, denunciando a manobra do Estado para enquadrar e
esvaziar a CIST e cobrando a resolução dos verdadeiros problemas que existiam na ST, ao
invés da proposta de desmanche dos fóruns de reclamantes. O Estado recuou em todas as
tentativas de enquadrar a CIST, não por falta de voto, pois os tinha de sobra no CES, mas
porque criaria um tumulto numa área nevrálgica que melhor lhe convinha fosse controlada
por dentro, ou pela simples aceitação e não cumprimento das propostas. Esta última forma
foi a mais constante nas relações CIST/CES e principalmente CIST/SESA.
10
O secretario de saúde de então, Armando Raggio, se referia aos sem-voto como sendo os petistas e outros
esquerdistas, que, não tendo logrado êxito eleitoral pelas urnas, ficavam incomodando o andamento do CES e
da SESA, como um enclave da CIST no governo.
11
Este enfrentamento aventado pela CIST significava um enfrentamento nos marcos das regras do SUS, e
buscava uma “judicialização” dos conflitos, isto é, remeter ao Ministério Público e não acatar a deliberação da
instância superior (CES). Na prática a SESA recuou e nunca aprovou por ter clareza de que não seria
obedecida na Resolução e se instalaria um incomodo “motim” que poderia ser pior do que uma trincheira
pertencente ao inimigo, que resolve e vence todas as votações dentro, mas não tem poder de fazer cumprir
nenhuma lá fora.
113
3.4.2.2 – A luta para construir um Diagnóstico da Situação de ST no Paraná
A primeira grande luta da militância em ST foi para que esta se estabelecesse de
fato e legalmente no Estado. Após a institucionalização conseguida na primeira Fase da ST
no PR e da transformação do FIST em CIST uma outra batalha pode ser vencida,
parcialmente, pela militância em ST, conseguir ter algum diagnóstico dos problemas
existentes neste campo no Paraná.
nos primeiros movimentos do FIST haviam esforços no sentido de montar um
diagnóstico (através das CAT- Comunicação de Acidente do Trabalho) e manter atualizado
o quadro de Acidentes e Doenças do Trabalho.
12
Apesar deste início marcado em 1992, o
diagnóstico feito via CAT ganhou relevo, abrangência e utilidadade prática após 1997,
como veremos a seguir.
Um setor do Estado, o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), sistematiza
os dados das CAT desde a década de 1970, entretanto esta informação tem servido somente
à finalidade de pagamento de “benefícios da previdência”, pensões merecidas por terem os
trabalhadores
13
sofrido acidente ou doença do trabalho. As instâncias de Controle Social em
Saúde do Trabalhador reivindicam nacionalmente desde que elas existem (início dos anos
90) que este banco de dados seja repassado ao SUS e que possa servir de base ao
diagnóstico da situação de saúde no trabalho.
12
Começar a pintar o quadro de acidentes e doenças apenas em 1992, sendo que elas eram registradas num
instrumento legal desde 1970, nos uma boa idéia da importância que o Estado vem dando ao tema da ST:
bem próximo de nada.
13
Apenas os celetistas, regidos pela CLT - Consolidação das Leis do Trabalho.
114
Em 1992, o SUS do Paraná, em parceria da SESA com a SMS-Curitiba, montou um
sistema de informações, o SISCAT
14
, abrangendo a Região Metropolitana de Curitiba. Era
um sistema bastante precário, feito na base da fotocópia e posterior digitação das CAT que
o INSS “emprestava” ao SUS, em uma sala de suas dependências, para que copiasse.
O SISCAT aumentou de abrangência após 1996, passando a cadastrar CAT de 43
municípios e, após a criação da Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador da SESA,
em 1997, passou-se a cadastrar as CAT do Estado todo.
Após o ano de 1999, a consolidação destes avanços estava dada, daí em diante
segui-se o declínio da qualidade dos dados e a falta de sistematização. A informação,
tornada mais e mais precária pelo setor técnico (não militante) era compatível com o uso
precário, ou com a falta de uso que sofria pela SESA. Em documento, de fevereiro de 2003,
denominado “Cenário da Política de ST SUS-PR”, a CIST se refere assim ao tema
informação: “precário diagnóstico e conseqüente ausência de planejamento das ações de ST
no Paraná. Os dados disponíveis referem-se ainda ao ano de 1999 (CAT)...inexistem
informações sobre trabalhadores sem registro em carteira. A SESA não realiza a análise de
outros bancos de dados disponíveis (COMITÊ e Intoxicações por agrotóxicos)”.
Além do atraso de quatro anos na alimentação de um sistema (CAT) que dez anos
antes estava atualizado para o uso imediato, a SESA não encaminhou, após três anos de
Resolução do CES que determinava que o fizesse, a construção de banco de dados em ST a
partir da notificação em unidades de urgência e emergência e também não encaminhou a
Resolução do COMITÊ sobre a incorporação dos AT registrados no banco de Declarações
de Óbitos aos casos investigados.
14
SISCAT- Sistema de Informação de Comunicação de Acidente do Trabalho, criado pelo Programa de
Saúde do Trabalhador da Zona Norte de SP.
115
A CIST, todas as Conferências de Saúde e Saúde do Trabalhador, além de
Oficinas sempre questionaram os limites do Sistema de Informação, no que estavam
corretas. Esse Sistema poderia ser muito melhorado, notificando via Serviços de urgência e
emergência e fichas que contemplassem os trabalhadores informais. Entretanto, os próprios
dados de CAT davam informação suficiente para se exigir do Estado (SUS
especialmente, mas também INSS, MTE, Promotorias,...) ações concretas muito superiores
as poucas realizadas efetivamente por este.
O Diagnóstico da Situação da Saúde do Trabalhador é fundamental para que se
possa elaborar um Plano, uma Política que organize a intervenção do Estado
(principalmente os setores Saúde, Trabalho e Previdência) a partir de critérios
epidemiológicos.
O Diagnóstico que se baseie na construção da informação comprometida com a
saúde da população é estratégico:
tanto na gestão pública da saúde quanto para um projeto emancipador do homem, que o
torne sujeito de seu próprio tempo e espaço. Neste sentido, diversos atores sociais,
convictos de que a informação é dever do Estado e direito inerente à cidadania, já
discutem e demandam descentralização e acesso a bases de dados, bem como
democratização das informações ( sindicatos de trabalhadores, órgãos técnicos
intersindicais – DIESAT, DIEESE, organizações não governamentais, dentre outros).
(REZENDE, 2005, p6)
Após 15 anos da Lei, que incumbe ao SUS realizar este diagnóstico, podemos notar o
atraso na sistematização dos dados, a fragilidade, quando não a ausência, da análise dos
perfis de morbimortalidade causados pelo trabalho e a quase completa falta de materiais
116
informativos que possam indicar aos trabalhadores, mesmo aos mais organizados em
Sindicatos e Associações, o que está ocorrendo com a ST do Paraná.
Moraes e Santos afirmam sobre as informações :
... que indicam as desigualdades sociais, as mortes prematuras advindas da miséria, dos
riscos do trabalho, dos longos trajetos de casa para o emprego, como exemplo, não são
transformadas em necessidade social em uma formação política como a brasileira... Isto
ocorre, entre outras determinações, porque o principal interesse daqueles que mais vêm
impulsionando a chamada era da informação é a aparelhagem (apparatu) e não o conteúdo
(MORAES e SANTOS, 1998 p.38)
A questão da aparelhagem (ou apparatu) não pode ser o determinante do interesse
dos que detém as informações, conforme os autores citados acima. O predomínio da
aparelhagem se deve antes a lógica do Estado, ao seu caráter classista, burguês. Na questão
do Diagnóstico, assim como na da Legislação em ST, o atraso generalizado não é casual,
trata-se de uma escolha propositada, ou melhor, estrutural do aparelho de Estado. Conforme
Breilh,
O caráter tendencioso e contraditório da informação hegemônica em saúde se manifesta
também no contraste entre o sigilo e as informações institucionais ao manejar a exígua
informação disponível sobre a saúde dos trabalhadores(...) quando ocorre uma verdadeira
política de desinformação, limitando o conhecimento epidemiológico.(BREILH,1999).
A informação em ST tem o potencial de subsidiar e potencializar as lutas da classe
trabalhadora por melhores condições de trabalho. É um tipo de notícia que cuja divulgação
117
não interessa à classe dominante, materializada na mídia e no Estado que lhe
correspondem.
A produção da informação está voltada para garantir o aumento da produtividade e
da competitividade. Assim, as novas tecnologias, velocidade, flexibilidade e adaptação
estratégica imediata estão voltadas aos interesses privados e o potencial disponibilizado de
informação não contribui para a democratização de nossas sociedades mas sim para uma
inédita concentração de poder de decisão.(BREILH, 1999 , Rezende , 2005)
A questão das informações em ST é tema que merece destaque ao se analisar este
campo de atuação do Estado junto à classe trabalhadora. É muito eloqüente o fato de o
Estado brasileiro possuir os dados das CAT desde 1970 e não disponibilizá-los
adequadamente à sociedade civil e mesmo aos setores do Estado aos quais incumbe atuar
nesta temática.
No caso do Paraná, como acabamos de descrever, problemas graves e também
muito eloqüentes. Após um esforço dos técnicos-militantes da SMS-Ctba em “copiar à
mão” os dados de CAT de dois anos (cerca de 15 mil documentos), em 1992, passou-se a
ter algum diagnóstico da ST-Ctba, antes inexistente. Como dissemos, o INSS possuía
estes dados todos digitados, mas não podia disponibilizá-los ao SUS.
Conforme MSE,
foi preciso um esforço de guerra para montarmos uma primeira fotografia da situação da
ST em Curitiba e região metropolitana, foram vários anos brigando com o INSS para nos
entregar as CAT, com a SMS [de Curitiba] para disponibilizar computadores e técnicos
para digitar os dados, (...) além de outros para analisarem o que diziam estes dados. Isto
tudo para ter o dado, o esforço para construir ações baseadas nestes dados rendeu uma
luta muito mais longa. (MSE, 16/12/06)
118
Com a construção dos Serviços de ST e assunção da coordenação destes por
técnicos militantes, durante a primeira Fase da ST no PR, a sistematização dos dados das
CAT pode ser ampliada para um terço do Estado (em 1996) e para todo o Estado (1997),
demonstrando que, apesar de repetir o trabalho que o INSS realizava, era possível se obter,
bem como disponibilizar para a Sociedade Civil as informações sobre AT e DT dos
trabalhadores com registro em carteira.
Na segunda Fase da ST no PR, de 1997 a 2000, ocorreu grande disponibilização de
informações baseadas nestes Bancos de Dados para setores do Estado, como o Ministério
Público e, principalmente, para Sindicatos que os utilizaram em negociações com o setor
patronal para buscar melhoria das condições de trabalho, bem como para informar sua base
trabalhadora dos agravos que a acometiam coletivamente.
Nesta disponibilizacão dos dados havia uma análise crítica que interessava á classe
trabalhadora, sobretudo aos setores formais que mais sofrem violência no trabalho, na
forma de AT e DT, como é o caso da Construção Civil, que cujo diagnóstico de situação
em ST ganhou relevo e precisão com a construção e análise do banco de dados de CAT e
peso político com a construção do COMITÊ e conseguiu o feito inédito de uma intervenção
sistemática, planejada em conjunto com o Sindicato de Trabalhadores, durante os anos de
1999 e 2000, como veremos a seguir.
Nesta temática, da informação, a militância logrou acumular alguns avanços
concretos, a partir da trincheira ocupada nos postos de ST do Estado conseguiu produzir e
difundir o que Lênin chamava de “revelações políticas”: informações sobre os agravos, a
violência cometida contra a saúde dos trabalhadores no conjunto das empresas do PR. Estas
informações serviram para instrumentalizar os Sindicatos e Associações de Lesionados por
119
AT/DT em suas ações de contestação judicial e política do Estado e das empresas
causadoras dos agravos. Serviram também para gerar algumas ações planejadas por parte
do Estado, especialmente dos Serviços de ST.
Ao construir o sistema de informação em ST como um mecanismo de “revelação
política”, a militância logrou construir, ainda que de forma incipiente e precária, um
mecanismo de Estado
15
, que servia de referência para a atuação da militância na “grande
política”, ao permitir visualizar o que acontecia com o conjunto da classe trabalhadora, ao
menos com o seu setor formal, no Estado, na temática de ST e construir intervenções
coletivas sobre estas revelações.
3.4.2.3 – O Plano militante para a ST do Estado: o COMITÊ
Em 1997, o debate entre os militantes evidenciou que haviam condições mínimas,
estava construído o primeiro “patamar” sobre o qual poderia ser construído um Plano de
intervenção em ST no PR. Segundo a leitura dos militantes do FÓPS-ST entrevistados e do
próprio autor desta pesquisa, as características principais deste primeiro patamar são:
a) Existência de uma militância com alguma especialização na problemática do
campo de ST no PR;
b) reconhecimento hegemônico, por parte dos setores afins ao tema ST da
Sociedade Civil, da legitimidade legal e política do SUS atuar em ST;
15
O mecanismo consistia em sistematizar e dar transparência às informação sobre agravos cometidos pelo
Capital contra a classe trabalhadora no trabalho.
120
c) Serviços de ST no SUS, com pequenas equipes, pouco treinadas, porém sob o
comando de coordenadores vinculados ao FÓPS-ST;
d) Algum treinamento do setor de vigilância sanitária do SUS para atuar em ST.
e) Algum diagnóstico da situação da ST no PR;
f) Alguma experiência dos militantes durante a primeira Fase da ST sobre a forma
de agir concreta, não mais discursiva, do Estado em ST.
A interpretação do sentido do movimento da ST ocorrido no PR, desde 1992 até
1997, levou à criação, principalmente a partir de uma elaboração dos técnicos-militantes,
legitimada pelos demais militantes, do COMITÊ (Comitê de Investigação de Óbitos e
Amputações Causados pelo Trabalho no PR).
3.4.2.3.1- A capacitação do SUS para atuar em ST e o esboço do Plano
Na primeira Fase da ST no PR não havia Plano sistemático de intervenção, apenas a
forte determinação dos militantes (técnicos e sindicalistas) de que o Estado, especialmente
o SUS atuasse em ST. Esta determinação criou um movimento, sem contornos muito
precisos, sem objetivos bem definidos, mas que serviu de mecanismo de pressão sobre o
SUS para que este tivesse alguma Política de ST no PR.
Depois de iniciado o movimento pró-ST no PR, os contornos legais, técnicos e
políticos foram se definindo com maior clareza, principalmente a partir do que vinha sendo
esta atuação em outros estados e municípios onde existia o campo da ST e também a partir
da apropriação pelos militantes da produção teórica de autores do campo da ST, como
Lacaz, Minayo, Machado e Rigotto. O Plano inicial foi sendo então aprimorado a partir das
121
referências teóricas e práticas vindas de fora, mas se encontrava em estado bastante
incipiente e a intervenção do SUS-PR consistiu, durante os anos de 1996 e 1997,
basicamente em capacitar os técnicos do SUS para atuarem no campo da ST e em construir
um mínimo respaldo legal e político para que estes técnicos pudessem atuar. Os contornos
deste Plano estavam se tornando mais precisos do que foram nos anos de 1992 a 1995,
quando as ações das vigilâncias priorizavam intervenções nas empresas que apresentavam
maior número e gravidade de AT/DT, mecanismo assemelhado ao adotado pelo MTE.
As pequenas equipes dos Serviços de ST, criadas na primeira Fase, realizaram um
intenso processo de capacitação, no período de 1996/1997, com as vigilâncias sanitárias de
todo o Estado e estas equipes capacitadas deveriam construir as bases para a estruturação de
uma política estadual de Saúde do Trabalhador do SUS-PR.
Segundo PP: “tivemos um espaço e condições mínimas para realizar capacitações
para muita gente, técnicos, trabalhadores e lideranças políticas,(...) como nunca houve no
Paraná (...) Fornecemos instrumentos legais, políticos e técnicos para que fosse dado início
à construção da Política de ST no SUS do PR”. (PP, 20/12/06)
Após a capacitação inicial, continuada pela prática e respaldada por treinamento em
serviço, cada município deveria produzir um Plano de atuação em Saúde do Trabalhador,
tendo como balizas mínimas para tanto: investigar os eventos-sentinela
16
óbitos e
amputações causados pelo trabalho, ocorridos no seu território de atuação e fiscalizar as
empresas que utilizavam jateamento de areia
17
. A partir destas balizas, deveria ser
16
Evento Sentinela : evento considerado, em epidemiologia, ao mesmo tempo grave e evitável. Tem, na área
de Saúde do Trabalhador a função de ajudar a definir prioridades de atuação, avaliar o impacto, assim como
de permitir monitorar as ações que, tomadas pelo setor Saúde, visam evitar a ocorrência de novos eventos
sentinela.
17
Por iniciativa da Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador e do CEMAST, em conjunto com a CIST-
PR, foi apresentada e aprovada pelo Conselho Estadual de Saúde uma Resolução proibindo o uso de areia no
122
elaborado um plano de intervenção do SUS que buscasse integração com outras instituições
do Estado e com as organizações dos trabalhadores para atuar nas causas destes eventos, de
modo que eles não viessem a ocorrer novamente no futuro.
Este foi um abrangente processo que ocorreu num curto período e buscou
homogeneizar o entendimento das obrigações que cabiam ao SUS, desde sua criação, em
ST, mas que, por uma decisão política passaria de fato a ser cumprida.
O biênio 1996/1997 registrou um salto qualitativo no campo da ST do PR por ter
logrado construir sobre o “primeiro patamar” mecanismos geradores de movimento em ST,
os eventos-sentinela, que traziam à luz uma demanda de ação do Estado para intervir no
caso individual de óbito ou amputação causado pelo trabalho. Além disso um segundo
aspecto relevante se distingue neste mecanismo do evento-sentinela: tornar os casos
individuais em casos coletivos, isto é, esperava-se que os municípios e regionais de saúde
identificassem os padrões de causalidade destes acidentes e elaborassem um Plano de
atuação sobre estas causas, visando diminuir ou eliminar a probabilidade de sua ocorrência
futura.
Após dois anos de realização de treinamentos e de observação da atuação das
vigilâncias sanitárias municipais e regionais, a Coordenação de Saúde do Trabalhador da
SESA-PR e a Coordenação do CEMAST identificaram os limites da atuação apenas dentro
do SUS, ainda que sintonizados com o movimento sindical, verificou-se que:
o processo de capacitação das vigilâncias poderia continuar como função específica do
SUS, mas que o suporte político para atuação dos técnicos e para dar consistência e
continuidade às ações iniciadas em 1996 se mostrava insuficiente. Buscaram, então,
jateamento. Esta Resolução entrou em vigor em janeiro de 1998 e, portanto, não dependeu do diagnóstico
feito pelo município incluir a inspeção às empresas que utilizavam o jato de areia e sim desta normativa do
Conselho.
123
construir um novo espaço, que congregasse as principais instituições do Estado e do
movimento sindical com atuação no campo da ST, para reunir os responsáveis pela
atuação na preservação da saúde dos trabalhadores e procurar construir uma política
estadual para o campo baseada nos eventos-sentinela: óbito e amputação causados pelo
trabalho. (RAMOS, 2001, p71)
Os técnicos-militantes investidos em cargos de coordenação da ST no SUS estavam
aparentemente “empoderados” pelo gestor estadual do SUS, com pouquíssima estrutura
mas com muito espaço para ocupar com treinamentos de equipes, reuniões mais “políticas”
com secretários de saúde e prefeitos, bem como para instalar ações concretas em ST, ainda
que em pequena escala e dependentes da priorização definida pelas vinte e três equipes
regionais de vigilância sanitária, bem como pelas equipes dos municípios com mais de 50
mil habitantes.
Segundo GCA:
Durante os anos de 1996 e 1997 tivemos [os técnicos-militantes] bastante espaço para
implantar e implementar uma Política de ST no SUS PR, mas não sabíamos bem como
construir o Plano geral, de forma que ele funcionasse a partir do nível central da SESA
[Coordenação de ST] e também a partir das Secretarias Municipais de Saúde. Ficamos
dois anos no método da tentativa e erro, porém ganhando terreno na atuação concreta e
aprendendo rapidamente os nossos limites para a atuação real (GCA, 21/12/06)
Paralelamente a esta capacitação interna ao SUS, o mecanismo da articulação
Interinstitucional foi identificado pelos militantes, em 1992, combinado com o Controle
Social, como sendo a chave para construir uma Política de ST no PR. A própria criação do
FIST, depois tornado CIST, conforme discutido anteriormente, partia desta concepção.
124
As articulações ocorridas durante o período de 1992 a 1997 foram bastante
importantes para manter o mínimo funcionamento do campo da ST no PR. Não se pode
dizer, entretanto, que tenham sido entre as Instituições propriamente, como Políticas mais
gerais destas, mas sim como articulações entre ou Inter-técnicos-militantes, técnicos
interessados no tema e sindicalistas, tentando construir pela base das instituições ações pró-
ST, ou, de outro modo, o que deu origem e vingou no processo de articulação foi uma
construção entre militantes (técnicos e sindicalistas), que influenciou e hegemonizou a
intervenção de outros técnicos, intelectuais tradicionais. Este processo já esboçava na
Primeira Fase a constituição de um Intelectual Coletivo em ST no PR que ganhou
contornos mais definidos na Segunda Fase. Ainda que estes contornos não fossem
suficientes para torná-lo um Intelectual Coletivo, demonstravam uma tendência que se
confirmaria a medida do avanço das lutas e conquistas da ST no PR.
Estas articulações não seguiam algum plano de intervenção com base
epidemiológica para atuação no campo da ST. Eram antes tentativas bem intencionadas,
porém pouco fundamentadas em alguma ciência, de que o Estado atuasse em ST. Após os
anos iniciais de articulações interinstitucionais com vistas a estabelecer uma Política de ST,
esta começou a ganhar corpo com a implantação do SST-Curitiba, em 1994 e do CEMAST,
em 1996.
Sintonizadas politicamente e respaldadas amplamente pelos militantes sindicalistas
do FOPS, as coordenações, então ocupadas por técnicos-militantes de Curitiba, Regional
(do CEMAST) e Estadual, passaram a construir a expansão das ações em ST a partir das
recentes experiências de Curitiba e entornos para o Estado todo.
125
3.4.2.3.2 – A criação do COMITÊ
18
Durante o ano de 1997, os militantes do FOPS-ST avaliaram que o patamar inicial
da ST estava devidamente estabelecido e incrementado pelo investimento em capacitação
das vigilâncias e pelos laços estreitados com as outras instituições do Estado atuantes em
ST, principalmente com o Ministério Público Estadual e com um Controle Social mais
especializado e cobrador de avanços concretos.
A intenção da Coordenação de ST da SESA (e da militância) de que um Plano mais
avançado fosse elaborado pelos níveis municipal e regional, a partir do processo de 1995 e
1996, não foi concretizada, à exceção de dois municípios: Curitiba, que contava com um
Serviço de ST e era coordenado por uma técnica-militante e União da Vitória, que era
administrada pelo PT e a Secretaria de Saúde dirigida por uma técnica-militante do FOPS.
Segundo MSE:
Consideramos que a partir da diretriz geral da Coordenação de ST da SESA os municípios
seguiriam elaborando seus Planos de atuação com base nos eventos-sentinela e que isso os
colocaria em um círculo virtuoso que agregaria novos eventos-sentinela e uma ação
consistente e perene em ST estaria estruturada no SUS-PR. Ledo engano, os municípios,
bem como as regionais de saúde da SESA atuavam quando tinham uma determinação
superior [da Coordenação de ST] bem precisa e constante, quando a incumbência de atuar
foi deixada mais descentralizada, mais ao encargo dos níveis locais, percebemos que a
“política” local e as demandas várias de atuação da vigilância acabavam emperrando o
andamento da atuação em ST. (MSE, 16/12/06)
18
A análise mais detalhada da constituição e dos anos iniciais do COMITÊ foi feita pelo mesmo autor da
pesquisa em tela na Dissertação de Mestrado, intitulada: Comitê de Investigação de Óbitos e Amputações
Relacionados ao Trabalho do Estado do Paraná: uma Experiência Coletiva de Produção de Conhecimento e
Estruturação de Política de Saúde do Trabalhador, cuja referência bibliográfica se encontra ao final desta
pesquisa (RAMOS, 2001).
126
Estava identificada com clareza uma lacuna existente entre as condições mínimas
necessárias para que se implantasse a ST, atingidas
19
, e a implantação real do Plano de
ST que o conformasse como Política de ST no PR.
Visando suprir esta lacuna, os técnicos-militantes elaboraram e apresentaram aos
militantes sindicalistas, no FOPS-ST, a proposta de construir um fórum permanente entre
as instituições do Estado e da Sociedade Civil atuantes em ST. Este fórum deveria se
diferenciar da CIST por ter caráter executivo, de fazer andar o Plano da ST. A CIST
continuaria a ser o local de definir as políticas gerais que orientariam o Plano , bem como
fiscalizaria sua execução.
Utilizando o conceito de evento-sentinela como eixo estruturante das ações,
resolveu-se dar ao fórum um caráter assemelhado ao dos Comitês já existentes no SUS-PR,
de combate à morte materna e à morte infantil.
Nos debates entre os militantes da ST ficou evidenciado que o Comitê da ST
deveria se assemelhar a estes outros Comitês na identificação dos padrões de ocorrência
dos eventos-sentinela, tais como as causas mais comuns, os ramos de atividade onde mais
ocorriam, as regiões e municípios mais afetadas por estes eventos e as empresas que mais
causavam óbitos e amputações, bem como as que os causavam de forma reincidente.
Os militantes do FOPS-ST entenderam, entretanto, que o Comitê da ST deveria se
diferenciar radicalmente dos outros dois Comitês ao investigar o evento Sentinela e tomar
todas as medidas cabíveis contra a empresa responsável pela ocorrência do AT grave ou
fatal tornado evento-sentinela.
19
Conforme discussão anterior este Primeiro Patamar da ST se estabeleceu com a construção da rede inicial
de Serviços de ST, com as capacitações e o respaldo legal para atuar neste campo.
127
No final de 1997, foi criado o COMITÊ, tendo sido a proposta de estruturação e a
metodologia de funcionamento formulados e propostos pelo SUS (através das coordenações
da SESA, do CEMAST e do SST-Ctba). Para compensar as deficiências de Recursos
Humanos, tanto de pouca quantidade quanto de baixa capacitação, além de dificuldades
políticas que seriam encontradas nos municípios que atuavam em ST, a Coordenação de
Saúde do Trabalhador da SESA-PR optou por trabalhar o Evento Sentinela, que permitia
definir prioridades epidemiológicas e capacitar os técnicos da vigilância para atuar nos
problemas concretos da sua região. (RAMOS, 2001)
Sob a direção política e teórica do SUS, então hegemonizado no campo da ST pelo
FOPS-ST, foram convidadas as direções e coordenações estaduais das seguintes
instituições para compor o COMITÊ: Secretaria de Estado da Saúde, Secretaria Municipal
de Saúde de Curitiba, INSS, Promotoria de Defesa da Saúde do Trabalhador (Ministério
Público Estadual), Procuradoria do Trabalho (Ministério Público do Trabalho), Delegacia
Regional do Trabalho, Fundacentro, CUT(Central Única dos Trabalhadores), Força
Sindical e UFPR.
Constatações bastante relevantes sobre como o Estado no Brasil atua no campo da
ST foram feitas no processo de criação do COMITÊ. As diversas instituições que o
compuseram, apontaram uma atuação limitada geograficamente, pelos seus poucos efetivos
de técnicos e recursos financeiros, no entorno da capital e de uns poucos grandes centros
urbanos, não conseguindo ter uma abrangência estadual, à exceção do SUS, que iniciara
este processo de ações de abrangência estadual no início de 1996.
A segunda constatação foi de que a priorização das ações das várias instituições não
passava por critérios epidemiológicos, vez que nenhuma possuía um quadro da situação da
ST. Também não havia atuação coordenada, conjunta, destas instituições, a não ser de
128
forma isolada, pontual. Por último, mas não menos importante, além das dificuldades
operacionais, constataram-se as dificuldades “políticas”, as pressões dos capitalistas locais,
que cada instituição encontrava atuando isoladamente.
Procurando suprir estas lacunas nas atuações das instâncias do Estado, o COMITÊ
passou a funcionar como uma instância técnica e política, para tentar fazer valer alguns
direitos dos trabalhadores, definindo ações aos setores do Estado com a função de cobrar
ações do próprio Estado (Ministério Público), e ao setor do Estado com a função de atuar
para preservar a vida e a saúde dos trabalhadores (SUS). O COMITÊ gera uma demanda de
investigações e ações do SUS no Estado do Paraná, de forma organizada e contínua no
tempo. (RAMOS, 2001)
Vários limitantes têm sido encontrados na atuação do COMITÊ:
os eventos sentinela adotados são apenas dois (óbitos e amputações) enquanto os
acidentes graves causados pelo trabalho são vários; as investigações demoram a ocorrer e,
por vezes, tem qualidade duvidosa; setores importantes do Estado, como a DRT
(Delegacia Regional do Trabalho) e o INSS, se retiraram do Comitê; as ações individuais
têm grande predominância sobre as coletivas; a divulgação de informações e a
comunicação com os trabalhadores é precária. também a dificuldade de conciliação
entre a estratégia (atuação coletiva, em problemas de maior abrangência) e a tática
(situada na investigação e tomadas de medidas de casos individuais de óbitos e
amputações). (RAMOS, 2001, p108 )
Apesar destes vários limites o COMITÊ conseguiu fazer cumprir um mínimo da lei,
no que tange à responsabilidade do Estado em Saúde do Trabalhador e também fez com
que o capital respondesse sobre a sua responsabilidade na ocorrência dos “acidentes”
129
investigados. O COMITÊ funciona como um instrumento dos trabalhadores na luta de
classes, “por organizar os dados, gerar demandas, com base epidemiológica, e cobrar ações,
do Estado e do Capital, de investigação das causas dos acidentes graves e de correção das
situações geradoras imediatas destes acidentes.” (RAMOS, 2001, p108)
No período de 1997 a 2001, o resultado mais importante do Comitê foi:
a estruturação de uma política de Saúde do Trabalhador no SUS-Paraná. As ações em Saúde
do Trabalhador adquiriram abrangência estadual: dos 401 municípios do Estado, 180,
incluindo todos os municípios com mais de 50 mil habitantes, vem desenvolvendo
investigação de óbitos e amputações causados pelo trabalho, antes da criação do Comitê no
máximo 4 grandes municípios desenvolviam alguma ação neste campo e, ainda assim, de
forma pontual e assistemática no tempo e no espaço. (RAMOS, 2001,p79)
Além das ações pontuais de vigilância, que passam de 1500 investigações de
eventos sentinela, a grande dificuldade do Comitê vem sendo elaborar e aplicar planos de
intervenção mais gerais, “ações na direção do “coletivo”, isto é, de identificar os padrões
que se configuram nos ramos de atividade, nas causas, ramos de atividades e regiões onde
esses eventos são mais freqüentes.
A construção do Patamar inicial da ST no PR, bem como as capacitações das
equipes de vigilância e o respaldo legal e político para a atuação do SUS em ST foram
conquistas da classe trabalhadora que permitiram a construção do COMITÊ como um
instrumento importante para gerar ações concretas no campo da ST, bem como para
estender estas ações no tempo e no espaço.
130
A abrangência e a capilaridade das ações em ST, bem como a garantia, senão de
avanços contínuos, ao menos de não-recuos, constituem fato inédito no Paraná e no Brasil.
Cada uma destas conquistas foi construída ponto-a-ponto pela militância do FOPS-ST que
hegemonizou a construção da Política de ST no PR crescentemente durante a Primeira Fase
e amplamente durante a Segunda Fase, sendo a criação e efetivação das suas ações durante
a este último período (1997-2000) o ápice dos avanços conquistados pela militância em ST
no PR, na estratégia de “Estado adentro”.
Segundo GCA, “(...) o modo de operar do COMITÊ, colocando a saúde dos
trabalhadores, em seus aspectos mais graves (óbitos e amputações) na pauta das ações
concretas do SUS, (...) [e] como alvo das ações a classe trabalhadora e seus problemas
importantes neste campo, parecem elementos da Grande Política. (GCA, 21/12/06)
A necessidade da existência e a importância que o COMITÊ tem, no sentido de
fazer com que o Estado realize o “contrato social”, preservando a vida e a saúde dos
trabalhadores, além das informações geradas por este, sobre a situação da saúde dos
trabalhadores no Paraná, constituem uma denúncia do não cumprimento destas
responsabilidades do Estado. Ao mesmo tempo o COMITÊ se constitui numa trincheira da
luta de classes, onde se produz um saber proletário no campo da Saúde do Trabalhador
(RAMOS, 2001, p109)
3.4.2.4 – O máximo avanço da ST Estado adentro
A Fase 2 da ST no PR, período compreendido entre 1997 e 2000, pode ser
considerada a fase do amadurecimento do campo da ST tanto pelo avanço do Estado em
131
construir Serviços e Ações de ST quanto pela apropriação da temática e hegemonia teórica
do campo da ST conquistada pela militância. Nesta Fase, ocorreu um avanço teórico
significativo, restando bem demarcados os campos teórico-práticos da ST e SO. A
implantação dos Serviços, bem como a construção do Plano de ST do PR têm as principais
características do campo da ST, tendo ficado bastante destacada a diferença com relação ao
outro campo teórico, a SO.
Esta Fase registrou também o avanço do controle objetivo das ações do Estado e de
intervenção concreta junto ao Capital em ST, através principalmente da construção do
COMITÊ, mas também da Resolução proibindo Jateamento de Areia
20
e do Projeto da
Construção Civil em Curitiba
21
.
Segundo MAP, “(...) um grande avanço da militância foi a apropriação dos
conceitos do campo teórico da ST, superando a velha SO. Mesmo não conseguindo atuar o
tempo todo neste referencial, muito tem sido feito neste sentido, que representa avanço na
direção da Grande Política, superando parte dos reformismos da área.” (MAP, 15/12/06)
O ano de 1998 registrou a máxima representação de militantes do FOPS no
Conselho Municipal de Saúde de Curitiba, que teve maioria entre os conselheiros. O
mesmo peso não ocorreu no CES, mas, também neste a presença de militantes do FOPS foi
a mais expressiva registrada até hoje. Esta presença de setores militantes nos Conselhos de
20
A partir de um estudo realizado pelo CEMAST foi construída uma Resolução do CES e uma
portaria do Secretário Estadual de Saúde, que entrou em vigor em janeiro de 1988 proibindo o jateamento
com areia no estado do PR.
21
A partir dos eventos-sentinela investigados em Curitiba, evidenciou-se a concentração de óbitos e
amputações na Construção Civil. Elaborou-se, a partir desta problemática, em conjunto com o Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil um Plano de Intervenção: fiscalizar e fazer cumprir uma lista de itens mais
importantes na determinação da ocorrência de AT. Foram fiscalizadas todas as obras em construção que
tinham mais de 4 andares, cerca de trezentas, entre os anos de 1999 e 2000.
132
Saúde conferiu certa “base social” e contribuiu muito para reforçar o papel da militância em
ST e fazer avançar a tarefa do Estado de concretização das ações neste campo.
O avanço das posições do campo da ST, Estado adentro, ocorrido neste período, foi
significativo a ponto de o PR ganhar relevância nacional entre os Estados com atuação
concreta em ST, junto a SP, BA, MG, RJ e RS. O avanço da militância em ST no PR
materializado na consolidação dos Serviços de ST, combinado com o avanço do controle
sobre o Estado e de ações concretas junto ao Capital, principalmente via COMITÊ,
permitiu que a Coordenação de ST da SESA tivesse um papel central na proposição,
Coordenação
22
e na construção do I Encontro Nacional de ST no SUS, que deveria ter sido
realizado no PR no final de 1998 coroando o significativo avanço da ST no PR.
Este Encontro seria o primeiro do SUS no Brasil, para discutir os dez anos de Saúde
do Trabalhador no SUS, fazer uma grande avaliação das experiências e projetar os
próximos passos para o campo. O Encontro foi “abortado” duas semanas antes da data da
realização, segundo o Ministério da Saúde, por falta de verba para pagar as passagens dos
palestrantes e veio a ocorrer em junho de 1999, em Brasília. Na verdade, a não ocorrência
do Encontro em 1998 no PR e sua transferência para Brasília em 1999 foram decisão
política da Coordenação do Encontro em represália à demissão sumária do Coordenador da
ST no PR.
O Encontro contou com cerca de 500 participantes, na ampla maioria militantes
(técnicos e sindicalistas), e realizou debates bastante aprofundados acerca dos dez anos de
ST no SUS, pós CF de 1988, os avanços e os desafios para o próximo período, tendo ficado
22
A Coordenação Nacional deste Encontro era formada pelos coordenadores estaduais de ST no SUS, todos
técnicos-militantes, dos seguintes estados: SP, PR, BA, MG, RJ e RS, além da Coordenadora da ST nacional,
do MS. Posteriormente à demissão do Coordenador do PR pela SESA este técnico-militante retornou à
Coordenação do Encontro, desta feita representando o Serviço de ST de Curitiba, em clara afronta à
exoneração deste pela SESA.
133
marcado como um momento importante na formulação do campo da ST no BR. A
produção teórica alcançada pelo Encontro se encontra citada na Bibliografia desta pesquisa.
(MS, 2001)
Este Encontro Nacional foi construído a partir da iniciativa de técnicos-militantes
que coordenavam Serviços Estaduais e Nacional de ST no SUS. Os sindicalistas foram
convidados a participar, mas não a planejar e coordenar o Encontro, como seria de se
esperar num campo de extrema politicidade como a ST e ainda mais de uma coordenação
composta por técnicos-militantes. Este divórcio entre militantes “de dentro” e militantes
“de fora” do Estado é elucidativo do traço marcante do período no PR e no Brasil: a ênfase
no papel do Estado e a secundarização do papel das organizações da Sociedade Civil,
apesar do discurso em contrário.
A exoneração do técnico-militante que coordenava a ST na SESA foi motivada por
dois textos
23
ditos “militantes” que foram utilizados em um curso com trabalhadores sobre
ST, estes textos “foram parar na mesa do Governador Jaime Lerner” , disse o Secretário
Armando Raggio, o que mostraria que uma área da SESA estaria “controlada” por
comunistas. A decisão do Secretário foi de “extinguir” o campo da ST, fechar o CEMAST
e a acabar com a Coordenação de ST na SESA, isto não ocorreu porque a Diretora
responsável pela área na SESA, Mariângela Galvão, decidiu que se demitiria da Direção da
SESA caso o Secretário concretizasse sua decisão.
O episódio de demissão do Coordenador da ST da SESA esteve associado ao ponto
culminante que alcançou a militância no seu caminho “Estado adentro” e, de certa forma, o
23
Um dos textos versava sobre controle social na ST do SUS e o outro era uma cartilha da CUT
sobre um método de análise de AT (Árvore de Causas).
134
Governador estava parcialmente certo na sua análise: o campo da ST era hegemonizado por
técnicos-militantes em aliança sólida com sindicalistas cutistas que lograram construir
alguns metros de trincheira de luta pela ST dentro do Estado no PR. O próximo
Coordenador da ST na SESA era também técnico-militante e buscou dar continuidade ao
trabalho que vinha sendo realizado, sofrendo, entretanto, sucessivas críticas e diminuição
real do poder de construir os Serviços de ST, além de aumento de censura e represálias, que
acabaram levando a seu pedido de demissão do cargo em 2000.
Com a demissão de um militante e o pedido de saída do outro, estava encerrado o
período de avanços na construção do campo da ST pela via do Estado no Paraná.
Um último elemento, de ligação entre o fim da Fase 2 e o início da Fase 3 merece
destaque nesta análise. Bastante aturdidos na sua crença das possibilidades da estratégia de
ocupar espaços e cargos em ST, da via aqui chamada de “Estado adentro”, os dois
Coordenadores da ST na SESA, técnicos-militantes, acima referidos, construíram ao longo
do último ano da Fase 2, enquanto os militantes ainda Coordenavam a ST no SUS-PR, mas
sentiam os primeiros reveses reverberando e insinuando o fim de uma Fase de avanço
real na construção da Política de ST do PR, um detalhado Plano de atuação em ST no PR.
A elaboração da versão inicial, entretanto, foi feita somente pelos dois
coordenadores, sem a participação dos demais militantes do FOPS-ST, por isto chamarei
este plano de “Plano Militante Restrito”. Isto, em si só, já denuncia o quão impregnados da
prioridade da Sociedade Política sobre a Sociedade Civil estavam os técnicos-militantes de
mais alto posto no SUS-PR, presos ainda à “pequena política” , tema que tornaremos a
discutir na próxima Fase.
135
3.4.3 - Fase 3 – Fase das derrotas e das lutas de resistência - período de 2001 a
2006
Com o fim da Fase 2 estava estabelecido um novo patamar na construção da Política
de ST no PR: os Serviços de ST foram conduzidos ao seu máximo potencial de realização
dentro do Estado, através, principalmente, do COMITÊ, que permitiu a efetivação de um
Plano de ST no PR, alcançando uma abrangência geográfica e de realização de ações
concretas inédita no estado, tendo mais de 200 municípios atuando em ST
24
e um fórum de
elaboração e re-elaboração da política de ST sob hegemonia do SUS, coordenado (no
campo da ST) por militantes, o que conferiu a este período a característica especial de ter as
trincheiras de ST avançadas dentro do setor SUS do Estado, sob controle dos militantes,
que estenderam sua influência aos outros setores de ST do Estado. Esta influência
aumentada não pode ser considerada hegemonia da ST, vez que, a maior parte das ações
ocorreu por uma determinação vertical da Coordenação da ST da SESA, esta sim
hegemonizada pela ST.
No fim da Fase 2, por volta de 2000, a máxima institucionalização do campo da ST
foi alcançada, bem como a máxima institucionalização da militância em ST. Os principais
postos “Estado adentro” haviam sido conquistados e pode-se concluir que a militância fez
render ao máximo o que permitia esta via de intervenção por dentro do terreno do inimigo,
do Estado burguês.
24
Mais de 200 municípios atuando após dois anos de constituição do COMITÊ, onde antes apenas 3
municípios tinham alguma atuação em ST no SUS.
136
3.4.3.1- A mudança (forçada) de estratégia militante
As mudanças ocorridas na terceira Fase não partiram da iniciativa da militância,
como ocorrera nas duas fases anteriores, mas ao Estado que passou a ter um papel ativo,
dirigente, no expurgo dos militantes, inicialmente dos cargos de coordenação e
posteriormente de todas as funções técnicas no campo da ST do SUS. A mudança do Plano,
que tinha como centro estratégico avançar “Estado adentro”, para um outro que deveria
caracterizar a nova Fase da ST no PR se deveu à ação do “inimigo”, significou uma derrota
ampla da militância em ST que durante toda a Fase 3 foi sendo “varrida” da ST no SUS-
PR.
O início da derrota abalou profundamente os militantes do FOPS-ST que
precisariam construir outra estratégia de atuação e não mais seguir modificando as táticas
de uma estratégia que seguia dando certo. O caminho “Estado adentro” foi vetado à
militância porque esta começara a colher resultados positivos para a classe trabalhadora e,
portanto, deletérios para a classe dominante.
A entrada dos militantes nos Serviços de ST do Estado serviu, inicialmente, aos
interesses da alta direção do SUS, serviu para “domesticá-los”, abrandar as críticas e
atenuar os conflitos que estes provocavam constantemente na Fase 1, quando ainda não
existiam os Serviços de ST ou estes eram muito incipientes e os militantes (técnicos e
sindicalistas) investiam muito tempo e energia lutando para que o Estado
implantasse/implementasse o campo da ST.
A presença dos militantes nas coordenações dos Serviços de ST, a “domesticação”
da rebeldia militante gerou, entretanto, como a sua contrapartida positiva para a classe
trabalhadora, um movimento de avanço concreto da construção de instâncias e ações que
137
se tornavam cada vez mais agressivos aos capitalistas e, portanto, contrários aos seus
interesses junto ao Estado.
A Fase 3 se ergueu sobre o patamar construído pela Fase que lhe sucedeu e que
garantiu a existência de Serviços, de um Fórum articulador e organizador das instituições
do Estado e da Sociedade Civil em ST, o COMITÊ, bem como de um Plano e de uma
Política construídos nos nove anos iniciais da ST no PR (1992 a 2000).
A militância experimenta, na Fase 3, um cenário de “saída forçada do Estado”,
mantendo sua ampla hegemonia nos fóruns de Controle Social (CIST e Conferências) mas
perdendo progressivamente a capacidade de dirigir os Serviços de ST e, posteriormente,
inclusive de influenciar ou estabelecer qualquer tipo de aliança com estes Serviços e os
intelectuais tradicionais que passam a hegemonizá-los e a desmontar o que havia sido
erguido no campo da ST, pondo em seu lugar uma estrutura com capacidade muito
reduzida de responder a problemática real da ST e que passa a funcionar sob o prisma da
Saúde Ocupacional (SO).
A terceira Fase da ST no PR se caracteriza então, pela saída da militância do
Estado, pelo conseqüente aumento exponencial do enfrentamento com este e, finalmente,
pela construção de uma nova estratégia da militância para a ST no PR, com maior ênfase ao
papel da Sociedade Civil e a construção de Organizações proletárias para atuar em ST.
3.4.3.2 – Os enfrentamentos crescentes com o Estado
A perda do controle dos Serviços foi mudando aceleradamente o sentido do
movimento da militância em ST ao longo da Fase 3. Os militantes têm se empenhado, ao
138
longo desta Fase, em conter o “ desmanche” dos Serviços e Ações que se havia acumulado
na década inicial da ST no PR. O CEMAST foi campo das mais aguerridas batalhas da
militância neste período.
A “resistência” ao desmanche da ST no SUS tem sido, segundo MAP, “a
característica principal da atuação militante nos últimos anos [Fase 3]. Não avançamos um
centímetro na construção e consolidação dos Serviços, apenas lutamos para que eles
melhorassem e, por último, para que existissem.” (MAP, 15/12/06)
Além da pequena quantidade de técnicos, a capacidade de resolução dos serviços
tem sido muito baixa e, na Fase 3, tendendo a nulidade. O Centro de Referência em ST
(CEMAST) foi um dos pontos mais importantes de embate entre militantes de ST e o
Estado. O tema esteve presente em quase todas as reuniões da CIST, tendo sido
questionado o Estado sobre o andamento das ações do CEMAST (iniciadas e não
concluídas) desde abril de 2000 até os nossos dias, sem que se tenha obtido resposta a
grande maioria das questões levantadas.
Após muitas solicitações da CIST, ocorreu, em abril de 2001, a apresentação de
Relatório do CEMAST com o Balanço das atividades e pendências de 1996 até aquele
momento (CIST, 2001). Destaca-se neste Balanço a existência de 730 casos de
estabelecimento de nexo causal entre Doença e Trabalho pendentes, cerca de 50% dos
casos que haviam dado entrada no mesmo centro em busca de nexo. Em um documento de
junho de 2001, a CIST levantou os seguintes questionamentos ao Balanço:
1- O motivo da não conclusão dos processos pendentes? ;
2- O tempo médio de demora para a conclusão dos processos no CEMAST? ;
3- Que medidas seriam tomadas para a conclusão dos processos pendentes e para não
permitir o acúmulo de casos novos? ;
4- Quantos casos novos dão entrada mensalmente no CEMAST?
139
5- Quantos profissionais são necessários para atender a demanda de consultas?
6- Quantos casos o profissional médico atualmente disponível pode atender por dia e
concluir?
Destaca-se ainda a cobrança, no mesmo documento, baseada em citação em uma revista
(CIPA n.º 219 de 1998) do registro de 142 casos de silicose existentes no CEMAST. Estes
casos nunca foram notificados às instâncias de vigilância (Secretarias Municipais de Saúde,
Comitê de Óbitos ou o próprio setor de vigilância do CEMAST).(CIST, 2002a)
Destaca-se também neste Balanço que uma das médicas do Centro havia concluído
apenas dois processos de verificação de nexo causal de DT, sendo esta a sua atividade
principal em dois padrões de trabalho no SUS (40horas semanais)
25
.
Mais de cinco anos se passaram, inúmeras vezes se procedeu à cobrança nas
instâncias do SUS sobre estas questões (CIST, Conselho Estadual de Saúde, Conferências
de Saúde) e nenhuma destas questões foi respondida adequadamente pela Coordenação do
CEMAST ou da SESA até hoje, 2006.
Apesar das questões serem simples e precisas não foram respondidas. Certamente o
silêncio neste caso é eloqüente sobre a não possibilidade de responder o óbvio: a
capacidade instalada no CEMAST (apesar de sua pequena equipe) está ociosa e/ou
desqualificada para a função precípua para a qual deveria atuar: estabelecer o nexo entre
doença e trabalho. Além disso, a matéria na revista CIPA, é elucidativa sobre um outro
aspecto extremamente grave do funcionamento do serviço: 142 trabalhadores estão
morrendo de silicose, alguns profissionais do CEMAST sabem disso e usam a informação
para se promover em encontros “científicos” mas não encaminham/notificam os casos para
25
Este dado escabroso talvez explique os muitos casos de silicose identificados e não notificados nem
tratados como um problema de Saúde Pública, mas sim como um problema de estudo com finalidade
meramente burocrática, sem tocar o concreto real.
140
que sofram uma ação de vigilância, que busque alterar as fontes causadoras da doença e
evitar estes e outros adoecimentos e mortes causados pelo trabalho. (CIST, 2002a)
Ainda que este Balanço do CEMAST possa ter sofrido uma “maquiagem” para
melhorar a performance do serviço do Estado, fica evidente, pelo grau das críticas, pelo
acirramento ocorrido em várias reuniões de CIST e CES e pela simples ausência de
resposta a questões candentes levantadas pela CIST, que o Relatório mostrou mais do que
seria desejável pelo Estado. Prova disso é que, aprendendo com a situação, a SESA não
mais divulgou qualquer balanço que apresentasse com clareza a situação do CEMAST ou
da ST no Estado.
O Estado aprendeu com o episódio e controla mais a exposição de suas fragilidades
estruturais, ou seja, desinforma para não ser alvejado pelo Controle Social.
Este momento, em 2001, também foi bastante importante para o aprendizado que os
trabalhadores, especialmente os técnicos-militantes e os sindicalistas, poderiam extrair da
política de Saúde do Trabalhador no PR. O Campo da ST estava mais maduro no seu grau
de crítica e cobrança da ineficácia do Estado, as críticas vieram se acumulando
pesadamente nos anos anteriores e tornaram-se tão acentuadas ao longo do ano 2000 que,
finalmente a direção do CEMAST foi obrigada a apresentar um balanço das suas ações.
A maturidade no entendimento dos meandros legais e a precisão na cobrança das
faltas óbvias praticadas pelo Estado não levaram, entretanto, a que a SESA corrigisse os
problemas, nem sequer levou a que fornecesse resposta adequada à CIST. Resultou muito
simplesmente num maior obscurecimento das informações prestadas ao Controle Social – a
CIST e também numa nova postura, numa nova estratégia adotada pelo Estado, de
confronto constante com os militantes.
141
O Estado aprendeu melhor sobre como controlar o “setor rebelde” do Controle
Social: primeiro demitiu os Coordenadores de Serviços que eram técnicos-militantes,
depois passou a restringir cada vez mais a divulgação de informações precisas sobre os
serviços de ST. O “setor rebelde” aprendeu melhor sobre o funcionamento do Estado
burguês na prática, onde, diversamente da teoria, as Resoluções, mesmo tomadas em
concordância plena com o próprio Estado não são cumpridas.
Após o embate realizado na CIST, a partir de 2001, sobre as ações do CEMAST, a
necessidade de se ter um Conselho Gestor
26
do CEMAST estava sentida plenamente e este
passou a ser o centro dos enfrentamentos entre militantes e Estado nos anos seguintes.
(CIST, 2001b, 2001c)
Os militantes da CIST passaram a exigir a implantação de um Conselho Gestor no
CEMAST: “diante da precariedade do investimento alocado para o setor e dos inaceitáveis
problemas gerenciais existentes, entendemos como necessária e urgente, além da
reestruturação deste Centro, a implantação de um Conselho Gestor Deliberativo no
CEMAST.” (CIST, 2001ab)
A proposta de criação do Conselho Gestor foi subscrita pela CUT e por mais 60
entidades sindicais, constituindo a maior reivindicação sindical ocorrida em ST no SUS até
2006.
A partir desta nova etapa de questionamento e cobrança realizados pela CIST, as
direções da SESA e da SMS-Curitiba passam a operar claramente um enfrentamento com a
CIST.
26
O Conselho Gestor deveria ser eleito pelos sindicalistas e trabalhadores com poderes para decidir o Plano
de ações do CEMAST e, inclusive para indicar, ou ao menos vetar, o Coordenador do CEMAST.
142
As batalhas se iniciam pela elevação artificial do número de participantes na reunião
da CIST (julho de 2001), conseguindo adiar a resolução para a próxima reunião. Este
inchaço foi combatido prontamente pelo retorno de vários sindicatos à próxima reunião
(agosto de 2001), quando as divergências dos gestores (Estado) com relação à proposta do
Conselho Gestor foram colocadas claramente: “o fato do Conselho Gestor ter a prerrogativa
de definir o Coordenador do Centro de Referência e de o Conselho Gestor não possuir
paridade na sua composição”. Apesar dos questionamentos dos gestores, a proposta foi
aprovada pela CIST. (CIST, 2001 ab)
A crítica do Governo a estes dois aspectos, da paridade e da nomeação da
coordenação do CEMAST, enseja, através da resposta formal da SESA/SMS a assunção de
que os problemas em ST no PR são causados pelo próprio Estado, pois diz não poder
pensar em Conselho Gestor enquanto não houver um Plano de ST!
“A SESA afirmou que não podia tratar do Conselho Gestor enquanto não houvesse
um Plano. Como o Governo pode usar com tamanha desfaçatez uma desculpa para não
decidir baseada na não consecução de uma tarefa que era sua? Esta tarefa era da SESA
mais dez anos, elaborar e executar o Plano de Atuação em ST.“ (MAP, 15/12/06)
Seguindo a disputa sobre a criação e o caráter do Conselho Gestor, a reunião de
setembro de 2001, traz nova carga da SESA/SMS na batalha, propõe mudar o CEMAST de
lugar (fisicamente!) para dentro do Hospital do Trabalhador (HT)
27
, de forma que o
Conselho Gestor fosse substituído/incorporado pelo Conselho do HT. (CIST, 2001c)
27
HT: o Hospital do Trabalhador foi criado pelo Secretário de Saúde do PR, em 1998, tratando-se na verdade,
principalmente de um Pronto-Socorro com algumas características especiais: está situado numa via de acesso
rápido à Cidade Industrial de Curitiba, possui um setor de cirurgia de mão bastante qualificado e possui um
Conselho Diretor formado por diversas entidades da Sociedade Civil e Política, algumas das quais
relacionadas com a ST (CUT e TEM, por exemplo). Derivar destas características do HT que ele se trata de
um Hospital de referência para a ST é como levar a sério como sendo uma medida de saúde pública aquela
143
Ocorreu um choque frontal entre esta proposta de mudança para o HT e a Resolução
da CIST sobre Conselho Gestor, pois representaria a subsunção real do CEMAST que
funcionava com muitos limites e deficiências crônicas, mas sob o referencial da ST, mudar
para o HT significaria liquidar este referencial e retroceder para a lógica da SO. Percebida a
manobra da SESA, a CIST resolve encaminhar ao CES a polêmica para que esta a resolva.
O CES resolve, em dezembro de 2001, evitar este debate de fundo cogitado pela CIST e
devolve o problema para a CIST e o CEMAST, recomendando que estes elaborem proposta
conjunta sobre o Conselho Gestor.
Esta medida do CES, amplamente hegemonizado pela SESA (Estado), significou
um recuo em relação à proposta de mudança do CEMAST ao HT, contraditoriamente
apresentada pela própria SESA. Significou também uma tergiversação da SESA, vez que o
problema, seus contornos e divergências estavam claríssimos e esta pede que os
contendores cheguem a um acordo! Obviamente o acordo era impossível e o gestor sabia
disso, as concepções de Conselho Gestor em disputa eram antagônicas.
Em agosto de 2002, depois de sete anos de funcionamento do CEMAST, a SESA e
a SMS-Curitiba resolvem “legalizar” o convênio entre ambas para definir o funcionamento
deste. A proposta não contempla o Conselho Gestor e a CIST retorna ao CES para discutir
este tema. (CIST, 2002b)
Em novembro de 2002, após a CIST de Curitiba ter aprovado por consenso a
proposta de convênio entre SESA e SMS-Curitiba para implantação e gestão do CEMAST,
a CIST também aprovou por consenso. A proposta, entretanto, não pode ser homologada
pelo CES, pois o setor jurídico da SESA alegou que não cabe ao CES opinar sobre
adotada na década de 80 pelo Secretário de Saúde de uma grande cidade do PR, que criou um Pronto Socorro
bem próximo de um trecho da entrada da cidade onde ocorriam muitos acidentes de trânsito graves e fatais.
144
convênios desta natureza (intergestores do SUS). A CIST solicitou novamente pauta ao
CES para questionar esta afronta “jurídica” à CIST e a ao campo da ST. No CES o Gestor
(que dirige o CES) resolveu, após críticas amplas de membros vários do CES, ignorar o
parecer jurídico (!) e validar a resolução anterior sobre o convênio do CEMAST. (CIST,
2002 c)
O Controle Social parou em férias em dezembro e, quando retornou em janeiro,
descobriu novo parecer jurídico, desta vez da SMS-Curitiba, alegando que seria necessária
uma Lei Municipal para criação do Conselho Gestor do CEMAST! A CIST entendeu o
parecer como mais uma “nítida intenção de protelar o processo de assinatura de convênio”.
(CIST, 2003 a)
A forma como o Estado tratou o tema do Conselho Gestor, bem como a falta de
respostas aos pedidos de esclarecimento sobre o CEMAST custaram inúmeras reuniões,
Plenárias e Conferências tratando repetidamente do mesmo tema sem conseguir sair do
lugar.
Estas idas e vindas do Estado, ataques e recuos em relação à formulação dos
militantes sobre o Conselho Gestor, mesmo após a troca PFL/PMDB-PT, pôde resultar num
aprendizado a quente para os militantes da ST sobre a prática do Estado. O Estado vai
esgarçando, estendendo a resolução do encaminhamento práticos dos fóruns consultivos
que cujos encaminhamentos não lhe apetecem.
Sucessivas mudanças de opinião do setor jurídico da SESA e da SMS-Curitiba,
assim como as decisões políticas dos gestores (SESA e SMS-Ctba) em ignorar o parecer do
seus próprios setores jurídicos, atestam que a lei pode ser “adaptável” ao interesse dos
dirigentes do Estado.
145
Fóruns ligados, submetidos, ao Estado e com baixo empoderamento real como a
CIST pode resolver o que quiser, vez que ela não executa, não controla de fato a Política
de ST no Estado, mas age apenas como uma conselheira, que é tanto mais ouvida quanto
mais a luta de classes coloca em xeque as posições atrasadas do Estado na defesa da saúde
dos trabalhadores.
Nas Fases 1 e 2 o movimento feito pela militância foi voltado prioritariamente para
construir posições avançadas na Sociedade Política, a partir das quais se montou
constantemente novas táticas para que o Estado assumisse cada vez mais sua
responsabilidade legal em ST, fazendo com que o Capital fosse cobrado crescentemente na
realização de mudanças no processo de trabalho que buscassem diminuir ou eliminar os
fatores causadores dos AT e DT.
Na Fase 3, que tem durado de 2001 até os dias atuais (2006), a direção burguesa do
Estado prevaleceu sobre a proletária no campo da ST, o Estado iniciou seu movimento
“para trás” (se considerarmos os avanços anteriores que beneficiavam a classe trabalhadora
como “para frente”) retirando os militantes dos postos de coordenação dos Serviços,
prosseguiu eliminando todos os técnicos-militantes destes mesmos Serviços e completou o
trabalho desmontando ou fechando os Serviços e ações concretas em ST.
Este processo logrou instalar um referencial teórico e prático totalmente
contraditório com o construído anteriormente. Evidente no embate que durou (e dura ainda)
vários anos sem que se consiga uma solução mediada ou mesmo que se leve a sério os
pareceres do próprio setor jurídico do Estado. Vista a partir destes enfrentamentos a Fase 3
pode ser considerada como a derrota da ST e a construção da SO dentro do Estado, no SUS
do PR.
146
3.4.3.3 - A principal trincheira da militância na luta contra o Estado: CIST
As Conferências de Saúde e as Conferências de ST e, especialmente, a CIST, ao
longo destes 15 anos causaram grande incômodo ao gestor estadual:
A CIST-PR passou a ser um entrave para o gestor estadual, que se via cobrado e pressionado
a cumprir o que as Conferências deliberaram e seus próprios Planos de Saúde descreviam
para a Saúde do Trabalhador. O Enfrentamento foi de tal monta que, durante os anos de 1999
e 2000, a CIST foi pautada criticamente (pela SESA) em praticamente todas as reuniões da
mesa diretora do Conselho Estadual de Saúde, que “denunciava” o caráter de plenária da
comissão, de politização e cobrança constante da SESA.(RAMOS, 2001, p67).
Além deste tensionamento dentro do Conselho, a SESA-PR passou a operar no
sentido de “enquadrar” a CIST num regimento que tirava o poder de voto das instituições
que não tivessem assento no Conselho e limitar o número de participantes da Comissão a
uma proporção dos conselheiros presentes. Esta pressão está mantida desde o inicio do ano
2000, mas o Conselho não deliberou definitivamente sobre isto e a CIST deliberou
repetidas vezes pela não concordância com o ato da SESA e pelo enfrentamento via
Ministério Público, caso a secretaria insistisse na medida excludente.
A CIST significa um enclave e uma tensão permanente para o Estado, incomodou e
incomoda constantemente seu gerente de plantão, representado pelo gestor da SESA, desde
que se tornou uma comissão do CES, em 1996.
147
É um enclave pois está dentro, vinculada ao CES, mas está fora, por não se
submeter ao enquadramento dos conselhos do SUS (50% para usuários do Sistema, 25%
para trabalhadores de saúde e 25% para gestores). Como a CIST funciona à maneira de uma
Plenária dos ativistas em ST, a presença dos sindicatos combativos e técnicos militantes é
muito maior do que nos Conselhos de Saúde formatados pela legalidade e o tom crítico
permanece constante em suas reuniões e resoluções.
É um paradoxo que deve ser explorado pelos militantes o fato de a CIST causar este
constante incômodo no gestor: as Resoluções em geral são aprovadas, mas, não são
encaminhadas exceção da Fase 2, sob direção dos militantes) e, quando são
encaminhadas, não o são adequadamente, pois o Estado encontra diariamente maneiras de
burlar a aplicação prática das Resoluções que não interessam à classe dominante.
A simples presença da CIST vinculada ao CES, ainda que com os limites descritos
acima, é uma prova material constante do não cumprimento pelo Estado do seu dever legal
de atuar em ST. Ë uma prova do descolamento entre o discurso legal e dos gestores de
plantão e as condições de saúde e vida real da classe trabalhadora.
Ocorreram cerca de 150 reuniões
28
na história da CIST e o “Governo” perdeu quase
todas as votações. A “oposição” à gestão da SESA perdeu apenas três votações em todos os
15 anos:
a) eleição da Coordenação da CIST em 1999: os técnicos militantes se dividiram e
disputaram a Coordenação, o lado que tinha apoio do gestor venceu, tendo ficado do outro
lado, derrotado, todos os sindicalistas. Apesar de ter sido uma derrota apenas parcial da
28
Número extrapolado para 15 anos, a partir dos oito anos que se tem registro sistemático das reuniões e da
memória dos militantes, que define a reunião como ocorrendo em 10 a cada 12 meses, em média.
148
oposição, este episódio foi bem ilustrativo do peso crescente dos técnicos militantes, em
detrimento do peso dos sindicalistas na CIST;
b) Proposta sobre o Conselho Gestor do CEMAST, em julho de 2001. Em meio a
longo e inconcluso processo de discussão do tema (que durou mais de quatro anos e não foi
encaminhado pelo gestor, conforme discutido anteriormente). A oposição foi derrotada em
uma reunião apenas e na reunião seguinte retomou a “normalidade” do seu peso decisório
na CIST;
c) Proposta de eleição imediata de nova Coordenação da CIST, maio de 2006.
Aproveitando o modo operativo da CIST, que funciona como Plenária aberta, a gestão
mobilizou sindicalistas governistas que ocuparam a reunião e tentaram “criar” a pauta nova,
sobre a eleição e vencer o tema ali mesmo. A operação não foi bem sucedida, pois a CIST
tem por critério sempre pautar ao menos com uma reunião de antecedência os temas
polêmicos.
Estas muitas vitórias dentro das fronteiras da CIST, entretanto, correspondem à
imagem invertida das muitas derrotas da classe trabalhadora no campo da ST, fora da CIST,
isto é, nos locais de trabalho. Como discutimos anteriormente neste estudo, os AT e DT
seguem ceifando e deteriorando a vida dos trabalhadores numa curva ascendente, que
corresponde à Lei Geral do Capital, descrita por Marx, no capítulo XXIII de O Capital,
segundo a qual, a todo aumento da riqueza corresponde um aumento da pobreza. Ampliam-
se e ficam mais à vista as chagas da exploração capitalista, traduzidas em desgaste e morte
dos trabalhadores neste campo em tela.
O Estado acata apenas formalmente as leis, as resoluções, as críticas e faz cumprir
as leis na ordem de prioridades que deseja, ou seja, resulta num sucesso parcial dos
149
trabalhadores, num sucesso de crítica, vitórias importantes em quase todas as sessões de
debates e resultado apenas no concreto pensado.
Assim, o movimento é circular, rodando em apenas duas fases: o concreto sensorial
identifica as mazelas, doenças, acidentes, problemas gerais da ST... e relaciona, via
concreto pensado, num esquema explicativo que coloca ordem no caos sensorial, define
quais passos o Estado deve seguir, de acordo com suas atribuições legais.
Como a terceira parte do processo, a volta ao concreto real, depende do Estado
(burguês) e não do aconselhamento, por mais arrazoado que seja, a amplíssima maioria das
resoluções da CIST segue sem voltar a ser uma aplicação no concreto real, permanece no
plano do concreto sensorial e pensado, sem avançar na próxima dimensão, ou dar um salto
de qualidade. A repetição ad nauseum do mesmo movimento de aprovar resoluções, serem
acatadas e não serem cumpridas, pode levar a algum aprendizado da classe trabalhadora?
Qual aprendizado?
Verificando as reuniões e Conferências do período, torna-se patente que o problema
em ST não é de não conseguir aprovar resoluções favoráveis à classe trabalhadora, ao
contrário, a esmagadora maioria, a quase totalidade das resoluções aprovadas foram
apresentadas e defendidas pelos militantes (técnicos e sindicalistas). O grande problema é
que estas resoluções não se materializam em ações do Estado que lhes correspondesse.
Viveu-se neste campo uma situação idealista, onde o mundo aparece invertido. As
regras do campo da ST estão claras na lei e se detalham e traduzem mais precisamente nas
Resoluções de Conferências de Saúde e na gerência executiva destas regras/leis/resoluções
encaminhada pela CIST, entretanto a parte executiva real, não discursiva, o Estado, simula
concordância com todas as regras, mas reincidentemente nos últimos 15 anos, não as
encaminha na prática, exceção feita à Fase 2, onde os próprios militantes coordenavam os
150
Serviços e procuravam encaminhar, ainda que muito limitadamente pelos recursos escassos,
as Resoluções da CIST e das Conferências.
Estas resoluções têm, na maioria das vezes, existência meramente discursiva, não
passando de “círculos de giz” onde os militantes tentam “enquadrar” o Estado burguês e,
alheio ao que se resolve em tais fóruns, o mundo do trabalho, as relações de exploração do
trabalho e da saúde dos trabalhadores pelo capital, seguem na mesma toada.
3.4.3.4 – O sursis aos novos Governos de “ esquerda”
No início de 2003, toma posse no governo Federal o PT e no governo do Estado o
PMDB (em aliança que incluía o PT, que era ainda o partido da grande maioria dos
militantes em ST no PR
29
), depois de oito anos seguidos de governo do PSDB
nacionalmente e do PFL no PR. Os novos ares bafejam o campo da ST: a nova gestão diz
que vai priorizar mudanças positivas em ST, implantar o Conselho Gestor nos CRST e
convida a CIST a indicar o coordenador do CEMAST! A CIST decide que “não indicará
nomes para a Coordenação do CEMAST, considerando a importância da garantia da
autonomia das Comissões do CES frente aos gestores da Saúde”. Decide também aprovar
vários critérios para a escolha da Coordenação do CEMAST, no sentido de comprometer o
Centro com as atribuições que lhe cabem. (CIST, 2003 b)
29
Após o primeiro ano de governo e a Reforma da Previdência operada pelo governo Lula, a maioria dos
militantes petistas em ST no PR saiu do partido, entendendo que este havia mudado de lado na luta de classes.
151
A expectativa da militância com a esfera federal era ainda maior, os militantes
esperavam por grandes mudanças que colocassem o setor da ST com muito mais peso,
como prioridade real do governo Lula. Um sindicalista e um técnico-militante disputam as
indicações para coordenar a Delegacia do MTE e a Fundacentro
30
no PR e obtém consenso
dentro do PT e dentro da CUT, sendo indicados pelos mais importantes dirigentes e
correntes políticas destas organizações para os cargos pleiteados. A política de alianças do
Governo federal o leva a optar por colocar nos cargos pessoas indicadas pelo PTB.
A expectativa da militância é frustrada por estas nomeações atentatórias a todo o
acúmulo da militância em ST no PR. Os militantes sindicalistas especialmente estabelecem
uma relação ambígua com o Governo do PT: o defendem externamente, mas o criticam
enormemente pela prática conduzida na ST.
As primeiras ações concretas do Governo Federal acabam com a leitura parcial que
ainda restava de que haveria grandes mudanças em favor do proletariado. A Política real do
governo Lula e o início da prática da nova gestão do MTE no PR, em nada diferiram do
governo anterior e, inclusive, no caso da Fundacentro deu um passo à direita logo no início
desta gestão, mudando a sede física da entidade para dentro do Sindicato Patronal da
Construção Civil
31
!
Após o convite de Coordenar o CEMAST ter sido feito à CIST, que declinou
prontamente, os militantes da ST foram convidados pelo novo governo a assumir a
Coordenação do CEMAST. O FOPS-ST realizou algumas reuniões para tratar do tema e
30
Órgão de Pesquisa em ST, ligado ao MTE.
31
Sindicato relacionado ao setor que causa acidentes mais graves e fatais relacionados ao trabalho no PR.
152
concluiu que poderia aceitar o convite, desde que fossem cumpridas algumas condições
mínimas para tanto:
a) O novo Governo deveria concordar explicitamente em construir um Plano
que aplicasse as principais Resoluções das Conferências de ST e de Saúde
no que tange à ST;
b) O Plano mínimo visava retomar a proposta centrada na propositura do
COMITÊ, que o novo Governo deveria valorizar e retomar como sua
Política naquilo que o Governo anterior vinha abandonando
sistematicamente nos últimos anos;
c) Por fim, como o FOPS-ST requeria uma mudança radical na linha de
atuação da SESA em relação ao que ela havia se tornado no Governo
anterior, o FOPS-ST requisitava a indicação de técnicos-militantes para
coordenar o CEMAST e a Coordenação de ST da SESA e não somente o
CEMAST (onde haviam se concentrado os embates nos últimos anos).
O novo Secretário realizou uma reunião com o FOPS-ST, acompanhado pelo alto
escalão da SESA, onde deram demonstração clara de que desconheciam os rudimentos da
Saúde Pública e ignoravam por completo do que se tratava o campo da ST, sua política e
seu Plano. Além disso, o Secretário resolveu negar a indicação do cargo de Coordenador da
ST na SESA
32
ao FOPS-ST. Nesta mesma reunião, o FOPS-ST informou à direção da
SESA o que havia deliberado anteriormente, que declinava do convite, mas não se
32
a Coordenação Estadual da ST permaneceu nas mãos da mesma técnica, intelectual tradicional, que
coordenava no governo anterior, que havia compactuado com o atraso em que a SESA manteve a ST nos
últimos anos.
153
colocava em oposição frontal à nova gestão da SESA e sim apoiando o novo governo em
todas as medidas deste que favorecessem a classe trabalhadora, bem como atuando como
fiscal permanente da aplicação do Plano da ST.
Os episódios das indicações dos cargos do Governo Federal no PR e das
Coordenações do CEMAST e de ST na SESA tiveram um tratamento bastante politizado
por parte do FOPS-ST, se diferenciando radicalmente da postura do restante do FOPS, que
cujos militantes mais expressivos aderiram individualmente a cargos do novo governo na
SESA
33
.
Os militantes preferiram indicar o apoio crítico ao governo que se iniciava, ao invés
de assumir parte da Coordenação da ST (do CEMAST) e propor uma série de diretrizes
para a ST, que visavam contemplar as reivindicações do Controle Social para a aplicação
da lei em ST.
O FOPS-ST realizou longos debates neste período de transição de governos. Uma
parte dos militantes seguia acreditando que os problemas existentes a partir de 2000/2001
estivessem relacionados a problemas de governo, da gestão passada que não pretendia mais
avançar em ST e passou a recuar no que havia sido construído, como que mudando de lado
e passando a defender os interesses do Capital. A outra parte do FOPS-ST (a maioria)
acreditava que o problema era do Estado, e não do Governo de plantão, que havia entrado
em contradição com sua direção principal, capitalista, no campo da ST e vinha “corrigindo”
33
O Setorial de Saúde do PT vinha discutindo alguns meses qual deveria ser sua postura em relação ao
novo Governo no PR e se entraria ou não nos cargos de direção. Haviam duas posições: a defendida pelos
militantes da ST (do FOPS-ST), de apresentar um Programa mínimo e, se aceito como condição entrar no
Governo e a posição dos demais militantes da saúde, de entrar no Governo. O convite do novo Secretário
dirigido a um dos membros do Setorial que não era da ST precipitou o processo, interrompeu o debate e
acabou levando junto com ele vários militantes históricos do FOPS e do PT. A relação amistosa desta parte do
FOPS com a nova gestão durou cerca de um ano, quando as contradições foram se acumulando e conduziram
a demissão de uma dirigente do PT da SESA, que precipitou a saída dos demais petistas.
154
a contradição retirando os militantes dos Serviços de ST e dilapidando os próprios
Serviços.
Em uma leitura o problema era de gestão e de pessoas que dirigiam “erroneamente”
a Política de ST, em outra leitura o problema era de classe e das contradições acumuladas
dentro do Estado pelo avanço real da Política da ST, ainda que bastante limitado. As
primeiras medidas dos governos de “esquerda”, federal e estadual, em ST
34
, deixaram claro
que não o rumo que vinha sendo tomado não seria alterado em favor da classe
trabalhadora, como também, especialmente no caso do PR, seriam bastante aprofundadas as
medidas desfavoráveis aos trabalhadores. O mundo real fez ver com clareza aos militantes
do FOPS-ST que o problema era de Estado e não de governo. Este aprendizado foi feito na
prática, a quente, e não apenas teoricamente e passa a ser uma marca indelével na
construção, incipiente, que vinha se processando do Intelectual Coletivo em ST no PR o
FOPS-ST.
Passados onze anos do início da construção da ST no PR, onde a via hegemônica foi
“Estado adentro”, ocorre a eleição de governos de “esquerda” em relação aos que
governavam anteriormente o PR e o Brasil. Ainda assim os militantes do FOPS-ST não
aderiram automaticamente aos cargos ofertados, realizaram o debate sobre entrar ou não, o
que constituiu diferença importante em relação às assunções de cargos de direção feitas nas
Fases 1 e 2, onde as entradas foram decididas individualmente. Em seguida formularam um
Programa mínimo, baseado na leitura da conjuntura da ST, dos avanços, retrocessos e
pendências principais existentes no campo, e o apresentaram como condição para aceitar os
cargos.
155
Estes dois aspectos de diferenciação em relação as Fases 1 e 2 e em relação aos
demais militantes do FOPS, demonstram já a existência de um Coletivo se sobrepondo aos
indivíduos e com projeto para atuação na Pequena e Grande Política. Apresenta, portanto,
uma organicidade superior aquela encontrada nas Fases 1 e 2, com traços do Intelectual
Orgânico da ST em que o FOPS-ST estava tendencialmente se tornando.
A CIST, hegemonizada pelos militantes sindicais e técnicos, permitiu um sursis ao
novo governo, acreditando parcialmente nas mudanças propostas. Diminuiu a pressão que
vinha exercendo na questão do Controle Social, materializada no Conselho Gestor do
CEMAST, e gastou o primeiro semestre reconstruindo o novo Plano Estadual de ST.
Enquanto gastava o tempo ajudando a SESA a re-elaborar o que devia ter sido feito
muito tempo, a CIST assistiu o espetáculo discutido acima da mudança que não mudou
nada favorável à classe em ST. O sursis duraria pouco tempo, o Estado, agora gerido por
outros dos mesmos representantes da classe dominante, seguia aceleradamente o processo
de desmonte da ST no PR.
3.4.3.5 - O desmonte completo da ST no Estado no PR
A partir do ano de 2001 os técnicos-militantes não dirigem mais os Serviços de
ST do SUS, os três principais cargos do campo da ST (Coordenação Estadual, Coordenação
do CEMAST e Coordenação do SST-Ctba) são ocupados por intelectuais-tradicionais.
34
Acredito que as primeiras medidas em geral, não em ST, deixaram claro que não haveria mudança de
rumo pela mudança de governo. Não faço no texto, entretanto, uma afirmativa mais abrangente por extrapolar
os limites investigados mais aprofundadamente por esta pesquisa.
156
Os Serviços passam a experimentar um retrocesso sistemático nas conquistas
construídas na Fase 1 e estabelecidas na Fase 2 da ST. Este retrocesso é visível a olho nu
nas várias frentes de atuação da ST, destacando-se as discutidas a seguir.
O Sistema de Informação em ST, baseado nas CAT e nas Declarações de Óbito, o
SISCAT, passa a não ser mais alimentado regularmente, depois se perde o Banco de Dados
e, finalmente cessa o fluxo de disponibilizacão dos dados aos Sindicatos.
A SESA para de alimentar e de analisar inclusive o Banco de dados do COMITÊ,
que constituía a espinha dorsal da Política de ST no PR erigida nas Fases 1 e 2.
A Coordenação Estadual de ST abandona a participação no COMITÊ, que durante o
período de um ano, entre 2004 e 2005, deixa inclusive de funcionar, voltando depois a
funcionar sob a direção do Ministério Público do Trabalho.
A SESA abandona o Plano de ST, centrado na elaboração de linhas de atuação
baseadas na atuação do COMITÊ e abandona também o treinamento continuado das
vigilâncias.
O CEMAST, vai sendo desmontado progressivamente, primeiro pela recusa da
SESA em esclarecer seus problemas crônicos e em propor-lhes soluções, depois a direção
da SESA cessa a transparência das suas ações (e principalmente sua falta de ação), que
caracterizavam a Fase 2, sob Coordenação de militantes e não aceita criar o Conselho
Gestor, demandado pelo movimento sindical há muitos anos.
O SST-Ctba também passa a ter função mais formal e burocrática, com pouca
intervenção nos problemas de ST, seguindo a tendência da SESA e CEMAST. Sofre uma
tentativa de voltar a construir uma Política de ST conseqüente com o acúmulo da Fase 2 e
do Plano baseado no COMITÊ, sob a Coordenação de uma técnica-militante, que,
entretanto, dura apenas cerca de um ano no cargo e é exonerada da função.
157
O COMITÊ passa a ser, na Fase 3, apenas forma, sem o conteúdo que o engendrou,
sem dirigir as ações ou estruturar os planejamentos do SUS a partir dos eventos-sentinela,
sem ter a direção dada pelo SUS e restando conformado por técnicos, intelectuais
tradicionais em sua maioria, o COMITÊ definha e realiza apenas ações de informação,
constrói um Boletim e um folder e leva várias reuniões se preparando para eventos quase
totalmente destituídos de sentido em relação aos seus objetivos fundadores. Segue
existindo, entretanto, sem poder para colocar em prática sua razão de ser. Carece de uma
nova estratégia que lhe revigore e devolva o importante papel de gerar demandas pontuais
com potencial de se tornarem demandas coletivas que estruturem os diversos Planos dos
SUS-municipais, bem como o Estadual e estes dirijam os outros atores estatais de acordo
com um planejamento de base epidemiológica de intervenção no campo da ST.
O último golpe desfechado contra o que restava da Política de ST herdadas da Fase
2 foi o fechamento do CEMAST, ocorrido em 2006, sem maiores explicações e sem que
algum setor do SUS assumisse seus casos de elucidação de nexo causal de DT pendentes.
O desmonte da ST no SUS-PR tem início com a demissão dos militantes dos postos
de Coordenação, segue com a mudança no rumo das Políticas estabelecidas e amplamente
aprovadas em todos os Fóruns de Controle Social desde 1992 até nossos dias, tem
continuidade com o expurgo completo de quaisquer técnicos-militantes de todos os
Serviços de ST e atinge seu ponto máximo com o fechamento do CEMAST e o completo
descompromisso da alta direção do SUS, ecoada de forma subalterna pelas Coordenações
da ST no SUS, com o Plano e a linha de ação acumulados histórica, legal e formalmente
pelo campo da ST no PR durante as Fases 1 e 2.
Diante deste cenário tenebroso para a ST “Estado adentro” os militantes são
forçados a construir novos mecanismos de atuação em ST que possam reorganizar a
158
intervenção em outro patamar construído de forma independente do Estado, então despido
neste campo da ST para a totalidade dos militantes entrevistados que atuaram em sindicatos
ou como técnicos-militantes em ST durante o período compreendido entre 1992 e 2006.
3.4.3.6 - A construção da ST “por fora” do Estado
A elaboração detalhada do “Plano Militante Restrito”, referido no final da Fase 2,
contribuiu para a identificação de alguns aspectos do movimento mais geral em que se
encontrava o campo da ST no PR, especialmente no SUS, mas também dos outros atores
atuantes no campo.
A análise inicial que embasou este Plano levou em conta dois aspectos principais:
a) a importância fundamental da militância na construção do campo da ST no PR;
b) Os Serviços e Ações em ST no SUS passaram a existir a partir desta atuação
militante, mas davam sinais fortes de que poderiam ruir a qualquer momento e não
tínhamos um “Plano B”.
A partir destas constatações, os Coordenadores construíram um “Plano B”, de
transição, entre a Fase em que a militância tinha a coordenação de fato e de direito da
ST, para a outra Fase constatada em que a direção de direito ainda permanecia, mas a
direção real, de fato, começava a ruir. O Plano visava consolidar a ST no SUS, bem
como aumentar o controle dos trabalhadores sobre os Serviços e Ações em ST. Para
tanto apontava um conjunto de tarefas (táticas) a serem desempenhadas pelos Serviços
de ST do SUS, pelos militantes e pelos outros atores estatais atuantes em ST
159
(principalmente Ministério Público e INSS), que seriam demandados para atuarem de
acordo com as táticas ali definidas, sem o saberem, entretanto.
As linhas de ação mestras apontavam dois eixos de Ação:
a) Criar demandas pontuais precisas e perenes para que os diversos setores do
Estado desenvolvessem ações em ST que contribuíssem com a direção
almejada no Plano. Para que os setores do Estado se movessem, o Plano
pressupunha que fosse realizada uma pressão permanente sobre eles,
principalmente via CIST e COMITÊ;
b) Construir mecanismos de controle dos trabalhadores sobre as ações e
Serviços de ST, especialmente os do SUS. Estava começando a ficar claro
que os mecanismos existentes (CIST e COMITÊ) dependiam da Aliança
com os setores do Estado para funcionar e esta começava a ficar
inviabilizada na mesma medida da perda dos cargos de Coordenação dos
Serviços do SUS pelos militantes.
Uma parte do Plano, a que demandava as Instituições do Estado para que atuassem
em ST, passou a vigir imediatamente, sem ensejar um debate com o conjunto dos
militantes do FOPS-ST e gerou inúmeras ações, para as instituições atuantes em ST na
Sociedade Civil e na política.
A outra parte do Plano, que propunha criar um mecanismo de controle dos
trabalhadores sobre as ações e Serviços do SUS e do Estado foi proposta como pauta aos
militantes da ST, do FOPS-ST. Feitas algumas reuniões de análise da situação na ST de
então, bem como a propositura dos técnicos-militantes, o FOPS-ST decidiu se empenhar na
160
construção de uma Associação que reunisse os trabalhadores vitimados por AT e DT, bem
como os parentes das vítimas destes “acidentes”.
Alguns meses depois, em 5 de junho de 2001, foi convocada pelo FOPS a
Assembléia de criação da ADVT (Associação de Defesa das Vítimas do Trabalho). No
documento que convoca a primeira plenária, indica-se que:
os governos têm vários setores responsáveis por atuar nesta área (INSS, DRT, SUS,
Secretarias do Trabalho), mas na prática têm feito pouco ou nada para melhorar esta
situação:
1-Na empresa, a notificação do Acidente ou Doença quase sempre é mal vista pelo patrão
e não ocorre ou é mal feita;
2-Na previdência (INSS) a busca do “benefício” acidentário é um calvário, onde os
trabalhadores têm que enfrentar “peritos” que fazem de tudo para negar os benefícios e
um setor de reabilitação mal equipado e que procura devolver o mais rápido possível o
trabalhador para a empresa;
3-As consultas e os exames para estabelecer a relação entre a doença e o trabalho, assim
como a reabilitação e o suporte psicológico no SUS (Sistema Único de Saúde) dependem
de esperas enormes e têm baixa resolução;
4-A fiscalização das situações que oferecem risco à Saúde dos Trabalhadores nas
empresas, feitas pelo SUS ou pela DRT(Delegacia Regional do Trabalho), quase não
ocorrem (FÓPS, 2001).
A convocatória da criação da ADVT demonstrava bem o centro da crítica que o
FOPS (na verdade o FOPS-ST) estava elaborando ao Estado, tal como ele realmente se
apresentava no trato dado às questões deste campo da ST e demonstrava também qual era o
sentido inicial imprimido à atuação da Associação que se formava.
161
A partir desta Assembléia, a ADVT se constitui como entidade e se auto-define
como “um fórum que busca organizar os trabalhadores lesionados e seus parentes para
reivindicar direitos e cobrar do Estado sua responsabilidade nas questões de preservação e
promoção da saúde dos trabalhadores e dos direitos civis, previdenciários e trabalhistas”.
(ADVT, 2001).
Após esta movimentação conjunta dos militantes do FOPS-ST pela construção da
ADVT, o FOPS-ST se apropriou de alguns aspectos do “Plano Militante Restrito”, agora
não mais restrito, mas sim incorporado parcialmente pelo FOPS-ST. Tanto o Plano quanto
o FOPS-ST ganharam mais materialidade neste processo que durou cerca de um ano, entre
2001 e 2002.
Os técnicos-militantes com cargos de Coordenação no SUS-PR, na SESA e no
CEMAST, conseguiram perceber o movimento de destruição da ST “Estado adentro” que
apenas se esboçava, reagiram a isto procurando formular um Plano que englobasse o
conjunto dos atores e ações necessárias para que a Política de ST não ficasse mais à mercê
da Direção do SUS.
Esta iniciativa isolada de dois técnicos-militantes teve uma grande positividade
conseguir fazer uma análise da totalidade dos mecanismos atuantes em ST no PR num
período e teve também uma grande negatividade ter sido feita isoladamente do FOPS-
ST, problema que foi parcialmente resolvido quando a análise foi compartilhada com o
FOPS-ST, que se apropriou parcialmente dos encaminhamentos propostos.
A construção da ADVT teve o mérito de dar coesão aos militantes do FOPS-ST e
colocá-los, por um tempo curto, a atuar com o foco voltado para construir uma Organização
de trabalhadores, isto é, para fora do Estado. Esta foi uma ação importante por ser trilhada
na direção de outra estratégia, entretanto foi muito simplificada e insuficiente para resolver
162
os problemas identificados, da falta de empoderamento real dos trabalhadores no campo da
ST e da ruína dos Serviços que se avizinhava crescentemente.
Um dos problemas iniciais da ADVT foi que nenhum dos militantes do FOPS-ST
com mais acúmulo de discussão e entendimento do campo da ST assumiu parte da direção
da nova Associação. O FOPS-ST criou a entidade e deixou sua direção a cargo de
trabalhadores que, em sua maioria, não tinham experiência alguma ou conhecimento
teórico capaz de permitir que a ADVT se desenvolvesse na direção que fora formulada
inicialmente.
Outro problema crucial não identificado e tampouco tratado pelo FOPS-ST foi a
complexidade do tema, associar um amplo conjunto de lesionados, que cujo único ponto de
contato imediato uns com os outros era terem sofrido violência do trabalho, na forma de
AT/DT, mas que não compartilhavam de uma leitura comum do mundo que lhes permitisse
construir um Plano de atuação comum. Deixados para si mesmos, estes trabalhadores
passaram a fazer a única coisa que obviamente poderiam fazer: mover ações individuais
contra o Estado para que reparasse os danos causados e descobrir paliativos que aliviassem
o sofrimento causado em cada um pela doença ou acidente que sofrera no trabalho.
Faltou um planejamento de médio e longo prazo, que determinasse as linhas gerais
do que deveria ser construído para que a ADVT, bem como o próprio FOPS-ST, não
ficassem restritos ou subsumidos à “pequena política”, mas, antes utilizassem suas pautas
para estabelecer sua vinculação com a “grande política”. A necessidade deste planejamento
que fosse além do dia-a-dia e da pauta restrita da CIST conseguiu gerar uma mudança no
modo de funcionamento do FOPS-ST, como veremos.
163
3.4.3.7 – O início da atuação do FOPS-ST na Grande Política
As perdas das Coordenações dos Serviços pelos militantes, somado ao desmonte
acelerado que o Estado passou a realizar no campo da ST contribuíram para que o FOPS-
ST se unisse e atuasse como Organização, criando a ADVT em seu primeiro ato dentro da
tentativa de construir uma nova linha estratégica “fora do Estado”. Este processo ensejou
maior organicidade ao FOPS-ST, que durante cerca de um ano se reuniu com maior
freqüência e procurou elaborar um Plano Militante para a ST no PR.
Neste processo o FOPS-ST chegou a utilizar o Plano Militante Restrito, mas foi
muito além dele nas pretensões esboçadas, constituindo o período onde ocorreu maior
avanço na formulação da “Grande Política”
35
pelo FOPS-ST, onde se fez um esforço
conjunto e consciente que teve grande importância na empreitada de constituir um
Intelectual Coletivo na ST do PR. Segundo MAP, um dos técnicos-militantes mais atuantes
na ST do PR na Fase3:
este ano, por volta de 2001/2002, em que chegamos a nos denominar como COF
36
e
saímos um pouco da roda-viva das demandas constantes da CIST e dos Conselhos de
Saúde foi o período de maior investimento em Formação Política que o FOPS-ST realizou
com seus próprios militantes, chegando a formular elementos da Grande Política
[conforme a definição de Gramsci], que deveriam servir de baliza para os próximos passos
de nossa Organização militante em ST. Fomos, contudo, tragados para as atuações nos
espaços formais em que atuávamos (CIST, locais de trabalho, Universidade e
35
Avanço sempre limitado pela pequena capacidade de dedicação prática demonstrado pelo FOPS-ST à
execução do seu Plano e à fragilidade política e estrutural das Organizações dos trabalhadores que poderiam
lhe dar maior consequência.
36
COF: Coletivo Oscar Fachini. Este nome foi proposto entre os militantes do FOPS-ST como um símbolo de
luta pela ST. Oscar Fachini foi durante muitos anos militante do PT e da CUT e, como técnico de segurança,
trabalhando em Imbituva-PR, fez uma série de denúncias, junto ao COMITE, contra empresas que causavam
164
sindicatos) e conseguimos fazer coisas importantes, como os Encontros Nacionais de
Militantes em ST, que são marcos da ST no PR, mas, apesar disso cumprimos muito
pouco do que havíamos planejado fazer. (MAP, 15/12/06)
Neste período o FOPS-ST atuou mais voltado para os seus próprios problemas e
limites, pode assim identificar a necessidade de se organizar mais sistematicamente,
realizar um processo de formação política mais densa em ST e construir as referências
teóricas e práticas para uma atuação militante mais eficiente em ST.
Ao dar os passos iniciais na direção de suprir as carências identificadas de
organização e formação política ficou definido para os militantes que o centro do problema
era construir uma nova estratégia de atuação, a partir da qual se poderia realizar a
“formatação“ da organização/formação política dos militantes. Com este entendimento
comum, o FOPS-ST tratou de buscar experiências que o auxiliassem, não precisou procurar
muito para perceber que o problema era comum a todos os militantes de ST no Brasil e que
a maioria dos militantes estava preso ao mesmo mecanismo de atuação, “Estado Adentro”,
que caracterizou a militância do PR nas Fases 1 e 2.
O FOPS-ST planejou, então, realizar um Encontro Nacional de Militantes em ST,
fez contato com militantes de diversos estados e construiu uma Oficina Preparatória do I
Encontro Nacional de Militantes em ST, realizada em Curitiba, em agosto de 2003. A
Oficina contou com cerca de 70 participantes de 5 estados diferentes.
A Resolução da Oficina foi na forma de “Elementos para a Construção do Plano
de Lutas” (Anexo 3), e tratou de elencar uma lista de 19 pontos, tidos como cruciais para
serem encaminhados no próximo período e servirem de baliza para o I Encontro Nacional
amputações e acidentes graves no trabalho. Levou duas surras na rua, onde foi “aconselhado” a parar de
165
de Militantes. Nesta Oficina a expectativa com o Governo Lula era grande entre os
militantes, embora a maioria visse criticamente as primeiras movimentações do novo
governo, assim o Plano de Lutas, na verdade, era uma lista de Ações demandadas ao
Governo Federal, para que este atuasse imediatamente, visando construir uma nova Política
de ST no Brasil.
Dentre os 19 pontos elencados na Resolução da Oficina, apenas 3 tratavam
explicitamente de organizar a militância:
a) fortalecer os instrumentos de luta intersindical;
b) pressionar pela instituição de Comissões de Fábrica por Empresa, com eleição
direta de todos os seus integrantes (fim das CIPAS
37
).
Esta Oficina constituiu um marco na história da militância em ST no Brasil,
realizou um abrangente debate e engendrou a seqüência de Encontros Nacionais de
Militantes em ST.
Apesar de ter sido construída para outros fins, a Oficina acabou sendo atraída pela
enorme força gravitacional que exercia o Governo Lula, que teve inicio 7 meses antes da
sua realização, em seu primeiro mandato e, portanto, carregava consigo a esperança da
maioria dos militantes da ST em transformações importantes para este campo já nos
primeiros meses de governo.
Assim, a via estratégica que dirigiu os debates e Resoluções seguiu sendo aquela
referida neste estudo como “Estado adentro”. Por outro lado, criando um certo
tensionamento e se colocando contra esta orientação “expectativista” quanto ao Governo
mexer com as empresas de Imbituva. Foi assassinado na porta de sua casa, com um tiro na nuca.
37
CIPA : Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, herança do período ditatorial, normalizada pelo MTE,
tem composição “paritária” entre patrão e empregados, isto é o patrão indica 50% dos membros, inclusive o
presidente da CIPA e os todos os empregados da empresa elegem os outros 50%.
166
Lula, a Oficina resolveu também realizar uma análise de conjuntura e “Apontar para a
mobilização e organização dos movimentos sindical e popular” no próximo período. Com
estas referências, até certo ponto contraditórias, que expressavam a duplicidade de
estratégia presente entre os militantes, a Oficina convocou o I Encontro Nacional de
Militantes em ST para novembro do mesmo ano (2003).
O FOPS-ST, reunido para avaliar a Oficina e propor encaminhamentos para a
realização do I Encontro, identificou a existência de duas linhas estratégicas permeando os
debates, uma baseada na ocupação de espaços “Estado adentro” e outra baseada na
organização e mobilização dos trabalhadores “fora do Estado”. Para contribuir com a
construção da pauta do I Encontro externou esta percepção tomando lado, a favor da via
“fora do Estado”, propôs à Coordenação do Encontro (do qual fazia parte na proporção de
4 membros em 9 totais) os seguintes eixos:
a) compreender os mecanismos de exploração e dominação, resgatando as
experiências de resistência e de iniciativa política dos trabalhadores no
enfrentamento do capital;
b) mobilizar os trabalhadores contra a precarização e a nocividade dos
ambientes, processo e condições de trabalho;
c) fortalecer a organização autônoma e independente dos trabalhadores;
d) discutir a atuação política dos movimentos sindical e popular nos espaços
institucionais dos conselhos de saúde.
Atendendo apenas parcialmente os eixos propostos pelo FOPS-ST, o I Encontro
Nacional de Militantes em ST foi realizado em Sumaré-SP, nas dependências de uma
fábrica ocupada pelos trabalhadores e contou com a presença de cerca de 100 militantes,
vindos de 5 estados. A principal característica deste Encontro foi avaliar diversas
167
experiências de trabalhadores lesionados pelo trabalho que se organizavam nacionalmente,
além de ter aprofundado e validado a pauta proposta pela Oficina de Curitiba.
Se destacou neste Encontro o tema polêmico de receber ou não ajuda financeira do
Governo Lula para realizar os próximos Encontros. Venceu amplamente a posição de não
receber financiamento do Estado e não apenas deste governo, e construiu uma
Coordenação, onde o FOPS-ST
38
estava presente, e um sentido de que os Encontros
deveriam continuar e servir de baliza para a militância. Este Encontro decidiu realizar o
próximo em Curitiba.
Em abril de 2004 foi realizado, em Curitiba, o II Encontro Nacional de Militantes
em ST. O número de militantes e de estados representados superou a Oficina e o I
Encontro, abrangendo cerca de 100 pessoas de 10 estados do Brasil. Neste Encontro
havia passado mais de um ano do Governo Lula e o Plenário, bem como as Resoluções do
Encontro já o apontavam como um Governo de traição de classe.
O clima geral do Encontro era de avanço na Organização da militância “fora do
Estado”. A maior radicalização ficou nítida desde o processo de preparação do II Encontro,
onde o FOPS-ST assumiu a maior parte da elaboração política e do desenho geral do
Encontro, que se caracterizou por seguir e aprofundar os eixos que haviam sido propostos
ao I Encontro mas ficaram subsumidos ao corte geral do Encontro que priorizou a troca
de experiências entre as diversas organizações de trabalhadores presentes.
O II Encontro discutiu os mecanismos de exploração capitalista, com base em uma
leitura marxista, bem como procurou construir uma pauta que norteasse o enfrentamento
38
Ë interessante destacar que a Coordenação escolhida no I Encontro era formada por 9 pessoas, militantes
que tinham projeção nacional e 4 delas eram do FOPS-ST do PR. a Coordenação do II Encontro era
composta por 6 militantes mais o FOPS-ST, entidade que passou a ter projeção nacional através da realização
dos Encontros de militantes em ST.
168
que os movimentos sindicais e populares deveriam fazer com o Governo e o Capital no
próximo período nas seguintes frentes de atuação (detalhadas no anexo 4) :
a) Discutir estratégias para encaixar a pauta de Saúde do Trabalhador na pauta dos
Movimentos Sociais;
b) Elaborar crítica do Estado/Governo Lula;
c) Discutir o papel do Controle Social em Saúde do Trabalhador;
d) Discutir estratégias para desfragmentar, articular e aglutinar o movimento pela
saúde no trabalho;
e) Discutir estratégias para “ganhar as ruas”;
f) Formação política como parte de estratégia de formação, utilizar a experiência do
NEP 13 de maio;
-
Este II Encontro Nacional apontou um caminho para uma organização superior da
militância em ST no Brasil, agregando ao acúmulo conquistado na Oficina e I Encontro
(bandeiras de luta e troca de experiência) a questão da constituição de uma organização
militante pautada por uma nova estratégia: “por fora do Estado”.
O Relatório Político
39
(anexo 5) do II Encontro identificou o comportamento
reacionário do Governo Lula:
Nas questões que estão afetas diretamente ao campo da Saúde do Trabalhador o Fórum
Nacional de Militantes em Saúde do Trabalhador elencou 19 pontos de um Plano de Lutas,
aprovado em agosto de 2003 dentre os quais, apenas 3 sofreram alguma ação do governo,
sendo que o principal deles, estabelecer uma Política Interministerial de Saúde do
Trabalhador, está apenas no campo das intenções escritas, vez que a prática interministerial
segue como dantes, caótica, concorrente e pífia no enfrentamento dos determinantes dos
169
agravos à saúde dos trabalhadores. Houve inclusive retrocesso, tanto na priorização da área
dentro dos Ministério da Saúde e do Trabalho, quanto ao assédio moral de técnicos
militantes.
O II Encontro indicou para a militância em ST que “(...) este governo não está
mais em disputa por dentro. Os trabalhadores obterão melhorias na sua condição de
saúde através da organização e da luta contra a exploração do trabalho e, por conseqüência,
da saúde e da vida”. Rompeu-se, assim, com a estratégia “Estado adentro” e se inaugurou
como fruto da Oficina e dos dois Encontros Nacionais um pensamento coletivo hegemônico
no campo da ST, que engendrava uma nova linha estratégica, de atuação “fora do Estado”.
O II Encontro convocou o III Encontro Nacional de Militantes em ST para ser
realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2004, bem como indicou uma Coordenação
mais ampliada do que a anterior, que, entretanto, não conseguiu realizar o III Encontro.
A Fase 3- período de 2001 a 2006 (até nossos dias) é uma Fase em aberto, tem
como características principais as derrotas e lutas de resistência da militância contra os
recuos na Política de ST do SUS, teve início com a “queda” dos coordenadores dos
Serviços do SUS e seguiu eliminando os outros técnicos-militantes, até que não restasse
qualquer vestígio das Fases passadas nos Serviços de ST do SUS.
Em contrapartida, esta Fase vinha registrando uma “elevação do tom” da militância
no enfrentamento com o Estado nas instâncias do SUS e da justiça, porém ainda presa da
velha estratégia de “Estado adentro”.
39
Este Relatório foi elaborado apenas pelo FOPS-ST, não tendo chegado a ser homologado por toda a
Coordenação Nacional e, portanto teve divulgação restrita à esta Coordenação.
170
A mudança de qualidade na atuação da militância em ST no PR ocorreu com o
processo da criação da ADVT, quando estava colocada e se começou a trilhar por uma nova
estratégia, oposta a anterior, desta vez de ST “fora do Estado”. Este processo deu maior
organicidade ao FOPS-ST que passou a se empenhar em se construir como um Intelectual
Coletivo na ST, que influenciou decisivamente a militância em ST no Brasil, através da
Construção de Encontros Nacionais de militantes de ST.
Os Encontros Nacionais, entretanto, sofreram um refluxo na sua terceira versão, que
rompeu a seqüência inaugurada na Oficina e nos dois Encontros, realizados em 2003 e
2004. A vitória política não teve um salto organizativo que lhe correspondesse e a direção
do processo restou “solta” pela Coordenação eleita e foi “apanhada” pelos militantes que
foram minoria até então defendendo o governo Lula e, implicitamente, a estratégia do
“Estado adentro”. Da mesma forma, o FOPS-ST não conseguiu manter a seqüência de
avanços na formulação da nova estratégia, “fora do Estado”, sofrendo, após estes anos de
2003 e 2004, nova fragmentação e volta dos militantes aos velhos afazeres, tais como a
atuação na CIST, nos sindicatos e em outras “pequenas políticas”, não se completando o
processo de formação de uma Organização pautada pela “grande política”.
171
CAPÍTULO IV
A TEORIA E A PRÁTICA DA MILITÂNCIA EM ST NO PR
Este capítulo tem como fonte principal as entrevistas realizadas com os militantes
centrais na ST do PR, que, conforme discutido no item sobre Metodologia, são de duas
origens: a) técnicos-militantes, que trabalham no Sistema Único de Saúde (SUS),
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público Estadual e b) dirigentes
sindicais, que atuam nos Sindicatos dos Bancários, Petroleiros, Sindicato da Saúde e na
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Além das entrevistas, contribuiu neste capítulo, o
diálogo permanente ocorrido entre o pesquisador e alguns destes militantes centrais da ST,
acerca do objeto da pesquisa em tela, há cerca de dois anos.
O estudo feito sobre a base documental (anexo 1) e a análise e sistematização sobre
a Política de ST no PR, feitas no Capítulo 3 desta pesquisa constituem um fio condutor, que
liga os diversos períodos e instâncias onde atuou a militância em ST, bem como relaciona
esta atuação diretamente com a existência do campo de ST no PR.
A partir deste fio condutor e das entrevistas e diálogos feitas com os militantes
centrais em ST no PR, bem como da confrontação destes elementos com as mudanças
concretas ocorridas em ST no período, buscaremos apreender o processo de formação de
consciência que a prática destes militantes ensejou em cada um e no conjunto deles (FOPS-
ST)
Procuraremos, a seguir, analisar os aspectos mais relevantes da atuação da
militância em ST no PR, organizada no FOPS, depois no FOPS-ST, bem como do
aprendizado dos limites e contradições onde atuou esta militância no período estudado.
172
Esperamos contribuir, deste modo, para a teorização neste campo da luta de classes,
buscando, por esta via, incidir também sobre a prática militante em ST.
As três Fases identificadas nesta pesquisa descrevem as balizas principais por onde
se moveu e se move a militância em ST no Paraná. Distinguem cada uma delas diversas
características, que foram sendo modificadas pela militância em sua atuação concreta no
campo da ST. Dentre as muitas características de cada Fase, entretanto, uma é fundamental,
determinante das outras e permite identificar o movimento principal feito pela militância
em cada período: a relação que os militantes e suas organizações estabeleceram com o
Estado.
Procuraremos a seguir discutir a atuação da militância criando a Política de ST do
PR em cada uma das Fases e estratégias objetivadas neste período estudado, de 1992 a 2006
no PR. Esta discussão visará identificar a influência deste processo na Formação Política
dos militantes, analisar os avanços em termos de produção de conhecimento útil à classe
trabalhadora, no seu processo de constituição como classe para si, e verificar se este
processo vem constituindo, ao menos tendencialmente, um Intelectual Coletivo, orgânico à
classe trabalhadora, o FOPS-ST.
4.1 – A Luta “Estado adentro” gerando a militância em ST
A luta de classes das décadas de 70 e 80 do século passado gerou condições para
que a classe trabalhadora arrancasse do Estado a aplicação concreta de alguns direitos em
ST, garantidos em Lei a partir de 1998, na Constituição Federal.
173
A partir de então, a construção da via estratégica que balizou praticamente toda a
intervenção da militância em ST no Brasil foi a via “Estado adentro”. No caso do Paraná,
especialmente nos períodos designados nesta pesquisa como as Fases 1 e 2 (período
compreendido entre 1992 e 2000), a adoção desta via se deveu principalmente à conjuntura
nacional.
Segundo Lênin, em O Estado e a Revolução, o Estado aparece onde e na medida em
que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados. A “aparição” do
tema ST na CF e, posteriormente, nas regras e normas que geraram este campo no SUS se
deveu ao grande movimento de mobilização e reivindicativo realizado pela classe
trabalhadora no período imediatamente anterior.
No caso da ST no Brasil, o Estado passou a existir de forma mais importante e
abrangente no período compreendido entre o inicio dos anos 1970 e meados dos anos 1980,
em que se combinaram duas vertentes que o obrigavam a existir:
a) havia desenvolvimento econômico acelerado, o capital precisava de força
de trabalho em quantidade maior do que a disponível. Precisava preservá-
la e fez intervenções neste sentido, normativas e fiscalizadoras das
condições de trabalho.
b) Procedeu-se a abertura política, com o fim da ditadura, combinado com
ascendente poder da classe trabalhadora, empoderada pelos dois
movimentos: fim da ditadura e necessidade crescente de Força de
Trabalho.
Conforme discutido anteriormente nesta pesquisa, este momento político, positivo
para a classe trabalhadora, ajudou a construir um patamar legal que ficou “congelado” na
174
CF de 1988, pois as condições que contribuíram para construí-lo mudaram bruscamente nos
anos seguintes. O desemprego vinha num aumento crescente, estrutural da nossa economia,
junto com ele a força reivindicativa da classe trabalhadora e seus instrumentos de luta
(sindicato, central sindical) entraram em decadência, passando a administrar perdas,
procurar diminuí-las. O movimento foi, então, de recuo, em sentido contrário ao período
anterior onde a classe avançava, acumulando ganhos no campo da ST.
Foi neste cenário, positivo no discurso, tanto escrito em lei quanto falado, e
negativo na prática, visto que lhe faltavam as condições objetivas que definiram o discurso,
que ocorreu nacionalmente a mudança do movimento militante em ST “para dentro” do
Estado.
No caso do PR não houve mudança de estratégia, mas sim início do movimento
nesta Fase, ou seja, a militância organizada em ST nasceu mergulhada na via “Estado
adentro” composta pelo cenário nacional. No movimento sindical do Paraná existia e existe
pouca atuação significativa na ST nestes 15 anos estudados, como no Sindicato dos
Metalúrgicos, SINTTEL (telefônicos), da Construção Civil, Vestuário, Bancários,
SINDSAÚDE (funcionários da Saúde SESA) e SINDIPETRO (Petrobrás); sendo que os
três últimos seguem atuando em ST. Esta pouca ação, quando existe, está voltada apenas
para a própria categoria, exceção feita ao SINDIPETRO e SINDSAÚDE, que atuam
muitos anos no FOPS-ST. As Centrais Sindicais não tiveram qualquer ação significativa
neste período, a não ser a CUT através de representação muito pontual na CIST, mas que
não repercutia em ações na Central e nos sindicatos de sua base.
No caso dos militantes de Associações de Lesionados, como a APLER (Associação
de Portadores de LER) e a ADVT (Associação de Defesa das Vítimas do Trabalho), a
175
atuação esteve sempre voltada para encaminhamentos de assistência individual e não
coletivos, e com base na demanda espontânea e não em uma de base epidemiológica.
Exceção deve ser feita à formulação inicial da ADVT que previa uma atuação nos
marcos da ST, procurando atuar sobre os determinantes sociais da ocorrência de lesões e
agravos causados pelo trabalho. Conforme discutido antes, a falta de uma estratégia
militante, onde estivesse inserido o papel da ADVT, acabou deixando esta organização
junto à única estratégia vigente, “Estado adentro”, o que limitou muito seu campo de
atuação e a aproximou da SO. A ST persiste, entretanto, nos documentos e na formulação
do principal dirigente da ADVT, o que demonstra que ela pode ser parte de uma estratégia
proletária, se houver uma.
A militância que tem como campo central da sua atuação a ST existe entre técnicos
militantes e sindicalistas que estão vinculados de algum modo ao FOPS-ST e atuam junto à
CIST e ao COMITÊ. Estes espaços se constituíram, assim, nos locais principais de
discussão e de intervenção no tema entre as organizações da classe trabalhadora de Curitiba
e região Metropolitana.
Segundo MAP:
tire isto [o que fez a militância “Estado adentro”] e o que foi feito pela ST no Paraná?
Quase nada. Os sindicatos cutistas, que são os mais avançados na defesa dos
trabalhadores, e da sua saúde, foram várias vezes instados a se organizar no Coletivo de
ST da CUT e atuar neste campo. Entretanto, quase nada se moveram e quando o fizeram
foi sob direção dos militantes da ST, ligados ao FOPS-ST e pautados por esta política,
nunca ao contrário. (MAP. 15/12/06)
No Paraná, no período de 1992 a 2006, a falta de serviços de ST foi e segue sendo o
problema-matriz dos outros problemas de atuação do Estado neste campo. A falta de
176
Centros de Referência para identificar nexo entre doença e trabalho e a falta de técnicos de
vigilância em ST derivam deste primeiro e compõem uma monumental ausência do Estado
como fiscalizador das condições de saúde no trabalho.
Na Fase 2, a existência da CIST e do COMITÊ, hegemonizados pelo FOPS-ST,
contribuiu decisivamente para que esta ausência do Estado diminuísse e, não houvesse
outros avanços obtido (e os há, como vimos observando ao longo desta pesquisa) e este
avanço lhes validaria a existência como sendo útil, ainda que insuficiente, para diminuir
os vazios institucionais em que se encontra este campo.
A persistente e tenaz militância em ST ocorrida na CIST e, em menor escala, no
COMITÊ
40
, foi responsável direta pelos mínimos alcançados em cumprimento da lei e do
papel do Estado neste campo. O Controle Social e, mais especificamente, a militância do
campo da ST, foi (e é ainda) responsável direto pelos (poucos) movimentos do Estado na
implantação de um Plano de Saúde do Trabalhador. O FIST, e depois a CIST se
constituíram como fóruns de elaboração política e de cobrança de ações do Estado,
especialmente do SUS, nas questões de Saúde do Trabalhador.
Segundo MAP,
a luta de classes ocorre cotidianamente em muitos locais, o local privilegiado da luta no
tema da ST é a CIST, ali se debate uma política que interessa para toda a classe
trabalhadora. Quando ocorre um avanço ali, não é de uma ou algumas pessoas, mas sim
um avanço da classe toda. Por isso o FOPS-ST tem priorizado esta trincheira para atuar.
(MAP, 15/12/06)
40
A menor escala citada se refere ao conjunto da existência da CIST e do COMITE. Se considerarmos,
entretanto, isoladamente, apenas o auge da Fase 2, entre 1998 e 1999, o COMITE teve papel central e
determinante nos maiores e mais concretos avanços que já ocorreram em ST no PR.
177
À medida que a implantação de serviços foi ocorrendo em Curitiba e Região
Metropolitana, a fragilidade dos mesmos foi ficando evidente. Tanto o CEMAST, quanto o
COMITÊ, recebiam, respectivamente, a demanda de estabelecer nexo para DT e investigar
óbitos e amputações causados pelo trabalho para, então, torná-los em casos coletivos,
identificar padrões de repetição em ramos de atividades e regiões para que se engendrassem
Planos coletivos de intervenção nos determinantes da ocorrência destes agravos causados
pelo trabalho.
Em outras palavras, o papel destas instâncias, construídas como trincheiras da luta
de classes entre capital e trabalho, era tornar os casos individuais em casos coletivos e da
classe trabalhadora e propor medidas de enfrentamento dos determinantes, de
responsabilidade patronal, da deterioração ocorrida em ST, como se fossem frentes de
ataque partindo das trincheiras.
Segundo todos os entrevistados, os principais avanços práticos vivenciados por eles
foram a construção das Instâncias de Controle Social e Articulação Interinstitucional
[trincheiras] e os Serviços de ST (SST-Curitiba, CIST, CEMAST e COMITÊ) e as ações
que estes lograram desenvolver na construção de uma Política de ST. Entre as ações, as
mais destacadas foram:
a) A própria construção das trincheiras, que se estabeleceram como marcos,
difíceis de demover, mesmo não estando sob a coordenação direta de
militantes;
b) A proibição do uso de areia em processos de jateamento, responsável pela
silicose entre trabalhadores, seguida da vigilância parcial das empresas
que utilizavam este abrasivo em seu processo de trabalho;
178
c) A vigilância de todas as obras de construção civil que ofereciam risco de
queda elevado, perfazendo a maior investigação de causas de AT neste
ramo já ocorrida em Curitiba e no Paraná;
d) As investigações de AT que causaram amputação e óbito, instados pelo
COMITÊ e realizados pelos SUS municipais de mais de duzentos
municípios do PR.
As trincheiras funcionaram como órgãos de classe, ainda que por pouco tempo,
enquanto o comando delas, o posto dentro do Estado burguês, estava a cargo de militantes
da classe trabalhadora.
Os militantes entrevistados apontam que tiveram o aprendizado da teoria tornada
em prática no campo da ST neste período. Puderam aprender com os avanços realizados e
também com o muito que não se avançou na materialização do discurso do SUS em ST.
Os avanços foram calçados com muita discussão e denúncia nos marcos legais da
CIST e do COMITÊ, bem como dos Conselhos e Conferências de Saúde e ST.
As Conferências, por contarem com a participação de contingentes de trabalhadores
muito maior do que nos momentos normais de funcionamento dos Conselhos, foram
momentos privilegiados para o exercício da crítica sobre o pouco avanço ensejado pelo
Estado em ST, bem como de revalidação das balizas do Plano de ST. Os militantes de ST
aprenderam com o avanço da institucionalização do campo a precisar mais as críticas e
apontar cada vez mais objetivamente os desdobramentos das leis e normas gerais que
deixaram de ocorrer pela postura omissa ou pouco empenhada dos gestores do Estado.
Os grandes limites da atuação militante em ST, “Estado adentro”, são relativos à
falta de estrutura do Estado para atuar em ST, trincheiras pouco reforçadas e
179
freqüentemente deixadas apenas como figuração de ações que praticamente inexistem, e a
falta de gerência dos trabalhadores sobre as poucas estruturas existentes.
Os principais resultados alcançados em ST vieram da combinação de esforços dos
militantes que atuavam no movimento sindical e no Estado (principalmente no SUS), bem
como da ocupação de postos de coordenação do SUS por militantes. As poucas instâncias
existentes, no período em que foram gerenciadas por militantes, deixaram resultados
importantes, mas que não foram estruturantes da Política de ST no Paraná na Fase que se
seguiu àquela hegemonizada pelos militantes.
Estas instâncias de Controle Social (CIST), de execução de ações em ST
(CEMAST) e de articulação de ações/políticas de ST (COMITÊ) atingiram seus pontos
máximos de avanço em 1999, como identificado acima. Daí por diante o esforço maior foi
para não recuar e mínimos avanços foram observados. Resoluções positivas para a classe
trabalhadora, como a proibição do jateamento de areia (1998) e a obrigatoriedade de
investigação e atuação sobre eventos graves e fatais ocorridos no trabalho foram
timidamente aplicadas e acabaram se tornando em ações pífias perto do tamanho do
problema.
Em tempos neoliberais, de pouca ou nenhuma mobilização popular, os militantes
são pouco numerosos e, portanto, têm pouca potência para fortalecer as trincheiras e fazer
avançar delas frentes de ataque contra a deterioração da Saúde dos trabalhadores. Seguem
com muita dificuldade, calçando os pequenos avanços com escoras mensais, basicamente
as resoluções da CIST e do Comitê, através de reuniões mensais e conferências bianuais
(caso da CIST), onde tentam conter o recuo das políticas do Estado em ST.
Segurar, fazer a retaguarda, para não recuar mais o pequeno investimento nesta área
feito pelo Estado. As trincheiras de defesa de uma posição classista, pró-saúde dos
180
trabalhadores, “metralharam”, criticaram com propriedade e veemência, todos os dirigentes
do Estado que por ali se aventuraram. Este poder da CIST atingia, entretanto, sua
capacidade máxima nas reuniões da própria CIST, ela sempre foi mais forte nela mesma.
Sua capacidade de intervenção, qual trincheira demarcatória de campos de guerra, vai
diminuindo à medida que se afasta dali. No próprio CES, de onde deveria ser uma
Comissão
41
é pequena a capacidade de influenciar decisões e quando consegue aprovar, é
baixa/lenta/inexistente a implantação da mesma por parte do Estado.
Nesta experiência, se adentrou ao Estado por falta de estratégia própria da ST, por
inércia seguindo a estratégia hegemônica na esquerda brasileira de construir o Estado
democrático por dentro das instituições do próprio Estado, conquistando governos, vagas
em parlamento e maioria em conselhos e comissões do Estado.
A estratégia generalizada pelo PT e repetida pelos militantes hegemonizados por
este partido, inclusive a militância em ST no PR, a partir dos anos 1980, não guarda relação
com o princípio gramsciano de “eventualmente” disputar a hegemonia dentro do Estado
burguês. Este teórico entendia esta disputa como “pequena política”, que fazia sentido
enquanto as balizas mais gerais fossem da “grande política”, isto é da construção do Estado
proletário que permitisse avançar até uma mudança de qualidade, revolucionária, que
levasse a uma nova sociedade.
Não se tratou de um movimento dirigido conscientemente pela classe trabalhadora
ou qualquer dos seus instrumentos de luta, ocorreu antes impulsionado pela positividade
legal alcançada com muita luta no período anterior, combinado com a fragilidade crescente
dos movimentos sociais (especialmente sindical), relacionado com a falta de condições que
41
A CIST-PR funciona mais ao modo de uma Plenária de militantes, não se restringe ao formato das
comissões/conselhos do SUS, conforme discutido anteriormente.
181
permitissem à classe lutar, ao menos na mesma intensidade e direção que vinha fazendo no
período anterior.
No Paraná, que não teve a história de grandes lutas operárias e enfrentamentos no
campo da ST que outros estados mais industrializados tiveram (São Paulo, notadamente), a
ida ao Estado da militância em ST se deu em condições iniciais ainda piores, pois esta
militância praticamente se inaugurou na fase pós-CF, onde a fotografia legal não
correspondia ao momento real e, nem mesmo a história passada deixava o legado de uma
tradição militante mais combativa.
Nascendo e durante a Fase 1, dentro do Estado, o coletivo de militantes em ST foi
se conformando à medida que avançava nos enfrentamentos com este próprio Estado em
busca de que este construísse o campo da ST no PR. Preso aos meandros da “pequena
política”, que limitava a atuação aos fóruns do Controle Social (Conferências, Conselhos e
Comissões), foi construindo instâncias que atuavam dentro do Estado buscando viabilizar a
construção do campo da ST no PR, tais como o FIST, depois tornado CIST e o COMITÊ.
Esta militância carregava consigo, entretanto, o germe da “grande política”, pois,
diferentemente dos outros militantes do FOPS, tinha um corte de classe a definir o público
alvo de sua atuação, os trabalhadores e sua saúde.
4.1.1 - A militância gerando a “pequena política” de ST no PR
Com este cenário de fundo é que nasceu o FIST, em 1992, depois tornado CIST, em
1996, e nasceu também o COMITÊ, em 1997. Estas instâncias marcaram profundamente o
debate e a construção da Política de ST no PR, entretanto, desde a origem, atuaram
182
circunscritos e apostando no avanço dentro dos meandros do Estado. A via predominante
de atuação da militância foi, nas Fases 1 e 2, junto ao Estado e distanciada das outras
formas de organização da Sociedade Civil, especialmente longe de construir organizações e
políticas proletárias independentes da esfera da Sociedade Política.
Segundo a maioria dos entrevistados, a militância quase
42
não conseguiu avançar
para a “grande política” , tendo gastado sua principal energia para fazer funcionar a
“pequena política” de ST no PR.
A militância em ST no PR teceu crítica profunda ao capitalismo, à busca de lucro
em detrimento da vida por parte dos exploradores; as críticas apareceram, com freqüência
textualmente, permeando o texto das Resoluções da CIST e das Conferências de Saúde e de
ST. Construiu também leituras bastante precisas das condições existentes no SUS para
intervir em ST e apontou os caminhos a serem seguidos. Os próximos passos em cada Área
(informação, vigilância,...) foram repetidos à exaustão, escritos, aprovados, re-aprovados.
Estavam identificados, desde 1992, os Ramos de Atividade que mais acidentavam e
adoeciam trabalhadores e as medidas mais gerais que necessitavam de intervenção do
Estado junto aos setores do Capital que maiores danos causavam à saúde dos trabalhadores.
Não se tem, entretanto, registro de ações do capital contra estas críticas e
Resoluções. Por que seria que tal não ocorreu? Provavelmente esta reação direta do Capital
não ocorreu por dois motivos: a) porque os exploradores são muito práticos, movem-se em
busca de maiores lucros. Não lhes afete a extração de mais-valia e não se moverão em sua
direção; b) O Estado, com a aparência de representar o conjunto da Sociedade, representa,
na verdade, principalmente os interesses do Capital. Assim, não se faz necessária uma
intervenção direta do Capital, por redundante que seria.
183
Nos momentos em que o discurso da ST se materializou, notadamente na Fase 2,
ainda que pontualmente, a reação da classe exploradora foi rápida e potente na reação.
Quando, no auge da Fase 2, o discurso da ST se materializou mais amplamente, através das
coordenações militantes do SUS, do COMITÊ que articulava e organizava as demais
instâncias do Estado sob direção hegemônica do SUS, isto é, do FOPS-ST, esta prática foi
se tornando insuportável para o Capital no PR, que se moveu e forçou o recuo do setor ST
do Estado.
As Resoluções do campo da ST ficaram circunscritas, durante as Fases 1 e 3, em sua
amplíssima maioria, aos marcos da legalidade não cumprida. Repetiram, ecoaram,
redundaram com as Resoluções superiores das cartas legais (CF e lei 8080), que de
muito são descumpridas pelo Estado brasileiro.
Segundo MAP e NFP, a falta de poder de mobilização de muitos trabalhadores,
levou a militância a limitar seu campo de atuação às instancias formais do Estado, não foi
uma escolha burocrática, foi a falta de escolha que conduziu para a via “Estado adentro”.
(MAP, 15/12/06; NFP, 15/12/06)
Exceção deve ser feita, quanto ao cumprimento das Resoluções, mas não quanto à
mobilização, à Fase 2, onde as condições positivas para o proletariado atingiram seu
máximo, dentro da estratégia de ST “Estado adentro” e registraram o maior número de
Serviços, de técnicos atuantes, de abrangência de atuação e de ações concretas em ST, além
de registrarem o maior avanço em termos de planejamento com base epidemiológica que o
Paraná já experimentou e, provavelmente, um dos mais importantes do Brasil
43
.
42
As exceções serão discutidas em item posterior deste estudo.
43
Não foi possível, nesta pesquisa, constatar esta informação com precisão, entretanto, a participação do autor
nos principais eventos relativos a ST, bem como leitura das principais obras teóricas sobre o tema produzidos
no Brasil nas últimas duas décadas, permitem afirmar, com razoável segurança, que não houve outro avanço
com esta abrangência e características aqui descritas.
184
Com grande presença de usuários e trabalhadores (75%) comparada com a pequena
presença de gestores (públicos) e prestadores (privados) (25%) a “luta de classes” fica
desequilibrada em favor dos trabalhadores e propostas como construir/implementar
serviços são muito bem recebidas pela maioria dos conselheiros e delegados destes fóruns.
Portanto, aos gestores resta uma saída, apresentar a tese de construção, alargamento de
oferta de serviços como sendo sua e vencer com a classe trabalhadora.
Parece uma paródia das Revoluções burguesas: a burguesia, para ter no seu exército
o proletariado, ergue as bandeiras dos trabalhadores para, no dia seguinte, quando o
proletariado volta ao trabalho, não implementá-las. Novamente, exceção feita às bandeiras
deixadas sob controle de representantes (militantes) do proletariado, caso da Fase 2 da ST
no PR.
A CIST parece funcionar como o “guardião” das Legislações e Resoluções
combinadas no calor dos “fronts” (Congresso Nacional, Assembléias Legislativa e
Conferências de Saúde) e descumpridas reincidentemente pelos governos de plantão.
Este descumprimento constante da lei não é casual, fruto da vontade política de um
governante ou de um partido. É resultado da lógica que rege as relações de trabalho sob o
capitalismo, onde o trabalhador é tratado na prática como mais uma mercadoria necessária
no processo de trabalho e utilizável, como as outras mercadorias, coisificado, pelo
capitalista que lhe subtrai a vida na forma de mais-valia e a devolve, piorada
necessariamente, na forma de salário. Esta mesma lógica do processo de trabalho rege o
funcionamento do Estado em termos de prioridade de ação e investimento.
Os avanços setoriais, sindicais, obtidos na luta de classe sob o capital, em momentos
especialmente favoráveis para a classe trabalhadora, permitem, no máximo, que o desgaste
185
no trabalho, traduzido no campo da ST como AT e DT, diminua parcialmente, sem jamais
modificar a natureza deste desgaste e tornar o trabalho fonte de vida plena.
Mesmo que um governante, ou partido, comprometido com a classe trabalhadora
possa ter cumprido parcialmente leis que não interessam ao capital, estes cumprimentos
parciais não puderam estabelecer padrões estruturais do Estado para manter e aprofundar a
aplicação das mesmas. A lógica estruturante do Estado segue sendo, sob o capital, e o caso
brasileiro não é exceção, de servir aos interesses capitalistas e apenas marginalmente aos
interesses marginais, proletários.
É significativo que os balanços anuais feitos pela CIST e pelo FOPS falem sempre
nas Fases 1 e, principalmente, na 3, das pendências e estas sejam bastante repetitivas.
Conforme discutido anteriormente, o precário Diagnóstico da Situação, a falta e (onde
existem) a fragilidade dos Serviços de Saúde do Trabalhador, a falta de Articulações
Interinstitucionais, falta de Controle Social efetivo resultam em muito pouca ou nenhuma
atuação do Estado em ST.
A luta “Estado adentro” viabilizou a criação de uma militância organizada, porém
restrita, a maior parte do tempo, aos marcos legais determinados pelo Estado. Sem grandes
mobilizações ou manifestações de apoio por parte de setores amplos da classe trabalhadora
e mesmo sem encontrar mecanismos que viabilizassem a participação mais ampla de
segmentos organizados desta classe, a militância lutou com poucas armas e em terreno
amplamente adverso.
Ocorre que, durante a década de 1990, as contradições eram tamanhas entre o
texto legal que define o SUS e seu papel em ST e havia espaços para denúncia e um
relativo Controle Social no SUS, diferentemente da quase totalidade dos outros setores do
Estado brasileiro.
186
Estas condições foram suficientes para que a militância potencializasse as críticas
e enfrentamentos que, mesmo restritos aos fóruns do SUS, reverberavam positivamente
entre os setores mais organizados da classe trabalhadora e causavam certo ruído constante
ao gestor do SUS, que se viu forçado a dispor alguns técnicos e estrutura mínima para
responder à esta demanda. Assim, a militância gerou a Política de ST no SUS do PR.
Observando em conjunto as Fases 1 e 2, indagamos: por que o Estado (burguês)
permitiu que os militantes (proletários) adentrassem e ocupassem espaço na direção dos
Serviços de ST? Por que isso ocorreu em um cenário descrito em que não havia pressão
de massa que respaldasse as ações ascendentes dos militantes em ST?
Os militantes entraram no Estado como técnicos, esta entrada se deu por via de
concurso público, sem ter sido escolha direta dos dirigentes do Estado. A via de acesso que
permitiu aos militantes trabalharem no Estado foi uma conquista democrática obtida no
passado e que os gestores atuais não poderiam ter burlado com muita facilidade.
Os cargos de direção, entretanto, têm um significado de decisão política e
representam uma decisão baseada na luta de classes do período. Os técnicos-militantes que
trabalhavam no SUS foram se munindo de conhecimento técnico e legal sobre a ST, ao
longo da Fase 1, ao tempo em que criavam maiores vínculos e estabeleciam alianças com
os sindicalistas que discutiam esta temática no FOPS. Este processo foi fornecendo maior
poder de pressão aos técnicos, através das formulação feitas nas instâncias do SUS, além da
pressão feita no FIST, que articulava outros setores do Estado sob influência crescente dos
militantes e que também incidia sobre o SUS para que este atuasse em ST.
Segundo a maioria dos entrevistados, o empoderamento ocorrido com a militância
se deveu a combinação de aumento do poder reivindicativo do nascente campo da ST,
aumento este devido à apropriação dos conteúdos legais e técnicos e à articulação política
187
crescente, a aliança firmada entre os sindicalistas e os técnicos-militantes, ambos os
segmentos intelectuais orgânicos em formação. Esta aliança incidia sobre os técnicos não-
militantes atuantes em diversos setores do Estado, intelectuais tradicionais, sob hegemonia
crescente dos militantes.
Segundo JMPR: “a aliança entre técnicos-militantes e sindicalistas é fundamental
para que exista e se desenvolva o campo da ST, quando não tem militantes dentro do
Estado para fazer a interlocução, não funciona a Área, só com uma aliança entre militantes
de dentro e de fora num mesmo campo de atuação é que ele pode prosperar no Estado
brasileiro”. (JMPR, 18/12/06)
Apesar de não haver grandes mobilizações de trabalhadores que respaldassem a
pressão dos militantes para que o Estado atuasse em ST, este poder foi sendo conquistado
por uma movimentação assemelhada à que Gramsci denomina “Guerra de Posições”, e foi
sendo acumulado através de longas batalhas em busca da hegemonia e da construção de
consensos no campo da ST do PR.
Uma vez conquistada esta hegemonia, nas instâncias de Controle Social, durante a
Fase 1, os militantes tinham a direção de fato do movimento que caracterizava o campo da
ST de então. O Estado, especialmente o SUS, vinha sendo alvo constante de críticas e
derrotas em todas as instâncias de Controle Social no campo da ST ao longo deste período.
Assim, criar alguns Serviços (minúsculos e sem financiamento garantido) de ST e oferecer
a direção destes aos técnicos-militantes tinha um efeito positivo para o Estado naquele
cenário: criava um “amortecedor” temático junto ao setor mais aguerrido da militância
44
da
44
Um setor do PT, à época tido como radical, a Articulação de Esquerda, chegou a retirar o nome de um dos
seus dirigentes, que era técnico-militante, das disputas eleitorais que ocorriam em 1996 para que este nome
pudesse seguir como dirigente e construindo o campo da ST no PR, sem ficar muito exposto como candidato
eleitoral radical do PT e correr o risco de atrapalhar sua carreira “Estado adentro”.
188
saúde, que passava a ser co-responsável pela Política de ST no PR. Onde antes havia
inimigos declarados em enfrentamento constante, agora havia aliados da construção de um
campo de atuação dentro do SUS.
Além de evitar os enfrentamentos e derrotas constantes que se acumulavam nas
instâncias do SUS, a inexistência do campo da ST nas Secretarias de Saúde de Curitiba e do
PR criava uma propaganda negativa para os avançados modelos de gestão do SUS que aqui
se desenvolviam, com repercussão negativa nos diversos fóruns da saúde nacionais, onde
estes modelos contavam com uma presença técnica e política importante.
Para diminuir os enfrentamentos e derrotas nas instâncias de Controle Social no
SUS, bem como para diminuir a propaganda negativa contra as gestões do SUS estadual e
municipal de Curitiba, no tema da ST, os militantes foram chamados a ocupar a direção dos
Serviços de ST. A Fase 2 foi alcançada como um novo patamar, resultante da luta de
classes ocorrida na Fase 1, onde os militantes conquistaram a hegemonia nos fóruns de
Controle Social em ST e, junto com a direção dos Serviços de ST, a direção de fato do
campo da ST do PR.
Na Fase 2, entretanto, a “aliança” com o Estado vai se esgarçando ao mesmo tempo
em que se fortalece mais a aliança entre técnicos-militantes e sindicalistas e que o campo
da ST começa a avançar em materialização do discurso construído na Fase 1. A paz
conquistada pelo gestor do Estado ao permitir a ocupação da ST pelos militantes durou
pouco tempo, pois estes militantes, apesar dos inúmeros limites (de pessoal, técnico e de
recursos financeiros), logrou realizar em um curto período (1996 a 1999) uma parte
importante de uma Política de ST no SUS-PR, criando um patamar, com o início dos
Serviços e avançando rapidamente para um segundo, com a criação do COMITÊ, que
“espalhava” a ST para o Estado do PR, e não ficava mais restrito à Curitiba e região
189
metropolitana, além de vertebrar um Plano continuado e que podia ser compreendido, bem
como avaliado em cada passo por um número grande de pessoas vinculados aos setores do
Estado que participavam do COMITÊ, bem como disponibilizado aos Sindicatos e
Associações que atuam no campo da ST.
O COMITÊ foi, segundo GCA, “nossa criação mais importante, pois foi fruto de
uma elaboração mais avançada, que mostrava que o Estado precisava ser “amarrado”,
obrigado a atuar em ST. Constatamos que as vias oficiais não estavam para defender os
interesses da classe trabalhadora e utilizamos as armas que eles mesmos colocavam para
obrigá-los a se mover no sentido dos interesses dos trabalhadores”. (GCA, 21/12/06)
Foi ficando cada vez mais nítido ao gestor do Estado que a trégua dada pela
militância em ST implicava em um preço que crescia exponencialmente, em termos de ação
concreta contra o Capital e exposição crescente das fragilidades do Estado quando este
deixava de atuar crescentemente neste campo. O avanço desta Política de ST em benefício
do proletariado, tornava este preço alto demais e insustentável à direção do SUS, portanto,
não podia mais ser mantido. A aparente domesticação da militância de ST nos fóruns do
SUS encobria resultados concretos de atuação contra o Capital, críticos ao Estado e
favoráveis aos trabalhadores. Como resultado do funcionamento efetivo do Plano de ST no
PR, isto é, de passar a ser feito o que antes era apenas discurso legal ou político, houve
aumento das ações concretas em ST , e os dirigentes foram demitidos das suas funções.
190
4.1.2 – O aprendizado restrito da militância junto ao Estado
Como vimos, a CIST atua normalmente cobrando o Estado para que este cumpra o
Plano de ST cujas premissas estão nas Leis mais gerais (CF e Lei 8080 de 90) e diretrizes
estão nas Resoluções das Conferências de Saúde e de ST. O traçado mais operacional do
Plano deve ser feito pelo Plano Estadual de Saúde, elaborado pela SESA e aprovado pelo
CES, neste caso apoiado pela CIST na própria elaboração e seguinte acompanhamento.
Segundo a maioria dos entrevistados, a CIST é o local onde a presença militante
está mais nítida e o aprendizado sobre o papel do Estado em ST se faz “a quente”, na forma
de cobranças constantes e da direção amplamente favorável à classe trabalhadora desde a
sua fundação.
A princípio esta cobrança era feita mais genericamente, ao longo do tempo, a CIST
vem passando a cobrar de forma mais incisiva e pontual, conseguindo mais clareza,
objetividade e precisão na crítica das falhas e ausências do Estado, bem como nas propostas
de ação remetidas a este. Este avanço no entendimento do papel do Estado e no
delineamento do seu próprio papel fica claro na fala dos militantes entrevistados e também
na leitura dos Relatórios de reuniões e de Conferências de ST.
Conforme Gramsci, já citado neste estudo, esta conquista implica em:
a) Determinar os traços específicos de uma condição histórica;
c) Tornar-se protagonista das reivindicações/soluções dos outros;
d) Unir em torno de si estes outros em aliança contra o capitalismo.
Os traços, as características gerais da ST na legislação, as atribuições do Estado, o
que era feito em ST em outros Estados brasileiros, Os vazios institucionais do SUS-PR e
191
um diagnóstico inicial da situação da ST (AT e DT). Estes elementos foram apreendidos
progressivamente pela militância e contribuíram para determinar a condição histórica em
que se encontrava o campo da ST no PR.
Ao mesmo tempo em que fazia este esforço de apropriação, a militância ia se
conformando mais e mais como coletivo e denunciando sistematicamente estes “traços” nos
fóruns de Controle Social e nas entidades que participavam destes fóruns (setores mais
organizados da Sociedade Civil).
Ao proceder deste modo, os militantes, primeiro individualmente, depois formando
grupos mais orgânicos, realizavam o que Lênin denomina “revelações políticas”, que
funcionam como “declarações de guerra contra o governo”. As revelações se tornam chagas
expostas e põem à vista as contradições gritantes que se acumulam na relação entre capital
e trabalho, quanto ao desgaste da ST, e na (falta de) política do Estado para este campo.
Estas revelações constantes feitas nos fóruns de Controle Social do SUS e nos de
articulação interinstitucional, colocou os militantes como protagonistas desta condição
histórica, a de não haver política de ST no PR, e permitiu que os sindicalistas e técnicos-
militantes estabelecessem alianças com os técnicos (não militantes), com os setores da
Sociedade Civil, que não têm o corte de classe como referência principal, que participam
dos fóruns de Controle Social do SUS (Movimentos Sociais vários, como Movimento de
Mulheres, de Gays, de Portadores de Deficiência, entre outros) e, paradoxalmente, com
setores do Estado (SUS). Estas alianças eram todas a favor da construção do campo da ST,
isto é, ainda que não explicitamente eram políticas favoráveis aos trabalhadores e, portanto,
contrárias ao Capital.
A Direção do SUS reconhece o protagonismo que tem tido os militantes neste
campo ao convidar alguns deles (individualmente, não como FOPS ou FOPS-ST), para
192
assumir cargos nos nascentes Serviços de ST, isto é para dirigir a construção dos Serviços
de ST no SUS.
Estava, assim, construída uma certa “hegemonia” dos militantes no campo da ST-
PR no início da Fase 2, caracterizada pela influência crescente e consolidada na CIST e
Conferencias de ST e pela ocupação de postos de direção de Serviços de ST do SUS. Esta
“hegemonia”, entretanto, era bastante frágil e dependente do Estado e começou a ruir
quando ações concretas começaram a ser tomadas contra o Capital, nas iniciativas já
discutidas em itens anteriores como “avanços” na estratégia “Estado adentro”. Os limites da
ação “em aliança” dos militantes com o Estado e contra o Capital ficaram nítidos e esta
“hegemonia” se mostrou de todo dependente da anuência do Estado. Isto é, não se tratava
de uma hegemonia no sentido gramsciano, mas de uma maioria política provisória e de
alianças que permitiram dar a direção por um período.
Contraditoriamente com o movimento encetado pelos militantes, em 1997, no início
da Fase 2, existiam elementos que permitiriam identificar as tendências do Estado na
construção do campo da ST. Estas tendências existiam embrionariamente nos seguintes
fatos:
a) o Estado não tomou nenhuma iniciativa importante para implantar o
campo da ST no SUS, todas as que ocorreram a partir da criação do SUS,
no PR, foram iniciativa de técnicos militantes;
b) as reações do Estado a estas iniciativas dos técnicos foram mais
discursivas e pontuais desde os anos iniciais destas movimentações;
c) conforme discutimos anteriormente, a própria criação da CIST e do
COMITÊ foram “arranjos” de técnicos e militantes no sentido de
193
potencializar sua força e visibilidade para, desta forma, viabilizar ações
concretas do Estado.
O Estado, entretanto, soube usar estas críticas e enfrentamentos a seu favor quando
colocou militantes para dirigir a ST no SUS. Este movimento propiciou a Fase 2, de sursis
dado pela militância ao Estado e de graus de liberdade discursivos amplos e práticos
restritos dados pelo Estado para a militância.
Os militantes atuavam fragilmente como grupo, no início da Fase 2, e fizeram uma
leitura fragmentada, individual, e sem referencial teórico explícito, dos limites e
possibilidades de atuação do Estado em ST. Acabaram presas do voluntarismo e da crença
(não explicitada) na neutralidade (na luta de classes) e no racionalismo do Estado.
Identificando as formas de atuar que o Estado vinha adotando na Fase 1 (mais
discursivas do que concretas) e o papel de “amortecedor” das crises que foi reservado aos
militantes da ST, instalados em postos de coordenação da ST, o FOPS-ST discutiu e criou o
COMITÊ, que deveria atuar para suprir esta deficiência na execução de ações concretas que
a CIST não conseguia corrigir no Estado.
O COMITÊ, inversamente ao que faz a CIST, atua pontualmente, demandando ações
do Estado a partir de casos já ocorridos de óbitos e AT graves causados pelo trabalho.
O Comitê criou referência e respaldo político para atuação das várias instituições que o
compõem e para aquelas que atuam no campo da Saúde do Trabalhador. O Principal
resultado desta referência foi ter assentado, juntamente com a atuação da SESA-PR (nas
ações de educação técnica e política dos anos de 1997 e 1998), as bases para uma política
estadual de Saúde do Trabalhador no SUS do Paraná: quase metade dos municípios do
194
Estado, em torno de 200 municípios, passaram a atuar nos ambientes de trabalho, no
mínimo, investigando óbitos e amputações causados pelo trabalho e tomando as medidas
necessárias para eliminar suas causas imediatas. Antes da existência do Comitê, apenas 3
ou 4 municípios atuavam nesta área e, ainda assim, esporádica e pontualmente. (RAMOS,
2001, p 95)
O FOPS-ST, por ter sido criado a partir e estar mergulhado na estratégia do “Estado
adentro”, construiu o COMITÊ como uma engrenagem com grandes condições de vingar,
como vingou por um tempo, dentro desta estratégia, mas sem função em outra estratégia
diversa. Assim, apesar do grande e inédito acerto (entre os Estados do Brasil) na criação de
um movimento favorável a instalação concreta de uma Política de ST, ao COMITÊ faltou,
entretanto, desde a sua concepção o caráter político que a CIST tem assumido,
funcionamento aos moldes de Plenária, com cobrança constante ao Estado sobre o Plano
Estadual de ST.
A intenção do COMITÊ, no início, foi explicitamente construir um fórum de
articulação das instâncias do Estado com atribuição em ST e dar a estas instâncias “tarefas
perenes” de investigar eventos sentinela (óbitos e amputações). A partir da atuação pontual,
porém em pontos extremamente relevantes epidemiologicamente, o COMITÊ deveria
construir Planos de atuação para evitar a ocorrência de eventos similares no futuro. Aos
dois eventos sentinela seriam adicionados outros, com o passar do tempo, e se obteria um
Plano estendido aos aspectos principais de agravos causados pelo trabalho à saúde dos
trabalhadores do Paraná.
O COMITÊ foi pensado, ainda que de forma fragmentada, como um fórum com
corte de classe; desde o início excluiu os representantes diretos dos exploradores e
195
concentrou a representação na Central (CUT). Posteriormente estendeu o convite a
FETRACONSPAR (representando os trabalhadores dos Ramos da Madeira e da
Construção Civil). Estes mecanismos reforçavam a tese de se ter uma política para a classe
trabalhadora e não para corporações dentro da classe (sindicatos) e muito menos para a
colaboração de classes, típica do tripartismo (órgãos “colegiados” entre Estado, patrões e
empregados).
Segundo MAP, houve várias tentativas [especialmente na Fase 3] dos militantes da
ST de construir o Coletivo de Saúde da CUT. Nenhuma delas, entretanto, teve
continuidade, pois os dirigentes ficavam presos as demandas específicas e tradicionais dos
seus Sindicatos e não priorizaram a ST. (MAP, 20/12/06)
Esta representatividade que se esperava da CUT se constituiu em outro grande erro
na constituição do COMITÊ. Esta central não representou o corte da classe e nem poderia
fazê-lo, pois, na prática, sempre foi muito mais um ajuntamento de interesses corporativos,
setoriais, do que uma representação da classe trabalhadora.
O problema central, entretanto, na conformação do COMITÊ, foi sua concepção e
formato circunscritos à estratégia “Estado adentro”, que definia peso amplamente
hegemônico às instituições da Sociedade Política, confundindo a fonte de poder que
permitia ampla “hegemonia” aos militantes neste período, que provinha da Sociedade Civil
e não dos postos ocupados pelos militantes no Estado, apesar da aparência da Política de ST
dizer o contrário.
Circunscritos a esta concepção e imaginando criar uma instituição perene, no
sentido de sua utilidade para o proletariado, os militantes construíram o COMITÊ como um
fórum completamente dependente da direção do SUS em ST, isto é, da aliança com o
Estado (burguês) que permitia cargos de direção em ST aos militantes.
196
Na Fase 3, rompida a “aliança” implícita entre Estado e militantes, afastados os
técnicos-militantes da direção da ST do SUS, sucumbiu o COMITÊ, que se tornou outra
coisa, diversa e inferior em todos aspectos ao que foi no seu nascedouro.
Quando foi concebido e posto em prática, as atribuições do COMITÊ estavam
claras, se sabia o que fazer, partir dos eventos concretos e muito graves para ir estruturando
um Plano de intervenção de base epidemiológica eficaz entre os vários entes do Estado que
tem atribuição em ST. Havia muita coerência técnica e uma fragilidade crescente na
política, que ficou evidente tão logo se retiraram os técnicos-militantes das funções
dirigentes do SUS (Coordenação ST-SESA e Coordenação CEMAST, depois Coordenação
SST-Curitiba). Faltou-lhe força própria (ao contrário da CIST que tem mais força em si
mesma e vai diminuindo para fora) para fazer valer o eixo de sua atuação (investigar os
eventos sentinela) o COMITÊ é fraco em si mesmo.
Ao construir um COMITÊ sem o caráter de Plenária e com concentração da
representação da classe em uma instituição, os técnicos-militantes atuaram autolimitados
pela estratégia do “Estado adentro” e retiraram a combatividade do fórum, contribuindo
decisivamente para torná-lo numa instância mais técnica do que política, que foi perdendo o
poder de articulação entre as direções dos órgãos do Estado responsáveis pela ST e se
transformando numa instância muito limitada para fazer valer seus objetivos iniciais.
Esta formulação limitante do caráter do COMITÊ partiu dos militantes,
especialmente dos técnicos-militantes, e não foi imposição do Estado. O COMITÊ, tendo
sido o ponto mais alto da estratégia “Estado adentro”, denuncia e põem em evidência a
fragilidade teórica com que foi concebida a política de ST-PR pelos militantes
45
e o quão
restrito em termos de aprendizado “orgânico” foi o aprendizado, tornado em prática através
197
da elaboração e aplicação da Política de ST no PR, que se pôde ter no interior da estratégia
“Estado adentro” da ST do PR.
O COMITÊ foi construído como um fórum de articulação e organização de
entidades estatais sob a fiscalização e o controle dos trabalhadores através da Central
Sindical. Tendo função muito executiva, objetiva, carecia fundamentalmente da atuação do
SUS para estruturar suas ações e Planos. Assim, na Fase 3, quando os técnicos-militantes
foram afastados da direção da ST do SUS e, posteriormente, eliminados completamente dos
Serviços, o COMITÊ mostrou o que era: uma organização da Sociedade Política, com pífia
participação da Sociedade Civil, que não teve a menor condição de manter a sua tendência
inicial por si mesmo.
A determinação da competência técnica do COMITÊ foi fundamental para construir
na prática a articulação necessária entre as instâncias do Estado responsáveis por atuar em
ST. Entretanto, a técnica era definida por determinações políticas que lhe eram superiores e
quando foram modificadas diminuíram e paralisaram o desenvolvimento planejado para
este mesmo COMITÊ.
Como vimos, o COMITÊ não logrou êxito em construir os Planos de atuação
coletiva para os dois eventos sentinela iniciais e também falhou na seqüência de
incrementos de eventos sentinela previstos inicialmente.
Depois dos avanços nos três anos iniciais entrou em descenso inclusive no registro
de óbitos que davam origem às investigações, passando a descartar os casos antes
registrados via Declaração de Óbitos.
45
Para não restar dúvidas: militantes estes, entre os quais este pesquisador se incluía e inclui.
198
O máximo avanço na estratégia “Estado adentro” se deu na Fase 2, seu patamar
superior é representado pela construção do COMITÊ, que conseguiu vertebrar uma Política
de ST no PR. Havia, por parte dos militantes, uma expectativa de sobrevivência desta
estratégia, através do seu mecanismo de continuidade, que era tido como um engenho
“perene”
46
, o COMITÊ. Segundo imaginavam, este seguiria “forçando” o Estado a se
organizar a partir das suas premissas teóricas, seus passos iniciais e sustentação na própria
articulação interinstitucional, fiscalizado pela Central Única dos Trabalhadores.
Esta combinação de fatores que funcionou muito bem nos anos iniciais do
COMITÊ, no auge da Fase 2, se mostrou como uma expectativa enganosa em termos da
continuidade esperada com o advento da Fase 3 e demonstrou uma falha conceitual
importante na formulação dos militantes que construíram o COMITÊ: esperavam que o
Estado fiscalizasse o Estado! Esta formulação esteve quase completamente errada dentro de
outra estratégia, que não a de “Estado adentro”, a não ser pelo papel do Ministério Público
(Estadual e Federal), que têm exatamente a função de “Estado que fiscaliza Estado”,
atuando combinados com a CUT e esporadicamente com a UFPR, mantiveram o COMITÊ
existindo, porém com atribuições que estão muito aquém de suas funções iniciais.
Após a destituição dos militantes dos postos de direção da ST do SUS, o centro da
estratégia ruiu, isto é, não havia mais hegemonia dos militantes, representando interesses
proletários no comando da Política de ST do SUS e, por extensão, do COMITÊ. O
COMITÊ se mostrou como instrumento importante dentro de uma estratégia, “Estado
adentro”, onde funcionou bem como parte da Sociedade Política, em ligação estreita com a
Sociedade Civil, mas com a característica fundamental de estar sob comando militante, com
46
O COMITÊ foi considerado perene também pelo autor desta pesquisa em sua pesquisa anterior, de
Mestrado, referida na Bibliografia final.
199
objetivos proletários a lhe guiar a conduta e organização. Retirada esta característica, o
COMITÊ não deixou de existir, mas não mais responde aos seus desígnios iniciais, tendo se
tornado mais forma do que conteúdo, deixou de ter função para o SUS, que, sob direção
burguesa, muito simplesmente o deixou de lado e depois o abandonou.
4.2 – Os limites do “Estado adentro” gerando o “Estado afora”
A Fase 3, aberta em 2001 e inconclusa até nossos dias, 2006, representa a derrota da
via “Estado adentro”, os militantes foram sendo afastados das coordenações e depois dos
serviços, até que não restasse mais nenhum técnico-militante nos principais Serviços de ST
do SUS-PR.
Concomitante com estes afastamentos os Serviços vão sendo desmontados até quase
desaparecerem e o que resta passa a funcionar sobre outro referencial teórico, da Saúde
Ocupacional.
Nesta Fase o coletivo de militantes está mais consolidado e passa a funcionar
referenciado mais pelo FOPS-ST do que pela CIST, ainda que esta ocupe muito das
energias militantes.
Os militantes funcionam crescentemente como coletivo, como grupo articulado e
orgânico ao proletariado e são forçados a construir outra estratégia, “fora do Estado”, que
tem início com a construção de uma Organização proletária de vitimas de Acidentes e
doenças do trabalho, a ADVT e tem papel fundamental na construção e direção da Oficina
e dos dois primeiros Encontros Nacionais de Militantes em ST.
200
Os enfrentamentos constantes e crescentes entre a militância e o Estado [na Fase 3],
tiveram, segundo GCA, “um papel altamente educativo (...) não restou um militante com
dúvidas sobre o papel de classe do Estado, pelo descaramento com que desmontava os
mínimos conquistados anteriormente (...) ninguém [do FOPS-ST] acreditava mais que dava
para consertar o Estado”. (GCA, 21/12/06).
Nesta Fase, o cenário mais geral parece apontar para uma “esquerdização” dos
governos Estadual e Federal, assumidos em 2003 pelo PT e PMDB, e os militantes são
convidados a assumirem novamente postos de comando da ST no PR, mas colocam
condições programáticas para assumirem as funções, que não são aceitas pelos novos
governos.
Paradoxalmente, face à “esquerdização” dos governos, os militantes são forçados a
sair do Estado e passam a elaborar e implantar outra estratégia de intervenção em ST, mas,
como a Fase ainda está inconclusa, contém elementos da velha forma de atuar, junto ao
Estado.
Durante a Fase 3, ano após ano a CIST refaz quase o mesmo percurso crítico, faz
um movimento redundante, que permanece praticamente inalterado nos determinantes mais
gerais dos processos de desgaste (AT e DT) causados pelo trabalho e obtém, no máximo,
resultados pontuais, extremamente frágeis como Política de ST, que mal arranham a
superfície do real e constituem flagrante retrocesso em relação às Fases 1 e 2 da ST no
Paraná.
Como resultado desta prática, vai se firmando cada vez mais entre os militantes o
aprendizado de que o Estado não é neutro, que tem uma determinação de classe a fazê-lo
mover-se. Após nove anos de ascensão do campo da ST no PR, das Fases 1 e 2, a Fase 3
201
demonstra e esclarece os militantes sobre os limites intransponíveis dos avanços em ST sob
o capitalismo.
Eleva-se então o tom da crítica dos militantes e a descrença deixa de ser genérica,
pois se concretiza na não-materialização do discurso legal de ST e nos recuos concretos,
visíveis da quantidade e qualidade das ações e serviços desempenhados pelo SUS em ST.
As cobranças que a militância faz ao Estado nesta Fase são mais precisas, parte delas reflete
o que foi feito (na Fase 2) e deixou de ser (Fase 3), que facilita a percepção de recuo a
partir da aparência real e concreta da Política de ST da SESA.
Segundo GCA:
o Estado [para os sindicalistas] não estava funcionando muito bem, mas, a partir do
momento em que corrigisse algumas coisas, passaria a funcionar. Este período de
descumprimento gritante das Resoluções da CIST e das Conferências, bem como de
desmonte do campo da ST [Fase 3] deu oportunidades para o aprendizado, cada
enfrentamento ia desnudando a posição do Estado, seu caráter de classe e a defesa de
interesses contrários aos dos trabalhadores. (GCA, 21/12/06)
Todos os entrevistados apontam que o Estado tem posição de classe bem definida,
burguesa, e que é preciso construir a Política de ST por fora do Estado ou ela não existirá.
A maioria dos entrevistados aponta que a atuação no campo da ST consolidou a
leitura que tinha do papel do Estado; a minoria aponta que houve uma mudança brusca no
entendimento deste papel. Entretanto, segundo o nosso entendimento, a prática da
militância durante as Fases 1 e 2, não permitem esta interpretação, demonstra, ao contrário,
que a maioria acreditava que o Estado podia engendrar avanços perenes em favor dos
trabalhadores.
202
No início da Fase 3, quando se instalaram os governos de Lula e Requião,
posicionando (em tese) a política geral mais à esquerda do que nos governos anteriores, os
militantes da ST foram convidados a assumir cargos de direção no Estado e declinaram pôr
ter colocado como critério, como discutido antes, um programa para aceitar as indicações.
Este critério para assunção dos cargos foi discutido coletivamente no FOPS-ST,
constituindo um avanço teórico (ao formular critérios) e prático (ao não assumir os cargos)
dos militantes em relação ao papel do Estado.
De um modo geral, os militantes do FOPS-ST passaram a um outro patamar no
entendimento teórico e prático do papel do Estado em ST e não restaram entre eles leituras
de que as reformas da “pequena política” possam ser encaminhadas praticamente pelo
Estado, ao menos em ST.
Durante as fases 1 e 2, os militantes foram avançando constantemente na Guerra de
Posições “Estado adentro”. Tomaram conhecimento das regras e normas legais,
conheceram o terreno onde pisavam; identificaram os aliados e os inimigos e foram
construindo alianças; cavaram trincheiras (CIST e COMITÊ) de onde realizavam
escaramuças contra as Posições do inimigo (os problemas principais de ST). Em suma,
tinham um Plano e atuavam segundo ele em posições bem definidas.
A passagem da Fase 2 para a Fase 3 se deu sob rompimento da aliança com o
Estado (conforme discutido) e significou perda crescente de Posições e da “hegemonia” da
militância, tanto na direção da ST do SUS quanto do COMITÊ.
Restou apenas uma posição bem defendida, onde a hegemonia de fato mais se
realizou e que segue sendo militante, a CIST, que ficou sendo a última trincheira de onde
procuram resistir os militantes ao desmonte completo dos serviços de ST do SUS.
203
Não pôr acaso, a CIST é a única das três instâncias centrais na Política de ST do PR
que não tem composição fixa nem direção estática, funcionando na fronteira entre a
Sociedade Civil e a Política, se deixa reger parcialmente pelos ritos da segunda, mas nunca
deixou que as regras do Estado e muito menos do governo de plantão definissem o seu
formato. Por isso funciona ao modo de uma Plenária, com importante representação de
sindicatos do campo de esquerda, principalmente da CUT, e de técnicos-militantes
instalados em vários setores do Estado, especialmente do SUS.
Sem teorizar suficientemente sobre os 9 anos encerrados com as Fases 1 e 2, os
militantes, forçados a sair do Estado, passaram a construir algumas alternativas de atuação
que ajudassem na criação de uma nova estratégia de atuação “Fora do Estado”. Na Fase 3
foram construídos, pelos militantes, instrumentos, como a ADVT e os Encontros Nacionais
de Militantes em ST. Enquanto agiam para construir estes instrumentos, o coletivo de
militantes em ST foi, como resultado do processo, se formando como uma Organização
Proletária que refletiu e atuou parcialmente como um Intelectual Coletivo na ST do PR.
Foi identificada, por todos os militantes do FOPS-ST, a necessidade de se ter um
Coletivo que formule esta outra estratégia e opere os meios de viabiliza-la, construindo uma
nova Fase da ST no PR. O processo de construção desta estratégia, entretanto, resta
incompleto, visto que as ações construídas até aqui foram insuficientes para lograr êxito na
empreitada que se coloca ao FOPS-ST.
A ADVT se mostrou mais como uma tática, que serviria de suporte para uma
estratégia, mas, na falta de uma nova, resta funcionando na velha estratégia, “Estado
adentro”. Os Encontros Nacionais de Militantes foram tentativas de se elaborar e implantar
uma nova estratégia para a atuação em ST, mas, não conseguiram se livrar da inércia da
estratégia anterior e imprimir um novo ritmo para a militância do campo da ST.
204
Como herança das Fases 1 e 2, restou aos militantes, na Fase 3, apenas a hegemonia
na CIST, sem a direção dos Serviços do SUS, sem a efetividade das ações do COMITÊ e
sem uma nova estratégia que lhes permitisse construir uma Política de ST no PR.
O Plano de ST do PR também pode ser contado como espólio das Fases 1 e 2 que o
Estado não conseguiu destruir com facilidade, e que constitui um aspecto da resistência,
pois este havia sido construído nas instâncias de Controle Social (CIST e Conferências) e
de articulação interinstitucional (COMITÊ), não era propriedade dos dirigentes, mas sim de
todo o campo da ST, ainda sob hegemonia militante.
4.2.1 – A política cindida de ST: a CIST desarticulada do COMITÊ
Como resultado da falta de estratégia militante na Fase 3, ganha grande relevo o
divórcio entre as principais instâncias de Controle Social e Articulação Interinstitucional da
ST no PR, a CIST e o COMITÊ.
A CIST foi o Fórum que dirigiu a ST no PR na Fase 1 da ST e, juntamente com o
COMITÊ implantou e dirigiu, na Fase 2, a Política de Saúde do Trabalhador no Paraná.
Apesar de diversas instituições do Estado terem atribuição de atuar neste campo, o fizeram
apenas pontualmente e não chegaram a formular um Plano de intervenção nos
determinantes de agravos em ambientes e processos de trabalho.
A CIST e o COMITÊ foram as instâncias que de fato buscaram, apesar dos diversos
limites práticos e teóricos que vimos discutindo, construir intervenções concretas,
205
planejadas epidemiologicamente, que colocassem o Estado a cumprir suas atribuições
legais em ST.
A CIST é um colegiado mais político e o Comitê mais executivo, de avaliação e
proposição de ações concretas, baseadas em eventos-sentinela e na tarefa de construir um
Plano de atuação do Estado nestes “focos” de problemas graves em ST.
O máximo êxito na articulação entre as duas instâncias foi o período de cerca de
dois anos, o auge da Fase 2, 1998 e 1999, em que a Política de ST do PR teve maior
concreticidade, onde existiu de fato um avanço razoável favorável à saúde dos
trabalhadores. Neste período a Coordenação dos Serviços mais importantes de ST no
Paraná (Curitiba, CEMAST e Coordenação Estadual) estava a cargo dos militantes. Além
disso, o FOPS-ST coordenava e articulava a CIST e o COMITÊ. Com a perda da direção
dos Serviços de ST no SUS, a CIST foi ficando separada do COMITÊ, em parte por falta
de Plano claro da militância para enfrentar o novo cenário e, em outra parte, por falta de
força suficiente, de mobilização social que fizesse frente ao desmonte que se iniciava no
campo da ST.
Na Fase 3, as duas instâncias não se pautaram uma pela outra, descreveram
trajetórias próprias, as comunicações, avaliações e entendimentos entre elas foi mínimo,
praticamente inexistente. A divisão de trabalho inicialmente arquitetada pelos militantes
não foi cumprida, ficando de um lado o trabalho mais voltado às grandes políticas (CIST) e
de outro o mundo prático, do possível de ser realizado sem muita alteração nos paradigmas
das diversas instituições que compõem o Comitê e o mundo concreto dos ambientes de
trabalho.
O que moveu estas duas instâncias a funcionar de forma positiva para a construção
do campo da ST, entretanto, foram os militantes, que as conceberam e criaram. A CIST,
206
hegemonizada desde o nascedouro até nossos dias pelos militantes, segue funcionando
adequadamente do ângulo da ST, defendendo que o Estado cumpra com suas atribuições
legais, apesar dos vários óbices que vem enfrentando, especialmente na Fase 3. O
COMITÊ, tendo trocado de direção, agora sem os militantes, segue existindo
burocraticamente, praticamente sem guardar relação com seu projeto inicial e sendo
pouquíssimo útil ao campo da ST.
A falta de articulação entre estas duas instâncias, na Fase 3, teve conseqüências
bastante deletérias para a construção do campo da ST no PR. Contrariando a construção
teórica inicial das duas instâncias, se estabeleceu pela prática a alienação entre os braços
executivos do COMITÊ e a mente política da CIST.
Esta alienação contribuiu grandemente para que as ações do Comitê fossem
menores em abrangência e magnitude, assim como, menos politizadas, por um lado,
tendentes a reproduzir as ações pontuais, não coletivas e, por outro lado, a realizar
principalmente ações “educativas” ao invés das “punitivo-corretivas”.
Esta alienação também contribuiu, inversamente, para que as ações da CIST
ficassem no campo das políticas mais gerais, sem conseguir influenciar as mudanças
concretas no mundo do trabalho, onde o COMITÊ conseguiu atuar mais, porém sem atacar
problemas mais amplos. A CIST se ateve a um campo mais abstrato, de formulações
amplas, corretas do ponto de vista da classe trabalhadora, mas que, ao se referirem
geralmente às leis e à necessidade de sua aplicação pelo Estado, especialmente o SUS,
acabavam por devolver sempre a iniciativa da ação ao Estado, desconhecendo na prática o
que reconheciam no discurso – que o Estado é o comitê de negócios da classe dominante.
A CIST tem se caracterizado, na Fase 3, por formulações repetidas inúmeras vezes e
não cumpridas inúmeras vezes, como no caso do Convênio e do Conselho Gestor do
207
CEMAST, analisados anteriormente neste estudo, que foram resolvidos em todas as
instâncias de Controle Social no SUS-PR (CIST, CES, Conferências de ST e Conferências
de Saúde) e não foram efetivados até os nossos dias, contribuíram, ao contrário do
esperado
47
, para que o CEMAST fosse fechado pela SESA, após nove anos de existência e
muita polêmica com o Controle Social.
A articulação entre CIST e COMITÊ, realizada pelos técnicos-militantes que as
coordenavam no seu nascedouro, foi extremamente profícua para o estabelecimento da
Política de ST no PR. Visava construir uma atuação de acordo com o entendimento de que
o campo da ST é um espaço de conflito permanente entre capital e trabalho. As ações do
Estado nesta área, visando prevenir agravos ou promover saúde, são na prática ações
punitivas contra o capital, vez que implicam em gastos para melhorar a situação de
trabalho.
A existência e concatenação das instâncias de Controle Social no PR (CIST e
COMITÊ) lograram desentravar a burocracia, retirar do campo do discurso e por em prática
o cumprimento da legislação em ST. Conseguiu, deste modo, ainda que por breve período
temporal, de 1997 a 1999, fazer avançar a trincheira da luta de classes no campo da ST do
PR, ganhando posições na Guerra travada pela implantação de ações favoráveis à classe
trabalhadora.
Este breve período constituiu admirável exceção na história da saúde pública no
Paraná. Essa exceção e o mecanismo que a engendrou, bem como do outro que a
desmontou e reinstalou a normalidade da inação do Estado em ST, que significa avanço
47
Os militantes da ST, apesar das inúmeras criticas formuladas ao CEMAST, nunca foram a favor de seu
fechamento, ao contrário, lutaram contra isso e buscaram melhorar a capacidade de resolução do CEMAST.
208
favorável ao Capital na Guerra de Posições, estão ficando mais claros e entendidos pela
militância do FOPS-ST.
A questão que agora se coloca, em termos da “grande política” é de aprender com
este processo e esclarecê-lo à classe trabalhadora, através das suas instâncias mediadoras
que compõem o Controle Social em ST no PR e às instâncias da classe trabalhadora que
não atuam no Controle Social em ST para que passem a fazê-lo de forma que a luta por
melhorias na situação de saúde dos trabalhadores ganhe novas posições na luta de classes.
4.3 – A Formação Política da militância em ST no PR
A vista panorâmica que pudemos ter sobre a ST no Paraná, até aqui, põe em
evidência fragilidades da formulação política seguidos de um amadurecimento crescente
motivado pelos enfrentamentos constantes contra o Estado, pela prática nos fóruns de
Controle Social e, por último, pelo estudo teórico.
Na Fase 1 as fragilidades estavam associadas ao extremo empirismo, onde a
militância procurou se especializar nas questões legais e construir algum diagnóstico da ST
no PR, de modo a fazer o Estado se mover, com base na Lei para diminuir os problemas de
ST. Dominar estes dois temas, leis e diagnóstico, bem como articular técnicos atuantes
junto ao Estado e sindicalistas foi o grande avanço desta Fase em se buscava pela
metodologia da tentativa e erro fazer com que o Estado se movesse, o que quase não
ocorreu. O Estado se moveu finalmente, motivado pelas crescentes contradições apontadas
pelo FIST em ST no PR.
209
Na Fase 2, onde a militância se localizou mais para dentro do Estado, a formulação
política avançou significativamente em relação à Fase anterior, gerando mecanismos mais
duradouros, como a Resolução proibindo o jateamento de areia e, principalmente, a criação
do COMITÊ, que permitiu vertebrar um Plano para a ST do PR e colocá-lo em prática. A
fragilidade principal desta Fase foi não antever que estes mecanismos se sustentariam
enquanto fosse mantida certa aliança tácita entre Estado e militantes de ST e mantidos os
postos de direção dos militantes nos Serviços do SUS.
Um erro importante dos militantes na Fase 2 foi na formulação e implantação do
COMITÊ, onde previram que dar a ele um papel eminentemente executivo garantiria seu
funcionamento perene. A análise dentro dos marcos da ST teria evidenciado que este
funcionamento dependia completamente de quem o dirigia, o hegemonizava e a serviço de
quem estava. Quando esteve sob comando dos militantes, hegemonizado pelo FOPS-ST, o
COMITÊ fez avançar e subir um patamar a Política Estadual de ST.
Quando, na Fase 3, os militantes foram sendo varridos dos cargos de Coordenação e
mesmo dos cargos técnicos, o COMITÊ experimentou uma transformação generalizada,
seus contornos anteriores, as regras básicas que deveriam fazê-lo mover-se tal como se
fosse um “moto-perpétuo”, calculavam erroneamente os militantes
48
, já não valiam mais.
Na formulação política militante do FOPS-ST, que engendrou o COMITÊ, se
verifica outro nível de fragilidade na formulação dos militantes do FOPS-ST, desprovidos
de uma teoria potente o suficiente para permitir entender o movimento do real, construíram
a peça-chave da Fase 2, fundamental para a continuidade do Plano e de sua
48
O autor da presente pesquisa estava incluído entre os militantes desprovidos da teoria marxista na Fase 2 da
ST do PR (1997 a 2000). Estes militantes eram, na sua maioria, socialistas desprovidos da teoria científica do
Socialismo, o marxismo.
210
operacionalização, composto por representantes mais técnicos do que políticos e que
funcionaram adequadamente dentro da estratégia “Estado adentro”.
O movimento realizado pela militância correspondeu a este acúmulo teórico-prático,
que pudemos observar em termos de formulação política, obtido ao longo das Fases da ST
no PR.
Na Fase 1, antes da ida do FIST para dentro do CES, a militância em ST funcionava
“fora” do Estado, no coletivo de ST do FOPS (que se tornaria o FOPS-ST apenas na Fase
3) e “ao lado” do Estado, pressionando para que este cumprisse seu papel legal de construir
Serviços e atuar em ST.
Com o movimento de institucionalização da ST, característico da Fase 2, de
transformação em CIST e a assunção de cargos de coordenação em ST no SUS, a militância
da ST deu um passo “à direita” e se posicionou “ao lado” do Estado, se igualando à posição
geral do FOPS, centrada na atuação nos Conselhos/Conferências de Saúde e “dentro” do
Estado, ficando presa ao pequeno espaço de poder da direção da ST no SUS.
Assim, o que tinha aparência de um passo à esquerda do Estado na Fase 2 (construir
vários serviços, iniciar Política de ST no PR) pode ser visto também como um passo à
direita dado pela militância. Este processo foi, duplo e se deu ao mesmo tempo:
a) por um lado houve avanço real, que permitiu sair do marco zero em que
se encontrava o campo da ST no PR e passar a ter Serviços e Ações
concretas;
b) por outro lado houve um recuo real, pois a militância institucionalizou o
FIST e depois a si própria ao assumir cargos de Coordenação dentro do
Estado burguês.
211
Os avanços obtidos nas Fases 1 e 2 podem ser caracterizados como um passo a
frente e dois passos atrás em termos de resultados na “grande política”. Os militantes não
contavam nesta época com uma organização independente, que lhes permitisse formular
uma estratégia e dela derivar as táticas do período. Estando embrenhados quase
completamente nas instâncias do Estado, formulavam, sem o saber, “pequenas políticas”,
limitadas aos marcos burgueses e que pouco contribuíam para construir uma política
propriamente proletária.
Ao longo destas Fases (1 e 2) o Estado, enquanto campo de atuação em ST, passou
a existir sob controle e hegemonia crescente dos militantes. Depois foi ganhando mais
concretude, ao longo da Fase 2, existindo de forma tímida, depois com mais volume e
consistência e direção real de uma Política (COMITÊ), que passou a intervir realmente no
Capital em defesa da ST.
Segundo NFP, “a atuação no FOPS-ST nos ensinou, ao longo dos anos, a
importância de se traçar estratégias e construir consensos entre os militantes para a atuação
política. Este processo contribuiu para a minha formação política e para o do coletivo de
militantes atuantes no FOPS” . (NFP, 15/12/06)
Na Fase 3, os militantes foram “postos para fora” do Estado, pois mesmo as
“pequenas políticas” que lograram efetivar passaram a causar perdas crescentes ao Capital e
benefícios à classe trabalhadora, o que não pôde ser suportado pela gestão do SUS, que
despiu sua máscara de neutralidade e mostrou seu verdadeiro ser, burguês sempre que
necessário para salvaguardar seus interesses de classe.
Pudemos verificar que, com o a implantação de fato de uma política de ST favorável
à classe trabalhadora, na Fase 2, o Capital passou a sofrer perdas concretas e reagiu através
212
do seu comitê central, o Estado, que foi forçado a demonstrar suas verdadeiras feições de
classe- burguesas -, afastando os técnicos-militantes e desmontando os Serviços de ST. Esta
derrota generalizada na via “Estado adentro” colocou a consciência dos militantes em outro
patamar em relação ao papel do Estado, e esta se viu premida a elaborar e atuar em uma
outra estratégia de construção do campo da ST no PR.
Assim, forçados a se retirar do Estado, os militantes passaram a formular a partir de
outra referência de atuação, porém, sem maiores sistematizações do que havia sido o campo
da ST até então e sem ter uma matriz teórica comum a todos os militantes, não conseguiu
formular uma estratégia nova que colocasse a militância em outro patamar organizativo,
com vistas à “grande política”.
A primeira criação do FOPS-ST nesta Fase teve o mérito de construir uma
Associação Proletária, porém sem fazer uma reflexão mais aprofundada acerca de sua
função e de sua relação com uma estratégia (que ainda não estava formulada) acabou por
ter apenas os contornos iniciais vinculados à “grande política” e depois não seguindo neste
rumo.
O segundo esforço do FOPS-ST, construir os Encontros Nacionais de Militantes em
ST, esteve relacionado com a identificação da necessidade de se formular uma nova
estratégia de ação em ST e de fazê-lo nacionalmente. O que caracteriza um movimento
tendencial de um Intelectual Coletivo em formação, entretanto, os Encontros conseguem
formular um esboço da nova estratégia, mas sofrem uma descontinuidade e esta formulação
resta incompleta até nossos dias.
Este movimento por completar do FOPS-ST significou, entretanto, um avanço
significativo em direção à “grande política”, onde se vislumbra a consciência socialista, em
relação às Fases anteriores.
213
Na Fase 1, a “grande política” foi quase inexistente, a grande preocupação dos
militantes era fazer com que o Estado criasse Serviços e Ações em ST e para isso laboraram
neste período. Os contornos mais gerais da atuação militante, entretanto, estavam definidos
pela “grande política”, já que aparecia o tempo todo como sendo o “corte” dos destinatários
da ação, a classe trabalhadora e não “o povo” ou “os usuários”, como era o caso dos outros
setores militantes no FOPS.
Na Fase 2, esteve incipiente, aparecendo embaralhada junto com uma concepção
mais reformista, da “pequena política” realizada junto às instâncias de Controle Social do
Estado. A CIST apareceu como o centro principal de formulação e decisão política dos
militantes. Ganhava corpo, entretanto, no final desta Fase, o coletivo de militantes, que
engendrou o COMITÊ. A atuação permanecia, entretanto, presa aos contornos do Estado,
caracterizando a atuação principal como sendo da “pequena política”.
Na Fase 3, a “grande política” aparece com maior definição, após a saída (forçada)
dos militantes do Estado. Organizações proletárias são criadas ou consolidadas (ADVT e
FOPS-ST) e passam a ter vida própria, independente do Estado, passando a ser o FOPS-ST
o centro das decisões dos militantes.
Na parte atual da Fase 3 (nossos dias, 2006), como reação aos avanços concretos
obtidos na Fase 2, o Estado praticamente volta à pré-história da ST do PR, isto é, os
militantes são afastados da direção e dos Serviços, que vão sendo paulatinamente
desmontados, o que resta deles atua sob a égide da SO e a aparência é de que a situação do
campo da ST na Fase 3 volta a ser o que era na Fase 1.
Sendo assim, o campo da ST foi destruído e nada restou? Pensamos que não. Esta é
apenas a aparência do fenômeno, a história da ST no PR é diversa, houve um movimento
que construiu instâncias, Serviços e Encontros do Estado e algumas, débeis ainda,
214
proletárias. Formou também militantes, quadros da ST, formou ainda militantes socialistas,
que no início não tinham formação marxista, apenas um socialismo “epidérmico”, sem
teoria e agora têm um marco referencial teórico bem definido, o marxismo, e seguem
atuando em ST. Além disso o processo de construção do campo da ST aprofundou as
contradições antes ocultadas, tornou-as latentes, visíveis a olho nu, através do Diagnóstico,
dos dados do Centro de Referência e, principalmente do Comitê.
O que parece ser a mesma situação de antes da Fase 1 e de seus primórdios, nunca
mais será o mesmo, a Guerra de Posições travada no campo da ST do PR neste período de
1992 até os nossos dias, produziu senão um novo exército, proletário, ao menos capitães,
de um novo exército, que, segundo Gramsci, são os elementos fundamentais para se
estruturar um exército. Estes militantes estão muito mais qualificados e aptos para as lutas
no campo da “pequena política” e com possibilidades agora latentes de formular e atuar no
campo da “grande política”.
215
CONSIDERAÇÕES FINAIS
o FOPS-ST como um Intelectual Coletivo em construção
Segundo Gramsci, a célebre fórmula “a conquista do Estado” deve ser entendida
como a “criação de um novo tipo de Estado, gerado pela experiência associativa da classe
proletária, em substituição ao Estado democrático-parlamentar”. A luta dos trabalhadores é
quem vai construindo suas instituições, bem como sua cultura, mas esta precisa de uma
unidade e centralidade, de um Estado proletário. (GRAMSCI, 1976c, pp 357)
Para conquistar a hegemonia, os trabalhadores não devem disputar o Estado
burguês, mas podem, em certas situações, conduzir a luta dentro de suas trincheiras, desde
que balizados pela “grande política”, isto é, dedicados a construir uma nova ordem política,
contrária à ordem burguesa.
Na leitura gramsciana, o poder de fato deve passar para as mãos dos trabalhadores, e
isto não ocorrerá enquanto estes se iludirem com a possibilidade de conquistá-lo através
dos órgãos do Estado burguês.
Segundo Lênin, o Estado burguês é “produto e manifestação do antagonismo
inconciliável das classes [que só] aparece onde e na medida em que estes antagonismos não
podem objetivamente ser conciliados”. No Brasil, o campo da ST alcança inédita
“aparição”do Estado na definição legal na CF de 1988, como fruto das condições objetivas
de crescimento da produção e aumento da necessidade de Força de Trabalho associado ao
aumento exponencial da luta de classes nas décadas de 1970 e 1980.
A simples existência no texto legal, entretanto, não foi capaz de dar materialidade
ao campo da ST no PR. A criação e desenvolvimento do campo da ST no PR foram fruto
216
da luta constante dos militantes sindicalistas e técnicos, como pudemos verificar ao longo
da pesquisa.
Partindo da análise do papel da militância no “aparecimento forçado” do Estado na
ST do PR, esta pesquisa buscou esclarecer onde e como o Estado “aparece” no campo da
Saúde do Trabalhador do Paraná, no período de 1992 aos nossos dias (2006) e como este
processo refletiu na formação política da militância, bem como na conformação de suas
Organizações na Sociedade Civil.
A experiência analisada nesta pesquisa demonstra uma empreitada de mais de uma
centena de militantes por cerca de 15 anos, sendo que cerca de 20 dentre estes atuaram mais
organicamente ao FOPS-ST, por mais de 5 anos seguidos construindo o campo da ST do
PR. Nesta trajetória surgiram várias formas de organização dos trabalhadores, cada uma
delas correspondendo ao modo de atuação principal em cada uma das três Fases analisadas
em relação ao Estado burguês.
A militância em ST partiu de um patamar zero em termos de organização, onde não
havia mais do que indivíduos sindicalistas e técnicos, com propensão socialista, mas
nenhuma forma de organização em ST, vinculados entre si pelo vínculo partidário frágil, do
PT, e pelo vínculo pouco mais orgânico dentro do FOPS.
Após o início e como resultado da atuação militante em ST, foram surgindo as
formas organizativas mais elevadas, passando do FIST, em 1992, pela CIST, em 1996, pelo
COMITÊ em 1997. Estas instâncias, criadas e hegemonizadas pelos militantes, variaram,
na ordem citada acima, de mais genéricas até mais específicas e de mais políticas e afeitas
ao Estado em Geral até mais técnicas e afeitas centralmente ao SUS.
Os militantes de ST levaram vários anos, das Fases 1 e 2, se apropriando dos
conteúdos legais e técnicos, para compor um quadro preciso das contradições gritantes
217
existentes entre a responsabilidade legal do Estado não cumprida, bem como um
diagnóstico das contradições entre o trabalho e a saúde dos trabalhadores, refletida no perfil
de adoecimento e mortes causados pelo trabalho no PR.
Pressionado pelas denúncias constantes destas contradições feitas nas instâncias de
Controle Social o Estado criou alguns Serviços e ofereceu a direção deles aos militantes,
que passaram a colocar, em forte aliança com os sindicalistas, durante a Fase 2, o Estado
para atuar contra os determinantes da ocorrência desta violência causada pelo Capital nos
trabalhadores, criando o COMITÊ que vertebrou e pôs em prática uma Política de atuação
para a ST no PR.
Como resultado deste período na formação política dos militantes ficou
materializado o ensinamento de Fernandes, segundo o qual, a ordem vigente ocupa todos os
espaços possíveis com a consciência burguesa. Os proletários têm de minar esse espaço,
esboroá-lo, para abrir dentro dele posições próprias, ou para conquistar, contra ele, um
espaço independente. “O conhecimento preciso das contradições e o seu aproveitamento
inteligente, organizado e impiedoso é vital, pois, para o movimento operário”.
(FERNANDES, 1981, p114)
Pudemos constatar e demonstrar que o campo da ST no PR passou a existir graças à
atuação dos militantes sindicais em aliança com os técnicos, através de diversas instâncias e
movimentos construídos por estes militantes dentro e fora do Estado: o FIST, depois
tornado CIST, o COMITÊ, a ADVT e o FOPS-ST e as Conferências e Encontros de
Militantes em ST.
A articulação militante através destas instâncias e mantendo postos de comando
dentro da ST do SUS arrancou ao Estado, especialmente ao próprio SUS, a construção de
Serviços e Políticas, que culminaram em um Plano de ST efetivado mais amplamente no
218
auge da Fase 2. Esta articulação se deu centralmente dentro dos fóruns de Controle Social
no SUS e entornos. No auge da Fase 2, os militantes da ST-PR tiveram papel importante na
construção do I Encontro Nacional de ST no SUS, que apontava para como organizar mais
e obter melhores resultados em ST dentro do Estado. Sendo o próprio Encontro um
mecanismo não previsto, mas perfeitamente cabível dentro do aparato formal do SUS e do
Estado burguês em geral.
Esta pesquisa pôde verificar que, com o a implantação de fato de uma política de ST
favorável à classe trabalhadora, na Fase 2, o Capital passou a sofrer perdas concretas e
reagiu através do seu comitê central, o Estado, que foi forçado a demonstrar suas
verdadeiras feições de classe- burguesas -, afastando os técnicos-militantes e desmontando
os Serviços de ST. Esta derrota generalizada na via “Estado adentro” colocou a consciência
dos militantes em outro patamar em relação ao papel do Estado, e esta se viu premida a
elaborar e atuar em uma outra estratégia de construção do campo da ST no PR.
Feito este longo percurso pela militância, de 1992 até cerca de 2000, o campo da ST
estava minimamente estruturado e efetivando a aplicação do Plano. Confirmando a validade
da hipótese 1 levantada na metodologia deste estudo, mesmo estando presos à esfera de
atuação da “pequena política”, os militantes puderam engendrar um Plano que dava
expressão a uma política classista, favorável ao proletariado, que tinha o seu centro,
entretanto, dentro do Estado burguês, crescendo em materialidade e contradição na mesma
medida.
O elemento que constituiu o germe que permitiu avançar, mesmo presos ao marco
do Estado e da “pequena política” foi a demarcação nítida do campo de atuação da ST, que
tem ganho mais materialidade junto ao FOPS-ST à medida que foram avançando as Fases
219
de 1 a 3 e especialmente na Fase 3, face ao rompimento do Estado com os militantes e
afastamento destes dos seus Serviços de ST, tornados Serviços de SO na Fase 3.
A atuação em ST guarda diferença notável com outros campos de atuação dentro do
Estado burguês, isto por demarcar um campo conceitual e prático delimitado pelo trabalho
como categoria-chave, que não encontra paralelo em outros grandes campos do Estado, não
existem no Brasil, por exemplo, os campos de Educação ou Cultura, ou do Meio Ambiente
do Trabalhador.
O germe da grande política pôde se desenvolver, mesmo que parcialmente, pois a
militância foi se apropriando crescentemente dos conceitos próprios da ST e se
desvencilhando na mesma medida dos vestígios da SO que lhe impregnavam o ser.
Segundo PP:
o vigor da atuação militante me fez levar muitos alunos [de cursos superiores na Saúde da
UFPR] a participar dos fóruns de ST. Nestes fóruns, não havia brigas por problemas
específicos, o corte de classe perpassava todas as discussões, e dava um tempero especial
ao desfile das categorias principais relacionadas à exploração capitalista e construía a
unidade na luta dos militantes que ali atuavam procurando construir a ST no PR. (PP,
20/12/06)
Mesmo atuando na estratégia do “Estado adentro”, o FOPS-ST conseguiu construir
um Plano de ST que fazia avançar o máximo possível, nos marcos do Estado burguês, uma
política que favorecesse o proletariado e lograsse esboçar ações que iriam além da
“pequena política”, como se deu nos casos mencionados anteriormente da atuação no ramo
da Construção Civil em Curitiba, da Madeira em União da Vitória e do Jateamento de Areia
no Paraná.
220
Isto se deu devido à extrema politicidade e demarcação segundo o método
materialista e dialético dos contornos e modo de atuar do campo da ST, onde o trabalho sob
o capitalismo é visto como causador do desgaste da ST e o processo de trabalho, como
categoria social e histórica sobre a qual se deve intervir para modificar os determinantes
sociais do processo saúde/doença que acomete os trabalhadores.
A concretização do Plano resultou em enfrentamentos crescentes com o Capital e o
Estado, que vinha mantendo uma aliança tácita com os militantes da ST, bem como uma
aparência de certa neutralidade até então, apareceu com clareza também crescente, na
mesma proporção em que avançavam os resultados concretos favoráveis à classe
trabalhadora em ST, como sendo o Estado de uma classe, a dominante.
Assim, foram sendo erodidos, pelo próprio Estado, os Serviços e Ações erigidos ao
longo das Fases 1 e 2, por se tratarem, de fato, de enclaves proletários no Estado burguês.
Os dirigentes da ST que eram técnicos-militantes foram sendo depostos e em seguida os
que não eram dirigentes também caíram, culminando o processo na mudança de referencial
teórico-prático de atuação do SUS, da ST para a SO, significando burocratização e
formalização crescentes e ações concretas, bem como Controle Social, decrescentes em
todos os níveis do SUS e, por fim o fechamento do CEMAST acabando de liquidar com os
enclaves proletários e pondo no seu lugar entraves protelatórios
49
.
A luta política nos marcos do Estado burguês, conforme proposto na hipótese 2
deste estudo, feita nas instâncias de Controle Social, preso à política setorial, pode
engendrar o seu contrário, isto é, uma luta contra o Estado que tenha como objetivo
49
Ironia: em artigo brilhante sobre Wefort aderindo à FHC, na Folha de São Paulo, Luis Fernando Veríssimo,
menciona que, quando os revolucionários foram derrotados por Franco na Espanha e os que restaram fugiam
pelos Alpes um deles foi chamado e se tornou ministro do ditador. Paródia atual em ST no PR, a
Coordenadora da ST na SESA atualmente é uma técnica-ex-militante.
221
principal construir instâncias próprias da classe trabalhadora. O desmonte dos Serviços e o
afastamentos dos militantes do que restou deles comprovou esta hipótese tendencialmente,
quando foi gerando importantes modificações na forma de atuar e de se organizar da
militância em ST no PR:
a) As críticas foram aumentando e ficando mais precisas proporcionalmente
ao avanço do desmonte;
b) Os militantes passaram a se articular com maior freqüência e
profundidade por fora das instâncias do SUS, criando o FÓPS-ST;
c) O FÓPS-ST passou a refletir mais sobre a “grande política” e se moveu
parcialmente nesta direção, criando a ADVT e, depois criando e tendo
papel central na construção dos Encontros Nacionais de Militantes em
ST.
Durante as Fases 1 e 2, a militância não construiu espaços de organização e
articulação que fossem proletários, independentes do Estado; ao invés disso construiu
aliança com o Estado, ao menos com seu setor mais avançado, dirigido por militantes e
concentrou seus esforços em consolidar esta estratégia. Na Fase 3 a situação mudou, o
FOPS-ST tem funcionado cada vez mais organicamente, tendo feito balanços parciais da
atuação junto ao SUS e tendo modificado seu modo de operar, quando construiu a ADVT
e, depois, quando contribuiu grandemente na construção dos Encontros Nacionais de
Militantes em ST.
Os Encontros nacionais de Militantes em ST, segundo JMPR, “foram os momentos
mais altos que alcançamos, como FOPS-ST, na “grande política”. Ali o corte de classe era
222
nítido e se procurou juntar os variados enfoques de militância em ST, saindo dos limites
estreitos da atuação nos espaços formais do Estado”. (JMPR, 18/12/06)
Como referência externa ao FOPS-ST, mas que incidiu sobre este de forma
relevante, merece destaque o papel que teve o citado grupo de Estudos Espaço Marx,
ligado ao setor de Educação da UFPR, que contribuiu para dar uma formação marxista mais
densa para quatro dos vinte militantes que tiveram atuação importante no FOPS-ST.
Somados a um técnico-militante vindo de uma Organização Política de formação marxista
50
(em 2001), estes militantes tiveram papel central na mudança de rumo ensejada pelo
FOPS-ST na Fase 3, pondo em evidência a importância do aporte teórico marxista para a
atuação militante na “grande política”.
Segundo GCA:
eu antes percebia que mudavam os governos e eu estava sempre contra. Bem depois foi
que descobri a teoria marxista e coloquei as coisas no lugar (...) o aprendizado principal
que tivemos não foi na prática da militância, mas na Universidade, tanto no Mestrado
[Educação da UFPR] quanto no [Grupo de Estudos] Espaço Marx.
(GCA, 21/12/06)
A hipótese 3, proposta na metodologia deste estudo, de que o FOPS-ST, ao se
construir como um Intelectual Coletivo da ST, contribuiu para a elevação da consciência
dos militantes, pôde ser comprovada parcialmente pelo período de pouco mais de um ano,
entre 2002 e 2004. Não se comprovou completamente por que a formulação estratégia da
Fase 3 resta incompleta, o que se traduz em ambigüidades como as referidas sobre a ADVT
e os Encontros de Militantes que não seguiram adiante com os objetivos iniciais e com a
cisão na Política de ST representada pela desarticulação entre a CIST e COMITÊ.
223
Apesar dos limites vários, neste curto período, as leituras individuais dos militantes
foram superadas em favor de uma leitura coletiva sobre as tarefas do período e o FOPS-ST
logrou se empenhar nelas e pôde reunir novamente militantes que, após o afastamento do
trabalho como Coordenadores e técnicos dos Serviços de ST do SUS haviam mudado de
campo de atuação profissional e militante e se dispersavam em relação ao campo da ST.
Neste curto período o FOPS-ST formulou e encaminhou praticamente algumas ações
pautadas pela “grande política”. Estas formulações e ações refletem um salto qualitativo em
relação à prática e teoria anteriores do próprio FOPS-ST e apontam tendencialmente para a
constituição deste coletivo como um Intelectual Orgânico da classe trabalhadora, ainda que
esteja numa forma bastante incipiente contém os contornos definidos por Gramsci para
esta categoria e, portanto, se apresenta em germe como tal.
Não houve, entretanto, um balanço mais cuidadoso por parte do FOPS-ST, que
abrangesse as três Fases da ST do PR e, especialmente, identificasse a tendência do
movimento ocorrido durante a Fase 3, que resta inconclusa
51
. Este esforço está faltando ao
movimento que o FOPS-ST desenvolveu até aqui na Fase3, para que se possa procurar
detectar todos os aspectos relevantes do campo da ST, bem como suas conexões,
contradições e tendência de movimento.
O FOPS-ST precisa conhecer estes meandros e mecanismos, e esta pesquisa
pretende contribuir com este objetivo, não por diletantismo, mas para melhor identificar
neles os aspectos que tornam este campo vulnerável à ação e poder prosseguir sua
50
Brasil Socialista, antigo PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário).
51
Esta pesquisa pretende contribuir para que o FOPS-ST tenha mais elementos que o auxiliem nesta
identificação do que ocorre com a ST.
224
empreitada de se consolidar como coletivo e se constituir como um Intelectual Coletivo na
ST do PR e contribuir para a construção da “grande política” neste campo.
Neste processo de formulação estratégica o FOPS-ST vem se constituindo, de forma
incipiente, num Intelectual Coletivo da ST. Esta pesquisa pretende contribuir com este
processo através do objetivo prático de conhecer melhor (para agir melhor) os limites e
contradições da militância em Saúde do Trabalhador junto ao Estado burguês, a partir da
análise da teoria e da prática do FOPS-ST dentro e fora do Estado.
Estas contradições não podem, conforme nos ensinou Florestan Fernandes, ficar se
“acumulando” e “amadurecendo” indefinidamente, como se isto fosse resultar em algo útil
para a classe trabalhadora. “Se os trabalhadores se mantém indiferentes ao uso que as
classes burguesas fazem das contradições, o que se acumula e amadurece não é o
desenvolvimento independente e a capacidade de luta política dos proletários como classe –
mas sua condição servil.”(FERNANDES, 1981, p107)
A participação dos militantes da ST nas instâncias do Estado teve a positividade de
fazer representar e discutir a exploração da classe trabalhadora como um todo e não apenas
de segmentos corporativos, esboçando, desta forma, contornos da “grande política”. Esta
participação, entretanto, não foi suficiente para fazer cumprir as leis que interessam à Saúde
dos Trabalhadores.
O Estado ficou preso aos aspectos discursivos a maior parte do tempo e as poucas
ações que realizou em ST foram incapazes de alterar o mundo real nos aspectos que
beneficiariam aos trabalhadores e quando passou a alterar minimamente a correlação de
forças de forma mais favorável aos trabalhadores, como na Fase 2, não durou muito até a
normalidade de sua direção burguesa ser retomada. Assim, o máximo de positividade
225
alcançado pela via “Estado adentro” ainda se encontra no campo da “pequena política” e o
que parecia duradouro e bem consolidado pôde ser destruído com facilidade.
Na Fase 3, atualmente vigente, os militantes do FOPS-ST se encontram mais
preparados para elaborar uma estratégia de ST pautada na “grande política”, pois
alcançaram um grau mais avançado de compreensão do papel do Estado, assim como
agregaram conhecimento prático e teórico através das várias lutas e mecanismos de
organização dos militantes.
226
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___________ Relatório da reunião de Junho de 2002 a.[mimeo].
227
___________ Relatório da reunião de Agosto de 2002 b.[mimeo].
___________ Relatório da reunião de Novembro de 2002 c.[mimeo].
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231
ANEXOS
232
ANEXO 1
Lista de Documentos analisados
1- CIST-PR
Relatórios de reuniões dos seguintes anos e meses:
Ano 1999 – meses: 06 e 12
Ano 2000- meses: 03, 04, 05, 06, 07, 08, 10
Ano 2001- meses: 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10
Ano 2002- meses: 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 09a, 10, 11, 12
Ano 2003- meses: 01, 02, 03, 04, 05, 06, 09,
Ano 2004- meses: 01, 06, 09
Ano 2005- meses: 04, 05, 09
Balanços anuais da CIST:
Anos: 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004
Resoluções e Teses de Conferências
Anos: 1999, 2000, 2002, 2003, 2005
2- FOPS-ST
Boletim do FOPS-ST: Pau e Prosa
2003, 2004, 2005
Documentos do FOPS-ST
Ano 1999 (2 documentos)
Ano 2000 (3 documentos)
Ano 2001 ( 5 documentos)
Ano 2002 (1 documento)
Ano 2003 (1 documento)
233
Ano 2004 (1 documento)
Ano 2005 (1 documento)
3- CEMAST
Relatórios de reuniões dos seguintes anos e meses:
Ano 2000- mês: 12
Ano 2001- meses: 03, 04, 04a, 05, 05a, 05b, 05c, 05d, 06, 06a, 06b, 06c, 07, 07a, 08, 09,
09a, 10, 10a, 12
Ano 2002- meses: 03, 04, 05, 07, 08
Ano 2005- meses: 07, 09, 09a, 10, 11,12
Ano 2006: meses: 03, 04, 05
Documentos do COMITÊ
Ano 2001 (2 documentos)
Ano 2002 (1 documento)
Ano 2003 (2 documentos)
Ano 2004 (1 documento)
Ano 2005 (1 documento)
Ano 2006 (1 documento)
234
ANEXO 2
Roteiro de entrevistas com militantes ST
1- você avalia que os anos em que militou no FOPS-ST contribuiram para sua Formação
Política? Em quê?
2- você avalia que os anos em que militou no FOPS-ST contribuiram para mudar sua
leitura sobre o papel do Estado nas questões de ST? Em quê?
3- você avalia que os anos em que militou no FOPS-ST contribuiram produzir
conhecimento “orgânico” para a classe trabalhadora?
4- Em quais momentos você identificou o FOPS-ST atuando na “grande política”?
5- Quais foram os enfrentamentos mais importantes que ocorreram com o Estado e o
Capital em ST?
6- Quais foram os principais avanços teóricos e práticos que você vivenciou em ST?
235
Anexo 3
Resoluções da Oficina Preparatória
I ENCONTRO NACIONAL DE MILITANTES DA SAÚDE DO TRABALHADOR
Local: Curitiba Data: 08/08/03
ELEMENTOS A SER INCORPORADOS NO TEXTO BASE:
Análise dos condicionantes internacionais (estruturais e conjunturais);
Estabelecer a relação entre a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e a política Macro-
econômica;
Balanço dos sete meses do Governo Lula;
Apontar para a mobilização e organização dos movimentos sindical e popular.
ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DO PLANO DE LUTAS:
Derrubada imediata da Ordem de Serviço - INSS nº606;
Aprovação da proposta do PPA Ministério da Saúde para a área de saúde do trabalhador;
Reformulação da RENAST: modelo de atenção e Controle Social;
Aprovação de Portaria Interministerial reafirmando a atribuição do SUS na vigilância dos
ambientes de trabalho;
Combate a precarização e informalização das relações de trabalho;
Combate ao trabalho infantil, ao trabalho escravo e a violência no trabalho;
Implementar a proposição das Ações Regressivas (INSS);
Criação de Secretaria que substitua a DSST/MTE, repensando seu local no organograma,
fortalecendo a sua atuação;
Criação de Secretaria que substitua a COSAT/MS, repensando seu local no organograma,
fortalecendo a sua atuação;
Pressionar pelo estabelecimento de uma Política Interministerial de Saúde do Trabalhador (Política
de Estado);
Ampliar o debate pela efetivação da garantia da Organização por Local de Trabalho (OLT);
Banimento do Amianto;
Proibição do Jateamento de Areia;
Proibição do Herbicida 24 D;
Proibição do Percloroetileno;
Perícias do INSS: proibir terceirização, investir em concurso público, dedicação exclusiva dos
peritos do INSS, etc.;
Fortalecer os instrumentos de luta intersindical;
Pressionar pela instituição de Comissões de Fábrica / Empresa com eleição direta de todos os
seus integrantes (Fim das CIPAs);
Ampliar o debate sobre a implementação do PPP (INSS).
PREPARAÇÃO DO ENCONTRO NACIONAL DE MILITANTES DE SAÚDE DO TRABALHADOR:
Indicativo de Data: 31 de outubro à 02 de novembro / 2003
Local: Campinas / SP
236
Anexo 4
Relatório das Recomendações Finais
II Encontro Nacional de Militantes em ST – Curitiba,
24 de abril de 2004
Propostas:
1.Discutir estratégias para encaixar a pauta de saúde do trabalhador na pauta dos
movimentos sociais
- Uniformizar a linguagem;
- Fórum de discussão por internet;
- Inserir os endereços dos participantes nas listas gerais;
- Operacionalizar uma aproximação com o MST;
- Voltar a rede para mobilização nos diversos momentos;
- Sugere que se trabalhe com tática de dispersão/concentração para pautar ST na
sociedade;
- Espaços privilegiados: espaços/movimentos culturais, mídia, direitos humanos,
- Inserir no debate do setor saúde;
- Eleger campanhas prioritárias para ser inseridas nos movimentos sociais;
- O tema: “Doença e Acidentes é uma forma de Violência” a ser adotado nos vários
debates a serem travados;
- Apropriar-se do Observatório da ST e Implantar site espelhos do site do
Observatório de Saúde do Trabalhador;
- Livro Negro/ Dossiê de Saúde do Trabalhador no Brasil, via internet, Incluir ISO
vermelha de empresas: Comissão Organizadora: Danilo.
- Ênfase deste tema no Fórum Social Mundial;
-
2. Elaborar crítica do Estado/Governo Lula
- Linha política de critica ao governo;
- Repudiar a forma como o amianto está sendo tratado pelo MTE;
- Informações importantes para a área de Saúde do Trabalhador estão disponíveis nos
Ministérios da Saúde e do Trabalho;
3. Discutir o Controle Social em Saúde do Trabalhador
- Considerar a possibilidade de construção de conselhos populares de saúde;
- Inserir Controle Social na estruturas de assistência da ST (RENAST);
- Projeto de lei do Vicentinho, estabelece que o acompanhamento do projeto de lei
deve avisar antecipadamente o SUS;
- O projeto de lei do Vicentinho deve ser objeto de divulgação e contribuição, pelos
movimentos sociais ao
- Controle Social formal se concentram em poucas pessoas gasta muita energia;
4. Discutir estratégias para desfragmentar, articular e aglutinar o movimento pela
saúde no trabalho
237
- Participação no Fórum Social Mundial.
5. Discutir estratégias para “ganhar as ruas”
(comunicação, iniciativa políticas)
- Formação política como parte de estratégia de formação, experiência do NEP 13 de
maio;
-
6. Informe
- Recomendação que o Dia 28 de Abril (Anexo) seja incluído nas agendas e
priorizados nas tarefas.
-
- A agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, está no site do MS o
relatório de progresso. No item 14.1 O tema impacto da reestruturação produtiva sobre
a saúde, coordenado por Lia Giraldo (FIOCRUZ), possui 4 pontos que permitem a
pesquisa na área. \.3. n
Moções
- O debate no estado de SP sobre a RENAST informou que está sendo gestada no MS a
nova portaria da RENAST sem conteúdo de avaliação dos serviços. A moção solicitando
que a portaria da RENAST seja colocada em audiência pública.
-
7. Continuidade
- Documento final deste Encontro: Comissão organizadora deste evento acrescido de
Danilo, Peninha, Fatima Sueli, Roberto
- Estabelecer princípios para a discussão política deste fórum.
- Ênfase no caráter do fórum a partir do Modelo Sumaré, com independência dos
participantes.
- O site do Fórum fica nos Químicos organizados
- A rede se mantém aberta e moderadora pela Shirley (Sintratel)
- Incluir no relato, como emblemático, os casos da Terezinha e dos trabalhadores que
foram arregimentados pela Petrobrás que atuaram no acidente da Petrobrás, a questão do
Danilo.
- Que se organize uma agenda comum de mobilização para atuar no combate aos
principais problemas como: acidentes graves e fatais, exposição à sílica, amianto, benzeno.
- O Movimento de LER da Bahia possui um grande acúmulo e está localizada numa
sala da DRT da Bahia. Solicita apoio dos movimentos sociais para dar visibilidade ao
tema.Ficou deliberado que este movimento envie o material para a organização do Fórum
para que seja divulgado na rede.
- Haverá um Encontro Nacional de portadores de LEr/DORT em setembro na Bahia.
Este grupo vai sediar o movimento do “Brasil Livre de Ler.”
- Clausula contra o Cinismo técnico e o cientificismo: cláusula padrão para que os
sindicatos coloquem na mesa a proposta que médico e engenheiro por 15 dias tenham sues
238
sala’rios dobrados para exercer as funções dos trabalhadores e só depois apenas depois
elaborem seu
Para ENMST Rio de Janeiro:
COMISSÃO EXECUTIVA DE ORGANIZAÇÃO LOCAL
Cobrança de tarefas, Dossiê da ST no Brasil/ Livro vermelho
da ST,
Relatório de Curitiba
CARÁTER POLÍTICO: Possível organizar com reunião trimestral;
Sociedade Brasileira de SAÚDE DO TRABALHADOR;
Aprofundar: para que serve a CIST e o que é o Controle Social institucionalizado.
Rede de Proteção e Solidariedade aos técnicos e militantes submetidos à Saúde do
Trabalhador -
Discutir as ações propostas
ANEXO 1
Movimento 28 de Abril
Relembrar os mortos e lutar pela Vida
Mote deste ano: Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais: Arma de Destruição em
Massa contra os Trabalhadores
28 de Abril - Este dia foi instituído em 1.969 em decorrência da explosão da mina de
Farmington, West Virginia, onde morreram 78 mineiros.
Segurança e Saúde para todos: Um direito e não um privilégio
Aprovar leis contra o crime corporativo(crime do colarinho branco) para punir e
responsabilizar patrões negligentes;
Aumentar o valor das multas e punições para descumprimento das leis de segurança e
saúde no trabalho
Aprovação de penas de prisão para patrões descumpridores da lei de proteção à
segurança e saúde dos trabalhadores e seus prepostos
fortalecer as ações de fiscalização no ambiente de trabalho para cumprimento e
exigências legais
239
fortalecer o papel dos representantes dos trabalhadores nas empresas(Cipeiros,
cipistas etc)
culpabilizar os empregadores responsáveis pelo crime de destruição em massa da
classe trabalhadora
aprovar leis que vigiem a saúde dos expostos a agentes cancerígenos e de longa
latência por no mínimo 30 anos após cessada a exposição(fim do contrato de trabalho)
regulamentação em todos os órgãos públicos (saúde, trabalho e meio ambiente da
regulamentação da proibição da lista dos 12 sujos da Convenção de Estocolmo: os 12
Poluentes Orgânicos Persistentes(POPs); entre eles os Drins da Shell de Paulínia(endrin,
aldrin e dieldrin), o hexaclorobenzeno, furanos e dioxinas(Rhodia de Cubatão), o askarel,
o DDT e outros pesticidas/agrotóxicos
240
Anexo 5
Manifesto Político do
II Encontro Nacional de Militantes em ST- Curitiba, abril de 2004
(versão preliminar)
MANIFESTO À MILITÂNCIA DA SAÚDE DO TRABALHADOR DO BRASIL
As mudanças no mundo do trabalho têm impactado enormemente a saúde dos
trabalhadores.
Nossa sociedade vive contradições cada vez mais agudas e de forma mais acelerada entre,
por um lado, uma produção de riquezas sem precedentes na história da humanidade, temos
mercadorias em quantidade e qualidade suficiente e até excessiva que poderia alimentar,
vestir e fazer viver dignamente toda a humanidade.
Por outro lado, como resultado do processo de exploração do trabalho e acumulação
privada, por pouquíssimos, dos frutos do trabalho de bilhões, vivemos um tempo onde a
miséria, a fome e as guerras, bem como seus impactos no trabalho, a precarização dita
flexibilização, a volta de formas pré-capitalistas, como o trabalho doméstico e até o
escravo, ao lado da multidão de desempregados estruturais e, portanto, que aumentam
inexoravelmente, são produtos da ordem exploratória capitalista globalizada.
No Brasil, os impactos desta fase do capitalismo, o neoliberalismo, são
devastadores: mais de 60% da população economicamente ativa está no mercado informal,
o desemprego já passa dos 20%, o movimento sindical, combativo nos 80, está na defensiva
decenal, lutando pra diminuir as perdas.
Apesar do cenário de crise do capital e de cobrança da fatura da crise dos mesmos
explorados de sempre, antes escravos, depois servos, agora assalariados, acreditamos, nos
dois eventos nacionais que precederam a este, Oficina pró-Encontro Nacional, em agosto de
241
2003 e I Encontro Nac. de Militantes em Saúde do Trabalhador Sumaré-SP, que a luta
pela melhoria das condições de vida e de trabalho no Brasil, ou seja, pela Saúde do
Trabalhador, sofreria um grande impulso com a chegada ao governo federal do PT.
Elaboramos neste processo um Plano de Lutas com aspectos relevantes que o Governo
Federal deveria atender (agosto 03) e uma carta política cobrando a pouca/nenhuma
atividade do Governo nesta Pauta (nov 03).
Sem ilusões de que este seria um governo de esquerda, que faria grandes mudanças
em prol dos explorados, entendemos que este era um governo em disputa para objetivos
estratégicos para a Saúde dos Trabalhadores. Esta análise se dava com base na história do
partido, de seus compromissos com a classe trabalhadora, que, ainda que tenham esmaecido
na última década, guardavam um nítido compromisso com os explorados no trabalho em
detrimento das benesses dos exploradores milenares, agora ditos capitalistas.
Passados 1 ano e 4 meses da posse de Lula, esgotadas as vária tentativas de
modificar os rumos da Política de Saúde do Trabalhador, ou da falta de política,
percebemos que a interferência do governo nos determinantes maiores que definem a saúde
de um povo, e mais especificamente de suas classes, tomou lado nitidamente. Este lado é o
subserviente às regras do imperialismo estadunidense e do capitalismo brasileiro.
A política econômica beneficiou banqueiros, que tiveram lucro recorde e seguiu a
desempregar e adoecer bancários, além de empobrecer a classe trabalhadora; ao avaliar a
Reforma da Previdência, que retirou o direito à aposentadoria aos milhões de trabalhadores
que estão condenados à morte antes de receber qualquer aposentadoria e ao avaliar a
geração de empregos pífia, onde o desemprego bate na casa dos 20% em SP.
Nas questões que estão afetas diretamente ao campo da Saúde do Trabalhador o
Fórum Nacional de Militantes em Saúde do Trabalhador elencou 19 pontos de um Plano de
Lutas, aprovado em agosto de 2003 dentre os quais, apenas 3 sofreram alguma ação do
governo, sendo que o principal deles, estabelecer uma Política Interministerial de Saúde do
Trabalhador, está apenas no campo das intenções escritas, vez que a prática interministerial
segue como dantes, caótica, concorrente e pífia no enfrentamento dos determinantes dos
agravos à saúde dos trabalhadores. Houve inclusive retrocesso, tanto na priorização da área
242
dentro dos Ministério da Saúde e do Trabalho, quanto ao assédio moral de técnicos
militantes (descritos nos dossiês que compõem o Relatório deste II Encontro).
Entendemos, ao avaliar o cenário acima descrito, que este governo não está mais em
disputa por dentro. Os trabalhadores só obterão melhorias na sua condição de saúde através
da organização e da luta contra a exploração do trabalho e, por conseqüência, da saúde e da
vida. Não declaramos com isto que somos oposição ao Governo Lula, que ajudamos a
eleger, mas que somos oposição ferrenha a todas as suas políticas e ações que ataquem
direitos e conquistas da classe trabalhadora.
Entendemos serem nossas tarefas, neste momento:
desvelar a situação da Saúde do Trabalhador no Brasil, de modo que os
trabalhadores e suas organizações se apropriem destas informações e lutem contra
suas causas. Para isto publicaremos um livro descrevendo a situação atual da Saúde
do Trabalhador no Brasil e dossiês de casos mais relevantes e que devem ganhar as
ruas para que possamos intervir e modificar suas causas;
construir uma agenda de lutas que tome as ruas, articuladamente com outros
Movimentos Sociais, com as denúncias de acidentes e doenças do trabalho, bem
como da contaminação do meio ambiente;
monitorar e atualizar o Plano de Lutas e de uma Política de Estado para a saúde dos
trabalhadores do Brasil, seus avanços e retrocessos;
desnaturalizar toda forma de violência, especialmente as causadas pelo trabalho;
articular as relações de informação, formação e solidariedade e “construir
articulações fortes entre os trabalhadores e técnicos [militantes]. Criar espaços de
reflexão coletiva, onde se recupere o caráter coletivo do pensamento humano e
desprivatize as almas” (Breilh, 1999).
243
ANEXO 6
DEPOIMENTOS CITADOS EM ENTREVISTAS REALIZADAS EM 2006
MAP, Médico Veterinário e Sanitarista, Especialista em ST, técnico da SMS-Ctba,
militante do FOPS-ST desde 2000 até hoje (2006)
Entrevista: 15/12/06
RS, Assistente Social, técnica do Ministério Público Estadual, militante do FOPS-ST desde
1999 até hoje (2006)
Entrevista: 15/12/06
NFP, Assistente Social e Sanitarista, técnica da SESA, militante do FOPS-ST desde 1997
até hoje (2006)
Entrevista: 15/12/06
PP, Enfermeiro, Mestre em Educação e professor universitário, militante do FOPS-ST
desde 1993 até hoje (2006)
Entrevista: 20/12/06
JMPR, Médica Sanitarista, Doutora em Saúde Coletiva, técnica do MTE e militante do
FOPS-ST desde 2000 até hoje (2006)
Entrevista: 18/12/06
AF, Bancário, dirigente da ADVT e militante do FOPS-ST desde 2000 até hoje (2006)
Entrevista: 22/12/06
GG , Bancário, dirigente do Sindicato dos Bancários e militante do FOPS-ST desde 1997
até hoje (2006)
Entrevista: 22/12/06
GCA, Médico Sanitarista, Professor Universitário, Mestre em Educação e militante do
FOPS-ST desde 1996 até 2002.
Entrevista: 21/12/06
MSE, Socióloga Sanitarista, Professora Universitária, Especialista em Epidemiologia,
técnica da SMS-Ctba e militante do FOPS-ST desde 1992 até 1997.
Entrevista: 16/12/06
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
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Baixar livros de Economia Doméstica
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Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
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Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
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Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo