A ciência moderna tem sido assim, compreendida em grande medida
como o lugar da produção de um conhecimento traduzido pela eficácia e pela
neutralidade científica. Observemos, por exemplo, quão forte é o estatuto
sociopolítico das disciplinas entendidas, nesse caso, como um conjunto
independente e relativamente coerente de conceitos, procedimentos, temas e
problematizações, onde se tem estabelecido historicamente a obediência a um
conjunto de regras para ação e que, na universidade pouco têm dialogado entre si.
As disciplinas, dessa perspectiva, podem ser tomadas como uma forma de controle
no acesso ao conhecimento científico, inclusive no controle mercadológico daqueles
conhecimentos, demarcando-se, aqui e ali, aqueles considerados específicos e
legítimos de cada área do conhecimento propriamente.
Contudo, tem sido o ensino fundamental e médio no Brasil, precursor de
uma reflexão crítica e prática que busca de maneira ampla naqueles segmentos uma
nova concepção do que se compreende por disciplina, o que tem provocado uma
verdadeira revolução paradigmática na sua compreensão.
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Os projetos político-pedagógicos,
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em grande parte, responsáveis por
esse movimento transversal para a compreensão das disciplinas e, por conseguinte,
do conhecimento, são compreendidos como um planejamento mas, também, como
uma mobilização da comunidade escolar que o anima, tendo em vista o seu
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No início dos anos de 1990, já se acumulavam nos segmentos organizados em defesa da educação
básica pelo menos duas décadas de debates em torno da qualidade e democratização do ensino
fundamental e médio no Brasil. O primeiro passo constituiu-se na formalização dos projetos político-
pedagógicos. A capacidade de elaborar e realizar um projeto educativo próprio, que beneficiasse o
maior número possível de estudantes do ensino fundamental e médio, com a participação dos
segmentos envolvidos no processo educativo, tem sido, desde então, o objetivo de numerosas
escolas. Em 1986, nas escolas públicas de Belo Horizonte, por sua Secretaria Municipal de Educação,
instituiu-se formalmente o tempo escolar para a consecução dos projetos pedagógicos e formação
permanente dos professores. De um total de 25 horas-aula semanais, cada professor teria o direito e
dever de usar uma jornada de quatro horas e meia de trabalho para estudo e aprimoramento de suas
práticas articuladas no conjunto das áreas do conhecimento dentro das orientações dos projetos
político-pedadagógicos de cada escola. Entretanto, desde o ano de 2006, essa conquista tem sido
coibida. Alegou-se, para o entendimento do texto da LDB, no seu artigo 24, que a carga mínima anual
a que o estudante tem direito é de 800 horas, distribuídas por um mínimo de 200 dias letivos de
efetivo trabalho escolar. Essa interpretação da LDB vem, sobremaneira, dificultando encontros e
trocas entre as áreas e professores; por conseguinte, possivelmente, a autocrítica no processo e um
retrocesso para a concepção moderna de disciplina.
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A criação e consecução dos projetos político-pedagógicos temáticos e transversais, escolhidos
freqüentemente pelos próprios estudantes do ensino infantil, fundamental e médio no Brasil, têm
expressado, desde a LDB, um avanço nesses níveis de escolaridade, para um contexto de
fortalecimento da autonomia escolar. Contudo, nas universidades brasileiras públicas e particulares no
ano de 2005, pela primeira vez nos cursos de graduação, se instituiu a obrigatoriedade a um projeto
político-pedagógico. A universidade, que supostamente se coloca como a vanguarda do pensamento,
nessa questão, parece ter um atraso de pelo menos 19 anos em relação à discussão e práxis do
conhecimento e sua difusão transversal, através das disciplinas, do que as tentativas processadas no
ensino fundamental e médio.
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