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Universidade de São Paulo
Programa de Pós-Graduação Interunidades
Estética e História da Arte
MURAIS DE MARCIER EM MAUÁ
Afrescos na Capela da Juventude Operária Católica
Silvia Ahlers
São Paulo
2008
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Universidade de São Paulo
Programa de Pós-Graduação Interunidades
Estética e História da Arte
MURAIS DE MARCIER EM MAUÁ
Afrescos na Capela da Juventude Operária Católica
Silvia Ahlers
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da Universidade de São Paulo, na linha de
pesquisa Teoria e Crítica da Arte, sob orientação da
Profa. Dra. Elza Ajzenberg.
São Paulo
2008
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
AHLERS, Silvia
Murais de Marcier em Mauá - Afrescos na Capela da Juventude Operária Católica
São Paulo, 2007, 137f:
Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte
Orientador: Profa. Dra. Elza Ajzenberg
1. Teoria e Crítica da Arte 2. Emeric Marcier 3. Afrescos 4. Mauá 5. Patrimônio
Cultural 6. Velho Testamento 7. Novo Testamento 8. Apocalipse 9. Arte Sacra
10. Arte Brasileira.
FOLHA DE APROVAÇÃO
Silvia Ahlers
MURAIS DE MARCIER EM MAUÁ
Afrescos na Capela da Juventude Operária Católica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da Universidade de São Paulo, na linha de
pesquisa Teoria e Crítica da Arte, sob orientação da
Profa. Dra. Elza Ajzenberg.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
A meus pais, aos meus mestres do Programa de Pós
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da Universidade de São Paulo, cujos generosos
esforços permitiram-me chegar até aqui, dedico esta
dissertação.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho tornou-se possível devido à colaboração pronta e generosa
de muitas pessoas. Destaco em especial as orientações da Profa. Dra. Elza Ajzenberg, sempre
serei grata, e as críticas e sugestões da Profa. Daisy Peccinini, do Prof. Dr. Kabenguele
Munanga, Profa. Dra. Dilma de Mello Silva, Prof. Dr. Carlos Lemos, Profa. Dra. Élide
Monzeglio (in memorian). Agradeço, ainda, ao arquiteto Matias Marcier, filho do artista, que
possibilitou a pesquisa de documentos primários, abrindo generosamente as portas de seu
acervo; ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Mauá, na pessoa do Sr. Ednaldo Paulo
Reis, que possibilitou o acesso à Capela Cristo Rei fora do horário da Missa semanal; ao
Cônego Belisário Elias; ao Padre José Ailton, que ajudou a identificar as imagens sacras; aos
funcionários do Museu Barão de Mauá, guardiões de precioso acervo documental e
fotográfico, Elzir dos Santos Almeida Saracino, Luciana Senhorelli, Cibele Margarete Bio e
Dulcinéia Paulino de Oliveira; aos funcionários da FUNDAC de Barbacena e Museu Casa de
Emeric Marcier; senhora Anna Gedankien, memorialista do povo judeu e do patrimônio
cultural do ABC Paulista; ao jornalista Ademir Médici, incansável na preservação da
memória; Alecssandra Matias de Oliveira; à minha família, pela paciência e incentivo:
Nonato, Marcos e Marcelo. Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte.
Uma “atmosfera” de trabalho e de criação intensas é o que de melhor para o
estudante. A Organização não basta para suscitar essefluído. É preciso a
presença de um certo número de personalidades excepcionais trabalhando
conjuntamente por uma causa comum.
1
1
GROPIUS, Walter. In: PENTEADO NETO, Onofre. Desenho estrutural. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.49.
EPÍGRAFE
Ilustração 01 Deus Pai, Apocalipse e Juízo Final (afrescos) Vista geral da Capela Cristo Rei 2004.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
Mas as quatro paredes, depois de certa adaptação, poderiam servir para superfícies
a serem recobertas com a mensagem que estava fervilhando na minha cabeça.
Antigo Testamento, Dilúvios e Mar Vermelho, Dança do Bezerro de Ouro e
Torre de Babel, que prelúdio para uma Paixão, culminando numa Crucificação
enorme para abrir a perspectiva sobre a consumação do mundo descrito no texto de
Ptamos. (...)
A humildade se aprende. Tornar-se instrumento da Vontade suprema! Pintar para a
maior glória de Deus!
2
2
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.177 e 181.
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo apresentar as contribuições do artista
Emeric Marcier. O estudo centra-se, especialmente, sobre o exame das pinturas realizados na
Capela Cristo Rei (1946-1947), que pertenceu ao movimento da Juventude Operária Católica
(JOC) e que, atualmente, é patrimônio do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Mauá
(SP). Nas paredes da capela estão 23 afrescos de Emeric Marcier que tratam das passagens
bíblicas do Velho Testamento, vida, paixão, morte, ressurreição de Jesus Cristo e Apocalipse,
do Novo Testamento.
A análise dessa obra foi dividida em três capítulos. No primeiro, tratou-se sobre a
formação do município de Mauá, considerando suas características de cidade industrial, dos
operários e movimentos católicos, localizado no ABC Paulista. No segundo, explorou-se a
biografia de Emeric Marcier, abordando, principalmente, aspectos estéticos da trajetória do
artista. No terceiro, partiu-se para a reflexão sustentada nas relações existentes entre temas
bíblicos, a técnica empregada e o processo poético do artista.
Palavras-chave: Afrescos, Apocalipse, Arte Brasileira, Arte Sacra, Emeric Marcier, Juventude
Operária Católica, JOC, Velho Testamento, Novo Testamento, Mauá, Modernismo, Pintura,
Patrimônio Cultural, Pós-Moderno, Teoria e Crítica da Arte.
ABSTRACT
The present paper contains as main purpose an exhibition Emeric Marcier’s works.
Focus is a study about paintings realized inside King Christ Chapel (1946-1947)
which belonged to Labor Catholic Youth (JOC) and currently is a heritage of Santa Casa
Hospital, in Maua-SP.
In Chapel’s walls we can find 23 fresques of Emeric Marcier showing biblical texts of
Old and New testament including Apocalypse text.
The work was divided for analysis into three chapters: the first is about Maua
settlement, their characteristics of industrial city, their workers and Catholic Movements
located in ABC region.
The second was given a special attention to Emeric Marcier’s biography, his aesthetic
aspects and his trajectory as artist.
Finally, in the third chapter the connections concerning biblical subjects are
supporting by his own technique used in his works and the poetic process of the artist.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Capa - MARCIER, Emeric. Torre de Babel. 1946. Afresco. (detalhe). Foto: Acervo Matias Marcier.
Ilustração 01 - Deus Pai, Apocalipse e Juízo Final (afrescos) Vista geral da Capela Cristo Rei
Foto (2004): Acervo Museu Barão de Mauá. ......................................................................................... 7
Ilustração 02 - Pedreira na Gruta Santa Luzia Mauá. Foto: Acervo Museu Barão de Mauá........................... 27
Ilustração 03 - Fábrica Porcelana Mauá Foto (Déc. de 1950). Foto: Acervo Museu Barão de
Mauá...................................................................................................................................................... 28
Ilustração 04 - Movimento Católico Operário Moças da JOC feminina. Foto (Déc.1940):
Acervo Museu Barão de Mauá.............................................................................................................. 30
Ilustração 05 - Emeric Marcier Pintando o mural Apocalipse. Foto (1947): Acervo Matias
Marcier.................................................................................................................................................. 31
Ilustração 06 - Vista Geral dos Murais de Marcier em Mauá Deus Pai, Juízo Final e Apocalipse
ao centro; Torre de Babel à direita; Dilúvio à esquerda. Foto: Acervo Matias Marcier.................... 33
Ilustração 07 Vista externa da Capela Cristo Rei. Mauá, São Paulo. Foto (2004): Acervo Museu
Barão de Mauá. ..................................................................................................................................... 34
Ilustração 08 Igreja de Sucevita, Romênia Acervo virtual: www.eliznik.org.uk. ........................................ 35
Ilustração 09Deposição (detalhe) Óleo s/ Tela. Acervo Matias Marcier Foto: Silvia Ahlers................... 39
Ilustração 10 Emeric Marcier o artista aos 30 anos, em 1946. Foto: Acervo Matias Marcier. .................... 42
Ilustração 11 Operário preparando parede do afresco Pentecostes (1946). Foto: Acervo Matias
Marcier. ................................................................................................................................................ 43
Ilustração 12 Maria visita Isabel (Afresco, 1949). Exterior (entrada) da casa de Emeric Marcier
em Barbacena, MG. Foto: Silvia. Ahlers. ............................................................................................ 44
Ilustração 13 Criação do Mundo Afresco. São Silvério, Cataguazes, MG. Foto de Márcia
Poppe. ................................................................................................................................................... 46
Ilustração 14Pietá Óleo s/ Tela. Acervo Matias Marcier. ........................................................................... 49
Ilustração 15 - Visita aos Murais de Mauá (1974). Foto: Geraldo Guimarães...........................
Ilustração 16 Mosteiro Voronet, região da Moldávia, Romênia. Foto: Acervo virtual
www.eliznik.org.uk (2007). ................................................................................................................. 56
Ilustração 17 Face Aqueropita Ícone não realizada por mão humana. Foto: Acervo virtual:
www.psleo.com.br. .............................................................................................................................. 63
Ilustração 18 Arte bizantina Esquema de três círculos para o traçado da face. In:
PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais, p.117. ................................................................. 64
Ilustração 19 Arte gótica Esquema para construção de figura frontal. In: PANOFSKY, Erwin.
Significado das artes visuais, p.124. .................................................................................................... 64
Ilustração 20 Mapa da Romênia. Acervo virtual: www.visit-romania.ro. ..................................................... 65
Ilustração 21 MARCIER, Emeric. Torre de Babel. 1946. Afresco. Detalhe. Foto: Acervo
Matias Marcier. .................................................................................................................................... 66
Ilustraç22 MARCIER, Emeric. Pentecostes. 1946. Afresco. Foto: Acervo Matias Marcier. ......................... 69
Ilustração 23 MARCIER, Emeric. Crucificação. 1946. Caderno do artista. Projeto para
realização das jornadas no Mural. Acervo Matias Marcier. ................................................................ 69
Ilustração 24 Música lírica na Capela Cristo Rei. Foto (2004): Acervo Museu Barão de Mauá. .................. 71
Ilustração 25 MARCIER, Emeric. Deus Pai (centro), Juízo Final (ao redor). Foto: Acervo
Museu Barão de Mauá. ........................................................................................................................ 76
Ilustração 26 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe: Cordeiro e o Livro da Vida). Foto:
Acervo Museu Barão de Mauá. ............................................................................................................ 78
Ilustração 27 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe: Multidão de Vetes Brancas). Foto:
Acervo Museu Barão de Mauá. ............................................................................................................ 78
Ilustração 28 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe: Inferno). Foto: Acervo Museu Barão de
Mauá. .................................................................................................................................................... 80
Ilustração 29 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe: Ressurreição dos Mortos). Foto:
Acervo Museu Barão de Mauá. ............................................................................................................ 80
Ilustração 30 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe: Ressurreição dos Mortos). Foto:
Acervo Museu Barão de Mauá. ............................................................................................................ 81
Ilustração 31 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhes: Cavaleiros do Apocalipse (alto), anjos
tocando trombetas (esquerda), Sete Anjos com Sete Cálices, anjo lança pedras sobre a
terra). Foto: Acervo Museu Barão de Mauá. ....................................................................................... 82
Ilustração 32 MARCIER, Emeric. Vista geral dos afrescos do altar: Deus Pai (centro); Juízo
Final (ao redor); Apocalipse (parede da frente): Mulher Vestida de Sol, Batalha de
Miguel contra o Dragão, Babilônia Desnuda (à esquerda), Anjo Vernelho (ao centro);
Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Sete Anjos com Sete Cálices, Anjo do Abismo (à
direita). Foto: Acervo Museu Barão de Mauá. ..................................................................................... 83
Ilustração 33 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhe: Fera). Foto: Acervo Museu Barão de
Mauá. .................................................................................................................................................... 84
Ilustração 34 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhe: Sua Majestade Divina, Dragão de Sete
Cabeças, Babilônia Desnuda, Fera). 1946. Óleo sobre Tela. Acervo: Matias Marcier. ..................... 85
Ilustração 35 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhe: Anjo do Abismo, Estrela do Absinto,
Poço de Fumaça). Foto: Acervo Silvia Ahlers. ................................................................................... 86
Ilustração 36 MARCIER, Emeric. Sua Majestade Divina. Foto: Acervo Museu Barão de Mauá. ................ 87
Ilustração 37 MARCIER, Emeric. Sua Majestade Divina e os Quatro Animais (detalhe: Leão).
Foto: Acervo Luciana Senhorelli. ........................................................................................................ 89
Ilustração 38 MARCIER, Emeric. Sua Majestade Divina e os Quatro Animais (detalhe:
Homem). Foto: Acervo Luciana Senhorelli. ........................................................................................ 89
Ilustração 39 MARCIER, Emeric. Sua Majestade Divina e os Quatro Animais (detalhe: Boi).
Foto: Acervo Luciana Senhorelli. ........................................................................................................ 90
Ilustração 40 MARCIER, Emeric. Sua Majestade Divina e os Quatro Animais (detalhe: Águia).
Foto: Acervo Luciana Senhorelli. ........................................................................................................ 90
Ilustração 41 MARCIER, Emeric. Batismo de Jesus. Foto: Acervo Luciana Senhorelli. .............................. 91
Ilustração 42 MARCIER, Emeric. Dilúvio (detalhe). Foto: Acervo Silvia Ahlers. ........................................ 94
Ilustração 43 MARCIER, Emeric. Dilúvio (detalhe). Foto: Acervo Silvia Ahlers. ........................................ 94
Ilustração 44 MARCIER, Emeric. Torre de Babel. Foto: Acervo Museu Barão de Mauá. ............................ 95
Ilustração 45 MARCIER, Emeric. Torre de Babel (desenho). Projeto para realização do afresco.
Cadernos do Artista, 1946. Acervo Matias Marcier. ........................................................................... 96
Ilustração 46 MARCIER, Emeric. Dança do Bezerro de Ouro (detalhe). Foto: Silvio Henrique
Reis, acervo Augdan de Oliveira Leite. ............................................................................................... 97
Ilustração 47 MARCIER, Emeric. Transfiguração (detalhe). 1947. Foto: Acervo Matias
Marcier. .............................................................................................................................................. 100
Ilustração 48 MARCIER, Emeric. Pentecostes (detalhe). Foto: Acervo Silvia Ahlers. ............................... 100
Ilustração 49 MARCIER, Emeric. Deposição (detalhe). Foto: Acervo Luciana Senhorelli. ........................ 101
Ilustração 50 MARCIER, Emeric. Ressurreição (detalhe). Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
............................................................................................................................................................. 103
Ilustração 51 MARCIER, Emeric. Crucificação (detalhe). Foto: Silvio Henrique Reis, acervo
Augdan de Oliveira Leite. .................................................................................................................. 104
Ilustração 52 MARCIER, Emeric. Crucificação (detalhe). Foto: Acervo Matias Marcier. .......................... 105
Ilustração 53 MARCIER, Emeric. Jesus Entregue aos Soldados (detalhe). Foto: Acervo Museu
Barão de Mauá. .................................................................................................................................. 106
Ilustração 54 MARCIER, Emeric. Flagelação. Foto: Acervo Museu Barão de Mauá. ................................ 107
Ilustração 55 MARCIER, Emeric. Projeto para realização do afresco Pentecostes. Acervo
Matias Marcier. .................................................................................................................................. 115
Ilustração 56 MARCIER, Emeric. Nossa Senhora e o Menino Jesus. Mosaico, Século XV.
Igreja Curtea de Arges, Romênia. ...................................................................................................... 116
Ilustração 57 MARCIER, Emeric. Jesus Entregue aos Soldados (detalhe). Foto: Acervo Museu
Barão de Mauá. ................................................................................................................................... 125
Ilustração 58 MARCIER, Emeric. Flagelação (detalhe). 1946. Foto: Acervo Matias Marcier. .................. 125
Ilustração 59 MARCIER, Emeric. Crucificação (detalhe). 1946. Foto: Acervo Matias Marcier.................. 125
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Os Murais de Mauá.................................................................................................................... 75
Tabela 2 Os cadernos do artista: Gênesis .................................................................................................... 110
Tabela 3 Os cadernos do artista: Êxodo ...................................................................................................... 111
Tabela 4 Os cadernos do artista: Paraclet ................................................................................................... 112
Tabela 5 Os cadernos do artista: Paraclet ................................................................................................... 113
Tabela 6 Os cadernos do artista: Crvcification............................................................................................ 114
Tabela 7 Exposições Individuais................................................................................................................... 133
Tabela 8 Exposições Coletivas ...................................................................................................................... 134
Tabela 9 Exposições Póstumas...................................................................................................................... 135
Tabela 10 Murais de Emeric Marcier.......................................................................................................... 136
Tabela 11 Dimensões dos Murais de Mauá .................................................................................................. 137
SUMÁRIO
Introdução .............................................................................................................................14
1. MAUÁ, DAS TRILHAS AO PLÁSTICO ......................................................................23
1.1 Herança indígena e passado colonial ........................................................................................................ 23
1.2 Os tempos imperiais e a industrialização .................................................................................................. 25
1.3 A Juventude Operária Católica em Mauá ................................................................................................. 29
2. EMERIC MARCIER, UMA VIDA DEDICADA A DEUS ..........................................34
2.1 Sonho e Realidade .................................................................................................................................... 34
2.2 Telas e afrescos ......................................................................................................................................... 37
2.3 Fruição da arte de Emeric Marcier ........................................................................................................... 50
3. MURAIS DE MARCIER EM MAUÁ ............................................................................53
3.1 Imagens Sacras: uma tradição cristã ............................................................................53
3.1.1 Concílios: momento de definição..................................................................................................... 54
3.1.2 Debates sobre a representação da fé................................................................................................. 58
3.1.3 O estilo moldavo............................................................................................................................... 62
3.2 Afresco: pintura sobre parede úmida ............................................................................67
3.3 Análise da obra: temas bíblicos ....................................................................................73
3.3.1 Capela da Juventude Operária Católica ........................................................................................... 73
3.3.2 Os Murais de Mauá.......................................................................................................................... 75
3.3.3 Os cadernos e a questão da modernidade ....................................................................................... 110
Conclusão .............................................................................................................................119
Referências primárias .........................................................................................................127
Referências bibliográficas...................................................................................................128
Anexos...................................................................................................................................133
14
INTRODUÇÃO
A visão tradicional de que as cidades do subúrbio paulista, na qual se incluem as
cidades do Grande ABC, muito pouco têm a oferecer, em termos de cultura, faz com que,
muitas vezes, os seus bens culturais não sejam devidamente estudados. Implica numa
tendência de somente pesquisar as obras de arte das capitais e grandes cidades como São
Paulo e Rio de Janeiro, deixando à margem trabalhos que devem ser conhecidos. É preciso
lembrar que esse patrimônio é acervo cultural a ser pesquisado, entendido e oferecido à
fruição não apenas dos historiadores da arte como também aos interessados em arte
brasileira.
Entre as obras que merecem especial atenção do pesquisador na primeira metade do
século XX, estão os Murais de Marcier em Mauá, na Grande São Paulo. Este legado cultural
não deve passar despercebido, não somente pela beleza plástica do trabalho que traduz em
matéria pictórica as passagens do Antigo Testamento e a vida, morte e ressurreição de Jesus
Cristo, além do Apocalipse de São João Evangelista, do Novo Testamento –, mas porque
temática tão ampla, abordada por um único artista, torna o conjunto da obra raro no Brasil.
Pietro Maria Bardi chamou-o de Sistina brasileira, numa alusão ao trabalho de Michelângelo
Buonarroti (1475-1564), menos pelo tratamento pictórico (uma vez que os artistas estão
separados por cinco séculos) mas porque Bardi viu que Emeric Marcier pintou o Juízo Final
atrás do altar e cobriu de afrescos todas as paredes e o teto da capela, fazendo um paralelo
entre as obras.
A pesquisa teve início na necessidade de obter informações, esclarecer dúvidas e
reunir documentação sobre os murais pintados por Emeric Marcier na Capela Cristo Rei, que
pertenceu nos anos de 1930, 40 e 50 à Juventude Operária Católica, movimento religioso
15
ligado aos jovens trabalhadores, conhecido internacionalmente como JOC. A capela fica
dentro do Hospital da Santa Casa de Misericórdia da cidade de Mauá.
Como não foi localizado nenhum trabalho anterior que versasse sobre os Murais de
Marcier em Mauá as perguntas iniciais eram as mais elementares. As dúvidas referiam-se a
questões históricas, técnicas e formais. Em primeiro lugar, houve necessidade de identificar o
número de murais, a denominação de cada um, as passagens bíblicas a que eles se reportavam
e a datação da obra. Em segundo lugar, ter certeza da autenticidade e da técnica empregada.
Em terceiro lugar, foi preciso conhecer os caminhos que trouxeram o romeno para nosso país
e, especificamente, para Mauá, a trajetória de Emeric Marcier, definir quem havia
encomendado os murais e se o artista recebera pagamento pelo trabalho. Estas dúvidas, por
sua vez, reportaram a outras questões, como os fatos que levaram o movimento internacional
da Juventude Operária Católica a manter uma colônia de férias no subúrbio paulista, construir
uma capela e convidar um artista que estava iniciando sua carreira no Brasil para pintá-la.
Havia a necessidade, também, de conhecer o contexto da obra, um pouco da história da cidade
que a abriga.
Respondidas estas questões iniciais, tornou-se evidente a necessidade de ampliar os
estudo e investigar a biografia de Marcier quanto à experiência plástica: era leigo ou erudito
em arte? Freqüentou alguma escola? Como aprendeu a técnica do afresco? Por que ele, que
era judeu, executou o trabalho em uma igreja católica? Estas questões remeteram a outras de
ordem geral: quais fatos históricos levaram à pintura no interior das igrejas? Como podem ser
interpretadas as imagens sacras? Respondidas estas indagações, tornou-se imperioso
compreender a poética de Emeric Marcier, ou seja, em quais momentos as pinturas das
passagens bíblicas aproximavam-se ou afastavam-se do texto sagrado para interpretações
pessoais; ou como solucionou os problemas da expressão plástica: linha, forma, cor, textura,
16
ilusão de volume, perspectiva, movimento, ritmo, anatomia das figuras.
3
E, por último, com
quais movimentos, escolas e estilos artísticos o artista dialogou.
Diante de tantas indagações e problemas a serem resolvidos, buscou-se metodologia e
estratégias que as contemplassem. Para tanto, foi fundamental o apoio teórico do Guia de
História da Arte, de Giulio Carlo Argan, que descreve o campo da arte como sendo tão vasto
e amplo, que se situa para além das artes visuais. De cidades inteiras a pequenas miniaturas,
realizadas com a possibilidade de infinitas técnicas, em diversas culturas, agrega-se sempre
algum tipo de valor ligado ao trabalho humano, à atividade mental e à atividade operacional,
que nos leva a percebê-lo como arte. Sendo a forma (pintura, escultura, música, literatura,
dança, entre outras formas de expressão) o significante, é a consciência que lhes absorve e
lhes atribui o significado. Segundo afirma Argan: “a História da Arte não é tanto uma história
das coisas como uma história de juízos de valor”.
4
Sendo o culto ao divino, entre outros, um
dos valores supremos da sociedade, as expressões que o contemplam podem ser chamadas de
arte e são, segundo Argan, expostas, oferecidas à fruição, protegidas, pois participam do
patrimônio cultural da humanidade; são fatos históricos.
Para o desenvolvimento da dissertação, segundo os preceitos de Argan, foi preciso, em
primeiro lugar, conhecer manuais de técnicas de execução de afrescos, que normatizam e
instruem os artistas em como proceder na execução de murais. Neste ponto foram muito úteis
os livros Voronet, fresques dês XVe et XVIe siècles, de Petru Comarnescu e Restauro de um
mural moderno, de Regina Tirello. Em segundo lugar, foi necessário conhecer a literatura
crítica do trabalho de Emeric Marcier, que atribuiu qualidade e exprimiu juízo de valor à sua
obra, entre eles Estória dos sofrimentos, morte e ressurreição do senhor Jesus Cristo na
pintura de Emeric Marcier, de Affonso Romano de Sant’Anna. Mas também a leitura da
crítica que o artista desenvolveu sobre seu próprio trabalho foi muito importante, conforme
3
SCHIMIDT, George. Pequena História da Pintura Moderna: de Daunier a Chagall. São Paulo: Bloch, 1969.
4
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. 2.ed. São Paulo: Estampa, 1994.
17
instrução de Argan; muitas respostas foram encontradas na autobiografia Deportado para a
vida, cuja consulta foi empreendida nos textos originais. Em terceiro lugar, foi preciso estudar
direta e analiticamente a obra: é ela o documento primário e essencial para se fazer História
da Arte. Para pesquisar os murais de Emeric Marcier na capela Cristo Rei e dar subsídios
teóricos ao estudo de caso, muitas respostas foram obtidas com contínuas e sistemáticas
visitas à obra em Mauá, com o estudo dos cartões com os desenhos originais que serviram de
guia para a execução das pinturas e com a análise dos cadernos do artista.
Em sua autobiografia, o artista descreve sua trajetória artística de uma maneira muito
pessoal, mesclada com muitos detalhes dos amigos e da família. Trata os pintores portugueses
Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva, por exemplo, como o casal Arpad e Bicho,
revelando grande intimidade. Também não cita claramente o nome de pessoas de seu
relacionamento, como o arquiteto modernista Francisco Bolonha, o embaixador do Vaticano
Hildebrando Accioly, sua esposa Olga e o abade Dom Inácio Accioly, referindo-se a eles de
uma maneira muito vaga como “o arquiteto”, “o casal de embaixadores e seu filho monge”
(para quem pintou a capela Santa Maria na Fazenda Inglesa de Petrópolis, RJ). Tais
tratamentos remeteram a pesquisas complementares.
Como os afrescos de Marcier em Mauá foram criados a partir de passagens bíblicas e
como “a codificação dos símbolos só pode ser compreendida considerando o edifício religioso
como uma totalidade da qual cada parte possui seu significado específico”,
5
houve
necessidade de conhecer o que escreveram os teóricos da iconografia. Dentre as
possibilidades, foram muito úteis os textos reunidos na coleção A pintura: textos essências
principalmente o volume 5, Da imitação à expressão, e o volume 8, Descrição e
interpretação que reúnem uma coletânea de textos de estudiosos de pintura, com valiosas
contribuições de:
5
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Da imitação à expressão. São Paulo: Editora 34. V.5. 2004.
18
Guillaume Durand de Mende (1230-1296) em Rationale divinorum officiorum,
volume I, descreve, no texto Representações da imagem de Cristo e das
figuras bíblicas, como os artistas deveriam pintar Cristo, os evangelistas, os
anjos, os santos, patriarcas, profetas e passagens bíblicas na Idade Média.
Cesare Ripa (c.1560-1620/25), em Iconologia, explica como imagens tomam o
lugar de palavras, isto é, como o texto sacro transforma-se em pintura
figurativa.
Jean-Baptiste Du Bos (1670-1742), em Reflexões críticas sobre a pintura e a
poesia, explica as alegorias e condena seu uso indiscriminado, afirmando que a
representação pictórica deve fazer uso de signos imediatamente identificáveis,
sem desvios entre a imagem e a significação, tornando a representação
acessível a todos os homens.
Louis Réau (1881-1961), em Iconologia da arte cristã, explica a palavra
iconografia eikon, imagem e graphein, descrever e a função do iconógrafo,
além do termo iconologia ciência das imagens frisando que o iconógrafo
preocupa-se com o conteúdo das imagens, ou seja, como é possível explicá-las
segundo o texto que lhe deu origem. No caso dos Murais de Mauá, as pinturas
foram realizadas a partir de temas bíblicos. Réau escreve que a identificação da
temática é fundamental para reconhecer o verdadeiro sentido das pinturas e
lhes atribuir nomes, como foi preciso fazer no trabalho de Emeric Marcier na
Capela Cristo Rei.
Erwin Panofsky (1892-1968), em Sobre o problema da descrição e
interpretação do conteúdo de obras das artes plásticas, explica como devem
ser feitas as descrições de obras de arte, inclusive as de conteúdo bíblico,
reconhecendo, na expressão plástica, o sentido fenomênico, a experiência
19
existencial, o sentido semântico (baseado em textos) e o conteúdo essencial: a
auto-revelação involuntária do inconsciente de cada criador, época, povo
possibilitando-nos identificar a “visão de mundo” introduzida na matéria
configurada.
Otto Pächt (1902-1988), em Questões de Método em História da Arte, explica,
concordando em parte com os teóricos acima, que a iconografia nasceu
primeiramente como iconografia da arte cristã, mas nem tudo pode ser
explicado, nas pinturas religiosas, por meio dos textos que as originam porque
“as artes plásticas, assim como a música em seu meio, podem dizer coisas que
não podem ser ditas em nenhum outro âmbito expressivo”,
6
abrindo as portas
do entendimento das imagens também sob o ponto de vista da psicologia,
mediante as profundezas do subconsciente.
Também de Erwin Panofsky foi importante a consulta a um outro livro: Significados
nas artes visuais, em especial o capítulo 2, História da teoria das proporções humanas como
reflexo da História dos estilos, que analisa a iconografia das imagens bizantinas e góticas.
Foram feitas também muitas consultas à Bíblia, coleção de 46 livros do Antigo
Testamento e 27 livros do Novo Testamento, considerados pela igreja como escritos sob a
inspiração do Espírito Santo, a terceira pessoa de Deus. Segundo os cristãos, Ele, na forma do
Espírito Santo, abre os olhos da mente, superando a capacidade humana para compreender as
verdades da Fé. Foi usada principalmente a Bíblia Sagrada, com tradução dos textos originais
mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bélgica), revisada por Frei João José Pedreira
de Castro e pela equipe da Editora Ave-Maria, de São Paulo. Este livro traz apontamentos
importantes para o leigo; por exemplo, como ler e interpretar a Sagrada Escritura, a índole
histórica dos Evangelhos, grandes datas da Bíblia, as conexões entre Antigo e Novo
6
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Descrição e interpretação. São Paulo: Editora 34. V.8. 2004.
20
Testamento, notas de rodapé com explicações das passagens bíblicas, além de instruções
sobre como usar “os cinco sentidos” na leitura cristã da Bíblia: “o sentido da fé, o sentido da
história, o sentido do movimento progressivo da revelação, o sentido da relatividade das
palavras e o sentido do bom senso.”
7
Dos 76 livros que compõem a Bíblia foram usados oito deles, imprescindíveis para a
compreensão dos murais de Marcier em Mauá: Gênese, Êxodo, os Evangelhos segundo São
Marcos, São Mateus, São Lucas e São João, Atos do Apóstolos e Apocalipse que explicam
as passagens bíblicas usadas pelo pintor. As leituras sempre foram acompanhadas de visitas à
obra ou confrontações com reproduções fotográficas, um dos instrumentos do historiador da
arte, segundo Argan.
8
Estes procedimentos possibilitaram explicar, em primeiro lugar, as
relações entre os afrescos e o Texto Sagrado e, depois, denominar as pinturas; reconhecer, por
exemplo, São João Batista e São João Apóstolo, o Dragão – de sete cabeças e dez chifres – e a
Fera – que possui o número 666, os Cavaleiros do Apocalipse, os apóstolos personificados em
animais, o anjo Apolion, entre outras representações configuradas.
O estudo foi dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo refere-se à história da cidade que abriga a obra, contextualizando-
a. Parte da compreensão da história do Brasil colonial e da geografia que determina, para a
cidade de Mauá, um local de passagem e de exploração das riquezas naturais. A ligação entre
o mar e o planalto determina a construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, no século XIX,
e a instalação, num primeiro momento, dos canteiros italianos (especialistas em quebrar
pedras). Numa etapa posterior, há o estabelecimento de indústrias – que, aproveitando o
transporte disponível e a ligação com o porto de Santos, consolidam-se à direita e à esquerda
do caminho de ferro. Com isso, chegam levas e levas de trabalhadores; a princípio de outros
7
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.11.
8
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. 2.ed. São Paulo: Estampa, 1994.
p.24.
21
países, imigrando da Itália, Espanha, Alemanha, Lituânia, Japão e, depois, de outros estados
brasileiros, migrando principalmente dos estados do nordeste e de Minas Gerais.
Na cidade do trabalho operário surge o Movimento da Juventude Operária Católica, a
JOC, que possibilita, através dos padres ligados ao movimento, a pintura da Capela Cristo
Rei. Para compreender a história de Mauá e dos movimentos operários, tornou-se necessário
pesquisar dados em documentos primários. Esta etapa é constituída por buscas em cartórios,
arquivos históricos, no Poder Judiciário e em acervos privados – entre eles, inventários,
testamentos, escrituras, fotografias e mapas antigos.
O segundo capítulo descreve parte da vida do artista judeu Emeric Marcier, tendo,
como fio condutor, a consolidação da vontade de deixar o Leste Europeu para estudar e viver
da arte e da pintura em Paris; vontade esta demonstrada desde a adolescência e juventude. A
seguir, a realização de telas e afrescos que o caracterizam como artista sacro brasileiro até a
última vez que visita os Murais de Mauá. No caminho traçado pelo artista surge, como
obstáculo, a deflagração da II Grande Guerra Mundial, obrigando-o a deixar a Europa.
No Brasil, país escolhido para seu exílio voluntário, os temas sacros surgem com
grande força: outras obras murais realizadas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais também são
citadas. Afinal, a Capela Cristo Rei, da Juventude Operária Católica, foi a primeira obra em
fresco realizada no Brasil por Emeric Marcier, mas não a única contribuição do artista para
nosso patrimônio cultural.
O terceiro capítulo trata da obra Murais de Marcier em Mauá. A introdução ao tema se
faz com breve descrição da técnica do afresco pintura sobre parede úmida, uma técnica
milenar encontrada em Pompéia, nos templos religiosos da Idade Média e da Renascença e na
arquitetura moderna. Nesta etapa, além da consulta à bibliografia especializada, foi necessário
o exame minucioso dos 75 cartões com os desenhos originais a carvão usados para a
22
realização das pinturas – que, felizmente foram conservados em um só conjunto, no acervo de
arte do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Mauá.
Depois da técnica, uma breve história da arte cristã desde quando direcionada pelos
concílios e assembléias católicas de altos dirigentes da igreja (que determinam a pertinência,
ou não, das imagens sacras nas obras de arte) até a liberdade pleiteada pela arte moderna;
passando pela compreensão da arte moldava, da Romênia, onde Emeric Marcier absorveu a
cultura na infância e juventude.
Finalmente, o trabalho descreve os 23 afrescos da Capela Cristo Rei, ou Capela da
JOC, procurando explicar historicamente o fenômeno artístico Murais de Marcier em Mauá,
visto que uma estreita relação entre arte e a época em que ele está inserido, porque ele é
constitutivo do sistema cultural. Neste sentido, buscou-se investigar que contribuição eles
deram para o desenvolvimento da cultura artística e da História da Arte Brasileira, porque
“cada artista opera na base de uma cultura sedimentada e difusa que a sua busca pessoal
contribui para alargar, aprofundar, mudar”.
9
9
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. 2.ed. São Paulo: Estampa, 1994.
p.36.
23
1 MAUÁ, DAS TRILHAS AO PLÁSTICO
1.1 Herança indígena e passado colonial
O município de Mauá, no ABC Paulista, está encravado entre o Planalto Paulista e a
Serra do Mar. Seu território, parte campo, parte saída da antiga floresta da Serra do Mar,
recebeu os nomes indígenas Cassaguera e Caguassu. Em Mauá estão as bacias hidrográficas
do Taboão e do Tamanduateí.
10
O Rio Tamanduateí, que foi navegável, nasce no Parque da
Gruta de Santa Luzia e corre para o interior, desaguando no Rio Tietê. Vale lembrar que às
margens do Tamanduateí foi implantado o Colégio dos Jesuítas por Manoel da Nóbrega e
José Anchieta, que deu origem à cidade de São Paulo, e um posto de trocas dos produtos da
terra, que deu origem ao mercado Municipal de São Paulo.
Também às margens do rio havia um caminho indígena que atravessava o continente,
unindo o Oceano Atlântico, desde a cidade de São Vicente, ao Oceano Pacífico, passando por
Mauá, São Paulo e pela Cordilheira dos Andes. Era o caminho do Peabiru
11
, cujo significado
é “de difícil acesso”, conhecido também como Trilha dos Tupiniquins.
Alguns estudiosos lançaram-se ao trabalho de refazer hoje, sobre a malha urbana, o
antigo caminho; podemos citar entre eles o Prof. José de Souza Martins, o arquiteto Júlio Abe
e o pesquisador Daniel Issa. Uma parte desta longa trilha é o Caminho do Pilar, antigo nome
da Av. Barão de Mauá, principal avenida da cidade, importante no desenvolvimento que viria
a seguir.
12
Foi pelo Peabiru que Martim Afonso de Souza, em 1532, fez o reconhecimento do
território durante a primeira expedição exploradora e colonizadora da Terra de Santa Cruz,
10
MAUÁ, São Paulo, Brasil. Mapa das divisas do Município de Mauá e Distrito de Paz de Mauá, 1937.
Prefeitura do Município de Mauá. SEPLAMA.
11
GONÇALVES, Daniel Issa. O Peabirú: uma trilha indígena cruzando São Paulo. Cadernos de pesquisa do
LAP. Revista de estudos sobre urbanismo, arquitetura e preservação. o Paulo: Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, n.24, mar.-abr., 1998. p.73.
12
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. 6º. Oficial de Registro de Imóveis. Livro de registro de escrituras 3769, f. 98.
24
antigo nome do Brasil, a mando de D. João III, rei de Portugal.
13
A empreitada foi possível
através de alianças entre índios e portugueses colonizadores.Nos primeiros anos do século
XVI, o cacique Tibiriçá deixou muitos descendentes mamelucos - casando sua filha Bartira
com o explorador português João Ramalho, fundador, em 1532, da antiga Vila de Santo
André da Borda do Campo. Com a fundação da cidade de São Paulo de Piratininga os
habitantes da Vila de Santo André foram obrigados a deixar o território em 1560,
extinguindo-a. Suas ruínas nunca foram encontradas pelos arqueólogos e podem estar em
qualquer uma das sete cidades que formam o ABC Paulista (Santo André, São Bernardo, São
Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra). Hoje altamente
industrializado, quase nada do patrimônio cultural colonial da região, mas este passado
indígena deixou como legado, em Mauá e arredores, palavras na língua tupi, denominando
suas referências geográficas – vilas, rios, morros. Podemos lembrar: rios Tamanduateí, Guaió,
Corumbé; Bairro Capuava; Jardim Guapituba; Vilas Bocaina, Itapark, Itapeva; Morro
Vutussununga.
Ao longo do Rio Tietê e Caminho do Pilar surgiram propriedades chamadas sesmarias,
doadas pelos reis de Portugal aos homens de sua confiança. O sesmeiro português mais antigo
conhecido que recebeu terras próximas ao Tamanduateí foi o coronel Alexandre Barreto de
Lima
14
,em 27 de agosto de 1728. A casa bandeirista em seu sítio, na paragem de Cassaguera,
é a sede do Museu Municipal Barão de Mauá, um patrimônio em taipa de pilão tombado pelo
CONDEPHAAT em 1982.
Alexandre casou-se com a viúva Maria Siqueira Cardoso e teve cinco filhos, entre eles
o coronel Alexandre Barreto de Lima e Moraes, que se tornou homem influente e de posses,
minuciosamente relatadas em seu inventário: dinheiro em moeda, barras de ouro, ouro em pó,
13
FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil. 18.ed. São Paulo: Ática, 1996.
14
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. Arquivo do Estado. Livro de data de terras e sesmarias n. 03. p.4-5 de 27
ago. 1728.
25
jóias, pedras preciosas, imagens sacras, escravos, propriedades, gado, cavalos.
15
Também
moraram no antigo povoado o capitão João Franco da Rocha, com 2700 alqueires de terras, e
seu irmão tenente Francisco Barbosa Ortiz, com 600 alqueires.
16
Um dos filhos do Capitão
João Franco da Rocha, Antônio,
17
herda o sítio que se chamará Bocayna e a casa em taipa de
pilão que foi do coronel Alexandre, o primeiro sesmeiro. O filho do tenente Francisco, João
José Barbosa Ortiz, herda o Caguassú e Capoava, torna-se capitão, como seu tio, e suas
propriedades passam a ser conhecidas como Fazenda do Capitão João.
18
O lugarejo onde
estavam estas propriedades chamava-se Pilar e pertencia à Freguesia de São Bernardo nos
século XVIII, XIX e parte do XX. As cidades do ABC têm origem nesta antiga freguesia.
1.2 Os tempos imperiais e a industrialização
Em meados do século XIX o Brasil é governado pelo Imperador D. Pedro II, que,
modernizando o Brasil, autoriza a construção de estradas de ferro. Uma dessas ferrovias foi
planejada para unir o Porto de Santos à cidade de Jundiaí, passando pelas fazendas com
plantações de café situadas no caminho, entre elas as descritas anteriormente. Para concretizar
o empreendimento foi chamado Irineu Evangelista de Souza
19
, que já havia realizado a
construção da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Rio-Petrópolis. Por este feito,
Irineu recebeu o título de Barão de Mauá, pois a estrada de ferro partia de um mangue no Rio
de Janeiro chamado Mauá, cujo significado em Tupi é “terras erguidas entre baixos
alagadiços”. Anos mais tarde, Irineu recebeu de D. Pedro II o título de Visconde, quando da
inauguração do telégrafo submarino unindo o Brasil à Europa.
15
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. Arquivo do Estado. 1º. Ofício, 14.942/14.943, cx. 115, ordem 727.
16
SANTOS, Wanderley. Antecedentes Históricos do ABC Paulista. São Bernardo do Campo: Prefeitura do
Município, 1992.
17
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado. 1º. Ofício de Órfãos, Inventário
de João Franco da Rocha. Auto 869, ano 1822.
18
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado. Manuscrito de Inventário e
Testamento do Capitão João Barbosa Ortiz, de 18 fev. 1873.
19
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. 16
a
. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
26
Irineu Evangelista de Souza nasceu no Rio Grande do Sul e foi para o Rio de Janeiro
com nove anos de idade. Tornou-se comerciante, empresário, banqueiro, deputado. Possuía
empreendimentos em todo o Brasil e no exterior e foi o homem mais rico do império. Durante
a construção da ferrovia em São Paulo o Barão de Mauá constitui sociedade com os ingleses e
compra, através de procuração, parte das terras dos fazendeiros. Para o leito da ferrovia e
também para uso particular comprou a Fazenda do Capitão João José Barbosa Ortiz, em Pilar;
lavrou a escritura em 05 de junho de 1861
20
, mas, pouco depois, devido a enormes somas de
dinheiro adiantadas para a construção da ferrovia, um empreendimento ousado que venceu a
subida da Serra do Mar, foi à falência e perdeu tudo o que possuía no Brasil.
21
A ferrovia foi inaugurada em 1867 com o nome de São Paulo Railway e os ingleses
conquistaram o direito de explorá-la por 90 anos. O empreendimento ficou conhecido, pela
população que fazia uso de seus serviços, como “A Inglesa”. Poucos anos mais tarde, a partir
de 1877, chegaram ao Brasil, para trabalhar nas fazendas de café, as primeiras levas de
imigrantes italianos.
22
Desembarcaram no porto de Santos, subiram a Serra do Mar pela São
Paulo Railway e ficaram hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás. Dali,
foram enviados para as terras desapropriadas do Mosteiro de São Bento em São Caetano e
São Bernardo e para Pilar, atual Mauá. Os imigrantes que vieram para Pilar eram profissionais
especializados em quebrar e trabalhar com pedra, chamados de canteiros ou escarpelinos.
Rica em pedras, Pilar forneceu material para calçar a cidade de São Paulo, para a Catedral da
Sé, e mais tarde para o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret. A matéria prima que
transformava as feições de São Paulo era transportada em vagonetes por ferrovias ramais até a
São Paulo Railway.
20
SÃO PAULO, São Paulo, Brasil. Cartório do Primeiro Tabelião de Notas da Capital. Escritura de venda do
Imóvel Fazenda do Capitão João ao Barão de Mauá. Livro 57 de 5 jun. 1861. Por procuração, assina José
Ricardo Wright.
21
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. 16
a
. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
22
MARTINS, José de Souza. Diário de fim de século: notas sobre o Núcleo Colonial de São Caetano no século
XIX. São Caetano do Sul: Fundação Pró-Memória, 1998.
27
O trabalho bruto e artístico de cortar e modelar
pedras deu origem ao primeiro sindicato na periferia de
São Paulo e foi responsável pela primeira greve. A
região começou a tomar feições de subúrbio dos
operários. Surgiram fábricas ao longo da ferrovia e no
lugar das fazendas se desenvolveria o maior pólo
industrial do Brasil, o ABC Paulista. No início do
século XX, Pilar possuía em seu território a Fábrica
de Louças Viúva Grande e Filhos e os empreendimentos
cerâmicos de Bernardo Morelli.
23
A proximidade com a
ferrovia trouxe outras fábricas: a Cerâmica Mauá, a
Cerqueira Leite. Em 1926 a população resolve
homenagear o empreendedor das ferrovias Barão e Visconde de Mauá, falecido no Rio de
Janeiro em 1889, depois de pagar todas suas dívidas e recuperar o título de comerciante.
Retiram o nome Pilar, usado desde o Brasil colonial, e passam a usar o nome Mauá. O
Visconde de Mauá tornou-se patrono da cidade de Mauá. A Porcelana Mauá inicia sua
produção em 1937 com um sucesso em vendas do bule branco canelado, conhecido como
china. Torna-se a primeira fábrica de porcelana fina do Brasil. Em seguida, a Porcelana Real
inicia suas atividades e exporta o primeiro carregamento para os Estados Unidos da América.
As fábricas são da família Schmidt, seus técnicos estudam na Alemanha e trazem a influência
germânica para a louça brasileira.
A população do então Distrito de Paz de Mauá era operária na primeira metade do
século XX, produzindo louça. Desde a mistura da massa: quartzo, feldspato, caulim e argila,
passando pela modelagem e queima em alta temperatura, até os delicados decalques e filetes
23
PEREIRA, José Hermes Martins. Fábricas de Louça em São Paulo. Monografia. Museu Paulista, São Paulo,
2001.
28
em ouro, tudo era realizado pelos mauaenses, estabelecendo uma vocação para o trabalho que
resultava em peças finas e delicadas. A produção esmerada levou a cidade a ser conhecida
internacionalmente como “Cidade da Porcelana”.
Nos anos de 1960, a cidade, considerada a Capital Nacional da Porcelana,
apresentava mudanças em sua vocação
industrial com a instalação da refinaria de
Capuava, inaugurada em 1954. A porcelana
foi a princípio substituída pelo vidro e,
depois, por objetos de plástico. Muitas
indústrias desapareceram, transferiram suas
sedes ou passaram a trabalhar somente com o
acabamento de porcelanas fabricadas em
outros estados como é o caso da Porcelana
Schmidt, que passou a fabricar em Santa Catarina e Paraná, deixando filetes e decalques,
trabalhados à mão, para os operários de Mauá.
Na década de 1970, a cidade já tinha como principal atividade econômica os derivados
de petróleo. O óleo negro sobe a Serra do Mar, através de tubulações ligadas aos navios
petroleiros, para ser transformado. Ao redor da refinaria Capuava, agora pertencente à
indústria nacional Petrobrás, foi instalada a Petroquímica União, além de fábricas de gás e de
plásticos, determinando um novo modelo econômico para a cidade.
Ilustração 03 Fábrica Porcelana Mauá Operários
trabalhando no acabamento da porcelana .
Foto (déc. 1950). Acervo Museu Barão de Mauá.
29
1.3 A Juventude Operária Católica em Mauá
Com o número crescente de operários, os movimentos sociais começam a surgir. Na
década de 1940 é instalado na cidade um movimento católico de origem belga, a Juventude
Operária Católica. A JOC, sigla pela qual é conhecida, nasceu em Bruxelas, na década de
1920, pelas mãos do padre José Cardjin, filho de operário. Foi oficializada em 1925 durante a
realização do Primeiro Conselho Nacional. No Brasil teve início na década seguinte, no Vale
do Paraíba em São Paulo e no interior do Rio Grande do Sul. Seu trabalho é importante em
nosso país, precursor de alguns movimentos populares de hoje. É um campo fértil de
criatividade social e de inovações em práticas pedagógicas junto às classes populares,
contribuindo para a mudança social e estimulando outras dentro da própria Igreja,
colaborando para a compreensão das necessidades dos trabalhadores e sensibilizando os
dirigentes eclesiais para suas dificuldades e aspirações.
Sua concepção de é bem mais progressista do que outras tendências no interior da
Igreja. Seu fundador a define como sendo uma escola, um serviço, um corpo representativo,
propondo ao jovem trabalhador uma vida completa e humana. Sugere ainda ser um serviço
social que traria soluções práticas para os desafios jocistas, defendendo os direitos dos
operários.
24
O objetivo a curto prazo seria promover a participação e a organização dos jovens
trabalhadores, para que juntos pudessem encontrar soluções comuns às suas dificuldades; a
longo prazo pretendia fazer com que todos os jovens trabalhadores descobrissem o sentido
mais profundo de suas vidas, vivendo com dignidade pessoal na sociedade, assumindo a
responsabilidade de solucionar problemas em conjunto, no local e internacionalmente,
construindo sua formação na ação, buscando sempre ver, julgar e agir. Na JOC, os jovens
buscavam, além da religião, a saúde, moradia digna, dar apoio aos menores trabalhadores, às
24
KHOURY, Yara Aun. Inventário do Fundo Juventude Operária Católica: acervo do Instituto Nacional de
Pastoral, CNBB. v.1 e 2. São Paulo: PUC-SP/CEDIC, 1991. p.25-33.
30
domésticas e outras questões dos setores menos favorecidos da sociedade. Até 1968, as
militâncias dividiam-se em masculinas (JOC) e femininas (JOCF).
Em sua primeira fase, era o pároco o principal definidor e animador das atividades da
JOC, mais voltadas para as questões da família, recreação, problemas pessoais. Na década de
1930, o padre Eduardo Roberto Batista, de São Paulo, obteve a doação de um terreno na Vila
Assis, em Mauá, para a construção de uma colônia de férias e uma capela para o
movimento.
25
Na década seguinte, o sacerdote entra em contato com o artista plástico Emeric
Marcier, pintor de afrescos e o convida para pintar a Capela Cristo Rei, conhecida como
Capela da JOC, cujo nome atual é Capela Nossa Senhora Imaculada Conceição
26
.
Marcier vinha amadurecendo a idéia de pintar um grande Apocalipse e uma
Crucificação. Considerou o convite recebido do salesiano, e reiterado pelos dominicanos do
Bairro das Perdizes, uma oportunidade. Além disso, achava estes religiosos muito cultos e
conscientes, incentivadores da Arte Moderna. Depois de refletir um pouco, aceitou. Nesta
25
SENHORELLI, Luciana; BIO, Margarete. Arte sacra em Mauá. Revista Raízes. São Caetano: Fundação Pró
Memória, dez. 2003, ano XV, n.28, p.31-33.
26
Entrevista com o Cônego Belisário Elias, da Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, em 27 de outubro
de 2006.
Ilustração 04 Movimento Católico Operário Moças da JOC feminina reúnem-se em
frente à capela, ao lado dos alojamentos.
Foto (déc. 1940). Acervo Museu Barão de Mauá.
31
época, os padres franceses Regamey e Couturier conseguiram introduzir trabalhos de Fernand
Léger (1881-1955) e Georges Rouault (1871-1958) nos templos católicos e participaram da
realização da obra na Capela de Vence, na França, por Henri Matisse.
Quando Marcier veio para São Paulo e conheceu a capela em Mauá, ficou
decepcionado com a arquitetura. Achou de péssimo gosto aquela construção frágil, feita às
pressas, mas, em compensação, as
paredes eram grandes o suficiente para
fazer belos afrescos. Pouco depois, foi
morar nos alojamentos da JOC que
ficavam ao lado da capela, com a esposa
e os dois filhos, onde não havia conforto
algum: não havia luz elétrica; a água, de
poço, tinha de ser puxada com uma
corda e um balde; a grande distância até
a estação de trem ficava enlameada nos
dias de chuva.Ajudado por operários
inexperientes, realizou, à luz de velas,
sua primeira obra de arte parietal em
terras brasileiras, em 1946 e 1947.
Alguns padres e religiosos não
gostaram das pinturas, considerando o
trabalho anticristão. Em 1959, o prefeito Élio Bernardi desapropria o terreno com o
alojamento e o templo religioso para a construção do Hospital da Santa Casa de Misericórdia,
gerando conflitos com o bispo diocesano D. Jorge Marcos de Oliveira. As dependências
acabaram por ser ampliadas para o hospital. A capela ficava no centro do terreno, com
Ilustração 05 Emeric Marcier pintando o mural
Apocalipse, sobre andaimes improvisados. À esquerda os
estudos do artista.
Foto (1947). Acervo Matias Marcier.
32
construções na frente, lateral e fundos. As autoridades quiseram derrubar a capela, mas houve
protestos e a construção foi mantida. A parede dos fundos, com os afrescos do artista, é a
mesma da Unidade de Terapia Intensiva (UTI); nas laterais, ficam os corredores de acesso; na
frente, foi preservado um pequeno jardim de onde se pode apreciar a fachada principal, com
os arcos ogivais da porta de entrada. Nos anos que se seguiram, o hospital ampliou suas
instalações até envolver toda a capela, como está até hoje, dificultando o acesso da população
à obra. Mesmo tendo sido considerados por Pietro Maria Bardi, em entrevista para a revista
Habitat, em 1952,
27
como a mais bela, mais expressiva e mais importante obra mural
religiosa existente no Brasil”,
28
os afrescos quase foram destruídos e, em 2007, seu processo
de tombamento na Prefeitura ainda não havia sido assinado.
27
SENHORELLI, Luciana; BIO, Margarete. Arte sacra em Mauá. Revista Raízes. São Caetano: Fundação Pró
Memória, dez. 2003, ano XV, n.28, p.31-33.
28
MARQUEIZ, José. Marcier reencontra seus murais quase destruídos. Revista Visão. São Paulo, 3 jan. 1975.
p.50-54.
33
Ilustração 06 Vista Geral dos Murais de Marcier em Mauá Deus Pai, Juízo Final e Apocalipse ao centro; Torre
de Babel à direita; Dilúvio à esquerda.
Foto (1947). Acervo Matias Marcier.
34
2 EMERIC MARCIER, UMA VIDA DEDICADA A DEUS
2.1 Sonho e Realidade
Imre Racz Marcier nasceu em Cluj, na Romênia, na região da Transilvânia, próxima à
Hungria, Leste Europeu, em 21
de novembro de 1916 e morreu em 1990, no seu ateliê da Rue
dês Plantes, na cidade de Paris que tanto amou. Pouco antes de sua morte, entre 1988-1990,
escreveu um comovente livro de 420 páginas, Autobiografia: Deportado para a Vida. Pintou
inúmeras obras artísticas que fazem parte dos mais importantes museus e das mais
conceituadas coleções do mundo: óleos, aquarelas, desenhos, guaches, águas-fortes e murais
religiosos entre eles, os afrescos da Capela Cristo Rei de Mauá ou Capela da JOC, como é
conhecida, objeto deste estudo.
Filho de judeus da pequena burguesia conservadora,
aprende com seu pai, um engenheiro que gostava de música, a
importância de tocar um instrumento e ser poliglota (falar
várias línguas muito o ajudou durante as viagens que realizou
pelo mundo). Estudou humanidades e, muito cedo, aprendeu a
desenhar. Em sua cidade natal, formou-se na Escola de Artes
Baia Mare, voltada para as artes gráficas, e, ainda adolescente,
ingressa no ateliê de litografia da maior impressora da cidade
e tem aulas particulares de desenho. Para fugir às
perseguições étnicas, passa a utilizar o nome Emeric, derivado
do latim para o romeno, em substituição ao nome húngaro Imre.
Em 1936, para continuar os estudos, segue para Paris, sonho de todo jovem artista
romeno; mas, durante a viagem, um encontro casual com um desenhista que lhe fala sobre a
Academia de Artes de Brera, universidade em Milão, o faz mudar de idéia e destino: resolve
desembarcar na cidade italiana. No caminho, tem a oportunidade de conhecer, em Pádua, os
Ilustração 07 Vista externa da
Capela Cristo Rei, patrimônio
da Santa Casa de Misericórdia
de Mauá, SP. Foto (2004):
Acervo Museu Barão de Mauá.
35
afrescos de Giotto di Bondone (1267-1337) na capela Scrovegni e os de Andréa Mantegna
(1430/31-1506) na capela Degli Eremitemi, destruída durante a guerra nos bombardeios de
1943, que o impressionam por toda a vida.
Na universidade de Brera, depois de rápida entrevista com o professor Giuseppe
Palanti, do curso de decoração, que verifica sua capacidade como desenhista, é encaminhado
para a turma de afrescos. Esta técnica de pintura, considerada um programa de educação
medieval, está presente em muitas cidades romenas no estilo moldavo. Esta forma de arte é
definida como o entrelaçamento harmonioso
das tradições artísticas populares com
influência da arte bizantina e gótica vinda da
Sérvia, Rússia e Polônia; os mais conhecidos
são os de Varonet (Sistina do Oriente),
Sucevita Curtea de Arges.
29
Talvez por ser a Romênia conhecida
mundialmente por seus afrescos em Igrejas e
Mosteiros que Emeric Marcier tenha sido direcionado para esta técnica artística assim que
chegou em Milão. Nesse período, interessa-se por artistas surrealistas; na Exposição Universal
de Paris, em 1937, conhece a arte de Juan Miró (1893-1983), Salvador Dali (1904-1989) e
Pablo Picasso (1881-1973).
30
Já na galeria Il Milione, em frente à academia, o artista aprecia a
arte de Amadeo Modigliani (1884-1920) e de De Chirico (1888-1978). Na escola de Brera,
mesmo sob o regime autoritário de Mussolini, Emeric considerava-se livre para criar. Sua tese
de láurea foi sobre a arte do espanhol Picasso, uma liberdade para a época. No entanto, diante
do anti-semitismo que antecedeu a II Grande Guerra Mundial, não encontrava a mesma
liberdade em outros lugares. No jornal Settebelo, assinava como Marcieri, produzindo um
29
MOSTEIROS. Disponível em: <http//www.romenia.org.br>. Acesso em: 16 jun. 2006.
30
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p. 25.
Ilustração 08 Igreja de Sucevita, Romênia Na
Romênia muitos templos e mosteiros possuem
afrescos até nas paredes externas.
Acervo virtual: www.eliznik.org.uk.
36
nome com um som mais italiano. Lá, sob a direção de Cesare Zavattini, trabalhou como
desenhista, indicado pelo amigo romeno Saul Steinberg (1914-1999), da academia, criador de
Bertoldo.
Forçado pelos acontecimentos na Itália, segue para Paris em 1939, depois de diplomar-
se. Instala-se na Cite Falguière, na aldeia boêmia de Montparnasse, e faz amizade com os
surrealistas Victor Brauner (1903-1966), romeno que também trabalhou na França; o espanhol
Oscar Dominguez ( 1906-1957); o romeno Jacques Herold (1910- 1987) e Gellu Naum (1915-
2001), que em 1944 fundaria o Grupo Surrealista de Bucareste. Na França, Emeric, trabalha
com guaches, desenhos e águas-fortes. Uma vez que a relação política entre a França e a
Alemanha complicava-se, os artistas e exilados políticos procuravam ir para os Estados
Unidos da América, acreditando ser este um país jovem, endinheirado e entusiasta. Marcier
manda desenhos figurativos para Nova York, mas a procura dos norte-americanos era por
artistas abstratos. Os trabalhos de Marcier, considerados obscenos, acabam destruídos,
conforme afirma em sua autobiografia, ainda que sem revelar que trabalhos foram estes.
Ameaçada de invasão, a França declara guerra contra a Alemanha e o black-out
tornou-se comum em Paris. Na escuridão, os refugiados partem, sem despedir-se dos amigos,
o que deixou o artista muito desgostoso. Marcier participou do grande baile que antecedeu a
tomada de Paris, onde todos dançaram durante três dias e três noites; nestes dias, em que
muitos enlouqueceram, desenhou a nanquim muitos pesadelos e elucubrações.
31
Marcier
resolve partir para Portugal, sob a ditadura de Salazar, de onde saem os barcos para os
Estados Unidos. Em Lisboa, fica hospedado na casa dos pintores Arpad Szenes (1897-1985) e
Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), casal que reencontraria pouco depois, no Rio de
Janeiro, fugindo das perseguições da II Guerra. Entre 1939 e 1940, sua pintura explodiu em
grandes guaches, com temática de guerra, cavalos, capacetes, violência. Aconselhado por seus
31
Ibid. p.42.
37
anfitriões, não expõe em Lisboa. Segundo eles, suas pinturas seriam consideradas subversivas.
Para sobreviver, desenhou para a revista Presença.
Durante o período português, visitou constantemente o Museu das Janelas Verdes,
para apreciar o tríptico de Hieronymus Bosch (1450-1516) A Tentação de Santo Antônio, as
obras do pintor português do século XV Nuno Gonçalves (1450-1472) e o Ecce Homo, de
autor desconhecido, fonte de inspiração para toda a sua vida.
32
Decide, então, mudar de
planos e refugiar-se da guerra, no Rio de Janeiro.
2.2 Telas e Afrescos
Atravessou o Atlântico a bordo do Conte Grande e a viagem de quatorze longos dias
não foi suficiente acostumar o pintor com a troca das constelações no céu e a nova luz
vibrante dos países tropicais. O calor insuportável e o azul do céu tomam conta dos sentidos
do pintor, tornando a guerra, muito distante.
33
A nova paisagem tropical e as nuvens escuras,
porém luminosas, mudariam para sempre sua pintura de tendência surrealista. Chegou a
Recife, com destino ao porto de Guanabara, portando uma pequena mala e alguns desenhos,
pouco dinheiro, enorme desconfiança e incerteza desse desterro forçado pelas circunstâncias.
Sentindo-se exilado, Emeric estava longe daquilo que objetivou viver na França. No
Rio de Janeiro de 1940, procurou galerias de pinturas, mas não as encontrou. Por sua vez, a
visão exuberante do Brasil levou-o a uma vida sensorial para a qual não estava preparado.
Hospedou-se na pensão Roma, na Lapa, bairro boêmio repleto de casarões em mau estado de
conservação e igrejas coloniais; excelentes temas para pintura. Desenhou diariamente
massacres, soldados, cavaleiros, capacetes, demônios, mutilados, doidos, procissão de cegos.
Um trabalho sempre figurativo, numa temática sombria. A convivência de alguns meses com
32
Ibid. p.55.
33
Ibid. p.67.
38
os artistas, na época abstratos, que o abrigaram em Portugal não o fizeram seguir a escola,
considerada por ele, em moda no Brasil: o Abstracionismo.
De Portugal, trouxe três cartas de recomendação de José Osório de Oliveira para os
escritores brasileiros Mário de Andrade (1893-1945) e José Lins do Rego (1901-1957) e o
pintor muralista Cândido Portinari (1903-2003), sendo que esta última nunca foi entregue. Na
livraria José Olympio, da Rua do Ouvidor, trabalhava José Lins do Rego, que o apresentou
aos amigos e o introduziu no círculo dos escritores e artistas. Precisava recomeçar sua vida.
Conviveu com muitos poetas, entre eles os mineiros Murilo Mendes (1901-1975) e Lúcio
Cardoso (1912-1968) e o alagoano Jorge de Lima (1893-1953), escritores que foram as
primeiras pessoas a apreciá-lo por sua pintura.
Yone, a musa de Murilo Mendes, foi quem possibilitou a primeira exposição de
Marcier no Brasil. Com amigos no Palace Hotel, local onde se realizavam exposições, ela fica
sabendo que Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) desistiu de uma mostra. Então, no salão
dos fundos do luxuoso hall de recepção na sala da Associação dos Artistas Brasileiros, Emeric
expôs, de 20 a 29 de junho de 1940, o trabalho produzido na Europa e no Brasil. A revista
Dom Casmurro noticiou a mostra do jovem artista surrealista de 24 anos e o vernissage foi
um sucesso, com a participação de escritores, poetas e pintores. Mas nenhum quadro foi
vendido. Pouco depois, na maior dificuldade financeira, vende alguns de seus trabalhos
para amigos suíços. Emeric, desde os primeiros anos de Brasil, quis viver de sua arte.
Começou a perceber a paisagem de Copacabana e do bairro de Santa Teresa: casarios
coloniais que considerou a verdadeira identidade brasileira. Pintou-os em suas incursões pela
cidade.
Depois de alguns relacionamentos amorosos, conheceu sua futura esposa e mãe de
seus sete filhos, Julia Weber Vieira da Rosa, descendente de alemães pelo lado materno,
39
enfermeira da Cruz Vermelha e tradutora, carinhosamente chamada de Julita. Ela tornou-se
sua companheira na difícil adaptação ao país tropical.
Naquele momento, surgem temas religiosos inexplicáveis para um judeu
crucificações, gatos e bicicletas
simbolizando, para o artista,
uma comunhão cósmica.
34
Inúmeras vezes desenhou seu
gato Desdêmona e não demorou
a incluí-lo em posição vertical
na Crucificação. Pinta Cristo,
recém-nascidos e mulheres,
chorando como carpideiras ou
abraçando o corpo, como em
sofrimento. Nas tintas,
fabricadas por ele
artesanalmente, prefere os
brancos, negros, cinzas e
marrons.
Enquanto triturava óleo
de linhaça, ovo fresco, cera pura de abelha, misturando tudo com a espátula para produzir
seus brancos, inúmeras tormentas agitavam sua alma, e eram registradas em pinturas
religiosas que comparam a morte de Cristo com o infortúnio dos homens. Tendo em mente
uma grande Crucificação, de quatro ou cinco metros, o pintor procura um grande ateliê, para
obras de grandes dimensões. Trabalhando o tema da morte de Jesus, sua pintura começou a
34
Ibid. p.104.
Ilustração 09 Deposição (detalhe) Óleo s/ Tela.
Acervo Matias Marcier Foto (2006) Silvia Ahlers.
40
ser conhecida. Emeric lembra com alegria, em sua autobiografia, quando foi visitado pelo
diretor da Revista Acadêmica e pelo pintor lituâno Lasar Segall (1891-1957) que
encontraria inúmeras vezes na cidade de Mauá, pouco tempo depois.
Yone também participou da condução de seu destino em terras brasileiras,
apresentando-o aos redatores dos Diários Associados. Convidado a pintar as cidades mineiras
de Ouro Preto, Sabará, Barbacena e Tiradentes para um número especial da revista O
Cruzeiro, encontrou a verdadeira alma brasileira nos casarões e palácios, nas ruas tortuosas,
nos interiores dourados das igrejas, na escultura barroca dos Profetas de Aleijadinho.
Apaixona-se por Ouro Preto.
Com as paisagens de Minas, os casarões de Santa Teresa, os desenhos de Julita, da
pintora Djanira da Motta e Silva (1914-1979) e outros retratos, juntamente com a grande
Crucificação, realiza sua segunda exposição, no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro, amplamente divulgada pela imprensa. A repercussão desta obra lhe valeu o início da
amizade com os frades dominicanos, que o trouxeram à cidade de São Paulo.
Depois da mostra, vende as telas Gato em Pé e Carpideira ao museu e as telas
pintadas em Minas, a atores e diplomatas. Sua obra passa a ser divulgada e conhecida no
Brasil. Pinta, então, sua primeira tela da Última Ceia, usando anjos e demônios, motivo
recorrente em sua arte, pois considera os tormentos da traição maiores do que o milagre da
Eucaristia
35
sacramento em que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes no pão e no
vinho.
Pouco depois, Emeric vai para a colônia dos finlandeses adventistas, em Penedo, no
Rio de Janeiro, onde se instalou na casa de Toivo Azikainen. Ali, pôde apreciar as montanhas
azuis de Itatiaia, que seriam pintadas mais tarde nos afrescos de Mauá. Em Penedo, os
finlandeses construíram um ateliê improvisado, que possibilitou o surgimento da Crucificação
35
Ibid. p.124.
41
com São João e os Rolos do Torá, a Anunciação e uma outra Ceia. Os temas sacros
floresceram. Nesta fase, realizou e destruiu muitas telas, à procura de uma técnica mais
apurada.
36
Com a idéia fixa de pintar escuro, porém luminoso, representava as trevas de seu
espírito. Voltou ao Rio de Janeiro e, não tendo para onde ir, adormece na praia de Icaraí, onde
relata, em sua autobiografia, ter sido visitado por Jesus Cristo
37
, sua mais marcante e decisiva
experiência espiritual.
Os amigos não podiam entender por que deixara a antiga capital brasileira, o Rio de
Janeiro, depois de uma exposição com tanto sucesso. Provavelmente não tenha sentido
identidade cultural, por causa de sua vinda forçada da Europa, obrigado por acontecimentos
externos. A adaptação foi difícil, mas resolveu ficar e, no dia de seu aniversário, aos 27 anos,
foi batizado na Igreja de São Conrado por Frei Osmar, do convento dos franciscanos.
Acreditou que o Espírito Santo agiu nele com extrema rapidez, e pronunciou o Abrenuntio
com extrema fé. Neste dia, ganha de Julita o livro A Imitação de Cristo e faz um pedido a
Deus: se um dia tudo lhe for retirado, que ao menos sua pintura seja preservada.
Seus amigos, entre eles o pintor Henrique Boese (1897-1882), modernista brasileiro,
não compreendiam como tratava temas religiosos com tanta liberdade demônios e luzes
envoltos em trevas. Neste momento de sua vida, lia diariamente o Apocalipse, de São João,
fazendo alguns desenhos pequenos para fixar as idéias que lhe surgiam na mente: dragões,
bestas, serpentes, anjos, a grande prostituta símbolo da Babilônia.
Após o casamento, deixou crescer a cerrada barba ruiva que o caracterizaria por toda a
vida. Tendo que trabalhar para sustentar a família, voltou para Minas Gerais, para as cidades
de Ouro Preto, Congonhas do Campo e Vila Rica. Pintou palácios, praças e os Passos em
madeira policromada de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814). Nesta viagem,
mergulha em intensa religiosidade, chegando mesmo a desmaiar durante a elevação da hóstia,
36
Ibid. p.133.
37
Ibid. p.228.
42
quando assistia à missa na Igreja do Carmo. Interpreta o fato como uma nova experiência
espiritual.
Depois da terceira exposição no Rio de Janeiro, com crítica estimulante de Rubem
Navarro, do Diário de Notícias, sente necessidade de ir para o interior. tinha a experiência
de Itatiaia, mas permaneceu pintando a paisagem
do Rio imperial por algum tempo: Casas Verdes,
Sobrado do Marquês de Olinda, Mercado, antigos
sobrados. Decidiu vir para São Paulo,
hospedando-se na casa do amigo Pedro Otávio,
ex-estudante do colégio dos jesuítas, orientado
para o pensamento do filósofo francês Jacques
Maritain (1882-1973), católico tomista. Esta
amizade o traria até Mauá, para a Capela da
Juventude Operária Católica.
Foi o Padre Eduardo Roberto Batista quem
lhe mostrou a construção da igrejinha, em um
terreno afastado, com pouco conforto. Mesmo assim, animou–se com as grandes paredes para
pintar as imagens que estavam em sua cabeça: Dilúvio, Mar Vermelho, Dança do Bezerro de
Ouro, Torre de Babel, Paixão, Crucificação e um enorme Apocalipse. Exigiu que fossem
fechadas as janelas de vitrais falsos, o que o padre acata com certa relutância, pois tinham
sido doados por famílias ilustres da cidade.
Na enorme mesa improvisada no centro da igrejinha, em cartões de papel kraft,
necessários para servir de guia na pintura mural, desenhava em tamanho natural as imagens
que lhe tomavam a imaginação. Pintava à noite, em andaimes improvisados, com grande
Ilustração 10 Emeric Marcier o artista aos
30 anos, em 1946, quando pintou os afrescos
de Mauá. Foto acervo: Santa Casa de
Misericórdia de Mauá.
43
sacrifício para preparar as paredes,
ajudado por trabalhadores que mal
conheciam o ofício. Emeric sentia-se
instrumento da vontade de Deus.
De vez em quando Lasar Segall
vinha visitar-lhe e fazer companhia,
aproveitando que o irmão tinha uma
pequena chácara no mesmo loteamento da
Vila Assis. Neste recanto, Segall passava
temporadas longe da cidade de São
Paulo
38
e ia ver o amigo. Marcier, neste
tempo, não pensou mais nas grandes
cidades e exposições; envolveu-se
totalmente com o trabalho. Dedicou o
capítulo XVIII de sua autobiografia à Capela Cristo Rei. Antes de terminar o trabalho, porém,
pegou as poucas coisas deixadas no Rio e mudou-se para Barbacena, em Minas Gerais,
incentivado pelo amigo Pedro Otávio, proprietário de um sítio em Cruz das Almas.
Em sua nova e ampla casa, alugada, recebia regularmente a visita dos frades
dominicanos em especial frei Rosário, do Convento das Perdizes, de São Paulo e outros
religiosos, que iam a Belo Horizonte, passando por sua casa. Foram eles que o apresentaram
aos franciscanos de São João Del Rey, para onde foi muitas vezes, com o intuito de pintar a
cidade. Nesse período, retomou a pintura em telas e comprou um sítio nos arredores de
Barbacena, cidade mais alta do Brasil, produtora de rosas, de inverno rigoroso. Chamou-o de
Sítio Sant’Anna, em homenagem à sua padroeira. Voltou algumas vezes para Mauá, usando o
38
Cópia de escritura em nome de Gricha Segall, Índice Remissivo, Museu Barão Mauá.
Ilustração 11 Operário preparando parede: massa
estendida, pincéis e vela para iluminar mais uma
“jornada” noturna no afresco Pentecostes.
Foto (1946). Acervo Matias Marcier.
44
trem da Central do Brasil e a Santos-Jundiaí, para continuar a obra mural. Uma das vantagens
que vê com a compra da nova propriedade é a proximidade com Tiradentes e Barroso,
produtoras da cal, importante na realização de afrescos.
Em 1949, pinta cinco afrescos em sua casa
39
: Anunciação e Visitação, do lado externo,
ladeando a porta de entrada; na caixa d’água, Pombas Brancas; na sala, Santana e Esponsais
de Nossa Senhora. Apenas riscada
na parede, sem pintura, deixou uma
Santa Ceia.
40
Atualmente, a casa
pertence à prefeitura da cidade; é o
Museu Casa Emeric Marcier,
inaugurado em 18 de junho de
2004.
41
O museu mantém grande
parte das duas mil mudas plantadas
pelo artista, a horta, o fogão a
lenha, chaminé, alguns móveis,
cartões com desenhos e os
preciosos afrescos. Um pouco
distante da moradia, Emeric
constrói seu ateliê, para temas
sacros de grandes dimensões, onde
trabalha durante vinte anos, com
idas e vindas da Europa.
39
MUSEU Casa de Marcier. Barbacena, Minas Gerais. Panfleto Informativo. Barbacana: FUNDAC, 2004.
40
Visita ao Museu Casa de Marcier, inaugurado em 18 de junho de 2004.
41
O Museu Casa de Marcier foi instalado notio Sant’Anna, Estrada do Faria, Cruz das Almas, na casa que foi
da família em Barbacena, Minas Gerais, e é administrado pela Prefeitura da cidade.
Ilustração 12 Maria visita Isabel (Afresco, 1949).
Exterior (entrada) da casa de Emeric Marcier em Barbacena, MG.
Foto (2006), Silvia. Ahlers.
45
Por intermédio do frei dominicano Martinho, de São Paulo, pinta os Murais da
Fazenda Cerâmica e a tela Santa Ceia, para o Diário de Belo Horizonte. Durante esses
trabalhos, recebe muitas outras encomendas. Definitivamente afastado de Mauá, nunca
termina os afrescos. A Capela Cristo Rei da Juventude Operária Católica é, portanto, uma
obra inacabada.
Marcier naturalizou-se brasileiro quando a Romênia tornou-se comunista. Com
passaporte brasileiro, volta à Europa pela Espanha. Depois de onze anos em terras brasileiras,
viu arte na Igreja de Santo Antonio da Flórida, no túmulo de Francisco de Goya y Lucientes
(1746-1828), em Madri, estudou os afrescos do Museu de Arte Catalã em Barcelona e,
finalmente, foi para Paris. Precisou integrar-se novamente ao meio artístico, nesta década de
1950. Como o prestígio do bairro boêmio de Montparnasse havia se deslocado para St.
Germain de Pres, é lá que procura um ateliê. Passou muitas tardes no convento de Port-Royal.
No primeiro período francês depois dos trópicos, analisou toda a sua pintura, acreditando que,
para integrar-se ao meio, que valorizava os pintores abstratos, precisava rever sua forma de
expressão. Foi para a Itália. Visitou a galeria Borghese, viu Ticiano Vecellio (1488/89-1576),
Vittore Carpaccio (1460 circa-1525/26), o renascentista Lucas Granach (1472-1553). Fez
paisagens romanas usando cavalete, Piazza Navona, Campo dei Fiori, e inúmeros retratos de
mulheres romanas, alunas do Conservatório de Arte Dramática.
Em 1953, de volta ao Brasil, pinta a capela Santa Maria, da Casa Modernista, em
Petrópolis-RJ, projetada pelo arquiteto Francisco Bolonha para o embaixador no Vaticano
Hildebrando Accioly e sua esposa Olga. Dom Inácio Accioly, filho do casal e abade do
Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, sugere como tema Os Mistérios da Vida de Maria e
Coroação de Maria.
42
Trabalhou em uma série de telas em formato retangular: Serra da
Piedade e Barbacena, e o mural O Encontro de Emaús, no Convento da Rua do Ouro. Pinta
42
POPPE, Marcia A. C. Para dentro da concha: Um olhar sobre a produção do arquiteto Francisco Bolonha.
In: Portal Vitruvius, Romano Guerra Editora Ltda. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/
arq080/arq080_01.asp>. Acesso em: 03 nov. 2007.
46
Piedade com São Domingos e Parábola dos Cegos, telas de grandes dimensões, e as envia
para a Bienal de São Paulo de 1953. Durante o trabalho na Capela Santa Maria recebe, de
Dom Inácio, a notícia que a primeira não foi aceita na Bienal paulista, o que muito o magoou.
Achou injustiça, uma vez que a tela tinha sido amplamente divulgada na imprensa
internacional, inclusive na Revista Time. Muitos artistas figurativos entre eles Segall,
Guignard e Pancetti
43
resolvem não participar da mostra em comemoração ao 4
o
Centenário
de São Paulo. Emeric considerou que a rejeição de sua tela tenha justificativa na corrente
concretista que dominava o cenário artístico daquele período, na moda e no mercantilismo.
Neste mesmo ano, trabalha no afresco Adoração do Cordeiro, na Capela da
Congregação das Servas do Santíssimo Sacramento, em Juiz de Fora-MG,
44
mural tombado
pela prefeitura local com o título Apocalipse.
A parceria entre Marcier e o arquiteto modernista Francisco Bolonha concretizou–se
em mais dois outros
trabalhos, em
Cataguases-MG. No
ano 1954, na
residência de Ottonio
Alvim Gomes (atual
Casa Nanzita
Salgado), pinta O
Rapto de Helena de
Tróia. Em 1956
realiza o afresco
Criação do Mundo, na Capela São José do Educandário São Silvério da Ordem Carmelita.
43
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.241.
44
Cidade Virtual de Juiz de Fora e Centro Cultural P-Música.
Ilustração 13 Criação do Mundo Afresco.
São Silvério, Cataguazes, MG.
Foto de Márcia Poppe.
47
Também participam dos projetos deste arquiteto outros artistas contemporâneos de Emeric,
como Cândido Portinari, Américo Braga, Anísio Medeiros e Bruno Giorgi.
Emeric Marcier também trabalhou durante algum tempo em Salvador, na Bahia, tendo
instalado um ateliê na Pensão do Francês, na Barra, onde se encontrava o pintor José
Pancetti (1902-1958), que havia conhecido em exposição no Museu de Arte Moderna, no
Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Nessa mostra, em que figurativos não foram bem
recebidos, Marcier participou com Paisagem de Ouro Preto e Menino de Boné Vermelho.
Com Pancetti, pintou em Gamboa casas abandonadas e o mar azul. Em Itapoã pintou o Farol
da Barra.
Retornando a Paris, levou telas de auto-retratos e cenas do Apocalipse. Em sua mente
fervilhavam bestas de sete cabeças, uma mulher envolta em sal e ainda outras, devoradas por
gafanhotos com rabos de escorpião.
45
Expõe Auto Retrato com Chapéu, os Doze Passos e
outras telas. Voltando ao seu Sítio Sant’Anna, pinta outra Via Sacra e As Sete Palavras, com
as últimas palavras pronunciadas por Cristo na cruz; obra que marca, segundo o artista, a
transição de sua pintura. Entre idas e vindas da Europa surgem encomendas de novos murais.
Pinta o Hospital Ozanam, em 1959, para os padres dominicanos de Belo Horizonte, e os
afrescos do Sesc em Venda Nova-MG, em 1960. Pintou a Crucificação com João, além de A
Virgem com o Menino e a Serpente. Para esta obra executou também o desenho dos enormes
vitrais da Ressurreição. Da mesma forma como havia feito em Mauá, trabalhava a noite
inteira, com enorme e entusiasmo. Por seu trabalho, recebe a Comenda da Ordem da
Inconfidência do governo de Minas Gerais.
Outros murais de Marcier merecem destaque, entre eles o Monumento Funerário em
Muriaé, o Teatro da Praia e o Banco Estadual do Rio de Janeiro-BANERJ, mas esta forma de
45
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.277.
48
expressão artística exige muito esforço físico e era, segundo o artista, mal remunerada, de
forma que parou de trabalhar em murais, dedicando-se até o fim da vida para as telas.
Quando surgem as primeiras galerias no Rio de Janeiro, como a Petit Galerie, a
Galeria Bonino, na Av. Atlatântica, a de José de Carvalho, na Praça General Osório, a do
romeno Titi e a de Franco Terranova, em Ipanema, o Rio torna-se referência na arte brasileira,
abrigando muitas mostras importantes. A galeria Relevo, em 10 de dezembro de 1961, expõe
desenhos de Emeric Marcier reunidos em 25 anos de trabalho. O belíssimo catálogo foi
prefaciado pelo poeta e crítico de arte Ferreira Goulart (1930).
O artista também adquiriu um ateliê na Rua Timóteo da Costa, no Leblon, Rio de
Janeiro, que possibilitou a pintura de novos Apocalipses, bestas, dragões, Cristos e paisagens
das cidades mineiras de Tiradentes e Diamantina. Suas obras passam a fazer parte de grandes
coleções particulares, como a do governador do Rio de Janeiro Carlos Lacerda e sua esposa
Lílian, a do editor Adolfo Bloch (1908-1995), que em 1962 comprou uma coleção de suas
obras que hoje fazem parte do Museu da Manchete, e a do arquiteto modernista Francisco
Bolonha (1923-2006), que em 1964 já possuía 125 obras do artista.
46
Emeric Marcier tem seus trabalhos contemplados, também, nos acervos de renomados
museus, entre eles o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), Coleção Gilberto
Chateaubriand, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Museu de Arte Moderna de Santa
Catarina. O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) possui
a Praça, de 1945, óleo sobre tela
47
, da Coleção Francisco Matarazzo Sobrinho.
Em 1968, na Europa, Marcier ficou sabendo da instituição do AI-5. Como forma de
protesto contra governo ditatorial inicia as pinturas de figuras torturadas. Surgem os
Garroteados, carabineiros, as Pietás, o corpo de Cristo infestado por urubus – as aves
simbolizando os ditadores e nus femininos com ferrão de escorpião e asas de gafanhoto,
46
MACEDO, Oigres Leci Cordeiro de. Francisco Bolonha, modernidade insigne. In: CAMISASSA, Marta
(Org.). IV Seminário DOCOMOMO-Brasil, Viçosa-Cataguases: Universidade Federal de Viçosa, 2001.
47
Serviço de Documentação, MAC-USP.
49
como nas descrições do Apocalipse. Neste período também pinta nus femininos lânguidos e
cheios de volúpia, iniciando sua fase erótica.
No ano de 1974, às
vésperas do Natal, a Revista
Visão, com o repórter José
Marqueiz e o fotógrafo
internacional Geraldo Guimarães,
acompanha o artista numa visita
aos afrescos de Mauá. No silêncio
absoluto, Emeric apanha uma
esponja e tira a poeira e o mofo
dos murais. Os trabalhos não
estavam bem conservados e, sobre
a bela pintura, escorria barro e
infiltrações. O artista chorou e
comentou: “Aqui falta amor”.
48
O
padre Eduardo Roberto Batista,
professor no Instituto Dom Bosco de São Paulo, em entrevista para a revista Visão em 13 de
maio de 1975, não compreendia o abandono da Capela. Para ele, aqueles trabalhos de Marcier
“retratam com lealdade e realismo certas passagens bíblicas. Ao ver os murais, vejo a angústia
de Cristo crucificado, o remorso de Judas e, ao mesmo tempo, o estado de espírito de Marcier,
um dos maiores pintores do Brasil”.
48
MARQUEIZ, José. Marcier reencontra seus murais quase destruídos. Revista Visão. São Paulo, 3 jan. 1975.
p.50-54.
Ilustração 14 Pietá Óleo s/ Tela.
Acervo Matias Marcier.
50
Ilustração 15 - Visita aos Murais de Ma.
Emeric Marcier chora.
Foto (1974): Geraldo Guimarães
Acervo: Núcleo de História de Mauá.
___________________________________
Emeric Marcier, por seu trabalho artístico desenvolvido durante toda a vida e pela
qualidade de sua obras, figura entre os nomes mais representativos da Romênia, ao lado de
Constantin Brancusi, Nádia Comaneci, Eugene Ionesco e Tristan Tzara.
49
2.3 Fruição da Arte de Emeric Marcier
Muitos artistas muralistas trabalharam no Brasil na mesma época que Marcier, como
Fúlvio Pennacchi (1905-1992), Carlos Magano (1921-1923), Cláudio Pastro (1948) em São
Paulo e Aldo Locatelli (1915-1962) no Rio Grande do Sul. Mas, entre eles, podemos destacar
Samson Flexor (Bessarábia,1907 – São Paulo, 1971), judeu de tendência mística que tem uma
trajetória semelhante a de Emeric Marcier . Convertido para o cristianismo, manteve por toda
a vida a dualidade entre o sobrenatural e o racional, intelecto e emoção. Seus primeiros
trabalhos são de tendência expressionista para, na fase seguinte, trabalhar com rigor
geométrico a dissolução da figura; tornando-se abstrato. Flexor, assim como Marcier, também
escapou da perseguição dos nazistas durante a II Grande Guerra Mundial: vindo da
Normandia, chegou a São Paulo em 1946, onde fixou-se definitivamente em 1948. Três anos
depois, quando têm início as grandes Bienais Internacionais de São Paulo, inaugurou seu
49
MARCIER, Emeric. Disponível em: <http://members.tripod.com/travelromania/i_famousromanians>. Acesso
em: 3 out. 2007.
51
ateliê Abstração. Flexor estudou afrescos na França, na Academie Ranson, e, entre seus
trabalhos, podemos frisar a Igreja do Perpétuo Socorro (1958-1964), em São Paulo. Em sua
pintura, o tratamento pictórico para o efeito luminoso e a assimetria refletem a busca da
harmonia.
50
A obra de Emeric Marcier instigou a produção de alguns críticos. Entre eles o escritor
mineiro Affonso Romano de Sant’anna, que em seu livro Estória dos sofrimentos, morte e
ressurreição do senhor Jesus Cristo na obra de Emeric Marcier, considera o artista um pintor
mais cristão do que católico, possuidor de uma religiosidade não beata, crucificado na
obsessiva paixão de Cristo, que trabalha os seus sentimentos através da representação cíclica
da morte de Jesus. Sant’anna lembra que Marcier era apaixonado pela música de Sebastian
Bach (1685-1750) e Heinrich Shütz (1585-1672), que não vendia seus quadros separados
porque, juntos, soavam como uma sinfonia, ao passo que, separados, não tinham sentido. Para
ele, Marcier era um pintor cíclico, nascido entre o Oriente e o Ocidente, no ponto de união de
dois mundos, sempre buscando o caminho que leva ao centro, ao Eu, em constante rito de
passagem do profano ao sagrado, do humano ao divino, buscando sempre se expressar pela
luz entre as trevas, através de Cristos andróginos, com a luminosidade saindo de dentro de
Seus corpos. Sant’Anna considera Emeric Marcier um pintor lunar, que trabalhava segundo
uma trajetória de nascimento e morte, mas que nesta atmosfera sobrenatural conseguia manter
um elo com seu tempo; pintava soldados com roupas modernas, capacetes fascistas ou da
polícia militar, entre outros signos do mundo contemporâneo.
o crítico Rubem Navarra afirma que a pintura de Marcier tem uma origem trágica,
que nos consola e desampara, incita problemas de angústia, revela para a vida e oprime,
estando o homem irremediavelmente condenado, sem apresentar ilusões de salvação. O
50
BRILL, Alice. Samson Flexor do figurativismo ao abstracionismo. São Paulo: Edusp, 1990.
52
homem é um ser desesperado, perseguido por perigos e desgostos, como o próprio artista,
fugitivo de guerra e predestinado à angustia.
51
.
Roberto Pontual, analisando a obra do artista, escreve que o retrato e a paisagem são
constantes na pintura de Emeric Marcier, mas é na arte religiosa que o artista apresenta forte
expressão plástica e caracteriza seu trabalho no Brasil. No entanto, essa preferência começou
a sedimentar-se ainda em 1930, antes da vinda do artista ao país, quando tomou contato com a
pintura mural italiana dos séculos XIII e XIV. A temática religiosa mística encontrou campo
propício para desenvolver-se na atmosfera religiosa das antigas cidades mineiras, mesclada de
referências eruditas e populares, no entanto o artista nunca deixou de ser fortemente
influenciado pela arte religiosa européia medieval.
52
Para Enock Sacramento, da Associação Paulista de Críticos de Arte, as passagens
pintadas por Marcier “aos trinta anos de idade revelam um artista corajoso, possuidor de
uma linguagem plástica original, marcada pelo movimento, pela expressividade e por um
notável poder de síntese, qualidades que foram depuradas nos anos de 1950 e 60.”
53
(VISÃO,
1975, p.50).
Pietro Maria Bardi, em artigo para a revista Habitat, em 1952, afirma que Emeric
Marcier “é um artista epígono do expressionismo: provém de terras em que as tragédias da
guerra, as dores decorrentes, a carestia, os ódios raciais e as convulsões sociais produziram no
homem tremendas humilhações e descontentamentos”. E escreve, ainda, que o artista
produziu obras “com paixão exagerada, talvez exasperada, mas sem dúvida uma verdadeira e
vívida paixão.” (VISÃO, 1975, p.50)
51
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988.
52
PONTUAL, Roberto. Arte brasileira contemporânea: Coleção Gilberto Chateaubriand. Rio de Janeiro:
Edições Jornal do Brasil, 1976.
53
MARQUEIZ, José. Marcier reencontra seus murais quase destruídos. Revista Visão. São Paulo, 3 jan. 1975.
p.50-54.
53
3. MURAIS DE MARCIER EM MAUÁ
3.1 Imagens Sacras: uma tradição cristã
Para compreender a complexa obra de Emeric Marcier em Mauá, é preciso conhecer o
tratamento conferido às imagens católicas desde os primeiros cristãos passando pelos
direcionamentos artísticos dados através dos concílios até as liberdades plásticas da Arte
Moderna. Deve-se ponderar, ainda, aspectos biográficos de Marcier: imigrante romeno, judeu,
fugitivo das perseguições nazistas da II Guerra Mundial, batizado na Igreja Católica e
conhecedor de manifestações artísticas e técnicas de pintura, em especial os afrescos. Essas
características são significativas para o entendimento dos Murais de Mauá.Como primeiro
eixo de reflexão elege-se a tradição das imagens sacras que, de certa forma, orienta as
escolhas do artista. Para tanto, essa pesquisa irá pontuar alguns fatos significativos que unem
arte e fé católica.
Os primeiros seguidores de Cristo eram contra a representação de figuras. Desejavam
afastar sua crença de religiões pagãs, de adoradores de imagens e animais. Consideravam-na
genuinamente espiritual, separada da vida terrena e impossível de ser representada por mãos
humanas. Somente no século II origina-se, no interior das catacumbas, a arte paleocristã,
tendo forte caráter didático.
54
No século III, inicia-se o culto aos mártires perseguidos pelo
poder vigente de Roma; suas imagens apresentam autonomia artística em relação à arte
pagã romana, realista, de influência grega.
54
MARINO, João. Iconografia de Nossa Senhora e dos Santos. São Paulo: Banco Safra, 1996. p.19.
54
Concílios: momentos de definição
No século IV, surgem os concílios, assembléias de altos prelados católicos para
deliberar sobre assuntos dogmáticos. Eles têm papel importante no desenvolvimento da arte
dos primeiros cristãos. O Concílio de Elvira (em 305), realizado na Península Ibérica,
influenciado por São Clemente de Alexandria, determina a não-representação por mãos
humanas do que deve ser adorado. Durante o Concílio de Nicéia I (325), o cristianismo é
reconhecido como religião do Estado Romano.
55
É reconhecida, também, a existência da
Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo em uma pessoa de Deus. Esse tema é
bastante recorrente na arte sacra. Na obra de Marcier, em Mauá, domina visualmente toda a
nave central.
No transcorrer do século V, o Concílio de Éfeso (431) instaura a natureza divina de
Cristo e da Virgem Maria, marcando o início ao culto da mãe de Deus; aparecem as primeiras
imagens da Virgem, segurando no colo o Menino Jesus. O Concílio de Calcedônia (451)
reconhece Cristo como ser humano e Deus, afirmando suas duas naturezas.
56
Essa
determinação possibilitou o desenvolvimento das Ícones, imagens sagradas que fazem a
passagem do visível para o invisível, representando uma realidade transcendente, uma
realidade simbólica, que comunica o espírito humano com Deus. Nesse ponto, ressalta-se o
diálogo que Emeric trava com a arte medieval, especialmente, pode-se apreciar na
plasticidade de seu trabalho na Capela Cristo Rei, ecos das técnicas dos iconógrafos,
57
nos
quais cores e formas geométricas da composição plástica têm significado simbólico, não
sendo permitidas as cópias naturalistas de faces e corpos humanos.
58
55
Depois da perseguição do imperador romano Dioclesiano, é promulgado por Constantino o Edito de Milão
(em 313), que permite, pela primeira vez, o culto fora das catacumbas; o mesmo imperador convoca a primeira
reunião ecumênica da cristandade.
56
Ibid, p.20.
57
A palavra iconógrafo pode se referir ao artista autor de imagens sacras como também ao estudioso da
iconografia.
58
RIGO, Rosalva Trevisan. Iconografia Cristã. Disponível em: <http://www.psleo.com.br>. Acesso em: 28 out.
2007.
55
Na arte paleocristã, as pinturas não mostram Cristo crucificado. A cruz é instrumento
de tortura romana à qual eram submetidos os assassinos e ladrões. Os seguidores de Cristo
não consideram apropriada essa representação. Somente no século V surgem os crucificados.
Até o Concílio de Trulo (691-692), os artistas da cristandade representavam Cristo em forma
de um cordeiro imolado. Para não incorrer na adoração de animais, como os pagãos, esse
concílio delibera a representação humana do filho de Deus. No entanto, o cordeiro continuou
sendo usado para representar Jesus Cristo, principalmente nas pinturas relativas ao
Apocalipse, que têm como guia as visões de São João Evangelista. Acrescenta-se que outros
animais também são usados para representar santos católicos, como é possível observar nas
pinturas de Emeric Marcier.
No século VIII, Leão III proíbe o culto de imagens em Bizâncio, capital oriental do
Império Romano. Surgem os iconoclastas destruidores de imagens religiosas e uma grande
polêmica: usar, ou não, figuras na arte. Este desentendimento no interior da Igreja provocou a
destruição de imagens. Protegidos por Carlos Magno, monges bizantinos e gregos fogem para
a Itália e França, levando sua arte; nascem as oficinas e escolas de arte dedicadas a esta
temática. Por influência da imperatriz Irene, de Bizâncio, o Concílio de Nicéia II (787),
reafirma o culto de imagens, mas todo este período de luta ideológica produz retrocesso na
iconografia cristã entre os séculos VIII e IX. Somente no século XI uma grande retomada
da pintura, nas paredes das igrejas. São representados Cristo, a Virgem, os santos, apóstolos,
mártires e cavaleiros responsáveis pela reconquista de Jerusalém, terra sagrada para judeus,
cristãos e muçulmanos.
59
No século XII, os retábulos mostram, através de imagens, a vida e os milagres dos
santos. A figura de São Francisco e o amor à natureza representam o amor às coisas simples,
reflexo de Deus nesta terra. No século XIII, Jacomo de Voragine escreve a Legenda Áurea,
59
READ, Piers Paul. Os templários. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
56
com a vida dos santos, uma inspiração para os artistas. A representação de santos torna-se
abundante, fonte quase que única da literatura, durante a Idade Média. Do início da Idade
Média até o princípio do século XIV, de modo geral, a pintura não representa o espaço por
meio da perspectiva; nem os volumes por intermédio da luz; não distingue a qualidade da
matéria e nem há correção anatômica. Procura fixar a realidade invisível do espiritual.
60
Paralelamente, a Romênia, terra natal de Emeric Marcier, onde o artista passou sua
infância e juventude, absorvendo a cultura local, principalmente o estilo Moldavo, tem uma
tradição em murais que é reconhecida mundialmente. O país possui mosteiros e templos que
trazem a técnica até nas paredes
externas, como os das regiões da
Bucovina e Moldávia (século XV).
Usados para descrever
acontecimentos relacionados à
cristandade, têm como proposta a
doutrinação dos fiéis através das
imagens. São famosos os templos
de Voronet, Humor, Sucevipa,
Moldovita, Putna e Curtes de Arges.
61
Durante o Concílio de Trento (1545-1563) é examinado os excessos do Renascimento
que, voltando-se para o Classicismo, busca o domínio do racional, da natureza, e usa
60
SCHMIDT, Georg. Pequena História da Pintura Moderna: de Daunier a Chagall. São Paulo: Bloch, 1969. -
Com Giotto di Bondone (1267-1337) o mundo conhece uma das mais importantes descobertas do século XIV: a
unidade da iluminação. Ele também causou um tumulto na pintura: foi um dos primeiros artistas a pintar a vida
real, com a representação de emoções, afastando-se das convenções estáticas e estereotipadas de seu tempo. Do
fim da Idade Média até o início do século XV, de Giotto a Rafael Sanzio (1483-1520), a pintura tem por objetivo
representar a realidade visível, inventando, portanto, meios de criar a ilusão de volume, de espaço e da matéria.
61
WENDT, C. Heinrich. Rumanische Ikonemmalerei ein Kunstgeschichtliche Darstellung. Eisenach: E.
Roth, 1953.
Ilustração 16 Mosteiro Voronet, região da Moldávia, Romênia.
Foto (2007): Acervo virtual www.eliznik.org.uk.
57
frequentemente o nu artístico; este concílio resolve proibir o insólito, superstições e imagens
profanas. As lendas são também desautorizadas.
62
Depois do Concílio de Trento, a arte católica, em oposição à sobriedade dos
protestantes, busca novas soluções para além das possibilidades do ideal clássico de beleza,
criando um mundo cheio de dinamismo, vibração e sentido do maravilhoso. A vida é um
espetáculo para os sentidos; a arte não é mais beleza intelectual, mas sensorial. Nesse
momento, o Barroco, principalmente na Espanha e Portugal, de cultura latina e tradição
muçulmana, teve grande desenvolvimento.
63
Os artistas, trabalhando dentro de espaços
fechados e mal iluminados, acentuam a dramaticidade de suas obras com contrastes de claro e
escuro. Esta forma de realizar a pintura é quase sempre uma expressão do sentimenpessimista
da vida, tensão entre luz e sombra, e está presente na Capela de Mauá. Sentimentos barrocos
teriam levado Marcier a buscar obsessivamente alguns efeitos, como pintar negro, porém
luminoso, ou, ainda, pintar Cristos brilhando como cristal
64
dentro de murais com cores
escuras.
No final do século XVIII e início do século XIX, o Neoclassicismo, com o
descobrimento das ruínas de Pompéia e Herculano, faz com que a arte retome os ideais de
beleza clássica. Francisco de Goya e Lucientes (1746-1822) pinta afrescos, entre eles a cúpula
de Santo Antonio da Flórida, em Madri. Goya consegue, na plenitude de sua arte, imagens
psicológicas de seus modelos, abrindo as portas para o estudo do subconsciente,
estabelecendo a união entre o divino e o humano. Esta nova maneira de ver o mundo abre
62
Depois dessas manifestações, as representações de passagens bíblicas, santos e imagens sacras passam a ser
tão vigorosas que a história da arte, para ser compreendida, precisa ser estudada também do ponto de vista da
arte cristã.
63
NONELL, J. Bassegoda. Atlas de História da Arte. 3 ed. Portuguesa. Cataluña: Ediciones Jover, 1980.
64
SANT’ANNA Affonso Romano de. Estória dos sofrimentos, morte e ressurreição do senhor Jesus Cristo
na pintura de Emeric Marcier. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.35. Sant’Anna usa a expressão “Cristo
brilhando como cristal” para explicar que em Marcier a luz que ilumina sua pintura não vem, por exemplo, de
uma janela ou exterior, mas de dentro do corpo de Cristo.
58
caminhos para a Arte Moderna do século XX, a era da guerra total e dos extremos.
65
As
vanguardas tornaram-se parte da cultura estabelecida, sendo absorvidas, em parte, pela vida
cotidiana, e fizeram-se intensamente politizadas, inclusive dentro da Igreja Católica.
Liberdades expressivas nunca antes imaginadas dentro das igrejas tornaram-se possíveis,
como as que podem ser verificadas em Emeric Marcier.
Algumas religiões não permitem o estudo e interpretação de imagens e impedem o uso
da figura humana, sendo antiicônicas, mas não necessariamente antiiconográficas, isto é, não
autorizam, de maneira rigorosa, o uso da figura humana, colocando em seus templos desenhos
estilizadas de folhas, flores e figuras geométricas. Cristãos e budistas são extremamente ricos
em representação de imagens, enquanto judeus e muçulmanos a proscrevem. Este fato torna
ainda mais interessante a realização das pinturas por um artista de origem judia,
principalmente por ser o primeiro mural de sua autoria em terras brasileiras, pouco depois de
se tornar católico. Quantos tormentos do espírito deve ter transposto, ao pintar os Murais de
Mauá, nesta fase de transição de sua vida: mudança de direcionamento religioso, fuga da
guerra e da perseguição nazista, chegada ao país tropical, de cultura tão diferente do Leste
Europeu e possibilidade remota de voltar a Paris naquele momento.
Debates sobre a representação da fé
A representação de imagens sacras instiga estudos teóricos muito tempo. Em 1593,
Cesare Ripa publica em Roma sua principal obra: Iconologia. O trabalho parte da necessidade
de reconhecer as fontes literárias, históricas e religiosas que dão origem a toda representação
artística cristã, da Antiguidade até a Idade Média. Confirmando a atenção dada à função dos
signos, das figuras e toda representação simbólica, o estudo mostra como um atributo ou um
65
HOBSBAWM, Eric. As Artes 1914-45. In ______. Era dos Extremos: Breve século XX 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.178-197.
59
gesto está relacionado ao conhecimento humanista antigo e medieval.
66
Ripa trabalhou sobre
os textos de Vincent de Beauvais, Speculum morale, do século XIII e classificou, por ordem
alfabética, cada personificação que exprime uma idéia. Seu estudo mostra também a
expressão artística de percepções intelectuais abstratas, as alegorias como a “justiça”, a
“verdade”, a “eloqüência”, a “abundância”, a “fortuna”, a “virtude” e também os estados
psicológicos, como a “inveja”, a “vaidade”, entre outras. Seus estudos são destinados a
oradores, pintores, escultores e ourives. Fazendo uso de imagens, o artista remete a idéias e
conceitos: a pintura de um pilar representa a força que sustenta todas as pedras, sem vacilar ou
deslocar, como o homem suporta suas dificuldades e preocupações; as armas de um soldado, a
espada e o escudo, usados para defender sua vida, podem representar, em arte, um orador
defendendo seus argumentos, combatendo opiniões contrárias; uma caveira simboliza a
finitude da vida e faz pensar sobre a morte. Alegorias também estão presentes no texto bíblico
e nos Murais de Mauá, demonstrando que, mesmo no século XX, as imagens tomadas do
cotidiano, que representam uma coisa para dar idéia de outra, conceitos e idéias paralelas,
continuaram a ser usadas.
67
Outros autores dão sua contribuição para a descrição e interpretação de imagens: Jean-
Baptiste Du Bos, em Reflexões críticas sobre a poesia e a pintura, de 1719, é contra a
alegoria, condenando seu uso excessivo. Dandré Bardon, em Apologia das alegorias de
Rubens e em Lê Brum de 1776, introduzidas nas galerias do Luxemburgo e de Versalhes,
autoriza a presença de personificações mitológicas, contanto que sejam decifráveis; alguns
artistas no século XVIII introduziram alegorias que somente eles conheciam o significado,
tornando a leitura da obra ininteligível.
Para Louis Réau (1955), a História da Arte estuda documentos artísticos sob o ponto
de vista da forma, da composição, do desenho e da cor. o iconógrafo reflete sobre o
66
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Descrição e interpretação. São Paulo: Editora 34. V.8. 2004. p.21.
67
RIPA, Cesare. Iconologie (introdução). In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: textos essenciais. São
Paulo: Editora 34, 2005. p.30.
60
conteúdo, sobre o tema. Ambas, no entanto, são ciências descritivas e se distanciam da
teologia, da moral, pois seu papel não é formular juízo de valor; não prescreve ou proscreve,
portanto, qualquer tema.
68
Segundo Réau, com certeza não há uma barreira entre iconografia e
História da Arte. As artes plásticas, além de formas e cores, é a elucidação do pensamento, é
sensibilidade e é, também, razão. A eliminação da iconografia da História da Arte pode ser até
possível na obra de arte abstrata, que visa ser não semântica; no entanto, é impossível na arte
da Idade Média, e nas pinturas da Capela de Mauá, pois Emeric Marcier só realizou a
encomenda feita pelos dominicanos do Convento das Perdizes depois de ler, interpretar e dar
forma às passagens bíblicas escolhidas por ele, mantendo o caráter didático e de catecismo
próprio das obras sacras realizadas no interior das igrejas. É também preciso conhecer o
atributo dos santos, aquilo que lhe é próprio ou particular, caracterizando-os, informação
preciosa para a constatação da procedência ou escola de arte. A iconografia cristã interessa
aos historiadores da arte, à civilização em geral, à história do pensamento. Uma mesma
imagem pode despertar, em épocas diferentes, idéias e sentimentos opostos. Portanto é
preciso, segundo os iconógrafos, conhecer os textos que dão origens a pinturas sacras.
Para Otto Pächt (1977), o caminho tomado pela iconografia como ciência foi
influenciado pela iconografia da arte cristã, uma religião livresca, cujas verdades estão
codificadas. A credibilidade do que está escrito reside no fato de ter sido dito antes, através
das profecias do Antigo Testamento. Tudo está, portanto, estipulado, pré-determinado, tanto
no sentido literário como no figurativo. No entanto, na tarefa da descrição de obras de arte, é
preciso encontrar equivalentes verbais para a realização visual. Na História da Arte, assim
como em qualquer outra ciência, só se pode chegar a uma compreensão conceitual; sendo que
os conceitos não são reflexos do objeto de estudo, são signos verbais que tornam
68
RÉAU, Louis. Iconografia da arte cristã. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Descrição e
interpretação. São Paulo: Editora 34. V.8. 2004. p.71.
61
compreensível algo do objeto visado. Somos conduzidos, segundo suas palavras, à visão que
compreende.
69
Ainda segundo Pätch, diante de estilos que expõem simbolicamente, o olho parece ser
abordado por hieróglifos, por uma escrita na qual o sentido, depois de longa habituação, é
incorporado por aquele que olha. O serviço que a iconografia moderna presta é o de equipar
os nossos órgãos de sentido com o conhecimento de um costume, o qual é diferente para cada
situação histórica. Quem se ocupa da iconografia cristã indaga-se diante de cada configuração
imagética e de cada texto que, diretamente ou não, a inspira; procurando a fonte literária do
tema. Esse trabalho foi necessário no estudo da Capela Cristo Rei, onde os afrescos tiveram
origem em passagens bíblicas - a trajetória dos judeus descrita no Velho Testamento, a vida e
morte de Jesus Cristo narrada no Novo Testamento e as visões de São João Evangelista do
fim do mundo quando esteve preso na ilha de Patnos. Mas, segundo o autor, as artes plásticas
são capazes de inventar algo por si mesmas. Elas não ilustram, apenas, o que foi concebido
anteriormente em outras esferas espirituais.
O que está em jogo é a questão do papel do que é consciente no processo das imagens.
No século XX, com o advento da moderna psicologia, as profundezas do subconsciente foram
expostas, impossibilitando que os conteúdos das obras (mesmo as sacras) sejam
racionalizados. Não se pode deslocar inteiramente, portanto, as operações da imaginação, para
os limites das intenções racionais. Os historiadores da arte, cujo objeto de estudo encontra-se
no campo visual, devem procurar o significado não somente atrás da imagem, mas dentro
dela, observando atentamente a pintura, para compreender linhas, formas, volumes, cores,
ritmos, entre outros elementos, e seus significados. Sendo as artes plásticas uma criação da
esfera estética, deve-se estudar também as condições estilísticas, sua estrutura formal.
69
PÄCHT, Otto. Questões de método em História da Arte. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura:
Descrição e interpretação. São Paulo: Editora 34. V.8. 2004. p.146-157.
62
A impressão indiferenciada que se tem de uma obra vista pela primeira vez é mais
difícil de descrever mas, à medida que ela toma forma sob nossos olhos, a tarefa de expressar
verbalmente é facilitada. A obra, então, começa a ter sentido, afirma Pätch, mas a
verbalização não é automática, pois passa-se da apreciação sensível para a atitude reflexiva,
postulado da objetividade científica. Para entender as imagens da Capela Cristo Rei, portanto,
é preciso ler atentamente as passagens bíblicas representadas e comparar com a pintura
realizada sobre parede úmida.
No entanto, segundo Giulio Carlos Argan (1994), uma obra de arte não deixa de
apresentar novas leituras por ser antiga, vista inúmeras vezes e muito conhecida assim
como um tema representado muitas vezes pode ser abordado de uma nova maneira.
70
Sabendo
que a atividade artística é essencialmente atividade da imaginação e que nela incluem-se
imagens sedimentadas na memória, cabe também ao historiador da arte a compreensão dos
sinais e mensagens, transformados em pintura. Para tanto, torna-se necessário, a esta altura da
pesquisa, compreender um pouco o estilo moldavo, da Romênia, expressão artística popular
que entrelaça a arte bizantina e gótica, com a qual Emeric Marcier dialogou em sua obra.
O estilo moldavo
Originada da arte helenística e romana, a arte sacra bizantina é essencialmente
religiosa. O ícone mescla cultura, arte, história e fé, experimentando diariamente a
intervenção de Deus, da Theotokos (mãe de Deus) e dos santos. A expressão artística obedece
a cânones estabelecidos pela Igreja. Buscam reproduzir as passagens dos evangelhos,
omitindo qualquer experiência ou sentimento pessoal. O pintor é comparado ao sacerdote,
porque ambos pregam a palavra de Deus.
71
70
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. 2.ed. São Paulo: Estampa, 1994.
71
ARTE Sacra Bizantina. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/arte_sacra_bizantina.htm>.
Acesso em: 20 mai. 2006.
63
Para os cristãos do oriente, a teologia é a contemplação silenciosa. O ícone é o
caminho seguro no processo da divinização (theosis) do ser humano. É, mediante processos
de cores, símbolos e perspectiva invertida, uma porta aberta para a transcendência, uma escola
para o olhar que, do visível leva para o invisível, encontrando a verdade.
72
A palavra ícone vem do grego eikon e significa imagem, mas é ela uma imagem
sagrada, que teve grande desenvolvimento no século X, quando o cristianismo foi instaurado
como religião oficial da Rússia. Neste período, por questões culturais, dogmáticas,
disciplinares, litúrgicas e políticas, consolidou-se uma ruptura entre o cristianismo do oriente
e do ocidente; sendo instaurada a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Grega, que tinha o
patriarca de Constantinopla (atual Istambul) como primaz, em Bizâncio. Com a cristã, os
russos adotaram, dos bizantinos, a teologia da iconolatria.
Após a realização do ícone, o autor não assina a pintura. Geralmente é um monge e é
necessário que tenha plena, faça jejum, adote uma vida de abstinência sexual e de bebidas
alcoólicas. Assim, a imagem torna-se santa; ela não
representa nem imita um ídolo, mas propõe a visão de
alguém que não é um objeto ou imaginação, mas uma
“pessoa outra”; é uma evocação, um deslumbramento,
segundo o teólogo Jean-Yves Leloup.
Na teoria da arte bizantina, Erwin Panofsky
73
observa que, na imagem, um esquema de medida é
aplicado a partir de uma unidade: a medida da face. O
corpo é, então, construído sobre nove medidas-módulo do
rosto. Este cânone tem origem nos escritos dos Irmãos da Pureza, irmandade erudita árabe dos
séculos IX e X, que estudaram a harmonia do cosmo através de correspondências numéricas e
72
HEBMÜLLER, Paulo. À imagem e semelhança. Jornal da USP, São Paulo, 15 a 21 mai. 2006. p.20 (citando
Jean-Yves Leloup).
73
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.108-122.
Ilustração 17 Face Aqueropita
Ícone não realizada por mão humana.
Foto:
Acervo virtual: www.psleo.com.br.
64
musicais. O cânone transmite relações, facilitando a apreciação objetiva das proporções do ser
humano, mas não se atém a quantidades reais. A teoria
bizantina determina até a medida dos detalhes da cabeça,
tomando como comprimento do nariz, um terço da face.
Aplica o esquema de três círculos: o círculo interior, com
raio igual ao comprimento do nariz, para esquematizar a
testa e as duas faces; o segundo círculo, com o raio
equivalente a dois comprimentos de nariz, determina as
medidas da cabeça; e o último, com raio de três módulos,
passa na metade do pescoço. Este esquema, obtido com a abertura do compasso, persiste até
os dias de hoje e é observável em algumas representações de Deus Jesus Cristo nos afrescos
de Emeric Marcier em Mauá.
A arte gótica, por sua vez, foi vista pelos historiadores da arte do período renascentista
(entre eles, Giorgio Vasari em seu livro Vida dos Pintores, Escultores e Arquitetos Ilustres),
como um estilo desregrado, naturalista, sentimental,
bárbaro, tedesco,
74
primitivo, próprio do homem não-
civilizado, que suprimia o zelo religioso dos primórdios
da cristandade, mas, ainda assim, um fenômeno
verdadeiro, um novo estilo. Vasari considerava que o
Gótico, com elementos postos um sobre os outros,
pequenos nichos, pináculos, pontas, folhas, floreados,
com seus verticalismos e arcos em ângulo agudo como a
intersecção de árvores vivas, era totalmente fora de
74
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.227-306.
Ilustração 18 Arte bizantina
Esquema de três círculos para o
traçado da face.
In: PANOFSKY, Erwin. Significado
das artes visuais, p.117.
Ilustração 19 Arte gótica Esquema
para construção de figura frontal.
In: PANOFSKY, Erwin. Significado
das artes visuais, p.124.
65
proporção, como a rima em oposição à métrica, como se tudo estivesse misturado segundo
uma regra própria, com tratamento livre.
Os estudiosos seguintes puderam observar que mesmo com todas essas liberdades, o
Gótico obedecia aos princípios da harmonia, de modo a formar uma beleza com respeito
a tamanho, forma, cor e outras qualidades parecidas embora o sistema gótico, na realização
das imagens, determinasse apenas o contorno e direção do movimento, utilizando linhas
condutoras, nem sempre de conformidade com as dimensões naturais do corpo humano.
Mesmo as cabeças são construídas a partir de círculos, triângulos, losangos, alheios às formas
naturais, determinando mais a feição do que as proporções. Em sua última fase, nos séculos
XIV e XV, o estilo subjetivo recusa qualquer ajuda de construção, numa representação
metafísica.
Apesar das diferenças conceituais, a arte da região da Moldávia, na Romênia, concilia,
nos séculos XV e XVI, durante o apogeu cultural do reinado de Estevão (1457-1504),
75
diferentes expressões da Idade Média: o bizantino
e o gótico. São erguidos mosteiros, igrejas e
cidadelas no estilo Moldavo, acrescentando
inovações construtivas e decorativas ao
patrimônio cultural universal.
76
Os afrescos
exteriores representam um tesouro desta arte, uma
verdadeira Bíblia ilustrada, acessível ao povo; um
programa educacional. Como os fotogramas de
um filme colorido, os afrescos narram, além de passagens bíblicas, acontecimentos históricos
como a queda de Constantinopla.
75
Na história romena, Estevão é chamado “O Grande”.
76
MOSTEIROS. Disponível em: <http//www.romenia.org.br>. Acesso em: 16 jun. 2006. São admirados
principalmente os mosteiros: Humor, Sucevita, Sfantul Ioan, Bogdana, Balisnesti, Putna, Putna Cimitir, Siret,
Moldovita, Dragomirna, Voronet, Arbore, Parnauti, Patrauti e Probota.
Ilustração 20 Mapa da Romênia Mapa do
país dividido em regiões, estados e indicação
das principais cidades.
Acervo virtual: www.visit-romania.ro.
66
Ao analisar os afrescos de Emeric Marcier em Mauá, observou-se que este artista
dialogou com o estilo Moldavo, trazendo para o Brasil as reminiscências de sua infância e
juventude, passadas na Romênia, incorporando aos murais da capela em estudo traços da arte
bizantina e gótica (Ilustração 21), pintando inclusive um afresco do lado de fora, ao redor da
porta de entrada ( Mural Anunciação).
Ilustração 21 MARCIER, Emeric. Torre de Babel. 1946. Afresco. Detalhe -
rosto da figura que paira sobre os homens que constroem a Torre de Babel.
Diálogo com a arte medieval.
Foto (1947). Acervo Matias Marcier.
67
3.2 Afresco: pintura sobre parede úmida
Quando o visitante entra na Capela Cristo Rei, ou Capela da JOC, em Mauá-SP,
mergulha em um mundo de formas e cores. Os afrescos de Emeric Marcier, raros no Brasil,
provocam admiração e êxtase. A técnica do afresco, explorada em todas as suas
potencialidades por Marcier, merece ser detalhada mais detidamente nesse momento, uma vez
que os condicionantes técnicos são parte constitutiva da obra de arte. No caso particular da
Capela Cristo Rei, a técnica do afresco compõe sua especificidade.
Esta técnica, pintura sobre parede molhada, tem suas origens na pré-história, com os
primitivos desenhos de animais nas paredes úmidas das cavernas. Pode-se considerar estas
pinturas deixadas pelos primeiros habitantes da Terra como uma das formas mais antigas de
comunicação entre os seres humanos. Com o passar dos séculos, este modo de aplicar
pigmentos desenvolveu-se, tornando-se uma das técnicas de pintura mais duradouras. Obras
artísticas realizadas com essa técnica podem durar muito tempo, como é o caso dos afrescos
de Pompéia e Herculano. Nas culturas ocidentais, diferentes religiões fazem uso deste recurso,
entre elas a católica, para quem a pintura em fresco é considerada uma espécie de Bíblia
gravada na pedra.
77
Os afrescos podem ser encontrados tanto em espaços públicos como em
residências.
Técnica antiga, o afresco foi descrito por mestres como Marco Vitrúvio Pollione
(século I a.C.),
78
Cennino de Drea Cennini (1370-1440)
79
e Giorgio Vasari (1511-1574).
80
No
77
TIRELLO, Regina A. O restauro de um mural moderno na USP: o afresco de Carlos Magano. São Paulo:
Comissão de Patrimônio Cultural-CPC. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São
Paulo, 2001.
78
TIRELLO, Regina A. Século I a.C, em De Architectura. In: _______ O restauro de um mural moderno na
USP: o afresco de Carlos Magano. São Paulo: Comissão de Patrimônio Cultural-CPC. Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária da Universidade de São Paulo, 2001.
79
TIRELLO, Regina A.culo XIV, em Il Libro dell’ Arte o Trattato della Pittura. In: _______ O restauro de
um mural moderno na USP: o afresco de Carlos Magano. São Paulo: Comissão de Patrimônio Cultural-CPC.
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo, 2001.
80
TIRELLO, Regina A. Século XVI, em Lê Vite dePiu Eccellenti Architetti, Pittori, et Scultori Italiani, da
Cimabue Insino ai Tempi Nostr. In: _______ O restauro de um mural moderno na USP: o afresco de Carlos
Magano. São Paulo: Comissão de Patrimônio Cultural-CPC. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da
Universidade de São Paulo, 2001.
68
Brasil, no entanto, este modo de fazer pintura, considerada também uma composição
espacial,
81
passou a ser usado no século XX pelos artistas modernos, influenciados pelo
arquiteto Walter Gropius (1883-1969), da escola alemã Bauhaus, que incentivou a
incorporação de pintura, escultura e artesanato na arquitetura. Este modo de fazer pintura está
presente em várias obras de artistas, como Samson Flexor (1907-1971), Fúlvio Pennacchi
(1905-1992), Carlos Magano (1921-1923), Cláudio Pastro (1948), em São Paulo, e Aldo
Locatelli (1915-1962), no Rio Grande do Sul.
Em sua autobiografia, sobre seu trabalho em Mauá e a estrutura arquitetônica em que
foi realizado, Emeric assim escreve: “...pois eram murais. Afrescos sobre três camadas de
reboco; acredito que a espessura de quatro centímetros sustenta até hoje, embora danificada
por infiltrações, a frágil construção”.
82
A pintura mural tende ao convencionalismo técnico,
pouco variando de um artista para outro, mesmo no século XX; então, é interessante conhecer
um pouco do procedimento artístico aplicado na Capela da JOC.
Inicialmente, a parede é recoberta com uma camada de massa grossa chamada esboço,
cuja função principal é a correção das irregularidades desse suporte. Sobre o esboço, se
sobrepõem o reboco e as massas de acabamento. O principal desafio técnico é a perfeita
adesão da massa à parede e ao extrato que a antecede. Para isso, são sempre usados materiais
homogêneos e de boa plasticidade. A uma carga de partículas desagregadas (areia, de
mármore, gesso) é acrescido um material para dar liga. Com a função de agregar partículas, a
cal faz parte da história da técnica dos murais. O afresco é pintura realizada com pigmentos
destemperados com água pura sobre argamassa fresca. A areia, a cal e a água formam uma
estrutura cristalina, resistente e impermeável, fatores que contribuem para sua durabilidade. A
última camada, chamada de massa fina, é a que é colorida; enquanto úmida, é transparente,
81
TIRELLO, Regina A. O restauro de um mural moderno na USP: o afresco de Carlos Magano. São Paulo:
Comissão de Patrimônio Cultural-CPC. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São
Paulo, 2001. p.60.
82
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.179.
69
deixando entrever o desenho que servirá de guia
para a colocação dos pigmentos. Na Capela
Cristo Rei, as paredes secavam rapidamente por
serem muito velhas, construídas com tijolos de
barro, unidos pelo mesmo material; a superfície
era preparada pelos operários com quatro
camadas até às quatro horas da tarde e,
umedecida, ficava em condições de receber a
pintura.
Nessa técnica de pintura, o hidróxido de
cálcio, ou cal extinta, reage com o anidro
carbônico presente no ar. Esta combinação
forma o sal chamado carbonato de cálcio, de
dentro para fora, de lentamente, levando um
mês para se completar embora a secagem superficial se em algumas horas. A água
contida na massa evapora, uma
camada esbranquiçada se forma e o
desenho-guia desaparece. Esta
técnica exige o trabalho de um
trecho por vez. Estes períodos de
trabalhos são chamados de
giornatta, ou jornada. O
procedimento de pintura exige
grande rapidez de execução e
conhecimento dos pigmentos.
Ilustração 22 MARCIER, Emeric. Pentecostes.
1946. Afresco parede de tijolos preparada com
argamassa para receber a pintura.
Foto (1946). Acervo Matias Marcier.
Ilustração 23 MARCIER, Emeric. Crucificação. 1946. Caderno
do artista. Projeto para realização das jornadas na
Crucificação”.
Acervo Matias Marcier.
70
Quando a massa começa a secar e a carbonatação inicia-se, as cores não são mais aplicadas.
Os pigmentos estendidos sobre uma massa em processo de carbonatação tornam a pintura
frágil e superficial, impossibilitando a esperada agregação. O trecho não concluído deve ser
quebrado e reiniciado no dia seguinte. A junção de cada jornada se faz com um corte
diagonal.
O resultado de um bom afresco é a insolubilidade e a transparência, lembrando
aquarela sobre papel. Uma das maiores dificuldades na execução da obra é a necessidade de
misturar as cores com rapidez e sempre do mesmo modo. As cores mostram-se
diferentemente quando úmidas e depois de secas, sendo considerada imperícia uma faixa mais
escura (ou mais clara) na superfície de um rosto ou veste.
Antes de iniciar a pintura, o artista faz um croqui para fixar o tema; em seguida, passa
para o cartão de papel craft em tamanho natural e o transfere para o reboco macio através de
marcas feitas com instrumentos pontiagudos apoiando o papel grosso na parede
ligeiramente úmida, as formas são decalcadas e surgem as linhas mestras. Outra técnica
utilizada consiste em bater levemente uma “bonequinha” recheada com de carvão sobre o
cartão perfurado, com o auxílio de um objeto pontiagudo, no contorno do desenho e ir
marcando a parede com o pó. Marcier usou as duas técnicas. O procedimento pôde ser
constatado com a análise feita nos cartões originais que estão sob a guarda da Santa Casa de
Misericórdia . Há cartões com marcas de massa e cartões com o contorno do desenho
perfurado. Este material com o desenho original constitui um acervo precioso, com formatos e
dimensões variadas, de poucos centímetros quadrados até pouco mais de nove metros
quadrados. Emeric deixou por escrito o processo de criação do desenho: “O caboclo juntinho
de minha mesa via surgir de rabiscos, espirais quase saindo do papel, a forma do dragão de
sete cabeças. Na mesma mesa, com o Sagrado texto aberto, procurava acertar a imagem.”
83
83
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.180.
71
Não são os conhecimentos sobre técnicas construtivas que fazem um bom
muralista. É preciso harmonia com o espaço arquitetônico. Emeric exigiu que o padre
Roberto, responsável pela capela, fechasse os vãos de janelas que tinham vitrais falsos,
criando espaço para os afrescos que, entre outras qualidades, devem possuir pintura
permanente, resistente, fosca, sem verniz ou brilho, possibilitando a visão de todos os
ângulos. Nota-se que, depois da intervenção de restauro realizada em 1995, elas estão
cobertas com uma película brilhante, colocando o aspecto aveludado próprio dos murais em
perigo, descaracterizando-o.
Marcier pintava à noite usando velas, sobre andaimes improvisados, altos e inseguros,
vestindo macacões azuis, sentindo-se instrumento da vontade de Deus, tendo a mesma
sensação de liberdade que os judeus salvos por um anjo ao atravessar a faixa entre as ondas
abertas, na passagem bíblica da Travessia do Mar Vermelho, segundo suas próprias palavras..
A tarefa absorveu quase dois anos de sua vida, entre 1946 e 47.
Ao término da obra, as imagens
impressionantes foram consideradas, na
época, agressivas, desgostando muitos
religiosos. As cores escuras, as figuras
alongadas e angulosas, marcadas por
linhas sulcadas no cimento fresco,
demônios e visões apocalípticas, fizeram
com que a capela quase fosse destruída,
quando da desapropriação do terreno onde se localizava a colônia de férias da JOC, na década
de 1960. Diante da iminência da demolição, integrantes da sociedade civil e membros da
Juventude Operária Católica mobilizaram-se para preservar a obra que, por força popular, foi
Ilustração 24 Música lírica na Capela Cristo Rei.
Foto (2004): Acervo Museu Barão de Mauá.
72
mantida,
84
integrando atualmente as instalações da Santa Casa de Misericórdia de Mauá. A
capela está aberta ao público às quintas-feiras, às três da tarde, para a realização da missa.
Ocasionalmente, conjuntos de violões, flautas, orquestras de câmara e corais usam a igreja
para encontros musicais. No restante do tempo, os Murais de Marcier, em Mauá, pintados
com a técnica do afresco, ficam no silêncio e na penumbra, expostos a poucos visitantes.
84
PUNTSCHART, William. Emeric Marcier: dramaticidade e religiosidade na Capela da Juventude Operária
Católica. In: PUNTSCHART, Willian; DOTTA, Renato Alencar. Cultura e cidadania: meio século de
autonomia em Mauá 1954-2004. Mauá: Núcleo de História da Prefeitura do Município de Mauá, 2004. 2v.
(Mauá 50 anos de emancipação).
73
3.3 Análise da obra: os temas bíblicos
Capela da Juventude Operária Católica
Emeric Marcier realizou os murais na capela Cristo Rei de Mauá a partir da leitura da
Sagrada Escritura em latim,
85
dando forma através da pintura a fresco às narrativas, idéias e
simbologias que o texto contém. Pintou passagens do Antigo e do Novo Testamento, o
Gênese, o Êxodo, evangelhos de São Lucas, São Mateus, São Marcos e São João, que narram
a vida e a obra de Jesus e o Apocalipse, onde estão descritas as visões de São João Evangelista
quando esteve prisioneiro na ilha de Patmos.
A obra sacra desse pintor refere-se ao mito da criação do mundo segundo a visão
cristã; a vida e luta dos judeus para fugir do cativeiro egípcio; a vida, paixão e morte de Jesus
Cristo durante a dominação romana. Guarda, também, muitas memórias da II Grande Guerra
Mundial. Da Juventude Operária Católica do Brasil, retrata operários e participantes do
movimento. Memórias pessoais de homem perseguido pelos nazistas, quando teve parte de
sua família dividida e destruída pelas conseqüências da guerra. Retratou também pessoas
conhecidas e até a si mesmo uns, como anjos; outros, como pessoas do povo, soldados,
algozes ou bestas; muitas vezes, com um traço de humor mas, em todo conjunto da obra,
procurou expressar as dificuldades e conflitos humanos, as trevas do espírito e a dor.
A tendência de Emeric Marcier para temas sacros cristãos surgiu no Brasil, logo após
sua chegada, de forma inesperada para um judeu, pois tradicionalmente
86
os semitas aceitam
os textos sagrados na Torá, o Antigo Testamento para os católicos, mas não reconhecem o
Novo Testamento dos cristãos, que afirmam ser Jesus Cristo o Messias.
87
85
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.179.
86
As leis e tradições judaicas estão compiladas no livro Talmud.
87
De acordo com uma tradição que remonta aos tempos talmúdicos, há, em cada geração, trinta e seis homens
justos que constituem os fundamentos do mundo. Se seu anonimato, que é parte de sua própria natureza, fosse
rompido, eles não seriam nada. Um deles talvez seja o Messias, e ele permanece oculto porque a época não está à
sua altura.” In: SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
74
Pintou muitas telas a óleo representando a crucificação de Cristo; usou brancos, pretos,
cinzas e marrons. Aos poucos, a luminosidade intensa de nosso país influenciou seu modo de
lidar com os claros e escuros. Sua pintura religiosa é caracterizada pela luminosidade vinda do
interior das figuras. Com a idéia fixa de pintar escuro mas, luminoso, sobrepunha em suas
telas até vinte camadas de pretos de diversos matizes, além de pesquisar novos materiais e
obter suas tintas por macerações artesanais. Foi através de anos de pesquisa que chegou a uma
técnica onde separava o branco, tratando-o como luz. O artista deixava também partes em
branco para transmutar em preto.
A procura aparentemente técnica refletia a luta íntima das dores do espírito. Na figura
de Cristo crucificado, a luminosidade vinda do corpo de Jesus em martírio, como que do
interior da alma, acende a pintura, brilha como cristal, iluminando as outras figuras que fazem
parte da composição, como bem observou o escrito Affonso Romano de Sant’Anna, ao
apreciar suas telas. O cristal é símbolo de sabedoria e pureza, situando-se entre o visível e o
invisível.
88
Emeric soube expressar nos Murais de Mauá a batalha entre as trevas e a luz,
entre a morte e a ressurreição.
Além do tratamento dado para a luminosidade, outras características marcantes em
suas pinturas são os corpos alongados: pés e mãos desenhados dentro de ângulos agudos,
marcados por linhas de contorno que, nos murais em afresco, são gravados na massa ainda
úmida. Nos afrescos tradicionais, estes sulcos desaparecem mas, nos modernos, são usados
como linguagem plástica, participando da composição, dando maior expressividade às figuras,
vestes e contornos. Visitar a Capela Cristo Rei é uma experiência estética que vale a pena, não
pela grande quantidade de murais como também pela beleza plástica e pelas mensagens
intrínsecas que eles trazem.
88
SANT’ANNA Affonso Romano de. Estória dos sofrimentos, morte e ressurreição do senhor Jesus Cristo
na pintura de Emeric Marcier. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.45-63.
75
Os Murais de Mauá
Para melhor visualização da obra, assim se apresentam os afrescos:
Mural 1
Anunciação
Mural 2
Deus Pai
Mural 3
Juízo Final
3.1
Cordeiro e O Livro da Vida
3.2
Almas dos Santos Imolados
3.3
Multidão de Vestes Brancas
3.4
Inferno
3.5
Ressurreição dos Mortos
Mural 4
Apocalipse
4.1
Cavaleiros do Apocalipse
4.2
Águia
4.3
Anjo Vermelho
4.4
Mulher Vestida de Sol
4.5
Dragão Vermelho
4.6
Batalha de Miguel contra o Dragão
4.7
Fera
4.8
Babilônia Desnuda
4.9
Estrela do Absinto
4.10
Poço de Fumaça
4.11
Anjo do Abismo
4.12
Sete Anjos com Sete Cálices
Mural 5
Alfa e Ômega
Mural 6
Sua Majestade Divina e os Quatro Animais
6.1
Juiz
6.2
Leão
6.3
Homem
6.4
Boi
6.5
Águia
Mural 7
Batismo de Jesus
Mural 8
Jesus Levado ao Sepulcro
Mural 9
Criação do Homem
9.1
Sopro da Vida
9.2
Árvore da Vida
9.3
Expulsão de Adão e Eva
Mural 10
Dilúvio
Mural 11
Torre de Babel
Mural 12
Dança do Bezerro de Ouro
Mural 13
Travessia do Mar Vermelho
Mural 14
Transfiguração
Mural 15
Pentecostes
Mural 16
Deposição
Mural 17
Ressurreição
Mural 18
Crucificação
Mural 19
Jesus Entregue aos Soldados
Mural 20
Flagelação
Mural 21
Sepulcro Vazio
Mural 22
Pedro Nega Jesus
Mural 23
Suicídio de Judas
(Tabela 1)
76
A obra tem início no lado externo da parede da porta de entrada principal. À direita e à
esquerda vê-se o primeiro mural, a Anunciação. As cores vão do ocre aos marrons intensos.
Um anjo conversa com uma mulher: na cidade de Nazaré, Gabriel, um anjo enviado por Deus,
aparece à jovem virgem Maria e anuncia que ela será mãe do filho de Deus, através do
Espírito Santo.
89
Maria está ajoelhada e segura um pequeno livro em sua mão. Um único raio
de luz dourada atravessa a pintura escura e ilumina suas páginas abertas, lembrando a solução
plástica encontrada no Barroco para exprimir dramatização, tornando o tema da gravidez mais
comovente. A pintura da passagem bíblica também parece nos convidar a entrar, como que
anunciando os afrescos que podem ser apreciados no interior do templo.
Ao transpor a porta principal, vê-se a nave, espaço entre a entrada e o altar. A
sensação é de mergulho em uma profusão de cores e formas, mas predomina a sensação de
azul que vai, aos poucos, abrindo-se aos olhos. A visão é dirigida ao altar, onde se uma
parede côncava e,
sobre ela, o mural
número dois, uma
grande imagem de
Deus Pai,
representado por
um homem idoso
de rosto marcado
pelo tempo, uma
longa barba
branca, a mão direita erguida em um movimento de benção, a outra mão levemente abaixada
ao lado do corpo dando a sensação de acolhida; mas, ao aproximar-se, seus grandes olhos
89
Bíblia, Novo Testamento Lc. 1, 26-38.
Ilustração 25 MARCIER, Emeric. Deus Pai (centro), Juízo Final (ao redor).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
77
amarelos e sua expressão grave, de grande autoridade, convida a manter uma distância
respeitosa.
A figura é muito branca, um triângulo amarelo emoldura sua cabeça e um manto com
dobras angulosas lhe cai pelo corpo, como que esculpido em pedra. Atrás, um fundo de
montanhas azuis remete a uma outra dimensão, a uma paisagem celestial. Uma pomba branca
à sua frente voa para baixo. Sobre o altar de mármore branco há uma cruz em metal,
formando, para quem entra, um conjunto emoldurado por um arco ogival, a Santíssima
Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Observando atentamente, percebe-se que a cruz de
metal com o corpo do Filho é um acréscimo posterior, de autor desconhecido. Com letras
douradas, a frase “+VT. VITA HABEANT+” está gravada no altar. As montanhas, surgidas
entre nuvens e céus de temporal, irradiam o azul para todo conjunto. Foram pintadas tendo em
mente a cidade de Itatiaia, no Rio de Janeiro,
90
mas também lembram as terras onduladas da
cidade de Mauá e o morro Vutussununga, o mais alto do Grande ABC Paulista.
Dirigindo o olhar para a parede ao redor, pode-se apreciar o terceiro mural, Juízo
Final, com passagens do livro do Apocalipse,
91
de São João, quando todos os seres vivos e
mortos serão julgados pelos seus atos.
92
O trabalho descreve, através das imagens, vários
versículos do Livro Sagrado. No centro e bem alto está representado o Cordeiro e o Livro da
Vida que, na simbologia cristã, é Jesus Cristo. Ferido por sete golpes de lança, seu pescoço
sangra e sua cabeça apresenta sete pontas de flechas, que podem ser interpretadas como
chifres, que representam a plenitude do poder e da inteligência.
93
Em seu corpo estão
desenhados sete olhos, simbolizando os sete espíritos de Deus enviados para observar os seres
90
Emeric morou em Itatiaia, na colônia Finlandesa fundada por Toivo Azikainen.
91
Apocalipse, palavra grega que significa revelação, é o livro de São João Evangelista, escrito mais ou menos no
ano 100. Ele é bastante enigmático, mas é um gênero de literatura usado pelos judeus desde dois século antes,
como no livro Daniel. Apresenta uma série de visões, ou revelações muito simbólicas, figuradas e misteriosas.
Sua leitura se torna mais fácil se, desde o começo, o simbolismo for do conhecimento do leitor: o cordeiro é
Cristo; a mulher, a Igreja; o dragão as forças hostis; a fera é Nero; Babilônia, a Roma pagã; as vestes brancas, a
vitória. In: BÍBLIA Sagrada. 94
a
ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda. 1995.
92
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 20, 11-15.
93
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1561.
78
humanos. Ele está envolto em nuvens brancas e diáfanas e, em sua pata direita vê-se o Livro
da Vida aberto, onde pode-se ler “SUA VITA”.
Segundo a liturgia cristã, o Livro da Vida foi fechado por sete selos e somente o
Cordeiro tem o poder de abri-lo. A abertura de cada um dos selos faz com que aconteçam as
profecias que anunciam o fim do mundo . Com a abertura do primeiro ao quarto selo, surgem
os Cavaleiros do Apocalipse, que
serão descritos no mural a seguir.
Depois de aberto o quinto selo do
Livro da Vida, surgem as Almas dos
Santos Imolados.
94
A pintura dessa
passagem está transposta para a
parede em que figura o Cordeiro, na
imagem de homens e mulheres com
vestidos brancos, que parecem pisar muito
levemente, apoiando os pés em estruturas
invisíveis. Segundo a Escritura, foi-lhes dito para
aguardar até que se completasse o número dos
irmãos que seriam mortos pregando o
cristianismo, pintados na parede sugerem que
estão aguardando seu destino.
Ao abrir o sexto selo, surge a grande
Multidão de Vestes Brancas, seres humanos
segurando uma palma, que sinaliza, na iconografia
cristã, o sacrifício dos mártires que foram castigados, com a morte, por professar sua ao
94
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 6, 9-11.
Ilustração 26 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe:
Cordeiro e o Livro da Vida).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
Ilustração 27 MARCIER, Emeric. Juízo Final
(detalhe: Multidão de Vetes Brancas).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
79
mundo. Suas vestes tornaríam-se brancas depois de lavadas no sangue do Cordeiro. A
multidão está representada de vestes longas, brancas e translúcidas, pés e mãos terminadas em
ângulos agudos, movimentos suaves, com um leve projetar do corpo em várias direções.
Caminham pisando, como na passagem anterior, sobre formas que não se pode precisar.
Depois da abertura do sétimo e último selo do Livro da Vida, o texto bíblico relata um
grande silêncio no céu, que dura meia hora, e surgem sete anjos que tocam suas trombetas,
anunciando sete pragas. Neste afresco, eles voam em todas as direções e são em número
maior que sete somente no canto esquerdo um grupo de quatorze anjos. Destes, quatro
estão de azul; oito, de vermelho e dois, de branco; dez tocam trombetas e, mais abaixo, dois
tocam harpa e um, toca bandolim. Espalhados pela pintura pode-se contar mais quatro anjos
com trombetas. É admirável a liberdade com que o artista trabalhou em certas passagens do
livro Apocalipse, pois São João termina o texto bíblico declarando: “Eu declaro a todos
aqueles que ouvirem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhes ajuntar alguma coisa,
Deus ajuntará sobre ele as pragas descritas neste livro.”
95
ainda muitos outros anjos na pintura, com funções diferentes. Eles são pintados na
flor da idade, pois, segundo escreveu Durand de Mende no século XIII, eles jamais
envelhecem.
96
Ao lado do Cordeiro, um desses seres espirituais plana, segurando uma cruz
grega em forma de T. Outro segura um cálice, num gesto que simboliza que está recolhendo o
sangue de Cristo. Seus pés, pendendo obliquamente, lembram a perspectiva usada na arte
medieval
97
para representar formas em escorço.
98
Emeric Marcier faz um diálogo constante
com o estilo Moldavo, através da representação plástica de figuras que remetem aos afrescos
de seu país de origem.
95
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 22,18.
96
MENDE, Guillaume Durand de. Representações da imagem de Cristo e das figuras bíblicas. In
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Da imitação à expressão. São Paulo: Editora 34. V.5. 2004. p 32.
97
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.109.
98
Efeito usado nas representações em perspectiva, aperfeiçoado pelos renascentistas para representar figuras
vistas de frente.
80
As imagens vão sendo
apresentadas ao observador em um
movimento rítmico de pés, mãos e asas
aguçadas e se completam com a visão do
Inferno. Seres humanos prisioneiros no
abismo, entre chamas vermelhas e
amarelas, observam o diabo negro-
azulado, corpo humano, cabeça de cão e
chifres de boi, abrindo a boca feroz
enquanto serpenteia a calda, ameaçando suas vítimas, numa dança frenética e macabra.
No extremo direito vê-se a Ressurreição dos Mortos, com seres humanos de corpos
vermelhos como brasa, homens e mulheres nus, que saem de seus túmulos. Caveiras muito
brancas estão estendidas sobre as lápides e urubus observam a cena, que lembra os fornos
onde os judeus foram mortos na Alemanha durante o governo nazista. Uma mulher nua grita
com a boca aberta em forma oval. Os braços erguidos na direção da cabeça denotam seu
extremo pavor, lembrando O Grito de Edward Munch (1863-1944). A sensação é asfixiante.
Ilustração 28 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe:
Inferno).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
Ilustração 29 MARCIER, Emeric. Juízo Final
(detalhe: Ressurreição dos Mortos).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
81
Uma parede com uma grande abertura em forma de arco ogival encobre parcialmente
o afresco descrito do Juízo Final . Nesta outra, pode-se apreciar o quarto mural, Apocalipse,
onde vemos, também, muitas passagens. Chama especial atenção os Quatro Cavaleiros do
Apocalipse, montando cavalos coloridos: branco, vermelho, negro e amarelo. O cavalo
branco, com as patas dianteiras muito esticadas para frente e corpo petrificado em um
movimento antinatural, que surge quando é aberto o primeiro selo do Livro da Vida,
representa a vitória. Seu cavaleiro usa uma coroa amarela e empunha um arco e flecha.
99
O
cavalo vermelho, que surge ao abrir o segundo selo, volta seu pescoço para trás, contido
99
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 6, 2.
Ilustração 30 MARCIER, Emeric. Juízo Final (detalhe:
Ressurreição dos Mortos mulher grita com os braços erguidos).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
82
repentinamente por seu cavaleiro, que empunha uma espada. A este é dado o poder de tirar a
paz da terra.
100
O cavalo negro surge quando é aberto o terceiro selo, seu cavaleiro segura
uma balança e uma voz clama, segundo as visões de São João Evangelista: “uma medida de
trigo por um denário, e três medidas de cevada por um denário; mas não danifiques o azeite e
o vinho.”
101
As palavras anunciam que o cavalo preto é a fome, e um quilo de trigo custará
um dia de trabalho. A carestia é conseqüência das guerras.
102
que haverão de se proliferar na
terra. O cavalo amarelo surge quando é aberto o quarto selo. Seu cavaleiro é a Morte, pintado
como um esqueleto, tem o poder de exterminar a quarta parte da terra com a espada, a fome, a
peste e com feras.
103
Os cavalos galopam em
direção à Águia, que representa
São João Evangelista, autor do
texto que descreve o fim do
mundo; na imagem de um
pássaro veloz e de visão
apurada, ele tem por missão
anunciar a todos os povos os
ensinamentos dos cristãos.
Faixas voam emoldurando o
alto do afresco. As palavras
escritas em latim anunciam que São João manda a mensagem para as sete igrejas, situadas em
Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia.
100
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 6, 4.
101
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 6, 5.
102
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1562.
103
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 6, 7.
Ilustração 31 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhes: Cavaleiros
do Apocalipse (alto), anjos tocando trombetas (esquerda), Sete Anjos
com Sete Cálices, anjo lança pedras sobre a terra (direita).
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
83
Assim se apresenta a frase:
APOC. I. 9. 11 EGO JOANNES FRATER VESTER
ET PARTICEPS IN TRIBULATIONE et REGNO
et PATIENTIA IN CHRISTUS JESV FVI INSULA QVAE APELLATUR PATMOS
PROPTER VERBVM DEI et TESTIMONIVM JESU. FVI IN SPIRITV
IN DOMINICA DIE et AVDIVI POST ME VOCEM MAGNAM TAMQVAM TUBAE
DICENTIS
QVOD VIDES SCRIBE IN LIBRO er
MITTE SEPTEM ECCLESUS
QVAE SURT IN ASIA
THIATIRAE et SAROIS et PHILADELPHIA
et LAODICIAE et EPHESO et AMYRNAE et PERGAMO
No centro deste mural, o Anjo Vermelho voa com sua língua em formato de espada em
direção à Mulher Vestida de Sol,
104
representada por uma jovem de vestido longo azul que
segura uma criança pequena no braço, apoiando um dos pés na lua minguante e tendo, ao seu
redor, uma grande oval amarela que representa o astro que ilumina seu corpo. Um grande
dragão serpenteia ao seu redor. É o Dragão Vermelho, que quer devorar seu filho.
105
104
Nossa Senhora da Conceição também é representada, na simbologia católica, como uma mulher que tem a lua
aos seus pés, esmagando uma serpente que representa o dragão, o mal. A Capela Cristo Rei mudou de nome
quando deixou de pertencer ao Movimento da Juventude Operária Católica, na década de 1960, chamando-se,
atualmente, Capela Nossa Senhora Imaculada Conceição.
Ilustração 32 MARCIER, Emeric. Vista geral dos afrescos do altar: Deus Pai (centro);
Juízo Final (ao redor); Apocalipse (parede da frente): Mulher Vestida de Sol, Batalha de
Miguel contra o Dragão, Babilônia Desnuda (à esquerda), Anjo Vermelho (ao centro);
Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Sete Anjos com Sete Cálices, Anjo do Abismo (à
direita). No alto faixas esvoaçantes.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
84
Abaixo dela está pintada a Batalha de Miguel contra o Dragão. Uma serpente,
representando o demônio de sete cabeças e dez coroas pintadas em seu corpo, move-se em
espiral, dando sete voltas sobre si mesma. De sua boca saem chamas que são rebatidas pela
miríade de anjos de túnica branca e escudos das cruzadas,
106
chefiados pelo arcanjo Miguel.
Na parte inferior esquerda vê-se a pintura da Fera, com corpo de cordeiro e dois
chifres. Seu rosto é o de um homem com cavanhaque, provavelmente um desafeto de Marcier.
A fera com grande poder veio para enganar os homens e colocar em tudo um sinal com o seu
número, que é 666.
107
O número da personificação na passagem bíblica de São João
Evangelista é provavelmente uma maneira de
designar simbolicamente o imperador romano
César Nero. Evitando escrever diretamente seu
nome, São João não se expôs demasiadamente,
pois estava preso; entretanto, a chave do enigma
está perdida, deixando margem para muitas
divagações,
108
inclusive a de ser o 666 um
número que expressa a imperfeição e a
inferioridade, sendo a perfeição representada
pelo número sete. Não nesta passagem, mas
também em todos os afrescos de Marcier,
podemos observar o misticismo do número sete: anjos, pessoas ou animais são agrupados,
muitas vezes, neste número ou em seus múltiplos, catorze e vinte e um.
Ao lado da Fera, que também pode ser chamada de Besta, pode-se apreciar a
Babilônia Desnuda, a grande prostituta na figura de uma mulher cujo manto vermelho cai,
105
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 12, 1-4.
106
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 12, 7-9.
107
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 13, 11-18.
108
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1568.
Ilustração 33 MARCIER, Emeric. Apocalipse
(detalhe: Fera). Besta que possui o número 666.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
85
abaixo da cintura. Seu antebraço erguido sobre a cabeça demonstra desespero. A mulher está
ébria do sangue dos santos e mártires que professaram as palavras de Jesus e foram castigados
pelos romanos. Ela foge atormentada porque um anjo anuncia sua ruína; seu castigo será
terrível. Desnudada, suas carnes serão comidas e queimadas com fogo.
109
Este simbolismo
exprime, para os cristãos, os perigos da idolatria e das depravações morais, sob o comando de
Roma.
110
Pouco antes de Emeric Marcier executar os Murais de Mauá, ele fez pinturas em tela
do Apocalipse; muitas soluções plásticas para a representação figurativa do texto sagrado
estão presentes nos Murais de Mauá, inclusive da Babilônia desnuda. Esta temática, que
evoca imagens do fim do mundo, foi muito apropriada para ser desenvolvida por Emeric
Marcier; pintor que iniciou sua carreira como surrealista, ela possibilitou o surgimento de
imagens psíquicas, retiradas de
sonhos e pesadelos.
Continuando a
apreciação deste quarto mural,
é possível perceber, do lado
direito da pintura, as pragas
lançadas sobre a terra quando
os anjos tocam suas trombetas.
Ao toque do primeiro anjo, uma
saraivada de fogo e sangue é
lançada sobre a terra. Ao toque
do segundo, o mar transforma-
se em sangue. Ao terceiro
109
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 17, 16-18.
110
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1571.
Ilustração 34 MARCIER, Emeric. Apocalipse (detalhe: Sua
Majestade Divina, Dragão de Sete Cabeças, Babilônia Desnuda,
Fera 666 e outras figuras semelhantes aos Murais de Mauá). 1946.
Óleo sobre Tela.
Acervo: Matias Marcier. Foto Silvia Ahlers (2006).
86
toque, cai a Estrela do Absinto, tornando as águas da terra amargas e envenenadas. No
afresco, figura como uma estrela amarela de oito pontas envolta em uma luminosidade
vermelha. Depois que o quarto anjo executa sua música, o dia perde um terço de sua
claridade. Ao som do quinto anjo, uma estrela abre um Poço de Fumaça na terra,
representado por arabescos que se desenrolam a partir de um ponto enegrecido e, do seu
interior, surge o Anjo do Abismo chamado Abadon em hebraico, Apolion em grego ou
Destruidor em português pintado apenas com tons de azul; o rosto cadavérico e as asas
pontiagudas. Abaixo dele, um casal nu corre, sendo incitado por um anjo com espada
flamejante. Esta é uma alusão à passagem bíblica da expulsão do paraíso mas, no final dos
tempos, o casal foge com uma criança nos braços. Depois que o sexto anjo toca sua trombeta,
São João Evangelista recebe o Livro Amargo de um anjo e ordens para devorá-lo. O gesto
simbólico representa assimilar o conteúdo para profetizá-lo por mil duzentos e sessenta dias.
Na representação desta passagem bíblica, São João Evangelista está vestido com pele de lobo,
como na representação de São João Batista como se as
duas imagens fossem a mesma pessoa. Provavelmente,
um equívoco do pintor. Depois de soar a sétima trombeta,
a Batalha de Miguel contra o Dragão, descrita, e
Cristo reinará sobre a Terra, segundo as Escrituras
Sagradas.
Além destas quatorze pragas, todas registradas no
afresco, estão também pintados os Sete Anjos com Sete
Cálices, totalizando as vinte e uma pragas descritas no
livro Apocalipse. Na pintura desta passagem, entes
espirituais vestidos de branco vertem, de seus cálices
dourados, ondas vermelhas e alaranjadas que representam
Ilustração 35 MARCIER, Emeric.
Apocalipse (detalhe: Anjo do
Abismo, Estrela do Absinto, Poço de
Fumaça).
Foto (2004) e Acervo Silvia Ahlers.
87
a cólera de Deus sobre a humanidade e as sete calamidades que atingirão a terra: a úlcera
maligna; o mar transformado em sangue; os rios e fontes tingidos pelo sangue dos santos
mártires; o calor do sol que queimará os homens; a escuridão do reinado da Fera, ou falso
profeta; o Rio Eufrates que secará e as cidades e nações que cairão
111
entre elas, Babilônia,
soterrada por pedras de gelo. Apenas um anjo ergue as mãos para o alto, acompanhando o
movimento de um outro anjo com longo cabelo vermelho e asas azuis agudas. Este último
lança pedras sobre a terra, completando as passagens das pragas que afligirão os homens nos
últimos dias da humanidade.
No teto do altar vê-se a pintura do quinto mural: apenas as letras gregas Alfa e Ômega
em vermelho, simbolizando Deus, o princípio e o fim de tudo, que anuncia sua vinda nos
finais dos tempos.
O teto da nave da Capela Cristo Rei apresenta o maior de seus murais, o de número
seis, onde se Sua Majestade Divina e os Quatro
Animais, completando as visões de São João na ilha de
Pátmos. Assentado sobre o trono está o Juiz do final dos
tempos, que julgará todos os atos da humanidade.
112
Este
soberano é, para os cristãos, Jesus que voltará na sua
glória e sentar-seno seu trono, para julgar os vivos e
os mortos.
113
Simboliza a essência invisível da divindade
em sua primeira fonte,
114
Deus.
A imagem se apresenta como um homem de
barba branca e curta, olhos amarelos, cabelos compridos
repartidos ao meio e penteados para trás das orelhas.
111
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 16, 1-19
112
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 4, 1-11
113
Bíblia, Novo Testamento Mt. 25, 31-34
114
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1560.
Ilustração 36 MARCIER, Emeric. Sua
Majestade Divina. Pintada no centro do
teto da nave central, Ele segura o Livro
da Vida fechado por sete selos.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
88
Veste um manto que faz uma diagonal sobre o peito e desce sobre o corpo em suaves pregas
transparentes, tocando o chão. A mão esquerda está levantada. Os dedos são extremamente
longos, com o indicador e médio juntos, fazendo um gesto que parece ordenar “sentem-se e
ouçam com atenção o que tenho a dizer”. Na mão direita, apoiado em sua perna, segura um
livro vermelho: é o Livro da Vida, fechado. Sua capa apresenta um losango azul de diagonais
pretas. Atrás da cabeça, desenhada a partir de uma oval regular, vê-se um círculo dividido em
oito partes, alternadamente pintadas de laranja e castanho. Deus está descalço e seus pés
humanos possuem algo de improvável na envergadura acentuada de seu dorso. A perspectiva
invertida, característica das pinturas da Idade Média,
115
mostra o da frente menor que o
outro, colocado um pouco atrás. Alguns degraus levam ao trono que está colocado sobre um
fundo vermelho. Principalmente neste mural é possível observar reminiscências do estilo
Moldavo.
A imagem descrita, denominada na História da Arte de Pantocrator, possui um jogo
visual bastante curioso que chama a atenção do fruidor: ao entrar pela porta principal, olhando
para cima, vê-se o Livro da Vida à direita; quando volta-se para sair, olhando mais uma vez
para o alto, vê-se o Livro à esquerda. A sensação que se tem é a de um movimento
imaginário: o livro muda de lado.
Nos quatro cantos desse mesmo teto, pintados sobre fundo vermelho, estão quatro
animais cheios de olhos pelo corpo, seis asas cada, representando os evangelistas. Os animais
dizem, segundo São João Batista, de dia e de noite palavras em louvor a Deus, glorificando
aquele que está assentado no trono.
116
A simbologia na representação de Cristo e de figuras bíblicas foi descrita pela primeira
vez por Guillaume Durand de Mende no Rationale divinorum officiorum, em 1286,
considerado a síntese sobre os conhecimentos da Idade Média em liturgia. Mende esclarece
115
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.109.
116
Bíblia, Novo Testamento Apoc. 4, 2-9.
89
que o primeiro animal, o Leão, representa São Marcos e o segundo animal, o Homem,
representa São Mateus – ambos são colocados à direita porque significam a alegria da
ressurreição. O terceiro animal, o Boi, representa São Lucas, que foi iniciado pelo sacerdote
Zacarias o boi é um animal apropriado ao sacrifício dos sacerdotes, possui dois chifres que
significam os dois testamentos que deixou. Os quatro cascos remetem ao pensamento dos
quatro evangelistas. Sugere também a imagem de
Cristo que foi sacrificado pelos erros da humanidade
– é colocado à esquerda porque sua morte entristeceu
a todos. O quarto animal, a Águia, simboliza São
João Evangelista, paira acima dos cumes das
montanhas dizendo: “No princípio era o verbo”.
117
A
águia também é a imagem de Jesus, ressuscitado dos
mortos.
118
O Leão levanta sua pata direita. O corpo
petrificado possui um rosto humano, inscrito em um círculo, gira levemente para o lado a
cabeça emoldurada pela juba, a calda parece se mover desenhando um “S” no espaço, as asas
que partem de seu corpo se agitam levemente e os
olhos negros nelas desenhados nos observam.
O Homem voa com as mãos espalmadas
voltadas para cima. É bastante jovem e possui uma
aura dourada ao redor da cabeça. Seu rosto está
desenhado à maneira bizantina, ou seja, um círculo
imaginário determina o comprimento do nariz e testa;
117
Bíblia, Novo Testamento Jô. 1, 1.
118
MENDE, Guillaume Durand de. Representações da imagem de Cristo e das figuras bíblicas. In:
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura: Da imitação à expressão. São Paulo: Editora 34. V.5. 2004. p.33.
Ilustração 37 MARCIER, Emeric. Sua
Majestade Divina e os Quatro Animais
(detalhe: Leão). O leão representa São
Marcos.
Foto: Acervo Luciana Senhorelli.
Ilustração 38 MARCIER, Emeric. Sua
Majestade Divina e os Quatro Animais
(detalhe: Homem). O homem representa São
Mateus.
Foto: Acervo Luciana Senhorelli.
90
outro círculo excêntrico, com comprimento de duas medidas do nariz, inscreve o queixo e o
alto da cabeça; um terceiro círculo, com o raio igual a
três comprimentos do nariz passa na metade do
pescoço. Dessa maneira, muitas outras imagens estão
pintadas no interior da capela. Asas cheias de olhos
sustentam o Homem, elevando seu corpo, que inclina
levemente para trás.
O Boi dotado de calda semelhante à do leão.
Possuidor de corpo robusto, mantém as quatro patas
firmemente apoiadas no chão e três, das seis asas
pontiagudas, estão voltadas para trás, assim como sua cabeça. A imobilidade remete a uma
atitude de segurança, firmeza e decisão.
A Águia não está tranqüila. O bico
entreaberto mostra a língua, o olho amarelo fixa um
ponto imaginário, seus pés de ave se prendem no
chão enquanto as asas se agitam. Seu corpo
estilizado inscreve uma diagonal no quadrado
vermelho que a envolve. O grito da águia deixa
entrever que as calamidades descritas nas passagens
do Apocalipse ferirão a humanidade e a natureza.
119
Depois de apreciar os seis murais, com a
pintura das passagens bíblicas de Maria, mãe de
Jesus, recebendo a notícia de sua gravidez e as terríveis visões do fim do mundo, é possível
perceber que Emeric Marcier fez uso, em sua arte, do estilo moldavo Deus Pai, Sua
119
BÍBLIA Sagrada. 94.ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda., 1995. p.1564.
Ilustração 39 MARCIER, Emeric. Sua
Majestade Divina e os Quatro Animais
(detalhe: Boi). O boi representa São Lucas.
Foto: Acervo Luciana Senhorelli.
Ilustração 40 MARCIER, Emeric. Sua
Majestade Divina e os Quatro Animais
(detalhe: Águia). A águia representa São
Lucas.
Foto: Acervo Luciana Senhorelli.
91
Majestade Divina e os Quatro Animais
120
–, da luz barroca Anunciação
121
e imagens
saídas de sonhos e pesadelos Apocalipse e Juízo Final
122
. Ao voltar-se para a parede dos
fundos observa-se a pintura de figuras que mostram também sua força expressionista.
123
No
mural número sete, Batismo de Jesus,
aprecia-se a passagem bíblica em que Jesus
recebe o sacramento de São João Batista,
profeta que pregava no deserto da Judéia a
iniciação pela água e pelo arrependimento.
Cristo jovem, de cabelos ruivos, mãos
espalmadas e juntas em oração, está com
seu corpo acentuadamente delgado
mergulhado na água até a cintura. O céu se
abre e o Espírito Santo desce sobre Ele em
forma de pomba, representando a sabedoria e o esclarecimento. Ao Seu lado, na margem do
Rio Jordão, São João Batista, vestido com pele de lobo, está sobre algumas pedras,
derramando água com uma pequena cuia.
124
120
Emeric Marcier usa o esquema dos trêsrculos para o traçado da face (arte bizantina), a construção de face e
corpo a partir do esquema do pentagrama (arte gótica), nariz proeminente, olhos amendoados, pés pendentes,
mãos alongadas, perspectiva invertida.
121
Luz barroca, termo usado para explicar as pinturas realizadas com tons escuros, onde apenas alguns detalhes
possuem tons mais claros e iluminam o restante da obra. Os tons claros podem vir, por exemplo, de um rosto,
das mãos, de um rendado, de um colar de pérolas. Tom é um modo de expressar quanta luz uma cor reflete ou
absorve, o amarelo possui tom naturalmente claro, o preto tom naturalmente escuro, mas a mesma cor pode ter
tons que vão do claro ao escuro, exemplo: azul-celeste, azul-cobalto e azul-ultramar.
122
Imagens de sonhos e pesadelos, do subconsciente, utilizadas principalmente por pintores surrealistas. O texto
do livro Apocalipse apresenta ao leitor uma série de visões, ou revelações simbólicas, em linguagem figurada,
possibilitando a pintura de imagens misteriosas e alegóricas, nos Murais de Mauá: Cordeiro e O Livro da Vida,
Mulher Vestida de Sol, Leão, Homem, Boi, Águia, Anjo do Abismo, Dragão Vermelho, Fera, Babilônia
Desnuda.
123
Os expressionistas caracterizam-se principalmente pelo acentuado contorno que imprimem aos objetos e
formas interiores, desprezo pelas proporções anatômicas, cores intensas, perspectiva incorreta, onde a correção
acadêmica é substituída por um sentimento vívido”. In: SCHMIDT, Georg. Pequena História da Pintura
Moderna: de Daunier a Chagall. São Paulo: Bloch, 1969.
124
Bíblia, Novo Testamento Mt. 3, 13-17.
Ilustração 41 MARCIER, Emeric.Detalhe: Batismo
de Jesus. .
Foto: Acervo Luciana Senhorelli.
92
Na mesma parede, porém à direita, está Jesus Levado ao Sepulcro, o oitavo mural.
José de Arimatéia solicita a Pilatos o corpo de Jesus para sepultá-lo, envolvendo-o em um
lençol. Mulheres que o acompanharam preparam ungüentos e especiarias.
125
A mãe de Jesus,
Maria, vestida de negro, abraça Seu corpo sem vida. O sangue escorre abundante das chagas,
manchando os tecidos trazidos para cobrir Seu corpo. Uma mulher de vermelho arqueia o
tronco para trás, estendendo um dos braços para o céu, mostrando a mão lânguida e pálida.
No alto, pode-se apreciar o nono mural, Criação do Homem, com as passagens do
Sopro da Vida: Deus cria o homem com o da terra e sopra o fôlego da vida, dando-lhe
alma;
126
vê-se, também, o Paraíso, o Jardim do Éden, tendo ao centro a Árvore da Vida com a
serpente enrolada em seu caule,
127
representando o conhecimento que não é permitido aos
homens. No extremo direito inferior a representação da Expulsão de Adão e Eva, em que
Deus afugenta os pais da humanidade por terem comido do fruto proibido da Árvore da Vida,
colocando um querubim
128
com a espada inflamada para guardar o caminho
129
do Paraíso. O
casal corre nu; envergonhados, de cabeça baixa e cobrindo os rostos, parecem chorar
amargamente.
Sobre todo este conjunto estão pintadas faixas, fazendo ondulações e voltas sobre si
mesmas. Palavras em latim fazem referência à criação do mundo. Mesmo não sendo possível
ver as inscrições de perto, pode-se observar que algumas palavras encontram-se parcialmente
apagadas, tornando parte das inscrições, ilegível. Mas ainda se pode ler:
GEN II-7 FORMAVIT IGITUR DEUS HOMMEM DE LIMO TERRAE er INSPIRAVIT IN
FACIEM CIVS SPIRACUL [ilegível] VIDE ER FACTUS EST HOMO IN
GEN III-27
125
Bíblia, Novo Testamento Jo. 19, 38-42; Lc. 23, 50-56; Mt. 27, 58-61.
126
Bíblia, Velho Testamento Gen. 2, 7-8
127
Bíblia, Velho Testamento Gen. 2, 9-17.
128
Querubim, anjo da primeira hierarquia. Em pintura e escultura, o termo pode ser usado para nomear uma
cabeça de criança com asas. Não é o caso deste anjo no afresco de Marcier, ele é um adulto jovem de corpo
inteiro.
129
Bíblia, Velho Testamento Gen. 3, 9-24.
93
Este mural, Criação do Homem, encontra-se exatamente na mesma direção que o
Cordeiro apocalíptico segurando o Livro da Vida, na parede fronteiriça, simbolizando a
dualidade do nascer e morrer, o começo e o fim do mundo. Entre estas paredes do fundo e do
altar estão pintadas passagens bíblicas que fazem referência à história da humanidade e a
epopéia do povo judeu.
Na altura do mural Criação do Mundo, fica um mezzanino destinado ao coro.
Curiosamente, não existe escada de acesso, pois um muro baixo foi erguido em toda a sua
volta; para se ter acesso a ele é preciso colocar uma longa escada. Ao fundo, fica o vitral
Menino Jesus Carpinteiro. Não foi possível confirmar, até a publicação desse estudo, se este
trabalho é de autoria de Emeric Marcier, que também desenhou vitrais. Provavelmente não
estava antes da realização dos afrescos, pois, como se viu, o artista exigiu que os vitrais
anteriores fossem fechados, ficando a dúvida para ser resolvida em pesquisas posteriores.
Nas paredes laterais da nave estão seis grandes murais, cada um defronte a outro par
de mesma medida, que dialogam entre si. Do altar para os fundos tem-se: o Dilúvio, o décimo,
em frente ao décimo primeiro, Torre de Babel; o décimo segundo, Dança do Bezerro de
Ouro, que está simetricamente oposto ao décimo terceiro, Travessia do Mar Vermelho; e,
completando os pares, tem-se o décimo quarto, Transfiguração, fronteando com o décimo
quinto, Pentecostes.
No Dilúvio, vê-se a representação da passagem bíblica em que a Terra está cheia de
violência. Deus resolve destruir os homens, mandando uma grande chuva e somente Noé é
avisado, recebendo ordens para construir uma grande arca para colocar sua família e animais
cujas espécies devem ser preservadas, além de comida. Ele tem a missão de salvar sete
machos e sete fêmeas dos animais bem -vindos e um casal de cada dos animais indesejáveis.
94
Uma forte chuva cai sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites, destruindo
construções, homens, animais e
vegetação.
130
Neste mural, vêem-se cidades de
prédios azuis, cobertas por ondas
gigantescas. A inundação engole tudo com
a força de suas águas e homens vermelhos
minúsculos são tragados pela força da
natureza, enquanto animais em fuga
desesperada dão a sensação de escapar
para fora da pintura, cadáveres amarelos
jazem sobre o terreno tomado pela força da natureza.
Sobre as ondas flutua, alheia aos acontecimentos, a
arca carregada de animais que expiam por janelas,
iluminadas de amarelo. Seu formato lembra os
chifres enrolados de um carneiro. Ela navega sobre
ondas angulosas, irreais. No alto, a mão de Deus,
como que esculpida em pedra, dura e inflexível,
orquestra a destruição da humanidade por entre
nuvens de tempestade.
Em Torre de Babel, os homens constroem
uma torre de tijolos cozidos e betume, na terra de
Sinar. Deus percebe a intenção deles de chegar ao
130
Bíblia, Velho Testamento Gen. 7, 1-24.
Ilustração 42 MARCIER, Emeric. Dilúvio (detalhe).
Ondas gigantes, homens e animais.
Foto: Acervo Silvia Ahlers.
Ilustração 43 MARCIER, Emeric. Dilúvio
(detalhe). A arca, luz vinda do céu.
Foto: Acervo Silvia Ahlers.
95
céu e não aprova a ousadia. Como castigo, confunde suas línguas para não poderem mais se
entender e os espalha por toda a terra. Os construtores desistem do intento.
Um grande zigurate,
131
sendo construído com dezenas de
janelas, com os andaimes
circundando o projeto em
desenvolvimento, chama especial
atenção dos visitantes. Alguns
homens no chão discutem sobre
desenhos em uma prancheta; um
deles usa um compasso. Dois outros
trabalham próximos a uma roda e,
outros ainda, de várias
nacionalidades, mais abaixo, são
representados por brancos e negros.
Estes homens recebem ordens de
um encarregado e representam,
segundo as anotações observadas
nos cadernos de Emeric Marcier,
que a greve dos trabalhadores está por começar. Trata-se de uma das interpretações pessoais
que o pintor fez das passagens Bíblicas, colocando também o seu tempo e lugar. Outro
trabalhador forja uma espada batendo vigorosamente seu martelo, representando a luta que
terá lugar a seguir.
131
Zigurates são torres construídas na Mesopotâmia. A mais lembrada é a Torre de Babel, considerada uma das
Sete Maravilhas do Mundo Antigo e procurada pelos arqueólogos, mas existem as ruínas de muitas outras. Os
governantes da Mesopotâmia ergueram torres como símbolo de poder e de riqueza.
Ilustração 44 MARCIER, Emeric. Torre de Babel. Os homens
queriam fazer uma torre para ligar a terra e o céu
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
96
Sobre todos eles, paira uma figura muito branca, com vestes translúcidas, esvoaçantes,
e triângulo luminoso atrás da cabeça, lembrando a presença de um ser divino que tudo
observa. Para realizar esta pintura, o artista colocou a figura em várias posições, inclusive no
chão, mas decidiu-se por representá-la pairando entre o céu e a terra, como também foi
observado nos desenhos que documentam esta obra. No alto, dois aviões Stuks, utilizados
pelos nazistas na II Grande Guerra
Mundial, pintados de vermelho,
sobrevoam em círculos o alto da torre.
Na Capela Cristo Rei,
observando-se este mural, os olhos
passeiam por ocres, amarelos, marrons,
vermelhos e cinzas. O trabalho artístico
transmite idéias que vão muito além da
forma, cor e ritmo que remetem à
plasticidade do artista. uma
suspensão entre três mundos: a vida
dos judeus na História Antiga; a II
Grande Guerra Mundial, que havia
acabado pouco antes da execução das
pinturas e estava ainda presente na mente e na alma de Emeric Marcier; e lembra, também, o
mundo pós-moderno, o episódio dos dois aviões que atingiram as torres gêmeas do World
Trade Center nos Estados Unidos da América, em 11 de setembro de 2001, episódio que
trouxe novos rumos para a História Contemporânea. Sua pintura é atual quase 60 anos depois.
A afirmação de Giulio Carlo Argan (1909-1992), em Guia de História da Arte, para explicar
Rafael Sanzio pode ser aplicada aos afrescos de Emeric Marcier:
Ilustração 45 MARCIER, Emeric. Torre de Babel
(desenho). Projeto para realização do afresco mostra os
aviões, pintados de vermelho no afresco. Cadernos do
Artista, 1946.
Acervo: Matias Marcier.
97
Rafael pintou este fresco para exprimir o pensamento da sua própria época: mas
porque a obra de arte se destina a durar no tempo, não vale apenas por aquilo que
significou na situação do momento, mas por aquilo que significou depois, significa
para nós, significará para quem vier depois de nós. Cada época deve definir o que
significam as obras de arte do passado no âmbito da sua própria cultura e que
problemas representam no quadro dos seus próprios problemas.
132
As passagens do Dilúvio e da Torre de Babel reforçam a idéia de castigos divinos,
expressos nos murais do Apocalipse e Juízo Final, a uma humanidade mergulhada em
guerras, ódios raciais e jogos de interesse. Nestes afrescos tem-se a certeza de que Marcier
teve a intenção de fazer uma representação interpretada das passagens bíblicas, associando-as
ao seu tempo. O mundo antigo foi transportado para o século XX e continua verdadeiro no
século XXI. Sua pintura é cheia de significados e elaborações mentais. Trabalha nas paredes
em fresco cada detalhe lido nos Textos
Sagrados. Simultaneamente, é capaz de usar
figuras mentais, surgidas de sonhos e
pesadelos,
133
fazendo a ligação pela arte de
tempos tão distantes e tão atuais.
No mural da Dança do Bezerro de
Ouro, Moisés sobe ao Monte Sinai para
conversar com Deus, mas a ausência do líder
demora mais do que o povo de Israel esperava
e, por sugestão de Arão, os habitantes do
deserto doam seus pertences de ouro e fundem
um bezerro. Oferecem holocaustos ao ídolo e o
adoram, comem, bebem, cantam e dançam em
sua homenagem. Quando Moisés desce do
132
ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. 2.ed. São Paulo: Estampa, 1994.
p.29.
133
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores e
números. 8.ed. Rio de janeiro: José Olímpio, 1994.
Ilustração 46 MARCIER, Emeric. Dança do
Bezerro de Ouro (detalhe). Moisés quebra as
tábuas com os Dez Mandamentos. No alto, a mão
de Deus.
Foto: Silvio Henrique Reis, acervo Augdan de
Oliveira Leite.
98
monte com as leis escritas por Deus em duas placas de pedra, não gosta da orgia que e
quebra os textos furiosamente.
134
A passagem está representada com homens e mulheres dançando freneticamente ao
som de pandeiros: as pessoas entregam-se aos sentidos do momento, os corpos se contorcem
em movimentos impossíveis e sensuais, as figuras alongadas fazem gestos amplos sob os
olhos de severa desaprovação do patriarca que conduz seu povo através do deserto. Moisés
inclina-se para trás, sob o peso do texto, e indica sua determinação em lançar sobre a terra os
Dez Mandamentos. Ao centro, um grande ídolo em forma de bezerro domina a pintura. Ao
lado direito, um idoso com longa barba branca segura um cajado e coça a cabeça, procurando
entender o que está acontecendo. Um jovem de túnica amarela volta-se para trás, enquanto
procura proteger uma mulher que segura uma criança enrolada em um manto. A mão de Deus
surge no alto, entre feixes de luz muito brancos, apontando para baixo, dando a sensação de
que suas ordens devem ser obedecidas prontamente.
Confrontando esta pintura está a Travessia do Mar Vermelho, onde pode-se examinar
a fuga dos judeus da escravidão no Egito, guiados por Moisés. O faraó coloca seu exército,
cavalos e carros em perseguição aos desertores que se encontram acampados em Pi-Haiote.
135
Vendo os egípcios, os judeus têm medo. O patriarca que conduz seu povo levanta sua vara e a
estende sobre o mar, afastando suas águas. Os israelitas passam pela terra seca, perseguidos
pelo faraó e seu exército. As carruagens dos egípcios perdem suas rodas. Quando passa o
último dos judeus, as águas fecham-se atrás deles, afogando seus inimigos.
O mar é representado por grandes rolos de ondas negras. Os egípcios marcham muito
eretos com suas armas, para o confronto que haveria de acontecer. O faraó, do alto de sua
carruagem, comanda o exército. Na seqüência, os egípcios rodopiam sob a força da água que
os engole. O colorido avermelhado e castanho, de tonalidade escura, acentua a dramaticidade
134
Bíblia, Velho Testamento Êx. 32, 2-19.
135
Bíblia, Velho Testamento Êx. 14, 1-19.
99
da cena. Os cavalos, empinados, pressentem a morte iminente. Moisés, parado solenemente
do outro lado das ondas, em segurança, levanta sua mão direita, comandando a força da
natureza. Um anjo voa no céu ao lado do povo hebreu.
No afresco da Transfiguração, Jesus sobe a um monte com seus três discípulos.
chegando, transfigura-se diante deles. Seu rosto fica como o Sol e suas vestes brancas
parecem iluminadas. Surgem Moisés e Elias. Uma nuvem aparece e, de dentro dela, sai uma
voz que diz: “Este é meu amado filho, em quem me comprazo: escutai-o”. Os discípulos têm
muito medo e caem por terra, escondendo o rosto.
136
Ladeado por Moisés à direita e por Elias
à esquerda, Jesus está sobre um monte rochoso. O fundo da pintura é ocre-amarelado. Caídos
no chão, como quem tem curiosidade e ao mesmo tempo não quer olhar, estão Pedro, Tiago e
João. O corpo do Mestre, com uma túnica muito branca, emite uma luz intensa, clareando o
céu; de seus pés partem grossas faixas esbranquiçadas, iluminando o monte abaixo. Os corpos
dos profetas e dos apóstolos também recebem os raios sobrenaturais.
A pintura é marcada pelo ritmo da posição das figuras, onde apenas Jesus está na
vertical, formando o motivo superior da pintura. Logo abaixo estão os três discípulos sendo
que estes e os profetas Moisés e Elias são construídos a partir de linhas inclinadas. O ritmo se
intensifica na posição das mãos: para o alto e unidas em oração, junto ao peito, estão as de
Eleias; para o alto e para baixo, as mãos de Jesus dirigem o olhar do observador para uma
linha inclinada que atravessa o mural; as mãos de Moisés, que seguram as tábuas das leis,
estão na horizontal; Pedro, Tiago e João fazem movimentos posicionando as mãos na vertical,
horizontal e inclinada, completando o ritmo plástico. É possível perceber que musicalidade
nos afrescos de Marcier. As posições das mãos não são a cópia da realidade, mas formam
movimentos intencionais que conduzem o olhar, como explicou Wassily Kandinsky (1866-
1944) em Arte e Natureza:
136
Bíblia, Novo Testamento Mt. 17, 1-6; Mc. 9, 1-13; Lc. 9, 28-36.
100
Toda forma tiene um contenido (sonido interior). No existe ninguna forma-como no
existe nada em el mundo que no diga nada...Também la forma, aun cuando sea
abstracta o geométrica, posce su sonido interior; es um ser esperitual dotado de
cualidades que se identificam com esa forma... El sonido “puro”, abstracto, no
específico, produce uma emoción más refinada y sobrenatural: no es raro que el
espectador reciba uma impresión “cósmica”.
137
Estes gestos sugerem uma impressão cósmica, misteriosa, uma música solene que
quase se pode ouvir ao contemplar-se o mural. Marcier
gostava muito de ouvir música clássica enquanto
pintava. Trazia sempre consigo uma pequena vitrola
portátil e apreciava Wolfgang Amadeus Mozart. De
Johann Sebastian Bach ouvia constantemente a Paixão
Segundo São Mateus e de Heinrich Shütz a Paixão
Segundo São João. Fazendo uso de linhas, formas e
cores, transmitiu alturas, intensidades e ritmos aos
murais.
No afresco Pentecostes, os apóstolos Pedro,
João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus,
Tiago, Simão, Judas irmão de Tiago e Matias, eleito para ficar no lugar de Judas Iscariotes e
Maria, mãe de Jesus, acham-se
reunidos no cenáculo. Um som
muito alto toma conta do lugar e eles
sentem o vento forte vindo do céu.
Neste instante, pousam línguas de
fogo sobre suas cabeças e são
tomados pelo Espírito Santo. Na
crença dos cristãos, este fato é
137
KANDINSKY, Wassily. Arte e natureza. In: HESS, Walter. Documentos. Buenos Aires: Nueva Vision,
1959.
Ilustração 47 MARCIER, Emeric.
Transfiguração (detalhe). Face de Jesus
Cristo durante a transfiguração. Foto
(1947). Acervo: Matias Marcier.
Foto: Acervo Matias Marcier.
Ilustração 48 MARCIER, Emeric. Pentecostes (detalhe).
Línguas de fogo pousam sobre os apóstolos.
Foto (2004). Acervo Silvia Ahlers.
101
interpretado como a abertura da mente para o entendimento espiritual; e os discípulos
começam a falar em outras línguas.
138
Esta passagem bíblica pintada na parede revela claramente ter sido feita por um artista
judeu, pois os seguidores de Cristo apresentam longos cabelos com cachos na frente da
orelha, como é o costume desse povo. Outros murais também mantêm esta característica
particular.
139
Uma única pequena inscrição sulcada no canto esquerdo chama a atenção:
“MATHIAS”, provavelmente não para denominar o apóstolo recém-escolhido, mas
também uma homenagem ao seu segundo filho, então uma criança, Matias Marcier. Esta
inscrição está presente em outras obras do pintor. Talvez ele se sentisse também um eleito,
recém chegado em sua nova crença cristã.
Nas paredes laterais do altar ficam dois grandes afrescos, o décimo sexto, Deposição e
o décimo sétimo, Ressurreição.
No afresco Deposição, o senador José
de Arimatéia pede a Pilatos o corpo de Jesus,
depois da crucificação. Descendo-o da cruz,
envolve-o em um lençol de linho.
140
Dois
homens, sobre escadas, ajudam-no na tarefa e
parece que o fazem com muito cuidado e
dedicação. Duas mulheres observam o Homem
sem vida. Uma delas, de costas voltadas para o
observador, veste um longo vestido vermelho.
A transparência do tecido mostra as formas de
138
Bíblia, Novo Testamento At. 2, 1-13.
139
Depoimento de Anna Gedankien, em visita à Capela Cristo Rei, durante a realização do 5º. Congresso de
História de Mauá, 1998.
140
Bíblia, Novo Testamento Lc. 23, 51-55.
Ilustração 49 MARCIER, Emeric. Deposição
(detalhe). Maria, mãe de Jesus, vestida de negro
recebe o corpo do Filho.
Foto (2006) Acervo Luciana Senhorelli.
102
seu corpo, uma trança grossa e ruiva orna sua cabeça. A outra, de cabelos grisalhos, parece ser
Maria, mãe de Jesus. Vestida de negro, estende os braços piedosamente para agasalhar seu
Filho.
141
Pinceladas muito intensas de tinta vermelha sugerem sangue escorrendo das feridas
recentes, manchando o tecido branco. Um homem de túnica amarela e manto castanho está
um pouco separado do grupo. Seus pés, afiados como a ponta de uma espada, pousam no
chão, vestindo grossas meias de cor cinza, suas roupas lembram muito mais um cavaleiro
medieval do que um homem que viveu na Roma antiga Sua cabeça está coberta como manda
a lei dos judeus, possui longas barbas. Ele segura um dos cravos que prendiam Jesus na cruz.
Em Ressurreição, a pintura registra a passagem bíblica onde os sacerdotes e fariseus,
reunidos na casa de Pilatos, temem que os seguidores de Cristo roubem o Seu corpo. Por
precaução, mandam guardas selarem com uma pedra a entrada do sepulcro e vigiarem até o
terceiro dia.
142
um violento tremor na terra. Surge um anjo, resplandecendo como um
relâmpago, e os guardas, apavorados, pensam que vão morrer. No afresco de Marcier, o
sepulcro está aberto, os guardiães escondem o rosto e mal podem olhar para os lados. De
dentro da cavidade aberta, Jesus ressuscitado é elevado ao céu por um facho de luz dourada.
A luminosidade intensifica-se ao redor de seu corpo, formando uma oval semelhante àquela
que envolve a Mulher Vestida de Ouro, do Apocalipse. Mostra em suas mãos a direita
levantada e a esquerda espalmada para baixo as marcas dos furos dos pregos. Seus pés são
longos e aguçados, a cintura, bem marcada, deixa cair uma pequena túnica azul que parece
engomada, tal a forma antinatural das pregas do tecido. As pontas que dela sobram
acompanham as formas agudas dos pés. Um lençol azul, colocado na borda retangular do
túmulo, representa a mortalha que o havia envolvido. A lápide que tampava a abertura está
pintada na diagonal, acompanhando o movimento do antebraço de um dos soldados romanos.
141
Na História da Arte, Maria segurando o filho morto foi retratada por muitos artistas. Essa imagem era comum
na arte da Itália setentrional. Entre tantos exemplos, pode-se destacar a escultura Pietá, de Michelangelo
Buonarotti (1475-1564).
142
Bíblia, Novo Testamento Mt. 27, 62-66.
103
A linha diagonal, pintada ou sugerida, está bastante presente nos afrescos de Marcier.
Ela sugere força deslocada. Segundo Vassely Kandinsky, confere dinamismo à obra.
143
Segundo Rudolf Arnhein (1904-1997), os objetos não são percebidos como únicos e isolados.
Todo ato de visão é um juizo visual, formas, ainda
que fixas, como no caso das pinturas, e incapazes de
um movimento real, exibem uma tensão em relação
ao que está envolta. A estrutura visual é um campo de
forças.
144
Estes são os dezesseis afrescos na entrada e
nave do templo, paredes e teto. Com a Anunciação,
no lado externo da porta de entrada principal, e mais
seis murais que podem ser apreciados na sacristia,
totalizam–se vinte e três afrescos de grandes
dimensões, número bastante expressivo na História
da Arte Sacra Brasileira.
No mural de número dezoito vê-se a Crucificação. Jesus é condenado a morrer
martirizado por divulgar suas idéias ao povo. Carrega a própria cruz até um lugar chamado
Gólgata, que quer dizer “lugar da caveira”. Ao seu lado estão dois ladrões, também
condenados à crucificação.
Pintadas próximas ao crucificado da direita, estão as palavras:
DOMINE MEMENTO MEI
CVM VENERIS IN REGNVM
TVVM.
Perto do crucificado à esquerda, estão escritas:
SI ES CHRISTVS
SALVVMFAC TEMETIPSVM
143
PENTEADO NETO, Onofre. Desenho estrutural. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.107.
144
PENTEADO NETO, Onofre. Desenho estrutural. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.78.
Ilustração 50 MARCIER, Emeric.
Ressurreição (detalhe). Jesus Cristo sobe ao
céu envolto em luz dourada.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
104
Um pouco mais à esquerda deste crucificado, uma multidão de sacerdotes, escribas,
anciões e fariseus seguram faixas de muitas cores com as frases:
FILIVS DEIES DESCENDE
ALIOS SALVOS FECIT SEIPSVM
NON POTEST SALVVM
SI TV ES REX JVDAEORVM SALVVM TE FAC
A solução plástica encontrada pelo pintor lembra uma forma de protesto, comum nos
séculos XX e XXI: uma
multidão segura cartazes e
reivindica algo de seu
interesse como as inúmeras
manifestações realizadas
pelos trabalhadores do ABC
Paulista, confirmando, mais
uma vez, que o texto bíblico
foi interpretado, para narrar
acontecimentos
contemporâneos ao artista,
registrando o seu tempo e a
História Contemporânea.
No alto da cruz, estão
escritas as palavras:
JESVS NAZARENUS
REX JUDAEORVM.
O corpo magro e
mitigado de Cristo está
pendendo da cruz. A lança do soldado romano atravessa seu lado esquerdo e um prego
Ilustração 51 MARCIER, Emeric. Crucificação (detalhe). Sacerdotes,
escribas, anciões e fariseus blasfemam contra Jesus Cristo.
Foto: Silvio Henrique Reis, acervo Augdan de Oliveira Leite.
105
enorme lhe trespassa os pés. Uma caveira está colocada no chão, não somente porque o lugar
é o Gólgata, mas também para nos lembrar a brevidade da vida. Ela é a representação da
própria morte na tradição elegíaca, alegoria consagrada ao luto.
145
Após a morte de Jesus, segundo as escrituras dos cristãos, a terra treme, as pedras
fendem-se e muitos santos ressuscitam.
146
Algumas mulheres olham de longe entre elas,
Maria, mãe de Tiago e de José, Maria Madalena e a mãe dos filhos de Zebedeu.
Emeric Marcier opõe superfícies claras e escuras e as arestas produzem a ilusão de
volume. Suprimindo a ilusão de espaço, o ponto de
fuga único da perspectiva central é omitido,
intensificando a energia plástica.
147
Afastando-se
da forma natural, a aproximação da forma
artística. O ritmo é intensificado, adquirindo
qualidades espaciais e aproximando este mural da
expressão cubista, como afirma Georg Schmidt:
“Se o impressionismo decompondo a luz natural
em seus elementos espectrais trouxe à pintura a
melodia pura, o cubismo, por sua vez, decompondo
a forma natural dos objetos em seus elementos
geométricos, deu à pintura ritmo puro”.
148
Embora os pintores encontrem grande
dificuldade para obter tintas de muitos matizes na
145
PANOFSKY, Erwin. Et in Arcádia ego: Poussin e a tradição elegíaca. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline. A
Pintura: Da imitação à expressão. São Paulo: Editora 34. V.5. 2004. p.120.
146
Mt 27, 41-52.
147
SCHMIDT, Georg. Pequena História da Pintura Moderna: de Daunier a Chagall. São Paulo: Bloch, 1969.
148
SCHMIDT, Georg. Pequena História da Pintura Moderna: de Daunier a Chagall. São Paulo: Bloch, 1969.
p.100.
Ilustração 52 MARCIER, Emeric.
Crucificação (detalhe). Tratamento plástico
que remete ao cubismo. Foto de 1947.
Foto: Acervo Matias Marcier.
106
técnica do afresco, as cores usadas no mural Crucificação chamam especial atenção. É
exuberante, contrastando com a sobriedade da maioria dos outros murais.
Infelizmente, esta obra parietal encontra-se bastante danificada, com a presença de
manchas de bolor. Também observa-se uma marca de água, que escorreu na lateral direita.
Uma caixa d’água do hospital encontra-se colocada acima desta parede e a Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) encontra-se logo atrás do mural, dividindo a mesma alvenaria, o que
pode explicar a marca e o bolor.
Na parede esquerda da sacristia, aprecia–se o afresco de número dezenove, Jesus
Entregue aos Soldados. Jesus está preso por uma grossa corda, amarrada em seu pescoço e em
suas mãos; e em sua cabeça está a coroa de espinhos. Os soldados vestem Jesus com um
manto purpúreo e fazem-no segurar um
pedaço de cana, para lembrar um cetro
real. Zombando, os soldados cospem, dão
bofetadas e batem com a cana na cabeça
de Jesus.
149
Cristo, de cabeça baixa, sofre
tal humilhação, resignadamente. Seu
corpo amarelo está surrado e marcado
pelas atrocidades de seus torturadores.
Curiosamente este Cristo tem as formas
mais arrendodadas, o contorno de seu
rosto tem formato muito diferente do
Cristo pendendo na cruz, nem parece que representam a mesma Pessoa, tão distante o
tratamento plástico. Ao observas as diferenças encontradas no mesmo conjunto de afrescos é
possível pensar que a obra contou com mais de um autor, hipótese descartada por Marcier:
149
Bíblia, Novo Testamento Mt. 27, 28-30.
Ilustração 53 MARCIER, Emeric. Jesus Entregue aos
Soldados (detalhe). Jesus com manto vermelho, atado por
cordas.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
107
“Pensei em nunca acabar aquele trabalho. Chamei uma amiga pintora que talvez pudesse me
ajudar. Tudo que fez , tive que apagar, e continuar sozinho a tarefa.”
150
Pessoas simples do povo observam a cena de uma janela que se abre para a prisão.
Estão curiosos e são testemunhas do que está acontecendo, parecendo que conversam entre si.
Os rostos dos soldados romanos e dos observadores tiveram, como modelo, os rostos dos
operários que ajudaram na concretização dos afrescos. O próprio Emeric está aí retratado.
Na outra parede, à direita, está a Flagelação, vigésimo mural. Jesus é açoitado por
ordem de Pilatos.
151
Usando uma vara, o soldado romano com elmo dourado e vestimenta
vermelha lhe bate,
violentamente. Curiosamente,
o algoz possui um bigode
tipo vassourinha, como o
usado por Adolf Hitler. Seus
olhos escuros, que lembram o
nazista alemão, fixam a
vítima, amarrada pelas mãos
a um poste. Jesus permanece
sereno; aceita seu destino
sem oferecer resistência. O corpo do Salvador, coberto de chagas, emana uma luz que clareia
o cárcere e projeta-se sobre o agressor. A janela, iluminada com duas grades verticais e duas
horizontais, abre-se para a prisão, sugerindo que a tortura está acontecendo no silêncio da
noite. Mais uma pessoa está representada no espaço pictórico: uma mulher de manto negro,
cobrindo o rosto com as duas mãos e voltando-se de costas para a cena, parece ser a Sua mãe,
pois é muito parecida com a pintura de Maria em outras passagens. A atmosfera da pintura é
150
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.181.
151
Bíblia, Novo Testamento Mt. 27, 26; Mc 15, 15.
Ilustração 54 MARCIER, Emeric. Flagelação. Cristo apanha com vara,
soldado romano assemelha-se a Hitler. O mural encontra-se danificado
por infiltrações.
Foto: Acervo Museu Barão de Mauá.
108
angustiante. A expressão dos sentimentos é vigorosa e vibrante, e está presente em todo o
conjunto da obra aproximando-a para além do diálogo com a arte moldava e a arte cubista,
como já se viu, mas também da arte expressionista.
Na parede convexa frontal, que faz fundo com o altar, está o vigésimo primeiro
afresco, Sepulcro Vazio. Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e Salomé, dirigem-se ao
sepulcro no sábado. As mulheres encontram a lápide que fecha o túmulo, colocada ao lado da
sepultura. Sobre ela, está um anjo vestido de branco. Ele conversa com as mulheres e explica
que Jesus havia ressuscitado.
152
Na frente desta pintura há um grande armário de madeira, que
impede a visão total da configuração visual.
Ao lado desta parede convexa, que faz fundo com o mural do altar Deus Pai, estão
pintados dois pequenos afrescos, o menor conjunto de sua obra: Pedro Nega Jesus e Suicídio
de Judas.
Em Pedro Nega Jesus, vigésimo segundo mural, o apóstolo sai do templo onde o Filho
de Deus está sendo julgado e uma criada do templo lhe pergunta: “Não és tu do mestre?”.
Pedro está com muito medo de ser também castigado e nega. É inquirido novamente e, por
três vezes, antes do galo cantar, afirma que não conhece Jesus. Fica envergonhado de sua falta
de coragem.
153
Três homens observam; são servos e criados que estão ali, fazendo brasa para
se esquentar do frio. Um deles segura uma foice, o instrumento de trabalho dos agricultores
alegoria que também representa a Morte que ceifa a vida.
A pintura de Pedro apresenta-se com os movimentos rígidos. Sua perna direita sugere
incorreção anatômica, com um movimento por demais anguloso. Uma mulher vestida de
negro aponta sua mão direita para o apóstolo e quase se pode perceber que ele treme da
cabeça aos pés. Três soldados procuram descobrir a verdade e, com um gesto, indagam o
homem aflito. Um galo com asas abertas sobre o muro esforça-se em cantar, cumprindo assim
152
Bíblia, Novo Testamento Mt. 1-6; Mc. 16, 1-7
153
Bíblia, Novo Testamento Jo. 18, 15-18; Mt. 26, 71-74.
109
a profecia: “Digo-te Pedro, não cantarás hoje o galo, até que três vezes hajas negado que me
conheces”.
Do lado oposto está o vigésimo terceiro mural, Suicídio de Judas, traidor que entrega
Jesus aos soldados romanos mediante o pagamento de trinta moedas de prata. Arrependido ao
ver seu mestre condenado, resolve devolver o pagamento aos sacerdotes e anciões. Não
consegue porque eles não aceitam o dinheiro de volta. Reconhece seu ato de traição, atirando
as moedas no chão do templo.
154
Na pintura, Judas está pendurado em uma árvore desfolhada. De seu corpo partem três
círculos, em tons de castanho. Um anjo vermelho coloca a mão no alto da cabeça, parecendo
esquivar-se da cena que está presenciando. Uma mulher de negro, no lado oposto, caminha
apressada; sua mão apóia o queixo e o rosto inclinado. As cabeças formam um triângulo e os
dois galhos da árvore delimitam um triângulo inclinado sobre fundo ocre, amarelo dourado e
negro azulado. Os poucos elementos pictóricos sugerem um deserto muito distante. Judas
pende no ar.
154
Bíblia, Novo Testamento Mt. 27, 3-6.
110
Os cadernos e a questão da modernidade
Os afrescos da Capela Cristo Rei, segundo Emeric Marcier em sua autobiografia,
escrita entre 1988 e 1990, permaneceram inacabados. As anotações em seus cadernos de
desenhos reforçam a afirmação e apontam as pinturas que não foram terminadas. Os projetos,
gênese de sua obra, estão identificados na capa como: Gênesis, Êxodos, Paraclet (Paráclito,
que significa “O Espírito da Verdade”) e Crvcification.
Gênesis é de 1947, em carvão, nanquim, aquarela, lápis de cor. Analisando os estudos,
observaram-se as seguintes datas e outras indicações:
Desenho
Técnica
Indicação
Data
Observação
Expulsão de Adão e
Eva do Paraíso
Gen. III,
24
Batismo de Jesus
Sopro Divino
carvão
27 e 30
de jan
Dilúvio
nanquim
3 de fev
Possui notas de rodapé em latim
Torre de Babel e os
dois aviões
Gen. XI
4 de fev
Com as observações: “gréve”,
querelle”, “arquitects
Barco do Dilúvio
sem data
Ondas engolindo os
homens
4 de fev
Expulsão do
Paraíso
Anjo empunhando a
espada flamejante
guache
6 de fev
Sopro Divino
carvão e
nanquim
7 de fev
Jardim do Édem
guache
9 de fev
Jardim do Édem
(outro desenho)
5 de mar
Projeto para ser realizado em
0,80m X 2,20m
Tentação de Eva
5 de mar
Dilúvio (outro
desenho)
18 de mar
Torre de Babel
guache
2 de mai
Com esquema de cores no rodapé
Torre de Babel
lápis de cor
6 de mai
Torre de Babel
guache
8 de mai
Divindade que paira
na Torre de Babel
11 de mai
(Tabela 2)
111
Êxodo tem início em Mauá, em 26 de agosto de 1947, predominantemente em carvão
e nanquim. O caderno possui vários estudos das paredes sobre quadriculado e os seguintes
desenhos:
Desenho
Técnica
Indicação
Data
Observação
Faraó comanda o
exército
nanquim
sem data
Mar fechando sobre
os egípcios
14 de out
Exército do faraó
guache
Moisés fecha as
águas sobre os
egípcios
guache
aguado
19 de out
Anjo
nanquim
15 de out
Com a inscrição “ANGELUS DEI,
XIV. 19, TOLLENSQUE SE
ANGELUS DEI, QUI
PRAECEDEBAT CASTRA
ESRAEL”
Bezerro de ouro
20 de out
Bezerro de ouro
(outro desenho)
22 de out
Moisés quebra as
tábuas das leis
22 de out
Adoração do
bezerro de ouro
nanquim e
guache
cap.
XXXII
27 de out
Moisés quebra as
tábuas da lei
27 de out
Adoração do
bezerro de ouro
(outro desenho)
nanquim e
guache
27 de out
A dança
27 de out
Face de Moisés
carvão
30 de out
Auto-retrato, embro
nanquim
6 de nov
Cristo levando a
cruz
lápis de
cor, guache
aguado
26 de dez
Com as anotações JOAN CAP.
XIX, MATIAS CAP. XXVII,
MARC XV
Cristo amarrado
pis de cor
sem data
(Tabela 3)
112
Caderno Paraclet, também de 1947, com os estudos:
Desenho
Técnica
Indicação
Data
Observação
Transfiguração
vários
desenhos
em sépia,
pincel,
pincel seco
30 de mar
Com as indicações “ELIAS”,
“PETRUS”
Pentecostes
30 de mar
Anunciação
guache,
lápis de cor
30 de mar
Estudos para quatro
vitrais
grafite e
lápis de cor
marrom
Representando os evangelistas,
com as identificações: “Mateus,
segurando o livro”; “Joannes,
segurando o ábaco”; “Lucas”; e
“Marcvs”
155
Anunciação
nanquim
Isaías 7-
14
Nossa Senhora grávida recebe a
visita do anjo Gabriel
Anunciação (outro
desenho)
Lucas,
cap. 26-
28
Crucificação
nanquim e
guache
2 de abr
Estudos para vitral
de Mateus e Joannes
Anunciação
guache
Há o projeto de uma grande pomba
do Espírito Santo sobre a porta de
entrada, nunca realizado
Transfiguração
16 de abr
Estudo da cabeça de
Sua Majestade
Divina
nanquim e
guache
1 de mai
Estudos dos
evangelistas
1 de mai
Transfiguração
guache,
cabeças
com
nanquim
2 de mai
Adoração do
bezerro de ouro
8 de mai
Moisés quebra as
tábuas da lei
8 de mai
Anjo Gabriel
guache
sem data
Estudos dos vitrais
para os quatro
evangelistas
(Tabela 4)
155
Estes vitrais não foram realizados. As janelas do altar possuem vidros translúcidos brancos.
113
Na página seguinte a inscrição: “EM BARBACENA, 28 DE JULHO DE 1947,
GRAÇAS A DEUS!”
Observa-se, ao verificar o caderno com os projetos:
Desenho
Técnica
Indicação
Data
Observação
Deposição
sem data
Batismo de Jesus
sem data
Vários estudos em seqüência
Transfiguração
nanquim
sem data
Deposição
4 de ago
Vários estudos com
planta em
perspectiva da
capela
Batismo de Jesus
sem data
Transfiguração,
Vários estudos com as posições
dos braços das figuras
Transfiguração
27 de ago
Batismo
guache
28 de ago
Batismo
nanquim
sem data
Transfiguração
29 de ago
Transfiguração
3 de set
Jesus entre Moisés e Elias, com a
indicação para uma das figuras
caídas sobre o solo: JOANNES
Deposição
nanquim
4 de set
Estudos para o
Pentecostes.
Atos dos
apóstolos
2
De joelhos BARTHOLOMAEUS,
PHILIPPUS, ao lado esquerdo:
MATHIAS, THOMAS,
MATHEUS, ANDREAS,
THADAESUS, SIMIM,
JACOBUS
(Tabela 5)
114
No caderno Crvcification, com a inscrição Mauá, 03 de junho de 1946, há os estudos:
Desenho
Técnica
Indicação
Data
Observação
Crucificação
nanquim
20 de jun
Crucificação
guache
aguado,
pincel e
nanquim
Estudos de cores
Outros estudos da
Crucificação
4, 5, 6, 7,
10 e 11
de jun
Cavalos e soldados
com baioneta
Gólgota
Sua Majestade
Divina
13 de jan
- 1947
Segurando o livro na mão esquerda
– o afresco foi realizado com o
livro na mão direita
Deposição
16 de jan
Estudos para o
Apocalipse, Mulher
Vestida de Sol
27 de jul
- 1947
(Tabela 6)
Após a observação dos cadernos, percebe-se que era desejo do artista pintar o mural
Anunciação bem maior, com uma grande pomba branca, voando para baixo, abrindo as asas
sobre Maria e o anjo Gabriel. Nas paredes da nave, acima da Dança do Bezerro de Ouro,
Travessia do Mar Vermelho, Transfiguração e Pentecostes, estavam projetadas as pinturas de
mais quatro murais com grandes dimensões, que iriam até tocar o teto. Os evangelistas em
representação humana, São Mateus, São João, São Lucas e São Marcos, porque na figuração
em forma de animais estão pintados no teto da Capela, como foi descrito. Estes afrescos
nunca foram concluídos e as paredes estão pintadas de branco.
Seus estudos demonstram conhecimento técnico do desenho. Linhas, formas, volumes
e perspectiva são usados com precisão. Marcier fazia um esboço do contorno da figura, depois
marcava com linhas inclinadas e sobrepostas as sombras, dobras do tecido e fundo do motivo
a ser pintado. Usou as técnicas do grafite, carvão, pincel, guache aguado, aquarela e pastel.
Muitas vezes, mais de uma técnica no mesmo desenho. Fazia também muitos estudos para
uma única figura ou passagem bíblica, procurando a melhor solução plástica.
115
As anotações em latim são descrições
ou cópias das passagens bíblicas que iria
realizar. Em francês, colocava datas e outras
anotações, podendo estas serem de aspecto
particular, como o seu estado de espírito no
momento. No caderno Paraclet, afirma ao
lado dos desenhos: “em Barbacena, 28 de
julho de 1947, graças a Deus!”. Além do
estudo das formas, também fez projetos para
uso das cores e das jornadas que constituíam
cada uma das partes do desenho,
especificando o dia, mês, ano e também o
lugar: Mauá.
Felizmente, todos os cadernos do artista não somente os referentes a esta obra
estão em excelente estado de conservação, mesmo depois de transcorridos 60 anos. Estão
também reunidos em uma única coleção particular e constituem, por si só, uma importante
fonte de pesquisa, reveladora da evolução poética de Emeric Marcier.
Observando as pinturas, é possível perceber que Emeric Marcier usa um tratamento
pictórico muito pessoal nos Murais de Mauá. Algumas vezes evoca as lembranças da cultura
que absorveu na Romênia, pintando imagens que entrelaçam a arte bizantina e gótica Deus
Pai, Sua Majestade Divina e Os Quatro Animais, a figura branca que paira em Torre de
Babel, perspectivas invertidas, faces traçadas a partir do esquema dos três círculos, faces e
corpos traçados a partir do pentagrama podem ser citados como exemplos. É possível
perceber também o diálogo com a arte medieval de outros países onde o artista morou: Itália,
França e Portugal.
Ilustração 55 MARCIER, Emeric. Projeto para
realização do afresco Pentecostes. Bico de pena
sobre papel. 1947.
Acervo Matias Marcier
116
Outras vezes, Emeric
Marcier expressou seu sofrimento
de fugitivo das medidas anti-semitas
que varreram a Europa. Através da
pintura que remete ao
expressionismo, longe da serenidade
das cores claras, usa com toda a
força os castanhos, ocres,
vermelhos, amarelos e negros.
Quanto ao desenho, suas figuras não transmitem correção anatômica esquematiza os pés,
mãos e, por vezes, suas figuras executam movimentos impossíveis, antinaturais. Marca na
argamassa úmida as linhas de contorno. Propositalmente, procura afastar-se da anatomia
academicamente correta. Marcier procura alcançar uma verdade mais profunda, que somente
linhas e formas expressionistas, angustiadas, atormentadas, podem encontrar.
Quanto à ilusão de espaço, o artista procurou afastar-se da perspectiva linear,
recusando um ponto de fuga único, remetendo às soluções plásticas encontradas pelos
cubistas. O fundo de uma pintura pode ser decomposto por Marcier em superfícies
geométricas simples, colocando em oposição superfícies claras e escuras, formando arestas,
criando a ilusão de volume, mas deixando para cada figura e objeto seu próprio ponto de fuga.
Com este artifício, intensifica a energia plástica e a pintura ganha intensidade.
Qual seria o movimento, escola ou estilo (sentido coletivo de representação e
expressão de um povo ou época histórica) que caracteriza sua arte? Parece uma pergunta
difícil de ser respondida, mas Eduardo Subirats aponta alguns caminhos: “as vanguardas se
Ilustração 56 MARCIER, Emeric. Nossa Senhora e o
Menino Jesus. Mosaico, Século XV. Igreja Curtea de Arges,
Romênia. Diálogo com a arte de Emeric Marcier.
117
converteram, a partir da II Grande Guerra Mundial, num ritual tedioso e perfeitamente
conservador.”
156
A modernidade, que teve como protagonistas as vanguardas históricas, partia de três
pressupostos: primeiro, a ruptura radical com a história; segundo, o triunfo absoluto da razão;
e terceiro, a crença no desenvolvimento da indústria, da tecnologia e do conhecimento
científico. O moderno é encarado como o novo, o último, a transgressão, a força de choque.
Opõe-se ao velho, rompendo com o passado; mas cumprida sua tarefa iconoclasta e crítica,
converte-se em fenômeno de caráter normativo e acaba institucionalizando-se
157
, tornando-se
conservadora.
Emeric Marcier teve consciência de que a dimensão revolucionária da Arte Moderna
desembocou no valor regressivo, arcaico e autoritário, onde a expressão artística se converte
numa forma impositiva de comunicação
158
, mostrando-se como um fenômeno dotado de
sentido ambivalente, emancipador e imperativo. Como escreveu em sua autobiografia, “A
minha arte totalmente voltada para temas inspirados nos textos bíblicos... não seria uma forma
de rebelião, quando museus e bienais faziam tudo para anular a pintura assim chamada
figurativa?”
159
A presente pesquisa aponta para um Marcier que não é, absolutamente, conservador.
Pelo contrário, indica para o tardo-moderno, o começo de uma nova idade, de crises mundiais,
angústias coletivas, conflitos mundiais, de onde os artistas extraem não a função salvadora da
arte, como fizeram as vanguardas, mas um impulso artístico crítico e libertador. Buscando
novos valores estéticos a partir do tradicional, integrando na experimentação artística
preocupações culturais amplas. Segundo Achille Bonito Oliva,
(...) um prazer de execução que reintroduz a tradição da pintura na arte... Esta
recuperação não significa identificação com os estilos do passado, mas a habilidade
156
SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. São Paulo: Nobel, 1984. p.1.
157
SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. São Paulo: Nobel, 1984. p.12.
158
SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. São Paulo: Nobel, 1984. p.52.
159
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p. 307.
118
de selecioná-los, na convicção que, em uma sociedade em transição em direção a um
fim indefinível, a única opção aberta é aquela oferecida por uma mentalidade
nômade e transitória... a obra une em si a memória cultural e visual de outras obras
não como citação, mas como investigação móvel dos módulos lingüísticos
precedentes... a imagem oscila entre a invenção e convenção.
160
Para Nicolau Sevcenko, não é possível definir um começo para o pós-moderno,
161
uma
data precisa, mas ele nasce do espanto, do desencanto, da aflição, e carrega um sentido de
salvação, para além da máquina que submete os homens ao império genocida, após o sonho
dos modernistas: a arte como salvadora do mundo. Os artistas, após a modernidade, não
acreditam no absoluto, nem são levados por falsas promessas. Emeric Marcier, em 1946 e 47,
se situa no pós-II Grande Guerra Mundial; após a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki
o mundo já havia mudado significativamente.
160
OLIVA, Achille Bonito. The Internacional Trans-Avantgard, São Paulo: USP, 1981. Texto traduzido para o
português, tradutor não identificado, datilografado.
161
SEVCENKO, Nicolau. O enigma pós-moderno. In: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de et al. Pós-
Modernidade. 3.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
119
CONCLUSÃO
O território onde hoje está a cidade de Mauá, em São Paulo, se firmou desde antes dos
tempos coloniais como um local de passagem. Por ali, passava o caminho indígena que ligava
os dois oceanos, Atlântico e Pacífico, conhecido como Trilha dos Tupiniquins; o Rio
Tamanduateí, que corre para o interior cortando o município, facilitou o deslocamento dos
bandeirantes durante a conquista do território brasileiro. No século XIX, estes dois caminhos,
por terra e água, direcionaram a escolha do traçado da ferrovia Santos-Jundiaí. Com ela,
vieram os imigrantes e as indústrias ao longo do caminho de ferro. A população de
trabalhadores que instalou-se no local articulou os primeiros movimentos sociais, entre eles a
Juventude Operária Católica.
Durante as atividades da JOC em Mauá, alguns padres incentivadores da arte moderna,
entre eles o padre Eduardo Roberto Batista, convidam o jovem artista Emeric Marcier, de 30
anos, recém-chegado da Europa, para pintar o interior da Capela Cristo Rei. Emeric Marcier
também estava de passagem. Veio para o Brasil fugindo da II Grande Guerra Mundial, mas
nunca escondeu sua vontade de voltar para Paris. Morou em vários lugares do Rio de Janeiro
antes de mudar-se para Mauá para realizar os Murais de Mauá e, logo em seguida, muda-se
para Barbacena, em Minas Gerais. Onze anos após sua chegada, volta para a França,
mantendo um ateliê no Sitio Santana, em Barbacena, e outro em Paris.
Para esta pesquisa foi possível reunir extensa documentação: os cartões desenhados a
carvão, acervo da Santa Casa de Misericórdia de Mauá, usados para delinear as linhas mestras
da composição; o conjunto de cadernos do artista, que trazem a gênese da obra; fotografias
tiradas durante sua realização; e a autobiografia de Emeric Marcier, que apresenta um capítulo
inteiro sobre esta pintura parietal, revelando as dificuldades, incertezas e vitórias no grande
desafio que foi pintar centenas de metros quadrados na técnica de pintura sobre parede úmida.
Com a análise desses documentos não restou dúvidas de tratar-se de pintura em fresco e não
120
outra técnica de pintura mural sobre superfície seca, pondo fim a qualquer dúvida que venha
pairar a esse respeito.
Considerando-se instrumento da vontade de Deus, segundo suas próprias palavras,
Emeric Marcier realizou os Murais de Mauá, em São Paulo, uma obra que requer atenção dos
pesquisadores e merece ser estudada não somente por seu valor para o patrimônio cultural
brasileiro como pela relevância na história da arte sacra; é um dos maiores conjuntos de
murais com pinturas do Antigo e Novo Testamento com a técnica do afresco de nosso país.
Os 23 murais são monumentais
162
, somando mais de 500m
2
. Talvez Pietro Maria Bardi tenha
se referido à Capela Cristo Rei como Sistina Brasileira por considerar, além da temática do
Velho e Novo Testamento e o Juízo Final atrás do altar, comum a ambas, a grande quantidade
de pinturas. A Capela Sistina, em Roma, possui 520m
2
de afrescos
163
.
Emeric Marcier aprendeu a técnica de pintura em afresco na Escola de Belas Artes de
Brera, em Milão. O professor Giuseppe Palanti não teve dúvidas que esta seria a melhor
técnica para um romeno aprender, pois a pintura sobre parede úmida é um dos maiores
legados culturais da Moldávia, na Romênia. O estilo Moldavo está presente em igrejas e
mosteiros dos séculos XV e XVI, conhecidos e admirados não por romenos, fazendo parte
do patrimônio cultural da humanidade. Marcier teve contato com esta prática artística desde
sua infância e juventude. Na Academia da Itália aperfeiçoou-a e quando chegou ao Brasil a
colocou em prática, em 1946.
Uma vez que a pintura sobre parede é feita para durar muito tempo, porque está ligada
à arquitetura, os afrescos de Emeric Marcier em Mauá são como uma grande exposição
permanente; é possível perceber que Emeric Marcier pensou dessa maneira. A posição dos
murais, a sua fruição, não são aleatórias. Logo na entrada, do lado de fora da capela o mural a
Anunciação convida o visitante a entrar. Ao abrir as portas, a primeira visão é a das paredes
162
Verificar Medidas dos Murais de Mauá em ANEXOS.
163
HARRIS, Nathaniel. A arte de Michelangelo. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981, p. 42.
121
atrás do altar: Deus Pai, Juízo Final e Apocalipse, um colorido intenso toma conta do olhar do
observador, com predominância para o azul Embora esta cor não esteja muito presente no
conjunto dos afrescos, é ela quem domina em um primeiro momento e os olhos se abrem para
a grande imagem da Santíssima Trindade.
Nas paredes do fundo da nave estão a Criação do Homem, Batismo de Jesus e Jesus
Levado ao Sepulcro, que representam a trilogia: nascimento, vida e a morte. O nascimento
pelo sopro divino e pelo batismo de Jesus; a vida no Paraíso, quando a serpente mostra a
Adão e Eva o conhecimento do bem e do mal; e a morte que os pais da humanidade conhecem
ao serem expulsos do Paraíso, que também está presente no corpo de Jesus Cristo sendo
levado para a sepultura.
Entre as paredes do fundo e do altar, ao percorrer o caminho entre elas, vê-se as
paredes da nave. Nelas, Emeric Marcier pintou uma seqüência onde mostra seu próprio povo:
Dilúvio, Torre de Babel, Dança do Bezerro de Ouro, Travessia do Mar Vermelho,
Transfiguração e Pentecostes. Posicionando três murais de cada lado, novamente Emeric
Marcier estabelece uma tríade. Eles representam a saga dos judeus, inclusive de Jesus Cristo,
semita descendente, segundo os textos sagrados, de Davi e Abraão
164
.
Todos os nove afrescos da nave são representações da vida do povo judeu em
momentos de transformação, de passagem de um estado (maneira de ser) para outro, porque
em transição se sentia o artista. Assim Marcier explica seu estado de espírito ao pintar os
Murais de Mauá: “Quando todos sumiam, sentia-me liberto como os judeus salvos pelo anjo,
indicando a estreita faixa a seguir entre as ondas abertas”
165
. O mural Torre de Babel, mostra
os homens construindo uma torre para chegar no céu; o Dilúvio mostra Noé, sua família e
animais atravessando ondas furiosas; Travessia do Mar Vermelho mostra Moisés guiando seu
povo do cativeiro egípcio para a liberdade; Dança do Bezerro de Ouro mostra Moisés
164
Bíblia, Novo Testamento Mt. 1, 1-17.
165
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.179.
122
quebrando as tábuas com os Dez Mandamentos quando vê seu povo adorando um boi, ou seja,
a transição do culto pagão para o monoteísmo; Transfiguração é a transformação do corpo de
Jesus em luz quando Ele fala com Deus; e Pentecostes mostra os apóstolos recebendo os dons
do Espírito Santo e a abertura da mente para uma nova consciência. Também Emeric Marcier
estava em transição, pinta os afrescos com temas cristãos, mas continuava a se sentir judeu.
Continuando o percurso, as duas paredes do altar mostram os murais Deposição, o
corpo de Cristo sendo retirado, sem vida, da cruz, e Ressurreição, quando Cristo retorna do
reino dos mortos, encimadas pelo mural Alfa e Ômega, apenas duas letras gregas, a primeira e
a última, que representam o princípio e o fim, ou seja, o próprio Deus. O Mural Sua
Majestade Divina e os Quatro Animais foi posicionado também no teto da nave central,
significando que Deus está acima de todas as coisas. Ele é o juiz e os quatro animais
representam os evangelistas, cheios de olhos pelo corpo, indicando que Deus está nos quatro
cantos da terra.
166
De fato, de qualquer lugar que o observador se posicione na capela os olhos
o acompanham.
Finalmente, na sacristia, onde são guardados os paramentos e os objetos de culto,
espaço que normalmente não se encontra aberto à visitação do público, foram posicionados os
afrescos que representam a traição, o sofrimento e a esperança: Sepulcro Vazio, Pedro Nega
Jesus e Suicídio de Judas ao fundo e Flagelação, Jesus Entregue aos Soldados e Crucificação
na parede da frente. Nos afrescos Pedro Nega Jesus e Suicídio de Judas as pinturas tratam da
traição; em Flagelação, Jesus Entregue aos Soldados e Crucificação, o tema são os tormentos
de Jesus pouco antes de sua morte na cruz; e em Sepulcro Vazio, um anjo explica a Maria
Madalena que Jesus ressuscitou dos mortos.
166
BÍBLIA Sagrada. 94
a
ed. São Paulo: Ave-Maria Ltda. 1995. p.1560.
123
É possível concluir também que Emeric Marcier, escolhendo estes temas bíblicos que
falem de nascimento, vida em transformação e morte, pintou seu próprio sofrimento. O artista
estava atravessando um período de sua vida com muitas mudanças e dificuldades: a
impossibilidade de viver como pintor em Paris, seu batizado na católica, casamento, filhos,
dificuldade financeira, mudanças freqüentes de residência (em seis anos de Brasil, morou em
vários bairros da cidade do Rio de Janeiro, em Penedo e Mauá). Como explica no capítulo que
escreve sobre os Murais de Mauá, “Queria sossego para me jogar de corpo e alma naquele
empreendimento audacioso. Começara os desenhos em Penedo, a tela grande em Santa Teresa
e agora estes afrescos!... Que louco fui eu! Demência, ou reverberação da “Visão”
bimilenar”?
167
A paixão, emoções sangradas e sagradas
168
, sempre foi uma constante na pintura sacra
de Emeric Marcier, que também gostava muito de ouvi-la transposta para a música clássica.
Foi como uma grande composição musical que o artista imaginou os Murais de Mauá, assim
que viu as paredes da capela Cristo Rei: “Mas as quatro paredes, depois de certa adaptação,
poderiam servir para superfícies a serem recobertas com a mensagem que estava
fervilhando na minha cabeça. Antigo Testamento, Dilúvios e Mar Vermelho, Dança do
Bezerro de Ouro e Torre de Babel, que prelúdio para uma Paixão, culminando numa
Crucificação enorme...”
169
. Prelúdio é um trecho ligeiro que o músico executa antes do trecho
principal. A paixão é o tema principal de sua pintura.
Marcier foi convidado para realizar sua obra por padres ligados ao movimento social
da Juventude Operária Católica, que com sua visão positiva da arte sacra moderna possibilitou
a realização do trabalho com grande expressividade. Dando forma, através da matéria
pictórica, não somente às passagens bíblicas, mas também a sentimentos, emoções e
167
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.180.
168
SANT’ANNA Affonso Romano de. Estória dos sofrimentos, morte e ressurreição do senhor Jesus Cristo
na pintura de Emeric Marcier. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. p.21.
169
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.177.
124
subjetividades do artista, Marcier aplicou nos Murais de Mauá o postulado da JOC: ver,
julgar e agir. Viu nas passagens da Bíblia o passado de seu próprio povo judeu, a vida e morte
de Jesus Cristo representando o sofrimento causado pela II Guerra Mundial, as perseguições
nazistas e as dificuldades da vida humana na terra; julgou os acontecimentos, refletindo sobre
eles; e finalmente agiu, registrando nas pinturas o seu tempo, a primeira metade do século
XX, com traços de humor carregados de maldisfarçada ironia, demônios e algozes com rostos
humanos, inclusive de líderes políticos de sua época, e apontando para o século XXI:
cataclismos da natureza, falsos profetas, bestas apocalípticas que procuram dominar o mundo,
confusões, guerras, a luta entre o bem e o mal. Emeric “viveu” a Sagrada Escritura e
transpirou pintura.
Sua pintura é caracterizada por uma poética muito pessoal. onde perpassam suas
memórias de infância e juventude. Nela, vê-se reminiscências do estilo moldavo que
caracteriza os murais da Romênia; esta tradição popular que mantém diálogo com a arte
bizantina e gótica também está presente nos afrescos de Mauá. Pode-se observar isso no
desenho de rostos a partir de três círculos concêntricos, o nariz proeminente e os olhos
amendoados; não o desenho em escorço (vista frontal), o artista prefere representar a
frontalidade com pés pendentes; as figuras são alongadas, inclusive com as mãos e os pés
terminando em ângulos agudos. Pode-se concluir que o diálogo que o artista mantém com a
arte da idade média não é fruto apenas de seu aprendizado como estudante na Europa
Ocidental. Ele viu a pintura de grandes mestres, mas seu trabalho está enraizado na cultura
romena.
Pode-se também deduzir, a partir deste estudo, que Emeric Marcier aplicou a pesquisa
que realizou sobre a técnica de pintar escuro, porém luminoso. Nos afrescos de Mauá, com
exceção das pinturas do altar, muito coloridas, as paredes laterais, do fundo e o mural exterior
apresentam cores escuras. Pode-se dizer, comparando com a linguagem musical, que elas
125
possuem tons graves; os ocres, marrons, cinzas e pretos são atravessados por luz, que ora
surge do interior dos corpos das figuras, ora de um ponto luminoso exterior ao mural. Esta
técnica barroca confere mais dramaticidade e mistério aos Murais de Mauá.
O artista também apresenta uma liberdade plástica que caracteriza sua obra, colocando
diferentes formas de expressão em murais que estão próximos uns dos outros, como nos três
Cristos da sacristia:
O da esquerda, em Jesus Entregue aos Soldados (dez. 1946), possui o rosto
arredondado, olhos pequenos, nariz curto, corpo forte; o do centro, em Flagelação (out. 1946)
apresenta rosto ovalado, olhos amendoados, nariz proeminente, corpo magro; o Cristo da
Crucificação possui corpo traçado a partir de linhas angulosas, os joelhos “olham” um para o
outro, a figura está torcida, diferentes pontos de fuga na construção de seu corpo. Todos
emanam, porém, uma luz vinda de dentro de seus corpos, conferindo unidade na diversidade.
A mesma liberdade está presente na pintura das passagens bíblicas. Emeric Marcier é
fiel ao Texto Sagrado, transformando palavras em imagens, mas insere elementos de sua
imaginação, como os anjos que tocam bandolim e harpa no Juízo Final. Colocados no canto,
bem alto, encobertos parcialmente pela parede do Apocalipse, não são imediatamente visíveis,
Ilustração 57 MARCIER, Emeric.
Jesus Entregue aos Soldados
(detalhe).
Foto: Acervo Museu Barão de
Mauá.
Ilustração 58 MARCIER,
Emeric. Flagelação. 1946.
Foto: Acervo Matias Marcier.
Ilustração 59 MARCIER,
Emeric. Crucificação (detalhe).
1946.
Foto: Acervo Matias Marcier.
126
mas parece que fazem uma festa no céu, enquanto assistem aos últimos dias da humanidade,
acrescentando traços de humor à sua pintura.
Essas características mostram que Emeric Marcier não procurou seguir, no pós-II
Grande Guerra, as vanguardas artísticas. Ele as conhecia bem, pois estudou artes na academia
e viveu como pintor, mas fez uso das expressões e linguagens plásticas como bem quis, numa
atitude crítica e libertadora, buscando novos valores estéticos a partir do tradicional,
apontando para o pós-moderno.
Finalmente pode-se concluir que Emeric Marcier se sentiu impelido a pintar imagens
sacras. Durante a II Grande Guerra ficou fascinado com as obras das igrejas e cidades
mineiras, teve sua primeira experiência mística no Brasil, na praia de Icaraí, real para ele;
quando viu a Capela Cristo Rei teve uma visão: "Num instante vi tal qual diz o texto sagrado:
Eu, João, vosso irmão e companheiro nas 'provações', o que vês pinta sobre as paredes."
170
A
necessidade interior de pintar o sagrado o conduziu para os Murais de Mauá.
170
MARCIER, Emeric. Deportado para a vida. Rio de Janeiro: Barléu, 2004. p.177
São João Evangelista escreve no livro Apocalipse: “Eu, João, vosso irmão e companheiro nas tribulações, na
realeza e na paciência de Jesus, estava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
Num domingo, fui arrebatado em êxtase, e ouvi, por trás de mim, voz forte como trombeta, que dizia: “O que
vês, escreve-o num livro e manda-o às sete igrejas: a Éfeso, a Esmirna, a Pérgamo,a Tiatira,a Sardes, a Filadélfia
e a Laodicéia”. Bíblia, Novo Testamento Apoc 01, 9-11
127
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133
ANEXOS
Exposições Individuais, Coletivas e Póstumas de Emeric Marcier.
171
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
1940
Rio de Janeiro, Brasil
Salão do artista brasileiro.
1942
Rio de Janeiro, Brasil
MNBA.
1944
Rio de Janeiro, Brasil
IAB/RJ.
1952
São Paulo, Brasil
Galeria Ambiente.
1954
Rio de Janeiro, Brasil
Petit Galerie.
1956
Rio de Janeiro, Brasil
Maison de France.
1956
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Tenreiro.
1957
Paris, França
Galeria André Weil.
1960
Rio de Janeiro, Brasil
Petit Galerie.
1961
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Relevo.
1963
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Bonino.
1965
Lisboa, Portugal
Galeria do Diário de Notícias.
1965
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Bonino.
1966
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Relevo.
1966
Roma, Itália
Casa do Brasil.
1967
Tóquio, Japão
Galeria Isogaia.
1968
Bucareste, Romênia
Retrospectiva, Ateneu Romeno.
1968
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Ibeu.
1969
São Paulo, Brasil
Galeria Cosme Velho.
1980
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Bonino.
1982
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Jean Boghici.
1985
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Bonino.
1986
Washington, Estados Unidos
Retrospectiva, Museu de Arte Moderna Latino-Americano, comemorativa
dos 50 anos de pintura do artista.
1987
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Jean Boghici.
1990
Belo Horizonte
Museu de Artes de Belo Horizonte.
1990
Rio de Janeiro, Brasil
Galeria Bonino.
Tabela 7
171
www.itaucultural.org.br. Acesso: 28 de outubro de 2007.
134
EXPOSIÇÕES COLETIVAS
1937
Milão, Itália
Mostra, Galeria Ítalo-Romena.
1944
Londres, Inglaterra
Artistas Brasileiros, Burlington House.
1944
Londres, Inglaterra
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Royal Academy of Arts.
1944
Norwich, Inglaterra
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Norwich Castle and Museum.
1945
Bath, Inglaterra
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Victory Art Gallery.
1945
Bristol, Inglaterra
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Bristol City Museum & Art Gallery.
1945
Edimburgo, Escócia
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, National Gallery.
1945
Glasgow, Escócia
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Kelingrove Art Gallery.
1945
Manchester, Inglaterra
Exhibition of Modern Brazilian Paintings, Manchester Art Gallery.
1952
Rio de Janeiro, Brasil
Exposição de Artistas Brasileiros, Museu de Arte Moderna.
1953
Rio de Janeiro, Brasil
4º. Salão de Naturezas Mortas, Teatro Municipal.
1953
São Paulo, Brasil
2ª. Bienal Internacional de São Paulo, Brasil, Pavilhão dos Estados.
1954
São Paulo, Brasil
Arte Contemporânea: exposição do acervo do Museu de Arte Moderna de São
Paulo, Brasil, Museu de Arte Moderna - MAM.
1955
São Paulo, Brasil
3ª. Bienal Internacional de São Paulo, Brasil, Pavilhão das Nações.
1956
Rio de Janeiro, Brasil
1º. Salão Ferroviário, Ministério da Educação e Cultura.
1957
América do Sul
Mostra Itinerante: Artistas Brasileiros.
1958
Cidade do México,
México
1ª. Bienal Interamericana.
1963
Rio de Janeiro, Brasil
A Paisagem como Tema, Galeria Ibeu Copacabana.
1964
Rio de Janeiro, Brasil
O Nu na Arte Contemporânea, Galeria Ibeu Copacabana.
1965
Lisboa, Portugal
Artistas Brasileiros, Fundação Calouste Gulbenkian.
1965
Paris, França
Salon Comparaisons.
1965
Praga, República
Tcheca
Artistas Brasileiros.
1966
Rio de Janeiro, Brasil
Auto-Retratos, Galeria Ibeu Copacabana.
1966
Salzburg, Áustria
Bienal de Arte Sacra.
1972
São Paulo, Brasil
Arte/Brasil/Hoje: 50 Anos depois, Galeria Collection.
1974
Rio de Janeiro, Brasil
O Mar, Galeria Ibeu Copacabana.
1980
Rio de Janeiro, Brasil
Homenagem a Mário Pedrosa, Galeria Jean Boghici.
1981
Maceió, Brasil
Artistas Brasileiros da Primeira Metade do Século XX, Instituto Histórico e
Geográfico.
1981
Rio de Janeiro, Brasil
Do Moderno ao Contemporâneo: Coleção Gilberto Chateaubriand, Museu de
Arte Moderna.
1982
Lisboa, Portugal
Brasil 60 Anos de Arte Moderna: Coleção Gilberto Chateaubriand, Centro de
Arte Moderna José de Azeredo Perdigão.
1982
Lisboa, Portugal
Do Moderno ao Contemporâneo: Coleção Gilberto Chateaubriand, Centro de
Arte Moderna José Azeredo Perdigão.
1982
Londres, Inglaterra
Brasil 60 Anos de Arte Moderna: Coleção Gilberto Chateaubriand, Barbican Art
Gallery.
1982
Rio de Janeiro, Brasil
Futebol: Interpretações, Museu de Arte Moderna.
1982
Rio de Janeiro RJ
Universo do Futebol, Museu de Arte Moderna.
1983
Rio de Janeiro, Brasil
Auto-Retratos Brasileiros, Galeria de Arte BANERJ.
1984
Rio de Janeiro, Brasil
Pintura Brasileira Atuante, Espaço Petrobrás.
1984
São Paulo, Brasil
Retrato e Auto Retrato Brasileiro: Coleção Gilberto Chateaubriand, Museu de
Arte Contemporânea.
1984
São Paulo, Brasil
Tradição e Ruptura: Síntese de Arte e Cultura Brasileiras, Fundação Bienal.
1985
Rio de Janeiro, Brasil
Seis Décadas de Arte Moderna: Coleção de Roberto Marinho, Paço Imperial.
1985
São Paulo, Brasil
18ª. Bienal Internacional de São Paulo, Brasil, Fundação Bienal.
1986
Rio de Janeiro, Brasil
Tempos de Guerra: Hotel Internacional, Galeria de Arte BANERJ.
1986
Rio de Janeiro, Brasil
Tempos de Guerra: Pensão Mauá, Galeria de Arte BANERJ.
1987
Rio de Janeiro, Brasil
Ao Colecionador: Homenagem a Gilberto Chateaubriand, Museu de Arte
Moderna.
1987
Rio de Janeiro, Brasil
Guignard/Marcier, Galeria Jean Boghici.
1987
São Paulo, Brasil
O Ofício da Arte: Pintura, SESC.
1989
Fortaleza, Brasil
Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX nas Coleções Cearenses: Pinturas e
Desenhos, Espaço Cultural UNIFOR.
1989
Lisboa, Portugal
Seis Décadas de Arte Moderna Brasileira: Coleção de Roberto Marinho, Centro
de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Fundação Calouste Gulbenkian.
Tabela 8
135
EXPOSIÇÕES PÓSTUMAS
1992
Rio de Janeiro, Brasil
Natureza: quatro séculos de Arte no Brasil, CCBB.
1993
São Paulo, Brasil
O Desenho Moderno no Brasil: Coleção Gilberto Chateaubriand, Galeria de
Arte do Sesi.
1994
Rio de Janeiro, Brasil
O Desenho Moderno no Brasil: Coleção Gilberto Chateubriand, Museu de Arte
Moderna
1994
Rio de Janeiro, Brasil
Visões do Rio, Museu de Arte Moderna.
1997
Porto Alegre, Brasil
Exposição Paralela, Museu da Caixa Econômica Federal.
1997
Porto Alegre RS
Exposição do Acervo da Caixa, Conjunto Cultural da Caixa
1997
São Paulo, Brasil
Exposição do Acervo da Caixa, Conjunto Cultural da Caixa
1998
Curitiba, Brasil
Exposição do Acervo da Caixa, Conjunto Cultural da Caixa.
1999
Rio de Janeiro, Brasil
Exposição do Acervo da Caixa, Conjunto Cultural da Caixa.
1999
Salvador, Brasil
60 Anos de Arte Brasileira, Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal.
2000
Rio de Janeiro, Brasil
Quando o Brasil era Moderno: Artes Plásticas no Rio de Janeiro, Brasil de 1905
a 1960, Paço Imperial.
2001
São Paulo, Brasil
Coleção Aldo Franco, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.
2002
Rio de Janeiro, Brasil
Identidades: O Retrato Brasileiro na Coleção de Gilberto Chateaubriand,
Museu de Arte Moderna.
2003
Rio de Janeiro, Brasil
Tesouros da Caixa: Arte Moderna Brasileira no Acervo da Caixa, Espaço
Cultural da Caixa.
Tabela 9
136
MURAIS DE EMERIC MARCIER
172
1947
Mauá/São
Paulo/Brasil
Murais de Mauá - Capela Cristo Rei ou Capela da JOC:
Anunciação, Deus Pai, Juízo Final, Apocalipse, Alfa e Ômega, Sua
majestade Divina, Batismo de Jesus, Jesus Levado ao Sepulcro,
Criação do Homem, Dilúvio, Torre de Babel, Dança do Bezerro de
Ouro, Travessia do Mar Vermelho, Transfiguração, Pentecostes,
Deposição, Ressurreição, Crucificação, Jesus Entregue aos
Soldados, Flagelação, Sepulcro Vazio, Pedro Nega Jesus, Suicídio
de Judas.
1949
Barbacena/Minas
Gerais/Brasil
Sítio Santana
Casa de Emeric Marcier
Anunciação, Maria Visita Isabel, Casamento de Maria,
Savonarole, Pombas Brancas.
1950
Rio de Janeiro/Rio
de Janeiro/Brasil
Edifício Golden Gate
1950
Rio de Janeiro/Rio
de Janeiro/Brasil
Residência de A.G.
1953
Rio de Janeiro/Rio
de Janeiro/Brasil
Sítio de Hildebrando Accioly
Capela Santa Maria
Anunciação, Casamento da Virgem, A Virgem e o Menino, Fuga do
Egito, Massacre dos Inocentes, Coroação da Virgem, Povo de
Deus.
1953
Juiz de Fora/Minas
Gerais/Brasil
Congregação das Servas do Santíssimo Sacramento
Cenáculo São João Evangelista
Apocalipse ou Adoração do Cordeiro.
1954
Cataguazes/Minas
Gerais/Brasil
Casa de Ottonio Alvim Gomes, atual Casa Nanzita Salgado
O Rapto de Helena de Tróia
1955
Cataguazes/Minas
Gerais/Brasil
Educandário Dom Silvério
Capela da Ordem Carmelita
Criação do Mundo
1956
Muriaé/Minas
Gerais/Brasil
Lápide de P.M.
1957
Zurich/Suíça
Residência de O.A.G.
1959
Belo Horizonte/
Minas Gerais/
Brasil
Hospital Frederico Ozanan
1060
Belo Horizonte/
Minas Gerais/
Brasil
Capela do SESC Venda Nova
1964
Rio de Janeiro/Rio
de Janeiro/Brasil
Teatro da Praia
1965
Rui de Janeiro/Rio
de Janeiro/Brasil
BANERJ
Banco do Rio de Janeiro
Tabela 10
172
Tabela montada com informações coletadas nos sites: <http://emericmarcier.org>,
<http://macarlo.com/marcier>, <http://www.dec.ufcg.edu.br>, <http://www.descubraminas.com.br>,
<http://www.geocities.com/Paris/Cafe/2321>, <http://www.jflegis.pjf.mg.gov.br> e
<http://www.vitruvius.com.br>.
137
DIMENSÕES DOS MURAIS DE MAUÁ
173
Mural
Dimensão
Área
Anunciação
3,50 x 1,85m
6,47m
2
Deus Pai (parede côncava) e Juízo Final – ocupam a
parede do fundo do altar
8,35 x 12m
100,2m
2
Apocalipse – parede frontal, ao redor de do arco ogival
5,60 x 12m (arco)
33m
2
Alfa e Ômega
8,30 x 4m
33,2m
2
Sua Majestade Divina e os Quatro Animais
13 x 8,30m
107,9m
2
Batismo de Jesus e Jesus Levado ao Sepulcro
2,70 x 2,35m cada
2 x 6,35m
2
Criação do Homem
8,30 x 2m aprox.
16,60m
2
Dilúvio e Torre de Babel
2,80 x 11m cada
2 x 30,80m
2
Dança do Bezerro de Ouro e Travessia do Mar Vermelho
5,95 x 2,85m cada
2 x 16,96m
2
Transfiguração e Pentecostes
2,80 x 2,85m cada
2 x 7,98m
2
Deposição e Ressurreição
2,80 x 11m cada
2 x 30,80m
2
Crucificação
8,30 x 2,60m
21,58m
2
Jesus Entregue aos Soldados e Flagelação
2,55 x 2,60m
13,26m
2
Sepulcro Vazio, parede convexa
4,50 x 2,60m aprox.
11,70m
2
Pedro Nega Jesus e Suicídio de Judas
1,55 x 1m cada
2 x 1,55 m
2
TOTAL APROX. 530 m
2
Tabela 11
173
Medição feita pela pesquisadora nos Murais de Mauá em dezembro de 2007, tendo como base a Planta Baixa
do Memorial Descritivo de Caracterização da Capela da JOC, Processo Administrativo No. 9729-9 da Prefeitura
do Município de Mauá, 18 nov. 2003.
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