Download PDF
ads:
1
MARINA CASTILHO TAKAMI
Fotografia em marcha: revista S.Paulo - 1936
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação Interunidades em Estética
e História da Arte da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Mestre
em Estética e História da Arte.
Área de concentração: Teoria e Crítica de
Arte.
Orientadora: Profª Drª Helouise Costa
São Paulo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Takami, Marina Castilho.
Fotografia em marcha : revista S. Paulo - 1936 / Marina
Castilho Takami ; orientadora Helouise Costa. -- São Paulo,
2008.
247 f. : fig.
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte. Área de
concentração: Teoria e Crítica de Arte) Universidade de São
Paulo.
1. Fotografia 2. Linguagem fotográfica 3. Intelectuais
(aspectos culturais) 4. Identidade cultural (São Paulo) I. Título.
CDD
770.8161
ads:
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
Marina Castilho Takami
Fotografia em marcha: revista S.Paulo - 1936
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação Interunidades em Estética e
História da Arte da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Teoria e Crítica de Arte
Aprovado em:__________________________________
Banca examinadora
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Intituição: ___________________________________________ assinatura: ____________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Intituição: ___________________________________________ assinatura: ____________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Intituição: ___________________________________________ assinatura: ____________
4
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela bolsa de mestrado concedida, que foi fundamental para a realização
desta pesquisa.
A minha orientadora, Profª Drª Helouise Costa, pela confiança depositada em mim
como pesquisadora, pela troca de informações e pela leitura atenta de todo o trabalho.
Ao Prof Dr. Boris Kossoy, da Universidade de São Paulo e à Profª Drª Iara Lis
Schiavinatto, da Universidade Estadual de Campinas, pela disponibilidade e pelas
considerações enriquecedoras que trouxeram à pesquisa.
À Profª Ph.D Erika Wolf, da Universidade de Otago (NZ), e à Profª Ph.D Luiza Franco
Moreira, da Universidade Binghamton (EUA), pelas observações relevantes e por terem
gentilmente cedido materiais que trouxeram importantes contribuições para esta
dissertação.
A Rute Duarte, por permitir o acesso ao acervo pessoal de BJ Duarte.
A Hélio Vieira Jr., Jandyra Vieira Vampré e Maria Ignez Vampré, pelas informações
enviadas sobre Leven Vampré.
Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, por autorizar a consulta e reprodução de
documentos.
Aos pesquisadores Afrânio Mendes Catani e Ricardo Mendes, pela atenção com que
me atenderam.
Aos Profºs. Eduardo Morettin e Francisco Alambert, pelos comentários pertinentes e
conversas.
Aos companheiros de estudo e amigos, Adilson Inácio, Anna Paula, Carolina Amaral,
Fábio Uchôa, Pedro Plaza, Rodrigo Archangelo e Verônica Veloso, pela troca de
experiências, que foi muito significativa para o meu amadurecimento intelectual, científico e
pessoal.
Sou grata a meus pais e irmão por sempre terem me dado apoio.
E agradeço especialmente ao Fábio, pelo afeto e companheirismo de todo dia e pelo
empenho com que leu minuciosa e pacientemente todo o trabalho.
5
RESUMO
TAKAMI, M. C. Fotografia em marcha: revista S.Paulo - 1936. 2008. 247f. Dissertação
(Mestrado) - Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
Esta dissertação trata da revista S.Paulo, publicada durante o ano de 1936, considerada
aqui como um objeto cultural de interesse interdisciplinar. Sob a orientação ideológica de
Cassiano Ricardo, a revista divulgou as realizações do então governador do estado
Armando de Salles Oliveira. Partiu-se, neste trabalho, do estudo da construção da
identidade regional paulista, baseada no bandeirantismo, para propor como principal chave
de interpretação da revista o conceito de marcha das imagens. Trata-se de uma reflexão
sobre o papel de intelectuais do grupo Verde-Amarelo, do modernismo dissidente paulista,
na política e cultura nacionais, bem como na construção e manutenção de um certo
imaginário. A análise da concepção gráfica da S.Paulo, estruturada na imagem, permitiu
concluir que as qualidades de verossimilhança e reprodutibilidade técnica da fotografia são
fatores determinantes para o entendimento da revista, na qual convivem tradição e
modernidade, transpassadas por ambigüidades e contradições. A revista S.Paulo é
representativa de um dos usos isolados da fotografia moderna no Brasil.
Palavras-chave: revista ilustrada, fotografia, história de São Paulo
6
ABSTRACT
TAKAMI, M. C. Marching photography: S.Paulo magazine - 1936. 2008. 247f. Dissertation
(Master of Arts) - Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
This dissertation discusses S.Paulo magazine, published during 1936 and here in considered
to be a cultural object of interdisciplinary interest. Under Cassiano Ricardo's ideological
supervision, the magazine divulged Armando de Salles Oliveira's undertakings as the
governor of São Paulo State. This work, departing from the study of the regional identity of
São Paulo State, grounded on bandeirantismo (in reference to the bandeiras, expeditions
into brazilian hinterlands during the colonial period), proposes the image march concept as
an interpretation tool. It reflects on the role of Verde-Amarelo intellectuals (dissenting
members of modernism in São Paulo) in national politics and culture as well as in the
construction of a certain imaginary. By analyzing the graphic conception of S.Paulo
magazine, structured around images, it was possible to conclude that mechanical
reproduction and verisimilitude of its photography are chief factors to understand this
magazine, in which tradition and modernity coexist, permeated by ambiguities and
contradictions. S.Paulo magazine is representative of isolated uses of modern photography
in Brazil.
Key words: illustrated magazine, photography, history of São Paulo
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Reportagem Reorganização da administração pública ...........................................................................21
Figura 2. Detalhe da reportagem O sentido paulista da vida quer dizer: organização ...........................................27
Figura 3. Fotografia do edifício do Museu Paulista publicada na S.Paulo n.2, p.11 ..............................................52
Figura 4. Escultura de Fernão Dias Paes Leme, saguão de entrada do Museu Paulista ......................................53
Figura 5. Escultura de Raposo Tavares, saguão de entrada do Museu Paulista ...................................................53
Figura 6. Charge de propaganda paulista, Movimento Constitucionalista de 1932 ...............................................55
Figura 7. Postais de propaganda paulista, Movimento Constitucionalista de 1932................................................56
Figura 8. Cartaz do MMDC, propaganda paulista, Movimento Constitucionalista de 1932 ...................................57
Figura 9. Charge de propaganda paulista, Movimento Constitucionalista de 1932 ...............................................59
Figura 10. Reportagem O sentido paulista da vida quer dizer: organização, S.Paulo n.1, p.10-11........................65
Figura 11. Editorial bilíngue e fotomontagem sobre o porto de Santos, S.Paulo n.3, p.2-3 ...................................80
Figura 12. Reportagem Carnaval Paulista de 1936, S.Paulo n.3, p.10-11..............................................................92
Figura 13. Detalhe da reportagem Cafés Finos, S.Paulo n.6, p.23 ........................................................................93
Figura 14. Fotografia de Theodor Preising .............................................................................................................93
Figura 15. Reportagens O corajoso paraquedista soviético, SSSR n. 12, dez. 1935, e Clube paulista de
planadores, S.Paulo n.3 .........................................................................................................................................96
Figura 16. Reproduções do filme São Paulo Sinfonia da metrópole (1929) ..........................................................99
Figura 17. Detalhe da reportagem O ensino profissional em S.Paulo, S.Paulo n.1, p.18 ....................................100
Figura 18. Capa do primeiro exemplar da S.Paulo ..............................................................................................101
Figura 19. Trabalhador rural e arranha-céu na fotomontagem da capa da S.Paulo n. 2 ....................................104
Figura 20. Escoteiro e planador na fotomontagem da capa da S.Paulo n.3 ........................................................105
Figura 21. Fotografia de trabalhador na lavoura de abacaxi. Capa da S.Paulo n.5 ............................................106
Figura 22. Alunos e prédio da Facudade de Medicina da USP na foto da capa da S.Paulo n.7 .........................108
Figura 23. Atletismo na fotomontagem da capa da S.Paulo n.8 ..........................................................................109
Figura 24. Soldado em desfile de sete se setembro na fotomontagem da capa da S.Paulo n.9 .........................109
Figura 25. Crianças na fotomontagem da capa do último exemplar da S.Paulo ..................................................110
Figura 26. Quatro expressões typicas da mulher bandeirante, retratos de Cerri, S.Paulo n.6, p.07 ...................113
Figura 27. Creanças Paulistas, retratos de Rosen, S.Paulo n.7, p.08 .................................................................113
Figura 28. Imagem do bandeirante Fernão Dias, editorial e retrato do governador Armando de Salles Oliveira,
S.Paulo n.4, capa, p.2 e p.3, respectivamente .....................................................................................................119
Figura 29. São Paulo de hontem e de hoje, maquete e vistas aéreas da cidade, S.Paulo n.10, p.22 ................120
Figura 30. Suplemento de página desdobrável, S.Paulo n.10, p.28-29b .............................................................121
Figura 31. O bandeirante Anhangüera na capa da S.Paulo n.6 ...........................................................................122
8
Figura 32. Fotomontagem com paisagem, arranha-céu e planador na capa posterior da S.Paulo n.6 ...............122
Figura 33. Fotomontagem em homenagem a José Bonifácio, S.Paulo n.1, p.12-13 ...........................................123
Figura 34. Homenagem a Monteiro Lobato e sua produção literária infantil, S.Paulo n.6, p.19 ..........................125
Figura 35. Reportagem Dia de São Paulo, S.Paulo n.2, p.12-13 .........................................................................126
Figura 36. Reportagem sobre a cidade e o porto de Santos, S.Paulo n.4, p.11a e 11b ......................................128
Figura 37. Suplemento com panorama do porto de Santos, S.Paulo n.4, p.12a, 12b e 13 .................................129
Figura 38. Reportagem Braços nacionaes para a lavoura de S.Paulo, S.Paulo n.1, p.21-21 ..............................130
Figura 39. Trabalhadora retratada na lavoura de algodão, S.Paulo n.9, p.06a, 06b e 07 ...................................133
Figura 40. Atividades na lavoura de café, S.Paulo n.1, p.04-05 ...........................................................................134
Figura 41. Continuação de A maior industria agricola do mundo, S.Paulo n.1, p.06-07 ......................................135
Figura 42. Suplemento Café: colheita, secagem e exportação, S.Paulo n.8, p.14a, 14b e 15 ............................136
Figura 43. Votorantim fabrica de cimento, S.Paulo n.5, p.12-14 ..........................................................................138
Figura 44. Suplemento S.Paulo: o maior parque industrial da América do Sul , S.Paulo n.6, p.14a, 14b e 15 ...140
Figura 45. S.Paulo Railway, S.Paulo n.7, p.14 .....................................................................................................141
Figura 46. Viação Aérea São Paulo - VASP, S.Paulo n.6, p.08-09 ......................................................................142
Figura 47. Reportagem sobre a VASP, S.Paulo n.8, p.06-07 ...............................................................................143
Figura 48. Filhos de operarios: uma festa no Parque da Agua Branca, S.Paulo n.7, p.06-07..............................145
Figura 49. Escoteiros paulistas, S.Paulo n.2, p.08-09...........................................................................................147
Figura 50. O actual desenvolvimento do ensino primario no estado de São Paulo, S.Paulo n.6, p. 12, 13a e
13b.........................................................................................................................................................................148
Figura 51.Reportagem Museu de Etnographia, S.Paulo n.1, p. 20 e 21...............................................................150
Figura 52. Suplemento Departamento de Educação Physica, S.Paulo n.10, p.30a, 30b e 31.............................152
Figura 53. Atividade nos parques infantis, S.Paulo n.3, p.04-05...........................................................................153
Figura 54. Atividades do Departamento Municipal de Cultura, S.Paulo n.5, p.10-11............................................154
Figura 55. Fotomontagem de página dupla na reportagem Guarda Civil, S.Paulo n.3, p.12-13..........................155
Figura 56. Reportagem Força Pública, S.Paulo n.3..............................................................................................156
Figura 57. Reportagens sobre orquídeas e a Polícia Especial, S.Paulo n.4, p.22-23...........................................157
Figura 58. Corpo de Bombeiros, S.Paulo n.10, p.24-25........................................................................................158
Figura 59. Anhangabahú e O novo viaducto do Chá, S.Paulo n.7 p.22-23...........................................................159
Figura 59. Documentação fotográfica de edifícios da capital paulista, S.Paulo n.4, p.06-07 e S.Paulo n.10, p.08-
09, respectivamente..............................................................................................................................................160
Figura 60. Construção da Catedral da Sé, S.Paulo n.6 p.04-05...........................................................................161
Figura 61. Suplemento As novas construções e as novas avenidas de S.Paulo, S.Paulo n.8 p.12, 13a e 13b...162
Figura 62. Obras da Light no Alto da Serra e vista aérea da represa, S.Paulo n.5 p.02-03.................................163
Figura 63. Trabalhadores nas obras da Light, S.Paulo n.5 p.04-05......................................................................163
Figura 64. Fotografia em contraluz, fotomontagem e imagem noturna da sede da Light, S.Paulo n.5 p.06-07...164
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1 A equipe da revista S.Paulo e o governador do estado 19
1.1 Armando de Salles Oliveira: governador de São Paulo 19
1.2 Cassiano Ricardo idealizador do projeto da revista S.Paulo e a reunião da equipe da
redação 29
2 Ideologia da revista S.Paulo 46
2.1 O bandeirantismo e a construção da identidade regional paulista 47
2.1.1 O uso do bandeirantismo no projeto iconográfico do Museu Paulista e no
Movimento constitucionalista de 1932 52
2.2 Cassiano Ricardo: ideólogo da revista S.Paulo 60
2.3 O Movimento Cultural Bandeira e a ideologia da marcha na revista S.Paulo 67
3 A revista S.Paulo 72
3.1 Metodologia e enfoque de análise 72
3.2 Recursos gráficos e estratégias ideológicas 77
3.2.1 A rotogravura 79
3.2.2 Fotografia e revista ilustrada 82
3.2.3 A fotomontagem 87
3.2.4 O exemplo da revista SSSR na stroike (URSS em construção) 94
3.2.5 A revista-cinema 98
10
3.3 Os editoriais 101
3.4 O perfil dos leitores 111
3.5 A marcha das imagens 118
3.5.1 História e memória paulista 120
3.5.2 A economia do estado 127
3.5.3 A educação 144
3.5.4 A organização do estado e a segurança pública 155
3.5.5 Urbanização e obras públicas 159
CONCLUSÃO 166
REFERÊNCIAS 171
APÊNDICE A Comentários sobre o Movimento Cultural Bandeira 187
APÊNDICE B – Levantamento no Arquivo de Negativos do Município 192
APÊNDICE C – Revista Brasil Novo 197
APÊNDICE D – Revista SSSR na stroike (URSS em construção) 199
ANEXO A – Estatutos do Movimento Cultural Bandeira 205
ANEXO B – Programa do Movimento Cultural Bandeira 208
ANEXO C – Poemas de Cassiano Ricardo: Fotomontagem 209
ANEXO D – Transcrição dos editoriais da revista S.Paulo 210
ANEXO E – Reprodução dos exemplares da revista S.Paulo 227
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação apresenta um estudo da revista ilustrada S.Paulo
1
. O periódico já foi
objeto de interesse de outros autores em trabalhos mais breves do que este se propõe a ser.
Em 1983, Boris Kossoy chamou a atenção para a S.Paulo no capítulo sobre fotografia que
elaborou para História geral da arte no Brasil, organizada por Walter Zanini
2
. Esta foi
provavelmente a primeira menção à Revista
3
em uma publicação desta abrangência. O
autor voltou ao estudo da S.Paulo em 2004 em Luzes e sombras da metrópole: um século
de fotografias em São Paulo (1850-1950)
4
. Em 1993 Ricardo Mendes apresentou um artigo
sobre a S.Paulo no V Congresso Brasileiro de História da Arte da USP, depois publicado na
Revista Imagens
5
. Até o momento este era o estudo mais extenso sobre a S.Paulo. Em
outros casos, a Revista foi apenas citada para enfatizar alguma de suas características,
como na publicação panorâmica A revista no Brasil, em que ela está inserida no capítulo
sobre design gráfico de revistas brasileiras
6
. O presente trabalho traz um estudo específico e
uma análise detalhada da S.Paulo em seus diferentes aspectos.
A revista S.Paulo foi lançada em janeiro de 1936 numa tiragem de 40.000
exemplares que esgotou-se rapidamente (RICARDO, 1970, p.69), à qual seguiu-se uma
segunda edição, como registrou o Diário da Noite de 02 de janeiro
7
. O projeto da S.Paulo foi
1 O nome da revista sempre será grafado desta maneira: S.Paulo (S em caixa alta seguido de ponto seguido,
sem espaço entre eles, pela palavra Paulo somente com o P em caixa alta, tudo em itálico).
2 KOSSOY, Boris. Fotografia. In: ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo, Instituto
Walter Moreira Salles, 1983. V.2, p.867-913.
3 A palavra revista grafada com R maiúsculo no meio da frase refere-se à revista S.Paulo.
4 In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo, v.2: a cidade no Império. São Paulo: Paz e Terra,
2004. Capítulo 9, p.386 – 455.
5 MENDES, Ricardo. A Revista S. Paulo: a cidade nas bancas. Revista Imagens, Campinas, n. 3, p. 91-97, dez,
1994.
6 REVISTA no Brasil. São Paulo: Abril, 2000. 249 p.
7 Recorte de jornal localizado no caderno de anotações de Benedito Junqueira Duarte, consultado no arquivo
sob guarda da família. Na coleção pessoal de BJ Duarte duas versões de mesmo conteúdo do primeiro
exemplar, uma verde e outra sépia. Os exemplares da Revista foram encadernados num único volume; o
primeiro possui a seguinte dedicatória: “Ao Vamp, com um grande abraço de enthusiasmo e de amisade”,
acompanhada das assinaturas de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia, Lívio Abramo e Theodor Preising.
12
idealizado pelo escritor são-joseense Cassiano Ricardo (1895-1974) em fins de 1935. Neste
período Ricardo possuía o cargo de auxiliar de gabinete e era secretário do governador do
estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira (1887-1945). O projeto foi articulado e
posto em prática por Ricardo e seu companheiro de idéias Menotti Del Picchia (1892-1988),
sob o aval de Salles Oliveira e com apoio financeiro do governo do estado.
O grupo reunido pelo governador para produzir a revista S.Paulo, a partir das
indicações de Cassiano Ricardo, um dos diretores, era composto por Menotti Del Picchia e
Leven Vampré (1891-1956), também diretores; pelos fotógrafos Theodor Preising (1883-
1962) e Benedito Junqueira Duarte, o Vamp
8
, (1910-1995) e por J.T.W. Sadler, responsável
pelos textos em inglês. Estes são os nomes impressos nos créditos editoriais da Revista
que, além destes profissionais, contava com a colaboração constante do gravador Lívio
Abramo (1903-1992), responsável pela produção gráfica, e dos redatores Osmar Pimentel e
Francisco de Castro Neves, estudantes de direito na época
9
. Compunham, pois, a equipe
técnica da Revista, não por acaso, dois fotógrafos e um gravador, que tinham por função
executar um projeto gráfico que fizesse valer os objetivos da S.Paulo, expostos pela
redação no editorial do primeiro exemplar.
A materialidade da revista S.Paulo indica os caminhos que a publicação seguiu para
cumprir seus objetivos. A ênfase nas imagens levou à escolha do grande formato da Revista
(31,5cmX45cm, 24 páginas - exceto o exemplar 10, com 36 páginas), à opção pelo uso do
suplemento (páginas desdobráveis) e à preferência pelo processo de impressão em
rotogravura, realizado nas oficinas da Graphicars Romiti e Lanzara
10
. O projeto gráfico da
8 No período em que trabalhou para a S.Paulo o fotógrafo usava o codinome Vamp. Neste estudo, Benedito
Junqueira Duarte será tratado por BJ Duarte ou simplesmente BJ.
9 No exemplar 09 da coleção pessoal de BJ Duarte encontram-se as assinaturas destes redatores antecedidas
pelas de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Theodor Preising.
10 Localizei alguns dados dispersos que podem ser relacionados a esta gráfica: uma publicação de 1931
realizada pela Graphicars Romiti, Lanzara & Zanin; uma citação sobre a origem da Gráfica Lanzara, nos anos
1920, a partir do departamento de propaganda da General Motors (fonte: Banco de Dados da Folha); três
publicações da S.A. Indústrias Graphicars-F. Lanzara com datas de 1945, 1946 e 1954 e uma notícia sobre a
associação da Lanzara Gráfica Editora com a americana Inland Printing Company originando a Lanzara-Inland
S.A., em fins da década de 1990. O nome Lanzara aparece vinculado a todas as empresas acima citadas. Felício
Lanzara foi um profissional atuante em São Paulo desde a primeira metade do século XX que contribuiu para a
implantação da indústria gráfica no estado. A Escola de Artes Gráficas Senai, fundada em outubro de 1945 com a
colaboração dos Sindicatos das Indústrias Gráficas e das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas do
Estado de São Paulo, leva o seu nome.
13
S.Paulo baseou-se na fotografia, utilizada isoladamente na diagramação das reportagens e
em fotomontagens. Os artigos eram breves, muitas vezes apenas descritivos, e buscavam
valorizar as imagens. Eram comuns títulos chamativos, legendas, frases explicativas e
dados estatísticos. Ao texto foi dedicado primordialmente o espaço dos editoriais, onde se
reproduziam também depoimentos de leitores. Foram poucos os artigos assinados
publicados na S.Paulo.
O objetivo principal da Revista era divulgar as realizações do governo paulista em
âmbito nacional e internacional. Para tanto, a partir do segundo exemplar ela passou a ser
editada com textos em português e inglês. Neste aspecto, vale salientar que havia na época
grande disseminação da cultura francesa no Brasil e o idioma francês era como uma
segunda língua da elite nacional. De acordo com Roger Bastide, o francês era a língua dos
salões, tanto quanto o inglês era a língua do comércio (1973, p.207). Concluo, então, que a
escolha do inglês como segunda língua da revista S.Paulo obedeceu interesses
econômicos. A partir da leitura das reportagens da Revista fica claro o seu direcionamento,
com fins comerciais, a um público leitor ligado a uma elite econômica que pudesse se
interessar em negociar com o estado. Todo o conteúdo da S.Paulo ficava a cargo da
redação, que divulgava as realizações do governo. Não diretamente na Revista anúncios
publicitários de terceiros, porém, algumas empresas como a Votorantim e a Light foram
tema de reportagens e podem ter sido também patrocinadoras da publicação em troca de
publicidade. Isto ocorreu com a prefeitura de São Paulo, que pagou ao diretor Leven
Vampré para que o periódico divulgasse obras municipais.
Segundo Cassiano Ricardo, a concretização da Revista foi possível devido à
criação, em caráter experimental, do Serviço de Publicidade e Informação do governo do
estado, onde a equipe da S.Paulo passou a trabalhar (1970, p. 70). Notei, em depoimentos
posteriores dos membros da redação sobre os anos 1930, que Salles Oliveira era tido como
um bom estadista, conciliador e capaz de pôr em prática grandes projetos como o da
Universidade de São Paulo, inaugurada durante sua gestão, em 1934, e cujo campus da
14
capital leva seu nome. Apesar de Salles Oliveira ser a figura que ligava os diferentes
profissionais envolvidos com a S.Paulo, o conteúdo da Revista era claramente dirigido pelo
pensamento de Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia. Além disso, não no periódico
créditos editoriais ao Serviço de Publicidade, que seria o responsável oficial pela publicação.
A S.Paulo teve um curto período de existência - circulou apenas durante o ano de
1936 -, foi mensal até o oitavo número e passou a bimestral nos dois últimos. Em dezembro
de 1936 parou de circular após o lançamento do décimo exemplar.
Analiso a S.Paulo considerando as indefinições sócio-políticas do momento de seu
surgimento e como elas determinam sua concepção gráfica e ideológica. A busca de uma
parcela da elite intelectual e política pela definição de uma identidade nacional engendrou
projetos como o da Revista. A S.Paulo é um objeto cultural complexo que deve ser abordado
a partir de diferentes aspectos, dentre os quais ressalto a questão estética, evidenciada no
projeto gráfico da Revista, baseado em fotografias, e os interesses político-ideológicos
envolvidos em seu projeto, uma vez que ela serviu de divulgação das realizações do
governo de Salles Oliveira e tinha vínculos com o pensamento verdamarelista do grupo do
Movimento Cultural Bandeira. A S.Paulo é uma publicação que possui características
peculiares se comparada a outras revistas ilustradas existentes no Brasil em meados da
década de 1930, das quais diferencia-se, principalmente, pela função propagandística e
diagramação sofisticada. A imprensa de São Paulo não dispunha ainda, naquele momento,
de muitas máquinas de impressão em rotogravura. A aquisição deste tipo de equipamento
requeria um grande capital inicial e, além disso, a importação de material para produção
gráfica era controlada pelo Estado. Apurei que a rotativa da S.Paulo foi adquirida
especificamente para a sua impressão. Este aspecto confirma o apoio financeiro do governo
do estado de São Paulo à colocação em prática do projeto da Revista. Apesar disso, e a fim
de não perder de vista os meandros observados a partir das relações entre a equipe da
redação e o governador, opto por considerar a Revista uma publicação de caráter semi-
15
oficial. Defino a S.Paulo como uma revista de propaganda voltada para a divulgação das
realizações do governo do estado. A Revista não possuía um direcionamento político
definido e tinha uma orientação ideológica independente do governador. Portanto, não a
considero uma publicação de propaganda política. Além disso, a junção de profissionais de
alinhamentos ideológicos díspares entre os membros da redação da S.Paulo foi
possibilitada pelas incertezas políticas do período.
Para realizar esta análise crítica da S.Paulo efetuei levantamentos da conjuntura
sócio-política e dos dados biográficos dos membros da redação, relevantes para este
estudo. A partir da leitura da coleção completa da Revista elaborei fichas de identificação de
cada um dos exemplares, contendo descrição e anotações para o prosseguimento da
pesquisa. Reproduzi fotograficamente os exemplares da S.Paulo pertencentes ao acervo do
Instituto de Estudos Brasileiros da USP e consultei regularmente os originais. Utilizei como
fontes de pesquisa depoimentos, entrevistas, livros de memórias, biografias e periódicos de
época, além de dissertações, teses e livros especializados. O diálogo com outros
pesquisadores e a troca de informações foram significativos para o enriquecimento desta
dissertação. Por intermédio de familiares de alguns dos membros da redação obtive
informações precisas sobre suas trajetória profissionais. Foram também muito significativas
as consultas ao Arquivo de Negativos do Município de São Paulo, onde identifiquei vários
negativos de fotografias realizadas por BJ Duarte, que foram publicadas na revista S.Paulo.
Encontrei documentação relevante no Arquivo Público de São José dos Campos - Fundação
Cassiano Ricardo, no Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulálio” da UNICAMP,
no Museu da Imagem e do Som, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade e no Instituto de
Estudos Brasileiros da USP.
Analisei as reportagens inicialmente por partes e depois considerei as páginas como
um todo na constituição da reportagem. Adotei como método a análise iconológica, proposta
pelo pesquisador Boris Kossoy para o estudo da imagem fotográfica, no exame da coleção
16
da revista S.Paulo. Busquei ir além do que está visualmente dado a fim de chegar a uma
análise crítica da mensagem da Revista. A concepção gráfica da S.Paulo baseia-se na
imagem fotográfica. Destaco duas características da fotografia determinantes para a escolha
de sua utilização na Revista: a verossimilhança da imagem e sua reprodutibilidade técnica. A
S.Paulo, como um periódico de divulgação das realizações do governo e das conquistas
paulistas, possui um caráter documental. A diagramação moderna da Revista com
fotografias isoladas e fotomontagens não nega esta qualidade.
O interesse inicial desta pesquisa era refletir sobre a imagem fotográfica impressa e
veiculada na S.Paulo, enquanto meio de comunicação de massa com função de propaganda
política. No decorrer da pesquisa ficou claro que era preciso ponderar algumas atribuições
da revista S.Paulo a fim de não esvaziar sua complexidade enquanto objeto cultural. Fui
buscar subsídios teóricos e críticos sobre a historiografia paulista para compreender a
ideologia da Revista. Procurei cercar-me de dados técnicos sobre o processo de impressão
da S.Paulo e sobre a utilização da técnica fotográfica nos anos 1930, que influenciaram a
estética da Revista. Por fim, a S.Paulo possibilitou-me realizar reflexões sobre cultura, arte e
política e deste modo a sua análise engendrou necessariamente um trabalho interdisciplinar,
condizente com o programa de pós-graduação junto ao qual foi desenvolvido.
A presente dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro apresento a
equipe da S.Paulo e o governador Armando de Salles Oliveira. Ressalto os vínculos
estabelecidos entre os membros da redação, por meio da apresentação sumária de suas
trajetórias profissionais e de dados biográficos, sem a intenção de esgotar o assunto, pois
isto não seria possível e nem caberia nos objetivos deste trabalho. Dedico um item
específico ao governador e destaco o escritor Cassiano Ricardo como o idealizador do
projeto da S.Paulo e principal responsável por sua orientação ideológica.
No capítulo 2 proponho uma reflexão sobre a ideologia da Revista. Retomo o
17
bandeirantismo como tema historiográfico e a participação de historiadores na construção
da identidade regional paulista. Dentre os usos políticos do bandeirantismo destaco o
projeto do Museu Paulista encabeçado por Affonso de Taunay e a campanha do Movimento
Contitucionalista de 1932. Aponto Cassiano Ricardo como ideólogo da S.Paulo, além de
idealizador. Ao lado dele estava o escritor Menotti del Picchia, ambos membros do grupo
Verde-Amarelo. Ao problematizar o direcionamento ideológico da Revista defino como
ideologia da marcha a junção, em meados da década de 1930, do pensamento ultra
nacionalista dos verdamarelistas com a ideologia liberal, em crise, do governador Armando
de Salles Oliveira. Analiso a ideologia da marcha a partir da trajetória de Ricardo como
intelectual e da publicação do programa-manifesto do Movimento Cultural Bandeira, no
exemplar 9 da S.Paulo.
No terceiro capítulo apresento a revista S.Paulo a partir de uma reflexão crítica na
qual busco entender quais foram os recursos gráficos e as estratégias ideológicas adotados
pela redação. O uso da fotografia em revistas ilustradas facilitado pelo processo de
impressão em rotogravura, assim como a flexibilidade da diagramação por ele possibilitado,
acarretou um impacto social decorrente da massificação da imagem. A S.Paulo é um
exemplo singular entre as revistas brasileiras contemporâneas a ela e explorou de maneira
impactante estes recursos gráficos. As imagens da Revista passavam por um processo de
pós-produção. Partindo desta constatação analiso os diferentes elementos das reportagens
(diagramação, recorte, fotomontagem, artigo, legenda, título), que constituem sua
mensagem. Destaco a fotomontagem como um importante elemento de diagramação a fim
de compreender as relações da Revista com produções de estética dadaísta e construtivista
que influenciaram seus diretores e aponto a revista soviética SSSR na stroike (URSS em
construção) como modelo para a S.Paulo.
A problematização das interseções entre a fotografia impressa e o cinema
documentário dos anos 1930, apresentada nesta dissertação, foi possibilitada pelo caráter
documental da revista S.Paulo, por algumas soluções de montagem das reportagens e pelo
18
depoimento do ilustrador Belmonte, que apelidou-a de revista-cinema. Realizo análises dos
editoriais a fim de levantar alguns parâmetros do pensamento da redação sobre a própria
Revista. Aponto nos depoimentos de leitores publicados na S.Paulo o esforço da direção
para legitimar seu discurso. Por fim, organizo as reportagens da Revista por assunto de
acordo com a importância a eles atribuída no processo de modernização do estado. o
eles: história e memória, economia, educação, organização e segurança do estado e
urbanização e obras públicas.
O conceito de marcha das imagens proposto no terceiro capítulo objetiva criar elos
entre a ideologia da marcha e a diagramação moderna da revista S.Paulo. O imaginário de
um estado de São Paulo moderno foi criado pelo conteúdo visual e textual da Revista,
conjuntamente. Na S.Paulo coexistem a tradição e o moderno.
Busco apresentar nesta dissertação toda a documentação que recuperei sobre a
revista S.Paulo, sobre o momento de seu surgimento e sobre os profissionais nela
envolvidos, para que sirva de fonte a futuros trabalhos. Este estudo detalhado sobre a
Revista objetiva contribuir para a história da fotografia e da imprensa ilustrada no Brasil. A
presente dissertação visa dar continuidade a pesquisas relacionadas a produções visuais
que têm a fotografia como interesse principal. A análise de um objeto cultural como a revista
S.Paulo traz contribuições relevantes para o entendimento da complexidade do presente,
sobretudo no que concerne à identidade e memória.
19
1 A equipe da revista S.Paulo e o governador do estado
1.1 Armando de Salles Oliveira: governador de São Paulo
Para o entendimento da mensagem da revista S.Paulo busquei circunscrever o
processo de formação dos sujeitos nela envolvidos. A trajetória de Armando de Salles
Oliveira é relevante para o conhecimento do quadro paulista, tanto político quanto cultural,
dos anos 1930. A partir do início da década ele envolveu-se cada vez mais com a política do
estado; primeiro assumiu a administração de São Paulo como interventor federal (1933-
1934) e em seguida foi eleito governador constitucional (1935-1936). Neste período, no
próprio gabinete do governador, surgiu o projeto da revista S.Paulo, encabeçado pelo seu
então secretário Cassiano Ricardo. Salles Oliveira apoiou a criação e circulação da revista
S.Paulo e conseguiu reunir na redação profissionais de alinhamentos políticos divergentes
em prol da divulgação de seu governo, como mostrarei no desenvolvimento deste capítulo.
Destacarei a seguir dados, relevantes para o presente estudo, sobre a atuação
profissional de Armando de Salles Oliveira na cena paulista.
Armando de Salles Oliveira formou-se em engenharia civil pela Escola Politécnica de
São Paulo. Em 1908 começou a trabalhar na Companhia Mojiana de Estradas de Ferro e
logo se destacou como engenheiro em grandes projetos de empresas hidroelétricas. Tornou-
se proprietário de algumas dessas companhias em sociedade com Júlio de Mesquita (1862-
1927), proprietário do jornal O Estado de S.Paulo, e Cincinato Braga (1864-1953). Nos anos
1920 fez várias viagens de estudos à Europa e negociou apoio financeiro dos ingleses para
a expansão de seus negócios sem obter êxito, o que o levou a vender todas as suas
empresas para a companhia norte-americana Bond and Share em 1927. Desde a década de
1920, portanto, Salles Oliveira mostrou interesse em negociar com o capital britânico e
norte-americano. O então empresário, que era genro de Júlio de Mesquita, assumiu a
presidência da sociedade anônima proprietária de O Estado de S. Paulo devido ao
20
falecimento do jornalista em 1927. Além desta grande empresa de comunicação, Salles
Oliveira participou também da Revista do Brasil
11
.
Armando de Salles Oliveira era do Partido Democrático (PD) de São Paulo, fundado
em 1926, em oposição ao Partido Republicano Paulista (PRP). A campanha da Aliança
Liberal, organizada em 1929, em favor da candidatura de Getúlio Vargas (1882-1954) à
presidência da República, contra o paulista Júlio Prestes (1882-1946), teve como promotor
em São Paulo o PD. Com a vitória da situação (PRP), os aliancistas promoveram a
conspiração contra a eleição de Prestes e assim foi deflagrada a revolução de 3 de outubro
de 1930, que instaurou o governo provisório chefiado por Getúlio Vargas e pôs fim à
chamada República Velha
12
.
Em 1931, Armando de Salles Oliveira participou da criação do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT) juntamente com o professor Roberto Mange
(1885-1955), da escola técnica do Liceu de Artes e Ofícios e da Escola Politécnica
13
. O
IDORT atuou primeiro na formação profissional, realizando projetos com empresas
particulares e depois, em 1934, direcionou-se para a organização da administração pública.
A revisão da administração do estado de São Paulo começou em inícios de 1934, como
divulgado na reportagem Reorganização da Administração Pública do último exemplar da
Revista
14
. Esta reportagem apresenta um esquema ilustrado da nova organização proposta
pelo IDORT para São Paulo. Segundo o artigo, o Instituto havia sido procurado naquela
época pelos estados de Pernambuco, Paraná e Goiás para colaborar na reforma de seus
respectivos serviços administrativos. Esta preocupação em organizar cientificamente o
trabalho em busca de maior eficiência e aumento da produtividade existia entre intelectuais
11 Ver DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1999. 320 p. (Prismas). Disponível para download em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17824>
12 Sistema viciado em fraudes eleitorais como garantia da manutenção da política do café-com-leite -
revezamento dos estados de São Paulo (café) e Minas Gerais (leite) na presidência da República. Ver FAUSTO,
Boris. Revolução de 1930: historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 159p. e
DECCA, Edgar Salvadori de. 1930: o silêncio dos vencidos. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 209p.
13 A documentação referente ao IDORT no período de 1931-1961 foi doada pela direção do Instituto em 1983
para a Unicamp. O fundo IDORT está depositado no AEL/ IFCH, onde pode ser consultado.
14 S.Paulo, n.10, p. 14-15. A revista S.Paulo não possui número de página. Para efeito de análise adotarei, nesta
dissertação, a numeração corrida, de capa a capa, para referir-me à sequência das páginas de cada um dos
exemplares da Revista.
21
e empresários desde os anos 1920, particularmente entre os paulistas devido ao
crescimento industrial do estado no período. O IDORT surgiu com “o fim principal de
melhorar o padrão de vida dos que trabalham em S.Paulo e no Brasil, pela difusão e
introdução de processos de organização científica de trabalho e produção”
15
(SILVA, 1980,
p. 80). Criado nos moldes do taylorismo surgido nos Estados Unidos, o IDORT foi
responsável pela implementação da administração científica no Brasil
16
. Nos seus primeiros
anos de existência o Instituto passou por dificuldades financeiras que foram superadas
pela interferência direta de Salles Oliveira, que reconheceu oficialmente o IDORT como
instituição de utilidade pública quando foi nomeado interventor de São Paulo.
Após o apoio à instauração do governo provisório em 1930, os planos dos paulistas
foram frustrados pelas seguidas nomeações de interventores federais que não atendiam às
15 Texto retirado do Estatudo de Fundação do IDORT, documento aprovado em assembléia de 23 de julho de
1931 presidida por Gaspar Ricardo Júnior.
16 Sistema criado pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915) que visa organizar o
trabalho de modo a alcançar o máximo de produção com o mínimo de tempo e esforço.
Figura 1. Reportagem Reorganização da administração pública, S.Paulo n.10, p.14-15. Acervo: IEB/USP.
22
expectativas dos principais partidos do estado. Armando de Salles Oliveira empenhou-se na
organização das forças políticas de São Paulo, PD e PRP, na Frente Única Paulista (FUP),
criada em 16 de fevereiro de 1932 contra o governo federal. A campanha pela
reconstitucionalização do país ganhava força entre os paulistas. Em 13 de janeiro de 1932 o
PD publicou um manifesto declarando o rompimento com o Governo Provisório, que foi
seguido por uma declaração do PRP de mesmo teor. O jornal O Estado de S.Paulo teve
grande participação na organização deste movimento na figura do articulador Júlio de
Mesquita Filho (1892-1969). Pedro de Toledo (1860-1935), apoiado pela FUP, foi nomeado
interventor em São Paulo em 02 de março de 1932. No entanto, esta medida foi tardia para
o cancelamento dos planos dos revoltosos paulistas. Sob o planejamento militar do general
Isidoro Dias Lopes (1865-1949) e do coronel Euclides de Oliveira Figueiredo (1883-1963), o
levante armado foi marcado para o dia 20 de julho e acabou antecipado para o dia 09. Neste
dia Pedro de Toledo renunciou à interventoria e foi aclamado governador do estado. A
guerra estava posta na capital paulista e seguiria em direção à capital federal. A atuação de
Salles Oliveira na campanha constitucionalista de São Paulo contra o governo provisório foi
ativa junto ao chamado grupo do jornal O Estado de S. Paulo. Ele participou do esforço de
mobilização da população civil, tomou providências para a manutenção do abastecimento
regular da população, das indústrias e do comércio durante o conflito e criou medidas para o
posterior restabelecimento das exportações, do comércio e do câmbio. Salles Oliveira era,
enfim, o intermediário entre o governo revoltoso e a indústria e comércio do estado. Os
paulistas não obtiveram o apoio esperado dos estados de Minas Gerais e do Rio Grande do
Sul e foram derrotados em 02 de outubro de 1932. Os líderes da revolta foram depostos
pela Força Pública e deportados para Portugal.
Apesar da derrota dos constitucionalistas, a constituição acabou sendo promulgada
em 16 de julho de 1934, o que representou uma pequena vitória para os paulistas. Para
concorrer às eleições da Assembléia Nacional Constituinte foi criada, em janeiro de 1933, a
coligação Chapa Única por São Paulo Unido. Nas eleições constituintes de 03 de maio de
23
1933 a coligação paulista saiu vitoriosa, elegendo 17 candidatos do total de 22 que foram
apresentados. Na tentativa de reconciliação do governo provisório com os paulistas, no dia
17 de agosto de 1933 Armando de Salles Oliveira foi escolhido interventor federal no estado
de São Paulo após a campanha em favor de um interventor “civil e paulista”. Segundo o
jornal Folha da manhã
17
, a nomeação de Armando de Salles Oliveira tinha como meta “[...] o
início de uma outra orientação na política federal, com a participação crescente de São
Paulo nas deliberações nacionaes”
18
. O mesmo artigo assinalou a boa recepção da notícia
pela imprensa do Rio de Janeiro, que destacou a ação do governo federal na busca por
solucionar o chamado caso paulista. Salles Oliveira era visto como o governador na medida
certa para o estado de São Paulo na época, tanto pelos paulistas quanto por Getúlio Vargas.
O jornal O Estado de S. Paulo, em 18 de agosto de 1933, saudou o retorno da
autonomia paulista na nomeação de Armando de Salles Oliveira:
Educado na escola liberal, que é esta casa, amando o Brasil com a mesma
intensidade com que ama o Estado onde nasceu, a sua administração se
orientará no rumo da harmonização de todos os interesses e da reverência
a todos os direitos, com o objetivo único de servir ao Brasil pelo
engrandecimento de São Paulo. (CAPELATO; PRADO, 1980, p 53-54)
A postura do jornal na época da nomeação do novo interventor mudou em relação a
Vargas, que até aquele momento era considerado “ditador” e passou a ser chamado de
“presidente provisório”. A afirmação de que Salles Oliveira tinha como objetivo único “servir
ao Brasil pelo engrandecimento de São Paulo”, e não o contrário, revela a aposta do jornal
na atuação do interventor em âmbito nacional. Isto representaria mais do que a autonomia
de São Paulo; seria o retorno de uma elite paulista à política do país.
Salles Oliveira assumiu o estado em 1933 acordado com Getúlio Vargas de que iria
empenhar-se na criação de um novo partido em São Paulo que colaborasse com o Governo
Provisório. Cumprindo o compromisso assumido, em 24 de fevereiro de 1934 foi criado o
Partido Constitucionalista (PC), que reunia organizações de ex-combatentes de 1932,
17 Ver FOLHA da Manhã: O Dr. Armando de Salles Oliveira nomeado interventor em São Paulo, São Paulo, 17
de agosto de 1933. Banco de dados Folha: acervo on line. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/brasil_17ago1933.htm>. Acesso em: 05 dez.2004.
18 Todas as citações diretas nesta dissertação serão mantidas na grafia original tal qual foram encontradas.
24
dissidentes do PRP e ex-integrantes do extinto PD. O PC estava comprometido com o
processo de pacificação com o Governo Provisório. Armando de Salles Oliveira iniciou sua
gestão com o aparelho administrativo desorganizado devido às punições políticas após
1932, com déficit orçamentário e em um clima de insegurança causado, principalmente, pela
presença do General Daltro Filho (1882-1938) em São Paulo, que fazia oposição à sua
interventoria.
Em 1934 Salles Oliveira conseguiu a consolidação de sua liderança e de seu
governo, cuja principal linha condutora foi a reorganização da administração estadual. Na
política, Salles Oliveira procurou aglutinar as lideranças paulistas no recém fundado PC e,
em 10 de abril de 1935, foi eleito governador constitucional por este partido. Durante a
campanha Armando de Salles Oliveira realizou comícios populares nas principais cidades do
estado com discursos contendo dados sobre as realizações de sua interventoria e contou
com o apoio do jornal O Estado de S.Paulo.
Os discursos de Salles Oliveira tornaram-se conhecidos devido à sua forma e
qualidade de elaboração. Eles foram objeto de debate na imprensa, que questionava a
verdadeira autoria dos textos. Alguns setores cogitavam a participação do secretário de
gabinete do governador, Cassiano Ricardo, na elaboração dos discursos. Estes ataques não
se confirmaram mas revelam quão marcante era a presença do escritor ao lado do
governador. Armando de Salles Oliveira reuniu os discursos proferidos entre abril de 1935 e
janeiro de 1937 no volume intitulado Jornada Democrática (JD), publicado pela casa editorial
José Olympio em 1937. Salles Oliveira (1937, p.156), que discursava sobre diversos temas,
entre outros pontos destacou:
[...]
9- Alargámos os recursos para a educação primaria, secundaria e
profissional do povo. JD 200
10- Para que se torne effectivo o regimen da igualdade é indispensavel que
a instrucção esteja ao alcance de todos. JD 169
11- Por isso, não sómente cuidamos do ensino primario como
disseminámos gymnasios por todo o territorio paulista - redes em que
colheremos na massa do povo as intelligencias e as vocações. JD 169
Como governador, Salles Oliveira empenhou-se na melhoria e criação de novas
25
unidades de ensino público. Ele também elaborou um projeto de reforma urbana juntamente
com o engenheiro Francisco Prestes Maia (1896-1965), que incluía a criação de parques de
educação física e do prédio da Biblioteca Pública Municipal.
Desde sua entrada na interventoria de São Paulo, Salles Oliveira fez uma série de
realizações no estado para as quais a revista S.Paulo passou a ser uma espécie de vitrine.
A publicação paulista realizou reportagens sobre o Serviço de Reeducação, modificado pelo
decreto de 02 de junho de 1934
19
, o Tribunal de Impostos e Taxas, criado por decreto em 5
de junho de 1935
20
e a Polícia Especial, criada pelo decreto de 21 de junho de 1935
21
, para
citar alguns exemplos ligados a este período.
Em alguns de seus discursos, Salles Oliveira (1937, p. 183-184), referiu-se também à
importância da publicidade e propaganda:
1- na propaganda se encontram os meios de fixar a attenção dos
individuos, attenção que a intensidade e a velocidade da vida moderna
tornaram instavel e dispersa. JD 194
2- Os processos de producção, com a revolução operada pela machina,
tornaram a publicidade um dos elementos essenciaes do progresso. JD 194
3- No sector da nossa economia se impõe, portanto, a organisação do
Departamento de Publicidade. JD 195
4- A propria defesa dos principios basicos do regimen e do espirito de nossa
democracia requer o fortalecimento da nossa consciencia collectiva. JD 195
5- A propaganda deverá ser organisada de forma a servir de elemento de
ligação entre a produção e o consumo e entre este e a circulação:
exercendo, por methodos adequados, forte influencia sobre os centros
productores de riqueza e sobre os grupos activos de procura: criando e
seleccionando typos e mercados, regularisando a offerta e a procura,
corrigindo tendencias, estimulando desejos e necessidades; divulgando e
fomentando, emfim, inventos, leis, methodos, principios e experiencias, não
no sentido economico como também no referente á cultura, hygiene,
saude e bem estar geral de um povo. JD 195
Salles Oliveira utiliza os termos propaganda e publicidade, ambos inseridos na
dinâmica de mercado, produção e consumo. Ao explanar sobre a propaganda, ele
reconhece que ela é uma ferramenta de fortalecimento da consciência coletiva. Foi com a
visão de que a propaganda é um meio moderno de fixar a atenção dos indivíduos que o
19 S.Paulo, n 2, p.18-19, cf. item 3.5.3 desta dissertação.
20 S.Paulo, n 2, p.22.
21 S.Paulo, n 4, p.23.
26
governador investiu na revista S.Paulo.
Armando de Salles Oliveira mostrou habilidade na organização e liderança de
reuniões e comícios políticos. Além da reorganização da administração pública, conseguiu
superar a influência tradicional do PRP por todo o estado. Salles Oliveira possuía prestígio
em diversas áreas e podia transitar em diferentes setores por não ter uma postura partidária
rígida. No fim de 1936, quando os partidos de São Paulo começaram a se articular para
escolher o candidato à presidência da República nas eleições marcadas para 1938, ele foi
indicado como o candidato do estado. Ao ser comunicado pelo governador sobre a
candidatura, Getúlio Vargas expôs sua pretensão de prorrogar todos os mandatos
executivos e não realizar as eleições por julgar o momento inoportuno devido ao estado de
exceção instituído desde o levante comunista de novembro de 1935
22
. O presidente
ofereceu cargos no ministério e no banco central a Salles Oliveira em troca de sua
candidatura. Apesar da oposição de Vargas, o governador preparou sua campanha.
O grupo de liderança do jornal O Estado de S.Paulo apoiou Salles Oliveira durante
toda sua carreira política. O respaldo inconteste do jornal à sua cadidatura à presidência em
1937, contudo, demonstrou dualidades nas idéias defendidas pelo periódico. Este aspecto
foi estudado em pormenores pelas pesquisadoras Maria Helena Capelato e Maria Lígia
Prado (1980, p. 61) através da análise dos editoriais de O Estado de S.Paulo:
Se por um lado o jornal apóia as medidas anticonstitucionais impostas pelo
chefe da nação, por outro apresenta Armando de Salles Oliveira como o
modelo do constitucionalismo, na sua trajetória desde a interventoria
paulista até a candidatura à presidência da República.
A relação de Salles Oliveira com O Estado era marcada também por traços de amizade
representados nas figuras de Júlio de Mesquita, Júlio de Mesquita Filho e do jornalista e
político Paulo Duarte
23
(1899-1984). A ideologia liberal do jornal defendia a formação de uma
22 Ver CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil Acervo on line.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/RevoltaComunista.htm>. Acesso em: 16
jun. 2007.
23 Paulo Duarte reuniu muitas informações sobre fatos, pessoas e instituições que conheceu durante todo o
período abarcado pela escrita de suas memórias (1910-1970), algumas inclusive documentadas. Trata-se de um
material relevante para a pesquisa sobre a sociedade e a política nacional, cuja consulta é dificultada pela falta
de um sumário e de um índice onomástico na extensa coleção. Ver DUARTE, Paulo. Memórias. 10 v. São Paulo,
27
elite intelectual, função atribuída às universidades, a qual caberia dirigir a massa inculta. Na
visão de O Estado, Armando de Sales Oliveira encarnava os ideais liberais e era “o protótipo
vivo da mais alta expressão política das ‘elites
intelectuais’ paulistas.” (CAPELATO; PRADO, 1980,
p. 123). Os representantes do jornal, na década de
1930, mostravam preocupação com a afirmação da
nacionalidade brasileira e com a unidade da nação
e justificavam “a tarefa” de São Paulo, com a
valorização do ciclo das bandeiras e da campanha
civilista. Assim, o nacionalismo defendido pelo
grupo de O Estado tinha no regionalismo paulista
seus próprios limites.
Em 29 de dezembro de 1936, Salles Oliveira entregou o governo do estado a José
Joaquim Cardoso de Melo Neto (1883-1965) e em fevereiro de 1937 lançou-se oficialmente
candidato à presidência. Ele presidiu, em junho do mesmo ano, a fundação da União
Democrática Brasileira (UDB), partido de âmbito nacional de apoio à sua candidatura e de
defesa ao regime democrático. Os outros candidatos eram José Américo de Almeida (1887-
1980), do governo, e Plínio Salgado (1895-1975), da Ação Integralista Brasileira (AIB).
Oficialmente Vargas apoiava um candidato e, paralelamente, preparava-se para um golpe. A
ameaça comunista do chamado Plano Cohen
24
foi falseada para justificar e facilitar o golpe
de estado. Armando de Salles Oliveira e a UDB tentaram nos dias 08 e 09 de novembro
reunir forças que pudessem intervir e impedir o golpe. No entanto, o governo tomou
conhecimento de suas ações e o golpe, marcado para 15 de novembro, foi antecipado para
o dia 10. Começa o Estado Novo (1937-1945)
25
e a perseguição, prisão e exílio das
Hucitec, 1974-1980.
24 Ver CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Acervo on line.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_plano_cohen.htm>. Acesso em: 16 jun.
2007.
25 Golpe de estado que instaura o governo autoritário e ditatorial de Vargas. Ver CPDOC - Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. Acervo on line. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_golpe_estado.htm>. Acesso em: 16 jun. 2007.
Figura 2. Detalhe da reportagem O sentido
paulista da vida quer dizer: organização,
S.Paulo n.1, p.10-11. Acervo: IEB/USP.
28
lideranças que se opunham ao governo.
Armando de Salles Oliveira embarcou para a França. Em Paris organizou-se com
outros exilados e tentou manter comunicação com aliados no Brasil. Em 1939, devido aos
avanços alemães na Europa, embarcou para os Estados Unidos. Em Nova York, publicou o
manifesto Diagrama de uma situação política, no qual alerta sobre o perigo do avanço
fascista e da postura política de Vargas e apela aos militares como única força nacional
capaz de restabelecer a democracia. Em 1943 Salles Oliveira vai para o México e em
seguida para a Argentina, de onde finalmente volta ao Brasil, em 07 de abril de 1945, após
oito anos de exílio
26
.
As preocupações expostas por Salles Oliveira em discursos, como foi destacado,
coincidem com os temas das reportagens da revista S.Paulo. A administração pública
efetivada por ele, apesar de breve, foi significativa em setores como educação, cultura,
economia e organização do trabalho. O governador tinha um estreito envolvimento com a
Revista que divulgava essas realizações. No entanto, chamo atenção para os meandros da
publicação antes de afirmá-la como oficial. A ausência, na Revista, de qualquer crédito
editorial a um órgão estadual visava distanciá-la do governo. Além disso, a S.Paulo tinha
autonomia ideológica em relação ao governador e seu partido, sendo conduzida pelos
interesses dos escritores Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia.
A não citação do nome de Lívio Abramo como diagramador buscava diminuir as
possibilidades de resistência à publicação. O papel da S.Paulo ia além da campanha
presidencial de 1937 de Salles Oliveira ou da conquista da elite e dos trabalhadores
paulistas. Pelo teor das reportagens, nota-se que ela dirigia-se a potenciais parceiros
comerciais estrangeiros para São Paulo e, por extensão, para o Brasil. Era função da
Revista fazer conhecer o estado e sua estrutura por meio de cifras e dados numéricos
comparativos com períodos anteriores à administração de Salles Oliveira. Os editores da
26 Armando de Salles Oliveira retornou ao país muito doente e faleceu em São Paulo em 17 de maio de 1945.
29
S.Paulo buscavam mostrar aos diferentes tipos de leitores os resultados desta gestão de
modo convincente e, para isso, procuraram suporte na verossimilhança da imagem
fotográfica. O impactante tratamento de diagramação objetivava dar visualidade moderna
para a ideologia conservadora divulgada na Revista e criar um imaginário
27
de São Paulo
moderno. No sentido da propaganda cabe pensar em uma comparação entre a S.Paulo e os
álbuns fotográficos promocionais, sejam políticos, comerciais ou comemorativos, existentes
desde o início do século XX, que estão na fronteira entre documento e propaganda em
busca de uma identidade visual para a cidade de São Paulo (KOSSOY, 2004, p.405).
Contudo, a Revista diferencia-se destes álbuns oficiais por sua produção gráfica de caráter
moderno e pela maneira incisiva como constrói sua mensagem (Ibid., p.430).
Diante destas considerações, a fim de manter os matizes dos vínculos da redação
com o meio político e intelectual do momento, optei por considerar neste estudo que a
revista S.Paulo tinha um caráter semi-oficial. Isto significa dizer que ela tinha laços com o
governador Armando de Salles Oliveira mas que atendia também a expectativas de outros
grupos de interesse.
1.2 Cassiano Ricardo idealizador do projeto da revista S.Paulo e a reunião da
equipe da redação
A concepção da revista S.Paulo pode ser atribuída ao escritor Cassiano Ricardo
28
.
Encontro suporte para esta afirmação em seus trabalhos editoriais e literários e em sua
atividade como servidor público no gabinete do governo do estado de São Paulo. Identifico a
existência de um posicionamento ideológico e de uma temática constantes em sua
27 Conjunto de elementos e símbolos elaborados por um grupo para caracterizar uma determinada visão sobre
um outro grupo ou um fato.
28 Cassiano Ricardo Leite nasceu na cidade de São José dos Campos, São Paulo. três possíveis datas de
nascimento do escritor: 24 de julho de 1894, como aparece em seu registro de nascimento; 25 de julho de 1894,
como foi anotado pelo pai de Cassiano Ricardo numa caderneta de registros de família e 26 de julho de 1895,
que se encontra nas biografias do autor e que foi referendada pelo próprio escritor nos dados biobibliográficos
que publicou em suas memórias. Ver MONTEIRO, Amilton Maciel: Cassiano: fragmentos para uma biografia.
São José dos Campos: Univap, 2003. 424p.
30
produção. Apresentarei neste item a trajetória profissional de Cassiano Ricardo em paralelo
à dos outros membros da redação - os diretores Menotti del Picchia e Leven Vampré, o
gravador Lívio Abramo e os fotógrafos Theodor Preising e BJ Duarte -, tendo em vista o
trabalho que realizaram na revista S.Paulo.
A relevância da trajetória intelectual de Cassiano Ricardo não se restringe ao estado
de São Paulo. Como ideólogo, o escritor teve atuação nacional, principalmente na década
de 1940 durante o período do Estado Novo, quando trabalhou diretamente em jornais e
revistas de propaganda do regime, nos Departamentos de Imprensa e Propaganda estadual
e nacional e na elaboração de seu livro em prosa Marcha para Oeste, no qual fundamenta e
justifica o governo autoritário que havia se instaurado no país. Ricardo tinha preocupações
quanto à elaboração de uma identidade regional paulista e não as abandonou ao trabalhar
na construção de uma identidade nacional. Ao contrário, expandiu os predicados regionais
para a nação.
A partir do pensamento do sociólogo Sérgio Miceli, adoto nesta dissertação as
memórias e biografias como fontes de pesquisa para entender as relações entre as
diferentes categorias de intelectuais brasileiros e os campos por eles ocupados em
instituições culturais, serviços públicos e no mercado editorial. Sobre as memórias e as
biografias Miceli (1979, p. xxiii) afirma que
[... elas] revelam certas experiências mediante as quais os intelectuais,
mesmo sem o saber, buscam justificar sua ‘vocação’, ou melhor, se
empenham em reconstruir as circunstâncias sociais que, no seu entender,
se colocam na raiz de suas inclinações para as profissões intelectuais.
O autor comenta ainda que o gênero das memórias foi praticado por diversas
categorias de intelectuais. Ele identifica Cassino Ricardo como praticante de uma variante
nostálgica que pretendia consagrar uma vida dedicada à causa pública após seu
afastamento deste cenário (MICELI, 1979, p. xxv). Em seu livro de memórias Ricardo
esforçou-se para criar uma coerência de causa e conseqüência entre os acontecimentos por
31
ele vividos.
O envolvimento de Cassiano Ricardo com os grupos dirigentes do estado de São
Paulo ocorreu na imprensa e no trabalho na administração pública. Ele assumiu tarefas
ideológicas e políticas, não partidárias, e lançou-se na busca de modelos estéticos
modernos no seu trabalho literário. Assim como outros modernistas da primeira geração,
Cassiano Ricardo empreendeu a fundação de diversas revistas para divulgar o ideário de
seu grupo após as cisões do movimento. O esvaziamento da alternativa liberal, o
antiliberalismo, e a adesão a movimentos radicais por parte de um grupo de intelectuais são
advindos da crise dos anos 1930.
A boa acolhida do Integralismo
29
deveu-se ao ressentimento, de uma ala da
sociedade, pela derrota dos grupos oligárquicos que sustentavam a República Velha e à
frustração das expectativas profissionais de alguns intelectuais formados fora dos principais
centros políticos e culturais do país, como Cândido Mota Filho (1897-1977), Menotti Del
Picchia, Plínio Salgado e outros. Miceli (1979, p.59) analisa:
A mudança radical de campo, passando do devotamento integral aos
partidos e facções da oligarquia à adesão sem reservas às organizações
radicais de direita, resultou em ampla medida do fracasso político da classe
e do partido de classe a que pertenciam, processos que eles vivenciaram
como seu próprio fracasso.
Cassiano Ricardo iniciou sua carreira literária em 1915 com o livro Dentro da noite,
período em que era estudante de Direito no Rio de Janeiro. Formou-se em 1917 e logo
transferiu-se com a família para Vacaria, no Rio Grande do Sul. Nesta cidade exerceu a
advocacia, fundou o jornal Pátria, onde apoiou a candidatura de Joaquim Francisco de Assis
Brasil (1857-1938) em oposição à Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) -
presidente do estado do Rio Grande do Sul e candidato à reeleição -, entrou em contato
com figuras da política local como o então deputado estadual Getúlio Vargas e, segundo o
próprio escritor, envolveu-se em desavenças regionais que o forçaram a retornar à São
29 Ver CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Acervo on line.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_radpol_aib.htm>. Acesso em: 16 jun.
2007.
32
Paulo em 1923 (1970, p. 25).
De volta, Ricardo encontrou na capital paulista, entre artistas e intelectuais, a
efervescência do modernismo alavancado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Ele
aderiu ao movimento modernista depois de alguma resistência. Em 1925, fundou a revista
Novíssima ao lado de Francisco Pati (1898-1970) e José Lannes (1895-1956) e este foi o
primeiro passo do escritor em direção à revisão de sua literatura. Logo depois entrou para a
redação do jornal O Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano Paulista, onde
conheceu Menotti Del Picchia, que passou a ser o seu companheiro de idéias.
Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Alfredo Ellis Jr. (1896-1925), Plínio Salgado e
Cândido Mota Filho fundaram, em meados da década de 1920, o grupo Verde-Amarelo em
contraposição ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade (1890-1954), Mário de
Andrade (1893-1945) e Raul Bopp (1898-1994). Ricardo define o Verde-Amarelo como um
“‘ismo’ brasílico bem contagiante, bem visual [...;] verdamarelismo contra futurismo italiano,
contra dadaísmo francês, contra expressionismo alemão.” (1970, p. 36). Em 1927, Plínio
Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia organizaram O Curupira e o Carão, uma
coletânea de artigos publicados em O Correio Paulistano em defesa das idéias do
verdamarelismo, cujo lema era “Originalidade ou Morte!”. Afastando-se cada vez mais de um
nacionalismo no campo artístico, os verdamarelistas envolveram-se com um nacionalismo
político e conservador. O grupo Verde-Amarelo dilui-se e originou o Anta, sem a presença de
Plínio Salgado, que saiu para formar a Ação Integralista Brasileira (AIB), a partir da
influência política e ideológica do verdamarelismo
30
. O Anta possuía um programa de
estudos brasileiros, pesquisas etnográficas, aprendizagem da língua tupi, retomada do
Oeste e redescoberta do Brasil no original (RICARDO, 1970, p. 39). O Movimento Cultural
Bandeira, cujo programa-manifesto foi publicado no exemplar da revista S.Paulo de
setembro-outubro de 1936, foi criado pelo grupo originário do Anta.
Cassiano Ricardo sempre esteve perto dos governantes mas nunca se envolveu
30 Alguns objetos e imagens que fazem parte da história da Ação Integralista Brasileira podem ser visto no site
<http://www.integralismo.org.br>, da atual Frente Integralista Brasileira.
33
diretamente na política partidária, diferentemente de Menotti del Picchia, que elegeu-se
deputado estadual pelo PRP em 1926 e 1928. Ricardo sustentava a sua posição a favor da
separação entre literatura e política, inclusive no seu trabalho no jornal A Manhã, que era
órgão oficial do Estado Novo. Em entrevista de 1955, ao ser questionado sobre a
obrigatoriedade ou não de um intelectual participar da política, Cassiano Ricardo declarou-
se contra a política partidária e afirmou: “Mas a outra Política, a da inteligência. Neste
caso, não se pode negar que o escritor tem graves compromissos a cumprir” (1970, p. 227).
Ele admitiu, por fim, uma arte participativa, associada a um destino social em que literatura e
política se confundem.
Cassiano Ricardo esforçou-se para ter o reconhecimento de sua competência, tanto
no campo literário, quanto no trabalho de servidor público, no qual fez uso de sua destreza
com as letras ao lavrar documentos e escrever discursos. A integração nas Academias
Paulista e Brasileira de Letras, o cargo efetivo de funcionário público e a participação em
órgãos oficiais serviram-lhe de legitimação. Cassiano Ricardo tornou-se uma espécie de
agitador cultural com circulação e credibilidade no meio oficial e, por diferentes razões, no
meio intelectual e artístico. Segundo o crítico Antônio Candido, o escritor possui uma obra
literária interessante devido, inclusive, à sua versatilidade extrema e ao seu temperamento
poético sugestionável (MOREIRA, 2001, p.16). Ao longo de sua trajetória Ricardo criou
obras variadas: foi parnasiano, modernista e aberto às vanguardas, como a da poesia
concreta
31
. Na literatura, a disposição para a mudança pode ser considerada uma qualidade
artística de Cassiano Ricardo; esta mesma flexibilidade aplicada à sua postura política e
ideológica, contudo, sugere contradição e deixa transparecer o seu caráter sugestionável.
Cassiano Ricardo assumiu uma postura ambígua que lhe garantia o emprego, o
desenvolvimento de sua carreira literária e algumas amizades. No decorrer da leitura do seu
livro de memórias, tem-se a impressão de que ele viveu sua própria história trabalhando
para a constituição de sua memória. O escritor aborda os acontecimentos de interesse
31 Ver CORRÊA, Nereu. Cassiano Ricardo: o prosador e o poeta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. e
MARQUES, Oswaldino. O laboratório poético de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1962.
34
público nos quais se envolveu, numa visão sempre positiva e nada ingênua. Não foram
poucas as participações do escritor em obras públicas, nem as amizades que angariou
durante toda sua carreira. No capítulo O Getúlio que conheci, Ricardo, em forma de
esclarecimento e justificativa, cria a figura de três Getúlios. As duas faces que o
entusiasmaram a apoiar Vargas foram a do amigo bem humorado e a do intelectual
acadêmico. Ambas positivas, anularam a terceira face, a do governante autoritário, que
parecia ser estranha a Cassiano Ricardo. Somente no último capítulo, O menino que fui,
dedicou-se aos eventos pessoais, da infância à adolescência, como prenúncios do sujeito
que viria a ser. Ele foi cuidadoso quando reviu sua participação em eventos controversos,
sempre buscando encontrar uma argumentação positiva para tal. Neste livro, Cassiano
Ricardo constrói a imagem de si mesmo como um trabalhador incansável em prol de um
bem maior. Ele se representa sempre a serviço da nação, disponível às exigências de suas
atribuições profissionais e disposto a enfrentar as dificuldades dos cargos que assumiu e a
privar-se de questionamentos individuais em favor da harmonia nacional de maneira integral
e inquestionável.
Cassiano Ricardo fazia parte de uma vertente nacionalista, “que se alimentava da
tradição e do passado para ler o presente” (PRADO, 2004, p. 516). A revista S.Paulo está
entre os projetos dos intelectuais dissidentes do movimento modernista de 1922,
representados por Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, que partilham esta visão. Os dois
escritores foram parceiros em várias empreitadas editoriais.
Leven Vampré era nominalmente o terceiro diretor da revista S.Paulo ao lado de
Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, seus amigos pessoais. Ele circulava no gabinete do
governador e entre o grupo do jornal O Estado de S.Paulo pois exercia a função de chefe da
publicidade no Partido Constitucionalista
32
. Contudo, Vampré não integrou efetivamente a
32 Vampré participou da Revolução de 1930 ao lado dos revolucionários e durante o Movimento
Constitucionalista de 1932 esteve na linha de frente com Júlio de Mesquita e Armando de Salles Oliveira. Adotou
o pseudônimo Mário da Luz nas crônicas que escrevia no jornal O Estado de S.Paulo para driblar a perseguição
política do governo provisório. Leven Vampré reuniu estas crônicas no livro São Paulo terra conquistada (1932).
Ele foi nomeado por Armando de Salles Oliveira tabelião titular no 14º Tabelionato de Notas de São Paulo
35
direção editorial da revista S.Paulo. O cronista gerenciava a publicação como responsável
pela publicidade governamental
33
. Paulo Duarte apontou também Carlos de Morais Barros,
chefe de gabinete do governador Armando de Salles Oliveira, como diretor da revista
S.Paulo ao lado dos outros três. Barros não poderia ostentar o cargo, segundo Duarte,
devido à sua função no governo (1976b, p. 241). Esta foi a única fonte encontrada que o cita
como quarto membro diretor da Revista. Como seu nome não aparece nos créditos do
periódico e não foi possível localizar outra documentação que comprovasse esta afirmação,
não o considero diretor da Revista. O possível envolvimento de Barros com a S.Paulo teria
relação apenas com o cargo de chefe de gabinete do governo, do qual defendia os
interesses. Menotti del Picchia foi o verdadeiro parceiro de Cassiano Ricardo na direção da
revista S.Paulo.
Menotti del Picchia desde cedo esteve envolvido com a fundação e direção de jornais
e revistas. Formou-se Bacharel em Direito em São Paulo em 1913 e em seguida mudou-se
para Itapira, onde publicou Juca Mulato, poema com o qual tornou-se nacionalmente
conhecido. A obra foi reeditada mais de setenta vezes desde a época do seu lançamento em
1917. Menotti del Picchia contribuiu com vários jornais, tais como: O grito, A Tribuna de
Santos, A Gazeta, Jornal do Commercio, Diário da Noite, O Correio Paulistano e
Anhangüera. Também fundou e dirigiu revistas, dentre elas: A Cigarra, Nossa Revista,
Klaxon, O Planalto, Papel e Tinta, Brasil Novo e a própria S.Paulo.
Durante 1920 Menotti del Picchia assinou uma série de crônicas utilizando dois
pseudônimos, Aristophanes e Hélios, e artigos, com seu verdadeiro nome. Ele permaneceu
por muitos anos em O Correio Paulistano, no qual começou como articulista, dando voz à
(Tabelionato Vampré). Informações biográficas sobre Leven Vampré enviadas por VIEIRA Jr, Hélio. A casa de
meus avós maternos. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por [email protected] em 11 out.
2005.
33 Em questionamento à Jandyra Vampré Vieira (filha de Leven Vampré) e Hélio Vieira Jr (neto) obtive a
informação de que, com a exceção de Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, eles desconhecem o contato de
Leven Vampré com os outros profissionais da redação da Revista. A família não tinha conhecimento da
existência da S.Paulo até o meu contato. Averiguei também que não há, em posse da família, diários ou escritos
sobre as memórias de Leven Vampré. Questionário gentilmente respondido por Jandyra Vampré Vieira e Hélio
Vieira Jr mensagem recebida por [email protected] em 11 out. de 2005.
36
arte livre dos academismos e a favor de uma temática brasileira. Utilizava em seus artigos
uma linguagem culta e cheia de adjetivos. Foi grande divulgador do movimento modernista
de 1922, embora talvez nunca tenha chegado a ser de fato moderno. Nesta época já era um
escritor conhecido e respeitado. Em sua conferência na Semana de Arte Moderna Menotti
del Picchia
34
(apud AMARAL, 1998, p.275) contrapôs passado e futuro:
[...] E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da
poesia o último deus homérico, que ficou, anacronicamente, a dormir e
sonhar, na era da jazz-band e do cinema, com a frauta dos pastores da
Arcádia e os seios divinos de Helena!
Ele celebrou a vanguarda e reivindicou o dinamismo da modernização ao mesmo
tempo em que fez alusão aos clássicos greco-romanos, ao romantismo heróico e à tradição.
Repudiou diversas correntes estrangeiras colocando na mesma esfera o dadaísmo, o
cubismo, o futurismo e o bolchevismo. Nesta conferência, Menotti del Picchia
35
(1922 apud
AMARAL, 1998, p.277) defendeu o nacionalismo do Brasil e o regionalismo de São Paulo:
“nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue -
que é humanidade; com eletricidade - que é movimento, expressão dinâmica do século;
violência - que é energia bandeirante.”
O cronista Hélios via o nacionalismo brasileiro favorecido pela contribuição dos
imigrantes e opunha-se ao regionalismo superficial que não se aprofundava nas
especificidades do país. Diante das condições econômicas e culturais afirmava que “o
futurismo nacional [...era] filho legítimo de S. Paulo” (HELIOS
36
, 1922 apud BARREIRINHAS,
1983, p. 319). A respeito das novas correntes estéticas do mundo, acrescentou:
[...] a arte tomou seus rumos livres, novos, individualistas, criando, cada
autor, segundo melhor lhe parece ao seu temperamento e ao seu gosto, a
sua idéia de Beleza [...] As liberdades políticas deste tempo de democracia
alcançaram a estética. Todos são livres de criar sua originalidade,
expandindo-se dentro das possibilidades de realização do seu pensamento
e temperamento. (HELIOS
37
,1921 apud BARREIRINHAS, p. 227-228)
Menotti del Picchia pertencia à ala conservadora do tradicional PRP. Participou com
34 PICCHIA, Menotti del. A conferência na Semana de Arte Moderna. O Correio Paulistano, São Paulo, 17 de
fev. de 1922, s/ página.
35 Ibid. , s/ página.
36 O Correio Paulistano, 12 de fevereiro de 1922, p.5.
37 O Correio Paulistano, maio de 1921.
37
este Partido do Movimento Constitucionalista de 1932 em oposição ao governo de Getúlio
Vargas. No período entre 1932 e 1937, o grupo dos verdamarelistas, do qual fazia parte,
direcionou-se para uma militância modernista de cunho nacionalista e político. Foi neste
intervalo que os dirigentes do Verde-Amarelo aproximaram-se de Armando de Salles
Oliveira. Em 1937, Menotti del Picchia direcionou suas idéias à afirmação do regime
autoritário do Estado Novo e em 1939 foi escolhido como o primeiro diretor do
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda de São Paulo (DEIP-SP), seguido por
Cassiano Ricardo e Candido Mota Filho
38
.
Observando as trajetórias dos participantes da redação da revista S.Paulo torna-se
evidente a divergência político-ideológica existente entre eles. O direcionamento político do
gravador Lívio Abramo, alinhado a correntes extremistas de esquerda, pode ser contraposto
ao dos diretores Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, que tendiam à extrema direita.
Relembro que o governador Armando de Salles Oliveira fazia parte de uma vertente liberal
contra extremismos, mas pendeu, em meados da década de 1930, para correntes direitistas.
Cassiano Ricardo era o diretor mais influente na redação. A forma revista lhe foi
bastante cara, assim como a temática do bandeirantismo, que perpassa grande parte de sua
produção e está no cerne da ideologia difundida na S.Paulo. Ricardo sabia como criar
imagens com palavras e construir discursos visuais. Nas publicações em que trabalhou
valorizava o acabamento gráfico e reconhecia a importância da forma e da visualidade para
o entendimento do conteúdo. Ele compreendia o alcance da imagem em uma sociedade de
analfabetos, imigrantes e sem tradição de leitura, como a brasileira. Por isso, Cassiano
Ricardo pensou em uma revista no formato da S.Paulo e requereu para o importante
38 Menotti del Picchia foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1943, e continuou sua atividade
como político durante os anos 1950 e 1960 pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi tabelião, proprietário do
20º Ofício de São Paulo, nomeado por Armando de Salles Oliveira. Publicou livros e artigos em forma de ensaio,
poesia, crônica, conto e teatro. Nos anos 1930 publicou ensaios como: Soluções Nacionais (1931), A revolução
paulista através de um testemunho de gabinete do governador (1932) e O despertar de São Paulo: episódios do
século XVI e do século XX na Terra Bandeirante (1933). Nos anos 1970 o escritor publicou suas memórias em
dois volumes: A Longa Viagem, 1ª etapa - de 1892 a 1918 - e 2ª etapa - de 1918 a 1930. O memorialista previa a
continuação da série, o que não aconteceu.
38
trabalho de elaboração gráfica um profissional à altura do que desejava realizar.
Lívio Abramo era o responsável pelas fotomontagens e diagramação da revista
S.Paulo. A existência de uma colaboração profissional entre um esquerdista, como Abramo,
e Cassiano Ricardo nas décadas de 1930 e 1940 causa certo estranhamento, mas a razão
que os separava foi, de certo modo, a mesma que uniu seus trabalhos naquele momento. A
convivência entre eles deveu-se, em parte, à perseguição política sofrida por Abramo, que
foi expulso do Partido Comunista em 1932 sob a acusação de trotskismo
39
e, em 1933, filiou-
se ao Partido Socialista Brasileiro. O governo federal, através da Lei de Segurança
Nacional
40
, apertava o cerco contra os comunistas desde 1935. O nome de Abramo não está
impresso nos exemplares da revista S.Paulo e isto era de interesse tanto dos editores
quanto do próprio gravador
41
. Desta forma a redação protegia-se de uma perseguição do
governo de Getúlio Vargas e, ao mesmo tempo, permitia à Revista aproveitar o potencial do
artista. Nesta época, Lívio Abramo havia se afastado de seu trabalho artístico para dedicar-
se ao sindicalismo; a inclusão de seu nome nos créditos da revista, entre os membros da
redação, poderia afastar alguns leitores e dificultar a atuação do plano propagandístico da
S.Paulo.
Lívio Abramo cresceu em contato cotidiano com as artes numa família de imigrantes
italianos de tradição anarquista. Decidiu-se pela carreira artística e tornou-se um gravador
autodidata
42
. No início da década de 1930, em São Paulo, trabalhou como desenhista de
figurinos e ilustrador de periódicos e fez desenhos de cartazes, anúncios, cenários e moda.
Foi também nesta década que a questão social passou a ser grande preocupação do artista
39 Teoria política e ideológica fundada pelo político russo Leon Trotski (1879-1940), de onde se origina o nome
da doutrina. Trotski foi uma das lideranças políticas da Revolução soviética de 1917, com a ascensão de Josef
Stalin (1878-1953) ao poder ele acaba expulso do Partido Comunista Soviético e exilado. Em crítica e oposição à
política stalinista surge o trotskismo.
40 Promulgada em 04 de abril de 1935, “Sua principal finalidade era transferir para uma legislação especial os
crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das
garantias processuais. [...;] um instrumento limitador das garantias individuais e do regime democrático.” In:
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Acervo on line. Disponível
em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_radpol_lsn.htm>. Acesso em: 10 mai. 2007.
41 declarações de Cassiano Ricardo, BJ Duarte e Paulo Duarte que confirmam a participação de Lívio
Abramo na equipe técnica da S.Paulo.
42 Segundo Lívio Abramo, as exposições de artistas alemães ligados ao expressionismo, como Heckel, Schmidt,
Rottluff, Barlach, Lionel Feininger e Kathe Kollwitz, que visitou na década de 1920 em São Paulo, foram
decisivas para a definição de sua carreira artística. Cf. MUSEU NACIONAL E BELAS ARTES, 1990.
39
em sua produção independente. Em 1931 entrou para o jornal Diário da Noite como
chargista, mas foi rapidamente afastado desta atividade, por razões políticas, e acabou
confinado à seção de telegramas do jornal, onde ficou até 1963.
Quando mudou-se para a capital no fim da década de 1920, Lívio Abramo, na
tentativa de vender duas aquarelas, dirigiu-se à Menotti del Picchia, na redação de O
Correio Paulistano, que comprou uma delas. Segundo depoimento de Abramo, este foi o seu
primeiro trabalho vendido (HERMIDA, 1992, fl.40). A negociação da aquarela foi um dos
primeiros contatos de Lívio Abramo com o grupo freqüentado por Menotti del Picchia, do
qual faziam parte vários artistas e intelectuais do modernismo paulista. Surge, então, a
possibilidade de trabalho na revista S.Paulo em 1936 e a indicação, no mesmo ano, para
assumir um cargo na chefia da seção de publicidade do Departamento de Turismo do
estado, por Armando de Salles Oliveira
43
. Abramo abandonou este cargo após o golpe do
Estado Novo devido à incompatibilidade ideológica com o regime.
Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, frente ao Estado Novo, posicionaram-se
favoravelmente ao golpe e aproveitaram o momento para fortalecerem-se como intelectuais.
Ricardo, em especial, legitimou-se como ideólogo do novo regime no livro Marcha para
Oeste, de 1940, lançado com ilustrações de Lívio Abramo. Vale destacar que as imagens
criadas pelo gravador apresentam-se em consonância com o conteúdo do texto, o que
enfatiza o posicionamento de Cassiano Ricardo de neutralizar as idéias dos profissionais
que estavam a seu serviço. Há uma passagem nas memórias do escritor que retrata bem tal
situação. Ricardo relata a ocasião em que convidou o jornalista Geraldo Ferraz (1905-1979)
para o cargo de secretário do jornal A Manhã. Sob a suspeita de comunismo, a indicação do
jornalista foi questionada pela superintendência responsável pelo órgão. Cassiano Ricardo
(1970, p. 167), então, interferiu para solucionar o caso responsabilizando-se por Ferraz e
garantindo manter o jornal “a salvo de suas idéias.”
Percebo hoje a ausência, em estudos sobre Lívio Abramo, de referências ao seu
43 Cf. Lívio Abramo sempre. Produção: Olívio Tavares de Araújo, [São Paulo]: [produtora], fev/mar 1989. 1 fita
VHS, son., color.
40
trabalho na revista S.Paulo e, principalmente, às ilustrações que criou para o livro Marcha
para Oeste. O mesmo acontece em depoimentos do gravador sobre suas atividades. O
primeiro trabalho de ilustração literária citado em cronologias de Abramo é no livro Pelo
Sertão, de Afonso Arinos, de 1947. Visivelmente não era do interesse do gravador, como
artista e militante político de esquerda, divulgar suas colaborações com Cassiano Ricardo.
Sobre a postura político-ideológica de Lívio Abramo, assim se referiu Geraldo Ferraz (1955,
p. 11-13), seu amigo e companheiro de redação no Diário da Noite:
Sempre necessitou vio trabalhar naquilo em que era uma negação, o
jornalismo de tarimba, avêsso à sua personalidade e vôos de aspiração, ao
trepidar de sua consciência adstrita ao fato social e politico em que
viviamos. Porque Livio Abramo é dos raros artistas bem dotados de
compreensão, que possuimos, e ainda mais dessa inteligência agenciadora
dos acontecimentos contemporâneos. O comentário que lhe brotava dos
dedos não era, porém, do teor jornalístico: esse comentário nascia em
desenho e em xilogravura. Eram desenho e xilogravura as versões que
produzia, de sua refração sofrida da atualidade viva da história das jornadas
do fascismo, da marcha de Hitler para o poder e para a guerra, dos
combates na China, da contra revolução de Espanha. Tais acontecimentos
na pauta do fato internacional, revestiam-se para ele de formas e símbolos.
[...] Pertenceu, portanto, na longa curva dos vinte e três anos que nos
ligaram no interesse do fato plástico, ao quadro dos artistas interessados.
Nunca, porém, colocou a sua arte sob as diretivas de uma propaganda que
lhe fosse ditada.
As fotografias da revista S.Paulo foram realizadas pelos dois fotógrafos contratados,
Theodor Preising e BJ Duarte. ainda referência a dois retratistas do período, Rosen e
Cerri, que tiveram fotografias publicadas em três reportagens. De maneira geral, os editores
não especificam quais fotografias são de Preising ou de BJ Duarte. Isto era condizente com
a concepção gráfica da S.Paulo, estruturada em imagens justapostas, e dava à Abramo
maior liberdade de trabalho. apenas uma citação de autoria, do “artista-photographo
Preising”, na reportagem sobre a passagem do dirigível Hindemburg por São Paulo
44
. A
explicitação do crédito demonstra a valorização do profissional estrangeiro e a satisfação
dos diretores da Revista em ter tais fotografias, inéditas na imprensa paulista e realizadas
por um "astuto fotógrafo alemão". O artigo que acompanha as imagens ressalta as
44 S.Paulo, n 10, p. 18-19.
41
proporções da metrópole paulista, a perder de vista nas fotografias e a aliança comercial
entre Brasil e Alemanha. Cassiano Ricardo e BJ Duarte comentam este episódio em
passagens de suas respectivas memórias.
Segundo relato de BJ Duarte (1982b, p. 180) Preising foi pioneiro na utilização de
equipamento fotográfico de pequeno formato (24x36mm) no Brasil. No trabalho da revista
S.Paulo ele utilizava as câmeras Leica, fabricada por Leitz-Weltzlar e Contax, da Zeiss-
Ikon
45
. As câmeras portáteis permitiam maior mobilidade para os fotógrafos na hora da
captação da imagem, possibilitavam o registro de instantâneos anteriormente impossíveis e
foram determinantes para a fotografia de imprensa.
Theodor Preising, nascido na Saxônia, (Hildesheim, Alemanha), começou a se
dedicar à fotografia na cidade de Berlim, onde abriu um estúdio, provavelmente em período
anterior ao início da Primeira Guerra Mundial
46
. Pouco se sabe sobre seu aprendizado no
ofício fotográfico. Durante a guerra serviu ao exército como fotógrafo da frente de batalha e
sua esposa manteve o estúdio em funcionamento no período em que esteve ausente.
Segundo depoimento de Sibile Preising, filha do fotógrafo, ele trabalhou em regiões
balneárias como Baden-Baden e, além do retrato, dedicou-se profissionalmente ao registro
da natureza (KOSSOY, 2004, p. 404). Terminada a guerra, a crise econômica da Alemanha
tornou-se insustentável. Logo no início dos anos 1920, Preising realizou sozinho uma
viagem pela América do Sul. Em 1923, passou pelo Rio de Janeiro, conheceu São Paulo e
estabeleceu-se primeiro no Guarujá e depois na capital paulista. Dedicou-se ao trabalho
como fotógrafo e, no ano seguinte, preparou a vinda de sua família ao Brasil.
Preising registrou vários aspectos das regiões por onde passou e muitas de suas
fotografias circularam em cartões-postais. Publicou álbuns fotográficos de vistas de cidades
brasileiras, em cuja produção toda a família participava. Em São Paulo montou o ateliê e
45 BJ Duarte afirma equivocadamente que conheceu Theodor Preising na redação da revista S.Paulo em 1934.
Pelo levantamento que realizei, ainda que a equipe tenha se conhecido anteriormente, é improvável que a
redação tenha se reunido dois anos antes do lançamento da publicação.
46 Localizei, num site de vendas de fotografias, um retrato de crianças do ateliê Theodor Preising com a
seguinte referência, Thurmstrasse 74 Berlin N. W. (E52311), s/d (disponível em:
<http://www.heimatsammlung.de/motiv_unter/fotos/fotos_motive.htm>).
42
editora Preising. Em 1936 trabalhou na revista S.Paulo ao lado de BJ Duarte. No início da
década de 1940, sob o regime do Estado Novo, Preising foi o fotógrafo responsável pelas
imagens da revista Brasil Novo, publicação do Departamento Nacional de Propaganda
(DNP) com a colaboração do Departamento de Propaganda e Publicidade do Estado de São
Paulo, onde estavam também Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. Ele foi fotógrafo do
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (Deip) em São Paulo e, posteriormente,
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), no Rio de Janeiro
47
.
Durante as pesquisas para a elaboração desta dissertação pude verificar que BJ
Duarte realizou muitas das fotografias publicadas na revista S.Paulo, especialmente as que
mostram aspectos do cotidiano da capital paulista. Isto é devido, principalmente, ao seu
trabalho na Seção de Iconografia do Departamento Municipal de Cultura, iniciado em 1935.
BJ foi nomeado para este cargo por causa de sua formação e experiência com a fotografia.
A relação entre a Revista e a prefeitura de São Paulo deu-se via propaganda das
realizações do prefeito Fábio da Silva Prado (1887-1963), principalmente por meio do
Departamento Municipal de Cultura
48
. BJ Duarte e seu irmão Paulo intermediaram este
contato. Nos anos 1930, Paulo Duarte esteve imerso nas questões políticas e culturais do
país: engajou-se na revolução de 30, envolveu-se diretamente no Movimento
Constitucionalista de 1932 como soldado, participou da criação da Universidade de São
Paulo em 1934 e assumiu o cargo de chefe de gabinete do prefeito Fábio Prado. Além disso,
47 Após a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, Preising foi considerado pelo governo brasileiro um
espião alemão e foi proibido de fotografar. Ele continuou fotografando a lavoura e a imigração, permanecendo
fora dos centros urbanos. Em 1948, devido a problemas de saúde, Preising encerrou suas atividades como
fotógrafo. Ele trabalhou também no Serviço de documentação da reitoria da Universidade de São Paulo, onde
veio a se aposentar. Preising faleceu em sua residência no bairro do Jabaquara, na capital paulista, em julho de
1962 (DUARTE, 1982b, p.184). O fotógrafo deixou um extenso acervo de cerca de 14 mil negativos referentes ao
período em que esteve ativo no Brasil, entre as décadas de 1920 e 1940. Imagens de Preising integram hoje a
coleção Pirelli/MASP de fotografia e publicações sobre São Paulo. A produção de Theodor Preising está sob os
cuidados da família que tem como mantenedores e divulgadores Douglas Preising Aptekmann, bisneto do
fotógrafo, e sua esposa. Algumas imagens do fotógrafo podem ser vistas em sites comerciais e institucionais. Ver
<http://www.imafotogaleria.com.br/galeria/fotografo.php?cdFotografo=207>,
<http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/206>, <http://www.fhoxsp.com.br/09/materias_05.php> e
<http://veja.abril.uol.com.br/vejasp/150206/memoria.html>
48 Paulo Duarte relata em suas memórias o pagamento de cem contos de réis que haviam sido prometidos pelo
prefeito aos editores da revista S.Paulo pela remessa de cem exemplares do primeiro número. Leven Vampré
recebeu a quantia e emitiu um recibo por “pagamento de publicidade da Prefeitura na revista S.Paulo”. Cf.
DUARTE, 1976b, p. 142.
43
foi um dos idealizadores e articuladores da criação do Departamento Municipal de Cultura
em 1935. Neste mesmo ano elegeu-se deputado pelo Partido Constitucionalista de São
Paulo e participou ativamente da campanha presidencialista de Armando de Salles Oliveira
em 1937. Aponto como determinantes para a inserção de BJ no meio profissional e artístico
paulista, depois de ter passado uma temporada no exterior, a atuação e o trânsito de seu
irmão entre políticos, intelectuais e empresários de São Paulo.
BJ Duarte teve sua formação no ofício da fotografia na cidade de Paris entre 1921 e
1929
49
. A convite de seu tio, o célebre fotógrafo retratista português José Ferreira de
Guimarães (1841-1924), BJ foi para Paris em maio de 1921. Naquela época, Guimarães
vivia e trabalhava há cerca de vinte anos na cidade
50
.
Inicialmente, BJ Duarte dedicou-se ao aprendizado da fotografia nos estúdios de seu
tio. Em 1924, com o falecimento de Guimarães, ele foi encaminhado como aprendiz aos
estúdios Reutlinger
51
. Permaneceu nesta reconhecida casa por quatro anos e completou sua
formação em fotografia. Em sua estada na França, BJ teve contato com grandes nomes do
cinema, como Alberto Cavalcanti (1897-1982) e René Clair (1898-1981), e com importantes
fotógrafos, como Man Ray (1890-1976). Ele aprendeu o idioma e conheceu a literatura
francesa mas teve sua alfabetização formal interrompida nestes anos.
No período em que trabalhou na casa Reutlinger, BJ adquiriu uma câmera Reflex
Mentor, com a qual voltou ao Brasil em 1929. De imediato retomou os estudos e começou a
49 BJ Duarte publicou suas memórias em 1982 em três volumes e também deixou depoimentos sobre sua vida
e suas atividades. Cf. DUARTE, BJ, 1982, 3v. Ver CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma manhã: BJ
Duarte e o cinema brasileiro: Anhembi 1950-1962. 1992. 2 vols. Tese (doutorado em sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e CARVALHO, Telma Campanha de.
Fotografia e Cidade: São Paulo na Década de 1930. 1999. Dissertação (Mestrado em História) - Pontíficie
Universidade Católica de São Paulo.
50 José Ferreira de Guimarães foi amigo de D. Pedro II e fotógrafo titular da Família Imperial. Foi autor do
invento “relâmpago Guimarães”, o princípio do que hoje conhecemos por flash, luz artificial obtida a partir da
combustão instantânea do magnésio. Guimarães tinha negócios no Rio de Janeiro e depois se transferiu para
Paris, onde abriu um estúdio fotográfico. foi bem sucedido e fez amizades com importantes retratistas. Ver
KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910).
São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p.
51 Este estúdio foi fundado em Paris em 1850 por Charles Reutlinger (1816-1881), fotógrafo de origem
germânica. Em 1880, antes de falecer, o fundador passou o estúdio para seu irmão Emile Reutlinger. Em 1883, o
primogênito de Emile, Léopold-Emile Reutlinger (1863-1937), juntou-se ao pai no estúdio em Paris. em 1893,
aos 30 anos, Léopold Reutlinger era um homem rico, famoso e de grande reputação. Foi sob sua administração
que a casa enriqueceu e tornou-se um verdadeiro império, muito bem conceituada na produção de cartões
postais e retratos. Nos anos 1930, Léopold perde um dos olhos acidentalmente e afasta-se do estúdio, que
permaneceu em atividade até 1937, mesmo ano de sua morte.
44
trabalhar como fotógrafo-repórter no Diário Nacional, órgão do Partido Democrático, do qual
seu irmão Paulo era redator-chefe
52
. BJ foi apresentado a artistas, intelectuais e políticos
paulistanos por Paulo Duarte e Sérgio Milliet (1898 - 1966)
53
. Começou a freqüentar o
mesmo círculo que eles e tornou-se retratista desta elite, pondo em prática o aprendizado
que teve com grandes fotógrafos de Paris
54
.
BJ Duarte terminou o curso secundário e entrou para a Faculdade de Direito do
Largo São Francisco com dificuldade. Seu desejo era cursar Medicina mas a falta de
condições financeiras o fez mudar de idéia. Durante a Faculdade de Direito, BJ dedicou-se à
matéria de Medicina Legal para a qual apresentou o trabalho de conclusão Do
Levantamento Foto e Cinematográfico do Local do Crime, utilizando seus conhecimentos de
fotografia. Ele formou-se bacharel em 1939 e exerceu a advocacia por apenas três anos.
Saiu do Diário Nacional em 1933 e foi trabalhar na secretaria da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da recém-criada Universidade de São Paulo. Em seguida, foi nomeado
chefe da Seção de Iconografia, na qual permaneceu de 1935 até sua aposentadoria em
1964. Em 1936 o então jovem BJ Duarte foi contratado pelos editores da revista S.Paulo
para trabalhar ao lado do experiente fotógrafo Theodor Preising. BJ adotou na Revista o
pseudônimo Vamp por sugestão de Herbert Levy (1912-2002), seu colega de redação no
Diário Nacional (DUARTE, 1982b, p. 183).
O trabalho na revista S.Paulo foi destacado por BJ Duarte, em depoimentos, como
uma significativa realização para fotografia no Brasil
55
. Segundo ele, a S.Paulo era diferente
dos jornais e revistas brasileiros da época porque estes apresentavam “imagens estáticas”.
52 Nesta época não havia o conceito de fotojornalista, o fotógrafo era apenas um técnico que acompanhava um
repórter sem ter status de autor ou crédito de imagem.
53 Casado com Maria de Lurdes, irmã de BJ Duarte, Milliet desenvolveu importante atividade como poeta,
crítico e ensaísta. Ele teve participação no proceso de implantação do Departamento Municipal de Cultura.
54 Os negativos destes retratos, segundo descrição de BJ Duarte, desapareceram juntamente com um arquivo
de cerca de 10.000 chapas de vidro durante uma mudança em 1972. BJ não possuía cópias em papel da grande
maioria destas fotografias, pois eram entregues aos clientes. De acordo com sua segunda esposa, Rute Duarte,
o fotógrafo se desfez, no fim da vida e doente, de parte das poucas cópias que restavam. Relatado em
conversa com a autora em março de 2005. A viúva mantém sob sua guarda o arquivo pessoal de BJ na casa que
era do casal no bairro do Ibirapuera em São Paulo.
55 Depoimento de BJ Duarte ao Museu da Imagem e do Som em maio de 1981.
45
A revista S.Paulo podia, segundo ele, ser aproximada da alemã Berliner Illustrirte Zeitung
(1843-1944), pelo dinamismo, e da francesa L’Illustration
56
(1843-1944), pelas imagens. A
fotografia não é a única forma de ilustração da Revista, mas a ela é dada a maior
importância. Por isso, a relevância dos depoimentos do fotógrafo sobre sua atuação na
S.Paulo, e como ele se relacionava com a imagem fotográfica. BJ Duarte destaca:
[a S.Paulo] era uma revista, pra época, muito bem impressa e que
realmente dava um valor absoluto à fotografia porque as suas páginas eram
apenas ilustradas, o texto era mínimo, eram pequenos textos de legenda,
quando necessário, porque era a própria fotografia que falava por si própria.
De modo que realmente ela teve não apenas um aspecto de atualidade,
mas reuniu também o seu aspecto artístico, o seu aspecto técnico e o seu
aspecto sociológico que é o final de todo valor fotográfico, é o seu aspecto
sociológico.
57
Analisar a participação da equipe técnica na elaboração das reportagens da revista
S.Paulo é essencial para o entendimento de seu discurso. Considero, contudo, que o
gravador Lívio Abramo e os fotógrafos BJ Duarte e Theodor Preising eram técnicos que
colocavam-se a serviço de uma encomenda. O conteúdo e a forma da revista S.Paulo
passavam, em última instância, pelo crivo dos diretores Cassiano Ricardo e Menotti Del
Picchia. Não é possível afirmar que o olhar dos fotógrafos e a mão do gravador eram
neutros e isentos de seus repertórios individuais. No entanto, não cabe aplicar ao trabalho
deles na redação da S.Paulo o conceito de autoria. As motivações destes profissionais
gráficos não eram pessoais e havia um projeto ideológico que norteava suas atividades
junto à redação.
56 Criada por iniciativa de Édouard Charton esta publicação, segundo ele, permitia às imagens alcançar milhares
de pessoas semanalmente a um bom preço. Antes, em 1833, Charton havia publicado um artigo em Magazin
pittoresque chamado ‘Des moyens d’instruction, Les livres et les images’ (Dos meios de instrução, os livros e as
imagens).
57 Depoimento de BJ Duarte ao MIS em 14 de maio de 1981, fita fotografia, lado 1 (fotografia continuação).
46
2 Ideologia da revista S.Paulo
Apresentarei neste capítulo uma discussão sobre a ideologia da revista S.Paulo.
Para isso, buscarei subsídios na historiografia a fim de circunscrever o bandeirantismo na
construção da identidade regional paulista. Identificarei a orientação ideológica da Revista a
partir da análise de Cassiano Ricardo como seu ideólogo e do envolvimento da redação da
S.Paulo com o Movimento Cultural Bandeira.
Antes de tratar especificamente do caso da revista S.Paulo, delimitarei o que será
entendido por ideologia
58
. No presente estudo, considero ideologia as idéias e as formas de
agir e de representar os pensamentos num determinado grupo social. Evito a redução do
termo a um projeto explícito encabeçado por um certo setor da sociedade em prol de
interesses particulares. Também busco afastar-me de uma noção expandida de ideologia
que considera toda atividade de pensamento como ideológica
59
. Desse modo, procuro
distanciar-me de uma visão maniqueísta da história. Na análise da revista S.Paulo aplico o
conceito de ideologia como a colocação em prática do pensamento e, ao mesmo tempo,
como uma ação de um determinado grupo social que o faz existir enquanto tal.
De acordo com o sociólogo Eliseo Verón, o discurso social precisa ser analisado
considerando-se a complexidade do seu processo de produção. O autor adverte que não se
deve simplesmente identificar pólos opostos no discurso social, mas atentar para a
articulação dos elementos e fenômenos múltiplos nele contidos (1980, p.76). A presença do
componente ideológico no discurso social não caracteriza por si uma situação de falsidade e
sim representa uma das condições da produção de conhecimento. Neste estudo da S.Paulo,
a mensagem que pode ser extraída da Revista somente se efetiva na mescla do discurso do
periódico, que tem origem numa posição social conhecida, com todos os outros elementos
envolvidos em sua produção. Nenhum discurso social, ainda que possua uma intenção
58 Cf. CHAUÍ, 1983.
59 Cf. CHAUÍ; FRANCO, 1978, p. 14-16.
47
consciente, pode prever os diversos sentidos que irá produzir.
A revista S.Paulo é considerada nesta dissertação um periódico de propaganda do
governo do estado ligado à ideologia conservadora originária do grupo Verde-Amarelo.
Entendo propaganda no sentido de divulgação de idéias, produtos e realizações. A S.Paulo,
foi fundada sob vínculos estreitos com o governo estadual e tem a intenção de salientar o
papel de São Paulo como “locomotiva”
60
do Brasil. Apesar de ser fruto da conjuntura política
regional, a S.Paulo não pode ser considerada propriamente uma revista de propaganda
política. Averiguei que a Revista tinha três objetivos principais: (1) atrair parceiros
comerciais, nacionais e estrangeiros para o estado através da (2) divulgação da
modernização e organização de São Paulo, nacional e internacionalmente e (3) ser voz e
rosto da ideologia proposta pelo grupo do Movimento Cultural Bandeira. Interessa-me, mais
que vincular o periódico a uma política partidária, compreender a rede de relações e
acontecimentos que possibilitaram a concepção da Revista no estado de São Paulo, em
meados da década de 1930, da maneira como ela foi executada.
2.1 O bandeirantismo e a construção da identidade regional paulista
A organização da colônia em capitanias hereditárias, desde o início de modo
fragmentado e com ampla autonomia, tornou-se um obstáculo à unidade nacional. Na
prática não existia a idéia de um Brasil unificado; pelo contrário, havia o sentimento de
pertencimento provincial. Declarada a Independência (1822) e reprimidas as rebeliões
provinciais, intelectuais e políticos empenharam-se em criar bases para o Estado Nacional
61
.
No Segundo Reinado, durante a campanha do indianismo, o passado paulista foi
usado politicamente pela elite letrada ligada à Dom Pedro II que criou uma imagem
demonizada do sertanista, depois chamado de bandeirante. O Instituto Histórico e
60 Imagem progressista usada para caracterizar o estado paulista como condutor do país, aquele que carrega a
nação. Cf. LOVE, 1982.
61 Algumas das rebeliões que abalaram o período Regencial são: Balaiada (1838-1841), Malês (1835),
Cabanagem (1835-1840), Farrapos (1835-1845) e Praieira (1848-1850).
48
Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838, era o lugar de definição tanto do imaginário
geográfico sobre o território nacional quanto da identidade nacional ligada ao indígena e à
imagem paternalista do monarca
62
. A visão predominante no IHGB estabelecia a história
nacional como continuidade da entrada da civilização européia na América selvagem. Assim,
a figura do jesuíta representava o civilizador e o colono português laico o vilão. O
antibandeirismo foi parte do esforço de criação de uma história nacional una e marcou a
interpretação monárquica do passado paulista.
Na década de 1860 o país entrou num processo de modernização capitalista que aos
poucos ganhou espaço entre as preocupações das elites. Esta modernização não rompeu
com práticas tradicionais. Foi somente um questionamento da ordem monárquica vigente e
sua atualização. Naquele momento surgiram vários grupos com projetos nacionais
modernizadores, entre eles os republicanos paulistas. O período que vai de 1870 - início da
propaganda republicana - até 1916 - começo dos preparativos para a comemoração do
Centenário da Independência, marcado pela posse de Affonso Taunay na direção do Museu
Paulista -, é significativo para a construção da nova identidade regional de São Paulo
(FERRETTI, 2004, fl. 102). Desde o final do século XIX a hegemonia do poder político e
cultural da Corte vinha se desestruturando. A criação do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo (IHGSP), em 1894, é indicativo da crise da Monarquia na medida em que os
paulistas buscavam criar uma identidade regional própria, autônoma e, por vezes, contra o
discurso identitário nacional.
A visão predominante do grupo republicano de São Paulo entendia o estado como
hegemônico no país. O território paulista era tido como uma “exceção” no conjunto do Brasil
por ser considerado a sua melhor porção. Isto contribuiu para a cristalização da idéia de
oposição entre dois pólos, o norte estagnado e dependente da Corte e o sul progressista e
desprezado.
O Almanaque Literário Paulista (ALP, 1876-1885) foi o principal órgão de propaganda
62 O Instituto foi fundado em 1838, no Rio de Janeiro, com o objetivo de concentrar a documentação do Império
no esforço de centralização e elaboração de uma história unificada a fim de criar uma identidade nacional.
49
republicana. Era dirigido pela elite paulista e esboçou pioneiramente a definição simbólica
da identidade regional. O desenvolvimento econômico de São Paulo, que justificou a
campanha separatista iniciada em 1887, foi seguido pelo crescimento da imprensa e pelo
surgimento de iniciativas educacionais e editoriais com vistas à divulgação de princípios
científicos e democráticos
63
.
A bandeira listrada do estado de São Paulo teve como modelo a bandeira dos
Estados Unidos
64
. A expansão da lavoura do café, as vias de comunicação ferroviária, a
industrialização e a política de imigração européia para a ocupação das áreas de cultivo
expandidas pelo interior do estado tiveram como inspiração a Corrida para o Oeste realizada
pelos norte-americanos
65
. Esta limitada originalidade paulista é representativa da busca dos
republicanos por uma identificação de São Paulo com os EUA. Apesar de defenderem a
política do federalismo
66
, os paulistas não se comprometiam com transformações sociais
radicais. Houve a manutenção dos latifúndios e, devido à demanda de mão-de-obra, o
contingente de escravos negros em São Paulo aumentou consideravelmente em meados de
1880, o que gerou uma forte tensão social.
Entre os intelectuais sócios do IHGSP foram criados os alicerces da historiografia
territorialista. O passado paulista foi elaborado a partir da reavaliação e revalorização de
personagens e eventos ligados à história colonial. Criou-se um imaginário antijesuíta que
começou com ataques na imprensa, como em O Cabrião e O Polichinelo, e depois passou
63 Neste momento deu-se a abertura de diversos colégios particulares, dentre eles, o Colégio Pestana, da
capital, pertencente ao jornalista e republicano Rangel Pestana (1839-1903), pioneiro na educação feminina.
64 A bandeira paulista não era oficial em 1936. Ela foi proposta e divulgada pelo jornalista e escritor Júlio Ribeiro
no jornal O Rebate em 1888. Criada em meio à campanha republicana, ela ganhou força como símbolo em 1932
durante o Movimento Constitucionalista, foi proibida durante o Estado Novo e oficializada por decreto em 1946.
Em 1934, Guilherme de Almeida rendeu um elogio ao símbolo paulista no poema, Nossa Bandeira, cujos versos
finais dizem: “[...] são barras de aço guardando/ nossa terra e nossa gente./ São os dois rápidos brilhos/ do trem
de ferro que passa:/ faixa negra dos seus trilhos,/ faixa branca da fumaça./ Fuligem das oficinas;/ cal que as
cidades empoa;/ fumo negro das usinas/ estirado na garoa!/ Linhas que avançam; nelas,/ correndo num
mesmo fito,/ o impulso das paralelas/ que procuram o infinito./ Desfile de operários;/ é o cafezal alinhado;/ são
filas de voluntários;/ são sulcos do nosso arado!/ Bandeira que é o nosso espelho!/ Bandeira que é a nossa
pista!/ Que traz, no topo vermelho,/ o coração do Paulista!”
65 Os republicanos de São Paulo caracterizavam os paulistas com adjetivos emprestados dos norte-americanos.
O “espírito paulista” foi, então, criado a partir deste modelo. O termo “ianque da América do Sul” chegou a ser
usado por Basílio de Magalhães ao tratar do caráter paulista no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, em 1913 no
artigo O estado de São Paulo e o seu progresso na atualidade. Cf. FERRETTI, 2004, fl. 159-160.
66 Sistema de governo em que vários estados se reúnem para formar uma nação mantendo a autonomia de
cada um deles. A política federalista foi o lema dos republicanos paulistas e serviu de base para a propaganda
republicana que defendia a identidade regional autônoma e o caso paulista como “exceção” no país desde a
colonização.
50
para o terreno historiográfico. Estas estratégias políticas contrapunham a liberdade
democrática dos colonos paulistas, aproximada dos norte-americanos, à monarquia
atrasada da metrópole, identificada com a Europa. Tratava-se da oposição entre o progresso
e o atraso justicada pelo determinismo geográfico e racial, então em voga (FERRETTI,
2004, fl. 198).
O sentido político da invenção do passado paulista é claro e serviu-se do apoio e
financiamento oficiais em diferentes momentos. Os republicanos paulistas criaram para São
Paulo uma tradição de modernidade (FERRETTI, 2004, fl. 206). Os valores tradicionais
preconizados por eles reforçavam o espírito modernizador, pois eram identificados com
liberdade frente ao poder estatal, empreendedorismo e ação enérgica. O pensamento
cientificista e a modernização do estado deram suporte para uma visão positiva dos
bandeirantes na formação nacional.
O bandeirantismo, tratado como tema histórico, foi fundamental para a construção da
identidade paulista. “Talvez mais do que em outras regiões, no caso paulista, o debate sobre
a identidade regional assumiu a forma de uma discussão sobre o passado regional”.
(FERETTI, 2004, fl. 3).
O historiador Capistrano de Abreu, em Capítulos de História Colonial (1907), definiu
pela primeira vez o que era uma bandeira
67
. Ele é considerado por vários autores como um
dos mais significativos estudiosos da virada do século XIX para o XX no Brasil. Abreu iniciou
a reavaliação positiva da atuação do colono paulista na história brasileira. Durante as duas
primeiras décadas do século XX o bandeirante deixou a condição de vilão nacional para
tornar-se herói fundador da nação. O bandeirantismo firma-se, de fato, como tema
historiográfico no século XX, quando foram publicadas as obras de Washington Luís,
Capitania de São Paulo, Alfredo Ellis Jr, Raça de Gigantes
68
, Alcântara Machado, Vida e
67 São raros os relatos diretos dos bandeirantes do século XVII. Sobre os relatos de descendentes dos
bandeirantes como Pedro Taques Leme (1714-1777). Ver: ABUD, Katia. O sangue intimorato e as
nobilíssimas tradições: a construção de um símbolo paulista: o Bandeirante. 1985. 242fls. Tese (Doutorado em
História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
68 Termo usado pelo viajante francês Auguste Saint-Hilaire em estudo historiográfico de 1851, Viagem à
província de São Paulo, ao referir-se aos antigos paulistas.
51
Morte do Bandeirante e o extenso trabalho de Affonso Taunay, História Geral das Bandeiras
Paulistas, em onze tomos
69
. Surgidas em fins da década de 1910 e durante os anos 1920,
todas estas obras concentram-se no tema do bandeirantismo e na criação da imagem
positiva do sertanista.
O bandeirante foi tomado pela elite paulista como símbolo legítimo da formação da
identidade nacional em oposição à ameaça estrangeira ao espírito nacional, representada
pelos imigrantes. Nos anos 1920 o termo bandeirante era restrito aos paulistas nascidos em
São Paulo. A força do bandeirantismo como tema de propaganda paulista reforçou-se nos
anos 1930 na campanha do Movimento Constitucionalista de 1932 e a noção de
desbravamento e heroísmo bandeirante foi expandida para diferentes esferas e grupos
sociais. Durante o Estado Novo, Cassiano Ricardo deu dimensão nacional ao termo ao atuar
como ideólogo do regime nos anos 1940. A postura de Getúlio Vargas, a partir de meados
da década de 1930, foi de apoio a esta imagem positiva do colono paulista buscando
aproximação com a elite cultural e econômica de São Paulo.
O uso político do bandeirantismo pode ser detectado ao longo do século XX;
Adhemar de Barros, por exemplo, após a experiência na interventoria paulista entre 1938 e
1941, quando foram criados o DIP e as suas seções estaduais, os DEIPs, criou o Cine
Jornal Bandeirante da Tela (1946-1956). Quando investiu no bandeirantismo em seu Cine
Jornal, Barros não possuía um cargo público, portanto esta não é uma produção
governamental. A simbologia paulista foi usada na construção da imagem de Adhemar de
Barros como o “bandeirante moderno”. O Bandeirante da Tela era vinculado a sua figura
política à frente do Partido Social Progressista (PSP) de modo que:
mais que um mote de campanha, o bandeirantismo consistiu numa certa
unidade merecedora de crédito pela sociedade paulista, um forte referencial
que parecia surtir efeito no contexto de redemocratização, isto é, final dos
anos quarenta (ARCHANGELO, 2005, p.04, grifo do autor).
69 Elas foram publicadas respectivamente em 1918 (publicada icialmente como artigo em 1903), 1926, 1929 e
1924 (1º tomo).
52
O bandeirantismo aparece em diferentes situações como atributo de desbravamento,
pioneirismo e liderança. Com este sentido o termo foi usado no nome de um grupo de
comunicação fundado em 1937 e de um clube fotográfico criado em 1939
70
. Este conceito
expandido de bandeirantismo foi aplicado pela política do Estado Novo para justificar a
colonização de áreas supostamente desabitadas. Do mesmo modo, a política
desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), no plano de construção
de Brasília (1960), tomou esta idéia de desbravamento.
2.1.1 O uso do bandeirantismo no projeto iconográfico do Museu Paulista e no
Movimento constitucionalista de 1932
A fundação do Museu Paulista em 1895 foi uma
das iniciativas do estado de São Paulo para a
consolidação da identidade regional fundamentada no
movimento das bandeiras. Justifica-se nesta
dissertação abordar a constituição da iconografia do
Museu Paulista devido à presença de Affonso Taunay à
frente da instituição entre 1917 e 1945. Ele atuou como
historiador das bandeiras paulistas a partir dos anos de
1920 e tinha proximidade com o grupo Verde-Amarelo.
Taunay iniciou a publicação de artigos históricos no jornal O Correio Paulistano ao
mesmo tempo em que começou a reforma no Museu Paulista. A nomeação do historiador
das bandeiras para diretor da instituição teve intervenção direta de Washington Luís (PRP),
então prefeito da cidade, que não perdeu tempo em financiar iniciativas de culto ao passado
paulista. Deve-se à ascensão política de Washington Luís a implementação dos elementos
simbólicos de culto cívico, na qual destaca-se o Museu. O brasão da cidade foi estabelecido
70 Grupo Bandeirante de Comunicação e Foto Clube Bandeirante.
Figura 3. Fotografia do edifício do
Museu Paulista publicada na S.Paulo
n.2, p.11. Acervo: IEB/USP.
53
a partir de concurso promovido pela prefeitura em 1915 que teve como vencedores, em
1917, o poeta Guilherme de Almeida e o pintor José Washt Rodrigues com o lema-síntese
do sentido republicano dado ao passado regional de São Paulo: Non Ducor, Duco (Não sou
conduzido, conduzo).
Durante sua longa gestão, Taunay empenhou-se na
transformação do museu de história natural em museu
histórico, focando na história de São Paulo. Ultrapassando a
encomenda de transformar o Museu em palco para a
comemoração do Centenário da Independência, o esforço de
Taunay foi o de criar, no espaço do Museu Paulista, o
imaginário de uma identidade nacional ligada ao passado
colonial de São Paulo.
Os cinco primeiros anos foram os mais representativos da
trajetória de Taunay na direção do Museu. Durante os
preparativos para a comemoração do Centenário esboçou-se
a legitimação da fundação da nação em solo paulista que, no
decorrer dos 23 anos da gestão de Taunay sofreu
implementações. As realizações do diretor tinham como
conduta: "contar a história da constituição da nação brasileira
do ponto de vista de São Paulo, isto é, como resultado do
esforço paulista, desdobrado desde os primórdios da
colonização." (BREFE, 2005, p.184).
O Museu Paulista materializou em imagens convincentes o
que Taunay escreveu como historiador. A partir da
Independência, historiadores como ele reinventaram o
Figura 5. Escultura de
Raposo Tavares, saguão de
entrada do Museu Paulista,
autoria de Luigi Brizzolara.
Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%
C3%B4nio_Raposo_Tavares>
Figura 4. Escultura de Fernão
Dias Paes Leme, saguão de
entrada do Museu Paulista,
autoria de Luigi Brizzolara.
Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%
C3%A3o_Dias_Pais>
54
passado colonial de São Paulo. Foi desta maneira que a presença dos bandeirantes se
impôs. Ana Cláudia Brefe salienta que apesar de Taunay ser central na história das
bandeiras ele tinha vários interlocutores que trabalhavam sobre a mesma temática. A autora
ressalta que a apropriação da imagem do bandeirante como sinônimo da grandeza e
singularidade paulistas, feita pelos revolucionários de 1932, teve esses escritos como fonte.
O Museu Paulista tornou-se não somente lugar de celebração da Independência,
mas exerceu também a função de centro de difusão e estudos da história do Brasil, no qual
os bandeirantes ganharam status de símbolo nacional.
Entende-se aqui a obra de Taunay como esse trabalho de "história-
memória", voltado para o forjamento de uma identidade nacional de cunho
paulista, capaz de embasar as estratégias políticas do presente como
ressonância das glórias do passado. O Museu Paulista deu materialidade,
por intermédio de imagens profundamente evocativas, a essa história-
memória construída na obra escrita de Taunay. (BREFE, 2004, p. 214).
Taunay realizou nos espaços monumentais do Museu Paulista a transposição em imagens
de personagens e episódios da história colonial, até então conhecida quase exclusivamente
por textos. O investimento na iconografia foi farto, com encomendas de esculturas e
pinturas, orientadas por Taunay e Washington Luís, para a decoração interna do Museu
Paulista com finalidades pedagógicas. A atuação de Taunay na direção do Museu fundiu o
bandeirante e o paulista em um agente único constitutivo da nacionalidade.
Abordarei o Movimento Constitucionalista de 1932
71
nesta dissertação devido ao
significado que a elite paulista atribuiu à sua própria derrota neste conflito e à mítica
construída pelos líderes do Movimento para justificar suas ações, defendendo-se dos
opositores. A imagem do bandeirante e a simbologia criada sobre sua conduta e seu caráter
serviram à propaganda dos constitucionalistas paulistas de 1932. A iconografia criada no
espaço do Museu Paulista, com o intuito de instituir o berço da nação no lugar onde foi
proclamada e Independência do Brasil, serviu de fonte aos propagandistas do Movimento. A
71 Preferi não usar o termo revolução tendo em vista que a participação no levante armado restringiu-se ao
estado de São Paulo e não acarretou uma mudança profunda nos rumos do país. A palavra Movimento
possibilita uma abordagem mais ampla e leva a entender que houve mobilização e alterações nas relações
internas da sociedade paulista.
55
campanha destacava o lado positivo da ação dos bandeirantes, que apareciam em posição
de liderança. A propaganda era dirigida a todos, desde elites econômicas e culturais até
trabalhadores, mulheres, jovens, analfabetos e imigrantes. Foi desta forma que o
bandeirantismo popularizou-se, expandiu-se para além dos círculos restritos dos intelectuais
e rompeu os limites entre os grupos sociais. Bandeirante passou a ser todo habitante do
estado de São Paulo favorável ao Movimento. O termo fundiu-se a paulista, desprendeu-se
do passado ligado ao território e passou a incluir os recém-chegados imigrantes.
O ilustrador Belmonte
72
foi um dos
responsáveis por traduzir em imagens de
divulgação as aspirações e interpretações da elite
paulista sobre o levante. Na campanha
constitucionalista o bandeirante paulista foi
desenhado como herói nacional em marcha,
revivendo a tradição, para o bem maior do país.
Segundo o ponto de vista paulista, São Paulo como o estado líder da economia, da
industrialização e da cultura deveria retomar o poder político perdido com a Revolução de
1930 e a traição do governo provisório. Emília Viotti da Costa afirma que os conflitos de
interesses entre os diversos grupos do país que se uniram em 1930, em apoio à derrubada
de Washington Luís, emergiram logo após o fim desta fase. Getúlio Vargas era o mediador
desses projetos variados com a tarefa impossível de satisfazer a todos os grupos (1982,
p.10). Havia interesses econômicos envolvendo capital estrangeiro nas brigas políticas
entre a oligarquia cafeeira e os revolucionários de 1930. No estado de São Paulo sentia-se
com mais clareza os conflitos de interesses, daí a junção, em 1932, de dois grupos
inimigos, o PRP e o PD, numa frente única contra o inimigo comum - Vargas e os
72 Benedito Bastos Barreto, 1896-1947.
Figura 6. Charge de propaganda paulista,
Movimento Constitucionalista de 1932.
Acervo: MIS
56
“tenentes”
73
. O movimento armado de 1932 surgiu inevitavelmente das contradições de
1930.
O lema de São Paulo era marchar contra a
ditadura varguista, defender as tradições democráticas
e constitucionalizar o Brasil. Estas, segundo a
propaganda do Movimento, representavam as
aspirações da população paulista como um todo,
unida na frente de combate por estes ideais cívicos.
Por seu lado, o governo federal fazia a propaganda
contra os “revanchistas” de São Paulo, cuja população
estaria iludida pelos políticos derrotados de 1930 que
desejavam retomar o poder. O Movimento, na visão de
Vargas, era reacionário e separatista, visava a
restauração das oligarquias do passado e o
predomínio de São Paulo sobre os outros estados. Havia propaganda favorável e contra o
Movimento Constitucionalista e destas disputas surgiram “imagens contraditórias” de
1932
74
.
Os paulistas incitavam com cartazes e panfletos a participação de toda a população
do país e divulgavam falsamente o desenrolar vitorioso dos conflitos, enquanto o governo
federal difundia a sua versão dos acontecimentos, contrária aos revoltosos. A propaganda
impressa, como cartazes, panfletos, postais, volantes e periódicos, os discursos no rádio e
os comícios para grandes contingentes de público foram muito significativos para a
mobilização da população. Estes recursos serviram à propaganda a favor do Movimento e
à defesa dos paulistas contra os ataques do governo federal.
73 A documentação oficial do Movimento Constitucionalista - manifestos, editais, etc. - usa o termo “outubristas”
para referir-se aos “tenentes” (‘Clube 3 de outubro‘) contra os quais o levante se deflagrara.
74 Termo usado pela historiadora Emília Viotti da Costa em publicação do Arquivo do Estado de São Paulo por
ocasião do cinqüentenário do Movimento que reúne transcrições de documentos que dão idéia dos diferentes
significados do levante na época.
Figura 7. Postais de propaganda paulista,
Movimento Constitucionalista de 1932.
Acervo: MIS
57
O discurso ideológico dos líderes constitucionalistas era baseado na tradição dos
bandeirantes. Havia também, por trás desta campanha, a defesa dos valores da família,
representados na figura feminina da esposa e da mãe como apelo à manutenção da ordem
social
75
. O clero paulista abençoou a causa do Movimento e legitimou em nome de Deus
os interesses das elites e as mortes em combate. O valor moral das doações foi ressaltado
durante a campanha do ouro. A propaganda desproveu este metal do valor material
transformando-o em símbolo de riqueza espiritual. Desde o início dos conflitos, a
autonomia de São Paulo e a reconstitucionalização do país foram usadas pelos paulistas
como elemento de mobilização.
Os articuladores do Movimento Constitucionalista
empenharam-se na criação de um discurso ideológico que
fizesse com que seus interesses particulares parecessem
universais. Assim as campanhas de apelo eram feitas por
categorias profissionais ou entidades autônomas sem
assinalar a divisão da sociedade em setores; professores,
médicos, advogados, engenheiros, entre outros, foram
aclamados pela imprensa. Os estudantes foram ativos no
Movimento e a participação dos estrangeiros foi valorizada
em nome da “civilização”. A classe dominante paulista
deixou de lado seus preconceitos raciais e acabou invertendo a relação; o índio e o negro
foram momentaneamente incorporados à sociedade como parte integrante da “raça
privilegida dos paulistas” (CAPELATO, 1981, p. 30-31). Os intelectuais foram destacados
pela imprensa como uma categoria específica, cuja participação no Movimento sustentava
o discurso da luta da “elite intelectual” do país - São Paulo - contra a “soldadesca da
ditadura” (CAPELATO, 1981, p. 29).
75 Cf. Mensagem da mulher paulista às suas irmãs do Brasil inteiro, publicada no Diário Popular em 19 de julho
de 1932. (COSTA, 1982, p. 26) e Às mães paulistas, publicada no Jornal de S.Paulo em 27 de julho de 1932.
(COSTA, 1982, p. 29).
Figura 8. Cartaz do MMDC,
propaganda paulista, Movimento
Constitucionalista de 1932. Fonte:
CPDOC/ CDA Roberto Costa
58
Nos discursos de época, o perigo comunista estava presente desde antes do
Movimento Constitucionalista. Em 1932, pela manutenção da ordem política e social do
país, a classe operária não foi chamada à luta. O anticomunismo manteve os operários
ausentes das memórias de 1930 e de 1932.
Os slogans constitucionalistas incitavam a delação e chamavam de covardes
aqueles que não aderiam ao Movimento. A campanha era autoritária, mas divulgavam-se
os casos de adesões espontâneas a fim de amenizar este caráter. A censura foi instaurada
na imprensa e no correio
76
. As cartas das frentes de combate que expressassem as
dificuldades eram destruídas para evitar a desmobilização do Movimento e veiculavam-se
somente notícias positivas do levante. Houve ampla cobertura fotográfica dos
acontecimentos de 1932 por revistas e jornais ilustrados, como O Cruzeiro, A Cigarra, O
Mundo Ilustrado e o suplemento em rotogravura do jornal O Estado de S. Paulo. As
fotografias sofriam uma forte seleção ideológica de modo a não prejudicarem a “epopéia
paulista”. A credibilidade na natureza objetiva da fotografia foi usada para mostrar as
figuras de liderança e os heróis do Movimento e não as destruições do conflito.
Nesse sentido, pode-se dizer que, ao lado do discurso, a fotografia
desempenhou um papel importante, não apenas na mobilização para
participação na luta, como também na construção da memória de 32. A
documentação fotográfica evidencia a “bela” imagem que se quis imortalizar
da “guerra paulista”. (CAPELATO, 1981, p. 36).
Todos os veículos de comunicação foram usados para sensibilizar a população de
São Paulo para a causa pela qual lutavam os revoltosos e estabeleceu-se com isto um
controle social. Uma das primeiras operações de guerra do dia 09 de julho foi a ocupação
da companhia telefônica, dos prédios dos correios e telégrafos e das rádios Record e
Educadora. Além do rádio, discursos envolventes e inflamados eram feitos em comícios
por oradores que se tornaram conhecidos
77
.
76 Atuaram ativamente no Movimento Constitucionalista os seguintes jornais: Diário Nacional, Diário de São
Paulo, Diário da Noite, O Estado de S. Paulo, A Platéia, A Gazeta, Diário Popular, Folha a Manhã, Folha da
Noite, O Século, Legionário, Operário, O Libertador e os jornais do Movimento: Jornal das Trincheiras, O Farol
da Revolução, Nove de Julho, A Estrela, Jornal de São Paulo e O Separatista.
77 Ibrahim Nobre e João Neves da Fontoura são exemplos de oradores que aturam na campanha
constitucionalista.
59
Em poucos meses de guerra a elite paulista, que não
obteve o apoio esperado dos estados de Minas Gerais
e do Rio Grande do Sul, foi vencida pelas tropas
federais. A situação dos paulistas no combate era
crítica no mês de agosto. Quando em 02 de outubro
cessaram as hostilidades noticiou-se não a derrota,
mas a “vitória moral da Revolução”. Houve prisões e
exílios, divulgaram-se documentos que provavam que
não era unânime, mesmo dentro do PD, a decisão de
partir para a guerra. Mineiros, gaúchos e a própria
imprensa foram responsabilizados pela derrota.
Em 1933 a aproximação do estado de São Paulo com o governo federal se
iniciara. Houve concessões dos dois lados e em 16 de julho de 1934 foi apresentada a
nova Constituição. Vargas foi eleito presidente constitucional e Salles Oliveira, governador,
ambos por sufrágio indireto. A constituição e a eleição do governador foram rapidamente
tomadas como vitória paulista, fruto do levante armado de 1932. Acordos de reconciliação
entre Vargas e os paulistas foram feitos por intermédio do governador. Em 1936, Armando
de Salles Oliveira autorizou que Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia ficassem
responsáveis pela propaganda de sua gestão na revista S.Paulo.
Uma das principais preocupações modernistas entre pensadores e artistas era a
questão da formação nacional e a busca da brasilidade. A primeira geração modernista
dividiu-se claramente em dois grupos, que deram rumos distintos às suas próprias
trajetórias na cultura brasileira. O abalo à hegemonia política do PRP e o advento da
Primeira Guerra Mundial abriram espaço para o anti-liberalismo numa parcela da
intelectualidade. O presidente do estado, Washington Luís, assumiu o papel de mecenas
do grupo formado por Menotti del Picchia, Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Guilherme de
Almeida, Cândido Mota Filho, Alarico Silveira, Genolino Amado, Affonso Taunay e Alfredo
Figura 9. Charge de propaganda
paulista, Movimento Constitucionalista
de 1932. Fonte: CPDOC/ CDA
Roberto Costa
60
Ellis Jr, entre outros, na redação do jornal O Correio Paulistano. Formado entre 1917 e
1923, este grupo constituiu a ala Verde-Amarela do modernismo que, em 1925, fundiu o
político com o cultural. A proximidade de membros do PRP com um certo grupo de
intelectuais mostra que a produção literária dos verdamarelos não se dissociava da
atividade política. O grupo propunha um debate estético com base em teses
ultranacionalistas e de acordo com os ideais do situacionismo político.
2.2 Cassiano Ricardo: ideólogo da revista S.Paulo
Apresento Cassiano Ricardo como ideólogo, além de idealizador, da revista S.Paulo.
Sustento esta afirmação a partir de duas de suas obras literárias, Martim Cererê: o Brasil
dos meninos, dos poetas e dos heróis e Marcha para Oeste: a influência da Bandeira na
formação social e política do Brasil
78
. Em ambas, o autor desenvolveu o tema do
bandeirantismo, estabelecendo conexões com a ideologia verdamarelista.
A pesquisadora Luiza Franco Moreira chama atenção para a forma fragmentada pela
qual conhecemos Cassiano Ricardo e sua obra literária. Os estudos realizados sobre sua
produção dos anos 1920 aos anos 1940 tendem a estudá-lo por recortes que não dão conta
da gama de gêneros alcançada pelo autor no período. Estes estudos traçaram perfis
díspares do escritor.
[...] para o público contemporâneo, Cassiano é o poeta de Martim Cererê;
para os críticos, um escritor modernista de importância histórica, e para os
historiadores, um ideólogo estadonovista. [...] A leitura de sua obra, porém,
revela que uma consistência temática notável atravessa a poesia, a prosa e
o jornalismo escritos no decorrer daqueles anos. (MOREIRA, 2001, p. 23-
24).
Apesar de ter servido de ideólogo do Estado Novo e de ter trabalhado diretamente
nos Departamentos de Propaganda do regime, Cassiano Ricardo tinha objetivos mais
amplos com relação à política cultural brasileira, além de interesses profissionais de cunho
78 Primeiras edições publicadas em 1928 e 1940, respectivamente.
61
pessoal
79
. Ele esforçou-se para afirmar o seu papel como intelectual e exerceu sua função
no gabinete do governo do estado de São Paulo, servindo diferentes governadores. A obra
literária de Cassiano Ricardo é camaleônica definindo-se por diversas estéticas.
Como propõe Moreira, o livro Marcha para Oeste, publicado em 1940 com
ilustrações de Lívio Abramo, pode ser considerado uma reescrita do poema Martim Cererê,
publicado em 1928 com ilustrações de Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), em que a
temática bandeirante já estava presente (2001, p. 72).
No livro de poemas Martim Cererê, Cassiano Ricardo mostrou-se um modernista.
Esta obra foi reeditada pelo menos doze vezes durante sua vida, período em que o livro
sofreu modificações, tais como a inclusão ou exclusão de poemas e a alteração de suas
seqüências. Estas reedições estão ligadas, de certa forma, à boa aceitação que teve o livro
desde o primeiro lançamento e às adequações do poeta às mudanças políticas do país.
Martim Cererê fazia parte do currículo das escolas e desempenhou papel didático nos anos
1930 e 1940, educando jovens leitores segundo os valores nacionalistas e corporativistas. O
poema Moça tomando café, de Martim Cererê, foi publicado na capa posterior do exemplar
9 da S.Paulo. Além desta ligação evidente, a temática desta obra poética traz elementos que
a identificam com a Revista.
Plínio Salgado escreveu o texto de abertura da primeira edição de Martim Cererê
80
,
no qual sugere a leitura do Brasil como uma nação criança. O grupo Verde-Amarelo iria
consagrar esta visão do Brasil:
[...] de um lado ele é o gigante, de outro a criança. Apesar da aparente
disparidade, as metáforas convergem para uma idéia matriz: a de
potencialidade. Quando o gigante acordar, quando a criança crescer.
(VELLOSO, 1993, p. 101)
O tom da abertura, assim como o do livro, é ufanista. Em forma de versos e num
registro mitológico, Cassiano Ricardo desenvolveu em Martim Cererê a idéia de formação
da nação pela mistura e coexistência pacífica das três raças: o índio, o branco e o negro. Na
79 Cf. item 1.2 desta dissertação.
80 Cf. RICARDO, 1928, p. 1.
62
apresentação do personagem Martim Cererê, o menino índio que andava pelo mato foi
capturado por um negro e encaminhado por ele à escola dos brancos, onde foi então
batizado (RICARDO, 1928, p.6):
[...]
não Sacy-Sererê, como queria o preto,
nem Sacy Pererê, como disse o menino,
mas Martim Cererê.
Foi assim.
Cassiano Ricardo dedicou-se no livro Martim Cererê à produção cafeeira do estado
paulista e cantou a grandiosidade da natureza. O surgimento da raça nova foi expresso no
poema “a noite veiu ... então nasceram os gigantes, heróes das tres côres” e em poemas de
homenagens como: “borbagato, o terror do mato”, “anhanguéra, o gigante de botas”, “fernão
dias, caçador de léguas” e “raposo, heróe de todas as distancias (ao Menotti)”. Estes temas
perpassam toda a mítica de Martim Cererê e serão recolocados, em forma de prosa, no livro
Marcha para Oeste. Neste último, Cassiano Ricardo defende que a democracia e a
hierarquia social são determinadas pelo gênero e pela raça. O branco coordena, manda; o
índio guia, conduz o grupo por caminhos que ele conhece e o negro trabalha, transporta
a carga da bandeira. O bandeirante, herói da expansão geográfica, segundo o autor,
caminha, no século XX, para a conquista de novas fronteiras. Em Marcha para Oeste,
Ricardo justifica miticamente a escolha óbvia de São Paulo para a expansão das bandeiras
coloniais, pois este seria o estado predestinado ao progresso. Ele comprova sua tese a
partir do bom desempenho econômico de São Paulo com a lavoura de café, a mineração e a
industrialização dos anos 1930. O regime autoritário do Estado Novo seria necessário,
segundo o autor, porque seu governo forte tinha como "missão" disciplinar a vida intelectual
do país.
Apesar de ter apoiado a candidatura à presidência de Armando de Salles Oliveira,
um político de oposição a Getúlio Vargas, Cassiano Ricardo tratou de, rapidamente,
converter-se em ideólogo do novo regime. O historiador Alcir Lenharo assim analisou a obra
Marcha para Oeste (1986, p. 15):
63
[...] as cores, os sons, a poesia, um especial clima de religiosidade são
instrumentalizados para compor o itinerário mítico que vai das bandeiras
paulistas ao Estado Novo. A bandeira criara em si os germes do novo
regime; ela cimentara a base da nacionalidade, como criara a comunidade
imune às diferenças sociais; tinha, como o Estado Novo, um chefe firme na
sua condução; estruturava-se economicamente através da pequena
propriedade para organizar permanentemente o seu movimento de
conquista e integração.
Ao referir-se à imagem da marcha, que simbolicamente representa a expansão geográfica
do Brasil como obra de todos os cidadãos da nação, o pesquisador atenta para o fato de
que o uso de imagens como dispositivo discursivo tinha finalidades políticas claras. A
intenção era atingir o público, sensorial e emotivamente, a fim de obter dele somente
respostas acríticas. Por intermédio dos meios de comunicação, o Estado Novo criou sua
própria memória, ainda durante sua vigência. A propaganda servia para criar na população a
crença no progresso e na ascensão social como formas de resolver problemas de toda
ordem.
Na década de 1930, marcha para o oeste significa a colonização do interior do país
ocorrida no período. Além do caráter retórico e mítico desta marcha, houve estrategicamente
a criação de colônias agrícolas nacionais no interior do Brasil com o intuito de ocupar as
áreas “vazias”. A marcha constrói a imagem da nação em movimento em busca de
expansão, de integração e da própria identidade.
Em Marcha para Oeste, Ricardo criou a imagem da pátria como obra de arte política.
Ele buscou justificar sua própria condição colocando-se como um intelectual habilitado a
criar um programa de política cultural para o regime do Estado Novo. As tintas e cores do
texto constroem o imaginário do bandeirante como herói nacional. A imagem é valorizada
como uma forma de convencimento do povo na medida em que, segundo o autor, ela é mais
eficaz que a aristocratização do pensamento pelo raciocínio (1940, p. 500).
Esta contribuição do livro Marcha para Oeste para a ideologia hegemônica do Estado
Novo mostra que seu autor, como intelectual, vinha comprometido com um projeto
autoritário de hierarquização da nacionalidade. Desde o Movimento Cultural Bandeira (1936)
a intervenção política de Cassiano Ricardo vinha crescendo. No livro Marcha para Oeste os
64
desenhos de Lívio Abramo têm por função traduzir o imaginário do texto em imagens. Nesta
obra, em que o interesse ideológico parece prevalecer, Ricardo não deixou de preocupar-se
com o seu aspecto artístico. “O movimento geral do texto [...] repousa em uma concepção
analógica da relação entre arte e política, que permite a Cassiano discutir problemas
estéticos em termos políticos, e problemas políticos em termos estéticos” (MOREIRA, 2001,
p. 79).
A revista S.Paulo enquadra-se no itinerário ideológico de Cassiano Ricardo, que teve
seu ápice no estudo histórico-sociológico que é o livro Marcha para Oeste:
Terminada a marcha para o país, refluiu a bandeira em marcha para a
nacionalidade, Bandeirante não é apenas, então, o autor de nossa
geografia. Cada brasileiro tem uma farta gota de sangue andejo. um
bandeirante anônimo caminhando no sangue de cada um de nós para três
novas fronteiras que são a econômica, a espiritual e a sentimental. Aliás, a
palavra “fronteira”, no Brasil, não se separa de bandeirante. Cada etapa da
civilização conduz a sua fronteira. (RICARDO, 1940, p.XXI-XXII)
Na revista S.Paulo a divulgação da ideologia do grupo enraizado no verdamarelismo
sobrepõe-se aos próprios interesses do governador do estado. A marcha para o oeste marca
a construção de uma identidade regional paulista de valorização da originalidade e da
distinção dos habitantes do estado de São Paulo. A Revista, ao mostrar a materialidade da
modernização paulista projeta o estado para a frente da nação e toma as imagens
fotográficas como testemunho deste progresso.
Na reportagem O sentido paulista da vida brasileira quer dizer: organização
81
, a
fotomontagem apresentada é emblemática da estética moderna à qual a revista S.Paulo
filia-se. A partir do impacto visual desta montagem, que inclui texto e gráficos ilustrados,
cotejo outros elementos do seu conteúdo.
A reportagem investe na capital paulista tomada como exemplo de metrópole
moderna. A justaposição de quatro fotografias de arranha-céus em câmera baixa
82
garantem
o agigantamento vertical das edificações. Os carros e bondes no viaduto do chá, a antena
81 S.Paulo n. 1, p. 10-11.
82 Rubrica de cinema, tomada de câmera efetuada de baixo para cima (o mesmo que contre-plongée). Fonte:
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
65
de transmissão e os jornais diários oferecidos pelo garoto italiano indicam o progresso da
cidade. As diagonais formadas por estes elementos distribuem linhas de força em diferentes
direções e atribuem um caráter dinâmico à fotomontagem. A capital paulista está
representada no auge de suas atividades - o relógio registra uma hora e vinte e poucos
minutos. Uma legenda interna indica “Beba Café”, o garoto oferece ao leitor o jornal O
Estado de S.Paulo e uma Brasserie discretamente pontua a presença da cultura francesa na
cidade. O título da reportagem soma valores à modernidade desta fotomontagem que foram
destacados por Cassiano Ricardo ao saudar Armando de Salles Oliveira recém-eleito
governador constitucional.
[...] Assistimos diariamente à sua obra de governo, que é exercida com
extraordinário devotamento. O espírito do trabalho impregnou, de novo, este
ambiente. O palácio é uma afirmação paulista da hora paulista que estamos
vivendo nos destinos da nacionalidade. Os nossos olhos estão vendo, a
todo momento, o que a soma de atividade, de entusiasmo construtivo, de
bandeirismo administrativo, de ação múltipla, simultânea, panorâmica, cheia
Figura 10. Reportagem O sentido paulista da vida quer dizer: organização, S.Paulo n.1, p.10-11. Acervo:
IEB/USP.
66
de luz, de saúde moral, que V. Excia. vem desenvolvendo sob todos os
aspectos de um governo que corresponde, em ação e em espírito, ao
anseio, à grandeza e à finalidade histórica de São Paulo. [...]
Fala-se que a época é mui pouco latina e que o mundo está vivendo o
sentido americano da vida. Nós estaremos, por assim dizer, neste minuto
emocional, vivendo o sentido paulista da vida. E o sentido paulista da vida
quer dizer organização. Dentro dele pouco importa saber, como fazem
certos discutidores de fórmulas, se a democracia é forma de governo que
nos convém ou que não convém. Ela não resultará de leis que a instituam,
mas de governo que a realize. Democracia não será tanto uma questão de
forma ou meio de governar senão obra que o governo tem que realizar. De
nada adianta ser livre, se o povo não tem ou não adquiriu a capacidade para
ser livre. (RICARDO
83
, 1935 apud DUARTE, 1976, p. 263-264, grifos meus)
Esta visão é a de um alto funcionário do gabinete que acompanhava de perto o
trabalho dos chefes de governo. Foi com esta experiência, visando marcar o “bandeirismo
administrativo” e “as ações múltiplas” de Salles Oliveira que Cassiano Ricardo arquitetou a
revista S.Paulo. A “ação simultânea” preconizada por ele no texto pode ser relacionada à
justaposição de fotografias que compõem a montagem. O “entusiasmo construtivo” é
representado na reportagem pelos dois quadros laterais que mostram gráficos ilustrados,
um com dados sobre o valor locativo crescente de 1904 a 1934 e outro sobre o crescimento
populacional e o aumento do número de prédios no mesmo período. O uso da expressão
“sentido paulista da vida”, que coincide com o título de uma reportagem do primeiro
exemplar, confirma a forte presença das idéias de Ricardo na redação da S.Paulo e no
gabinete do governador.
A ordem e a disciplina são questões caras ao grupo Verde-Amarelo, dentre as quais
se insere o devotamento ao trabalho. O ultranacionalismo deste grupo, a crença na
necessidade de um líder forte para o Brasil capaz de manter a unidade nacional contra os
perigos estrangeiros, estão expressos na saudação de Cassiano Ricardo, que esboça o seu
pensamento sobre a democracia. Para o escritor, a capacidade de ser livre deveria ser
adquirida pelo povo, porém, se isso não ocorresse, a imposição autoritária de uma
"democracia" se justificaria.
O crescimento e a modernidade representados pela fotomontagem da reportagem
analisada devem-se à reorganização do estado de São Paulo, que permitiu o aumento da
83 Carta à Armando de Salles Oliveira de 11 de abril de 1935.
67
produção agrícola e industrial, ainda identificadas com o café (menino filho de imigrantes e
letreiro). A reestruturação do estado feita pela administração de Salles Oliveira possibilitou a
total retomada de crescimento material de São Paulo após as crises do início da década de
1930; o governador despontava, então, como o líder ideal com predicados de bandeirante
moderno.
2.3 O Movimento Cultural Bandeira e a ideologia da marcha na revista S.Paulo
O grupo do Movimento Cultural Bandeira (MCB), originário do Verde-Amarelo e do
Anta, encabeçado por Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Cândido Mota Filho e
inspirado pelas idéias do pensador Alberto Torres
84
(1865-1917), foi uma espécie de
resposta ao crescimento da Ação Integralista Brasileira (AIB). O grupo começou criando
uma visão mais ampla de nacionalismo ao usar como designação as cores do Brasil, mas
acabou fechando-se no regionalismo paulista ao assumir-se, em 1936, como Bandeira
85
. A
retórica nacionalista dos verdamarelos converge para a busca da homogeneidade,
integração étnica e territorial. Eles colocavam-se radicalmente separados dos outros
modernistas, em especial de Oswald e Mário de Andrade. Este grupo dissidente do
modernismo de São Paulo lançou em 1929 o manifesto Nhengaçu, em que o período
colonial foi desenhado como o momento de integração pacífica entre o colonizado e o
colonizador. A cultura brasileira foi traçada como isenta de conflitos e repleta de harmonia
(VELLOSO, 1993, p. 98).
Nas palavras de Cassiano Ricardo, o MCB era “um movimento cultural, em favor de
uma democracia genuinamente brasileira baseada na justiça social” (1970, p.41). Em suas
memórias, o escritor reproduziu o documento com os subscritos do Movimento Cultural
Bandeira
86
. Sobre a adesão de Mário de Andrade, Cassiano Ricardo esclareceu que ele
84 Ver A organização nacional. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Nacional, 1933. Este livro foi publicado pela primeira
vez em 1914.
85 Cf. item 1.2 desta dissertação.
86 Alcântara Machado, Almeida Prado, Cassiano Ricardo, Fonseca Telles, Guilherme de Almeida, Mário de
Andrade, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato, Paulo Prado (por Mário de Andrade), Paulo Setúbal, Plínio
68
declarou-se impossibilitado de participar do MCB logo depois da assinatura. Porém, diante
de uma interpelação enfática contra o seu recuo, Mário de Andrade calou-se sobre o
assunto (RICARDO, 1970, p. 107). O jornalista e político Paulo Duarte afirmou que Menotti
Del Picchia e Cassiano Ricardo usaram da penetração que tinham nos meios literários, na
imprensa e no gabinete do governador Armando de Salles Oliveira para conseguir as
assinaturas do documento (1977a, p. 13-14).
A publicação do programa do MCB no exemplar 09 da S.Paulo explicita a vinculação
da Revista ao pensamento deste grupo
87
. Este documento deve ser analisado como um
manifesto que veicula os valores defendidos pelos verdamarelos, que haviam aparecido
na resolução de criação da “Bandeira Intelectual” de São Paulo
88
. Esta resolução,
diferentemente do programa do MCB, apareceu como artigo de fundo, em forma de editorial,
assinado pela redação da S.Paulo. Em 23 de agosto de 1936, o jornal O Estado de S.Paulo
publicou uma nota com a decisão da diretoria do MCB de criar uma revista para si, cuja
sede coincidia com o endereço da redação da S.Paulo. Desta forma, a relação de
proximidade da Revista com o MCB daria-se não apenas do ponto de vista ideológico, mas
também físico. Não localizei documento que comprove a criação desta revista.
Existia no discurso do MCB a intenção de ser contra a extrema direita e a extrema
esquerda. No entanto, o seu encaminhamento permitia relacioná-lo à regimes autoritários
como os que estavam em voga na Europa da década de 1930. Havia um certo fascínio do
governo brasileiro pelas realizações nazi-fascistas no que se refere à propaganda ideológica
e ao controle dos veículos de comunicação de massa, como a imprensa ilustrada, o cinema
e o rádio. Grupos como o do jornal O Estado de S.Paulo atacavam diretamente o
comunismo por sua incompatibilidade com o Brasil, enquanto que o nazi-fascismo era
combatido em defesa da soberania do estado nacional. O Integralismo, como forma de
Barreto, Rubens do Amaral e Valdomiro Silveira. Figuram também os nomes de Affonso Taunay, Reynaldo
Porchat e Vicente Rao, sem as respectivas assinaturas.
87 Os estatutos e o programa de atividades do MCB foram publicados em dois libretos pela Empreza Graphica
da Revista dos tribunaes em 1936. Cf. ANEXO A e B desta dissertação.
88 Publicada na S.Paulo n.6, p. 02. Cf. transcrição do documento no ANEXO D desta dissertação.
69
fascismo brasileiro, não foi criticado com vigor pelos liberais de O Estado porque não lhes
parecia uma forma política radical e de idéias claramente condenáveis. O jornal postulou-se
contra o comunismo e chegou a abrir mão de valores liberais em favor da nacionalidade,
apoiando o estado de exceção instaurado pelo governo federal desde o levante de 1935. A
postura do jornal O Estado de S. Paulo naquele momento era alertar o público leitor que em
determinadas ocasiões era preciso deixar de ser liberal. Essa posição contradiz o
liberalismo, que sempre fora a orientação de seus representantes, e tinha um caráter
preventivo contra o perigo comunista (CAPELATO, PRADO, 1980, p. 107).
Aponto no MCB elementos que o aproximam do fascismo, como autoritarismo e culto
à tradição nacional. Cassiano Ricardo, em suas memórias, sentiu necessidade de negar que
o seu manifesto fosse um documento fascistizante (1970, p.107). Bandeira: o que pretende
a nova organização de cultura e nacionalismo é o título do documento publicado na revista
S.Paulo em que seus autores enumeram os objetivos do que chamaram de "Bandeira de
penetração intelectual":
Organização do pensamento original do paiz - a) para defesa das fronteiras
espirituaes da nacionalidade e b) para o pacifico reajustamento das
condições de vida do nosso povo, dentro dos fundamentos sociaes e
politicos para os quaes evolúe o mundo moderno
89
.
No mesmo texto, um dos meios citados para atingir esses objetivos é “Dar uma funcção
social á arte e á literatura, utilizando-as como processo de integração nacional”. Dentre os
“Objectivos collacteraes” apontados, os autores enfatizam que não havia no Brasil o que
justificasse a presença de ideologias estrangeiras. O combate ao comunismo russo e ao
fascismo italiano é direto no manifesto e incluía também crítica ao regime espanhol. O
documento não faz referência à corrente fascista alemã.
Núcleos do Movimento Cultural Bandeira chegaram a ser fundados em diversas
regiões do país e o seu programa foi divulgado pela imprensa de diversos estados
90
.
89 S.Paulo, n. 9, p.02. Cf. ANEXO D desta dissertação.
90 Localizei entre recortes de periódicos colecionados por Cassiano Ricardo algumas notícias e reportagens
sobre o Movimento Cultural Bandeira entre 1936 e 1938 nas quais os seus membros buscavam difundir os
objetivos do grupo em busca de adesões. Cf. APÊNDICE A desta dissertação.
70
Paralelamente à campanha em favor do MCB existiam na época ressalvas às suas idéias.
Paulo Duarte (1977a, p. 10) expôs suas restrições:
Os itens transcritos no manifesto que poderiam ser aproveitáveis estavam
todos nas realizações boas do governo do Armando [de Salles Oliveira] e
principalmente da obra do Departamento de Cultura e nos próprios intuitos
da Semana de Arte Moderna. O que sobrava eram palavras: pátria,
disciplina, hierarquia, tradição bandeirante, “ação criadora de S.Paulo”,
“revisão de conceitos”, “função social da Arte”, “bandeiras de penetração
cultural, lutar pela justiça social, velar pelo livro”.
Ele aproximou o MCB do Integralismo de Plínio Salgado, que via o manifesto como um
perigoso concorrente, pois tinha a vantagem de ter o apoio do governo do estado. O apelo
ideológico do MCB está ligado ao conceito de marcha para o oeste. Segundo Duarte
(1976b, p. 214), o seu conservadorismo aparece na orientação da revista S.Paulo, que
tem sido uma exaltação ao bandeirismo, tomado como símbolo da glória de S.Paulo,
uma posição filosófica totalitária e fora da verdade histórica, pois o bandeirante é
encarado como homem perfeito, idealista puro, quando as causas do bandeirismo
são complexas e os objetivos mais materiais que espirituais. Mas para a S.Paulo, o
bandeirante é assim uma espécie de Mussolini ou de Hitler.
Adoto neste estudo, para expressar a baliza ideológica da revista S.Paulo, o conceito
de ideologia da marcha que fundamenta-se na historiografia territorialista que, por sua vez,
está presente no pensamento conservador verdamarelista. Esta ideologia representa a
retomada do passado colonial paulista e a difusão dos predicados do antigo bandeirante
como síntese da origem da fundação da nação e do desenvolvimento de São Paulo
moderno.
O grupo Verde-Amarelo absorveu e consagrou a brasilidade ligada ao espaço
geográfico - o território - numa visão estática da tradição, em que: “o tempo passa a ser
associado à idéia de esgotamento, crise e passado, enquanto o espaço é identificado à idéia
de potencialidade, riqueza e futuro” (VELLOSO, 1993, p. 102, grifo do autor). Neste sentido,
o passado coexiste com o presente e ambos fazem parte da mesma realidade.
A ideologia da marcha guarda a idéia de movimento hierárquico, progressivo e de
ocupação, o que é coerente com as temáticas das reportagens. O próprio formato da
Revista e sua diagramação agregam uma função modernizadora condizente com o caráter
71
expansionista da marcha para o oeste como apresentada no item anterior. O mapa do Brasil
foi tranformado pelo pensamento verdamarelista num grande poema nacional, cujas
fronteiras foram desenhadas pelos bandeirantes de São Paulo. A expansão moderna
paulista, como foi proposta pelo Movimento Cultural Bandeira, visava as esferas cultural,
espiritual e econômica. A atuação de Cassiano Ricardo como ideólogo do Estado Novo
levou à legitimação da marcha para o oeste na esfera política.
A ideologia da marcha significa, neste âmbito, a união do pensamento verdamarelo
com a corrente liberal, em crise, do governador Armando de Salles Oliveira, o que ocorreu
entre os anos de 1935 e 1936. Esta ideologia expandiu-se a partir do núcleo fundador do
Movimento Cultural Bandeira e com estes intelectuais teve desdobramentos posteriores. A
ideologia da marcha na S.Paulo resulta da junção dos conteúdos conservadores com os
elementos visuais da estética moderna que compõem a publicação. A aparente contradição
entre o tradicional e o moderno será a linha condutora da análise dos exemplares da revista
S.Paulo apresentada no próximo capítulo.
72
3 A revista S.Paulo
Apresento neste capítulo as estratégias técnicas e estéticas utilizadas na S.Paulo.
Demonstro quais foram os procedimentos definidos pelos diretores tendo em vista a criação
de um periódico condizente com o estado paulista, tanto gráfica, quanto ideologicamente.
Nesse sentido, ressalto a escolha da rotogravura como processo de impressão e os usos da
fotografia e da fotomontagem. Aponto também a relação da S.Paulo com a revista SSSR na
stroike (URSS em construção) e com o cinema. Finalmente, identifico o público-alvo alvo da
Revista, por meio dos editoriais, e analiso suas reportagens, organizadas por assunto.
Busco com isso compreender o caráter moderno da S.Paulo a partir do imaginário por ela
criado. Considero que o projeto gráfico da Revista deve ser entendido em seu estreito
vínculo com a ideologia da marcha. Proponho, então, a marcha das imagens como um
conceito que põe em diálogo as duas principais linhas de interpretação da S.Paulo adotadas
nesta dissertação, a ideologia da marcha e a sua diagramação moderna.
3.1 Metodologia e enfoque de análise
Baseada nas anotações registradas nas fichas de identificação de cada um dos
exemplares, elaboradas no primeiro contato com a S.Paulo, prossegui com os
levantamentos da conjuntura sócio-política e cultural, do período abarcado pela pesquisa, e
dos dados biográficos dos membros da redação, relevantes para este estudo
91
. Para efetuar
as análises, reproduzi fotograficamente os exemplares da S.Paulo e consultei regularmente
os originais, a fim de não perder de vista a dimensão material da Revista e as possibilidades
de percepção da sua mensagem mediante minha própria experiência enquanto leitora
92
.
91 Cf. capítulos 1 e 2 desta dissertação.
92 Consultei coleções completas da S.Paulo no Fundo Paulo Duarte, do Centro de Documentação Cultural
“Alexandre Eulálio” (CEDAE) da Unicamp, e no acervo pessoal de BJ Duarte, sob a guarda da família. Tive
acesso a exemplares avulsos pertencentes ao Fundo Cassiano Ricardo do Arquivo Público de São José dos
Campos (Fundação Cassiano Ricardo), à Biblioteca Municipal Mário de Andrade e à coleção particular da
73
Procurei exemplares da Revista e outros periódicos entre os documentos pessoais
dos membros da redação, ou pessoas próximas a eles, em busca de parâmetros sobre o
interesse deste grupo pela imprensa ilustrada
93
. Este levantamento objetivou também a
verificação de possíveis variações entre os exemplares da S.Paulo. Isto foi averiguado nas
duas tiragens do primeiro número da Revista, que possuem cores distintas (sépia e verde)
94
.
Simultaneamente, realizei pesquisa junto ao Arquivo de Negativos
95
, da Divisão de
Iconografia e Museus do Departamento de Patrimônio Histórico do Município de São Paulo,
onde verifiquei a existência de séries de imagens das quais algumas fotografias ou
fragmentos foram publicados na Revista. Esta busca seguiu a ordem de numeração dos
negativos, correspondente à das fichas consultadas uma a uma
96
. Pude constatar que a
datação das fotografias é imprecisa pois algumas imagens publicadas na S.Paulo
encontram-se fichadas com data de 1937 ou década de 1940
97
. A partir deste levantamento
no Arquivo, atribuo a autoria de algumas fotografias da S.Paulo a BJ Duarte, o que não o
exclui da realização de outras, não identificadas neste conjunto
98
.
Prossegui com o estudo das reportagens pelos seus diferentes aspectos
separadamente. Analisei-as inicialmente por partes e, posteriormente, considerei as páginas
como um todo que articula os seus elementos constitutivos no desenvolvimento de um tema.
Para referir-me somente aos textos das reportagens utilizarei o termo artigo. Ressalto que a
articulação de fragmentos fotográficos ou seqüências de fotografias justapostas não são
pesquisadora Helouise Costa. O Instituto Histório e Geográfico de São Paulo possui uma coleção completa da
Revista e as bibliotecas da Câmara Municipal de São Paulo e do CONDEPHAAT/SEC possuem alguns
exemplares avulsos. As reproduções da S.Paulo foram feitas a partir da coleção do IEB/USP.
93 Alguns periódicos ilustrados encontrados cuja menção é relevante para esta dissertação: VU, SSSR na
stroike, Suplemento em Rotogravura de O Estado de S.Paulo, Brasil Novo.
94 Exemplares consultados na coleção de BJ Duarte. Percebi também, na mesma coleção e no CEDAE, o uso
de papel de gramatura maior nas capas dos exemplares 4, 6 e 7. Cf. Introdução.
95 O Serviço de Iconografia, posteriormente chamado de Seção de Iconografia, do Departamento Municipal de
Cultura e Recreação é o atual Arquivo de Negativos, localizado no prédio do Solar da Marquesa de Santos,
Páteo do Colégio, centro de São Paulo (site oficial: http://www.prodam.sp.gov.br/dph/acervos/acarquiv.htm).
96 Foram consultadas as fichas de 1A a 3570A, sendo que algumas seqüências tiveram que ser salteadas
devido à restrição do próprio Arquivo. O interesse da pesquisa restringia-se à produção dos anos 1935 e 1936.
Avancei até o início da década de 1940 e ressalto que este levantamento é parcial, pois não se trata do objetivo
da dissertação.
97 Isto ocorre com várias séries de fotografias que foram identificadas com as publicadas em 1936 na revista
S.Paulo. Estas fichas de localização dos negativos parecem ter recebido complementação em dois momentos
diferentes, pois, além das informações padronizadas, há inserção de comentários à lápis e datilografados.
98 Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
74
consideradas neste estudo, necessariamente, fotomontagens. A criação de um imaginário
moderno para São Paulo deve-se principalmente à diagramação da Revista, na qual a
fotomontagem é um dos elementos. Considero fotomontagem a construção de uma
composição, unindo dois ou mais fragmentos fotográficos recortados, de modo que o
sentido da imagem se estabeleça no novo conjunto resultante (ver figura 10). Entendo que a
colocação lado a lado de duas fotografias cria uma relação entre elas, contudo, este recurso
não atua na modificação visual da imagem isolada.
A programação visual da S.Paulo era passível de modificações tendo alguns
elementos constantes, utilizados com variações: linhas ortogonais, texto em negativo, título
em fontes grandes, textos em cursivo, montagens e reportagens de página dupla. A própria
capa sofreu mudanças durante o período de publicação da Revista. Ela é normalmente o
primeiro contato dos leitores com a publicação e deve atraí-los, seja pela forma, seja pelo
tema ou por ambos. Na S.Paulo as capas são estruturadas por imagens fotográficas, com
ou sem montagens, que ocupam toda a página
99
. Estudei a visualidade da S.Paulo em cada
exemplar. Identifiquei o público-alvo e os objetivos da redação com base, principalmente,
nos editoriais. Percebi a construção de um imaginário moderno para a afirmação de São
Paulo como estado líder do país.
Analisei a Revista considerando seus recursos gráficos e suas estratégias
ideológicas, intimamente integrados. Busquei recuperar as informações iconográficas da
S.Paulo a partir de uma abordagem descritiva seguida de uma interpretação centrada no
seu conteúdo. Esta análise iconológica, proposta por Boris Kossoy, vai além dos limites do
visível no documento fotográfico e busca resgatar os conhecimentos relativos ao momento
do seu registro e da elaboração da publicação
100
.
A imagem é o principal dispositivo discursivo da S.Paulo e as escolhas técnicas da
99 Com a exceção do primeiro exemplar, cuja capa traz impresso somente o nome da Revista, os demais
apresentam na capa também o número do exemplar.
100 Sobre a análise iconológica aplicada à fotografia, ver KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo:
Ática, 1989. 112p. (série princípios, 176) e Realidades e ficções na Trama fotográfica. 2. ed. São Paulo: Ateliê
editorial, 2000. 152p. O autor foi buscar o termo iconologia em PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes
visuais. Tradução Maria Clara F. Kneese e J. Guinsburg. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. 250p. (Coleção
Debates, 99).
75
direção contribuíram para o bom resultado de sua mensagem. Destaco as peculiaridades da
imagem fotográfica, usada como estrutura das reportagens. Considero determinantes para a
Revista duas características do meio fotográfico, a reprodutibilidade técnica e a
verossimilhança da imagem.
Fundamentada nas reflexões de Walter Benjamin (1892-1940), adoto neste estudo a
reprodutibilidade técnica como uma das chaves para o entendimento da produção cultural
moderna. O filósofo afirmou, em artigo de 1931, que enquanto quase todos se preocupavam
com a questão estética da “fotografia como arte”, na realidade deveriam ocupar-se com as
alterações decorrentes da “arte como fotografia”. Benjamin analisou o desparecimento da
aura e de valores como originalidade e autenticidade no objeto artístico. Ele refletiu sobre
sua época a partir da reprodutibilidade técnica, cuja análise crítica apontou mudanças
culturais como a estetização da guerra e a banalização da política
101
. O desenvolvimento
das revistas ilustradas com fotografia desde a década de 1920 teve importante papel no
processo de massificação da imagem.
Além da reprodutibilidade, a redação da S.Paulo buscava a verossilhança da imagem
fotográfica. Roland Barthes (1915-1980), ao interrogar-se sobre a fotografia, concluiu que
ela é uma imagem com tinturas de real que se esquiva de classificações, sejam elas
empíricas, retóricas ou estéticas. O autor apontou que o objeto visto numa fotografia esteve
necessariamente diante da câmera fotográfica no momento do registro, que encontra-se no
passado. A verossimilhança da imagem fotográfica, pois, atribui a ela o valor de prova. A
fotografia é essencialmente testemunho de algo que existiu, ainda que aquele instante
jamais voltaria a ser como tal
102
.
A fotografia foi adotada na S.Paulo em caráter de documento. Estas imagens
guardam alguma semelhança com a produção de fotografia documental dos anos 1930, em
voga principalmente na Europa e nos EUA. A preocupação dos fotógrafos documentais com
101 Cf. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas, Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet. 3. ed. o
Paulo: Brasiliense, 1987. p. 165-196. (Obras escolhidas, vol.1).
102 Cf. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução Castanon Guimaraes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
76
a clareza dos objetos não comprometia a procura por novos ângulos e enquadramentos.
Eles buscavam o novo em viagens de descoberta a lugares distantes e em objetos
cotidianos vistos por novos pontos de vista. O progresso simbolizado pela máquina e a
produção em série foram temas que interessaram a uma vertente da fotografia moderna que
adotou como referência a estética industrial
103
, para a qual interessava tanto a
estandardização dos objetos representada na imagem quanto as seqüências fotográficas.
As fotografias e a diagramação da Revista filiam-na a uma estética moderna e mantêm sua
característica de mensário documental.
O estudo de uma produção do passado como a S.Paulo, traz um enfoque específico
sobre o discurso social de uma época. Segundo Susan Sontag, as imagens fotográficas são
usadas para criar um inventário do mundo. Apesar de sempre serem adulteradas, adaptadas
ou retocadas elas, de antemão, não parecem ser interpretações, tal qual um texto ou uma
pintura
104
.
Proponho nesta dissertação a elaboração de uma análise crítica da Revista a partir
dos pressupostos da verosimilhança e da reprodutibilidade técnica da imagem fotográfica.
Defini para a análise final a organização das reportagens por assuntos, visando
destacar aquilo que lhes é predominante, sem negar a existência de sobreposições
temáticas. Adotei a palavra assunto para referir-me a temas gerais nos quais cabem temas
específicos; por exemplo, do assunto Economia do estado posso destacar o tema Lavoura
de café. Esta classificação não inclui as capas e os editoriais, que foram analisados
conjuntamente num item próprio devido à proximidade entre eles.
A dissertação apresenta uma extensa lista de fontes de referência que deve-se ao
103 O movimento da Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit) na fotografia representado pelo livro O mundo é
belo (Die Welt is Shön), 1928, de Albert-Renger Patzsch, influenciou muitos fotógrafos da década de 1930 com
sua estética baseada numa visão industrial. O título original desejado pelo autor era Coisas (Die Dinge), o que
revela mais sobre a mensagem do livro que o título adotado. Patzsch procurou lançar um olhar sobre os objetos
cotidianos em busca de estruturas modulares e repetições, seja em produtos industriais, arquiteturas ou na
própria natureza. A novidade estava na experimentação do fotógrafo com ângulos e enquadramentos não
convencionais sem com isso perder a clareza do objeto. A objetividade buscada pelos fotógrafos adeptos da
Nova Objetividade serviu de referência à fotografia de estilo documental que se firmou nos anos 1930. Cf.
BENJAMIN, 1987. p. 91-107.
104 Cf. SONTAG, 2004.
77
empenho da pesquisa em circunscrever ao máximo as possibilidades de entendimento do
seu objeto, sem contudo esgotá-las. A atualização das referências foi constante durante
todo o desenvolvimento do trabalho.
3.2 Recursos gráficos e estratégias ideológicas
Nas primeiras décadas do século XX, a imprensa paulista modernizou-se com a
aquisição de novas máquinas e a introdução de novas técnicas no ritmo acelerado de
crescimento de sua capital
105
. Entre as qualidades desejáveis de uma publicação ilustrada
moderna estavam as reproduções fotográficas de boa qualidade, aliadas a uma ampla
tiragem a baixo custo
106
. A forma e a circulação de um periódico também eram determinadas
pelo menor tempo possível de sua produção. A impressão em meio-tom e as máquinas
rotativas vieram suprir algumas destas necessidades.
As formas de construção do discurso na revista S.Paulo estão alicerçadas nos
objetivos e nas funções a ela atribuídos. Alguns exemplares da Revista possuem
suplementos (páginas desdobráveis), recurso escolhido pela redação para dar destaque a
alguns temas
107
. Eles exigem mais esforços e recursos materiais para sua elaboração. A
coleção completa da Revista possui ao todo seis séries de suplementos que equivalem à
doze reportagens e onze temas; são eles: a cidade e o porto de Santos, o ensino primário, o
parque industrial, as novas avenidas, a produção cafeeira, as pontes, a lavoura de algodão,
o ensino profissional, o Monumento das Bandeiras e o Departamento de Educação Física
108
.
105 São Paulo tinha em 1906 publicações ilustradas de qualidade, como a São Paulo Magazine. Em 1912, a
fotografia havia sido adotada como propaganda política no suplemento da revista Illustração Paulista sobre o
governo de Rodrigues Alves. Cf. MARTINS, 2001. p.196.
106 A Revista da Semana (Rio de Janeiro, 1900), de Álvaro Teffé, que pode ser apontada como marco inicial do
surto de revistas ilustradas no Brasil, empregava métodos fotoquímicos de reprodução de imagem, a
fotogravura, em substituição às técnicas artesanais, xilo e litogravura. Cf. MARTINS, 2001. p.186-187.
107 Uso o termo suplemento pois, além de ter sido citado na Revista para referir-se às páginas desdobráveis,
nele estão postos significados de aditamento, complemento, recrutamento e preenchimento. Dele pode-se extrair
a idéia de trazer algo que falta ou que se quer aperfeiçoar e destacar. No jornalismo o suplemento traz uma
informação acrescentada, uma matéria especial.
108 Os suplementos aparecem nos exemplares 4, 6, 8, 9 e 10 (o único com duas séries). Com exceção do
exemplar 8, onde o suplemento possui a largura de uma página e 1/3, os outros tem largura equivalente a duas
78
Todos eles foram tratados também em outras reportagens e representam os principais
assuntos da S.Paulo.
Atribuo ao formato do suplemento a função de reforçar o valor de um tema acrescida
da reação de admiração no ato da leitura da Revista. O desdobrar destas páginas é um
recurso que põe o leitor no papel de explorador; o suplemento é um elemento surpresa que
se abre para uma nova descoberta. Além disso, sua novidade é o próprio tamanho: quando
compostas em três páginas, as reportagens chegam a ter mais de 95 cm de comprimento.
Contudo, somente em três casos a diagramação utilizou montagens fotográficas que
incorporaram a horizontalidade do suplemento como um todo
109
. Nas outras reportagens
especiais, prevaleceu a verticalidade das páginas simples interligadas por elementos
gráficos como molduras e textos.
O grande formato da S.Paulo (31,5cmX45cm, 24 páginas - exceto o exemplar 10, 36
páginas), já era por si impactante e o agigantamento do suplemento o intensifica
110
. Cabe
aqui a referência ao uso da linguagem do cartaz na Revista, como no suplemento sobre
Santos e sobre o ensino primário
111
. Em ambos, as três páginas da reportagem foram
ocupadas por uma única fotomontagem e o título foi escrito em letras garrafais. O cartaz
ganhou importância com o processo de urbanização das sociedades. Esta forma de
comunicação proporciona uma leitura rápida, por vezes à distância, e normalmente utiliza a
imagem para transmitir sinteticamente uma mensagem que deve ser acessível a uma
coletividade.
O uso dos suplementos como recurso gráfico materializou as conquistas econômicas
do estado supervalorizando-as visualmente. Neles, temas específicos foram enfatizados
atendendo a estratégias ideológicas da S.Paulo relacionadas à ideologia da marcha.
páginas simples.
109 S. Paulo n.4, p.12a, 12b e 13; S.Paulo n.6, p. 12, 13a e 13b; S.Paulo n.10, p. 6a, 6b e 7.
110 A revista S.Paulo possuía tamanho maior, por exemplo, que O Cruzeiro (26cmX33cm, aprox.), revista de
grande circulação na época.
111 S. Paulo n.4, p.12a, 12b e 13 e S.Paulo n.6, p. 12, 13a e 13b, respectivamente.
79
3.2.1 A rotogravura
A revista S.Paulo é uma experiência pontual, porém relevante para a história da
imprensa ilustrada brasileira. Ela não inaugura o uso do processo fotoquímico na
reprodução de fotografias nem o uso da impressão em máquinas rotativas, no entanto, a
direção da Revista explora o potencial destes processos de modo singular
112
.
Comercialmente, a rapidez e a grande tiragem poderiam garantir o preço acessível do
exemplar da S.Paulo
113
. Graficamente, a boa qualidade de reprodução das imagens, a
diagramação dinâmica e as fotomontagens da Revista foram possibilitadas pelo processo de
impressão em rotogravura
114
.
O procedimento inicial para a criação do exemplar de uma revista ilustrada usando
rotogravura é (1) a definição das imagens e dos textos a serem utilizados e a forma final
como vão aparecer. No caso da revista S.Paulo, os fotógrafos BJ Duarte e Theodor Preising
tinham permissão para participar da escolha das fotografias a serem usadas, segundo
depoimento do próprio BJ. O conteúdo da Revista era definido pelos diretores Cassiano
Ricardo e Menotti del Picchia que contribuíam com textos próprios ou traziam material de
autoria de terceiros. O gravador Lívio Abramo tinha a tarefa de executar o projeto gráfico da
S.Paulo a partir do (2) boneco
115
, criado em conjunto com os diretores, que definia as base
para a produção da matriz de impressão e, portanto, para a forma final do exemplar da
Revista. A S.Paulo possui, como padrão, 6 folhas impressas em frente e verso que, ao
112 As máquinas rotativas de Marinoni e de Jules Derry foram lançadas em 1867 na Exposição Universal de
Paris. Nas duas primeiras décadas do século XX, periódicos como A Gazeta de Notícias utilizavam máquinas
Marinoni. Em 1928 o jornal A Gazeta adquiriu uma máquina rotativa em cores e criou o primeiro suplemento em
rotogravura. (fonte: Abigraf).
113 O valor unitário inicial do exemplar da Revista em São Paulo era $400 réis, abaixo da média no período.
Logo no mês de março o preço subiu para 1$000 réis, valor próximo do custo médio. O preço de venda avulsa
de revistas ilustradas em São Paulo antes da primeira guerra mundial estava em cerca de $500 réis. O aumento
do custo dos papéis e tintas por causa dos conflitos encareceu a produção em quase quatro vezes nos anos
1920. Cf. MARTINS, 2001 e CRUZ, 1997.
114 Processo também chamado de heliogravura rotativa. Foram fontes de informação sobre este processo de
impressão os painéis presentes na exposição Regarder VU, un magazine photographique 1928-1940
(nov.2006 a fev. 2007), Maison Europeénne de la Photography, Paris (material disponibilizado à autora pela profª
Dra. Helouise Costa).
115 Projeto gráfico de uma publicação que define as características (diagramação, encadernação) que deverá ter
o produto final.
80
serem fixadas no meio por dois grampos e dobradas, compõem um caderno de 24
páginas
116
.
As dimensões das (3) ampliações fotográficas eram definidas a partir da produção de
cópias em papel. Estas imagens eram fotografadas para a obtenção dos negativos a serem
retocados e, posteriormente, positivados em folha de filme (fotossensível) para que as
imagens ficassem disponíveis em um suporte transparente e flexível. O texto era tipografado
ou desenhado diretamente sobre a própria folha de filme e invertido ou não, de acordo com
as necessidades da diagramação. Os retoques, as fotomontagens, os desenhos e os textos
eram feitos nesta etapa de montagem das páginas. Todos os elementos gráficos ficavam,
deste modo, à disposição do diagramador em suporte flexível e transparente (folha de filme),
o que facilitava os recortes e as sobreposições.
Baseadas no boneco, (4) as páginas eram montadas sobre um vidro (fotografias,
vinhetas, textos, títulos, legendas). Este conjunto era transferido novamente para uma folha
116 A exceção é o exemplar 10, composto por 9 folhas, o que resulta um caderno de 36 páginas.
Figura 11. A diagramação do editorial e a fotomontagem da página à direita foram possíveis devido à flexibilidade
da técnica de impressão, S.Paulo n.3, p.2-3. Acervo: IEB/USP.
81
de filme em uma mesa de luz, retocado e, assim, cada página era composta de forma
independente. Diferente dos processos manuais usados até o início do século XX, como a
xilogravura, a litogravura e a água-forte, que obrigatoriamente dependiam da transcrição da
imagem pelas mãos de um desenhista, a rotogravura utiliza o processo fotográfico na
transferência da imagem. Este último permite a manutenção da gradação tonal das
fotografias na impressão final a partir da variação da densidade de tinta.
Para o preparo do cilindro de impressão era necessário transferir a montagem em
filme para um suporte intermediário. Primeiro, (5) uma folha de papel pigmentado com uma
camada de gelatina fotossensível era exposta à luz sob uma superfície reticulada
(quadriculado opaco sepados por linhas transparentes) própria para este tipo de trabalho.
Isto criava uma trama de retículas regulares na gelatina. (6) O filme com a montagem da
página era colocado sobre a mesma folha de papel pigmentado na mesa de luz. Após a
exposição, a gelatina fotossensibilizada endurecia, tornando-se indissolúvel e as partes que
recebiam mais luz ficavam mais protegidas. (7) O papel pigmentado era então aplicado
sobre o cilindro de cobre polido da máquina rotativa. A gelatina fotossensibilizada era
transferida do papel para o cilindro. As partes da gelatina não expostas à luz, solúveis, eram
retiradas por meio de uma (8) lavagem com água morna. O restante da gelatina (endurecida
pela exposição à luz) criava uma película protetora no metal, que recebia (9) um banho de
percloreto de ferro. A gravação do cilindro da máquina rotativa dava-se por corrosão ácida
das partes não protegidas pela película de gelatina formando pequenos sulcos na superfície
de cobre. Após esta gravação (10) o cilíndro era instalado na máquina rotativa e estava
pronto para rodar as cópias. As rotativas utilizavam papel em bobina que, durante a
impressão, ficava pressionado entre o cilíndro de cobre (com a gravação) e um outro, de
borracha. A tinta de impressão era pouco densa, ficava retida nos sulcos do cilindro gravado
e era tranferida daí para o papel durante a impressão. Cada página montada exigia a
repetição de todo este processo. Para uma tiragem em frente e verso era necessário um
cilindro para cada lado da página, o papel saía do primeiro e passava por um sistema de
82
secagem por aquecimento para em seguida entrar no segundo. A secagem rápida era uma
das características da rotogravura que permitia a produção de impressões em larga escala.
As páginas eram cortadas, montadas, grampeadas e dobradas para a distribuição. Os
cilindros de cobre gravados podiam ser polidos e reutilizados após a impressão
117
.
A alternância entre positivo e negativo de uma imagem, ou de um texto, surgia
durante todo o processo da rotogravura, primeiro com a própria fotografia e depois nas
transferências de suporte das páginas diagramadas até chegar à impressão final. A
constância na revista S.Paulo do texto em negativo, ou seja, tipo branco sobre fundo escuro,
e algumas fotografias em negativo, demonstram o domínio de Lívio Abramo sobre a técnica.
A flexibilidade da montagem possibilitada pelo uso da folha de filme e da mesa de luz dava
liberdade de trabalho à Abramo. O processo de gravação do cilindro era um procedimento
delicado e determinava a qualidade da impressão final.
A S.Paulo era impressa em máquina rotativa nas oficinas da Graphicars Romiti e
Lanzara e o levantamento realizado para este estudo mostrou que a máquina fora adquirida
exclusivamente para a Revista
118
. O grande formato da S.Paulo privilegiava as ampliações
fotográficas e a criação de seu discurso visual era condizente com a escolha da técnica de
impressão em rotogravura.
3.2.2 Fotografia e revista ilustrada
Como vimos, a S.Paulo não é uma revista de propaganda política, mas uma revista
com implicações políticas. A imprensa ilustrada brasileira tem na S.Paulo uma experiência
única no período. Nela fundiu-se o tradicional e o moderno num formato de revista em que a
fotografia foi usada como estrutura das reportagens e cujos textos eram mínimos. Os temas
117 A rotogravura é usada ainda hoje para a obtenção de impressões de boa qualidade, em grande escala e em
diferentes tipos de superfícies. O processo sofreu algumas mudanças como, por exemplo, a gravação do cilindro
de forma mecânica (com ponta de diamante) ou a laser. Fonte: Informações compiladas de sites comerciais de
empresas que produzem itens relacionados à rotogravura ou utilizam este processo de impressão atualmente,
como fabricantes de tinta e embalagens.
118 Cf. APÊNDICE C desta dissertação.
83
paulistas e a ideologia da marcha foram incorporados à diagramação da S.Paulo,
transpostos em imagens fotográficas. A Revista é fruto da crescente importância da imagem
na comunicação, do desenvolvimento técnico da fotografia e da imprensa ilustrada e das
propostas estéticas dos anos 1920 e 1930, que surgiram, principalmente na Europa, URSS
e Estados Unidos e eram conhecidas no Brasil. O entusiasmo com a fotografia pode ser
notado nos relatos sobre a S.Paulo. Para Helio Lobo, da Academia Brasileira de Letras,
fotografar significava fazer uma descrição fiel do objeto. Deste modo, elogiou a Revista
como um espelho, que refletia o próprio desenvolvimento material do estado.
São Paulo é a flor da civilização brasileira. Pela sua expressão espiritual e
material, compara-se com vantagem a muitas nações estrangeiras. Na
actividade industrial, por exemplo, nenhum paíz latino-americano a eguala;
[...] Faltava, porém, ao Estado um orgão que fotografasse para os outros e
para o exterior essa admiravel actividade. São Paulo disso se incumbe
cabalmente: na escolha e apresentação dos assuntos, na reprodução
fotografica, nos quadros e diagramas, em tudo colocando o retratista á
altura do retratado (grifo do autor)
119
.
Este depoimento segue a linha de pensamento da Revista, expressa no seu primeiro
editorial, no qual as imagens eram vistas como reflexo da realidade
120
. Este posicionamento
baseava-se na fidelidade aparente da fotografia. A redação via a S.Paulo como um mensário
documental e a imagem fotográfica era a garantia do seu valor testemunhal. Segundo o
raciocínio da direção, do mesmo modo que uma fotografia pode ser reproduzida sem que
seja considerada uma falsificação, a documentação fotográfica de objetos do mundo é uma
reprodução técnica da qual também não se questiona a autenticidade
121
. A redação da
Revista visava estabelecer ligações com a modernidade a partir do uso da fotografia, ela
também produto de uma máquina.
Diferentemente da fotografia de estilo documental dos anos 1930, cujos defensores
não admitiam intervenções do fotógrafo na imagem para além do seu olhar apurado
122
, para
a redação da S.Paulo, reconstruir uma cena com fragmentos fotográficos justapostos não
119 S.Paulo n. 9, p.02.
120 S.Paulo n. 1, p.02.
121 Cf. BENJAMIN, 1987. p. 165-196.
122 Cf. LUGON, 2001. 400p.
84
comprometia o valor documental da imagem. Aponto a filiação da redação a uma visão
positivista, para a qual a credibilidade testemunhal da fotografia é creditada à sua
objetividade. Por este ponto de vista, a realidade, fragmentada na documentação
fotográfica, poderia ser remontada para a reconstituição histórica. Ressalto que a crença na
fidedignidade da aparência realista da fotografia é um engano. Ela é uma fonte de
conhecimento, sem dúvida, mas que registra e mostra, sempre, apenas um aspecto, um
fragmento, de uma realidade passada (KOSSOY, 1989, p. 72).
Da fotografia, ainda hoje, são comumente cobrados valores de verdade e de
testemunho, mesmo que sejam cotidianas e familiares as formas de intervenção na imagem.
Todo tipo de fotografia implica uma elaboração
123
. A categoria de fonte fotográfica, definida
pelo pesquisador Boris Kossoy, formada por fotografias impressas e publicadas, como é o
caso na S.Paulo, tem como uma das chaves de entendimento a pós-produção
124
. A
fotografia que chega até um receptor passou por pelo menos um filtro cultural - o fotógrafo.
Ainda que não seja de modo intencional e controlado, e independente do desenvolvimento
técnico, o fotógrafo sempre manipula seus temas de alguma forma: técnica, estética ou
ideologicamente. (KOSSOY, 1989, p. 73). A fotografia sempre pôde ser controlada antes ou
depois da tomada e na sua articulação com outros elementos. A fotografia de imprensa
agrega vários filtros, entre eles, o veículo no qual está impressa e o texto que a acompanha.
Procuro compreender a mensagem da S.Paulo considerando as relações entre os diversos
aspectos de uma publicação. A revista ilustrada era uma das formas mais eficazes para
mostrar o progresso do estado de São Paulo e propagar mensagens numa sociedade sem
tradição de leitura. A imagem mostrou-se mais eficiente que a letra e a fotografia
potencializou a difusão das informações.
A fim de entender a relação entre revista ilustrada e fotografia na década de 1930,
buscarei o aporte crítico de dois pensadores alemães, Siegfried Kracauer (1889-1966) e
123 Cf. BARTHES, 1995. p.385-392.
124 Cf. KOSSOY, 2000. p.54.
85
Bertolt Brecht (1898-1956). A sociedade alemã viveu, nos anos 1920, um período de grande
efervescência cultural e artística. A imprensa ilustrada e a imagem fotográfica tiveram papel
essencial neste processo
125
. Sem a intenção de criar um paralelo direto ou tomar a
publicação paulista como cópia de modelos estrangeiros, considero que a produção cultural
da Alemanha deste período teve grande repercussão mundial na década seguinte. Ambos
os pensadores observaram comportamentos da sociedade num momento em que havia, por
parte de alguns setores sociais, uma crença na imagem fotográfica como arma contra a
intelectualização e mecanização do espírito
126
.
Não foi por acaso que ao escrever um texto sobre fotografia, em 1927, Kracauer
ressaltou o seu uso feito pelas revistas ilustradas. Ao tratar da fotografia ele fez uma crítica
da sociedade em que vivia
127
. O crítico referiu-se ao gênero de revistas ilustradas de
variedades, que se difundia entre uma ampla gama de leitores. Nomeou de "greve de
conhecimento" a reação advinda do consumo de revistas de colunismo social, em que o
público via o mundo por intermédio das imagens e perdia a capacidade de percepção, de
fato, da realidade. O autor criticou a sedimentação de uma postura passiva diante da
imagem, em que o leitor não sente a necessidade de compreender as justaposições de
conhecimentos que a envolvem. Esta postura em relação a uma revista de propaganda
política tinha comprometimentos sociais mais graves. Diante de uma sociedade que cada
vez mais experimentava o mundo por meio de reproduções fotográficas difundidas em
massa, Kracauer podia afirmar que “[...] nunca houve uma época tão bem informada sobre
125 O fotojornalismo e as revistas ilustradas, no sentido moderno, tiveram início na Alemanha, com o
aparecimento de revistas como Berliner Illustrierte Zeitung e Münchner Illustrierte Presse nas grandes cidades do
país. Este modelo espalhou-se pelo mundo; a revista francesa VU (1928), a brasileira O Cruzeiro (1928) e a
americana Life (1936) são exemplos de publicações que tiveram grande desempenho junto ao público leitor. O
Cruzeiro, do conglomerado Diários Associados do empreendedor Assis Chateubriand (1892-1968), é
considerada uma das principais publicações ilustradas do século XX no Brasil. Ela foi lançada em 10 de
novembro de 1928, mas somente a partir de 1943 foram adotadas inovações formais em sua concepção. A
presença do fotógrafo de origem francesa Jean Manzon (1915-1990) marca a renovação do fotojornalismo do
periódico, que repercutiu amplamente na imprensa nacional, com a adoção de características formais de estética
moderna. A transcrição do editorial de apresentação de O Cruzeiro está disponível em:
<http://memoriaviva.digi.com.br/ocruzeiro/> Acesso em: 13 de julho de 2007. Cf. COSTA, 1999.
126 Esta defesa da cultura visual, em detrimento da leitura, tinha entre seus divulgadores artistas como
Johannes Molzahn (1892-1965) e Lászlo Moholy-Nagy (1895-1946).
127 KRACAUER, Siegfried. A fotografia. Originalmente publicado na Frankfurter Zeitung, em 28 de outubro de
1927. Este texto foi consultado pela autora a partir da tradução do original em alemão por Carlos Eduardo Jordão
Machado. A ser editado em Ornamento da massa pela Cosac Naify, 2008.
86
si mesma”, ao mesmo tempo que, “[...] nunca uma época foi tão pouco informada de si
mesma”, sem que uma afirmação anulasse a outra. As experiências realizavam-se por meio
das reproduções do mundo, colecionáveis em miniaturas fotográficas, que satisfaziam a
necessidade de consumo da sociedade
128
. Adquiria-se a um tempo o objeto, que é a
própria fotografia, e, simbolicamente, aquilo que nele estava representado.
Nos anos 1920 e 1930, por meio da propaganda, eram bastante evidentes as
relações entre imprensa, poder e imagem. Nas experiências mundiais, em regimes
autoritários ou democráticos, viu-se que uma das medidas primordiais para a manutenção
do poder do Estado era o controle dos meios de comunicação e das formas de expressão
artística, através da censura prévia e/ou de programas doutrinadores. Em situações
extremas, como nos períodos de guerra, há, normalmente, um grande desenvolvimento
tecnológico da sociedade e este passa a ser o parâmetro que rege as mentalidades.
A experiência do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht com fotografias de
imprensa e sua vivência na Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial o levaram a
criar uma "cartilha de guerra" (Kriegsfibel)
129
. O seu intuito era ensinar as massas a ver
fotografias de imprensa e discernir, além de seus elementos iconográficos, seu conteúdo,
por meio da interpretação. O autor nomeou “foto-epigrama” uma fotografia recortada de
jornal ou revista legendada com quatro linhas de versos. Ele organizou um conjunto de “foto-
epigramas” durante o exílio na península da Escandinávia e nos Estados Unidos, no período
da Segunda Guerra Mundial. O autor deu ao epigrama grego uma nova funcionalidade ao
combiná-lo com a moderna fotografia de imprensa
130
. Dois fenômenos ocorridos nos anos
1920 serviram de estímulo para Brecht reunir este material: a proliferação de monumentos
relacionados à Primeira Guerra Mundial, recém-terminada, e o rápido desenvolvimento dos
128 Cf. SONTAG, 2004, p. 167-196.
129 A edição em língua alemã foi publicada na República Democrática Alemã um ano antes da morte do autor e
a primeira edição inglesa surgiu somente em 1998. BRECHT, Bertolt. Kriegsfibel. Berlin: Eulenspiegel Verlag,
1955 (editado por Ruth Berlau 1904-1974) e BRECHT, Bertolt. War Primer. London: Libris, 1998.
130 Entre os antigos gregos epigrama era qualquer inscrição, em prosa ou verso, colocada em monumentos,
estátuas, moedas etc., dedicada à lembrança de um evento memorável, uma vida exemplar, etc. Na literatura é
uma composição poética, breve e satírica, que expressa, de forma incisiva, um pensamento ou um conceito
malicioso; sátira. Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
87
meios de comunicação de massa, ambos ligados à construção da memória.
A cartilha de Brecht remete-se ao universo de aprendizagem infantil e possui a
função didática de alfabetização visual de adultos. O autor objetivava incentivar uma leitura
crítica do mundo a partir de material fotográfico familiar à sociedade, mais especificamente
fotografia de imprensa de massa. O primeiro “foto-epigrama” feito por Brecht é de 1931 e fez
parte de uma mensagem comemorativa do aniversário da revista ilustrada Arbeiter
Illustrierte Zeitung (AIZ) (EVANS, 2003, s/p). Brecht reconhecia que independentemente dos
conflitos militares, haviam disputas de interesses na imprensa, para quem as pudesse
perceber.
A preferência pela fotografia na propaganda deve-se à ampla gama de receptores
que ela atinge por duas razões principais: a primeira está ligada ao conhecimento do código
lingüístico, que é limitado para analfabetos e estrangeiros, e a segunda relaciona-se à
menor resistência sofrida pela imagem. Neste último caso, elementos como qualidade
técnica, formato e textura podem envolver o leitor criando sutilezas no conteúdo da
mensagem transmitida que, numa leitura acrítica, podem ser priorizados. Diante destas
considerações fica claro que é preciso aprender a ver imagens e a considerá-las em suas
especificidades.
3.2.3 A fotomontagem
A S.Paulo possui um projeto gráfico que inclui a fotomontagem, mas não se resume
a ela. Considero, contudo, que a presença da fotomontagem na Revista deve ser abordada
com particular atenção devido à ausência da fotografia enquanto manifestação estética
moderna no Brasil até fins dos anos 1940. A proposta da S.Paulo constitui uma das poucas
e pontuais manifestações anteriores a esse período (KOSSOY, 2004, p.446-447). O diretor
Cassiano Ricardo atribuía caráter artístico e moderno à revista S.Paulo graças às
fotomontagens de Lívio Abramo (1970, p. 69). O escritor a entendia como o elemento
88
diferencial da Revista
131
. Cabe aqui retomar aspectos da fotomontagem dadaísta e
construtivista. Ressalto que os membros da redação tinham conhecimento dessas
manifestações artísticas estrangeiras. Isto pode ser averiguado nos depoimentos por eles
deixados, nas suas próprias produções artísticas e/ou culturais e nas experiências que
tiveram nos períodos de formação pessoal
132
. Destaco também que, apesar das referências
estrangeiras, as práticas histórico-sociais locais foram determinantes nas formulações
estéticas e ideológicas resultantes.
A fotomontagem recebeu especial atenção por parte dos artistas dadaístas,
futuristas, surrealistas e construtivistas. Dentre os dadaístas destaca-se, por sua
característica política, o grupo de Berlim, representado por John Heartfield (1891-1968),
Hannah Höch (1889-1978) e Raoul Hausmann (1886-1971). O termo fotomontagem foi
cunhado por este grupo, cuja idéia do artista foto-montador foi baseada no trabalho operário
na linha de montagem industrial, o que enquadra bem a fotomontagem no universo da
máquina e da arte. O termo surgiu na segunda metade da década de 1910 e diferencia-se
da colagem cubista pelo uso da fotografia na formação estrutural da composição. A
fotomontagem vincula-se à idéia de construção e o artista que se dedica a ela é comparado
a um engenheiro, um montador
133
. A fotomontagem de função político-ideológica tem na
figura de Heartfield um de seus principais adeptos. Ele a empregou como instrumento de
contra-propaganda nazista na Alemanha, a partir dos anos 20. Suas fotomontagens de
sátira à política alemã foram apresentadas nas edições da revista Arbeiter Illustrierte Zeitung
(AIZ) entre 1930 e 1938 e em periódicos como: Der Knuppel (semanário satírico do Partido
Comunista Alemão) e Die Rote Fahne. Como parte integrante da imagem, Heartfield
publicava frases ácidas de crítica à sociedade alemã e ao nazismo. Sempre que expunha
suas fotomontagens fazia questão de incluir um exemplar da revista na mostra para deixar
131 Em pelo menos dois poemas, um de 1956 e outro de 1971, Cassiano Ricardo usou o termo fotomontagem
como título. Cf. ANEXO C desta dissertação.
132 Cf. item 1.2 desta dissertação.
133 Na Feira Internacional Dadá de maio de 1920 o termo fotomontagem não era muito comum. A primeira
grande exposição de fotomontagem foi celebrada em Berlim em 1931.
89
claro que não eram obras únicas e que foram feitas para o grande público com a função de
propaganda política. Foi este mesmo artista que, ao passar uma temporada em Moscou,
modificou o tratamento gráfico da revista SSSR na stroike (URSS em construção), levando-o
a uma estética mais arrojada. Segundo a pesquisadora Erika Wolf, Heartfield foi responsável
pela edição da SSSR
134
de dezembro de 1931, que é um marco na estrutura gráfica da
revista
135
. O artista utilizou uma impactante fotomontagem na capa e empregou uma
organização que integrava efetivamente texto e imagem internamente. A partir desta edição,
sobre a indústria soviética do petróleo, a disposição dos elementos visuais da SSSR tornou-
se mais sofisticada. Do ponto de vista das imagens e da diagramação o período de maior
interesse da SSSR vai até 1936, quando o editor chefe G. L. Piatacov foi substituído por V. I.
Mezhlauk, que transferiu a responsabilidade para A. V. Kosarev no verão de 1937
136
.
A relação da vanguarda russa com a propaganda do governo soviético, na discussão
particular da fotomontagem, pode ser destacada a partir de alguns artistas representativos:
Gustav Klutsis (1895-1944), Aleksander Rodchenko (1891-1956), Varvara Stepanova, El
Lissitzky (1890-1941) e Sophie Küppers (1891-19??). A idéia de construção de um novo
mundo, em vigor depois da Revolução de 1917, marcou a produção artística russa. Os
conflitos sociais e políticos da década de 1920, tanto na Alemanha quanto na URSS,
possibilitaram o avanço de reflexões teórico-práticas para além das artes plásticas.
As invenções cubistas criaram uma nova racionalidade estética, que deixa à mostra
o processo de trabalho, da qual emergiu o construtivismo. O termo construtivismo é muitas
vezes aplicado de maneira ampla. A palavra foi provavelmente usada pela primeira vez pelo
artista Vladimir Tatlin (1885-1953) em 1913 para designar suas construções para canto de
parede. É aplicado para pintura ou escultura e, no geral, para obras geométricas e não
miméticas. O artista Naum Gabo (1890-1977), diante do problema de definição do termo,
134 Forma abreviada do nome da revista SSSR na stroike que será adotado no desenvolvimento do texto a partir
deste momento.
135 Cf. ÖSTERLUND, 2006 (Suécia). (Catálogo de exposição) s/ paginação.
136 Ibid. s/ paginação.
90
usou outro mais genérico, construtivo, para designar sua produção dos anos 1910.
Aleksander Rodchenko usou o termo não-figurativo para designar uma série de desenhos
feitos exclusivamente com régua e compasso (não havia traços à mão livre). Este termo foi
posteriormente aplicado pelo artista Kazimir Malevich (1878-1935) referindo-se a suas
pinturas planas de quadrados, retângulos e cruzes. controvérsias em relação ao uso do
termo construtivismo por artistas, estudiosos e críticos; o que em comum entre os
construtivistas é sua atuação social
137
. Os artistas da vanguarda revolucionária dividiram-se
em correntes distintas nas quais permaneceram três preceitos fundamentais do
construtivismo russo: dar nova finalidade à arte, que deve ser interessada e não
contemplativa; ter responsabilidade prática e político-ética na reconstrução da vida cotidiana
e eliminar a arte contemplativa, metafísica (ALBERA, 2002, p. 18).
Os primeiros contatos de Rodchenko com a fotografia ocorreram nos anos 1920,
quando ilustrou o poema Pro Eto (1923), de Vladimir Maiakovski (1893-1930). Rodchenko
optou pela imagem técnica, a partir de meados da década de 1920, pois ela era, ao mesmo
tempo, realista e moderna. Baseado na idéia de novo mundo e de novo homem, ligada à
revolução, ele adotou o conceito de estranhamento, extraído do teórico e literário Viktor
Shklovsky (1893-1984). Rodchenko buscava mostrar uma nova visão de mundo por meio de
suas fotografias tomadas de ângulos não convencionais. A proposta era reeducar o olhar e
permitir ao observador construir o seu próprio modo de ver pela experiência de tornar
familiar o não familiar. Sua visão era política; o experimentalismo seria admissível se a
serviço das massas. Nos anos 1930 Rodchenko deixou de lado a fragmentação das
primeiras experiências e estruturou suas fotomontagens “a partir da combinação de
fotografias ou conjuntos de fotografias individuais.” (FABRIS, 2005, p.113). Esta nova
modalidade de composição o aproximou cada vez mais das diretrizes oficiais do governo de
Joseph Stálin (1878-1953).
Assim como Rodchenko, El Lissitzky concebia a arte como propaganda. Sua postura
137 Cf. ALBERA, 2002. p. 165-167.
91
é clara no Pavilhão Soviético da Exposição Internacional da Imprensa e da Editoria - A
tarefa da imprensa é a educação das massas, montado em Colônia, 1928, onde, em
colaboração de Sergei Senkin, Lissitzky produziu um efeito dinâmico no conjunto das
imagens pela justaposição de fotografias tomadas de diferentes ângulos e close-ups.
(FABRIS, 2005, p.114).
Gustav Klutsis também aderiu à propaganda, o que é evidente em sua produção de
cartazes nos anos 1920. Ele estabeleceu a existência de duas correntes de fotomontagem:
uma formal, praticada pela publicidade norte-americana, pelos dadaístas e expressionistas e
outra militante e política, exclusiva da União Soviética (FABRIS, 2005, 100). Klutsis, na
revista Lef n.4, de 1924, baseado na precisão e no caráter documental da fotografia,
defendeu o uso da combinação de fragmentos fotográficos, que causam maior impacto
sobre o espectador, em substituição às composições que utilizam desenhos (apud
TUPITSYN, 1991, p.45). Klutsis identificou distinções entre uma fotomontagem
comprometida com o novo mundo socialista e o método de fotomontagem mais formal,
como o usado pela publicidade. A seção Foto do grupo Outubro, fundado em 1928,
propunha a definição de um novo meio de representação situado entre a fotografia abstrata,
experimentada no ocidente por artistas como Moholy-Nagy, e o naturalismo, de grupos
soviéticos. Klutsis definiu este novo meio como sendo a fotomontagem. O Estado soviético,
para assegurar-se como intermediário exclusivo entre as artes e a massa, pôs fim em 1932,
por decreto oficial, a todos os grupos de artistas, teóricos e literários e criou uma estética
oficial. A partir daí as fotomontagens de Klutsis também passaram por uma “normalização” e
perderam o dinamismo (FABRIS, 2005, p.115).
Em 1936, o teórico Sergei Tretiacov assinalou que uma fotomontagem não tem que
ser necessariamente uma montagem de fotografias. Tendo como referência John Heartfield,
ele afirmou que uma fotomontagem pode ser foto e texto, foto e cor, foto e desenho (apud
ADES, 2002, p.16). Para ele, o que importava não era o procedimento técnico em si, mas o
92
processo que transformava o sentido original da imagem. Neste estudo, adotarei o termo
fotomontagem para referir-me às montagens fotográficas que criam uma nova imagem,
diferente da fotografia isolada. Para efeito de análise, evito a concepção de Tretiacov, mais
genérica. O uso moderno da fotografia na S.Paulo vai além da fotomontagem e inclui todo o
projeto de diagramação aplicado na Revista. A utilização da montagem de fragmentos
fotográficos e da justaposição de fotografias e textos na construção das reportagens foi
assumida como principal solução gráfica da S.Paulo.
A fotomontagem na Revista recria a espacialidade das fotografias isoladas; às vezes
surpreende na forma mas não é revolucionária ou subversiva no conteúdo. Observo que são
raras as composições que utilizam a fotomontagem no sentido radical de desmembramento
ou de descontinuidade na criação efetiva de uma espacialidade não perspéctica. A
reportagem Carnaval Paulista de 1936
138
é um dos poucos casos em que a fotomontagem
mostra múltiplos acontecimentos de modo simultâneo formando uma imagem nas duas
138 S.Paulo, n.3, p.10-11.
Figura 12. Reportagem Carnaval Paulista de 1936, S.Paulo n.3, p.10-11. Fotomontagem de página dupla.
Acervo: IEB/USP.
93
páginas como um todo . A visualidade criada para a festa transformou-a num espetáculo
grandioso no qual proliferaram foliões e luzes.
Na S.Paulo, normalmente a fotomontagem é aplicada para enfatizar uma informação
ou engrandecer um aspecto existente na fotografia, como em A cultura de arroz em S.
Paulo
139
. Na lateral esquerda da reportagem uma fotomontagem mostra a lavoura por meio
da junção de fragmentos de diferentes fotografias. À direita, outra fotomontagem apresenta
o trabalho na plantação por meio da repetição da imagem de um mesmo lavrador, com
tomadas fotográficas em seqüência com uma pequena mudança de ângulo. As
fotomontagens criam uma síntese do trabalho
na lavoura de arroz que enfatiza mais o
aspecto quantitativo que qualitativo da mão-de-
obra empregada.
Também são comuns montagens que
apenas acrescentam elementos à composição
ou modificam uma de suas características,
como ocorre em Escoteiros Paulistas, no qual a
imagem de um garoto foi deslocada para um
fundo diferente da fotografia isolada sem
proporcionar uma ruptura na leitura da
mensagem
140
. O mesmo aconteceu em O
canto da raça
141
, em que uma fotografia da
mesma seqüência havia aparecido na
reportagem 3 casas por hora!, com o fundo
139 S.Paulo, n.7, p.16-17.
140 S.Paulo n.2, p.8.
141 S.Paulo n.6, p.22. Encontrei esta fotografia atribuída a Theodor Preising em uma reportagem sobre o seu
acervo fotográfico, que atualmente encontra-se sob a guarda da família. Esta imagem foi extraída do site
http://veja.abril.uol.com.br/vejasp/150206/memoria.html, com a seguinte legenda: Trabalhadores no topo do
edifíco e o Palácio das Indústrias ao fundo. A reportagem de autoria de Edison Veiga intitula-se Tesouro revelado
- bisneto de fotógrafo alemão recupera 1 500 imagens de São Paulo entre os anos 20 e 40.
Figura 13. Detalhe da reportagem Cafés
Finos, S.Paulo n.6, p.23. Acervo: IEB/USP.
Figura 14. Fotografia de Theodor Preising,
Trabalhadores no topo do edifíco e o Palácio
das Indústrias ao fundo. Fonte: Veja on line.
94
original
142
. Em Cafés Finos
143
, à fotografia da lavoura foi acrescentado, no primeiro plano, um
fragmento de fotografia de ramos de café. Apesar da fotomontagem, a hierarquia de escalas
entre os planos foi mantida e o cafeeiro emoldura a lavoura como um arabesco.
Identifico na S.Paulo a presença da fotomontagem no sentido de construção e de
engenharia em que o humano é aproximado da máquina e a natureza é um elemento
sempre presente. Não na Revista, contudo, exploração do potencial subversivo da
fotomontagem.
3.2.4 O exemplo da revista SSSR na stroike (URSS em construção)
144
Durante o desenvolvimento do estudo da revista S.Paulo ficou claro que seu projeto
não aconteceu de modo isolado. Conforme depoimento de Lourival Fontes (1899-1967), na
época diretor do Departamento Nacional de Propaganda
145
, “'S. Paulo’ é uma revista que
ultrapassa quaesquer outras publicações do genero feitas no Brasil, sendo comparavel
ás publicações editadas no mesmo sentido pela Russia, Italia e Alemanha.”
146
Cassiano
Ricardo (1970, p. 69) também exaltou a S.Paulo em seu livro de memórias:
Revista espetacular [...] pra divulgação dos empreendimentos bandeirantes,
com informações escritas em três línguas, espiaçava a atenção de quem
quer que fôsse. Remetida para o estrangeiro, causou sensação, talvez
superior à revista do mesmo tipo publicada na Rússia
147
.
142 S.Paulo n.1, p.8.
143 S.Paulo n.6, p.23.
144 Parte significativa do material sobre a revista SSSR na stroike foi cedida à autora pela pesquisadora Ph.D.
Erika Wolf (docente da Universidade de Otago, Nova Zelândia). Cf. APÊNDICE D desta dissertação.
145 Lourival Fontes participava de publicações e associações de tendência fascista desde 1931. Suas idéias
tinham orientação integralista, mas ele negava a liderança de Plínio Salgado. Fontes ocupou vários cargos
oficiais e, após a Revolução de 1930, foi nomeado diretor do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DPDC), que passou a chamar-se Departamento Nacional de Propaganda (DNP), em 1935. Após o golpe de
estado de 1937 o DNP mudou de nome para Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), com Fontes na
direção. Cf. SOUZA, 2003. 230 p.
146 S.Paulo, n.06, p.2.
147 Cassiano Ricardo se equivoca ao citar as três línguas. O poeta deve ter se confundido ao comparar a
S.Paulo com a revista ‘URSS em construção’, que circulava em três idiomas além do russo (francês, inglês e
alemão e, a partir de 1938, também em espanhol). Todos os exemplares consultados da revista S.Paulo
apresentam nas reportagens no máximo dois idiomas, inglês e português. apenas, entre os depoimentos de
leitores, uma transcrição em francês e outra em espanhol, o que não justifica a afirmação de Ricardo.
95
Paulo Duarte afirmou que a revista S.Paulo era imitação de uma publicação russa chamada
URSS. A S.Paulo, nas palavras dele,
está bem feita, com excelentes fotografias do Benito [BJ Duarte], mas não é
original, uma imitação de uma revista que eu conheci muito bem, publicada
em Moscou, propaganda das realizações comunistas. [...]. Formato grande,
fotografias espetaculares, dava até vontade da gente ir para a Rússia. Pois
a revista S.Paulo talvez seja capaz de dar vontade de vir para o Brasil,
sendo paráfrase da outra (DUARTE, 1976b, p. 141).
Baseada nestes depoimentos, concluo que seus autores referem-se a revistas de
propaganda político-ideológica que circulavam em diferentes países na década de 1930. A
idealização da S.Paulo seguiu este padrão de publicação.
Verifiquei que Paulo Duarte tinha em sua coleção particular dois exemplares da
edição francesa da revista SSSR na stroike (URSS em construção, 1930-1941 e 1949)
148
. A
partir do confronto entre as características da S.Paulo e as da SSSR posso afirmar que elas
têm muitos aspectos comuns e, por isso, aponto a revista russa como principal modelo para
a publicação paulista.
A aparente contradição que poderia ser gerada pela aproximação da S.Paulo, que
alinhava-se a correntes ideológicas de filiações fascistas, à revista SSSR na stroike,
publicação de uma elite stalinista, desfaz-se em meio aos intercâmbios entre os regimes de
propensões totalitárias que se estabeleceram na década de 1930. O pesquisador Alcir
Lenharo notou que os regimes fascistas, não necessariamente identificados entre si, como o
nazismo e o stalinismo, intercambiavam fórmulas e experiências que visavam resolver
definitivamente as tensões sociais, “redimindo da exploração as populações trabalhadoras”
(1986, p. 13). Em termos de dominação social, de um lugar a outro não variação
significatica; o que muda são as formas que possibiltam esta dominação.
A S.Paulo foi criada quando a SSSR estava com seu projeto gráfico amadurecido
e as revistas ilustradas em geral passavam por um momento de grande desenvolvimento
técnico e estético. O caráter moderno do tratamento gráfico da Revista é um dos fatores que
148 Revistas consultadas no Fundo Paulo Duarte no Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulálio”
(CEDAE), da Unicamp.
96
me permite identificar a relação que se estabelece entre ela e a SSSR na stroike. Alguns
aspectos formais coincidentes podem ser observados nas duas revistas, ainda que
pontualmente, devido ao acesso restrito que tive a exemplares da SSSR. O círculo, por
exemplo, é um elemento gráfico aplicado em caixas de texto e no recorte de algumas
imagens.
O formato das revistas é muito
semelhante - elas possuem
praticamente o mesmo
tamanho -, o tipo de papel e a
coloração são parecidos e
ambas foram impressas pelo
processo de rotogravura. Nas
duas revistas grandes
ampliações fotográficas,
fotomontagens, reportagens
de páginas duplas,
suplementos desdobráveis e os textos limitam-se a legendas, títulos e pequenos artigos.
No primeiro editorial de apresentação da revista S.Paulo a redação remete-se a
questões semelhantes àquelas abordadas pelos editores da SSSR, no que se refere à
fotografia
149
. Em ambos, a imagem foi apontada como possuidora de qualidades como
fidelidade ao objeto real, testemunho fiel da realidade e compromisso com a verdade. A
fotografia foi adotada como imagem documental, cuja característica técnica a torna
acessível a um amplo público leitor.
As versões da SSSR em inglês, francês e alemão, além do russo, apontam o
direcionamento da revista para leitores estrangeiros. Inspirados pelo internacionalismo da
SSSR, os diretores da S.Paulo buscaram torná-la uma revista de circulação internacional. A
149 Cf. sobre o editorial da SSSR na stroike, n.1, dezembro de 1929 (edição russa) In: APÊNDICE D Revista
SSSR na stroike (URSS em construção).
Figura 15. À esq. reportagem O corajoso paraquedista soviético, SSSR
n. 12, dez. 1935. À dir. o Clube paulista de planadores, S.Paulo n.3,
capa posterior. Em comum a forma circular das caixas de texto.
Fontes:www.schicklerart.com/exhibitions/aleksandr_rodchenko/museum
_series/rod_1/rod_1_3.html e IEB/USP, respectivamente.
97
principal evidência é a publicação de exemplares bilíngües, português e inglês, a partir do
segundo número da Revista. depoimentos de estrangeiros e brasileiros que moravam
fora do país que a receberam, mas não localizei informações sobre uma distribuição regular
da S.Paulo no exterior. Nas edições bilíngues, nem todo conteúdo textual era traduzido para
o inglês, privilegiando-se os gráficos, as legendas e os títulos. Informações estas que
podiam ser facilmente compreendidas mesmo sem conhecimentos específicos. o
conteúdo ligado à ideologia da marcha e outros regionalismos faziam sentido a leitores
iniciados na historiografia paulista.
São comuns às duas revistas referências ao progresso e à modernização, a partir de
temas como construção e industrialização. Encontram-se em ambas fotografias de caráter
moderno, devido principalmente ao ângulo da tomada fotográfica
150
. Uma das principais
diferenças que deve ser pontuada entre elas é o desenvolvimento de exemplares inteiros da
SSSR na stroike dedicados a um único tema, o que não se verifica na S.Paulo. O caráter
oficial da SSSR e a sua função de propaganda sistemática, principalmente nos primeiros
anos, também a diferem da revista paulista.
A SSSR na stroike e a S.Paulo possuem propostas editoriais que assemelham-se.
Em ambas havia controle sobre a forma da mensagem a fim de garantir o seu conteúdo,
estabelecido por demandas sócio-politicas locais. O curto período de circulação da S.Paulo
determinou algumas características do conjunto de exemplares, como a inexistência de
uma identidade visual sistematizada entre as reportagens de um mesmo assunto, a variação
gráfica da página do editorial e da capa, a mudança de periodicidade dos dois últimos
números e o fato de a S.Paulo n.10 apresentar mais páginas que as demais. Estes
elementos indicam que a Revista tinha caráter experimental. A coleção concisa da S.Paulo
permite a análise minuciosa do seu conjunto.
150 Câmera baixa (contre-plongée), câmera alta (plongée), oblíquos e close-up.
98
3.2.5 A revista-cinema
O cronista e ilustrador Belmonte usou o termo revista-cinema para designar a
S.Paulo na época de seu lançamento. Comentou a predominância de revistas de
entretenimento e de cobertura social e esportiva em meados da década de 1930 no Brasil e
mostrou-se entusiasmado com a S.Paulo que, segundo ele, destacava-se entre aquelas
publicações, tanto pelo viés temático, quanto pelo projeto gráfico. Belmonte referiu-se assim
à S.Paulo:
revista-cinema: aquella, que, ao en vez de nos dizer ao ouvido,
infindavelmente, uma longa serie de factos e conhecimentos, erguesse
simplesmente o braço e nos apontasse tudo isso. Nós queriamos “ver para
crer”, isto é queriamos ser homens do nosso século, folheando uma revista
como se estivéssemos assistindo a um filme cinematográfico.
151
Este depoimento inspirou-me a buscar o entendimento das conexões entre a Revista e o
cinema. Belmonte teceu este comentário diante dos primeiros exemplares da S.Paulo. Ele
ressaltou o uso da fotografia na Revista, na qual o texto é complemento das imagens, e não
o inverso. Foi no sentido de testemunho, espelho, do real que o cronista entendeu a
visualidade construída na S.Paulo. A palavra cinema, em sua expressão, seria qualitativo de
documental e moderno. A revista ilustrada e o cinema são formas modernas que foram
usadas como veículos de comunicação privilegiados pela visualidade e, por isso, capazes
de divulgar políticas, ideologias e/ou variedades.
Ao chamar a S.Paulo de revista-cinema, Belmonte aproxima-a das características
dos filmes documentários. Aponto a relação existente entre a temática da S.Paulo e os
filmes-sinfonia produzidos durante os anos 20 e 30. Em Rien que les heures (Nada além das
horas), de Alberto Cavalcanti (França, 1926), que retrata a cidade de Paris, o ritmo e a
velocidade da metrópole são representados por montagens e sobreposições de cenas.
Sobre a cidade de Berlim, o filme Berlim: Sinfonia de uma metrópole, de Walter Ruttman
151 Depoimento transcrito de recorte de jornal (sem identificação e sem data) guardado por BJ Duarte no
caderno de assinaturas de sua exposição individual, de 1931
99
(Alemanha, 1927) também trabalha com elementos representativos da urbanidade moderna.
Outro filme que explora aspectos do próprio cinema (velocidade, tempo e espaço)
sobrepostos às imagens da cidade é O homem com a câmera, de Dziga Vertov (URSS,
1929), que se passa na cidade de Moscou. Vertov, ao lado de outros artistas empenhados
na causa revolucionária russa, trabalhou no projeto Câmera-Olho (URSS, 1924), que tinha
como proposta a produção de uma série de filmes de não-ficção sobre o homem soviético.
Segundo Dawn Ades (1977, p. 17-18), o desenvolvimento da cinematografia
soviética guarda estreito paralelismo com o da fotomontagem:
A utilização nas películas de unidades espaço-temporais dinâmicas, com
rupturas e rápidas intercalações, fazendo comparações e matizações, o uso
alternado de primeiros planos e tomadas diferenciadas, a superposição de
motivos, as duplas exposições e as projeções em telas divididas, tudo isto
tem suas equivalências na fotomontagem. Hausmann descreve a
fotomontagem como uma ‘película estática’. As montagens fotográficas de
Lissitzky para a exposição da Imprensa [Pavilhão Soviético da Exposição
Internacional da Imprensa e da Editoria, Colônia, 1928], por sua
organização do material e por sua estrutura ideológica, são similares às
películas documentais de Vertov.
Em âmbito nacional, o filme São
Paulo, sinfonia da metrópole
(1929), de Adalberto Kemeny e
Rodolfo Rex Lustig, apresenta
afinidades com a S.Paulo,
principalmente nos temas
coincidentes.Este filme não se
enquadra no conceito moderno
de montagem cinematográfica,
visto, por exemplo, no cinema
da vanguarda russa, que utiliza
a montagem como corte, ruptura na continuidade.
na diagramação da S.Paulo referências ao cinema. Na reportagem O ensino
Figura 16. Reproduções do filme São Paulo Sinfonia da metrópole, A.
Kemeny e R. Rex Lustig, 1929. Em sentido horário, cenas do Instituto
Butantã, Penitenciária do Estado, Corpo de Bombeiros e edifício em
construção.
100
profissional em S. Paulo
152
, no centro-esquerdo das páginas, uma
série de fotografias forma uma coluna margeada, de ambos os lados,
por um desenho imitando as perfurações de uma película
cinematográfica. A redação criou neste caso um paralelo explícito
entre o cinema e a Revista. Nos exemplares subseqüentes, mesmo
quando um objeto ou fato é mostrado por uma seqüência fotográfica,
este recurso não é reutilizado. Em Santos
153
, vários aspectos da
cidade foram apresentados lado a lado pela justaposição de imagens
fotográficas numa tira diagonal, na parte inferior das páginas,
dispostas como se formassem uma película de filme. Contudo, a
utilização desta seqüência de fotografias serviu para garantir a
horizontalidade e a continuidade da reportagem, composta em
página dupla, com continuação no verso, mais que para afirmar o
seu paralelo com o cinema.
A S.Paulo poderia ser aproximada de uma estética
cinematográfica pelo uso da montagem. Porém, considerando a sua
complexidade visual, mesmo o realce dado à fotomontagem visava
agregar à Revista valores modernos, tanto técnicos quanto estéticos,
em evidência nos anos 1930. O uso da montagem tinha objetivos
mais abrangentes como criar uma visualidade moderna para o estado de São Paulo em
pleno processo de modernização.
A relação espacial e temporal na revista S.Paulo vai muito além de uma filiação com
o cinema e passa pela abordagem de seu conteúdo ideológico. O grupo Verde-Amarelo
pautava-se pela visão de um nacionalismo ligado às tradições bandeirantes deslocando-as
no fluxo temporal. As tradições eram consideradas estáticas, o tempo histórico era
idealizado e a percepção dos acontecimentos do passado e do presente, por este grupo,
152 S.Paulo n.1, p. 18-19.
153 S.Paulo n. 4, p. 11a-11b.
Figura 17. Detalhe da
reportagem O ensino
profissional em S.Paulo,
S.Paulo n.1, p.18.
Desenho imita os furos
de uma película. Acervo:
IEB/USP.
101
privilegiavam o aspecto espacial, ou seja, a configuração geográfica de São Paulo
(VELLOSO, 1993, p. 99). A fotografia na Revista tinha a função de mostrar a materialidade
do desenvolvimento econômico do estado.
Considero que existem soluções estéticas na S.Paulo que possibilitam relacioná-la
ao cinema, mas analiso a fotografia a partir de peculiaridades que a diferem de outros
meios, por mais próximos que sejam.
3.3 Os editoriais
154
No editorial do primeiro número a redação
apresentou os objetivos da S.Paulo
155
. A
fotomontagem, usada na capa deste exemplar,
sintetiza as idéias do texto, das quais podemos
destacar expressões como: “Renascença Paulista”,
“trepidante dymnamismo”, “metrópole”, “governo
bandeirante”, “symbolismo heraldico”, “orgão
documental”, “espelho necessario” e “raça de
gigantes”, que irão perpassar a edição deste e dos
demais exemplares. O bandeirante Antonio Raposo Tavares foi resgatado do passado para
promover o renascimento paulista e ao mesmo tempo testemunhá-lo no presente. Sua
imagem paira sobre a cidade de São Paulo, em vista aérea, na qual em primeiro plano
detacam-se perfis de telhados de fábricas acompanhados de suas chaminés fumegantes.
Esta fotomontagem representa “um governo bandeirante - isto é, orientado por um alto
sentido moderno, omnipresente na sua assistencia a todas as formas da actividade e
creador na successão das suas iniciativas”, como afirmou a redação
156
.
154 Os textos dos editoriais da Revista podem ser consultados no ANEXO D desta dissertação.
155 Considerei como editoriais os artigos de abertura dos exemplares mesmo que não estejam acompanhados
da assinatura da redação. Justifico esta abordagem devido ao caráter de apresentação dos referidos textos,
cujos conteúdos representam as idéias gerais da publicação.
156 S.Paulo n.1, p.02.
Figura 18. O bandeirante Raposo Tavares
na fotomontagem da capa do primeiro
exemplar da S.Paulo. Acervo: IEB/USP.
102
A aproximação de passado e presente pela junção de fragmentos fotográficos,
objetiva garantir o valor documental da Revista pelo caráter testemunhal da fotografia. A
imagem de Raposo Tavares é uma reprodução fotográfica da estátua do saguão de entrada
do Museu Paulista, cuja iconografia foi criada por Taunay para dar visibilidade à sua própria
produção como historiador
157
. Neste sentido, esta fotografia representa não apenas o objeto
da imagem, a estátua, como também afirma a filiação da redação ao projeto iconográfico do
Museu. A modernização de São Paulo, identificada pela metrópole paulista e sua
industrialização, sustenta a ideologia da marcha. Raposo Tavares, simbolicamente, assiste
do alto de seu heroísmo o resultado de suas conquistas passadas e vislumbra o progresso
futuro. A imagem do bandeirante domina a montagem devido ao seu tamanho, pois na
página ela ocupa cerca de um terço do espaço e na composição ela vai do chão ao céu. O
paulista como sinônimo de bandeirante é um gigante que, “fiel ao seu destino de abrir
caminhos, rasgou audazmente novos rumos na lavoura, no commercio, na industria e no
pensamento”
158
. A redação justapôs nesta fotomontagem elementos da tradição e da
modernidade.
Excetuando-se os exemplares 2 e 5, as páginas dos editoriais são exclusivamente
formadas por textos e jogo compositivo com faixas intercaladamente brancas (cor do papel)
e coloridas (verde ou sépia). Estas marcações remetem-se à bandeira do estado de São
Paulo, listrada de preto e branco, representando os trabalhadores paulistas, que, “fiéis ao
symbolismo heraldico da sua bandeira ‘dia e a noite trabalham pela grandeza do Brasil’”
159
.
Estas listas são aplicadas como elemento gráfico na diagramação da Revista, tanto
horizontal quanto verticalmente, sem perder a carga simbólica. A linha reta como símbolo de
desenvolvimento esteve presente no ideário do grupo Verdamarelo, depois denominado
Anta. O progresso crescente de São Paulo, representado por faixas paralelas, tende ao
infinito. A verticalidade das chaminés e dos arranha-céus possuem um paralelo com as
157 Estátua de autoria do escultor italiano Luigi Brizzolara (1868-1937). Cf. item 2.1.1 desta dissertação.
158 S.Paulo n.1, p.02.
159 S.Paulo n.1, p.02.
103
linhas verticais, que normalmente são sangradas
160
. As listas da bandeira são utilizadas
como solução gráfica em diferentes situações na Revista; muitas vezes elas preenchem
lacunas da diagramação ou criam os elos entre as páginas de uma mesma reportagem.
Se no primeiro exemplar a redação divulgou os objetivos da publicação apenas com
palavras próprias, no segundo, ao texto da redação foi acrescentado um ensaio sobre os
bandeirantes paulistas escrito por Taunay, especialmente para a S.Paulo. As palavras do
“grande historiador que todo o Brasil admira”
161
e o projeto de Victor Brecheret (1894-1955)
para o Monumento das Bandeiras foram usados pela redação para reiterar os valores
ideológicos da Revista. O editorial do segundo exemplar é o único composto por página
dupla: uma fotografia da maquete do Monumento ocupa a metade superior das páginas e na
parte inferior, em três seções, foram publicados o ensaio de Affonso Taunay, um mapa do
Brasil e o texto Bandeiras Paulistas. Neste último, a redação explicou cada uma das partes
desta espécie de reportagem-editorial e demonstrou como as conquistas do governo de
Salles Oliveira eram uma “reaffirmação portentosa do passado”
162
.
A encomenda e a publicação de um texto assinado por Taunay tinha um propósito
claro. Tratava-se de dar à Revista legitimação teórica, histórica e ideológica por sua
aproximação do meio intelectual paulista, representado pelo Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo, pela Academia Paulista de Letras e pelo próprio Museu Paulista. Taunay foi
um dos maiores articuladores da criação do mito do bandeirante como herói nacional e
transformou o bairro do Ipiranga no lugar de excelência do nascimento da nação
163
. O mapa
do Brasil localizado entre o texto de Taunay e o da redação, mostra as fronteiras geográficas
antes e depois das bandeiras. Para intelectuais como Cassiano Ricardo, a configuração
geográfica do país é definidora da brasilidade. Desta forma, o mapa do Brasil garante ao
bandeirante o estatuto de herói nacional e a idéia de fronteira extrapola o territorial,
atingindo os planos cultural, econômico, espiritual e político. Baseados nesta representação
160 O limite da linha coincide com o da página.
161 S.Paulo n.2, p.02.
162 S.Paulo n.2, p.03.
163 Cf. item 2.1.1 desta dissertação.
104
gráfica do país, os verdamarelos definiram seu patriotismo.
A temática do bandeirantismo ligada à produção intelectual de Taunay também
esteve presente no cinema. O filme Caçador de diamantes, de 1933, é marcado pelo uso da
iconografia criada para o Museu Paulista, na riqueza das vestimentas dos personagens,
contrastante com a pobreza de São Paulo do século XVII
164
.
Segundo o pesquisador Antonio Arnoni Prado, a “opulência da terra” e a “vibração
milagrosa” da natureza geraram o compromisso literário com o primitivismo e exaltações
nativistas em escritores como Menotti del Picchia. O conservadorismo dos Verde-Amarelos
reconhecia na fertilidade da terra e na boa condição climática do estado de São Paulo o seu
progresso, como forma de parceria do homem com a natureza. Assim, é no solo paulista,
em primeiro plano na capa do exemplar 2, que
simbolicamente estaria o germe do desenvolvimento
do estado
165
. Dele brotam o arranha-céu (câmera
baixa) e o cafezal (vista aérea), formando diagonais
ascendentes, como fruto do trabalho humano.
A montagem agiganta o trabalhador pelo ângulo da
fotografia (câmera baixa) e por sua posição dominante
na página, mas ela também representa a opulência
econômica do estado e não a individualidade do
lavrador. O homem apenas compõe o grande
contingente de mão-de-obra que a modernização do
164 O filme Os Bandeirantes, de 1940, cujas filmagens foram iniciadas em 1937/1938, foi o primeiro filme
histórico do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), criado em 1936 e oficializado em 1937. O diretor
Humberto Mauro (1897-1983) recebia orientações diretas de Affonso Taunay, cujo esforço intencionava reeditar
no cinema a iconografia do Museu. Taunay aparece trabalhando em seu escritório na cena de abertura do filme
como forma de autenticação do seu conteúdo, marcado por sua produção historiográfica. O filme foi um fracasso,
em termos estéticos, didáticos e de público; ele não concretizou o projeto de Taunay para o cinema. O modelo do
INCE foi o instituto de cinema educativo italiano, criado por Mussolini em 1928. Desde os anos 1920 no Brasil,
havia um grupo de educadores que lutava por uma censura educativa no cinema; ela acabou instituída nos anos
1930, porém ficou a cargo do Ministério da Justiça e não da Educação. Nem todos os projetos autoritários do
Estado Novo executados por Getúlio Vargas foram criados por ele; havia anteriormente grupos de artistas,
intelectuais e educadores que demandavam estas ações. Cf. MORETTIN, 1994.
165 S.Paulo n.2, capa.
Figura 19. Trabalhador rural e arranha-
céu na fotomontagem da capa da
S.Paulo n. 2. Acervo: IEB/USP.
105
estado necessita. Ele é apenas mais um homem, cuja face está irreconhecível na fotografia,
a quem o estado a oportunidade do trabalho. A vista aérea do cafezal registra a
organização da produção agrícola, que possibilita o maior aproveitamento da terra. A visão
aérea dos pés de café cria um ritmo na fotografia pela repetição ordenada de uma forma. O
ritmo pode ser identificado com a imagem da marcha para o oeste e a repetição com o
acúmulo de riquezas. O tema do café continua na capa posterior e fecha o exemplar
reforçando a importância econômica das atividades ligadas à terra.
O imagem de capa do terceiro exemplar é um
garoto escoteiro numa paisagem bucólica, que admira
a passagem de um planador no céu. O menino é a
ponte entre a tradição, ligada à terra em que está
pisando, e a modernidade, que chega de avião. Este
exemplar inaugura a edição bilíngue da Revista. Os
conteúdos das versões em português e inglês do
editorial não diferem entre si, o assunto é o porto de
Santos e sua importância para economia do país
166
. A
solução de Lívio Abramo para esta página foi o uso de
diagonais. O diagramador criou quatro faixas de texto
paralelas em 45º. São duas partes sépia com o texto em negativo à 90º, e outras duas sobre
o fundo branco do papel com texto à 45º. Este recurso diferencia graficamente o editorial
dos depoimentos publicados neste exemplar, também pela primeira vez na S.Paulo. A
fotomontagem publicada na página seguinte, representa vários momentos de atividade no
porto de Santos, referidos no texto da redação
167
. Desta forma, esta montagem pode ser
vista como uma terceira versão do editorial composta somente por fotografias
168
. Este
recurso não voltou a se repetir mas demostra que, inicialmente, havia uma abertura maior
166 Este é o único editorial bilíngue.
167 S.Paulo n.3, p.03.
168 Fragmentos fotográficos que compõem esta fotomontagem reaparecem na S.Paulo n.4, p.12b-13 (panorama
do Porto); S.Paulo n.8, p.15 (estivadores) e S.Paulo n.10, p.21 (reservatório).
Figura 20. Escoteiro e planador na
fotomontagem da capa da S.Paulo n.3.
Acervo: IEB/USP.
106
da redação para o experimentalismo na S.Paulo (ver figura 11).
Na capa do exemplar 4 a imagem de Fernão Dias Paes Leme, que também é uma
fotografia de uma estátua do Museu Paulista em homenagem ao bandeirante
169
, reforça a
ideologia da marcha e a influência de Taunay na Revista. A insistência nas figuras dos
bandeirantes reaparece na S.Paulo n.6, também na capa, com a fotografia da estátua de
Anhangüera
170
. A Revista constrói um imaginário sobre
São Paulo moderno, a partir de reproduções de uma
iconografia criada para as comemorações do
Centenário da Independência. A redação contribuiu
para a legitimação documental desta iconografia
principalmente devido ao uso da imagem fotográfica.
O editorial do exemplar 4 afirmou os predicados
heróicos de Fernão Dias, num texto diagramado sobre
uma sólida faixa sépia vertical.
O mote do editorial da S.Paulo n.5 é o trabalho, uma
das principais preocupações da Revista:
A concepção paulista de brasilidade é organização. O homem do planalto
nasceu sob o signo do trabalho: trabalho cultural, começando pela
evangelização, trabalho gigantesco de crear os limites geographicos do paiz
e trabalho de construir, em quatro seculos apenas, o maior centro de
civilização que o mappa do mundo registra sob os tropicos
171
.
O texto fez referência a vários temas que apareceriam em exemplares posteriores e
comparou personalidades artísticas e políticas, como Carlos Gomes e Benjamin Constant, a
míticos heróis das bandeiras, como Bartholomeu Lourenço de Gusmão. Este editorial não se
remete diretamente à capa; junto a ele foram publicadas três fotografias da reportagem
sobre as obras da empresa Light no Alto da Serra, que se estende pelas próximas cinco
páginas. É a este empreendimento que se refere o editorial.
A ideologia da marcha explicita-se no editorial do exemplar 6. A redação conferiu
169 Autor: Luigi Brizzolara.
170 Localizada em frente ao Parque Siqueira Campos e também de autoria de Luigi Brizzolara.
171 S.Paulo n.5, p.02.
Figura 21. Fotografia de trabalhador na
lavoura de abacaxi. Capa da S.Paulo n.5.
Acervo: IEB/USP.
107
distanciamento ao texto de modo a garantir-lhe maior credibilidade e amplitude: A “Bandeira
Intelectual de S.Paulo [...] visará estimular e uniformizar o pensamento paulista, valorizando
as capacidades e attribuindo-lhes um objectivo util e uma funcção social”
172
. Segundo o
texto, a denominação de Bandeira diz tudo e dispensaria explicação, mas os autores
apressaram-se em justificá-la
173
. Os bandeirantes, o café, os imigrantes e a fumaça das
fábricas foram evocados na construção da nacionalidade. As idéias expressas neste texto
prepararam o leitor para a publicação do programa do Movimento Cultural Bandeira, como
editorial do exemplar 9.
A revista S.Paulo mantinha sua autonomia ideológica em relação ao partido do
governo, apesar de ser uma vitrine da reorganização e do desenvolvimento do estado,
promovidos pela administração de Armando de Salles Oliveira. Os seus bons resultados
foram assunto do editorial do exemplar 7. Segundo o texto, o governador, provocando a
“Renascença Paulista”, foi vigilante no campo e na cidade, criou a Universidade de o
Paulo (USP) no intuito de “unificar a consciencia cultural de S.Paulo e multiplicou, por toda a
parte, nucleos de instrucção, que são milhares de escolas”
174
. A USP representa um dos
maiores feitos de Salles Oliveira e por isso é o tema de capa deste exemplar. A montagem
justapõe duas fotografias da Faculdade de Medicina: um grupo de estudantes em atividade
no laboratório, na parte inferior da página, e uma vista aérea do complexo do edifício onde
funciona a Faculdade, na parte superior. Os estudantes olham pela lente ampliadora do
microscópio, capaz de revelar o invisível a olho nu. O que eles simbolicamente vislumbram é
algo grandioso, motivo de orgulho paulista e nacional: a própria Universidade, representada
pela Faculdade de Medicina, reduto de cultura, pesquisa e assistência. A revista S.Paulo
põe lente de aumento nas ações do governo do estado e assim as divulga. Tanto a
microscopia quanto a fotografia aérea, assim como o avião, simbolizam a modernização do
estado.
172 S.Paulo n.6, p.02.
173 S.Paulo n.6, p.02. Cf. ANEXO B desta dissertação.
174 S.Paulo n.7, p.02.
108
O editorial do sétimo exemplar reproduz uma
mensagem do governador, na qual ele havia prestado
contas ao Congresso de São Paulo sobre sua
atuação. Os assuntos abordados estão nas
reportagens da Revista: organização, trabalho,
pesquisa, educação, assistência, produção agrícola e
industrial, cultura, obras públicas e reformas. Salles
Oliveira citou a reconstrução de pontes que foram
demolidas durante a revolução. Esta é a única
referência textual ao Movimento Constitucionalista de
1932 na Revista; em outros momentos a menção fica
subentendida. Salles Oliveira, como governador, reestruturou todos os setores da
administração pública proporcionando aos paulistas a sensação de vitória tardia, com sabor
de vingança, dos Constitucionalistas contra Vargas.
No mês seguinte a redação voltou a transcrever uma mensagem do governador, na
qual ele abordou especificamente o ensino e a Universidade. Sobre as palavras de Salles
Oliveira, a redação concluiu:
O individuo supéra a monotonia do rhytmo biologico pela alma. Os povos
vencem-na pela cultura. E neste duplo combate - todo elle tecido de
heroismos e renuncias - esconde-se uma violenta legenda de
predestinações humanas! São Paulo, já o dissemos, não pode ser encarado
somente pelo seu esplendor material. Um arranha-céu não vale apenas
pelos volumes immensos e pela vertigem de linhas e de cores que ostenta.
Nas suas linhas e nas suas cores, como dentro das estatisticas que
recortam, na linguagem impessoal dos numeros, a silhueta espiritual de
uma raça, a flamma de um pensamento generoso e fecundo, voltado
para ideaes que as equações humanas não conseguem esmaecer. Sim,
S.Paulo é também uma original e luminosa expressão do pensamento.
Pensamento bandeirante, a serviço da Pátria
175
.
A fotomontagem de capa deste exemplar, traz representado no corpo do atleta a
disciplina do treinamento. O esforço dos músculos no momento do salto simboliza a
determinação do homem paulista para vencer obstáculos. O movimento do atleta é de
175 S.Paulo n.8, p.02.
Figura 22. Alunos e prédio da Facudade
de Medicina da USP na foto da capa da
S.Paulo n.7. Acervo: IEB/USP.
109
avanço; ele trabalha até o limite de seu corpo e faz
isto por São Paulo, cuja capital surge esmaecida ao
fundo. A escolha do esporte como tema de capa deste
exemplar visa anunciar o início das olimpíadas de
Berlim de 1936.
O patriotismo ufanista do grupo do Movimento
Cultural Bandeira foi representado na capa do
exemplar 9. No pensamento do soldado, em pleno
desfile de sete de setembro, materializou-se o ideal
de uma grande nação e a confirmação do valor de
São Paulo na construção da nacionalidade. Além da postura ereta do jovem cheio de
orgulho cívico, seu pensamento é o de um nacionalista inquestionável.
Ele visualiza as fronteiras do Brasil acima de
quaisquer interesses, particulares ou regionais. O
mapa do país em cima da imagem do desfile e acima
das listas da bandeira do estado atribuem ao
pensamento do soldado um sentido de nacionalidade
deslocado para um plano idealizado. Não está
temporalmente no presente e nem espacialmente no
estado de São Paulo; simbolicamente, o patriotismo
domina do alto o pensamento da juventude paulista.
O último exemplar da S.Paulo difere-se dos
anteriores por possuir doze páginas a mais e dois
suplementos e pela redução do espaço do editorial,
que ocupa um quadro menor que a metade de uma página, dividido entre depoimentos,
créditos e texto da redação. A partir da modificação do formato do exemplar 10 podemos
Figura 23. Atletismo na fotomontagem da
capa da S.Paulo n.8. Acervo: IEB/USP.
Figura 24. Soldado em desfile de sete se
setembro na fotomontagem da capa da
S.Paulo n.9. Acervo: IEB/USP.
110
inferir que a interrupção da publicação, pelo menos
nos moldes em que vinha sendo produzida, foi
prevista pela redação com alguma antecedência.
Certamente a configuração política do país naquele
momento foi um dos fatores que levou à suspensão
do projeto. Salles Oliveira como candidato à
presidência da República passava a ser um politico de
interesse nacional. A defesa patente do regionalismo
paulista na S.Paulo, a começar pelo seu título, poderia
restringir o alcance desta candidatura.
O último editorial é bastante conciso e cheio de
palavras de esperança para a jovem nação. A
evocação do “espírito de Natal” remete-se diretamente à capa do exemplar. Ela apresenta
uma fotomontagem de um grupo de meninos e meninas, como referência à idéia do Brasil-
criança, ligada à vertente conservadora do grupo Verde-Amarelo. Fragmentos de duas
fotografias foram justapostos no intuito de enfatizar a assistência do estado na distribuição
de leite para as crianças. As duas garotas do primeiro plano aparecem também na ponta
direita da diagonal formada pela mesa no plano de trás. Ao mesmo tempo a montagem
possibilitou adequar a imagem original, tal encontra-se no negativo, ao formato da página da
Revista.
A periodicidade da S.Paulo mudou de mensal para bimestral nos dois últimos
exemplares e esta alteração coincide com a publicação do programa do Movimento Cultural
Bandeira. O interesse do grupo diretor naquele momento tomou novos rumos, que
Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia estavam empenhados na criação de núcleos
regionais do MCB pelo país
176
. Os objetivos iniciais da Revista foram mantidos, porém,
176 Cf item 2.3 e APÊNDICE A desta dissertação.
Figura 25. Crianças na fotomontagem da
capa do último exemplar da S.Paulo.
Acervo: IEB/USP.
111
desde junho de 1936, o liberalismo de Salles Oliveira cedia ainda mais espaço para os
verdamarelistas. Neste sentido, reafirmo que a ideologia da marcha era subjacente ao
discurso da Revista. A paralisação da S.Paulo no mesmo mês de renúncia do governador ao
cargo, revela sua ligação direta ao estado de São Paulo. A retomada de projeto semelhante
de publicação em 1938, por Cassiano Ricardo, prova definitivamente a filiação da S.Paulo
aos verdamarelos
177
.
A ideologia da Revista fica explícita nos textos da redação, principalmente nos
editoriais. Estes, em contraste com as reportagens, são basicamente textuais. Neste espaço
havia a predominância das palavras no intuito de explicar os objetivos da S.Paulo e,
inclusive, justificar a sua estrutura, baseada em imagens.
3.4 O perfil dos leitores
Identifico três grandes grupos de leitores potenciais da revista S.Paulo: a elite
econômica de investidores, comerciantes, produtores agrícolas e industriais nacionais e
estrangeiros; a elite intelectual letrada paulista e seus simpatizantes nacionais e
estrangeiros e trabalhadores brasileiros e imigrantes. Dentre os assuntos principais da
S.Paulo estava o desenvolvimento da economia, cujos bons resultados expressos em
gráficos e mapas, além dos títulos e legendas em inglês, dirigiam-se a um público
estrangeiro com potencial de investimento no estado. Em especial as reportagens sobre as
frutas produzidas em São Paulo mostram intenções comerciais, funcionando como um
catálogo de amostras de produtos. A Cultura da banana em S.Paulo, com uma
fotomontagem de página dupla, inaugura esta série de reportagens
178
. Nelas, fotografias dos
frutos são ampliadas a fim de possibilitar o conhecimento da aparência e da qualidade do
produto. Dados sobre a produção destes itens agrícolas - como subsídios do estado,
técnicas de plantio e colheita - e sua comercialização - como armazenagem, embalagem e
177 Cf. APÊNDICE C desta dissertação.
178 S.Paulo n.2, p.04-05.
112
transporte - são publicados em artigos e/ou mostrados em fotografias normalmente menores
e inseridas em áreas periféricas em relação ao tema principal, como ocorre em
Citricultura
179
. A lavoura de abacaxi foi tema de capa do exemplar 5, o que demonstra a
importância atribuída à produção agrícola. Havia esforço de divulgação da fruticultura
paulista a leitores estrangeiros, por isso estas reportagens sempre apresentam artigos,
notas ou títulos em inglês.
Devido à profusão de imagens na Revista, ela poderia ser consumida também por
analfabetos, que constituíam grande parte da população brasileira na época. Apoiada em
imagens, a S.Paulo cumpria seu papel divulgador com maior eficácia. Apresentado com
aparência moderna, o conteúdo conservador da Revista tornava-se menos explícito e podia
burlar a resistência de opositores ao regionalismo paulista. A fotografia como estrutura das
reportagens dava credibilidade à mensagem da S.Paulo.
O conteúdo ideológico dos textos vinha atender a outro tipo de demanda:
direcionava-se a um leitor paulista e objetivava agregar novos adeptos ao regionalismo de
São Paulo. Desta forma, quando traduzidos para o inglês, os artigos muitas vezes tinham
conteúdos distintos, como é o caso da reportagem S. Paulo: o maior parque industrial da
América do Sul
180
. Neste suplemento, a versão inglesa do artigo traz informações
específicas sobre as condições da indústria, enquanto a versão em português, além destas
informações, tem uma escrita poética em tom de homenagem aos operários paulistas. O
mundo da produção foi representado positivamente a fim de reforçar a idéia da inclinação
paulista ao trabalho. Toda a preocupação com o acabamento da S.Paulo visava
impressionar as elites. A chegada da mensagem da Revista aos trabalhadores era uma
conseqüência prevista pelos diretores, mas não determinante.
O público-alvo da S.Paulo é predominantemente masculino e a representação do
homem paulista é usada para expressar força, ação e inteligência. Ele é símbolo do
heroísmo e da liderança do estado. Apesar de não ser ausente, a figura feminina é apenas
179 S.Paulo n.2, p.20-21.
180 S.Paulo n.6, p.14a, 14b e 15.
113
complementar na Revista. Ela aparece ligada à
função maternal, em ações de caridade e como
esposa. A mulher também está representada
gozando as conquistas de São Paulo quando
desfruta o café paulista
181
e se entretém nos
recantos do estado
182
. São raras as reportagens
que enfocam trabalhadoras, como Novos caminhos
da agricultura paulista, cujo retrato frontal de uma
lavradora é dominante na composição
183
.
A estrutura familiar paternalista era o modelo
desejável para a garantia do progresso do estado.
O próprio governo de São Paulo admitia uma
postura protetora, assistencialista, em relação à
população como forma de controle social. Assim, as
fotografias de Quatro expressões typicas da mulher
bandeirante e Creanças paulistas, organizadas
displicentemente, buscam mimetizar as páginas de
um álbum de família, a família bandeirante
184
. Nos
dois casos, tratam-se de retratos individuais de
mulheres e meninas brancas, aparentemente
saudáveis e satisfeitas. Estas fotografias são de
autoria de dois retratistas de estúdios comerciais
atuantes no período, Cerri e Rosen, respectivamente. Se deslocados da Revista, estes
retratos tornam-se comuns, contudo, uma vez publicados ganham status de modelo, ao
mesmo tempo idealizado e acessível. A iluminação, as molduras, os trajes, as poses e os
181 S.Paulo n.1, p.07 e S.Paulo n.9, p.23.
182 S.Paulo n.4, p.11; S.Paulo n.8, p.20-21 e S.Paulo n.9, p.08.
183 S.Paulo n.1, p.15, esta fotografia foi republicada na S.Paulo n.9, p.06b.
184 S.Paulo n.6, p.07 e S.Paulo n.7, p.08.
Figura 26. (No alto) Quatro expressões typicas
da mulher bandeirante, retratos de Cerri,
S.Paulo n.6, p.07. Acervo: IEB/USP.
Figura 27. Creanças Paulistas, retratos de
Rosen, S.Paulo n.7, p.08. Acervo: IEB/USP.
114
títulos das reportagens valorizam os tipos paulistas representados nestas fotografias. As
reportagens enfatizam a constituição racial paulista que, segundo a propaganda regional, é
originariamente branca. Ao feminino são imputados valores morais, sentimentais e religiosos
e ao masculino cabem as conquistas materiais que reafirmam a liderança herdada das
bandeiras dos tempos coloniais.
Depoimentos de leitores começaram a ser publicados no terceiro exemplar da
S.Paulo
185
. Eles funcionam como testemunhos legitimadores do discurso da Revista. A
redação publicou estes relatos como sendo de leitores comuns, mas seus autores eram
representantes de uma elite, para a qual a direção da Revista enviava exemplares por
iniciativa própria. A seção de depoimentos foi inaugurada com o governador Armando de
Salles Oliveira: “Nas paginas tão variadas e tão sugestivas da revista ‘São Paulo’, o povo
paulista sentirá sem cessar as actividades do seu incomparavel civismo”
186
. Os depoimentos
que seguem o do governador são, em sua maioria, de ministros
187
. Henrique Aristides
Guilhem, Ministro da Marinha, ressaltou a função divulgadora da S.Paulo:
O objetivo a que se destinam as publicações desse genero merece, sem
duvida, os melhores aplausos, pois, constitue um meio elevado de divulgar
o progresso e o desenvolvimento da industria, commercio e cultura dos
Estados da Federação, concorrendo para a unidade e grandeza do Brasil
188
.
O Ministro da Guerra comentou o aspecto suntuoso da publicação: “A vossa revista está de
facto ao nivel da grandiosidade de S. Paulo, cujo patrimonio artistico vem de se enriquecer -
material e culturalmente com vosso mensario”
189
. O Ministro da Justiça também exaltou a
Revista: “Nestas paginas eloquentes transparecem inequivocamente as duas mysticas que
dominam S. Paulo: nacionalismo e trabalho”
190
. Os depoentes dirigiam-se ao próprio
governador, provavelmente porque receberam remessas dos exemplares da S.Paulo
185 Depoimentos foram publicados também na S.Paulo n.6, 8, 9 e 10.
186 S.Paulo n.3, p.02.
187 José Carlos de Macedo Soares, Ministro das Relações Exteriores; Vicente Rao, Ministro da Justiça;
Henrique Aristides Guilhem, Ministro da Marinha; Gustavo Capanema, Ministro da Educação ("Telegramma
enviado ao Sr. Governador de S. Paulo") e G. João Gomes, Ministro da Guerra.
188 S.Paulo n.3, p.02.
189 S.Paulo n.3, p.02.
190 S.Paulo n.3, p.02.
115
enviadas pelo gabinete de Armando de Salles Oliveira. As palavras elogiosas dos Ministros,
publicadas na Revista, serviram-lhe de respaldo; ao que se sabe ela circulou durante 1936
sem sofrer censura.
Além de uma legitimação oficial, os diretores buscaram demonstrar que a S.Paulo
tinha também apoio religioso, nas palavras de José, Bispo Auxiliar: “Apreciei-a muitissimo; é
a mais facil e conveniente das leituras. Auguro para este seu empreendimento os maiores
triumphos”
191
. O depoimento bem humorado de Monteiro Lobato (1882-1948), como
representante da intelectualidade paulista e ligado à produção editorial, é significativo para a
afirmação do periódico: “O proprio São Paulo espantou-se diante do primeiro numero da
‘São Paulo’. E no entanto que é a ‘São Paulo’ senão um fiel espelho onde o rosto e a alma
de São Paulo se reflectem?”
192
. Estes dois comentários fazem menção à visualidade da
Revista, baseada na imagem fotográfica, por isso a leitura fácil e o atributo de espelho.
Membros de instituições reconhecidas, como a Academia Brasileira de Letras e o
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, tiveram suas opiniões publicadas de modo a dar ao
conteúdo da S.Paulo legitimação ideológica e artística
193
. Não por acaso, na seleção dos
depoimentos, a redação escolheu publicar também os comentários do chefe de polícia,
Felinto Muller - “Intelligentemente delineada, organizada com arte e com perfeito
conhecimento dos segredos graphicos, ‘S. Paulo’ é uma publicação, dentro das finalidades a
que se destina, util, necessaria e patriotica”
194
- seguido das palavras de Lourival Fontes,
cujo depoimento positivo significava a aprovação da publicação pelo Departamento de
controle da imprensa no país
195
.
Em várias opiniões sobre a S.Paulo seu valor propagandísdico e documental foi
exaltado, assim como, sua qualidade técnica e o fato de a Revista “falar” por meio de
191 S.Paulo n.3, p.02.
192 S.Paulo n.3, p.2.
193 Entre os autores de depoimentos publicados na S.Paulo n.6 estão: Eronides de Carvalho (“Governador de
Sergipe”); Maria Eugenia Celso (“Distincta escriptora brasileira, autora de varias obras de grande valor”); Claudio
de Souza (“Membro da Academia Brasileira e da Academia Paulista de Letras”); Paulo Setubal “(Membro da
Academia Brasileira e da Academia Paulista de Letras”) e Conde de Affonso Celso (“Presidente do Instituto
Historico Brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras”).
194 S.Paulo n.6, p.2.
195 Cf. item 3.2.4. desta dissertação.
116
imagens fotográficas, como no depoimento que Paulo Setúbal endereçou a seus três
amigos diretores:
Que eramos grandes, que estavamos realizando em S. Paulo, para a alta
gloria do Brasil, uma obra gigantesca de civilização e de cultura, todos nós o
apregoavamos. Mas nós o apregoavamos apenas com palavras. Carecia,
no entanto, que essa obra gigantesca, não por palavras, mas por factos,
exsurgisse em sua plenitude á luz do sol. E eis o milagre que conseguiu a
“S. Paulo”: ela botou, deante dos olhos de todo o mundo, bem
concretamente, numa sintese formidanda, que é autentica maravilha de arte
e tecnica, as ciclopicas realizações das gentes do Tietê
196
.
Waldemar de Araujo, na época cônsul do Brasil em Dakar (Africa), afirmou com
entusiasmo que a S.Paulo o auxiliava na propaganda que realizava no continente
africano
197
. Carlos de Lima Cavalcanti, governador do estado de Pernambuco, dirigiu aos
diretores o seguinte elogio: “A revista é um retrato vivo e real do progresso e da grandeza
espiritual de São Paulo onde novos bandeirantes revivem a tradição historica, marcando
rumos de civilização orgulho para todos os brasileiros”
198
. O depoimento de F. J. McArdle,
representante da Walter Thompson Company
199
, é a descrição de uma leitura atenta ao
conteúdo e aos aspectos visuais da Revista:
A parte editorial é de alto valor educativo, habilmente exposta, e mesmo as
estatisticas são apresentadas de maneira interessantissima. A disposição
das paginas e das gravuras é feita por um artista de rara imaginação. Não
sei de outra publicação que se lhe possa comparar, em todo o mundo.
Para muitos de nós, que vivemos e trabalhamos em S.Paulo este mensario
veio abrir-nos os olhos para muitos aspectos novos da vida paulista,
trazendo-nos novos motivos de orgulho. A leitura de<<S.Paulo>> dá-nos a
impressão de alguem que, fazendo o seu primeiro vôo de aeroplano, e
vendo sob um ângulo novo coisas que lhe pareciam familiares, ganha uma
nova idéia e uma visão nova de tudo.
Estou no momento enviando diversas copias dos ultimos numeros dessa
publicação a amigos meus e homens de negocio, na Inglaterra e nos
estados Unidos, certo de que <<S.Paulo>> será para elles a primeira
revelação do Brasil
200
.
A esta declaração seguem as palavras entusiasmadas do jornalista Edward A. ch
Walden, do Daily Telegraph de Londres: “Poucas horas depois de minha chegada ao Brasil,
fui explorar as ruas; a minha atenção de jornalista voltou-se antes de tudo para as bancas. A
196 S.Paulo n.6, p.2.
197 S.Paulo n.8, p.2.
198 S.Paulo n.8, p.02.
199 Empresa especializada em anúncios publicitários fundada em 1864 em Nova York.
200 S.Paulo n.8, p.2.
117
primeira coisa que encantou meus olhos foram as capas atrativas da <<SÃO PAULO>>”
201
.
A direção privilegiou a divulgação de depoimentos de pessoas de reconhecimento
internacional, como Stefan Zweig, escritor austríaco que recentemente havia visitado o
Brasil
202
, e brasileiros nacionalmente conhecidos, como General Rondon e Clovis Bevilaqua,
também tiveram suas opiniões publicadas
203
.
Alguns depoimentos de estrangeiros foram publicados no idioma original sem
tradução. Este recurso visava valorizar a Revista como um periódico internacional, confirmar
a sua circulação no exterior por meio dos diferentes idiomas nela impressos e fazer
conhecer ao leitor estrangeiro os elogios a ela dirigidos. O cuidado da redação de publicar
estas opiniões é a única evidência que temos hoje da circulação da Revista fora do território
nacional, ainda que tenha sido por iniciativa de envio do próprio gabinete e/ou redação a
círculos cuidadosamente escolhidos.
Diante dos relatos publicados na Revista percebo que este seleto grupo de leitores
entusiasmou-se com a produção gráfica da publicação e atribuía a ela valor documental
devido à presença de imagens fotográficas e dados estatísticos. Assim, a S.Paulo parece ter
cumprido, em parte, sua função divulgadora. Porém, não depoimento de investidores e
parceiros comerciais, que parece ser o público principal a que se destinava a S.Paulo. Estão
ausentes também opiniões de trabalhadores e pessoas sem vínculos institucionais ou
críticas negativas e discordâncias.
Ressalto que os testemunhos sobre a S.Paulo foram previamente escolhidos e
editados e devem ser considerados segundo a intenção da redação. Tanto o conteúdo,
quanto a autoria das opiniões, mereceram a atenção dos diretores.
201 S.Paulo, n 08, p. 02. Tradução a partir do original em inglês.
202 Entre os outros autores de depoimentos publicados na S.Paulo n.9 estão: Arthur Coelho, de Nova York, 10-
8-1936; Ferdinando Reyna-Carrara, de Paris, 15-7-1936 (em francês); Maria Elisa Martinez Cal., de Buenos
Aires, 26-8-1936 (em espanhol); Yutaka Shiino (“Correspondente da Agencia Domei, Tokio”); Helio Lobo
(Academia Brasileira de Letras).
203 S.Paulo n.10, p.2.
118
3.5 A marcha das imagens
204
A imagem da marcha para o oeste está presente no imaginário moderno do estado,
criado pela revista S.Paulo. O movimento expansionista e desbravador está no cerne da
ideologia da marcha, tal qual analisado no capítulo anterior. O progresso foi representado na
Revista pelo crescimento econômico, urbanização, grandes obras de construção civil e
desenvolvimento da educação, que tiveram os auspícios do estado. A S.Paulo criou uma
identidade visual para a marcha do bandeirante moderno, como veremos neste item da
dissertação.
O elo entre o governador Armando de Salles Oliveira, representante da liderança
política, e os bandeirantes, símbolos da liderança mítica, foi emblematicamente construído
na S.Paulo n.4. O simples ato de abrir este exemplar revela ao leitor a transferência dos
predicados do passado paulista para o presente, na medida em que a efígie de Fernão Dias
Paes Leme, publicada na capa, é seguida pelo retrato de Armando de Salles Oliveira,
realizado pelo fotógrafo Rosen, publicado na terceira página. O pesquisador Boris Kossoy
destacou, ao analisar estas imagens, que elas “estabelecem uma construção simbólica
entre os ‘dois bandeirantes’, cujo afastamento temporal, nada interfere enquanto ‘modelos
psicológicos da Raça’” (2004, p. 430).
Representados em posturas semelhantes, Fernão Dias e Salles Oliveira são caracterizados
pelo editorial com atributos que tipificam o “homem bandeirante”, como a disciplina e a
energia de um líder
205
. Kossoy propõe o entendimento da S.Paulo a partir da idéia de
moderno, com projeto gráfico arrojado que privilegia a imagem e propaga uma mensagem
ideológica de interesse regional
206
. A junção das palavras “bandeirante” e “moderno”, pelo
autor, resume duas importantes características da Revista, ligadas à ideologia e à solução
gráfica.
204 A reprodução completa dos exemplares da revista S.Paulo encontra-se no ANEXO E desta dissertação.
205 S.Paulo n.4, p.2.
206 Cf. KOSSOY, 2004, p.386 – 455.
119
As imagens fotográficas na S.Paulo eram consideradas pela redação como espelho
do estado e, deste modo, as montagens adquiriam caráter documental. As fotografias eram
tomadas da realidade sica, territorial, do estado e deviam testemunhar, além disso, uma
realidade simbólica, mítica, construída sobre o seu passado. No estabelecimento de uma
conexão entre estas realidades é que se encaixaram os recursos de diagramação,
fotomontagem, suplementos, mapas e gráficos. A visualidade da Revista, com fotografias
sangradas nas páginas e tomadas em câmera baixa, por exemplo, constrói a imagem de
São Paulo em expansão. Os mapas são representações gráficas por meio das quais a
redação buscava criar o sentido de unidade regional (mapa do estado) e integração nacional
(mapa do Brasil). As reportagens da revista S.Paulo serão analisadas aqui a partir de alguns
assuntos considerados pilares do processo de modernização do estado: história e memória,
economia, educação, organização e segurança, obras públicas.
Figura 28. À esquerda, imagem do bandeirante Fernão Dias, ao lado, editorial e fotografia de página inteira do
governador Armando de Salles Oliveira, S.Paulo n.4, capa e p.2-3. Retrato do governador por Rosen. Acervo:
IEB/USP.
120
3.5.1 História e memória paulista
Para criar uma representação da modernidade
do estado na revista S.Paulo, era necessário resgatar
temas e lugares históricos ligados ao bandeirantismo,
segundo o pensamento da direção. São Paulo de
hontem e de hoje explicitou o elo criado entre o
moderno e a tradição
207
. A fotografia da maquete de
São Paulo antigo, no alto, simboliza a origem
espiritual da alma paulista e o marco zero da
cidade
208
. A partir da maquete, abre-se uma janela
com duas vistas de São Paulo em 1936. O desenho
formado no pátio pelos automóveis possui um paralelo direto com as ruas da cidade antiga.
A reportagem aproxima a gigante metrópole da pequena maquete devido ao uso da
fotografia aérea, na primeira, e do close-up, na segunda. Pela junção de imagens ampliadas
de objetos pequenos com imagens reduzidas de objetos grandes, a redação obtém uma
convergência das escalas como resultado da diagramação. Este recurso foi adotado em
diferentes reportagens.
Os estudos de Brecheret para o Monumento das Bandeiras representava o projeto
de criação de um lugar para a memória bandeirante como símbolo de São Paulo moderno,
por isso o interesse da direção da Revista em divulgá-lo
209
. Em outra reportagem, a redação
apresentou aspectos históricos da cidade de Porto Feliz numa seqüência de três imagens
210
.
As fotografias da ponte, no alto, e do barco, embaixo, desenham diagonais convergentes
para um mesmo ponto à direita, onde está a reportagem Viação Aérea São Paulo.
207 S.Paulo n.10, p.22.
208 Maquete pertencente ao Museu Paulista.
209 S.Paulo n.7, Monumento das Bandeiras e a sua localização, p.04-05.
210 S.Paulo n.8, A ponte de Porto Feliz, p.04.
Figura 29. Reportagem São Paulo de
hontem e de hoje, maquete e vistas
aéreas da cidade, S.Paulo n.10, p.22.
Acervo: IEB/USP.
121
A imagem do estudo do Monumento, ao centro, aponta para o lado oposto,
representando o passado. Porto Feliz foi também assunto de Relíquias Históricas do
Bandeirismo, cujo conteúdo é informativo, as fotografias são registros documentais do lugar
e a reportagem serve de apresentação do suplemento que a sucede, A partida da Monção e
as Obras do Monumento das Bandeiras
211
. Neste caso, a redação mostrou como os
paulistas empenhavam-se na consagração da identidade regional por meio da invenção de
uma iconografia bandeirante. A reprodução da pintura de Almeida Júnior, A partida da
monção (1897), na págida da esquerda, reforça a importância da criação da nova
iconografia moderna, o Monumento das Bandeiras. Abaixo da pintura, cinco fotografias
mostram o rio Tietê em 1936. No centro do suplemento uma fotografia em close-up reproduz
um fragmento da maquete de Brecheret. Na página da direita foram publicados outro
aspecto do estudo do Monumento, no alto, e um desenho do mapa do Brasil, embaixo,
indicando a linha do tratado de Tordesilhas e os nomes dos bandeirantes localizados
geograficamente em suas respectivas áreas de atuação. O aspecto moderno que deve ser
destacado na diagramação deste suplemento, cujo conteúdo é de afirmação da tradição
211 S.Paulo n.10, p.27 e p.28 a 29b, respectivamente.
Figura 30. Suplemento de página desdobrável, S.Paulo n.10, p.28-29b. Reprodução da pintura A partida da
monção de Almeida Júnior e estudos para o Monumento das Bandeiras e Victor Brecheret. Acervo: IEB/USP.
122
regional, é o jogo de escalas entre os seus elementos.
A representação do Monumento das Bandeiras em
detalhe, por uma fotografia de um fragmento, enfatiza
o tamanho colossal que ele viria a ter. O pequeno
mapa do país simboliza a integração nacional como
obra dos gigantes bandeirantes.
A retificação do curso do rio Tietê, antigo
Anhangüera, é o eixo central da reportagem Tieté e
sua significação histórica
212
. O rio era considerado o
caminho dos bandeirantes. Seu alinhamento
simbolizaria o progresso de o Paulo, por meio da
aplicação de técnicas de engenharia, e a racionalidade do projeto poderia ser atribuída à
busca pela linha reta, em detrimento à sinuosidade original do rio.
Em reportagens como esta, a redação buscava no passado justificativas para as
obras do estado moderno. O artigo da capa posterior do exemplar 6 contrapõe a história do
bandeirante Anhangüera e a importância das
descobertas das ruínas de seu solar em Goiás a uma
fotomontagem com arranha-céu e aeroplano. A função
de reportagens deste tipo era costurar o presente ao
passado. Localizadas entre outros assuntos em
diversos exemplares, elas pontuam a presença da
tradição sem anular o que há de moderno no conjunto.
A própria fotografia que materialidade visual a
estes temas históricos é, por si só, uma presença
moderna.
Se o texto de Taunay e o Monumento das
212 S.Paulo n.4, p.10.
Figura 32. Fotomontagem com paisagem,
arranha-céu e planador na capa posterior
da S.Paulo n.6. Esta reportagem é
complemento da capa. Acervo: IEB/USP.
Figura 31. O bandeirante Anhangüera na
capa da S.Paulo n.6. Acervo: IEB/USP.
123
Bandeiras são legitimadores da ideologia da marcha, as opiniões de leitores ilustres e as
homenagens a paulistas reconhecidos também são confirmadores das realizações do
governo e dos valores divulgados na S.Paulo. Logo no primeiro exemplar, foi publicada uma
reportagem, sem título, de culto à pátria em torno da imagem de José Bonifácio de Andrada
e Silva (1763-1838), considerado o Patriarca da Independência
213
. Por meio da
fotomontagem, a redação criou um cenário para a celebração da Independência com
justaposições de fotografias de um desfile militar e aspectos do Monumento à
Independência, no Ipiranga. Neste cenário sobressai uma estátua em homenagem à
Bonifácio. Simbolicamente, o exemplo do patriarca, imagem central e em primeiro plano na
fotomontagem, foi seguido pelos militares em desfile, no alto. A reprodução, à direita, de
uma carta de Bonifácio endereçada ao Imperador, visava documentar a sua participação no
processo de Independência. Ele foi resgatado do passado para confirmar a consagração do
213 S.Paulo n.1, p.12-13.
Figura 33. Fotomontagem em homenagem a José Bonifácio, Patriarca da Independência, S.Paulo n.1, p.12-13.
Acervo: IEB/USP.
124
papel de São Paulo na formação nacional e, mais uma vez, a Revista remeteu-se ao projeto
de Taunay no Museu Paulista.
Alguns artistas paulistas foram homenageados pela Revista, que teve como critério
de escolha o desenvolvimento de suas obras em confluência com o pensamento dos
diretores. Assim deu-se a homenagem ao pintor Cândido Portinari (1903-1962) com a
reprodução fotográfica de duas de suas telas: Cafesal e A Colona
214
. A reportagem foi
organizada de modo simples, sem fotomontagens, deixando explícita a escolha do
homenageado devido aos temas de suas pinturas e à sua trajetória como artista
215
.
No exemplar de julho foi a vez da S.Paulo comemorar o centenário de nascimento do
compositor Carlos Gomes (1836-1896)
216
. A redação buscava nas qualidades individuais de
artistas como Gomes testemunhos do natural talento paulista. A ópera mais consagrada do
compositor, O Guarany, foi destacada no artigo por sua contribuição à nacionalidade.
Estruturado em faixas diagonais ascendentes da esquerda para a direita na parte inferior da
página, o artigo é acompanhado de esculturas de personagens da ópera que formam uma
diagonal sinuosa descendente da esquerda para a direita, com torsos nus, corpos retorcidos
e dramáticos. O indianismo da ópera estava vinculado ao nacionalismo romântico do século
XIX, no qual o índio foi tomado como símbolo da nacionalidade. Uma imensa cabeça do
compositor foi reproduzida no canto superior direito da página, observando sua própria obra
como um deus. O artigo trouxe uma citação de Mário de Andrade que complementava o
pensamento da redação e tinha por objetivo validar a homenagem, que tratava-se de um
especialista na área e, ao mesmo tempo, um intelectual reconhecido.
a Victor Brecheret coube uma página dedicada a duas de suas obras, virgem e
escultura com dois cavalos.
217
O artista foi assim saudado no pequeno texto: “Brecheret é
paulista - um paulista de nascimento e de tempera, que não saberia nunca occultar a
214 S.Paulo n.6, p.03.
215 Cf. FABRIS, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996. 194p. (Artistas brasileiros).
216 S.Paulo n.7, p.03.
217 S.Paulo n.8, p.03. Estes temas se repetiram em outros trabalhos do artista, como por exemplo no friso da
fachada do Jóquei Clube de São Paulo e em outras esculturas da década de 1950. Algumas imagens podem ser
vistas no site: http://www.victor.brecheret.com.br.
125
influencia da terra”. Além desta reportagem, citações dos estudos do escultor para o
Monumento das Bandeiras foram publicadas em outros exemplares.
A homenagem a Monteiro Lobato, por sua vez,
baseou-se em sua produção literária infantil. O escritor
foi exaltado em artigo sem título como o criador do
Geca Tatú e alguns de seus personagens infantis
foram destacados pela "tinta brasileira" que os coloria.
Na reportagem, desenhos dos personagens de Lobato
povoam as mentes das três meninas fotografadas
num momento de leitura na escola primária. A
representação de Geca Tatú, sobre o ombro direito do
retrato de Lobato permite a comparação do
personagem com seu criador
218
. A redação justifica esta homenagem devido ao serviço
prestado pelo escritor ao país, "que assim concorre tão decisivamente para nacionalizar a
creança brasileira"
219
.
A construção da memória paulista passa também pelas reportagens sobre o
aniversário da cidade e sobre o carnaval. Cenas das comemorações do aniversário da
capital paulista de 1936 foram publicadas na reportagem Dia de S.Paulo
220
. Composta por
justaposições de fotografias de diferentes aspectos dos desfiles do festejo, organizadas em
faixas horizontais com variações de escala e ângulo, criou uma imagem de multiplicidade de
acontecimentos. No primeiro plano há duas fotografias em close-up com uma leve inclinação
à esquerda, que registram momentos específicos da celebração, acima das quais estão
quatro reproduções da bandeira de São Paulo.
Considero esta reportagem uma fotomontagem de página dupla apesar de ela
apresentar dois planos sobrepostos bem definidos. A imagem em primeiro plano à direita
218 Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
219 S.Paulo n.6, p.19.
220 S.Paulo n.2, p.12-13.
Figura 34. Homenagem a Monteiro
Lobato e sua produção literária infantil,
S.Paulo n.6, p.19. Acervo: IEB/USP.
126
está isolada por uma margem branca, porém, a inclinação do ângulo de tomada desta
fotografia foi incorporada na criação da fotomontagem. Esta inclinação criou na página três
áreas triangulares; a da direita foi usada na diagramação do título e do artigo e a de cima
valorizou a triangulação da perspectiva de uma das imagens fotográficas do fundo. A
fotografia inclinada apresenta vários elementos verticais apontando para um grupo de
aviões no alto para onde os soldados retratados na outra imagem, à esquerda, parecem
olhar. Percebe-se que as duas fotografias do primeiro plano dialogam devido aos olhares
cruzados dos soldados e à inclinação e posição em que se encontram na página. Se
traçarmos as linhas de visão dos retratados elas nos ajudam a compreender o método de
organização dos diferentes elementos da reportagem.
A representação da festa de aniversário da cidade manteve ausentes os elementos
da sociedade civil e as manifestações populares. Ela mostrou uma comemoração de caráter
oficial fortemente marcada pela presença militar, em que nada aparentava sair do controle.
Figura 35. Reportagem Dia de São Paulo, S.Paulo n.2, p.12-13. Acervo: IEB/USP.
127
Com esta imagem de ordem e disciplina, São Paulo contruía sua própria memória.
A reportagem Carnaval Paulista de 1936, do mês de março, havia sido anunciada
no mês anterior com desenhos e apenas uma imagem fotográfica
221
. O aspecto lúdico do
carnaval é expresso por uma fotomontagem de página dupla composta por fragmentos de
fotografias sobrepostos por desenhos. A montagem apresenta uma grande festa noturna. No
entanto, é perceptível que a maioria das fotografias utilizadas não foram tiradas à noite,
como é o caso daquelas que mostram os foliões em close-up. O fundo escuro e os retoques
em branco, criando pontos de luz, possibitaram a homogeneidade da montagem. Apesar
das múltiplas sobreposições, a festa não foi apresentada de forma desordenada. Em 1936,
o carnaval paulista era oficial, o que possibilitou o seu crescimento, em relação aos anos
anteriores, e proporcionou o aquecimento do comércio na cidade (ver figura 12).
A formalização dos festejos de datas simbólicas para os paulistas, assim como as
homenagens a figuras célebres, eram estratégias usadas pelo estado para manter vivos na
população sentimentos como orgulho cívico e pertencimento regional. Os temas históricos,
acompanhados pelo projeto do Monumento das Bandeiras, foram pontes criadas entre o
passado e o presente que completavam a celebração da memória paulista na Revista.
3.5.2 A economia do estado
As análises das reportagens da revista S.Paulo demonstram como o tema abordado
era determinante para a sua forma final, tal como vimos na polifonia da fotomontagem de
Carnaval Paulista de 1936, na estrutura contida de Dia de S.Paulo e na diagramação de
caráter descritivo de Relíquias Históricas do Bandeirismo. O desenvolvimento econômico de
São Paulo era o principal fator que possibilitava e justificava o investimento numa publicação
do padrão da Revista. Ela era vitrine da modernização do estado e por isso sua visualidade
deveria demonstrar materialmente as conquistas econômicas de São Paulo.
221 S.Paulo n.2, p.23 e S.Paulo n.3 p.10-11, respectivamente.
128
O primeiro suplemento
da S.Paulo teve como
tema a cidade e o
porto de Santos, que
está localizado
exatamente no meio
do exemplar, impresso
em verde, cor distinta
do restante das
páginas
222
.
Alguns aspectos da cidade de Santos mostrou imagens de monumentos, edifícios,
pescadores e banhistas na praia. A presença de legendas enfatiza o caráter informativo da
reportagem, que visava demonstrar a importância da cidade. A diagramação, neste caso,
articulou diferentes elementos gráficos, usados como acabamento das montagens e como
agregadores de significados. Na parte superior, duas fotomontagens, separadas por uma
faixa vertical verde, sobre a qual foi sobreposto o monumento a Braz Cubas (fundador da
Vila de Santos), diferenciando a praia dos pescadores da praia dos banhistas. A
fotomontagem da esquerda ocupa a maior parte do espaço. No primeiro plano aparecem
vários pescadores, dentre os quais destaca-se um negro com o olhar direcionado para o
monumento, como se o estivesse contemplando. Uma trilha de trabalhadores carregando
redes em direção ao mar desenha uma diagonal que liga o plano frontal ao fundo, onde dois
negativos, mostrando ângulos distintos da mesma edificação, foram justapostos. À direita,
uma pequena fotomontagem apresenta um grupo de mulheres de costas caminhando na
areia e grupos de jovens se divertindo
223
. Na parte inferior da reportagem uma faixa
diagonal, descendente da esquerda para a direita, apresenta quatro fotografias em
222 S.Paulo n.4, p.11a-11b (frente) e p.12a, 12b e 13 (verso).
223 Estas mesmas figuras femininas aparecem na reportagem Colônia de férias da S.Paulo n.8, p. 21.
Figura 36. Reportagem sobre a cidade e o porto de Santos, S.Paulo n.4, p.11a e
11b. Acervo: IEB/USP.
129
seqüência, o que alude a uma película cinematográfica. Esta estrutura faz a ligação entre a
frente e o verso do suplemento. As três páginas seguintes apresentam um panorama do
porto de Santos, montado a partir de pelo menos dois negativos. A fotomontagem ocupa os
2/3 superiores das páginas e é sangrada em três lados a fim de enfatizar sua grandiosidade.
Na parte inferior o panorama é interrompido por uma faixa verde horizontal que o separa do
gráfico e do artigo, que apresentam dados sobre a atividade e a história do Porto. A
reportagem sobre Santos encerra-se na página seguinte
224
.
Além de seu significado para o comércio de produtos, o porto de Santos foi a porta
de entrada de muitos trabalhadores imigrantes
225
. A reorganização da administração pública
possibilitou o crescimento da lavoura e da indústria em São Paulo. Para suprir a
necessidade crescente de mão-de-obra o governo criou meios de incentivar a imigração em
massa, nacional e estrangeira, para o estado. As três reportagens sobre imigração na
S.Paulo não eram direcionadas aos trabalhadores individualmente e sim aos órgãos que os
representavam. Em Braços nacionaes para a lavoura de S.Paulo a redação buscou
demonstrar as vantagens oferecidas aos trabalhadores e o “espírito de brasilidade” com que
224 S.Paulo n.4, p.14.
225 Alguns dados estatísticos sobre imigração e sobre a origem destes imigrantes podem ser consultados no site
oficial do Memorial do Imigrante: http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/historico/index.htm.
Figura 37. Suplemento com panorama do porto de Santos, S.Paulo n.4, p.12a, 12b e 13. Acervo: IEB/USP.
130
os paulistas propunham-se a receber os imigrados
226
. A reportagem foi estruturada em três
faixa horizontais intercaladas com listas escuras como referência à bandeira de São Paulo.
No alto, as fotografias mostram o momento do desembarque no Porto, a espera do trem e a
chegada na estação ferroviária do Brás, onde funcionava a Hospedaria de Imigrantes
227
. A
primeira fotografia da esquerda, na faixa central, mostra uma multidão de pessoas diante da
Hospedaria posando para o fotógrafo no momento anterior à entrada no edifício. Nota-se
nestas imagens que a maioria dos imigrados era homem. Na parte inferior, à esquerda, dois
trabalhadores foram retratados a fim de mostrar a satisfação da chegada, seja pelo sorriso
tímido de um homem maduro, ou pelo atendimento médico do estado a um jovem de olhar
desconfiado. Estes imigrantes destinavam-se à atividade agrícola; sendo assim, em primeiro
plano, dois fragmentos fotográficos de lavradores agigantados simbolizam a certeza de
trabalho.
226 S.Paulo n.1, p.20-21.
227 Atual Memorial do Imigrante.
Figura 38. Reportagem Braços nacionaes para a lavoura de S.Paulo, S.Paulo n.1, p.21-21. Acervo: IEB/USP.
131
No segundo exemplar da Revista a redação enfatizou a chegada de imigrantes
estrangeiros
228
. O artigo refere-se às vantagens da lavoura em São Paulo, oferecidas tanto
por iniciativa do governo, quanto pela própria qualidade do solo e clima privilegiado. Em
Immigração estrangeira, uma nota em letra manuscrita e em inglês explicou: “Imigrantes
para o trabalho nas fazendas do estado de São Paulo onde o governo os protege e
ajuda”
229
. Na parte superior à direita, uma fotomonagem mostra a chegada dos lavradores,
observados por duas figuras masculinas em contraluz, que têm sob suas cabeças a imagem
de um navio. Eles olham para a esquerda e um deles aponta para uma fotografia da entrada
dos trabalhadores numa plantação. Estes homens simbolizam os produtores, donos das
propriedades agrícolas, que enriqueceram depois que chegaram ao estado e, por isso,
seriam supostamente solidários à condição dos imigrantes. Na parte inferior a reportagem
apresenta diversos produtos paulistas. Os trabalhadores são representados à esquerda,
numa estrutura triangular. Ao redor da figura frontal e maior de um dos lavradores foi
reproduzida e espelhada a imagem de outros dois
230
. Eles são simbolicamente o alicerce da
produção do estado.
Em Braços para a Lavoura, o texto apresentado em inglês tem o mesmo conteúdo do
artigo de outra reportagem, Immigração estrangeira
231
. Apesar da organização ser diferente,
Braços para a Lavoura deu continuidade ao tema da imigração. Neste caso, à esquerda e
acima, as fotografias mostram o desembarque de uma multidão de jovens, mulheres e
crianças, desde o navio até a chegada na estação de trem. À direita e abaixo uma fotografia
representa a malha ferroviária disponível para o transporte de trabalhadores e escoamento
da produção. Ao lado, uma série de cinco fotografias registra as condições da lavoura para o
desenvolvimento da policultura, máquinas, animais e conhecimento técnico.
A preocupação do estado com as condições dos trabalhadores, entre eles os
imigrantes, devia-se ao aumento inevitável do número de lavradores e operários
228 S.Paulo n.2, p.16-17.
229 Traduzido pela autora, S.Paulo n.2, p.16.
230 Estes fragmentos fotográficos são da mesma seqüência dos dois trabalhadores representados na
reportagem sobre imigração da S.Paulo n.2, p.16-17.
231 S.Paulo n.8, p.08-09 e S.Paulo n.2, p.16-17, respectivamente.
132
necessários para a manutenção da economia paulista. O controle social dependia dos
aparatos destinados à ordem pública, da educação oferecida pelo estado e das obras
assistenciais, como veremos nos próximos itens.
A necessidade de diversificação da agricultura era patente desde o abalo econômico
decorrente da crise do café em fins dos anos 1920
232
. O cultivo de outros produtos passou a
ser incentivado pelo governo, como foi divulgado na S.Paulo. Novos Caminhos da
Agricultura Paulista apresenta a lavoura de algodão, desde a plantação até a colheita
233
. A
reprodução de uma declaração do governador assinada e em letra manuscrita pretendia
outorgar credibilidade à reportagem, que apresenta o algodão como uma novidade.
Diferentemente dos outros trabalhadores, o retrato de uma mulher na colheita de algodão,
sobreposto às outras fotografias e emoldurado por margens brancas, revela suas feições e
vestimentas. Ela posou para o fotógrafo olhando frontalmente para a câmera, embora
raramente os trabalhadores tenham sido representados na Revista desta forma e com o
rosto sem retoques. O Algodão Paulista na Economia Brasileira apresentou as etapas
seguintes da produção, o armazenamento e o transporte no Porto
234
. O acúmulo dos fardos
e a insistência na representação de seus empilhamentos visavam mostrar quantitativamente
a produção. Um mapa mundial indicava as rotas comerciais do produto, principalmente em
direção à Europa. O algodão era um dos destaques da lavoura paulista na época, como
pode ser visto em Algodão, a nova riqueza agrícola de S.Paulo
235
. Neste suplemento, o novo
não é mais possibilidade, como no primeiro exemplar, e sim realização. A diagramação
baseia-se em quatro fotografias, das quais a primeira é a republicação do retrato da
lavradora posando na colheita de algodão, ocupando quase uma página inteira. Uma coluna
de texto vertical cria o elo entre esta imagem e as fotografias no Porto. Ao centro uma
fotografia mostra um fragmento da estrutura de um navio e um guindaste transportando
232 Sobre a crise econômica do café, iniciada nos anos 1920, ver FRITSCH, Winston. 1922: a crise
econômica. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vo1.6, n. 11, 1993, p.3-8. (Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/110.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2007).
233 S.Paulo n.1, p.14-15.
234 S.Paulo n.1, p.16-17.
235 S.Paulo n.9, p.06a, 06b e07.
133
fardos de algodão. À direita, dois momentos subseqüentes do carregamento do navio foram
focalizados em câmera alta. Na primeira imagem os trabalhadores olham para o alto e na
segunda voltam-se para a carga; em ambas parecem estar posando para o fotógrafo. A
série sobre a cultura de algodão encerra-se nestas imagens do escoamento da produção
pelo porto de Santos.
Outros cultivos foram temas de reportagens na S.Paulo, como o milho, a cana-de-
açúcar, o fumo e a fruticultura, contudo, não mereceram o mesmo cuidado conferido ao
algodão.
Em 1936 a economia nacional não se baseava unicamente na produção cafeeira,
mas o produto continuava sendo o principal item de exportação do país. O café foi tema de
reportagens de diferentes teores, de poético a comercial. Um exemplo é a bem humorada
abordagem de Rubens do Amaral
236
. Nela autor fez comparações curiosas utilizando como
medida o número de cafeeiros do estado de São Paulo. Calculou, por exemplo, que toda a
população do planeta caberia nos cafezais paulistas, se cada de café fosse substituído
por uma pessoa. Trata-se sem dúvida de uma ufania paulista, que via nos cafezais naquele
236 S.Paulo n.4, p.15.
Figura 39. Trabalhadora retratada na lavoura de algodão, S.Paulo n.9, p.06a, 06b e 07. Acervo: IEB/USP.
134
momento um parâmetro de desenvolvimento do estado.
O capital advindo da cafeicultura financiou diferentes setores da vida paulista e,
devido à sua importância, o café foi mencionado em todos os exemplares da revista
S.Paulo. Em A maior industria agricola do mundo
237
a produção de café foi apresentada da
lavoura à degustação. Ela pode ser comparada estruturalmente à reportagem sobre o
algodão, no mesmo exemplar. Primeiro, foram mostrados cafezais em vista aérea
sobrepostos por um detalhe de um ramo de cafeeiro envolto por um círculo, remetendo-se à
pesquisa científica e à racionalização do trabalho. Tratava-se de criar um efeito de close-up
na fotografia de fundo. No núcleo da reportagem foram diagramadas fotografias de
trabalhadores, da esquerda para a direita, na colheita e na secagem. As duas fotografias à
esquerda mostram a prática da seqüência fotográfica na documentação do trabalho, em que
a mesma lavradora aparece em momentos distintos da atividade. O recurso à pose nas
fotografias dos trabalhadores era sem dúvida uma prática, como podemos ver no retrato de
237 S.Paulo n.1, p.04-07.
Figura 40. Atividades na lavoura de café, S.Paulo n.1, p.04-05. Acervo: IEB/USP.
135
um lavrador negro, curvado, que olha para o fotógrafo. Mesmo quando o olhar do retratado
não se direciona para a câmera podemos perceber a pose como, por exemplo, nas
fotografias da mulher na colheita de café. A presença do fotógrafo certamente não era
despercebida e provavelmente havia uma reconstituição dirigida das atividades, para que
fosse feito o registro fotográfico.
Nas duas páginas seguintes da mesma reportagem, o café é mostrado nos terreiros
de secagem (vista aérea), nos armazéns, no consumo e no porto de Santos
238
. Em primeiro
plano aparece o retrato de uma moça segurando uma xícara de café ao lado do texto:
“Bebida das multidões, incomparavel e indispensavel ás mesas mais aristocraticas, o café é
degustado pelos povos de todas as raças. Bebam café! O café é uma fonte alegria, de força
e de bem estar
239
”.
Cafés Finos foi título de duas reportagens, publicadas nos exemplares 5 e 6. A
238 Outras fotografias desta seqüência aparecem na S.Paulo n.3, p.03 e na S.Paulo n.8, p.15.
239 S.Paulo n.1, p.07.
Figura 41. Continuação de A maior industria agricola do mundo, S.Paulo n.1, p.06-07. Acervo: IEB/USP.
136
primeira foi acompanhada de um texto de Menotti del Picchia, A fala do de café, e a
segunda, de um texto de Cassiano Ricardo, Canto da raça
240
. Ambas fazem parte de uma
campanha do Departamento Nacional do Café que tinha as seguintes diretrizes:
Cafeicultores do Brasil! Cuidae de colher em bôas condições; vigiae com
maximo cuidado os trabalhos no terreiro ou nos seccadores; attentae em
que a machina esteja bem regulada, para que trabalhe sem prejudicar o
produto; expurgae as impurezas, o mais possivel. Assim vosso trabalho será
recompensado
241
.
uma identificação visual entre estas reportagens e Café e Civilização, que possui o
mesmo conteúdo
242
. Neste caso, além da lavoura e de uma fotografia em close-up de grãos
de café, a civilização do título foi representada por uma fotomontagem que mostra, em
primeiro plano, uma moça, loira, tomando café sobreposta a uma vista aérea da cidade de
Santos. Na última página desta reportagem foi publicado o poema Moça tomando café, de
Cassiano Ricardo, que faz parte do livro Martim Cererê. Café e Civilização encerra a
campanha por uma produção de cafés finos e apresenta os resultados obtidos. A capa
posterior do exemplar 7 também era parte da campanha pela melhoria da qualidade dos
grãos de café.
240 S.Paulo n.5, p.22 e S.Paulo n.6, p.22.
241 S.Paulo n.5, p.22.
242 S.Paulo n.9, p.22-24.
Figura 42. Suplemento Café: colheita, secagem e exportação, S.Paulo n.8, p.14a, 14b e 15. Acervo: IEB/USP.
137
A produção de café também foi tema de dois suplementos. Em Café: colheita,
secagem e exportação, as fases pelas quais passava o produto foram pontuadas pelas
fotografias das atividades na lavoura, no armazém e no porto
243
. Os gestos e os trajetos dos
trabalhadores representam o percurso do café, que se inicia com a fotografia de um
trabalhador isolado, na primeira página, seguida de duas fotomontagens nas páginas
seguintes. Apesar da horizontalidade sugerida pelo formato da página do suplemento, a
reportagem foi estruturada em três segmentos verticais, como apontou o título.
O outro suplemento que teve o café como tema mostrou três fotografias
justapostas
244
. Ao centro, a fotografia de um trabalhador na colheita entre galhos de um
cafeeiro foi circundada por duas outras fotografias em close-up de ramos de café. A
diagramação enfatiza a grandeza do cafezal aproximando os pés de café da dimensão
humana.
Outro aspecto da economia do estado era a industrialização. Apesar de ter sido
mencionada logo na capa do primeiro exemplar da Revista, a atividade industrial do estado
não esteve entre os temas mais recorrentes da S.Paulo. A indústria apareceu vinculada à
agricultura, como na reportagem sobre o café, no exemplar 1, que usa o termo “indústria
agrícola”, referente ao cultivo da terra, ao tratamento dos grãos e à exportação de sacas
sem processamento industrial, ou seja, apenas ao beneficiamento do produto. A palavra
industrial, neste caso, remete-se à mecanização e ao aprimoramento das etapas do
processo, que permitiam o aumento da produção.
Em A indústria vinicola em S.Paulo a redação busca divulgar a fabricação de vinho
no intuito de expandí-la
245
. Como a produção era artesanal e pequena, as fotografias
enfatizam os frutos e a colheita. Em primeiro plano, em tomadas em close-up, aparecem
fotografias de grandes cachos de uva que emolduram a parte superior da reportagem.
Ocupando toda a página da direita está a fotografia de um jovem na colheita, cujo rosto foi
243 S.Paulo n.8, p.14a, 14b e 15.
244 Reportagem sem título, S.Paulo n.10, p.06a, 06b e 07.
245 S.Paulo n.3, p.06-07.
138
visivelmente retocado. Apesar do conteúdo do artigo e do uso da palavra indústria no título,
a visualidade da reportagem divulga principalmente o cultivo da uva.
A indústria de produtos de origem animal, retratada na reportagem Pescadores de S.
Vicente, refere-se à pesca comercial
246
. As fotografias mostram pescadores no mar com
redes e pequenas embarcações, além de um close-up nos peixes capturados. Não nas
imagens elementos que se remetam diretamente à indústria e somente o artigo refere-se à
“indústria do pescado”.
Em Frigoríficos de S.Paulo foram destacadas a criação de gado e as instalações dos
criadouros e frigoríficos
247
. Neste caso, a lógica industrial foi representada pela proliferação
de cabeças de gado, em primeiro plano, enfatizada ainda mais pela fotomontagem.
Votorantim, fabrica de cimento
248
é uma reportagem de página dupla que apresenta-
246 S.Paulo n.5, p.12-13.
247 S.Paulo n.3, p.08-09.
248 S.Paulo n.8, p.18-19.
Figura 43. Fotomontagem ressalta o domínio da natureza pela técnica humana, S.Paulo n.5, p.12-14. Acervo:
IEB/USP.
139
se atravessada por um grande tubo metálico, remetendo o leitor ao universo da máquina,
juntamente com a engrenagem gigante, que parece avançar em direção à jazida de calcário.
A imensidão da pedreira foi simbolicamente subjugada pelo avanço deste instrumento, em
primeiro plano, assim como a dimensão humana foi minimizada pela grandeza da natureza,
ao fundo. A representação em perspectiva do tubo, possibilitada pelo ângulo de tomada da
fotografia, favorece a interpretação da chegada impactante do progresso no estado. O
conceito de fotomontagem traz em si a aproximação entre os universos da máquina e do
humano. Percebe-se ainda nesta fotomontagem específica, a presença da natureza, que é
um dos elementos marcantes do pensamento conservador dos verdamarelos. O uso da
imagem fotográfica, neste caso, extrapola em muito a busca do seu caráter documental. A
máquina e o homem unidos no domínio da natureza, como representado na reportagem,
contribuem para o progresso de São Paulo. A indústria do cimento alimenta setores como o
de obras públicas, responsável pela construção e reforma de pontes e grandes avenidas,
que simbolizam a modernidade.
Mesmo não sendo quantitativamente o assunto mais abordado, a atividade industrial
era um dos eixos principais da economia paulista e por isso foi tema de um dos suplementos
da Revista. A reportagem S.Paulo: maior parque industrial da América do sul foi estruturada
em três partes
249
. A verticalidade das páginas foi rompida por dois elementos: o título, que
começa na primeira página e termina na segunda, e a lista horizontal inferior, que não
aparece na página central, mas está presente nas outras duas. O artigo da página da direita
considera esta reportagem um elogio ao operário anônimo, cujo corpo anima-se com a
“alma ampla e imperiosa que lhe foi legada pela insatisfação realizadora dos
bandeirantes”
250
. Na página central, pela junção de desenhos e fotografias, a reportagem
simboliza como os operários contribuíam para o desenvolvimento da indústria. Sobre um
grande corpo, representando o estado de São Paulo como um único organismo, foram
colocadas fotografias de grupos de trabalhadores. Os operários, elementos vitais, foram
249 S.Paulo n.6, p.14a, 14b e 15.
250 S.Paulo n.6, p.15.
140
localizados no tronco, mas não na cabeça do corpo. Assim, cada trabalhador deveria
desenvolver sua função para evitar o colapso do estado, porém sua atuação deveria ser
necessariamente silenciosa. Segundo esta metáfora biológica do sistema social, as idéias e
os porta-vozes dos operários não eram elementos saudáveis para a manutenção do estado.
O grande corpo aciona uma chave, o que enfatiza a visão de o Paulo como o sistema
central do país. Esta fotomontagem materializou visualmente as idéias do artigo. Na página
da esquerda, sobreposta a duas listas que simbolizam a bandeira, a reportagem destacou
um trabalhador isolado, representado em primeiro plano e a meio corpo, de modo a valorizar
os operários no processo de industrialização.
Os meios de transporte marítimo, ferroviário e aéreo foram os que receberam os
maiores incentivos do governo de Armando de Salles Oliveira por sua importância para a
economia paulista. O trem é representado na Revista como o meio de transporte da
modernidade por excelência. Ele foi o principal responsável pela condução dos imigrantes
aos locais de trabalho, pelo transporte de mercadorias e pelas viagens turísticas. São Paulo
investiu sistematicamente na ampliação de sua malha ferroviária, como pode ser visto em
Figura 44. Suplemento S.Paulo: o maior parque industrial da América do Sul , S.Paulo n.6, p.14a, 14b e 15.
Acervo: IEB/USP.
141
Systema Ferroviário Paulista
251
. À esquerda, uma fotomontagem apresenta um carregador
de bagagens sobreposto a uma torre de relógio de estação. A verticalidade da arquitetura foi
valorizada pelo ângulo da tomada fotográfica em câmera baixa, simbolizando ascensão, e
pelo trabalhador, fotografado de frente e voltado para baixo. Esta reportagem divulgou as
estradas de ferro existentes e as melhorias promovidas pela administração de Salles
Oliveira. Na seqüência, a Companhia Paulista foi destacada por sua relevância no
desenvolvimento social e econômico do estado
252
. As páginas foram margeadas por
fotografias que registram a central de energia e as oficinas da companhia, revelando o
caráter de divulgação da reportagem. Em destaque foi publicado o fragmento fotográfico de
um edifício, tomado em câmera baixa, provavelmente a sede da empresa, a fim de atribuir
também o sentido de crescimento ao conjunto. S.Paulo Railway encerra a série de
reportagens sobre o tranporte ferroviário do estado na Revista
253
. A redação apresenta uma
fotomontagem que sobrepõe fragmentos
fotográficos do maquinário utilizado na
transmissão de energia da central até o trem em
movimento num cenário longínquo de serra. A
repetição da forma circular na seqüência de
roldanas, em close-up, aparece também nas
rodas que geram energia e no arco do túnel. A
reportagem focalizou a técnica que proporcionou
ao homem controlar, transformar e vencer com
racionalidade a natureza. O túnel como obra de
engenharia é uma estrutura utilizada para vencer
obstáculos geográficos e simboliza uma
passagem para o progresso.
Na S.Paulo n.2, uma reportagem sem título divulgou as ferrovias e rodovias
251 S.Paulo n.7, p.10-11.
252 S.Paulo n.7, p.12-13.
253 S.Paulo n.7, p.14.
Figura 45. S.Paulo Railway, S.Paulo n.7, p.14.
Acervo IEB/USP
142
construídas na serra de Santos como símbolo do desbravamento da "serra histórica". Uma
vista do relevo geográfico, na parte superior da página, mostra as dificuldades que tiveram
que ser vencidas. As rotas existentes entre São Paulo capital e Santos e as ainda em
construção estão localizadas em um gráfico que representa a serra "vencida definitivamente
pelo genio da engenharia paulista". Pequenas imagens fotográficas ilustram este gráfico. A
estrada de ferro Mayrinck-Santos, por encontrar-se em construção, foi inteligentemente
representada por uma fotografia que se transforma em desenho na continuação do trajeto. A
Mayrinck-Santos foi uma obra bem sucedida de grandes proporções, considerada por isso
representativa do chamado "renascimento paulista"
254
. Aproveitando o traçado da ferrovia, a
reportagem aproxima a fotografia de um operário na oficina ferroviária de Sorocaba à
imagem de trabalhadores na chaminé de um transatlântico no porto de Santos
255
, a fim de
demonstrar como a estrada de ferro tornava acessíveis lugares distantes.
254 S.Paulo n.10, p.19-21.
255 Esta fotografia foi publicada na p. 03 da S.Paulo n.3.
Figura 46. Fotografias tomadas em câmera baixa na reportagem sobre a VASP, S.Paulo n.6, p.08-09. Acervo:
IEB/USP.
143
O transporte aéreo era uma outra preocupação do estado de São Paulo, que
promovia o Clube de Planadores no intuito de despertar o interesse de jovens pela aviação,
desenvolver pesquisas e formar pilotos
256
. Em Viação Aérea São Paulo VASP, reportagem
de divulgação das novas rotas da empresa, da qual o governo era acionista, são
apresentadas duas fotografias de uma aeronave em câmera baixa
257
. Este ângulo enfatiza o
ponto de vista de um observador no solo que olha para uma aeronave em vôo. À esquerda,
uma fotografia sangrada registra em detalhe uma hélice lateral, diante da qual posam dois
jovens. Ao lado, uma outra fotografia mostra a aeronave em funcionamento sendo
observada por um dos técnicos. As fotografias são de uma mesma seqüência, na qual os
retratados posaram para o fotógrafo. O formato do negativo e o enquadramento da tomada
da fotografia muitas vezes determinam o posicionamento da imagem na página, como
parece ter ocorrido neste caso. Outra reportagem sobre a VASP apresenta o plano de
construção do Aeroporto de Congonhas e imagens da inauguração do vôo São Paulo-Rio de
256 S.Paulo n.3, p.01 (capa) e p.24 (capa posterior).
257 S.Paulo n.6, p.08-09.
Figura 47. Fotografia em câmera baixa contraposta a vistas aéreas, S.Paulo n.8, p.06-07. Acervo: IEB/USP.
144
Janeiro
258
. Ela utiliza uma imagem que pertence à mesma seqüência da reportagem anterior
e mostra uma aeronave tomada em câmera baixa quase perpendicularmente ao chão. Ao
seu lado foram justapostas duas fotografias aéreas de São Paulo e do Rio de Janeiro, a fim
de apresentar o ponto de vista oposto.
O investimento oficial em meios de transporte objetivava garantir a autonomia de São
Paulo. A mobilidade de produtos e pessoas era fator determinante num estado que se
modernizava e expandia suas áreas de produção e habitação. Paralelamente ao
desenvolvimento econômico, a revista S.Paulo divulgou as atividades do estado ligadas à
educação.
3.5.3 A educação
O estado de São Paulo ao incentivar a vinda de imigrantes preocupou-se também
em criar um sistema de educação, assistência e recreação, a fim de manter o controle da
população. O assistencialismo do estado é o tema de Filhos de operários: uma festa no
parque da Água Branca
259
. As fotografias mostram aglomerados de adultos e crianças
fascinados por uma roda-gigante. Parques de diversões, como este, eram redutos de
tecnologia, pois reproduziam num ambiente lúdico o universo da máquina representado por
rodas, roldanas, cabos, guindaste, eixos e torres metálicas. O sobe-e-desce, o
deslizamento, a velocidade, o impacto e a simulação de vôo eram atrações do parque que
mimetizavam sensações proporcionadas pela locomotiva, pelo automóvel e pelo avião. Dois
grupos de crianças em primeiro plano têm seus olhares cruzados sobre a fotografia da roda-
gigante. Vemos nos rostos infantis e adultos um certo fascínio pela máquina, representada
num plano superior. O breve artigo que acompanha esta reportagem um sentido
disciplinador à festa, que nada tinha de despretenciosa:
O processo de virilização de uma raça não se confina ao plano do physico.
258 S.Paulo n.8, VASP, p.05-07.
259 S.Paulo n.7, p.06-07.
145
Ha tambem uma eugenia dos espiritos. Os governos relizadores devem dar
ás gerações que nascem um sentido profundo aos valores do espirito. Não,
sem duvida, com o intuito rotineiro de matar, nos ambientes fechados, a
aventura da vida dynamicamente vivida.
O Governo do estado encara corajosamente o problema da formação
mental das gerações paulistas. Presta-lhes toda a assistencia intellectual. E,
salutarmente, fá-las viver em ambientes de alegria sadia. A nossa página
estampa aspectos de uma festa para filhos de operarios realizada no parque
da Agua Branca. Estas physionomias não soffrem a vida. Acceitam-n'a para
vencê-la
260
.
A importância da ação do estado e da iniciativa privada no auxílio aos necessitados foi
destacada também em Assistencia a filhos de operários, sobre o Ninho Jardim Condessa
Crespi
261
. A reportagem apresenta uma fotomontagem que tem como imagem dominante
uma figura feminina. A jovem mulher simboliza o valor maternal da assistência, cuja função
seria suprir as faltas das famílias de trabalhadores. Apesar da montagem de negativos, as
fotografias cumprem ainda uma função documental na fotomontagem ao mostrar, no fundo à
esquerda, as instalações do Ninho e, à direita, uma seqüência de três imagens de crianças
260 S.Paulo n.7, p.06.
261 S.Paulo n.4, p.08-09.
Figura 48. Crianças observando roda-gigante em Filhos de operarios: uma festa no Parque da Agua Branca,
S.Paulo n.7, p.06-07. Acervo: IEB/USP.
146
em momentos de lazer, alimentação e atendimento médico. Em primeiro plano na parte
inferior das páginas são apresentadas as crianças assistidas. O número de meninos e
meninas é duplicado pela montagem de duas fotografias tomadas de ângulos opostos das
mesmas crianças, a fim de enfatizar a abrangência da assistência. Estas fotografias
possuem uma pequena variação de escala e foram montadas uma de frente para a outra, de
modo que os olhares das crianças não se cruzam.
Em O Reformatorio modelo as imagens mostram principalmente o caráter educativo
da instituição que, segundo o artigo, atendia menores abandonados e delinqüentes em duas
frentes, social e científica, no estudo e pesquisa sobre os problemas da infância
262
. As
fotografias apresentam diferentes aspectos do Reformatório, destinado somente à meninos.
À direita, uma fotomontagem ressalta o físico de um jovem que se exibe diante da câmera
do fotógrafo. A educação física sobrepõe-se às outras necessidades educativas também
mostradas na reportagem. O corpo seminu do garoto, visto em câmera baixa, simboliza a
saúde mental e espiritual dos jovens do Reformatório, que estavam sendo preparados para
a reintegração social e ao trabalho.
O estado também mantinha, com o intuito de criar valores corporativistas e disciplinar
os jovens, grupos de escoteiros e dos chamados “bandeirantes paulistas”. A função destas
iniciativas era auxiliar a educação física, moral e cívica dos alunos das escolas públicas. A
reportagem Escoteiros paulistas mostra meninos em marcha com tambores num desfile
pelas ruas da cidade
263
. No centro foi publicada uma seqüência de fotografias que registra
outras atividades dos escoteiros no campo. Os “bandeirantes paulistas” constituíam uma
nova modalidade de escotismo, adaptada às habilidades técnicas dos alunos das escolas
profissionalizantes do estado. Em outra reportagem eles foram fotografados também
participando de um desfile de rua, que era um momento de demonstração pública da
disciplina, “sentimento moral” e patriotismo do grupo
264
. Os “bandeirantes” recebiam um
treinamento rígido que visava a formação de jovens úteis, como “artifices militares”, à defesa
262 S.Paulo n.2, p.18-19.
263 S.Paulo n.2, p.08-09.
264 S.Paulo n.4, p.24.
147
da nacionalidade. Ao incentivar as práticas do escotismo e suas variantes regionais, o
estado formava soldados em potencial. Eles eram tecnicamente capazes e acostumados à
respeitar ordens e hierarquias.
As atividades desenvolvidas pelos jovens “bandeirantes” eram complementares ao
ensino formal, que também mereceu atenção do governo de Salles Oliveira, como vemos
nos gráficos de Novos grupos escolares
265
. Este assunto continua na seqüência do mesmo
exemplar com o suplemento O actual desenvolvimento do ensino primário no estado de São
Paulo
266
. Por meio de uma fotomontagem obtida pela junção de vários negativos, a
reportagem apresenta uma multidão de estudantes. Alguns retratos individuais foram
inseridos no meio de fotografias de grupo mesclando meninos e meninas. As escolas
naquele momento eram separadas por gênero, por isso, no ambiente escolar, os meninos
265 S.Paulo n.6, p.10-11.
266 S.Paulo n.6, p.12, 13a e 13b.
Figura 49. Demonstração pública da disciplina de escoteiros paulistas, S.Paulo n.2, p.08-09. Acervo: IEB/USP.
148
foram fotografados separadamente das meninas. Os fragmentos fotográficos colocados no
primeiro plano desta fotomontagem possuem escala maior que os demais, enfatizando a
hierarquia entre os planos como em uma perspectiva. Lívio Abramo utilizou, aqui, fotografias
de uma mesma seqüência, o que pode ser verificado no retrato de uma menina que aparece
duas vezes. No centro o retrato de duas garotinhas na escola foi ampliado e sobreposto à
fotomontagem. A diagramação criou um efeito de close-up na imagem de fundo.
Vale a pena salientar a presença de apenas uma garota negra entre os estudantes
desta reportagem. Ela está à direita, sorridente e olhando diretamente para o fotógrafo e é,
ao lado dos pescadores de Santos e dos lavradores de café, presentes em outras
reportagens, uma das poucas pessoas negras retratadas na Revista.
Em O ensino secundário no estado de S.Paulo o diagramador também utilizou
fragmentos de uma mesma seqüência fotográfica para compor a fotomontagem
267
. Entre os
retratos dos garotos, que foram justapostos para formar o primeiro plano da montagem,
observa-se que o garoto da extrema direita aparece também entre os retratados à esquerda.
Esta fotomontagem integra desenho e fotografia: a formação dos garotos à direita remete-se
267 S.Paulo n.9, p.12-15.
Figura 50. Fotomontagem que enfatiza, por meio da repetição de imagens, o desenvolvimento da educação no
estado, S.Paulo n.6, p. 12, 13a e 13b. Acervo: IEB/USP.
149
ao ponto de fuga do pátio de entrada do edifício, desenhado ao fundo. Nas duas páginas
seguintes novamente Abramo utilizou o potencial de reprodução da fotografia para
multiplicar a ação educativa do estado.
As fotografias da reportagem Colonias de férias registram momentos de lazer na
praia e a fluidez das ondas do mar
268
. O artigo enfatiza que o “repouso racional da creança”
é tão importante quanto a “disciplina de estudo”. Deste modo, colônias de férias como a
destacada na reportagem eram destinadas à “técnica de descanso”, visando garantir ou
melhorar o rendimento e a produtividade de jovens e crianças no trabalho e no estudo.
O governo investiu no ensino profissionalizante pensando em vincular a educação à
produção agrícola e industrial e ao comércio do estado. Neste sentido eram organizadas
exposições sobre o trabalho das escolas, como mostram as reportagens Exposição das
escolas profissionaes e Produção artística e industrial
269
. Organizada de modo semelhante a
um catálogo de divulgação de atividades, a diagramação enfatizou a ginástica feminina e
destacou, entre a produção artística, um gavião de cerâmica marajoara e uma série de
pratos com desenhos estilizados.
O ensino do trabalho na lavoura, na indústria e nas áreas de desenvolvimento
tecnológico fazia parte das atividades masculinas; às mulheres cabia a formação de dona de
casa, com técnicas de costura e artes domésticas em geral. A formação profissional
feminina orientava-se para a manutenção da estrutura familiar tradicional, ao passo que a
educação dos meninos era orientada à produção.
Em localidades específicas o governo incumbiu-se da função de criar centros de
estudo para jovens da região, visando a aplicação direta dos conhecimentos adquiridos na
escola na economia local. Assim funcionava a Escola profissional do Espírito Santo do
Pinhal, que formava jovens para a lavoura e para a pesquisa na área rural, como foi
divulgado no suplemento do exemplar 10. Este assunto foi abordado primeiramente em
Ensino Profissional, nas duas páginas anteriores, com a apresentação das escolas por meio
268 S.Paulo n.8, p.20-21.
269 S.Paulo n.5, p.14-17.
150
de cifras
270
. A formação de jovens para o aproveitamento na economia era marcante nestas
instituições, em que o estudo facilmente se confundia com o trabalho produtivo.
O Instituto de Pesca de Santos, ligado ao Departamento de Indústria Animal, formava
profissionais entre a população litorânea, para o trabalho local
271
. A reportagem mostra
vários aspectos das atividades dos garotos no Instituto. As duas fotografias maiores foram
tomadas de ângulos contrários, câmera baixa à esquerda e câmera alta à direita, de modo
que uma enfatiza o ponto de vista da outra.
Os Clubes de trabalho eram associações agrícolas destinadas a
formar, na primeira mocidade, hábitos de trabalho e de valorização do
esforço humano, a fim de, pela applicação de methodos racionaes,
estimular e fomentar a producção economica do Estado, e facilitar o seu
escoamento mediante a divulgação de melhores practicas de commercio,
tanto do ponto de vista ethico, como technico
272
.
Em complemento ao ensino formal, estes núcleos visam familiarizar a criança e o
adolescente com a produção e o comércio agrícolas para, assim, impulsionar a lavoura
paulista.
A maior obra do governo de Armando de Salles Oliveira no âmbito da educação do
estado foi a criação da USP, em
1934. A Faculdade de Medicina
foi o setor mais destacado nas
reportagens da S.Paulo
273
.
Como complemento das
atividades da USP a Revista
divulgou a criação do Museu de
Etnographia
274
. Imbuído do
“espírito bandeirante moderno” o
Museu visava, segundo a
270 S.Paulo n.10, p.02-03 e suplemento p.04, 05a e 05b.
271 S.Paulo n.4, p.04-05.
272 S.Paulo n.6, p.20-21.
273 S.Paulo n.1, p.22-23 e S.Paulo n.7, capa.
274 S.Paulo n.1, p.20-21.
Figura 51. Elementos gráficos dos objetos do Museu de Etnographia
usados como estrutura de diagramação, S.Paulo n.1, p. 20 e 21.
Acervo: IEB/USP.
151
redação, resgatar e proteger os vestígios de comunidades indígenas destruídas. Esta
marcha moderna tinha sentido investigatório e de preservação histórica, com o intuito de
amenizar as faltas cometidas no passado. As fotografias da reportagem apresentam
indumentárias e instrumentos indígenas existentes no Museu de Etnographia e alguns dos
elementos gráficos destes objetos foram usados como estrutura de diagramação das
páginas. As atividades de instituições como o Horto Florestal e o Instituto Butantan
complementavam as pesquisas da USP
275
.
Alguns pontos turísticos da cidade foram apresentados como lugares de lazer e, ao
mesmo tempo, de aprendizado sobre a história, a ciência e a flora regionais. Em Orquidário
do Estado diversos espécimes de orquídea foram apresentados em close-up
276
. Na última
página da reportagem as imagens foram organizadas como em um álbum, a fim de mostrar
o papel ornamental das flores. O formato de três fotografias justapostas e rotacionadas para
a esquerda foi espelhado na diagramação da reportagem sobre a Polícia Especial, na
seqüência. Este é um exemplo de como algumas soluções gráficas repetiam-se na Revista.
O mesmo aconteceu em Praias Paulistas e Colônia de férias, em que, ao diagramar um
mesmo tema, Lívio Abramo utilizou linhas sinuosas como elemento compositivo
277
. As
orquídeas também foram destacadas por suas formas exóticas e aplicáveis à decoração em
Uma bonita coleção de orquídeas
278
.
A educação incluía ainda a cultura física, tema de capa da S.Paulo de agosto de
1936. Na capa posterior deste mesmo exemplar, Santo Amaro foi apresentado como um
recanto pitoresco da cidade onde se praticava esporte náutico. Segundo o artigo, Santo
Amaro era a tradução de "serenidade e harmonia, revivendo a licção do ideal grego de
saúde do corpo na perfeição do espirito" e o esporte era “um imperativo da nossa própria
formação histórica"
279
. O objetivo era divulgar o incentivo do estado de São Paulo na
275 S.Paulo n.8, p.10.
276 S.Paulo n.4, p.20-22.
277 S.Paulo n.6, p.06 e S.Paulo n.8, p.20-21, repectivamente.
278 S.Paulo n.10, p.16-18.
279 S.Paulo n.8, p.24. Cf. Os recantos pitorescos da capital (S.Amaro), In: S.Paulo n.9, p.08-09.
152
participação dos atletas brasileiros nas Olimpíadas de Berlim daquele ano
280
.
A reportagem Departamento de Educação Physica
281
é composta por uma
fotomontagem que representa de maneira eficaz a importância atribuída à cultura do corpo.
O registro do mergulhador em pleno salto remete-se diretamente ao ângulo de visão da
própria fotografia, em câmera alta. Esta imagem representa um instante passageiro na
trajetória de um corpo em movimento que foi capturado pela câmera e tornou-se perene na
fotografia. Este suplemento mostra em primeiro plano um mergulhador em três momentos
consecutivos do mergulho: primeiro na subida que antecede o salto; logo em seguida em um
instante congelado no ar, e, por fim, dentro da água, num plano mais afastado. Ao lado
aparece a fotografia de um grupo de crianças organizadas numa formação circular. O ângulo
de tomada em close-up permite aproximar a escala das crianças à do homem. A forma dos
elementos estruturais da escada do mergulhador rebate-se na seqüência fotográfica do
exame médico, numa alusão ao formato de uma película cinematográfica. A fotomontagem
sobrepõe diferentes ações e pontos de vistas, dando a idéia de simultaneidade e
280 A cineasta Leni Riefenstahl (1902-1003), convidada por Adolf Hitler, realizou a documentação das
Olimpíadas de Berlim. As imagens dos corpos dos atletas refletem a busca pelo ideal grego de beleza no intuito
de demonstrar a superioridade da raça ariana. O filme resultante, Olímpia, apresenta inovações técnicas e
estéticas. Imagens do documentário podem ser consultados em: http://leni-riefenstahl.de/eng/photo/p_olym.html
281 S.Paulo n.10, p.30a, 30b e 31.
Figura 52. Mergulhador em pleno salto no suplemento Departamento de Educação Physica, S.Paulo n.10, p.30a,
30b e 31. Acervo: IEB/USP.
153
multiplicidade de acontecimentos.
O tema da cultura física continua, nas duas páginas seguintes ao suplemento, em O
estadio municipal do Pacaembu (em construção)
282
. De um lado vê-se o retrato de garotos
na piscina, em close-up, e do outro um desenho do projeto do estádio. Na parte inferior das
páginas um serrilhado, que se remete a perfis de telhados de fábrica e representam
simbolicamente a indústria como o sustentáculo das grandes obras públicas. A prefeitura
pagou para que algumas realizações do município, como esta, fossem divulgadas na
S.Paulo
283
.
Foram pontuadas na
Revista, em especial, as
atividades ligadas aos parques
infantis e ao Departamento
Municipal de Cultura. A
reportagem Play grounds de
São Paulo versa sobre a criação
e as atividades dos parques
infantis do município, cujas
funções eram educação, assistência e recreação. As crianças eram estimuladas a reproduzir
no universo da brincadeira os sistema de administração e organização dos adultos. Neste
sentido, o artigo afirmou que as crianças trabalham: dirigem assembléias, comandam times,
escalam jogadores, elegem seus líderes, desenvolvem um jornalzinho e julgam os casos de
conflito que surgem;
os trabalhos educacionais nos Parques visam o desenvolvimento
simultaneo e homogeneo dos elementos physico, intelectual, moral, estetico
e social, tudo sem forçar a criança, dando-se-lhe a maior liberdade possivel
e procurando educa-la sob formas, modalidades e atividades recreativas
284
.
As fotografias publicadas representam atividades de recreação na piscina, ginástica
282 S.Paulo n.10, p.32-33. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
283 Cf. item 1.2 desta dissertação.
284 S.Paulo n. 3, p.04-05.
Figura 53. Atividade nos parques infantis, S.Paulo n.3, p.04-05.
Acervo: IEB/USP.
154
e distribuição de leite
285
. A diagramação estrutura-se num plano de fundo sobre o qual três
fotografias de garotas foram sobrepostas. Este tipo de recorte proporciona o efeito de close-
up no elemento destacado. Nesta reportagem chama a atenção a presença de uma única
garota negra entre os retratados durante a distribuição de leite e a presença exclusiva de
crianças brancas, entre os grupos de recreação e atividade física que aparecem nas
fotografias. A homogeneização das classes de educação física, citada no texto, explica a
separação entre meninos e meninas mas não a ausência da variada composição racial da
população paulista. A garota negra serve-se do assistencialismo do estado e não aparece
integrada às atividades de educação. As fotografias da revista S.Paulo como um todo
contribuem para a afirmação do povo paulista como uma raça de brancos.
O Departamento de
Cultura foi destaque também na
reportagem sobre a encenação
Náu Catharineta e a Biblioteca
Circulante
286
. A diagramação das
duas páginas é simétrica,
formando uma cruz central com as
imagens. Esta forma é reforçada
pelo cruzamento de duas linhas
ortogonais, na parte inferior, e
pela faixa vertical com o título da reportagem, na parte superior. A página da esquerda
mostra três situações da encenação Náu Catharineta e a da direita, três fotografias da
Biblioteca Circulante. No artigo são anunciadas outras atividades da prefeitura, como o
Coral e Quarteto do Departamento de Cultura da Municipalidade, que seriam focalizadas em
números subseqüentes da Revista
287
. As faixas horizontais da bandeira marcam nesta
reportagem a presença do estado.
285 Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
286 S.Paulo n. 5, p.10-11. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
287 S.Paulo n. 7, p.09.
Figura 54. Diagramação simétrica em reportagens sobre atividades
do Departamento Municipal de Cultura, S.Paulo n.5, p.10-11.
Acervo: IEB/USP.
155
3.5.4 A organização do estado e a segurança pública
A revista S.Paulo divulgou as reformas nas instalações da sede do governo em
Palácio dos Campos Elyseos, com fotografias dos interiores, dos jardins e da fachada
288
.
Outros edifícios públicos também foram apresentados, como Palácio das Indústrias, Instituto
de Higiene, Museu do Ypiranga, Instituto Biologico e Faculdade de Medicina, acompanhados
de seus respectivos históricos
289
. A criação de órgãos para a melhoria da administração
pública foi divulgada na S.Paulo, como em Tribunal de Impostos e taxas, Bolsa de fundos
públicos e As organizações de previdência em São Paulo
290
.
A reportagem Guarda civil é composta por uma fotomontagem de duas páginas que
pode ser comparada estruturalmente com a de Carnaval Paulista de 1936
291
. A nova
288 S.Paulo n.6, p.16-18. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
289 S.Paulo n.2, p.10-11. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
290 S.Paulo n.2, p.22; S.Paulo n.3, p.20-21 e S.Paulo n.7, p.12-21; respectivamente.
291 S.Paulo n.3, p.12-13 e p.10-11, repectivamente.
Figura 55. Fotomontagem de página dupla na reportagem Guarda Civil, S.Paulo n.3, p.12-13. Acervo:
IEB/USP.
156
espacialidade criada mostrou a cidade como um lugar populoso e movimentado. Ao mesmo
tempo a fotomontagem representa a convivência harmônica entre os automóveis, o bonde
elétrico e os transeuntes. Três cenas de rua aparecem em diferentes escalas, criando uma
noção de profundidade, como em uma perspectiva, e diferentes pontos de fuga. Todo o
plano frontal da fotomontagem é circundado por um halo branco. Estas imagens apresentam
alguns policiais entre grupos de garotos, de modo a enfatizar o caráter de proteção atribuído
à Guarda Civil. Na parte superior destacam-se três aspectos da organização da Guarda
num quadro separado da fotomontagem por uma moldura.
O assunto da segurança continua na reportagem Força Pública, com a justaposição
de fotografias isoladas, porém
numa diagramação mais
ordenada e rígida
292
. A
reportagem apresenta imagens
de diferentes momentos de um
desfile comemorativo no intuito
de demonstrar a altivez e a
nobreza da Força. A
diagramação foge da
ortogonalidade por meio da
inclinação de algumas
imagens, porém parece que
esta rotação objetivou apenas
diminuir o estranhamento do
ângulo de tomada da
fotografia. Na continuação da
reportagem, A Força Pública e
292 S.Paulo n.3, p.14-17.
Figura 56. Linhas ortogonais como base para a diagramação da
reportagem Força Pública, S.Paulo n.3, p.14-17.
157
alguns aspectos da sua brilhante atuação, os soldados são apresentados a cavalo como
numa batalha épica. Estas imagens apontam para o vínculo da redação com um heroísmo
romântico, representado fotograficamente segundo uma certa tradição pictórica. Esta
seqüência de reportagens demonstra como o assunto divulgado afetava diretamente a
forma da reportagem. Para mostrar o preparo militar da Força Pública a redação optou por
uma diagramação estável baseada em linhas horizontais e verticais. Em Guarda Civil e
Carnaval Paulista de 1936, em que aparecem pessoas comuns, entre elas crianças e
mulheres, as fotomontagens apresentam-se mais livres e utiliza-se linhas e formas
circulares.
Em Policia Especial as fotografias documentam o aparelhamento moderno e o
treinamento da unidade
293
. Neste sentido, o artigo ressalta pormenores dos armamentos,
como a metralhadora Schemeisser
294
, citada três vezes. A construção gráfica desta
293 S.Paulo n.4, p.22-23.
294 Tipo de metralhadora de mão (Maschinenpistole) ou submetralhadora criada pelos alemães nos anos 1930
para uso policial. Alguns modelos ficaram conhecidos por Schmeisser devido ao nome de um desenhista de
armas.
Figura 57. Diagramação espelhada de temas contrastantes, S.Paulo n.4, p.22-23. Acervo: IEB/USP.
158
reportagem dialoga diretamente com a página sobre as orquídeas, que a antecede. A
aproximação visual entre estas reportagens torna menos impactante o aparato militar
divulgado em Polícia Especial. Reportagens como esta representam a retomada da ordem
pública de São Paulo pelos próprios paulistas. A preocupação do estado em demonstrar
preparo militar é decorrente da derrota paulista no Movimento Constitucionalista de 1932. A
redação evita citar diretamente o Movimento, mas a reorganização da administração pública
e algumas reformas remetem-se a ele, como a reconstrução das pontes destruídas durante
o conflito
295
. O suplemento Pontes para a economia bandeirante desenvolve o assunto,
apresentando grandes ampliações fotográficas das modernas estruturas das pontes ao lado
de um esquema do rio Tietê
296
. O desenho dos bandeirantes à beira do rio pode ser
comparado às ilustrações do livro Marcha para Oeste, ambos de Lívio Abramo.
Em Rádio Patrulha as fotografias mostram os equipamentos usados pela Secretaria
de Segurança Pública para patrulhamento à distância
297
. Na reportagem Corpo de
Bombeiros, na primeira página, destacam-se os equipamentos, o carro e a escada “typo
moderno” da corporação
298
. As fotografias demonstram que as cenas registradas eram
simulações de um atendimento, como pode ser visto na fotografia da última página,
sangrada em três lados, na qual
dois soldados seguram a
mangueira d’água apontada
para a câmera. A textura do jato
criou uma imagem difusa, com
aspecto de gravura, cujo efeito
desfocado pode ser aproximado
do pictorialismo na fotografia. O
artigo chamou a atenção para
295 S.Paulo n.1, p.03.
296 S.Paulo n.9, p.04, 05a e 05b.
297 S.Paulo n.10, p.10-11. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
298 S.Paulo n.10, p.23-25.
Figura 58. Fotografia em negativo, fotomontagem e imagem difusa na
reportagem Corpo de Bombeiros, S.Paulo n.10, p.24-25. Acervo:
IEB/USP.
159
“uma curiosa photographia em negativo” de alguns edifícios da cidade, publicada na página
anterior. Ao fazer isto a redação destaca a característica do processo fotográfico, que
permite a reprodução da imagem a partir de uma matriz. Esta fotografia faz parte de uma
fotomontagem que juntou pelo menos dois negativos, uma vista lateral em close-up de dois
soldados armando uma escada e uma fotografia em câmera alta de um grupo de bombeiros.
Estas fotografias parecem ter sido realizadas no próprio pátio do batalhão dos bombeiros.
O crescimento da capital paulista era um dos fatores que determinavam a
modernização da organização do estado e dos aparatos de controle da ordem pública.
3.5.5 Urbanização e obras públicas
A urbanização de São
Paulo é bem representada pela
fotomontagem de O sentido
paulista da vida quer dizer:
organização
299
(ver figura 10). A
modernização da capital paulista
destaca-se em reportagens como
Anhangabahú e O novo viaducto
do Chá
300
. Nesta última, imagens
do primeiro viaduto da cidade, sob o qual foi aterrado um rio, são publicadas ao lado do
projeto de construção do novo Viaduto do Chá, em concreto armado, para permitir também o
tráfego do bonde elétrico
301
. No rodapé das páginas a fotografia frontal de um automóvel,
símbolo de movimento, velocidade, técnica e riqueza material, foi transformada em um
299 S.Paulo, n.1, p. 10-11, cf. item 2.2.
300 S.Paulo, n.7, p. 22-23.
301 O antigo viaduto, que aparece na fotografia reproduzida na Revista, foi demolido em 1938 e o novo foi
reconstruído neste mesmo ano, em concreto armado e com a largura duplicada. Imagens do viaduto podem ser
consultadas em: http://www.aprenda450anos.com.br/450anos/vila_metropole/2-3_viaduto_cha.asp e
http://www.abril.com.br/especial450/materias/viaduto/index.html.
Figura 59. Fotografia de um automóvel repetida diversas vezes no
rodapé das páginas de Anhangabahú e O novo viaducto do Chá,
S.Paulo n.7, p.22-23. Acervo: IEB/USP.
160
módulo que se repete por toda a extensão horizontal das páginas.
Logo no primeiro exemplar a reportagem 3 casas por hora! mostra a crescimento
urbano de São Paulo.
Não exemplo no mundo de igual numero de construcções. Coisa igual
apenas se verificou em S.Paulo mesmo, no ano de 1928. Após um largo
declinio, cujas causas não convem relembrar, o renascimento da confiança
na situação determinou este novo e extraordinario surto de progresso
urbano
302
.
A construção de edifícios na cidade é abordada em duas reportagens que se
complementam. A primeira, Edifícios modernos de S. Paulo, apresenta fotografias em
câmera baixa de arranha-céus
de “linhas sóbrias”, que
caracterizam, segundo o artigo,
as gigantescas metrópoles
americanas
303
. À esquerda, três
fotomontagens criam o visual
de uma metrópole de grande
progresso, como se os edifícios
brotassem do solo e se
ramificassem na superfície. A
reportagem Novos edifícios de
S.Paulo remete-se diretamente
à anterior por meio do tema e
da concepção gráfica
304
. A
palavra modernos foi
substituída por novos, mas
ambos os termos possuíam
significado semelhante na
302 S.Paulo, n.1, p. 08-09.
303 S.Paulo, n.4, p. 06-07.
304 S.Paulo, n.10, p. 08-09.
Figura 59. Documentação fotográfica de edifícios da capital paulista,
S.Paulo n.4, p.06-07 e S.Paulo n.10, p.08-09, respectivamente.
Acervo: IEB/USP.
161
época, pois, moderno caracterizava a busca pelo novo. A documentação fotográfica
publicada na Revista revela a procura dos fotógrafos por ângulos não convencionais. Nesta
reportagem específica, Abramo optou por acrescentar uma fotografia em negativo no centro
das páginas. Parte do título também surge em negativo, demonstrando a familiaridade do
diagramador com a técnica fotográfica e com o processo de elaboração da matriz de
impressão da Revista. Os artigos destas duas reportagens possuem o mesmo conteúdo,
sendo que na primeira o texto foi publicado em dois idiomas e na segunda somente em
inglês.
Bairros Residenciaes divulga a parceria entre o município e a iniciativa privada no
planejamento urbano
305
. O artigo ressalta o "alto espírito de civilização" do paulistano por
meio de fotografias de casas de alto padrão escalonadas numa estrutura diagonal
ascendente da esquerda para a direita. Este era o estilo de morar da elite econômica
paulistana, cujo urbanismo exclui as áreas pobres da metrópole.
Em A catedral de S.Paulo (em
construção) foram justapostas
fotografias de fragmentos da
arquitetura e do madeiramento
da construção
306
. A futura
fachada da catedral é mostrada
pela reprodução de um desenho,
que está ao lado de outro, que
representa a antiga igreja que
fora demolida. As fotografias documentam o processo de construção e, para caracterizar as
dimensões do templo, foram tomadas em câmera baixa, enfatizando a verticalidade da
edificação. Algumas imagens de trabalhadores, quase camuflados em meio à obra, dão a
referência da escala humana ao novo templo.
305 S.Paulo, n.3, p. 18-19.
306 S.Paulo, n.6, p. 04-05.
Figura 60. Construção da Catedral da Sé, S.Paulo n.6 p.04-05.
Acervo: IEB/USP.
162
Além da capital, obras de incentivo do governo foram realizadas em outros
municípios do estado. Em Uma cidade em 5 annos Marília é destacada como um novo
centro de produção onde a urbano sobrepõe-se ao rural
307
. Assistencia technica e financeira
aos municipios divulga os investimentos do governo na implantação de serviços de água e
esgoto
308
. Na reportagem o empilhamento de tubos de concreto quase a perder de vista
materializa quantitativamente a assistência do estado.
São Paulo cidade Bandeirante mostra os traçados de novas avenidas da cidade,
como a São João, a Nove de Julho, a Rebouças e a Brasil. O tema desta reportagem é
retomado no suplemento As novas construções e as novas avenidas de S.Paulo, que a
sucede
309
. O suplemento estrutura-se em três partes, a primeira enfatiza a máquina, a
segunda o trabalho humano e a terceira o resultado do esforço de ambos, revelado na
paisagem da cidade.
A obra da Light no Alto da Serra foi um grande empreendimento para a engenharia
paulista. A reportagem sobre ela inicia-se com três fotografias do local, publicadas ao lado
307 S.Paulo, n.2, p. 14.
308 S.Paulo, n.4, p. 18-19.
309 S.Paulo, n.8, p. 11 e p. 12, 13a e 13b, respectivamente. Cf. APÊNDICE B desta dissertação.
Figura 61. Suplemento As novas construções e as novas avenidas de S.Paulo, S.Paulo n.8 p.12, 13a e 13b.
Acervo: IEB/USP.
163
do editorial do exemplar 5. A
maior organização
hydrodymnamica da America do
Sul desenvolve-se nas cinco
páginas seguintes
310
. Na
abertura da reportagem, um
avião sobrevoa o lago artificial
do Alto da Serra que, segundo o
artigo, é um aspecto do "mundo
creado pelo homem". A vista
traseira do avião, tendo atrás dele a água represada, simula a sensação de chegada ou
partida de um visitante ao local. O aproveitamento do potencial hidroelétrico na produção de
energia para o abastecimento da cidade de São Paulo é o foco da reportagem. A imagem de
dois operários, agigantados pelo ângulo em câmara baixa, simboliza a índole desbravadora
paulista
311
. Esta obra da Light testemunha a supremacia da técnica do homem sobre a
natureza, primeiro por ter vencido os obstáculos geográficos da serra e os desafios técnicos
da obra e, segundo, por
possibilitar a exploração da noite
na cidade iluminada, como
mostra a fotografia noturna da
sede da Light, no
Anhangabaú
312
. O uso da
fotografia em contraluz e do
negativo como recurso de
diagramação enfatizam o tema
310 S.Paulo, n.5, p. 03-07.
311 S.Paulo, n.5, p. 04-05.
312 S.Paulo, n.5, p. 07.
Figura 62. Obras da Light no Alto da Serra e vista aérea da represa,
S.Paulo n.5 p.02-03. Acervo: IEB/USP.
Figura 63. Operários nas obras da Light, agigantados pela tomada
fotográfica em câmera baixa, e vista lateral de um avião sobre a
represa, S.Paulo n.5 p.04-05. Acervo: IEB/USP.
164
da reportagem
313
. Na página seguinte, uma fotomontagem representa a monumentalidade
dos tubos adutores e de uma
turbina em contraste com a
imagem de pequenos
trabalhadores. Os artigos da
reportagem possuem versões
parciais em inglês. Segundo a
redação, os números e as
imagens das obras da Light
possuem "um sentido bem
paulista".
Para concluir este item, podemos afirmar que os diretores Cassiano Ricardo e
Menotti del Picchia tinham total controle sobre o conteúdo da S.Paulo. Apesar de as
realizações da administração de Armando de Salles Oliveira terem sido tema da maior parte
das reportagens da Revista, elas serviam para dar aparência moderna à ideologia
conservadora do grupo ultra nacionalista dos Verda-Amarelos, que havia se reorganizado
naquele momento no Movimento Cultural Bandeira. Numa leitura atenta da Revista fica
patente como toda a modernização do estado de São Paulo por ela divulgada foi, de alguma
forma, refletida sobre o passado colonial paulista.
Os diretores da S.Paulo fortaleceram-se como intelectuais nos anos 1930 e, apesar
de defenderam o regionalismo paulista, passaram a ter atuação nacional logo após o golpe
do Estado Novo. A transferência do projeto da S.Paulo, inclusive com reaproveitamento de
imagens, para a publicação da revista Brasil Novo evidencia a autonomia de Cassiano
Ricardo como idealizador de ambas. O golpe de estado de 1937, que mudou a política do
país, levou à queda do governo estadual e do grupo liberal, mas não abalou a reputação dos
313 S.Paulo, n.5, p. 06.
Figura 64. Fotografia em contraluz, fotomontagem e imagem noturna
da sede da Light, S.Paulo n.5 p.06-07. Acervo: IEB/USP.
165
diretores da S.Paulo como intelectuais.
O culto à memória e à história de São Paulo na Revista legitima sua orientação
ideológica. Adeptos de uma vertente do modernismo que valorizava a tradição arraigada ao
território, os diretores empenharam-se em transformar a Revista em um testemunho
histórico das ações dos bandeirantes dos tempos coloniais. A divulgação do projeto do
Monumento das Bandeiras na Revista foi a oportunidade ideal para que a direção pudesse
justapor a tradição conservadora da ideologia da marcha à modernização do estado de São
Paulo daquele momento. A Revista transferiu simbolicamente as qualidades do passado
para Armando de Salles Oliveira, chamado de “bandeirante moderno”. Deste modo, a
própria S.Paulo incumbiu-se de afirmar a coexistência em seu projeto de valores ambíguos.
O conceito de marcha das imagens possibilitou o estudo da concepção gráfica da S.Paulo,
estruturada em fotografias, juntamente com o seu conteúdo conservador, baseado na
ideologia da marcha. As análises apresentadas confirmaram que a principal chave de
interpretação da Revista é o entendimento de que nela convivem a tradição e o moderno,
sem que um aspecto anule o outro.
O desenvolvimento da economia paulista foi registrado nas fotografias, tanto dos
processos de produção quanto das obras públicas. O trabalho foi destacado como um valor
moral paulista ao lado da educação e da assistência, oferecidas pelo estado como garantias
do controle social. Os recursos gráficos aplicados na S.Paulo, dentre eles a técnica de
impressão em rotogravura e a fotomontagem, foram determinantes para que a Revista
pudesse ter um visual moderno. À imagem fotográfica foi atribuída função documental na
Revista, porém, sua concepção gráfica dava flexibilidade à diagramação, que podia explorar
a qualidade de verossimilhança da fotografia criando novas imagens. A S.Paulo contribuiu
para a afirmação da identidade nacional de cunho regional ao criar um imaginário para São
Paulo moderno. A contradição é uma das características da modernidade da Revista.
166
CONCLUSÃO
A revista S.Paulo é uma produção cultural importante para o entendimento da história
da fotografia e da imprensa ilustrada no Brasil. Trata-se de uma publicação com
características singulares que representa um dos usos isolados da fotografia moderna no
país. Busquei reunir nesta dissertação toda a documentação encontrada sobre a S.Paulo, a
fim de que sirva de referência para outros pesquisadores e possa contribuir para futuras
pesquisas relacionadas à produção visual e ao papel de intelectuais no mercado editorial, na
política e em instituições culturais. Este trabalho dá continuidade à linha de estudos culturais
desenvolvida por outros autores, tendo a fotografia como interesse principal. Durante o
desenvolvimento desta pesquisa observei vários desdobramentos possíveis a partir das
interseções da Revista com diferentes áreas de conhecimento. A análise de um objeto
cultural como este engendrou necessariamente um trabalho interdiciplinar.
No decorrer desta dissertação busquei apresentar a revista S.Paulo a partir de uma
análise crítica e pormenorizada de vários de seus aspectos que me pareceram relevantes. O
principal objetivo foi estudar a mensagem da Revista, considerando que a ideologia por ela
divulgada e a concepção gráfica que lhe dá forma estão intimamente vinculadas. Para tanto,
voltei-me para o estudo dos usos e funções da fotografia impressa nos anos 1930 e da
construção da identidade regional paulista, baseada no bandeirantismo. Lancei mão da
imagem da marcha para o oeste e propus como chave de interpretação da revista S.Paulo a
marcha das imagens.
O governador Armando de Salles Oliveira foi a figura política fundamental para a
realização da Revista. Ele era o administrador do estado no período em que ela circulou e
deu seu apoio ao projeto. Por mais que a S.Paulo promovesse as realizações do governo de
Salles Oliveira, o conteúdo dos artigos refletia o pensamento do grupo Verde-Amarelo por
meio dos diretores Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia. A autonomia da redação em
relação ao governo e a ousadia da concepção gráfica da Revista devem-se ao caráter de
167
experiência a ela atribuído.
Nos anos 1930, ao mesmo tempo em que crescia a descrença no liberalismo, devido
ao trauma da Primeira Guerra Mundial, à crise econômica de 1929 e ao perigo comunista,
correntes políticas autoritárias ganhavam força, inclusive no Brasil. O grupo liberal do jornal
O Estado de S.Paulo, por exemplo, do qual fazia parte o governador, apoiava medidas
anticonstitucionais desde 1935, tendo assumido uma postura ambígua. As incertezas
políticas desse período abriram espaço para o crescimento de grupos como o Movimento
Cultural Bandeira (MCB) e a Ação Integralista Brasileira (AIB), orientados pela ideologia
conservadora dos verdamarelistas, que fortaleceram o governo centralizador de Getúlio
Vargas, culminando no golpe de estado de 1937.
Na redação da S.Paulo encontravam-se os dois principais fundadores do MCB,
Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia. Estes diretores detinham o controle do conteúdo da
Revista e gozavam de credibilidade junto ao governador. Eles determinavam a orientação
ideológica da S.Paulo, que tornou-se, no decorrer do ano de 1936, cada vez mais próxima
do verdamarelismo e independente do governo. A Revista tinha autonomia ideológica em
relação ao governador. O Partido Constitucionalista (PC) apenas gerenciava as finanças da
redação e garantia a divulgação das obras do governo do estado. Leven Vampré, membro
diretor da Revista e representante do PC, não exercia influência de fato na redação. Os
diretores verdamarelistas usavam as realizações de Salles Oliveira para dar visualidade,
como um testemunho histórico, ao passado colonial paulista.
A S.Paulo era vinculada ao governador, porém, devido à sua autonomia ideológica
não tinha um direcionamento político definido. Os interesses dos intelectuais da redação
sobrepuseram-se aos do governo. Cassiano Ricardo foi o idealizador e o principal ideólogo
da Revista. Busquei em sua trajetória literária, principalmente nos livros Martim Cererê e
Marcha para Oeste, a raiz da ideologia da marcha, conceito que adotei para a reflexão sobre
a ideologia da S.Paulo. Em fins de 1936 Armando de Salles Oliveira lançou sua candidatura
à presidência da República e, a partir de então, todos aqueles que o apoiavam passaram a
168
ser inimigos de Vargas. O último exemplar da S.Paulo circulou em dezembro daquele ano.
Após o golpe do Estado Novo os partidários do ex-governador caíram, foram perseguidos e
exilados. Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia, no entanto, acabaram fortalecidos como
intelectuais e assumiram cargos de confiança nos Departamentos de Imprensa e
Propaganda do novo regime. Isto demonstra que para os vedamarelistas a atividade política
não se dissociava da artística e cultural, para as quais eles propunham um debate estético,
adequado aos ideais do situacionismo político, com base em suas teses ultranacionalistas.
A elite paulista, derrotada no Movimento Constitucionalista de 1932, ufanava-se, em
meados da década de 1930, com a retomada da autonomia política do estado e com a
reorganização de sua administração e economia. Armando de Salles Oliveira o foi
articulador destas conquistas, que estão divulgadas nas reportagens da S.Paulo.
Considero que a utilização da fotografia como estrutura da concepção gráfica da
Revista visava atribuir caráter documental à publicação. As imagens fotográficas, mesmo
quando usadas em fragmentos e fotomontagens, tinham função testemunhal na S.Paulo. Os
fotógrafos eram incumbidos de registrar as realizações do governo, materializadas na
paisagem do estado. A verossimilhança da imagem, apesar da pós-produção pela qual
passavam, era explorada pela redação como prova dos fatos. A crise do liberalismo e as
incertezas sócio-políticas do momento de surgimento da Revista parecem ter contribuído
para uma descrença no mundo real e uma crença nas imagens. A fotografia como elemento
discursivo na Revista visava também torná-la acessível a analfabetos e estrangeiros.
Os fotógrafos registraram diferentes aspectos do estado, utilizando muitas vezes
ângulos não convencionais (close-up, câmera alta e baixa, vista aérea), porém sem distorcer
demasiadamente o objeto, a fim de não perder sua clareza. As fotomontagens da Revista,
diferentemente da dadaísta e surrealista, por exemplo, não constroem espaços que
deslocam as fotografias do universo do qual faziam parte isoladamante. As fotomontagens
foram exploradas mais como técnica inovadora moderna do que como método de
169
desconstrução do real na S.Paulo, característica que a aproxima da revista SSSR na
stroike.
A condição material da Revista mostra também o progresso técnico e o
desenvolvimento econômico de São Paulo, reforçados pelas imagens da produção agrícola
e industrial, da educação e das grandes obras públicas. As fotografias, por meio da seriação
dos objetos ou repetição de uma forma modular, contribuem para uma representação
quantitativa, e não qualitativa, do progresso de São Paulo. Para os verdamarelistas, a
natureza dominada pelo homem era, por excelência, o fator representativo do progresso,
independentemente das condições da sociedade.
A diagramação moderna da Revista só foi possível devido à técnica de impressão em
rotogravura. A transferência das imagens fotográficas, desenhos e textos para um suporte
transparente e flexível dava liberdade de criação ao diagramador Lívio Abramo. Durante o
preparo das páginas, para o delicado processo de gravação da matriz de impressão, todos
os seus elementos gráficos eram tratados como imagem na transferência fotográfica de um
suporte a outro, ou seja, do filme em folha ao papel de gelatina. O pressuposto da
reprodutibildade técnica da fotografia foi determinante, tanto para o tipo de imagem
publicado na Revista, quanto para o processo de sua impressão. A técnica fotográfica
possibilitou a Abramo utilizar na diagramação textos e fotografias em negativo, assim como
repetir a mesma imagem em reportagens diferentes e com tamanhos variados. A
rotogravura garantiu também a produção de tiragens em grande escala, num curto período
de tempo, sem perda das gradações de tonalidades da imagem fotográfica. O próprio
processo de produção da S.Paulo era condizente com a lógica industrial.
O rápido crescimento de São Paulo, desde fins do século XIX, acarretou uma
repentina mudança na vida de seus habitantes. O descompasso entre conteúdo e técnica
nas publicações paulistas das primeiras décadas do século XX chama a atenção. Os
recursos técnicos eram os mais modernos disponíveis no momento, em conexão com a
modernização, no entanto, permanecia o cultivo às tradições e a temática ufanista no
170
conteúdo. Este aparente desequilíbrio entre tradição e modernidade existe na S.Paulo. Se
por um lado nela foram aplicados recursos técnicos e estéticos modernos, seu conteúdo é
marcado pelo tradicionalismo. A imagem de modernidade criada pela revista S.Paulo não foi
acompanhada pela transformação dos valores tradicionais que regiam a sociedade. Os
diretores legitimaram a iconografia inventada sobre os bandeirantes, por meio da qual
atualizaram os mitos do passado transferindo-os para o presente. A ideologia da marcha
sobrepôs as temporalidades e veiculou um imaginário de uma história universal que ganhou
materialidade na Revista. A modernização, num contexto não preparado para as mudanças
que acarreta, gera contradições e ambigüidades, como ocorreu no panorama cultural
brasileiro.
A fotografia, a partir de seu desenvolvimento industrial, está no cerne da reflexão de
Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica da obra de arte. O filósofo alemão
constatou que as mudanças ocorridas nas condições de produção econômica refletiram-se
tardiamente nos setores culturais. Esta afirmação ainda me parece válida atualmente,
guardadas as devidas diferenças. A proliferação, que presenciamos hoje, de imagens de
qualidade fotográfica, advém de mudanças ocorridas na própria tecnologia de produção e
circulação de fotografias, que segue a lógica do consumo capitalista. Rapidamente uma
imagem substitui outra, não por apresentar uma novidade em si, mas por ser nova enquanto
produto. A descartabilidade da fotografia fica ainda mais evidente com a tecnologia de
câmeras digitais e a produção de imagens numéricas. Além de acarretar mudanças no modo
de fotografar e de se relacionar com a imagem, a tecnologia digital transforma a maneira
como gerenciamos nossa memória, pessoal e institucionalmente.
A circulação de informações, a comunicação e o convívio social em ambientes
virtuais alteram a noção moderna de fronteira, que está na base da formação da identidade
nacional ou regional. Entender o imaginário moderno construído por um grupo social
específico do passado, talvez possa contribuir para o entendimento da complexidade do
presente.
171
REFERÊNCIAS
314
ABRAMO, Lélia. Vida e arte: memórias de Lélia Abramo. o Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1997. 272p.
ABUD, Kátia. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições: a construção de um
símbolo paulista: o Bandeirante. 1985. 242fls. Tese (Doutorado em História Social) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1985.
ADES, Dawn. Fotomontaje. Tradução Elena Llorens Pujol. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.
176p.
ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. Tradução Julia Elisabeth Levy et al.
São Paulo: Paz e terra, 2002. 134p. (coleção leitura, 51).
ALBERA, François. Eisenstein e o construtivismo russo. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro.
São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 372p.
ALMEIDA, Claudio Aguiar. O cinema como “agitador de almas”: Argila, uma cena do
estado novo. São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999. 260p.
AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. 5. ed. São Paulo: editora 34, 1998.
336p.
ANDRADE, Mário. Aspectos das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Martins, 1965.
100p.
______. Será o Benedito?. São Paulo: EDUC/Giordano, 1992. 117p.
ANDREW, J. Dudley. As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução Teresa
Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. 272p.
ARCHANGELO, Rodrigo. O político encena: um exercício de compreensão histórica dos
cinejornais. In:ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 18, 2006, Assis. O historiador e
seu tempo. Assis, ANPUH, 2006. Cd-rom.
ARAGON, Louis. Les Collages. Paris: Hermann, 1980. 158p.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos.
Tradução Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
710p.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. Tradução
Ivonne Terezinha de Faria. 6 ed. São Paulo: Edusp: Pioneira, 1991. 503p.
AUGUSTO, Sérgio. Quando a propaganda virou arte de vanguarda. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 02 de março de 2002. Caderno 2, p. D5.
AUMONT, Jacques. A Imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu e Cláudio César Santoro.
314 De acordo com Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) – NBR 6023.
172
2 ed. Campinas: Papirus, 1995. 320p. (Série Ofício de Arte e Forma).
BALANDIER, George. O poder em cena. Tradução Luiz Tupy Caldas de Moura. Brasília:
Editora da UNB, 1982. 78p. (Coleção Pensamento Político, 46).
BANN, Stephen (ed.). The tradition of Constructivism. London: Thames and Hudson,
1974. 334p. (The documents of 20th-century art)
BARDI, Pietro Maria. Em torno da fotografia no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris,
1987. 137p.
BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. In: LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura
de massa. Tradução César Bloom. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 325-338.
______. Sobre a fotografia. In: BARTHES, Roland. O grão da voz. Trad. Anamaria Skinner.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p.385-392.
______. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Tradução Lea Novaes. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990. 284p.
______. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução Castanon Guimaraes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 185p.
BASTIDE, Roger. Brasil, terra de contrastes. Tradução Maria Isaura Pereira Queiroz. 5 ed.
São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973. 282p. (Corpo e Alma do Brasil 2).
BAUDELAIRE, Charles. A Modernidade de Baudelaire. Tradução Suely Cassal. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1988. 212p.
BAUFELDT, Uwe. Artes gráficas: transferência e impressão de informações. Tradução e
adaptação Francisco Callado; Herbert Fritz Bierast. São Paulo: Escola SENAI Theobaldo de
Nigris/ABTG - Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica, 2000. 593p.
BENDAVID-VAL, Leah. Propaganda and dreams - photographing the 1930s in the USSR
and the US: catálogo. Zurich/New York: Stemmle, 1999. 224p. Catálogo de exposição - The
Corcoran Gallery of Art, Washington DC.
BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre a literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet. 3. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1987. p. 91-107. (Obras Escolhidas, vol.1).
______. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet. 3.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 165-196. (Obras escolhidas, vol.1).
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade.
Tradução Carlos Felipe Moisés; Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das Letras,
1986. 440p.
BOIS, Yve-Alain. El Lissitzky: radical reversibility. Art in America, New York, v. 76, n.4, p.
160-181, apr. 1988.
173
BREFE, Ana Cláudia Fonseca. O Museu Paulista: Affonso de Taunay e a memória nacional,
1917-1945. São Paulo: Editora Unesp: Museu Paulista, 2005. 336 p.
BRUNO, Ernani da Silva (org.). Memórias da cidade de São Paulo: depoimentos de
moradores e visitantes 1553/1958. São Paulo: Secretaria Municipal de
Cultura/Departamento do Patrimônio Histórico, 1981. 218p.
BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
354p.
CACCESE, Neusa Pinsard. Festa: contribuição para o estudo do modernismo. São Paulo:
IEB/USP, 1971. 242p.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. MENDES, Ricardo. Fotografia: cultura e fotografia
paulistana no século XX. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. 177 p. (Série
São Paulo: a cidade e a cultura, fotografia).
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e
no peronismo. São Paulo: Fapesp/Papirus, 1998. 311p.
______. A propaganda política no varguismo e no peronismo: aspectos teórico-
metodológicos de uma análise sobre história política. História: questões e debates.
Curitiba, v. 14, n. 26/27, p.196-218, jan/dez 1997.
______. O Nazismo e a produção da guerra. Revista USP - dossiê 50 anos do final da
segunda guerra. São Paulo, n. 26, p. 82-93, junho/julho/agosto 1995.
______. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista (1920-1945). São Paulo: Brasiliense,
1989. 258p.
______. O movimento de 1932: a causa paulista. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. 96 p.
(Coleção Tudo é história).
CAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Lígia. O bravo matutino: imprensa e
ideologia no jornal “O Estado de S.Paulo”. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. 176p.
CARVALHO, Telma Campanha de. Fotografia e Cidade: São Paulo na Década de 1930.
1999. Dissertação (Mestrado em História) - Pontíficie Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 1999.
CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma manhã: BJ Duarte e o cinema brasileiro:
Anhembi 1950-1962. 1992. 2 vols. Tese (doutorado em sociologia) Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
______. Verbete B.J. Duarte [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<[email protected]> em 09 ago. 2005.
CHÉROUX, Clément. Les récréations photographiques: um répertoire de formes pour les
avant-gardes, Études Photographiques, [Paris], n.5, p. 72-97, nov. 1998. (Société française
de photographie).
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 12 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. 128p. (Coleção
174
Primeiros Passos, 13).
CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. 2 ed.
Rio de Janeiro: Paz e terra/Centro de Estudos de Cultura Contemporâna, 1978. 212 p. (série
CEDEC/Paz e terra; v.3)
CHIARELLI, Domingos Tadeu. Um jeca nos vernissages. São Paulo: Edusp, 1995. 264p.
(Texto e Arte, 11).
______. Lívio Abramo e a conciliação tensa de opostos. In: PAÇO IMPERIAL E MUSEU DE
ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. (Rio de Janeiro/ São Paulo) Matrizes do
espressionismo no Brasil: Abramo, Goeldi e Segall. Rio de Janeiro/ São Paulo: Ministério
da Cultura-IPHAN/ Museu Lasar Segall, 2000. Catálogo de exposição.
______. A fotomontagem como “introdução à arte moderna”: visões modernistas sobre a
fotografia e o surrealismo. Ars - revista do departamento de artes plásticas, São Paulo,
vol. 01, n. 1, p. 66-81, 1º semestre 2003.
CORRÊA, Nereu. Cassiano Ricardo: o prosador e o poeta. Rio de Janeiro: José Olympio,
1976. 90p.
COSTA, Helouise. Aprenda a ver as coisas: fotojornalismo e modernidade na revista ‘O
Cruzeiro’. 1992. 190fls. Dissertação (mestrado em Artes) Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
______. Um olhar que aprisiona o outro: o retrato do índio e o papel do fotojornalismo na
revista O Cruzeiro. Revista Imagens, Campinas, n.2, p. 82-91, agosto 1994.
______. Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. 1999. 2 vols. Tese
(doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1999.
COSTA, Helouise; SILVA, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo:
Cosac Naify, 2004. 224p.
CRUZ, Heloísa de Faria. (org.). São Paulo em revista: catálogo de publicações da
imprensa cultural e de variedades paulistana 1870-1930. o Paulo: Arquivo do Estado,
1997. 280p. (coleção memória, documentação e pesquisa, 4).
______. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana 1890-1915. São Paulo:
EDUC/ Fapesp/ Arquivo do Estado de São Paulo/ Imprensa Oficial SP, 2000. 224p.
______. A imprensa paulistana: do primeiro jornal aos anos 50. In: PORTA, Paula (org.).
História da cidade de São Paulo: a cidade no Império. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
Capítulo 8, p. 351-358 (v.2).
DABROWSKI, Magdalena et al. Aleksander Rodchenko. New York: The Museum of
Modern Art, 1998. 336p.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997. 238p.
175
DECCA, Edgar Salvadori de. 1930: o silêncio dos vencidos. 6 ed. São Paulo: Brasiliense,
1994. 209p.
DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1999. 320 p. (Prismas).
DUARTE, Benedito Junqueira. BJ Duarte: caçador de imagens. Textos: Rubens Fernandes
Junior, Michael Robert Alves de Lima, Paulo Valadares. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 207p.
______. Crônicas da memória: a luz fosca do dia nascente. São Paulo: Massao Ohno-
Roswitha Kempf, 1982a. (v.1).
______. Crônicas da memória: Caçadores de imagens. São Paulo: Massao Ohno-
Roswitha Kempf, 1982b. 222p. (v.2).
______. Crônicas da memória: Lâmpada cialítica. São Paulo: Massao Ohno-Roswitha
Kempf, 1982c. (v.3).
DUARTE, Paulo. Memórias: as raízes profundas. São Paulo, Hucitec, 1974. 260p. (v.1).
______. Memórias: a inteligência da fome. São Paulo, Hucitec, 1975. 330p. (v.2).
______. Memórias: selva oscura. São Paulo, Hucitec, 1976a. 394p. (v.3).
______. Memórias: os mortos de Seabrook. São Paulo, Hucitec, 1976b. 442p. (v.4).
______. Memórias: apagada e vil mediocridade. São Paulo, Hucitec, 1977a. 326p. (v.5).
______. Memórias: ofício de trevas. São Paulo, Hucitec, 1977b. 330p. (v.6).
______. Memórias: miséria universal, miséria nacional e minha própria miséria. São Paulo,
Hucitec, 1978a. 332p. (v.7).
______. Memórias: vou-me embora pra Pasárgada. São Paulo, Hucitec, 1978b. 346p. (v.8).
______. Memórias: e vai começar uma era nova. São Paulo, Hucitec, 1979. 324p. (v.9).
______. Memórias: o espírito das catedrais. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1980. 530p. (v.10).
______. História da imprensa em São Paulo. São Paulo, ECA/USP, 1972. 52p.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução Marina Appenzeller. 7.
ed. Campinas: Papirus, 2003. 268p. (Série Ofício de Arte e Forma).
EGBERT, Donald Drew. El arte y la izquierda en Europa: de la Revolución Francesa a
Mayo de 1968. Traducción Homero Alsina Thevenet. Barcelona: Gustavo Gili, 1981. 807 p.
(GG Arte)
______. El arte en la teoria marxista y en la practica sovietica. Traducción Marcelo
Covián y Tomás Guido Lavalle. Barcelona: Tusquets, 1973. 96 p. (Cuadernos Infimos 43).
176
EISENSTEIN. Sergei. A forma do filme. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1990. 227p.
EVANS, David. Brecht’s War Primer: the “photo-epigram” as poor monument, Afterimage,
March-April, 2003. Disponível em: http://www.findarticles.com . Acesso em: 26 abr. 2004.
______. John Heartfield: AIZ/VI 1930-38. New York: Kent Fine Art, 1992. 524p.
FABRIS, Annateresa. Entre arte e propaganda: fotografia e fotomontagem na vanguarda
soviética. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v.13, n.1, p.99-132, jan.- jun. 2005.
______. Fotomontagem e surrealismo, Revista USP, São Paulo, n.55, p. 143-151, set./nov.
2002.
______. (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
304p. (Texto e Arte, 3).
______. O novo refletor do mundo. In: Aleksander Rodchenko: a fotografia como máquina
da História. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 1997. Catálogo de exposição.
______. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996. 194p. (Artistas brasileiros).
______. (org.). Modernidade e modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras,
1994. 160 p. (coleção arte: ensaios e documentos).
______. Fotomontagem como visão política. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 de outubro
de 1987. Folhetim 559, p.04.
FATORELLI, Antonio. Fotografia e modernidade. In: SAMAIN, Etienne (org.). O fotográfico.
São Paulo: Hucitec, 1998. p. 85-97.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: Edusp, 2003. 664p. (Série Didática,
1).
______. Revolução de 1930: historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997. 159p.
FERNADEZ, Horacio. Fotografía publica: photography in print 1919-1939. Madri: Museo
Nacional Centro de Arte Reina Sofia/Aldeasa, 1999. Catálogo de exposição.
FERREIRA, Ilsa Kawall Leal. Lívio Abramo. 1983. 151fls. Dissertação (Mestrado) Escola
de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983.
FERRETTI, Danilo José Zioni. A construção da paulistanidade. Identidade, historiografia e
política em São Paulo (1856-1930). 2004. 391fls. Tese (Doutorado em História Social) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2004.
FOLHA da Manhã: O Dr. Armando de Salles Oliveira nomeado interventor em São Paulo,
São Paulo, 17 de agosto de 1933. Banco de dados Folha: acervo on line. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/brasil_17ago1933.htm>. Acesso em: 05
dez.2004.
177
FOULCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.
Tradução Salma Tannus Muchail. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 541p.
FREUND, Gisèle. La fotografia como documento social. Tradução Josep Elias. 4 ed.
Barcelona: Gustavo Gili, 1986. 207p. (Fotografia).
FRIZOT, Michel. Photomontage: experimental photography between the wars. Tradução
Shaun Whiteside. Londres: Thames and Hudson, 1991. (paginação irregular)
______. Nouvelle Histoire de la Photographie. Paris: Bordas, 1994. 775p.
GALLO, Max. L’affiche: miroir de l’histoire de la vie. Tradusction Jocelyne de Pass. [Paris]:
Laffont, [1973]. 315p.
GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975. 333p.
(Ensaios 15).
GOMBRICH, Ernest. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictorica.
Tradução Raul; Sá Barbosa. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 473p.
GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. 2 ed. São Paulo:
Paz e terra, 2001. 112p. (coleção leitura).
GUELFI, Maria Lúcia Fernandes. Novíssima: contribuição para o estudo do modernismo.
São Paulo: IEB/USP, 1987. 268p.
HERKENHOFF, Paulo. Fotografia: o automático e o longo processo de modernidade,
Revista Arte Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro, Cadernos de Textos, 1983.
HERMIDA, Roberta de Mesquita Rocha. Axe Creatore: a comunicação na obra gráfica de
representação do espaço do artista Lívio Abramo. Brasília, 1992. 1v. Dissertação (mestrado)
– Faculdade de Artes e Comunicação (FAC), Universidade de Brasília, Brasília, 1992.
HILLIER, Bevis. Histoire de l’affiche. Paris: Artheme Fayard, 1970. 298p.
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade.
Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2002.
232p.
______. Era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita. 2.
ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995. 600p.
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (org.). Invenção das tradições. Tradução Celina
Cardim Cavancanti. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997. 316p. (Pensamento crítico 55).
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 4 ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1963. 228p. (Biblioteca Básica Brasileira).
KHAN-MAGOMEDOV, Selim. VHUTEMAS: Moscou, 1920-1930. Traduit par Joëlle Aubert-
Yong. Paris: Editions du Regard, c1990. 880p.
178
______. Rodchenko: The complete work. Massachusetts: Cambridge/MIT Press, 1986.
303p.
KIPPHAN, Helmut (ed.). Handbook of print media: tecnologies and production methods.
New York: Verlag, springer 2001. 1244p.
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial,
2007. 176p.
______. Luzes e sombras da metrópole: um século de fotografias em São Paulo (1850-
1950). In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo, v.2: a cidade no Império.
São Paulo: Paz e Terra, 2004. Capítulo 9, p.386 – 455.
______. Realidades e ficções na Trama fotográfica. 2. ed. São Paulo: Ateliê editorial,
2000. 152p.
______. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989. 112p. (Série Princípios, 176).
KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão.
Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. 440p.
KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Tradução Anne Marie Davée. Barcelona: Gustavo Gili,
2002. 240p.
LACERDA, Aline Lopes de. A “Obra Getuliana” ou como as imagens comemoram o regime.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.7, n. 14, 1994, p. 241-263.
LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades:
Editora 34, 2000. 288 p. (Coleção Espírito Crítico).
LAURENTIEV, Alexander. Aleksander Rodchenko: photography 1924 - 1954. Koln:
Konemann, 1995.
LEBECK, Robert and DEWITZ, Bodo von. Kiosk. Eine Geschichte der fotoreportage, 1839-
1973. [Kioski. A history of photojournalism]. Steidl [Germany], 2001. Catálogo de exposição.
LE GOFF, Jacques (dir.). A história nova. Tradução Eduardo Brandão. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1988. 322p.
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2.ed. São Paulo: Papirus/Editora da Unicamp,
1986. 220p.
______. Corpo e alma: mutações sombrias do poder no Brasil dos anos 30 e 40. São
Paulo, 1985. 386fls. Tese (doutorado) - Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.
LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
364p.
LODDER, Christina. El Constructivismo Ruso. Traducción Maria Cóndor Orduña. Madrid:
Alianza Editorial, 1988. 327 p.
179
LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937, Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
LUGON, Olivier. Le style documentaire: d'August Sander à Walker Evans 1920-1945.
Paris: éditions Macula, 2001. 400p.
______. La photographie mise en espace. Les expositions didactiques en Allemagne (1920-
1930). Études Photographiques, 5, (1998). Disponível em:
http://etudesphotographiques.revues.org/document168.html . Acesso em: 04 dez. 2004.
______. Le photomontage: une forme moderne du rélisme. In: ______. La photographie en
Allemagne: anthologie des textes (1919-1939). Nîmes: Jacqueline Chambon, 1997. p. 208-
241.
MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. 3. ed. São
Paulo: Edusp, 2001. 320p.
______. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984. 162p.
MACHADO Jr, Rubens L.R. São Paulo em movimento: a representação cinematográfica
da metrópole nos anos 20. 1989. 159p. Dissertação (mestrado) Escola de Comunicação e
Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.
______. o Paulo e o seu cinema: para uma história das manifestações cinematográficas
paulistas (1899-1954) In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo, v.2: a
cidade no Império. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Capítulo 10, p.457 – 505.
MAKINO, Miyoko et al. O serviço de documentação textual e iconografia do Museu Paulista.
Anais do Museu Paulista, São Paulo, N. Série. vol. 10-11, n.11, p. 259-304, 2002-2003.
MARQUES, Oswaldino. O laboratório poético de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1962. 451p.
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de
república, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp: Fapesp: Imprensa Oficial, 2001. 600p.
MENDES, Ricardo. A “Revista S. Paulo”: a cidade nas bancas. Revista Imagens,
Campinas, n. 3, p. 91-97, dez, 1994.
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel,
1979. 212p. (Coleção Corpo e Alma do Brasil).
MICHELI, Mario. As vanguardas artísticas. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo: Martins
Fontes, 1991. 251p.
MOHOLY-NAGY, László. Moholy-Nagy, photographs and photograms. New York:
Pantheon Books, c1980. (by Andreas Haus). 150 p.
______. Painting, Photography and Film. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, [1969]. 150p.
______. La nueva visión y Reseña de un artista. Buenos Aires: Infinito, [1963]. 190 p.
180
MONTEIRO, Amilton Maciel. Cassiano: fragmentos para uma biografia. São José dos
Campos: Univap, 2003. 424p.
MOREIRA, Luiza Franco. The Rhythm of Macumba: Lívio Abramo’s Engagement with Afro-
Brazilian Culture. In: ISFAHANI-HAMMOND, Alexandra (org.). The masters and slaves:
plantation relations and Mestizaje in American imageries. New York: Palgrave Macmillan,
2005. Capítulo 9, p. 131-147.
______. Meninos, poetas e heróis: aspectos de Cassiano Ricardo do modernismo ao
Estado Novo. São Paulo: Edusp, 2001. 200p.
MOREL, Gaëlle. Du peuple ao populisme. Les couvertures du magazine communiste
‘Regards’ (1932-1939). Études Photographiques, 9, (2001). Disponível em:
<http://etudesphotographiques.revues.org/document242.html>. Acesso em: 04 dez. 2004.
MORETTIN, Eduardo Victorio. Os limites de um projeto de monumentalização
cinematográfica: uma análise do filme Descobrimento do Brasil (1937), de Humberto
Mauro. 2001. 2 vols. Tese (doutorado) Escola de Comunicação e Artes, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2001.
______. Cinema e história: uma análise do filme Os Bandeirantes. 1994. 238p. Dissertação
(mestrado) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO. (São Paulo, SP). Coleção Pirelli/Masp de fotografias.
São Paulo: Museu de Arte de São Paulo, [2004]. 13ª edição. Catálogo de exposição.
______. (São Paulo, SP). Coleção Pirelli/Masp de fotografias. São Paulo: Museu de Arte
de São Paulo, [2000]. 9ª edição. Catálogo de exposição.
MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. (São Paulo, SP). Lívio Abramo: registros
de um percurso. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1984. 32p. Catálogo de
exposição.
______. (São Paulo, SP). Lívio Abramo: desenhos e gravuras de 1926 a 1970. São Paulo:
Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1972. Catálogo de exposição.
MUSEU NACIONAL E BELAS ARTES. (Rio de Janeiro, RJ). Lívio Abramo. Apresentação
Alcínio Mafra de Souza. Texto Vera D’Horta e Fayga Ostrower. Rio de Janeiro: Crefisul,
1990. 32p. Catálogo de exposição.
NAROV, Andréi B. Back to the material: Rodchenko’s photographic ideology. Artforum, New
York, v. 16, n.2, p. 38-49, oct. 1977.
NEWHALL, Beaumont. The History of Photography: from 1839 to the present. New York:
The Museum of Modern Art, 1982. 319p.
NOBRE, Freitas. História da imprensa de o Paulo. São Paulo: Edições LEIA, 1950.
267p.
OLIVEIRA, Armando Salles de. Jornada Democrática: discurso políticos. Rio de Janeiro:
Jose Olympio, 1937. 203p.
181
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5ed. São Paulo: Brasiliense,
1994a. 150p.
______. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 5ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994b. 224p.
ÖSTERLUND, Petter (editor). USSR in construction an illustrated exhibition magazine.
Suécia: Fotomuseet Sundsvall, 2006. Catálogo de exposição. (WOLF, Erika. Recent
Catalogue [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]>
em 14 de fev. 2006).
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Tradução Maria Clara F. Kneese e J.
Guinsburg. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. 250p. (Coleção Debates, 99).
PEDROSA, Mário e ARANTES, Otília (org.). Modernidade cá e lá: textos escolhidos IV. São
Paulo: Edusp, 2000. 360p.
______. Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. São Paulo: Edusp, 1998. 427p.
PICCHIA, Menotti del. A longa viagem: 1ª etapa (1892-1918). São Paulo: Martins, 1970.
______. A longa viagem: etapa da revolução modernista a revolução de 1930. São
Paulo: Martins, 1972. 276p.
PILAGALLO, Oscar. O Brasil em sobressalto: 80 anos de história contados pela Folha.
São Paulo: Publifolha, 2002.240p.
PRADO, Antonio Arnoni. A literatura em São Paulo. In: PORTA, Paula (org.). História da
cidade de São Paulo, v.1: a cidade colonial. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Capítulo 12,
p.488 – 521.
______. 1922 - itinerário de uma falsa vanguarda. Os dissidentes, a Semana e o
integralismo. São Paulo: Brasiliense, 1983. 112 p. (Primeiros vôos, 19).
REVISTA no Brasil. São Paulo: Abril, 2000. 249 p.
RIBEIRO JR, João. O que é positivismo. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. 77 p.
(Coleção Primeiros Passos, 72).
RICARDO, Cassiano. Viagem no tempo e no espaço: memórias. Rio de Janeiro: José
Olympio editora, 1970. 334p. (Coleção Documentos Brasileiros, 145).
______. Marcha para Oeste: a influência da Bandeira na formação social e política do
Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940. 580p.
______. O Brasil no Original. 2. ed. São Paulo: Empresa gráfica da Revista dos Tribunais,
1937. 296p. (Coleção cultural da Bandeira).
______. Martim Cererê: o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis. Il. Di Cavalcanti.
São Paulo: Hélios, 1928. 116p.
182
RICHTER, Hans. Dada: arte e anti-arte. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 329p.
RICKEY, George. Construtivismo: origens e evolução. Tradução Regina de Barros
Carvalho São Paulo: Cosac Naify, 2002. 240p.
RODTCHENKO, Alexandre. Écrits complets sur l’art, l’architecture et la révolution.
Paris, Philippe Sers, 1988. 266p.
ROH, Franz. Foto-auge. Œil et photo. Photo-eye. Paris: editions du chêne, 1973.
SAMAIN, Etienne (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. 358p.
SCHARF, Aaron. Art and photography. Baltimore: Penguin Books, 1975. 400p.
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política. São Paulo: Paz e terra, 2001. 192p. (coleção
leitura).
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 390p.
SILVA, Antônio Carlos Pacheco e. Armando de Salles Oliveira. São Paulo: Parma/Edusp,
1980. 183p.
SODRÉ, Nelson Wernek. História da imprensa no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Mauad,
1998. 501p.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia.Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia. das
Letras, 2004. 224p.
______. Diante da dor dos outros. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia das
Letras, 2003. 110p.
______. Sob o signo de Saturno. Tradução Ana Maria Capovilla e Albino Poi Jr. Porto
Alegre: L&PM, 1986. 152p.
SOUZA, Gilda de Mello e. Vanguarda e nacionalismo na década de vinte. In: SOUZA, Gilda
de Mello e. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas cidades, 1980. p.249-277. (O baile das
quatro artes).
SOUZA, José Inácio de Melo. O estado contra os meios de comunicação (1889-1945).
São Paulo: Annablume/Fapesp, 2003. 230 p.
TACCA, Fernando de. Fotografia e o olhar totalitário. Revista Imagens, Campinas, n. 4, p.
99-105, abril 1995.
THE MUSEUM OF MODERN ART. (New York). Aleksander Rodchenko: catálogo. New
York: Museum of Modern Art, 1998 Catálogo de exposição.
TUPITSYN, Margarita. Gustav Klutsis: between art and politics. Art in America, New York,
v.79, n.1, p. 41-47, jan. 1991.
183
______. El Lissitzky. Beyond the abstract cabinet: photography,design, collaboration.
London: Yale University Press, 1999. Catálogo de exposição.
VAMPRÉ, Leven. São Paulo, terra conquistada. São Paulo: Sociedade impressora
paulista, 1932. 292p.
VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo
paulista. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993, p. 89-112.
VERÓN, Eliseo. A produção de sentido. Tradução Alceu Dias Lima [et al.]. São Paulo:
Cultrix: Edusp, 1980. 240p.
VERTOV, Dziga. Nós. Tradução Marcelle Pithon. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do
cinema: antologia. 2ed. Rio de Janeiro: Graal, 1991. p.245-251 (coleção arte e cultura, 5).
WEISS, Herbert. Rotogravure and flexographic printing presses. Milwaukee: Converting
technology, 1985. 500p.
WOLF, Erika. When Photographs Speak, to Whom Do They Talk? The Origins and Audience
of SSSR na stroike (USSR in Construction). Left History, vol. 6, no. 2, p. 53-82, 2000.
(WOLF, Erika. USSR in Construction [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<[email protected]> em 18 de nov. 2005.
______. The Context of Early Soviet Photojournalism, 1923-1932. The Zimmerli Journal,
volume 2, p.106-117, Fall 2004. (WOLF, Erika [Otago]. [carta pessoal]. Carta recebida por
Marina Takami [São Paulo] em dez. 2005.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e terra, 2001. 160p.
(coleção leitura).
Obras de referência
ABREU, Alzira Alves de (coord.) et al. Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. 5v.
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do
Brasil: séculos XVI, XVII-XVIII. São Paulo : Comissao do IV Centenário, 1953. 437 p.
______. Bandeiras e bandeirantes de São Paulo. o Paulo [etc.]: Companhia editora
nacional, 1940. 340 p. (Bibliotheca pedagogica brasileira. Ser. 5a: Brasiliana. v. 157).
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1960- 1984. 11v.
INSTITUTO Antônio Houaiss. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
Versão 1.0. [S.l.]: Editora Objetiva, 2001. CD-ROM.
KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da
fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p.
MELO, Luís Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, 1954. 678 p.
(Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo)
184
Depoimentos
Benedito Junqueira Duarte. Fotografia [depoimento a Moraci de Oliveira, Hans Gunter Flieg,
Máximo Barro e Boris Kossoy]. Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 14/05/1981. fita de
aúdio 1 (90 min.) e 2.
Benedito Junqueira Duarte. Cinema paulista [depoimento a Múcio Porfírio Ferreira e
Francisco Luiz de Almeida Salles]. Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 19/05/1981. fita
de áudio 1 e 2.
Imagens em movimento
BERLIM: Sinfonia de uma metrópole. Direção: Walter Ruttman. Berlim, 1927. 1 bobina
cinematográfica (70 min.), p/b, 35mm
FRAGMENTOS da vida. Direção: José Medina. São Paulo, 1929. 1 bobina cinematográfica
(30 min.), p/b, 35mm.
LÍVIO Abramo, sempre. Produção: Olívio Tavares de Araújo. Depoimentos: Lívio Abramo.
[São Paulo]: [produtora], 1989. 1 fita VHS, son., color.
MENOTTI Del Picchia. Direção e roteiro: Zita Bressame. Apresentação: Vicente Adorno.
Depoimentos: Menotti del Picchia; Rossine Camargo Guarniere; Osmar Pimentel; Cunha
Bueno; Olga Navarro; Laís Baptista Silva; Jofre Soares; Norzinha Ferreira Martins; Helena
Rudge Miller. [local]: [produtora], 1978. 1 fita VHS, son., p/b.
O HOMEM com a câmera. Direção: Dziga Vertov. Moscou, 1929. 1 bobina cinematográfica
(67 min.), p/b, 35mm.
RIEN que les heures. Direção: Alberto Cavacanti. Paris, 1926. 1 bobina cinematográfica (36
min.), p/b, 35mm.
SÃO PAULO: Sinfonia da metrópole. Direção: Rodolfo Rex Lustig e Adalberto Kemeny. São
Paulo: Rex Filmes, 1929. 1 bobina cinematográfica (65 min.), p/b, 35mm.
Acesso a website comercial e institucional
BANCO de dados da Folha. São Paulo: Jornal Folha de S.Paulo, 2004. Apresenta
reportagens selecionadas que foram publicadas pelo jornal em diferentes períodos.
Disponível em: <http://bd.folha.uol.com.br/bd_acervoonline.htm>. Acesso em: 05 dez. 2004.
CPDOC. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, 2006. Base de informações de história do Brasil, material para
download. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>. Acesso em: 16 jul. 2007.
O CRUZEIRO. Memória viva, 2007. Disponibiliza uma versão on line de umas capas e
reportagens da revista Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro>. Acesso
em: 08 jul. 2007.
185
ENCICLOPÉDIA de artes visuais. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2005. Apresenta
referências biográficas e cronologia de diversos artistas. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?CFID=563049&CFTO
KEN=57764280>. Acesso em: 06 ago. 2005.
FUNDAÇÃO CULTURAL CASSIANO RICARDO. São José dos Campos: Fundação Cultural
Cassiano Ricardo, 2007. Apresenta referências sobre o Arquivo blico Municipal de São
José dos Campos e o autor Cassiano Ricardo, vida e obra. Disponível em:
<http://www.fccr.org.br/cassiano/index.htm>. Acesso em: 13 jul. 2007.
HISTÓRICO. São Paulo: 14º Tabelionato Vampré. Apresenta um pequeno histórico sobre a
instalação do tabelionato, a nomeação de Leven Vampré e os sucessivos tabeliões.
Disponível em: <http://www.vampre.com.br/historico.html>. Acesso em: 06 ago. 2005.
PINTO, Loana da Silva. São Paulo: Revista Fhox. Matéria “Acervo com 14 mil fotografias do
Brasil nas décadas de 20 a 40”, sobre arquivo da família Preising. Disponível em:
<http://www.fhoxsp.com.br/09/materias_05.php>. Acesso em: 29 de abr. 2006.
Periódicos considerados no todo
BRASIL NOVO. Rio de Janeiro: 10 nov. 1938, ano I, fascículo I.
______. Rio de Janeiro: 01 fev. 1939, ano I, fascículo II.
______. Rio de Janeiro: 01 jun. 1939, ano I, fascículo III.
______. Rio de Janeiro: 01 jan. 1940, ano II, fascículo IV.
______. Rio de Janeiro: ago. 1940, ano II, fascículo V.
______. Rio de Janeiro: jan. 1941, ano III, fascículo VI (edição comemorativa).
S.PAULO. São Paulo: jan. 1936a, ano I, exemplar 1.
______. São Paulo: fev. 1936b, ano I, exemplar 2.
______. São Paulo: mar. 1936c, ano I, exemplar 3.
______. São Paulo: abr. 1936d, ano I, exemplar 4.
______. São Paulo: mai. 1936e, ano I, exemplar 5.
______. São Paulo: jun. 1936f, ano I, exemplar 6.
______. São Paulo: jul. 1936g, ano I, exemplar 7.
______. São Paulo: ago. 1936h, ano I, exemplar 8.
______. São Paulo: set. - out. 1936i, ano I, exemplar 9 (bimestral).
______. São Paulo: nov. - dez. 1936j, ano I, exemplar 10 (bimestral).
‘URSS en construction’. Moscou: 1934, número 10 (L’épopée du “Tchéliouskine”).
______. Moscou: 1935, número 3-4 (Consacré à l’extrême-orient soviétique).
‘VU’. Paris: 1er mars 1933, 6e année, numéro 259 (Fin d’une civilisation).
______. Paris: 8 fevriér 1934, 7e année, numéro spécial hors serie (Pas d’anarchie!).
______. Paris: 7 september 1938, 11eme année, numéro 547 (DeMein Kampf” au congrès
de Nuremberg).
______. Paris: 21 september 1938, 11eme année, numéro 549 (Enquête en Europe par nos
correspondants spéciaux a Prague, Londres, Berlin, Rome).
186
Acervos institucionais
Arquivo de Negativos do Município
Arquivo do Estado - São Paulo
Arquivo Histórico Municipal
Arquivo Público - São José dos Campos
Biblioteca Municipal Mário de Andrade
Centro Cultural São Paulo
Centro de Documentação Cultural "Alexandre Eulálio" - Unicamp
Cinemateca Brasileira
Escola de Comunicação e Artes - USP
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - USP
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP
Fundação Perseu Abramo
Instituto Cultural Itaú
Instituto de Artes - Unicamp
Instituto de Estudos Brasileiros - USP
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Unicamp
Museu de Arte Contemporânea - USP
Museu de Arte Moderna - São Paulo
Museu da Imagem e do Som - São Paulo
Acervos particulares
Helouise Costa
Rute Duarte
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo