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MINTER
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO (UPF)
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (UNISINOS)
Centro de Ciências Jurídicas
Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado
Dissertação
A INEFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE A
PARTIR DE UMA PRÉ-COMPREENSÃO INAUTÊNTICA
Mestranda: MICHELE BETINA KUSSLER
Professor Orientador: PÓS DOUTOR LENIO LUIZ STRECK
Passo Fundo/ São Leopoldo – Agosto de 2006
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2
A INEFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE A
PARTR DE UMA PRÉ-COMPREENSÃO INAUTÊNTICA
Mestranda: MICHELE BETINA KUSSLER
Professor Orientador: PÓS DOUTOR LENIO LUIZ STRECK
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3
“Assim, como a célula constitui parte de um
órgão e cada órgão, parte do corpo, assim cada
ser vivo é parte de um ecossistema como cada
ecossistema é parte do sistema global-Terra (...)”
Leonardo Boff
4
RESUMO
A presente dissertação busca identificar, em julgamentos que versam sobre o assunto ‘meio
ambiente’, a existência de uma pré-compreensão inautêntica dos operadores do Direito.
Implementada a Jurisdição Constitucional e colocada à disposição diversos instrumentos
jurídicos de tutela dos direitos fundamentais, advindos com o Estado Democrático de Direito,
com a Constituição Brasileira e com os elementos do constitucionalismo contemporâneo,
possui o Poder Judiciário um novo papel, o de efetivar a substancialidade da Constituição.
Entretanto, se o intérprete não compreende o compromisso constitucional, nem mesmo a
questão do equilíbrio ecológico, colabora na sua inefetividade e, por conseqüência, no
aumento da degradação ambiental. Tal problema consegue ser constatado mediante o estudo
do próprio processo de compreensão. De matriz Gadameriana, trabalha com diversos
elementos que fazem parte desta experiência ontológica, a saber: a antecipação de sentido, a
tradição, a distância temporal, a consciência histórico-efeitual, a pré-compreensão, a fusão de
horizontes, a diferença ontológica, a applicatio e a linguagem. Para bem compreender esta
questão, cada um deles deve ser analisado juntamente com os fundamentos jurídicos
constantes nas decisões judiciais.
5
ABSTRACT
The present dissertation searchs to identify, in judicial judgments that turn on the subject
`environment', the existence of a inautentic pre-understanding of the operators of the Right.
Implemented the Constitutional Jurisdiction and placed to the disposal legal instruments of
guardianship of the basic rights, happened with the Democratic State of Right, the Brazilian
Constitution and the elements of the contemporary constitutionalism, it possesss the Judiciary
Power a new paper, to accomplish the substantiality of the Constitution. However, if the
interpreter does not understand the constitutional commitment, not even the question of the
ecological balance, collaborates in its inefetivity and, for consequence, in the increase of the
ambient degradation. Such problem obtains to be evidenced by means of the study of the
proper process of understanding. Of Gadameriana matrix, it works namely with diverse
elements that are part of this ontological experience: the anticipation of sense, the tradition,
the temporal distance, the conscience of effectual-historic, the pre-understanding, the horizon
fusing, the ontological difference, the application and the language. To understand this
question well, each one of them must together be analyzed with the constant legal foundations
in the sentences.
6
ABREVIATURAS
AGAPAN Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações
Câm. Cív. Câmara Cível
Câm. Crim Câmara Criminal
CC Código Civil Brasileiro
CDC Código de Defesa do Consumidor
CF/88 Constituição Federal de 1988
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
CTNBIO Comissão Técnica de Biossegurança
Des. Desembargador
DJ Diário de Justiça
DJU Diário de Justiça da União
ECO/92 Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento – Rio de Janeiro (1992)
EIA Estudo Prévio de Impacto Ambiental
EIA/RIMA Estudo Prévio e Relatório de Impacto Ambiental
ERB’s Estações Rádio Base
ESTOCOLMO/72 Conferência Internacional das Nações Unidas Sobre o Meio
Ambiente – Estocolmo (1972)
FEPAM Fundação Henrique Luiz Roesler (Rio Grande do Sul)
FEEMA Fundação Estadual de Meio Ambiente (Rio de Janeiro)
7
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
J. Julgamento
LICC Lei de Introdução ao Código Civil
LI Licença de Instalação
LP Licença Prévia
LO Licença de Operação
Min. Ministro
OGM’s Organismos Geneticamente Modificados
Pres. Presidente
Rel. Relator
RIMA Relatório de Impacto Ambiental
RIO + 10 Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável –
Johannesburgo (2002)
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SMAM/RS Secretaria Municipal do Meio Ambiente
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
T. Turma
TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina
TJDF Tribunal de Justiça do Distrito Federal
TJMS Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul
TJPR Tribunal de Justiça do Paraná
TJRJ Tribunal do Estado do Rio de Janeiro
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo
TRF Tribunal Regional Federal
UPN União Protetora da Natureza
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................09
1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE: DA HISTORICIDADE AOS ELEMENTOS
JURÍDICO-FUNDANTES..................................................................................................12
1.1 O estágio atual do meio ambiente e a sua historicidade................................................13
1.2 Os elementos jurídico-fundantes da questão ambiental.................................................26
1.2.1 O meio ambiente e a Constituição Federal de 1988....................................................26
1.2.2 Os princípios constitucional-ambientais.....................................................................31
1.2.2.1 O Princípio da prevenção.........................................................................................33
1.2.2.2 O Princípio da precaução.........................................................................................35
1.2.2.3 O Princípio da responsabilização.............................................................................39
1.2.2.4 O princípio do desenvolvimento sustentável...........................................................41
1.2.3 As competências Constitucionais e do Sistema Nacional do Meio Ambiente...........42
1.2.3.1 As Competências legislativas privativas (União, Estados/DF e Municípios),
concorrentes e o princípio da coordenação..........................................................................42
1.2.3.2 As Competências materiais comuns e o princípio da cooperação...........................47
1.2.4 A legislação correlata..................................................................................................51
1.2.4.1 A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81).......................................51
1.2.4.2 Os Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98).................................................................59
2 A APLICABILIDADE DA QUESTÃO AMBIENTAL: ESTUDO DE DECISÕES
JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS A SUA PROTEÇÃO......................................................69
2.1 Esfera constitucional.......................................................................................................70
2.1.1 A dúvida sobre a competência dos entes federados.....................................................70
2.1.2 O argumento da separação dos poderes.......................................................................82
2.1.3 As decisões judiciais e a degradação ambiental correspondente.................................85
9
2.2 Esfera cível......................................................................................................................86
2.2.1 A responsabilidade ambiental......................................................................................86
2.2.2 O argumento do direito adquirido................................................................................93
2.2.3 O nexo causal...............................................................................................................96
2.2.3.1 A reserva legal...........................................................................................................96
2.2.3.2 As queimadas............................................................................................................99
2.2.4 As decisões judiciais e a degradação ambiental correspondente...............................100
2.3 Esfera penal...................................................................................................................102
2.3.1 A responsabilidade ambiental....................................................................................102
2.3.2 Os princípios da insignificância e da proporcionalidade...........................................113
2.3.3 A prescrição...............................................................................................................122
3 A CONSTATAÇÃO DE UMA PRÉ-COMPREENSÃO
INAUTÊNTICA..................................................................................................................127
3.1 A Constituição Brasileira de 1988 e o Estado Democrático de Direito........................128
3.2 A constatação de uma pré-compreensão inautêntica.....................................................142
3.2.1 A compreensão das questões ambientais por meio da hermenêutica filosófica: condições
de possibilidades................................................................................................144
3.2.1.1 A antecipação de sentido (Vorhabe, Vorsicht, Vorgriff).........................................148
3.2.1.2 A tradição................................................................................................................154
3.2.1.3 A distância temporal e a consciência histórico-efeitual..........................................159
3.2.1.4 A applicatio.............................................................................................................166
3.2.1.5 A compreensão inautêntica.....................................................................................174
3.2.1.6 A linguagem............................................................................................................177
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................184
REFERÊNCIAS..................................................................................................................193
10
INTRODUÇÃO
O homem sempre viveu em ambiente propício ao seu desenvolvimento moral,
intelectual e social e, talvez por isso, nunca tenha sido interpelado pela necessidade de mantê-
lo de forma equilibrada. Embora a história humana mostre um exemplo de respeito à natureza,
em que o índio retirava dela somente o suficiente para a sua subsistência, a desconsideração
do homem pelo seu habitat é antiga.
Dando sinais de que sua regeneração está cada vez mais difícil, e que seus recursos
naturais não-renováveis estão se esgotando, o meio ambiente tem demonstrado sua força nos
efeitos que incidem sobre todos, quer tenham ou não contribuído para a sua atual situação de
destruição: chuva ácida, esgotamento da água potável, desertificações, queimadas,
derretimento de geleiras, inundações, vendavais, furacões, e tantos outros eventos naturais
correntes.
Tentando minimizar as catástrofes ambientais, ocorreu, ao longo dos anos, um intenso
desenvolvimento de instrumentos protetivos da natureza nos âmbitos do Poder Judiciário,
Legislativo e Executivo brasileiros. Entretanto, não é o suficiente para estancar esta tendência
devastadora, já que os processos de degradação ambiental continuam ocorrendo e de forma
cada vez mais intensa.
Vivendo o Brasil em um Estado Democrático de Direito e sob o manto de uma
Constituição de cunho compromissório, o Poder Judiciário sofreu uma alteração em seu papel
de atuação e, por conseqüência, o intérprete, a Jurisdição Constitucional e o Direito. Ela deu-
se pelo seu novo papel, mais intervencionista, de busca pela substancialidade do texto
constitucional de efetividade dos direitos fundamentais e das promessas sociais da
modernidade não cumpridas, bem como fazer com que ameaças ou lesões a direitos tenham
11
apuradas as devidas responsabilidades civis e penais, sendo estes apenas alguns dos exemplos
identificados, mas que não esgotam o tema.
Somando todas essas informações, a presente dissertação nasceu com o intuito de
entender o(s) motivo(s) pelo(s) qual(is) muitos operadores do Direito posicionam-se de forma
contrária aos fundamentos de tutela do meio ambiente e se este conhecimento, além de estar
fundado em inautenticidades, é capaz de tornar este direito fundamental sem efetividade e
contribuir para a continuação da degradação do equilíbrio ecológico. Para tanto, foram
colacionadas apenas decisões judiciais com fundamentos contrários ao sistema protetivo
ambiental, a fim de analisar seus fundamentos decisórios.
Nesse sentido, o entendimento da matriz Gadameriana será condição para possibilitar
a identificação destes problemas da compreensão. Conseguindo-se melhor adentrar no assunto
‘meio ambiente’ e em todas as suas relações, mais fácil será a sua aplicação no mundo da
vida, buscando protegê-lo e preservá-lo.
Para tanto, o assunto foi dividido em 3 (três) capítulos, de forma a analisar a questão
ambiental em um crescendo, dando a leitor, em cada seção, os elementos necessários para
entender a posterior, a saber: 1. O direito ao meio ambiente: da historicidade aos elementos
jurídico-fundantes; 2. A aplicabilidade da questão ambiental: estudo de decisões judiciais
desfavoráveis à sua proteção e 3. A constatação de uma pré-compreensão inautêntica.
No capítulo 1, pretende-se analisar o atual estágio de degradação do equilíbrio
ecológico em que o mundo e, especialmente, o Brasil estão vivendo, suas possíveis causas e
conseqüências, para o fim de compor a historicidade ambiental, já que elemento de pré-
compreensão e fator de compreensão do homem em si mesmo e de sua própria relação com o
ambiente.
Além disso, a fim de estudar alguns conceitos jurídico-fundantes da questão, foram
consideradas as normas constitucionais em relação aos princípios ambientais e 2 (duas) Leis
infraconstitucionais: a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (nº 6.938/81) e a Lei dos
Crimes Ambientais (nº 9.605/98). Os esclarecimentos destes tópicos são imprescindíveis, pois
serão utilizados como fundamentos para a segunda seção, para identificar a existência de
inautenticidades nas decisões dos Tribunais colacionadas.
12
No capítulo 2, serão estudadas diversas decisões judiciais em que figuraram como
objeto de análise o dano ao meio ambiente e/ou a sua iminência e, como conteúdo, os
fundamentos que resultaram no afastamento da tutela protetiva ambiental.
No que se refere à esfera constitucional, serão vistos os diversos problemas
relacionados com a compreensão das competências. Na esfera civil, julgamentos sobre
responsabilização pela degradação do meio ambiente, bem como sua correlata recuperação,
compensação e indenização (e de suas vítimas diretas e indiretas). E na esfera penal, a
possibilidade de a responsabilidade ser imputada à(s) pessoa(s) jurídica(s), os crimes
praticados contra o meio ambiente e as correlatas sanções.
Em todos eles serão feitas considerações embasadas nos estudos do capítulo 1 e, a
partir deles, ter indícios do grau de inefetividade deste direito fundamental e o conseqüente
desequilíbrio ecológico.
No capítulo 3, inicialmente, serão compreendidos os fundamentos do Estado
Democrático de Direito para que, em conjunto com a Constituição Brasileira de 1988, de
cunho Dirigente e, com os elementos do constitucionalismo contemporâneo como o material,
o funcional e o político, se possa identificar esse dever de cumprimento das normas
constitucionais, da sua substancialidade e, por fim, da esfera preponderante de atividade para
o Poder Judiciário.
Para o fim de completar os 3 capítulos do presente trabalho, serão trazidos os
conceitos, as decisões e os elementos jurídico-fundamentes estudados nas seções 1 e 2, para
que possam envolver aqueles que compõem o processo de experiência hermenêutica. Assim,
com base nos estudos de Hans Georg Gadamer, são eles a antecipação de sentido, a tradição, a
distância temporal, a consciência histórico-efeitual, a fusão de horizontes, a diferença
ontológica, a applicatio, a compreensão inautêntica e, por fim, a linguagem.
Essa fusão é que possibilitará a identificação dos problemas de pré-compreensão
existentes nas decisões com conteúdo contrário aos fundamentos constitucional-ambientais,
para o fim de desvelar novas possibilidades para um devir ecológico-protetivo.
13
1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE: DA HISTORICIDADE AOS
ELEMENTOS JURÍDICO-FUNDANTES
O presente capítulo analisará algumas questões que giram em torno do direito ao meio
ambiente, como o estágio atual da degradação ambiental e a sua historicidade
1
. Também serão
estudados alguns elementos chamados aqui de ‘jurídico-fundantes’, como a relação entre o
equilíbrio ecológico e o conteúdo da Constituição Federal de 1988; os princípios
constitucional-ambientais da prevenção, da precaução, da responsabilização e do
desenvolvimento sustentável.
Da mesma forma serão conhecidas as competências constitucionais e do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), tais como as legislativas privativas da União, dos
Estados/DF e dos Municípios, as concorrentes e o princípio da coordenação, além das
materiais comuns e o princípio da cooperação.
Por fim, serão estudadas 2 (duas) legislações infraconstitucionais consideradas de
fundamental importância para o entendimento do sistema protetivo do meio ambiente: a Lei
nº 6.938/81 e a Lei nº 9.605/98 (regulamentada pelo Decreto 3.179/99).
1
A historicidade é elemento importante para a compreensão da atual situação do meio ambiente. Isso porque
encontramos-nos sempre inseridos na tradição, (...); trata-se sempre de algo próprio, modelo e intimidação,
um reconhecer a si mesmo, no qual o nosso juízo histórico posterior não verá tanto um conhecimento, mas
uma transformação espontânea e imperceptível da tradição. Cf. GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método
I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 6.ed. Tradução: Flávio Paulo Meurer. Nova revisão:
Enio Paulo Giachini. Petrópolis: editora Vozes, 2004. Ou seja, na medida em que melhor se conhece a
historicidade do meio ambiente, melhor se saberá sobre si mesmo e a sociedade nela envolvida, já que o
homem é determinado por sua tradição. Consegue-se identificar os erros e acertos cometidos, de forma a fazer
constantemente uma releitura desses elementos, transformando a realidade existente.
14
1.1 O estágio atual do meio ambiente e a sua historicidade
Embora a agressão ao meio ambiente seja antiga
2
, o que se vê é uma multiplicação
quantitativa desses focos no Planeta, bem como sua alteração qualitativa. Cabe dizer que no
medievo os perigos atacavam o nariz e os olhos, ou seja, eram perceptíveis perante os
sentidos
3
e, na modernidade, os perigos residem na esfera das fórmulas químico-físicos, como
os elementos tóxicos nos alimentos, a ameaça nuclear
4
.
Exemplos de preocupações advindas com a modernidade são: a construção de usinas
nucleares e a formação do lixo atômico (que não se sabe bem ao certo onde ‘escondê-lo’), o
aumento de dejetos orgânicos e inorgânicos (que necessitam de locais adequados para
armazenamento, como aterros sanitários licenciados), a chuva ácida que afeta muitos países
(como a Espanha e a Inglaterra) e a formação de lixos químicos e industriais, ocasionada pela
industrialização irresponsável.
Não se pode esquecer, também, da contaminação do lençol freático e das águas
subterrâneas, principalmente pela utilização desenfreada de agrotóxicos e pelas perfurações de
solo inadequadas e não licenciadas, acarretando a conseqüente diminuição quantitativa e
qualitativa de água potável.
Fala-se também na profunda alteração do clima, desencadeada pela emissão de CO2
2
Confirmando este entendimento, cabe citar GOMES, Sebastião Valdir. Novas questões de direito ambiental./
In: Revista dos Tribunais n° 744, ano86, out/97. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1997, p.69: É (...) a
ação do homem sobre a natureza (e o meio ambiente) algo tão antigo como a sua história. Basta citar a
existência das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas que já estabeleciam os crimes de causar a
mortandade de peixes e de cortar árvores, demonstrando preocupação (mesmo que pequena) com a já existente
relação devastadora que o homem sobrepunha sobre o meio ambiente.
3
BECK, Urlich. La sociedad del riesgo. Tradução: Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borras. España:
Paidos, 1988, p.27. No medievo los peligros ataban a la nariz e a los ojos, es decir, eran perceptibles
mediante los sentidos e, na modernidade, os perigos residen en la esfera de las fórmulas químico-físicas (...,
los elementos tóxicos en los alimentos, la amenaza nuclear). E o autor complementa: Se dice que los
marineros que en el siglo XIX caían al Támesis no se ahogaban en el agua, sino que perecían envenenados
por los fétidos vapores y humos de esta cloaca londinense. También el paso por las estrechas calles de una
ciudad medieval tenía que equivaler a una tortura para la nariz. (...). Las fachadas de las casas de París están
corroídas por la orina.
4
Id.Ibid., p.28. Esta alteração qualitativa reflete na própria complexidade das soluções, pois o que antes girava
em torno da modernização dos instrumentos de alcance de água potável, condições sanitárias, higiene,
limpeza, etc., hoje passa, primeiro, pela própria identificação dos elementos perigosos e tóxicos (mercúrio,
enxofre, etc), existentes nos alimentos e demais produtos utilizados pelo ser humano e, depois, pelo encontro
do meio mais adequado de solucionar o problema. Como exemplo, tem-se a determinação de locais para o seu
armazenamento - sob pena de, ao vazar a substância, colocar em risco a própria humanidade (lixo nuclear).
15
(que intensifica o efeito estufa)
5
e pela redução da camada de ozônio, contribuindo para a
ocorrência de grandes inundações e de incêndios catastróficos
6
e, por fim, o constante
desflorestamento que influi, diretamente, no aumento da desertificação
7
, conseqüência do
corte ilegal da madeira e da falta de fiscalização.
Sendo estes apenas alguns exemplos que bem representam o momento em que a
5
A respeito das possíveis alterações climáticas, FERREIRA, Luiz Pinto. O meio ambiente e a defesa da
Amazônia./ In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (org). Direito Constitucional –
Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2003, p.205. O autor informa
que, segundo especialistas, a alteração de alguns graus de temperatura, certamente ocasionará um aquecimento
da atmosfera mundial, provocando a elevação do nível do mar, além da ocorrência de furacões e ciclones,
acarretando mudanças nas precipitações pluviométricas e, por conseqüência, desorganizando a agricultura.
Calcula-se que em meados do século XXI a temperatura média do Globo crescerá entre 1,5 a 4,5 graus
centígrados. Tal situação provocará o aumento das geleiras derretidas e o aquecimento da água do mar. O
nível do mar poderá elevar-se cerca de 2m, inundando ilhas e áreas litorâneas baixas. Já com outros dados,
MIRRA, Álvaro Luiz Valerry. Direito ambiental: O princípio da precaução e sua aplicação judicial./ In:
BENJAMIN, Antônio Herman e MILARÉ, Édis (coord.). Revista de Direito Ambiental n° 21, ano6, jan-
mar/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.94. Indica que este fenômeno do aquecimento da
atmosfera acarretará o aumento do nível dos oceanos, conseqüência do derretimento das geleiras, podendo
inundar vastas áreas em diversos países. Por outro lado, fala da possibilidade de grandes secas em regiões que
até hoje eram úmidas, na possível escassez de água e no empobrecimento dos solos, tornando-os inférteis e
comprometendo a produção agrícola e alimentícia.
6
Informando a já ocorrência de grandes incêndios, AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização – ambiente e
direito no limiar da vida. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005, p.82, cita a devastação das florestas
de Sumatra, Borneo, Java e Sulavesi, em extensão que ultrapassou oitocentos mil hectares no ano de 1997.
Indica que a sua causa principal é a política de desflorestamento intensivo. Apesar de no Brasil não existir esta
política, a falta de estrutura estatal-organizacional acarreta esta sensação: ausência de servidores preparados
tecnicamente e instrumentos suficientes e capazes de colaborar na fiscalização. Por outro lado, não se pode
esquecer da grande área que abrange a Amazônia, o Pantanal Mato-grossense, muitas delas de difícil acesso,
razão pela qual há a dificuldade de ações mais intensivas.
7
Importantes dados sobre este assunto são colacionados por BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito
dos pobres. São Paulo: editora Ática, 1995, p.17, quando indica que por ação do desflorestamento já foram
destruídos 42% das florestas tropicais existentes, alertando que tanto o aquecimento global quanto as chuvas
ácidas têm potencialidade de dizimar uma das florestas mais importante do sistema-Terra, a Floresta Boreal,
com mais de 6 bilhões de hectares. A respeito desta alteração de clima, basta observar no Brasil as altas
temperaturas no verão e os picos de calor no inverno, impossibilitando a identificação com precisão das
estações do ano. Já AZEVEDO, Plauto Faraco de., Op. cit, p.82, complementa estas estimativas, quando
resume artigo ambiental escrito por Ignácio Ramonet, intitulado Soulager la planète, publicado na Revista Le
monde diplomatique n
°
524, p.1, a saber: Seis milhões de terras aráveis desaparecem, a cada ano, em razão
da desertificação. Por toda a parte, a erosão e a superexploração corroem, em ritmo acelerado, a superfície
das terras cultiváveis. O equilíbrio ecológico é fragilizado pela poluição industrial dos países do Norte e pela
pobreza dos países do Sul, onde ocorre desflorestamento e desaparecimento dos terrenos de pousio. Do
desflorestamento resulta a destruição de um patrimônio biológico único (...) visto que as florestas tropicais
úmidas abrigam 70% das espécies existentes. A cada ano cerca de 6.000, dentre elas desaparecem. Neste
ritmo, a UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza – estima que, em dez anos, 20% de
todas as espécies existentes terão desaparecido.Neste mesmo sentido, se pode indicar a situação da Floresta
Amazônica e da Mata Atlântica que, diariamente, são anunciadas denúncias de desflorestamento (conforme
será visto em nota a seguir), sem que se consiga reverter esta situação.
16
civilização mundial está vivendo, depreende-se que os ecossistemas
8
existentes são
completamente interligados, pois a afetação de um dos seus elementos acarreta o desequilíbrio
dos demais e, por fim, de todo o sistema. É o chamado efeito ‘em cadeia’ ou ‘borboleta’.
A poluição não é fruto somente das constantes e silenciosas atividades degradadoras,
mas também dos diversos e estrondosos desastres ambientais ocorridos no plano internacional
que, desde a segunda metade do século passado, também aumentaram
9
:
Assim, cabe citar: Minamata (Japão, anos 50 – descarga de mercúrio), Love Canal
(Estados Unidos, anos 50/60 – descarga de produtos tóxicos), Torrey Canyon (Mancha, anos
60 – derramamento de mais de 500.000 (quinhentas mil) toneladas de petróleo), Flixborough
(Reino Unido, anos 70 – explosão de gás em fábrica de produtos químicos), Seveso (Itália,
anos 70 – explosão de reator químico), Three Mile Island (Estados Unidos, anos 70 – difusão
de radioatividade no interior da Usina), Bophal (Índia, anos 80 – nuvem de gás tóxico),
Chernobyl (União Soviética, anos 80 – explosão de Usina Nuclear)
10
e Exxon Valdez (Alasca,
anos 80 – vazamento de 41 (quarenta e um) milhões de litros de óleo)
11
.
No Brasil, a história não é diferente: Floresta Amazônica (desmatamento de mais de
seiscentos mil km2), Mata Atlântica e Pantanal Mato-Grossense (destruição em massa das
8
Sobre o conceito de Ecossistema, cabe informa: Ecossistema (...) designa o conjunto formado por todos os
fatores bióticos e abióticos que atuam simultaneamente sobre determinada região. Considerando como
fatores bióticos as diversas populações de animais, plantas e bactérias e os abióticos os fatores externos como
a água, o sol, o solo, o gelo, o vento. A alteração de um único elemento costuma causar modificações em todo
o sistema, podendo ocorrer a perda do equilíbrio existente. Todos os ecossistemas do mundo formam a
Biosfera. Acesse o site: <http://pt.wikipedia.org/wikis/Ecossistema
>.
9
AZEVEDO, Plauto Faraco de., Op. cit, p.84/85.
10
Às 09:30 de 27.04.1986 monitores de radiação na Central Nuclear de Forsmark, perto de Uppsala, Suécia,
detectaram níveis anormais de iodo e cobalto, motivando a evacuação dos funcionários da área devido a
vazamento nuclear. (...). Moscou negou por 2 dias qualquer anormalidade. Mas a presença de rutênio nas
amostras analisadas na Suécia era emblemática, visto que o rutênio se funde a 2.255° C, sugerindo uma
explosão grave. Só em 28 de abril é que assumiu o acidente nuclear na República da Ucrânia, no fim do dia.
Quase 12 horas depois, às 09:02, o jornal na TV apresentou uma breve declaração de quatro sentenças: "uma
explosão, incêndio e fusão do reator tinha ocorrido na Central Nuclear Vladímir Ilitch Lênin" em
Pripyat..(...). No dia 3 de maio a nuvem estava sobre o Japão e no dia 5 de maio chegou aos EUA e Canadá.
Mikhail Gorbachov demorou 18 dias para falar sobre o acidente, só o fazendo em 14 de maio. Para mais
informações, veja o site: <http://www.energiatomica.hpg.ig.com.br/chernobylp96.htm
>.
11
24/03/2004 - Amsterdã, Holanda: Desastre do Exxon Valdez: uma contínua história de mentiras - Em 1989, o
desastre do navio da maior petrolífera do mundo derramou 41 milhões de litros na costa do Alasca, afetando
a vida animal até hoje. (...). Maior companhia petrolífera do mundo, a empresa, que comercializa seus
produtos sob a marca Esso (...) foi multada em mais de US$ 5 bilhões pelos danos ambientais decorrentes do
acidente do Exxon Valdez, porém entrou na justiça com um pedido para recorrer da decisão
. Veja o site:
<
http://www.greenpeace.org.br/oceanos/oceanos.php?conteudo_id=1132&content=1&PHPSESSID=3c3f3b56
b4f8251fa4a26e4eb8561547>.
17
florestas)
12
, Médio Paraíba (florestas e matas virgens destruídas pela extração de palmito)
13
,
Projeto Grande Carajás (extração de minérios e minerais estratégicos, agroindústria e
silvicultura)
14
, Baía de Guanabara (Rio de Janeiro – derramamento de até três e meio milhões
de litros de óleo)
Fala-se também em Pirapora do Bom Jesus (São Paulo – blocos de espuma de até
quatro metros de altura), Cataguazes (Rio de Janeiro - vazamento de um e meio bilhão de
litros de lixo tóxico no Rio Paraíba do Sul), P-37 (Rio de Janeiro - base petrolífera afunda no
mar), Centro de Endemismo Belém (leste do Pará e oeste do Maranhão – mais de duzentos e
cinqüenta mil km2 – pode ser a primeira grande extinção em massa de espécies da Amazônia)
e Aqüífero Guarani (o maior reservatório de água potável do mundo está ameaçado)
15
.
Em uma perspectiva geral, pode-se dizer que tanto o sistema capitalista quanto o
12
Trazendo dados sobre o desmatamento da Floresta Amazônica, os danos causados ao Pantanal Mato-Grossense
e a destruição da Mata Atlântica, FERREIRA, Luiz Pinto., Op.cit., p.203, indica a existência de prejuízos
irreparáveis. Cita também que, em Pernambuco, a Reserva Florestal do Engenho Pitanga sofreu, na década de
80, uma reforma agrária impensada, razão pela qual acarretou o empobrecimento da população local e a
destruição quase que total da reserva, que de sete mil hectares foi reduzida para apenas mil. Complementando
essas informações, BOFF, Leonardo., Op. cit., p.143, informa o avanço do desmatamento ao longo dos
séculos, a saber: cerca de três e meio milhões de km2 da Amazônia pertencem ao Brasil: durante os três
séculos de colonização, foram desmatados em torno de cem km2 e, sob a ditadura militar (em torno de treze
anos), mais de trezentos mil km2. O autor estima que entre nove a doze por cento dela já tenha sido
desmatada, resultando em uma área de aproximadamente seiscentos mil km2. Por fim, faz uma previsão
catastrófica (p.141): caso a Amazônia venha a ser totalmente desmatada, mais de cinqüenta bilhões de
toneladas de carbono por ano seriam lançadas na atmosfera. Os seres vivos não suportariam.
13
Estima-se que nesta região ainda existam remanescentes de Mata Atlântica. Além disso, lá está o Parque
Nacional de Itatiaia e a Floresta da Cicuta que, por não terem sido tombados pelo interesse público, estão à
própria sorte. Além disso, estas florestas, matas virgens, flora, animais e várias espécies vivas estão sendo
reduzidos devido ao abate da palmeira, para a extração do palmito, além da extração de madeira (mesmo as
consideradas nobres), para a transformação em carvão vegetal. Cf. PEREIRA, Flávio de Oliveira. A atuação
dos órgãos competentes no plano de eficácia da legislação ambiental no Médio Paraíba./ In: BENJAMIN,
Antônio Herman e MILARÉ, Édis (coord.). Revista de Direito Ambiental n° 10, ano3, abril-jun/98. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 1998, p.35.
14
Sobre o assunto, ver BOFF, Leonardo., Op. cit., p.149. O autor (p.154) cita ainda que famoso é o garimpo de
Serra Pelada no âmbito do Projeto Grande Carajás. O ouro é retirado por 40.000 garimpeiros, um
formigueiro humano (...). Em 1986, 40 toneladas de ouro foram daí extraídas, cada garimpeiro escalando os
degraus da cava que atingiu 200 metros de profundidade.(...) relações sociais violentíssimas, agravadas
especialmente pela aspiração de mercúrio volatilizado, que induz à irritabilidade, perda de confiança (...),
alucinações, melancolia suicida e psicose maníaco-depressiva. Aqui se verifica a íntima relação entre:
ambiente, sociedade e economia, em que o desmantelamento de uma delas provoca a degradação das demais.
A capacidade natural foi esgotada, mas as conseqüências sociais ainda estão presentes.
15
Diante da descrição destes diversos desastres ambientais e, ao serem analisadas as suas causas, pode-se dizer
que estas “são sempre semelhantes: precariedade da segurança, insuficiência de formação do pessoal e
pressões econômicas”. Cf. AZEVEDO, Plauto Faraco de., Op. cit., p.85. Essa precariedade na segurança -
tanto em relação ao trabalhador, que seguidamente atua sem as devidas informações, formações técnicas e
EPI’s, quanto da própria atividade que, muitas vezes, é realizada sem projeto de segurança, de sistema de
previsão e de remediação dos danos - é fruto de pressões econômicas que exigem resultados mais rápidos para
gerar mais riquezas, além de uma maior demanda por consumo. O sistema capitalista, portanto, colabora nesta
atual situação de degradação da natureza.
18
socialista
16
contribuíram em muito para a degradação do meio ambiente, e seus fracassos de
desenvolvimento desembocam em regressões, estagnações, fomes, guerras
civis/tribais/religiosas
17
.
Entretanto, o capitalismo combinado com o processo de industrialização foi o mais
feroz, pois forçou o aumento desta produção descontrolada/desregulada que, por sua vez, deu
novo fôlego ao apetite econômico voraz do capitalismo e a um potencial crescimento
demográfico e urbano
18
. Sendo este um círculo vicioso, a maior demanda exige uma maior
produção que, por sua vez coloca em risco a segurança em nome do lucro que, por seu turno,
coloca mais produtos no mercado...e assim sucessiva e infinitamente.
Quanto ao aumento demográfico
19
citado acima por David Goldblat, esse acarretou
uma maior demanda por consumo, de forma que para a satisfação das múltiplas necessidades
16
A respeito da preocupação ambiental em um estado socialista, GOLDBLAT, David., em sua obra Teoria
Social e Ambiente – Perspectivas Ecológicas.Tradução: Ana Maria André. Lisboa: Instituto Piaget, 1996,
p.79/80, diz que: A política não teve maior influência na tentativa de reduzir os efeitos ecológicos da
actividade militar. A dimensão do exército soviético, a sua enorme base industrial e a sua propensão para
causar danos no ambiente obrigou a que o seu controlo fosse uma questão quase tão urgente como o controlo
da economia civil. (...). Nos países onde existiram (e houve de facto um código muito vasto de leis soviéticas
sobre conservação e poluição), as leis nunca foram impostas com o mesmo vigor que as metas de produção. E
neste sentido, portanto, fica demonstrado que tanto no sistema capitalista quanto no socialista a preocupação
com a preservação do meio ambiente foi relegada a um segundo plano, haja vista as prioridades impostas em
cada uma delas que, com certeza, não giravam em torno da questão ambiental.
17
Cf. MORIN, Edgar e KERN, Anne Brigitte. Terra Pátria. Tradução do Francês: Paulo Azevedo Neves da
Silva. Porto Alegre: editora Sulina, 1995, p.80. Não se pode esquecer que estas regressões e estagnações estão
diretamente ligadas ao fracasso do desenvolvimento econômico e social da sociedade envolvida. Por
conseqüência disso, há a geração de fome nas populações mais carentes e o aumento da desigualdade social,
oportunizando mais aos que têm mais e menos aos que possuem menos. O Brasil é um exemplo claro do
resultado da implementação deste sistema capitalista.
18
GOLDBLAT, David., Op. cit., p.77. Um pouco antes (p.76), diz o autor que O industrialismo possibilitou o
aumento qualitativo e quantitativo da degradação do ambiente por inúmeras razões: a mobilização de
enormes fontes de energia manuseável; a sofisticação e o poder transformador dos tipos de produção
mecanizada que possibilitou; a produção de novos factores externos poderosos. O industrialismo transformou
deste modo os processos pelos quais as sociedades modernas interagem directamente com o seu meio
ambiente. E isto fica muito claro quando da ‘produção em massa’, pois demonstra que o ser humano não está
mais em uma relação de equilíbrio com o meio ambiente, no sentido de retirar-lhe somente o que for
necessário para sua subsistência, mas tudo o que ele pode oferecer para satisfazer a todos seus interesses.
19
Cf. MORIN, Edgar e KERN, Anne Brigitte, Op. cit., p.87, eles trazem uma fotografia das conseqüências do
aumento demográfico: (...) enquanto 3% da população mundial vivem em cidades em 1800, 80% dos
habitantes estão hoje urbanizados (...). Megalópoles como Cidade do México, Shangai, Bombaim, Jacarta,
Tóquio-Osaka não cessam de crescer. Esses monstros urbanos sofrem (e fazem sofrer a seus habitantes)
engarrafamentos, ruídos, estresse, poluições de todo o tipo. A miséria material prolifera nas favelas.
Identifica-se aqui pelo menos 2 (dois) tipos de meio ambiente que estão sendo afetados: o natural e o artificial,
sem falar no desequilíbrio social, na medida em que a pobreza gera a degradação ambiental e esta, por sua vez,
faz diminuir os recursos naturais disponíveis para a alimentação e industrialização de produtos consumidos e
utilizados pela população. Ainda, a poluição traz problemas de saúde como o respiratório e o próprio estresse.
Enfim, é um círculo fechado e desencadeador de diversos problemas que estão diretamente interligados.
19
humanas, que são ilimitadas, utilizaram-se bens da natureza que são limitados
20
. Aqui fica
demonstrada a vigência da idéia antropocêntrica, ou seja, que um conjunto de seres e
elementos da natureza estão à disposição do homem (considerado o centro do universo), para
serem usados e consumidos.
Por sua vez, o crescimento urbano, aliado ao conseqüente aumento das desigualdades
sociais, obrigou parcela dessa população a viver em locais não apropriados, ocasionando
danos a esses ecossistemas invadidos, intensificando a degradação desses espaços.
A soma destas constantes degradações do meio ambiente, dos diversos desastres
ambientais ocorridos nos âmbitos nacional e internacional, do modelo de sociedade escolhido,
associado à industrialização, do aumento demográfico e de consumo, do crescimento das
diferenças sociais (quase insuperáveis), da falta de uma consciência ambiental da sociedade
(como a separação e colocação do lixo em locais adequados), da redução das matérias primas
renováveis e não-renováveis, culminaram na chamada ‘crise de civilização’
21
.
20
A respeito das limitações dos recursos naturais, cabe citar o entendimento de alguns autores. Assim, conforme
MARQUES, José Roberto. Responsabilidade penal da pessoa jurídica./ In: BENJAMIN, Antônio Herman e
MILARÉ, Édis (coord.). Revista de Direito Ambiental n° 22, ano6, abril-jun/01. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p.100: Esqueceu-se, até bem pouco tempo atrás, que muitos recursos não existem de forma
ilimitada na natureza e não são renováveis. E ainda que se admita possam alguns ser renovados, milhares de
anos seriam necessários para que esse fenômeno ocorresse.Já BOFF, Leonardo., Op. cit., p.104, diz que:
Agilizaram-se todas as forças produtivas para extrair da Terra tudo o que ela pode fornecer. (...). Organizou-
se um assalto sistemático a suas riquezas no solo, no subsolo, nos ares, nos mares e na atmosfera exterior. E,
por fim, GOLDBLAT, David., Op. cit., p.111, aduz que: (...) densidade humana, proximidades do homem dos
processos produtivos e a escassez e vulnerabilidade do pouco que restava dos ecossistemas naturais dentro do
ambiente urbano. Diante disso, o homem apenas percebe o que o meio ambiente pode lhe dar (ar puro, solo
fértil, fauna, flora, etc.), razão pela qual retira dele o que pode. Entretanto, não visualiza o que a natureza não
poderá lhe fornecer, se estiver ecologicamente desequilibrada, bem como suas conseqüências. E com certeza o
elemento que faltar pode colocar em risco a própria sobrevivência da humanidade.
21
Esta crise de civilização está bem caracterizada por CARNEIRO, Augusto Cunha., em sua obra A história do
Ambientalismo. Porto Alegre: editora Sagra Luzzato, 2003, p.13: Acredito que todos devem reconhecer que o
mundo, principalmente o Brasil, está em crise de civilização (social e ambiental), e os elementos de origem da
crise são: superpopulação (miséria), secas e inundações (agravadas por desmatamentos e lixo em locais
indevidos), etc. Até a cultura é comprometida. A crise ambiental, aos poucos, vai levando o planeta, e a
Natureza em geral, à destruição de seus habitats – e o homem será a próxima vítima. A crise social é uma
decorrência da ambiental, pois nas condições atuais não há possibilidades de todos usufruírem os bens da
Terra. Por outro lado, BECK, Urlich., Op. cit., p.30, bem determina esta interação entre os diversos elementos
que culminaram nesta crise: Precisamente las discusiones de las últimas décadas (...). Se esgotan en el
intercambio y la evocación de las sustancias nocivas que contienen el aire, el agua y los alimentos, de cifras
relativas de crecimiento demográfico, de consumo energético, de demanda de alimentos, de falta de materias
primas, etc., (...) como si nunca hubiera habido alguien (...) que hubiera dedicado su tiempo a mostrar que si
no tomamos en consideración las estructuras sociales de poder y de reparto, las burocracias, las normas y
racionalidades dominantes, todo esto es vacío o absurdo (probablemente, ambas cosas).
20
Os conflitos bélicos, principalmente os da Primeira e Segunda Guerras Mundial
22
,
também foram fatores determinantes para relegar a questão da proteção do meio ambiente
para um segundo plano, já que não consideraram os custos ambientais correntes e futuros.
Exemplo disso é a devastação humana, social e ecológica provocada pelas Bombas Atômicas
de Hiroshima e Nagazaki.
Cabe indicar ainda a existência de uma cultura ‘ocidental’ que atua tanto em relação
ao trabalho (busca de uma maior produção, pela automatização), como em relação ao tempo
(busca de sua otimização para que ocorra um maior acúmulo de riquezas). Tais questões
contribuem para a elevação da degradação ambiental, pois os processos industriais não levam
em conta a racionalização do uso dos recursos naturais e, por conseqüência, o equilíbrio
ecológico.
Verificou-se, então, que este desenvolvimento tecnológico-industrial e esta alteração
do comportamento social acarretaram a adição da palavra ‘risco’ ao termo sociedade, haja
vista que a imperceptibilidade dos perigos, a dependência em relação ao conhecimento, a
supranacionalidade, a expropriação ecológica, etc., são vistos depois de Chernobyl como uma
trivial descrição do presente
23
.
Tal entendimento advém do fato de que a produção de riquezas está acompanhada
22
A respeito, MORIN, Edgar e KERN, Anne Brigitte., Op. cit., p.80/81 aduzem que: A ciência revela uma
ambivalência cada vez mais radical: o domínio da energia nuclear pelas ciências físicas resulta não apenas
no progresso humano, mas também no aniquilamento humano; as bombas de Hiroshima e Nagasaki, seguidas
pela corrida às armas nucleares das grandes e depois das médias potências, fazem pesar sua ameaça sobre o
devir do planeta. Por outro lado, BRÜSEKE, Franz Josef., em sua obra A Técnica e os riscos da modernidade.
Florianópolis: editora da UFSC, 2001, p.31, entende que O mundo encontra-se hoje em uma disposição ao
perigo que se expressa, mais claramente, na ameaça nuclear, tanto na sua variável civil (uso da energia
nuclear e produção de resíduos tóxicos) como militar (existência de ogivas nucleares na mão de diversos
Estados territoriais capazes de extinguir várias vezes qualquer vida na Terra). Assim, um dos receios é o da
proliferação das armas de destruição em massa, como as bombas nucleares e os vírus mortais produzidos em
laboratório. Apesar da busca pela ‘paz’, existem ainda países que produzem estes instrumentos como forma de
demonstrar poder e exigir o respeito dos demais povos. Não percebem que a sua utilização desequilibra todo o
ecossistema em que vivem.
23
Cf. BECK, Urlich., Op. cit., p.14. (la imperceptibilidad de los peligros, su dependencia respecto del saber, su
supranacionalidad, la ‘expropriación ecológica’, el paso de la normalidad a la absurdidad, etc.) se lee
después de Chernobyl como una trivial descripción del presente. Mais adiante (p.25), diz o autor: (...) está
vinculado históricamente a (al menos) dos condiciones. En primer lugar, este cambio se consuma (como
sabemos hoy) allí donde y en la medida en que mediante el nivel alcanzado por las fuerzas productivas
humanas y tecnológicas y por las seguridades y regulaciones del Estado social se puede reducir
objetivamente y excluir socialmente la miseria material auténtica. En segundo lugar, este cambio categorial
depende al miso tiempo de que al hilo del crecimiento exponencial de las fuerzas productivas en el proceso de
modernización se liberen los riesgos u los potenciales de auto amenaza en una medida desconocida hasta el
momento.
21
sistematicamente pela de riscos, de forma que os problemas que surgem das relações sociais
são substituídos pelos de produção, devendo ser repartidos pela sociedade globalizada. Além
disso, as conseqüências da produção descontrolada não estão mais ligadas ao lugar de seu
surgimento, mas afetando a todos e colocando em perigo a vida na Terra e qualquer de suas
formas de manifestação.
Exatamente neste sentido é que os riscos, irreversíveis, invisíveis e imprevisíveis
24
,
devem ser conhecidos cientificamente para, assim, poderem ser reduzidos. Para tanto, houve
um gradativo aumento dos investimentos em pesquisas e conhecimentos tecnológicos,
permitindo uma maior previsão da degradação ambiental ocasionada por estes processos
produtivos e industriais.
Ainda, não se pode esquecer que o risco acaba por tornar relativa a antiga dicotomia
de classes, já que ricos e pobres, assalariados e empresários, países desenvolvidos e
subdesenvolvidos sofrem igualmente as conseqüências da poluição global, sentida na água, no
ar, no solo e na terra. Assim, O risco da modernização produz um efeito bumerangue que
recai sobre grupos sociais até então protegidos contra os males da industrialização
25
. Nesse
diapasão, somado com o dito acima, constata-se que a questão ambiental está intimamente
ligada ao homem e à sociedade, bem como aos modelos econômicos e políticos por ela
escolhidos.
É por este viés crítico e de aplicação dos próprios princípios ambientais criados,
somados aos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e tecnológicos, que a sociedade
24
A respeito desta imprevisibilidade dos riscos, BRÜSEKE, Franz Josef., Op. cit., p.30, indica que: (...) ela
deixa de ser exclusivamente uma sociedade baseada no princípio da escassez e torna-se uma sociedade cada
vez mais saturada, mas cheia de imponderáveis e efeitos não previsíveis. Em suma, estamos assistindo ao
surgimento de uma sociedade que produz e distribui, de forma desigual, os riscos ambientais e sociais. Esta
imprevisibilidade do risco é elemento importante, exatamente porque diminui as possibilidades de reação
imediata ao agravo. Nesse sentido, portanto, torna-se imprescindível a formulação de princípios como os da
precaução e da prevenção (a serem vistos a seguir) e, por sua vez, de efetiva aplicação aos casos postos perante
os Poderes Públicos, como forma de se posicionar um passo à frente a esta questão e se preparar para o que
pode dela advir.
25
Id.Ibid., p.32. Nesta mesma linha de constatação de uma relação direta entre a sociedade e a natureza, está
BECK, Urlich., Op. cit., p. 90, quando diz que: A finales des siglo XX hay que decir que la naturaleza es
sociedad, que la sociedad es (también) naturaleza. Quien hoy sigue hablando de la naturaleza como no
sociedad habla con las categorías de otro siglo, las cuales ya no captan nuestra realidad. Nesse sentido
portanto, deve-se deixar de lado a idéia antropocêntrica, pois inadequada às categorias de hoje, que exigem
uma visão holística e global das relações, incluindo-se aqui, necessariamente, o meio ambiente, já que nele o
homem habita, vive, produz e se reproduz.
22
mundial ingressou na chamada modernidade reflexiva
26
. Os movimentos ambientalistas são
um exemplo, pois foram se desenvolvendo e oportunizando a percepção da necessidade de
uma maior proteção do meio ambiente para garantir a continuidade da vida
27
.
Nesta linha reflexiva houve o início de uma reavaliação dos interesses materiais, não
mais fundados em interesses ilimitados, mas com base nos meios de sobrevivência e
qualidade de vida bem como no cálculo do consumo pessoal mais comum
28
. Estas idéias são
oriundas, principalmente, dos movimentos de crítica cultural posterior aos anos 60, como, por
exemplo, os movimentos alternativos, o feminismo, a crítica ao consumismo, dentre outros.
Conforme todas as relações e interações acima descritas, constata-se a existência de
(três) dimensões
29
do meio ambiente: a relacional, que envolve fatores naturais e
antropológicos, no sentido de fazer com que se analisem discussões em todos os âmbitos,
tanto do papel da natureza dentro do contexto social quanto da própria sociedade (de forma
26
Id.Ibid., p.199. Como complementação a este entendimento, cabe citar BRÜSEKE, Franz Josef., Op. cit., p.36,
quando explica que: é reflexiva num duplo sentido, tanto por causa deste movimento RE, que persiste na auto-
aplicação de seus próprios princípios e suas próprias lógicas, como também por causa da reflexão crítica e
científica que a própria modernidade procura hoje, pela primeira vez em grande escala, como seu objeto. O
conceito de modernização reflexiva abrange tanto a modernização refletida como também a modernidade da
própria modernização. E este processo é de extrema importância, pois colabora na identificação do homem
como ser que vive e atua no meio ambiente, de forma a compreender os efeitos das suas próprias ações
aportadas sobre este habitat e as conseqüências delas advindas, que se refletem sobre a sua própria vida.
27
A propósito destes movimentos, não se pode esquecer, referente ao Estado do Rio Grande do Sul, do
importante nome de Henrique Luiz Roesler, fundador da União Protetora da Natureza (UPN) que, em 1939,
escreveu 303 crônicas jornalísticas, sem falar nas diversas atividades praticadas em favor da natureza, como a
intervenção na caça e na pesca, o desmatamento, a poluição, bem como a educação ambiental. Já no pós-
segunda guerra, cabe citar a criação do ‘Greenpeace’ e ‘Os Amigos da Terra’ (ambos organismos não-
governamentais), conhecidos pelo ativismo popular na proteção da natureza, além dos primeiros ‘Partidos
Verdes’. Na década de 70 foi fundada por Lutzemberger a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente
Natural (AGAPAN) e publicado por Walter Ceneviva artigo denominado “Controle da Poluição”. Cf.
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. 2.ed. São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p.25.
28
Cf. GOLDBLAT, David., Op. cit., p.217. Este posicionamento encontra guarida também em PEREZ LUÑO,
Antonio E. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5.ed. Madrid: editorial Tecnos, 1995,
p.451, quando alude que: Al margen de algunas denuncias premonitorias sobre la necesidad de limitar el
crecimiento de la población y la explotación desenfrenada de los recursos naturales, puede considerarse el
año de 1968 como fecha crucial para la afirmación de un amplio movimiento colectivo de signo ecologista.
Así, se ha aludido a la evidente componente de los movimientos estudiantiles del 68, en cuanto implicaban,
entre otros, el objetivo de ‘vivir mejor’ en contraposición con el ‘tener más’ caracterizador de la ideología del
establishment. Esta constatação é de extrema importância, pois possibilita a avaliação das necessidades
pessoais, adequadas às condições que a natureza possibilita. É um início de conscientização da atual situação
ambiental vivida, para futura tomada de decisão em prol de sua proteção e readequação dos padrões de vida
humanos.
29
Para saber mais a respeito destas 3 (três) dimensões, ver PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005, p.122. Esta divisão, na medida em que restringe a descoberta de
muitas outras variáveis, possui um cunho dogmático. Entretanto, serve como linha de raciocínio para entender
o assunto, não esgotando, portanto, as suas possibilidades.
23
externa – global e interna – nacional) como ser atuante, na busca de sua preservação; e o
geográfico-territorial, que considera o equilíbrio ecológico em seus âmbitos local, regional e
nacional, bem como seus ecossistemas; e, por fim, o temporal, a fim de constatar-se a
imposição de contínuas evoluções e transformações ambientais.
Essa questão é muito importante, pois identifica as muitas disciplinas que envolvem o
assunto meio ambiente, apesar de ter sido descrita em apenas 3 (três) dimensões. Assim
sendo, pode-se entender, principalmente, a relação existente entre o ser humano e o
ecossistema em que está inserido (em seus diversos significados: cultural, políticos, natural,
etc), de forma a compreender o que é ser-parte e ser-atuante no seu habitat.
Isso porque, na medida em que o homem consegue visualizar que é parte do meio
ambiente em que vive e que suas atitudes sobre ele têm reflexos diretos na sua vida e em si
mesmo, pode buscar novas possibilidades de uma consciência ambiental, podendo alterar o
seu modus vivendi e encontrar o equilíbrio ecológico entre si, o seu meio e suas relações.
No entremeio dessa interpelação sofrida pela sociedade mundial, no que se refere ao
aumento qualitativo e quantitativo da degradação ambiental, bem como evidenciando a
necessidade da criação de instrumentos que colaborem na proteção do meio ambiente, o
Brasil acompanhou essas alterações, criando uma legislação ambiental protetiva, muito
embora esta já existisse desde o Brasil-Colônia
30
. Na década de 30, os ordenamentos
ambientais começam a aparecer
31
, mas foi mesmo no pós-guerra que ocorreram os grandes
avanços, cuja idéia de solidariedade é refletida em leis com reais intuitos de preservação
ambiental
32
.
Passada esta fase inicial do desenvolvimento legislativo ambiental, verifica-se que a
década de 70 é um marco, pois o direito ao meio ambiente tomou passos largos na história.
30
Nos primórdios do Brasil-Colônia, a legislação portuguesa já protegia o equilíbrio ecológico, ainda que
concomitantemente e, principalmente, procurasse proteger a Coroa. As Ordenações Afonsinas (Livro V, Título
LVIIII
) proibiam o corte deliberado de árvores frutíferas, as Ordenações Manuelinas (Livro V, Título
LXXXIIII) vedavam a caça de perdizes, lebres e coelhos com redes, fios, bois ou outros meios e instrumentos
capazes de acusar dor e sofrimento na morte desses animais, bem como as Ordenações Filipinas (Livro
LXXV, Título LXXXVIII, § 7º) protegiam as águas punindo com multa quem jogasse material, que as sujasse
ou viesse a matar os peixes.
31
O Código Florestal de 1934 e de 1965, a Lei de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1937
(em vigor até hoje) e o Código Penal de 1940 (com alguns artigos revogados em 1998 pela Lei dos Crimes
Ambientais), são exemplos sobre o assunto.
32
Com esse intuito solidário cabe citar a Lei de Proteção à Fauna e o Código de Pesca, ambos de 1967.
24
Diante do caráter global e transnacional dos níveis de degradação, somado à irrelevância das
respostas nacionais a muitos problemas do ambiente
33
, o alargamento das discussões sobre o
assunto para o âmbito internacional foi uma conseqüência. A respeito, foi realizada a
Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
34
(ESTOCOLMO/72),
cujo escopo foi analisar denúncias sobre danos ecológicos, reconhecendo, ao final, ser o meio
ambiente um novo direito humano fundamental.
Diante desse crucial acontecimento internacional, a década de 80 é caracterizada pela
aceleração da evolução legislativa ambiental brasileira, cujas leis da Política Nacional do
Meio Ambiente e da Ação Civil Pública são exemplos importantes. Também e,
principalmente, vale citar o aumento e repasse de incumbências
35
de proteção e de
33
Cf. GOLDBLAT, David., Op. cit., p.286. Exemplos claros de degradação do meio ambiente que ultrapassam as
fronteiras entre os países são as poluições transfronteiriças e as chuvas ácidas. Sem contar na escassez de água
potável e de petróleo (recursos naturais não-renováveis). Nesse sentido, portanto, sofrendo as conseqüências
destes atos, é que a comunidade internacional foi interpelada pela questão ambiental, iniciando um processo de
acordos, convenções e tratados para a proteção do meio ambiente e de todas as suas variáveis (sítios
arqueológicos, parques naturais, monumentos históricos, flora, fauna, etc.), imprescindíveis para a sua tutela
nos dias de hoje. De forma a expressar este alargamento das preocupações ambientais para o âmbito
internacional, BECK, Urlich., Op. cit., p.42, diz que: Esto queda más claro aún sí tomamos en consideración
el modelo especial de reparto de los riesgos de la modernización: éstos poseen una tendencia inmanente a la
globalización. A la producción industrial le acompaña un universalismo de los peligros, independientemente
de los lugares de su producción: las cadenas de alimentos conectan en la práctica a todos los habitantes de la
Tierra. Atraviesan las fronteras. El contenido en ácidos del aire no ataca sólo a las esculturas y a los tesoros
artísticos, sino que ha disuelto ya desde hace tiempo las barreras aduaneras modernas. También en Canadá
los lagos tienen mucho ácido, también en las cumbres de Escandinavia se mueren los bosques
34
A respeito, os 26 princípios constituem prolongamento da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Cf.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2003, p.58.
CARNEIRO, Augusto Cunha., Op. cit., p.20, vai mais longe e critica a postura brasileira: Por força das
denúncias e debates sobre o assunto, a ONU promoveu em 1972, em Estocolmo, uma reunião mundial –
burocrática -, que muito ajudou no movimento conservacionista a conhecer seu lugar, pois os delegados que
representavam os respectivos governos deixaram cair completamente suas máscaras, tanto que chegaram a
defender o direito de poluir (sendo um deles o delegado brasileiro da ditadura, Miguel Osório Almeida,
diplomata, seguido também pela delegação chinesa). (...). Mas tivemos muitas vitórias, como a criação do Dia
Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), tido por todos como o dia mundial do protesto. Cabe informar que
uma das justificativas dadas pelos representantes do governo militar brasileiros nesta Conferência para obter
este ‘direito de poluir’, viria da existência de questões muito mais importantes a resolver do que o meio
ambiente, tais como a miséria, a educação, o desenvolvimento, etc. Inclusive fez-se um chamado para que as
empresas viessem poluir no Brasil, já que garantiria o seu desenvolvimento econômico e, por conseqüência, o
social. E os números bem representam este posicionamento, pois, conforme nota nº 12 do presente trabalho,
durante os 13 (treze) anos sob a ditadura militar, a Amazônia teve cerca de 300 (trezentos) mil k2 desmatados,
contra 100 (cem) k2 em 3 (três) séculos de colonização.
35
O entendimento a seguir, bem caracteriza este repasse de incumbências ao Poder Público, a saber: O
tratamento constitucional do ambiente, tal como a observação comparativa revela, caracteriza-se por:
(Omissis); b) distinção de duas fases, em correspondência com a crescente sensibilidade política e jurídica
perante os problemas de ambiente: até meados dos anos 70, fórmulas muito genéricas; depois maior precisão
dos preceitos e maior exigência das incumbências dos poderes públicos. A respeito, conferir a obra de
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Tomo IV – Direitos Fundamentais. 2.ed. Coimbra:
Coimbra editorial limitada, 1993, p.471/472. Esta alteração da generalidade para a especificidade deve-se,
principalmente, pela maior atenção dada à degradação ambiental corrente, gerando, por conseqüências, mais
pesquisas, avanços tecnológicos, precisão nos resultados, interesse político, tutela jurídica, etc.
25
preservação aos Poderes Públicos nacionais. Somada a uma transição política (da ditadura
para a democracia), a Constituição da República Federativa do Brasil introduziu um capítulo
especifico sobre o meio ambiente, cujo art. 225 é um norte a ser seguido, reflexo dos anseios e
transformações valorativas da sociedade, divisor de águas par a sua tutela
36
.
A partir da identificação destes pontos importantes, a historicidade ambiental é recente
e conhecida: novas leis, universidades oferecendo cursos de direito ambiental nos currículos
de graduação e pós-graduação, o Ministério Público se empenhando em aperfeiçoar o
conhecimento de seus agentes e criando setores especiais de tutela.
Fala-se também na Ordem dos Advogados do Brasil estruturando Comissões de Meio
Ambiente, bem como o Poder Público criando órgãos especializados de proteção ambiental,
como a Fundação Henrique Luiz Roesler (FEPAM/RS), a Secretaria Municipal do Meio
Ambiente (SMAM/RS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) e o Batalhão Ambiental (RS)
37
.
A internacionalização da discussão sobre o meio ambiente, ocorrida na década de 70
em Estocolmo e a busca de novas formas para a sua proteção e preservação, culminou na
realização no Rio de Janeiro, nos anos 90, da chamada ECO/92. Dela surgiu a já conhecida
Agenda 21, declaração esta que (...) deu um cunho de internacionalização e
universalização aos princípios e fins gerais que formam o núcleo básico da normatização
36
O espaço dado ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988 é um avanço, pois As Constituições
Brasileiras anteriores à de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural.
Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da
saúde sobre a competência da União para legislar sobre água, floresta, caça e pesca, que possibilitavam a
elaboração de leis protetoras como o Código Florestal e os Códigos de Saúde Pública, de Água e de Pesca.
Cf. SILVA, José Afonso da. Op. cit., p.46. Por outro lado, a inclusão deste capítulo dedicado ao meio
ambiente é uma expressa evolução da consciência ambiental, já que (...) a Constituição (...), não é apenas um
texto jurídico. É também, todo um contexto cultural que funciona como guia e referência para a sociedade
como um todo e expressa as circunstâncias histórico-culturais de um povo e prospecta suas expectativas. A
respeito do assunto, consultar a obra de MORAIS, José Luis Bolzan de. O Brasil pós-1988. Dilemas do/para o
Estado Constitucional./ In: SCAFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando direitos – 15 anos da
Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: editora Renovar, 2003, p.120. Assim, na medida em que tal
direito fundamental está inserido em uma Constituição, mais razões e fundamentos existem para a sua
proteção e tutela em seu caráter substancial, sem contar que, por ser uma representação dos anseios e valores
de uma sociedade, certamente será exigido o seu cumprimento com um maior rigor.
37
Sobre o assunto, ver FREITAS, Vladimir Passos de., Op. cit., p.25. Mais informações a respeito da evolução
normativa ambiental, consultar SILVA, José Afonso da., Op. cit., p.34/41.
26
ambiental e do papel do Estado em relação à matéria
38
. Dez anos mais tarde, em 2002,
ocorreu em Johannesburgo, a chamada Rio+10
39
.
Como entender, então, que mesmo diante de todo aparato normativo constitucional,
legislativo e institucional (que será visto de forma mais pormenorizada a seguir), formado
para cumprir o objetivo de proteção e de preservação do meio ambiente, a sua degradação
continua a crescer quantitativa e qualitativamente, e pior, pela ação e omissão do próprio
homem que nele habita
40
?
Pelo fato de o direito (humano) fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado constar na Constituição, já demonstra o salto de importância sofrida pela questão,
a alteração paradigmática da sociedade brasileira que, aos poucos, toma consciência da
necessária proteção dos ecossistemas, e da constatação de que, na ausência de sua
proclamação, o grau de efetividade seria muito menor.
Entretanto, percebe-se que para protegê-lo não basta apenas estar escrito, já que é
38
Cf. GOMES, Sebastião Valdir. Direito Ambiental Brasileiro. 1.ed. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.28. A
respeito da ECO/92, cabe dizer que a mesma teve dois significados que se entrelaçam (...). Somos um dos
poucos países do mundo detentores da chamada megadiversidade biológica, ou seja, de ecossistemas
importantes, como florestas tropicais e cerrados, ainda em grau de integridade rara num planeta devastado
pela ação humana inconseqüente. (...). Em segundo lugar, (....), a biodiversidade ganhou em 92, ostensiva e
definitivamente, o status de eixo crítico e privilegiado de negociação política e econômica. A respeito, ver a
justificativa constante na Lei n° 8.974/95 (Lei de Biossegurança), escrita pela Senadora Marina Silva./ In:
BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord). Revista de Direito Ambiental n° 24, out-dez/01. São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.301.
39
Recentemente, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, também conhecida por Rio+10,
reuniu-se na cidade de Johannesburgo, na África do Sul, do dia 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, para
dar continuidade às discussões iniciadas há trinta anos pela Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Humano (1972), em Estocolmo, e dez anos após a ECO-92, no Rio de Janeiro. Visou-se,
nessa reunião, encontrar medidas práticas e efetivas para (...) erradicação da pobreza e (...) desenvolvimento
sustentável. Além disso, pretendeu-se encontrar medidas para a proteção da biodiversidade e diminuir as
conseqüências do efeito estufa (...).SIRVINSKAS, Luiz Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo:
Saraiva, 2003, p.21. Apesar de as discussões serem de extrema relevância e imprescindíveis para as tomadas
de decisões futuras, no plano da aplicabilidade, este encontro não obteve grandes resultados.
40
Confirmando a constante degradação ambiental, apesar da existência de farta legislação correlata e de órgãos
especializados, ver VIEIRA, Paulo Freire., apresentando o livro de LEITE, José Rubens Morato e AYALA,
Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2.ed. Rio de Janeiro: editora Forense
Universitária, 2004, p.XXIII. Aduz que Vale a pena ressaltar mais uma vez que, no Brasil pós-CNUMAD/92,
estamos ainda muito distantes desse novo ideal regulativo. Uma série de obstáculos de natureza
psicossociológica, socioeconômica, ética e jurídica concorre para bloquear a dinâmica de consolidação, nos
níveis institucional e comportamental, dos novos e ambiciosos dispositivos embutidos na Carta Constitucional
de 1988. Neste mesmo sentido está o entendimento de AZEVEDO, Plauto Faraco de. Op. cit., p.94, quando
complementa que Apesar da indubitável qualidade destas leis e das que se lhes antecederam ou seguiram (...)
verdade é que a tendência desrespeitosa da vida não tem feito senão acentuar-se, evidenciando uma
vinculação à concepções ultrapassadas relativamente ao homem e à natureza. E uma destas concepções é,
certamente, a antropocêntrica, existente no viver do homem com o meio ambiente.
27
texto, sem possibilidade de efetivar-se sozinho. O problema real que temos de enfrentar,
contudo, é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos
41
,
de forma a refletir em ações positivas em prol da proteção do equilíbrio ecológico.
1.2 Os elementos jurídico-fundantes
42
da questão ambiental
Compreendida a historicidade do meio ambiente, bem como reconhecida a
importância deste bem pela sociedade mundial e, mais especificadamente, pela brasileira,
representada pela sua elevação ao status de direito (humano) fundamental, resta agora analisar
mais pormenorizadamente os elementos chamados aqui de jurídico-fundantes, a saber: os
parágrafos, incisos e o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (indicador do direito
fundamental ao meio ambiente), os princípios constitucional-ambientais (norteadores das
demais normas, bem como das ações dos órgãos públicos e da sociedade sobre o assunto).
Não se pode esquecer das competências constitucionais e a estrutura do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (haja vista darem a feição da tutela do equilíbrio ecológico), bem
como a Lei nº 6.938/81, referente à Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei nº 9.605/98,
que diz com os Crimes Ambientais (regulamentada pelo Decreto nº 3.179/99), ambas
importantes por sua vanguarda e proteção dos ecossistemas.
1.2.1 O meio ambiente e a Constituição Federal de 1988
O art. 225 da Carta Magna de 1988 determina que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.
41
Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: editora Ática,
1995, p.37.
42
Para fins de melhor compreensão do presente texto, entende-se por elementos jurídico-fundantes da questão
ambiental aqueles colaboradores e formadores da compreensão, proteção, preservação e concretização deste
direito. Estes indicadores perpassam princípios, normas constitucionais e leis infraconstitucionais, que trazem
consigo conteúdos que bem delineiam a abrangência do meio ambiente e das suas relações. Muito embora
existam diversos direcionadores deste conhecimento, há a necessidade de sua delimitação para que o texto
cumpra o seu objetivo, razão pela qual foram escolhidos aqueles considerados mais relevantes.
28
Direito de terceira dimensão
43
, tutela a proteção e preservação do equilíbrio ecológico
para todas gerações e transforma-o em bem jurídico público e indisponível, de caráter
universal
44
e internalizando seu sentido difuso
45
. Esse novo direito humano fundamental foi
reconhecido, conforme visto anteriormente, pela Conferência Internacional das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo (ESTOCOLMO/72) e reafirmado na do Rio de
Janeiro (ECO/92)
46
.
O direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não se refere
somente aos brasileiros residentes no país, mas também ao direito que todas as pessoas que
estejam dentro deste território possuem (já que o texto constitucional bem define a sua
jurisdição, que é nacional).
43
BOBBIO, Norberto, Op.cit., p.37. O autor é quem introduz esta questão dos direitos de geração/dimensão e
relaciona-os com a questão ambiental, in verbis: (...) para além dos direitos do homem como indivíduo,
desenham-se novos direitos de grupos humanos, povos e nações. (Um caso interessante, e bastante
desconcertante, dessa Magna Charta dos povos (...), é o art. 47 do Pacto sobre os direitos civis e políticos,
que fala de ‘um direito inerente a todos os povos de desfrutar e de dispor plenamente de suas riquezas e
recursos naturais’). Não é difícil entender as razões dessa afirmação; bem mais difícil é prever suas
conseqüências, caso ela seja aplicada literalmente. O desfrute do meio ambiente possui viés interpretativo de
preservar a vida na terra, já que a degradação deste bem afeta todo o Planeta. Já SOUZA, Paulo Roberto
Pereira de. A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e
DANTAS, Marcelo Buzagio (org). Aspectos processuais do Direito Ambiental. 2.ed. Rio de Janeiro: editora
Forense Universitária, 2004, p.232, faz uma relação entre a consideração dos bens ambientais no direito
romano e agora, demonstrando o atual sentido de sua defesa para as futuras gerações, a saber: Os bens
resguardados sob o direito ambiental eram tratados tradicionalmente, como res nullius, ou seja, bens que não
pertencem a ninguém, e como qualquer indivíduo pode ter acesso a eles livremente, ninguém seria
responsável pela sua degradação. O direito romano oferecia, como exemplos de res nullius, as águas dos rios,
dos mares e oceanos, o ar atmosférico, os pássaros e animais silvestres, entre outros. Hoje, (...), estes bens
passam a ser considerados como res omnium, coisa de todos, a todos cabendo o dever de preservá-la e
defendê-la, para assegurar a vida com qualidade para as gerações atuais e futuras. Esta assertiva demonstra
bem as alterações paradigmáticas da sociedade e a importância de sua proteção.
44
Esta universalidade é bem explicada por BONAVIDES, Paulo., em seu Curso de Direito Constitucional. 9.ed.
São Paulo: Malheiros editores, 2000, p.526, quando diz que A nova universalidade dos direitos fundamentais
os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia.
(...). A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice
geração(...)
45
A respeito do que se entende por direito difuso, cabe citar MIRANDA, Jorge., Op.cit., p.66, a saber: Trata-se
de necessidades comuns a conjuntos indeterminados de indivíduos e que somente podem ser satisfeitas numa
perspectiva comunitária. Nem são interesses meramente colectivos, nem puros interesses individuais, ainda
que possam projectar-se, de modo específico, directa ou indirectamente, nas esferas jurídicas destas ou
daquelas pessoas.
46
Este reconhecimento encontra-se no Princípio 1 (ESTOCOLMO/72), assim determinado: O homem tem o direito
fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cuja
qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e
melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras. Disponível em:
<http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_Estocolmo_1972.pdf
>. Além disso, consta também no
Princípio 1 (ECO/92), a saber: Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente.
Disponível em: <http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LI_6180_1_0001.htm
>.
29
Seus titulares, portanto, são identificados como uma ‘coletividade difusa’
47
, ou seja,
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, como, por exemplo, a de viver a
relação com o meio ambiente, pois caso algum eventual dano ocorra a este bem, todos serão
direta e/ou indiretamente afetados.
Além da titularidade difusa, inclui-se o equilíbrio ecológico dentre o rol dos direitos
de terceira geração, também denominados de solidariedade, que se destacam por se
desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à
proteção de grupos humanos (...), como direitos de titularidade coletiva difusa
48
.
Entretanto, não se pode entendê-los como aqueles que não alcançam os indivíduos em
si, pois resta preservado seu viés individual, já que o seu objetivo, conforme Ingo W. Sarlet
49
47
Este conceito encontra-se no inciso I, do parágrafo único, do art.81, do CDC. Código de Defesa do
Consumidor. 15.ed. Coleção Saraiva de Legislação. São Paulo: Saraiva, 2004, p.28. Indica-se este diploma
legal, tendo em vista possuir artigos que bem explicam diversos institutos utilizados na questão ambiental,
como direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como a responsabilidade objetiva e a inversão
do ônus da prova. Por outro lado, a respeito destes direitos difusos protegidos, cabe citar entendimento
esposado por FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, constante em seu Curso de Direito Ambiental Brasileiro.
ed. São Paulo: editora Saraiva, 2003, p.6, quando diz que: Os interesses ou direitos difusos possuem titulares
indeterminados. Ao pensarmos no ar atmosférico poluído, não temos como precisar quais são os indivíduos
afetados por ele. Talvez seja possível apenas delimitar um provável espaço físico que estaria sendo abrangido
pela poluição atmosférica, todavia, seria inviável determinar todos os indivíduos afetados e expostos a seus
malefícios. Nesse contexto, temos que os titulares estão interligados por uma circunstância fática. Inexiste
uma relação jurídica. Experimentam a mesma condição por conta dessa circunstância fática, que, no nosso
exemplo, é a poluição atmosférica.
48
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p.57. Já BONAVIDES, Paulo., Op. cit., p.523, trazendo ao Direito Brasileiro esta questão
dos direitos geracionais, aduz que: Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da
terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm
primeiro por destinação o gênero humano mesmo (...). Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao
desenvolvimento, (...), ao meio ambiente (...) e ao patrimônio comum da humanidade. O nascimento desta
terceira geração de direitos é a demonstração de uma alteração de consciência ambiental, na medida em que a
sociedade deixa de pensar somente em si e no dia de hoje para preparar um ‘mundo melhor’ para os outros
seres humanos do amanhã, especialmente no que se refere ao meio ambiente. Entretanto, esta mudança deve
ser implementada pela sociedade e pelo Poder Público, para que tenha legitimidade e efetividade.
49
Op. cit., p.62. O autor continua: Além disso, cumpre reconhecer que alguns dos clássicos direitos fundamentais
da primeira dimensão (assim como alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e até mesmo
ganhando em importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas de agressão aos valores
tradicionais e consensualmente incorporados ao patrimônio jurídico da humanidade, nomeadamente da
liberdade, da igualdade, da vida e da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, aponta-se para a
circunstância de que, na esfera do direito constitucional interno, esta evolução se processa habitualmente não
tanto por meio da positivação destes ‘novos’ direitos fundamentais no texto das Constituições, mas
principalmente em nível de uma transmutação hermenêutica e da criação jurisprudencial, no sentido do
reconhecimento de novos conteúdos e funções de alguns direitos já tradicionais. Com efeito, basta aqui uma
referência (...) as ameaças da poluição ambiental, apenas para nos atermos aos exemplos mais habituais.
Assim, na medida em que este direito de terceira geração abrange também o indivíduo, já que de afetação de
sua dignidade e do seu próprio desenvolvimento social, intelectual e de bem-estar, acaba por ser incluído entre
os direitos de primeira e de segunda geração. É como se fosse uma complementação entre todos eles, em que o
exemplo do meio ambiente é privilegiado para demonstrar esta relação.
30
(...) é sempre a proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa
humana, o que pode ser bem exemplificado pelo direito ao meio ambiente.
Esta é a co-relação direta e inquestionável entre o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e os fundamentais de primeira geração, como os da vida
e da dignidade da pessoa humana. Apesar de este direito abranger uma coletividade difusa,
não deixa jamais de objetivar a proteção da qualidade de vida, da própria vida e do
desenvolvimento intelectual e social do homem na sua individualidade, dentre outros.
O caráter universal também é um elemento fundamental, já que indica a idéia de que a
degradação ambiental (pequena ou grande), além de atingir um sem número de lesados, traz
conseqüências globais, podendo afetar toda a humanidade.
Assim, na medida em que todos têm direito ao meio ambiente, cuja qualidade é a de
ser ecologicamente equilibrado, sendo um bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida e à sobrevivência digna da própria espécie humana, é imposto ao Poder
Público e à coletividade, diante de sua importância global e essencial o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações, buscando-se hoje uma qualidade de vida
melhor e, para os de amanhã, mais dignidade e bem-estar.
Nesse viés está a importância e a necessidade de o Estado tutelar este bem como um
direito autônomo
50
, mas não como incentivo à compartimentalização do Direito, e sim diante
de sua clara estrutura científica na medida em que possui outras características próprias, como
um conjunto de normas e princípios infra e constitucionais, bem como órgãos fiscalizadores
de proteção do equilíbrio ecológico.
50
Confirmando a raiz de ciência autônoma do direito ambiental, cabe citar MIRANDA, Jorge., Op. cit., p.473,
quando diz que: São características gerais do tratamento constitucional actual do ambiente: (Omissis); f) da
óptica dos direitos fundamentais, não só previsão de um direito autônomo (ou de um feixe de direitos
autônomos) – (...) – mas também inserção no âmbito de outros direitos. Da mesma forma está MILARÉ, Édis.
Direito do Ambiente. 2.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.110/111, quando afirma que: O
Direito, como ciência humana e social, pauta-se também pelos postulados da Filosofia das Ciências, entre os
quais está a necessidade de princípios constitutivos para que a ciência possa ser considerada autônoma, ou
seja, suficientemente desenvolvida e adulta para existir por si e situando-se num contexto cientifico dado. (...)
A palavra princípios, em sua raiz latina última, significa ‘aquilo que se toma primeiro’ (primum capere),
designando início, começo, ponto-de-partida. Como princípios constitucional-ambientais de grande
importância, cabe citar os da prevenção e precaução, já que inseriram no sistema jurídico brasileiro o viés de
preservar quando se tem certeza dos seus danos e de tomar medidas preventivas antecipadas, quando não há
esta certeza científica.
31
Apesar desse status de cientificidade, o meio ambiente deve ser entendido e
compreendido em seu conteúdo inter e transdisciplinar já que se relaciona com vários ramos
do direito, como o constitucional, o administrativo, o urbanístico, além de disciplinas como as
biológicas, ecológicas, físico-químicas e tantas outras. Dessa forma, depreende-se a sua
importância e o seu conteúdo por meio da devida filtragem constitucional.
Muito embora a matéria não conste no artigo 5º e incisos da Constituição Federal de
1988, que trata dos direitos fundamentais (e sim em seu art. 225), sua consagração é notória e
de aplicação imediata, pois além de estar presente nas principais Declarações Internacionais
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (ESTOCOLMO/72 e ECO/92), foi internalizado
no Brasil como tal. Também se pode extrair tal entendimento por meio da hermenêutica
ontológica
51
e do próprio sentido democrático do Estado e dirigente da Constituição.
Este posicionamento em relação ao status
52
fundamental do meio ambiente deve-se,
51
A leitura do texto da Constituição Federal, em um Estado Democrático de Direito, deve ser de forma a
construí-la como uma carta de direitos fundamentais, em um horizonte de sentido de efetivação de seus
preceitos, caso contrário dará abertura para violações, o que já ocorre nos dias de hoje. Além disso, caso seus
direitos fundamentais não sejam compreendidos e interpretados como de aplicabilidade imediata, o cidadão
poderá ficar dependente de iniciativas do Poder Público, como as de inclusão social e de proteção dos habitats
naturais e do equilíbrio ecológico. Entretanto, ainda assim, a Constituição Federal oportuniza uma saída, ao
disponibilizar instrumentos jurídico-constitucionais para a tutela destes direitos, uma verdadeira aplicabilidade
da Jurisdição Constitucional (que será melhor visto no capítulo 3). A respeito da aplicabilidade imediata das
normas fundamentais ambientais, cumpre salientar que: Não temos dúvida em afirmar que as normas que
consagram o direito ao meio ambiente sadio são de eficácia plena e não necessitam de qualquer norma
subconstitucional para que operem efeitos no mundo jurídico. E que, em razão disso, possam ser utilizadas
perante o Poder Judiciário, mediante todo o rol de ações de natureza constitucional, tais como a ação civil
pública e a ação popular. Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2004, p.72. Não se pode esquecer do posicionamento de MIRANDA, Jorge., Op. cit., p.472, quando
aduz que: O tratamento constitucional do ambiente, tal como a observação comparativa revela, caracteriza-se
por: (Omissis); d) localização principalmente em sede de direitos fundamentais e de Constituição econômica.
52
FENSTERSEIFER, Tiago. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito
Fundamental da Pessoa Humana./ In: Anais do 3º Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio
Ambiente e 2º Encontro Regional do Instituto “O Direito por um Planeta Verde”, 2003, p.45. Cabe também
citar PRADO, Luiz Regis., Op. cit., p.65: (...) a civilização ainda depende do ambiente natural não apenas
para energia e materiais, mas também para os processos vitais para a manutenção da vida, tais como os
ciclos do ar e da água. (...) Em conseqüência, a nossa sobrevivência depende do conhecimento e da ação
inteligente para preservar e melhorar a qualidade ambiental por meio de uma tecnologia harmoniosa e não
prejudicial. A boa utilização dos recursos naturais está diretamente relacionada à sadia qualidade de vida e a
própria dignidade do ser humano. Não frear a degradação do ambiente e permitir que, por exemplo,
populações vivam em áreas ribeirinhas a rios, esgotos à céu aberto, lixões e áreas impróprias, é violar este
direito humano fundamental. Neste mesmo sentido está SIRVINSKAS, Luis Paulo., Op. cit., p.42, quando diz
que: Os vinte e três princípios contidos na Declaração de Estocolmo de 1972 foram, na sua totalidade,
encampados pelo artigo 225 da CF. Esses princípios têm por escopo dar efetividade ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida do homem. Ressalte-se que a sadia qualidade de vida
não está explicitamente inserida no art. 5º da CF, no entanto, trata-se de um direito fundamental a ser
alcançado pelo Poder Público e pela coletividade. Cuida-se de um direito ou interesse difuso, que deve ser
protegido para que ‘todos’ possam usufruí-lo. Assim, os recursos naturais devem ser racionalmente utilizados
para a subsistência do homem, em primeiro lugar, e das demais espécies, em segundo.
32
principalmente, ao fato de que sua preservação diz respeito diretamente à continuidade da
vida e ao respeito à dignidade humana. O meio ambiente, assim, apresenta-se como condição
sine qua non para o desenvolvimento da vida humana, sendo, portanto, fundamental à
concretização do princípio maior do ordenamento jurídico, que é a dignidade da pessoa
humana.
Dessa forma, não se pode analisar o artigo 225 da Carta Magna de forma apartada de
todo o sistema jurídico constitucional, bem como da tradição, historicidade e experiências
vividas pelo ser humano com o meio ambiente, e o desenvolvimento econômico, político e
social.
Isso porque a crise ambiental, (...), não deixou opção ao homem diante do dilema: ou
o sistema é protegido, ou a vida será comprometida
53
, dando uma noção da necessidade de se
tomarem medidas de precaução e de prevenção, bem como de gestão de riscos
54
, em prol do
equilíbrio dos ecossistemas.
Por tudo isso, o meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser entendido como
um direito (humano) fundamental e como tal há necessidade da imediata aplicabilidade de seu
conteúdo, para que seja protegido e preservado para a presente e futuras gerações.
1.2.2 Os princípios constitucional-ambientais
Quanto aos princípios, cabe dizer serem eles normas ordenadoras da atuação do
Estado e da sociedade, inseridos no sistema para colaborar na compreensão e na efetivação
dos direitos fundamentais. Por isso, para cada caso a ser julgado, deve-se fazer uma análise
pormenorizada de seu conteúdo juntamente com o fato descrito, a fim de compatibilizá-los e
53
A respeito, ver SOUZA, Paulo Roberto Pereira de., A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de
eficácia, Op. cit., p.231.
54
Sobre as medidas de gestão do risco, cabe citar entendimento de LEITE, José Rubens Morato e AYALA,
Patryck de Araújo., Op. cit., p.5, quando aludem que: Nesse sentido, a partir da conformação do texto
constitucional com os dados ecológicos até a comunicação do Direito do Ambiente, em uma correta
compreensão dos riscos, é proposta uma postura que lhe atribui funcionalidade, como instrumento de gestão
de riscos, e não de danos, em que se acentua sua dimensão precaucional e preventiva.Nesse sentido, na
medida em que a preocupação desloca-se do dano efetivo para o risco criado, mais fácil torna-se a
implementação de políticas de precaução e de prevenção. Exemplo disso é a exigência de Estudo e Relatório
de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) das empresas utilizadoras de recursos naturais, como forma de
antecipação e efetivação de medidas impeditivas ou mitigadoras do desequilíbrio ecológico.
33
produzir o sentido que o caso analisado necessita
55
.
Transgredir princípios é muitíssimo mais grave do que violar regras, pois implica na
ofensa a um conteúdo normativo do sistema constitucional, cujo sentido está sendo
constantemente desvelado.
Assim, os princípios são as normas-chave
56
, cujo texto exprime determinados valores
essenciais/fundamentais, sejam eles políticos, jurídicos, ideológicos, a serem desvelados,
interpretados e aplicados à decisão. Não realizada a devida compreensão sobre o caso, sua
transgressão afetará diretamente os axiomas de toda uma sociedade, em um determinado
tempo e local.
Especificamente sobre os princípios ambientais, os mesmos podem ser identificados
quando da interpretação do texto da Constituição, estando voltados para a finalidade básica
de proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresente, e garantir um padrão de
existência digno para os seres humanos(...), bem como de conciliar os dois elementos
anteriores com o desenvolvimento econômico (...) sustentado
57
.
Diante da necessidade de se delimitar o tema no presente trabalho, optou-se por
analisar os princípios da prevenção, da precaução, da responsabilidade por dano ambiental e
do desenvolvimento sustentável, muito embora existam muitos outros de igual importância,
formadores do entendimento sobre o meio ambiente e suas relações.
55
Quando se fala em princípios, não se pode esquecer de ALEXY, Robert. (um dos precursores sobre o assunto),
em sua obra Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
Aduz o autor que (p.86): (...) los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor
medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes.(...). El ámbito de las posibilidades
jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. Da mesma forma deve-se citar DWORKIN,
Ronald., em seu livro Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
quando diz (p.36) que: Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência da
justiça, ou equidade ou alguma dimensão da moralidade. E mais adiante (p.42) complementa: deve ser levado
em conta pelas autoridades públicas, como [se fosse] uma razão que inclina numa ou noutra direção. Ambos
complementam a idéia de princípio como norma. Deve ser realizada em conformidade com sua determinação,
levando-se em consideração também a dimensão valorativa cultural vigente na sociedade. Quando se fala em
meio ambiente e nos seus princípios correlatos, como os da precaução, prevenção, desenvolvimento
sustentável, etc., deve-se lembrar que a direção a ser seguida é a da efetivação imediata de seu conteúdo
fundamental, conforme o sentido democrático do Estado e dirigente da Constituição, para o fim de
implementar outros de vital importância, como os da vida e da dignidade da pessoa humana.
56
Expressão designada por BONAVIDES, Paulo., Op. cit., p.110.
57
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa., Op. cit., p.31.
34
1.2.2.1 O Princípio da prevenção
A defesa e a preservação do meio ambiente (art. 225 da Constituição Federal de 1988)
para que a presente e futuras gerações possam viver com maior dignidade e qualidade de vida
levam ao princípio da prevenção
58
. Previne-se (prever antes), evitando que o dano ocorra.
Entretanto, mesmo diante de uma degradação já consubstanciada, devem-se tomar medidas
eficazes para que o dano não seja ainda maior do que o já existente.
Para Édis Milaré
59
prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito
de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no
tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. É uma espécie de construção de mecanismos
para tentar prever a ocorrência de possíveis danos ambientais, hoje e futuramente e, diante
deles, evitar um mal maior.
Em linhas gerais, pode-se dizer que na prevenção o dano é conhecido e possível,
devendo-se tomar todas as medidas preventivas cabíveis e possíveis para evitar que ele
aconteça ou, caso já tenha ocorrido, diminuir-lhe o impacto.
Tal princípio não advém somente da interpretação do caput do art. 225, mas também
de todo o seu § 1º e incisos, que determinam que para assegurar a efetividade desse direito
deve o Poder Público preservar e restaurar os ‘processos ecológicos
60
essenciais; promover o
58
Sobre o princípio da prevenção, cabe saber que: Prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e
internacional é concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico, especialmente nas últimas três décadas.
Não se inventaram todas as regras de proteção ao ambiente urbano e natural nesse período. A preocupação
com a higiene urbana, um certo controle sobre as florestas e a caça já datam de séculos. Inovou-se no
tratamento jurídico dessas questões, procurando interligá-las e sistematizá-las, evitando-se a fragmentação e
até o antagonismo de leis, decretos e portarias. A respeito, conferir a obra de MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2001, p.49. Assim, a formulação de
um princípio como esse torna-se fundamental para instrumentalizar políticas fiscalizadoras, bem como um
forte argumento jurídico para impelir os empreendedores a implantar sistemas mais limpos, de 3 (três) e 5
(cinco) R’s (reutilizar, reduzir, reciclar / manejar resíduos, recuperar), de readequação tecnológica e de planos
de segurança.
59
Op. cit., p.118.
60
Id.Ibid., p.236. E o autor complementa: (...) pensamos que por processos ecológicos essenciais se possam
subentender aqueles que garantem o funcionamento dos ecossistemas e contribuem para a salubridade e
higidez do meio ambiente. Ensaiando uma listagem exemplificativa, podemos considerar como processos
ecológicos essenciais: fixação, transformação, transporte e utilização de energia; produção, transporte,
transformação e utilização de matérias várias; biodegradação de rejeitos; restituição aos corpos receptores
(ar, água e solo) de suas condições e qualidades naturais; propagação e aperfeiçoamento das formas de vida
num sentido evolutivo e de seleção natural; estabelecimento de condições adequadas à perpetuação e
aperfeiçoamento de espécie humana, sobretudo no que ela tem de específico – a racionalidade e seus valores
espirituais -, uma vez que o ser humano, tanto individual como socialmente, é parte integrante do mundo
natural e do meio ambiente e, no ecossistema planetário, produz cultura.
35
‘manejo ecológico’ das espécies e ecossistemas, preservar a diversidade
61
e o patrimônio
genético do país; definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, bem como a fauna e a flora, vedada qualquer alteração que comprometa a
integridade do meio ambiente ou que submeta os animais à crueldade.
Deve-se, também, restaurar, fiscalizar e promover a educação ambiental
62
; controlar a
produção e a comercialização de produtos que comprometam a qualidade de vida; exigir o
estudo de impacto ambiental, dentre outros. Essas determinações devem ser compreendidas
como de caráter obrigatório, exatamente para o fim de legitimar e efetivar o disposto na
Constituição Federal
63
.
Nesse sentir, utiliza-se do manejo ecológico como uma forma preventiva para que o
meio ambiente não seja degradado e se tal fato ocorrer, deve o ecossistema ser restaurado.
Além disso, a tomada de medidas preventivas em relação ao patrimônio genético, por meio da
fiscalização das entidades envolvidas e da exigência de preservação de sua diversidade,
daqueles que o manuseiam, é uma forma de preocupação com este bem.
Ainda, quanto à necessidade de o Poder Público determinar os espaços territoriais a
serem protegidos, vale dizer ser este um dos principais instrumentos jurídicos para a
implementação do direito constitucional, pois na medida em que os define possui maiores
condições de os preservar.
61
Quem traz dados importantes sobre a biodiversidade é BOFF, Leonardo., Op. cit., p.15, quando informa que
entre 1500-1850 é presumido que já foram eliminadas cerca de uma espécie a cada dez anos e que, entre 1850-
1950, aproximadamente uma espécie por ano. Seguindo esta linha crescente, estima-se que a partir de 1990,
uma espécie desaparecerá por dia (...).
62
Foi promulgada a Lei nº 9.795/99, que dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e dá outras providências: Art. 1
o
Entendem-se por educação ambiental os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade; Art. 2
o
A educação ambiental é um componente essencial e
permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. In: MEDAUAR, Odete (org). Coletânea
de legislação ambiental. 3.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2004, p.469. E essa política de
educação ambiental pode ser vista, principalmente, no ensino fundamental, em que as crianças começam a
entender o valor da natureza e a necessidade de preservar os ecossistemas.
63
A respeito da importância deste conteúdo constitucional para a implementação do direito ao meio ambiente,
cabe citar entendimento de ANTUNES, Paulo de Bessa., Op. cit., p.72, quando aduz que: A partir do
parágrafo segue uma série de incisos. Em tais incisos estão contidos os comandos para o legislador ordinário
e para ao administrador. Tais comandos são de natureza obrigatória e não podem ser descurados pelos
destinatários. É exatamente através da obediência aos comandos constitucionais que o direito ao meio
ambiente pode se tornar em um elemento da vida real. Os instrumentos são constitucionais, são as
ferramentas com as quais o direito se materializará.
36
Outro mecanismo muito importante de aplicabilidade do princípio da prevenção é a
exigência do Estudo Prévio e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), cujo próprio
nome já diz: ser prévio ao dano. Sabendo-se das probabilidades e da intensidade dos riscos
decorrentes de determinada atividade, mais rápidas e efetivas poderão ser as providências para
evitar a ocorrência de uma eventual degradação.
Não se pode esquecer da educação ambiental, por ser ela uma questão balizar, que tem
início no ensino fundamental e deveria se estender ao ensino médio e até mesmo nas
universidades, sem contar propagandas e folhetos educativos, distribuídos à população.
Somente com o real entendimento do que seja o meio ambiente, suas relações e
implicações, bem como as conseqüências das atitudes que atentam ao seu equilíbrio, é que se
conseguirá agir de modo a prevenir o dano.
O fundamento de tal princípio está baseado na experiência de que a reparação é em si
mesma bastante incerta, já que na grande maioria das vezes não se consegue retornar ao status
quo ante e o que se dirá do ‘estado da natureza’. A dificuldade na compensação é idêntica e a
indenização em dinheiro não alcança a real extensão do dano.
Nesse sentido, a prevenção torna-se a melhor solução, porque a degradação
ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie?
Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso?
Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?
64
1.2.2.2 O Princípio da precaução
A idéia da precaução adveio com o princípio 15 da Agenda 21 (ECO/92), devendo ser
observado pelos Estados. Assim, quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
64
De acordo com MILARÉ, Édis., Op. cit., p.119.
37
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental
65
.
Ou seja, ao se utilizar este princípio está-se falando em uma incerteza científica sobre
o dano, o que, entretanto, não pode impedir que sejam tomadas medidas preventivas para
evitar que ele ocorra ou diminuir-lhe a intensidade e extensão.
Este princípio emerge da interpretação de pelo menos dois incisos da Constituição
Federal que, apesar de descritos anteriormente como exemplos caracterizadores da prevenção,
possuem também uma forte relação com a precaução. O inciso IV, do §1º do art. 225 exige na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade.
Além de utilizar-se deste instrumento para identificar os possíveis danos que o sistema
poderá ocasionar, a fim de tomar as medidas preventivas cabíveis (prevenção), quer se
identificar os riscos da atividade, mesmo que não comprovados cientificamente, para também
agir (precaução)
66
preventivamente.
Apesar de existir na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
nº 237/1997, em seu Anexo I, uma lista de empreendimentos sujeitos ao Licenciamento
Ambiental, já que considerados com potencialidade de degradação do meio ambiente, ela não
65
Cf. JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Casto (org.). Direito Ambiental – Legislação. Rio de Janeiro: Thex Editora,
1999, p.13/14. MILARÉ, Édis., Op. cit., p.118 complementa dizendo que a: Precaução é substantivo do verbo
precaver-se (do Latim prae=antes e cavere=tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que
uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis. GOMES, Sebastião Valdir. Direito
Ambiental Brasileiro, Op. cit., p.46, aduz que: O que se busca é o afastamento, no tempo e no espaço, do
perigo de dano ambiental, bem como a proteção contra o próprio risco nas atividades potencialmente
danosas, com a finalidade de assegurar-se que o meio ambiente seja (...) saudável (...). Por fim, não se pode
esquecer de ANTUNES, Paulo de Bessa., Op. cit., p.36, quando indica que: O princípio da precaução é
aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que estas
não serão adversas para o meio ambiente. (...). (...) está relacionado ao lançamento no ambiente de
substâncias desconhecidas ou que não tenham sido suficientemente estudadas.
66
Na Resolução nº 1/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que dispõe sobre critérios
básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), o art. 6º assim determina: O estudo
de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I – diagnóstico ambiental da
área de influência do projeto com completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações (...)
de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implementação do projeto, considerando: a) o
meio físico (...); b) o meio biológico e os ecossistemas naturais (...); c) o meio socioeconômico (...); II –
análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da
magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes (...); III – definição de medidas
mitigadoras dos impactos negativos (...); IV – elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento
(os impactos positivos e negativos), indicando os fatores e parâmetros a serem considerados. In: MEDAUAR,
Odete (org), Op. cit., p.561.
38
é taxativa, permitindo que novos sejam nela inseridos.
A respeito de atividades que não estão inclusas no rol do Anexo referido, cabe
exemplificar as instalações de estações rádio base (ERB’s) e o plantio de Organismos
Geneticamente Modificados (OGM’s), necessitando, por isso, de Estudo Prévio e Relatório de
Impacto Ambiental.
Nesse sentido, o EIA/RIMA também é uma forma imprescindível de colaboração para
identificar novas possibilidades de outras atividades serem assim consideradas, mesmo não
havendo certeza quanto ao seu potencial lesivo. Para confirmar este entendimento, o seguinte
questionamento bem explica isso: Como saber, então, se uma obra ou atividade será
potencialmente causadora de significativa degradação sem ter antes um estudo de impacto
ambiental?
67
.
Já o inciso V do mesmo parágrafo e artigo acima citados determina que a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
68
para
a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente deverão ser controlados. Como não se sabe ao
certo quais são seus reais riscos, é preciso identificá-los, para que sejam tomadas as medidas
preventivas cabíveis.
O EIA/RIMA e o controle regular da atividade potencialmente degradadora são
formas de atuação anteriores ao conhecimento do próprio risco científico e real da atividade,
sendo, portanto, ações caracterizadoras da precaução.
Percebe-se, com isso, uma estreita relação entre o princípio da precaução e os
67
MILARÉ, Édis e BENJAMIN, Antônio Herman. Estudo prévio de impacto ambiental. o Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1993, p.27.
68
Tanto é assim que a Lei nº 8.974/85 foi promulgada com o intuito de regulamentar os incisos II e V do §1º do
art. 225 da Constituição Federal. Assim, o art. 1º determina que Esta Lei estabelece normas de segurança e
mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação,
transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado (OGM),
visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente. In:
MEDAUAR, Odete (org), Op.cit., p.621. Mais tarde, mediante a promulgação das Medidas Provisórias nºs
113, 131 e 223, foi liberada excepcionalmente sua produção, abrindo-se espaço para a posterior Lei da
Biossegurança autorizar o plantio sem a obrigatoriedade de apresentação de EIA/RIMA. Para maiores
informações sobre o assunto, acesse o site: <http://www.espacoacademico.com.br/048/48andrioli.htm
>.
39
elementos risco e perigo
69
, buscando aquele diminuir ou rechaçar estes. O risco, sendo algo
que se espera, divide-se em duas possibilidades: o risco que ainda não aconteceu e aquele que
já ocorreu ou que passou o perigo.
Se há perigo, ainda há o risco, mas nem sempre o contrário é verdadeiro. O significado
é a existência de uma mudança de paradigmas, na medida em que se reconhece o risco e o
perigo como realidades e, por isso, sabendo-se que o meio ambiente não pode ficar à mercê de
uma pressuposta certeza científica, buscam-se formas de prevenção.
Outros 2 (dois) exemplos que representam a internalização do assunto precaução
70
são
a Convenções sobre a Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
a Mudança do Clima, devidamente assinadas e promulgadas pelo Brasil. Elas baseiam-se na
necessidade de tomada de medidas preventivas quando houver uma ‘incerteza científica’
sobre o dano ou uma ameaça ‘sensível, séria ou irreversível’, diante da notória
impossibilidade de retorno ao status anterior do meio ambiente, caso a degradação ocorra.
69
A respeito desta relação entre o risco e o perigo, cabe citar entendimento de BRÜSEKE, Franz Josef., Op. cit.,
p.36, quando diz que: Não existe nenhum risco sem a valorização positiva de algo, não existe nenhum risco
sem algo que alguém possa perder. O risco é um acontecimento futuro, um momento esperado ou temido no
qual essa perda pode acontecer. Esse momento separa duas situações radicalmente distintas. Na primeira
delas ainda não aconteceu a perda, e prevalece a sua expectativa. Na segunda já ocorreu a perda, ou já
passou o perigo. (...). Todavia, qualquer perigo tem todas as características de um risco, pois somente quando
o perigo passou podemos dizer que enfrentamos um risco. Um perigo realizado é um desastre, terminando o
percurso perigoso. O risco, pelo contrário, é algo que abre uma dada situação e bifurca o percurso da
história de forma imprevisível. Neste mesmo sentido está TESSLER, Luciane Gonçalves. Ação inibitória na
proteção do direito ambiental./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org)., Op. cit.,
p.125: Ora, se o risco consiste no meio de vinculação com o futuro, há que se abandonar aquela
racionalidade que investe na certeza, na pretensão de determinação do futuro. A dimensão temporal do agir
não coincide com a dimensão temporal da certeza e da determinação. Se é necessário agir, mas não se tem a
determinação do futuro, estamos diante do risco.
70
No Preâmbulo da Convenção da Diversidade Biológica, consta o seguinte: Observando também que, quando
exista ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não
deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça(...).Disponível em
<http://www.rbma.org.br/anuario/pdf/legislacao_01.pdf
>. E, no Princípio 3 da Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança no Clima, o entendimento é no mesmo sentido, a saber: As partes devem adotar
medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos
negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não
deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas
adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar
benefícios mundiais ao menor custo possível. Disponível em:
<http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/20245.html
>. Por fim, cabe citar esclarecimento de
MACHADO, Paulo Affonso Leme., Op. cit., p.58/59: O risco ou o perigo serão analisados conforme o setor
que puder ser atingido pela atividade ou obra projetada. Por exemplo, como já se mencionou, a Convenção
da Diversidade Biológica não exige que a ameaça seja ‘séria ou irreversível’, mas que a ameaça seja
‘sensível’, quanto à possível redução ou perda da diversidade biológica. Ameaça sensível é aquela revestida
de perceptibilidade ou aquela considerável ou apreciável. A Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima
refere-se à ameaça de danos ‘sérios ou irreversíveis’. A seriedade no dano possível é medida pela sua
importância ou gravidade. A irreversibilidade no dano potencial pode se entendida como a impossibilidade de
volta ao estado ou condição anterior (constatado o dano, não se recupera o bem atingido).
40
Cumpre ressaltar que a preservação do meio ambiente por meio de ações preventivas,
mesmo diante da incerteza cientifica do dano (precaução), é infinitamente melhor do que a
sua recomposição, pois esta, além de demorada (e se possível) é extremamente cara, já que há
a necessidade de serem identificadas todas as variáveis do ecossistema degradado, na tentativa
de refazer seu quadro ecológico, tanto no que se refere ao solo, à fauna, à flora, quanto nos
demais elementos formadores deste habitat
71
.
Diante do que visto até aqui, cabe frisar que na prevenção há a certeza científica sobre
os danos, motivo pelo qual buscam-se medidas preventivas para evitar ou reduzir sua
lesividade e extensão. Já na precaução, há a ausência de certeza científica sobre as
conseqüências da atividade, mas este fato não deve impedir que se tomem atitudes
preventivas, já que a degradação pode séria, sensível e irreversível. Em ambos os casos, o
EIA/RIMA torna-se um importante instrumento de proteção e preservação do meio ambiente.
1.2.2.3 O Princípio da responsabilização
O §3º do art. 225 da Constituição de 1988 aduz que as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados. Tal determinação advém da internalização do princípio 13 da Agenda 21
(ECO/92)
72
, que traz uma nova forma de analisar as condutas ambientais das pessoas físicas e
jurídicas, responsabilizando-as na esfera cível, penal e administrativa, concomitantemente.
Entretanto, a possibilidade de as pessoas jurídicas serem responsabilizadas penalmente
71
Esse também é o entendimento de MILARÉ, Édis e BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo prévio de Impacto
Ambiental,Op. cit., p.62/63, in verbis: Hoje ninguém mais nega que, dentre todos os instrumentos de proteção
ambiental, os preventivos se mostram como os únicos capazes de garantir, diretamente, a preservação do
meio ambiente, já que a reparação e a repressão pressupõe, normalmente, dano manifestado, vale dizer,
ataque já consumado ao equilíbrio ecológico e, não raras vezes, de difícil – quando não impossível –
reparação.
72
Determina este Princípio 13 (ECO/92) que: Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à
responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão
cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração das novas normas
internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais
causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controle, em zonas situadas fora de
sua jurisdição.Disponível em: <http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LI_6180_1_0001.htm
>
41
pelos danos ambientais causados ainda motiva discussões
73
, muito embora no âmbito cível
isto já ocorra. Um dos fundamentos que consubstanciou na sua constitucionalização é o de
tentar acabar com a irresponsabilidade das empresas que, constantemente, defendem a sua
incapacidade subjetiva e a sua inconsciência da ilicitude.
Como contraponto, entretanto, não se pode esquecer que para o ente moral auferir
benefícios e alcançar seus interesses, como notoriedade, riqueza, produção, redução de
despesas pelo não investimento, dentre outros, as decisões de seus representantes legais ou
contratuais acabam por gerar o risco da degradação. E isso não pode ser desconsiderado.
Por fim, cumpre esclarecer que as medidas punitivas são de natureza penal e
administrativa e, as reparatórias, de natureza cível. Na aplicação da reparação civil pelo dano
ambiental (e a multa diária administrativa, como exceção à regra subjetiva), não há aferição
de dolo nem de culpa, sendo esta a chamada responsabilidade objetiva
74
.
Já no âmbito penal e para as demais sanções administrativas (muito embora a
quantificação da multa simples não esteja relacionada à culpabilidade do agente e sim por
padrões previamente fixados), há a análise do dolo e da culpa, indicando a linha já
prevalecente da responsabilidade subjetiva.
73
Sobre a impossibilidade de a pessoa jurídica figurar no pólo passivo de ação penal ambiental, cabe citar
entendimento esposado por BITENCOURT, César Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da
pessoa jurídica./ In: GOMES, Luiz Flávio (coord). Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas
provisórias e Direito Penal – em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. o Paulo: editora Revista
dos Tribunais, 1999, p.59/60: A ação compõe-se de um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, que
é a vontade dirigida a um fim, da representação ou antecipação mental do resultado pretendido, da escolha
dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes ou necessários e o movimento corporal dirigido ao fim
proposto. Como se sustentar que a pessoa jurídica, um ente abstrato, uma ficção normativa, destituída de
sentidos e impulsos, possa ter vontade e consciência? Como poderia uma abstração jurídica ter
‘representação’ ou ‘antecipação mental’ das conseqüências de sua ação?. Na medida em que há a prevalência
de elementos individual-racionalistas no entendimento, há um esquecimento (ou uma não interpelação) de que
se tratam de crimes contra bens fundamentais, tutelados por uma Constituição Dirigente em um Estado
Democrático de Direito. Exige a aplicação do princípio da solidariedade para as gerações futuras e diz respeito
à continuidade da própria vida e busca da dignidade humana.
74
(...) a responsabilidade civil objetiva teve por principal razão de surgimento a Revolução Industrial. (...) em
decorrência desta, houve um exacerbado aumento do número de acidentes, funcionando como a razão para a
modificação do sistema da responsabilidade civil, à medida que teria contribuído para a gênese da
responsabilidade sem culpa, uma vez que a necessidade de demonstração do trinômio dano, culpa e nexo de
causalidade criava embaraços para atender aos anseios da população. Cf. FIORILLO, Celso Antônio
Pacheco., Op. cit., p.29. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública em
muito contribuíram para que se consolidasse este entendimento, haja vista a utilização de conceitos como o da
hipossuficiência, da inversão do ônus da prova, do nexo causal, da legitimidade para ingressar com as
respectivas ações, dentre outros.
42
Estas questões serão aprofundadas na parte relativa à legislação correlata, nos âmbitos
cível (Lei n° 6.938/81) e penal (Lei n° 9.605/98 e Decreto n° 3.179/99), tendo-se feito,
apenas, um rápido esclarecimento sobre o assunto, introdutório do que virá mais adiante.
1.2.2.4 O princípio do desenvolvimento sustentável
O princípio do desenvolvimento sustentável
75
também está relacionado com a idéia de
risco (nos moldes da precaução), já que diretamente envolvido com a atividade industrial que
utiliza recursos naturais renováveis e não-renováveis.
Tentando minimizar a idéia da socialização dos riscos e entendendo que o meio
ambiente não pode ficar à mercê dessas incertezas causadas pela implementação do modelo
capitalista e de produção industrial, é que se criou o conceito de desenvolvimento sustentável.
Este já havia sido inserido na pauta da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente em Estocolmo (1972), mas devidamente confirmado na do Rio de Janeiro
(1992)
76
.
O desenvolvimento sustentável seria um incentivo ao crescimento econômico aliado à
preservação do meio ambiente e à atenção social. Ou seja, é um desenvolvimento racional do
ponto de vista ecológico (utilização racional e equilibrada dos recursos naturais),
acompanhado de uma gestão judiciosa do meio
77
. Isso porque há a possibilidade de o sistema
econômico-capitalista sofrer uma importante alteração em suas bases, caso os recursos
75
Quem faz um alerta para a necessidade de implementação do desenvolvimento sustentável é FERREIRA, Luiz
Pinto Ferreira., Op. cit., p.201, quando diz que: Até a presente data calcula-se que já existiram 81 bilhões de
pessoas, e é importante que cada povo realize um desenvolvimento sustentável para permitir o equilíbrio
ecológico. No mesmo sentido está FIORILLO, Antônio Pacheco., Op. cit., p.25, quando informa que: os
recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades econômicas
desenvolvam-se alheias a esse fato. Busca-se com isso a coexistência harmônica entre economia e meio
ambiente. (...). Tratando-se o desenvolvimento sustentável da análise de diversas variáveis de sustentabilidade
dos diversos ecossistemas que compõem um maior chamado Terra, não se pode esquecer dos aspectos natural,
artificial, social, econômico, cultural, do trabalho, de forma a viabilizar o seu equilíbrio por si só,
independentemente de criações ou ajudas tecnológicas para possibilitar a continuidade da vida futura.
76
O Princípio 13 (ESTOCOLMO/72), indica que: A fim de obter uma mais racional ordenação dos recursos e
melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de
planificação de seu desenvolvimento, de modo que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento
com a necessidade de proteger e melhorar o meio humano em benefício de sua população. Disponível em
<http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_Estocolmo_1972.pdf
>. E o Princípio 4 (ECO/92) aduz
que: Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte
integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.
Disponível em: <http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LI_6180_1_0001.htm
>.
77
Cf. PRADO, Luiz Regis., Op. cit., p.65.
43
naturais renováveis e não-renováveis sejam reduzidos drasticamente ou deixem de existir.
Consegue-se depreender tal princípio da compreensão do art. 170 da Carta Magna, que
diz que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...); VI – defesa do meio ambiente, sendo uma opção do
Estado Brasileiro desenvolver a economia e promover uma real elevação do bem-estar social
e da qualidade de vida.
Depreende-se disso a existência de 3 (três) pilares
78
do desenvolvimento sustentável,
como o econômico, o social e o ecológico, em que cada um ocupará um lugar de destaque.
Entretanto, devem ser compreendidos de forma indivisível/una, pois a harmonia está
exatamente no equilíbrio entre eles.
O grande desafio é, portanto, identificar e diminuir os riscos, preservando o meio
ambiente sem inviabilizar o desenvolvimento econômico e proporcionando melhorias sociais
e uma vida mais digna à população.
1.2.3 As competências Constitucionais e do Sistema Nacional do Meio Ambiente
A competência constitucional em matéria ambiental pode ser legislativa e material:
aquela, privativa e concorrente e esta, comum, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios. Em rápidas linhas, serão elas primeiramente analisadas para, após, as
organizadas pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
1.2.3.1 As Competências legislativas privativas (União, Estados/DF e Municípios),
concorrentes e o princípio da coordenação
O texto da Constituição determina a competência legislativa privativa da União, em
relação à matéria ambiental, em seu artigo 22, incisos IV, XII, XIV e XXVI, a saber: IV –
78
Id.Ibid., p.66. Assim, confirmando o que dito acima, a respeito desses 3 (três) pilares, o autor diz que: Três são
os objetivos essenciais que se busca alcançar por meio do desenvolvimento sustentável: o econômico,
referente à eficaz utilização dos recursos naturais e a um crescimento quantitativo; o sociocultural,
relacionado ao desenvolvimento, à manutenção da vida social e cultural, e à maior igualdade e equidade
social; e o ecológico, consistente na preservação dos sistemas físicos e biológicos (recursos naturais lato
sensu) que servem de suporte à vida dos seres humanos.
44
águas, energia(...); (Omissis); XII – jazidas, minas, outros recurso minerais(...); (Omissis);
XIV – populações indígenas; (Omissis); XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza.
Apesar de enumerada como sendo própria da União, há a possibilidade de delegá-la
aos Estados mediante Lei Complementar, mas sob a condição de versar sobre a matéria
relacionada neste mesmo artigo, conforme determina seu parágrafo único.
No que se refere aos Estados-membros, os mesmos somente têm competência
privativa em matéria ambiental quando ela não for atribuição nem da União, nem dos
Municípios, segundo consta no artigo 25, §1
o79
, também da Carta Magna. Ocorre que o amplo
significado da expressão ‘interesse local’, designado para a competência legislativa dos
Municípios, acaba por esvaziar a dos Estados, assumindo um caráter por exclusão.
No entanto, ao Estado cabe complementar e suplementar as normas gerais da União,
bem como estabelecer padrões ambientais, observados os estabelecidos pelo Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
80
. Assim, a questão irá se resumir na constatação da
existência ou não da norma: se existente, nada impede que o Estado legisle sobre o assunto,
suplementando-o; introduzindo preceitos que dizem com suas peculiaridades regionais, mas
de forma a não contrariar as ditadas pela União.
É uma competência legislativa, em que o conteúdo poderá ser mais restritivo e nunca
mais brando, diante da aplicação direta dos princípios da prevenção e da precaução. Se
inexistentes, poderá fazê-lo complementarmente
81
, até que a superveniência de lei federal
contrária suspenda a eficácia da norma estadual (cf. art. 25, §4º da CF).
79
Art. 25, da CF/88: Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados
os princípios desta Constituição. §1
o
.São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas
por esta Constituição.
80
O art. 6
o
, da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos
de formulação e aplicação e dá outras providências, assim determina: Os órgãos e entidades da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder
Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do
Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado: §1
o
. Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas
de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio
ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA. In: MEDAUAR, Odete (org), Op. cit.,
p.707.
81
Cf. FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 3.ed. Curitiba: Juruá editora,
2001, p.37.
45
Quanto ao Município, o artigo 18
82
da Carta Constitucional inseriu-o na nova
organização Federativa Brasileira, fazendo com que, ao lado do Distrito Federal, viesse a
formar a terceira esfera de autonomia juntamente com a União e os Estados
83
.
Assim, conforme artigo 30, incisos I, II, VIII e IX, compete-lhe, em matéria
ambiental: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal
e a estadual no que couber; (Omissis); VIII – promover (...) adequado ordenamento
territorial, (...); (Omissis); IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Dessa forma, é dotado de autonomia e de organização política própria, reunindo
efetivas condições de atender de modo imediato às necessidades locais, como legislar sobre a
proteção ambiental municipal, diante da proximidade dos problemas existentes, dos seus
interesses e peculiaridades
84
. Nesse mesmo sentido, os Municípios fazem parte do
SISNAMA, na medida em que podem criar e estruturar seus órgãos e entidades ambientais.
Pode, portanto, legislar sobre a ocupação do solo e a proteção do patrimônio histórico-
cultural local, conforme incisos VIII e IX, do art. 30 da Constituição Federal (acima descrito),
82
Art. 18, da CF/88: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
83
Sobre a autonomia Municipal, novidade advinda com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cabe
citar entendimento de SILVA, José Afonso da., constante em seu livro Curso de Direito Constitucional
Positivo. 12.ed. São Paulo: Malheiros editores, 1996, p.590, quando indica que: (...). Mas no Brasil o sistema
constitucional eleva os Municípios à categoria de entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de
organização e governos próprios e competências exclusivas. Da mesma forma está BONAVIDES, Paulo., Op.
cit., p.311, quando assevera que: Com efeito, essa mudança acabou por alargar o raio de autonomia
municipal no quadro da organização política do País, dando-lhe um alcance e profundidade que o faz
indissociável da essência do próprio sistema federativo, cuja análise e interpretação já não se pode levar a
cabo com indiferença à consideração da natureza e, sobretudo, da dimensão trilateral do novo modelo de
federação introduzido no País por obra da Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988.
84
Esta proximidade Municipal dos problemas ambientais enfrentados pela localidade, colabora em muito na sua
solução. Questões como: higiene, condições sanitárias (incluindo-se aqui esgotos, qualidade da água e, por
conseqüência, proliferação de vetores, etc.), bem estar e qualidade ambiental (envolvendo construção de
praças e espaços de lazer), bem como a criação de leis para a determinação de espaços de preservação
permanente, poderão ter decisões e soluções mais ágeis se o ente municipal estiver envolvido. A respeito
ANTUNES, Paulo de Bessa., Op. cit., p.90 diz que: Está claro que o meio ambiente está incluído dentre o
conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um
elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si
mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e
mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema.
É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar
globalmente. A legislação esclarece o assunto, conforme art. 6
º
, da Lei nº 6.938/81, que indica o seguinte;
(Omissis). § 2
º
. Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão
elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior. (Ver nota nº 80). In: MEDAUAR, Odete (org).
Coletânea de legislação de direito ambiental, Op. cit., p.707.
46
bem como sobre assuntos de interesse local, conforme inciso I, também do artigo cima citado.
Também lhe é permitido suplementar a legislação Federal e Estadual no que couber (inciso II
do mesmo diploma legal), sendo-lhe vedado, entretanto, abolir todas as determinações já
existentes sobre o assunto
85
.
Por outro lado, pode formular exigências adicionais (da mesma forma que o Estado,
ou seja, mais restritivas das que estabelecidas pela regra geral editada pela União, por
expressa aplicação dos princípios da prevenção e da precaução), só que nesse caso atento aos
interesses locais
86
.
Ressalta-se que sendo o Município uma pessoa jurídica autônoma, com diversas
competências legislativas e uma gama imensurável de atribuições para servir à população,
como preservar o meio ambiente, lhe é de todo recomendável atuar em harmonia com os
órgãos ambientais da União e dos Estados, a fim de alcançar o objetivo colimado, qual seja, o
de proteger os ecossistemas.
Essa distribuição de competências legislativas é regida pelo princípio da
predominância de interesses, conforme indica Celso Antônio Pacheco Fiorillo
87
: na
repartição de competências legislativas aplica-se o princípio da predominância dos
interesses, de modo que aqueles assuntos de interesse nacional ficam sujeitos ao regulamento
da União, quando de interesse regional, ao encargo do Estado e, por fim, quando de interesse
local, ao ente municipal.
85
Pode-se dizer, no entanto, que sua competência suplementar na matéria é também reconhecida. De fato, dá-
se-lhes competência para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Outorga-se-lhes a competência para a
Política de Desenvolvimento Urbano e estabelecimento do Plano Diretor (art. 182) e, ainda a competência
para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual. Sobre o assunto, conferir a obra de SILVA, José Afonso da. Direito
Ambiental Constitucional, Op. cit., p.79. Esta indicação normativa fica mais clara quando entendida a
abrangência do que seja o ‘interesse local’, pois, diante da proximidade do ente municipal em relação a estes
assuntos, cabe a ele trabalhar com suas peculiaridades locais, sem violar, entretanto, normas gerais
determinadas pelos entes federal e estadual.
86
A respeito, ver FREITAS, Vladimir Passos de., Direito Administrativo e Meio Ambiente, Op. cit., p.40.
87
Op. cit., p.60. Essa preponderância de interesses não é de tão fácil identificação, conforme FREITAS,
Vladimir Passos de., Direito Administrativo e Meio Ambiente, Op. cit., p.35: Em que pesem as dificuldades
para discernir o que é interesse nacional, regional ou local, assunto ainda pouco enfrentado pela doutrina e
pelos Tribunais, o certo é que a repartição de poderes atende mais aos interesses da coletividade.
Evidentemente, só com o tempo as dúvidas serão aclaradas.Nesse sentido, pois, a necessidade de esses
assuntos serem discutidos no âmbito dos Tribunais e não relegados a um segundo plano, sob pena de dificultar
a construção do entendimento sobre o conteúdo constitucional e, por conseqüência, a sua implementação.
47
Já no que se refere às competências concorrentes entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, cabe aos mesmos legislar sobre determinadas matérias de direito
ambiental, como floresta, caça, pesca, fauna, conservação de recursos naturais, bens de valor
artístico, cultural, histórico, etc., tudo em conformidade com o que determina o artigo 24,
incisos VI, VII e VIII da Constituição
88
.
Quando se fala em competência concorrente, indica-se o princípio da coordenação
89
,
que busca a implantação de políticas entre as entidades federativas, sobre uma mesma matéria
e com o objetivo de desempenhar a tarefa estatal em benefício da sociedade, tornando-se
conditio sine qua non para a efetiva realização dessas atividades.
A respeito, possui a União, conforme §1º do art. 24 da Carta Magna, primazia quanto
às normas gerais
90
, os Estados, as normas complementares e supletivas e os Municípios,
somente estas
91
.
Este poder privativo e concorrente de legislar, é que irá pautar a atividade das diversas
unidades políticas do País que, através dos seus órgãos administrativo-ambientais, foram
criados para cumprir o objetivo constitucional-ambiental de proteção do meio ambiente.
88
Art. 24, da CF/88: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(Omissis); VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição; (Omissis); VII – proteção ao patrimônio histórico,
cultural, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, (...), a bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
89
Quem bem explica esta idéia de coordenação é BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro.
Porto Alegre: editora Livraria do Advogado, 2004, p.59: A coordenação é, na realidade, um modo de
atribuição e exercício conjunto de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo
grau de participação. (...). A coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e do interesse
de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente
federado, adaptando-a as suas peculiaridades e necessidades. Esta coordenação é de extrema importância,
haja vista que a sua determinação é que dará a linha legislativa e de execução material dos demais entes
federados, para o fim de formarem um uníssono, demonstrando harmonia entre si.
90
Tais ‘normas gerais’ na matéria ambiental podem dispor apenas sobre princípios (normas-princípio) ou
descer a detalhes de regulamentação (normas-regra), desde que uniformes em todo o País, de acordo com a
maior ou menor intervenção que a União queira exercer nessas matérias, deixando, conseqüentemente, aos
Estados-membros maior ou menor espaço normativo para o estabelecimento de outras normas. Sobre o
assunto, ver a obra de FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 1999, p.294.
91
Id.Ibid., p.310/311. O autor complementa sobre a competência supletiva, a saber: Conseqüentemente, a
legislação de caráter suplementar concorrente pode ser diminuída na prática em função de intensa atividade
legislativa da União, o que diminui a atividade legislativa supletiva dos entes descentralizados. No entanto, o
campo da legislação específica, fruto da complementaridade das normas gerais, não pode ser diminuído sob
pena de afronta à Lei Maior. Até porque esta complementaridade diz respeito à adequação da norma geral às
especificidades regionais e locais.
48
Ocorre que a competência material para fiscalizar os atos lesivos ao meio ambiente é
atribuída à pessoa jurídica de direito público interno dotado de poder legislativo
constitucional. Por isso, na medida em que a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e
os Municípios possuem este poder, também o têm na atuação administrativa específica
92
.
1.2.3.2 As Competências materiais comuns e o princípio da cooperação
A competência material
93
comum entre os entes federados se dá pelo seu interesse
simultâneo sobre uma determinada questão, a exemplo de fiscalizar, licenciar e aplicar o seu
poder de polícia. Conforme preceitua o art. 23, incisos III, IV, VI e VII da Carta Magna, eles
devem proteger (...) bens de valor histórico (...), as paisagens naturais (...); impedir (...) a
destruição (...) de obras de arte (...); (...) combater a poluição (...); preservar as florestas, a
fauna e a flora e (...) fiscalizar as concessões (...) e exploração de recursos hídricos e
minerais (...).
A respeito, o texto constitucional determinou que mediante lei complementar serão
fixadas normas de cooperação, a fim de equilibrar o desenvolvimento e o bem-estar nacional,
ambas diretamente relacionadas à questão ambiental.
Com efeito, o fato de a União juntamente com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios fazerem parte de um sistema único de Administração Pública frente aos interesses
ambientais não pode implicar em uma exclusão de poderes, já que com igualdade hierárquica,
de modo a ocasionar manifestações contraditórias das pessoas políticas sobre um mesmo
assunto.
Ocorre que essa competência material comum consiste na atuação concomitante das
várias entidades. Trata-se, na verdade, de cooperação administrativa, relacionada diretamente
92
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa., Op. cit., p.85.
93
A respeito, ver FIORILLO, Celso Antônio Pacheco., Op. cit., p.62. O autor diz que: a proteção ao meio
ambiente está adaptada à competência material comum, ou seja, proteção ambiental adstrita a normas que
conferem deveres aos entes da Federação e não simplesmente faculdades. Com isso, buscou o legislador
constituinte estabelecer competências materiais comuns a todos os entes da Federação Brasileira, a saber,
União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
49
com a existência da competência legislativa concorrente, buscando uniformizar resultados
94
.
Entretanto, pelo fato de este poder material ser comum a todos os entes federados,
muitas vezes torna-se difícil constatar qual será o preponderante, provocando conflitos de
competência entre os órgãos do SISNAMA. A raiz de tal problema freqüentemente se
encontra naquelas atividades permitidas e licenciadas por uma determinada entidade, mas que
acaba por ser suplantada por outra que entende ser seu o poder, haja vista o interesse tutelado.
Neste momento, entra em atividade o princípio da subsidiariedade
95
, mecanismo
adequado para solução dos conflitos de competência entre as diferentes esferas, compatível
com o modelo federativo constitucional e com as normas constantes na Lei n° 6.938/81. Esta
regra indica que a atividade material somente será exercida por um poder de nível superior
quando o inferior (mais próximo ao problema) não puder agir.
O princípio da subsidiariedade organiza as relações existentes entre os entes
estatais de direito público interno, disciplinando que a unidade de nível superior só poderá
intervir caso as possibilidades físicas e materiais da unidade inferior não forem suficientes
para cumprir a sua tarefa (profissionais técnicos especializados, maquinário adequado e
suficiente para a demanda, etc.).
Assim, cita-se como exemplo a competência subsidiária do IBAMA (órgão
federal), no que concerne ao licenciamento de construção, instalação, amplião e
funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
94
Cf. BERCOVICI, Gilberto., Op. cit., p.56/57. O autor diz que: Na cooperação, nem a União, nem qualquer
ente federado pode atuar isoladamente, mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os
demais. (...). (...) as responsabilidades também são comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se
eximir de implementá-las pois o custo político recai sobre toda as esferas de governo. Na prática, entretanto,
as dúvidas aparecem, principalmente no momento de o órgão ambiental aplicar a multa decorrente de um
desastre ambiental, como, por exemplo, o derramamento de óleo. Apesar de existirem algumas determinações
sobre o assunto, na medida em que órgão ambiental federal indicar que o dano é ‘de tal monta’ que interessa a
toda a federação (trazendo para si a competência), o(s) ente(s) que se julgar(em) competente(s) terá(ão) que
ingressar com a respectiva ação judicial de conflito de competência para discutir tal questão. A demora nesta
decisão acarreta perdas ambientais por atraso na determinação de medidas regeneradoras e compensatórias.
95
FARIAS, Paulo José Leite., Op. cit., p.319. O autor fala o seguinte sobre o assunto: A subsidiariedade deve ser
vista como princípio pelo qual as decisões serão tomadas ao nível político mais baixo possível, isto é, por
aqueles que estão, o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas e executadas. Está,
assim, o principio, relacionado com o processo de descentralização política e administrativa, em outras
palavras, associado ao fortalecimento do poder local. Por exemplo: caso de uma tarefa não puder ser
executada pelo Município. Quem o fará será o Estado, mas diante de sua negativa, a União. Da mesma forma
ocorrerá quando a competência inicial for a do Estado e, não podendo resolver o problema, o será da União.
50
considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como aqueles capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental, conforme art. 10, da Lei 6.938/81.
Como o próprio nome sugere, implica o exercício condicional/subsidiário de
competência material, sendo um dos princípios fundamentais do sistema material de
funcionamento de tutela do meio ambiente.
Em caráter ordinário, portanto, visa suprir eventuais omissões, falhas ou
funcionamentos defeituosos da prestação administrativa do órgão originariamente
competente, não pressupondo uma sobreposição (muito embora isso possa acontecer), mas
sim uma cooperação subsidiária entre eles.
Por fim, com o intuito de melhor entender este item sobre as competências
constitucionais, resta agora analisar o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), de
ordem da Administração Pública
96
, que abrange órgãos e entidades da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Territórios e Municípios, bem como as fundações instituídas pelo
Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental(...)
97
,
conforme art. 6
o
da Lei 6.938/81.
Ele é formado por: Órgão Superior (Conselho do Governo), Órgão Consultivo e
Deliberativo (Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA), Órgão Central (Secretaria
do Meio Ambiente da Presidência da República), Órgão Executor (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA), Órgãos Seccionais (Órgãos
ou Entidades Estaduais) e Órgãos Locais (Órgãos ou Entidades Municipais).
Pretende-se estudar, aqui, unicamente, os órgãos executores desta política, pois dizem
respeito diretamente à busca da efetividade constitucional, tendo em vista possuírem
96
MEIRELLES, Hely Lopes., Direito Administrativo Brasileiro. 14.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
1989, p.55, bem explica o sentido da expressão ‘ordem pública’: Administração Pública, em sentido formal, é
o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto
das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e
sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da
coletividade.
97
Observe-se, outrossim, que o conceito legal distingue órgãos e entidades. E com razão, pois a entidade é
pessoa jurídica, com personalidade própria, enquanto o órgão é elemento despersonalizado, incumbido de
realizar as finalidades da entidade a que pertence. Cf. FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo
e Meio Ambiente, Op. cit., p.57. Ex: SMAM – órgão e IBAMA – entidade autárquica.
51
competências materiais. A expressão ‘Poder de Polícia’
98
bem determina a abrangência de sua
atividade, com o objetivo precípuo de atuar na proteção e preservação do meio ambiente, a
fim de mantê-lo ecologicamente equilibrado.
A criação do IBAMA teve como fundamento a aplicação do princípio 17
99
(ESTOCOLMO/72), visando uma melhor fiscalização pública das atividades utilizadoras de
recursos naturais, extinguindo, assim, mediante o art. 1º da Lei 7.735/89
100
, as secretarias e
superintendências do meio ambiente então existentes.
Como órgão federal, possui a finalidade de executar a política e as diretrizes
governamentais, sendo elas as relativas à preservação, à conservação e ao uso sustentável
dos recursos ambientais e sua fiscalização e controle, bem como apoiar (...) ações
supletivas da União (...), conforme art. 2º (2ª parte), da Lei nº 7.735/89 e art. 6º, inciso IV da
Lei 6.938/81. Além disso, compete-lhe a supervisão dos licenciamentos concedidos pelos
órgãos estaduais, conforme art. 8
o
, inciso I, da Lei n° 6.938/81
101
.
98
Sobre o conceito de poder de polícia, cabe citar entendimento de DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 13.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p.110, que aduz que: ...pelo conceito moderno, adotado
no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direito
individuais em benefício do interesse público. Para esclarecer melhor, vale citar o conteúdo do art. 78, do
CTN, que dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à
União, Estados e Municípios, que determina que: Art. 78 – Considera-se poder de polícia atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato
ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos../ In: CARRAZA, Roque Antonio Carraza (org). Mini Códigos – Código
Comercial, Código Tributário Nacional e Constituição Federal. 2.ed. São Paulo: editora Revista dos
Tribunais, 1999, p.294.
99
Este Princípio n° 17 (ESTOCOLMO/72) assim determina: Deve ser confiada às instituições nacionais
competentes a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados,
com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. Disponível em:
<http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_Estocolmo_1972.pdf
. >
100
O art. 1º, da Lei nº 7.735/89, que dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências, assim está
disposto: Ficam extintas: I – a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, órgão subordinado ao
Ministério do Interior, instituída pelo Decreto 73.030, de outubro de 1973; a Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE, autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, criada pela Lei
Delegada 10, de 11 de outubro de 1962. Já o art. 2º, da mesma lei, institui o IBAMA:É criado o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, entidade autárquica de regime
especial, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com
a finalidade de executar as políticas nacionais do meio ambiente (...). In: MEDAUAR, Odete (org), Op. cit.,
p.557.
101
Art. 8
o
, da Lei n° 6.938/81: (Omissis); I – estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios
para o licenciamento de atividade efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e
supervisionados pelo IBAMA. Id.Ibid., p.708
52
Já os órgãos seccionais (regionais) são responsáveis pela execução de programas,
projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação
ambiental (art. 6
o
, inciso V da Lei n° 6.938/81), possuindo extraordinária importância, já que
a eles compete grande parte da atividade de controle ambiental. Além disso, conforme dito
anteriormente (vide nota nº 80), esses órgãos poderão elaborar padrões ambientais exigíveis,
mas sempre observando o que for estabelecido pelo CONAMA (§1
o
, do art. 6º da Lei
6.938/81).
Já aos órgãos locais (municipais), cabe a estruturação de suas entidades ambientais,
responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições
(art. 6º, inciso VI da lei 6.938/81). Através de leis, convênios e cooperações entre os Estados,
estes órgãos deverão viabilizar a proteção e a preservação do meio ambiente
102
.
1.2.4 A legislação correlata
Vistos os textos de lei, os princípios, as competências constitucionais e do SISNAMA,
analisar-se-á agora a legislação infraconstitucional reguladora das relações que envolvem o
equilíbrio ecológico. Optou-se por trabalhar somente 2 (duas) consideradas principais, pois
balizadoras e norteadoras da maioria das questões que tratam sobre o assunto, conforme o teor
da Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e da Lei n° 9.605/98 (Crimes
Ambientais, regulamentada pelo Decreto nº 3.179/99). O entendimento sobre esses diplomas é
de fundamental importância para que melhor se compreenda o sistema jurídico de tutela dos
ecossistemas.
1.2.4.1 A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)
A Política Nacional do Meio Ambiente determinou diretrizes de vital importância,
como um conceito aberto sobre o meio ambiente, abrangendo todos os bens naturais e
102
A Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (FEPAM) implementou o Sistema
Integrado de Gestão Ambiental (SIGA), de forma a capacitar os demais municípios a se tornarem responsáveis
pela fiscalização, autuação, licenciamento, instauração de processos administrativos, etc. A fiscalização das
atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente é uma delas, exatamente porque o Estado não
consegue mais cumprir por completo estas funções, sem colocar em risco a proteção do meio ambiente, diante
da demora no licenciamento, dentro outros.
53
culturais de valor juridicamente protegido
103
, além de ter motivado a constitucionalização dos
princípios ambientais da prevenção e da precaução. Incluíram-se objetivos a serem perseguidos,
a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental e uma estrutura organizacional completa, com
órgãos responsáveis pela proteção e qualidade ambiental.
Quanto ao conceito de meio ambiente, cumpre dizer que o art. 225, caput da
Constituição Federal de 1988, diz que ele deve ser ecologicamente equilibrado,sendo um bem
de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. O art. 2
o
, inciso I da Lei n°
6.938/81 confirma isso, atribuindo-lhe a qualidade de (...) patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.
Já o art. 3°, inciso I da mesma lei, determina seu conteúdo, como sendo um (...)
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida e todas as suas formas.
Por fim, no inciso III deste mesmo artigo, há a definição do que seja poluição, sendo
esta também, balizadora do entendimento sobre a abrangência do conceito de meio ambiente,
mas a partir do que pode ser poluído. Assim, inclui a saúde, a segurança, o bem-estar da
população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas, sanitárias, a
energia (de acordo com os padrões ambientais estabelecidos).
Assim, o meio ambiente possui um conceito amplo, abrangendo além dos elementos
acima descritos, também os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegido, como o
solo, as águas, o ar, a flora, a fauna, as belezas naturais, o ser humano, o patrimônio histórico,
artístico, turístico, paisagístico, monumental, arqueológico e outras disciplinas urbanísticas
103
Cf. CUSTÓDIO, Helita Barreira. Educação Urbanístico-Ambiental./ In: Revista de Direito Civil - Imobiliário,
Agrário e Empresarial nº 50, out-dez./89. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1989, p.56/57.
54
contemporâneas, como o meio ambiente artificial
104
.
Desse modo, tal conceito envolve, além do ambiente natural, do artificial e do cultural,
também o do trabalho, mas sempre no sentido de abranger tudo aquilo que rege, abriga e
permite a vida (independentemente de classificações), integrando-os como um todo e
formando um conjunto completo. Deve ser tutelado pelo Poder Público, tendo em vista que
sua manutenção diz respeito com o próprio futuro e existência da humanidade.
Os objetivos desta Política Nacional podem ser resumidos em preservar, melhorar e
recuperar a qualidade do meio ambiente, buscando assegurar o desenvolvimento
socioeconômico, os interesses da segurança nacional e a dignidade da vida humana, conforme
art. 2
o
(1
a
parte), da Lei 6.938/81.
Já os princípios, normas a serem perseguidas pelo Poder Público a fim de efetivar essa
política, estão determinados no art. 2
o
(2
a
parte) da mesma lei, como, por exemplo, ação
governamental que busque a manutenção e a proteção do equilíbrio ecológico, incluindo-se
também o uso racional do solo, subsolo, água e ar, fiscalização dos recursos naturais, controle
das atividades potenciais ou efetivamente poluidoras, incentivo ao estudo e à pesquisa, bem
como educação ambiental, recuperação de áreas degradadas e outros.
No que se refere à responsabilidade civil por degradação ambiental, cabe dizer que
todo aquele que, direta ou indiretamente, tenha causado danos ao meio ambiente e afetado
104
Vale ressaltar que a divisão dos diversos tipos de meio ambiente, a seguir citada, deve ser entendida como
meramente formal, haja vista a possibilidade de serem (re)classificados vários outros, dependendo da forma,
dos objetivos e dos objetos em questão. O que deve ficar claro, sim, é a abrangência deste conceito e os
diversos elementos que compõem o seu entendimento. Assim, cabe citar GOMES, Sebastião Valdir. Novas
questões de Direito Ambiental./ In: Revista dos Tribunais n° 744, Op. cit., p.74: 1. Meio ambiente natural -
(Art. 225, caput e § 1
°
, da Constituição Federal) - é formado pelo solo, água, ar atmosférico, flora, fauna e
por todos os demais elementos naturais responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio
em que vivem. 2. Meio ambiente cultural - (Arts. 215 e 216 da CF) - composto pelo patrimônio histórico,
artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, científico e pelas sínteses culturais que integram o universo das
práticas sociais das relações de intercâmbio entre o homem e a natureza. 3. Meio ambiente artificial - (Arts.
21, inc. XX, 182 e segs. e 225 da CF) - é constituído pelo conjunto de edificações, equipamentos, rodovias e
demais elementos que formam o espaço urbano construído. 4. Meio ambiente de trabalho - (Art. 200, inc.
VIII, da CF) - integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial, em
face dos quais o ser humano exerce as suas atividades laborais. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco., Op. cit.,
p.20, também classifica o meio ambiente em 4 (quatro) tipos, a saber: A divisão do meio ambiente em aspectos
que o compõe busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não
se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objetivo maior tutelar a vida saudável, de modo que
a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados. E com
isso encontramos pelo menos quatro significativos aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do
trabalho.
55
uma ‘coletividade difusa’ de pessoas, inclusive individualmente, deverá indenizar as vítimas e
reparar o dano.
Se houver a possibilidade de identificar os seus causadores, a cada um será dada a sua
parcela de responsabilidade, podendo o ressarcimento ser exigido indistintamente de um,
alguns ou todos, conforme art. 942, caput do Código Civil Brasileiro (CC)
105
. Entretanto,
sendo difícil ou impossível a identificação individual dos atos danosos, haverá a chamada
solidariedade
106
.
O Poder Público também pode ser responsabilizado caso tenha colaborado de uma
forma ou de outra para a agressão à natureza, de acordo com o teor do art. 37, §6
o107
da Carta
Magna. Em muitas oportunidades, o Estado é omisso na atuação protetiva do meio ambiente,
razão pela qual há a possibilidade de o mesmo ser condenado por co-autoria
105
Determina o art. 942, caput do Código Civil Comentado e legislação extravagante. Comentários NERY
JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. 3.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005,
p.542, o seguinte: (...) se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
106
A respeito da solidariedade, cabe citar MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos direitos difusos em juízo. 18.ed.
São Paulo: editora Saraiva, 2005, p.325: Admite-se a solidariedade passiva em matéria de danos ambientais
(...) porque: a) há solidariedade nas obrigações resultantes de ato ilícito; b) os co-responsáveis, por via de
regresso, poderão discutir posteriormente, entre si, distribuição mais eqüitativa da responsabilidade; c) nas
obrigações indivisíveis de vários devedores, cada um deles tem responsabilidade pela dívida toda. Já MIRRA,
Álvaro Luiz Valery. A noção de poluidor na Lei nº 6.938/81 e a questão da responsabilidade solidária do
Estado pelos danos ambientais causados por particulares./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS,
Marcelo Buzagio (org), Op. cit., p.4, indica a relação direta entre esta responsabilidade solidária e o meio
ambiente, a saber: O modelo jurídico-ambiental, portanto, não só aproveita a solidariedade do direito civil
clássico como a amplia, dando-lhe feições peculiares. Nada mais justo, sendo o direito ambiental uma
disciplina jurídica de crise a exigir, por isso mesmo, notáveis e urgentes aperfeiçoamentos no organograma
da responsabilidade civil. Nesse mesmo sentido está NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de
Andrade. Responsabilidade civil, meio ambiente e ação coletiva ambiental./ In: BENJAMIN, Antonio Herman
(coord). Dano ambiental – prevenção, reparação e repressão. o Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1993,
p.285: O causador do dano ambiental é que tem o dever de indenizar. Havendo mais de um causador, todos
são solidariamente responsáveis pela indenização segundo o art. 1518, caput, segunda parte, do CC, que
determina a solidariedade na responsabilidade extracontratual, independentemente de concerto prévio,
unidade de propósitos etc. (...).Igualmente está ARMELIN, Donaldo (O processo Civil e a Tutela do Meio
Ambiente no Sistema Jurídico Nacional): As várias causas da poluição podem ser independentes entre si ou
manterem vinculação mais ou menos intensa. Assim, há de se distinguir: inexistindo vínculos entre as causas
de poluição, ou seja, sendo perfeitamente possível separar os efeitos pertinentes a cada uma das causas, não
há como falar em solidariedade entre os seus agentes. Diferentemente sucederá, se impossível a dissociação
de efeitos com a especificação das respectivas causas. Nessa hipótese, todos os agentes, em maior ou menor
grau, colaboram para o mesmo efeito, não podendo, portanto, se socorrer de uma responsabilidade exclusiva
para determinados segmentos do dano, para se furtar à solidariedade na obrigação de ressarcir. Conferir o
inteiro teor no Agravo de Instrumento n° 272.129-1/2, 1
a
Câmara de Direito Público, TJSP, Rel. Des. Cauduro
Padin, j. 21/05/1996./ In: REVISTA DOS TRIBUNAIS n° 731, ano 85, set/96. São Paulo: editora Revista dos
Tribunais, 1996, p.273/274.
107
Art. 37, da CF/88: (Omissis); §6
o
. As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
56
indireta
108
e, portanto, pagar a devida indenização.
A legislação indica que, posteriormente, deve o Estado ingressar com a competente
ação regressiva contra o agente público responsável, para que os cofres públicos sejam
ressarcidos dos valores despendidos. Neste caso, serão analisados o dolo e a culpa do agente,
o que não acontece na ação contra o Estado, sendo esta a chamada responsabilidade objetiva
(sem análise de dolo e culpa).
A Lei nº 6.938/81, recepcionada pela Carta de 1988, indica esta responsabilidade
objetiva em seu art. 14, §1
o
: é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa,
a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade.
Esta está baseada tanto na lei quanto no risco integral da atividade do empreendedor, a
respeito do art. 927, parágrafo único do Código Civil Brasileiro, que determina que haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, (...) quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem. Além disso, também está fundamentada na irrelevância da licitude da
atividade, na ausência de aferição de culpa e na inversão do ônus da prova.
Assim, quanto ao risco integral
109
e à irrelevância da licitude, diz-se que há a
responsabilidade civil mesmo que a atividade seja lícita, devidamente licenciada e praticada
dentro dos padrões ambientais, já que o empresário assume o risco de tal empreendimento,
108
A co-autoria indireta da Administração Pública dá-se: (...) ao omitir-se no dever que tem de fiscalizar as
atividades que causam danos ao ambiente e de adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias à
preservação da qualidade ambiental. MIRRA, Álvaro Luiz Valerry. O problema do controle judicial das
omissões estatais lesivas ao meio ambiente./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord).
Revista de Direito Ambiental n° 15, ano4, jul-set/99. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1999, p.61. Os
exemplos são dos mais diversos, como a omissão em fiscalizar loteamentos irregulares, autorizá-los em locais
inadequados, áreas de preservação, protegidos por legislação competente, sem as mínimas condições de infra-
estrutura, esgoto, água encanada, etc. Geram degradação e colocam em risco a saúde da população.
109
Sobre esta teoria, cabe citar entendimento de CAVALIERI FILHO, Sérgio., constante em sua obra Programa
de Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2004, p.145: Na busca de um fundamento
para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco,
justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos
acidentes de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importante, por isso, dizer que aquele que
exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do
risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o
causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade,
dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o
dano.
57
sendo vedado transferir tal custo para a sociedade.
No que se refere à culpa, não é ela auferível quando se tratar de responsabilidade
objetiva, bastando que esteja configurado o dano e o nexo causal. Só não será necessário o
elemento culpa, razão pela qual fala-se em responsabilidade independentemente de culpa.
Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de
indenizar
110
.
Para tanto, é necessária a identificação da existência de um evento danoso ou a sua
possibilidade e de uma atividade que, direta ou indiretamente, possa causar degradação
111
ao
meio ambiente (este entendido sob os diversos aspectos acima estudados: natural, artificial,
cultural, do trabalho).
A relação entre estes 2 (dois) elementos indica o nexo causal, ou seja, a relação de
causa e efeito entre a atividade do agente, o dano advindo ou a sua iminência. Entretanto, sua
comprovação faz-se bastante difícil, tanto diante dos diversos fatores que podem compor o
dano quanto devido à análise de todas as suas variáveis presentes e futuras, podendo ser
considerada como uma das causas do enfraquecimento da responsabilidade objetiva.
Já a inversão do ônus da prova é conseqüência da responsabilização objetiva,
motivada pela hipossuficiência técnica e econômica da coletividade difusa, sofredora direta e
indiretamente das conseqüências do dano ambiental e que possui a obrigação de comprovar o
110
Id.Ibid., p.143.
111
Sobre o nexo causal diz-se que: Analisa-se a atividade do agente, indagando se o dano foi causado em razão
dela, para se concluir que o risco oriundo dessa atividade é suficiente para estabelecer o dever de reparar o
prejuízo. Em outro modo de dizer, basta que se demonstre a existência do dano para cujo desenlace o risco da
atividade influenciou decisivamente.Cf. MILARÉ, Édis., Op. cit., p.431. E sobre a dificuldade desta prova,
cita-se entendimento de ABELHA, Marcelo. Breves considerações sobre a prova nas demandas coletivas
ambientais./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org), Op. cit., p.175/176, quando
diz que: Portanto, se porventura reduziu-se a necessidade de prova do elemento anímico atinente à conduta
do agressor (dolo e culpa), isso não fez esquecer a dificuldade ainda existente da comprovação dos elementos
restantes. Vejam que aqui estamos falando apenas em prova, demonstração in concreto de que existe o dano e
esse efeito liga-se a uma causa tal. Pode-se citar como exemplos práticos a identificação de determinados
produtos (utilizados no processo de produção das empresas) e encontrados na análise da água contaminada; a
escrita do nome da empresa em resíduos encontrados em terreno baldio nas imediações de rio que
conseqüentemente foi contaminado (responsabilidade do empreendedor pela destinação de seus resíduos), etc.
58
nexo causal
112
. Já o sujeito passivo da ação deve fazer a prova negativa, ou seja, provar a
inexistência de causas que lhe imputam tal responsabilidade, valendo dizer ser inaplicável a
invocação do caso fortuito, da força maior, além de cláusulas de irresponsabilidade e de não-
indenizar eventualmente existentes nos contratos
113
.
Por fim, identificados o(s) agente(s) causador(es) do dano ambiental, sua
responsabilização na esfera civil enseja a sua reparação
114
, que se fará por meio da obrigação
de fazer e/ou de não-fazer ou o pagamento de indenização em dinheiro, a ser destinado para a
recuperação do meio ambiente e aos prejudicados do evento danoso. A modalidade ideal é a
112
Torna-se uma busca pela igualdade material, pois o prejudicado pela degradação não possui capacidade
técnico-financeira para produzir a prova. Constata-se a tentativa de não socialização dos riscos advindos da
atividade degradadora, já que o empreendedor terá que fazer a prova negativa do caso. Isso tudo é, portanto,
uma forma de instrumentalizar o direito fundamental ao meio ambiente. A respeito, cabe citar entendimento de
SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental
difuso./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org)., Op. cit., p.30, quando diz que: A
efetivação do instituto da inversão do ônus da prova, tanto judicial como extrajudicialmente, seria, talvez, a
mais plausível conseqüência normativa concreta da aplicação do princípio da precaução no direito
brasileiro. As possibilidades teóricas para tal existem, cabendo ao legislador e aos órgãos julgadores
nacionais levá-las à prática, suprimindo a não congruência entre o modelo civilista tradicional e a qualidade
dos direitos a serem tutelados. Da mesma forma está ABELHA, Marcelo., Op. cit., p.180/181: No caso da
ação de responsabilidade civil ambiental, o que se tem é a técnica de inversão do ônus da prova no processo
civil por aplicação subsidiária do art. 6º, VIII do CDC c/c art. 117 do mesmo diploma. No segundo caso,
quando se trata de incerteza científica da atividade supostamente poluidora, é o princípio da precaução
ambiental que determina que cabe ao suposto poluidor a prova de que não há risco de poluição.
113
Segundo SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, Op. cit., p.313: A tendência da doutrina é
no sentido de não aceitar as clássicas excludentes de responsabilidade. O sistema não pode admitir a
possibilidade de o degradador ficar impune ao fato danoso, por simples cláusulas contratuais. Para a sociedade
é importante que o causador do fato e aquele que adquiriu o empreendimento ou o imóvel, etc. (na medida em
que não toma medidas regenerativas do meio ambiente, acaba contribuindo para tal), sejam responsabilizados.
A sociedade não pode ver-se prejudicada em seu direito fundamental por motivos formais, como uma cláusula
contratual de irresponsabilidade. Esse também é um entendimento que se coaduna com a idéia de
instrumentalização da substancialidade do conteúdo constitucional. E, esclarecendo os deveres de prova do
sujeito passivo, MILARÉ, Édis., Op. cit., p.435, indica que: Em outras palavras, com a teoria do risco
integral ambiental o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidarista, contribui – nem sempre de
maneira voluntária – com a reparação do dano ambiental, ainda que presentes quaisquer das cláusulas
excludentes da responsabilidade ou cláusula de não-indenizar. É o poluidor assumindo todo o risco que sua
atividade acarreta: o simples fato de existir a atividade e o dano dela advindo. Segundo este sistema, só
haverá exoneração de responsabilidade, quando: a) o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano
não guarda relação de causalidade com a atividade da qual emergiu o risco. Assim, Incumbirá ao acusado
provar que a degradação era necessária, natural ou impossível de evitar-se. Estas, portanto, são as
excludentes de responsabilidade acima citadas. Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme., Op. cit., p.324.
114
Confirmando este entendimento: Convém destacar, entretanto, que é imposta uma ordem hierárquica quando
da necessidade de imposição das formas de ressarcimento do dano ambiental. Primeiramente, deve-se buscar
a reconstituição ou recuperação do bem lesado, ainda que seja esta a forma mais onerosa. Caso essa via não
seja tecnicamente possível, utiliza-se então, subsidiariamente, a indenização pecuniária. Ver FERREIRA,
Helini Sivini. Compensação ecológica: um dos modos de reparação do dano ambiental, Op. cit., p.58. Esta
hierarquia possui uma razão de ser, haja vista a cada vez maior dificuldade do meio ambiente regenerar-se e
quando não da sua impossibilidade. Quando isto acontece, toda fauna existente naquele local ou consegue
deslocar-se para outro habitat compatível com o seu modus vivendi, ou estará fadada ao desaparecimento.
Exemplo disso é uma nova espécie de macacos (única no mundo) encontrados no Mato Grosso que, em
número de trinta, estão ilhados em uma determinada região, já que o restante da floresta já foi desmatada. Se
as autoridades públicas e a sociedade não agirem rapidamente, eles poderão ser extintos da Terra.
59
de reconstituição/recuperação do bem e, somente quando esta não seja viável, admite-se a
compensação ecológica e, por fim, a indenização em dinheiro.
A reconstituição engloba tanto a recomposição do bem ambiental ao status quo ante
quanto à reabilitação dos recursos naturais afetados. Estes devem ser atendidos em 3 (três)
níveis para que a reparação seja efetiva e satisfatória: capacidade de auto-regeneração,
capacidade de auto-regulação e capacidade funcional. Já a compensação ecológica consiste
na substituição do bem lesado por um bem funcionalmente equivalente, de forma que o
patrimônio natural permaneça, no seu todo, qualitativa e quantitativamente inalterado
115
.
E, por fim, a indenização em dinheiro consiste na arrecadação de valores a serem
destinados para a recuperação e compensação de bens ambientais em outros locais que não o
especificadamente agredido
116
.
Por fim, a reparação ambiental alberga ainda outra forma, qual seja, a do dano moral,
que se dá autônoma e independentemente da reparação do bem material, sendo a
quantificação feita por arbitramento, sofrendo variações quanto às circunstâncias do caso em
concreto.
O dano moral está previsto no art. 5
o
, incisos V e X da Constituição
117
, não excluindo
outros decorrentes do regime constitucional (parágrafo 2
o
, do mesmo artigo); está também
disposto na Súmula 227/STJ, que aduz que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, bem
115
Id.Ibid., p.59 e 61.
116
Não se pode esquecer que: O bem tutelado é indisponível, inalienável, impenhorável, indivisível, do povo, não
exclusivo, absolutamente sensível a danos e irreversivelmente reconstruível. São bens que não têm valor
correspondente em pecúnia, e, por isso, nem de longe pode-se pensar em comprá-los e vendê-los, porque não
admitem disposição de qualquer natureza. Conferir em ABELHA, Marcelo., Op. cit., p.173. E, exatamente
por todos esses motivos, não há valor que possa comprar o meio ambiente, a saber: Podemos dizer que o valor
econômico do bem ambiental é limitado, pois é construído sobre a base utilitarista, antropocêntrica e
instrumentalista. Isto se deve ao fato de o valor do dano ser baseado em ideologias do homem, e não em
função do bem ambiental em si mesmo. Ver LEITE, Jose Rubens Morato. Termo de Ajustamento de conduta e
compensação ecológica, Op. cit., p.118.
117
Art. 5º, da CF/88: (Omissis); V – é assegurado o direito (...) da indenização por dano material, moral ou à
imagem; (Omissis); (...) assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.
60
como nos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro
118
, podendo ser requerido mediante Ação
Civil Pública
119
(quando o dano moral for coletivo) e por Ação Ordinária (quando o dano
moral for individual).
Em suma, o dano moral ambiental é uma forma de recompor ao indivíduo e /ou à
coletividade, a perda do equilíbrio ecológico a que tem direito. Isso se dá quando o sossego, o
ar puro, a saúde, o desenvolvimento psíquico-físico-social são abalados, ou até mesmo
quando houver a perda da tranqüilidade individual/social por medos, angústias e sobressaltos,
diante de um dano ambiental, sua iminência ou dúvidas quanto à capacidade lesiva do fato.
1.2.4.2 Os Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98)
Definindo o texto da Constituição Federal que o meio ambiente é um direito humano
fundamental, bem jurídico que deve ser preservado para a presente e futuras gerações,
delegou-se ao Poder Legislativo a construção de um sistema normativo penal-ambiental com
determinações diversas das constantes no Código Penal (CP).
Deveria definir de forma clara, taxativa e exaustiva a descrição das condutas puníveis
e as respectivas penas, sem esquecer de alcançar comportamentos que dificultem ou impeçam
o seu desfrute (do meio ambiente) de forma livre e solidária
120
. Além disso, deveria ser
construído em harmonia com os princípios já existentes, principalmente, com o penal basilar
da legalidade.
118
O art. 186, do CC determina o seguinte: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. E no
art. 927, do mesmo diploma legal, assim está escrito: Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano
a outrem, fica obrigado a repará-lo. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem. Cf. Código Civil Comentado e legislação extravagante, Op.
cit., p.266 e 535.
119
O art. 1
o
, da Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(vetado) e dá outras providências, indica que: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados(...). In: MEDAUAR, Odete
(org). Coletânea de legislação de direito ambiental, Op. cit. p.251.
120
Cf. PRADO, Luiz Regis, Op. cit., p.133. E continua o autor (p.175): (...) o reconhecimento da
indispensabilidade de uma proteção penal uniforme, clara e ordenada, coerente com a importância do bem
jurídico, as dificuldades de inseri-la no Código Penal, e ainda o crescente reclamo social de uma maior
proteção do mundo em que vivemos, acabaram dando lugar ao surgimento da Lei dos Crimes contra o Meio
Ambiente (Lei 9.605, de 12.02.1998), proposta pelo governo e aprovada em regime de urgência pelo Poder
Legislativo.
61
Em uma perspectiva histórica, tanto a tutela constitucional quanto a penal ambiental
são relativamente novas quando analisadas sob o manto de um direito humano fundamental,
mas extremamente antigas quando compreendidas em seu cunho patrimonialista, já que cada
pessoa não poderia ser perturbada no (ab)uso da ‘sua’ natureza.
Assim, 10 (dez) anos depois da promulgação da Carta Magna de 1988, nasce a Lei nº
9.605/98 e, um ano após, o Decreto nº 3.179/99, que regulamenta o capítulo VI desta Lei dos
Crimes Ambientais, mais especificadamente, os arts. 70 a 76 e 79 a 82. Estas normas referem-
se às infrações administrativas praticadas contra o meio ambiente, entendidas como toda ação
ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do
meio ambiente (...) (art. 1
o
do Decreto n° 3.179/99). Apesar de ambos os diplomas possuírem
seus avanços, reflexos da mudança de paradigma da sociedade, existem muitas dificuldades,
inerentes a todo ordenamento jurídico deste porte
121
.
Cabe dizer, portanto, que a responsabilidade penal por crimes e infrações contra o
meio ambiente segue o entendimento tradicional de que o mesmo se dá mediante a aferição da
culpabilidade.
Entretanto, uma grande inovação afetou diretamente o pensar tradicional: a indicação
no §3
o
do art. 225 da Constituição Federal e também no art. 1º da Lei n° 9.605/98, que as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais (...).
A mesma se dará somente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal
122
(estatutos) e contratual (diretor, gerente), no seu interesse ou
121
Cabe ressaltar que as infrações ambientais, por possuírem tipicidade igual à dos crimes ambientais, não serão
analisadas sob pena de tautologia. O foco de estudo ficará adstrito aos casos concretos julgados pelos
Tribunais.
122
MACHADO, Paulo Affonso Leme., Op. cit., p.663, entende que: As infrações penal e administrativa pelas
quais se responsabiliza uma pessoa jurídica devem ser cometidas por seu representante legal ou contratual ou
por seu órgão colegiado. O representante legal é normalmente indicado nos estatutos da empresa ou
associação. O representante contratual pode ser o diretor, o administrador, o gerente, o preposto ou o
mandatário da pessoa jurídica. Já o Código Civil previra a responsabilidade civil do patrão ‘por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou por ocasião dele’(art. 1521,
III), abrangendo as pessoas jurídicas que exercerem a exploração industrial. A idéia desta responsabilidade
penal é indicar que o dano ambiental somente ocorreu por ato ou omissão de seu representante legal ou
contratual e dele tenha advindo benefício ou sido no interesse da empresa (em nota a seguir será explicitado
cada um destes conceitos). Do contrário, tal dano não ocorreria. Dessa forma, as caracterizações destas duas
circunstâncias são imprescindíveis para a incursão da pessoa jurídica no âmbito da responsabilidade penal.
62
benefício, a teor do art. 3º da Lei n° 9.605/98
123
.
Vale dizer da não exclusão das pessoas físicas autoras, co-autoras ou partícipes do
fato. Com isso, buscou-se consolidar o entendimento de que a pessoa jurídica, apesar de
composta e dirigida por pessoas físicas, não pode mais ser considerada uma mera ficção, já
que as decisões feitas por aquelas visam benefícios para si e suas entidades
124
. Além disso,
sob a justificativa de ausência de legislação infraconstitucional correlata, o ente moral acabou
por tornar-se irresponsável perante os danos ambientais.
Conforme José Roberto Marques
125
, esta norma jurídica possibilitou a
responsabilização penal dos entes morais, já que responsabilizá-la civil e
administrativamente, com a imposição, tão-só, de multas, mostrou-se ineficaz para impedir
pudesse ela continuar a se beneficiar da degradação ambiental. Demonstra-se que essa idéia
está associada a uma conduta social e que, possuindo o ente moral capacidade de agir nas
esferas civil e administrativa, também o pode ser no âmbito penal.
123
Id.Ibid., p.664. E, a respeito do interesse e benefício, diz o autor: Interesse não diz respeito só ao que traz
vantagem para a entidade, mas aquilo que importa para a entidade. (...). Não é, portanto, somente a idéia de
vantagem ou de lucro que existe no termo interesse. Assim, age criminosamente a entidade em que seu
representante ou seu órgão colegiado deixa de tomar medidas de prevenção do dano ambiental, por exemplo,
usando tecnologia ultrapassada ou imprópria à qualidade do ambiente. O fato de não investir em programas
de manutenção ou de melhoria já revela a assunção do risco de produzir resultado danoso ao meio ambiente.
O interesse da entidade não necessita estar expresso no lucro direto, consignando no balanço contábil, mas
pode se manifestar no dolo eventual e no comportamento culposo da omissão.
124
Cf. PRADO, Luiz Regis., Op. cit., p.146. Coadunando deste mesmo entendimento está FERREIRA FILHO,
Edward. As pessoas jurídicas como sujeito ativo de crime na Lei 9.605/98./ In: BENJAMIN, Antonio Herman
e MILARÉ, Édis (coord). Revista de Direito Ambiental n° 10, ano3, abril-jun/98. São Paulo: editora Revista
dos Tribunais, 1998, p.24, quando dispõe: (...) a responsabilidade das pessoas jurídicas, veio, na verdade,
contemplar e seguir a tendência mundial de estender o instituto da pena criminal aos entes coletivos, já que,
cada vez mais, as empresas e pessoas jurídicas em geral estão assumindo papéis mais relevantes na sociedade
e, por isso mesmo, ao menos em relação a várias condutas sociais, não podem simplesmente ser consideradas
como ente fictício. E, efetivamente, não há como negar hoje, com a evolução alcançada pelo direito, que a
conduta e fins do ente coletivo são diversos daqueles de seu dirigente como pessoa física.Aqui se adentra,
novamente, na seara da busca pela não socialização dos riscos e pela tentativa de impedir que as pessoas
jurídicas se tornem irresponsáveis por atos ou omissões realizados em seu benefício e interesse. Ainda, não se
pode esquecer que constando seu texto na Constituição Federal e interpretada à luz de um Estado Democrático
de Direito, em que se busca a solidariedade, essa responsabilização penal da pessoa jurídica é um avanço e
acompanha tanto o desenvolvimento industrial brasileiro quanto a degradação ambiental por ela mesma
produzida.
125
Responsabilidade penal da pessoa jurídica./ In: BENJAMIN, Antônio Herman e MILARÉ, Édis (coord.).
Revista de Direito Ambiental n° 22, ano6, abril-jun/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.113.
Já MACHADO, Paulo Affonso Leme., Op. cit., p.662, também fala a respeito desta responsabilidade penal das
pessoas jurídicas, a saber: A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela
Constituição Federal de 1988, que mostra mais um dos seus traços inovadores. Lançou-se, assim, o alicerce
necessário para termos uma dupla responsabilidade no âmbito penal: a responsabilidade da pessoa física e a
responsabilidade da pessoa jurídica. Foi importante que essa modificação se fizesse por uma Constituição,
que foi amplamente discutida não só pelos próprios Constituintes, como em todo o País, não só pelos juristas,
como por vários especialistas e associações de outros domínios do saber.
63
Ainda, levando-se em consideração que a tutela do meio ambiente é visada para a
presente e também para as futuras gerações, o direito penal deve estar atento ao agir da pessoa
jurídica, sendo esta, portanto, uma responsabilidade de cunho social.
Na aferição da culpabilidade penal, continua a subsistir a necessária prova sobre o
dolo e a culpa do autor na medida da reprovabilidade da conduta, que inclui a imputabilidade,
a consciência do potencial da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Entretanto, quando se fala de pessoa jurídica, estes elementos serão considerados por
ricochete, ou seja, de empréstimo da pessoa física para a jurídica, já que foi aquela quem
determinou a ação ou omissão, no interesse ou beneficio desta e que, por isso, ocasionou o
dano ambiental
126
.
Assim, faz-se imprescindível adaptar essas noções à realidade dos entes coletivos,
para se poder trabalhar a ‘imputabilidade’ da pessoa jurídica com o instrumental teórico
sugerido pela Dogmática tradicional
127
. É importante dar um salto à frente, mediante a
interpretação ontológica (será visto no capítulo 3), de forma a compatibilizar estes institutos
de direito penal à nova realidade social e à determinação constitucional.
Ainda sobre o ente moral, determina o art. 4
o
da mesma lei que poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. O respectivo art. 24
indica que caso a pessoa jurídica seja utilizada, preponderantemente, para permitir, facilitar ou
ocultar a prática de crime terá decretada a sua liquidação forçada e, portanto, seu patrimônio
126
Trata-se da teoria da responsabilidade penal por ricochete, de empréstimo, subseqüente ou por procuração,
que é explicada através do mecanismo denominado emprunt de criminalité, feito à pessoa física pela pessoa
jurídica, e que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Noutro dizer: a responsabilidade penal
da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa
física. Desse caráter subseqüente ou de empréstimo resulta importante conseqüência: a infração penal
imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente imputável a uma pessoa física. Isso quer dizer:
a responsabilidade da primeira pressupõe a da segunda. É exatamente essa simbiose entre pessoa física e
jurídica que legitima o empréstimo de criminalidade. A pessoa física personifica a jurídica (órgãos e
representantes), é onipresente, como sua consciência e cérebro. Cf. PRADO, Luiz Regis., Op. cit., p.167.
Entretanto, essa pressuposição somente se confirmará se identificado o interesse e o benefício da pessoa
jurídica. Além disso, estão não pode ser utilizada como instrumento para tal para, posteriormente, se esconder
atrás da pessoa física. Cabe dizer, ainda, que a pessoa física jamais conseguiria realizar dano de tal monta se
agisse sozinha, razão pela qual se confirma que os grandes desastres são ocasionados pelas empresas. A idéia
de se estar vivendo em uma sociedade de risco, bem como de aplicação dos princípios da precaução e
responsabilização, não podem ser desconsiderados.
127
MACHADO, Paulo Affonso Leme., Op. cit., p.661.
64
direcionado para o Fundo Penitenciário Nacional, já que considerado instrumento de crime.
Nesse sentir, na medida em que a empresa dificulta o processo de recomposição do
meio ambiente ou até mesmo é ela utilizada com o fim precípuo de degradação, é possível sim
desconsiderar a pessoa jurídica e liquidá-la de forma forçada. Bem ou mal, estas
determinações são algumas das formas encontradas pelo legislador para solucionar a questão
sobre a irresponsabilidade do ente moral.
Quanto às penas relacionadas aos crimes em espécie, cabe dizer que elas são, na
grande maioria, restritivas de liberdade, podendo dar a entender, em uma primeira análise, que
somente se relacionam às pessoas físicas, já que as jurídicas não as podem cumprir.
Entretanto, não se pode esquecer que a interpretação do texto da legislação se deve dar
sempre de uma forma compartilhada com o próprio sistema constitucional-penal-ambiental,
bem como com os princípios correspondentes. Assim, determina o art. 79 da Lei nº 9.605/98,
a aplicabilidade subsidiária das disposições do Código Processual Penal (CPP) e do Código
Penal (CP) que, por sua vez, em seu art. 12 aduz que as regras gerais aplicam-se aos fatos
incriminados por lei especial
128
.
Nesse sentido, o art. 21 da Lei dos Crimes Ambientais determina que as penas
aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas (...), são: I – multa
(ver art. 18), restritivas de direitos (ver art. 22); prestação de serviços à comunidade (ver art.
23)
129
.
128
O autor SIRVINSKAS, Luiz Paulo., em sua obra Tutela Penal do Meio Ambiente. 3.ed. São Paulo: editora
Saraiva, 2004, p.67/69, fala sobre a necessidade de análise da parte geral juntamente com a especial, para fins
de enquadramento das penalidades determinadas às pessoas jurídicas, a saber: As penas contidas nos tipos
penais da parte especial são as privativas de liberdade. Não constam nos tipos penais as penas aplicáveis às
pessoas jurídicas, mas só aquelas destinadas às pessoas físicas. Assim, como aplicar as penas contidas na
parte geral da lei às pessoas jurídicas? (...) no meu entender, o legislador deveria reservar um capítulo
inteiro aos crimes praticados somente por pessoas jurídicas e suas respectivas penas, pois nem todos os tipos
penais da parte especial são cometidos por pessoa jurídicas. no entanto, nosso legislador resolveu colocar as
penas atribuídas às pessoas jurídicas na parte geral como norma de extensão à parte especial. É de nossa
tradição inserir, após descrição do tipo penal, a pena entre um mínimo e um máximo. A todo tipo penal
incriminador deve corresponder uma sanção. Não existe sanção penal na parte especial para a pessoa
jurídica. O legislador se preocupou apenas com a pena privativa de liberdade da pessoa física. Já em relação
à pessoa jurídica, o operador do direito deverá buscar as penas na parte geral desta lei, no art. 21,
especificamente. Como a lei proveio da mesma fonte legislativa, a pena se aplica da mesma forma,
integrando-se com a parte geral.
129
Os artigos aqui inseridos servem para direcionar os textos normativos de esclarecimento sobre cada uma
dessas penas.
65
Deixa claro que caso um ente moral esteja envolvido em um dos crimes descritos na
parte especial da lei, a pena será aplicada isolada, cumulativa ou alternativamente, ficando a
cargo do juiz sua determinação e quantificação (de acordo com os antecedentes e a conduta
social da pessoa jurídica, bem como os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime),
mas em nada sugerindo que o mesmo se torne legislador.
Dessa forma, refuta-se a hipótese de ausência de previsão legal da responsabilidade
penal das pessoas jurídicas por danos ambientais, haja vista a sua existência na parte geral da
Lei nº 9.605/98. Aplica-se, portanto, para todos os artigos relacionados na parte especial, que
se referem aos crimes em espécie, além das circunstâncias atenuantes e/ou agravantes, a fim
de que o julgador realize a exata dosimetria destas penas.
Caso ocorram dúvidas em relação aos procedimentos a serem utilizados para a
aferição da responsabilidade das pessoas jurídicas, deve-se aplicar subsidiariamente o texto
constante no Código Penal.
Além disso, quanto à duração das penas, os arts. 44 e 55 deste mesmo diploma legal
combinado com o art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9.605/98 determinam que as restritivas de
direito poderão substituir as privativas de liberdade (detenção e reclusão) pela mesma
duração. Estando devidamente previstas na lei, aplicam-se também aos crimes ambientais.
Uma questão relevante diz respeito à diferença do valor da multa penal aplicada às
pessoas jurídicas, em relação à cobrada administrativamente. Quando o art. 18 da Lei dos
Crimes Ambientais direciona o cálculo para o Código Penal, recai-se no seu art. 49, que
determina o depósito deste valor ao Fundo Penitenciário. O cálculo em dias-multa, que será
de no mínimo 10 (dez) e no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, não pode ser inferior à
1/30 do maior salário mínimo vigente, nem superior a 5 (cinco) vezes este salário.
Aos dias de hoje, ou seja, com um salário mínimo de R$ 350,00 (trezentos e
cinqüenta) reais, 1/30 do salário mínimo corresponde a R$ 11,66 (onze reais e sessenta e seis
centavos) e 5 (cinco) vezes este valor é igual a R$ 1.750,00 (um mil setecentos e cinqüenta
reais). Levando-se em consideração que o mínimo de dias-multa é de 10 (dez) e o máximo de
360 (trezentos e sessenta), o valor corresponderia a uma variação entre R$ 116,60 (cento e
dezesseis reais e sessenta centavos) e R$ 61.250,00 (sessenta e um mil duzentos e cinqüenta
66
reais).
Já no âmbito administrativo, este valor varia entre R$ 50,00 (cinqüenta) reais e R$
50.000.000,00 (cinqüenta milhões) de reais, conforme o art. 75 da Lei nº 9.605/98 e
regulamentado pelo Decreto nº 3.179/99. Verifica-se, portanto, uma grande distância entre a
multa penal e administrativa: aquela mais branda (apesar de buscar reprimir a prática de atos
atentadores à natureza, sua qualidade e equilíbrio, já que de viés constitucional-fundamental)
e esta mais penalizadora (muito embora o descumprimento de regras jurídicas de proteção ao
meio ambiente).
Entretanto, ambas possuem crimes e infrações com a mesma tipicidade.Quanto à
tipificação dos crimes, cumpre salientar a utilização da forma de delito de perigo em
detrimento da já conhecida lesão ou resultado material, levando sempre em consideração o
bem protegido e a conduta perigosa, possuindo como a causa justificativa da punição o perigo
inerente à ação.
Verifica-se que a tutela penal resolveu abarcar não somente os danos mas também os
riscos, na medida em que transferiu o momento consumativo do crime da ‘lesão’ para a
‘ameaça’, ou seja, considerando o instante em que o meio ambiente esteja em condição de
possível ou de provável lesão
130
.
Tais fundamentos decorrem da internalização da idéia de risco da atividade, já que se
constata uma imensa dificuldade em provar a existência do nexo causal entre o dano e a
conduta, resultante dos múltiplos agentes poluidores causadores de uma única lesão ao meio
ambiente
131
, motivo pelo qual há a responsabilidade pela ameaça.
No que se refere aos crimes ambientais, considerados muitos deles de menor potencial
ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95 e art. 1º da Lei nº 10.259/01), cabe dizer que sua
qualificação não se dá pela importância do objeto em questão, mas sim pela pena máxima
cominada: não superior a 2 (dois) anos.
130
Conferir MILARÉ, Édis., Op. cit., p.447. Cabe indicar alguns crimes de risco: art. 42 (soltar balões que
possam provocar incêndio); art. 52 (entrar em Unidade de Conservação conduzindo instrumentos de caça); art.
54 (causar poluição em níveis que possam danificar o meio ambiente e causar malefícios à saúde); art. 60
(construir obra potencialmente poluidora, sem licença); art. 61 (disseminar doença que possa causar dano à
saúde), etc., todos constantes na Lei nº 9.605/98.
131
Cf. PRADO, Luiz Regis., Op. cit., p.135.
67
Os crimes com pena máxima não superior a 1 (um) ano estão nos seguintes artigos: 29
(matar, caçar, vender, ter em cativeiro etc., espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota
migratória sem permissão, licença ou autorização); 31 (introduzir espécime animal no país
sem parecer técnico e licença); 32 (abusar, maltratar, ferir, mutilar e realizar experiência
dolorosa em animais silvestres, domésticos ou domesticados); 21 (de forma culposa provocar
incêndio em mata ou floresta); 44 (extrair de florestas públicas e de preservação permanente
areia, cal, minerais); 46 (receber, adquirir, vender, transportar, depositar, para fins comerciais
madeira, lenha, carvão sem licença); 48 (impedir ou dificultar a regeneração natural de
florestas); 49 (destruir, danificar plantas de ornamentação de logradouros); 50 (destruir ou
danificar florestas nativas, vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues); 51 (utilizar
motos-serra em florestas e demais vegetações sem licença ou registro) e 52 (entrar em
unidades de conservação conduzindo instrumentos de caça ou para a exploração de produtos
florestais).
Além disso, não se pode esquecer dos artigos: 54 (de forma culposa causar poluição de
qualquer natureza em níveis que possam resultar danos à saúde humana); 55 (executar
pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem autorização, concessão, licença ou
deixar de recuperar a área pesquisada, nos termos acordados); 56 (de forma culposa, produzir,
processar, usar etc. produto ou substância perigosa ou nociva à saúde humana ou do meio
ambiente, da mesma forma que abandoná-los ou utilizá-los em desacordo com as normas de
segurança); 60 (construir, instalar, fazer funcionar etc. estabelecimento potencialmente
poluidor, sem licença ou contrariando as normas legais); 62 (de forma culposa, destruir ou
deteriorar bens protegidos, museus, bibliotecas etc.); 64 (construir em solo não edificável em
razão de seu valor ecológico sem autorização ou em desacordo ao concedido); 64 (pichar,
grafitar edificação, monumento urbano, coisa tombada etc.); 67 (de forma culposa conceder o
funcionário público licença em desacordo com as normas ambientais) e 68 (de forma culposa,
deixar o funcionário de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental).
Nestes crimes de menor potencial ofensivo, o art. 27 da Lei 9.605/98 remete a análise
para o art. 76 da Lei n° 9.099/95
132
, possibilitando a transação, ou seja, a aplicação
132
O art. 76, da Lei n° 9.099/95, que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais e dá outras
providências, determina que: Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo caso de arquivamento (...). In: Código Penal. Coordenação Maurício Antonio
Ribeiro Lopes. 3.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1998, p.601.
68
imediata de pena restritiva de direitos ou multa, mas desde que tenha havido a prévia
composição do dano ambiental(...), salvo em caso de comprovada impossibilidade (art. 74
deste mesmo diploma legal).
Não aceita a transação e sendo oferecida a denúncia, o art. 28 da Lei n° 9.605/98 ainda
possibilita a suspensão condicional da pena, nos crimes cuja pena mínima cominada for igual
ou inferior a 1(um) ano, conforme o teor do art. 89 também da Lei n° 9.099/95, cuja extinção
da punibilidade também esteja vinculada à reparação do dano ambiental
133
.
Não bastasse isso, ainda determina o art. 16 da Lei nº 9.605/98 que a suspensão
condicional da pena pode ser aplicada nos casos de condenação a pena privativa de
liberdade não superior a 3 (três) anos. Ou seja, além da possibilidade de transação para as
infrações que não tenham a pena cominada superior a dois anos e de suspensão condicional da
pena para os não superiores a um ano, há a mesma suspensão para o caso de condenação à
pena privativa de liberdade não superior a 3 (três) anos.
A respeito, cabe dizer que o legislador esqueceu que se muitos crimes são
considerados de menor potencial ofensivo e aqueles que sobram, na sua quase totalidade,
determinam penas abstratas que não ultrapassam 4 (quatro) anos, autoriza-se que muitos
crimes e infrações tenham sua pretensão punitiva suspensa, dando a idéia de perpetuação da
irresponsabilidade em relação à proteção ambiental.
Sendo a grande maioria das infrações ambientais, de menor potencial ofensivo, os
133
O art. 89, da Lei nº 9.099/95 determina o seguinte: Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou
inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá
propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou
não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão
condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na
presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período
de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição
de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização
do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades. §2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. §3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o
beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do
dano. §4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por
contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. §5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz
declarará extinta a punibilidade. §6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. §7º
Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.
Id.Ibid., p.604.
69
prazos prescricionais são exíguos
134
, de acordo com o art. 109 do Código Penal, que indica
que antes de transitar em julgado a sentença final, tal prazo ocorrerá (em média) entre 2 (dois)
e 4 (quatro) anos e, conforme o art. 110 do mesmo diploma legal, após o trânsito em julgado
da sentença, a prescrição ocorrerá (em média) entre 1 (um) e 2 (dois) anos.
Aliada a estas dificuldades legislativas, sua eficácia e agilidade são ainda pequenas,
podendo-se citar dois motivos: 1) os órgãos ambientais tendem a ‘preferir’ os danos
ambientais de maior monta, muito porque lhes acarretam uma multa mais alta; 2) os processos
que sobem até o Superior Tribunal de Justiça demoram em média de 4 (quatro) a 5 (cinco)
anos para serem julgados, oportunizando a prescrição da pretensão punitiva.
Verifica-se, portanto, que essa grande quantidade de artigos que tipificam os crimes
ambientais como de menor potencial ofensivo contrariam o determinado pela Constituição
Federal de 1988, em seu art. 225, quando indica ser o meio ambiente um direito humano
fundamental a ser protegido e preservado pelo Poder Público e pela sociedade.
134
O art. 109, do CP, determina que: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o
disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime, verificando-se: (Omissis); V – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um)
ano, ou, sendo superior não excede a 2 (dois); VI – em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um)
ano.Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas
de liberdade. E o art. 110, também do CP, indica que: A prescrição depois de transitar em julgado a sentença
condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior (...). Id.Ibid.
p.159.
70
2 A APLICABILIDADE DA QUESTÃO AMBIENTAL: ESTUDO DE
DECISÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS À SUA PROTEÇÃO
No capítulo 1, foram analisados o atual estágio de degradação existente, a
historicidade ambiental, o texto constitucional, os princípios balizadores da proteção do meio
ambiente, as competências legislativas e materiais dos entes federados e do Sistema Nacional
do Meio Ambiente (SISNAMA) e, por fim, o conteúdo constante em 2 (duas) leis
consideradas de grande importância a respeito do assunto, quais sejam, a da Política Nacional
do Meio Ambiente e a dos Crimes Ambientais.
Constatou-se existir todo um aparato legislativo, institucional e de execução material
para a proteção ambiental, mas os diversos exemplos da degradação existente demonstram
que esses elementos são insuficientes e, por si só, não conseguem combater essa ação
devastadora contra o meio ambiente. Identificando-se o importante papel protetivo do Poder
Judiciário, busca-se privilegiar o estudo de algumas decisões exaradas pelos Tribunais, para o
fim de identificar se há a existência de inautenticidades.
Para tanto, a escolha desses acórdãos baseou-se no critério material da fundamentação
existente no seu interior, contrária aos argumentos constitucional-ambientais e de afastamento
da tutela protetiva do equilíbrio ecológico. No que se refere ao critério temporal, buscou-se
colacionar, nas questões constitucionais e civis, os acórdãos posteriores à Constituição
Federal de 1988 e, nas criminais, os posteriores à Lei dos Crimes Ambientais de 1998.
Para tanto, o próximo capítulo será dividido em 3 (três) esferas de análise, a saber: a
constitucional: envolvendo julgamentos sobre as competências dos entes federados e do
argumento da separação de poderes; a civil: no que respeita à responsabilidade ambiental,
tanto das pessoas jurídicas de direito privado quanto das de direito público, o argumento do
71
direito adquirido, a necessidade de comprovação do nexo causal, estudando-se aqui os
julgamentos sobre a reserva legal e as queimadas; e a penal, cujas decisões estão relacionadas
à responsabilidade das pessoas jurídicas por crimes cometidos contra o meio ambiente, aos
princípios da insignificância e da proporcionalidade e, por fim, à prescrição.
Far-se-ão contrapontos aos argumentos fundamentadores dessas decisões, sob o
enfoque dos conceitos, dos princípios, das competências, das normas e da historicidade
ambiental, estudados no capítulo 1.
2.1 Esfera Constitucional
2.1.1 A dúvida sobre a competência dos entes federados
Serão analisadas algumas decisões judiciais que versam sobre as competências
legislativa e material de proteção ambiental dos entes federados e verificar-se-á como a
questão está sendo julgada pelos Tribunais.
1.
Mandado de Segurança. Projeto de edificação. Plano diretor do Município. Área
de preservação permanente. Boletim de ocorrência. Administração pública
municipal. Acórdão com duplo fundamento. Matéria constitucional. Competência
constitucional concorrente para legislar sobre meio ambiente. Falta de
interposição do recurso extraordinário. Verbete sumular nº 126, do STJ. (Omissis).
(Agravo Regimental em Recurso Especial nº 688357/SC, 1ª T., STJ, Rel. Min. Luiz
Fux, j. 06/09/2005)
Trata-se de recurso especial interposto pelo Estado de Santa Catarina, visando
suspender os efeitos de determinação anterior que assegurou a continuidade da execução de
obra de edificação residencial, a aproximadamente 27 (vinte e sete) metros do Rio Araranguá.
Os argumentos constantes na decisão recorrida são os de que a obra realizada está localizada
no centro da cidade, em área residencial, não infringindo, portanto, normas do Plano Diretor
do Município, além de existir um direito líquido e certo de edificar ao longo do rio, mesmo
que em uma distância ínfima.
Em seus fundamentos recursais, alega o Estado que não houve no acórdão recorrido
discussão sobre a competência legislativa do Município. Argumenta que este não poderia
estabelecer, mesmo que no interesse local, normas suplementares diversas das estabelecidas
72
em normas gerais da União, de acordo com o teor do art. 30, incisos I e II
135
e do art. 24,
inciso VI
136
, ambos da Constituição Federal de 1988.
Aduz que o Código Florestal, em seus arts. 2º, letra ‘a’, 3º e 4º, parágrafo único,
determina ser área de preservação permanente aquela ao longo do rio ou qualquer curso de
água cuja largura mínima seja de 100 a 200 metros
137
. Assim, (...) se o Código Florestal de
1965 dispõe que as faixas marginais ao longo dos rios devem ser proporcionais à largura dos
rios, os Municípios devem atender plenamente à norma geral federal, ao editar suas regras
urbanísticas (p.6).
No entanto, a edificação em comento localiza-se a apenas 27 (vinte e sete) metros da
margem do Rio Araranguá, desrespeitando de forma direta a norma geral editada pela União.
A manutenção da decisão anterior, por sua vez, acarreta em um alargamento da competência
dada ao Município, o que somente pode ser dado pela Constituição.
Argumenta ainda que o acórdão recorrido partiu de uma premissa equivocada ao
entender que pelo simples motivo de não mais existirem vestígios de mata nativa, há a
possibilidade de edificação, não importando se em área de preservação ou não. Ocorre que o
135
Art. 30, da CF/88: Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a
legislação federal e a estadual no que couber.
136
Art. 24, da CF/88: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(Omissis); VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição.
137
O art. 2
o
, da Lei n
o
4.771/65, que institui o novo Código Florestal, determina que: Consideram-se de
preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural
situadas:a) ao longo dos rios de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja
largura mínima seja: (Omissis); 3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta)
a 200 (duzentos) metros de largura; 4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200
(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura”.(Omissis). Parágrafo único: “No caso de áreas urbanas,
assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este
artigo. Já o art. 3º diz o seguinte: Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim
declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a) a
atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e
ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios
de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados
de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de
bem-estar público. Por fim, o art. 4º indica que: A supressão de vegetação em área de preservação
permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente
caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e
locacional ao empreendimento proposto. In: MEDAUAR, Odete (org). Coletânea de legislação de direito
ambiental. 3.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2004, p.508/509.
73
art. 4° da Lei nº 9.985/2000
138
indica que mesmo estando a mata nativa destruída pela ação do
homem, em sendo área legalmente preservada, mais especificadamente, faixas marginais ao
longo dos rios, deve-se possibilitar a sua regeneração natural (p.6), já que também a vida e
qualidade da água do rio ficam em perigo enquanto não restabelecida a sua vegetação
ribeirinha.
No interior do acórdão, em votos proferidos pelos Ministros do STJ, assim ficou
decidido que como o Estado de Santa Catarina não interpôs recurso extraordinário dirigido
ao Supremo Tribunal Federal, para impugnar matéria constitucional (...), há inafastável
incidência do verbete sumular nº 126, do STJ
139
(...) (p.7). Verifica-se aqui, que foram
levantados argumentos de cunho formal-processual que impediram a discussão sobre a
competência dos entes federados, matéria esta de tão relevante interesse e, assim decidiram a
lide
140
.
Entretanto, com essa decisão, o meio ambiente acabou por ser degradado, o direito
fundamental a este bem foi violado e o tema da competência legislativa não foi enfrentado.
Ocorre que este entendimento procedimental-processual não pode se tornar óbice à realização
138
O art. 4
o
, da Lei nº 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal,
institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, diz o seguinte:
O SNUC tem os seguintes objetivos: (Omissis); III – contribuir para a preservação e a restauração da
diversidade de ecossistemas naturais. Id.Ibid., p.847.
139
Súmula 126, do STJ: É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos
constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não
manifesta recurso extraordinário. Disponível em:< http://www.stj.gov.br
>
140
Uma crítica à postura dos intérpretes que ainda analisam as ações judiciais como se todas fossem de cunho
individual, mesmo sendo elas de natureza difusa e coletiva, é feita por CARVALHO, Delton Winter de. A
proteção jurisdicional do meio ambiente – uma relação jurídica comunitária./ In: BENJAMIN, Antonio
Herman e MILARÉ, Édis (org). Revista de Direito Ambiental nº 24, ano6, out-dez/01. São Paulo: editora
Revista dos Tribunais, 2001, p. 195, quando aduz que há uma: eminente incapacidade dos juristas
contemporâneos em conceberem uma relação jurídica superadora do paradigma individualista (...) – o qual
tem por ‘essência’ o conflito de interesses o que dificulta a conformação de uma relação (juridicamente)
comunitária, cooperativa e de solidariedade. Neste mesmo sentido está OLIVEIRA NETO, Francisco José
Rodrigues de. O poder judiciário na concretização do estado democrático de direito após 1988./ In: SCAFF,
Fernando Facury (org). Constitucionalizando Direitos – 15 anos da Constitucionalização Brasileira de 1988.
Rio de Janeiro: editora Renovar, 2003, p. 72, quando diz que os juízes Quando chamados a fazer valer tais
normas, não se fizeram e não se fazem presentes, especialmente no que diz respeito aos direitos e garantias
fundamentais, esquecendo-se que a compreensão atual determina que todos, sem qualquer exceção, estão
vinculados às normas constitucionais. Esta visão individualista faz com que se busque uma solução que
inevitavelmente irá pender na satisfação dos interesses de um dos litigantes em detrimento do outro.
Entretanto, quando se fala em defesa do equilíbrio ecológico, em aplicabilidade de princípios constitucionais
como os da prevenção e da precaução, bem como de tutela do direito fundamental ao meio ambiente, para a
geração presente e a vindoura, está-se falando em conceitos que giram em torno de solidariedade, da
fraternidade, razão pela qual a visão processual que os juristas possuem deve transformar-se. A busca deve ser
pela efetivação substancial do conteúdo constitucional, interpretado ao caso em concreto, deixando para um
segundo plano esta idéia de viria e derrota entre as partes.
74
do direito material (no caso, de proteção ambiental), mas instrumento de sua efetivação. O
esclarecimento dos textos dos arts. 30 e 24, que determinam essa competência constitucional,
em conformidade com o art. 225, todos da Carta de 1988, é condição de possibilidade para o
Poder Público agir dentro de sua esfera.
Não permitir essa busca de compreensão sobre a questão é obstaculizar o direito que
todos têm a este bem fundamental (ao meio ambiente ecologicamente equilibrado).
Entretanto, apesar destes argumentos, embasados no próprio texto da Constituição, a decisão
anterior que autorizou a continuidade desta construção restou-se mantida.
Além disso, o sistema protetivo ambiental não foi respeitado, já que, conforme visto
no capítulo 1 da presente dissertação, o Município tem sim competência legislativa
suplementar, mas de forma a não abolir as determinações constantes em normas gerais
editadas pela União, que permite construções, nestas circunstâncias, a no mínimo, 100 (cem)
metros.
E mais, não podendo formular exigências mais brandas que as insculpidas, pode
apenas adicionar as de cunho mais restritivo, atendendo aos seus interesses locais e aplicando
de forma direta os princípios da prevenção e da precaução. Tudo isso com o objetivo de
consolidar o federalismo cooperativo em matéria de meio ambiente
141
.
Quanto ao argumento de que a mata marginal já está desmatada e que por isso não
haveria agressão à natureza, ele vai de encontro ao que determina a Constituição Federal, de
que o Poder Público deve proteger o equilíbrio ecológico (e aqui, o órgão ambiental
licenciador e fiscalizador não realizou esse dever). Isso porque, caso não se possa mais
preservar aquilo que não mais existe, medidas de proteção devem ser tomadas no sentido de
impedir uma maior degradação do que aquela já ocorrida.
141
Sobre a constatação da não implementação do princípio da cooperação, cabe saber: (...) a prática tem
demonstrado que os três níveis da administração pública não agem coordenadamente. Muito ao contrário, é
rotineira a tomada de medidas contraditórias e até mesmo antagônicas entre eles. Isto faz com que reine,
entre empreendedores e a população em geral, a mais complexa perplexidade. É urgente que seja elaborada a
Lei Complementar federal sobre normas gerais e que os entes federativos descubram suas vocações
específicas para que a proteção ao meio ambiente possa se fazer de forma harmônica e integrada, como é o
espírito da Política Nacional do Meio Ambiente que, lamentavelmente, ainda não vingou. Cf. ANTUNES,
Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.90. Esta cooperação ajudaria
em muito na harmonização das ações dos entes federados, dirimindo controvérsias e, por conseqüência,
colaborando no cumprimento do preceito constitucional do dever de proteger e preservar o meio ambiente.
75
Como a decisão permite a continuidade da construção, não contribuindo na
regeneração da mata nativa, além da possível erosão
142
pela inexistência de gramíneas ou de
mata ciliar (sustentadoras do solo), pode o rio, por conseqüência, secar ou ainda alterar o seu
curso, destruindo todo um habitat formado. Por isso, o dever de incentivar a restauração
daquilo que foi danificado, deve ser o papel a ser desempenhado pelos órgãos administrativo-
ambientais responsáveis.
2.
Mandado de segurança. Ação civil pública. Instalação de estações rádio base
(ERB’s) para telefonia celular. Possibilidade. Potencialidade lesiva das estações
rádio base (ERB’s). Resultado científico não conclusivo. Competência legislativa.
Consoante o disposto nos artigos 23, inciso VI e 225, § 1º, incisos IV e V, da
Constituição Federal, os municípios têm o dever de proteger o meio ambiente,
garantindo a sadia qualidade de vida de seus administrados.
2. Não comprovada cientificamente a potencialidade lesiva das estações rádio base
(ERB’s) não há como o estado se adiantar na defesa da coletividade porque
temerária a pretensão.
3. Não há necessidade da elaboração de estudo de impacto ambiental (rima) para
a instalação das estações rádio base (ERB’s).
4. Lei municipal que venha estabelecer restrições para a localização das torres de
telefonia móvel celular, ou mesmo regras de responsabilidade civil, com obviedade
envereda por áreas em que sua competência legislativa é extremamente duvidosa,
apesar de seu 'interesse local'.
5. Mandado de segurança concedido. Maioria
6. Agravo regimental prejudicado. Unânime.
(Mandado de Segurança nº 170853-4 e Agravo Regimental nº 170853-4/01, 4ª Vara
Cível, TJPR, j. 20/09/2005, Rel. Juíza Roseane Arão de Cristo Pereira)
143
.
A empresa Global Telecom S/A. ataca deferimento de pedido inicial em Ação Civil
Pública Ambiental proposta pelo Ministério Público do Paraná. O Estado, embasando-se em
legislação Municipal existente, determinou critérios técnicos para a prestação de serviços de
telefonia móvel celular e passou a exigir o Licenciamento Ambiental das Estações Rádio Base
(ERB’s). O argumento da empresa, por sua vez, reside na afronta ao princípio da tripartição
dos poderes e na desconsideração da distribuição constitucional de competências.
142
O solo, além da poluição, também sofre outra forma de degradação: a erosão, que lhe causa destruição e
deterioração. Ela consiste na remoção ou transporte de elementos constituintes do solo para as planícies,
para os vales, para o leito dos rios e até para o mar, em conseqüência da ação de agentes externos. Contribui,
como se vê, também para gerar problema na água. O agente externo da erosão pode ser (...) o próprio homem
(...). Ver SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4.ed. São Paulo: Malheiros editores,
2003, p.32.
143
Outras decisões, sobre o mesmo assunto e neste mesmo sentido: Apelação Cível em Reexame Necessário nº
115435-8, 4ª Câm. Cív., TJPR, Rel. Des. Sydney Zappa, DJU 20/05/2002, p.194-201; Agravo de Instrumento
nº 119561-9, TJPR - 1ª Câm. Cív., TJPR, Rel. Des. Ulysses Lopes, DJU 19/08/2002, p.78-84; Apelação Cível
nº 122607-5, 2ª Câm. Cív., TJPR, Rel. Des. Hirosê Zeni, DJU 25/11/2002, p.74/80.
76
Entendeu-se que compete à União, por intermédio da Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL), organizar a exploração destes serviços, modificar a destinação
de radiofreqüência ou faixas, bem como alterar potências ou outras características técnicas.
Nesse sentido, qualquer Lei Municipal que venha a estabelecer restrições para a localização
das torres de telefonia móvel celular ou mesmo regras de responsabilidade civil envereda por
áreas em que sua competência legislativa é extremamente duvidosa.
No que se refere à exigência de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA), consta que os efeitos adversos sobre a saúde humana e o meio ambiente,
possivelmente provocados pela exposição à radiação eletromagnética produzida pelas
Estações Rádio Base, vêm sendo largamente estudados, porém não existem resultados
conclusivos que possam ser utilizados para tranqüilizar definitivamente a população.
Dessa forma (e parece contraditória esta conclusão), não há necessidade de elaboração
de EIA/RIMA, pois as Resoluções nºs 01/86 e 237/97, ambas do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), não regulam a atividade de telefonia móvel celular e nem mesmo a
consideram potencialmente causadora de degradação ambiental. Diante de todos estes
fundamentos, o Mandado de Segurança impetrado pela empresa foi concedido.
A respeito desta decisão, cabe dizer que houve uma confusão sobre o objeto da
questão e sobre a competência legislativa e material do Município. Ocorre que o debate não
versa sobre telecomunicações (muito embora a atividade seja afetada por essa determinação),
mas sim sobre proteção do meio ambiente e da saúde humana, razão pela qual este equívoco
tenha sido fator determinante para que essa decisão fosse em favor dos argumentos da
empresa e, conseqüentemente, em desfavor aos de proteção da natureza.
Deveriam ter sido abertas maiores oportunidades de discussão sobre o assunto,
primeiro para melhor esclarecer a questão; segundo, para que a determinação constitucional
fosse implementada. A ausência de debate acarreta a não efetivação do teor da Constituição e,
enquanto não for compreendido este sistema de competências, continuar-se-á a reproduzir
todos esses problemas. Quem sofre os prejuízos é a população que não se vê protegida nem
em relação a sua saúde, nem ao seu direito ao meio ambiente.
77
Para fins de esclarecimento e dirimir dúvidas, conforme art. 30, incisos I e II da
Constituição Federal de 1988 (vide nota nº 135), compete aos Municípios, dotados de
autonomia, legislar sobre assuntos de interesse local
144
, bem como suplementar as regras
gerais sobre proteção ambiental no que couber (em conformidade com as especificidades
inerentes a sua localidade). É uma forma de participação concreta deste ente na construção de
um entendimento mais harmônico sobre o assunto das competências. Entretanto, deve seguir
as regras gerais.
Por outro lado, cumpre salientar que não está o Município a legislar sobre
telecomunicações, mas sim sobre proteção do meio ambiente e da saúde humana, aplicando
diretamente o princípio da precaução. Este determina que diante da incerteza científica sobre
os potenciais malefícios causados por uma determinada atividade, devem ser tomadas
medidas preventivas.
Assim, o fundamento da incerteza científica sobre esses prejuízos não pode ser motivo
para que medidas preventivas não sejam tomadas, mas exatamente o contrário, por isso a
necessidade do Licenciamento Ambiental e da apresentação do respectivo Estudo e Relatório
de Impacto Ambiental
145
. Já que estes instrumentos colaboram na identificação dos danos e
no monitoramento dos riscos, possivelmente advindos desta atividade, tornam-se formas de
melhor compreendê-la e, assim, prevenir eventuais danos dela advindos.
Percebe-se, também, que o princípio do desenvolvimento sustentável foi
desconsiderado. Isso porque, na medida em que a decisão expressou que o licenciamento
ambiental e a apresentação do EIA/RIMA não são necessários, demonstrou uma fragilidade
144
A respeito do interesse local, cabe dizer que: (...) os Municípios podem (e devem) legislar nesta área em
regime de autonomia compartilhada, à luz do princípio da subsidiariedade. A adequação da legislação às
especificidades dos problemas sentidos no nível local poderá se transformar num dos fatores capazes de
impulsionar decisivamente a participação (autêntica) das comunidades na dinâmica de sistemas alternativos
de gestão do patrimônio natural e cultural. Cf. VIEIRA, Paulo Freire., em apresentação do livro de LEITE,
José Rubens Morato e AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2.ed. Rio de
Janeiro: editora Forense Universitária, 2004, p.XXIV.
145
Quem esclarece a competência dos Municípios para exigir o EIA/RIMA, visto que trata diretamente de
proteção ambiental é SILVA, José Afonso da., Direito Ambiental Constitucional, Op. cit., p.291: E aqui
também, como em toda matéria ambiental, tem a competência comum para tomar as providências necessárias
à defesa do meio ambiente, previstas no art. 23, VI e VII, e a competência federal para estabelecer norma
gerais na matéria, e a dos Estados e Municípios para suplementá-las. E no que tange ao Estudo de Impacto
Ambiental sobra muito espaço para a atuação estadual e municipal, bastando lembrar que Estados e
Municípios tem ampla competência para a ordenação dos respectivos territórios – competência que envolve
proteção ambiental, de sorte a postular, com freqüência, Estudos de Impacto Ambiental.
78
no entendimento de que este procedimento, além de ser fator protetivo do meio ambiente e de
desenvolvimento econômico, é, também, um fator de tutela social, já que analisa melhor o
local da instalação das antenas, impedindo que elas sejam alocadas impropriamente, como por
exemplo, em distâncias inferiores às estabelecidas em lei referente à creches e escolas, bem
como hospitais.
Consegue melhor estruturá-las, colaborando na manutenção das belezas locais,
urbanas, culturais, bem como de segurança à saúde. É preciso lembrar que se vive em uma
sociedade de risco e, por este motivo, os princípios da precaução e do desenvolvimento
sustentável exprimem o enfoque de prudência, cautela e vigilância, dado pela Constituição
Federal
146
.
Havendo uma alteração de paradigma, da certeza para a probabilidade, nada mais
correto do que exigir um estudo especializado para identificar o risco existente, bem como as
formas de preveni-lo. Cabe dizer, por isso, que a aplicação dos princípios constitucionais aos
casos judiciais é uma forma muito importante de implementar os direitos fundamentais e, no
caso, do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por conseqüência, de legitimar a Carta
Constitucional
147
.
O fato de não constar a atividade de transmissão móvel de telefonia celular no Anexo I
146
De fato, se a orientação que deve prevalecer é a da prudência e da vigilância no tocante às atividades
degradadoras (...) parece evidente que cada vez mais a postura de juízes e tribunais deve ser no sentido de
conceder – inclusive liminarmente – a tutela preventiva de urgência para impedir o início de um fato danoso
ou para fazer cessá-lo, se já se tiver iniciado. Ver MIRRA, Álvaro Luiz Valerry. Direito ambiental: O
princípio da precaução e sua aplicação judicial./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord).
Revista de Direito Ambiental n° 21, ano6, jan-mar/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.99.
Esta idéia de prudência, de cautela e de vigilância está bem embasada pelos princípios constitucionais que
regem o assunto, como o desenvolvimento sustentável, a prevenção e a precaução, já que fundamentam as
ações públicas e privadas, no sentido de agir antes do dano e de forma e preveni-lo. Neste sentido está,
também, a existência de normas que indicam a responsabilidade do(s) agente(s) pelo simples fato de colocar
em risco a qualidade ambiental e a saúde da população. Por tudo isso, a compreensão do sistema
constitucional-ambiental é fundamental.
147
A compreensão da questão ambiental em um Estado Democrático de Direito e sob uma Constituição Dirigente
deve englobar todos os seus elementos: jurídicos, biológico, físico-químicos, etc, a fim de construir seu
significado para o caso em concreto analisado, sendo também uma forma de legitimação do sistema
constitucional. Neste mesmo sentido estão os seguintes entendimentos: A programática, os princípios, as
diretivas constitucionais outra coisa não são que propostas de legitimação material da magna carta de um
país. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador - Contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra editora limitada, 1994,
p.23. Da mesma forma está LEITE, Jose Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo., Op. cit., p.7: Uma
correta compreensão dos conflitos ambientais exige a correta compreensão do conteúdo dos princípios e dos
limites de sua função de ordenação do sistema de proteção do ambiente.
79
da Resolução do CONAMA não impede que se exija o respectivo licenciamento e os
competentes estudo e relatório. Isso porque a lista dos empreendimentos ali constantes não é
considerada taxativa e, por isso, oportuniza a inclusão de novos.
Do contrário, seria negar o constante desenvolvimento tecnológico existente, em que
se encontram novas técnicas e novas formas de produção. Exemplo que bem se encaixa nesta
mesma situação é o plantio dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM’s), que
também não se encontram nesta lista, mas seus produtores devem apresentar estes respectivos
instrumentos, conforme exigência de diversos Estados
148
.
Houve a aplicação da técnica de interpretação subsuntiva, já que o fato de não existir
na Resolução do CONAMA a citação da atividade de telefonia móvel celular, conclui-se não
ser necessária a apresentação de EIA/RIMA. É importante, entretanto, uma compreensão
dessas questões, em conjunto com todo o sistema constitucional de proteção ambiental, a
contar de seus princípios, que darão a linha da não taxatividade deste Anexo I.
Por fim, a argumentação de que o Poder Judiciário não pode adentrar em questões
relacionadas aos atos do Poder Executivo, sob pena de violação ao princípio da tripartição de
poderes, pode ser refutada, pelo fato de a competência legislativa e material do Município
estar bem determinada pela Carta Magna (a fim de proteger os ecossistemas e garantir à
sociedade, entendida aqui em seu sentido difuso, um meio ambiente ecologicamente
equilibrado), mas não implementada.
Além disso, qualquer ameaça ou lesão a direito deve sim passar pelo crivo deste poder
e, no caso em comento, há a ameaça a este direito fundamental, fazendo-se imprescindível a
sua atuação.
3.
Recurso Especial. Ação Civil Pública. Dano ao meio ambiente. Legitimidade ativa
do Ministério Público. (Omissis). Acórdão que ao analisar a existência do dano
ambiental baseou-se nos fatos constantes dos autos. Aplicação da Súmula 07/STJ.
148
Muito embora a Comissão Técnica de Biossegurança – CTNBIO, já os tenha dispensado. Constata-se aí,
também, a não aplicação dos princípios da precaução, já que ainda não há certeza científica sobre seus danos.
O licenciamento ambiental e o estudo de impacto ambiental são fatores importantes para se identificar os
problemas na atividade. Não os realizando, a sociedade fica propensa a sofrer prejuízos.
80
1. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública para
discutir a regularização de loteamento relacionada ao desenvolvimento urbano,
pois neste caso trata-se de interesses difusos e coletivos não referentes a pessoas
determinadas e sobre bens não disponíveis.
(Omissis).
4 A apontada vulneração aos artigos 6º, da LICC e 1º, dessa mesma lei c/c o 54, da
Lei 6766/79, não pode ser analisada em face de quem o ‘decisum’ atacado, ao
considerar o Município de Cajamar área de proteção ambiental, fê-lo fundado nos
fatos constantes dos autos. Aplica-se o teor do verbete sumular 07/STJ.
5.Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido.
Recurso Especial. Ação Civil Pública. Dano ao meio ambiente. Município.
Ilegitimidade passiva. Ausência de vulneração dos arts. 40, da Lei 6766/79, 159,
CC, 3º, IV e 14 §1º, Lei 6938/81. Recurso não conhecido.
1. (Omissis).
2. In casu, o acórdão recorrido excluiu o Município do pólo passivo ao fundamento
de que o art. 40, da Lei 6766/79 estipula mera faculdade e não dever de
regularizar o loteamento. O Ministério Público afirma que acima deste dispositivo
encontra-se o comando do art. 30, VIII, CF. Como se percebe, o Ministério Público
recorrente sustenta a integração do Município à lide, com base em comando
constitucional, o que inviabiliza o conhecimento do presente recurso especial.
3. Recurso especial não conhecido.
(Recurso Especial nº 436.166/SP, 1ª T., STJ, Min. José Delgado, j. 26/11/2002)
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público, visando modificar
decisão anterior, no sentido de reintegrar o Município de Cajamar no pólo passivo da Ação
Civil Pública proposta. Diante da omissão do ente federado na fiscalização e implantação de
loteamento (irregular, sem autorização ou registro, sem obras de infra-estrutura, projeto de
loteamento, etc.), ocorreram diversos danos ambientais, razão pela qual há o pedido para ser
declarada a sua co-responsabilidade.
Em decisão proferida, entendeu-se que a reintegração do Município no pólo ativo da
ação remete à análise do art. 30, VIII da Carta de 1988, que estabelece competir a ele
promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Entretanto, esta análise normativa não é possível em sede de recurso especial e, sim,
somente de recurso extraordinário, haja vista tratar-se de questão constitucional. Ocorre que
tal discussão não mais será viável, pois a Corte não admitiu este remédio extraordinário, sob o
argumento de que pré-requisitos formais não foram preenchidos.
Ainda fundamentando o posicionamento e adentrando na análise de legislação
infraconstitucional, aduz que o Município, conforme o art. 40 da Lei 6.766/79 (anterior à
Carta de 1988) possui ’mera faculdade não dever, ficando ao critério da administração
81
(oportunidade e conveniência)’ regularizar o loteamento. Indeferiu o pedido de realocação do
ente federado no pólo passivo da respectiva ação, sob o argumento de que não pode ser-lhe
imputada a responsabilidade civil pelos danos causados e, por conseqüência, a respectiva
indenização.
Por fim, fundamenta que os arts. 186 do Código Cível Brasileiro
149
e 14, §1º da Lei
6.938/81
150
não foram devidamente prequestionados e que o art. 3º, IV
151
deste mesmo
diploma legal, além de não ter sido prequestionado, necessita de uma análise probatória. No
entanto, tal ato é inviável em sede de recurso especial, diante da expressa aplicação da Súmula
7/STJ (a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial).
Ora, a manutenção do afastamento do Município de Cajamar do pólo passivo da ação
é uma negação da sua co-responsabilidade pelos danos ambientais ocasionados pela sua
omissão, tanto na fiscalização quanto na regularização do respectivo loteamento.
Os arts. 225, §3º
152
e 37, §6º
153
, ambos da Constituição, bem como o art. 14, §1º da
Lei 6.938/81 (vide nota nº 150), determina a obrigação indenizatória (sanção civil) a todos
aqueles que, pessoas físicas e/ou jurídicas (e neste caso as pessoas jurídicas de direito público
interno como o Município)
154
, tenham contribuído para a ocorrência de degradação da
natureza.
Conforme os textos dos artigos acima indicados, combinado com os respectivos
incisos I, VIII e IX, do art. 30, é de competência do Município proteger o meio ambiente e o
149
Art. 186, do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Cf. Código Civil Comentado e
legislação extravagante, Op. cit., p.266.
150
Art. 14, § 1
o
, da Lei nº 6.938/81: é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. In:
MEDAUAR, Odete (org), Op. cit., p.710.
151
Art. 3
o
, da Lei nº 6.938/81: Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (Omissis); IV – poluidor, a
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental. Id.Ibid., p.706.
152
Art. 225, da CF/88: (Omissis); §3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.
153
Art. 37, da CF/88: (Omissis); §6
o
. As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
154
Art. 41, do Código Civil: São pessoas jurídicas de direito público interno:I – a União; II – os Estados, o
Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; (...). Cf. PINTO, Antonio Luiz de Toledo., WINDT,
Márcia Cristina dos Santos. E Céspedes, Lívia (colab.). Código Civil. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
82
patrimônio histórico-cultural, adequando suas ações de forma a visualizar as peculiaridades
locais, bem como promover o ordenamento territorial, o controle do uso, parcelamento e
ocupação de solo.
Desta forma, se o Município não age, está sendo omisso, violando o direito
fundamental ao equilíbrio ecológico e o seu dever constitucional de protegê-lo e preservá-lo
para a presente e futuras gerações.
Entretanto, o recurso extraordinário interposto não foi admitido e, por conseqüência,
não foi oportunizada a discussão sobre esse relevante assunto, que é o da competência
constitucional material do Município, deixando de contribuir no seu esclarecimento,
construção, implementação e legitimação do conteúdo constitucional.
Nesta linha, ficou possibilitada a continuidade da irresponsabilidade deste ente
federado que, direta ou indiretamente, contribuiu no cometimento do dano ambiental em
comento, dando azo para a perpetuação de mais decisões neste mesmo sentido.
Analisou-se a Lei nº 6.766/79, anterior à Carta de 1988, sem adequá-la aos princípios
constitucionais, normas e ações protetivas ambientais, aplicando a literalidade da lei, em uma
nítida subsunção do fato à norma. Ocorre que se torna imprescindível que essa legislação
infraconstitucional (e todas as outras) seja(m) envolvida(s) pelo conteúdo material da
Constituição para o fim de possuir(em) validade e sujeitar(em) o operador do Direito ao seu
conteúdo.
Por conseqüência, se esta norma não for considerada válida no sistema (conclusão que
pode ser obtida por meio de uma interpretação conforme a Constituição), o julgador, além de
não estar adstrito a ela, deve declará-la inconstitucional
155
, pois atentadora à tutela da
natureza.
155
Para STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004, p.251, essa interpretação conforme a Constituição é uma forma de garantismo, no sentido de reforçar
uma responsabilidade mais ética do operador do Direito. Apesar de entender não ser este garantismo a cura de
todos os males de um Estado Social que não existiu, não se pode dispensar uma contribuição dessas para o fim
de uma melhor operacionalidade do Direito. No caso, seria o entendimento de que a Constituição é um
paradigma hermenêutico de definição dos textos, em uma verdadeira filtragem constitucional (validade como
questão de primeira ordem e vigência como de segunda).
83
Entendendo ter o Município, apenas, a faculdade de regularizar o loteamento, podendo
escolher a oportunidade e a conveniência de agir, dá-se permissão para que o mesmo não aja
de forma imediata, abrindo-se espaço para irregularidades que podem conduzir, e no caso
conduziram, diretamente, ao dano ambiental.
Não decidindo que a Administração Pública possui um dever-ser vinculador na
proteção ambiental
156
, colabora o Poder Judiciário, mais uma vez, no não esclarecimento de
questões como a ação, o dever, a competência, o estudo do conceito de poluidor, a
responsabilidade, o dever de indenização (seja pela degradação ambiental, seja pela sua
extensão), nem mesmo a compatibilização das especificidades do caso em concreto, em face
do texto constitucional de proteção ambiental.
2.1.2 O argumento da separação dos poderes
Conforme visto anteriormente (caso 3, tópico 2.1.1, p.78/82 da subseção anterior),
verificou-se que o entendimento firmado foi no sentido de que o poder discricionário dado ao
ente federado oportuniza a faculdade de escolha do melhor momento de agir. Em razão disso,
não há a possibilidade de o Poder Judiciário exigir dele o cumprimento de suas
determinações, sob pena de violação ao princípio da separação entre os poderes. Nesta mesma
linha, cabe citar outra decisão, a saber:
4.
Administrativa. Processo Civil. Ação Civil Pública.
1. O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para
proteger interesses coletivos.
2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que
obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo
modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao
parcelamento do solo urbano.
3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos
físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O judiciário
não pode, sob o argumento de que está protegendo diretos coletivos, ordenar que
tais realizações sejam consumadas.
156
Sobre a necessidade de um entendimento vinculador do dever de agir da Administração Pública, no que se
refere, principalmente, à proteção dos bens ambientais, cabe citar MILARÉ, Édis e BENJAMIN, Antônio
Herman. Estudo prévio de Impacto Ambiental São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 61: Se é
certo que a maior parte das competências conferidas ao administrador tem ‘um caráter discricionário’, a
tendência, no direito ambiental, é no sentido de restringir gradativamente a margem de liberdade de quem
decide ou, pelo menos, de ‘contaminá-la com os valores ambientais. E este entendimento deveria pautar a
interpretação dos operadores do Direito, haja vista que se este dever não for vinculado, estar-se-á
oportunizando a omissão e, por conseqüência, a degradação do meio ambiente, de afetação de toda a
humanidade.
84
4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de
quebrar a harmonia e independência dos Poderes.
5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a
perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da
legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em
algumas situações, o controle do mérito.
6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração depende de
dotações orçamentárias prévias do programa de prioridades estabelecidos pelo
governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve
edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente.
7. Recurso provido.
8. (Recurso Especial nº 169876/SP, 1ª T., STJ, Rel. Min. José Delgado, j.
16/06/98)
157
Trata-se de recurso especial interposto pelo Município de São Paulo, visando
modificar acórdão que determinou a sua condenação a, no prazo máximo de dois anos,
cumprir obrigações de fazer, como regularizar o loteamento (parcelamento, edificações, uso e
ocupação do solo, etc) e indenizar as vítimas pelos danos ambientais e urbanísticos sofridos
por elas, advindos dessa omissão.
O recurso foi provido, argumentando o relator que o Poder Judiciário, ao obrigar um
ente federado a fazer algo por ele determinado, estaria a ofender o princípio da separação dos
poderes. Sendo o mérito do ato administrativo discricionário (p.10), a oportunidade e a
conveniência de agir tornam-se incensuráveis em via jurisdicional.
157
Decisão referida no livro de LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo, Op. cit., p.259. Neste
mesmo sentido estão as seguintes decisões: É pacifico que ao Poder Judiciário cabe o controle da legalidade
do agir administrativo, mas não de sua conveniência ou oportunidade. A perquirição sobre a legalidade
abrange a própria legitimidade dos atos, no sentido da capacidade e competência para exercê-los.(Embargos
Infringentes n° 217.788-1, 5
a
Câm. Cív., TJSP, Rel Des. Marcus Andrade, j. 05/10/1995); Agravo de
Instrumento n° 205.328-1, 5
a
Câm. Cív., TJSP, Rel Des. Marcus Andrade, j. 12/05/1994; Apelação Cível n°
166.981-1, 5
a
Câm. Cív., TJSP, Rel Des. Marco César, j. 07/05/1992; Apelação Cível n° 252.460-1, 5
a
Câmara
de Direito Público, TJSP, Rel. Des. Cuba dos Santos, j. 22/08/1996. Ação Civil Pública – Esgoto doméstico
Ação visando o tratamento prévio de detritos lançados nas águas de rios – Ato administrativo que necessita
de exame de conveniência e oportunidade pelo Poder Executivo – Impossibilidade de invasão de tal esfera
pelo Poder Judiciário – Recurso provido (Apelação Cível n° 179.965-1, 3
a
Câm. Cív., TJSP, Rel. Des. Mattos
Faria, j. 15.12.1992); Ação Civil Pública ambiental promovida pelo Ministério Público objetivando obrigação
de não lançar esgoto in natura em águas fluviais que cortam o Município induz, necessariamente, à
edificação de obras públicas e estas, além de circunscreverem-se à competência do Poder Executivo local,
quanto a sua exigüidade, dependem de autorização legislativa para a edição de normas programáticas e
orçamentárias, além de terem de subsumir-se às normas licitatórias. Indevida ingerência jurisdicional quando
dispõe que o Poder Executivo local deva não mais lançar os dejetos do esgoto in natura em águas fluviais.
Precedente anterior, envolvendo as mesmas partes, com pedido de fazer as obras públicas, julgado extinto,
sem apreciação do mérito, ante a impossibilidade jurídica do pedido. Fazer e não fazer constituem-se em
verso e reverso da mesma realidade jurídica. Recursos providos. Sentença reformada, com julgamento de
extinção do feito, sem apreciação do mérito.(Apelação Civil n° 231.318-1, 8
a
Câm. Cív., TJSP, Rel. Des.
Massami Uyeda, j. 11/10/1995 – MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões
estatais lesivas ao meio ambiente./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord). Revista de
Direito Ambiental n°15, ano4 jul-set/99. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1999, p.72/73).
85
Além disso, apesar de estar vinculada à forma legal do ato, a Administração Pública
tem liberdade de escolha quanto à conveniência, oportunidade e conteúdo de sua ação, não
podendo o Judiciário substituí-lo (p.9). Cabe a este, somente, exercer o controle sobre a
forma, a finalidade, o motivo e o objeto do ato administrativo e nunca sobre a sua execução,
sob pena de desrespeitar a autonomia do Executivo.
O objeto do ato administrativo do caso analisado, além de versar sobre a regularização
de loteamento (prevista constitucionalmente), envolve principalmente as conseqüências
ambientais de uma omissão administrativa. Ocorre que além de a proteção e a preservação do
meio ambiente tornarem-se objetivos constitucionais a serem alcançados, devem ser
entendidas como normas vinculadoras, já que dizem respeito a um bem fundamental
diretamente relacionado à continuidade de vida na terra.
Assim, não se pode permitir que o Poder Público decida sobre a oportunidade e a
conveniência de agir
158
ou quando é ou não é a melhor ocasião de cumprir o preceito
constante no art. 225 da Carta Magna.
A partir disso, na medida em que não há o cumprimento da parte cabível ao ente
respectivo, no caso, o Executivo Municipal, tem o Poder Judiciário o dever de fazer efetivar o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. É seu dever afastar
qualquer ameaça ou lesão a direito, razão pela qual foram disponibilizados instrumentos
jurídicos capazes de fazer valer seus direitos fundamentais, como é o caso da Ação Civil
Pública em apreço.
O entendimento sobre esta a regularização do uso do solo ser uma faculdade não pode
mais subsistir, já que é um dever de ação em prol dos ecossistemas. Constatada a omissão do
ente federado competente e o respectivo dano, deve, portanto, haver a correlata
158
A respeito desta impossibilidade de escolha pelo administrador público do melhor momento para a ação,
quando se tratar de questão envolvendo o meio ambiente, cabe dizer que: Além disso, cumpre ressaltar
também que na maioria das questões relacionadas com a proteção ambiental não há mais propriamente,
liberdade efetiva do administrador na escolha do momento mais conveniente e oportuno para a adoção de
medidas específicas de preservação. Id.Ibid., p.73. Na medida em que é dada ao administrador público a
faculdade de escolher, mediante a conveniência e a oportunidade, o melhor momento para agir, ele poder ser
responsabilizado por omissão no seu dever de proteger e preservar o meio ambiente. Além da competência a
ele dada e ser um bem fundamental, cuja preocupação atinge a geração atual e as do amanhã, este dever
constitucionalmente determinado caracteriza-se pela vinculatividade e não discricionariedade, conforme visto
nas decisões anteriores.
86
responsabilização do Poder Público.
Por outro lado, levantar o argumento sobre a separação de poderes, para o fim de
impedir a atuação jurisdicional, no sentido de determinar a ação do Executivo, é esconder-se
em um princípio de segurança jurídica que não condiz com o dever de proteger um direito
fundamental à vida e à dignidade da pessoa humana, próprios de uma Constituição
Democrática.
Diante do fato de a indenização em dinheiro não ser a medida mais benéfica para o
meio ambiente, deve o Estado cumprir o seu dever ambiental de recuperação/restauração,
obrigação esta plausível e possível e, por isso mesmo, requerida em juízo.
2.1.3 As decisões judiciais e a degradação ambiental correspondente
Fazendo um levantamento sobre os bens ambientais envolvidos nas decisões judiciais
analisadas acima, pode-se fazer um balanço dos seus prejuízos que, por conseqüência,
afetaram a sociedade brasileira, que sofre a perda de sua qualidade ecológica:
a) Uma área de preservação permanente existente ao longo do Rio Araranguá, no
Estado de Santa Catarina, teve sua degradação autorizada ou sua regeneração impossibilitada,
sob o argumento de que se algo já está destruído, nada mais pode ser feito. Não houve uma
compreensão sobre a competência legislativa dos entes federados, em especial, a do
Município, razão pela qual questões formal-processuais foram utilizadas para impedir um
maior aprofundamento do assunto, mantendo-se, portanto, a decisão de autorização de
degradação desta área;
b) Diversas Estações Rádios Base obtiveram do Poder Judiciário a autorização para
sua instalação, mas sem o competente licenciamento ambiental nem mesmo a apresentação de
EIA/RIMA, colocando em risco a saúde da população local, bem como o ambiente. Tudo isso
87
devido a não aplicação dos princípios da precaução
159
e do desenvolvimento sustentável;
c) Danos ambientais, decorrentes de omissões dos órgãos municipais competentes, no
que refere ao ordenamento do uso do solo e da proteção do meio ambiente, não tiveram sua
recuperação determinada judicialmente, diante do entendimento da não configuração da
responsabilidade destes entes. A sua retirada do pólo passivo da Ação Civil Pública por dano
ambiental, haja vista a argüição de questões formal-processuais, impeditivas da análise
recursal, possibilitou o descumprimento do preceito constitucional; e por fim
d) Várias determinações de obrigação de fazer, destinadas aos municípios que, por sua
omissão, ocasionaram degradação ambiental, foram caçadas sob o argumento da violação ao
princípio da separação de poderes e da possibilidade de atuação discricionária dos entes
federados, mantendo-se, portanto, o meio ambiente degradado.
2.2 Esfera cível
2.2.1 A responsabilidade ambiental
Diante do que foi visto há pouco, resta saber se no plano da responsabilidade civil
pelos danos causados ao meio ambiente, a tutela ambiental tem melhor respaldo.
1.
Administrativo e Direito Ambiental. Construção de edifício. Laudo expedido pelo
IBAMA. Incerteza quanto à degradação de área ambiental. Embargo à execução.
Desnecessidade. Violação do art. 10 da Lei nº 6.938/81. Não ocorrência.
1. Não caracterizada, em nenhum momento, no quadro probatório prontamente
definido pelo decisório recorrido, a possibilidade concreta de existência de dano
ambiental, não há razão, ao menos diante do panorama fático delineado – o qual
não pode ser examinado na via do especial (Súmula nº 7/STJ) -, que justifique
embargo da construção de edifício e que dê margem à negativa de vigência do
disposto no art. 10 da Lei nº 6.938/81.
159
Sobre o princípio da precaução, cabe dizer que: De qualquer modo, o dever de precaução se impõe; de
qualquer modo, temos necessidade de um pensamento ecologizado que, baseando-se na concepção auto-eco-
organizadora, considere a ligação de todo sistema vivo, humano ou social a seu ambiente.Cf. MORIN, Edgar
e KERN, Brigitte. Terra Pátria. Tradução do Francês: Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: editora
Sulina, 1995, p.74. Percebe-se que a compreensão do princípio da precaução é condição sine qua non para o
entendimento do sistema protetivo constitucional-ambiental, que está sendo constantemente construído por
diversos elementos: a idéia de risco, de perigo, de solidariedade, de dignidade, de vida, etc. A sua aplicação
acabou por se tornar uma das condições de possibilidade para legitimar o conteúdo constitucional e efetivar
seus preceitos.
88
2. Recurso especial não-provido.
(Recurso Especial nº 660580/CE, 2ª T, STJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
18/10/2005)
160
Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(IBAMA), visando embargar construção de mais de 15 (quinze) andares, edificado em área de
preservação permanente, mais especificadamente, em dunas.
Nos fundamentos argüidos pelo órgão ambiental recorrente, consta que ao ser
permitida a continuidade da construção referida, foram desconsideradas as vedações legais
relacionadas, além de relegado ao segundo plano o relatório técnico por ele próprio emitido,
já que minimizado o fato de que a obra adentra em área de dunas.
Indica a violação do art. 10 da Lei nº 6.938/81, que determina que para a construção
de empreendimentos considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes,
sob qualquer forma, de causar degradação ambiental será exigido o prévio licenciamento
ambiental, pelo competente órgão administrativo estadual e, em caráter supletivo, pelo
IBAMA.
Em seu voto, aduz que a obra que causar degradação ambiental pode não obter o
licenciamento do IBAMA e, por isso, ser paralisada. Considerou não comprovada a
degradação, sob o argumento de que suas imediações já se encontravam bastante urbanizadas
(muito embora a decisão recorrida tenha entendido que a agressão sofrida pelo meio ambiente
tenha sido, pelo menos, de pouca monta).
Entende o julgador que para ocorrer o embargo de obra é necessária a existência de
um dano, o que não foi comprovado nos autos. Querendo a parte recorrer, terá que rediscutir a
prova existente, não sendo possível em sede de recurso especial, por expressa aplicação da
Súmula nº 7/STJ (vide p.80). Entende, portanto, não haver justificativa para o embargo da
construção, nem a existência de negativa de vigência ao que disposto no art. 10 da Lei da
160
Neste mesmo sentido está a seguinte decisão: Apelação Cível nº 2005.001.08385, 5ª Câm. Cív., TJRJ, Rel.
Des. Milton Fernandes de Souza, j. 31/05/2005 (não comprovação de dano por edificação em área de
preservação permanente: dunas).
89
Política Nacional do Meio Ambiente, razão pela qual o recurso foi desprovido
161
.
Ocorre que a construção de um prédio de 15 (quinze) andares, em área de preservação
permanente, deve ser entendida, sim, como causa de dano ambiental, tanto por descaracterizar
o ecossistema existente (dunas), destruir todos os microorganismos ali existentes, alterar sua
função protetora dos efeitos das marés altas, ventos e areia que invadem a cidade, bem como
sombrear a praia (apesar de não referido no acórdão em tela), já que é uma construção dessa
envergadura.
Não se pode deixar de salientar que o deferimento do pedido de continuidade desse
empreendimento acaba por dificultar a regeneração natural desse habitat (nos mesmos moldes
dos argumentos apresentados no caso 1 da subseção anterior, p.70/74)
162
, razão pela qual teria
161
Entendendo de forma contrária à decisão proferida, está OST, François., em sua obra A natureza à margem da
Lei – A ecologia à prova do Direito. Tradução: Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.117. O autor
indica que nem sempre os danos ambientais podem ser identificados imediatamente, mas sim ao longo dos
anos: O dano certo? Muitos prejuízos ambientais não se declaram senão no tempo de um longo período
(ultrapassando a mais longa das prescrições jurídicas: trinta anos). Já SAMPAIO, Francisco José Marques.
Evolução da Responsabilidade civil e Reparação de danos causados. Rio de Janeiro: editora Renovar, 2003,
p. 19, vai mais longe, entendendo pela necessidade de responsabilização dos efeitos futuros, a saber: Com
fundamento no princípio de que quem emprega meios de ação cujos efeitos não podem ser integralmente
medidos e avaliados deve responder pelos efeitos potencialmente adversos que se manifestarem adiante, a
responsabilidade do Homem pelas conseqüências de suas ações deve, também, ser repensada, para que seja
ampliada. Ela deve abranger, outrossim, efeitos futuros que, no momento da ação, não haviam sido
previstos.Verifica-se a necessidade de serem avaliados os danos futuros que ainda podem surgir depois do fato
cometido e imputado como danoso. Da mesma forma que se deve prevenir e precaver danos possíveis e
incertos, para que medidas protetivas sejam tomadas, os próprios danos devem ser avaliados na sua extensão
presente e futura. Como visto, o papel do operador do Direito, principalmente nestes casos envolvendo o
equilíbrio ecológico, exige a atuação multidisciplinar e a aplicação de uma idéia de tempo que não é
compatível com a do judiciário (rapidez), mas sim com a própria regeneração da natureza (lenta e gradual).
Muda-se por completo o sistema processual e seus velhos paradigmas racional-individualistas, como a própria
idéia de comprovação do dano atual. Estas questões serão melhor analisadas no capítulo 3.
162
Sobre o dano de sombreamento, cabe citar o caso da praia de Camboriú/SC que, a partir das 14hs, não há mais
incidência solar em grande parte da orla, a saber: Atualmente, devido a especulação imobiliária alentada por
períodos de ausência de legislação urbanística, os edifícios da Av. Atlântica, com altura incoerentes para uma
orla de praia, bloqueiam o sol em vários pontos da faixa de areia a partir das 14:00h. (...), os usuários não
podem aproveitar o sol até 20:00 horas, no horário de verão. Para mais informações consultar o seguinte site:
http://geodesia.ufsc.br/Geodesia-online/arquivo/cobrac_2004/109.pdf
. A mesma situação ocorre na Praia de
Capão da Canoa/RS. Se para a instalação de cataventos, para a produção de energia eólica, são necessários
estudos de impacto ambiental, tanto da rota migratória das aves (para não se esbarrarem nos cataventos)
quanto dos danos sofridos pelo ecossistema rasteiro quem tem, em determinadas horas do dia, o acesso ao sol
bloqueado, o que dizer dos ecossistemas existentes na beira mar. LEITE, José Rubens Morato., em sua obra
Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
2003, p.297, exemplifica claramente o caso em comento como uma das possibilidades de determinação do
dano extrapatrimonial. Assim, O dano extrapatrimonial ambiental, por sua vez, configurar-se-á mais
explicitamente em hipóteses outras, como (...): (Omissis); 5. A perda da luminosidade solar, em decorrência,
por exemplo, de urbanização. Caracterizada está, portanto, a necessária indicação da responsabilidade
daqueles que, de uma forma ou outra, contribuíram para a alteração adversa do meio ambiente.
90
sido benéfico ao meio ambiente e ao direito fundamental correlato que, além de a obra ter sido
embargada, também a empresa ter sido condenada pelos danos extrapatrimoniais.
A produção de prova para verificar a existência do dano ambiental deveria ser
considerada desnecessária, principalmente diante da presunção da própria degradação, já que
se está falando de construção em área protegida. Ou seja, se assim é caracterizada esta área, a
mesma não pode ser ‘tocada’ sem a autorização do Poder Público competente.
Entretanto, além de não ser aplicada esta presunção, também não o foi o princípio da
prevenção, pois sempre se deve evitar o dano, mas se já existente, há o compromisso de
impedir que um mal maior ocorra. No caso, seria o próprio impedimento da continuidade da
construção até que sejam identificadas e determinadas as medidas de recomposição da
natureza. Além disso, a idéia de solidariedade nem mesmo foi aplicada, no sentido de
determinar que o órgão ambiental cumpra o seu dever de preservar hoje um meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as futuras gerações
163
.
Dessa forma, uma análise mais pormenorizada da prova existente nos autos seria
necessária, apenas, para avaliar a extensão do dano já causado pelo empreendimento, para o
fim de quantificar a responsabilidade da construtora e da entidade ambiental (que
indevidamente autorizou a obra ou foi omissa quanto ao seu dever de fiscalizar). No entanto,
assim não ocorreu, pois para justificar o embargo da obra, este ato foi vinculado à prova do
dano, mas inadmitida a sua possibilidade em sede de recurso especial, por expressa aplicação
da Súmula nº 7/STJ (vide p.80).
163
Sobre o princípio da solidariedade, cabe citar entendimento de SAMPAIO, Francisco José Marques., Op. cit.,
p.19: Além disso, considera-se necessária a correspondente expansão dos valores de solidariedade e justiça à
natureza, o que implicaria maiores deveres e não apenas em relação aos elementos naturais, imprescindíveis
ao equilíbrio da Terra e à vida que nele se desenvolve como, também, às gerações futuras, às quais deve ser
assegurada a possibilidade de viver dignamente. Identifica-se a dificuldade existente em entender a
solidariedade em relação à natureza, no sentido de preservar os seus elementos. Isso se dá, principalmente,
porque o operador do Direito e também a sociedade ainda não perceberam a importância desse direito. Por
outro lado, essa idéia acaba por se transfigurar em solidariedade à dignidade e à vida do próprio ser humano, já
que é neste habitat que ele se desenvolve tanto psicológica, reprodutiva quanto fisiologicamente. Neste mesmo
sentido está AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização – ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 118, quando indica que: Na atividade valorativa do intérprete, em
matéria ambiental, há que prevalecer sempre o interesse do equilíbrio ecológico, essencial à manutenção e
continuação da vida. Não pode haver dúvida quanto à diretriz hermenêutica fundamental. Entretanto, para
que esta diretriz se torne um fato, necessário faz-se que o intérprete seja interpelado pela questão, realmente
identifique a legitimidade deste direito ao meio ambiente e entenda que sem ele a sobrevivência humana na
Terra não será mais possível.
91
Ocorre que aplicar a Súmula 7 ao caso em comento é apegar-se a um formalismo
exacerbado, impeditivo de um estudo mais aprofundado do caso. Sob a justificativa de uma
maior segurança jurídico-processual, não se oportuniza a análise das características da
situação, dos princípios constitucional-ambientais envolvidos, bem como o seu próprio objeto,
que gira em torno de um direito fundamental de terceira geração, a ser protegido e preservado
pelo Poder Público
164
.
Não se pode esquecer, ainda, da necessária busca da responsabilidade do órgão
ambiental fiscalizador que, ou foi omisso em relação a esse empreendimento, licenciou o que
não deveria ou, pelo menos, deveria ter determinado medidas compensatórias ao ecossistema
a ser degradado. Entretanto, esta hipótese não foi ventilada no interior desse processo.
2.
Indenização – dano moral – vazamento de ‘pó branco’, catalisador, em área
próxima à REDUC – inexistência de dano psíquico indenizável – O desastroso e
lamentável fato apontado como remota causa de pedir, embora constitua lesão de
interesse difuso, definido no art. 81, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90, atingindo
diretamente todas as pessoas integrantes da coletividade e indiretamente todos os
seres humanos preocupados com o meio ambiente ecologicamente equilibrado, não
significa dano psíquico individualmente indenizável, por inexistir nexo causal, à
falta do elemento de determinação subjetiva da sedizente vítima. Ademais, o dano
ecológico, como tal, não pode ser avaliado individualmente, senão em ação civil
pública, indo o valor da condenação para um fundo especial previsto no art. 13 da
Lei nº 7.437/85, cabendo, no entanto, liquidação de sentença na ação coletiva em
favor de particular, a quem caberá a demonstração da abrangência do seu caso
específico pela sentença, bem assim a extensão do dano. Provimento do recurso.
(Apelação Cível nº 2005.001.30616, 17ª Câm. Cív., TJRJ, Rel Des. Raul Celso Lins
e Silva, j. 28/09/2005)
165
Trata-se de recurso de apelação interposto pela empresa Petróleo Brasileiro S/A –
Petrobrás (Refinaria Duque de Caxias) contra sentença favorável aos autores de ação de
164
ABELHA, Marcelo. Breves considerações sobre a prova nas demandas coletivas ambientais./ In: LEITE,
Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org). Aspectos processuais do Direito Ambiental. 2.ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 152. Indica uma nova direção que o julgador deve trilhar,
quando enfrentar casos em que figuram como objeto a proteção ambiental. Cabe citar a necessidade de
‘desapego da forma’, a saber: Assume um papel relevantíssimo o juiz na direção do processo, com incremento
de seus poderes, com a desburocratização dos meios processuais, com o desapego da forma, com a busca do
resultado no plano dos fatos, com a punição de ofício daqueles que atrapalham a outorga desse direito etc.Ou
seja, a busca pela substancialização do conteúdo constitucional torna-se prioridade para a realização deste
direito, deixando de lado questões formais que podemo ser satisfatórias em casos de interesses difusos,
como muitos exemplos que giram em torno do equilíbrio ecológico.
165
Neste mesmo sentido e em todas as decisões abaixo, figurando no pólo passivo da ação a empresa Petrobrás,
cabe citar: Apelação Cível nº 2005.001.23728, 17ª Câm. Cív., TJRJ, Rel. Des. Edson Vasconcelos, j.
31/08/2005 (pó branco); Embargos Infringentes nº 2005.005.00132, 18ª Câm. Cív., TJRJ, Rel. Des. Celia
Meliga Pessoa, j. 07/06/2005 (pó branco); Apelação Cível nº 2003.001.27114, 9ª Câm. Cív., TJRJ. Rel. Des.
Maldonado de Carvalho, j. 11/11/2003 (derramamento de óleo).
92
indenização por dano moral. A causa motivadora do seu ingresso foi o vazamento de 140
(cento e quarenta) toneladas de pó branco catalisador, nos dias 14 e 15 de julho de 2001, que
ocasionou inúmeros transtornos e preocupações à população circunvizinha, diante da falta de
conhecimento sobre a lesividade do material. Além disso, acarretou problemas de saúde,
principalmente respiratórios, diante da aspiração de grande quantidade dessa substância
existente no ar.
O juízo de primeiro grau condenou a empresa ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil)
reais a título de dano moral acrescido de 1% de juros ao mês, a contar da data da citação.
Entretanto, referida decisão foi reformada em 2º grau por maioria (vencido um
Desembargador), alinhando-se ao entendimento de que este fato, mesmo que sem o
conhecimento de sua lesividade, não pode significar um dano psíquico, susto, sobressalto,
individualmente indenizável.
Apesar de constar na decisão saber não ser ainda expressivo o grau de periculosidade
da substância (p.5), houve uma negação que esse exato desconhecimento possa gerar
angústias das mais diversas, bem como problemas de saúde advindos da aspiração dessa
quantidade de pó. Entendeu-se pela inexistência de nexo causal, ou seja, da relação entre a
atividade realizada pela Petrobrás, o vazamento desta substância e os danos à saúde da
coletividade, bem como da dignidade humana
166
.
Verifica-se que não foram consideradas a perda do equilíbrio ecológico, a afetação da
personalidade humana e da dignidade social, pois a empresa alterou o meio ambiente em
166
Para LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, Op. cit.,
p.284, existe uma relação direta entre o equilíbrio ecológico, a personalidade humana e a dignidade social.
Assim, vale analisar seu entendimento: Ademais, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos bens
e valores indispensáveis à personalidade humana, considerada essencial à sadia qualidade de vida, portanto,
à dignidade social. Nesta acepção, o direito da personalidade ao meio ambiente justificar-se-ia, porque a
existência de um ambiente salubre e ecologicamente equilibrado representa uma condição especial para um
completo desenvolvimento da personalidade humana. Com efeito, se a personalidade humana se desenvolve
em formações sociais e depende do meio ambiente para sua sobrevivência, não há como negar um direito
análogo a este. Neste mesmo sentido está PEREZ LUÑO, Antonio E. Derechos Humanos, Estado de Derecho
y Constitución. 5.ed. Madrid: editorial Tecnos, 1995, p.463, que entende ser o meio ambiente a abrangência do
conjunto de elementos também externos, que formam o bem-estar social: (...); y al conjunto de los factores
que condicionan el bienestar biológico y psíquico del hombre y que, por tanto, contribuyen a promover o
comprometer su salud. (...). De ahí que la alusión al medio ambiente en nuestra Constitución deba entenderse
referida a su significación más amplia: esto es, a todo el conjunto de condiciones externas que conforman el
contexto de la vida humana. Assim, viver em um ambiente equilibrado ecologicamente, com acessos aos bens
naturais (água, fauna, flora, etc.), limpos e saudáveis (o que não significa somente a ausência de doenças), com
espaços de lazer, cultura, bem-estar, são elementos formadores da qualidade de vida e de desenvolvimento do
ser humano em seus diversos prismas.
93
que a sociedade vivia e, por conseqüência, a fetou o seu desenvolvimento. Além disso,
também não foram considerados os danos pessoais que cada um dos afetados sofreu, como as
dificuldades respiratórias e o surgimento de medos e angústias, diante do desconhecimento da
nocividade desta substância.
Por outro lado, houve uma exigência exacerbada de comprovação do nexo causal, sob
o fundamento de que o mesmo se daria com a prova robusta do dano ambiental, mas que no
caso não estava comprovado. Entretanto, consta na decisão que este fato constituiu lesão de
interesse difuso, de afetação de todos os seres humanos, razão pela qual não se pode negar
que as pessoas integrantes daquela coletividade também foram atingidas.
Não foi compreendido que a alteração adversa da qualidade do meio ambiente (ar
puro, sossego, saúde), ocasionada pelo fato de toneladas de pó de desconhecida
periculosidade terem deixado uma cidade inteira ‘branca’, seja uma forma de poluição. Por
conseqüência, há um dano ecológico, de afetação tanto de pessoas indeterminadas quanto
determinadas, ensejadora da correlata indenização
167
.
Ainda, é importante haver uma flexibilização no sentido de que, em existindo uma
simples relação entre a atividade exercida e o fato considerado típico, qual seja, causar
poluição em qualquer de suas formas e, sendo esta uma alteração da qualidade ambiental,
configurado está o nexo causal para fins de responsabilização objetiva.
Caberia ao réu a comprovação das excludentes de sua responsabilidade, como a
ausência do nexo e do risco (relação entre o pó branco, problemas respiratórios, medos e
angústias, não conhecimento da lesividade do produto), a culpa exclusiva da vítima ou a
própria inexistência do fato.
167
Quem indica exemplo que se encaixa ao caso em apreço, trazendo clareza sobre os elementos que podem ser
afetados e que ocasionam a devida responsabilidade extrapatrimonial é LEITE, José Rubens Morato. Dano
Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, Op. cit., p.297: Por exemplo, uma certa comunidade
vivia em um espaço equilibrado, com boa qualidade de vida e meio ambiente equilibrado. No entanto,
instalou-se na região uma indústria poluidora que veio causar prejuízo à qualidade do meio ambiente,
afetando os valores imateriais e materiais de uma coletividade indeterminada, tais como o sossego, o ar puro,
a saúde dos seus habitantes, e vários elementos fundamentais ao desenvolvimento de todos. A coletividade tem
direito a uma resposta por meio do Poder Judiciário, obrigando o poluidor a reparar os danos materiais e
imateriais sofridos, visando a manter sua qualidade de vida e buscando a consecução do direito fundamental
ao ambiente.
94
Indicar a necessidade de ingresso de Ação Coletiva para liquidação de eventual
sentença condenatória em Ação Civil Pública, é querer obstaculizar o acesso ao judiciário e a
busca da devida indenização. Sem contar que é perpetuar uma sensação de que somente os
riscos da atividade petrolífera são socializados, não os benefícios (em todos os seus sentidos),
estes auferidos apenas pela empresa.
Cumpre salientar, por fim, que a não aplicação do instituto da responsabilização
expressa a não internalização do fato de que uma alteração adversa do meio também é,
também, uma forma de dano e que os indivíduos daquela população tiveram sua qualidade de
vida e ambiental desrespeitada em todas as suas formas.
2.2.2 O argumento do direito adquirido
Segue abaixo, decisão judicial em que é levantado o argumento do direito adquirido da
propriedade, entendido este em um sentido absoluto, incompatível com a noção vigente da
função socioambiental.
3.
Empreendimento imobiliário. Loteamento. Aprovação. Interdição temporária.
Dano ao meio ambiente não configurado. Desapropriação indireta. Danos
patrimoniais. Ato administrativo. Direito Adquirido.
- Não tem direito a administração pública interditar empreendimento imobiliário
há mais de trinta anos, ao argumento de as obras e serviços danificarem o meio
ambiente. Interdição temporária, com exigências vagas e genéricas da FEEMA, é o
mesmo que desapropriação indireta sem indenização, porque resulta inviabilização
de um empreendimento constituído dentro dos parâmetros legais.
- É inadmissível não pertencer ao patrimônio da recorrente um loteamento
aprovado nos idos do ano de 1958. Se a administração errou em todos esses anos,
urge corrigir o erro, mas sem olvidar o dever de reparar os danos patrimoniais
causados à recorrente.
- A lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, confere poderes
aos governadores de Estado (e não aos secretários) competência para paralisar
atividades poluidoras pelo prazo máximo de 15 dias, entretanto, conforme sustenta
a recorrente, a atividade loteadora vem sendo desenvolvida normalmente há quase
30 anos, com autorização plena dos poderes
competentes.
- Recurso provido.
(Recurso em Mandado de Segurança nº 602/RJ, 2ª T., STJ, Rel. Min. Américo Luz,
j. 16/12/1991, DJ 23/03/1992, p.3466)
168
Trata-se de recurso interposto por Sociedade Empreendimentos Turísticos Cabo Frio
168
Decisão referida no livro de LEITE, José Rubens Morato Leite e AYALA, Patryck de Araújo, Op.cit., p.267.
95
Ltda. (SECAP) contra decisão do Secretário de Obras e Meio Ambiente, que determinou a
interdição de seu loteamento, diante da constatação de degradação e destruição de ecossistema
de restinga e massamba, classificados como florestas protetoras e fixadoras de dunas,
conforme o teor do Decreto nº 23.793/34. Argumenta possuir direito adquirido sobre dita
propriedade, já que aprovado no ano de 1958, além de requerer o ressarcimento dos prejuízos
sofridos por conseqüência desta interdição.
Consta no acórdão a transcrição de parte do parecer proferido pelo Ministério Público,
que rejeitou o alegado direito adquirido, entendido como ’aquele que poderia ser apropriado
pelo titular, que pode ser incorporado ao seu patrimônio’, mas questiona como é possível um
’Direito adquirido a destruir um bem essencial à vida?’(p.2).
De forma contrária ao parecer ministerial e a favor da fundamentação recursal, consta
na decisão que se um loteamento foi aprovado em 07/11/1958 pela Prefeitura de Cabo Frio, é
inadmissível não pertencer ao patrimônio do adquirente, já que é um direito há mais de 30
(trinta) anos adquirido.
Em outra parte do acórdão, há o entendimento de que somente em exegese ampla,
pode o direito adquirido estar adstrito à tutela de áreas de proteção, ecologia ou ecossistemas
(p.6), expressando ser absoluto o direito de propriedade, em que o dono não pode submeter-se
às determinações administrativas que buscam adequar o seu uso aos padrões ambientais e
sociais exigidos.
Expresso está ainda, que a idéia do Ministério Público, de que ’o novo enfoque
constitucional dado à ecologia, ao meio ambiente (...) constitui a determinação suprema
sobre a preservação da ecologia, ante a qual nenhum direito outro poderá ser invocado
ainda que assegurado por lei anterior, não se amolda à espécie dos autos. Se assim o fosse, o
município deveria ter desapropriado a área.
Consta que o prejuízo sofrido pela recorrente é incompatível com a idéia de proteção
de coisa fora do comércio (p.3), e este arroubo ecológico produz conseqüências para a
administração pública que, deve sim, indenizar a empresa por seus prejuízos.
96
Nesse sentido, deve o julgador ficar atento a certas manifestações sociais de poucos, a
inculcarem muitos, abrupta e perniciosamente, inversão de conceitos e valores, deturpando o
sentido das coisas (p.4). Por fim, alega-se que a competência para interditar a obra após a Lei
nº 6.938/81 restringe-se ao Governador (p.6) e não ao Secretário, como ocorreu no caso em
comento. Por todos os fundamentos acima descritos, provido foi o recurso interposto pelo
empreendedor.
Por tratar-se de meio ambiente e sendo este um direito fundamental de todos e dever
do Poder Público e da sociedade protegê-lo e preservá-lo para a presente e futuras gerações,
embasado está o ato do Secretário do Meio Ambiente local, no sentido de interditar a obra até
que as irregularidades sejam sanadas e os danos aos ecossistemas corrigidos.
Isso porque, a exemplo do que ocorre com a Licença Ambiental Prévia (LP), de
Instalação (LI) e de Operação (LO) que possuem sempre um caráter de precariedade, podem
ser canceladas ou suspensas a qualquer momento, sempre que exista risco ou perigo, indício
ou efetivo dano ambiental.
Além disso, o art. 186 da Carta Magna de 1988 determina que a propriedade deve
sempre cumprir a sua função social (incluída nela a função ambiental), sendo ela o dever de
proteger, preservar e manejar os elementos ecológicos lá existentes
169
.
Estes motivos por si só são suficientes para fundamentar a impossibilidade de
considerar a propriedade um direito absoluto, ou no caso, um direito adquirido, mas sim
169
Art. 186, da CF: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e
adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III –
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar
dos proprietários e dos trabalhadores. Não se pode perder de vista que o direito de propriedade foi sofrendo
uma limitação, advinda com a tendência da conhecida publicização do Direito Privado. Nas palavras de
SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica Filosófica e Direito – O Exemplo Privilegiado da Boa-
Fé objetiva no Direito Contratual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.266/267: Quando se utiliza a
expressão publicização do Direito Privado, quer-se referir, na verdade, à limitação da autonomia da vontade,
em especial, da liberdade dos particulares em regular suas relações jurídicas coordenativas e em dispor de
sua propriedade, tendo em vista o interesse coletivo. E esta publicização está intimamente ligada à leitura
constitucional dada a este instituto de direito privado, na medida em que deve haver o cumprimento da função
social-ambiental da propriedade. A Constitucionalização do Direito Privado está relacionada ao fato de o texto
substancial da Constituição acabar por transformar clássicos institutos, desvelando as suas condições de
possibilidade. No presente caso, é a função social da propriedade que acaba por ser elevada, de forma a
adequar o uso da propriedade à conservação do meio ambiente, não esquecendo, entretanto, da aplicação do
princípio do desenvolvimento sustentável.
97
relativo e, por isso, pendente de cumprimento de determinações legal-constitucionais do
Poder Público. Quanto à questão do direito adquirido, verifica-se que a decisão dá a entender
que ele depende do lapso temporal decorrido entre a aquisição e a interdição.
Sob este prisma, cabe questionar se caso a propriedade tenha sido foi adquirida há
apenas 6 (seis) meses (e não há trinta anos), não seria ela também um direito adquirido?
Diante disso, percebe-se que o argumento do tempo não desvela a solução.
Não se pode entender que em apenas alguns casos haja a chamada exegese ampla (e
quais os casos e critérios em que não há?), pois a leitura de um texto já é sempre um
interpretar, cuja norma aplicada é o reflexo deste entendimento (este assunto será mais
aprofundado no capítulo 3 do presente trabalho). Quando se interpreta não há como esquecer
de incluir o sistema constitucional, com seus objetivos e funções, que no caso, tem o meio
ambiente como um direito (humano) fundamental a ser protegido e efetivado, para a sua
própria legitimação.
Por fim, entender que o prejuízo financeiro da empresa é incompatível com a idéia de
danos ao do meio ambiente (já que aquele é muito maior), devendo-se atentar, ainda, ao
“arroubo ecológico” existente, é desqualificar o objeto protegido constitucionalmente, um
direito fundamental. Além disso, percebe-se um viés antropocêntrico, sob o qual o meio
ambiente é considerado como algo a ser utilizado em favor do homem e de seus anseios,
negando a existência de uma perfeita interação entre eles.
2.2.3 O nexo causal
Quanto ao nexo causal, resta saber como estão decidindo os Tribunais, no que se
refere à necessidade de comprovação da materialidade do dano ambiental.
2.2.3.1 A reserva legal
4.
Ação civil pública - Dano ao meio ambiente - Aquisição de terra desmatada –
Reflorestamento - Responsabilidade - Ausência Nexo Causal - Demonstração –
Negativa de prestação jurisdicional - Citação do cônjuge.
98
Não há que se falar em nulidade do acórdão que rejeitou os embargos de
declaração, se o acórdão examinou todas as questões pertinentes ao deslinde da
controvérsia.
Desnecessária a citação dos cônjuges na ação proposta para apurar
responsabilidades por dano ao meio ambiente, eis que não se trata de ação real
sobre imóveis.
Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de restauração
de cobertura arbórea, a particular que adquiriu a terra já desmatada.
O artigo 99 da lei nº 8.171/91 é inaplicável, visto inexistir o órgão gestor a que faz
referência.
O artigo 18 da lei nº 4.771/65 não obriga o proprietário a florestar ou reflorestar
suas terras sem prévia delimitação da área pelo poder público.
Embora independa de culpa, a responsabilidade do poluidor por danos ambientais
necessita da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Recurso provido.
(Recurso Especial nº 229302/PR, 1ª T, STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 18/11/1999,
DJ 07/02/2000, p.133)
170
Trata-se de recurso especial interposto por Alcides Degraf e outro, visando reformular
decisão anterior que os condenou a reflorestar o equivalente a 20% de área de seu imóvel,
referente à reserva legal degradada. O fundamento encontra-se no art. 16, letra ‘a’ da Lei nº
4.771/65, que assim determina: As derrubadas de florestas nativas, primitivas ou
regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite
mínimo de 20% de área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada a critério da
autoridade competente.
Analisando os argumentos constantes no acórdão, houve o entendimento de que pelo
fato de este terreno ter sido adquirido de terceiros, já sem a reserva legal, não há como
responsabilizar os atuais proprietários por este dano. Isso porque não há a existência material
do nexo causal, de que a degradação ambiental tenha sido decorrente de seu ato de derrubar a
floresta nativa (primitiva ou regenerada) (p.3).
Não restou configurada a hipótese do art. 14, §1º da Lei 6.938/81 (vide nota nº 150).
Por outro lado, há a aplicação do art. 18 caput da mesma lei, que determina que nas terras de
propriedade privada, onde seja necessário o florestamento ou o reflorestamento de
preservação permanente, o Poder Público Federal poderá fazê-lo sem desapropriá-las, se
não o fizer o proprietário (p.3). Por estes fundamentos, restou provido o recurso interposto.
170
Neste mesmo sentido estão as seguintes decisões: Embargos de Declaração no Recurso Especial nº
156899/PR, j. 15/06/1998, DJ 08.09.1998, p.29; Recurso Especial nº 214714/PR, j. 17/08/1999, DJ
27/09/1999, p.59; Recurso Especial nº 218120/PR, j. 24/08/1999, DJ 11/10/1999, p.48., todos eles da 1ª T.,
STJ, Rel. Min. Garcia Vieira.
99
Percebe-se o entendimento: os novos proprietários não possuem responsabilidade pela
descobertura arbórea, já que a propriedade foi adquirida assim; o Poder Público, no entanto,
deve assumi-la caso os primeiros não o façam. Entretanto, a manutenção da reserva legal deve
ser respeitada, mesmo que a propriedade tenha sido adquirida sem esta proteção, pois caso
este imóvel assim permaneça o proprietário estará infringindo determinação legal.
Neste caso, não haveria a necessidade de comprovação de nexo causal (relação entre o
dano e a atividade desenvolvida), pois o não cumprimento deste dever já presume o dano.
Trata-se de uma área de preservação permanente, em que a subtração desta cobertura causará
prejuízo (já que é um ecossistema muito frágil), razão pela qual haverá a necessidade de
prova, apenas, para conhecer e avaliar a extensão dos danos causados.
Não se pode deixar de frisar que aquele que perpetua lesão ao meio ambiente
ocasionada por outrem está ele mesmo contribuindo para tanto. Isso quer dizer que a
obrigação de conservação ambiental é estendida, automaticamente, do alienante para o
adquirente, independentemente da existência, nos contratos celebrados, de cláusulas de
exclusão de responsabilidade.
Assim, poderia o Poder Público ter ingressado com a respectiva ação: tanto contra o
antigo proprietário causador da degradação, como contra o atual, já que este será sempre
responsável pelo que compra (passivo ambiental) e pelo que mantém (equilíbrio ecológico),
quanto contra os 2 (dois).
Em qualquer um dos casos, há a possibilidade de aquele que se sentir lesado ingressar
com a competente ação regressiva para tentar diminuir seu prejuízo pelos valores das multas
pagas. Entretanto, jamais conseguirá eximir-se desta responsabilidade perante o Poder
Público, ou transferi-la a alguém.
Nesse sentido, existindo a obrigatoriedade da manutenção de 20% de área intacta, o
adquirente, na medida em que não a cumpre, está desrespeitando a norma legal e colaborando
na manutenção do dano ambiental (ou, pelo menos, impedindo a sua regeneração).
Interessante seria que ele respondesse pelos dois casos ao mesmo tempo, ou seja, pelo dano e
pelo não cumprimento de determinação legal, já que dentro dos padrões legais.
100
2.2.3.2 As queimadas
5.
Queimadas de cana-de-acúcar. Dano ambiental e à saúde. Inexistência de provas.
Improcedência da ação civil pública.
Improvado o dano ambiental e à saúde provocado pela queimada de cana-de-
acúcar, deve ser acolhido os embargos infringentes para julgar improcedente a
ação civil pública.
(Embargos infringentes n° 99.551-5/3-01, 6
a
Câmara de Direito Público, TJSP, Rel.
Des. Afonso Faro, j. 21.02.2000)
171
Tratam-se de embargos infringentes opostos por Virgolino de Oliveira – Catanduva
S/A açúcar e álcool, fundamentado em voto vencido de Desembargador, que não reconheceu
provado o dano ambiental e o risco à saúde pela queima de solo para limpeza, preparo, plantio
e colheira de cada-de-açúcar. (p.326).
O objeto do litígio é a existência ou não de prova do dano ambiental e dos malefícios
que a prática das queimadas de cana-de-açúcar causam ou possam ocasionar à saúde humana
para fins de configuração do nexo causal e a conseqüente determinação da responsabilidade
civil equivalente.
O art. 27 da Lei n° 4.771/65 determina ser proibido o uso de fogo nas florestas e
demais formas de vegetação, mas, por outro lado, conforme o seu parágrafo único, se
peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris
ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as
áreas e estabelecendo normas de precaução.
Apesar de constar no acórdão a citação de legislação (acima descrita) que trata sobre
as queimadas (Decreto nº 41.719/97) e a dependência de expedição de licença do órgão
ambiental competente, fundamentado está que as formas de vegetação nela indicadas não
abrangem as palhadas ou seus equivalentes, razão pela qual não haveria o enquadramento do
fato ao que estipulado pela norma (p.326).
Além disso, não há provas convincentes e irretorquíveis da ofensa à saúde, quer ao
meio ambiente, razão pela qual os embargos infringentes foram acolhidos (p.327).
171
BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord). Revista de Direito Ambiental n° 22, ano6, abril-
jun/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.325/327.
101
Conforme visto no capítulo 1 do presente trabalho, atear fogo colabora sim no
aumento da poluição ambiental, já que emite no ar gases CO2, ocasionando um aquecimento
climático (efeito estufa) que, por conseqüência, acarreta mais queimadas, desflorestamentos,
desertificações, derretimento de geleiras, bem como malefícios à saúde, principalmente no
que diz respeito à parte respiratória (muito embora consta como fundamento de decisão
inexistir esta certeza científica).
Seguindo esta linha do julgado, deveria ter sido aplicado, pelo menos, o princípio
constitucional-ambiental da precaução, que determina a utilização de medidas preventivas
diante da não comprovação científica dos danos e malefícios.
Além dos problemas de afetação de interesses objetivos acima descritos, não se pode
esquecer dos interesses subjetivos que podem ser violados, pois pela quantidade de fumaça
produzida, podem ocorrer diversos problemas individuais, como os respiratórios
172
e o risco
das áreas vizinhas (que pela ação dos ventos, o fogo pode se alastrar para terrenos e
vegetações adjacentes). Assim, dentre estes atos de prevenção, está o ordenamento da
proibição da atividade.
Uma questão importante é saber se houve ou não a autorização do Poder Público para
a prática desta cultura e sob qual delimitação territorial. Se existente, a embargante deveria ter
sido incursa nas responsabilidades relacionadas, por ter colocado em risco a natureza e a
saúde da sociedade circunvizinha, diante dos perigos acima descritos, bem como pelo
descumprimento de determinação legal. Se inexistente, o órgão ambiental fiscalizador
também deveria constar na ação, diante de sua omissão no cumprimento de seu dever.
Entretanto, nada disso foi ventilado ao longo das discussões do processo.
2.2.4 As decisões judiciais e a degradação ambiental correspondente
Cabe agora fazer um somatório dos danos ambientais ocorridos e sem que houvesse a
172
Sobre os problemas objetivos e subjetivos que podem ser causados pelas queimadas, bem explica LEITE, José
Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, Op. cit., p.269, identificando-os
diretamente ao caso analisado: Uma poluição provocada pela queimada de palha de cana-de-açúcar, oriunda
de atividade de uma usina produtora de álcool, pode causar, paralelamente, um dano ao meio ambiente como
interesse difuso, e um dano físico subjetivo nos brônquios e, conseqüentemente, na capacidade respiratória,
danos relativos a interesse individual. Nesta hipótese, ter-se-ia, no seu caráter objetivo, um dano
extrapatrimonial ambiental coletivo e, no seu aspecto subjetivo, um dano extrapatrimonial ambiental reflexo,
atinente a um interesse individual, causado por ricochete, através da lesão ambiental.
102
determinação das responsabilidades correspondentes dos seus agentes. Mais uma vez a
presente e futuras gerações perderam mais um pouco da parcela de equilíbrio ecológico que
lhes é de direito:
a) Empreendimento, em área de preservação permanente (dunas), teve a continuidade
de sua construção autorizada, por entender o relator não existir a comprovação do dano
ambiental. No entanto, a ação do homem neste tipo de local já ocasiona a desconfiguração do
ecossistema ali presente (já que muito frágil), bem como o sombreamento da orla;
b) Diante do entendimento da necessidade de notória comprovação do dano ao meio
ambiente, desconsiderado foi o fato de que 140 (cento e quarenta) toneladas de pó branco,
vazados sob uma cidade vizinha à Petrobrás e cujo grau de lesividade é desconhecido, causam
alteração adversa na qualidade ambiental, bem como angústias e problemas respiratórios.
Várias ações de indenização por danos morais foram julgadas improcedentes, diante da não
aplicação do princípio da precaução;
c) Ecossistemas de restinga e de massamba, classificadas como florestas protetoras e
fixadoras de dunas, tiveram sua regeneração negada (sua degradação permitida), sob o
argumento de a propriedade ser um direito adquirido. Ainda, não cabe a intervenção do órgão
administrativo competente para a determinação de cumprimento dos padrões ambientais
legalmente previstos. O entendimento é de um direito absoluto da propriedade;
d) Áreas de reserva legal (20% do terreno), adquiridas de terceiros, mas já desmatadas,
não acarretam a responsabilidade de seus atuais proprietários, pelo fundamento da ausência de
nexo causal entre o fato e o dano (este praticado pelos antigos proprietários). Houve um
esquecimento de que a ausência de manutenção desta cobertura arbórea indica a perpetuação
do ilícito, bem como o descumprimento de preceito legal;
e) Apesar da grande quantidade de fontes bibliográficas que registram os danos
ambientais e os malefícios à saúde que as queimadas podem causar, assim não foi
considerado, nem mesmo como forma de perigo. Entendeu-se que pela inexistência de
comprovação científica sobre a nocividade da atividade, não há responsabilidade. Aqui,
também, não foi aplicado o princípio constitucional-ambiental da precaução.
103
2.3 Esfera penal
2.3.1 A responsabilidade ambiental
As decisões a seguir analisadas giram em torno do entendimento dos Tribunais sobre a
responsabilidade penal das pessoas jurídicas pelos crimes praticados contra o meio ambiente:
1.
Recurso em Sentido Estrito. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Art.
225, § 3º, da CF. Pena Privativa de Liberdade Cominada pelo art. 40 da Lei nº
9.605/98. Denúncia Rejeitada.
1. A pessoa jurídica, porque desprovida de consciência e vontade, não pode
cometer crimes. Sua responsabilidade decorre dos efeitos jurídicos de sentença
condenatória, de natureza penal, imposta a seus dirigentes.
2. Atribuída à pessoa jurídica a prática de fato tipificado no art. 40 da Lei nº
9.605/98, cuja pena cominada é de reclusão, de um a cinco anos, nega-se
provimento ao recurso interposto de decisão que rejeitou a denúncia com
fundamento no art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal.
(Recurso em Sentido Estrito nº 2001.03.1.010297-9, 2ª Turma Criminal, TJDF,
Rel. Des. Getulio Pinheiro, j. 20/02/2003)
O caso em comento gira em torno do crime previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98
173
,
referente ao dano direto ou indireto causado à Unidade de Conservação, constando no
relatório que a denúncia descreve, de forma minuciosa, os fatos praticados pela denunciada,
bem como os danos ambientais deles decorrentes.
Entretanto, foi confirmada a decisão de primeiro grau, rejeitando-se a denúncia, por
aplicação do art. 43 do Código de Processo Penal, que determina que A denúncia ou queixa
será rejeitada quando: (Omissis); III – for manifesta a ilegitimidade da parte (...). Conforme
entendimento, há a impossibilidade de a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da relação
processual penal por não poder aferir culpabilidade, já que além de não possuir elementos
psicológicos próprios de seres humanos, não pode expressar sua própria vontade, sendo a do
seu representante legal ou contratual (pessoa física). Como o objetivo da lei é intimidar o
173
O art. 40, da Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, determina o seguinte: Causar dano direto ou
indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto 99.274, de 6 de junho de
1990, independentemente de sua localização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 1º. Entende-se
por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os
Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. §2º. A ocorrência de dano
afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral será
considerada circunstância agravante para a fixação da pena. §3º. Se o crime é culposo, a pena será reduzida
à metade. In: MEDAUAR, Odete (org), Op. cit., p.448.
104
infrator, isso não irá ocorrer com as pessoas jurídicas, não sujeitas à ameaça psicológica de
imposição de algum mal para o caso de tornarem a delinqüir (p.4)
174
.
Ocorre que é necessário estar configurado que a pessoa jurídica obteve algum
benefício, e que a degradação do meio ambiente ocorreu por decisão de seu representante
legal ou contratual. Ou seja, a omissão ou a própria ação deste pode ter determinado um lucro
ou até mesmo uma despesa a menor para o ente moral, como é o caso dos autos, em que se
deixou de introduzir sistemas tecnológicos mais modernos, bem como de monitoramento,
auferindo este, portanto, um benefício. Não se trata de ameaça psicológica, mas sim de
interesses e benefícios, muito embora a sanção penal deveria ter o escopo de intimidar seus
infratores, pessoas físicas ou jurídicas.
Seguindo esta linha de argumento, não se pode deixar de frisar que, na medida em que
não são aplicados os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais especialmente criados
para proteger este direito fundamental e, no caso, as determinações constantes nos crimes
ambientais tipificados, está-se colaborando na perpetuação desta irresponsabilidade e
impunidade.
Por outro lado, consta no acórdão que a legislação penal não especificou uma sanção
adequada à natureza jurídica do degradador, já que a prevista é destinada para a pessoa física,
razão pela qual houve a infringência do princípio da legalidade. Há ainda a ausência de
resposta que justifique a opção feita pelo juiz quanto à pena cominada, se pecuniária ou
restritiva de direitos, configurando um alto grau de discricionariedade.
No entanto, o texto legislativo não delineia ser a sanção uma opção do legislador, mas
sim que a multa, a prestação de serviços à comunidade e a restritiva de direitos, esta com a
possibilidade de sua pena ser convertida a igual período da cominada para a restritiva de
liberdade, são aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas.
174
De forma contrária à decisão ora analisada está o entendimento de ROCHA, Fernando A. N. Galvão da.
Responsabilidade penal da pessoa jurídica./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord).
Revista de Direito Ambiental n° 10, ano3, abril-jun/98. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1998, p.28,
in verbis: O argumento de que a pessoa jurídica é incapaz de arrepender-se, igualmente, não constitui
obstáculo à responsabilização da pessoa jurídica. Se as manifestações da pessoa jurídica resultam sempre da
intervenção individual, o caráter preventivo da pena deve se dirigir às pessoas físicas que se utilizaram do
ente moral para realizar a atividade lesiva. A punição da pessoa jurídica atende perfeitamente ao escopo
preventivo, seja em seu aspecto geral, de intimidar os demais membros da comunidade, ou especial, de
oferecer contraestímulo às pessoas que se serviram do ente moral.
105
Nesse sentido, não há que se falar na não conformação da presente legislação,
protetora da natureza, com a Constituição Federal e a Lei dos Crimes contra o Meio
Ambiente, pois há a prévia cominação da pena para os atos praticados pelo ente moral,
conforme art. 21 desta Lei
175
(localizada na sua parte geral). Havendo dificuldades em aplicar
as determinações constantes na parte geral à especial, cabe analisar o art. 12 do Código Penal,
que indica que as regras gerais (...) aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se
esta não dispuser de modo diverso.
No mesmo sentido estão as decisões abaixo
176
, que entendem que as pessoas jurídicas
não podem ser responsabilizadas pelos crimes ambientais cometidos por atos e decisões de
seus representantes legais e contratuais:
2.
Ação penal - Crime contra o meio ambiente - Rejeição da denúncia –
Responsabilidade penal da pessoa jurídica - Impossibilidade - Precedente deste
Tribunal - Recurso ministerial não provido.
(Recurso Criminal nº 2002.023129-6, 2ª Câm. Crim., TJSC, Rel. Des. Irineu João
da Silva, j. 18/02/2003)
3.
Mandado de Segurança. Cabimento. Pessoa Jurídica. Crime Ambiental.
Trancamento da ação penal.
(Omissis)
175
Art. 21, da Lei n° 9.605/98: As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas,
de acordo com o disposto no art. 3
o
, são: I – multa; II – restritiva de direitos; III – prestação de serviços à
comunidade. In: MEDAUAR, Odete (org). Coletânea de legislação de direito ambiental, Op. cit., p.444.
176
Neste mesmo sentido, estão as seguintes decisões: Crime ambiental - Denúncia nos termos do art. 3º da lei
9.605/98 rejeitada em relação à pessoa jurídica - Prosseguimento quanto a pessoa física responsável -
Recurso da acusação pleiteando o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica - Ausência
de precedentes jurisprudenciais - Orientação doutrinária - Observância dos princípios da pessoalidade da
pena e da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica vigentes no ordenamento jurídico pátrio - Recurso
desprovido (Recurso Criminal nº 00.004656-6, 2ª Câm. Crim., TJSC, Rel. Juiz Torres Marques, j. 12.09.2000);
Responsabilidade penal da pessoa jurídica – impossibilidade de denúncia – medida de segurança patrimonial
– a Constituição Federal em seu art. 225, § 3º e a lei nº 9.605, no art. 3º, não autorizam a responsabilização
penal da pessoa jurídica por ato próprio, mas, tão-somente, por ato de seu representante legal, contratual ou
de seu órgão colegiado. A ordem jurídica brasileira continua fiel ao brocardo societas delinquere non potest.
A pessoa jurídica não tem os atributos físicos que possibilitam vivenciar condições exclusivamente humanas,
como querer e pensar, não podendo ter consciência da ilicitude ou dirigir sua vontade para o resultado
lesivo. A pessoa jurídica não pode ser denunciada isoladamente e as penas previstas nos arts. 21 e 22 da lei
nº 9.605 são autênticas medidas de segurança patrimoniais revividas e devem ser impostas objetivamente,
sempre que reconhecido o cometimento de infração penal pelo dirigente do ente moral. Apelação improvido à
unanimidade, para manter a decisão que rejeitou a denúncia (Apelação Crime nº 70005157896, 4ª Câm.
Crim., TJRS, Rel. Des. Gaspar Marques Batista, j. 31/10/2002); Recurso Criminal nº 20030149643, TJSC,
Rel. Juiz Torres Marques, j. 11.07.2003; Mandado de Segurança nº 70012210928, 4ª Câm. Crim., TJRS, j.
08/09/2005, Rel. Des. Gaspar Marques Batista.
106
b) A pessoa jurídica não pode ser responsabilizada por ato próprio, mas somente
por ato do representante legal, contratual ou do órgão colegiado. Desprovida de
atributos físicos, o ente coletivo é incapaz de dirigir sua vontade a um resultado
lesivo, não podendo figurar como parte ré em ação penal. Mandado de segurança
concedido.
(Mandado de Segurança nº 70013348073, 4ª Câm. Crim., TJRS, Rel. Des. Gaspar
Marques Batista, j. 1º/12/2005)
No primeiro caso, a empresa Auto Posto 1270 Ltda. ME incorreu nas sanções
constantes no art. 54, §2º, inciso V, da Lei n° 9.605/98
177
, referente ao crime de causar
poluição por lançamento de resíduos líquidos, óleos, e no art. 60
178
, do mesmo diploma legal,
relacionado à instalação e funcionamento de estabelecimento de forma contrária às normas
legais, ambos na forma do art. 70 do Código Penal (concurso formal)
179
.
No relatório consta que no local havia uma rampa de lavação construída a
aproximadamente 1m (um metro) dentro do leito do rio, sendo que a destinação final dos
resíduos dela provenientes (graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos), seguiam
diretamente para o recurso hídrico, além de a caixa de retenção localizar-se a menos de 1
(um) metro do rio, estar danificada e instalada de forma errada, impedindo seu
funcionamento.
O segundo caso gira em torno de pedido de trancamento de denúncia contra a empresa
Agip do Brasil S/A., por crime ambiental tipificado no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei nº
9.605/98 (vide nota nº 177), por ter causado poluição que pudesse resultar em danos à saúde
humana ou a mortandade de animais.
Resumindo as decisões constantes nos dois casos acima descritos, cabe dizer que o
177
Art. 54, da Lei nº 9.605/98: Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa
da flora: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa; (Omissis); §2º - Se o crime: (Omissis), V
ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em
desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)
anos. In: MEDAUAR, Odete (org), Op. cit., p.449.
178
O Art. 60, da Lei nº 9.605/98, indica que: Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em
qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem
licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e
regulamentares: pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ambas as penas cumulativamente.
Id.Ibid., p.450/451.
179
O art. 70, do CP, determina o seguinte: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe-ia a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma
delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos,
consoante o disposto no artigo anterior.
107
entendimento foi de que o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser
introduzido no Sistema Brasileiro, pois embasado em postulados que não o admitem.
Concordam que os entes morais devem ser responsabilizados no âmbito civil e
administrativo, mas jamais no penal, pelo menos até que os meios sancionatórios estejam
previstos, bem como porque somente o representante legal é quem comete o crime.
Nesse sentido, incluir esta pessoa moral no pólo passivo da ação seria responsabilizá-
la de forma objetiva, ou seja, em decorrência da condenação do seu representante legal ou
contratual, além de estar-se aplicando as chamadas medidas de segurança patrimonial
180
, que
há muito já foram rechaçadas pelo sistema penal tradicional.
Constata-se que a interpretação dos textos que se referem à responsabilidade penal da
pessoa jurídica por danos ambientais está sendo feita mediante a subsunção do fato à norma
vigente, e não de forma a abranger todo o sistema jurídico, com a aplicação das normas
constitucionais em conjunto com as infraconstitucionais
181
.
Torna-se imperiosa a aplicação dos dispositivos existentes na parte geral, que indicam
as penalidades quando os crimes constantes na parte especial forem praticados pela pessoa
180
Art. 99, do antigo Código Penal de 1940: A interdição de estabelecimento comercial ou industrial, ou de sede
de sociedade ou associação, pode ser decretada por tempo não inferior a 15 dias, nem superior a 6 meses, se
o estabelecimento, sociedade ou associação, serve de meio ou pretexto para a prática de infração penal.
181
Sobre a necessária interpretação, considerando todo o sistema constitucional vigente, cabe citar HESSE,
Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. 2.ed. Selección, tradución e introdución: Pedro Cruz Villalón.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p.45: Así tenemos, en primer lugar, el principio de la
unidad de la Constitución. La relación e interdependencia existentes entre los distintos elementos de la
Constitución (...) obligan a no contemplar en ningún caso sólo la norma aislada sino siempre además en el
conjunto en el que debe ser situada; todas las normas constitucionales han de interpretadas de tal manera que
se eviten contradicciones con otras normas constitucionales. Esta interpretação é uma construção da
legitimidade deste sistema, razão pela qual não se pode esquecer de compreender todos os demais elementos
que giram em torno da questão ambiental, como as suas interações físico-químicas, biológicas, naturais,
artificiais, culturais, etc., que colaboram na formação do seu todo. Por outro lado, STRECK, Lenio Luiz. A
dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de
proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais./
In: Revista da AJURIS nº 97, mar/05, ano XXXII. Porto Alegre: AJURIS, 2005, p.174, faz a crítica à
aplicação de paradigmas que não mais condizem com o atual modelo de Estado e de Constituição, a saber:
Persistimos atrelados a um paradigma penal de nítida feição de índole interindividual; não engendramos,
ainda, as condições necessárias para o enfrentamento dos conflitos (delitos) de feição transindividual, os
quais compõem majoritariamente o cenário desta fase de desenvolvimento da Sociedade Brasileira. Basta,
para tanto, verificar a ineficácia do establishment jurídico-penal na prevenção (...). Assim, prevenir que um
dano ocorra ou que um mal maior seja concretizado é seguir o entendimento constitucional que protege o meio
ambiente. No caso, incluir um ente moral no pólo passivo de uma ação por dano ao meio ambiente, quando
configurado o benefício por decisão de seu representante legal, é tomar uma medida preventiva, para que a
empresa não continue a agir desta forma, ou seja, sem responsabilidade pelas conseqüências advindas.
108
jurídica. Entendimento contrário seria aduzir que este conteúdo da legislação penal não possui
razão de ser, admitindo a imprestabilidade ou a inutilidade do Direito Penal para colaborar
na melhoria e recuperação do meio ambiente
182
.
Além disso, para que o ente moral seja responsabilizado precisa ser parte em um
processo judicial, para que se cumpra o disposto constitucional no art. 5°, inciso LIV e LV
183
.
Não se pode deixar de considerar que o parágrafo único, do art. 3º da Lei n° 9.605/98
184
,
indica que essa responsabilidade penal não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras e
partícipes, ficando clara a possibilidade de ambas (pessoas físicas e jurídicas) figurarem em
processo desta natureza, mas não necessariamente no mesmo instrumento jurídico.
O que deve ser levado em consideração é que a empresa deverá figurar no processo
judicial, devidamente representada nos autos, se estiver comprovado que o dano tenha sido
ocasionado por meio de decisão das pessoas físicas competentes. E será por essa razão, ou
seja, de que o responsável agiu no interesse e benefício do ente jurídico, que não se pode dizer
da responsabilização por ato de terceiros
185
.
Até porque se a empresa beneficia-se de atos que, como conseqüência, ocasionam
poluição ambiental, independentemente de seus agentes quererem ou não o resultado, mas
arriscando-se para tanto, não pode ela depois se esconder por trás da pessoa física que assim
autorizou e decidiu. Seria beneficiar-se duplamente, razão pela qual verifica-se a presença da
182
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Malheiros editores,
2001, p.661.
183
Art. 5º, da CF/88: (Omissis); LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
184
Art. 3º, da Lei nº 9.605/98: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade. In: MEDAUAR, Odete
(org). Coletânea de legislação de direito ambiental, Op. cit., p.441.
185
Neste mesmo sentido está ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica,
Op. cit., p.28/29, in verbis: Não será responsabilidade pelo fato de outro, se a punibilidade pressupor que o
responsável direto da atividade proibida tenha atuado em nome e no interesse da pessoa jurídica. E havendo
esta identificação, constata-se que o benefício da empresa pode ter sido o não investimento em novas
tecnologias limpas, em projetos de segurança, etc. (não despendendo mais recursos financeiros). Quanto ao
interesse pode se exemplificar em um valor recebido na venda de um imóvel, com um passivo ambiental por
ela produzido e que a empresa adquirente nem fazia idéia de sua existência (e esta também não quis gastar
dinheiro na realização do chamado zoneamento ambiental).
109
responsabilidade subjetiva e não objetiva
186
.
Por outro argumento, na medida em que há a publicidade da legislação ambiental, há o
conhecimento da impossibilidade de direcionar óleos e graxas diretamente no leito do rio,
devendo ser implantados sistemas de tecnologia avançada de limpeza, de armazenamento e
até mesmo de monitoramento.
Caso não houver a instrumentalização de formas preventivas e técnicas mais modernas
de proteção e, por ventura, venha a ocorrer a degradação ambiental, poderá haver a
responsabilização da pessoa jurídica, se caracterizada a decisão ou omissão de seu
representante legal ou responsável que, não despendendo custos para tanto, propiciou o lucro
e o benefício da sociedade empresária, mesmo que indiretamente.
Cabe agora analisar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, não obtendo a proteção do meio ambiente,
entretanto, melhor sorte:
4.
Penal e Processual penal. Recurso especial. Crimes contra o meio ambiente.
Denúncia. Inépcia. Responsabilidade Penal da pessoa jurídica. Responsabilidade
objetiva.
Na dogmática penal a responsabilidade se fundamenta em ações atribuídas às
pessoas físicas. Destarte a prática de uma infração penal pressupõe
necessariamente uma conduta humana. Logo, a imputação penal à pessoas
jurídicas, frise-se carecedoras de capacidade de ação, bem como de culpabilidade,
é inviável em razão da impossibilidade de praticarem um injusto penal.
(Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte).
Recurso desprovido.
(Recurso Especial nº 622724/SC, da 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j.18/11/2004)
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público, irresignado pelo não
recebimento de denúncia feita contra a empresa Auto Posto de Lavagem Vale do Vinho Ltda.
186
Sobre a efetiva análise subjetiva da responsabilidade penal da pessoa jurídica, vale ressaltar entendimento de
FERREIRA FILHO, Edward. As pessoas jurídicas como sujeito ativo de crime na Lei 9.605/98./ In: Revista
de Direito Ambiental n° 10, ano3, abril-jun/98. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1998, p.24: Mas de
forma alguma a referida lei prevê a hipótese da responsabilidade penal objetiva, vez que, mesmo enfocando-
se a culpabilidade sob a ótica da responsabilidade social e tendo em conta o benefício do ente coletivo,
admite-se eximentes à referida responsabilização social, como o erro de tipo e as causas de justificação da
conduta, equivalendo a dizer que deverá ser apurado o elemento subjetivo, que deve ser analisado em cada
caso concreto, com as circunstâncias que o envolvem (...).
110
Em seus argumentos recursais, entende existir a responsabilidade penal da pessoa
jurídica, no caso, por incursão nas sanções previstas nos arts. 54, §2º, V e 60, ambos da Lei nº
9.605/98 (vide notas nºs 177 e 178). Isso porque, conforme laudo técnico feito pelo Batalhão
da Polícia Ambiental, das 03 (três) rampas de lavação, duas estavam desativadas possuindo
tubos que as ligavam ao curso de água, por onde eram lançados resíduos provenientes de
lavação de veículos, (...), (graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos), (...).
O julgado está fundamentado no entendimento de que a responsabilidade penal deve
ser atribuída somente às pessoas físicas, já que a jurídica é carecedora de capacidade para
agir, pressupondo uma conduta humana e, portanto, a sua impossibilidade de praticar o injusto
penal. A respeito, cita a existência de entendimento pacífico sobre o assunto, conforme o teor
de 2 (duas) decisões: Recurso em Habeas Corpus n° 2.882/MS
187
e Habeas Corpus n°
15.051/SP
188
.
Ocorre que ao invés de serem colacionadas decisões que tratem da impossibilidade da
pessoa jurídica ser responsabilizada por crimes ambientais praticados, o fizeram com julgados
cujo objeto são os crimes tributários e contra a ordem econômica (muito embora o art. 173,
§5º da CF/88 indique a possibilidade de imputação da pessoa jurídica).
Verifica-se aqui, portanto, uma interpretação de ementas sem a análise dos
fundamentos constantes no interior dos acórdãos, de forma a fazer o devido enquadramento e
cotejo analítico entre as questões diretamente relacionadas ao caso em apreço. Nesse sentido,
não se pode solucionar de forma igual questões cujos conteúdos e objetos de litígio sejam
completamente diversos.
187
Recurso em Habeas Corpus n° 2.882/MS, 6ª T., STJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13.09/93: RHC
- Penal - Processual Penal - Pessoa jurídica - Sócio - Responsabilidade penal - Denúncia - Requisitos - A
responsabilidade penal é pessoal. Imprescindível a responsabilidade subjetiva. Repelida a responsabilidade
objetiva. Tais princípios são válidos também quando a conduta é praticada por sócios de pessoa jurídica. Não
respondem criminalmente. Porém pelo só fato de serem integrantes da entidade. Indispensável o sócio
participar do fato delituoso. Caso contrário, ter-se-á, odiosa responsabilidade por fato de terceiro. Ser sócio
não é crime. A denúncia, por isso, deve imputar conduta de cada sócio, de modo a que o comportamento seja
identificado, ensejando possibilidade de exercício do direito pleno de defesa.
188
Habeas Corpus n° 15.051/SP, STJ, Min. Hamilton Carvalhido: Desprovida de vontade real, nos casos de
crimes em que figure como sujeito ativo da conduta típica, a responsabilidade penal somente pode ser
atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada
como criminosa ou concorra para a sua prática.
111
E aqui se pode falar no chamado ‘senso comum teórico’
189
, caracterizado pela
consumação de ‘verdades’ generalistas, aplicáveis a qualquer prática do Direito, como se
transportassem consigo um significado real e fundante de todas as soluções possíveis. E isto
tanto ocorre que leva o intérprete a permanecer em uma situação confortável e acrítica em
relação ao que está decidindo, já que não há o compromisso de realizar a substancialidade do
texto constitucional, juntamente com ligações fáticas e teórico-jurídicas. Acaba, pois, por
reproduzir sentidos e sufocar as capacidades interpretativas que valorizam o objeto em estudo.
Entretanto, estes fundamentos serão melhor analisados no capítulo 3.
Por fim nesse mesmo sentido também está o Supremo Tribunal Federal, conforme
ementa abaixo transcrita:
5.
Habeas Corpus.
(Omissis).
2. Responsabilidade penal objetiva.
3. Crime ambiental previsto no art. 2º da Lei nº 9.605/98.
4. Evento danoso: vazamento em um oleoduto da Petrobrás.
5. Ausência de nexo causal.
6. Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao
dirigente da Petrobrás.
7. Existência de instâncias gerenciais e de operação para fiscalizar o estado de
conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos.
8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto
agente criminoso. Diferenças entre conduta dos dirigentes da empresa e atividades
da própria empresa.
9. Problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco.
10. Impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos
riscos.
11. Habeas Corpus concedido.
(Habeas Corpus nº 83.554-6/PR, 2ª T., STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.
16/08/2005)
O Presidente da Petrobrás foi denunciado como incurso nas sanções previstas no art.
54 da Lei dos crimes ambientais (ver nota nº 177):
189
A respeito do senso comum teórico, cabe citar WARAT, Luiz Alberto., no texto O senso comum teórico dos
juristas, quando afirma (...) que ele representa um sistema de conhecimentos que organiza os dados da
realidade, pretendendo assegurar a reprodução dos valores e práticas predominantes. Trata-se de um
discurso que oferece respostas que apenas aludem ao real e comandadas por interesses que tomam a forma
de princípios ou diretrizes. Assim, não é difícil ver que o senso comum teórico apresenta um conjunto de
questões onde as respostas já são sobredeterminadas. (...). Vê-se, então, que o senso comum teórico não tem a
pretensão de construir um objeto de conhecimento sobre a realidade social, senão normatizá-la e justificá-la
por meio de um conhecimento padronizado. Disponível
em:<http://members.fortunecity.com/danilonl/luiz_alberto_warat.html
>.
112
por poluir os Rios Birigui e Iguaçu e áreas ribeirinhas, por meio do vazamento de
aproximadamente 04 (quatro) milhões de litros de óleo cru, provocando a
mortandade de animais terrestres e da fauna ictiológica, além da destruição
significativa da flora, porque embora tenham colocado em risco o meio ambiente
pela exploração e gerenciamento de atividades altamente perigosas, deixaram em
contrapartida de adotar medidas administrativas e de impor o manejo de
tecnologias apropriadas, dentre as disponíveis – para prevenir ou minimizar os
efeitos catastróficos que uma mera falha técnica ou humana poderia provocar em
atividades desta natureza(p.3).
Apesar de tratar-se de Habeas Corpus de pessoa física, já que nele não pode figurar
um ente moral, há no acórdão a análise da relação existente entre a Petrobrás e o seu
Presidente. Assim, conforme consta na decisão, o caso não é capaz de demonstrar que as
sucessivas decisões da pessoa física ensejaram no gravíssimo dano ambiental que redundou
em um derramamento de aproximadamente 4 (quatro) milhões de litros de óleo nos rios
Birigui e Iguaçu, bem como em áreas ribeirinhas.
O entendimento versa sobre a impossibilidade funcional de o Presidente da Petrobrás
fiscalizar cada funcionário da empresa, para o fim de evitar vazamento em cada centímetro
dos 14.627 quilômetros de oleodutos, o que seria considerado típico de responsabilização
objetiva por fato alheio(p.4).
O acórdão é rico em detalhes, no sentido de descrever minuciosamente que a
administração do Presidente apresenta um grande paradoxo, na medida em que a Petrobrás
obteve o melhor desempenho econômico da sua história, mas se envolveu em 03 (três)
grandes desastres ecológicos em pouco mais de 14 (quatorze) meses, a saber: os derrames de
óleo combustível na Bahia de Guanabara, nos Rios Birigui e Iguaçu e o acidente da P-37 no
campo do Roncador, sem contar os de menor gravidade.
Tudo isso, em virtude da implementação de métodos de produção industrial que
causam significativa degradação ambiental, mas que ‘justificáveis’ em prol do
113
desenvolvimento econômico e da busca pela auto-suficiência
190
.
Além disso, consta no acórdão que diante do tipo de atividade exercida, há a
impossibilidade de se aumentar abruptamente os níveis de produtividade e faturamento sem
comprometer a segurança. Aduz que as medidas protetivas ambientais somente foram
providenciadas pelo Presidente depois dos ocorridos acidentes, sendo implantado um
programa de prevenção, mas que como a empresa alcançará a excelência ambiental em 2003,
é impossível garantir que novos vazamentos de petróleo não irão ocorrer até lá (p.10).
Por fim, há a indicação de que este acidente é um exemplo claro de que o oleoduto não
estava sofrendo a manutenção preventiva e o controle adequado, havendo omissão na adoção
de medidas prévias que pudessem evitar o acidente, já que havia o conhecimento da situação
de perigo. A tese ainda está reforçada com a comprovação de que o Conselho de
Administração havia imputado ao Presidente várias funções: a estratégica, a corporativa, a de
gestão de negócios, a empresarial, a de desenvolvimento de novos negócios, a de
comunicação institucional, a do jurídico e, por fim, a do de meio ambiente (p.11).
Entretanto, após a leitura minuciosa de todos os acontecimento (e de forma
completamente contraditória), concluiu-se que tendo em vista que, diante dos fatos descritos
na denúncia, manifestamente não há qualquer prática de crime pelo paciente (p.20). E, por
fim, fez-se uma analogia, que se um automóvel bate em um poste de luz e o motorista morre,
não se vai processar criminalmente o presidente da companhia força e luz (p.21).
190
SAMPAIO, Francisco José Marques., Op. cit., p.11, traz informações importantes sobre esta relação entre o
desenvolvimento econômico e o tecnológico: Examinando-se o abrupto crescimento econômico verificado nos
últimos quatro ou cinco decênios e, sobretudo, os avanços tecnológicos ocorridos nos últimos vinte e cinco
anos a trinta anos, percebe-se que muito do ‘progresso’ obtido foi alcançado, por um lado, por meio do
desenvolvimento de técnicas e equipamentos que permitiram intensificar a obtenção e o aproveitamento de
recursos naturais e a espoliação da natureza em níveis inimagináveis e, por outro lado, por métodos de
produção industrial que causam significativa degradação ambiental, como sucede com atividades que
provocam a emissão de poluentes sólidos, líquidos e gasosos que contaminam corpos d’agua, o ar
atmosférico, o solo, o subsolo, a fauna e a flora de modo, muitas vezes, irreversível. E aqui fica caracterizada
a despreocupação em harmonizar os elementos econômico, social e ambiental para que, futuramente, a própria
economia continue ativa por motivos de preservação dos recursos naturais renováveis e não-renováveis.
114
Apesar de a presente decisão possuir indícios de cunho político, houve a contrariedade
frontal ao sistema jurídico constitucional de proteção do meio ambiente que, no caso, se daria
mediante a responsabilização da pessoa física, jurídica, autores, co-autores e partícipes,
sempre que configurada a decisão do representante legal. Na medida em que a empresa não
investiu esforços em tecnologias de prevenção, em função da busca incessante de crescimento
e faturamento, assim decidiu e permitiu que houvesse um beneficiamento e, por tal omissão,
possibilitou a degradação ambiental e a direta violação a este direito fundamental.
Diante de todas as decisões aqui colacionadas, percebe-se que o entendimento de Luis
Paulo Sirvinskas
191
, de que a tendência jurisprudencial é a negação da responsabilidade
penal da pessoa jurídica, possui fundamento. Os casos de poluição, de lançamento de
resíduos líquidos, óleos e outros (diretamente em recursos hídricos); de danos (direto e
indireto) às Unidades de Conservação e de danos ambientais ocasionados pelo derramamento
de aproximadamente 4 (quatro) milhões de litros de óleo nos rios Birigui e Iguaçu (e áreas
ribeirinhas), foram praticados e/ou ocasionados por decisões dos representantes legais das
pessoas jurídicas, no interesse e benefício destas.
Deixaram prejuízos à humanidade e, em especial, à sociedade brasileira, sem que seus
autores, co-autores, partícipes e entes morais fossem considerados responsáveis penalmente.
2.3.2 Os princípios da insignificância e da proporcionalidade
A seguir, serão analisados os fundamentos constantes em decisões dos Tribunais que
têm aplicado o princípio da insignificância nos casos de crimes ambientais:
1.
Direito penal e processual. Denúncia. Rejeição. Art. 43 do CPP. Lei 9.605/98.
Crimes ambientais. Entrada em funcionamento de usina hidrelétrica. Licença de
operação concedida pelos órgãos responsáveis. Mortandade de peixes. Efeito
inevitável. Atipicidade da conduta. Ausência de indícios suficientes da
materialidade delitiva. Proporcionalidade entre tutela criminal e lesão ao
ecossistema. Falta de justa causa. Prescrição em abstrato de parte dos fatos.
Recurso em sentido estrito desprovido.
(Recurso em Sentido Estrito nº 4764 (Processo: 200072020006269/SC), 8ª T. TRF
4ª Região, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, j. 25/02/2004, DJ 03/03/2004, p.
522)
191
Cf. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. 3.ed. São Paulo: editora Saraiva, 2004, p.75.
115
A ação gira em torno da imputação de empresa nos crimes ambientais previstos nos
arts. 54, §3º
192
; 58, I
193
; 67
194
; 68
195
; 29 §1º, I e II, §4º, II, IV, V e VI
196
, todos da Lei nº
9.605/98.
Ocorre que a Usina Hidrelétrica de Itá recebeu a competente Licença de Operação
(LO), sob a condicionante de que para a sua validade deveria fazer estudo de preservação dos
peixes migratórios antes do início de suas atividades. No mesmo documento foi acostada
cópia de portaria que indicava que o período de reprodução dos peixes de água doce
(piracema), na Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, ocorria de 1
o
de novembro de 1999 à 31
de janeiro de 2000.
Entretanto, a empresa assim não procedeu, fechando suas comportas no dia seguinte
ao recebimento da LO e ocasionando, assim, uma redução abrupta do nível do Rio Uruguai
(Unidade de Preservação Permanente) e, por conseqüência, danificando a fauna aquática, já
que os impediu de procriar.
Quanto ao crime praticado contra a fauna silvestre e o de poluição, de forma a
comprometer a saúde e o meio ambiente, consta no julgado (p.06) que o fato de haverem sido
fechadas as comportas da Usina Hidrelétrica de Itá em 16/12/1999, no período da piracema,
não implica (...) a caracterização de crime ambiental. (...) uma obra de tamanha envergadura
necessariamente acarreta mudanças (...). Não há prova se a quantidade de peixes mortos foi
maior que a previsível e ainda, a par de possuir licença ambiental para o empreendimento, a
empresa salvou peixes que ficaram presos nos lagos criados para tal operação.
192
Art. 54, da Lei nº 9.605/98: (Omissis); §3º. Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem
deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medida de precaução em caso de risco de
dano ambiental grave ou irreversível. In: MEDAUAR, Odete (org), Op. cit., p.450.
193
Art. 58, da Lei nº 9.605/98: Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas: I – de 1/6
(um sexto) a 1/3 (um terço) se resulta dano irreversível a flora ou ao meio ambiente em geral. Id.Ibid., p.450.
194
Art. 67, da Lei nº 9.605/98: Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo
com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo
do Poder Público. Id.Ibid., p.451.
195
Art. 68, da Lei nº 9.605/98: Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir
obrigação de relevante interesse ambiental. Id.Ibid., p.452.
196
Art. 29, da Lei nº 9.605/98: Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos
ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em
desacordo com a obtida: (...); §1º - incorre nas mesmas penas: I - quem impede a procriação da fauna, sem
licença, autorização ou em desacordo com a obtida; II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou
criadouro natural; (Omissis); §4º - a pena é aumentada de metade, se o crime é praticado: (Omissis); II – em
período proibido à caça; (Omissis); IV – com abuso de licença; V – em unidade de conservação; VI – com
emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa. Id.Ibid., p.445/446.
116
A respeito, cabe dizer que o simples não cumprimento das condicionantes constantes
na Licença de Operação já é uma forma de colocar em risco o ecossistema em comento, e
sabendo-se de legislação que direciona o manejo destes complexos sistemas aquáticos, como
é o caso das piracemas, qualquer alteração na condição local coloca em risco o equilíbrio e a
harmonia ambiental.
Assim, antes mesmo de se verificar a extensão da degradação do meio ambiente, a
referida hidrelétrica já colocou em risco o equilíbrio ecológico, bem como descumpriu
expressa determinação da LO, razão pela qual já haveria a necessidade de responsabilização.
No entanto, houve o entendimento de que não restou demonstrado que o prejuízo
ambiental causado ultrapassou a esfera da responsabilidade civil/administrativa, inexistindo
motivos para o prosseguimento da ação penal. A par disso, aduz que não se mostra razoável
punir os réus por causar lesão mínima ao ecossistema, sob pena de caracterizar-se ofensa ao
princípio da proporcionalidade.
A respeito destes argumentos, cabe dizer que na medida em que há a confirmação da
existência de degradação do meio ambiente, mesmo que considerada mínima, mas que
desproporcional em relação à sanção cominada, não se está considerando a sua autonomia
científica e o valor jurídico constitucional fundamental que este bem possui. Sem contar na
desconsideração da dificuldade da reparação do dano, que gera, freqüentemente,
conseqüências irreversíveis.
Nessa metódica, o topos utilizado é a gravidade da pena. Se mais grave, não se
reconhece a lesão ao ambiente. Se menos grave, a lesão ao ambiente será reconhecida
197
.
Entretanto, esses argumentos não podem prevalecer, já que não há dano insignificante à
natureza, sob pena de contrariar todo o preceito constitucional de preservá-la, bem como os
conceitos e elementos que formam os ecossistemas, que estão em cadeia.
197
Cf. LEITE, Jose Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo., Op. cit., p.234. Mais adiante (p.239), bem
explica esta relação entre a autonomia do direito ambiental e a intergeracionalidade, in verbis: (...) procurou-se
evidenciar e contextualizar essas condições de aplicação denunciando a insuficiência e inadequação da
metódica que utiliza, a qual continua a reproduzir uma postura ainda limitada de compreensão da autonomia
do bem ambiental, restringindo os critérios de ponderação tão-somente aos interesses atuais das presentes
gerações, quando aquele contempla, como objetivo fundante, a necessidade de comunicação intergeracional
como pressuposto para a tomada de decisões. Necessária, portanto, uma imediata alteração de paradigma.
117
2.
Penal. Crimes contra a fauna. Lei nº 9.605/98. Princípio da insignificância.
Aplicação restrita. Estado de necessidade. Erro de proibição. Inexigibilidade de
conduta diversa. Excludentes não configuradas. Porte ilegal de arma. Lei nº
9.437/97. Concurso material.
1. A objetividade jurídica da Lei nº 9.605/98 é a preservação das espécies da flora
e da fauna silvestre, controlando e coibindo excessos comprometedores ao
equilíbrio ambiental.
2. O abate de apenas um animal pertencente á fauna silvestre (capivara), sem
finalidade de comercialização, e que se destinava à alimentação dos acusados, não
implica desequilíbrio ecológico que deve merecer a censura penal, dada a lesão
ínfima produzida pelo fato delituoso.
3. Aplicação do princípio da insignificância no sentido de absolver os réus pelo
delito previsto no art. 29, §4º, inciso V, da Lei nº 9.605/98, com base no art. 386,
inciso III, do CPP, não se justificando a condenação, por ser desproporcional à
significação social do fato.
(Omissis).
(Apelação Criminal nº 1999.71.002423-2, 7ª T., TRF 4ª Região, Rel. Juiz Fábio
Rosa, j. 18/09/2001)
No acórdão consta que os réus praticaram crimes dentro da Estação Ecológica do
Taim, tais como a pesca de 30kg de peixe em local proibido, com redes de 150 e 180 (cento e
cinqüenta e cento e oitenta) metros e a caça de espécime integrante da fauna silvestre
(capivara), sem autorização da autoridade competente e mediante a utilização de arma de
fogo. No local foram encontrados, ainda, fogão duas bocas, botijão de gás pequeno e
espingarda calibre 22 (vinte e dois) (p.2).
Além do já descrito na ementa sobre o princípio da insignificância, dada a lesão
ínfima produzida pelo fato delituoso, aduz-se que na hipótese aqui versada, além de ter sido
abatido apenas um animal, os acusados não praticaram conduta por interesse comercial
(p.4).
Importa dizer que a lei ambiental não busca, somente, coibir excessos
comprometedores ao equilíbrio ambiental, mas, também, sim impedir qualquer atitude lesiva
ao meio ambiente (devidamente tipificada) e evitar que uma sensação de impunidade possa
levar à proliferação de condutas danosas. Ainda, o tipo penal do art. 29 não fala em caça de
animais silvestres para o comércio, este disposto no §1º, inciso III
198
do mesmo artigo.
198
Art. 29, da Lei nº 9.605/98: (Omissis); §1º (Omissis); III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire,
guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre,
nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não
autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. In: MEDAUAR,
Odete (org), Op. cit., p.446.
118
O fato de uma capivara ter sido caçada pelos réus dentro de uma unidade de
conservação, além da pesca descrita, já são motivos para a sua responsabilização. Não se pode
esquecer que a apreensão de fogão e botijão de gás demonstra a intenção dos agentes no ato,
razão pela qual não se pode deixar passar despercebida essa conseqüente lesão a direito
fundamental.
Concernente à aplicação do princípio da insignificância, cabe dizer que não deve ser
tolerada a prática de pequenas ações contra a natureza, já que, se reiteradamente consentidas,
podem resultar na inteira destruição do ecossistema e, por conseqüência, em danos
irreversíveis. Isso porque estes bens não podem ser isoladamente considerados, mas sim no
contexto global, pois se cada pessoa pudesse abater mesmo que um único animal silvestre,
sem sofrer punição, provavelmente não sobrariam muitas espécies vivas.
Interessante é a proposta féita por François Ost
199
, quando indica que deveria ocorrer a
aplicação da norma de proteção ambiental fundamentada em uma lista de animais
considerados em extinção, ameaçados de, ou em declínio pela sua degradação, para o fim de
um constante acompanhamento das espécies.
Na realidade brasileira, referida lista existe, conforme Instrução Normativa n° 3/2003
do Ministério do Meio Ambiente, estando disponível e sempre atualizada. Entretanto, faz-se
importante ressaltar que a decisão não pode ser baseada no fato de uma espécie animal estar
ou não ameaçada ou em declínio, já que a norma aplicável aduz à proibição de caça e morte
de qualquer animal silvestre, sendo, portanto, muito mais abrangente e preventivo do que a
proposta feita.
Abaixo, outras decisões de diferentes Tribunais que acompanham a mesma linha de
raciocínio sobre os princípios da insignificância e da proporcionalidade, acima descritos,
acabando por retirar ou pelo menos diminuir o elemento intimidatório da lei penal ambiental e
199
A natureza à margem da Lei - A ecologia à prova do Direito. Tradução: Joana Chaves. Lisboa: Instituto
Piaget, 1995, p.115/116.
119
estimulando, por conseqüência, o seu descumprimento
200
:
3.
Penal. Crime contra a fauna. Abate de jacaré com finalidade alimentícia. Autoria
duvidosa. Ausência de atos de comércio. Conduta típica. Caça sem finalidade
predatória. Inexistência de dolo. Objetividade jurídica da Lei nº
5.197/67: Proteção das espécies. Coibição de excessos comprometedores da fauna
silvestre. Aplicação do princípio da insignificância. Desproporcionalidade da
aplicação da pena à significação social do fato: absolvição. Apelo provido.
I – O apelante foi condenado por ter participado da caça de um jacaré que se
destinava a sua alimentação e de seus amigos, não demonstrando de forma segura
ter sido o autor do abate do animal, com finalidade de comércio
II – A objetividade jurídica da Lei nº 5.197/67 é a tutela à Fauna silvestre, o
equilíbrio ecológico e preservação das espécies, controlando e coibindo excessos
comprometedores ao equilíbrio ambiental, exigindo uma interpretação
abrandadora de seus rigores quando o caso concreto reclamar e justificar, afim de
que se cumpra sua finalidade e se alcance uma decisão justa, não se podendo falar
que o simples abate esporádico de um animal pertencente à Fauna silvestre, com a
intenção de alimentar-se de sua carne, subsuma-se aos tipos que pune com
severidade.
III – Aplicação do princípio da insignificância, visto que ínfima a afetação ao bem
jurídico tutelado, não se justificando a apenação, ainda que mínima, por ser
desproporcional à significação social do fato.
(Omissis).
(Apelação Crime nº 6896/SP, 1ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juiz Theotônio Costa, j.
19/09/2000, DJ 07/11/2000, p.292)
4.
Penal. Crime da fauna. Caça de espécimes. Princípio da insignificância. Recurso
provido.
1. Agente não contumaz na prática de apanha de pássaros.
2. A posse de apenas 3 (três) aves não causa dano considerável ao meio ambiente,
à sociedade e tampouco ofende ao ordenamento jurídico.
3. Aplicável, portanto, in casu o ‘princípio da insignificância.
4. Recurso provido para absolver o réu.
200
Seguem outras decisões: Apelação Criminal nº 141.048-8, 2ª Vara Criminal, TJPR, Rel. Juiz Convocado José
Maurício Pinto de Almeida, J. 06/11/2003 (uma capivara e três tatus); Apelação Criminal n° 4.283.990
(Processo n° 428.399-93/PR), 1ª T., TRF 4ª Região, Rel. Juiz Vilson Darós, DJU 06/09/95, p.58.206 (uma
ave) – Cf. LEITE, Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo, Op.cit., p.235; Apelação Criminal n°
5.117.809, 2ª T., TRF 5ª Região, Rel. Juiz José Delgado, DJU 18/08/95, p. 52.574 (dezessete borboletas) –
Id.Ibid, p.236; Apelação Criminal n° 3.099.253-94/SP, 2ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juíza Sylvia Steiner, DJU
07/02/96, p.5.465 (duas espécimes de fauna silvestre) – Id.Ibid, p.236; Apelação Criminal n° 3.027.195-95/SP,
1ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juiz Sinval Antunes, DJU 10/01/95, p.68.890 (animais silvestres) – Id.Ibid, p.236;
Apelação Criminal n° 30.81.968-94/SP, 1ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juiz Sinval Antunes, DJU 06/06/95,
p.34.962 (duas aves) – Id.Ibid, p.236; Apelação Criminal n° 3.078.341-3/SP, 1ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juiz
Sinval Antunes, DJU 06/02/96, p.4.977 (aves da fauna silvestre) – Id.Ibid, p.236/237, Apelação Criminal n°
3.105.712-94/SP, 1ª T., TRF 3ª Região, Rel. Juiz Theotônio Costa, DJU 05/03/96, p.11.896 (uma capivara) –
Id.Ibid, p.237; Recurso Especial n° 182.847/RS, 6
a
T. STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09/03/1999 (um
tatu) – Cf. Revista de Direito Ambiental n° 15, ano4, jul-set/99. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
1999, p. 248/249; Apelação em Mandado de Segurança n° 94.01.27024-4/MG, 3
a
T., TRF 1
a
Região, Rel. Juiz
Airton de Carvalho, j. 12/11/1998 (cinqüenta e três pássaros) – Id.Ibid., p. 264/265; Apelação Criminal n°
46.259-9, 2
a
T. Criminal., TJMS, Rel. Pres. Rubens Bergonzoni Bossay, j. 22/05/96 (pesca predatória de
peixes) – In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord). Revista de Direito Ambiental n° 6,
ano2, abril-jun/97. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1997, p.164/168.
120
(Apelação Crime nº 30.35.869/95/SP, 1ª T. TRF 3ª Região, Rel. Juiz Roberto
Haddad, DJ 18/06/96, p.41.733)
201
5.
Penal. Ação penal. Crime contra a fauna. Consumo de dois tracajás
202
.
1. A intervenção punitiva do Estado só se justifica quando está em causa um bem
ou um valor social importante. As lesões a bens jurídicos só podem ser submetidas
à pena, quando isso seja indispensável para ordenar a vida em comum (Heleno
Cláudio Fragoso).
Recurso criminal improvido.
(Recurso Criminal nº 199501093093/TO, 4ª T., TRF 1ª Região, Rel. Juiz Mario
César Ribeiro, j. 28/04/1999, DJ 04/06/1999, p.303)
6.
Penal. Crime contra a fauna. Pequena quantidade de pássaros apreendidos.
Insignificância.
Em virtude da pequena quantidade de pássaros apreendidos (um casal de bonitos,
um tico-tico-rei, cinco azulões e um papagaio), não havendo comprometimento ao
meio ambiente, aplica-se o princípio da insignificância para absolver os acusados.
(Apelação Crime nº 4.295.176/SC (Processo nº 429.517-93), 2ª T. TRF 4ª Região,
Rel. Juiz José Jardim de Camargo, DJ 05/06/96, p.38.386)
203
Conforme as ementas acima descritas, constatou-se a mortandade ou a captura viva de
02 (dois) tracajás (em extinção); 1 (um) jacaré; 1 (uma) capivara (em Unidade de Preservação
Permanente), 2 (duas) capivaras e 3 (três) tatus; grande quantidade de fauna aquática do Rio
Uruguai (em Unidade de Preservação Permanente), principalmente os peixes que lá se
reproduzem na época da piracema (imensurável); 4 (quatro) aves; 1 (um) casal de bonitos, 1
(um) tico-tico-rei, 5 (cinco) azulões; 1 (um) papagaio; 17 (dezessete) borboletas; 4 (quatro)
animais silvestres sem especificação nos acórdãos, sem contar os demais não descritos.
Em todos os casos, nenhuma sanção foi aplicada aos réus, sob o fundamento de que
estes bens ambientais, por serem abatidos e/ou apreendidos em pequena quantidade, são
insignificantes (de bagatela) e, por isso, a sanção a ser aplicada ao infrator é desproporcional
201
Decisão referida no livro de LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo, Op. cit., p.235.
202
(...) rio Abunã, que divide a fronteira do Acre com a Bolívia (...). A abundância de quelônios que incomodava
os barqueiros e fazia a alegria dos nativos que se alimentavam de sua carne e de seus ovos, de cerca de uma
década para cá, passou a ser uma espécie de lenda e motivo de preocupação, principalmente para os
ecologistas. Moradores e viajantes começaram a perceber que a ocorrência dos animais nas praias, mesmo
em período de desova, diminuiu sensivelmente. A causa é a ação predatória do homem e dos animais que se
alimentam dos ovos e dos próprios quelônios. A diminuição da espécie na região, com claros sinais de que
poderia caminhar para a ameaça de extinção, levou um grupo de ambientalista a se reunir e montar um
projeto visando garantir a perpetuação da espécie. Aqui, exemplo da atuação dos organismos não
governamentais para proteger este quelônio de sua extinção, sabendo das conseqüências que traz, como o
desequilíbrio ecológico. Confira o site: http://www2.uol.com.br/pagina20/15112003/p_071511.htm
203
Decisão referida no livro de LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo, Op. cit., p.236.
121
(de maior prejuízo). Esquece, entretanto, que o meio ambiente está constitucionalmente
protegido, e qualquer ato atentador a este bem (penalmente tipificado) deve ser punido. O seu
não cumprimento gera a inefetividade da Constituição.
Essa soma (como visto acima) demonstra a real extensão do dano provocado aos
ecossistemas
204
e, por isso mesmo, uma das razões pelas quais há o atual desequilíbrio
ecológico. Vale frisar que não se pode mais olhar o homem como um ser fora da natureza em
que vive, já que participa da vida na Terra, devendo ocorrer, portanto, uma imediata mudança
de paradigma
205
na busca de uma maior consciência ecológica.
Um outro ponto importante que não se pode deixar de analisar é o fato de esses crimes
contra o meio ambiente serem considerados de menor potencial ofensivo, razão pela qual
estão, por si só, a violar diretamente o sistema constitucional de preservação da natureza, bem
como a própria principiologia democrática.
Isso porque, sendo um bem com status fundamental e de afetação difusa, deve ter uma
total proteção legislativa, com normas que indiquem seu verdadeiro valor e, portanto, com
sanções que explicitem a sua importância e abrangência. Não sendo feito, como é o caso das
Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01 (pena máxima cominada não superior a dois anos), constata-se
a pouca importância dada a este bem e, por conseqüência, à vida e à própria dignidade
humana.
204
Confirmando este entendimento de que se deve levar em consideração o prejuízo de um único elemento da
natureza, já que a sua soma ou até mesmo a cumulatividade com outros fatores (muitos dos quais
imprevisíveis) será muito mais catastrófica, está OST, François., Op. cit., p.117, quando diz que: Mais, a
própria superveniência destes prejuízos é aleatória, uma vez que podem resultar de acção cumulativa,
largamente imprevisível, de factores muito diversos, pouco nocivos enquanto isolados, mas potencialmente
perigosos quando cumulados.
205
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito do Ambiente e crítica da razão cínica das normas jurídicas./ In:
Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território. Nº 1, set/95. Lisboa: APD, 2005, p.98 apud
LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo Ayala., Op. cit., p.240. O autor traz um importante
alerta, a saber: O direito deveria, de acordo com as suas poses, assumir a responsabilidade pela defesa da
vida na Terra – e não apenas do homem. Para os fundamentalistas ecológicos seria o olhar com desconfiança
para os juristas, mesmo para os juristas com alguma consciência ecológica. Estes não conseguem abandonar,
não obstante as suas juras ambientais, o mito de Adão fora do paraíso. Os perigos estariam à vista: quando
os juristas se interessam pelo ambiente, deveremos estar sempre de vigília, pois existirá sempre o risco de, em
vez de se conseguir a ecologização do direito, se terminar encapuçadamente na jurisdicização da ecologia.
Daí as propostas e desafios fractais das correntes ecológico-quimicamente puras: só uma visão ecocemtrica –
a defesa da vida, a salvação do planeta Terra – constituirá um ponto de partida satisfatório para um Direito
do Ambiente ecologicamente amigo. Os desafios aí estão: para quando um sistema jurídico reconhecedor de
direitos fundamentais da natureza? Enquanto não se consagrarem, em termos jurídicos, direitos dos animais e
direitos das plantas – direitos dos seres vivos ao lado dos direitos do homem, os ecologistas continuam a
olhar para o direito do Ambiente como a expressão mais refinada da razão cínica.
122
Entretanto, cabe lembrar que não há liberdade absoluta de conformação legislativa
nem mesmo em matéria penal, motivo pelo qual o legislador deve respeitar as normas, os
princípios e os direitos fundamentais constitucionais quando da feitura das leis
206
, bem como
o princípio da proporcionalidade de dupla face, em que de um lado há a proibição de excesso
(Übermassverbot), e de outro há a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)
207
.
Ou seja, em relação a estas leis acima citadas, o legislador não observou a cláusula de
proibição de proteção deficiente, pois trata a violação ao direito constitucional fundamental ao
equilíbrio ecológico como um crime de menor potencial ofensivo.
Diante disso, além de uma da equiparação de bens culturalmente diferentes
(individuais, sociais, difusos), todos eles possuem uma única solução (pena máxima cominada
não superior a dois anos). São crimes formalmente considerados como de menor potencial
ofensivo, porque baseados em um critério penal quantitativo (baseado na quantidade da pena)
e não quanto à importância qualitativa de seus bens violados (de direito fundamental), bem
como as especificidades de cada caso. Há aí uma expressa violação aos compromissos e
objetivos constitucionais compromissórios e democráticos.
Nos casos judiciais anteriormente analisados, deveria ter sido argüida esta cláusula de
proibição de proteção deficiente, para o fim de submeter a norma do art. 61, da Lei nº
9.099/95 (utilizada como referencial para a Lei nº 10.259/01), ao controle de
constitucionalidade, já que não há uma ‘blindagem’ que a resguarde de revisão.
Nesta linha, Lenio Luiz Streck
208
, identificando essas incompatibilidades, bem como a
falta de objetividade (válida ou pelo menos aceitável) dos critérios utilizados para considerar
um crime como de menor potencial ofensivo, propõe seja declarada a nulidade parcial sem
redução de texto do parágrafo único, do art. 2º da Lei nº 10.259/01
209
.
206
STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais, Op. cit., p.183. O autor faz a crítica a duas questões: (...) é constitucional
estabelecer como critério de aferição do que seja menor ou maior potencial ofensivo o montante da pena (...)?
Tem o legislador carta branca para estabelecer, sem limitações no que concerne à teoria do bem jurídico, o
que é delito de menor potencial ofensivo? O assunto será melhor analisado no capítulo seguinte.
207
Id.Ibid, p.176.
208
Ibid.,p.185 e 196.
209
Com a alteração da lei, unificado em 2 (dois) anos a pena cominada para os crimes de menor potencial
ofensivo (Estadual e Federal), a Declaração de Nulidade Parcial Sem Redução de Texto transferiu-se para o
art. 61 da Lei 9.099/95.
123
Seria um acolhimento de inconstitucionalidade parcial qualitativa, para o fim de
serem afastadas as infrações penais que, efetivamente, não podem ser (quantitativamente)
classificadas (...) como tais. Apesar de difícil esta tarefa de exclusão qualitativa, cita o autor
um rol inicial de delitos que jamais poderiam ter sido (...) assim considerados, a exemplo dos
crimes ambientais.
No capítulo 3, será melhor abordada a ausência de liberdade do legislador, a ser
relacionada com o constitucionalismo contemporâneo e o problema da correta pergunta a que
o texto pode responder, para o fim de identificar aqueles bens fundamentais que devem ser
afastados desta atual descriminalização.
2.3.3 A prescrição
A questão da prescrição é outro problema que influi na efetividade do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Diante do fato de a maioria dos
crimes previstos na Lei nº 9.605/98 serem de menor potencial ofensivo (conforme visto
acima), suas penas são de pouca duração e, por isso, com maior probabilidade de intercorrer a
prescrição punitiva, já que há uma proporcionalidade entre ambas. Resta estudar algumas
decisões neste mesmo sentido
210
:
1.
Penal - processo penal - artigo 29, § 1º, inciso I da lei 9.605/98 - crime contra a
fauna - espécime em extinção - interesse do IBAMA - autarquia federal
competência da justiça federal - precedentes do STJ - recurso ministerial provido –
prescrição da pretensão punitiva estatal. Extinção da punibilidade decretada de
ofício.
(Omissis).
210
A seguir, decisões em que intercorreu a pretensão punitiva: Apelação Criminal n° 95.01.10226-2/MG, 3
a
T.,
TRF 1
a
Região, Rel. Juiz Cândido Ribeiro, j. 10/11/98 (uma ave) - Revista de Direito Ambiental n° 15, ano4,
jul-set/99, Op. cit., p.265/269; Apelação Criminal nº 3198 (Processo nº 200202010059895/RJ), 3ª T., TRF 2ª
Região, Rel. Juíza Tânia Heine, j. 25/03/2003, DJ 05/05/2003, p.139 (animais silvestres e inclusive Araras
Azuis de Lear – espécime rara, ameaçada de extinção); Apelação Criminal nº 6194 (Processo nº
97030059694/SP), 5ª T., TRF 3ª Região, Rel. Des. Fausto de Sanctis, j. 02/10/2001, DJ 12/11/2002, p.415;
Apelação Criminal nº 8343 (Processo nº 199903990000570/SP), 5ª T., TRF 3ª Região, Rel. Des. André
Nabarrete, j. 05/06/2001, DJ 03/07/2001, p.282; Apelação Criminal nº 2814 (Processo nº 93030950348/SP),
T., TRF 3ª Região, Rel. Des. André Nabarrete, j. 24/04/2001, DJ 05/06/2001, p.393; Apelação Criminal nº
6354 (Processo nº 97030174205/SP), 5ª T., TRF 3ª Região, Rel. Des. Fausto Sanchis, j. 26/09/2000, DJ
16/01/2001, p.118; Apelação Criminal nº 5050 (Processo nº 95031036410/SP), 5ª T., Rel. Des. Fausto
Sanchis, j. 14/12/1999, DJ 22/08/2000; Apelação Criminal nº 70006854673, 4ª Câm. Crim., TJRS, Rel. Des.
Gaspar Marques Batista, j. 09/10/2003.
124
2.Na hipótese dos autos, (...) algumas das espécimes apreendidas em poder do
recorrido são consideradas "em extinção" pelo IBAMA (pássaros caboclinho e
saíra), constando do Anexo à Instrução Normativa nº 3, de 27 de maio de 2003, do
Ministério do Meio-Ambiente, que arrola as espécimes de nossa fauna em vias de
extinção.
3. Segundo o artigo 54 da Lei 9.985/2000, somente é permitida a captura ou
criação de espécimes consideradas em extinção, mediante prévia autorização do
IBAMA, (...).
4. Entretanto, é medida impositiva a decretação da extinção da punibilidade pela
ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, no caso em apreço, eis que
a natureza jurídica do referido instituto autoriza seu reconhecimento a qualquer
tempo e grau de jurisdição.
5. Considerada a conduta imputada ao réu, tipificada pelo artigo 29, § 1º, inciso I,
da Lei 9.605/98, e, observada a causa de aumento em padrão fixo estabelecida no
§ 4º desse mesmo dispositivo, chega-se à pena máxima de 1 (hum) ano e 6 (seis)
meses de detenção, o que importa na fixação da baliza prescricional de 4 (quatro)
anos, conforme reza o artigo 109, inciso V, do Código Penal.
6. Desde a data dos fatos (06/06/1999), até o presente momento, já transcorreu
lapso de tempo superior a 04 (quatro) anos, de modo que é de rigor a decretação
da extinção da punibilidade em relação ao acusado, pelo delito previsto no inciso I
do § 1º do artigo 29 da Lei 9.605/98, tendo em vista o advento da prescrição da
pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, combinado com os
artigos 109, inciso V, ambos do Código Penal.
7. Extinção da punibilidade decretada de ofício.
(Recurso Criminal nº 2558/SP (Processo: 1999.61.81.005634-0), 5ª T., TRF 3ª
Região, Rel. Juiza Ramza Tartuce, j. 01/12/2003, DJ 17/12/2003, p.237)
2.
Direito penal e processual. Denúncia. Rejeição. Art. 43 do CPP. Lei 9.605/98.
Crimes ambientais. Entrada em funcionamento de usina hidrelétrica. Licença de
operação concedida pelos órgãos responsáveis. Mortandade de peixes. Efeito
inevitável. Atipicidade da conduta. Ausência de indícios suficientes da
materialidade delitiva. Proporcionalidade entre tutela criminal e lesão ao
ecossistema. Falta de justa causa. Prescrição em abstrato de parte dos fatos
.
Recurso em sentido estrito desprovido.
(Recurso em Sentido Estrito nº 4764/SC (Processo: 200072020006269), 8ª T., TRF
4ª Região, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, j. 25/02/2004, DJ 03/03/2004, p.
522)
3.
Direito penal. Crime contra a fauna. Art. 29 da lei 9.605/1998. Materialidade e
autoria. Laudo pericial. Agravante. Espécies em extinção. Descabimento. Redução
da pena. Prescrição.
1. Materialidade e autoria plenamente evidenciadas nos autos.
2. Aplicação da agravante prevista no art. 29, §4º da Lei 9.605/1998 pressupõe a
constatação inequívoca de que a espécie abatida é rara ou encontra-se ameaçada
de extinção, nos termos da regulamentação expedida pelo IBAMA. No caso dos
autos, inexistindo laudo elaborado por peritos na matéria, descabe a incidência da
referida majorante.
3. Sendo a pena aplicada inferior a um ano, ocorreu a prescrição da pretensão
punitiva, tendo em vista o decurso de mais de dois anos entre a data do
recebimento da denúncia e a publicação da sentença.
(Apelação Criminal nº 5727 (Processonº 200004010337556/RS), 8ª T., TRF 4ª
Região, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, j. 18/03/2002, DJ 17/04/2002, p.120)
125
Verifica-se que além de a sociedade ter sido prejudicada pela perda de muitos bens
ambientais (destruídos, mortos, apreendidos, etc.), não obteve da justiça uma resposta
correlata, qual seja, a responsabilização penal de quem os praticou, já que diante da duração
da prestação jurisdicional, a prescrição da pretensão punitiva transcorreu.
Uma outra questão está diretamente relacionada à prescrição: o Superior Tribunal de
Justiça revogou o enunciado da Súmula nº 91
211
. Assim, o que antes competia à Justiça
Federal, por se tratar de crimes por danos a bens por ela tutelados, compete agora à Justiça
Estadual, cabendo à primeira somente dirimir conflitos, cujos bens violados sejam de seu
direto interesse.
Ocorre que há dificuldades no entendimento do que seja ‘interesse direto’, razão pela
qual a questão da competência entre os órgãos jurisdicionais (Federal e Estadual), continua
sendo discutida nos respectivos Tribunais
212
, oportunizando as prescrições indicadas nos arts.
109 e 110, do Código Penal (CP)
213
.
Percebe-se com isso que assuntos como competência e prescrição possuem um
elevado grau de importância em detrimento do próprio objeto envolvido, da discussão sobre
as lesões ao meio ambiente e, por conseguinte, das conseqüências que afetam a vida do ser
humano, relegados a um segundo momento.
211
Súmula 91, do STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna.
Disponível em:< http://www.stj.gov.br >
212
Sobre conflitos de competência, todos do STJ: Recurso Criminal nº 2003.39.01.000696/PA, 6ª T., Rel. Min.
Cândido Ribeiro, DJ 22/12/2003; Recurso Criminal nº 2002.43.00.000259-4/TO, 6ª T., Rel. Min. Plauto
Ribeiro, DJ 05/04/2002, p.138; Recurso Especial nº 591.998/TO, Rel. Min. Feliz Fischer, DJ 08/03/2004;
Recurso Especial nº 480.406/TO, 5ª T., DJ 16/02/2004; Recurso Especial nº 480.411/TO, Rel. Min. José
Arnaldo, DJ 13/10/2003; Recurso Especial nº 433.369/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 21/02/2003;
Conflito de Competência nº 38.386/BA, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 16/06/2003; Conflito de Competência nº
31.077/SP, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 04/02/2002; Conflito de Competência nº 31.759/MG, Rel. Min.
Paulo Gallotti, DJ 12/11/2001; Conflito de Competência nº 28.848/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ
19/02/2001; Conflito de Competência nº 24.975/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 24/05/1999; Conflito de
Competência nº 20.928/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 17/02/1999; Recurso Especial nº 601154/TO,
6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 28/06/2004. E decisão do TRF 1ª Região: Recurso Criminal nº
199901000485452/DF, 3ª T., Rel. Des. Luciano Tolentino Amaral, j. 05/02/2002, DJ 16/05/2003, p.78.
213
O art. 109, do CP, determina que: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o
disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime, verificando-se: (Omissis); V – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um)
ano, ou, sendo superior não excede a 2 (dois); VI – em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um)
ano”. E o art. 110, também do CP, indica que: “A prescrição depois de transitar em julgado a sentença
condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior (...). Cf. Código
Penal. Coordenação Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. 3.ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1998,
p.159.
126
Assim, se o envio de um processo e a sua respectiva análise pelo STJ demora em
média de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos, oportunidades há para que o prazo prescricional decorra
em favor do infrator e em prejuízo do direito fundamental de todos ao equilíbrio ecológico.
Assim, cabe citar decisões
214
que bem expressam essa questão entre o conflito de competência
e a prescrição:
4.
Penal. Crimes contra a fauna. Edição da lei n.° 9.605/98. Cancelamento da Súmula
n° 91 do STJ. Delito que não lesiona bens, serviços ou interesses da União.
Competência da Justiça Estadual. Lapso temporal. Ocorrência da prescrição
superveniente. Extinção da Punibilidade decretada de ofício.
1. O Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, após a
revogação do enunciado da Súmula n.º 91, compete à Justiça Estadual, de regra, o
processamento e o julgamento dos feitos que visem à apuração de crimes
ambientais.
2. A competência será da Justiça Federal apenas naqueles casos em que se
evidenciar a existência de qualquer lesão a bens, serviços ou Interesses da União,
o que na espécie não ocorre.
3. Recurso ministerial não conhecido.
4. Reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade estatal pela prescrição
da pretensão punitiva superveniente.
(Recurso Especial nº 499065/RS, 5ª T., STJ, Rel. Min Laurita Vaz, j. 16/09/2003,
DJ 13/10/2003, p.424)
5.
Agravo regimental em recurso especial. Crime ambiental. Súmula nº 91/STJ.
Inaplicabilidade após o advento da lei nº 9.605/98. Inexistência de lesão a bens,
serviços ou interesses da União. Competência da Justiça Comum Estadual.
1. Em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo, quanto
aos crimes ambientais, dispositivo Constitucional ou legal expresso sobre qual a
justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o
julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual.
2. Inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da união
(artigo 109 da CF), afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e
o julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, aí compreendidos os
delitos praticados contra a fauna e a flora.
3. Inaplicabilidade da Súmula nº 91/STJ, editada com base na lei nº 5.197/67, após
o advento da lei nº 9.605, de fevereiro de 1998.
4. Ultrapassado o lapso temporal extintivo de 4 anos (artigo 109, inciso V,
combinado com o artigo 110, parágrafo 1º, ambos do Código Penal), contados da
sentença penal condenatória, forçoso o reconhecimento da prescrição da pretensão
punitiva, modalidade superveniente.
5. Agravo regimental improvido. Prescrição da pretensão punitiva declarada de
ofício.
(Agavo Regimental no Recurso Especial nº 704209/PA, 6ª T., STJ, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, j. 02/02/2006, DJ 06.03.2006, p.478)
215
214
Nesse sentido, outra decisão sobre o assunto: Embargos de Declaração em Habeas Corpus nº 23286/SP, 5ª T.,
STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 24/05/2005, DJ 20/06/2005, p.301.
215
Crime: recebimento irregular de 3.740, 627m3 de madeira em tora - período: 06/1998 e 02/2000 (p.06).
127
Dessa forma, os crimes cujos bens agredidos foram vários espécimes apreendidos,
além daqueles mortos ou que estão em extinção, como pássaros caboclinho e saíra, canários-
da-terra, azulão, várias araras azuis de Lear, fauna aquática, principalmente os peixes que se
reproduzem na época da piracema no Rio Uruguai (Unidade de Preservação Permanente)
desequilibrando o ecossistema existente, tiveram suas pretensões punitivas prescritas. Se não
houvesse as discussões sobre essas competências, já anteriormente descritas pela Constituição
Federal, muitos dos crimes e seus infratores poderiam ter tido um outro fim.
Para fins de esclarecimento, cabe dizer que as decisões acima descritas, tanto nos seus
aspectos constitucional e civil quanto no penal, foram colacionadas propositadamente por seu
conteúdo contrário ao sistema protetivo do meio ambiente. Teve como objetivo analisar suas
bases teóricas, historicísticas e doutrinárias, para identificar a existência de inautenticidades
em seus fundamentos.
Não se pode deixar de frisar que existem muitas decisões judiciais que aplicam a tutela
constitucional ambiental e, por conseguinte, estão a colaborar na eficácia de seu conteúdo.
Entretanto, os julgamentos acima citados conseguem demonstrar a sua capacidade de vulnerar
o equilíbrio ecológico, tanto pelo número de espécimes degradados quanto pelos danos
ambientais constatados, ainda mais se considerados todos os argumentos apresentados até
aqui, como a existência de uma cadeia linear entre os diversos ecossistemas e entre os
elementos em si, o status constitucional-fundamental desses bens, seu cunho difuso, a
necessidade de sua proteção, preservação, os princípios da precaução, prevenção,
solidariedade, etc.
Diante disso, acabam por contribuir em muito para a continuidade da degradação
ambiental, bem como para a falta de julgamento da irresponsabilidade de seus agentes,
violando a Carta Constitucional, especialmente o seu art. 225 e, por conseqüência,
expressando a ausência de efetividade de seus preceitos.
128
3 A CONSTATAÇÃO DE UMA PRÉ-COMPREENSÃO INAUTÊNTICA
No capítulo 2, foram analisadas decisões judiciais emanadas dos Tribunais Superiores,
Estaduais e Regionais de todo o Brasil, cujos fundamentos foram de encontro ao sistema de
tutela do meio ambiente. Foram feitos os contrapontos necessários, a fim de demonstrar por
meio da aplicação dos princípios e das normas constitucional-protetivo-ambientais a
necessidade de ocorrer uma interpretação conforme a Constituição e, por conseqüência, em
favor do equilíbrio ecológico.
A partir do presente capítulo 3, pretende-se identificar as características do Estado
Democrático de Direito, estatuído pela Constituição Brasileira, com o objetivo de conhecer o
novo papel adquirido pelo Poder Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais, mais
especificadamente, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dever do Poder Público e
da sociedade de protegê-lo e de preservá-lo.
Tais conhecimentos são de extrema importância, para que se consiga relacioná-los
com todos os elementos e argumentos apresentados nos capítulos 1 e 2. Isso porque se
pretende complementar o entendimento sobre o meio ambiente (em todos os seus aspectos:
biológicos, físico-químicos, culturais, elementos, instituições, normas, deveres, direitos, etc.)
com o processo do compreender, denominado de hermenêutica filosófica.
Esta interpretação, negando ser um método, é compreensão do mundo prático, dando
subsídios para identificar os problemas específicos de compreensão existentes nas decisões
dos Tribunais, que acarretam a inefetividade das normas constitucional-ambientais. Pretende-
se, assim, encontrar novas condições de possibilidade.
129
3.1 Constituição Brasileira de 1988 e o Estado Democrático de Direito
A existência de uma Constituição escrita (espécie de Contrato Social, em que Estado e
Sociedade somam esforços para o seu cumprimento) representa vários sentidos, como a
prevalência/resistência sobre a/à legislação ordinária e a instrumentalizão de uma Jurisdição
Constitucional (com controles de constitucionalidade abstrato e concreto)
Vale ressaltar, também, a força normativa vinculante, a legitimidade (muito embora
ela só se confirme na constante concretização do seu conteúdo), a função efetivadora e
garantidora tanto do não esquecimento das conquistas democráticas, jurídico-legais e dos
direitos fundamentais quanto do resgate das promessas (sociais) da modernidade não
cumpridas, além de um espaço garantidor das relações democráticas (...). (...) topos
hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema jurídico
216
.
Apesar de ser fundamento de validade deste sistema, não pode ser considerada como
um ente constituidor de sentido de outros entes (Grundmethode - meta critério), a retirar de si
uma regra imutável que determine o uso destas mesmas regras para todos os casos. Daí que é
possível afirmar que a noção de Constituição é um paradoxo, exatamente porque funda sem
ser fundamento, e, ao mesmo tempo, constitui sem constituir, como se houvesse um ponto de
216
Cf. STRECK, Lenio Luiz., em sua obra Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004, p.244. Mais adiante (p.245), além de outras características, salienta bem a proposta de
resgate das promessas da modernidade não cumpridas: A Constituição é, assim, a materialização da ordem
jurídica do contrato social, apontando para a realização da ordem política e social de uma comunidade,
colocando à disposição os mecanismos para a concretização do conjunto de objetivos traçados no seu texto
normativo deontológico. (...) O plus normativo representado pelo Estado Democrático de Direito resulta
como um marco definidor de um constitucionalismo que soma a regulação social com o resgate das
promessas da modernidade. Já a relação entre Constituição, legitimidade e função objetificadora é bem
esclarecida por MATEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Madrid: editora Trotta, 1998, p.25: Al
principio de la constitución escrita, se unen intrínsecamente otros caracteres: el de su legitimidad y el de su
función. La constitución escrita basa su legitimidad en dos elementos: ya sea en el contenido mismo y por su
justicia; ya sea en su fuente formal, por emanar de la voluntad soberana del pueblo a través de una asamblea
constituyente y, a veces, de un referéndum. (...). El segundo carácter se refiere a la función: se quiere una
constitución escrita no sólo para impedir un gobierno arbitrario e instaurar un gobierno limitado, sino para
garantizar los derechos de los ciudadanos y para impedir que el Estado los viole. Esta objetividade indica um
sentido mais objetivo, sem novas condições interpretativas e de possibilidades. A soma do conteúdo destas
normas indica uma boa abrangência do texto constitucional. E, por fim, identificando a Constituição como
aquela que determina e garante os direitos fundamentais, está MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito
social aos Interesses transindividuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p.68, quando diz que: Para
além da legalidade estatal, o Estado de Direito representa e referenda um algo mais que irá se explicitar em
seu conteúdo. Ou seja: não é apenas a forma jurídica que caracteriza o Estado mas, e sobretudo, a ela
agregam-se conteúdos. O século XX irá demonstrar claramente esta assertiva. (...). Assim, o Estado de Direito
não se apresenta apenas sob uma forma jurídica calcada na hierarquia das leis, ou seja, ele não está limitado
apenas a uma concepção de ordem jurídica mas, também, a um conjunto de direitos fundamentais próprios de
uma determinada tradição.
130
partida
217
.
Ocorre que ela se comporta como se fosse um ponto inicial, mas este se dá de várias
formas, exatamente porque o intérprete, além de já possuir uma compreensão prévia de seu
sentido, lhe dá novos sentidos ao interpretá-la. Assim, a Constituição é fundamento de sua
substancialidade (a ser constantemente interpretada para que o seu conteúdo seja construído),
constituidora da sociedade e, ao mesmo tempo, instrumento de sua própria concretização.
Essa interpretação conforme a Constituição é considerada como um princípio
imanente da Constituição, até porque não há nada mais imanente a uma Constituição do que
a obrigação de que todos os textos normativos do sistema sejam interpretados de acordo com
ela
218
, bem como com os valores, princípios e modelo de Estado vigente. Isso porque, e não
se pode esquecer disso, o texto constitucional é finito e com conceitos e dispositivos tanto
plurívocos, ambíguos quanto limitados, necessitando de uma determinação de sentido para
cada situação analisada e vinculando aos seus preceitos o Estado e a sociedade brasileira, em
um verdadeiro caráter horizontal, razão pela qual o operador do Direito não pode furtar-se a
tal hermenêutica.
A respeito da horizontalidade indicado por Daniel Sarmento
219
, cabe relacioná-la com
o direito fundamental ao meio ambiente, a saber: Na nossa opinião, os particulares também
estão vinculados a estes direitos, como ocorre tanto com o direito ao meio ambiente
ecologicamente preservado (art. 225), como com o direito à promoção e proteção do
patrimônio cultural (art. 215). Exemplo disso é a exigência de EIA/RIMA das empresas
potencialmente poluidoras, do zoneamento ambiental das áreas utilizadas, do recolhimento e
217
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica – uma nova critica do direito. 2.ed. Rio
de Janeiro: editora Forense, 2004, p.126. E mais adiante (p.127), complementa: Nesse sentido, a Constituição
emerge primariamente da própria existência e sempre a ela remete. Por isso, ela é um existencial.
218
Idem. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.252.
219
Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.364: Assim, considerando a
moldura axiológica da Constituição de 1988, não vislumbramos nenhuma razão objetiva para excluir a
eficácia direta e imediata dos direitos em questão nas relações privadas. (...). O direito fundamental ambiental
caracteriza bem a horizontalidade, já que todos têm o direito e o dever de protegê-lo. Já OLIVEIRA NETO,
Francisco José Rodrigues de. O poder judiciário na concretização do estado democrático de direito após
1988./ In: SACFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando direitos – 15 anos da Constituição Brasileira
de 1988. Rio de Janeiro: editora Renovar, 2003, p.64, analisa a Constituição como definidora do atuar da
sociedade: (...) sendo importante, (...), recordar o sentido da palavra Constituição,(...), aqui entendido como
aquele que define o campo de atuação desta mesma sociedade. Assim, a Constituição define o programa, os
atos do Estado e os direitos fundamentais. Sendo de aplicação imediata, há o dever de cumprimento tanto pelo
Estado quanto pela sociedade, inclusive em suas relações privadas.
131
da separação do lixo, da necessidade de o empregador oferecer um ambiente de trabalho
digno, higienizado, ambientalmente equilibrado, etc. para o empregado.
Assim, não são apenas os atos da sociedade perante o Estado, mas também dos
particulares entre si, já que é esta a caracterização horizontal, ou seja, serem os direitos
fundamentais exigidos e cumpridos por todos: público e privado. Denota, portanto, a proteção
aos deveres, direitos e liberdades, além da realização de seus valores
220
, por todos.
E para que se produzam seus jurídicos e legais efeitos, deve a Constituição ter
legitimidade, ou seja, corresponder à realidade histórica daquela sociedade, basear-se em um
profundo debate sobre sua fundamentação última, fixar os fins e tarefas que incumbem ao
Estado, bem como possuir um poder sobre os homens e ser por todos aceito. Sendo estes
elementos fruto de constantes debates, seus resultados também o devem ser, para que ocorra
a compreensão de seu texto, a interpretação e a aplicação das normas nela constantes, dando-
lhes eficácia e legitimidade
221
.
220
Demonstrando a intrínseca relação entre os valores constitucionais e a sociedade está FIORAVANTI,
Mauricio. Los Derechos Fundamentales. Madrid: editora Trotta, 2000, p.128: Pero más allá de las
características singulares de las constituciones democráticas posteriores a la segunda guerra mundial, cabe
destacar que en este momento histórico se descubre en su conjunto la supremacía de la constitución, bien
como máxima forma de garantía de los derechos y libertades, bien como norma directiva fundamental a
seguir para la realización de los valores constitucionales. (...) Parece necesario concebir la constitución
misma, y al mismo tiempo, no sólo como norma fundamental de garantía, sino también como norma directiva
fundamental a la que deben conformarse en sus acciones, en nombre de los valores constitucionales, todos los
sujetos políticamente activos, públicos y privados. Sendo esses direitos fundamentais (valores da sociedade),
normas diretivas (de aplicação imediata), possuem o Estado e a sociedade o dever de protegê-los, para o fim
de construir um Estado Democrático de Direito, cuja participação de todos é de fundamental importância.
221
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador - Contributo para
a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra editora limitada, 1994, p.19. E
o autor complementa (p.15): o problema da legitimação não consiste só num debate filosófico-jurídico sobre a
fundamentação última das normas, mas também na justificação da existência de um poder ou domínio sobre
os homens e a aceitação desse domínio por parte destes. (...) impor-se-á como uma necessidade jurídico-
material quando se quer defender o direito contra instrumentalizações arbitrárias e se tenta assegurar-lhe um
apoio ou fundamento específico, fonte de sua dignidade e garante das suas pretensões. Por outro lado, não se
pode esquecer da relação entre legitimidade, eficácia e valores da sociedade, conforme PRIETO SANCHÍS,
Luis. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: editora Trotta, 2003, p.21: La eficacia
práctica del sistema – venía a decir – no es sólo el fruto de un buen diseño técnico querido por la voluntad del
constituyente, sino que reposa en un orden de valores ‘que no ha sido creado por la Constitución, sino que
ésta se limita a reconocerlo y garantizarlo’(...). Todas estas questões são de suma relevância, haja vista que
um conteúdo constitucional somente será efetivado por todos quando seus fundamentos, suas bases, sua
legitimidade, estejam insculpidas no seio da sociedade e do próprio Estado. Enquanto não se acreditar na força
da Constituição, do seu papel e da sua importância, ela continuará sendo desrespeitada. Fazendo uma relação
direta com o meio ambiente, cabe dizer que apesar da historicidade ambiental, de tudo o que já degradado, das
conseqüências que estes atos e omissões já causaram ao habitat em que o homem vive, bem como da elevação
deste direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a status fundamental, ainda há o constante
desrespeito a este bem, tanto por parte do Estado quanto pela sociedade. Percebe-se aí que as bases da
Constituição ainda não foram devidamente compreendidas nem internalizadas por todos.
132
Sobre os deveres constantes na Constituição Federal de 1988, cabe citar os de
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos, além de buscar a
solução pacífica das controvérsias, sempre fundamentados na dignidade da pessoa humana,
conforme consta no seu Preâmbulo. Tem como meta construir uma sociedade livre, justa e
solidária, garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem de todos, a respeito do art.
3º, incisos I, II e III da Carta.
Além de organizar o Estado, definindo suas linhas procedimentais e esboçando seus
princípios correlatos é, também, fundamento para uma ação plena e globalmente
abrangente
222
, razão pela qual o seu papel compromissório é verificável tanto pelos verbos
utilizados ao longo de seu texto, tais como garantir, promover, proteger, etc., quanto no
sentido de efetivar os direitos fundamentais e realizar as promessas sociais da modernidade
não cumpridas.
E de acordo com o acima dito, tais objetivos representam o aspecto material do
constitucionalismo contemporâneo. Entretanto, ainda existem outros 2 (dois), os âmbitos
funcional e político. O primeiro, expresso pela forma de argumentação de seu texto, traz
consigo a aplicação e a forte vinculação com os princípios constitucionais, de cunho material,
e, o segundo, relacionado às funções, transfere o lócus de atuação do Poder Legislativo para o
Judiciário
223
.
222
Sobre o assunto, vale citar MATEUCCI, Nicola, Op. cit., p.25: En efecto, la constitución no sólo regula el
funcionamiento de los organismos del Estado, sino que además consagra los derechos de los ciudadanos,
puestos como límites al poder del Estado. Para esta finalidad, para garantizar realmente los derechos, la
constitución debe ser rigida e inflexible, en el sentido de que sus normas no pueden ser modificadas ni
interpretadas por el poder legislativo ordinario, ya que son superiores jerárquicamente. Assim, a idéia de
Constituição como mera forma e procedimento não se encaixa mais ao modelo de Estado vivido, que exige a
efetivação de seu conteúdo substancial. Nesse sentido, portanto, a Carta Magna somente terá legitimidade
quando compreendido, instrumentalizado e aplicado seu texto substancial.
223
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica – uma nova crítica do direito, Op. cit.,
p.101/102. E aqui se adentra na discussão entre as teorias procedimentalista e substancialista. A primeira,
levada a cabo por Habermas, nega a aplicação do processo hermenêutico, no sentido de aplicar as normas
como se fossem valores, bem como da sobressalência do Poder Judiciário exatamente porque acaba por não
delimitar o papel entre o Direito e a Política, ferindo a separação dos poderes. Já a segunda, cujo representante
é Capelletti, entende que uma maior intervenção do Poder Judiciário pode contribuir em uma participação
mais efetiva da sociedade no sistema político, oportunizando-lhe espaço de atuação, efetivando a democracia e
o próprio conteúdo constitucional. O presente trabalho está claramente fundado na teoria substancialista, no
sentido de o Poder Judiciário assumir um papel intervencionista, garantidor e efetivador das promessas sociais
da modernidade não cumpridas. Streck, em sua obra acima citada (p.163/177), bem explica e faz as
necessárias críticas à tese procedimentalista.
133
Diante de todas estas características, pode-se chamá-la de Constituição Dirigente,
muito embora o seu mentor (José Joaquim Gomes Canotilho)
224
tenha afirmado que ela está
morta (...) se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional
emancipatório capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias”.
Entretanto, sob a ‘Teoria da Constituição Dirigente adequada aos Países de
Modernidade Tardia’, ela é plenamente aplicável à sociedade brasileira, já que não pretende
ser estritamente revolucionária, mas sim e, principalmente, um modelo de objetivo
compromissório, com força normativa para efetivar seus direitos fundamentais, disponibilizar
instrumentos jurídicos de acesso à Jurisdição Constitucional e mais, vincular o legislador
tanto procedimental quanto materialmente aos valores fundamentais
225
.
Nesta linha, a Constituição Dirigente é um modelo-programa, em que há um plano de
realização social (no sentido de vincular todo o Poder Público (e a sociedade) à materialidade
diretiva de efetivação de seus preceitos) e, ao mesmo tempo, um modelo-garantia, em que a
lei fundamental tem a função de proteger tanto os princípios jurídicos quanto a sociedade
224
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Op. cit., prefácio. E isto fica bem claro quando se percebe
que a Constituição jamais poderá fazer algo sozinha, já que é texto. Ou seja, este apenas se transformará em
norma cogente, exigente de aplicabilidade, quando interpretada de acordo com todos os preceitos, princípios e
objetivos vigentes. No caso brasileiro, seria à luz do Estado Democrático de Direito, buscando efetivar as
promessas (sociais) da modernidade não cumpridas, incluindo-se aqui também o meio ambiente, já que,
conforme visto no capítulo 1 do presente trabalho, eles estão interligados.
225
Para STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica – uma nova crítica do Direito, Op. cit.,
p.135, um dos precursores da aplicabilidade desta teoria à sociedade brasileira, aduz que ela possui um papel
de destaque, a saber: (...) também pode ser entendida como uma teoria da Constituição Dirigente-
compromissária adequada a países periféricos, deve tratar, assim, da construção das condições de
possibilidade para o resgate das promessas da modernidade incumpridas, as quais, como se sabe, colocam
em xeque os dois pilares que sustentam o próprio Estado Democrático de Direito”. E mais adiante
(p.134/135), complementa: (...) há um núcleo específico de cada Constituição, que, inexoravelmente, será
diferenciado de Estado para Estado. Refiro-me ao que se pode denominar de núcleo de direitos sociais-
fundamentais plasmados em cada texto que atendam ao cumprimento das promessas da modernidade.
Seguindo esta linha está SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria da Constituição, Democracia e
Igualdade./ In: _____., BERCOVICI, Gilberto, MORAES FILHO, José Filomeno de., e LIMA, Martonio
Mont’Alverne B. Teoria da Constituição – Estudos sobre o lugar da Política no Direito Constitucional. Rio
de Janeiro: editora Lúmen Júris, 2003, p.18, quando afirma que: Por isso, sendo a Constituição Brasileira de
1988 uma constituição dirigente – conclusão que não pode ser seriamente refutada – uma teoria da
constituição, que tenha a pretensão de ser útil e aplicável ao Brasil, deve, segundo este ponto de vista, ser
uma teoria da constituição dirigente. Assim, tendo a Constituição Brasileira, um cunho Dirigente, cuja teoria
esteja adequada à realidade periférica do Estado (com a modernidade advinda tardiamente), devem seus
direitos e objetivos ser cumpridos por todos, tornando-se o Estado, além de um facilitador destas conquistas
(encontrando condições para que a sociedade também as cumpra), o próprio instrumentalizador. Exemplos
relacionados ao meio ambiente são: o ICMS ecológico, as reduções tributárias sobre transferência de áreas
particulares, ambientalmente protegidas, a fiscalização dessas atividades, a divulgação e a disponibilização de
horários para a coleta seletiva, etc.
134
estabelecida
226
.
Possui um objetivo efetivador, imprescindível em um Estado Democrático de Direito,
não sendo mais meras leis reguladoras de procedimentos, mas sim leis fundamentais que
estabelecem o conteúdo dos direitos e garantias, formulando um projeto de mudança para o
futuro.Ou seja, do procedimentalismo transmuda-se para o substancialismo, em que os
preceitos constitucionais devem ser seguidos e respeitados tanto pelo Estado, em seus três
níveis de Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário (mas este último com prevalência),
quanto pela sociedade, em uma expressa horizontalidade de seus direitos fundamentais.
Ainda, institui o Estado Democrático de Direito, incluindo o voto direto e universal,
bem como aumentando a participação política da sociedade. Possuindo a Constituição da
República Federativa do Brasil um cunho compromissório, com o fito de efetivar as
promessas sociais da modernidade não cumpridas, concretizar a substancialidade de seu
conteúdo e evitar que os Poderes Públicos disponham livremente da Constituição, necessita
tanto do Poder Judiciário (em uma postura mais intervencionista) e da Justiça Constitucional
(entendida esta como um Tribunal ad hoc, para aqueles que a adotam) quanto de seus
instrumentos jurídicos
227
.
226
Cf. CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador, Op. cit., p. 14.
Quem bem explica esta característica dúplice da Constituição Dirigente (programa e garantia) é BERCOVICI,
Gilberto. A Constituição Dirigente e a crise da Teoria da Constituição./ In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira
de., _____., MORAES FILHO, José Filomeno de., e LIMA, Martonio Mont’Alverne B. Teoria da
Constituição – Estudos sobre o lugar da Política no Direito Constitucional, Op. cit., p.118, quando afirma
que: Para a Teoria da Constituição Dirigente, a Constituição não é só garantia do existente, mas também um
programa para o futuro. Ao fornecer linhas de atuação para a política, sem substituí-la, destaca a
interdependência entre Estado e Sociedade: a Constituição Dirigente é uma Constituição estatal e social. No
fundo, a concepção de Constituição Dirigente para Canotilho está ligada à defesa da mudança da realidade
pelo direito. O sentido, o objetivo da Constituição Dirigente é o de dar força e substrato jurídico para a
mudança social. A Constituição Dirigente é um programa de ação para a alteração da sociedade. Possui um
caráter transformador, não sendo meramente programático, mas sim efetivador. Nesse sentido, a tradicional
idéia de eficácia limitada, contida ou plena dá lugar para a produção de sentido, obtida pela interpretação do
texto constitucional conforme o sistema vigente, para o fim de concretizar a sua norma ao caso concreto.
227
A respeito ver GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias. Da Justiça Administrativa em Portugal. Lisboa:
Universidade Católica editora, 1994, p.515. Já CARVALHO, Delton Winter de. A proteção jurisdicional do
meio ambiente – uma relação jurídica comunitária./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis
(coord). Revista de Direito Ambiental nº 24, ano6, out-dez/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001,
p.199, complementa: (...). Isto sem falar no mandado de segurança coletivo, na ação popular, nas cautelares
ambientais, tutelas antecipatórias, entre outros instrumentos passíveis de proteção jurisdicional do meio
ambiente lato sensu. Assim, na medida em que se está em uma democracia, aumentam-se os lócus de decisão,
transferindo-se também para a sociedade a responsabilidade pelo cumprimento dos preceitos fundamentais.
Dessa forma, estes instrumentos jurídicos dados ao cidadão são formas de engajá-lo à causa ambiental,
tornando-o fiscalizador dos atos do Poder Público, colaborando na identificação das medidas atentadoras ao
meio ambiente.
135
Cita-se a Ação Civil Pública e a Ação Popular, referentes à tutela dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, a Ação de Inconstitucionalidade difusa e abstrata, a
Declaração de Nulidade Parcial sem Redução de Texto e a Interpretação conforme a
Constituição, para indicar apenas alguns deles.
Por sua vez, o Estado Democrático de Direito possui como objetivos a serem
perseguidos concretizar a dignidade da pessoa humana (e de suas relações), a igualdade
material, a participação popular e os direitos sociais, bem como solucionar os problemas
materiais da existência humana. Pretende, pois, conjugar o ideal democrático ao Estado de
Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão
presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social
228
.
Paulo Bonavides
229
fala, inclusive, em uma quarta dimensão de princípios relacionados ao
direito à democracia, à informação e ao pluralismo político.
Traz consigo o surgimento de novos direitos fundamentais (já que estes estão
embricadamente relacionados com a democracia, em uma co-pertença)
230
, como os de caráter
228
Cf. MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social aos Interesses transindividuais, Op. cit., p.74. De acordo
com o dito acima, o autor complementa (p.75/76): O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo
transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação
melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de
concretização de uma vida digna ao homem e, passa a agir simbolicamente como fomentador da participação
pública (...) E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do
problema das condições materiais de existência. E sobre este processo dinâmico da democracia, cumpre
salientar o entendimento de CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6.ed. Coimbra:
Coimbra editora limitada, 1994, p.416, in verbis: O princípio democrático não se compadece com uma
compreensão estática de democracia. Antes de mais nada, é um processo de continuidade transpessoal,
irredutível a qualquer vinculação do processo político de determinadas pessoas. Por outro lado, a
democracia é um processo dinâmico inerente a uma sociedade aberta e activa, oferecendo aos cidadãos a
possibilidade de desenvolvimento integral, liberdade de participação crítica no processo político, condições
de igualdade econômica, política e social (...).
229
A respeito desta quarta dimensão de princípio, o autor aduz que: A democracia positivada enquanto direito da
quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos
avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às
aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações
da mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos
monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual como
direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e
concretizado no último grau de sua evolução conceitual. A respeito, ver Curso de Direito Constitucional.
9.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2000, p.525.
230
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova critica do Direito, Op. cit.,
p.110, indica que: Nunca é demais repetir que o Estado Democrático de Direito assenta-se em dois pilares: a
democracia e os direitos fundamentais. Não há democracia sem o respeito e a realização dos direitos
fundamentais-sociais, e não há direitos fundamentais-sociais – no sentido que lhe é dado pela tradição – sem
democracia. Há assim, uma co-pertença entre ambos.
136
transindividual (ex: meio ambiente) e os de justiça social (ex: moradia, lazer, educação,
saúde), exigindo sua tutela, além de um novo viés do respeito à legalidade. Busca uma
igualdade mais material
231
do que formal, envolvendo-se diretamente com o princípio da
dignidade da pessoa humana, de forma a diminuir as diferenças existentes entre as partes, nas
relações jurídicas que se sucedem entre elas.
Ocorre ainda o desenvolvimento do princípio da solidariedade, em que se busca
construir uma melhor qualidade de vida, alterando por conseqüência o sujeito de direito que
passa a ser a coletividade difusa ao invés do indivíduo. Esta mudança é de extrema
importância, pois altera a forma de visão do Estado e da própria sociedade brasileira, no que
pertine aos direitos, a sua abrangência e, por conseqüência, ao próprio papel que cada ente
possui.
Visto que a Constituição Dirigente não pode pretender ser, por si só, realizadora das
devidas transformações da sociedade, deve ser, portanto, linha mestra a ser seguida. Assim, o
caráter democrático de um Estado, declarado na Constituição, deve influir sobre o modo de
atuação da Administração, para repercutir de maneira plena em todos os setores estatais
232
.
Destaca-se o necessário papel da Administração para o fim de implementar políticas públicas
e instrumentalizar os direitos fundamentais, em especial, o da dignidade humana, já que afeta
os cidadãos em todos os seus sentidos (vida, trabalho, social, meio ambiente, lazer, educação,
moradia, etc).
Na mesma importância está o papel do legislador, em que o seu poder discricionário
(próprio do Estado Liberal) tende a ser transformado em um dever vinculado, tanto no que diz
231
A respeito, cabe citar MORAIS, José Luis Bolzan de. O Brasil pós-1988. Dilemas do/para o estado
constitucional./ In: SCAFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando direitos– 15 anos da Constituição
Brasileira de 1988, Op. cit., p.104/105: (...) tem-se, com este novo modelo, a incorporação efetiva da questão
da igualdade como um conteúdo próprio a ser garantido (tentado, pelo menos) através do asseguramento
jurídico de condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade, marcado pela idéia-força de dignidade da
pessoa humana. (...) tal objetivo se coloca vinculado a um projeto solidário – a solidariedade agrega-se a ela,
compondo um caráter comunitário, estando inclusos problemas relativos à qualidade de vida, individual e
coletiva dos homens. Como igualdade material cita-se a responsabilidade cível objetiva e a inversão do ônus
da prova, já que a sociedade que sofreu o dano ambiental não possui condições técnicas nem mesmo
financeiras de realizá-la. As exclusões de responsabilidade devem ser argüidas e comprovadas pela empresa
degradadora. É, portanto, uma busca pela igualdade material.
232
Cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9.ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais,
2005, p.27. Entretanto, para que ele consiga influir na própria Administração, é imprescindível a interpretação
de seu texto em conformidade com o modelo de Estado vivido, bem como a compreensão de todo o sistema
constitucional, de forma a implementar seu conteúdo e, por conseqüência, legitimá-lo.
137
respeito ao processo constitucional de produção de suas leis quanto da sua própria
materialidade, que deve estar, portanto, conforme o conteúdo da Constituição.
Outro elemento importante para a implementação deste modelo constitucional é o
processo hermenêutico, no sentido de desvendar a sua substancialidade e o seu conteúdo, já
que é applicatio. Como será visto a seguir, no momento em que se lê o texto da Constituição,
aplicado ao caso em concreto ambiental, já há um interpretar e, somado ao entendimento do
que seja o próprio Estado Democrático de Direito e o sistema protetivo do meio ambiente, é
que se compreenderá ser a Carta Magna condição de possibilidade para a tutela do equilíbrio
ecológico.
Verifica-se, assim, uma forte preocupação com a concretização do cunho substancial
desta Constituição, principalmente no que diz respeito aos seus princípios, exatamente por ser
o resultado de uma transformação do status quo. É um desde-já-sempre, condicionando nosso
agir-no-mundo
233
já que nele constam objetivos primordiais a serem alcançados, para uma
sociedade mais próspera e com justiça social. Por isso mesmo, faz parte do nosso modo-de-
ser-no-mundo, ou seja, este modelo não é algo separado do homem, mas parte primordial para
a sua consecução.
Ainda, cabe falar da superação do modelo anterior (Estado de Direito)
234
, dando-lhe
233
Ver STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito, Op. cit.,
p.113. A respeito das leis de cunho substancial, vale citar entendimento de PRIETO SANCHÍS, Luis., Op. cit.,
p.24: Si la primera revolución se expresó en la omnipotencia del legislador, esta segunda se basa en el
‘principio de estricta legalidad (o de legalidad sustancial). O sea, con el sometimiento también de la ley a
vínculos ya no sólo formales sino sustanciales impuestos por los principios y derechos.
234
Sobre esta superação do modelo anterior, fala OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de. Ciência e
Direito Constitucional: O caminho do Estado Democrático de Direito./ In: NUNES, Antonio Jose Avelãs e
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Diálogos Constitucionais Brasil/Portugal. São Paulo: editora
Renovar, 2004, p.260: Supera-se o chamado Estado de Direito, expressão ligada à lei como meio de regular
as relações sociais, para se chegar ao Estado Democrático de Direito, onde há necessidade de respeito não
só à forma de produção da lei, mas também do seu aspecto material, seu conteúdo, o que deve ser observado
também pelos governantes. E neste mesmo sentido está VERDÚ, Pablo Lucas. La lucha por el Estado de
Derecho. Bolonia: Publicaciones del Real Colegio del España, 1975, p.94: Los movimientos sociales del siglo
pasado desvelaron la insuficiencia de las libertades burguesas, permitiendo se tuviese conciencia de la
necesidad de la justicia social. (...). El Estado de Derecho, en la actualidad, dejó de ser formal, neutral e
individualista, para transformarse en Estado material de derecho, en cuanto adopta una dogmática y pretende
la justicia social. Por outro lado, não se pode esquecer a contribuição de PEREZ LUÑO, Antonio E. Derechos
Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5.ed. Madrid: editorial Tecnos, 1995, p.229, quando fala do
princípio democrático: La exigencia de que el Estado de Derecho supusiera la realización material de las
aspiraciones y necesidades reales de la sociedad, unido al desencanto producido por la pervivencia y
aparición de fenómenos claramente contrarios a ese logro en el Estado social de Derecho (..., marcadas
desigualdades sociales y económicas, ...), han motivado el esfuerzo doctrinal reseñado del sector (...),
tendente a potenciar la virtualidad del principio democrático en el senso del Estado social de Derecho.
138
por isso um conteúdo substancial e democrático à lei constitucional, mas sempre se
distanciando da idéia da lei-promoção, típico do Estado Social, bem como da lei-sanção,
próprio do Estado Liberal. Entretanto, possui forte vinculação a estes, já que uma
transformação jamais se dá mediante uma drástica ruptura
235
entre as etapas e, por isso, a
constatação da chamada historicidade, pois carrega consigo características e evoluções das
sociedades e dos governos passados.
Verificando as contribuições de cada época, constata-se que do Estado Liberal traz-se
ainda a idéia de separação entre os poderes, de maneira que um controle a atividade do outro.
Entretanto, há uma forte preponderância do legislativo, ou seja, o imperativo da norma
jurídica, restando ao judiciário ser apenas uma garantia de atuação em eventuais quebras ou
abusos (sistema de pesos e contrapesos).
Além disso, não se pode esquecer do nascimento dos direitos fundamentais de
primeira geração, que indicam pela não intervenção do Estado, bem como a existência de uma
interpretação racionalizadora dos textos jurídicos, em que há a possibilidade de desacoplar um
sentido próprio e unívoco das palavras
236
.
Seguindo-se esta linha da função preponderante, no Estado Social se aposta no Poder
Executivo, dando-lhe maior importância, a fim de que sejam diminuídas as desigualdades
235
SARMENTO, Daniel., Op. cit., p.18, bem explica esta inexistência de ruptura revolucionária, a saber: Quando
aludimos aos paradigmas jusfundamentais liberal, social e pós-social, não estamos predicando a existência
de uma completa ruptura entre estes diferentes modelos. Eles constituem, na verdade, exteriorizações no
mundo jurídico de mundividências distintas, mas estas não decorrem, em regra, de rupturas revolucionárias,
e sim de evoluções gradualistas, que não tiveram o mesmo ritmo ou a mesma intensidade em todos os lugares.
Estas evoluções, quando bem percebidas e acompanhadas, tornam-se matéria-prima para melhorar o conteúdo
constitucional posterior, a fim de poder estruturar as ações do Estado para sua implementação. Identificando as
promessas da modernidade não cumpridas, quais sejam principalmente as questões socioambientais, a atual
Constituição transmuda-se em um teor compromissório, buscando a substancialidade de seus preceitos e
instrumentalizando suas formas de efetivação.
236
Sobre alguns elementos trazidos pelo Estado Liberal, bem explica PRIETRO SANCHÍS, Luis., Op. cit., p.27:
(...) como mandato de estructura tripartita donde a un supuesto fáctico se anuda una consecuencia jurídica
mediante un nexo deóntico, la afirmación del carácter unitario, pleno y coherente del sistema jurídico y, por
último, una concepción mecanicista o meramente subsuntiva de la interpretación. Tais características ficaram
bem presentes em algumas decisões analisadas no capítulo 2, principalmente no que diz respeito à técnica
subjuntiva de interpretação, em que o fato subsume-se à norma, independentemente da interpretação e da
coerência entre o texto e os fatos analisados. Além disso, não se pode esquecer dos sentidos genéricos e
universais dados às palavras (trazidos pelo paradigma racional-individualista), de forma a imaginar que elas
carregam consigo seu sentido, sem adequá-las ao que o texto quer e pode responder.
139
sociais. Isso será feito por meio da atuação procedimentalista da Administração Pública e da
promoção de políticas públicas nos principais setores
237
: saúde, higiene, informação, além
daqueles relacionados com os interesses econômicos, culturais, educacionais e
profissionais
238
, nascendo daí a segunda geração de direitos fundamentais.
Com estas rápidas linhas, percebe-se que a Constituição Federal de 1988, de cunho
Dirigente, é um modelo advindo do Estado Social, apesar de este ter sido incapaz de efetivar a
demanda pelo profundo prolongamento dos direitos cívicos e dos diversos interesses sociais
(que de caráter uniforme transformara-se em plural), principalmente porque a sociedade
tornou-se uma complexa teia de convivência difícil
239
. Essas demandas não efetivadas foram
237
A respeito deste fortalecimento do Poder Executivo, fala SARMENTO, Daniel., Op. cit., p.39: Esta nova
realidade se projeta sobre a estrutura do Estado e sobre o princípio da separação de poderes. (...). O Poder
que mais se fortalece é o Executivo, pois cabe a ele instrumentalizar a intervenção do Estado (...). Neste
mesmo sentido, caracteriza-se o Estado Social como aquele em que o Poder Público é paternalista, cabendo
citar GARCÍA PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contemporáneo. Madrid: editora Trotta,
1982, p.56: El Estado social de Derecho acoge los valores jurídico-políticos clásicos; pero de acuerdo con el
sentido que han ido tomando a través Del curso histórico y con las demandas y condiciones de la sociedad del
presente. Además, a tales derechos clásicos ana de los derechos sociales y económicos y, en general, los
derivados de la función de la procura existencial. Por consiguiente, no solo incluye derechos para limitar la
acción del Estado, sino también derechos a las prestaciones del Estado, que, naturalmente, han de obedecer
al principio de la eficacia, lo que exige una harmonización entre la racionalidad jurídica y la racionalidad
técnica. El Estado, por consiguiente, no solo debe omitir todo lo que sea contrario al Derecho, es decir, a la
legalidad inspirada en una idea del Derecho, sino que debe ejercer una acción constante a través de la
legislación y de la administración que realice la Idea social de Derecho. Estas deveriam ter sido
implementadas por meio de políticas públicas e instrumentos eficazes para minimizar as desigualdades sociais,
a fome, a miséria, as questões relacionadas à vida, à dignidade, às condições de trabalho, etc. Para dar vazão a
estas demandas, a Administração Pública torna-se procedimentalista, organizativa, utilizando-se de conceitos
indeterminados e de cláusulas gerais, conforme dispõe GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias., Op.
cit., p.509: Num outro quadrante, a realização do Estado Social que, já se disse, ‘age em função da situação
do momento’, vai determinar um déficit de densidade da norma legal administrativa e a freqüente utilização
de conceitos indeterminados, cláusulas gerais, ‘aberturas’ de exercícios concretizáveis pela administração,
déficit compensado pela existência de órgãos decisórios especializados e por particulares normas
organizatórias e procedimentais, cujo relevo é ampliado e transformado em ‘conditio sine qua non’ de uma
correcta prossecução das tarefas administrativas. Este facto reforça o momento objectivista da justiça formal
da administração – defesa de uma legalidade identificada com normas procedimentais e organizatórias – sem
que tal reforço interfira com a dignificação constitucional do momento subjectivo da justiça formal da
administração – defesa dos direitos dos cidadãos face à administração. Entretanto, não foram implementados
os objetivos constitucionais sociais, razão pela qual hoje, por meio da Constituição Dirigente, busca-se a sua
efetivação.
238
Este momento é caracterizado por movimentos sociais, na busca de melhores condições de trabalho, conforme
indica MORAIS, José Luis Bolzan de. As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos
Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.34/35: A história dessa passagem, de todos
conhecida, vincula-se em especial na luta dos movimentos operários pela conquista de uma
regulação/garantização/promoção para a convencionalmente chamada questão social acima referida. São os
direitos relativos às relações de produção e seus reflexos, como a previdência e assistência sociais, o
transporte, a salubridade pública, a moradia, etc.(…). Muitas destas questões foram devidamente
solucionadas. Entretanto, uma novidade adveio com a Constituição: o dever de oferecer melhores condições
ambientais de trabalho, já que este tipo de meio ambiente também é tutelado.
239
Cf. GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias., Op. cit., p.512 e 515.
140
equacionadas como um ‘passivo’
240
para o modelo posterior, o do Estado Democrático de
Direito, sem que este, entretanto, possua as soluções.
Essas evoluções perpassaram os Estados Liberal e Social e culminaram no Estado
Democrático de Direito que, por sua vez, tem em seu texto constitucional a busca pela
implementação de seus novos preceitos transformadores. Exatamente neste sentido é que
diante do modelo compromissório, aplicável sob a ‘Teoria da Constituição Dirigente
adequada aos Países de Modernidade Tardia’, houve uma alteração da esfera de poder atuante,
sobressaindo-se a competência dada ao Poder Judiciário.
Lenio Luiz Streck
241
, considerado no Brasil, juntamente com Gilberto Bercovici, o
precursor desta linha de raciocínio, indica que no Estado Democrático de Direito há uma
valorização do jurídico, e, fundamentalmente, exige a (re)discussão do papel destinado ao
Poder Judiciário (e à justiça constitucional) nesse (novo) panorama estabelecido pelo
constitucionalismo do pós-guerra.
Assim, sendo um modelo de cunho compromissório, os dispositivos nela constantes
240
A respeito desse ‘passivo’ de demandas sociais trazidas do Estado Social para o Estado Democrático de
Direito, bem explica SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 5.ed. São Paulo: editora Cortez, 2005, p.29, quando diz que: As promessas da modernidade, por
não terem sido cumpridas, transformaram-se em problemas para os quais parece não haver solução.
Entretanto, as condições que produziram a crise da teoria crítica moderna não se converteram ainda nas
condições da superação da crise. Daí a complexidade da nossa posição transicional, que pode resumir-se
assim: enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas. E exatamente por não
possuir estas soluções é que o Estado está buscando novas formas de comprometimento (adequando-se ao
modelo democrático, de participação popular), a saber: parcerias público-privadas, incentivos tributários para a
realização de ações sociais por sociedades não governamentais, implementação de programas sociais de
participação de toda a sociedade, para conseguir cumprir tais objetivos não efetivados anteriormente.
241
A respeito, ver Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.38. O autor complementa (p.40): (...) o advento
da democracia no pós-guerra e a redemocratização de países que saíram de regimes totalitários/ditatoriais,
trazem à luz Constituições cujo texto positiva os direitos fundamentais e sociais. (...) Tais fatores provocam
um redimensionamento da clássica relação entre os Poderes do Estado, surgindo o Judiciário (...) como uma
alternativa para o resgate das promessas da modernidade, onde o acesso à justiça assume um papel de
fundamental importância, através do deslocamento da esfera de tensão, até então calcada nos procedimentos
políticos, para os procedimentos judiciais. Esta questão fica clara quando são citados diversos instrumentos
jurídicos colocados à disposição da sociedade para efetivar seus direitos, como: Controle de
constitucionalidade (difusa e abstrata), Ação de Mandado de Segurança, Ação Popular, etc. Essa
disponibilização de instrumentos jurídicos é bem explicitada por SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria
da Constituição, Democracia e Igualdade, Op. cit., p.27, quando aduz que: Por fim, o modelo se completa
com o desenvolvimento de uma série de instrumentos jurídico-processuais adequados à realização pelo
Judiciário do programa constitucional.(...). Dessa forma, pode se conceber o processo constitucional também
como instrumento de realização do programa constitucional (...)
141
devem ser entendidos como dotados de normatividade e vinculatividade imediata
242
, já que de
conteúdo substancial a ser efetivado (e não mais em sentido formal e programático, como se
dava no modelo anterior).
Devem ser concretizados, portanto, os direitos fundamentais, os valores e princípios
constitucionais, bem como implementado um projeto econômico e socialmente igualitário,
razão pela qual a Jurisdição Constitucional passa a ser condição de possibilidade do Estado
Democrático de Direito. O próprio significado de Constituição depende do processo
hermenêutico aplicado, além de haver a necessária verificabilidade, pelo Poder Judiciário, dos
procedimentos (formais e substanciais) do Poder Legislativo e Executivo.
Ainda, a filtragem constitucional, no sentido de revogar legislação anterior
incompatível com o texto atual, mediante os controles difuso e abstrato de
constitucionalidade
243
e outros instrumentos jurídicos colocados à disposição da sociedade,
possui grande relevância.
Esta judicialização é uma decorrência do modelo de Estado e de Constituição
adotados, adquirindo fundamental relevância (…) no sentido da verificabilidade acerca do
conteúdo (não somente adjetivo, mas substantivo) dos atos e procedimentos legislativos e
administrativos
244
.
Nesse sentido e reforçando o dito acima, a não atuação ou a ineficiência dos Poderes
Executivo e Legislativo, exemplificadas pelas políticas públicas não implementadas ou pela
violação da cláusula de proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) dos bens
constitucional-ambientais, respectivamente e, no presente caso, pela não preservação do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, podem e devem ser supridas por meio da Jurisdição
Constitucional.
242
Por serem normas de vinculatividade imediata, tornam-se parâmetros de escolhas, de decisões e de ações do
Poder Público, incluindo-se tanto os órgãos legislativos, administrativos quanto jurisdicionais. Cf.
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional, Op. cit., p.499. E na medida em que há o
respeito a esta característica de vinculatividade imediata, há a tendência a uma maior efetivação destes
direitos, principalmente os fundamentais e, por conseqüência, o cumprimento de seus objetivos e sua própria
legitimação.
243
Id.Ibid., p.431.Neste mesmo sentido está STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica
Uma nova crítica do Direito, Op. cit., p.21/22.
244
Id.Ibid., p.21. Neste mesmo sentido está PRIETO SANCHÍS, Luis., Op. cit., p.25: Una de sus consecuencias
es que ‘la jurisdicción ya no es la simple sujeción de juez a la ley, sino también análisis crítico de su
significado como medio de controlar su legitimidad constitucional.
142
Tanto porque está constitucionalmente
245
determinado que nenhuma ameaça ou lesão a
direito ficará sem a apreciação do Poder Judiciário, quanto porque a Constituição
disponibilizou ao cidadão um aparato jurídico-instrumental para a busca de sua efetivação.
Por outro lado, cabe relembrar que se está sob um modelo democrático, em que há a
busca da participação de todos, tanto do Estado quanto da Sociedade Brasileira (inclusive na
efetivação dos direitos fundamentais, diante da sua horizontalidade), adquirindo o Judiciário
um poder de memória, de relembrar a todos a necessidade de concretização dos preceitos
constitucionais, mais especificadamente, da preservação do equilíbrio ecológico.
Entretanto, não se pode esperar que este Poder solucione todos os problemas
existentes, já que grande parte das ações degradadoras poderiam ser evitadas se houvesse uma
maior consciência da sociedade do seu papel preservacionista e protetor do meio ambiente.
Mas enquanto a sociedade não cumpre com seu dever (horizontalidade de seus direitos
fundamentais), as questões ambientais continuam sendo julgadas pelo Poder Judiciário, já que
é pela via do cumprimento da Constituição, através dos órgãos competentes, que é possível,
em determinados casos, a realização dos direitos que estão previstos nas leis e na
Constituição
246
.
O conteúdo constitucional, ao instituir novos direitos e princípios fundamentais, todos
eles com vinculatividade imediata, bem como seus respectivos instrumentos jurídicos
protetores, colocados à disposição de quem queira efetivá-los por meio da Jurisdição
Constitucional, traz consigo um caráter compromissório, ‘forte, intervencionista e
245
Sobre esta relação entre a nova faceta da Constituição, com suas normas de cunho vinculante, e o Poder
Judiciário, instrumentalizador destas, vale citar SARMENTO, Daniel., Op. cit., p.370: As Constituições,
dentro deste novo marco, tornaram-se mais ambiciosas (...). A expansão e o fortalecimento da jurisdição
constitucional, por outro lado, acarretaram, com o tempo, a cristalização da idéia de que a Constituição é
antes de tudo norma jurídica, e não apenas uma diretriz política para o legislador, desvestida de força
vinculante. E é nesse sentido, pois, a competência dada ao Poder Judiciário, conforme o entendimento de
OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de. O poder judiciário na concretização do estado democrático
de direito após 1988, Op. cit., p.70: Caso dentro da estrutura do Estado algum órgão deixe de atuar na
realização dos objetivos maiores elevados ao campo do direito constitucional, caberá ao Poder Judiciário -
na competência que lhe é dada para controle de constitucionalidade – seja pelo modelo concentrado, seja
pelo modelo difuso, agir de forma a tornar concreto o texto constitucional. Dessa forma, entender que o
conteúdo constitucional é mero programa a ser implementado é retirar a vinculatividade que exige suas normas
fundamentais, bem como a própria característica da teoria da constituição dirigente adequada a países
periféricos de modernidade tardia. Sem o entendimento deste cunho substancial (a ser efetivado), a
Constituição continuará a ser desrespeitada.
246
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito, Op. cit.,
p.21.
143
regulador’
247
, razão pela qual devem ser protegidos e implementados pelo Estado em todos os
níveis de poder e agora, com mais motivação ainda, pelo Judiciário.
3.2 A constatação de uma pré-compreensão inautêntica
Resta agora analisar o último elemento que faz parte da compreensão sobre o meio
ambiente: o próprio processo de compreensão. Para isto, pretende-se estudar os traços
fundamentais desta experiência hermenêutica e, juntamente com ela, contrapor os argumentos
constantes nas decisões proferidas pelos Tribunais, contrários ao dever constitucional de
proteção do equilíbrio ecológico e violadores dos seus preceitos
248
.
Esta experiência hermenêutica é condição de possibilidade para identificar e esclarecer
os problemas relacionados a esta compreensão do devir ambiental. Acarretando a
inefetividade dos direitos fundamentais
249
, mais especificadamente, da proteção ao direito
(humano) fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, requisito essencial de
legitimação do próprio Estado Democrático de Direito, as inautenticidades devem ser
suspensas.
247
Idem. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.27. E o autor complementa, dizendo o seguinte: O
ordenamento constitucional brasileiro, que aponta para um Estado forte, intervencionista e regulador, na
esteira daquilo que, contemporaneamente, se entende como Estado Democrático de Direito. O direito
recupera, pois, sua especificidade. No Estado Democrático de Direito, ocorre a secularização do Direito.
Desse modo, é razoável afirmar que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos uma
Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para implantação das
promessas modernas.
248
Entendendo ser esta violação a chamada ‘desconstituição’, cabe citar MORAIS, José Luis Bolzan de. O Brasil
pós-1988. Dilemas do/para o Estado constitucional, Op. cit., p.122, a saber: Com isso, o Estado
Constitucional brasileiro, em particular, vê-se mergulhado em um processo de desconstituição, (...) não
consegue se fazer como texto – diante de uma tradição doutrinária e jurisprudencial descompromissada com
ou impeditiva de sua realização(...).
249
Lendo os texto de Hans Georg Gadamer e de Lenio Luiz Streck, ocorreu a interpelação da questão da
inefetividade constitucional, devido a não compreensão do próprio sistema jurídico democrático por parte de
muitos intérpretes. Essa é a razão pela qual estes problemas estão sendo analisados sob o manto do direito
ambiental, mais especificadamente, do direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. E sobre a inefetividade dos direitos fundamentais, ver STRECK, Lenio Luiz. Quinze anos da
Constituição – análise crítica da jurisdição constitucional e das possibilidades hermenêuticas de
concretização dos direitos fundamentais-sociais./ In: SCAFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando
Direitos – 15 anos da Constituição Brasileira de 1988, Op. cit., p.139: Não há como negar que a ausência de
uma adequada compreensão do novo paradigma do Estado Democrático de Direito torna-se fator decisivo
para a inefetividade dos valores constitucionais. No mesmo sentido está MORAIS, José Luis Bolzan de. O
Brasil pós-1988. Dilemas do/para o Estado constitucional, Op. cit., p.116: Dessa forma, percebe-se que o
constitucionalismo se ressente, nos dias atuais, de dificuldades de concretização, seja pela
fragilização/fragmentação daquilo que ele mesmo ‘constituiu’ e do qual se nutre (...). Por todos estes
problemas descritos, CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador,
Op. cit., p.10, entende como uma proposta necessária colocar a cabeça hermenêutica dos juristas nos pés
constitucionais e reproblematizar renovadoramente a arquitetônica ordenação funcional de um Estado
Democrático.
144
Para que a partir dessa matriz teórica seja possível identificar estas questões,
necessário foi esclarecer o atual estágio de degradação, já que a relação entre o homem, a
sociedade e o meio-ambiente é indissociável
250
. Além disso, foram analisados os instrumentos
jurídicos e legislativos de proteção dos ecossistemas, bem como o sistema constitucional e
infraconstitucional de competência dos entes federados e do SISNAMA, que possuem o
objetivo de proteger e de preservar este bem.
Não se pode esquecer do advento da responsabilidade civil objetiva; da administrativa
e penal subjetiva, ambas em relação às pessoas físicas e jurídicas e, por fim, a elevação dos
princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção e da precaução.
Constatou-se que a questão ambiental sendo multidisciplinar exige o entendimento de
diversas nomenclaturas, dos próprios processos biológicos, físicos, químicos, etc., estando a
Constituição nesta mesma situação, ou seja, exigindo do aplicador do Direito uma melhor
compreensão sobre a linguagem ambiental e constitucional utilizadas.
Apesar de já estar envolto nelas, percebe-se que a sua compreensão é repleta de
inautenticidades, exatamente porque as pretende unívocas, sem adequá-las à realidade atual
brasileira. Ocorre que, sendo elemento fundamental do processo de compreensão, já se pode
adiantar que o não envolvimento entre o homem que interpreta e a linguagem que o envolve, é
possibilidade de não compreensão daquilo que o texto quer dizer.
Por fim, sendo importante estudar o cenário vigente para este fenômeno, fez-se um
panorama geral do Estado Democrático de Direito, modelo este sobre o qual a Constituição
Brasileira, de viés Dirigente, com seus deveres e compromissos, bem como com seus
250
Es decir: la naturaleza ya no puede ser pensada sin la sociedad y la sociedad ya no puede ser pensada sin la
naturaleza. Cf. BECK, Urlich. La sociedad del riesgo. Tradução: Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa
Borras. España: Paidós, 1998, p.89. Isso porque, conforme visto no capítulo 1 do presente trabalho, o homem
vive em um meio ambiente equilibrado, proporcionador dos meios básicos de vida como a água, o ar puro, a
sombra, os alimentos, a fauna, a flora, etc. Na medida em que este meio ambiente está sendo degradado, ele
não consegue mais proporcionar esta mesma qualidade de vida e, quando sua destruição estiver em níveis tais,
não haverá mais nem a possibilidade de sua recuperação ou mesmo de vida na Terra.
145
objetivos de proteção ambiental para a sua legitimação
251
, terá aplicabilidade. Esclareceu-se,
também, o novo papel do Poder Judiciário, efetivador dos direitos fundamentais e das
promessas sociais da modernidade não cumpridas.
3.2.1 A compreensão das questões ambientais por meio da hermenêutica filosófica:
condições de possibilidades.
Martin Heidegger, a partir de sua obra ‘Ser e Tempo’, é considerado o precursor da
hermenêutica filosófica
252
, entendida como uma disciplina que passa a investigar o ser, mas o
sentido do ser só é possível quando se dá uma compreensão do ser. (...). O Dasein se
comporta compreendendo
253
.
O autor rompe com o entendimento objetificador tradicional (sujeito-objeto), que é
aquele que indica que o texto e o fato fazem parte de um mundo exterior, alheio ao intérprete,
além de este conseguir retirar um sentido unívoco das palavras, como se elas mesmas
carregassem consigo um conteúdo geral (espécie de metalinguagem) e estivessem à espera de
sua reprodução.
De forma contrária, Heidegger traz consigo a idéia de subjetividade (sujeito-sujeito),
251
Sobre a legitimação constitucional, por meio da efetivação dos direito fundamentais, cabe citar entendimento
de MIRANDA, Jorge., Op. cit, p.475: (..) toda a matéria, directa ou indirectamente, vem a projectar-se no
domínio dos direitos fundamentais não apenas por causa da sua inserção sistemática mas sobretudo por a
garantia, a promoção e a efectivação desses direitos se encontrarem no cerne do Estado de Direito
Democrático. E não se pode esquecer que o meio ambiente, como condição básica de vida, é elemento crucial
deste desiderato.
252
Cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. 14.ed. Tradução: Márcia Sá Cavalcanti Shuback. São Paulo:
editora Vozes, 2005, p.33: caso a questão do ser deva ser colocada explicitamente (...), sua elaboração exige,
(...), a explicação da maneira de visualizar o ser, de compreender e apreender conceitualmente o sentido, a
preparação da possibilidade de uma escolha correta do ente exemplar, a elaboração do modo genuíno de
acesso a esse ente. Ora, visualizar, compreender, escolher, aceder a são atitudes constitutivas do
questionamento e, ao mesmo tempo, modos de ser de um determinado ente, daquele ente que nós mesmos, os
que questionam, sempre somos. Elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente – o
que questiona – em seu ser.
253
Assim,(...) a compreensão do ser pertence ao modo de ser deste ente que denominamos Dasein.(...) Por outro
lado, visualizar, compreender, escolher são atitudes constitutivas do questionamento e, ao mesmo tempo,
modo de ser de um determinado ente, daquele ente que nós mesmos sempre somos. Cf. STRECK, Lenio Luiz.
Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit, p.191. Neste mesmo sentido está PEREIRA, Rodolfo Viana.
Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.16: É o modo de ser do Dasein
(do ser-aí, do ser-no-mundo, que, em um primeiro momento, pode ser considerado o homem), realizando o
que ficou conhecido como ‘giro fenomenológico e/ou ontológico’. Este processo é a compreensão do ser que
se é (denominado de Dasein), porque somente se compreende algo quando este algo passou pelo ser, ou seja,
foi vivenciado por ele anteriormente, passou pelos questionamentos filosóficos necessários para a interpelação
da questão, de forma que este entendimento acaba sendo novo a cada momento que o ser (o homem, o
Dasein), reinterpreta o seu próprio ser.
146
em que o intérprete faz parte da relação entre o fato e o texto, compreendendo aquilo que lê,
com base em seus conhecimentos prévios, na sua historicidade com o objeto analisado e na
sua experiência, já que os textos aguardam por sentidos, que são produzidos. É, portanto, o
sentido do ser do ente, de forma que quem pode compreender é o próprio ente que
compreende o ser: o homem, (Dasein), exatamente porque é ser-no-mundo, ou seja, porque
vive e experiencia a vida.
Esta disciplina torna-se base para a obra ‘Verdade e Método’, de Hans Georg
Gadamer, que desenvolve uma nova filosofia hermenêutica, baseada na linguagem.
Discordando da disciplina técnica
254
tradicional aplicada, resolveu retomar a descrição do giro
ontológico
255
de Heidegger, caracterizado por uma espiral, em que o entendimento avança na
medida em que a historicidade e os demais elementos formadores da compreensão são
fusionados com aquilo que se lê (lingüisticamente representado) para, a partir deste ponto
alcançado, realizar novas experiências. Tudo isso com o objetivo de desvelar um novo devir
sobre o processo interpretativo.
Apesar das iniciais referências a Heidegger, precursor da Hermenêutica Filosófica, o
presente trabalho está baseado nos elementos e conhecimentos trazidos por Gadamer, no que
se refere à Filosofia Hermenêutica, um fenômeno de compreensão não reservado apenas à
ciência, mas ao todo da experiência do homem no mundo
256
. Trata-se de conhecimento, de
busca de verdades e mais, de esclarecimentos de como a compreensão se dá, tornando-se
fundamental para o processo interpretativo no campo jurídico.
254
Cf. GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – os fundamentos de uma hermenêutica filosófica. 6.ed.
Tradução: Flávio Paulo Meurer. Nova revisão: Enio Paulo Giachini. Petrópolis: editora Vozes, 2004, p.354.
255
(...) significa aqui, como tão freqüentemente em Gadamer: universal. (...) porque cada compreensão é
condicionada por uma motivação ou por um pré-conceito. Cf. GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica
filosófica. Tradução: Benno Dischinger. São Leopoldo: editora Unisinos, 1999, p.186. Já a palavra Ontologia
vem do grego, em que a partícula On vem do particípio que significa ‘o que é’, ‘o ente’, dando origem ao
termo ontos. A indagação inicial, sugerida pela etimologia, busca investigar o que é o ente. A respeito, ver
MAIA, Alexandre da. Ontologia Jurídica - O problema de sua fixação teórica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p.19.
256
Id.Ibid., p.29/30. Sobre a questão do ser que compreende, vale citar, novamente, esclarecimento de STRECK,
Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, Op. cit., p.199, quando aduz que: A verdade não é uma questão
de método. Será, sim, uma questão relativa à manifestação do ser, para um ser cuja existência consista na
compreensão do ser. Ser, verdade, vida e história são concebidos a partida da temporalidade absoluta, e não
da temporalidade enquanto qualidade de um eu a-histórico e transcendental, próprios da metafísica. Na
ontologia da compreensão, a vida é história, onde o próprio ser se desvela no horizonte da temporalidade. O
próprio ser é tempo. Por isto, a vida, a existência concreta, emerge na compreensão do ser. Relacionando
estas questões com o direito ao meio ambiente, cabe dizer que os intérpretes somente irão compreender todo o
seu significado na medida em que analisarem os objetos postos e interligá-los com a sua experiência de ser-no-
mundo, Dasein experienciado e versado nos problemas, textos e princípios relacionados.
147
Ocorre pelo estudo da tradição, da fusão de horizontes, da consciência histórico-
efeitual, dos valores e paradigmas e da própria linguagem, que envolve o ser histórico, ou
seja, quem experimentou o mundo como ser-no-mundo. Vicente de Paulo Barreto
257
diz que a
hermenêutica assumiu papel de destaque na reflexão jurídica contemporânea, (...) considera
a norma como parte integrante do sistema jurídico (...), como meio para a solução de
conflitos (...) por suas dimensões (...) legais, (...) aspectos sociais e valorativos, já que
determinantes para a eficácia do direito.
Seu conhecimento, aliado ao entendimento do conteúdo constitucional,
constantemente desvelado, é condição de possibilidade para a efetivação dos direitos
fundamentais, mais especificadamente, do ordenamento jurídico de proteção do equilíbrio
ecológico, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, não é, de forma alguma, um problema de método. Não se interessa por
um método de compreensão que permita (...) construir um texto seguro (...)
258
por meio da
aplicação de técnicas de interpretação, tais como a histórica, a literal, a sistemática, etc. Elas
demonstram apenas um dos elementos do ser (e ainda restrito), deixando de lado os demais
componentes de sua compreensão, já que o entendimento não será possível fora da história e,
sim, dentro dela cujo valor se dará quando entendido o passado como algo contínuo ao
257
O prefácio à primeira edição do livro de CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e
Argumentação – Uma contribuição ao Estudo do Direito. 3.ed. Rio de Janeiro: editora Renovar, 2003,
p.XIX/XX, escrito por Vicente de Paulo Barreto, bem explica esta relação entre a interpretação e os valores de
uma sociedade: (...) O contraponto entre o fato e a lei na compreensão hermenêutica torna-se mais evidente
quando o procedimento interpretativo incorpora entre os dois pólos referidos a questão dos valores. Até então
a doutrina e a jurisprudência consideravam o sistema jurídico como infenso à influência dos valores
encontrados na sociedade. Mas reside, precisamente, no conjunto de valores que fundamenta a sociedade
democrática de direito um espaço de interpretação que não foi incorporado pela doutrina clássica,
caracterizada pela dogmática civilista. (...) Buscam-se na filosofia procedimentos clássicos que irão revelar
toda a sua riqueza ao serem aplicados na análise do fenômeno jurídico. Para a questão ambiental, isso se
expressa pela aplicação dos princípios constitucionais da precaução, da prevenção, do desenvolvimento
sustentável e outros. Além disso, muitos princípios fundamentais estão interligados à questão da interpretação
dos problemas que giram em torno do meio ambiente, a saber: a vida, a dignidade da pessoa humana e a
própria idéia de solidariedade para a presente e as futuras gerações.
258
A respeito, ver GADAMER, Hans Georg. O problema da consciência histórica. Tradução: Paulo César Duque
Estrada. Rio de Janeiro: editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p.18. Da mesma forma está STRECK, Lenio
Luiz., em seu artigo A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais./ In: Revista da AJURIS nº 97, mar/05, ano XXXII. Porto Alegre: AJURIS,
2005, p.173, in verbis: o problema da interpretação não é epistemológico, não é metodológico e tampouco
procedimental; é, antes, fenomenológico; e, mais do que tudo, existencialidade.
148
presente
259
.
Fala-se ainda em uma tomada de consciência do homem, na medida em que ele não
mais aceita as tradicionais verdades sem, ao menos, questioná-las, assumindo, assim, uma
posição reflexiva para entender o que leva a ter este ou aquele significado
260
. É, portanto, a
busca da compreensão do ser do ente, desvelando suas possibilidades e trabalhando com um
dar sentido. Dessa forma, uma compreensão exata (...) do sentido constitucional dos objetivos
de proteção do ambiente é fundamental para a correção da atuação judicial e para que
possam ser oferecidas perspectivas ao novo Direito do Ambiente; (...) exigindo-se que atue
em sentido preventivo (...)
261
.
259
Sobre as técnicas de interpretação tradicionais, cabe citar a crítica feita por ADEODATO, João Maurício.
Jurisdição Constitucional à brasileira: situação e limites./ In: SCAFF, Fernando Facury (org).
Constitucionalizando Direitos – 15 anos da Constituição Brasileira de 1988, Op. cit., p.90: Não parece mais
adequada a visão tradicional de interpretação dos textos jurídicos ainda dominante no Brasil, a qual limita as
‘formas de interpretação quanto ao método’ como o gramático, o lógico, o histórico, o sistemático em uma
concepção mais simplista de que interpretar é determinar o ‘sentido e o alcance da norma diante do caso’
inadequada às sociedades complexas contemporâneas. Esta é uma prova viva do ainda existente paradigma
individual-racionalista, advindo do Estado Liberal, inadequado para o atual modelo democrático, que busca a
substancialidade do conteúdo constitucional. Neste mesmo sentido é a critica feita por MELO, Carlos Antonio
de Almeida. Mecanismos de Proteção e Concretização Constitucional: Proposta de uma Ação de
Concretização da Constituição./ In: SCAFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando Direitos – 15 anos
da Constituição Brasileira de 1988, Op. cit., p.42: A frustração jurídica indicada relaciona-se ao embate
mudança/permanência como fator de crise, opondo o novo enunciado no texto e suas possibilidades de leitura
criativa e emancipatória ao viés conservador das interpretações empreendidas pelos setores do campo
jurídico da realidade social comprometidos com a manutenção da estrutura anteriormente estabelecida (...).
E, por fim, sobre esta crise de paradigma, não se pode esquecer de Vicente de Paulo Barreto, na continuação
do prefácio do livro de CAMARGO, Margarida Maria Lacombe, Op. cit., p.XV, quando diz que: A ciência
jurídica enfrenta uma crise de paradigma, vez que os padrões de cientificidade que marcaram a Modernidade
e sustentaram o aparecimento do positivismo jurídico não oferecem mais respostas a indagações mais
complexas que envolvem a ordem jurídica.
260
Este posicionamento reflexivo acarreta a compreensão do texto que chega ao leitor, para o fim de enquadrá-lo
em seu real sentido, posto pela questão analisada. Cf. GADAMER, Hans Georg. O problema da consciência
histórica, Op. cit. p.19: (...) a vida moderna começa a se recusar a seguir ingenuamente uma tradição ou um
conjunto de verdades aceitas tradicionalmente. A consciência moderna assume – precisamente como
‘consciência histórica’ – uma posição reflexiva com relação a tudo que lhe é transmitido pela tradição. A
consciência histórica já não escuta beatificamente a voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a
mesma, recoloca-a no contexto em que ela se originou, a fim de ver o significado e o valor relativos que lhe
são próprios. Esse comportamento reflexivo diante da tradição chama-se interpretação.(...) Em outros termos,
torna-se necessária uma reflexão explícita sobre as condições que levam o texto a ter esse ou aquele
significado. A primeira pressuposição do conceito de interpretação é o caráter ‘estranho’ daquilo a ser
compreendido (...).
261
Ver LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.8. Esta alteração de paradigma, no sentido de o Poder
Judiciário atuar preventivamente, exige empenho de todos os operadores do Direito, exatamente diante da
aplicação de princípios constitucional-ambientais como os da precaução e da prevenção, que bem exprimem
este ‘agir antecipadamente’, com ou sem a confirmação científica do possível dano.
149
3.2.1.1 A antecipação de sentido (Vorhabe, Vorsicht, Vorgriff)
262
Quando se recebe um processo judicial sobre um problema relacionado à questão
ambiental, inevitavelmente se terá uma posição, uma visão e uma concepção prévias
(Vorhabe, Vorsicht, Vorgriff) a respeito do assunto. Ocorre que quem quiser compreender um
texto, realiza sempre um projetar
263
, mas é tarefa primordial deste processo de interpretação
não permitir que essa visão antecipada venha à tona, seja ela de cunho intuitivo ou advinda de
noções populares, pois se trata de uma arbitrariedade imperceptível, de incorrência em um
discurso inautêntico e impeditivo de uma interpretação adequada ao caso.
Deve-se assim ir às coisas mesmas
264
, sendo esta a tarefa primeira, constante e última,
no sentido de sempre revisar estas opiniões prévias e confirmá-las nas próprias coisas,
permeando todo o fenômeno da compreensão.
Atenta-se para a necessidade de uma ‘abertura’ para a opinião e conteúdo constantes
no processo judicial analisado, realizando-os por meio de questionamentos e mostrando-se
receptivo à alteridade do texto, às especificidades da situação fática, à legislação aplicada, ao
modelo de Estado vigente, bem como aos objetivos, aos direitos fundamentais e ao texto
262
No livro de HEIDEGGER, Martin., Op.cit., consta na pg.323, a nota explicativa (N51) sobre POSIÇÃO
PRÉVIA = VORHABE – A análise da estrutura da interpretação revela uma integração de três momentos
fundamentais. Tanto os momentos integrantes como a unidade de integração, ao possibilitarem a
interpretação, a precedem. O primeiro momento indica que a interpretação já tem uma posição, que
possibilita o horizonte das articulações. Ser Tempo exprime esse momento com o termo ‘Vorhabe’, traduzido
por posição prévia. O segundo momento designa a perspectiva em que se encara e vê o conjunto das
articulações. Ser e Tempo diz ‘Vorsicht’, que foi literalmente traduzido por visão prévia. O terceiro momento
consiste numa apreensão desse conjunto de posições e visões prévias, expresso por ‘Vorgriff’, traduzido por
concepção prévia.
263
Conferir GADAMER, Hans Georg Gadamer. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica, Op. cit., p.356. Da mesma forma está HESSE, Konrad. Escritos de Derecho
Constitucional. 2.ed. Selección, Traducción e introducción: Pedro Cruz Villalón. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1992, p.41. Assim, este autor está atento para a necessidade de não executar antecipações
que, com certeza, são pré-juízos para quem quer compreender: Da esta presencia del pre-juicio en toda
comprensión, se trata de no limitar-se a ejecutar las ‘antecipaciones’ de la pre-comprensión, siendo por el
contrario consciente de las mismas y explicándolas, respondiendo así al primer de las ocurrencias, prestando
atención a ‘las cosas mismas’. Faz-se necessário realizar constantes questionamentos filosóficos no sentido de
melhor conhecer aquilo que se está estudando e permitir que o texto analisado desvele o seu sentido.
264
Id.Ibid., p.355. No livro O problema da consciência histórica, Op. cit., p.60, GADAMER, Hans Georg., aduz
que: (...) O círculo encerra em si uma autêntica possibilidade do conhecer mais original que só apreendemos
corretamente quando admitimos que toda explicitação (ou interpretação) tem por tarefa primeira, permanente
e última não deixar que seus conhecimentos e concepções prévios se imponham pelo que se antecipa nas
intuições e noções populares, mas assegura o seu tema científico por um desdobramento de tais antecipações
segundo as ‘coisas mesmas’. (...) Elas descrevem a maneira pela qual a interpretação sempre procede quando
visa a uma compreensão cuja medida é a ‘coisa mesma’. Essa é realmente a primeira vez em que se afirma
explicitamente o sentido ontologicamente positivo do círculo implicado na compreensão.
150
constante na Constituição Brasileira
265
.
Fazendo-se uma relação do que dito acima com os argumentos das decisões dos
Tribunais anteriormente analisados, cabe citar os acórdãos colacionados sobre crimes
tributários e contra a ordem econômica, que tiveram o intuito fundamentar a
irresponsabilidade da pessoa jurídica por crimes ambientais praticados, mesmo diante de
decisões de seus responsáveis legais e/ou contratuais, em benefício e interesse do ente moral
(caso 4, tópico 2.3.1, p.108/110, da seção anterior).
Pode-se dizer que a busca em legitimá-las, com base em jurisprudência que
‘teoricamente’ reflete o entendimento majoritário, demonstra uma aplicação arbitrária destas
opiniões prévias. Isso porque, os julgados colacionados não estão relacionados ao caso em
concreto, com suas características específicas e peculiaridades, nem mesmo possuem idêntica
problemática factual ou de aplicação do direito material e cunho constitucional-ambiental.
Assim, não se pode deixar de indicar a presença do chamado pensamento dogmático,
pois além de se pretender dar um significado fundante a estas decisões (no sentido de aplicá-
las em qualquer caso judicial e, portanto, entificando o ser do ente), racionalizar e
homogeneizar seus valores (que no caso se confirmam contrários ao texto constitucional),
efetivar a função retórico-ideológica-institucional, busca-se por fim, re-assegurar as relações
265
A abertura à alteridade do texto fusiona-se com as opiniões próprias de quem lê o texto por meio de
questionamentos. Cf. GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica, Op. cit., p.358: O que existe é simplesmente a abertura para a opinião do outro ou
para a opinião do texto. Mas essa abertura implica sempre colocar a opinião do outro em alguma relação
com o conjunto das opiniões próprias, ou que agente se ponha em certa relação com elas. (...). Por isso,
também aqui existe um critério. A tarefa hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado
na coisa em questão, e já se encontra sempre co-determinada por esta. O respeito à alteridade torna-se
condição de possibilidade do acontecer do Direito, já que possibilita a produção de sentido da norma, com a
análise do texto relacionado ao caso em concreto. Assim, vale citar SILVA FILHO, José Carlos Moreira da.
Hermenêutica filosófica e Direito – O Exemplo Privilegiado da Boa-Fé Objetiva no Direito Contratual. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 392/393: (...) reivindicar um maior contato do jurista com a realidade
social, onde se desenvolva a sensibilidade do saber escutar o outro e onde os sentidos normativos possam
emergir propriamente (...). (...) Assim, o doutrinador, professor, juiz, advogado, enfim, o jurista ou
profissional do Direito, caso queira permitir a manifestação mais própria do Direito (...), deverá derrubar as
muralhas de uma pré-compreensão profissional de jurista e deixar acontecer a pluralidade de enfoques,
valores e conseqüências que pulula ao seu redor.
151
de poder, perpetuando-as
266
.
A compreensão do ser, mas com o esquecimento do ente, é identificado pela aplicação
de abstrações
267
, do conteúdo do texto sem analisar as especialidades do caso, seu objeto,
fundamento e objetivo. Não foi indicada, assim, a existência de uma interpretação ontológica
que envolva a pré-compreensão do intérprete sobre o assunto, compreendendo-o como o ser
do ente. Essas universalizações são, portanto, representativas do senso comum teórico dos
operadores do Direito, velando a realidade da compreensão
268
já que não focado na
individualidade da questão judicial. Os intérpretes, inseridos em um verdadeiro habitus
dogmaticus, acabam por não.perceber que essa prática já está em si internalizada, razão pela
qual ela aparece antecipadamente.
A racionalização do pensamento e a manutenção do discurso institucional são
constatadas pelo raciocínio acrítico existente nos julgados, em que não se questionam os
vícios do sistema jurídico e nem mesmo o acontecer do Direito, mas sim a sua standartização
e a reprodução destas ideologias. Percebe-se que há dificuldade na lida das questões
relacionadas com o novo paradigma constitucional, compromissório e democrático, que exige
266
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, Op. cit., p. 70. A respeito dessa perpetuação e
racionalização de valores, representados pelo chamado senso comum teórico, cabe citar esclarecimento de
WARAT, Luiz Alberto, no texto O senso comum teórico, quando afirma que (...). Parece-nos, pois, que o
senso comum teórico no direito manifesta-se através de duas instâncias diferenciadas: 1º) uma filosofia
especulativa que oculta o papel social do direito; 2º) um trabalho técnico de sistematização das normas
positivas com o qual, indiretamente, complementa-se a mensagem ideológica das filosofias especulativas dos
juristas. Por sua vez, estas duas instâncias plasmam um sistema de idéias e crenças produtoras de uma visão
do mundo específica para o direito. Disponível em:
<http://members.fortunecity.com/danilonl/luiz_alberto_warat.html
>. Entretanto, diante da ausência de uma
filtragem constitucional, esses valores reproduzidos acabam por manter um discurso ideológico não mais
adequado à atual realidade brasileira, no caso, de busca de substancialidade dos direitos fundamentais.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, Op. cit., p.847, também fala sobre o sentido comum
teórico existente no imaginário dos juristas e a conseqüente entificação do ser do ente, a saber: A metafísica
pensa o seu ser e detém-se no ente; ao equiparar o ser ao ente, entifica o ser, através de um pensamento
objetificador. Ou seja, a metafísica, que na modernidade recebeu o nome de teoria do conhecimento (filosofia
da consciência) faz com que se esqueça justamente da diferença que separa ser e ente. No campo jurídico,
esse esquecimento corrompe a atividade interpretativa, mediante uma espécie de extração de mais valia do
sentido do ser do Direito.
267
O episódio sob comento demonstra bem a dimensão da crise existente no plano da hermenêutica brasileira,
comprovando (...), mediante o deslocamento discursivo do plano do mundo da vida para o plano das
abstrações jurídicas. Id.Ibid., p.78.
268
Entendendo que as abstrações encobrem a concretização da compreensão, vale citar GRONDIN, Jean., Op.
cit., p.180, in verbis: É inegável que a busca de uma verdade universalmente válida ameaça encobrir a
realidade da compreensão, direcionando-a para um ideal de conhecimento que ela jamais irá concretizar.
Isso porque se pressupõe a existência de um conteúdo próprio daquela palavra, independentemente da situação
posta. Desta forma, acaba por velar aquilo que quer e pode ser dito pelo texto, interpretado em conformidade
com vários elementos em questão. A compreensão da verdade se dá sempre em relação a um caso concreto e
jamais em termos universais, aplicáveis a qualquer situação e sempre da mesma forma.
152
a proteção e a efetividade de seus direitos fundamentais.
Da mesma forma está a existência de uma incompreensão sobre a questão ambiental,
bem de cunho difuso, que determina a responsabilidade socioambiental dos entes morais, o
dever público de protegê-lo e de preservá-lo e a aplicação dos princípios preventivos e de
solidariedade
269
.
Assim, o modelo racional-individualista
270
, muito embora tenha trazido grandes
avanços no campo do conhecimento, acaba por se incompatibilizar com os elementos
formadores do Estado Democrático de Direito. Entretanto, como se verá a seguir, ela está
presente no entendimento de uma técnica interpretativa e na aplicação de uma processualística
tradicional.
Quanto ao primeiro (interpretação), que se caracteriza pela busca de certezas nas
relações jurídicas, constata-se que esta aplicação de precedentes judiciais reflete uma
angústia, no sentido de não mais haver dúvidas sobre o caso discutido, mantendo-se, portanto,
uma segurança jurídica. Cabe relembrar que nenhuma questão é igual à outra (sob pena da
entificação do ser do ente), principalmente no que tange ao meio ambiente, pois se trata de
bem difuso e de fundamental importância para a continuidade da vida na terra, razão pela qual
a decisão deve ser minuciosamente ponderada.
269
Dessa forma, é necessária uma aplicação desta alteração do foco de entendimento, que deixa de lado a visão
antropocêntrica para dar espaço à global e de solidariedade para as futuras gerações. A respeito cabe citar
SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia./ In:
LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org). Aspectos processuais do Direito Ambiental.
2.ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2004, p.270/271: A tutela jurídica do meio ambiente surge em
decorrência de uma revolta do objeto; abandona-se a visão antropocêntrica do direito, voltada,
exclusivamente, para o interesse do sujeito; visa-se, agora, à tutela da vida em toda as suas formas. Fazer jus
a um meio ambiente equilibrado e à sadia qualidade de vida é direito de terceira geração, finalmente
constitucionalizado e consagrado como fundamental.
270
Sobre a vigência da técnica interpretativa liberal-individualista dos textos e sua incompatibilidade com o
conteúdo constitucional, cabe citar entendimento de MORAIS, José Luis Bolzan de. O Brasil pós-1988.
Dilemas do/para o estado constitucional./ In Fernando Facury Scaff (org), Constitucionalizando direitos – 15
anos da Constituição Brasileira de 1988, Op. cit., p.114: (...) vigora no imaginário jurídico pátrio, ainda hoje,
o que é tido como uma visão liberal-individualista do Direito (...) defasada e inapta para lidar e fazer operar
o projeto político contido no texto constitucional de 1988 e manejar conceitos baseados em uma ética
solidária voltada para uma promessa de futuro em construção (...). Neste mesmo sentido está a crítica ao
Poder Judiciário de ADEODATO, João Maurício., Op. cit., p.96: O problema (...), parece ser: o judiciário
nem vê o texto ontologicamente, como um ícone do objeto, e o vincula a uma interpretação pretensamente
fixa, como na Exegese Francesa da transição do século XVIII para o XIX, nem o concretiza por via de um
projeto e de procedimentos hermenêuticos específicos. Tem os defeitos da reificação racionalista e os do
causuísmo irracionalista: concepção reificadora, trato causuístico, uma exdrúxula incompatibilidade
estratégica.
153
A interpretação deve buscar a aplicação da norma interpretada ontologicamente, de
acordo com o caso específico, relacionando diretamente suas especificidades com o desvelar
do sistema constitucional protetivo do direito ambiental. Cabe dizer que (...) a jurisprudência,
a despeito (ou justamente por causa) da segurança e da estabilidade que assegura, nega a
pluralidade inerente ao caso concreto, que deve ser decidido ‘de per se’(...)
271
.
Quanto ao segundo (processualística), há a tradicional idéia de que em um processo
deve haver vencedores e perdedores e que, por isso, se a decisão estiver calcada em outras
‘parecidas’, ela estará ainda mais correta, havendo assim uma maior dificuldade de a parte
contrária rebater estes fundamentos perante os Tribunais Superiores. Representa a busca por
uma maior certeza e segurança jurídicas da eficácia de sua sentença ou acórdão.
Entretanto, o que não se percebe é que esta visão processual tradicional não consegue
mais dar as devidas respostas para as relações complexas da sociedade, que giram em torno de
questões sobre direitos fundamentais de terceira geração, solidarizadas às futuras gerações e
que devem ser protegidas
272
.
Além disso, faz-se necessário atentar à chamada ‘tutela constitucional do processo’
273
,
que significa não negligenciar a aplicação dos institutos processuais na sua relação com o
conteúdo material constitucional (ambiental), sob pena de serem considerados estéreis, já que
devem ser entendidos como instrumentos de garantia do exercício dos direitos fundamentais.
271
Cf. MELO, Carlos Antonio de Almeida. Mecanismos de Proteção e Concretização Constitucional: Proposta
de uma Ação de Concretização da Constituição./ In: SCAFF, Fernando Facury (org). Constitucionalizando
Direitos – 15 anos da Constituição Brasileira de 1988, Op. cit., p.49.
272
Esta incapacidade de o sistema jurídico dar respostas a estas novas demandas, está descrita em SOUZA, Paulo
Roberto Pereira de., Op. cit., p.231, ao aduzir que: O sistema jurídico clássico construído para a tutela dos
direitos individuais não conseguiu mais dar respostas completas às complexas relações sociais travadas por
esta nova sociedade, competitiva, confusa, desigual, exigindo a construção de uma nova ordem jurídica. Esta,
por sua vez, passou a proteger, de forma diferenciada, os direitos difusos, coletivos e os individuais
homogêneos, criando novas formas de tutela, capazes de dar respostas a essas novas demandas da sociedade.
E sobre o próprio caso ambiental, cabe citar entendimento de GOMES, Sebastião Valdir. Novas questões de
direito ambiental./ In: REVISTA DOS TRIBUNAIS n° 744, ano86, out/97. São Paulo: editora Revista dos
Tribunais, 1997, p.76/77: Realmente a concepção do modelo tradicional de ciência jurídica, retrospectivo, no
sentido de estar condicionado às categorias dogmáticas do passado como determinantes da compreensão e da
aplicação do direito no presente, não se adequa ao instrumental conceitual com que é trabalhada a temática
do meio ambiente, que exige um modelo prospectivo, no sentido de construção no presente de categorias
conceituais e práticas jurídicas que possam dar respostas a demandas e projetos futuros, instituídos como
tarefas do Direito Ambiental e do Direito Público. Estas demandas e projetos futuros estão relacionados à
idéia de vida, dignidade e solidariedade com as gerações futuras, próprias de um entendimento global do que
seja a proteção do meio ambiente.
273
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, Op. cit., p. 256.
154
Exige-se, assim, uma nova postura dos operadores do Direito
274
, no sentido de tornar
efetivo o texto constitucional, aplicar a interpretação ontológica e os novos paradigmas
processuais, pois em relação ao meio ambiente não há vencedores, mas perdedores quando e,
principalmente, houver a perda do equilíbrio ecológico.
Na medida em que é utilizada a idéia cartesiana do método, ou seja, a razão lógica
para encontrar a melhor decisão protegida de qualquer erro, percebe-se que não houve uma
compreensão do objetivo que a proteção do direito fundamental ao meio ambiente deve ter,
principalmente, porque sua aplicação no ‘mundo da vida’ é fator de legitimação do Estado
Democrático de Direito.
Preocupando-se com a técnica de interpretação para obter a melhor decisão, bem como
com o procedimento, ao subsumir os velhos paradigmas processuais, há o esquecimento do
conteúdo e da exigência de efetividade das normas constitucionais aplicáveis à realidade
brasileira, sob a ‘Teoria da Constituição Dirigente adequada aos Países de Modernidade
Tardia’.
Assim, neste caso citado (p.149) foi permitida que sua visão prévia e, por
conseqüência, seus pré-juízos existentes viessem à tona, antes mesmo de se fazer um
questionamento pautado nas coisas mesmas ambientais, na sociedade de risco em que vive a
sociedade global (e o Brasil), e mais, antes de se deixar que o texto da Constituição desvelasse
algo.
274
Esta necessária mudança de postura dos juristas frente a este sistema é imprescindível, pois será por meio de
sua atuação que a carta constitucional será interpretada, compreendida e devidamente implementada. Sem este
debate frente às dúvidas ambientais, não será desvelado o sentido substancial do seu conteúdo. Assim, cabe
dizer que Nova principiologia é criada e uma nova postura é exigida do jurista (...); tem de adotar um
comportamento dinâmico, fazer uso dos novos e fortes poderes que lhe confere o Código de Processo Civil, o
Código de Defesa e Proteção do Consumidor; de fato, as grandes mudanças processuais incorporadas com a
tutela coletiva dos direitos, através da ação civil pública, e o fortalecimento dos poderes do juiz, com a
reforma do processo civil, buscam a efetividade do processo. Cf. SOUZA, Paulo Roberto Pereira de., Op. cit.,
p.234. E esse novo posicionamento dos juristas se dará mediante a interpretação do assunto a ser questionado,
cujo limite será a própria substancialidade do texto constitucional e de seus princípios fundamentais. É uma
forma de compreendê-los de forma autêntica. Neste sentido está SILVA FILHO, José Carlos Moreira da, Op.
cit., p.384, in verbis: (...) teoria constitucional, a exigir uma verdadeira mudança de atitude do jurista para
que se possa concretizar a Constituição e seus valores e princípios em todos os ramos do Direito, uma atitude
que permita o seu acontecer, que projete o jurista na busca do fenômeno jurídico em sua autenticidade, que
cultive a angústia de estar à sua espreita, que vivifique a sua prática e as suas idéias (...).E, por fim, vale citar
a crítica de OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de. O poder judiciário na concretização do estado
democrático de direito após 1988, Op. cit., p.68: (...) falta de reforma do pensamento que permeia aqueles que
lidam (ou deveriam lidar) com o texto constitucional.
155
2.3.1.2 A tradição
Sabe-se que a tarefa de percepção dos pré-conceitos que advêm da tradição e que
insistem em se manifestar antecipadamente é muito difícil, pois os preconceitos de um
indivíduo, muito mais que seus juízos, constituem a realidade histórica do seu ser
275
.
Entretanto, não se pode esquecer que o intérprete deve estar receptivo a isso, ou seja,
compreender que a tradição faz parte de seu ser e o influi diretamente. Uma solução é a
realização de questionamentos constantes para o fim de identificar as pré-compreensões
inautênticas e, assim, excluí-las da relação de alteridade formada com o conteúdo da questão
ambiental analisada no processo judicial respectivo.
Esse processo de velamento (da tradição inautêntica, do senso comum teórico, da
dogmática jurídica) e desvelamento (dos sentidos do que se quer conhecer: Estado
Democrático de Direito, Constituição Compromissória, meio ambiente) é, segundo Lenio
Luiz Streck
276
, o acontecimento (Ereignen) que institui a abertura da clareira, essa região
livre, esse espaço ‘desbastado’, liberto dos obstáculos, que impede a vinda ao aparecer da
presença. Ao destruir, a hermenêutica constrói (...).
É a partir daí que se identifica a existência da mediação, para cujo entendimento pode
ser ela dividida em 2 (dois) elementos: o subjetivo e o objetivo. O primeiro, diz respeito ao
sentido de criação que o intérprete obtém do texto constitucional. Já o segundo, está
relacionado tanto com o vínculo entre o texto e a circunstância posta quanto com o nexo entre
o resultado deste e a tradição do ser do meio ambiente
277
.
275
Ver GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica,
Op. cit., p.368. Mais adiante (p.374), continua o autor sobre a influência da tradição sobre o Dasein, in verbis:
(...) encontramo-nos sempre inseridos na tradição, e essa não é objetiva, como se o que a tradição nos diz
pudesse ser pensado como estranho ou alheio; trata-se sempre de algo próprio, modelo e intimidação, um
reconhecer a si mesmos no qual o nosso juízo histórico posterior não verá tanto um conhecimento, mas uma
transformação espontânea e imperceptível da tradição. Assim, quando se fala sobre meio ambiente, não se
pode entendê-lo como algo fora do homem, principalmente porque nele se vive e se constrói a vida e as
relações sociais. A questão ambiental faz parte, em si, da própria historicidade do ser humano, muito embora
conste nas decisões judiciais do capítulo 2, que ainda não houve uma interpelação por esta ontologia da
compreensão, já que se analisa o equilíbrio ecológico com paradigmas antropocêntricos.
276
Hermenêutica jurídica e(m) crise, Op. cit., p.303.
277
Quem bem explica o assunto da mediação é CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, Op.
cit., p.214: No fundo, (...) vem realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa interpretativa: (1) os
pressupostos subjectivos, dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de
obtenção do sentido do texto constitucional: (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto, actuando o
intérprete como operador de mediações entre o texto e a situação em que se aplica: (3) relação entre o texto e
o conteúdo com a mediação criadora do intérprete, transformando a interpretação em ‘movimento de ir e
vir’(círculo hermenêutico).
156
Aplicado aos casos ambientais, verifica-se que o elemento subjetivo advém da
interpretação ontológica do texto constitucional de proteção do equilíbrio ecológico. O
elemento objetivo, por sua vez, é representado pela identificação deste texto com a situação
de ameaça ou de dano e, por fim, deste resultado com o conjunto representado pelo ‘ser’ do
meio ambiente ontem (em um Estado Liberal e/ou Social de Direito) e hoje (em um Estado
Democrático de Direito), valendo-se de sua importância, complexidade, elementos jurídico-
fundantes, valores e paradigmas. A partir do todo ambiental para o caso concreto e, deste para
o todo, consegue-se compreender a questão posta para, a partir dela, ter maiores condições de
possibilidade para o seu julgamento.
Ou seja, esta é uma relação circular
278
, ou melhor, o momento estrutural ontológico da
compreensão, em que haverá a concordância da particularidade com o todo do meio ambiente
envolvido e vice-versa, sendo um dos motivos pelos quais torna-se necessário compreendê-los
para que se consiga cumprir o determinado na Constituição.
Essa mediação é de extrema importância, já que irá ajudar o intérprete a versar-se na
coisa em questão e, a partir dela, dar ‘abertura’ para o que vem do texto analisado. Sabe-se da
existência do pré-juízo que também é um prejuízo já que limita o sentido, ainda mais porque
constituída de um ‘olhar’ comprometido, mas que dele não se pode fugir, exatamente porque
aquele que interpreta é ser-no-mundo.
Ao permitir esse novo ‘olhar’ sobre o que se está estudando, haverá a presença do
278
Quem bem explica esta relação é GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.385/386, a saber: O critério correspondente para a justeza da
compreensão é sempre a concordância de cada particularidade com o todo. Se não houver tal concordância,
significa que a compreensão malogrou.E o autor continua (p.388), dizendo que: (...) a descrição Heidggeriana
desse círculo mostra que a compreensão do texto se encontra constantemente determinada pelo movimento de
concepção prévia da pré-compreensão. Quando se realiza a compreensão, o círculo do todo e das partes não
se dissolve; alcança ao contrário sua realização mais autêntica. Pode-se melhor compreender ao visualizar
um círculo que, ao invés de fechar-se em seu sentido, forma outro círculo e, assim, sucessivamente. Dessa
forma, o conhecimento dá-se pela constante mediação entre o passado e o presente (fusão) que gera um novo
compreender e deste, um novo....E sobre a mediação e a pré-compreensão daqueles envolvidos no caso, bem
explica SILVA FILHO, José Carlos da., Op. cit., p.145/146: Mas para que seja encontrada a solução jurídica
para os casos que se apresentam aos aplicadores, é fundamental o modo como a pretensão das partes se
configura, o modo como o caso se apresenta. Daí porque não ser suficiente tratarmos de uma pré-
compreensão de juristas, esta não se divorcia totalmente da pré-compreensão das partes, e assim deve ser
para que possa cumprir a sua função de solucionar os conflitos de maneira justa. O Direito não pode ser
reduzido a uma linguagem de profissionais.
157
passado e do presente, e nessa relação há uma dualidade, a familiaridade e a estranheza
279
. A
primeira, está relacionada à pré-compreensão do intérprete sobre o assunto, razão pela qual ao
pertencer à tradição e à linguagem sempre possui pré-conceitos. A segunda, diz respeito ao
distanciamento temporal, ou seja, do que o texto quer dizer hoje, na sua aplicação ao caso em
comento. Para Hans Georg Gadamer
280
esse entremeio (Zwischen) é o verdadeiro lugar da
hermenêutica, exatamente por ser interpelador, motivador daquele que quer sempre saber,
conhecer, compreender.
Nesse sentido, com a análise da tradição quer-se compreender os elementos tanto
subjetivos quanto objetivos da questão, para decidi-la relacionando-a com a sociedade e o
meio ambiente, bem como com o Estado Democrático de Direito e a Constituição
281
.
Entendendo o jurista sobre o assunto que o interpela, poderá haver um enriquecimento, uma
confirmação ou uma modificação de sua tradição
282
, sendo esta uma forma de aplicar ao caso
o conteúdo protetivo-constitucional-ambiental. Ela é importante porque fundamenta a própria
investigação, no sentido de fazer novos questionamentos, sendo este fenômeno caracterizado
por um círculo, chamado de círculo hermenêutico.
279
Sobre o intrínseco nexo entre a pré-compreensão e a tradição, vale a pena citar GRONDIN, Jean., Op. cit.,
p.186: Os pré-conceitos – ou a pré-compreensão – (...) valem, de certa forma, como ‘condições de
compreensão’ transcendentais. A nossa historicidade não é uma limitação, e sim um princípio de
compreensão. E entendendo estes elementos como condicionantes do trabalho a ser realizado, está
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Op. cit., p.13: a
utilização do conceito de pré-compreensão (...). Pretende tornar claro que o investigador não se pode furtar a
um conjunto de influências jurídicas, extrajurídicas, políticas e sociais, decisivamente condicionadoras de
orientação do trabalho (...).Sem levar em consideração a tradição que se revela, a pré-compreensão não será
completa e, conseqüentemente, a verdade do que se quer compreender não será desvelada em seu sentido. É
importante portanto fazer questionamentos para que estes elementos venham à tona e formem a devida
compreensão, caso contrário poderia ser a mesma considerada inautêntica.
280
Cf. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.390/391.
281
A respeito da pré-compreensão da Constituição, cabe citar STRECK, Lenio Luiz. Quinze anos da
Constituição – análise crítica da jurisdição constitucional e das possibilidades hermenêuticas de
concretização dos direitos fundamentais-sociais, Op. cit., p.142: (...)(... produto de uma atribuição de sentido)
válido tão somente se estiver em conformidade com a Constituição, a aferição dessa conformidade exige uma
pré-compreensão (...) acerca do sentido de (e da) Constituição, que já se encontra, em face do processo de
antecipação de sentido, numa co-pertença (...).
282
A importância da tradição é bem explicada por GADAMER, Hans Georg. O problema da consciência
histórica, Op. cit., p.12/13: Algo essencialmente novo aqui se evidencia: o papel positivo da determinação
pela tradição (Traditionsbstimmtheit), que o conhecimento histórico e a epistemologia das ciências humanas
compartilham com a natureza fundamental da existência humana. É verdade que os preconceitos que nos
dominam freqüentemente comprometem o nosso verdadeiro reconhecimento do passado histórico. Mas sem
uma prévia compreensão de si, que é neste sentido um preconceito, e sem a disposição para uma autocrítica,
que é igualmente fundada na nossa autocompreensão, a compreensão histórica não seria possível nem teria
sentido. Somente através dos outros é que adquirimos um verdadeiro conhecimento de nós mesmos. O que
implica, entretanto, que o conhecimento histórico não conduz necessariamente à dissolução da tradição na
qual vivemos; ele pode também enriquecer essa tradição, confirmá-la ou modificá-la, enfim, contribuir para a
descoberta de nossa própria identidade.
158
Aqui, entra uma outra questão posta nas decisões do capítulo 2, que reflete a ausência
de mediação entre o texto constitucional e o caso em concreto, bem como entre a
historicidade do meio ambiente e a situação estudada, principalmente no que diz respeito ao
fundamento da separação de poderes, advindo do Estado Liberal pós Revolução Francesa,
mas que aplicado em julgamentos sob a vigência de um Estado Democrático de Direito (caso
4, tópico 2.1.2, p.82/85 e caso 3, tópico 2.1.1, p.78/82, da seção anterior)
283
.
A respeito, aplicou-se a impossibilidade de o Poder Judiciário ingressar na esfera do
Poder Executivo para exigir que o mesmo atuasse no sentido de proteger o meio ambiente,
tanto mediante fiscalização quanto implementação de obras e de políticas públicas, sob o
argumento de possuir discricionariedade para decidir pela conveniência e oportunidade, além
de esse intrometimento adentrar no mérito da questão, desestruturando a independência entre
essas funções.
No caso, não foi realizada a mediação, mas permitiu-se que a tradição viesse à tona,
expressando um entendimento próprio do modelo Liberal, inadequado ao novo paradigma
advindo com o Estado Democrático de Direito. Este afetou diretamente um de seus pilares
mais tradicionais: a separação/especialização de poderes (funções), quando cada uma delas
ganha um papel renovado
284
, principalmente para o fim de efetivar os direitos fundamentais.
Não se poderia deixar de considerar que estando em uma democracia, em que há a
busca pelo aumento do lócus de decisão, mediante uma maior participação popular e
indicando que nenhuma ameaça ou lesão a direito ficará fora da apreciação do Poder
Judiciário, deve existir a flexibilização dessa rígida separação, também para efetivar as
283
Cf. DUSO, Giuseppe. Revolução e constituição do poder./ In: _____. O poder – História da Filosofia Política
Moderna. Tradução: Andréa Ciacchi, Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi. Petrópolis: editora Vozes, 2005,
p.209: A centralidade do conceito de liberdade confere (…) significado ao próprio termo ‘revolução’ (…)
compreensível em relação á instauração de uma nova ordem, e, portanto, em relação a uma filosofia da
historia com a sua idéia de evolução e emancipação. (…) indica uma tarefa a ser realizada e um conjunto de
idéias e princípios diante dos quais é preciso decidir a própria colocação cultural e política. O conceito
central, que determina o sentido de revolução, é o de liberdade: a revolução é o processo de libertação das
amarras do poder existente e da cristalização dos diversos direitos e privilégios. E por isto, após a subida ao
poder, implementou-se a separação de poderes, conforme MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social
aos Interesses transindividuais, Op. cit., p.120: (...) Foi concebida para assegurar a liberdade dos indivíduos
mediante o enfraquecimento do poder, resultante de sua distribuição por órgãos distintos. Desse modo,
assentava, em dois elementos: ‘a) especialização funcional, quer dizer, cada órgão é especializado no
exercício de uma função (...); b) independência orgânica, o que postula a ausência de meios de subordinação
de uns sobre outros’.
284
Idem. O Brasil pós-1988. Dilemas do/para o estado constitucional, Op. cit., p.107/108.
159
promessas sociais da modernidade não cumpridas, bem como instrumentalizar os direitos
fundamentais, geracionais postos na Constituição Federal, exatamente por tratar-se de um
modelo compromissório.
Ainda, deveria haver a internalização de elementos do constitucionalismo
contemporâneo, como a efetivação da sua substancialidade (proteção ambiental), a sua
funcionalidade, mediante a aplicação dos princípios materialmente considerados (prevenção,
precaução, desenvolvimento sustentável), bem como a relação entre o Direito e a Política,
baseada na alteração da atividade preponderante para o Poder Judiciário.
Aqui, especificadamente, a relevância do papel da Jurisdição Constitucional que,
mediante seus instrumentos (Ação de Inconstitucionalidade (difusa e abstrata), Ação Civil
Pública, Ação Popular, Declaração de Nulidade Parcial sem Redução de Texto e Interpretação
conforme a Constituição), deve o Poder Judiciário efetivar os atos não implementados pelo
Poder Executivo, no caso, de fiscalização de obras em loteamentos e a sua respectiva
autorização (por meio da comprovação do equilíbrio ecológico).
Por outro âmbito e encaixando-se na matriz aqui utilizada, Eros Roberto Grau
285
fundamenta a possibilidade de o Poder Judiciário questionar o ato do Poder Executivo. O
autor baseou-se no entendimento tradicional sobre a discricionariedade, em que há a
possibilidade de o administrador eleger razoavelmente, um dentre pelo menos dois
comportamentos cabíveis para o caso, quando a finalidade legal não possa ser extraída
objetivamente para a solução unívoca, exatamente por existir um conceito indeterminado.
Faz-lhe a crítica e, assim, encontra uma outra forma de entendimento: Se existem
diferenças entre o exercício da discricionariedade e a aplicação dos conceitos
285
Cf. O Direito posto e o direito pressuposto. 6.ed. São Paulo: Malheiros editores, 2005, p.194/205. Quem faz
uma crítica sobre o pensamento dogmático e trabalhando com os conceitos da matriz teórica da filosofia
hermenêutica, advoga OHLWEILER, Leonel., pela possibilidade de o Poder Judiciário analisar os atos
realizados pelo Poder Executivo, principalmente quando estiverem envolvidos conceitos indeterminados: O
controle jurisdicional dos signos jurídico-administrativos não se dá forma da linguagem e da compreensão,
logo, está inserida em um conjunto de relações já interpretadas e significadas pelo habitus jurídico. As
respostas da dogmática jurídica devem ser postas em xeque, pois como respostas a um modelo liberal-
individualista já não estão contextualizadas atualmente. Outras respostas hão de ser dadas no Estado Social e
Democrático de Direito, o que exige uma nova tarefa do perguntar. Problematizar o legado não cumprido da
modernidade é corolário da necessária explicitação da historicidade da compreensão e elemento primordial
para o desvelamento de um sentido democrático. Cf. Direito Administrativo em perspectiva – Os termos
indeterminados à luz da hermenêutica. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2000, p.120
160
indeterminados, aquele se dá por juízos de oportunidade, e este por meio da interpretação,
devendo atrelá-los aos juízos de legalidade, que determina o dever de agir quando da tutela do
direito fundamental ao meio ambiente, próprio de uma Democracia.
Assim, caso o Poder Executivo deixe de atuar no sentido de preservar o meio
ambiente, está violando o chamado ‘interesse público’ que, sendo um conceito indeterminado,
deve ser interpretado de acordo com os juízos de legalidade (mesmo havendo a
discricionariedade), para o fim de ser preenchido pelo sentido dado no caso em concreto, que
é o dever de agir pela proteção ambiental, interesse esse que possui teor público
286
.
3.2.1.3 A distância temporal e a consciência histórico-efeitual
Não se pode perder de vista a importância da chamada distância temporal
287
, pois a
286
Sobre a relação entre interesse público, legalidade e, portanto, possibilidade de questionamento de atos do
Poder Executivo pelo Poder Judiciário, resta saber: Atos motivados por razões de interesse público – bem
assim todos e quaisquer atos de aplicação de ‘conceitos indeterminados’ (vale dizer, de noções) (= juízos de
legalidade) – estão, evidentemente, sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. Mais adiante (p.219),
termina: E nisso, entre outros parâmetros de análise e ponderação de que para tanto se vale, o Judiciário não
apenas examina a proporção que marca a relação entre os meios e os fins do ato, mas também aquela que se
manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual declarados na motivação. Cf. GRAU, Eros
Roberto. O Direito posto e o direito pressuposto, Op. cit., p.216. Na medida em que determinados atos do
Poder Executivo giram em torno do entendimento do que seja interesse público, como é o caso dos danos
ambientais ou de determinação de medidas preventivas, até mesmo de aplicabilidade de conceitos
indeterminados, podem estes atos passar pelo crivo do Judiciário, exatamente porque se está a trabalhar com
juízos de legalidade e, portanto, de interpretação do texto e aplicabilidade da norma, que deve estar atrelada à
legalidade. No mesmo sentido está KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção
ambiental – O controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado editora, 2004, 60, in verbis: Destarte, a interpretação dos conceitos
indeterminados empregados pelas leis ambientais terá que ‘deixar de transparecer a juridicidade reforçada
do valor meio ambiente’, preconizada pela Carta Federal e as constituições estaduais. Onde a interpretação
dos referidos termos por parte da Administração não corresponder a essa exigência, os tribunais devem
corrigir as medidas, o que vale especialmente para o âmbito processual dos interesses difusos (...).
287
Cf. GRONDIN, Jean., Op. cit., p.189: Às vezes, é precisamente o salto para trás das interpretações
historicamente poderosas, que é hermeneuticamente enriquecedor. Isso ocorre exatamente porque este ‘salto
para trás’ consegue trazer consigo elementos da tradição que não estavam, em um primeiro momento, à
disposição do intérprete. Na medida em que ele se dispõe a isso, ele dá abertura à alteridade do texto e,
fusionando com seus entendimentos, interpreta sempre de forma diferente, já que é produção de sentido e não
mera reprodução. Por outro lado, somando à idéia de produção de sentido e, por conseqüência, de realização
crítica do texto analisado, cabe citar STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.274,
in verbis: Como condição de possibilidade para a interpretação, a compreensão abre possibilidades para
evitar/ultrapassar a obediência passiva à autoridade da tradição. As dimensões de criatividade de crítica
devem ser somadas ao esquema ontológico da hermenêutica filosófica, para construir uma resposta ao
problema epistemológico do Direito. Proposições sobre o Direito são sempre uma nova interpretação
adicionada à tradição de interpretações recentes (anteriores), as quais oportunizam uma atitude crítica em
relação à interpretação (sentido) já dada. (...) A tradição não nos amarra a uma via que possa dar uma
resposta certa para todas as questões colocadas. Ela dá os limites para a decisão. Após esta limitação é que
entra a tarefa da criatividade e da razão crítica, para, assim, construir um sentido (uma decisão) adequada.
Cabe dizer que estes limites estão postos tanto pela tradição e pré-compreensões do intérprete sobre o assunto,
como pelo texto constitucional compromissório e pelos objetivos democráticos.
161
partir dela ficará evidenciada uma diferença insuperável entre o intérprete e o autor do
conteúdo que se analisa. Isso porque quem se dispõe a compreender faz sempre de um modo
diferente, exatamente porque realiza a mediação de diversos elementos da sua historicidade
que, fusionada com as características do fato em concreto, resulta na interpretação ontológica,
razão pela qual produz sentido (Sinngebung).
Esta é completamente diversa da idéia de reprodução de sentido (Auslegung) ou de
subsunção do fato à norma, própria da interpretação tradicional que, conforme visto no
capítulo 2 do presente, sua utilização como técnica resultou nas diversas decisões judiciais
que afetaram o conteúdo constitucional e, mais especificadamente, o direito humano
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É por isso que da leitura do caso jurídico-ambiental se supera o texto de lei e, assim, se
aplica a norma adequada à situação analisada em todo o seu ser. Em função disso, faz-se
importante entender que texto e norma possuem a chamada diferença ontológica, ou seja, são
complementares
288
e não antitéticos, em que o texto será sempre o mesmo, mas superado pela
leitura contextualizada da questão para, assim, tornar-se uma norma ambiental aplicada.
Como se está diante de um modelo democrático, em que se busca instrumentalizar o
dever de proteção do meio ambiente, este elemento deve ser levado em consideração para,
compreendendo o texto constitucional, aplicá-lo ao caso em concreto e, assim, cumprir os
seus preceitos.
Entretanto, a decisão sobre loteamentos (caso 3, tópico 2.1.1, p.78/82, da seção
anterior), também visto anteriormente, seguiu um caminho completamente contrário ao que
dito acima, quando foi aplicada legislação infraconstitucional anterior à atual Constituição
Federal de 1988, sem perpassar pelo seu conteúdo compromissório, nem mesmo pelos
objetivos do Estado Democrático de Direito.
288
ADEODATO, João Maurício. Jurisdição Constitucional à brasileira: situação e limites, Op. cit., p.84/85. O
autor explica bem esta questão da complementaridade entre texto e norma: Assim, o texto limita a
concretização e não permite decidir em qualquer direção, como querem as diversas formas de decisionismo.
(...). Quer dizer, não só a norma do caso concreto é construída a partir do caso, mas também a norma
aparentemente genérica e abstrata, ou seja, a ‘norma’geral não é prévia, só o seu texto o é. A norma geral
previamente dada não existe, é uma ficção.
162
Verifica-se a ausência de uma filtragem constitucional, acarretando em uma
compreensão inautêntica e a explicitação do senso comum teórico sobre a mais valia de uma
lei ordinária
289
. Ainda, constata-se a presença de uma metodologia interpretativa, pois houve a
subsunção do fato ao texto não interpretado (ou o feito sem a devida compreensão), razão pela
qual o dever constitucional do Poder Público, de proteger e preservar o sistema ecológico, não
foi considerado.
Nessa linha, fica evidenciada a reprodução de sentidos, a ausência da distância
temporal e a não compreensão da diferença ontológica entre texto e norma; sendo a
incompreensão sobre esses assuntos, portanto, um dos motivos pelos quais assim foi decidido
e assim foi permitida a degradação do meio ambiente. Por isso, novamente, frisa-se a
importância de um novo posicionamento daquele que interpreta os casos judicial-ambientais,
no sentido de ter cautela e ponderação na hora de decidir
290
, já que terá conseqüências vitais
sobre a continuidade da própria vida na Terra (por afetar o sistema e a todos os habitantes do
planeta).
Deve-se, ainda, fazer constantes questionamentos filosóficos, para o fim de deixar que
a pergunta medeie a resposta a ser dada pelo próprio texto, em uma atitude criativa de
produção de sentido, mas sempre em conformidade com a historicidade do passado e do
presente do ser que lê e do conteúdo que é lido.
Nesse sentir, o elemento ‘tempo’ é condição de possibilidade para permitir que sejam
identificados os preconceitos existentes para o fim de suspender a sua validez, chamando-se
289
STRECK, Lenio Luiz., faz uma crítica ao pensamento dogmático existente sobre a Constituição: (...)
(meramente) firmadora do conceito de legislação (entendida não como ‘legislação constitucional’, mas sim,
como legislação infraconstitucional, que sustenta as práticas de índole liberal-individualista), produz um
discurso hermeneuticamente inautêntico. Cf. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – uma nova crítica do
direito, Op. cit., p.843
290
Sobre a importância de um novo posicionamento do julgador, quando decide questões envolvendo o meio
ambiente, bem como sobre as conseqüências que um julgamento inadequado pode acarretar, cabe citar
entendimento de ABELHA, Marcelo. Breves considerações sobre a prova nas demandas coletivas
ambientais./ In: LEITE, Jose Rubens Morato e DANTAS, Marcelo Buzagio (org). Aspectos processuais do
Direito Ambiental, Op. cit., p.153, in verbis: Qualquer tomada de posição provisória desfavorável ao meio
ambiente deve ser vista com extrema cautela pelo juiz, pois qualquer equívoco cometido terá repercussões na
essencialidade do direito à vida, e, pior ainda, numa extensão subjetiva pública e indeterminada, tudo por
causa da natureza e alcance do bem ambiental. Por isso, o juiz deverá adotar uma postura naturalmente mais
cautelosa quando provisoriamente decida em desfavor do meio ambiente e menos rigorosa quando avalie e
decida a seu favor. Por isso, em decorrência do interesse público em jogo, deve tratar com extrema segurança
a tutela interinal dada contra o direito ‘público’ do ambiente. Tudo porque a repercussão dessa decisão é de
alcance público e o direito tutelado é essencial a todas as formas de vida.
163
este processo de consciência histórica
291
. A par disso, vale dizer da necessidade de se
constatar que os elementos identificadores do modelo racional-individualista (incluindo-se
aqui a metodologia interpretativa tradicional) já estão inadequados para o atual modelo
democrático, devendo-se deixar estes pré-juízos para um segundo plano.
Ainda, sabe-se que a tradição, querendo ou não, conscientemente ou não, faz sim parte
da compreensão, sendo ela chamada de ‘história efeitual’, razão pela qual o conjunto desses
dois fenômenos denomina-se ‘consciência histórico-efeitual’. E a consciência disso, ou seja,
de que estamos mais submissos, do que disso podemos ter consciência, serve para buscar a
clareza definitiva daquilo que pode parecer-nos significativo e questionável
292
para, assim,
compreender o que aquele determinado caso em concreto ambiental pode desvelar.
Sendo necessária a presença tanto da própria historicidade a que o intérprete está
envolto quanto da sua relação com o objeto de estudo, constata-se nas decisões do capítulo 2 a
não realização desta mediação, nem mesmo a identificação da tradição a que se está envolto,
acarretando, por conseqüência, a impossibilidade de suspensão dos prejuízos existentes. Por
este motivo, foram aplicados textos legislativos anteriores à Carta de 1988, sem a filtragem
constitucional e a interpretação ontológica.
Na medida em que se considera que o objeto ambiental danificado (na sua grande
maioria animais silvestres, muitos dos quais em extinção e abatidos em áreas de preservação
permanente) possui um valor ínfimo e, por isso, menos prejudicial
293
se comparado com a
sanção a ser aplicada ao agente causador, continua-se a entender que o equilíbrio ecológico é
291
A consciência histórica é a própria identificação dos preconceitos do ser que compreende para, assim,
interpelado por sua existência, identificá-los para suspender sua validez. Nesse sentido, uma consciência
formada hermeneuticamente terá de incluir também a consciência histórica. Ela tomará consciência dos
próprios preconceitos que guiam a compreensão para que a tradição se destaque e ganhe validade como uma
opinião distinta. É claro que destacar um preconceito implica suspender sua validez. Pois, na medida em que
um preconceito nos determina, não o conhecemos nem o pensamos como um juízo. Cf. GADAMER, Hans
Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.395.
292
Ver GRONDIN, Jean., Op. cit., p.190.
293
Sobre a cadeia ambiental BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: editora
Ática, 1995, p.39, assim explica: Assim, como a célula constitui parte de um órgão e cada órgão, parte do
corpo, assim cada ser vivo é parte de um ecossistema como cada ecossistema é parte do sistema global-Terra
(...). Destruir qualquer um destes elementos ou até mesmo desequilibrá-los é atentar contra si mesmo. Mas
quem lembra o posicionamento anterior do homem que respeitava o meio ambiente é PEREZ LUÑO, Antonio
E., Op. cit., p.449: Durante milenios la existencia y el pensamiento humano se han desarrollado en relación
necesaria con la naturaleza. No en vano el hombre ha encontrado en su medio natural el punto de referencia
para sus posibilidades de acción transformadora. Es más, desde las etapas iniciales de la historia el hombre
acude a la naturaleza para una mejor comprensión de su propria dimensión social.
164
algo fora do ser humano, um elemento externo, como se ele não fizesse parte desse habitat. É,
portanto, a aplicabilidade de uma visão antropocêntrica, na medida em que o meio ambiente
deve satisfazer as necessidades do ser humano e não de forma com que este viva em harmonia
com aquele (visão global, holística).
Houve um esquecimento de que o meio ambiente é objeto de uma ciência autônoma
específica que o estuda, sendo, portanto, incompatível com a idéia de insignificância, bem
como de comparatividade entre a proporcionalidade do agravo sofrido pela natureza (de
afetação de todos os seres, inclusive dos humanos) e pelo degradador (individualmente), por
meio da sanção aplicada.
Percebe-se que aqui não foi considerado o aspecto funcional do constitucionalismo
contemporâneo, ou seja, os princípios (materialmente assegurados), com aplicabilidade
imediata. No caso, violado foi o princípio da legalidade, porque o meio ambiente, além de
possuir status fundamental e foi considerado ínfimo, conforme os casos do tópico 2.3.2,
p.113/122, da seção anterior, há o dever do Poder Público e da sociedade, diante da
horizontalidade dos direitos fundamentais, de protegê-lo e de preservá-lo para as gerações
futuras.
O Poder Executivo não cumpriu satisfatoriamente seu dever de fiscalização, o Poder
Judiciário o cumprimento legal-constitucional e a sociedade o papel de cuidado do meio
ambiente e de seu habitat. Também não se pode esquecer que a ação ou omissão que cause
danos a este bem dá ensejo a sua responsabilização (e os degradadores foram considerados
irresponsáveis por estes agravos).
Em um outro ângulo, não se pode perder de vista a inautêntica relação estabelecida
entre o meio ambiente e os crimes de menor potencial ofensivo. Há aqui um claro
rebaixamento significativo deste bem, tanto porque, em sendo um direito humano ao
equilíbrio ecológico, relacionado diretamente com a continuidade da vida, não poderia ter
sido considerado como de bagatela quanto porque, em sendo de afetação difusa, não poderia
ser equiparado a outros de interesse individual.
Inserindo-se bens valorativa e culturalmente diferentes em uma mesma quantificação
legal (Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01) pode-se chamar de uma impunidade de cunho
165
universalizante”, já que “(...) é possível delinqüir de 50 ou mais modos diferentes, tendo
como contrapartida uma mesma sanção (...)
294
. Aqueles que argumentam que a separação dos
bens de menor potencial ofensivo e a valoração qualitativa desses bens, para fins de
tipificação, poderia ultrapassar os próprios limites do Direito Penal, acabam por impedir sua
maior proteção.
Entretanto, ao estar o meio ambiente (com um enorme interesse social e mundial) no
rol dos objetos cuja violação é de menor potencial ofensivo, acarreta, por conseqüência, na
violação da cláusula de proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)
295
, como visto nas
decisões analisadas no capítulo 2 (todos os casos do tópico 2.3.3, p.122/126, da seção
anterior).
Vivendo-se em um Estado Democrático, o Direito Penal deve estar voltado a combater
aqueles crimes que impedem a concretização da materialidade da Constituição, sendo por isso
que (...) é neste espaço que reside até mesmo uma obrigação implícita de criminalização, ao
lado dos deveres explícitos de criminalizar constantes no texto constitucional
296
. Diante disso,
torna-se necessário adentrar-se na questão por meio da Jurisdição Constitucional.
Entretanto, como é possível olhar o novo (texto constitucional de 1988), se os nossos
pré-juízos (...) estão dominados por uma compreensão inautêntica do Direito, onde, no
campo do direito constitucional, pouca importância tem sido dada ao estudo da jurisdição
constitucional?
297
. A resposta encontra-se na necessidade de compreensão da própria
compreensão dos assuntos constitucionais e ambientais.
Para tanto, sendo condição de possibilidade para efetivar os direitos fundamentais,
aduz-se que a conversão deste quadro poderia se dar pela Declaração de Nulidade Parcial Sem
Redução de Texto do art. 61, da Lei 9.099/95, já que com a alteração desta lei, que unificou
em 2 (dois) anos a pena para os crimes de menor potencial ofensivo nos âmbitos Estadual e
294
STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais, Op. cit, p.189.
295
Id.Ibid., p.175 e 180. A proporcionalidade de dupla face é assim caracterizada: Übermassverbot - excesso do
Estado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento” e Untermassverbot - proteção de cunho
deficiente, “como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou
administrativas (...)
296
Id.Ibid. p.177.
297
Id.Ibid. p.174.
166
Federal, o parágrafo único do art. 2º, da Lei nº 10.259/01 restou revogado. Além de o
Judiciário estar atuando conforme os poderes determinados pela Constituição, seria uma
possibilidade de afastar qualitativamente aqueles bens constitucionalmente protegidos do rol
dos crimes considerados de menor potencial ofensivo.
Sabendo-se não ser fácil tal tarefa quantificadora e qualificadora, é necessário dar
‘abertura’ aos questionamentos, para perceber o que o texto pode responder. Uma pergunta
cabível seria: a transgressão a um delito que está umbilicalmente ligado a um bem jurídico
protegido pela Constituição pode ser (des)classificado como de menor potencial ofensivo? Se
for negativa a resposta, está diante de uma indevida inclusão do rol estabelecido pela Lei
10.259
298
.
Assim, pode-se solucionar a questão com o seguinte entendimento: quando se trata de
bens de bagatela, utilizam-se os critérios quantitativos (enquadrando-os como crimes de
menor potencial ofensivo), mas se forem bens constitucionalmente protegidos, como, por
exemplo, o meio ambiente, adentra-se em referenciais qualitativos que devem ser protegidos
em conformidade com a sua importância.
Apesar de Hans Georg Gadamer
299
dar um alento para aqueles que ainda não se deram
conta da influência da tradição sobre o seu ser, quando aduz que essa reflexão da história
efeitual, não pode ser realizada plenamente, mas faz parte da própria essência do ser
histórico que somos, complementa dizendo que ser um “ser histórico quer dizer não se
esgotar nunca no saber-se. Por isso, espera-se que haja uma interpelação da questão
ambiental, para que, a partir dela, seja permitida a ‘abertura’ para que a Constituição e a
tradição ambiental digam alguma coisa, ampliando o horizonte de conhecimento e permitindo
um novo devir (de um Estado mais preocupado com as questões socioambientais e com os
direitos fundamentais).
Ganhando o horizonte de cada caso, realizado pela mediação entre a tradição do ser
que interpreta e o conteúdo objeto de análise, bem como pelo entendimento de não estar
298
Id.Ibid., p.186 e 187. Em Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – uma nova crítica do direito, Op. cit.,
p.857, o autor complementa: (...) a preocupação da ciência jurídica deve fincar raízes na efetividade
qualitativa, calcada em problematizações interdisciplinares que apontem para a construção das condições de
possibilidade de uma aplicação do Direito naquilo que ele tem de possibilidades prospectivas dirigidas ao
resgate das promessas da modernidade (...).
299
Cf. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.395.
167
limitado ao que há de mais próximo, mas poder ver para além disso, não a partir de nossos
padrões e preconceitos (...), mas a partir de seu próprio horizonte histórico
300
, é que se
conseguirá compreender o significado das coisas e dos sistemas que as abarcam, valorizando
o meio ambiente em que se vive e se tira a própria sobrevivência.
Parece que nos casos ambientais analisados essa ‘fusão de horizontes’ não foi
vislumbrada, já que o amanhã das futuras gerações não foi considerado, pois permitida a
degradação dos ecossistemas sem a competente responsabilização dos agentes causadores e a
imposição da necessária recuperação, compensação ou indenização dos bens danificados; bem
como o hoje da presente geração não foi contabilizado, já que caracterizado pelo sentimento
de impunidade e de continuidade do status quo
301
(casos do tópico 2.2, p.86/101, da seção
anterior). Por tudo isso, constata-se que, mais uma vez, não houve a compreensão do caso em
concreto, que diz respeito ao equilíbrio ecológico e à conseqüente responsabilização dos
agentes causadores da degradação ambiental e à proteção constitucional deste bem.
3.2.1.4 A applicatio
A questão da applicatio é outro elemento que perfaz o fenômeno da experiência
hermenêutica que somada à compreensão e à interpretação ocorrem de uma forma unitária e
não escalonada
302
(como entende a hermenêutica tradicional), razão pela qual não há mais
margens para decisões baseadas em subsunções e universalizações. Percebe-se com isso que o
texto precisa ser interpretado, compreendido e, por conseqüência, aplicado aos fatos
analisados, por meio da norma utilizada. É por isso que tanto se fala da necessária
individualização e indicação das peculiaridades do caso para que este seja julgado e não
generalizado.
300
Id.Ibid., p.400.
301
Sobre a fusão de horizontes cabe dizer que: O horizonte do presente não se forma pois à margem do passado.
Não existe um horizonte do presente por si mesmo, assim como não existem horizontes históricos a serem
conquistados. Antes, compreender é sempre o processo de fusão desses horizontes presumivelmente dados por
si mesmos. Id.Ibid., p.404. Assim, o resultado atual da degradação ambiental nada mais é que um somatório de
ações e omissões atentadoras contra o Planeta Terra, feitas no passado. Quando se analisa um caso envolvendo
o meio ambiente, não se pode negar o hoje e o amanhã para, assim, formar a compreensão sobre o assunto.
302
A respeito desta unidade entre interpretação, compreensão e aplicação, cabe citar: Nesse sentido nos vemos
obrigados a dar um passo mais além da hermenêutica romântica, considerando como um processo unitário e
não somente a compreensão e interpretação mas também a aplicação. Id.Ibid., p.407. Neste mesmo sentido
esclarece STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.212/213: Tampouco o intérprete
interpreta por partes, como que a repetir as fases da hermenêutica clássica: primeiro, a subtilitas intelligendi,
depois, a subtillitas explicandi; e, por último, a subtillitas applicandi. Claro que não! Gadamer vai deixar isto
muito claro, quando diz que esses três momentos ocorrem em um só: a applicatio.
168
Retoma-se o processo de confrontar a historicidade do meio ambiente, as pré-
compreensões existentes sobre o assunto, o conteúdo constitucional compromissório e os
objetivos do Estado Democrático de Direito, a fim de conhecer e compreender o sentido da
norma ambiental aplicada ao objeto de estudo da lide, em uma verdadeira applicatio.
Identifica-se a já citada produção de sentido (Sinngebung) e não a sua reprodução
(Auslegung), já que o texto de lei sendo geral não contém todas as realidades do mundo da
vida, não conseguindo resolver os casos, retirando de si, as respostas para todos os
questionamentos realizados
303
. Assim, ‘texto e norma’, ‘fato e direito’ estão intimamente
interligados em uma relação de complementaridade, tendo como limite de resposta a
historicidade e o próprio conteúdo da Constituição.
É necessário que se perceba que a funcionalidade da Constituição dá-se pela
aplicabilidade material dos princípios constitucional-ambientais, pois fazem parte do sistema,
moldam a direção a ser seguida, expressam os valores da sociedade (e por isso depositados na
Constituição) e, como textos, devem ser interpretados, compreendidos e aplicados como
normas adequadas à situação analisada. Aplicá-los é, além de um fator democrático
importantíssimo, condição de legitimidade do próprio conteúdo constitucional e, por
conseqüência, a sua negação atenta contra o sistema.
Este foi o caso, por exemplo, do princípio da precaução, que contrariamente ao vasto
entendimento esposado sobre o seu conteúdo, teve sua aplicabilidade negada diante de uma
compreensão inautêntica, de que não há a necessidade de realização do estudo de impacto
ambiental para os casos em que não há certeza científica sobre os possíveis danos à saúde e ao
meio ambiente. Outro exemplo foi o da não aplicação do princípio do desenvolvimento
303
A lei não possui a realidade humana em si, a saber: Aristóteles mostra que toda lei é geral e não pode conter
em si a realidade prática em toda a sua concreção (...). (...). A lei é sempre deficiente, não em si mesma, mas
porque, frente ao ordenamento a que se destinam as leis, a realidade humana é sempre deficiente e não
permite uma aplicação simples das mesmas. Cf. GADAMER, Hans Georg., Verdade e Método I – Traços
fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.419. Já STRECK, Lenio Luiz. Quinze anos da
Constituição – análise crítica da jurisdição constitucional e das possibilidades hermenêuticas de
concretização dos direitos fundamentais-sociais, Op. cit., p.128, faz a crítica à existência deste entendimento
tradicional, levado a cabo pela hermenêutica dogmática, já que não há a preocupação com o processo
ontológico da compreensão: O pensamento dogmático do direito continua acreditando na idéia de que o
intérprete extrai o sentido da norma, como se este estivesse contido na própria norma, enfim, como se fosse
possível extrair o sentido-em-si-mesmo. Trabalha, pois, com os textos no plano meramente epistemológico,
olvidando o processo ontológico da compreensão. E SILVA FILHO, José Carlos Moreira da., Op.cit., p.197,
esclarece que este método advém de Descartes, a saber: DESCARTES, procurou aplicar o método matemático
para o procedimento filosófico, para o pensamento, ambicionando questões mais fundamentais. A verdade
passa a depender do emprego de um método infalível, por meio do qual a razão subjetiva tem acesso à
objetividade que descansa nas coisas do mundo (res extensa). Deste modo, o método, o método passa a ser o
critério da verdade ao invés de ser um servo dela.
169
sustentável, que, apesar de abranger os fatores econômico, social e ambiental, conjuntamente,
aduziu-se que a empresa não precisa considerar nem a proteção ambiental nem a questão
social e, sim, somente o desenvolvimento econômico (para ambos os princípios, ver caso 2,
tópico 2.1.1, p.74/78, da seção anterior).
Por fim, não se pode esquecer do princípio da responsabilização, não utilizado em
diversos julgamentos analisados (caso 3, tópico 2.1.1, p.78/82 e todos os casos do tópico 2.2,
p.86/101, ambos da seção anterior), especialmente quando negadas as penalidades correlatas
pelos crimes ambientais praticados por decisão dos seus representantes legais e/ou
contratuais, mas tomadas caracterizadamente no interesse e benefício das entidades morais (os
casos do tópico 2.3, p.102/126, da seção anterior).
Ainda, visualiza-se que não houve uma interpelação de que se vive em uma sociedade
de risco e que a certeza foi trocada pela probabilidade, razão pela qual deve-se sempre
proteger e preservar o meio ambiente para que não se tenha um prejuízo mais tarde, já que na
sua quase totalidade é de difícil recuperação. E este entendimento também se aplica aos casos
judiciais que exigiram a comprovação do dano ambiental para que houvesse o embargo do
empreendimento danoso (caso 1, p.70/74 e caso 2, p.74/78, ambos do tópico 2.1.1, caso 1,
tópico 2.2.1, p.86/90, caso 3, tópico 2.2.2, p.93/96 da seção anterior).
Ora, na medida em que não se compreendeu o sistema protetivo constitucional, nem
mesmo a historicidade socioambiental que culminou na vigente sociedade de risco, não
haverá a aplicação dos dispositivos jurídicos, nem mesmo a interpretação ontológica, de
forma a adequá-los à causa, tornando-se, portanto, um dos motivos da inefetividade do
conteúdo constante na Constituição.
Existindo um valor constitucional a ser protegido e preservado, visando não somente a
presente, mas as futuras gerações, não se pode mais admitir tais fundamentos. A possibilidade
de dano já deve ser motivo para que se tomem medidas preventivas, evitando o pior. Exigir a
sua prova para somente depois embargar a obra é decidir de forma temerária, violando o
princípio ambiental da prevenção. Como dito anteriormente, a sua não compreensão gera a
não aplicação da norma e do elemento funcional da teoria constitucional contemporânea que,
por conseqüência, atenta contra o sistema constitucional.
170
Da mesma forma estão as decisões que exigiram a prova do nexo causal, ou seja, da
relação entre o fato danoso e o seu sujeito ativo, para os casos de destruição de 20% da
parcela vegetal legal do imóvel (caso 4, tópico 2.2.3.1, p.96/98 da seção anterior). Decidiu-se
não ser o atual proprietário do bem imóvel o responsável pela degradação, razão pela qual não
há a prova desta relação jurídica, imprescindível para a configuração desta responsabilidade
objetiva.
Ocorre que se bem compreendido o sistema protetivo do meio ambiente, conclui-se
que não há a necessidade desta prova, pois ela já está presumivelmente configurada pela
simples inexistência de cumprimento deste dever legal de manutenção da cobertura arbórea.
Deveria, por isso, ter ocorrido a aplicação dos dispositivos referentes à responsabilização.
Constatou-se nas decisões do capítulo 2 a inexistência de consciência da força que a
‘história efeitual’ atua no ser que julga, já que afeta diretamente a interpretação, a
compreensão e a aplicação, univocamente
304
. Continua-se a seguir a metodologia da
interpretação racionalizante, baseada em uma ciência que busca objetivar todas as
experiências e anular o efeito histórico, a fim de que por meio de subsunções, se consiga
desacoplar a vontade, o sentido único e geral da norma. Esquece-se que o texto, contexto e
historicidade precisam ser mediados e interpretados para serem aplicados e produzirem
sentido naquele caso em concreto.
Nesse sentir, deve-se analisar as questões jurídico-ambientais postas como se fosse a
304
Quando se aplica uma norma de proteção ambiental, tem-se que o seu texto correlato foi interpretado de
acordo com as circunstâncias do caso em concreto analisado e a realidade vigente. O seu conteúdo não muda,
mas a sua norma sim, já que os fatos que fundamentaram a produção normativa também se modificam
constantemente, alterando o seu conteúdo. Assim, É verdade que o jurista sempre tem em mente a lei em si
mesma. Mas seu conteúdo normativo deve ser determinado em relação ao caso em que deve ser aplicado. E
para determinar com exatidão esse conteúdo não se pode prescindir de um conhecimento histórico do sentido
originário, e é só por isso que o intérprete jurídico leva em conta o valor posicional histórico atribuído a uma
lei em virtude do ato legislador. No entanto, ele não pode prender-se ao que informam os protocolos
parlamentares sobre a intenção dos que elaboraram a lei. Ao contrário, deve admitir que as circunstâncias
foram mudando, precisando assim determinar de novo a função normativa da lei. Cf. GADAMER, Hans
Georg., Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.429. E é
exatamente por isso, ou seja, essa necessária interpretação dos textos de lei, é que deve haver a produção de
sentido (adicionado à compreensão da historicidade, tradição, pré-compreensões) e não mais a sua mera
reprodução. Neste mesmo sentido está STRECK, Lenio Luiz., Quinze anos da Constituição – análise crítica
da jurisdição constitucional e das possibilidades hermenêuticas de concretização dos direitos fundamentais-
sociais, Op. cit., p.131: (...) influência da hermenêutica de cunho objetivista (...). (...). A interpretação é
sempre produto de um processo reprodutivo, pelo fato de interiorizar ou traduzir para a sua própria
linguagem objetificações da mente, através de uma realidade que é análoga à que originou uma forma
significativa.
171
primeira vez (o que efetivamente é verdade, já que cada caso é um caso, com suas
especificidades e cuidados), atualizando-as nas observações individuais de quem interpreta.
Assim, busca-se suspender os preconceitos para versar-se no conteúdo que se interpreta,
abrangendo os horizontes de compreensão
305
.
Se interpretar é compreender
306
e , para isto, é necessário concretizar
307
(o conteúdo
constitucional), tal processo ocorre diante de um caso em concreto (deixando de lado os
conceitos abstratos e universais, bem como a separação entre fato e norma). Pode-se dizer que
a lesão à natureza, posta perante os Tribunais, antes de ser decidida por meio de argumentos
formal-processuais, como a ‘jurisprudência dominante’ e as Súmulas, em que se extingue a
possibilidade de discussão do assunto, deve ser compreendida juntamente com os preceitos
constitucionais para que os mesmos tenham efetiva aplicabilidade
308
.
305
Sobre a questão da experiência, GADAMER, Hans Georg., Verdade e Método I – Traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.460, bem explica o assunto, a saber: A experiência só se atualiza nas
observações individuais. Não se pode conhecê-la numa universalidade prévia. É nesse sentido que a
experiência permanece fundamentalmente aberta para toda e qualquer nova experiência – não só no sentido
geral da correção dos erros, mas porque a experiência está essencialmente dependente de constante
confirmação, e na ausência dessa confirmação ela se converte necessariamente noutra experiência diferente
(...).
306
Fazendo a relação entre interpretação, compreensão, concretização e Constituição, HESSE, Konrad. Escritos
de Derecho Constitucional, Op. cit, p.40: La interpretación constitucional es ‘concretización’(...).
Precisamente lo que no aparece de forma clara como contenido de la Constitución es lo que debe ser
determinado mediante la incorporación de la ‘realidad’ de cuya ordenación se trata (...). En este sentido la
interpretación constitucional tiene carácter creativo: el contenido de la norma interpretada sólo queda con su
interpretación; ahora bien, sólo en ese sentido posee carácter creativo: la actividad interpretativa queda
vinculada a la norma. Percebe-se que a norma constitucional não é algo pronto, mas sim atributo da produção
de sentido dado pelo intérprete, quando analisado em um caso em concreto. Na questão ambiental não pode ser
diferente, ou seja, seu sentido de proteção e preservação deve ser interpretado de acordo com os objetivos
constitucionais, bem como diante do modelo democrático. Nesse diapasão, a interpretação, a compreensão e a
aplicação da norma, fruto do texto constitucional, se dá de forma produtiva e unitária e jamais repartida, sob
pena de adentrar nos modelos técnicos de interpretação que não se adequam ao fenômeno ontológico em
questão.
307
A concretização somente se dá em um caso em concreto, a saber: ’Comprender y, con ello ‘concretizar’ sólo
es posible con respecto a un problema concreto. El intérprete tiene que poner en relación con dicho problema
la norma que pretende entender, si quiere determinar su contenido correcto aquí y ahora. Esta determinación,
así como la ‘aplicación’ de la norma al caso concreto, constituyen un proceso único y no la aplicación
sucesiva a un determinado supuesto de algo preexistente, general, en sí mismo comprensible. No existe
interpretación constitucional desvinculada de los problemas concretos. Id. Ibid., p.42. Assim sendo, entende-
se o porquê da impossibilidade de aplicação das generalizações e universalizações, já que ao final, velam a
compreensão do caso específico.
308
Mediante um importante exemplo, fica demonstrada a relação direta existente entre o fato e a norma, bem
como a posição da própria Constituição, não mais entendida como ‘algo’ de onde se pode retirar ‘algo’, mas
sim como um texto que, mediante a interpretação do caso, produz sentido: A norma constitucional não tem
existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na vigência, ou seja, a situação por ela
regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (...) não pode ser separada das
condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência,
criando regras próprias que não podem ser desconsideradas. Idem. A força normativa da Constituição.
Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, editor, 1991, p.14/15.
172
Continuando nesta linha e constatando-se que todo o direito (material e processual)
modernamente concebido está construído sob o paradigma da conflituosidade de
interesses
309
, percebe-se que não houve uma mediação entre a situação analisada e o novo
paradigma processualístico existente (que exige um novo posicionamento do juiz frente ao
processo). Sob os auspícios do processo tradicional, o jurista deve resolver o caso e, para
tanto, tende a indicar óbices formais que impedem o andamento da discussão e, assim,
decidir.
Entretanto, nesta nova espécie de jurisdição aplicada, em que se está tutelando direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos e, em um contexto de busca de efetivação de
direitos fundamentais, mais especificadamente, do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, (...) não há o escopo de solucionar lides, isto é, direitos e pretensões (ambos
status) em posições conflitantes
310
. Há sim o intuito de trabalhar com os princípios da
fraternidade e da solidariedade, mediante a compreensão da questão, da imputação das
devidas responsabilidades e da instrumentalização do conteúdo constitucional
compromissório.
Cabe dizer que esta não adequação do sistema processual aos novos valores
constitucionais representa a ausência de interpelação dessas questões pelo ser que interpreta e
da falta de compreensão do que o texto expressa
311
. Assim, utilizando-se a metodologia
própria do sistema processual anterior, há a elevação de elementos formal-processuais, como
Súmulas obstaculizadoras e ‘jurisprudência dominante’, além da técnica de subsunções dos
fatos às normas existentes (em interpretações metodológicas: literal, gramatical, etc.) e de
309
Cf. CARVALHO, Delton Winter de. A proteção jurisdicional do meio ambiente – uma relação jurídica
comunitária./ In: BENJAMIN, Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord). Revista de Direito Ambiental nº 24,
ano6, out-dez/01. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p.193.
310
Id.Ibid., p.193.
311
(...) tem-se buscado uma redescoberta dos vínculos entre o direito material, e o direito processual, tendo por
escopo a efetividade do processo. (...). A relevância desta concepção da disciplina de direito processual civil é
fundamental para a efetivação dos denominados ‘novos direitos’, pois estes apresentam incompatibilidades
gritantes em relação ao paradigma. Essa tensão ocorre devido ao fato de serem tais direitos provenientes de
uma realidade pós-moderna, caracterizada por uma hipercomplexidade constituinte das relações sociais.
Id.Ibid., p.195/196. E sobre estes novos valores, cabe dizer que: (...), urge a produção de pesquisa, neste
campo, também no sentido de criar, em novas referências de superação aos modelos jurídicos herdados do
direito romano e da ideologia liberal individualista, que impregnam a cultura de nosso direito, e que foram
totalmente superadas, como insuficientes às necessidades jurídicas em matéria ambiental (...). Cf. GOMES,
Sebastião Valdir. Novas questões de Direito Ambiental./ In: Revista dos Tribunais n° 744, ano86, out/97. São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1997, p.74.
173
símbolos constitucionais
312
, ou seja, de signos universais que não foram interpretados
juntamente com os fatos do ‘mundo da vida’, razão pela qual produzem a estabilidade
desejada, mas colaboram na inefetividade dos direitos fundamentais.
Outra questão que está diretamente relacionada à applicatio é a própria idéia de
transformação dos paradigmas, de adequação ao novo modelo de Estado Democrático e de
Constituição, já que o tempo da transformação é implacavelmente no presente, é sempre
simultâneo às premissas e às decisões, independentemente se ‘por si’ ou ‘por outros’
313
.
A par disso, frisa-se ser necessário aplicar o texto constitucional, bem como
oportunizar a discussão de questões, como a de competências constitucionais legislativas e
materiais que, conforme visto no capítulo 2, no âmbito da realidade fática, causam dúvidas e
transtornos
314
. Entretanto, perdem a oportunidade de ser esclarecidas porque obstaculizadas
pela elevação de questões processual-formais como a inadmissibilidade de recursos com base
em Súmulas
315
, motivo pelo qual não há aplicação, não há compreensão, não há interpretação
(caso 1, p.70/74, caso 3, p.78/82, ambos do tópico 2.1.1, da seção anterior).
Verifica-se aqui, novamente, a utilização das ideologias da segurança e certeza
312
(...) quando os textos constitucionais não refletem ‘a relação de vida’, esses em qualquer medida se projetam
apenas como ‘símbolos’ da relação da sociedade com o seu futuro. De fato, a simbolização do direito produz
formas particulares de estabilidade nas expectativas orientadas ao futuro. A respeito, ver CARDUCCI,
Michele. Por um Direito Constitucional Altruísta. Tradução: Sandra Regina Martini Vial, Patrick Lucca da
Ros e Cristina Lazzarotto Fortes. Porto Alegre: editora Livraria do Advogado, 2004, p.72. Esta crítica
demonstra bem a resistência dos tradicionais paradigmas, principalmente diante da busca por segurança e
estabilidade jurídicas que os ‘sentidos’ universais desses símbolos tendem a trazer e os intérpretes insistem em
aplicar.
313
Id.Ibid., p.68/69. Esta questão também é interessante, pois deixa de lado a idéia de transformar amanhã, já que
o tempo da mudança é exatamente hoje, no momento em que se interpreta, compreende e se aplica o texto
constitucional, em uma constante produção de sentido, busca de efetivação e de sua legitimidade.
314
Constatou-se nas decisões do capítulo 2, a existência de muitas dúvidas e confusões a respeito das
competências constitucionais (tanto materiais quanto legislativas). Assim, (...) os problemas ambientais não se
detêm nas linhas geográficas que separam os Estados da Federação, pois freqüentemente um problema
ambiental em um Estado é causado por procedimento ocorrido em outro. Demais, uns Estados podem ser
incapazes de proteger eficientemente seu meio ambiente, enquanto outros o fazem melhor. Por outro lado,
quando um Estado regula o meio ambiente, a atividade regulada pode evadir-se para outro, onde não
encontra restrições.Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4.ed. São Paulo: Malheiros
editores, 2003, p.73. Entretanto, ao invés de oportunizar as respectivas discussões, o intérprete utilizou esses
signos ‘paralisantes’ (nota nº 312) e permitiu a estagnação do entendimento do texto constitucional,
esquecendo que este deve ser feito hoje (nota nº 313).
315
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – uma nova crítica do direito, Op. cit.,
p.849. O autor bem explica os problemas advindos da utilização de súmulas para o fim de inadmitir o acesso
aos Tribunais Superiores, a saber: (...) não se pode, em nome de uma ‘instrumentalidade quantitativa’, solapar
uma ‘instrumentalidade qualitativa’. Impedir a admissibilidade de recursos com base em Súmulas (...), muito
antes de agilizar o sistema, provocam o esquecimento da singularidade dos casos, isto porque não devemos
esquecer que ‘cada caso é um caso, e que uma questão de fato é sempre uma questão de direito (...)
174
jurídicas
316
, próprias do Estado Liberal, mas que estão em detrimento da efetivação da
substancialidade do texto constitucional e dos direitos fundamentais exigidos para a
legitimação do modelo de Estado adotado, bem como de alteração valorativa e paradigmática
da sociedade.
Sobre a applicatio, cabe dizer que na medida em que se entende que os animais
silvestres; o fechamento de comportas em época da piracema ou a edificação em áreas de
preservação permanente, como dunas e matas ciliares, são danos de pequena monta se
comparados àqueles sofridos pelo infrator quando aplicadas as sanções correlatas, contraria-se
o preceito constitucional do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Da mesma forma, verifica-se que as pré-compreensões
317
ainda estão baseadas em
fundamentos racional-individualistas, além de não ter sido devidamente internalizada a
revolução por que passou o direito ambiental, bem como a historicidade do meio ambiente,
marcado por desastres ecológicos e constantes agressões. Por fim, conforme já dito
anteriormente, a idéia antropocêntrica continua vigorando, sendo considerado o equilíbrio
ecológico como algo a ser dominado e não integrado.
Dessa forma, sabendo-se dos prejuízos de toda compreensão, antes de decidir é
importantíssimo ir às coisas mesmas e, assim, ultrapassar os velhos conceitos e paradigmas a
316
Sobre o formalismo, a certeza e a segurança jurídica, vale ressaltar o seguinte: Já o formalismo decorre do
apego a um conjunto de ritos e procedimentos burocratizados e impessoais, justificados em nome da certeza
jurídica e da ‘segurança do processo’. Não preparada técnica e doutrinariamente para compreender os
aspectos substantivos dos pleitos a ela submetidos, ela enfrenta dificuldades para interpretar os novos
conceitos dos textos legais (...), principalmente os que estabelecem direitos coletivos, protegem os direitos
difusos (...). Idem. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.36. A aplicação destes elementos formal-
processuais concorre para o velamento da substancialidade do texto constitucional, já que a sua compreensão é
relegada para um segundo momento, quando não esquecida. Quando se tratar de questões judiciais que
envolvam a compreensão do equilíbrio ecológico e a sua conseqüente proteção, deve-se buscar mais a
produção de sentido da Constituição e a efetivação de seus preceitos, do que impedir o seu desvelamento e sua
compreensão por meio de elementos formais. Acaba sendo uma via indireta de violação por omissão ao direito
fundamental ao meio ambiente. E a respeito da necessidade de concretização do conteúdo constitucional, está
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador, Op. cit., p.24: Se o
Estado Constitucional Democrático não se identifica com um Estado de Direito formal reduzido a simples
ordem de organização e de processo, visa legitimar-se como um Estado de justiça social, histórico-
concretamente realizável (e não simplesmente como Estado de razão ou de direito abstracto).
317
Sobre pré-compreensões do intérprete, cabe citar entendimento dos seguintes autores: HESSE, Konrad.
Escritos de Derecho Constitucional, Op. cit., p.41, aduz que. (...). El intérprete comprende el contenido de la
norma a partir de una pré-comprensión que es la que va a permitirle contemplar la norma desde ciertas
expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto (...). E segundo CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Direito Constitucional, Op. cit., p.214: É uma compreensão de sentido, um preenchimento de
sentido juridicamente criador, em que o intérprete efectua uma actividade prático-normativa, concretizando a
norma para e a partir de uma situação histórica concreta.
175
fim de compreender aqueles que dizem respeito ao caso analisado e que estão adequados ao
modelo de Estado instituído e de sociedade de risco vivida, em que se necessita a atuação
imediata de mecanismos jurídicos de forma a impedir que os danos venham a acontecer e,
caso ocorram, tenham o menor impacto possível.
O exemplo aqui relacionado é o da configuração da irresponsabilidade da pessoa
jurídica pela prática de crimes e infrações contra o meio ambiente (todos os casos do tópico
2.3.1, p.102/113, da seção anterior). Estão presentes os preconceitos, próprios de um
paradigma Penal de cunho individualista, em que não se consegue visualizar o caráter
transindividual dos crimes, a responsabilidade social adquirida pelo ente moral, bem como a
necessária diferenciação cultural e valorativa dos bens protegidos, em uma verdadeira
filtragem qualitativa e não mais quantitativa como ainda ocorre.
Verifica-se ainda que não houve uma compreensão com os ‘olhos do novo’ que a
pessoa jurídica, por meio de decisão de seu representante legal, no interesse e benefício da
empresa, possa praticar atos atentatórios ao ecossistema. Negar tal fato é relegar a
Constituição a um segundo plano, bem como não realizar os questionamentos devidos para
enquadrar a situação ao contexto atual.
3.2.1.5 A compreensão inautêntica
Na medida em que se argumenta contra o meio ambiente, resvala-se em uma
compreensão inautêntica sobre ele e o próprio conteúdo da Constituição, exatamente porque
demonstra-se que não foram realizadas aquelas perguntas cujas respostas podem ser
desveladas pelo texto e no seu próprio limite
318
.
No caso Brasileiro, sob a ‘Teoria da Constituição Dirigente adequada aos Países de
Modernidade Tardia’, constata-se que uma das respostas a ser desvelada é a de que a
Constituição possui um cunho transformador da sua realidade, democrático, substancialista e
com um Poder Judiciário a exercer um papel intervencionista, para fins de concretização do
Direito.
318
Sobre concretização, vale citar HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional, Op. cit., p.41: La
concretización presupone la ’comprensión’ de contenido de la norma a ‘concretizar’. La cual no cabe
desvincular ni de la ‘precomprensión’ del intérprete ni del problema concreto a resolver. Assim, a
concretização, a compreensão e a interpretação dão-se unitariamente e jamais sem um ou outro elemento.
176
Entretanto, o entendimento sobre o meio ambiente, demonstrado nas fundamentações
dos casos judiciais do capítulo 2, não seguiu este sentido, a exemplo da decisão de existência
de direito adquirido de proprietário sobre um bem imóvel (caso 3, tópico 2.2.2, p.93/96, da
seção anterior) sem que se precisasse adequar às exigências dos órgãos ambientais, para o fim
de preservação da natureza.
O argumento de que o bem foi comprado antes das leis ambientais e da própria Charta
Magna expressa ou a ausência dos próprios questionamentos ou, se houve a realização destes,
o foram de forma velada, sem permitir que a resposta viesse nos limites da Constituição e do
Estado Democrático de Direito. E esta resposta identificaria uma necessária
constitucionalização do Direito Privado, de forma a envolver seus institutos jurídicos na
substancialidade do texto constitucional
319
.
Outra questão que se adequa a este assunto da compreensão inautêntica é a do
indeferimento do pedido de indenização por danos morais aos prejudicados por empresa
petroquímica, pelo despejo de 140 (cento e quarenta) toneladas de pó branco e pela não
informação da sua natureza e periculosidade (caso 2, tópico 2.2.1, p.90/93 da seção anterior).
Na medida em que a decisão exige a comprovação do dano ambiental, esquece da
inter-relação direta entre o meio ambiente, a sociedade e o homem e que uma cidade inteira
perdeu sua qualidade ambiental porque ficou ‘branca’ sem receber informações sobre a
periculosidade do produto, sofrendo a angústia do possível dano, ou melhor, do risco sofrido.
Um questionamento que poderia ter sido feito é sobre até que ponto a população deve
suportar o risco, o imponderável, em nome do desenvolvimento, sem que sejam ressarcidos os
riscos e os danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos. Da mesma forma, o sentido da
palavra alteração adversa do meio ambiente, cuja resposta a ser desvelada tenderia para a
mudança da qualidade de vida da sociedade, que inclui tanto o lado social, psicológico e de
desenvolvimento, quanto o do próprio habitat. Posterior ou conjuntamente, os causadores do
319
Este é o entendimento de SILVA FILHO, José Carlos Moreira da., Op. cit., p.267 quando indica a ausência de
implementação da constitucionalização do Direito Privado, para o fim de interpretar os institutos privados com
base no texto da Constituição, in verbis: Porém, a implantação desta tendência encontra-se obstada pela
manutenção de uma estrutura lógico-racional ultrapassada, onde o pensamento dedutivo-conceitual,
brindado pelo enfoque positivista prevalecente, reserva para os princípios e normas constitucionais um papel
de menos efetivo e mais retórico. No caso em concreto, manteve-se o instituto do direito adquirido da
propriedade privada em detrimento do cumprimento constitucional da sua função social (que seria preservar os
recursos naturais nela existentes).
177
dano ou do risco deveriam ter sido compelidos a ressarcir ao meio ambiente e à sociedade o
equilíbrio ecológico possível.
Entretanto, percebe-se que a pergunta correta não está sendo feita, no sentido de haver
uma abertura para o entendimento sobre a Constituição, a democracia, o meio ambiente e a
sociedade de risco para, finalmente, se compreender que o homem faz parte da vida
320
na
Terra (em seus diversos ecossistemas)
321
. Seria uma forma de permitir que o texto
constitucional-ambiental dê a única direção que a resposta pode adotar se quiser ter sentido
e ser pertinente
322
.
Segundo Hans Georg Gadamer
323
, a compreensão inautêntica funda-se na pretensão do
interlocutor em pensar que sabe mais e melhor e que, por isso, não precisa formular
questionamentos. Conforme o entendimento do autor, só pergunta quem quer saber, pois sabe
que não sabe sobre o assunto, ou se sabe, sabe pouco e, nesse sentido, quer saber mais. Nesse
meandro entre perguntas e respostas, chega-se à dialética Platônica, em que se suspende o que
se interroga e se fica à espera do equilíbrio entre os prós e os contras da questão e, a partir
dela, por meio de fusão de horizontes, pré-compreensões, interpretação, aplicação e uso da
linguagem, se chega à resposta que é limitada pela pergunta e pelo conteúdo constitucional.
Por tudo isso, percebe-se que há o retorno ao início do fenômeno da compreensão, em
320
De uma forma bastante ecológica, eis uma relação com o constante questionar: Foi por termos interrogado
devidamente o céu que podemos nos enraizar na Terra. Foi por termos interrogado devidamente a Terra que
podemos enraizar nela a vida. Foi por termos interrogado devidamente a vida que podemos nos enraizar nela.
Cf. MORIN, Edgar e KERN, Brigitte. Terra Pátria. Tradução do Francês: Paulo Azevedo Neves da Silva.
Porto Alegre: editora Sulina, p.65.
321
Pergunta, abertura e delimitação são palavras-chave da compreensão autêntica: Dito de outro modo, a
pergunta deve ser colocada. A colocação de uma pergunta pressupõe abertura, mas também delimitação.
Implica uma fixação expressa dos pressupostos vigentes, a partir dos quais se mostra o que está em questão,
aquilo que permanece em aberto. Por isso, também a colocação de uma pergunta pode ser correta ou falsa na
medida em que se consegue ou não levar o assunto para o âmbito do verdadeiramente aberto. Cf.
GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, Op.
cit., p.475. Sobre a necessidade de constantes questionamentos, bem como do papel velador da metodologia
interpretativa, cabe citar STRECK, Lenio Luiz. Quinze anos da Constituição – análise crítica da jurisdição
constitucional e das possibilidades hermenêuticas de concretização dos direitos fundamentais-sociais, Op.
cit., p.131: Com efeito, os assim denominados métodos ou técnicas de interpretação tendem a objetificar o
Direito, impedindo o questionar originário da pergunta pelo sentido do Direito em nossa sociedade. Nesse
sentido, portanto, a autenticidade da compreensão possui uma relação direta com o questionamento feito sobre
o que se quer compreender. Sem as pré-compreensões, a fusão de horizontes, a interpelação sobre a questão e
a abertura para a alteridade do texto, não se consegue perceber aquilo que o texto pode lhe oferecer e, a partir,
daí, compreendê-lo de uma forma produtiva de sentido, ultrapassando o seu próprio autor.
322
Ver GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica,
Op. cit., p.473.
323
Id.Ibid., p.474.
178
que se disse que o operador do Direito deve ficar aberto aos questionamentos e aos
pressupostos existentes, cujas respostas o texto irá lhe dar e, assim, fazer sempre o possível de
afastar a aplicação imediata das idéias prévias.
Nada mais correto do que a assertiva que diz que O sentido de um texto supera seu
autor não ocasionalmente, mas sempre. (...)”, já que quando se logra compreender,
compreende-se de um modo diferente
324
. Tal fato ocorre devido às experiências vividas pelo
sujeito, na relação com o objeto analisado, tendo em vista que as muitas percepções
individuais, pela retenção desses múltiplos elementos individuais, acaba surgindo a
experiência, a unidade uma da experiência
325
.
E é por isso que quando são feitos os questionamentos necessários sobre o caso,
permitindo-se que o texto constitucional-ambiental diga algo, haveria uma compreensão
diferente a cada interpretar, seguindo-se a linha do objetivo efetivador dos direitos
fundamentais e do ideal democrático. Assim, haveria uma aplicação da norma adequada e,
nesse viés, produção de sentido, deixando-se de lado as subsunções e as reproduções
respectivas, como foi visto nas decisões dos Tribunais anteriormente analisadas.
3.2.1.6 A linguagem
Por fim, resta falar sobre a linguagem
326
, que a dialética pressupõe como comum, base
de todo perguntar, ou seja, acolher o estranho e o adverso na conversa com o texto constante
nos casos judicial-ambientais, devendo-se deixar um espaço para que os pontos de vista sejam
apresentados. A partir dela, fazer os devidos questionamentos, embasados na compreensão da
linguagem e, assim, existindo um tema comum, ocorrer o entendimento entre quem
324
Id.Ibid., p.392.
325
Id.Ibid., p.458.
326
Id.Ibid., p.501. E anteriormente (p.497), sobre a linguagem, o autor aduz que: A linguagem é o meio em que se
realizam o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa em questão. A linguagem, além de ser
condição de possibilidade, é também constituinte e constituidora do saber: A compreensão como totalidade e a
linguagem como meio de acesso ao mundo e aos seus objetos são, assim, questões centrais na hermenêutica
filosófica de Heidegger, por ele denominada de Fenomenologia Hermenêutica. Como compreender só é
possível se o homem é um ser-no-mundo, nosso acesso a esse mundo só é possível pela linguagem. (...). A
linguagem, então, é totalidade; é abertura para o mundo; é, enfim, condição de possibilidade. Melhor
dizendo, a linguagem, mais do que condição de possibilidade, é constituinte e constituidora do saber, e,
portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as condições de possibilidade que temos para
compreender e agir. Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.195. A
linguagem multidisciplinar ambiental (incluindo-se aqui, direito administrativo, constitucional, ambiental,
física, química, ecologia, biologia, etc.) é condição de possibilidade para entender o meio ambiente e as
relações que dele advém.
179
e aquilo que está sendo lido.
Entretanto, por exigir o direito ambiental a multidisciplinaridade para a compreensão
do meio ambiente, pode-se citar a intrínseca relação com a biologia, a urbanística, a física, a
química, a ecologia
327
, a sociologia, bem como os diversos ramos do direito, como o
constitucional, o administrativo e outros. Resta agora questionar como se compatibilizam
essas diferenças.
Além disso, o Direito
328
possui uma linguagem cujas definições tendem a ter um
contorno nítido e um tempo curto das previsões humanas, e a ecologia, por sua vez, utiliza-se
de condições evolutivas e tempos longos de regeneração da natureza. Sem outra escolha e
diante da emergência da preservação do meio ambiente, deve-se buscar um fator comum para
este entendimento.
Ocorre que a linguagem representa o acesso aos fenômenos para o conhecimento do
sujeito que analisa. Assim, é a linguagem que nos abre o mundo, é através dela que o
vivenciamos e nada existe, para o homem, que a ela seja exterior
329
. Nesse sentido, portanto,
a linguagem deixa de ser instrumento de veículo de conceitos – deixando, assim, de ‘estar à
disposição do interprete’, como uma terceira coisa que se coloca entre o sujeito e o objeto
analisado, para ser condição de possibilidade da manifestação do sentido
330
.
327
A ecologia é um marco global da renovação das relações entre o homem e o meio ambiente. Assim: La
ecologia ha adquirido especial relieve para las ciencias sociales, em su ramo de ecologia humana, al analizar
los procesos a través de los cuales el hombre puede modificar el equilibrio de los ecosistemas, con las
consiguientes repercusiones para el ambiente y el proprio desarrollo de la vida humana. La ecología
representa en la actualidad el marco global para un renovato enfoque de las relaciones entre el hombre y su
entorno, que redunde en una utilización racional de los recursos energéticos y sustituya el crecimiento
desenfrenado en términos puramente cuantitativos, por un uso equilibrado de la naturaleza que haga posible
la calidad de la vida. A respeito ver PEREZ LUÑO, Antonio E., Op. cit., p.451.
328
Sobre estas características, marcadamente do Direito e da ecologia, cabe citar entendimento de OST, François.
A natureza à margem da lei – A ecologia à prova do direito. Tradução: Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget,
1995, p.111: Para traçar o limite do permitido e do interdito, instituir responsabilidades, identificar
interessados, determinar campos de aplicação de regras no tempo e no espaço, o direito tem o costume de se
servir de definições com contornos nítidos, critérios estáveis, fronteiras intangíveis. A ecologia reclama
conceitos englobantes e condições evolutivas; o direito responde com critérios fixos e categorias que
segmentam o real. A ecologia fala em termos de ecossistema e de biosfera, o direito responde em termos de
limites e de fronteiras; uma desenvolve o tempo longo, por vezes extremamente longo, dos seus ciclos
naturais, o outro impõe o ritmo curto das previsões humanas.
329
Cf. PEREIRA, Rodolfo Viana Pereira. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,
2001, p.50. As coisas possuem nome exatamente porque existe a linguagem e a compreensão do que aquilo
pode ser, razão pela qual se confirma que a linguagem ambiental é algo intrínseco ao homem. Entretanto, não
se pode esquecer que estes conceitos e entendimentos estão em constante formação e confirmação, devendo
ser melhor conhecidos e revisados.
330
A respeito ver STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, Op. cit., p.212.
180
A respeito, os processos judiciais desvelaram diversas palavras, como dados
ecológicos, recursos naturais renováveis e não- renováveis, manejo ecológico, ecossistemas,
degradação ambiental, direitos fundamental-constitucionais (meio ambiente ecologicamente
equilibrado, vida e dignidade da pessoa humana), risco, perigo, sociedade de risco e outros.
Ocorre que esses signos somente se apresentam como tal porque são representados
pela linguagem, mas só ganharão significado (exatamente porque constituídos por vaguezas,
ambigüidades, indeterminações, incertezas e, portanto, sentidos plurívocos) à medida que
forem compreendidos, pré-compreendidos e contextualizados ao caso em concreto analisado,
em uma sociedade de risco ambiental. Ou seja, as coisas somente são coisas se compreendidas
como coisas.
Aliada a isso a apropriação da linguagem constituinte é uma forma de introduzir novos
significados à realidade vivida. A busca da compreensão e da substancialização do conteúdo
da Constituição e dos próprios objetivos do Estado Democrático de Direito torna-se, portanto,
condição de possibilidade de construir e reconstruir estes sentidos.
É, portanto, um discurso constitutivo, de produção de sentidos, ultrapassando a idéia
tradicional de que a interpretação se dá entre sujeito-objeto, mas sim entre sujeito-sujeito,
exatamente porque a consciência que compreende, (...), ganha uma possibilidade autêntica de
avançar os limites e ampliar seu horizonte, enriquecendo assim seu próprio mundo com toda
uma nova dimensão de profundidade
331
.
Não se pode mais admitir o paradigma tradicional da filosofia da consciência, de que
os conceitos acima citados estejam disponíveis, de forma a desacoplá-los de si ou decifrá-los
331
Conferir em GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica, Op. cit., p.505. E o autor complementa sobre a linguagem: Mas o uso das palavras habituais não se
origina de um ato de subsunção lógica pelo qual algo individual é submetido à generalidade do conceito.
Recordamos, antes, que a compreensão implica sempre um momento de aplicação, realizando assim um
constante e progressivo desenvolvimento da formação dos conceitos. E um pouco antes (p.504), diz: A relação
essencial entre o caráter de linguagem e a compreensão se mostra de imediato no fato de que é essencial para
a tradição existir no medium da linguagem, de tal modo que o objeto primordial da interpretação possui a
natureza própria da linguagem. E, a respeito da universalidade hermenêutica: É menos constitutivo para o
lado hermenêutico da compreensão, que ele ocorra pela linguagem, o que seria uma banalidade, do que o
fato de ele viver no interminável processo de ‘inserção na palavra’ e da busca por uma linguagem
compartilhável, e ele deve ser entendido como este processo. Porque este processo – ou seja, a
correspondente realização conjunta da palavra interior – fundamenta a universalidade da hermenêutica. Cf.
GRONDIN, Jean. Introdução à Hermenêutica Filosófica, Op. cit., p.200.
181
na sua literalidade, mas que o entendimento e significado dão-se a partir de uma contínua
formação, sendo uma questão de interpretação e, portanto, de filosofia da linguagem.
Assim se compreendem e se aplicam esses significados na medida da sua pré-
compreensão do intérprete, ou seja, só se internalizam tais estruturas através das experiências
vividas ao longo da história, da relação com os institutos jurídicos e quando se percebe o valor
universal de cada um desses signos contextualizados no caso em concreto. Somente a partir
disso podem ser feitos os questionamentos pertinentes e tomados novos rumos
332
.
Em um primeiro momento, quando da leitura da fundamentação constante na(s)
decisão(ões), pode-se até inautenticamente entendê-la, mas quando compreendido todo o
sistema de proteção do meio ambiente, percebe-se que esses diversos animais silvestres que
desapareceram do ecossistema
333
pela ação do homem, sem que fossem responsabilizados os
seus agressores, bem como sem a determinação de medidas reparatórias, compensatórias ou
indenizatórias, já afetaram profunda e adversamente o equilíbrio ecológico.
Conforme Hans Georg Gadamer
334
através da interpretação, o texto deve vir à fala.
Mas nenhum texto e nenhum livro falam se não falarem a linguagem que alcance o outro.
Assim, a interpretação deve encontrar a linguagem correta se quiser fazer com que o texto
realmente fale. E esta linguagem comum deve ser alcançada à medida que o operador do
Direito, na análise dos casos judiciais, interpela-se pela questão; diante de seu estranhamento,
inicie fazendo questionamentos de forma a saber ou saber mais sobre a questão e, somente
332
A importância da linguagem: Acontece que a compreensão da linguagem não se reduz à captação intelectual,
por um sujeito, de um contexto objetivável e isolado; ela resulta também, da mesma forma, da pertença a uma
tradição em continuada formação, isto é, da pretensa a uma conversação, a partir da qual, unicamente, o que
foi expresso adquire para nós consciência e significado. Id.Ibid., p.197.
333
Sobre esta necessária análise do conjunto de seres vivos e de suas condições vitais, ver BOFF, Leonardo.
Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Op. cit., p.18, in verbis: Quer dizer: o que se visa não é o meio
ambiente, mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode ser visto isoladamente como um mero representante
de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre em relação ao conjunto das condições vitais que o
constituem e no equilíbrio com todos os demais representantes da comunidade dos viventes em presença (...).
Não se pode esquecer do efeito em cadeia que um dano ambiental pode ocasionar aos diversos ecossistemas, já
que todos estão intrinsecamente interligados. Um ambiente degradado afeta todo o ecossistema planetário,
conforme visto no capítulo 1: chuvas ácidas, falta de água potável e outros.
334
A respeito da linguagem e de uma interpretação mediadora, ver Verdade e Método I – Traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica, Op. cit., p.514/515: O caráter expressivo da linguagem, que a compreensão
ganha na interpretação, não gera um segundo sentido além do que foi compreendido e interpretado. Na
compreensão, os conceitos interpretativos não se tornam temáticos como tais. Ao contrário, determinam-se
pelo fato de se ocultarem atrás do que eles trazem à fala na interpretação. Paradoxalmente, uma
interpretação é correta quando é suscetível desse ocultamento. E, no entanto, também é certo que ela se
apresenta enquanto destinada a desaparecer. A possibilidade de compreender depende da possibilidade dessa
interpretação mediadora.
182
assim, pré-compreendidas e na alteridade do texto, entender o que os signos querem dizer no
contexto para, a partir disso, encontrar a solução dada e requerida pelo caso ambiental. Isso é
importante na medida que essa mediação com a linguagem não é para o outro, mas sim para
si, de forma a experienciar-se no assunto e abrir-se para os novos que estão por vir.
A respeito, cabe dizer que a expressão ‘efetivação do direito fundamental ao meio
ambiente’ somente possui sentido à medida que analisada dentro de uma Constituição de
cunho compromissório, de forma a legitimar o Estado Democrático de Direito. Quando se
quer responsabilizar alguém pela poluição e degradação ambiental, se quer encontrar soluções
para que o risco seja afastado, na medida em que a responsabilização torna-se exemplo para
os demais, desestimulando-os a fazer o mesmo. Portanto, o sentido da palavra não pode ser
separado do acontecer (...). O caráter de acontecer faz parte, antes, do próprio sentido
335
.
As palavras que se apresentam, além de contextualizadas, serão a base da
interpretação do texto emanado, transformando-se em norma aplicada, mas sempre adaptada
ao constante progresso, tanto dos conhecimentos científicos quanto das técnicas relacionadas
ao meio ambiente. E nesse sentido François Ost
336
bem explica quando diz que os princípios
de respeito da legalidade e da segurança jurídica não poderão sair indemnes deste
embrandecimento das normas, em que a iniciativa é freqüentemente delegada do legislador à
administração, e cujo conteúdo é objetcto de uma revisão contínua.
Assim, a linguagem não é somente um dentre muitos dotes atribuídos ao homem que
está no mundo, mas serve de base absoluta para que os homens tenham mundo, nela se
representa mundo
337
. Ocorre que o ‘mundo’ (que não é o circundante, já que pode ser
atribuído a todos os seres vivos) só é ‘mundo’ porque com o homem se relaciona e está posto
frente a ele, sendo, portanto, a própria representação da linguagem.
Da mesma maneira, o meio ambiente e todas as suas relações assim são determinadas
335
Id.Ibid., p.551
336
Op. cit, p.115.
337
Ver GADAMER, Hans Georg., em Verdade e Método I – Traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica, Op. cit., p.570. E continua (p.573): Quase já não se pode contestar que o que caracteriza a relação
do homem com o mundo, em oposição a todos os demais seres vivos, é a sua liberdade frente ao mundo
circundante. Essa liberdade implica a constituição de mundo que se dá na linguagem. Um faz parte do outro.
Elevar-se acima das coerções do que vem ao nosso encontro a partir do mundo significa ter linguagem e ter
mundo.
183
como linguagem e devidamente contextualizadas e vividas, com base na tradição existente, já
que é por meio da linguagem que o homem revela todo o seu ser e o seu comportamento
frente ao mundo e, mais especificadamente, à questão ambiental.
O mundo, o meio ambiente e a Constituição não se tornam objeto da linguagem, mas,
ao contrário, já se encontram inseridos neste horizonte global. E, pelo que visto no capítulo 2,
esta linguagem ainda não foi internalizada e por isso não consegue ser compreendida quando
aplicada aos casos judiciais, sendo, por fim, mais este um dos motivos pelos quais ocorre a
inefetividade do direito ao meio ambiente e, por sua vez, a sua compreensão inautêntica.
Por tudo isso, é necessário que o ser humano se conscientize
338
de que sua participação
na história da humanidade e do seu futuro é decisiva, de que o meio ambiente é e faz parte
dela, já que o homem é formado pelos mesmos elementos biológico-físico-químicos que
regem a vida da Terra, além de nela viver e de que sem ela não haverá a continuidade da vida.
Além disso, deve buscar o sentido do seu ser
339
, porque só assim, conseguirá entender que as
338
A importância da consciência ambiental está bem caracterizada por SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de
Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2003, p.3: A consciência ambiental está intimamente ligada à
preservação do meio ambiente. A importância da preservação dos recursos naturais passou a ser
preocupação mundial e nenhum país pode eximir-se de sua responsabilidade. Essa necessidade de proteção
do ambiente é antiga e surgiu quando o homem passou a valorizar a natureza, mas não de maneira tão
acentuada como nos dias de hoje. (...) A evolução do homem foi longa até atingir uma consciência (...) da
necessidade da preservação do meio ambiente(...) Não por causa das ameaças que vem sofrendo nosso
planeta, mas também pela necessidade de preservar os recursos naturais para as futuras gerações. Apesar de
se concordar com esta mudança de paradigma e da existência de uma maior consciência ambiental (tanto do
Estado quanto da Sociedade Brasileira), ainda falta muito para se chegar ao ponto em que não haja mais a
preocupação com o equilíbrio ecológico e com a continuidade da própria vida. Isso porque se percebe a falta
de maiores ações em prol do meio ambiente, representadoras desta alteração paradigmática. Constata-se, da
mesma forma, a ausência de um maior entendimento sobre o conteúdo constitucional e de que este somente é
se lhe for atribuído sentido e isso se dá na análise do caso em concreto e nos atos de proteção. Por tudo isso, é
preciso agir já!.
339
A respeito dessa participação da sociedade, cabe citar a leitura da Resolução da Conferência de Estocolmo de
1972: O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente que lhe dá sustento físico e lhe
oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. A longa e difícil
evolução da raça humana no planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da ciência e da
tecnologia, conquistou o poder de transformar inúmeras maneiras e em escalas sem precedentes o meio
ambiente, natural ou criado pelo homem; é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para o gozo dos
direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida. Entretanto, é necessário que o homem
busque o seu ser, compreenda ser Dasein (ser aí), ser sujeito de direito de dignidade e da abrangência deste
próprio sentido. Para que isso ocorra, deve entender que se torna instrumento de realização desta dignidade. A
respeito, vale citar SILVA FILHO, José Carlos Moreira da, Op. cit., p.387: Logo, para que o ser aconteça em
sua propriedade, é necessário que, antes, exista o homem, daí se inferir que o respeito à dignidade humana é
uma questão ao mesmo tempo ética e ontológica, é uma decorrência necessária da própria busca do ser.
Entretanto, esta alteração ética se dará para cada ser, conforme continua o autor (p.224): (...) quem terá que
decidir sobre isto é cada um na solidão de suas decisões. A correção ética viria de modo como se chegou a
esta decisão: na angústia ou na fuga. No caso do meio ambiente, a angústia certamente pode advir da
visualização do risco e do perigo que a qualidade de vida dos homens na terra está a sofrer. É a visualização de
um possível futuro.
184
atitudes de hoje, boas ou más, terão reflexos na realidade do amanhã, sobre a vida e a
dignidade da presente e das futuras gerações, contribuindo para que a natureza não continue
perdendo seus recursos naturais e sua capacidade regenerativa.
Entretanto, se não há um conhecimento da linguagem ambiental, como será possível
interpretá-los? Diz-se isso, porque, quando se entende que um animal silvestre capturado ou
morto não possui, por si só, condições de afetar o equilíbrio do meio ambiente (todos os casos
do tópico 2.3.2, p.113/122, da seção anterior), se constata a não interpelação da existência da
chamada cadeia alimentar, que possui a característica de ser linear, e que, portanto, a redução
de animais localizados no meio desse ciclo acarretará no aumento do número daqueles que
eram por eles alimentados e, por sua vez, na diminuição daqueles que deles se alimentavam.
É imprescindível uma alteração cultural que reflita em ações positivas do homem, em
prol do meio ambiente e, finalmente, no entendimento do fenômeno da compreensão
ontológica por parte dos operadores do Direito, a fim de que possam implementar os valores
democrático-constitucional-ambientais de proteção do equilíbrio ecológico.
185
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tratando-se de meio ambiente e fazendo-se uma relação entre o sistema solar, o
ecossistema terrestre, o ciclo da vida humana e o próprio processo de experiência
hermenêutica, tem-se que os mesmos podem ser expressos por uma espiral. Ocorre que a
Terra gira em torno do Sol, em um sistema planetário cuja estrutura está embricadamente
formada.
O ecossistema terrestre é formado por diversos outros ecossistemas, e a alteração de
um dos seus elementos desequilibra todos os demais, podendo-se representá-la pelas
expressões ‘efeito em cadeia’, ‘efeito borboleta’ ou ‘efeito dominó’. O ser humano nasce,
cresce, vive e morre, retornando à terra, dela gerando frutos e vida para outros seres.
Por fim, o fenômeno ontológico, formado pela compreensão, interpretação e aplicação
(em um processo unitário), é identificado pelo chamado ‘círculo hermenêutico’, cujo ponto de
partida é o mesmo de chegada, mas com um passo à frente, a partir de um novo horizonte de
sentido.
Nesses processos, há idas e vindas, em um eterno recomeçar diferente, não baseado
somente em passado, mas em presente também, com novas e constantes transformações para
um futuro melhor e diferente que está sendo construído e escrito e, por isso, produzindo
sentidos. Diante disso, torna-se necessário o conhecimento da historicidade do meio ambiente,
da Constituição Federal e dos objetivos do Estado Democrático de Direito.
A tradição ambiental é marcada por diversos desastres ocorridos nos âmbitos
186
nacional e internacional e por uma intensa e crescente degradação da natureza, tanto em seu
sentido quantitativo quanto qualitativo. Visualizam-se hoje as suas conseqüências, como as
alterações climáticas, a poluição atmosférica, dos solos, das águas, o desflorestamento, as
conseqüentes desertificações. Associado ao modelo econômico escolhido e ao
desenvolvimento industrial desenfreado, em que a preocupação com a sustentabilidade é
relegada a um segundo plano, vive-se hoje em uma sociedade de risco.
Nesse prisma, os paradigmas foram sendo alterados, pois a certeza transmudou-se para
o risco e o perigo, a preocupação não é mais somente com a geração presente, mas
solidariamente também com a futura, os reflexos local e individual dos danos desvelam-se de
afetação global e difusa, bem como ao lado do princípio da prevenção existe hoje o
constitucional-ambiental da precaução.
Diante da preocupação internacional, da elevação do meio ambiente a status de direito
humano e visando o Brasil melhor prevenir a degradação, foi inserido um capítulo sobre o
meio ambiente na Constituição Federal de 1988, reflexo da transformação valorativa da
Sociedade Brasileira e do Estado, já que este direito humano foi internalizado como um bem
fundamental a ser preservado.
Implementando o Estado Democrático de Direito, identifica-se a busca pela
substancialidade do texto constitucional, a importância dos princípios jurídicos existentes,
bem como do papel do Poder Judiciário na aplicação destes sentidos.
Para tanto, a Jurisdição Constitucional com seus instrumentos jurídicos, como a Ação
Civil Pública, a Ação Popular, a Declaração de Inconstitucionalidade difusa e abstrata, a
Declaração de Nulidade Parcial sem Redução de Texto, bem como a Interpretação conforme a
Constituição, são exemplos de condições de possibilidade para um maior acesso da sociedade
à Justiça e uma forma de busca de efetividade na tutela desses direitos.
Entretanto, a relação entre o meio ambiente, o texto constitucional, os objetivos
compromissórios, os elementos democráticos, os princípios correlatos, o conteúdo da
legislação infraconstitucional ambiental, bem como a atuação protetiva do meio ambiente
187
pelas diversas esferas de poder, não podem ser entendidos como se por si só pudessem gerar
sentidos e serem efetivos. Essa produção somente é realizada pela sua aplicação, em um
contexto de um caso concreto, a ser analisado pelo operador do Direito, por meio da sua
interpretação, compreensão e aplicação.
Apesar de existir todo este aparato técnico, jurídico, constitucional e ecológico,
percebe-se que há uma dificuldade em desvelá-los, além de estar baseado em uma
compreensão inautêntica, ou seja, permitindo que percepções primárias venham à tona sem
que sejam consideradas as especialidades e particularidades que a circunstância indica.
Nesse sentido, se constata a ausência de compreensão da própria experiência
interpretativa da Constituição em relação ao meio ambiente, gerando, por conseqüência, a
inefetividade do direito ao equilíbrio ecológico.
Na existência da horizontalidade dos direitos fundamentais, percebe-se que o
problema da compreensão afeta a sociedade brasileira, pois esquecendo da sua intensa e
necessária relação com o meio ambiente, ainda age de forma atentadora contra ele, razão pela
qual o homem produz e sofre as conseqüências maléficas de sua própria ação.
Da mesma forma, a incompreensão de todo o alcance do texto constitucional em
relação ao equilíbrio ecológico e seus desdobramentos e dos objetivos democráticos, está
presente no atuar do Estado, em seus níveis de Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.
No Executivo, são insuficientes as políticas públicas para realizar o projeto de inclusão
social aliado à proteção da natureza, bem como os aparatos instrumental e humano, capazes
de dar maior efetividade à fiscalização das atividades potencialmente causadoras de
degradação ambiental, bem como a efetivação das competências constitucionais materiais.
Quanto ao Legislativo, ainda são produzidas leis infraconstitucionais incompatíveis
com a importância do objeto protegido (Lei nº 9099/95), pois estão a violar a cláusula de
proibição de proteção deficiente de bens com status fundamental, como é o meio ambiente.
188
E, por fim, quanto ao Judiciário, verificam-se problemas de compreensão de seu novo
papel, mais intervencionista, de busca pela substancialidade do texto constitucional e de
efetividade dos direitos fundamentais, sendo estes apenas alguns dos exemplos identificados,
mas que não esgotam o tema.
Dentre estas funções exercidas e diante de todo este cenário social, político e jurídico,
adquire uma importância singular a atuação do Poder Judiciário, dos intérpretes, da própria
aplicação da Jurisdição Constitucional e do Direito. Desse modo, indicadas algumas decisões
com fundamentos contrários à questão da proteção ambiental, restou identificar os
fundamentos inautênticos dessa experiência hermenêutica judicial, sendo ela condição para
conhecer o problema da inefetividade do conteúdo constitucional e encontrar novos caminhos.
Para tanto, a compreensão da matriz teórica, criada por Heidegger e desenvolvida por
Gadamer, possui imensa importância na identificação destas questões. Isso porque, por meio
do conhecimento da tradição, da fusão de horizontes, da consciência histórico-efeitual, dos
valores e paradigmas, da aplicattio, da diferença ontológica e também da linguagem
constitucional-ambiental, desvelam-se essas possibilidades.
Nesse sentido, verifica-se que os julgamentos colacionados sobre as questões
relacionadas ao meio ambiente trazem consigo fundamentos que não coincidem com o
modelo de Estado Democrático de Direito e de Constituição vigentes, que buscam a
efetividade de sua substancialidade.
Ao revés, muitos deles estão baseados em paradigmas racional-individualistas próprios
de um Estado Liberal e que estão por ir de encontro ao sistema protetivo ambiental, velando e
impedindo o acontecer do conteúdo constitucional e, por conseqüência, dos direitos
fundamentais, mais especificadamente, o relacionado ao meio ambiente.
Essas incompatibilidades podem ser identificadas sob prismas diferentes, como por
exemplo, em relação às técnicas de interpretação, à prática processualística aplicada, à
compreensão sobre a Constituição e à ausência de um posicionamento crítico por parte dos
operadores do Direito.
189
Quanto à metodologia interpretativa, destaca-se, por exemplo, a utilização de técnicas
como a literal, a sistemática, a histórica e a gramatical, que acabam por velar os sentidos do
que se quer entender, pois não são compreendidas no seu todo. O mesmo acontece com a
subsunção do fato à norma, em que há a desconsideração da necessária imbricação entre o
mundo da vida, as normas e seus valores, bem como da existência de uma diferença
ontológica entre texto e norma, em que o texto de uma norma ambiental deve ser interpretado
para ser aplicado como norma, relacionando-o com as peculiaridades do caso em concreto.
Vela-se, portanto, o sentido do próprio caso e que teria um resultado bastante
produtivo se feito mediante constantes questionamentos que buscassem a confirmação da
legislação infraconstitucional conforme o conteúdo da Constituição e os objetivos do Estado
Democrático de Direito. Para poder realizar este processo de perguntas e respostas, a fim de
que o texto constitucional possa desvelar a resposta, deve-se compreender a linguagem
constituinte e ambiental em que o operador do Direito já está inserido, já que é ser-no-mundo.
Ou seja, as palavras que se lhe apresentam por meio da linguagem devem ser
contextualizadas, de forma a transformar o texto lido em norma aplicada, sendo esta a
necessária produção de sentido a que a proteção do equilíbrio ecológico está a necessitar.
A inserção dos intérpretes no fenômeno da compreensão ontológica seria uma abertura
para o conhecimento dos elementos que o permeiam, colaborando na construção de novas
condições de possibilidade para a tutela do meio ambiente. Isso porque, na medida em que
essa hermenêutica não é compreendida e nem internalizada, a historicidade ambiental, a
relação intrínseca existente entre o meio ambiente e o ser humano, o conteúdo constitucional,
os princípios ambientais e a legislação infraconstitucional, acabam por ser relegados a um
segundo plano, gerando sua ineficácia, conforme visto nas decisões judiciais do capítulo 2.
Corroboram com tais fundamentos os julgados em que animais silvestres, muitos em
extinção, são abatidos ou capturados sem a respectiva responsabilização daqueles que assim
procedem; áreas de preservação permanente têm sua degradação autorizada ou sua
regeneração impossibilitada, sem a devida reconstituição, compensação ou indenização;
diversas atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental obtêm autorização de
190
funcionamento sem o competente licenciamento ambiental, nem mesmo a apresentação do
EIA/RIMA; muitos danos ambientais decorrentes de omissões dos órgãos estatais
competentes não têm sua recuperação determinada.
Por outro lado, identifica-se a utilização reiterada de práticas processuais tradicionais
sem que sejam adequadas à nova realidade do sistema jurídico-constitucional, dos danos (de
afetação transindividual), de aplicação da tutela constitucional do processo (para o fim de
garantir o exercício dos direitos fundamentais), bem como da postura do julgador (que deve
buscar a compreensão da questão posta e a efetivação do conteúdo constitucional).
Pretendendo-se alcançar uma certeza jurídica para elas, bem como desafogar a enorme
quantidade de processos em tramitação perante o Poder Judiciário, utilizam-se óbices formal-
processuais que impedem a discussão mais aprofundada das questões postas, a produção de
sentido da Constituição Federal e dos fatores que versam sobre a proteção do meio ambiente.
São os casos, por exemplo, dos argumentos de aplicação da ‘jurisprudência
dominante’ e das Súmulas que, além de tornar estes entendimentos estandartizados, como se
fossem fundantes e universais, com a pretensão de resolver todos os outros casos,
obstaculizam os recursos judiciais para os Tribunais Superiores, impedindo uma melhor
compreensão sobre o tema versado.
Dessa forma, utilizando a idéia cartesiana do método, preocupam-se com a decisão e
com o procedimento, não analisando os fundamentos do conteúdo e a efetividade dos direitos,
exigências de uma nova teoria da constituição.
Já no que se refere à compreensão da Constituição, percebe-se que não há um
entendimento sobre o seu papel e a sua importância, bem como uma pré-compreensão sobre o
seu próprio sentido, sendo um reflexo da sua historicidade, em que seguidamente foi colocada
em segundo plano.
Isso porque é bastante comum a utilização de legislações infraconstitucionais
anteriores à própria Constituição vigente, sem que se realize a necessária filtragem pela
191
substancialidade do seu conteúdo, para o fim de afastar as inconstitucionalidades e
incompatibilidades existentes, que colaboram no não acontecer da proteção ambiental.
Diante de tudo isso, esses julgamentos colacionados com fundamentos contrários aos
de proteção do meio ambiente, apesar de não ter a pretensão de fotografar uma realidade, mas
sim a existência de uma pré-compreensão inautêntica em seus argumentos, já expressam a
idéia de crise de efetivação do texto constitucional. Exatamente porque ainda não entendida
como constituidora da sociedade e, ao mesmo tempo, instrumento de sua própria
concretização, bem como fundamento da sua substancialidade, a ser constantemente
interpretada para que o seu conteúdo seja construído na relação com o caso analisado.
Indica-se, ainda, a existência do entendimento pela negação da possibilidade de o
Poder Judiciário analisar a materialidade e o procedimento dos atos dos Poderes Legislativo e
Executivo, sob o argumento da independência entre os poderes, bem como da
discricionariedade dos atos.
Como conseqüência, constata-se a predominância de disposições aleatórias sobre o
conteúdo da Constituição que ocasionam a inefetividade da proteção do meio ambiente, a
violação de cláusula de proibição de proteção deficiente de bens fundamentais, a degradação
ambiental, além da não utilização de princípios ambientais, como os da precaução, da
prevenção, do desenvolvimento sustentável e da responsabilização.
Não se pode esquecer ainda da constatação de um posicionamento acrítico existente,
em que não são analisadas as alterações do sistema jurídico, dos valores da sociedade, do
novo papel a ser exercido pelo intérprete do Direito e pelo Poder Judiciário. Identifica-se a
manutenção de um pensamento racionalizador (idéias positivas prevalecentes), em que não há
uma maior preocupação com a compreensão do sentido daquilo que está sendo decidido e dos
reflexos que isso pode ter em seus diversos planos.
Como exemplo, pode-se citar as conseqüências ambientais da manutenção da exclusão
social de grande parte da população brasileira, da inefetiva fiscalização das atividades
potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, da extinção de diversas espécies
192
de fauna e de flora, da não aplicação das responsabilidades civis e penais sobre os agentes
causadores do desequilíbrio ecológico, dentre outros.
Ocorre que a realização de críticas aos fundamentos e vícios do sistema, baseadas em
problemas reais do ‘mundo da vida’, é necessária, porque todo o entendimento sobre algo
implica, necessariamente, em uma crítica comprovadamente embasada.
Essas discussões colaboram na realização dos questionamentos que direcionam a
distinção entre pré-juízos autênticos e inautênticos, para buscar o seu afastamento e, por
conseqüência, o nascimento de um compreender em um novo horizonte de sentido sobre a
Constituição, o Estado Democrático de Direito e a tutela protetivo-ambiental.
Para tanto, é preciso aplicar o processo de velamento e desvelamento, para o fim de
dar abertura à clareira da compreensão: velar os paradigmas tradicionais, como o sentido
comum teórico, as inautenticidades, as técnicas interpretativas e processuais que impedem o
acontecer produtivo da compreensão e, por outro lado, desvelar os elementos de concretização
do direito fundamental ao meio ambiente, amparado pelas idéias de democracia,
substancialidade, dirigismo constitucional, Jurisdição Constitucional, princípios ambientais e
normas efetivadoras.
É necessário, portanto, que o Estado e a sociedade brasileira façam uma devida
reflexão sobre todos estes elementos para perceber a necessidade de ações positivas em prol
do meio ambiente, bem como de implementação dos instrumentos jurídicos disponibilizados
para a tutela dos direitos fundamentais, compreendendo o papel da Jurisdição Constitucional,
do conteúdo da Constituição Federal e dos objetivos Democráticos.
Tudo isso, para o fim de efetivar os direitos constitucionais à vida e à dignidade da
pessoa humana, diretamente relacionados com o direito ao equilíbrio ecológico, buscando
construir um futuro melhor para a sociedade, por meio da proteção ambiental.
Realizando essas reflexões, chegar-se-á à conclusão de que embora o Poder Judiciário
tenha este papel de imensa importância na Democracia Brasileira não pode ser considerado
193
como a última ‘ratio’, detentor de todo o poder de proteção ambiental.
Antes deve sim ocorrer uma alteração cultural da sociedade brasileira para, ao final,
caber ao Poder Judiciário o julgamento de casos remanescentes, como de empresas e/ou
pessoas que ainda entendem, inautenticamente, que o lucro financeiro (material) vale muito
mais que uma reserva florestal ou um ecossistema equilibrado (vida). Por conseqüência,
oportunizará que a experiência hermenêutica seja constantemente internalizada, para melhor
compreender, interpretar e aplicar a tutela constitucional-ambiental, que exige efetividade.
194
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